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VAMB RA n{ O1 ] DEZEMBRO 2O17

NA MOCHILA
Diários de uma carona
Histórias de quem aponta o
dedão para viajar

EMBARQUE
peru por outras rotas
Um roteiro para conhecer o Peru
fugindo do óbvio

USHUAIA
FOTOGRAFIAS de um apaixonado
por trilhas e montanhas

DEZEMBRO 2O17 ] n{ O1 ] vAMBORA 1


Foto da capa:
Valle de Andorra, Ushuaia
Prezadxs leitores,

Nesta nossa primeira edição queremos nos apresentar a


vocês! Muito, prazer! Somos a Vambora, e buscamos trazer a
VAMB RA
vocês dicas, roteiros, curiosidades e relatos, de quem já per-
correu esse mundão, para quem quer conhecer. Vocês devem
estar acostumadxs com as diversas revistas de viagem que Edição 01 / Dezembro de 2017
falam de destinos paradisíacos, mas que geralmente pesam
os bolsos. Nossa proposta é mostrar que é possível viajar sem Editoras: Lívia Tokasiki e Lu-
gastar muito. E nada mais justo que na edição de inauguração ísa Michels
falarmos de destinos que estão logo ai, na América do Sul.
Projeto gráfico-editorial:
O nosso compromisso com vocês é oferecer as mais va- Lívia Tokasiki e Luísa Mi-
riadas opções para que a sua escolha seja a melhor possível. chels
A Vambora deste mês vai fazer vocês adentrarem à Patagô-
nia Argentina, com uma série de fotografias registradas por Textos: Lívia Tokasiki, Luísa
Marcos Felipe Terra, em sua viagem pelo Ushuaia. Michels, Marcos Felipe Terra
e Matheus Pereira
Um outro destino, vizinho da Argentina, mas não menos
belo, é o Uruguai. É desse cenário que vocês poderão confe- Imagens: Amanda Prenty,
rir a história peculiar da viagem que o brasileiro Matheus Blog Tudo ou Nada, Blog Liqui-
Pereira fez de carona até as terras uruguaias. dificador de Ideias, Blog Kelts,
Ciro Tokasiki, David Vargas,
E falando de caronas, vamos mostrar a vocês que ainda Elizabett Abbring, Flávio Tin,
é possível apontar o dedão para as ruas no Brasil. A nossa Gaía Passarelli, Iris Kamenev,
grande reportagem dessa edição vai trazer relatos sobre a J. Mazzotti, Marcos Felipe
cultura da carona em Florianópolis. Terra, Matheus Pereira, Rove
Overland, Santur
Um outro país rico em história, cultura e montanhas é o
Peru. Fizemos um roteiro bem completo para você que quer Esse trabalho é experimen-
conhecer as terras incas de Huaraz. Separamos curiosidades, tal, sem fins lucrativos e de
dicas e uma programação que vai fazer você conhecer essa caráter puramente acadê-
cidade sem gastar muito! mico, desenvolvido pelo(a)
acadêmico(a) nome do(a) alu-
Para te ajudar a preparar a viagem, conversamos com a no(a) como exercício de pro-
ex-VJ da MTV Gaía Passarelli, que viaja para vários cantos jeto gráfico-editorial para a
do mundo sozinha. Ela também é a autora do livro “Mas você disciplina de Laboratório de
vai sozinha?”, que conta um pouco de suas histórias de viagem. Produção Gráfica do curso de
Jornalismo da Universida-
E, ai? Vambora?! de Federal de Santa Catarina
(UFSC) no semestre 2017-2.
Boa leitura, boa viagem e até a próxima edição! Não será distribuído, tampou-
co comercializado.
Lívia Tokasiki e Luísa Michels - editoras da Vambora
INTINERÁRIO

despachando
Viajando com quem entende
Página 5

EMBARCANDO
Peru por outras rotas
Página 8

Diários de uma carona


página 14

SEM EIRA NEM BEIRA

cartão postal
desEMBARCANDO
Ushuaia
Pelas estradas dos pampas
página 28 O FIM DO MUNDO
página 22
o
and
ch
spa
De

Viajando com quem


entende: Gaía Passarelli
Gaía Passarelli é jornalista e escritora com foco em viagem, São Paulo e música.
Seu primeiro livro, uma coletânea de crônicas sobre viajar sozinha, chama “Mas
Você Vai Sozinha?”, lançado nacionalmente pela Globo Livros em 2016. Gaía foi
também VJ da MTV, entre 2010 e 2013. Também foi colaboradora de alguns dos
principais cadernos de Cultura brasileiros, como Ilustrada, Bizz e Rolling Stone
Brasil. Conversamos com ela sobre suas experiências viajando pelo mundo.

Foto: Arquivo pessoal

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Vambora: Como é ser mulher e
viajar sozinha? Já se sentiu in-
segura em alguma situação?
Gaía Passarelli: Já sim, e tem
essa história no meu livro. Já
me senti insegura viajando as-
sim como já me senti insegura
pegando ônibus pra casa aqui
na Avenida Paulista, onde moro.
Acredito que quando viajando
solo a gente se coloca numa si-
tuação de maior vulnerabilida-
de, e isso requer atenção sempre,
mas a real é que a gente pode se
sentir insegura em qualquer lu-
gar, então é legal quando a gente
aprende a se sentir bem em si-
tuações fora do nosso normal.

Como é a preparação para suas


viagens? Você pesquisa em si-
tes, como faz pra não passar por
tanto perrengue?
Eu pesquiso e leio muito, é uma
coisa que eu adoro fazer e eu sin-
to que a viagem começa quando
eu começo a pensar nela. Tam-
bém acho que quanto mais in-
formada você está, mais tran-
quila fica. Eu pesquiso em sites Guanacos em Torres Del Paine, a maior atração da Patagônia chilena. Gaía
e uso muito guia de viagem. Evi- visitou o Chile em abril de 2017, sozinha. Os guanacos são nativos da América
do Sul e são parentes das lhamas, também nativas dessa região do planeta.
to sites tipo TripAdvisor porque
acho enviesado, se for pra pegar O que a motivou escrever o livro “Mas você vai sozinha?”
opinião de alguém prefiro ir em A vontade de compartilhar as histórias de viagem que
grupos de viagem no Facebook eu já tinha. Minhas amigas meio tinham cansado de es-
ou escrever diretamente pra al- cutar e eu sempre tenho anedota e historinha pra contar.
guma conta especialista num Uma resposta mais séria é que em 2016 rolou aquele
destino no Instagram e per- caso das meninas argentinas que foram assassina-
guntar diretamente. Ler ficção das no Equador e a gente estava ouvindo muito essa
também é legal!

