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PAINEL

POLÍTICA INDUSTRIAL
DESENVOLVIMENTO EM DEBATE — 132
SISTEMATIZAÇÃO DO DEBATE SOBRE
“POLÍTICA INDUSTRIAL”

João Furtado*

O trabalho de sistematização do Seminário sobre Política Industrial ba-


seou-se principalmente nos trabalhos e debates da sessão especial dedicada
ao tema, mas contou, adicionalmente, com elementos do 1º seminário –
Estabilização, do 2º seminário – Competitividade e, sobretudo, das discus-
sões havidas no interior do GT de Política Industrial1. Alguns dos membros
do GT expressaram os seus pontos de vista de forma escrita, em notas e
comentários, valiosos. Estas discussões ajudaram sobremaneira a identifi-
car (e encaminhar) aspectos dúbios e a formular os parâmetros básicos de
uma política industrial, tal como proposta pelos participantes. O debate no
interior do GT de Política Industrial foi bastante exaustivo, embora possi-
velmente inconclusivo em diversos pontos. Houve por parte deste
sistematizador um esforço de consolidação com a preocupação explícita de
apontar as principais convergências – básicas, relevantes, formadoras de
um núcleo comum suficiente para uma política industrial – e de indicar
algumas diferenças e divergências. Estas duas últimas indicam uma
pluralidade de alternativas, sem no entanto negar a existência de uma base
comum sólida para a feitura de uma política industrial consistente.
Os textos foram preparados – a partir dos “termos de referência”
propostos aos autores pelo GT de Política Industrial – por Luciano
Coutinho e Edward Amadeo. Os dois textos dificilmente poderiam ser
mais antagônicos. Enquanto o primeiro afirma a necessidade
incontornável de política industrial, o segundo procura mostrar que ela
é, quanto aos resultados, ociosa ou ineficaz, e quantos aos custos,
dispendiosa. Se para Amadeo a política industrial pode representar uma
ameaça à estabilização, para Coutinho os impasses e armadilhas da es-
tabilização só poderão ser superados e resolvidas com o seu auxílio.

* GEEIN/ UNESP (Universidade Estadual de São Paulo, Araraquara).


1
O GT de Política Industrial foi coordenado por Gastaldoni.

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Uma ausência importante deve ser registrada: a dimensão internacional
das políticas industriais. O cenário internacional fez-se presente em
muitas intervenções, mas sob a forma de economia internacional e não
de políticas industriais. Quanto aos debatedores, também eles se esmera-
ram em diferenças e divergências. Para além dos aspectos propriamente
do debate em sua forma, com elementos pictóricos muito ilustrativos,
ocorreram de fato contribuições importantes por parte dos três debatedores
– Gustavo Franco, Fábio Erber e Antonio Barros de Castro.
Das demais mesas diretamente ligadas ao tema da política industrial
– Estabilidade (Dionísio Dias Carneiro e Luiz G.M. Belluzzo) e
Competitividade (Renato Baumann e Pedro M. Veiga) – foram recolhi-
dos elementos que contribuem para reforçar a idéia de política industri-
al como necessidade para um novo ciclo de crescimento, de desenvolvi-
mento e mesmo para, simplesmente, alcançar uma estabilidade susten-
tável, bem como ressalvas e condicionantes que podem servir de alerta
quanto à sua operacionalização.

1. O debate sobre a existência de Política Industrial

A premissa básica da argumentação desenvolvida por Luciano


Coutinho é sobre a própria política industrial: “por opção ou omissão,
todos [os países] possuem política industrial”. Esta afirmação reapare-
ceu, com outra conotação, na argumentação de Edward Amadeo, para
quem o Brasil possui, sim, uma política industrial – ineficiente e cara,
mas possui. Este ponto havia sido, anteriormente, apresentado por
P.M.Veiga, quando afirmou que o Brasil teve nos anos 1990 uma políti-
ca industrial – “podemos não gostar dela, mas tivemos”.
Todos os países possuem, pois, políticas industriais, desde a omissa, que
ratifica escolhas pretéritas e projeta as trajetórias passadas para o futuro, pas-
sando por aquelas mais tópicas, voltadas para problemas localizados, eventu-
almente decorrentes de uma agenda de interesses setoriais ou regionais, até
aquelas que obedecem a projetos estruturantes com elevado grau de consis-
tência (interna e relativamente às demais políticas) e permanência temporal
(com objetivos de longo prazo, mesmo que operacionalizadas com instru-
mentos flexíveis). Na opinião de Amadeo (de forma explícita e enfática) e
Veiga (en passant), as políticas industriais brasileiras dos anos 1990 ficaram
no caso intermediário: prisioneiras de interesses setoriais (automobilística,
por exemplo) ou regionais (eletroeletrônica manauense).

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A síntese das diversas posições, sobre a existência ou não de política
industrial, poderia ser assim resumida. Os críticos da política industrial
espelham-se nas experiências passadas, inclusive as dos anos 1990, para
afirmar que ela sempre se fez presente e resulta cara ou ineficaz, en-
quanto os defensores da sua adoção procuram sustentar que ela é
inescapável (até mesmo por omissão) e imprescindível (para resolver
deficiências), mas para evitar recair em erros passados precisa preen-
cher duas condições: uma agenda moderna e consistência instrumental.

2. O debate sobre a necessidade de Política Industrial

O tema da política industrial apareceu, com mais ou menos ênfase,


em muitas das apresentações e intervenções das diferentes mesas do
seminário. Em diversas oportunidades, ela fez-se presente ligada à per-
gunta: como retomar o crescimento? Foi a partir desta indagação que o
ex-ministro J.P. Reis Velloso, na abertura dos trabalhos do primeiro se-
minário (estabilidade), sustentou a necessidade de política industrial.
Foi também como decorrência do reconhecimento da insuficiência da
estabilização para promover o crescimento que outros participantes avan-
çaram a necessidade de outras ações ou políticas. Foi este o caso, na
mesa de estabilização, das posições de Dionísio Dias Carneiro e, mais
enfaticamente, L.G.M. Belluzzo, com S.Bessermann numa posição in-
termediária, reconhecendo o erro de diagnóstico em relação aos
automatismos de mercado no sentido de lograr o crescimento a partir da
estabilização, uma posição que foi sustentada em aportes de recursos
externos e num cenário internacional favorável. Os comentários de Ar-
mando Castellar, sobre os dois artigos básicos da mesa de Estabilidade
– de D.D.Carneiro e L.G.M. Belluzzo – e as respectivas apresentações
assinalaram, como convergência importante dos autores, o reconheci-
mento da “incapacidade do Plano Real de [fazer] retornar o Brasil à rota
do crescimento”. Este ponto esteve presente também na discussão feita
por S.Bessermann, quando mostrou que ocorreu uma “ilusão neoliberal”,
traduzida numa tentativa de “maximizar o enquadramento na nova or-
dem internacional”. Em contraste evidente com a crença vigente por
longo período e resumida nas palavras de Bessermann, foram muitos os
participantes dos painéis que enfatizaram, como diretriz principal, que
“o Estado brasileiro deve retomar papel ativo no desenvolvimento bra-
sileiro” (Além & Pinto, síntese do GT – Política Industrial), aduzindo,
quanto ao método, a questão da coordenação – em dois sentidos: dentro

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das organizações públicas e entre elas (Além & Pinto, op. Cit.), mas
dificilmente alguém poderia discordar da necessidade de estender esta
coordenação aos atores privados e – em muitos casos – às organizações
da sociedade e do chamado terceiro setor.
Na sua argumentação, Reis Velloso mostrou uma preocupação inci-
siva (e que só ele destacou com tamanha ênfase) com relação à dimen-
são conhecimento e suas políticas – sobretudo aquelas vocacionadas
para a sua criação e difusão, tanto nos setores de tecnologia mais avan-
çada quanto nos de tecnologia madura. A despeito desta ênfase num
elemento que poderia ser considerado estritamente horizontal, Reis
Velloso reconhece a necessidade de políticas setoriais, sobretudo aque-
las voltadas para o desenvolvimento dos instrumentos da sociedade do co-
nhecimento, quais sejam: a eletroeletrônica e a internet, que correspondem
a “fatores horizontais” do conhecimento. Dito de outra forma: para que
a informação e o conhecimento possam penetrar de forma ampla e pro-
funda na economia e na sociedade, faz-se necessário dispor de suas
modernas ferramentas (informática, eletrônica e comunicações). Sobre
este ponto, faz-se necessário registrar a divergência clara deste
posicionamento com o de Castro, na mesa seguinte (Política Industrial),
quando estima que a indústria eletrônica seria dispensável – é isso que
claramente indica Castro quando se refere à Europa como “cemitério de
eletrônica” (remetendo a um livro de Chandler2 ). O debate recolheu ain-
da, num extremo oposto ao de Velloso, o posicionamento que incluiria o
de Amadeo, para quem dispor de uma indústria eletrônica mais prejudi-
caria do que traria benefícios – uma afirmação fundamentada na análise
dos preços dos produtos desta indústria3 .
A remoção dos entraves ao crescimento exige, pois, políticas indus-
triais, na visão de Reis Velloso. De forma implícita, Velloso evita os
(falsos) dilemas entre horizontalidade e verticalidade e entre neutralida-
de e intervenção dirigista. De fato, a política deve ser orientada por
objetivos horizontais – promover a incorporação de conhecimento a to-
das as atividades econômicas e sociais, das mais básicas (como a agri-

2
Alfred D. Chandler Jr, Inventing the Electronic Century: The Epic Story of the Consumer
Electronics and Computer Science Industries, Free Press; 1st edition (November 15, 2001).
3
Os cálculos sobre a evolução dos preços exigiriam, na apreciação de diversos participantes
externada nas discussões internas, uma série de aprofundamentos metodológicos. Ademais,
os preços deveriam ser complementados por outros elementos, como as elasticidades-renda
(como se sabe há muito), além das externalidades sobre tantas atividades econômicas.

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cultura) às mais avançadas (biotecnologias, por exemplo) – e pode, para
isso, lançar mão de intervenções mais verticais (como o fortalecimento
das bases da sociedade do conhecimento: eletroeletrônica e internet).
O outro falso dilema que Reis Velloso procura equacionar é o da –
igualmente falsa – oposição entre mercados interno e externo. Na sua
visão, “o Brasil não eliminará a vulnerabilidade externa atual se não
adotar uma política de investimento para exportação”, mas é necessário
evitar, nisso, o trade-off entre exportações e mercado interno. Na solu-
ção proposta por Reis Velloso, a opção pelo conhecimento contribui
para aumentar o valor adicionado das exportações, ao lado do qual são
necessários dois esforços adicionais, na mesma direção: mudar (dina-
micamente) a composição da pauta em direção a produtos com maior
conteúdo tecnológico e desenvolver novas plataformas de exportação
em segmentos de elevado dinamismo.
Um dos pontos mais importantes do debate (que será retomado adi-
ante, na distinção sintética, estabelecida por F. Erber, entre crescimento
e desenvolvimento) envolve as razões que justificaram o caminho da
industrialização e da substituição de importações. Os membros do GT,
enfaticamente, indicaram a necessidade de incorporar este ponto do
debate. As razões que motivaram – historicamente – a opção pela in-
dustrialização e pela substituição de importações agregam razões liga-
das às condições de produção, ao sistema de preços e à dinâmica da
demanda. De forma simplificada e figurativa, “commodities não podem
pagar por produtos diferenciados”. De forma substantiva, essa simplifi-
cação reúne três elementos. Em primeiro lugar, existem diferentes elas-
ticidades-renda pela demanda de produtos, fazendo com que algumas
atividades tendam a elevar a sua participação na produção e na oferta
totais. Em segundo lugar, os preços das commodities (um genérico de
produtos primários) tendem a reduzir-se relativamente aos preços dos
produtos diferenciados (um genérico de produtos industriais). Assim,
países que possuem algum tipo de especialização nessas atividades ten-
derão a apresentar maior potencial de crescimento. A réplica a esta afir-
mação (que sustenta a necessidade de ter presença em setores dinâmi-
cos) foi apresentada por Amadeo, com séries de preços que revelam
uma tendência à deterioração de preços como os dos produtos
eletroeletrônicos, culminando com a afirmação de que a existência de
um setor fabricante de produtos eletroeletrônicos é deletéria para o de-
senvolvimento. A sustentação clássica da necessidade de setores fabri-
cantes de produtos com elevada elasticidade-renda da demanda procu-

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rou mostrar que nestes setores as estruturas de oferta são, geralmente,
mais concentradas e que as fortes barreiras à entrada de novos produto-
res tendem a proteger os rendimentos (e, eventualmente, as rendas) dos
ofertantes; e que isto ocorre diferentemente nos setores produtores de
produtos banalizados (commodities), onde a entrada é fácil e, portanto,
muitos novos ofertantes podem surgir, com remuneração inferior dos
fatores, determinando, assim, preços declinantes. As contribuições da
economia contemporânea a estes argumentos clássicos reforçaram enor-
memente o espaço para as políticas industriais, sobretudo as de cunho
tecnológico (uma dimensão reconhecida também por Amadeo), e para
intervenções públicas articuladoras das dimensões produtiva (o propri-
amente “industrial”) e comercial (relacionado às “exportações”). Isto é
válido até mesmo para as vertentes mais ortodoxas da economia, como
assinalou F.Erber.
É possível afirmar que na visão de Reis Velloso, tal como apresenta-
da no Seminário, o conhecimento e a tecnologia estão no centro das
políticas públicas e da política industrial em particular. Neste aspecto, é
possível estabelecer uma convergência – pontual, mas relevante – entre
Reis Velloso e Amadeo: o reconhecimento da importância da política
tecnológica. Amadeo admite a sua propriedade e, embora seja refratário
à adoção de políticas industriais, reconhece que as políticas tecnológicas
podem ser eficazes. Velloso vai além e coloca a política tecnológica
integrada com a política industrial, um ponto destacado, também, por
L.Coutinho e M.S. Bastos Marques.

3. A necessidade de política industrial enquanto vetor


de reorientação da política macroeconômica
e de sustentação da estabilidade

Se nas contribuições e intervenções das mesas de Estabilidade e de


Competitividade a política industrial apareceu para ajudar a promover o
crescimento ou para remover restrições que se lhe antepõem, na visão
de Luciano Coutinho a política industrial foi colocada no centro da po-
lítica econômica e, mesmo, da política macroeconômica. De fato, na
sua análise, Coutinho mostra que a política macroeconômica da estabi-
lização não foi apenas incapaz de promover o crescimento, foi também
incapaz de sustentar-se enquanto estabilização. Com isto concordaram,
em outras mesas, diversos participantes. Coutinho aduziu a isto um ele-
mento: só a política industrial poderá libertar a política macroeconômica

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do seu círculo vicioso e dar-lhe um novo alento. Tal como colocada
hoje, a política macroeconômica estiola-se dentro de limites estreitos e
rígidos. Para superá-los, deve a política macroeconômica recorrer a ações
que removam os obstáculos, uma afirmação que apareceu, nas discus-
sões do GT, resumida na identificação da redução da dependência ex-
terna como o objetivo prioritário da política industrial.
A argumentação de Luciano Coutinho pode ser desdobrada em dois
momentos, correspondentes a duas fases de uma política industrial adap-
tada às condições brasileiras. Estas condições apresentam, com impor-
tância destacada, um elemento que precisa ser reconhecido por qual-
quer política econômica: a enorme fragilidade externa. Sobre esta fragi-
lidade, fonte de vulnerabilidade e problemas macroeconômicos, vários
outros expositores e debatedores manifestaram posições, entre eles o
ex-ministro Reis Velloso e S.Besserman, na mesa de Estabilidade, e
J.R.M. Barros, na mesa de Competitividade.
O diagnóstico de Luciano Coutinho parte de análise da situação bra-
sileira e das heranças da estabilização. Nelas, Coutinho identifica uma
situação crítica que pode ser resumida em dois elementos:
• uma importante vulnerabilidade externa;
• um regime macroeconômico perverso.

Os pontos exigem esclarecimentos. A vulnerabilidade externa tra-


duz-se na necessidade permanente de contar com aportes de recursos
forâneos, enquanto o regime macroeconômico perverso está sintetizado
na persistência de taxas de juros elevadas, persistentemente elevadas,
em patamares insustentáveis para qualquer regime de crescimento, in-
sustentáveis até mesmo para a simples manutenção da estabilidade.
Os juros elevados representam um ponto, aliás, que vincula a mesa
de política industrial à de estabilização e de competitividade: foi ressal-
tado também no primeiro e segundo seminários, por L.Belluzzo (de for-
ma extensiva), G.Mantega (em várias passagens), S. Bessermann (a ilu-
são neoliberal e da globalização benigna) e J.R.M.Barros (“Estamos a
quilômetros de uma verdadeira estabilização”; e “completamos o 10º
ano de juro real muito elevado”, “a estrutura de financiamento é insus-
tentável a longo prazo”.).
A análise de Coutinho desdobra-se, pois, em duas fases. A primeira
fase da política industrial terá que contemplar necessariamente, segun-
do L.Coutinho, a prioridade de restaurar algum nível de sustentabilidade

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ao balanço de pagamentos. Não podendo prosseguir na trilha proposta
pelo diagnóstico otimista sobre a evolução favorável do quadro interna-
cional e do financiamento voluntário do balanço de pagamentos brasi-
leiro, a política econômica terá – necessariamente – que voltar-se para a
superação desta restrição.
Uma proposição de Coutinho afigura-se central no debate sobre a
política industrial brasileira, sobre a necessidade de uma política indus-
trial para o Brasil, nas circunstâncias atuais. No diagnóstico que presi-
diu a estabilização e o Plano Real, seriam criadas, pela própria estabili-
zação, as condições para a retomada do investimento; e ele permitiria a
remoção dos eventuais constrangimentos externos, seja atraindo novos
investimentos, seja deslocando o padrão de competitividade da econo-
mia para um patamar superior. Neste novo patamar, haveria substitui-
ção “natural” (oposta a “artificial”, promovida pela política dirigista) de
importações e promoção “automática” (sem necessidade de outras me-
didas) de exportações. Vários interlocutores dos três seminários con-
cordaram com a apreciação crítica de Coutinho sobre o equívoco do
diagnótico e fracasso do Plano Real em relação ao alcance de um novo
patamar competitivo. O novo “patamar competitivo” só foi alcançado,
na verdade, em circunstâncias muito excepcionais, vinculadas muito
mais ao fracasso dos automatismos do que aos encadeamentos sugeri-
dos pelos promotores da estabilização e da política “hands-off”. Assim,
nem mesmo a desvalorização de 1999 foi capaz de promover um supe-
rávit comercial relevante e só a fortíssima desvalorização de 2002 –
visivelmente exagerada e que esteve combinada a um sensível
desaquecimento – produziu esse efeito. Dito de outra forma: a estabili-
zação foi feita sobre fluxos de capitais externos num momento da con-
juntura internacional em que eles estiveram disponíveis, criando com-
promissos para uma fase em que eles se tornaram muito mais seletivos,
sem que tenham, no período, sido criadas as condições para uma
estruturação produtiva mais consistente, capaz de colocar a balança co-
mercial em patamar mais favorável.
Mas Coutinho acrescenta ao diagnóstico do fracasso da estabiliza-
ção em termos da retomada do crescimento e da sustentação do setor
externo um elemento adicional: a política industrial é vital para dar sus-
tentação à própria estabilização. Na sua visão, só a política industrial
será capaz de libertar a política macroeconômica dos seus vícios e dos
seus efeitos perversos. Um destes efeitos perversos é o custo de capital,
a onerar a economia e restringir projetos de investimento. Afinal, os

DESENVOLVIMENTO EM DEBATE — 140


setores hipercompetitivos da economia brasileira estão, em tantos ca-
sos, com restrições de capacidade precisamente pelo fato de que a
macroeconomia inviabiliza quaisquer projetos, mesmo aqueles que po-
deriam vir em seu socorro, removendo as restrições externas. Por isso,
uma das funções básicas fundamentais da política industrial é a de redu-
zir o custo de capital.
Este ponto, reconhecido também por J.R.M. Barros, foi comentado
por Gustavo Franco, de forma crítica. Para ele, existem duas formas de
encarar e enfrentar o problema, uma delas definitiva e regular, a outra
provisória e distorcida. Se os juros são elevados, é porque as condições
estruturais assim o determinam, afirmou Franco. Pode-se “driblar” esse
custo, ou pode-se “reduzi-lo”. G.Franco reiterou, sobre este ponto, a habi-
tual preocupação dos adversários e críticos da política industrial: conceder
aos formuladores e executores da política econômica (e industrial) o poder
de arbítrio sobre a concessão de benefícios – pode a política industrial não
ser seletiva?. Este aspecto esteve presente na afirmação de Amadeo sobre
os subsídios que, segundo ele, o BNDES concede às empresas. Como mos-
trou Gastaldoni, inexistem subsídios nestas operações. Aliás, estas opera-
ções sequer alcançam a possibilidade de oferecer às empresas brasileiras
condições de capital isonômicas em relação à concorrência (internacional).
A.B.Castro foi na mesma direção, quando enfatizou, por absurdo, que “en-
tão, tudo abaixo de 26% seria subsídio?”
É neste contexto que se coloca a questão da substituição de importa-
ções e da promoção de exportações. A teoria econômica prescreve que
a política industrial deveria orientar-se para objetivos outros que não a
balança comercial – sobretudo, que não a substituição de importações.
Ocorre, e este é o paradoxo notado por diversos participantes, que a de-
mora em adotar medidas promotoras do comércio exterior brasileiro leva,
nas circunstâncias atuais, à necessidade de priorizar este objetivo. Na mesa
sobre competitividade, o Embaixador Rubens Barbosa estabeleceu diplo-
mática – embora enfática – divergência em relação ao argumento apre-
sentado por P.M.Veiga sobre a ociosidade de uma política específica para
a eletroeletrônica e defendeu que se discutam claramente a necessidade e
a conveniência de atrair empresas fabricantes de produtos eletroeletrônicos.
Esta proposição, com nuanças e ressalvas, pôde ser encontrada nas inter-
venções de diversos participantes, mesmo que “desalinhados” em outros
aspectos do debate. No GT, houve quem sustentasse que os
eletroeletrônicos, ao lado dos químicos e bens de equipamento, “ofere-
cem-se como prioritários para a política industrial brasileira”.

