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Grupo de Estudos e Pesquisa

Alfabetização, Discurso e Aprendizagens


SENAL 2012
Oralidade e Escrita na Prática Escolar

Antônio Vital Menezes de Souza


Aline de Araújo Santos
José Ricardo Carvalho da Silva
Vinicius Silva Santos

CADERNO DE TEXTOS
COMUNICAÇÕES COMPLETAS
© Antônio Vital Menezes de Souza;Aline de Araújo Santos;José Ricardo Carvalho da Silva/Vinicius Silva
Santos, 2012.
Todos os direitos de produção técnica reservados aos organizadores.
É proibida a reprodução ou transmissão desta obra, ou parte dela, por qualquer meio, sem a prévia
autorização dos organizadores e autores.

ISNN 2177-4072

Projeto Gráfico, Diagramação e Capa


Antônio Vital Menezes de Souza
Vinicius Silva Santos

Coordenação Editorial
José Ricardo Carvalho da Silva

Ilustração da capa
http://trancilim.wordpress.com/tag/literatura-de-cordel/

Conselho Científico

Prof. Dr. Antônio Vital Menezes de Souza(UFS)


Profª. Drª. Claudia da Mota Darós Parente (UFS)
Profª. Drª. Edinéia Tavares Lopes (UFS)
Profª. Drª. Edwiges Zaccur (UFF)
Profª. Drª. Eliana Sampaio Romão (UFS)
Prof. Dr. Fábio Tfouni (UFS)
Profª. Drª. Gicélia Mendes da Silva (UFS)
Profª. Drª. Isa Regina Santos dos Anjos
Profª. Drª. Jeane de Cássia Nascimento Santos (UFS)
Profª. Drª. Joelma Carvalho Villar
Prof. Dr. José Ricardo Carvalho (UFS)
Profª. Drª. Karly Barbosa Alvarenga (UFS)
Profª. Drª. Leilane Ramos da Silva
Profª. Drª. Lianna Torres (UFS)
Profª. Drª. Mairce da Silva Araújo
Prof. MSc. Marcos Ribeiro de Melo
Profª. Drª. Maria Batista Lima - (UFS)
Profª. Drª. Maria Cristina Martins
Profª. Drª. Maria Emília de Rodat de Barros
Profª. Drª. Mariléia Reis (UFS)
Profª. MSc. Mônica Góis Silva Barbosa (UFS)
Profª. Drª. Verônica dos Reis Mariano (UFS)

Esta publicação faz parte dos


Anais do II Seminário Nacional de Alfabetização e Letramento
Universidade Federal de Sergipe
Campus Universitário Prof. Alberto Carvalho
Departamento de Educação de Itabaiana
Av. Vereador Olímpio Grande, s/n
Itabaiana – Sergipe
49.500 -000
Tel. (79) 3431 - 1722

GEADAS – Grupo de Estudo e Pesquisa Alfabetização, Discurso e Aprendizagens.


2012. Todos os direitos reservados.
FICHA CATALOGRÁFICA ELABORADA PELA BIBLIOTECA DE ITABAIANA
UNIVERSIDADE FEDERAL DE SERGIPE

Seminário Nacional de Alfabetização e Letramento – Universidade


Federal de Sergipe (2.: 2012 setembro: Itabaiana,SE)
Anais: [recurso eletrônico] Oralidade e Escrita na Prática Escolar /
Seminário Nacional de Alfabetização e Letramento - -UFS. Campus
S471 Professor Alberto Carvalho – Itabaiana: Editora UFS, 2012.

1 CD-ROM ; 4 3/4 pol.

Sistema necessário: Acrobat Reader (português) 8.1.

ISSN 2177-4072

1. Oralidade. 2. Escrita. 3. Alfabetização. 4. Letramento. 5. Linguística


aplicada. 6. Educação. I. Grupo de Estudo e Pesquisa Alfabetização, Discurso
e Aprendizagens. II. Carvalho, José Ricardo. III. Souza, Antonio Vital Menezes
de. IV. Santos, Vinicius Silva. V. Santos, Aline de Araújo

CDU 37:81’27
SUMÁRIO

A Retextualização do Conto de Fadas “As Três Folhas da Serpente” para o Gênero


Notícia
01
José Ricardo Carvalho
Emanuela Alves Correa

Como é Abordado o Ensino da Oralidade na Proposta Curricular de Camaragibe e


Quais as Opiniões das Professoras sobre as Orientações dadas para o Ensino?
12
Júlia Teixeira Souza

Conto e Reconto de uma Narrativa Maravilhosa de Charles Perrault 41


Prof. Dr. José Ricardo Carvalho
Manoela Barreto Borges
Gilvaneide Ferreira Souza Santos
Tatiana Pinheiro da Cruz

Aprendiz de Contador: histórias de vida, narrativas e ficções no ensino fundamental


(interfaces da oralidade e escrita)
48
Lucinete Chaves de Oliveira

O Trabalho com a Oralidade e com a Reescrita a partir da Leitura de Conto de Fadas 58


José Ricardo Carvalho
Aline de Araujo Santos
Rosana Santos da Costa

Leitura de Textos Cômicos: exercício para o aprimoramento da leitura e interpretação


textual
68
Ana Paula Rocha Vital Pereira

O Trabalho com Verbos nos Anos Iniciais do Ensino Fundamental II: Os “erros”
gramaticais não interferem à temporalidade
77
Alecrisson da Silva
Jailda Evangelista do Nascimento Carvalho

Alfabetização e Sociolinguística do Dialogismo das Relações Escolares: a


sociolinguística nas classes de alfabetização
86
Fernanda Izidro Monteiro

Variações Linguísticas nos Manuais Didáticos 95


Carina Sampaio Nascimento

A Alfabetização em Língua Portuguesa em Timor-Leste: os desafios da variação


linguística
107
Davi Borges de Albuquerque
Aurelie Marie Franco Nascimento

Uma Análise acerca do Trabalho com a Gramática Normativa e a Variação Linguística


no Contexto Escolar
116
José Batista de Souza
Emelson José Silva dos Santos

O Resgate pela Arte: a inclusão através do Hip Hop 130


Daniela de Oliveira Alves

Produção Escrita de Surdos: análise de redação do vestibular 139


Mônica de Gois Silva Barbosa

O Surdo na Educação Contemporânea: um desafio no processo ensino-aprendizagem 151


Edna Maria dos Santos

Educação Inclusiva: proposta didática de orientação sexual para estudantes surdos 163
Marcela Santos de Almeida
Railene dos Santos Menezes

Surdez e Bilinguismo: algumas considerações 171


Mônica de Gois Silva Barbosa

A Leitura Dos Valores Contemporâneos no Conto “Procurando Firme” de Ruth Rocha


na Sala de Aula
180
José Ricardo Carvalho
Silvana Machado Oliveira Lisboa

Viajando com Textos Literários: estratégia mediadora no processo de aprendizagem


da leitura e escrita dos alunos de 3º ano do Ensino Fundamental I
190
Camila Bahia Góes

O Poema para Iniciação ao Letramento Literário na Infância: análise da Antologia


“Meus Primeiros Versos”
198
Ellen dos Santos Oliveira
Vilma Mota Quintela

Representação dos Personagens Negros na Literatura Infantil: um estudo a partir de


duas produções brasileiras
208
Jiselda Meirielly de França
Maria Batista Lima

O Uso da Literatura Infantil como Prática Pedagógica para Formação de Leitores 222
Priscila Dantas Fernandes
Mara Rúbia Guimarães Lima

A Prática da Literatura Infantil na Escola 233


Naiane Liborio Fontes

Leitura e Contação de Histórias: caminhos para a formação do indivíduo leitor e


escritor
240
Raíssa da C. Silva

A Questão da Ludicidade na Formação de Leitores das Séries Iniciais: a contribuição


dos contadores de história
249
Alice de Oliveira Fonseca
Eliana Crispim França Luquetti
Liz Daiana Tito Azeredo
Rhaísa Sampaio Bretas

Literatura Infantojuvenil e Escola: espaços de (re)leitura em cursos de pedagogia 258


Fabrícia Vellasquez Paiva
Josimara Ferreira Teodoro
Luana Rocha Paulino

O Processo de Ensino e Aprendizagem de Leitura e Escrita: estudo realizado com


crianças de escola pública oriundos de classes populares
269
Veronica Fortuna
Soleide Silva Ferreira

A Linguística no Enfrentamento da Medicalização: sintomas da dislexia em foco 276


Lays Santana de Bastos Melo

Influência da Consciência Morfossintática na Aprendizagem da Leitura e Escrita:


Diretrizes da Literatura Científica
288
Lays Santana de Bastos Melo

Práticas de Leitura: uma proposta de pesquisa com os alunos do ensino médio


profissionalizante
300
Alessandra Pereira Gomes Machado

A Aquisição da Leitura e Escrita de Crianças com Síndrome de Down 309


Aline Grazielle Santos Soares Pereira

Brincando e Aprendendo com os Jogos no Processo de Letramento 318


Anselmo Castro dos Santos
Uilde de Santana Menezes

Leitura e Letramento:uma análise dos níveis de proficiência da Prova Brasil em


Sergipe
325
Ana Débora Lima de França
Roseane Santana Santos Dias

Alfabetização: reflexões a partir de um estudo de caso 337


Cláudia Cardinale Nunes Menezes

Reflexões sobre o Ensino do Texto em uma Sala de Aula com Crianças do 4º Ano do
Ensino Fundamental
344
Samuel de Souza Matos
Thiago Gonçalves Cardoso

O Professor e as Concepções Teóricas sobre Leitura: as práticas do ensino e


aprendizagens significativas
354
Soleide Silva Ferreira
Veronica Fortuna

Variação Linguística na Educação de Jovens e Adultos: sujeitos, vozes e identidades 365


Patrícia Wanderley Prazeres
Andrea Berenblum

O Nível de Letramento dos Discentes Jovens e Adultos matriculados no Ensino Médio


Noturno da Escola Gumercindo Bessa pertencente a Rede Estadual de Educação, na 376
Cidade de Estância-Sergipe
Carlos Menezes de Souza Junior
Herbet Alves de Oliveira
Adriano de Souza Freitas

As Dificuldades na Produção Escrita dos Alunos do 3º Ano do Ensino Médio do Colégio


Estadual CAIC Jorge Amado
383
Geovania Falcão de Melo Dias
Neilton Falcão de Melo
Robson Cledson de Jesus Dias

A Evasão Escolar na Educação de Jovens e Adultos no Povoado Priapu em Santa Luzia


do Itanhi - Se
393
Neilton Falcão de Melo
Geovania Falcão de Melo Dias
Robson Cledson de Jesus Dias

Análise do Contexto Educacional da Educação de Jovens e Adultos (EJA) 404


Priscila Dantas Fernandes
Kecia Karine Santos de Oliveira

Prática de Letramento no PROEJA: perspectivas para o trabalho docente na EJA. 412


Marileide Andrade de Jesus Rocha
Joelma Carvalho Vilar

A Mulher Estudante da Educação de Jovens e Adultos no Ensino Médio 422


Maria José de Jesus Santos
Joelma Carvalho Vilar

Ensino da Escrita na Educação de Jovens e Adultos: dificuldades e proposições 430


Natali Souza da Silva
Joelma Carvalho Vilar

Formação Docente e Projeto Curricular para EJA em Sergipe: reflexões


epistemológicas
443
Maria Josefa de Menezes Almeida

Perspectivas Educacionais do MST: formação humana e identidade cultural 454


Vânia Batista de Souza
Anselmo Castro dos Santos

Reflexões sobre a Oralidade e a Escrita nos Anos Iniciais da Escola Municipal


José Laurindo dos Santos
461
Robson Cledson de Jesus Dias
Geovânia Falcão de Melo Dias
Neilton Falcão de Melo

Narrativas e Memórias: a construção da escrita acadêmica na licenciatura em


educação do campo (UFRRJ)
469
Fabrícia Vellasquez Paiva
Régis Alexsandro Taveira Teixeira

Avaliação da Linguagem Escrita 479


Catharine Prata Seixas

Saberes e Práticas de Ciências Naturais nos Anos Iniciais do Ensino Fundamental: um


estudo em duas escolas do agreste de Itabaiana- SE
485
Fagner Alves Neris
Maria Elane Mendonça Santos
Maria Batista Lima
Edenilse Batista Lima

A Linguagem Docente como um Elemento Mediador no Processo de Ensino-


Aprendizagem em Sala de Aula
499
Dhienes Charla Ferreira
Gelson Caetano Paes Junior
Eliana Crispim França Luquetti

Novas Tecnologias na Educação 507


Dean Lima Carregosa

Facebook: limite de caracteres e texto curto, elemento estimulante de criatividade e


expressividade na produção de textos
515
Emelson José Silva dos Santos
José Batista de Souza

Ensino e Aprendizagem da Matemática no Curso Técnico em Edificações de Nível


Médio do Instituto Federal de Sergipe IFS: estudo de caso
527
Herbet Alves de Oliveira
Carlos Menezes de Souza Junior

A Forma que os Alunos estão sendo Avaliados em Cálculo Diferencial Integral no


Campus Professor Alberto Carvalho, Itabaiana - SE
534
Welânia Santos Souza
Lívia de Souza Dantas Santana
Karly Barbosa Alvarenga

Saberes e Práticas de Matemática e Ciências Naturais nos Anos Iniciais do Ensino


Fundamental: uma reflexão preliminar
544
Jussiele de Oliveira Mendonça Costa
Ana Maria Santos Oliveira
Maria Batista Lima
Evanilson Tavares de França

O Ensino de Ciências Naturais nos Anos Iniciais do Ensino Fundamental: um estudo no


Agreste Sergipano
555
Elaine de Oliveira
Roberta Brito dos Santos
Maria Batista Lima
João Rogério Menezes de Santana

Análise do Discurso e o Ensino de Língua Portuguesa 567


Carlos Alexandre N. Aragão

O Senhor dos Anéis “A Sociedade Do Anel”: nas entrelinhas do percurso gerativo de


sentido
579
Nicaelle Viturino dos Santos

O Estudo da Gramática e suas Implicações para o Ensino de Língua: um breve olhar


arqueológico
588
Agnaldo Almeida de Jesus

Ensino de Leitura e Escrita a partir de Gêneros Discursivos Variados: exemplo de uma


prática pedagógica realizada
599
Giselma Machado

Efeitos de Construção da Coerência a partir de Inferências Indiretas 608


Isabela Marília Santana
Glícia Kelline Santos Andrade

Os Processos Referenciais nos Textos de Alunos do 8º ano 617


Monique Silva Mendonça Siqueira
Vivian Araújo Fontes Ribeiro
Denise Porto Cardoso

A Língua Portuguesa nas Malhas da Mídia:a busca da perfeição ortográfica no


programa soletrando
628
Agnaldo Almeida de Jesus

Produção de Texto no Facebook: um espaço para a de manifestação da subjetividade


do sujeito, sem medos das punições gramaticais.
639
Jailda Evangelista do Nascimento Carvalho
Alecrisson da Silva

O Ensino Organizado por Sequências Didáticas voltadas para os Gêneros Discursivos,


sob o ponto de vista de Professoras do Ensino Fundamental
648
Eleriza Melquiades Ribeiro
Juliana Lima de Azevedo

Da Composição e Redação Escolar à Produção Significativa de Textos Escritos 659


Cleide Inês Wittke

Persuadir com o Intuito de Desenvolver nos Alunos o Hábito da Leitura 669


Elisson Souza de São José

Argumentação no Livro Didático: análise de um capítulo de Cereja e Magalhães 677


Márcia Regina Curado Pereira Mariano

Histórias de Crianças: leituras de mundo 688


Adriana Santos da Mata
Carla Andréa Lima da Silva

O Uso da Literatura Infantil como Elemento Pedagógico para a Inserção da Criança no


Universo do Letramento
701
Camila Bahia Góes

Aquisição da Língua Escrita: concepções e práticas de professores da educação infantil 710


Carla Jamille de Araújo

Linguagem e Diálogo na Infância: algumas abordagens bakhtinianas 722


Eliane Fazolo

A Necessidade de Despertar nos Aluno Brasileiro o Hábito da Leitura nos Dias Atuais 734
Elisson Souza de São José

A Linguagem Oral e Escrita na Educação Infantil: análises e desafios 742


Jeanne Karla Lima Fernandes

O Processo de Aquisição da Escrita na Educação Infantil: reflexões de uma experiência


em uma pré-escola do Semiárido baiano
750
Jaciene Santos de Cerqueira
Sirlane Machado de Souza

Formação Inicial em Serviço de Professores da Educação Infantil: uma abordagem à


luz do grupo I do Proinfantil
758
Maria Eurácia Barreto de Andrade
Sineide Cerqueira Estrela
Marilene dos Santos

Educação Inclusiva: inclusão ou exclusão? 771


Glícia Kelline Santos Andrade
Isabela Marília Santana

Educação de Surdos: uma análise sobre as práticas de leitura e escrita da língua


portuguesa por crianças surdas.
779
Gracyane Rodrigues Fernandes

A Sala de Recursos como Espaço de Inclusão: atendimento educacional especializado


a alunos com deficiência no município de Itabaiana
790
Isa Regina Santos dos Anjos

O Texto Oral de uma Aluna com Cegueira: um olhar sobre o ensino de língua
portuguesa e a inclusão
800
Marleide dos Santos Cunha

Educação Especial, em quê? 811


Pérola Cunha Bastos

Alfabetização de Surdos: o desafio do ensino de libras em sala de atendimento


educacional especializado em escola regular
820
Simone Maria dos Santos
Maggie Francis Santos Pereira
Verônica dos Reis Mariano Souza

Letramento: prática do AEE no Ensino Fundamental 829


Uilde de Santana Menezes
Vânia Batista de Souza

Inclusão de Autistas em Escolas Regulares: um trabalho multidisciplinar 836


Maggie Francis Santos Pereira
Simone Maria dos Santos
Verônica dos Reis Mariano Souza

Educação Étnico-Racial e a Problemática Racial Brasileira: possibilidades de práticas


educativas
845
Cristianne Oliveira
Aghatha Amaral

Concepções de Africanidades na Ótica das Crianças 854


Elis Raquel Santos de Santana Santiago
Maria Batista Lima
Jiselda Meirielly de França

Reflexões sobre Identidade e Educação para as Relações Etnicorraciais 867


Hermínia Rafaela Pereira dos Santos
Maria Batista Lima
Liana Alves Batista
Edenilse Batista Lima

Cotas para Estudantes nas Universidades: enegrecendo a Educação Superior 879


Tássia Fernanda de Oliveira Silva

Concepções e Práticas de Educação para as Relações Etnicorraciais: apontamentos


iniciais de um estudo em duas escolas do Agreste sergipano
891
Liana Alves Batista
Hermínia Rafaela Pereira dos Santos
Maria Batista Lima

Sexualidade no Cotidiano Escolar: as vozes de alunos e alunas do agreste sergipano 904


Edenilse Batista Lima
João Rogério Menezes de Santana
Maria Batista Lima

Motivos para a Escolha da Docência e possíveis transformações geradas pelo Curso de


Formação de Professores em Alunos de Ciências Biológicas da UFS- Campus Prof. 919
Alberto Carvalho
Aline Mendonça Santana
Juliana Gimenes de Andrade
Weverton Santos de Jesus
Acácio Alexandre Pagan

Formação Docente e PIBID: caminhos mediadores nas práticas pedagógicas 931


Andreia Silva de Assis
Liz Daiana Tito Azeredo
Eliana Crispim França
Rhaísa Sampaio Bretas

Construção e Desconstrução: o processo de alfabetização através da proposta


alfabetizar letrando
939
Nicaelle Viturino dos Santos

Alfabetizadoras: do medo de escrever ao direito da autoria em uma disciplina do


PARFOR
948
Gerson Tavares do Carmo
Jackeline Barcelos Corrêa

Observação e Análise Quantitativa da Interação Verbal Professor Aluno numa Turma


de Física do Ensino Médio através da Tabela de Flanders
960
Jônathas Rafael de Jesus

Apreciação da Física por Alunos do 3º Ano do Ensino Médio do Colégio Estadual


Murilo Braga, Itabaiana-SE
968
Jônathas Rafael de Jesus
Aline Mendonça Santana

O Cotidiano de um Laboratório de Formação Docente para Educação de Jovens e


Adultos: registros e reflexões
976
Maria Josefa de Menezes Almeida

Formação dos/as Professores/as que Ensinam Matemática nos Anos Iniciais 987
Evanilson Tavares de França

Reflexões acerca do Ser Professor a partir das Visões dos/as Acadêmicos/as de Duas
Licenciaturas UFS/Itabaiana, Sergipe
1001
Assicleide da Silva Brito
Edinéia Tavares Lopes
Maria Batista Lima

Influência da Formação Docente na Prática de Ensino do Tema ‘Orientação Sexual’ 1013


Railene dos Santos Menezes

A Mediação Leitora: o papel do professor no processo de formação do leitor 1023


Sandra Cristina Oliveira da Silva
Júlia Teixeira Souza
Marcela Paula dos Santos Castro

Práticas Educativas de Incentivo ao Gosto pela Leitura: criação de um ambiente


alfabetizador
1033
Kecia Karine Santos de Oliveira

Um Ditado Mudo Diferente 1041


Lorena Bárbara da Rocha Ribeiro

Formação Continuada de Professores Alfabetizadores e Estágio Supervisionado: uma


experiência que articula observação, intervenção e práxis pedagógica
1048
Maria Eurácia Barreto de Andrade
Sineide Cerqueira Estrela
Marilene dos Santos Professor

Dizer e o Fazer: a prática de duas professoras alfabetizadoras 1058


Sandra Cristina Oliveira da Silva

O Que Muda no Chão da Escola após a Década da Alfabetização? 1070


Edwiges Zaccur - UFF

O trabalho com a Oralidade e Escrita em uma Sequência Didática com o Conto “O Rei
Sapo”
1088
José Ricardo Carvalho

Oralidade e Produção de Texto na Sala de Aula 1110


Leonor Werneck dos Santos
Welington de Almeida Cruz

Convergência Multimidiática e as Práticas de Oralidades no Limiar Contemporâneo 1123


Vinicius Silva Santos
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A Retextualização do Conto de Fadas


“As Três Folhas da Serpente”
para o Gênero Notícia

José Ricardo Carvalho (UFS)1


Emanuela Alves Correa (UFS)2

RESUMO
O presente artigo relata o desenvolvimento de estratégias de ensino da leitura e da
escrita nas dinâmicas escolares por meio de práticas orais e letradas configuradas nos
gêneros textuais. As experiências apresentadas foram implementadas no projeto
PIBIX “A retextualização de textos narrativos ficcionais e não-ficcionais nas séries
iniciais” com o objetivo de estimular a produção textual na sala de aula, trabalhando
em uma perspectiva socionteracionista. Tomamos um gênero conto de fadas e o
gênero notícia como objeto de estudo e organização de produção de texto. Foi
enfocado diferentes textos narrativos ficcionais e não-ficcionais para realizar
atividades de retextualização. Examinaram-se os recursos específicos dos gêneros
textuais elencados em uma abordagem reflexiva sobre as operações de transformação
no processo da reescrita.

Palavras-chave: conto de fadas; notícia, gênero textual e retextualização.

1
Contato do(a) autor(a): ricardocarvalho.ufs@hotmail.com. Professor
Adjunto da Universidade Federal de Sergipe. Campus Universitário Prof.
Alberto Carvalho. Departamento de Educação. Doutor em Letras pela
Universidade Federal Fluminense (UFF).
2
Contato do(a) autor(a):emanuelaalves2008@hotmail.com. Graduanda do
Curso de Pedagogia. Universidade Federal de Sergipe.
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INTRODUÇÃO

Vemos no processo de retextualização a oportunidade de trabalhar, com


os alunos, distintos gêneros textuais, reconhecendo os vários recursos
linguísticos que os textos utilizam para constituir uma atividade
sociocomunicativa. Para tanto, exige-se um trabalho pedagógico voltado para
os aspectos que caracterizam o gênero textual em uma perspectiva de conjunto
(conteúdo, forma composicional e estilo de linguagem). Neste trabalho,
tomamos o gênero conto de fadas na modalidade oral como ponto de partida
para o aluno reescrevê-lo na modalidade escrita e reformulá-lo sobre o modo
gênero notícia. Optamos por assumir o texto em uma abordagem discursiva,
valorizando a noção de gênero textual como prática social, como aponta Dell’
Isola (2007).

O texto é o observável, o fenômeno linguístico empírico que apresenta


todos os elementos configuracionais que dão acesso aos demais
aspectos da análise. Entre o discurso e o texto está o gênero que aqui é
visto como prática social e prática textual-discursiva. O gênero opera
como ponte entre o discurso, como atividade mais universal e o texto
é tido como peça empírica particularizada e configurada numa
determinada composição observável. (DELL’ISOLA, 2007, p. 22)

De acordo com Schneuwly e Dolz (2004), os alunos na escola precisam


conhecer diferentes práticas de uso da linguagem para que percebam as
variações de uso da língua nos gêneros textuais que se realizam nas esferas
sociais. Desenvolvemos, então, atividades voltadas para a compreensão do
processo de transição de um gênero para outro estimulando o planejamento e
a revisão textual de textos narrativos ficcionais e não-ficcionais.
Consideramos a noção de gênero textual e a proposta de sequência didática
desenvolvida por Schneuwly e Dolz (2004) como ponto de partida de nossa
pesquisa voltada para a compreensão de processos voltados para a produção
de texto.

O trabalho com diferentes gêneros leva o aluno a se apropriar das


especificidades da linguagem, pois a escolha de um gênero para interagir é
necessário organizar um conjunto de atividades necessárias para configurar a
ação sócio comunicativa. Todavia, antes de trabalhar com um determinado
gênero fazemos uma avaliação diagnóstica para examinar os conhecimentos
que os alunos possuem sobre o gênero a ser estudado. Investigamos como os
educandos abordam o conteúdo a ser tratado, projetando o conhecimento
prévio dos alunos para as ações envolvidas no ato da leitura e da produção de
texto. Em cima desse levantamento, expandimos de forma gradativa e
processual o conteúdo, a forma composicional e o estilo do gênero em
questão.

Desta forma, atividades valorizam o desenvolvimento da oralidade


prevendo uma relação sociocomunicativa intensa sobre o gênero trabalhado
em conjunção com a noção de sequencia didática (DOLZ; NOVERRAZ;
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SCHNEUWLY, 2004). Vemos nesta proposta um ponto positivo da nossa


ação, pois prevemos um conjunto de ações, levando em conta o grau de
dificuldades das atividades no decorrer do processo pedagógico.
Apresentamos, a seguir, uma sequencia ações que conduziram nosso processo
pedagógico desenvolvido em nosso projeto com o gênero notícia:

1 Atividades previstas na sequencia didática


a) Conversa informal sobre acontecimentos inventados e reais que
são encontrados nos textos;
b) Exemplificação textos ficcionais e textos não-ficcionais;
c) Examinar e Identificar o nome de cada parte do jornal recebido,
escrevendo ao lado os segmentos que o constitui;
d) Analise a foto das notícias (comentário sobre a relação entre
notícia, imagem e a legenda);
e) Leitura da notícia “Chapeuzinho.” e analisar as partes. Por meio
desta conversa explicar a composição e o formato de uma notícia
de jornal. Interpretar a notícia, examinando a manchete.
f) Comentar sobre o “olho” que é o pequeno texto que vem logo
depois do título com resumo da notícia,

Dentro do universo dos tipos textos textuais que assumem uma forma
genérica de interação, elegemos os textos narrativos como objeto de estudo.
Todavia, julgamos necessário trabalhar com uma variação que nos pareceu
pertinente para desencadearmos este trabalho, visto que foi selecionando o
gênero conto de fadas e gênero notícia. Observamos que o primeiro se
consolida no plano ficcional, contando uma história criada a partir da
imaginação (do irreal), enquanto o texto jornalístico opera sobre um fato real.

Com as narrativas não-ficcionais escolhemos a notícia, gênero textual


jornalístico que transmite informações sobre um acontecimento, apresentando
para os alunos toda estrutura característica dele.

A escolha de se trabalhar esses dois tipos de narrativas se dá pelo fato


de ajudar os alunos das séries iniciais a perceber que existem diferenças no
processo produção de textos narrativos, exigindo um conjunto de recursos
gráficos e linguístico singular para cada gênero com finalidade diversa. O
projeto pretende melhorar, então, o desempenho da escrita pela vivência da
retextualização a partir de uma sequencia didática.

No primeiro momento explicitamos diferenças, do ponto de vista


composicional entre os dois gêneros a serem trabalhados na sala de aula.

Elementos composicionais Elementos composicionais


dos contos de fadas da notícia
- Situação inicial: apresentação - Manchete é o título da notícia.
- Olho ou lide é o pequeno texto
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dos personagens e do cenário; que sucede o título em forma de


- Problema desencadeador; resumo do acontecimento.
- Foto é a imagem que acompanha
- complicação;
a narrativa para ilustrar.
- Solução mágica; - Legenda são as informações
- Desfecho. colocadas abaixo da foto.

- Desenvolvimento apresenta
detalhes da notícia (Quem?
Quando? O quê? Como? Onde?
Por que?)

Do ponto de vista da função e dos participantes e as condições


enunciativas dos gêneros estudados, apresentamos as seguintes
especificidades:

Conto de fadas Jornal

 Narra um acontecimento  Relata um acontecimento


inventado, criado a partir real, fatos da realidade.
da imaginação e do real.  Personagens reais com
 Personagens inventados nome e sobrenome.
geralmente titulados de  Acontece em um tempo e
princesa, rei, caçador, espaço determinado.
bruxa, a filha do rei...  Possui um repórter com o
 Acontece em um espaço e objetivo de informar um fato
em um tempo real.
indeterminado.
 Possui um narrador com
objetivo de encantar.

2 Atividades com o conto de fadas “As Três Folhas Da


Serpente”

A primeira atividade de produção de texto consistiu em ouvir um conto


e depois reescrever o conteúdo da história sem acesso ao texto escrito
propriamente dito. Antes da contação foi realizada uma conversa com os
alunos a cerca do título da história para promover a interação e acionar
hipóteses sobre os acontecimentos da narrativa. Quando convidamos os
alunos para participar, fazemos com que eles se envolvam, despertando neles
a curiosidade e o interesse em descobrir o que se passará na história. Depois
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do levantamento das opiniões e de ampla discussão foi realizada a leitura do


texto.

Compreendemos que a forma como se lê a história para o aluno é muito


importante para envolver o aluno. Neste sentido, valorizamos princípios da
oralidade no processo da contação da história fazendo a variação do tom de
voz na troca dos personagens. Além disto, exploramos a entonação, dando
ênfase nos momentos fortes da narrativa. Ainda nesta dinâmica, provocamos a
interpretação, convidando os alunos para opinar sobre os acontecimentos
narrados, interrompendo o texto em diferentes momentos para os alunos para
participarem da ação narradora.

Observarmos, neste o contexto, o modo como os alunos realizam a


reescrita do reconto oral “As três folhas da serpente” dos Irmãos Grimm,
preservando a estrutura do gênero conto de fadas.

As três folhas da serpente

A princesa voltou a vida o rei ficou muito feliz e fez uma festa para
comemora a ressureição da velha e depois da comemoração a princesa
resolveu fazer uma viagem de barco a princesa perdeu todo seu amo pelo
jovem pobre e si apajonol-se pelo capitão e resolveu joca o jovem ou mar
a princesa e o capitão pegou o jovem e jocou ou mar mas só que o jovem
criado viu tade e jocou ou mar um bote para o jovem pobre e o jovem
criado pecou as três folhas e botou uma na boca e osndas nos olhos e de
repente o jovem resussitou e os dois jovem remarão muito e chegarão
primeiro do que a princesa quando o rei . viu os dois jovens sozinho o rei
– falou sozinho cadé a minha filha o jovem contou todo ou rei. i o rei
falou – si esgunda na sala de repente a princesa chego mais o capitão.
O rei disse – Cadé o seu marido a princesa falou – Meu pai o senhor
nim agredito durante a viagem marido ficou doente e morreu. se não
fosse este homem não tivesse nem ajudado não sei o que eu faria O rei
disse – vou resussito o seu marido quando o rei abriu a porta o jovem saiu i
quando pricesa viu o jovem. ficou asustado caiu de joelhos i pediu o rei
falou- Nada de perdou foi você que traiu agora você vai ter o castigo que
meresse o rei botou aprincesa io capitão. dentro de um barco cheius de
furas e faram botados no mar no dia de tempestade. em pouco estante eles
afundarão.

Analisamos a primeira produção de Elias e notamos que ele reescreveu


a história, relatando os fatos com apresentação do cenário; acontecimento
desencantador; complicação; resolução e desfecho. Entretanto, do ponto de
vista do discurso escrito, seu texto possui alguns problemas. Em seu texto há
parágrafo único, não respeitou a margem, não usou sinais de pontuação e sua
escrita possui muitos erros de ortografia.

Fazemos a leitura de todas as produções dos alunos e depois a


comparamos com as anteriores para ver se houve avanço na escrita após ter
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feito a revisão. Esse processo é muito importante, pois se o aluno não


conseguiu corrigir seus erros, nosso trabalho agora será acompanhar e instruir
estes, até que eles consigam adquirir os conceitos básicos para retificarem
seus desacertos e produzirem melhor seus textos.

Depois das atividades diagnósticas e de trabalharmos os problemas mais


comuns encontrados nas produções dos alunos, partimos para o objetivo de
examinar o processo de retextualização de uma narrativa ficcional para uma
não-ficcional. Para isso, explicitamos para os alunos diferenças entre
narrativas ficcionais e não-ficcionais, apresentando diversos textos que
assumiam as duas formas.

Toda a discussão sobre os conceitos e exemplos de narrativas ficcionais


e não-ficcionais foram construídas através do diálogo e de questionamento
que os alunos já possuem sobre estes. Com o conceito pré-estabelecido
conceituamos junto com os alunos sempre de forma interacional os tipos de
narrativas em discussão.

Para exemplificarmos o que queríamos que eles fizessem, a passagem


do gênero conto de fadas, para o gênero notícia levamos uma notícia de jornal
que foi escrita baseada no conto “Chapeuzinho Vermelho” e entregamos para
os alunos lerem e destacarem o título, o lide e o desenvolvimento. Em seguida
pedimos para eles retirarem do lide o que aconteceu, onde, quando e com
quem.

Depois de deixarmos bem claro como está estruturado o gênero conto


de fadas e o gênero notícia contamos a história “As Três Folhas Da Serpente”,
que narra uma história de traição, e pedimos para os alunos retextualizarem
para o gênero notícia, seguindo todas as características presente nesse gênero.

Durante a produção da notícia os alunos foram orientados e


acompanhados por nós. Primeiramente pedimos para eles bolarem um nome
para o jornal, em seguida criarem um título para a notícia, depois produzir o
lide que deveria conter o que aconteceu, onde, quando e com quem. Por
último fazer o desenvolvimento que deveria conter maiores informações sobre
a notícia.

Explicamos para eles que diferente dos contos de fadas que não dão
nome aos personagens, a ação não acontece num tempo e nem num espaço
determinado, na notícia seria diferente, pois deveriam relatar a história dando
nome aos personagens, determinar um tempo e um espaço e necessitariam
também retirar os elementos mágicos.

3 A retextualização do conto de fadas na linguagem do


gênero notícia

Com o propósito de cada vez mais trabalhar oralidade e enfatizar o ato


da leitura, entregamos jornais locais para os alunos e pedimos que eles lessem
e escolhessem a notícia que mais acharam interessantes e depois contassem
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para os seus colegas. Neste momento buscamos mediar, organizar as falas,


estimular a emissão de opiniões, perguntar quem já sabia da informação,
ajudando-os à leitura compreensiva e à livre expressão. Em um segundo
momento, propomos a reescrita do conto “As três folhas da serpente” na
linguagem jornalística, escrevendo a narrativa de acordo com os princípios de
organização do gênero notícia. Para isto apresentamos o seguinte texto como
modelo de inspiração:

LOBO MAU VIOLENTA APOSENTADA

A aposentada Maria Vovozilda da Floresta, 90 anos, foi


violentada pelo meliante Ludolfo da Silva, 40 anos, conhecido na região
por Lobo Mau. O crime ocorreu no último dia 10 de maio, na reserva
extrativista Praia Escura, onde residia a aposentada, em plena Floresta
Amazônica.
De acordo com moradores da região, a aposentada costumava
mandar, diariamente, a neta Malva Chapeuzinho da Floresta, buscar o
leite utilizado na produção de bolos caseiros.
Ao sair por volta das sete horas da manhã para a leitaria, Malva
Chapeuzinho deixou a porta da casa encostada e a sua avó ainda deitada
aguardando a chegada da neta, segundo relatos da adolescente.
Foi nesse momento que o “Lobo Mau” teve acesso ao interior
da casa, amordaçou e violentou a avó da adolescente, levando-a, após o
ato de violência, para a despensa onde a aposentada costuma guardar os
gêneros alimentícios.
Ao chegar da leitaria, Malva Chapeuzinho achou estranho a
porta da casa estar totalmente aberta e nenhum sinal da avó nas
dependências internas da residência.
Segundo Malva, ao se dirigir ao quarto percebeu que a avó não
estava na cama, mas a porta do banheiro do quarto estava fechada. A
adolescente chamou pela avó, que respondeu, mas Malva achou estranha
a voz e questionou se avó havia amanhecido resfriada.
Desconfiada da situação, já que só moravam as duas na
residência, Malva saiu pela casa como que procurando a avó em outros
cômodos. Ao chegar à despensa, próxima a cozinha, percebeu que a avó
encontrava-se amordaçada e sangrando muito. Imediatamente ela tomou
a iniciativa de ligar do aparelho celular para a delegacia de polícia da
cidade, relatando o fato.
No aguardo da polícia, Malva tentou ajudar a avó, mas foi
encontrada por Ludolfo da Silva, o Lobo Mau, que tentou encurralar as
duas no mesmo espaço. A adolescente resistiu ao ato de violência e,
nesse momento, chegou a viatura da polícia, que prendeu o acusado e
libertou a adolescente e a aposentada. A aposentada foi levada de
imediato ao posto de saúde da localidade.
Segundo o delegado de polícia, Cajuru da Silva, o meliante já
era acusado de vários crimes, mas, em virtude de a região ser de difícil
acesso, além dos parcos recursos humanos e logística policial, só agora
havia sido possível detê-lo, graças à iniciativa e agilidade da adolescente
Malva Chapeuzinho da Floresta.
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http://folhadetexto.blogspot.com.br/2011/06/retextualizacao-do-conto-da-
chapeuzinho.html

Depois de deixarmos bem claro como está estruturado o gênero conto


de fadas e o gênero notícia recontamos a história “As Três Folhas Da
Serpente”, que narra a história de uma traição, e pedimos para os alunos
retextualizarem para o gênero notícia, seguindo todas as características
presente nesse gênero. Vejamos algumas produções de dois alunos:

Jornal da Escola

No dia 21 de janeiro, em São Paulo, a princesa Patrícia trai o


marido e depois, com ajuda do capitão, matou e jogou no mar.
A princesa Patrícia disse ao pai:
- Pai, só vou casar se um homem prometer que quando eu morrer ele
se enterrar vivo e se ele morrer eu enterro vivo.
O príncipe Paulo falou:
- Eu quero casar com vc!
Um dia Patrícia ficou doente e morreu. Ao lado do caixão tinha uma
mesa com quatro garrafas de vinho e quatro pães e ele falou que ia
comer uma dentada de pão e um gole de vinho. Apareceu uma folha da
serpente e Paulo cortou em três partes.
Apareceu outra folha da serpente e a principe colocou uma folha na boca
e as outras nos dois olhos. Ela sobreviveu.

A aluna ao retextualizar o gênero conto de fadas para notícia colocou o


nome do jornal, no lide explicou muito bem as circunstâncias, resumindo de
forma clara e objetiva onde, quando, o que e com quem aconteceu o fato. No
entanto precisa rever suas questões, pois se esqueceu de colocar a manchete,
item muito importante na notícia. No desenvolvimento relatou os fatos, só que
se utilizou do diálogo e do elemento mágico, subsídios característicos do
gênero retextualizado. Percebemos também que ela colocou em seu texto
“vc”, linguagem própria dos internautas.
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Jornal da Escola

Mulher trai marido e o atira ao mar

A princesa Maria trai marido príncipe Elias e o atira no Oceano


Atlântico, juntamente com o capitão do navio Rodolfo Luís, este fato
aconteceu no dia 31 de março de 2011.
No dia 31 de março de 2011, princesa Maria se apaixona pelo capitão
Rodolfo Luís, em plena viagem com o marido príncipe Elias e para poder se
livrar do seu marido ela e o capitão o atira ao mar dormindo, segundo
testemunha.
Ligeiramente o mordomo Rafael pegou o príncipe Elias do oceano, pega
as três folhas que o príncipe pediu para guardar, colocou uma na boca e duas
nos olhos e imediatamente o sangue voltou a correr nas veias, ai eles
utilizaram todas as forças remando remaram tão ligeiro que chegaram antes
que a princesa e o príncipe contou sua versão e rei Dom Pedro I ficou
aborrecido, quando a princesa chegou toda falsa contou ao rei voltou de luto,
dai apareceu o príncipe Elias, e ela ficou implorando perdão mas o rei não
perdou e os deu castigo, os colocaram no navio cheio de furos e saiu
afundando na tempestade.

A aluna ao retextualizar o gênero conto de fadas para notícia formulou o


nome do jornal, a manchete, o lide e no desenvolvimento relatou os fatos. Em
sua produção usou os verbos no tempo presente “trai, atira” dando a sensação
de tempo ocorrido num momento próximo, típico do gênero notícia. Ela
utilizou o conteúdo temático do conto de fadas, ou seja, um acontecimento
irreal e produziu a notícia dando nomes aos personagens. Além disto, define
espaço e tempo determinado pela estrutura do gênero em questão. Notamos
que a aluna tem contato com textos jornalísticos, pois encontramos um
discurso muito usado em notícias, que é a expressão “segundo testemunha”
para tornar mais verídico o fato narrado. Por meio deste mecanismo, a aluna
coloca a responsabilidade do fato sobre testemunha que presenciaram o
acontecimento narrado.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Na retextualização do conto de fada para a notícia foram explorados


diferentes recursos semióticos para que houvesse aproximação entre os dois
gêneros do ponto de vista da narração, todavia várias modificações foram
realizadas, tais como: retirada dos elementos mágicos, nomeação dos
personagens e determinação temporal e local dos fatos contados na trama.
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Ao analisarmos a retextulização da notícia observamos que a maioria


das produções utilizou o vocabulário típico dos textos jornalísticos. Houve a
preocupação em colocar o nome do jornal, o título, o lide e no
desenvolvimento narraram a história. Contudo, as atividades foram permeadas
por muitos diálogos características mais fortes do gênero conto de fadas.
O projeto trouxe para a escola novas estratégias de produção e revisão
textual trabalhando com os gêneros, oferecendo aos alunos diferentes vias de
acesso à escrita, ampliando a capacidade reflexiva deles para a escolha de
diferentes recursos linguísticos para produzir textos.

REFERÊNCIA

BAKHTIN, M. M. Estética da criação verbal. São Paulo: Martins Fontes,


1992.
DELL´ISOLA, Regina. Retextualização de gêneros textuais. Rio de
Janeiro: Lucerna, 2007.
DOLZ, J.; NOVERRAZ, M.; SCHNEUWLY, B. Sequencias didáticas para o
oral e a escrita: apresentação de um procedimento. In: SCHNEUWLY, B.;
DOLZ, J. Gêneros orais e escritos na escola. Campinas: Mercado de Letras,
2004.
MARCUSCHI, Luiz Antônio. Oralidade e ensino, uma questão pouco
‘falada’. In: DIONÍSIO, Angela Paiva e BEZERRA, Maria Auxiliadora
(Orgs.). O livro didático de português. Rio de Janeiro: Lucerna, 2002.
MARCUSCHI, L. A. Da fala para a escrita: atividades de retextualização. 2
ª ed. São Paulo: Cortez, 2001.
ROJO, R.H.R. (Org.). A prática da linguagem em sala de aula: Praticando
os PCNS . São Paulo: EDUC; Campinas, SP : Mercado de Letras, 2000.
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Como é Abordado o Ensino da Oralidade na


Proposta Curricular de Camaragibe e Quais
as Opiniões das Professoras sobre as
Orientações dadas para o Ensino?

Júlia Teixeira Souza (UFPE)1

RESUMO
O presente estudo teve como objetivo analisar a Proposta Curricular da Rede
Municipal de Camaragibe - PE, a fim de verificar quais orientações sobre o ensino da
oralidade são disponibilizadas no documento e investigar as opiniões de professoras
dessa rede sobre o que é proposto neste documento. Foi realizada uma análise
documental da Proposta Curricular tendo como foco principal o que diz respeito ao
eixo da oralidade e entrevista semiestruturada com oito professoras que lecionam nos
anos inicias do Ensino Fundamental da rede investigada. Os resultados nos mostram
que o documento disponibiliza várias orientações para o ensino da oralidade, que
contemplam três dimensões das quatro descritas por Leal, Brandão e Lima em estudo
recentemente realizado. As entrevistas nos mostram que as professoras concordam
com todas as orientações dadas pelo documento curricular, no entanto têm
dificuldades para desempenhar atividades na sala de aula características para o ensino
da oralidade. Podemos notar também que as docentes possuem pouco domínio
teórico sobre o tema, pois em alguns depoimentos elas se equivocaram em alguns
conceitos, fazendo definições errôneas a respeito do eixo investigado. Podemos
concluir que é necessário desenvolver mais estudos sobre o ensino do eixo da
oralidade, e propiciar mais formação continuada com foco neste tema.
Palavras-chave: currículo, oralidade, ensino.

1
Contato do(a) autor(a): julia_souzat@yahoo.com.br
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INTRODUÇÃO
A necessidade de um trabalho sistemático com o ensino da oralidade na
sala de aula já vem sendo defendida por alguns autores (Schneuwly e Dolz
(2004); Marcuschi (2005); Leal, Brandão e Lima (2010); Leal, Brandão e
Nascimento (2010); Magalhães (2007)), contudo esses autores alertam que
esse trabalho não é fácil.

De acordo com os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN, 1998) de


Língua Portuguesa, o ensino da linguagem oral deve ser feito pela escola com
o objetivo de possibilitar acesso a usos da linguagem mais formalizados e
convencionais, que demandem um controle mais consciente e voluntário da
enunciação, levando em consideração a importância que o domínio da
palavra pública tem no exercício da cidadania.Desta forma, podemos refletir
que o ensino da oralidade deve fazer parte da educação básica, porém,
podemos perceber que este eixo não está sendo valorizado em todas as
modalidades de ensino.

De acordo com Magalhães (2007),

Ainda existe hodiernamente (acreditamos que com frequência) uma


supervalorização da escrita na escola, levando a uma posição de
supremacia das culturas letradas ou, até mesmo, dos grupos que
dominam a escrita. Dessa forma, o trabalho que desprivilegia a
oralidade acaba por ser preconceituoso, além de desqualificar a cultura
oral que o aluno traz de seu meio, principalmente o público da rede
oficial brasileira que, em sua maioria, utiliza a linguagem particular de
seu ambiente. (p.12)

Concordamos com a autora citada acima e percebemos que ao


voltarmos nosso olhar para a realidade das nossas escolas nos anos iniciais,
existe uma precariedade no ensino da oralidade. Sobre isso, Magalhães
(2007) acrescenta ainda que as alterações almejadas no ensino da língua
portuguesa têm crescido nas últimas décadas, porém, o ensino da linguagem
oral não é muito frequente na sala de aula, e, mesmo diante das contribuições
acadêmicas por meio de pesquisas sobre o desenvolvimento da fala e sobre a
língua, os professores não têm clareza sobre como conduzir tal ensino.

Esse fato pode ser consequência de que, mesmo havendo diversos


estudos sobre a fala, existem poucas pesquisas sobre seu ensino. Constatamos
essa ausência de estudos sobre o ensino da oralidade a partir de um
levantamento realizado nos anais de congressos brasileiros e revistas
científicas (ANPED, COLE, Revista Brasileira de Educação).Diante do que
foi exposto, notamos que os professores têm recebido poucas orientações da
comunidade científica de como abordar o ensino da oralidade. Acreditamos
que talvez esse seja o motivo pelo qual eles dediquem pouco tempo
pedagógico para o ensino da oralidade e tenham dificuldade para ensinar este
eixo, especialmente porque não sabem o que é preciso ser ensinado.

Assim, o interesse por essa temática surgiu a partir de discussões


realizadas no curso de Pedagogia sobre a importância do ensino da
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oralidade e as poucas orientações para o professor desenvolver na sala


de aula um ensino sistemático com esse eixo.
Diante da falta de definições claras sobre o eixo da oralidade,
analisamos a Proposta Curricular da Rede Municipal de Camaragibe -
PE, com o objetivo de verificar quais orientações sobre o ensino da
oralidade são disponibilizadas no documento e investigar as opiniões
de professoras dessa rede sobre o que é proposto neste documento.
Para melhor aprofundamento da discussão, faremos uma breve
exposição do marco teórico que contribuiu para a pesquisa.

1 Concepções sobre Currículo e Relações com Prática Docente

A concepção de currículo sofreu várias modificações ao longo da


história. A ideia de currículo, de acordo com Hamilton (2005, apud
SAVIANI, 1998) surgiu no Calvinismo. Nesse contexto, o currículo
era visto como uma unidade, ordem ou sequência dos elementos de
um curso. Inicialmente, o termo surgiu para representar um todo ou
uma seleção de conteúdos que deveriam ser seguidos anualmente por
cada estudante.
Assim, Saviani (1998, p.34) afirma que,

A noção de currículo, desde a origem da aplicação desse termo à


educação escolar, liga-se às ideias de: controle do processo
pedagógico; estabelecimento de prioridades segundo as finalidades da
educação, de acordo com o público a que se destina e com os
interesses dos atores em disputa; ordenação, sequenciação e dosagem
dos conteúdos de ensino.

Moreira e Candau (2007) afirmam que o currículo deve ser


compreendido como “as experiências escolares que se desdobram em
torno do conhecimento, em meio às relações sociais, e que contribuem
para a construção das identidades dos nossos estudantes. Currículo
associa-se, assim, ao conjunto de esforços pedagógicos desenvolvidos
com intenções educativas” (p.18). Podemos esperar desses
documentos que sejam consideradas, de um ponto de vista mais
crítico, as expressões, experiências e vivências dos alunos, e não
somente a distribuição de saberes como ponto de partida para a
escolha dos conteúdos que serão ensinados.
Portanto, no ato de elaborar o currículo, especialmente de Língua
Portuguesa, é necessário eleger seu conteúdo de forma que se assegure
aos alunos uma união entre as experiências sociais e o conhecimento,
viabilizando a aquisição dos conhecimentos pelos alunos e a utilização
destes nas suas vivências extra-escolares.

2 O Currículo de Língua Portuguesa e o Ensino da Oralidade


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Segundo Marinho (1998), o currículo de Língua Portuguesa


sofreu diversas mudanças no que diz respeito às formas de ensino e
aprendizagem. Soares (1996) também comenta que a partir da década
de 50 aconteceram mudanças no perfil das propostas curriculares,
mediante as intensas transformações sociais, como, por exemplo, a
abertura de escolas para as classes populares do país.
De acordo com a autora, priorizava-se o ensino da gramática
neste período, em decorrência de concepções que se consolidaram
desde o século XVI até o século XIX. Só a partir do século XVIII,
conforme Soares (1996), o texto passou a ser um instrumento de
estudo da comunicação oral e escrita. Porém, os textos serviam apenas
para instrumentos de estudo de recursos gramaticais e poéticos,
sistematizando e legitimando a expressão da linguística. Portanto,
mesmo utilizando os textos, a gramática foi por muito tempo um
conteúdo ressaltado no ensino de língua portuguesa.
Com o tempo, notou-se uma ineficiência do ensino da gramática
e, a partir daí, a linguagem oral e a linguagem escrita passaram a
construir espaço no ensino de Língua Portuguesa, por conseguinte,
nos livros didáticos. Desta forma, a partir da década de 70, passou a
ser realizada uma busca pelo ensino sistemático que considerasse os
processos de aquisição da língua. Com a ruptura desses paradigmas,
os Parâmetros Curriculares Nacionais de Língua Portuguesa para os
anos iniciais do Ensino Fundamental advertiram sobre a necessidade
das práticas de fala, leitura e escritas nas escolas, pois a língua deveria
ser vista como um instrumento de interação social. A proposta deste
documento era a reflexão não apenas de como estava estruturada a
língua, mas também, de como se dava os processos comunicativos,
por meio de situações que desenvolvam essas habilidades.
Dessa forma, a intenção de ensino passa a ser um alargamento
das probabilidades de uso da língua, ou seja, admite que as
capacidades que serão criadas estarão relacionadas às quatro
habilidades linguísticas básicas: falar, escutar, ler e escrever.Em
relação ao eixo da oralidade, que é foco dessa pesquisa, é proposto nos
PCNs que os alunos aprendam a produzir e compreender os textos
orais de diferentes gêneros, para atender a diversas finalidades. Outras
dimensões de ensino são destacadas, como: a reflexão sobre suas
escritas; objetivos referentes a variações linguísticas, com a finalidade
de levar os alunos a conhecerem e refletirem sobre a diversidade da
língua falada e a perceberem a importância dessas diferenças dentro
da sociedade.

3 Prática Docente de Ensino da Oralidade

O professor precisa se comprometer com o estudo e a pesquisa,


deve também se posicionar bem a frente dos múltiplos temas sociais,
pois sem esse comprometimento se torna difícil propiciar aos alunos
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uma apreensão maior do mundo que vive. Assim, é imprescindível,


para compreender o currículo, ter um profundo conhecimento da
prática docente.
Leal, Brandão e Lima (2011) asseguram que autores como
Correa (2001) e Signorini (2001) há bastante tempo já sinalizam a
necessidade de valorização da oralidade no contexto escolar, essas
autoras evidenciam que a fala está presente em diferentes campos
sociais e adquire, nesses campos, um papel crucial nas interações
humanas, com maior frequência, até mesmo, que a escrita. Mesmo
assim, na escola, não tem recebido muita atenção dos profissionais.
Não há, via de regra, reconhecimento de que esta instituição tenha
como um de seus objetivos ajudar os alunos a expandir suas
habilidades de uso da fala.
Leal, Brandão e Nascimento (2010), em uma pesquisa que
analisou a prática de cinco professoras do segundo ano do segundo
ciclo do Ensino Fundamental de escolas públicas do Recife,
investigaram os modos como essas professoras orientavam seus
trabalhos no eixo da oralidade. Foram observadas 75 aulas (15 de cada
professora).
Os resultados encontrados apontaram que as professoras se
preocupavam com o ensino da oralidade na escola, entretanto os
gêneros discursivos produzidos pelos alunos nestas aulas foram
continuamente a conversa informal e a discussão. Desta forma, os
alunos não eram estimulados a desenvolverem capacidades
argumentativas que são importantes em outras situações públicas e
formais, além disso, não acontecia uma reflexão sobre os gêneros
orais na prática das cinco professoras.Sendo assim, não era estimulado
nos alunos o desenvolvimento de capacidades argumentativas que são
necessárias em outras situações públicas e formais, os resultados
mostraram também, que não ocorria uma reflexão sobre os gêneros
orais na prática das cinco professoras.
As autoras perceberam que as docentes, mesmo não tendo
recebido em suas formações, tanto inicial como continuada,
orientações para o ensino da oralidade, realizavam em sala de aula
situações de tratamento da argumentação oral. Todavia, a prática era
espontaneísta, ou seja, as atividades eram realizadas de maneira
intuitiva e sem um planejamento sobre quais habilidades orais
deveriam ser ensinadas e nem o modo como deveria ocorrer. A partir
desses resultados, notamos que para as professoras investigadas, existe
uma idéia de que as atividades que incitam a fala em situações
informais são suficientes para o trabalho com a linguagem oral.
O resultado dessa pesquisa aponta uma precariedade no trabalho
docente nessa área, pois, como afirmam Leal, Brandão e Lima (2011),
o professor precisa ter objetivos didáticos definidos para o ensino da
oralidade, que perpassem quatro dimensões que envolvem o
desenvolvimento da linguagem oral, são elas: Valorização de textos de
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tradição oral; Variação linguística e relações entre fala e escrita;


Oralização de textos escritos; e Produção e compreensão de gêneros
orais2.
De acordo com Geraldi (1984), os gêneros orais são regulares e,
muitas vezes, em situações públicas, são complicados de serem
construídos. A escola, dessa forma, deve preparar os alunos para a
vivência na sociedade, sabendo-se que essas situações farão parte das
suas práticas sociais. Deve-se, desse modo, tornar esses gêneros
instrumentos de ensino dentro da escola. Essa discussão também é
feita por autores como, Dolz e Schneuwly (2004) e Costa (2006).
Entendemos que é importante uma abordagem maior sobre o ensino
deste eixo nos programas de formação continuada e na formação
inicial dos docentes, como também, um investimento maior nos
materiais didáticos que possam ajudar os professores no exercício de
ensinar a fala.
Pesquisadores como Marcuschi (1997), Magalhães (2007), Leal,
Brandão e Lima (2011) debatem sobre as atividades presentes nos
livros didáticos que permeiam o eixo oralidade. Magalhães (2007)
realizou uma pesquisa abordando atividades com o eixo da oralidade
presentes nos livros didáticos, nesta pesquisa foram analisados dois
livros didáticos a partir das orientações do PCN e do GUIA PNLD /
2005, seu objetivo foi analisar como os livros didáticos abordavam a
questão da linguagem oral, considerando os dois documentos já
citados.
Os seguintes resultados foram encontrados: o livro A apresentou
20,9% das atividades de oralidades que obedeciam às orientações do
PCN, sendo 70,1% dedicados às orientações do GUIA PNLD/2005; o
livro B apresentou o percentual de atividades que correspondiam às
orientações do PCN, e 64,8% satisfaziam as recomendações do GUIA
PNLD/2005. Na pesquisa, Magalhães (op. cit.) destacou que “os livros
didáticos consideram atividades de oralidade quaisquer exercícios,
reflexões, considerações que envolvam a língua falada, via
modalidade oral ou não” (p. 123). Em contrapartida aos resultados
encontrados anteriormente, a pesquisa realizada por Leal, Brandão e
Lima (2011) apresenta alguns avanços que se referem à presença do
eixo oralidade nos livros didáticos, ao analisarem quatro coleções de
livros didáticos aprovadas no Programa Nacional do Livro Didático
(PNLD, 2004), voltados aos anos iniciais do Ensino Fundamental.
As autoras inicialmente procuraram identificar as diferentes
dimensões do ensino da oralidade, em seguida analisaram se estas
apareciam nas coleções examinadas. Constataram a presença de
atividades bastante diversificadas direcionadas para o ensino da
oralidade que abarcam as diferentes dimensões de ensino, a grande
predominância era de atividades de situações informais, como

2
Ver Leal, Brandão e Lima (2011).
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conversa em grupo e interpretação oral de textos. Apareciam poucas


situações que contemplavam planejamento, realização e avaliação de
uso de gêneros mais formais. Outra observação feita pelas autoras às
obras analisadas foi “a ausência de propostas em que as crianças
possam analisar textos orais na modalidade oral e não como um texto
‘transcrito’, considerada muito importante para o ensino da oralidade”
(p.13).
Diante dos dados encontrados, podemos afirmar que, apesar da
incidência de trabalhos voltados para o ensino da oralidade nas
práticas das professoras e nos livros didáticos seja mais recorrente nos
dias atuais, ainda há pouca sistematização desse ensino, sendo
indispensável nortear melhor os professores acerca desse eixo do
trabalho pedagógico. Por isso, compreender o currículo de Língua
Portuguesa e as determinações dadas para o ensino da oralidade. Com
o surgimento dos Parâmetros Curriculares Nacionais, a oralidade
conquistou seu espaço no currículo de Língua Portuguesa, tornando-se
um dos principais eixos do Ensino fundamental.
Os Parâmetros Curriculares Nacionais (1998) afirmam que o
trabalho com a modalidade oral é de extrema necessidade para os
alunos, tendo em vista que esta modalidade será cobrada do aluno em
suas experiências sociais, pois eles irão se deparar com diversas
situações nas quais precisarão responder às mais variadas exigências
da fala e de uso das características dos diferentes gêneros orais, assim,
a escola tem o papel de ensinar o aluno a utilizar a linguagem oral nas
diversas situações comunicativas, especialmente nas mais formais.
Buscaremos nessa pesquisa, como já foi anunciado, analisar a
Proposta Curricular da Rede Municipal de Camaragibe – PE, a fim de
verificar quais orientações sobre o ensino da oralidade são
disponibilizadas no documento e investigar as opiniões de professoras
dessa rede sobre o que é proposto neste documento.

4 Metodologia

A coleta foi realizada em duas fases: Análise do documento


curricular da Rede Municipal de Camaragibe - PE e entrevista semi
estruturada com as professoras. As etapas serão detalhadas a seguir.
Analisamos a Proposta Curricular de Camaragibe dando ênfase
ao eixo da oralidade, visto que o nosso objetivo é apreender quais
orientações são dadas aos professores e que conhecimentos e
habilidades são contemplados. Na segunda fase da pesquisa, foram
realizadas entrevistas semi estruturadas, com 08 professoras da Rede
Municipal que atendam aos anos iniciais do Ensino Fundamental. As
professoras foram escolhidas de forma aleatória, para que fossem
alcançadas opiniões diversas no maior número de escolas possíveis.
As docentes possuem a seguinte formação: 1 com magistério; 2 com
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graduação e 5 com graduação e pós-graduação. O tempo que lecionam


no ensino fundamental varia entre 5 e 25 anos.
Todos os dados coletados, nas duas fases foram analisados
com base nos princípios da análise de conteúdo proposto por Bardin
(1977).

5 Resultados

Na análise da proposta de Língua Portuguesa da Rede Municipal


de Camaragibe - PE focamos no tópico referente ao eixo da oralidade,
para verificar quais as orientações disponibilizadas para o ensino
desse eixo, quais as habilidades, objetivos e competências definidas
para o ensino da oralidade. A análise nos mostra que a proposta
aborda algumas dimensões do ensino da oralidade, como: valorização
de textos de tradição oral; variação linguística e relações entre fala e
escrita e produção e compreensão de gêneros orais, não encontramos
orientações relativas à dimensão da oralização dos textos escritos
(essas dimensões foram citadas por Leal, Brandão e Lima 2011,
conforme apontamos acima). Numa análise geral, as professoras
mostraram concordância com os pressupostos contidos no documento
curricular, inclusive porque tinham tido alguma participação na sua
elaboração. No entanto, demonstraram algumas angústias, traduzidas
em dificuldades para organizar uma prática coerente com os princípios
sistematizados no documento.
Sobre a dimensão da valorização dos textos orais, o documento
cita alguns gêneros importantes para o ensino nos anos iniciais, são
eles: parlendas, trava-línguas, canções, provérbios, entre outros. No
entanto, não encontramos no documento, orientações mais específicas
acerca de como o trabalho com esses gêneros podem contribuir para o
ensino da oralidade. Apesar da ausência dessa discussão, é
apresentado, no quadro da listagem dos conhecimentos e habilidades,
que é preciso ensinar as crianças a “valorizar os textos de tradição
oral, reconhecendo-os como manifestações culturais” (p. 337). Na
entrevista inicial, em que foi questionado se as professoras ensinavam
oralidade e foi pedido que elas relatassem suas experiências, apenas
duas delas relataram atividades envolvendo tais gêneros, mas as
respostas foram vagas, como, por exemplo, aparece na fala da
professora P4:

Eu concordo, é quando fala aqui de parlendas, e geralmente no início


da aula, aí eu nunca chego assim e digo logo vamos corrigir a tarefa,
tem toda aquela coisa de o repertório de cada dia é... a recepção aonde
cada aluno vai sentar cada dia (...).

A respeito da dimensão - variação linguística e relações entre fala


e escrita -, Leal, Brandão e Lima (2011) acreditam que se precisa ser
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realizado um trabalho que extermine com o preconceito linguístico


existente na sociedade. Sobre isso, Bagno (1998) afirma:

Estudar, ensinar e aprender uma língua, em uma perspectiva


sociolingüística, são tarefas para aqueles que conseguem perceber a
dinamicidade a que ela está exposta e derrubar o mito de que somente
a língua padrão é a única forma correta de pensar esse
ensino/aprendizagem. (p. 168)

A dimensão variação linguística foi contemplada na proposta. O


documento afirma que é muito importante que os alunos valorizem a
fala e suas variações, sabendo que a sociedade, em algumas situações,
cobrará diferentes modos de se comunicar e expressar, que atendam às
regras gramáticas fixadas pela sociedade, a norma padrão. Sobre a
variação linguística, todas as professoras entrevistadas concordaram
com a proposta curricular, afirmam ser necessário trabalhar com
variação linguística na escola, porém algumas demonstraram pouco
conhecimento sobre esse conceito, como podemos ver na fala da
professora P3:

Porque a gente pode trabalhar com leitura, livros que falam melhor
que a gente desses preconceitos, feito a menina bonita do laço de fita,
que trata muito bem desses preconceitos... e a gente trabalha essa
questão, porque na sala de aula tinha uma menina bem negrinha, e ela
não tinha nome, os meninos chamavam de negrinha, então a gente
deve trabalhar essa questão com os livros, porque aí pra eles, não é
você que está falando e sim um livro... também tinha um menino
mudo (ou surdo-mudo) que também não tinha nome, então a gente
sabe que por livros é melhor, eu acabei com isso agora chamam eles
pelo nome, esses preconceitos dá um trabalhozinho, mas a gente tenta,
eu concordo.

Percebemos que ela não compreende o preconceito linguístico


como um preconceito de fala, pois ela descreveu que trabalhava com o
preconceito linguístico referindo-se ao uso de livros para trabalhar o
preconceito de raça, e de deficiência auditiva. Explicamos que se
tratava de preconceito linguístico, ou seja, de preconceito com as
várias formas de falar existentes, ela disse: “é eu trabalho também, a
partir dos livros”.
Também notamos que algumas professoras acreditavam na
necessidade de trabalhar com a variação linguística não com uma
reflexão sobre as variedades de fala e escrita existentes, mas, como
um suporte para mostrar a importância do uso da norma padrão, não
combatendo, assim, o preconceito linguístico tanto nas relações
aluno/aluno, quanto aluno/professor. Podemos comprovar isso na fala
da professora P5

É a questão do preconceito linguístico, realmente existe na sociedade


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um preconceito muito grande com as pessoas de outra região, que não


sabe o que falar, a questão do falar errado, que têm que falar a norma
culta. É você policiar eles? É, é sim! Mas também é você respeitar as
diferenças, sabendo que aquilo é um hábito de vivência deles, e a
gente tem que apresentar a... a norma correta.

Na proposta, não foi encontrada nenhuma orientação para os


professores sobre o trabalho com a oralização do texto escrito em sala
de aula. De acordo com Dolz, Schneuwly, Pietro e Zahnd (2004), na
didática em que se privilegia o ensino da expressão oral, o importante
não é apenas evidenciar o oral e trabalhar exclusivamente aspectos da
fala, mas conhecer diversas práticas orais e as relações que esta
mantém com a escrita.
Sobre a dimensão produção e compreensão de gêneros orais, na
proposta curricular, tal dimensão é enfatizada, pois foi possível
visualizar várias ocorrências de trechos em que detalhes do trabalho
pedagógico com produção e compreensão de gêneros orais aparecem,
como podemos perceber no seguinte trecho:

Diferentes situações de uso da oralidade são, assim, contempladas,


desde as mais informais que dizem respeito às interações cotidianas
para resolver os problemas escolares e dar conta das tarefas propostas
nas diferentes áreas de conhecimento, quanto as mais formais,
semelhantes às práticas não familiares e não escolares, como a
realização de entrevistas, debates regrados, notícias radiofônicas,
dentre outras. (p. 334)

Todas as professoras investigadas afirmaram concordância com


os princípios e orientações presentes no documento curricular
relativos a essa dimensão do ensino e pareciam compreender o que
está sendo proposto. Cinco docentes relataram pelo menos uma
atividade relacionada ao trabalho com produção / compreensão de
gêneros orais, podemos perceber na fala da professora P7:

Já vivenciei essa situação. Por exemplo, eu fiz um trabalho com eles


nesse semestre passado sobre Olhar o Brasil e ver a África. Então, eu
apresentei até lá na Federal, então a gente entrevistou um africano
natural, e eu tive toda essa preocupação, além dele ser diferente, a
cultura, aquela questão toda, a questão física também, a linguagem
também, então a gente fez todo um estudo em cima do que seria a
cultura, do que seria olhar o Brasil e ver a África, o que a gente trouxe
de herança (...).

No relato é possível perceber que houve um trabalho que


contemplou tanto o gênero entrevista, que requer uma preparação e
monitoramento da fala, até as situações de discussão em sala de aula
durante toda a execução do projeto.

CONSIDERAÇÕES FINAIS
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Nessa pesquisa, buscamos analisar um documento curricular e a


relação de oito professoras com esse documento, investigando as
opiniões acerca das orientações difundidas na proposta e os modos
como tentam desenvolver as orientações presentes no documento no
trabalho na sala de aula.
Com base na análise documental, concluímos que a Proposta
Curricular da Rede Municipal de Camaragibe-PE contempla o ensino
da oralidade, apresentando não apenas os princípios gerais, mas
também as habilidades e conhecimentos a serem construídos e
orientações didáticas. Considerando-se as quatro dimensões do ensino
da oralidade, definidas por Leal, Brandão e Lima (2011), foi possível
verificar que o documento aborda três delas. Nenhuma professora
conseguiu sintetizar o objetivo geral da proposta, contudo, todas as
professoras relataram em entrevista alguma atividade de ensino da
linguagem oral. Constatamos também uma supervalorização da escrita
pelas professoras entrevistadas, que evidenciaram uma exaltação da
cultura letrada em detrimento da oralidade. Ao longo das entrevistas,
as professoras afirmaram utilizar a oralidade como auxílio para
atividades de escrita, gramática, interpretação de textos, entre outras.
Diante dos resultados encontrados nessa pesquisa, reforçamos,
aqui, a necessidade de se realizar mais pesquisas que repensem os
conteúdos, metodologias, recursos didáticos e condições de trabalho
para que os professores desenvolvam um trabalho mais significativo
na sala de aula com o eixo da oralidade.

REFERÊNCIAS

BAGNO, M. Preconceito lingüístico: o que é e como se faz. São


Paulo: Loyola, 1998.
BARDIN, L. Análise de Conteúdo. Lisboa: Edições 70, 1977.
BRASIL. MEC. PCN - Parâmetros curriculares nacionais: língua
portuguesa /Secretaria de Educação Fundamental. – Brasília: 1998.
COSTA, Débora Amorim Gomes Da. Livros didáticos de Língua
Portuguesa: propostas didáticas para o ensino da linguagem oral.
Dissertação – Universidade Federal de Pernambuco, PE – 2006.
DOLZ, Joaquim; SCHNEUWLY, Bernard; PIETRO, Jean-François
de. A; ZAHND, Gabrielle.Exposição Oral. In: Gêneros Orais e
escritos na escola. Campinas – SP: Mercado de Letras,2004.
GERALDI, J. V. O texto na sala de aula: leitura e produção. 2 ed.
Cascavel: Assoeste, 1984.
LEAL, Telma F., BRANDÃO, Ana Carolina P., NASCIMENTO,
Bárbhara Elizabeth S.Basta conversar? A prática de ensino da
oralidade no segundo ciclo. Em: Heinig, Otília L.; Fronza, Cátia de A.
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(orgs.) Diálogos entre Linguistica e Educação. Blumenau: Edifurb,


2010.
LEAL, Telma Ferraz; BRANDÃO, Ana Carolina Perrusi; LIMA,
Juliana de Melo. A oralidade como objeto de ensino na escola: o que
sugerem os livros didáticos? In: Leal, Telma Ferraz, Gois, Siane
(Orgs). A oralidade na escola: a investigação do trabalho docente
como foco na reflexão. Belo Horizonte, Autêntica Editora, 2012.
MAGALHÃES, Guedes Tânia. Concepção de oralidade: a teoria
nos PCN e no PNLD X a prática nos livros didáticos. Rio de
Janeiro, 2007. 138 p. Tese de Doutorado em Linguística e Ensino da
Língua. Universidade Federal Fluminense.
MARCUSCHI, Luiz. Fala e escrita/ Luiz Antônio Marcuschi e Angela
Paiva Dionísio – Belo Horizonte: Autêntica, 2005.
MARINHO, Marildes. A Língua Portuguesa nos currículos de final de
século. In E. S. Barreto (Org.). Os Currículos do Ensino
Fundamental para as Escolas Brasileiras. Campinas: Autores
Associados/São Paulo: Fundação Carlos Chagas,1998.
MOREIRA, Antônio Flávio Barbosa; CANDAU, Vera Maria.
Indagações sobre currículo: currículo, conhecimento e cultura.
Brasília: Ministério da Educação, Secretaria de Educação Básica,
2007.
SAVIANI, Nereide. Saber escolar, currículo e didática: problemas
de conteúdo/método no processo pedagógico. Campinas, SP:
Autores Associados, 1998.
SCHNEUWLY, Bernard; DOLZ, Joaquim. Gêneros Orais e escritos
na escola. Campinas – SP: Mercado de Letras, 2004.
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O TRABALHO COM A ORALIDADE E


COM A REESCRITA A PARTIR DA
LEITURA DE CONTO DE FADAS

José Ricardo Carvalho (UFS)


ricardocarvalho.ufs@hotmail.com

Aline de Araujo Santos


Graduanda do Curso de Pedagogia
alineufs2009@hotmail.com

Rosana Santos da Costa


Graduanda do Curso de Pedagogia
rosana_costa18@hotmail.com

RESUMO

O objetivo central deste trabalho é valorizar a cultura oral e


compreender interações desta modalidade com o discurso escrito,
provocando uma reflexão sobre os procedimentos linguísticos
adotados no ato de produzir uma narrativa. Segundo Marcuschi
(2001), o trabalho com a modalidade oral e escrita deve ser
elaborado por meio dos gêneros, avaliando a produção textual-
discursiva. Notamos que as escolas têm se voltado,
exclusivamente, para os exercícios escritos, não havendo ligação
com as práticas sociais que envolvem os saberes oriundos da
oralidade. A partir desta hipótese, pretendemos em nosso
trabalho examinar atividades orais e escritas que estão
envolvidas no processo de produção de textos. O corpus de
nosso trabalho são atividades realizadas no projeto PIBID/2011
vinculado ao curso de pedagogia da UFS. Examinamos três
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atividades de produção de texto que toma a oralidade com foco


de discussão em uma classe do 4º ano do ensino fundamental de
uma escola pública de Sergipe. Descrevemos o reconto oral e a
retextualização de três contos de fadas “ O Rei Sapo”,
“Chapeuzinho Vermelho” e “O Gato de Botas”. Analisamos
procedimentos utilizados por uma aluna na realização da
reescrita por meio da retextualização. Identificamos, em uma
visão diagnóstica, os recursos utilizados e as dificuldades para
interagir pela modalidade escrita. Observam-se momentos de
oscilação de formas usuais da oralidade no processo de
aproximação com o discurso escrito.

Palavras-chave: retextualização, gênero textual, oralidade e


escrita.

INTRODUÇÃO

A língua materna - a composição de


seu léxico e sua estrutura gramatical -
, não a aprendemos nos dicionários e
nas gramáticas, nós a adquirimos
mediante enunciados concretos que
ouvimos e reproduzimos durante a
comunicação verbal viva que se
efetua com os indivíduos que nos
rodeiam. Assimilamos as formas da
língua somente nas formas assumidas
pelo enunciado e juntamente com
essas formas. As formas da língua e
as formas típicas de enunciados, isto
é, os gêneros do discurso,
introduzem-se em nossa experiência e
em nossa consciência conjuntamente
e sem que sua estreita correlação seja
rompida. (BAKHTIN, 1992, p.279)
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Observamos que a premissa expressa na epígrafe acima


é pouco desenvolvida na escola, visto que esta instituição
valoriza pouco as situações concretas de comunicação para
aprofundar conhecimentos da língua materna. Geralmente, as
análises linguísticas são realizadas em frases e não em
enunciados encontrados nos textos concretos que circulam na
sociedade. A oralidade, conhecimento palpável que os alunos
trazem de casa, encontra-se subaproveitada no ensino de textos
inscritos na modalidade escrita. O currículo tradicional de ensino
não costuma estabelecer uma relação entre oralidade e escrita,
costumando evidenciar, na maioria das vezes, a supremacia da
escrita em suas tarefas escolares. Em confronto com essa
perspectiva, invertemos a lógica, utilizando a oralidade e textos
reais como ponto de partida para o ensino da língua materna.
Relatamos neste artigo atividades orais e escritas
desenvolvidas no projeto de extensão PIBID/2011 “Produção
textual no Ensino fundamental: Oralidade e escrita na formação
do professor-pesquisador”. O objetivo geral do projeto é
promover práticas pedagógicas reflexivas sobre a relação fala e
escrita nos gêneros textuais, formando, assim, alunos leitores e
produtores de textos que vinculem conhecimentos das duas
modalidades de uso da linguagem verbal. As ações foram
realizadas em uma escola estadual do município de Itabaiana/SE
em uma turma do 4º ano do ensino fundamental.

Neste trabalho apresentamos a evolução de uma aluna


nas atividades de produção textual a partir das atividades
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realizadas com o reconto oral e a retextualização de três contos


de fadas: “O Rei Sapo”, “Chapeuzinho Vermelho” e o “O Gato
de Botas”. Para mostrarmos a relação entre a língua falada e
língua escrita explicitamos com os alunos as mudanças que
ocorrem na passagem de um texto falado para um texto escrito
fazendo uso do processo de retextualização. Propomos nas aulas,
a compreensão das semelhanças e diferenças do uso da língua na
modalidade oral e escrita, identificando suas especificidades no
processo de formulação dos textos. Para compreender com se
processa estas relações no universo de aprendiz, acompanhamos
a produção de uma aluna a fim de examinar como esta se
aproxima da linguagem escrita apoiada nos conhecimentos
adquiridos na oralidade.
Uma das grandes dificuldades dos alunos na produção
de texto é a organização dos enunciados por meio da pontuação,
visto que os recursos gráficos precisam de estratégias
diferenciadas dos que são utilizados em uma situação falada.
Observamos como a pontuação atua como um recurso que
fornece coesão ao texto, ajudando, também, na coerência textual.
Buscamos explicitar a evolução dos trabalhos da aluna,
considerando o trabalho pedagógico que vincula oralidade e
escrita em atividades com o gênero conto de fadas. De acordo
com Bakhtin (1992), o gênero do discurso assume grande
importância para compreendermos as interações e seu processo
de apropriação na sociedade.

Todas as esferas da atividade


humana, por mais variadas que sejam,
estão sempre relacionadas com a
utilização da língua. Não é de
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surpreender que o caráter e os modos


dessa utilização sejam tão variados
como as próprias esferas da atividade
humana, o que não contradiz a
unidade nacional de uma língua. A
utilização da língua efetua-se em
forma de enunciados (orais e
escritos), concretos e únicos, que
emanam dos integrantes duma ou
doutra esfera da atividade humana. O
enunciado reflete as condições
específicas e as finalidades de cada
uma dessas esferas, não só por seu
conteúdo (temático) e por seu estilo
verbal, ou seja, pela seleção operada
nos recursos da língua - recursos
lexicais, fraseológicos e gramaticais -
mas, também, e sobretudo, por sua
construção composicional. Estes três
elementos (conteúdo temático, estilo
e construção composicional) fundem-
se indissoluvelmente no todo do
enunciado, e todos eles são marcados
pela especificidade de uma esfera de
comunicação. Qualquer enunciado
considerado isoladamente é, claro,
individual, mas cada esfera de
utilização da língua elabora seus tipos
relativamente estáveis de enunciados,
sendo isso que denominamos gêneros
do discurso.(BAKHTIN, 1992, p.279)

Analisar textos, sob a perspectiva dos gêneros


discursivos, amplia-se a noção de interação verbal, pois as
atividades linguísticas vão para além da frase, pois se volta para
a contextualização da realização da produção de sentido. Dessa
forma, o trabalho com o gênero permite um olhar mais apurado
para as condições que regulam os enunciados em um texto.
Escolhemos o gênero conto de fadas por sua forte relação com
atividades da tradição oral. Além disso, possui formulações que
geram o efeito de encantamento, chamando a atenção para
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aspectos éticos, espirituais e existenciais. Por meio da fantasia o


leitor se defronta com situações mágicas vividas pelos
personagens que podem ajudá-lo a resolver conflitos internos e
externos. Este gênero possui uma linguagem simbólica, que trata
dos excluídos socialmente e utiliza em muitos momentos
formulações lúdicas para narrar a história

Sobre as atividades desenvolvidas e analisadas

Assumimos como princípio teórico-metodológico, para


desenvolver as atividades de produção de textos a visão de
gênero discursivo de Bakhtin (1992), bem como as orientações
de retextualização organizadas por Marcuschi (2001). A visão
teórica de Marcuschi (2001) fornece indicações para o trabalho
de produção textual sob a ótica da retextualização, considerando
os diferentes gêneros textuais como fonte de estímulo para
refletir e agir sobre a linguagem. Em sua proposta Marcuschi
(2001, p.48) prevê a passagem de uma ordem para outra (da fala
para escrita). Neste sentido, toda a investigação de produção
textual neste trabalho se configura como uma pesquisa
qualitativa que examina textos orais e escritos produzidos por
alunos do ensino fundamental por meio dos estudos de gênero e
retextualização desenvolvidos por Marcuschi (2001).
Para tanto, relatamos procedimentos da passagem do
reconto oral contos de fadas para a modalidade escrita. Em
seguida, observamos a interferência do discurso oral sobre o
escrito e a influência das práticas de letramento desenvolvidas no
espaço da escola.
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Para trabalhar com gênero conto de fadas exploramos as


três narrativas: “O Rei Sapo”, “Chapeuzinho Vermelho” e o “O
Gato de Botas” sob a perspectiva do gênero de discurso
defendido por Bakhtin (1992).
Observando a forma composicional dos contos de fadas,
ressaltando que a grande maioria apresenta uma situação de
equilíbrio em que se descreve na introdução o cenário e dos
personagens. No meio destas narrativas há a exposição de um
conflito, havendo no final uma solução para trama pela via de
um elemento mágico. Do ponto de vista da abordagem e da
temática escolhemos três histórias que assumem o encantamento
que ponto comum, contudo com temas diferenciados. Na
primeira narrativa, o “tema foi o não cumprimento da palavra”
da princesa ao sapo no conto “O Rei Sapo” adaptada por Tatiana
Belinck. Nesta história, uma princesa deixa a bola cair no poço e
pede ao sapo para ajudá-la. A princesa promete levar o sapo
para castelo, se ele pegar a bola no fundo do poço. O animal
pega a bola, mas a princesa não cumpre a palavra.
A segunda história foi “Chapeuzinho vermelho”. O tema
abordado foi a desobediência da filha diante de uma orientação
dada pela mãe. A terceiro conto “O Gato de Botas” ressalta o
tema a esperteza para obter benefícios próprios. Diante dessas
temáticas propomos discutir com os alunos sobre as questões
morais que estão envolvidas. Desta forma, os textos começam a
ganhar sentido e sendo relacionados com a vida cotidiana,
assumindo assim a premissa bakhtiniana.

A palavra existe para o locutor sob


três aspectos: como palavra neutra
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da língua e que não pertence a


ninguém; como palavra do outro
pertencente aos outros e que
preenche o eco dos enunciados
alheios; e, finalmente, como palavra
minha, pois, na medida em que uso
essa palavra numa determinada
situação, com uma intenção
discursiva, ela já se impregnou de
minha expressividade (BAKHTIN,
1992, p.313).

Bakhtin observa que os sujeitos para compreender os


enunciados precisam tomar a palavra nas três dimensões
mencionadas. Ao analisar os enunciados é preciso se dar conta
de que nenhum deles é autossuficiente, pois todo enunciado está
repleto de eco de lembrança de outros enunciados. Neste
sentido, em todas as atividades de leitura de textos orais e
escrito confrontamos diferentes vozes para ler os enunciados.
Propomos análise de pequenos fragmentos dos contos a fim de
reescrevê-los, visto que estas narrativas são textos grandes para
reescrevê-los e refletir sobre os diferentes aspectos que as
constitui. Neste trabalho, optamos então por apresentar alguns
fragmentos de reescrita de contos de fadas realizada por um
aluno do ensino fundamental a fim de obsevar como se deu o
desenvolvimento de suas produções diante do projeto gênero
conto de fadas, realizado em sua classe. Sob esta perspectivas
alertamos para um dado apontado por Marcuschi que conduz a
nossa análise.

A escrita não consegue reproduzir


muitos dos fenômenos da oralidade,
tais como a prosódia, a gestualidade,
os movimentos do corpo e dos olhos,
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entre outros. Em contrapartida, a


escrita apresenta elementos
significativos próprios ausentes na
fala, tais como o tamanho e tipo de
letras, cores e formatos, elementos
pictóricos, que operam como gestos,
mímica e prosódia graficamente
representados. Oralidade e escrita são
práticas e usos da língua com
características próprias, mas não
suficientemente opostas para
caracterizar dois sistemas lingüísticos
nem uma dicotomia. (MARCUSCHI,
2004, p.17)

RESULTADOS

Apresentamos a seguir a reescrita de três contos de


fadas: O Rei Sapo, Chapeuzinho Vermelho e O Gato de Botas
que foi produzido por uma das alunas que participou da
dinâmica de retextualização de contos ouvidos para modalidade
escrita. No processo de análise observamos a presença de traços
de oralidade nos textos e as dificuldades de produção textual.
Escolhemos o texto da aluna Maísa pelo fato de
demonstrar mudanças significativas entre a primeira produção
textual realizada, com bastante dificuldade; e a última “O gato
de Botas” com maior proficiência. Por meio de nossas
intervenções, percebemos que houve uma grande evolução em
seu processo de formulação textual quer do ponto de vista da
forma composicional, quer do estilo de linguagem e da
abordagem temática.

O rei sapo
Era uma ves uma prinsesa linda e um lindo castelo perto da
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naturesa a prinsesa quando ela estáva triste ela se sentava no


lado do posso e ela brinca com a bola jogando a bola de ouro
para sima e para cima e para baixo quando a bola da prinsesa
a bola caio no fundo do posso e a prinsesa comesou a chorar e
o sapo vio a linda princesa chorando muinto e o sapo disse a
ela filha do rei ela parou de chorar e olhou para sima e
quando ela olhou para baixo ela vio o sapo e o sapo perguntou
porque está chorando ela respondeu e a minha bola de ouro e
o sapo disse para ela eu vou pegar a sua bola mas com uma
condição eu vou comer no seu prato e vou beber na sua tasa de
ouro e vou dormir na sua cama de ouro e ela disse a prinsesa
disse eu prometo então o sapo foi la e pegou a bola da
princesa.

Em seu aspecto formal, o texto está em um único


parágrafo, não apresentando sinais de pontuação no corpo do
texto. Utiliza apenas um ponto final para indicar o término da
narrativa. A falta de pontuação dificulta a compreensão na hora
da leitura, pois não conseguimos identificar em que momento o
leitor esta dando uma pausa ou começando um novo tópico. A
pontuação é necessária para dar coesão e coerência ao texto,
estabelecendo, assim, limites entre as vozes que se encontram
presente no texto. A mediação do professor no processo de
construção de sentido do texto, segmentando o texto em
enunciados foi um trabalho necessário para os alunos
perceberem. Neste processo, que o aluno do ensino fundamental
para ler e produzir texto precisa observar o trabalho de
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pontuação que segmenta as vozes e os pontos de vistas


expressos na narrativa.
Alguns conhecimentos intuitivos são percebidos
quando a aluna começa a narrar a história. No trecho “Era uma
vez uma linda princesa e um lindo castelo perto da natura”,
percebemos que ao descrever o cenário da história a aluna
apresenta conhecimentos relacionados aos aspectos tipológicos
da narrativa. Sua dificuldade, do ponto de vista interacional com
o discurso escrito está vinculada ao domínio no modo como
estrutura os enunciados, mantendo fortes traços da modalidade
oral. Observemos o seguinte trecho:

“Era uma vez uma princesa linda e um lindo castelo perto da


natureza a princesa quando ela estava triste ela se sentava no lado
do poço e ela brinca com a bola...”

No processo de passar o texto oral para o escrito, a aluna


manteve segmentos pertinentes à modalidade falada. Ocorreu a
repetição do pronome “ela” três vezes para retomar o referente
“princesa”, traço recorrente ao discurso falado sustentado pelo
contexto situacional. Neste caso, a autora do texto não utiliza da
pontuação, não retoma o referente de maneira diversificada,
recorrendo ao recurso do pronome como único elemento de
retomada do referente. Sua escrita reproduz muitos traços da
oralidade sem demarcar por meio de recursos gráficos as pausas,
as entonações e a mudanças de vozes que se evidenciam no
percurso narrativo. Observamos que a aluna configura os
enunciados, tomando como base os conhecimentos que possui
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da oralidade, sem demonstrar o uso de algumas convenções da


linguagem escrita.

“... ela brinca com a bola jogando a bola de ouro para cima e para
cima e para baixo quando a princesa a bola caiu no fundo do
poço”.

Observamos, também, no discurso da aluna algo que ocorre


no discurso oral que diz respeito a repetição de um termo no
enunciado para intensificar um ação ou caracterizar algo que
precisa ser descrito na narrativa. No caso do fato narrado acima,
a princesa jogou a bola e ela foi para cima e mais para cima,
demonstrando que a bola foi muito para cima. No discurso
escrito, entretanto, remete-nos a uma ideia incoerente, visto que
uma bola não pode ir para cima e depois mais para cima,
seguida de uma queda para o fundo do poço. A identificação
deste aspecto funciona como objeto de reflexão sobre o sentido
das palavras no texto escrito que se configura de maneira
diversa no texto oral. Na oralidade contarmos com os recursos
que temos com a entonação da fala para demonstrar a
intensificação da ação de jogar a bola para cima. Já no texto
escrito contamos com itens lexicais que apontam para a ideia de
que a bola foi muito para cima e não para cima e mais para
cima.

Detectamos a importância de se trabalhar uma


especificidade da modalidade de escrita pouco compreendida
pelos alunos para segmentar o texto pelo critério do tópico e das
vozes apresentadas na narrativa. Ressaltamos, na segunda
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produção de texto, a pontuação do texto e a paragrafação por


meio de atividade de revisão coletiva e individual dos textos dos
alunos. Esta atividade teve continuidade com a produção do
texto Chapeuzinho Vermelho. Damos acesso, ao segundo texto
da aluna para fazermos algumas observações.

Chapeuzinho Vermelho
chapeuzinho vermelho chegou na casa da vovósinha mas
não era a vovosinha era o lobo mal e ele e ele afinando a voz
disse:
- puxi a tranca que ela soutara a tranca caiu o lobo
disfaçando de vovó e cobrindo o rosto:
- Ela disse o vovó eu trose vinho e um pedaço de bolo
que minha mãe mando li dar para ficar melhor
- tire o vestido e deite aqui:
- que olhos grandes você tem é pra tiver melhor que
orelhas grandes você tem é pra ti ouvir melhor e que mãos
grandes você tem e pra ti abrasar melhor e que boca grande é
pra ticomer e ele comeu melhor e ele comeu a vovó mas o
casador e ele pegou uma teso cortou e ele tirou a vovó e a
chapeuzinho
fim

Neste texto, observamos a segmentação das vozes do


narrador e dos personagens por do uso do travessa e da
pontuação. Contudo no enunciado “puxi a tranca que ela
soutara a tranca caiu o lobo disfaçando de vovó e cobrindo o
rosto”. É possível identificar a junção da fala do personagem e
do narrador, dificultando a compreensão do leitor. A aluna não
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coloca pontuação, nem faz a paragrafação para diferenciar as


duas falas. Esta dificuldade ainda persiste no decorrer de forma
mais intensa no final texto, quando deixa de pontuar o texto no
último parágrafo. Atribuímos este fato ao cansaço da aluna e
falta de monitoramento.

O Gato de Botas

No texto “O Gato de Botas”, depois de lermos a história


completa, selecionamos um pequeno trecho para ser reescrito.
Todavia, antes, de ser realizada esta atividade, fizemos a leitura
do trecho ressaltando os recursos gráficos utilizados pelo autor
para tornar o texto expressivo. A parte selecionada do gato de
botas foi o trecho final em que o gato tenta ludibriar o ogro
fazendo com ele se transformasse em um rato e dessa forma
podendo devorar. Observamos os sinais de pontuação e as
entonações dadas na leitura do professor a fim de identificar
recursos da pontuação. Em seguida, propomos as crianças que
reescrevessem o texto que haviam escutado oralmente,
observando os sinais de pontuação. Apresentamos, a seguir, o
texto da aluna Maísa.

O Gato de Botas
O gato foi para o castelo do ogro e quando ele chegou
lá o ogro disse:
- ola você veio mim agradar
O gato disse:
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- sim mas que barba grande você tem e barriga. E o


ogro disse:
- E e eu também posso me transformar
Em qualquer bicho e o gato disse:
- E o senhor pode se transformar num leão enorme.
E o ogro disse:
- todos os bichos que pensar
E o gato disse:
- Então se transforme em um leão um dois e três e o
ogro se transformou num e bem grande chega o gato ficou com
medo e as bolas tremião mas ele se alcamou-se e disse:
- A si transformar num leão você e grande e o leão.
e o ogro disse :
- Mas eu também posso mi transformar em bichos
pequenos.
- E o gato pensou é em um ratinho
É claro um, dois, três e já e ele se transformou num
ratinho e o gato di botas o comeu e o castelo ficou vasio e o
gato deu a princesa e o príncipe ficarão morando tá e forma
felizes para sempre
fim

Notamos no terceiro texto uma grande evolução da aluna,


visto que a ocorrência de sinais gráficos e recursos linguísticos
como verbo discendi para sinalizar a mudança de fala dos
personagens e do narrador foi intensificada. Entendemos que
este é um processo de idas e vindas em que o processo de
regulação se faz com um tempo com a ajuda do professor. O
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aluno ainda não sabendo regular a fala do narrador com a fala do


personagem, ou seja, não segmenta o dizer do narrador com o
dizer do personagem.

CONCLUSÕES

A experiência revelou um caminho a ser perseguido na


compreensão da relação oralidade e escrita nos textos dos alunos
que estão em processo de aquisição da linguagem escrita. Neste
sentido, buscamos, no decorrer deste projeto, desenvolvermos
propostas pedagógicas que levem os alunos a se apropriarem das
formulações textual-discursiva para chegarem a um bom nível
de produção textual.
Observamos no texto do aluno uma grande dificuldade
inicial para organizar esse texto, segmentando a voz dos
personagens com a voz do narrador na passagem da modalidade
oral para escrita. No discurso escrito os alunos tem dificuldade
de identificar qual o personagem que está falando por
reconhecer recursos da pontuação para expressar a mudança de
vozes no texto.
Um dos recursos da oralidade que ajuda a marcar estas
diferenças foi explorar nas atividades de leituras a mudanças de
voz entre narrador e personagens. Obsevamos, também, com os
alunos a mudança de altura da voz e suas modulações para
tornar o texto mais expressivo. Por estes mecanismos
evidenciamos a necessidade da pontuação para destacar essas
formas expressivas que no discurso escrito não aparece. Os
alunos perceberam no plano da oralidade a importância da voz
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que possui uma melodia, além das pausas que propõem um


ritmo para o texto. Percebemos, neste processo, a evolução dos
alunos pela inclusão de novos recursos gráficos que apresentam
em seus textos escritos e no modo como passaram a realizar os
recontos orais na sala de aula.

REFERÊNCIA
BAKTHIN, Michail. Estética da criação verbal. São Paulo: Martins
Fontes, 1992.
DOLZ, B.; SCHNEWLY, D. Gêneros e progressão em expressão oral e
escrita: elementos para reflexões sobre uma experiência suíça (francófona).
IN: Gêneros do oral e do escrito na escola. Trad. e org. de Rojo, R. e
Cordeiro, G. L.. Campinas: Mercado de Letras, 2004.
MARCUSCHI, Luiz Antônio. Da fala para a escrita: processos de
retextualização. São Paulo: Cortez, 2001.
GRIMM, Jacob & Wilhelm. Os contos de Grimm. [Tradução: Tatiana
Belinky]. São Paulo: Paulus, 1989.
GRIMM, Jacob & Wilhelm. O Rei Sapo. [Tradução: Tatiana Belinky]. São
Paulo: Paulus, 1996.
GRIMM, Jacob & Wilhelm. Chapeuzinho Vermelho. [Tradução: Tatiana
Belinky]. São Paulo: Paulus, 1995.
GRIMM, Jacob & Wilhelm. O gato de botas. [Tradução: Tatiana Belinky].
São Paulo: Paulus, 1996.
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Conto e Reconto de uma Narrativa


Maravilhosa de Charles Perrault

Prof. Dr. José Ricardo Carvalho (UFS)1


Manoela Barreto Borges (UFS)2
Gilvaneide Ferreira Souza Santos (UFS)3
Tatiana Pinheiro da Cruz (UFS)4

RESUMO
A oralidade, dificilmente, é considerada como ponto de partida para desenvolver
atividades de produção de texto na escola. O desconhecimento da natureza da fala tem
dificultado a implementação de uma proposta pedagógica que amplie a competência
dos alunos para o desenvolvimento da fala. A fim de refletir sobre o funcionamento da
fala no processo de contação de histórias por alunos que se encontram em processo de
aquisição da linguagem escrita, examinamos o discurso falado realizado no reconto de
narrativas maravilhosas. Partimos da hipótese de que há uma intensa relação entre a
fala e a escrita em seu processo de formulação discursiva. Para evidenciar este
processo, analisamos uma transcrição do reconto oral do texto “As Fadas” de Charles
Perrault, narrado por cinco alunos de uma classe do ensino fundamental. A
investigação destaca princípios que regulam a produção do discurso oral, explicitando
operações linguísticas para interagir na modalidade oral. Relatamos, neste contexto,
reflexões sobre o processo de formação de professor que busca intensificar a relação
teoria-prática a partir da compreensão da natureza da fala e dos princípios que atuam
sobre funcionamento da modalidade oral.

Palavras chaves: oralidade, gênero conto de fadas, Análise da Conversação.

1
Contato do(a) autor(a): ricardocarvalho.ufs@hotmail.com. Professor
Adjunto da Universidade Federal de Sergipe. Campus Universitário Prof.
Alberto Carvalho. Departamento de Educação. Doutor em Letras pela
Universidade Federal Fluminense (UFF).
2
Contato do(a) autor(a): manubela86@hotmail.com. Universidade Federal de
Sergipe.
3
Contato do(a) autor(a):gilmorena2@hotmail.com. Universidade Federal de
Sergipe.
4
Contato do(a) autor(a): tatiana.pinheiro@hotmail.com. Universidade
Federal de Sergipe.
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INTRODUÇÃO
O trabalho que se segue tem o intuito de compreender o funcionamento
do discurso oral da criança em atividades de reconto de narrativas com alunos
do ensino fundamental. Observamos que há pouco aproveitamento dos
trabalhos em que a oralidade se faz mais presente na interação entre alunos e
professores. Este fato se deve principalmente ao pouco conhecimento que os
professores possuem sobre a natureza do discurso oral. Dessa forma temos
por objetivo investigar o comportamento lingüístico oral dos alunos em
interações verbais com intuito de aproximar as práticas orais das práticas
letradas. Para isso nos debruçamos sobre as propriedades da fala que ora se
apresenta semelhante da escrita e ora se apresenta com suas peculiaridades. O
falante se utiliza de instrumentos lingüísticos diversos de acordo com o
gênero textual ou o uso da modalidade falada e escrita.

Nesse contexto examinamos atividades de reconto oral que resultaram


em uma ampla reflexão da linguagem falada por alunos que não dominam,
ainda, totalmente os princípios do discurso escrito. Para isso levamos em
conta a compreensão da natureza da fala e como esta se utiliza de elementos
variados e singulares para interagirem verbalmente. Evidenciamos recursos
ímpares no funcionamento do discurso falado que nos leva a crer a
importância de estudar suas propriedades a partir da análise de textos
recontados oralmente por alunos do ensino fundamental. Tais atividades
resultam de atividades desenvolvidas no projeto PIBID (Produção textual no
ensino fundamental: oralidade e escrita na formação do professor-
pesquisador) no ano de 2012 em uma escola do município de Itabaiana/SE.

Do ponto de vista pedagógico, a atividade do reconto oral valoriza a


bagagem linguística da criança, pois envolve uma série de processos
cognitivos e internacionais que atuam sobre o domínio da competência
sociocomunicativa. Nesse sentido, o gênero contos de fada, por ser oriundo
da tradição oral, afina-se com os propósitos de compreensão da oralidade em
textos narrativos. Durante o processo do reconto, o falante necessita ter o
conhecimento estrutural do gênero que deseja comunicar-se e ter em mente
os elementos lingüísticos a serem utilizados para poder organizá-los com
unidade.

Como atividade prévia diagnóstica para identificar o que os alunos já


sabem, fazemos sempre uma discussão inicial com os alunos sobre as
interações que já fizeram com os contos de fadas. Neste percurso, contamos a
história e exploramos aspectos que levavam os alunos a reconhecerem
propriedades particulares do conto de fadas que diferenciam de outros
gêneros. Em seguida, realizamos a leitura do conto de fadas por parte, tendo
o cuidado de examinar a estrutura narrativa e o modo como se textualizava a
narrativa por meio de seus recursos linguísticos e dos enunciados proferidos
pelo narrador. Observamos o modo como o autor introduz os fatos, por meio
da apresentação dos personagens e do cenário e desenvolvimento do
narrador. Em seguida buscamos ressaltar o conflito vivido pela personagem,
fazendo com que os alunos se colocassem na situação vivida. Muitas formas
de reagir ao conflito foram levantadas pelos alunos, levando-os a prever o
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que poderia acontecer no decorrer da narrativa. De acordo com Bakhtin


(1992):

Os enunciados não são indiferentes uns aos outros nem auto-


suficientes, conhecem-se uns aos outros, refletem-se
mutuamente. São precisamente esses reflexos que lhes
determinam o caráter. O enunciado está repleto de ecos e
lembranças de outros enunciados, aos quais está vinculado no
interior de uma esfera comum da comunidade verbal
(BAKHTIN, 1992, p. 317).

Para evidenciar o clímax, a narrativa foi interrompida a fim de levar os


alunos a criar novas hipóteses de como seria o fim da história. Por fim,
narramos a resolução do conflito central, explorando a solução mágica dada
por Perrault para projetar o conto de fadas. Convém mencionar que os
recursos do conto de fadas possuem uma certa regularidade que a são
ressaltadas nos diálogos realizados com os alunos. Por meio de um amplo
diálogo com a turma, os alunos vão aos poucos internalizando a estrutura e se
motivando para a realização do reconto oral e a reescrita dos contos de fadas.

