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RESENHA
Monteiro. A sociologia de Niklas Luhmann. Pe- Marx, Weber, Simmel e Durkheim. A impres-
trópolis: Vozes, 2017, 189p. são que fica, defende o autor, é a de que a teia
conceitual da sociologia se esgotou com os
clássicos.
É importante ressaltar, no entanto, que
Éverton Garcia da Costa Luhmann não nega a importância e as con-
Gabriel Bandeira Coelho tribuições teóricas dos clássicos para a socio-
logia. Pelo contrário: defende que eles, ainda
hoje, disponibilizam algumas teorias de médio
alcance, principalmente para o uso na pesqui-
PARA ENTENDER A SOCIOLOGIA sa empírica. Todavia, a seu ver, não há, nos
DE NIKLAS LUHMANN clássicos, uma descrição teórica coerente com
a complexidade característica da sociedade
contemporânea. Para Luhmann, tal sociedade
só pode ser descrita de forma realmente coe-
rente por meio de um novo modelo teórico, ge-
Reza a lenda que, pouco antes de sua ral, dotado de elementos conceituais capazes
nomeação para o cargo de professor de socio- de explicar o funcionamento dos diferentes
logia na Universidade de Bielefeld, Luhmann sistemas sociais (política, economia, direito,
foi indagado sobre qual objeto de pesquisa arte, ciência etc.).
desejaria trabalhar. Sua resposta teria sido: A controvérsia em torno da obra de
a teoria da sociedade moderna, duração 30 Luhmann também está relacionada ao fato de
anos, sem custos. Luhmann cumpriu crite- que o autor se apropria de conceitos e ideias
riosamente essa promessa. Desde o momento oriundos de outras áreas do conhecimento –
em que ingressou na Faculdade de Sociologia como a biologia, a cibernética, a matemática,
da Universidade de Bielefeld, em 1969, até o a física, dentre outras – na sua tentativa de ex-
momento de sua aposentadoria, em 1993, o plicar o social. A própria noção de autopoiésis,
sociólogo alemão construiu uma ampla e com- por exemplo, utilizada pelo autor para caracte-
plexa arquitetura conceitual, por meio da qual rizar os sistemas sociais, foi desenvolvida pelo
http://dx.doi.org/10.1590/S0103-49792017000300013
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RESENHA
autor, os seres humanos não estão no centro da de Luhmann,3 a editora lançou, em 2017, A so-
sociedade, mas sim no seu entorno. Com esse ciologia de Niklas Luhmann, livro escrito por
deslocamento teórico na concepção do homem, Léo Peixoto Rodrigues e Fabrício Monteiro Ne-
Luhmann rompe não apenas com a tradição ves, dois dos principais especialistas brasilei-
sociológica, mas, sobretudo, com a própria tra- ros em teoria luhmanniana.4
dição antropocêntrica do Iluminismo europeu. O livro assinado por Rodrigues e Neves
Vale lembrar, que, na Metafísica dos Costumes, é de grande importância para a disseminação
por exemplo, Kant defendeu que o homem não das ideias de Luhmann no clima intelectual
deve ser nunca tomado como meio, mas sem- brasileiro. Os autores conseguiram sintetizar,
pre como fim. Luhmann vai ao encontro da tese em apenas 189 páginas, o denso pensamento
kantiana ao sustentar que os seres humanos de Luhmann, apresentando, de forma sim-
são o meio através do qual os sistemas sociais ples e didática, sem perder o rigor teórico, os
se reproduzem. Por sustentar esse argumento, o principais conceitos que constituem a teoria
sociólogo de Bielefeld tem sido rotulado como do sociólogo alemão. Um ponto importante a
um pensador “anti-humanista”.2 ressaltar, nessa obra, diz respeito ao aspecto
Por defender ideias polêmicas como interdisciplinar da teoria luhmanniana ressal-
essas, ou seja, que a sociologia estagnou nos tada pelos autores. Para eles, Luhmann conhe-
clássicos, que a sociedade não é composta por ce, discute e, em muitos casos, ressemantiza os
homens, e também por se apropriar de con- conceitos das áreas da Biologia, da Física, da
ceitos oriundos de áreas como a biologia e a Psicologia, da Economia, da Teoria da Comu-
cibernética para explicar o social, Luhmann é nicação, da Teoria do Conhecimento, da Ciber-
um dos mais controversos autores do campo nética e da Filosofia no que concerne à expli-
da teoria sociológica, e uma persona non grata cação dos fenômenos sociais. Segundo Rodri-
em alguns campos ideológicos. gues e Neves (p. 17-8), “Luhmann ousou trans-
Há, com efeito, uma grande resistência, por estas barreiras disciplinares e desenvolver
em alguns nichos ideológicos, em aceitar as um conhecimento científico verdadeiramente
ideias de Luhmann – as quais, diga-se de pas- transdisciplinar”, refundando, assim, os pres-
sagem, são dotadas de uma riqueza teórica e supostos epistemológicos de toda uma Teoria
epistemológica e de um ineditismo ímpar nas do Conhecimento para as ciências humanas, a
ciências humanas. O Brasil é um claro exem- partir da noção de sistema autopoiético.
