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Genealogia da justiça Uma abordagem a partir do

conceito de obligatio do direito privado romano

GENEALOGIA DA JUSTIÇA UMA ABORDAGEM A PARTIR DO CONCEITO DE


OBLIGATIO DO DIREITO PRIVADO ROMANO
Revista de Direito Privado | vol. 48/2011 | p. 11 - 46 | Out - Dez / 2011
DTR\2011\4663

Georges Abboud
Mestre e Doutorando em Direito Difusos e Coletivos pela PUC-SP. Advogado.

Henrique Garbellini Carnio


Mestre e Doutorando em Filosofia do Direito e do Estado pela PUC-SP. Bolsista da Capes.
Advogado.

Área do Direito: Civil; Fundamentos do Direito


Resumo: O artigo tem por escopo explorar o tema da teoria da justiça a partir do método
genealógico nietzscheano. Para tanto, a proposta busca revisitar específicos conceitos tradicionais
que cronologicamente na história foram considerados como identificadores do sentido da justiça e
explorar a temática moderna do tema a partir da reviravolta linguística da filosofia e das teorias
argumentativas retóricas e procedimentais sobre a justiça. A par disso, a investigação lança-se no
pensamento de Nietzsche e suas projeções da noção do vínculo originário jurídico do princípio da
retribuição no processo pré-civilizatório da humanidade - bem representado pela herdada noção
romana de obligatio - e como sua expressão denota o sentido dos conceitos de direito e de justiça,
fato que, no estabelecimento do direito enquanto linguagem, revela a impossibilidade de um direito e
de uma justiça-em-si.

Palavras-chave: Teoria da justiça - Dualidade metafísica do justo - Justiça e reviravolta linguística -


Genealogia da justiça - Impossibilidade de uma justiça-em-si
Abstract: The article has the purpose to explore the theme of justice theory from Nietzsche's
genealogical method. For this, the proposal seeks to revisit specific traditional concepts that
chronologically in history were considered as identifiers of the sense of justice and explore in a
modern way the theme from the linguistic turn in philosophy and theories of rhetoric and
argumentative about procedural justice. In addition, the investigation is launched at the thought of
Nietzsche and his projections of the notion of original link of the legal principle of retribution in the
pre-civilization of mankind - well represented by the Roman notion of inherited obligatio - and how it
expression conveys the sense of concepts of law and justice, a fact that in the establishment of law
and language, reveals the impossibility of a right and a justice-in-itself.

Keywords: Theory of Justice - Metaphysical duality of the justice - Justice and linguistic turn -
Genealogy of justice - Impossibility of a justice-in-itself
Sumário:

- 1.A genealogia da justiça - 2.A teoria da justiça e a reviravolta linguística da filosofia - 3.A
(im)possibilidade de uma justiça-em-si: reflexões a partir da abordagem genealógica nietzscheana -
4.Conclusão - 5.Referências bibliográficas

“A justiça nao é um deus ou um ícone: nós a valorizamos, se o fazemos, devido a suas


consequências para as vidas que levamos enquanto indivduos coletivamente” Ronald Dworkin.
1. A genealogia da justiça

1.1 Sobre a origem do conceito de justiça: plurivalência e equivocidade do termo

O conceito de justiça não é algo que se possa definir ou delimitar em uma exata e conclusiva
definição, 1 o mesmo acontece com o conceito de direito.

Na verdade, a justiça é um conceito fundamental, de certa maneira irredutível, da ética, da filosofia


social e jurídica, bem como da vida política, social, religiosa e jurídica. 2

A abrangência desse conceito estrutura-se, na maioria das vezes, a partir de alguns pontos que
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Genealogia da justiça Uma abordagem a partir do
conceito de obligatio do direito privado romano

acabam sendo utilizados para direcionar o seu estudo, como, por exemplo, identificar a igualdade
como início de uma resposta para a justiça, como seu cerne, essencialmente.

No entanto, compreendendo a plurivalência do sentido da justiça, importa primeiramente para seu


entendimento identificar a sua formação não meramente de uma maneira histórica, mas, sim,
genealógica. 3

A compreensão de justiça em termos genealógicos dá-se na perspectiva de um resgate originário de


sentido da justiça e do justo. Esse resgate possibilita o questionamento dos marcos históricos da
justiça, a maioria deles divinos ou teológicos, da sua divisão em critérios: formal e material e dos
seus sentidos de aplicabilidade, como a justiça comutativa, distributiva e social o que proporciona
uma abertura filosófica na exploração do sentido da justiça e sua relação com a potencialidade de
um estudo científico do direito.

Harold Berman destaca a impossibilidade de se examinar, sob a perspectiva ocidental, de forma


dissociada o direito e a Justiça. Destaca o autor que é da Tradição Jurídica Ocidental preservar a
ordem e ao mesmo tempo fazer a justiça, por conseguinte, o ordenamento jurídico sempre possui
uma tensão interna entre as necessidades de mudança e de estabilidade. 4

Além da mudança e da estabilidade, a justiça é mercada por outra dicotomia consistente na


preservação dos direitos individuais e no bem-estar da comunidade. Na realidade, a Tradição
Jurídica Ocidental alçou a justiça como ideal messiânico do próprio direito. Esse ideal foi
originariamente associado à Revolução Papal com o Julgamento Final e o Reino de Deus, depois, na
Revolução Germânica com a consciência cristã; na Revolução Inglesa com o espírito público; nas
Revoluções Francesa e Americana com a razão e os direitos do homem; e recentemente, na
Revolução Russa com o coletivismo, a economia planejada e a igualdade social. 5

Em síntese, foi o ideal messiânico de justiça que permeou e encontrou expressão nas revoluções,
uma vez que, “a substituição do Direito anterior era justificada como restabelecimento de um direito
como justiça, mais fundamental. Foi a crença de que o Direito estava traindo os seus propósitos e
finalidades que levou às grandes revoluções”. 6

Assim, dois pontos são fundamentais para essa abertura genealógica; o primeiro remete a uma
revisitação da formação da palavra; o segundo, para o sentido originário da justiça.
1.2 A etnologia do conceito justiça

Émile Benveniste, ao início de seus estudos em relação à estrutura e origem das palavras sobre o
direito, identifica como dois primeiros termos que se relacionam e completam: Thémis e Díke,
partindo do entendimento de que a estrutura geral da sociedade, definida em suas grandes divisões
por dado número de conceitos, baseia-se num conjunto de normas que constituem um direito, ou
seja, sua afirmação é de que todas as sociedades, mesmo as mais primitivas são regidas por
princípios de direito quanto às pessoas e aos bens e essas regras e normas se imprimem no
vocabulário da sociedade. 7

A formação da palavra Thémis na correspondência do sentido avéstico com o grego designa o direito
familiar que se opõe à Díke, que é o direito entre as famílias das tribos. Thémis é de origem divina,
na epopeia, por exemplo, se entendia por ela como sendo a prescrição que fixa os direitos e deveres
de cada um sob a autoridade do chefe do génos e que fixam na sua consciência como juízes a
conduta a seguir sempre que estiver em jogo a ordem do génos.8

Na verdade, o que Benveniste acaba determinando é que a noção de Thémis tem seu complemento
na de Diké, a primeira indica a justiça que se exerce no interior do grupo familiar; a outra a que rege
as relações entre famílias. O ponto de partida de atribuição de Diké é costume, maneira de ser, como
uma regra imperativa, como uma “fórmula que rege a sorte”, uma maneira “habitual” que é na
realidade uma obrigação natural ou convencional é por meio dessa fórmula, responsável por
estabelecer a sorte e a atribuição, e que se tornou em grego a palavra “justiça”, a qual se
transmudou na própria expressão da justiça, que, por sua vez, intervém para por fim ao poder da
força, ela Diké é a virtude da justiça e quem a tem a seu lado é dikaios, justo. 9

Portanto, a partir da identificação originária do direito e da palavra justiça nos conceitos


complementares de Thémis e Díke, que o termo justiça possui como conteúdo primeiro os sentidos
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do divino e da virtude que se estendem e amoldam historicamente na construção do próprio


conceito.

A revisitação da formação da palavra justiça remete a dois conteúdos importantes que sugerem todo
um condicionamento do conceito de justiça e a partir deles, levando em consideração a constatação
da estrutura geral da sociedade, mesmo das mais primitivas, regidas por princípios de direito quanto
às pessoas e a seus bens, pode-se alcançar um ponto originário para o conceito de justiça que
amplia seus próprios horizontes, a partir do qual, ao menos, é possível esclarecer um pouco o
estabelecimento e desenvolvimento dos conceitos que abarcam o tema da Justiça no estudo do
direito.
1.3 O conceito tradicional de justiça e o problema de sua dualidade metafísica

A maneira tradicional de se ressaltar o sentido originário da justiça dá-se a partir de Aristóteles, 10


que foi, na verdade, o primeiro filósofo a formular uma teoria consistente sobre a justiça. Apoiado no
princípio de igualdade, partindo da ideia pitagórica de justiça e também da ideia platônica da justiça
como virtude, Aristóteles emprega o realismo do meio termo na análise dos fatos como investigação
da justiça. 11

A partir desta concepção tradicional da justiça 12, em conjunto com a proposta dos romanos ( suum
cuique tribuere), de Santo Tomás de Aquino 13 e de Santo Agostinho, isto é, da justiça verdadeira
construída no cristianismo pela prática do amor, da caridade e da devoção, passou-se então a
delimitar nos contornos das teorias do direito e das teorias políticas uma maneira de se dividir o
estudo de justiça de um ponto de vista formal e material.

Nesse contexto, vale destacar o posicionamento de Tercio Sampaio Ferraz Junior ao afirmar que o
tema da justiça, atualmente, costuma ser tratado pelas teorias jurídicas e políticas sob dois aspectos;
seu aspecto formal, um valor ético-social positivo, através do qual se atribui a uma pessoa o que lhe
é devido, ou seja, a clássica ideia do suum cuique tribuere; e seu aspecto material, ou seja, os
critérios de acordo (valores) com os quais é decidido aquilo que é devido a alguém, e que são
formulados normalmente com base em concepções metafísicas. 14

A questão pontual, portanto, que encerra esta primeira parte é a compreensão de que a divisão da
justiça nestes dois aspectos é insuficiente por manter a análise da justiça numa base completamente
metafísica, 15 não possibilitando uma construção, enquanto noção interpretativa do sentido do justo
na aplicabilidade do direito, tampouco acompanhando o desenvolvimento filosófico e o potencial do
estudo científico do direito que se criou e ampliou, principalmente a partir do século XIX, com o
desenvolvimento dos chamados princípios da justiça e do seu conteúdo racional-ético.
2. A teoria da justiça e a reviravolta linguística da filosofia

2.1 Proposta para se (re)pensar a dualidade metafísica do conceito de justiça no ambiente da


filosofia da linguagem

A dualidade metafísica a que se reportou é bem exposta por duas questões principais que remetem
ao tema da justiça no direito e que podem ser expostas em duas perguntas: o que é a justiça? Como
conhecemos ou realizamos a justiça? 16

As questões colocadas remetem para um novo contexto filosófico, inaugurado com a virada
linguística ( linguistic turn) 17 com autores como Wittgenstein, Heidegger e Gadamer. A partir da
reviravolta linguística, de alguma forma, toda teoria do direito produzida no século XX parte do
pressuposto inexorável de que a análise da linguagem – entendida como instância na qual se
produzem significados e o sentido – é o ponto decisivo para a compreensão do fenômeno jurídico.
Nessa medida, manifesta-se Castanheira Neves ao dispor que: “o direito é linguagem, e terá de ser
considerado em tudo e por tudo como uma linguagem. O que quer que seja e como quer que seja, o
que quer que ele se proponha e como quer que nos toque, o direito é-o numa linguagem e como
linguagem – propõe-se sê-lo numa linguagem”. 18

Dessa forma, as questões postas para serem analisadas devem receber um novo contorno filosófico,
em razão do giro linguístico, pois a partir do entendimento de que o direito é criado, é criação
humana e produzido pela linguagem, o esquema cognitivo sujeito/objeto já foi superado,
implementando-se nos últimos tempos cada vez mais as teorias processuais da justiça, 19 que
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concebem a justiça e o direito justo como produto do processo de determinação do direito.

