Вы находитесь на странице: 1из 100

VICE-REITORIA DE ENSINO DE GRADUAÇÃO E CORPO DISCENTE

COORDENAÇÃO DE EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA

ALFABETIZAÇÃO E
LETRAMENTO

Rio de Janeiro / 2008

TODOS OS DIREITOS RESERVADOS À

UNIVERSIDADE CASTELO BRANCO


UNIVERSIDADE CASTELO BRANCO

Todos os direitos reservados à Universidade Castelo Branco - UCB

Nenhuma parte deste material poderá ser reproduzida, armazenada ou transmitida de qualquer forma ou por
quaisquer meios - eletrônico, mecânico, fotocópia ou gravação, sem autorização da Universidade Castelo
Branco - UCB.

Un3a Universidade Castelo Branco

Alfabetização e Letramento / Universidade Castelo Branco. – Rio de Janeiro:


UCB, 2008. - 100 p.: il.

ISBN 978-85-86912-79-5

1. Ensino a Distância. 2. Título.

CDD – 371.39

Universidade Castelo Branco - UCB


Avenida Santa Cruz, 1.631
Rio de Janeiro - RJ
21710-250
Tel. (21) 2406-7700 Fax (21) 2401-9696
www.castelobranco.br
Responsáveis Pela Produção do Material Instrucional

Coordenadora de Educação a Distância


Prof.ª Ziléa Baptista Nespoli

Coordenadora do Curso de Graduação


Ana Noguerol - Pedagogia

Conteudista
Morgana Silva Rezende

Supervisor do Centro Editorial – CEDI


Joselmo Botelho
Apresentação

Prezado(a) Aluno(a):

É com grande satisfação que o(a) recebemos como integrante do corpo discente de nossos cursos de graduação,
na certeza de estarmos contribuindo para sua formação acadêmica e, conseqüentemente, propiciando oportunidade
para melhoria de seu desempenho profissional. Nossos funcionários e nosso corpo docente esperam retribuir a
sua escolha, reafirmando o compromisso desta Instituição com a qualidade, por meio de uma estrutura aberta e
criativa, centrada nos princípios de melhoria contínua.

Esperamos que este instrucional seja-lhe de grande ajuda e contribua para ampliar o horizonte do seu conhecimento
teórico e para o aperfeiçoamento da sua prática pedagógica.

Seja bem-vindo(a)!
Paulo Alcantara Gomes
Reitor
Orientações para o Auto-Estudo

O presente instrucional está dividido em três unidades programáticas, cada uma com objetivos definidos e
conteúdos selecionados criteriosamente pelos Professores Conteudistas para que os referidos objetivos sejam
atingidos com êxito.

Os conteúdos programáticos das unidades são apresentados sob a forma de leituras, tarefas e atividades com-
plementares.

As Unidades 1 e 2 correspondem aos conteúdos que serão avaliados em A1.

Na A2 poderão ser objeto de avaliação os conteúdos das três unidades.

Havendo a necessidade de uma avaliação extra (A3 ou A4), esta obrigatoriamente será composta por todo o
conteúdo de todas as Unidades Programáticas.

A carga horária do material instrucional para o auto-estudo que você está recebendo agora, juntamente com
os horários destinados aos encontros com o Professor Orientador da disciplina, equivale a 60 horas-aula, que
você administrará de acordo com a sua disponibilidade, respeitando-se, naturalmente, as datas dos encontros
presenciais programados pelo Professor Orientador e as datas das avaliações do seu curso.

Bons Estudos!
Dicas para o Auto-Estudo

1 - Você terá total autonomia para escolher a melhor hora para estudar. Porém, seja
disciplinado. Procure reservar sempre os mesmos horários para o estudo.

2 - Organize seu ambiente de estudo. Reserve todo o material necessário. Evite


interrupções.

3 - Não deixe para estudar na última hora.

4 - Não acumule dúvidas. Anote-as e entre em contato com seu monitor.

5 - Não pule etapas.

6 - Faça todas as tarefas propostas.

7 - Não falte aos encontros presenciais. Eles são importantes para o melhor aproveitamento
da disciplina.

8 - Não relegue a um segundo plano as atividades complementares e a auto-avaliação.

9 - Não hesite em começar de novo.


SUMÁRIO

Quadro-síntese do conteúdo programático ................................................................................................. 11


Contextualização da disciplina ................................................................................................................... 12

UNIDADE I
CAMINHANDO PELA HISTÓRIA DA ESCRITA E DO CONHECIMENTO

1.1 – A história da escrita ............................................................................................................................ 13


1.2 – A história da alfabetização ................................................................................................................. 17
1.3 – As diferentes concepções de aprendizagem ....................................................................................... 18

UNIDADE II
ALFABETIZAÇÃO X LETRAMENTO?

2.1 – O conceito de alfabetização ao longo da história .................................................................................. 24


2.2 – Os métodos de alfabetização .............................................................................................................. 29
2.3 – As contribuições de Emília Ferreiro: a psicogênese da língua escrita ............................................... 34

UNIDADE III
ALFABETIZAR LETRANDO: A CONSTRUÇÃO DE UMA PRÁTICA

3.1 – Saberes necessários para ler e escrever .............................................................................................. 46


3.2 – Os diferentes tipos de texto ................................................................................................................ 57
3.3 – O ambiente alfabetizador ................................................................................................................... 64
3.4 – A alfabetização com textos................................................................................................................. 68
3.5 – Os “erros” mais comuns e possíveis estratégias de intervenção ........................................................ 77

Glossário ..................................................................................................................................................... 93
Gabarito....................................................................................................................................................... 95
Referências bibliográficas ........................................................................................................................... 97
Quadro-síntese do conteúdo 11
programático

UNIDADES DO PROGRAMA OBJETIVOS

I - CAMINHANDO PELA HISTÓRIA DA ESCRITA • Conhecer a história da escrita, para compreender


E DO CONHECIMENTO melhor a relação com a evolução conceitual da crian-
1.1 - A história da escrita ça, na construção da base alfabética;
1.2 - A história da alfabetização • Conhecer a história da alfabetização, compre-
1.3 - As diferentes concepções de aprendizagem endendo o momento atual como resultado dessa
trajetória;
• Conhecer as diferentes concepções de aprendiza-
gem e suas implicações no conceito de alfabetização
e na prática pedagógica.
II - ALFABETIZAÇÃO X LETRAMENTO • Compreender que o conceito de alfabetização
2.1 - O conceito de alfabetização ao longo da vem sofrendo modificações em função dos avanços
história científicos que são incorporados à sociedade;
2.2 - Os métodos de alfabetização • Entender o conceito de letramento como um
2.3 - As contribuições de Emília Ferreiro: a “estado” que se adquire em função da apropriação
psicogênese da língua escrita da escrita;
• Perceber que alfabetização e letramento são
conceitos complementares na atual perspectiva de
aquisição da língua escrita;
• Conhecer a classificação dos métodos de alfabeti-
zação, relacionando-os com as diferentes concepções
de aprendizagem;
• Conhecer os principais aspectos da teoria da psico-
gênese da língua escrita e sua influência no processo
de alfabetização.

III - ALFABETIZAR LETRANDO: A CONSTRU- • Conhecer a relação do sistema fonológico com o


ÇÃO DE UMA PRÁTICA sistema gráfico da língua, possibilitando a compre-
3.1 - Os conhecimentos lingüísticos necessários à ensão das soluções que as crianças apresentam para
aquisição da leitura e da escrita as convenções ortográficas;
3.2 - Tipologia textual • Compreender o fenômeno da variedade lingüística
3.3 - O ambiente alfabetizador para desfazer o mito da unidade lingüística;
3.4 - O texto na alfabetização • Reconhecer os diferentes tipos de textos que
3.5 - O erro como etapa de aprendizagem e as circulam na sociedade e que fazem parte do trabalho
estratégias de intervenção pedagógico na perspectiva do letramento;
• Identificar a sala de aula como um dos ambientes
que pode facilitar o processo de aquisição da língua
escrita;
• Compreender os aspectos que identificam uma
prática pedagógica que tem o texto como objeto de
estudo;
• Reconhecer o “erro” como uma etapa do processo
de construção do conhecimento.
12 Contextualização da Disciplina

Em uma sociedade grafocêntrica como a nossa, saber ler e escrever é habilidade essencial para exercer nossos
direitos e usufruir os conhecimentos produzidos pelo homem que circulam no espaço cultural.

Um dos grandes desafios da escola tem sido garantir a todos que passam por ela o acesso aos conhecimentos
produzidos pela sociedade, especificamente a aquisição da leitura e da escrita. O fato de termos conseguido
praticamente universalizar o acesso das crianças ao Ensino Fundamental não tem garantido que TODOS se
apropriem deste bem cultural: a língua escrita.

Ensinar a ler e a escrever de modo que os sujeitos realmente se apropriem da língua escrita, ou seja, a utilizem
no contexto social, é a função do educador da escola atual.

A aquisição da leitura e da escrita implica a construção de sentidos, que se dá, necessariamente, no processo de
interlocução, isto é, nas interações que um sujeito estabelece com o outro em um determinado contexto social,
histórico e cultural.

Um curso de formação de professores não pode deixar de refletir sobre as questões que impedem a alfabetização
e muito menos deixar de buscar práticas que garantam o sucesso da alfabetização. Para isso, é essencial que o
futuro professor se aproprie das diferentes teorias que nos ajudam a compreender o processo de aquisição da
língua escrita, percebendo os aspectos lingüísticos, sociais e culturais que a compõem.

É necessário também que todos incorporem a dimensão política do fazer pedagógico, pois “a alfabetização não
é um luxo nem uma obrigação; é um direito. Um direito de meninos e meninas que serão homens e mulheres
livres (pelo menos é isso que desejamos), cidadãos e cidadãs de um mundo onde as diferenças lingüísticas e
culturais sejam consideradas uma riqueza e não um defeito”1.

Certamente, não temos a pretensão de esgotar aqui todos os aspectos e as discussões que existem hoje sobre o
processo de aquisição da língua, pois isto seria impossível visto à complexidade do tema e à necessidade que a
prática pedagógica impõe de estarmos sempre fazendo novas reflexões, buscando compreender o percurso de
cada aluno. O que pretendemos aqui é despertar em você, futuro pedagogo, a crença de que todos os sujeitos
podem aprender e o desejo de investigar, de procurar o melhor caminho para cumprir o seu papel: propiciar a
todos o acesso à leitura e à escrita.

1
FERREIRO, E. Passado e Presente dos Verbos Ler e Escrever. São Paulo: Cortez, 2002, p. 38.
UNIDADE I 13

CAMINHANDO PELA HISTÓRIA DA ESCRITA E DO


CONHECIMENTO

1.1– A História da Escrita


Vinte mil anos antes da nossa era, em Lascaux, ho- designar boi. Já a fig. 2, que representa a mulher, é o de-
mens traçam seus primeiros desenhos. Será preciso senho de um triângulo pubiano com a fenda da vulva.
esperar 17 milênios para que se inicie uma das mais
fabulosas facetas da história da humanidade – a Os vários pictogramas empregados poderiam
escrita. Acredita-se naturalmente que aqueles que expressar uma idéia, surgindo, assim, o termo
inventaram os primeiros signos escritos queriam de escrita ideográfica, com sinais para palavras
perpetuar rastros de suas lendas. individuais ou conceitos. A fig. 3 representa
George Jean mulher estrangeira, pois ao lado do triângulo
pubiano (mulher) foi acrescentado o símbolo de
O surgimento da escrita marca a história da humani- montanha (vindas de outro lado da montanha,
dade. Podemos acreditar que, desde os primeiros tem- estrangeira).
pos, o homem procurou registrar suas impressões sobre
o mundo e comunicá-la a outros homens, utilizando Por volta de 2.900 a.C. os pictogramas primitivos
para isso pedra, materiais inorgânicos e orgânicos à desapareceram, deixando de representar o objeto
base de tintas vegetais e minerais. por ele designado para retirar o seu significado
do contexto. Surge, então, a escrita cuneiforme,
Na Pré-história, o homem já se comunicava através que possui esse nome por ser traçada em barro,
de desenhos feitos nas paredes das cavernas. Com formando uma suposta cunha. Essa escrita tam-
esse tipo de representação (pintura rupestre), trocava bém utilizava pictogramas, porém não era uma
mensagens, passava idéias e transmitiam desejos e criação livre do “escritor”. Foram encontrados
necessidades. Porém, ainda não era um tipo de escrita, verdadeiros “catálogos”, dicionários primitivos
pois não havia organização, nem mesmo padronização que apresentavam diferentes significados para o
das representações gráficas. mesmo símbolo. Um desenho de pé podia dizer
“andar”, “pôr-se de pé”, “transportar” etc. Os pic-
Temos conhecimento de que a escrita foi inventada togramas podiam representar tanto idéias quanto
por volta de 3.300 antes de Cristo, pelos sumérios, objetos. Veja os exemplos abaixo:
na Mesopotâmia (atual Iraque). Acredita-se que uma
das razões para a sua invenção foi a necessidade de Os pictogramas representam
registrar as atividades comerciais (compra e venda). tanto idéias quanto objetos.
A primeira forma de escrita foi a pictográfica, onde
cada “desenho” representava um objeto ou um ser Um pássaro e um ovo, lado
específico. a lado, significam “fecundi-
dade”.

Vários traços descendo do


céu, “a noite”.

Dois traços cruzados sim-


bolizam “inimizade”.

Dois traços paralelos, a


“amizade”.
Fonte: JEAN, G. A Escrita - memória dos homens.
Rio de Janeiro: Objetiva, 2002.

Fonte: JEAN, G. A Escrita - memória dos


Na fig.1 encontramos desenhos simplificados represen-
homens. Rio de Janeiro: Objetiva, 2002.
tando, de forma estilizada, uma cabeça de boi, a fim de
Enquanto os símbolos cuneiformes riscam toda Mesopotâmia,
Alguns pictogramas, datados das
14 outros sistemas de escrita nascem e se desenvolvem no vizinho
origens da escrita chinesa, chega-
Egito e, também, na longínqua China. De uma ponta a outra do
mundo, os homens dedicam-se a transcrever sua história sobre ram até nós. Há entre as formas
a pedra, o barro e o papiro, vendo nisso um presente divino antigas, à esquerda, e as formas
(JEAN, 2002: 25). modernas, à direita, 30 séculos...

Os caracteres da escrita egípcia são chamados de Do alto para baixo: o sol, a mon-
hieróglifos, palavra que significa “escrita dos deuses” tanha, a árvore, o meio, o campo,
(do grego hieros, “sagrado”, e gluphein, “gravar”). Eles a fronteira, a porta.
também eram pictogramas, porém os desenhos eram
muito rebuscados e estilizados constituindo uma ver-
dadeira obra de arte. “Logo que a ‘escrita dos deuses’
começa a ser decifrada, ao prazer da compreensão
une-se o prazer da contemplação.”2
Fonte: JEAN, G. A Escrita - memória dos
No Egito, como na Mesopotâmia, saber ler e escrever homens. Rio de Janeiro: Objetiva, 2002.
era, ao mesmo tempo, privilégio e poder. Será que
no mundo de hoje, principalmente no Brasil, isso é Apesar de a escrita ideográfica ser datada dos primór-
diferente? dios da história, até hoje a utilizamos em diferentes
culturas. Por exemplo: nas placas de trânsito, nas
indicações de porta etc.

Fonte: JEAN, G. A Escrita - memória dos homens. Rio de Janeiro:


Objetiva, 2002.

Este conjunto de signos hieroglíficos é lido,


excepcionalmente, da esquerda para a direita. O
primeiro signo, à esquerda, lê-se “hb”. O segundo
é determinativo: a perna demonstra tratar-se de uma
palavra relativa a algo que passa com o pé. O terceiro
é um pictograma figurativo: um homem que dança, Os símbolos foram sendo usados e aprimorados até
significando o todo “dançar”. que surgiu o fonetismo. Os sumérios e os egípcios
passaram a usar os pictogramas não designando mais o
No ano de 2000 a.C., a China inventa a escrita que objeto representado e sim um outro cujo nome lhe era
perdura até hoje. É uma escrita marcada por pictogra- foneticamente semelhante. É a aproximação da escrita
mas. A escrita chinesa é um caso único: “codificada com a fala. Nesta perspectiva, o desenho de um gato
em 1500 antes da nossa era e constituída em sistema (chat) e um desenho de um pote (pot) passa a significar
coerente entre 200 a.C. e 200 d.C., é perceptivelmente
“chapeau” (chapéu). Esta “tecnologia da escrita” teve
a mesma que os chineses lêem e escrevem hoje”3. Veja
os exemplos abaixo: a sua origem em uma brincadeira infantil denominada
rebus (do latim: res “coisa”, rebus “pelas coisas”). Era
Na escrita chinesa, as “chaves”, um jogo muito parecido com o que conhecemos hoje
em números de 214, colocadas como carta enigmática.
ao lado de um outro caractere
especificam-lhes o sentido.

O elemento “poder” (c), prece-


dido da chave “água”(a), significa
“rio”(d). Porém, o mesmo ele-
mento associado à chave “pala-
vra” (b) dá “criticar”(e).

Fonte: JEAN, G. A Escrita – memória dos


Fonte: CAGLIARI, L. C. Diante das Letras. Campinas: Mercado
homens. Rio de Janeiro: Objetiva, 2002. das Letras, 1999.
2
JEAN, G. A Escrita - memória dos homens. Rio de Janeiro: Objetiva, 2002, p. 28.
3
IDEM: 45.
As guerras, motivadas pelo domínio territorial, Alfabetos Fenício e Hebraico
fizeram com que algumas línguas fossem abafadas, 15
enquanto outras difundidas.

Com o passar do tempo, todas as civilizações senti-


ram necessidade de registrar suas ações do cotidiano,
como as conquistas, festas, rituais etc. Para um gran-
de número de povos, a escrita, cada vez mais, foi se
tornando uma necessidade. Então, passaram a criar
símbolos para poder representar as coisas e, cada vez
mais, esses símbolos foram sofrendo modificações e
ganhando sons, tornando assim um alfabeto.

A verdadeira revolução da escrita ocorreu em 1000


a.C., com a invenção do alfabeto, que tem origem com
os fenícios, que emigraram para a margem oeste do
Mediterrâneo, para o norte da África, o sul da Espanha,
a Sicília, a Sardenha, Chipre, Grécia e Itália.

A escrita cuneiforme, os hieróglifos ou os caracteres chineses têm


em comum transcrever palavras e sílabas. Saber ler e escrever,
nesses sistemas, consiste em conhecer um grande número de
signos ou de caracteres.

Completamente diferente é o funcionamento do alfabeto, per-


mitindo, a princípio, com cerca de 30 signos, tudo escrever.
Todavia, não é tão simples assim, pois as 23 letras de nosso
alfabeto não reproduzem todos os sons... Daí o os problemas cru-
ciais encontrados pelos escolares no aprendizado da ortografia!
Mesmo assim, 23 letras são muito menos do que mil caracteres
do chinês popular, as algumas centenas de hieróglifos do povo
egípcio e muitíssimo menos do que os 600 signos cuneiformes
do aluno-escriba da Mesopotâmia. Por essa razão, muitos pensam
que o aparecimento do alfabeto marca verdadeiramente o início
da democratização do saber (JEAN, op. cit.: 52).

Primeiro surgiram os silabários, conjunto de sinais


específicos para representar as sílabas, isto é, os si-
nais representavam sílabas inteiras em vez de letras
individuais.

Os fenícios inventaram um sistema reduzido de


caracteres que representavam o som consonantal: é
a chamada escrita fonética. Escolheram um conjunto
de palavras cujo o primeiro som fosse diferente dos
demais e para representá-lo graficamente escolheram
Fonte: MAN, J. A. História do Alfabeto – como 26 letras transfor-
hierógrafos egípcios cujo aspecto figurativo lembrava maram o mundo ocidental. Rio de Janeiro: Ediouro, 2002.
o significado das palavras da lista (21 sons). Não havia
vogais. Por exemplo: a primeira palavra da lista era a Em seguida, os gregos adaptaram o sistema de escrita
palavra “alef”, que significava “boi”, e o hieróglifo fenícia agregando as vogais e criando assim a escrita
escolhido foi o que representava a cabeça do boi. Sendo alfabética (alfabeto, palavra derivada de alfa e beta,
assim, a figura da cabeça do boi passou a representar o as duas primeiras letras do alfabeto grego). Os gregos
som inicial da palavra “alef”. Essa relação foi realizada mantiveram o princípio acrofônico, ou seja, o som ini-
com as 21 palavras. Veja ao lado o alfabeto. cial do nome da letra é o som que a letra representa.
Alfabeto Grego
16
16

Fonte: MAN, J. A História do Alfabeto – como 26 letras transformaram o mundo ocidental. Rio de Janeiro: Ediouro, 2002.

A escrita grega foi adaptada pelos romanos, consti- Com certeza, a invenção do alfabeto possibilitou
tuindo-se o sistema alfabético greco-romano, que deu ao homem ampliar a sua capacidade de expressão e
origem ao nosso alfabeto. Os romanos dispensaram de perpetuar a história da humanidade. Mas isso não
os “nomes especiais” das letras. Para eles bastava ter quer dizer que tenha tornado simples a aquisição da
como nome da letra apenas o próprio som dela. “Foi língua escrita.
assim que alfa, beta, gama, delta, épsilon etc. transfor-
maram-se em a, bê, ce, dê, e etc.” (CAGLIARI, 1998: (...) o alfabeto parece a própria essência da simplicidade, ‘tão
17). Esse sistema representa o menor inventário de sím- fácil quanto o ABC’. Mas o sentido de simplicidade é traiçoeiro,
bolos que permite a maior possibilidade combinatória pois o alfabeto é a aparência externa de profundezas lingüísticas
de caracteres, isto é, com o alfabeto podemos escrever ocultas. Os seus poucos símbolos não são nada se comparados à
qualquer pal avra de uma língua. É a possibilidade de complexidade de sons que representam, enquanto aqueles sons
registrar o pensamento. O homem agora pode escrever apenas sugerem a complexidade da própria língua (...). As nossas
qualquer idéia ou sentimento. 26 letras formam uma grade que nos dá a nítida impressão de
controle e compreensão. Olhe com mais cuidado e verá que está
As escritas árabe e penetrando em um pântano que talvez tenha feito com que nosso
latina são a origem de escriba asiático desistisse na hora (...) (MAN, 2002: 85).
numerosos alfabetos.
Ao lado temos uma
inscrição romana do
século III, que é lida da
esquerda para direita.
Fonte: JEAN, G. A Escrita - memória dos homens. Rio de Janeiro:
Objetiva, 2002.
Leitura Complementar
17
Para conhecer um pouco mais sobre o período Pré-histórico, assista ao filme A Guerra do Fogo, de 1981,
dirigido por Jean-Jacques Annaud.

Assista também ao vídeo A História da Escrita, produzido pela Fundação para o Desenvolvimento da Educação
(FDE). Nele você verá a evolução da escrita: das pinturas rupestres ao alfabeto.

Acesse o site:www.webeduc.mec.gov.br/midiaeducação/modulo4 e assista ao vídeo: A evolução da Escrita:


do pictograma ao texto digital.

Leia o livro: MAN, John. A História do Alfabeto. Trad. Edith Zonenschain. Rio de Janeiro: Ediouro, 2002.
Nele você encontrará um belo resgate da história do alfabeto mostrando como 26 letras transformaram o mundo
ocidental.

1.2 - A História da Alfabetização

Quem inventou a escrita inventou ao mesmo tempo lidar com os negócios, comércio, ler obras religiosas
as regras de alfabetização, ou seja, as regras que ou obter informações sobre a cultura da época.
permitem ao leitor decifrar o que está escrito, en-
tender como o sistema de escrita funciona e saber A alfabetização, nesses casos, dava-se com a transmissão de
como usá-lo apropriadamente. A alfabetização é, conhecimentos relativos à escrita de quem possuía para quem
pois, tão antiga quanto os sistemas de escrita. queria aprender. Aprender a decifrar a escrita, ou seja, a ler
Cagliari relacionando os caracteres às palavras da linguagem oral, devia
ser o procedimento comum. Aqui não era preciso fazer cópias
Qualquer sistema de escrita só é capaz de atravessar nem escrever: bastava saber ler (IDEM: 15).
o tempo se as novas gerações se apropriarem dele.
Para que isso aconteça, é essencial que aqueles que Para se alfabetizar em um sistema de escrita que têm
dominam o seu funcionamento ensinem aos outros como base o princípio acrofônico, bastava decorar a lista
como decifrá-lo. dos nomes das letras, observar a ocorrência de consoantes
nas palavras e transcrever esses sons. Por exemplo, “para
Podemos acreditar que na época primitiva da escrever David, bastava identificar as consoantes DVD,
escrita, ser alfabetizado implicava apenas saber procurar na lista de letras, aquelas que começavam com
“ler” o que os símbolos significavam e ser capaz de sons de D e V e escrevê-las” (IBIDEM: 17). Procure
“escrevê-los”, já que, provavelmente, se escrevia escrever a palavra David utilizando o alfabeto fenício
apenas um tipo de documento ou texto (anotações apresentado anteriormente.
de compra e venda). Com o desenvolvimento do
sistema escrito, houve um aumento significativo da Quando os gregos passaram a utilizar o alfabeto, aprender
quantidade de informações necessárias para saber a ler e escrever tornou-se um uma tarefa de grande alcance
ler e escrever, usando cada vez mais símbolos para popular. Surgem as “escolas de alfabeto”. A ortografia
representarem o som da fala. passa a fixar a forma de escrita das palavras, para evitar
que falantes de dialetos diferentes escrevessem as mesmas
Acredita-se que: palavras de maneiras diferentes, seguindo apenas a trans-
crição da própria fala e o valor sonoro do alfabeto.
o longo processo de invenção da escrita também incluiu a inven-
ção de regras de alfabetização, ou seja, as regras que permitem ao Os semitas, os gregos e os romanos nos deixaram alguns ‘alfabe-
leitor decifrar o que está escrito e saber como o sistema de escrita tos’: tabuinhas ou pequenas pedras ou chapas de metal onde se
funciona para usá-lo apropriadamente (CAGLIARI, 1998: 15). encontravam todas as letras, na ordem tradicional dos alfabetos.
Na verdade, serviam de guia para as pessoas aprenderem a ler e
Temos informação que na Antigüidade as pessoas al- a escrever, ou mesmo quando fossem escrever. Tais documentos
fabetizavam-se aprendendo a ler algo já escrito e depois foram, por assim dizer, as mais antigas “cartilhas” da humani-
copiando. Iniciavam com palavras e posteriormente, dade: uma cartilha que continha apenas o inventário das letras
passavam para textos famosos, que eram “estudados” do alfabeto (IBIDEM: 18).
exaustivamente; para então chegar a escrever seus
próprios textos. Muitos aprendiam sem ir à escola, já Na Idade Média, a alfabetização ocorreu menos nas
que não pretendiam tornar-se escribas. Com certeza, escolas e passou a ser uma tarefa da vida privada.
a curiosidade levou muita gente a aprendera ler para Quem sabia ler ensinava a quem não sabia, mostrando
o valor fonético das letras em determinada língua, a nelas se ensinassem a ler e escrever. Os jesuítas
18 forma ortográfica das palavras e a interpretação da inauguraram na Bahia a primeira escola de leitura,
forma gráfica das letras e suas variações. O fato de escrita e religião.
os aprendizes serem falantes da língua que estavam
aprendendo/decifrando, se constituía em um facili- Acredita-se que Cartinha de Aprender a Ler4, uma das
tador da aprendizagem da escrita, pois ajudava nas mais antigas para ensinar o idioma português, tenha
tentativas de descobrir, entre as várias possibilidades sido utilizada no Brasil.
a leitura correta. É o que acontece com as crianças de
hoje (e de sempre) que ao depararem, por exemplo, As cartilhas portuguesas marcam o início da literatura didática em
com a palavra RODA em um texto, não lerão [rôda], nosso idioma. Além da cartilha de João de Barros, há notícias de
pois [róda] terá significado por fazer parte do seu uma cartilha elaborada por Frei João Soares, impressa em 1539
acervo lingüístico. e reeditada várias vezes. Uma outra obra, o Método Castilho
para o Ensino Rápido e Aprazível do Ler Impresso, Manuscrito
No século XV, na Europa, começaram a aparecer as e Numeração do Escrever, produzida por Antonio Feliciano de
primeiras cartilhas (diminutivo de “carta”, no sentido Castilho (1850), em Lisboa, também foi utilizada no Brasil.
de esquema, mapa de orientação) e gramáticas com o Esta obra incluía abecedário, silabário e textos de leitura, sendo
objetivo de estabelecer uma ortografia e ensinar o povo marcada por preocupações fonéticas (BARBOSA, 1990: 57).
a escrever nas línguas vernáculas, abandonando o latim.
Os textos destes livros são basicamente religiosos. Em 1876 surgiu a Cartilha Maternal, do poeta João de
Deus Ramos. No prefácio o autor diz que o aluno que
Não temos muitos registros de quando e como começa aprende por letras ou pelas sílabas “conduzido através de
a história da alfabetização no Brasil, mas com certeza a elementos inertes do pensamento, reduz-se à posição de
origem está nas cartilhas portuguesas. Podemos inferir repetidor de uma cambulhada de miudezas trivialíssimas,
que a história da alfabetização brasileira começa com que não o divertem, nem o instruem, atrofiamlhe o espírito
a chegada dos jesuítas, em 1549. Foram eles que, de e deixam nele impresso o hábito da leitura mecânica,
certa forma, apresentaram um sistema de escrita para senão, muitas vezes, o selo do idiotismo” (BARBOSA,
os índios, sendo responsáveis pela escolarização ca- 1990: 57). O autor opunha-se aos métodos de soletração
tequização das crianças. e silabação como pontos de partida para a aprendizagem
da leitura. Esta cartilha marca a transição do abecedário do
Há notícias de que Portugal realizava remessas bê-a-bá para os métodos analíticos5, que foram difundidos
de livros escolares para as colônias, para que no Brasil durante a República.

Leitura Complementar

Sobre a história da alfabetização, leia os capítulos 1 e 2 do livro: CAGLIARI, L.C. Alfabetizando sem o bá-
bé-bi-bó-bu. São Paulo: Scipione, 1998.

No capítulo 5, do livro BARBOSA, J. J. Alfabetização e leitura. São Paulo: Cortez, 1990, você poderá ampliar
os conhecimentos sobre a história da alfabetização no Brasil.

Acesse http//portal.mec.gov.br/seb/arquivos/ensfund/alfmortattihisttextalf/pdf/br e leia o texto da conferência


História dos Métodos de Alfabetização no Brasil, de Maria do Rosário Longo Mortatti, proferida em 27/04/2007,
no Seminário Alfabetização e Letramento em debate.

1.3 - As Diferentes Concepções de Aprendizagem


Mulheres e homens, somos os únicos seres que, social Conhecendo um pouco da história da escrita e como
e historicamente, nos tornamos capazes de aprender. esse conhecimento foi disseminado pelo mundo, algu-
Por isso somos os únicos em quem aprender é uma mas questões afloram: Como ocorre o conhecimento?
aventura criadora, algo, por isso mesmo, muito mais
O que nos difere dos animais? Essas são reflexões que
rico do que meramente repetir a lição dada.
geram muita inquietude e muitas pesquisas.
Aprender para nós é construir, reconstruir,
constatar para mudar, o que não se faz sem
abertura ao risco e à aventura do espírito.
Paulo Freire

4
Esta cartilha de autoria de João de Barros foi impressa em 1539.
5
Discutiremos os diferentes métodos mais adiante.
Em nosso dia-a-dia também nos perguntamos: Por Na Teologia, a fundamentação se dá na máxima de
que alguns alunos aprendem e outros não? Por que que “Deus, de um só ato, criou cada homem em sua 19
uma determinada atividade atinge os seus objetivos forma definitiva”. O que um bebê virá a ser já está
para alguns alunos e para outros não? determinado pela ‘Graça Divina’.

