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A QUESTÃO DE GÊNERO NAS RELIGIÕES AFRO-BRASILEIRAS

Em 1938, a antropóloga norte-americana Ruth Landes veio ao Brasil fazer uma pesquisa sobre os
negros baianos, resultando no livro A Cidade das Mulheres (1947), onde faz as seguintes
colocações : a) Candomblé é, antes de qualquer coisa “assunto de mulher”; b) a presença de
homossexuais (principalmente masculinos) é maciça no Candomblé. Para Landes, somente as
mulheres são capazes de cuidar adequadamente dos Orixás, e o serviço sacerdotal torna os
homens menos viris. Assim, os papéis de sacerdote nas religiões afro-brasileiras ficariam
reservados às mulheres: apenas elas podem ocupar os cargos mais altos na hierarquia religiosa:
a possessão dos orixás é um assunto restrito às mulheres.

Os homens que freqüentam a religião e desejam subir na hierarquia precisam estar identificados
com papéis femininos, em especial o papel de “mãe de santo”. Como desempenhar papéis
femininos não interessa aos heterossexuais, os praticantes do candomblé seriam,
obrigatoriamente, homossexuais. Para ela, apenas a feminilidade pode servir aos deuses: “todos
os homens considerados normais na Bahia continuaram, pois, excluídos. Somente um grupo
preenchia os requisitos “. (Landes, op.cit., p. 326).

Esse grupo, para ela, é o dos homossexuais passivos, que na época, seriam recrutados ente os
prostitutos, os bandidos e os malandros de Salvador. A entrada deles no Candomblé se dava
principalmente pelo desejo de “realizar “ fantasias homossexuais passivas (...) pois o homens
dança com as mulheres no papel de mulher, usando saias e agindo como médium”. (Landes, p.
327)

A estruturação do Candomblé baiano na época permitia afirmações como essas, pois as principais
cas, de fato, eram dirigidas por mulheres. Também, Landes não foi a primeira a escrever coisas
dessa espécie, pois frases semelhantes já apareciam nos livros de seu grande mentor intelectual,
Edison Carneiro.

Desde a publicação de A Cidade das Mulheres, outros estudiosos tentaram refutar a posição de
Landes, defendendo o candomblé da acusação de ser uma religião de mulheres, e de dar guarida
a homossexuais. Para tanto, muitos pesquisadores foram à história da África, demonstrando que
em suas origens as religiões africanas permitem que tanto homens quanto mulheres exerçam a
possessão e altos cargos hierárquicos. Mesmo assim ficou estabelecido nos meios acadêmicos
que essa relação entre homossexualidade e candomblé está absolutamente provada, sendo
desnecessário discutir novamente a questão. Assim, muitos livros e artigos escritos por
pesquisadores acadêmicos trazem essas afirmações.

Podemos resumir essas posturas universitárias da seguinte maneira: candomblé é um ofício de


mulher, essencialmente doméstico e maternal; a única maneira de um homem ter papel
preponderante na hierarquia seria assumindo atitudes femininas,pela perda da virilidade ou
sendo homossexual: homens heterossexuais poderiam ocupar apenas cargos como ogãs. Mesmo
assim, para muitos pesquisadores os cargos de ogãs (como alabês ou axogum) são menores,
pois uma mãe de santo pode “alugar” ou “emprestar” de outros terreiros ogãs que toquem
atabaques: ou ela mesma pode oficiar os sacrifícios na ausência de ogãs “ de faca”.

Alguns pesquisadores vão além e afirmam que o processo ritual de “feitura de santo” e possessão
pelos Orixás provoca a desvirilização dos adeptos de sexo masculino. Mais: alguns pesquisadores
suspeitam que zeladores de orixás mal intencionados podem usar feitiços poderosos que incidem
sobre a masculinidade dos homens. A folha de catioba, colocada virada ao contrário sob a esteira
do homem em iniciação, além de ajudar a “fixar” o santo no ori do neófito, daria a esse
simultaneamente uma outra característica fundamental, uma nova condição de gênero. Ou seja,
a iniciação permitiria aos homens ao mesmo tempo “ virar no santo” e também “ virarem bichas”
( teoria desenvolvida por P. BIRMAN na obra citada na bibliografia final).

É a possessão pelos Orixás o que define os gêneros no Candomblé: quem “ recebe o santo” é do
sexo feminino; quem “não incorpora” é masculino. Ou seja: as “filhas de santo” são femininas; os
ogãs são masculinos: os “filhos de santo rodantes” são “bichas”; as ekedes, na maioria tendem

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ao lesbianismo.

Resumindo as posições desses pesquisadores, podem dizer que: a) os candomblés baianos mais
antigos, no começo do século XX, evitavam fazer o santo a homens; b) homens “feitos no santo”
são femininos; c) as estatísticas mostram que, em geral, são filhos de Iansã; d) pelas
características da Orixá, as filhas de Iansã apresentam vida sexual intensa e se entregam a todos
os homens que encontram; e) esses homossexuais adotam condutas totalmente femininas,
usando maquiagem e trejeitos típicos de mulheres; f) os rituais religiosos em si desvirilizam os
homens; g) a essência do Candomblé é desvirizante; h) há ervas que podem o gênero de
homens heterossexuais em rituais secretos; i) zeladores de santo mal intencionados podem
mudar o gênero de seis filhos de santo, Segundo alguns pesquisadores, mesmo qe essas
conclusões não sejam explicitamente faladas nas roas, são coisas que “todo mudo sabe”.

Vamos discutir esses pontos.

