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IV

2017
Semna – Estudos de Egiptologia IV
Antonio Brancaglion Junior
Gisela Chapot
organizadores

Seshat- Laboratório de Egiptologia do Museu Nacional e Editora Klínē


2017
Rio de Janeiro/Brasil
Este trabalho está licenciado com uma Licença Creative Commons - Atribuição-NãoComercial-
CompartilhaIgual 4.0 Internacional.

Capa: Antonio Brancaglion Jr.

Diagramação e revisão: Gisela Chapot

Catalogação na Publicação (CIP)


Ficha Catalográfica

B816s BRANCAGLION Jr., Antonio.


Semna – Estudos de Egiptologia IV/ Antonio Brancaglion Jr.,
Gisela Chapot (orgs.). – Rio de Janeiro: Editora Klínē, 2017.
307f.

Bibliografia.
ISBN 978-85-66714-08-1

1. Egito antigo 2. Arqueologia 3. História 4. Coleção


I. Título.

CDD 932
CDU 94(32)

Universidade Federal do Rio de Janeiro


Museu Nacional
Programa de Pós-graduação em Arqueologia
Seshat – Laboratório de Egiptologia

Quinta da Boa Vista, s/n, São Cristóvão


Rio de Janeiro, RJ – CEP 20940-040

Editora Klínē
Sumário
EQUIPE ORGANIZADORA DA IV SEMNA ................................................................................... 5
APRESENTAÇÃO ............................................................................................................................... 6
HERMES TRISMEGISTO E OS CAMINHOS DO PENSAMENTO ............................................. 8
D. PEDRO II E A EGIPTOLOGIA .................................................................................................. 23
UMA RELEITURA DAS RELAÇÕES ENTRE COMUNIDADE E PATRIMÔNIO NA
NECRÓPOLE DOS NOBRES EM TEBAS ..................................................................................... 36
PATRONES ESPACIALES EN LA RESOLUCIÓN DE PALIMPSESTOS EN EL OESTE
TEBANO, EGIPTO ........................................................................................................................... 50
ISIS, O TRONO DO EGITO: ANÁLISE DAS REPRESENTAÇÕES DA DEUSA E DO PODER
RÉGIO NO EGITO DO REINO NOVO........................................................................................... 60
UM ESTUDO DAS CENAS RITUAIS ENVOLVENDO A RAINHA NEFERTÍTI .................... 67
HISTÓRIA, IMAGEM E PODER SOCIAL: UMA ANÁLISE DAS IMAGENS DO EGITO
ANTIGO NOS LIVROS DIDÁTICOS BRASILEIROS ................................................................. 77
RELAÇÕES PERIGOSAS: ETIQUETA, EXTORSÃO E DEBATE INTER-RELIGIOSO EM
DOIS (DES)ENCONTROS ENTRE O PAPA JOÃO DE SAMANNÛD E O EMIR ‘ABD AL-
‘AZIZ (685-686 D.C.) ..................................................................................................................... 87
LA UNIÓN DEL bA Y EL CADÁVER EN LOS TEXTOS DE LOS SARCÓFAGOS. UN
ANTECEDENTE DE LA SEXTA HORA DEL LIBRO DEL AMDUAT .................................. 104
L’EXISTENCE OU PAS D’UNE « DEMOCRATISATION » OU « DEMOTISATION » DU
POST MORTEM : L’ÉTUDE DES CHAOUABTIS DU NOUVEL EMPIRE .......................... 125
“O CONCEITO MÁGICO 'HEKA' NAS COSMOGONIAS DO EGITO FARAÔNICO” ........ 141
FÓRMULAS MÁGICAS EGÍPCIAS E AMEAÇAS AOS DEUSES: POSSIBILIDADES DE
ANÁLISE E DISCUSSÃO .............................................................................................................. 148
O CULTO À DEUSA ÍSIS E O EMARANHAMENTO CULTURAL ENTRE O EGITO ANTIGO
E O IMPÉRIO ROMANO .............................................................................................................. 157
OS MESTRES DO DESERTO: ALGUMAS CONSIDERAÇÕES SOBRE A FILOSOFIA
EGÍPCIA .......................................................................................................................................... 170
GÊNERO SAPIENCIAL EM DIÁLOGO: UMA LEITURA BAKHTINIANA DE PROVÉRBIOS
22:17–24:22 E ENSINAMENTOS DE AMENEMOPE ........................................................... 185
GUIA DOS VIVOS NO ESPAÇO DOS MORTOS: O “LIVRO PARA SAIR À LUZ DO DIA” E
UMA PROPOSTA DE CARTOGRAFIA DO ALÉM EGÍPCIO ................................................ 199
ESTUDIO DE LAS REPRESENTACIONES DE NEFERHOTEP EN LAS PAREDES NORTE
Y SUR DE LA TT49 A TRAVÉS DE LA MORFOMETRÍA GEOMÉTRICA ......................... 215
A HETEROGIPCIA ENQUANTO O OUTRO EGÍPCIO NA FILOSOFIA .............................. 230
LA SOLARIZACIÓN DE LA REALEZA Y SU CORRELATO MATERIAL ............................ 241
A INFLUÊNCIA EGÍPCIA DOS PAPIROS GREGOS MÁGICOS: VOCES MAGICAE ......... 255
ALGUMAS CONSIDERAÇÕES ACERCA DO HINO CANIBAL.............................................. 261
IMAGINÁRIOS E REPRESENTAÇÕES DO EGITO FARAÔNICO NUMA HISTÓRIA EM
QUADRINHOS DO BATMAN ..................................................................................................... 270
AS CONVENÇÕES DO DISCURSO IMAGÉTICO NA SALVAÇÃO DO MORTO: A PESAGEM
DA ALMA NO CAIXÃO DE PESTJEF ........................................................................................ 289
OS AMULETOS FUNERÁRIOS DO EGITO ANTIGO NO ACERVO DO MAE-USP .......... 298
HISTÓRIA, IMAGEM E PODER SOCIAL: UMA ANÁLISE DAS IMAGENS
DO EGITO ANTIGO NOS LIVROS DIDÁTICOS BRASILEIROS