A concepção de como o desenvolvimento e aprendi- Da Teoria Evolucionista de Darwin, os inatistas ba-


zagem humana acontecem dependerá da visão que se searam-se numa leitura equivocada de que a evolução
tem de mundo em um determinado momento histórico da espécie depende de mudanças graduais e cumulati-
e persistirá enquanto for capaz de explicar a realidade, vas, que decorrem de variações hereditárias. Cabe ao
pelo menos para algumas pessoas. ambiente selecionar os mais aptos. “Só os mais aptos
de uma determinada espécie – aqueles capazes de se
Buscando apoio nas contribuições da psicologia para adaptar ao meio – sobreviveriam” (IDEM: 28).
explicar como ocorre o conhecimento, encontramos
a concepção inatista que defende os fatores internos Já na Embriologia, buscaram subsídios em seus
(biológicos) como determinantes no processo de apren- primeiros estudos que apontavam o desenvolvimento
dizagem. Nesta perspectiva, os eventos que ocorrem quase que invariável, sendo regulado por fatores en-
após o nascimento não são essenciais e/ou importantes dógenos (fatores internos).
para o desenvolvimento do pensamento intelectual,
visto que, nesta visão, o ser humano já nasce com suas Para quem acredita nessa concepção, não vale a pena
qualidades e capacidades básicas prontas. investir na educação, já que o professor pouco poderá
contribuir para o desenvolvimento do aluno. O sucesso
ou o fracasso escolar é visto como responsabilidade
única e exclusiva do aluno, na medida em que a apren-
dizagem depende apenas de fatores internos.

Ainda hoje encontramos muitos educadores que


acreditam que os fatores internos são determinantes
para a aprendizagem. É muito comum presenciarmos
o diálogo a seguir:

Professora A: - Eu não sei o que fazer para o Ricardo


aprender a ler! Ele não acompanha a turma.

Professora B: - Qual Ricardo? O irmão de Leandro


dos Santos?

Professora A: - É!
Jean-Jacques Rousseau (1712-1778)
Professora C: - A família toda é assim. Os irmãos já
A natureza, dizem-nos, é apenas o hábito. Que significa isso? Não passaram pela escola e não conseguiram.
há hábitos que só se adquirem pela força e não sufocam nunca
a natureza? É o caso, por exemplo, do hábito das plantas, cuja Professora B: - Puxaram aos pais. Eles são anal-
direção vertical se perturba. Em se lhe devolvendo a liberdade, fabetos.
a planta conserva a inclinação que a obrigaram a tomar; mas a
seiva não muda, com isto, sua direção primitiva; e se a planta Professora C: - “Filho de peixe, peixinho é!”
continuar a vegetar, seu prolongamento voltará a ser vertical.
O mesmo acontece com os homens. (ROUSSEAU, J-J. Emilio. Em contraposição ao inatismo, a concepção am-
In: DAVIS, 1994, 27). bientalista (comportamentalista ou behaviorista)
considera que os fatores externos são determinan-
Nesta concepção, a função da educação é interferir o tes no processo de aprendizagem. Defende que o
mínimo possível no processo de desenvolvimento espon- homem é um ser extremamente plástico, reativo
tâneo do homem, já que, como preconiza o dito popular, à ação do ambiente. A experiência sensorial é a
“pau que nasce torto, morre torto”. Não tem jeito! fonte do conhecimento, sendo assim a aprendiza-
gem é entendida como um “processo pelo qual o
Os inatistas buscaram seus fundamentos na Teologia, no comportamento é modificado como resultado da
Evolucionismo de Darwin, na Embriologia e na Genética. experiência” (IBIDEM: 33).
Essa concepção teve em Skinner6 seu maior expoente. Enquanto os inatistas priorizam os fatores internos
20 Para ele, manipulando-se os elementos presentes no e os ambientalistas, os fatores externos, a concepção
ambiente (estímulos) é possível controlar o compor- interacionista nos faz pensar que “nem tanto ao mar
tamento, que é adquirido ao se estabelecer associações nem tanto à terra”.
entre um estímulo e uma resposta, e entre uma resposta
e um reforçador. Para os ambientalistas, o ser humano Esta corrente teórica nos mostra que a aprendizagem
busca maximizar o prazer e minimizar a dor. e o desenvolvimento dependem da interação de fatores
internos e externos.
Assim, o reforço é um instrumento utilizado para fa-
zer com que os comportamentos considerados corretos Nas concepções anteriores, o homem é visto como um
permaneçam no indivíduo. Já a punição é utilizada ser passivo, não tendo participação no seu processo de
para minimizar ou eliminar os comportamentos con- aprendizagem, já que, ou ele nasce com suas potencia-
siderados inadequados. lidades prontas ou o ambiente é que irá moldá-lo. Para
os interacionistas, o homem é visto como um ser ativo
Nesta perspectiva, o planejamento das condições ou interativo, participante do seu processo de aprendi-
ambientais é determinante para a aprendizagem de zagem, que é resultado da sua interação com o meio,
novos comportamentos. Na escola, o professor passa sendo o meio entendido não apenas como ambiente
a ter papel fundamental. O sucesso da aprendizagem físico, mas sim como um ambiente marcado pela cul-
depende dele, visto que é ele o único responsável pelo tura, num determinado momento histórico e em todas
planejamento, organização e execução das atividades as relações interpessoais que são estabelecidas.
pedagógicas.
É através da interação com outras pessoas, adultos e crianças, que
A educação foi sendo entendida como tecnologia, ficando de desde o nascimento, o bebê vai construindo suas características
lado a reflexão filosófica sobre a sua prática.
(seu modo de agir, de pensar, de sentir) e sua visão de mundo
A organização das condições para que a aprendizagem ocorra (seu conhecimento) (IBIDEM: 36).
exige clareza e respeito aos objetivos que se quer alcançar (ob-
jetivos instrucionais ou operacionais), a estipulação da seqüência Desde que nascemos estamos interagindo com o
de atividades que levarão ao objetivo proposto e a especificação mundo físico e social. É a partir dessas interações que
dos reforçadores que serão utilizados (IBIDEM: 33). vamos conhecendo as características e peculiaridades
do mundo.
Baseado nesta concepção, encontramos a repetição
como um ‘método’ de aprendizagem. A construção do conhecimento exige elaboração, ou
seja, uma ação sobre o mundo.
É comum ainda encontrarmos em algumas práticas
pedagógicas, exercícios nos quais as crianças precisam A aquisição de conhecimento é vista como um pro-
escrever cinco vezes a mesma palavra, ‘resolver’ vinte cesso individual, construído durante toda a vida, no
‘continhas’ de adição, responder a um questionário da meio cultural. O conhecimento pode ser comparado a
mesma forma que o texto lido etc. Afinal, “água mole uma espiral, onde as experiências anteriores servirão
em pedra dura, tanto bate até que fura”. de base para novos conhecimentos, mediados pela
relação que o indivíduo estabelece com o meio. O erro
Podemos observar também que o erro é visto como é encarado como parte do processo de aprendizagem,
um comportamento inadequado, e como tal, precisa sendo importante para a prática pedagógica, pois a
ser extinto através da ‘dor’ (punição). Sendo assim, partir do “erro” o professor poderá compreender o
não é muito difícil encontrarmos crianças tendo que processo de pensamento do aluno e planejar ativida-
copiar três vezes a palavra errada, ficando de castigo des que possibilitem avançar no seu conhecimento. A
(sendo privada da merenda, recreio ou das atividades sabedoria popular há muito nos diz que: ‘quem tem
que mais gostam) fazendo cópias etc., pois ‘Quando boca vai a Roma’.
a cabeça não pensa, o corpo é que paga’.
Piaget e Vygotsky foram os maiores defensores da
Você já parou para pensar por que falamos português? concepção interacionista. Apesar de enfatizarem que
Por que somos filhos de brasileiros? Ou por que vivemos o conhecimento ocorre a partir da interação de fatores
em um país que se fala português? Ou por que desde que internos e externos, esses dois autores apresentam
nascemos estamos em contato com pessoas que falam uma visão diferente de como ocorre a interação entre
português e que nos mostram o nome das coisas? os mesmos.

6
Skinner: Burrhus Frederic Skinner (1904 –1990). Psicólogo norte-americano que juntamente com John Watson defendeu as idéias behavioristas. Em 1945,
desenvolveu uma “caixa educadora para bebê”, na qual era colocada uma criança para aprender por meio de reflexos condicionados. Desenvolveu essa experiência
com sua própria filha. Segundo ele, “o homem bom faz o bem porque é recompensado”.
A Teoria Construtivista de Piaget tura de braço, mão e dedos) que já é conhecido por
ela, atribuindo ao balão o significado de ‘objeto que 21
se pega’ – assimilação. Porém, o esquema ‘pegar’
precisará ser modificado para se ajustar às caracte-
rísticas do objeto: a abertura dos braços, dos dedos
e a força utilizada para segurá-lo é diferente da que
se utiliza para pegar uma bola de plástico, de papel
ou de couro – acomodação. Posteriormente, ao ser
desafiada a pegar uma bola de gude, mais uma vez os
seus esquemas terão que se modificar (acomodação)
ao novo objeto.

Pense em um aluno que já consegue fazer uma adi-


ção e que na escola estamos apresentando para ele
a multiplicação (desafio/desequilíbrio). Com certeza
saber somar parcelas iguais (assimilação) é um es-
quema mental necessário para a multiplicação. Po-
rém, não é suficiente. Ele precisará modificar esse
esquema para compreender o conceito de multiplica-
ção (acomodação) e conseqüentemente distinguir o
momento de utilizá-la.
Jean Piaget (1896-1980)
Para Piaget, o desenvolvimento é um processo con-
Segundo Piaget7, a busca do equilíbrio (ou adaptação tínuo, caracterizado por quatro fases diversas (etapas
com seu meio) é uma característica essencial do ser ou períodos). Em cada etapa, a criança constrói certas
humano. Para ele, o “desenvolvimento cognitivo ocorre estruturas cognitivas, que se constituem em uma forma
através de constantes desequilíbrios e equilibrações. O específica de pensar e atuar no mundo. Ele as denomi-
aparecimento de uma nova possibilidade orgânica no nou de sensório-motora (do nascimento aos 2 anos de
individuo ou a mudança de alguma característica do idade, aproximadamente), pré-operatória (2 anos até
meio ambiente, por mínima que seja, provoca a ruptura aproximadamente aos 7 anos), operatório-concreta (7
do estado de repouso, da harmonia entre organismo e anos até aos 12 anos, aproximadamente) e operatório-
meta – causando um desequilíbrio” (IBIDEM: 38). formal (a partir dos 13 anos).

Para voltar a uma nova situação de equilíbrio, dois Para Cláudia Davis (1994), o modelo Piagetiano, que
mecanismos são acionados. É o que Piaget denomi- pretende ser universal, é fortemente marcado pela ma-
nou de assimilação (o organismo não altera a sua turação, pois é ela a responsável pelo fato de as crianças
estrutura) e acomodação (o organismo é obrigado sempre apresentarem determinadas características
a alterar a sua estrutura para se ajustar às novas psicológicas em uma mesma faixa etária.
demandas impostas pelo meio). Assimilação e
acomodação são processos distintos e opostos, que Desenvolvimento cognitivo e aprendizagem não se confundem:
ocorrem simultaneamente. o primeiro é um processo espontâneo que se apóia no biológico.
Aprendizagem, por outro lado, é encarada como um processo
Quando estamos diante de um novo conhecimen- mais restrito, causado por situações específicas (como freqüência
to (desafio) nos sentimos desequilibrados intelectu- à escola) e subordinado tanto a equilibração quanto à maturação
almente. Buscamos a partir das nossas experiências (DAVIS, 1994: 46).
anteriores, desenvolvermos ações destinadas a atri-
buir significações aos elementos do ambiente com Um outro conceito muito importante na teoria
os quais interagimos (assimilação). Quando esses piagetiana é o conceito de autonomia, que é a
conhecimentos não são suficientes para dar conta do capacidade de agir por si mesmo, levando em
desafio (estado de equilíbrio), precisamos ampliar ou consideração os fatos relevantes para decidir e
modificar nossas ações (físicas ou mentais) para atin- agir da melhor forma para todos. Esse conceito
girmos o novo conhecimento (acomodação). se opõe ao de heteronomia que significa depen-
dência da forma de agir e pensar. Sendo assim, a
Quando jogamos uma bola de soprar para uma grande finalidade da escola seria contribuir para
criança (desafio), ela fará uso do esquema pegar (pos- a formação de sujeitos autônomos.

7
Jean Piaget (1896-1980). Nasceu na Suíça. Formado em Biologia e Filosofia, teve como maior preocupação investigar como ocorre
o conhecimento. Estudou o desenvolvimento da espécie humana desde o nascimento até a idade adulta (ontogênese) e destacou que as
crianças pensam diferente dos adultos.
A Concepção Histórico-cultural estão consolidados. Ela não precisa de ajuda para
22 resolver uma determinada situação. O nível potencial
refere-se àquilo que a criança consegue fazer, po-
Já para Vygotsky8, desenvolvimento e aprendizagem
rém, ainda com a ajuda de pessoas mais experientes
são processos que estão inter-relacionados. Na medida
(adultos ou crianças).
em que o sujeito aprende, ele se desenvolve, e esse
desenvolvimento leva a novas aprendizagens. Assim sendo, para Vygotsky (1991), zona de de-
senvolvimento proximal é “a distância entre o nível
de desenvolvimento real, que se costuma determinar
através da solução independente de problemas e o
nível de desenvolvimento potencial, determinado
através da solução de problemas sob a orientação
de um adulto ou em colaboração com companheiros
mais capazes” (IBIDEM: 97).

Aquilo que hoje é desenvolvimento potencial será


amanhã desenvolvimento real. O desenvolvimento é
um processo dinâmico e contínuo.

A partir desses conceitos, podemos inferir que o


papel do professor não é apenas constatar aquilo que
o aluno já sabe (nível real), mas sim atuar na zona de
desenvolvimento proximal, possibilitando a ele viven-
ciar situações que lhe desafiem, fazendo-o avançar nos
Lev Semionovitch Vygotsky (1896-1934)
seus conhecimentos (nível potencial).
Os processos de desenvolvimento não coincidem com os proces-
Vygotsky ressalta a importância do outro no processo
sos de aprendizado. Ou melhor, o processo de desenvolvimento
de aprendizagem. Somos capazes de aprender porque
progride de forma mais lenta e atrás do processo de aprendizado;
estamos o tempo todo sendo mediados pelo outro
desta seqüenciação resultam, então, as zonas de desenvolvimento
(através da pessoa física, do livro, do filme, da TV etc.)
proximal (VYGOTSKY, 1991:102).
que nos ‘apresenta o mundo’, ou seja, somos inseridos
na cultura, levados à apropriação dos conhecimentos
Na teoria histórico-cultural, a educação escolar assume
que estão disponíveis na sociedade.
papel relevante, pois apesar de afirmar que o aprendizado
do sujeito começa muito antes de se freqüentar a escola,
A linguagem tem papel fundamental nesse processo,
(IDEM: 101) diz que o “aprendizado não é desenvol-
pois é através dela que vamos interagir com as outras
vimento; entretanto, o aprendizado adequadamente
pessoas, internalizando os novos conceitos.
organizado resulta em desenvolvimento mental e põe em
movimento vários processos de desenvolvimento que, de
Você deve estar se perguntando o que essas teorias
outra forma, seriam impossíveis de acontecer”; logo, “o
têm a ver com alfabetização e letramento?
aprendizado escolar produz algo fundamentalmente
novo no desenvolvimento da criança” (IBIDEM: 95).
Podemos responder: TUDO, pois é através da con-
cepção que temos de como se dá a aprendizagem que
O conceito de zona de desenvolvimento proximal
iremos construir a nossa prática pedagógica.
é uma das grandes contribuições de Vygotsky para a
prática educativa.
Como já falamos anteriormente, não pretendemos
Para ele há, pelo menos, dois níveis de desenvolvi- aqui aprofundar nenhuma das teorias apresentadas,
mento: o real e o potencial (ou proximal). pois além de não ser o objetivo deste material, seria
impossível visto a complexidade das mesmas. Quise-
No primeiro nível, as funções mentais da criança mos apenas ressaltar alguns aspectos que podem nos
já se estabeleceram como resultado de certos ciclos ajudar a refletir sobre a prática escolar e o processo de
completados, ou seja, são conhecimentos que já alfabetização das crianças.

Exercícios de Fixação

1 – Você certamente já está realizando as suas atividades de estágio. Converse com uma professora de Educação
Infantil e/ou das séries iniciais do Ensino Fundamental sobre as formas de registros que as crianças utilizam para
expressar suas idéias. Compare com a evolução da escrita. Há semelhanças? Diferenças? Quais?

8
Lev Seminovitch Vygotsky (1896-1934). Nasceu na Bielo-Rússia e suas idéias foram influenciadas pelo contexto social em que viveu.
Graduou-se em Direito e Medicina, tendo aprofundado suas investigações na área da psicologia, principalmente para o campo da Edu-
cação de Deficientes. Encontramos o seu nome escrito de várias maneiras: Vigotsky, Vigotski, Vygotski ou Vygotsky. Optamos pelo
último por ser desta forma que está grafado nos livros citados.
2- Preencha o quadro abaixo, fazendo uma síntese das diferentes concepções de aprendizagem.
23
23

3- Se houver oportunidade, visite uma turma que esteja iniciando o processo de ensino/aprendizagem da lin-
guagem escrita (alfabetização). Observe como ocorre a prática pedagógica. Registre. Você conseguiu perceber
qual concepção de aprendizagem está norteando o trabalho do(a) professor(a)? Justifique a sua resposta.

Leitura Complementar

Para conhecer um pouco mais sobre a teoria piagetiana, assista ao vídeo PIAGET – Coleção Grandes Educa-
dores, ATTA Mídia Educação. Aqui os principais conceitos da obra de Piaget são apresentados e exemplificados.
Nesta coleção, você encontrará outros autores como Vygotsky, Paulo Freire e Freinet.

Se você quiser aprofundar os seus conhecimentos sobre a teoria piagetiana, leia o livro do próprio Piaget,
intitulado Seis Estudos de Psicologia, da editora Forense.

Este livro, composto de artigos e conferências, propõe-se a ser uma introdução à obra de Piaget. Na primeira
parte, apresenta a síntese das descobertas de Piaget no campo da psicologia da criança, demonstrando como se
verifica o seu desenvolvimento mental. Na segunda parte, são abordados problemas centrais do pensamento, da
linguagem e da afetividade na criança, através de numerosos exemplos e estudos de casos.

Para entender melhor o conceito de autonomia de Piaget, leia A Autonomia como Finalidade da Educação:
Implicações da Teoria de Piaget. In: KAMII, Constance. A Criança e o Número. Campinas: Papirus, 1998.

Leia o livro: VYGOTSKY, L. S. A formação social da mente. São Paulo: Martins Fontes, 1991. Neste livro,
Vygotsky apresenta uma parte de sua teoria de como ocorre o conhecimento e principalmente as implicações
para a prática educativa.

Visite o site www.rio.rj.gov.br/sme/multieducacao. Este site é da Secretaria Municipal de Educação da cidade


do Rio de Janeiro. Nele podemos ter acesso ao Núcleo Curricular Básico Multieducação, onde encontramos
bons textos sobre as teorias abordadas neste fascículo.

Navegue pelo site www.tvebrasil.com.br/salto/boletins2004. Aqui, você encontrará o boletim do Programa


2, da série Adaptações Didáticas, escrito por Hugo Otto Beyes que discute a teoria de Vygotsky. Você também
poderá encontrar a programação da TV Escola e procurar o vídeo para assisti-lo.
24 UNIDADE II
ALFABETIZAÇÃO X LETRAMENTO?

2.1 – O Conceito de Alfabetização ao Longo da História

não exige as mesmas habilidades que há 50 anos. A


velocidade com que os conhecimentos são produzidos
e as informações são divulgadas, atualmente, exige
um leitor com muito mais estratégias de leitura, sendo
capaz de organizar e articular as informações para dar
sentido ao texto.

Como nos lembra Emília Ferreiro (2002: 13), “os ver-


bos “ler” e “escrever” deixaram de ter uma definição
imutável: não designavam mais (e tampouco designam
hoje) atividades homogêneas. Ler e escrever são
construções sociais. Cada época e cada circunstância
histórica dão novos sentidos a esses verbos”.

Em 1958, a UNESCO9 definiu como alfabetizado


o sujeito capaz de ler compreensivamente ou es-
crever um enunciado curto e simples relacionado
Todos os problemas da alfabetização começaram à sua vida diária. Aqui já fica claro que não basta
quando se decidiu que escrever não era uma profis- mais decifrar o código. É necessário saber utilizar a
são, mas uma obrigação, e que ler não era marca escrita, mesmo que de forma simples, no dia-a-dia.
de sabedoria, mas de cidadania. Porém, muitos que passavam pela escola, concluíam
Emília Ferreiro o período de alfabetização e aprendiam a “decifrar
o código”, não eram capazes de compreender o que
Ao conhecermos um pouco da história da alfabeti- liam e de se comunicarem através da escrita. Será
zação no Brasil, podemos perceber que este conceito que já superamos isso?
vem sendo modificado ao longo dos anos e que,
consequentemente, isso tem repercussões diretas na Dentro desta perspectiva, analfabeto é aquele que
prática pedagógica. não consegue ler e nem escrever textos simples, como
um bilhete, por exemplo.
Mas por que esse conceito vem sendo modificado?
Ser alfabetizado não é saber “decifrar os códigos” da Em 1978, a própria UNESCO propôs a adoção do
escrita? conceito de alfabetização funcional, considerando
a pessoa capaz de utilizar a leitura e a escrita para
Provavelmente, durante algum tempo, saber decifrar fazer frente às demandas de seu contexto social e de
o código escrito era garantia de alfabetização e era usar essas habilidades para continuar aprendendo e
suficiente para se apropriar dos conhecimentos de uma se desenvolvendo ao longo da vida, como alfabeti-
determinada sociedade, em um determinado momento zada funcional.
histórico. Mas, certamente, nos últimos séculos e,
principalmente, nas últimas décadas, isso não é mais No Brasil, durante muitas décadas, foi considerado al-
satisfatório. fabetizado aquele que era capaz de assinar o seu nome.
Essa era, inclusive, a forma de garantia de cidadania.
As transformações ocorridas na história da Huma- Antes da constituição de 1988, só os “alfabetizados”
nidade impõem, cada vez mais, novas necessidades e possuíam direito ao voto e para tirar o título de eleitor,
aprimoramento das ações de ler e escrever. Ler hoje bastava saber “desenhar o nome” (assinar).

9
A Organização das Nações Unidas para Educação, a Ciência e a Cultura foi fundada em 16 de novembro de 1945. É uma agência
especializada das Organização das Nações Unidas. Acesse: www.unesco.org.br.
O IBGE10, responsável por recensear a população informações que ajudem a dimensionar e compreender
brasileira e divulgar o quantitativo de analfabetos no o fenômeno do alfabetismo funcional e fomentam o 25
país, utilizava como metodologia para contar os anal- debate público sobre ele e orientam a formulação de
fabetos apenas as respostas dadas, pelos entrevistados, políticas educacionais e propostas pedagógicas.
se sabiam ou não assinar o nome.
Em todo o mundo, a modernização das sociedades, o desenvolvi-
Atualmente, o IBGE considera alfabetizada a pessoa mento tecnológico, a ampliação da participação social e política
de 5 anos ou mais de idade, capaz de ler e escrever pelo colocam demandas cada vez maiores com relação às habilidades
menos um bilhete simples no idioma que conhecesse e de leitura e escrita. A questão não é mais apenas saber se as pes-
analfabeta a que aprendeu a ler, mas esqueceu, e aquela soas conseguem ou não ler e escrever, mas também o que elas
que apenas assina o próprio nome (IBGE, 2005). Po- são capazes de fazer com essas habilidades. Isso quer dizer que,
rém, a forma de coletar essa informação é a resposta além da preocupação com o analfabetismo, problema que ainda
dada à pergunta: “Você sabe ler e escrever?”, pelos persiste nos países mais pobres e também no Brasil, emerge a
entrevistados. Não podemos ter certeza se aqueles preocupação com o alfabetismo, ou seja, com as capacidades e
que respondem sim são capazes, realmente, de ler e usos efetivos da leitura e escrita nas diferentes esferas da vida
escrever um bilhete simples. social (RIBEIRO, 2006: 1).

Nos anos 90, o IBGE passou a divulgar também O INAF procura responder, dentre outras, as seguintes
índices de analfabetismo funcional11, seguindo as questões: quais são as habilidades de leitura e escrita
recomendações da Unesco, tomando como base não dos brasileiros? Quantos anos de escolaridade e que
a autoavaliação dos respondentes, mas o número de tipo de ação educacional garantem níveis satisfatórios
séries escolares concluídas. Por este critério, são anal- de alfabetismo? Que outras condições favorecem o de-
fabetas funcionais as pessoas com menos de quatro senvolvimento de tais habilidades ao longo da vida?
séries escolares concluídas.
Além do conceito de analfabetismo, o INAF distingue
Estes índices têm sido objeto de muitas pesquisas no três níveis de habilidades na população alfabetizada: o
meio acadêmico. nível rudimentar, o básico e o pleno. Ainda que os três
níveis tenham algum grau de funcionalidade, ou seja,
Em 2001, foi criado o INAF (Indicador Nacional de correspondam a habilidades que as pessoas podem aplicar
Alfabetismo Funcional)12, uma parceria do Instituto em determinados contextos, somente o nível pleno pode
Paulo Montenegro (IBOPE) e Ação Comunitária, ser considerado como satisfatório, aquele que permite que
medindo diretamente as habilidades da população a pessoa possa utilizar com autonomia a leitura e a mate-
por meio de testes. O objetivo desse indicador, é gerar mática como meios de informação e aprendizagem.

10
Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística é uma fundação pública da administração federal, criado em 1934. Tem atribuições
ligadas às geociências e estatísticas sociais, demográficas e econômicas, o que inclui realizar censos e organizar as informações obtidas
nesses censos, para suprir órgãos das esferas governamentais federal, estadual e municipal, e para outras instituições e o público em
geral. Acesse: www.ibge.gov.br.

11
A taxa de analfabetismo é o percentual de analfabetos em determinada faixa etária; no Censo Demográfico 2000, foi considerada a
população de 15 anos e mais, idade a partir da qual espera-se que o ensino fundamental obrigatório tenha sido concluído. Com isso, o
índice de analfabetismo funcional no Brasil chegou perto dos 27%.

12
O INAF aplica anualmente testes de habilidades em amostras de 2 mil pessoas, representativas da população entre 15 e 64 anos, além
de questionários que apuram a bagagem educacional dos respondentes, seus hábitos e práticas de leitura e escrita em diversos contex-
tos de vivência. Em 2001, 2003 e 2005, focalizaram-se as habilidades de leitura e escrita; em 2002 e 2004, foi a vez das habilidades
matemáticas, já que esse novo conceito de alfabetismo compreende também a capacidade de processar informações numéricas presentes
no dia-a-dia, no comércio, no trabalho ou nas páginas dos jornais. Acesse: www.acaoeducativa.org.br ou www.ipm.org.br.
Veja a seguir a descrição de cada nível. Que nível de Alfabetismo você possui?
26
Leitura Habilidades Matemáticas
Analfabetismo Não domina as habilidades medidas. Não domina as habilidades medidas.

Alfabetismo Localiza uma informação simples Lê e escreve números de uso freqüen-


Nível Rudimentar em enunciados de uma só frase, um te: preços, horários, números de telefone.
anúncio ou chamada de capa de revis- Mede um comprimento com fita métrica,
ta, por exemplo. consulta um calendário.

Alfabetismo Localiza uma informação em textos Lê números maiores, compara preços,


Nível Básico curtos ou médios (uma carta ou notícia, conta dinheiro e faz troco. Resolve proble-
por exemplo), mesmo que seja necessá- mas envolvendo uma operação.
rio realizar inferências simples.

Alfabetismo Localiza mais de um item de informa- Consegue resolver problemas que envol-
Nível Pleno ção em textos mais longos, compara in- vem seqüências de operações, por exemplo,
formação contida em diferentes textos, cálculo de proporção ou percentual de des-
estabelece relações entre as informações conto. Interpreta informação oferecida em
(causa/efeito, regra geral/caso, opinião/ gráficos, tabelas e mapas.
fato). Reconhece a informação textual
mesmo que contradiga o senso comum.

Fonte: RIBEIRO, Vera Masagão. Analfabetismo e Alfabetismo funcional no Brasil. Disponível em: www.reescrevendoaeducação.com.br/2006.
Acesso em 20/06/2007.

Nestes cinco anos de pesquisas, alguns resultados Você já deve ter percebido o quão complexo é o
do INAF nos fazem refletir sobre o conceito de alfa- conceito de alfabetização e que ele é muito mais do
betização: que decodificar a escrita. Porém, desde os primór-
dios, a palavra alfabetização sempre esteve associa-
• A grande maioria da população brasileira (68%) na faixa da ao ensino da leitura e da escrita como aquisição
etária de 15 a 64 anos, que estudou até a 4ª série do Ensino de uma técnica.
Fundamental, atinge, no máximo, o nível rudimentar.
(...)técnica dos traçados das letras, por um lado, e técnica da
• Mais grave ainda: 13% deste grupo podem ser correta oralização do texto, por outro. Só depois que dominada
considerados analfabetos em termos de habilidades a técnica é que surgiam, como num passe de mágica, a leitura
de leitura e escrita e 4% sequer conseguem identificar expressiva (resultado da compreensão) e a escrita eficaz (resul-
números em situações cotidianas. tado de uma técnica posta a serviço das intenção do produtor).
Acontece que essa passagem mágica da técnica para a arte só
• Dentre os que cursaram da 5ª a 8ª série, apenas ¼ foi transposta, naqueles lugares onde a escola mais faz falta, por
pode ser considerado plenamente alfabetizado, enquan- pouquíssimos escolarizados precisamente pela ausência de uma
to a maioria se enquadra no nível básico de alfabetismo, tradição histórica de ‘cultura letrada’ (FERREIRO, 2002: 13).
tanto na leitura quanto nas habilidades matemáticas.
Permanecem no nível rudimentar, tanto na leitura Para explicitar que se espera da alfabetização mais
quanto na matemática, 24% deste grupo. do que “decifrar letras”, foram sendo utilizadas as
expressões “alfabetização plena”, “alfabetização in-
• Dos que completaram o Ensino Médio, 56% dos tegral”, “alfabetização total” que apontam para uma
brasileiros apresentam pleno domínio das habilidades prática de alfabetização que perpassa pela aquisição e
de leitura e escrita e 49% atingem um nível pleno de uso da leitura e escrita nos contextos sociais. Dentro
alfabetismo em termos de habilidades matemáticas. dessa nova concepção, surge o termo letramento13
para designar “um estado, uma condição: o estado ou
Hoje a concepção de alfabetização da Unesco inclui condição de quem interage com diferentes portadores
o desenvolvimento de conhecimentos e competências de leitura e de escrita, com diferentes gêneros e tipos
necessários para o indivíduo inserir-se e movimentar- de leitura e de escrita, com as diferentes funções que a
se com desenvoltura no meio social, entre os quais o leitura e a escrita desempenham na nossa vida. Enfim:
domínio de novas linguagens e tecnologias. letramento é o estado ou condição de quem se envolve
nas numerosas e variadas práticas sociais de leitura aprendizagem da leitura como a mera aquisição da tecnologia da
e de escrita” (SOARES, 2001: 44). escrita, como apenas formação de um decodificador da escrita 27
(...) (Soares, 2005: 1).
O termo letramento aparece em oposição ao termo
alfabetização. Letrado é compreendido como aquele Observando a prática pedagógica que ocorre em
que aprende a ler e escrever, usa a leitura e a escrita, nossas escolas, podemos distinguir nitidamente aque-
envolve-se em suas práticas, tornando-se, uma pessoa las que ainda concebem a alfabetização como apenas
diferente. Já o alfabetizado é aquele que adquire a uma tecnologia daquelas que a compreendem como
tecnologia da escrita, aprende a codificar em língua apropriação (tornar “própria”) da língua escrita.
escrita e a decodificar a língua escrita, podendo tornar-
se letrado ou não. Assim, teríamos alfabetizar e letrar como duas ações distintas,
mas não inseparáveis, ao contrário: o ideal seria alfabetizar le-
Alguns autores, como Emília Ferreiro, dizem ser trando, ou seja: ensinar a ler e escrever no contexto das práticas
desnecessário a criação do termo letramento, pois com- sociais da leitura e da escrita, de modo que o indivíduo se tornas-
preendem que “a alfabetização não é mais entendida se, ao mesmo tempo, alfabetizado e letrado (IDEM: 47).
como mera transmissão de uma técnica instrumental,
realizada numa instituição específica (a escola)” (FER- Letramento pressupõe uma mudança de lugar so-
REIRO, 2002: 40). Outros autores, porém, defendem cial, do modo de viver na sociedade, de inserção na
a utilização do termo letramento, como Soares (01) cultura. Implica também em tornar-se cognitivamente
argumentando que: diferente. “A pessoa passa a ter uma forma de pensar
diferente da forma de pensar de um analfabeto ou
(...) Entretanto, contraditoriamente, este novo conceito de iletrado” (IBIDEM: 37). Traz também conseqüências
aprendizagem da leitura, estreitamente relacionado com práticas lingüísticas, pois o convívio com a língua escrita acar-
de leitura, com a formação de um verdadeiro leitor, vem con- reta mudança no “uso da língua oral, nas estruturas
vivendo com a persistência do conceito restrito e tradicional de lingüísticas e no vocabulário”.