Com relação à questão da iniciação de homens no Candomblé anog, o livro de Pai Angenor
Miranda nos informa que a primeira casa de Candomblé Berta no Rio de Janeiro era de um pai de
santo, João Alabá, filho de Omulu; pouco depois Cipriano Abedé, de Ogum. Não precisa a data,
mas situa antes de 1926 a fundação da casa de Benzinho Bamboxê, de Ogum, e de Virgilio de
Iansã, pai de santo do morro de São Carlos. Em nenhum momento Pai Angenor discute a
orientação sexual desses zeladores, pois o importante para ele é a genealogia em relação às
casas primitivas que deram origem ao Candomblé moderno (Engenho Velho, Ilê Axé Opô Afonjá,
Gantois).

Em sua história do Axé Opô Afonjá, Mestre Didi escreve que “ (em 1911), Yiá Oba Biyi já havia
iniciado por suas próprias mãos 23 pessoas (...) e nais 20 homens” (D.. dos SANTOS, p. 11),
afirmação inteiramente contrária à de Landes de que no antigo candomblé baiano as mães de
santo não “faziam” homens. Mestre Didi também não toca nas questões de sexo.

Sobre a filiação dos adés a Iansã, lembraríamos que dos zeladores de orixás citados por Pai
Agenor apenas um é de Iansã; os outros são de Omulu e Ogum. Lembraríamos ainda que a
relação entre a personalidade individual do adepto e a personalidade do Orixá regente não é
automática. Na verdade, a noção de “pessoa” no Candomblé obedece a uma dupla articulação
entre a personalidade individual e o Orixá que “desce” sobre o adepto, ou seja, uma dupla
articulação que inclui o profano (psicológico) e o sagrado (tipologia do Orixá). Assim, é
impossível afirmar que as filhas de Iansã se entregam a todos os homens que encontram .

Em primeiro lugar, mesmo que a promiscuidade (conforme as lendas) fosse um atributo da


Orixá, as filas de Iansã possuem sua própria personalidade, sua ética e moral particulares,
podendo utiizar do livre arbítrio para realizar escolhas em suas vidas, o que inclui os homens a
quem se entregam. Em segundo lugar, as filhas de Iansã não passavam a vida“viradas”no santo,
pelo contrário, a maior parte do tempo não estão incorporadas; portanto, suas ações são
decididas em estado de plena consciência ou seja, sob o influxo de as personalidade individual.
Em terceiro lugar, quando “possuídas”, as filhas de santo executam apenas atividades religiosas,
sendo que qualquer contato sexual nesse estado não apenas não faz parte de nenhum ritual
religioso como é terminantemente proibido pelas normas rituais e de comportamento moral do
Candomblé.

Finalmente, essa afirmação gera uma questão teológica interessante, pois inclui um julgamento
em relação à natureza do Deus supremo dos iorubas, Olorum.

De fato, sendo os Orixás uma emanação, uma derivação direta de Olurum para criar, cuidar e
orientar os seres humanos, a afirmação implica que Deus gera uma energia (Iansã) que, ao
atingir os seres humanos, torna as mulheres promíscuas e os homens homossexuais.

Muitos pesquisadores parecem se esquecer que o Candomblé é uma religião e os Orixás são

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manifestações diretas do Ser Supremo. A observação sociológica parece ser mais importante que
o significado religioso e isso conduz a conclusões erradas. Muitos pesquisadores se esquecem de
confrontar suas pesquisas com o “corpo sagrado” do Candomblé, os mitos e as práticas religiosas
que nos separam.

É a esse tipo de cuidado que José Beniste e Pierre Fatumbi Verger chamam a atenção quando
afirmam que as conclusões sobre o Candomblé não podem obedecer apenas à lógica do raciocínio
mas precisam estar de acordo com o corpo teológico e ritual como um todo. Ou seja: todas as
conclusões são possíveis enquanto idéia, nem as conclusões são verdadeiras enquanto religião.

Quando um pesquisador afirma que os ritos de iniciação e a possessão são em si desvirilizantes e


produtores de homossexuais, está se esquecendo qual é o objetivo dos ritos e da possessão:
permitir que os Orixás se manifestem no meio dos humanos.

O homem iniciado não é um ser sexuado no momento do transe, é verdade, mas não porque
tenha perdido sua virilidade, mas simplesmente porque, naquele momento, não é ele quem está
presente, mas a Divindade. Para qualquer adepto do Candomblé, é o Orixá quem está presente,
quem se veste com as roupas rituais e que executa as danças específicas. Vestir o Orixá com as
melhores e mais caras roupas corresponde ao primitivo impulso humano de oferecer aos seu
Deus o melhor possível, assim como dançar da forma correta, para que o Deus esteja feliz e seu
axé caia sobre todos os presentes. Cantar a plenos pulmões as palavras corretas, para que o
Deus seja louvado como merece. Estas são obrigações rituais que todos devem obedecer, e não
são os desejos de homossexuais passivos querendo “aparecer” (embora isso também possa
acontecer em alguns casos).

Quanto aos ritos de iniciação, é claro que não mudam a orientação sexual dos homens. Por mais
eficazes que sejam as folhas de Ossain, não há registro, em toda a história da antropologia, de
ritos que produzam homossexuais; nem registros científicos que permitam afirmar que uma
simples folha colocada sob um homem adormecido roube sua virilidade. Se tal fosse verdade,
sem dúvida existiria sua contrapartida mágica, a “cura” da homossexualidade, para alegria das
diversas igrejas conservadoras e sociedades fundamentalistas machistas.

Em segundo lugar, essa afirmações partem de um perigoso julgamento sobre o caráter dos
zeladores de orixás. Não negaremos a existência de péssimos sacerdotes mas lamentamos que
muitos pesquisadores percam a oportunidade de mostrar um rosto mais positivo dos pais de
santo e, em conseqüência, do próprio Candomblé.