Fábio Frizzo
Universidade Estácio de Sá
Seshat/Museu Nacional
Niep-Marx-PreK

O atual artigo encaixa-se numa preocupação de pesquisa mais ampla acerca do que se
convencionou chamar de ensino de “passados distantes”. Movido pelas propostas e reformas do
ensino escolar brasileiro, diversos profissionais do campo das ciências sociais passou a questionar
os objetivos e formas utilizados para a construção do saber escolar em suas disciplinas
específicas. Neste contexto é que surge a preocupação acerca do ensino da história da cultural do
Egito Faraônico.
A análise dos mecanismos utilizados na construção do conhecimento escolar acerca do
Egito Antigo também está ligada à atuação universitária da disciplina historiográfica, significando
uma união indissociável entre ensino e pesquisa. Isto porque o principal papel social atribuído ao
conhecimento historiográfico no nível universitário é o da formação de profissionais em
licenciaturas, voltados para atuação nas salas de aula do ensino básico. Neste sentido, a pesquisa
no campo de ensino de História mostra-se como uma preocupação fundamental para aqueles
que, como eu, atuam em cursos universitários de licenciatura.
O objetivo deste artigo é mostrar os resultados preliminares do projeto de pesquisa
dedicado mais especificamente a analisar as imagens do passado distante faraônico nos livros
didáticos utilizados no ensino escolar.
A pesquisa sobre os materiais de suporte para a construção do conhecimento escolar tem
que passar necessariamente pela discussão não apenas dos livros que encarnam este material, mas
também pelos debates acerca do papel da disciplina escolar. Segundo este princípio, deve-se
identificar o contexto social no qual a disciplina escolar e a própria escola estão inseridas no
momento histórico atual. Afinal, o conhecimento histórico e historiográfico – bem como os
demais saberes escolares – estão inseridos, de forma mais geral, no amplo contexto das disputas
sociais (BITTENCOUR, 2011: 39).
No Brasil atual, a inserção da escola no contexto das disputas sociais está cada vez mais
clara, considerando as intervenções diretas que o aparelho de Estado vem executando na
estrutura do ensino. A partir de 2015, foram iniciadas as discussões acerca do currículo nacional