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conversa de “mas elas estavam sozinhas, né?” E daí
que elas não estavam “sozinhas” se estavam em dupla,
né? Fiquei pensando muito no tanto que estar sem um
homem do lado faz a gente se ver sozinha, o que é um
absurdo. E eu nunca tinha pensado direito nas minhas
próprias motivações pra viajar solo. O livro foi um pou-
co de exercício nesse sentido e eu fiquei bastante im-
pressionada com a repercussão que teve e com o tanto
que outras mulheres acharam inspirador. E fiquei com
saudade de viajar sozinha de novo também!

Você tem dicas para quem quer viajar sozinho e não sabe
por onde começar?
Compra meu livro, hahahaha. Não, sério, acho que tem
que pensar se tá a fim dessa experiência mesmo. Por-
que é libertador e tal, mas tem gente que acha chato e
tudo bem. Não gosto de existir uma obrigação de viajar
sozinha sabe? É tão ruim quanto não poder viajar sozi-
nha porque, sei lá, tem namoradxque não deixa. Viagem
também é lazer e investimento e você tem que estar fa-
zendo o que você está a fim de fazer com quem você
está a fim de estar, isso que é o mais importante. Além
do mais, tem momentos chatos mesmo, momentos em
que a gente fica saudosa e tristinha. Faz parte. Mas vale
experimentar, não?

Foto: Gaía Passarelli

“Mas Você Vai Sozinha?” é uma pergunta qualquer mulher, viajante ou


não, já escutou. A possibilidade de descobrir o mundo sozinha ou acom-
panhada é o mote do primeiro livro da escritora.
Lançado em 2016 e escrito no formato de crônicas, é recheado com
dicas para mulheres viajantes. “Mas Você Vai Sozinha?” leva os leitores
a cidades como São Francisco, Kanyakumari, Medellín e Paranapiacaba
em relatos sinceros e bem-humorados. É um livro pra dar vontade de
fazer a mala e ir viajar.
ue
rq
ba
em

PERU POR
OUTRAS ROTAS
Por Lívia Tokasiki

huaraz, ancash, peru espanhol

9° 31’ 51” S, 77° 31’ 41” W 1 real = 1 sol

Das ruínas de Machu Picchu e da lado do Parque Nacional de Huascarán, que possui mais de
gastronomia da capital Lima muita 50 picos cobertos por neve, com destaque para o Huascarán -
gente já ouviu falar. Mas existe uma montanha mais alta do país -, com 6.768 metros. Para àqueles
cidade no oeste do Peru com diver- que curtem trilhas, escaladas e montanhismo é uma opção
sas atrações para quem quer fugir muito rica em atividades e paisagens de tirar o fôlego. E o me-
do circuito tradicional de turismo. lhor: tudo isso sendo possível sem gastar muito.
Capital do Departamento de An-
cash, Huaraz está situada na porção COMO CHEGAR
mais alta dos Andes peruanos, cer-
cada pela Cordilheira Branca e pela Há voos diários que fazem esse percurso pela companhia
Cordilheira Negra. A cidade fica ao aérea LC Peru e as passagens saem em torno de 200 dólares

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Laguna 69: uma lagoa à 4.600 m de altitude Foto: Iris Kamenev

ida e volta. Mas, uma opção interessante e econômica é fazer de Huascarán tem o título de Patri-
o trajeto de ônibus. A vantagem está em não precisar com- mônio da Humanidade, dado pela
prar a passagem com a mesma antecedência que a viagem UNESCO. Pela região, existem ati-
de avião. Os preços não são tão altos, variam entre 20 e 50 so- vidades para todos os gostos: pas-
les, dependendo do tipo de assento que escolher. É sugerível seios de bote, andinismo, parapen-
comprar as passagens até dois dias antes da viagem, já que, te, ciclismo de montanha, camping,
assim, haverá mais opções de horários. Uma dica boa é viajar visita a sítios arqueológicos, obser-
durante o dia - as passagens costumam ser mais baratas - e vação de aves, flora e fauna. E não é
escolher uma poltrona no andar de cima do ônibus - a vista à toa que a cidade foi considerada
vale as horas do percurso. pelo National Geografic um dos me-
O trajeto dura entre oito e nove horas. A demora não é uma lhores pontos de partida para ativi-
desvantagem quando se falando do destino dessa viagem, dades de trekking, já que há cerca
pois esse é um momento para já ir aclimatando com a altitu- de 25 circuitos de trekking, além de
de de 3.100 metros. No trajeto é preciso se atentar aos nomes 102 destinos de escalada em rocha.
das paradas. Não existe uma rodoviária em Huaraz, então O município de Huaraz foi fun-
cada companhia tem seu próprio terminal. A maioria fica na dado pelos espanhóis em 1574,
rua Cajamarca, extensão da Avenida Simón Bolívar. mas foi quase completamente
Existe, também, a opção de alugar um carro de Lima. No destruído por um terremoto em
entanto, a estrada apresenta muitas curvas e neblina. Requer 1970. Há apenas uma rua onde as
experiência. Além disso, em Huaraz o carro não é essencial. construções coloniais foram pre-
Os comércios, hostels e casas de câmbio se concentram num servadas, a Jose Ollaya. Por con-
mesmo bairro e, no que diz respeito aos passeios, as trilhas ta desse incidente, a cidade em si
precisam de um acompanhamento de um guia, por isso, as não é uma atração. Apesar disso, a
próprias empresas de turismo já disponibilizam um trans- cidade atende bem o visitante de-
porte incluso no pacote. vido a sua infraestrutura turística,
que conta com uma ampla gama
o que fazer de hotéis, hostels, restaurantes,
casas de câmbio e agências de tu-
As lagoas azul turquesa, os picos nevados e uma vila que rismo que estão concentradas na
ainda respira a cultura tradicional peruana tornam a experi- avenida principal, a Luzuriaga, e
ência de ir a Huaraz uma viagem singular. O Parque Nacional em seus arredores.

DEZEMBRO 2O17 ] n{ O1 ] vAMBORA 9


Parque Huascarán

No site do parque existe um aviso dizendo que é obrigatório a presença de um


guia especializado para realizar qualquer turismo de aventura. É possível encon-
trar uma lista de empresas autorizadas no próprio site. Custo: 10 soles a diária por
pessoa. Ou 65 soles para 21 dias.