O grande problema é que muitos pesquisadores não são adeptos do Candomblé, e olham para
nossa religião com olhos condicionados por suas próprias crenças. A visão de mundo que orienta
o Candomblé não é judaico-cristã, mas africana. E, para as religiões africanas, a conduta sexual
de seus adeptos não é alvo de repressão. Mais que isso: a visão africana não condena
especificamente as práticas homoeróticas . (conforme as lendas), Nossa religião permite a
convivência dos individuos portadores das mais variadas orientações sexuais.

Talvez a questão “por que há tantos homossexuais no Candomblé” seja preconceituosa desde sua
formulação. Por que não homossexuais no Candomblé? Por que a presença de homossexuais
onde quer que seja precisaria ser explicada? Talvez seja muito mais interessante a abordagem
pelos aspectos sociais..

Landes afirma que os homossexuais que encontrou no Candomblé eram efeminados, passivos e
desejosos de viver uma experiência feminina. Ora, quais ambientes da provinciana, patriarcal,
machista Salvador da década de 1930 aceitaria tais seres humanos? A vida dos homossexuais em
geral e dos desejosos de se vestit de mulher em particular deveria ser muito difícil naquele
momento histórico. Não parece uma solução viável a adesão a um credo religioso que tolerasse
esses desejos? O Candomblé provavelmente foi um ambiente acolhedor (apesar dos preconceitos
individuais e dos movimentos daí gerados para impedir o acesso de tais adeptos a altos cargos

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eclesiásticos).

Concluímos que, no estudo do Candomblé, muitos pesquisadores, inclusive muitas vezes bem
intencionados, produzem textos errados que contribuem não o para difundir idéias erradas sobre
nossa religião mas que reafirmam preconceitos antigos sobre nossas práticas.

Ainda teremos que lutar muito para o Candomblé seja reconhecido como é, uma religião bela e
que não faz a ninguém, muito pelo contrário, apenas leva para a frente a vida de seus adeptos.

Axé e que as bênçãos de Oxalá caiam sobre todos nós.

Autor:
Vicente Galvão Parizi
Psicólogo e pesquisador sobre as religiões afro,
É filho de Oxaguiã, no Ilê Axé Kalamu Funfun

A QUESTÃO DE GÊNERO NO CANDOMBLÉ

Eduardo David de Oliveira(1)


Marcilene Garcia de Souza(2)
Maria José da Silva S. Paula(3)

Introdução

O presente artigo intentará desenvolver sumariamente duas


questões: 1) Quais os principais conteúdos que diferenciam
a visão de mundo expressa pelo candomblé quando
comparado aos da cultura hegemônica e, 2) Como estes
conteúdos se manifestam na concepção de gênero presente
no candomblé.

A partir destas duas questões principais, trataremos de


problematizar uma gama de questões pertinentes a este
artigo, tais como as dificuldades de se fazer uma crítica à
cultura hegemônica, ou ao grande problema de, ao
intentarmos uma crítica ao modelo ocidental, não recair nas
mesmas estruturas que esse modelo propaga. Ou seja, como
não ser ocidental estando no ocidente? Vale ressaltar que as
problematizações bem como o desenvolvimento central do
trabalho será abordado de maneira sintética e com uma
bibliografia restrita. O objetivo é destacar os traços mais
importantes da visão de mundo africana, presentes no
candomblé, e atentar para as consequências que esta visão
de mundo traz à discussão sobre a questão de gênero.

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Por fim, primaremos por tecer algumas considerações
críticas em relação às questões abordadas, e indicações de
algumas possibilidades de pesquisa a partir desta
discussão(4).

I. Os principais conteúdos que diferenciam a visão de


mundo expressa pelo candomblé quando comparado
com as da cultura hegemônica.

Sabe-se que não é possível falar de uma cultura ocidental


assim como não é possível falar de uma cultura africana.
Não existe cultura ocidental nem cultura africana. O que
existe é uma infinidade de culturas ocidentais ou africanas,
das quais, mesmo com o risco de generalizações, é possível
identificar alguns traços comuns. O plural ao qual nos
remetemos é de extrema importância, pois à medida que
fugimos da tentação de ver a África como um todo unitário,
e, na medida em que abandonamos a ingênua noção de
homogeneidade ocidental, podemos avançar nas reflexões
acerca das culturas em questão, considerando não apenas
os aspectos geográficos, mas também, e principalmente, os
aspectos históricos e sociológicos. Não obstante, cremos ser
possível destacar alguns traços ou valores que estruturam
uma sociedade. Mas, é preciso insistir neste ponto a fim de
não obscurecer a questão: tais características gerais serão
abordadas desde uma perspectiva estruturante, isto é,
busca-se destacar os elementos que compõem uma certa
visão de mundo, sem no entanto pretender que esta visão
de mundo seja adotada por todas as pessoas ou grupos que
habitam esta determinada cultura. Assim, apesar de
compreender que existe uma grande diferença entre os
países da Europa e os países da América do Norte, cremos
ser possível identificar elementos estruturantes, criados
historicamente, que permeiam tais sociedades; sabemos,
entretanto, que no interior dessas sociedades não existe
uma homogeneidade de concepções de mundo, por
exemplo, há grande diferença entre os povos que vivem no
campo e entre os povos urbanos; entre os últimos, há uma
diversidade fenomenal de modos de vida diferenciados,
porém, todos esses modos de vida, de uma maneira ou de
outra, estão "subordinados" a um modelo padrão de cultura,
ao qual nos deter a fim de discutirmos sobre o ocidente e
sobre a cultura africana presente no candomblé.