Caderno CRH, Salvador, v. 30, n. 81, p. 597-599, Set./Dez. 2017
plo disso. Embora alguns dos principais livros A sociologia de Niklas Luhmann é um
de Luhmann tenham sido publicados desde o 3
Obra que “renova e refunda as bases epistemológicas
final da década de 1980 e ao longo dos anos para uma metateoria da sociedade, como um sistema que
se auto-observa” (p. 16).
1990, são raros os que foram traduzidos para
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A sociologia de Niklas Luhmann faz parte da coleção “So-
o português. ciologia: pontos de referência”. Nessa coleção, a Editora
Uma iniciativa adotada pela Editora Vozes tem apresentado o pensamento de alguns dos mais
proeminentes sociólogos da história. A Vozes, a partir des-
Vozes tem buscado, justamente, alterar essa sa singular coleção, demarca um importante espaço, no
que diz respeito às publicações no âmbito da Sociologia
realidade. Após ter publicado, em 2016, a tra- brasileira, contribuindo significativamente para as pes-
quisas na área de teoria e de epistemologia no país. Além
dução de Sistemas Sociais: esboço para uma da obra de Rodrigues e Neves sobre a sociologia luhman-
teoria geral, uma das obras mais importantes niana, outros livros de renomados autores internacionais
destacam-se na referida coleção, quais sejam: A sociologia
como ciência, de Raymond Boudon; A sociologia de Marx,
de Jean-Pierre Durand; A sociologia de Durkheim, de Phili-
ppe Steiner; A sociologia de Erving Goffman, de Jean Nizet
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Deve ficar claro que Luhmann, em nenhum momento da e Natalie Rigaux; A sociologia de Anthony Giddens, de Jean
sua vasta obra, alegou que os seres humanos não são im- Nizet; A sociologia de Max Weber, de Catherine Colliot-
portantes, ou então que devam ser usados como meio para -Thèléne; História da sociologia 1 – Antes de 1918, de Char-
se alcançar um determinado objetivo. Ao tratá-los como les-Henry Cuin e François Gresle; História da sociologia 2 –
entorno da sociedade, o sociólogo alemão apenas buscou Depois de 1918, de Charles-Henry Cuin e François Gresle;
traçar uma descrição teórica do social, livre de qualquer e A teoria de Pierre Bourdieu e seus usos sociológicos, de
tipo de determinação psicológica. Anne Jourdain e Sidonie Naulin.
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Éverton Garcia da Costa, Gabriel Bandeira Coelho
Everton Garcia da Costa – Licenciado em Letras e Mestre em Ciências Sociais (UFPel). Doutorando
em Sociologia (UFRGS). Integrante do Grupo de Estudos Sobre Universidade (GEU Sociologia\UFRGS).
eve.garcia.costa@gmail.com
Gabriel Bandeira Coelho – Doutorando em Sociologia pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul
(UFRGS). Mestre em Sociologia pela Universidade Federal de Pelotas (UFPel). Integra o Núcleo (grupo)
de Pesquisa TEMAS, desenvolvendo pesquisas na área de Sociologia da Ciência, sobretudo em relação à
interdisciplinaridade na área de Ciências Ambientais. gabrielbandeiracoelho@yahoo.com.br
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