Nas atividades de contação de história evidencia-se, normalmente, a


presença de variados usos linguísticos, em que se verifica a alternância do
registro culto na voz do narrador e o registro coloquial na fala dos
personagens. No domínio do narrador de conto de fadas encontramos
expressões rebuscadas, estruturas sintáticas pouco usadas pelos alunos, além
de vocábulos utilizados em outras épocas. Somente por este fato o contato
com as narrativas maravilhosas já seria algo bastante interessante para
criança, nota-se, todavia, que o ato de interação em si quando se conta este
tipo de história promove uma intensa comoção e interesse quando se estimula
o diálogo no momento da contação da história. Uma das grandes dificuldades
de se promover esta atividade é, justamente, a compreensão de oralidade e
diálogo instalado na tradição escolar, visto que a noção de roda de leitura é
trabalhada de uma maneira onde os alunos são passivos e não possuem a
oportunidade de falar no processo da contação de história.

Observamos algumas práticas de sala aula que a atividade de contação


de história se restringia a dois momentos: a leitura do conto, seguido do
desenho da história. Desta maneira, verificamos que muitas escolas perdiam
a oportunidade de trabalhar a dinâmica da oralidade em diversos momentos
em que se configura a atividade de contação de história.

1 O trabalho com a oralidade na sala de aula


A fim de promover atividades dialógicas na sala de aula, organizamos
um planejamento de atividades de leitura de conto de fadas em turmas da
Educação Infantil e do Ensino Fundamental. Elegemos a narrativa “As
Fadas” de Charles Perrault, adaptada por Ruth Rocha. Registramos a
produção de texto oral com os alunos dos dois segmentos utilizando dois
procedimentos a fim de examinar os recursos linguísticos e os procedimentos
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para realizar a atividades do reconto. Tanto na turma de Educação Infantil


como na do Ensino Fundamental, realizamos a atividade em três etapas: a)
diálogo de motivação para o texto; b) a contação da narrativa; c) o reconto
com a mediação da professora. A primeira etapa consistiu na possibilidade
de confrontar a vivencia dos alunos com a história a ser narrada, promovendo
antes da narrativa, uma discussão sobre o tema a ser abordado. A segunda
etapa diz respeito ao diálogo com os alunos durante o processo de contação
da história, desenvolvendo a oralidade em todos os seus sentidos.

Trabalhamos procedimentos de organização dos enunciados e trabalho


com a linguagem verbal quer em seu registro coloquial quer em ser registro
culto, visto que no processo de interação é possível perceber a dinâmica entre
os dois registros e intervenções de professora a fim de ajustar os usos verbais
no processo de interação. Apresentamos a seguir um fragmento do reconto
oral, com auxílio da professora que arregimenta a vozes dos alunos para
realizar a atividade do conto “As fadas” de Charles Perrault, em uma classe
de Educação Infantil com alunos na faixa etária entre 3 a 6 anos.

A narradora diz: “A história que a gente contou é de uma autora chamada


Ruth Rocha... O nome da história é?!... (Todos falam ao mesmo tempo em
tom alto) “AS FADAS!”... A narradora pergunta: “Como é que
começava?” (Falam ao mesmo tempo) “Era uma vez” a voz de Joana
sobrepõe “uma mãe com duas filhas ... má.” A narradora pergunta:
“Alguém lembra?”((Vitória balança a cabeça e diz)): “ahã! Maria diz:
“Eu!” Branca diz: “Eu!” Mas a voz de Maria sobrepõe. Alice diz:
“Boazinha” Maria diz: “O...A filha mais velha foi buscar água”...A
narradora pergunta: “A filha mais velha foi buscar água?” ((Vitória diz
levantando a mão)): “Eu sei” .. Ana diz: “Eu sei”...A narradora pergunta:
“Quem foi primeiro buscar água?” Ana diz: “A filha mais nova ...foi buscar
água aí uma velha apareceu porque pensou que ela era bonita e disse
...Maria interrompe dizendo: pediu um pouco um copo de água ...ela disse
assim... Vitória interrompe dizendo: oh menina como você é bonita!
Branca interrompe dizendo: me ofereça um pouco um copo de água ...e
Vitória completa: me dê-me um pouco de água por favor Maria diz: Aí ela
deu... aí depois a a fada ... Ana interrompe e diz: ela ofereceu um dom...
Maria diz: quando ela falasse ...Vitoria diz: disse assim...Maria diz: que
quando ela falasse ia sair jóias.. pérolas... flores e pedra”.

Podemos observar que a professora busca coordenar as vozes do


narrador e dos personagens para realizar a atividade de recontação de uma
narrativa no gênero conto de fadas. O professor, nesta perspectiva, funciona
como arregimentador das vozes para que a estrutura da narrativa e sua a
função comunicativa seja cumprida pelos agentes que produzem a narração.

Por meio da dinâmica transcrita, é possível identificar o funcionamento


da oralidade com toda a sua intensidade, visto que os sujeitos interagem
utilizando todos os recursos da fala para promover a ação de recontar uma
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história ouvida. Diríamos que houve um trabalho de produção texto com toda
a sua complexidade, pois os alunos, com a mediação da professora, foram
capazes de formular a sequencia com enunciados pertinentes e expressivos,
demonstrando a apropriação do texto pela via da oralidade. Em uma primeira
impressão podemos observar falas sobrepostas, hesitações, uso de poucos
conectores para ligar os enunciados, frases interrompidas. Estes elementos,
entretanto, fazem parte da dinâmica de formulação do texto oral.
Acreditamos que a compreensão sobre o modo como os textos orais são
formulados poderá nos ajudar a compreender procedimentos que os alunos
adotam para produzir seus textos escritos. Neste sentido, a compreensão das
regras da interação face-a-face apresenta-se como um ponto chave para
reconfigurar a relação oralidade-escrita na dinâmica da escola.

Identificamos um modo próprio de organização dos enunciados na fala,


visto que as práticas orais se configuram como um tipo de “interação
centrada”, em torno de um propósito comunicativo por meio de recursos
linguísticos e extralinguísticos. Na atividade de conversação, ou interação
verbal oral, é necessário que haja pelo menos dois interlocutores que
interagem em torno de um tema de forma alternada. Com base neste princípio
Fávero et alli (2007), com base no modelo conversacional de Ventola(1979),
descreve os componentes envolvidos na conversação que são: tópico ou
assunto abordado, situação, papéis dos participantes, modo e o meio de
interação. É possível identificar no reconto dos alunos da classe de
Educação Infantil estes elementos que nos ajudam a descrever o contexto de
interação da seguinte forma: O tema abordado foi a bondade de uma moça
recompensada por suas atitudes. A situação de interação foi o reconto onde
cada participante conta um pequeno trecho sem um prévio planejamento.
Observa-se que os papéis dos participantes é bastante claro, visto que a
professora coordena as falas e os alunos interagem para cumprir a função de
recontar a história. Por se tratar de uma situação escolar uma preocupação em
privilegiar o modo da linguagem culto, todavia este se apresenta de forma
heterogênea pelo meio de interação face-a-face.

A narradora diz: “Você agora... conte!” Joana diz: “A filha mais velha foi
buscar água ...quem apareceu foi uma madame e a madame e a madame
pediu água e ela não deu...a madame disse que quando ela falasse ia sair
sapo e serpente da boca dela”. A narradora pergunta: “E agora? Ela faz o
quê quando fica sabendo disso?” Vitória diz: “Aí ela ficou assustada ...aí
quando ela foi para a casa da mãe...Eh minha filha como foi lá? Ela disse...Aí
quando quando ela foi falar ...Aí saiu dois sapos e duas serpentes aí foi ... aí
point... aí point”. Maria diz: “Aí aí Aí... a mãe dela chamou a filha ... foi na
cozinha tava ...a filha tava a mais nova tava fazendo as coisas ( ) Vitória
interrompe: não foi assim não! A narradora intervem: foi foi ...assim! Maria
diz: “Aí a filha” A narradora pergunta: “Peraí uma fala depois a outra fala
vamos lá”? Maria diz: “Aí a filha... correu prum mato Aí depois ... o
príncipe apar ela tava chorando aí depois o príncipe apareceu e pediu ela em
casamento” A narradora pergunta: “E agora? E depois”? Maria diz: “ela
aceitou” Joana diz: “E ela aceitou aí e eles foram pro castelo”. Dizem
juntos: “E se casaram e viveram felizes para sempre”. A narradora
pergunta: “Aí o que foi que aconteceu com a filha mais velha”? Todos falam
juntos: “Morreu” Por causa ( ) A narradora pergunta: O que foi que
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aconteceu com a filha mais velha? Vitoria diz: “Ela ela ficou muito feia por
isso ...quando as pessoas passavam não poderia nem falar por causa toda vez
que ela saia... falava ..saia um bicho.

De acordo com Andrade (1998, p. 22), os enunciados conversacionais


se configuram como unidade discursiva. Estas unidades podem expressar
relativa “coincidência com orações ou atos de fala, porém reflete a
experiência do falante a respeito do que seja um bloco textual”. Evidencia-se
nos enunciados da conversação certa regularidade no modo de organizar as
porções de informações, garantindo coerência entre as partes, promovendo,
assim, uma unidade textual. Andrade (1998) esclarece, então, a importância
dos marcadores textos como elementos constitutivos do discurso oral que
permite a articular a linguagem falada.

A unidade discursiva é delimitada, geralmente, por


marcadores conversacionais. Estes, por sua vez, são
elementos característicos da oralidade, mas não exclusivos.
Operam na monitoração das relações interpessoais e na relação
com os conteúdos desenvolvidos, sendo, portanto,
considerados multifuncionais. Os marcadores podem ser
lingüísticos - incluindo os prosódicos (pausas, alongamentos) e
os verbais (lexicalizados e não lexicalizados) -, e não
lingüísticos: gestos, olhar, riso, etc. Os marcadores verbais
apresentam uma variada gama de partículas, palavras,
sintagmas, expressões estereotipadas e orações de diversos
tipos, tais como: ahn, uhn, eh, ah, certo, né, sabe, viu, então, aí,
daí, mas, então daí, eu acho que, quer dizer, então eu acho que,
etc. (ANDRADE, 1998, p. 22)

Por meio destas observações, buscamos compreender o funcionamento


da oralidade, reconhecendo aspectos orais que podem ser mais trabalhados na
sala de aula. Evidenciamos, neste contexto, algumas diferenças entre o
discurso oral culto e o registro da linguagem coloquial, quando o professor
monitora a linguagem verbal. Desta forma a preocupação com o modo de
arregimentar os discursos, bem como o cuidado com a linguagem aponta para
caminhos de como trabalhar com a oralidade na sala de aula.

REFERÊNCIA
ANDRADE, Maria Lúcia da Cunha V. de O. O Texto Oral e Sua Aplicação
em Sala de Aula: Unidade Discursiva e Marcadores Conversacionais como
Estruturadores Textuais. Anais do 6º. Congresso Brasileiro de Língua
Portuguesa. São Paulo: IP-PUC/SP, 1998.
BAKTHIN, Michail. Estética da criação verbal. São Paulo: Martins
Fontes, 1992.
BETTELHEIM, Bruno. A Psicanálise dos Contos de Fadas. Tradução de
Arlene Caetano. Rio de Janeiro: Paz e Terra. 1980.
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BRASIL. Ministério da Educação. Secretaria de Educação Fundamental.


Parâmetros Curriculares Nacionais de língua portuguesa – 1ª a 4ª série.
Brasília, MEC/SEF, 1997.
FÁVERO, Leonor L. ANDRADE, Maria Lúcia C. V. AQUINO, Zilda G. O.
Oralidade e escrita: perspectivas para o ensino de língua materna. 6. Ed.,
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Aprendiz de Contador: histórias de vida,


narrativas e ficções no ensino fundamental
(interfaces da oralidade e escrita)

Lucinete Chaves de Oliveira1

RESUMO
Esta comunicação apresenta o trabalho de pesquisa e extensão Aprendiz de contador:
histórias de vida, narrativas e ficções no Ensino Fundamental – Interfaces da
Oralidade e Escrita desenvolvido no Departamento de Educação- Campus I, da
Universidade do Estado da Bahia, desde 2008, sob a coordenação das professoras
Maria Antônia Ramos Coutinho, da Área de Linguagem e Lucinete Chaves de
Oliveira , da área de Didática e Metodologia do Ensino, com o objetivo de,
juntamente com graduandos do curso de Pedagogia, construir perspectivas teórico-
metodológicas que articulem a cultura oral e a cultura escrita, com vistas ao
letramento socialmente referenciado dos estudantes do Ensino Fundamental,
mobilizando-os para a produção de histórias de vida e para a transmissão de
narrativas biográficas e ficcionais. O projeto ancora-se, sobretudo, nas contribuições
dos campos de conhecimento: Poética da Oralidade, História Oral; Alfabetização e
Letramento e Estética da Recepção, para realizar o propósito de formar educadores
com competência para conceber, implementar e avaliar processos formativos de
estudantes contadores de história, fortalecendo as ações de letramento de alunos da 3ª
e 4ª séries do Ensino Fundamental da rede pública de ensino, com foco na coleta e
registro de narrativas orais de seus grupos culturais. Os resultados apontam para a
fertilidade do trabalho de formação de estudantes pesquisadores no ensino
fundamental, a partir de experiências com as narrativas e histórias de vida de sujeitos
de seu grupo social, observando-se desdobramentos positivos para a produção de
textos orais e escritos, bem como para o uso significativo de dispositivos e tecnologias
da informação e comunicação no processo de letramento. O projeto oportunizou,
ainda, maior entrelaçamento da teoria e da prática na formação de estudantes do curso
de Pedagogia para o ensino socialmente referenciado da leitura e escrita em escolas da
rede pública de ensino.

Palavras-chave: formação docente - oralidade - letramento - histórias de vida

1
Contato do(a) autor(a): lucinetechaves@gmail.com. Professora Assistente
da Universidade do Estado da Bahia - Departamento de Educação da DEDC
I. Doutoranda em Educação/UCSF-Argentina.
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INTRODUÇÃO

O projeto de pesquisa e extensão “Aprendiz de contador: histórias de


vida, narrativas e ficções no ensino fundamental”, inscrito no GRAFHO –
Grupo de Pesquisa Autobiografia, Formação e História Oral do Programa de
Pós-Graduação em Educação e Contemporaneidade do Departamento de
Educação, Campus I, da Universidade do Estado da Bahia – UNEB, propõe a
aproximação entre universidade, escola e comunidade, formação inicial e
formação continuada, envolvendo, de início, alunos da terceira e quarta séries
de escolas do Ensino Fundamental no entorno do DEDC-I – Campus
I/UNEB, professores do sistema municipal e graduandos do DEDC-I, em
ações que promovam a articulação entre história oral, história de vida e
literatura, no trabalho de formação docente.
O projeto converge e cruza ações acadêmicas de pesquisa e ensino
sobre a formação e atuação docentes em processos de alfabetização e
letramento, em especial nos espaços educativos de escolas públicas e
comunitárias. Defende o comprometimento da universidade para com a
escola pública considerando as experiências socioculturais dos que nela
convivem.

1 MARCO TEÓRICO

Construído a partir da perspectiva de entrelaçamento entre cultura oral e


cultura escrita, o projeto ambiciona a formação de jovens contadores de
histórias, disseminadores do legado cultural dos grupos sociais dos quais
fazem parte, estabelecendo ponte entre os conteúdos escolares e os processos
identitários das comunidades a que pertencem.
As abordagens contemporâneas fundadas na utilização da História Oral
conferem atenção especial aos microrrelatos, às narrativas dos silenciosos e
dos excluídos, à história da vida cotidiana, da vida privada, e às maneiras de
ver e de sentir de subjetividades inscritas em contextos sociais geralmente à
margem da história “autorizada” e legitimada pelo conhecimento científico e
pela sociedade letrada. Numa perspectiva “micro-histórica”, a singularidade
das trajetórias individuais ganha relevância e tanto as fontes orais como os
documentos escritos tornam-se elementos significativos na produção de
conhecimento por alunos e professores.
Cada sociedade humana constrói seu sistema de comunicação e possui
técnicas e formas de transmissão de mensagens específicas, conforme as
estruturas sociais, mentais, políticas e estéticas. No Brasil, devido aos
complexos processos de intersecção histórica, a oralidade constitui-se
importante sistema de produção, transmissão e recepção de mensagens, nas
relações interpessoais e na apropriação dos bens materiais e simbólicos. Os
freqüentes deslocamentos de grupos humanos através do fenômeno de
imigração interna têm favorecido a coexistência, nas metrópoles, de forças
heterogêneas, portadoras de saberes oriundos de repertórios culturais
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construídos à margem da organização escolar, vistos como objeto de


desprestígio pela sociedade letrada.
Em uma cidade como Salvador, de agrupamentos socioculturais
diversos, grande parte da população só dispõe da linguagem oral como forma
de apropriação e recriação de códigos, valores e identidades, o que torna esse
segmento mais exposto a diferentes tipos de opressão, étnica ou política, e
formas de exclusão social. O sistema formal de ensino confronta-se com o
imperativo de contribuir para o letramento desse grande contingente
populacional e assegurar a sua inserção na civilização escrita, produzindo
espaços de negociação entre os dois sistemas: o oral e o escrito.
A prática de contar histórias, advinda da tradição oral, pode constituir-se
estratégia importante para a criação de espaços de mediação entre campos e
saberes, na complexa tarefa de intersecção entre o mundo escrito e o não-
escrito. A sua inserção no quadro das atividades pedagógicas do Ensino
Fundamental encerra a possibilidade de desencadear processos de
comunicação abertos e dinâmicos e de organizar uma rede de intervocalidade
geradora de formas narrativas e de uma economia de trocas e permutas de
experiências diversas no plano individual e coletivo.
A presença de uma prática tão antiga de comunicação como a narração
de histórias, signo da memória cultural, no sistema de ensino, reveste-se de
um caráter subversor, na medida em que contribui para que a experiência do
imaginário, mobilizada pela voz e pelo corpo, não caia no esquecimento,
integrando a soma de conhecimento de extração popular e oral às formas de
transmissão adotadas pelas instituições escolares.
À luz dessas reflexões é que vem sendo desenvolvido, desde 2008, o
projeto “Aprendiz de contador: histórias de vida, narrativas e ficções, no
ensino fundamental” com o objetivo de transformar estudantes adolescentes
em pesquisadores das tradições orais, da memória e dos legados históricos de
sua comunidade; das histórias de vida dos grupos sociais; do repertório
ficcional que habita o imaginário individual e coletivo e, posteriormente, nos
intérpretes que, através da voz, vão partilhar com ouvintes o conhecimento
gerado, perspectiva metodológica que pode constituir-se em um caminho
importante para o letramento social historicamente referenciado no Ensino
Fundamental.
Na atualidade, a sociedade globalizada orquestra novos ordenamentos
econômicos e socioculturais, gerenciados pela sociedade capitalista e
marcada pela revolução tecnológica, em cujos processos a cultura digital e a
escrita ocupam lugar de destaque no sistema produtivo e das relações sociais.
Por outro lado, os sujeitos das camadas populares, mesmo quando ingressam
na escola, permanecem nela por oito anos ou mais sem dominar o código
escrito, muito menos sabendo usá-lo como instrumento para sua inserção
crítica na sociedade 2.
São escassas as propostas curriculares que articulam inclusão digital ao
processo de aquisição e desenvolvimento da escrita nos espaços escolares da
rede pública de ensino.

2
SOARES, 2003.
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A informatização da escrita indica a necessária atualização da dinâmica


alfabetizadora praticada com crianças, jovens e adultos, pois o uso crítico e
autônomo das tecnologias da comunicação e informação pode potencializar o
desenvolvimento de práticas sociais necessárias à consolidação de
experiências socioculturais nas comunidades de aprendizagem. 3 Essa questão
é reforçada pelo significado político-pedagógico que o acesso à escrita e à
cultura digital pode representar para os membros das camadas populares.
Assim, o projeto vem buscando desenvolver ações educativas orientadas para
a apropriação da escrita na sociedade informatizada.
Em uma sociedade pós-colonial como a nossa, é preocupante que, de
acordo com o Índice Nacional de Alfabetismo Funcional – Inaf (2009), 52%
dos brasileiros que estudaram até a 4ª série atinjam, no máximo, o grau
rudimentar de alfabetismo. Mais grave ainda é o fato de que 9% destes
podem ser considerados analfabetos absolutos, apesar de terem cursado de
um a quatro anos do ensino fundamental. Dentre os que cursam ou cursaram
da 5ª a 8ª série, apenas 17% podem ser considerados plenamente
alfabetizados. Além disso, 24% dos que completaram entre 5ª e 8ª séries do
ensino fundamental ainda permanecem no nível rudimentar. Dos que
cursaram alguma série ou completaram o ensino médio, apenas 41%,atingem
o nível pleno de alfabetismo. Entre aqueles que chegaram ao ensino superior,
71% apresentam pleno domínio das habilidades de leitura/escrita.

A noção de heterogeneidade multitemporal, formulada por Nestor


Garcia Canclini 4 para interpretrar o continente latino-americano, mostra-se
eficaz no quadro da sociedade brasileira e, particularmente, no cidade de
Salvador, que reúne agrupamentos socioculturais díspares, com um grande
contingente de analfabetos funcionais e parte da comunidade urbana letrada
que funda suas formas discursivas na razão abstrata e científica e nos usos
das tecnologias inteligentes.
A prática de contar histórias, nas suas diferentes modalidades - simples
narração ou história “de boca”, narração com interferência, narração com o
livro5, narração com recursos visuais , narração com suportes digitais -
reveste-se de um papel primordial nessa sociedade em que, como afirma
Silviano Santiago, as “orelhas dos cidadãos brasileiros leem mais ávida e
consistentemente do que os nossos olhos, mesmo os alfabetizados”. 6
Emergindo da tradição oral, a prática social de contar pode tornar-se uma
ferramenta importante para o acesso ao escrito, contribuindo para o
letramento de populações que, inseridas em sociedades organizadas a partir
da escrita, só dispõem do código oral como forma de construção e
transmissão de conhecimento, bem como para a democratização do livro e da
leitura.
O projeto de transformar pré-adolescentes e adolescentes em contadores
de história vem assim se orientando para o propósito de aprofundar a questão
da inserção dos contadores na sociedade pós-industrial, na qual convivem

3
MARINHO,2001.
4
CANCLINI, 2000.
5
SILVA, 1997.
6
SANTIAGO, 2004, p.176.
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lógicas de desenvolvimento bastante diferenciadas, e simultaneamente


construir formas de comunicabilidade social, através das quais os estudantes
possam articular pontes entre o discurso produzido na sua comunidade, em
seus fundamentos epistêmicos, ideológicos, políticos e sociais, e as
formações discursivas geradas nas instâncias da educação formal.
O projeto ampara-se em investigações no campo dos Estudos Culturais,
da Poética da Oralidade, da História Oral, da Estética da Recepção, nas
contribuições dos estudos sobre Alfabetização e Letramento e recorre a
perspectivas teóricas que enfatizam a importância da articulação entre o
arquivo individual e cultural, a massa documental e a experiência vivida,
compreendidos como traços que compõem uma rede aberta a significações
infinitas.
Pesquisas antropológicas sobre as sociedades de cultura oral contribuem
para desvelar a visão etnocêntrica que temos da escrita, encarando-a como
toda e qualquer tecnologia já construída pela humanidade: como objeto que
não é neutro e independente do contexto cultural, mas profundamente
marcada por cada momento histórico singular. Assim, o ensino da escrita
ancorado em valores culturais do aprendiz e da sua comunidade, pode
contribuir para o desvelamento de mecanismos lingüísticos geradores de
preconceitos e exclusão social a que estão submetidos estudantes e
profissionais de educação, sobretudo do Ensino Fundamental.
Ao assumirem o papel de narradores, os estudantes se inscreverão
em uma comunidade de poetas, cantores e contadores de história que
realizam uma teatralidade viva e amalgamam o tempo no instante único em
que o passado, o presente e o futuro se entretecem e se entrelaçam, nas
“margens deslizantes do deslocamento cultural” 7.
O exercício da narração, a partir de fontes orais e escritas, promove o
reencontro da força viva imantada no corpo e na voz, ao tempo que pode
oferecer ao público, pela via auditiva-oral, padrões de linguagem e
formulações que remetem ao sistema escrito. Longe de agravar as
dissonâncias que as duas modalidades lingüísticas passam estabelecer, a
performance 8 do contador de histórias, ao transmitir textos ouvidos ou lidos,
coloca-se como ponto de intersecção entre o oral e o escrito, a voz e a letra, a
tradição e a modernidade.

2 TRILHA METODOLÓGICA

O percurso metodológico envolveu ações e processos concernentes aos


campos da pesquisa, do ensino e da extensão, buscando articular
universidade, escola pública e comunidade na tarefa de investigar alternativas

7
BHABHA, 2001, p.46
8
ZUMTHOR, 1993 .
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metodológicas que permitissem melhor aproximação aos significados e às


formas que os indivíduos constroem para partilhar conhecimentos e saberes
em eventos comunicacionais, perpassados pela subjetividade dos envolvidos
e configurados como uma construção cultural.
A pesquisa, de caráter etnográfico, se interessou por identificar
estratégias e dispositivos capazes de surpreender fenômenos e eventos que
possibilitassem, pela via da oralidade e da escrita, interpretações qualitativas
de processos histórico-sociais, promovendo o desenvolvimento das
competências dos envolvidos no campo da linguagem, tendo a observação
participante e a intervenção docente da monitoria de pesquisa e extensão
como principais estratégias de ação.

3 CAMINHOS PERCORRIDOS

Em 2008, o projeto, em sua primeira edição, acolheu o subprojeto


Memorial da Escola Antônio Euzébio, com a finalidade de formar
estudantes pesquisadores da história dessa instituição escolar, considerada a
primeira do bairro do Cabula e com mais de cem anos de existência, em
Salvador, e identificar o impacto das práticas narrativas orais no desempenho
de estudantes do Ensino Fundamental, no que se refere ao uso e
desenvolvimento da escrita, leitura e oralidade secundária.
O trabalho envolveu os seguintes participantes: 03 estudantes do
curso de graduação em Pedagogia: um monitor de pesquisa; um voluntário;
um monitor de extensão; 02 professoras universitárias das Áreas de
Linguagem (Literatura Infantil) e Didática e Tecnologias (Alfabetização e
Letramento); estudantes do 3º. ano do Ensino Fundamental da Escola
Municipal Antonio Euzébio; ex-alunos idosos da Escola Municipal Antonio
Euzébio; funcionários antigos da Escola Municipal Antonio Euzébio;
professoras e direção da Escola Municipal Antonio Euzébio; contadores de
História, sobretudo a contadora Betty Coelho.
As ações de implementação desse subprojeto após sua apresentação à
comunidade da Escola Antonio Euzébio, e feito os ajustes acordados, se
deram partir das atividades de observação participante para coleta de dados
sobre a dinâmica pedagógica, a performance e as práticas narrativas na
unidade escolar, tipos e freqüência das atividades de leitura, escrita e
oralidade junto aos estudantes do ensino fundamental, para referenciar o
alcance dos objetivos traçados, adequando-os ao contexto e suas
necessidades. A seguir, apresenta-se a dinâmica da pesquisa e as principais
ações realizadas no período de 2008-2009:

 Encontros semanais de formação na universidade,


envolvendo a equipe de trabalho: coordenadoras, monitores e
estudantes colaboradores, contadores de histórias e
especialistas nas áreas de conhecimento que fundamentam o
projeto, para construção de quadro conceitual e de seqüências
didáticas de intervenção pedagógica; avaliação e reconstrução
dos materiais produzidos.
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 Intervenção semanal do monitor de pesquisa na unidade


escolar, envolvendo atividades pedagógicas no ensino
fundamental, com vistas a formar alunos pesquisadores, aptos
a: planejar e realizar a coleta de dados recorrendo a
informantes, como ex-alunos da Escola Antonio Euzébio,
moradores antigos do bairro do Cabula, por meio de
entrevistas; construir inventário da memória de ex-alunos,
professores e funcionários da Escola Antonio Euzébio,
utilizando tecnologias da informação e comunicação e a
escrita.
 Realização de encontros dos estudantes do ensino
fundamental com contadores de história em bibliotecas
públicas no município de Salvador.
 Pesquisa documental realizada pelos monitores sobre as
origens e histórico do Bairro do Cabula e da Escola Municipal
Antonio Euzébio, a partir de fontes orais e escritas, em
instituições públicas oficiais, entidades religiosas, associações
de bairro, entrevistas com antigos moradores e estudantes;
elaboração de textos e artigos reunindo os dados coletados,
para efeito de socialização na comunidade e suporte para
atividades acadêmicas e de ensino na unidade escolar parceira.

4 ENTRAVES
A ausência total de recursos financeiros, as interrupções no fluxo do
calendário escolar, na unidade de ensino e na Universidade, as limitações
pessoais das fontes orais identificadas para atender às demandas do projeto, a
pouca disponibilidade de tempo dos profissionais de educação da unidade
parceira e da universidade e a dificuldade dos estudantes de graduação em
articular conteúdos teóricos de diferentes disciplinas para construção das
redes conceituais, condições necessárias ao desenvolvimento do projeto,
foram os principais obstáculos encontrados durante a sua operacionalização.

5 RESULTADOS

Dentre os resultados alcançados, destacamos a melhoria na formação


dos universitários, tanto no plano teórico quanto no exercício docente,
observados por meio da produção de TCCs, apresentação de comunicações
em eventos acadêmicos, transposição da experiência para a prática docente
em sua experiência profissional em espaços educativos, ampliação da
competência docente para planejar e implementar práticas no âmbito da
oralidade e escrita.

Ao oportunizar aos graduandos do curso de Pedagogia, monitores do


projeto, e aos estudantes do ensino fundamental experiências de valorização
das narrativas orais, histórias de vida e saberes de pessoas mais velhas da
comunidade, ex-alunos, ex-funcionários e professoras da escola Antonio
Euzébio e antigos moradores do Bairro do Cabula, possibilitou-se a criação
de pontes entre a narrativa escolar e as narrativas dos grupos sociais a que
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pertenciam os estudantes, as quais enriqueceram as experiências educativas


dos envolvidos.

A prática de coleta de dados recorrendo aos relatos e histórias de vida


dos ex-alunos da Escola Antonio Euzébio promoveu a troca de experiências
intergeracionais sobre as práticas, instrumentos e atitudes próprias da vida
escolar em diferentes períodos e contextos socioculturais, a valorização do
legado memorialístico dos sujeitos e possibilitou a incorporação ao repertório
dos alunos de 3º. Ano do ensino fundamental de conceitos relativos aos
campos da memória e da história oral, os quais passaram a ser utilizados em
seus discursos orais e escritos, de modo espontâneo.

Outros aspectos merecem destaque:

 o contato dos estudantes do ensino fundamental com


tecnologias digitais para coleta e organização de dados, a exemplo
de gravadores, máquinas fotográficas digitais, computadores,
contribuindo para o desenvolvimento de novas competências no
manejo e utilização significativa desses recursos;
 o mapeamento das práticas educativas no cotidiano da
escola, com ênfase para o uso do tempo pedagógico, o acesso a
diferentes suportes e tecnologias de difusão da cultura escrita, a
articulação entre oralidade, escrita, leitura e análise lingüística nas
atividades de ensino;
 a produção de um filme documentário sobre a história da
escola, com o apoio da TV UNEB;
 a articulação entre universidade e comunidade do bairro,
escola pública, bibliotecas públicas;
 maior aproximação entre graduação e pós graduação e as
Áreas de Linguagem e de Didática e Metodologia do Ensino no
DEDC-I.

CONSIDERAÇÕES

As ações desenvolvidas no campo da extensão e da pesquisa, enquanto


uma iniciativa acadêmica de investigação da realidade escolar e das
perspectivas de contribuição teórico-metodológica para o processo formativo
dos estudantes do ensino fundamental, possibilitaram à equipe proponente e
aos universitários envolvidos o enfrentamento dos desafios e obstáculos que
se interpõem sempre que se busca romper com as referências cristalizadas e
introduzir mudanças nas práticas educacionais.
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É muito difícil avaliar a extensão dos impactos do trabalho realizado,


entretanto, é imperativo reconhecer a função social desse projeto, orientado
para a expansão da potencialidade dos alunos da 3ª série da Escola Antônio
Euzébio, nos campos da oralidade e da escrita, tendo por eixos formativos os
temas: memória, história oral e narração. Pudemos notar, nas sessões de
intervenção pedagógica semanal, a construção de elos entre as falas dos
alunos e o repertório vocabular próprio dos eixos formativos, que foram,
assim, incorporados ao discurso oral e às produções escritas desses
estudantes.

A atitude e a postura de pesquisador que procuramos desenvolver nos


alunos puderam ser claramente observadas nos registros obtidos, tais como
fotos e fragmentos discursivos dos estudantes. O trabalho realizado, que
certamente se soma a outras iniciativas acadêmicas de criação de pontes entre
a cultura oral e a cultura escrita, configurou-se também como uma história,
uma narrativa que buscou atribuir forma e sentido à própria existência
acadêmica, desenhando um espaço de diálogo com o sistema público de
ensino, ainda que essa perspectiva representasse o enfrentamento de
momentos de tensão, dificuldades e de incertezas.

No que tange à formação dos graduandos em Pedagogia, os resultados


foram extremamente significativos, pois, além da produção de três
monografias de Trabalho de Conclusão de Curso decorrentes da participação
de monitoras envolvidas na experiência, destaca-se a transferência de
conhecimentos teóricos e metodológicos para outras situações e espaços de
ensino e aprendizagem por parte da monitora de pesquisa, que desenvolve,
desde então, em sua atividade profissional, seja como regente de classe ou
enquanto coordenadora pedagógica, projetos similares junto aos estudantes
das séries iniciais do ensino fundamental da rede municipal de ensino.

Quanto às ações de ensino, pesquisa e extensão das coordenadoras do


projeto, a experiência aqui relatada possibilitou, a partir das avaliações
realizadas, inúmeras iniciativas associadas ao projeto, que ora se desdobra em
dois subprojetos de pesquisa e extensão. Um deles diz respeito à formação
de estudantes do curso de Pedagogia do DEDC-I para atuarem como
contadores de histórias nas séries iniciais do ensino fundamental; o outro se
refere à construção e análise de memoriais de leitura de estudantes do 1º.
Semestre de Pedagogia, com o intuito de inventariar a sua trajetória,
mapeando espaços, repertórios, mediadores e práticas leitoras na infância e
adolescência. Pretendemos, por meio dessas narrativas, identificar as
possíveis articulações entre a oralidade e escrita que marcaram as trajetórias e
buscar os sentidos daí decorrentes para a profissão docente e a futura atuação
dos professores como mediadores na formação de leitores no ensino
fundamental.

A descoberta e a explicitação desses entrelaçamentos podem ser férteis


para o reconhecimento da importância das interfaces entre o oral e o escrito
no exercício de uma práxis alfabetizadora ancorada na experiência de narrar
e contar histórias, fundamental, na nossa perspectiva, para a apropriação
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socialmente referenciada da escrita por sujeitos oriundos de grupos sociais


cuja cultura é marcadamente oral.
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O Trabalho com a Oralidade e com a


Reescrita a partir da Leitura de
Conto de Fadas

José Ricardo Carvalho (UFS)1


Aline de Araujo Santos (UFS)2
Rosana Santos da Costa (UFS)3

RESUMO

O objetivo central deste trabalho é valorizar a cultura oral e compreender interações


desta modalidade com o discurso escrito, provocando uma reflexão sobre os
procedimentos linguísticos adotados no ato de produzir uma narrativa. Segundo
Marcuschi (2001), o trabalho com a modalidade oral e escrita deve ser elaborado por
meio dos gêneros, avaliando a produção textual-discursiva. Notamos que as escolas
têm se voltado, exclusivamente, para os exercícios escritos, não havendo ligação com
as práticas sociais que envolvem os saberes oriundos da oralidade. A partir desta
hipótese, pretendemos em nosso trabalho examinar atividades orais e escritas que
estão envolvidas no processo de produção de textos. O corpus de nosso trabalho são
atividades realizadas no projeto PIBID/2011 vinculado ao curso de pedagogia da
UFS. Examinamos três atividades de produção de texto que toma a oralidade com
foco de discussão em uma classe do 4º ano do ensino fundamental de uma escola
pública de Sergipe. Descrevemos o reconto oral e a retextualização de três contos de
fadas “ O Rei Sapo”, “Chapeuzinho Vermelho” e “O Gato de Botas”. Analisamos
procedimentos utilizados por uma aluna na realização da reescrita por meio da
retextualização. Identificamos, em uma visão diagnóstica, os recursos utilizados e as
dificuldades para interagir pela modalidade escrita. Observam-se momentos de
oscilação de formas usuais da oralidade no processo de aproximação com o discurso
escrito.

Palavras-chave: retextualização, gênero textual, oralidade e escrita.

1
Contato do(a) autor(a): ricardocarvalho.ufs@hotmail.com. Professor
Adjunto da Universidade Federal de Sergipe. Campus Universitário Prof.
Alberto Carvalho. Departamento de Educação. Doutor em Letras pela
Universidade Federal Fluminense (UFF).
2
Contato do(a) autor(a):alineufs2009@hotmail.com. Graduanda do Curso de
Pedagogia. Universidade Federal de Sergipe.
3
Contato do(a) autor(a): rosana_costa18@hotmail.com. Graduanda do Curso
de Pedagogia. Universidade Federal de Sergipe.
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INTRODUÇÃO
A língua materna - a composição de seu léxico e sua estrutura
gramatical -, não a aprendemos nos dicionários e nas gramáticas, nós a
adquirimos mediante enunciados concretos que ouvimos e
reproduzimos durante a comunicação verbal viva que se efetua com os
indivíduos que nos rodeiam. Assimilamos as formas da língua
somente nas formas assumidas pelo enunciado e juntamente com essas
formas. As formas da língua e as formas típicas de enunciados, isto é,
os gêneros do discurso, introduzem-se em nossa experiência e em
nossa consciência conjuntamente e sem que sua estreita correlação
seja rompida. (BAKHTIN, 1992, p.279)

Observamos que a premissa expressa na epígrafe acima é pouco


desenvolvida na escola, visto que esta instituição valoriza pouco as situações
concretas de comunicação para aprofundar conhecimentos da língua materna.
Geralmente, as análises linguísticas são realizadas em frases e não em
enunciados encontrados nos textos concretos que circulam na sociedade. A
oralidade, conhecimento palpável que os alunos trazem de casa, encontra-se
subaproveitada no ensino de textos inscritos na modalidade escrita. O
currículo tradicional de ensino não costuma estabelecer uma relação entre
oralidade e escrita, costumando evidenciar, na maioria das vezes, a
supremacia da escrita em suas tarefas escolares. Em confronto com essa
perspectiva, invertemos a lógica, utilizando a oralidade e textos reais como
ponto de partida para o ensino da língua materna.

Relatamos neste artigo atividades orais e escritas desenvolvidas no


projeto de extensão PIBID/2011 “Produção textual no Ensino fundamental:
Oralidade e escrita na formação do professor-pesquisador”. O objetivo geral
do projeto é promover práticas pedagógicas reflexivas sobre a relação fala e
escrita nos gêneros textuais, formando, assim, alunos leitores e produtores de
textos que vinculem conhecimentos das duas modalidades de uso da
linguagem verbal. As ações foram realizadas em uma escola estadual do
município de Itabaiana/SE em uma turma do 4º ano do ensino fundamental.

Neste trabalho apresentamos a evolução de uma aluna nas atividades de


produção textual a partir das atividades realizadas com o reconto oral e a
retextualização de três contos de fadas: “O Rei Sapo”, “Chapeuzinho
Vermelho” e o “O Gato de Botas”. Para mostrarmos a relação entre a língua
falada e língua escrita explicitamos com os alunos as mudanças que ocorrem
na passagem de um texto falado para um texto escrito fazendo uso do
processo de retextualização. Propomos nas aulas, a compreensão das
semelhanças e diferenças do uso da língua na modalidade oral e escrita,
identificando suas especificidades no processo de formulação dos textos. Para
compreender com se processa estas relações no universo de aprendiz,
acompanhamos a produção de uma aluna a fim de examinar como esta se
aproxima da linguagem escrita apoiada nos conhecimentos adquiridos na
oralidade.
Grupo de Estudos e Pesquisa
II Seminário Nacional de Alfabetização e Letramento Alfabetização, Discurso e Aprendizagens
Oralidade e Escrita na Prática Escolar
ISSN: 2177-4072

Uma das grandes dificuldades dos alunos na produção de texto é a


organização dos enunciados por meio da pontuação, visto que os recursos
gráficos precisam de estratégias diferenciadas dos que são utilizados em uma
situação falada. Observamos como a pontuação atua como um recurso que
fornece coesão ao texto, ajudando, também, na coerência textual. Buscamos
explicitar a evolução dos trabalhos da aluna, considerando o trabalho
pedagógico que vincula oralidade e escrita em atividades com o gênero conto
de fadas. De acordo com Bakhtin (1992), o gênero do discurso assume grande
importância para compreendermos as interações e seu processo de apropriação
na sociedade.

Todas as esferas da atividade humana, por mais variadas que sejam,


estão sempre relacionadas com a utilização da língua. Não é de
surpreender que o caráter e os modos dessa utilização sejam tão
variados como as próprias esferas da atividade humana, o que não
contradiz a unidade nacional de uma língua. A utilização da língua
efetua-se em forma de enunciados (orais e escritos), concretos e
únicos, que emanam dos integrantes duma ou doutra esfera da
atividade humana. O enunciado reflete as condições específicas e as
finalidades de cada uma dessas esferas, não só por seu conteúdo
(temático) e por seu estilo verbal, ou seja, pela seleção operada nos
recursos da língua - recursos lexicais, fraseológicos e gramaticais -
mas, também, e sobretudo, por sua construção composicional. Estes
três elementos (conteúdo temático, estilo e construção composicional)
fundem-se indissoluvelmente no todo do enunciado, e todos eles são
marcados pela especificidade de uma esfera de comunicação.
Qualquer enunciado considerado isoladamente é, claro, individual,
mas cada esfera de utilização da língua elabora seus tipos
relativamente estáveis de enunciados, sendo isso que denominamos
gêneros do discurso.(BAKHTIN, 1992, p.279)

Analisar textos, sob a perspectiva dos gêneros discursivos, amplia-se a


noção de interação verbal, pois as atividades linguísticas vão para além da
frase, pois se volta para a contextualização da realização da produção de
sentido. Dessa forma, o trabalho com o gênero permite um olhar mais apurado
para as condições que regulam os enunciados em um texto. Escolhemos o
gênero conto de fadas por sua forte relação com atividades da tradição oral.
Além disso, possui formulações que geram o efeito de encantamento,
chamando a atenção para aspectos éticos, espirituais e existenciais. Por meio
da fantasia o leitor se defronta com situações mágicas vividas pelos
personagens que podem ajudá-lo a resolver conflitos internos e externos. Este
gênero possui uma linguagem simbólica, que trata dos excluídos socialmente
e utiliza em muitos momentos formulações lúdicas para narrar a história

1 Sobre as atividades desenvolvidas e analisadas

Assumimos como princípio teórico-metodológico, para desenvolver as


atividades de produção de textos a visão de gênero discursivo de Bakhtin
(1992), bem como as orientações de retextualização organizadas por
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Marcuschi (2001). A visão teórica de Marcuschi (2001) fornece indicações


para o trabalho de produção textual sob a ótica da retextualização,
considerando os diferentes gêneros textuais como fonte de estímulo para
refletir e agir sobre a linguagem. Em sua proposta Marcuschi (2001, p.48)
prevê a passagem de uma ordem para outra (da fala para escrita). Neste
sentido, toda a investigação de produção textual neste trabalho se configura
como uma pesquisa qualitativa que examina textos orais e escritos produzidos
por alunos do ensino fundamental por meio dos estudos de gênero e
retextualização desenvolvidos por Marcuschi (2001).

Para tanto, relatamos procedimentos da passagem do reconto oral


contos de fadas para a modalidade escrita. Em seguida, observamos a
interferência do discurso oral sobre o escrito e a influência das práticas de
letramento desenvolvidas no espaço da escola.

Para trabalhar com gênero conto de fadas exploramos as três narrativas:


“O Rei Sapo”, “Chapeuzinho Vermelho” e o “O Gato de Botas” sob a
perspectiva do gênero de discurso defendido por Bakhtin (1992).

Observando a forma composicional dos contos de fadas, ressaltando que


a grande maioria apresenta uma situação de equilíbrio em que se descreve na
introdução o cenário e dos personagens. No meio destas narrativas há a
exposição de um conflito, havendo no final uma solução para trama pela via
de um elemento mágico. Do ponto de vista da abordagem e da temática
escolhemos três histórias que assumem o encantamento que ponto comum,
contudo com temas diferenciados. Na primeira narrativa, o “tema foi o não
cumprimento da palavra” da princesa ao sapo no conto “O Rei Sapo”
adaptada por Tatiana Belinck. Nesta história, uma princesa deixa a bola cair
no poço e pede ao sapo para ajudá-la. A princesa promete levar o sapo para
castelo, se ele pegar a bola no fundo do poço. O animal pega a bola, mas a
princesa não cumpre a palavra.

A segunda história foi “Chapeuzinho vermelho”. O tema abordado foi a


desobediência da filha diante de uma orientação dada pela mãe. A terceiro
conto “O Gato de Botas” ressalta o tema a esperteza para obter benefícios
próprios. Diante dessas temáticas propomos discutir com os alunos sobre as
questões morais que estão envolvidas. Desta forma, os textos começam a
ganhar sentido e sendo relacionados com a vida cotidiana, assumindo assim a
premissa bakhtiniana.

A palavra existe para o locutor sob três aspectos: como palavra neutra
da língua e que não pertence a ninguém; como palavra do outro
pertencente aos outros e que preenche o eco dos enunciados alheios; e,
finalmente, como palavra minha, pois, na medida em que uso essa
palavra numa determinada situação, com uma intenção discursiva, ela
já se impregnou de minha expressividade (BAKHTIN, 1992, p.313).

Bakhtin observa que os sujeitos para compreender os enunciados


precisam tomar a palavra nas três dimensões mencionadas. Ao analisar os
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enunciados é preciso se dar conta de que nenhum deles é autossuficiente, pois


todo enunciado está repleto de eco de lembrança de outros enunciados. Neste
sentido, em todas as atividades de leitura de textos orais e escrito
confrontamos diferentes vozes para ler os enunciados. Propomos análise de
pequenos fragmentos dos contos a fim de reescrevê-los, visto que estas
narrativas são textos grandes para reescrevê-los e refletir sobre os diferentes
aspectos que as constitui. Neste trabalho, optamos então por apresentar
alguns fragmentos de reescrita de contos de fadas realizada por um aluno do
ensino fundamental a fim de obsevar como se deu o desenvolvimento de suas
produções diante do projeto gênero conto de fadas, realizado em sua classe.
Sob esta perspectivas alertamos para um dado apontado por Marcuschi que
conduz a nossa análise.

A escrita não consegue reproduzir muitos dos fenômenos da oralidade,


tais como a prosódia, a gestualidade, os movimentos do corpo e dos
olhos, entre outros. Em contrapartida, a escrita apresenta elementos
significativos próprios ausentes na fala, tais como o tamanho e tipo de
letras, cores e formatos, elementos pictóricos, que operam como
gestos, mímica e prosódia graficamente representados. Oralidade e
escrita são práticas e usos da língua com características próprias, mas
não suficientemente opostas para caracterizar dois sistemas
lingüísticos nem uma dicotomia. (MARCUSCHI, 2004, p.17)

2 RESULTADOS

Apresentamos a seguir a reescrita de três contos de fadas: O Rei Sapo,


Chapeuzinho Vermelho e O Gato de Botas que foi produzido por uma das
alunas que participou da dinâmica de retextualização de contos ouvidos para
modalidade escrita. No processo de análise observamos a presença de traços
de oralidade nos textos e as dificuldades de produção textual.

Escolhemos o texto da aluna Maísa pelo fato de demonstrar mudanças


significativas entre a primeira produção textual realizada, com bastante
dificuldade; e a última “O gato de Botas” com maior proficiência. Por meio
de nossas intervenções, percebemos que houve uma grande evolução em seu
processo de formulação textual quer do ponto de vista da forma
composicional, quer do estilo de linguagem e da abordagem temática.

O rei sapo
Era uma ves uma prinsesa linda e um lindo castelo perto da naturesa a
prinsesa quando ela estáva triste ela se sentava no lado do posso e ela
brinca com a bola jogando a bola de ouro para sima e para cima e para
baixo quando a bola da prinsesa a bola caio no fundo do posso e a prinsesa
comesou a chorar e o sapo vio a linda princesa chorando muinto e o sapo
disse a ela filha do rei ela parou de chorar e olhou para sima e quando ela
olhou para baixo ela vio o sapo e o sapo perguntou porque está chorando
ela respondeu e a minha bola de ouro e o sapo disse para ela eu vou pegar
a sua bola mas com uma condição eu vou comer no seu prato e vou beber
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na sua tasa de ouro e vou dormir na sua cama de ouro e ela disse a
prinsesa disse eu prometo então o sapo foi la e pegou a bola da princesa.

Em seu aspecto formal, o texto está em um único parágrafo, não


apresentando sinais de pontuação no corpo do texto. Utiliza apenas um ponto
final para indicar o término da narrativa. A falta de pontuação dificulta a
compreensão na hora da leitura, pois não conseguimos identificar em que
momento o leitor esta dando uma pausa ou começando um novo tópico. A
pontuação é necessária para dar coesão e coerência ao texto, estabelecendo,
assim, limites entre as vozes que se encontram presente no texto. A mediação
do professor no processo de construção de sentido do texto, segmentando o
texto em enunciados foi um trabalho necessário para os alunos perceberem.
Neste processo, que o aluno do ensino fundamental para ler e produzir texto
precisa observar o trabalho de pontuação que segmenta as vozes e os pontos
de vistas expressos na narrativa.
Alguns conhecimentos intuitivos são percebidos quando a aluna começa
a narrar a história. No trecho “Era uma vez uma linda princesa e um lindo
castelo perto da natura”, percebemos que ao descrever o cenário da história
a aluna apresenta conhecimentos relacionados aos aspectos tipológicos da
narrativa. Sua dificuldade, do ponto de vista interacional com o discurso
escrito está vinculada ao domínio no modo como estrutura os enunciados,
mantendo fortes traços da modalidade oral. Observemos o seguinte trecho:

“Era uma vez uma princesa linda e um lindo castelo perto da natureza a
princesa quando ela estava triste ela se sentava no lado do poço e ela
brinca com a bola...”

No processo de passar o texto oral para o escrito, a aluna manteve


segmentos pertinentes à modalidade falada. Ocorreu a repetição do pronome
“ela” três vezes para retomar o referente “princesa”, traço recorrente ao
discurso falado sustentado pelo contexto situacional. Neste caso, a autora do
texto não utiliza da pontuação, não retoma o referente de maneira
diversificada, recorrendo ao recurso do pronome como único elemento de
retomada do referente. Sua escrita reproduz muitos traços da oralidade sem
demarcar por meio de recursos gráficos as pausas, as entonações e a
mudanças de vozes que se evidenciam no percurso narrativo. Observamos
que a aluna configura os enunciados, tomando como base os conhecimentos
que possui da oralidade, sem demonstrar o uso de algumas convenções da
linguagem escrita.

“... ela brinca com a bola jogando a bola de ouro para cima e para cima e
para baixo quando a princesa a bola caiu no fundo do poço”.

Observamos, também, no discurso da aluna algo que ocorre no


discurso oral que diz respeito a repetição de um termo no enunciado para
intensificar um ação ou caracterizar algo que precisa ser descrito na narrativa.
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No caso do fato narrado acima, a princesa jogou a bola e ela foi para cima e
mais para cima, demonstrando que a bola foi muito para cima. No discurso
escrito, entretanto, remete-nos a uma ideia incoerente, visto que uma bola não
pode ir para cima e depois mais para cima, seguida de uma queda para o
fundo do poço. A identificação deste aspecto funciona como objeto de
reflexão sobre o sentido das palavras no texto escrito que se configura de
maneira diversa no texto oral. Na oralidade contarmos com os recursos que
temos com a entonação da fala para demonstrar a intensificação da ação de
jogar a bola para cima. Já no texto escrito contamos com itens lexicais que
apontam para a ideia de que a bola foi muito para cima e não para cima e
mais para cima.

Detectamos a importância de se trabalhar uma especificidade da


modalidade de escrita pouco compreendida pelos alunos para segmentar o
texto pelo critério do tópico e das vozes apresentadas na narrativa.
Ressaltamos, na segunda produção de texto, a pontuação do texto e a
paragrafação por meio de atividade de revisão coletiva e individual dos textos
dos alunos. Esta atividade teve continuidade com a produção do texto
Chapeuzinho Vermelho. Damos acesso, ao segundo texto da aluna para
fazermos algumas observações.

Chapeuzinho Vermelho
chapeuzinho vermelho chegou na casa da vovósinha mas não era a
vovosinha era o lobo mal e ele e ele afinando a voz disse:
- puxi a tranca que ela soutara a tranca caiu o lobo disfaçando de
vovó e cobrindo o rosto:
- Ela disse o vovó eu trose vinho e um pedaço de bolo que minha mãe
mando li dar para ficar melhor
- tire o vestido e deite aqui:
- que olhos grandes você tem é pra tiver melhor que orelhas grandes
você tem é pra ti ouvir melhor e que mãos grandes você tem e pra ti abrasar
melhor e que boca grande é pra ticomer e ele comeu melhor e ele comeu a
vovó mas o casador e ele pegou uma teso cortou e ele tirou a vovó e a
chapeuzinho
fim

Neste texto, observamos a segmentação das vozes do narrador e dos


personagens por do uso do travessa e da pontuação. Contudo no enunciado
“puxi a tranca que ela soutara a tranca caiu o lobo disfaçando de vovó e
cobrindo o rosto”. É possível identificar a junção da fala do personagem e
do narrador, dificultando a compreensão do leitor. A aluna não coloca
pontuação, nem faz a paragrafação para diferenciar as duas falas. Esta
dificuldade ainda persiste no decorrer de forma mais intensa no final texto,
quando deixa de pontuar o texto no último parágrafo. Atribuímos este fato ao
cansaço da aluna e falta de monitoramento.

3 O Gato de Botas
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No texto “O Gato de Botas”, depois de lermos a história completa,


selecionamos um pequeno trecho para ser reescrito. Todavia, antes, de ser
realizada esta atividade, fizemos a leitura do trecho ressaltando os recursos
gráficos utilizados pelo autor para tornar o texto expressivo. A parte
selecionada do gato de botas foi o trecho final em que o gato tenta ludibriar o
ogro fazendo com ele se transformasse em um rato e dessa forma podendo
devorar. Observamos os sinais de pontuação e as entonações dadas na leitura
do professor a fim de identificar recursos da pontuação. Em seguida,
propomos as crianças que reescrevessem o texto que haviam escutado
oralmente, observando os sinais de pontuação. Apresentamos, a seguir, o
texto da aluna Maísa.

O Gato de Botas
O gato foi para o castelo do ogro e quando ele chegou lá o ogro
disse:
- ola você veio mim agradar
O gato disse:
- sim mas que barba grande você tem e barriga. E o ogro disse:
- E e eu também posso me transformar
Em qualquer bicho e o gato disse:
- E o senhor pode se transformar num leão enorme.
E o ogro disse:
- todos os bichos que pensar
E o gato disse:
- Então se transforme em um leão um dois e três e o ogro se
transformou num e bem grande chega o gato ficou com medo e as bolas
tremião mas ele se alcamou-se e disse:
- A si transformar num leão você e grande e o leão.
e o ogro disse :
- Mas eu também posso mi transformar em bichos pequenos.
- E o gato pensou é em um ratinho
É claro um, dois, três e já e ele se transformou num ratinho e o gato
di botas o comeu e o castelo ficou vasio e o gato deu a princesa e o príncipe
ficarão morando tá e forma felizes para sempre
fim
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Notamos no terceiro texto uma grande evolução da aluna, visto que a


ocorrência de sinais gráficos e recursos linguísticos como verbo discendi para
sinalizar a mudança de fala dos personagens e do narrador foi intensificada.
Entendemos que este é um processo de idas e vindas em que o processo de
regulação se faz com um tempo com a ajuda do professor. O aluno ainda não
sabendo regular a fala do narrador com a fala do personagem, ou seja, não
segmenta o dizer do narrador com o dizer do personagem.

CONCLUSÕES

A experiência revelou um caminho a ser perseguido na compreensão da


relação oralidade e escrita nos textos dos alunos que estão em processo de
aquisição da linguagem escrita. Neste sentido, buscamos, no decorrer deste
projeto, desenvolvermos propostas pedagógicas que levem os alunos a se
apropriarem das formulações textual-discursiva para chegarem a um bom
nível de produção textual.
Observamos no texto do aluno uma grande dificuldade inicial para
organizar esse texto, segmentando a voz dos personagens com a voz do
narrador na passagem da modalidade oral para escrita. No discurso escrito os
alunos tem dificuldade de identificar qual o personagem que está falando por
reconhecer recursos da pontuação para expressar a mudança de vozes no
texto.
Um dos recursos da oralidade que ajuda a marcar estas diferenças foi
explorar nas atividades de leituras a mudanças de voz entre narrador e
personagens. Obsevamos, também, com os alunos a mudança de altura da
voz e suas modulações para tornar o texto mais expressivo. Por estes
mecanismos evidenciamos a necessidade da pontuação para destacar essas
formas expressivas que no discurso escrito não aparece. Os alunos
perceberam no plano da oralidade a importância da voz que possui uma
melodia, além das pausas que propõem um ritmo para o texto. Percebemos,
neste processo, a evolução dos alunos pela inclusão de novos recursos
gráficos que apresentam em seus textos escritos e no modo como passaram a
realizar os recontos orais na sala de aula.

REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA

BAKTHIN, Michail. Estética da criação verbal. São Paulo:


Martins Fontes, 1992.

DOLZ, B.; SCHNEWLY, D. Gêneros e progressão em


expressão oral e escrita: elementos para reflexões sobre uma
experiência suíça (francófona). IN: Gêneros do oral e do
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Oralidade e Escrita na Prática Escolar
ISSN: 2177-4072

escrito na escola. Trad. e org. de Rojo, R. e Cordeiro, G. L..


Campinas: Mercado de Letras, 2004.

MARCUSCHI, Luiz Antônio. Da fala para a escrita: processos


de retextualização. São Paulo: Cortez, 2001.

GRIMM, Jacob & Wilhelm. Os contos de Grimm. [Tradução:


Tatiana Belinky]. São Paulo: Paulus, 1989.

GRIMM, Jacob & Wilhelm. O Rei Sapo. [Tradução: Tatiana


Belinky]. São Paulo: Paulus, 1996.

GRIMM, Jacob & Wilhelm. Chapeuzinho Vermelho.


[Tradução: Tatiana Belinky]. São Paulo: Paulus, 1995.

GRIMM, Jacob & Wilhelm. O gato de botas. [Tradução:


Tatiana Belinky]. São Paulo: Paulus, 1996.
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Leitura de Textos Cômicos:


exercício para o aprimoramento da leitura e
interpretação textual

Ana Paula Rocha Vital Pereira1

RESUMO
Neste trabalho faremos uma explanação sobre o Projeto de extensão “Leitura de
textos cômicos”, projeto orientado pela Profa. Dra. Jacqueline Ramos cujo objetivo
foi amenizar a falta de intimidade dos alunos com o texto escrito e a interpretação
deturpada sobre alguns textos trabalhados em sala de aula. Nesse projeto, propôs-se a
criação de oficinas de leitura e interpretação de textos cômicos procurando-se atender
a comunidade acadêmica da Universidade Federal de Sergipe (campus Alberto
Carvalho) e proporcionar aos alunos do curso de Letras envolvidos na execução do
projeto a oportunidade de desenvolver estratégias pedagógicas de ensino, assumindo a
postura responsiva de um profissional da educação. Para o desenvolvimento desse
trabalho, apoiamo-nos nas teorias sobre o cômico de Bergson (1971) e Freud (1977),
nas análises sobre leitura desenvolvidas por Antunes (2003) e Martins (1982) e no
estudo sobre gênero discursivo de Bakhtin (1992).

Palavras-chave: cômico, interpretação, leitura.

1
Contato do(a) autor(a): aprochavital@ig.com.br. Universidade Federal de Sergipe.
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Nos PCNs, o domínio da linguagem oral e escrita é um ponto fulcral


para a participação social efetiva do indivíduo, “pois é por meio dela que o
homem se comunica, tem acesso a informação, expressa e defende pontos de
vista, partilha ou constrói visões de mundo (...)” (2001, p. 23). Mas,
compreender, interpretar e expressar o que se pensa a respeito de um texto só
é possível quando um indivíduo é funcionalmente letrado, quando consegue
“engajar-se em todas as atividades nas quais o letramento for condição para o
desempenho efetivo no seu grupo e comunidade e (...) continue a utilizar a
leitura, a escrita e o cálculo para o seu próprio desenvolvimento e o da sua
comunidade” (UNESCO, 2007, apud Scliar-Cabral). Ou seja, em um sujeito
funcionalmente letrado os textos escritos são entendidos, são refletidos,
conduzindo-o a atuar na sociedade de forma ativa.

Supõe-se que um indivíduo ao ingressar em uma instituição


universitária seja um sujeito funcionalmente letrado, que não apenas
decodifique os sinais gráficos, que decifre as palavras em um gesto
simplesmente mecânico, mas, que compreenda e interprete adequadamente o
texto escrito. Contudo, a realidade é outra. Nos centros universitários é
comum a reclamação de professores quanto à falta de intimidade dos alunos
com o texto escrito e com a interpretação deturpada sobre alguns textos
trabalhados em sala de aula. Com o intuito de amenizar tal situação é que se
propôs colocar em prática, em âmbito acadêmico, o Projeto de extensão
“Leitura de textos cômicos”, sob a orientação da Profa. Dra. Jacqueline
Ramos. Nesse projeto, propõe-se a criação de duas oficinas de leitura e
interpretação de textos cômicos procurando-se atender a comunidade
acadêmica e proporcionar aos alunos do curso de Letras envolvidos na
execução do projeto a oportunidade de desenvolver estratégias pedagógicas
de ensino, assumindo a postura responsiva de um profissional da educação,
profissional cujo papel está cada vez menos atrelado apenas a transmissão de
conteúdos. De acordo com os Parâmetros curriculares Nacionais ser professor
significa muito

mais do que reproduzir dados, denominar classificações ou identificar


símbolos, estar formado para a vida, num mundo como o atual, de tão
rápidas transformações e de tão difíceis contradições, significa saber
se informar, se comunicar, argumentar, compreender e agir, enfrentar
problemas de qualquer natureza, participar socialmente, de forma
prática e solidária, ser capaz de elaborar críticas ou propostas e,
especialmente adquirir uma atitude de permanente aprendizado (
2001, p. 9).

Diante dessas perspectivas, colocamos em prática a primeira oficina de


leitura de textos cômicos, e neste trabalho exporemos as atividades
desenvolvidas durante a sua execução – do planejamento até a aplicação
efetiva da oficina realizada de 16 a 31 de janeiro de 2012. Nesta primeira
oficina procurou-se criar um espaço para o exercício de leitura e interpretação
de textos cômicos. A utilização de textos exclusivamente cômicos diz
respeito ao fato de tal gênero discursivo revelar-se bastante atrativo ao
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público leitor, despertando em um primeiro momento o prazer suscitado pelo


riso. Por meio dessa particularidade produzida pelo cômico, o prazer da
leitura, procura-se despertar o interesse do leitor ao que subjaz um texto
cômico, levando-o a refletir sobre tal texto, aprimorando, ou desenvolvendo,
sua capacidade interpretativa.

Para a aplicação da oficina fez-se necessário o estudo de algumas


teorias sobre o cômico e sobre leitura. No que diz respeito ao primeiro tema,
uma das vertentes da comicidade associa o riso a uma função social. É o que
podemos constatar com os estudos de Henri Bergson, filósofo francês para
quem o riso funciona como um mecanismo de repressão que cumpre a tarefa
de reajustar os indivíduos à sociedade reafirmando, assim, a seguinte máxima
latina: “o riso corrige os costumes”.

Já para o fundador da psicanálise, Sigmund Freud, o riso representa um


ato de prazer. Em “Os chistes e sua relação com o inconsciente” (1977) Freud
atribui ao cômico a função de produzir prazer ao extravasar conteúdos
reprimidos. O chiste funciona, então, como uma “válvula de escape”.

Além da revisão teórica dos principais estudos sobre o cômico, o que foi
de suma importância para a aplicação da oficina de leitura, também apoiamo-
nos em alguns textos que tratam da leitura, como o texto de Irandé Antunes
“Aula de Português: encontro & interação”. Nessa obra, discorrendo sobre o
trabalho da oralidade, da leitura, da escrita e da gramática na escola, Antunes
levanta algumas constatações sobre como essas atividades acontecem, ainda,
em muitas salas de aula. No que concerne a oralidade, por exemplo, Antunes
diz que os professores não abordam os diferentes gêneros textuais, gêneros
que englobam tanto a comunicação informal quanto a formal, atentando os
alunos para o fato de que existem diferentes formas de enunciação, a
depender do contexto comunicativo. No que se refere ao trabalho com a
leitura, parte que mais nos interessou para a aplicação da oficina, a autora
enfatiza que essa atividade, longe de ser um ato que proporcione prazer, é
“centrada nas habilidades mecânicas de decodificação da escrita, sem dirigir,
contudo, a aquisição de tais habilidades para a dimensão da interação verbal”
(2003, p. 27), o que quer dizer que a escola não propicia a interação do aluno
com a diversidade de textos escritos, textos vinculados a diferentes usos
sociais que pudessem levá-los a participarem concretamente de atos de
leitura, interpretando e questionando os textos submetidos à reflexão.

Em “O que é leitura?” de Maria Helena Martins, o conceito de leitura


atrela-se a concepção teórica de Paulo Freire de que “a leitura do mundo
precede sempre a leitura da palavra e a leitura desta implica a continuidade da
leitura daquele” (apud Martins, 1982, p. 10). Sendo assim, a forma
mecanizada de como a leitura é trabalhada em sala de aula,
descontextualizada da realidade do aluno focalizando-se apenas no ato de
decorar o alfabeto, soletrar e decodificar palavras isoladas, corresponde a
uma prática arcaica que não proporciona uma formação integral do indivíduo.
Citando Paulo Freire, Martins diz que a metodologia pedagógica de
desenvolvimento da leitura deve partir da cultura de origem dos estudantes,
da situação real do dia a dia, apresentando temas que façam parte da
realidade concreta do aluno instigando, assim, a capacidade crítica e reflexiva
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do indivíduo como sujeito histórico imerso em um contexto que não se exclui


da realidade que o cerca.

A partir dessas leituras teóricas desenvolvemos a oficina de leitura de


textos cômicos, objetivando-se promover a prática da leitura e interpretação
textual entre os alunos que apresentassem certa dificuldade diante dessas
atividades requisitadas em âmbito acadêmico. Como o próprio título da
oficina já sugere, os textos utilizados para o exercício da leitura foram
selecionados a partir de seus aspectos cômicos, uma vez que a comicidade,
associada comumente ao prazer, se mostra como um mecanismo convidativo
à prática da leitura, além de ser um gênero discursivo que explora diferentes
recursos da linguagem. Assim, por meio do cômico, procuramos seduzir os
alunos a participarem da primeira oficina de leitura de textos cômicos. Para
esta primeira oficina abrimos uma turma com vaga para 15 alunos. Todas as
vagas foram preenchidas por alunos da própria instituição acadêmica – UFS.

A oficina atraiu alunos de diferentes cursos acadêmicos: matemática,


geografia, letras português e sistema de informação. Apesar do nosso receio
em relação à recepção dos textos por parte dos alunos – houve participantes,
no momento da divulgação do evento, que se mostraram tímidos dizendo que
se recusariam a ler durante a oficina – todos se mostraram bem participativos
já no primeiro dia do curso, lendo piadas e refletindo sobre elas. A leitura de
piadas no primeiro dia de aula foi algo estratégico no nosso plano de aula,
procurando favorecer a descontração e a interação entre os alunos. No
decorrer da oficina trabalhamos com diferentes gêneros textuais: charges;
piadas; contos (“As mil e uma noites”); música (“Incompatibilidade de
gênios” de Aldir Blanc e João Bosco); jogral (“Epílogos” de Gregório de
Matos); crônica (“Desabafo de um bom marido” de Luís Fernando
Veríssimo); poemas (“Tragédia brasileira” de Manuel Bandeira); peça de
teatro (“Lisístrata – A greve do sexo” de Aristófanes); dentre outros textos.

Vale destacar que essa primeira oficina de leitura de textos cômicos


foi realizada no período das férias acadêmicas e ofereceu-se a cada
participante um certificado de 30 horas emitido pela PROEX.

Durante a oficina percebemos que apenas dois alunos não liam com
proficiência, os demais não apresentaram muita dificuldade diante dessa
prática nem da prática interpretativa. Assim, o objetivo do curso de extensão
em aprimorar a leitura e a interpretação textual dos alunos mais
problemáticos em relação a essas atividades se restringiu a apenas 13% da
turma. Talvez a própria dificuldade dos alunos com a leitura seja um entrave
para a participação desses indivíduos em cursos como o que oferecemos, já
que muitos deles têm vergonha de exporem suas deficiências. Para a maior
parte dos participantes da oficina, a leitura dos textos se mostrou como algo
prazeroso. A oficina proporcionou, segundo alguns alunos, um divertido
momento de reflexão sobre diferentes tipos de textos. Destacamos aqui que a
utilização de diferentes gêneros discursivos na oficina contribuiu para a
dinamicidade das aulas. Para um dos participantes, “a oficina foi bastante
divertida e proveitosa por apresentar gêneros diversificados”.
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Os alunos que apresentaram maiores dificuldades nas atividades


propostas na oficina foram justamente os estudantes do curso de matemática.
Durante a leitura dos textos ”Lisístrata: a greve do sexo” de Aristófanes e “O
dote” de Artur Azevedo, por exemplo, pudemos observar a falta de traquejo
desses alunos com a leitura, algo que seja motivado, provavelmente, pela
leitura pouco assídua de textos por parte desses indivíduos, o que nos fez
pensar que muitos alunos ainda mantêm a ideia de que nos cursos de exatas
lida-se apenas com números e por isso a leitura de textos escritos não se
configura como algo imprescindível à sua formação acadêmica. Ledo
engano, já que o raciocínio lógico requer uma capacidade interpretativa
aguçada, algo que só pode ser alcançado com o hábito da leitura.

Mas, apesar da falta de intimidade de alguns alunos com as palavras,


principalmente durante a leitura de textos mais longos, eles mostraram
grande interesse em participar das atividades propostas expondo, inclusive,
suas reflexões sobre os textos lidos. A cada dia da oficina presenciamos o
interesse desses alunos em especularem, imaginarem possíveis
interpretações, aspecto que pode ter sido propiciado pelo fato de o texto
cômico explorar questões de âmbito sociocultural, abrangendo diferentes
assuntos e relações sociais. Essas peculiaridades do gênero cômico
promoveram a identificação de muitos alunos com o assunto tratado em
determinados textos, fazendo com que eles dessem exemplos de experiências
próprias ou familiares que se assemelhavam a alguns acontecimentos
presentes nos textos lidos ou projetassem os acontecimentos textuais na
sociedade, tornando o debate sempre mais ativo.

Para podermos ter uma visão mais ampla sobre a opinião dos
participantes da oficina a respeito das atividades propostas, elaboramos um
questionário avaliativo do curso de extensão que foi distribuído entre os
alunos no último dia do evento. Nesse questionário, além de pedirmos para
que os alunos avaliassem os textos e os gêneros textuais trabalhados durante
a oficina atribuindo uma nota de zero a cinco a cada item, indagamos sobre
outros pontos referentes ao evento como, por exemplo, se o miniauditório foi
um ambiente favorável ao desenvolvimento da oficina – todos apresentaram
opinião positiva quanto ao uso desse recinto para a execução das atividades
propostas –; se a carga horária do evento foi extensa – a maioria não achou a
duração da oficina cansativa –; e se a proposta do curso atingiu a expectativa
do aluno – a maioria avaliou positivamente esse aspecto. No que diz respeito
aos textos, aquele que mais agradou ao público da oficina foram “As mil e
uma noites”, texto anônimo, e “Lisístrata – a greve do sexo” de Aristófanes –
em nossa opinião o conteúdo erótico presente nessas obras influenciou o
prazer pela leitura desses textos –. Os textos que menos agradaram os
participantes, provavelmente devido a escrita rebuscada que apresentam, foi
o poema “A origem do mênstruo” e o jogral “Epílogos”, ambos de Gregório
de Matos. Quanto a avaliação realizada sobre os gêneros discursivos, os
participantes da oficina gostaram mais dos vídeos cômicos que foram
exibidos – de fato as imagens visuais costumam agradar mais – e das piadas,
textos curtos que suscitam o prazer imediato.

Complementando esses itens apregoados no questionário perguntamos


também se o curso contribuiu para a ampliação da perspectiva do aluno sobre
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o cômico. A maioria disse não imaginar que à comicidade subjazem


diferentes funções e procedimentos, que o cômico tanto serve a repressão de
certas condutas sociais quanto à liberação de conteúdos refreados pela
censura, funcionando como uma “válvula de escape”. A abordagem de textos
cômicos na oficina proporcionou, de acordo com a opinião dos participantes
registrada no questionário, “mudança de visão sobre o tema” e “estimulo para
ler e conhecer mais textos literários”. O gênero cômico faz parte da
comunicação humana explorando, pois, diferentes recursos linguísticos para
o processo de construção de sentido do texto. O fato de estar associado ao
prazer suscitado pelo riso, o cômico é visto como um gênero menor. Essa
perspectiva vai ao encontro das teorias que dizem que o cômico não dá
acesso ao pensamento dito sério, que o cômico serve apenas para o prazer
imediato. Felizmente outras teorias vêm quebrando com este tipo de
raciocínio. É o que podemos verificar nos estudos realizados pelo filósofo
alemão Ritter, para quem o riso representa um dos caminhos para se entender
e explicar o mundo.

Acreditamos que, como uma oficina despretensiosa, o objetivo de


treinar a leitura e aprimorar a capacidade interpretativa foi alcançado. Os
poucos alunos que apresentaram maiores dificuldades diante dessas práticas
participaram ativamente de todas as atividades, demonstrando prazer ao ler
um texto e expor suas reflexões, assim como os demais alunos.

Nessa primeira oficina de leitura de textos cômicos aprendemos,


como alunas, a planejar um curso, refletindo sobre a criação da oficina –
estudo teórico, organização e seleção de material, análise dos textos,
divulgação do evento, infra-estrutura do evento – e a aplicação efetiva da
oficina – plano de aula e estratégias para conduzir o curso. A partir do nosso
envolvimento com o curso de extensão tivemos a oportunidade de pensar e
agir concretamente como um professor, algo bastante limitado durante o
curso acadêmico. Como professor, pretendíamos que os alunos matriculados
na oficina interagissem uns com os outro, analisassem e interpretassem os
textos com os quais tivessem contato ampliando a reflexão sobre a língua, o
homem e o meio social no qual estão inseridos, contribuindo, dessa forma,
com a formação de cidadãos mais conscientes, críticos e reflexivos sobre a
sua realidade.

É mister associar a ideia de leitura ao prazer e não a um ato obrigatório


que, muito provavelmente, tem como resultado contraproducente uma ojeriza
aos livros, fato que afeta toda a esfera da vida do indivíduo. Assim, a leitura
em sala de aula deve partir de situações reais, onde o texto é usado para obter
informação, diversão e não como pretexto para se ensinar como se lê.
Infelizmente muitos alunos universitários vêm de uma realidade educacional
que prima pelo aprendizado mecânico da língua em aulas que giram em torno
do ensino de gramática pura – gramática ensinada de forma
descontextualizada –, algo que vai de encontro às abordagens de ensino de
língua portuguesa contidas nos PCNs, pois, segundo estes,
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não se justifica tratar o ensino gramatical desarticulado das práticas de


linguagem. É o caso, por exemplo, da gramática que, ensinada de
forma descontextualizada tornou-se emblemática de um conteúdo
estritamente escolar, do tipo que só serve para ir bem na prova e
passar de ano – uma prática pedagógica que vai além da
metalinguagem para a língua por meio de exemplificação, exercícios
de reconhecimento e memorização de terminologia. Em função disso,
discute-se se há ou não necessidade de ensinar gramática. Mas essa é
uma falsa questão: a questão verdadeira é o que, para quem e como
ensiná-la (2001, p. 30).

Infelizmente, na prática, percebemos que esse preceito contido nos


Parâmetros Curriculares Nacionais de Língua Portuguesa é negligenciado,
uma vez que muitos professores executam suas aulas pautando-se em um
método tradicional de ensino, preocupados apenas em cumprir o currículo
escolar pré-estabelecido e transmitir os conteúdos didáticos. Arraigados nesse
método passadista, os professores transmitem os conceitos gramaticais
dissociados da prática interpretativa discursiva, mantendo uma perspectiva
reducionista do estudo gramatical, focalizada no estudo da palavra e da frase
de modo descontextualizado. Dessa forma, os alunos não são preparados para
situações vivenciadas fora da sala de aula, porque o que se espera de um
aluno é que ele decore as regras gramaticais e que faça bom uso delas no
momento da avaliação escolar. Assim, as aulas acabam representando um
mecanismo estático em que o professor finge que dá aula e o aluno finge que
aprende. Vindos dessa realidade muitos alunos universitários apresentam
muita dificuldade quanto à prática da leitura e interpretação textual.

Tentando amenizar tal situação ofereceu-se, em âmbito acadêmico, o


curso de extensão “Leitura de textos cômicos” procurando-se sensibilizar os
alunos para o hábito da leitura por meio do cômico, por meio de textos que
suscitam prazer e que por isso promovem mais facilmente o envolvimento do
aluno com o texto, levando-o a alcançar uma sensível forma de perceber os
elementos que compõem a linguagem discursiva. Apesar de a criação da
oficina ter sido motivada para atender os alunos com dificuldades de leitura e
interpretação, o público da oficina acabou sendo composto por indivíduos
que gostavam de ler, não apresentando, pois, leitura problemática. Mesmo
assim, podemos dizer que o curso atingiu seus objetivos na medida em que
despertou o interesse dos alunos por outro tipo de leitura pouco requisitada
em âmbito acadêmico – a leitura de textos cômicos –, levando-os a
aprimorarem a leitura, já que estamos em constante aperfeiçoamento, por
outro viés, o literário. Quanto aos alunos que realmente demonstraram
problemas diante das práticas propostas, percebemos que se envolveram nas
atividades procurando compreender os elementos textuais e a função do
cômico em cada texto lido.

Apesar da boa recepção da oficina e dos objetivos alcançados é preciso


destacar um ponto que deve ser melhorado para a execução da próxima
oficina. Uma das etapas de criação da oficina que merece mais atenção é a
parte da divulgação. Por conta de uma maior dedicação despendida para a
seleção do material a ser aplicado na oficina a divulgação ficou prejudicada.
Não elaboramos cartazes para colocar em pontos estratégicos do campus
universitário para chamar a atenção visual dos alunos, sem falar que só
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começamos a divulgar o evento no final do semestre, momento em que


muitos professores já encerraram suas aulas e, sendo assim, poucos alunos
frequentam a Universidade. Por conta dessa falha na divulgação do evento
houve pouca procura para a inscrição na oficina. Apesar de todas as vagas
terem sido preenchidas, esperávamos que mais alunos se interessassem pelo
evento o que nos levou a elaborar uma lista de excedentes caso a demanda na
procura do curso fosse além das quinze vagas estipuladas. Somente um
inscrito excedeu as quinze vagas estipuladas para a oficina. A lista de
excedentes serviria como parâmetro para a oferta de vagas da segunda
oficina. Algo que também pode ter inibido a procura dos alunos pelo curso de
leitura é o fato de no período das férias a universidade oferecer disciplinas de
verão. O horário da oficina chocava com o horário de muitas disciplinas
ofertadas.

Afora essa falha pertinente ao evento podemos dizer que a oficina foi
executada com responsabilidade e dedicação e que fazer parte da sua
organização foi fundamental para o nosso aprimoramento profissional. Vale
destacar que parte do sucesso da oficina está vinculado ao fato de o projeto
de extensão “leitura de textos cômicos” estar atrelado ao projeto de iniciação
científica “O cômico na literatura brasileira”, cujo objetivo é analisar os
modos e as formas da comicidade na literatura nacional traçando um
panorama da produção literária cômica dos autores canonizados pela
historiografia. O referido projeto de iniciação científica nos proporcionou
embasamento teórico e material literário para trabalharmos durante a oficina.

REFERÊNCIAS

ANTUNES, Irandé. Aula de Português: encontro & interação. São Paulo:


Parábola Editorial, 2003.
ARISTÓFANES. Lisístrata – A greve do sexo. Tradução Millôr Fernandes.
Porto Alegre: L&PM, 2003.
AZEVEDO, Artur. O Dote. Disponível em: <http://www.dominiopublico.
gov.b r/downloa d/t exto/bn000102.pdf>. Acesso em: 20 Nov. 2011,
16:23:34.
BAKHTIN, Mikhail M. Gêneros do discurso. In. Estética da Criação
Verbal. São Paulo, Ed. Martins Fontes, 1992.
BANDEIRA, Manuel. Tragédia Brasileira. In. Estrela da vida inteira. Rio
de Janeiro: Nova Fronteira, 2007.
BERGSON, H. O riso: ensaio sobre a significação da comicidade.
Tradução Ivone Castilho Benedetti. 2ª Ed. São Paulo: Martins Fontes, 2007.
– (Coleção Tópicos).
BOSCO, João. Incompatibilidade de gênios. Disponível em:
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de-genios-04029A3062E4A9632 6?types=A>. Acesso em: 25 Nov. 2011,


10:28:29.
FREUD, S. O chiste e suas relações com o inconsciente. Edição Standard
das obras psicológicas completas de Sigmund Freud. Vol. VIII. Rio de
Janeiro: Imago, 1977.
Livro das mil e uma noites. Vol I. Tradução de Mamede Mustafá Jarouche.
São Paulo: Ed.Globo, 2006.
MARTINS, Maria Helena. O que é leitura?. São Paulo: Editora Brasiliense,
1982.
MATOS, Gregório. A origem do mênstruo. Disponível em
<http://www.domi niopublico.go v.br/download/texto/ua00058a.pdf>.
Acesso em: 12 Nov. 2011, 15:21:44.
MATOS, Gregório. Epílogos. Disponível em:
<http://www.dominiopublico.gov.b r/download texto/ua00124a.pdf>. Acesso
em: 11 Nov. 2011, 14:50:34.
MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO E CULTURA. Parâmetros Curriculares
Nacionais: Língua Portuguesa. Secretaria de Educação Fundamental.
Brasília: A secretaria, 2001.
VERÍSSIMO, Luís Fernando. Desabafo de um bom marido. Disponível em:
<http://mais.uol.com.br/view/e8h4xmy8lnu8/desabafo-de-um-bom--marido--
-luis-ferna ndo—verissimo 0402356AC4C92326?types=A>. Acesso em: 10
out. 2011, 08:24:59.
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O Trabalho com Verbos nos Anos


Iniciais do Ensino Fundamental II:
Os “erros” gramaticais não interferem à
temporalidade

Alecrisson da Silva (UFS)1


Jailda Evangelista do Nascimento Carvalho (UFS)2

RESUMO
Este trabalho foi realizado a partir de uma pesquisa de campo com alunos do sexto
ano do ensino fundamental de uma Escola Estadual de uma cidade do sertão
sergipano. A mesma tem como meta mostrar que o número de alternância que muitos
educandos cometeram no emprego de verbos (terceira pessoa do plural dos tempos
pretérito perfeito e futuro do presente), principalmente na produção de narrativas não
se configura necessariamente como um “erro” no emprego do tempo verbal, mas
como uma imaturidade ainda comum nessa fase do percurso estudantil. Além disso,
pode-se justificar que o “erro” no emprego dos verbos nesses tempos e pessoas não
pode ser admitido como falta de conhecimento de tempo (presente e pretérito), mas
por conta de haver uma semelhança sono na terminação dos mesmos (terminação em -
ram para o pretérito perfeito e terminação em -rão para o futuro do presente) que, por
conta de a “imagem fotográfica” acerca da terminação de ambos não ainda não está
solidificada por conta da maturidade cognitiva. Com isso, é natural que essa permuta
aconteça. Contudo, a maior parte dos educadores muitas vezes ignoram os desvios
grafofonêmicos e acabam punindo seus educandos e, algumas vezes, provocando o
baixo estímulo para o estudo da língua materna.

Palavras-Chave: educandos; escrita; tempos verbais; correção textual.

1
Contato do(a) autor(a): alex.cjs.ba@bol.com.br Especialização em Língua
Portuguesa (Faculdade Pio Décimo); professor da rede municipal do
município de Coronel João Sá- BA; tutor do curso de especialização em
GPP-GeR/ UFS-CESAD.
2
Contato do(a) autor(a): jayllda@ig.com.br. Especialista em Metodologias
de Ensino para Educação Básica (UFS); integrante do Grupo de Pesquisa e
Estudos Educação e Contemporaneidade (EDUCON/UFS); Supervisora do
Programa Escola Ativa no município de Coronel João Sá- BA.
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INTRODUÇÃO
Os estudos acerca do trabalho com ensino de língua materna realizados
nos anos finais século XX têm proporcionado uma série de reflexões a
respeito de como se deve proceder o laboro com o mesmo. Entre um dos
paradigmas firmados está o que a língua não pode ser enfocada dissociada da
Cultura e a Sociedade. Isso porque língua e sociedade são realidades que se
inter-relacionam de tal modo que é impossível se conceber a existência de
uma sem a outra. É no seio da sociedade, com suas particularidades e
afinidades que as falas fluem, que a interação ocorre. E nesse fluxo constante
não há como presenciar uma homogeneidade de expressão comunicativa
culta entre as classes que disponibilizam de meios culturais mais
conceituados do que àqueles que não dispõem. Mesmo assim, isso não é
razão suficiente para que não disponibilize dos meios supracitados deixem de
serem seres comunicativos tanto no campo oral como escrito.

1 O MEIO SOCIAL COMO INSTRUMENTO DE


INSERÇÃO DO INDIVÍDUO NA LINGUAGEM

São inúmeros os desafios que o ser humano se depara na sua labuta


cotidiana. Para solucioná-los ou até mesmo amenizá-los, por mais que ela
não seja a solução mais adequada, muitas vezes a linguagem serve como
instrumento de desaba – quando não é a própria solução. Além disso, a
mesma pode funcionar como meio sedimentação para o ser humano explanar
suas descobertas, suas raízes históricas.

Diferenças de sotaques e dialetos podem desempenhar um papel


importante na projeção de determinadas imagens sociais e na cultura de um
povo, porém isso não é suficiente para que a linguagem deixe de tornar
possível o registro dos fatos históricos, sociais e culturais de um povo,
independentemente de ser expressa de forma coloquial ou culta.

Nesse sentido, pode-se afirmar que de nada adiante constituir um


fundamento de reflexão acerca de uma concepção sócio interacional de
linguagem sem que haja interação entre sujeitos sociais. E nada mais
adequado do que se os sujeitos ativos forem empenhados em atividades sócio
comunicativas – o diálogo entre professor de língua materna e alunos através
do próprio texto a partir da correção.

Para que esta atividade possa ser concebida, é admissível por parte de
quem produz o texto, um “projeto de dizer”; e, da parte do interpretador
(leitor/ ouvinte), uma participação ativa na construção do sentido, através da
mobilização do contexto (em sentido amplo), a partir das pistas e sinalizações
que o texto lhe oferece. Com isso, o que é visto como erro gramatical na
produção de textos, pode passar a ser através da correção textual-interativa,
a partir da orientação escrita (bilhetes) colocadas como recomendação a ser
seguida pelos educandos na reescrita.
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Esse procedimento de correção se constitui a parti de bilhetes que “Em


geral, têm duas funções básicas; falar acerca da tarefa de revisão pelo aluno
(ou, mais especificamente, sobre os problemas do texto), ou falar,
metadiscursivamente, acerca da correção pelo professor” (RUIZ, 2010, p.
47), de modo que quem escreve se depara não apenas com a sinalização do
desvio cometido, mas também de ter um norte no momento de reescrever.

Em meio a esse aparato de menções, pode-se afirmar que a linguagem é


o maior instrumento que o homem possui para lutar tanto por si mesmo bem
como pelos seus semelhantes. Sendo assim, ainda cabe a continuação da
afirmação no tocante à linguagem como identidade perfeita do homem,
porque ela o descreve, ela o espelha e mesmo ele tenta fazer através do
processo de metalinguagem (usar a linguagem para explicá-la). Seja em
qualquer uma dessas circunstâncias, a escola é um dos principais ambientes a
favorecer para que muitos desses adventos venham a se concretizar.

Porém o que costuma ainda predominar é um ensino de língua materna


pautado na maioria das vezes em conceitos gramaticais, sem tomar como
instrumento a importância da leitura e interpretação e até mesmo a produção
escrita para a tomada de quais conceitos gramaticais podem ser aplicados.
Isso faz com que caiba a seguinte reflexão:

[...] o fracasso dos alunos em provas que exigem escrita não é só o


fracasso da escola, mas o de uma sociedade que valoriza o que tem
pouco valor – escrever sempre as mesmas palavras e frases – e não
valoriza o que tem muito valor – a capacidade de alguém ser sujeito
de um texto, de defender idéias que se articulem, mesmo que haja
pequenos problemas de escrita. (...) Somos uma sociedade que
valoriza ortografia e casuísticas medievais sobre correção gramatical.
Mas que diz querer textos criativos e coerentes. (POSSENTI 2000, p.
55).

O resultado de tais procedimentos no ensino de língua materna nada


mais é do que um ensino que não passa do campo do próprio ensino e uma
aprendizagem que, na maioria dos casos que se pautam nesses fundamentos,
não se chega a atingi-la.
Segundo Antunes,

[...] a língua não pode ser vista tão simplesmente, como uma questão
de certo e errado, ou como um conjunto de palavras que pertencem à
determinada classe e que se juntam para formar frases, à volta de um
sujeito e de um predicado. A língua é muito mais que isso. É parte de
nós mesmos, de nossa identidade cultural, histórica e social.
(ANTUNES, 2006, p. 22).

E tendo a língua muito mais que tais concepções acerca do que a


autora afirmou, o que ainda se percebe no cotidiano do ensino de língua
materna, mais especificamente no tocante à correção de produção de textos é
uma escola que privilegia a gramática, deixando de lado a diversidade a
diversidade linguística que a gramática não consegue dá conta e que muitas
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vezes a endeusa. Assim, a norma culta é utilizada e colocada em um pedestal,


como intocável e única a ser aprendida na escola. Entretanto,

O reconhecimento da existência de muitas normas lingüísticas


diferentes é fundamental para que o ensino em nossas escolas seja
conseqüente com o fato comprovado de que a norma lingüística
ensinada em sala de aula é, em muitas situações, uma verdadeira
“língua estrangeira” para o aluno que chega à escola proveniente de
ambientes sociais onde a norma lingüística empregada no quotidiano
é uma variedade de português não-padrão (BAGNO, 2006, p. 19).

Com isso, fica evidente que o autor roga acerca para que as instituições
voltadas para a educação e cultura abandonem o mito da unidade do
português no Brasil, reconhecendo a verdadeira diversidade linguística
brasileira, de maneira que sejam melhores elaboradas as suas políticas de
ação junto à população que é marginalizada pelo uso de variedades não
padrão. E quando o não uso dessa variedade padrão não está postulado na
produção escrita, torna-se ainda mais gritante a manifestação, por parte do
docente, o repúdio ao “erro” dos alunos, alegando que esses manifestando-se
linguisticamente, não terão como ocupar uma posição de prestígio no meio
social.

Para que o trabalho com a correção de produção textual possa ter


significação para os educandos, é cabível que os

[...] professores e profissionais da linguagem possam modificar ou


adaptar a sua prática no sentido de incorporar a língua como
dimensão complexa do humano, a qual extrapola o círculo fechado do
sistema de formas e regras, para assentar-se naquilo que nos faz
humanos: ser e estar socialmente no mundo (MENDES, 2004, p.
137).

Isso só vai ocorrer a partir do momento que os professores de língua


materna compreenderem que seus educandos perpassam por etapas de
amadurecimento psicológico de acordo com sua idade. E, naturalmente, será
evidente que tal advento interfira na linguagem. Nesse sentido, pode ser que
educandos que não estejam com distorção idade-série possam ainda não ter
uma noção definitiva do que de como se flexiona os verbos na terceira pessoa
do plural dos tempos pretérito perfeito (-ram) e futuro do presente (-rão),
justamente por conta da proximidade sonora que ambas apresentam.

Possivelmente os docentes que atuam com o ensino de língua materna


não se dão conta de que para uma criança com idade entre 10 e doze anos não
é um procedimento tão natural ter uma “imagem fotográfica” acerca das
desinências supracitadas e acabam inserindo-as nas suas produções de textos.

É evidente que os educandos poderiam ter essa conclusão acerca de


como escreveriam tais desinências se lembrassem que no tempo pretérito
perfeito se tem uma paroxítona, e por isso o verbo vai sempre terminar em –
ram, enquanto que no futuro do presente se tem uma oxítona e os verbos
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terminarão em –rão. Mas como já fora mencionado nesse o amadurecimento


cognitivo dos educandos nessa idade pode não condizer para abstrair
informações tão complexas.

Vale ressaltar que tais posturas dos docentes no tocante às correções das
produções de textos podem ser justificadas pelo fato de que

[...] nas sociedades letradas (aquelas que usam intensamente a


escrita), há a tendência de tomarem-se as regras estabelecidas para o
sistema de escrita como padrões de correção de todas as formas
lingüísticas. Esse fenômeno, que tem na gramática tradicional sua
maior expressão, muitas vezes faz com que se confunda falar
apropriadamente à situação com falar segundo as regras de bem dizer
e escrever, o que, por sua vez, faz com que se aceite a idéia
despropositada de que ninguém fala corretamente no Brasil. e que se
insista em ensinar padrões gramaticais anacrônicos e artificiais.
(PCNs, 1998, p. 30)

Porém, com as inúmeras leituras que chegaram aos conhecimentos


daqueles que atuam no laboro com o ensino de língua materna, se torna
inconveniente presenciar a aplicação de um ensino de produção de textos sem
que haja um feedback para que os alunos possam reconstruir seus textos a
partir do seus próprios “erros”.

2 METODOLOGIA PARA A REALIZAÇÃO DA


PESQUISA

A pesquisa foi realizada om educandos do sexto ano do ensino


fundamental de uma escola da rede estadual de ensino do estado de Sergipe.
Foi requisitado que os educandos escrevessem uma narrativa que contivesse
um espaço (praça), ao menos os seguintes personagens: pai e mãe, dois
filhos e um acontecimento. Não foi solicitado limite de linhas. Ao todo, 34
alunos colaboraram voluntariamente produzindo a narrativa solicitada.
Após o término das produções, os educandos entregaram ao
pesquisador. A partir da observação e constatação acerca da permuta quanto
ao emprego de verbos na terceira pessoa do plural nos tempos pretérito
perfeito e futuro do presente, foi solicitado a 26 professores formados em
Letras com habilitação em ensino de língua materna e que atuam como
professores de Língua Portuguesa e Redação entre o sexto e nono ano do
ensino fundamental.
Foi solicitado que eles fizessem a correção na íntegra acerca de todos
os desvios no tocante aos aspectos linguísticos presentes no texto. A partir
disso, foi requisitado que os docentes mencionassem os seguintes aspectos:
quais os aspectos mais graves quanto à produção de texto? Como você faria
para que seus educandos pudessem evitar a dualidade muitas vezes
inadequada na aplicação dos verbos na terceira pessoa do plural dos tempos
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pretérito perfeito e futuro do presente? Haveria algum conteúdo ligado à


fonologia que poderia auxiliar os educandos para evitar tais “desvios”?
Segue abaixo os casos em que os educandos sinalizaram em seus textos
a permuta no emprego dos verbos:

3 ACEPÇÃO DE ALGUNS RESULTADOS

Na maioria dos textos produzidos pelos educandos, houve sinalização


de desvios de natureza grafo fonêmicos, além dos de aspectos macro textuais
como coesão e coerência.

Os docentes tiveram a incumbência de responder um pequeno


questionário que seus dados foram a base para a interpretação dos seguintes
resultados transpostos a partir dos gráficos a seguir.
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Quais dos "erros" presentes nas produções de


textos corrigidas por você que tu considera
muito grave?
Sintáticos
Coesão e
Morfológicos 4%
coerência
19% 27%

Fonológicos
50%

Como se pode perceber, há uma ainda um resquício muito forte


presente entre os colegas professores que atuam no ensino de língua materna
que prioriza aspectos micro textuais como de importante relevância para o
aprimoramento da produção escrito. Não se pretende afirmar que os desvios
grafo fonêmicos deixem de ser sinalizados, mas de refletir acerca do grau de
distorção que um desvio fonológico pode implicar na compreensão do texto.

O gráfico abaixo tem como meta saber qual a posição tomada pelos
docentes para que eles contribuam para que seus educandos possam superar
determinada dificuldade de aprendizagem no tocante à conjugação (mais
especificamente à flexão temporal) dos tempos pretérito perfeito e futuro do
presente do modo indicativo.

Segue a interpretação dos dados:

Como você faria para que os seus


educandos evitassem o trocadilho na
flexão dos verbos na terceira pessoa do
plural dos tempos pretérito perfeito e
futuro do presente?

Intensificav
a o ensino
Pensava do
outra conteúdo
estratégia conjugação
de acordo verbal até
com a aprenderem
situação 65%
35%
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As informações acima deixam evidentes que é mais comum


aos professores insistirem nas mesmas estratégias metodológicas em vez
de pensar uma nova possibilidade metodológica para que seus
educandos possam aprender determinado conteúdo.

O último questionamento busca diagnosticar se, por acaso,


algum conteúdo gramatical for escolhido para contribuir no tocante à
compreensão da conjugação dos verbos nos tempos pretérito perfeito e
futuro do presente, qual poderia servir de base para tal intento.

Haveria algum conteúdo ligado à fonologia


(tonicidade de sílaba) que poderia auxiliar os
educandos para evitar tais “desvios” quanto à
flexão dos verbos?

Sim
31%

Não
69%

Um dos conteúdos gramaticais ligados à fonologia que poderia


contribuir para que muitas das permutas presentes nos textos,
especificamente no tocante à flexão dos verbos nos tempos pretérito perfeito
e futuro do presente, seria o conhecimento do emprego de palavras oxítonas
e paroxítonas. Isso se daria da seguinte forma: para o aluno escrever os
verbos no tempo correto, deverá observar a posição da sílaba tônica. Ou seja,
quando o verbo escrito pelo educando for uma oxítona, ele está no tempo
futuro do presente (com a terminação –rão).

Já quando o verbo for uma paroxítona, está empregado no tempo


pretérito perfeito (com a terminação –ram). Nesse sentido, o mais adequado
é esta última opção para a produção de textos narrativos, uma vez que a
retratação dos acontecimentos estão no passado. Porém, pode-se observar
que a maior parte dos docentes que participaram da pesquisa não tiveram a
compreensão desses adventos.
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CONSIDERAÇÕES FINAIS

Do final do século XX até a contemporaneidade, foram muitas as


transformações no tocante ao ensino de língua materna com o intuito de
melhorá-lo. Todavia, como se pode ver nos dados transpostos nesta pesquisa,
ainda há uma distância considerável em relação às recomendações da
linguística textual e aplicabilidade dos conceitos que a mesma recomenda aos
docentes que atuam no ensino de língua materna.

O que ainda se testemunha é uma predominância, principalmente


com relação à correção de textos, sinalização dos desvios grafo fonêmicos
que não se amplia a partir de estudos que a própria gramática pode contribuir.
Os dados mostrados na pesquisa revelam que os professores pautam-se em
“vigiar” os desvios ortográficos cometidos pelos seus educandos, mas não
consideram o “erro” ortográfico como estratégia para aprimorar a própria
capacidade de escrever.

Contudo, fica informado que o trabalho pedagógico de prática de


escrita da maneira como foi percebida na pesquisa não dá conta de
transformar as práticas de escrita como fora vista, uma vez que as atividades
não são significativas diante das demandas sociais de uso da escrita na
contemporaneidade.

REFERÊNCIAS
ANTUNES, Irandé. Muito além da gramática: por um ensino de línguas sem
pedras no aminho. São Paulo: Parábola Editorial. 2007.
BAGNO, Marcos. (2006). Preconceito linguístico: o que é, como se faz. 46ª
edição. São Paulo: Edições Loyola.
Brasil. Parâmetros curriculares nacionais: terceiro e quarto ciclos do
ensino fundamental: língua portuguesa. Brasília: MEC/SEF, 1998.
MENDES, Edleise; ASTRO, Maria Lúcia Souza (Org.). Saberes em
português: ensino e formação docente. Campinas, SP: Pontes Editores.
POSSENTI, Sírio. Mal comportadas línguas. Curitiba. Criar Edições, 2000.
RUIZ, Eliana Donaio. Como corrigir redações na escola: uma proposta
textual-interativa. São Paulo: Contexto, 2010.
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Alfabetização e Sociolinguística
do Dialogismo das Relações Escolares:
a sociolinguística nas classes de alfabetização

Fernanda Izidro Monteiro1

RESUMO
O presente artigo visa refletir sobre a sociolinguística e sua aplicabilidade em termos
metodológicos, pensando especificamente as classes de alfabetização, apresentando e
discutindo o tema com base em conceitos bakhtinianos como dialogismo, polifonia e
alteridade. Assim, o trabalho objetiva refletir dialogicamente acerca da utilização de
contribuições da sociolinguística no processo de alfabetização. A sociolinguística é
aqui considerada como uma forma de aproximar educando x educador x conteúdo, de
forma a propiciar o desenvolvimento integral do aluno e a otimização do processo de
ensino e aquisição da linguagem escrita, sobretudo no que tange às classes populares,
mais excluídas nesse processo devido à descontextualização que a estrutura de ensino
representa em relação ao seu cotidiano. Em meio a estas considerações, é possível
perceber a existência da concepção de alfabetização como construção histórico-social
do conhecimento, construção essa que é indissociável da língua, elemento de cultura
dos grupos sociais, tanto dominantes ou dominados. A pesquisa justifica-se a partir
da visão ampliada do processo de aquisição da linguagem escrita, pautada na
utilização da sociolinguística, em que a construção dos sentidos, por meio da fala,
escrita ou leitura, está absolutamente arraigada em atividades discursivas e às práticas
sociais as quais os educandos têm acesso ao longo de seu processo de socialização.
Assim, o presente trabalho, realizado através de pesquisa bibliográfica, pauta-se na
ideia de que a escola, enquanto um espaço de formação efetiva de indivíduos
conscientes de seu papel cidadão deve ter como elemento norteador do ensino de
língua portuguesa a não discriminação das variações linguísticas, considerando a
alteridade constitutiva dos sujeitos como um fator de destaque no desenvolvimento do
processo de ensino e aprendizagem.

Palavras-chave: sociolinguística; alfabetização; dialogismo.