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Privilegiaremos a tensão que se torna explícita entre a "visão
de mundo do candomblé" e a "visão de mundo ocidental". O
candomblé, uma espécie de síntese de alguns valores
civilizatórios africanos, ora está em conflito com o modo de
vida ocidental, ora o absorve. Este processo, mais
concomitante que simultâneo, permite-nos apontar para
duas questões: 1) em que medida a visão de mundo
inerente ao candomblé é capaz de apontar alternativas para
a crise do modelo ocidental, e 2) em que medida o
candomblé, ao absorver elementos da cultura ocidental, ao
adaptar-se à modernidade dos novos tempos, não perde
justamente os elementos estruturais de sua cosmovisão
africana.

Segundo Sueli Carneiro e Cristiane Cury(5):

Quando a sociedade capitalista ,


através das relações sociais de
produção que estabelece, reifica o
indivíduo, desumanizando suas
relações; quando propõe uma visão
individualizante de mundo,
destituindo núcleos comunitários
remanescentes de outros momentos
históricos; quando fundamenta uma
ciência que tem como função a
dessacralização da cultura, forjando
seu reino na terra, parece
significativo o fato do candomblé se
expandir vertiginosamente, levando-
nos a crer que este se coloca como
uma forma de resistência à
fragmentação da existência do
homem brasileiro, seja no plano
concreto, seja no plano ideal da
explicação ontológica.

Podemos afirmar que o candomblé é uma religião de matriz


africana porque ele reúne diversos cultos a orixás da África
num só panteão, preservando, uma estrutura mítica
semelhante aos cultos africanos. Na diáspora dos negros
africanos, etnias distintas, sob a hegemonia dos povos
yorubás (principalmente), criaram em solo brasileiro o que
hoje chamamos de candomblé. Esta religião possui um
sistema mítico que contrasta e conflitua com a ordem
racionalista e excludente do mundo ocidental.

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O sistema mítico do candomblé não é fragmentário nem
excludente; é totalitário - no sentido de abranger o ser
humano como um todo -, e integrativo. Os mitos, os
processos de iniciação, os rituais, enfim, toda a estrutura
mítica do candomblé obedece a uma lógica própria, lógica
essa que concebe o tempo e o espaço diferentemente de
como os concebe o mundo racional, baseado em axiomas
científicos, do ocidente. Enquanto o que regula a sociedade
capitalista ocidental é o tempo cronológico, tempo medido
sempre pela produção do capital, tempo, enfim, sempre
capitalizado, no candomblé prevalece o tempo mítico.
Enquanto o primeiro é fragmentado e linear o segundo se
realiza plenamente dentro de um ciclo que abarca a
totalidade do ser humano.

A racionalidade do tempo cronológico reifica o homem,


estabelece a perda da identidade, sustenta a
particularização e especialização da cultura ocidental. Com
efeito, a ciência moderna, ou melhor ainda, desde a filosofia
moderna (pelo menos!) o ser humano vê-se esquadrinhado
pelos saberes específicos. Surge as ciências humanas, cada
qual especializada em compreender uma faceta do sujeito; o
sujeito, categoria central no discurso filosófico da
modernidade, aparece como uma identidade particularizada,
autodeterminante e absoluta, no entanto, sempre
permanece como um projeto, como um objeto de estudo
para as ciências. Ora, podemos rapidamente perceber que
na cosmovisão do povo-de-santo, mais que "santificar" a
visão de sujeito é "sacralizada" a noção de comunidade; o
sujeito, por sua vez, aparece em sua plenitude, individuado,
mas não isolado ou reificado; são "partes" do universo, do
todo, e como parte do todo, traz em si esta dimensão
totalitária, isto é, o indivíduo carrega consigo a compreensão
metafísica e ontológica da qual faz parte. Os ritos e preceitos
do candomblé lhe dão condição de assumir essa dimensão
cosmogônica.

Segundo as autoras citadadas, o candomblé recupera o


indivíduo em vários aspectos:

1. Inscreve-o numa ordem


metafísica, propondo-lhe um ser
mitológico indivisível;

2. articula esse ser ontológico, essa


singularidade, a um universal

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expresso por um panteão; promove
assim sua elevação espiritual;

3. restitui-lhe sua dimensão natural,


pois é estreita a correspondência
entre os elementos da mitologia e os
elementos da natureza. Portanto, ao
inseri-lo nesta mitologia, inscreve-o,
ao mesmo tempo, no reino da
natureza, recuperando assim a
unidade entre homem e natureza;

4. a mitologia, ao referir-se a todas


as ações humanas significativas,
explica e compreende suas
contradições sociais e individuais,
propondo caminhos alternativos para
sua ação sobre o real;

5. em oposição ao projeto
individualista da sociedade global,
oferece-lhe uma opção
comunitária"(6).

Seguindo o estudo de outra autora, Ronilda Ribeiro, dizemos


como ela que a noção de pessoa na África Negra, e
consequentemente no candomblé, "é tida como resultante
da articulação de elementos estritamente individuais
herdados e simbólicos. Os elementos herdados o situam na
linhagem familiar e clânico enquanto os simbólicos a
posicionam no ambiente cósmico, mítico e social"(7). Essa
concepção de pessoa apesar de reconhecer a importância do
indivíduo não aparta-o da vida social; pelo contrário, um dos
elementos que o compõe é justamente o social, a dimensão
coletiva e comunitária de sua existência.

Além da noção de tempo e espaço, e da noção de sujeito


existem outros elementos que compõem a cosmovisão de
mundo africana assumida pelo candomblé. A questão da
ancestralidade, do princípio de senioridade, da palavra, do
poder, da integração, da inclusão, da vida comunitária, da
pragmática, da inocência, da valorização e integração com a
natureza, da bipolaridade dos elementos, da Força Vital, dos
ritos funerários e da concepção de morte, da produção etc.,
são também elementos componentes desta visão de mundo
africana, que, entretanto, deverão ser aprofundados em

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outra pesquisa. Porém, o princípio da unidade dos contrários,
que organiza todo esse sistema, merecerá, neste trabalho,
uma atenção especial.