POLÍTICA INDUSTRIAL — 141


Isto suscita um ponto importante sobre horizontalidades e verticalidades,
neutralidades e intervenções (setorialmente) seletivas. É fato que ainda
existe espaço para intervenções horizontais e dotadas de alguma neutra-
lidade (setorial). Será no entanto inevitável que o pêndulo balance, por
um período, em favor de intervenções mais setoriais. Pelo menos duas
razões informam esta percepção. A primeira reflete a pressão conti-
da de alguns setores, cujo desenvolvimento foi retardado ou
inviabilizado por ausência ou insuficiência de apoios. A segunda,
vinculada à argumentação já apresentada, prende-se ao sentido de
urgência que as pressões do setor externo deverão impor à política
econômica em seu conjunto, pressões que poderão ser atenuadas por
ações setoriais (um ponto a retomar adiante, na penúltima seção).
Isto reitera a opção – sustentada por diversos participantes e retoma-
da no GT – por uma política de substituição de importações nos se-
tores deficitários e com demanda elástica (em relação ao crescimen-
to), mesmo que seja conveniente, desde a partida, vincular este pro-
cesso a uma ativa promoção de exportações.

4. Elementos de uma política industrial no Brasil

As contribuições dos autores e os debates havidos nas três mesas


aqui recuperadas podem ser consideradas relevantes – e, na apreciação
deste sistematizador, também suficientes – para o desenho de uma polí-
tica industrial moderna e eficaz. Modernidade e eficácia da política in-
dustrial significam poder alcançar os objetivos da política sem incorrer
em custos de experiências passadas, sem provocar retrocessos indesejá-
veis em termos de competitividade, de abertura e exposição aos regimes
competitivos contemporâneos. Aliás, eis aí um notável avanço da argu-
mentação de todos os autores defensores da política industrial, à exce-
ção de Reis Velloso: a preocupação com os antídotos em relação aos
possíveis problemas da política industrial. Castro, Coutinho e Erber,
inscritos entre os principais defensores da adoção de políticas industri-
ais, propugnaram desde a partida elementos que permitem evitar possí-
veis efeitos adversos das escolhas. Assim, apareceram no debate, con-
frontadas, as “falhas de mercado” (que demandam política industrial) e
as “falhas de governo” (que previnem contra intervenções ou orientam
o seu formato). A superação dos efeitos das primeiras, com o auxílio
das segundas, esteve reiteradamente informada pela necessidade de es-
tabelecer, previamente aos benefícios seletivos, metas de desempenho e

DESENVOLVIMENTO EM DEBATE — 142


penalidades dissuasórias de comportamentos inconsistentes com os ob-
jetivos da política (negociados com as empresas).
Muitos dos participantes contribuíram para um desenho que, ao fi-
nal, pode ser considerado bastante abrangente; e mesmo aqueles cujo
objeto não era o das políticas industriais forneceram valiosos elementos
que ajudam a formular um consenso básico, consenso sobre o qual po-
dem, subseqüentemente, ser incorporados elementos novos, de abertura
do leque de opções mais específicas de política industrial, de
competitividade e de desenvolvimento. Vários dos autores e participantes
mais preocupados com a estabilidade reconheceram, a despeito desse seu
objeto, os limites da estabilização e a necessidade de avanços. De forma
explícita ou apenas implicitamente, muitos dentre eles concordaram com
a idéia de políticas mais ativas, capazes de promover objetivos e alcan-
çar resultados em relação aos quais a política macroeconômica da esta-
bilização foi insuficiente. Como definir e implementar estas políticas?
Uma primeira concordância fundamental do debate dos promotores
da política industrial refere-se à preponderância de elementos horizontais
combinados a outros verticais. Assim, por exemplo, todos os autores, in-
distintamente, enfatizaram a importância dos ganhos de produtividade e
competitividade alcançados nos anos de 1990 e a necessidade de prosse-
guir nessa mesma direção. Esta concordância alinhou Castro e Coutinho,
de um lado, e Amadeo e Franco, de outro lado, habitualmente em posi-
ções diferenciadas. A mesma horizontalidade pode ser captada na argu-
mentação de Reis Velloso quanto ao vetor conhecimento, que deveria
perpassar todas as atividades econômicas, independentemente da sua na-
tureza setorial. O mesmo ponto esteve presente, na sessão anterior
(Competitividade), na argumentação de J.R. Mendonça de Barros. Neste
caso, com a observação, de registro necessário, de que M.Barros conside-
rou indiferenciadas atividades como a agricultura e a indústria.
Adicionalmente, houve uma ampla concordância quanto ao fato de
que a política industrial não deve evitar escolhas, embora tenha que
evitar escolher “campeões”. Longe de ser sofisma ou jogo de palavras,
esta diferença é crucial para uma política industrial moderna e eficaz. A
política industrial deve privilegiar critérios, e estes devem ser claros. A
partir deles, as estratégias dos atores devem ser premiadas (e, portanto,
não premiadas) em decorrência da aderência ou divergência em relação
aos critérios da política, não às suas escolhas específicas. Assim, se a
política de promoção de exportações é crucial para a sustentação da
política macroeconômica e para a remoção dos entraves ao crescimento

POLÍTICA INDUSTRIAL — 143


e ao desenvolvimento, então as estratégias e os projetos que priorizem
esta orientação serão beneficiados, sem que isso represente arbitrarie-
dade da escolha (de ganhadores e perdedores) ou comportamento dis-
cricionário por parte dos formuladores e executores da política industri-
al e de comércio exterior, substituindo (e entorpecendo, anulando) o
necessário papel dos mecanismos de mercado. O mesmo seria válido,
também, para os aspectos tecnológicos, em que pese a ressalva, oportu-
na, de G.Franco quanto à dificuldade inerente a esta apreciação.
Um aspecto que perpassou diversas exposições e intervenções refe-
re-se à estrutura industrial, à composição da produção industrial em ter-
mos de setores e produtos. Reis Velloso, com o argumento sobre a neces-
sidade de fortalecimento dos setores que são básicos para a produção e
difusão do conhecimento, e Coutinho, com a sua ênfase no atraso do setor
eletroeletrônico, mostraram a necessidade de uma atenção especial a este
setor. Amadeo e Castro, em outros aspectos tão divergentes, concorda-
ram em pelo menos uma questão: é possível desenvolver a indústria e a
economia sem dedicar nenhuma atenção especial à eletroeletrônica. Eis
aí uma divergência importante para a qual o debate não deu resposta defi-
nitiva. F. Erber, no entanto, trouxe à discussão um aspecto que pode mos-
trar-se útil para resolver esta questão. Na sua argumentação, Erber apre-
sentou uma importante distinção entre crescimento – “mais do mesmo” –
e desenvolvimento – “mudança estrutural”, quer dizer, mudança na com-
posição da produção (industrial), que pode requerer “modificação na es-
trutura de ativos das empresas”. Na réplica de Castro, Coutinho e Erber à
crítica de Amadeo à velha política industrial e ao cepalismo, registrou-se
um elemento comum: as escolhas setoriais orientadas pelo duplo critério
da densidade de valor (e não de valor adicionado, que representa uma
simplificação e induz a erro4 ) e dinamismo de mercado.
Assim sendo, qual a importância e o papel de setores como o
eletroeletrônico? Se para Amadeo ele é ocioso e talvez mesmo nefasto

4
Existe uma diferença conceitual e empírica entre maior valor agregado e densidade de
valor mais elevada. F.Fajnzylber afirmou (en passant) que “a indústria de calçados do
Uruguai retira valor do couro”. Um couro de boa qualidade, com fabricação de calçados
de má qualidade (ou design impróprio, ou estratégia comercial equivocada...), resulta em
“valor desagregado”. De forma menos radical: nem sempre prosseguir na cadeia (agre-
gando valor) resulta benéfico, pois o quociente entre o valor assim acrescentado e os
recursos produtivos utilizados pode ser, na nova etapa, inferior ao valor médio da etapa
precedente. Aumentar o valor agregado pode, por isso, ser inadequado, enquanto aumen-
tar a densidade de valor – o valor acrescentado por unidade de recurso utilizada – dificil-
mente produzirá resultado dúbio.

DESENVOLVIMENTO EM DEBATE — 144


(“estamos melhor sem eletrônica do que com ela”), e para Castro é pelo
menos prescindível (a Europa, “cemitério de eletroeletrônica”, nem por
isso deixa de desenvolver-se), para Coutinho, Erber e Reis Velloso os
setores eletroeletrônicos possuem papéis relevantes e necessários, tal-
vez insubstituíveis. Em primeiro lugar, devido à elasticidade-renda: quan-
do cresce a renda, cresce muito mais do que proporcionalmente a de-
manda destes produtos (e dos serviços correlatos, acrescentaríamos).
Em segundo lugar, como decorrência, o peso desta atividade, e em que
pese a tendência à redução dos preços mostrada por Amadeo, tende a
elevar-se, elevando-se também o ônus que isso representa para o balan-
ço de pagamentos. Mas seria possível argumentar, como faria, por exem-
plo, Amadeo, que a economia pode pagar pelos eletrônicos com produ-
tos de outras atividades, desde que elas pudessem modernizar-se em rit-
mo adequado (o que, aliás, fizeram, ao longo dos anos 1990). Admitindo
que seja possível compatibilizar estas elasticidades-renda, dos produtos
importados (eletroeletrônicos) e dos produtos exportados (outros), per-
manece em aberto a questão avançada, na primeira sessão, pelo ex-minis-
tro Reis Velloso: como fortalecer a necessária difusão de conhecimentos
sem contar com uma forte base eletroeletrônica e informática (internética)?
Eis aí um aspecto que mereceria aprofundamento adicional: existe uma
diferença entre uma estrutura industrial e um sistema industrial? Um con-
junto amplo e diversificado de atividades industriais e seus respectivos
serviços de apoio pode ganhar produtividade e competitividade por meio
de mecanismos de integração e sinergia? Neste caso, que papéis devem
ser considerados para os conjuntos setoriais de bens de capital,
eletroeletrônicos e químicos que, além do peso que possuem (nas impor-
tações) e das respectivas elasticidades-renda (elevadas), apresentam tam-
bém efeitos dinâmicos em termos de um sistema industrial?
Diversos participantes dos seminários assinalaram os importantes
ganhos de produtividade da economia brasileira e da sua indústria nos
anos 1990. Por que razão estes ganhos de produtividade não se traduzi-
ram em ganhos de competitividade equivalentes? Uma possível respos-
ta pode ser encontrada na indagação anterior, bem como nas interven-
ções de diversos participantes (como M.S.Bastos Marques, A. B.Castro,
J.R.M.Barros). Por mais que a indústria brasileira possa ter desenvolvi-
do aspectos fundamentais da sua produtividade física (nela incluídos os
aspectos de qualidade), deixou de desenvolver os atributos intangíveis
que se tornaram fundamentais na competição contemporânea: marca,
apelo cultural, logística, vínculo permanente com o mercado, um ponto

POLÍTICA INDUSTRIAL — 145


reconhecido por vários participantes. A frase, que já se tornou um qua-
se-chavão, indica que “o Brasil é comprado”, não vende. Pelo menos
dois dos participantes enfatizaram a necessidade de reduzir o viés
antiexportador (M.S.Bastos Marques e P.M.Veiga). Veiga, mais enfáti-
co, sustentou a necessidade de reduzir o nível de proteção tarifária, com
isso induzindo atitudes mais exportadoras.
Como garantir, no caso dos proponentes de uma política industrial
direcionada também para a substituição de importações, a necessária
economicidade? L.Coutinho que, ao lado do Embaixador Rubens Bar-
bosa e de Fábio Erber, foi o mais enfático defensor de uma política
nesta direção, propugnou a necessidade de adoção de escalas competiti-
vas internacionais e combinação de substituição de importações com
exportações. Do mesmo modo, ressaltou que a substituição de importa-
ções tem que ser promovida de forma seletiva e avaliada em termos das
cadeias, de forma integrada, verificando os possíveis efeitos adversos
impostos ao conjunto da cadeia por uma ação localizada sobre um pon-
to (etapa produtiva). Vê-se, portanto, que os mais entusiásticos defen-
sores de políticas ativas de substituição de importações incorporaram,
em sua argumentação, os “remédios preventivos” propostos pela litera-
tura internacional.
Uma divergência importante deve ser registrada, referente ao signi-
ficado das transformações industriais dos anos 1990. Enquanto, para
muitos, a abertura e a valorização cambial determinaram uma importan-
te transformação da estrutura industrial, com aumento de produtividade
em algumas atividades e regressão industrial em outras, para outros o
processo representaria uma necessária purga dos excessos incorridos
após um longo – excessivamente longo – período de substituição de
importações, com fechamento exagerado e nenhuma seletividade.
Coutinho, filiado à primeira posição, e Amadeo e Franco, filiados à
segunda, receberam ambos a mesma reprovação de Castro: “estávamos
todos errados”. Na sua argumentação, as empresas foram preservadas,
tiraram – de forma penrosiana – novos serviços dos mesmos recursos,
deu-se um remanejamento de capacidades, associado à descoberta de
potenciais latentes.
A única ressalva a esta leitura otimista e benigna do processo de
abertura com valorização cambial que Castro apresenta refere-se à ne-
cessidade de completar as funções propriamente industriais com as ex-
tra-industriais, ou seja, as “funções corporativas superiores”. A diver-
gência com Coutinho, neste ponto, foi clara e explícita. Coutinho sus-

DESENVOLVIMENTO EM DEBATE — 146


tenta, e reafirmou isso no debate, que ocorreu, em muitas áreas industri-
ais, em várias cadeias produtivas, uma rarefação do tecido industrial.
Trata-se, portanto, de uma diferença relevante. Enquanto para Castro o
tecido industrial é formado por empresas saudáveis e fortes, mais
especializadas, mais ágeis, que redescobriram vocações e redefiniram
mercados, faltando-lhes apenas desenvolver competências extra-indus-
triais, para Coutinho existe uma fragilidade sistêmica, oriunda das debi-
lidades criadas, em diversas cadeias, pela regressão eletroeletrônica e
de algumas atividades densas – como a química de especialidades e a
fabricação de máquinas e equipamentos. Desta divergência entre as aná-
lises de Castro e Coutinho resultam duas propostas distintas de política
industrial: uma voltada para o fortalecimento dos atores existentes, em
novas funções corporativas; outra pensando na constituição de atores
industrialmente mais sólidos e na atração de outros atores.
Mas, ao lado desta divergência quanto ao passado recente e às impli-
cações de políticas específicas, Castro e Coutinho partilharam (também
com alguns dos outros participantes – Erber) uma concordância funda-
mental: a política industrial possui um papel insubstituível. Este papel é
o de realizar escolhas, permitir a adoção pelas empresas de estratégias
que lhes seriam “estranhas” dentro de parâmetros de “mercado livre”.
Foi assim que Castro se referiu à política industrial como produtora de
visões e coordenadora antecipada de decisões, para propiciar escolhas
ex-ante, já que o mercado seria eficaz sobretudo nas escolhas ex-post.
O mercado, “tal como o escorpião da fábula de La Fontaine”, tem uma
natureza inescapável, é insubstituível no papel de premiar e punir, mas
é incapaz – e, portanto, entorpecedor – no outro papel – o de olhar
longe, produzir visões e viabilizar as transformações. A imagem, utili-
zada a este propósito por F.Erber, lembrou que “todos os delegados da
ONU falando juntos nem por isso criam o esperanto”.

5. Ações de uma política industrial no Brasil

As ações para uma política industrial no Brasil envolvem pelo menos


três eixos. Um primeiro corresponde àquilo que na contribuição de Coutinho
apareceu como os fundamentos de política industrial para uma política
macroeconômica e uma estabilização sustentáveis. Um segundo eixo
corresponde à potencialização das estratégias exitosas. Um terceiro eixo
corresponde ao chamado consumo de massas, entendido como um fenôme-
no de enorme potencial para a expansão do sistema econômico brasileiro.