Fonte: QUINO. Toda Mafalda - da primeira à última tira. São Paulo: Martins Fontes, 2000.

Será que ser analfabeto, em uma sociedade grafocên- e a escrita têm presença forte, se interessa-se em ouvir a leitura de
trica, condena o sujeito a não ser letrado? Um analfa- jornais feita por um alfabetizado, se recebe cartas que outros lêem
beto pode ser letrado? A Mafalda é ou não letrada? para ele, se dita cartas para que um alfabetizado as escreva (e é
significativo que, em geral, dita usando vocabulário e estruturas
Querendo ou não, vivemos em uma sociedade onde a próprios da língua escrita), se pede a alguém que lhe leia avisos
escrita se faz presente. Se letrado é aquele que vivencia ou indicações afixados em algum lugar, esse analfabeto é, de
as práticas de leitura e escrita que estão presentes em uma certa forma, letrado, porque faz uso da escrita, envolve-se em
sociedade, podemos dizer que aquele que não domina a práticas sociais de leitura e escrita. Da mesma forma, a criança
tecnologia (alfabetizado) pode ser letrado. A Mafalda não que ainda não se alfabetizou, mas já folheia livros, finge lê-los,
sabe ler nem escrever, não domina a tecnologia da escrita, brinca de escrever, ouve histórias que lhe são lidas, está rodeada
mas conhece muito bem a função da escrita. de material escrito e percebe seu uso e sua função, essa criança
é ainda “analfabeta”, porque não aprendeu a ler e escrever, mas
Assim, um adulto pode ser analfabeto, porque marginalizado já penetrou no mundo do letramento, já é de certa forma letrada
social e economicamente, mas vive em um meio em que a leitura (IBIDEM: 24).

13
Magda Becker Soares resgata o surgimento do termo letramento, que, segundo ela, já apareceu décadas atrás. Em 1986, no livro de
Mary Kato, No Mundo da Escrita: uma perspectiva psicolingüística, da editora Ática. Em 1988, Leda Verdiani Tfouni distingue alfa-
betização e letramento, no livro Adultos não alfabetizados: o avesso do avesso, da editora Pontes. Em 1995, o termo surge em título de
livro, Os significados do letramento: uma nova perspectiva sobre a prática social da escrita, organizado por Ângela Kleiman.
Existem vários níveis de letramento, que vai desde acesso à escolarização. Com mais pessoas sabendo ler
28 identificar um rótulo de uma embalagem até à leitura e escrever, “passando a aspirar a um pouco mais do
de um texto científico, como uma tese de doutorado. que simplesmente saber ler e escrever”.
Acreditase que o nível de letramento de grupos sociais
relaciona-se fundamentalmente com as suas condições 2- Disponibilidade de Material de Leitura – Criar
sociais, culturais e econômicas. condições para aqueles que aprenderam a ler e escre-
ver fiquem imersos em um ambiente de letramento,
Soares (2001) destaca a necessidade de condições com acesso aos livros, revistas e jornais, às livrarias
para o letramento. Mas que condições seriam essas? e bibliotecas.

1- Escolarização real e efetiva da população – A Para você compreender melhor o que significa letra-
necessidade de letramento surge quando se amplia o mento, leia a poesia abaixo.

O QUE É LETRAMENTO?14

Kate M. Chong

Letramento não é um gancho


em que se pendura cada som enunciado,
não é treinamento repetitivo
de uma habilidade,
nem um martelo quebrando blocos de gramática.

Letramento é diversão
é leitura à luz de vela
ou lá fora, à luz do sol.

São notícias sobre o presidente,


o tempo, os artistas da TV
e mesmo Mônica e Cebolinha
nos jornais de domingo.

É uma receita de biscoito,


uma lista de compras, recados colados na geladeira,
um bilhete de amor,
telegramas de parabéns e cartas
de velhos amigos.

É viajar para países desconhecidos, sem deixar sua cama,


e rir e chorar
com personagens, heróis e grandes amigos.

É um Atlas do mundo,
sinais de trânsito, caças ao tesouro,
manuais, instruções, guias,
e orientações em bulas de remédios,
para que você não fique perdido.

Letramento é, sobretudo,
um mapa do coração do homem,
um mapa de quem você é,
e de tudo que você pode ser.

14
Poema publicado no livro Letramento: um tema em três gêneros, de Magda Soares, editora Autêntica.
Ser letrado é estar imerso nas práticas sociais de Como desenvolver uma prática pedagógica que
leitura e escrita de uma determinada sociedade, em alfabetize letrando? Como ficam os métodos de alfa- 29
um determinado tempo histórico. Para isso não basta betização na perspectiva do letramento?
saber decodificar a escrita.
Essas são algumas questões que pretendemos abordar
Diante disso, qual o papel da escola na criação de ao longo desse material.
condições para o letramento?

Leitura Complementar

Acesse: www.acaoeducativa.org.br/downloades/INAF e veja o relatório com os resultados dos 5 anos do INAF.


Nele você terá uma visão mais ampla do nível de letramento da população brasileira.

Leia o livro Letramento – um tema em três gêneros, de Magda Soares, editora Autêncica. É uma leitura agra-
dável, em que você poderá aprofundar os seus conhecimentos sobre o conceito de letramento.

2.2 – Os Métodos de Alfabetização

Fonte: QUINO. Toda Mafalda - da primeira à última tira. São Paulo: Martins Fontes, 2000.

No Brasil, agregado à discussão sobre o que é ser alfa- de unidades menores (letra, fonema, sílaba) a unidades
betizado, sempre tivemos o olhar do professor centrado mais complexas (palavra, frase, texto).
na eficácia de processos e métodos de alfabetização.
Como alfabetizar? Qual o melhor método? Que cartilha O ensino parte do simples para o complexo, na visão
usar? Essas são perguntas que acompanham a prática do professor. Só se avança no processo se todas as
docente e que refletem a concepção de aprendizagem dificuldades da fase anterior estiverem consolidadas.
que o educador possui.
A leitura é considerada como um esquema somatório:
Até meados dos anos 80 do século passado, havia uma pela soma dos elementos mínimos (fonema ou sílaba)
polarização entre processos sintéticos e analíticos, o aluno aprende a palavra. Pela soma das palavras, a
direcionados ao ensino do sistema alfabético e frase. Pela soma das frases, o texto.
ortográfico da escrita.
Quando se analisa o sistema alfabético, enquanto
Os processos sintéticos são os mais antigos, tendo sons convertidos em códigos gráficos, fica claro que
mais de 2000 anos. Consideram a língua escrita objeto existem certas semelhanças perceptivas gráficas (a
de conhecimento externo ao aprendiz. Têm como ponto letra d e a letra b, por exemplo) e certas semelhanças
de partida o estudo dos elementos da língua (letra, sonoras (a letra v e a letra b, por exemplo). Logo um
fonema, sílaba). Pressupõem o estabelecimento da dos critérios de simplicidade – sempre vista pela lógica
correspondência entre o som e a grafia. do adulto – recomendava, na apresentação seqüencial
dos elementos da língua, evitar proximidade entre sons
Nesta concepção, encontramos os métodos de sole- e grafias semelhantes.
tração, o fônico e o silábico, tendências ainda forte-
mente presentes nas atuais propostas didáticas. Tais Por outro lado, como a questão era evidenciar através do ensino
métodos privilegiam os processos de decodificação, as certo paralelismo entre sons e grafias do alfabeto, parece claro
relações entre fonemas (sons ou unidades sonoras) e que aqueles elementos que apresentam uma relação biunívoca
grafemas (letras ou grupos de letras) e uma progressão entre som e grafia (o som fonema f com a letra f, por exemplo)
seriam considerados mais simples do que aqueles que apresentam Não importa a dificuldade auditiva daquilo que
30 correspondências múltiplas entre letras e sons (os sons da letra se aprende, já que a leitura é uma tarefa predo-
s, por exemplo). Daí outro critério estabelecido: na apresentação minantemente visual.
seqüencial dos elementos da língua escrita, o processo começa
pelas correspondências mais simples, ou seja, aquelas que sejam (...) Já encontramos aí os fundamentos da formulação ideovisual:
biunívocas, pois algumas relações são mais simples e outras, ler é mais importante que decifrar; o sentido do texto tem mais
mais complexas (BARBOSA, 1990:48). importância que o som do texto; a aprendizagem parte de pala-
vras com significado afetivo e efetivo para as crianças. Segundo
Os processos sintéticos enfatizam a consciência fo- Adam, a análise da palavra deveria ocorrer numa etapa bem pos-
nológica e a aprendizagem do sistema convencional da terior ao domínio do capital de palavras aprendidas globalmente.
escrita (importantes ao processo de alfabetização), mas Pouco tempo depois, Jacotot, outro precursor do método global,
deixam de explorar as complexas relações entre fala recomenda que esta análise das palavras se inicie precocemente,
e escrita, suas semelhanças e diferenças. A linguagem o mais rápido possível (BARBOSA, op. cit.: 50).
oral e a linguagem escrita são dois conhecimentos
distintos. Com certeza, tudo que pensamos e sentimos Essa concepção ainda persiste nas práticas docentes
pode ser representado pela oralidade e pela escrita, atuais. Os métodos analíticos contemplam algumas
porém com recursos diferentes. das capacidades essenciais ao processo de alfabetiza-
ção – sobretudo o estímulo à leitura de unidades com
Dão tanta ênfase à decodificação que, muitas vezes, sentido, pelo reconhecimento global das mesmas.
resulta em propostas que descontextualizam a escrita, seus Entretanto, quando incorporados de forma parcial e
usos e funções sociais, enfatizando situações artificiais absoluta, acabam enfatizando construções artificiais e
de treinamento de letras, fonemas ou sílabas. É muito repetitivas de palavras, frases e textos, muitas vezes
comum encontrarmos nas cartilhas desses métodos frases apenas a serviço da repetição e da memorização, com
completamente desconexas como: “O boi baba na babá”, objetivo de manter controle mais rígido da seqüência
“A foca afia a faca” etc. Com certeza essas frases não do processo e das formas de interação gradual da
são encontradas nos textos que circulam na sociedade e criança com a escrita. Neste aspecto, podemos afirmar
“retratam” situações um tanto quanto inusitadas. Você já que os métodos sintéticos e os analíticos se aproximam
viu alguma foca usando faca? E afiando a faca? por entenderem que o processo de aprendizagem está
baseado na memorização.
Em contraposição aos processos sintéticos, temos
os processos analíticos, que valorizam a análise e a Nas últimas décadas a discussão sobre a eficácia de
compreensão de sentidos, propondo uma progressão processos e métodos de alfabetização, que passaram a
diferenciada: de unidades mais amplas (palavra, ser identificados como propostas “tradicionais”, ficou
frase, texto) a unidades menores (sílabas ou sua de- secundária. O foco central passou a ser a discussão
composição em grafemas e fonemas). São exemplos sobre a psicogênese da aquisição da escrita, uma
dessa abordagem os métodos de palavração (palavra abordagem de grande mudança conceitual no campo da
decomposta em sílabas), de sentenciação (sentenças alfabetização, que foi sistematizada por Emília Ferreiro
decompostas em palavras) e o global de contos (textos e Ana Teberosky (1985) e por vários outros teóricos
considerados como pontos de partida, até o trabalho e pesquisadores. A ênfase deixa de ser o método de
em torno de unidades menores). ensino e passa a ser a o processo de aprendizagem da
criança que se alfabetiza e suas concepções progressi-
Foi Nicolas Adam, que, em 1787, propôs que a vas sobre a escrita, que é entendida como um sistema
aprendizagem da língua escrita deveria partir de pa- de representação e não como um código.
lavras com significado para as crianças. Ele compara
o aprendizado da escrita com o aprendizado da fala, Essa nova abordagem entende também que a aprendi-
alegando que não falamos primeiro os sons das letras, zagem é de natureza conceitual e não mecânica, e que a
para depois aprendermos as sílabas, as palavras, as escrita é um objeto sociocultural do conhecimento.
frases, para finalmente mantermos um diálogo.
Barbosa (1990) apresenta um quadro-resumo fa-
Segundo esta abordagem, o prévio é o reco- zendo um contraponto das principais características
nhecimento global de palavras ou orações; a dos dois grandes eixos de abordagem da leitura e da
análise dos componentes é uma tarefa posterior. alfabetização:
ABORDAGEM TRADICIONAL NOVA ABORDAGEM 31
- Ensino coletivo e simultâneo - Nos anos 70, a partir das pes-
(década de 1880, na Europa). quisas desenvolvidas pela Psico-
lingüística sobre o comportamen-
ORIGEM
to do leitor no ato da leitura.

- Sintéticos: alfabético - Pedagogia de Projeto (situa-


silábico ções funcionais de leitura).
fônico
- Analíticos: palavração
MÉTODOS sentenciação
conto
- Analítico-sintético.

- A língua como: - A língua como:


1º) objeto de análise 1º) objeto de uso
2º) objeto de uso 2º) objeto de análise
- Sistema simbólico de segunda - Sistema de linguagem, paralelo
CONCEPÇÃO ordem, subordinado à fala. e equivalente à linguagem oral
DE ESCRITA - Sem autonomia quanto ao sig- - Portadora direta do sentido (au-
nificado. tonomia em relação à fala).
- Saber escolar. - Saber social.

CONCEPÇÃO DE - Objetivo: alfabetizar (dizer - Objetivo: inscrição da criança no


APRENDIZAGEM o sistema alfabético). circuito da comunicação escrita.
- Baseada no processo de en- - Baseada no processo de aprendi-
sino (o método). zagem (a construção de um saber ou
- Uso escolar da escrita. prática).
- Desprezo pelas aquisições - Promove situações reais de leitu-
extra-escolares. ra/escrita.
- Uniforme, cumulativa, pon- - Intervenção numa etapa de um
tual (progressão hierarquizada processo já iniciado fora da escola.
passo a passo, do simples para - Intervenções diversificadas e he-
o complexo). terogêneas.
- Utiliza a fala como referen- - Utiliza o processo de aprendiza-
cial (estigmatizando as varian- gem da fala como referencial.
tes de registro). - Informação geral / informação
- Privilegio absoluto do meca- específica.
nismo de transcodificação. - Mudança na escola: o lugar pri-
- O professor ensina: o aluno vilegiado para a criação de situações
aprende (repete): E/R. de leitura/escrita.
- Para ler é preciso analisar a - Mergulho na escrita social: é len-
escrita. do que se aprende a ler.
- Aprender para fazer. - Fazer para aprender.
- Sentido privilegiado: a audi- - Sentido privilegiado: a visão (lei-
ção (leitura auditiva). tura visual).
- Pressupõe a homogeneidade - Confronto de estratégias e dificul-
do saber das crianças. dades do grupo
- Crença na possibilidade de - Baseada em estratégias desen-
ensino de estratégias ao leitor. volvidas pelo leitor, sustentada por
- Conquista individual e com- intervenções precisas.
petitiva do saber. - Troca de informações no grupo;
- Simulação de situações de socialização do saber.
leitura. - Familiaridade com a multiplici-
dade de situações sociais de leitura.
- Detentora do monopólio da - Não detentora do monopólio
32
escrita. da escrita.
- Único lugar onde ocorre a - Espaço privilegiado(entre ou-
aprendizagem da leitura (basea- tros) onde a criança, através de
CONCEPÇÃO DE ESCOLA da numa concepção escolar dessa um conjunto de intervenções, de-
aprendizagem). senvolve sua condição de leitor.
- Promotora da “escrita escolar”. - Promotora do uso social da
escrita.

PRÉ-REQUISITOS - Maturidade para leitura/escrita. - Experiências prévias do leitor


no mundo social da escrita.

ETAPAS DE ENSINO - Pré-alfabetização (pré-escola). - Construção individual (equi-


- Alfabetização. líbrio, contradição, novo equi-
- Pós Alfabetização. líbrio) da compreensão escrita
como comunicação social, inter-
pessoal, no coletivo e no social.

MATERIAL DE LEITURA - Cartilha. - Utilização da diversidade e


- Quadro de giz. abundância da escrita no mundo.
- Silabário/jogos carimbos. - Biblioteca/Centro de docu-
- Literatura infantil. mentação.

PAPEL DO PROFESSOR - É aquele que ensina e trans- - É aquele que intervém numa
mite seu saber. determinada etapa do processo.
- Ensina uma técnica pré-pro- - Cria situações favoráveis ao
gramada. desenvolvimento de estratégias
- Informa, demonstra, corrige. pelo leitor aprendiz.
- Propõe, organiza, promove,
informa, seleciona, questiona,
participa, sistematiza técnicas de
acesso e apreciação da escrita.

ESTRATÉGIAS DE LEITURA - Correspondência som/grafia: - Familiaridade visual com pa-


transformação de uma cadeia de si- lavras e frases.
nais sonoros que permite (ou não!) - Exploração direta da escrita,
extrair um significado do texto. portadora de sentido sem media-
ção oral.
- Mobilização do saber e expe-
riência do leitor, anterior e exte-
rior à escrita.
- Intencionalidade do leitor: o
questionamento do texto.
- Estratégias adaptadas a escri-
tos específicos: flexibilidade.
- Hipótese, antecipação, verifi-
cação, identificação.
- Dicionário.
- Contexto.
- Perguntar a terceiros.
- Saltar palavras.
FUNÇÃO DA DECIFRAÇÃO - Causa da aprendizagem da - Conseqüência da aprendizagem
33
leitura (da decifração à leitura). da leitura.
- Aquisição subjacente à leitura.
- É o “plus” da leitura (cf. Smith).

CARACTERÍSTICAS DA - Baseada na decifração. - Baseada no sentido.


LEITURA - Leitura silabada, lenta, hesitante. - Leitura fluente, flexível, segura.
- Estacionada no tempo. - Adaptada às necessidades das
- Sentido extraído do texto ora- sociedades modernas.
lizado. - Sentido atribuído ao texto es-
- Dificuldade quanto ao signifi- crito.
cado. - Fonte de informação, orienta-
- Tendência à vocalização e sub- ção, prazer.
vocalização. - Leitura silenciosa.
- Tendência à regressão no texto. - Uso de múltiplas estratégias.
- Monovalente e integral. - Polivalente/seletiva.

CARACTERÍSTICA DO LEITOR - Aquele que adquire o hábito - Aquele que, diante das ques-
de sonorizar a escrita: um leitor tões que o mundo lhe propõe,
de letras. sabe que pode encontrar respos-
tas relevantes na escrita e domina
estratégias diversificadas de ex-
ploração do texto.

ATIVIDADE DE ESCRITA - Escrita de um modelo: cópia, - Escrita do sentido, no contexto.


ditado, redação, leitura oral. - Ortografia: reprodução de for-
- Escrita de sons (problemas mas visuais (escrita, língua para os
ortográficos: a palavra é escrita olhos).
como se pronuncia). - Apoiada nas necessidades de
- Simulação de situações de es- expressão pessoal.
crita (redação escolar).

AVALIAÇÃO - Do produto: mede a capaci- - Do processo: ponto de referên-


dade do aprendiz de reproduzir o cia para reorganizar a interven-
que foi ensinado ção do ensino (a leitura em voz
- Leitura oral: controle da com- alta corresponde a uma situação
binatória particular de leitura)

Fonte: BARBOSA, J. J. Alfabetização e Leitura. [s.l.]: Cortez, 1990.


Como você pôde perceber, há diferenças significa- Das abordagens apresentadas por Barbosa (1990),
34 tivas nas duas abordagens, nelas estão presentes as qual delas se aproxima do conceito de letramento?
“crenças” de como se aprende e se ensina, implicando
em ações pedagógicas bem distintas.

Leitura Complementar

Acesse: www.fae.ufmg.br/ceale e leia alguns textos que abordam os métodos de alfabetização.

Leia o livro Alfabetização e Leitura, de José Juvêncio Barbosa, da editora Cortez. O autor apresenta a história
dos métodos de alfabetização, no capítulo 4, de forma clara e profunda.

2.3 – As Contribuições de Emília Ferreiro: a Psicogênese


da Língua Escrita

(...) Tudo o que foi colocado muda radicalmente se Emília Ferreiro não criou um método de alfabeti-
tomarmos como objetivo escolar a aquisição da língua zação. Ela buscou explicar como se dá a psicogênese
escrita, se reconhecermos que não há proeminência da língua escrita, ou seja, procurou observar como a
da leitura sobre a escrita – enquanto atividades que criança constrói, se apodera, da linguagem escrita.
permitem conhecer esse modo particular de represen-
tação da linguagem – e reconhecermos também (como O seu trabalho demonstra, de forma categórica, que
mostram abundantemente os dados de investigações a escrita não é um código, mas sim um sistema de
recentes em diversos países da América Latina) que representação que é apropriado pelo sujeito por meio
as crianças não chegam ignorantes à escola, que do contato que ele tem com a língua escrita, mediado
têm conhecimentos específicos sobre a língua escrita, por outros sujeitos. Daí a sua afirmação de que só se
ainda que não compreendam a natureza do código aprende escrever escrevendo.
alfabético e que são esses conhecimentos (e não as
decisões escolares) que determinam o ponto de partida “Ler não é decifrar, escrever não é copiar”.
da aprendizagem escolar. Emília Ferreiro
Emília Ferreiro
Ela tentou conhecer a maneira como as crianças
Não poderíamos falar de alfabetização sem abordar as concebem o processo de escrita, o que pensam e quais
contribuições de Emília Ferreiro15. Nas últimas três dé- hipóteses organizam sobre a leitura e a escrita. Perce-
cadas, as suas pesquisas16 têm norteado a discussão sobre beu que as crianças pequenas, por exemplo, acreditam
o tema. Não pretendemos aqui discorrer sobre todo o seu que tanto se pode ler um desenho como uma palavra,
trabalho, mas destacar alguns aspectos dos seus estudos e porque ainda não conseguem distinguir os tipos de
pesquisas, que contribuem para se pensar a alfabetização. representação (desenho e palavra) do objeto.

15
Psicóloga e pesquisadora argentina, radicada no México, fez doutorado na Universidade de Genebra, no final dos anos 60, sob a
orientação de Jean Piaget. Nasceu em 1937, reside atualmente no México, onde trabalha no Departamento de Investigações Educativas
(DIE) do Centro de Investigações e Estudos avançados do Instituto Politécnico Nacional do México.

Fez seu doutorado dentro da linha de pesquisa inaugurada por Hermine Sinclair, que Piaget chamou de psicolingüística genética. Voltou
em 1971 à Universidade de Buenos Aires, onde constituiu um grupo de pesquisa sobre alfabetização do qual faziam parte Ana Teberosky,
Alicia Lenzi, Suzana Fernandez, Ana Maria Kaufman e Líliana Tolchinsk.

16
A sua pesquisa sobre psicogênese da língua escrita foi realizada com crianças de 4 a 6 anos, no México e na Argentina (castelhano).
No seu grupo de pesquisados incluíam crianças das diferentes classes sociais. Aqui no Brasil, na década de 80, as pesquisadoras Telma
Weisz (São Paulo), Terezinha Nunes Carraher e Lúcia Browne Rego (Recife) e Esther Pillar Grossi (Porto Alegre) repetiram as inves-
tigações de Emília Ferreiro e constataram que, em português, os processos de conceitualização da escrita seguem uma linha evolutiva
similar ao castelhano.
Identificou também que em outra fase as crianças já Vejamos a escrita17 abaixo, que é de uma menina com
“distinguem” o que pode ser palavra, logo pode ser 5 anos de idade. 35
lido, daquilo que não é palavra. Ao pedir que tentassem
ler “palavras” como as abaixo, as crianças afirmavam
que não podiam ler a primeira e a segunda, pois só ti-
nham letras iguais. Já a terceira podia ser lida pois tinha
letras diferentes, mesmo sem ter algum significado na
língua materna. Isso demonstra que elas possuíam a
hipótese de que para ser lido (palavra) há necessidade
de se ter letras diferentes.
Se olhássemos apenas a sua escrita (PSIO) diríamos
que ela não sabe escrever, que essas quatro letras não
formam a palavra passarinho e que “comeu letras”.
Porém, se analisarmos o seu texto, veremos que ela
possui uma hipótese sobre a linguagem escrita. Pensa
que apenas uma letra é capaz de representar o som da
Emília afirmou que existe “um processo de aquisição sílaba. Observe que ela não escreve letras aleatórias,
da linguagem escrita que precede e excede os limites ela escreve uma letra para cada sílaba da palavra,
escolares”. A escola é apenas um dos espaços de apren- estabelecendo uma relação sonora. Veja:
dizagem da linguagem escrita e não o único. Todos os
contatos/experiências vividos pela criança fazem parte
da elaboração da sua construção. Daí a importância
das experiências vivenciadas pelas crianças dentro e
fora da escola.

Esses conhecimentos, apresentados por Emília Segundo Ferreiro (1987), é necessário estabelecer a
Ferreiro, possibilitaram deixar de pensar, apenas, em diferença entre a construção de um objeto de conhe-
como se ensina (professor), para focar o processo de cimento (linguagem escrita) e a maneira pela qual
aprendizagem (aluno). fragmentos de informação fornecidos ao sujeito são
incorporados ou não como conhecimento, pois apesar
Jean Piaget obrigou-nos a abandonar a idéia de que nosso modo
de estarem relacionados, são processos distintos e essa
de pensar é o único legítimo e obrigou-nos a adotar o ponto de
compreensão implicará em uma prática pedagógica
vista do sujeito em desenvolvimento. Isto é fácil de dizer, mas
diferenciada.
muito difícil de aplicar coerente e sistematicamente (FERREIRO,
Para ela, as crianças que vivem em ambientes urba-
1987: 68).
nos, desde o seu nascimento, estão expostas a materiais
escritos e a ações sociais de escrita, obtendo diversas
Ao olhar o processo de aprendizagem, do ponto
informações acerca de alguns tipos de relações entre
de vista do sujeito que aprende (aluno), o que era ações e objetos. Pode saber, por exemplo, que usamos
considerado erro passa a ser visto como sinalizador letras para escrever, o que é e para que serve uma carta,
de como o sujeito está pensando, construindo o seu sem saber “escrever” e, muito menos, que tipo de texto
conhecimento. é uma carta.

O erro passa a ser construtivo, pois ele reflete a cons- Com certeza, os conhecimentos prévios adquiridos
trução de conhecimento do aprendiz e aponta para o no ambiente social ajudarão muito no processo de cons-
professor a necessidade de intervenções pedagógicas trução da linguagem escrita, mas não serão suficientes
adequadas. para a construção do objeto (linguagem escrita).

17
Todos os textos apresentados neste capítulo foram produzidos em 2007, por crianças de 5 e 6 anos, que estudam em um colégio privado,
na zona oeste da cidade do Rio de Janeiro. O colégio não utiliza cartilha e tem como proposta metodológica a escrita espontânea dos
alunos como deflagradora de atividades pedagógicas.
A construção do objeto de conhecimento implica muito mais se a escrita devesse começar diretamente com letras convencio-
36 que mera coleção de informações. Implica a construção de um nais bem traçadas. Tudo o que ocorria antes era simplesmente
esquema conceitual que permita interpretar dados prévios e novos considerado como tentativas de escrever e não como escrita
dados (isto é, que possa receber informações e transformá-la em (...). Não se supunha que a execução de tais garatujas ocorresse
conhecimento); um esquema conceitual que permita processos
simultaneamente com algum tipo de atividade cognitiva (...).
de inferência acerca de propriedades não-observadas de um de-
Mais ainda: quando as crianças começavam traçar letras con-
terminado objeto e a construção de novos observáveis, na base
do que se antecipou e do que foi verificado (IDEM: 66). vencionais, porém numa ordem não-convencional, o resultado
era considerado uma “má” reprodução de alguma escrita que por
Como já dissemos anteriormente, a pesquisa de Emí- certo, teriam observado nalgum outro lugar (IBIDEM: 68/69).
lia Ferreiro foi influenciada por Piaget, seu orientador,
que afirmava que as respostas do sujeito são apenas Podemos afirmar que aqui no Brasil, antes do trabalho
a manifestação externa de mecanismos internos de de Emília Ferreiro, a escola “não autorizava” a escrita
organização e que as respostas só podem ser classifi- espontânea. As crianças só escreviam aquilo que havia
cadas de “corretas” ou “incorretas”, quando tomamos
sido “ensinado” pelo professor. Só era aceita a escrita
o ponto de vista do observador (na maioria das vezes,
o professor) como sendo o único legítimo. que estava próxima à convencional (ortográfica).
Aqueles que “escreviam diferente” eram considerados
(...) Até há poucos anos as primeiras tentativas de escrever problemáticos e encaminhados aos especialistas (fono-
feitas pelas crianças eram consideradas meras garatujas, como audiólogos, psicólogos ou psicopedagogos).

Veja o texto abaixo, escrito por uma menina de 6 (seis) anos, em junho18. O que você acha deste texto?
O que essa menina já sabe sobre a língua escrita?

Com certeza esse texto é bem diferente dos que • Sabe que há uma relação sonora na escrita.
encontramos nas cartilhas. Ele está bem próximo dos • Sabe que há padrões na escrita, ou seja, palavras
textos que estão presentes na sociedade (texto narrati- iguais serão sempre grafadas iguais.
vo), nos livros de literatura. • Pensa que a escrita é uma transcrição da fala. Por
isso, escreve algumas palavras do mesmo jeito que
Vejamos o que esta menina já sabe e pensa sobre a
língua escrita: oraliza, inclusive juntando-as e/ou segmentando-as.
• Sabe contar uma história (início, meio e fim).
• Sabe que para escrever usamos letras e não rabiscos, • Sabe as características específicas de um texto nar-
números etc. rativo, como conto de fadas (final feliz) e as utiliza de
• Sabe que a palavra é um conjunto de letras que representa forma adequada (“viveram felizes para sempre”).
uma idéia e que por isso, não basta colocar qualquer letra.