Compreendendo a justiça, neste sentido, como produto do processo de determinação do direito,


surge-nos uma reflexão sobre os contornos científicos do Direito na questão da justiça.
2.2 A justiça e sua projeção racionalista: a importância de Kant

Em conformidade com o que expusemos, a questão da justiça, em essência, frequentemente é


equiparada à igualdade, o que evidencia com obviedade de que se justiça é essencialmente
igualdade, não poderia apenas ser igualdade.

Ocorre que, antes de Kant, a justiça foi reduzida exclusivamente ao princípio da igualdade, ou seja, o
igual deve ser tratado de maneira igual e o desigual de maneira desigual.

Kelsen considerava a questão tautológica, os conteúdos sobre o conceito de justiça deveriam ser
tratados pela política e não pelo direito. Para Kelsen, a justiça é antes de tudo, uma característica
possível, porém não necessária, de uma ordem social e a proposta de tipo racionalista, de dar a
cada um o que é seu, é totalmente vazia, pois justifica toda e qualquer ordem social. 20

Na verdade, a racionalismo que procura dar resposta à questão da justiça com os meios da razão
humana é consagrado tradicionalmente nas teorias jurídicas e em alguns sistemas filosóficos.

A questão, no entanto, é se a justiça se porta como produto do processo de determinação do direito.


Como construir o sentido de aplicabilidade do direito neste viés, sem ser tautológico e se reduzir a
justiça ao simples princípio da igualdade?

Abre-se, assim, o estudo da justiça sobre três vertentes: a igualdade como um princípio formal
(justiça em sentido estrito), a adequação, como um princípio material da justiça (justiça social ou
comum) e a segurança jurídica (paz jurídica). A justiça passa a ser expressa simultaneamente no
sentido da forma, do conteúdo e da função. 21

Nesta perspectiva, começa a surgir a necessidade de se buscar pela materialidade do conceito de


justiça, pois o conceito formal da igualdade precisa de um conteúdo material. O máximo bem comum
almejado não é determinado sem forma e a segurança jurídica não existe por si só, vez que só será
seguro o direito que respeite o princípio da igualdade e a justiça do bem comum.

O conteúdo da justiça na realização do bem comum necessita de uma base de formação, que ocorre
na tentativa de uma nova racionalidade jurídica que almeja romper com algumas ilusões da razão
clássica montada por verdades imutáveis. Este empreendimento se dá com a ética e os seus
contornos objetivos, que, em tese, possibilitam um melhor desenvolvimento humano.
2.2.1 O pensamento retórico de Chaïm Perelman

Um dos precursores de racionalidade-ética do direito é Chaïm Perelman, que procurando criticar a


razão clássica discute as teses de Lévy-Bruhl, distanciando-se do cepticismo moral e ao mesmo
tempo procurando trabalhar com o direito e a moral. Para Perelman o direito não é evidentemente a
moral, mas na prática, por não ser formalismo puro, importa à razão prática.

Resgatando o conceito aristotélico de retórica, o filósofo belga propõe a “nova retórica” que tem seu
ponto de início, sua mola propulsora, justamente na codificação napoleônica referente à análise do
raciocínio jurídico.

Por insatisfação com a afirmação da irracionalidade da aplicação do direito, Perelman elege como
projeto teórico a “lógica dos julgamentos de valor”, 22 da qual nasce a nova retórica.

Assim, imbuído desse meio termo proposto pela nova retórica, de maneira que o Direito não é o
lugar do racional e do irracional, nos contornos da justiça Perelman analisa seis exemplos possíveis
de sua noção, sendo: a cada qual a mesma coisa; a cada qual segundo seus méritos; a cada qual
segundo suas obras; a cada qual segundo suas necessidades; a cada qual segundo sua posição; a
cada qual segundo a lei que lhe atribui. 23

A partir desta base, o que Perelman busca é um caráter inter-relacional, criando um conceito de
justiça superior a essas noções, o conceito de justiça formal “como um princípio de ação segundo o
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qual os seres de uma mesma categoria essencial devem ser tratados da mesma forma”. 24

O conceito é genérico, portanto, abrangente, pois busca uma forma única que abarque as
possibilidades de trabalho com a justiça, pode-se dizer que essa tentativa, além do racionalismo,
demonstra uma tentativa de contorno material da justiça, uma justiça no caso concreto.
2.2.1.1 A crítica pela novíssima retórica de Boaventura de Sousa Santos

No entanto, a proposta de Perelman não permanece sem críticas. Para Boaventura de Sousa
Santos, a nova retórica fundamentada é técnica e manipuladora, uma vez que, em seus dados
imutáveis, não permite reflexão quanto aos processos sociais de inclusão e exclusão, nem quanto
aos processos de criação e destruição de comunidades, considerando, por fim, que a retórica de
Perelman seria muito moderna para contribuir com o conhecimento pós-moderno. 25

Diante desse posicionamento, fundamenta uma critica radical à nova retórica, buscando a novíssima
retórica.

Boaventura de Sousa Santos parte de um contexto histórico da retórica, a reemergência da retórica


seria parte integrante da crise paradigmática da ciência moderna.

A ideia da reconstrução do conhecimento-emancipação como nova forma de saber parte do


pressuposto de que este conhecimento é um conhecimento local, criado e disseminado através do
discurso.

O autor considera que a proposição da nova retórica tem que ser radicalmente reconstruída para
contribuir com a reinvenção do conhecimento-emancipação, vez que se caracteriza por ser técnica
(não adjudica entre as formas de influenciar, entre persuasão e convencimento), por partir do
princípio que o auditório e consequentemente a comunidade, são dados imutáveis, ficando sem
refletir sobre os processos sociais de inclusão neles ou exclusão deles, nem os processos sociais de
criação e de destruição de comunidades e, por fim, atribui que a nova retórica é manipuladora,
porque os oradores visam apenas influenciar o auditório e não se consideram influenciados por ele, a
não ser na medida em que se lhe adaptam para conseguirem influenciá-lo. 26

Para Boaventura de Sousa Santos “a novíssima retórica deve privilegiar o convencimento em


detrimento da persuasão, deve acentuar as boas razões em detrimento da produção de resultados”.
27

Através de novíssima retórica, nasce uma tentativa de se inaugurar uma tópica de emancipação, um
novo senso comum, propondo a ideia de uma dupla ruptura epistemológica, primeiramente
permitindo à ciência moderna diferenciar-se do senso comum, e irromper com esta primeira ruptura
epistemológica, a fim de transformar o conhecimento cientifico num novo senso comum, em outras
palavras “o conhecimento-emancipação tem que romper com o senso comum conservador,
mistificado e mistificador, não para criar uma forma autônoma e isolada de conhecimento superior,
mas para se transformar a si mesmo num senso comum novo e emancipatório”. 28

Todo esse contexto filosófico de Perelman, que é estendido por Boaventura de Sousa Santos, possui
um interessante fundo filosófico que, como já demonstrado, dá-se nos contornos do racionalismo.

Em um sentido filosófico, estendendo-o da sua proposição religiosa, Kant foi o primeiro a adotar esse
termo como símbolo de sua doutrina, para ele o racionalismo no campo da moral proporcionava uma
maneira crítica de pensar em relação ao misticismo e ao empirismo e, no campo estético, falava de
um racionalismo do princípio do gosto. 29

Por outro lado, Hegel foi o primeiro a caracterizar como racionalismo a corrente que vai de Descartes
a Spinoza e Leibniz que se opunha ao empirismo de origem lockiana, enfim como conceito filosófico
o racionalismo designa propriamente a doutrina de Kant, ou então, a corrente metafísica da filosofia
moderna de Descartes a Kant 30 que tanto se desenvolveu e buscou-se superar seus limites na
filosofia contemporânea.
2.2.2 A proposta de John Rawls

Toda a questão da justiça perpassa esse caminho racionalista, no entanto, para uma completa
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observação sobre este estudo proposto no sentido da racionalidade ética de dos princípios matérias
de justiça, resta ainda uma reflexão sobre uma das mais importantes teorias da justiça de nossos
tempos proposta por John Rawls.

No ano de 1957, John Rawls traz a lume o primeiro texto, intitulado Justice as fairness, e em torno do
núcleo deste texto, foi-se, aos poucos constituindo-se, a obra intitulada A theory of justice – traduzida
para nós como Uma teoria da justiça – publicada em Harvard no ano de 1971. Durante a década
seguinte, várias críticas foram enfrentadas pelo autor e em 1980 o autor começa a retomar o tema
com uma nova série de artigos, buscando, unicamente uma revisão sobre o campo de aplicação e os
meios de efetivação de uma teoria que permaneceu essencialmente intocada. 31

O objetivo de Rawls com esta obra foi apresentar uma concepção de justiça que generaliza e leva a
um ponto de reflexão maior a conhecida teoria do contrato social em Locke, Rousseau e Kant. 32
Para isso, propõe que não se deve pensar no contrato original como um contrato que introduz uma
ordem social ou governamental, mas o contrário, isto é, que os princípios da justiça como estrutura
básica da sociedade são o objeto do consenso original. 33

Tal fato denota uma importante tomada de partido por Rawls, pois ele apresenta o esforço do autor
em tomar o conceito de justiça a partir de uma forma procedimental e sua crença na noção de
“cooperação” e não de “dominação” no âmbito da estrutural social inicial que enceta sua teoria numa
perspectiva institucionalista.

De se notar, portanto, que Rawls propõe uma teoria da justiça como base da construção social, para
isso, procura elaborar uma teoria da justiça que represente uma alternativa ao pensamento utilitarista
em geral e consequentemente a todas as suas diferentes visões. 34

Para uma tentativa de efetivação daquilo que se refere como “consenso original” (posição original),
Rawls elabora dois princípios de justiça.

A proposta como aponta o próprio autor, um esboço, dos dois princípios é:

“Primeiro: cada pessoa deve ter um direito igual ao mais abrangente sistema de liberdades básicas
iguais que seja compatível com um sistema semelhante de liberdade para as outras.