POLÍTICA INDUSTRIAL — 147


Cada um desses eixos possui as suas próprias referências e
determinantes, mas, embora possam ser pensados de forma individuali-
zada, estão longe de ser excludentes. Se uma diferença existe entre estes
três eixos, ela refere-se à cronologia, à seqüência que deve ser colocada
de forma a propiciar os melhores resultados. Desnecessário seria repisar
o fato de que esta cronologia deve-se, em grande medida, às imposições de
uma conjuntura adversa, que determina um olho prioritário sobre o balanço
de pagamentos e, nele, sobre a balança comercial. A este respeito, convém
recordar que os investimentos diretos estrangeiros poderiam desempenhar
um papel relevante, mas o caráter restritivo da institucionalidade interna-
cional (Organização Mundial do Comércio), a despeito dos esforços re-
centes do Brasil, deverá limitar esta opção. Por isso, o eixo prioritário – a
despeito do normativo da teoria sobre política industrial – da política de-
verá ser, de início, a balança comercial.
No interior do GT discutiu-se intensamente o binômio prioridade na
promoção das exportações ou substituição de importações versus um
tratamento neutro de ambas as variáveis. É possível sustentar – e diversos
participantes dos painéis manifestaram-se nesse sentido – que a PE e a SI
são indissociáveis e devem caminhar conjuntamente. Isto é, sem dúvida,
o ideal. Ademais, o crescimento da produção, voltada para o mercado
interno e para exportações, pode representar uma garantia importante do
funcionamento do sistema econômico em bases competitivas, com esca-
las e parâmetros econômicos coetâneos. Mas, mais uma vez, é possível
imaginar um cenário externo com um grau elevado de adversidade que
obrigue a opções que seriam, em circunstâncias normais, subótimas,
mas que se revelem, num quadro delicado, imperiosas.
No caso de uma restrição externa mais severa, a política industrial
pode ser levada, em combinação com os instrumentos da política comer-
cial, a promover de forma mais intensa a promoção das exportações de
produtos com competitividade já revelada, mas com capacidade produti-
va interna limitada (plenamente utilizada). Por mais que seja saudável
promover setores industriais diferenciados, que permitem aprendizado,
ganhos futuros mais significativos, além das fertilizações cruzadas típicas
de um sistema industrial diversificado e integrado, as restrições do setor
externo podem impor uma segunda opção tornada escolha superior.
Quanto à substituição de importações, também dentro dela podem
haver escolhas a fazer. Existem setores industriais em que o Brasil pos-
sui produção, mas ela revela-se insuficiente. Ao longo dos anos recen-
tes, a produção não acompanhou o consumo. Isto ocorreu por insufici-

DESENVOLVIMENTO EM DEBATE — 148


ência de investimentos, em decorrência de restrições macroeconômicas,
ou, em vários casos, por divisão de trabalho industrial entre filial e ma-
triz de empresas multinacionais5. É pois possível que a substituição de
importações tenha, ela também, que privilegiar aquelas atividades com
capacidade produtiva existente em níveis insuficientes para o atendi-
mento da demanda, e não o avanço da estrutura industrial para novos
produtos, segmentos e atividades.
Existe, assim, dentro do eixo da política industrial que prioriza a re-
moção das restrições externas e a restauração da sustentabilidade da esta-
bilização, uma hierarquia de prioridades. Ela começa pela promoção de
exportações, passa pela substituição de importações de setores e produtos
com capacidade produtiva e desdobra-se, por fim, na substituição de im-
portações mais ativa, em novos segmentos. Do ponto de vista de um siste-
ma industrial, e de suas ricas sinergias, esta pode não ser a escolha “óti-
ma”, mas pode impor-se por circunstâncias adversas graves.
O segundo eixo envolve as experiências exitosas, lembradas por di-
versos participantes mas ressaltadas com grande força sobretudo por
Castro. O tecido industrial, depurado, na visão de Castro (e P.M. Veiga),
ou empobrecido, na apreciação de Coutinho (e F. Erber), apresenta nú-
cleos de grande vigor e dinamismo. Eles podem ser vistos como empre-
sas (Castro) ou como setores (grupos de empresas, como Coutinho e
Erber); mas são, em ambos os casos, núcleos vitais potencialmente ri-
cos para uma estratégia expansiva.
Na visão de Castro, esta expansão estaria mais voltada para o desen-
volvimento de competências complementares, quer dizer, para a forma-
ção de competências que a empresa ainda não desenvolveu, mas pode-
ria, agora, entabular e conquistar. Esta visão é perfeitamente compatível
com algumas outras observações, de diversos participantes, segundo os
quais faltam aos “vencedores” desta fase de purga e restrições atributos
diferenciais para transformarem capacidades produtivas eficientes em
posições sólidas nos mercados, sobretudo os externos. Preocupadas que
estiveram em conquistar competitividade, as empresas centraram-se qua-
se exclusivamente nos fatores principais dessa necessidade e deixaram
de lado desenvolvimentos que devem apresentar, na atualidade, retor-
nos elevados (porque alavancam as capacidades renovadas).

5
A ABIQUIM mostrou que mais de ½ das importações de produtos químicos está relacionada
a produtos com produção nacional insuficiente. Trata-se, portanto, de restrição de capacidade
produtiva, não de restrição tecnológica. Cf. Renato Endres, ABIQUIM, comunicação oral.

POLÍTICA INDUSTRIAL — 149


Este movimento já teve início em alguns setores e empresas, mas
está muito aquém do necessário para produzir resultados consistentes,
numerosos e volumosos. Por isso mesmo, convém dotá-lo de novos ins-
trumentos de apoio. Existem aqui dois vetores de ação diferentes, mas
não-excludentes. Convém diferenciá-los por razões instrumentais (in-
dependentemente das analíticas). O primeiro eixo de ação refere-se às
políticas de criação de novas competências, um aspecto enfatizado por
Castro e J.R.M. Barros, entre outros. O segundo eixo, diferenciado mas
passível de ser tornado complementar, refere-se ao fortalecimento do
tecido empresarial, entendido enquanto unidades econômicas de dimen-
sões adequadas às escalas empresariais vigentes internacionalmente, o
que foi um ponto valorizado por Coutinho.
É possível pensar que estes dois eixos de ações possam ser mobili-
zados conjuntamente para alavancar as exportações brasileiras e confe-
rir-lhes vantagens competitivas diferenciadas. Convém diferenciar
competitividade de vantagens competitivas diferenciadas (ou outro ter-
mo que se queira lhes dar): as exportações brasileiras são competitivas
em muitos setores – aço, suco de laranja, calçados sociais masculinos e
femininos, para ficar em exemplos conhecidos. Em todos eles, somos
comprados, como tantos enfatizam recorrentemente e foi repetido nas
sessões do Seminário. Mas conquistar vantagens competitivas diferen-
ciadas significa modificar qualitativamente as relações entre o produtor
e os seus mercados – algo que exige tanto as funções empresariais
extraprodutivas (o não-fábrica) quanto o reforço empresarial para cons-
tituir – nos mercados de destino – as necessárias capacidades para ven-
der. O desenvolvimento dessas funções (Castro e outros) pode deman-
dar o reforço da pujança empresarial (Coutinho), tanto quanto podem,
ambas, alavancar-se mutuamente.
Ainda neste capítulo, uma indicação, a título de incitação ao (neces-
sário) debate coletivo. A internacionalização da indústria brasileira fez-
se sempre de forma muito assimétrica: receptora de investimentos, ex-
portadora de produtos. Esta assimetria está patente nos efeitos adversos
do comércio intrafirma, que responde pela maior parcela do comércio
mundial. Pode parecer pretensioso e com remotas possibilidades a es-
tratégia de internacionalização mais ativa e ambiciosa – conquistar po-
sições por meio de redes de comercialização e, quiçá, aquisições. É
possível argumentar diferentemente; e é possível fazê-lo tendo como
referência exatamente a política industrial, considerada esta como o con-
junto de instrumentos que permite às empresas empreender – com su-

DESENVOLVIMENTO EM DEBATE — 150


cesso – esforços que elas seriam relutantes para realizar por seus própri-
os esforços. É possível imaginar que a estratégia mais “sensata” para a
internacionalização das empresas seja a de, passo a passo, constituírem
capacidades externas na proporção dos seus recursos, eventualmente
auxiliadas por apoios financeiros. Quanto tempo demora esta ação para
frutificar? Quantos empreendimentos estarão à altura de realizá-la? A
política industrial pode colocar-se tarefas mais ambiciosas e – por isso
mesmo – mais factíveis e rentáveis. Viabilizar empreendimentos coleti-
vos de exportação, por exemplo, nos moldes do que fizeram as duas
grandes exportadoras do complexo de carnes de aves-suínos, pode re-
sultar de uma ação de política pública para setores pulverizados, como,
por exemplo, o de calçados. E, neste caso, com investimentos que são
elevados para cada empresa, mas modestos para as dimensões do com-
plexo calçadista brasileiro, as estratégias de um sem-número de empre-
sas poderiam ser efetivamente viabilizadas, com ganhos comerciais em
prazo curto (exportações crescentes e apropriação de margem adicio-
nal) e ganhos industriais progressivos (aprendizado).
O terceiro eixo corresponde ao desenvolvimento do assim chamado
consumo popular de massas, entendido como um fenômeno de enorme
potencial para a expansão do sistema econômico brasileiro. Ele já foi
bastante discutido por Castro e recebeu, no programa econômico de um
dos partidos em lide, uma ênfase importante. No debate do GT, esse
tema foi recuperado por um dos membros participantes e deveria rece-
ber uma atenção muito especial. Para avançar no debate, para agregar
ao que já foi dito elementos novos enriquecedores, ele deveria ser pen-
sado com base em quatro ingredientes adicionais: a mobilização da ca-
pacidade empresarial brasileira para a identificação de oportunidades e
da inteligência brasileira para a construção de alternativas; a integração
dos processos de atendimento destas demandas com a instituição de
funções de produção empregadoras e capacitadoras; o aproveitamento
e o uso intensivo de recursos naturais brasileiros; e a exploração de
oportunidades comerciais em mercados com características análogas às
dos mercados populares de massas brasileiros.
A política industrial contemporânea será necessariamente renovada
em relação à experiência histórica – ou terá vida curta.. Os seus desafi-
os são imensos; e as restrições que se lhe antepõem, colossais. Entre
estas, a cobrança de resultados, que será por certo mais exigente do que
foi em relação às políticas horizontais. Em cada esquina, um guardião
das boas doutrinas aguarda o menor deslize. Que sirva de advertência a

POLÍTICA INDUSTRIAL — 151


contabilidade de custos e resultados que foi apresentada por E. Amadeo
no seminário de política industrial! Ou a lista de 17 comparações aduzida
por G. Franco, entre as políticas “saudáveis” (horizontais e neutras) e as
“insanas” (verticais e setoriais)!
Isto significa que os instrumentos terão que ser utilizados com efici-
ência. Eficiência é muito diferente de parcimônia. Um objetivo ambici-
oso exige instrumentos poderosos. Se não os há, evite-se a ambição –
frustrante e derrotista. Se eles existem, que sejam mobilizados na exata
medida das necessidades. Nem mais e nem menos. Nem menos e nem
mais. Que o sucesso legitime as políticas e garanta a sua necessária
continuidade. Para isso, a política deve arquitetar consensos estratégi-
cos, reunindo os atores economicamente, socialmente e politicamente
relevantes para o projeto desenvolvimentista. Este projeto exige
compatibilização com reformas institucionais – incluindo aquelas im-
prescindíveis à constituição de um sistema de financiamento de longo
prazo. Por último – e mais importante – é necessário enfatizar a priori-
dade maior da sociedade brasileira, prioridade que agora poderá rece-
ber correspondente atenção: a geração de empregos e rendas que inclu-
am os brasileiros no desenvolvimento.
Quanto ao papel do BNDES, o seu papel parece estar a redefinir-se.
O BNDES foi sempre o agente da capacidade produtiva. Deverá conti-
nuar a sê-lo? Se a agenda definida pelos seminários e debates estiver
correta, a resposta é sim... e não.
Sim, o BNDES terá que participar de forma efetiva do conjunto de
iniciativas definidas no primeiro conjunto de ações – e isto significa
financiamento à capacidade produtiva. É possível imaginar que em al-
guns destes setores e empreendimentos o patamar de competitividade já
alcançado permita que as ações do banco sejam catalizadas com recur-
sos de outras instituições – nelas incluídas aquelas que vêm sendo anun-
ciadas pelo programa de um dos partidos em conjunto com a BOVESPA.
Isto significa que o BNDES, criador (financeiro) dessas capacidades
produtivas, pode abrir espaço para outros capitais e resgatar o seu papel
histórico mais importante – desbravador, aquele que abre a fronteira do
que está para ser feito. E isso remete ao segundo e terceiro eixos.
Não, o BNDES terá, se os eixos de ação identificados no item 5
estiverem aderentes à realidade e coerentes com as necessidades, que se
converter no banco das transformações – nos moldes da anunciada pela
definição binomial (e feliz) de Fábio Erber: deixar de ser (só) o mais do
mesmo para ser (cada vez mais) o promotor do diferente. Eis aí as fun-

DESENVOLVIMENTO EM DEBATE — 152


ções corporativas superiores (e complementares), de Castro. Incluam-
se, também, as ações propostas por Coutinho em favor da grande em-
presa e da internacionalização seletiva.
O GT avançou, como contribuição própria à sistematização dos deba-
tes sobre política industrial, uma série de contribuições que detalham e
esmiúçam as proposições anteriores. Entre os novos vetores de ação que
foram propostos e recaem na alçada de atuação do BNDES, destaca-se o
financiamento de competências, nelas incluídas atividades como
comercialização e logística, padronização e normatização, atividades de
natureza intangível que habitualmente são relegadas – dentro da tradição
do financiamento ao equipamento, instalação e planta – a um remoto se-
gundo plano. Ao lado deste, recolheu-se como contribuição – e afigura-se
convergente com as proposições das mesas de competitividade e política
industrial – a necessidade por parte do BNDES de pensar temas e estabe-
lecer instrumentos como os necessários ao financiamento de redes de
empresas, estejam elas aglomeradas espacialmente (arranjos de produção
localizados) ou dispersas; ou ainda a internacionalização de empresas (so-
bretudo as grandes, mas não exclusivamente).
Um eixo de atuação mereceu, nas sessões finais do GT, uma menção
mais enfática – o desenvolvimento voltado para o atendimento do con-
sumo de massas. Este vetor inclui temas e áreas como o urbano (habita-
ção e sobretudo saneamento) ou os bens de consumo básico como me-
dicamentos. A escassez de reflexões a respeito deste tema é, por certo
reveladora, tanto quanto as exigências que dela decorrem e incitam a
uma agenda instigante e promissora. Ao mesmo tempo, é aqui que os
dois papéis do BNDES – o tradicional: da capacidade produtiva, e o
renovado: das funções intangíveis – podem reencontar-se de forma mais
rica. Neste caso, a riqueza maior deste novo papel está em ser capaz de
conceber projetos e instrumentos que permitam a incorporação à cria-
ção de riquezas – e ao seu consumo – de amplas camadas dos brasilei-
ros, devolvendo assim ao banco o seu papel maior – ser o agente finan-
ceiro do desenvolvimento (dos) brasileiro(s).

POLÍTICA INDUSTRIAL — 153


Desenvolvimento em Debate — 154
POLÍTICA INDUSTRIAL: HISTORIOGRAFIA E
CONDICIONANTES DE SEU SUCESSO

Edward Amadeo*

1. Introdução

Tem sido muito vivo o debate sobre a necessidade de o país ter uma
política industrial (PI). O argumento básico para tanto é a necessidade
de geração de superávits da balança comercial, que reduzam o déficit
em transações correntes e, assim, a susceptibilidade da economia a cho-
ques externos. Pressupõe-se que a PI seja capaz de elevar exportações e
substituir importações.
Esse trabalho não nega a relevância de PIs. Ao contrário, busca
mostrar que a literatura teórica, desde os economistas clássicos, é farta
em recomendações de PIs. Entretanto, em geral, na literatura especi-
alizada, a geração de superávits comerciais não tem destaque. O estudo
argumenta ainda que há condições para o sucesso das PIs. Em particu-
lar, que ele depende da abertura da economia e de adequados volumes
de investimento e poupança.
Para efeito de análise, o uso do termo PI refere-se às políticas de inter-
venção no mercado que alterem preços relativos a favor de regiões, in-
dústrias ou empresas. Nesse sentido, a isenção tributária para atrair inves-
timentos, a oferta de juros subsidiados, a assunção de risco privado pelo
setor público, a discricionariedade da estrutura de tarifas de importação, o
IPI e o ICMS constituem casos de PIs. Além disso, iniciativas que melho-
rem a infra-estrutura, reduzam custos sistêmicos ou custos de transação
também podem ser consideradas PIs, ainda que, quanto a essas, as restri-
ções à sua eficácia sejam muito menores que às primeiras.
O trabalho procura responder as seguintes indagações.

* Departamento de Economia da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro.


Tendências Consultoria.

POLÍTICA INDUSTRIAL — 155


• Existem argumentos teóricos a favor das PIs?
• Sob que condições as PIs são (ou foram) mais bem-sucedidas?
• Procede a justificativa “cepalina” para as Pis, baseada na deteriora-
ção dos termos de troca das commodities em relação aos produtos
manufaturados?
• São os setores de alta tecnologia aqueles com elevado valor agrega-
do por trabalhador e, portanto, deveriam ser eles os alvos de PIs
para elevar o valor das exportações?
• Há inequívocos motivos para temer o crescimento adicional do “dé-
ficit de eletroeletrônicos” em face da experiência dos últimos anos?
• O Brasil tem uma PI? E qual o seu custo fiscal?

2. Historiografia do debate

A idéia de PI não é nova. Bem antes de Smith e Ricardo fazerem a


defesa do livre comércio, as teses mercantilistas dominaram a cena eco-
nômica, nos séculos XVI e XVII, e as propostas legislativas, de inter-
venção no mercado e proteção, eram as mesmas que são usadas até
hoje. A primeira lei de proteção do trigo na Inglaterra, a corn law, data
de 1689. Segundo Viner (1937: 71-72), a doutrina da “indústria nascen-
te”, com esse mesmo nome, apareceu pela primeira vez em 1645 e, de-
pois, repetidas vezes. Mesmo depois de Smith e Ricardo, economistas
clássicos como Robert Torrens e John Stuart Mill escreveram a favor de
políticas discricionárias e protecionistas.
Na segunda onda de industrialização, a Alemanha e os EUA protegeram
suas indústrias. Em 1879, Bismarck repudiou as políticas de livre comércio,
apoiando a imposição de tarifas tanto sobre a importação de bens agrícolas
quanto industriais – as chamadas iron and rye tariffs (cf. Lindsey:33).
Em Smith, a defesa do livre comércio é um ataque à visão mercantilista,
que via na geração de superávits comerciais e na acumulação de metais preci-
osos, objetivos em si.1 Esse argumento, de natureza “macroeconômica”, na
maior parte das vezes, era usado para a defesa de interesses de indústrias
específicas, como assinala Viner (1937: 59):

1
“Every town and country,(…) in proportion as they have opened their ports to all nations;
instead of being ruined by this free trade, as the principles of the commercial system
would lead us to expect, have been enriched by it.” (citado por Irwin, 1996:81).