A dualidade dos elementos não é negada no candomblé.


Pelo contrário, a bipolaridade é assumida. Não existe o
"bem" e o "mal", existem forças, energias, que podem ser
manuseadas, tanto negativo como positivamente, ou melhor
dizendo, que podem ser manipuladas tanto para a
construção como para a destruição. É curioso perceber que
nas religiões africanas não deixa de ser comum a existência
de divindades duplas, isto é, uma divindade feminina e outra
masculina, ambas possuindo o mesmo poder. Essa
característica estruturante das religiões africanas chegou ao
Brasil através do candomblé, e é por isso que podemos dizer
que o princípio da sexualidade estrutura todo o sistema
desta religião de matriz africana.

O sistema do candomblé é dialético e interligado. A


interdependência é a primeira coisa que se aprende no
sistema. Há uma divisão social e sexual do trabalho, mas
ninguém é absoluto numa função pois existe a
interdependência. Não há um trabalho mais importante que
o outro.

Há uma tensão entre os sexos. O candomblé reconhece,


mitifica, e assume essa tensão. A mulher não é o
equivalente do homem, não é a "costela de Adão" (item 2).

Ora, vimos anteriormente que o ser humano vivendo sob a


égide do sistema capitalista, vale dizer, da visão de mundo
ocidental, cada vez mais preso nas teias da racionalidade e
da consequente fragmentação do mundo, experimenta um
vazio existencial, uma vez que seu "eu", longe de uma
dimensão comunitária e de um sistema que lhe dê conta de
entender-se como pertencente a uma totalidade, desemboca
num certo "desespero" moderno, num mundo
desencantado(8), onde tudo parece dominável, mas que, em
verdade, é o sujeito que por tudo é dominado. Diante deste
quadro nada promissor apresentado pela cultura ocidental, o
candomblé surge para estes indivíduos como uma
alternativa não apenas religiosa, mas também política e
social, pois o candomblé é um modo de vida.

Isto talvez explique por que cada vez mais existem


indivíduos, cuja cultura é originária do ocidente, aproximádo-

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se do candomblé. "Em oposição ao anonimato da vida social
moderna, o candomblé propõe uma existência
personalizada, nominalizada, propiciando inserção ordem
comunitária como resposta específica ao vazio existencial
decorrente de sua fragmentação individual no social"(9).

Os problemas que podem ser levantados neste item serão


abordados no item 3, sendo que no presente item cremos ter
abordado os principais conteúdos que diferenciam a visão de
mundo expressa pelo candomblé quando comparado com os
da cultura hegemônica.

II. Como estes conteúdos se manifestam na


concepção de gênero presente no candomblé.

Ao vermos como as mulheres se inserem-se no interior da


concepção de gênero presente no candomblé, estamos à
volta, novamente, com as questões que envolvem a
sociedade em que o candomblé está inserido, ou seja, mais
uma vez identificamos aí elementos de contraste com a
visão de mundo, e consequentemente de gênero do
candomblé, ora rivalizando, ora absorvendo elementos da
cultura ocidental, que no caso chamamos de patriarcal ou
machista(10).

Enquanto o princípio que estrutura a sociedade ocidental é o


patriarcalismo, o machismo, o falocentrismo, nas
comunidades de "terreiro" o que estrutura o sistema é o
princípio da unidade dos contrário, o princípio da
sexualidade.

Este princípio da sexualidade como já pincelamos no


capítulo anterior, é o que estrutura todo o sistema. Aqui a
bipolaridade é um princípio; o conflito entre os sexos é
assumido, e não descartado. Não subjuga-se um sexo em
favor do predomínio do outro. Existe a reciprocidade entre
eles. Mas claro, como há conflito, existe uma disputa pelo
poder, uma política envolvendo os gêneros, mas que, no
entanto, não prima pela dominação da alteridade, e sim pelo
controle. Ademais, quando falamos que nas "roças" de
candomblé os trabalhos são divididos social e sexualmente,
estamos falando que estes trabalhos são divididos em
funções que, por sua vez, estão assentados em princípios
bem preservados na tradição. As funções obedecem a idade
de iniciação do povo-de-santo, bem como respeita o estágio

10
de vida real pelo qual a pessoa está passando. Assim, uma
mulher menstruada, por exemplo, não poderá jamais tocar
em alguns objetos sagrados por causa do seu estado, assim
como os homens da "roça" não poderão jamais conhecer os
segredos de algumas funções femininas. Mas o que é
importante destacar é que as funções femininas e as
funções masculinas se complementam, isto é, não existe
uma sem a outra. Essa reciprocidade é fundamental para a
estruturação do sistema mítico e social do candomblé.

A mulher, em especial, possui um papel primordial que a


sociedade capitalista não lhe permite desempenhar. Se
nesta, a mulher é uma reprodutora, está subjugada pelos
princípios falocráticos que permeiam os valores sociais,
naquela, a mulher também é reprodutora, mas em uma
dimensão muito mais ampla, abarcando as esferas do
material e do simbólico.

"Acreditamos residir fundamentalmente no mistério da


concepção da vida a associação da mulher ao segredo, ao
temor do desconhecido, à natureza selvagem, às
profundezas das águas e suas turbulências, à terra, ventre
fecundo onde tudo nasce e para onde tudo retorna, e ao
fogo sensual que conduz ao encontro"(11).

A importância da mulher tanto no ritual das religiões de


matriz africana no Brasil, quanto na sustentação da vida
social da família, tem motivos históricos. A mulher negra,
após a "abolição da escravatura", viu-se frente a uma
estrutura social onde o homem negro, alijado do mercado de
trabalho, expropriado de sua força de trabalho e
marginalizado por sua condição racial já não podia manter o
núcleo familiar como outrora. Diante deste quadro a mulher
negra assume a responsabilidade de encontrar alternativas
de sobrevivência da família, em última instância, para a
sobrevivência do grupo.