1
Contato do(a) autor(a): fernandapedletras@yahoo.com.br. (Mestranda
PPGE/ UFRJ)
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INTRODUÇÃO

Em decorrência de sua notoriedade no que se refere ao desenvolvimento


global do educando, o tema alfabetização tem sido amplamente discutido em
várias esferas do âmbito educacional brasileiro. Contudo, vale ressaltar que
ainda há um longo caminho a ser percorrido no tema em questão, sobretudo
no que se refere à questão do fazer docente no ano de escolaridade aqui
tratado. Refletir a respeito de tal assunto significa refletir, mormente, sobre a
real significação da alfabetização no processo de integração social do
educando. A importância da compreensão de tal significado pode ser
percebida por meio das mudanças notadas no próprio panorama sociopolítico,
econômico e cultural brasileiro em relação à importância da aquisição da
linguagem escrita. Essas mudanças se refletem nas metodologias da
alfabetização, esta que, gradualmente, passou a ser vista como uma
ferramenta de promoção à língua escrita significativa e cônscia para o
educando, levando-o à autonomia e à ação social efetiva. Todavia, esse
processo não tem atingido a todos os educandos, de modo que os altos
índices de evasão e repetência escolar apontam para a necessidade de novos
paradigmas educacionais que priorizem a aproximação do educando da
escola, o que colaborará decisivamente nesse processo: o aluno não precisa
apenas estar na escola, mas sentir-se parte integrante do grupo que a constitui
como uma instituição de formação da criticidade dos sujeitos do processo
educativo.

Nesse aspecto, Soares (2002) fala incisivamente da importância da


significação real da escola como fator inerente da aprendizagem para as
classes populares:

Essa escola para ao povo é, ainda, extremamente insatisfatória, do


ponto de vista quantitativo e, sobretudo, qualitativo. Não só estamos
longe de ter escola para todos, como também a escola que temos é
antes contra o povo que para o povo; o fracasso escolar dos alunos
pertencentes às camadas populares, comprovado pelos altos índices de
repetência e evasão, mostra que, se vem ocorrendo uma progressiva
democratização do acesso à escola, não tem igualmente ocorrido à
democratização da escola. (p. 5-6)

A priori, no que tange à complexidade do processo de significação da


linguagem escrita, faz-se essencial um leitor capaz de entender o significado
do discurso, indo além da mera decodificação dos signos, interpretando os
elementos históricos, sociais e ideológicos que o compõem. Para
desempenhar autonomamente tal objetivo, o educando precisa dominar de
forma ativa os elementos de textualidade que constroem o âmbito discursivo
oral e escrito, e, ainda, os elementos materiais de sua codificação, de uma
maneira una e coerente. Para a significação ampla da presente pesquisa, faz-
se necessária uma apresentação da perspectiva linguística e cultural da
linguagem na escola e na sociedade, sendo essa um instrumento de
construção da mesma.
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Pela linguagem, além dos laços sociais consolidarem-se e os


conhecimentos serem acumulados e transmitidos, é produzida a possibilidade
da consciência humana propriamente dita. A linguagem é, assim, a
consciência real e prática dos homens. Ao viabilizar a representação do
pensamento por meio da abstração e generalização das características do
mundo exterior, a linguagem possibilita a passagem da consciência sensível à
consciência racional, permite a transposição das operações com objetos
concretos para operações mentais por meio de conceitos e representações, e
esse processo ocorre transversalmente com a aquisição da linguagem escrita
na escola, sendo essa a formadora dessa consciência humana nos indivíduos.
Conforme Bakhtin, a palavra, aqui considerada na perspectiva da linguagem,
é o elemento fundamental de contato com o outro, no viés do presente
trabalho, o contato entre docente e discente. Assim, a palavra

serve de expressão a um em relação ao outro. Através da palavra,


defino-me em relação ao outro, isto é, em última análise, defino-me
em relação à coletividade. A palavra é uma espécie de ponte lançada
entre mim e os outros. Se ela se apoia sobre mim numa extremidade,
na outra apoia-se sobre o meu interlocutor. A palavra é o território
comum do locutor e do interlocutor (BAKHTIN, 2004, p. 112).

Logo, a linguagem tem função social, cultural, intelectual e histórica de


representação e perpetuação dos valores e saberes humanos, sendo a escola,
desde a era moderna, a instituição responsável pela perpetuação desses
elementos, sobretudo através de uma criação humana para essa perpetuidade:
a linguagem escrita.

Em uma abordagem histórica, pode-se dizer que a linguagem,


inicialmente presa à situação prática e ao gesto, avançou em possibilidade de
representação, exigida pela produtividade gerada pela divisão social do
trabalho, até a construção de um sistema de códigos capaz de transmitir as
informações mais abstratas. Esse esforço para emancipar a linguagem da
situação concreta imediata, ampliando seu grau de abstração, tem, na
linguagem escrita, seu estado mais desenvolvido. A escrita e sua invenção
caracterizaram-se como a constituição de um aparelho de representação, não
um processo de codificação. Uma vez construído, poder-se-ia pensar que o
sistema de representação é aprendido pelos novos usuários como um sistema
de codificação, uma ideia errônea. No caso dos dois códigos envolvidos no
princípio da escolarização (a representação numérica e da linguagem escrita)
as dificuldades que as crianças enfrentam se caracterizam por aspectos
conceituais, que se assemelham à constituição de um sistema, e, portanto,
pode-se dizer que o educando reinventa, ressignifica esses sistemas. Não é
uma reinvenção dos signos numéricos e linguísticos, mas uma modificação
que os transforma no que tange o processo de construção, com regras de
produção únicas elaboradas a partir de seus saberes que não devem ser
desvalorizadas pelo professor. Nesse aspecto, Cagliari (1999) afirma que

(...) Ninguém escreve ou lê sem motivo, sem motivação. É justamente


por isso, que, em certas culturas, o uso da escrita se apresenta como
algo secundário e dispensável, mesmo e, em outras, como
absolutamente imprescindível. Essa atitude perante a escrita não se
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observa só comparando, por exemplo, a cultura europeia com a cultura


de tribos indígenas. Atitudes conflitantes com relação à escrita se
podem observar numa grande cidade, entre seus habitantes, sem
dúvida alguma, todos necessitam de um modo ou de outro saber ler
certas coisas, mas o número cai enormemente quando se conta quem
necessita produzir a escrita na proporção do que lê. Não basta saber
escrever, para escrever. É preciso ter uma motivação para isso. (p.102)

Há a necessidade de atração do educando para o universo escolar, do


qual ele se sente separado pelas diferenças que nota entre a sua realidade e o
que lhe é apresentado. É na alfabetização que se evidencia primeiramente
essa questão, posto que a criança não reconhece a sua linguagem na língua
que está sendo exposta pelo docente, e dessa forma sente-se desnorteado.

A perspectiva do presente trabalho tem como ideia norteadora a visão


das diferenças linguísticas como uma ferramenta funcional do processo de
construção do saber de uma maneira ampla, e no ensino da língua materna
escrita como um ponto de partida essencial a ser considerado pelo docente
em sua práxis.

Contrariando a ideia que considera o saber linguístico das classes


populares como insuficiente ou deficiente, Labov demonstrou que a escola
deveria partir da linguagem da criança no processo de alfabetização,
conforme demonstra Soares (2002) ao discorrer sobre a teoria do mesmo:

Para Labov, pois, a principal falácia da teoria da privação verbal é que


ela atribui o fracasso escolar da criança a uma inexistente “deficiência
linguística”; a explicação para esse fracasso deveria ser buscada na
identificação dos obstáculos sociais e culturais a aprendizagem, e na
inabilidade da escola em ajustar-se a realidade social. Os programas
de educação compensatória, afirma ele, são planejados para corrigir a
criança, não a escola: falharão, enquanto se basearem nessa inversão
lógica. (p.47-48)

Numa análise sociológica, vê-se que o domínio da escrita e do saber


tem configurado-se como fonte de poder consideravelmente emblemáticas
nas sociedades e, logo, privilégio das chamadas classes dominantes, por
possuir tais fontes. Assim, conforme Cagliari (1999), a instrumentalização
desses saberes a todos os indivíduos da sociedade através do ensino e, por
conseguinte, da escola, tornaria arriscada a estrutura social posta de
inferiorização das classes dominadas, que têm como justificativa para tal
ação a falta desses saberes.

Conforme Althusser (1969), a escola, na sociedade capitalista,


assume funções antes reservadas à igreja e torna-se principal veículo de
manutenção do status quo da classe dominante. Tal fato consolida-se na
anulação da contextualização e inserção do conhecimento de mundo dos
educandos no ensino, fazendo assim com que todas as crianças, de todas as
classes sociais sejam suscetíveis à ideologia dominante, não havendo espaço
para a consideração da individualidade do educando enquanto sujeito.
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A anulação das particularidades do conhecimento de mundo dos


educandos das classes populares, elementos culturais constituintes de sua
identidade, configura a cultura de tais classes como uma subcultura, e a
“verdadeira cultura”, modelada a partir dos padrões da classe dominante, que
é implantada, reproduzida e difundida no âmbito escolar. A ação pedagógica,
nesse prisma, é tida como uma das formas de violência simbólica, conforme
Bourdieu e Passeron (1975, p.20), posto que trata-se de uma “imposição, por
um poder arbitrário, de um arbitrário cultural”. Tal ação pedagógica está
inscrita nas instituições por um sistema de ferramentas que perpetuam seus
valores no cotidiano escolar: a linguagem, o espaço social, as práticas de
convivência, as metodologias de trabalho etc.

A partir dessa perspectiva, é possível afirmar que a escola pode ser


vista como lócus da perpetuação de uma estrutura social que se mantém
como superior por meio da desvalorização das práticas sociais, linguísticas e
culturais das classes dominadas. A escola, por meio de um cotidiano
excludente do uso da linguagem, afasta os educandos das classes populares
do ambiente escolar, posto que seus hábitos e culturas, transmitidos através
de uma linguagem que é negada, não são considerados na práxis escolar,
práxis essa que nem ao menos dá aos educandos a possibilidade de se
apropriar da língua dita legítima a fim de ter instrumentos para mudar sua
condição social. Logo, é possível relacionar o fracasso escolar ao processo de
aquisição da linguagem escrita, em que o educando das ditas classes
dominadas não se apropria de maneira eficaz, eficiente e significativa do
código linguístico, sentindo-se sempre indiferente e fora da realidade
apresentada pela escola, que não considera o contexto em que o mesmo está
inserido e as suas necessidades enquanto ser biopsicosociocultural. Soares
(2002), a esse respeito, diz:

(...)A escola exige de todos os alunos que cheguem a ela trazendo


algo que ela mesma não se propõe dar, e que só as classes dominantes
podem trazer - o domínio pratico da língua “legítima”, pressupondo
esse domínio prático, oferece um ensino da língua “legítima” que,
evidentemente, só pode levar os bons resultados àqueles que já
dispõem daquilo que ela não dá, mas de que depende do que ela dá.
(...) A escola leva os alunos pertencentes às camadas populares e a
reconhecer que existe uma maneira de falar e escrever considerada
legítima diferente daquela que dominam, mas não os leva a conhecer
essa maneira de falar e escrever, isto é, a saber, produzi-la e consumi-
la. (p.62-63)

A linguagem tem como objetivo principal a comunicação, sendo


socialmente construída e transmitida culturalmente e, consistindo a escola em
um ambiente de construção de cultura, é inerente o trabalho com a linguagem
dos educandos no processo de alfabetização como instrumento de ensino x
aprendizagem e de aproximação entre os indivíduos desse processo. Assim,
o sentido da palavra baseia-se no contexto, brota no diálogo e metamorfoseia-
se historicamente produzindo formas linguísticas e atos sociais que
necessitam ser empregados no lócus de aprendizagem da linguagem escrita.
Esta perspectiva do processo de alfabetização exige que se delineie o fazer
docente como professor-interlocutor, numa construção interdiscursiva que
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permite a esses interlocutores (discentes e docentes) a possibilidade de


construção identitária a partir de uma ação discursiva que só se realiza nesse
processo dialógico. A apropriação do conhecimento socialmente produzido
se efetiva por meio da interação da criança com os outros indivíduos que a
cercam, num processo constituído pela alteridade. Conforme Vygotsky
(2002, p.11): “(...) o aprendizado humano pressupõe uma natureza social
específica e um processo através do qual as crianças penetram na vida
intelectual no meio daqueles que a cercam”.

Na construção de uma práxis educativa não excludente e de fato


significativa, é possível dizer que o processo de alfabetização deve ser
proporcionado por práticas que considerem o texto escrito, a variação
linguística e os modos de interação entre tais linguagens. Assim, numa práxis
coconstruída com a identidade social originária da interação com a linguagem
oral dos educandos, pode-se proporcionar uma aprendizagem real. Segundo
um antigo preceito de Claparède (apud FOUCAMBERT, 1997, p.68), “seja o
que for que se deseje ensinar à criança, é preciso integrá-lo à sua vida”. Tal
preceito, relacionado às práticas de alfabetização, refere-se à utilização da
linguagem do educando enquanto ponto de no processo de aquisição da
linguagem escrita: a linguagem é, assim, um instrumento de aprendizagem
mister no que tange a inserção da criança no universo escolar.

Segundo os princípios democráticos regentes da sociedade


contemporânea, nenhuma natureza de discriminação é tolerada: seja ela por
raça, religião, ou credo de qualquer espécie. Todavia, há uma brecha no que
tange dos aspectos inerentes à vida em sociedade: a educação e a linguagem.
Segundo Gnerre (1991),

(...) A única brecha deixada aberta para a discriminação é aquela que


se baseia nos critérios da linguagem e da educação. Como existe uma
contradição de base entre a ideia fundamental da democracia, do valor
intrinsecamente igual dos seres humanos e a realidade a qual os
indivíduos tem um valor social diferente, a língua, na sua versão de
variedade normativa, vem a ser um instrumento central para reduzir
tal conflito. Daí a sua posição problemática e incômoda de mediadora
entre democracia e propriedade. Em linguística, a posição
antinormativa foi estabelecida como uma visão abstrata segundo a
qual todos os dialetos têm um valor intrínseco, igual em termos
estritamente linguísticos. Este credo, que tem suas raízes na tendência
que M. Bakhtin- Voloshinov (1929) chamou de “objetivismo
abstrato”, aprofundou a distância entre os linguistas e os professores
de língua. Os linguistas, como consequência dessa posição abstrata
que assumiram, ficaram quase que por um acaso teórico, eu diria, ao
lado dos credos democráticos, contra a visão generalizada e enraizada
na sociedade da desigualdade entre língua padrão de um lado e os
falares ou “dialetos” do outro. (p.25)

Assim, numa perspectiva bakhtiniana, pode-se afirmar a necessidade de


um trabalho metodológico que desconstrua uma cadeia de discriminação
através da linguagem que tem como principal espaço de constituição o
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ambiente escolar, em que várias e distintas modalidades de fala convivem de


modo que apenas a que é tida como padrão é referencial de aceitação e
diálogo no grupo, de uma maneira geral. Logo, vê-se a necessidade de
alteração dessa perspectiva de visão una, considerando os saberes e fazeres
dos educandos e de sua individualidade, constituída na relação dialógica com
outros indivíduos durante todo o seu percurso, numa perspectiva de
constituição polifônica da alteridade do indivíduo.

No que tange à alfabetização, pode-se dizer que, antes de ser inserido no


âmbito da educação sistemática e formal representado pela instituição
escolar, o educando convive com outros indivíduos, os quais com
características, hábitos, discursos e culturas que acabam por ser incorporadas
pela criança, sendo essa a perspectiva de alteridade constitutiva do discurso
descrita por Bakhtin e aqui aplicada à temática desenvolvida no trabalho.

Ao trabalhar a perspectiva sociolinguística de alfabetização, são esses


discursos que a escola deve tomar como ponto de partida para a composição
de sua metodologia de ensino. Essa escolha metodológica implica numa
mudança radical nas relações professor x aluno, aluno x escola e aluno x
sociedade, posto que o educador não ocupe sozinho o lugar de detentor do
conhecimento linguístico válido, estreitando assim seus laços com o
educando, que se aproxima mais da escola, por essa lhe parecer mais atrativa
e ele membro significante dessa, que tem como se posicionar e agir frente à
sociedade. A construção dessa nova relação discursiva não se caracteriza
como uma prática simples, posto que demanda a construção de novas formas
de relação com a heterogeneidade linguística de que a sala de aula é
mantenedora. As diferentes histórias e relações dos educandos no que tange
as linguagens (oral e escrita) não podem ser desprezadas num processo de
aquisição da linguagem escrita que seja de fato eficaz e eficiente.

Buscando uma análise na perspectiva bakhtiniana, em que o homem é


sujeito expressivo e falante, constituído intersubjetivamente pelo dialogismo,
a relação entre educando e educador tende a se transformar numa relação
polifônica de enunciados vivos acompanhada de uma atitude responsiva
frente às demandas do outro com quem dialoga: ambos transmutam-se do
lugar de ouvinte ao lugar de fala do locutor, ocupando simultaneamente
ambas as posições discursivas. Demonstra-se, portanto, fundamental à
aprendizagem a noção de que a diversidade não representa um aspecto
negativo para o trabalho nas classes de alfabetização. É, sobretudo,
ferramenta de aproximação da realidade dos educandos que não deve ser
desprezada para o professor, posto que se trate da marca principal que o
educando traz de sua cultura, uma marca que por se revelar sincrônica traz
em seu âmago o movimento das línguas no espaço-tempo da sociedade,
demonstrando o quanto pode se transformar e, portanto, deve ser respeitada.
Segundo Bakhtin (2004) “aquele que apreende a enunciação de outrem não é
um ser mudo, privado da palavra, mas ao contrário um ser cheio de palavras
interiores. (...) A palavra vai à palavra.” (p.147). Assim, vê-se a perspectiva
sociolinguística na alfabetização como um processo homológico e dialógico,
em que cada posição em que os sujeitos estão inscritos não é individualmente
construída, mas compreendida e constituída a partir da relação de alteridade,
sendo essa alteridade o fundamento da identidade.
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A atitude de respeito perante a variação linguística que caracteriza a


alteridade constitutiva dos educandos e sua identidade enquanto indivíduos
permite a aproximação entre os elementos do processo de aprendizagem ao
fomentar instrumentos que permitam o acesso da criança ao conhecimento.
Desse modo, na perspectiva sociolinguística, propõe-se considerar e valorar
positivamente a linguagem que a criança traz consigo com ponto fundamental
de contato com o educador nesse complexo processo. A partir da
aproximação entre professor e aluno, criada a relação essencial de confiança
entre os mesmos, o educador terá pontos de contato mais firmes com os
educandos e de modo que os mesmos reconheçam-se no processo de ensino
aprendizagem, ressignificado em duas perspectivas: docente e discente,
sobretudo. Essa ressignificação é fundamental pela sua essência dialógica de
análise da prática docente no contato e no fazer-pensar da práxis.

Uma nova perspectiva de ensino e aprendizagem em relação aos


padrões postos se faz revelada. Nessa perspectiva metodológica, quando se
propõe a reflexão sobre a escola que existe, significa que, tal escola, assim
como a sociedade que a construiu e é por ela delineada, não é algo dado e
acabado, sendo efetivamente o produto de relações sociais, o reflexo da
prática social de grupos e de classes, e, por conseguinte, pode ser
transformada. Essa transformação se dá a partir do processo de interação que
é o cerne de sua constituição enquanto instituição feita de indivíduos, valores
e cultura essencialmente polifônicos porque dialógicos.

Tais marcas de interação, numa abordagem bakhtiniana, apontam para a


constituição da perspectiva de ensino e aprendizagem e aqui para a
constituição do fazer docente na relação com o discente na concepção de
sociolinguística aplicada ao processo de alfabetização, considerando as
múltiplas vozes que compõem essa relação. Essa interação se caracteriza
como ratificadora da efetividade da concepção: o espaço para o interlocutor e
o lugar de escuta, assim como o lugar de fala constituem-se como elementos
essenciais no processo de ensino e aprendizagem numa perspectiva
sociolinguística.

REFERÊNCIAS

ALTHUSSER, Louis. Aparelhos ideológicos de estado. Rio de Janeiro: Graal, 1969.


BAKHTIN, Mikhail. Estética da criação verbal. São Paulo: Martins Fontes,
1992.
BAKHTIN, Mikhail. Marxismo e filosofia da linguagem. 9.ed. São Paulo:
Hucitec, 2004.
BOURDIEU, Pierre; PASSERON, Jean-Claude. A reprodução: elementos para
uma teoria do sistema de ensino. Petrópolis: Vozes, 1975
CAGLIARI, Luiz Carlos. Alfabetização e lingüística. São Paulo: Scipione, 1989.
FOUCAMBERT, J. A Leitura em questão. Porto Alegre: Artes Médicas,1994.
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GNERRE, Maurizzio. Linguagem, escrita e poder. São Paulo:Martins Fontes, 1991.


SOARES, Magda. Linguagem e escola – Uma perspectiva social. São Paulo: Ática,
2002.
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Martins Fontes, 1998.
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II Seminário Nacional de Alfabetização e Letramento Alfabetização, Discurso e Aprendizagens
Oralidade e Escrita na Prática Escolar
ISSN: 2177-4072

Variações Linguísticas nos


Manuais Didáticos

Carina Sampaio Nascimento (UFBA)1

RESUMO

Este estudo ancora-se na hipótese da inadequação do tratamento dispensado às


questões relacionadas à variação linguística nos manuais didáticos de língua
portuguesa. É importante ressaltar, a priori, a relevância desse estudo, visto que os
manuais didáticos são colocados como principal e, às vezes, como o único
instrumento pedagógico no ensino de Língua Portuguesa. Com base nestas reflexões,
foram analisados alguns manuais didáticos do ensino fundamental, observando como
são apresentadas as questões sobre as variantes linguísticas, e a partir dessas análises,
procurou-se estabelecer um paralelo entre as atividades solicitadas nas coleções e as
práticas pedagógicas desenvolvidas em sala de aula pelos professores de escola
pública e privada. Ao ler os PCN parece simples aplicar todas as propostas de reflexão
e conscientização em relação às variedades sociolinguísticas no Brasil, contudo não é
levada em consideração a qualificação dos professores. É muito comum em muitas
regiões do Brasil a contratação de estudantes que ainda não concluíram o curso e
estão exercendo a função didático-pedagógica de um profissional qualificado que já
possui o conhecimento e metodologia para desenvolver um ensino de Língua
Portuguesa não tão centrado nas regras da gramática normativa. Desta forma, ficaria
aberta à reflexão sobre a presença das variações e utilização de estratégias para o uso
do livro didático, posturas estas, que favoreceriam o ensino e atenuaria o preconceito
linguístico, que consequentemente diminuiria a exclusão social.
Palavras-chave: Ensino de Língua Portuguesa; Variação Linguística e Manual
Didático.

1
Contato do(a) autor(a): carinasampaio@gmail.com. Universidade Federal
da Bahia . Mestranda de Língua e Cultura (UFBA).
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INTRODUÇÃO

São várias as perguntas com as quais nos deparamos em sala de aula. A


variação linguística é, sem duvida, um dos fatores mais discutido, tendo em
vista a sua importância no ensino de língua portuguesa. Assim, para falar de
variação linguística no ensino é preciso levar em consideração o manual
didático, e como ele é utilizado pelos professores nas aulas de língua
materna, pois estes, muitas vezes usam de maneira acrítica, sem questionar a
adequação das questões e a outros elementos constituintes deste instrumento.
Desde a década de 60 estudos sociolinguísticos foram iniciados, tendo
como contribuição significativa de William Labov. Ao longo dos anos, a
sociolinguística foi se expandindo e tornando cada vez mais importante para
os estudiosos da língua. Assim tornou-se mais fácil mostrar que a língua
também é um objeto para realização de estudos científicos e que a
conceituada gramática normativa pode ser questionada. Apesar da
contribuição tida a respeito da língua, a gramática normativa ainda é usada
como instrumento único para o aprendizado de língua portuguesa, mesmo
sabendo que a língua não é um bloco uniforme.
Assim, embora ainda se mantenha o estudo voltado à gramática
normativa, a proposta de ensino de língua materna é estimular o aluno a
reflexão, bem como desenvolver a competência comunicativa e abrir espaço
para a pluralidade linguística.
É dever da escola preparar para que o aluno não perpetue a
discriminação linguística, pois não se pode tratar as variantes linguísticas que
se afastam das normas estabelecidas pela gramática normativa como
incorretas. Para isso, é importante formar a consciência linguística do aluno,
mostrando que os fenômenos de variação fonética, sintática, morfológica,
lexical e semântica são característicos da história e cultura humana, devendo
ser observada sem juízo de valor.
Com base no avanço e importância que se destina à linguística,
analisaremos duas coleções de manuais didáticos do ensino fundamental (5ª e
6ª série) para verificar se existe influência da variação linguística nas
questões e se estas são adequadas. Como este processo está ligado ao ensino,
serão observadas quatro aulas de língua portuguesa, tendo como objetivo
verificar a prática pedagógica desempenhada pelos professores.

1 Língua e ensino de língua portuguesa


A partir de meados do século XIX começa ser idealizado um padrão
linguístico de tradição lusitanizante no Brasil, pois existia nesta época o
desenvolvimento de estudos e das gramáticas prescritivo-normativas.
Assim, até os dias atuais ainda por alguns segmentos, como jornais,
programas de rádios, televisão, revistas, até cursos, palestras que lucram com
a gramatiquice abordando o uso "correto" do português de maneira
superficial e rápida, como uma fórmula, desprezando as mudanças que
acontecem na língua, pois como bem afirmam Faraco e Tezza (1992) as
"transformações sociais, políticas e econômicas se passam em curto espaço
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de tempo em uma sociedade como a brasileira. De tal modo que um


gramático conservador, munido de compêndios, que passasse um mês diante
de noticiários de televisão ou lendo jornais e revistas acabaria por declarar,
desesperado que ninguém sabe falar e escrever no país".
A não aceitação da diversidade linguística brasileira tem caráter
ideológico e a gramática normativa é símbolo desta ideologia, pois aqueles
que detêm o poder e o prestígio social hipoteticamente dominam as regras
presentes nela. Desta forma, aqueles que não dominam as regras da gramática
normativa são estigmatizados, visto que são consideradas inadequadas as
estruturas que fogem da estrutura padrão.
Estas questões relacionadas ao preconceito voltadas o ensino de língua
portuguesa dificultam a aprendizagem de alunos que possuem vocabulário,
fonética ou sintaxe divergente do ensinado, outro fator que merece destaque é
o livro didático de português, pois este se baseia segundo Bagno (2000) no
mito da unidade linguística do Brasil, ou seja, como se a língua fosse
imutável, atemporal, homogênea. É ilusão também afirmar que os falantes
cultos dominam totalmente o código linguístico. Dados de pesquisa utilizados
por Ilza Ribeiro (1999) em A crise brasileira no ensino da norma culta
mostram questões relacionadas com a escolarização no Brasil deste século e
com formação científico-pedagógico dos docentes de Língua Portuguesa.
Foram analisados vários casos de hipercorreção atestados na escrita de
universitários e de professores. Pois ao contrário do que se pensam as
variedades também ocorrem em falantes cultos, estes que muitas vezes ditam
regra do "certo" e "errado" se mostram inseguros ao utilizar determinadas
estruturas mais conservadoras. É o retrato do Brasil do século XX que
sinaliza para a crise no ensino em que a grande maioria de professores de
língua portuguesa "não dominam a norma culta, nem conhecem a norma
padrão definida pelas gramáticas"2.
Ao ler os PCN parece simples aplicar todas as propostas de reflexão e
conscientização em relação às variedades sociolinguísticas no Brasil, contudo
não é levada em consideração a qualificação dos professores. É muito comum
em muitas regiões do Brasil a contratação de estudantes que ainda não
concluíram o curso e estão exercendo a função didático-pedagógica de um
profissional qualificado que já possui o conhecimento e metodologia para
desenvolver um ensino de língua portuguesa não tão centrado nas regras da
gramática normativa. É importante refletir sobre a presença das variações e
utilização de estratégias para o uso do livro didático, posturas estas, que
favoreceriam o ensino e atenuaria o preconceito linguístico, que
consequentemente diminuiria a exclusão social.

2 PCN: abordagem de variação linguística

2
RIBEIRO, I. A crise brasileira no ensino da norma culta. A cor das letras, n.
3, p. 101-122, dez. 1999
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Os (PCN) Parâmetros Curriculares Nacionais trazem uma grande


contribuição no que diz respeito ao trabalho didático centrado na análise
linguística, leitura e escrita, dos quais podem orientar o ensino de Língua
Portuguesa.
Os PCN (1998) enfatizam ao respeito que se devem ter as variedades
linguísticas, pois considera o fenômeno da variação linguística como parte
constitutiva das línguas humanas. No Brasil “quando se fala em “Língua
Portuguesa” está se falando de uma unidade que se constitui de muitas
variedade e, sobretudo de um mesmo espaço social em que convivem
diferentes variedades linguísticas, geralmente associadas a diferentes valores
sociais”3 . Com base uma das propostas dos PCN é combater o preconceito e
alguns mitos que acabam dificultando o aprendizado do aluno.
Desta forma, os PCN (1998) esperam que no processo de análise
linguística, o aluno: constitua um conjunto de conhecimentos sobre o
funcionamento da linguagem e sobre o sistema linguístico relevante para as
práticas de escuta, leitura e produção de textos; como também, aproprie-se
dos instrumentos de natureza procedimental e conceitual necessários para a
análise e reflexão linguística (delimitação e identificação de unidades,
compreensão das relações estabelecidas entre as unidades e das funções
discursivas associadas a elas no contexto); seja capaz de verificar as
regularidades das diferentes variedades do Português, reconhecendo os
valores sociais nelas implicados e, consequentemente, o preconceito contra as
formas populares em oposição às formas dos grupos socialmente favorecidos.
Deve está centrado também na observação da língua em uso de maneira
a dar conta da variação intrínseca ao processo linguístico, no que diz respeito:
aos fatores geográficos (variedades regionais, variedades urbanas e rurais),
históricos (linguagem do passado e do presente), sociológicos (gênero,
gerações, classe social), técnicos (diferentes domínios da ciência e da
tecnologia); às diferenças entre os padrões da linguagem oral e os padrões da
linguagem escrita; à seleção de registros em função da situação interlocutiva
(formal, informal); aos diferentes componentes do sistema linguístico em que
a variação se manifesta: na fonética (diferentes pronúncias), no léxico
(diferentes empregos de palavras), na morfologia (variantes e reduções no
sistema flexional e derivacional), na sintaxe (estruturação das sentenças e
concordância). Comparação dos fenômenos linguísticos observados na fala e
na escrita nas diferentes variedades.
Assim, espera-se que sejam abordados nos manuais didáticos aspectos
ligados à análise linguística e a reflexão das possibilidades de construção
contida na língua de muitos brasileiros, inclusive os escolarizados, mas que a
gramática normativa desconsidera emprego adequado de palavras limitadas a
certas condições histórico-sociais (regionalismos, estrangeirismos, arcaísmos,
neologismos, jargões, gíria);

3
Dionísio, Ângela Paiva & Bezerra, Maria Auxiliadora. Livro didático de
Português: múltiplos olhares. 2 ed. Editora Lacerda, Rio de Janeiro, 2002. p.
84.
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3 Análise ao livro didático

Foram selecionados manuais didáticos do ensino fundamental (5ª e 6ª


série) de duas coleções. Os manuais didáticos da coleção de CEREJA,
William e MAGALHÃES, Thereza Cochar são divididos por unidade cada
uma composta por três capítulos.
Sabendo que toda língua varia, devido as modificação que sofre quando
é falada “por um homem ou uma mulher, por uma criança ou por um adulto,
por uma pessoa escolarizada ou por uma não-escolarizada, por uma pessoa de
classe alta, média ou baixa, por um morador de cidade e por um morado do
campo”4, ou seja, as variáveis sempre existiram, é a marca de cada pessoa e
de cada grupo possui uma linguagem exclusiva.
A gramática, os manuais didáticos, não acompanham a renovação na
língua, ao contrário, se apegam aos conceitos que não elucidam o fenômeno
linguístico.
Com base nas análises realizadas dos manuais didáticos percebe-se que
embora, tímida, já existe uma preocupação no que diz respeito à abordagem
da variação linguística. Pois foi encontrada a abordagem a variação
linguística de forma sucinta, porém considerada inadequada, pois não induz
ao aluno a refletir sobre as variantes, nem a ter uma postura menos
preconceituosa, apenas explica como é falado na norma culta e como é falado
na norma popular.
O foco do trabalho é observar se existem questões relacionadas à
variação linguística, existindo, será classificada como questões adequadas ou
inadequadas, conforme a sua elaboração. Assim, foi possível observar
algumas ocorrências inadequadas, pois foi elaborada de forma superficial. Os
exemplos 1, 2 e 3 ilustram o que foi dito.
Exemplo 1

Suponha que queira chamar uma pessoa até o local onde você está.
Como faria para chamá-la, se ela fosse:

a) um idoso, com mais de 70 anos?

b) um colega da sua classe, com quem você tem muita


amizade?

c) um rapaz jovem, que você não conhece?

(Português: linguagens, 5ª, p. 31).

Exemplo 2

4
BAGNO, Marcos. A língua de Eulália. 2ª ed. São Paulo. Parábola, 2001.
p. 41
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Você está andando na rua e um desconhecido lhe pergunta: “Você


conhece a rua Castro Alves por aqui?”.

a) Se você conhecer, a resposta mais lógica a essa


pergunta será:

 Sim, conheço.

 Conheço; até logo.

 Conheço, é a primeira à direita.

b) Por que as outras duas respostas seriam inadequadas?

(Português: linguagens, 5ª, p. 31).

Outra questão que poderia ser aprofundada, visto que se trata da


variação, utilizada pelos jovens alunos, porém a proposta do exercício cujo
tema gírias é mecânico.

Exemplo 3

O texto abaixo é parte da carta de uma leitora que elogia a matéria


publicada sobre gírias numa revista. Leia o texto e, em seguida, reescreva-o,
substituindo as gírias por palavras e expressões da norma culta.

É massa!

Dessa vez a Atrevida “arrepiou”. Foi “da hora” a matéria


NA PONTA DA LÍNGUA, com gírias “maneiras” de todos os
lugares. È por isso que me “amarro” cada vez mais nesta revista:
descolada, divertida, diferente e “trilegal”.

(Mariana Alves Manso, Atrevida, set. 1996. p. 18.)

(Português: linguagens, 5ª, p. 31).

A proposta que se tem para o ensino reflexivo diante das variedades


linguísticas, difere da realidade dos manuais didáticos, em que ainda estão
estagnados para este tipo de abordagem. Como ocorrem nas questões que se
refere a pronome, se limita a:
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Exemplo 4

Reescreva as frases, passando para o plural as palavras destacadas e


adaptando o que for necessário:

a) Eu sempre me preocupo com você.

b) Ele jamais se esquece dos amigos.

(Português: linguagens, 5ª, p. 142).

Exemplo 5

Empregue adequadamente pronomes pessoais retos e oblíquos:

a) “Não estou entendendo coisa nenhuma – reagiu a


irmã numa irritação que mostrava que _______não entendia coisa
nenhuma. – Fala ________, Geraldinho. O que é que há? (Chico
Anísio).

b) “Esta noite/ ______tive um sonho/ que deixou/


chateado”. (C. Q. Telles)

(Português: linguagens, 5ª, p. 142).

Apenas faz menção, (exemplo 6), porém de forma superficial e é tratado


como problema, e não como variação.

Exemplo 5

Você certamente já ouviu aquela música do grupo Ultraje a


Rigor que diz:

A gente na sabemos escolher presidente

A gente não sabemos tomar conta da gente

A gente somos inútil

De forma bem-humorada, o grupo retrata um problema gramatical muito


frequente na linguagem popular: o uso da expressão “a gente” (de 3ª pessoa
do singular) com o verbo na 1ª pessoa do plural (“sabemos e somos”).

(Português: linguagens, 5ª, p. 142).


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Dê duas outras redações a esses versos, de modo que eles fiquem de


acordo com a língua culta.

Contudo, o MD, bem como aquele quem o manuseia, o professor,


deveriam utilizar métodos que se aproximem da realidade do aluno, para que
auxilie no aprendizado, pois seja linguagem culta, seja na popular, a
ocorrência mais comum que se aproxima da realidade do falante é o como
pode ser observado na tabela 1, no que se refere ao português não-padrão.

TABELA 1: MUDANÇA NO USO DO PRONOME E DA


FLEXÃO VERBAL

1ª pessoa Eu Canto
singular

2ª pessoa Tu Cantas ou Você canta


singular

3ª pessoa Ele (a) Canta


singular

1ª pessoa plural Nós Cantamos ou A gente canta/cantamos

2ª pessoa plural Vós Cantais ou vocês cantam

3 ª pessoa Eles cantam


plural (as)

Sendo assim, são variações que não podem ser limitadas, em


exercícios mecânicos, como foi explicitado nos exemplos acima.

Foi constatada a presença, de forma sutil, do preconceito linguístico


em uma unidade do manual que tem como tema “ser diferente” e uma das
diferenças que ocorre no social é a diferença linguística. Mas a seção do
primeiro capítulo cujo título é “Para escrever certo” não faz menção disto, ao
contrario, é iniciado com quadrinhos em que considera a variação como
“errada”.

Exemplo 6
- Eu vi ela!
- A professora nova? Como é que você sabe?
- Pelo geito dela.
- Como assim?
- Não é “vi ela” que se diz! O certo é “eu a vi”
- Jeito é com “J” e não se fala com a boca cheia.
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- Ah... sim, esse jeito!


Este diálogo tem teor preconceituoso, mas poderia ser direcionado para
uma outra abordagem sobre as variantes linguísticas, aproveitando o tema da
unidade, ser diferente, para também fala sobre a diversidade na língua. Em
nenhum momento neste capítulo foi tratada esta questão.

As questões que se destinada à ortografia J ou G, X ou CH também


exclui o fenômeno. Como ilustrado nos exemplo 7 e 8.

Exemplo 7

Todas as palavras abaixo estão grafadas corretamente, exceto uma.


Indique-a e reescreva-a em seu caderno com a grafia adequada.

Gorgeta – berinjela- sarjeta- selvagem- pajem.

(Português: linguagens, 6ª, p. 12).

Exemplo 8

Na seqüência de palavras abaixo, todas devem ser grafadas com ch,


exceto uma. Reescreva-as em seu caderno, completando-as adequadamente.

Col__a mo___ila fe_____o _____ampu fle___a in___ar


espi___ar

(Português: linguagens, 6ª, p. 13).

Exemplo 9

É curioso o que ocorre no do exercício sobre o plural de substantivo


composto. Um cachorrinho vermelho inventa um substantivo composto:

- TCHAM!

TCHAM!

Cachorro-helicóptero!
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Abaixo o autor pede para que o aluno acrescente livremente outros


substantivos aos apresentados abaixo, para formar substantivos compostos.
(Português: linguagens, 6ª, p. 31).

O exercício pede para inventar substantivo composto, porém não faz


referência de neologismos, nem mesmo antes do exercício, assim, como o
aluno irá compreender melhor o assunto? Além disso, não provoca o aluno a
observar a língua que ele usa, pois, sendo pré-adolescente, a tendência natural
é inovar palavras, e também usar gírias é a inovação de palavras
(neologismo), como também o uso de gírias. Abarcar este fenômeno para ser
trabalhado em uma aula seria de grande valia.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Na análise realizada percebemos que os manuais didáticos avaliados


fazem menção em seus exercícios sobre alguns fenômenos de variação
linguística, porém de forma superficial e com pouca freqüência. Nenhuma
das questões analisadas foram consideradas adequadas, no que dizem respeito
à abordagem de variação linguística, visto que nas raras vezes em que foram
mencionadas, foram caracterizadas como: reescreva, copie, identifique,
substitua.

Assim, verifica-se que apesar da proposta enfatizada pelos PCN e das


muitas discussões que se Têm feito sobre a importância da diversidade
linguística no ensino, o instrumento que constantemente é usado pelos
professores não faz abordagens adequadas em seus exercícios. Faz-se
necessário que os professores assuma o papel de orientador de pesquisas a
serem empreendidas em sala de aula, junto com seus alunos. Além disso, é
pertinente estimulá-los dom métodos inteligentes e prazerosos para que os
próprios aprendizes deduzam essas regras em textos vivos, coerentes e bem
construídos, tanto de língua escrita, como de língua falada.

REFERÊNCIAS

CEREJA, William Roberto Cereja; MAGALHÃES, Thereza Cochar.


Português: linguagens, 6ª série. São Paulo: Atual, 1998.
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A Alfabetização em Língua Portuguesa


em Timor-Leste:
os desafios da variação linguística

Davi Borges de Albuquerque1

Aurelie Marie Franco Nascimento2

RESUMO

A República Democrática de Timor-Leste, ou simplesmente Timor-Leste, é um país


independente desde 2002, elegendo, em sua constituição, como línguas oficiais: o
Tétum-Praça, língua nativa de origem austronésia e que possui o status de língua
franca, e o português, devido à herança cultural de cerca de quatro séculos de
colonização portuguesa na ilha. O objetivo deste trabalho é apontar alguns problemas
encontrados na escrita dos alunos leste-timorenses, do nível pré-secundário do sistema
educacional formal de Timor-Leste, ao aprender português para propor algumas
soluções aos professores de Língua Portuguesa em atividade docente em Timor-Leste.
A escrita analisada dos alunos leste-timorenses foi coletada pelos autores entre 2008 e
2009, período no qual exerceram a função de professores de Língua Portuguesa. A
metodologia utilizada é da sociolinguística educacional, que serviu para identificar e
analisar as causas das variações fono-ortográficas, sendo as principais: a influência da
língua materna dos alunos, que não são falantes de português como língua materna; as
diferentes variedades da língua portuguesa que os alunos são expostos, pois os
professores são portugueses, brasileiros, leste-timorenses e cubanos; ausência de
ambientes de imersão onde os alunos possam praticar a língua portuguesa fora de sala
de aula. Assim, com base na análise efetuada, nossa proposta é a de elaborar técnicas
didáticas que visam auxiliar o professor a trabalhar a variação linguística em sala de
aula, enfocando a superação de problemas relativos à variação fono-ortográfica.

Palavras-chave: alfabetização; língua portuguesa; Timor-Leste.

1
Contato do(a) autor(a): albuquerque00@hotmail.com. Professor Substituto (UFS) e
Doutorando do PPGL (UnB).
2
Contato do(a) autor(a): aurelie-marie@hotmail.com. Especialista em Educação
Inclusiva (UNESP) e TICs (UFRGS)
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INTRODUÇÃO

A ilha de Timor foi colonizada por Portugal no início do século XVI,


sendo conhecida como Timor Português. Somente no ano de 1974 foi
iniciado o processo para reconhecimento internacional de nação soberana,
porém Timor-Leste sofreu uma dominação da Indonésia em 1975 que se
estendeu até 1999. Durante este período de dominação indonésia a língua
portuguesa, língua do colonizador, foi proibida, contudo, foi usada como
língua de resistência. A língua utilizada no sistema educacional era o bahasa
indonesia, ou indonésio3.
A língua portuguesa em Timor-Leste possui o status de língua oficial
desde 2002, de acordo com a constituição da República Democrática de
Timor-Leste, ao lado da língua nativa Tétum, em sua variedade Tétum-Praça4
(língua de origem austronésia falada por grande parte da população leste-
timorense como língua franca). Duas outras línguas são previstas na
constituição para serem utilizadas como línguas de trabalho, são elas: a
língua inglesa e o bahasa indonesia.
Em Albuquerque (2010, p.33), há uma série de problemas no ensino de
língua portuguesa em Timor-Leste, como: poucos professores lusófonos
nativos e professores leste-timorenses capacitados para o ensino de
português; ausência de planejamento linguístico por parte do governo;
choque de ideologias entre professores e alunos. Digno de nota é que a língua
portuguesa não é língua materna de uma parcela significativa da população,
conforme será apontado posteriormente, e mesmo que alguns autores falem
do ensino de português em Timor-Leste ter características de Português
Língua Estrangeira (PLE), há um consenso entre os linguistas de que o
ensino da língua portuguesa não deva ser encarado como tal, já que, além de
ser língua oficial, há um grande número de professores e outros profissionais
lusófonos em atuação no país, assim como muito tem sido feito para que o
português seja usado em uma série de ambientes fora de sala de aula, como
os veículos de comunicação em massa (televisão, rádio, jornais), produções
artístico-culturais (telenovelas, músicas, literatura) e nas mais variadas
situações comunicativas informais. Ainda, há um confronto no ensino de
diferentes variedades da língua portuguesa, já que os professores portugueses
tendem a ensinar a variedade europeia, os professores brasileiros ensinam a
variedade brasileira e muitos alunos e professores leste-timorenses possuem
uma variedade nativa da língua portuguesa (ALBUQUERQUE, 2011), que é
pouca conhecida e frequentemente desconsiderada pelos professores 5.

3
bahasa indonesia ‘língua indonésia’ é uma variedade do malaio e língua oficial da
Indonésia. Geralmente, o termo bahasa indonesia é usado com interesses
nacionalistas de relações de poder, com o sentido de a língua indonésia ser ‘a língua
indonésia’, ou seja, de certa forma superior a outras línguas.
4
A língua Tétum possui duas variedades principais: Tétum-Praça e Tétum-Terik. A
primeira, como foi apontado, é a língua oficial e língua franca do país, apresentando
uma reestruturação gramatical com perda de morfologia flexional e léxico lusófono.
Já o Tétum-Terik é uma variedade conservadora e rural. Há grafias alternativas para o
nome das variedades, entre elas: Tetun Prasa e Tetum Praça.
5
Na maioria das vezes, a produção oral e escrita na variedade do português de Timor-
Leste é encarada pelos professores simplesmente como erros de aprendizagem.
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ISSN: 2177-4072

O português, apesar de ser a língua oficial na atualidade, é falado


somente por uma pequena parcela da população leste-timorense, já que há
uma série de fatores que dificultam a instalação de um ensino eficaz, assim
como o uso dessa língua nas diferentes comunidades de fala. Mesmo com
uma permanência de cerca de quatro séculos em Timor-Leste, a eficácia do
sistema educacional português foi de pouca expressão, quando comparado
aos 24 anos de dominação indonésia e foi nesse curto intervalo de tempo que
a Indonésia conseguiu impor de maneira exemplar sua língua, o bahasa
indonesia, em uma grande parcela da população timorense fluente nela, ou
melhor, cerca de 58%, enquanto que apenas 37% falavam português 6. Ainda,
a política e planejamento linguísticos adotados pelo governo leste-timorense
refletem seus interesses econômicos: o governo de Timor-Leste fez diversos
acordos internacionais para o ensino de língua portuguesa e capacitação de
professores de língua portuguesa, principalmente com os governos português,
brasileiro e cubano. Além disso, acordos internacionais também foram
assinados com países anglófonos e com organizações multinacionais, que
possuem interesses contrários ao ensino e à manutenção da língua portuguesa
em Timor-Leste. Dessa forma, a posição política em relação ao ensino já se
encontra contraditória, abrindo espaço tanto para a lusofonia, quanto para a
dominação anglófona.
No presente trabalho, serão analisadas algumas variações fono-
ortográficas coletadas pelos autores no período em que lecionaram a
disciplina Língua Portuguesa, durante 2008 e 2009, em diferentes localidades
de Timor-Leste. Ainda, o sistema educacional leste-timorense se encontra
dividido entre o pré-secundário, nível que equivale ao ensino fundamental, e
secundário, equivalente ao ensino médio. Desta maneira, concentramo-nos
somente na produção escrita dos alunos do pré-secundário.

1 Língua portuguesa: alfabetização, erro, ensino e


variação

Sabe-se que o falante nativo já chega à escola com um saber


comunicativo e gramatical, sendo o papel do professor/alfabetizador respeitar
a variedade falada pelo aluno, seja ela urbana ou rural, e ensiná-lo o código
escrito (BORTONI-RICARDO, 2004). Ainda, Soares (2003) afirma que a
alfabetização se constitui na apropriação de uma tecnologia por parte dos
alunos, exigindo do alfabetizador certos conhecimentos de disciplinas
específicas, principalmente da sociolinguística. Em Timor-Leste, o professor
encara um desafio duplo, pois além de ter que trabalhar as diferentes
variedades dos alunos em sala de aula, há também muitos casos de alunos
que não possuem um saber comunicativo em português, convivendo na
mesma turma com alunos com este saber.
O professor deve ter conhecimento de outras áreas da linguística, como
a fonética, fonologia e morfologia, já que o “sistema silábico-alfabético do
português não é biunívoco, posto que a relação grafema-fonema não se aplica

6
Os dados foram extraídos de Timor-Leste Census of Population and Housing (2006).
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em todos os casos” (MOLLICA e LOUREIRO, 2008, p.224), sendo alguns


casos ortográficos regidos por regras, enquanto outros são convenções puras,
o que é encarado pelo aluno como algo aleatório. Desta maneira, segundo
Freitag (2011), a produção textual dos alunos:

que estão aprendendo o código escrito da sua língua materna revela a


maneira como os aprendizes inconscientemente registram aspectos
fonéticos da modalidade sociolinguística regional que utilizam. Ao
iniciar seu intercurso no mundo da escrita, a criança tende a
estabelecer uma correspondência estrita entre os sons da fala e as
letras, numa atitude semelhante à do linguista ao fazer uma transcrição
fonética. No princípio do aprendizado do código escrito da sua língua
materna, a criança constrói hipóteses acerca da representação dos
sons, tomando por base seus conhecimentos da fala da sua variedade
sociolinguística (FREITAG, 2011, p.115).

Assim, o professor/alfabetizador necessita refletir sobre o conceito de


“erro”, juntamente com o processo de identificação da origem deste na
produção do aluno, pois este “erro” é apenas reflexo de um desconhecimento
do emprego adequado do código, no caso, os grafemas, ou de repercussões de
fenômenos da variação linguística da fala na escrita 7. Para tanto, Mollica
(2007) afirma que é fundamental o alfabetizador que trabalha com as
modalidades da fala, sendo a fala informal, e da escrita, sendo esta o código
padrão, identificar as características regionais e sociais da(s) variedade(s)
faladas por seus alunos.
Nas diferentes produções textuais analisadas dos alunos leste-
timorenses, encontramos os dois tipos de problemas em relação ao uso do
código padrão: o desconhecimento da ortografia e a tentativa de reproduzir
elementos da fala, conforme será apresentado na seção seguinte.

2 Análise das variações fono-ortográficas


A produção textual analisada consiste em 37 dissertações sobre o
tema ‘A língua portuguesa em Timor-Leste’, 18 produções de uma turma do
1º ano pré-secundário e 19 de uma turma do 2º ano, somando um total de 43
páginas. Nesta produção textual, o tema foi escolhido com a intenção de
estimular os alunos a simpatizar8 com a língua portuguesa, assim como
pensar sobre ela. Ainda, tal tema deixa um espaço para o aluno também falar
sobre questões políticas, culturais, históricas, entre outras, que envolvem o
ensino da língua portuguesa, que está intimamente ligado com o processo de
independência do país. Outro fator importante sobre as dissertações
analisadas é que elas faziam parte de um concurso cultural cujas melhores
seriam premiadas.

7
Vale lembrar que, de acordo com Bortoni-Ricardo (2004, p. 273), uma língua que
possui um histórico e uma estabilidade em sua codificação em sua modalidade escrita
a variação não está prevista.
8
Empregamos aqui ‘simpatizar’, pois há alguns alunos resistentes ao ensino de língua
portuguesa, preferindo o indonésio, já que nesses casos foi esta a língua aprendida na
escola por irmãos mais velhos e, às vezes, até pelos pais.
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Para a realização da análise nos baseamos em Faraco (2012, p. 128),


que separa as representações do sistema gráfico da língua portuguesa em
relações biunívocas e relações cruzadas, sendo estas subdivididas relações
cruzadas previsíveis, relações cruzadas parcialmente previsíveis e
parcialmente arbitrárias, e relações cruzadas totalmente arbitrárias.
Ainda, segundo Faraco (2012, p. 131 e segs.), as relações biunívocas
ocorrem quando uma determinada unidade sonora corresponde a certa
unidade gráfica, e a unidade gráfica representa somente uma unidade sonora:
/p/ > p9 e p > /p/, como em pato /‘pa.tʊ/, mapa /‘ma.pʌ/. Já os três tipos de
relações cruzadas são:
 relações cruzadas previsíveis: a unidade sonora ocorre só
em um ou alguns determinados contextos e nesta posição é
previsível, ou seja, biunívoco: /m/ só ocorre em início de sílaba,
como em mato /‘ma.tʊ/, cama /‘kã.mʌ/, a unidade gráfica m em fim
de sílaba marca somente a vogal nasal, campo /‘kã.pʊ/, bomba
/‘bõ.bʌ/), e em fim de palavra representa somente a semivogal /y/ ou
/w/ de ditongos decrescentes nasais, falam /‘fa.lãw/;
 relações cruzadas parcialmente previsíveis e parcialmente
arbitrárias: a unidade sonora tem mais de uma representação gráfica,
em certos contextos é previsível e em outros não: /ʒ/ quando diante
das vogais orais /i/, /e/ e /ɛ
representado por g ou j, e nos demais contextos somente por j;
 relações cruzadas totalmente arbitrárias: a unidade sonora
tem mais de uma representação gráfica e a ocorrência de uma ou de
outra é imprevisível: /ʃ/ pode ser representado por x ou por ch:
abacaxi /a.ba.ka.‘ʃi/, ou chuva /‘ʃu.vʌ/.
Foram encontrados os dois tipos de problemas na produção textual dos
alunos, conforme já foi mencionado anteriormente, a saber: a influência na
escrita de regras fonológicas variáveis da fala e falta de familiaridade com a
convenção ortográfica da língua 10. Ainda, também encontramos alguns casos
de hipercorreção e de influências do ensino de outra L2/LE, no caso o inglês
LE e o indonésio L2.

9
Destacaremos os grafemas em itálico, juntamente com a representação escrita das
palavras, para evitar qualquer confusão no decorrer deste trabalho.
10
Usamos os termos de Bortoni-Ricardo (2006).
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Regras fonológicas variáveis:


ambarcam ‘embarcam’, portuguasa ‘portuguesa’, futuru ‘futuro’,
servisu ‘serviço’, aprenderoum ‘aprenderam’, estudaroum ‘estudaram’,
igreza ‘igreja’, comprendem ‘compreendem’, jovenes ~ zovens ‘jovens’,
dicidio ‘decidiu’.

Os exemplos destacados acima, em (1), para nossa análise são apenas


alguns dentre os muitos encontrados, assim como nos demais casos citados
abaixo. Os primeiros podem ser analisados como pura interferência da
oralidade na escrita, já que as vogais centrais /a/, /e/ e /o/ em língua
portuguesa sofrem um fechamento e os alunos leste-timorenses, expostos a
inputs português e brasileiro, acabam por produzir nesses casos [ə] e [ɐ], [i] e
[u]. Desta maneira, ambarcam ‘embarcam’ e portuguasa ‘portuguesa’
refletem a tentativa de reproduzir a pronúncia do português europeu
[əm.‘bar.kãm] e [pɔr.tu.‘gɐ.za]. Em futuru ‘futuro’ e servisu ‘serviço’ pode
ser observado o mesmo fenômeno. Já em aprenderoum ‘aprenderam’ e
estudaroum ‘estudaram’ encontramos uma convergência entre certas
variedades do português brasileiro, juntamente com transferência da L1
Tétun Prasa e da variedade do português falada em Timor-Leste, chamada de
Português de Timor-Leste (PTL). Assim, em igreza ‘igreja’, jovenes ~ zovens
‘jovens’ e comprendem ‘compreendem’ observamos transferência da L1 e do
PTL, já que em ambas não há consoantes palatais, sendo realizados seus
correlatos /ʒ/ > [z] ou [zʲ], [i.‘gre.za] e [‘zʲɔ.vɛnz], e não há também vogais
dissilábicas11: [a.pren.‘de.run], [eʃ.tu.‘da.run] e [kɔm.‘pren.den]. Em dicidio
‘decidiu’ há tanto o caso descrito anteriormente de fechamento de vogais
átonas /e/ > [i], como também uma hipercorreção, que será analisada
posteriormente.

Ortografia:
gia ‘guia’, desembro ‘dezembro’, defisil ~ deficil ‘difícil’, catesismo
‘catecismo’, deçisão ‘decisão’, teritorio ‘território’, enssinou ‘ensinou’,
servico ~ servisu ‘serviço’.

Os exemplos em (2) mostram claramente a falta de familiaridade com a


escrita por parte dos alunos. Nos exemplos catesismo ‘catecismo’, deçisão
‘decisão’, enssinou ‘ensinou’ e defisil ~ deficil ‘difícil’, observamos as
dúvidas dos alunos para representar graficamente a unidade sonora /s/, que se
encontra registrada como c, s, ss e ç. Segundo Faraco (2012, p. 145) a
representação do /s/ é classificada como relações cruzadas parcialmente
previsíveis e parcialmente arbitrárias, logo apresenta problemas para os
alunos em fase de alfabetização, principalmente em relação às representações
arbitrárias. A mesma análise pode ser feita para /z/ e suas representações
gráficas, como há no exemplo desembro ‘dezembro’. Já em gia ‘guia’ o
problema pode ser trabalhado facilmente pelo alfabetizador junto com seus

11
Aqui há uma série de convergência de regras variáveis, já que tanto no Tetun Prasa,
assim como a transferência de certos traços deste para o PTL, encontramos a ausência
de vogais geminadas, de nasalização e do segmento /m/ em posição final, substituído
por /n/. Sobre a variedade do português falado em Timor-Leste e a influência das
línguas nativas, ver Albuquerque (2011).
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alunos, já que a unidade sonora /g/ possui suas representações gráficas


totalmente previsíveis (relações cruzadas previsíveis): emprega-se gu quando
for seguida das vogais anteriores /i/, /e/ e /ɛ/, e suas respectivas
-se somente g.

Hipercorreção:
femenino ‘feminino’, acontecementos ‘acontecimentos’, ofeciais
‘oficiais’, calegráfia ‘caligrafia’, descobrio ‘descobriu’.

Em (3), estão alguns casos encontrados de hipercorreção. Na maioria


dos exemplos acima, vê-se que os alunos interpretaram aleatoriamente que
um dos grafemas seria e no lugar da ortografia padrão i. Afirmamos que tal
processo por parte do falante ocorre de maneira aleatória pelo motivo de que
em algumas palavras há mais de uma unidade sonora /i/, como em femenino
‘feminino’ e ofeciais ‘oficiais’, e somente uma delas foram interpretadas
como e. O mesmo acontece com a unidade sonora /u/, representada
graficamente por hipercorreção como descobrio ‘descobriu’.
A hipercorreção ocorre pelo fato do aluno leste-timorense, falante de
uma variedade do português, chamada aqui de PTL, ou falante de uma
interlíngua que tenta se aproximar do português padrão, devido à insegurança
linguística em relação à variedade da língua portuguesa falada por ele,
realizar correções indiscriminadamente, achando que, desta maneira, se
aproximará da variedade padrão da língua.

Língua inglesa e indonésia:


evaluação ‘avaliação’, liders ‘líderes’, melaio ~ melayu ‘malaio’.

Na complexa situação multilíngue atual em Timor-Leste, percebe-se


claramente a influência da língua inglesa, que possuí papel importante como
língua de comunicação internacional e também usada pelo grande número de
estrangeiros residentes na capital leste-timorense, Dili, além da proximidade
com a Austrália. Ainda, o indonésio faz parte do cotidiano dos cidadãos de
Timor-Leste, com muitos falantes em situação de bilinguismo/multilinguismo
(língua nativa12 – Tétun – Indonésio), assim como uma parcela significativa
da população escolarizada pelo sistema educacional indonésio. Desta
maneira, foram encontrados certos problemas de interferência das LEs, inglês
e indonésio, na produção textual dos alunos. Porém, estes problemas foram
em número reduzido, quando comparado aos demais casos já apontados. Em
(4), há os exemplos evaluação ‘avaliação’ e liders ‘líderes’ que se
configuram como uma interferência do inglês evaluation [ɪvalueɪʃən]
‘avaliação’ e leaders [li:Dəz] ‘líderes’, enquanto a palavra melaio ~ melayu
‘malaio’ consiste em uma convergência entre o indonésio melayu /mə.‘la.yu/
‘malaio’ e o português europeu malaio, pronunciado [mə.‘la.ɪu].

CONSIDERAÇÕES FINAIS
12
Em Timor-Leste, há aproximadamente 16 línguas nativas, que convivem em
situação de contato com as línguas portuguesa, inglesa e indonésia.
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O presente trabalho foi fruto de pesquisa de campo dos autores e


procurou analisar os “erros” na produção textual de alunos leste-timorenses
em língua portuguesa. Para tanto, além da análise efetuada que se focou nos
fenômenos de interferências da fala na escrita, juntamente com o
desconhecimento do código do português padrão, apresentamos também a
complexa situação linguística de Timor-Leste, com uma série de línguas
nativas e uma grande influência de potências internacionais lusófonas,
Portugal e Brasil, assim como anglófonas, Austrália. Ainda, deve-se também
levar em consideração a língua portuguesa e seu ensino no território leste-
timorense, já que uma grande parcela da população não a fala e no ensino o
aluno nativo está exposto a diferentes inputs, tanto de professores
portugueses, quanto de professores brasileiros, o que acaba por afetar a
produção oral e escrita, pois o aluno ora é influenciado pelas variedades
europeias da língua portuguesa, ora pelas variedades brasileiras.
Compartilhamos a visão de Faraco (2012, p.102), que é válida
também para o ensino de língua portuguesa em outros países lusófonos,
consistindo na elaboração de uma pedagogia da gramática. Esta pedagogia da
gramática deve equilibrar elementos intuitivos, pois o aluno já possui certo
conhecimento linguístico que pode ser estimulado e trabalhado, e
expositivos, é preciso reduzir a quantidade excessiva de conteúdos
gramaticais, enfatizando aqueles que são realmente funcionais para a
produção oral e escrita da língua.
O professor-alfabetizador deve possuir conhecimento linguístico
para a tarefa de trabalhar com seus alunos tal proposta mencionada
anteriormente. A partir do conhecimento linguístico do professor, um passo
inicial é a identificação do perfil, ou perfis, sociolinguístico da turma,
identificando as origens e possíveis variedades faladas pelo aluno e sua
família. Em seguida, o professor parte para o processo de alfabetização,
trabalhando com a classificação das relações biunívocas e relações cruzadas
(previsíveis, parcialmente previsíveis e parcialmente arbitrárias, e totalmente
arbitrárias), assim o professor dispõe de ferramentas para elaborar suas aulas,
enfatizando as relações biunívocas e previsíveis, auxiliando os alunos no
processo de compreensão do código escrito, e iniciando o trabalho de
exercitá-los nas relações parcialmente e totalmente arbitrárias por meio de
tarefas de memorização, de pares de palavras semelhantes e/ou em contextos
significativos, e famílias de palavras, trabalhando sempre com as palavras de
uso mais frequente, deixando casos especiais, exceções e palavras pouco
usadas para momentos posteriores.

REFERÊNCIAS

ALBUQUERQUE, Davi B. O ensino de língua portuguesa em Timor Leste:


variedades e dificuldades. Interdisciplinar (UFS), v.12, p.31-47, 2010.
ALBUQUERQUE, Davi B. O português de Timor Leste: contribuições para
o estudo de uma variedade emergente. Papia, v.21, n.1, p. 65-82, 2011
BORTONI-RICARDO, Stella M. Educação em língua materna: a
sociolingüística em sala de aula. São Paulo: Parábola Editorial, 2004.
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BORTONI-RICARDO, Stella M. O estatuto do erro na língua oral e na


língua escrita. In: GORSKI, E. M.; COELHO, I. L. (Orgs.). Sociolinguística
e ensino: contribuições para formação do professor de língua. Florianópolis:
EdUFSC, 2006. p. 267-276.
FARACO, Carlos A. Linguagem escrita e alfabetização. São Paulo:
Contexto, 2012.
FREITAG, Raquel M. Entre norma e uso, fala e escrita: contribuições da
sociolinguística à alfabetização. Nucleus, v.8, n.1, p. 113-122, 2011.
MOLLICA, Maria C. Fala, letramento e inclusão Social. São Paulo:
Contexto, 2007.
MOLLICA, Maria C.; LOUREIRO, Fernando. Aportes sociolinguísticos à
alfabetização. In: RONCARATI, C.; ABRAÇADO, J. (org.). Português
brasileiro II: contato linguístico, heterogeneidade e história. Rio de Janeiro:
EdUFF, 2008. p. 223-228.
NATIONAL BOARD OF STATISTICS. Timor-Leste Census of
Population and Housing 2004. Priority Tables Editions: National Board of
Statistics and the United Nation Fund for Population, 2006.
SOARES, Magda. Letramento e escolarização. In: RIBEIRO, Vera M.
Letramento no Brasil. São Paulo: Editora Global, 2003. p. 89-113.
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Uma Análise acerca do Trabalho com a


Gramática Normativa e a Variação
Linguística no Contexto Escolar

1
José Batista de Souza
2
Emelson José Silva dos Santos

RESUMO
O presente trabalho objetiva investigar de modo muito cuidadoso a forma como vem
sendo trabalhada nas aulas de Língua Portuguesa a temática relacionada à Gramática
Normativa e à Variação Linguística, tendo como foco, um colégio da rede municipal
da cidade de Coronel João Sá-Bahia (6º ao 9º ano), por serem esses, temas de grande
inquietação e de suma relevância dentro do ensino da disciplina. Será discutida
também a necessidade de o professor dessa área, na referida instituição de ensino,
rever seus conceitos em relação ao tratamento dado a esses dois temas, de modo que
ambos sejam valorizados e contemplados, por se tratar de uma única área – a Língua
Portuguesa, e não dar toda a atenção à gramática normativa em detrimento da
variação linguística. Trata-se de um trabalho cuja metodologia baseia-se na pesquisa
exploratória, utilizando-se a análise bibliográfica, a técnica de coleta de dados com a
aplicação de questionário, e, principalmente, a análise documental, a fim de se colher
respostas para as inquietações apresentadas na instituição alvo da pesquisa.
Palavras-chave: Ensino de Língua Portuguesa. Gramática Normativa. Variação
Linguística.

1
Contato do(a) autor(a):jbdesouza@bol.com.br. Graduado em Pedagogia pela
Universidade Estadual Vale do Acaraú – CE, Graduado em Letras Português/Inglês
pela Faculdade de Tecnologia e Ciências – FTC-EAD e Especialista em Coordenação
Pedagógica pela Faculdade de Administração e Negócios de Sergipe – FANESE.
2
Contato do(a) autor(a): emelsonjose@hotmail.com. Graduado em Letras Vernáculas
pela Faculdade Ages e Especialista em Língua Portuguesa pela Faculdade Pio X.
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INTRODUÇÃO

O ensino de Língua Portuguesa em muitas instituições de ensino do


Brasil, há muito vem deixando a desejar. Devido a uma concepção errônea
em relação ao que se deve trabalhar na disciplina, muitos professores a
trabalham de modo equivocado, fazendo com que os alunos também
aprendam de modo equivocado, e, consequentemente, adquiram uma
formação carente no que concerne ao ensino da própria língua.
Na instituição foco dessa pesquisa não é diferente, pelo contrário, os
equívocos parecem ser ainda maiores, uma vez que se percebe uma grande
fragilidade por parte dos professores no trabalho com a disciplina em
discussão.
Sabe-se que, em muitas instituições educacionais, impera um modelo de
educação, nas aulas de Língua Portuguesa, que dá prioridade ao trabalho com
a gramática normativa, como se esta fosse a única forma correta de transmitir
e retransmitir saberes, deixando de lado a variação linguística, de suma
importância dentro dessa área tão complexa. Desse modo, trabalhar essas
duas vertentes de forma conjunta, é essencial para o aprendizado por parte do
aluno.
Sendo assim, esse trabalho se justifica pelas inquietações que esse tema
tem causado no ensino, e, principalmente, pelo fato de a temática referente à
variação linguística contemplar o plano de curso de Língua Portuguesa da
instituição alvo da pesquisa, mas, não ser abordada na prática, sendo
totalmente deixada de lado.
Nos capítulos subsequentes, serão discutidos de forma separada,
conceitos relacionados à gramática normativa e à variação linguística. Em
seguida, por meio dos procedimentos metodológicos, serão mostrados os
detalhes dessa pesquisa que, logo em seguida, passarão por uma espécie de
análise. No final desse trabalho, serão mostradas as considerações finais
acerca do tema, cujo propósito é clarificar o máximo possível as ideias nele
discutidas, enriquecendo-o ainda mais.

1 GRAMÁTICA NORMATIVA

De modo muito resumido, Bagno (2011, pág. 73) afirma que “a palavra
gramática, em grego, significa exatamente a arte de escrever”, porém, para a
gramática normativa, não é um escrever assistemático, mas, um escrever
totalmente sistemático que privilegia a modalidade escrita da língua,
demonstrando uma preocupação demasiada com a forma “mais correta”, com
base nos escritores renomados na literatura. No entanto, ao se falar sobre a
expressão “mais correta”, cabe indagações muito pertinentes: Só existe
mesmo uma única maneira correta de se usar a língua? Todas as outras
formas de usos da língua são erradas? Por que as diversas manifestações da
língua nos mais diversos grupos sociais não recebem o valor que merecem?
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É a partir de indagações como essas que se percebe que, a gramática, tal


qual é encarada, não leva em consideração a funcionalidade da língua, ou
seja, não aceita que a língua está impregnada de variação, e, desse modo,
deve ser encarada com outros olhos.
A gramática normativa, como o próprio nome sugere, visa estabelecer
uma norma para que todos os falantes da língua sigam, isto é, para ela, não há
maneira correta de usar a língua se não por meio dela. Quaisquer outras
formas usadas pelos falantes, mesmo com justificativas plausíveis para tais
usos, é por ela desvalorizada.
Conforme Bechara (2001), esse tipo de gramática dita as regras do bem
falar e do bem escrever de acordo com aqueles considerados autoridades no
uso da gramática: dicionaristas e gramáticos. Nessa ótica, a gramática
normativa nada mais é do que a gramática tradicional, uma vez que sua
preocupação está no seguimento à risca, da norma.
Nota-se que essa forma de se conceber o estudo da Língua Portuguesa, é
a forma que a escola costuma valorizar e classificar como a ideal, não
levando em consideração que não existe apenas um tipo de gramática, mas,
que existem vários tipos, e, como ser integrante de sua própria língua, o aluno
tem todo o direito de conhecer outros tipos de gramáticas e aprender em
quais momentos de sua vida serão mais propícios usá-los.

2 VARIAÇÃO LINGUÍSTICA

Segundo Dubois (1973, p.609), “variação é o fenômeno no qual, na


prática corrente, uma língua determinada não é jamais, numa época, num
lugar e num grupo social, idêntica ao que ela é noutra época, em outro lugar e
em outro grupo social”. Ou seja, é perceber que a “língua é um organismo
vivo”, conforme já nos disse Saussure, pois, por ser dinâmica, está sempre
em constante mudança.
Sintetizando, pode-se dizer que variação linguística é a variação
encontrada numa determinada língua, levando-se em consideração os
aspectos sociais, culturais, históricos e regionais inerentes a ela.
Cabe enfatizar que a variação linguística, é um modo de linguagem
diferente dos outros modos, principalmente no que tange à linguagem padrão.
Sabe-se que uma nação é identificada entre outros fatores, pela língua, e, que
essa língua pode apresentar mudanças claras em virtude do histórico familiar
do falante, de sua faixa etária, de sua condição social e do espaço geográfico
no qual vive, e, que tais variedades devem, antes de discriminadas pela
escola, ser por ela trabalhadas, de modo que seus alunos sintam-se parte de
um sistema lingüístico comum a toda a sociedade. Em relação ao papel da
escola nesse sentido, Soares entende que:
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Uma escola transformadora não aceita a rejeição dos dialetos dos


alunos pertencentes às camadas populares, não apenas por eles serem
tão expressivos e lógicos quanto o dialeto de prestígio (argumento em
que se fundamenta a proposta da teoria das diferenças lingüísticas),
mas também, e sobretudo, porque essa rejeição teria um caráter
político inaceitável, pois significaria uma rejeição da classe social,
através da rejeição de sua linguagem (... ) uma escola transformadora
atribui ao bidialetalismo a função não de adequação do aluno às
exigências da vida social, como faz as diferenças da teoria linguística,
mas a de instrumentalização do aluno, para que adquira condições de
participação na luta contra desigualdades inerentes a essas estruturas.
(SOARES, 1980, pág. 74)

Conforme o que foi explicitado pela autora acima, como instituição


social responsável por levar educação aos cidadãos, a escola não pode
contribuir com a discriminação de qualquer gênero, principalmente a
lingüística, uma vez que é o papel dela formar e informar, mostrar o padrão
existente na língua e também suas variedades, para que o aluno/cidadão possa
perceber e entender tais variedades e saber como se portar nas mais distintas
situações do cotidiano nas quais a língua é posta em prática.
Tratando-se de um tema tão importante quanto a variação linguística,
não se pode de forma alguma deixar de mencionar um ícone no que tange a
este assunto. Trata-se do lingüista e autor Marcos Bagno (2011), que afirma
que o preconceito lingüístico se baseia na crença de que só existe uma única
Língua Portuguesa digna deste nome e que seria a língua ensinada nas
escolas, explicada nas gramáticas e catalogadas nos dicionários.
Tomando como base o pensamento de Bagno, percebe-se que essa ideia
está enraizada na cabeça de um grande contingente de pessoas, inclusive de
muitos professores. Tal fato ocorre porque grande parte dessas pessoas não
pararam nenhum momento de suas vidas para se dedicarem ao estudo da
própria língua, para conhecer o modo correto de como ela deve ser encarada
e aplicada, ficando, dessa forma, reféns de conceitos ultrapassados criados
por outros, sem se darem ao trabalho sequer de questionar e pesquisar.
Vale frisar que todas as variedades constituem sistemas linguísticos
perfeitamente adequados para a expressão comunicativa e cognitiva dos
falantes. O preconceito linguístico é uma forma de discriminação que deve
ser enfaticamente combatido, e, Marcos Bagno trata deste assunto com
propriedade, prova disso é que sua obra mais conhecida já foi editada 54
vezes, devido sua importância para o tema.
De acordo com Bagno:
A verdade é que no Brasil, embora a língua falada pela maioria da
população seja o português, esse português apresenta um alto grau de
diversidade e de variabilidade, não por causa da grande extensão
territorial do país- que gera as diferenças regionais, bastante
conhecidas e também vítimas, algumas delas, de muito preconceito-,
mas principalmente por causa da trágica injustiça social que fazia do
Brasil, em 2006, o oitavo país com a pior distribuição de renda em
todo o mundo. (BAGNO, 2011, pág. 28)
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A partir do exposto por Bagno, percebe-se que a questão é tão complexa


que, o preconceito lingüístico, uma vez cometido, deixa claro para a vítima,
que tal preconceito não é de valor totalmente lingüístico, mas também social,
ou seja, quando se discrimina uma pessoa por seu modo de falar, critica-se de
forma implícita, sua condição social, pelo fato de não se perguntar quais os
motivos que levam alguém a falar tão diferente da norma padrão, qual o meio
social no qual vive e quais as condições sociais que possui. Deste modo,
antes de discriminar alguém, faz-se salutar que o indivíduo se questione sobre
esses aspectos, para não ser injusto com seus pré-julgamentos sem
conhecimento de causa.

Conforme Pretti:

As variedades geográficas conduzem a uma oposição fundamental:


linguagem urbana e linguagem rural. A primeira cada vez mais
próxima da linguagem comum, pela ação decisiva que recebe dos
fatores culturais (escola, meio de comunicação de massa e literatura).
A segunda mais conservadora e isolada, extinguindo-se gradualmente.
(PRETTI, 1982, pág. 19)
[[

É imprescindível ressaltar que essa comparação entre o espaço


geográfico no qual a língua é observada é de suma importância para o
entendimento da variação lingüística, por ser o espaço geográfico um lócus
de mistura de todos os tipos de etnias, classes sociais, faixa etária, entre
outros, e, como tal, deve ser explorado o máximo possível. Sendo assim, à
luz dos Parâmetros Curriculares Nacionais para o Ensino Médio ( PCNEM):

Dar espaço para a verbalização da representação social e cultural é um


grande passo para a sistematização da identidade de grupos que
sofrem processos de deslegitimação social. Aprender a conviver com
as diferenças, reconhecê-las como legítimas e saber defendê-las em
espaço público fará com que o aluno reconstrua a autoestima.
(PCNEM, 2000, pág. 20)

É nesse contexto dos PCNEM que a escola deve agir, garantido aos seus
discentes espaço para todos os tipos de diversidades, principalmente a
lingüística, tornando-os sujeitos de direito dentro de uma sociedade
multicultural, e, mais do que isso, fazer o seu papel de difusora e
reconhecedora da variação lingüística dentro de suas quatro paredes e fora
dela.
Partindo desse pressuposto defende-se um professor com uma formação
sólida para lidar com questões como essas, nas quais a disciplina e o aluno
sejam valorizados. Um professor que, munido com os conhecimentos
transmitidos pela academia, possa fazer um trabalho diferente em sua área, de
modo que o aluno possa gostar da disciplina, ter interesse pela aula, e,
principalmente, por conhecer profundamente a própria língua.
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Nessa perspectiva, cabe ao professor, seja ele de qual etapa da


educação básica for, valorizar os diferentes modos de expressão oral, tendo a
variação linguística, papel importante dentro do âmbito escolar, uma vez que
se trata apenas de modos de falar diferentes e não necessariamente errados,
conforme grande parte das pessoas pensam, inclusive professores que, na
maior parte dos casos, por não estudarem os fenômenos lingüísticos,
costumam qualificar.
3 PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS

Em virtude da problemática encontrada na instituição alvo da pesquisa,


referente ao trabalho com a gramática normativa e com a variação linguística,
buscou-se compreender os motivos que levam os docentes a desprezarem a
variação linguística em suas aulas, uma vez que tal temática está contemplada
no objetivo geral da disciplina de Língua Portuguesa em todas as séries do
Ensino Fundamental II (6º ao 9º ano).
Foi utilizada, primeiramente, a análise documental, na qual foram
observados os planos de curso de Língua Portuguesa do 6º ao 9º ano, planos
esses que tinham o mesmo objetivo geral em todas as séries.
Segundo o objetivo geral da disciplina, “almeja-se que os alunos
estudem a Língua Portuguesa, considerando suas variações, de modo que ele
possa ampliar seu vocabulário com a inserção de novos termos”.
Além disso, analisando cuidadosamente os referidos planos de curso, o
que se percebeu foi que, em todas as séries, o trabalho na disciplina é
totalmente resumido a classes de palavras, ou seja, gramática normativa.
Para confirmar as impressões acerca dos planos de curso, foram
observados também espelhos de avaliações de todas as séries, cujo objetivo
foi perceber se havia contradição entre o que se sugere nos planos de curso
em comparação ao que se cobra nas avaliações.
Finalmente, foi utilizada outra técnica de coleta de dados – a aplicação
de um questionário, cujos informantes foram 8 professores de Língua
Portuguesa da instituição em foco, cujo objetivo foi compreender, a partir de
questões de múltipla escolha, como esses informantes veem o ensino de
Língua Portuguesa e como conduzem o trabalho na disciplina.

4 ANÁLISE DOS DADOS COLETADOS

Com base nos dados coletados através dos instrumentos citados nos
procedimentos metodológicos, pôde-se notar, com base na comparação entre
os planos de curso da disciplina de Língua Portuguesa e os espelhos de prova
que, a contradição existente é muito grande, pois, em nenhuma das avaliações
foi encontrada questões que abordem a variação linguística, tal qual é
mencionada no objetivo geral da disciplina, pelo contrário, o que ficou
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perceptível nos espelhos das provas foi uma preocupação desmedida com
questões mecânicas referentes à gramática normativa.
O próprio objetivo geral contemplado para a disciplina apresenta
equívocos, pois, a variação linguística não é considerada, como foi proposto.
Além disso, o mesmo objetivo visa a ampliação do vocabulário por parte dos
alunos, vocabulário esse que não fica claro, afinal, que tipo de vocabulário se
almeja ampliar? Também sugere-se no objetivo a inserção de novos termos,
termos esses que não se consegue compreender, pois, em momento algum
isso fica claro.
Em relação ao questionário aplicado aos professores, percebeu-se
que a problemática é ainda maior do que se imaginava, pois, esses
instrumentos revelaram uma deficiência muito grande em relação à
compreensão que os informantes têm acerca da disciplina.
Foram propostas algumas questões, com o objetivo de perceber
como os informantes da pesquisa veem a disciplina que lecionam no
cotidiano e como a colocam em prática. Dentre as questões propostas, foram
escolhidas algumas que serviram melhor para análise da situação.
Conforme uma das questões propostas, notou-se que dos 8
informantes, 2 não são graduados na área, um dado muito importante, pois,
sabe-se que, para atuar numa área, é imprescindível que o docente tenha
conhecimento específico nela, uma vez que, só assim, ele terá condições de
fazer um trabalho que de fato, contemple os objetivos do ensino da disciplina.
Isso não quer dizer que um docente com outra formação não possa fazer um
bom trabalho, mas, a falta de base específica pesará muito nos resultados de
seu trabalho.
Em outra questão proposta, dos 8 informantes, 4 mostraram-se mais
ou menos satisfeitos no trabalho com a disciplina em foco, justificando que
muitos pais não incentivam seus filhos a estudar, que não participam da vida
escolar deles e que muitos alunos não mostram interesse em aprender a
Língua Portuguesa.
Com base nas justificativas desses 4 informantes, notou-se um
incompreensão muito grande por parte deles, pois, o simples fato de dizer que
os pais não incentivam os filhos a estudar e de que não participam da vida
escolar dos filhos não passa de mera suposição por parte dos informantes, e,
com relação à justificativa de que muitos deles não mostram interesse em
aprender a Língua Portuguesa, revela uma fragilidade muito grande em
relação à compreensão do (a) informante em relação à Língua Portuguesa,
pois, ele (a) não percebe que o aluno não precisa aprender a Língua
Portuguesa porque ele já sabe muito sobre ela, afinal, ele vive a Língua
Portuguesa a todo momento, seja falando ou escrevendo. Na verdade, o (a)
informante quis dizer que os alunos, em grande parte, não se interessam por
aprender gramática normativa, e, isso é muito fácil de ser compreendido,
pois, esse é o grande estorvo na vida dos alunos que, por não conseguirem
memorizar estruturas e mais estruturas gramaticais, e por não verem sentido
na mecanicidade com que a língua é tratada, acabam por achar a disciplina
chata, e, consequentemente, tendo aversão a ela.
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Em outra questão proposta no questionário, os informantes deveriam


citar, dentre 6 itens abordados em Língua Portuguesa, 2 que seriam, na
opinião deles, os mais importantes no trabalho cotidiano com a disciplina. Os
resultados apresentados para essa questão foram muito reveladores, e,
mostraram que, de modo geral, os informantes têm visões parecidas em
relação à Língua Portuguesa. Do total de 8 informantes, 7 responderam que
os mais importantes na disciplina são: gramática normativa e compreensão de
texto. Ou seja, provaram o que está nítido tanto nos planos de curso quanto
nos espelhos de avaliações.
O objetivo pretendido em relação à questão anterior era perceber
qual o grau de importância de certos itens no trabalho com a Língua
Portuguesa, e, principalmente, descobrir se eles viam a variação linguística
como importante nesse trabalho, dúvida que ficou bem esclarecida através da
questão proposta, pois, dos 8 informantes da pesquisa nenhum citou o item
variação linguística como sendo importante no trabalho com a disciplina em
questão, dado que só vem confirmar o que já se imaginava.
Numa outra questão, os informantes deveriam citar, dentre 6 tópicos,
2 que eles sempre trabalham em suas aulas, e, mais uma vez, o item variação
linguística foi deixado de lado pelos 8 informantes, os quais, por
unanimidade, citaram gramática normativa como 1º item e leitura e produção
de texto como 2º item. Ou seja, mais uma vez, fica nítido que há um
descompasso muito grande entre o objetivo da disciplina e o que é realmente
colocado em prática.
Em outra questão, os informantes foram questionados sobre a
pretensão de deixar de trabalhar com a disciplina de Língua Portuguesa, e,
mesmo com todas as fragilidades demonstradas até agora, 7 dos 8
informantes responderam que não têm pretensão de deixar de trabalhar nessa
área, pois, segundo eles, mesmo com todas as dificuldades, gostam dessa
área. Apenas 1 informante respondeu que tem pretensão de deixar essa área
nos próximos anos, pois, segundo o mesmo, entrou nela por falta de opção.
Os informantes também foram questionados sobre a leitura de livros
específicos na área, e, 2 dos 8 informantes, responderam que recentemente
leram o livro A Língua de Eulália, de Marcos Bagno, e, esse dado foi muito
importante, pois, contribuiu para a confirmação de que, mesmo que alguns
dos informantes tenham certa noção sobre a variação linguística, não
colocam em prática, conforme foi observado nos instrumentos analisados.
Outro livro específico citado foi Do mundo da leitura para a leitura do
mundo. Além desses dois livros, outro livro foi citado (Pedagogia da
Autonomia), de Paulo Freire, porém, não é um livro específico na área,
mostrando mais uma vez uma certa fragilidade por parte do(s) informante(s)
em saber o que é um livro específico da área ou não.
Na última questão que achou-se interessante analisar, os informantes
foram questionados sobre a frequência com a qual abordam a variação
linguística em seu trabalho, e, as respostas foram no mínimo incoerentes,
pois, dos 8 informantes, 4 responderam que sempre trabalham com a
temática, resposta que é facilmente desmentida pelas respostas de questões
anteriores e dos próprios instrumentos analisados. Dos 4 informantes
restantes, 3 responderam que trabalham com o tema às vezes, informação
também falsa, conforme o que já se enfatizou acima. Apenas 1 informante
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respondeu que raramente trabalha com o tema, mesmo assim, deveria ter
apontado a alternativa nunca.
Em suma, o que se percebeu com essa última questão foi que os
informantes, por unanimidade, não quiseram se comprometer dizendo a
verdade, temendo serem apontados por não abordarem um tema tão
importante, atitude um tanto quanto ingênua, já que o questionário não
identificava o informante, justamente para nenhum deles se sentir exposto
com a análise.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Conforme o exposto nesse trabalho, desde o início até o fim, a
intenção foi discutir a importância de se valorizar a variação linguística
dentro do ensino de Língua Portuguesa na instituição foco dessa pesquisa,
por ser ela de suma importância no aprendizado de língua materna.
Destacou-se em várias passagens desse trabalho uma discrepância
muito grande entre a atenção dada à gramática normativa em comparação
com a atenção dada à variação linguística por parte de muitos professores da
área de Letras. Como as duas temáticas se tratam de uma única área – a
Língua Portuguesa, uma não deveria ser deixada de lado em detrimento da
outra, por se tratar de tirar do aluno a oportunidade de compreender melhor
sua própria língua, conhecer a grande diversidade linguística que seu país
possui e o porquê de a Língua Portuguesa apresentar tantas nuances.
Essa postura não é a postura condizente com o profissional de Letras
conforme se aprende na academia. Pelo contrário, durante o curso, o ponto
mais cobrado do profissional da área está relacionado a conhecer a Língua
Portuguesa de forma ampla, valorizando tanto a gramática normativa quanto
a variação linguística, tendo uma preocupação com o uso dessas duas
vertentes da língua, tanto na teoria quanto na prática.
Faz-se necessário destacar que mesmo com vários profissionais
trabalhando de forma equivocada a Língua Portuguesa, há uma minoria que
busca ser um diferencial, defendendo em seus ambientes de trabalho e nos
locais onde freqüentam, um ensino que contemple a variação lingüística,
vista como de suma relevância dentro de um país multilingui, ou seja, que
fala várias línguas num mesmo lócus. Sendo assim, almeja-se que o número
de professores preocupados com essa temática aumente cada vez mais, de
modo que o trabalho com a Língua Portuguesa possa ser melhorado a cada
dia, não só na instituição alvo dessa pesquisa, mas, nas escolas de modo
geral.

REFERÊNCIAS

BAGNO, Marcos. Preconceito Linguístico, o que é como se faz. São Paulo:


Loyola, 2011.
BECHARA, Evanildo. Moderna gramática portuguesa. 37 ed. Ver. e ampl.
Rio de Janeiro: Lucerna, 2001, in: Módulo Impresso do Curso de Letras
Português/Inglês da FTC-EAD, 6º período, edição de 2007.
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ISSN: 2177-4072

DUBOIS, Jean et alii. Dicionário de lingüística. São Paulo: Cultrix, 1978,


in: Módulo Impresso do Curso de Letras Português/Inglês da FTC-EAD, 6º
período, edição de 2007.
PARÂMETROS CURRICULARES NACIONAIS DO ENSINO
MÉDIO: língua portuguesa. Secretaria de Educação Fundamental. Brasília:
MEC/SEF, 2000.
PRETTI, Dino. Sociolinguística: os níveis da fala- um estudo
sociolingüístico do diálogo na literatura brasileira. São Paulo: Nacional,
1982.
SOARES, Magda. Linguagem e escola: uma perspectiva social. São Paulo:
Ática, 1980.

ANEXO 1

Questionário aplicado ao professor de Língua


Portuguesa

Professor (a): A
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1) Há quanto tempo trabalha com a disciplina de


Língua Portuguesa?

( ) 1 a 2 anos ( ) 7 a 8 anos
( ) 3 a 4 anos ( ) 9 a 10
anos
( ) 5 a 6 anos ( ) mais de 10
anos

2) Você é graduado em qual área?

( ) Letras Português ( ) Pedagogia


( ) Letras Inglês ( ) História
( ) Letras Português/Inglês ( ) Geografia
( ) Matemática ( ) Educação
Física
( ) Biologia ( ) Outra área

3) De que forma você iniciou a docência na área de


Letras?

( ) Por vontade própria, mesmo não sendo graduado (a)


na área.
( ) Por vontade própria, pois, já estava me graduando na
área.
( ) Por vontade própria, pois, já estava graduado (a) na
área.
( ) Por falta de opção, pois, era graduado (a) em outra
área que não havia mais vaga.
( ) Por falta de opção, pois, não era graduado (a) nem
estava me graduando em nenhuma área.

4) Desde que começou a trabalhar com a disciplina de


Língua Portuguesa até hoje, como se sente?
Justifique.

( ) muito satisfeito
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( ) insatisfeito
( ) mais ou menos satisfeito
_____________________________________________
_____________________________________________
_____________________________________________
_____________________________________________
_____________________________________________
_______________________________
5) Dos itens abaixo, cite 2 que, na sua opinião, são os
mais importantes a serem abordados nas aulas de
Língua Portuguesa:
( ) Gramática ( )
Variação Linguística
( ) Compreensão e Interpretação de Texto ( )
Sintática
( ) Produção de Texto ( )
Semântica

6) Dos itens abaixo, qual o que você mais trabalha


durante suas aulas?

( ) Leitura e Produção de Texto


( ) Variação Linguística
( ) Sintaxe e Semântica
( ) Gramática

7) Em relação à Gramática, qual o peso que você atribui


dentro do ensino de Língua Portuguesa?

( ) peso de 100% ( ) peso de


60%
( ) peso de 90% ( ) peso de
50%
( ) peso de 80% ( ) peso de
40%
( ) peso de 70% ( ) peso de
30% ou abaixo disso
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8) Tem pretensão de deixar de trabalhar com a


disciplina de Língua Portuguesa?

( ) Sim. Ainda esse ano.


( ) Sim. No próximo ano.
( ) Sim. Nos próximos anos.
( ) Não. Não penso em sair dessa área porque é a área
que realmente gosto.

9) Tem participado de cursos na área de Letras com que


frequência?

( ) entre 1 e 2 vezes por ano


( ) entre 3 e 4 vezes por ano
( ) Não tenho participado de cursos nessa área.

10) Tem lido livros específicos da área de Letras?

( ) Não.
( ) Sim. Cite 1 caso a resposta seja sim:
______________________________

11) Como vê o desempenho de seus alunos na disciplina?

( ) bom
( ) regular
( ) ótimo
( ) péssimo

12) Dos itens abaixo, qual é o que mais lhe ajudaria a ser
um professor (a) melhor no trabalho com a
disciplina?
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( ) Leituras de livros específicos.


( ) Cursos de capacitação na área promovidos pela
Secretaria Municipal de Educação.
( ) Curso de Especialização na área.
( ) Discussão sobre assuntos relevantes da disciplina
com colegas da área.

13) Costuma dar atenção nas suas aulas ao trabalho com


as variações linguísticas?

( ) Sempre
( ) Às vezes
( ) Raramente
( ) Nunca
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O Resgate pela Arte: a inclusão através do Hip Hop

Daniela de Oliveira Alves1

RESUMO

A arte proporciona respeito e valorização da diversidade. E a partir da dança, esta


expressão corporal foi utilizada como manifestação cultural, numa abordagem
artística que revela a alegria de se descobrir através da exploração do próprio corpo e
das qualidades do movimento. É a arte de mover o corpo como um todo, estabelecida
graças a um ritmo e a uma composição coreográfica. As quais são utilizadas para
proporcionar uma melhora no desenvolvimento social, psíquico e cognitivo dos
alunos da Escola Estadual 11 de agosto. Este artigo baseia-se na análise da aplicação
de um projeto realizado com alunos surdos e ouvintes desta escola com diferentes
níveis escolares, num trabalho de inclusão com o intuito de utilizar a dança, através de
uma metodologia diferenciada e dentro de um contexto interdisciplinar, visando
desenvolver as habilidades motoras, cognitivas e sociais, também quanto a
valorização da sua identidade e resgate de valores culturais. Tentando a partir deste
projeto envolve –lós na dinâmica da escola e livra-los ou afasta-los dos males que
excluem e leva-os para o mundo das drogas e furtos, como estava acontecendo com
alguns dos nossos alunos, explorando o potencial artístico que cada jovem tem à
desenvolver, além de contribuir na melhora dos estudos com uma metodologia
prazerosa, mas que ao mesmo tempo estimula o desenvolvimento da disciplina e
responsabilidade, que serão adquiridas ao se comprometerem quando entraram no
grupo.

Palavras Chave: Dança Inclusão, Surdos.

1
Contato do(a) autor(a): daniela.pp.alves@hotmail.com. Universidade Federal de
Sergipe. Professora de Sala de Recursos/laboratório de línguas da Escola Estadual 11
de Agosto. Licenciada em Pedagogia pela Universidade Federal de Sergipe,
especialista em psicopedagogia, educação inclusiva, e Língua Brasileira de Sinais pela
Faculdade Pio Décimo. Integrante do Núcleo de Pesquisa em Inclusão Escolar da
Pessoa com Deficiência NUPIEPED
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INTRODUÇÃO

O artigo apresentado relata uma experiência de resgate social, psíquico


e cognitivo dos alunos da escola estadual 11 de agosto.

Em 2009, alguns dos nossos alunos da sala de recursos estavam


evadindo, neste período as professoras Daniela de Oliveira Alves e Mônica
de Gois Silva Barbosa eram as responsáveis pelo atendimento educacional
destes alunos, que devido as faltas, procuramos saber e fomos informados
que os alunos se ausentavam porque estavam envolvidos em pequenos grupos
que furtavam nas lojas do centro da cidade e estavam iniciando o uso de
drogas, maconha especificamente, no horário que deveria esta frequentando a
sala de recursos, fazendo seus pais acreditarem que estavam na escola
estudando.

Diante desta problemática, pensamos numa atividade que pudesse


resgata – lós para nossa escola, mas que ao mesmo tempo fosse prazerosa, e
com este intuito criamos o projeto Hip Hop, uma vez que os alunos gostavam
e ouviam este ritmo de música, pois fazia com que eles pudessem ouvir a
vibração da música e sentir-se inclusos no mundo dos ouvintes. Rompendo a
partir deste trabalho as barreiras para a plena participação dos alunos,
considerando suas necessidades específicas, uma vez que [...] “o AEE tem
como objetivo complementar e/ou suplementar a formação do aluno, visando
a sua autonomia na escola e fora dela”. (SEESP/MEC, 2004). A partir da
realização deste projeto tivemos a possibilidade de reconquista-los e
proporcionar uma melhoria no seu desenvolvimento psicossocial.

1 ASPECTOS HISTÓRICOS

Na Grécia, a beleza do corpo e a perfeição dos movimentos norteavam


os estilos, a dança estava inserida no plano educacional elaborado por Platão,
sendo muito importante para a formação dos jovens. Para alguns filósofos, a
música deveria ser o início, pois desencadeava um processo emocional e era
fundamental na educação das crianças e dos jovens. Segundo Caminada
(1999, p. 25), eles utilizavam a dança para a educação dos guerreiros como
forma de preparação para as lutas. Afirmavam que os melhores dançarinos se
tornavam os melhores guerreiros.

Por volta do século XIV, a dança começou a tomar novas formas e


passou a fazer parte da educação dos nobres. Surgiram, então, os estilos de
dança que se distinguiam entre nobres e camponeses pelas vestimentas e
pelos sapatos. Os nobres passavam por um ensino mais específico de
aperfeiçoamento, chamado de balé atualmente.

No século XX danças contemporâneas surgiram enriquecendo ainda


mais este universo. O Hip-hop, a partir de uma das suas vertentes, foi um
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desses, movimento cultural iniciado no final da década de 1960 nos Estados


Unidos como forma de reação aos conflitos sociais e à violência sofrida pelas
classes menos favorecidas da sociedade urbana. É uma espécie de cultura das
ruas, um movimento de reivindicação de espaço e voz das periferias,
traduzido nas letras questionadoras e agressivas, no ritmo forte e intenso e
nas imagens grafitadas pelos muros das cidades.

O hip hop como movimento cultural é composto por quatro


manifestações artísticas principais: o canto do rap (sigla para rythm-and-
poetry), a instrumentação dos DJs, a dança do break dance e a pintura do
grafite. O termo música hip hop refere-se aos elementos rap e DJ, sendo hip
hop também usado como sinônimo de rap.

No Brasil, o movimento hip-hop foi adotado, sobretudo, pelos jovens


negros e pobres de cidades grandes, como São Paulo, Rio de Janeiro, Brasília
e Porto Alegre, como forma de discussão e protesto contra o preconceito
racial, a miséria e a exclusão. Como movimento cultural, segundo
Richard,2005, p. 32, “o hip-hop tem servido como ferramenta de integração
social e mesmo de re- socialização de jovens das periferias, no sentido de
romper com essa realidade”.

2 A DANÇA COMO RESGATE E INCLUSÃO

Diante do papel pedagógico e psicossocial que a dança exerce nas


pessoas, entendemos a necessidade da criação deste projeto, uma boa
oportunidade para resgatarmos alguns alunos da Escola Estadual 11 de
agosto, uma vez que pessoas com surdez enfrentam inúmeros entraves para
participar da educação escolar, decorrentes da perda da audição e da forma
como se estruturam as propostas educacionais das escolas.

Muitos alunos são prejudicados pela falta de estímulos adequados ao


seu potencial cognitivo, sócio-afetivo, lingüístico e político cultural e ter
perdas consideráveis no desenvolvimento da aprendizagem, chegando a
evadirem da escola por falta de estimulo e interesse.

Muitos alunos têm superado limites através do ensino da arte que tem
oferecido possibilidades relevantes na busca de caminhos efetivos
permitindo aos educandos vivenciar expressões e construir
conhecimentos. (BRASIL, 2002, p. 14).

Percebe-se, assim, que a dança possibilita ao aluno desenvolver o


movimento corporal, o conhecimento do seu corpo e de si mesmo, ou seja,
um auto-conhecer. Isso permite um aumento da auto-estima do educando na
medida em que valoriza a identidade de um grupo.

A relação da dança com a deficiência é um extraordinário campo, por


meio do qual podem ser exploradas as construções sobrepostas da habilidade
física do corpo, subjetividade e visibilidade cultural. Um modo de examinar
as pré-concepções das habilidades do mundo da dança profissional é
confrontar tanto os significados simbólicos e ideológicos que o corpo
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deficiente detém em nossa cultura como também as condições práticas da


deficiência. Uma vez mais, estamos numa posição de negociar entre a
representação teatral do corpo dançante e a atualidade de suas experiências
físicas (Brasil, 2002, p. 58). Nesse sentido, o hip hop que é composto por
quatro manifestações artísticas, dentre as quais se podem destacar a dança do
break dance. Normalmente é dançada ao som do Hip-Hop ou de Electro. O
breakdancer, breaker, B-boy, ou B-girl é o nome dado a pessoa dedicada ao
breakdance e que pratica o mesmo.

Inicialmente, o breakdance era utilizado como manifestação popular e


alternativa de jovens para não entrar em gangues de rua, que tomavam Nova
Iorque em meados da década de 1970. Atualmente, o breakdance é utilizado
como meio de recreação ou competição no mundo inteiro. Há também
escolas que organizam grupos de hip hop com objetivos educacionais. São
projetos relevantes que alcançam resultados significativos.

3 METODOLOGIA
Quando pensamos em estruturar e organizar idéias ou ações
educacionais, precisamos desenvolver métodos que possibilitem melhor
aprendizado, sendo que os objetivos de ensino devem ir ao encontro das
atividades pedagógicas a serem desenvolvidas. Ao aplicá-las, devemos
observar alguns parâmetros que nortearão as práticas: os alunos, a sua
disponibilidade, a sua aceitação, o local onde serão aplicadas as aulas e o
respeito ao curso das outras disciplinas.

A escola tem papel fundamental na realização desse trabalho, devendo


dar sustentação ao professor e aos alunos, pois sua função é oportunizar a
socialização do saber, permitindo que o aprendizado ocorra de todas as
formas possíveis. De acordo com Nanni (2001, p. 100),

A escola deverá estar sensível ao mundo daqueles que são a maioria:


as classes populares e se valer da vontade de fazer chegar a elas
conteúdos significativos que tenham relação com sua vida e que
permitam a compreensão em si, das coisas que a cercam, e da relação
entre ambos.

Na escola, o ensino da dança visa ao processo criativo, devendo estar


professor e aluno sempre motivados para as aulas. É de fundamental
importância que haja um planejamento profundo e consciente dos objetivos a
serem alcançados bem como a utilização de estratégias pluridimencionais que
estabeleçam relações entre as demais disciplinas e que permitam ao aluno
desenvolver sua personalidade através de seus conhecimentos, de suas
habilidades, de seus comportamentos e da própria consciência corporal sobre
as individualidades e limitações.

A prática da dança proporciona ao aluno uma ampla consciência


corporal em relação ao mundo e às coisas que evoluem com a prática da
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dança, desenvolvendo a criatividade, a liderança e a exteriorização dos seus


sentimentos.

Antes de iniciar o projeto percorremos um caminho até sua


concretização.

Primeiro, convidamos os alunos que estavam passando por problemas


sociais e questionamos se
havia o interesse de participar. Em seguida convidamos os pais dos alunos
para uma reunião, onde apresentamos o projeto com sua estrutura,
metodologia e regras, todas vinculadas às notas e freqüência da sala regular.
Os pais dos alunos interessados assinaram um termo de compromisso,
autorizando seus filhos.

Num segundo momento criamos um workshop com vários grupos de


Hip Hop, exposição de poesias e discos de Hip Hop. Foi convidado o DJ e
MS Ganso, apresentador do programa Periferia da TV Cultura, o qual
explanou sobre o Hip Hop e suas manifestações artísticas para todos os
alunos da escola, pais e comunidade presente.

O terceiro momento formou-se o grupo composto por alunos ouvintes e


surdos. Na primeira aula apresentamos as regras, os cronogramas das
atividades com aulas semanais na escola, apresentaram o professor –
intérprete, conhecedor do estilo street dance do Hip Hop, que ministrou as
aulas em LIBRAS e Português.

4 RECURSOS

Recurso físico: Sala de artes,

Recursos materiais: Aparelho de DVD, TV, CDs de grupos de hip hop,


pincel, resma de papel chamex, lápis de cor, canetas, réguas, lápis etc.