DESENVOLVIMENTO EM DEBATE — 156


“a literatura mercantilista (...) consistia na maior parte dos escritos
na defesa de ‘merchants’ ou homens de negócios, que tinham, em
geral, a capacidade de identificar o seu próprio interesse com o bem-
estar nacional... [O] grosso da literatura mercantilista consistia de
tratados que eram, em parte ou no todo, (...)um apelo especial por
interesses econômicos especiais”.
Smith, por sua vez, via nas teses mercantilistas a defesa de interesses
dos produtores, em detrimento daqueles dos consumidores.2

2.1. Economias de escala e industrialização


A matriz de toda a historiografia sobre livre comércio e protecionis-
mo é a obra de Adam Smith. Smith foi um grande defensor do livre
comércio. Porém, mais que isso, os argumentos modernos a favor de
PIs se originam, com desdobramentos e nuances, no conceito de divisão
do trabalho.3 Esse conceito, epitomado pela produção de alfinetes em A
riqueza das nações, é um marco para a literatura sobre economias inter-
nas e externas de escala, inter-relacionamento entre setores e entre países,
através do comércio internacional. A divisão do trabalho, através da espe-
cialização dos países na produção de determinados bens e das trocas in-
ternacionais, segundo Smith, é a fonte da “riqueza das nações”.
A noção de externalidades pecuniárias, isto é, da expansão do mer-
cado como condicionante para o aproveitamento da especialização e
das economias de escala é outra contribuição seminal de Smith.4 Mais

2
“Consumption is the sole end and purpose of all production; and the interest of the producer
ought to be attended to, only so far as it may be necessary for promoting that of the consumer
(…) But in the mercantile system, the interest of the consumer is almost constantly sacrificed
to that of the producer (…) In the restraints upon the importation of all foreign commodities
which can come into competition with those of our own growth, or manufacture, the interest
of the home-consumer is evidently sacrificed to that of the producer. It is altogether for the
benefit of the latter, that the former is obliged to pay that enhancement of price which this
monopoly almost always occasions.” (citado por Irwin, 1996:83)
3
“This great increase of the quantity of work, which, in consequence of the division of
labour, the same number of people are capable of performing, is owing to three different
circumstances; first, to the increase in the dexterity in every particular workman; secondly, to
the saving of the time which is commonly lost in passing from one species of work to another;
and lastly, to the invention of a great number of machines which facilitate and abridge labour,
and enable one man to do the work of many” (Smith, 1776: 7), grifo adicionado.
4
“As is the power of exchanging that gives occasion to the division of labour, so the extent
of this division must always be limited by the extent of that power, or, in other words, by the
extent of the market. When the market is small, no person can have any encouragement to
dedicate himself entirely to one employment…” (Smith, 1776: 17), grifo adicionado.

POLÍTICA INDUSTRIAL — 157


tarde, Marx introduziu os conceitos de manufatura e método fabril, cha-
mando atenção para os ganhos da concentração produtiva.
Os conceitos de economias de escala e extensão do mercado estão
por trás da idéia de indústria nascente, usada para justificar políticas de
proteção a indústrias específicas. A defesa da indústria nascente ga-
nhou destaque em 1848, na primeira edição do Principles of political
economy, de Stuart Mill, um defensor do livre comércio que, mais tarde,
reviu sua posição original (cf. Irwin:128).
Frank Graham, nos anos 20, foi um pioneiro ao justificar políticas
protecionistas devido à existência de retornos crescentes. Nicholas Kaldor
retomou a idéia de Smith de que produção e tamanho de mercado se
retroalimentam para batizar a lei de Verdoorn, outro ingrediente para as
teorias do desenvolvimento. Os linkages para trás e para frente de
Hirshman são outra extensão da noção de Smith de que o desenvolvi-
mento está associado à complementariedade entre economias internas
de escala e economias externas (tamanho do mercado). O mesmo con-
ceito está no modelo de big push de Roseinstein-Rodan. 5
Mais recentemente, na década de 90, Helpman e Krugman desen-
volveram uma série de modelos de comércio internacional em ambien-
tes de concorrência imperfeita, nos quais:

“...economias de escala no nível da empresa individual explicam a


especialização dos países em produtos individuais e, assim, os grandes
volumes de comércio intra-indústrias.” (Krugman, 1996: 30).
Em indústrias com pequeno número de empresas, e quando há espaço
para apenas uma (ou poucas) empresa(s) no mercado global, devido à
relação entre economias de escala e tamanho do mercado, esses modelos
justificam a ação do governo subsidiando a empresa local. Nesse caso, a
literatura se refere a políticas estratégicas de comércio internacional.
As idéias derivadas do conceito de divisão do trabalho de Adam
Smith, que modernamente estão associadas à existência de custos fixos,
retornos crescentes de escala e concorrência imperfeita, formam um
conjunto de argumentos a favor da intervenção discricionária do gover-
no com o objetivo de viabilizar a industrialização ou a implantação de
indústrias, em um país ou região.

5
Esse modelo foi colocado em linguagem formal por Murphy, Shleifer e Vishny (1989),
e apresentado em forma simplificada por Krugman (1991).

DESENVOLVIMENTO EM DEBATE — 158


POLÍTICA INDUSTRIAL — 159
2.2. Economias externas, geografia e comércio internacional

A idéia básica, subjacente à divisão do trabalho de Smith, é a de


especialização. Essa, por sua vez, leva ao aprendizado, à invenção e à
inovação. As economias de escala resultam dessa combinação de espe-
cialização (fator estático) e inovação (fator dinâmico).
A divisão do trabalho e a especialização também se dão entre em-
presas, que se complementam. Quando os custos de transacionar atra-
vés do mercado são muito elevados, as empresas tendem a integrar al-
gumas atividades (Coase). As atividades se verticalizam, quando são
elevados os custos de transporte e comunicação. A linha de montagem
da Ford, no início do século XX, ia da manufatura dos componentes até
a montagem final do carro. Com a redução desses custos, as vantagens
da especialização aumentam, havendo um movimento de
descentralização da produção, inclusive, na divisão internacional da
produção – “globalização”.
Há uma situação intermediária entre a verticalização e a
descentralização. Primeiro, porque continua havendo economias internas
de escala. Segundo, porque há vantagens de conglomeração, associadas a
diversos tipos de externalidades. Alfred Marshall (1920) foi o precursor
da noção de que as empresas tendem a se agrupar setorial e regionalmen-
te. Silicon Valley é o exemplo típico de aglomeração devido a
externalidades tais como o desenvolvimento de um pool de profissionais
especializados e fornecedores, e de intensa troca de informações.
A conglomeração origina vantagens comparativas regionais ou na-
cionais. Os conceitos de “clusters regionais” e “cadeia de valores” de
Michal Porter (1986), por exemplo, mostram uma relação direta entre
conglomeração e vantagens competitivas. O conceito de “especializa-
ção flexível” de Piore e Sabel (1984), associado aos networks de em-
presas manufatureiras de alta tecnologia nas regiões central e noroeste
da Itália, também guarda relação com as idéias originais de Marshall.
Que interesse tem esse tema para o debate sobre PI? Em resumo, o
que essa linha de pesquisa conclui é que a conglomeração está associa-
da a economias externas que, por sua vez, dão origem à especialização
e às vantagens comparativas de determinadas regiões. Sendo assim, faz
sentido o governo investir na coordenação dos agentes privados e na
infra-estrutura que ensejem a conglomeração, seja na criação de bases
físicas (transporte, comunicação), no fomento à educação, à qualifica-
ção da força de trabalho e ao desenvolvimento tecnológico. Em um cer-

DESENVOLVIMENTO EM DEBATE — 160


to sentido, essa linha de argumentação está muito mais próxima da de-
fesa do gasto público com infra-estrutura latu sensu do que com o in-
centivo à instalação de empresas específicas, embora os dois possam
ser complementares.

2.3. Vantagens comparativas e termos de troca

Smith também foi pioneiro ao destacar os ganhos da troca via co-


mércio internacional.6 David Ricardo foi o precursor do conceito de van-
tagens comparativas – com seu exemplo do comércio de vinhos e tecidos
entre Inglaterra e Portugal – e Stuart Mill, entre os economistas clássicos,
o primeiro a formulá-lo de maneira mais precisa (cf. Irwin (1996): 91).
A despeito da validade do princípio das vantagens comparativas e
dos ganhos do livre comércio, vários países protegeram suas economi-
as. A proteção e os incentivos à produção doméstica aconteceram em
vários países de industrialização retardatária, começando na Alemanha
e nos EUA, depois, nos países asiáticos – de início, o Japão e, posterior-
mente, os demais – e nos países latino-americanos.
Numa discussão historiográfica, merece destaque a contribuição de
Raul Prebisch, que teve muita influência para os contornos das PIs
adotadas nos países da América Latina. Prebisch lançou, na década de
50, a hipótese de deterioração dos termos de troca dos produtos primá-
rios, ou intensivos em recursos naturais, em face dos produtos manufatu-
rados. Os argumentos de Prebisch baseavam-se na baixa elasticidade-renda
da demanda de produtos primários e na estrutura oligopolizada dos mer-
cados (de bens e trabalho), nos países produtores de manufaturados. A
despeito do maior crescimento da produtividade na manufatura do que na
agricultura e na produção de matérias-primas em geral, tal crescimento
não se traduzia em redução dos preços relativos de manufaturados.
A deterioração dos termos de troca implicam capacidade declinante
de compra de bens manufaturados pelos países produtores de bens agrí-
colas e outras commodities, significando, assim, um processo continua-

6
“If a foreign country can supply us with a commodity cheaper than we ourselves can
make it, better by it of them with some part of the produce of our own industry, employed
in a wa in which we have some advantage (...) It is certainly not employed to the greatest
advantage, when it is thus directed towards an object which it can buy cheaper than it can
make. The value of its annual produce is certainly more or less diminished, when it is
thus turned away from producing commodities evidently of more value than the commodity
which it is directed to produce.” (citado por Irwin (1996):79).

POLÍTICA INDUSTRIAL — 161


do de empobrecimento desses países e uma elevação dos déficits exter-
nos. Para lidar com essa tendência, a solução apresentada por Prebisch,
que se tornou um marco das posições da CEPAL, foi a imposição de
tarifas de importação e outros métodos de proteção da indústria domés-
tica, de modo a substituir importações. Dado o incipiente grau de
descentralização do processo produtivo internacional da década de 50,
o argumento em prol da substituição de importações estava muito liga-
do ao suprimento do mercado interno, e não à exportação dos produtos.
Para determinados tamanhos de mercado doméstico e de custo fixo (ou
tamanho mínimo da planta de produção), e na presença de suficiente
infra-estrutura, há um nível de proteção que incentiva a substituição da
importação pela produção doméstica.
Processo distinto ocorreu nos países asiáticos, em que as PIs eram
parte de um processo de integração e descentralização internacional da
produção. Exemplo mais claro disso foi a implantação das indústrias de
disco rígido em países como Cingapura, que constituiu parte do proces-
so de outsourcing das empresas norte-americanas. Na Ásia, a industria-
lização não se baseou na substituição de importações, mas, sim, na cri-
ação de bases (plataformas) de importação e exportação de mercadori-
as. Nesse sentido, os processos latino-americanos e asiáticos foram, como
se verá em detalhes a seguir, muito distintos.

3. Condicionantes do sucesso das PIs

Tem sido generalizado o uso de políticas discricionárias ao longo da


história, e a teoria econômica apóia o uso dessas práticas em circunstân-
cias específicas. Assim, em casos de economias de escala, externalidades,
mudança estrutural dos termos de troca, necessidade de coordenação
dos agentes privados ou de geração de infra-estrutura, as PI são plena-
mente justificadas.
Entretanto, e esse ponto é fundamental, as análises históricas e
empíricas mostram que há limites e condições para o sucesso de PIs.
Dentre os limites, o primeiro, e mais geral, é o concernente à dificulda-
de e à relativa incapacidade dos governos para identificar as situações
em que as PIs são, de fato, apropriadas e as indústrias que devem ser
alvo das iniciativas. Ou seja, ainda que, em teoria as PIs se justifiquem,
são muito rudimentares os instrumentos empíricos para identificar os
casos em que o benefício social de intervenções é maior que o custo

DESENVOLVIMENTO EM DEBATE — 162


social. O segundo limite tem a ver com o tamanho dos benefícios que,
segundo análises empíricas, são usualmente pequenos.7
As experiências históricas são mais ricas que as análises estatísticas
para discutir os condicionantes do sucesso das PIs. Daí porque, a se-
guir, discutimos separadamente alguns deles, com ênfase para a compa-
ração entre as experiências latino-americanas (Brasil, em particular) e
asiáticas. De início, é importante dizer que os condicionantes e o ambi-
ente em que foram implementadas as políticas nas duas regiões diver-
gem muito e que, como conseqüência, os resultados no país A simples-
mente não podem ser estendidos para o país B.

3.1. Abertura
O primeiro condicionante digno de discussão refere-se aos graus de
abertura das economias e de discricionariedade das PIs. O grau de aber-
tura pode ser medido de duas formas. Primeiro, pelo grau de proteção.
Segundo, pelo crescimento da corrente de comércio.
3.1.1. Proteção
Como dito anteriormente, na América Latina, as PIs se inscreveram
no contexto da substituição de importações, ao passo que, nos países
asiáticos, no contexto de um processo de integração internacional, in-
clusive, como parte do processo de outsourcing das empresas de com-
ponentes eletrônicos, e muitas outras, das indústrias norte-americana e
japonesa. Essa diferença é fundamental, pois, como se verá a seguir, as
economias latino-americanas se mantiveram muito mais fechadas para
o comércio internacional que as asiáticas.
A tabela abaixo mostra alguns dados sobre a proteção tarifária de
duas economias asiáticas – Coréia do Sul e Cingapura – e de duas lati-
no-americanas – Brasil e México.
Tabela 1: Medidas de proteção tarifária

Fonte: Organização Mundial do Comércio.


7
Ver Paul Krugman (1994c) e Fraga, A. [2001].

POLÍTICA INDUSTRIAL — 163


Cingapura, como se observa, é uma economia totalmente aberta, com
tarifa zero. Comparemos Brasil e Coréia. Em 1989, as tarifas médias do
Brasil eram 42,2% (simples) e 32% (ponderada); na Coréia, respectiva-
mente, eram menos da metade, 18,8% e 13,8%. Depois da abertura brasi-
leira, na década de 90, com redução da alíquota de importação média
simples para 13,6%, a Coréia manteve-se mais aberta. O grau de
discricionariedade da política tarifária, medido pelo desvio padrão (DP)
da estrutura tarifária, no Brasil, era de 17,2 em 89, caindo para 7,8 em
1999; na Coréia caiu de 8,1 para 5,9. Em 1999, 54% das tarifas de impor-
tação eram superiores a 15% contra 4,8% na Coréia. A tarifa média sobre
bens manufaturados no Brasil,em 1999, era mais que o dobro da Coréia.
Nota-se, portanto, que a PI na Coréia, e na Ásia em geral, contou
com barreiras e grau de discricionariedade tarifárias muito menores que
no Brasil e no restante da América Latina, permitindo uma maior
integração à economia mundial.

3.1.2. Fluxos de comércio


Os dados de fluxos de comércio confirmam a maior abertura das
economias asiáticas. O gráfico a seguir mostra o crescimento das im-
portações e exportações em vários países, entre 1980 e 2000. Nota-se
que o crescimento de exportações e importações é várias vezes maior
nos países asiáticos (exceção da Índia e Indonésia) que nos países lati-
no-americanos (exceção do México devido ao NAFTA).
Gráfico 1: Taxa de crescimento (1980-2000)

Fonte: Organização Mundial do Comércio.

DESENVOLVIMENTO EM DEBATE — 164


O gráfico seguinte mostra a corrente de comércio (importações mais
exportações) dos mesmos países. A corrente de comércio coreana é quase
o triplo da brasileira, sendo que, em 1980, eram praticamente idênticas
– no Brasil era US$ 45 bilhões e na Coréia, cerca de US$ 40 bilhões.

Gráfico 2: Corrente de comércio (US$ bilhões)

Fonte: Organização Mundial do Comércio.

O crescimento de exportações e importações foi superior ao cresci-


mento do PIB nos países asiáticos. Assim, na Coréia, o coeficiente de
importações em relação ao PIB, que era de 9% em 1960, chegou a 35%
em 1990; em Taiwan, foi de 15% para 40% no mesmo período. No
Brasil, como mostra o próximo gráfico, essa relação era de 10% em
1980, caiu ao nível mínimo de 4% em 1990, voltando, nos últimos anos,
para a casa dos 11%. As exportações tiveram comportamento seme-
lhante, tendo caído menos na década de 80.

POLÍTICA INDUSTRIAL — 165


Gráfico 3: Brasil – Exportações e importações como proporção do PIB

Fontes: Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio, Secretaria de Co-


mércio Exterior (MDIC/Secex) e Banco Central do Brasil. Elaboração do autor.

A diferença entre os graus de abertura dos países das duas regiões


tem uma conseqüência fundamental, qual seja, os benefícios da
integração à economia mundial, que vão além da troca via comércio. A
integração das economias asiáticas foi muito além do comércio, uma
vez que sua associação com empresas estrangeiras (networking com
empresas norte-americanas e japonesas) e, principalmente, a produção
voltada para a exportação a países avançados (EUA, Japão e Europa)
geraram efeitos dinâmicos, em particular, a incorporação continuada de
novas tecnologias e introdução de novos produtos.
Nas economias latino-americanas, não obstante a participação de
empresas estrangeiras, a produção sempre esteve voltada para dentro
dos países. Os padrões de tecnologia, qualidade e diversidade dos pro-
dutos ficaram limitados não apenas pelo nível de renda, mas, principal-
mente, pela ausência de compromisso com exportações. Tal ausência
nada tinha a ver com o viés anti-exportador da “cultura empresarial bra-
sileira”, mas, sim, com a concepção do processo que era voltado para
dentro, para a substituição de importações.
Nos países asiáticos, até pela ausência de recursos naturais e pela exis-
tência de vantagens comparativas em non-tradables (mão-de-obra barata
e relativamente educada), as importações eram necessárias e as exporta-
ções, portanto, cumpriam o papel de “pagar” pelos insumos externos.

DESENVOLVIMENTO EM DEBATE — 166


No fim das contas, o que se observa é um grau de integração das
economias asiáticas à economia internacional – não apenas via comér-
cio, mas, principalmente, através de investimentos intrafirmas –, que é
muito maior que das economias latino-americanas. Isso se deu em um
ambiente de forte deslocamento da “fronteira tecnológica” nos países
ricos e descentralização da produção mundial (devido à queda dos cus-
tos de comunicação e transportes), deixando as economias latino-ame-
ricanas relativamente isoladas do processo. Só na década de 90 houve
um avanço da abertura, mas, como se viu nos números apresentados, foi
um avanço ainda reduzido, em relação a países asiáticos.
Um caso interessante é o da indústria de discos rígidos, cuja produ-
ção foi praticamente toda transferida para países asiáticos, em particu-
lar, Cingapura. Enquanto a concepção e o R&D permaneceram em
Sillicon Valley, a produção de pequenas empresas produtoras de discos
se transferiu para Cingapura. Inicialmente, a mão-de-obra barata e rela-
tivamente educada foi um fator de atração de investimentos. “Férias
tributárias” também tiveram papel importante. Aos poucos, as vanta-
gens de conglomeração passaram a ser determinantes para a expansão
das empresas no país. A abertura das economias asiáticas e as facilida-
des de logística tiveram um papel importante. O tamanho do mercado
doméstico jamais foi um fator significativo nessa transferência. Hoje, a
indústria está totalmente sedimentada, com todas as vantagens requeridas
na Ásia. Ao contrário do que se imagina, devido a essa longa história e
à criação de vantagens de escala e conglomeração, deslocar um pedaço
dessa indústria para o Brasil requereria muito mais que políticas tributá-
rias de atração de investimentos.
O curioso da história dos discos rígidos é que, na época em que a
produção se concentrava nos EUA e no Japão, a década de 70, o Brasil
era o único país em desenvolvimento a produzi-los. Mas, no início dos
anos 90, todas as empresas tinham deixado o Brasil. As razões para
isso, apontadas por vários autores, foram o elevado grau de protecionis-
mo e a busca de autonomia tecnológica resultantes das leis de informática.
Ao longo do tempo, os produtos foram ficando muito caros e perdendo
qualidade (cf. McKendrick et al, 2000:235-37; Luzio, 2000: 91-2, cita-
do por McKendrick et al., 2000).
Vários autores consideram o sistema de substituições de importa-
ções uma das causas da estagnação das economias latino-americanas
mais fechadas, como o Brasil e a Argentina, nas décadas de 80 e 90 (cf.
Krugman e Obstfeld, 2000: 260; Lindsey, 2002: 107).