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para o ensino escolar, através da publicação da primeira versão preliminar da Base Nacional
Comum Curricular.
O percurso da Base Nacional Comum Curricular tem sido marcado pelo autoritarismo
do Ministério da Educação, maquiado por uma pretensa consulta popular. A primeira versão da
BNCC foi fortemente criticada. No caso específico dos egiptólogos e egiptólogas, a crítica foi
fundamentada no abandono do ensino da história e da cultura do Egito faraônico em prol de
uma perspectiva que negasse o eurocentrismo. Por mais contraditório que possa ser, este assunto
já foi debatido em outra ocasião (FRIZZO, 2016). A insatisfação social em relação à primeira
versão da BNCC levou à composição de uma comissão mais plural que, todavia, acabou
abandonando o projeto ao perceber a dureza do Ministério da Educação e Cultura em aprovar
uma Base Nacional Comum que agradasse a interesses específicos. Atualmente, foi apresentada a
terceira versão da BNCC, que deve ser a última. Apesar das suas falhas, pelo menos a terceira
versão retornou ao entendimento de que há alguma importância em lecionar a História Antiga e
a cultura faraônica.
Fica claro, portanto, que diferentes projetos escolares estão articulados em panoramas
mais amplos, atravessados por interesses de grandes grupos empresariais e articulados em volta
da estrutura do governo golpista de Michel Temer (MARSIGLIA et Alii, 2017). Na sua edição do
dia 17 de maio deste ano, o jornal O Valor noticiou, por exemplo, que a Fundação Lemann e a
Omidyar Network investiriam três milhões de dólares no apoio à implementação da nova
BNCC. Cabe a lembrança de que a Fundação Lemann tem como principal benemérito o homem
mais rico do Brasil, Jorge Paulo Lemann, enquanto a Omidyar Network foi criada pelo fundador
do eBay, uma das maiores empresas de comércio online do planeta.
Qualquer pesquisa sobre os diversos elementos relacionados aos saberes escolares
(currículos, práticas docentes, avaliações, materiais didáticos etc.) deve, portanto, ser
contextualizada numa sociedade específica e num momento histórico-social dado.
Consequentemente, nega-se a perspectiva que define o conhecimento escolar como uma simples
transposição simplificada dos conhecimentos acadêmico-científicos produzidos nas
universidades, algo que é conhecido a partir do conceito de “transposição didática”, defendido
por Yves Chevallard (2013).
A dinâmica específica das diferentes realidades escolares determina a construção dos
saberes que devem ser ali produzidos. Para auxiliar neste processo, há diferentes materiais de
apoio didático, o mais utilizado e difundido é o livro didático. Deixaremos para outra ocasião a
discussão específica sobre qual deveria ser o papel do livro didático na elaboração de uma relação