“A sereia viu um marinheiro no mar. O marinheiro viu a sereia. Ele se casou com a sereia lá no fundo do mar, porque o marinheiro
18

no mar ele virou sereio. Ele pôde se casar com a sereia e viveram felizes para sempre”.
Você percebeu que um olhar cuidadoso, investigati- pouco contato que a criança possui com o material
vo pode revelar o que o aluno já sabe e como pensa? escrito. Sendo assim, uma boa prática pedagógica deve 37
Percebeu que como “saber olhar” muda a qualificação garantir o acesso das crianças aos textos escritos que
do “erro”? estão presentes na sociedade.

Esta menina ainda precisa construir alguns conceitos Ao observar o processo de construção da escrita de
ortográficos, mas com certeza já compreendeu que a inúmeras crianças, Emília Ferreiro constatou que este
escrita é um sistema de representações. processo atravessa alguns níveis, que representam as
hipóteses que as crianças elaboram sobre a escrita.
O texto acima demonstra que as crianças pensam
sobre a escrita e que esta não é aprendida por meio Isso não significa que a criança que pensa que uma
de cópias ou exercícios mecânicos. É um trabalho de letra é suficiente para grafar uma sílaba, por exemplo,
reflexão, o aprendiz precisa compreender seu processo escreverá todas as palavras desta forma até criar uma
de construção e suas normas de produção. nova hipótese. O que observamos nos seus textos é o
predomínio de alguma hipótese, porém, poderemos
Para Emília Ferreiro, as crianças reinventam a escrita ter até palavras grafadas ortograficamente corretas,
e seu aprendizado é um processo de construção pessoal, pois a familiaridade com elas a fez decorá-las e não
que de certa forma, recria o processo de construção da “questioná-las”.
escrita vivenciado pela humanidade: “a ontogênese
repete a filogênese”. Podemos perceber também que as crianças, em um
determinado momento, possuem diferentes hipóteses
Os resultados das pesquisas de Emília Ferreiro sobre a escrita e vão testando-as. É muito comum
permitem que, conhecendo a maneira como a criança encontrarmos em um mesmo texto, a mesma palavra
concebe o processo de escrita, as teorias pedagógicas e grafada de formas diferentes.
metodológicas apontem caminhos a fim de que os erros
mais freqüentes no processo de alfabetização possam Outra situação muito comum é uma criança escrever
ser evitados, desmistificando certos mitos vigentes em uma palavra ortograficamente correta em um texto e
nossas escolas. Por isso, afirmamos que construtivismo dias depois escrever a mesma palavra de forma dife-
é uma fundamentação metodológica e não um método rente. Às vezes, ela muda a grafia do seu próprio nome
em si, pois não pretende apontar o passo a passo para (Márcia/Marssia/Marsia), pois começa a refletir sobre
a alfabetização, mas sim princípios que devem nortear as informações recebidas sobre as possíveis formas de
a prática pedagógica. grafar o mesmo som.

Para Emília Ferreiro e Ana Teberosky19, a grande Por mais que pareça que há uma “regressão” na
maioria das crianças, na faixa dos seis anos, já faz aprendizagem da escrita, esses “erros” demonstram que
corretamente a distinção entre texto e desenho, saben- a criança está pensando, raciocinando sobre a língua e
do que o que se pode ler é aquilo que contém letras. ainda não estabilizou a sua hipótese, ou seja, ela ainda
Algumas crianças ainda persistem na hipótese de que não construiu o conceito necessário para dominar de-
tanto se podem ler as letras quanto os desenhos. As terminada característica do sistema de representação
pesquisadoras acreditam que isso é conseqüência do que é a escrita.

19
Pesquisadora reconhecida internacionalmente, é doutora em Psicologia e docente do Departamento de Psicologia Evolutiva e da
Educação da Universidade de Barcelona. Atua também no Instituto Municipal de Educação de Barcelona desenvolvendo trabalhos
em escolas públicas. Parceira de Emília Ferreiro em suas pesquisas, é co-autora do livro Psicogênese da Língua Escrita, publicado no
Brasil, em 1984, pela editora Artes Médicas.
Veja o texto abaixo20, produzido por um menino de 6 anos, para a reescritura da fábula de Esopo. Observe
38 como ele escreve os verbos no passado e como ele utiliza o “L” e o “U” no final das palavras.

Percebemos que ele sabe fazer a flexão dos verbos Nível Pré-silábico
para o passado e que percebe também o som das letras
“L” e “U” no final das palavras, que é muito parecido,
Neste nível, a criança começa a diferenciar desenho e
porém, ele ainda não tem certeza em que situação deve escrita. Suas tentativas dão-se no sentido da reprodução
usá-las (questão meramente ortográfica), por isso grafa dos traços básicos da escrita com que elas se deparam no
sel (seu), largol (largou) e penssou (pensou). Toda a cotidiano. O que vale é a intenção, pois, embora o traçado
sua grafia não é aleatória, representa os seus conheci- seja semelhante, cada um “lê” em seus rabiscos aquilo que
mentos e reflexões sobre a linguagem escrita. quis escrever. Desta maneira, cada um só pode interpretar
a sua própria escrita, e não a dos outros.
Os Diferentes Níveis do Processo de
Construção da Escrita A criança elabora a hipótese de que a escrita dos
nomes é proporcional ao tamanho do objeto ou a que
está se referindo. Nesta lógica, a palavra “elefante”
Passaremos a descrever, de forma sucinta, os ní- deve ser muito maior (ter mais letras) que a “formiga”.
veis identificados por Emília Ferreiro no processo Não há uma relação sonora.
de construção da escrita. Lembramos que estas
fases são divisões meramente didáticas, para que A hipótese central é de que para ler coisas diferentes
possamos compreender melhor este processo. Se- é preciso usar formas diferentes. A criança procura
gundo a autora, não há um tempo específico para as combinar de várias maneiras as poucas formas de letras
crianças passarem por determinado nível e nem para que é capaz de reproduzir.
permanecerem nele. Sendo a escrita uma construção
individual, cada sujeito vivenciará este processo Neste nível, ao tentar escrever, a criança respeita
de forma particular, dependendo das experiências duas exigências básicas: a quantidade de letras (nunca
vivenciadas e das mediações/intervenções ocorridas inferior a três) e a variedade entre elas (não podem ser
(por adultos ou crianças). repetidas). É muito comum, nesta fase, a criança uti-

20
“O Cão e a carne/ Um cão caminhava perto de um riu com um pedasso de carne. Ele vil sel próprio reflequisso na água e penssou
que avia um novo pedasso de carne. Na água e largol sel pedasso de carne antigo para pegar o outro./Moral: É melhor ficar com o já
tem”. (grifo nosso)
lizar as letras do seu nome ou de palavras que lhe são Você observou que ambas já utilizam letras, porém
familiares (rótulos e nome de colegas, por exemplo). sem nenhuma relação sonora? Que não há nenhuma 39
escrita em que tenha só uma letra? Ou só com um tipo
Veja os textos abaixo: de letra?

Menina, 5 anos Observou que o menino utiliza cinco letras para es-
crever lobo e quatro para escrever borboleta?

Nível Silábico

Aqui as crianças compreendem que a diferença na


representação escrita está relacionada com a sono-
rização das palavras. São feitas tentativas de dar um
valor sonoro a cada uma das letras que compõem a
palavra. Este nível pode ser subdividido em silábico
e silábico-alfabético.

No nível silábico, cada grafia traçada corresponde a


uma sílaba pronunciada, podendo ser usadas letras ou
outro tipo de grafia, sem estabelecer necessariamente
uma relação sonora. Há, neste momento, um conflito
entre a hipótese silábica e a quantidade mínima de
letras exigida para que a escrita possa ser lida. As
crianças nesta fase precisam usar duas formas gráficas
para escrever palavras com duas sílabas, o que vai de
encontro às suas idéias iniciais de que são necessários,
1- leopardo pelo menos, três letras. Este conflito a faz caminhar
2- lobo para outra fase.
3- raposa
4- borboleta Observe o texto abaixo, veja como a criança oscila
5- cavalo nas suas hipóteses. Em algumas sílabas estabelece a
6- pato relação sonora, em outras não. Grafa algumas palavras
A raposa vive na toca. ortograficamente corretas, porém esses conhecimentos
não ajudam na escrita de outras palavras (escreve lobo
e cvol/cavalo). Porém, ela, na maioria das palavras,
Menino, 5 anos garante uma letra para cada sílaba.

Menino, 5 anos

1- leopardo
2- lobo
3- raposa
4- borboleta
5- cavalo
6- pato
O lobo corre na floresta.
O leopardo vive na montanha.
No nível silábico-alfabético ocorre a transição da
40 hipótese silábica para a alfabética. O conflito que se 1- leopardo
estabeleceu – entre uma exigência interna da própria 2- lobo
criança (o número mínimo de letras) e a realidade 3- raposa
das formas que o meio lhe oferece, faz com que ela 4- borboleta
procure soluções. Ela começa a perceber que escrever 5- cavalo
é representar progressivamente as partes sonoras das 6- pato
palavras, ainda que não o faça corretamente. Escolhe O pato nada lagoa.
as letras que utilizará para estabelecer a relação sonora
de forma ortográfica ou fonética.
Nível Alfabético
Observe o texto abaixo. Veja como o menino usa uma
vogal para cada sílaba, mantendo a relação sonora. É atingido o estágio da escrita alfabética pela com-
Observe como escreve lobo e pato. preensão de que cada um dos caracteres da escrita
(letras) correspondem a valores menores que a sílaba,
Menino, 5 anos e que uma palavra, se tiver duas sílabas, exige, por-
tanto, dois movimentos para ser pronunciada, logo,
necessitará mais do que duas letras para ser escrita. A
criança começa a compreender que, a partir do alfa-
beto, pode formar a representação de inúmeras sílabas
(elementos sonoros), mesmo aquelas sobre as quais
não se tenham exercitado, podendo escrever qualquer
palavra da língua.

A criança começa a entender que a escrita supõe a


necessidade da análise fonética das palavras e que a
identificação do som não é garantia da identificação
da letra, o que pode gerar as famosas dificuldades
ortográficas.

Observe os textos abaixo. Observe a grafia das pala-


vras vive e selva. As dificuldades apresentadas não são
1- leopardo
mais de natureza sonora e sim de natureza ortográfica,
2- lobo
visto que a ortografia21 é uma convenção cultural.
3- raposa
4- borboleta
Menina, 5 anos
5- cavalo
6- pato
A raposa “ vivi” na toca.

Veja que no texto abaixo a menina já acrescenta outras


letras para representar a sonoridade da palavra. Não são
letras aleatórias, são grafemas que correspondem aos
fonemas, porém, às vezes, usa mais de uma letra para
representar o som. Algumas sílabas já aparecem.

Menina, 5 anos

21
Discutiremos essa questão na próxima unidade.
Menino, 5 anos favoreçam a reflexão da criança sobre a escrita, porque
é pensando que ela aprende. 41
Não podemos esquecer que a teoria construtivista
foi entendida de forma equivocada aqui no Brasil, na
década de 80. Talvez por traduções de livros não muito
boas, por leituras fragmentadas ou por falta de maior
reflexão sobre o fazer pedagógico; muitos educadores
acreditavam que bastava apresentar diversos textos
para as crianças e deixá-los expostos na sala, que
elas iriam compreender, por si só, como a linguagem
escrita se estrutura. Sem intervenção pedagógica não
há aprendizagem na escola.

Outros autores apresentam diferentes formas de en-


tender o processo de aquisição da escrita pelas crianças.
Smolka22 (1989: 45-63), por exemplo, diz que podemos
entendê-lo sob diferentes pontos de vista: o ponto de
vista mais comum onde a escrita é imutável e deve se
Conhecer as hipóteses que as crianças constroem seguir o modelo “correto” do adulto; o ponto de vista
para a escrita e, conseqüentemente, o nível em que se do trabalho de Emília Ferreiro onde escrita é um ob-
encontram, não pode ser mais uma forma de rotular as jeto de conhecimento, levando em conta as tentativas
crianças (Pré-silábica, Silábica ou Alfabética) e nem individuais infantis; e o ponto de vista da interação,
de organização de grupos/turmas homogêneas. Esse o aspecto social da escrita, onde a alfabetização é um
conhecimento (diferente níveis) só será útil para que processo discursivo. Para ela,
o professor conhecendo o processo de construção do
seu aluno, possa planejar atividades que contribuam não se “ensina” ou não se “aprende” simplesmente a ler e
para o seu avanço. Cabe ao professor propiciar opor- escrever. Aprende-se uma forma de linguagem, uma forma de
tunidade para que as crianças possam desestabilizar interação, uma atividade, um trabalho simbólico (...). O diálogo
as suas hipóteses. que se estabelece em torno de um desenho, de uma história
lida pela professora ou de um evento qualquer no cotidiano das
A criança tem a sua frente um longo caminho até crianças é fundamental no processo de elaboração, de produção
chegar à leitura e à escrita da maneira que nós, adultos, compartilhada de conhecimento. A criança aprende a ouvir,
a concebemos, percebendo que cada som corresponde entender o outro através da leitura; aprende a falar e a dizer o
uma determinada forma; que há grupos de letras se- que quer pela escrita. (SMOLKA, 1989: 45-63).
paradas por espaços em branco, grupos estes que cor-
respondem a cada uma das palavras escritas; que uma Mais recentemente, o trabalho de Emília Ferreiro tem
letra pode ser uma palavra. São muitos conhecimentos sido estudar o impacto das novas tecnologias, compu-
necessários para se aprender a ler e escrever. tador, por exemplo, nas formas de ler e escrever. Sua
contribuição tem sido no sentido de nos mostrar como
Diante de tudo que foi apresentado aqui, fica claro os conceitos de leitura e escrita foram modificados ao
porque as pesquisas de Emília Ferreiro revoluciona- longo da história da humanidade, sofrendo grandes
ram a discussão sobre alfabetização, seus métodos e mudanças com a chegada da imprensa e dos micro-
as cartilhas. computadores. Ler no século XXI é bem diferente de
ler no início do século XX, e muito mais diferente do
Muitos autores criticam o trabalho de Ferreiro ale- que ler no século XVIII.
gando que, de certa forma, as suas pesquisas ignoraram
os aspectos culturais no processo de aquisição da escri- As mudanças envolvem desde a forma de leitura ao
ta e que o construtivismo não foi capaz de dar conta das material lido até aos objetivos. Será que as nossas avós
crianças que fracassam na escola. Cabe ressaltar que o poderiam imaginar que utilizaríamos a leitura para
trabalho da pesquisadora argentina não tem a intenção fazermos um curso a distância? Sem dúvida, basta a
de dar indicações de como produzir ensino. Isso cabe multiplicidade de objetivos da leitura e da escrita para
aos professores que devem organizar atividades que termos certeza que seu conceito mudou.

22
Pesquisadora e professora do Departamento de Psicologia Educacional da Faculdade de Educação da UNICAMP.
Exercícios de Fixação
42
1 - Assista ao filme Central do Brasil (1998), de Walter Salles, com Fernanda Montenegro, Vinícius de Oli-
veira, Marília Pêra, Othon Bastos, Matheus Nachtergaele, Soia Lira, Otávio Augusto, Caio Junqueira e Stella
Freitas.

O filme retrata a vida de Dora e Josué. Ela, uma professora aposentada que ganha a vida escrevendo cartas
para analfabetos, na maior estação de trens do Rio de Janeiro (Central do Brasil). Ele, um garoto pobre, que
com oito anos de idade perde sua mãe no Rio de Janeiro e sonha com uma viagem ao Nordeste para conhecer o
pai. Identifique na relação de Dora com os seus “clientes” o nível de letramento deles. Releia o capítulo sobre
letramento. Tente escrever com as suas palavras o conceito de letramento.

2 – Você já deve ter iniciado o seu estágio. Procure visitar uma turma que esteja no processo inicial de alfabe-
tização. Observe o trabalho desenvolvido com os alunos e converse com a professora. Identifique:

a) Qual é a concepção de aprendizagem que embasa a prática do professor?


b) Há um método de alfabetização explicito? Qual?
c) Como é feito o trabalho de alfabetização? Com cartilhas? Com textos?
d) Há exercícios grafo-motores preparatórios?
e) Há atividades que desenvolvem a oralidade? Quais?
f) Há valorização do conhecimento prévio das crianças?
g) Como é feita a produção de texto pelas crianças? Há valorização da escrita espontânea da criança?
h) Há propostas de atividades de escrita espontânea? De que tipo?
i) Que tipo de texto é trabalhado com as crianças (nome, contos, cartazes, anúncios, propagandas, receitas,
listas, notícias, textos científicos)?
j) Há coerência entre a proposta de atividade e os textos em seus usos sociais?

Após o registro das suas observações, faça uma análise crítica do que constatou, buscando justificar a sua
análise nas discussões apresentadas neste material.

Peça autorização à professora da turma para fazer cópia de algumas produções infantis, analise-as e guarde
para dar continuidade na próxima unidade deste material.

3 - Análise de Cartilha.
Escolha uma cartilha, de preferência uma que esteja sendo utilizada no seu local de estágio ou por alguma
criança que você conhece. Faça uma análise do seu conteúdo.

a) Há atividades de período preparatório?


b) Como o alfabeto é apresentado?
c) Há gradação dos fonemas? Do fácil para o difícil (visão do adulto)?
d) Como são os textos? São parecidos com os que encontramos no contexto social?
e) Há família silábica?
f) As gravuras são coerentes com os textos? Dão pistas para a leitura?
g) O trabalho proposto na cartilha permite que as crianças construam e testem as suas hipóteses sobre a escrita?
h) As atividades permitem a produção de textos espontâneos?
i) Qual concepção de aprendizagem que está embutida na cartilha?
j) Há valorização do conhecimento prévio das crianças?

4 – Pesquisando sobre como as crianças pensam a escrita.

A proposta é que você pesquise junto a crianças de 4, 5 e 6 anos, as hipóteses que possuem sobre a construção
da escrita. Vamos tentar reproduzir, de forma muito sintética, o que Emília Ferreiro fez em suas pesquisas.

Faça o teste com crianças das três faixas etárias (4, 5 e 6 anos). Anote as suas respostas. Se for possível, grave
para depois transcrevê-la. Em momento algum você dirar que está certo ou errado. O objetivo é perceber a lógica
da criança. O teste deverá ser feita individualmente, para que não haja interferência na resposta.
a) Apresente os seis cartões abaixo (três imagens e três palavras) e peça para que digam se todos podem ser
lidos. Após a resposta peça para que expliquem o porquê. As palavras foram escolhidas por terem quantidade 43
de letras diferentes e possuírem relação inversa com o tamanho dos objetos.

b) Agora peça que associem as palavras aos desenhos. Anote o que fizeram e depois pergunte por que ela
associou determinada palavra a determinada gravura. Você não dirá se está certo ou não. Podemos ter crianças
que associem a palavra trem ao desenho da formiga, estabelecendo uma relação direta entre tamanho do objeto
e quantidade de letras da palavra. As crianças maiores que estão na escola poderão fazer a associação pela letra
inicial. Registre.

c) Apresente para ela alguns cartões com falsas palavras, como os abaixo. Peça para que diga quais podem ser
lidas. Anotem as respostas e pergunte o porquê.

d) Converse com elas sobre animais, compras de supermercado ou objetos escolares. O objetivo é você ditar
uma pequena lista para ela escrever. Mas para isso você deve se certificar que ela conhece o nome dos objetos
que você escolheu (animais, frutas etc.).

As palavras que você escolher deverão ser para todas as crianças. Peça que escrevam do jeito que sabem ou
pensam que escreve. Por exemplo:

1- Vaca
2- Ovelha
3- Formiga (observe se ela procurará o cartão da atividade b)
4- Boi
5- Pata

Depois peça que escreva uma frase com o nome de um dos animais. Caso alguma criança grafe palavras di-
ferentes da mesma forma, questione se isso é possível. Anote a solução que ela dará.

De posse dos dados da pesquisa, retome a leitura das contribuições de Emília Ferreiro e procure identificar as
hipóteses que as crianças possuem sobre a linguagem escrita. Identifique o que já sabem e o que ainda precisam
saber para escreverem ortograficamente.

Leitura Complementar

Acesse: www.novaescola.abril.com.br/ed.143-jun01 e leia a entrevista com Emília Ferreiro.

Leia o livro Reflexões sobre Alfabetização, de Emilia Ferreiro, editora Cortez. Foi um dos primeiros livros
da autora no Brasil, talvez o mais divulgado. Nele você encontrará quatro artigos da pesquisadora que faz uma
análise do processo de construção da escrita das crianças.
Leia o livro Com todas as Letras, também de Emilia Ferreiro, da editora Cortêz. Aqui, além de discutir sobre A
44 Construção da Escrita na Criança (capítulo 3), ela faz uma reflexão sobre a alfabetização na América Latina.

Leia o livro Psicogênese da Língua Escrita, de Emilia Ferreiro e Ana Teberosky, publicado no Brasil, em
1984, pela editora Artes Médicas. Neste livro as autoras apresentam toda uma teoria para a construção da escrita
a partir de suas pesquisas. Por ser um livro denso, talvez fosse melhor lê-lo após a leitura do Reflexões sobre
Alfabetização.

Leia o livro Passado e Presente dos verbos LER e ESCREVER, também de Emilia Ferreiro, da editora Cortêz.
É um livro belíssimo onde ela discute os conceitos de leitura e escrita ao longo dos tempos.

Leia também Cultura Escrita e Educação, de Emilia Ferreiro, da editora Artmed. Aqui a autora discute as
mudanças ocorridas no processo de escrita com a introdução das novas tecnologias.

Leia A criança na fase inicial da escrita: a Alfabetização como processo discursivo, Ana Luiza Bustamante Smolka.
7. ed. São Paulo: Cortez, 1996. A autora apresenta outros aspectos para a compreensão do processo de construção da
escrita pelas crianças. Muitas situações de sala de aula são descritas e analisadas pela pesquisadora.
UNIDADE III 45

ALFABETIZAR LETRANDO: A CONSTRUÇÃO DE UMA PRÁTICA

Desde cedo as crianças participam de situações so- Quem participa e observa situações sociais mais efe-
ciais e lidam com a linguagem como qualquer dono da tivas de leitura e de escrita sempre possui algum tipo
língua que fala. Elas aprendem a falar falando, usando de conhecimento prévio sobre seu uso.
a linguagem no seu contexto natural. Desde pequenas
elas ouvem histórias, escutam notícias de jornais e Com certeza, a escola não é a única via de acesso
televisão, cantam música, contam piadas. Na realidade, para o contato e o uso da escrita e da leitura, mas é a
como todo falante, já possuem uma gramática da língua instituição responsável pelo ensino formal da apren-
interiorizada e não pedem permissão para aprender dizagem da escrita.
as regras sociais, que envolvem o uso da linguagem,
necessárias para falar e/ou escrever no seu dia-a-dia. Fora da escola, as crianças interagem com diferentes
situações sociais e sofrem influências de diversos tipos
Como vimos anteriormente, os alunos ao chegarem de leitura e escrita que encontram nos textos que cir-
à escola já trazem muitos conhecimentos que são fun- culam no contexto social e que servem como modelos
damentais para a aprendizagem da linguagem escrita. para as suas escritas.

Fonte: QUINO. Toda Mafalda - da primeira à última tira. São Paulo: Martins Fontes, 2000.

Por ser um usuário da língua que fala e ouve, a que vivenciam. Reafirmamos que esses conheci-
criança possui alguns conhecimentos lingüísticos, mentos contribuirão no seu processo de aquisição
conhecimentos sobre a estrutura de diferentes tex- da linguagem escrita e como nos lembra Mafalda,
tos e conhecimentos sobre determinados temas e a escola deve se apropriar dos textos que estão na
assuntos, ou seja, possuem muitas idéias, hipóteses sociedade e não criar textos que só encontramos no
e convicções pessoais sobre o ato de ler e escrever espaço da sala de aula.

Fonte: QUINO. Toda Mafalda- da primeira à última tira. São Paulo: Martins Fontes, 2000.

Em síntese, aprender a ler e escrever envolve aspectos ignorados pelo educador que esteja comprometido com
culturais, sociais e lingüísticos, que não podem ser a aprendizagem de seus alunos.
3.1 - Saberes Necessários para Ler e Escrever
46
A alfabetização é um processo que envolve a • quais são as letras e em que seqüências elas podem
linguagem oral e escrita e, portanto, precisa se ocorrer;
colocar como um problema lingüístico, na sua • que as letras representam partes sonoras das palavras
essência primordial. que falamos;
• quais os valores sonoros que as letras assumem em
Cagliari nossa escrita.

A nossa língua é um sistema fonográfico do tipo alfabé- Após compreender o princípio alfabético, o aluno
tico ortográfico, ou seja, de forma simplificada podemos terá grandes chances em escrever corretamente a pa-
dizer que representamos os nossos pensamentos e idéias lavra bola, pois não existem opções de representações
por meio da escrita de palavras que tentam representar diferentes, pode-se até seguir apenas a fala. Mas na
as idéias oralizadas (fonográfico) utilizando símbolos escrita da palavra mato, haverá um desafio porque,
(alfabeto) que precisam estar dispostos obedecendo à para representar o som final de u, não se pode se guiar
relação sonora e à convenção cultural (ortografia). Isso apenas pela fala, já que escreve-se com a letra o. Isso
significa que quando pensamos em um animal mamífero, porque nosso sistema ortográfico necessita utilizar
peludo, que tem a banana como seu alimento preferido, outras formas de registros onde existem casos em que
podemos representar essa idéia escrevendo a palavra um mesmo som pode ser grafado com mais de uma letra
MACACO. Para que eu possa comunicar a minha idéia, como em outros em que a mesma letra pode representar
eu tenho que escrever as letras nesta seqüência, mesmo sons diferentes (xícara e táxi).
que, como carioca, eu fale“macacu”.
A competência alfabética e a competência ortográfica
Pretendemos abordar neste capítulo algumas questões são de naturezas diferentes, porque a lógica que serve
sobre a estrutura da nossa língua que são fundamentais para aprender, na primeira (relacionando os sons da
para o conhecimento do professor alfabetizador e, por fala com suas representações gráficas), não é suficiente
conseguinte, deverão subsidiar a prática pedagógica. para aprender, a segunda (que guia-se por convenções
e regras). Assim, a compreensão do processo de leitura
Como vimos, sabemos hoje que para aprender a ler e exige conhecimentos técnicos de lingüística, e da na-
a escrever é preciso que o aluno entenda que a escrita tureza, função e usos dos sistemas de escrita.
representa a linguagem relacionando-a com a fala,
para que percebam qual é a lógica de organização do Miriam Lemle23 em seu livro Guia Teórico do Alfa-
sistema alfabético. betizador, que teve a sua primeira edição em 1987,
aponta algumas relações complicadas entre sons e le-
O sistema alfabético organiza-se tentando representar tras, tendo como referência o dialeto carioca. Apesar de
com diferentes formas gráficas (letras do alfabeto) os seu trabalho ser focado na variação regional da língua
diferentes sons da fala. na cidade do Rio de Janeiro, os destaques sobre esses
conhecimentos lingüísticos nos permite pensar sobre
Assim, para adquirir uma competência alfabética, o qualquer dialeto.
aluno precisa aprender alguns conhecimentos sobre o
funcionamento da escrita alfabética. Segundo Cagliari Na língua portuguesa, temos poucos casos de cor-
(1999), é necessário saber: respondência biunívoca entre sons da fala e letras do
alfabeto, ou seja, poucos são os casos em que um som
• as formas das letras e a direção da escrita (aspectos terá apenas uma letra correspondente ou vice-versa.
gráficos e de convenção);
• que é preciso haver uma variedade interna nas Das vinte e três letras do alfabeto, apenas sete pos-
grafias das palavras; suem correspondência biunívoca, no dialeto carioca.

Fonte: LEMLE, M. Guia Teórico do Alfabetizador. São Paulo: Àtica, 2004

23
Miriam Lemle é professora de Lingüística na Universidade Federal do Rio de Janeiro e coordenadora do Laboratório CLIPSEN
- Computações Lingüísticas: Psicolingüística e Neurofisiologia (http://www.letras.ufrj.br/clipsen).
Chamamos de fonema, em lingüística, uma unidade de som carac- Agora vejamos outra “relação complicada”, onde
terizada por um dado feixe de traços distintos. Traços distintos são não há correspondência biunívoca. Dependendo da 47
características de som que são relevantes na diferenciação entre uni- posição da letra na palavra, ela terá um som diferente.
dades do sistema. Por convenção, esse tipo de unidade é representado Leia em voz alta cada exemplo. Observe o que você
entre barras inclinadas (/ /) (Lemle, 2004, pág.18). fala e compare com a forma escrita.

Fonte: LEMLE, M. Guia Teórico do Alfabetizador. São Paulo: Ática, 2004 .

Observe que para grafarmos usamos a mesma letra (s), Vejamos agora o contrário: o mesmo som, porém,
porém falamos [duazarvores], [ reisto ]. Da mesma forma grafado com diferentes letras.
que grafamos com (l), mas falamos: [cauma], [sau]. Usa-
mos a letra ( o ) na escrita e falamos [bôlu] , [cóva].

Fonte: LEMLE, M. Guia Teórico do Alfabetizador. São Paulo: Ática, 2004.


Preste atenção nos exemplos dados para o som / i /. (2004), este caso é o mais difícil para a aprendiza-
48 Falamos [pinu], [padri], [morti], mas ao grafarmos usa- gem da língua escrita, pois não há qualquer princípio
mos i (pino) ou e (padre, morte), de acordo com a grafia fônico que guie quem escreve na escolha entre as
correta (ortografia). letras concorrentes. O dicionário é o grande aliado
para escrita ortográfica da palavra, além de guardá-
Ainda temos os casos da “situação de concorrên- las na memória, por meio de diversos contatos com
cia”, em que mais de uma letra, na mesma posição, a mesma. Observe o quadro abaixo:
pode representar o mesmo som. Segundo Lemle

Fonte: LEMLE, M. Guia Teórico do Alfabetizador. São Paulo: Àtica, 2004.