Recursos humanos: duas professoras e um intérprete conhecedor do hip


hop.

5 AVALIAÇÃO
Muitos são os conceitos de avaliação nos processos educativos. Porém,
para as aulas de dança ainda são recentes os primeiros estudos de sua
aplicação como atividade escolar. Partimos, então, para o método da
observação, uma vez que devemos respeitar as diferenças, pregar a inclusão e
valorizar a participação de todos para que haja maior integração do grupo e
para que se firme em cada aluno a autoconfiança, o que desafiará e estimulará
a superação dos próprios limites.Segundo Nanni (2001 p. 178),
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o processo de avaliação possui como características: descrição do


comportamento motor por uma identificação dos padrões de
movimentos estipulados anteriormente; classificação das habilidades e
performances processadas através (das observações e seqüências e
rotinas de coreografias); ordenação sem instrumentos apropriados para
tal fim
.

Para auxiliar esse método avaliativo de observação, utilizamos recursos


audiovisuais antes e durante as aulas e, também, nas apresentações públicas.
Essas gravações são utilizadas como feedback.

Analisamos o progresso individual e registramos em fichas individuais


o interesse, a participação, o grau e o esforço utilizado nos movimentos
quando o aluno avança melhorando seu desempenho tanto nas aulas de
dança, como nas aulas regulares.

CONCLUSÃO

Partimos da premissa de que o corpo humano possui várias formas de


linguagem e expressividade de seus sentimentos e sensações, com uma carga
histórico-cultural herdada pelas gerações.

O processo educativo engloba todas as formas didáticas para auxiliar o


aprendizado. Através de estudos sobre a Dança/ Educação, desenvolvemos
um projeto e o aplicamos com o objetivo de integrar e socializar e como
suporte para o desenvolvimento motor na aprendizagem. Observamos que
tais objetivos foram atingidos com a execução das aulas.

A música proporciona o encontro entre a ação e a imaginação, fazendo


com que a criança mova as partes do corpo de forma rítmica e harmoniosa.
Os movimentos devem ser encaixados nas frases musicais de acordo com a
criatividade do professor e o grau de absorção e de execução dos alunos,
sempre respeitando suas limitações físicas de força e agilidade.

Esse projeto exigiu dinamicidade, criatividade e muita pesquisa das


vivências socioculturais, pois

a dança, hoje, retrata as ansiedades, idéias, necessidades e interesses


da nossa época, aliadas à forte necessidade do ser humano de
extrapolar a sua essência ou transcender a sua existência em evasões
positivas e significativas nas circunstâncias de sua vida real. (NANNI,
2001, p. 180)

Durante o desenvolvimento, a partir das aulas práticas, do


acompanhamento das professoras do AEE e das apresentações artísticas,
pudemos observar um verdadeiro interesse e participação de
todos,principalmente, daqueles alunos que precisavam de um objetivo, o qual
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pudéssemos explorar seu potencial e com isto afasta-los do mundo do crime,


mostrando novas perspectivas e valorizando –os, trazendo consequentemente,
um melhor desempenho nas atividades escolares e na relação com sua
família.

As aulas de dança igualmente possibilitaram a interdisciplinaridade,


levando ao engajamento no processo educativo, pois a mesma é vista como
parte isolada por possuir uma metodologia mais prática e por ter a ação como
eixo norteador. Ao avaliar as aulas, respeitamos as individualidades,
estimulamos a participação e conscientizamos os alunos dos benefícios da
dança.

Portanto, dançar não é privilégio de alguns, mas um excelente método


capaz de auxiliar na formação pedagógica e capaz de desenvolver em seus
praticantes uma consciência corporal enquanto sujeito transformador do
tempo e do espaço.

REFERÊNCIAS

BRASIL, República Federativa do Brasil. (1997). Parâmetros Curriculares


Nacionais. Artes. Brasília: MEC.
BRASIL, República Federativa do Brasil (2002) Estratégias e Orientações
sobre artes: Respondendo com Arte às necessidades especiais. Brasília:
MEC, SEEESP.
CAMINADA, Eliana. História da dança: evolução cultural. Rio de Janeiro,
Sprint, 1999.
MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO. Secretaria de Educação Especial.
Educação Inclusiva – vol 4. Brasília: SEESP/MEC, 2004.
NANNI, Dionísia. Dança-Educação – pré-escola à universidade. Rio de
a
Janeiro: 3 edição, 2001.
WWW.pt.wikipedia.org/wiki/hiphop.com
RICHARD, Big. Hip Hop consciência e atitude. São Paulo, Ed. Livro
pronto, 2005.
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ANEXOS
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REGISTRO FOTOGRÁFICO

Fotos dos momentos desenvolvidos durante o planejamento,


work shop, aulas e apresentação artística dos alunos da Escola
Estadual “11 de agosto”.

REUNIÃO DE PAIS

Apresentação das regras e


17

metodologia do curso.

Profª Daniela e Prof. Ailton

Work shop sobre Hip Hop: MS e Dj Ganso


apresentando as manifestações artísticas, com
o apoio das professoras Mônica e Daniela.

Apresentação na SEED/SE

Bela finalização, após uma das várias


apresentações artísticas do grupo.
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Produção Escrita de Surdos:


análise de redação do vestibular

Mônica de Gois Silva Barbosa1

RESUMO

A proposta de educação bilíngue para surdos tem suscitado indagações relacionadas à


aquisição da Língua Brasileira de Sinais-LIBRAS pelos educandos surdos e ao ensino
de Língua Portuguesa para tais sujeitos. Pesquisadores têm ressaltado que o processo
de aprendizagem da escrita pelos surdos sinalizadores apresenta peculiaridades que
precisam ser consideradas e analisadas no processo educacional. Dentre tais
particularidades, tem-se observado que em suas produções escritas da Língua
Portuguesa há marcas de interferências das línguas sinalizadas. Assim, em tais
produções há a presença da interlíngua que mescla a estrutura das línguas sinalizadas
com a Língua Portuguesa. À luz desse entendimento e tomando a escrita como objeto
de estudo, neste artigo, será analisada uma redação de um candidato surdo do
Concurso Vestibular 2011 da Universidade Federal de Sergipe, com o intuito de
examinar a interferência da LIBRAS nessa produção. A análise verifica as possíveis
interferências à nível ortográfico e morfossintático. Para dar conta dessa proposta, o
presente estudo baseia-se nas teorias de Faria (2001), Brochado (2003), Quadros e
Schmiedt (2006) e Skliar (2009). De modo geral, constatou-se que há nítidas
interferências da LIBRAS que se manifestaram nos níveis ortográfico e
morfossintático. Apesar dessa interferência, há empregos de procedimentos coesivos e
sentido na produção textual analisada.

Palavras-chave: Escrita. LIBRAS. Língua Portuguesa.

1
Contato do(a) autor(a): monicagsb@yahoo.com.br. Mestre em Letras (UFS).
Professora Assistente I da Universidade Federal de Sergipe (DEDI-Campus
Itabaiana).
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INTRODUÇÃO

Muitas propostas educacionais para surdos foram empregadas ao longo


do tempo, dentre elas pode-se destacar o oralismo, a comunicação total e,
mais recentemente, o bilinguismo. Esse ensino bilíngue propõe que a
LIBRAS seja reconhecida como primeira língua da comunidade surda
brasileira e a Língua Portuguesa (doravante LP) seja ensinada como segunda
língua. Como consequência disso, ao avaliar as produções escritas dos surdos
deve-se levar em conta a interferência da língua de sinais no aprendizado da
LP, visto que há a presença da interlíngua em tais produções.

Dessa forma, neste artigo será examinada a interferência ortográfica e


morfossintática da LIBRAS na produção escrita de um candidato surdo do
vestibular 2011 da Universidade Federal de Sergipe.

O artigo organiza-se em duas partes: a primeira trata-se dos


pressupostos teóricos e a segunda aborda a análise do texto. A
fundamentação teórica subdivide-se em dois tópicos. O primeiro refere-se a
uma explicação sobre interlíngua com o intuito de esclarecer como se dá a
interferência da LIBRAS na produção de LP. O segundo trata-se de uma
reflexão sobre o aprendizado da escrita pelos surdos a fim de ressaltar a
importância da LIBRAS no processo de aprendizagem da segunda língua.

Assim, a elaboração deste artigo justifica-se diante da relevância do


assunto por se tratar de falantes da LIBRAS aprendizes do português como
segunda língua. O artigo trata de um conteúdo relevante para pesquisadores e
professores interessados em estudos linguísticos, pois possibilitará um
esclarecimento sobre as características da escrita do surdo, permitindo um
novo olhar sobre tais produções.

1 A interlíngua
De acordo com Yocata (2005), o termo interlíngua foi consagrado por
Selinker, em 1972. É uma denominação utilizada para designar a língua de
um falante não nativo. No caso da pessoa surda, trata-se de um texto cuja
estrutura linguística combina a estrutura da LP com a da LIBRAS ou outras
formas de sinalização.

Essa transferência de estruturas de uma língua materna para o


aprendizado de uma segunda língua ou língua estrangeira trata-se de um
processo natural de aprendizagem de línguas. Sobre isso, é bastante salutar
frisar o que Lado (1972) menciona sobre o assunto:

Sabemos, pela observação de muitos casos, que a estrutura gramatical


da língua nativa tende a ser transferida para a língua estrangeira. O
aluno tende a transferir as formas das frases, os dispositivos de
modificação, os padrões de números, gêneros e caso da sua língua
nativa. Sabemos que essa transferência ocorre muito sutilmente, de
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modo que o aprendiz nem mesmo a percebe, a menos que se chame a


sua atenção para casos específicos. E, sabemos que, mesmo assim, ele
subestimará a força desses hábitos transferidos, que, suspeitamos,
podem ser tão difíceis de mudar quando transferidos como quando
operam na língua nativa. (LADO, 1972, p. 82).

Desse modo, qualquer pessoa que aprende uma segunda língua


transferirá, de forma espontânea, aspectos gramaticais de sua língua materna
para a língua estrangeira. Isso ocorre no aprendizado de LP pelos surdos, em
que as marcas de transferência vão estar presentes na sua escrita, originando
a interlíngua.

Como está evidenciado pela literatura (QUADROS, 2006; SALLES,


2004; FARIA, 2001; SAMPAIO, 2007; BROCHADO, 2003; MEIRELLES,
2004; SILVA, 1999; entre outros), as crianças ou jovens surdos apresentam
diferenças no que diz respeito ao seu processo de desenvolvimento da escrita
em LP. Em suas pesquisas, os autores chamam a atenção para a interferência
da LIBRAS na escrita da LP por sujeitos surdos.

Nesses estudos, constata-se que, a LIBRAS repercute diretamente na


aprendizagem escrita da LP. Isso ocorre porque a articulação das
propriedades da LIBRAS e da língua alvo dá origem à interlíngua.

Ao se referir aos estágios de interlíngua da escrita da LP por surdos,


Quadros e Schmiedt (2006, p. 34) esclarecem: “esses estágios de interlíngua
apresentam características de um sistema linguístico com regras próprias e
vai em direção à segunda língua.” Isto significa que, em diversos estágios da
escolarização do surdo, a sua produção escrita estará sujeita a diferenciações.
Por isso, nas etapas iniciais, a sua escrita estará muito mais marcada pelas
características da língua de sinais, enquanto nas etapas finais desse processo,
mesmo com particularidades, ela estará mais próxima do português, sua
segunda língua. Isso foi comprovado pelas pesquisas realizadas por Brochado
(2003, p. 308), cujo foco demonstra os estágios de interlíngua em crianças
surdas.

Segundo a autora, no estágio de interlíngua I, observa-se o emprego


predominante de estratégias de transferência da língua de sinais (L1) para a
escrita da LP (L2). Já no estágio de interlíngua II, constata-se na escrita de
alguns alunos uma intensa mistura das duas línguas, em que se observam o
emprego de estruturas linguísticas da LIBRAS e o uso indiscriminado de
elementos da LP, na tentativa de apropriar-se da língua alvo. No terceiro
estágio de interlíngua, há o emprego predominante da gramática da LP em
todos os níveis, principalmente, no sintático, definindo-se pelo aparecimento
de um número maior de frases na ordem Sujeito-Verbo-Objeto e de estruturas
complexas.

Diante dessas particularidades da interlíngua, as marcas de transferência


da L1 podem não ser compreendidas pelo ouvinte no seu primeiro contato
com um texto escrito por um surdo. Isso acontece pelo fato de o ouvinte não
conhecer a realidade do surdo e desconhecer que a produção escrita em LP
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trata-se de segunda língua. (SALLES, 2004, p. 118). Além disso, a educação


bilíngue para os surdos ainda é um projeto utópico na maioria das escolas,
causando um prejuízo enorme na aprendizagem da segunda língua,
repercutindo diretamente na produção escrita desses educandos, muitas vezes
não chegando a um nível adequado de escrita, após anos de escolarização.

Portanto, essa construção que caracteriza uma interlíngua - percurso de


aquisição de uma segunda língua, que tem no ponto de partida sua língua
natural - não pode ser desconsiderada pelo professor em seu procedimento de
avaliação e em seu processo de ensino-aprendizagem da LP. Nesses
momentos, a interlíngua precisa ser considerada pelos profissionais
envolvidos com o ensino da LP.

2 O aprendizado da escrita pelos surdos

Algumas considerações devem ser feitas sobre o aprendizado da escrita


pelos surdos. Desta forma, vale aqui refletir sobre as considerações que
Sanches (2009, p. 41 apud SKLIAR, 2009) faz sobre o aprendizado de leitura
e de escrita para surdos:

Para que qualquer ser humano aprenda a ler e a escrever bem, ou seja,
para que chegue a ser um usuário competente de uma segunda língua,
de um registro específico, como é a língua escrita, fazem-se
necessários três condições básicas, que no caso dos surdos, reiteremos,
não se cumprem. Para adquirir a língua escrita é necessário: a) um
desenvolvimento normal da linguagem; b) um desenvolvimento
normal da inteligência; c) uma “imersão” do “aprendiz” na prática
social da língua escrita. (SÁNCHEZ 2009, p. 41 apud SKLIAR, 2009,
p. 41).i

Para que a primeira e a segunda condição básica citada pelo autor se


desenvolvam naturalmente na pessoa surda, é imprescindível a língua de
sinais, pois é através dela que se dá o desenvolvimento linguístico e cognitivo
do surdo. Dessa forma, os surdos que ainda não têm conhecimento da
LIBRAS e que se comunicam por outras formas de sinalizações, precisam ter
essa oportunidade. Por isso, Faria (2003, p. 177) reforça que “... se o surdo
adquirir a LS como L1 ele terá uma interação comunicativa maior nos
diversos domínios sociais onde está ou possa vir a estar inserido”. Portanto,
ao oportunizar ao surdo acesso à língua de sinais se pratica uma atitude
inclusiva.

Em relação à terceira condição que se refere à imersão na prática social


da escrita, percebe-se que o ensino não considera tal aspecto, professores
reduzem o ensino da leitura e escrita a regras de gramática e
codificação/decodificação. Isso ocorre nas aulas de LP para ouvintes e para
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surdos, em que professores limitam o ensino da LP a explicações de normas


gramaticais.

Considerar a língua de sinais no aprendizado da LP deve ser o primeiro


passo de uma série de mudanças que precisam ser feitas para o benefício da
educação de surdos. Além disso, o processo de ensino-aprendizagem da
leitura e escrita de um surdo não pode ser considerado o mesmo do ouvinte.
Sanchez (2009, p.39 apud SKLIAR, 2009) afirma:

Entre as coisas que mais preocupam na educação dos surdos está o


ensino da língua escrita. Os surdos não sabem ler bem, e os
professores seguem tentando metodologias e estratégias muito
diferentes, algumas simplesmente sem sentido, outras com certocunho
teórico, mas todas guiadas pela preocupação de que os surdos
aprendam a ler, porque assim se supõe que fazem os ouvintes.
(SÁNCHEZ, 2009, p.39apud SKLIAR, 2009, p. 39)ii

A escrita é um processo que exige muito do escritor. É um processo que


requer estratégias que vão além do reconhecimento de palavras e sequências
de frases. Isso se torna mais complexo quando se trata do aprendizado da
escrita de segunda língua. Nesse caso, não considerar a língua de sinais é não
compreender que ela é a língua de instrução necessária nesse processo. Por
isso, Hocervar et al (2009, p. 89 apud SKLIAR, 2009) afirmam que “Em
síntese, pode-se apreciar através das investigações dos últimos anos, que o
instrumento de mediação semiótica mais forte para facilitar o acesso à escrita
das pessoas surdas, é a língua de sinais.”iii (HOCERVAR et al, 2009, p. 89
apud SKLIAR, 2009, p. 89).

A apropriação de conhecimento será realizada através da língua de


sinais que serve como suporte cognitivo para o aprendizado da escrita,
possibilitando à pessoa surda, que desconhece o valor sonoro das palavras,
apropriar-se dessa escrita. Portanto, a língua de sinais é essencial para a
organização das ideias do surdo, tendo sua estrutura morfossintática refletida
nas atividades escritas, produzindo uma escrita distante da tida como padrão
de normalidade. (FERNANDES, 2009, p.67 apud SKLIAR, 2009).

Assim, mesmo desconhecendo a sonoridade das palavras, o surdo


aprende a modalidade escrita. Refletindo sobre o assunto, Fernandes (2009,
p. 96 apud SKLIAR, 2009) afirma:

É evidente que nossa cultura está habituada a supor que o processo de


entrada de regras gramaticais de uma língua para o individuo se dá
através da exposição ao mundo da modalidade oral desta língua.
Embora este seja o processo natural para o mundo dos ouvintes, isto
não quer dizer, obrigatoriamente, que deve ser o processo natural para
o mundo dos surdos. (FERNANDES 2009, p. 96 apud SKLIAR, 2009,
p. 96).
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Pautados em práticas oralistas, educadores se preocupavam em fazer


com que o surdo aprendesse o som das palavras para decodificá-las no
momento da leitura. Por isso, muitas vezes, os surdos decodificam os
símbolos escritos e não compreendem o seu sentido. Ou ainda, decodificam
as palavras de uma determinada sequência e não as interpretam. Isso ocorre
porque o que está escrito não tem sentido presente em uma tradução palavra
por palavra. Esse fato também ocorre nas interpretações de uma língua para
outra, visto que determinadas construções frasais de uma língua não podem
ser traduzidas para outra se levando em consideração apenas a ordem das
palavras. Ler não significa codificar e decodificar palavras, é estabelecer
sentido para o que se lê. O ensino, ao qual estão submetidos, faz estudar
vocabulários soltos e estudar palavras fora de contextos.

Educadores ainda questionam sobre como ensinar aos surdos, pelo fato
de estes não conhecerem o som.

Até hoje educadores nos questionam como é possível dar


independência de leitura a uma criança surda que não tem consciência
de como juntar, sonoramente, letras e sílabas para construir novas
palavras e percebê-las, como se letras e silabas pudessem dar
autonomia suficiente a um falante da língua; como se letras e sílabas
trouxessem, em seu bojo, automaticamente, a consciência de
significados; como se letras e sílabas fossem as unidades básicas de
uma língua ou justificassem a formação das palavras, frases e
contextos. Enfim, como se letras e sílabas fossem o verdadeiro e único
ponto de partida desse processo ou chegada ao letramento.
(FERNANDES 2009, p. 96 apud SKLIAR, 2009, p. 96).

Levando em consideração os aspectos sonoros, professores


desconsideram que o pensamento visual da escrita é um dos aspectos de que
o surdo se serve constantemente. Além disso, eles não podem exigir do surdo
uma construção simbólica tão natural como a do ouvinte. (PERLIN 2010, p.
57 apud SKLIAR, 2010, p. 57).

A língua de sinais, as experiências escolares e seu histórico de vida,


mergulhados em diferentes interações e relações de poder, sinalizam para a
constituição da diferença na construção do objeto escrita, pelos surdos.
(FERNANDES 2009, p. 63 apud SKLIAR 2009, p. 63). Dessa forma, a
artigo, que aqui se apresenta, considera a LIBRAS como uma língua que
serve de referência para a escrita da LP pelos surdos.

3 Análise da interferência da LIBRAS na LP

Antes da análise do texto, faz-se necessário esclarecer alguns pontos


referentes aos candidatos surdos e à prova de redação. Os candidatos surdos,
após realizarem sua inscrição no processo seletivo, passam por uma junta
médica da universidade para comprovar sua surdez. Isso acontece com todos
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os candidatos que se declaram deficientes. Segundo o coordenador do CCV,


o professor Manuel Leite Torres, os candidatos surdos inscritos no PSS 2011
são usuários de LIBRAS e durante a realização das provas tiveram intérprete
à disposição. Para tais candidatos, a prova de redação tem a mesma duração
de tempo da de um candidato ouvinte, entretanto, de acordo com as normas
da coordenação, caso o aluno surdo precise de um tempo a mais lhes é
garantido esse direito.iv

Segundo o edital, a prova de redação consta de um texto argumentativo


sobre um tema proposto, com duração de duas horas. Por exigência do
concurso vestibular, os textos produzidos pelos vestibulandos devem
apresentar um bom nível de expressão, com destaque para os critérios de
coesão e coerência na avaliação.

Deve-se ressaltar que os critérios utilizados nessa análise não deixam


de ter certa subjetividade, e derivam-se da interpretação da analista.
Entretanto, levou-se em consideração a intertextualidade, o tema da redação,
a interpretação do texto do candidato, a coerência das ideias ao longo da
produção. Os exemplos aqui analisados, portanto, são aqueles considerados
relevantes:

No que diz respeito ao domínio da ortografia da LP, sabe-se que as


dificuldades são imensas para as pessoas surdas, visto que a língua de sinais
apresenta uma modalidade gesto-visual e não oral-auditiva. Os surdos
aprendem a partir da memorização das sequencias das letras de uma palavra
por sua capacidade visual e não a partir das estruturas fonéticas. Isso acarreta
muita interferência na escrita das palavras, tais como as encontradas e
descritas abaixo:

FUNADIÁRIO, FUNÁRIO: funcionários.

DOUTRADOR: doutorado.

Verifica-se que as palavras estão acentuadas, por exemplo, ÓTIMA,


DEFICIÊNCIA, PROFISSÕES.

Santana (2007, apud PADDEN, 1998), ao analisar o uso da soletração


na análise ortográfica do inglês por crianças surdas inglesas, demonstra que o
processo de aquisição não é fonêmico, mas se dá pela aprendizagem de
regras posicionais grafêmicas. A pesquisa demonstra que os erros observados
nas construções de palavras são tentativas resultantes em palavras que não se
assemelham na pronúncia, mas na escrita, e são analisadas em dois níveis,
identidade de letras e posição de letras.

Essa pesquisa verifica que “as crianças surdas não realizam sequências
impossíveis nas estruturas ortográficas e mostram seu conhecimento
morfológico na escrita.” (SANTANA, 2007, p. 195, apud PADDEN, 1998).
Tal constatação se enquadra nos exemplos das produções aqui analisadas. As
construções são tentativas de uso que se apoiam na aprendizagem de regras
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posicionais de grafemas, por isso há transposições, substituições e omissões


de letras.

Em relação ao nível morfossintático, verifica-se inadequação de


emprego de Gênero, por exemplo:

MAS SÓ UMA PROBLEMA

O DIA BOA.

Encontra-se no texto verbos empregados na forma infinitiva, visto que


na LIBRAS para designar tempo e modo introduz-se um novo sinal e não
desinências verbais. Sendo assim, o surdo, usuário da LIBRAS, na escrita dos
verbos, emprega-os na forma infinitiva. Observe abaixo:

AS PESSOAS TER...

AS PESSOAS ESCOLHER...

...DIFERENTES GANHAR DINHEIRO...

NA EMPRESA SEMPRE INFORMAR...

EMPRESA ESQUECER...

AQUELA NÃO COLOCAR...

Percebem-se ausências de verbos de ligação durante todo o texto. Isso


se dá pelo fato de na LIBRAS esse tipo de verbo ser ausente.

NO CONCURSO MAIS IMPORTANTE: é mais importante

SEMPRE VAGAS EMPREGADOS AS PESSOAS TER QUE GRAU 2º OU


3º PODER: As vagas dos empregos são para pessoas que têm 2° ou 3° grau.

AS PESSOAS GOSTAM DE VENDEDOR: gostam de ser vendedoras

AS ALGUMAS GOSTAM DE FUNADIÁRIO GOVERNO: gostam de ser


funcionários do governo.

NO CONCURSO MAIS IMPORTANTE VIDA ÓTIMA: Concurso é mais


importante... AS PESSOAS SEMPRE DEMITIR...: As pessoas sempre são
demitidas.

Em relação aos usos ou ausência de preposição e de conjunção,


verificam-se tentativas de uso por parte do candidato. A ausência de tais
termos na LIBRAS interfere diretamente na escrita da LP, pode-se perceber
que há algumas ausências de contração. Entretanto, verificam-se tentativas de
uso por parte dos candidatos:
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IMPORTANTE ESTUDAR DO CURSO

GANHAR DINHEIRO BEM O DIA POR RÁPIDO

A SEMANA DE UM MÊS GANHAR DINHEIRO

IMPORTANTE ESTUDAR DO CURSO TÉCNICO OU PROFISSIONAL

VIDA ÓTIMA É CONCURSO PARA ATÉ APOSENTADORES

NO CONCURSO MAIS IMPORTANTE...

É IMPORTANTE NO FUTURO

Observou-se na redação que algumas palavras cognatas são comumente


empregadas uma no lugar da outra. Essa troca ocorre entre Substantivos,
adjetivos e verbos, conforme exemplos abaixo:

PESSOA EMPREGADORES: empregadas

VAGAS EMPREGADOS: vagas para emprego

1% EMPREGADO VAGA: 1% das vagas para emprego

TRABALHAR BEM: direito

AS PESSOAS HABILITAÇÕES: habilitadas

APOSENTADORES: aposentados

CURRICULAR: currículo

CONTINUADO: continuar

PERFEITAR: perfeito

GANHAR DINHEIRO BEM: ganhar um bom dinheiro

PROFISSIONAL: profissão, vida profissional

Em relação à concordância de termos ou orações foi possível encontrar


na produção desvios de normas gramaticais no emprego da concordância
verbal e nominal. Essas inadequações se deram não apenas entre termos, mas
entre orações. Verifique os exemplos:

PESSOA EMPREGADORES VAGAS ÓTIMO

E AS ALGUMAS PESSOAS: uso inadequado do artigo, supõe-se que o


aluno empregou por considerar o pronome um substantivo.
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AQUELA NÃO COLOCAR “VAGAS PESSOAS E DEFICIENCIA” EM


EDITAL...: Subtende-se “Aquela não coloca no edital ‘vagas para pessoas
com deficiência’.”

A MAIORIA ESCOLA MÉDIO OU SUPERIOR DE EMPREGADOS,


PESSOAS QUEREM MUITO ESTUDAR SER DOUTRADOR GANHAR
DINHEIRO O DIA BOA: Subtende-se: “A maioria dos empregados tem
ensino médio ou superior, mas as pessoas querem muito estudar para serem
doutoras e ganharem um bom dinheiro.”

De acordo com a análise, percebe-se que na redação há interferência da


LIBRAS, mas isso não impediu o uso de elementos de coesão e o sentido da
produção. Há muitos aspectos gramaticais que já sinalizam uma
aprendizagem de estrutura da LP.

CONSIDERAÇÕES FINAIS
A produção escrita de surdos é um campo de pesquisa que vem
crescendo no âmbito nacional, entretanto, tal estudo mostra-se embrionário
no estado de Sergipe. Diante dessa incipiência, este artigo traz resultados que
podem contribuir com informações que possibilitem uma reflexão sobre o
ensino de LP e um repensar sobre uma metodologia de LP em segunda
língua.

Diante da relevância do assunto e supondo a interferência da LIBRAS


na produção escrita da LP, procurou-se através da análise da redação verificar
o nível dessa interferência à nível morfossintático. Partiu-se de uma posição
que admitia a interferência da LIBRAS na LP.

Averiguaram-se nitidamente interferências que se manifestaram no


nível morfossintático. A análise demonstrou que, no desempenho dos
aprendizes durante a produção escrita, a presença da LIBRAS torna-se
bastante evidente e oferece subsídios preciosos para a análise.

Constatou-se a LIBRAS intervém na produção escrita da LP, a segunda


língua, havendo, assim, a presença da interlíngua em tais produções. Isso
interfere nos procedimentos de coesão utilizados, mas não deixa o texto
privado de sentido.

Essas interferências, apesar de ocorrerem pelo fato de ser fruto de um


processo natural de aprendiz de segunda língua, permitem refletir sobre o
ensino de LP para surdos. Portanto, ao avaliar um texto escrito de um aluno
surdo deve-se levar em consideração a interlíngua e, assim, apreciar o
aspecto semântico, como também esclarecer aos professores sobre a
particularidade linguística da pessoa surda.

Diante disso, deve-se deixar claro que, na produção escrita do surdo, há


uma forma peculiar de produzir sentido e expressar suas ideias visto que
indivíduos bilíngues, ao vivenciarem uma situação de interação na segunda
língua, nunca desativam totalmente a primeira língua.
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REFERÊNCIAS

BROCHADO, Sônia Maria Dechandt. A apropriação da escrita por


crianças surdas usuárias da Língua Brasileira de Sinais. Faculdade de
Ciências e Letras de Assis (UNESP), 2003. 439 f. Tese (Doutorado) – Área
de concentração: Filologia e Linguística Portuguesa. Faculdade de Ciências e
Letras de Assis, 2003.
FARIA, Sandra Patrícia de. Interface da Língua Brasileira de Sinais-LIBRAS
(variante falada pela comunidade surda de Brasília) com a Língua Portuguesa
e suas implicações no ensino de Português, como segunda Língua, para
surdos. Revista Pesquisa Linguística, Brasília: LIV/UNB, fascículo 6, série
2, 2001. p.iii-xii.

______. Sandra Patrícia de. A metáfora na LBS e a construção dos


sentidos no desenvolvimento da competência comunicativa de alunos
surdos. Brasília: Universidade de Brasília, 2003. 304 p. Dissertação (Mestre)
- Programa de Pós-graduação em Linguística. Brasília, 2003.
QUADROS, Ronice Muller de & SCHMIEDT, Magali L. P. Ideias para
ensinar português para alunos surdos. Brasília: MEC, SEESP, 2006.
ROBERTO LADO, Introdução à linguística aplicada. Trad. E notas:
Vicente Pereira de Souza. 2 ed. Petrópolis: RJ. Editora Vozes LTDA, 1972.
SALLES, Heloisa Maria Moreira Lima et al. Ensino de Língua portuguesa
para surdos – Caminhos para a prática pedagógica. Brasília:
MEC/SEESP, 2004a. V. 1.
SALLES, Heloisa Maria Moreira Lima et al. Ensino de Língua portuguesa
para surdos – Caminhos para a prática pedagógica. Brasília:
MEC/SEESP, 2004b. V. 2.
SAMPAIO, Maria Janaina Alencar. A construção de textos na escrita de
surdos: estratégias do sujeito na transição entre sistemas linguísticos.
João Pessoa: UFPB, 2007. Dissertação (Mestre) – Linguagem e Ensino.
Universidade Federal da Paraíba, 2007.
SILVA, Marília da Piedade Marinho. A Construção de Sentidos na Escrita
do Sujeito Surdo. Campinas: UNICAMP,1999. 109 f. Dissertação (Mestre)
– Faculdade de Educação na área de Psicologia Educacional. Universidade
Estadual de Campinas.
SKLIAR, Carlos (Org.) A Surdez: um olhar sobre as diferenças. 4 ed. Porto
Alegre: Editora Mediação, 2010.
SKLIAR, Carlos (Org.) Atualidade da educação Bilingue para surdo.
Interfaces entre pedagogia e linguística. 3 ed. Porto Alegre: Editora
Mediação, 2009.
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YOKOTA, Rosa, Aquisição/aprendizagem de línguas estrangeiras – aspectos


teóricos. In.: Ensino e aprendizagem de línguas estrangeiras: reflexão e
prática, BRUNO, Fátima Teves Cabral (org.). São Carlos: Clara luz, 2005.

i
Texto traduzido pela autora do artigo. Segue no original: Para que cualquier ser
humano aprenda a leer y a escribir bien, es decir, para que llegue a ser un usuario
competente de una segunda lengua, de un registro particular, como es la lengua
escrita, hacen falta tres condiciones básicas, que en el caso de los sordos, reiteremos,
no se cumplen. Para adquirir la lengua escrita hace falta: a) un desarrollo normal del
lenguaje; b) un desarrollo normal de la inteligencia; y c) una “inmersión” del
“aprendiz” en la práctica social de la lengua escrita. (SÁNCHEZ 2009, p. 41 apud
SKLIAR, 2009, p. 41).
ii
Texto traduzido pela autora do artigo. Segue no original: Entre las cosas que más
preocupan en la educación de los sordos está la enseñanza de la lengua escrita. Los
sordos no saben leer bien, y los maestros siguen intentando metodologías y estrategias
de muy distinto corte, algunas sencillamente disparatadas, otras con ciertos teóricos,
pero todas guiadas por la preocupación de que los sordos aprendan a leer, porque así
se supone que lo hacen los oyentes. (SÁNCHEZ, 2009, p.39apud SKLIAR, 2009, p.
39).

iii
Texto traduzido pela autora do artigo. Segue no original: En síntesis, se puede
apreciar a través de las investigaciones de los últimos años, que el instrumento de
mediación semiótica más fuerte para facilitar el acceso a la escritura de las personas
sordas, es la lengua de señas
iv
As informações foram obtidas através de entrevista concedida pelo coordenador do
CCV- Coordenação de concurso vestibular Professor Manuel Leite Torres, em
30/05/2011.
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O Surdo na Educação Contemporânea:


um desafio no processo ensino-aprendizagem

Edna Maria dos Santos1

RESUMO
A construção de uma sociedade inclusiva tem como base a valorização da diversidade,
para que se possa efetivar uma prática que venha atender aos anseios da educação
vigente. Em se tratando disso, a Educação de surdos não é diferente da Educação
Geral em seu objetivo porque ambas desejam o desenvolvimento dos educandos.
Desse modo, para que a escola seja democrática deve se preparar para atender cada
um de seus alunos. Visto que, por atender diferentes alunos com características
peculiares é responsável pela formação dos sujeitos. E, por ser um lugar de
aprendizagem, de diferenças e de troca de conhecimentos, precisa, portanto, atender a
todos sem distinção, a fim de não promover discriminações e exclusões. Independente
da clientela, diferentes estratégias deverão ser utilizadas, oferecendo alternativas de
atendimento diversificado. Convicta disto surgiu a inspiração para este trabalho cujo
objetivo é apresentar reflexão sobre Atendimento Educacional Especializado – AEE e
algumas tendências atuais, como as Tecnologias de Informação e Comunicação –
TICs, em destaque o computador na educação de surdos. Destaca-se a importância das
salas multifuncionais e do computador como mediadores na comunicação e
letramento do Surdo numa perspectiva bilíngue. A realização deste contribui para a
mudança de postura das escolas com/sem salas multifuncionais bem como no
desenvolvimento cognitivo e sócio-afetivo dos alunos.

Palavras-Chave: Letramento do Surdo. Salas multifuncionais. Computador.

1
Contato do(a) autor(a): andesan_1121@hotmail.com. Mestranda em Educação pela
Universidade Lusófona de Humanidade e Tecnologias, Especialista em LIBRAS -
Língua Brasileira de Sinais, Educação e Gestão pela Faculdade Pio Décimo, Educação
Inclusiva pela Universidade Tiradentes - UNIT, Graduada em Pedagogia pela
Faculdade Pio Décimo, professora aposentada da Rede Estadual de Ensino, com
experiência em Salas de Recursos multifuncionais e como professora de LIBRAS
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INTRODUÇÃO

No final do século XX, observa-se uma verdadeira “revolução


tecnológica” decorrente do avanço técnico no campo da informática,
colocando à disposição da sociedade possibilidades novas de comunicar, de
produzir e difundir informação. Vive-se uma mutação tecnológica sem
precedentes, com a digitalização que, embora longe de ter esgotado seus
efeitos, já delineia uma nova paisagem comunicacional e informacional. Do
ponto de vista dos usuários, tal mutação leva um nome: internet, e se realiza
em uma máquina ao mesmo tempo incrivelmente complexa e ao alcance de
todos nós: o computadori.

Em boa parte do mundo, a popularização do computador e sua


utilização em diversas áreas é fato inquestionável, assim como na esfera
educacional surge uma nova consciência no uso da informática. Uma era de
mudanças que traz desafios para os sistemas educacionais, pois, nesta nova
configuração social, o universo da informação dos alunos (e professores)
ampliou-se a uma escala nunca antes imaginada.

Diante a esse novo desafio, é indiscutível que os professores


reconheçam que as formas de ensinar precisam ser inovadas adequando-se as
novas tendências tecnológicas. Pois os alunos já não são os mesmos e que
está em construção um novo saber, até então desconhecido por eles e pela
escola. Entretanto, a integração das Tecnologias de Informação e
Comunicação (TICs)ii no cotidiano da escola, de modo criativo, crítico e
competente, é essencial para a formação dos jovens.

Neste contexto, com o paradigma da inclusão, não só digital, mas


também no atendimento à diversidade, as instituições de ensino em sua
maioria não estão preparadas para se adequarem a esta realidade desafiadora
que envolve as tecnologias e os educandos com necessidades educativas
especiaisiii. Com isso, entende-se que as escolas precisam adotar diferentes
competências no âmbito do atendimento e da aquisição do conhecimento
centrado no potencial de cada aluno, e que as limitações oriundas da falta da
audição, ou de outra especificidade não sejam vista como incapacidade para
aprender ou nem mesmo a causa de desestímulo para esses alunos.

Nesse sentido, a escola é uma instituição social encaminhadora de


indivíduos independente de suas características peculiares para a vida em
sociedade, proporcionando-lhe a formação do conhecimento. No caso dos
surdos, para que sua educação seja de fato garantida se faz necessário um
conjunto de recursos e serviços educacionais para apoiar e suplementar,
substituindo os serviços educacionais comuns visto que, muitas vezes são
excluídos do convívio com os ouvintes por suas dificuldades de
comunicação.

Com relação a isso, a Declaração de Salamanca (1994) ressalta que é


dever da escola atender todas as crianças independentemente de suas
condições físicas, intelectuais, sociais, emocionais, lingüísticas ou outras.
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Dentro deste contexto amplo, as questões da vida e do reconhecimento


da dignidade dos surdos ainda estão muito aquém de qualquer parâmetro
eticamente estabelecido. É bem verdade que historicamente muita coisa já
mudou, mas este processo de melhoria na qualidade de vida dos surdos tem
muito ainda a se conquistar.

Em vistas a essas concepções, este trabalho terá como foco as Salas de


Recursos Multifuncionais e o computador como mediadores no
desenvolvimento do surdo. Pretende-se com isso apresentar reflexão acerca
da utilização desses indicadores como alternativas diferenciada no ensino da
Língua Portuguesa como L2 para Surdo, bem como do atendimento
especializado no ambiente escolar para o avanço desses alunos. Essa
contribuição é de fundamental importância para a sociedade atual, já que a
inclusão de modo geral é algo que está em meio às principais preocupações
do mundo contemporâneo.

1 AS SALAS DE RECURSOS MULTIFUNCIONAIS E O


COMPUTADOR: MEDIADORES NA EDUCAÇÃO E
INCLUSÃO DO SURDO

A questão da inclusão de crianças com necessidades educacionais


especiais na rede regular de ensino insere-se no contexto das discussões, cada
vez mais em evidência, relativas à sua integração com deficiências enquanto
cidadãos, com seus respectivos direitos e deveres de participação e
contribuição social. Entretanto, para que isso aconteça é necessário que a
escola se organize e como afirma (ALVES, 2006, p. 9), essa organização
implica em mudanças necessárias:

A educação Inclusiva, a partir do reconhecimento e valorização da


diversidade como fator de enriquecimento do processo educacional,
tem provocado mudanças na escola e na formação docente, propondo
uma reestruturação da educação que beneficie todos os alunos. A
organização de uma escola para todos prevê o acesso à escolarização e
ao atendimento às necessidades educacionais especiais.

Nesse contexto só o reconhecimento e a valorização de pessoas com


necessidades educativas especiais - NEEs não é suficiente para sua inserção
em salas comuns de ensino, como complementa Carvalho (2004), não basta
colocar as pessoas com deficiência em classes regulares, se faz necessário
assegurar-lhes garantias e práticas pedagógicas que rompam as barreiras de
aprendizagem a fim de não se fazer uma educação excludente.

Em respeito a essas mudanças, o acesso ao conhecimento igual para


todos foi garantido com base legal na LDBEN – Lei nº. 9.394/96, no parecer
do CNE/CEB nº. 17/01, na Resolução CNE/CEB nº. 2, de 11/09/2001, na Lei
nº. 10.436 /2002 e no Decreto nº. 5.626 de 22/12/2005 assegurando o direito
à educação (escolarização) realizada em classes comuns e ao atendimento
educacional especializadoiv - AEE preferencialmente em salas de recursos na
escola onde estudam ou em outra escola (ALVES, 2006, p.13).
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Neste sentido, o trabalho desenvolvido pelas salas de recursos é de


grande relevância, pois como assegura (ALVES, 2006, p. 13):

As salas de recursos multifuncionais são espaços da escola onde se


realiza o atendimento educacional especializado para alunos com
necessidades especiais, por meio do desenvolvimento de estratégias de
aprendizagem, centradas em um novo fazer pedagógico que favoreça a
construção de conhecimentos pelos os alunos, subsidiando-se para que
desenvolvam o currículo e participem da vida escolar.

Cabe salientar ainda que este atendimento, embora preferencialmente


deva ser garantido nas escolas – no contraturno -, pode ser realizado fora da
rede regular de ensino, uma vez que seria um complemento e não um
substitutivo da escolarização ministrada na rede regular para todos os alunos.
Sendo assim, atendimento educacional especializado e educação especial não
são sinônimos.

O atendimento educacional especializado é uma forma de garantir que


sejam reconhecidas e atendidas as particularidades de cada aluno com
deficiência. São Consideradas matérias do atendimento educacional
especializado: Língua Brasileira de Sinais (LIBRAS); interpretação de
LIBRAS; ensino de língua portuguesa para surdos; (...) tecnologias
assistivas; informática educativa; enriquecimento e aprofundamento
do repertório de conhecimentos; [...] (Ministério Público Federal,
2004:11(org.: Fundação Procurador Pedro Jorge Melo e Silva)

Com foco neste diferencial nas salas de recursos multifuncionais, cabe


aos professores desenvolver atividades que proporcionem aos educandos uma
aprendizagem centrada no seu potencial. No tocante aos alunos surdos que
apresentam dificuldades de aprendizagem com os métodos tradicionais de
ensino podem apresentar melhorias significativas através do uso da
informática na escola. Contanto, que sejam estimulados pelo professor no uso
do computador como mais um instrumento para a construção de novos
conhecimentos.

Vivemos em uma sociedade informatizada, onde todos, inclusive os


educandos, e como não dizermos os surdos, necessitam do computador
presente em seu processo de aprendizagem. Para a educação dos surdos que
se comunicam de forma visual, esta ferramenta passa a ser prioridade, visto
que possibilita e facilita o desenvolvimento de suas potencialidades de
maneira lúdica. Vale acrescentar que, além de estimulá-lo em sua construção
cognitiva as atividades pedagógicas aplicadas nestes ambientes são
enriquecedoras, de modo a contribuir também na sua relação sócio-afetiva
entre educandos e educadores.

E, partindo do princípio que o surdo vive no mundo dos ouvintes e sua


comunicação é visual gestual, percebe-se que um dos grandes problemas
enfrentado por eles é não poder se expressar através da escrita de sua própria
língua (língua de sinais). Por isso, precisam fazer uso de sua segunda língua –
L2 (língua portuguesa) para escrever, o que é muito difícil para eles, pois o
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código escrito de uma língua oral está fundado em um foneticismo - grafia


baseada nos sons, o que dificulta seu aprendizado.

Este aprendizado é extremamente doloroso, pois, para o surdo, a escrita


de um língua falada passa a ser uma união de símbolos sem significados. Para
um domínio da escrita é preciso um conhecimento da língua falada, o que
para eles não pode acontecer de maneira natural. Por este motivo, eles estão
praticamente limitados de realizar produções escritas Skliar (2001).

Com vistas a isto, sabe-se que ao longo dos anos, a Língua Portuguesa
(LP), tem sido ensinada tanto para crianças como adultos surdos dentro de
um contexto como língua materna (LM). Práticas estas realizadas nas aulas
de LP na inclusão de surdos em turmas de alunos ouvintes v por professores
de alfabetização e graduação. Visto que, foram formados para ensinar LM
através de práticas metodológicas fundamentadas na concepção oralista e por
isso acreditam que o surdo precisa aprender a LP como LM. Daí a crença
que, o conteúdo de LP ensinado para o surdo é o mesmo para o ouvinte.

Entretanto, o intuito de oferecer ao surdo um tratamento não


preconceituoso, mas igualitário oferecem-se as mesmas condições de ensino
do ouvinte, resultando deste entendimento o desnível de aprendizagem onde
ouvintes aprendem os surdos fracassam. Sobre isso, Segundo (FARIA, 2001,
p.1) afirma:

É preciso que os profissionais envolvidos com o ensino de LP para


surdos, conscientes dessa realidade, predisponham-se a discutir
constantemente esse ensino, buscando alternativas que permitam ao
surdo usufruir do seu direito de aprender com igualdade, entendendo-
se, no caso do surdo, que para ser “igual” é preciso, antes, ser
diferente. É inconcebível que o conteúdo de LP para surdo, nas séries
iniciais, e, mesmo nas séries seguintes, quando o aluno ainda não
possui certo domínio da língua escrita, seja o mesmo do ouvinte.

Desse modo, compreendendo a igualdade com vista na diferença, o


ensino da L2 para surdo deve ter caráter comunicativo com o fim não apenas
da comunicação, mas também do acesso à informação e ao lazer. Deve partir
do texto para a gramática, não o contrário. As produções de textos por sua
vez devem partir do contexto, ou melhor, de ações e atividades vivenciadas
no seu cotidiano.

E para auxiliar em sua escrita é conveniente que o professor conheça a


estrutura lingüística da LIBRAS entendo essa como a LM do surdo e assim
estabeleça as diferenças lingüísticas entre ambas. Visto que, o surdo transfere
a estrutura de sua língua para os textos em LP reforçando a Escrita Surda
numa interlínguavi que apresenta, geralmente, a estrutura da língua de sinais
com vocabulário de língua portuguesa.

Apesar de orientados seguindo essa concepção quanto à leitura,


apresentam compreensão reduzida mesmo após muitos anos de escolaridade.
Desse modo, ser surdo é pertencer a um mundo de experiência visual e não
auditiva. A cultura ouvinte é construída com base no sentido da audição, até
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mesmo no que tem de visual, como a escrita. A escrita, devido ao seu caráter
visual, é extremamente importante para o surdo, embora evidenciem esforços
demasiados em ler e escrever, pois disponibilizam apenas da escrita da língua
oral. Perlin, (2001).

Outra concepção relevante na alfabetização de surdos no que diz


respeito à sua escrita, sugere, entretanto, que deve se realizar, inicialmente,
em língua de sinais o signwritingvii ou língua escrita de sinais. Segundo
afirma (STUMPF, 2000, p. 2):

Quando as crianças conseguem aprender uma escrita que é


representação de sua língua natural amadurecem e melhoram todo o
seu desenvolvimento cognitivo. E acrescenta que “a sua importância
dá-se pelo fato de que os surdos que se comunicam por sinais
precisam representar pela escrita a fala própria deles que é viso-
espacial”.

Ainda nesse contexto, (FARIA, 2002, p.12) acrescenta:

Acredita-se que o signwriting é uma forma de agregar as tecnologias


educacionais empregadas no ensino de surdos, além de tornar perenes
e sólidas as idéias dos mesmos, confirmando, reforçando e ampliando
a ‘marca surda’ de pertinência no mundo e, quem sabe, por meio dela,
a História Surda se construa e se sustente sobre a ‘voz’ da maioria
surda, definindo-se e estabelecendo, enfim, a Cultura Surda pelo
próprio surdo, por ideal, por opção, por convicção, por SER SURDO e
se identificar como tal.

Observa-se desse modo que é uma proposta de ensino arrojada, mas


ainda incipiente no Brasil. Sem dúvida, um caminho que emerge aos poucos
e timidamente, por meio da tecnologia auxiliando na educação e no
desenvolvimento de diversas competências.

Para Rocha (2000), ainda é raro no Brasil ambientes computacionais


que trabalhem com a língua de sinais, porém cada vez mais este quadro vem
sendo alterado. Por sua vez o uso do Dicionário LIBRAS on-line
(http://www.dicionariolibras.com.br) é um trabalho já desenvolvido com e
sobre língua de sinais no Brasil pelo professor Fernando Capovilla onde são
desenvolvidos sistemas para comunicação de surdos utilizando sinais, textos
e símbolos através de computadores em rede.

Já no caso da aprendizagem do português como segunda língua pelo


aluno surdo no tocante a importância do uso social da linguagem escrita,
(ARCOVERDE, 2006, p.256) diz que “a apropriação da língua escrita pelos
surdos se dá através das trocas entre as diferentes culturas, e diante disso, as
tecnologias digitais se mostram como um suporte eficaz para a criação de
ambientes que promovem interações sociais”.
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A respeito do Português como L2 para o acesso do surdo à educação, o


Decreto 5.626/2005 que regulamenta a Lei 10.436/2002 que dispõe sobre a
LIBRAS, no CAP IV do art. 15 comenta:

Para complementar o currículo da base nacional comum, o ensino de


Libras e o ensino da modalidade escrita da Língua Portuguesa, como
segunda língua para alunos surdos, devem ser ministrados em uma
perspectiva dialógica, funcional e instrumental, como: I - atividades
ou complementação curricular específica na educação infantil e anos
iniciais do ensino fundamental; e II - áreas de conhecimento, como
disciplinas curriculares, nos anos finais do ensino fundamental, no
ensino médio e na educação superior.

Neste sentido, a língua de sinais, uma vez entendida como a língua


materna do surdo, será, dentro da escola, o meio de instrução por
excelênciaviii, ou seja, a educação de surdos deve ser a língua de sinais
independente dos espaços em que o processo se desenvolva. A língua
portuguesa deve ser tratada como segunda língua, privilegiando-se a escrita,
cujo ensino deve explorar exaustivamente os recursos visuaisix.

Para tanto, no ensino de Língua portuguesa como L2 para surdo, o


professor deve, preferencialmente, ser formado em Língua Portuguesa e que
conheça os pressupostos lingüísticos teóricos que norteiam o trabalho, e que,
sobretudo acredite nesta proposta estando disposto a realizar as mudanças
para o ensino do português aos alunos com surdez. Para isso, é preciso que o
professor conheça muito bem a organização e a estrutura dessa Língua, bem
como, metodologias de ensino de segunda língua.

Desse modo, seguindo os pressupostos lingüísticos o professor trabalha


os sentidos das palavras de forma contextualizada, respeitando e explorando
a estrutura gramatical da Língua Portuguesa com foco nos níveis
morfológico, sintático e semântico-pragmático, ou seja, como são atribuídos
os significados às palavras e como se dá à organização delas nas frases e
textos de diferentes contextos, levando os alunos a perceber a estrutura da
língua através de atividades diversificadas. Conforme (QUADROS, op. cit.:
9) afirma:

É preciso o incentivo à utilização de recursos lingüísticos para se


‘produzir estórias utilizando configurações de mãos específicas,
produzir estórias, em primeira pessoa, sobre pessoas surdas, sobre
pessoas ouvintes, produzir vídeos de produções literárias de adultos
surdos’.

Em complemento a isto, as línguas de sinaisx, dotadas de toda a


complexidade e utilidade encontradas nas línguas orais, possuem gramáticas
próprias, com regras específicas em seus níveis lingüísticos – fonológico,
morfológico e sintático. Outro fator que as diferenciam é a estrutura
seqüencial no tempo, onde as línguas orais são caracterizadas pela
linearidade, pois os fonemas se sucedem seqüencialmente em contraste com
simultaneidade das línguas de sinais onde os sinais possuem uma estrutura
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paralela, podendo emitir sinais envolvendo simultaneamente diversas partes


do corpo do sinalizador (BRITO, 1995 e QUADROS, 1997).

Vale acrescentar ainda, para estímulo na produção escrita dos surdos é


interessante também neste espaço o uso da comunicação em rede através de
e-mails e chats entre os alunos com o intuito de ampliar a fluência na língua
portuguesa. Com vistas a isso, (QUADROS, 2006, p.23) enfatiza:

A sua aquisição dependerá de sua representação enquanto língua com


funções relacionadas ao acesso às informações e comunicação entre
seus pares por meio da escrita. Entre os surdos fluentes em português,
o uso da escrita faz parte do seu cotidiano por meio de diferentes tipos
de produção textual, em especial, destaca-se a comunicação através do
celular, de chats e de e-mails.

Desse modo, o surdo (como o ouvinte) quer se comunicar e, para


utilizar a Internet, precisa atualmente fazê-lo da forma escrita. Apesar de o
português utilizado na rede não ser, em termos da norma culta, esta é uma
oportunidade para a ampliação do seu vocabulário desde que seja orientado.
E isto também pode ser visto no sentido de letramento xi e ser alfabetizado.

É interessante ressaltar que, pesquisas sustentam que se uma criança


surda puder aprender a língua de sinais da comunidade surda na qual será
inserida, ela terá mais facilidade em aprender a língua oral-auditiva da
comunidade ouvinte (FELIPE, op. Cit.: 96-7). E enfatiza, a possibilidade de
ser plenamente multicultural é ter oportunidades nos dois mundos, surdo e
ouvinte.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A educação deve assegurar ao surdo o direito de receber os mesmos


conteúdos que os ouvintes, através de comunicação visual a exemplo das
línguas de sinais, língua portuguesa, e outras línguas no que tange à escrita,
leitura e gramática.

Com relação às línguas ditas L2 necessitam de metodologias e recursos


adequados para seu ensino-aprendizado, visto que o conhecimento da língua
falada e o decorrente domínio da escrita, não ocorrem de maneira natural para
as pessoas surdas. A língua que elas percebem e utilizam de maneira natural é
a língua de sinais, que se constitui na sua língua materna (L1).

Contudo, a falta de conhecimento da Cultura Surda, que é


desconsiderada a partir do momento em que sua língua não é usada como
referencial, gera uma série de problemas na construção do conhecimento,
principalmente, na comunicação do surdo e no estabelecimento de sua
identidade surda.
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Vale ressaltar, portanto, que através das novas tecnologias, consegue-se


resgatar uma nova forma de aprender e, tendo o computador como aliado no
processo educativo, torna-se possível que os professores atuem como
mediadores, cujo papel fundamental é facilitar a aprendizagem, atuando
como orientador e estimulador do processo de ensino-aprendizagem. Para
inserir de forma correta o computador no processo educacional, torna-se
necessário buscar uma maneira de transformar o ensino Instrucionista em um
ensino Construcionista, uma vez que o computador pode favorecer a
construção de uma aprendizagem contextualizada e potencializar o trabalho e
as produções dos educandos surdos.

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NOTAS:

i
Computador significa, segundo os dicionários, aquele que faz contas. os ábacos -
primeiros computadores que se tem notícia, cuja origem remonta há 5000 anos.
ii
Tecnologias de Informação e Comunicação (TIC): termo popularizado na década de
90 e utilizado para nomear as tecnologias requeridas para o processamento,
conversão, armazenamento, transmissão e recepção de informações, bem como o
estabelecimento de comunicações por computador. A terminologia TIC resulta da
fusão das tecnologias de informação, antes referenciadas como informática, e as
tecnologias de comunicação, relativas às telecomunicações e aos media eletrônicos.
As TIC, referenciadas na atualidade, envolvem a integração de métodos, processos de
produção, hardware e software, com o objetivo de proporcionar a recolha, o
processamento, a disseminação, a visualização e a utilização de informação, no
interesse dos seus utilizadores.
iii
O termo "necessidades educacionais especiais" refere-se a todas aquelas crianças ou
jovens cujas necessidades educacionais se originam em função de deficiências ou
dificuldades de aprendizagem. As escolas devem buscar formas de educar tais
crianças com sucesso, incluindo também as que possuam desvantagens severas. Este é
um passo crucial no sentido de modificar atitudes discriminatórias, de criar
comunidades acolhedoras e de desenvolver uma sociedade inclusiva.
iv
- § 1º Considera-se atendimento educacional especializado o conjunto de atividades,
recursos de acessibilidade e pedagógicos organizados institucionalmente, prestado de
forma complementar ou suplementar à formação dos alunos no ensino regular;
- § 2º O atendimento educacional especializado deve integrar a proposta
pedagógica da escola, envolver a participação da família e ser realizado em
articulação com as demais políticas públicas (Decreto nº 6.571, de 17/09/08, que
dispõe sobre o atendimento educacional especializado, e regulamenta o parágrafo
único do art. 60 da Lei nº 9.394, de 20/12/1996).
v
Utiliza-se o termo ouvinte para denominar aqueles que ouvem em oposição a surdo,
termo que denomina os que não ouvem.
vi
Interlíngua é a língua produzida pelo aprendiz em fase de aquisição, língua esta que
não corresponde à língua materna, nem à língua alvo (Vianna, 2001).
vii
O signwriting é um sistema de escrita das línguas de sinais, idealizado e
desenvolvido por Valerie Sutton do Deaf Action Commitee, da Califórnia, USA.
Trata-se de um conjunto de símbolos visuais que podem descrever qualquer língua de
sinais no mundo.
viii
Desde 1954, a Unesco, defende o “direito que têm as crianças que utilizam uma
língua diferente da língua oficial de serem educadas na sua língua” ( apud, Skliar, op.
cit.: 25). Desta forma, propõe a educação básica na LM da criança, o que corresponde
para o surdo, na educação básica em língua de sinais.
ix
A oralização do surdo deve ser opção dela e da família. Feita esta opção, deverá ser
aprendida por métodos artificiais, em atendimentos fonoaudiológicos e em clínicas
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especializadas, não associada às práticas educacionais, onde deve ser privilegiada a


modalidade escrita da língua portuguesa.
x
A comunidade surda de cada país do mundo fala uma Língua de Sinais diferente
uma da outra. Apesar disso, as diferentes Línguas de Sinais possuem estruturas
semelhantes, e são, basicamente, formadas pelos mesmos parâmetros (unidades
mínimas, sem significado, utilizadas na formação de itens lexicais de uma Língua de
Sinais). No Brasil, a comunidade surda fala a Língua Brasileira de Sinais – LIBRAS;
nos EUA, a American Sign Language – ASL; na Itália, a Língua Italiana dei Segni –
LIS, e assim por diante.
xi
letramento é pois, o resultado da ação de ensinar ou de aprender a ler e escrever: o
estado ou a condição que adquire um grupo social ou um indivíduo como
conseqüência de ter-se apropriado da escrita. Enquanto que alfabetizado é o individuo
capaz de ler e escrever. (...) Há, assim uma diferença entre saber ler e escrever –ser
alfabetizada- e viver na condição ou estado de quem sabe ler e escrever –ser letrado-.
(Soares, 2000 p. 36).
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Educação Inclusiva:
proposta didática de orientação sexual para estudantes
surdos

Marcela Santos de Almeida1


Railene dos Santos Menezes2

RESUMO

Este artigo faz parte de uma experiência de graduandos do curso de Ciências


Biológicas com alunos surdos de escolas públicas de Ensino Fundamental do agreste
Sergipano, que trabalharam com alguns temas polêmicos relacionados à sexualidade.
Desse modo, foi desenvolvida uma oficina intitulada “Sexo seguro: É sexo sem risco”
que fez parte da VI Oficina de Ciências, Matemática e Educação Ambiental (VI
OCMEA), realizada na Universidade Federal de Sergipe (UFS), Campus Prof. Alberto
Carvalho, em Itabaiana/SE. Na oficina buscou-se expor assuntos tais como: a gravidez
na adolescência, métodos anticoncepcionais, Doenças Sexualmente Transmissíveis
(DSTs) e reprodução humana a fim de observar o entendimento dos alunos surdos a
respeito desses assuntos. Com isso, o objetivo geral deste trabalho foi apresentar uma
proposta didática de orientação sexual para estudantes surdos. A metodologia
utilizada foi primeiramente um levantamento bibliográfico que serviu de base para
refletir sobre a oficina desenvolvida. Em segundo foi realizada observação
participante ao decorrer da referida oficina, e por último os relatos de experiência
foram estruturados no Microsoft Word. Assim, essa oficina além de abranger
elementos relacionados à sexualidade entre os surdos, também possibilitou a interação
entre ouvintes e surdos, levando a troca de diferentes experiências acerca da
sexualidade de alunos surdos.

Palavras-Chave: Sexualidade, Estudantes de Biologia, Surdos, Oficina.

1
Contato do(a) autor(a): cecelabioalmeida@hotmail.com. Mestranda em Ensino de
Ciências e Matemática pelo NPGECIMA da Universidade Federal de Sergipe/ UFS.
2
Contato do(a) autor(a): railene@usp.br. Mestranda em Educação (Ensino de
Ciências) pela Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo/FE-USP.
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INTRODUÇÃO

Várias pesquisas têm enfocado a importância da inclusão do aluno surdo


em escolas de ensino regular (BORGES, 2004; GUARINELLO et al., 2006).
Conforme Borges (2004) a leitura e a escrita de crianças surdas evidenciam
que há uma necessidade de conhecimento de mundo para que essas crianças
possam atribuir um sentido ao que elas leem.

Nesse sentido, escolas inclusivas devem reconhecer e atender às


necessidades diversas dos alunos. Desse modo, o termo inclusão sugere que a
escola em conjunto com o corpo docente procure se adequar às necessidades
dos discentes para que sejam inseridas na instituição sem maiores problemas.

Sabe-se que o aluno surdo passa por muitos obstáculos em uma escola
inclusiva. A deficiência auditiva se caracteriza pela privação sensorial, ou
seja, uma perda ou uma diminuição considerável do sentido da audição.
Assim, a inclusão escolar dos surdos em escolas para alunos ouvintes propõe-
se oferecer ao aluno surdo, na escola e na sala de aula, as mesmas condições
de comunicação oral oferecidas ao aluno ouvinte (BOTELHO, 1999; SILVA,
2010).

No entanto, para Botelho (1999) o aluno surdo necessita de condições


formais e específicas de aquisição de uma nova língua, pois os surdos se
orientam a partir da visão. Então, isso significa que a organização perceptual
fundamental de quem tem uma perda auditiva se dá a partir da visão, e não da
audição.

Em vista dessas necessidades específicas dos surdos, no processo de


aprendizagem na educação inclusiva é preciso que o docente utilize na
comunicação e no ensino, a linguagem oral com certas adaptações, como
falar mais devagar e com clareza, sempre de frente para o aluno surdo, e
registrar no quadro as informações que fornece oralmente, sendo essas as
principais atitudes (BOTELHO, 1999).

Além da presença do docente qualificado para a construção do


conhecimento do aluno surdo, é relevante a participação de um intérprete de
língua de sinais na sala de aula. Como são várias situações pedagógicas no
ambiente escolar, o intérprete que tem sido considerado um fator mediador
nos processos de leitura e de escrita do surdo (BOTELHO, 1999).

Já Lebedeff (2010) ressalta que:

O surdo é apresentado como um sujeito pertencente a uma minoria


linguística e cultural, que merece e necessita de um espaço
educacional que respeite essas diferenças, proporcionando condições
de leitura e compreensão de um mundo que é, também, sexualizado
(p.1).

Porém, a questão da sexualidade no campo da surdez sempre foi pouco


discutida (LEBEDEFF, 1993; MOUKARZEL, 2003; CURSINO et al. 2006),
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porque o foco maior da discussão da diferença na surdez por muito tempo foi
a língua e cultura dos surdos.

Diante desse contexto sobre educação inclusiva, o presente artigo


aborda o tema sexualidade e orientação sexual para alunos surdos, através da
apresentação de uma proposta didática vinculada a educação sexual.

De acordo com Pinheiro et al. (2010) como muitos surdos não tem
acesso a serviços de educação em saúde sexual, isso os tornam bastante
vulneráveis a ocorrência de gravidez precoce e infecção por Doenças
Sexualmente Transmissíveis (DSTs) /AIDS.

O objetivo desse trabalho foi apresentar uma proposta didática de


orientação sexual para estudantes surdos, a partir de oficina elaborada por
alunos de graduação em parceria com a Universidade Federal de Sergipe,
interpretes de LIBRAS e professores especialistas em educação inclusiva.

1 EDUCAÇÃO INCLUSIVA PARA SURDOS

Esta parte do trabalho buscou refletir sobre a implantação da educação


inclusiva no Brasil. Tendo em vista a precariedade linguística tanto em casa
como na escola, vale à pena problematizar questões relativas à educação
inclusiva para compreender um pouco mais a respeito da sexualidade de
surdos.

Sabe-se que crianças e adolescentes surdos enfrentam muitos desafios


para serem alfabetizados, mas esse processo é importante para que ocorra a
inclusão social do surdo (CARVALHO e MORAES, 2002).

Nesse sentido, Lopes (1998) afirma que:

Os surdos, quando não representados como sujeitos culturais, entram


no rol dos desajustados, desintegrados da sociedade ouvinte,
deficientes e incapazes de se desenvolverem sem o auxílio de grupos
dominantes culturalmente. A escola não pode mais representar e
contar os sujeitos com os quais trabalha, referendada em um único
modelo de normalidade ou deficiência. Ela precisa procurar vê-los
dentro do hibridismo em que estão envolvidos enquanto sujeitos
diferentes e pertencentes a um grupo cultural em permanente
construção e desconstrução de conceitos, comportamentos, valores
[...] (p.114).

A partir dessa discussão, é importante ressaltar que foi no início da


década de 1990 que se fundamentou a ideia da adaptação do sistema escolar
as necessidades dos educandos. Essa ideia ficou conhecida como a fase da
inclusão que propõe um sistema educacional único e de qualidade ao qual
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venha atender os alunos com ou sem deficiência sem distinções (BORGES,


2004; SÁ, 2006; SILVA, 2010).

Nessa perspectiva, a comunicação entre surdos e surdos e entre surdos e


ouvintes, começou a ser desenvolvida através da utilização de recursos
possíveis, seja através da fala, de gestos ou outros recursos visuais. Com base
em Carvalho e Moraes (2002) as escolas inclusivas através de um currículo
apropriado e organizado, estratégias de ensino, uso de recursos e parceria
com as comunidades e a família pode favorecer o processo de aprendizagem
dos surdos.

Assim sendo, a Educação Especial no Brasil começa, de fato, a ser posta


em prática na segunda metade do século XIX. Mas, estudos da filosofia e
medicina inferiam que a incapacidade dos surdos de desenvolverem uma
linguagem própria os desabilitavam para o processo educacional (SILVA,
2010).

Então, a educação dos surdos teve como foco principal nos seus
primórdios a maneira como deveria se desenvolver a linguagem (SÁ, 2006).
Alguns eram favoráveis que o ensinamento da linguagem para os surdos,
devesse ser a mesma utilizada pelos ouvintes, enquanto outros achavam mais
coerentes as ideias de se criarem através de sinais, uma linguagem baseada na
utilização de sinais que pudessem ser apreendidas tanto pelos surdos quanto
pelos ouvintes.

Silva (2010, p, 5) comenta que a língua de sinais no Brasil só foi


considerada uma língua, “[...] em 24 de abril de 2002 quando o então
Presidente da República, Fernando Henrique Cardoso, sancionou a lei que
reconheceu a LIBRAS como meio legal de comunicação entre os surdos”.
Essa língua teve origem na Língua de Sinais Francesa criada por Eduard
Huet, que conjuntamente com a Língua Portuguesa passou a ser considerada
língua oficial a partir da aprovação da Lei nº 10.436, de 24 de abril de 2002
(SA, 2006).

De acordo com Silva (2010), a Constituição Federativa do Brasil de


1988, no artigo 208, determinou ser dever do Estado, o atendimento
educacional especializado, aos portadores de deficiência, na rede regular de
ensino, logo a pessoa com deficiência deve ser acolhida pela rede regular de
ensino e, preferencialmente, atendida por esta.

Conforme Borges (2004) a Lei de Diretrizes e Bases (LDB) de 1996,


também apoia a inclusão e entende que a educação deve ser a mais integrada
possível, propondo que os alunos com necessidades especiais sejam incluídos
à rede regular de ensino.

Nesse sentido, é relevante ressaltar que é só depois da LDBEN


(9394/96) é que a educação especial passa a ser objeto de muitos debates,
além da recomendação de a educação inclusiva deve contar com o apoio
especializado, para o atendimento adequado aos alunos especiais (SILVA,
2010).
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2 PROPOSTA DE ORIENTAÇÃO SEXUAL PARA


ALUNOS SUDOS: ASPECTOS METODÓLOGICOS

Como metodologia para o estudo de relatos de experiência sobre a


oficina “Sexo seguro: É sexo sem risco”, primeiramente foi feito um breve
levantamento bibliográfico que serviu de base para refletir sobre o público-
alvo da oficina desenvolvida. Segundo foi feita observação participante ao
decorrer da referida oficina, e por último os relatos de experiência foram
estruturados no Microsoft Word, e a análise de conteúdo foi realizada
conforme sugere Bardin (2004).

Em relação à observação participante, tal metodologia é definida por


alguns teóricos como algo útil, e como ressalta Carvalho (1987, p. 65), “A
observação é o ponto de partida eficiente e fundamental para toda atividade
criativa, e é também um ponto de retorno, no sentido de que a observação de
um processo pode oferecer dados para uma posterior avaliação do mesmo”.

Quanto a analise de conteúdo, seguiu-se as orientações de Bardin (2004)


sendo feita categorização dos termos recortados dos relatos de experiência
que foram digitados no Microsoft Word.

Para Bardin (2004) categorizar é dividir notações e agrupá-las de acordo


com o objeto de referência. Esta técnica de analise consiste em três fases, a
primeira delas, compreende a pré-análise, que sintetiza a organização das
idéias; a segunda fase comporta a exploração do material e na terceira é dado
tratamento aos resultados, que pode ser feito através de uma análise
estatística, por porcentagem ou interpretações.

3 RESULTADOS DA OFICINA DE ORIENTAÇÃO


SEXUAL PARA ALUNOS SURDOS

De acordo com Lebedeff (1993) foi constatado o desconhecimento das


pessoas com relação à sexualidade dos surdos. Porém, o que mais chama
atenção, é que pessoas com deficiências, assim como os demais, estão
expostas à cultura sexual abordada pelos meios de comunicação.

Em função da sexualidade para os surdos, Moukarzel (2003) comenta


que para a maioria dos surdos, a sexualidade está restrita a uma concepção
biologizante, ou seja, “[...] com ênfase na genitalidade e na procriação”
(p.184).

Concomitante a essa opinião, Cursino et al. (2006) afirmam que


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O termo sexualidade para grande parte dos jovens adultos,


principalmente os homens, ainda remete a um conceito biologizante,
que reduz a sexualidade ao ato sexual ou a formas de prevenção de
doenças ou métodos contraceptivos (p.39).

Os estudos desses autores vêm ao encontro dos anseios do objetivo do


presente artigo, que foi elaborar uma oficina com o propósito de orientação
sexual para alunos surdos, da Educação Básica. Desse modo, foi
desenvolvida uma oficina intitulada “Sexo seguro: é Sexo sem risco” que fez
parte da VI Oficina de Ciências, Matemática e Educação Ambiental (VI
OCMEA), realizada pelos graduandos de biologia da Universidade Federal
de Sergipe (UFS), Campus Prof. Alberto Carvalho, em Itabaiana/SE. Os
professores especialistas auxiliaram no processo de elaboração das oficinas
junto com os graduandos.

Buscou-se expor assuntos tais como: a gravidez na adolescência,


métodos anticoncepcionais, Doenças Sexualmente Transmissíveis (DSTs) e
saúde reprodutiva a fim de observar o entendimento dos alunos surdos a
respeito desses temas.

Primeiramente, um grupo de estudantes da UFS foi para as escolas


convidar os alunos para participar da VI OCMEA. Para a oficina “Sexo
seguro: é Sexo sem risco”, todas as vagas foram preenchidas. Esta oficina foi
realizada no período da noite, na referida universidade.

Os temas propostos para realizar as discussões foram apresentados no


PowerPoint. Também foram utilizadas muitas figuras e ilustrações para
abordar os temas já citados. Os alunos de graduação iam falando devagar, e
os intérpretes faziam a mediação através da LIBRAS.

Além dessa exposição sobre sexualidade através de imagens, foi


apresentado um filme com atores que usavam a linguagem de sinais, e que
também possuía legenda. O filme abordava temas como a gravidez na
adolescência, métodos anticoncepcionais e sistema reprodutor. Assim, os
temas abordados eram introduzidos e aprofundados, na medida em que os
próprios alunos desencadeavam questões de seu interesse.

Através das observações e interações com os alunos surdos, percebeu-se


que no começo ficaram bastante quietos. Somente com um tempo depois que
eles começaram a expor as dúvidas, curiosidades, e também o que já sabiam
sobre os conteúdos abordados. Então, uns tinham dúvidas sobre virgindade,
relação sexual, anticoncepcionais e gravidez. Já outros manifestaram
curiosidades sobre o corpo humano e métodos anticoncepcionais.

Além disso, é importante ressaltar que muitos apresentaram ansiedade


para conhecer mais sobre o corpo humano. E o que chamou muito a atenção
dos componentes da oficina foi que durante a exposição do tema DSTs, eles
fizeram silêncio e alguns pediam para explicar novamente.

Percebeu-se que assim como os alunos ouvintes já possuem


conhecimentos prévios sobre os temas abordados neste trabalho, alunos
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surdos também já conhecem sobre sexualidade, por isso, é necessário que o


professor e equipe escolar busquem novas estratégias para mediar o processo
de ensino-aprendizagem de conteúdos relacionados a sexualidades e
orientação sexual.

ALGUMAS CONSIDERAÇÕES

O estudo aqui realizado constitui-se de momentos de reflexão sobre


educação inclusiva e educação sexual para surdos. Então, não se pode negar
que exista todo o subsídio legal brasileiro para garantir a inclusão do aluno
com necessidade especial à rede regular de ensino, porém a realidade que se
apresenta é diferente.

A inclusão no ambiente escolar consiste em possibilitar à criança um


desenvolvimento dentro dos limites pessoais. Também consiste na
importância do papel dos profissionais e especialistas que atuam nesta área
em exercerem um papel de mediadores do processo de aprendizagem e
inclusão.

Em virtude do crescente número de casos de gravidez entre


adolescentes, percebe-se a importância de se criar um espaço para abordar
questões a respeito da educação sexual para adolescentes surdos, a fim de
favorecer uma reflexão mais ampla sobre temas relacionados com
sexualidade. Também foi relevante a aplicação da oficina para alunos surdos
sobre sexualidade, pois se percebeu que os alunos já tinham conhecimentos
sobre temas como gravidez na adolescência e métodos anticoncepcionais.

Além disso, a interação e troca de experiências foi bastante


enriquecedor para todos os participantes da oficina, pois, os alunos surdos
não são deficientes, são diferentes, pois precisam de condições especiais para
que ocorra efetivamente a inclusão no ambiente escolar.

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Surdez e Bilinguismo: algumas considerações

Mônica de Gois Silva Barbosa1

RESUMO

A educação bilíngue para surdos tem sido debatida por muitos pesquisadores, gerando
discussões sobre o espaço que deve ocupar a Língua Brasileira de Sinais-LIBRAS e a
Língua Portuguesa (doravante LP) no processo educacional da pessoa surda. Diante
da relevância de tal assunto, o presente artigo tem como objetivo refletir sobre
questões pertinentes à surdez, à importância da LIBRAS para o desenvolvimento do
aluno surdo e ao aprendizado da Língua Portuguesa como segunda língua no
processo educacional. Para tanto, faz-se necessário esclarecer pontos relevantes como
língua/linguagem, pessoa surda, bilinguismo. Para dar conta dessa proposta, tal
reflexão apoia-se em Quadros (1997), Sá (2000), Fernandes (2005) e Skliar (2010).
As leituras permitem constatar que as metodologias aplicadas no contexto atual
desconsideram a LIBRAS como primeira língua da comunidade surda brasileira.
Além disso, o ensino de LP para os surdos não é ministrado com metodologia de
segunda língua. Como conseqüência dessa realidade, há muitos surdos que não
conhecem de maneira satisfatória a LIBRAS, nem a LP. Tal reflexão permite
compreender que no desenvolvimento educacional da pessoa surda, cada língua tem a
sua importância no processo ensino-aprendizagem, devendo ficar bem claro o valor
que ambas tem, por se tratar de primeira e segunda língua da comunidade surda
brasileira.

Palavras-chave: Bilinguismo, LIBRAS, Língua Portuguesa.

1
Contato do(a) autor(a): monicagsb@yahoo.com.br. Mestre em Letras (UFS).
Professora Assistente I da Universidade Federal de Sergipe (DEDI-Campus
Itabaiana).
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INTRODUÇÃO
Na educação de surdos a abordagem bilíngue entende que a pessoa
surda pode adquirir naturalmente a língua de sinais da comunidade surda, sua
primeira língua, e aprender sua segunda língua i, a língua oficial do seu país.
O conceito mais importante que essa filosofia traz é de que os surdos formam
uma comunidade, com cultura e língua próprias

Deve-se ressaltar que, no presente artigo ao empregarmos o termo


bilingue para pessoa surda considera-se que ela deve aprender a língua oficial
de um país através da escrita e não para fins auditivos. Aqui, entende-se que a
oralização dos surdos é opcional e não é de competência educacional.

Para uma melhor reflexão sobre o assunto, esse artigo está organizado
em duas partes. A primeira, trata de crenças e preconceitos que ainda existem
em torno da LIBRAS e da pessoa surda. Isso tem gerado prejuízos na
educação da pessoa surda levando a práticas educacionais sem resultados
positivos.

A segunda parte debate sobre o bilinguismo na educação de surdos,


refletindo sobre a LIBRAS como primeira língua e sua importância no
processo de aprendizagem da LP como segunda língua.

Ao refletir sobre esse assunto, busca-se compreender melhor as práticas


educacionais, da realidade atual, direcionadas à pessoa surda e entender a
importância de um efetivo ensino bilíngue.

1 Crenças em torna da libras e da pessoa surda


Inicialmente, devem-se esclarecer as concepções entre língua e
linguagem para melhor compreender porque as línguas de sinais se
classificam como línguas naturais humanas. A palavra linguagem é usada
com referência à linguagem em geral, aplica-se a uma série de sistemas de
comunicação, notação ou cálculo, que são sistemas artificiais ou naturais,
humanos ou não. Portanto, linguagem é um termo mais abrangente que o
vocábulo língua.

A palavra língua refere-se aos sistemas naturais de comunicação quando


se tratam de um sistema de símbolos flexíveis, adaptáveis, de natureza
gramatical, pertencente a um grupo de indivíduos. Sobre isso, Quadros e
Karnopp (2004, p. 28) afirmam:

Assim sendo, a língua é um sistema padronizado de sinais/sons


arbitrários, caracterizados pela estrutura dependente, criatividade,
deslocamento, dualidade e transmissão cultural. Isso é verdade para
todas as línguas no mundo, que são reconhecidamente semelhantes em
seus traços principais.

As pesquisas linguísticas de Stokoe, na década de 1960, constataram


que as línguas de modalidade visuoespacial representavam um sistema
linguístico legítimo e não se tratavam de uma patologia da linguagem. Ele
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comprovou que a língua de sinais apresentava os critérios linguísticos de uma


língua genuína, no léxico, na sintaxe e na capacidade de gerar infinitas
sentenças. (QUADROS E KARNOPP, 2004).

Portanto, as línguas de sinais são línguas naturais e não são universais.


Cada país apresenta as suas línguas, que se originaram naturalmente a partir
do contato surdo-surdo, surdo-ouvinte. Deve-se frisar também que a LIBRAS
não apresenta uma unidade no Brasil. Da mesma forma que os ouvintes não
falam o mesmo português, os surdos não falam a mesma LIBRAS. Há
variedades linguísticas de sinais que devem ser aceitas sem preconceito.
Sobre isso, Gesser (2009) assegura:

A língua de sinais, ao passar, literalmente, “de mão em mão”, adquire


novos ‘sotaques’, empresta e incorpora novos sinais, mescla-se com
outras línguas em contato, adquire novas roupagens. O fenômeno da
variação e da diversidade está presente em todas as línguas vivas, em
movimento. (GESSER, 2009, p. 40-41).

A língua de sinais, há pouco tempo, deixou de ser considerada uma


língua ágrafa. A escrita da língua de sinais, denominada de signwriting, ainda
é pouco divulgada no Brasil e, no momento, passa por um processo de
padronização. No país, o sistema de escrita ainda é incipiente, estando em
fase de experimentação. (GESSER, 2009).

Além dessa reflexão sobre língua, deve-se esclarecer que,


historicamente, constituíram-se duas concepções da surdez. Em uma delas a
surdez se define como deficiência, trata-se de uma visão patológica, fruto da
tradição médica que vê o surdo como portador de uma deficiência,
precisando ser “normalizado”, ou seja, tornar-se ouvinte. Na outra
concepção, de viés cultural, a surdez é vista como diferença, há aceitação e
valorização das línguas de sinais como também há o reconhecimento de que a
pessoa surda pertence a uma comunidade com cultura própria. Nesse
trabalho, adota-se uma postura contrária ao viés patológico. Aqui, a surdez é
vista como uma diferençaii. Assim, corrobora-se com o pensamento de Sá
(2002), Skliar (2010), Gesser (2009) e Fernandes (2009):

Muito além da dimensão biológica e limitada da surdez encarada


como “deficiência auditiva”, “limitação fisiológica” ou “patologia”,
que os bancos escolares edificam sob a égide da cientificidade, está a
dimensão sócio-histórico-cultural que a caracteriza como diferença
construída historicamente e, portanto, geradora de identidades
múltiplas e multifacetadas. (FERNANDES, p. 59 apud SKLIAR,
2009, p. 59).

É importante frisar que, ainda hoje, o discurso construído e aceito pela


maioria das pessoas gera concepções equivocadas de surdez, línguas de sinais
e pessoa surda, como também empregos de termos inadequados como surdo-
mudo, mudinho, entre outros. Silva (2005, p. 43 apud FERNANDES, 2005),
ao explanar sobre isso, afirma:

As referências às pessoas surdas vão do termo surdo-mudo, como se


todos os surdos fossem mudos, ao reducionismo de se achar que o
surdo é apenas alguém que não ouve ou a quem só falta falar. Assim
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sendo, é fundamental que se entenda como se formam as


representações sociais para que, através deste conhecimento, se possa
compreender melhor o cotidiano escolar e, a partir dessa consciência,
se desenvolvam estratégias pedagógicas que venham a contribuir para
a melhoria da qualidade de ensino. (SILVA, p. 43 apud
FERNANDES, 2005, 43).

Essas concepções pautadas na medicalização têm gerado falhas no


processo educacional das pessoas surdas. Apesar de as práticas educativas
das últimas décadas terem gerado novos discursos em relação à surdez e à
pessoa surda, ainda se percebe que as ideias dominantes de séculos, de que
ser surdo é uma pessoa incompleta, falha e defeituosa, encontram-se
disfarçadas em métodos equivocados, na tentativa de normalizar a pessoa
surda. Skliar (2010) discorre sobre isso e assegura:

As ideias dominantes, nos últimos cem anos, são um claro testemunho


do sentido comum segundo o qual os surdos correspondem, se
encaixam e se adaptam com naturalidade a um modelo de
medicalização da surdez, numa versão que amplifica e exagera os
mecanismos da pedagogia corretiva, instaurada nos princípios do
século XX e vigente até os nossos dias.(SKLIAR, 2010, p.7).

Apesar da vigência de práticas pautadas no oralismo, como afirma o


autor, há, no momento, um discurso a favor do bilinguismo. Entretanto, faz-
se necessário que a criança surda se reconheça como parte de uma
comunidade surda. (QUADROS, 1997). Considerar essa situação é essencial,
visto que a maioria das crianças surdas que chegam à escola são filhas de pais
ouvintes que desconhecem a LIBRAS, utilizando em seus lares formas
gestuais criadas para estabelecer a comunicação. Assim, para que a LIBRAS
seja uma das línguas de uma criança surda, é necessário o contato com surdos
adultos para garantir sua aquisição. A autora ainda alega que:

Se a língua de sinais é uma língua natural adquirida de forma


espontânea pela pessoa surda em contato com pessoas que usam essa
língua e se a língua oral é adquirida de forma sistematizada, então as
pessoas surdas têm o direito de ser ensinadas na língua de sinais. A
proposta bilíngue busca captar esse direito. (QUADROS, 1997, p. 27).

Das palavras acima, advém a confirmação de que propiciar à criança


surda a exposição a LIBRAS, o mais cedo possível, é fundamental ao seu
desenvolvimento. Privá-la disso é desrespeitar um direito que lhe assiste.

2 Bilinguismo na educação de surdos


De acordo com documentos legais, como o decreto nº. 5.626/2002, a
educação de surdos no Brasil deve ser bilíngue, como destacado no capítulo
IV, garantindo o acesso à educação por meio da língua de sinais e o ensino de
língua portuguesa como segunda língua, na modalidade escrita. Para tanto, no
seu quarto capítulo se lê: “ofertar, obrigatoriamente, desde a educação
infantil, o ensino da libras e também da língua portuguesa, como segunda
língua para alunos surdos”. Desse modo, verifica-se que a educação bilíngue
para pessoas surdas já é um direito garantido em Lei. Por isso, faz-se
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necessário repensar as práticas atuais para que tal ensino seja efetivado e
proporcionado aos estudantes surdos.

É sabido que a educação para os surdos, durante muitos anos, reduziu o


ensino de LP a treinamento articulatório para o desenvolvimento da língua,
na modalidade oral. Atualmente, tem-se o bilinguismo como uma nova
proposta de ensino, tendo como uma de suas premissas a presença da língua
de sinais no contexto educacional. Entretanto, será que nos espaços escolares
a LIBRAS tem sido, de fato, aceita como língua da comunidade surda?
Quadros (2005, p.31 apud FERNANDES, 2005), ao refletir sobre isso,
assegura:

...as propostas bilíngues estão estruturadas muito mais no sentido de


garantir que o ensino de português mantenha-se como a língua de
acesso ao conhecimento. A língua de sinais brasileira parece estar
sendo admitida, mas o português mantém-se como a língua mais
importante dos espaços escolares. Inclusive, percebe-se que o uso
“instrumental” da língua de sinais sustenta as políticas públicas de
educação de surdos em nome da “inclusão”. (QUADROS, 2005, p.31
apud FERNANDES, 2005, p.31).

A LIBRAS, além de precisar ser entendida como língua da comunidade


surda brasileira, necessita ocupar seu espaço linguístico no ambiente
educacional. Não basta admiti-la como uma língua que servirá como uma
opção, um instrumento, caso o aluno surdo não seja oralizado, ou não saiba
se comunicar pela escrita da LP. A propósito disso, Skliar (2010) adverte:

Também sabemos que determinadas representações sobre a educação


bilíngue - e não somente no que se refere ao caso dos surdos-podem se
constituir numa ferramenta conservadora e politicamente eficaz para
reproduzir uma ideologia e uma prática orientada para o
monolonguismo: utilizar a primeira língua do aluno para “acabar”
rapidamente com ela, com o objetivo de “alcançar” a língua oficial.
(SKLIAR, 2010, p. 10).

Essa suposta prática bilíngue não proporciona a inclusão da


pessoa surda no processo educacional. Por isso, Quadros (2005, p. 31 apud
FERNANDES, 2005) alega que “A língua de sinais, ao ser introduzida dentro
dos espaços escolares, passa a ser coadjuvante no processo, enquanto o
português mantem-se com o papel principal. As implicações disso no
processo de ensinar-aprender caracterizam práticas de exclusão.”
(QUADROS 2005, p. 31 apud FERNANDES, 2005, p.31).

Portanto, torna-se urgente que os profissionais envolvidos com a


educação de surdos entendam que promover o bilinguismo envolve
considerar não somente a necessidade de duas línguas, mas dar espaço
privilegiado à língua natural dos surdos, como também considerar a
identidade e a cultura surda como eixo fundamental. (SÁ, 2010, 183-184
apud SKLIAR, 2010, 183-184).
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Definitivamente, a LIBRAS não pode ser vista como língua secundária,


visto que se a LIBRAS ocupar seu espaço linguístico como a língua
institucionalizada da comunidade surda, a LP ocupará seu lugar de L2. Essa
problemática é discutida por Faria (2001, p. 04), ao afirmar que “o ensino de
LP para surdo, necessariamente, precisa de metodologia de ensino de
segunda língua, a preocupação não está na adaptação curricular, mas na
substituição da disciplina de LP como LM pela de LP como L2.” Sobre isso,
ainda assegura:

A disciplina de língua portuguesa deve ser ministrada em turma


distinta daquela dos alunos ouvintes, pois a referida disciplina é
ministrada como língua materna para os ouvintes e como segunda
língua para os surdos. A metodologia de ensino de uma e outra é
bastante diferente, sendo impossível, portanto, conciliá-las numa
mesma disciplina. (FARIA, 2002, p. 77).

Essas representações ouvintistasiii sobre surdez e sobre pessoa surda têm


levado ao fracasso a educação de tais sujeitos. A relação de poder dos
ouvintes sobre os surdos tem resultado em falhas que geram consequências
na vida do sujeito surdo. Profissionais da PUC do Paraná publicaram, em
1986, um resultado que se verificou que 74% dos surdos não chegam a
concluir o ensino médio. De acordo com o INES (Instituto Nacional de
Educação de Surdos), em 1995, constatou-se que o Brasil tinha apenas 5%
das pessoas surdas estudando em universidades e a maioria era incapaz de
lidar com o português escrito. (SALES, 2004, p. 57). Ao observarmos a
realidade atual, percebemos que discentes surdos ficam anos no ensino
regular e não são capazes de ler textos curtos ou escrever simples cartas.
Sobre isso Salles (2004) garante:

Essa realidade de fracasso é enfim o resultado de uma gama complexa


de representações sociais, sejam históricas, culturais, linguísticas,
políticas, respaldadas em concepções equivocadas que reforçam
práticas em que o surdo é condicionado a superar a deficiência,
buscando tornar-se iguais aos demais. (2004, p. 57).

Hocervaret al (2009, p. 87 apud SKLIAR, 2009) também afirmam que:

Os dados estatísticos demonstram que são poucos os surdos que têm


feito suas leituras e escritas como se aprende em todas as dimensões;
não são leitores nem escritores competentes. Normalmente, têm
grandes dificuldades para compreender os textos escritos e sua escrita
é distante da convencional apesar dos anos de escolaridade
obrigatórios.iv

Muitos professores ainda não aceitam os alunos surdos como capazes,


ou não reconhecem a LIBRAS como a língua institucionalizada da
comunidade surda. Diante disso, Silva (2005, p. 47, apud FERNANDES
2005) assegura que “é fundamental que o surdo seja aceito como uma pessoa
que tem capacidade para construir uma outra linguagem. E isso só acontece
quando sua língua, a língua de sinais, for de fato, respeitada.” (SILVA 2005,
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p. 47, apud FERNANDES 2005, p. 47). Gesueli (2003, p. 147 apud SILVA et
al, 2003) também reflete sobre isso ao garantir que:

A Língua de Sinais ainda é utilizada como instrumento para se atingir


a oralização ou a língua escrita na tentativa de transformar o surdo em
ouvinte, o que, em geral, é sinônimo de fracasso. Os ouvintes ainda
não entenderam que aceitar a Língua de Sinais é também aceitar a
surdez como diferença. (GESUELI 2003, p. 147apud SILVA et al,
2003, p. 147).

A LIBRAS precisa ser difundida nos lares de pais ouvintes que têm
filhos surdos e nas escolas, pois percebe-se que comunicações gestuais
criadas pela família ou professores ainda se fazem presente no dia-a-dia da
pessoa surda, tornando-se a primeira forma de comunicação desses
indivíduos. Entretanto, como a LIBRAS é reconhecida legalmente como a
língua da comunidade surda brasileira, faz-se necessário oportunizar aos
surdos o conhecimento dessa língua.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Diante da reflexão acima, é notório afirmar que os surdos precisam estar


em um espaço que possibilite sua formação bilíngue: tendo o direito de
aprender a LIBRAS como primeira língua e a LP com metodologia adequada.
Isso possibilitaria aos estudantes surdos um maior conhecimento em LP
resultando em uma escrita com nível de interlíngua mais avançado.

Atualmente, o aluno tem aprendido a LP em turmas de ouvintes, ou


seja, com metodologia de LM. Um ensino de LP como segunda língua se faz
urgente para que os alunos surdos tenham oportunidade de ter esse direito
que já é garantido em lei, concretizado nas instituições de ensino. Além
disso, muitos surdos só têm contato com a LIBRAS após o ingresso nas
escolas visto que a maioria nasce em lares de ouvintes.

Essa realidade apresentada acarreta consequências graves para o


desenvolvimento do surdo resultando em alunos sem a devida preparação
após anos de estudo. Sobre isso Sá (2011, p. 20) afirma que, no Brasil, a
maioria dos surdos não conhece de maneira satisfatória a LIBRAS, nem a LP.

Aprender a ler e a escrever bem é uma realidade ainda distante da


vida da maioria dos surdos. Essa situação pode ser alterada, proporcionando a
criança surda acesso à língua de sinais o mais cedo possível, visto que o
contexto familiar em que o surdo está inserido é composto em sua maioria
por pais e irmãos ouvintes. Assim, aqui se defende uma educação bilíngue
para surdos, pois tornar um surdo bilíngue é uma necessidade para
proporcioná-los mais autonomia.

Nesse caso, difundir a LIBRAS também aos familiares oportunizaria


aos surdos um ambiente linguístico natural, preparando-o para o aprendizado
da LP. Além disso, que essa seja sua língua de instrução nas instituições de
ensino para que o aluno tenha acesso aos conteúdos disciplinares através da
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sua primeira língua e que essas crianças tenham a oportunidade de aprender a


LP com metodologia de segunda língua.

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Mediação, 2009.

i
Aqui, compreende-se que segunda língua (L2) é uma língua não-materna que se
sobrepõe a outra(s) que circula(m) setorialmente ou com restrições. (ALMEIDA
FILHO, 2009).
ii
Nessa pesquisa não se tem a intenção de entrar em aspectos políticos e ideológicos,
nem mesmo se aprofundar em questões específicas dos estudos culturais.
iii
De acordo com Skliar (2010), representações ouvintistas tratam-se de um conjunto
de representações dos ouvintes, a partir do qual o surdo está obrigado a olhar-se e a
narrar-se como se fosse ouvinte. É nesse olhar-se e narrar-se que acontecem as
percepções do ser deficiente, do não ser ouvinte, percepções que legitimam as práticas
terapêuticas habituais.
iv
Los datos estadísticos demuestran que son pocos los sordos que han hechos suyas la
lectura y la escritura, como para poder aprovecharlas en todas sus dimensiones; no
son lectores ni son escritores competentes. Generalmente tienen grandes dificultades
para comprender los textos escritos y su escritura está alejada de la convencional a
pesar de los años de escolarización obligatoria. (HOCERVAR et al, 2009, p. 87 apud
SKLIAR, 2009, p. 87).
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A Leitura dos Valores Contemporâneos no


Conto “Procurando Firme” de Ruth Rocha
na Sala de Aula

José Ricardo Carvalho (UFS)1


Silvana Machado Oliveira Lisboa (UFS)2

RESUMO

Este trabalho tem o objetivo de refletir como os contos de fadas interferem na


formação da criança. Sendo assim, analisaremos como os conteúdos mágicos destas
narrativas entretêm e contribuem para processo de formação de valores. Procuramos
entender o engajamento da criança no universo imaginário, possibilitando o
desenvolvimento psicológico e intelectual envolvido na construção de valores. A
escolha do tema se justifica pelo fato de querermos entender como a leitura dos contos
de fadas pode influenciar na formação de valores das crianças, criando nela princípios
de reflexão e criticidade sobre o mundo. A partir da leitura do conto de fadas
contemporâneo “Procurando Firme” de Ruth Rocha, retratamos como uma princesa e
um príncipe são vistos na realidade atual. Este conto leva a criança a refletir sobre
como as coisas mudam com o passar do tempo, determina para eles que existem
outras maneiras de agir. Portanto, trás consigo o ensinamento voltado para autonomia,
liberdade de pensamentos e de atitudes. A pesquisa realizada mostra que os contos de
fadas, realmente, agem sobre o modo de pensar e se expressar das crianças, pois
estimula não só o habito da leitura como também sua formação pessoal.

Palavras – chave: Contos de fadas, criança, sala de aula.

1
Contato do(a) autor(a): ricardocarvalho.ufs@hotmail.com. Professor Adjunto da
Universidade Federal de Sergipe. Campus Universitário Prof. Alberto Carvalho.
Departamento de Educação. Doutor em Letras pela Universidade Federal Fluminense
(UFF).
2
Contato do(a) autor(a): silvania.mac@hotmail.com. Graduada do Curso de
Pedagogia
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INTRODUÇÃO

Os contos de fadas são de origem muito antiga, e no seu principio não


eram destinados às crianças, mas com o passar do tempo foram sendo
reformulados e sofreram modificações tornando-se mais adequados ao
publico infantil. Por volta do século II a.C. até o século I da era Cristã, o
povo Celta acrescentou as historias bem antigas, a presença forte das fadas,
mulheres “iluminadas”, capazes de prever o futuro de outra pessoa, em
especial a quem elas protegiam. E a imaginação popular dotou as de
pequenas asas, varas de condão, diminuíram seu tamanho, mas sempre
vendo-as como belas e bondosas. (TELLES, 2000, p. 8).

Também na visão de Coelho os contos de fadas originaram-se entre os


celtas, com heróis e heroínas, cujas aventuras estavam ligadas ao
sobrenatural, ao Mistério do além - vida e visavam à realização interior do ser
humano. Daí a presença da fada, cujo nome vem do termo latino “fatum”,
que significa destino. (COELHO, 2000, p.155).

Ainda de acordo com Telles (2000), em suas origens, muitas das


histórias de fadas eram extremamente violentas. Quando transposta para o
papel por PERRAULT, a violência ainda foi mantida nessas historias. Já os
irmãos GRIMM e mais ainda ANDERSEN procuravam valorizar outros
sentimentos. Mais importante que a punição violenta era destacar, por
exemplo, o bom caráter da princesa, ou a bondade do fraco sendo superior à
maldade do vilão.

Os contos de fadas, desde o seu surgimento como pode se perceber


seduz os seres humanos, pois relata história que falam dos desejos, sonhos e
da própria vida. Ao estudar os contos de fadas e analisar o inconsciente
coletivo, torna-se possível definir que há semelhanças entre os diferentes
tipos de contos, isso torna-se possível após o estudo de que as estórias são
compostas em uma linguagem simbólica cheia de diversos arquétipos e mitos
presentes em vários tempos ou lugares.

A maioria dos contos de fadas se originou em períodos em que a


religião era parte muito importante da vida; assim, eles lidam,
diretamente ou por inferência, com temas religiosos. As estórias das
Mil e Uma Noites estão cheias de referências à religião islâmica.
(BETELHEIM, 1999, p. 14).

Partindo deste contexto, apresentado pelo autor supracitado,


entendemos que a origem dos contos de fadas teve influência da religião. “É
por volta do final da Idade Média que, sob diversas aparências, o conto
popular se torna literário.” (PAZ, 1995, p.53). No Brasil e em Portugal, os
contos de fadas, na forma como são hoje conhecidos, surgiram em fins do
século XIX sob o nome de contos da carochinha. Esta denominação foi
substituída por "contos de fadas" no século XX. Somente depois do século
XIX é que passou a ser denominado literatura infantil.
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Por fim, os contos de fadas formaram no decorrer de sua trajetória


construções significativas no que diz respeito à formação da personalidade,
construção de valores, vivência e formação da consciência humana. Oferece
aos leitores expressões do pensamento mítico e função psíquica relacionada à
formação de arquétipos. Os contos de fadas são histórias que trazem em seu
bojo os dilemas que encontramos em nossas vidas, trazem as expressões mais
puras e mais simples dos processos psíquicos do inconsciente coletivo.

1 Os contos de fadas e a formação de arquétipos e valores

Os arquétipos, como elementos estruturais formadores que se firmam no


inconsciente, dão origem tanto às fantasias individuais quanto às mitologias
de um povo. Por lidarem com conteúdos da sabedoria popular, com
conteúdos essenciais da condição humana, é que esses contos de fadas são
importantes, perpetuando-se até hoje. Neles encontramos o amor, os medos,
as dificuldades de serem crianças, as carências (materiais e afetivas), as auto-
descobertas, as perdas, as buscas, a solidão e o encontro. Para Coelho:

Os mitos e arquétipos são matéria prima da literatura maravilhosa, e


os símbolos são a linguagem que expressam e tornam comunicável
esta literatura. Ao estudar alguns teóricos, a autora tenta caracterizar
os três termos, da seguinte forma “os mitos nascem na esfera do
sagrado, arquétipos correspondem à esfera humana e símbolos
pertencem à esfera da linguagem. (COELHO, 2003, p. 85).

Partindo deste entendimento o amor, a inveja, o ciúme, o ódio, o desejo,


entre outros, dão força as ações humanas, são elementos estruturais
formadores que se firmam no inconsciente, dão origem tanto às fantasias
individuais quanto às mitologias de um povo. Por lidarem com conteúdos da
sabedoria popular, com conteúdos essenciais da condição humana, é que
esses contos de fadas são importantes, perpetuando-se até hoje. Neles
encontramos o amor, os medos, as dificuldades de serem criança, as carências
(materiais e afetivas), as auto-descobertas, as perdas, as buscas, a solidão e o
encontro.

Os contos de fadas são mediadores da formação de valores nas crianças,


eles apontam caminhos a serem seguidos e permitem ao indivíduo uma
perfeita união entre as sensações de emoção e razão. É construído valores
éticos e emocionais que permitem a criança crescer e virar um adulto
reflexivo sobre suas atitudes e as de outrem. Os contos de fadas interferem,
ainda, na formação da personalidade das crianças e na formação de sua
identidade enquanto sujeito no mundo.

Os contos de fadas narram histórias fantásticas sobre seres que moram


em reinos fantasiosos ou imaginários e exercem influência sobre a formação
da personalidade infantil, uma vez que lendo as estórias as crianças se tornam
capazes de vencer os obstáculos que a vida lhe impõe. O contato da criança
com os contos de fadas permite a criação de uma camada de força interior
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que permite vencer os medos e crer que ela é capaz de fazer qualquer coisa
que esteja ao seu alcance.

Dessa forma é importante citar o elemento maravilhoso dos contos de


fadas, pois este trás a criança o incentivo de apreciar e procurar entender os
mistérios que giram em torno das narrativas literárias e de seus personagens
místicos, fantasioso que desenvolvem nos contos fenômenos e poderes
sobrenaturais.