Segundo: as desigualdades sociais e econômicas devem ser ordenadas de tal modo que sejam ao
mesmo tempo (a) consideradas como vantajosas para todos dentro dos limites do razoável, e (b)
vinculadas a posições e cargos acessíveis a todos.” 35

Ao decorrer de sua exposição, Rawls vai delimitando o contexto de seus princípios e buscando
materializar um conceito de justiça que seja a estrutura inicial e de proposta da sociedade. A tese é
bastante arrojada e uma reflexão sobre o assunto abre a possibilidade para uma plêiade de
apontamentos.

Essa superação do utilitarismo é muito importante para a conceituação de uma justiça material. Não
existe, na verdade, um único utilitarismo, como se sabe o princípio do utilitarismo clássico vem desde
Jeremy Bentham e Stuart Mill, e visava, em palavras singelas, a maior felicidade do maior número.

A partir do momento em que o utilitarismo compreende o bem estar de todos – o bem comum, de
forma coletiva e não distributiva –, passam a existir vantagens desmedidas de alguns membros da
sociedade em detrimento de outros, criando um círculo vicioso.

Nesse sentido, Rawls vai além, 36 procede de forma distributiva, não tomando a parte desta ou
daquela pessoa ou grupo, mas de todas (institucional), para ele é esta a imparcialidade exigida pela
justiça. 37 Dessa maneira, o princípio da equidade para Rawls, assim se estabelece: age de tal modo,
que todos os envolvidos participem de forma igual, tanto nos benefícios como nos encargos.
Portanto, não é justo um projeto de tecnologia genética que apenas traz progresso e utilidade para a
maioria, sendo as desvantagens suportadas exclusivamente pela minoria, é a tutela das minorias,
uma inversão da ideia primeira do tradicional conceito de contrato originário social. 38

Neste ambiente, é interessante lembrar do conceito de “convicções ponderadas”, proposto por Rawls
– que além da ideia de um consenso originário e do véu da ignorância – possui importante
participação em sua teoria em sentido conclusivo, pois traz a noção, em suma, do que Rawls
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entende como toda a compreensão prévia, intuitiva, nos quais temos a máxima confiança.

Na verdade, segundo o próprio autor, as “convicções ponderadas” justificam de outra maneira uma
descrição particular da posição original, enquanto os princípios que seriam escolhidos estejam de
acordo com nossas “convicções ponderadas” sobre o que é a justiça e se eles as prolongam de
maneira aceitável. 39
2.2.1.1 A noção material de justiça de Amartya Sen a partir da leitura de John Rawls

Tomando em conta estas noções, Amartya Sen, ao buscar uma concepção de justiça, pode-se
também dizer num sentido material, concreto, propõe uma das críticas mais importantes ao
pensamento de Rawls no que se refere ao contexto denominado como “prioridade da liberdade
formal”, que pelo próprio Rawls fora analisada moderadamente, mas já, por Nozick 40 de forma um
tanto inflexível. 41

Rawls considera através deste conceito que amplas classes de direitos, desde direitos formais até
direitos de propriedade, têm procedência política quase total sobre a promoção de objetivos sociais.
Esses direitos assumem forma de “restrições colaterais” que não podem ser violadas, ou seja, os
procedimentos empreendidos têm de ser aceitos, independentemente das consequências que deles
possam advir. Portanto, Sen demonstra que a questão nesse sentido, não é a importância
comparativa dos direitos, mas sua prioridade absoluta. 42

O argumento em favor desta “prioridade” pode ser demonstrado através da força das considerações,
como por exemplo, econômicas. A questão crucial, ao entendimento de Sen se dá não pela total
precedência, mas se a importância da liberdade formal de uma pessoa deve ser considerada
possuidora do mesmo tipo de importância que a de outros tipos de vantagens pessoais, como
rendas, utilidades etc. 43

Enfim, a reflexão de Sen demonstra um argumento de peso no sentido do exercício material do


desenvolvimento humano através do conceito de justiça como estrutural para a sociedade que deve
ser levado em conta, tendo em vista a possibilidade de concretização da participação pública diante
de sua própria realidade.
2.2.3 As esferas da justiça de Michael Walzer

Contemporaneamente, merece destaque a teoria das esferas da justiça de Michael Walzer, cuja
proposta é uma teoria pluralista da justiça social e seu escopo primordial consiste em atingir a
igualdade complexa. Walzer inicia sua teorização ressaltando que a justiça distributiva é uma ideia
extensa que abarca a totalidade do mundo dos bens, por conseguinte, a própria sociedade é uma
comunidade distributiva. 44

No contexto da doutrina de Walzer, a justiça é apresentada como conceito complexo, fruto da


construção humana, sendo duvidoso que ela possa ser realizada de uma única maneira. 45 Assim,
essa doutrina rejeita os objetivos igualitários simples, isso porque os bens não estão todos sujeitos
aos mesmos princípios de distribuição, na medida em que a igualdade simples ignora as convenções
e a história de cada sociedade, desconhecendo assim, que cada convenção possui diferente esfera
de justiça, cada uma das quais é governada por seu próprio princípio de igualdade. 46

A teoria da igualdade complexada assenta-se em duas premissas. Cada tipo de recurso deve ser
distribuído de acordo com o princípio adequado a sua esfera, e o sucesso em uma esfera não produz
excedente que permita a preponderância em outra. 47 Nesse contexto, o conceito de justiça
distributiva passa necessariamente pela compreensão acerca dos bens e suas respectivas esferas
de distribuição. 48

Para Walzer, a conceituação de justiça é indissociável aos significados sociais, consequentemente,


não existe um princípio universal que assegure a concretização da justiça. Todo exame substancioso
da justiça é um tratamento local e não universal e geral. Assim, quando os indivíduos dissentirem
acerca dos significados dos bens sociais, a justiça exige que a sociedade seja fiel com a dissensão
oferecendo canais institucionais para expressá-la. 49

Já o conceito de igualdade complexa, Walzer o apresenta como o oposto do totalitarismo. 50 Não se


pode problematizar a justiça de forma estanque em relação à história e a cultura da sociedade. Isso
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se dá porque a cultura de uma comunidade é a história que seus membros nos narram de modo que
todas as distintas partes de sua vida social tenham sentido. A justiça é a doutrina que distingue
referidas partes. 51 De forma simplificada, a concretização do conceito de igualdade complexa
materializar-se-á na medida em que mulheres e homens aprendam a viver com autonomia de
distribuições e reconheçam que resultados diferentes para indivíduos diferentes em esferas distintas
tornam justa a sociedade. 52

A teoria da justiça de Walzer não passa imune às críticas de Ronald Dworkin, que apesar de
ressaltar a sofisticação e a complexidade da teoria de Walzer, enfatiza o relativismo ínsito a ela.
2.2.3.1 O tema da justiça no pensamento de Ronald Dworkin e sua crítica ao pensamento de
Walzer

Para Dworkin, o conceito de justiça de Walzer é relativista porque se um sistema de castas é justo
em uma sociedade cujas tradições o admitem, e que seria injusto em tal sociedade distribuir os bens
e outros recursos igualmente, Walzer não apresenta de forma clara quais os requisitos necessários
para se caracterizar como justa uma sociedade em que os indivíduos discordam sobre quais os
significados dos bens sociais, limitando-se apenas a ressaltar que, diante de dissenso, é obrigatório
que o regime democrático disponibilize canais para os descontentes manifestarem sua discordância.
53

A obra de Dworkin talvez seja umas das maiores teorizações sobre a justiça, cuja sistematização
demandaria exame de toda sua obra, o que não é o escopo deste artigo. O que desejamos ressaltar
é o resgate da intrínseca relação entre política e legalidade para se analisar a concepção de justiça.
Dworkin propõe como um dos principais paradigmas a serem enfrentados a releitura da legalidade
para se examinar a questão da própria justiça. Vale dizer, é possível afirmar que em sistemas
jurídicos em que impera a perversidade esses sistemas seriam dotados de legalidade? A legalidade
pode ser explicada abstratamente a ponto de ser admitida em estruturas políticas profundamente
injustas? 54

Em conclusão, postulamos que a teoria de Dworkin sobre conceitos interpretativos seja de grande
valia para o estudo e formulação sobre teorias da justiça, isso porque, atualmente, nas sociedades
complexas, é impossível a existência de um conceito unívoco e unânime sobre termos como direito,
justiça e legalidade ou mesmo de um conceito em si de cada um desses termos.

Nesse contexto, a teoria do conceito interpretativo é fundamental para examinar-se a justiça, isso
permitiria que as pessoas compartilhassem esse conceito mesmo quando divergissem drasticamente
sobre seus exemplos. A existência de polêmica sobre o conceito de justiça que constitui entrave para
a análise do conceito de justiça em diversos paradigmas, todavia, essa polêmica é positiva perante a
teoria do conceito interpretativo, conforme ensina Dworkin: “uma boa teoria de um conceito
interpretativo deve ser, em si mesma, uma interpretação, de caráter provavelmente polêmico, da
prática em que está inserido o conceito”. 55

Em conclusão, importante ressaltar que a partir de Dworkin é possível concluir que não faria nenhum
sentido examinar-se, hodiernamente, a justiça fora da prática (mundo da vida), sem levarmos em
conta a complexidade das estruturas sociais contemporâneas, essa é leitura inicial para a premissa
dworkiana de que a justiça não é um deus ou um ícone: nós a valorizamos, se o fazemos, devido a
suas consequências para as vidas que levamos enquanto indivíduos coletivamente.56
3. A (im)possibilidade de uma justiça-em-si: reflexões a partir da abordagem genealógica
nietzscheana

3.1 A gênese da justiça pelo método genealógico nietzscheano

Ao se tratar de um resgate sobre a gênese da justiça, 57 como indicado no início do trabalho, a


proposta metodológica tem, já desde o início, o intuito de investigação assentada na perspectiva
genealógica empregada por Friedrich Nietzsche.

A tomada de partida por esta utilização metodológica possui o intuito de causar uma confrontação
entre as noções tradicionais sobre o conceito de justiça e alguns conteúdos de teorias
argumentativas retóricas como a de Perelman e de teorias procedimentais da justiça como a de John
Rawls.
Página 8
Genealogia da justiça Uma abordagem a partir do
conceito de obligatio do direito privado romano

A reflexão se situa, portanto, entre aquilo que se busca superar em relação à tradição das teorias
clássicas e a importância de se entender pela construção em sentido material do conteúdo de justiça
que as teorias modernas vêm desenvolvendo.

A partir do resgate que busca essa superação é que se coloca a metodologia nietzscheana com o
intuito de retornar sobremaneira nos conceitos e colocar em crise mesmo as noções atuais sobre os
conteúdos materiais da justiça, servindo como uma importante ferramenta para o permanente
diálogo crítico com as teses jusnaturalistas, históricas, utilitaristas e positivistas 58 que permeiam o
conceito do direito e da justiça.