PRIMEIROS DIAS: LAGUNA PARON


PASSEIOS LEVES Uma outra alternativa para conhecer as belas paisagens da
região sem se preocupar com a variação de altitude é a visita
A cidade de Huaraz fica à 3.100 até a Laguna Paron, à 4.200 metros de altitude. Sua água de cor
metros acima do nível do mar. Por turquesa intensa e a grandiosa montanha Artesonraju ao fundo
isso, é muito importante que o via- é uma visão de tirar o fôlego. É comum ouvir de moradores da
jante se acostume com a diferença região que a montanha foi inspiração para o logo da Paramount,
de altitude. Para os brasileiros, que devido ao seu cume pontudo. Existe uma caminhada de 30 mi-
geralmente não estão acostuma- nutos até um mirante, onde é possível ver a lagoa de cima, mas,
dos com uma altura maior que 900 se preferir, é possível ir de van.
metros, é essencial que seja feita Para chegar até a Laguna Paron o trajeto demora cerca de 3
uma aclimatação. Ela é necessá- horas, passando por trechos de asfalto e por outros em terra com
ria para que o corpo não sinta as pedras. O caminho tem muitas curvas, porém leva o viajante
consequências da elevação de alti- até bem perto da lagoa, fato que é raridade no Parque Nacional
tude e do ar rarefeito, que afetam a Huascarán, onde a maioria das atrações tem acesso somente via
quantidade de oxigênio absorvida trekking ou escalada.
pelo organismo. Os sintomas va-
riam entre respiração curta, dores
de cabeça, náusea, vômito, tontura, LAGUNAS LLANGANUCO
insônia e perda de apetite.
Dentre as 300 lagoas que existem espalhadas pelo Parque Nacio-
RUÍNAS CHAVIN DE HUANTAR nal de Huascarán, as Lagunas Llanganuco - Chinancocha e Orcon-
coha - são formadas pelo derretimento de glaciares. As montanhas
Para iniciar sua viagem pelas terras Huascarán e Huandoy ao fundo da lagoa cor azul-esverdeada tornam
huarenses sugerimos passeios que a viagem de três horas até lá valer a pena. É possível contratar um
não exijam grandes dificuldades. As tour independente até lá, que, geralmente, leva um dia inteiro. Esta
Ruínas de Chavin de Huantar são uma opção inclui uma visita ao povoado de Carhuaz - onde há a conhecida
ótima opção, que reúne uma cami- Plaza de Armas -, à Yungay - cidade que foi destruída por um terre-
nhada histórica sobre o que restou do moto em 1970 e hoje são apenas ruínas - e Caraz, onde há vendas de
centro do império pré-inca de Chavin. doces artesanais preparados por moradores da região. O trajeto passa
O que chama sua atenção é a arqui- por estrada asfaltada e de terra e chega a uma altitude de até 3.800 m.
tetura dos edifícios: construído como É um tour bastante tranquilo e que vale a pena.
uma espécie de labirinto, conhecido
como galerias. Nelas, existe uma teia
de túneis, de diferentes níveis e tama- cabeças clavas
nhos. O sítio arqueológico ocupa 15
hectares e foi declarado Patrimônio
Existiam dezenas das chamadas
Mundial pela Unesco em 1985. Para
chegar até lá é possível contratar uma “cabeças clavas”, incrustadas nas
Foto: J. Mazzotti

excursão em uma agência de turismo paredes das Ruínas, mas apenas


em Huaraz - variam em torno de 30 uma resistiu ao tempo, permane-
soles - ou ir com transporte público cendo na sua posição inicial.
pagando 12 soles o trecho.

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Foto: Rove Overland Laguna paron, a duas horas de Huaraz podem achar pouca coisa. Mas o que
realmente pesa é a elevação de altitu-
de, que sai de 3.900 m à 4.600 m. Por
isso que é imprescindível a quem vá
ACLIMATAÇÃO FEITA: DIFICULDADE AUMENTADA! a Huaraz fazer uma aclimatação an-
tes de partir para os passeios mais
LAGUNA 69 exaustivos.
Apesar da dificuldade, a vista da la-
Um outro passeio que passa pelas Lagunas Llanganuco é a goa é recompensante. O azul intenso
caminhada até a Laguna 69. No entanto, essa atividade não in- de suas águas e o belíssimo nevado
clui as visitas aos povoados das redondezas, isso, por um motivo: Chacraju ao fundo faz toda a energia
só o trekking até a lagoa pode levar um dia inteiro. A trilha tem, gasta na caminhada voltar. Algumas
ao todo (ida e volta), 14 km. Até aí, os amantes de montanhismo agências oferecem um picnic lá em
cima, onde se permanece
por aproximadamente 1 hora.
El Lanzon Os preços das excursões variam
entre 30 e 65 soles, dependendo da
Em Huantar existe um monólito qualidade do serviço e se inclui
de mais de três metros de guia ou não. Por se tratar de um
Foto: David Vargas

tour com um grau maior de dificul-


altura que costumava ser o dade, neste caso, não vale a pena
objeto de maior culto do povo economizar, uma vez que qualquer
Chavín, o Deus Lanzon. atraso pode fazer com que não dê
tempo de alcançar a lagoa.

DEZEMBRO 2O17 ] n{ O1 ] vAMBORA 11


Foto: Elizabett Abbring
A geleira Pastoruri está derretendo a cada ano. A água do degelo formou um lago, aos pés do Nevado Pastoruri


glaciar PASTORURI

Pertinho de Huaraz está o imen-


so Glaciar Pastoruri, que compete
com a Laguna 69 como o destino
mais procurado da região. Antes,
um pico com neve abundante des-
de sua base, no entanto, hoje, ele
está regredindo devido ao aque-
cimento global. Apesar disso, sua
grandeza surpreende. Localizado
no Parque Nacional Huascarán,
a uma distância de aproximada-
mente 70km do centro de Huaráz,
a trilha até o glaciar está à 5.340 m
sobre o nível do mar.
Os tours completos levam em
torno de 7h e variam entre 30 e 40
soles. Da base até o glacial há uma
caminhada de pouco mais de 3km,
contando ida e volta. A caminha-
da seria fácil se fosse ao nível do
mar, mas, a 5 mil metros de altitu-
de, a dificuldade aumenta. Os mais
aclimatados podem superar bem
a altitude, mas é comum pessoas
passarem mal ou até mesmo não
conseguirem chegar até o glacial.
Se sentir muito cansaço ou dor de
Foto: Amanda Prenty

cabeça, considere a possibilidade


de alugar um cavalo para chegar ao
glacial por 7,50 soles o trecho.
No mesmo passeio é possível vi-
sitar um pequeno lago de onde sai
água com gás de forma natural e
também ver as enormes Puya Rai-
As Puya Raimondi também são conhecidas por Titanca. Podem
mondi, plantas que nascem unica- chegar a doze metros de altura e são a maior espécie da família
mente na região e chegam a ter 17 das Bromeliáceas
metros de altura.