POLÍTICA INDUSTRIAL — 167


Um último dado sobre abertura é relevante: nenhum dos países que
adotaram PIs e abriram sua economia – isto é, os países asiáticos e, na
América Latina, o México – fizeram-no com o objetivo de gerar eleva-
dos superávits comerciais. Eles o fizeram como parte de uma estratégia
de desenvolvimento. De fato, alguns países, como Coréia e Cingapura,
têm superávits comerciais pequenos, da ordem de US$ 9 e US$ 6 bi-
lhões, respectivamente, e o México tem um déficit de US$ 9 bilhões.
Os gráficos a seguir mostram que, em grande parte do período inici-
ado em 1967, as importações superaram as exportações na Coréia. Os
saldos foram ininterruptamente negativos entre 1967 e 1985 e, depois,
entre 1989 e 1998.

Gráfico 4a: Saldo comercial na Coréia do Sul (1967-87)

Fonte: Banco Central da Coréia do Sul.

Gráfico 4b: Saldo comercial na Coréia do Sul (1988-2001)

Fonte: Banco Central da Coréia do Sul.

DESENVOLVIMENTO EM DEBATE — 168


3.2. Investimento e poupança

O segundo condicionante do sucesso de PIs são os níveis de investi-


mento e poupança. É bem sabido que os determinantes de ambos são
diferentes, mas que os dois são igualmente necessários para a obtenção
de taxas elevadas de crescimento econômico. O argumento, atribuído a
Keynes, segundo o qual “o investimento gera sua própria poupança”,
sem pressionar a inflação ou a conta corrente do BP, e que é verdadeiro
quando há capacidade ociosa, perde inteiramente sua validade teórica,
quando transferido para uma discussão sobre crescimento de longo pra-
zo. Igualmente, o crédito não substitui a poupança, apenas alavanca o
investimento. A poupança relevante para o processo de crescimento é o
de “não-consumo”, que tem a ver com a decisão de consumir ou poupar,
e não com a decisão dos bancos de emprestar.
Elevados níveis de investimento requerem elevados investimentos
estatais (vide União Soviética nos anos após a Segunda Guerra, ou o
Brasil nos anos 70), ou um ambiente propício ao investimento privado,
ou, então, os dois. Esse ambiente é caracterizado por estabilidade
macroeconômica (prudência fiscal e preços estáveis), política e
institucional (regras claras e estáveis), existência de um sistema tributá-
rio que não penalize o investimento e de um mercado de capitais desen-
volvido. Afora isso, na ausência desse último ingrediente, subsídios
creditícios e fiscais podem favorecer o investimento de setores específi-
cos. Evidentemente, o uso de subsídios sem a “chancela” de mercados
contestáveis pode levar a investimentos inviáveis e ineficientes, como
vários processos de abertura econômica na América Latina e Leste Eu-
ropeu têm demonstrado.
A poupança, por sua vez, depende da poupança pública, dos
condicionantes da poupança privada (familiar e corporativa) e do aces-
so a capitais externos. Esse não é o espaço adequado para apresentar
um survey sobre os determinantes e os condicionantes desses três com-
ponentes da poupança. Basta dizer que a poupança privada move-se
muito lentamente e é afetada pelo sistema tributário (penalizar a pou-
pança é pernicioso), que a poupança pública depende crucialmente dos
sistemas de gastos e previdenciário, e que os capitais externos tendem a
se mover pelos mesmos condicionantes ambientais condizentes com
elevadas taxas de investimento.
As taxas de investimento e poupança nos principais países asiáticos
são muito mais elevadas que na América Latina, inclusive o Brasil. Em

POLÍTICA INDUSTRIAL — 169


relação ao PIB, o nível de investimento na Coréia, Taiwan e Cingapura
está entre 30% e 40% (cf. Rodrik, 1995; e Krugman, 1994:72). A taxa
de poupança doméstica é da mesma ordem de magnitude, como mostra
o gráfico abaixo. No Brasil, a poupança doméstica, como proporção do
PIB, está na casa dos 16%. Interessante notar nesse gráfico que a pou-
pança do setor público nos países asiáticos está na casa dos 7% do PIB,
enquanto no Brasil, nos anos recentes, ela tem sido negativa.

Gráfico 5: Composição da taxa de poupança

Fontes: IBGE e FMI (World Economic Outlook, Outubro 2001)

No Brasil, a taxa de investimento, em 1980, estava na casa dos 25%.


Desde então, caiu, atingindo 14% na primeira metade dos anos 90, re-
cuperando-se, depois, para atingir níveis que variam entre 16% e 20%.
Note-se que a diferença entre as taxas de poupança doméstica (16%) e
as medidas maiores de taxa de investimento (que chegaram a 22% nos
finais dos 90) é coberta pela poupança externa.

DESENVOLVIMENTO EM DEBATE — 170


Gráfico 6: Brasil, Taxa de investimento como proporção do PIB

Fonte: IPEADATA.

Vários autores, dentre os quais se destacam Krugman (1995),


Krugman e Obstfeld (2000) e Rodrik (1994, 1995, 1999), atribuem às
elevadas taxas de investimento e poupança – muito mais que a políticas
discricionárias, ou PIs – o sucesso das economias asiáticas. Rodrik (1995:
iv-v), por exemplo, afirma o seguinte:
“O aumento real na lucratividade relativa das exportações dos
anos 60 é pequeno [Coréia do Sul e Taiwan], em relação ao
aumento fenomenal das exportações (…) Argumento que a
orientação da exportação na Coréia do Sul e em Taiwan, em larga
medida, possa ter sido resultado do aumento da propensão a
investir, provocada pelo aumento da produtividade de
investimento (…) [Nessas economias, durante os anos 1960], a
indústria de capital doméstico é deficientemente desenvolvida. Os
bens de capital são majoritariamente importados. Conseqüentemente,
um aumento no investimento se torna possível apenas através de um
aumento da importação.” 8

8
No original: “The actual increase in the relative profitability of exports in the 1960´s is
small [South Korea and Taiwan] in relation to the phenomenal increase in exports… I
argue that export orientation in South Korea and Taiwan may have been the product in
large part of an increase in the propensity to invest, brought about by a rise in the
profitability of investment (…) [In these economies in the 1960´], the domestic capital
industry is poorly developed. Capital goods are mostly imported. Consequently an increase
in investment becomes possible only through an increase in imports.”

POLÍTICA INDUSTRIAL — 171


Evidentemente, esta é uma interpretação, e pode ser contestada. In-
dependente dessa, entretanto, é certo que maior crescimento no Brasil,
com ou sem PIs, requer taxas de investimento e poupança muito mais
elevadas que aquelas observadas nos últimos anos.
A elevação da taxa de investimento requer o desenvolvimento de
um ambiente institucional, regulatório, econômico e político estável. A
redução da taxa de juros para os tomadores finais, a reformulação do
sistema tributário e o desenvolvimento do mercado de capitais são me-
didas concretas para incentivar o investimento.
Por sua vez, é sabido que aumentar a propensão do setor privado a
poupar é muito difícil, especialmente no Brasil, onde a relação entre
crédito e PIB é tão baixa. Em situação de normalidade, as famílias con-
sumirão mais, e não menos, como proporção da sua renda. No longo
prazo, uma nova rodada de reforma da previdência talvez redunde em
elevação da poupança. Mas, no curto prazo, não se conhecem políticas
de mercado capazes de reduzir a propensão a consumir.
A poupança agregada no Brasil tem se mantido em torno de 21%,
desde 1995. Note-se que, a despeito do superávit primário do setor pú-
blico acima de 3% do PIB em 2000, a poupança do setor público foi
negativa em 1,9%. A taxa de poupança privada caiu ao longo dos anos
recentes devido à estabilização, que eliminou a poupança forçada e
ensejou o aumento do crédito.

Tabela 2: Poupança - % do PIB

Fonte: IBGE

Supondo-se estável a poupança privada, uma redução hipotética da


poupança externa de dois pontos percentuais do PIB exigiria uma ele-
vação simétrica da poupança pública. Ou seja, em 2000, por exemplo,
para manter a taxa agregada em 21,7%, o setor público deveria apresen-
tar poupança zero, equivalente, grosso modo, a um superávit primário
de 5,5% do PIB.

DESENVOLVIMENTO EM DEBATE — 172


Mais que isso, com uma taxa de poupança agregada de 21% e eleva-
ção da produtividade total de fatores da ordem de 1,5% ao ano – nível
médio da segunda metade dos anos 90, e record em nossa história –, o
produto potencial cresceria à taxa anual de 3,6%. O que significa dizer
que, para crescer mais que isso, digamos 4,5%, a taxa de poupança de-
veria ser da ordem de 25%, quatro pontos percentuais acima da média
dos anos 1995-2000. Nesse caso, uma redução da poupança externa em
dois pontos do PIB requereria um aumento de seis pontos do PIB da
poupança doméstica. Com propensão à poupança privada estável, o su-
perávit primário deve ser de 8% do PIB.
As propostas de PI para reduzir o déficit externo esbarram no limite
de poupança do país. A PI pode incentivar investimentos, na ausência
de algumas das condições mencionadas anteriormente, e seu objetivo
pode ser elevar a produtividade e o crescimento econômico. Mas, sem
lidar com a restrição de poupança, fatalmente haverá pressões inflacio-
nárias, ou o volume de poupança externa deverá manter-se elevado. Por
isso, a adoção de PIs, isoladamente, para elevar saldos comerciais, é
inconsistente com o equilíbrio macroeconômico. Salvo se houver uma
folga fiscal muito maior.
Dito de outra forma, os números citados na última tabela apresenta-
da sugerem que o objetivo de reduzir o déficit externo não pode estar
divorciado de uma análise das possibilidades para elevar a taxa de in-
vestimento e poupança domésticos, em particular, do setor público.

4. Retórica e fatos sobre dois temas de PI

No debate sobre PI, há dois argumentos que surgem com freqüência.


Em ambos os casos, recomenda-se a elevação do “grau de manufatura”
das exportações brasileiras, seja para lidar com a deterioração dos ter-
mos de trocas das commodities (agrícolas ou industriais), seja para au-
mentar o valor adicionado das exportações. A seguir examinamos o su-
porte empírico dos dois argumentos.

4.1 Prebisch e a hipótese de deterioração dos termos de troca


A hipótese de Prebisch tem sido motivo de extensa literatura.9 A
análise empírica, entretanto, não é conclusiva. Essencialmente, a con-

9
Ver Williamson, J. e Hadass, Y. [2001].

POLÍTICA INDUSTRIAL — 173


clusão é que tudo depende dos períodos, dos países e dos produtos es-
pecíficos estudados.
Em face desses argumentos, é relevante conhecer o comportamento
dos preços internacionais ao longo do tempo. Para tanto, examinamos os
preços de importação em dólares correntes dos EUA, tal como reportado
pelo Bureau of Labor Statistics. A hipótese de Prebisch diria que os pre-
ços de bens primários (alimentos, bebidas e tabaco, e semi-elaborados de
matérias-primas) devem cair em relação aos preços de manufaturados.

Gráfico 7: Preços de importações dos EUA (dólares correntes)

Fonte: Bureau of Labor Statistics, elaboração do autor.

O Gráfico 7 mostra que os preços de alimentos e produtos químicos


cresceram em linha com o índice médio de preços de importação (all
commodities), em torno de 20% entre 1982 e 2000. Crescimentos bem
acima da média tiveram os produtos de bebidas e tabaco (73%).

DESENVOLVIMENTO EM DEBATE — 174


Gráfico 8: Preços de importações dos EUA (dólares correntes)

Fonte: Bureau of Labor Statistics, elaboração do autor.

O Gráfico 8 mostra que os manufaturados “classificados por materiais”,


onde se incluem commodities industriais (aço, papel, alumínio, madeira, etc.),
tiveram crescimento semelhante à média e às máquinas e equipamentos de
transporte, onde estão os bens de informática, eletroeletrônicos, e de capital.
Não há, portanto, diferença marcante entre os preços de importação
dos diferentes grupamentos de produtos. Sobressaem apenas bebidas e
tabaco crescendo acima da média. Mas, em particular, o preço médio de
máquinas e equipamentos de transportes não cresceu mais do que o
preço de alimentos.
Como se vê no Gráfico 9, dentre os manufaturados classificados por
materiais, chama atenção, entre 1982 e 2000, o crescimento muito aci-
ma da média de bens como têxteis (41%), papel e papelão (54%) e ma-
nufaturados de minerais não metálicos (79%). Esse é um dado interes-
sante, pois, usualmente, esses são vistos como produtos “tradicionais”,
cujos preços relativos cairiam ao longo do tempo.

POLÍTICA INDUSTRIAL — 175


Gráfico 9: Preços de importações dos EUA (dólares correntes)

Fonte: Bureau of Labor Statistics, elaboração do autor.

Comportamento divergente tiveram os preços dos bens de


informática, eletroeletrônicos e telecomunicações. Todos eles caíram
nos últimos vinte anos. No Gráfico 10, nota-se redução dos preços de
equipamentos de computação e máquinas de escritório (-44% desde
1982), telecomunicação e gravação (-16%). Entre os subgrupos, desta-
ca-se a queda dos preços de equipamentos de computação (-71% desde
1985). Essas quedas, é importante lembrar, se dão em face do aumento
de 21% do índice médio de importações.

DESENVOLVIMENTO EM DEBATE — 176


Gráfico 10: Preços de importações dos EUA (dólares correntes)

Fonte: Bureau of Labor Statistics, elaboração do autor.

Esses dados indicam que as máquinas e equipamentos de escritório


e telecomunicações tiveram uma significativa redução dos seus preços
relativos, inclusive em relação a produtos primários, manufaturas tradi-
cionais e alimentos.
Há, sim, produtos manufaturados cujos preços cresceram muito aci-
ma da média. Exemplos são produtos óticos (66%), produtos medici-
nais e farmacêuticos (90%) e máquinas especializadas para indústrias
particulares (81%). Tais produtos, em geral, são fabricados em países
do G7. Esses, e não os produtos eletroeletrônicos, confirmam a hipótese
de Prebisch.

4.2. Incentivos a setores de elevado valor agregado

Há outra tese na linha da promoção de exportações, segundo a qual


deve-se incentivar as indústrias produtoras de bens com elevado valor
adicionado e intensivos em novas tecnologias. Um argumento por trás
das propostas de políticas de atração de investimentos nos setores de
bens de informática, eletroeletrônicos e telecomunicações é que essas
são indústrias cuja produção agrega valor, seja pelo uso intensivo de
mão-de-obra qualificada, seja pelo elevado conteúdo tecnológico.

POLÍTICA INDUSTRIAL — 177


Argumento semelhante foi usado por alguns economistas norte-ame-
ricanos, para quem a forma de elevar a renda per capita do país seria
incentivando investimentos em setores com elevado valor agregado por
trabalhador.10 Paul Krugman disputou esse argumento mostrando que
os produtos eletrônicos – que, tal como hoje no Brasil, representavam
aquele aos quais se deveria incentivar – tinham valor agregado, por tra-
balhador, semelhante à média da manufatura americana (US$ 64 mil
por ano em 1988). Os setores com maior valor agregado por trabalhador
eram cigarros (US$ 488 mil), refino de petróleo (US$ 283 mil), auto-
móveis (US$ 99 mil) e aço (US$ 97 mil).11
Uma análise dos dados brasileiros, usando a Pesquisa Industrial
Anual do IBGE, de 1999, mostra resultados semelhantes. No Brasil, a mé-
dia de valor adicionado por trabalhador empregado no setor manufatureiro
é R$ 41 mil por ano. No setor de fabricação de máquinas e equipamentos é
R$ 39,5 mil, na produção de eletrodomésticos R$ 48 mil, de veículos
automotores R$ 49,6 mil. Os setores com maior valor agregado por traba-
lhador são refino de petróleo (R$ 483,9 mil), fabricação de cimento (R$
157,8 mil), produtos químicos (R$ 100 mil), produtos de fumo (R$ 85,4
mil), papel e papelão (R$ 82,8 mil) e metalurgia (R$ 74,3 mil).
A razão para que setores como refino de petróleo, cimento, quími-
cos, fumo, papel e metalurgia apresentem alto valor agregado por traba-
lhador é a elevada relação entre capital investido por trabalhador. Como,
na média, os setores devem apresentar retorno sobre capital semelhan-
te, aqueles com maior aporte de capital por trabalhador devem, tam-
bém, ter a maior margem por trabalhador empregado. O oposto é verda-
de para os setores intensivos em trabalho que, para remunerar o capital,
podem ter margens mais baixas por trabalhador ocupado.

10
Ver Magaziner I. e Reich, R., 1983.
11
Ver Paul Krugman, 1994a; e Krugman, 1987.

DESENVOLVIMENTO EM DEBATE — 178


Gráfico 11: Valor agregado por trabalhador

Fonte: Pesquisa Industrial Mensal, IBGE, 1999; elaboração do autor.

Esses dados põem em dúvida a tese do incentivo aos setores com


elevado valor agregado. Primeiro, porque os setores com essa caracte-
rística não são aqueles usualmente mencionados nas propostas de polí-
tica industrial. Vale dizer, não são os setores eletroeletrônicos e de
informática, por exemplo. Por esse critério, os setores a serem incenti-
vados seriam refino de petróleo, cimento, produtos químicos, produtos
de fumo, papel e papelão, e metalurgia. Por feliz coincidência, setores
em que o Brasil tem vantagens comparativas, por serem intensivos em
recursos naturais, e, portanto, dispensarem subsídios.

POLÍTICA INDUSTRIAL — 179


Mas há também razões de natureza teórica para questionar os estí-
mulos a setores com elevado valor agregado. A idéia de que o aumento
relativo da produção desses setores aumentaria o emprego, por exem-
plo, é enganosa. Tome-se um dado volume de recursos (públicos e pri-
vados) a ser investido no setor produtivo. Suponhamos que a decisão
seja por privilegiar os setores com elevado valor agregado por trabalha-
dor empregado. Esses setores são, como visto, aqueles com maior rela-
ção entre capital investido e trabalhador empregado. Sendo assim, se o
valor dos recursos é finito, a geração de empregos é menor, e não maior,
quando se incentiva setores com alto valor agregado.
Outro argumento é que o aumento da produção de bens com alto
valor agregado traria maior receita de exportações. O ponto básico é
que maior elaboração ou manufatura de matérias-primas elevaria o va-
lor exportado. Se isso fosse verdade e, portanto, lucrativo, a pergunta é:
por que as empresas não fazem os investimentos? Há duas respostas
possíveis. A primeira é que os investimentos não são lucrativos sem
subsídios, o que significa dizer que, em determinados setores, a indús-
tria brasileira não é competitiva para manufaturar matérias-primas a partir
de certo ponto da cadeia produtiva. Isso, evidentemente, não pode ser
generalizado, pois no Brasil são manufaturados aviões e automóveis,
bens de alta tecnologia. Talvez, em alguns casos, os custos de logística
não justifiquem a manufatura no país de origem.
A segunda resposta é que o custo Brasil (infra-estrutura, juros e tri-
butos) é elevado, reduzindo a competitividade dos produtos brasileiros.
Mas esse é um “custo horizontal”, vale para produtos em qualquer seg-
mento da cadeia produtiva. Sendo assim, para um dado volume de in-
centivos fiscais, a escolha não deve recair sobre o grau de manufatura
ou elaboração dos bens a serem exportados, mas, sim, sobre aqueles
bens com maiores vantagens comparativas, seja qual for o segmento da
cadeia em que se encontrem.