Escrevemos casa ortograficamente correta, pois já de- alfabetizandos. É que eles acabaram de ter aquele
coramos a sua grafia. Porém aqueles que estão inician- maravilhoso estalo, aquela revelação de que letras
do-se no mundo da escrita poderá grafar [caza] ou até simbolizam sons, logicamente pensam que há fide-
mesmo [Kaza], visto que usamos as letras K, y e W24 lidade conjugal entre letras e sons: cada letra com
em diversas palavras presentes nos textos cotidianos, seu som, cada som com a sua letra. Assim é que as
principalmente em nomes de pessoas e marcas. coisas deviam ser, não é mesmo? O alfabetizando
é coerente ao supor que o som [i] corresponde
É claro que essas situações de poligamia e sempre a letra i, e que o som [u] corresponde
poliandria trazem problemas de escrita para os sempre à letra u. (LEMLE, 2004: 19)

24
Está sendo assinado um acordo lingüístico entre os países que falam o português para incorporarem ao alfabeto estas três letras.
Analise o texto a seguir. Ele foi produzido por uma e escreva as palavras ortograficamente correta. O que
criança de 6 anos, em um colégio da cidade do Rio de você pode concluir? 49
Janeiro. Identifique os erros ortográficos. Relacione-os
Você deve ter concluído que a maioria dos “erros” objetivo. Assim, eles compreenderão como a língua
50 foi causada pela ”infidelidade” da relação fonema/ está organizada e que temos muitas possibilidades de
grafema, com letras concorrentes, conforme vimos grafar o mesmo som. Lembre-se que este tipo de ativi-
nos quadros anteriores e que alguns, pela transcrição dade é para aqueles que já escrevem alfabeticamente e
fonética (escrever da forma que se fala), por exemplo: que apresentam dificuldades ortográficas (convenção).
dormi/dormir, convido/convidou, cigure/segure. Antes de chegar a esse nível temos um caminho longo
a percorrer.
Lemle (2004) nos alerta para o fato de que todo al-
fabetizador deve entender que “as partes do sistema Tenha claro que o seu trabalho não é de mero “infor-
da convenção ortográfica que têm relação arbitrária mante” sobre questões da língua, mas sim de ajudar os
com os sons da fala variam de dialeto para dialeto” seus alunos a construir esses conhecimentos.
(pág 34). No Rio de Janeiro, falamos [futibol], [tia-
tru], enquanto em São Paulo fala-se [futebol], [tea- Um outro lingüista que tem contribuído muito para
tro]. As dificuldades vivenciada na aprendizagem a reflexão dos alfabetizadores sobre o trabalho a ser
da ortografia destas palavras serão bem diferentes desenvolvido, é Luis Carlos Cagliari25. No seu arti-
para cariocas e paulistas Enquanto os cariocas terão go O que é preciso saber para ler e escrever26, ele
que tomar uma decisão fonologicamente arbitrária aponta vinte nove noções, que ele considera básicas
(escrever e em vez de i, o em vez de u) os paulistas e indispensáveis, para que uma pessoa aprenda a ler
não terão problemas na grafia destas palavras, mas e conseqüentemente se alfabetize.
terão em outras, como porta.
Cagliari usa o termo decifração, não como sinôni-
Vivemos um paradoxo em relação às mudanças lin- mo de decodificação, mas sim como interpretação,
güísticas adotadas em um dialeto. Enquanto no Rio revelação do que está escrito, visto que ler e escrever
de Janeiro, “ninguém acha ‘feio’ a pronúncia de sal constituem processos complexos do desenvolvimento
com [u] ou feira ou beija sem o [i] (...) estigmatizam humano.
socialmente os que as fazem ouvir em sua fala: a
mudança do [l] em [r] ([pranta]), a perda de outros i Apresentaremos a seguir essas noções, de forma
([salaro]) (...) são tidas como marcas de inferioridade sucinta, não existindo uma ordem ou hierarquia entre
social” (LEMLE, 2004: 35). esses conhecimentos, “mas um sistema em que as
partes só adquirem significado quando encaixadas no
Por isso, é fundamental que o professor conheça os todo” (CAGLIARI,1999: 135), acrescentando um olhar
aspectos lingüísticos e considere, de forma respeitosa, pedagógico às questões apresentadas pelo lingüista:
o dialeto de seus alunos, compreendendo que essas
“pronúncias defeituosas” fazem parte do meio socio-
1 - Ser falante da Língua Portuguesa
cultural e que compõem o trabalho de alfabetização
que deve ser desenvolvido na Escola.
Todo falante tem um conjunto de regras que forma
Você deve estar se perguntando sobre o que fazer com a gramática da língua e esses conhecimentos são
estes conhecimentos lingüísticos. Eles deverão nortear muito importantes para que suas interpretações a
as atividades que você proporá aos seus alunos. É ne- respeito do que está escrito sejam corretas.
cessário que leiam textos diversos, pesquisem palavras (Cagliari, 1999)
em jornais, revistas... e as classifique de acordo com a
relação letra /som. Por exemplo: se os seus alunos estão Seria muito difícil se alfabetizar se não conhecêsse-
acreditando que há uma relação monogâmica entre mos nossa língua, estaríamos diante de algo que não
a letra s e o som /s/, peça que pesquisem e recortem compreenderíamos.
diversas palavras que possuem a letra s e após a leitura
de cada uma, arrume em colunas as que possuem som Considerando que o nosso aluno já é usuário da língua
de /s/, as que possuem som de /z/, as que são grafadas e que tem muitas experiências com a língua escrita no
com ss, fazendo-os refletirem sobre suas pesquisas. Há seu cotidiano, é importante que ofereçamos atividades
palavras iniciadas com s e que possuem som de /z/? em que esses saberes possam ser veiculados de forma a
Há palavras iniciadas com ss? Nas palavras em que garantir a fala, a escrita e a reflexão sobre a língua.
o s possui som de /z/, que letras antecedem o s? Que
letras o sucedem? etc. As perguntas dependerão do seu

25
Luis Carlos Cagliari é professor de lingüística aposentado da UNICAMP. Atualmente é professor adjunto MS-5 da Universidade Es-
tadual Paulista Júlio de Mesquita Filho, campus de Araraquara. Tem experiência na área de Lingüística, com especialidade em Fonética.
Atua também nas seguintes áreas: alfabetização, sistemas de escrita, ensino e aprendizagem, letramento. Suas áreas de pesquisa mais
recentes são: a prosódia, a ortografia e a história da ortografia da Língua Portuguesa.

26
Artigo publicado no livro Diante das Letras. Campinas: Mercado das Letras,1999; de sua autoria com Gladis Massini-cagliari.
Não podemos esquecer que a linguagem oral também No nosso sistema de escrita os espaços em branco de-
possibilita comunicar idéias, pensamentos e intenções terminam o significado das palavras. Escrever COM- 51
de diversas naturezas, influenciar o outro e estabelecer PADRE é diferente de escrever COM PADRE, pois
relações interpessoais; e que há variedade de fala. possuem significados diferentes na nossa língua.

Não basta deixar que as crianças falem, é preciso que Como nos disse Cagliari, mostrar o texto escrito para
as situações orais vividas na sala de aula representem as crianças ajuda a compreensão desta segmentação.
situações comunicativas significativas, e que percebam Podemos também produzir textos coletivos e escrevê-
as diferenças no grau de formalidade (a forma como se los diante delas para que percebam os espaços. Outra
fala com o colega é diferente da forma que se fala com forma é pedir que contem as palavras de uma frase
uma pessoa desconhecida, o governador, o prefeito). significativa. Que leiam o seu nome completo (nome
e sobrenome) e digam quantas palavras possuem.
2 - Saber a Diferença entre Desenho e Escrita
5 - O que é Palavra: Idéias, Sons-letras e
Saber que há diferença entre desenho e escrita, apesar Ortografia
de ambos serem representações gráficas. Toda escrita é
uma forma de desenho, mas o contrário não acontece. A palavra é a unidade básica de qualquer sistema de
O desenho refere-se aos objetos do mundo e a escrita escrita, inclusive do alfabético, por causa da orto-
refere-se à linguagem oral. O desenho não representa grafia. A noção de palavra não é importante somen-
a palavra. São os objetos que têm nome. Já a escrita, te como fruto de segmentação da fala para costituitr
representa a palavra (o nome que damos às coisas) e unidade de escrita. Ela tem a ver com o significado.
não os objetos em si. É também uma unidade de significado
(CAGLIARI, 1999: 138)
3 - Não se Escreve com Rabiscos, Bolinha etc.
Palavra não é um amontoado de letras. Ao ler, o su-
É importante levar as crianças a perceberem que usamos jeito precisa identificar na palavra escrita o significado
um inventário pequeno de sinais (letras) para escrever e que na língua. Diante da palavra casa, por exemplo, se o
podemos usar somente os símbolos desse conjunto (alfabeto) aluno ler [kassa], encontrará um significado na língua
se quisermos comunicar a nossa idéia, pois usamos a escrita (verbo caçar), mas talvez o contexto não lhe permita
em sociedade e não apenas para nós mesmo. atribuir um sentido ao que leu. Já um sujeito que
diante da mesma palavra achar que está escrito [saza]
Muitas crianças usam bolinhas e rabiscos por acredi- não descobriu nenhuma palavra da língua. Um bom
tarem que escrever é fazer uma representação gráfica exemplo é uma criança que já lia, esbarra com a frase
associada a uma fala, por isso escrevem e lêem ime- “Mamãe bebe mate” e não a lê. A professora insiste em
diatamente. dizer que ele sabe ler, até que ele diz: “Minha mãe não
mata ninguém!”. Podemos inferir que a palavra mate
Uma boa intervenção para mostrar que esses rabiscos para ela tem um significado bem diferente de bebida
e que não fez sentido para ela a junção do verbo beber
não são suficientes é anotar o que a criança leu, no verso
com o verbo matar.
da sua folha, e dias depois pedir para ela ler novamente.
Provavelmente lerá outra coisa bem diferente do que
disse anteriormente. Diga para ela o que ela disse quan- 6 - Controlar o Significado das Palavras em
do fez aquela escrita e diante do seu espanto, pergunte Segmentações
o que deve ter acontecido. As respostas poderão ser
variadas e refletirão a hipótese que a criança tem, neste
momento, sobre o que é escrever. Ao segmentar a fala para descobrir as fronteiras de
palavras, é necessário ficar atento ao significado e se
guiar por ele. É preciso levar as crianças a descobri-
4 - A Fala Aparece na Escrita Segmentada rem que o que está escrito implica na descoberta do
em Palavras significado não apenas dos sons.

Temos aqui duas idéias importantes. Para a criança, a sua ex-


A escrita não é uma representação sonora da fala.
periência lingüística está centrada na linguagem oral. Do ponto
de vista da percepção auditiva, a linguagem oral é um contínuo, Se eu desejo representar a idéia de que “A menina
interrompido às vezes por pausas. Não há nenhuma dica que comprou uma roupa nova” eu não posso escrever:
mostre aos ouvintes onde começam e acabam as palavras.(...) No “Ame nina com prou umarou panova”. Apesar desta
entanto, o nosso sistema de escrita exige que as palavras sejam
última frase possuir todos os segmentos sonoros, ela
escritas com um espaço em branco separando-as nas frases. Mos-
trando material escrito às crianças é facil explicar isto. Partindo não expressa/comunica uma idéia. Logo, não atinge
da fala, é mais complicado (CAGLIARI, 1999: 137). os objetivos da escrita.
7- Como Controlar as Seqüências de Sons e distinta. A cursiva é a menos recomendada, pois é
52 das Palavras nas Segmentações mais difícil saber onde começa e termina o traçado
de uma letra.
Antes de aprenderem a escrever, as crianças têm uma
excelente acuidade auditiva e facilidade para observar a
10 - O Alfabeto como um Conjunto de Letras
fala como um todo. No entanto, quando se trata de “teo-
rizar” sobre o que ouvem, ou seja, analisar, interpretar e É importante que, ao aprender a ler, o aluno tenha
explicar o que observam, tudo fica muito difícil. Sabendo sempre em mente que está lidando com um conjunto
dessa situação o professor poderá mostrar unidades pequeno de símbolos e que não há nada fora dele.
sonoras menores do que a palavra, fazendo-os observar “Para algumas crianças, o caos do mundo de escrita
rimas, sons iniciais dos nomes e de coisas, sons repetidos que existe ao redor leva-as a acharem que estão
como partes de palavras etc. Procedimento desse tipo leva diante de um conjunto aberto, em que sempre há
quase sempre à identificação de sílabas e não de vogais e
coisa nova aparecendo.Isto causa uma insegurança
consoantes. Por outro lado, o uso de pares mínimos (tipo
muito grande” (IBIDEM: 141/142).
bata-pata; vila-vela) ajuda muito a destacar segmentos
fonéticos constitutivos das sílabas. Com a atenção voltada
para a segmentação de enunciados em palavras e destas Montar diversos alfabetários (nomes, animais,
em unidades menores, como as sílabas e os segmentos fo- produtos etc) com as crianças possibilita a fami-
néticos do tipo vogal e consoante, o aprendiz terá melhores liarização com o alfabeto. É importante que esse
condições de entender como o sistema de escrita funciona material seja construído coletivamente para se
e como usar as letras (IDEM: 139). constituir um verdadeiro material de pesquisa.
Quando o alfabetário é construído pelo professor,
As atividades propostas por Cagliari devem ser feitas este colocará imagens/palavras que julga impor-
oralmente e com material escrito. tante, que são do seu contexto social, mas não
são, necessariamente, do universo dos alunos,
8 - Saber Segmentar a Fala para a Escrita: logo, poco ou nada contribuirão para ampliar o
Palavras, Consoantes e Vogais conhecimento dos alunos.

“Não basta saber analisar os sons da fala, é preciso 11 - O que é uma Letra: Unidade Abstrata
saber cortar as unidades de fala que vão ser represen-
tadas na escrita:as palavras e os segmentos consonan- A letra não é uma coisa concreta, mas abstra-
tais e vocálicos, deixando de lado as sílabas, uma vez ta, podendo ser comparada com os números e a
que estas não tem vez no nosso sistema de escrita.” matemática. “O aspecto material, físico, gráfico
(IBIDEM: 140). Lembre-se que o nosso sistema é al- é apenas um suporte”. Quando falamos letra A,
fabético ortográfico. “A partir de um enunciado oral, não estamos nos referindo a nenhuma letra A em
particular, mas a tudo que pode ser uma letra A,
o aluno precisa identificar as palavras e os segmentos
que é definido pela ortografia.
vocálicos que as compõem. Em seguida, precisa atri-
buir letras a esses segmentos vocálicos e reconstruir Há inúneras formas de grafar as letras (veja as “fon-
a palavra e, de palavra em palavra, chegar à frase”. tes” das letras no computador), mas reconhecemos
(IBIDEM: 139). todas porque existe uma noção abstrata do que seja
letra. Veja o quadro abaixo:
Isso não quer dizer que o trabalho de alfabetização
tenha que ser a partir das famosas” família silábica”.
Muito pelo contrário, o aluno só compreenderá acomo
a língua está estruturada a partir da análise de como
ela aparece no meio cultural (textos).

9 - Escreve-se com Letras

Apresentar o alfabeto é uma das coisas mais im-


portantes para alguém se alfabetizar.
Cagliari

É preciso que os alunos conheçam o conjunto de


sinais com os quais podemos escrever e saibam quais
os elementos o constituem (letras).

A letra de “forma maiúscula” é a mais recomen-


dada para quem está iniciando o processo de alfa- Fonte: CAGLIARI, L.C. Diante das Letras. Campinas: Mercado
betização, pois apresenta forma gráfica mais clara das Letras,1999.
Com o recurso do computador, podemos escrever das normas ortográficas. Para se decifrar uma escrita
os nomes das crianças em diferentes fontes para que é crucial que se chegue à palavra como um todo, quer 53
observem, que, apesar de terem traços diferentes, as no aspecto fonético, quer no aspecto semântico, um
letras são as mesmas. aspecto controlando o outro” (IBIDEM: 143).

12 - Categorização das Letras: a Unidade na 15 - O Princípio Acrofônico é um Ponto de


Variedade Partida. O Ponto de Chegada é a Ortografia

Vimos anteriormente a categorição gráfica das letras, Sendo o princípio acrofônico um ponto de parti-
agora veremos a categorização funcional, que é a da, mas não o ponto de chegada, é necessário que
função que as letras podem exercer. Função esta que os aprendizes tenham uma melhor compreensão a
é determinada pela ortografia. Por mais que, em cada respeito da ortografia como estruturadora do nosso
dialeto, uma letra possa representar diferentes sons, no sistema de escrita.
momento de escrever isso é unificado.
É necessário que se entenda a ortografia como uma
Em inglês, uma letra como A chama-se “ei” e serve para escrever convenção, mas que tem como objetivo maior facilitar
esse ditongo [ei], como na palavra table, que se pronuncia [teibl]. a comunicação entre as pessoas.
Em português, o A nunca é usado para representar esse ditongo,
mais pode representar o ditongo “ai”, como na palavra paz que 16 - Categorização Gráfica: Inúmeros Alfa-
é pronunciada [pas, pais ou paich], dependendo do dialeto (...) betos com as Mesmas Letras
Se um falante de um dialeto diz [paich] para a palavra paz, isto
significa que a letra A tem o som de [ai] nessa palavra (ou em A noção de categorização gráfica já foi explicada an-
contextos semelhantes em todas as palavras da língua, usadas teriormente e é por meio dela que aprendemos que não
nesse dialeto). Se em um dialeto, alguém diz [fizéru], [acharu], temos um único alfabeto (graficamente) e o que os une
para as palavras fizeram, acharam – isto significa que, para os “é o fato de as letras serem unidades abstratas que são
falantes desse dialeto, a letra A tem o som de [u] em contextos controladas pela categorização funcional, dada uma
semelhantes nas palavras da língua (IBIDEM: 143). mesma língua e uma ortografia” (IBIDEM: 147).

13 - O Nome das Letras 17 - Variação Gráfica das Letras Controlada


pela Ortografia
Entender o que significa o nome das letras é a chave
da decifração do sistema de escrita que, no nosso caso, A variação gráfica das letras não muda a função que
se chama princípio acrofônico (identificação das letras elas possuem porque o nosso sistema é alfabético or-
e atribuição a elas de sons). tográfico. A ortografia (maneira convencionada para
escrever as palavras) é mais importante que o aspecto
Assim que as crianças começam a se interessar pela alfabético. É importante que os alunos tenham idéias
escrita, elas começam a dar nomes às letras (L de Laura, claras sobre a noção de ortografia para entender o que
B de boné etc.) associando a nome de pessoas e objetos. são as letras e como funcionam.
Cabe à escola ensiná-las o nome correto, pois o nome
da letra pode “ajudá-la” na relação sonora. 18 - Variação Funcional das Letras Contro-
lada pela Ortografia
Temos várias poesias e músicas infantis que abordam
o nome das letras e que podem ajudar no desenvolvi- O uso “alfabético” do alfabeto, ou seja, quando as letras re-
mento deste trabalho. presentam som independentemente das palavras (ortografia),
gera o que se chama de “transcrição fonética”. (...) Muitas
14 - Princípio Acrofônico como Chave da crianças recebem de seus professores uma idéia que as leva a
Decifração da Escrita escrever como se estivessem fazendo transcriçoes fonéticas.
Em um primeiro momento, para dar mais liberdade e incen-
tivar os alunos, escritas desse tipo podem ser feitas. Porém, é
O princípio acrofônico é a possibilidade de atribuir
importante que seja dada uma boa explicação sobre variação
um valor sonoro às letras e sílabas.
lingüistica e sobre ortografia, para que os alunos não fiquem
pensando que o modo como estão escrevendo é o ponto de
Porém, “não basta identificar as letras e atribuir a
chegada (IBIDEM: 147).
elas os sons possíveis através do princípio acrofônico e
19 - Categorização Funcional das Letras: Para Cagliari (1999),
54 Relações entre Letras e Sons
Quando o aluno está aprendendo a decifrar a escrita, precisa
partir das letras para chegar às palavras. Mas, depois que tem
Como dissemos anteriormente, a categorização fun- certa proficiência, a leitura passa a ser feita pela identificação das
cional das letras é controlada pela ortografia e tem a palavras como um todo, em muitos casos. O mesmo acontece
ver com as relações entre letras e sons e vice-versa, ou com a escrita. No começo, vai se procurando as letras para os
seja, com a função que as letras exercem no sistema sons da fala e checando tudo com a ortografia e o significado.
de escrita. Porém, quando alguém está mais hábil na escrita, escreve as
palavras sem precisar ficar pensando primeiro nos segmentos
As relações entre letras e sons (leitura) são diferentes fonéticos, depois nas letras que os representam. Vai direto para
uma forma ortográfica já conhecida.Somente em casos de dúvidas
das relações entre sons e letras (escrita), em função
ortográficas, a pessoa pára para pensar. Mas, infelizmente, não
da variação lingüística e da ortografia. Ler e escrever
se resolvem dúvidas ortográficas apenas pensando. A solução
são processos distintos que podem ocorrer simul- segura, nestes casos, é perguntar a quem sabe ou olhar um
taneamente. dicionário (IBIDEM: 150).

A variação lingüística representa todos os modos


diferentes que todos os falantes de uma determinada 21 - A Ortografia como Forma Congelada de
língua usam para dizer as palavras. Uma mesma pa- Escrita, Neutralizando a Variação Lingüística
lavra em português pode ser dita de várias maneiras.
(...) Por outro lado, a ortografia existe justamente A ortografia é uma forma congelada de escrita, que
para “neutralizar” a variação linguística na escrita não reflete a fala individual de ningúem, nem de um
(IBIDEM: 148). determinado povo ou grupo de pessoas.
(Cagliari: 1999)
Segundo o autor, é muito mais fácil aprender as re-
lações entre letras e sons (leitura) do que as relações É importante ter claro que inventar uma pronúncia
entre sons e letras (escrita), pois, na leitura o material que não se encontra em nenhum dialeto da língua,
já vem pronto e apresentado na forma ortográfica e apenas em certas salas de aulas ([mãis] / mas), não
sendo o leitor um falante de um determinado dialeto, ajudará o aluno a escrever ortograficamente. Ele
a tarefa de ler “fica reduzida” apenas a passar de não precisa aprender a falar o dialeto padrão para
aprender a decifrar ou escrever, pois quando lemos
uma versão neutralizada das palavras (ortografia)
um texto de José Saramago 27, por exemplo, não
para uma fala familiar. Ele acrescenta que as regras
usamos o seu sotaque.
de decifração são mais fáceis e definidas. Por exem-
plo, todo X no início de palavras tem o som [chê], A conquista do dialeto padrão, da norma culta é uma tarefa a ser
mas nem toda palavra que começa com o som [chê] realizada a longo prazo e, para muitos alunos, significa aprender
será grafada com X (xadrez, xícara e cheque, cheio). uma espécie de língua estrangeira (IBIDEM: 151).
Para ele, é importante contruir com os alunos, por
meio da observação/reflexão sobre as palavras, as
22 - A Ortografia Determina o Valor que as
regras da língua.
Letras têm, Gráfica e Funcionalmente
O professor não precisa estudar todas as regras com os alunos,
mas mostrar a eles que a maneira como se pensa as relações entre Vimos que a ortografia determina o valor que as letras
letras e sons é fundamental e indispensável. Depois que os alunos possuem (gráfica e funcional) que para o aprendiz isso
perceberem como se montam as regras, eles conseguem chegar à implica em muitos conhecimentos linguísticos. Para ele
formulação de outras regras pela simples observação das relações conseguir atingir um nível de conhecimento para saber
entre fala e escrita (IBIDEM: 149). ler, precisa “juntar” todos esses conhecimentos . Não basta
saber uma coisa ou outra isoladamente. “É preciso agir em
conjunto com muitos conhecimentos. E isto é realmente um
20 - A Ortografia como Volta ao Sistema problema para o aluno que aprende e para o professor que
Ideográfico ensina.(...) Todavia, o professor tem que trabalhar certas
idéias isoladamente, primeiro, sem perder de vista que o
O sistema alfabético só funciona quando perde sua aluno deve montá-las em um quebra-cabeça bem grande
natureza fonética e passa a ser interpretado como um e complicado.” (IBIDEM: 151). Por isso, é importante
compromisso com o sistema ideográfico (ver Unidade considerar que os alunos terão um tempo diferente para
I), ou seja, a palavra passa a ser mais importante do se apropriar destes conhecimentos, porque cada um tem
que as letras isoladas e são escritas de forma fixa por uma história diferente de relacionamento com a leitura,
exigência da ortografia. a escrita e a escola.

27
Romancista, dramaturgo e poeta português que ganhou o Prêmio Nobel de Literatura, em 1998.
23 - Variação Escrita e Falada poderemos escrever novas palavras (com significado
na língua), mas não AMOR (ROMA, MORA, OMAR, 55
Com a escrita, surge e se instala a crise da identidade RAMO, ARMO).
lingüística, pois o aluno começa a usar uma escrita fo-
nética, sem se dar conta das implicações e exigências 27 - Identificar Outros Sinais da Escrita
da ortografia, depois percebe que a grafia das palavras (além das Letras) como os Acentos, os
é diferente da sua fala. Não sabe que língua realmente
Diacríticos, Marcas etc.
fala e que língua a escola se propõe a ensinar. E se o
aluno fala uma variedade estigmatizada pela sociedade,
isso torna-se mais grave. Os sinais de pontuação funcionam como uma espécie
de sinais de trânsito para facilitar a leitura.
Cabe à escola compreender estas variedades e ofe-
recer informações lingüísticas que permitam ao aluno Sem dúvida, para saber ler é preciso distinguir diacrí-
comprreender que a relação entre fala e escrita não é ticos (acentos, til etc.), sinais de pontuação, parágrafos
harmoniosa. e demais marcas da escrita e do conjunto de formas
gráficas que formam o alfabeto (letras).

24 - Palavras Variam não só de Acordo É necessário que os alunos percebam que um acento
com Regras Fonológicas, mas Também de muda o significado da palavra e sua classe gramatical
Acordo com Regras Morfológicas (pára = verbo parar e para = preposição) e que a pon-
tuação não é para dar pausas na leitura, e sim garantir
Para saber escrever uma palavra como mal ou mau é necessário o significado do texto e, consequentemente, a comu-
saber se se trata de um substantivo, de um adjetivo ou de um nicação das idéias. Veja os exemplos abaixo:
advérbio. Antes de chegar lá, não há explicação, a não ser decorar
certas formas esteriotipadas. Este é um problema menor, mas tem “Matar a rainha não é crime.”
suas implicações nos conhecimentos que uma pessoa precisa ter “Matar a rainha, não. É crime.”
para ler e consequentemente, para escrever (IBIDEM: 153). “Matar a rainha ? Não ! É crime.”

25 - Escrita não e Transcrição Fonética Ao ler a primeira frase, os súditos comprrenderão que
não é crime matar a rainha. Já nas outras duas, matar
a rainha é crime.
Muitos professores acreditam que passando a idéia
de que a escrita é fonética os alunos aprenderão mais
rápido. É muito comum ouvirmos a fala de que “es- 28 - Aspectos Secundários das Letras:
creve-se como fala”. Porém, isso cria equívocos que Tamanho, Direção, Linearidade, Espacialidade,
vão prejudicar quando os alunos forem escrever, pois Maiúscula, Estilo, Caligrafia etc.
deixam de acreditar na ortografia, além de criarem,
muitas vezes, uma leitura artigicial (leem [balde] em
Certos aspectos físicos da grafia e da escrita po-
vez de [baudi], como é no dialeto carioca).
dem atrapalhar, às vezes, o aprendizado da leitura
e da escrita. Mesmo não atrapalhando são aspectos
26 - Não se Escreve Qualquer Letra para importantes da cultura escrita e que precisam ser
Qualquer Palavra: há Regras ensinados:

Ensinar regras ajuda os alunos se sentirem seguros em • O que representa as letras maiúsculas e minúsculas
algum lugar da construção do conhecimento. Ensinar não é tamanho, pois muitas vezes as crianças escrevem
regras não é apresentar as regras e fazê-los decorar. letras minúsculas maior do que as maiúsculas.
Significa levar os alunos a observarem os textos es- • A direção da escrita na nossa língua (esquerda para
critos chamando atenção para a grafia das palavras, direita).
levando-os a refletirem sobre os padrões que aparecem • A escrita se assenta sobre uma linha de base, mesmo
na línguagem. que imaginária.
• A caligrafia é um ideal a ser alcançado sempre, pois
Pela ortografia há uma seqüência determinada de pode dificultar a compreensão do leitor. Veja:
letras para grafar uma determinada palavra. Para
escrevermos a palavra AMOR, temos que primeiro 28
escrever a letra A, depois M, depois O e finalmente
o R. Se colocarmos as letras em outra seqüência, até

28
CAGLIARI, L. C. Alfabetização sem o ba-bé-bi-bó-bu. São Paulo: Scipione, 1998, pág 273.
Um a pessoa que está iniciando o seu processo de é preciso que os alunos preparem e treinem toda leitura em voz
56 alfabetização pode entender CENTIERRIUE e não alta, para que digam naturalmente, como se partisse deles mes-
mos a iniciativa de dizer o que estão lendo. Mesmo as leituras
Antonio conforme desejava o escritor. em silêncio precisam de um tempo para re-organização dos
elementos prosódicos, sem os quais alguns aspectos semânticos
importantes dos textos se perdem e o aluno não entende direito
29 - Ler não é só Decifrar os Sons das
o que leu (IBIDEM: 157).
Letras e das Palavras, mas Conseguir
Pensar uma Mensagem Elaborada por Outra Você já havia parado para pensar que para ler um
Pessoa e Representada na Escrita. simples cartaz você mobiliza tantos conhecimentos?

À medida que o processo de leitura vai se aprimoran- Tudo que foi apresentado são contribuições da lingüística
do exigi-se um maior esforço mental pois precisamos para a pedagogia. Cabe a nós professores, diante dessas
entender algo que foi pensado e organizado por outra reflexões, “traduzir” esses conhecimentos em uma prática
pessoa. pedagógica que contribua efetivamente para a aquisição
da leitura e da escrita pelos alunos.
Por razões da forma como funciona o mecanismo de produção
da linguagem oral, para se ter uma compreensão de um texto, é A profissão de professor requer uma gama de
preciso conduzir de forma correta, além das palavras (segmentos
conhecimento dos diversos campos teóricos (psicologia,
fonéticos e significados lexicais),os processos fonéticos supraseg-
mentais e prosódicos, como o ritmo e a entoação, principalmente. lingüística, sociologia, antropologia, neurociência etc.)
Como o professor não vai tratar desses assuntos na alfabetização, para a organização da prática pedagógica.

Leitura Complementar

Leia o livro Guia Teórico do Alfabetizador, de Miriam Lemle, da editora Ática, do ano de 2004 que, além das
questões apresentadas aqui, traz grandes reflexões sobre a prática de alfabetização.

O livro Diante das Letras de Luiz Carlos Cagliari e Gladis Massini-Cagliari, da editora Mercado das Letras,
Campinas, 1999, reúne uma coletânea de artigos que discutem questões relacionadas à história da escrita, das
letras, das categorizações gráficas e funcionais, além de questões ortográficas. É um livro que contribui muito
para o trabalho do professor alfabetizador.
3.2 - Os Diferentes Tipos de Textos
57
Os leitores não se formam com leituras escolares de eles convivem com pessoas fazendo lista de compras,
materiais escritos elaborados expressamente para anotando recados, buscando informações na lista
a escola com a finalidade de cumprir as exigências telefônica, montando um objeto a partir da leitura de
do programa. Os leitores se formam com a leitura manual, se divertindo com um livro... Porém, muitos
de diferentes obras que contêm uma diversidade de nossos alunos ainda precisam estar vivenciando
de textos que servem, como ocorre nos contextos situações de práticas sociais de leitura e escrita para
extra-escolares, para uma multiplicidade de pro- que possa compreender o seu uso, sua função na nos-
pósitos (informar, entreter, argumentar, persuadir, sa sociedade. Mesmo aqueles que já apresentam um
organizar atividades etc.). pouco deste conhecimento precisam enriquecer suas
experiências e descobrir novas possibilidades do uso
Ana Maria Kaufman da escrita no cotidiano.

Já deve estar claro para você que aprender a ler e a Em suma, o que precisamos é colocar nosso aluno
escrever, ou seja, a alfabetização – como a aquisição “em contato com os diferentes usos sociais da lin-
do código escrito e a apropriação do sistema alfabé- guagem, ou seja, as milhares de razões pelas quais
tico e ortográfico da língua – é imprescindível para se escreve: para não esquecer, transmitir instruções,
se desfrutar do mundo da escrita, e que precisamos ir contar uma história, divertir, emocionar, convencer,
além da aquisição dessa tecnologia (codificação/de- informar, vender” (CARDOSO, Beatriz, 1998: 45).
codificação).
Você já parou para pensar nos textos que estão presen-
É preciso apropriar-se da função social da leitura e tes na nossa sociedade? Quais aqueles que você utiliza
da escrita, conseguindo produzir/utilizar os diferentes constantemente? Quais aqueles que, independente da
tipos de textos que circulam socialmente. sua escolha, você se depara com eles?