A interpretação genealógica empregada, como se nota do tudo quanto exposto, não segue os
parâmetros tradicionais do conceito de genealogia. Pelo contrário, procura-se pelo seu rechaço com
o aprofundamento da questão notando os importantes termos e sentidos que remetem a essa
investigação, como procedência ( Herkunft), emergência ( Entstehung) e origem ( Ursprung),
buscando justamente o oposto do que um mero retorno às origens, que vai deslocar o fim para o
começo, reduzindo a história a uma escatologia desprovida de conteúdo.

Nesse contexto, a abordagem proposta não pretende a identificação de um gênese primordial,


divina, de onde tudo emana, e, sim, a abertura para as várias gêneses que se alternam pela história
e que vêm carregadas de tradição. Vale dizer, é um retorno à origem para um resgate do que se
perdeu no próprio tempo historicamente, um resgate de sentidos que se esvaíram ou se falsearam
com o tempo e que muito podem contribuir atualmente.

A abordagem que aqui se ocupa do pensamento nietzscheano insere-se numa crítica que refuta a
imputação infundada de incoerência e carência de conteúdo sociopolítico na sua obra, afirmando-se
que temas centrais da sua filosofia originam-se e são desenvolvidos em relação a questões sociais e
políticas, especialmente também com a filosofia do direito, que podem, portanto, ser enquadradas
como elementos fundamentais de sua filosofia da cultura. 59

A proposta hermenêutica que se lança proveniente do pensamento de Nietzsche percorre sua tese
sobre a (pré)história da humanidade, algumas considerações sobre sua teoria psicológica da
vingança e do ressentimento – tendo em vista sua crítica à polêmica interpretação de Eugen Dühring
sobre a origem da pena – e sua proposta da impossibilidade de um direito-em-si.
3.2 A relação pessoal de débito e crédito (obligatio romana) como originária do conceito de
direito e de justiça

Para Nietzsche, a mais antiga e principal relação pessoal estabelecida foi entre comprador e
vendedor, credor e devedor, e dela se originou o sentimento da obrigação pessoal e o sentimento de
culpa. Pela primeira vez, com ela, mediu-se uma pessoa com outra.

Portanto, nas sociedades mais primitivas e antigas já existia essa relação, 60 qual seja o
estabelecimento de preços e a troca de bens por medidas valorativas que possuem um sentido de
equivalência denotam as características dessa formação humana.

A supraexplanada relação possui tamanha importância que, nas palavras de Nietzsche, “isso ocupou
de tal maneira o pensamento humano, que num certo sentido constituiu o pensamento: aí se cultivou
a mais velha perspicácia, aí se poderia situar o primeiro impulso do orgulho humano, seu sentimento
de primazia diante dos outros animais”. 61

Ademais, o autor identifica o homem como um ser que mede e valora coisas, um “animal avaliador”,
suas relações de compra e venda e o sentido de sua formação no pensamento do homem são os
mais antigos elementos de organização social.

“Foi apenas a partir da forma mais rudimentar de direito pessoal que o germinante sentimento de
troca, contrato, débito [ Schuld], direito, obrigação, compensação, foi transposto para os mais toscos
e incipientes complexos sociais (em relação com complexos semelhantes), simultaneamente ao
hábito de comparar, medir, calcular um poder e outro. O olho estava posicionado nessa perspectiva;
e com a rude coerência peculiar ao pensamento da mais antiga humanidade, pensamento difícil de
mover-se, mais inexorável no caminho escolhido, logo se chegou à grande generalização: ‘cada
coisa tem seu preço; tudo pode ser pago’ – o mais velho e ingênuo cânon moral da justiça, o começo
de toda ‘bondade’, toda ‘equidade’, toda ‘boa vontade’, toda ‘objetividade’ que existe na terra.Página
Nesse 9
Genealogia da justiça Uma abordagem a partir do
conceito de obligatio do direito privado romano

primeiro estágio, justiça é a boa vontade, entre homens de poder aproximadamente igual, de
acomodar-se entre si, de entender-se mediante um compromisso – e, com relação aos de menor
poder, forçá-los a um compromisso entre si.” 62

Tal modo de pensar compensador é bem entendido na própria relação direta entre credor e devedor,
63
dado que o credor poderá ser sempre mais humano quanto mais rico for, pois o sentimento de sua
injúria passa a ser a demonstração do quanto rico é, do quanto sua riqueza suporta essa injúria sem
ele sofrer.

Essa possível ocorrência direciona o sentido inicial da justiça para outro; o da absolvição ilegítima, o
“‘tudo é resgatável, tudo pode ser pago’, termina por fazer vista grossa e deixar escapar os
insolventes – termina como toda coisa boa sobre a terra, suprimindo-se a si mesma. A
autossupressão da justiça: sabemos com que belo nome ela se apresente – graça; ela permanece
como é óbvio, privilégio do poderoso, ou melhor, o seu ‘além do direito’”. 64

Dada a importância dessa relação, essencialmente complexa e longamente discutida por Nietzsche,
vale uma citação mais pormenorizada:

“A relação de direito privado entre o devedor e seu credor, do qual já falamos longamente, foi mais
uma vez, e de maneira historicamente curiosa e problemática, introduzida numa relação na qual
talvez seja, para nós, homens modernos, algo inteiramente incompreensível: na relação entre os
vivos e seus antepassados. Na originária comunidade tribal – falo dos primórdios – a geração que
vive sempre reconhece para com a anterior, e em especial para com a primeira, fundadora da
estirpe, uma obrigação jurídica (e não um mero vínculo de sentimento: seria ilícito inclusive contestar
a existência deste último durante o mais longo período da espécie humana). A convicção prevalece
de que a comunidade subsiste apenas graças aos sacrifícios e às realizações dos antepassados – e
de que é preciso lhes pagar isso com sacrifícios e realizações: reconhece-se uma dívida [ Schuld],
que cresce permanentemente, pelo fato de que os antepassados não cessam, em sua sobrevida
como espíritos poderosos, de conceder à estirpe novas vantagens e adiantamentos a partir de sua
força. Em vão, talvez? Mas não existe ‘em vão’ para aqueles tempos crus e ‘sem alma’. O que se
pode lhes dar em troca? Sacrifícios (inicialmente para alimentação, entendida do modo mais
grosseiro), festas, músicas, homenagens, sobretudo obediência – pois os costumes são, enquanto
obra dos antepassados, também seus preceitos e ordens –: é possível lhes dar bastante? Esta
suspeita permanece e aumenta: de quando em quando exige um imenso resgate, algo monstruoso
como pagamento ao ‘credor’ (o famigerado sacrifício do primogênito, por exemplo; sangue, sangue
humano em todo caso). Segundo esse tipo de lógica, o medo do ancestral e do seu poder, a
consciência de ter dívidas para com ele, cresce necessariamente na exata medida em que cresce o
poder da estirpe, na medida em que ela se torna mais vitoriosa, independente, venerada e temida.
Não ao contrário! E todo passo para o debilitamento da estirpe, todo acaso infeliz, todos os índicos
de degeneração, de desagregação iminente, diminuem o medo do espírito de seu fundador,
oferecendo uma imagem cada vez mais pobre de sua sagacidade, de sua previdência e da presença
de seu poder.” 65

A reconstituição da (pré)história da humanidade no pensamento nietzscheano demonstra uma


reconstituição do próprio processo de humanização que se inicia com a criação da memória e ocorre
num contexto completamente determinado por conceitos jurídicos, predominando entre eles a
categoria ancestral de direito pessoal obligatio. Esta vigia nos atos de troca, escambo, de débito e de
crédito, atos que são considerados por Nietzsche como determinantes do patamar mais antigo da
civilização até então conhecido. Eles são a base fundamental para um exame mais acurado da
importância de seu pensamento sobre o direito.

Para Nietzsche, o início da (pré)história da humanidade inicia-se com o surgimento do sentimento de


responsabilidade, oriundo da ideia de dívida e dever, o que prenuncia a condição investigativa da
possibilidade do comprometer-se e do responsabilizar-se. Nesse mesmo diapasão, Oswaldo Giacoia
Junior, de acordo com o pensamento do próprio Nietzsche, pondera que com a promessa são
fixados os primeiros lineamentos do pensamento causal, propiciando a abertura da distinção entre o
fortuito e o necessário, consolidando-se o vínculo entre uma determinação qualquer da vontade e a
descarga efetiva dessa vontade numa ação.

Desse modo, se o autêntico problema do homem consiste em criar no olvidável e instintivo homem
primitivo uma memória da vontade que o torne capaz de prometer, compreende-se que, nessa
análise nietzscheana, o ponto mais recuado do processo de humanização coincide com oPágina
sentido
10
Genealogia da justiça Uma abordagem a partir do
conceito de obligatio do direito privado romano

originário da promessa e, por assim ser, deve ser encontrado no terreno das relações pessoais de
direito obrigacional, em especial no âmbito das relações de escambo, troca, compra, venda e crédito.
66

3.2.1 A abordagem etnológica de Alberto Ermanno Post e a polêmica mecanicista do


pensamento de Eugen Dühring

Cabe neste ponto, inicialmente, fazer referência a um importante jurista estudado por Nietzsche,
Alberto Ermanno Post.

A base etnológica de Post – que Nietzsche utiliza e que vai de encontro substancial ao seu
pensamento – demonstra que seu primitivo sujeito de direito não são pessoas individualmente
consideradas, mas, sim, as comunidades de estirpe, representadas por tribos ou clãs, isto é,
sociedades, como já pormenorizadamente demonstrado no primeiro capítulo, fundadas em laços de
parentesco sanguíneo e praticantes da vingança privada, pois – conforme também antecipadamente
evidenciado – nas relações dessas comunidades, toda a responsabilidade é coletiva e a vingança é
prerrogativa da comunidade.

“Parágrafo 122: L’organizzazione corporativa è sempre la forma più recente di organizzazione Che si
presenti nella vita dei popoli. Nell’ordinamento gentilizio, territoriale e signorile la personalità giuridica
individuale à pochissimo sviluppata, anzi può dirsi che l’individuo, soggetto di diritto, como lo
connosciamo noi ai dì nostri, non esiste. Soltanto col disgregarsi di quelle forme di organizzazione,
che sotto ogni risgurado lo fanno quase sparire nei gruppi sociali, l’individuo emerge como centro
independente della vita sociale.

Parágrafo: 123: Dato il conceito dela personalità individual, è consideratta base di questa
responsabilita la colpa individual; in questa manera di pensarse si há nu contraposto l’organizzazione
corporative e le altre forme dia organizzazione sociale, sopra tutto quella gentilizia. Mentre Il diritto
gentilizio, per un atto illecito commesso da uno dei membri di un grupo chiama responsabile il grupo
intero, ammette rispettivamente che la violazione d’um membro di um gruppo sai vendicata dal
gruppo intero, e considera come atto illecito ogni violazione obbiettiva dela sfera giuridica offeso,
senza dar peso al fatto che questa violazione si possa oppur no ricondure ad uma copla individual,
l’organizzazione corporative invence per regola non riconosce responsabiliza dia terzi per gli atti
illeciti commessi da uma persona singola, me chiama responsabile questa medesima solamente.” 67

Essa averiguação aclara a relação instigante de Para a genealogia da moral com a filosofia do
direito, ao passo que a proposta argumentativa de Nietzsche consiste numa inversão investigativa,
não levando em conta as mais recentes e plausíveis conquistas científicas, com o principal intuito de
romper com as tradicionais interpretações metafísicas de categorias e institutos fundamentais de
direito.