Ao homem negro, despreparado e


marginalizado do processo de
industrialização nascente, restam as
tarefas sociais mais humilhantes e a
marginalizadas. Neste contexto, a
mulher negra tomará a si a
responsabilidade para manter a
unidade familiar, a coesão grupal e
preservar as tradições culturais,

11
particularmente as religiosas. Apesar
das condições subumanas que a
escravidão/ "liberdade" deixou a
população negra, as mulheres
negras lograram encontrar maiores
opções de sobrevivência do que o
homem negro. Elas foram para as
cozinhas das patroas brancas, foram
para os mercados vender quitutes,
desenvolveram todas as estratégias
de sobrevivência; assim criaram
seus filhos carnais, seus filhos de
santo abrigaram seus candomblés,
adoraram seus deuses, cantaram,
dançaram, e cozinharam para
eles(12).

A mulher negra, assim, encontra no candomblé não apenas


plenas possibilidades de realizar-se religiosamente, como
também política e socialmente. Com efeito, na cosmovisão
das religiões de matriz africana não existe uma distinção
muito nítida entre o sagrado e o profano, estas duas esferas
interpenetram-se.

A mulher que quotidianamente, no mundo ocidental, vive


em conflito(13) com o social, porque relegada a um plano
inferior da existência em sociedade, encontra-se nos ritos do
candomblé a forma de ritualizar este conflito. Assim, se
cozinhar é uma tarefa menor, sem valorização social, assim
como as atividades domésticas em geral, no candomblé tais
tarefas possuem um valor inestimável. A realização das
referidas tarefas é um privilégio que não cabe a todos. Essa
valorização redimensiona o papel da mulher tanto no plano
místico do candomblé, quanto no plano social.

Maria de Lourdes Siqueira vai dizer que:

Este sentimento de intimidade da


mulher negra com a mitologia e com
a ritualidade religiosas afro-
brasileiras abre caminhos para que
ela vai conhecendo, ampliando,
recriando e transformando, numa
forma de poder socialmente
construído, assumindo papéis que
vão se redefinindo a cada passo: ora

12
mãe, ora educadora, ora curadora,
estabelecendo relações sociais,
políticas e mesmo diplomáticas(14).

Como a mulher, no candomblé, comumente dirige os


"terreiros" na figura da yalorixá, da mãe-de-santo, ela
conhece todos os rituais e segredos da mística religiosa afro-
brasileira, além de ser a responsável pela administração da
"roça" . Ora, " aprendendo e ensinando a religião dos orixás,
a mulher negra desenvolve suas próprias capacidades
administrativas, políticas-sociais, humanas e religiosas"(15).

A valorização da mulher não implica a dominação dos


homens. No candomblé, apesar dos conflitos, não existe esta
pulsão de eliminação do outro porque este outro é diferente.
Como vimos insistindo, o que existe é a complementaridade
das funções, e não o predomínio de um gênero sobre o
outro. Isto só é possível porque na cosmovisão do
candomblé , a "existência dos orixás essencialmente
femininos, de orixás essencialmente masculinos e de orixás
ambivalentes ou andróginos, expressa uma compreensão
profunda da própria sexualidade humana"(16).

Notamos, assim, que a cosmovisão implícita do candomblé


está em conflitos estruturais com a cultura do ocidente. Seja
pela valorização da mulher em sua dimensão política,
religiosa ou social, seja pela compreensão do ser humano
longe do binarismo homem-mulher, o candomblé apresenta-
se com valores civilizatórios mais coletivos, mais
integracionistas, mais humanos que os modelos ocidentais.
Daí, Sueli Carneiro e Cristiane Cury afirmarem que "a
organização social do candomblé procurará reviver a
estrutura social hierárquica de reinos africanos
(especialmente de Oyó) que a escravidão destruiu, porém na
diáspora esta forma de organização visará reorganizar a
família negra, perpetuar a memória cultural e garantir a
sobrevivência do grupo e, ainda, a transmutação nos deuses
africanos será a fonte de sustentação dessas mulheres para
o confronto com uma sociedade hostil"(17)

Considerações Finais

Este último item do artigo não procurará tecer considerações


cabais sobre as temáticas aqui abordadas, até porque isto

13
não seria possível para nossa competência; pretendemos,
outrossim, apontar para algumas questões emergentes - que
o presente trabalho tenha abordado, mas não desenvolvido.

É importante ressaltar que nossa preocupação básica é


saber como manter a cosmovisão das religiões de matrizes
africanas, tributárias de uma longa tradição, frente aos
desafios do mundo capitalista contemporâneo.

No primeiro item deste trabalho fizemo-nos duas questões:


1) em que medida a visão de mundo é inerente ao
candomblé é capaz de apontar respostas para a crise do
modelo ocidental; 2) em que medida o candomblé ao
absorver elementos da cultura ocidental, ao adaptar-se à
modernidade dos novos tempos, não perde juntamente os
elementos estruturais de sua cosmovisão africana?

Tanto no primeiro, como no segundo item, pensamos ter


desenvolvido alguns elementos que se constituem como
alternativas ao sistema capitalista. A visão de mundo do
povo-de-santo , é integrativa e não excludente; é humanista
e não tecnicista; é polivalente e não totalitária; constitui
uma unidade dos elementos, e não uma fragmentação dos
mesmos. Como as pessoas advindas de culturas não-
africanas não encontram em suas culturas de origem os
valores capazes de lhes proporcionar uma vivência digna e
justa, elas encontram nas religiões de matrizes africanas um
outro sistema de valores e princípios que não estão
aprisionados pelo racionalismo, pelo cientificismo ocidental,
pelo individualismo liberal. Ao contrário, o inesperado, o
desconhecido, são esferas presentes nas religiões de origem
africana. O irracional também faz parte do sistema. O afeto,
a emoção, a dança, a festa, a dor, o prazer, são esferas que
se complementam, são dimensões que abarcam toda a
complexidade humana.