As crianças já chegam à escola com muitas informa- Vejamos abaixo alguns desses textos que fazem parte
ções sobre o uso que a escrita tem em nossa sociedade: da nossa cultura:

1. adivinhações 27. convite


2. anúncio 28. crítica
3. artigo 29. crônica (narrativa)
4. ata 30. definições
5. aviso 31. depoimentos
6. bilhete 32.documento
7. bilhetes de passagens (trem, avião, ônibus) 33. encarte de jornal (propaganda)
8. biografia 34.enciclopédia (descrições/definições)
9. bula 35. entrevista
10. capa de revista/ livro 36. esquema
11. cardápio 37. estatutos
12. carta aberta 38. extrato
13. carta comercial 39. folhetim
14. carta do leitor 40. folhetos
15. carta pessoal 41. fotografia
16. cartão 42. gráfico
17. cartaz 43. ilustrações
18. catálogo 44. imagem
19. chamada 45. índice
20. charge 46. lendas
21. cheque 47. lista
22. classificado 48. mapa
23. comentário 49. monografia
24. comunicado 50. música
25. conta (restaurante, lojas, supermercados etc.) 51. nota
26. contrato 52. notícia
58 53. ofício 68. regras/ regulamento
54. opinião 69. relatório
55. oração 70. reportagem
56. orelha de livro 71. resenha
57. out-door 72. resumo
58. parlenda 73. romance
59. piada 74. rótulo
60. placa 75. símbolos
61. poema 76. sinopse
62. problema matemático 77. slogans
63. programa (espetáculos, TV, cinema etc.) 78. tabela
64. propaganda 79. texto de dramaturgia
65. prospectos 80. texto de manual
66. quadrinhos (histórias) 81. texto científico
67. receita (médica, culinária) 82. verbete

São apenas alguns... Provavelmente você deve a caixa e o arrumador das prateleiras, viram a máquina
ter lembrado de outros textos que não foram rela- de leitura óptica etc. As crianças trouxeram embalagens
cionados. vazias de casa e finalmente montaram “Nova Espe-
rança”, o mercadinho da turma. Este projeto, que teve
Você também deve estar se perguntando se todos estes a duração de quase um mês, oportunizou as crianças
textos deverão ser apresentados às crianças “analfabe- entrarem em contato com diferentes textos:
tas”.29 Responderemos que sim, mas advertimos que:
se estamos falando dos textos em contextos sociais, √ Listas (planejamento coletivo das atividades que
logo, acreditamos que eles deverão ser apresentados às iriam desenvolver até atingirem o objetivo de montar
crianças em situações reais, ou seja, em situações em o supermercado, relação dos nomes indicados para
que haja necessidade de utilizá-los, escolhendo o tipo o mercado, relação dos “produtos” já adquiridos,
de texto que seja mais adequado. Mas vamos esperar relação de compras que as crianças realizaram com
essas situações surgirem na escola? Sim e não. Diremos a família etc.).
que sim, pois alguns textos aparecem no cotidiano da √ Rótulos das embalagens no supermercado e das
escola e caberá ao professor apenas ressaltá-los, como trazidas pelas crianças.
os comunicados, avisos, bilhetes aos responsáveis, √ Encartes do supermercado visitado e o elaborado
cardápio (merenda escolar), lista de preços (cantina por eles para o “mercado” da sala.
da escola) etc. Que tal quando passar um comunicado √ Entrevista elaboraram coletivamente e registraram,
avisando que o parquinho voltará a funcionar ou que com a ajuda da professora, as perguntas que iriam fazer
a escola receberá uma visita, lê-lo para as crianças e, aos entrevistados e, quando retornaram, anotaram as
se possível, reproduzi-lo (individualmente e/ou no respostas dadas.
blocão) para que todos visualizem, possam retomar a √ Notas fiscais as crianças trouxeram de casa alguns
leitura, analisar a organização do texto etc.? Diremos cupons fiscais e analisaram o tipo de texto, em que há
que não, pois alguns textos estão distantes do espaço números e letras.
escolar, mas deverão aparecer por meio dos projetos √ Convite elaboram um convite para a inauguração
de trabalho que serão desenvolvidos com a turma. Mas do mercado “Nova Esperança” e distribuíram para as
será que todos estes projetos desenvolvidos na escola pessoas da escola.
são situações sociais reais? Provavelmente não, pois √ Cartaz com o preço das mercadorias e divulgando
o que caracteriza a ação pedagógica é a intencionali- a inauguração.
dade. Tudo que fazemos em sala de aula, por sermos √ Mapa a partir do mapa do bairro, identificaram o
professores, deve ter um objetivo claro e bem defini- itinerário melhor para ir da escola ao supermercado.
do. Porém, os projetos que desenvolveremos deverão Depois fizeram um “mapa” do trajeto que realizaram
garantir a proximidade com as situações vivenciadas da escola ao supermercado, destacando os pontos
no cotidiano sociocultural. importantes do bairro.
√ Tabela - confeccionaram uma tabela para anotar o
Vejamos um exemplo: uma professora desenvolveu estoque do mercado.
um projeto “SUPERMERCADO” com seus alunos, √ Etiquetas com o nome e valor dos produtos.
que tinha como objetivo montar um “mercadinho” na
sala, como mais um canto diversificado. Ela levou a tur- Muitas atividades foram desenvolvidas e a professora
ma para visitar um supermercado, observando toda sua aproveitou cada texto para trabalhar as suas caracterís-
dinâmica de funcionamento. Entrevistaram o gerente, ticas e também as questões lingüísticas que estavam

29
Retome a leitura da Unidade II, quando discutimos o conceito de letramento.
presentes. O projeto envolveu as famílias e uma das Esta menina, que ainda não escreve alfabeticamente,
atividades foi as crianças elaborarem, junto com os possui muitos conhecimentos sobre este tipo de texto 59
pais, uma lista dos produtos que precisariam comprar (lista): sabe a sua função (lembrar o que tem que com-
e irem ao supermercado com eles. Os pais foram prar), sabe que se escreve apenas o nome do produto
orientados a fazerem uma lista paralela e mandarem
(não precisamos colocar a marca), sabe organizá-lo
as duas para a escola.
espacialmente no papel (um produto embaixo do ou-
Vejamos a lista produzida por uma menina de 6 anos. tro), enfim sabe fazer uma lista dentro de um contexto
real (função social).

Entendemos que para o professor oportunizar aos


alunos o contato com os diferentes tipos de texto é
fundamental que os conheça a partir da identificação
de certos traços comuns entre eles.

Segundo Kaufman (1995), estabelecer uma classi-


ficação dos diferentes tipos de textos que circulam
em um determinado ambiente social permite ajudar
os professores a operar com os mesmos no ambien-
te escolar, para que toda ação pedagógica esteja
voltada para levar o aluno a compreender como a
língua está estruturada. Assim, a autora estabeleceu
critérios de classifi cação30 de diferentes textos a
partir de certas características lingüísticas, levando
em conta a função da linguagem e a trama (narra-
tiva, argumentação, descrição e conversação) que
neles predomina manifestando diferentes intenções
do emissor. Abaixo elaboramos um quadro-síntese
desta classificação a partir dos traços mais marcantes
dos textos:

30
Vários autores realizaram a classificação dos textos. Optamos por utilizar aqui a classificação de Ana Maria Kaufman. Em Leitura
Complementar, você encontrará referência a outros autores.
60
61

A classificação dos textos nos permite pensar na intenção totalmente engessado em uma única função, o que se
do autor (quem escreve) e nos conhecimentos necessários pretende é identificar as características mais marcantes e
que o leitor (quem lê) precisará disponibilizar para com- destacar os traços lingüísticos presentes.
preender o que está escrito (mensagem) em cada tipo de
texto e na sua adequação para intenção de comunicação. Leia o texto abaixo e procure classificá-lo de acordo
Porém, não podemos esquecer que nenhum texto está com a sua função:

31

31
Autor desconhecido.
Como você o classificou? clopédias, dicionários, atlas, encartes, computador
62 Por ser a receita de um bolo e estar diagramado como (Internet) etc. devem ser (re)apresentados às crianças,
encontramos, geralmente, as receitas culinárias, você o destacando os diferentes tipos de textos que os compõe.
classificou como instrucional, com função apelativa? Um jornal, por exemplo, é um suporte para vários
Ou você o classificou como poesia, tendo função lite- textos: reportagens, entrevistas, artigos, classificados,
rária, visto que apresenta ritmo, versos e rimas? receitas, charges, notícias, tabelas, gráficos, programas,
quadrinhos...
Esta receita demonstra que um texto pode ser classi-
ficado de diferentes formas em função das suas carac- Atualmente, a Internet constitui um grande suporte
terísticas e da intenção do leitor. Se você o procurasse textual, onde podemos encontrar uma imensa variedade
para fazer um bolo de milho, a sua função seria ape- de textos e que mobiliza diferentes estratégias de lei-
lativa, você seguiria as instruções, passo a passo, para tura. Não lemos no computador da mesma forma que
ter como resultado um bolo. Já se você o procurasse lemos em um livro ou jornal.
apenas pelo prazer da leitura, se deleitando com seu
ritmo e rimas, ele teria a função literária. Rolamos a página, saltamos parágrafos, fazemos
links, usamos ferramenta de pesquisa etc.
O mesmo pode acontecer com uma determinada pro-
paganda veiculada em um jornal. Pelas características Já há algum tempo vivemos uma mudança qualitativa da con-
cepção sobre o ler. Ler é uma atividade voluntária, inserida num
básicas desse tipo de texto, sua função é apelativa, mas
projeto individual e/ou coletivo. Na diversidade de situações
pode adquirir função informativa quando você vai buscá- sociais com que se defronta, o leitor deve mobilizar estratégias
la para obter dados referentes a um produto específico. adequadas, de acordo com sua intencionalidade no ler. Ironica-
mente, a única estratégia ensinada pela escola – a oralização da
O importante é que tenhamos claro que os textos escrita – revela-se pouco eficaz em todas as situações de leitura
possuem características distintas e que conhecê-las do mundo contemporâneo (BARBOSA, 1990: 121).
pode ajudar no processo de alfabetização.
Quando trabalhamos um texto, dentro do seu suporte
É fundamental também, que os alunos tenham contato real, estamos trazendo para a sala de aula as funções
com os diferentes suportes textuais que circulam na sociais que a escrita possui na nossa cultura. Isso faz
sociedade. Para isto, livros, revistas, jornais, enci- parte do processo de alfabetização/letramento.

Fonte: QUINO. Toda Mafalda- da primeira à última tira. São Paulo: Martins Fontes, 2000.

Mafalda sinaliza os equívocos que podem ser construídos a fim de completar uma lacuna no nosso conhecimento
quando não se trabalha a diversidade de textos, com suas fun- sobre aspectos da vida cotidiana. A atividade do leitor
ções e seus suportes. Os aprendizes precisam saber que lemos é essencialmente tomar conhecimento do conteúdo da
e escrevemos de forma diferente, de acordo com os nossos mensagem, sem preocupação de registro duradouro
objetivos. Quando vamos ao dicionário buscar o significado da informação, com uma leitura rápida e precisa sem
de uma palavra ou a sua ortografia, não começamos a leitura envolvimento afetivo pessoal.
na primeira página e continuamos pelas páginas seguintes até Exemplos: Leitura de jornais, revistas, instruções
chegar à palavra que desejamos. Pulamos muitas páginas, diversas, coletas de dados para fins utilitários, normas,
abrimos direto na letra que queremos, saltamos as palavras regimentos etc.
e lemos apenas a palavra que nos interessa. É bem diferente
da forma que lemos um romance. √ Leitura de consulta: Utilizamos todas as vezes
que buscamos uma informação pontual num conjunto
Juvêncio Barbosa (1990: 121 - 122) categorizou as complexo de informações. É um tipo de leitura que
diferentes situações de leitura em nossa sociedade: exige uma exploração visual específica e seletiva,
dissociada da compreensão global do texto.
√ Leitura de informação: É a situação de comunica- Exemplos: Dicionários, anuários, enciclopédias,
ção que aparece cada vez que uma mensagem é visada guias de endereços, catálogos etc.
√ Leitura para ação: É freqüente e “mecânica”; ante- leitor um domínio perfeito do ato de ler; o leitor não
cede, orienta ou modifica um comportamento ou ação. deve despender esforço algum para a sua efetivação. 63
Não exige, necessariamente, uma formulação mental, É a leitura desinteressada.
bastando que o leitor coordene leitura e ação. Exemplos: Leitura de livros, revistas e publicações
Exemplos: Placas de sinalização, de orientação, em salas de espera, nos percursos de viagens, leitura do
de avisos, de instrução, cartazes de rua, receitas de best-seller do momento etc. Talvez o maior objetivo da
culinária, regras de jogos, manuais técnicos de mon- escola seja formar leitores que utilizem cotidianamente
tagem etc. a leitura de distração.

√ Leitura de reflexão: É uma leitura mais densa, √ Leitura da linguagem poética: É aquela em que o
caracterizada por momentos de apreensão do conteúdo leitor, além de visar ao conteúdo veiculado pelo texto,
do texto e momentos de pausa na leitura para reflexão. busca se deleitar com a sonoridade das palavras. Uma
A leitura é silenciosa, com retornos constantes para a primeira leitura em silêncio permite ao leitor elaborar o
retomada de idéias já desenvolvidas. É uma leitura de conteúdo que orienta a entonação, ritmo e sonoridade.
prestígio, relacionada ao trabalho intelectual. Não há pressa, cada palavra é “ruminada” para saborear
Exemplos: Teses, monografias, ensaios, obras a sua articulação com o texto como um todo.
filosóficas, literárias etc. É o tipo de leitura que você Exemplos: Leitura dos sonetos, poemas, poesias etc.
deve estar fazendo deste material.
Diante disso, Mafalda precisa compreender que
√ Leitura de distração: Oposta à leitura de reflexão não existe uma única forma de ler e que um tipo
ou de informação, o objetivo desta leitura é o relaxa- de leitura não é mais importante que o outro. O
mento, lazer, a aventura, passar o tempo, o puro prazer. bom leitor é aquele que sabe utilizar os diferentes
Coloca em jogo uma disponibilidade afetiva, emocio- tipos de leitura, de acordo com seus objetivos, da
nal e encontra certa resistência, herdada da tradição mesma forma que o bom “escritor” (aquele que
escolar, por se tratar de uma leitura sem objetivos escreve) é quem sabe escolher o tipo de texto
educacionais explícito. É uma leitura que exige do adequado à sua intenção.

Leitura Complementar

Leia o livro Escola, Leitura e Produção de Textos, de Ana Maria Kaufman e Maria Helena Rodriguez, da
editora Artes Médicas, 1995. Trata-se de uma publicação cuja leitura é imprescindível para todo professor que
queira conhecer ou ampliar seus conhecimentos sobre como se organizam os diferentes textos e quais são suas
peculiaridades gramaticais e discursivas. As autoras apresentam os textos classificados simultaneamente de
acordo com sua função e trama predominante, além de exemplificar o trabalho com os textos, em salas de aula,
por meio de projetos.

Leia o livro Didática de Português: Tijolo por Tijolo - Leitura e Produção Escrita, de Ana Tereza Naspolini,
da editora FTD, 1996. Este livro tem como objetivo, segundo a autora, oferecer aos professores sugestões para
a sua prática pedagógica e provocar reflexões sobre o trabalho com a diversidade textual. Apresenta uma clas-
sificação para os textos diferente da oferecida neste material.

Leio o livro Escrever e ler: como as crianças aprendem e como o professor pode ensiná-las a escrever e a
ler, volume 1, de Luís Maruny Curto, Manbel Ministral Morillo e Manuel Miralles Leixidó, com tradução de
Ernani Rosa, ArtMed, 2000. Este livro faz uma discussão teórica do que é ler e escrever a partir de um con-
junto de sugestões de atividades tendo como ponto de partida diferentes tipos de textos. Para organizá-los, os
autores estabeleceram uma classificação tendo como critério a finalidade da leitura e da escrita, que é diferente
da apresentada aqui.

Leia o capítulo 9 do livro Alfabetização e Leitura, de José Juvêncio Barbosa, editora Cortêz. O autor apresenta
uma rica discussão sobre A leitura da escrita hoje destacando aspectos necessários para se ler um texto que vão
além das palavras impressas.
3.3 - O Ambiente Alfabetizador
64
Quando a criança tem a possibilidade de participar Nesta perspectiva de que o espaço cultural pode se
ou mesmo observar situações em que a escrita e sua constituir em um ambiente alfabetizador, duas questões
linguagem específica estão presentes, ela vive num são colocadas para a prática pedagógica:
ambiente alfabetizador. É preciso, no entanto, tomar a) Como explorar os diversos ambientes alfabeti-
cuidado com a expressão “ambiente alfabetizador”. zadores?
Muita gente, com a melhor das intenções, confunde a b) Como transformar a sala de aula em um bom
idéia. Não basta encher a classe com coisas escritas ambiente alfabetizador?
nas paredes. É muito mais do que isso.
Telma Weisz Para a primeira questão podemos dizer que é res-
saltando os textos existentes, transformando-os em
Sempre que falamos sobre o trabalho de alfabetização material de estudo e pesquisa. O exemplo dado an-
na escola surge a questão: o que é um bom ambiente teriormente com o projeto Supermercado evidencia
alfabetizador? Porém, essa resposta dependerá das como isso pode acontecer.
concepções de aprendizagem e de como ocorre o pro-
cesso de alfabetização que cada profissional tiver. Para a segunda questão acreditamos que o professor é
responsável pela organização do espaço e que este deve
Para aqueles que acreditam que a aprendizagem ser desafiador e fonte de pesquisa para os novos apren-
ocorre por meio da repetição e que a alfabetização se dizes, marcado pela cultura letrada, com livros, jornais,
dá apenas pela aquisição do processo de decodificação revistas, embalagens etc., textos digitais ou em papel,
da língua, um bom ambiente alfabetizador será aquele dos escritos que circulam socialmente. Tudo que está na
que oferece a linguagem escrita de forma fragmentada, sala de aula torna-se importante e só faz sentido se tiver
oportunizando decorar as letras e sílabas que formam sido trabalhado/explorado com os alunos. O princípio
as palavras. Nesta perspectiva, a sala de aula é o único norteador de um bom ambiente alfabetizador é ele se
ambiente alfabetizador e encontramos em seus murais constituir em um espaço de pesquisa para aqueles que
e paredes as “famílias silábicas”, que são acrescidas estão se iniciando na descoberta da linguagem escrita.
de forma gradativa, de acordo com a ordem da apre- Sendo assim, um bom ambiente alfabetizador é aquele
sentação da letra/fonema para as crianças, seguindo o em que as crianças manuseiam os seus diversos tipos
critério do mais fácil (os chamados fonemas simples) de textos, procurando sanar suas dúvidas, confirmar
para o mais difícil (os encontros consonantais e sílabas ou refutar suas hipóteses.
invertidas).
Vejamos um exemplo: uma professora de educação
Já para aqueles que acreditam que a aprendiza- infantil estava desenvolvendo um projeto com sua
gem resulta da interação do sujeito com o objeto turma, resgatando as cantigas e brincadeiras infantis.
de conhecimento mediada por outros sujeitos, Após trabalhar/explorar com as crianças, a música “A
marcada pela cultura e pelo momento histórico, e canoa virou”32 , ela afixou o cartaz com a letra da mú-
que a alfabetização é um processo de construção sica em uma das paredes. De vez em quando, alguma
conceitual, apoiado na reflexão sobre as caracterís- criança levantava e ia até o cartaz “lendo/ cantando”
ticas e funcionamento da escrita; um bom ambiente a música. Um dia, as crianças estavam fazendo uma
alfabetizador é qualquer espaço que ofereça contato lista de animais que conheciam, cada uma escrevendo
com os textos que circulam em uma sociedade e do jeito que pensava sobre a escrita. Duas meninas
que possibilitam reflexão sobre as regularidades da que estavam no mesmo grupo conversavam sobre os
língua. Nesta visão, a sala de aula é mais um am- animais que relacionavam. Uma pergunta para a outra:
biente alfabetizador e não o único. A rua com suas “Como se escreve [che] de peixe?”. A outra pensa e
placas, cartazes e outdoors, o supermercado com seus responde: “É igual a peixinho” e vai direto ao cartaz da
encartes, placas, notas fiscais e etiquetas, a farmácia música e chama a colega. Elas cantam/lêem a letra até
com seus rótulos e embalagens dos diferentes pro- que se deparam com a palavra “PEIXINHO”. Olham,
dutos, a feira livre com suas placas e listas, as lojas, passam o dedo embaixo da palavra e voltam para a
os hospitais, as igrejas, os clubes, as bibliotecas, as mesa. A menina que fez a pergunta escreve / PXI / e
livrarias, museus, enfim... tudo pode se constituir em começa a escrever o nome de outro animal.
um bom ambiente alfabetizador desde que oportunize
a interação do aprendiz com os mais diversos tipos Este exemplo demonstra que o texto afixado na parede
de texto . Interação significa ação mútua. Por isso, não é um “objeto de decoração”. Ele faz parte de um
o aprendiz precisa mexer e ser mexido pelo texto. ambiente alfabetizador, pois é um material de pesquisa
Não basta ter contato com o texto, ninguém aprende para as crianças. Mas ele só pôde ter essa função, pois
por osmose. Aprendizagem requer trabalho árduo, foi trabalhado com as crianças. Elas sabiam que ali, na-
contínuo, reflexivo e, porque não, prazeroso. quele texto, poderiam resolver uma dúvida, buscar uma

32
A canoa virou/ por deixar ela virar/ foi por causa ____ /que não soube remar/ ai se eu fosse peixinho/ e soubesse nadar/ eu tirava _____
lá do fundo do mar.
informação. Gostaríamos de ressaltar, que a menina 2- O alfabeto
não copiou a palavra, pois o que ela queria era estabe- 65
lecer uma relação sonora, já que estava utilizando uma Como já discutimos anteriormente, é fundamental que
letra para cada sílaba (era assim que pensava sobre a na sala de aula haja um alfabeto, que seja trabalhado
escrita). A sua dúvida não era sobre como se escrevia com os alunos, para que entendam que são com estes
peixe, mas sim, como se grafava o som [chê]. 23 símbolos que poderão escrever os seus textos. Para
que as crianças possam identificar cada letra, a opção
pela letra maiúscula, do tipo “imprensa” têm se mos-
trado a mais eficaz.

O alfabeto pode ser confeccionado em qualquer


material, mas é bom tomar cuidado com o tamanho
e localização. É necessário que fique em um local de
destaque para que possa ser visualizado por todos os
Fonte: Foto de Pedro Mota In: Revista “Nova Escola”, Edição
n.º 190, maio/ 2006. alunos.

Muitas vezes entramos em salas de aula e encon-


tramos vários tipos de textos afixados nos murais e
paredes, mas percebemos que eles não fazem parte
de um ambiente alfabetizador, pois as crianças não os
consultam. Eles deixam de ter a função de suporte de
pesquisa para ficarem restritos à decoração do ambiente
(e às vezes servindo apenas para poluição visual).

Ao se pensar na organização do espaço da sala de aula


como ambiente alfabetizador, precisamos considerar
alguns aspectos e materiais:

1- Organização das mesas, cadeiras ou carteiras:


Acreditando-se que a aprendizagem ocorre com a troca Fonte: Foto de Pedro Mota In: Revista “Nova Escola”, Edição
de informação entre os sujeitos e que o conhecimento nº. 190, maio/ 2006.
prévio de cada aluno é fundamental para a construção do
seu conhecimento e dos colegas, precisamos arrumar o 3- O alfabetário
espaço da sala de aula de forma que possa facilitar a troca
entre os alunos. Entendemos que uma sala em que as ca- Alfabetário consiste em um conjunto de cartazes com
deiras/carteiras ficam enfileiradas, com um aluno atrás do as letras do alfabeto (um cartaz para cada letra) que
outro, pouco pode propiciar o intercâmbio de idéias. Sendo
associa uma imagem à letra/som inicial da palavra. O
assim, arrumar as carteiras em grupos, não se trata de opção
estética, mas sim de uma concepção de aprendizagem, que objetivo é que as crianças comecem a pensar na rela-
está refletida em uma proposta metodológica. ção letra/som da linguagem escrita. Por exemplo: ao
construir um alfabetário de frutas, uma turma escolheu
a pêra como representante da letra P. O cartaz abaixo
poderia ser um exemplo da produção do grupo.

Fonte: Foto sem autoria


In: Revista “Nova Escola”,
Edição março/ 1998.

O importante é que o alfabetário seja construído co-


letivamente para que possa se constituir em material
Fonte: Foto de Daniel Ara- de pesquisa. Ele é uma produção particular, da turma,
tangy In: Revista “Nova e só terá sentido para aquela turma. Uma imagem de
Escola”, Edição n.º 190, telefone celular poderá ter significado e estabelecer
maio/ 2006.
relações diferente. Uma turma poderá escolher esta
66 imagem para ilustrar a letra C, atribuindo à palavra
celular. Já outra poderá ilustrar a letra T, atribuindo à pa-
lavra telefone. Na primeira turma, se uma criança desejar
escrever cebola, por exemplo, poderá usar o cartaz como
fonte de pesquisa, mas se esta criança associar a imagem
à palavra telefone, pouco lhe ajudará. O alfabetário tem
que ser “um combinado” com o grupo. Os alunos deverão
escolher as imagens do alfabetários, pois elas deverão ser
significativas para eles e não para o professor, que poderá
ajuda-los quando tiverem dificuldades de encontrar algu-
ma imagem /objeto. Fonte: Foto de Pedro Mota. In: Revista Nova Escola, Edição
n.º 190, maio/2006.
É necessário que se construa ao longo do tempo vários
alfabetários que estarão substituindo ou permanecendo, 5- Jogos
durante algum tempo, com os anteriores. Pode-se montar
alfabetário com os nomes dos alunos, de animais, obje- Os jogos começaram a ganhar espaço na sala de aula,
tos, alimentos, nome de países, de músicas, jogadores quando os educadores, com a contribuição dos psicó-
de futebol, rótulos etc. Quando não tiver uma palavra/ logos, identificaram o desinteresse de muitos alunos
objeto correspondente à letra, é importante deixá-la pela escola, bem como dificuldades na aprendizagem.
em branco para que as crianças construam a idéia de Atribuíram a isso a dificuldade da escola em ser pra-
seqüência, relação todos e alguns etc. zerosa e lidar com o conhecimento de forma lúdica.
Nas classes iniciais de alfabetização, em que havia e
4- Biblioteca ainda há altos índices de reprovação, os jogos foram
incorporados à prática do professor. Assim surgiram
A biblioteca consiste em um acervo de livros di- os bingos de letras, sílabas, palavras; os dominós de
versos, revistas, jornais, periódicos, enciclopédias, cores, animais, masculino/feminino, sílabas etc. que,
dicionários e diferentes materiais impressos que estarão embasados na concepção behaviorista, tratam a língua
disponíveis para os alunos manusearem livremente, na e os jogos de forma descontextualizadas. Você já viu
sala de aula. O local escolhido para abrigar a “bibliote- na pracinha alguém jogando dominó de palavras?
ca” deve permitir o acesso fácil das crianças. Provavelmente não, pois estas adaptações dos jogos
só ganham espaço nos muros da escola.
É necessário que o acervo seja bem diversificado,
possuindo livros com textos curtos, longos e até sem Esse tipo de jogo adentrou o espaço da sala de aula
textos. O importante é que mobilize o interesse das e das casas das crianças (os familiares compram para
crianças. A leitura diária (que todo professor deve elas, acreditando que estão contribuindo para a sua al-
fazer) poderá ser deste acervo ou não. fabetização) de tal forma, que a indústria de brinquedos
passou a produzi-los. E o pior é que muitas crianças
Como a característica principal de um ambiente alfabe- sequer conhecem um dominó ou bingo “de verdade”,
tizador é ser fonte de pesquisa, é necessário também que ou seja, o jogo que foi criado há anos e que constitui
os diferentes tipos de textos que compõem o acervo sejam um objeto da nossa cultura.
trabalhados com os alunos para que eles saibam do que
dispõem para as suas consultas. Não podemos esquecer Você deve estar se perguntando se estes jogos não
que ler, por prazer, deve ser um dos objetivos da leitura. Por contribuem para um bom ambiente alfabetizador?
isso a biblioteca da sala de aula deve motivar os alunos a Mais uma vez responderemos que vai depender da
procurarem os livros pelo prazer de ter contato com eles. concepção que se tem de aprendizagem e de como
ocorre a construção do processo de alfabetização. O
que defendemos é que a prática pedagógica deve ser
coerente com as crenças os princípios que a norteia
(metodologia). Se acreditamos que a aprendizagem
ocorre por meio da relação com a cultura, que estamos
submetidos, logo devemos trazer para a sala de aula o
nosso acervo cultural. Porque o bingo e o dominó não
podem ser apresentados e jogados da mesma forma
que nossos avós o jogam? Por que não trabalharmos
Fonte: Foto de Daniel Aratangy. In: Revista Nova Escola, Edição os textos que fazem parte desses jogos?
n.º 190, maio/2006.
Ao levar o dominó para sala de aula, por exemplo, travalínguas são textos pelo fato das crianças saberem
vários registros (textos) poderão ocorrer: de cor, mais adequados. Estes jogos permitem traba- 67
lhar com diferentes níveis de conhecimentos. Numa
a) Descrever o domínó, o que o caracteriza (como primeira etapa o desafio pode ser organizar as estrofes.
é? Todos são iguais? Há modelos diferentes? Qual o Em outra etapa pode ser organizar os versos, com ou
mais adequado para a nossa faixa etária? E com relação sem apoio do texto completo. Outro desafio pode ser
à cor/quantidade?), qual o seu objetivo, pesquisar a reorganizar as palavras de um verso ou de alguns etc.
origem do dominó etc. – estaremos trabalhando com O importante é garantir o trabalho com o texto, perce-
texto descritivo com função informativa. bendo a sua unidade e organização.

b) Definir/registrar as regras do jogo, definindo ques- Com certeza os jogos devem fazer parte de um am-
tões de acordo com a faixa etária dos jogadores: o que biente alfabetizador, mas devem estar em consonância
acontecerá quando as pedras para comprar acabarem? com a metodologia utilizada, que por sua vez é regida
O que acontecerá quando o jogo ficar “preso” etc.
pelos princípios da concepção de aprendizagem do
– estaremos produzindo um texto instrucional com
professor.
função apelativa.
6- Murais
c) Poderemos construir uma tabela para anotar, em
cada rodada quem ganhou o jogo. – estaremos construin-
do um texto narrativo com função informativa. Os murais devem ser o espaço de valorização do
trabalho da turma, seja das produções coletivas
Desta e de outras formas, não estaremos usando o (textos coletivos) ou das produções individuais. É
jogo como pretexto para a “aprendizagem” da escrita, o local em que se dá visibilidade à produção dos
mas sim garantindo a sua função social e ressaltando a pequenos (em tamanho) autores. É muito importante
escrita (textos) que realmente faz parte do jogo. para a criança ter a sua autoria reconhecida. Ver o
seu trabalho exposto. Além disso, o mural também
Na nossa cultura temos muitos jogos que trabalham é mais uma fonte de pesquisa para a criança desde
com a escrita, como a Forca, Adedanha, Detetive etc. que ela saiba o que há nele. Daí a importância de
e que vão ao encontro de uma proposta que valorize antes de afixar qualquer trabalho do aluno solicitar
o contexto cultural. que fale sobre ele, explicando a sua idéia, revelando
a sua escrita. Para muitas crianças, isso não é uma
Mas com certeza muitos jogos criados pelos profes- tarefa fácil, mas com o desenvolvimento do respeito
sores podem desempenhar a função de pesquisa sobre mútuo, elas vão ficando seguras e conseguem relatar.
a linguagem escrita e como tal compõem o ambiente Ao mesmo tempo em que falam, elaboram o seu
alfabetizador. Manter ao alcance das crianças as fa-
pensamento e podem até corrigir seus trabalhos.
mosas “letras móveis” com as quais eles podem mexer
Para aquelas que ouvem, também acrescentam outro
e ensaiar escritas, comparar grafias (xícara /chinelo,
gelatina/ geladeira), substituir letras (Maria/ Mário), ponto de vista às suas reflexões e, posteriormente, o
incluir letras (pato/prato), excluir letras (pinto/pito), material afixado vira fonte de consulta.
enfim, brincar, usar e abusar da escrita.
Os murais devem ser renovados periodicamente,
para garantirem o interesse dos alunos e apresentarem
novas questões lingüísticas que podem contribuir para
o aprendizado de todos.