5. Uma análise do setor de eletroeletrônicos

Muito se tem escrito sobre o crescimento do déficit comercial do


setor de eletroeletrônicos no Brasil. Uma das causas desse movimento
seria a hipótese de Prebisch. Os eletroeletrônicos, incluídos entre as
manufaturas de última geração, teriam seus preços relativos crescendo
em face das exportações de produtos agropecuários. Como se viu aci-

DESENVOLVIMENTO EM DEBATE — 180


ma, isso não se verifica quando se examina o conjunto das importações
dos EUA.
No Brasil, comparando-se os anos de 1995 e 2001, enquanto o índi-
ce de preços de nossas exportações agropecuárias caiu 24,2%, aquele
para importações de materiais elétricos e equipamentos eletrônicos caiu,
respectivamente, 20,4% e 14,2%. A perda de preços relativos não tem
se mostrado significativa, especialmente no caso de materiais elétricos,
que têm mais peso nas importações.

Tabela 3: Variação acumulada entre 1995 e 2000

Fonte: FUNCEX; elaboração do autor.

Gráfico 12

Fonte: FUNCEX; elaboração do autor.

Outro motivo de preocupação seria a rápida difusão de produtos


eletroeletrônicos à raiz da expansão do setor de telecomunicações. Ao
examinarmos as quantidades transacionadas, vemos que, de fato, as

POLÍTICA INDUSTRIAL — 181


importações cresceram muito: 137% no caso de material elétrico e 69,5%,
no de equipamentos eletrônicos. Interessante notar, entretanto, que o
quantum exportado de equipamentos eletrônicos cresceu ainda mais,
212,7%. No caso de material elétrico, cresceu apenas 21,7%.

Gráfico 13

Fonte: FUNCEX; elaboração do autor.

O crescimento do valor das exportações totais supera o crescimento


das importações: as primeiras crescem 80% e as segundas, 60%, entre
1995 e 2000. Ainda assim, o déficit do setor cresceu por ser maior o nível
inicial de importações vis-à-vis o das exportações. Com efeito, somando-
se as importações totais do setor, elas vão de US$ 6,8 bilhões, em 1995,
para US$ 11 bilhões, em 2001. As exportações vão de US$ 2,1 para US$
3,9 bilhões. O déficit cresce de US$ 4,7 para US$ 7,0 bilhões.

DESENVOLVIMENTO EM DEBATE — 182


Gráfico 14

Fonte: FUNCEX; elaboração do autor.

Gráfico 15

Fonte: FUNCEX; elaboração do autor.

Interessante notar também que tem crescido a participação das im-


portações e exportações de eletroeletrônicos nas respectivas pautas. A
primeira foi de 14,4% para 16,6%, entre 1995 e 2002 (jan-jun), e a
segunda, de 4,5% para 7,0%.
O conceito de “déficits setoriais” é discutível. Com base nas noções
de vantagens comparativas e especialização, preconizadas pela literatu-
ra sobre comércio internacional, é razoável os países terem déficit em
alguns setores e superávits em outros. Em todo caso, é verdade que o

POLÍTICA INDUSTRIAL — 183


déficit do setor de eletroeletrônicos cresceu. Mas há atenuantes. Primei-
ro, ainda que partindo de uma base menor, as exportações têm crescido
mais que as importações. Segundo, o boom de telecomunicações pas-
sou e, por isso, deve cair a demanda de bens importados, ou pelo menos
sua participação na pauta. De fato, a participação de equipamentos ele-
trônicos na pauta de importados, que atingiu o máximo em 2000, voltou
ao patamar de 1995. Em face dessas tendências, é possível que os prog-
nósticos mais pessimistas sobre o déficit do setor não se confirmem.
É de se notar que a abertura comercial, o crescimento da demanda
doméstica e a necessidade de interação com produtores internacionais
foram importantes para a expansão das exportações de equipamentos.
Ao contrário do que muitas análises fazem crer, com o crescimento do
comércio interfirmas e a redução dos custos de transporte e comunica-
ção, é a abertura, e não a proteção a um determinado setor, o que au-
menta suas exportações.

6. Políticas industriais no Brasil

Ao contrário do que comumente se diz, o Brasil tem uma política


industrial. A estrutura tarifária e tributária é muito discricionária e, pelo
lado do crédito, o BNDES empresta volumes expressivos a taxas subsi-
diadas anualmente. Em 2001, foram feitos empréstimos no valor de R$
26 bilhões a juro real de cerca de 5% ao ano (TJLP mais taxas de risco
e administração, deflacionado pelo IGP-M), sem risco cambial. O total
de empréstimos, entre 1995 e 2001, soma cerca de R$ 130 bilhões. Es-
ses recursos são direcionados a grandes, médias e pequenas empresas
de todos os setores. Além disso, estados e municípios concedem incen-
tivos específicos, doando terrenos e isentando empresas de impostos.
O BNDES fez importantes operações de crédito voltadas para seto-
res de infra-estrutura – construção, energia elétrica, transporte e teleco-
municações – que, no acumulado entre 1995 e 2001, somam R$ 45
bilhões (em reais correntes).
Ainda assim, permanece a demanda pelo aumento de gastos fiscais com
políticas de incentivo à produção e atração de investimentos externos, além
da manutenção da proteção seletiva de alguns setores. Essa demanda nos
remete à história recente, na qual vários setores e regiões do país receberam
estímulos fiscais e proteção, e, nem por isso, devolveram, na forma de
externalidades, o resultado desejado. Alguns exemplos são úteis.

DESENVOLVIMENTO EM DEBATE — 184


Comecemos com a indústria naval que, durante anos, recebeu, e ain-
da recebe, subsídios do Fundo de Marinha Mercante via BNDES e, não
obstante, minguou até praticamente desaparecer.
O segundo exemplo é o da reserva de mercado da informática, que
atrasou a entrada do Brasil na onda das novas tecnologias, reduzindo
em alguns pontos percentuais o crescimento de nossa produtividade e
do PIB. Temos ainda a nova versão da Lei de Informática que, de forma
branda, repete o erro da antiga, ao resguardar o produtor final com ele-
vada proteção efetiva, em detrimento de todos os demais setores da eco-
nomia que utilizam a informática conjugada às telecomunicações para
tornarem-se mais produtivos.
Mais recentemente, temos o caso do regime automotivo, que esta-
beleceu incentivos fiscais e elevadas tarifas de importação, bem como
concessão de créditos subsidiados para empresas montadoras de veí-
culos – o BNDES destinou cerca de 17% de seus empréstimos ao se-
tor de transportes entre 1998 e 2001, um valor acumulado de R$ 14
bilhões. Mais que isso, vários estados isentaram ou prorrogaram o
pagamento de ICMS para as montadoras. Hoje, temos uma capacida-
de ociosa na indústria de 50%.
Por último, temos a Zona Franca de Manaus, com benefícios tributári-
os que a tornam um “país à parte”, embora as empresas que lá estão sejam
as mesmas do resto do Brasil. Como se sabe, nem com todos os benefíci-
os se desenvolveu um cluster industrial e, menos ainda, tecnológico em
Manaus. Exemplo claro de que a produção, em si, não gera externalidades
na forma de capacitação tecnológica, nem efeitos em cadeia.
A PI no Brasil não só existe como, evidentemente, tem um custo
fiscal. Essas e outras políticas de fomento ao setor produtivo custa-
ram em 1999 (sem considerar os incentivos estaduais) os seguintes
valores:

POLÍTICA INDUSTRIAL — 185


Tabela 4:
Em bilhões de Reais
Indústria naval 0,95
Regime automotivo (federal) 1,11
Lei de Informática 0,53
Zona Franca de Manaus 3,15
BNDES (subsídio12 ) 3,64
PROEX 0,82
Total 10,20
Fonte: “Orçamento de Renúncias Fiscais e subsídios da União”,
Ministério da Fazenda, dezembro de 2000.

Para efeito de comparação, vale a pena notar que o valor total dos
subsídios supera o orçamento do SUS (Sistema Único de Saúde). Esses
números fazem refletir sobre a alegação de que o Brasil não tem uma
PI, ou de que essa deve ser mais agressiva, principalmente frente a ou-
tras prioridades sociais e à elevada carga tributária.

7. Notas conclusivas

Esse trabalho reconhece a validade teórica dos argumentos a favor


de PIs como instrumentos de desenvolvimento econômico. Mas procu-
ra mostrar que há condicionantes para o seu sucesso. Em particular, ao
se examinar as experiências brasileira e as asiáticas, chamam atenção
duas diferenças marcantes, com efeitos sobre os desempenhos dos dois
grupos de países.
Em primeiro lugar, as economias asiáticas são muito mais abertas e
integradas à economia internacional, sendo muitas de suas empresas,
inclusive, participantes do network de empresas transnacionais que ex-
portam para os países desenvolvidos. Isso lhes oferece acesso contínuo
a novas tecnologias e a novos produtos. O fato de exportarem produtos
cuja demanda tem elevada elasticidade-renda deve-se à sua integração
ao comércio internacional. Já os países latino-americanos, com exceção
do México, optaram por manterem-se voltados para dentro, com um

12
Esse subsídio é calculado a partir da diferença entre o custo de oportunidade do Tesou-
ro Nacional (SELIC) e o custo médio dos empréstimos do BNDES.

DESENVOLVIMENTO EM DEBATE — 186


nível de abertura e integração internacional muito menor. Com isso, per-
dem contato com as redes de produção, distribuição e consumo internaci-
onal, com o que ficam sem aportes tecnológicos e corrente de comércio.
Ainda que a literatura teórica justifique a utilização de PIs, ela não
destaca a geração de superávits comerciais como seus objetivos. Por
sua vez, nenhum dos países que adotou PIs e abriu sua economia, isto é,
países asiáticos e México na América Latina, o fez com o objetivo de
gerar elevados superávits comerciais. Eles o fizeram como parte de uma
estratégia de desenvolvimento.
Em segundo lugar, há marcadas diferenças entre as taxas de investi-
mento e poupança nos dois grupos de países. As elevadas taxas de cres-
cimento econômico dos países asiáticos estão associadas a taxas de pou-
pança e investimento muito superiores às dos países latino-americanos.
Os encargos com custeio do setor público no Brasil, por exemplo,
inviabilizam há alguns anos a geração de poupança governamental. Por
sua vez, a taxa de poupança do setor privado é muito baixa em compa-
ração com países asiáticos. Já as taxas de investimento são baixas devi-
do ao ambiente de instabilidade macroeconômica, às mudanças nas re-
gras do jogo, e à ausência de um mercado de capitais desenvolvido.
Talvez o que diferencie os dois grupos de países não seja a adoção
ou não de PIs. Afinal, o Brasil tem estruturas tarifária e tributária muito
discricionárias, conta com um banco de desenvolvimento ativo e com
recursos, e tem aplicado isenções tributárias nos estados. Estes são exem-
plos de PIs. O que mais chama atenção como fatores diferenciadores
são exatamente os graus de abertura e as taxas de investimento e pou-
pança. Daí porque as discussões sobre desenvolvimento econômico no
Brasil não devessem dar tamanha ênfase para a necessidade de PIs, e
sim para políticas de abertura seletiva da economia e iniciativas que
pudessem aumentar a poupança e o investimento.
O trabalho também buscou destacar que alguns dos argumentos mais
comuns na defesa de PIs – vale dizer, a hipótese de Prebish e o elevado
valor agregado do setor de eletroeletrônicos – têm respaldo empírico
duvidoso. Daí porque se deve aprofundar as análises desses pontos, a
fim de que a discussão seja melhor embasada.
O estudo destacou ainda o crescimento das exportações de
eletroeletrônicos no Brasil, e de sua participação na pauta de exporta-
ções, colocando em dúvida os prognósticos mais alarmistas quanto ao
crescimento do saldo comercial do setor.

POLÍTICA INDUSTRIAL — 187


Por fim, foi argumentado que o Brasil tem políticas industriais de
diferentes tipos, inclusive com custo fiscal não desprezível, e que, por-
tanto, a demanda de que o Brasil deveria voltar a ter PIs ativas deve ser
examinada com especial zelo.

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POLÍTICA INDUSTRIAL — 189


DESENVOLVIMENTO EM DEBATE — 190
MARCOS E DESAFIOS DE
UMA POLÍTICA INDUSTRIAL CONTEMPORÂNEA

Luciano G. Coutinho*

1. Introdução

O objetivo deste trabalho é abordar uma agenda de questões rele-


vantes para a implementação de uma política industrial contemporânea,
considerando a situação atual e os desafios que se antepõem ao desen-
volvimento sustentado da economia brasileira. A agenda de questões
foi sugerida pelos organizadores dos seminários comemorativos dos 50
anos do BNDES, e o autor procurou tratá-las da forma o mais abrangente
e completa possível * .
É importante advertir que a reflexão aqui apresentada, de caráter
normativo, busca alcançar uma formulação do perfil desejado para a polí-
tica industrial, com um foco deliberado na construção dos meios e das
condições institucionais necessárias. Por isso, o texto não se inibe em
sugerir medidas, reformas, engenharias institucionais e orientações para
a política industrial, confiando em contribuir para um debate construtivo
a respeito de questões que estão presentemente na pauta política do país.

2. Características das políticas industriais contemporâneas

O paradigma de política industrial do pós-guerra, até o início dos


anos 80, era intensivo em proteção tarifária e em subsídios fiscais e
financeiros, complementados pela oferta de infraestrutura em condições
favorecidas. Nos anos 80 e 90, sob a égide da “globalização”, esses
instrumentos foram se tornando disfuncionais para os países desenvol-
vidos e para as grandes empresas transnacionais. Com o fim da “rodada

* Instituto de Economia da Universidade Estadual de Campinas – IE/UNICAMP.


*
O autor deseja agradecer especialmente a iniciativa e o estímulo da Dra. Ana Célia Castro
para que enfrentasse o desafio de escrever o presente texto sob severa restrição de tempo.

POLÍTICA INDUSTRIAL — 191


do Uruguai” e com criação da OMC, em substituição ao GATT, o seu
uso passou a ser contestado e cerceado pelos países industriais avança-
dos que, não obstante e farisaicamente, continuaram a utilizá-los de for-
ma abusiva, notadamente no que toca à agricultura, às regiões deprimi-
das e aos setores ligados à defesa nacional.1
A concepção, nos anos 80, de novos instrumentos de política indus-
trial esteve calcada na idéia de que as políticas deveriam atuar de modo
compatível e complementar aos mercados, prevenindo ou sanando as
suas falhas. Para evitar, de outro lado, as “falhas do Estado”, dever-se-ia
minimizar o protecionismo, banir os mecanismos burocráticos discricio-
nários e a falta de transparência. As políticas industriais deveriam, assim,
praticar o fomento com horizonte temporal finito e definido, sob condi-
ções explícitas de custo/benefício, com publicidade e transparência.2
Da parte dos economistas keynesianos e shumpeterianos houve uma
reflexão mais madura, que reconheceu a pertinência das advertências
dos liberais quanto às falhas do Estado. Os princípios de avaliação de
custos, transitoriedade da proteção e transparência foram incorporados
à concepção das políticas.3
Simultaneamente, a reflexão a respeito das falhas de mercado se
aprofundou e passou a abranger um conjunto muito maior de situações.
Além da admissão das externalidades – positivas e negativas – e das
falhas financeiras resultantes de assimetrias de informação, a agenda
incorporou a incerteza, os riscos financeiros decorrentes de altas
alavancagens, os riscos da inovação tecnológica, as economias dinâmi-
cas de escala, os processos de aprendizado, as sinergias horizontais
(clusters), as sinergias verticais ao longo de cadeias setoriais, as defici-
ências institucionais, etc. À lista de questões microeconômicas foi, as-
sim, adicionada uma nova agenda de desafios de natureza
mesoeconômica e de coordenação de decisões entre agentes.4
Desta reflexão surgiram novas concepções e instrumentos, e pas-
sou-se a pensar em como articular políticas para aglomerações locais e
para cadeias setoriais. Aperfeiçoamentos institucionais e legais; esque-
mas novos de redução de riscos financeiros, de estruturação de enge-

1
OCDE (1998).
2
Chudnovsky, D e López, A (2001).
3
OCDE (1992).
4
Chang, H-J. (1994).

DESENVOLVIMENTO EM DEBATE — 192


nharias de capitalização e financiamento; instrumentos para apoio a pro-
cessos virtuosos de aprendizado e acúmulo de sinergias; e formas cria-
tivas de subsídio à P&D constituem o cardápio desses instrumentos
modernos, que passaram a ser praticados de forma cada vez mais inten-
sa ao longo dos anos 90. Além disso, uma nova roupagem foi atribuída
aos “velhos” instrumentos. Assinale-se, especialmente, o uso do poder
de compra do Estado, a subvenção direta a projetos especiais e milita-
res, a coordenação induzida do crédito e do mercado de capitais, o uso
intenso dos instrumentos de defesa comercial.5
O Brasil, lamentavelmente, é carente em matéria dos novos instru-
mentos e vê reduzido o espaço de uso dos velhos instrumentos em uma
situação ainda muito adversa, mercê da vulnerabilidade externa, decor-
rente dos juros altos e da tributação distorcida e onerosa. Agregue-se a
isso, ainda, a séria deficiência dos sistemas logísticos.6
O caminho da política industrial reside, em primeiro lugar, na sua
articulação com a política macroeconômica. Segue-se a rápida constru-
ção dos novos instrumentos, o uso seletivo dos velhos, a redução – hete-
rodoxa e transitória – dos custos de capital e a reforma tributária. Há,
ainda, o desafio da compatibilização com outras políticas relevantes –
comércio exterior, tecnológica, regional – e da sintonização da política
industrial com uma regulação revigorada, indutora de investimentos nos
setores de infraestrutura.