Na extensão da abordagem do processo de civilização, fundado em categorias jurídicas, insere-se a


polêmica de sua teoria psicológica da vingança e do ressentimento com o pensamento de Dühring.

Desse modo, lança-se uma hipótese interpretativa pela polêmica que desperta Nietzsche, fundada
em categorias jurídicas, mais especificamente no direito penal, referente à interpretação sobre a
origem de pena de Eugen Dühring.

A oposição nietzscheana sobre a tese de Dühring que interpreta o sentimento de vingança como
algo natural aparece energicamente no conhecido parágrafo 11 da Segunda Dissertação de Para a
genealogia da moral. Nele Nietzsche propõe reconstituir a genealogia da lei, ou seja, uma genealogia
do direito e da justiça.

Como bem observa Oswaldo Giacoia Jr., Dühring enfaticamente deixa clara sua tese sobre a origem
da pena, aplicando os princípios de mecânica racional, enquanto advinda do ressentimento e
provocadora da vingança. 68

Para Nietzsche, a origem da justiça não está no ressentimento, tampouco, portanto, pode “se
sacralizar a vingança sob o nome de justiça – como se no fundo a justiça fosse apenas uma
evolução do sentimento de estar-ferido – e depois promover, com a vingança, todos os afetos
reativos”. 69 O exercício e a mantença da justiça impõem um poder mais forte que busca meios de
pôr fim entre os grupos ou indivíduos a ele subordinados, ao desmedido influxo do ressentimento. A
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Genealogia da justiça Uma abordagem a partir do
conceito de obligatio do direito privado romano

forma mais decisiva desse exercício que se dá pela atitude da autoridade suprema contra os
sentimentos de reação e rancor é a instituição da lei.

Com a instituição da lei, Nietzsche afasta a ideia de que a justiça possa ser derivada de sentimentos
negativos e reativos como a vingança e afasta também a hipótese de que teria algum sentido
considerar algo em si mesmo como justo ou injusto, algo como uma justiça em si, um direito em si.
Para Nietzsche, não há fatos, há interpretações de fatos.
3.3 A tese hermenêutica de Nietzsche: o problema da liberdade, do livre-arbítrio e da
necessidade

Esta revelação interpretativa nietzscheana vai diretamente contra as pretensões de objetividade do


positivismo e encontra considerável exploração em correntes atuais da hermenêutica jurídica.

Em seu projeto, Nietzsche afasta-se da noção normativa de livre-arbítrio, que entende que o homem
é considerado livre para ser responsabilizado e culpado pelo cumprimento ou não das ordens
impostas, tal como fincou posicionamento Kelsen.

Em Nietzsche, há uma interpretação artística do livre-arbítrio, pois, para ele, o homem livre é aquele
que acata o jogo das forças terrestres, seguindo alegremente a eterna repetição dos fatos ao criar
novas avaliações. A liberdade, assim, não consiste no exercício de uma suposta faculdade ativa, isto
é, a vontade, mas num phatos de aumento de forças. O arbítrio não é capacidade causal, mas o
sentimento de extensão de potência que se vivencia ao agir em sintonia com os próprios instintos e
impulsos, de maneira que a liberdade consiste na concretização desses impulsos que se impõem ao
nosso pensamento, não havendo oposição entre liberdade e necessidade. 70

Barrenechea nota a importância da análise genealógica de Nietzsche na emergência do conceito de


liberdade. Nessa abordagem a liberdade apresenta-se como uma noção inserida nos discursos
prescritivos, tratando-se de uma qualidade atribuída ao homem, no sentido de enquadrá-lo num
sistema normativo, fazendo com que possa ser julgado e submetido a prêmios e castigos, 71 que
após se estende para a análise da linguagem.

Através da abordagem genealógica, mostramos que a noção de liberdade nada tem haver com a
faculdade operatória, nem com um atributo de consciência, que atuaria conforme a sua própria
causalidade. Ela surge dos instintos dos ressentidos que querem vingar-se do mundo e da vida,
atribuindo-se o direito de fazer dos crentes as duas vítimas preferidas. O sacerdote e o moralista têm
uma compensação para a sua precariedade, sua infelicidade e esterilidade, exercendo um poder
coercitivo. Eles obtêm uma felicidade compensatória usando seus “instrumentos de tortura”, impondo
castigos e punições. Eles agem movidos por um instinto perverso: o
instinto-de-querer-castigar-e-julgar. Nietzsche conclui em O crepúsculo dos ídolos, caracterizando o
cristianismo – com seus “instrumentos de tortura”: o “pecado” e o “livre-arbítrio” – com uma
“metafísica de verdugo” que, “com o conceito de ‘ordem moral do mundo’, continua a infectar a
inocência do devir por meio do “castigo e da culpa”. 72

Pela crítica de Nietzsche ao sentido normativo do livre-arbítrio, ao conceito de substância e à


causalidade, encontra-se justamente no tripé sujeito-substância-causalidade o fundamento de toda
atribuição de responsabilidade. Ao passo que só um sujeito livre poderia agir sobre o mundo e sobre
os seus semelhantes, nota-se que toda imputação moral nasce da interpretação da dinâmica dos
atos. Para Nietzsche, culpabilidade, imputabilidade, vontade livre, agente responsável etc. são falsas
interpretações morais que possuem tanta validade quanto a atribuição da feitiçaria.

Na forte noção de que o caminho da liberdade consiste na afirmação do eterno retorno, na aceitação
da necessidade e com a eliminação de qualquer resíduo normativo de sua noção, Nietzsche revela a
força ficcional que envolve as noções, fundamentalmente morais, de imputabilidade.

O interessante desta constatação é realçar o caráter ficcional da imputação jurídica conforme a


característica normativa do direito.

A noção de ficção jurídica é valiosamente proveitosa para a análise nietzscheana da inexistência de


um direito e de uma justiça em si que se estruturam a partir da instituição de lei. 73

A ótica de Nietzsche, com relação ao direito de sua época, é a de um pensamento jurídico labiríntico,
ao qual faltam critérios condutores e de fundamentação que acabam por ocasionar um direito que12é
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Genealogia da justiça Uma abordagem a partir do
conceito de obligatio do direito privado romano

utopicamente idealista na teoria e astutamente materialista na prática. Nessa via, Nietzsche denuncia
a hipocrisia de considerar a justiça e a igualdade justificadas em razão somente da felicidade
material que proporcionam.

A crítica de Nietzsche ao direito aparentemente apresenta um paradoxo que precisa ser explicado.

“El resultado de la crítica de Nietzsche en el plano de lo jurídico es extremamente pradójico. Por una
parte critica la debiliad de una justicia inerme, lo que parece conducir a una identificación de lo justo
con la fuerza. Por outra, critica la absolutización del derecho positivo, de la ley, lo que parece llevar a
una identificación de lo justo con la libertad. ¿Cómo se enlazan, pues, en su pensamiento jurídico el
momento de la fuerza (necesidad) con el momento de la moralidad (libertad)? ¿Es en definitiva lo
jurídico, para Nietzsche, necesidad? ¿Es libertad? ¿O es algo posterior que está por encima y
armoniza ambas exigencias?.” 74

Francisco Puy indica que aparentemente a última pergunta formulada na citação é o caminho que se
deve empreender. Na própria crítica de Nietzsche há um indício revelador, conforme sua
preocupação pela anárquica especulação e contraditória prática em torno do problema da coação. 75
A coação é o momento em que entram em colisão necessidade e liberdade e em antítese o domínio
do plano jurídico.

Nietzsche reduz a antinomia entre a tese da liberdade e a antítese da força no entrecruzamento de


duas ideias gerais de seu pensamento: a vontade de poder e a hierarquia. Com relação à primeira, a
justiça há de apoiar-se na força para poder existir e atuar realmente; quanto à segunda, o direito
positivo não pode reduzir-se à força, porque isso resultaria numa mera horizontalidade de vetores
compondo-se mecanicamente.

Apesar de essa relação parecer ser incompleta de um ponto de vista panorâmico, o interessante é
notar o esforço de Nietzsche ao trabalhar na possibilidade de harmonização das exigências do
momento da força com as exigências do momento de subjetividade do jurídico. Isso revela a severa
advertência da necessidade de se começar a fazer a especulação jurídico-filosófica por um rigoroso
enfrentamento com a experiência jurídica do “fato-força” e do “fato-in-divíduo”, passível de se incorrer
na insegurança de uma sociedade pressuposta sem indivíduos e um direito sem vigência. Ou seja:
sob pena de incorrer total e constantemente, como demonstra a profunda e interessante obra-projeto
de Giorgio Agamben, 76 num Estado de Exceção, no qual há a suspensão do Estado de Direito,
legitimado pela sua própria permissão para tanto.

Por fim, desse modo pode se dizer que as linhas de uma filosofia do direito em Nietzsche
perceptivelmente se constroem em oposição direta às doutrinas tradicionais do direito,
principalmente em relação ao pensamento contratualista e do direito natural, bem como do exacerbo
das escolas racionalistas e das manifestações do utilitarismo e do positivismo. Justamente nesse
sentido se compreende a intensa crítica nietzscheana sobre a moderna doutrina de igualdade de
direitos. Se a própria noção de direito se estabelece na pretensão de regularização e ação social
fundada no reconhecimento de vários graus de poder que vigem entre os homens, é preciso então
que a desigualdade seja pensada como uma das próprias condições para que hajam direitos, pois a
suposição ideal de uma sociedade universal é no mínimo irrazoável, ao passo em que o mundo é
formado por relações de dominação e poder. 77
4. Conclusão

Destarte, cabe evidenciar que o cerne do texto foi a preocupação em demonstrar reiteradamente a
importância do processo de formação da gênese do conceito de justiça, desvinculando a filosofia do
direito de algumas tratativas tradicionais ou equivocadas com relação ao próprio sentido histórico
desse conceito. Nesta dimensão, a preocupação não evidencia a pretensão de se revelar em
destaque a grande importância da história da filosofia do direito, mas, sim, de uma crescente
necessidade de uma filosofia da história do direito que forneça novas reflexões para os temas do
próprio direito, em especial, do conceito de justiça.

O enfoque na dualidade metafísica do conceito de justiça – e a importância de sua superação – bem


como a recorrência aos estudos etnológicos, acaba por ser reconhecer nas relações de troca,
escambo, compra e venda, credor e devedor, a forma mais antiga das relações humanas nos
primórdios dos patamares civilizatórios. Essa é a grande revelação que projeta a temática
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conceito de obligatio do direito privado romano

metodológica do estudo, pois considera a gênese do direito como elemento constitutivo do


engendramento do processo civilizatório.

A partir disso, a proposta se enceta em explorar a construção dos sentidos da justiça de maneira
diferente, e denunciar em seu percurso suas inclinações ideológicas, históricas e de formação social,
e precipuamente seus aprisionamentos metafísicos. A intenção restringe-se, precipuamente, a
promover a descoberta de várias novas aberturas sobre os sentidos que permeiam o conceito de
justiça historicamente.