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adequada de construção do conhecimento escolar. Vamos, por outro lado, trabalhar com a
realidade atual, na qual o livro didático tem características muito particulares.
Em primeiro lugar, é importante identificar o livro didático como um instrumento de
controle social e poder. Como uns dos principais índices dos conhecimentos a serem elaborados,
tais livros dão conta de apresentar não apenas o que deve ser estudado, mas também o método
de ensino-aprendizagem e de avaliação.
A relação entre os livros didáticos e a construção do poder e do controle social se dá de
várias maneiras. Primeiro, é importante ressaltar o papel deste tipo de literatura como uma
mercadoria valiosa para o mercado editorial, ao ponto de centenas de títulos serem editados
anualmente com tiragens gigantescas. Dentro deste contexto, a ação do aparelho de Estado
brasileiro é fundamental.
Além da determinação dos currículos (nacionais, estaduais e municipais), o aparelho
estatal brasileiro tem papel ativo na dinâmica do mercado editorial dos materiais didáticos através
do Programa Nacional do Livro Didático (PNLD). Criado – com outro nome – na primeira
metade do século XX, o atual PNLD tem a função de distribuir livros didáticos para as escolas
públicas brasileiras, tendo atingido um número de mais de 103 milhões de exemplares em todo o
país em 2009.
A criação de um programa de distribuição de material didático teve desde o seu início o
objetivo de formação de uma consciência histórica nacional unificada. Sem abdicar desta função,
atualmente o PNLD é gerido pela Secretaria de Educação Básica, que analisa diversos títulos e
elege uma lista daqueles que foram selecionados para serem distribuídos nacionalmente. Desta
forma, o aparelho de Estado brasileiro não apenas controla o conteúdo, como também financia,
em grande parte, uma enorme indústria editorial privada, garantindo a compra de milhões de
exemplares.
Para Circe Bittencourt (2011: 300), estes materiais didáticos acabam sendo perpetuadores
não apenas da realidade social, mas também do método de “ensino tradicional”, excessivamente
conteudista e pouco crítico.
Ao serem adotados em todas as escolas nacionais e subsidiados pelo Estado, os livros
didáticos acabam se tornando, nas palavras de Thaís Rocha, a “forma mais poderosa de
publicação, por formar o ‘senso comum’ sobre o passado na Antiguidade” (ROCHA, 2012: 19).
Para utilizar um conceito popular no campo do Ensino de História, os livros didáticos são uma
das principais ferramentas na construção da “consciência histórica” (RÜSEN, 2001), pelo menos
em seu sentido crítico dentro do âmbito escolar.

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No caso do senso comum, provavelmente as diferentes formas da mídia (séries
televisivas, filmes, jogos digitais etc.) têm um papel maior na construção desta consciência
histórica sobre a Antiguidade do que os livros didáticos. Porém, muitas das questões importantes
acerca das sociedades antigas são apresentadas no contexto dos livros didáticos, tornando o
argumento de Thaís Rocha extremamente válido.
Considerando as questões supracitadas acerca do papel dos livros didáticos, resolvemos
trabalhar mais especificamente com as imagens presentes nos capítulos relacionados à sociedade
faraônica para compreender quais representações visuais do Egito Antigo são construídas no
ensino escolar.
A primeira coisa a se considerar no que se refere às imagens usadas em livros didáticos é
o deslocamento contextual da maior parte delas. Levando em conta que a maioria das
representações iconográficas presentes nos livros didáticos não é produzida exclusivamente com
aquele fim, devemos considerar o deslocamento de significado que está associado à mudança de
contexto.
Para exemplificar, podemos pensar em fotografias de pinturas de tumbas egípcias. A
produção de uma imagem implica em um sistema de valores específico ao seu contexto
produtivo. As famosas pinturas da capela funerária de Nebamun, expostas na sala 61 do Museu
Britânico, aparecem em diversos livros didáticos, como o História nos Dias de Hoje (CAMPOS;
CLARO; DOLHNIKOFF, 2015: 78). Neste caso, o contexto original das imagens era a própria
tumba. Sua exposição no Museu Britânico já modifica o contexto de interpretação da imagem,
algo que volta a ocorrer por duas vezes: a primeira na fotografia feita pelo próprio museu e a
segunda no seu uso no material didático.
Outro elemento importante na análise das imagens dos livros didáticos é o tipo de ligação
que há entre elas e os textos. A integração entre os diferentes tipos de linguagem (visual e
textual) deve ser compreendida como uma interação mútua, algo exemplificado por Mitchel
(1986: 44) com a relação entre Álgebra e Geometria.
Ao estudar o uso das imagens em materiais didáticos, Ana Mauad (2015: 83) apontou
duas grandes funções para estas: ilustração do conteúdo verbal e ampliação do conteúdo verbal.
Criticando o uso praticamente exclusivo desta primeira função, a autora afirma que ao ser usada
como ampliação do conteúdo verbal, a imagem pode ter o papel de educar, servindo como
suporte de relações sociais e simbolizando valores tidos como universais, e instruir, constituindo
um aspecto indiciário da imagem, que, assim, serve como pista para chegar a outro contexto a
partir da cultura material e imaterial.