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Foto: Ciro Tokasiki

Foto: Ciro Tokasiki


As paradas a beira das estradas huarenses também rendem várias fotos Menina huarense com trajes e cores usa-
aos visitantes das no Peru

QUANDO IR COMO É O CLIMA

Julho é o mês mais movimentado por lá, já que Devido à elevada altitude, as tempera-
é considerado o ápice do verão andino, que vai turas costumam ser amenas. Leve rou-
de Abril a Setembro. Porém, nessa época tudo é pas de frio que possam ser tiradas caso
o sol esquente muito em certas partes
mais caro, alguns valores chegam a triplicar. Por
do dia. Opte por roupas leves caso vá
esse motivo, para evitar preços abusivos, acon- fazer esportes e não se esqueça de sa-
selhamos que evite a época de chuvas, patos confortáveis e impermeáveis.
que vai de Outubro a Março.
a
il
ch
o
m
na

Foto: Paulo Velho


DIÁRIOS DE
UMA CARONA
Por Lívia Tokasiki e Luísa Michels

F
lorianópolis, fim de tarde. Quando o relógio marca 17h, os carros começam a subir a rua João Pio
Duarte, no bairro Córrego Grande, em direção ao Leste da Ilha. As filas aparecem e, por vezes, os
cruzamentos ficam trancados. Em frente ao Restaurante Dona Benta é possível encontrar pessoas
que tentam quebrar a lógica do “meu carro próprio”. São os caroneiros. E numa terça-feira de outubro,
nós, Lívia e Luísa, levantamos o dedão pela primeira vez juntas para viver, em um dia, a experiência
de quem usa as caronas como meio para se locomover pela Ilha. Importante para esta história é
esclarecer que somos duas mulheres brancas, cisgêneras, de 19 anos, estudantes universitárias.

Antes de seguir com o relato De volta à experiência. No restaurante, já assumindo a


precisamos fazer uma pausa para postura de um caroneiro, um homem alto, com longos dre-
explicar porque os nomes das pes- ads, esperava por mais uma de suas caronas diárias, dessa
soas envolvidas nessa vivência vez para voltar para casa. Seu nome é Fábio e nos juntamos
não estão completos. Em uma ca- a ele para começar nossa vivência. Só conseguimos abai-
rona, a conversa é rápida, superfi- xar nossos dedos quando um Volkswagen Up parou, após
cial, e apesar de contar-se diversas dez minutos de tentativas. E no meio do mar de carros, uma
histórias, o caroneiro não conhece coincidência: Fábio conhecia o motorista, Carlos Eduardo,
realmente o motorista, e vice-ver- de uma outra vez que lhe cedeu o banco direito. Carlos esta-
sa. O tempo é relativamente curto va voltando para sua casa, no bairro Rio Tavares, depois de
e por isso é mais realista chamar uma tarde resolvendo assuntos de trabalho. Ficamos ani-
apenas pelo primeiro nome. Se- madas ao ouvir seu destino, porque sabíamos que esse tra-
guindo a mesma lógica, ao invés jeto passaria pelo Porto da Lagoa, o nosso ponto final, sendo
de mencionarmos as suas idades, uma viagem direta e rápida. Entre conversas sobre histórias
relacionamos os motoristas com da vida, universidade e assuntos banais, chegamos à Lagoa
o modelo do carro que dirigem, já no início do anoitecer.
que isso também faz parte da ca- O Fábio, companheiro do início da reportagem, não só era
racterística da pessoa. conhecido do motorista, como da Lívia. Foi ele quem suge-

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O dedão esticado é o “símbolo” de quem pede
riu que fizéssemos a divulgação de um formulário, através
carona
do Semana UFSC, para nos ajudar a compreender o perfil de
quem participa da cultura da carona. Essa dica que foi es-
sencial para conseguirmos atingir mais pessoas e tornar a
pesquisa mais representativa.
“Eu percebi
Pelo mundo afora
que existe
Rodrigo Cavalcanti, estudante de Engenharia Mecânica na
Universidade Federal de Santa Catarina, a UFSC, passou dois
anos na França estudando através de um programa de inter-
coisa mais
câmbio. Chegamos nele por meio do seu relato no formulário.
Natural de São Paulo, Rodrigo tinha medo de levantar o de- importante
dão e encarar uma viagem em carros desconhecidos. Porém,
foi em terras francesas que ele perdeu o medo das caronas.
Depois das primeiras, nunca mais parou.
que gastar
Para sua grande estreia como forasteiro em bancos alheios,
Rodrigo se preparou utilizando o blog Hitchwiki, que disponi- pouco.
biliza dicas para quem quer se aventurar nesse mundo. O site
recomendava viajar de pouco em pouco, então, fez uma placa
com o nome da cidade mais próxima, e se posicionou. Estava
Conhecer
muito envergonhado, era algo fora de sua realidade. O objetivo
era sair da zona de conforto e conhecer lugares gastando pouco. outras
”Mas aí, eu percebi que existe coisa mais importante que gas-
tar pouco. Conhecer outras pessoas é muito legal”, avalia ele. pessoas é
DEZEMBRO 2O17 ] n{ O1 ] vAMBORA muito legal” 15
Florianópolis é uma cidade com uma vida
norturna bastante agitada, principalmente
nos bairros mais turísticos

Foto: Santur
Rodrigo viveu muitas experiências
e tem muitas histórias para contar.
“Tu consegue conversar com todo
tipo de gente. Desde um comer-
ciante, que me deu um potinho de
geléia, até um cara que trabalhava
na União Européia.”
Utilizando essa técnica, o es-
tudante de Engenharia Mecânica
conseguiu melhorar seu francês e
perder a timidez. No entanto, para
ele, o mais importante foi ter de-
senvolvido o seu lado humano. Ele
diz que gostou do jeito como as pes- Se quem sai de Floripa e vai para a Europa incorpo-
soas veem e tratam os caroneiros. ra o espírito de caroneiro, aqui, estrangeiros continuam
Mesmo não parando, elas reparam praticando essa atividade para se deslocar pela Ilha. É
e conversam, ou fazem algum sinal. das curvas da rua Osni Ortiga tangendo a Lagoa da Con-
Conta que quando foi ignorado sen- ceição que conhecemos o espanhol Álvaro Martínez, um
tiu-se humilhado e levou esse ensi- galego de 24 anos que, se calado não faríamos esforço
namento para a vida, uma vez que para acreditar que é manezinho. O intercambista cursa
também passava reto quando al- Oceanografia na UFSC, é morador do centrinho da Lagoa
guém tentava vender ou pedir algo. e caroneiro em Floripa há aproximadamente 2 meses.
“Tu pode olhar pra mim e dizer que “A carona me ajudou a melhorar o português, a confiar
não confia, eu entenderia. Mas ig- em outras pessoas no Brasil, a socializar”, avalia Álvaro,
norar um outro ser humano, isso eu mas diz que nem sempre foi assim. No começo, o seu
achei o fim da picada.” escasso português misturado com a vergonha o impediu
Essa cultura voltou com Rodrigo de se aventurar na ideia. Nem por isso deixou de se ar-
quando retornou ao Brasil. Ele e um riscar. “Se você tiene medo, no puede pegar uma onda”,
amigo já viajaram até Porto Alegre, metaforiza Álvaro, num portunhol bem característico.
capital do Rio Grande do Sul, com Foi com esse pensamento em mente que o espanhol
a ajuda de uma mulher que conhe- seguiu para sua primeira experiência. Em um pedaço
ceram em um posto de gasolina de papelão, Álvaro escreveu “UFSC”, em um verso, e “La-
em Palhoça, que pertence à região goa”, no outro, acreditando que, assim, seria mais fácil
continental da Grande Florianópo- dos motoristas compreenderem seus destinos. Na época,
lis. Ficaram duas horas no mesmo não tinha noção de quais eram os principais pontos de
local até que alguém aceitasse le- carona, então pensou em ficar próximo a uma lombada,
vá-los. Na Ilha, conhecia apenas os já que sabia que os carros teriam que diminuir a veloci-
pontos entre a Lagoa e a UFSC, que dade e a chance de alguém parar seria maior. “Em pouco
para ele já estava ótimo. Junto com tempo um carro parou e eu falei para ele: UFSC! E ele me
uma amiga, reservaram um do- deixou na outra universidade, imagina?! Tive que cami-
mingo para irem à Praia Mole. Era nhar muito, muito, muito”, relembra Álvaro, achando gra-
a primeira vez que sua amiga expe- ça de uma história que um dia foi frustrante e o deixou
rimentava uma carona, e, segundo perdido às portas da Universidade do Estado de Santa
Rodrigo, ela adorou. Catarina, a UDESC.