Vivendo de acordo com o princípio do prazer, os porquinhos; mais


novos buscam gratificação imediata, sem pensar no futuro e nos
perigos da realidade, embora o porquinho do meio mostre algum
amadurecimento ao tentar: construir uma casa um pouco mais
substancial do que o mais novo. Só o terceiro e mais velho dos
porquinhos aprendeu a viver de acordo com o princípio da realidade:
ele é capaz de adiar seu desejo de brincar, e de acordo com sua
habilidade de prever o que pode acontecer no futuro. É até mesmo
capaz de predizer corretamente o comportamento do lobo— o
inimigo, ou estrangeiro de dentro, que o tenta seduzir e fazer cair na
armadilha; e por conseguinte o terceiro porquinho é capaz de derrotar
os poderes mais fortes e mais ferozes que ele. O lobo feroz e
destrutivo vale por todos os poderes não sociais, inconscientes e
devoradores, contra os quais a gente deve aprender a se proteger, e se
pode derrotar através da força do próprio ego ((BETELHEIM,1999, p.
44).

Histórias como esta nos leva a repensar nossas crenças e nossos valores.
Sendo que ao mesmo tempo, nos impulsiona a sermos mais realistas diante
de algumas circunstâncias da vida. Dessa forma, é importante citar o
elemento maravilhoso dos contos de fadas, pois este trás a criança o incentivo
de apreciar e procurar entender os mistérios que giram em torno das
narrativas literárias e de seus personagens místicos, fantasioso que
desenvolvem nos contos fenômenos e poderes sobrenaturais. Os contos de
fadas narram histórias fantásticas sobre seres que moram em reinos
fantasiosos ou imaginários e exercem influência sobre a formação da
personalidade infantil, uma vez que lendo as estórias as crianças se tornam
capazes de vencer os obstáculos que a vida lhe impõe. O contato da criança
com os contos de fadas permite a criação de uma camada de força interior
que permite vencer os medos e crer que ela é capaz de fazer qualquer coisa
que esteja ao seu alcance.

Dessa forma torna-se importante relatar que a personalidade humana foi


analisada por Freud através de cada atitude mental do individuo, com isso foi
possível identificar uma serie de conflitos e acordos psíquicos que estão
aliados ao estudo dos contos de fadas. O psiquismo humano foi definido em
três componentes básicos estruturais: o id, o ego e o superego. Sob o olhar da
psicanálise dos contos de fadas, torna-se relevante trabalhar valores que
medeiam e exercem influência na formação da personalidade infantil, já que
estão aliados ao trabalho com o id, ego e superego no indivíduo. Através dos
contos as crianças vão trabalhar valores e conflitos vividos na sociedade,
buscando soluções para os dilemas existenciais e sociais.
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Os valores são critérios segundo os quais se torna possível compreender


as razões que justificam ou motivam as ações humanas, tornando-as
preferíveis a outras, eles reportam-se, em geral, sempre a ações, justificam-
nas. Cada valor possui a sua relevância, a utilização de valores na tomada de
decisões depende da situação a qual se está vivendo, a hierarquização de
valores é feita de forma muito diversa e tem como uma de suas funções
principais subordinar uns aos outros.

Os valores presentes nos contos de fadas estão inteiramente ligados à


formação pessoal do individuo. Estes valores são associados aos princípios
de moral e ética, que permitem ao indivíduo refletir e regular as atividades
humanas coletivas, respeitando costumes e tradições. Sendo assim, os
conceitos de moral e ética envolvem temas que abrangem princípios de
democracia, pluralidade e reflexão sobre valores adquiridos.

O convívio com os contos de fadas permite a expansão dos


conhecimentos e da aprendizagem da criança, a interação com a leitura
permite um contato e uma reflexão cada vez maior da criança com a realidade
do meio social em que vive.

Enquanto diverte a criança, o conto de fadas a esclarece sobre si


mesma, e favorece o desenvolvimento de sua personalidade. Oferece
significado em tantos níveis diferentes, e enriquece a existência da
criança de tantos modos que nenhum livro pode fazer justiça à
multidão e diversidade de contribuições que esses contos dão à vida
da criança. (BETTELHEIM, 1980, pág. 20)

Os contos de fadas tornam-se deste modo um elemento rico e educativo


que contribui para a formação cultural e intelectual das crianças, pois permite
ao leitor a reflexão sobre a realidade apresentada aliada a realidade vivida,
propondo um novo ponto de vista sobre a compreensão do mundo, dos
valores sociais permitindo a elaboração e analise de questionamentos.
Segundo Nelly Novaes (2000),

Como sabemos o impulso para ler, para observar e compreender o


espaço em que se vive e os seres e as coisas com que convive, é a
condição básica do ser humano. Desde muito tempo a inteligência
humana teve condições para organizar, em conjunto coerente, as
formas e situações enfrentadas pelos homens em seu dia-a-dia.
(COELHO, 2000, p.16)

Por este motivo, as escolas precisam trabalhar temas morais e éticos


presentes nos contos de fadas, pois estes oferecem uma grande força de
criação de vínculos afetivos, aliados a noção de respeito e confiança. É
preciso que as escolas trabalhem os contos de fadas de maneira interativa e
dialógica com os alunos, pois desta forma estará contribuindo gradativamente
para a construção de valores morais e éticos.

Na atualidade, os contos de fadas expõem em seus contextos problemas


sociais, políticos e econômicos, sem perder a noção do lúdico. Transmitem,
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assim como os tradicionais, emoções e senso critico, despertam a curiosidade


fazendo com que a criança desenvolva sua própria ideologia sobre o que é ser
cidadão e como construir valores a ser trabalhados em meio a sociedade em
que vive. Algumas produções literárias atuais trazem em seu contexto alguns
processos narrativos arcaicos, mas estes sendo recriados pelas exigências da
literatura infantil atual.

Os contos de fadas tradicionais sempre expressam em seu conteúdo


mágico a interpretação do “era uma vez”, mostram em sua grande maioria
temas que envolvem a bondade, a beleza, a verdade, a simplicidade, entre
outros adjetivos. Pode-se perceber que ao se falar sobre contos de fadas, as
crianças já pensam logo em fada madrinha, vara de condão, beleza espiritual,
esse pensamento demonstra o poder que os contos de fadas tradicionais
exercem sobre as crianças e a sua formação sócio - ideológica.

Os contos de fadas tradicionais apresentam conteúdos voltados para o


espírito individualista, a ideia de enfrentamento de obstáculos com moral,
baseada em dogmas, mediação mágica com referenciais racistas, viagens e
conquistas a serem alcançadas. A criança era vista como um adulto em
miniatura.

Já as produções literárias atuais expõem em seu conteúdo a presença do


maravilhoso, algo que atrai o leitor infantil. Eles transmitem valores
humanistas que exprimem ideais de sobrevivência, há uma oscilação entre a
ética maniqueísta e a ética relativista, ou seja, o que parecia errado acaba
culminando num acerto. Aquele que luta e consegue vencer o mal tende a sair
de uma situação de vida ruim para uma melhor, sempre através de atos de
bondade ou cavalheirismo.

2 O conto contemporâneo “Procurando firme”, uma


experiência itabaianense

Para a realização da pesquisa de campo foi utilizado o conto


contemporâneo Procurando Firme, pois este retrata para as crianças como era
uma princesa e um príncipe dos contos tradicionais e como é a princesa e o
príncipe dos contos atuais. Este conto leva o aluno a refletir sobre como as
coisas mudam com o passar do tempo, determina para eles que existem
outras maneiras de agir, trás consigo o ensinamento voltado para autonomia,
liberdade de pensamentos e de atitudes.

Em Procurando Firme (1997), da autora Ruth Rocha (escritora aliada à


renovação criadores da literatura infantil brasileira), o texto se inicia com a
critica de que o conto é “uma história que parece história de fadas, mas não é.
Também parece história pra criança pequena, mas não é”. Trata-se de uma
história de princesa totalmente diferente das histórias infantis tradicionais, e
que se chama Linda Flor. Invertendo princípios, fazendo uso de palavras em
desuso, como “maviosa”, ao referir-se à pele da princesa, e a expressão “tire
o cavalinho da chuva”, usada por Linda Flor, ao negar-se casar com
determinado príncipe, a autora conta a história de uma princesa que, ao
contrário de todas, não quer ficar esperando pelo príncipe encantado. Ao
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invés de envolver-se com “ocupações principescas”, quer dizer, “aulas de


frivolité, de canto, de flores de marzipã... pois naquele reino é muito bonito
ter prendas... dotes” (p. 8), ela preferia ter aulas de esgrima, berro e
cabeçadas como os príncipes.

A atividade foi desenvolvida numa turma de 3º Ano e foi dividida em


três partes, sendo elas: a) o diálogo com os alunos sobre contos de fadas e b)
leitura e análise do conto Procurando Firme através de uma atividade de
interpretação de texto. c) preenchimento de questionário. Toda dinâmica foi
registrada em uma filmagem de vídeo que foi analisada em nosso trabalho.

Ao analisar o áudio realizado com os alunos sobre o conto “Procurando


Firme” de Ruth Rocha, pudemos perceber através do diálogo com os alunos
que eles julgam as pessoas pelo que veem, como foi o caso da leitura da capa
do livro, que apresentava uma imagem da princesa de cabelos curtos e
usando calças. Para os alunos, isto era errado, pois mulheres precisam usar
vestido e ter cabelos compridos. Dessa forma é possível afirmar que os
alunos possuem ainda no século XXI uma visão que incute valores
retrógados e tradicionalistas sobre o que é ser uma mulher. Entre os contos de
fadas que mantém este estereótipo, destacam-se “A Branca de Neve”,
“Rapunzel”, “A Bela e a Fera”, “Cinderela”. Pelo que se pode perceber, os
contos de fadas tradicionais ainda são os mais lidos pelos alunos.

Foi interessante ver que os alunos se identificam com a ideia de que um


conto de fadas para ter um final feliz, a princesa precisa encontrar o príncipe
e se casar com ele. Segundo os alunos, todos os contos de fadas devem ter
um final feliz.

Em “Procurando Firme”, apesar da história apresentar valores novos,


que mostram a independência da mulher sobre suas atitudes, para os alunos
isto não é visto como algo correto, pois a princesa deixa de usar vestidos e
sapatos e não se casa também com príncipe.

Os alunos relatam sobre a qualificação profissional que querem ter no


futuro, é possível perceber através do áudio que muitos deles têm uma visão
atual sobre o que querem ser, foram citadas as profissões de doutor, jogador
de futebol, etc. Apenas uma menina citou que queria ter aulas de pintura e
bordado, o que mostra ainda uma visão tradicional de que a mulher deve
aprender coisas atreladas ao meio doméstico.

Pode ser percebido que há muita dificuldade de se expressar por parte


dos alunos, muitas vezes eles querem falar, mas não sabem como, ou ficam
com vergonha. Foi possível perceber que eles não são incentivados pela
professora a falarem e interagirem uns com os outros e por este motivo o
nível de interpretação e conhecimento sobre o que eles leem e ouvem é muito
baixo.

Segundo Vygotsky (2002), a comunicação e o desenvolvimento


intelectual iniciais da criança são estimulados pelo adulto e por outras
crianças, que a conduz em seu processo de construção da linguagem.
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Dessa forma houve a necessidade de dialogar junto com os alunos sobre


a história contada, uma forma de comunicar-se e buscar informações sobre o
entendimento dos alunos com relação a histórias e aos valores que ela
transmite Cada aluno constrói seu próprio aprendizado num processo que vai
do interno ao externo, baseado em experiências de fundo psicológico. Uma
fala de um aluno foi muito curiosa, pois o mesmo ao ser questionado se na
escola deveria ter as aulas que o príncipe estudava, ele respondeu que
deveria, pois na cidade não tem dragão, mas tem ladrão.

Na segunda parte do nosso trabalho, os alunos que fizeram parte da


pesquisa 50% corresponderam ao sexo masculino e 50% ao sexo feminino,
dessa forma nota-se uma igualdade no que diz respeito ao gênero dos
indivíduos que fizeram parte da amostra pesquisada.

Com relação à faixa etária dos alunos, pode-se considerar que há uma
variação bem visível, pois 25% têm dez anos, outros 25% tem nove anos e
50% do grupo de alunos pesquisados tem oito anos.

Foram questionados aos alunos quais são as personagens que


normalmente aparecem nos contos de fadas, 100% dos alunos responderam
que tem rainha, 88,5% afirmaram que tem príncipe ou princesa, 80 %
definiram que tem dragão e 20% afirmaram que tem a bela nos contos de
fadas.

A partir da pergunta feita sobre se as aulas que o príncipe tinha


deveriam ser ensinadas na escola, 100% dos alunos responderam que não
pois era feio o que ele aprendia e que no nosso mundo não tem dragão.

Os alunos foram questionados se o príncipe e a princesa estudaram na


mesma escola, 100% deles responderam que não, pois eles aprendiam coisas
diferentes.

Foi perguntado sobre com o qual conto de fadas tradicional o


Procurando Firme se parecia, 88,5% responderam que se parece com o da
Rapunzel, pois a princesa no inicio tinha cabelos longos com tranças, 12,5%
não souberam responder a questão.

Ao perguntar se os alunos gostavam mais do príncipe ou da princesa,


62,5% relataram que gostam mais da princesa, 25% definiram que gostam
mais do príncipe e 12,5% dos alunos não soube responder.

Com relação ao questionamento sobre se a princesa deveria se vestir


com calças compridas, 100% dos alunos respondeu que não, pois era feio, era
coisa de menino e não de uma princesa.

Sobre a pergunta que relatava se a saída da princesa do castelo pelo


mundo procurando firme foi o final, 75% dos alunos definiram que não, pois
a princesa não encontrou o príncipe; 12,5% responderam que sim porque a
princesa foi feliz e 12,5% definiram que acha que sim, mas não sabe explicar
por que.
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Na atividade de produção de texto foi pedido que os alunos


continuassem a historia depois que a princesa saiu do castelo. As repostas
foram às seguintes:

“Encontrou o príncipe e foi feliz”.

“Ela fugiu para a cidade e mudou muito e lá ficou morando”.

“Ela foi procurar um príncipe”.

“Ela fugiu por causa do príncipe e foi atrás do que ela queria”.

“A princesa saiu do castelo e encontrou o príncipe”.

“A princesa foi embora e também foi olhar o príncipe”.

“Ela foi procurar o príncipe”.

“Ela foi pro mundo atrás de um príncipe”.

A análise de dados obtidos e as reflexões nos levaram a entender que


não é fácil lidar com a fantasia nos contos de fadas aliados ao mundo real das
crianças, os valores construídos por ela através da leitura dos contos de fadas
ainda remete ao tradicionalismo, o que é importante também de se verificar é
que a reflexão com os alunos sobre os contos de fadas é um recurso
fundamental no processo do desenvolvimento humano porque favorece a
comunicação via imagens simbólicas com as dimensões mais profundas da
personalidade humana. Através dos contos de fadas adentramos magicamente
a penumbra misteriosa do nosso inconsciente, condição básica para se
conhecer o significado profundo de nossa vida.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Concluímos que os contos de fadas interferem na formação da criança,


pois o engajamento da criança no universo imaginário possibilita o
desenvolvimento psicológico e intelectual envolvido na construção de
valores.

A pesquisa realizada em sala de aula veio mostrar que os contos de


fadas realmente agem sobre o modo de pensar e se expressar das crianças. É
preciso que os professores trabalhem sempre com os alunos este tipo de
leitura, pois estimula a formação moral e intelectual.

O convívio com as histórias infantis permitem que a criança entre em


contato com a fantasia, com o sonhar, com experiências que muitas vezes
servem de modelos ou estímulos para sua própria vida e que lhes permite
construir sentimentos e valores indispensáveis para o convívio em sociedade.

Em suma, entendemos que os contos de fadas precisam ser trabalhados


nas escolas como verdadeiros construtores de valores, conhecimentos e
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formadores de personalidade humana. Sabe-se que a literatura infantil desde


os primórdios surgiu com um caráter pedagógico, portanto os contos de fadas
devem ser trabalhados na sala de aula como facilitadores do entendimento
humano e meio crucial para sensibilizar os pequenos leitores.

REFERÊNCIAS

SILVA, Ezequiel Theodoro da. Leitura na escola e na biblioteca.


Campinas: Papirus, 1986.
BETELHEIM, Bruno. A psicanálise dos contos de fadas. 13 ed. São Paulo:
Paz e Terra, 1999.
COELHO, Nelly Novaes. Literatura infantil: teoria, análise e didática. São
Paulo: Moderna, 2000.
ANDERSEN, Hans C. Histórias maravilhosas de Andersen. São Paulo:
Companhia das Letrinhas, 1995.
BETTELHEIM, Bruno. A psicanálise dos contos de fadas. Rio de Janeiro:
Paz e Terra, 2002.
FREUD, Sigmund. A ocorrência, em sonhos, de material oriundo de contos
de fadas. Obras Completas de Sigmund Freud. Volume XII, 1913.
MEDNICOFF, Elizabeth. Dossiê Freud. São Paulo: Universo dos Livros,
2008.
ROCHA, Ruth. Procurando firme: Editora Ática, São Paulo, com ilustração
de Cláudio Martins. 11ª edição em 2007.
TALLAFERRO, Alberto. Curso básico de Psicanálise. 2 ed. São Paulo:
Martins Fontes, 1996.
VYGOTSKY, L. S. A formação social da mente: o desenvolvimento dos
processos psicológicos superiores. Trad. José Cipolla Neto, Luis Silveira
Menna Barreto, Solange Castro Afeche. 6. ed. 4. tir. São Paulo: Martins
Fontes, 2002.
VYGOTSKY, Lev S. A imaginação e a arte na infância. Madrid: Ediciones
Akal, 2003.
ZILBERMAN, Regina. A literatura infantil na escola. 4. ed. São Paulo:
Global Ed., 1985. http://www.nerdssomosnozes.com/2009/03/os-verdadeiros-
contos-de-fada.html. Acesso em 27/04/2011.
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Viajando com Textos Literários:


estratégia mediadora no processo de aprendizagem da
leitura e escrita dos alunos de 3º ano do
Ensino Fundamental I

Camila Bahia Góes1

RESUMO
Este artigo é proveniente da experiência junto ao projeto de pesquisa/extensão da
Universidade Estadual de Feira de Santana (UEFS), “Conte-me uma história: a
interação de crianças com textos narrativos”, intitulado pelo Grupo de Estudos,
Pesquisa e Extensão em Oralidade, Leitura e Escrita - GEPOLE/NEPA (Núcleo de
Alfabetização). Tendo como objetivo central fazer uma reflexão sobre o trabalho
desenvolvido com a Literatura Infantil na sala de aula com os alunos do 3º ano do
ensino fundamental I. O trabalho está sendo realizado com a turma referendada, de
uma determinada Escola Municipal de Feira de Santana-BA. A pesquisa é realizada
com 25 crianças de faixa etária entre 8 e 13 anos, sendo 12 meninas e 13 meninos.
Escolhidos em prol de fazer parte desse ensino, o qual ainda está iniciando o processo
de construção das competências de leitura e escrita, e por ser o foco do Projeto de
Extensão maior. O trabalho foi estruturado em seis momentos, nos quais foram
utilizados o diálogo, dinâmica, sequência didática, reescrita e retextualização através
da Literatura Infantil. Apesar da resistência dos alunos em alguns momentos, o
trabalho teve êxito em todas as atividades e diante dos resultados da
pesquisa/extensão, tem sido possível perceber a importância do uso da Literatura
Infantil como instrumento para prática pedagógica a fim de promover uma
aproximação dos alunos com esse gênero, e, paralelamente trabalhar com a leitura e
escrita dos mesmos.

Palavras-chave: Literatura Infantil; Escrita; Leitura.

1
Contato do(a) autor(a): milabhgoes@hotmail.com. Bolsista PIBEX-
GEPOLE/NEPA/UEFS - Universidade Estadual de Feira de Santana.
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INTRODUÇÃO

Este artigo é proveniente da experiência junto ao projeto de


pesquisa/extensão da Universidade Estadual de Feira de Santana (UEFS),
“Conte-me uma história: a interação de crianças com textos narrativos”,
intitulado pelo Grupo de Estudos, Pesquisa e Extensão em Oralidade, Leitura
e Escrita - GEPOLE/NEPA (Núcleo de Alfabetização). O Projeto de
Extensão pauta- se no Projeto de Pesquisa com o mesmo nome,
desenvolvimento em 2006, em escolas municipais da zona rural de Feira de
Santana. Seu principal objetivo foi constatar se práticas pedagógicas que
oportunizam situações de leitura e escrita de histórias, em sala de aula,
podem promover o uso adequado da estrutura textual desse gênero em
produções escritas pelas crianças.

Os resultados desse estudo revelaram, por um lado, o quanto é difícil ao


professor desenvolver atividades de produção de textos narrativos, pelo
pouco domínio de estratégias para esse fim. Por outro lado, revelaram as
dificuldades que as crianças sentem em produzir textos de qualquer natureza,
principalmente, os narrativos considerando seus elementos estruturais.

Foi constatado que esta dificuldade deve-se à pouca interação das


crianças com a variedade textual, considerada importante para a aquisição
dos aspectos formais da língua e a busca de sentido e significado no texto.

Desse modo, concluiu-se que o exercício de práticas pedagógicas que


propiciam a interação de crianças com leitura de histórias pode promover o
uso adequado da estrutura narrativa na produção escrita, favorecendo, assim,
a busca de significado no texto.

É com base nesta experiência que foi retomada as reflexões sobre o


assunto, para ser desenvolvido em uma determinada Escola Municipal de
Feira de Santana-Ba, um Projeto de Extensão com os alunos da 3ª ano do
Ensino Fundamental I, realizado por duas vertentes: “A produção de textos
narrativos por crianças do 3° ano do Ensino fundamental I a partir da
leitura e contação de histórias”, aplicado por uma estudante do curso de
Letras Vernáculas com Inglês e bolsista de Extensão da UEFS; e, Viajando
com textos literários: Estratégia mediadora no processo de aprendizagem da
leitura e escrita dos alunos de 3º ano do ensino fundamental I , aplicado por
uma estudante do curso de Licenciatura em Pedagogia e bolsista de Extensão
da mesma instituição. Vertente essa, que será explanada no seguinte trabalho
tendo como objetivo central fazer uma reflexão sobre o trabalho
desenvolvido com a Literatura Infantil na sala de aula com os alunos do 3º
ano.

A escola é um dos lugares sociais privilegiados de acesso à leitura e de


um trabalho sistemático com a escrita. Sendo o currículo, a gestão, as
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concepções da escola e o planejamento peças fundamentais nesse processo


pedagógico. Não menos importante, o professor também é uma peça
fundamental, pois é ele quem media as habilidades necessárias que
impulsionam o real aprendizado da criança. Em contrapartida, o ensino tem
sido marcado por inúmeras dificuldades de aprendizagem, sobretudo no
processo de aquisição da leitura e escrita.

Considerando que a escrita é um meio de comunicação, expressão e


interação e, que a leitura e a escrita são atos linguísticos indissociáveis, existe
alguns instrumentos pontuais para promover a aproximação entre as crianças
e o texto, instrumentos esses, que incentivam ao ato de ler e os aproximam
com a “cultura escrita”, de modo a intensificar o desenvolvimento da leitura e
da escrita de crianças no ensino fundamental I.

Entretanto, promover a aproximação entre os alunos e o texto é um


processo delicado que requer maestria, como afirma Cagliari (1993, p.57)
que, “para aprender a ler é preciso pensar sobre a escrita e o que ela
representa e como se apresenta graficamente”. Ou seja, se não houver
compreensão sobre a fala e a escrita, não haverá leitura. Para que haja leitura,
o aluno tem que ser incentivado a pensar sobre o que lê, não apenas
decodificar a grafia do texto.

Desse modo, a escola, assim como o professor, tem um papel


fundamental de realizar momentos que favoreçam o desenvolvimento da
leitura e escrita, trabalhando-as de forma instigante e prazerosa. Já que ler é o
ato de sentir-se bem, é nesse sentir-se bem que entra a Literatura Infantil. A
Literatura Infantil é uma fonte rica em aspectos atrativos, imagéticos,
simbólicos e linguísticos, os quais “despertam” nas crianças o gosto pela
leitura, bem como, pela produção de textos, quer seja poema, poesia, versos,
histórias, contos, etc. E, concomitantemente, ajuda nesse processo de
desenvolvimento.

A Literatura Infantil pode servir como estratégia mediadora no processo


de aprendizagem de leitura e escrita das crianças. Pois quando bem
fundamentada, o professor pode explorar a literatura como geradora de
comportamentos, conceitos, sentimentos e atitudes (LAJOLO, 1994), a fim
de promover uma aprendizagem significativa dos seus alunos.

É preciso trazer a Literatura Infantil para a sala de aula, desvinculando-a


do trabalho gramatical, da análise sintática de trechos e não a simplificando
em mera análise literária; questionários a propósito de personagens principais
e secundários, identificação de tempo e espaço da narrativa (LAJOLO, 1994).
A Literatura Infantil deve ser trabalhada no intuito de "despertar" no aluno o
gosto pela leitura, propiciar condições para desenvolvimento do prazer como
satisfação, conjuntamente ao aprendizado.

Por isso, é importante o professor estar sempre em busca de


conhecimento literário e ser ele próprio um leitor crítico e estabelecer suas
próprias hipóteses de leitura para abranger todas as sugestões vindas de seus
alunos na leitura e incentivá-los ao ato de ler e escrever. Contudo, muitos
professores não podem trabalhar esses textos literários com seus alunos de
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modo adequado, por não ter em sua formação a competência leitora devida
ou simplesmente por não achar necessário trabalhar com textos literários na
sala de aula. Com isso os professores não investem na Literatura Infantil
como estratégia mediadora para a aprendizagem.

Nesse contexto, que a vertente “Viajando com textos literários:


Estratégia mediadora no processo de aprendizagem da leitura e escrita dos
alunos de 3º ano do ensino fundamental I” se propõe a desenvolver
estratégias pedagógicas que possibilitam a aquisição de habilidades para a
produção textual a partir da leitura de textos literários, como histórias, contos,
fábulas, entre outros para que as crianças possam interagir com os textos,
refletir, analisar e apropriar-se da escrita por meio de práticas de
retextualização.

Estes são elementos norteadores do trabalho que servem como


instrumentos para analisar as dificuldades na leitura, escrita e interpretação
textual que se encontram, para que assim possa motivar a vontade de
aprender e de adquirir conhecimentos que ajudem as crianças a produzir,
apreciar e contextualizar textos, na perspectiva de possibilitar habilidades
consistentes e autônomas de leitura e escrita.

1 Metodologia
O trabalho está sendo realizado com uma turma do 3º ano do ensino
fundamental I, de uma determinada Escola Municipal de Feira de Santana-
BA. A pesquisa é realizada com 25 crianças de faixa etária entre _ e _ anos,
sendo 12 meninas e 13 meninos. Escolhidos em prol de fazer parte desse
ensino que ainda está iniciando o processo de construção das competências
de leitura e escrita e por ser o foco do Projeto de Extensão maior.
Observando e analisando sua trajetória, seu desenvolvimento e evolução em
relação às propostas e objetivos deste estudo.

No primeiro momento foi utilizada uma metodologia dialógica no


sentido de trocar opiniões, comentários, com alternância dos papéis de falante
e ouvinte; através do diálogo ocorreu uma interação entre dois ou mais
indivíduos. Buscou-se uma participação real, efetiva, por parte dos sujeitos
envolvidos, a fim de que suas ações fossem geradoras de idéias, de conflitos,
de transformações. Desse modo, esse trabalho é uma pesquisa de natureza
qualitativa, construída na perspectiva dialógica e relacional.

No segundo momento, foi realizada uma a contação da história, “Meu


amigo trovão”, de Sonia Rodrigues Mota, para iniciar o processo de
aproximação com a Literatura Infantil. Posterior, a socialização e discussão
das idéias, foi realizada uma dinâmica “o animal que eu gostaria ser”, no
intuito de descontrair o grupo e fazer um “link” com a leitura do livro.
Ressalto que, a dinâmica já inicia o trabalho com a escrita das crianças. Aqui,
todos ficaram agitados devido a ser uma atividade diferente, porém foi
permitida a expressividade de todos, a fim de que os mesmos interagissem
com a atividade. No momento de socializar para a turma, eles ficaram
envergonhados, mas se soltaram e falaram. Todos participaram, dando
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palpites e dialogando. Até mesmo aqueles que, não queriam falar no início,
falaram sem insistência.

No terceiro momento, demos início a uma sequência didática com o


conto “Os Saltimbancos” de Chico Buarque. Schneuwly e Dolz
desenvolveram uma proposta que engloba aspectos relevantes na construção/
interiorização da escrita processual e exige não um trabalho maçante em
volta do texto, mas um conjunto amplo de atividades que visem o texto como
unidade de ensino e os gêneros textuais como objetos de ensino.

Uma sequência didática é um conjunto de atividades escolares


organizadas, de maneira sistemática, em torno de um gênero oral ou
escrito. (...) Quando nos comunicamos, adaptamo-nos à situação de
comunicação. (...) Os textos escritos ou orais que produzimos
diferenciam-se uns dos outros e isso porque são produzidos em
condições diferentes. (ROJO e GLAÍS, 2004, p. 97)

Desse modo, iniciamos com a leitura das músicas dos quatro animais do
conto, pedi para que eles fizessem a leitura comigo. Então eu lia e eles
repetiam em seguida, entretanto, não posso deixar de explicitar momentos em
que alguns deles liam sozinhos, alguns deles liam antecipadamente a música.
Fiz a primeira leitura, a do jumento, em seguida coloquei a música, para que
eles pudessem depois da leitura, associar a música. Com isso, já trago
elementos importantes da peça “os saltimbancos” para que eles possam se
apropriar da história. FARIA (2001), define que a música é um importante
fator na aprendizagem, pois a criança desde pequena já ouve música, a qual
muitas vezes é cantada pela mãe ao dormir, conhecida como ‘cantiga de
ninar’. Na aprendizagem a música é muito importante, pois o aluno convive
com ela desde muito pequeno. Enfatizo a importância de trazer
primeiramente a música, pois a partir desse momento, eles podem se
envolver mais com o trabalho desenvolvido. Posterior a ouvir a música,
discutimos alguns pontos que a música do jumento traz da história. E pedi,
para que em dupla, ou trio, eles escrevessem um trecho da música que eles
mais gostaram. Aqui, utilizo a reescrita do texto, sem a função de modificar,
adicionar, somente a de deslocar o texto, no intuito de conhecer mais sobre a
escrita deles. Fizemos o mesmo trabalho com os animais seguintes, a cão, a
galinha e a gata.

No quarto momento, os levei para sala de computação, pois sair do


espaço da sala de aula para propiciar uma atividade diferenciada que
incentive os alunos a lerem. Pois, os alunos lêem apenas o básico e não são
estimulados em pesquisar ou procurar novos tipos de leitura (KLEIMAN,
2001). Isso acarreta em uma grande distância entre alunos e livros. O que
deveria ser um espaço estimulador acaba por se tornar um ambiente
repressor. Nesse sentido, utilizamos de estratégias que valorizem esse
estímulo. Sentamos no chão da sala, formando uma roda e começamos a
leitura compartilhada da história completa de “Os saltimbancos”. Ressalto a
importância de fazermos essa leitura compartilhada, para que eu pudesse ver
a desenvoltura deles em relação à pontuação, coerência, pausa. Além do que,
verificou-se que a exposição constante da criança à audição de estórias e à
manipulação de livros infantis expande seu conhecimento e seu grau de
letramento de forma considerável. (Terzi,1995). Ao terminarmos a história,
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perguntei o que eles tinham entendido da mesma. E alguns manifestaram a


sua compreensão. Em seguida, coloquei a história contada em áudio, para que
eles pudessem agora ouvir a história que eles tinham acabado de fazer a
leitura.

No quinto momento, iniciamos novamente, com a história contada em


áudio. Pois essa atividade sonora se faz importante, por que o jovem e a
criança precisam ser seduzidos para a leitura, desconsiderando neste processo
qualquer artifício que possa tornar a leitura uma obrigação. Martins (1989)
chama a atenção para “o contato sensorial com o trabalho, pois antes de ser
um texto escrito, um trabalho é um objeto; tem forma, cor, textura. Na
criança esta leitura através dos sentidos revela um prazer singular; esses
primeiros contatos propiciam à criança a descoberta do trabalho, motivam-na
para a concretização do ato de ler o texto escrito.” Ao fim da história em
áudio, passamos para atividade de escrita, em especial a criatividade deles.
Pedi para que eles criassem e escrevessem uma história sobre os animais da
referendada história. Para Freire (2001, p. 47): "ensinar não é transmitir
conhecimento, mas criar as possibilidades para a sua produção ou a sua
construção". Dessa forma, pudemos explorar potencialidades criadoras dos
alunos e, não menos importante, fizessem a atividade de escrita. E nesse
momento, pudemos detectar os erros gramaticais e textuais.

No sexto e último momento, realizamos uma atividade, a qual trabalhou


a ortografia. Foi posto no quadro um texto formulado por mim, com os erros
mais encontrados nas escritas deles. Fizemos uma análise em coletivo das
palavras escritas erradas no decorrer do texto e começamos a atividade. A
turma foi separada em dois grupos, cada um desses tinha em mãos uma
cartolina com o texto transcrito com lacunas no lugar das palavras erradas. E
dois recortes das palavras, sendo uma correta e uma errada. Desse modo, eles
além de detectarem as palavras erradas, teriam que refletir sobre a forma
correta de escrever as determinadas palavras. Em seguida, fechamos a
sequência didática com essa atividade ortográfica e com uma breve reflexão
sobre o trabalho desenvolvido.

2 Resultados e Conclusão

Segundo Smolka (1989, p. 45) “a leitura e escrita são certamente


atividades humanas, reflexivas e críticas e não se resumem à decifração
mecânica”. No mesmo sentido, Barbosa (1994, p.26) corrobora dizendo que:
“aprender a ler é aprender a fabricar sentidos a partir do estímulo da palavra
impressa: ler é um meio de produção de sentido”. Sendo assim, o trabalho
desenvolvido caminhou para práticas que fizeram o aluno analisar e refletir
sobre o que foi lido, se posicionando criticamente e participando com sujeitos
ativos.

Por isto, Freire enfatiza a prática da leitura dizendo que:

Ler é uma operação inteligente, difícil, exigente, mas gratificante (...)


Ler é procurar ou buscar criar a compreensão do lido... ler é engajar-se
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numa experiência criativa em torno da compreensão. Da compreensão


e da comunicação. E a experiência da compreensão será tão mais
profunda quanto sejamos nela capazes de associar, jamais
dicotomizar, os conceitos emergentes na experiência escolar aos que
resultam do mundo da continuidade. (Freire, 2001, p.29-30)

Acerca dessa questão, pode-se destacar a Literatura Infantil, um gênero


literário, foi de extrema importância para o desenvolvimento da leitura e da
escrita inserida dentro da sala de aula do 3º ano do ensino fundamental I, com
intuito de proporcionar-lhes atividades diferenciadas, as quais eles sentiram
interesse em se envolver.

De acordo com Kaufman (1994), o texto literário permite-nos ler “para


nada”, para não fazer nada depois da leitura, somente nos leva pela
imaginação; porém, também nos permite tentar recriar os mecanismos
utilizados pelo autor em novas criações, ou seja, podemos construir e
reconstruir novos textos a todo o momento. O que foi realizado nos
momentos propostos, atingindo o determinado fim.

O trabalho da produção escrita se realizou com a proposta do trabalho


com o texto “Os saltimbancos” como “fonte” para nova produção, além de
conceder a tal texto o status de objeto de reflexão de toda a classe,
conseqüentemente, valorizamos as produções das crianças, o que contribuiu
também para favorecer a expressão espontânea dos alunos envolvidos no
processo de aquisição da escrita.

Sendo assim, tratou-se de um trabalho que exercitou novas formas de


narrar, de dizer ou de contar um mesmo fato, uma atividade a que Marcuschi
(2001) denomina retextualização. Retextualização, nesse caso, diz respeito a
um “processo que envolve operações complexas que interferem tanto no
código como no sentido e evidenciam uma série de aspectos nem sempre bem
compreendidos da relação oralidade-escrita”. Não se tratou, simplesmente, de
refacção do texto tido como “fonte”, com a finalidade de se eliminarem
marcas da heterogeneidade ou da oralidade, ou mesmo de reescrevê-lo apenas
com o intuito de adequá -lo à norma padrão. Tratou-se, sim, de uma proposta
ainda mais significativa, isto é, “dizer de outro modo, em outra modalidade
ou em outro gênero, o que foi dito ou escrito por alguém”. Ou seja, as escritas
dos alunos re-significaram a primeira versão da história.

Contudo, o trabalho teve êxito em todas as atividades, mesmo com a


resistência dos alunos em alguns momentos e diante desses resultados da
pesquisa/extensão, tem sido possível perceber a importância do uso da
Literatura Infantil como instrumento para prática pedagógica a fim de
promover uma aproximação dos alunos com esse gênero, e, paralelamente
trabalhar com a leitura e escrita dos mesmos. Nesse sentido, se faz ainda
presente a realização desse Projeto de Extensão junto ao Grupo de Estudos,
Pesquisa e Extensão em Oralidade, Leitura e Escrita - GEPOLE/NEPA
(Núcleo de Alfabetização) com as crianças do 3º ano do ensino fundamental
I.
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REFERÊNCIAS
BARBOSA, Juvêncio José. Alfabetização e Leitura. 2ªed, São Paulo:
Cortez, 1994.

CAGLIARI, Luiz Carlos. Alfabetização e Lingüística. 8ª ed., São Paulo:


Scipione, 1995.

DOLZ, Joaquim & SCHNEUWLY, Bernard, NOVERRAZ, Michèle.


Gêneros e progressão em expressão oral e escrita – seqüências didáticas para
o oral e a escrita: apresentação de um procedimento. In: Gêneros orais e
escritos na escola / Tradução e organização Roxane Rojo e Glaís Sales
Cordeiro. Campinas, SP: Mercado de letras, 2004. São Paulo: Mercado de
letras, 2006

FARIA, Márcia Nunes. A música, fator importante na aprendizagem. Assis

chateaubriand – Pr, 2001. 40f. Monografia (Especialização em


Psicopedagogia) – Centro Técnico-Educacional Superior do Oeste
Paranaense – CTESOP/CAEDRHS.

FREIRE, Paulo. A importância do ato de ler: em três artigos que se


completam. São Paulo, Cortez, 2001.

KAUFMAN, Ana Maria, RODRIGUEZ, Maria Elena. Escola, Leitura e


Produção de Textos. Porto Alegre – Artes Médicas, 1994.

KLEIMAN, Ângela. Leitura: ensino e pesquisa. São Paulo: Ed. Pontes; 2º


edição, 2001. MARCUSCHI, Luís Antônio. Da fala para a escrita:
atividades de retextualização. São Paulo: Cortez, 2001.

LAJOLO, Marisa. Do mundo da leitura para a leitura do mundo. São


Paulo: Ática, 1994.

MARTINS, Maria Helena. O que é leitura. São Paulo: Brasiliense, 1989.

SMOLKA, B. Luíza Ana. Leitura e desenvolvimento da linguagem. Porto


Alegra – RS: Mercado Aberto,1989.

TERZI, S.B. A oralidade e a construção da leitura por crianças de meios


iletrados. In KLEIMAN, A. Os significados do letramento. Campinas:
Mercado de Letras, 1995.
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O Poema para Iniciação ao Letramento


Literário na Infância:
Análise da Antologia “Meus Primeiros Versos”

Ellen dos Santos Oliveira (Graduanda/FSLF)1


Vilma Mota Quintela (Doutora/FSLF)2

RESUMO
É possível iniciar o processo de letramento na infância por meio da leitura de poemas?
Que métodos pedagógicos usar para esse fim? Essas questões serão discutidas no
decorrer deste artigo que se destina a uma reflexão sobre a possível contribuição do
gênero lírico ao processo de iniciação ao letramento literário. Com base no que diz
Joana Cavalcante, em Caminhos da literatura infantil e juvenil, sobre a importância da
iniciação literária na infância, e nas contribuições de Magda Soares contidas no estudo
Letramento: um tema em três gêneros (2010), pretende-se aqui trazer ao centro da
discussão a problemática envolvendo o uso do texto poético em sala de aula com
vistas à formação do leitor literário. Também será posta em discussão neste estudo a
produção literária para a criança, analisando-se, especificamente, a antologia Meus
primeiros versos (2001), publicada pelo Ministério da Educação e distribuída
gratuitamente em espaços públicos, como bibliotecas e escolas. O presente artigo terá
também como fundamentação teórica a obra Literatura: a formação do leitor (1988),
de Vera Teixeira de Aguiar e Maria da Glória Bordini; as obras de Angela Kleiman:
Os significados do letramento (1995) e Oficina de leitura: teoria e Prática (2001); o
texto “Poesia para crianças”, de Gabriela Mistral, publicado em Literatura Infantil:
teoria e prática (2003), o estudo de Maria da Glória Bordini: “Poesia e consciência
linguística na infância”, publicado na coletânea Leitura e desenvolvimento da
linguagem (1989).

Palavras-chave: Letramento. Letramento Literário na infância. Poemas para crianças.

1
Contato do(a) autor(a): ellenletrinhas@hotmail.com.
2
Contato do(a) autor(a): vilmaquintela@yahoo.com.br
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INTRODUÇÃO

Este trabalho apresenta uma discussão sobre o uso do poema no


processo de iniciação ao letramento na infância, tendo como proposta
responder aos seguintes questionamentos: É possível iniciar o processo de
letramento na infância por meio da leitura de poemas? Que métodos
pedagógicos usar para esse fim? Essas questões serão discutidas no decorrer
deste artigo que se destina a uma reflexão sobre a possível contribuição do
gênero lírico ao processo de iniciação ao letramento literário.

Tomando-se como ponto de partida o estudo Caminhos da literatura


infantil e juvenil, de Joana Cavalcante, que tece reflexões sobre a importância
da iniciação literária na infância, e o livro Letramento: um tema em três
gêneros, de Magda Soares, que coloca em pauta os significados da palavra
“letramento”, destacando a importância dessa prática, pretende-se aqui trazer
ao centro da discussão a problemática envolvendo o uso do texto poético em
sala de aula com vistas à formação do leitor. Tendo-se em vista esse fim,
tomar-se-á, também, como referencial teórico os livros: Literatura: a
formação do leitor: alternativas metodológicas, de Aguiar e Bordini, e
Oficina de leitura: teoria e Prática, de Angela Kleiman, onde a autora,
baseada em Bellenger (1978), enfatiza o valor do texto poético como fonte de
prazer estético, isto é, como uma prática que envolve os sentidos, incidindo
sobre a experiência de vida de seus leitores. Nesse sentido, a autora ressalta
ainda que a atividade árida e tortuosa de decifração de palavras que é
chamada de leitura, quando desenvolvida em sala de aula, não tem nada a ver
com a atividade prazerosa descrita por Bellenger. De fato, esta não seria uma
atividade de leitura, propriamente dita, por mais que tal prática seja
legitimada pela tradição escolar (KLEIMAN, 2001, p. 16).

A leitura deve ser prazerosa, pois só assim contribuirá para o


letramento. Joana Cavalcante diz que a criança iniciada no mundo da leitura é
alguém que pode ampliar sua visão do outro, que pode adentrar no universo
do simbólico e construir para si uma realidade mais carregada de sentido
(CAVALCANTI, 2002, p. 31). É através do simbólico que a criança se
reconhece e reconhece seu mundo, e é a partir da leitura que a criança cria
sua noção de mundo, pois ler, não é apenas decodificar o código linguístico, é
trazer a experiência de mundo para o texto lido, fazendo com que as palavras
impressas tenham um significado que vai além do que está escrito, por
passarem a fazer parte, também, da experiência do leitor, e esse processo de
identificação e conhecimento de mundo através da leitura recebe o nome de
Letramento.

Angela Kleiman, em Os significados do letramento, define hoje o


letramento como um conjunto de práticas sociais que usam a escrita,
enquanto sistema simbólico e enquanto tecnologia, em contextos específicos,
para objetivos específicos (KLEIMAN,1995, p. 19). Já Magda Soares, o
define como a ação de ensinar e aprender as práticas sociais de leitura e
escrita. Para a autora, o letramento é um estado ou condição que adquire um
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grupo social ou um indivíduo, como consequência de ter se apropriado da


escrita e de suas práticas sociais. Um indivíduo alfabetizado não é
necessariamente um indivíduo letrado, pois ser letrado implica em usar
socialmente a leitura e a escrita e responder as demandas sociais da leitura e
da escrita (SOARES, 2010). É nessa perspectiva que esse trabalho propõe o
uso de poemas para favorecer o letramento entre as crianças, para que elas
não sejam apenas alfabetizadas, mas, sim, conduzidas a uma leitura do
mundo em sua complexidade, assim como a uma compreensão mais ampla e
aprofundada do outro.

1 O QUE É LETRAMENTO LITERÁRIO?

Segundo Joana Cavalcante, o literário detém o poder de captura, na


medida em que revela o cerne da alma humana, ao falar daquilo que aprisiona
e liberta, metaforizando imagens do cotidiano banal e factual para revelar-se
no não dito, naquilo possível de ser e pulsar nas entrelinhas do texto. Entre
uma palavra e outra, no vazio instituído pela letra que cai, pela palavra
transformada, a leitura vai alcançar sua dimensão própria e singular,
identificada com o sujeito leitor (CAVALCANTI, 2002, p.31). A obra
literária pode ser entendida como uma tomada de consciência do mundo
concreto que se caracteriza pelo sentido humano dado a esse mundo pelo
autor. Assim, não é um mero reflexo da mente, que se traduz em palavras,
mas de uma interação ao mesmo tempo receptiva e criadora. Essa interação
se processa através da mediação da linguagem verbal, escrita ou falada. O
texto produzido, graças a essa natureza verbal, permite o estabelecimento de
trocas comunicativas dentro dos grupos sociais, pondo em circulação esse
sentido humano (AGUIAR; BORDINI, 1988, p.14). Joana Cavalcante afirma
que a literatura pode ser, para a criança, o espaço fantástico para a expansão
do seu ser e exercício pleno da sua capacidade simbólica, pois trabalha
diretamente com elementos do imaginário, do maravilhoso e do poético.
Amplia o universo mágico, transreal da criança para que esta se torne adulto
mais criativo, integrado e feliz (CAVALCANTE, 2002, p. 39). Já Antônio
Candido, em Literatura e Sociedade, defende a ideia de que a literatura
contribui para o processo de humanização do sujeito, pois esta ajuda a suprir
as necessidades psicológicas, sociais e educativas do ser humano. Tendo isso
em vista, é importante que se inicie cedo o letramento literário no processo da
formação humana.

Entre vários tipos de texto literário, o poema pode ser um objeto eficaz
para o letramento, pois como afirma Gabriela Mistral em seu artigo “Poesia
para crianças”, publicado no livro Literatura Infantil: teoria & prática, revela
que pesquisas demonstram que a criança tem uma certa inclinação para o
texto poético, e que é “muito comum comparar a criança com o poeta, pois o
mundo infantil é cheio de imagens, assim como o campo da poesia”
(MISTRAL, 2003, 118). A autora aponta duas características comum a
ambos: a fantasia e a sensibilidade. E nota que é surpreendente a frequência
com que se encontra nas crianças falas significativamente poéticas. Segundo
a autora, é um erro imaginar que criança não goste de poesia, pois entre as
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formas de arte, a criança prefere, em primeiro lugar, a música, vindo, em


seguida, o poema (MISTRAL, 2003, p.118-119). Considerando-se esse
aspecto, é possível concluir que, começar o letramento infantil com textos
poéticos, pode resultar numa prática produtiva e eficaz, a depender do modo
como se dará tal processo.

2 COMO INTRODUZIR O POEMA NA INFÂNCIA

Deve-se pensar muito bem antes de escolher um poema para se


trabalhar com crianças, pois uma escolha infeliz pode trazer consequências
negativas e ao invés de despertar o interesse da criança pode causar-lhe
aversão ao texto poético. Nesse sentido, Gabriela Mistral aponta dois motivos
que fazem com que criança “não goste de poesia”: o primeiro é a falha na
escolha do poema, e o segundo é o tratamento ineficaz do poema em classe.
Uma pesquisa feita pela autora quanto à falha relativa ao aproveitamento da
poesia na escola demonstra que a maioria dos professores do Ensino Básico
não gosta de trabalhar com poemas em classe, pois, grande parte deles, “não
está despertada para a poesia e se sente incomodada quando tem de estudar
um poema porque não sabe como fazê-lo” (idem, p.120).

Quanto à seleção dos poemas para serem trabalhados em sala de aula,


Mistral ressalta que eles devem ser escolhidos pelo professor, e não vir
determinados por orientador ou livro didático. O docente deve escolher o
poema que lhe sensibilize, pois não se pode transmitir uma emoção, um gosto
que não se sente, e se o professor não se sensibilizar com o poema,
dificilmente conseguirá emocionar os alunos (idem, p.121). A autora ainda
ressalta que:

Para levar os poemas à criança, seria ideal que a professora tivesse, à


mão, recursos adequados a cada um: música sugestiva, boa ilustração,
slides, gravação do poema por um intérprete etc. Como não são essas
as nossas condições de trabalho, vejamos o que seria capaz de
motivar, prender o aluno ao poema: a leitura expressiva. A professora
deve preparar cuidadosamente essa leitura. Nunca deverá ser feita à
primeira vista (de nenhum texto literário, menos ainda de um poema),
nem pelo aluno nem pelo professor. A leitura adequada do texto, por
si só, pode ser suficiente para criar o gosto pelo poema. (idem)

A autora também sugere uma forma muito agradável ao aluno e muito


educativa que é partir do poema para novas formas de expressão, podendo o
professor, nesse caso, solicitar aos alunos que produzam a partir do texto
poético desenhos, montagens, coro falado, e até novos poemas, sendo esses
meios eficazes no desenvolvimento da criatividade da criança (idem). Outras
opções são também a apresentação dos poemas em painéis, bibliotecas, sala
de aula etc, pois toda estratégia é válida para atrair os leitores infantis.

Nelly Novaes Coelho, em Panorama Histórico da literatura


infantil/juvenil, considera a poesia uma área essencialmente importante da
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criação literária para crianças e jovens, ganhando, essa, cada vez mais espaço
em nosso mercado editorial, á medida em que conquista a preferência dos
pequenos leitores. (COELHO, p. 285). Para satisfazer esse público leitor,
muitas antologias estão sendo organizadas e distribuídas gratuitamente nas
bibliotecas e escolas públicas, entre elas encontra-se a Antologia Meus
primeiros versos, que será aqui analisada.

3 A ANTOLOGIA MEUS PRIMEIROS VERSOS

A Antologia de poetas brasileiros Meus primeiros versos, volume 4,


constitui a coleção Literatura em minha casa, publicada pela editora Nova
Fronteira e distribuída gratuitamente às bibliotecas e escolas públicas, pelo
Ministério da Educação, trazendo o carimbo do FNDE e da Biblioteca da
Escola. A antologia é composta por vinte poemas de Cecília Meireles, quais
sejam: “Colar de Carolina”, “Pescaria”, “Moda de Menina Trombuda”, “O
Cavalinho branco”, “Jogo de Bola”, “Tanta tinta”, “Bolhas”, “Leilão de
Jardim”, “Rio na Sombra”, “Os Carneirinhos”, “A Bailarina”, “O Mosquito
escreve”, “A Lua é do Raul”, “Sonhos da Menina”, “Rômulo Rema”, “As
Duas Velhinhas”, “O Último Andar” e “Ou Isto ou Aquilo”. Além disso, a
coletânea traz também vinte e cinco poemas de Manuel Bandeira:
“Berimbau”, “Debussy, O Menino Doente”, “Na Rua do Sabão”,
“Balõezinhos”, “Pensão Familiar”, “Porquinho-da-Índia”, “Andorinha”,
“Madrigal tão engraçadinho”, “Irene no Céu”, “Cabedelo”, “O Amor, a
poesia, as Viagens”, “Trem de Ferro”, “A Estrela, Mozart no Céu”,
“Acalanto de John Talbot”, “Pardalzinho”, “Canto de Natal”, “D. Janaína”,
“Céu”, “Vozes na Noite”, “O Grilo”, “Rondó do Capitão”, “O Anel de
Vidro”, “Os Sapos”. Acrescenta-se, ainda, à coleção, o poema “Qual a
Palavra?”, de Roseana Murray.

Figura 1: Capa da Antologia “Meus Primeiros Versos”


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Quanto à qualidade de edição, a antologia se apresenta em uma versão


econômica na qual somente a capa é colorida, sendo as imagens presentes no
corpo do texto em preto e branco. Quase todos os poemas são acompanhados
por ilustrações, com exceção de “Madrigal tão engraçadinho”, “A Estrela” e
“O Anel de Vidro”, que não apresentam imagens, recurso muito usado nas
antologias infantis, tendo-se em vista facilitar a codificação do texto. Esses
poemas fazem intertextualidade com o “Porquinho-da-Índia”, de Manuel
Bandeira, funcionando, tal recurso, nesse caso, como um mecanismo
mnemônico de que lançam mão os organizadores do volume. Os poemas de
Cecília Meireles apresentam ilustrações de Beatriz Berman. Já os de Manuel
Bandeira, apresentam ilustrações de Maria Louise Nery, sendo o poema de
Roseana Murray ilustrado por Ana Luisa Sigon.

Os poemas apresentam versificações diversas, possuindo, a maioria,


versos curtos, nos quais se nota riqueza e criatividade na utilização das rimas,
outro recurso mnemônico bastante explorado nos textos para crianças. Dos
poemas que compõem essa antologia, foram selecionados quatro para esta
análise: “A Bailarina” e “O Mosquito escreve”, de Cecília Meireles; e “O
Céu” e “Porquinho-da-Índia”, de Manuel Bandeira.

Cunha aponta dois elementos, presentes principalmente na poesia, que


marcam o objeto lúdico da criança, que são: o ritmo e a rima. Segundo a
autora, “o ritmo, elemento essencial a toda arte e à poesia, deverá ser
fortemente marcado no poema para crianças. A rima, que naturalmente é um
acessório na poesia, agrada-lhes muito” (CUNHA, 2003, pág. 119). Observa-
se a seguir no poema “A Bailarina”, de Cecília Meireles, como o ritmo
cavalga de um verso a outros em busca de sentido. As rimas paralelas e o
jogo de palavras são marcantes de modo à prender a atenção do público
infantil.

Figura 2: Poema “A Bailarina” de Cecília Meireles


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O poema de Meireles, “Bailarina”, citado acima, permite que a criança


que o lê se identifique com o eu lírico do poema, e o texto poético, além de
penetrar no imaginário infantil, convida a criança a confrontá-lo com seu
mundo, pois ela, ao lê-lo, irá imaginar-se no lugar da bailarina, ou irá
imaginar uma criança que a lembre. Nesse caso, quanto menor for a criança,
maior será a identificação. Assim, se ela não souber o que é o “dó” ou o “ré”,
mas souber, por exemplo, “ficar na ponta do pé”, possivelmente, irá se
identificar com o texto. Da mesma forma, se ela também não souber o que é
o “fá”, decerto, saberá “inclinar o corpo para lá e para cá”. Talvez ela não
saiba o que é “lá” nem “si”, mas, provavelmente, saberá “fechar os olhos e
sorrir” ou “rodar com os bracinhos pro ar”. Em todo caso, provavelmente,
haverá muitas possibilidades de identificação. Percebe-se, então, que tal
método propõe, não apenas a decodificação dos códigos linguísticos do
poema, mas também certa identificação corporal com o texto poético e,
portanto, a identificação do universo do poema com o mundo particular da
criança, constituindo-se, então, tal experiência numa prática positiva de
letramento. Percebe-se, ainda, que há, no poema, além do jogo de palavras,
um jogo rímico e sonoro, bem insinuativo para o universo infantil. Nesse
sentido, Nelly Coelho afirma: “a poesia (ou a arte em geral) é um jogo que
enriquece interiormente aqueles que a ele se entregam”(COELHO, 2000,
pág. 245).

Já o poema “Céu”, de Manuel Bandeira, composto por dois quartetos


em versos pentassílabos, apresenta movimentos rítmicos mais suaves, assim
como o céu. Assim, além de proporcionar o despertar a imaginação, o poema
coloca a criança no centro da ação, favorecendo, assim, sua percepção de si
mesma como sujeito.

Figura 3: Poema “Céu” de Manuel Bandeira


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Esse poema também pode contribuir para o desenvolvimento de um


pensamento reflexivo, fazendo a criança pensar, por exemplo, em como é
possível alcançar o céu, ou, o que significa dizer que a criança tem “o céu na
mão”. Por outro lado, os versos curtos, presentes no poema, facilitam o
entendimento da criança, a observação e o sentimento do ritmo, sendo mais
indicados à adesão da criança ao poema. Já no texto “O Mosquito Escreve”,
além da musicalidade, observa-se o estímulo à alfabetização, compondo-se
de forma bem divertida, e criativa. Nele, a criança é instada a perceber a
importância de saber escrever o nome de forma imaginativa, estimulando-se,
assim, a criatividade infantil.

Figura 4: Poema “O Mosquito Escreve” de Cecília Meireles


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Poemas com animais também são considerados eficazes no processo de


letramento, pois a criança aprende a identificar, nos poemas, os animais que
fazem parte do meio ambiente, e também a respeitá-los. Além disso, esses
costumam estimular o lado emotivo das crianças. Outro poema presente na
antologia que estimula a relação afetiva entre as crianças e os bichos é o
poema “Porquinho-da-Índia”, de Cecília Meireles, o poema em versos livres,
tem caráter de uma conversa ou um depoimento, contribuindo, assim, para o
efeito do verossímil, como pode ser observado no poema abaixo:

Figura 5: Poema “Porquinho-da-Índia” de Manuel Bandeira

Se bem explorado, esse poema também pode propiciar uma reflexão


sobre cuidado com os animais, contribuindo para que mais tarde, em fase
adulta, a criança demonstre afetividade pelo seu próximo. Como esses
poemas citados, há muitos outros adequados ao processo de letramento da
criança, propícios a iniciá-la no mundo mágico da poesia sem apartá-la do
mundo real que ela habita.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Conclui-se, ao final desta reflexão, que, para o bom encaminhar do


processo de letramento, será de crucial importância a intermediação do
professor. Este deve estar apto a escolher o poema certo para cada situação e
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para cada criança, pois uma má escolha pode contribuir, fatalmente, para a
aversão ao texto poético. Trabalhar a poesia durante o processo de
letramento na infância pode vir a contribuir para a descoberta de um mundo
mágico e/ou real e rico de experiências e relações discursivas que a
linguagem poética pode propiciar. No entanto, o educador deve estar atento a
aspectos que extrapolam o campo da estética, incidindo, diretamente, na
questão ética que não deve ser negligenciada quando se trata da educação.
Esse é um dado que não coube aprofundar neste artigo que, como foi dito a
princípio, objetiva refletir sobre o emprego da poesia em sala de aula como
recurso à formação do leitor literário, ficando, aqui, apenas pontuado, tendo-
se em vista o desdobramento desta reflexão em estudos futuros.

REFERÊNCIAS
AGUIAR, Vera Teixeira de; BORDINI, Maria da Glória. Literatura: a
formação do leitor: alternativas metodológicas. Porto Alegre: Mercado
Aberto, 1988.
ANDRADE, Mario de.; et al. Na onda dos versos. 1.ed. São Paulo: Ática,
2003.
BORDINI, M. da G. Poesia e consciência lingüística na infância. In:
SMOLKA, A. L. B. et all. Leitura e desenvolvimento da linguagem. Porto
Alegre: Mercado Aberto, 1989, p. 53-68.

CAVALCANTE, Joana. Caminhos da literatura infantil e juvenil. São


Paulo: Paulus, 2002.
KLEIMAN, A. Modelos de letramento e as práticas de alfabetização na
escola.In:KLEIMAN, A. (Org.). Os significados do letramento: uma nova
perspectiva sobre a prática social da escrita. Campinas: Mercado de Letras,
1995.
KLEIMAN, Angela. Oficina de leitura: teoria e Prática. 8.ed.Campinas, SP:
Pontes, 2001.
MEIRELES, Cecília; BANDEIRA, Manuel; et al. Meus primeiros versos.
Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2001.
MISTRAL, Gabriela. Poesia para crianças. In.CUNHA, Maria Antonieta
Antunes. Literatura Infantil: teoria e prática. 18. ed. São Paulo: Ática,
2003.
SOARES, Magda. Letramento: um tema em três gêneros. 4.ed. Belo
Horizonte: Autêntica Editora, 2010.
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Representação dos Personagens Negros na


Literatura Infantil:
um estudo a partir de duas produções brasileiras

Jiselda Meirielly de França1

Maria Batista Lima2

RESUMO

O estudo pretende analisar a representação dos personagens negros/as em duas


produções da literatura infantil brasileira, a saber: “Menina Bonita do Laço de Fita”
(2000), de Ana Maria Machado; e “Ana e Ana” (2003), de Célia Cristina, Com a
intenção de atingir os respectivos objetivos específicos: a) Mapear as imagens
atribuídas à população negra nas respectivas obras literárias; b) Identificar os
discursos atribuídos aos personagens negros/as nas obras literárias infantis em análise;
e c) Verificar em que medida as obras analisadas apontam para uma ressignificação na
literatura infantil no que refere à educação para as relações etnicorraciais. Os
procedimentos metodológicos remetem a uma pesquisa bibliográfica de caráter
explicativo para com a interpretação dos discursos presentes nas narrativas analisadas,
tendo como base a crítica literária e conhecimentos teóricos da educação. Com relação
à teoria literária serão investigados os elementos que compõem o foco narrativo
(enredo, personagem, narrador e espaço) bem como o panorama histórico em que
surgem os personagens negros na literatura e a situação em que os mesmos eram
inseridos, a fim de discorrer a respeito da identidade etnicorracial e das matrizes
africanas presentes nesse objeto de estudo, a literatura infantil. Mediante análise
dessas narrativas literárias percebeu-se que “Menina Bonita do Laço de Fita” possui
uma afirmativa positiva com relação à identidade negra e africana, valoriza o fenótipo
desta referida população, em contrapartida mostra um conflito identitário, além da
utilização de termos pejorativos “mulata, preta, pretinha” para com a identidade
negra. Quanto a “Ana e Ana” percebe-se um discurso com o intuito de valorização a
etnia negra e mostrar que as diferenças favorecem a construção/enriquecimento
cultural e identitário da sociedade, rompendo padrões/modelos de protagonistas da
Literatura infantil. Assim pode-se afirmar que houve uma ressignificação da
população negra, reafirmando valores de nossas matrizes africanas.

Palavras-chave: Literatura infantil, foco narrativo, personagem negro e identidade


etnicorracial.

1
Contato do(a) autor(a):jiseldameirielly@hotmail.com . UFS-DLI-PIBIC-
GEPIADDE
2
Contato do(a) autor(a):mabalima.ufs@gmail.com. UFS-DEDI-GEPIADDE/Doutora
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INTRODUÇÃO

A problemática da questão racial no Brasil apesar de antiga ainda é


polêmica, além de ser um problema atual e presente em nossa sociedade.
Dessa forma, é de suma importância que questões como esta sejam
abordadas, principalmente, no âmbito escolar por ser um ambiente de
discussão, aprendizagem, saber e conhecimento. Tal iniciativa é uma
tentativa de desconstruir toda, e qualquer ideia ou conceito pré-concebido
que permeia o imaginário social a respeito da questão racial brasileira e de
nossas matrizes culturais africanas.

Este estudo apresenta algumas discussões a cerca da Representação dos


Personagens Negros na Literatura Infantil, em duas obras: “Menina Bonita do
Laço de Fita” (2000), de Ana Maria Machado; e “Ana e Ana” (2003), de
Célia Cristina. O trabalho tem como objetivo principal analisar a
representação atribuída aos personagens negros na literatura infantil no
Brasil. Para isso, pretende-se analisar as imagens e os discursos dos e sobre
os personagens negros nas obras que trazem alguma referência aos
repertórios afro-brasileiros, repertórios aqui entendidos como elementos de
matrizes africanas referentes às identidades e/ou aos diversos elementos
culturais e referenciais dessas matrizes. O estufo faz parte do projeto
Compartilhando as Diferenças e Promovendo a Equidade na Educação
Sergipana, do grupo de pesquisa GEPIADDE.

Com isso, para a seleção dessas obras infantis foi necessário delimitar
um determinado período (anterior e durante) à publicação da Lei
10.639/2003, que atribui a todas as áreas do conhecimento a responsabilidade
da inclusão da história e cultura africana e afro-brasileira nos currículos
escolares, especialmente nas áreas de Educação Artística, de Literatura e
História Brasileira (BRASIL, 2003). Além da reduzida quantidade de
material relacionado aos personagens negros na Literatura infantil. Mediante
essa seleção pretende-se perceber como as narrativas literárias destinadas ao
público infantil abordaram /abordam a questão etnicorracial a partir dos anos
delimitado.

Nesse estudo bibliográfico foi necessário inserir textos relevantes para o


aprofundamento/entendimento do contexto em que a Literatura infantil surgiu
no Brasil, o aparecimento tardio dos/as personagens negros/as e atrelado a
isso uma imagem estereotipada/estigmatizada que permeou por muito tempo
as obras literárias brasileiras direcionadas ao público infantil, além de
provocar discussão/reflexão a cerca dessa temática.

Assim, a partir da análise das obras Literárias infantis com base na


crítica literária percebeu-se que “Menina bonita do laço de fita” possui um
discurso que contempla os traços da cultura negra de forma positiva, no
sentido de reafirmar o fenótipo negro, e contempla o leitor a cultivar o
respeito às relações raciais. Entretanto, a obra causa uma inquietação quando
faz alusão à miscigenação além de utilizar termos pejorativos para com a
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identidade negra: “mulata, preta, pretinha”. Ainda nessa obra, é relevante


inserir um conflito identitário vivido por um dos personagens na narrativa.
Quanto a “Ana e Ana” percebe-se um discurso com o intuito de valorização
da etnia negra e de certa forma a autora ressalta que as diferenças favorecem
a construção/enriquecimento cultural e identitário da sociedade.

1. Referencial Teórico

Nesse estudo bibliográfico foi necessário ressaltar a perspectiva das


origens da Literatura infantil a partir da concepção de Nelly Coelho (1983,
1988) com a obra Dicionário da Literatura Infantil/juvenil, que amplia a
análise/estudo literário nessa linha de pesquisa, e mostra a relação entre
Literatura, História e Educação, nesse trabalho a autora aborda as obras de
Monteiro Lobato como marco divisório/significativo da Literatura infantil
através doas autores brasileiros dos “precursores no século XIX e primórdios
da literatura infantil no Brasil (1808-1920) ao período lobatiano e pós-
lobatiano (1920-1990)”. No que remete ao livro Panorama Histórico da
Literatura Infantil e Juvenil (1988) a mesma apresenta todo caminho
histórico da criação para crianças e jovens daquela época, as narrativa
primordial, das origens Indo-europeias da Literatura Ocidental ao Brasil
Contemporâneo.

Esses livros foram significativos para desenvolver este trabalho de


cunho investigativo e esclarecedor no que remete a representação dos
personagens negros nas referidas obras.

Ainda no desenvolvimento do estudo foi necessário o panorama dos


cânones da literatura infanto-juvenil (Monteiro Lobato) sobre o viés de
alguns autores, por exemplo: Oliveira (2001, 2003). Para ajudar no
desenvolvimento desse estudo, serão utilizados também referenciais teóricos
da literatura que fazem uma abordagem crítica sobre esse objeto de estudo,
tais como; Cavalleiro (2002); Brookshaw (2006); Coelho (1983, 1987);
Cordeiro (2001); Munanga (1996); Negrão (1988); Rosemberg (1985, 1979);
Sousa (2001 e 2002); Souza (2006) e Schwarcz (1993) entre outros, que se
farão presentes no decorrer do estudo. O projeto utiliza a perspectiva da
educação quanto a Lei 10.639/2003 (BRASIL, 2003) no sentido de torná-lo
enriquecedor com os/as autores/as Andrade (2001) que aborda o racismo e
antirracismo na literatura infanto-juvenil e Brookshaw (2006), além de Hall
(1999) com algumas discussões/reflexões sobre identidades.

1 Literatura Infantil
A literatura infantil é relevante na educação inicial, pois é através dela
que a criança desperta/exercita o imaginário e aprende com o contato oral das
histórias infantis a descobrir/compreender o mundo. Assim, essa literatura
voltada para o público infantil é considerada indispensável para a etapa da
alfabetização, na qual as crianças estão vivendo a fase de aquisição de leitura
e escrita. De acordo com Aguiar (1990):

Os contos de fadas mantêm uma estrutura fixa. Partem de um


problema vinculado à realidade (como estado de penúria, carência
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afetiva, conflito entre mãe e filhos), que desequilibra a tranqüilidade


inicial. O desenvolvimento uma busca de soluções, no plano da
fantasia, com a introdução de elementos mágicos. A restauração da
ordem acontece no desfecho da narrativa, quando há uma volta ao
real. Valendo-se desta estrutura, os autores, de um lado, demonstram
que aceitam o potencial imaginativo infantil e, de outro, transmitir à
criança a idéia de que ela não pode viver indefinidamente no mundo
da fantasia, sendo necessário assumir o real, no momento certo.

Diante dessa premissa, percebemos que é relevante que a escola insira


na prática pedagógica uma Literatura Infantil que contemple nossa cultura e
matrizes africanas. No entanto, o docente deve está atento em trabalhar com
esse recurso didático (livro infantil) em sala de aula sem criar estereótipos,
estigmatizar, ou até mesmo invisibilizar determinada etnia e cultura (como
acontece com os negros).

Partindo do pressuposto de que Literatura é um componente curricular e


que a escolha do material didático (os livros de literatura infantil ou infanto-
juvenil) adequado contribui muito para prática educativa capaz de
desmistificar pré-conceitos que permeiam o imaginário social a respeito da
questão etnicorracial brasileira e de nossas matrizes africanas, torna-se
relevante o estudo da literatura como fonte dessa representação identitária no
contexto da diversidade etnicorracial brasileira. Assim, são relevantes as
afirmativas das autoras Flúvia Rosemberg e Nelly Coelho, citadas abaixo:

O livro infanto-juvenil ensina e ensina muito. A sua postura aberta e


declaradamente didática se faz sentir na temática escolhida, na
estrutura narrativa, na própria transmissão de princípios morais e de
outras informações, ou ainda na eleição de personagens
modelares.(ROSEMBERG, 1985, p.59).

A literatura infantil é, antes de tudo, literatura; ou melhor, é arte:


fenômeno de criatividade que representa o mundo, o homem, a vida,
através da palavra. Funde os sonhos e a vida prática, o imaginário e o
real, os ideais e sua possível/impossível realização.
(COELHO, 2000, p. 9)

Diante dessa conceituação da Literatura Infantil, esse gênero literário é


um meio pelo qual o respectivo leitor aprende a desenvolver a criatividade, o
senso crítico, a perceber através de determinadas situações princípios
moralizantes, além de remeter a (re)afirmação de determinados valores
culturais tidos como referência.

Com isso, o leitor é direcionado a internalizar personagens modelos e


estes podem estar apenas se referindo a uma determinada etnia. Desta forma,
remete o/a leitor/a há uma hierarquização social a partir dessa criação de
estereótipos para com determinados personagens nas narrativas. Assim, a
autora Coelho (2002, p. 15) afirma que: “Se a criança, bem como os adultos,
forem capazes de desvelar todos os aspectos ideológicos subjacentes nas
obras literárias, como ficará o caráter de fruição e de apreciação do belo,
presentes nestes livros?”
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Assim, é relevante frisar que as obras literárias são e agem como


instrumentos de construção identitária, construções essas individuais e
coletivas, ou nas palavras da autora Nelly Coelho (2002, p.15) “tem uma
tarefa fundamental a cumprir nesta sociedade em transformação: a de servir
como agente de formação”.

Essa hierarquização está atrelada ao período histórico em que estava


inserida tanto a literatura infantil quanto a infanto-juvenil e ao surgimento
tardio de personagens negros/as em nossa literatura brasileira, com isso
direcionou uma inserção tardia que mostrava a população negra em situação
subalterna. Sobre esse fato Jovino pontua:

A literatura dirigida ao público infantil começa a ser publicada no


Brasil nos fins do século XIX e início do século XX. No início tinha
fins didáticos, ou seja, eram publicações destinadas à educação
formal, à moralização, ou à evangelização de crianças e jovens. Mas
os personagens negros só aparecem a partir do final da década de 20 e
início da década de 30, no século XX. É preciso lembrar que o
contexto histórico em que as primeiras histórias com personagens
negros foram publicadas, era de uma sociedade recém saída de um
longo período de escravidão. As histórias dessa época buscavam
evidenciar a condição subalterna do negro. Não existiam histórias,
nesse período, nas quais os povos negros, seus conhecimentos, sua
cultura, enfim, sua história, fossem retratados de modo positivo.
(JOVINO, 2006, p. 187).

Ampliando a discussão em torno dessa questão é interessante frisar os


vários aspectos da ideologia presentes na produção literária infanto-juvenil,
em uma pesquisa da década de 1980 o livro Literatura Infantil e Ideologia, de
Fúlvia Rosemberg (1985). A obra apresenta a proposta de “estudar a relação
adulto-criança implicada e veiculada pela literatura infanto-juvenil,
indagando se ela reflete a mesma bipolarização dominador-dominado
observado no tratamento imposto a outras categorias sociais” (p. 20), sendo
este trabalho de grande importância para o campo da literatura infantil,
destacando-se como marco teórico-metodológico para autores/as com
produções que remetem as ideologias no ambiente escolar, tais como Oliveira
(2001, 2003). Na referida obra de Rosemberg foram objeto de análise 168
livros infanto-juvenis (dos anos de 1955 e 1975) a respeito dos personagens,
observando as imagens e os discursos.

Com esse estudo a autora conseguiu mostrar a relação de hierarquia


estabelecida entre os personagens: brancos, negros, masculinos e femininos.
Desta forma, percebem-se as ideologias responsáveis pela manutenção destas
desigualdades abordados pela autora Rosemberg (1985, p. 30).

O caráter unilateral da relação estabelecida pelo livro infanto-juvenil


não decorre apenas do domínio exercido pelo adulto sobre a criação
de um texto ou de uma imagem, mas também de seu poder sobre a
produção, difusão, crítica e consumo de um livro. São adultos os
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escritores, ilustradores, diagramadores, programadores, capistas,


editores, chefes de coleção; são também adultos os agentes
intermediários (críticos, bibliotecários, professores, livreiros)
responsáveis pela difusão do livro junto ao comprador que também é
adulto (bibliotecários, pais e parentes). Aqui, a distância entre criação
e consumo é máxima, pois o público infantil, enquanto categoria
social, não participa diretamente da compra do produto que consome e
quase não dispõe de canais formalizados para opinar livremente sobre
o livro que lê. Fala-se nesse caso, em receptor cativo.

Diante dessa premisssa, é interessante abordar a perspectiva historico


cultural abordada por Hall (1999). É importante nos reportarmos para a época
da colonização e suas consequência para com a população negra, já que o pós
abolicionismo nos deixou “marcas” e de certa forma estão presentes em
nosssos materiais didáticos, e remetem infelizmente nos discursos/imagem da
literatura infantil e infanto-juvenil. Assim, a colonização brasileira aconteceu
através de muita violência, desumanização e imposição. Os colonizadores
impusseram os valores culturais, a religão e a língua deles aos colonizados.

Assim, a partir dessa imposição, a população passou a sobrevalorizar o


saber e os valores culturais europeus (mito epistemológico), e isso resultou
em um esquecimento/silenciamento de nossa identidade cultural. Para o
europeu existia uma necessidade extrema de mudança, pois eles nos
julgavam uma civilização inferior. Desta forma, o Brasil passou a ser
dominado em todos os sentidos pelos europeus. Com a abolição da
escravatura, os negros não tiveram nenhuma assistência do governo para que
fossem reintegrados humanamente à população. Com isso, passaram a ser
vitímas de estereótipos e submetidos a trabalhos desumanos.

Com essa ressalva, pode-se perceber que a violência aplicada no


período da escravidão “continua”, mas de maneira camuflada ou seja, através
do preconceito, da discriminação etnicorracial, dos estereótipos que estão no
cotidiano da população brasileira e da famosa “democracia racial”. Diante
disto, é relevante frisar que “a cultura da violência” e o problema da
colonialidade do Brasil deixaram marcas em nossa sociedade, em nossa
formação identitária e no panorama histórico em que está inserida a literatura
infantil.

Desse modo, entende-se que esta literatura, fonte de criatividade, de


beleza e de fomento do imaginário, traz em si marcas dos valores que
circulam no contexto em que é produzida e sua leitura dialoga de forma
dinâmica com os valores que circulam na sociedade. Em se tratando da
literatura infantil, é relevante considerar que as crianças, seus leitores/as
principais estão em uma fase importante na formação de sua personalidade;
formação esta mediada pelo contato com as várias linguagens dos contextos
onde vivem, entre essas linguagens destaca-se a linguagem literária.

Na perspectiva apresentada buscou-se com este trabalho elucidar/refletir


sobre as representações de personagens negros/as nas narrativas investigadas,
como contributo para a compreensão do lugar da literatura infantil na
formação para Educação para as Relações Etnicorraciais, perspectiva que
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aponta para a ampliação da possibilidade de uma sociedade mais equânime.


Para isso, foi levadas em consideração as discussões dos teóricos citados
anteriormente.

2 Conceitos e Identidade etnicorracial


Neste estudo foram inseridos textos que são de grande importância para
o entendimento da questão racial, além de provocar discussão/reflexão a
cerca dessa temática. Desta forma, a partir dessas leituras o receptor poderá
perceber o quanto é relevante discutirmos na escola o conhecimento
histórico, as contribuições dos negros/as em nossa cultura, e a discriminação
racial.

Em relação às identidades, os autores Sodré (1999) e Hall (1999):


afirmam que as identidades são construídas e reconstruídas socialmente;
dinâmicas e múltiplas. Podem ser modificadas de acordo com os momentos e
os fatos históricos. Essa Pesquisa centrou-se no referencial teórico que
contemplou os seguintes quesitos: Identidades; diversidade; Identidades
Etnicorraciais Negras; Africanidades, Culturas Negras, e Práticas escolares.

Em relação às nomeações de “raça, racismo, discriminação racial”


segundo Souza E Silvia (2007), o primeiro mostra-se importante para o
combate ao racismo explica e afirma sua existência. “Também explica a
trajetória de resistência e de produção de conhecimento de inúmeras pessoas
e de organizações dos movimentos sociais e negros”. O segundo racismo
doutrina que defende a superioridade de certos grupos racistas e étnicos. “É
um modo hierárquico de classificação dos seres humanos que os distingue
com base nas propriedades físicas e nos marcos culturais”. Já o terceiro,
“Discriminação racial é o preconceito materializado em ações e condutas que
desqualificam e inferiorizam um grupo em detrimento de outro.”

Dentro dessa concepção, é relevante explanar que com as teorias


racistas inventadas no século XIX na Europa e nos Estados Unidos como
uma maneira de explicar as origens e características da sociedade foi aceita
nos anos de 1870 e 1930. Essas teorias afirmavam que através da biologia as
mesmas leis da natureza eram aplicadas na sociedade e que o fenótipo dos
sujeitos poderia ser capaz de afirmar, ou negar se determinado indivíduo
tinha capacidade intelectual, sendo expandida para outras civilizações do
mundo. Assim, naquele período as pessoas passaram a ser classificada de
acordo com os estágios civilizatórios. Nesse sentido a Europa era adiantada
se comparada com os indígenas e africanos, recusando de certa maneira a
diversidade. Segundo os autores:

Podemos dizer que foram basicamente quatro os argumentos da


“ciência racial” que tiveram grande aceitação na sociedade brasileira
daquele tempo: o primeiro, que havia raças diferentes entre os
homens; segundo, que a “raça branca” era superior à “raça negra”, ou
seja, os brancos eram biologicamente mais inclinados à civilização do
que os negros; terceiro, que havia relação entre raça, características
físicas, valores e comportamentos; e, ainda, que as raças estavam em
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constante evolução, portanto era possível que uma sociedade pudesse


ir de um estágio menos desenvolvido para outro mais adiantado, sob
certas condições. (ALBUQUERQUER E FILHO, 2006, p.320).

Essas teorias, embora secularmente contestadas ainda circulam seus


efeitos no imaginário social, contribuindo para a reprodução das
desigualdades a partir da discriminação e inferiorização dos grupos
considerados pelas referidas teorias como inferiores, de acordo com seu
conceito de civilização. O branqueamento visto como condição civilizatória,
implementado sob a forma de política de imigração, mas alimentado na
inculcação de que para se desenvolver precisa se branquear o país e para ser
feliz no âmbito pessoal também se precisa se perseguir esse ideal. A
ideologia do branqueamento e da mestiçagem como estratégias de
negociação das identidades passa a alimentar pensamento e imaginário social,
conforme Munanga (1999) apud Lima (2010). Nesse sentido, as teorias
racistas esperavam era que o branqueamento do país “corrigisse os defeitos
dos negros e indígenas, considerados, nesse entender racista como inferiores”
(LIMA, 2010, p.6).

Segundo Lima (2006) e Lima e Trindade (2009) as identidades negras


são dinamicamente forjadas a partir dos elementos de raízes e produção
africanas e afro-brasileiras presentes na cultura e na história brasileiras, no
que as autoras definem como africanidades. Assim, “nas africanidades se
definem os repertórios culturais brasileiros que em sua origem, dispositivos
de base ou (re) elaboração histórica remetem ou se relacionam com as
ancestralidades africanas” (LIMA, 2008, p 08).

3 A Relação da Literatura-criança

Segundo Rosemberg (1985) a relação adulto-criança em nossa


sociedade não desempenha uma interação e muito menos uma troca, já que a
criança é destinada o papel do que aprende/receptor e o adulto ensina. Desta
forma, essa relação distingue bem o papel hierárquico, no qual a criança era
submetida. Mediante essa afirmativa a autora insere a concepção de Soares
(1975) sobre Literatura Infanto-juvenil:

Uma forma de comunicação historicamente determinada onde emissor


é o adulto e o receptor é a criança. Assim colocada, a literatura que
pré-fixei desde o início: o do quadro mais amplo das relações entre
categorias sociais que por vezes, em determinados momentos
históricos e em determinadas sociedades, ocupam posições
assimétricas ou bipolares. Bipolares ou não porque a repartição do
poder se faz desigualmente.” (ROSEMBERG, 1985, p. 29).

Essa premissa remete-se ao momento histórico em que a criança por


muito tempo foi considerada/tratada como um adulto menor, e a este não era
atribuído fases em que protegesse a infância. É interessante abordar o
panorama histórico em que a criança está inserida, e passa de um “adulto em
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miniatura” para uma criança que requer cuidados especiais. Nesse período da
Idade Média não existia um “vocabulário especifico para designa-la”. Assim,
a criança não recebia amor por parte dos pais. Somente a partir da
padronização da família “patriarcal moderna” é que a criança começa a
conseguir espaço (ainda que pequeno). Nesse sentido, verifica-se que no livro
Literatura e Ideologia, a autora insere a concepção de Soriano (1975) sobre
Literatura Infanto-juvenil:

Uma forma de comunicação historicamente determinada onde emissor


é o adulto e o receptor é a criança. Assim colocada, a literatura que
pré-fixei desde o início: o do quadro mais amplo das relações entre
categorias sociais que por vezes, em determinados momentos
históricos e em determinadas sociedades, ocupam posições
assimétricas ou bipolares. Bipolares ou não porque a repartição do
poder se faz desigualmente.” (ROSEMBERG, 1985, p. 29).

Essa premissa remete-se ao momento histórico em que a criança por


muito tempo foi considerada/tratada como um adulto, e a este não era
atribuído fases em que protegesse a infância. É interessante abordar o
panorama histórico em que a criança está inserida, e passa de um “adulto em
miniatura” para uma criança que requer cuidados especiais.

Nesse período da Idade Média não existia um “vocabulário especifico


para designa-la”. Assim, a criança não recebia amor por parte dos pais.
Somente a partir da padronização da família “patriarcal moderna” é que a
criança começa a conseguir espaço (ainda que pequeno).

Nesse sentido é relevante frisar o panorama histórico em que a criança


foi inserida, exposto por Fúlvia:

Extraído do diário de Ariès no século XVII escrito por Heroardo,


médico do infame Luís XIII. Através destes escritos percebe-se a
extraordinária liberdade no trato da vida sexual, quando brincadeiras
infantis com os genitais, iniciados tanto pelo adulto quanto pela
criança eram vividas com naturalidade (...) no fim do século XVI,
alguns educadores “não mais toleram que se coloquem entre as mãos
das crianças obras duvidosas. Nasce, então, a ideia do livro clássico
expurgado a ser usado pelas crianças. Esta é uma etapa muito
importante. É verdadeiramente quando se pode datar o respeito à
infância” (Ariès, 1960, p.113). Até o final do século XVI, era difícil
diferenciar os livros pedagógicos, de civilidade, destinados a adultos e
a crianças. Esta ambiguidade vai desaparecendo, porém, no
transcorrer do século XVII, para ser definidamente afastada na
segunda metade do século XVIII, com o surgimento de livros de
civilidade “pueris e honestos”. Agora, o tom é novo e o narrador
dirige-se diretamente ao leitor: “a Literatura deste livro não vos será
inútil, minhas caras crianças, ela vos ensinará (...)”. No século XIX
com a preocupação voltada para a educação das crianças com isso,
houve uma “reelaboração do acervo popular europeu, destacando-se
especialmente os irmãos Grimm dentro desse processo”.
(ROSEMBERG, 1985, p. 31 e 32).
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Segundo a concepção a autora defende que apenas no fim do século


XVI é que alguns educadores observavam e impediam de certa forma, que
materiais (obras) considerados na concepção deles/as indevida para
determinada faixa etária com isso, percebe-se que “a ideia do livro clássico
expurgado a ser usado pelas crianças”. Desta forma, é que se pode ressaltar
uma data em que foi inserida o respeito à infância “transcorrer do século
XVII, com o surgimento de livros de civilidade “pueris e honestos”. (Ariès,
1960, p. 113). Mediante a essa afirmativa os escritores direcionam o discurso
para o leitor/criança “A leitura deste livro não vos será inútil, minhas caras
crianças, ela vos ensinará (...)”.

Nesse sentido, verifica-se que houve a partir desse momento uma


preocupação em separa/reelaborar o acervo popular europeu (narrativa
primordial), com intensão de preparar um material em que contemplasse a
criança e respeitasse à inocência da mesma.

4 Análise e discussão
Esse trabalho bibliográfico de caráter explicativo consistiu no
determinado procedimento teórico-metodológico: 1) levantamento do
referencial teórico; 2) Seleção de duas obras infantis (dos anos: 2000 e 2003)
tendo como suporte teórico a crítica literária; 3) Observação/análise dos
discursos e imagens dos/das personagens negros/as nas narrativas literárias
pesquisadas e 4) Mediante a análise das narrativas literárias, será inserida a
discussão acerca das conclusões.

A amostra para esse estudo foi composta pelas obras infantis brasileiras:
“Menina Bonita do Laço de Fita” (2000), de Ana Maria Machado; “Ana e
Ana” (2003). Editados entre os anos de 2000 a 2003. Esse processo de estudo
buscou categorizar partes dos discursos, na tentativa de mostrar significados
a partir da linguagem: verbal e não-verbal. Nesse sentido o processo
investigativo constituiu em cortes “unidade de análise” nas passagens em que
de certa forma fosse verificado discriminação racial, ou algum artifício que
remetesse a determinado preconceito.

Estrutura das obras:

A narrativa “Menina bonita do laço de fita” (2000), de Ana Maria


Machado, foi publicada na década de 1980 pela editora: melhoramentos, e
atualmente é comercializado pela Ática.

É organizado/estruturado da seguinte forma: o foco narrativo está em 3º


pessoa; por um narrador onisciente neutro “ausência de instruções e
comentários gerais ou mesmo sobre o comportamento das personagens,
embora a sua presença, interpondo-se entre o leitor e a história, seja sempre
muito clara”; o texto segue uma sequência cronológica (começo, meio e fim);
a única protagonista da narrativa é a própria “menina bonita do laço de fita”;
o coelho branco e a mãe da “menina bonita do laço de fita” são personagens
secundários e planos; quanto ao tempo é cronológico.
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No que remete ao título desta narrativa traz uma afirmativa positiva com
relação à identidade negra “Menina bonita do laço de fita” e africana “Ela
ficava parecendo uma princesa das Terras da África, ou uma fada do Reino
do Luar”. Ainda nessa categoria de valorização da identidade negra é
relevante a comparação do fenótipo e da pele da protagonista, na passagem:
“Os olhos pareciam duas azeitonas pretas brilhantes, os cabelos
enroladinhos e bem negros/A pele era escura e lustrosa, que nem

O pelo da pantera negra na chuva (....)”. Esses traços que antes era
desvalorizado/estereotipado pelos escritores, nessa respectiva obra é
contemplado e direcionado a um tipo de beleza que somente é encontrado em
pessoas negras.

Em contrapartida, o enredo da obra desenvolve-se através de um


conflito identitário vivido pelo coelho branco que deseja ser “preto” igual à
menina bonita do laço de fita, ele instruído pela menina fracassa em todas as
tentativas de ficar da cor da protagonista. Mas, a mãe dela revela o segredo
da cor da menina ao coelho:

“a mãe dela que era uma mulata linda e risonha, resolveu se meter e
disse:
- Artes de uma avó preta que ela tinha...”

Com isso, percebe-se que a obra possibilita pensar que as etnias afro-
brasileiras são, então, demarcadas pelas raízes históricas, socioculturais e
políticas que marcam a formação populacional brasileira e pelas relações
estabelecidas tanto nas suas ancestralidades distantes como nas vivências
contemporâneas.

Mas, o discurso para finalizar a narrativa é direcionado para a utilização


das relações inter-raciais e da mestiçagem para resolver essa inquietude.
Além desse conflito identitário a menina na narrativa não é denominada pela
etnia/raça negra, e sim pela cor “preta, pretinha”. Ainda nessa vertente a mãe
da menina é citada através de um discurso pejorativo, ao chama-la de
“mulata”, termo que tem em seu histórico de criação referência ora de
desumanização do ser negro ora de etnocídio etnicorracial e na sua
contemporaneidade uma associação à objetivação sexual da mulher negra i.

Nesse sentido, Munanga (1994, p. 177-178) aponta a perspectiva


multimensionalidade do conceito de identidade como construção social
processada nas relações humanas, conforme citação abaixo:

A identidade é uma realidade sempre presente em todas as sociedades


humanas. Qualquer grupo humano, através do seu sistema axiológico
sempre selecionou alguns aspectos pertinentes de sua cultura para
definir-se em contraposição ao alheio. A definição de si
(autodefinição) e a definição dos outros (identidade atribuída) têm
funções conhecidas a defesa da unidade do grupo, a proteção do
território contra inimigos externos, as manipulações ideológicas por
interesses econômicos, políticos.
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Nessa perspectiva de identidade como construção social em torno de


aspectos sócio-históricos e culturais, as concepções de Munanga dialogam
com a produção de Hall (1999) quando este aponta as identidades como
construções em constante formação, implicadas socioculturalmente na
necessidade de se reconhecer, se entender e se explicar (LIMA, 2004).

A obra literária infantil “Ana e Ana”, de Célia Cristina, foi publicada no


ano de 2003, pela editora: São Paulo. Quanto à estruturação dessa narrativa é
organizada da seguinte forma: o foco narrativo está em 3º pessoa; por um
narrador onisciente neutro “ausência de instruções e comentários gerais ou
mesmo sobre o comportamento das personagens, embora a sua presença,
interpondo-se entre o leitor e a história, seja sempre muito clara”; o texto
segue uma sequência cronológica (começo, meio e fim); as protagonistas da
narrativa são: Ana Carolina e Ana Beatriz; e as personagens planas são: mãe
e a avó das gêmeas.

Nessa obra a autora mostra a dificuldade que Ana Carolina e Ana


Beatriz passaram ao serem reconhecidas como iguais fisicamente, sendo que
ambas eram diferentes por dentro, ou seja, em sentimentos, gostos,
profissões, entre outros. A autora aborda a questão da identidade negra com o
intuito de esclarecer e ensinar as crianças a desempenharem o respeito à
diversidade racial e a valorização da nossa cultura de matrizes africanas, além
abordar que a profissão é um escolha nossa, independente de qualquer
situação. Com isso, percebe-se que houve na referente obra uma afirmação
positiva a respeito da identidade negra.

ALGUMAS CONSIDERAÇÕES

Como se afirmou na introdução, este artigo se desencadeou a partir da


representação atribuída aos personagens negros na literatura infantil no
Brasil, e teve como objeto de análise as obras “Menina bonita do laço de fita”
e “Ana e Ana” e mediante os discursos das mesmas nota-se, entre outras
coisas que na primeira obra: a) possui um discurso que contempla os traços
da cultura negra de forma positiva, no sentido de reafirmar o fenótipo dessa
etnia; b) contempla o leitor a cultivar o respeito a identidade racial; c)
Entretanto a obra causa uma inquietação quando faz alusão a miscigenação
além de utilizar termos pejorativos para com a identidade negra “mulata,
preta, pretinha” e d) Destaca-se que no enredo a autora insere um conflito
identitário vivido pelo coelho, um dos personagens na narrativa. Quanto à
segunda obra “Ana e Ana” percebe-se um discurso com o intuito de valorizar
o grupo etnicorracial negro e de certa forma, a autora ressalta que as
diferenças favorecem a construção/enriquecimento cultural e identitário da
sociedade. Assim, os discursos presentes nessa referida obra estrategicamente
trazem suporte para combater o preconceito e discriminação racial, através do
desenrolar da trama das personagens protagonistas, as gêmeas.
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Assim, os resultados obtidos na análise, desenvolvida no presente no


trabalho contribuem para que os indivíduos possam refletir sobre os padrões
de beleza, de repertórios etnicorraciais e a falta de respeito ao diferente,
questões estas que são ditadas pela sociedade e materializadas nos discursos
dos indivíduos.

Portanto, este artigo revelou o quanto a Literatura Infantil pode servir no


sentido positivo em desmistificar pré-conceitos com relação a nossa
identidade negra ou de nossas matrizes africanas, desconstruindo discursos
preconceituosos e estigmatizados que tendem a valorizar os indivíduos pela
estética hegemonicamente supervalorizada em detrimento da diversidade
enriquecedora da humanidade.

REFERÊNCIAS

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Quíron,. 1987.
COELHO, Nelly N. Dicionário Crítico da Literatura Infantil e Juvenil
Brasileira. São Paulo: Quíron, 2ª ed., 1984.
COELHO, Nelly Novaes. Literatura infantil: teoria, análise, didática. SP:
Moderna, 2000.
GODOY, Célia. Ana e Ana. São Paulo: DCL, 2003..
HALL, Stuart. A identidade cultural na pós-modernidade. 3. ed. RJ:
DP&A,1999.
LAJOLO, Marisa; ZILBERMAN, Regina. Literatura infantil no Brasil:
história & histórias. São Paulo: Ática, 2004.
JOVINO, Ione da Silva. Literatura infanto-juvenil com personagens negros
no Brasil. In: SOUZA, Florentina; LIMA, Maria Nazaré. Literatura afro-
brasileira. Salvador: Centro de Estudos Afro-Orientais; Brasília: Fundação
Cultural Palmares, 2006.
LIMA, Maria Batista Lima. Identidade Étnico/Racial No Brasil: Uma
Reflexão Teórico-Metodológica. Revista Fórum identidades. Ano 2, Volume
3 – p. 33-46 – jan-jun de 2008, p.33-46.
LIMA, Maria Batista Lima. Práticas cotidianas e identidades étnicas: um
estudo no contexto escolar. Rio de Janeiro: PUC/RJ, 2006. (Tese de
doutoramento)
LIMA, Heloisa Pires. Personagens negros: um breve perfil na literatura
infanto-juvenil In: MUNANGA, Kabengele (org) Superando o racismo na
escola. 3.ed. Brasília-DF: MEC, 2001.
MACHADO, Ana Maria, Menina Bonita do Laço de Fita. São Paulo: Ed.
Ática, 7ª ed., 2001. (Coleção Barquinho de Papel).
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OLIVEIRA, Maria Anória. Negros personagens nas narrativas literárias


infanto-juvenis brasileiras: 1979 – 1989. 2001. (Mestrado em
Educação),UNEB, Salvador, 2003.
ROSEMBERG, Fúlvia. Literatura Infantil e Ideologia. São Paulo: Global,
1985.
SCHREIBER, M. R. As minorias étnicas na literatura infanto-juvenil
Brasileira. Belo Horizonte: Escola de Biblioteconomia/UFMG, 1975.

i
A palavra mulata, de origem espanhola, feminina de "mulato", tem
atribuído ao seu sentido a relação com palavra "mulo" (animal híbrido,
resultado do cruzamento de cavalo com jumenta ou jumento com égua). As
palavras "mulato" e "mulata" foram usadas de forma pejorativa para os
filhos mestiços das escravas que coabitaram com os seus senhores brancos e
deles tiveram filhos (SILVA, 2004). No decorrer da história, ainda que os
sentidos atribuídos ao fruto da mestiçagem do negro com branco tenham
sofrido algumas mudanças, ainda se tem uma representação da negra
denominada de “mulata” como símbolo da sensualidade exacerbada, da
sexualidade objetivada, uma imagem que tem sido ao longo do tempo
fomentada por empresários do entretenimento e do turismo brasileiro, tais
como Sargentelli. Maiores informações em LOPES, Antonio Herculano.
Algumas notas sobre o mulato, a mulata e a invenção de um país sem culpa.
Casa Rui Barbosa. Disponível em
http://www.casaruibarbosa.gov.br/dados/DOC/artigos/k-
n/FCRB_AntonioHerculano_Lopes_Algumas_notas_sobre_o_mulato_a_mu
lata_ea_invencao_de_um_pais_sem_culpa.pdf. Acesso em 26/08/2012.
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O Uso da Literatura Infantil como Prática


Pedagógica para Formação de Leitores

Priscila Dantas Fernandes1

Mara Rúbia Guimarães Lima2

RESUMO
O presente estudo versa sobre as atividades realizadas no estágio obrigatório em uma
turma de 2º ano do Ensino Fundamental em Aracaju/SE, relatando as dificuldades, os
anseios e a experiência adquirida no decorrer da prática. Utilizamos como
procedimentos metodológicos aula expositiva e dialogada, realização de bonecos,
utilização de textos, canto de músicas, roda de leitura, atividades individuais.
Desenvolvemos um programa para execução das tarefas, contudo ao longo dos dias
houve algumas alterações. Na sociedade em que vivemos, a leitura é vista como algo
imprescindível. A todo o momento a utilizamos, seja para pegar um ônibus, seja num
banco, seja procurando um telefone, seja vendo um letreiro ou num supermercado. O
primeiro contato das crianças com a leitura se dá através da leitura auditiva. Por meio
de cantigas de ninar, de contação de histórias (sejam elas inventadas ou não), a
criança tem esse contato. O resultado foi bastante satisfatório, porque conseguimos
constatar os problemas relacionados à aprendizagem daquelas crianças. No entanto, os
problemas que rodeiam as crianças se assemelham as muitas dificuldades enfrentadas
pela maioria das crianças na educação pública brasileira. Entre eles, podemos citar os
pais que jogam os filhos na escola e não os acompanham, famílias que passam por
dificuldades financeiras, com dificuldade de aprendizagem, falta de acompanhamento
pedagógico na escola, ficando a cargo da professora todas as responsabilidades com
as crianças, sem contar que a sala continha 22 alunos para uma única professora, o
que torna difícil a realização das atividades. Este estágio nos proporcionou vivenciar
(apesar de ter sido somente dez dias) com alunos, professores, ou seja, com a escola
como um todo, delineando o desenvolvimento de atividades e práticas pedagógicas
envolvendo a literatura infantil, colaborando assim, para nossa formação acadêmica.

Palavras-chave: Atividades. Dificuldades. Leitura.

1
Contato do(a) autor(a): prifernandes_17@yahoo.com.br. (Mestranda/UFS)
2
Contato do(a) autor(a): marinha_lima@hotmail.com (Graduanda/UFS)
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INTRODUÇÃO

Este texto tem como objetivo expor as atividades realizadas no estágio


estágio obrigatórioi, relatando as dificuldades, os anseios e a experiência
adquirida no decorrer da prática.

O tema foi escolhido de forma democrática pelos próprios alunos da


Escola Estadual Senador Lourival Fontes, Aracaju/SE e a turma selecionada
foi o 2º ano do ensino fundamental, composta por 22 (vinte e dois) alunos.

O objetivo principal foi despertar o interesse e o gosto pela leitura,


ampliando assim o universo linguístico da criança. Os conteúdos foram
selecionados de acordo com o cronograma da professora responsável pela
turma que de modo singular colaborou com a realização do referido projeto.

Utilizamos como procedimentos metodológicos aula expositiva e


dialogada, realização de bonecos, utilização de textos, canto de músicas, roda
de leitura, atividades individuais. Desenvolvemos um programa para
execução das tarefas, contudo ao longo dos dias houve algumas alterações.

A avaliação foi realizada durante todo processo do desenvolvimento do


projeto de ensino, mediante acompanhamento das crianças, participação das
atividades realizadas em sala de aula e os avanços individuais. É um processo
contínuo e de caráter diagnóstico. Neste sentido, serviu para observar se os
objetivos propostos foram atingidos, a fim de rever a própria prática docente
e, criar novas possibilidades para estimular os alunos a desenvolverem suas
potencialidades.

Sabemos hoje o valor que a leitura exerce no dia-a-dia de uma criança.


Educadores tentam mostrar essa importância aos pais e professores no intuito
de formar cidadãos leitores, pois a sua aplicação permite que a criança
imagine um mundo fictício, viaje nele e, assim, compreenda a realidade.

Na sociedade em que vivemos, a leitura é vista como algo


imprescindível. A todo o momento a utilizamos, seja para pegar um ônibus,
seja num banco, seja procurando um telefone, seja vendo um letreiro ou num
supermercado. De acordo Cagliari (2005), o primeiro contato das crianças
com a leitura se dá através da leitura auditiva. Por meio de cantigas de ninar,
de contação de histórias (sejam elas inventadas ou não), a criança tem esse
contato.

Desta forma, aprender a ler é mais fácil do que aprender a escrever.


Uma criança pode começar ouvindo histórias, aprendendo a decifrar os sons
das letras em diversos contextos e se pôr a ler pequenos textos de cujo
conteúdo já tem conhecimento ou que sabe de cor, como canções, provérbios,
adivinhações etc. (CAGLIARI, 2005).

Ler significa decodificar a mensagem contida no texto, ou seja,


interpretá-la. Através da leitura, as crianças aprendem a ler o mundo, e dão
sentido a ele. A leitura é um processo no qual o leitor realiza um trabalho
ativo de construção do significado do texto, de acordo com conhecimentos
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sobre o assunto, sobre o autor, ou seja, de tudo o que sabe sobre a


língua: características do gênero, do portador, do sistema de escrita,
entre outros. (PCNs, 1997).

Nesta perspectiva, a literatura infantil é fundamental para a


formação escolar das crianças, pois além de possibilitar-lhes a aquisição
de novos conhecimentos, também exerce um papel relevante na
formação da expressão oral, no aprimoramento das suas capacidades de
leitura e escrita.

Deste modo, a “[...] literatura infantil, por seu caráter lúdico-


mágico é o caminho natural, a chave mágica que abre a porta de entrada
principal que dá acesso ao mundo da leitura e a tudo o que ela pode nos
proporcionar” (FRANTZ, 1997, p. 8).