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Neste sentido, o uso de imagens em contextos didáticos tem o papel fundamental de
proporcionar uma alfabetização visual para a consciência crítica. Este processo deve ser iniciado
com a identificação de aspectos técnicos, estéticos e ideológicos relativos à produção e
reprodução das imagens, reconhecendo circuitos e sujeitos envolvidos.
Mauad (2015: 86) afirma que há seis elementos necessários para a compreensão das
imagens em sua dupla inserção didática (nas funções de educar e instruir): 1. as imagens devem
servir, primeiramente, para compreensão histórica de um tema específico; 2. para alcançar os
objetivos didáticos, as iconografias devem ser historicamente identificadas, referenciando-se seus
contextos sociais de produção e reprodução; 3. para possibilitar os elementos anteriores, as
imagens devem sempre estar acompanhadas de informações sobre sua procedência; 4. para
garantir a profundidade da análise, as representações iconográficas devem ter legibilidade, ou
seja, qualidade de impressão ou reprodução; 5. para afirmar o processo de leitura da imagem no
sentido de construção de questionamentos históricos, tais imagens devem vir acompanhadas
sempre de indagações críticas; 6. por fim, as iconografias devem estar articuladas de forma
complementar com as informações verbais e não de maneira puramente acessória.
Partindo deste contexto teórico de avaliação dos livros didáticos e do uso das imagens
nestes materiais, como é o estado geral do ensino sobre Egito Antigo presente nas publicações
voltadas para sala de aula?
Primeiramente, a concepção acerca do Egito faraônico permanece excessivamente
tributária da visão do século XIX e, por consequência, demasiadamente influenciada pelo
trabalho de Heródoto, no século VI a.C. (Rocha, 2012: 20). Há nisto duas questões interessantes.
A primeira, referente à ligação com Heródoto, é que o ensino sobre a civilização egípcia hoje
ainda está muito ligado à sua grande representação “ocidental”. A citação de que o Egito é uma
dádiva do Nilo está presente em grande parte dos livros didáticos analisados.
O peso demasiado do testemunho de Heródoto está relacionado diretamente à
continuidade dos estereótipos orientalistas construídos especialmente no século XIX. Não
apenas a primeira grande obra do discurso orientalista foi Description de l'Égypte, como a cultura
faraônica despertou o fascínio dos europeus nos anos 1800. Moreno García (2009) classificou
tais visões do passado egípcio com o conceito de mito do “Egito Eterno”, com o apelo à beleza
e estabilidade daquela civilização antiga teria tido um papel importante num contexto político
conturbado da Europa de meados do século XIX.
Além da análise de Thaís Rocha (2012) sobre o ensino escolar do Egito Antigo, no qual a
autora ressalta o peso dos estereótipos orientalistas, outros dois autores a tratarem do tema
foram Funari e Funari (2010), que pintaram um quadro um tanto distorcido do peso que a