O vínculo estreito do povo-de-santo com a natureza, e o


estreito vínculo destes com as divindades, fazem do
candomblé uma religião imanente, longe das abstrações
metafísicas das religiões transcendentes. Num mundo onde
o artifício domina o natural, onde o controle procura
desesperadamente conter o irracional, como é o caso do
mundo ocidental, onde as pessoas e os saberes são
fragmentados, onde os interesses individuais subjugam os
interesses coletivos, a religião comunitária do candomblé
representa uma alternativa viável, representa uma volta à

14
origem humana e seu contato com a natureza, representa
uma relação corporal com os "deuses" - orixás, representam
uma vivência coletiva, em sociedade, representa uma
potencialização da sexualidade humana e a recuperação do
feminino num mundo predominantemente masculino. Assim,
esses elementos estruturantes do candomblé apontam
respostas concretas para a crise dos modelos ocidentais.

Porém, em que medida o candomblé, ao absorver elementos


desses modelos ocidentais, ao permitir o ingresso de
pessoas não tributárias da origem africana, ao se situar no
seio do capitalismo, não perde a caracterização de seus
elementos estruturantes. A pergunta, de fato, é a seguinte:
como atualizar a tradição? Como vivenciar uma religião
eminentemente natural num mundo predominantemente
artificial? Como vivenciar uma cultura africana se o nosso
modo de pensar está estruturado e assentado no modo
ocidental de pensamento, numa estrutura mental própria do
ocidente, e disto somos herdeiros simplesmente pelo fato de
termos nascido nesta sociedade?

Aqui aparecem alguns problemas com os quais muitos


teóricos têm estado às voltas, sem, no entanto, chegara
resultados muito satisfatórios. A questão da linguagem, da
cultura, das estruturas de pensamento, tornam-se limites
para a questão aqui abordada(18). No entanto, gostaríamos
de rapidamente apontar para um projeto de pesquisa que
talvez tornasse possível a reflexão de tais temas de maneira
a não recair em redundâncias semânticas ou em
totalitarismos políticos, e nem em ramificações religiosas.

O uso de códigos binários, bem-mal, certo-errado, céu-


inferno, masculino-feminino, direito-esquerdo, não
contempla a pluralidade do ser humano e suas sociedades.
O real é muito mais dinâmico do que pretenderam os
metafísicos do séc. XVII e os iluministas do séc. XVIII; é mais
contingente do que imaginou a ciência moderna e muito
mais sedutor do que imaginaram os teóricos até nosso
tempo.

Talvez a física contemporânea, juntamente com a biologia e


a química, sejam os ramos da ciência que começam a
detonar os antigos paradigmas cartesianos-newtonianos. A
interdependência, a interação e a flexibilidade que esses
saberes apresentam, em muito, lembram os princípios

15
tradicionais das religiões de matrizes africanas - em especial
o candomblé.

A condição humana, por exemplo, não é expressa pelo


binário homem-mulher. No panteão do candomblé existem
orixás eminentemente femininos, eminentemente
masculinos, e orixás andróginos, isto é, feminino e masculino
ao mesmo tempo. Essa trindade, esse terceiro, é a
possibilidade de várias expressões do humano sem reduzi-lo
à binaridade calcificante.

Também no candomblé a flexibilidade do sistema é notável.


Sua cosmovisão é sempre redefinida e atualizada, mantendo
entretanto, os elementos estruturantes como a interação, a
interdependência, o comunitário, a ligação com o natural,
entre outros.

Isto permite dizer, ao menos, que existem elementos, tanto


em ciências consagradas, a física, a biologia e a química, ou
em religiões tradicionais, como o candomblé, que permitem-
nos afirmar, a não existência de um único universo de
valorização, uma única teoria interpretativa, um único
modelo de pensamento. A crítica ao eurocentrismo, ao
falocentrismo, ao etnocentrismo já foram feitas várias vezes.
É preciso, no entanto, aprofundar tais críticas, a fim de
mostrar, seja no âmbito ontológico (SER), econômico
(CAPITAL), linguístico (SIGNIFICANTE) ou religioso (DEUS),
que todos esses elementos são erigidos como equivalentes
gerais modelizando todos os outros universos de
valorização, reduzindo a realidade a uma repetição e
adequação a esses signos dominantes(19).

Assim, falar em cultura ocidental é perceber no conjunto de


territórios que organizados segundo uma lógica comum, de
acordo com os mesmos signos dominantes, os equivalentes
gerais que dominam todos os outros planos. Esta
dominação, porém não é absoluta, pois além do regime
dominante dos signos existem também os regimes
passionais, os pré-linguísticos, ou seja, regimes pré-
sinificantes, contra-significantes e pós-significantes. Não
vamos adentrar nesta questão pois apenas queremos frisar
que o modelo torna-se dominante historicamente, ou seja,
eles não são eternos, imutáveis, inatos, mas construídos,
humanamente construídos. Por isso, podemos, com base no
próprio movimento histórico e nos vários campos semióticos
que povoam a realidade, afirmar que tal modelo é hoje

16
dominante mas nem sempre foi e não precisa ser para
sempre. Isto nos abre a possibilidade de enxergar os vários
universos que convivem e se afetam no mesmo espaço
geopolítico. Procuramos, portanto, não recair num binarismo
ingênuo de ocidental-africano. Destacamos apenas os
elementos estruturantes, mas sabemos que existe uma
diversidade fantástica no interior de cada um desses
espaços.