Nesse ponto, é mister destacar que importância do pensamento de Nietzsche trazido é primordial,
pois na sua investigação sobre a consciência nota a relação de dívida e culpa advindas da matriz
obrigacional de direito privado, e ao passo que revela o peso do processo que essa noção traz aos
homens, ele descobre a consciência de autodomínio do sujeito como um privilégio raro que origina a
figura de uma soberania.

Kelsen, por sua vez, apresenta dados históricos e antropológicos, e investiga as próprias bases
anteriores a essa consciência de autodomínio. Ele a anuncia ao evidenciar o nível de
desenvolvimento da mentalidade primitiva e o quanto nesse processo a ideia do princípio da
causalidade se afigura como uma ideia moderna, pois, até então, havia a total predominância do
princípio da retribuição;

Neste ambiente, o tema da justiça nos remete à noção dos primeiros “sujeitos de direito”. Os
“primitivos sujeitos de direito” não são pessoas individuais, mas, sim, clãs, gens, organizações
coletivas de cujo desenvolvimento surgem as comunidades tribais e posteriormente os povos
inteiros. A importância dessa revelação desloca a interpretação histórica dos “modernos sujeitos de
direito”.

Este fato ganha profundo destacamento no pensamento de Nietzsche, pois este ao conceber a ideia
de “primitivos sujeitos de direito” nas organizações gentílicas encontra nelas a formação do velho
cânon moral que recebe o sentido da justiça.

Surge, assim, a importância de se discernir sobre a ideia da justiça e da vingança, que em alguns
momentos passam a ser confundidas, fato que gera alguns contornos sobre a dimensão da ideia de
igualdade relacionada à justiça, propiciando uma proposta racionalista, que surge no afamado
conceito de justiça de “dar a cada um o que é seu”, totalmente anêmica de sentido, pois se
apresenta como tautológica e justifica toda e qualquer ordem social.

Fato é que, todo este estudo aliado às novas projeções da reviravolta linguística da filosofia e do
método genealógico nietzscheano revelam um amplo ambiente de exploração diferenciada para o
tratamento do conceito de justiça enquanto categoria ficcional do direito premente da necessidade de
novas alocações no contexto histórico atual.

Neste sentido, a proposta do artigo foi também a de promover de modo pontual uma análise do
pensamento racional da justiça até John Rawls e revelando a atual polêmica levantada por Walzer e
a crítica e posicionamento de Ronald Dworkin, entendidos como viáveis para a renovação da
discussão sobre o tema da justiça.

Por fim, tem-se que o intuito fora o de fornecer um ambiente profícuo capaz de fomentar o direito e
reconhecer a sua importância e a sua potencialidade de transformação social, reforçando e
comprovando a possibilidade teórica e prática da necessidade de renovação das formas jurídicas –
justiça –, que a partir do que se propôs, pretende-se que adquiram novo foco de discussão e
atuação, promovendo um direito mais compromissado filosoficamente.
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Sen, Amartya. Desenvolvimento como liberdade. Trad. Laura Teixeira Motta. São Paulo: Cia. das
Letras, 2000.

Walzer, Michael. Las esferas de la justicia: uma defensa del pluralismo y la igualdad. 2. ed. Mexico:
Fondo de Cultura Económica, 2001.

Weinberger, Ota. Law, institution and legal politics: fundamental problems of legal theory and social
philosophy. Dordrecht: Kluwe Academic Publishers, 1991.

1 Neste sentido, é relevante a análise de Ota Weinberger ao demonstrar, a nosso ver, que a
complexidade de definição da justiça esteja por trás da noção da condição humana e aquilo que a
própria humanidade busca como ideal da justiça, por essa razão que o autor entende a justiça como
a ubliquitous problem. Cf. Ota Weinberger. Law, institution and legal politics: fundamental problems
of legal theory and social philosophy. Dordrecht: Kluwe Academic Publishers, 1991. p. 247.

2 Cf. Arthur Kaufmann. Filosofia do Direito. Trad. António Ulisses Cortês. Lisboa: Fundação Calouste
Gulbenkian, 2004. p. 225.

3 A proposta genealógica será desenvolvida a partir do método histórico-crítico genealógico de


Friedrich W. Nietzsche. Empreendendo seu método genealógico, caracterizado como um método
histórico-crítico de investigação de instituições, saberes e práticas sociais, históricas e culturais que
busca revelar as valorações que lhes servem de fundamento, Nietzsche promove uma reviravolta no
solo antropológico e psicológico que fomenta a criação e construção do direito. De maneira
concernente ao seu esclarecimento genealógico em Para genealogia da moral Nietzsche recorre
insistentemente em querer demonstrar o modo como certos filósofos utilizaram uma genealogia da
moral estropiada, principalmente quando se nota o modo pelo qual foi realizada a pesquisa sobre a
origem ( Ursprung) e proveniência ( Herkunft) de certos conceitos, como o de “bom” ou o de
“culpa/dívida” ( Schuld). Assim, Nietzsche emprega o estudo da genealogia das palavras para
descrever o processo metafórico pela qual algumas palavras fundamentais – como as acima
referidas – aos poucos assumiram significados de caráter moral. Ele encara o significado como algo
radicalmente histórico, sendo um dos pontos-chave não se confundir a origem de algo com a sua
finalidade. Isso revela ainda mais sua crítica aos genealogistas da moral, indicando que a eles falta
um senso histórico genuíno que os faz acabarem escrevendo não uma genealogia, mas uma história
da emergência de uma coisa ( Entstehungsgeschichte). Para Nietzsche, analisando-se as “origens”,
demonstra-se que no começo das coisas são encontrados o conflito, a luta e a contestação. Ao
reconstruir o passado, seus objetivos são práticos, desejando opor-se aos preconceitos do presente
que impõem uma interpretação do passado com o fim de sustentar seus valores democráticos e
altruísticos. Sua tentativa, enfaticamente, na Genealogia é de maneira original e provocadora mostrar
que a moral e as noções legais têm uma história e que o homem estudado como animal político e
moral, precisa “vir-a-ser”. Para Nietzsche, quase tudo que existe está aberto à interpretação. A
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Genealogia da justiça Uma abordagem a partir do
conceito de obligatio do direito privado romano

própria vida nada mais é do que uma disputa e conflito de valores.


Foucault analisa bem essa característica do método genealógico de encontrar no começo histórico
das coisas a discórdia, o disparate. Para Foucault, a genealogia se opõe ao desenvolvimento
metaistórico das significações ideais e das indefinidas teleologias. Opõe-se à pesquisa de origem,
pois o que se encontra no começo da história das coisas não é a identidade ainda preservada de sua
origem, mas a discórdia entre as coisas, o disparate. Assim, fazer a genealogia dos valores, da
moral, do conhecimento nunca será deter-se em busca de sua origem, “mas deter-se nas
meticulosidades e nos acasos dos começos: prestar uma atenção escrupulosa em sua derrisória
maldade, esperar vê-las surgir, máscaras finalmente retiradas, com o rosto do outro; não ter pudor
de ir buscá-los lá onde eles estão, ‘escavando as profundezas’”. Para tanto, cf. Oswaldo Giacoia
Junior. Pequeno dicionário de filosofia contemporânea. São Paulo: Publifolha, 2006. p. 89; Friedrich
W. Nietzsche. Genealogia da moral: uma polêmica. Trad. Paulo César de Souza. São Paulo: Cia.
das Letras, 2007. Primeira Dissertação, § 17, p. 45; Keith Ansell-Pearson. Nietzsche como pensador
político: uma introdução. Trad. Mauro Gama e Cláudia Martinelli. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed.,
1997. p. 140-141; Michel Foucault. Nietzsche, a genealogia, a história. In: ______. Ditos e escritos II:
Arqueologia das ciências e história dos sistemas de pensamento. Org. e seleção de texto Manoel
Barros da Motta. Trad. Elisa Monteiro. Rio de Janeiro: Forense, 2000. p. 264.

Finalizando, seria ainda interessante notar como a perspectiva genealógica privilegia a visão
historicista para compreensão do Direito e seus institutos. Essa relação entre Direito e Histórica é
ressaltada e defendida por Harold Berman nos seguintes termos: “O conceito tradicional de Direito
como um conjunto de regras derivadas de atos normativos e decisões jurisprudenciais – refletindo a
tese de que a fonte última do Direito é a vontade do legislador (Estado) – é inteiramente inadequado
para servir de base para um estudo sobre uma cultura jurídica transnacional. Para falar da Tradição
Jurídica Ocidental, é necessário postular um conceito de Direito que seja diferente de um conjunto de
regras, que o veja como um processo, como um empreendimento no qual as regras só têm valor no
contexto das instituições e procedimentos, valores e modos de pensar. Desse ponto de vista mais
amplo, as fontes do Direito ultrapassam a vontade do legislador, para abranger também a razão e a
consciência das comunidades e os seus usos e costumes. Essa não é a visão dominante no Direito.
Contudo, não é, de modo algum, uma visão heterodoxa, pois, não muito tempo atrás, costumava-se
dizer que as fontes do Direito eram a legislação, os precedentes, a equidade e os costumes. Na era
de formação da Tradição Jurídica Ocidental, não havia tanta legislação ou tantos precedentes como
passou a haver nos séculos posteriores. A maior parte do Direito era derivada dos costumes, que
eram visto à luz da equidade (definida como razão e consciência). É necessário reconhecer que o
costume e a equidade são tão integrantes do Direito quanto às normas e as decisões, se se deseja
seguir e aceitar a história da Tradição Jurídica Ocidental”. Harold J. Berman. Direito e revolução: a
formação da tradição jurídica ocidental. São Leopoldo: Unisinos, 2004. p. 22.

4 Harold J. Berman. Direito e revolução… cit., p. 34.

5 Idem, ibidem.

6 Idem, ibidem.

7 Émile Benveniste. O vocabulário das instituições indo-europeias. Trad. Denise Bottman. Campinas:
Ed. Unicamp, 1995. p. 101.

8 Idem, p. 104-105.

9 No sumário do capítulo 2 que inicia nesta obra o estudo sobre o palavra díke, o autor afirma que “o
grego díke impõe a representação de um direito formular, determinado para cada situação particular
o que se deve fazer. O juiz – hom dikas-pólos – é aquele que tem a guarda do conjunto de fórmulas
e pronuncia com autoridade, dicit, a sentença apropriada”. Émile Benveniste. O vocabulário das
instituições indo-europeias cit., p. 112.

10 Sobre o conceito de justiça considerado de modo restrito – com base na linha do pensamento
platônico-aristotélico –, faz-se interessante a conferência do verbete Justiça produzido por Mario
Ferreira dos Santos que examina o conceito a partir do conceito que a justiça seria um dos quatro
pontos cardinais, oferecendo assim, um conceito estrito sobre a justiça. Cf. Mario Ferreira dos
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Genealogia da justiça Uma abordagem a partir do
conceito de obligatio do direito privado romano

Santos. Verbete: justiça. In: ______. Dicionário de filosofia e ciências culturais. São Paulo: Matese,
1963. vol. 3. p. 830-831.