16 vAMBORA ] n{ O1 ] DEZEMBRO 2O17


“A carona
me ajudou
a melhorar
o português,
Segurança no banco do outro
a confiar
A imagem que os estrangeiros têm do Brasil é complexa, em outras
principalmente quanto a questão da segurança. Por isso é
curioso pensar que, mesmo assim, a carona faz parte de suas
rotinas. É o caso do Álvaro, que, hoje, levanta sua plaquinha
pessoas
pelo menos duas vezes ao dia para trafegar pela Ilha. Hábito
que adquiriu com o tempo. No início, tinha receio de se arris- no Brasil,
car. Ele conta que antes de vir ao Brasil, sua irmã, que morava
no Rio de Janeiro, lhe descrevia a loucura que era a cidade.
Isso deixou uma imagem negativa sobre o país, que não du-
a socializar”
rou muito após suas primeiras vivências como caroneiro.
Em uma das experiências de Lívia, outra intercambista,
a portuguesa Ana, lhe contou que é muito comum, entre os gênero, entre outras variáveis, são
estudantes que vem de fora, o hábito da carona. No entanto, uma linha tênue que separa uma
para a surpresa de Lívia, Ana pediu sua companhia no cami- viagem segura de uma experiên-
nho até o hostel onde estava hospedada. Já era noite. “Disso cia desconfortável. A insegurança
eu não tenho medo, mas será que você poderia andar comigo também foi uma questão abordada
até minha casa?”, pediu Ana, ainda receosa de caminhar só em nossa enquete online.
nas noites brasileiras. Embora não exista uma pesqui-
Em nosso desafio de se colocar no lugar dos caroneiros, sa que aponte a predominância da
chegamos no Porto da Lagoa quando o céu começava a escu- mulher na cultura da carona em
recer. Talvez, por sermos mulheres, se tivéssemos chegado Florianópolis, constatamos, atra-
mais tarde, nossa experiência poderia ser outra. O horário, vés da nossa vivência e do levan-
tamento online, que esse fato cor-
responde à realidade. Além de se
sobressaírem como caroneiras, são
elas que mais relatam algum tipo
de insegurança em suas viagens.
Normalmente, atrelada a assédios
- morais e sexuais.
Nessa pesquisa online, dispo-
nibilizamos uma seção para de-
poimentos, e foi por lá que conhe-
cemos Kainara Ferreira. Ela cursa
Pedagogia na UFSC e está termi-
nando sua graduação. Esse tipo
de deslocamento é sua principal
forma de andar por Floripa - du-
Foto: Blog Kelts

rante os quatro anos da faculdade,


Kainara basicamente só usou este
meio para ir e voltar da Universida-
de. Ainda que essa cultura em seu

DEZEMBRO 2O17 ] n{ O1 ] vAMBORA 17


Conseguimos
ver a

Foto: Flávio Tin


importância
da bagagem bilidade, além de ter conhecido muitas pessoas e escutado
tantas histórias. ”Acho que só não arrumei emprego nas ca-

do caroneiro ronas”, brinca ela.


A Kainara vive nos bancos alheios, ao contrário de Cláu-
dia, que vê pelo lado de quem as oferece. Foi a Cláudia, do
para uma Ford Fiesta cinza, quem nos deu as primeiras esperanças
de chegar na UFSC a tempo para nossa aula de quarta-feira.

conversa Entramos em seu carro e, no rádio, tocava um sertanejo bem


alto - Luísa, que estava no banco de trás, quase não conse-
guia ouvir o que ela e Lívia conversavam na frente. Ela conta
fluida em que costumava usar das técnicas de caroneira para ir aos
barzinhos do bairro Santa Mônica, e, numa dessas vezes, o

uma carona motorista relatou ter sido assaltado por dois homens a quem
estava oferecendo carona.
Mesmo com receio depois de ouvir essa história, Cláudia
continua abrindo as portas de seu carro, principalmente para
caroneiras. Nesse ponto - do porquê é mais fácil conseguir
carona sendo mulher - ela e Kainara concordam que são elas
dia-a-dia seja forte, ela diz que, en- que inspiram mais confiança em quem está dirigindo.
quanto mulher, a insegurança exis-
te. Para isso, Kainara desenvolveu
algumas estratégias: ela não sobe fatos imprevisíveis
em carro com mais de dois homens
e não diz seu destino final, mas Perguntamos a Cláudia qual era seu destino, a e ela nos disse
pergunta o do motorista. que estava a caminho do LIC, o Lagoa Iate Club, mas que poderia
A estudante comenta que os ve- nos deixar próximo ao pé do morro da Lagoa, um ponto estraté-
ículos são um espaço privado, e gico para seguir sentido centro. Em se falando desses pontos,
quando eles são disponibilizados nosso formulário também serviu como um levantamento sobre
para caronas, se transformam em eles, entretanto, por questões de segurança para quem pega e
um ambiente compartilhado. Esta oferece carona, fizemos um pacto de não divulgá-los. De qual-
situação implica assumir alguns quer maneira, há pontos visíveis e conhecidos por quem trafega
riscos. “Como diz o Larousse, a ex- pela região, até mesmo por quem não faz parte deste universo,
periência perpassa por você acei- sendo o pé do morro e o restaurante Dona Benta dois notáveis
tar o risco. Não o risco de você se exemplos.
colocar numa questão de vulnera- Fomos até o pé do morro da Lagoa para tentar avançar rumo
bilidade física, mas o risco de você à UFSC. Um, dois, três carros passaram, todos indo em direção à
entrar num espaço desconhecido UDESC. Os três estudantes que também pediam carona ao nos-
com uma pessoa desconhecida”, so lado estavam com os ventos ao seu favor, já a caminho de
reflete Kainara. Quando pergunta- seus respectivos destinos. Só conseguimos embarcar no quarto
mos sobre o que a prática lhe acres- carro que parou. Como a sorte é para quem tem, e não para quem
centa, ela respondeu, com sorrisos quer, não foi dessa vez que conseguimos ir diretamente para a
largos, que não estaria onde está se UFSC. O Hyundai HB20 preto era dirigido pelo Eduardo Bruno.
não fosse a oportunidade de desen- Ele estava voltando da praia, ainda de pés descalços e ia até o
volver sua oralidade, tato e sensi- Colégio Autonomia, no bairro Itacorubi, buscar sua filha.