Temos nos deparado com muitas salas de aula em que


os murais são enfeitados com personagens das histórias
infantis, ficam belíssimos, mas não contribuem para
um ambiente alfabetizador. Caberá ao professor fazer
a sua opção e, principalmente, perceber o quanto são
belas as produções daqueles que estão se iniciando no
Fonte: Foto de Daniel Aratangy. In: Revista Nova Escola, Edição
mundo da escrita.
n.º 190, maio/ 2006.
Finalizando, queremos ratificar que pensar na sala
Outros jogos interessantes são aqueles em que os de aula como um ambiente alfabetizador significa
alunos têm como desafio reconstruir os textos que repensar nas nossas crenças sobre o processo de
aparecem desorganizados. As músicas, parlendas e aprendizagem.
Leitura Complementar
68
Leia o livro Brincadeiras infantis nas aulas de matemática, de Kátia Smole e outros, da editora ArtMed, 2000.
As autoras apresentam uma boa discussão sobre os conhecimentos valorizados pela escola, que perpassam as
brincadeiras infantis. Na metodologia apresentada há destaque para os diferentes tipos de registros que elas
(brincadeiras) suscitam.

Leia o livro Pensamento e linguagem, de Vygotsky. São Paulo: Martins Fontes, 1996. Neste livro, o autor
apresenta a sua teoria para como fala e pensamento são dois processos mentais que estão imbricados. Segundo
ele, na medida que falamos, reestruturamos o nosso pensamento e quando pensamos elaboramos a fala.

3.4 - A Alfabetização com Textos


Quando aprendem a falar e a ouvir a linguagem √ Alfabetização não se restringe a aquisição de uma
diante de textos, as crianças passam a dominar não técnica de escrita, mas sim, desenvolver a capacidade
só os sons da fala e o significado das palavras, mas de usar a linguagem escrita em práticas sociais de
também as formas de argumentar, de construção da leitura.
coerência e da coesão dos textos.
√ Os diferentes gêneros textuais requerem diferentes
Cagliari estratégias de leitura/escrita.
√ A intencionalidade do leitor é determinante para a
Até aqui fomos construindo com você alguns prin- situação de leitura que será vivenciada.
cípios que fundamentam o trabalho de alfabetização
a partir dos textos que circulam na sociedade, tais Todos estes princípios fundamentam as reflexões que
como: faremos sobre a alfabetização com textos.

√ A escrita é um sistema de representação e não um Quando discutimos uma proposta de aquisição da


código para transcrever a fala. língua escrita a partir de textos, muitos alegam que
√ A aprendizagem ocorre por meio da interação do nós fomos alfabetizados por meio de um trabalho ba-
sujeito com o objeto do conhecimento (neste caso a lin- seado no treino de sílabas, na repetição de palavras e
guagem escrita) mediado por outros sujeitos (cultura). frases soltas, muitas vezes descontextualizadas, e que
√ Os conhecimentos prévios são importantes para hoje sabemos ler e escrever. Diante deste argumento,
aquisição de novos conhecimentos. uma questão se faz presente: Por que hoje não con-
√ A escola não é o único lugar em que ocorre apren- seguimos alfabetizar todos os alunos com o mesmo
dizagem. procedimento? 33
√ As crianças chegam à escola com muitos conheci-
mentos sobre a linguagem escrita. Sabemos que construímos conhecimento estabe-
√ A prática pedagógica está marcada pela concepção lecendo relações entre fatos, informações, observa-
do professor de como ocorre o processo de aprendi- ções, conhecimentos anteriores. Relações estas que
zagem. estão pautadas nas experiências que vivemos nos
√ A aquisição da leitura e da escrita são processos diferentes espaços sociais (escola, família, clube,
distintos que podem ocorrer simultaneamente. igreja, rua etc.), que nos possibilita signifi car o
√ Ler não é decodificar, é atribuir significado ao texto. “novo” conhecimento.

Fonte: QUINO. Toda Mafalda - da primeira à última tira. São Paulo: Martins Fontes, 2000.

33
É importante registrar que na década de 70, apenas um terço da população escolar tinha acesso à escola.
Manolito nos faz refletir sobre uma questão impor- contato com tantas propagandas, outdoors, placas, rótu-
tante: a diferença entre informações e conhecimento. los (pois a maioria dos produtos era vendida a granel), 69
Ao responder a professora, ele repete uma informação limitava-se às reflexões que fazíamos sobre a língua
recebida em seu contexto social, por meio dos ditos antes de entrarmos na escola e iniciarmos o “trabalho
populares, porém ele demonstra não conhecer as pro- de alfabetização” propriamente dito. As informações
priedades da multiplicação, não atribuindo nenhum que recebíamos na escola eram praticamente as únicas
significado à informação recebida. que tínhamos sobre a língua. Tudo fazia sentido, pois
não confrontávamos com nenhuma hipótese formulada
Podemos afirmar que Manolito tem a informação, mas anteriormente no espaço cultural.
não construiu conhecimento. Logo, podemos concluir que
nem toda a informação se constitui em conhecimento. Atualmente a circulação de textos é intensa. Sabe-
Essa conclusão é primordial para a prática pedagógica. As mos que desde muito cedo as crianças já estabelecem
informações oferecidas aos alunos só se constituirão em relações/reflexões sobre o material impresso que têm
conhecimento se forem significadas por eles, por meio acesso e acreditamos que por isso, muitas “informa-
de seus conhecimentos anteriores. ções” dadas na escola, de forma artificial e fragmentada
sobre a linguagem escrita, não favorecem a atribuição
Se pensarmos na forma em que a nossa sociedade se de significado. É como se existissem duas línguas: a
apresentava há algumas décadas em relação à circu- da vida (placas, rótulos, avisos, documentos etc.) e da
lação de textos, fica claro que pelo fato de não termos escola (sílabas, palavras, textos artificiais).

Leia os rótlos abaixo:

Pense sobre a leitura que você fez... O processo que você experienciou é o mesmo que
os alunos, na fase inicial do processo de aquisição da
Como você se sentiu ao fazer esta leitura? leitura e da escrita, vivenciam. Por isso, a preocupação
com a técnica, necessária e importante, não pode ig-
Você conseguiu de imediato ou levou algum tempo?
norar todos os conhecimentos que os alunos já trazem
Teve vontade de desistir?
e que permitem reconstruir um significado do texto
Você se baseou no código escrito ou em outros atri- no ato de ler.
butos da embalagem para realizar a leitura?
Agora tente ler a palavra abaixo:
Não ter domínio “deste” código foi impedimento para
você identificar os produtos e ler as marcas? 4R314
Saber que estes textos são rótulos facilitou sua leitura?
Você conseguiu?
Quanto o conhecimento/familiaridade com estes Quais as estratégias que você utilizou?
produtos facilitou a sua leitura? Você sentiu falta de algum apoio?
De que você sentiu falta?
Quais conhecimentos sobre a estrutura da língua
portuguesa facilitaram a leitura das marcas?
Agora leia o texto34 abaixo:
70

Você conseguiu ler o texto? O que você sentiu reflexões deverão estar sempre presentes na prática
ao chegar ao final do texto e ter compreendido a pedagógica. Lembre-se do que você experimentou!!
mensagem? Os seus conhecimentos prévios sobre
situações que ocorrem na praia, construção de Uma concepção mais contemporânea define leitura como
castelos de areia e sobre castelos, ajudaram a dar um ato de atribuição de significado a um texto escrito.
significado ao texto? Os conhecimentos que você Leitura é uma relação que se estabelece entre leitor e o
texto escrito, relação na qual o leitor, através de algumas
possui sobre a organização da língua portuguesa
estratégias básicas, reconstrói um significado do texto no
ajudaram na leitura deste texto? Você leu sílaba por
ato de ler (BARBOSA, 1990: 118).
sílaba ou fez a leitura completa das palavras? Você
leu alguma palavra que com a continuidade da lei-
tura, teve que retornar, pois havia lido “errado” e o Por tudo isto que apontamos até este momento, é
texto ficou sem sentido? Você pulou alguma palavra? que acreditamos na importância do trabalho com os
Isso impediu que você compreendesse o texto? Você textos que circulam na sociedade (rótulos, logomar-
teve dificuldade para ler alguma palavra e quando cas, embalagens, documentos, reportagens, poesias
leu a palavra seguinte a entendeu? Você identificou etc.). Não basta apenas levar os textos para a sala de
a palavra anterior (4R314) no texto? Foi mais fácil aula, pois eles por si só não garantem a aprendizagem
lê-la no texto ou isolada? da leitura e da escrita. Eles favorecem as construções
conceituais, a partir dos conhecimentos que os alunos
Você precisou decifrar o código, estabelecendo uma trazem, para refletirem sobre as questões lingüísticas
relação direta fonema/grafema para ler o texto? que ainda precisam construir. Os textos precisam ser
trabalhados, ou seja, explorado em todos os seus as-
Tente agora escrever o seu nome utilizando este pectos (social, cultural e lingüístico). Requer esforço
código. de todos (alunos e professores) e planejamento do
professor para, de acordo com as necessidades de sua
O que aconteceu? Qual foi a estratégia que você usou? turma, selecionar os aspectos, lingüísticos ou não, que
Como você estabeleceu a relação som/ “letra”? Você precisam ser abordados.
buscou a relação com a letra inicial das palavras? Ou
com as sílabas? As estratégias que você utilizou para
Barbosa (1990) diz que para ler, o leitor deve mobi-
ler foram suficientes para escrever? Foi mais fácil ler
lizar três habilidades indissociáveis: a verificação, a
ou escrever?
antecipação e a identificação.
As suas respostas revelam os processos de leitura
e escrita vivenciados por você e que pode ser muito A antecipação é a habilidade de prever o sentido
semelhante aos dos alunos que estão se iniciando no do texto a partir de informações não-visuais (não
processo de compreensão de como a linguagem escrita provêm da leitura específica daquele texto, mas da
está estruturada. Demonstra também como ler e escre- estrutura cognitiva do leitor), que podem tornar a
ver são processos distintos, porém interligados. Essas leitura mais fácil, tais como: “a experiência com

34
Este texto circulou durante algum tempo na rede mundial de informação (internet). No final desta seção você encontrará o texto em português.
textos escritos anteriores, as experiências de vida crita ou não). Nesta perspectiva tanto uma palavra,
do leitor, a disponibilidade para arriscar uma hipó- frase ou até uma imagem pode se constituir em um 71
tese sobre o significado do texto e o conhecimento texto. Quando encontramos uma seta apontando para
prévio dos suportes materiais da escrita” (IDEM: a direita, lemos que devemos seguir pela direita para
118/119). Por exemplo: a organização espacial de chegar onde desejamos. Logo podemos entender que a
um texto com título, estrofes e versos já me fazem imagem da seta é um texto. Da mesma forma que um
antecipar que é uma poesia e a acionar todos os artista ao pintar um quadro que será significado por
conhecimentos que tenho sobre este tipo de texto e, alguém, está produzindo um texto.
por conseguinte, a fazer a leitura de forma diferente
de um texto científico. O nome da criança, geralmente, representa um tex-
to muito significativo para ela, pois está carregado
Se o assunto é pouco familiar para o leitor, a leitura se torna de emoção, sentimentos, dando-lhe identidade e
lenta, dificultando a compreensão. Isto ocorre porque o servindo como parâmetro para as suas descobertas
leitor tem de buscar no texto que está lendo grande número lingüísticas e criação de hipóteses. Por isso o nome
de informações, acumulando tal volume de dados (visuais)
acaba sendo um dos primeiros textos a ser utilizado,
que esbarra nos limites da capacidade da sua memória.
Portanto, quanto menor a informação não-visual, maior a quando queremos sistematizar a aquisição da leitura
quantidade de informações visuais que o leitor deve buscar e da escrita.
no texto (IBIDEM: 119).
Oferecer cartões com o nome de cada criança e
Na leitura que você realizou sobre “as crianças e os explorá-lo é um bom início de trabalho. Por que
castelos de areia” você utilizou muito as informações a criança tem esse nome? Quem escolheu? O que
não-visuais. significa o nome? Por que as pessoas possuem um
nome? Será que elas conhecem outra pessoa com o
A verificação permite o leitor “certificar-se, mesmo nome? E o sobrenome, o que significa? Elas
através do sistema estruturado de palavras que já viram os seus nomes escritos em outros lugares?
compõem um texto escrito, sobre a antecipação do Quais? Já viram o nome de outras pessoas escrito em
sentido que foi por ele previsto” (IBIDEM: 118). outros lugares? Quais? (nome dos autores nos livros
Necessita das informações visuais que são captura- etc.). As questões lingüísticas também devem ser
das no texto pelo leitor. exploradas: O nome começa/termina com qual letra?
Há nomes, na turma, que comecem com a mesma
Na identificação o leitor busca a informação nova, letra? Há nomes semelhantes? (Roberto/Roberta,
confirmando ou reestruturando as hipóteses previa- Fernando/Fernanda, Cristina/Cristiane etc.) Em que
mente intuídas. são iguais? Em que são diferentes? Há nomes que
possuem letras que não fazem parte do nosso alfa-
Eis, portanto, um princípio do êxito na leitura: o leitor deve
beto (K, Y, W)? Enfim, são muitas as possibilidades
se apoiar muito mais nas informações não visuais, de sua
do trabalho com esse tipo de texto. Os objetivos do
estrutura cognitiva, do que nas informações visuais, grafa-
professor e as necessidades dos alunos é que deter-
das no texto específico. E é esse princípio que as crianças
minarão quais as atividades mais adequadas em um
devem aprender a dominar (...) Portanto, é lendo que a
determinado momento.
criança aprende a ler. É através da experiência que a criança
desenvolve a capacidade de mobilizar aquelas estratégias
Um outro tipo de texto muito significativo para as
básicas para o ato da leitura: verificação, antecipação e
crianças são os rótulos dos produtos consumidos por
identificação (IBIDEM: 119).
elas. Compreendendo que ler é atribuir significado,
As afirmações de Juvêncio Barbosa (1990) ratificam os rótulos deverão ser trazidos pelas crianças ou
que os aspectos lingüísticos (que são importantes) não pelo professor, após investigação do que os alunos
podem ser o fim do trabalho do professor alfabetizador. consomem e conhecem. Os produtos adquiridos por
Entendemos que ele é conseqüência do trabalho de uma família não são, necessariamente, adquiridos por
exploração/investigação/pesquisa que realizamos com outras. Não estamos dizendo que o universo do aluno
o texto. Mas, afinal, o que é texto? tenha que ser limitado, apenas ressaltando que depen-
dendo do objetivo (neste caso, a sistematização da
Podemos simplificar a resposta dizendo que o texto linguagem escrita) os rótulos mais familiares serão os
representa uma idéia, pensamento, sentimentos, que mais adequados, pois possibilitarão acionar diferentes
é uma produção cultural fundada na linguagem (es- estratégias de leitura.
Vejamos um exemplo:
72

Ao apresentar este rótulo em uma turma é provável


que todos leiam NESCAU. O que será que contribui
para que dêem significado a este rótulo, lhe conferindo
a função de texto?

Vamos tentar identificar as informações (visuais ou


não-visuais) que podem r auxiliar este ato de leitura:

√ O “design” da embalagem;
√ A relação do nome (marca) com um produto acho-
colatado e seu uso social: colocar no leite, fazer bolo,
brigadeiro etc.;
√ O local em que encontramos este produto: super-
mercado, padaria etc.;
√ Os conhecimentos prévios que o aluno possui sobre
este gênero textual (rótulos);
√ Identificação da forma da escrita da palavra (dia-
gramação/perfil).

É importante que o aluno tenha oportunidade de √ Identificar a letra inicial e final da palavra
expressar o seu pensamento, dizendo o que faci- NESCAU.
litou a sua leitura. A linguagem oral também pos- √ Observar a quantidade, seqüência e variedade de
sibilita comunicar idéias, pensamentos, intenções letras que a palavra possui. Há letras repetidas?
diversas, influenciar o outro e estabelecer relações √ Comparar com os nomes dos colegas da turma. Há
interpessoais, além de apresentar e respeitar as algum nome que comece igual a NESCAU?
variedades lingüísticas. √ Comparar com outros textos que estão na sala.
√ Comparar com outras embalagens (Neston, Neve,
Não basta deixar que falem, é preciso que as situações Neutrox etc.)
orais representem situações comunicativas, signifi- √ Pesquisar uma receita que leve Nescau identifican-
cativas e que propiciem identificar as diferenças no do a palavra no texto etc.
grau de formalidade (não falamos com uma pessoa
desconhecida ou com o presidente, da mesma forma São muitas as possibilidades de trabalho com os ró-
que falamos com o nosso colega) tulos. A criatividade, os conhecimentos técnicos e dos
alunos de cada turma são os fatores que permearão as
Como temos por objetivo a sistematização da lingua- atividades planejadas.
gem escrita35, precisamos propiciar também reflexões
sobre as questões lingüísticas que o texto propicia: Você pode estar achando que estamos sendo incoeren-
tes ao defender o trabalho com textos e apresentarmos,
√ Identificar no rótulo onde há texto com letras e onde até agora, análise de palavras isoladas (nome e rótulo).
há textos com números. Nomes e rótulos são textos (representam uma idéia),
√ Criar hipóteses para as escritas com letras (modo que são compostos por uma única palavra e fazem parte
de preparo, nome do fabricante, endereço eletrônico do contexto cultural dos alunos. Existem palavras que
etc.) e para as com números (peso, telefone, código de em um contexto específico são textos e que em outros são
barra, valores nutricionais etc.). apenas palavras. Quando vemos a palavra NESCAU em

35
Estamos insistindo no objetivo da alfabetização nas séries iniciais do Ensino Fundamental, pois é ele que determina o trabalho pedagógico.
um rótulo ela tem uma representação (texto) diferente na sala de aula mesmo que como pretexto para
de quando a vemos escrita em uma receita culinária (é trabalhar algum conteúdo ou para “preencher o 73
apenas uma palavra). Volte à mensagem das crianças tempo vago”. Porém, existem outros que ainda
construindo castelos de areia e perceba a diferença entre são marginalizados, talvez pelo desconhecimento
a palavra isolada (não texto) e um texto. do professor nas possibilidades de reflexões que
possibilitam. Os documentos históricos ou não
Uma proposta de alfabetização com textos deve (carteira de identidade, CPF, título de eleitor,
possibilitar ao aluno inferir, processar, estabelecer certidões, dossiês etc.) são exemplos de escritos
relações e refletir sobre as regularidades e as diferentes que ficam longe da escola. Talvez por serem
possibilidades da língua escrita. considerados sérios demais para as crianças ma-
nusearem. Mas as crianças que estão imersas na
Alguns gêneros textuais – como a literatura sua cultura sabem da existência deles e possuem
infantil, por exemplo – já conseguiram entrar uma certidão nascimento. 36

Fonte: www.1cartorio.com.br, acesso em 06/07/2007.

Este tipo de texto possibilita explorar, dentre tantas √ Qual a situação em que o aluno usou ou viu alguém
coisas, após a leitura cuidadosa realizada pela profes- usando a certidão de nascimento?
sora com os alunos: √ Quem é o leitor para esse tipo de texto?
√ Onde encontramos o nome do documento?
√ Onde podemos encontrar este tipo de texto? √ A quem pertence o documento?
√ Quando Sthephany nasceu?
√ Quem escreve este texto?
√ Em que cidade ela nasceu?
√ Qual a sua função?
√ Quem são os seus pais? E avós paternos? E os
√ Em que situações ele pode ser útil? maternos?

36
Todas as crianças possuem o direito constitucional de serem registradas e ter, gratuitamente, uma certidão de nascimento. A escola deve
orientar às famílias para esse direito e encaminhar ao Conselho Tutelar aqueles que precisam de ajuda.
√ Em qual Estado ela nasceu? Trabalhar com documentos pessoais implica ter cuida-
74 √ Localizar no texto as informações: nome, filiação, data dos para não entrar em questões particulares das famílias.
do nascimento, data do registro, nome do escrivão etc. Por isso, é recomendado que antes de solicitar que tragam
√ Que outro documento identifica um sujeito? suas certidões, o professor converse com os responsáveis
√ Analisar a sua própria certidão de nascimento (cópia apresentando os seus objetivos e caso perceba que pode
xerografada), buscando as informações possíveis (as causar algum constrangimento às crianças, construa com
crianças adoram usar canetas marca-texto). eles as suas certidões conforme o modelo abaixo.

Fonte: PREFEITURA DA CIDADE DO RIO DE JANEIRO. Ensinar pra Valer. Módulo 1. Rio de Janeiro, 2002.
Após a análise das suas certidões de nascimento (se descobrir uma das funções dos documentos: fonte de
for possível), uma boa proposta é a criança preencher pesquisa e informação. Que tal confeccionarem uma 75
o modelo acima copiando as informações do seu carteira de identidade? Quais as informações da certi-
documento. dão de nascimento que serão úteis para o preenchimen-
to da Carteira de Identidade? Quais são irrelevantes?
Utilizar as informações coletadas ajuda o aluno a Para que serve a carteira de identidade?

Fonte: PREFEITURA DA CIDADE DO RIO DE JANEIRO. Ensinar pra Valer. Módulo 1. Rio de Janeiro, 2002.

Além da função social e da localização de infor- questões em um único dia. O trabalho exemplificado
mações (escrita), estes textos permitem trabalhar os aqui com os documentos de identidade consumirá, no
aspectos notacionais37 da língua que possibilitarão mínimo, uma semana de trabalho. Só quem conhece os
refletir sobre sua estrutura e organização. Retome a alunos poderá planejar as atividades diárias, respeitan-
leitura do início desta unidade, Saberes Necessários do os níveis de conhecimento e as necessidades para
para ler e escrever, e veja que as necessidades da avançarem no seus processos de conhecimento.
turma determinarão: o que é palavra? O que é sílaba?
Relações fonemas/grafemas. O significado dos espaços É importante que na hora de planejar uma atividade
em branco? etc. com texto o professor pense em questões relativas
às marcas espaciais, ao formato, às características e
Os conhecimentos técnicos do professor darão a função do texto, ao conteúdo, aos aspectos fonéticos,
dosagem das atividades. Não se pode abordar tantas sintáticos e semânticos.

37
Que diz respeito ao sistema de representação gráfica, ou seja, as questões da estrutura da língua.
Vejamos a poesia abaixo:
76 Convite
José Paulo Paes

Poesia
é brincar com as palavras
como se brinca
com bola, papagaio, pião

Só que
bola, papagaio, pião
de tanto brincar
se gastam.

As palavras não:
quanto mais se brinca
com elas
mais novas ficam.

Como a água do rio


que é água sempre nova.

Como cada dia


Que é sempre um novo dia.

Vamos brincar de poesia?

Fonte: PAES, José Paulo. Poemas para brincar. São Paulo: Ática, 1998.

1 - Marcas espaciais, /formato/ características • Há palavras semelhantes? (NOVO/NOVA, NOVA/


formais NOVAS) Qual a diferença entre elas?
• Quais as palavras que começam com a mesma letra?
• Onde encontramos o título? Elas têm o mesmo som?
• Como podemos saber quem escreveu a poesia? • Há alguma palavra que comece com a letra do seu
• O que nos faz identificar que esse texto é uma poe- nome?
sia? (estrofes, versos, espaços em branco, silhueta) • No texto, qual a palavra que rima com POESIA?
• O que significa papagaio neste texto? É um animal?
2 - A função do texto Qual o sinônimo de papagaio? Que tal pesquisar os
diferentes nomes que a pipa tem nas diferentes regiões?
• Qual será que foi a intenção do autor ao escrever (pipa/papagaio/ pandorga/arraia/cafifa/raia etc.).
este texto? • O que significa “rio” nesta poesia? Esta palavra tem
• Para você, para que serve esse tipo de texto? outros significados?
• Quando se usa este tipo de texto? • Há palavras que possuem outras palavras dentro
• Este texto é semelhante a outros afixados na sala? delas? (PAPAGAIO = PAPA/ PAGA/PAIO). Elas
Quais? Quais são as semelhanças? possuem o mesmo significado?
• Compare as palavras PIÃO / GASTAM / NÃO /
3 - O conteúdo FICAM? Elas rimam? Por quê? O que elas possuem
de igual? O som [ão] é grafado da mesma forma?
• O que o texto transmite para você?
• Sobre o que “fala” o texto? O trabalho com textos oportuniza todas as crianças,
• Que tipo de comparação o autor estabelece? mesmo em diferentes níveis de conhecimento, a tra-
• O autor compara as palavras com que? balharem juntas e possibilita também que o professor
• Qual é o convite que o autor nos faz? trabalhe diversificadamente, atendendo as questões
específicas dos alunos ao propor reflexões que os farão
4 - Aspectos fonéticos, sintáticos e semânticos avançar em suas hipóteses. As crianças que ainda não
conseguem fazer a leitura convencional, vão aprendendo
• Essa poesia apresenta rimas? a estrutura do texto, sua forma de organização e fazendo
• Há palavras repetidas? Quais? previsões acerca das regularidades da língua.
O que pretendemos aqui foi demonstrar que é possí- com letras, sílabas e palavras com fim em si mesmas,
vel abdicar de um trabalho fragmentado com a língua, para “alfabetizar letrando”. 77
Leitura Complementar

Leia o capítulo 1 do livro Alfabetização e Lingüística, de Luiz Carlos Cagliari, da editora Scipione. Você en-
contrará uma explicação simples para o que é lingüística, sintaxe, morfologia, semântica etc. Saberes importantes
para pensar na metodologia a ser utilizada.

Leia o capítulo 9 do livro Alfabetização e Leitura, de José Juvêncio Barbosa, da editora Cortez. Você poderá
aprofundar a discussão sobre as diferentes situações de leitura e as habilidades necessárias para ler (antecipação,
verificação e identificação).

3.5 – Os “Erros” mais Comuns e Possíveis Estratégias


de Intervenção
Os alunos levam muitíssimo a sério (mesmo brincan- A galinha botou o ovos.
do) a tarefa de aprender a escrever e põem nisso um O cachorrinhos está no lago iai o loboma pegou..
grande trabalho de reflexão, quando estimulados a se
autodesenvolverem e não a fazerem um trabalho mecâ- TEXTO 2
nico repetitivo, simplesmente. Podem até “pular” uma
sílaba, porque nem sempre relêem o que escrevem, O sapo voador
aliás, como os adultos também fazem às vezes. o sapo vai a o ispaso lã ele
Cagliari ve o sol e posa ni um
praneta CH Amado marte
Na alfabetização a partir de textos, um dos princípios ele ve um mostro ele
metodológicos é a produção de textos espontâneos fala socoro o vocao come
pelos alunos. Você viu ao longo desse material vá- co a sai lava o motro so
rias produções infantis. Ao escreverem a partir das otoo o sapo o sapo foi para
reflexões que fazem sobre a língua, as crianças vão o fogete quando ele CH egou
procurando compreender suas regras (regularidades) e, na terra ele foi ce um soldado
enquanto não consolidam o seu processo de alfabetiza-
ção, cometem erros induzidas pelos usos ortográficos Fonte: CAGLIARI, Luiz Carlos. Alfabetização e lingüística. São
que o próprio sistema de escrita tem e por traços da Paulo: Scipione, 1996, p.132 e 135.
oralidade.38
O que você achou? Qual deles está mais de acordo
Cagliari (1996) realizou uma pesquisa, analisando a com um texto narrativo? Em qual deles há uma história
produção de crianças no processo inicial de alfabetiza- com apresentação do enredo (início), desenrolar da
ção, em diferentes cidades (regiões nordeste e sudeste), história (meio) e fechamento (fim)?
com diferentes propostas metodológicas e detectou que
as produções das crianças que foram iniciadas no pro- O texto 1 é a produção de uma criança que foi iniciada
cesso de escrita, de forma tradicional (letras, sílabas) pelos métodos tradicionais. Já o texto 2 é de uma crian-
apresentavam, além dos problemas ortográficos, sérios ça iniciada pela produção espontânea. Você percebeu
problemas de estrutura, muito mais graves do que as a diferença? Sem dúvida, o texto 2, apesar de todos os
que foram iniciadas pelos textos espontâneos. problemas ortográficos, apresenta as características de
um texto, com título, narrativa coerente e encadeada.
Vejamos dois exemplos dados pelo autor. Com os co-
nhecimentos que você já construiu até aqui, qual deles O fato de desconhecermos o trabalho do professor,
pode ser considerado um texto? Qual deles realmente realizado com as crianças cotidianamente, nos impede
comunica uma idéia? de fazer uma análise mais aprofundada destes textos.
Mas podemos afirmar que as duas crianças necessi-
TEXTO 1 tam de uma boa intervenção pedagógica. No caso da
primeira, além das questões ortográficas, ela necessita
A pata nada no lago. aprender as estruturas dos textos e resgatar a sua ima-
A patinhas nada mina. ginação. Tarefa nada fácil para o professor que tem a
O cachorrinhas chama lulu concepção de que a aprendizagem da escrita se dá de
O cacho foi pego pela a carrocinhas. forma fragmentada, por meio das “famílias silábicas”

38
Retome a leitura das contribuições de Miriam Lemle, no item 3.1: Saberes Necessários para ler e escrever. Foram apresentados alguns aspectos
da relação fonema/grafema que compõem a língua portuguesa. Agora veremos com essas “relações complicadas” induzem aos erros.
(ba-be-bi-bo-bu), e nem para o aluno, que aprendeu eram recorrentes nas diferentes cidades e que muitos
78 que só pode escrever aquilo que foi “ensinado”. Porém deles eram causados pelas próprias possibilidades de
é possível! Cabe ao bom professor mudar o rumo do organização da língua escrita.
seu trabalho quando percebe que os alunos não estão
construindo os conhecimentos necessários.
A seguir, você verá um quadro que sintetiza os er-
Um outro aspecto muito interessante da pesquisa ros mais freqüentes encontrados por Cagliari em sua
foi perceber que muitos erros cometidos pelos alunos pesquisa:
79
Muitos destes erros só podem ser categorizados se co- dificuldades insuperáveis ou falta de capacidade das crian-
80 nhecermos bem os alunos, seu ambiente sociocultural e ças e nem os acertos são obra do acaso. Tudo pertence a
ouvirmos as suas falas. Por exemplo, para saber se um um processo de aprendizagem da escrita e revela a reflexão
erro é modificação da estrutura segmental da palavra que o aluno põe na sua tarefa e na forma de interpretar o
ou forma morfológica diferente, só se soubermos como fenômeno que estuda (CAGLIARI, op. cit.: 145).
as crianças falam.
O mais importante na pesquisa realizada por Cagliari
Cagliari (1996) concluiu em sua pesquisa que as foi comprovar que os erros cometidos pelos alunos não
crianças tinham pouca dificuldade com a segmentação acontecem por acaso. Eles são resultados de suas refle-
e o reconhecimento das formas das palavras, revelavam xões sobre como se escreve. Muitos erros independem
um uso sintático muito bom, não apresentavam, geral-
mente, um uso estranho de letras e acentuavam, em do dialeto falado pelas crianças, é a própria estrutura
determinadas ocasiões, as palavras de forma correta. da língua que induz.

É fácil ver que há muito mais acertos do que erros, nos Vejamos um exemplo de produção de texto de uma
textos. Desta comparação fica claro que os erros não são criança carioca de 6 anos.

Perceba que independente do dialeto, encontramos mui- Agora, você fará a análise do texto abaixo identifi-
tos tipos de “erros” detectados na referida pesquisa. cando os “erros” mais presentes.
81

O que você identificou? Vá ao final desta página e O trabalho de Cagliari (1996) analisou texto de crian-
veja algumas considerações.39 ças que já escreviam alfabeticamente. Mas nem todas
as crianças começam a escrever de forma alfabética.
Mas o que fazer para que os alunos avancem em seus Vejamos como Fábio, um menino de 10 anos, da
conhecimentos? cidade de Belo Horizonte, escrevia no início do seu
processo de aprendizagem da escrita.