11 Cf. Aristóteles. Ética a nicômacos. 4. ed. Trad. Mário da Gama Kury. Brasília: Ed. UnB, 2001. O
livro V da referida obra contém o estudo sobre A Justiça, que se inicia do seguinte modo: “com vistas
à justiça e à injustiça, devemos indagar quais são as espécies de ações as quais eles se relacionam,
que espécie de meio termo é a justiça, e entre que extremos o ato justo é o meio termo”.

12 Sobre uma visão mais detalhada da experiência histórica da justiça, cf. Giorgio del Vecchio. A
justiça. Trad. Antonio Pinto de Carvalho. São Paulo: Saraiva, 1960. p. 83-93.

13 Santo Tomás de Aquino pode ser considerado o verdadeiro precursor da reflexão sobre a justiça,
fundamentada em Aristóteles e nos romanos. Sobre a proposta de Santo Tomás de Aquino
importante o estudo dos capítulos I, II e II da Summa Theológica que se referem ao tema justiça,
especificamente no que remonta a Ulpiano, no mesmo livro, II, II, 58, 1, e em Santo Agostinho, na
obra Cidade de Deus no livro IV, capítulo IV.

14 Tercio Sampaio Ferraz Junior. Estudos de filosofia do Direito: reflexões sobre o poder, a liberdade
a justiça e o Direito. São Paulo: Atlas, 2002. p. 232.

15 Para uma temática diferenciada sobre este assunto, muito interessante são os estudos
nietzscheanos sobre a justiça. No contorno de sua obra, vale a pena ressaltar a seguinte passagem:
“Origem da justiça. A justiça (equidade) tem origem entre homens aproximadamente o mesmo poder
(…): troca é o caráter inicial da justiça. Cada um satisfaz ao outro, ao receber aquilo que estima mais
que o outro. Um dá ao outro o que ele quer, para tê-lo como seu a partir de então, e por sua vez
recebe o desejado. A justiça é, portanto, retribuição e intercâmbio sob o pressuposto de um poderio
mais ou menos igual: originalmente a vingança pertence ao domínio da justiça, ela é um intercâmbio.
Do mesmo modo a gratidão”. Friedrich W. Nietzsche. Humano, demasiado humano. Trad. Paulo
César de Souza. São Paulo: Cia. das Letras, 2005. p. 92. Continuando com a questão, importante
também a crítica de Martin Heidegger a partir do seguinte comentário “Nevertehless, because in
Nietzsche’s thought it remains veiled as to whether and how ‘justice’ is te essencial trait of truth, the
keyword justice may not be raised to the rank of the main heading in Nietzsche’s metaphysics”.
Martin Heidegger. Nietzsche. San Francisco: Harper Collins PBK, 1991. vol. 3, p. 249.
Neste ambiente, levando em conta a proposta de Tercio Sampaio Ferraz Junior sobre a dualidade
metafísica de justiça e sua noção de retribuição, passa a ser de fundamental importância para
complementação e finalização do assunto do princípio da retribuição aqui retratado e a ser mais
desenvolvido a partir do pensamento de Nietzsche, a compreensão das consequências da justiça na
forma de retribuição com base no texto “Vergeltung” zwischen Ethologie und Ethic (“Retribuição”
entre Etologia e Ética) de Walter Burkert. As bases sob as quais Burkert estrutura seu estudo sobre
retribuição fornecem importantes revelações sobre os contornos em relação à elaboração dos
modelos de justiça. Ele retorna a textos e mitologias da Antiguidade alcançando importantes
apontamentos atuais que merecem relevo. Por mais que a aceitabilidade da agressão, repressão e
violência como base da retribuição justa pareça algo das sociedades primitivas, a expressão latina
vindex, os princípios islâmicos vigentes da pena e mesmo a pena de morte, que não se divide
necessariamente entre Ocidente e Oriente, apresentam a sutil presença desse modo primevo de
manifestação da justiça como retribuição. Tercio Sampaio Ferraz Jr. Poder e justiça. Direito e poder:
nas instituições e nos valores do público e do privado contemporâneos. Estudos em homenagem a
Nelson Saldanha. Barueri: Manole, 2005. p. 168-182.

16 Arthur Kaufmann. Filosofia do Direito cit., p. 228.

17 Sobre o giro linguístico, ou reviravolta linguística, afirma Manfredo Araújo de Oliveira: “Pouco a
pouco se tornou claro que se tratava, no caso da ‘reviravolta linguística’ ( linguistic turn) de um novo
paradigma para a filosofia enquanto tal, o que significa dizer que a linguagem passa de objeto da
reflexão filosófica para a ‘esfera dos fundamentos’ de todo pensar, e a filosofia da linguagem passa a
poder levantar a pretensão de ser a ‘filosofia primeira’ à altura do nível de consciência crítica de
nossos dias” ( Reviravolta linguístico-pragmática na filosofia contemporânea. 2. ed. São Paulo:
Loyola, 2001. p. 12-13).
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Genealogia da justiça Uma abordagem a partir do
conceito de obligatio do direito privado romano

18 António Castanheira Neves. Metodologia jurídica: problemas fundamentais. Coimbra: Coimbra


Ed., 1993. p. 90.

19 O tema sobre as teorias processuais da justiça não será aqui tratado, pois, além de não ser
escopo do trabalho é complexo e exigiria, no mínimo, por honestidade intelectual, um estudo
apartado. De qualquer modo, há interessantes apontamentos sobre estes estudos no pensamento de
Arthur Kaufmann, em especial na obra Filosofia do Direito, que possui um capítulo dedicado ao tema
e intitulado como Princípios duma teoria processual de justiça materialmente fundada. Cf. Arthur
Kaufmann. Filosofia do Direito cit., p. 425-435.

20 Hans Kelsen. O que é justiça? Trad. Luís Carlos Borges. São Paulo: Martins Fontes, 2001. p. 2.

21 Arthur Kaufmann. Filosofia do Direito cit., p. 228.

22 Chaim Perelman. Tratado da argumentação: a nova retórica. São Paulo: Martins Fontes, 1996.

23 Chaim Perelman. Ética e direito. 2. ed. Trad. Maria Ermantina de Almeida Prado Galvão. São
Paulo: Martins Fontes, 2005. p. 9.

24 Idem, p. 19.

25 Boaventura de Sousa Santos. Crítica da razão indolente: para um novo senso comum: a ciência,
o Direito e a política na transição paradigmática. 4. ed. São Paulo: Cortez, 2002.

26 Idem, p. 104.

27 Idem, ibidem.

28 Idem, p. 107.

29 Nicola Abbagnano. Dicionário de filosofia. 4. ed. Trad. Ivone Castilho Benedetti. São Paulo:
Martins Fontes, 2000. p. 822.

30 Idem, ibidem.

31 Paul Ricoeur. O justo 1: a justiça como regra moral e como instituição. São Paulo: WMF Martins
Fontes, 2008. p. 89.

32 Segundo Ricoeur, o objetivo de John Rawls em Theory of Justice, conforme o próprio autor
lembra em 1992, no prefácio à tradução francesa de seus escritos posteriores, era generalizar e
levar a um grau mais alto de abstração a doutrina tradicional do contrato social. Cf. idem, ibidem.

33 John Rawls. Uma teoria da justiça. 2. ed. Trad. Almiro Pisetta e Lenita Maria Rímole Esteves. São
Paulo: Martins Fontes, 2002. p. 12.

34 Idem, p. 24.

35 Idem, p. 64.

36 Nesse sentido há também uma boa crítica de Otfried Höffe na obra Justiça política. São Paulo:
Martins Fontes, 2006.

37 Arthur Kaufmann. Filosofia do Direito cit., p. 260.

38 Idem, p. 273.

39 Paul Ricoeur. O justo 1… cit., p. 85.

40 Nesse ponto, merece destaque a análise de Dworkin sobre a concepção de Robert Nozick:
“Existem conexões pelo menos superficiais entre a teoria da igualdade de recursos aqui sugerida e
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Genealogia da justiça Uma abordagem a partir do
conceito de obligatio do direito privado romano

as diversas formas da teoria lockeana da justiça na propriedade privada, especialmente na ilustre e


influente versão de Robert Nozick. É claro que as diferenças, mesmo as superficiais, são mais
marcantes. Não há lugar em uma teoria como a de Nozick para algo semelhante à ideia de uma
distribuição igualitária do poder econômico abstrato para todos os bens sob controle social. Mas
tanto a teoria de Nozick quanto a igualdade de recursos, conforme descrita aqui, atribuem uma
posição de importância à ideia de mercado, e recomendam a distribuição obtida por um mercado
adequadamente definido e restrito. Pode ser que as partes dos argumentos de Nozick que parecem
intuitivamente mais persuasivas se baseiem em exemplos nos quais a presente teoria alcançaria
resultados bem semelhantes”. A virtude soberana: a teoria e a prática da igualdade. São Paulo:
Martins Fontes, 2005. p. 145.

41 Amartya Sen. Desenvolvimento como liberdade. Trad. Laura Teixeira Motta. São Paulo: Cia. das
Letras, 2000. p. 83.

42 Idem, ibidem.

43 O ponto de vista do autor pode ser bem entendido na seguinte passagem de sua obra: “Em
particular, a questão é se a importância da liberdade formal para a sociedade é adequadamente
refletida pelo peso que a própria pessoa tenderia a atribuir a essa liberdade ao julgar sua própria
vantagem global. A afirmação da preeminência da liberdade formal (como liberdades políticas e
direitos civis básicos) contesta que seja adequado julgar a liberdade formal simplesmente como uma
vantagem – tal como unidade extra de renda – que a própria pessoa recebe por essa liberdade”.
Amartya Sen. Desenvolvimento como liberdade cit., p. 84.

44 Michael Walzer. Las esferas de la justicia: uma defensa del pluralismo y la igualdad. 2. ed.
Mexico: Fondo de Cultura Económica, 2001. n. I, p. 17.

45 Idem, p. 19 et seq.

46 Ronald Dworkin. Uma questão de princípio. São Paulo: Martins Fontes, 2005. Cap. 10, p. 319.

47 Idem, ibidem.

48 Michael Walzer. Las esferas de la justicia… cit., n. XIII, p. 322.

49 Idem, p. 322-323.

50 Idem, p. 325.

51 Idem, p. 328.

52 Idem, p. 329.

53 A crítica de Dworkin está assim concluída: “Ele diz, por exemplo, que um sistema de castas é
justo numa sociedade cujas tradições o aceitam, e que seria injusto em tal sociedade distribuir bens
e outros recursos igualmente. Mas suas observações sobre o que a justiça requer numa sociedade
cujos membros discordam sobre a justiça são obscuras. ‘Outras possibilidades de distribuição’
podem significar cuidado médico para os pobres em algumas cidades, mas não em outras? Como
uma sociedade que tem de decidir se permite ou não que comitês de ação política financiem
campanhas eleitorais pode realmente ser ‘fiel’ à discordância sobre o significado social das eleições
e da expressão política? O que significaria ser fiel?
Se a justiça é apenas uma questão de seguir as opiniões compartilhadas, como as partes podem
estar debatendo sobre a justiça quando não existe nenhuma opinião compartilhada? Nessa situação,
nenhuma solução é possivelmente justa, pela descrição relativista de Walzer, e a política só pode ser
uma luta egoísta. Mesmo dizer que as pessoas discordam sobre significados sociais, o que pode
significar? O fato da discordância mostra que não existe nenhum significado social compartilhado
sobre o qual discordar. Walzer não levou a termo o pensamento sobre as consequências de seu
relativismo para uma sociedade como a nossa, na qual questões de justiça são contestadas e
debatidas”. Ronald Dworkin. Uma questão de princípio cit., cap. 10, p. 324.
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Genealogia da justiça Uma abordagem a partir do
conceito de obligatio do direito privado romano

54 Sobre essas questões, ver Ronald Dworkin. A justiça de toga. São Paulo: Martins Fontes, 2010.
Cap. 6, p. 243 e 394, n. 29.