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cultura faraônica tem no ensino escolar brasileiro, a partir de constatações pouco representativas,
como a maior quantidade de páginas dedicadas ao Egito Antigo do que ao quilombo dos
Palmares ou às civilizações pré-colombianas nos materiais didáticos.
Para uma análise inicial, tomamos como amostra cinco livros didáticos de 6º Ano do
Ensino Fundamental, publicados a partir de 2011: a) História: das Origens do Homem à Era Digital
(2011); b) Projeto Teláris (2015); c) História para nosso tempo (2015); d) História nos dias de hoje (2015);
e) Historiar (2015).
No que se refere às imagens relativas ao Egito Antigo, constatou-se um total de 85
páginas dedicadas à temática, ilustradas com 140 imagens, o que gera uma média de 1.64 imagens
por página. Em análise em perspectiva temporal, Mauad (2015) afirma que a partir dos anos 1980
houve um aumento do número de iconografias relativas à História Antiga e Medieval, retratando
sítios arqueológicos, artefatos, monumentos etc. Segundo a autora, a média espacial nos capítulos
dedicados a tais temas seria de um terço do espaço ocupado por imagens.
Partindo de uma divisão categorial proposta por Bittencourt (2011) resolvemos
estabelecer dois grandes grupos de iconografias: aquelas criadas especialmente para os livros
didáticos e aquelas adaptadas para tais fins. Na contagem a partir da amostra selecionada,
constatou-se que apenas 28.5% das imagens haviam sido produzidas especificamente para o fim
didático, sento tal grupo constituído basicamente de ilustrações de cenas da vida cotidiana e, por
outro lado, alguns mapas. Os 71.5% restantes seriam compostos por imagens adaptadas para
fins didáticos, principalmente fotografias de sítios, monumentos e paisagens.
A segunda divisão proposta para a análise do objeto específico do nosso artigo foi entre
as imagens de época diretamente ligadas à cultura egípcia e aquelas de elementos referentes ao
Egito contemporâneo. O primeiro grupo constitui 68% das imagens é composto basicamente
pelas fotografias, ilustrações e mapas citados anteriormente. Os demais 32% são quase
totalmente fotografias atuais de paisagens e cenas cotidianas do Egito nos dias de hoje.
No sentido de aprofundar um pouco mais a análise, a terceira divisão proposta foi
estabelecida entre quatro elementos: fotografias, ilustrações, mapas e gráficos. A maioria
esmagadora das imagens é construída por fotografias (80%), seguidas pelos mapas desenhados
especificamente para os fins educacionais (10%), as ilustrações (9%) e os gráficos (1%).
Por fim, curiosamente, nem todas as imagens presentes nos capítulos referentes à história
faraônica são diretamente ligadas ao tema da cultura egípcia. Isto levou a uma última
categorização entre os 95% de imagens conectadas diretamente ao Egito e outras incríveis 5%
representando arqueólogos que trabalham outros assuntos, mapas de outras localidades ou
representações artísticas de civilizações distintas.

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Os apontamentos críticos iniciais, possíveis a partir da análise desta seleta amostra,
apontam para uma inexistência de referências completas das imagens utilizadas. Não há menções
às coleções ou museus nos quais as peças representadas se encontram, bem como referências
completas das imagens de paisagens. Também não existe preocupação com a datação nem das
fotografias, nem dos objetos de cultura material egípcia nelas representados (o que contribui,
obviamente, para uma concepção anistórica do Egito Antigo, bastante tributária do discurso
orientalista e este “Egito Eterno” da Europa dos anos 1800).
A ausência de contextualização das imagens ocorre em praticamente todas as
representações de tumbas ou templos, que são, quando há legendas, apresentadas como “tumba”
ou “templo” de maneira genérica. O mesmo se dá com as representações de personagens, sejam
eles os faraós ou os nobres das pinturas de capelas funerárias privadas.
Ademais, há uma desproporcionalidade constante no que se refere às representações de
gênero. Embora o Antigo Egito fosse uma sociedade patriarcal e haja muito mais indícios
imagéticos de figuras masculinas do que femininas, há iconografias suficientes para apresentar
questões interessantes no que diz respeito ao tópico da questão de gênero. Há, inclusive, debates
interessantes que poderiam ser feitos a partir de elementos como a androgenia das
representações amarnianas, por exemplo.
Outro ponto perceptível é a quase inexistência de qualquer ênfase na africanidade do
Egito a partir das imagens. Esta questão nos parece algo fundamental a ser ressaltado no Brasil,
considerando a necessidade de discutir as sociedades africanas já estabelecida na legislação
educacional desde 2003, com a lei 10.639. As poucas menções iconográficas à localização cultural
do Egito na África se dão por meio da presença de mapas, que raramente enfatizam a questão do
deslocamento historiográfico do Egito da África para o Oriente Próximo.
Há, em resumo, uma carência absoluta de contexto histórico para a análise das imagens,
impossibilitando qualquer compreensão histórica real relacionando a sociedade e suas distintas
representações iconográficas. Este quadro se agrava quando consideramos a ausência de fontes
primárias textuais referentes ao período faraônico. Consequentemente, a única documentação
primária para a construção do saber escolar acerca da história egípcia antiga são as imagens, que,
por falta de instrumental adequado, tornam-se inúteis neste sentido.
Conclui-se que as imagens presentes nos livros didáticos – pelo menos aquelas referentes
ao Egito antigo – tem pouco valor analítico e pedagógico para a construção de uma consciência
histórica crítica, servindo mais propriamente como uma espécie de “descanso visual” para as
informações historiográficas que se restringem ao texto escrito. Não existe, outrossim, qualquer