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O trânsito da Grande Florianópolis durante os horários de pico é um problema que ainda não há solução, o que faz com que
muitas pessoas optem pela carona como maneira mais fácil de locomoção

O trajeto foi curto. Mesmo assim, t A Lívia, que faz sapa- ainda assim, é uma alternativa ao
teado na Garagem da Dança, sabia que muitos estudantes transporte coletivo - este, que che-
do Autonomia dançavam lá. Ela comentou isso com Eduar- ga a levar 56 minutos para percor-
do, que nos contou que sua filha já fez sapateado na mesma rer o mesmo trajeto.
academia, e que, até hoje, ela tira os sapatos do armário para
dançar quando dá vontade. Num clima leve que o poder de Uma vida de caronas
identificação gera, descemos do carro e nos despedimos de
Eduardo. Foi num momento de correria,
Depois de esperarmos uns quinze minutos, na Avenida Vera entre as aulas do jornalismo e a
Linhares de Andrade, sob o sol forte do meio-dia, nossa tercei- dança, que Lívia não viu outra al-
ra e derradeira carona chegou. Era Vanderson. Um alagoano ternativa senão levantar sua pla-
que dirigia um Peugeot 206 prata. Em nossa curta conversa, no quinha em frente ao Dona Benta,
trajeto que terminaria no Centro de Ciências da Saúde da Uni- para tentar chegar a tempo para
versidade, descobrimos que ele faz Mestrado em Ciência da sua aula de sapateado. Quem pa-
Computação e que sente muita falta de morar perto da praia. rou para salvá-la de uma bronca
Atualmente, Vanderson mora no bairro da Trindade, mesmo foi Júlio, em seu Ford EcoSport.
bairro em que está sediado o campus principal, que se localiza Ele disse a Lívia que não é de seu
no centro da ilha, onde não há praia à vista. agrado oferecer carona para uma
Ao todo, demoramos 45 minutos e conhecemos três mo- única mulher, no entanto, viu que
toristas diferentes para ir do Porto da Lagoa até à UFSC. Ao ela estava há um tempo na angús-
passo que na tarde anterior, fizemos o caminho inverso em tia da espera e resolveu abrir uma
apenas um carro, demorando cerca de meia hora. A nossa vi- exceção. Comentou, também, que
vência nos mostrou como a prática é imprevisível, mas que, não é sempre que abre suas por-

DEZEMBRO 2O17 ] n{ O1 ] vAMBORA 19


No volante, o
compositor
de “Como
Vai Você”
estava a
caminho de
seu show,
e o deixou
entrar

tas para desconhecidos, depende Ele conta que não tinha muita condição financeira e
do seu humor e da disposição de nem paciência para usar o transporte coletivo de sua ci-
se conectar com uma nova pes- dade, e por essa razão começou a levantar o dedão para ir a
soa. E dessa viagem, que tinha escola. Júlio, com a companhia de seus amigos, foi crian-
tudo para não acontecer, surgiu do técnicas, como sorrir para o motorista e sempre pedir
o Júlio. licença para entrar num carro. “A gente tinha a cara de pau
Uma estratégia que Lívia usa de descobrir onde é que a pessoa morava e esperava ela
para ter uma conversa fluida em sair da garagem”, relembra, ele, da época de garoto.
suas idas e vindas é perguntar Mais tarde, apontava o dedão para viajar pelo Brasil,
sobre histórias de caronas. E foi e assim chegou a visitar a Bahia, o Rio de Janeiro, o Rio
partindo de um bate-papo des- Grande do Sul, e Santa Catarina. Júlio diz que foi assim que
pretensioso que Júlio aceitou conheceu e se encantou por Florianópolis, onde mora há
compartilhar suas várias aven- mais de 30 anos. Ele brinca que as bruxas da Ilha o fisga-
turas que já se acumulam em sua ram e por isso não conseguiu mais sair daqui.
bagagem, de uma época que era Quando jovem costumava dizer que, se tivesse um
ele quem acenava o dedão para carro, jamais diria não a um caroneiro. Hoje em dia, há
as ruas. Seus relatos vão desde algumas circunstâncias que o fazem reconsiderar esse
viajar com um astro da Jovem pensamento. Ele defende que “na carona você tem que
Guarda até deslocamentos em estar ali para isso, porque ninguém é obrigado a dar”.
transportes improváveis. Júlio se prepara para abrir as portas de seu carro, pois

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uma caneca de chopp, isso me

Foto: Blog Liquidificador de Ideias


lembro bem!”.
Ele acredita que quem se aven-
tura tem sempre uma história para
contar. “É só não ter medo de falar”.
E recordações, para ele, é o que não
faltam. Suas caronas não se res-
tringiram simplesmente a car-
ros. Já viajou em ônibus de linha
como caroneiro - na época que os
bolsos estavam vazios - e, surpre-
endentemente, de avião. Júlio ex-
plica que, em Curitiba, aeronaves
da Força Aérea Brasileira saiam
toda segunda-feira de manhã para
seus respectivos destinos, e que,
quando sobrava espaço, era possí-
vel arranjar um assento. Diz que ia
bem cedo para conseguir um lugar
e, assim, já coleciona três viagens.
Depois de tantas histórias inu-
sitadas, caronas de avião, ônibus e
com um artista famoso, Júlio brin-
ca que só falta andar na cauda de
um cometa. “Tem uma música que
acredita que tem que ser uma experiência boa tanto eu gostava que era ‘pegar carona
para ele quanto para o viajante. Se não estivesse em um numa cauda de cometa’”, cantarola
bom dia, seria provável que Lívia não o conhecesse, e em ritmo de nostalgia. “Eu achava
essa narrativa nem mesmo existisse. essa música um encanto, que um
Essa disposição que Júlio defende vem do aprendiza- dia eu ia fazer isso.”
do de suas experiências na juventude. “A nossa geração
é pós Woodstock, pós hippie. A carona era uma rebel-
dia”, relembra o ânimo que havia em praticar essa ati-
vidade nos anos 70. E foi nessa época que ele vivenciou
uma das situações que mais gosta de narrar: a viagem
Quem se
com o cantor Antônio Marcos.
À beira de uma estrada em Ponta Grossa, Paraná, um
Dodge Dart, de duas portas, parou em sua frente. No vo-
aventura tem
lante, o compositor de “Como Vai Você” estava a cami-
nho de seu show, e o deixou entrar. “Falei umas duas
músicas que sabia dele e aí a carona começou”. O ar-
sempre uma
tista namorava a cantora Vanusa, símbolo de musa na
época, e foram conversando sobre ela durante o percur-
so. Essa viagem rendeu muitas recordações e Júlio se
história para
orgulha em dizer que até almoçaram juntos. “Ele pediu
contar
al
st
-Po
ão
a rt
C