Até aqui estamos pensando a atualização da tradição das


religiões de matrizes africanas - especialmente o candomblé.
Ou seja, a cosmovisão que esta religião apresenta é
compatível com as aspirações das maiorias das pessoas
deste final de milênio. Mas alguns problemas persistem(20):

# Se o candomblé é uma religião que não sobrevive sem seu


"espaço-mato", sem a natureza, o que fazer se rapidamente
a sociedade capitalista destrói e devasta nosso espaço
natural?

# Se acabarem-se as folhas, as ervas, como manter os ritos,


como agradar os orixás?

# A distância da natureza artificializa o homem. Basta ver as


grandes cidades e compará-las com o campo. A
desumanização do homem tem a ver com sua
artificialização. Como manter uma cosmovisão com um
homem artificial?

# Simbolizar estes espaços naturais resolvem o problema?


Realizar os ritos de candomblé num apartamento onde o
som 3 em 1 representa os atabaques, uma samambaia o
espaço-mato, e uma bacia de água a fonte de Oxum (por
exemplo) não seria um esvaziamento muito violento às
energias, à força vital presente no rito?

# Cultuar Ogun sobre o motor de um carro, ligar Exu ao


sistema de informática, etc., não é, de alguma forma,
ridicularizar o culto. Não é perigoso fazer tais associações,
visto que a tecnologia, por exemplo, como tem sido usada, é
um dos principais fatores que excluem o povo negro de uma
vida digna?

# Assumir signos que são ícones do capitalismo, como


apartamento, motores, informática, não é ser por ele
subsumido?

17
# O candomblé possui um caráter elitista? Seus ritos que
demandam custos, são compatíveis aos mais pobres? Ele
não é economicamente excludente?

# A hierarquia dura do candomblé, seu "conservadorismo",


até que ponto são suscetíveis de mudanças?

# Como associar o candomblé a uma perspectiva de


militância política organizada?

# Em que medida o candomblé não cumpre uma função no


interior do sistema capitalista?

# O que fazer para não ser apropriado os signos do


candomblé, uma vez que o capitalismo sobrevive destas
absorções?

# Ele é monoteísta ou politeísta? Sincrético ou original?

# É uma religião de negros ou de todos?

# Como pensar o candomblé em tempos de globalização?

# Como o candomblé lida com as doenças como a AIDS e


outras doenças transmissíveis pelo contato com o sangue?

# Qual nosso projeto em relação ao candomblé?

________________________________

NOTAS:

1 OLIVEIRA, Eduardo David é graduado em Filosofia - UFPR e Pós


Graduado em Culturas Africanas e Relações Inter-Étnicas na Educação
Brasileira- Faculdades Integradas "Espírita".

2 DE SOUZA, Marcilene Garcia é graduada em Ciências Sociais - UFPR e


Pós Graduada em Culturas Africanas e Relações Inter-Étnicas na
Educação Brasileira- Faculdades Integradas "Espírita"

3 PAULA, Maria José da Silva S é graduada em Pedagogia, e Pós


Graduada em Culturas Africanas e Relações Inter-Étnicas na Educação
Brasileira- Faculdades Integradas "Espírita" além de Mestranda em
Educação pela PUC-PR.

18
4 Para abordar o primeiro e o segundo item do presente artigo
recorreremos aos textos utilizados no módulo: "Gênero, Concepção e
Prática mas tradições culturais religiosas de matriz africana", promovido
pelo curso de Especialização sobre Culturas Africanas, promovido pela
Universidade "Bezerra de Menezes", através de seu departamento - o
CENTRHU : Centro de Estudos das Tradições Religiosas da Humanidade.

5 CARNEIRO, Sueli; CURY, Cristiane. O candomblé p. 176

6 CARNEIRO, Sueli; CURY, Cristiane. O candomblé p. 179

7 RIBEIRO, Ronilda. Alma Africana no Brasil, p. 43-44.

8 Para usar a expressão de Max Weber.

9 CARNEIRO, Sueli; CURY, Cristiane. O candomblé. p. 176.

10 Voltaremos a esta temática no item 3.

11 CARNEIRO, Sueli; CURY, Cristiane. O poder feminino, p. 19.

12 CARNEIRO, Sueli; CURY, Cristiane. O poder feminino, p. 26.

13 "O conflito constantemente vivido entre aquilo que é socialmente


imposto se ritualiza todo o tempo". Idem, p. 24.

14 SIQUEIRA, Maria de Lourdes. Iyami, Iyá Agbás. Dinâmica da


espiritualidade feminina em templos afro-baianos. p. 443.

15 Id. Ibid. p. 444.

16 CARNEIRO, Sueli; CURY, Cristiane. O poder feminino. p. 24.

17 Idem. p. 26.

18 Estes temas merecer ser desenvolvidos num trabalho à parte.

19 É, talvez Guattari, juntamente com Deleuze, que desenvolveram


essas reflexões na obra: "Caosmose, Revolução Molecular, Microfísica do
Poder, As três ecologias".

20 Aqui vamos nos limitar a pontuar estes problemas para que em outro
momento possamos pesquisar e desenvolver.

____________________________________

19
BIBLIOGRAFIA

CARNEIRO, Sueli; CURY, Cristiane. O candomblé . Mimeo.

CARNEIRO, Sueli; CURY, Cristiane. O poder feminino. Mímeo.

RIBEIRO, Ronilda. Alma Africana no Brasil. Os Iorubás. São


Paulo: Editora Oduduwa, 1996.

SIQUEIRA, Maria de Lourdes. Iyami, Iyá Agbás. Dinâmica da


espiritualidade feminina em templos afro-baianos. Mímeo.

20

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