3. A relação entre a política macroeconômica


e a política industrial

As características específicas dos regimes macroeconômicos se so-


brepõem e condicionam as decisões microeconômicas, tendendo a con-
formar padrões de financiamento e de governança corporativa, de co-
mércio exterior, de concorrência e de mudança técnica. Neste sentido, a
relação entre a política macroeconômica e a política industrial é com-
plexa e se insere num contexto que tanto pode ser de compatibilidade
quanto de incompatibilidade.
As avaliações quanto à sustentabilidade da solvência cambial e quanto
à trajetória da taxa de câmbio se refletem, inarredavelmente, sobre o

5
Cassiolato e Szapiro (2000).
6
Erber e Cassiolato (1997).

POLÍTICA INDUSTRIAL — 193


componente de risco-país embutido na taxa efetiva de juros para as
empresas. A combinação específica de taxa de câmbio com a taxa de
juros determina, assim, condições fundamentais de cálculo de retorno/
risco para o sistema empresarial. Os regimes macroeconômicos, por-
tanto, comportam implicitamente macrocondições de competição mais
ou menos favoráveis para o conjunto de empresas e, assim, incidem
decisivamente sobre a eficácia possível das políticas industriais.
Os regimes macroeconômicos “benignos” são os que conseguem
combinar taxas de juros baixas com taxas de câmbio relativamente sub-
apreciadas – isto é, estimulantes para a produção no país e para as ex-
portações. De outro lado, regimes macroeconômicos “malignos” seri-
am aqueles que combinam taxas de juros altas com taxas de câmbio
sobrevalorizadas, nocivas à produção doméstica e à competitividade
exportadora do país. Existem condições intermediárias. Uma é a situa-
ção de juros baixos com câmbio sobrevalorizado, em geral característi-
ca de economias avançadas, com forte posição competitiva e solidez de
contas externas já bem estabelecida, como foi o caso do Japão durante
boa parte dos anos 80. Outra é a situação de juros altos com taxa de
câmbio sub-valorizada, posição característica de países que estão atra-
vessando crises cambiais e ainda enfrentam ameaças inflacionárias.
Sob a dominância da “globalização das finanças” a posição externa
de uma economia se tornou um condicionante-chave para a determina-
ção de seu regime macroeconômico. Economias com posição externa
sólida, tanto em termos de estoque (posição credora quanto em termos
de fluxo (superávit em conta corrente), situam-se bem em termos de
raio-de-manobra para as políticas de taxas de juros/taxas de câmbio.
Disso decorre, naturalmente, o simétrico inverso, ou seja: economias
com posição externa frágil, tanto em termos de estoque (posição deve-
dora) quanto em termos de fluxo (déficit em conta-corrente), posicionam-
se mal em termos de margem de manobra para as políticas de taxas de
juros/taxas de câmbio.
Em outras palavras, para conviver bem com a “globalização” é pre-
ciso não depender dela. Países que têm seus balanços de pagamentos
equilibrados ou superavitários, com boa posição de reservas cambiais,
tornam-se mais atraentes, pois podem crescer mais a partir de taxas de
juros mais baixas e fator de risco-cambial bem mais reduzido. As reser-
vas cambiais elevadas dão segurança aos investidores, fortalecem as
moedas nacionais – sem necessariamente apreciá-las – e fornecem um
colchão para as fases de aceleração do crescimento, quando ingurgita a

DESENVOLVIMENTO EM DEBATE — 194


demanda por importações de bens de capital. No caso dos países em
desenvolvimento, a China, Taiwan e a Coréia do Sul são exemplos des-
ta condição. Ao contrário, os países com persistente desequilíbrio em
sua conta de transações correntes, sem uma posição sustentável de re-
servas de divisas, ficam onerados por riscos de câmbio-país e precisam
manter taxas de juros muito mais altas, refletindo uma condição de
vulnerabilidade. Foi este o caso da maioria dos países da América Lati-
na – exceção do Chile – nos anos 90.
Paradoxalmente, assim, os países em desenvolvimento, carentes de
capital, que, em tese, deveriam ser deficitários em conta-corrente – o
que equivale a importar capitais–, tendem a ser punidos pelas finanças
globalizadas ao se colocarem em uma posição persistentemente defici-
tária. Ao contrário, os países superavitários conseguem conviver autô-
noma e favoravelmente – em termos de política de juros e mesmo da
possibilidade de impor controles seletivos de capitais –, muito embora
não se coloquem numa posição de importadores líquidos de capital e,
sim, fundamentalmente, na de poupadores de base doméstica. Ao con-
trário do pós-guerra, sob o sistema de Bretton Woods, quando os países
em desenvolvimento poderiam incorrer em déficits externos moderados
– a serem financiados por investimentos diretos e por empréstimos ofi-
ciais – sem injunções sobre suas políticas de juros, o atual não-sistema
de finanças globalizadas traz, infelizmente, implicações perversas so-
bre a “alocação eficiente” de capitais, ao punir os países deficitários e
premiar os superavitários.
Mas, além da posição externa, é essencial considerar, simultanea-
mente, a posição fiscal do Estado. Esta compreende o estoque de dívida
pública, seu perfil temporal, a forma de financiamento e a trajetória
recente e esperada de déficit/superávit corrente. Há, em geral, uma cor-
relação positiva entre o grau de autonomia externa, dado pela trajetória
da conta-corrente, e as condições de administração fiscal. É intuitivo
compreender que com taxas de juros mais baixas é menos oneroso e
mais fácil manejar a rolagem da dívida pública. É também politicamen-
te mais fácil sustentar políticas de austeridade fiscal em economias que
crescem mais e criam mais empregos, porque podem operar com juros
mais baixos. Ao contrário, sob uma combinação maligna de taxas de ju-
ros e de câmbio, a política fiscal fica seriamente problematizada pela pres-
são das taxas de juros sobre o próprio déficit público, bem como pelo
desgaste político decorrente de uma continuada contenção fiscal em con-
dições de estagnação econômica, ou de baixo ritmo de crescimento.

POLÍTICA INDUSTRIAL — 195


Assim, embora a trajetória fiscal anterior tenha muita importância,
especialmente para a avaliação de mercado a respeito da qualidade da
dívida pública – sua taxa de risco e perfil de amortização–, ela deve ser
compreendida no contexto maior do regime macroeconômico. Se a eco-
nomia tem uma taxa de câmbio bem ajustada e obtém equilíbrio em seu
balanço de pagamentos, uma boa situação fiscal reforça o círculo virtu-
oso, ao permitir taxas de juros ainda mais baixas. De outro lado, mesmo
dispondo de uma situação fiscal saudável, uma economia com taxa de
câmbio sobrevalorizada e elevado déficit em conta-corrente fica prisio-
neira de taxas de juros elevadas, que podem minar a sua robustez fiscal.
Também é muito mais fácil estimular o alongamento das operações
de crédito e de capitalização sob um regime macroeconômico do tipo
benigno, pois as taxas de juros bem mais baixas e a melhor qualidade
dos títulos da dívida pública minimizam a compulsão de acumular car-
teiras de papéis líquidos de curto prazo, e aumentam a atratividade dos
investimentos produtivos, cujo perfil temporal é necessariamente dila-
tado no tempo. Esta maior atratividade relativa dos investimentos fixos
em atividades produtivas é, por isso, facilitadora do desenvolvimento
do mercado de capitais e do mercado imobiliário. As empresas que têm
planos de investimento com inovação, em áreas de maior dinamismo,
podem ser objeto de operações de capitalização, através de esquemas
de private e de venture capital. Em suma, a eficácia da política de finan-
ciamento – componente chave das políticas industriais contemporâneas
– é muito maior sob regimes macroeconômicos do tipo benigno.
Do exposto acima se deduz que, quando compatíveis, as políticas
macroeconômica e industrial se auto-reforçam positivamente. Sob re-
gimes macroeconômicos benignos, não só a política industrial funcio-
na com eficácia, mas é também fator-chave de reforço da política macro.
O contrário se dá no caso de regimes malignos. Nestes, a política in-
dustrial enfrenta sérias dificuldades. Por isso é fundamental a busca
de compatibilidade. No caso do Brasil, isto significa que a cúpula do
governo, e especialmente a área econômica – Ministério da Fazenda e
Banco Central–, precisa, mais do que compreender, praticar a
compatibilização das duas políticas, encontrando soluções razoáveis
para as opções que envolvem conflito, especialmente no plano fiscal.
Isto para viabilizar a funcionalidade da política industrial e, a partir
dela, extrair as vantagens de reforço para a benignidade do próprio
regime macroeconômico.

DESENVOLVIMENTO EM DEBATE — 196


4. A compatibilidade: orientação pró-superávit comercial,
com manutenção da abertura

A adoção, desde 1999, da política de flutuação cambial constituiu


um passo importante em direção a um regime macroeconômico benig-
no. Este passo foi, entretanto, insuficiente diante do perfil de especia-
lização comercial e, principalmente se for considerado o peso dos esto-
ques acumulados, de dívida externa e interna. Com efeito, nos últimos
anos, a conjugação de elevados déficits interno, com juros altos, e ex-
terno provocou uma rápida expansão dos passivos domésticos – dívida
pública principalmente – e das obrigações em moeda estrangeira – pas-
sivos privados sob diversas formas. Os encargos e as remunerações devi-
dos sobre estes passivos exercem, respectivamente, forte pressão sobre as
contas públicas e sobre o balanço de pagamentos. A sustentação do de-
senvolvimento tornou-se, assim, estruturalmente muito mais difícil. A
economia brasileira e a política econômica ficam vulnerabilizadas quan-
do as expectativas dos mercados financeiros se tornam incertas, dificul-
tando a “rolagem” das duas grandes massas de passivos (domésticos e
externos), além de se manterem ainda elevadas as necessidades de finan-
ciamento dos déficits fiscal e de transações correntes com o exterior.
A possibilidade de retomar o crescimento sustentado da economia
não é, portanto, algo simples e automático. É indispensável que se for-
mule uma estratégia de transição. Ou seja, que se explicite uma forma
compatível de articulação entre a política macroeconômica e a constru-
ção de uma trajetória sustentada de desenvolvimento.
Esta formulação, ademais, precisa ser credível, para reduzir a incer-
teza e para induzir expectativas convergentes e construtivas quanto ao
futuro da economia. Como veremos a seguir, uma política industrial e
tecnológica com forte inclinação pró-exportação pode se constituir em
fator de ampliação dos graus de liberdade da política macroeconômica.
Pela primeira vez, em muitos anos, seria possível articular de forma
compatível e mutuamente benéfica as políticas macroeconômica e in-
dustrial-tecnológica, na medida em que esta última pode contribuir de-
cisivamente para uma transição mais rápida em direção a um regime
macroeconômico do tipo benigno.
À luz da experiência da segunda metade dos anos 90, não resta dúvi-
da de que uma condição fundamental para a sustentabilidade do cresci-
mento da economia é a de se construir um balanço de pagamentos viá-
vel e financiável a longo prazo, com baixa ou nenhuma vulnerabilidade

POLÍTICA INDUSTRIAL — 197


financeira, e taxa de risco-país bem abaixo do patamar pré-crise atual,
que era muito alto. Se considerado o elevado volume de passivos exter-
nos já acumulados – dívida externa pública e privada, sob diversas for-
mas, e o estoque de ativos no país sob controle estrangeiro –, chega-se à
constatação de que o serviço destes passivos requer anualmente um volu-
me de divisas próximo a 4% do PIB. E esta magnitude de divisas apresen-
ta tendência a crescer, enquanto o déficit em transações correntes perma-
necer elevado. Por esta razão, a obtenção de um balanço de pagamentos
intertemporalmente equilibrado requer a realização sustentada de um
expressivo superávit comercial – no mínimo, de 2,5% do PIB.
A concretização deste nível de superávit em bases duradouras impli-
ca a obtenção de taxas muito mais elevadas de crescimento das exporta-
ções, numa sensível moderação de velocidade de expansão das impor-
tações. Simulações efetuadas por especialistas indicam que as exporta-
ções deveriam crescer sustentadamente a uma taxa superior a 10% a.a.
(preferencialmente próxima a 12% a.a.), com as importações crescendo
não mais que 6% a.a. nos próximos cinco anos, para pôr o balanço de
pagamentos sob condições sólidas. Este não é um desempenho trivial,
que possa ser automaticamente assegurado pelas desvalorizações re-
centes da taxa de cambio. Várias economias asiáticas que competem
com o Brasil têm taxas de câmbio muito sub-valorizadas e, mais impor-
tante, as condições internacionais de concorrência hoje são inegavel-
mente mais acirradas.
Assim, é tremendo o desafio de obtenção de superávits comerciais
expressivos e sustentáveis. É imprescindível que haja foco, prioridade e
persistência no fomento às exportações. Todas as cadeias setoriais de-
vem ser mobilizadas. O crédito à produção (pré-embarque) precisa ser
expandido e ter seus “custos” de juros e burocracia aliviados, o trata-
mento tributário precisa mudar, os investimentos em infraestrutura e em
logística não podem deixar de acontecer. A diplomacia e a promoção
comercial terão que ser reorganizadas para a conquista de mercados. As
negociações para a formação de áreas de livre comércio com a ALCA e
a União Européia terão que ter como critério-mestre o objetivo de obter
e sustentar superávits comerciais elevados.
A necessidade de lograr taxas elevadas de expansão das exportações
resulta de inconveniência e inadequação absolutas de uma política de
“fechamento” da economia – como a que foi praticada durante a crise
cambial da primeira metade dos anos 80. O desenvolvimento competiti-
vo e o fato de que, hoje, 3/5 das importações brasileiras são de insumos

DESENVOLVIMENTO EM DEBATE — 198


correntes para a produção industrial tornam inviável uma política dura
de repressão das importações. Apenas transitoriamente seria possível pe-
nalizar as importações de bens finais de consumo, que representam, hoje,
US$ 5 bilhões. Não obstante, é impossível admitir que as importações
cresçam de modo excessivo e, para isso, tanto a taxa de câmbio quanto os
sinais da política industrial devem estimular incisivamente a substituição
de importações. Esta, porém, terá que ser concretizada em novas bases,
ou seja: não poderá ser onerosa para a competitividade exportadora e,
portanto, terá que se pautar por critérios de preço, qualidade e prazos de
entrega compatíveis. As condições e os requisitos para a substituição com-
petitiva de importações serão retomados mais adiante, no item 5.
Em resumo, parece indispensável a implementação de uma política
industrial mobilizadora e bem estruturada, voltada para o comércio exte-
rior. O objetivo maior desta deve ser o de acelerar a obtenção de ganhos
de competitividade, visando garantir um expressivo desempenho do sal-
do comercial ao longo dos próximos anos. Uma política industrial capaz
de preencher esse desafio é decisiva para a superação da vulnerabilidade
externa, assegurando condições sustentáveis para o balanço de pagamen-
tos e, por conseguinte, para o desenvolvimento do Brasil.
Pela razão acima, o desenvolvimento industrial voltado para a gera-
ção de saldos comerciais – via aumento das exportações e/ou via subs-
tituição competitiva de importações – deveria ser alçado à condição de
objetivo macroeconômico estratégico, na medida em que a redução do
déficit externo é elemento chave para robustecer e ampliar os graus de
liberdade da política macroeconômica, aproximando-a de uma política
benigna. Neste sentido, é recomendável reforçar a estrutura de poder
decisório e robustecer os instrumentos da política de comércio exterior.
A definição da tarefa de operação eficaz e ágil do crédito ao comércio
exterior, centralizada no Banco do Brasil e/ou no BNDES, e a criação
de uma Secretaria de Comércio Exterior, vinculada à Presidência da
República ou a um Ministério de Comércio Exterior, devem ser matéria
de atenta reflexão. Se a opção for por uma Secretaria na Presidência,
com delegação de poderes para coordenar, a função de fomento indus-
trial pode permanecer em um Ministério específico (MDIC). Já a opção
por um Ministério de Comércio Exterior, recomendaria a encampação,
por este, das atribuições da política industrial – i.e. transformação do
MDIC em MCE. Considere-se, ainda que, dado o peso dos agronegócios
no comércio externo brasileiro, a opção por uma Secretaria parece mais
adequada, e ela deveria estar coordenando ações do Ministério da Agri-

POLÍTICA INDUSTRIAL — 199


cultura e do Ministério da Indústria, juntamente com as outras funções
de política, conforme se comenta no próximo item.

5. A relação estreita entre as políticas industrial, tecnológica,


comercial e regional, e o desafio de coordenação

Da discussão anterior, fica claro que a orientação básica da política


econômica de redução da vulnerabilidade externa da economia, que é
necessária para o futuro, requer que a política industrial tenha um forte
viés pró-exportação. Esta definição associa estreitamente a política in-
dustrial com a política de comércio exterior, e vincula a diplomacia eco-
nômica a ambas. Desse modo, a política de comércio exterior e a políti-
ca industrial deixam de constituir uma forte superposição e passam a se
conjugar, no que toca ao conjunto de medidas de estímulo e financia-
mento às exportações. A política de comércio exterior, especificamen-
te, deve concentrar as ações de abertura e acesso a mercados, promoção
e expansão das vendas nos mercados externos. A política industrial deve
dar suporte à capitalização e à internacionalização das empresas brasi-
leiras, especialmente nos setores em que o investimento direto no exte-
rior é indispensável à expansão das exportações.
Há, também, uma ampla área de coincidência entre as políticas
tecnológica e industrial, posto que o avanço da inovação em desenvol-
vimento de produtos e em aperfeiçoamento de processos que assegu-
ram alta qualidade, flexibilidade e adequabilidade às exigências dos
mercados é requisito imprescindível à competitividade na esmagadora
maioria dos setores. O fraco desempenho das atividades próprias de ino-
vação, por parte do setor privado brasileiro, e a persistência da desconexão
entre as estratégias empresariais e as atividades de P&D continuam figu-
rando, com relevo, na lista dos desafios a superar. Não bastasse este desa-
fio de inserir a inovação, substancialmente, no plano das estratégias in-
dustriais privadas – o que exige estreita aproximação entre as políticas
industrial e tecnológica –, há um outro fator, de natureza instrumental,
que torna conveniente a ligação entre as duas políticas. Com efeito, os
incentivos fiscais e instrumentos financeiros de fomento à inovação téc-
nica são acolhidos como legítimos sob as regras da OMC, o que pode
constituir uma importante alavanca para ambas as políticas.
No plano da política regional, é importante sublinhar que a ausência
de uma política industrial federal abriu o caminho para a guerra fiscal.

DESENVOLVIMENTO EM DEBATE — 200


Os estados brasileiros passaram a atuar como agentes autônomos, na
tentativa de usar a isenção do ICMS como alavanca de atração dos in-
vestimentos privados.
É urgente, por isso, retomar a iniciativa de coordenação no plano
nacional e reformar a maquinaria institucional da política macro-regio-
nal. Deve-se reformar profundamente a SUDENE e a SUDAM – agora
rebatizadas de ADENE e ADAM. É necessário reestruturar o FINOR e
o FINAM, sob novas bases e regras. Isto envolve não só reformular o
sistema de incentivos macro-regionais (inclusive os mecanismos de
implementação dos fundos constitucionais), mas também exige que os
projetos sejam efetivamente viáveis e articulados por cadeias setoriais.
O objetivo deve ser, obviamente, o de reforçar atividades econômicas
competitivas no mercado nacional habilitando-as também à exportação.
É imprescindível pensar as regiões, não como macro-regiões, mas
como regiões geoeconômicas orgânicas, nas quais um conjunto de seto-
res exerce uma dominância sobre a dinâmica econômica. Isto significa
identificar quais são as atividades industriais, agrícolas e ou de serviços
que estruturam os espaços regionais e sub-regionais. O fato de que o
Brasil é 80% urbano e tem um grande sistema de cidades e sistemas
urbano-regionais subsidiários não pode ser esquecido. A reflexão sobre
as áreas metropolitanas é mais complexa, porque há uma dominância
de serviços misturados com indústria. Em suma, a nova reflexão sobre
as duas políticas deve casar o estudo dos sistemas urbanos com a iden-
tificação das atividades que estruturam a dinâmica regional de acumu-
lação de capital.
Isso conduz à definição de novos programas regionais e sub-regio-
nais, assim como nos leva a pensar no papel dos estados. Os estados são
indispensáveis neste novo padrão de política. Requer-se, ainda, uma com-
preensão da dinâmica dos pólos ou dos clusters, das redes horizontais e
dos núcleos espaciais de atividade. Isso exige uma engenharia institucional
na qual entram estados, municípios e união. O novo estilo de política
deveria, assim, combinar iniciativas locais e estaduais com processos co-
ordenados no plano federal, sob uma política industrial regionalizada,
capaz de direcionar espacialmente os incentivos ao investimento.
Os requisitos acima descritos – de articulação e de compatibilização
entre as políticas industrial, tecnológica, de comércio exterior e regio-
nal – põem em tela de juízo o desafio institucional de dar forma, coerên-
cia e animação a essas relações no plano administrativo-burocrático. A
coordenação, ágil e consistente, entre elas é imprescindível e terá que

POLÍTICA INDUSTRIAL — 201


ser exercida sob formas eficientes a serem desenhadas por um novo
governo. Uma opção mais convencional seria a de formar um novo
Conselho de Desenvolvimento, outra seria a de coordenar as ações
diretamente na Presidência da República, com o apoio de Secretarias-
Executivas.