Fonte: PREFEITURA DE BELO HORIZONTE. Revista Escola e Escrita. nº. 1. Belo Horizonte, 1999.

Apesar de Fábio usar letras em suas escritas, ele ainda alizadas, identificando as letras, sua seqüência e
precisa construir a base alfabética do sistema de escrita. quantidade.
Para isso é necessário que seja oportunizado:
⇒ Atividades com modelos estáveis:40
⇒ Leitura compartilhada de bons textos, apontando • Nomes próprios
as palavras que estão sendo lidas. • Rótulos
• Folhetos de propaganda
⇒ Atividades que levem à consciência sonora:
• Trabalho com rimas (poesia, músicas, parlendas, • Título de histórias e outros textos
adivinhas etc.)
• Escrita com letras móveis. ⇒ Produção coletiva de textos: Os alunos criam o
• Análise de palavras significativas e contextu- texto e o professor desempenha o papel de escriba.

39
* Juntura Intervocabular: ES TAVANDA DO (estava nadando), ABIOZOLIO (abriu os olhos), DREPET E (de repente),
TUDOBIE (tudo bem).
* Segmentação: APA RECAU (apareceu), QUA NDO (quando), ES TAVANDA DO (estava nadando).
* Uso indevido de letras: CAUSA (calça), MAX (mas), EXITAVA (estava).
* Transcrição fonética: VIO (viu)
* Modificação da estrutura segmental das palavras: APA RECAU (apareceu).
Esses são os erros mais freqüentes neste texto. Outros erros também aparecem, porém com menor incidência.
40
Modelos estáveis são textos em que aprendemos pela percepção (visual ou auditiva) e o sabemos de cor (memorizados).
⇒ Leitura de textos memorizados: Vejamos como uma boa intervenção pedagógica pode
82 • Músicas fazer as crianças avançarem. Observe a produção abaixo.
• Parlendas Ela é de uma menina de 6 anos, que foi submetida a um
• Travalínguas trabalho de escrita com atividades que priorizavam as
questões apresentadas anteriormente. A escrita superior
⇒ Atividades de leitura que envolvam imagens e foi realizada em fevereiro, como diagnóstico do que ela
sinais, além da escrita. já sabia sobre a escrita. A escrita inferior foi realizada por
ela em maio, quando a professora devolveu-lhe o trabalho
e pediu para que ela rescrevesse.

Ela não só passou a escrever alfabeticamente, como • Atividades com rimas


já escreve de forma ortográfica. Isso não aconteceu por • Escrita de pequenos textos (listas, bilhetes, re-
acaso. Foi resultado de um trabalho com objetivos bem cados, trechos de histórias, definições etc.)
definidos, que a fez refletir sobre a escrita.
⇒ Leitura de diferentes textos, por alunos e pro-
Mas e as crianças que já escrevem alfabeticamente? fessor.
⇒ Produção coletiva de texto
Para as que apresentam “erros” de transcrição fonéti- ⇒ Revisão e reescritura, coletiva e individual, dos
ca, hipercorreção, modificação da estrutura segmental textos.
das palavras, forma morfológica diferente, e até pro-
blemas sintáticos, faz-se necessário: A seguir você verá a produção escrita de uma criança
de 6 anos, que após algumas reflexões coletivas sobre
⇒ Atividades que levem à percepção de que a escrita questões lingüísticas, reescreve o seu texto.
não representa a fala:
• Escrita de pequenos textos de memória (músicas, 1ª VERSÃO (produção espontânea, sem nenhuma
parlendas, travalinguas, reprodução de placas). intervenção):
83

2ª VERSÃO (produção revisada, após intervenção da professora, que propôs para a turma algumas reflexões
sobre a linguagem escrita):

Observe como a criança foi capaz de corrigir alguns ⇒ Atividades que trabalhem o conceito de palavras,
de seus “erros”. Você deve estar se perguntando: Por tais como:
que ela não corrige todos? Porque as informações • Elaboração de listas
recebidas e as reflexões elaboradas por ela ainda não • Criação de nome de produtos (marcas)
são suficientes para desestabilizar todas as hipóteses • Confecção de etiquetas
que tem sobre como se escreve. As crianças aprendem • Jogos: forca, adedanha etc.
em ritmos próprios, apoiadas nas estruturas mentais
construídas. Não adianta submete-las à reflexões que ⇒ Atividades que as levem a refletir sobre o signi-
estão muito além das suas necessidades e possibili- ficado dos espaços em branco no texto escrito:
dades de compreensão. Por isso, um bom professor é • Marcar os espaços em branco entre as palavras,
aquele que faz uma análise cuidadosa das produções fazendo uma análise do que representam.
de seus alunos, identificando questões que serão • Fazer escrita de textos memorizados (parlen-
priorizadas no planejamento das atividades. das, pequenas músicas, versinhos etc.) em espaços
pré-determinados.
Os erros de juntura intervocabular e segmentação
ocorrem porque as crianças não percebem, na oralidade, Veja a atividade proposta por uma professora para
as pausas que representam o término de uma palavra, que seus alunos “corrigissem” os seus “erros” de
bem como o que representa os espaços em branco na segmentação e junção intervocabular, ou seja,
escrita (determinam o significado da palavra) 41. Por isso compreendessem os significados de palavra e dos
é importante que as crianças vivenciem: espaços em branco.

41
Retome a leitura do texto Saberes Necessários para ler e escrever, nesta unidade, sobre o conceito de palavra.
84

A partir de uma pequena música memorizada Podemos dizer que neste momento os alunos estão
e trabalhada com as crianças, elas teriam que construindo uma regra ortográfica.
escrever uma palavra em cada traço determinado
no papel. Esta atividade faz as crianças pensarem • Por memorização (g/j, ch/x, e/i, o/u/l, s/z/x,
sobre cada palavra que escrevem e no intervalo s/ss/ç/c/sc e acentuação nasal m/n/~)
entre elas.
Nestes casos não há regras ortográficas que expli-
Para a “correção” do uso indevido de letras, quem a grafia das palavras, apenas a origem delas,
acentos gráficos e uso de letras maiúscula e no latim, grego, podem explicar, mas torna-se um
minúscula, é necessário que o aluno construa as conhecimento além das necessidades dos alunos.
regras ortográficas. Estamos falando em constru- Por isso, é importante a memorização pela leitura de
ção, pelo aluno, e não em memorização a partir da textos diversos e consulta ao dicionário. As palavras
informação dada pelo professor. Não adianta dizer desta categoria, que são freqüentemente grafadas
para ele que antes de P e B, usamos a letra M. Esta erradas pelas crianças podem ser afixadas em um
informação pouco ou nada adiantará no momento mural, durante certo tempo, para que possam con-
em que ele estiver escrevendo. O fundamental é sultá-las. Depois que já estiverem com a grafia con-
que ele vá construindo as regras a partir das suas solidada, sairão para dar lugar a novas palavras.
observações e reflexões sobre os textos escritos.
Para isto é preciso: É a leitura freqüente de bons textos que propor-
cionará a aquisição da grafia correta destas pala-
⇒ Leitura de diferentes tipos de textos vras. Quantas vezes temos dúvida na grafia de uma
⇒ Construção das regras ortográficas: palavra, escrevemos algumas possibilidades de
• Por hipóteses contextuais (mp/mb, r/rr, sua escrita e descobrimos a correta, pela memória
s/ss, g/gu, c/qu, acentos gráficos, uso da letra visual (já a vimos escrita em diversos textos)?
maiúscula).
As questões relacionadas aos sinais de pontua-
Por exemplo: ao lerem um texto, escolhido ção, geralmente não são priorizadas no processo
pelo professor de acordo com os seus objetivos, inicial da aprendizagem da escrita, por requererem
os alunos são solicitados a grifarem as palavras uma compreensão maior de como a escrita está or-
que possuem sílabas nasalizadas com M ou N, ganizada. O importante é que o aluno perceba que
ou seja, as sílabas terminam em M ou N. Após a a pontuação dá sentido ao texto. Ela não é “pausa
marcação, solicitar que façam a leitura de todas as para respirar” como nos disseram. Uma vírgula
palavras com M, depois todas as com N. Solicite pode mudar completamente o significado de um
que identifiquem as letras que estão antes do M texto ou a classe gramatical de uma palavra.
e do N (encontrarão as vogais). Questione se há
diferença nas letras que encontraram. Depois peça Veja a poesia abaixo. Observe como a palavra
para que verifiquem as letras que estão depois verão muda de classe gramatical em função da
do M e do N, na outra sílaba. Quais as letras que pontuação. Ora ela é substantivo (estação do ano),
estão depois do M? E do N? O que descobriram? ora ela é verbo (ver).
42 85

Por isso, as reflexões sobre os sinais de pontuação isso. A passagem para letra cursiva acontece de forma
precisam ser no sentido de identificarem o que eles gradual, propondo às crianças a observarem alguns
representam no texto (conclusão de uma idéia, sepa- escritos com letra cursiva e a reescreverem algum de
ração de objetos enumerados, indicativo da fala de seus textos, de forma semelhante. Mas caso alguma
um personagem, um questionamento etc.). Quando as criança apresente dificuldades, o importante é mostrar
crianças começam a compreender o significado dos para ela um alfabeto com letras cursivas. O uso do
sinais de pontuação, elas começam a usá-los em seus computador pode ajudar bastante. Com ele é possível
textos. É um processo gradual, que exige tempo para transformar a fonte de um texto, identificando o traçado
ser aprimorado. Nem os adultos sabem usar, de forma das letras.
adequada, todos os sinais de pontuação. O que dizer
do ponto-e-vírgula? Você deve ter percebido que um mesmo tipo de ativi-
dade (leitura de textos, trabalho com rimas, escrita de
A leitura de bons textos e a remontagem de peque- textos memorizados etc.) contribui para a construção
nos textos, que são entregues desmontados (palavras de vários elementos da linguagem escrita, dependendo
e sinais de pontuação separados), podem ajudar na do objetivo que temos. Por isso defendemos que um
construção do significado da pontuação. mesmo texto (ou uma atividade) possa ser trabalhado
coletivamente e também atendendo as necessidades
Os problemas com a forma de traçar as letras são específicas dos alunos.
quase inexistentes quando o trabalho é iniciado com a
letra maiúscula, do tipo imprensa, e posteriormente as Cabe ressaltar que muitos erros ocorrem na produção
crianças passam a escrever com a letra cursiva. Quando espontânea (adultos e crianças, alfabetizados ou em
elas estão avançadas no seu processo de aprendizagem processo de alfabetização) porque quando estamos
da escrita, elas sabem da importância da comunicação escrevendo, a nossa atenção está focada nas idéias que
do texto e o quanto a forma de grafar contribui para queremos expor e não nas questões lingüísticas. Por

42
Autor desconhecido.
isso é que qualquer texto deve ter algumas versões. conseguindo debruçar-se nas suas produções, me-
86 Na primeira não nos preocupamos com a forma da lhorando-as, corrigindo as questões ortográficas,
escrita, apenas com o que queremos comunicar; com o objetivo de comunicar as suas idéias, pen-
na segunda, geralmente, nos preocupamos com o samentos e sentimentos.
aprimoramento das idéias, na terceira e demais,
nos preocupamos com forma do texto (questões Porém, para que isso ocorra, é necessário um
ortográficas e estéticas). Na medida em que vamos bom trabalho do professor e boas propostas de
nos tornando escritores experientes, reduzimos a reescritura.
quantidade de revisões, porém ficamos mais exi-
gentes com a qualidade dos nossos textos. Vejamos a seguir uma proposta de revisão de
texto, elaborada por uma professora para a sua
Devemos ter como meta, que os nossos alunos se turma.
transformem em verdadeiros revisores de textos,

É claro que essa proposta foi feita para crianças professora. Após ter combinado com a turma e
que estão acostumadas com a revisão de textos e definido o tipo de marcação, ela sublinhou, nas
de parceria com os colegas e professor. palavras, o que necessitava ser revisto pelos alu-
nos. Cada aluno fez a revisão do seu próprio texto,
Vejamos uma outra intervenção feita pela mesma usando a borracha.
87

É importante que saibamos o momento correto de formação e tenham medo do ousar, pois ainda não
intervir no texto dos alunos. Quando eles ainda estão acreditam que é possível.
descobrindo que podem escrever usando letras ou que
podem escrever o que pensam, vencendo a inibição, A seguir apresentaremos três exemplos de evolu-
não é o momento de fazer correções específicas nos ção da escrita de pessoas bem distintas, que tiveram
textos. Mas isso não quer dizer que tenhamos que ficar professores que orientavam o seu trabalho de alfa-
de braços cruzados aguardando o momento correto. betização a partir de textos e que, acima de tudo,
Devemos trazer as questões percebidas, de forma sutil, acreditavam nas suas capacidades de aprender. O
para serem trabalhadas no coletivo da turma. O bom primeiro exemplo é de Priscila, 7 anos, uma aluna
professor é aquele que não espera acontecer, cria situ- do 1º ano do ciclo inicial, de uma escola estadual. O
ações para que os avanços dos alunos aconteçam. segundo exemplo é de Wesley, 10 anos, com histórico
de paralisia cerebral, aluno da AACD (Associação
Tudo isto que discutimos aqui “freqüenta” os espaços de Amparo à Criança Defeituosa). O terceiro é de
acadêmicos e de formação continuada dos professores, Geraldina, descendente de índios, 17 anos, aluna da
há pelo menos duas décadas. Apesar disto, ainda não Classe de Alfabetização de Jovens e Adultos em uma
virou realidade em muitas salas de aula. Talvez por- escola estadual. Observe o ano em que o trabalho foi
que os professores não consigam romper com a sua realizado.
88

Fonte: BRASIL. Parâmetros em Ação – Alfabetização. Brasília: MEC, 2000.


Você pôde observar que todos evoluíram muito em • Os conhecimentos que as crianças já trazem sobre
pouco tempo. Resultado de boas intervenções pedagó- a escrita e o mundo deve ser o ponto de partida para o 89
gicas, de professores pioneiros, comprometidos com trabalho pedagógico.
seus alunos. • Para poder ajudar os alunos a avançarem nos seus
conhecimentos sobre a linguagem escrita, o professor
Atualmente temos, praticamente, todas as crianças deve conhecer os “saberes necessários para ler e es-
na escola, mas não temos conseguido ensina-las a ler crever”, que passam por compreender como a língua
e escrever de forma competente. Muitos são os fato- portuguesa está estruturada e a função dos textos na
res que geram o fracasso escolar, mas com certeza a sociedade.
concepção de aprendizagem do professor, refletida no • O trabalho com texto envolve a reflexão sobre
seu trabalho, contribui muito. questões relativas às marcas espaciais, ao formato,
às características e função do texto, ao conteúdo, aos
Finalizando... aspectos fonéticos, sintáticos e semânticos.
• Acreditar que todos os alunos são capazes de
Estamos chegando ao final de um trabalho. Espera- aprender, faz com que o professor faça intervenções
mos ter dialogado com você, contribuindo para suas pedagógicas adequadas.
reflexões e formação de um bom profissional, pesqui- • Para formarmos bons leitores é imprescindível que
sador e consciente da sua função social.
haja, na sala de aula, situações de leitura pelo simples
prazer da leitura, sem pretexto para aprendizagem de
Com certeza não esgotamos tudo que precisa ser co-
conteúdos pedagógicos.
nhecido quando estamos desenvolvendo um processo
de alfabetização com crianças, jovens ou adultos, pois, • Os erros revelam as hipóteses que os aprendizes
além dos saberes que você possui e construiu com as têm sobre a escrita e muitos são decorrentes do próprio
outras disciplinas, são os aprendizes que nos desafiam sistema de escrita.
a buscar os conhecimentos necessários para o trabalho • O professor deve elaborar boas estratégias de in-
com eles. Mas destacamos pontos essenciais que com- tervenção para que os alunos possam aprimorar suas
põe o desafio de “alfabetizar letrando”: escritas.
• O aluno deve aprender a revisar seus textos, tornan-
• A escrita deve ser apresentada para os aprendizes do-o mais claro e comunicativo.
em sua função social.
• Todos os textos que circulam na sociedade são Agora você precisa continuar estudando, pesquisando
materiais para aprender a escrever. sobre como os sujeitos aprendem e as possibilidades
• A escrita não é uma representação direta da fala. de transformação da prática pedagógica. Você pode
• Leitura e escrita são processos distintos e interli- fazer a diferença! Pois como nos lembra o educador
gados. Darcy Ribeiro:
• Usamos estratégias diferentes para a leitura, de
acordo com o tipo de texto e o nosso objetivo. Uma coisa é um menino ou menina que fala a língua
• Os textos servem para expressar idéias, sentimentos, letrada,
emoções etc. e de acordo com a nossa intenção esco- lê, escreve. Tem uma cara já modificada,
lheremos o tipo de texto mais adequado. não tem uma postura humilhada e ofendida de um
• Os aspectos lingüísticos são importantes, mas a analfabeto,
alfabetização não pode tê-los como fim. cuida não só do seu corpo, mas também de seu
• As crianças só aprendem a ler, lendo. E a escrever, espírito.43
escrevendo.

RIBEIRO, Darcy. In: CICLO DE ESTUDOS 2004. Alfabetização a 4ª serie do Ensino Fundamental – Palavra puxa palavra. Fundação
Darcy Ribeiro: 2004, p. 45.
Leitura Complementar
90
Visite o site da Secretaria Municipal de Belo Horizonte (www.pbh.gov.br – Educação) e faça o download da Revista
Escola e Escrita, n.º 1, de 1999. Nela você vai encontrar, além de vários artigos e reportagens sobre alfabetização e
letramento, um artigo em que apresenta a evolução da escrita do aluno Fábio, que apresentamos aqui.

Leia o Livro O Diálogo entre o Ensino e Aprendizagem, de Telma Weisz, editora Ática, 2000, para aprofundar as
questões sobre como fazer o conhecimento do aluno avançar, quando corrigir, quando não corrigir, a necessidade
de os bons usos da avaliação e o desenvolvimento profissional permanente. É uma leitura indispensável!

O Livro Alfabetização e Lingüística, de Luiz Carlos Cagliari, editora Scipione, 1996, apresenta um capítulo
sobre escrita em que ele relaciona os textos que subsidiaram a sua pesquisa e faz uma análise dos erros mais
freqüentes. É mais um livro que contribui muito para o trabalho do professor alfabetizador.

Visite o site do MEC (http://portal.mec.gov.br/seb/arquivos/pdf/pcn_acao/pcnacao_alf.pdf) e faça o download


do Parâmetros em Ação – Alfabetização, que traz mais detalhes e análise da evolução da escrita de Priscila,
Wesley e Geraldina. É um bom material para a formação de professores.

Exercícios de Fixação

1- Com os conhecimentos já adquiridos por você, analise a escrita abaixo de uma criança com 6 anos. Iden-
tifique quais os conhecimentos ela já possui sobre a língua, o que ela ainda precisa saber e quais as possíveis
intervenções para que o seu conhecimento avance.

“Certa vez Johann viu/ um tubarão o tubarão/ quase comeu ele mas/ era só um sonho”
2 - Na Unidade II, você solicitou à professora da sua turma de estágio / cópia de algumas produções dos alu-
nos. Agora analise essas escritas identificando os “erros” mais freqüentes. Relacione-os. A que conclusão você 91
chegou? Os “erros” refletem a metodologia utilizada?
92

Se você:
1) concluiu o estudo deste guia;
2) participou dos encontros;
3) fez contato com seu tutor;
4) realizou as atividades previstas;
Então, você está preparado para as
avaliações.

Parabéns!
Glossário
93

Consciência Fonológica - é o conhecimento acerca da estrutura sonora da linguagem. Através do contato com
a linguagem oral de sua comunidade, o sujeito toma consciência de que a língua falada pode ser segmentada em
unidades distintas, ou seja, a frase pode ser segmentada em palavras; as palavras, em sílabas e as sílabas, em
fonemas e a consciência de que essas mesmas unidades repetem-se em diferentes palavras faladas.

Consoante - som da fala que só é pronunciável se formar sílaba com a vogal. Só “soa” se for junto com outro
som. Do ponto de vista articulatório, diz-se do som em que a corrente de ar encontra empecilho. É aquele som
que precisa estar COM um SOANTE.

Esopo - fabulista grego do século VI a.C. Na verdade, todos os dados referentes a Esopo são discutíveis e
trata-se mais de um personagem lendário do que histórico. A única certeza é que as fábulas lhe atribuídas foram
reunidas pela primeira vez por Demétrio de Falera, em 325 a.C. Concretamente, não há indícios seguros de que
tenha escrito qualquer coisa. Entretanto, foi-lhe atribuído um conjunto de pequenas histórias, de carácter moral
e alegórico, cujos papéis principais eram desenvolvidos por animais.

Filogênese - palavra de origem grega (phylon = tribo, raça e genetikos = relativo à gênese = origem). É o
termo comumente utilizado para hipóteses de relações evolutivas de um grupo de organismo. Refere-se, de certa
forma, à evolução da humanidade. Ontogênese - palavra de origem grega (ón, óntos = ser, criatura e genetikos
= relativo à gênese = origem). Define a formação e desenvolvimento do indivíduo desde a fecundação do óvulo
até a morte. A idéia de que a ontogênese recapitula a filogênese, isto é, que o desenvolvimento de um organis-
mo reflete exatamente o desenvolvimento evolucionário das espécies, está hoje desacreditada. Porém, muitas
conexões entre ontogenia e filogenia podem ser observadas e explicadas pela teoria evolucionista.

Psicogênese - é a origem e desenvolvimento dos processos mentais ou psicológicos. É o estudo da gênese e do


desenvolvimento das funções psíquicas. Por isso que quando falamos em psicogênese da língua escrita, estamos
falando em compreender o desenvolvimento dos processos mentais para a aquisição da escrita.

Pré-história - período anterior ao aparecimento da escrita, ou seja, anterior a 4000 a.C., pois foi por volta
deste ano que os sumérios desenvolveram a escrita cuneiforme. Período importante da História, pois o homem
conseguiu vencer as barreiras impostas pela natureza e prosseguir com o desenvolvimento da humanidade
na Terra. Foi desenvolvendo, aos poucos, soluções práticas para os problemas da vida, inventando objetos e
soluções a partir das necessidades. Ao mesmo tempo foi desenvolvendo uma cultura muito importante. Esse
período pode ser dividido em três fases: Paleolítico (Idade da Pedra Lascada), Mesolítico e Neolítico (Idade
da Pedra Polida).

No período Paleolítico, o ser humano habitava cavernas, muitas vezes tendo que disputar este tipo de habitação
com animais selvagens. Quando acabavam os alimentos da região em que habitavam, as famílias tinham que
migrar para uma outra região. Desta forma, o ser humano tinha uma vida nômade (sem habitação fixa). Vivia da
caça de animais de pequeno, médio e grande porte, da pesca e da coleta de frutos e raízes. Usavam instrumen-
tos e ferramentas feitos a partir de pedaços de ossos e pedras. Os bens de produção eram de uso e propriedade
coletivas. A comunicação, com uma linguagem pouco desenvolvida, baseada em pouca quantidade de sons,
sem a elaboração de palavras. Uma das formas de comunicação eram as pinturas rupestres. Através deste tipo
de arte, o homem trocava idéias e demonstrava sentimentos e preocupações cotidianas.

No período Mesolítico, período intermediário, o homem conseguiu dar grandes passos rumo ao desenvolvi-
mento e à sobrevivência de forma mais segura. O domínio do fogo foi o maior exemplo disto. Com o fogo, o ser
humano pôde espantar os animais, cozinhar a carne e outros alimentos, iluminar sua habitação além de conseguir
calor nos momentos de frio intenso. Outros dois grandes avanços foram o desenvolvimento da agricultura e a
domesticação dos animais que proporcionou a diminuição de sua dependência com relação a natureza. Com
esses avanços, foi possível a sedentarização, pois a habitação fixa tornou-se uma necessidade. Aqui começa a
divisão do trabalho por sexo dentro das comunidades. Enquanto o homem ficou responsável pela proteção e
sustento das famílias, a mulher ficou encarregada de criar os filhos e cuidar da habitação.

Já no período Neolítico o homem atingiu um importante grau de desenvolvimento e estabilidade. Com a se-
dentarização, a criação de animais e a agricultura em pleno desenvolvimento, outras necessidades surgiram. Um
avanço importante foi o desenvolvimento da metalurgia. Com a criação de lanças, ferramentas e machados, os
homens puderam caçar melhor e produzir com mais qualidade e rapidez. A produção de excedentes agrícolas
94 e sua armazenagem, garantiam o alimento necessário para os momentos de seca ou inundações. Com mais ali-
mentos, as comunidades foram crescendo e logo surgiu a necessidade de trocas com outras comunidades. Foi
nesta época que ocorreu um intenso intercâmbio entre vilas e pequenas cidades. A divisão de trabalho, dentro
destas comunidades, aumentou ainda mais, dando origem ao trabalhador especializado. Surge a necessidade
da escrita.

Sistema - podemos definir sistema como um conjunto de regras ou leis que fundamentam determinada ciên-
cia, fornecendo explicação para uma grande quantidade de fatos. Quando falamos da escrita como um sistema
de representação, estamos falando, grosso modo, do conjunto de “regras” que possibilita a representação das
idéias, sentimentos e desejos.

Subvocalização - é o processo de subvocalizar, ou seja, articular palavras de forma quase silenciosa ou inau-
dível. É quando o sujeito para compreender o que está escrito, precisa transformar o texto em linguagem oral.

Vocalização - passagem de um elemento consonântico a uma vogal, ou seja, transformar a consoante em


vogal.

Vogal - som da fala em que há o elemento voz, ou seja, um som harmônico, pronunciado sem bloqueio e
constrição do canal de respiração. Podemos dizer, grosseiramente, que a vogal é a menor unidade sonora pro-
nunciada pelo aparelho humano.
Gabarito
95
Unidade I

1 – Resposta pessoal.
Há semelhança, pois as crianças começam com rabiscos que só elas podem compreender num determinado
período de tempo. Depois elas utilizam os desenhos para chegarem à escrita.

2-

3- Resposta pessoal.

Unidade II

1 – Resposta pessoal.

Quem solicita o serviço de Dora sabe a função de uma carta e a sua estrutura
(ditam seguindo as normas).

2 – Resposta pessoal.

3 – Resposta pessoal.

4 – Resposta pessoal.

As cartilhas não atendem as necessidades dos alunos “pré-silábicos”, pois partem do


pressuposto que as crianças já sabem como a linguagem escrita se estrutura.
Unidade III
96
1-

2 – Resposta pessoal.
Referências Bibliográficas
97
AZENHA, Maria da Graça. Imagens e Letras: Ferreiro e Luria - Duas teorias psicogenéticas. São Paulo: Ática,
1995.
BARBOSA, José Juvencio. Alfabetização e Leitura. São Paulo: Cortez, 1990.
CAGLIARI, Luiz Carlos. Alfabetização e lingüistica. Rio de Janeiro: Scipione, 1996.
______. Alfabetizando sem o bá-bé-bi-bó-bu. São Paulo: Scipione, 1998.
______. Diante das Letras. Campinas: Mercado das Letras, 1999.
CHARTIER, Roger. A Aventura do Livro: do leitor ao Navegador. Trad. Reginaldo de Moraes. São Paulo:
Fundação Editora da UNESP, 1998.
DAVIS, C. & OLIVEIRA. Z – Psicologia na Educação. São Paulo: Cortez, 1994.
FERREIRO, Emília. Reflexões sobre Alfabetização. São Paulo: Cortez, 1987.
______. Com todas as Letras. São Paulo: Cortez, 1993.
______ & TEBEROSKY, Ana. Psicogênese da língua escrita. Porto Alegre: Artes Médicas, 1986.
______. Passado e Presente dos Verbos Ler e Escrever. São Paulo: Cortez, 2002.
______. Cultura Escrita e Educação. Porto Alegre: Artmed, 2003.
FREIRE, Paulo. A importância do ato de ler. São Paulo: Cortez, 1982.
GARCIA, Regina Leite. A formação da professora alfabetizadora: reflexões sobre a prática. São Paulo: Cortez, 1996.
JEAN, Georges. A Escrita - memória dos homens. Rio de Janeiro: Objetiva, 2002.
JOLIBERT, Josette. Formando crianças leitoras. Porto Alegre: Artes Médicas, 1994.
KAMII, Constance. A Criança e o Número. Campinas: Papirus, 1998.
KATO, Mary. No mundo da escrita: uma perspectiva psicolingüística. São Paulo: Ática, 1986.
KAUFMAN, Ana Maria. Escola, leitura e produção de textos. Porto Alegre: Artes Médicas, 1985.
KLEIMAN, Angela B (org). Os Significados do Letramento: uma nova perspectiva sobre a prática social de
escrita. Campinas: Mercado das Letras, 1995.
KRAMER, Sônia (org.). Alfabetização – dilemas da prática. Rio de Janeiro: Dois Pontos, 1986.
LEMLE, Miriam. Guia Teórico do Alfabetizador. São Paulo: Ática, 2004 .
LERNE, D. A aprendizagem da língua escrita na escola: reflexões sobre a proposta construtivista. Porto Alegre:
Artes Médicas, 1995.
______. Ler e Escrever na Escola: o real, o possível e o necessário. Porto Alegre: Artes Médicas, 2002
MAN, John. A História do Alfabeto – como 26 letras transformaram o mundo ocidental. Trad. Edith Zonens-
chain. Rio de Janeiro: Ediouro, 2002.
MANGUEL, Alberto. Uma História da Leitura. Trad. Pedro Maia Soares. São Paulo: Companhia das Letras, 1997.
MOLL, Jaqueline. Alfabetização Possível. Reinventando o ensinar e o aprender. Porto Alegre: Mediação, 1999.
NASPOLINI, Ana Tereza. Didática de português: tijolo por tijolo: Leitura e produção de texto. São Paulo: FTD, 1996.
PIAGET, Jean. Seis Estudos de Psicologia. Rio de Janeiro: Forense, [s.d.].
QUINO. Toda Mafalda – da primeira à última tira. São Paulo: Martins Fontes, 2000.
RIBEIRO, Vera Masagão (org.). Letramento no Brasil. São Paulo: Global, 2003.
ROJO, R. Alfabetização e Letramento. Campinas: Mercado das Letras, 1998.
SMOLKA, Ana Luiza Bustamante. A criança na fase inicial da escrita. A alfabetização como processo discur-
sivo. São Paulo: Cortez, 1989.
_______ & GÓES, C. A. A linguagem e o outro no espaço escolar: Vygotsky e a construção do conhecimento.
Campinas: Papirus, 1993.
SOARES, Magda. Letramento: um tema em três gêneros. Belo Horizonte: Autêntica, 2001.
______. Linguagem e escola - uma perspectiva social. São Paulo: Ática, 1986.
______. Alfabetização e Letramento. São Paulo: Contexto, 2003.
TEBEROSKY, Ana (org.). Contextos de Alfabetização Inicial. Trad. Francisco Settineri. Porto Alegre: Artmed, 2004.
TFOUNI, Leda Veridiani. Adultos não alfabetizados: o avesso do avesso. [s.l.]: Pontes, 1988.
WEISZ, Telma. O Diálogo entre o ensino e a Aprendizagem. São Paulo, Ática, 2000.
VYGOTSKY, Lev S. Pensamento e linguagem. São Paulo: Martins Fontes, 1996.
______. Formação Social da Mente. São Paulo: Martins Fontes, 1991.
Referências de Sites
98
http//portal.mec.gov.br/seb/arquivos/ensfund/alf-mortattihisttextalf/pdf/br
http://www.rio.rj.gov.br/sme/multieducacao
http://www.tvebrasil.com.br/salto/boletins2004
http://www.unesco.gov.br
http://www.ibge.gov.br
http://www.acaoeducativa.org.br
http://www.ipm.org.br
http://www.fae.ufmg.br/ceale
www.reescrevendoaeducação.com.br/2006

Вам также может понравиться