Portanto, para que se possa transmitir a leitura, é necessário que se


saiba como enriquecê-la no cotidiano da sala de aula, com o intuito de
expressar no indivíduo o seu prazer crítico, reflexivo e criativo. Assim,
a literatura é fundamental para a formação escolar das crianças.

1 O Mundo Encantado da Literatura Infantil

A literatura infantil universal se configurou como gênero a partir


do século XVII. Anteriormente, não havia literatura destinada às
crianças, pois não havia distinção entre a fase adulta e a infantil ii.
Segundo Zilberman (2003), os primeiros livros para criança foram
produzidos ao final do século XVII e durante o século XVIII. Antes
disso, não se escrevia para elas, porque não existia “infância”.

Em meio à Idade Moderna, foi que sucedeu a concepção de uma


faixa etária diferenciada com interesses próprios, a qual necessitava de
formação específica. Essa mudança se deveu à emergência de uma nova
noção de família, centrada não mais em amplas relações de parentesco,
mas no núcleo unicelular, preocupado em manter sua privacidade e
estimular o afeto entre seus membros (ZILBERMAN, 2003).

A literatura infantil brasileira surgiu no século XVIII com a


publicação de “Narizinho arrebitado” (1921), obra de Monteiro Lobato.
Sua produção marca o início de uma verdadeira literatura nacional, pois,
no começo do século XX, as obras literárias designadas a crianças
brasileiras eram textos europeus adaptados à linguagem brasileira.

O conceito de literatura infantil é muito discutido por autores e


educadores. Para uns, ela é prazer, para outros, ela é informação. Assim
sendo, não há um conceito único para esta produção literária.

Uma criança ao ler um texto de literatura infantil, percebe a


fantasia, o belo, o prazeroso, o fantástico, o mágico. Sendo assim, o
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leitor viaja, mergulha sem medo neste universo cheio de encantamentos e


emoções.

Pesquisas de Oliveira (1996), sobre os livros infantis, constatou que eles


abrem um leque de possibilidades para o empreendimento de atividades
pedagógicas. O emprego didático deste tipo de impresso pode orientar os
educadores a criarem práticas educacionais, por meio do lúdico, estimulam
assim, a imaginação das crianças.

A literatura infantil é observada como material que estabelece uma


ponte entre as concepções ideológicas de seus autores, professores e alunos.
Neste sentido:

A literatura infantil tem [...] por meta a exploração do processo de


comunicação que a obra literária por si só já representa. Através da
identificação e de trocas culturais entre obra e leitor, provocado pela
mediação do professor, as visões de mundo do aluno defrontam-se
com visões de mundo da obra. Ao lidar com a literatura infantil em
sala de aula, o professor estabelece a relação dialógica com o aluno,
com sua cultura e com sua realidade quando, para além de contar ou
ler a história [...] cria condições para que eles lidem com a história a
partir de seus pontos de vista, trocando impressões sobre ela,
assumindo posições frente aos fatos narrados, defendendo posições e
personagens, criando novas situações através das quais eles vão
desdobrando a história original. (OLIVEIRA, 1996, p. 49-52).

A literatura constitui, sobretudo, comunicação. É material que facilita a


relação entre os sujeitos da comunicação, autor e leitor. Se não houver esta
interação entre estes elementos, corre-se o risco de não ser efetivado o
mecanismo de transmissão do conhecimento/informação que se pretende
compartilhar.

No que se refere ao respeito do contato criança/literatura, via


leiturização, estabelece-se uma relação dupla entre leitor e personagens.
Nessa comunicação, ele se identifica ou não com os personagens ou com a
situação vivida por eles. (OLIVEIRA, 2006).

O primeiro contato da criança com um texto é feito oralmente, através


da voz da mãe, do pai ou dos avós, contando trechos da Bíblia, contos de
fada, histórias inventadas, poemas, entre outros.

A literatura infantil é de grande importância para as crianças, pois “[...]


auxilia na ordenação de seu mundo e na busca de respostas para suas infinitas
interrogações a respeito de si mesmo, do outro e da realidade que o cerca”
(FRANTZ, 1997, p. 30).

No que diz respeito à contação de histórias, “[...] é uma estratégica


pedagógica [...] que estimula a imaginação, educa, instrui, desenvolve
habilidades cognitivas, dinamiza o processo de leitura e escrita...” iii.
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Contar história é suscitar o imaginário, é responder as


indagações, é buscar soluções a tantos questionamentos, é a
possibilidade de descobrir um mundo cheio de ideias, conflitos.
Ouvindo as histórias pode-se sentir raiva, alegria, tristeza, saudade,
amor, pavor, medo, ou seja, tudo aquilo que a narrativa proporcionar ao
leitor.

Para tanto, o professor primeiramente precisa gostar da obra


literária antes de contá-la, pois, se assim não o fizer, pode desestimular
o aluno, mesmo sem perceber. O docente deve ler uma obra com
entusiasmo, com emoção para despertar o interesse e o gosto da leitura
no aluno, pois, este tem o professor como modelo de leitor.

Para prender a atenção do aluno, o educador deve saber utilizar a


voz, a expressão corporal, os gestos, entre outras formas que
possibilitem um maior interesse do educando pelo que está sendo
contado. O professor também precisa conhecer a história a ser contada,
para garantir um bom desempenho, por isso, é importante saber escolher
bem a história que vai levar para os alunos.

O professor ao lidar com a contação nas séries iniciais, deve ter o


cuidado com a estrutura da narração, a qual deve ter uma linguagem
fácil e recursos imagéticos, podendo ser exploradas de forma lúdica,
cujas narrativas possibilitem as crianças um melhor desenvolvimento da
capacidade de produção e compreensão textual. Segundo Abramovich
(1997), o ato de ouvir contos é o princípio para a aprendizagem de se
tornar um leitor. Proporcionar estas oportunidades educativas às
crianças significa desenvolver todas as suas potencialidades dentro da
língua materna.

Outra maneira para se trabalhar estas práticas é recontar histórias


pelas próprias crianças. Poder reconstruir textos originais de histórias
conhecidas com o auxilio do professor, pois “[...] ao narrar uma história,
o aluno estará exercitando a comunicação verbal. Por isso o professor,
atento ao processo de comunicação, criará espaços onde os alunos
possam desenvolver o seu potencial de comunicação através das
histórias infantis” (OLIVEIRA, 1996, p. 56).

O sistema educativo é um grande responsável nesse processo, pois


é a escola que deve ajudar os indivíduos em determinada cultura a se
identificar como sujeito. Neste sentido, a partir das narrativas, é possível
construir uma identidade e encontrar-se dentro da própria cultura.

2 Literatura Infantil na Vivência Escolar

O estágio foi realizado na Escola Estadual Senador Lourival


Fontes, em Aracaju - Sergipe. Ministra o Ensino Fundamental do 1º ao
9º ano, os Programas Alfa e Beto, Se Liga, Acelera e EJAEF. A
clientela desta instituição é de classe economicamente desfavorecida.
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São alunos que moram nos bairros próximos, como o Bairro Industrial, o
Bairro Sanatório, Bairro Santo Antônio. Alguns pais acompanham a rotina de
seus filhos, levando-os até a escola, dialogando com a professora e
participando das reuniões. No entanto, outros nem chegam a ir à escola para
saber sobre o desempenho, comportamento, desenvolvimento dos filhos,
estes vão com irmãos mais velhos, que também estudam na mesma
instituição, ou somente vão levá-los até a porta da mesma.

No primeiro dia foi apresentado o tema “Literatura infantil”,


mediante as informações sobre o que é este gênero, sua importância e seus
aspectos. Todos os dias fazíamos a leitura de livros, pois,

É através duma história que se podem descobrir outros lugares, outros


tempos, outros jeitos de agir e de ser, outra ética, outra ótica [...] É
ficar sabendo História, Geografia, Filosofia, Política, Sociologia, sem
precisar saber o nome disso tudo e muito menos achar que tem cara de
aula... (ABRAMOVICH, 1997, p. 17).

Buscamos intercalar os conteúdos aos diversos livros de literatura, no


intuito de despertar o interesse e o gosto pela leitura, de forma prazerosa.
Neste sentido, cabe ao professor esquematizar os conteúdos escolares, de
forma a significá-los no mundo do educando, para que este compreenda,
questione, discorde e proponha soluções, tornando-se um leitor ativo e
reflexivo do mundo a sua volta (SILVA, 2008).

Assim, “[...] como outros profissionais, todos nós sabemos que entre as
coisas que fazemos algumas estão muito bem feitas, outras são satisfatórias e
algumas certamente podem ser melhoradas” (ZABALA, 1998, p. 13).

Em uma conversa no último dia de estágio, sobre os alunos, com a


professora, esclareceu que a aluna Alicia nunca havia estudado, era seu
primeiro ano em uma escola. Pudemos perceber através de sua escrita.

A aluna mal escrevia o nome da professora da turma. No entanto,


estamos tão acostumados a considerar a aprendizagem da leitura e escrita
como um processo de aprendizagem escolar que se torna difícil
reconhecermos que o desenvolvimento da leitura e da escrita começa muito
antes da escolarização (FERREIRO, 1993).

Podemos perceber a dificuldade da aluna Alicia em seu primeiro ano


escolar. Pois, “[...] as primeiras escritas infantis aparecem, do ponto de vista
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gráfico, como linhas onduladas ou quebradas [ziguezague], continuas ou


fragmentadas, ou então como uma série de elementos discretos
repetidos [séries de linhas verticais, ou de bolinhas]” (id. p. 18).

Já a aluna Nataly, trocava algumas letras como se pode ver abaixo.


De acordo com Cagliari, “[...] o uso indevido de letras se caracteriza
pelo fato do aluno escolher uma letra possível para representar um som
de uma palavra quando a ortografia usa outra letra” (2005, p. 140).

Exploramos bastante as imagens presente nos livros, como


também através do varal de história e confecção de fantoches.
Recorrendo à percepção visual para chegar ao pensamento, os signos
visuais, por meio de suas propriedades, induzem conceitos. Considere-
se que a apreensão das formas é o meio de percepção mais espontânea,
sobre o qual se constroem, posteriormente, os conceitos, o procedimento
analítico e, a reflexividade. O desenvolvimento da compreensão visual
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é, portanto, uma etapa básica e importante do desenvolvimento que a leitura


requer. (CADEMARTORI, 1986).

Buscamos nestes dez dias, mediante uso das diversas formas da


literatura infantil, dinamizar as aulas. A sala de aula é um espaço privilegiado
para o desenvolvimento do gosto pela leitura, assim como um campo
importante para o intercâmbio da cultura literária, não podendo ser ignorada,
muito menos desmentida sua utilidade. Por isso, o educador deve adotar uma
postura criativa que estimule o desenvolvimento integral da criança
(ZILBERMAN; SILVA, 2003).

O aluno Victor, possuía Síndrome Down. Só realizava as atividades de


vez em quando, e quando fazia não as realizava por completo. Ele sabia o
alfabeto, mas não compreendia o que estava escrevendo. Apesar de este
aluno ter freqüentado a escola nos anos anteriores, devido a sua deficiência,
se torna um pouco difícil a sua aprendizagem, necessitando de um
acompanhamento desde o inicio do ano.

Apesar da resolução CNE/CEB N. º 2/2001 prever a utilização de


classes especiais para alunos com necessidades especiais deve-se considerar
que não basta inserir alunos deficientes no ensino regular, é necessário que se
estruturem para eles um ensino de qualidade. Assim, é indispensável nesse
processo de inclusão, a preocupação na preparação de profissionais para lidar
com esses alunos, para ajudá-los a se sentirem parte de seu processo de
aprendizagem e de socialização com os demais colegas. (HOLLANDA;
BARBOSA, 2002).

Os alunos foram solicitados também que desenhassem após a leitura


de alguns livros, já que a distinção entre ‘desenhar’ e ‘escrever’ é de
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fundamental importância. Ao desenhar se está no domínio do icônico;


as formas dos grafismos importam porque reproduzem a forma dos
objetos. Ao escrever se está fora do icônico: as formas dos objetos, nem
sua ordenação espacial reproduz o contorno dos mesmos (FERREIRO,
1993).

No ultimo dia de estágio, realizamos um ditado. Os alunos


conseguiram realizar o ditado sem consulta (não houve somente neste
dia) ao quadro. O objetivo geral foi alcançado, que foi despertar o
interesse e o gosto pela leitura, ampliando assim o universo lingüístico
da criança, por meio das leituras dos livros, da pintura, das atividades,
entre outros.

Foi muito proveitoso desenvolver de forma prazerosa para a


criança os mesmos conteúdos que seriam dados dentro desses dez dias.
Sair um pouco da rotina diária facilita muito o desenvolvimento do
ensino-aprendizagem entre as crianças. Cagliari (2005) afirma que a
leitura é algo que a escola pode oferecer de melhor para suas crianças
para que os mesmos não apresentem grandes dificuldades futuramente.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A leitura é o ponta pé inicial para o desempenho das demais


atividades da escola. Se uma criança sabe ler, sairá bem melhor na
escrita. Assim, todo desenvolvimento da criança pode começar com a
apropriação da leitura e escrita.

Hoje, a escola tem buscado entender o mundo infantil, na tentativa


de levar a criança a criar hábitos favoráveis à assimilação de conteúdos
e consequentemente a uma aprendizagem significativa. Para isso, a
direção, a coordenação, professores e todos aqueles que compõem a
escola devem estar envolvidos e objetivando o ensino-aprendizagem dos
alunos, principalmente a leitura e a escrita. Isso, porém, não exclui a
responsabilidade dos pais, ou seja, a presença, o diálogo, o
acompanhamento, o incentivo são fundamentais para o desenvolvimento
da criança na escola e na vida fora dela.

Para tanto, “[...] os próprios efeitos educativos dependem da


interação complexa de todos os fatores que se inter-relacionam nas
situações de ensino: tipo de atividade metodológica, aspectos materiais
da situação, estilo do professor, relações sociais, conteúdos culturais”
(ZABALA, 1998, p. 15).

O resultado foi bastante satisfatório, porque conseguimos constatar


os problemas relacionados à aprendizagem daquelas crianças. No
entanto, os problemas que rodeiam as crianças se assemelham as muitas
dificuldades enfrentadas pela maioria das crianças na educação pública
brasileira. Entre eles, podemos citar os pais que jogam os filhos na
escola e não os acompanham, famílias que passam por dificuldades
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financeiras, com dificuldade de aprendizagem, falta de acompanhamento


pedagógico na escola, ficando a cargo da professora todas as
responsabilidades com as crianças, sem contar que a sala continha 22 alunos
para uma única professora, o que torna difícil a realização das atividades.

No caso do estágio tudo transcorreu bem e acreditamos que um dos


motivos desse sucesso foi o fato de utilização da literatura infantil, facilitando
bastante o desenvolvimento das atividades.

Conseguimos manter as atividades dos livros diariamente e isso fez uma


grande diferença para a execução do projeto. A leitura dos livros foi recebida
com entusiasmo pelas crianças, levando-as a participar ativamente de todas
as histórias.

Estes dez dias de estagio contribuíram muito para nossa aprendizagem,


nossas práticas e, será de grande valia para nosso futuro, quando nos
formarmos e seguirmos a carreira de docente, seja em escola pública, ou seja,
em escola particular.

Assim sendo, um dos objetivos de qualquer bom profissional consiste


em ser mais competente em seu oficio. Geralmente se consegue esta melhora
profissional mediante o conhecimento e a experiência: o conhecimento das
variáveis que intervêm na prática e a experiência para dominá-las (ZABALA,
1998).

Portanto, este estágio nos proporcionou vivenciar (apesar de ter sido


somente dez dias) com alunos, professores, ou seja, com a escola como um
todo, delineando o desenvolvimento de atividades e práticas pedagógicas
envolvendo a literatura infantil, colaborando assim, para nossa formação
acadêmica.

REFERÊNCIAS

ABRAMOVICH, F. Literatura Infantil: gostosuras e bobices. São Paulo:


Scipione, 1997.
BARBOSA, S. M. A; HOLLANDA, J. M. Um estudo sobre a educação
inclusiva em escola pública. REVISTAIC. Paraíba. v.3, mar. 2002.
BRASIL. Secretaria de Educação Fundamental. Parâmetros curriculares
nacionais: língua portuguesa / Secretaria de Educação Fundamental. –
Brasília: 1997.
CADEMARTORI, L. O que é literatura infantil. São Paulo: Brasiliense,
1986.
Importância dos direitos da criança. Disponível em:
<http://302284.vilabol.uol.com.br/resumo7.htm>. Acesso em: 19 jun. 2011.
CAGLIARI, L. C. Alfabetização e linguística. 10 ed. São Paulo: Scipione,
2005.
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FERREIRO, E. Reflexões sobre alfabetização. 21 ed. São Paulo: Cortez,


1993.
FRANTZ, M. H. Z. O ensino da literatura nas séries iniciais. Ijuí: UNIJUÍ,
1997.
OLIVEIRA, M. A. de. Literatura prazer: interação participativa da criança
com a literatura infantil na escola. 6ª ed. São Paulo: Paulinas, 1996.
ZABALA, A. A prática educativa: como ensinar. Porto Alegre: Artmed,
1998.
ZILBERMAN, R. & SILVA, E. T. (orgs) Leitura: perspectivas
interdisciplinares. 3 ed. São Paulo: Ática, 1995.
ZILBERMAN, R. A literatura infantil na escola. São Paulo: Global, 2003.

Notas de fim

i
Disciplina Estágio Supervisionado III, ministrada pela professora Drª. Maria José
Nascimento Soares, do curso de Pedagogia da Universidade Federal de Sergipe., parte
do Projeto PRODOCÊNCIA/CAPES/UFS.
ii
Segundo Ariès (1981), a infância era desconhecida e correspondia a um período de
transição cuja lembrança era logo perdida.
iii
A contação de histórias como estratégia pedagógica na educação infantil e ensino
fundamental. Disponível em: <http://www.monografias.brasilescola.com/educacao/a-
contacao-historias-como-estrategia-pedagogica.htm>.
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A Prática da Literatura Infantil na Escola

Naiane Liborio Fontes1

RESUMO

Este artigo foi elaborado a partir de pesquisas bibliográficas, com o objetivo de


mostrar como a literatura infantil é utilizada na escola. Com esse artigo pretendo
discutir alguns pontos importantes que possam gerar uma reflexão sobre a introdução
da literatura na escola, como: quando surgiram as primeiras obras de literatura
infantil, o papel e o privilégio da escola em ter a leitura presente e a importância da
leitura no processo de construção do conhecimento e desenvolvimento das crianças,
destacando que a leitura não pode ser usada apenas para esses motivos, pois ela é
muito mais abrangente. Mediante aos estudos feitos foram destacados neste artigo,
possibilidades do encanto das crianças pela leitura que a escola pode proporcionar. A
arte de contar histórias é uma importante ferramenta. Existem também vários recursos
para ajudar na hora de contar a história e os contadores de histórias devem conhecê-
las bem, usando sua criatividade, promovendo o prazer pela leitura. A escola e família
são responsáveis em oferecer as crianças boas leituras instigando ao deleite no
fantástico mundo que a leitura oferece. Procuro neste artigo fazer uma abordagem do
universo lúdico que pode ser explorado através de uma leitura dinâmica e
contextualizada, proporcionando um encontro da criança com o mundo da
imaginação.

Palavras – chave: criança, escola, leitura, literatura infantil;

1
Contato do(a) autor(a): naiane_liboriofontes@hotmail.com. Universidade Federal de
Sergipe.
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INTRODUÇÃO

Os livros para as crianças só começaram a ser escritos a partir do final


do século XVII e no decorrer do século XVIII, a literatura infantil é um dos
gêneros literários mais recentes. Antes não existia “infância”, as crianças
freqüentavam os mesmos lugares dos adultos, o seu mundo era junto com as
demais pessoas. Mas com a criação de um novo modelo familiar, as crianças
passaram a receber atenção diferenciada. Com grande intuito educativo, os
primeiros livros de literatura infantil foram escritos por educadores, por
motivos pedagógicos e hoje tem muitos educadores que não utilizam a
literatura de forma atrativa, agradável que desperte o interesse das crianças
pela leitura, trazendo-os apenas didaticamente, cobrando do aluno a leitura
sobre pressão e não através do despertar pelo interesse da própria criança.
Quando na realidade a literatura não se restringe apenas a isso. A arte, o
prazer da leitura deveria ser o principal motivo da literatura presente em sala
e o auxílio a aprendizagem um segundo ou terceiro motivo já que também a
leitura traz uma boa contribuição nesse aspecto.

O professor que se utiliza do livro em sala de aula não pode ser


igualmente um redutor, transformando o sentido do texto num número
limitado de observações tidas como corretas (procedimento que
encontra seu limiar nas fichas de leitura, cujas respostas devem ser
uniformizadas, a fim de que possam passar pelo crivo do certo e do
errado) (ZILBERMAN 2003, p. 28).

A literatura infantil é uma arte que as crianças devem e podem apreciar,


e a escola é uma das grandes responsáveis em estimular o prazer da leitura
nas crianças mostrando a elas, direta ou indiretamente, a importância da
leitura.

A literatura infantil pode ser trabalhada de diversas maneiras. É


interessante, importante e chama muito a atenção das crianças leitoras
quando sua realidade tem haver com o que elas leem. Elas interpretam
melhor e percebem que a cultura esta presente e a leitura passa a ter não só
um carácter pedagógico e sim também de conhecimento de mundo, ou seja,
da sua própria realidade.

A justificativa que legitima o uso do livro na escola nasce, pois, de


um lado, da relação que estabelece com o seu leitor, convertendo-o
num ser crítico perante sua circunstância; e, de outro, do papel
transformador que pode exercer dentro do ensino, trazendo-o para a
realidade do estudante e não submetendo este último a um ambiente
rarefeito do qual foi suprimida toda a referência concreta.
(ZILBERMAN 2003, p. 30)

A literatura infantil contribui no processo de construção do


conhecimento e desenvolvimento cognitivo da criança. A leitura apresentada
de forma dinamizada desperta na criança um interesse maior em folhear as
páginas de um livro infantil, proporcionando um espaço de aproximação com
esse instrumento de literatura. Através da leitura a criança questiona, viaja
sem sair do lugar e desenvolve melhor seu conhecimento, assimilando com
mais facilidade os conteúdos para ela apresentados.
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No entanto, a escola possui um instrumento, porém na maioria das


vezes não esta sabendo como aplicá-lo nesse contexto mencionado, pois
utilizam o livro apenas de maneira didática.

As histórias infantis nos tematizam episódios que nos transmitem


valores. Uma leitura feita por prazer nos acompanha por toda vida. Quantos
de nós não lembramos, de livros lidos quando crianças e adolescentes, ou
histórias que nossos pais, avós, tias nos contavam? Quanto mais cedo as
crianças tiverem contato com o universo da leitura, mais sonhos,
imaginações, viagens, elas terão. E isso faz parte da infância, da
adolescência, da fase adulta e da velhice. O ser humano deve sonhar e a
leitura nos proporciona isso. A leitura faz de nós cidadãos críticos. “Ao ler
uma história a criança também desenvolve todo um potencial crítico. A partir
daí ela pode pensar, duvidar, se perguntar, questionar... Pode se sentir
inquietada, cutucada, querendo saber mais e melhor ou percebendo que se
pode mudar de opinião...” (ABRAMOVICH 1997, p. 143).

Ao lermos uma história, cada pessoa pode ter uma interpretação, um


modo de ver a história, por causa da fase que estamos, do que estamos
sentindo, entre outros aspectos que nos possibilita isso. Além disso, há vários
tipos de leitura que abordam temas variados da realidade da sociedade.

1 O contato com a leitura


O contato com o livro desde pequeno é fundamental para que a criança
goste da leitura.

Ah, como é importante para a formação de qualquer criança ouvir


muitas, muitas histórias... Escutá-las é o início da aprendizagem para
ser um leitor, e ser leitor é ter um caminho absolutamente infinito de
descoberta e de compreensão de mundo... (ABRAMOVICH 1997, p.
16)

As crianças devem ter seu primeiro contato com a leitura antes mesmo
de saberem ler. Historinhas tem que ser contadas a elas por seus pais ou
parentes e pelos seus professores começando na educação infantil. Em vários
momentos essas histórias podem ser contadas, não só necessariamente na
hora de dormir. Que bom seria que todas as crianças já tivessem esse contato
desde cedo.

Os desenhos das histórias são de grande importância, principalmente


para crianças da educação infantil. Os desenhos nos proporciona o poder da
imaginação, nos ajuda a saber o que cada personagem está sentindo e
achando daquela situação. Além de chamar a atenção da criança, aquele
universo de formas que encontramos nas páginas dos livros. As imagens
falam muito sobre os personagens e muitas vezes estereótipos são criados
nessas imagens.

A autora Fanny Abramovich, no seu livro Literatura Infantil Gostosuras


e Bobices, traz ao leitor possibilidades de executar atividades que façam com
que as crianças criem um contato com o livro e que sintam prazer de ler e de
ouvir os vários gêneros literários.
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Existem vários tipos de livros. Livros de plástico para usar na hora do


banho, de pano para os bebês, histórias sem texto, apenas com figuras, livros
diversos para o encantamento da criança e de todos. Além de existirem
diversos temas de história, como: suspense, humor, romance, histórias que
destacam assuntos a serem debatidos, etc. Escolher uma história que agrade o
leitor é importantíssimo.

2 Contar histórias, uma arte!


“O professor precisa procurar despertar a fantasia e a imaginação,
criando um espaço de encantamento que auxilie o desenvolvimento da
criatividade e da expressão. Deve ser dada a criança a oportunidade de sorrir,
chorar, divertir-se, admirar-se e espantar-se.” (KRAEMER, 2008, p. 13).
Contar histórias é uma arte. Um contador de história não pode contar uma
história apenas por contar, não se pode pegar qualquer história
aleatoriamente. Antes de tudo o contador tem que ler a história, conhecê-la,
para depois contar. É importante que ele conheça as pausas do texto e na hora
criar um encantamento com a história. Contar a história como o autor
escreveu, sem querer diminuí-la ou aumentá-la.

O narrador deve deixar espaço para as crianças usarem a imaginação.


Como falei anteriormente, contar histórias é uma arte e a voz é um dos
artifícios que o narrador deve saber utilizá-la. Falar baixo ou alto quando a
narrativa pede, sussurrar, chorar, gargalhar, ou seja, fazer com que pareça
real a história contada.

Curtir o ritmo da narrativa é fundamental tanto para o narrador quanto


ao ouvinte. A história desde seu início já deve chamar a atenção dos ouvintes.
Outro ponto importante é o convite para todos os ouvintes ficarem juntos na
hora da história, proporcionando as crianças um ambiente confortável e
deixá-las à vontade para ouvir a história, sentadas, deitadas, ajoelhadas, de
pé, etc.

Ao ouvir histórias podemos também sentir junto aos personagens o que


eles estão sentindo. Podemos viajar sem sair do lugar e conhecer diversas
áreas do conhecimento sem precisar falar que estamos estudando história. Ao
contar a história de um faraó que viveu no Egito de 1500 a. c., não
precisamos falar, que estamos estudando a história da civilização Egípsia, e
não estamos. Conhecer várias civilizações, sociedades diferentes, pessoas
diferentes, isso tudo e muito mais pode ser transmitido pela leitura.

O ouvir histórias não serve apenas para aqueles que não sabem ler. Nós
adultos amamos contar e ouvir histórias de diversos enredos.

O exercício de ouvir nos instiga a imaginação, o pensamento, a


concentração e outras coisas mais.

3 O fantástico nas histórias infantis


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O maravilhoso se comunica mais facilmente com o pensamento mágico,


que é natural das crianças. Em algumas histórias o maravilhoso e o mágico
chegam a se confundirem. Tudo que é maravilhoso numa narrativa pode não
dizer muito do nosso mundo de fora, esse mundo tocável e objetivo, mas diz
muito do nosso mundo interior, pois revelam sentimentos.

A literatura por si só, tem o poder mágico de transceder o tempo e o


espaço. No que diz respeito à literatura infantil, estórias maravilhosas, criadas
desde o século XVII, continuam a encantar crianças, jovens e até adulto,
comprovando o carácter literário de seus textos.

Mesmo com as mudanças comportamentais da sociedade, os contos de


fadas jamais caíram no esquecimento, seus registros possibilitam sua
unidade, dando aos leitores de todas as idades e países, uma cultura única,
uma só linguagem e pensamento.

4 O contador de histórias

Quando o contato com os livros e com outras fontes, em que nessas são
encontradas diversos gêneros literários acontece mais cedo, é mais evidente o
gosto e a busca da leitura pela criança. É importante que esse contato já
aconteça na sua casa, mas quando isso não acontece o ideal é que a escola
proporcione e estimule está leitura. E se ocorrer a parceria da família e da
escola trabalhando juntas, são grandes as chances que um grande leitor será
formado. O exemplo nessas circunstâncias é fundamental. Os livros não
servem apenas de enfeite para a sala muito menos para acumular poeira nas
estantes. Guardados ou expostos, o livro é muito mais que um simples
acessório de decoração. E quando a criança observa sua família e seus
professores como leitores, consequentemente surgirá a curiosidade de ler
também. Afinal de contas educadores e familiares são exemplos para as
crianças.

O momento que se escolhe a história a ser contada merece destaque. O


contador de história além de ser criativo e dinâmico deve gostar da história
que será narrada, pois assim o prazer que sente ao contar será
consequentemente passado ao ouvinte.

Nem toda a história vem no livro pronta para ser contada. A


linguagem escrita, por mais simples e acessível, ainda requer a
adaptação verbal que facilite sua compreensão e a torne mais
dinâmica, mais comunicativa. Naturalmente, é necessário fazer uma
seleção inicial, levando em conta, entre outros fatores, o ponto de vista
literário, o interesse do ouvinte, sua faixa etária, suas condições sócio-
econômicas. (COELHO, 1991, p. 13 )

Para a escolha da história deve-se levar em consideração a faixa etária


da criança, a realidade da sociedade aonde vive e seus interesses relacionando
sempre a sua idade. Mas isso não quer dizer que uma história só pode ser
contada somente a uma determinada idade, pelo contrário, a história pode e
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deve ser recriada e adaptada à faixa etária a que se deseja contar. Um bom
contador de histórias deve ser um conhecedor, um leitor e um bom
observador do mundo, armazenando na sua memória as literaturas que leu ou
que ouviu, para que no momento adequado possa contar com prazer as
histórias aos ouvintes. Mas não significa dizer que quem vai contar deve
decorar a história ao pé da letra. Ao contrário disso, o contador pode
improvisar, mas sempre usando elementos essenciais da narrativa:
Introdução, Enredo, Clímax e Desfecho. Não é interessante quando o
contador de histórias muda o final da literatura feito pelo autor, esse respeito
em não mudar certas informações da história deve-se haver, pois quando o
autor escreveu teve seus motivos e algumas daquelas que crianças que estão
ouvindo pode se identificar com a trama da história.

Para contar histórias pode ser utilizado vários recursos como a narrativa,
os desenhos, a sequência de gravuras, o livro, o flanelógrafo, etc. Para cada
situação há um recurso. O contador de histórias deve atentar-se ao que a
história pede para ser utilizado, cabe a ele também usar sua criatividade
quanto a maneira de contar.

Segundo Betty Coelho, é muito importante ter uma conversa antes de


contar a história, principalmente quando a história traz fatos ou personagens
domésticos. Isso evita que tenha interrupções durante a contação.

O contador de histórias deve-se mostra seguro e nunca querer roubar a


atenção dos ouvintes para ele. A atenção deve está voltada a trama da
narrativa. E a voz é o principal instrumento do contador de histórias, devendo
variar segundo a trama da narrativa. Outro aspecto relevante que o narrador
deve se atentar é a duração da narrativa.

A duração da narrativa em si depende da faixa etária e do interesse


que suscita: 5 a 10 minutos para pequeninos, de 15 a 20 minutos para
os maiores. Isso é muito flexível. Há crianças da fase pré-mágica que
acompanham todo enredo, enquanto outras do mesmo grupo não
conseguem fixar a atenção e se dispersam. Compete ao narrador
alongar ou diminuir o texto, conforme aprendeu ao estudar sua
estrutura, sabendo distinguir os fatos principais dos detalhes.
(COELHO, 1991, p. 54).

As histórias infantis são passadas por gerações. Quantas histórias nos


fazem lembrar da nossa infância quando ouvimos por que foram contadas a
nós quando pequenos? A história infantil encanta. Esse encantamento
acontece mais ainda quando contada de uma forma que marca. Antigamente,
não muito tempo atrás, as histórias eram contadas em rodas de conversa na
casa das crianças, os adultos além de divertir traziam ensinamentos dos seus
pais e avós. Hoje percebemos que há uma nova cultura que surge, onde a
criança passa mais tempo assistindo TV, do que em contato com a família,
falando de assuntos interessantes ou até mesmo jogando conversa fora. Seria
maravilhoso que o pais ou responsáveis pelas crianças pensassem um pouco
mais sobre o desenvolvimento da criança e ficassem mais um com o outro. O
educador não deve esperar que a criança se forme leitora apenas em casa. Se
a criança já é uma pessoa que gosta de um boa leitura o educador precisa
cultivar esse gosto, se ela ainda não é, o educador tem que procurar motivar a
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criança a sentir prazer pela leitura. Isso acontece de acordo com as


circunstâncias e a criatividade é importante nesse processo.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A leitura muitas vezes não é vista como uma boa forma de se divertir,
pois na escola é dada como tarefa a ser cumprida. Existem prazos para se ler,
entregar resumo da obra, responder questionários e outras atividades sem
sentido que são atribuídas aos alunos.

A história aquieta, serena, prende a atenção, informa, socializa, educa.


Quanto menor a preocupação em alcançar tais objetivos
explicitamente, maior será a influência do contador de histórias. O
compromisso do narrador é com a história, enquanto fonte de
satisfação de necessidades básicas das crianças. Se elas as escutam
desde pequeninas, provavelmente gostarão de livros, vindo a descobrir
neles histórias como aquelas que lhes eram contadas. ( COELHO,
1991, p. 12).

Ao contar histórias podemos propiciar as crianças o prazer pela leitura.


Mostrar a elas que a história ouvida está escrita num livro e que a qualquer
momento ela pode voltar a deslumbrar aquela ouvida ou lida.

Se deleitar na leitura, ler por prazer, sem cobranças, ler por ler, ler por
hobby, curtir a leitura.

REFERÊNCIAS

ABRAMOVICH, Fanny. Literatura Infantil: gostosuras e bobices. São


Paulo: Scipione,1997. – (Pensamento e ação no magistério).
COELHO, Betty. Contar Histórias uma arte sem idade. 4ª edição; São
Paulo: Editora Ática, 1991.
KRAEMER, Maria Luiza. Histórias infantis e o lúdico encantam as
crianças: atividade lúdicas baseadas em clássicos da literatura infantil.
Campinas, SP: Autores Associados, 2008. – (Coleção formação de
professores).
ZILBERMAN, Regina. A Literatura Infantil na Escola. 11ª edição;São
Paulo: Editora global ,2003.
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Leitura e Contação de Histórias:


caminhos para a formação do indivíduo leitor e escritor

Raíssa da C. Silva1

RESUMO

Pautado na ideia de que o hábito da leitura influencia positivamente no


desenvolvimento cognitivo e social da criança, o presente artigo visa socializar as
experiências que estão sendo desenvolvidas no Plano de Trabalho “A produção de
textos narrativos por crianças do 2° ano do Ensino fundamental a partir da leitura e
contação de histórias”, vinculado ao projeto de extensão “Conte-me uma história: a
interação de crianças com textos narrativos”, da Universidade Estadual de Feira de
Santana. O objetivo das ações extensionistas é oferecer oportunidades de
desenvolvimento da leitura e escrita para as crianças do 2º ano do Ensino
Fundamental I, matriculadas em uma escola pública de Feira de Santana, Ba. Foram
realizadas diversas práticas de leitura e produção de textos com os alunos, com vistas
à contribuição para a formação de sujeitos leitores e produtores. Tais atividades deram
aos alunos a oportunidade de conhecer variadas produções literárias e proporcionaram
situações de escrita diferentes das vividas por eles no cotidiano escolar. Diante dos
resultados alcançados, como o progresso constante dos alunos nas atividades
propostas, constatamos que é importante a reflexão do professor a respeito de suas
práticas pedagógicas no intuito de proporcionar aos seus alunos uma aprendizagem de
qualidade e significativa.

Palavras-chave: Leitura- escrita- textos narrativos- literatura infantil

1
Contato do(a) autor(a): raissa.costa@hotmail.com. Bolsista Pibex, Estudante de
Letras com Inglês da UEFS
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INTRODUÇÃO

A leitura é o principal caminho para a alfabetização e para o letramento,


seja de crianças, seja de adultos. As atividades convencionais de repetição,
que consistem na reprodução de frases e letras aleatórias sem que estas
estejam vinculadas a algum texto com corpo e significado, não conseguem
representar sentido para nenhum ser humano. Se um adulto em condições de
aprendizado normais se recusa a realizar atividades repetitivas, por que,
então, o ensino de maneira geral ainda exige das crianças esse tipo exercício?

Refletindo a respeito dessa questão é que surge o desejo de desenvolver


atividades de leitura e contação de histórias com crianças, visando ampliar o
repertório literário destas e proporcionar-lhes não só momentos de interação e
de conhecimento, mas também momentos de prazer, além de mostrar o
verdadeiro sentido da leitura, que é o próprio deleite, o ‘gosto’ de ler.

Somente após a descoberta do valor dos textos literários é que as


crianças podem desenvolver a escrita, pois, além de bagagem, elas terão
modelos de texto para basearem suas produções. No intuito de levar
diferentes literaturas a crianças e conhecer as dificuldades enfrentadas por
elas no momento da produção de textos, foi idealizado o plano de trabalho “A
produção de textos narrativos por crianças do 2° ano do Ensino fundamental
a partir da leitura e contação de histórias”, vinculado ao projeto de extensão
“Conte-me uma história: a interação de crianças com textos narrativos”, da
Universidade Estadual de Feira de Santana.

Trata-se de um projeto desenvolvido pelo GEPOLE (Grupo de Estudos,


Pesquisa e Extensão em Oralidade, Leitura e Escrita) com o objetivo de
estimular a formação de sujeitos leitores e escritores de textos narrativos
através das atividades desenvolvidas pelas bolsitas em sala de aula. O projeto
está sendo aplicado numa instituição de ensino público em Feira de Santana,
Bahia, a qual chamaremos daqui por diante de “escola A”. A metodologia
adotada consiste na realização de reuniões semanais com as professoras
orientadoras e as bolsitas do GEPOLE, momento nos quais estudamos e
planejamos as atividades que serão realizadas bem como socializamos e
avaliamos os efeitos destas para a formação dos alunos.

Essas intervenções começaram a ser realizadas logo após o contato dos


bolsitas com o espaço, uma vez que consideramos imprescindível conhecer o
espaço e identificar as práticas cotidianas da escola A em relação à leitura e
escrita, para em seguida, realizar as intervenções pedagógicas.

O primeiro passo é transformar a leitura em uma atividade comum e


prazerosa, levando textos completos, de tipologias e autores variados,
independentemente do tamanho, porém, adequados à faixa etária com a qual
estamos trabalhando. Devemos lembrar que não podemos menosprezar a
capacidade de assimilação das crianças somente por serem crianças, e sim
acostumá-las a leituras mais longas, de livros completos, e não de pequenos
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fragmentos, pois, segundo consta nos Parâmetros Curriculares Nacionais de


Língua Portuguesa:

Analisando os textos que costumam ser considerados


adequados para os leitores iniciantes, novamente aparece a
confusão entre a capacidade de interpretar e produzir discurso e
a capacidade de ler sozinho e escrever de próprio punho. Ao
aluno são oferecidos textos curtos, de poucas frases,
simplificados, às vezes, até o limite da indigência. (...) Não se
formam bons leitores oferecendo materiais de leitura
empobrecidos, justamente no momento em que as crianças são
iniciadas no mundo da escrita. As pessoas aprendem a gostar
de ler quando, de alguma forma, a qualidade de suas vidas
melhora com a leitura. (Parâmetros Curriculares Nacionais de
Língua Portuguesa, 1997, p.29).

Em segundo lugar, é preciso desenvolver as habilidades de escrita com


atividades de produção de textos que representem algum significado para as
crianças e não simplesmente exigir-lhes um exercício que será direcionado ao
professor visando apenas a correção de erros ortográficos. Claro que em
nenhum momento será extinta a correção, porém, as práticas de escrita a
serem desenvolvidas com os alunos, segundo os PCNs (1997,p 31), precisam
primeiramente induzi-los a refletir “sobre a língua em situações de produção
e interpretação, como caminho para tomar consciência e aprimorar o controle
sobre a própria produção linguística.” E, em seguida, introduzir de maneira
progressiva os elementos que se referem ao ensino de gramática.

1 Literatura infantil: arte que possibilita aprendizagem


significativa

Para Kaufman (1995), é trabalho do professor proporcionar um encontro


adequado entre a criança e o texto. Apoiadas nesta afirmação, consideramos
que o educador deve estar preparado para estimular o aluno ao hábito da
leitura, de variadas maneiras.

A escola tem enorme dificuldade para ensinar a ler e a escrever. Por isso
é necessário que passemos a perceber os livros como objetos de consumo,
mesmo que a cultura da nossa sociedade muitas vezes imponha barreiras no
acesso ao material. Certamente este é um dos fatores que contribuem para
que a prática da leitura nas escolas públicas brasileiras ainda seja um assunto
associado à ideia de fracasso.

Segundo Terzi (1997), as crianças que não têm acesso à leitura no meio
familiar possuem como única opção a incorporação da leitura através das
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práticas didáticas do professor. Desse modo, é dever da escola oferecer uma


formação intelectual que capacite o indivíduo a ter domínio sobre a língua
escrita.

Não existe um método excepcional e infalível para ensinar a leitura e a


escrita, porém há uma maneira de dinamizar e tornar mais proveitoso este
processo: através da leitura e contação de histórias. Para Abramovich (1997),
é neste momento que as crianças têm a oportunidade de iniciar a
aprendizagem para ser um leitor, suscitar o imaginário, sentir emoções
importantes, descobrir outros lugares, além de aprender sobre outras
disciplinas escolares sem perder o prazer.

A leitura deve estar presente desde o nascimento do indivíduo,


acompanhando-o no cotidiano da vida escolar, deve ser uma atividade
realizada diariamente. Há quem não perceba utilidade em contar histórias a
quem não sabe ler, porém, como afirma Abramovich (1997), ouvir a leitura
ou contação de uma história não é uma tarefa que se restrinja a ser
alfabetizado ou não.

As práticas escolares ainda associam a leitura à decodificação dos


signos linguísticos, e a escrita à reprodução de marcas gráficas. Faz-se
necessário, entretanto, que o professor perceba que o ato de ler e escrever vai
além dessas convenções. Como afirma Koch (2006), em situações de leitura
ativa o leitor estabelece relações entre conhecimentos adquiridos
anteriormente e as novas informações contidas no texto, realizando assim
diferentes estratégias que o permitam direcionar o próprio processo de
leitura.

Considerando pouco eficazes as práticas pedagógicas desenvolvidas


nas escolas, devemos propor uma nova abordagem da leitura e da escrita em
sala de aula. Na maioria das vezes, o professor propõe atividades de cópia,
separação de sílabas ou questões de interpretação de textos que exigem
respostas mecânicas e também a apresentação de trechos de textos, ou frases,
dentre tantos outros métodos. Para Matencio:

O senso comum, entretanto, resiste às mudanças e, baseando-se


em uma visão já tradicional da leitura e da escrita, continua a
ver o aprendizado dessas práticas como o acesso às primeiras
letras, que seria acrescido linearmente do reconhecimento das
sílabas, palavras e frases, que, em conjunto, formariam os
textos, e após o conhecimento dos quais o aprendiz estaria apto
a ler e escrever (...). (MATENCIO, 1994, p.17.)

Para que uma criança desenvolva a escrita é necessário que ela leia e
participe de situações de leitura, não há como escrever sem ter conhecimento
da linguagem e das inúmeras palavras que existem no nosso sistema
linguístico. A natureza da literatura infantil proporciona momentos de
aprendizagem sem perder de vista o prazer pelo ato de ler, e, como afirma
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Coelho (1991, pag. 25), “a criação literária será sempre tão complexa,
fascinante, misteriosa e essencial, quanto a própria condição humana”.

Sendo a literatura uma expressão da arte, o adulto não tem a


necessidade, muito menos o direito, de privar a criança dos momentos de
deleite que a leitura proporciona. O educador insiste em cobrar do aluno
atividades mecânicas envolvendo a leitura, sem produção de sentidos. Com
essas atitudes fica claro que, apesar de valorizar o domínio da leitura e
escrita, a escola, como afirma Matencio (1994, pag.16), “não chega a
trabalhar especificamente com essas práticas” e “transmite uma concepção de
que a escrita é transcrição da oralidade”.

O professor, ao invés de criar um abismo entre a criança e o mundo


literário, deve repensar suas práticas visando estimular o aluno a ler, a
produzir e a compreender textos, assim estará preparando um ser humano
para a sociedade e contribuindo para a formação de um individuo pensador,
crítico. O educador deve aprimorar suas práticas pedagógicas atentando para
o fato de que a contação de histórias é uma redefinição da situação de
interação e propicia às crianças a gradativa construção do significado textual
e o envolvimento em atividades em grupo, além de estimular o
desenvolvimento da aprendizagem nas demais disciplinas.

Com a mudança das ações do professor, o ato de ler não se resumirá


numa simples apreensão de uma decodificação de mensagem, mas, como
afirma Koch (2006, p. 11), será “uma atividade interativa altamente
complexa de produção de sentidos, que se realiza evidentemente com base
nos elementos linguísticos presentes na superfície textual e na sua forma de
organização”.

A escrita, da mesma forma que a leitura, precisa ser trabalhada como


algo real, com sentido e significado, pois há uma prática no cotidiano que
requer seu uso. A criação de textos narrativos pelos alunos, por exemplo,
representa uma motivação para o mesmo, além de desenvolver a escrita,
aguça seu senso argumentativo e crítico, e, também, estabelece uma ligação
interdisciplinar com outras áreas de conhecimento.

2 Ações extensionistas
A vasta literatura que já existe sobre as práticas de leitura, tanto nos
espaços formais como em outros espaços educativos, mostra que o ato da
leitura e da escrita está além da decodificação de símbolos e reproduções
gráficas. Portanto, o papel do educador consiste em não somente ensinar
gramática, como também ensinar as práticas de linguagem.

Conhecendo o valor da literatura infantil para uma aprendizagem


significativa, o projeto “Conte-me uma história: a interação de crianças com
textos narrativos”, idealizado pelo GEPOLE/UEFS, vem sendo desenvolvido
na escola A visando ampliar as possibilidades de encontro das crianças, tanto
com as histórias/textos narrativos quanto com o exercício prazeroso da
escrita. Os encontros são realizados uma vez por semana.
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Os primeiros contatos com a turma do 2° ano do Ensino Fundamental


da escola A possibilitaram o reconhecimento das atividades em seu
cotidiano. A escola A disponibiliza de uma pequena sala de leitura, onde os
alunos têm a oportunidade de, uma vez a cada quinze dias, visitá-la por
alguns minutos. Neste momento, a coordenadora pedagógica lê um livro para
os alunos; logo em seguida, eles são convidados a escolher livros para ler,
porém, ainda na mesma sala, pois a escola não permite e nem possui
mecanismos de empréstimo adequados para que todas as crianças levem o
material para casa.

Dando início às atividades, o primeiro passo como bolsita foi identificar


o nível de escrita das crianças daquela turma. Tendo em vista a importância
do nome próprio para a aprendizagem da escrita, optamos por este tema nos
primeiros encontros. Foi solicitado que os alunos escrevessem seus nomes
numa folha juntamente com a profissão que desejariam exercer no futuro.
Neste momento, observamos que, até mesmo para escreverem os seus nomes,
os alunos utilizavam uma ficha com o alfabeto e, ainda assim, tinham
dificuldade de reconhecer algumas letras. Diagnosticamos que das 24
crianças da turma duas são alfabetizadas e o restante se divide nos níveis pré-
silábicos e silábicos.

Posteriormente, foi feita a leitura da música “Gente tem sobrenome”, de


Toquinho. Os alunos foram questionados sobre qual seria o título da música
e, após alguns segundos encarando a folha, arriscaram-se e, ajudando uns aos
outros, responderam. Percebemos aí a importância do trabalho em grupo,
pois proporciona a troca de conhecimentos.

As músicas favorecem o desenvolvimento da criança devido à melodia


das rimas e a possibilidade de memorizá-las facilmente. Quando perceberam
que se tratava de leitura de repetição, algumas crianças manifestaram
interesse em ler também, assim cada um lia determinada parte. Alguns
alunos, inclusive, acrescentaram seus saberes à letra da música. Por exemplo,
no trecho “Todo brinquedo tem nome bola, boneca e patins” uma aluna
acrescentou “bicicleta, patinete”, e, no trecho “Coisas gostosas têm nome
Bolo, mingau e pudim” um aluno citou “Danone” enquanto outro citou
“farinha”.

Nos encontros seguintes, começamos a utilização de livros. O primeiro


livro trabalhado foi “O veterinário maluco”, de Milton Camargo. Percebemos
que os alunos não sabiam identificar a estrutura comum dos livros: capa,
conta capa, nome do autor, nome da editora. Alguns com o olhar mais atento
afirmaram que “O veterinário maluco” era o título, por estar em destaque na
capa. Então, os alunos foram questionados a respeito do nome do autor e
afirmaram que sabiam por que o nome estava logo abaixo do título. Porém,
as crianças pareciam não conhecer o fato de que o nome das editoras vem
impressos na capa do livro.

A partir daí, todas as semanas os alunos foram desafiados a identificar


os elementos presentes nos livros, nos textos. Outra tarefa importante é a
antecipação do que está por vir, por exemplo, a respeito de “O veterinário
maluco”, o que eles esperavam encontrar na história? Também são utilizadas
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paradas estratégicas no decorrer das leituras, para que as crianças tenham


oportunidade de desenvolver a criatividade e utilizar seu conhecimento de
mundo.

Ainda a respeito desse primeiro livro, foi solicitado que os alunos


escrevessem frases e então veio a surpresa: os alunos não eram desafiados a
escrever estruturas completas de pensamentos, as frases; somente lhes
solicitavam a escrita de palavras soltas. Partindo do pressuposto de que só se
aprende tentando, os encontros semanais são realizados de maneira a deixar
espaço para que os alunos realizem suas próprias produções.

A dificuldade enfrentada pelos alunos deve-se ao fato de que eles não


possuem praticamente nenhuma bagagem literária para nortear suas
atividades de produção textual sendo assim, além de não conhecerem a
escrita convencional, parecem não receber com frequência o estímulo para
falar sobre um tema. Para adaptá-los à prática textual, diversas atividades
foram realizadas por toda a turma em conjunto, nas quais a bolsista servia de
escriba: as crianças discutiam a respeito do que iriam escrever e como
deveria ser escrito, e ditavam à bolsita, que escrevia no quadro.

Sabendo que a possibilidade de leitura não existe somente em textos


escritos, mas também em imagens, trabalhamos essa perspectiva com as
crianças. A leitura de imagens é uma atividade didática que permite que a
criança participe ativamente em seu processo de aprendizagem. Em um dos
encontros, por exemplo, a sala foi dividida de maneira a balancear os níveis
de escrita, para que todas as crianças pudessem participar e entender o
processo de escrita. Foram distribuídos quadrinhos da Turma da Mônica, sem
falas, a partir dos quais eles deveriam criar um texto considerando a
coerência nas sequências de imagens que tinham em mãos.

A atividade foi propositalmente elaborada para criar o conflito


interno, de cada criança a respeito da escrita, pois, segundo Bomtempo
(2001), o educador deve buscar detectar as dificuldades das crianças e então
ajudá-las no sentido de uma reestruturação, momento em que o aluno terá a
oportunidade de pensar na sua própria forma de resolver seus problemas
referidos à atividade de escrita. Alguns alunos escreviam e, quando eram
questionados a respeito do que estava escrito, eles não sabiam ler, pois a
escrita não correspondia à escrita convencional. Este é o instante do conflito,
no qual as crianças buscam associar a fala à escrita, quando pode haver a
percepção do som de cada sílaba ou a percepção de cada fonema.

Como todos os textos criados em relação aos quadrinhos da Turma da


Mônica não possuíam a estrutura própria do texto e alguns estavam fora dos
padrões comuns da escrita, os alunos foram convidados a reescrevê-los.
Neste momento, houve interação e questionamento: as crianças deveriam
pensar no que estavam escrevendo, e não escrever de maneira aleatória. A
criança tem a espontaneidade aflorada, por isto as atividades de reescrita são
propostas com bastante cautela, de maneira que não interfira na capacidade
natural infantil.
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Nos próximos meses, as atividades serão desenvolvidas de maneira a


contribuir para a ampliação do repertório leitor dos alunos com histórias
variadas. Continuarão os encontros semanais com vistas ao estudo dos
aportes teórico-metodológicos que auxiliem as ações extensionistas.
Pretendemos ampliar o uso dos recursos oferecidos pela escola, como a lousa
digital e o aparelho de som, porém sem deixar de lado o livro em si e a
contação convencional de histórias, de modo a incentivá-los a ver a leitura
como diversão e não como obrigação. Os alunos permanecerão sendo
estimulados a participar, a pensar, a ler e a escrever, de maneira que essas
práticas se tornem mais habituais em suas vidas.

CONCLUSÃO

O plano de trabalho “A produção de textos narrativos por crianças do


2° ano do Ensino fundamental a partir da leitura e contação de histórias”
vem experimentando atividades didáticas diferentes, além de criar momentos
de reflexão sobre a prática adotada pelo professor em sala de aula. No
decorrer do desenvolvimento do projeto, observamos que as crianças vêm se
mostrando mais habituadas à escrita e a leitura, além de terem mostrado
maior capacidade de produção textual e concentração nas atividades
propostas.

Neste período de desenvolvimento do projeto na escola A, foram


traçados e alcançados objetivos como: a realização de sessões semanais de
contação de histórias, a fim de fortalecer a formação de sujeitos leitores; a
ampliação do repertório literário dos alunos matriculados no 2° ano do
Ensino Fundamental; e a prática da produção de textos narrativos pelos
referidos alunos.

Com as atividades desenvolvidas, pudemos constatar que a literatura


infantil proporciona às crianças melhor qualidade de aprendizagem. Como
percebemos, o professor possui papel de fundamental importância na
formação do sujeito leitor e escritor. O educador deve refletir se suas práticas
pedagógicas estão obtendo o resultado esperado, e buscar novas maneiras de
intervenção.

REFERÊNCIAS

ABRAMOVICH, Fanny. Literatura infantil: gostosuras e bobices. São


Paulo: Scipione, 1997.
BOMTEMPO, L. Escrita: o caminho da evolução. AMAE educando. Minas
Gerais, N°300, p 33-41, Junho 2001.
BRASIL, Secretaria da Educação Fundamental - Parâmetros Curriculares
Nacionais: Língua Portuguesa. Brasília: MEC/SEF, 1997.
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COELHO, Nelly Novaes. Literatura infantil: teoria, análise, didática. São


Paulo: Ática, 1991.
KAUFMAN, Ana Maria. Escola, leitura e produção de textos. Porto
Alegre: Artes Médicas, 1995.
KOCH, Ingedore Villaça. Ler e compreender: os sentidos do texto. São
Paulo: Contexto, 2006.
MATENCIO, Maria de L. M. Leitura, produção de textos e a escola:
reflexões sobre o processo de letramento. São Paulo: Ática, 1994.
TERZI, Sylvia Bueno. A construção da leitura: uma experiência com
crianças de meios iletrados. 2. ed Campinas: Pontes, Unicamp, 1997.
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A Questão da Ludicidade na Formação de


Leitores das Séries Iniciais:
a contribuição dos contadores de história

Alice de Oliveira Fonseca1


Eliana Crispim França Luquetti2
Liz Daiana Tito Azeredo³
Rhaísa Sampaio Bretas4

RESUMO
O presente artigo apresenta algumas abordagens sobre leitura e formação do leitor
através do uso de atividades lúdicas que promovam a interação entre os
alunos/leitores e as histórias. O objetivo principal deste artigo é mostrar como o uso
de histórias e da prática da contação nas escolas tem papel preponderante na formação
do leitor, na busca pela leitura prazerosa. O trabalho foi desenvolvido a partir da
experiência do PIBID – Programa Institucional de Bolsas de Iniciação à Docência, do
curso de Pedagogia que trouxe grandes contribuições para este trabalho. Enfatiza-se a
importância da leitura nos primeiros anos de escolaridade e sua necessidade no
cotidiano das crianças com o objetivo de torná-los cidadãos capazes de interpretar o
que leem e fazer apropriações de suas leituras para a sua vida com criticidade e
independência.

Palavras-chave: leitura, formação do leitor, contador de histórias, ludicidade.

1
Contato do(a) autor(a): lik.fonseca@gmail.com. Graduanda em Licenciatura em
Pedagogia pela Universidade Estadual do Norte Fluminense Darcy Ribeiro (UENF)
2
Contato do(a) autor(a): elinafff@gmail.com. Orientadora/ Doutora em Linguística.
Professora do Laboratório de Estudos de Educação e Linguagem, do Programa de
Pós-graduação em Cognição e Linguagem e Coordenadora do
PIBID/Pedagogia/UENF.
³ Contato do(a) autor(a): lizdaiana@ig.com.br . Aluna do Programa de Pós-graduação
em Cognição e Linguagem/ Universidade Estadual do Norte Fluminense Darcy
Ribeiro (UENF)
4
Contato do(a) autor(a): rhaisabretas@hotmail.com. Graduanda em Licenciatura em
Pedagogia pela Universidade Estadual do Norte Fluminense Darcy Ribeiro (UENF)
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INTRODUÇÃO

Vivemos cercados pela leitura e cada um de nós tem a forma de ler e de


interpretar o que se lê. Com as crianças não é diferente e, a leitura que fazem
dos livros e do mundo que a cerca deve estar ligado a emoções, criatividade,
alegria e também ao lúdico. Para que a criança possa se envolver com o
universo literário é preciso que professores e contadores de história estejam
mergulhados no universo infantil e que transformem a leitura em uma
atividade prazerosa, onde a mesma seja constantemente estimulada.

Desta forma, ressalta-se que esta prática deve ser desenvolvida por
professores que podem ser excelentes contadores de história e no seu
cotidiano fazer a diferença como forma de aproximar as crianças ao ato da
leitura e do reconhecimento das culturas, povos e do próprio mundo onde
habita. A partir da prática de contação de histórias, o aluno cria, imagina,
fantasia, sonha, ele faz da história lida uma leitura vivida.

Primeiro devemos levar em consideração que para que a leitura seja


iniciada a criança deve ter alguma motivação. Chamar a atenção dos alunos
para a leitura é um desafio. Não há como obter resultados criativos, críticos e
que desenvolvem a imaginação com a leitura se o objetivo que se deseja
alcançar é apenas utilizar o texto ou a história como gancho para uma
atividade. As situações de leitura devem ser as mais reais.

Por este motivo, utilizamos em nossas aulas leituras combinadas à


atividades lúdicas que envolvam a criança e, que a faça gostar de ler e se
ambientar com este mundo de imaginação e criatividade. A partir das
histórias, criamos jogos que possam fazer os alunos interagirem com a
leitura, criando assim uma curiosidade para próximas leituras.

Reconhecendo na ludicidade sua importância no desenvolvimento


cognitivo, o uso de jogos e histórias infantis são ferramentas importantes no
aprendizado da criança. Explorando a disposição para brincadeiras e o mundo
da fantasia dos alunos os professores ensinam brincando a leitura, fazendo
com que aguce o interesse pela mesma, tornando-a parte de suas atividades
diárias. É de suma importância o lúdico no desenvolvimento infantil porque
estimula o desenvolvimento emocional, intelectual e social da criança,
possibilitando a interação social.

Nessa perspectiva, estruturamos este artigo da seguinte maneira: no


primeiro tópico promoveremos uma discussão sobre o processo de ensino-
aprendizagem de leitura...

1 O processo de ensino-aprendizagem de leitura


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O momento em que a criança irá se apropriar do mundo letrado


mostra-se como um momento mágico, em que ela se descobrirá capaz de
desvendar e decifrar códigos até então desconhecidos. A leitura de histórias
para os alunos, que nesse processo poderá culminar na leitura de suas
próprias histórias de vida, será um meio principal de aquisição de
conhecimentos.

Para tanto, é necessário que o processo ensino-aprendizagem da


leitura esteja composto por momentos prazerosos para que a criança esteja
totalmente inserida e veja sentido nesta aprendizagem.

1.1.Leitura
A leitura é uma atividade fundamental para a vida de todos, tanto nas
escolas como na vida em sociedade. Na escola o aluno irá depender da
mesma para se desenvolver em todas as disciplinas, e na vida em sociedade
para se relacionar e realizar atividades cotidianas como leitura de um jornal,
outdoor, letreiros de ônibus, etc.

Como aborda Luiz Carlos Cagliari, temos:

“(...) No mundo em que vivemos, é muito mais importante ler do que


escrever. Muitas pessoas alfabetizadas vivem praticamente sem
escrever, mas não sem ler. Ainda mais: há muitos analfabetos de
escrita que não são analfabetos de leitura. Sobretudo pessoas que
vivem nas cidades, precisam saber ler pelo menos placas de ônibus,
números, nomes, etiquetas, documentos etc.”(CAGLIARI, 2009)

Ocorre que nas escolas a prática da leitura é deixada em segundo plano


em relação à prática da escrita, podendo afirmar que a leitura, muitas vezes é
utilizada nas salas de aula como maneira de avaliar a aprendizagem dos
alunos, perdendo o seu valor.

Devemos atentar para o fato de que o papel da escola no que diz


respeito a leitura não é fazer com que os seus alunos decodifiquem códigos
ou signos, é preciso que este aluno saiba interpretar o que lê.

A leitura pode ter diversas especificações, em outras palavras, significa


dizer que temos vários motivos para se fazer uma leitura. Ela pode ser para
lazer, para aprendizagem de algum conteúdo, para receber alguma
informação, entre outros. E ela nunca será feita da mesma forma por diversos
indivíduos, a leitura é individual, cada um entende o que lê a sua maneira.
Por este motivo, a leitura deve ter papel primordial no ensino, principalmente
nos anos iniciais de escolaridade.

Neste sentido, temos:

“(...) Ao contrário da escrita, que é uma atividade de exteriorizar o


pensamento, a leitura é uma atividade de assimilação de
conhecimento, de interiorização, de reflexão. Por isso, a escola que
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não lê muito para os seus alunos e não lhes dá a chance de ler muito
está fadada ao insucesso, e não sabe aproveitar o melhor que tem a
oferecer aos seus alunos. Há um dito popular que diz que a leitura é o
alimento da alma.” (CAGLIARI, 2009).

1.2 Leitor

O leitor é um sujeito capaz de decifrar códigos e signos. No entanto, um


bom leitor é aquele que além de decodificar, também faz a interpretação do
texto se aprimorando conceitualmente daquilo que leu e para isso faz-se
necessário que este leitor tenha tido uma formação com foco na leitura.

Encontramos muitas pessoas que não gostam de ler e isso se deve a uma
má formação, onde as atividades que envolvessem leitura não possuíam
sentido para os mesmos.

Ao ler um texto o leitor se conecta com o autor no sentido de que se


aprimora de suas idéias fazendo a sua própria interpretação. Além disso, ao
compreender um texto o leitor faz uso de conhecimentos prévios.

Tratamos aqui da formação de leitores, então crianças que estão sendo


ou acabaram de ser alfabetizadas, portanto o processo de leitura envolverá
primeiro a decodificação para depois haver o entendimento do que foi lido.
Deve-se preocupar com a maneira que esse leitor receberá os textos e como
eles serão trabalhados para a sua formação.

2 A contação de histórias

Diante do que já foi exposto, evidenciamos que a prática de


contação de histórias constitui uma atividade importantíssima na construção
de leitores. Além disso, destacamos, a função desses contadores nas escolas.
Num primeiro momento, o envolvimento dos alunos com textos e histórias
deve estar ligado com o prazer pela leitura, o ler por ler e não o ler para
aprender algo, ou realizar alguma atividade.

Nos primeiros anos de escolaridade, o contato com a leitura se dará


de forma secundária, ou seja, até que o aluno se efetive como leitor ele terá
contato com muitas histórias faladas ou contadas, sendo um ouvinte. No
entanto, se ao ouvir estas histórias houver também um encantamento, o aluno
bom ouvinte, acabará se tornando um bom leitor.

A contação de histórias traz a criança para um mundo de leitura e


magia, pois envolverá prática de leitura e ludicidade, mesmo porque muitos
alunos só irão ter contato com textos e práticas de leitura na escola. O
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momento da contação de histórias é além de um momento de prazer, um


momento de aprendizagem sobre leitura e também de escrita.

Os contadores de histórias são além de encantadores, são


estimulantes da leitura. Por isso devem estar preparados para trabalhar a
leitura com os alunos, atentando para a formação dos mesmos. Os contadores
de histórias têm o poder de sedução e o seu objetivo deve ser o de cativar os
educandos para a prática da leitura, tendo em vista que sua atuação mexe com
as sensações dos alunos.

2.1.O valor educacional das histórias

As histórias são ótimas ferramentas para proporcionar a


aprendizagem aos alunos e existem vários motivos para que elas sejam
implementadas na escola, tendo em vista a aceitação das crianças, a variedade
de temas que podem ser propostos, a falta de exigência de recursos materiais
e os aspectos educacionais que podem ser focados.

Uma boa história pode abordar temas desejados pelos professores e


evidenciar o ensino da leitura como promotor de discussões, ela pode ser a
principal fonte de conhecimentos para aquelas crianças que a estão ouvindo.
Dentro de uma fábula, de histórias em quadrinhos, histórias com fantoches
pode-se desenvolver inúmeros conteúdos, primeiramente com a leitura
imagética, a visualização das ações dos personagens trabalhando assim cores,
verbos, números, valores, sustentabilidade, animais, alimentos, enfim muitos
conteúdos.

Com todos esses conteúdos possíveis de se desenvolver com a


leitura e a contação das histórias, que vão além dos livros e dos fantoches, é
possível que a leitura de mundo seja então iniciada ou realizada pela criança.
Quando a criança começa a realizar, através de boas histórias contadas, a
leitura de mundo, o processo de ensino torna-se significativo, em que
colocará muitas ações, palavras, cores e outras coisas mais, no seu cotidiano,
fazendo referências às histórias que ela conhece, que ela interiorizou e que
agora está concretizado no seu mundo.

Essa leitura do mundo e de seu mundo é um dos grandes valores


educacionais proporcionado pelas histórias, pois com elas a criticidade é
bastante desenvolvida. Tivemos a experiência de trabalhar no 1º ano de
Ensino Fundamental com história dos Três porquinhos, porém adicionamos a
essa outra história a do Lobo Maurinho, onde o lobo não era tão mau quanto
a famosa história dos três porquinhos mostra, o Maurinho só é bagunceiro,
mas é um lobo bom. Com isso pudemos mostrar para as crianças que finais
diferentes podem existir e que é possível um lobo ser bom, basta elas criarem
esse novo contexto.
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As interpretações do texto devem ser livres e foi essa intenção que


tivemos ao fazer com as crianças fantoches de palitos dos personagens da
clássica história dos três porquinhos. Com essa atividade criamos então, um
final diferente para a história afim de que nossos próprios alunos reflitam, se
tornem críticos e abertos para quem sabe assim também mudarem o final de
suas próprias histórias de vida.

2.2.O lúdico e o ensino de leitura

O professor ao ler uma história, ou ao mostrá-la irá mediar todo o


processo pedagógico e, esse será uma figura fundamental para a compreensão
leitora de seu aluno, por isso ele deve se utilizar de estratégias lúdicas que é
uma das formas mais interessantes e significativas de se trabalhar o ensino da
leitura. Mas como e por que promover experiências lúdicas de leitura? Esse é
um tipo de pergunta bem presente no cotidiano das escolas.

Muitas atividades de leitura que até têm imagens e sons perdem o


sentido e seu caráter lúdico, pois assumem a função de treino, de repetição,
de atividade obrigatória, sem nenhuma motivação, somente tendo o objetivo
de alcançar resultados cobrados e isso afeta bastante na aprendizagem do
aluno. Pois, segundo Borba:

“ (...) se incorporarmos de forma mais efetiva a ludicidade nas nossas


práticas, estaremos potencializando as possibilidades de aprender e o
investimento e o prazer das crianças e dos adolescentes no processo de
aprender. E com certeza, descobriremos também novas formas de
ensinar e de aprender com as crianças e os adolescentes!”(BORBA,
2007)

As atividades lúdicas são de extrema importância, principalmente no


processo de leitura onde o faz-de-conta é muito presente, pois fazemos
entonações de vozes, gestos e trabalhamos bastante com a imaginação. Assim
também, quando as crianças abrem os braços, por exemplo, e falam que estão
voando, fazem os gestos de que estão dirigindo o carro e se acham os
motoristas, a imaginação e o lúdico estão sendo trabalhados e é com essas e
nessas brincadeiras que podemos iniciar um processo da leitura de um texto
ou de uma história. Se analisarmos são atividades simples, mas que exigem
do educador reflexões sobre sua prática e comprometimento na sua prática de
desenvolver a compreensão leitora do seu aluno.

O ser humano tem a necessidade de utilizar a ludicidade durante o


seu aprendizado em qualquer idade e sem a visão de apenas uma diversão. A
atividade lúdica promove o desenvolvimento pessoal e associando-a aos
fatores sociais e culturais vão auxiliar também numa boa formação física e
mental da criança, além disso, estas atividades facilitam o processo de
socialização, comunicação, construção do conhecimento, além de um
desenvolvimento pleno de todos aqueles que estão integrados no processo
ensino-aprendizagem da leitura.
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3 A prática pedagógica: contação de histórias no ensino de


leitura

A atuação do professor contador de histórias irá fazer a diferença no


ensino da leitura, pois segundo Souza e Serafim (2012) este professor tem
como um propósito didático muito importante e que deve fazer parte das suas
reflexões a leitura como uma prática social, cujo o objetivo é levar os alunos
a utilizar essa habilidade para a vida.

É no dia-a-dia que sua prática vai ser significante para o aluno, tanto
para os leitores quanto para os alunos “pré-leitores”.

Com os “já leitores” a contação de histórias, fará com que eles


aprimorem sua capacidade de imaginação, melhorem sua prática criativa já
que ao ouvi-las o seu pensar, o desenhar, o escrever, o criar, o recriar estarão
sendo estimulados. Sabemos, que atualmente muitas informações estão tão
prontas, são muitas as tecnologias e a criança que não tiver a oportunidade de
suscitar seu imaginário, poderá no futuro, ser um indivíduo sem criticidade,
pouco criativo, sem sensibilidade para compreender a sua própria realidade.

A prática do contador de histórias com os pré-leitores também é


muito importante. É através do professor que o aluno entrará naquele
universo e depois fará o tão importante reconto da história, que segundo
Souza e Serafim:

“(...) não é mera reprodução. É uma atividade essencialmente


construtiva, baseada na racionalização de diferentes tipos de textos e
de conhecimento, interesses e atitudes emocionais do sujeito em
relação ao conteúdo da história.” Além também de trabalhar o social e
o cognitivo, pois o aluno acrescenta a história novas informações, sua
interpretação, uma história agora recontada, mas o recontar é de sua
autoria” (SOUZA E SERAFIM, 2012)

Através da ação realizada pelo professor da leitura de histórias, os


contos de fadas, as fábulas e as histórias em quadrinhos assumem a extrema
importância que têm no desenvolvimento criativo da escrita e da
compreensão do mundo em que vivemos. Considerando que “educar é contar
histórias. Contar histórias é transformar vida na brincadeira mais séria da
sociedade... Pais e professores devem dançar a valsa da vida como contadores
de histórias.” (Cury, 2003, p.132). O contar histórias é um momento muito
especial e isso deve ser trabalhado com as crianças!

CONSIDERAÇÕES FINAIS
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De certo que a leitura traz, abre grandes e novos horizontes para os


leitores, porém para que este horizonte seja mostrado, o condutor dos alunos
para o mundo da leitura, que inicialmente é o professor deve proporcionar
momentos de prazer e de motivação para a leitura.

O leitor interage com o mundo através da leitura que faz do mesmo,


sendo esta leitura visual ou escrita. No entanto, esta leitura de mundo só irá
ter real sentido, se este leitor estiver pronto para fazer interpretações e a partir
delas, incorporar o que foi lido, à sua vivência, ao seu cotidiano. Um bom
leitor é aquele que é capaz apenas de decodificar signos, um bom leitor,
decodifica, interpreta, adquire novos conhecimentos a partir desta leitura e
constrói conceitos que serão utilizados na sua vida.

Deste modo, como citado anteriormente o professor, primeiramente,


deverá ser capaz de inserir a criança no mundo letrado, não se importando
apenas com a escrita deste aluno, a leitura é capaz de trazer novos
conhecimentos e formar um grande vocabulário para os alunos, que somente
a escrita não é capaz de trazer. É preciso ressaltar a importância da leitura
para o aluno que está se formando.

Neste ínterim, que se ressalta a importância dos contadores de história,


estes tem papel primordial para a formação de um bom leitor, tendo em vista
que ao contar histórias mexem com as sensações das crianças, utilizando
principalmente elementos e materiais lúdicos. A ludicidade traz magia e
novas formas de interagir com o mundo letrado tornando a leitura uma forma
mais atrativa para as crianças.

É preciso desmistificar para professores e educadores que contar uma


história para seus alunos, inseri-los no mundo da leitura, não é algo
trabalhoso, impossível de ser realizado. O encantamento trazido pelas
atividades lúdicas em consonância com a leitura enriquece o aprendizado dos
alunos, traz novas expectativas, novas interpretações, além de acrescentar à
formação do leitor novas formas de interagir com a leitura.

REFERÊNCIAS

BORBA, A. M. Ensino Fundamental de nove anos: orientações para a


inclusão da criança de seis anos de idade/ organização Jeanete Beauchamp,
Sandra Denise Pagel, Aricélia Ribeiro do Nascimento. – Brasília: Ministério
da Educação, Secretaria de Educação Básica, 2007.
CAGLIARI, Luiz Carlos. Alfabetização e linguística. São Paulo, Editora
Scipione. 2009. Coleção Pensamento e ação na sala de aula.
CURY, Augusto. Pais brilhantes, professores fascinantes. Rio de Janeiro:
Sextante, 2003.
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SOUZA, H. D. S. C. de. e SERAFIM, M. de. S. Leitura e mediação


pedagógica/ organização Stella Maris Bortoni-Ricardo. – São Paulo:
Parábola, 2012.
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Literatura Infantojuvenil e Escola:


espaços de (re)leitura em cursos de pedagogia

Fabrícia Vellasquez Paiva1

Josimara Ferreira Teodoro2

Luana Rocha Paulino3

RESUMO
O trabalho tem como objetivo contribuir para o debate sobre espaços de formação
leitora através da literatura infantojuvenil, considerando, também, os extramuros da
escola. Compreendemos que a leitura da literatura infantojuvenil, em sendo livre,
pode ser igualmente incentivada pela escola em outros espaços, tais como a biblioteca
e a livraria com a mesma importância e legitimidade. Nesse sentido, o referencial
teórico contou a contribuição sobre o sentido ampliado de leitura segundo Paulo
Freire (1983, 2006) e Graça Paulino (2001), bem como as formas de leitura, de acordo
com Chartier (2002). Buscamos apoio em autores como Sônia Kramer (2000) e
Magda Soares (2000), acerca dos letramentos, dentre os quais destacamos o da
literatura infantojuvenil. E, por fim, quanto aos espaços, utilizamos referenciais sobre
a legitimação e a ideologia, presentes em Gramsci (1991); recorrendo a Bourdieu
(1974) e a Lajolo (2002) para a contribuição sociocultural da literatura infantojuvenil
neste processo. A proposta procurou partir dos resultados de aplicação de um
questionário, constituído de seis perguntas abertas, e aplicado a professoras-alunas de
um Curso de Licenciatura em Pedagogia, na modalidade a distância de uma
universidade pública do estado do Rio de Janeiro. Os resultados foram bastante
reveladores: de um lado, temos a consideração da legitimidade de novos espaços de
formação leitora, entendendo-os como um processo sempre em formação; de outro,
encontramos nos discursos certa resistência quanto ao uso desses territórios de leitura
como algo à revelia da escola. Por esse motivo, a pesquisa fora ampliada para outros
contextos, partindo, agora, para um Curso de Pedagogia, presencial, e ainda em uma
instituição superior pública no mesmo estado. Em momento posterior, esperamos
cruzar esses dados, com vistas à compreensão desses espaços de (re)leitura da
literatura infantojuvenil, a partir de uma formação inicial em modalidades diferentes
de ensino.

Palavras-chave: leitura literária, literatura infantojuvenil, escola, espaços de leitura.

1
Contato do(a) autor(a):fabriciavellasquez@yahoo.com.br. Professora da UFRRJ.
Mestre em Educação
2
Contato do(a) autor(a): jozyferreir@hotmail.com. Bolsista da UFRRJ. Licencianda
em Pedagogia
3
Contato do(a) autor(a): lrpwen@yahoo.com.br. Bolsista da UFRRJ. Licencianda em
Pedagogia.
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INTRODUÇÃO: um mergulho no texto

Pensada, há algum tempo, como uma ferramenta capaz de alargar os


conhecimentos e de capacitar o ser humano a interagir no mundo de modo
criativo e transformador, a leitura ainda representa uma possibilidade de se
realizar todo o conhecimento socialmente construído. Falar de leitura, pois,
ainda significa uma tarefa atual. Dessa forma, o presente trabalho teve como
objetivo oferecer uma discussão sobre os espaços atuais de formação leitora,
especificamente no campo da literatura infanto-juvenil. Partindo dessa
questão, nosso intuito foi o de viabilizar uma reflexão acerca da formação do
leitor de literatura infantojuvenil para além da escola. E tal foco se justifica
pelos crescentes espaços não-escolares de leitura que, cada vez mais, ganham
espaço no universo urbano contemporâneo das grandes cidades,
especificamente nas grandes capitais, donde já se observam livrarias com
formatos de biblioteca ou, para que não se padronize, espaços outros de
viabilização do contato com a leitura, e com a literatura infantojuvenil,
muitos representando, inclusive, o primeiro momento de interação entre a
criança e o livro.

A literatura infantojuvenil assume um papel de destaque neste estudo


principalmente pela adaptação desses espaços de formação leitora a um
público mais diferenciado. É possível observar, inclusive, uma estrutura que
se apresenta como um “mundo à parte” para os apreciadores dessa literatura,
num espaço físico literalmente destacado nas livrarias e em algumas
bibliotecas. Nesse sentido, a proposta procurou utilizar a aplicação de um
questionário, constituído de seis perguntas abertas, e aplicado a professoras-
alunas de um Curso de Licenciatura em Pedagogia, na modalidade a distância
e presencial. Convidamos, pois, o leitor a conhecer um pouco do que revelou
o presente estudo, não em uma tentativa de esgotar o assunto ou reproduzir
discursos outros. Pelo contrário: a ideia é justamente a de levantar ainda mais
inquietações sobre os espaços que se constituem para que o gosto ou o hábito
da leitura se valham e quais desses territórios, portanto, conseguem ou não
ser legitimados para o ato de ler.

1 Leitor e texto: reposicionando o ato de ler

O acesso à leitura, em suas atividades iniciais, tem sido entendido como


um mecanismo capaz de inserir a criança no universo das letras,
possibilitando a ela o contato com os registros escritos e, com isso, com os
bens culturais da humanidade. No entanto, acreditamos que, mesmo que já se
tenha evoluído nas pesquisas sobre a leitura, no sentido de não mais
considerar o ato de ler como mera ação decodificadora de códigos e de
signos, precisamos fomentar ainda mais a discussão sobre o leitor e sua
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formação – especialmente considerando o protagonismo que deve ser dado ao


pequeno leitor.

De fato, essa nova autonomia proporcionada à leitura, e, para nós, à


literatura infantojuvenil, cria uma nova figura de leitor, muito mais vivo,
crítico e, por vezes, subversivo. Essa idéia de subversão, aliás, fez com que se
colocasse no leitor a imagem de passividade outrora citada. Já se conheciam,
pois, as múltiplas habilidades de um leitor e de um texto também repleto de
possibilidades e sempre inacabado quanto aos diversos sentidos atribuídos a
sua leitura. Colocando-se, pois, leitor e texto em contato poderíamos ter a
perda da autoria até então “única” do documento escrito. Mais do que isso:
não se teria mais o controle sobre o que fora apreendido do ato de ler. Nessa
perspectiva, nos afirma Graça Paulino:

Aparentemente, o leitor não teria poder algum, a não ser o de traduzir


o sentido que estaria pronto no texto. Entretanto, o texto não se
apresenta ao leitor senão como uma proposta de produção de sentido,
que pode ou não ser aceita. Trata-se de um pacto de leitura que
constitui o que denominamos interação leitor/texto. Há ainda uma
terceira instância [sobre o ato de ler], correspondente ao verbo roubar,
que traz uma idéia de subversão, de clandestinidade. Não se rouba
algo com conhecimento e autorização do proprietário, logo essa leitura
do texto vai se construir à revelia do autor, ou melhor, vai acrescentar
ao texto outros sentidos, a partir de sinais que nele estão presentes,
mesmo que o autor não tivesse consciência disso (PAULINO, 2001, p.
12).

Acreditamos que, para que a criança leitora de literatura tenha formada


tal compreensão, é importante que sejam considerados seus conhecimentos e
suas informações de mundo, tal como postula Paulo Freire (2006). Tal ação é
necessária para que o(a) pequeno(a) leitor(a) se identifique na leitura por ele
escolhida, tecendo, a cada obra nova, as malhas textuais que têm, através da
leitura, também sua coautoria. Michel de Certeau trabalha essa questão muito
bem quando apresenta a ideia da quebra da função do ledor, tal como era
concebida. Esta, segundo ele, aprisionava o leitor, pois só chegavam a este as
falas pronunciadas e interpretadas pela função de seu intermediário. É por
esta autonomia que reivindicamos quando propomos, no presente trabalho, a
também libertação dos espaços possíveis de aquisição leitora, para além do
único e legítimo espaço escolar.

A leitura tornou-se, depois de três séculos, um gesto do olho. Ela não


é mais acompanhada, como antes, pelo rumor de uma articulação
vocal, nem pelo movimento de manducação muscular. Ler sem
pronunciar em voz alta ou à meia-voz é uma experiência “moderna”,
desconhecida durante milênios [...]. Hoje o texto não impõe o seu
ritmo ao indivíduo. Ele não se manifesta mais pela voz do leitor. Essa
suspensão do emprego do corpo, condução de sua autonomia, equivale
a um distanciamento do texto. Ela é o habeas-corpus do leitor
(CERTEAU, 1994, p. 253-254).

Quando o leitor se vê passível de mudança de comportamento, podendo


escolher este ou aquele caminho pelo bosque da ficção, segundo Eco (2006),
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realmente ele se sente potente, capaz, dominador do texto e de tudo o que ele
apresenta. O leitor passa a ser dono, portanto, não apenas de sua própria
leitura e de seus caminhos possíveis quanto à interpretação; ele se transforma,
sobretudo, como a pessoa de maior poder para controlar aquele mundo que
chega até ele – cheio de personagens e de situações sociais perfeitamente
aplicáveis também ao mundo real, de fora das letras. E essas escolhas,
evidentemente, podem começar pelo espaço que mais lhe dê prazer de sentar,
deitar ou recostar para abrir um livro.

Se temos, em uma obra infantojuvenil, os elementos de alteridade e


verossimilhança, vemos que, em uma leitura “liberta” – de escolhas de obras
e de espaços de leitura – eles se complementam ainda mais como um
processo de reconhecimento do leitor na obra lida. Além disso, podem
permitir ao leitor incipiente perceber as referências e as experiências por ele
vivenciadas – na realidade ou na ficção – através de seu diálogo com o texto.
Ao mesmo tempo em que é capaz de alternar suas direções de leitura diante
do livro, também se torna plenamente habilidoso para não permitir que as
manifestações do mundo real interfiram em seu controle daquele espaço que
é seu, ainda que também seja social. A preocupação, nesse sentido, deve estar
voltada para a concepção de que falamos: ambos os grupos devem se
constituir como seres instigadores, ou, segundo Graça Paulino,
desobedientes.

Importa perguntar, pois, qual o papel da escola na formação do leitor.


Não o leitor obediente que preenche devidamente fichas de livros ou
reproduz com propriedade enunciados textuais. Mas o leitor que,
instigado pelo que lê, produz sentidos, dialoga com o texto, com os
intertextos e com o contexto, ativando sua biblioteca interna, jamais
em repouso. Um leitor que, paradoxalmente, é capaz de se safar até
mesmo das camisas-de-força impostas pela escola e pela sociedade, na
medida em que produz sentidos que fogem ao controle inerente à
leitura e à sua metodologia (PAULINO, 2001, p. 29).

Se a leitura realizada na escola pode propiciar a formação de leitores


críticos – viabilizando, inclusive, a força da leitura como reconhecimento
social – que ela também permita que os alunos sejam capazes de, se preciso
for, subverter os mecanismos de limitação presentes em qualquer instituição,
tal como o bom leitor diante de um texto persuasivo. A subversão aqui não é
entendida como um fator de quebra de regras, e sim como a leitura para além
dos códigos – tanto da decifração da língua quanto das regras impostas pela
escola à leitura.

2 Letramento literário: os espaços de formação do leitor

Com a literatura infantil, as características de um texto literário se


tornam ainda mais relevantes, no sentido de agruparem um público ainda
maior de leitores: ela se apresenta como uma literatura que, embora
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adjetivada – e portanto aparentemente restritiva – também pode ser lida e


entendida por crianças, demonstrando seu caráter universal e atemporal. A
escola não deve prescindir, nessa perspectiva, de permitir que a literatura seja
vista, conforme sugere Zizi Trevizan (1995, p. 37), “como tessitura
constituída de palavras mágicas, desencadeadoras de uma realidade
específica – a arte –, onde tudo que não existe é passível de ser dito pelo
poeta”. O texto literário, e especialmente o infantil, por fim, é completo,
como gênero literário, por contemplar o dito e não-dito, o real e o imaginário
– todos eles passíveis de compreensão por todos, crianças ou não.

E trazer Gramsci para a discussão sobre leitura, cultura e literatura


infantojuvenil tem o objetivo único de suscitar a compreensão de que, sendo
sociais, essas esferas também o são, pelo mesmo motivo, políticas,
envolvendo, assim, todo um aparato de força pelas simbologias sociais
através das ideologias em Gramsci (1991; 2000). Tais símbolos podem ser,
nesse sentido, caracterizados desde uma simples escolha que compõe o
acervo literário da escola até a possibilidade de se considerar a visita de um
aluno a uma biblioteca, ou mais: a uma livraria do bairro. À instituição
escolar, inclusive, ele delegava a discussão pedagógica acerca da conquista
da cidadania, que deve ser orientada para a elevação cultural das massas,
livrando-as de uma visão de mundo que propicia a interiorização da ideologia
da classe dominante. Segundo ele:

Por intelectuais deve-se entender não somente essas camadas sociais


tradicionalmente chamadas de intelectuais, mas em geral toda a massa
social que exerce funções de organização em sentido amplo: seja no
plano da produção, da cultura ou da administração pública
(GRAMSCI, 2000, p. 201).

Além disso, considerar os conceitos de “capital cultural” e de “capital


social”, de Bourdieu, bem como o entendimento de capital literário,
apresenta-se como um fator crucial para este trabalho, pois eles representam
alguns fundamentos teóricos que redimensionam, por meio dessas categorias
analíticas, a posição da literatura como uma cultura específica dentro de uma
sociedade igualmente determinada por relações que se reconstroem a todo
tempo – fato que muito esclarece a escolha de um lugar de formação leitora e
não outro. Bourdieu atribui ao termo capital cultural todo um emaranhado
conjunto de valores que referenciam a um determinado padrão social. Revela,
ainda, que esse contato com as formas de cultura – dominantes ou não –
realiza-se a partir do momento de sua aplicação, do uso que se faz – e como
se faz – do capital cultural transmitido socialmente. Para ele:

[...] em matéria de cultura, a maneira de adquirir perpetua-se no que é


adquirido sob a forma de uma maneira de usar o que se adquiriu.
Assim, quando acreditamos reconhecer por nuances ínfimas, infinitas
e indefiníveis que definem a “destreza” ou o “natural”, as condutas ou
os discursos socialmente designados como autenticamente
“cultivados” ou “requintados” pois neles nada lembra o esforço ou o
trabalho de aquisição, na verdade, referimo-nos a um modo particular
de aquisição [...] (BOURDIEU, 1974, p.258).
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O uso, então, para o sociólogo, seria de fundamental importância dentro


do contexto social, e, dentro deste, os próprios espaços de formação leitora,
tais como a própria escola, mas também: a biblioteca e a livraria. É
justamente nesse sentido que, a partir do conceito de capital literário,
acreditamos existir culturas que dominam ou que direcionam uma ou outra
escolha para os bens culturais e para tais espaços, de uma forma geral,
estando a literatura infantojuvenil entre os possíveis objetos de influência.

E foi justamente observando essas múltiplas possibilidades oferecidas e


divididas com o leitor, a partir da literatura infantojuvenil, que pensamos
sobre a discussão acerca dos espaços sociais em que a leitura literária destas
obras vem sendo realizada. Tivemos, assim, o intuito de investigar se outros
lugares são também aproveitados, na visão da escola – e em especial pela
figura do professor – no sentido de não apenas fomentar a ida dos alunos à
biblioteca e à livraria, com a finalidade do contato com a literatura
infantojuvenil, mas também de considerar esses momentos de visitação como
atividade prevista no plano semestral e/ou por meio de uma roda de conversa
sobre a obra escolhida e a opinião acerca da leitura.

3 Possibilidades da literatura infantojuvenil: entre


livrarias e bibliotecas

Em uma análise mais geral, temos observado que há um movimento –


cuja direção ainda não está tão bem definida – mas que tem seguido uma
ordem no tocante aos espaços sociais da leitura literária. Podemos destacar
que se há algum tempo mais distante os leitores incipientes tinham contato
com as obras apenas na escola, esse universo foi ampliado para a biblioteca
(não escolar) e, hoje, vemos novos espaços se constituindo em contextos cujo
universo de leitura se faz presente e de forma convidativa. Referimo-nos
especialmente às livrarias como um novo lócus de apropriação dessa
literatura: não devemos desconsiderar que houve uma remodelagem no
próprio cenário físico desse lugar que só apresentava o cinza ou, no máximo,
o marrom das estantes. O colorido ficava sempre por conta das ilustrações
dos livros simplesmente.

Em muitas livrarias, há espaços determinados para o leitor.


Independentemente de adquirir o livro ou não, é dada a ele a oportunidade de
ter o contato, de saborear, por assim dizer, uma obra inteira. Há o respeito,
nessa perspectiva, do espaço/tempo de cada leitor de que tratamos
anteriormente. Afinal, se sua atração pelo livro foi tão grande ao ponto de
escolhê-lo, por que não se permitir desafiar o autor naquele mesmo instante?
A ida para a casa poderia colocar toda a leitura a perder.

Dessa forma, a proposta do presente trabalho se justifica em função de


um estudo necessário quanto a esses novos contextos de leitura,
especialmente na visão dos profissionais que estão na escola, lidando
diretamente com práticas de formação leitora, tendo como objeto a literatura
infantojuvenil. Pensamos, como recursos metodológicos, em uma pesquisa
qualitativa, que parte de um estudo bibliográfico para posterior aplicabilidade
de um questionário constituído de seis (6) perguntas, todas abertas, de modo
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a fomentar a reflexão sobre o cotidiano das escolas – tanto no Curso a


distância quanto no presencial. Ao final dos questionários, a ideia é a de
levantarmos as categorias ali presentes, pela análise discursiva das respostas,
cruzando os dados dos dois Cursos.

Partimos, então, para dois momentos diferentes na pesquisa. O primeiro


foi o de estudo a partir do Curso de Licenciatura em Pedagogia, na
modalidade a distância, que fora selecionado por apresentar, em sua matriz
curricular, uma preocupação com a linguagem e com a literatura, donde se
destacam, sequencialmente, as seguintes disciplinas: Língua Portuguesa
Instrumental (1° período), Língua Portuguesa na Educação 1 (2º período),
Língua Portuguesa na Educação 2 (3º período) e Literatura na Formação do
Leitor (4º período). Tais disciplinas dialogam entre si, estabelecendo uma
união de conteúdo e de temas que se articulam do primeiro ao quarto período.
E chegamos, finalmente, a um total de cinco (5) alunas-professoras como
regentes de turmas. Privilegiamos, além disso, um universo diferente: cada
selecionada – aqui apresentada como professoras A, B, C, D e E –
representava uma realidade local diversificada a partir de cada pólo do Curso
(Paracambi, Petrópolis, Nova Friburgo, Angra dos Reis, São Pedro d’Aldeia).
Esses também eram os pólos mais antigos, o que facilitaria a procura por
egressos, com exceção do pólo Maracanã, que, por ser em uma região da
capital, preferimos não incluí-lo pela facilidade de acesso à discussão.

O segundo Curso fora selecionado por ser nosso lócus de formação e de


pesquisa, a saber: na Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro, campus
Seropédica. Há entre eles, uma diferença substantiva quanto à organização
das disciplinas, pois, neste, não contamos com tantas propostas, no currículo
básico, sobre linguagem – a organização curricular conta com a disciplina
Fundamentos Teórico-metodológicos da Língua Portuguesa (3º período) e
Linguagem, Letramento e Alfabetização (4º período). No momento atual,
estamos em fase de análise das primeiras categorias – pelos questionários do
primeiro Curso –, mas já podemos apresentar, pelas leituras iniciais, alguns
pontos interessantes.

Observamos em alguns escritos, por exemplo, que a leitura dessa


literatura, em seus textos originais, é compreendida como um momento de
respeito às particularidades dos alunos: seus anseios, sua visão de mundo, sua
posição e disposição para ler. Como exercício, que elas não desconsideram
em momento algum, pode-se utilizar o texto contido no material que, vale
lembrar, também é uma forma de conhecer uma obra.

As propostas de leitura eram, em sua maioria, livres:

A realização dos momentos de leitura literária, na escola, era


privilegiada como um momento [particular] do aluno. Não
gostávamos de estabelecer atividades para esses momentos.
Trabalhávamos com os textos do material didático. Agora, a leitura
literária, de poesia, essas coisas, não. Esse era entendido como um
momento especial (Professora A).
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Em que pese, no entanto, a preocupação e consciência da professora em


vislumbrar na leitura literária uma importante formação social, crítica e
propositiva, ela também entende que a circulação e a liberdade, na escola, de
quaisquer obras, deixando a cargo do aluno escolher, ainda representa um
problema que, quando não questionado pela própria instituição escolar, o é
pela família e/ou pela sociedade através de outros órgãos fiscalizadores,
como destaca a professora seguinte:

Eu sempre procurei indicar os alunos as leituras, mas também ouvir


deles as leituras que faziam, que traziam de casa ou que tivessem feito
em outro lugar. Mas o meu medo, como professora, é que algum pai
ou mãe viesse reclamar com a escola sobre a permissão para deixar o
aluno sozinho na biblioteca. O professor é ainda muito questionado,
especialmente quando envolve a leitura (Professora B).

E, a partir disso, nos é também revelador o dado que, apesar desse


reconhecimento, faz com que muitas professoras tendam a manter o discurso
centralizador da escola. Quando colocamos em destaque, no questionário, a
possibilidade da livraria e da biblioteca como esses novos espaços possíveis
de formação leitora, de alguma forma se mantinha o discurso oficial que
ainda circula na e para a escola.

Vale ressaltar que as demais professoras não souberam precisar que


espaços seriam esses, para além da escola, no tocante à formação. Isso nos
leva a entender que também está revestido, nessas considerações, uma ótica
institucional que ratifica o destaque escolar nesse processo, como único
espaço possível de circulação de saberes, dentre os quais a literatura
infantojuvenil. A despeito disso, Ezequiel Theodoro da Silva (1998, p. 21)
nos lembra que “não se forma um leitor com uma ou duas cirandas e nem
com uma ou duas sacolas de livros, se as condições sociais e escolares,
subjacentes à leitura, não forem consideradas e transformadas”. De acordo
com as professoras:

Entendo que outros espaços são importantes, mas não conseguem


fazer o que a escola faz, entende? Aqui temos a mediação do
professor, como um facilitador para o processo de leitura literária
(Professora D). Acredito que todos os espaços devam ser
considerados, mas sempre a partir da escola, para que se tenha um
encaminhamento mais correto (Professora A). Vejo a biblioteca fora
da escola como um espaço a mais, em que o aluno possa
complementar aquilo que leu na escola (Professora B). A biblioteca é
sempre importante, mas o aluno precisa saber o que pesquisar sobre
literatura, de acordo com sua idade. O ideal é que ele levasse as
leituras para a escola, para a professora saber (Professora C).

Vemos que as professoras procuraram trazer a biblioteca não-escolar


como um território que ainda desperta dúvidas – seja pela suposta falta de
“controle” dos professores, ou da escola, quanto às obras lidas, seja pela
dúvida latente da incapacidade de autonomia dos alunos quanto ao contato
com uma obra literária. Logo, a ideia de que a leitura fosse levada “para a
professora saber” não parte do princípio de socialização do que o aluno leu,
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considerando sua bagagem cultural diferente da escola, mas, sim, de


apresentação, como uma explicação pela escolha do texto lido.

Semelhante compreensão também ocorre, e até com mais ênfase, com o


espaço destinado à leitura nas livrarias. As professoras, de forma unânime,
mencionaram não compreender esse lócus como semelhante ao da escola,
mas disseram que vêm percebendo o aumento de leitura nesse território,
principalmente pelos “atrativos”:

Vejo a livraria como um espaço de mercado e não de reflexão, por


isso acho difícil conseguir pensar naquele espaço (Professora A).
Tenho percebido um aumento de leitores de todo tipo nas livrarias,
mas acho que é modismo (Professora B). Acredito que esta função
seja mais mercadológica, não compreendo como formação ou como
um lugar para debate (Professora C). A livraria tem atraído os alunos
pelo colorido, pelas mesinhas do tamanho deles, eles se sentem em
casa, mas não vejo como um momento de dedicação à leitura, ainda
mais de literatura infantojuvenil (Professora E).

Observamos, por fim, que os dados já nos revelam certa resistência a


esses novos espaços. No entanto, temos visto que muitos leitores de literatura
infantojuvenil elegem a livraria e a biblioteca como seu espaço de iniciação e
até de continuidade da leitura literária. E essa escolha, vale dizer, reforça o
processo de autonomia tão cara aos alunos e aos leitores; afinal, se
entendemos, assim como as professoras também, que a literatura não deva ser
mera ferramenta para o ensino de algo, como o da própria Língua, por
exemplo, os espaços reconfigurados talvez representem esse grito de alforria,
especialmente dessa literatura, em relação às práticas escolares.

4 Voltando do mergulho: algumas considerações finais

Permitimo-nos, assim, o alcance de duas importantes considerações


quanto à análise dos questionários iniciais: de um lado, temos a consideração
das professoras-alunas do primeiro Curso quanto à legitimidade de novos
espaços de formação leitora, entendendo-os mesmo como um processo
sempre em formação; de outro, encontramos também nos discursos certa
resistência quanto à consideração desses territórios de leitura como algo à
parte, apesar de ou mesmo à revelia da escola.

É possível observar que a literatura, antes de se transformar em discurso


estético, de subverter a ordem da língua, tal como elucida Barthes (2007), se
alimenta na fonte de valores de cultura, expressos em padrões de produção já
dados, em saberes. A esse leitor de literatura cabe também a valorosa tarefa
de lutar por seu lugar, por seu ambiente de realizar e de se encontrar no texto.
Afinal, o que não é o modo de leitura, cada vez mais livre, do que justamente
essa autonomia necessária à própria formação – inicial ou continuada desse
leitor? Sua formação, sendo crítica, permite a liberdade diante do texto, ao
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mesmo tempo em que esta liberdade, ou seja, os muitos modos de ler –


modus legendi – viabilizam a garantia de criticidade a cada nova leitura, pois
retira do leitor a obrigação de se ter de fazer algo com o que foi lido.

A literatura infantojuvenil, trabalhada no contexto escolar, ainda


representa um ponto que necessita ser pesquisado tanto pela força como se
apresenta aos professores, quanto pela restrição que pode estar concentrada
nos usos do texto literário. Esperamos que o trabalho tenha conseguido, ainda
que em sua fase inicial, contribuir para o debate sobre a relação entre a escola
estabelece com essa literatura e deixamos, como sugestão, o incentivo para se
realizarem mais estudos que visem à problematização desses espaços para
circulação de obras infantojuvenis e para formação social dos leitores.

Referências

BARTHES, Rolland. Aula. São Paulo: Cultrix, 2007.


BOURDIEU, Pierre. A economia das trocas simbólicas. São Paulo,
Perspectiva, 1974.
CERTEAU, Michel de. A invenção do cotidiano. Rio de Janeiro: Vozes,
1994.
CHARTIER, Roger. As revoluções da leitura no ocidente. In: ABREU,
Márcia. Leitura, História e História da Leitura. Campinas: Mercado das
Letras, 2002.
ECO, Umberto. Seis passeios pelo bosque da ficção. São Paulo: Companhia
da Letras, 2006.
FREIRE, Paulo. Pedagogia do oprimido. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1983.
____________. A importância do ato de ler: em três artigos que se
completam. São Paulo: Cortez, 2006.
GRAMSCI, A. Os intelectuais e a organização da cultura. Rio de Janeiro:
Civilização Brasileira, 1991.
KRAMER, Sonia. Infância, cultura e educação. In: EVANGELISTA, Aracy
(org.). No fim do século: a diversidade – Jogo do livro infantil e juvenil.
Belo Horizonte: Autêntica, 2000.
LAJOLO, Marisa. Do mundo da leitura para a leitura do mundo. São
Paulo: Ática, 2002.
PAULINO, Graça et al. Tipos de textos, modos de leitura. Goiânia:
Formato, 2001.
SILVA, Ezequiel Theodoro da. Elementos da pedagogia da leitura. São
Paulo: Martins Fontes, 1998.
SOARES, Magda. Linguagem e escola: uma perspectiva social. São Paulo:
Ática, 2000.
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Oralidade e Escrita na Prática Escolar Alfabetização, Discurso e Aprendizagens
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SOUZA, Renata Junqueira. Caminhos para a formação do leitor. São


Paulo: DCL, 2004.
TREVIZAN, Zizi. Poesia e ensino: antologia comentada. São Paulo: Arte
& Cultura – Unip, 1995.
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O Processo de Ensino e Aprendizagem de


Leitura e Escrita:
estudo realizado com crianças de escola pública oriundos
de classes populares

Veronica Fortuna 1

Soleide Silva Ferreira2

RESUMO
O presente estudo aborda a importância das questões da aprendizagem, de modo
especial, na apropriação da linguagem escrita. A pesquisa objetiva analisar a produção
da escrita em crianças do ensino fundamental, como também, caracterizar e verificar
as tipologias dos erros ortográficos e por fim relacioná-las como nível
socioeconômico. A pesquisa será de natureza qualitativa e quantitativa. O
levantamento das dificuldades na transcrição de palavras será efetuada através de uma
prova de ditado de um texto. Será igualmente entregue um breve questionário para
levantamento de dados sociodemográficos. Retiraremos inicialmente 4 textos com
aproximadamente 150 palavras e solicitaremos a um “júri” de 3 professores que
lecionam os primeiros anos do ensino fundamental que escolherão um deles próximo
dos interesses e contexto dos alunos. O texto será ditado pelo próprio docente da
turma. Na escrita dos 50 alunos que participaram da pesquisa, percebe-se que há uma
relevante ocorrência de erros ortográficos por alunos que ratifica o estado de
dificuldade de aprendizagem na escrita dos estudantes. Sabe-se que são muitas as
causas que explicam esse déficit, vão desde o aspecto social, biológico ao aspecto da
maturidade. Este artigo expõe parte dos resultados de uma pesquisa realizada em uma
escola pública localizada em uma periferia de Aracaju.