6. Os traços gerais de
uma política industrial contemporânea para o Brasil

Nas décadas de 50 e 60, assim como na primeira metade da dos 70,


a industrialização do Brasil procedeu-se sob escassez de moeda forte. O
crédito internacional era restrito, a nossa capacidade de exportação era
limitada, porque fortemente dependente do café e de minérios. Havia,
por isso, um persistente constrangimento da capacidade de importar. A
industrialização, via substituição de importações, tinha, assim, uma
motivação de “poupança de divisas”, sendo a nova produção no país
orientada primordialmente para o mercado interno. O processo foi
instrumentalizado através de alta proteção tarifária que, num primeiro
estágio, gravava a importação do bem final, facilitando a importação
dos insumos e componentes com tarifas baixas. Isto pressionava as im-
portações desses últimos, repondo em cena a pressão sobre o “orçamen-
to cambial”. Esta pressão motivava o prosseguimento do processo, que
passava a abranger os componentes/partes, estendendo-se a estes uma
proteção tarifária também alta, porém inferior à do bem final. Assim,
buscou-se fazer avançar sucessivamente o processo de substituição “para
trás” nas novas cadeias industriais.
Outro instrumento importante de substituição de importações era a
exigência de “índices de nacionalização” do produto. Este se aplicava
por ocasião das negociações de entrada de empresas estrangeiras. Exem-
plo emblemático foi o desenvolvimento do parque nacional de autopeças
para garantir conteúdo local elevado aos produtos da indústria automo-
bilística no Governo Kubitschek, sob a coordenação do GEIA (Grupo
Executivo da Indústria Automobilística). Além destes instrumentos, no
Governo Geisel (1974-78), a substituição de importações foi estimula-
da por operações de crédito subsidiado do BNDE – correção monetária
prefixada inferior à inflação –, para viabilizar o desenvolvimento de
setores intensivos em capital do II PND (celulose-papel, petroquímica,
siderurgia, bens de capital).

DESENVOLVIMENTO EM DEBATE — 202


O uso destes instrumentos está, hoje, constrangido pelas restrições
fiscais, pela abertura econômica e por regras internacionais (OMC) bas-
tante estritas. Mas, ainda que pudessem ser plenamente utilizados, estes
“instrumentos históricos” não são adequados ao perfil que se deseja
para o desenvolvimento industrial – fortemente competitivo e com ca-
pacidade exportadora. Insumos ou componentes com proteção tarifária
elevada podem gerar preços relativos inadequados a uma estrutura com-
petitiva de custos do bem final. Vale dizer, os insumos, componentes e
partes também precisam atender a requisitos de qualidade e preços, dentro
do padrão-mundial.
A seletividade é, por isso, condição importante do conceito
supramencionado de substituição competitiva de importações. Matéri-
as-primas, partes e componentes que não possam obter no país escala e
custos competitivos devem continuar sendo importados, até que se cri-
em condições diferentes. De outro lado, aquelas que aqui possam ser
produzidas eficientemente deveriam ser dimensionadas para suprir o
mercado doméstico e, ainda, exportar uma fração relevante. O impor-
tante, assim, é avaliar a balança comercial agregada da cadeia setorial
(ou da empresa) de tal forma que não sejam gerados déficits elevados.
Deve-se visar à obtenção de superávits comerciais, mas estes – diferen-
temente do passado – só podem ser alcançados com níveis bem mais
altos de importações e de exportações.
Destaque-se, neste ponto, que nos três macrosetores altamente defi-
citários – químico, eletrônico e de bens de capital – a aceleração da
substituição competitiva de importações depende, em larga medida, de de-
cisões internas a grandes empresas internacionais. Isto significa que uma
agenda de entendimentos e de cooperação com as empresas transnacionais
é ingrediente indispensável à política industrial e de comércio exterior.
Esta agenda deve incluir, ainda, as atividades tecnológicas, a abertura de
novos mercados e a atração de investimentos.
É conveniente que o instrumento da proteção tarifária seja utilizado
com moderação e sempre no contexto de uma taxa de câmbio razoavel-
mente realista, não supervalorizada. Isto implica um fator de condicio-
namento sobre a política de flutuação cambial, qual seja, o de se evitar
uma trajetória sistemática de apreciação da taxa de câmbio uma vez que
se consiga obter um superávit comercial de grande escala. A flutuação
da taxa de câmbio pode prosseguir, sem que, necessariamente, o Banco
Central explicite uma banda larga. É importante dispor de flexibilidade,
mas a opção de longo prazo de sustentação de um superávit comercial

POLÍTICA INDUSTRIAL — 203


adequando supõe que haja um cuidado especial com a trajetória da taxa
real efetiva de câmbio, para prevenir uma tendência de apreciação. O
Banco Central deveria, para tanto, praticar uma política de acumulação
de reservas, que teria como bônus a possibilidade de reduções adicio-
nais da taxa de juros.
Finalmente, é pertinente abordar a questão da dimensão patrimonial
da política industrial. Existem razões sólidas e racionais para que a
política econômica robusteça os grupos empresariais de capital nacio-
nal, habilitando-os a operar globalmente. Tais razões são alinhadas da
seguinte maneira: 1) a existência de empresas nacionais com atuação
mundial, aqui sediadas, aglutina centros de decisão que, embora pri-
vados, fortalecem economicamente o país; 2) sem dúvida, a formula-
ção e a tomada de decisões estratégicas a partir do Brasil concentram
em nosso território as atividades de alto valor agregado em gestão,
finanças, inovação organizacional, desenvolvimento tecnológico e de
marcas; 3) como resultado do item anterior, localizam-se no país os
melhores empregos e as melhores oportunidades de desenvolvimento
profissional; 4) uma parcela importante dos investimentos diretos es-
trangeiros se faz através de associações, joint- ventures e parcerias, o
que requer a presença de empresas nacionais capacitadas, com porte
adequado e higidez financeira.
Em resumo, a superação das deficiências competitivas do Brasil não
pode prescindir de um conjunto de grupos nacionais de porte mundial.
Sem isso, não se desenvolverão núcleos endógenos de progresso
tecnológico capazes de afirmar marcas brasileiras, criar novos mercados
e gerar, aqui, atividades e empregos de elevada qualificação. O capital
estrangeiro pode cumprir apenas em parte estas funções, pois tende a con-
centrar centros de inovação e atividades nobres nas respectivas matrizes.
É, portanto, urgente uma estratégia de formação de “campeões naci-
onais competitivos” que, a partir do Mercosul, se projetem como atores
globais. A formação de “campeões competitivos” não implica a escolha
burocrática e discricionária de “vencedores”. Na quase totalidade dos
setores existem empresas líderes, diferenciadas, mas competitivas e ca-
pazes – muitas vezes em áreas de negócio inóspitas, onde a maioria das
empresas enfrenta problemas. Estas empresas líderes competitivas me-
recem, porém, atenção especial. Seu desempenho em inovação, exce-
lência de gestão e outros pontos fortes deve ser estimulado, tendo em
vista a conveniência de robustecê-las.

DESENVOLVIMENTO EM DEBATE — 204


Grandes grupos econômicos eficientes podem driblar o risco-país,
alavancar mais crédito, gerar mais capitalização e, então, investir mais
agressivamente. Podem também exportar vigorosamente, através da
implantação de bases operacionais no exterior. Coordenados, em arti-
culação com o Estado, fortalecem o poder nacional. Sem eles, ficare-
mos excessivamente dependentes das estratégias de atores privados ex-
ternos, e reduzidos ao mimetismo – sem personalidade – de produtos,
design, marcas e referências culturais alienígenas.
Não se recomenda, porque não se justifica, qualquer restrição ao
investimento direto estrangeiro. Ao contrário, o investimento direto es-
trangeiro deve ser atraído e estimulado, especialmente em setores com
potencial exportador. Advoga-se, porém, que sejam criadas condições
eficazes para fortalecer as empresas nacionais. Temos hoje poucos glo-
bal players. Dentre eles, podem ser citadas a Petrobrás, a Embraer, a
CVRD, a Gerdau e a Sadia. Poderíamos e deveríamos desenvolver logo
grandes empresas mundiais em siderurgia, papel e celulose, petroquímica
e vários segmentos dos agronegócios. Deveríamos aspirar ter empresas
fortes em segmentos das tecnologias da informação.
Quais são, então, os instrumentos que podem ser manejados
contemporaneamente para induzir a concentração empresarial, as ex-
portações e esta nova substituição de importações – indubitavelmente
necessárias para a consecução de um superávit comercial de grande es-
cala ? Os países da OECD usam o seguinte arsenal: a) incentivos fis-
cais/financeiros de desenvolvimento regional; b) incentivos fiscais, sub-
venções a fundo perdido, contratos cost-plus e outras modalidades de
apoio ao risco das atividades tecnológicas do setor privado; c) subsídios
ao treinamento/educação de trabalhadores; d) uso coordenado do poder
de compra do setor público; e) esquemas de apoio à capitalização
acionária de risco para empreendimentos inovadores; f) oferta de
infraestrutura tecnológica e científica através de incubadeiras, pólos e
distritos especiais; g) negociações diretas do governo com grandes em-
presas internacionais, com base nos instrumentos acima.
No caso brasileiro, estes instrumentos são precários e institucionalmente
subdesenvolvidos. Há, ainda, o ônus dos fatores sistêmicos desfavorá-
veis, como taxa de juros muito elevada e custos de capital punitivos
para os empresários nacionais, sistema tributário distorcido e logística
precária e cara. É urgente, então, criar os instrumentos contemporâneos
para que se possa empreender as políticas industrial, tecnológica, regio-
nal e de comércio exterior com condições mínimas de eficácia.

POLÍTICA INDUSTRIAL — 205


7. A construção dos novos instrumentos

O reconhecimento da amplitude das falhas e insuficiências dos mer-


cados renovou, nos últimos anos, a agenda de instrumentos de política
industrial. Como foi assinalado, os novos instrumentos buscam preve-
nir ou sanar as falhas de mercado, minimizando, ao mesmo tempo, o
risco de incursão em “falhas de governo”. Por isso, os novos instrumen-
tos evitam o uso intensivo do protecionismo tarifário, recomendando
que a proteção aduaneira seja moderada, temporária, com cronogramas
cadentes e pré-definidos. A aplicação dos novos instrumentos também
deve evitar mecanismos burocráticos discricionários, preferindo regras
explícitas, com critérios de custo/benefício.
São três as esferas de intervenção dos novos instrumentos: 1) refor-
ço aos fundamentos legais e institucionais para o funcionamento dos
mercados; 2) ação redutora de riscos financeiros e inovacionais; 3) cri-
ação de sinergias através da promoção da cooperação.
O reforço aos fundamentos legais e institucionais dos mercados foi
incorporado à agenda de políticas com bastante vigor a partir do rotundo
fracasso da política de “choque de mercado”, aplicada à economia rus-
sa, após a débacle do sistema socialista-burocrático. O Banco Mundial,
a OECD e o governo americano se engajaram intensamente nesta
temática, a partir da percepção da relevância da estrutura legal e
institucional para o funcionamento menos imperfeito dos mercados. Isto
renovou a reflexão a respeito da importância de se garantir a vigência
dos direitos comerciais e de propriedade, e de assegurá-los através de
um sistema judiciário ágil e eficaz.
A prevalência dos direitos de propriedade é relevante como incenti-
vo econômico em áreas onde a questão da apropriabilidade não é clara e
inequívoca, como é o caso da propriedade intelectual. Por isso, grande
atenção foi dispensada à apropriabilidade das inovações, especialmente
nas áreas de biotecnologia, química molecular e software, tendo em vis-
ta o aperfeiçoamento das legislações sobre patenteação e direitos auto-
rais, bem como acerca das instituições e dos mecanismos de validação e
de operacionalização desses direitos.
Outra área relevante de atenção desta agenda do Banco Mundial-
OECD centrou-se nos mercados de crédito e de capitais, abrangendo as
leis bancárias, as leis de falência e as leis disciplinadoras dos mercados
de capitais. A preocupação tem sido a de assegurar direitos e estimular
o poupador-investidor a investir em ativos de risco ou de longo prazo de

DESENVOLVIMENTO EM DEBATE — 206


maturação. Dentre as recomendações de política destacam-se a promo-
ção da “governança corporativa”, com transparência e proteção aos aci-
onistas minoritários, a proteção aos credores, o reforço das instituições
de fiscalização e de regulação do mercado de capitais.
Sublinhe-se, aqui, alguma negligência proposital dos promotores da
nova agenda no que toca à regulação das concessões de serviços públi-
cos e de outros setores de monopólio natural. Prevaleceu, nos anos 90,
o sentimento de que a regulação era excessiva e onerosa, devendo ser
abrandada ou negligenciada em prol de uma expressão mais livre das
forças de mercado. Esta atitude terminou inibindo o exercício ativo da
regulação e, em alguns casos, resultou em falhas e inconsistências gra-
ves acarretando a ocorrência de crises setoriais.
Uma avaliação da situação brasileira nesta esfera mostra áreas de
fragilidade, especialmente no que toca à qualidade e à capacitação das
agências setoriais de regulação, cujo desempenho insatisfatório recla-
ma um esforço urgente de aperfeiçoamento. A morosidade do sistema
judiciário constitui outro fator negativo que demanda solução. No que
toca ao mercado de capitais, houve um aperfeiçoamento importante com
a aprovação, em 2001, da nova lei das sociedades anônimas, prevendo-
se um reforço à Comissão de Valores Mobiliários. A atuação do BNDES
e da Bovespa, com a criação do novo mercado, também contribuíram
positivamente. Aperfeiçoamentos adicionais parecem necessários, no
que tange à lei de falências e ao campo da legislação sobre a proprieda-
de intelectual.
A esfera relativa aos instrumentos de redução dos riscos financeiros
é altamente relevante por permitir intervenções pró-ativas. Tais instru-
mentos tornam-se imprescindíveis num contexto em que é maior o pa-
pel dos mercados de capitais, e em um clima econômico muito propen-
so à ocorrência de turbulências financeiras, com o que a exacerbação da
incerteza é acompanhada de fugas de capitais para títulos de alta quali-
dade. Nestas situações, os mercados para atividades e investimentos de
risco tendem ao colapso, sendo necessário criar mecanismos de com-
pensação ou de atenuação dos riscos. Mesmo em circunstâncias nor-
mais, a assimetria de informação e o receio quanto a taxas de alavancagem
elevadas (risco de default) requerem ações compensatórias dos agentes
públicos, de modo a tornar toleráveis os riscos privados.
São várias as modalidades de intervenção possíveis. Os agentes pú-
blicos (BCs e outras entidades bancárias ou não bancárias) podem pro-
ver hedge, estabelecer tetos ou pisos para as taxas de juros/câmbio, ofe-

POLÍTICA INDUSTRIAL — 207


recer garantias e parcerias, equalizar ou subsidiar taxas de juros, através
de diversos mecanismos que viabilizem operações de crédito ou de ca-
pitalização. Pode-se mencionar, por exemplo, o suporte, em países de-
senvolvidos, ao mercado hipotecário, às modalidades de project finance,
venture capital e seed money. Estes últimos mecanismos têm especial
relevância para as pequenas empresas, mas também deveriam abranger,
no nosso caso, as empresas de médio e grande portes.
No caso brasileiro, houve avanço notável no campo dos instrumen-
tos dirigidos às pequenas empresas, a partir de iniciativas do MCT-FINEP
(leis nº 10.168/00 e nº 10.332/01). Faltam, porém, instrumentos equiva-
lentes para suporte à grande empresa. O BNDES tem evitado contami-
nar a TJLP com taxas de risco-país extremamente elevadas em momen-
tos de crise cambial, mas ainda não dispõe de mecanismos mais efica-
zes de redução dos custos de capital para grandes empresas de capital
nacional, que não dispõem de meios para driblar o risco-Brasil.
No que toca à redução dos riscos da inovação tecnológica, nos paí-
ses desenvolvidos foram aperfeiçoados e intensificados, nos anos 90,
esquemas de tratamento fiscal que privilegiam as atividades de P&D e
as inversões em capital fixo. Além disso, os já mencionados instrumen-
tos de capitalização (venture capital) foram reforçados por créditos em
condições especiais. Em muitos países, desenvolveu-se a prática de sub-
venções diretas, a fundo perdido, para projetos de P&D considerados
estratégicos. Em geral, tais iniciativas têm bases cooperativas, combi-
nando as especializações das empresas participantes. Verificou-se, ain-
da, a prática de subsídios e de suporte à expansão internacional de em-
presas e, também, o apoio a fusões e reestruturações, visando robuste-
cer grupos empresariais nacionais. De outro lado, em vários países fo-
ram implementados esquemas especiais de atração de investidores dire-
tos estrangeiros, particularmente em setores intensivos em tecnologia.
No caso do Brasil, é imprescindível e urgente atualizar e desenvol-
ver esses instrumentos, ultrapassando-se as iniciativas já mencionadas
do MCT. Devemos destacar as seguintes medidas: 1) o tratamento fiscal
fornecido à P&D precisa ser reinstituído; 2) instrumentos de suporte à
inovação na grande empresa deveriam ser criados (há uma oportunida-
de para isso com o novo projeto de Lei da Inovação); 3) a expansão
internacional e o robustecimento das empresas de capital nacional me-
rece prioridade; 4) é necessário articular esquemas para atração de in-
vestimentos diretos externos com viés exportador.

DESENVOLVIMENTO EM DEBATE — 208


No plano de criação de sinergias em cadeias industriais e em ”clusters”
locais, há uma tarefa de grande envergadura a cumprir, supondo-se que o
leque dos novos instrumentos possa ser rapidamente desenvolvido. No
caso dos programas por cadeia setorial, já existe experiência acumulada,
desde o início da década, o que permite fácil aperfeiçoamento. No que
toca à articulação de programas e ações por clusters – mobilizando-se os
instrumentos adequados e coordenando-os com os expressivos incenti-
vos fiscais regionais e locais já existentes –, há um desafio relevante a
enfrentar. Trata-se da engenharia institucional necessária para coordenar
distintas instâncias de poder municipal (distritos, parques, incentivos lo-
cais, etc.), estadual (incentivos fiscais, oferta de infraestrutura, etc.) e fe-
deral (velhos e novos instrumentos), em torno a projetos consistentes.
Não resta dúvida que a criação e o aperfeiçoamento dos novos ins-
trumentos são condição imprescindível à implementação de uma política
industrial contemporânea. Assinale-se, ainda, que a utilização residual
dos velhos instrumentos não deve ser desprezada, sublinhando-se especi-
almente o uso do poder de compra governamental, o uso dos instrumen-
tos de defesa comercial e concorrência, a coordenação do crédito e dos
investidores institucionais, através da liderança de bancos públicos.

Referências bibliográficas

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POLÍTICA INDUSTRIAL — 209

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