55 Idem, introdução, p. 19.

56 Idem, cap. 6, p. 224.

57 Neste ponto referimo-nos à dissertação de mestrado do coautor Henrique Garbellini Carnio pela
tratativa específica do tema, para tanto, cf. Henrique Garbellini Carnio. Kelsen e Nietzsche:
aproximações do pensamento sobre a gênese do processo de formação do direito. Dissertação de
Mestrado, São Paulo, PUC, 2008.

58 As linhas de uma filosofia do Direito em Nietzsche perceptivelmente se constroem em oposição


direta às doutrinas tradicionais do direito, principalmente em relação ao pensamento contratualista e
do direito natural, bem como do exacerbo das escolas racionalistas e das manifestações do
utilitarismo e do positivismo. Justamente nesse sentido se compreende a intensa crítica nietzscheana
sobre a moderna doutrina de igualdade de direitos. Se a própria noção de direito se estabelece na
pretensão de regularização e ação social fundada no reconhecimento de vários graus de poder que
vigem entre os homens, é preciso então que a desigualdade seja pensada como uma das próprias
condições para que hajam direitos, pois a suposição ideal de uma sociedade universal é no mínimo
irrazoável ao passo em que o mundo é formado por relações de dominação e poder. Cf. para tanto
Oswaldo Giacoia Junior. Nietzsche e a genealogia do Direito. In: Ricardo Marcelo Fonseca (org.).
Crítica da modernidade: diálogos com o direito. Florianópolis: Fundação Boiteux, 2005. p. 38-39.

59 Idem, p. 21.

60 De forma sintética, o conceito de obligatio romana é definido por Paul Jörs e Wolfgang Kunkel da
seguinte forma:
“Los romanos llamaban obligation al derecho de obligación, que responde a la idea de que el deudor
se halla ligado al acreedor, idea en que se deja sentir el influjo del criterio de la responsabilidad, que
ya en la época del derecho clásico había cedido bastante (supra, § 35, 2), tanto que los juristas de la
época emplean com la misma significación que obligatio el término debitum, que equivale a ‘débito’o
‘deuta, y qye designaba el deber de realizar la prestación, no la responsabilidad.

Históricamente, considerados estos términos se ha de señalar que el genuíno y más antiguo de los
dos, obligatio, debío circunscribirse, al principio, en su significado a lãs obligaciones del derecho civil;
más tarde, en el curso de la época clásica, se empleó para designar lãs obligaciones de derecho
honorário, adquiriendo entonces la misma, amplia, significación que hoy tiene”. Paul Jörs e Wolfgang
Kunkel. Derecho privado romano. Barcelona: Editorial Labor, 1937. § 100, p. 234.

61 Friedrich W. Nietzsche. Genealogia da moral… cit., Segunda Dissertação, § 8.

62 Idem, ibidem.

63 Sobre a relação de crédito no direito romano, conferir: Paul Jörs e Wolfgang Kunkel. Derecho
privado romano cit., § 100, p. 234 et seq.

64 Idem, ibidem.

65 Idem, § 19.

66 A base na qual Nietzsche busca guarida sobre a noção de sujeitos de direito e sobre as noções
de dívida jurídica e promessa para contrapô-las ao emprego de categorias metafísicas como
finalidade ou progresso, conforme a precisa pesquisa de Oswaldo Giacoia Junior, se estrutura,
respectivamente, nos resultados colhidos da pesquisa etnológica, de antropologia cultural e de
ciência jurídica de Alberto Ermanno Post no pensamento jurídico de Josef Kohler. É salutar o esforço
de Oswaldo Giacoia Junior na investigação dessa abordagem genealógica sobre o direito no
pensamento nietzscheano. No intuito de manter o esmero e respeito com seu pensamento cabe
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Genealogia da justiça Uma abordagem a partir do
conceito de obligatio do direito privado romano

fazer a anotação de que por mais que Nietzsche se recorra, não de maneira taxativa a esses autores
mencionados, “Ao fazê-lo, porém, Nietzsche não compartilha, de nenhuma maneira, os pressupostos
ontológicos ou as posições essencialistas presentes em suas fontes científica ocasionais. Desse
modo, se hoje se demonstra com segurança como os estudos de direito romano por Rudolf von
Jhering contribuíram para a genealogia nietzscheana da moral, evidencia-se também, por outro lado,
que nem por isso Nietzsche compartilha do finalismo jurídico de von Jhering, como compartilha da
jurisprudência etnológica de Friedrich Hermann Post”. Nesse sentido, cabe bem observar a questão
pela qual concordamos com a sua opinião, bem expressa no seguinte entendimento de Arthur
Kaufmann que demonstra como Jhering na obra Der Zweck im Recht, se afastou da sua
jurisprudência construtiva que defendera inicialmente, tendo em vista que o lema da obra é: o fim é
criador de todo direito, caracterizando explicitamente a projeção de seu pensamento, “Jhering
opôs-se, decidido, ao culto do lógico, pois a ciência jurídica não seria matemática. Determinante
seria a consideração dos fins e esta levantaria a questão do sujeito que os produz ( Zwecksubjekt),
porque os fins não produziriam por si sós, o direito. Jhering via como verdadeiro legislador a
sociedade, que ele entendia como ‘acção conjunta dirigida a fins comuns’, na qual cada um, na
medida em que age para outros, age, também, para si, e enquanto age para si, age também para
outros. No entanto, em estranha contradição com isto, Jhering ateve-se à concepção legal-positivista
do monopólio estatal do estabelecimento do direito: ‘o direito é a suma coactivas vigente num
Estado…; o Estado (é) a única fonte do direito’. Ainda assim, o direito é referido a um fim social, do
qual recebe seu conteúdo; todas as normas jurídicas têm ‘como fim o assegurar das condições de
vida da sociedade’. Jhering já não argumentava nem em termos lógicos, nem psicológicos, mas sim
em termos sociológicos-utilitaristas (aqui já se toca claramente , no problema da relação entre
racionalidade dos fins e racionalidade dos valores, problema esse que, mais tarde, preocupou
sobretudo, Max Weber). Mas de onde vem a valoração dos fins?”. Arthur Kaufmann. Filosofia do
Direito cit., p. 172. No mesmo sentido é interessante os apontamentos de Willis Santiago Guerra
Filho, especificamente no capítulo 2 de sua obra Teoria da ciência jurídica denominado A
contribuição de Jhering para a metodologia jurídica. Willis Santiago Guerra Filho e Henrique
Garbellini Carnio. Teoria da ciência jurídica. 2. ed. Saraiva: São Paulo, 2009. p. 61-78).

67 Alberto Ermanno Post. Giurisprudenza etnologica. Milano: Societ ditrice Libraria, 1906. vol. 1, p.
29-30.

68 Oswaldo Giacoia Junior. Nietzsche e a genealogia do Direito cit., p. 22.

69 Friedrich W. Nietzsche. Genealogia da moral… cit., Segunda Dissertação, § 11.

70 Miguel Angel Barrenechea. Nietzsche e a liberdade. Rio de Janeiro: 7 Letras, 2000. p. 13-15.

71 Barrechea no desenvolvimento de seu livro evidencia claramente a relação entre linguagem e o


caráter ficcional de interpretação causal. “Em resumo, a análise da linguagem mostrou o aspecto
meramente ficcional da interpretação causal, questionando que as relações de causa-efeito possam
explicar os eventos do mundo. Nietzsche afirma que não há causas ou efeitos, pois não há entes
operantes na natureza. A noção de causa e efeito, segundo vimos, se apoia na de agente ou autor,
baseada, por sua vez, na de substrato ou substância externa”. Miguel Angel Barrenechea. Nietzsche
e a liberdade cit., p. 68.

72 Idem, p. 41.

73 Ao entender que justo e injusto em si carece de qualquer sentido, Nietzsche lança sua crítica aos,
até então, efetivados estados de direito. “É preciso mesmo admitir algo ainda mais grave: que do
mais alto ponto de vista biológico, os estados de direito não podem ser senão estados de exceção,
enquanto restrições parciais da vontade de vida que vis o poder, a cujos fins gerais se subordinam
enquanto meios particulares: a saber, com meios para criar maiores unidades de poder”. Friedrich W.
Nietzsche. Genealogia da moral… cit., Segunda Dissertação § 11.

74 Francisco Puy. El derecho y el Estado en Nietzsche. Madri: Editora Nacional, 1966. p. 193.

75 Ao tratar sobre coação no pensamento de Nietzsche, cumpre referir à leitura da obra Crítica da
idéia de sanção de Jean-Marie Guyau. Ele foi um autor conhecido de Nietzsche, sendo certo que
este foi seu leitor. Na obra o autor traz a questão da “anomia”, fomentando a se repensar a questão
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Genealogia da justiça Uma abordagem a partir do
conceito de obligatio do direito privado romano

dos castigos e das penas criminais. Para Guyau não existe uma lei moral transcendente, universal,
válida para todos os tempos e para todas as sociedades. Não há nem um céu, nem um Deus para
nos julgar, tampouco não há as leis universais da razão como defende Kant. Cf. Jean-Marie Guyau.
Crítica da idéia de sanção. Trad. Regina Schöpke e Mauro Baldi. São Paulo: Martins Fontes, 2007. p.
24-44.

76 Acompanhando a opinião de Oswaldo Giacoia Junior, seria extremamente interessante e


importante uma abordagem da confluência do pensamento de Nietzsche e de Agamben,
principalmente com respeito a essência da soberania e das estruturas fundamentais do político. Para
Giorgio Agamben, o estado de exceção não é um direito especial (como o direito de guerra), mas,
enquanto suspensão da própria ordem jurídica define seu patamar ou seu conceito limite. “Na
verdade, o estado de exceção não é nem exterior nem interior ao ordenamento jurídico e o problema
de sua definição diz respeito a um patamar, ou a uma zona de indiferença, em que dentro e fora não
se excluem, mas se indeterminam. A suspensão da norma não significa sua abolição e a zona de
anomia por ela instaurada não é (ou, pelo menos, não pretende ser) destituída de relação com a
ordem jurídica”. Giorgio Agamben. Estado de exceção. Trad. Iraci D. Poleti. São Paulo: Boitempo,
2004. p. 39.

77 Oswaldo Giacoia Junior. Nietzsche e a genealogia do Direito… cit., p. 38-39.

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