Palavras-chave: Aprendizagem, leitura e escrita.

1
Contato do(a) autor(a): ve.30@hotmail.com. Graduada em Pedagogia. Pós-graduada
em Psicopedagogia Clinica e Institucional, Politica Educacional e Social.
Universidade Federal de Sergipe – UFS
2
Contato do(a) autor(a): soll.rena@hotmail.com. Graduada em Pedagogia. Pós-
graduada em Psicopedagogia Clinica e Institucional, Politica Educacional e Social.
Mestre em Ciências da Educação. Universidade Lusófona de Humanidades e
Tecnologia
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INTRODUÇÃO

O presente estudo aborda a importância das questões da


aprendizagem e as dificuldades de aprendizagem, de modo especial, na
apropriação da linguagem escrita.

A pesquisa tem relevância social porque, levantaremos informações


sobre as dificuldades de aprendizagem na escrita em crianças de escola
pública, normalmente oriundas das camadas populares, onde será verificado
as dificuldades mais freqüentes na aprendizagem da escrita por fim faremos
uma relação entre a linguagem oral e a linguagem escrita.

A pesquisa objetiva analisar a produção da escrita em crianças nos


primeiros anos do ensino fundamental, como também, caracterizar e verificar
as tipologias dos erros ortográficos e por fim relacioná-las como nível sócio-
econômico.

É importante salientar que o presente projeto tem o propósito de tornar o


assunto disponível para outros pesquisadores, sugerindo discussões e
possíveis contribuições para o conhecimento e tomada de decisões quanto ao
nível de dificuldade de aprendizagem na escrita em crianças de meios
populares em Aracaju.

1 ENQUADRAMENTO TEÓRICO

A Escrita

O domínio da escrita representa uma grande importância na vida do


homem, a linha do tempo divide sua história em antes e depois da escrita,
pois a partir desta descoberta foi possível registrar sua cultura, as canções,
suas poesias, enfim, sua maneira de ver o mundo. Segundo Teberosky (2002)
a importância social da escrita, em termos de controle, governo,
administração, é tamanha que a cidade como forma social de organização era
desconhecida nas sociedades orais.

Na época da pré-história utilizavam figuras registradas em pedras para


transmitir informações, tais registros fornecem um conhecimento resumido
de uma era sem escrita. E para que essas informações fossem transmitidas,
fazia-se uso de várias formas de expressão como gestos, ruídos, Sinais de
fumaça e tantos. Mas, a esse respeito Cagliari afirma que:

Um desenho não participa necessariamente de um tipo de escrita. A


escrita, para ser qualificada como tal, precisa de um objetivo bem
definido, que é fornecer subsídios para que alguém leia
(CAGLIARI,1996, p.104).

Em relação à evolução da escrita, vistas em seus aspectos gerais,


Cagliari (1996) a descreve em três diferentes etapas: Pictórica, Pictórica e
Alfabética.
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Aprendizagem da Escrita

Pode-se afirmar que a alteração do comportamento é o resultado final da


aprendizagem. Segundo Nelson Piletti (2006), a aprendizagem é uma
mudança de comportamento que resulta da experiência.

Para Gagné, a aprendizagem é uma modificação na disposição ou na


capacidade do homem, modificação essa que pode ser anulada e que não
pode ser simplesmente atribuída ao processo de crescimento (Apud Nelson
Piletti, 2006).

Na definição de Morgan (1977, p.90) a aprendizagem é qualquer


mudança relativamente permanente no comportamento, e que resulta de
experiência ou prática.

Aprendizagem específica da escrita está vinculada a um conjunto de


fatores que adota como princípios o domínio da linguagem e a capacidade de
simbolização. Aos poucos, as crianças devem compreender como o sistema
funciona, o que nota/representa e como a escrita cria estas notações/
representações. Ou seja, sua aprendizagem se converte em um novo objeto de
conhecimento, trata-se de uma aprendizagem conceitual (FERREIRO, 2001,
MORAIS, 2005).

Bernal (Apud Teberosky, 2002) chama a escrita de “a maior invenção


manual-intelectual criada pelo homem”.

Na evolução da escrita houve inúmeras transformações até chegarmos à


forma atual: o alfabeto. No processo da aquisição da escrita a criança também
passa por fases no período da alfabetização, revela Ferreiro e Teberosky
(1999) que são cinco fases sucessivas de produção escrita que a criança terá
que vivenciar e ultrapassar:

 Primeira fase - na construção da escrita a criança descobre


os limites que a separa do desenho, conforme Ferreiro e Teberosky
(1999), percebe-se algum ensaio figurativo entre a escrita e o desenho
onde a criança escreve partindo da idéia de que a quantidade ou o
tamanho das letras deve estar de acordo com o objeto que representa.

 Segunda fase – caracteriza-se pela atribuição de escritas


diferenciadas, a forma dos grafismos é mais redefinida e mantém uma
proximidade maior com as letras.

 Terceira fase – envolve as propriedades sonoras das letras,


neste nível a criança acredita que cada letra equivale a uma sílaba.
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 Quarta fase – é a transição da hipótese silábica para a


alfabética, pois, segundo Ferreiro e Teberosky:

A criança abandona a hipótese silábica e descobre a necessidade de


fazer uma análise que vá “mais além” da sílaba pelo conflito entre
hipótese silábica e a exigência de quantidade mínima de gramas (...) e
o conflito entre as formas gráficas que o meio lhe propõe e a leitura
dessas formas em termos da hipótese silábica (FERREIRO &
TEBEROSKY, 1999, pg. 214).

Mediante Correia (2001), a respeito desses conflitos, acrescenta que essa


problematização deve estar em consonância com as práticas sócio-educativas
referente à leitura e a escrita do meio em que a criança vive.

 Quinta fase – a criança é capaz de fazer relações entre grafemas e


fonemas, ou seja, alcança a escrita alfabética.

É bom ressaltar que estas construções não ocorrem linearmente em cada


aluno, pois ele passa por processos diferentes de acordo com o seu próprio
ritmo. O que importa, realmente, é que cada aluno tenha vivido e superado
seus níveis de aprendizagem da escrita no período da pré-escola para que não
se defronte com problemas mais adiante.

Relação entre a Leitura e a Escrita

A linguagem humana e sua codificação são fatores que devem ser


analisados antes da leitura e escrita, que por sua vez são partes integrantes a
ela (Rebelo, 1993). O autor define linguagem como um sistema de símbolos
que permite a comunicação entre organismos ou membros de uma espécie,
podendo afirmar que tanto os seres humanos como os animais são dotados de
linguagem.

Com relação às formas de linguagem humana, o autor supramencionado


esclarece serem as formas: Linguagem falada – utiliza sons e palavras
articulados, susceptíveis de serem ouvidos; Linguagem escrita – designada de
gráficos, emprega letras como sinais convencionais, representativos dos sons
da língua; Linguagem corporal – através de movimentos, postura e gestos,
voluntários ou involuntários, que comunicam algo que as pessoas desejam
exprimir. Tal linguagem é importante, sobretudo nos primeiros meses de vida
e mesmo em idade mais avançada, quando existe dificuldade em utilizar
outras formas de comunicação.

O domínio da escrita é o resultado de um longo processo de


organização do desenvolvimento da linguagem/fala, que permeia a
construção de: gestos significativos, brincadeira de faz-de-conta,
desenho e escrita (VYGOTSKY, 1984).

A Relação da Escrita com o Contexto Sociocultural

A realidade das condições de domínio da escrita das crianças que


moram em periferia e estudam em escola pública é bem clara e lamentável,
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pois comumente elas não desempenham as competências de acordo com a


sua idade/série. E segundo Ferreiro e Teberosky (1989), as expectativas de
resolver os problemas denominados de seleção social e expulsão encoberta,
gerados pela distribuição desigual de oportunidades educacionais, não se
concretizaram e muitas crianças que são matriculadas nas escolas continuam
sem aprender a ler e a escrever, porque a solução para o problema do fracasso
escolar, durante a alfabetização, exige não apenas mudanças nas concepções
de ensino e aprendizagem, mas demanda, sobretudo, empenho e vontade dos
Poderes Públicos no sentido de garantirem as condições para que o sistema
educacional possibilite a efetiva aprendizagem.

É importante lembrar que a maioria das escolas públicas permanece


com salas cheias, ou seja, com quantidade de discentes acima da capacidade
máxima por sala. Dificultando, assim, o processo de ensino-aprendizagem.

2 OBJETIVO, PROBLEMA

Objetivo Geral

 Analisar a reprodução da escrita em


crianças dos primeiros anos do ensino fundamental.

Objetivos Específicos

 Verificar a incidência dos erros


ortográficos numa prova de ditado;

 Caracterizar os erros pela sua tipolgia

 Verificar as tipologias de erros mais


frequentes.

Problema

 Quais as dificuldades na transcrição


escrita em crianças dos anos finais do ensino
fundamental de uma Escola Municipal?

Amostra / Sujeito

A amostra será aleatória, composta por 50 alunos com


idades variando de 9 a 12 anos e, que fazem parte dos 4º e 5º anos do Ensino
Fundamental.

Instrumento

A pesquisa será de natureza qualitativa e quantitativa. O


levantamento das dificuldades na transcrição de palavras será
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efectuada através de uma prova de ditado de um texto. Será


igualmente entregue um breve questionário para levantamento de
dados sócio-demográficos.

Material e Procedimento

Retiraremos inicialmente 4 textos com aproximadamente 150 palavras e


solicitaremos a um “juri” de 3 professores que lecionam os primeiros anos do
ensino fundamental que escolherão um deles próximo dos interesses e
contexto dos alunos. O texto será ditado pelo próprio docente da turma.

CONCLUSÃO

A análise dos dados evidenciou que na escrita dos 50 alunos que


participaram da pesquisa, há uma relevante ocorrência de erros ortográficos
que ratifica o estado de dificuldade de aprendizagem na escrita dos
estudantes.

Incidência de erros ortográficos obtidos:

Série1;
Classe 4;
14% 136;
12% Série1;
Classe 1;
Série1; 601;
Classe 2; 55%
207;
19%

Classe 1 Classe 2 Classe 3 Classe 4


Classes de erros – Representação de incidência de erros de acordo com
as classes de erros

Texto:Como se forma o arco-íris? (5º anos)

Classe I - erros foneticamente e graficamente incorretos - erros de


adição (tipo 1), de omissão (tipo 2), de substituição (tipo 3) e de troca de
posição ou inversão (tipo 4).
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Classe II - erros foneticamente corretos e graficamente incorretos -


substituição de maiúsculas/minúsculas (tipo 5), as grafias homófonas (tipo 6),
as omissões ou adições de sons mudos (tipo 7) e os erros de
divisão/aglutinação (tipo 8).

Classe III - outros - III classificamos como erros as grafias ilegíveis


(tipo 9), palavras omitidas (tipo 10) e palavras substituídas (tipo 11).

Classe IV - erros relacionados com acentos - todos os erros


relacionados com acentos (tipo 12)

REFERÊNCIAS

CAGLIARI, L. C. (1996). Alfabetização e lingüística. Edição 9. São Paulo.


Scipione.
CORREIA, J., SPINÍLLIO, A., LEITÃ, Selma. (2001). Desenvolvimento da
linguagem: escrita e textualidade. Rio de Janeiro. FARPEJ.
FERREIRO, E. (2001). Reflexões sobre alfabetização. São Paulo. Cortez.
FERREIRO, E., TEBEROSKI, A. (1999). Psicogênese da língua escrita.
Porto Alegre. Artes Médicas Sul.
MORGAN, C. T. (1977). Introdução à Psicologia. São Paulo. McGraw-Hill
do Brasil.
PILETTI, N. (2006). Psicologia Educacional. Edição 17 . São Paulo. Ática.
REBELO, J. A. da S. (1993). Dificuldades da Leitura e da Escrita: em
alunos do ensino básico. Coleção: Horizontes da Didáctica. Portugal:
Edições ASA.
TEBEROSKY, Ana. (2002). Aprendendo a escrever: perspectivas
psicológicas e implicações educativas. Edição 3. São Paulo. Ática.
VYGOTSKY, L. S. (1984). A Formação Social da Mente. São Paulo:
Editora Martins Fontes.
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A Linguística no Enfrentamento da
Medicalização:
sintomas da dislexia em foco

Lays Santana de Bastos Melo1

RESUMO
A facilidade, rapidez e frequência na maneira como é oferecido o rótulo de dislexia às
crianças em idade escolar é surpreendente e faz refletir sobre as tendências
mercadológicas de uma sociedade medicalizante. Assim, o presente trabalho tem
como objetivo lançar bases para o debate em torno de sintomas tradicionalmente
reconhecidos como típicos da dislexia. Para isso, aborda novas perspectivas a respeito
do funcionamento cognitivo durante a leitura, enfatizando a estratégia da predição
(segundo a qual a leitura se realiza a partir da construção de significados através da
testagem de hipóteses ou adivinhações) e realiza uma análise crítica de características
apresentadas na leitura de crianças. Portanto, dependendo da concepção que se possui
de língua e de leitura, o presente artigo revela de que forma a linguística pode auxiliar
na desmistificação de sinais inicialmente apontados como patológicos, acompanhando
o desejo de enfrentamento do processo de medicalização da aprendizagem.

Palavras-chave: Dislexia. Estratégias cognitivas. Leitura.

1
Contato do(a) autor(a): laysbastos@yahoo.com.br. Doutoranda em Língua e Cultura
– UFBA

.
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INTRODUÇÃO

Aprender envolve uma associação de elementos, sejam eles emocionais,


culturais, biológicos e pedagógicos. O mau funcionamento em alguma destas
áreas pode gerar manifestações negativas durante o processo da leitura e da
escrita. Assim, a dificuldade porventura apresentada pela criança precisa ser
analisada nestas diversas facetas, com o intuito de verificar a influência de
cada uma delas e direcionar a atuação.

A frequência, a facilidade e o pouco rigor no modo como, muitas vezes,


surge o termo dislexia e a observação do desempenho de crianças em idade
escolar quanto às atividades de leitura e escrita constituem-se motivação para
as considerações realizadas no presente artigo (PINTO, 2008).

Convém, nesse ínterim, diferenciar os diversos tipos de perturbação de


leitura: (1) O transtorno adquirido, proveniente de lesão cerebral específica,
reconhecido como alexia, e que afeta indivíduos com competência prévia em
leitura; (2) as dificuldades de leitura transitórias, relacionadas às inadaptações
ao método escolar, às restritas oportunidades de educação básica de
qualidade e / ou às questões afetivas e (3) a “dislexia” propriamente dita, que
se manifesta na criança na ausência de qualquer lesão cerebral (SHAYWITZ,
2006). Neste último caso, o diagnóstico está associado à discrepância entre o
nível intelectual e o desempenho de leitura, constatados através de testes,
muitas vezes, descontextualizados.

Aqui cabe registrar uma consideração. A leitura eficiente deve ser


realizada levando-se em conta a integridade do texto, a construção frasal e o
encadeamento das ideias ao longo dos parágrafos, que colaboram na
coerência e coesão textual e na extração do significado. Analisar o
desempenho de leitura através de testes com palavras isoladas em cartões,
como é feito através da abordagem da Psicologia Cognitiva (STERNBERG,
2000), pode ser perigoso à medida que retira da criança a possibilidade de
verificar como ela se comporta em situação natural.

Analogicamente, imaginemos que um cientista deseje estudar o modo


como as pessoas caminham. Ao fazer isso, ele propõe amarrar uma perna de
cada vez para observar como a outra se comporta isoladamente. A partir de
então, deixa-se de caminhar e a deambulação é substituída por saltos. Ou
seja, a situação natural é modificada e os resultados são diferentes do
original, perdem a fidedignidade. Assim seria na avaliação do desempenho
em leitura utilizando-se de palavras isoladas.

Segundo a visão biológica da dislexia, a perturbação teria origem


genética e estaria associada a uma disfunção nas áreas cerebrais responsáveis
pelo processamento da leitura. Além disso, o diagnóstico exclui existência de
lesão cerebral, presença de deficiências sensoriais, cognitivas e também
escolarização inadequada (ABD, 2009; ORTON DYSLEXIA SOCIETY
RESEARCH COMMITTEE, 1994; DSM-IV, 2002). Entretanto, a definição
pela exclusão não se constitui uma maneira clara de identificação do
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problema e parece, até mesmo, negar a possibilidade de existir uma criança


disléxica proveniente de meios sócio-econômicos desfavorecidos.

Apesar disso, há uma forte tendência em generalizar diagnósticos


médicos referentes aos distúrbios de aprendizagem. Em seu texto
“Disbicicléticos”, Rodrigues (2005) encara como a medicalização do
diferente pode ser a solução para eximir de responsabilidade aqueles que
lidam diretamente com a criança:

Dani é uma criança que não sabe andar de bicicleta. Todas as outras
crianças do seu bairro já andam de bicicleta; os da sua escola já andam
de bicicleta; os da sua idade já andam de bicicleta. Foi chamado um
psicólogo para que estude seu caso. Fez uma investigação, realizou
alguns testes (coordenação motora, força, equilíbrio e muitos outros;
falou com seus pais, com seus professores, com seus vizinhos e com
seus colegas de classe) e chegou a uma conclusão: esta criança tem
um problema, tem dificuldades para andar de bicicleta. Dani é
“disbiciclético”.

Agora podemos ficar tranquilos, pois já temos um diagnóstico. Agora


temos a explicação: o garoto não anda de bicicleta porque é
disbiciclético e é disbiciclético porque não anda de bicicleta. Um
círculo vicioso tranquilizador. (...) Pouco importa, porque o
diagnóstico, a classificação, exime de responsabilidade aqueles que
rodeiam Dani. Todo o peso passa para as costas da criança. Pouco
podemos fazer. O garoto é disbiciclético! O problema é dele. A culpa
é dele. Nasceu assim. O que podemos fazer?

Realizando uma analogia com as crianças disléxicas, os fatos são


semelhantes desde a mais tenra idade. A diferença de desempenho
apresentada nas atividades de leitura e escrita em relação aos colegas da
mesma faixa etária torna-se preocupação para os pais, que levam seus filhos a
uma série de profissionais e, dentre as avaliações, o médico constata uma
disfunção cerebral através de um exame como a Ressonância Magnética
Funcional – uma prova científica! Rodrigues (2005) acredita que é a partir
deste ponto que se entra num ciclo vicioso, no qual o diagnóstico justifica os
problemas e vice-versa. Numa adaptação à versão disléxica do seu texto
Disbicicléticos, dar-se-ia os seguintes questionamentos:

Por que a criança lê silabado? “É que ela tem dislexia”. Ah bom, pensei
que fosse por influência de algum método de alfabetização.

Por que a criança não gosta de ler? “É que ela tem dislexia”. Ah bom,
pensei que fosse por falta de motivação.

Por que a criança não compreende a leitura? “É que ela tem dislexia”.
Ah bom, pensei que fosse porque não lhe ajudaram.
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E as prováveis justificativas para estes “sintomas” encontram-se


baseadas unicamente na dislexia. O diagnóstico torna-se o suporte para
resignação e retirada de culpa dos pais e profissionais que lidam com estas
crianças. A presença de queixas escolares tornou-se a válvula de escape
inclusive para educadores que descartam a importância de sua participação na
construção desses problemas e se isentam de responsabilidade.

É preciso que o senso crítico dos profissionais de saúde e familiares


permeie a atitude frente à criança com problemas de aprendizagem e que a
satisfação pessoal em dar uma explicação biológica para o transtorno não
permita esvanecer os fatores sociais e culturais que permeiam a condição
humana. O cego atrelamento ao diagnóstico reduz as potencialidades e
subjetividade da criança à dificuldade com a leitura. É de suma importância
debater os estigmas perpetuados através de verdades pré-estabelecidas.

1 A HIPÓTESE DA ESTRATÉGIA DA PREDIÇÃO NA


LEITURA

Todo ser humano nasce com a capacidade para aprender. Alguns


aprendizados ocorrem em meios informais, outros precisam da presença de
um intermediador, geralmente o professor, como ocorre com a leitura e a
escrita, fazendo parte da aprendizagem escolar. Maia (2011) refere que entre
estes dois pólos, há uma gama de variações entre um aprendizado mais
intuitivo e o “ensinado”: “Sempre existem aqueles que aprendem sozinhos.
Esses, na verdade, estão reproduzindo por imitação erros e acertos,
experimentação, e incorporando de forma autodidata o conhecimento
socialmente construído”.

Existem, inclusive, estudos atuais que defendem o funcionamento


cerebral durante o aprendizado como sendo baseado na formulação de
hipóteses e verificações. A confirmação ou não destas adivinhações cerebrais
constroem o modo como as crianças aprendem.

Inclusive, uma equipe de pesquisadores chegou a esta conclusão pelas


características das respostas do córtex visual primário, área essencial para a
visão. Os cientistas notaram que imagens induzem respostas mais fracas
nesta área quando uma informação é previsível. Significa que o cérebro
requisita menos esforço quando já possui suas hipóteses e tenta ativamente
prever os sinais.

Strauss (2012) defende que quando o cérebro realiza uma previsão


correta, ele é recompensado ao reagir de forma mais eficiente. Quando ocorre
um erro, a demanda de trabalho é maior para descobrir por que aquela
hipótese estava errada, propondo outras previsões para o problema.

Funciona mais ou menos assim: você deixa o seu carro, que é vermelho,
num estacionamento de shopping e vai realizar compras. Ao retornar para
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procurar o carro, seu cérebro prevê as possibilidades de localização do carro


através da cor: procurando um carro vermelho. É o que se espera. Ao chegar
perto de um carro vermelho, do mesmo modelo e percebe que tem um
adesivo diferente no vidro traseiro, o cérebro entre em “choque” porque não
esperava isso. O carro não é o seu. A hipótese estava errada e terá que
realizar um esforço maior para estabelecer novas previsões.

E o que tais explicações têm a ver com a leitura?

A predição é um processo natural e frequentemente realizado no


cotidiano. É da natureza do ser humano planejar e formular hipóteses. Desde
o momento da saída de casa imagina-se como serão as atividades. Assim
também ocorre na leitura e, na maioria das vezes, de maneira inconsciente.

A percepção visual depende dessas previsões. Tal pressuposto contrasta


com a antiga ideia de que a percepção visual seria resultado, principalmente,
de respostas automáticas aos sinais visuais recebidos pelo cérebro.

Na perspectiva de Smith (2003), a leitura se processa a partir de


elementos visuais e não visuais, em que os primeiros dizem respeito aos
aspectos físicos, como as letras impressas, e o segundo refere-se aos
elementos que são carregados na mente, como o conhecimento do assunto
abordado. Quanto mais informação não-visual se possui, menos informação
visual é requisitada. “Por isso, crianças e leitores inexperientes têm
dificuldades com a leitura: seu repertório muitas vezes é limitado, tornando a
compreensão lenta, ou até mesmo impossível. É preciso que haja uma
combinação entre os elementos visuais e não-visuais para que ocorra uma
interação entre o leitor e o texto”.

Para o senso comum, quando se lê, acredita-se que o processamento


ocorre letra por letra, até formar uma palavra. Depois, junta-se palavra por
palavra, forma-se uma frase e retira-se o sentido dela. Na verdade, esta
sequência afasta-se da realidade: quase todo esse processo é imediato. As
letras e os grafemas são identificados quase que imediatamente a fim de que
a extração do sentido também seja instantânea. A razão para isso é o nosso
repertório de informações não-visuais, ou seja, os conhecimentos gramaticais
do idioma e de mundo.

Assim, é dessa forma que se processa a leitura diante, por exemplo, da


eliminação de algumas pistas textuais. Se uma palavra começa com “h”, os
conhecimentos gramaticais inerentes do português direcionam que, em
seguida, virá uma vogal e não uma consoante. Quanto ao conhecimento de
mundo, ele auxiliaria numa frase assim disposta: “Estou com calor. Vou
tomar um ____.” Neste item, as possibilidades de alternativas que o
completam são relativamente pequenas. Logo, não se demanda muito tempo
tentando extrair o significado da frase. E mesmo que não saibamos o
significado de uma determinada palavra, muitas vezes podemos deduzi-lo de
acordo com o seu contexto. Grande parte de nosso vocabulário é aprendido
dessa maneira. Da mesma forma, o conhecimento prévio do que está para ser
lido faz uma enorme diferença para a leitura. Isso ocorre porque as incertezas
são diminuídas, então nos tornamos mais confiantes para seguir adiante.
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É neste sentido que a captação do significado do texto é baseada em


previsões ou expectativas. Smith (2003) explica que essas previsões são
múltiplas e abrangem diversos níveis: algumas duram por toda a leitura
enquanto outras são rapidamente descartadas. Imagina-se que o leitor esteja
diante de um livro com temática policial. Sua previsão global para o texto é a
solução de um crime e ele irá percorrer todas as páginas esperando por ela.
Porém, dentro do texto, outras previsões vão surgindo. Essas previsões se
estendem pelos parágrafos e até mesmo pelas frases – ao terminar uma frase,
logo se deseja partir para a outra. São essas expectativas que o leitor tem que
mantém o desenvolvimento da compreensão (pode ocorrer também de essas
previsões simplesmente não se cumprirem). A maneira utilizada para que as
expectativas e as intenções se cruzem é através das convenções: esquemas do
gênero, as páginas, a estrutura do discurso, a coesão, a gramática e, por fim, a
ortografia.

A neuropsicologia e a psicologia cognitiva também corroboram a


existência de duas vias de leitura: a direta, utilizando um sistema visual para
atingir diretamente a semântica através da construção do significado
(correspondendo ao acesso às informações não-visuais) e a indireta, em que o
sistema visual estaria ligado ao processamento fonológico (enfatizando o uso
de informações visuais). Se a leitura eficiente é considerada como um
resultado da interação de ambos os tipos de processamento, porque, ao tratar
de crianças com problemas de aprendizagem, enfatizar apenas o
processamento de informações visuais em detrimento das não-visuais?

A concepção de leitura desenvolvida pelos estudos sobre processamento


cognitivo também defende que a predição (ou adivinhação, antecipação,
previsão) consiste em uma racionalização metalinguística sobre a
textualidade e sua construção – a partir de elementos fônicos,
morfossintáticos, semânticos, pragmáticos e textuais (DALL’AGNOL, 2011).

Assim, é necessário ir de encontro com a crença comum de que ler


através de adivinhações indica uma leitura superficial ou apressada, mas sim,
constitui-se um indicativo de capacidade de preditibilidade, o leitor torna-se
participativo e o texto, mais significativo (BORBA, 2005). Se as crianças
disléxicas possuem a mesma capacidade das normoleitoras em desenvolver
habilidades de conhecimento de mundo, através de suas experiências
socioculturais, o acesso à compreensão através das informações não-visuais
deve ser estimulado tão quanto o processamento visual através do princípio
fonológico.

Um dos mais importantes teóricos da estratégia da predição, Goodman


(1984), explica que a visão de leitura contra qual escreve é aquela que a vê
como um processo preciso, envolvendo percepção exata, detalhada e
sequencial de letras, palavras e unidades linguísticas. Em contrapartida, ele
propõe um modelo em que:

ler é um processo seletivo. Envolve uso parcial de pistas linguísticas


mínimas apreendidas por input perceptual encaminhado pela
expectativa do leitor. Sendo processada essa informação parcial,
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decisões são feitas para serem confirmadas, rejeitadas ou refinadas


enquanto que o leitor avança.

É desta forma que a adivinhação assume importância na leitura e,


inclusive, Smith (2003) afirma que a leitura fluente é aquela que depende
menos dos olhos, afinal, “quanto mais exigimos de nossos olhos mais nossos
olhos se tornam funcionalmente cegos”. Ela seria como um jogo de apostas
automonitorado, em que o sujeito estabelece uma hipótese, realiza o controle
e chega (ou não) ao êxito.

Dall’Agnol (2011) em seu debate “Leitura: A adivinhação


desejável”, defende que, através das predições, “o leitor tem uma ferramenta
interpretativa a mais, dá um passo adiante na sua capacidade leitora quando
adota, com consciência linguística, a estratégia de adivinhação. Depreende-se
dessa hipótese a importância da metacognição para uma leitura satisfatória.”
A estimulação da consciência morfossintática, por exigir habilidades do uso
do contexto, seria um caminho neste sentido. Como afirma Maia (2011), a
estimulação é a “ginástica” que o cérebro precisa para desenvolver suas
conexões neurais. Ressalta-se que as adivinhações podem variar também de
acordo com a cultura em que o indivíduo está inserido e a sua eficácia
depende de uma automonitorização constante.

2 DESMISTIFICANDO CARACTERÍSTICAS DA
LEITURA DISLÉXICA

De posse das informações acima, serão discutidos os principais “erros”


supostamente indicativos da dislexia e as explicações linguísticas associadas
(ressalta-se que podem ocorrer também por simples lapsos).

Ao considerar o comportamento diferenciado do aluno diante de


atividades com leitura e escrita como “doença ou desvio da normalidade”,
cria-se a tendência do direcionamento para a medicalização. Daí a
importância de reflexões críticas sobre as características mais comuns
apresentadas pela criança considerada “disléxica”. São constantes as
discussões na literatura a respeito da existência ou não do distúrbio.
Entretanto, não é o objetivo do presente artigo estabelecer uma posição rígida
diante disto, mas oferecer suporte para uma análise baseada no bom senso,
antes de rotular uma criança como disléxica.

As alterações paragráficas e paraléxicas de leitura envolvem


substituições semânticas e seriam os principais erros cometidos por crianças
com dislexia. Elas comportam alterações do seguinte tipo:
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Figura 1- Exemplos de alterações de ordem semântica na leitura.

Neste exemplo, observa-se que a substituição por palavras não interfere


na manutenção da compreensão global do texto. Se a leitura é a produção de
significados, e estes ocorrem através da testagem de hipóteses, que são
confirmadas ou não, então houve êxito durante a leitura.

Analisando as substituições apontadas, percebe-se que há uma


correlação adequada no campo do significado. O texto continua a fazer
sentido para o sujeito, porque os itens permutados são sinônimos. Presume-se
que a criança, durante seu processamento cognitivo da leitura, alcançou o
campo semântico antes mesmo do fonológico. Ela faz uso do seu
conhecimento de mundo para inferir as próximas palavras do texto e
consegue eficácia na compreensão global.

Pode-se inclusive, estabelecer uma relação entre concepções de língua e


de leitura que estariam por trás da medicalização do processo de
alfabetização:

Ao se conceber a Língua como estrutura ou código, o texto é visto como


um simples produto de codificação de um emissor a ser decodificado pelo
leitor, bastando a este, para tanto, o conhecimento do código utilizado. Neste
sentido, a leitura realizada pelo indivíduo acima seria considerada defasada.

Por outro lado, concebendo a Língua como interação autor-texto-leitor,


os sujeitos são vistos como atores/construtores sociais, sujeitos ativos que,
dialogicamente, se constroem e são construídos no texto (KOCH, ELIAS,
2006). Nessa perspectiva, a leitura é encarada como sendo a extração de
significados e a atividade de captação das ideias do autor, uma atividade na
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qual se leva em conta as experiências e os conhecimentos do leitor; exige


deste bem mais que o conhecimento do código linguístico, uma vez que o
texto não é simples produto da codificação de um emissor a ser decodificado
por um receptor passivo. Neste caso, cada criança produz um texto diferente
e a atividade da criança seria considerada aceitável e suficiente por um
professor.

No exemplo já oferecido anteriormente: “Estou com calor. Vou tomar


um ____.” A criança poderia completar com “sorvete” ou “banho”. A escolha
do item a completar o espaço sofre influência de seu conhecimento de mundo
e das experiências pessoais. Como acredita Strauss (2011), a extração do
sentido da leitura depende do conhecimento de mundo do leitor e ele está
sob seu controle. A utilização excessiva da estratégia fônica retira esse
“controle” do sujeito, gerando leituras pobres, pois assim, reduz-se a
possibilidade de interação com o texto. Este tipo de leitura é resultado de uma
supervalorização do método fônico na alfabetização e seria responsável por
uma “superfonologização”, o que gera a leitura silabada e também, alterações
de ordem fonética, como a substituição de palavras semelhantes quanto à
sonoridade – o que pode gerar erros de compreensão. Vejamos um exemplo
de leitura em que predominam este tipo de adivinhação.
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Figura 2 – Exemplos de alterações de ordem fonética na leitura.

Neste sentido, crianças que realizam adivinhações de alta qualidade e


conseguem confirmações na maioria das vezes, seriam as normoleitoras.
Aquelas que possuem baixa qualidade de adivinhações seriam consideradas
disléxicas.

Outro ponto importante abordado por Smith (2003) é a forma como é


capturado o sentido de uma palavra. Pensa-se que é o conjunto de letras que
oferece o significado, ou seja, que a imagem da palavra remete diretamente
ao seu sentido. Quando lemos “bola”, por exemplo, isso não se traduz para a
definição de bola e depois para a sua imagem. Ela ocorre de forma
automática. Esse processo de identificação do sentido se perde ao realizar a
subvocalização durante a leitura, quando se ouve a própria voz lendo. Esta
característica retarda o processo de leitura e, consequentemente, a
compreensão.

A subvocalização é frequentemente associada aos sintomas disléxicos.


Entretanto, pode constituir apenas um resíduo indesejável dos hábitos de
leitura adquiridos na escola, que frequentemente privilegia a oralização, ou
ainda, pode estar presente diante de um aumento no nível da dificuldade do
texto e a pouca familiaridade das palavras (SMITH, 2003).

Logo, mais uma vez, o reconhecimento global e o uso do recurso das


informações não-visuais permitem economizar a informação visual através da
antecipação. Saber ler não é fazer uso de toda informação visual disponível,
mas a que for suficiente para interagir com o nível de familiaridade que se
possui sobre o texto.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Diante das informações discutidas, pode-se observar como o


conceito de dislexia pode estar relacionado à concepção de leitura. Se esta
concepção resume-se apenas à atividade de decodificação, os erros
apresentados podem conduzir a um diagnóstico não fidedigno de dislexia.

Ao contrário, conceber a leitura como extração de significado


construído a partir de uma interação texto-leitor leva a entender que cada
sujeito produz um resultado mais ou menos diferenciado a partir de um
mesmo texto, onde sua visão de mundo e aspectos culturais influenciam a
compreensão.

Com esses conhecimentos, consegue-se entender porque muitas formas


de ensino de leitura não atingem seus objetivos e se tornam frustrantes. É
preciso oferecer importância ao significado do discurso como um todo, e não
apenas seguir a tendência de se concentrar sequencialmente nas letras,
palavras e frases. A leitura significativa é uma forma adequada de expansão
do vocabulário e constitui base de conhecimento sólida.
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Segundo essa lógica, a leitura, mais do que uma “transmissão de


mensagem”, é compreensão. Sua definição é riquíssima e depende da
finalidade e do objeto da leitura. Os sinais impressos no papel servem para
responder questões que o próprio leitor formula. Logo, a leitura é a busca
pela resposta dessas questões.

Finalmente, este artigo ressalta a necessidade de valorização de uma


leitura que vá além do alcance dos olhos. Muito mais que decifrar os códigos
utilizados para a emissão de uma mensagem escrita, ler implica compreensão
daquilo que ultrapassa os limites da simples decodificação.

REFERÊNCIAS

ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE DISLEXIA (ABD). Dislexia - Definição,


Sinais e
Avaliação. Disponível em: <http://www.dislexia.org.br/> Acesso em: 18 mar.
2009.
BORBA, V. C. M. Preditibilidade – uma estratégia de leitura. Disponível
em: <http://www.cchla.ufrn.br/odisseia/numero1/arquivos/LIN01_PT07.pdf
>. Acesso em: 29 mai 2012.
DALL’AGNOL, C. Leitura: a adivinhação desejável. A estratégia de
predição no texto literário. 2011. Disponível em:
<http://ebooks.pucrs.br/edipucrs/anais/XISemanaDeLetras/pdf/charlesdallagn
ol.pdf>. Acesso em: 02 jun 2012.
DSM-IV-TRTM. Manual diagnóstico estatístico de transtornos mentais.
Tradução: Cláudia Dornelles. 4 ed. Porto Alegre: Artes Médicas, 2002.
GOODMAN, K. S. Reading: a psycholinguistic guessing game. In:
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KOCH, I. V.; ELIAS, V. M. Leitura, texto e sentido. In: Ler e compreender:
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MAIA, H. Neuroeducação. A relação entre saúde e educação. Coleção
Neuroeducação, v. 1. Editora Wak, 2011.
ORTON DYSLEXIA SOCIETY RESEARCH COMMITTEE. Operational
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PINTO, M. G. L. C. Para uma melhor identificação da dislexia e da
disortografia. 2008. Disponível em:
<http://ler.letras.up.pt/uploads/ficheiros/2534.pdf >. Acesso em: 03 mar
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Grupo de Estudos e Pesquisa
II Seminário Nacional de Alfabetização e Letramento Alfabetização, Discurso e Aprendizagens
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RODRIGUES, E. R. Disbicicléticos. Revista Síndrome de Down. V. 22, p.


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SHAYWITZ, S. Entendendo a dislexia. Um novo e completo programa para
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SMITH, F. Compreendendo a leitura. 4 ed. Artmed, 2003.
STERNBERG, R. J.; Psicologia Cognitiva. Porto Alegre: Artmed, 2000
STRAUSS, S. L. The medicalization of dyslexia. Unicamp, São Paulo, nov
2011.
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Influência da Consciência Morfossintática na


Aprendizagem da Leitura e Escrita:
Diretrizes da Literatura Científica

Lays Santana de Bastos Melo1

RESUMO

Este artigo apresenta uma revisão da literatura a respeito da produção científica sobre
consciência morfossintática e suas relações com a aprendizagem da leitura e da
escrita. Já é bem divulgada a capacidade da consciência fonológica agir
beneficamente sobre o desempenho de crianças com problemas para ler e escrever. A
consciência morfossintática, por sua vez, também pode se constituir como uma faceta
de investigação dentre as habilidades cognitivas envolvidas no processo de
alfabetização. Adotou-se como metodologia a pesquisa bibliográfica de caráter
exploratório e descritivo, tendo como fontes artigos científicos publicados nas bases
eletrônicas do Scielo, Lilacs e Periódicos Capes. Privilegiaram-se as publicações em
língua portuguesa datadas entre 1990 e 2012. A coleta de dados ocorreu no período de
março a maio de 2012, sendo selecionados 11 artigos que atendiam aos critérios
definidos. Para apresentação dos resultados, os achados foram organizados em três
tópicos de discussão. Evidenciou-se um consenso que existem correlações positivas
entre as variáveis em questão, embora seja rara a divulgação quanto à aplicação da
estimulação da consciência morfossintática como instrumento de trabalho voltado
para remediação de dificuldades de leitura ou escrita.

Palavras-chave: Consciência morfossintática. Leitura. Escrita.

1
Contato do(a) autor(a): laysbastos@yahoo.com.br. Doutoranda em Língua e Cultura
– UFBA

.
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INTRODUÇÃO

Dentre as habilidades metalinguísticas, três parecem influenciar o


aprendizado da leitura e da escrita: a consciência fonológica, a consciência
sintática e a consciência morfológica. A consciência fonológica possui um
amplo desenvolvimento em termos de pesquisas comparando-se com as
outras duas habilidades, que podem ser reconhecidas em conjunto como
consciência morfossintática.

Enquanto a consciência fonológica está ligada ao princípio fonográfico


de aquisição – que relaciona os grafemas aos sons que compõem a fala - o
processamento morfológico está mais fortemente associado ao princípio
semiográfico, que envolve estabelecer como os grafemas representam
significados (MAREC-BRETON; GOMBERT, 2004). A consciência
sintática, por sua vez, envolve a reflexão sobre a estrutura das frases.
Atualmente têm-se preferido o termo consciência morfossintática ou
gramatical (TUNMER, 1990) por estar relacionado com a habilidade de
refletir sobre a estrutura sintática (morfológica e gramatical) da linguagem,
implicando também o controle de sua aplicação (GOMBERT, 1992). Mais
especificamente, diz respeito à reflexão e controle intencional sobre os
processos formais relativos à organização das palavras para produção e
compreensão de frases.

Os morfemas são os menores signos linguísticos que encerram um


significado. Eles podem constituir palavras inteiras (por exemplo, o
substantivo casa) ou uma parte da palavra, portadora de significado (por
exemplo, o “s” na palavra casas, significando mais de um). Já a sintaxe
estuda tudo o que se relaciona com a combinação linear das palavras nas
frases. Desse modo, a consciência morfossintática diz respeito à capacidade
que o sujeito possui de fazer considerações, de modo consciente, sobre as
palavras enquanto categorias gramaticais e sua posição na frase
(considerações sintáticas) e a flexão e a derivação das palavras
(considerações morfológicas). (GUIMARÃES, 2005).

De acordo com Correa (2005), no caso específico da morfologia


derivacional, investiga-se a habilidade da criança em lidar com a formação de
palavras pelo acréscimo de prefixos ou sufixos a um radical ou ainda com a
decomposição de palavras derivadas gerando palavras primitivas. Quanto à
morfologia flexional, o estudo volta-se para a sensibilidade da criança às
flexões de modo-tempo e número-pessoa de verbos, adjetivos e substantivos.

No Brasil, pesquisadores como Barrera e Maluf (2003) e Capovilla e


Capovilla (2000) abordam a importância da consciência fonológica para
aquisição da língua escrita. Demonstram que o treinamento dessa habilidade
pode ser uma estratégia eficaz na remediação dos problemas de leitura.
Entretanto, pouco se discute a inclusão do treinamento em consciência
morfossintática em programas deste tipo, o que incita a realização de
investigações visando proporcionar novas evidências e sua divulgação.

O avanço de pesquisas no campo ocorre principalmente no sentido de


averiguar as relações entre consciência morfossintática e a leitura e escrita.
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Neste âmbito, o presente estudo busca fazer uma compilação dos achados
científicos referentes ao tema, com o intuito de apresentar à comunidade
acadêmica e aos profissionais da saúde e de educação uma reflexão a respeito
de novas perspectivas de cuidado dispensado às crianças aprendizes e
também aqueles que possuem algum transtorno de aprendizagem.

Defende-se o pressuposto de que a criança capaz de refletir sobre os


morfemas e as pistas sintático-semânticas, ou seja, as unidades de
significado, teria melhor desempenho na aquisição da leitura e escrita, através
da compreensão do princípio semiográfico.

Ressalta-se que a natureza do processamento requerido durante a leitura


e escrita está na dependência do tipo de ortografia ao qual o sujeito está
exposto. Nas ortografias mais regulares, por exemplo, o finlandês, o princípio
preferencialmente utilizado é o fonográfico, ao contrário das ortografias mais
opacas, como o inglês, em que o princípio semiográfico possui maior
relevância (MANN, 2000). O sistema de escrita do português é alfabético,
contendo algumas ambiguidades, mas é considerado como mais transparente
que os sistemas do inglês ou francês, que são bastante irregulares.

Diante das considerações expostas, vislumbra-se a necessidade de saber,


no português, qual a relevância do processamento destes princípios na
aprendizagem da leitura e escrita, em especial, no que diz respeito às
habilidades morfossintáticas.

1 MÉTODOS
A metodologia aplicada baseou-se na pesquisa bibliográfica de caráter
exploratório e descritivo, tendo como fontes artigos de revistas eletrônicas
publicadas nas bases de dados Scielo, Lilacs e Periódicos Capes. Foram
analisadas apenas publicações nacionais entre os anos de 1990 e 2012. As
palavras-chave utilizadas de forma combinada com os operadores booleanos
OR e AND foram: Consciência morfossintática, consciência morfológica,
consciência sintática, leitura, escrita, aprendizagem, ortografia. A coleta de
dados ocorreu no período de março a maio de 2012. Para discussão dos
resultados, os achados foram organizados conforme tópicos temáticos.

2 RESULTADOS
A busca bibliográfica resultou em 35 artigos. Em uma análise inicial,
por meio da leitura do título e do resumo, verificou-se que 14 artigos não se
relacionavam com o tema proposto, restando 21 artigos. Em seguida,
realizou-se uma leitura na íntegra desses artigos e observou-se que 10 não se
enquadravam no objetivo do estudo, restando, assim, 11 artigos. Os 10
artigos excluídos nessa fase final não se enquadravam nos critérios de
inclusão do estudo devido aos seguintes motivos: 3 artigos eram revisões de
literatura, 1 artigo tinha os adultos como sujeitos de pesquisa, 2 artigos se
referiam à influência do nível de escolarização na consciência
morfossintática, 2 artigos abordavam apenas as estratégias de avaliação das
habilidades em consciência morfossintática e 2 artigos tinham como objetivo
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a análise do desempenho de consciência morfossintática em crianças com


dificuldades de leitura e escrita.

Os dados foram sistematizados em três categorias: 1) os instrumentos de


avaliação de consciência morfossintática, 2) relação entre desempenho de
consciência morfossintática e a leitura e escrita, 3) as tendências de estudo
apontadas para o ramo.

3 DISCUSSÃO

Os Instrumentos de Avaliação da Consciência Morfossintática

A literatura revela uma variedade de instrumentos utilizados com a


finalidade de avaliar a consciência morfossintática, sendo que as categorias
de atividades propostas dependem dos objetivos específicos traçados em cada
estudo. Como pré-requisito para a inclusão nesta revisão de literatura, os
artigos deveriam investigar as habilidades de uso do contexto
morfossintático, embora também incluíssem instrumentos de coleta visando
outras finalidades, como por exemplo, avaliação da leitura e/ou da escrita.
Estes não foram abordados aqui.

Através da análise dos instrumentos, constata-se a preocupação


crescente dos pesquisadores em buscar aqueles que permitam uma
mensuração psicométrica, ou seja, que venham acompanhados de tabelas de
normatização para possibilitar avaliar o grau de desvio entre o padrão de
escores de um examinando e o de seu grupo de referência conforme idade e
nível de escolaridade (CAPOVILLA, CAPOVILLA, 2010).

Um exemplo disso é o instrumento elaborado por Capovilla e


Capovilla (2010), denominado de Prova de Consciência Sintática. Em seu
estudo preliminar de validação, Capovilla, Capovilla e Soares (2004)
descreveram os instrumentos inclusos, com a finalidade de avaliar a
consciência morfossintática. São as seguintes tarefas: 1) Julgamento
Gramatical: a criança deve julgar a gramaticalidade de 20 frases, sendo
metade gramaticais e metade agramaticais. Dentre as agramaticais, há frases
com anomalias morfêmicas e com inversões de ordem; 2) Correção
Gramatical: corrigir frases gramaticalmente incorretas, sendo metade com
anomalias morfêmicas e metade com inversões de ordem; 3) Correção
Gramatical de Frases Agramaticais e Assemânticas: diante de frases com
incorreções tanto semânticas quanto gramaticais, corrigir o erro gramatical
sem alterar o erro semântico; 4) Categorização de Palavras: a criança deve
categorizar palavras, dizendo se uma determinada palavra é substantivo,
verbo ou adjetivo (REGO; BUARQUE, 1997).

A habilidade para refletir sobre a correção sintática das sentenças foi


uma das categorias de avaliação mais utilizadas dentre os artigos. Quatro
deles fizeram uso de tarefas de correção de sentenças desordenadas, em que
os sujeitos estavam incumbidos de colocar na ordem as palavras de uma
sentença (REGO, 1993; BARRERA, MALUF, 2003; CAPOVILLA,
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CAPOVILLA, SOARES, 2004; REGO, BUARQUE, 1997). Dois artigos


selecionaram a tarefa de discriminação de sentenças sintaticamente incorretas
na qual a criança deveria decidir, a cada grupo de sentenças, aquela que
estava errada (REGO, 1997; CAPOVILLA, CAPOVILLA, SOARES, 2004).
Dois artigos optaram também pela tarefa de correção de violações
gramaticais contidas nas frases (GUIMARÃES, 2005; CAPOVILLA,
CAPOVILLA, SOARES, 2004). Nesta tarefa, as crianças deveriam corrigir
uma série de frases gramaticalmente incorretas, englobando concordância
verbal, emprego de pronomes, flexões de substantivos e adjetivos. Destaca-se
que, em cada uma das frases, apenas uma palavra era considerada incorreta,
estando envolvidas anomalias morfêmicas como, por exemplo, “Nós vai ao
circo no próximo domingo”, “Marta veste sua casaco”, “Juliana tem lindas
olhos”.

Além das tarefas citadas, observou-se que três artigos fizeram o uso de
tarefas de preenchimento de lacunas em sentenças isoladas ou em textos
(REGO, 1997; GUIMARÃES, 2005; MOTA et al, 2009). Estas tarefas,
conhecidas como Teste de Cloze, são elaboradas a partir da omissão de
palavras de função (preposição, artigo e verbo-auxiliar) ou de conteúdo
(substantivos e verbos principais), onde os sujeitos devem utilizar pistas
contextuais para preencher os espaços com as palavras que melhor
completarem o sentido do texto. Como exemplo: “João chegou em casa. Ele
decidiu beber alguma coisa e encheu um copo de________”. Podem ter como
objetivo avaliar a habilidade de usar o contexto sintático-semântico das
sentenças ou ainda, a compreensão textual, possuindo também propriedades
psicométricas.

Um artigo utilizou tarefa de morfologia produtiva, em que a criança tem


de completar uma frase com uma pseudopalavra (MOTA, SILVA, 2007).
Para completar a frase corretamente, a pseudopalavra tem de ser flexionada
de acordo com as regras gramaticais do português. Por exemplo: “Isto é um
Zugo. Ele veio de outro planeta. Na verdade, são dois _____”.

Queiroga, Lins e Pereira (2006) realizaram testes de analogia de


palavras, a qual buscou avaliar o nível de consciência dos participantes sobre
os processos de formação de palavras em português. Esta tarefa é constituída
de duas partes: na primeira delas, os participantes relataram a presença (ou
não) de similaridade entre as palavras apresentadas; na segunda parte, as
crianças são solicitadas a justificar suas respostas, explicando tal
similaridade.

Três artigos foram mais específicos ao investigar a consciência da


morfologia derivacional (CARDOSO, LEANDRO, PAULA, 2008; MOTA,
ANIBAL, LIMA, 2008; MOTA et al, 2008). Neste caso, selecionaram como
instrumentos de coleta de dados as seguintes tarefas:

1) Produção de neologismos, em que são utilizadas palavras com


derivação de dois tipos de prefixo e dois tipos de sufixo, conforme exemplos
abaixo. Prefixos: “rasgar: rasgar mais uma vez é rerasgar”; “esquentar:
deixar de esquentar é desesquentar”. Sufixos: “cenoura: comida feita de
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cenoura é uma cenourada”; “piscina: aquele que trabalha na piscina é um


piscineiro”;

2) Decisão morfo-semântica, em que as crianças tinham que decidir se


uma palavra era construída da mesma forma que outras, variando apenas o
sufixo ou o prefixo. Exemplos: Palavras envolvendo prefixos: Cansar –
Descanso – Desmaio e palavras envolvendo sufixos: Leite – Ligeira –
Leiteira.

3) Associação morfo-semântica, as crianças tinham que decidir se duas


palavras eram da mesma família ou de famílias diferentes. Neste tópico,
todas as palavras possuíam o mesmo som inicial, de maneira que as
diferenças no desempenho não poderiam ser atribuídas à semelhança
fonológica, mas ao conhecimento da relação morfo-semântica das palavras.
Ex. banho-banheiro / chique-chiqueiro.

4) Analogia gramatical, que consistiu na produção de palavra


morfologicamente complexa a partir de uma palavra-alvo, aplicando a
relação de derivação de um par previamente dado (ex. pedra - pedreiro). Esta
última atividade também foi selecionada por Mota e Silva (2007), Guimarães
(2005).

Guimarães (2005) utilizou também a tarefa de uso gerativo de


morfemas, segundo a qual as crianças devem flexionar formas verbais
apresentadas no contexto de duas ou três sentenças, conforme o exemplo a
seguir: 1) Hoje pela manhã arrumei o meu quarto inteirinho. Quando minha
mãe viu, me disse: – Muito bem, você arrumou tudo sem precisar que eu
pedisse para você ________.

Rego e Buarque (1997) desenvolveram, ainda, uma atividade de


categorização de palavras, semelhante a de Capovilla, Capovilla (2010),
específica para sua pesquisa, com o objetivo de testar níveis mais explícitos
de consciência sintática. Ela consistia em dar à criança uma cartela contendo
três colunas. A primeira encabeçada por um adjetivo (bonito), a segunda por
um substantivo (mesa) e a terceira por um verbo (pulam). Na instrução, o
experimentador mostrava diferentes palavras, cada uma pertencente a uma
das três categorias gramaticais selecionadas e a criança deveria colocá-las na
coluna com a qualidade correspondente.

Relação entre Desempenho de Leitura e Escrita e Consciência


Morfossintática

Para verificar a existência de relações entre o desempenho de leitura


e/ou escrita e a consciência morfossintática, pesquisadores utilizaram
técnicas de análise estatística com o objetivo de medir o grau de correlação
entre as duas variáveis e estabelecer se os resultados obtidos têm
significância ou efeito real, não sendo atribuídos ao acaso (REGO,1993;
MOTA, ANIBAL, LIMA, 2008; BARRERA, MALUF, 2003;
GUIMARÃES, 2005; MOTA et AL, 2008; CAPOVILLA, CAPOVILLA,
SOARES, 2004).
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Em geral, os artigos foram concordantes a respeito da correlação


significativa entre as medidas de consciência morfossintática e as atividades
de leitura e escrita, realizando algumas ressalvas, que serão discutidas neste
item.

Rego (1993), por exemplo, ressaltou que as tarefas de preenchimento de


lacunas (teste de Cloze) não demonstrou ser tão boa preditora do desempenho
de leitura quanto as que envolveram a correção de sentenças. Em
contrapartida, Mota et al (2008) demonstraram que quanto maior a pontuação
das crianças nas tarefas de consciência morfológica, melhor era o
desempenho delas na leitura contextual, medida pelo Cloze. Estes dados
sugerem que as atividades que demandam reflexão e correção das
inadequações morfológicas são mais eficientes do que aquelas que pedem
simplesmente para identificar ou julgar o erro. Inclusive, o desempenho no
julgamento pode sofrer influência do acaso, quando o sujeito escolhe
aleatoriamente uma resposta.

Capovilla, Capovilla e Soares (2004) e Mota, Anibal, Lima (2008)


observaram que as crianças que melhor processam os aspectos morfológicos
da língua, melhor se saem na escrita. Acrescentam também que a morfologia
do tipo derivacional contribui de forma independente da consciência
fonológica para tais atividades.

Diante do exposto, acredita-se que os níveis de processamento cognitivo


envolvidos nestes dois itens ocorram de forma desassociada, o que é
favorável para as crianças com distúrbio no processamento fonológico (como
as disléxicas). Nestes casos, a estimulação do processamento morfossintático
poderia ser uma opção de compensação nas suas dificuldades.

Barrera e Maluf (2003), ao corroborar os resultados anteriores em sua


pesquisa, indicaram que:

a capacidade de prestar atenção à organização sintática das frases pode


desempenhar um papel facilitador no processo de alfabetização,
sobretudo no que se refere à leitura, o que dá sustentação à hipótese
segundo a qual a consciência sintática no início da aquisição da escrita
e particularmente da leitura, seria preditora de maior sucesso na sua
aprendizagem.

Os autores acima citados referem ainda que a relação da consciência


morfossintática com as habilidades de compreensão é muito mais consistente
do que com a decodificação.

Isso porque a consciência morfossintática pode auxiliar durante


atividades de leitura em que predominam processos top down, quando o
contexto oferece pistas para aquelas palavras em que a criança possui
dificuldade em decodificar (especialmente as irregulares). Dessa forma, tal
habilidade cognitiva facilita a apreensão do significado de palavras e também
de frases e textos. Para a aprendizagem da escrita, Rego e Bryant (1993)
apontam que somente a consciência fonológica, dentre as habilidades
metalinguísticas, contribui de forma estatisticamente significativa.
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Mais uma vez, pensando-se na prática com crianças disléxicas, a posse


de tais informações permite direcionar as atividades de acordo com as
necessidades apresentadas. Se o objetivo for a melhoria da compreensão
geral, a ênfase recai na estimulação da consciência morfossintática. Por outro
lado, a decodificação pode ser implementada por atividades de consciência
fonológica.

Nos estudos de Mota e Silva (2007) e de Queiroga, Lins e Pereira


(2006), as crianças que tiveram melhores escores nas tarefas de consciência
morfológica foram também aquelas que tiveram melhores escores nas tarefas
de ortografia de palavras morfologicamente complexas e que se encontram
em níveis mais avançados de escolarização. Assim, “quando as crianças estão
escrevendo palavras com ortografia ambígua, utilizam seu conhecimento da
morfologia da língua para decidir a grafia correta das palavras. Embora o
português seja uma língua alfabética, a ortografia de muitas palavras depende
da morfologia” (MOTA, SILVA, 2007).

Guimarães (2005) confirmou a hipótese de que os níveis de variação


linguística tendem a se correlacionar negativamente com os desempenhos em
leitura e escrita, enquanto que a consciência morfossintática se correlaciona
positivamente. Por isso,

os falantes de variedades linguísticas não-padrão têm dificuldades


ortográficas especiais (para além das dificuldades do sistema gráfico
da língua portuguesa comum a todos os falantes da norma padrão),
causadas pela distância entre sua variedade linguística e a grafia.
Nesse sentido, em vários estudos há referências explícitas de que
muitos dos erros ortográficos são produzidos devido ao fato dos
sujeitos grafarem as palavras apoiando-se no modo de falar.

A autora encontrou que os escores de consciência morfossintática


correlacionam-se positiva e significativamente com os desempenhos nas
mesmas tarefas de decodificação, compreensão da leitura e ditado.

No caso específico de variações linguísticas serem transpostas para a


escrita, as atividades de consciência morfossintática podem ser úteis no
estabelecimento de alguns conceitos, como o de “palavra” e também para a
fixação da representação ortográfica. Comumente ocorrem junções indevidas
de palavras pela tendência de seguir o fluxo sonoro continuado da fala, por
exemplo: “eletinha uma bola”. Ou ainda, realizarem a omissão do segmento
nasal <nh>, já que na fala, ele pode ser suprimido, enquanto a vogal
adjacente assimila o traço de nasalidade. Ex: bolinha sendo escrita como
<bolia>.

Num estudo longitudinal, Rego e Buarque (1997) evidenciaram que


a consciência sintática é, possivelmente, um fator importante na aquisição de
aspectos da ortografia que envolvem o conhecimento da classe gramatical a
que uma palavra pertence. Este conhecimento gramatical, porém, não
necessita ser explícito, isto é, constituído de habilidades prévias da criança
para classificar palavras de acordo com as respectivas classes gramaticais.
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Mota et al (2008) relacionou o desempenho de consciência morfológica


e a compreensão de texto medida pelo teste de Cloze. Encontrou correlação
positiva e significativa entre o Cloze e tarefa de analogia e de associação
morfo-semântica. Os resultados das correlações de Pearson indicam ainda
que quanto maior a pontuação das crianças nas tarefas de consciência
morfológica, melhor era o desempenho delas na leitura contextual, medida
pelo Cloze.

As Tendências de Estudo apontadas para o Ramo

Os artigos utilizados nesta revisão são coerentes ao afirmar que é


preciso uma compreensão mais aprofundada sobre consciência
morfossintática e a aprendizagem da leitura e escrita. Para isso, seria ideal a
existência de investigações em línguas diferentes e com metodologias
distintas, além de apontarem a necessidade de estudos longitudinais.

A investigação, inclusive, poderia estar relacionada às diferenças de


contribuição de cada tipo de morfologia - flexional ou derivacional - na
performance em leitura ou ortografia.

Um aspecto metodológico importante apontado por Mota, Anibal e


Lima (2008) é esclarecer se a consciência morfológica apresenta uma
contribuição específica para a leitura e a escrita, independente de outras
habilidades metalinguísticas, principalmente a consciência fonológica. Em
seu trabalho, observaram uma possível dependência entre ambas habilidades.
Entretanto, Barrera e Maluf (2003) encontraram que tais habilidades não
estão relacionadas entre si, o que sugere que as mesmas podem apresentar
diferenças importantes nos processos de desenvolvimento, desempenhando
papéis diversos no desenvolvimento da leitura e da escrita. Segundo estes
autores:

enquanto a consciência fonológica estaria diretamente relacionada ao


domínio das regras de correspondência entre grafemas e fonemas, a
consciência sintática estaria relacionada ao domínio da estruturação do
texto em unidades maiores, sendo portanto crucial para a compreensão
do mesmo.

As diferenças encontradas nas pesquisas podem ser ocasionadas pelas


variações de métodos de alfabetização empregados nas classes de
participantes ou ainda, pela própria diferença metodológica na condução das
mesmas. Por isso, Barrera e Maluf (2003) sugeriram controlar o efeito tanto
dos métodos de ensino quanto das diferentes habilidades de leitura.

Mota et al (2008) acreditam que é possível que a consciência


morfológica seja produto de uma habilidade metalinguística mais geral
resultante do processamento fonológico. Portanto, esses resultados requerem
uma verificação sobre a especificidade da relação entre consciência
morfológica e a leitura contextual, controlando também a consciência
fonológica.
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CONSIDERAÇÕES FINAIS
A revisão de literatura realizada aponta que existe um expressivo
suporte empírico e teórico para a afirmação de que, nas línguas alfabéticas, a
consciência fonológica exerce papel fundamental na aprendizagem da leitura
e da escrita. Paralelamente, vários autores têm demonstrado que a
consciência morfossintática também possui contribuição neste sentido.

Acredita-se que os resultados apresentados trazem novas perspectivas


nesta temática. Isto porque se supõe que as atividades sugeridas aqui como
instrumentos de coleta de dados podem também ser utilizadas
terapeuticamente, buscando favorecer o desenvolvimento de habilidades
metalinguísticas voltadas para uma reflexão sobre o conhecimento gramatical
e promover um desempenho em leitura e escrita cada vez mais adequado e
competente.

Como as diferenças de desempenho podem estar relacionadas às


práticas de ensino da linguagem escrita, constata-se sua importante influência
no desenvolvimento das habilidades metalinguísticas. Dessa forma, práticas
mistas de alfabetização, que incluam, além do treino de correspondência
letra-som, atividades mais globais de construção e leitura de textos, podem
ser benéficas ao desenvolvimento geral relacionados com a capacidade de
decodificação e compreensão de textos, assim como da escrita.

Os resultados indicam que o conhecimento morfossintático é um


caminho viável para promover avanços na apropriação da ortografia.
Portanto, possivelmente, um ensino que privilegie ou valorize mais a
compreensão desses aspectos certamente favoreceria o processo de
apropriação da ortografia pelas crianças.

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Práticas de Leitura:
uma proposta de pesquisa com os alunos do ensino médio
profissionalizante

Alessandra Pereira Gomes Machado1

RESUMO
Este estudo é parte de um projeto de pesquisa em desenvolvimento apoiado pela
Fundação de Apoio à Pesquisa e à Inovação Tecnológica do Estado de Sergipe –
FAPITEC/SE no Programa de Bolsas de Iniciação Científica Júnior – PBIC Jr que
busca investigar as práticas de leitura dos alunos do Ensino Médio Profissionalizante.
Ao descobrir que a leitura possui uma história, que o leitor se apropria das leituras
realizadas de diferentes formas e de lugares sociais diversos, que a leitura nem sempre
foi livre e desejada, sentiu-se a necessidade de investigar as práticas de leitura como
fruto de uma cultura escolar, dando destaque à função cultural da escola. Acredita-se
que as disciplinas escolares, como objeto da cultura escolar, podem dar-nos alguns
indícios de práticas escolares que nos revelem o universo dessas práticas dos alunos.
Logo surgiram as perguntas sobre o hábito de leitura, tais como: o acesso ao livro
possibilitou a prática? A textualidade eletrônica incentivou a leitura? Os livros
moldam os leitores? Assim, percebemos a importância de estudar as práticas de leitura
a partir do ambiente escolar que envolve a relação entre mestres e estudantes para
compreender as representações sociais que essas práticas permitem na aquisição de
habitus e valores e quais "as transferências culturais" da escola para os alunos. Para
alcançar o objetivo proposto, a metodologia desenvolvida foi através de uma pesquisa
de campo, tendo como instrumento questionários aplicados aos sujeitos da pesquisa.
Trata-se de uma proposta de estudo que procura apreender, no cotidiano desses
alunos, como são realizadas as práticas de leitura. Os resultados estão sendo tabulados
para análise e considerações finais.

Palavras-chave: Ensino Profissionalizante, História da Educação, Prática de Leitura,


Cultura Escolar.

1
Contato do(a) autor(a): alessandrasje@hotmail.com. Mestre. Colégio de Aplicação
da Universidade Federal de Sergipe.
Grupo de Estudos e Pesquisa
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ISSN: 2177-4072

INTRODUÇÃO

Este estudo é parte de um projeto de pesquisa em desenvolvimento


apoiado pela Fundação de Apoio à Pesquisa e à Inovação Tecnológica do
Estado de Sergipe – FAPITEC/SE no Programa de Bolsas de Iniciação
Científica Júnior – PBIC Jr que busca investigar as práticas de leitura dos
alunos do 1º ano do Ensino Médio Profissionalizante.

Para Soares (1999), Bagno (2006) e Possenti (2004), o domínio da


língua amplia a visão de mundo, possibilitando ao aluno ter consciência do
meio e da sociedade em que está inserido e conhecer seus direitos e deveres
enquanto cidadão, possibilitando-o exercer sua cidadania. Acreditamos que
desenvolver a leitura e a escrita nesses alunos de forma crítica e reflexiva,
proporcionará a construção do conhecimento para a formação de um jovem
consciente.

Para entender melhor como vem se processando o ensino para alcançar


essa proposta, é necessário estudar o contexto social em que a escola
profissionalizante está inserida e refletir sobre como essa vem se
posicionando historicamente, já que no Brasil, desde o tempo do Império, o
ensino artesanal e manufatureiro era destinado aos miseráveis, aos órfãos, aos
abandonados, aos delinquentes, enfim, a quem não podia opor resistência a
um ensino que preparava para o exercício de ocupações socialmente
definidas como próprias de escravos. A cultura aristocrática do Império
priorizava a formação da elite e desprezava a educação das classes populares,
havia, assim, operado uma verdadeira separação em classes. De um lado,
uma minoria de homens altamente instruídos usufruindo de uma vida
intelectual intensa e divorciada das duras realidades nacionais e de outro
enorme massa de povo analfabeto, ou quase, arcando com as tarefas pesadas
dos trabalhos humildes.

Segundo Cunha (2000) a educação profissional, historicamente, é


delineada por um caráter pré-conceituoso de que trabalhos manuais eram
desempenhados por escravos, imprimindo a essas atividades jeito de
inferioridade. O autor ressalta que as características dos primeiros
estabelecimentos de aprendizagem eram de aspecto assistencialista de
atendimento aos órfãos e desvalidos. Eram vistas mais como “obras de
caridade” do que como “obras de instrução pública” (CUNHA, 2000).

Perguntamos se essa realidade vem sendo modificada ao longo da


história brasileira e, fazendo um recorte para a década de 1930, quando as
mudanças estruturais na organização da sociedade capitalista podem ser
consideradas o marco de transição do Estado Oligárquico para o Estado
Burguês, se essas transformações também apareceram na escola. Nesse
contexto, a necessidade de mão de obra especializada nas indústrias muda o
cenário do ensino profissional no Brasil, que será instituído como um meio
de progresso para a nação brasileira. Percebemos que a mudança de contexto
não favoreceu nem resultou numa mudança efetiva da qualidade da educação
para as classes populares.
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Com os estudos, entendemos que a política educacional brasileira está


intrinsecamente ligada às mudanças históricas, políticas e econômicas
ocorridas no Brasil. Historicamente, a educação profissional de nível médio
foi e continua sendo, de maneira tão desproporcional quanto equivocada,
preconceituosa e seletista.

Conforme avança no percurso histórico, percebemos que a organização


da escola começa a se estruturar com tendências, atuando como reprodutora
da sociedade capitalista, articulando-se com o sistema produtivo, ou seja, o
indivíduo é educado para se inserir no mercado de trabalho, valorizando o
saber-fazer de forma automática, sem um questionamento e aprofundamento
do conhecimento adquirido.

Kuenzer (2000) resume todo o enfrentamento da implantação da


reforma do Ensino Médio profissionalizante quando aborda a questão da
democratização do ensino como meio de preparação para o trabalho e para a
cidadania.

Em 2007 o governo publica o Decreto 6.302 que institui o Programa


Brasil Profissionalizado, com a ideia, como em outros momentos da história,
da educação profissional para atender a uma crescente exigência de mão de
obra qualificada no mercado brasileiro e em 2008 é articulada a criação dos
Institutos Federais de Educação, Ciência e Tecnologia, em que as Escolas
Agrotécnicas, as Escolas Técnicas e os Centros Federais de Educação
Tecnológica formam uma única rede, autorizando os Institutos a ministrarem
cursos de graduação e pós-graduação.

Conforme os Parâmetros Curriculares Nacionais do Ensino Médio –


PCNEM – a perspectiva dos jovens brasileiros que hoje estão no Ensino
Médio é obter qualificação mais ampla para a vida e para o trabalho. Posto
que a sociedade capitalista valoriza e cobra o dialeto padrão; os alunos do
Ensino Médio Profissionalizante que almejam uma vida social e um trabalho
nessa sociedade necessitam do domínio desse dialeto. A escola, portanto, é o
espaço para essa educação formal e a disciplina de Língua Portuguesa uma
das responsáveis por essa formação do jovem para participar da sociedade e
ao questioná-la, transformá-la.

Os Parâmetros Curriculares Nacionais do Ensino Médio – Língua


Portuguesa permitem inferir que:

o ensino de Língua Portuguesa, hoje, busca desenvolver no


aluno seu potencial crítico, sua capacitação como leitor efetivo
dos mais diversos textos representativos de nossa cultura. Para
além da memorização mecânica de regras gramaticais ou das
características de determinado movimento literário, o aluno
deve ter meios para ampliar e articular conhecimentos e
competências que possam ser mobilizadas nas inúmeras
situações de uso da língua (BRASIL, 2002, p. 55).
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Percebemos, no decorrer da nossa trajetória profissional, que alunos que


passam pelo Ensino Médio Profissionalizante apresentam dificuldades no
domínio da Língua Portuguesa, ou seja, não conseguem construir os
conhecimentos necessários para se expressarem com clareza e desenvoltura e
poderem conquistar seu espaço na sociedade, em que nessa, a relação com
bens materiais requer um preço, um valor; e a língua, numa relação de
interação linguística com interlocutores de classes sociais diferentes, também
funciona como num mercado: tem valor e poder quem domina o dialeto-
padrão e desprestígio e exclusão aqueles que não o dominam. Bourdieu
(apud. SOARES, 2001) define essa situação como um mercado linguístico,
estabelecendo que uma competência só tem valor quando existe um mercado
para ela.

Para que o aluno participe do meio social que utiliza o dialeto-padrão,


ou seja, o de prestígio, ele não pode ser somente alfabetizado, uma vez que
alfabetizado é aquele que adquiriu uma capacidade de codificar em língua
escrita (escrever) e a de decodificar essa língua escrita (ler); não basta,
porém, essa aquisição, é preciso apropriar-se da escrita, isto é, fazer uso das
práticas sociais de leitura e de escrita, articulando-as ou dissociando-as das
práticas de “inter-ação” oral, conforme as situações.

A escola, portanto, como um dos meios de construção desse


conhecimento linguístico, quando cumpre o seu papel de promover o
letramento, estará proporcionando a inclusão social e oportunizando ao aluno
a condição para o exercício da cidadania. Mas ao identificar a dificuldade de
um aluno incorporar a prática de leitura e de escrita em seu dia-a-dia, como
no preenchimento de formulários de inscrição do ENEM, do vestibular ou na
elaboração de um requerimento ou uma carta, a falta de hábito de ler uma
reportagem num jornal e construir sua opinião a respeito do fato informado,
leva-nos a entender que não houve a prática do letramento.

Tais situações despertam as discussões sobre a falta de leitura do


brasileiro que giram em torno também da qualidade do ensino. Essa
problemática leva o olhar para a função cultural da escola em face da
diversidade da clientela. Para isso, o estudo sobre a cultura escolar, segundo
Julia (2001), almeja acrescentar o estudo das práticas escolares à nova
História da Educação.

Para tanto sentimos a necessidade de investigar as práticas escolares


como fruto de uma cultura escolar, dando destaque à função cultural da
escola.

Entendendo cultura escolar como:

um conjunto de normas que definem conhecimentos a ensinar e


condutas a inculcar, e um conjunto de práticas que permitem a
transmissão desses conhecimentos e a incorporação desses
comportamentos; normas e práticas coordenadas a finalidades
que podem variar segundo as épocas (finalidades religiosas,
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sociopolíticas ou simplesmente de socialização) (JULIA, 2001,


p. 10).

O conceito de cultura escolar tem corroborado para uma pesquisa que


desnaturalize a escola e a veja como um espaço para a educação formal, mas
também como uma instituição de socialização.

O diálogo estabelecido entre a História da Educação e outras áreas,


como a linguística, tem contribuído para os estudos sobre as práticas.
Perceber os indícios, os sinais, a materialidade, as práticas de que os objetos
são portadores ou que formalizam, poderá ajudar a entender melhor a sala de
aula e a refletir sobre o papel de educadora e a prática pedagógica.

Entendemos, portanto, que os fins estabelecidos pelas disciplinas


escolares como um objeto da cultura escolar pode nos dar alguns indícios de
práticas escolares que nos revelem o universo de práticas de leitura dos
alunos. Para Chervel (apud. FELGUEIRAS, 2010, p. 26), disciplinas
escolares são "um produto específico da escola, que não se confunde com
outras práticas sociais e constituem um importante elemento da cultura
escolar".

Percebemos, portanto, a importância de estudar as práticas de leitura a


partir do ambiente escolar que envolve a relação entre mestres e estudantes
(FELGUEIRAS, 2010) para compreender as representações sociais que essas
práticas permitem na aquisição de habitus e de valores e quais "as
transferências culturais" da escola para os alunos a partir da prática da leitura.

Acreditamos que as práticas de leitura sejam relevantes no processo de


aquisição de novo habitus – considerado por Bourdieu como o “sistema das
disposições socialmente constituídas que, enquanto estruturas estruturantes,
constituem o princípio gerador e unificador do conjunto das práticas e das
ideologias características de um grupo de agentes” (BOURDIEU, 2005, p.
191).

A partir de estudos, descobrimos que a leitura possui uma história, que o


leitor se apropria das leituras realizadas de diferentes formas e de lugares
sociais diversos, que a leitura nem sempre foi livre e desejada, o que explica
livros e leitores tão perseguidos em diversos períodos históricos. Dessa
forma, percebe-se que a leitura não tem uma aparente neutralidade e um
caráter universal (DARNTON, 2010).

Chartier (2009, p. 63) nos apresenta que “a longa história da leitura


mostra fortemente que as mudanças na ordem das práticas costumam ser
mais lentas que as revoluções das técnicas e que sempre estão defasadas em
relação a estas. A invenção da imprensa não produziu imediatamente novas
maneiras de ler”.

Sobre a história do livro, Darnton (2010) nos mostra que a rota que
esses percorriam para chegar aos livreiros era demorada e cara, mas os
leitores se desdobravam para ter acesso. Segundo o autor, “os leitores
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extraíam significado dos livros; não se limitavam a decifrá-los. Ler era uma
paixão” (Darnton, 2010, p. 215).

Houve um tempo em que a prática de leitura e de escrita era


indissociável, os leitores sentiam necessidade de registrar sua impressão
sobre o livro, transcrever partes interessantes para um caderno, era o livro de
lugares-comuns. Esse livro era lido e reescrito à medida que recombinavam
novas observações, “era uma maneira especial de absorver a palavra
impressa” (DARNTON, 2010, p. 164).

À época do Renascimento, no mundo do livro impresso, a leitura era


tudo, o homem era o que lia, incentivando, portanto, o hábito. Essa prática
aguçava a consciência da formação do indivíduo autônomo.

Agora estão disponíveis várias opções de leitura com hipertextos que


possibilitam um campo diferente de informações, filmes baseados nos livros
dentre outras maneiras que possibilitam leituras diversas. O acesso ao livro e
à diversidade temática que tem estado à disposição do público leitor tem
revolucionado a maneira de ler e ter contato com essa leitura, proporcionando
interpretações, vivências e abstrações que envolvem essa prática e esse novo
público leitor. Hoje é estabelecida uma nova relação com o leitor, a
textualidade eletrônica transformou o ato de ler.

As leituras realizadas nessa área suscitaram perguntas sobre o hábito de


leitura dos alunos do Ensino Médio Profissionalizante, tais como: o acesso ao
livro possibilitou a prática? A textualidade eletrônica incentivou a leitura? Os
livros moldam os leitores, ou seja, nós somos o que lemos?

Chartier (2009, p. 63) afirma que “continua existindo uma profunda


brecha entre a obsessiva presença da revolução eletrônica nos discursos e a
realidade das práticas de leitura”; acreditamos, portanto, que seja necessário
incentivar essa prática aos alunos, para que a tecnologia possa ajudar numa
concepção de leitura que atue como diferencial para a mudança social.

A formação de leitores proficientes por parte da escola requer o


envolvimento e o comprometimento de professores que compreendam a
leitura enquanto prática cultural e que se reconheçam como leitores.

Para isso, é preciso trabalhar com a leitura como prazer e como


formadora do cidadão autônomo. Darnton (2010, p. 188) afirma que a leitura
é como “elemento daquilo que era chamado de história das mentalidades –
isto é, visões de mundo e modos de pensar”.

Nesse estudo, a leitura é entendida como um processo cultural em que


"o significado dos textos depende das capacidades, das convenções e das
práticas de leitura próprias das comunidades que constituem, na sincronia ou
na diacronia, seus diferentes públicos" (CHARTIER, 2009, p. 37).

Darnton (2010, p. 177) compreendia a leitura “como digestão, um


processo de extrair a essência dos livros e incorporá-las em si mesmo. [...] A
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leitura não deveria ter fins de erudição, mas prestar-se a ajudar um homem a
progredir no mundo”.

Assim, conhecer as práticas de leitura realizadas por alunos


proporcionará indícios de comportamento, valores e experiências que
surgiram a partir das leituras, tanto as do processo educacional formal quanto
as do cotidiano de suas vidas.

Perguntamos, portanto, se as práticas de leitura são realizadas no


ambiente escolar e no cotidiano desses alunos, como meio de formação.

1 O lócus da pesquisa
Faremos uma breve apresentação da Instituição de Ensino para
contextualizar o leitor na proposta.

A Escola Agrotécnica Federal de São Cristóvão (EAFSC) teve sua


origem no “Patronato São Maurício”, em 1924, oferecendo cursos de
aprendizes e artífices. Após a federalização, em 1934, a instituição passou a
funcionar com o modelo de ensino agrícola profissional denominado de
Aprendizado Agrícola, e assim se manteve até 1946. Nessa fase recebeu a
denominação inaugural de Aprendizado Agrícola de Sergipe (1934-1939) e
depois foi denominado de Aprendizado Agrícola Benjamin Constant até o
final do período.

Em 17 de novembro de 1993, foi transformada em autarquia federal


ligada ao Ministério da Educação (MEC). Atualmente conhecida por Instituto
Federal de Educação, Ciência e Tecnologia de Sergipe – Campus São
Cristóvão, devido à Lei nº 11.892/2008, publicada no DOU de 30/12/2008,
que Instituiu a Rede Federal de Educação Profissional, Científica e
Tecnológica. Desde sua fundação, EAFSC está localizada no povoado
Quissamã, município de São Cristóvão, a 17 km de Aracaju, Sergipe.
Vinculada à Secretaria de Educação Profissional e Tecnológica (SETEC) do
MEC. A EAFSC tem como proposta uma educação tecnológico-científica e
profissionalizante, através de cursos com habilitações em Agroindústria
Integrada e Modular, Agropecuária Integrada e Modular e Informática –
PROEJA (Projeto de Educação de Jovens e Adultos).

Para tanto percebemos a necessidade de investigar essa instituição


educacional, para entender as práticas escolares para a formação do jovem,
em especial as práticas de leitura. Acreditamos que a investigação poderá
explicitar as práticas educacionais que formam os alunos dessa escola e se
essa formação serve à transformação (FREIRE, 1983).

2 O caminho investigativo
Para alcançar o objetivo proposto, esta pesquisa pretende ser
desenvolvida através de um estudo bibliográfico com ênfase nas temáticas da
História do Livro e da Leitura e com uma pesquisa de campo, tendo como
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instrumentos fichamentos e questionários aplicados aos sujeitos da pesquisa.


Trata-se de um estudo que procura apreender, no cotidiano do Instituto
Federal Campus São Cristóvão, as práticas de leitura que servem como
formadora de habitus.

Dessa questão geral e tendo em vista os objetivos propostos pela


pesquisa, decorrem os seguintes questionamentos: As práticas de leitura
acontecem nessa escola e como se processam? Elas servem para a formação
dos alunos? O aluno tem hábito de leitura? Qual o tipo de leitura o aluno
pratica? Ele recomenda livros aos colegas?

Para responder aos questionamentos propostos, utilizamos o


questionário com os sujeitos da pesquisa como fonte. O questionário tem o
objetivo de caracterizar o perfil e a prática de leitura dos alunos do 1º ano do
Ensino do Médio Profissionalizante – Técnico em Agropecuária do Instituto
Federal Campus São Cristóvão.

Os questionários já foram empregados e está em fase de tabulação dos


dados.

3 Práticas de leitura: alguns desafios a serem desvendados

Espera-se, portanto, que as práticas de leitura realizadas no ambiente


escolar, em especial dos alunos do 1º ano do Ensino Médio Profissionalizante
– Técnico em Agropecuária do Instituto Federal Campus São Cristóvão,
sejam identificadas a partir dos instrumentos de coleta de dados, questionário,
para que o objetivo desse estudo seja alcançado e as perguntas suscitadas pela
pesquisadora sejam respondidas.

A partir de dados preliminares do questionário, com intuito de


caracterizar e conhecer os sujeitos/alunos da pesquisa, obtivemos os
seguintes resultados.

Os sessenta e seis (66) sujeitos/alunos que participaram como


colaboradores nessa pesquisa cursam o 1º ano do Ensino Médio
Profissionalizante – Técnico em Agropecuária do IFSC, sendo quarenta e
nove (49) do sexo masculino e dezessete (17) do feminino. A faixa etária
desses alunos é de 15 a 19 anos, sendo quarenta e três (43) naturais de
Aracaju e do interior do estado de Sergipe, cinco (5) de Alagoas, dez (10) da
Bahia, um de São Paulo, um de Brasília, três (3) se identificaram como
brasileiros e três (3) não identificaram a naturalidade.

Os outros dados estão sendo tabulados para posterior análise e


conclusões.

Sabemos que um trabalho de pesquisa não encerra em si, mas abre


caminhos para outras perguntas.
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REFERÊNCIAS

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BRASIL. Ministério da Educação. Secretaria de Educação Média e
Tecnológica. Parâmetros Curriculares Nacionais – PCN + Orientações
Educacionais complementares aos Parâmetros Curriculares Nacionais.
Linguagens, códigos e suas tecnologias. Secretaria de Educação Média e
Tecnológica. Brasília: MEC; SEMTEC, 2002.
BOURDIEU, Pierre. Campo do poder, campo intelectual e habitus de classe.
In: A economia das trocas simbólicas. 6 ed. São Paulo: Perspectiva, 2005,
p. 183-202.
CHARTIER, Roger. A história ou a leitura do tempo. Belo Horizonte:
Autêntica Editora, 2009.
CUNHA, Luiz Antônio. O ensino industrial-manufatureiro no Brasil.
Revista Brasileira de Educação, maio/jun/jul/ago, nº 14, 2000, p.89-107.
DARNTON, Robert. A questão dos livros: passado, presente e futuro. São
Paulo: Companhia das Letras, 2010.
FELGUEIRAS, Margarida Louro. Cultura escolar: da migração do conceito à
sua objectivação histórica. In: FELGUEIRAS, Margarida Louro; VIEIRA,
Carlos Eduardo (Eds.) Cultura escolar, migrações e cidadania. Porto:
Sociedade Portuguesa de Ciências da Educação e autores, 2010. p. 17-32
FREIRE, Paulo. A importância do ato de ler. 5ª ed. São Paulo: Cortez
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JULIA, Dominique. A cultura escolar como objeto histórico. In: Revista
Brasileira de História da Educação. Campinas: Editora Autores
Associados, nº 1, Janeiro/Junho, 2001, p. 9-43.
KUENZER, Acácia Zeneida. O Ensino Médio agora é para a vida: Entre o
pretendido, o dito e o feito. Educação & Sociedade, ano XXI, nº 70, abril de
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_____________. Ensino Médio e Profissional: as políticas do Estado
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nossa época).

POSSENTI, Sírio. Por que (não) ensinar gramática na escola. Campinas,


SP: Mercado de Letras: Associação de Leitura do Brasil, 2004. (Coleção
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SOARES, Magda Becker. Letramento: um tema em três gêneros. 2ª ed.
Belo Horizonte: Autêntica, 1999. p. 28-71.
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A Aquisição da Leitura e Escrita de Crianças


com Síndrome de Down

Aline Grazielle Santos Soares Pereira1

RESUMO

O presente estudo se propôs a abordar dados sobre a aquisição da leitura e da escrita


de crianças com Síndrome de Down, através do levantamento de discussões de
autores, cujo objetivo é prover subsídios que auxilie o esclarecimento sobre o ritmo e
características próprias que estas crianças apresentam no desenvolvimento da leitura e
da escrita. É relevante compreender que apesar destas crianças aprenderem de maneira
mais lenta, não significa que sejam incapazes, mas sim que possuem um tempo de
aprendizagem diferente como um atraso considerável no desenvolvimento cognitivo,
devido a uma patologia causada por acidente genético, chamado de trissomia, que
afeta o desenvolvimento motor, físico, cognitivo e social-afetivo. Através da leitura,
as crianças buscam novas perspectivas vinculadas ao contexto social de
conhecimentos constantes da vida. Através da escrita, ela poderá registrar o seu
pensamento, difundir ideias e informações para o mundo. Diante disso, o estudo
dividiu-se em dois tópicos: o primeiro traz a definição da síndrome de down, as
características físicas, biológicas e cognitivas. No segundo tópico foram apresentadas
as discussões de pesquisadores sobre o processo de aquisição de leitura e escrita de
crianças com síndrome de down, contemplando pesquisas bibliográficas relacionadas
à temática. Os resultados apontam que as crianças com Síndrome de Down são
capazes de aprender dentro dos seus limites e a melhor forma de contribuir no
processo de desenvolvimento social e pedagógico é a inserção destas crianças na
escola regular, para que possam interagir e trocar experiências com as crianças ditas
normais. E utilizar atividade diferenciada que atenda a sua necessidade.
Palavras-chave: Leitura. Escrita. Síndrome de Down.

1
Contato do(a) autor(a): alinesoares_sp@hotmail.com. PIBIX/UFS.
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INTRODUÇÃO

O presente artigo representa os resultados de uma pesquisa que analisa


como acontece o desenvolvimento da leitura e da escrita de crianças com
Síndrome de Down, e aborda a definição e as características desta síndrome.
Nesse estudo, assumo uma perspectiva teórica baseada na concepção
sociointeracionista, onde a aprendizagem é encarada como um processo que
acontece de maneira diferente de indivíduo para indivíduo.

Independente de nível intelectual, toda criança deve ser respeitadas


quanto aos seus direitos a desfrutar pela convivência social. A educação é o
caminho da cidadania, que auxilia para refletir sobre seu meio, participando
como um sujeito ativo. A leitura é o mecanismo de ver na sua concretude o
que está representado por meio da escrita, é adquirir conhecimento com mais
autonomia.

Para tanto, me basearei em estudos que considero relevantes no tocante


a aquisição da leitura e da escrita de crianças com Síndrome de Down,
esclarecendo que apesar de muitas pessoas ainda não acreditarem no
potencial destas crianças, elas aprendem de acordo com a seu
desenvolvimento cognitivo. Por isso, a importância do estímulo, apoio,
paciência, vontade e sensibilidade.

É necessário que o setor pedagógico das instituições encontre


mecanismos para atender as limitações de crianças com Síndrome de Down,
pois elas aprendem de modo mais lento do que as crianças ditas normais e
precisam de uma atenção maior para que consigam compreender os
conteúdos. É fundamental que o seu perfil de aprendizagem diferenciado seja
respeitado, compreendendo esta limitação, com certeza, auxiliarão de forma
mais efetiva o desenvolvimento da criança em questão, fazendo que ela
alcance um grau mais satisfatório de aprendizagem.

1 A Síndrome de Down- Definições e Características

Definições

Segundo Pueschel (2011), a Síndrome de Down foi denominada em


homenagem ao médico inglês Dr. John Langdon Down que em seu trabalho
científico “Observations on na Ethnic Classication of Idiots” apresentado no
Lodon Hospital, em 1866 propôs uma classificação das deficiências mentais,
onde descreveu pela primeira vez sobre características físicas semelhantes e
graus variados de deficiência mental, englobando num único grupo, crianças
com a Síndrome.

Ainda Pueschel (2011), diz que a primeira descrição de uma criança que
se presumia ter a Síndrome de Down foi fornecida por Jean Esquirol,
psiquiatra francês, em 1838. Logo a seguir, em 1846, Edouard Seguin,
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primeiro especialista em deficiência mental, descreveu um paciente com


feições que sugeriam Síndrome de Down, denominado a condição de “idiotia
furfurácea”. Em 1866, Ducan registrou uma menina com uma cabeça
pequena e redonda, olhos parecidos com os chineses, projetando uma grande
língua e que só conhecia algumas palavras. Naquele mesmo ano, John
Langdon Down publicou um trabalho no qual descreveu algumas das
características da síndrome que hoje leva o seu nome.

Inicialmente foi descrita clinicamente sob o nome “idiotia mongólica”,


traduzido para português como mongolismo, mongoloidismo e idiotia
mongolóide a síndrome foi assim denominada. Somente em 1959 a etiologia
da Síndrome foi descoberta quando os franceses detectaram a alteração na
divisão dos cromossomos dos indivíduos. O estudioso no assunto, Pueschel,
em seu livro “Síndrome de Down para pais e educadores”, detalha esta
desordem cromossômica da seguinte maneira:

Metade dos cromossomos de cada indivíduo é derivada do pai e a


outra metade da mãe. As células germinativas (ou seja, esperma e
óvulo) têm somente metade do número de cromossomos encontrados
normalmente em outras células do corpo. Assim 23 cromossomos
estão no óvulo e 23 cromossomos estão no esperma. Em
circunstâncias normais, quando o esperma e o óvulo se unem no
momento da concepção, haverá um total de 46 cromossomos na
primeira célula, esta célula começara a se dividir. No entanto, se uma
célula germinativa, óvulo ou esperma, tiver um cromossomo adicional
(ou seja, 24 cromossomos) e outra tiver 23 cromossomos, isso levará,
no momento de concepção, a uma nova célula contendo 47
cromossomos. E, se o cromossomo extra for o cromossomo 21, o
indivíduo, se não ocorrer um aborto natural, nascerá com Síndrome de
Down. (PUESCHEL, 2011, p.54-55)

Diante da definição de Pueschel apresento a seguir a definição de


Síndrome de Down com base em outros autores como Werneck,
Schwartzman e Bee.

Werneck (1993) diz que a Síndrome de Down ocorre por um acidente


genético, e que nenhuma atitude tomada durante a gravidez, ou antes, dela,
poderia evitar o aparecimento da trissomia do 21.

Schwartzman (2003) aborda a Síndrome de Down como decorrência de


um erro genético presente desde o momento da concepção ou imediatamente
após e que ocorre de modo bastante regular na espécie humana afetando um
em cada 700/900 nascidos vivos.

Bee (1996) define a Síndrome de Down como sendo uma anomalia


genética em que todas as células contêm três cópias de cromossomo 21 ao
invés de duas. As crianças nascidas com este padrão genético normalmente
apresentam retardo mental e características físicas específicas.

Podemos observar que há um consenso entre os autores no que se refere


à definição da Síndrome de Down. Eles abordam como um acidente genético
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relativo a anormalidades cromossômicas no momento da geração do novo


ser. Então, esta Síndrome não é uma doença contagiosa, nem causada devido
a acidentes na gravidez, não é provocada por fortes impactos emocionais, e
nem causada por utilização de qualquer tipo de medicamento durante a
gravidez, assim ela poderá afetar qualquer pessoa. Vale ressaltar que a
incidência pode aumentar se a idade da mãe for maior de 35 anos,
considerando que o útero desta mulher já é considerado muito maduro,
podendo ocasionar um erro na distribuição dos cromossomos, ou o pai entre
45 e 50 anos de idade.

Características

Com base no autor Pueschel (2011), abordarei a seguir as características


que as pessoas com Síndrome de Down podem ser identificadas de maneira
física e específicas, associadas ao cromossomo extra, não há como rotulá-los
como trissômicos de imediato sem a confirmação de outros testes. Pois, em
sua maioria, apresentam semelhanças com a população em geral, pois nem
sempre a criança com trissomia apresenta todas as características, algumas
podem ter somente umas poucas, enquanto outras podem mostrar a maioria
dos sinais característicos da Síndrome.

A cabeça da criança com Síndrome de Down é um pouco menor quando


comparada com as das crianças “normais”. A parte posterior da cabeça é
levemente achatada na maioria das crianças, o que dá uma aparência
arredondada.

O rosto de uma criança pequena com síndrome de Down apresenta um


contorno achatado, devido principalmente aos ossos faciais pouco
desenvolvidos e ao nariz pequeno. Geralmente, o osso nasal é afundado. Em
muitas crianças as passagens nasais são estreitas.

As orelhas são pequenas e a borda superior da orelha muitas vezes e


dobrada. A estrutura da orelha é alterada e os canais do ouvido são estreitos.

Os olhos são geralmente normais quanto ao formato. As pálpebras são


estreitas e levemente oblíquas. A dobra da pele pode se vista em muitos
bebês nos cantos internos dos olhos. A periferia da íris pode apresenta
pequenas marcas brancas.

A boca da criança com síndrome de Down é pequena, algumas mantêm


a boca aberta e a língua pode projetar-se um pouco. À medida que a criança
fica mais velha, a língua pode ficar com estrias e no inverno, os lábios
tornam-se rachados. O céu da boca é mais estreito do que a criança normal.

A erupção dos dentes de leite é geralmente atrasada. Às vezes um ou


mais dentes estão ausentes e alguns dentes podem ter um formato um pouco
diferente. As mandíbulas são pequenas, o que leva muitas vezes, ao
apinhamento dos dentes permanentes. A cárie dentária é observada com
menor frequência na maioria das crianças com síndrome de Down do que nas
demais crianças.
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O pescoço da pessoa com Síndrome de Down pode ter uma aparência


larga e grossa. No bebê, dobras soltas da pele são muitas vezes observadas
em ambos os lados da parte posterior do pescoço, os quais se tornam menos
evidente, podendo desaparecer à medida que a criança cresce.

O tórax em alguns casos, tem um formato estranho, sendo que a criança


pode apresentar um osso peitoral afundado. Na criança cujo coração é
aumentado devido à doença cardíaca congênita, o peito pode aparecer mais
globoso do lado do coração.

Os pulmões da criança com síndrome de Down, no geral, não são


anormais. Somente alguns poucos bebês têm pulmões subdesenvolvidos.
Algumas crianças com doenças cardíacas congênita podem apresentar
pressão sanguínea aumentada nos vasos dos pulmões, o que leva à
pneumonia.

Os órgãos genitais de meninos e meninas, não são afetados na maioria


das crianças. Às vezes podem ser pequenos, em alguns casos os testículos
não se encontram no saco escrotal durante os primeiros anos de vida, mas
podem estar na região da virilha ou dentro do abdome.

Os dedos dos pés são curtos e há um grande espaço entre o dedão e o


segundo dedo, com uma dobra entre eles na sola do pé.

A pele é geralmente clara e pode ter uma aparência manchada durante a


primeira infância. Durante as estações mais frias, a pele fica ressecada e as
mãos e o rosto podem ficar rachados mais facilmente do que nas outras
crianças. Nas crianças mais velhas e nos adultos com síndrome de Down a
pele pode ser áspera.

É preciso enfatizar que nem toda criança com Síndrome de Down exibe
todas as características citadas. Além disso, algumas características são mais
acentuadas em algumas crianças do que de outras. Assim, embora as
crianças com Síndrome de Down possam ser reconhecidas por sua aparência
física semelhante, nem todas essas crianças parecem iguais. Além do mais,
algumas das características da criança com Síndrome de Down modificam-se
no decorrer do tempo. As crianças esta síndrome tem personalidades muito
variadas, estilos de aprendizagem diversos, assim como inteligência,
aparência, obediência, humor como qualquer outra criança.

2 O Processo de Aquisição de Leitura e Escrita de


Crianças com Síndrome de Down

As crianças, de uma maneira geral, antes mesmo de entrar na escola, nas


situações familiares, elas vivenciam o contato com números e letras no
cotidiano, através de jogos, livros de estórias infantis, programas de televisão,
velas em bolo de aniversários, entre outros. A criança está rodeada pelo
mundo da leitura. Caberá ao professor incentivar momentos de leitura
significativa atendendo a diversidade na sala de aula, para que as crianças
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possam sentir prazer em aprender de acordo com a sua realidade. Diante


disso

é lendo que nos tornamos leitores e não aprendendo primeiro para


poder ler depois: não é legítima instaurar uma defasagem nem no
tempo, nem na natureza da atividade entre “aprender a ler” e “ler”...
não se ensina a ler com a nossa ajuda... A ajuda lhe vem do confronto
com as proporções dos colegas com quem está trabalhando, porém é
ela quem desempenha a parte inicial de seu aprendizado (Jolibert,
1994, p.14).

Merece destaque, quando o autor citado acima menciona, o confronto


com as proporções dos colegas com quem está trabalhando, daí à importância
do sociointeracionismo, da convivência com o outro, de presenciar
experiências, ideias e opiniões diferentes. Viver a diversidade respeitando o
outro.

Além da interação com o outro, é importante que as atividades


propostas para crianças com Síndrome de Down, seja na intenção promover o
aprendizado da leitura e da escrita com base nas suas limitações, não levando
em consideração que a escrita “é um sistema particular de símbolos e signos
cuja denominação prenuncia um ponto crítico em todo o desenvolvimento
cultural da criança”. (VIGOTSKY, 1984, p.120), ou seja, à medida que a
criança compreende que a linguagem oral e escrita possuem características
diferentes ela vai se apropriando deste simbolismo e percebe que não é pela
repetição de traços preestabelecidos. O que percebemos nas escolas com
frequência é o uso de atividades que trace repetidas linhas ou curvas em folha
de papel que acaba tornando-a cansativa e sem significado.

Ainda conforme Vygotsky (1984, p.120), a aquisição da escrita é um


processo sem continuidade definida, ou seja, é um processo repleto de idas e
vindas. Por este motivo, a criança apresenta descontinuidades em sua escrita:
“reduções, desaparecimento e desenvolvimento reverso de velhas formas”.
Então, caberá ao professor propor atividades que motivem a criança com
Síndrome de Down a aprender, que tenha significado, levando em
consideração que estas crianças têm criatividade, desejos de descobertas,
expressão, comunicação e não apenas repetição.

Segundo LURIA, a questão mais importante a ser respondida a cerca do


desenvolvimento da escrita é:

investigar a fundo este período inicial do desenvolvimento infantil,


deslindar os caminhos ao longo dos quais a escrita se desenvolveu em
sua pré-história, explicar detalhadamente as circunstâncias que
tornaram a escrita possível para a criança e os fatores que
proporcionaram as forças motoras deste desenvolvimento e,
finalmente, descrever os estágios através dos quais passam as técnicas
primitivas da escrita da criança, desenvolvimento e, finalmente,
descrever os estágios através dos quais passam as técnicas primitivas
da escrita da criança. (LURIA, 1988, p. 144 )
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Assim, é notória a relevância em conhecer as habilidades e os


conhecimentos que as crianças com Síndrome de Down trazem para a escola
e utilizá-las na aquisição da escrita com base nas suas ideias, opiniões,
desejos, reclamações, etc. Despertando assim seu interesse de fixar suas
ideias através da necessidade da escrita dentro de sua relação com o mundo.

A criança em questão possui característica muito própria, tanto na


aparência quanto no cognitivo, se as atividades seguir passos pré-
determinados e descontextualizados, dificultará a aprendizagem. Por isso que
poderão ser tachados de alunos inaptos, pois essas atividades ainda
continuam sendo aplicadas em várias escolas atualmente.

“A aquisição da escrita é um processo de construção do conhecimento


que nada tem de mecânico, em que a criança se envolve como sujeito e não
como objeto em que se despejam conhecimentos”. (MAYTONK –
SABINSON, 1993, p. 19).

Com base no que foi exposto acima, além da aquisição da escrita como
um processo merece destacar também a avaliação como processo de
redimensionar a análise de seus propósitos a fim de que os alunos aprendam
mais e melhor, superando os obstáculos e atingindo os objetivos propostos.

Para que o processo de aprendizagem aconteça de forma efetiva com


pessoas que possuem algum tipo de deficiência, é necessário que
aconteça essa adaptação, esse movimento que deve ocorrer sempre da
família em relação ao filho, da escola em relação ao aluno e da
sociedade em relação à pessoa com deficiência. Para isso essas
instituições precisam colocar-se no lugar de quem vivencia isso,
enxergando com os olhos de quem sente na pele. (STREDA, V. e
STREDA, C, 2010, p. 9)

Na aquisição da leitura de crianças com Síndrome de Down é de


extrema relevância dar significado ao ato de ler, com significado, para que
possam compreender com mais exatidão. Assim, Freire (1982) profere que a
leitura apresentada à criança deve ser minuciosamente decifrada, trabalhada,
pois na maioria das vezes as crianças têm um contato imediato com a palavra,
mas a compreensão da mesma não existiu. Para tanto se faz necessário
apresentar o que foi descrito por tal palavra, de forma que esse objeto
proporcione sentido a ela, pois dessa maneira a busca e o gosto pelo mundo
das palavras, isto é, da leitura e da escrita, se intensifica. Logo, a leitura
ganha vida e a criança adquire o hábito de sua prática.