83
complementariedade entre imagem e palavras, levando a uma repetição de elementos que
constituem uma lógica meramente ilustrativa descontextualizada.
A despreocupação com o analfabetismo visual no ensino básico resulta no auxílio à
manutenção da realidade político-social a partir da falta de incentivo ao desenvolvimento de um
olhar crítico sobre a realidade. Compreender efetivamente os diferentes significados sociais de
uma imagem, assim como suas funções na manutenção do poder, pode ser um elemento para a
desconstrução de ideologias e para o estabelecimento de visões de mundo contra-hegemônicas.
A compreensão das relações de poder envolvidas na produção e reprodução social das
representações iconográficas pode e deve se tornar uma das linhas de força das análises históricas
no ensino escolar. Entender o contexto do Egito faraônico e o uso das imagens pode e deve
auxiliar numa discussão, por exemplo, sobre os órgãos estatais de imprensa e propaganda em
regimes fascistas.
Ademais, o estímulo à diversidade também pode ser executado com a construção da
percepção de que diferentes sociedades desenvolveram distintas relações de significado com suas
produções iconográficas. A leitura correta de uma imagem é algo que muda socialmente. Neste
sentido, trabalhar com as imagens do Egito pode ser extremamente frutífero. Primeiro porque há
uma presença tradicional das iconografias egípcias na consciência histórica de senso comum e,
segundo, porque aquela sociedade elaborou uma forma bastante mais integrada de ligação
imagem-texto, especialmente considerando o fato de que o próprio texto hieroglífico tinha uma
forma iconográfica mais evidente.
Concordamos com Thaís Rocha (2012) acerca da necessidade de abrir mão de uma
história das elites e criticar a perspectiva orientalista do século XIX sobre o Egito faraônico. As
imagens também podem servir como caminho para esta discussão, trabalhando-se a dicotomia
entre uma arte oficial, centralizada e extremamente rígida em relação aos cânones, e outra de
caráter popular, presente, por exemplo, nas ostraca de Deir el-Medina.
As representações iconográficas sobre Egito presentes nos livros didáticos também
podem desempenhar um papel importante nas discussões acerca da cultura material, do
patrimônio e da paisagem, auxiliando numa educação patrimonial a partir das diferentes maneiras
de trabalhar e preservar a cultura material e sua integração com as paisagens que as cercam.
Por fim, o combate cotidiano ao racismo institucionalizado na sociedade brasileira
também pode ser discutido a partir de uma melhor seleção das imagens relativas à cultura
faraônica. Ao debater claramente a africanidade dos egípcios, é possível construir com os
estudantes uma versão mais diversificada da produção social e artística do continente africano,
questionando estereótipos acerca do subdesenvolvimento das civilizações daquele continente.

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Um ponto de inflexão interessante no sentido de combate ao racismo histórico brasileiro
e partindo das imagens egípcias antigas é a construção de uma ideia de escravidão que não passe
por características físicas primordialmente (como ocorre na consciência histórica brasileira acerca
do trabalho cativo). Um elemento ilustrativo pode ser a maneira como os escravizados
estrangeiros, ao se integrarem à sociedade egípcia, perdiam os marcadores iconográficos
específicos dos estrangeiros (MORRIS, 2014).
As possibilidades de trabalho com as iconografias egípcias na construção da consciência
histórica no ensino básico são infinitas. Todavia, os primeiros passos neste sentido devem ser
construídos pela crítica da maneira displicente pela qual as imagens são trabalhadas nos materiais
didáticos atuais. É neste sentido que creio que este curto artigo pode contribuir para a
construção de um ensino de História mais relevante para a vida dos estudantes e da própria
sociedade.

Bibliografia

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Editora Cortez.

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MARSIGLIA, A. et Alii (2017), A Base Nacional Comum Curricular: um novo episódio de
esvaziamento da escola no Brasil, Germinal: Marxismo e Educação em Debate, v. 9, n. 1, p.
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histórica, Brasília, Editora da Universidade de Brasília.

86

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