O fim do
mundo
textos e fotos por Marcos felipe terra

Lembro-me de uma matéria que


assisti ainda quando criança sobre o
Ushuaia, a última cidade do hemisfé-
rio sul, situado na Argentina. Um lugar
onde as montanhas se encontravam
com o mar, e dali pra frente nada mais
existia, exceto mar e gelo. Essa ideia
de um dia conhecer o fim do mundo fi-
cou tanto tempo na minha cabeça que
em um certo dia, vagando pelas mon-
tanhas da Patagonia através do google
maps, eu decidi: Eu vou! E fui.
Era verão, fui acompanhado de
uma amiga, uma barraca e um dese-
jo imensurável de explorar as mon-
tanhas da região. As condições eram
favoráveis, tínhamos em torno de 19
horas de luz por dia, temperaturas en-
tre -4ºC e 14ºC nas montanhas, e pou-
ca neve nas trilhas. Começamos nos-
sa jornada “haciendo dedo”, termo em
espanhol para pedir carona.
As pessoas lá são extremamente amigáveis e prestativas, e sempre que nos viam pedindo
carona paravam o carro.
Nas trilhas navegamos com auxílio de GPS e mapa, uma vez que fomos para alguns lu-
gares que nem as pessoas da própria região os conheciam. Na maioria dos lugares não ha-
via sequer um sinal de civilização, e raras foram as ocasiões que encontramos com outras
pessoas nas trilhas. Posteriormente seguimos viagem para o norte da Patagonia, mas as
lembranças do Ushuaia certamente foram as mais marcantes de toda a viagem, e possível-
mente de toda a minha vida.
A camêra utilizada foi uma Nikon D5200 com uma lente do kit 18-55mm f/3.5-5.6 e uma
grande angular 10-20mm f/3.5.

22 vAMBORA ] n{ O1 ] DEZEMBRO 2O17


Após subir mil metros verticais e escalar um paredão imenso de
gelo, esse é o visual que se tem do semi-cume ao lado da Laguna
Paso Margot Margot, logo atrás da cidade. As dimensões são tão absurdas que
de certa forma nos remete a insignificância e efemeridade da vida
diante da vastidão da natureza. Esses vales foram esculpidos pelo
degelo das montanhas ao longo de milhões de anos.

DEZEMBRO 2O17 ] n{ O1 ] vAMBORA 23


Logo no primeiro dia de viagem pegamos uma carona pra saída
da cidade e em 20 minutos caminhando já estávamos nesse vale
Árvores secas imenso, com montanhas nevadas acima de mil metros de altitude
e florestas que se estendiam até o horizonte, sem nenhum sinal de
civilização. O silêncio do ambiente era inacreditável, apenas o ba-
rulho de um rio correndo distante e dos pássaros cantando.

24 vAMBORA ] n{ O1 ] DEZEMBRO 2O17


Depois de acampar duas noites consecutivas na montanha, com tem-
peraturas abaixo de zero graus e uma nevasca intensa em pleno verão,
decemos e pegamos carona de volta à Ushuaia. Entretanto, ao ver uma
Laguna Esmeralda placa sinalizando o início da trilha para a Laguna Esmeralda, gritei para
o motorista que nos deu carona: “É aqui mesmo que nós vamos ficar!”.
Tínhamos pouca comida, mas não podíamos perder a chance de conhe-
cer e acampar em um dos picos mais icônicos da região. Durante a noite
um castor começou a nadar/pular no lago ao lado da nossa barraca. Nós
acordamos com o barulho e pelo tamanho da silhueta dele imaginamos
que fosse um jacaré (mesmo sabendo que não existem jacarés na pata-
gonia). Enfim, passamos a noite acordados pra ter certeza que não mor-
reríamos atacados por um possível jacaré dos Andes.

DEZEMBRO 2O17 ] n{ O1 ] vAMBORA 25


Tentei coletar informações sobre a Laguna Celeste quando cheguei em
Ushuaia, e para a minha surpresa ninguém a conhecia. Pensei em de-
sistir? Jamais! Nada que um Google Maps não resolva. Coletei algumas
Laguna Celeste informações na internet, montei uma rota, e parti rumo ao desconhecido.
A trilha era mais difícil do que eu imaginava, com algumas partes ex-
postas e com gelo. Quando avistamos a laguna com aquele azul celeste
na base de um glaciar imenso foi basicamente uma anestesia no cérebro.
Nossa única reação foi gritar, gritar muito, sem ninguém pra nos ouvir.
Armamos a barraca à beira do lago e fomos explorar as cavernas de gelo
próximas ao lago. No fim da tarde começou a nevar muito, deixando a pai-
sagem com aquele tom monocromático de nostalgia. A sensação que eu
tinha era de que eu estava em um sonho, o melhor deles.

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Como a noite tem menos de 5 horas de escuridão no verão patagô-
nico, são raras as oportunidades em que é possível observar o céu
Via Láctea noturno. Felizmente durante uma das noites acampando nas mon-
tanhas o tempo abriu e foi possível observar a Via Láctea e outras
duas galáxias vizinhas, a pequena e a grande Nuvem de Magalhães.
Apesar das temperaturas negativas durante a noite, observar o céu
noturno patagônico é uma experiência única, pois a poluição lumi-
nosa na região é basicamente inexistente.
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BA
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DE

PELAS estradas
dos pampas
texto e fotos Por MATHEUS PEREIRA

O meu mochilão até o Uruguai que as cidades são distantes e as pessoas, em sua maioria,
começou no sonho, meses antes. vão apenas até suas fazendas. Dito e feito: após quatro ho-
Aos poucos, quando vi que poderia ras aguardando num ponto de ônibus sem nenhum sucesso,
tornar ele uma realidade, comecei embarquei em mais um ônibus rumo à cidade de Mostardas,
a planejar, com um singular sorri- furioso pelo acontecido. Por lá, acampei – gratuitamente, é
so no rosto que me acompanhava claro – num camping desativado à beira da BR-101, pegando
enquanto eu imaginava como ele no sono pelas 20h30. De madrugada, caiu uma tempestade,
viria a acontecer. Parti de Crici- que inundou minha barraca. Quando eu dormi ainda esta-
úma, cidade onde moram meus va com o tempo seco e eu não coloquei a capa de chuva,
pais, na madrugada do dia 24 de isso tornou inutilizáveis todas as folhas com informações e
julho de 2015, e rumei, de ônibus, guias que imprimi. Teria que ir na raça. E fui.
até a cidade gaúcha de Osório, Tomei novo ônibus até cidade de Tavares, onde visitei o
onde a BR-101 se divide nela mes- farol Capão da Marca, à beira da Lagoa dos Patos, que es-
ma, seguindo o litoral, e a famosa tava incluído nos meus desejos de viagem. Aliás, o dia em
Freeway, que ruma a Porto Alegre. Tavares foi maravilhoso – uma legítima cidade pequena,
Eu queria conhecer o litoral gaú- onde todos sabiam que eu era de fora, por não me conhe-
cho, então escolhi seguir pela rota cerem, e me perguntavam de onde eu era mesmo sem mo-
menos inteligente - tem muito me- chila nas costas - havia deixado elas num hotel. À noite,
nos movimento. De Osório, peguei peguei um ônibus até São José do Norte e, de lá, uma balsa
novo ônibus até a cidade de Palma- até Rio Grande, onde fiquei nos próximos dias. No dia 30 de
res do Sul, que vem na sequência, julho, voltei à estrada. Fui pegar carona na região da Quin-
e comecei a pedir carona na beira ta, no sul da cidade de Rio Grande, onde um caminhoneiro
da estrada. Depois de meia hora, uruguaio, Rubén, entre seus cigarros, bolados com taba-
parou uma camionete. Quem diri- co, e a imensidão reta da BR-101, me levou até a cidade do
gia era um plantador de soja ali na Chuí, onde cheguei no entardecer. Já estava escurecendo
região que estava indo visitar sua e eu não poderia procurar por locais para acampar, então
fazenda – me deixou na posterior passei a noite no hostel mais barato. No dia seguinte, ca-
localidade de Bacopari, não sem minhei pela cidade e depois até a aduana, onde ganhei o
antes me avisar que ali seria difícil visto de turista para entrar no Uruguai e adentrei na mi-
eu conseguir alguma carona, visto nha primeira fronteira da vida.

28 vAMBORA ] n{ O1 ] DEZEMBRO 2O17


Fotografia tirada por Matheus dentro do caminhão de Rubén, uruguaio que o levou até a cidade gaúcha do Chuí.

Emocionado, fui pedir carona aos carros que paravam por


lá, e com menos de dez minutos consegui: coincidentemente
com um casal de Florianópolis. Thiago e Kely iriam a Punta Entre seus
del Diablo, meu próximo destino, mas antes fariam uma pa-
rada no Farol de Santa Teresa, que eu, feliz da vida, incluí de
última hora no roteiro da viagem. Foi só descer do carro que
cigarros,
começou a cair uma tempestade me recepcionando em solo
uruguaio, e, já de capa de chuva, conheci um pouco mais da bolados com
história do país dos pampas. Mais tarde, o casal me deixou
no centro de Punta del Diablo, um paraíso dos hippies e dos
surfistas, e certamente o lugar mais mágico de toda a viagem.
tabaco,
Depois que o sol apareceu e eu já havia comprado manti-
mentos para passar o dia, os habitantes começaram a apare- e a imensidão
cer nas ruas e me cumprimentar com simpatia única. Naquele
dia, ainda, fiz amizade com um cachorro uruguaio que come-
çou a me seguir pela cidade, e, quando montei minha barraca
reta da BR-1O1,
numa tenda à beira-mar, ele deitou do lado de fora. Qual não
foi meu susto quando, no início da madrugada, vi um clarão: me levou até
era a lua laranja, que ocorreu no dia 31, e eu não sabia. Foi ex-
tremamente reconfortante e encantador aquilo tudo.
No dia seguinte, arrumei minhas coisas e fui andando até
a cidade
a rodovia, cerca de meia hora, para a carona mais louca da
minha vida. Poucos minutos foram necessários até um car- do Chuí
ro que vinha em alta velocidade de repente parar e me dar
carona. Cheio de bugigangas e com o outro caroneiro viran-

DEZEMBRO 2O17 ] n{ O1 ] vAMBORA 29


do uma garrafa de uísque, não me as que estive anteriormente, ainda que faça eu me sentir em
surpreendi quando me disseram casa respirar um pouco da rotina e realidade local. No dia 4
que eram membros de um cartel de de agosto, arrumei minhas coisas e voltei à estrada. Consegui
contrabando de Montevideu – que uma carona com um casal que deixava um mercado na saída
comprava coisas sem imposto no de Maldonado e fui até San Carlos, cidade onde eles moravam
Chuí. Depois de fazer um trajeto de e pela qual já havia passado. Por lá, depois de muito tentar
três horas em 1h50, os dois, agora em vão, não consegui uma carona e acabei pegando um ôni-
amigos meus, me deixaram na ci- bus até o Chuí. Cheguei no Chuí pelas 20 horas, e o próximo
dade de San Carlos e me deram um ônibus para Porto Alegre sairia somente no dia seguinte, às 5
abraço e desejaram boa viagem. Em da manhã. Estendi meu colchonete do lado de fora da rodo-
San Carlos, andei até o centro para viária e dormi por ali mesmo, com uma gata que apareceu
comer e usar a internet para falar para me fazer companhia e um pacote gigantesco de sal-
com meu couchsurfer, em Mal- gadinhos. Na manhã seguinte, peguei o ônibus até Porto
donado. Foi talvez a cidade mais Alegre e de lá rumei para casa.
“uruguaia” que vi por lá. É uma at- Foi minha primeira viagem e foi do jeito que deveria ser,
mosfera indescritível, totalmente com inúmeros perrengues e situações que puseram a prova
diferente da que estamos acostu- todas minhas inseguranças e angústias. Mas foi uma exce-
mados a ver. Peguei um ônibus já a lente estreia, um verdadeiro mochilão que me transbordou de
noite e cheguei em Maldonado, na alegria e orgulho de mim mesmo quando voltei. Já pretendo
casa de Gonxalo, que me recebeu de retornar ao Uruguai em breve, e à estrada eu já acho que estou
braços abertos e com uma pizza. devendo tempo demais. É uma experiência única, que todos
Nos dias seguintes, acabei fican- deveriam tentar: viajar de carona para um local desconhecido
do por Maldonado – conheci a cida- é uma aventura maravilhosa.
de muito bem – e na famosa cidade
ao lado, Punta del Este, ambas com
mais aspecto de cidade maior que

30 vAMBORA ] n{ O1 ] DEZEMBRO 2O17


Matheus em frente ao famoso monumento de “Los Dedos”,
na cidade de Punta del Este

DEZEMBRO 2O17 ] n{ O1 ] vAMBORA 31


PrOxima parada
SUDESTE ASIÁTICO

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