CONSIDERAÇÕES FINAIS
Diante das pesquisas bibliográficas dos levantamentos sobre a aquisição
da leitura e da escrita de crianças com Síndrome de Down, concluiu-se que
elas merecem uma atenção especial devido à má formação do cromossomo
21, o que a diferencia em alguns aspectos físicos, biológicos e cognitivos.
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Entretanto esses aspectos não significam dizer que são incapazes de aprender.
Elas têm capacidade dentro dos seus limites à expressão verbal e escrita.

Caberá a escola, na figura de seus professores identificarem as


dificuldades e as características próprias desses sujeitos, promovendo a
leitura e a escrita como meio de oralizar e registrar satisfazendo as reais
necessidades das crianças, despertando o prazer em aprender, descobrir,
conhecer e registrar num contexto mais amplo. Os professores devem
proporcionar apoio prático, discutir suas dificuldades, compartilhar ideias e
acreditar.

É evidente também a necessidade do apoio da família, pois a


estimulação dos pais produz um melhor desenvolvimento físico, motor e
psicológico e consequentemente uma relação melhor dessa pessoa com o
mundo a sua volta. Assim, contribui como fator de êxito no processo de
desenvolvimento e aprendizagem destas crianças. Se não houver colaboração,
dificultará um desenvolvimento satisfatório.

A sociedade deve se dar conta que as pessoas com Síndrome de Down


têm desejos, necessidades, esperanças, capacidade e que necessita de uma
posição na qual os seus direitos sejam respeitados, independentemente de
suas realizações limitadas merecem ser reconhecidos com dignidade.

Hoje, estas pessoas estão provando cada vez mais sua capacidade para
ter um bom desempenho na escola, no trabalho e na sociedade. No entanto,
elas só terão chance de conquistar seu espaço e sua independência se os
familiares e profissionais trabalharem juntos no sentido de conscientizar a
sociedade de suas obrigações. Só assim, a pessoa com Síndrome de Down
terá seus direitos garantidos, como qualquer outra pessoa.

Também é possível concluir que a melhor forma de contribuir no


processo de desenvolvimento social e pedagógico é a inserção destas crianças
em classes regulares promovendo a inclusão. Enfim, direciono as palavras de
Vinícius Ergang Streda, pessoa com Síndrome de Down, autor do livro
Nunca deixe de sonhar: Os sonhos e a vida de um jovem com Síndrome de
Down, publicado em parceria com a sua prima, a autora Carina Streda. As
letras abaixo estão em caixa alta, pois é a maneira que Vinícius utilizou para
escrever os capítulos de sua autoria no livro abordado.

MESMO COM TODAS AS DIFICULDADES


ENCONTRADAS NA ESCOLA SOU A FAVOR DA
INCLUSÃO. PARA MIM ESTUDAR NA ESCOLA
REGULAR FOI IMPORTANTE PORQUE CONHECI
PESSOAS ESPECIAIS E VIVI BONS MOMENTOS. MAS A
ESCOLA PODERIA TER ME ENSINADO MAIS, ACHO
QUE PODERIA TER APRENDIDO MAIS, ACHO QUE
MEUS COLEGAS APRENDIAM MAIS DO QUE EU.
(STREDA, V. e STREDA, C, 2010, p.42-43)

A SÍNDROME DE DOWN NÃO É UM PROBLEMA PARA


MIM, SOU ASSIM PORQUE DEUS QUIS E ISSO NÃO
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TEM MUITA IMPORTÂNCIA PRA MIM. SOU FELIZ


ASSIM. EU GOSTARIA MUITO DE PEDIR PARA TODAS
AS PESSOAS QUE APOIEM TODOS OS PROJETOS DE
INCLUSÃO DAS PESSOAS COM NECESSIDADES
ESPECIAIS. E DIZER ESSA FRASE, TODOS SOMOS
DIFERENTES MAS DEVEMOS TER OPORTUNIDADES
IGUAIS. .(STREDA, V. e STREDA, C, 2010, p. 64).

REFERÊNCIAS

BEE, H. A Criança em Desenvolvimento. Porto Alegre: Artes Médicas,


1996.
FREIRE, P. A importância do Ato de ler: em três artigos que se completam.
São Paulo: Cortez, 1982. 96 p.
JOLIBERT, J. Formando Crianças Leitoras. Porto Alegre: Artes Médicas,
1994. 219 p.
LURIA. A.R. O desenvolvimento da escrita na criança. In Vygotsky. L. S.
Linguagem, Desenvolvimento e Aprendizagem. São Paulo: ícone, 1988.
MAYRINK-SABISON. M.L. Cenas de Aquisição da Escrita: o sujeito e o
trabalho com o texto. Campinas: Mercado das Letras, 1997b.
PUESCHEL, S. Síndrome de Down. Guia para pais e educadores. Série
educação especial. 14ª ed. São Paulo: Editora Papirus, 2011.
SCHWARTZAN, J. S. Síndrome de Down. 2ª. ed.. São Paulo: Memnon:
Mackenzie, 2003.
STREDA, V.E. STREDA, C. Nunca deixe de sonhar: os sonhos e a vida de
um jovem com síndrome de down. 3ª ed. Santo Ângelo: Furi, 2010. 140p.
VYGOTSKY. L. S. A Formação Social da Mente. São Paulo: Martins
Fontes, 1984.
WERNECK, C. Muito Prazer, eu existo. 2a. ed.. Rio de Janeiro: WVA,
1993.
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Brincando e Aprendendo com os Jogos no


Processo de Letramento

Anselmo Castro dos Santos1

Uilde de Santana Menezes2

RESUMO

O presente trabalho visa demonstrar que os jogos lúdicos tem sido uma das estratégias
no processo de letramento, auxiliando, portanto, os alunos com deficiência na
aprendizagem da leitura e escrita. Nesse sentido, a problemática para incluir estas
estratégias está na difícil socialização dos alunos entre si, com os professores e a
comunidade escolar, isto por conta dos procedimentos de ensinos que são seletivos,
fragmentários e estáticos, provocando falta de estimulo e de participação. Porém, é
através dos jogos lúdicos, que minimizará estes conflitos possibilitando o
desenvolvimento e aprendizagem, fazendo o aluno apropriar-se de conhecimentos e
habilidades no âmbito da linguagem, da cognição, dos valores e da sociabilidade. Ou
seja, é no brincar e no jogar que as crianças vão se constituindo como agentes de sua
experiência social, organizando com autonomia suas ações e interações, elaborando
planos e formas de ações conjuntas, criando regras de convivência social e de
participação. Além disso, os alunos poderão participar dinamicamente, memorizando,
seguindo regras e interagindo com os saberes, apropriando-se do conhecimento
científico, sistematizado e de uma educação transformadora. Para desenvolver este
artigo, foi feito uma pesquisa em documentos oficiais como os PCNs e diversos
autores especialistas na temática. Desse modo, pretendemos dar uma contribuição aos
profissionais da educação, possibilitando momentos de reflexões e a conscientização
para o sucesso na construção do conhecimento. Além da aquisição da escrita, da
leitura na formação dos alunos de forma lúdica e prazerosa.
Palavras-chave: jogos lúdicos, letramento, aprendizagem dinâmica

1
Contato do(a) autor(a): anselmo-castro1984@bol.com.br . Graduando em Letras
Português – UFS.
2
Contato do(a) autor(a):uildsm@gmail.com. Graduado em Química pela UFS,
especialista em Educação Física Escolar pela Faculdade Atlântico e especialização
em Atendimento Educacional Especializado pela UFC.
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INTRODUÇÃO

O processo de letramento deve ser visto como uma construção humana


coletiva da qual participa a imaginação, a intuição e a emoção. A linguagem
sofre a influencia do contexto social, histórico e econômico em que está
inserida, pois não existem neutralidade e objetividade absoluta: a
aprendizagem exige escolhas e responsabilidade. Sendo assim, o processo de
letramento tem múltiplas relações com os jogos lúdicos e permite ao
educador realizar múltiplas atividades empíricas para favorecer ao educando
a compreensão sobre a escrita e leitura. Portanto, essas atividades (jogos,
brincadeiras, dinâmicas) devem ser vivenciadas pelos educandos através de
seus educadores. É um ingrediente indispensável no processo de
aprendizagem, bem como no relacionamento entre pessoas. Além disso,
possibilita nesse processo, afetividade, prazer, autoconhecimento,
cooperação, autonomia, imaginação e criatividade, permitindo que o outro
construa por meio da alegria e do prazer de querer fazer e construir.

Quando crianças ou jovens brincam, demonstram prazer e alegria em


aprender. Eles têm oportunidade de lidar com suas energias em busca da
satisfação de seus desejos. E a curiosidade que os move para participar da
brincadeira é, em certo sentido, a mesma que move os cientistas em suas
pesquisas. Dessa forma é desejável buscar conciliar a alegria da brincadeira
com a aprendizagem escolar.

De acordo com Friedman (2000), os jogos lúdicos estão imbricados na


gênese da construção do conhecimento, da aquisição da cultura, bem como,
da formação da criança como sujeito humano. No entanto, a escola utiliza-se
pouco de práticas como essa, preferindo por vez, seguir um modelo
tradicional de ensino e aprendizagem que enfatiza de forma abrangente os
conteúdos. É na verdade, um melo ultrapassado, mas infelizmente ainda há
muitos professores que veem os jogos na educação de crianças e adolescente
como sendo algo de conotação negativa, por ser entendido apenas como
atividade recreativa.

O uso de jogos e curiosidades no ensino da escrita e leitura tem o


objetivo de fazer com que os alunos gostem de aprender a aprender, mudando
a rotina da classe e despertando o interesse do aluno envolvido. Bem como,
identificar as formas de inserção dos jogos lúdicos como recurso pedagógico
para a aprendizagem do conteúdo e ao mesmo tempo, analisar a utilização
desses recursos numa perspectiva construtivista, correlacionando os jogos
lúdicos ao processo de letramento de forma teórico-prática no ensino da
escrita e da leitura.

De acordo com os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN, 1996,


Brasil), a capacidade dos alunos, de pesquisar, buscar informações, analisá-
las e selecioná-las, além da possibilidade de aprender, criar, formular, deve
ser valorizada, ao invés do uso de simples exercícios de memorização. O
aluno deve ser capaz de formular questões, diagnosticar e propor soluções
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para problemas reais, ele deve, ainda, colocar em prática, conceitos,


procedimentos e atitudes desenvolvidos na escola, adquiridos com suas
experiências. À medida que progride nos estudos ele passa dos argumentos
perceptivos aos conceituais, realizando raciocínios e analogias concretas, por
meio de sua interação com o mundo e as pessoas com que tem contato.

Nesta perspectiva, os materiais didáticos são ferramentas fundamentais


para os processos de ensino e aprendizagem, e o jogo didático caracteriza-se
como uma importante e viável alternativa para auxiliar os professores em tais
processos, favorecendo na construção do conhecimento ao aluno,
considerando-se que a relação entre os jogos lúdicos e o conhecimento
lógico-cognitivo nos níveis do ensino fundamental, tem o intuito de
contribuir com indicações básicas para integrar o processo de letramento.

O objetivo deste estudo é compreender as formas de inserção dos jogos


lúdicos como recursos pedagógicos no desenvolvimento da aprendizagem
dos alunos dentro de uma perspectiva do letramento, onde se envolve os
processos de leitura e escrita. É um estudo bibliográfico que se constitui
numa perspectiva de contribuir com as práticas pedagógicas.

1 SIMBOLOGIA E INTERAÇÃO ATRAVÉS DOS


JOGOS LÚDICOS
O jogo é uma atividade espontânea, desinibida, desinteressada e
gratuita, pela qual o jovem se manifesta, sem barreiras e inibições. Pode-se
dizer que o jogo é atividade, o “trabalho” próprio da criança ou do jovem.
Neste sentido, considera-se como uma atividade viável e interessante a
utilização dos jogos lúdicos, pois este material pode preencher muitas lacunas
deixadas pelo processo de transmissão-recepção de conhecimentos,
possibilitando que os alunos construam seus próprios conhecimentos e tenha
uma melhor interação diante das atividades propostas.

As situações lúdicas, competitivas ou não, são contextos favoráveis de


aprendizagem, pois permitem o exercício de uma ampla gama de
movimentos que solicitam a atenção do aluno na tentativa de executá-los de
forma satisfatória e adequada. Elas incluem, simultaneamente, a
possibilidade de repetição para a manutenção e por prazer funcional e a
oportunidade de ter diferentes problemas a resolver. Além disso, pelo fato de
o jogo constituir um movimento de interação social bastante significativo, as
questões de sociabilidades constituem motivação suficiente para que o
interesse pela atividade seja mantido (PCN, p36).

Para Piaget (1989, p. 44), “o jogo lúdico é formado por um conjunto


lingüístico que funciona dentro de um contexto social, possui um sistema de
regras e se constitui de um objeto simbólico 1 que designa também um
fenômeno”. Neste contexto, a apropriação e a aprendizagem significativa de
conhecimentos são facilitadas quando tomam a forma aparente de atividade
lúdica, pois os alunos ficam entusiasmados quando recebe a proposta de
aprender de uma forma mais interativa e divertida, resultando em uma
aprendizagem significativa. E ao mesmo tempo, o jogo ganha um espaço
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como ferramenta ideal da aprendizagem, na medida em que se propõe


estimulo ao interesse do aluno, desenvolve níveis diferentes de experiências
pessoais e sociais, ajuda a construir suas novas descobertas, desenvolve e
enriquece sua personalidade, e simboliza um instrumento pedagógico que
leva o professor à condição de condutor, estimulador e avaliador da
aprendizagem. Ele pode ser utilizado como promotor de aprendizagem das
práticas escolares, possibilitando aproximação dos alunos ao conhecimento
cientifico, levando-os a ter uma vivencia, mesmo que virtual de soluções de
problemas que são muitas vezes muito próximas da realidade que o homem
enfrenta ou enfrentou. Estes processos podem envolver os conteúdos
abstratos e, muitas vezes, de difícil compreensão e, ainda sofrem influencia
de abordagem tradicional do processo educativo, na qual prevalecem à
transmissão-recepção de informações dissociadas entre os conteúdos e a
realidade, bem como a memorização do mesmo.

Conforme Vygotsky (1984, p.27) é na interação 2 com as atividades que


envolvem simbologia e brinquedos que o educando aprende a agir numa
esfera cognitiva. Na visão do autor a criança comporta-se de forma mais
avançada do que nas atividades da vida real, tanto pela vivencia de uma
situação imaginaria, quanto pela capacidade de subordinação às regras.

Dessa forma, o processo de compreensão dos conceitos é gradual e


sempre exige esforços dos alunos e, para que a compreensão seja melhorada
cada vez que entra um novo contato com o conceito, entende-se que, para o
aluno entenda-o, ele deve relacioná-lo aos conhecimentos prévios que possui.
Essa relação é complexa, mas de um modo geral, pode-se considerar que
quando ela acontece ocorre uma aprendizagem significativa, ou seja, o aluno
consegue assimilar o material novo aos conhecimentos prévios por causa do
desequilíbrio e do conflito provocado pela nova informação que entrou em
contato; o que pode leva-lo a uma mudança conceitual.

Segundo Friedmann (2000), “os jogos lúdicos permitem uma situação


educativa cooperativa e interacional, ou seja, quando alguém está jogando,
está também, identificando as regras desse jogo e ao mesmo tempo,
desenvolvendo regras de interação e cooperação que estimulam a
convivência em grupo”. Desta forma, os jogos lúdicos se assentam em bases
pedagógicas, porque envolve os seguintes critérios: a função de literalidade e
não literalidade, os novos signos lingüísticos que se fazem nas regras, a
flexibilidade a partir de novas combinações de idéias e comportamentos, a
ausência de pressão no ambiente, ajuda na aprendizagem de noções e
habilidades.

Sendo assim, os jogos lúdicos oferecem condições do educando


vivenciar situações-problemas, a partir do desenvolvimento de jogos
planejados e livres que permitam ao aluno uma vivencia no tocante às
experiências com a lógica e o raciocínio e também permitam atividades
físicas e mentais que favoreça a sociabilidade, bem como estimule as reações
afetivas, cognitivas, sociais, morais, culturais e lingüísticas. Pois, existe uma
relação muito próxima entre o jogo lúdico e a educação do educando para
favorecer o ensino de conteúdos escolares e como recurso para motivação no
ensino às necessidades dos alunos. E nesta perspectiva o professor deve
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auxiliar na tarefa de formulação e de reformulação de conceitos ativando o


conhecimento prévio dos alunos com uma introdução da matéria que articule
esses conhecimentos à nova informação que está sendo apresentada e
utilizando recursos didáticos para facilitar a compreensão do conteúdo pelo
aluno. Neste sentido, o jogo lúdico constitui-se em um importante recurso
para o professor ao desenvolver habilidades de resolução de problemas,
favorece também, a apropriação de conceitos e atende as características da
adolescência.

Portanto, as estratégias aqui utilizadas neste projeto serão de promover a


reflexão diante de situações-problemas que permitirão a elaboração de uma
conclusão pessoal, com base no conhecimento prévio. Além disso, a leitura
de textos, as discussões das teorias através dos jogos lúdicos e as informações
de novos conceitos, a busca de informações em fontes diversas, o relato e a
troca de idéias entre alunos deverão enriquecer a compreensão dos conceitos
envolvidos e facilitarão a incorporação do tema proposto. Nesta perspectiva
epistemológica, considerando que o processo de letramento desperte o senso
critico, formando cidadãos conscientes de seus direitos e deveres, avança
impulsionada pela vontade de explicar situações problemáticas, que motivem
os alunos e os levem a elaborar um plano que permita condições de ampliar o
domínio da língua, sem perder de vista que a apropriação da escrita e da
leitura é um instrumento de liberdade e não de escravidão.

2 APRENDIZAGEM DIFERENCIADA NAS AULAS DE


LINGUA PORTUGUESA

A socialização dos alunos da rede escolar pública tem gerado uma


grande problemática, quando se reflete na diversidade cultural, fazendo com
que o trabalho pedagógico do professor se torne ainda mais difícil quando
esses alunos são oriundos de classes populares marginalizadas. Aos
educadores que se deparam com uma imensa diversidade cultural, cabe obter
uma real visão da necessidade desses alunos possibilitando novas
experiências educativas que tenham por base os componentes socializadores
e que estejam engajadas dentro de uma perspectiva didática.

O índice de evasão escolar tem sido explicado pela falta de capacidade


da escola de constituir um universo escolar socializado, participativo e
interativo, pois o modelo educativo escolar é seletivo e fragmentário nas
atividades educativas. Neste sentido, através dos jogos lúdicos, poderemos
criar todas as situações no processo de socialização e de letramento, além
disso, pode ajudar ao aluno na convivência com seu grupo de colegas tanto
na escola como em sua própria comunidade. É um aprendizado suave,
divertido e pode proporcionar constante alegria. Através dos jogos aprende-se
a colaborar, a repartir, a observar um regulamento, a ceder o individual para
que o grupo vença; ajuda na comunicação, nos modos de agir, de pensar e de
sentir, a ganhar confiança e aumenta a autoestima, através de um ambiente
acolhedor.
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Nas ultimas décadas, os debates sobre o construtivismo 3 tem fomentado


discussões e reflexões a respeito da utilização dos jogos lúdicos na escola, e
as análises apontam para a necessidade de utilizá-los porque estão
diretamente ligadas as necessidades de uma aprendizagem qualitativa e
significativa na vida do aluno. Sendo assim, a questão central do processo de
letramento através dos jogos lúdico, é que o jogo oferece estimulo e está
sempre associado a um ambiente de interação propício ao desenvolvimento
espontâneo e criativo dos estudantes, que permite não só ao professor de
português, mas a todos sem exceção, ampliando assim, seus conhecimentos
de técnicas ativas de ensino, desenvolvendo habilidades pessoais e
profissionais para estimular nos educando as capacidades de comunicação e
expressão. Dessa forma, demonstrando uma nova maneira lúdica, prazerosa e
participativa de relacionar-se com o conteúdo escolar, levando uma maior
apropriação do conhecimento científico envolvido. Tudo isso, baseado no
fato de que jogos e brincadeiras são elementos muito valiosos no processo de
ensino-aprendizagem.

No entanto, poucos educadores se arriscam a trabalhar pedagogicamente


com os jogos lúdicos no ensino de língua portuguesa, porque desconhecem as
formas de correlacionar conteúdos e ações aplicadas de experiências. Com
isso, os problemas da aprendizagem e a dificuldade dos educandos para
compreender os processos de leitura e escrita acabam que permanecendo.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Nesse trabalho buscamos discutir sobre a implementação dos jogos


lúdicos dentro de uma proposta curricular onde a escola juntamente com seus
professores, trabalhassem numa perspectiva de inserir seu alunos num
processo ativo, dinâmico, seguindo regras e interagindo com os saberes,
apropriando-se do conhecimento científico, e ao mesmo tempo se divertindo,
participando, portanto, de uma educação transformadora.

Mostramos ainda que através dos jogos lúdicos podemos também


trabalhar com os processos de leitura e escrita, já que os referidos processos
são o melhor caminho para se entender o mundo que está a nossa própria
volta. Sendo assim, credita-se que com a inserção dos jogos lúdicos como
recurso didático para a criação de um ambiente acolhedor e interativo, os
alunos possam buscar as soluções mais adequadas para as situações de
dificuldades no desenvolvimento da leitura e escrita para que eles mesmos
possam ampliar suas capacidades de apropriação dos conceitos dos códigos
sociais e das diferentes linguagens, por meio da expressão e comunicação de
sentimentos e ideias, da experimentação, da reflexão, da elaboração de
perguntas e respostas.

NOTAS

1. Objeto Simbólico para PIAGET (1989), é definido como o jogo em três


categorias: jogo funcional, que objetiva exercitar a função em si por volta
dos 2 anos de idade; O jogo simbólico, é o momento em que o indivíduo
põe significado independente das características do objeto por volta dos 7
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anos; e o jogo de regras, consiste na relação interindividual a serviço da


lógica e da representação.

2. De acordo com Vygotsky (1984), a aprendizagem é fundamentalmente uma


experiência social, de interação pela linguagem e pela ação. Ou seja, a
interação proporciona a coletividade no aprendizado de modo que os
indivíduos venham a construir significados, compreensão e autonomia tendo
como resultado a constituição cognitiva, afetiva de ação- reflexão.
3. A construção do conhecimento ressaltada pela teoria piagetiana, é realizada
através das ações físicas ou mentais sobre objetos uma vez que, provocando
o desequilíbrio, resultam em assimilação ou, acomodação, ou seja, a
assimilação dessas ações e em seguida a construção do conhecimento. Ou
melhor, no momento em que os indivíduos conseguem assimilar os
estímulos, eles tentam fazer uma acomodação e por consequência a
assimilação e o equilíbrio enfim é conquistado.

REFERÊNCIAS

FRIEDMAN, Adriano. Brincar, crescer e aprender: o resgate do jogo


infantil. São Paulo: Moderna, 1996.
Parâmetros Curriculares Nacionais: Educação física/ Secretaria de
Educação Fundamental. – Brasília: MEC/SEF, 1997.
PIAGET, J. A linguagem e o pensamento da criança. Rio de Janeiro:
Fundo de cultura, 1989.
VIGOSTKY, L. S. A formação social da mente. São Paulo: Martins Fontes,
1984.
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Leitura e Letramento:
uma análise dos níveis de proficiência da
Prova Brasil em Sergipe

Ana Débora Lima de França1

Roseane Santana Santos Dias2

RESUMO
Este artigo consiste em uma análise dos níveis de habilidades avaliados na Prova
Brasil, com base nas notas de proficiência em Língua Portuguesa (LP). Para este fim,
utilizamos os resultados das escolas da rede pública Estadual de Sergipe, circunscritas
à Diretoria de Educação de Aracaju (DEA), nos anos de 2005 a 2011. Para
fundamentar análise adotamos o conceito de Letramento defendido por Soares (2003)
e Kleimann (1995), nos servimos também dos pressupostos da Linguística Textual
postulados por Koch (2010) sobre texto e leitura. Por fim, para procedermos à análise
nos baseamos no esquema elaborado por Rojo (2004) acerca das capacidades
envolvidas nas diversas práticas de leitura. Sendo a Prova Brasil o instrumental que
possuímos hoje para medir a qualidade da educação no país, e com base nas notas de
proficiências em LP, identificamos que, embora as notas das proficiências tenham tido
um pequeno avanço, estes não se constituíram numa transcendência de um nível ao
outro dentro da escala, ou seja, a nota aumenta, no entanto os alunos não conseguem
ultrapassar o nível em que se encontra na escala. Isso nos leva a pensar que é preciso
ajustar o discurso sobre o que se avalia na prova Brasil e o que se trabalha nas escolas.

Palavras-chave: Leitura; Avaliação; Proficiência; Prova Brasil.

1
Contato do(a) autor(a): anadebora05@hotmail.com. Especialização em Pedagogia
Empresarial pela Faculdade Atlântico. Coordenadora dos programas de formação
continuada da SEED/SE.
2
Contato do(a) autor(a): roseanesd@hotmail.com. Mestrado em Letras pela UFS.
Técnica da SEED/SE. Professora da UFS e da Faculdade Serigy.
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1 Sobre a noção de Letramento


Termo recente no campo da educação e da lingüística, a palavra
letramento não possui uma definição sólida que possa dar conta da
complexidade de tal processo. Nesse mar de imprecisão, existe a convicção
de que o termo é de origem latina. De acordo com Soares (2006, p.17), “a
palavra literacy vem do latim littera (letra), com sufixo –cyque denota
qualidade, condição, estado, fato de ser”. Dessa forma, literacy seria o
“estado ou a condição que assume aquele que aprende a ler e escrever”. De
fato, essa palavra está mais associada à palavra alfabetização do que ao termo
letramento, tendo em vista que este é “resultado da ação de ensinar ou de
aprender a ler e escrever: o estado ou a condição que adquire um grupo social
ou um indivíduo como conseqüência de ter-se apropriado da escrita”
(SOARES, 2006, p.18). Essa é realmente a definição mais comum do termo
letramento, no entanto não podemos desconsiderar a “complexidade e os
tipos de estudo que se enquadram nesse domínio” (KLEIMAM, 1995, p.17).

Embora estabeleça semelhanças com o termo alfabetização, convém


esclarecermos mais detalhadamente a diferença existente entre alfabetização
e letramento. O vocábulo Alfabetização é mais fácil de ser compreendido que
o vocábulo letramento; este pelo fato de ser um termo recente no campo das
ciências sociais. Em sentido restrito, (Soares 2003, p.90) distingue os dois
termos afirmando que “a inserção no mundo da escrita se dá por meio da
aquisição de uma tecnologia (alfabetização), e por meio do desenvolvimento
de competências de uso efetivo dessa tecnologia em práticas sociais que
envolvem a língua escrita- isso é letramento”. Embora se caracterizem como
processos distintos, mantêm certa relação de dependência, ou seja,
analfabetos podem ter um certo nível de letramento, mas não terem adquirido
a tecnologia da escrita; nesse caso recorre a quem tem para fazer uso da
leitura e escrita (Soares 2003).

Entendido o significado do termo letramento e a diferença que


estabelece com o termo alfabetização, destacamos a importância daquele para
a formação de leitores proficientes no mundo letrado.

2 Leitura e letramento
As discussões sobre leitura nunca estiveram tão em voga como na
atualidade, haja vista os baixos desempenhos dos estudantes brasileiros em
avaliações externas que medem habilidades de leitura. Desde que o governo
Federal se propôs a criar um instrumental que pudesse avaliar os níveis de
proficiência em Língua Portuguesa, sobretudo, porque precisava ter um
diagnóstico mais preciso em relação ao ensino público no país, os resultados
vêm provocando reflexões acerca das práticas didáticas de leituras
desenvolvidas em nossas escolas. Na corrida para reverter baixos de índices
de desempenho na Prova Brasil cujo foco é a leitura, algumas questões se
tornam imperativas:

É preciso dar complemento ao verbo ler quando se fala de ler muito


ou pouco, ler bem ou mal; como também é preciso dar complemento
ao verbo ler quando se avalia a leitura (SAEB, ENEM, Provão, Pisa...)
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e quando se pretende desenvolver práticas sociais de leitura


(SOARES).

No bojo de tantas questões que envolvem a leitura, uma torna-se crucial


para o entendimento do problema: se atingimos o auge da democratização do
acesso ao ensino no nosso país, por que grande parte de nossos alunos saem
da escola lendo de forma precária? “Isso, se dá, em boa parte, porque as
práticas de leitura no letramento escolar não desenvolvem senão uma
pequena parcela das capacidades envolvidas nas práticas letradas exigidas
pela sociedade abrangente” (ROJO, 2004). Nesse sentido, um bom começo
seria re (pensar) as condições de leitura oferecidas hoje em nossas escolas,
assim como na prova Brasil, já que ambas as propostas de trabalho com a
leitura devem caminhar em harmonia para que os índices de desempenho em
leitura melhorem em nosso país.

O que fazer diante de fatos poucos animadores? Por onde podemos


começar? As pesquisas e teorias sobre leitura têm se constituído como um
elemento fundamental para nortear o desenvolvimento de práticas de leitura
que preparem nossos jovens para uma leitura efetivamente cidadã, inclusive
na escola.

Pensando nisso, procuramos aprofundar as possibilidades de leitura à


luz dos estudos Koch (2010) sobre a produção de sentido na leitura de
qualquer texto. Segundo a autora, o sentido de um texto requer do leitor a
mobilização de várias estratégias que ela chama de sociocognitivas. Segundo
a linguista, para que um texto seja processado é necessário recorremos a três
grandes sistemas de conhecimento: conhecimento lingüístico, conhecimento
enciclopédico e conhecimento interacional. No conhecimento lingüístico,
para que um texto produza sentido é necessário que o leitor tenha
conhecimento da estrutura e do léxico que compõe uma língua. Já no
conhecimento enciclopédico, a produção de sentido de um texto está
condicionada aos conhecimentos de mundo que o leitor compartilha com as
informações do texto. Podemos dizer que este é um conhecimento que
precisa ser ampliado ao máximo durante o processo de escolarização do
indivíduo. Por fim, o conhecimento interacional que abrange os
conhecimentos: ilocucional, comunicacional, metacomunicativo e
superestrutural. Quando não conseguimos identificar a intenção do autor de
um texto ao escrevê-lo, o entendimento do texto fica comprometido, essa
informação está relacionada ao conhecimento ilocucional que
desenvolvemos. O conhecimento comunicacional nos permite identificar em
um texto a quantidade de informação necessária, a seleção da variante
linguística adequada e o tipo de gênero em questão. O conhecimento
metacomunicativo garante o reconhecimento do leitor dos tipos de ações
linguísticas utilizadas pelo locutor para assegurar a compreensão do texto. Já
no conhecimento superestrutural é necessário que ao ler um texto o leitor
reconheça os gêneros e sua adequação aos diversos eventos da vida social.

Do ponto de vista prático, esses conhecimentos podem ser testados


considerando as diversas capacidades de leitura que recorremos nas diversas
práticas de letramento por nós vivenciadas. Nesse sentido, Rojo (2004)
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elenca algumas capacidades inerentes ao processo de leitura, que ela divide


em três grandes blocos:

Capacidades de decodificação

• Compreender diferenças entre escrita e outras formas


gráficas (outros sistemas de representação);

• Dominar as convenções gráficas;

• Conhecer o alfabeto;

• Compreender a natureza alfabética do nosso sistema de


escrita;

• Dominar as relações entre grafemas e fonemas;

• Saber decodificar palavras e textos escritos;

• Saber ler reconhecendo globalmente as palavras;

• Ampliar a sacada do olhar para porções maiores de texto


que meras palavras, desenvolvimento assim fluência e rapidez de
leitura.

Capacidades de compreensão (estratégias)

• Ativação de conhecimentos de mundo: previamente à


leitura ou durante o ato de ler, o leitor está constantemente colocando
em relação seu conhecimento amplo de mundo com aquele exigido e
utilizado pelo autor no texto. Caso esta sincronicidade falhe, haverá
uma lacuna de compreensão, que será preenchida por outras estratégias,
em geral de caráter inferencial.

 Checagem de hipóteses: Ao longo da leitura, no entanto, o


leitor estará checando constantemente essas suas hipóteses, isto é,
confirmando-as ou desconfirmando-as e, conseqüentemente,
buscando novas hipóteses mais adequadas. Se assim não fosse, o
leitor iria por um caminho e o texto por outro.

 Localização e/ou cópia de informações: Em certas práticas


de leitura (para estudar, para trabalhar, para buscar informações em
enciclopédias, obras de referência, na Internet), o leitor está
constantemente buscando e localizando informação relevante, para
armazená-la – por meio de cópia, recorte-cole, iluminação ou
sublinhado – e, posteriormente, reutilizá-la de maneira reorganizada.
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 Comparação de informações: Ao longo da leitura, o leitor


está constantemente comparando informações de várias ordens,
advindas do texto, de outros textos, de seu conhecimento de mundo,
de maneira a construir os sentidos do texto que está lendo.

 Produção de inferências locais: No caso de uma lacuna de


compreensão, provocada por exemplo, por um vocábulo ou uma
estrutura desconhecidos, exerceremos estratégias inferenciais, isto é,
descobriremos, pelo contexto imediato do texto (a frase, o período, o
parágrafo) e pelo significado anteriormente já construído, novo
significado para este termo até então desconhecido.

Capacidades de apreciação e réplica do leitor em relação ao


texto (interpretação, interação)

 Recuperação do contexto de produção do texto: Para


interpretar um texto discursivamente, é preciso situá-lo: Quem é
seu autor? Que posição social ele ocupa? Que ideologias assume e
coloca em circulação? Em que situação escreve? Em que veículo
ou instituição? Com que finalidade? Quem ele julga que o lerá?
Que lugar social e que ideologias ele supõe que este leitor
intentado ocupa e assume? Como ele valora seus temas?
Positivamente? Negativamente? Que grau de adesão ele intenta?
Sem isso, a compreensão de um texto fica num nível de adesão ao
conteúdo literal, pouco desejável a uma leitura crítica e cidadã.
Sem isso, o leitor não dialoga com o texto, mas fica subordinado a
ele.

 Percepção de relações de interdiscursividade (no nível


discursivo): Perceber um discurso é colocá-lo em relação com
outros discursos já conhecidos, que estão tramados a este discurso.
Quando esta relação se estabelece, então, num dado texto, como
por exemplo, nas paródias, nas ironias, nas citações, falamos de
interdiscursividade.

 Percepção de outras linguagens (imagens, som, imagens em


movimento, diagramas, gráficos, mapas etc.) como elementos
constitutivos dos sentidos dos textos e não somente da linguagem
verbal escrita.

Essa organização das capacidades necessárias a um leitor proficiente


servirá como parâmetro para as análises que nos propusemos a realizar com
base nas notas proficiência da Prova Brasil.

3 Sobre Avaliação Externa e Prova Brasil


O aprendizado da leitura e da escrita tem se apresentado como um
grande desafio à escola pública hoje. Mais do que uma atividade ou tarefa
que se desenvolve didaticamente nas aulas de Língua portuguesa, a leitura e a
escrita, em seu conjunto de habilidades, constitui-se como requisito básico
para que o indivíduo ingresse no mundo letrado e possa construir seu
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processo de cidadania. Assim entendida, torna-se, portanto, uma das


competências mais requeridas no processo de escolarização do indivíduo,
pois lhe permite penetrar de forma atuante nas diversas esferas de
participação da sociedade contemporânea.

Essas considerações trazem à tona a necessidade de se buscar formas de


organizar, medir e avaliar o domínio das habilidades relativas à leitura e a
escrita nos currículos escolares. Assim como torna-se também
imprescindível, que os sistemas de ensino criem parâmetros e metas que
norteiem essas práticas, e se organizem no sentido de definir o quê e como
avaliar a aprendizagem dessa competência.

Na última década têm sido recorrentes discussões em torno da qualidade


do ensino oferecido pelos sistemas educacionais. Com o objetivo de apurar
informações sobre as aprendizagens dos alunos e obter um diagnóstico acerca
do que se ensina nas escolas, medidas estão sendo tomadas no sentido de
promover avaliações sistemáticas em larga escala, de modo a responderem às
novas demandas sociais em relação à educação escolar, conforme aponta
Fernandes (2009, p. 21) “na expectativa de obter informação confiável acerca
do que os alunos sabem e de contribuir para melhorar a qualidade de ensino
nas escolas”. Essas avaliações têm também a intenção de contribuir para que
gestores, professores e demais agentes da educação, estabeleçam metas e
promovam ações eficazes tendo como foco a aprendizagem dos alunos.

Desde então, a opção pelas avaliações externas, com a realização de


exames em larga escala, têm sido adotadas em diversos países como política
pública de avaliação dos sistemas de ensino. Mesmo obstante às críticas de
todas as ordens, principalmente às que se referem ao empobrecimento do
currículo, como aponta Fernandes (2009, p.33), ao afirmar que estas “avaliam
uma amostra muito reduzida dos domínios do currículo e, por isso, não
avaliam muitos resultados significativos da aprendizagem dos alunos”. No
entanto, é pelo seu caráter de confiabilidade e validade dos dados, além da
equidade com que trata os diferentes sistemas de ensino que as avaliações
externas tem servido ferramenta de gestão, análise e monitoramento do
desempenho da educação escolar.

No Brasil, foi criada em 2005, pelo Ministério da Educação a Prova


Brasil que passou a integrar o Sistema de Avaliação da Educação Básica-
SAEB, avaliação em larga escala, que já era realizada pelo Inep – Instituto
Nacional de Estudos e Pesquisas Anízio Teixeira, desde 1990, e que produzia
informações, em uma amostragem representativa dos estudantes do 5º e 9º do
EF e 3ª série regular do ensino médio, a respeito da situação educacional das
redes pública e privada por Região e Unidade da Federação, das áreas
urbanas e rurais.

A partir da integração da Prova Brasil ao SAEB, as informações


coletadas passaram também a retratar a qualidade do ensino público nos
municípios e de cada unidade escolar, complementando as informações
coletadas pelo SAEB. Realizada desde 2005 e aplicada a cada dois anos,
avalia o desempenho dos estudantes nas disciplinas de LP, com ênfase em
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leitura, e Matemática, com foco em resolução de problemas. Consideradas as


áreas essenciais para uma compreensão mais ampla de todo currículo escolar.

Assim, foram elencados numa Matriz de Referência, construídas com


base nos documentos curriculares norteadores dos sistemas de ensino, nos
PCNs (Parâmetros curriculares Nacionais) e nos livros didáticos adotados nas
unidades de ensino públicas e privadas, um conjunto de competências e
habilidades comuns para as séries e disciplinas avaliadas em todo território
nacional. “Estas matrizes constituem um parâmetro de orientação, uma
espécie de pauta, segundo a qual se elege o que será avaliado.” (INEP, 2009).

As habilidades e competências são organizadas em forma de Descritores


que, “como o próprio nome sugere, constituem uma sumária “descrição” das
habilidades esperadas no final do 5º ou do 9º ano” (INEP, 2009). Estes, em
conjunto com os Tópicos, ou a relação dos temas e conteúdos, compõem o
objeto de avaliação da Prova Brasil.

Na disciplina Língua Portuguesa, objeto deste estudo, as competências e


habilidades requeridas têm como enfoque a competência leitora dos
estudantes brasileiros, assim expressas na cartilha de orientação da Prova
Brasil (INEP, 2009): “Os testes de Língua Portuguesa da Prova Brasil e do
Saeb têm como foco a leitura. Seu objetivo é verificar se os alunos são
capazes de apreender o texto como construção de conhecimento em
diferentes níveis de compreensão, análise e interpretação. A alternativa por
esse foco parte da proposição de que ser competente no uso da língua
significa saber interagir, por meio de textos, em qualquer situação de
comunicação. Ler não é apenas decodificar, mas entender. É uma atividade
complexa que exige do leitor demonstrar habilidades como reconhecer,
identificar, agrupar, associar, relacionar, generalizar, abstrair, comparar,
deduzir, inferir, hierarquizar.”

Esses pressupostos expressos no documento orientador de aplicação da


Prova Brasil (INEP, 2009), marca a posição conceitual do Ministério da
Educação em relação à LP e s expectativas leitoras dos estudantes do país,
que assume uma concepção de língua como instrumento de interação social
que muito se aproxima à concepção de Letramento defendida por Soares
(2006, p.30) e adotada neste estudo “podemos definir letramento como a
capacidade de um indivíduo de se apropriar da escrita, sendo capaz de utilizá-
la em diversas situações exigidas no cotidiano”.

Os resultados das provas são apresentados em uma escala desdobrada


em seis níveis de proficiência em Língua Portuguesa, que respondem aos
Descritores e aos Tópicos: Procedimento de Leitura; Implicação do suporte,
do Gênero e/ou do Enunciador na compreensão do Texto; Relação entre
textos; Coerência e Coesão no Processamento do Texto; Relação entre
Recursos Expressivos e Efeitos de Sentido; Variação linguística e que
determina o que efetivamente deve ser aprendido pelos alunos nas escolas do
país.

Com essa sumária explanação nos propusemos a ilustrar um panorama


dos objetivos, metas e metodologia das avaliações externas aplicadas no
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Brasil, mais precisamente a Prova Brasil, e seus resultados de proficiência em


LP de uma amostragem das escolas da rede estadual de educação de Sergipe
para, a partir daí, possamos desenvolver uma adequada interpretação dos
dados e uma reflexão sobre os reais níveis de Leitura em que essas unidades
escolares se encontram.

4 Leitura e Proficiência de Língua Portuguesa das Escolas


da DEA/SEED

A Secretaria de Estado da Educação de Sergipe- SEED é uma rede de


ensino composta por 378 escolas que atendem o Ensino Fundamental, o
Ensino Médio e Educação de Jovens e Adultos. Além do Ensino
Profissionalizante.

Seu modelo de gestão está organizado administrativamente por


diretorias regionais, de modo a atender de forma equinânime, respeitando as
diferenças territoriais, todos os 75 municípios do Estado. Esse modelo se
adéqua ao plano de gestão do governo do Estado, por entender que cada
diretoria regional é uma representação administrativa menor, mas que goza
de autonomia para colaborar com o Governo, administrando “de perto” as
demandas provenientes das unidades escolares circunscritas às suas
respectivas diretorias.

O procedimento metodológico que adotamos para desenvolver a


análise deste estudo precedeu de uma escolha aleatória de uma das diretorias
administrativas da SEED. Para isso elegemos a DEA – Diretoria de Educação
de Aracaju, localizada na cidade de Aracaju, capital do estado. Essa Diretoria
responde pela administração de 90 escolas da região metropolitana, sendo
que será objeto desta análise apenas 59 dessas, por somarem o quantitativo
das que oferecem o ensino fundamental regular nos anos iniciais.

No conjunto das 59 escolas avaliadas, eliminamos na análise dos dados


15, por não apresentarem os dados relativos ao nível de proficiência na série
histórica 2005-2011. Importante enfatizar que o INEP estabeleceu por meio
da Portaria Nº 410, de 3 de novembro de 2011, alguns critérios para que as
provas fossem aplicadas nas unidades escolares, quais sejam: Escolas
particulares; Escolas com ensino exclusivamente profissionalizante; Escolas
com ensino exclusivo para Jovens e Adultos; Escolas que optaram pela não
aplicação da Prova Brasil, com registro em Formulário de Controle da
Aplicação; Escolas públicas com menos de 20 alunos matriculados em cada
uma das séries avaliadas, de acordo com o Censo Escolar 2011; Escolas que
não atingiram 50% de participação em relação ao quantitativo de alunos
declarados no Censo Escolar 2011; Escolas municipais pertencentes aos
municípios que solicitaram a não divulgação dos resultados nos termos da
Portaria e Escolas municipais que compuseram o estrato especial de
aplicação, conforme critérios estabelecidos também na referida Portaria.
(DOU, 2011).

Diante desses recortes podemos nos adiantar em informar que a não


divulgação dos resultados das notas de proficiência dessas escolas, em um
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dos anos do período requerido, deu-se em função destas não se inserirem no


contexto dos critérios estabelecidos pelo INEP.

Na sequência das análises, apresentamos a tabela de distribuição dos


níveis de proficiência em LP dos alunos do 5º ano, por escola, no período de
2005 a 2011.

PROFICIÊNCIAS EM LÍNGUA PORTUGUESA 2005

Nível Pontos na Escolas Percentual


escala

Nível 9 325 ou mais 0 __________

Nível 8 300 a 325 0 _________

Nível 7 275 a 300 0 __________

Nível 6 250 a 275 0 __________

Nível 5 225 a 250 0 __________

Nível 4 200 a 225 03 7%

Nível 3 175 a 200 15 35%

Nível 2 150 a 175 24 56%

Nível 1 125 a 150 01 2%

Nível 0 125ou menos 0 ___________

43 100%

PROFICIÊNCIAS EM LÍNGUA PORTUGUESA 2007

Nível Pontos na Escolas Percentual


escala

Nível 9 325 ou mais 0 _________

Nível 8 300 a 325 0 _________

Nível 7 275 a 300 0 _________

Nível 6 250 a 275 0 _________

Nível 5 225 a 250 0 _________


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Nível 4 200 a 225 01 2%

Nível 3 175 a 200 12 22%

Nível 2 150 a 175 39 71%

Nível 1 125 a 150 03 5%

Nível 0 125ou menos 0 __________

55 100%

PROFICIÊNCIAS EM LÍNGUA PORTUGUESA 2009

Nível Pontos na Escolas Percentual


escala

Nível 9 325 ou mais 0 __________

Nível 8 300 a 325 0 _________

Nível 7 275 a 300 0 __________

Nível 6 250 a 275 0 __________

Nível 5 225 a 250 0 __________

Nível 4 200 a 225 04 7%

Nível 3 175 a 200 17 31%

Nível 2 150 a 175 32 58%

Nível 1 125 a 150 02 4%

Nível 0 125ou menos 0 ___________

45 100%

PROFICIÊNCIAS EM LÍNGUA PORTUGUESA 2011

Nível Pontos na Escolas Percentual


escala

Nível 9 325 ou mais 0 __________

Nível 8 300 a 325 0 _________

Nível 7 275 a 300 0 __________


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Nível 6 250 a 275 0 __________

Nível 5 225 a 250 0 __________

Nível 4 200 a 225 04 8%

Nível 3 175 a 200 23 46%

Nível 2 150 a 175 22 44%

Nível 1 125 a 150 01 2%

Nível 0 125ou menos 0 ___________

50 100%

Para entender a leitura e análise dos dados é importante ressalvar que


cada um dos níveis de habilidades é constituído pelas habilidades nele
descritas (conforme quadro de escalas em anexo), somadas às habilidades dos
níveis anteriores, em ordem crescente de complexidade (INEP, 2009,).

Em 2005, 43 escolas participaram da Prova Brasil, destas 24 escolas, ou


seja, 56%, mais da metade alcançaram o nível 2. Isso indica que tais alunos
estão em um nível de leitura correspondente a alunos da 2ª ano das séries
iniciais, isto é, em processo de alfabetização. Enquanto que pela descrição
dos níveis da escala, esse aluno já deveria está, por exemplo, inferindo o
sentido de palavra em texto poético, identificar as marcas linguísticas dos
elementos que compõe uma narrativa.

Em 2007 a quantidade de escolas no nível 2 aumentou, mostrando mais


uma estagnação do nível de leitura dos alunos avaliados. Tais dados revelam
que as práticas de leituras estão muito mais focadas nas capacidades de
decodificação e, dessa forma, entendendo a língua como código, como
também é perceptível um pequeno estímulo a capacidade de compreensão
dos alunos que abrange, por exemplo, o conhecimento enciclopédico.

No ano de 2009, o nível 2 continua mantendo a sua hegemonia,


mostrando de certa forma, que as notas podem até terem aumentado, porém
não o suficiente para que os alunos evoluíssem no nível de proficiência.

Em 2011 podemos visualizar uma mudança concreta do nível 2 para o


nível 3, retratando uma leve evolução na escala. Isso mostra que os alunos já
conseguem ler narrativas mais complexas e interpretá-las. Além disso, já
conseguem também inferir os sentidos de uma expressão, assim como,
identificar a finalidade de um texto jornalístico. Neste caso, já conseguem
ativar outros conhecimentos, além dos linguísticos, como o conhecimento
ilocucional, por exemplo.

Sendo assim, numa interpretação inicial e ampla dos dados de


proficiência, tendo como referência os dados apresentados pelas Unidades
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Escolares circunscritas à DEA, podemos afirmar que houve um aumento


geral da proficiência no histórico dos resultados divulgados até então. Não
obstante, observamos que o quantitativo de escolas que logram êxito no
avanço de uma escala para outra, ainda é muito tímido. Lembrando que essas
provas são aplicadas aos alunos do 5º ano e que, a expectativa de
aprendizagem para essa série em LP, compõe as habilidades descritas de
forma cumulativa no intervalo de nível 1 ao 4. O que significa uma aquisição
ainda muito restrita de novas habilidades e competências em Língua
Portuguesa ao longo da escolaridade básica.

Assim, uma análise não tão aguçada dos dados nos responde que as
escolas analisadas precisam ainda intervir muito para colaborar com
estudante no sentido de garantir-lhes o direito de ampliação das habilidades
de leitura que envolvam uma concepção ampla de letramento e que possam
ser avaliadas em diversos contextos.

CONSIDERAÇÕES FINAIS
Diante desta breve exposição da situação das escolas estaduais de
Aracaju, algumas considerações devem permear nossas últimas palavras. Os
níveis que se encontram nossos alunos na escala de proficiência mostram
que, as práticas de leitura/letramento desenvolvidas nestas escolas estão
negligenciando a possibilidade de acesso do aluno ao universo letrado nas
suas múltiplas dimensões. Esse fato nos leva também a inferir que existe um
abismo entre as concepções de leitura/língua/texto adotada na Prova Brasil e
as concepções adotadas pelas escolas. Nesse sentido, é sintomática a
necessidade de articular ações que visem aproximar os currículos das escolas
da matriz curricular da prova Brasil, e verificar como essa articulação se
efetiva na prática. Caso contrário, estaremos na contramão da tão almejada
qualidade da educação em nosso estado/país.

REFERÊNCIAS

KLEIMAM, A. Os significados do letramento: uma nova


perspectiva sobre a prática social da escrita- Campinas, SP:
Mercado das Letras, 1995.
ROJO, Roxane. Letramento e capacidade de leitura para a
cidadania. São Paulo: SEE: CENP, 2004. Disponível em
http://deleste2.edunet.sp.gov.br/htpc2012/pc1_letramento.pdf.
acessado em 29/08/2012.
SOARES, M. Letramento um tema três gêneros. 2ed. Belo
Horizonte: Autêntica 2006.
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SOARES, M. in Letramento no Brasil: Reflexões a partir do


INAF 2001. Org. Vera Masagão Ribeiro. São Paulo: Global,
2003.
SOARES, M. LER, VERBO TRANSITIVO.
www.leiabrasil.org.br/old/leiaecomente/doc/verbo_transitivo.do
c. acessado em 29/08/2012.
KOCH. INGEDORE. Ler e compreender: os sentidos do texto.
3. Ed. São Paulo: Contexto, 2010.
FERNANDES, Domingues. Avaliar para aprender. São Paulo.
Editora Unesp. 2009.
http://portal.inep.gov.br/web/prova-brasil-e-saeb/prova-brasil-e-
saeb.
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ALFABETIZAÇÃO:
reflexões a partir de um estudo de caso

Cláudia Cardinale Nunes Menezes1

RESUMO

Este trabalho pretende realizar reflexões sobre o processo de alfabetização, o qual


precisa ter como premissa que cada criança é única, e que suas dificuldades merecem
toda atenção, para que possamos propiciar um ambiente educacional favorável à
aprendizagem. O trabalho visa analisar as possíveis causas da dificuldade de
aprendizagem apresentada por um aluno de segunda série que já reprovou duas vezes
e, também, delinear um retrato da teoria e da práxis que constrói e embasa a
alfabetização. O estudo poderá servir como orientação para os profissionais da
educação e familiares sobre o desenvolvimento educacional do aluno dentro da
escola, na família e na comunidade. Para tanto, recorre-se ao estudo de caso,
sustentado pelos aportes teóricos de Emília Ferreiro, Sara Paín, entre outros autores. A
escolha do tema de estudo justifica-se pela preocupação com o número cada vez
maior de crianças no processo de alfabetização que apresenta dificuldades
relacionadas ao desenvolvimento afetivo, cognitivo e psicomotor.

Palavras-chave: Dificuldades de aprendizagem; Educação; Alfabetização

1
Contato do(a) autor(a): mota-claudia@ig.com.br. FSLF, especialista
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INTRODUÇÃO

Neste artigo será apresentado um estudo de caso de um aluno repetente


da 2ª série do Ensino Fundamental do município de Aracaju/SE que
apresenta dificuldade em ler e escrever, desde a educação infantil. Com o
objetivo de analisar as possíveis causas da dificuldade de aprendizagem
apresentada e delinear um retrato da teoria e da práxis que constrói o
processo de alfabetização.

Realizamos momentos de entrevista com a mãe da criança para a


compreensão das relações familiares e sua relação com o modelo de
aprendizagem; momentos de avaliação das atividades escolares; de estudo
sobre os processos de construção e desempenho das estruturas cognitivas; de
análise dos aspectos emocionais por meio de testes projetivos e de entrevistas
com os profissionais da escola.

Esses momentos foram estruturados dentro de uma sequência


diagnóstica estabelecida de acordo com o caso. Os dados foram coletados
com a família, escola e com o próprio aluno, considerando os aspectos
objetivos e subjetivos observados nos diversos âmbitos: cognitivo, familiar,
pedagógico e social.

Adotamos como referência de estudo o modelo desenvolvido por Weiss


(1992), composto pelas seguintes etapas: Entrevista Familiar Exploratória
Situacional (E.F.E.S), Entrevista de Anamnese, Sessões lúdicas centradas na
aprendizagem, Complementação com provas e testes, Síntese diagnóstica –
Prognóstico, Devolução e Encaminhamento.

O estudo de caso foi desenvolvido por meio de um atendimento


pedagógico especializado, o qual servirá como orientação e reflexão para os
profissionais da educação e familiares sobre o desenvolvimento educacional
e a alfabetização, a fim de proporcionar, a integração do aluno dentro da
escola, na família e na comunidade, superando as dificuldades encontradas no
processo de alfabetização.

1 REFLEXÕES SOBRE O PROCESSO DE


ALFABETIZAÇÃO

O processo de alfabetização deve oportunizar condições para que a


criança ou adulto seja capaz não só de ler e escrever, mas, sobretudo, de fazer
uso adequado da escrita, atuando como cidadão ativo e critico em nossa
sociedade.

Ferreiro (1996) em suas pesquisas entende que o desenvolvimento da


leitura e da escrita se constrói a partir do ponto de vista dos processos de
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apropriação de um objeto socialmente constituído. E este construir


conhecimento, estaria alicerçado em possibilidades que o sujeito obtém para
criar o seu conhecimento, perpassando pelos diversos patamares do próprio
conhecimento trabalhado e atingindo o saber socialmente elaborado.

Como discute Ferreiro (1996), um dos primeiros problemas enfrentados


pela criança, para desvendar a escrita, é compreender o que as marcas sobre o
papel representam e como se realiza esta representação. Esta é uma é uma
importante contribuição no sentido de considerar a escrita como a
representação da linguagem e não apenas como um código de transcrição
gráfica de unidades sonoras. Ressaltamos, ainda, que Ferreiro (1996)
considera a criança que aprende como um sujeito ativo que interage de modo
produtivo.

Este é o problema da criança do nosso estudo, desvendar “o segredo


das letrinhas”. Podemos caracterizar a criança em análise como um
indivíduo que apresenta a necessidade a todo o momento de aprovação e de
modelos a serem seguidos. Ao observar por atividades de repetição,
podemos perceber que a criança age mais na estrutura da hiperacomodação.
Uma modalidade de aprendizagem em desequilíbrio quanto aos movimentos
de assimilação e acomodação; sintomatizada na hiperacomodação. Segundo
Paín (1985, p.48)

muitas vezes a hipoassimilação leva a uma hiperacomodação,


fazendo com que o sujeito busque modificar o menos possível o
objeto do conhecimento para aprendê-lo. A hiperacomodação causa
uma pobreza de contato com a subjetividade, superestimulação da
imitação, falta de iniciativa, obediência acrítica, submissão.

Pode-se perceber que a relação de ensino-aprendizagem toma diversas


formas e modelos, na qual Fernández (2001) nomeia como modalidades de
aprendizagem, que se compõem a partir de uma modalidade de ensinagem.

A modalidade de aprendizagem do sujeito na infância está construída


nas bases de aprendizagem familiar, ou seja, o espaço de relação da família é
o ambiente onde compõe-se as modalidades de aprendizagem. Numa família,
que não autoriza a diferença, encontramos a diferença como deficiência; e
este é o contexto da família do estudo de caso.

De acordo com o relato da professora, a criança escreve copiando, mas


não sabe ler o que escreveu, apesar de reconhecer as letras. Na hora de fazer a
junção das letras para formar sílabas, não consegue, e permanece em silêncio.
A professora exemplificou a tentativa de leitura da criança, a palavra PAI,
fala P-A e não consegue ler mais nada, ainda segundo a professora, com
muita insistência a criança consegue pequenos avanços, mas esquece no dia
seguinte, “parece que tem um bloqueio”. Para os colegas de sala de aula, “ele
não sabe ler”. Observamos distração da criança durante a maior parte da
aula, e quando concentra-se em alguma atividades é por pouco tempo.
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Analisando o relato da professora orientamos que o trabalho pedagógico


sempre esteja fundamentado em um processo de alfabetização
contextualizada, a qual priorize o caráter construtivo das elaborações infantis,
sem os quais a aprendizagem pode ser muito dificultada, como o caso
relatado.

Segundo Ferreiro e Teberosky (1985) pouco adianta ensinar a criança a


traçar letras, se não forem oferecidas a ela situações onde a escrita como
sistema de representação possa ser objeto do pensamento infantil. Desta
forma, fazem-se necessárias mudanças no conjunto de textos oferecidos para
a leitura realizada pela criança, priorizando textos que proporcionem
significados pautados em conhecimentos prévios da criança, caso contrário à
criança pode não demostrar interesse pela aprendizagem.

Foi observado, também, que o comportamento apresentado pela criança


reflete questões múltiplas, sendo estas resultantes da constituição do sujeito e
da relação estabelecida com aspectos em seu contexto social. As áreas de
estudo se traduzem na observação de aspectos orgânico, cognitivo,
emocional, social e pedagógico no processo de aprendizagem.

Segundo Weiss (1992, p. 22) a interligação destes aspectos ajudará a


construir uma visão gestáltica da pluricausalidade, possibilitando uma
abordagem global do sujeito em suas múltiplas facetas. Observando tais áreas
específicas que compõem o ser em sua totalidade, foram identificadas as
seguintes situações.

No aspecto orgânico e corporal, a criança não apresentou dificuldades


quanto à psicomotricidade, coordenação motora fina, lateralidade e relações
espaciais. Não apresentou também alterações na visão visto que, a criança
não apresentou dificuldades nas visualizações gráficas. Não apresenta
carências nutricionais e a não recusa alimentação.
No nível emocional identificamos sentimentos de desconfiança e baixa
autoestima, além de insegurança nas relações familiares e sociais impedindo
assim, vínculos importantes para o seu desenvolvimento afetivo, podemos
citar como exemplo, as críticas recebidas em casa e na escola porque não ser
capaz de ler e escrever. A angústia, o medo e as tensões são direcionados
para área corporal durante o sono noturno, onde a criança relatou que tem
pesadelos e insônia com frequência.
As dificuldades da criança têm sido pontuadas e reforçadas pela
instituição escolar, classificando-o como ‘menos apto’ e desconsiderando a
singularidade do ser em permanente construção. Daí é percebido o
distanciamento e a inércia nas ações operativas que são de suma importância
para a autonomia e liberdade de pensamento.
No aspecto cognitivo e pedagógico não detectou-se alterações
importantes quanto à atenção, memória, antecipação, classificação e
percepção, pois apresentou distração na escola e não em jogos e programas
eletrônicos. Apresenta de maneira satisfatória relações espaços-temporais.
Limitações quanto às operações de cálculo mental e conceito de número, a
qual evidencia um estágio de pensamento operacional-concreto inicial com
predomínio no intuitivo e leitura e escrita no nível silábico. Segundo
Ferreiro e Teberosky (1980) este é um nível marcado pelo conflito
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estabelecido pela criança, pois precisa negar a lógica do nível silábico,


gerando incapacidade de compreensão daquilo que a criança escreveu.
A criança apresenta uma modalidade de aprendizagem marcada pelo
aparecimento de condutas dependentes. Não toma iniciativa, é queixoso e
precisa ser conduzido nas suas produções bem como necessita de aprovação
constante no trabalho que realiza. Esse comportamento representa ser fruto
dos constantes fracassos no seu processo de conhecimento, sendo um tipo de
conduta que representa obstáculos quanto à construção dos vínculos com as
primeiras aprendizagens e a relação estabelecida com os professores.
Estes aspectos, ao serem analisados separadamente configura um
quadro com pistas que podem explicitar mais claramente as causas do
comportamento apresentado. Ao integrar os resultados obtidos durante todo
o processo de investigação à queixa inicial podemos entender o que sinaliza
a dificuldade na alfabetização – um comportamento expresso pelo
desinteresse, mesmo que inconsciente.
Sendo assim, perceber as individualidades da criança possibilita
entender o seu processo de aprendizagem, o que ela apresenta como
comportamento destoante e que incomoda a escola e a família.
De acordo com Pain (1985, p.15)

Nesse lugar do processo de aprendizagem coincidem um momento


histórico, um organismo, uma etapa genética da inteligência e um
sujeito associado a tantas outras estruturas teóricas, de cuja
engrenagem se ocupa e preocupa a Epistemologia; referimo-nos
principalmente ao materialismo histórico, à teoria piagetiana da
inteligência e a teoria psicanalítica de Freud, enquanto instauram
a ideologia, a operatividade e o inconsciente.

Quando o assunto envolve questões relacionadas ao estabelecimento de


afetividade, ressignificação de aprendizagem, formação de valores e
orientação familiar, surge então a emergente necessidade de reorientação, e
sem os esforços de pais, professores e da própria criança, o processo de
alfabetização parece distante.

Diante deste contexto, tanto no âmbito da dinâmica do cotidiano escolar


quanto familiar, a criança manifesta comportamentos passíveis de
reorientação. Depois da análise do caso concluída foi proposta uma reflexão
aos envolvidos no estudo em questão, através de seminário para os
profissionais da escola e para a família e criança, um diálogo.

Para a escola recomendamos trabalho pedagógico direcionado a


valorização e singularidade do sujeito dentro do grupo e do seu conhecimento
prévio de mundo, sempre pautado em um planejamento flexível, com
objetivos claros e estratégia metodológica criativa e desafiadora que combine
os diferentes estilos de aprendizagem (sinestésico, visual, auditivo).
Valorização do conhecimento trazido pela criança, podemos exemplificar
com sugestões de atividades onde a criança desenhe histórias e escreva a fala
dos personagens. Atividades para a criança e na medida em que ela não
conseguir manter a atenção ampliar o tempo de atenção com outras
atividades que proporcione mais interesse pela criança. Realizar uma
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atividade de cada vez para facilitar o entendimento e cautela quanto à


sobrecarga de atividades e ansiedade. Estabelecer regras claras e simples para
serem adotadas no cotidiano escolar e não esquecer-se de realizar acordos e
elogiar o comportamento.

Vale ressaltar, também, que o profissional da educação necessita ter


conhecimentos multidisciplinares, pois é necessário estabelecer e interpretar
dados em várias áreas. O conhecimento dessas áreas fará com que o
profissional compreenda o quadro do aluno e favorecerá a escolha de
metodologia mais adequada com vistas à superação das dificuldades de
alfabetização, favorecendo a aprendizagem do aluno no processo.

Para a família, recomendamos falar com a criança sobre a importância


de aprender ler e escrever, sempre mantendo a criança em contato coma a
escrita, por meio de pequenos bilhetes demonstrando a utilização da
linguagem escrita como veículos de comunicação. Solicitar que a criança
faça lista de compras, conte histórias. Se a criança não quiser fazer a lição,
conversar e descobrir o motivo, já que pode ser por não ter entendido a
matéria. Estabelecer horários para estudar em casa, é importante que a
criança tenha tempo para brincar e fazer outras atividades que goste. Escolher
um ambiente tranquilo, sem barulho de televisão ou rádio, facilitando a
concentração. Se a criança não entender um exercício sobre desenho
geométrico, por exemplo, busque objetos que estão ao seu redor para
explicar. Montar teatrinhos sobre os assuntos estudados ou acrescente
músicas explicativas na hora de auxiliar na lição. Realizar experiências para
mostrar a criança na prática algum assunto que foi visto na escola. Não ficar
o tempo todo ao lado da criança, para que não se habitue a fazer a lição
apenas na companhia dos pais. Nunca estimular a memorização dos temas
estudados, peça sempre para explicar o que entendeu. Se não souber
responder a uma dúvida da criança, pesquise ou anote e transfira a questão
para a professora. Reforçar o ânimo frequentemente ao notar sinais de
desânimo e frustração, incentivando-o. Evitar sermões ou críticas longas, e
ser prudente e sensato quanto às sanções.

Para criança orientamos organização do horário de estudo diário para


revisar as matérias do dia e nunca deixar para estudar tudo no dia anterior a
prova. Estudar num lugar calmo e sem barulho. Procurar esclarecer todas as
dúvidas com o professor durante as aulas ou dias de reforço. Alimentar-se
antes de ir ao colégio. Procurar desenvolver as atividades propostas pelos
professores e participar dos trabalhos. Realizar atividades físicas, pois uma
boa saúde corporal é fundamental para um bom desempenho na escola.
Procurar dormir no mínimo oito horas por dia para não ter sono durante as
aulas. O lazer é fundamental para chegar disposto ao colégio. Ter uma vida
agradável no colégio, estudando e brincando com os amigos.

CONCLUSÕES
A criança revela obstáculos relacionados à vinculação afetiva que se
estabelece com as situações de aprendizagem, apresentando de diferentes
formas. Apresenta um histórico de vida marcado por construção de baixa
autoestima produzida pelo recorrente fracasso escolar, inadequação
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pedagógica favorecida por um modelo de aprendizagem limitado ao princípio


de acomodação cognitiva, descontextualizado e pautado no estímulo à
dependência e nos recursos básicos da memorização.

Faz-se necessário que a criança tenha oportunidade de sentir-se como


alguém capaz de conhecer e que sejam estabelecidas novas vinculações com
a aprendizagem escolar. Cabendo a família e a escola proporcionarem
estímulos significativos, dando condições de uma aprendizagem que o realize
como cidadão capaz de ler e saber interpretar o mundo. Pois, caso contrário,
o resultado poderá ser configurado nas constantes reprovações sem evolução
quanto à construção de saberes e ressignificação de conhecimentos, formando
mais um indivíduo estigmatizado como aluno problemático, e com limitações
cognitivas incapacitantes para o aprendizado.

Ressaltamos a importância do professor alfabetizador na formação do


educando, principalmente em seu exercício das práticas pedagógicas que
devem buscar a potencialização da leitura e da escrita no processo de
alfabetização. Para isso, os profissionais da educação precisam ter uma
prática comprometida e dedicação contínua não só em relação à formação dos
educandos, mas, principalmente, com a sua formação sobre os procedimentos
e conhecimentos sobre alfabetização, sempre buscando atualização,
considerando a descoberta e a produção do conhecimento um processo
contínuo.

REFERÊNCIAS

FERNÁNDEZ, Alicia. Os idiomas do aprendente: análise de


modalidades ensinantes em famílias, escolas e meios de
comunicação. Porto Alegre: Artmed Editora, 2001.
FERREIRO, Emília. Reflexões sobre alfabetização. São Paulo:
Cortez, 1996.
FERREIRO, Emília & TEBEROSKY, Ana. Psicogênese da
Língua escrita. Porto Alegre: Artes Médicas, 1985.
PAÍN, Sara. Diagnostico e tratamento dos problemas de
aprendizagem. Porto Alegre: Artes Médicas, 1985.
WEISS, Maria Lucia Lemme. Psicopedagogia clínica: uma
visão diagnostica dos problemas de aprendizagem. Rio de
Janeiro: Lamparina, 1992.
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Reflexões sobre o Ensino do Texto em uma


Sala de Aula com Crianças do 4º Ano do
Ensino Fundamental

Samuel de Souza Matos1


Thiago Gonçalves Cardoso2

RESUMO
Este trabalho tem como propósito explicitar a articulação dos estudos que privilegiam
o texto como o lugar de interação entre atores sociais, visto que é considerado por
muitos estudiosos o melhor ponto de partida e de chegada para o ensino da língua
portuguesa na escola, pois se revela como uma fonte de “lugares sociais, crenças,
valores e vivências” (KOCH e ELIAS, 2008) de uma dada comunidade. Os
resultados, revelado como uma grande carência em ensinar a produzir e a ler textos
competentemente. Diante disso, nosso interesse, aqui, é possibilitar uma dinâmica
interativa em sala de aula, em que professores e alunos compartilhem conhecimentos
e se utilizem de várias estratégias de caráter sociocognitivo e interacional a partir da
linguagem materializada em textos da vida cotidiana, acarretando nos alunos a
capacidade de produzir e interpretar textos em variadas situações de comunicação.
Daí ser importante refletir sobre questões de leitura/escrita na construção dos sentidos
do texto no ambiente escolar, procurando verificar durante as atividades o modo como
os textos são introduzidos pelos professores e recepcionados pelos alunos, observando
se esses mesmos textos dialogam com suas vivências. Para tanto, desenvolvemos
atividades em sala de aula do 4º ano do Ensino Fundamental, da Escola Estadual
Armindo Guaraná, localizada no Bairro Jardim Rosa Elze, no município de São
Cristóvão/SE. Esperamos, dessa forma, que o público-alvo perceba o valor do uso do
texto no ensino-aprendizagem da leitura e da escrita, além de que também esta
investigação possa despertar maior interesse da comunidade acadêmica pelos estudos
do texto e suscite a reflexão sobre a interdisciplinaridade entre a Linguística de Texto
e outras áreas do conhecimento. Focamos este estudo nos pressupostos teórico-
analíticos de Bakhtin (1997), Koch e Elias (2011), Marcuschi (2008), dentre outros.

Palavras-chave: Estudos do texto; leitura/escrita; ensino/aprendizagem.

INTRODUÇÃO

1
Contato do(a) autor(a): samuel.matos@hotmail.com.br.
2
Contato do(a) autor(a): thiago-tche@hotmail.com.
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O presente trabalho, ancorado nos estudos da Linguística Textual


(doravante, LT), faz parte do projeto de pesquisa recém-finalizado: “A
Contribuição dos estudos do texto no processo ensino-aprendizagem”,
vinculado ao Programa de Inclusão à Iniciação Científica - PIIC/COPES/UFS
(2011/2012). Nosso objetivo é levar o professor de Língua Portuguesa a
refletir sobre a importância e/ou o papel dos estudos textuais no processo
ensino-aprendizagem, possibilitando aos alunos a capacidade de compreender
e produzir textos nas mais variadas situações comunicativas.

Partimos da necessidade da existência de abordagens de ensino que


levem em consideração textos que façam parte das vivências dos alunos,
visto que, ainda hoje, são muitas as dificuldades encontradas ao se ensinar a
produzir e ler textos em diferentes níveis de escolaridade. Acredita-se no
pressuposto de que os aprendizes de uma língua conseguem utilizá-la
quando, em sala de aula, é tomada a consciência de que os confrontos com os
diversos gêneros textuais (MARCUSCHI, 2008) da vida diária estimulam a
ativação e a reativação de conhecimentos. Para os PCN, “são os textos que
favorecem a reflexão crítica e imaginativa, o exercício de formas de
pensamento mais elaboradas e abstratas, os mais vitais para a plena
participação numa sociedade letrada” (BRASIL, 1997, p. 30).

Sendo assim, o texto emerge como objeto relevante de discussão tanto


na comunidade acadêmica quanto fora dela. É, pois, por meio dele,
dialogicamente, que os interactantes da língua constroem e são construídos
no texto (KOCH e ELIAS, 2008), revelando sua perspectiva da realidade,
produzindo e ativando conhecimentos. Desse modo, trabalhar com texto
possibilita o desenvolvimento da leitura e escrita, atividades sujeitas a uma
construção de sentidos múltiplos (KOCH, 2006).

Ler e escrever exigem que o sujeito mobilize não apenas o seu


conhecimento linguístico, mas também o seu conhecimento sociocognitivo e
de mundo, pois a possibilidade de produzir textos eficazes tem sua origem na
prática de leitura em sala de aula (ROJO, 2000), que é “um espaço de
construção da intertextualidade e fonte de referências modelizadoras”
(BRASIL, 1997, p. 53). O domínio da escrita e da leitura se adquire em
atividades sociais que envolvem fatores diversos como pragmático, sócio-
histórico, cognitivo e cultural (KOCH e ELIAS, 2011), que, quando levados
em consideração, vão possibilitar o desenvolvimento das competências
linguístico-cognitivas dos alunos, garantindo-lhes a oportunidade de plena
participação social.

A partir de leituras diversas (KOCH et al, 2007; MARCUSCHI, 2008;


KOCH; ELIAS, 2008 e 2011; KOCH, 2006, 2004 e 2011; BAKHTIN, 1997;
ROJO, 2000; CAVALCANTE et al, 2010; LIMA, 2011a, b e c; SANTOS e
NEVES, 1999), discussões sobre essas leituras e a coleta de dados, fizemos
algumas análises do corpus construído na sala de aula do 4º ano da Escola
Estadual Armindo Guaraná, localizada no bairro Jardim Rosa Elze no
município de São Cristóvão/SE. Com o intuito de verificar, através disso, de
que modo o estudo dos sentidos de textos é introduzido pelo professor e
recepcionado pelos alunos nas práticas de linguagem, procurando observar se
os textos utilizados dialogavam (BAKHTIN, 1997) com suas vivências.
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1 A linguagem nas ações humanas e na constituição de


textos
“Não é possível dizer algo a alguém sem ter o que dizer”. É com esta
afirmação que os Parâmetros Curriculares Nacionais (BRASIL, 1997, p. 24)
tecem observações sobre o funcionamento das ações humanas mediadas pela
linguagem. As ações humanas não existem sem que se estabeleçam
necessidades, sem que haja motivos. Os sujeitos sociais, numa interrelação
uns com os outros, por meio da linguagem, trocam informações,
compartilham seus conhecimentos e pontos de vista sobre o mundo,
interagem entre si, para que possam manter e organizar a vida.

A linguagem, por ser tão útil nas ações humanas, constitui, portanto,
lugar importante na construção do texto. Koch (2011), ao mencionar os
pressupostos das teorias sociointeracionais, prega que

a existência de um sujeito planejador/organizador que, em sua inter-


relação com outros sujeitos, vai construir um texto, sob a influência de
uma complexa rede de fatores, entre os quais a especificidade da
situação, o jogo de imagens recíprocas, as crenças, convicções,
atitudes dos interactantes, os conhecimentos (supostamente)
partilhados, as expectativas mútuas, as normas e convenções
socioculturais. Isso significa que a construção do texto exige a
realização de uma série de atividades cognitivo-discursivas que vão
dotá-lo de certos elementos, propriedades ou marcas, os quais, em seu
inter-relacionamento, serão responsáveis pela produção de sentidos
(KOCH, 2011, p. 7).

Levando em consideração os argumentos da autora, na produção de


textos com outros sujeitos, ativamos, de forma interativa, nossos
conhecimentos, constantemente, com vistas à realização de nossas
necessidades. Os sujeitos, individualmente, possuem estruturas específicas do
conhecimento determinado pelas suas crenças, vivências, lugares sociais que,
na interação, partilham e constroem outros conhecimentos.

Assim, numa dada situação, por exemplo, podem ocorrer produções de


sentidos muito diferentes das que o sujeito/produtor pretendia fazer.
Construções estas elaboradas pelo interlocutor, as quais podem fugir das
intenções do produtor, acontecem, provavelmente, devido a limitações de
conhecimento do receptor, visto que são os conhecimentos (de mundo,
cognitivo, linguístico, cultural, histórico) que permitem aos sujeitos
interagirem, construírem e reconstruírem textos.

Como se pode ver, o texto não pode jamais ser um produto acabado,
fruto do pensamento do autor e possuidor de um único sentido. Nas ações
humanas, o texto funciona como objeto dinâmico, uma ferramenta poderosa
que se constrói/reconstrói a depender de uma complexa rede de fatores
linguísticos, cognitivos, socioculturais e interacionais. É no texto, portanto,
onde os sujeitos sociais interagem. Lima (2011c, p. 6), complementando essa
visão, comenta que
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as escolhas a serem feitas durante as ações discursivas dependem não


só de características expressas no cotexto (contexto linguístico), mas
também das do falante, isto é, de suas crenças, atitudes, opiniões e
conhecimentos de mundo depositados na sua memória, o que torna
possível a construção e reconstrução dos sentidos previstos pelo
produtor do texto e de outros não previstos por ele.

Diante do exposto, ao mencionar a linguagem como fator relevante para


a constituição do texto, pareceria uma tarefa fácil defini-la, todavia não o é,
pois, segundo Koch (2006), há diversas maneiras de se definir a linguagem a
depender de qual concepção de língua, de texto, de sujeito e de sentido se
procure trabalhar. Lima (2011b, p. 2), embasada em seus estudos, postula que
“podemos vê-la como uma atividade, como uma prática social, como um
trabalho entre sujeitos que, através desse processo, organizam, interpretam e
dão forma a suas experiências e à realidade em que vivem”.

Sob as perspectivas sociocognitiva e interacional da linguagem,


atualmente adotada pela LT, na compreensão e produção dos sentidos do
texto, são levados em consideração inúmeros fatores permeados nas
interações sociais que se expressam por meio das intenções do autor/locutor e
leitor/interlocutor do texto. É desse modo que, na interação textual, para que
os interlocutores se compreendam, ocorre necessariamente a mobilização de
vários fatores, no que concerne, principalmente, a sistemas de conhecimento
e estratégias de caráter sociocognitivo e textual (KOCH, 2011).

Quando nos referimos a sistemas de conhecimento, ou seja, a


conhecimentos arquivados na memória dos sujeitos sociais, tratamos de
conhecimento linguístico (a gramática, o léxico da língua, a ortografia, enfim,
do sistema linguístico), de conhecimento enciclopédico ou de mundo
(armazenado na memória de cada indivíduo: maneira de se comportar diante
dos fatos do mundo e “modelos cognitivos” definidos pela cultura e
adquiridos por meio de experiências) e de conhecimento sociointeracional
(formas de interação por meio da linguagem, tais como intenções dos
interlocutores, normas comunicativas, meios de tratamento do funcionamento
da interação pela linguagem através do uso da linguagem e modelos textuais
globais).

As estratégias, segundo Koch (2011), mobilizam, instantaneamente, os


sistemas de conhecimento na interação/processamento textual. Dividem-se
em estratégias cognitivas, sociointeracionais e textuais. (i) As cognitivas, em
resumo, consistem na realização de cálculos mentais, em que os
interlocutores/interactantes recebem novas informações semânticas a partir
de informações precedentes; (ii) as sociointeracionais visam controlar,
mediante as convenções sociais e culturais, o processo de interação verbal e
(iii) as estratégias textuais, por sua vez, visam organizar a informação do
material linguístico na superfície textual (o dado/novo, o tema/rema); visam
formular condições para melhor compreensão na interação e inserem reforços
para a argumentação, bem como correções e reparos; tendem à atividade de
reativar referentes (CAVALCANTE et al, 2010) no texto e, por fim,
viabilizam o balanceamento de informações que podem ficar explícitas ou
implícitas no curso da interação (KOCH et al, 2007).
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Além de considerar as estratégias e os conhecimentos arquivados na


memória dos interactantes, a concepção sociocognitiva e interacional da
linguagem considera também os processos externos à mente, pois com o
surgimento do sociocognitivismo (KOCH e CUNHA-LIMA, 2005), os
estudos afirmam que existem vários processos cognitivos (internos e
externos) distribuídos nos indivíduos e na sociedade. Assim, existem
computações (como exemplos, a cultura e os gestos) que são elaboradas e
fixadas na memória dos indivíduos, de modo que eles possam atingir
determinadas finalidades em diversas situações interacionais. Dessa forma,
faz-se necessário que os conhecimentos internos e externos sejam atribuídos
para que não ocorram fracassos ou prejuízos no curso da interação.

2 Estudos do texto: atividades de leitura e escrita


No ato da escrita, automaticamente, o produtor do texto utiliza-se, ainda
que na maioria das vezes de forma inconsciente, de uma série de estratégias
que estão ao seu dispor (linguística, cognitiva, interacional, cultural, social,
etc.). Essas estratégias, por conseguinte, tendem a se concentrar em
“modelos” textuais que fazem parte dos conhecimentos que o escritor possui.
É o caso dos gêneros textuais, textos característicos e relativamente estáveis
(BAKHTIN, 1997) de diferentes situações da comunicação social. Assim, o
produtor de um texto precisa seguir as características específicas do gênero a
fim de atingir o objetivo esperado no ato da leitura ou da comunicação.

Nessa perspectiva, a escrita é entendida como uma atividade de


remissão a outros textos, podendo ser uma retomada explícita ou implícita a
depender do propósito da comunicação, devendo o escritor recorrer à
contextualização do texto, isto é, de tudo aquilo que, de alguma forma,
contribui ou determina a produção de sentidos (KOCH e ELIAS, 2011).

Também no ato da leitura, o leitor estabelece relações com outros textos


que já leu ou que já viu alguma vez na vida. Dessa forma, é possível perceber
que tanto a leitura quanto a escrita pressupõe a decodificação, a captação do
pensamento e intenções do autor, bem como os vastos sistemas de
conhecimento de que dispõe o leitor, todos encarnados em contextos
sociocognitivos. O fato de um texto ser compreendido de diferentes maneiras
se justifica quando consideramos esses fatores, visto que também um leitor
“X” não é o leitor “Y”, pois a todo texto podem ser atribuídos vários
sentidos. Todavia, não se pode afirmar que o leitor, em qualquer situação
comunicativa, poderá interpretar um texto de qualquer modo, pois a
construção dos sentidos não reside somente naquele que lê ou ouve, mas na
interação autor/texto/leitor (KOCH e ELIAS, 2008).

Na realização dessa pesquisa (2011/2012), antes de iniciarmos a coleta


de dados, procuramos conversar com a professora (do 4º ano) sobre a
importância de se trabalhar com textos que dialogassem com as vivências dos
alunos, e se estaria disposta a colocar verdadeiramente a nossa proposta em
prática, a qual se colocou à disposição, certificando-se de que há uma grande
carência nos alunos no que diz respeito à compreensão e à produção de
sentidos, em virtude do pouco contato na escola com textos que têm a ver
com as vivências deles.
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Esse fato está totalmente relacionado à concepção inadequada que tem a


professora sobre o texto, que o vê como uma forma apenas de incentivo aos
estudos do sistema linguístico. Além disso, notamos a carência de
conhecimentos da docente sobre a importância e a criatividade de levar para a
sala de aula textos que estimulem os alunos a estudá-los. Esses fatores
tomados como relevantes para foco de nossas análises refletem muito bem a
maneira com que a docente trabalha os textos com os alunos.

Levando-se em consideração os textos lidos (embasamento teórico) e as


discussões acerca dessas leituras, verificamos que a professora e os alunos só
usam na sala de aula o livro didático para desenvolver atividades como o
estudo de frases separadas do contexto de uso; ditado de palavras e frases
descontextualizadas e formação de sílabas e palavras (decodificação). Como
se sabe, o estudo de frases e palavras isoladas do contexto de uso ocorre, de
fato, e que os alunos nada aprendem sobre os processos de funcionamento da
linguagem, muito menos constroem e ativam conhecimentos de modo que
consigam desenvolver suas competências e capacidades. Eles só aprendem as
atividades de memorização e decodificação, não contribuindo para a
formação de leitores e escritores competentes. No que diz respeito à leitura e
produção de textos, quando praticados, pouco têm a ver com o que os alunos
vivenciam, interativamente, no seu cotidiano.

Com o propósito de se trabalhar com textos que dialogassem com as


vivências desses alunos, em algumas visitas realizadas à referida turma (4º
ano), desenvolvemos atividades de leitura e escrita, levando-se em
consideração o contexto sociocultural e o conhecimento prévio desses alunos.
Em uma de nossas visitas, trabalhamos com dois textos por nós introduzidos
em sala de aula.

Primeiramente com um pequeno conto sobre uma história que mostrava


como os nossos ancestrais negros foram tratados quando chegaram ao Brasil,
transitando em sua história de muitas lutas até alcançarem a tão sonhada
liberdade. O segundo texto foi um relato de vida (autobiografia) de uma
adolescente que sofreu com o preconceito racial. Ainda muito pequena
começou a se revoltar com os efeitos causados por esse preconceito em sua
escola e no discurso de suas colegas de sala (da mesma idade).

Para levarmos os alunos a uma adequada compreensão dos sentidos


desses textos, procuramos contextualizar a situação sociocultural e histórica
da escravidão dos negros no Brasil, levando-os ao raciocínio crítico sobre
questões referentes ao preconceito racial, pois queríamos que eles
desenvolvessem um posicionamento crítico-reflexivo sobre os textos lidos,
verificando e comparando o que mudou desde a escravidão dos negros até a
nossa época atual. A partir das discussões entre os dois textos, solicitamos
aos alunos que produzissem um texto escrito dando suas opiniões sobre o
assunto apresentado. No final da atividade, percebemos, a priori, que alguns
alunos não conseguiram compreender os sentidos dos textos estudados.
Outros sentiram dificuldades em escrever porque haviam mostrado
desatenção na apresentação dos textos base.

3 Breves reflexões sobre essas atividades desenvolvidas na


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sala de aula

De acordo com os pressupostos teórico-analíticos em que nos


embasamos, podemos observar que a utilização de textos que não dialogam
com as vivências dos alunos não contribui em nada para o desenvolvimento
da competência linguístico-cognitiva e das capacidades crítica, reflexiva e
imaginativa desses sujeitos sociais, tampouco se adquire ou constrói
conhecimentos através de tal abordagem. Trabalhar com textos que trazem
realidades distantes das dos alunos suscita em desinteresse e dificuldades
tanto em leitura quanto em escritura, como pudemos verificar com alunos da
turma que investigamos.

Nossa hipótese é a de que isso ocorre porque eles não estão habituados
a produzir e ler textos constantemente na escola, nem fora dela. Além disso,
notamos que quando a professora introduz as atividades em sala de aula, o
faz com leitura silenciosa e é por isso que os alunos também demonstram
desinteresse e falta de disposição. Isso se reflete até no trabalho com textos
contextualizados com a realidade desses alunos, porém, quando se consegue
estimulá-los com essa abordagem, os seus conhecimentos prévios
automaticamente se ativam e fazem com que eles busquem compreender,
escrever e aprender através do próprio texto, levando-os a perceber que há
importância nos estudos textuais (ainda que esse processo ocorra de forma
inconsciente).

Nas aulas em que trabalhamos com textos relacionados às vivências,


percebemos que os alunos encontram mais facilidade em compreender e
produzir textos e, também, aplicam maior atenção nas atividades que
realizam. Dessa forma, as atividades diárias de leitura e de escritura
mobilizam os seus conhecimentos linguísticos e sociocognitivos, permitindo-
lhes a interação e a ativação de novos conhecimentos. Agora, vamos
apresentar brevemente alguns dos textos produzidos depois da atividade de
leitura do conto e da autobiografia:

(1) A gete não devemo chama as pesoua de negro porque a jete


vamos preso.

(2) Eles comiam feijão e leite para ficarem brancos.

(3) eu entendi que eu não quero ser branca e pra ser branca tem
que tira a pele.

(4) Eu entendi que nos não devemos ter preconseito por co r


religião ou raça por esenplo eu sou negra mais puriço eu não vou
fazer de tudo pra ficar branca por esenplo o rei do pop Michael
Jaquison tirou a pele dele para ficar bramco e ficou branco sim mais
qual sera o mutivo diso porque tenha enveja ou não gostava da sua
cor eu nunca iria fazer isso min orgulho da minha cor essa é a minha
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Historia puriço não tenha vergonha de sua cor pois nos negros
somos vensedor fim.

Comparando os textos (1), (2) e (3), percebemos que as interpretações


divergem em alguns pontos, visto que pertencem a leitores e escritores
diferentes. O autor de (1) apresenta-nos uma lei que está em vigor, que diz
que o preconceito racial contra os negros pode levar à prisão. Isso justifica
que os conhecimentos de mundo e sociointeracionais também entram em
jogo na leitura e produção de textos, permitindo que se evoque aquilo que
não está explícito na superfície textual. O autor de (2), como podemos ver,
construiu um sentido que fugiu das pistas textual-discursivas dadas pelos
autores do conto e da autobiografia. O fenômeno da intertextualidade
ocorrido após a leitura do conto e da autobiografia possibilitou que o autor
imprimisse em (2) as marcas lexicais “feijão” e “leite” desses textos. Além
disso, verifica-se nesse texto que só o conhecimento linguístico nele
empregado – a grafia correta, as concordâncias – é insuficiente, pois o autor
escreveu um texto eficaz do ponto de vista linguístico, mas, do ponto de vista
dos conhecimentos enciclopédico e sociointeracional, produziu um texto
inadequado e insuficiente.

Em consonância com Santos e Neves (1999), o autor de (2) fugiu das


ideias apresentadas pelos autores do conto e da autobiografia. Embora, nesta
investigação, a questão da pluralidade de sentidos seja priorizada, precisamos
estar cientes de que o leitor não pode construir qualquer interpretação em um
texto, visto que a finidade de interpretação (MARCUSCHI, 2008)
determinada para cada texto e, também, a interação não residem somente
naquele que lê ou ouve, mas na interação autor/texto/leitor. Já o autor de (3),
em sua produção escrita, desenvolveu sua competência linguístico-cognitiva
e reflexiva, ao expor uma de suas opiniões mediante ao que pôde avaliar
quanto ao comportamento da autora do relato de vida. Por fim, sobre a
extensão desses três textos (1, 2 e 3), podemos dizer que encontra relação
com a pouca frequência de atividades de leitura e escrita em sala de aula e os
conhecimentos limitados da professora. Outra justificativa da existência
dessas produções é a prioridade que a professora dá ao conhecimento
linguístico, que, como já sabemos, exclui os conhecimentos socioculturais,
pragmáticos, históricos, cognitivos e interacionais, isto é, fatores
extralinguísticos tão necessários para se ler e escrever competentemente.

Já o autor do texto (4), como vemos, ativou suas competências crítico-


reflexivas e os conhecimentos que possui sobre as leis de defesa dos negros e
o respeito à religião, procurando expor, a seu modo, o orgulho da sua cor.
Além disso, para reforçar as suas opiniões e crenças, ativou e imprimiu ao
seu texto um dos seus conhecimentos de mundo, fato muito conhecido por
nós: a retirada da melanina do cantor pop Michael Jackson. Essa produção
escrita é resultado da construção da intertextualidade decorrente do estudo
dos textos aos quais já nos referimos. Se compararmos (4) com o texto (3),
percebemos que o texto (4) tem coerência e envolve conhecimentos prévios
que vão permitir a formação do leitor e do escritor competente, capaz de
participar plenamente de uma sociedade letrada.

CONSIDERAÇÕES FINAIS
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Diante do que expomos, é possível perceber que quanto mais se adquire


o domínio dos fatores envolvidos na leitura, mais se torna possível dominar
as estratégias de escrita e os conhecimentos ligados, indissociavelmente, a
práticas discursivas. Isso mostra ao professor e aos alunos que eles devem se
adaptar e/ou se adequar às realidades sociais a partir do domínio dos textos
que circulam socialmente.

Queremos mostrar aqui que o trabalho com textos que dialogam com as
vivências dos alunos não exclui a possibilidade de se trabalhar com outros
textos, como os que se encontram nos livros didáticos. A reflexão que
justifica essa posição é a de que deve haver uma hierarquia nas práticas em
sala de aula: primeiramente, introduzir textos que envolvam aspectos da
cultura e da vida social dos alunos, para que, posteriormente, torne-se viável
introduzir os textos que estão expostos nos livros didáticos e em outras
situações comunicativas. Dessa forma, para que os sujeitos sociais/alunos
desenvolvam sua competência e capacidade, quando em contato com os
textos, consigam entender sua própria realidade e, em seguida, possam
entender e interagir com outras.

Concluindo este trabalho, é evidente dizer que a trajetória da Linguística


Textual muito tem contribuído para o processo ensino-aprendizagem de
Língua Portuguesa na escola, renovando as concepções sobre o papel do
texto enquanto meio de transmissão e construção de conhecimentos,
permitindo a todos os envolvidos nesse processo se motivarem a mudar a
realidade da educação no nosso país.

REFERÊNCIAS

BAKHTIN, Mikhail. Estética da Criação Verbal. São Paulo: Martins


Fontes, 1997.
BRASIL, Secretaria de Educação Fundamental. Parâmetros Curriculares
Nacionais. Brasília: Ministério da Educação/Secretaria de Educação
Fundamental, 1997.
CAVALCANTE, Mônica Magalhães et al. Dimensões textuais nas
perspectivas sociocognitiva e interacional. In: BENTES, A. C.; LEITE, M. Q.
(Org.) Linguística de texto e análise da conversação: panorama das
pesquisas no Brasil. São Paulo: Cortez, 2010.
KOCH, Ingedore G. Villaça et al. Intertextualidade: diálogos possíveis. São
Paulo: Cortez, 2007.
______. Introdução à linguística textual: trajetória e grandes temas. São
Paulo: Martins Fontes, 2004.
______. Desvendando os segredos do texto. São Paulo: Cortez, 2006.
______. O texto e a construção dos sentidos. 10. ed. São Paulo: Contexto,
2011.
______. ELIAS, V. M. Ler e Escrever: estratégias de produção textual. São
Paulo: Contexto, 2011.
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______. Ler e compreender: os sentidos do texto. São Paulo: Contexto,


2008.
______; CUNHA-LIMA, M. L. Do cognitivismo ao sociocognitivismo. In:
MUSSALIM, F.; BENTES, A. C. (Org.). Introdução à linguística:
fundamentos epistemológicos. 2. ed. São Paulo: Cortez, 2005. p. 251-300.
LIMA, Geralda de O. S. Cognição, texto/discurso e contexto: um diálogo em
torno de grandes temas. In: LIMA, Geralda de O. S. Fundamentos para o
ensino da leitura e da escrita. São Cristóvão/SE: CESAD/UFS, 2011a, p
21-32.
______. Estudo do texto sob uma perspectiva sociocognitivo-interacional. In:
LIMA, Geralda de O. S. Fundamentos para o ensino da leitura e da
escrita. São Cristóvão/SE: CESAD/UFS, 2011b, p. 07-20.
______. Referenciação: um fenômeno textual-discursivo dos mais relevantes
para o ensino da leitura e da escrita. In: LIMA, Geralda de O. S.
Fundamentos para o ensino da leitura e da escrita. São Cristóvão/SE:
CESAD/UFS, 2011c, p. 55-70.
MARCUSCHI, Luiz Antônio. Produção textual, análise de gêneros e
compreensão. São Paulo: Parábola Editora, 2008.
ROJO, Roxane. A prática de linguagem em sala de aula: praticando os
PCNs. Campinas, SP: Mercado de Letras, 2000.
SANTOS, V. M. X; NEVES, T. R. P. O processamento da informação na
leitura de textos na sala de aula. In: LEFFA, V. J; PEREIRA, A. E. (Org.). O
ensino da leitura e produção textual: alternativas de renovação. Pelotas:
Educat, 1999.
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O Professor e as Concepções Teóricas


sobre Leitura:
as práticas do ensino e aprendizagens significativas

Soleide Silva Ferreira1

Veronica Fortuna 2

RESUMO

O presente estudo tem como proposta identificar as concepções sobre as principais


teorias da aprendizagem e as estratégias de um grupo de professores que atuam
diretamente com o aluno no âmbito da aprendizagem formal da leitura, no processo
do ato de ler. Conhecer as práticas pedagógicas que são desenvolvidas na sala de aula,
as explicações para o sucesso e o insucesso na aprendizagem da leitura. Para atender
aos objetivos pretendidos, foram realizadas entrevistas semiestruturadas, sustentadas
por roteiros, com 10 professores em duas escolas públicas municipais do ciclo
fundamental na cidade de Aracaju. Os resultados apontam para um desconhecimento
dos métodos das principais teorias cognitivas. E revelam um leque extenso de
questões envolvidas no fracasso da leitura, no qual, encontram-se comumente os
problemas de aprendizagens gerados nas crianças em sala de aula. Os achados deste
estudo nos fazem pensar que o professor munícipe precisa rever seus métodos e
processos de educação, sem os quais continuaremos a assistir um sistema educacional
desmotivado e indiferente ao desenvolvimento de competências e capacidades críticas
no processamento da aprendizagem da leitura no primeiro ano do Ciclo Básico, com
isso, dificultado a aprendizagem significativa defendida por alguns teóricos da
educação, que nos proporcionam teorias atualizadas para prática pedagógica que
valorizem o saber pré-existente do aluno.

Palavras-Chave: Aprendizagem, Concepções, Professores, Sucesso e Leitura.

1
Contato do(a) autor(a): soll.rena@hotmail.com. Graduada em Pedagogia. Pós-
graduada em Psicopedagogia Clinica e Institucional, Politica Educacional e Social.
Mestre em Ciências da Educação. Universidade Lusófona de Humanidades e
Tecnologia
2
Contato do(a) autor(a): ve.30@hotmail.com. Graduada em Pedagogia. Pós-graduada
em Psicopedagogia Clinica e Institucional, Politica Educacional e Social.
Universidade Federal de Sergipe – UFS
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INTRODUÇÃO

Esta pesquisa analisa as Dificuldades de Aprendizagem na


Leitura (DAL)3, tal como são vistas, sentidas e resolvidas pelos
professores, a partir das suas informações sobre o processo de
aprendizagem da leitura em crianças da 1a e 2a séries do Ensino
Fundamental nas escolas municipais LGS e AT, situadas na cidade de
Aracaju, Capital do Estado de Sergipe. A pesquisa foi realizada com
entrevista, semiestruturada, a partir de guiãos preestabelecidos,
focados em 10 (dez) professores, sendo cinco docentes da escola LGS
e cinco da escola AT.

A importância da leitura é tema consensual na agenda política


imediata das organizações internacionais na área da educação, as quais
têm incentivado a realização de diversas conferências na intenção de
promover a leitura. Não são poucos os relatórios de organismos
internacionais, como a UNESCO, sobre o desempenho dos alunos de
vários países e as recomendações aos governos para que assumam a
responsabilidade do ensino da leitura como uma prioridade política.
Os resultados dos estudos internacionais não têm sido particularmente
favoráveis com relação às competências de leitura dos alunos
brasileiros, justificando uma analise objetiva da situação que
fundamente as medidas de intervenção necessária.

O enquadramento teórico é amplo, dado o caráter interdisciplinar


do tema, como forma de se entender o fenômeno complexo da
aprendizagem da leitura, tendo-se, como referências, abordagens
pontuais que evoluem a visão cognitiva ou construtivista de Jean
Piaget, à abordagem sócio histórica ou sócio interacionista de L. S.
Vygotsky, à ADR (Abordagem da Dupla Rota), e respectivas
contribuições no processo educacional, notadamente frente aos
problemas da DAL, bem como, a ênfase que dão à importância de se
adequar a forma de “como” o aluno aprende à luz dos métodos de
ensino, como o método de alfabetização o método fônico (Dupla
Rota).

A ideia fundamental do modelo da dupla via é a de que existem


duas formas essenciais de proceder à leitura de material escrito: uma
que assenta na conversão das letras em sons e outra que se fundamenta
num processo de reconhecimento da palavra como um todo. Assim, e
para proceder à leitura de palavras, dispomos de uma via mais indireta
(ou fonológica) e também de uma via mais direta (ou lexical).

3
O termo Dificuldades de Aprendizagem na Leitura, a partir de agora será
substituído pela sigla DAL.
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O recurso à via fonológica pressupõe que os grafemas que


integram um sistema de escrita alfabético sejam convertidos em fones
através da atuação de um conjunto de regras de Conversão Grafema-
Fone ou CGF. A leitura resulta da aplicação deste sistema de regras,
dependendo, grandemente, das capacidades de processamento
fonológico.

Já a via lexical funciona através do acesso a um dicionário mental


ou léxico interno onde estão representadas as palavras já aprendidas e
conhecidas. A palavra impressa é reconhecida como um todo porque o
seu processamento não requer a conversão das respectivas unidades
sublexicais (isto é, os grafemas) nos fones correspondentes. A entrada
lexical é ativada no dicionário mental diretamente pela forma gráfica
representada no texto. Dito isto, concluir-se-á que a via lexical,
dispensando a operação CGF, permite tão somente a leitura de
palavras que já integram o léxico ortográfico, não sendo possível,
através dela, processar quer palavras desconhecidas, quer
pseudopalavras.

1 OBJETIVOS

O objetivo desse estudo foi verificar as dificuldades mais


frequentes na aprendizagem da leitura, o diagnóstico que o professor
faz das mesmas, as explicações que encontra para cada caso, as
estratégias que usa para remediar, amenizar, neutralizar ou combatê-
las, numa sala com alunos das 1a e 2a séries do Ensino Fundamental.

2 METODOLOGIA

Na investigação prática pretendeu-se recolher dados sobre uma


amostra de professores, suas dificuldades mais frequentes relativas ao
ensino/aprendizagem da leitura. Foi realizada uma entrevista
semiestruturada com os professores, sustentada pelo guião.

Tipo da Pesquisa

 Investigação descritiva, comparativa, analítica e


transversal. Tendo-se o escopo de uma estratégia qualitativa a
partir de entrevistas e análise das inferências retiradas dos
discursos dos entrevistados.

Amostra (População/Sujeitos)
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A amostra consistiu em duas escolas públicas municipais,


situadas na cidade de Aracaju, não aleatória, intencional, composta
por 5 professores em cada escola. Trabalhamos, em uma primeira
escola, com uma amostra de 15 sujeitos (5 docentes e 10 discentes) de
um total de 10 professores e de um total de 125 alunos matriculados
na 1.º e 2.ª séries da escola AT, escolhida segundo dois critérios: a)
que na sua individualidade/totalidade, os sujeitos contemplassem as
características dos professores e alunos do turno matutino de cada
escola; b) que a amostra correspondesse a 50% do total de professores
do turno matutino e aproximadamente 10% dos alunos da 1a e 2 séries
do Ensino Fundamental da Escola AT, no ano de 2009. Na Escola
LGS, os 5 professores selecionados representam, 35% do total de
professores (14) no turno matutino. Os 10 alunos da Escola LGS,
representam aproximadamente 10 % do total de alunos matutinos
(120) no ensino fundamental, em 2009.

Em suma, escolhemos duas escolas públicas municipais, situadas


em Aracaju, sendo apenas uma periférica com a intenção de variar os
contextos.

3 ANÁLISE DAS ENTREVISTAS COM OS


PROFESSORES DAS ESCOLAS LGS E AT

No conteúdo dos depoimentos, em ambas as escolas, constatamos


a presença de alguns aspectos relacionados ao contexto social que se
mostraram relevantes para a insatisfação com o trabalho docente. Com
relação ao método que utiliza no ensino da leitura, a sua origem e
fundamentação e as razões pedagógicas da escolha. Constatamos na
Escola LGS que os docentes aplicam variadas denominações que
consideram como método. DEO aplica “a silabação.” KIT aplica
“textos”, NEM se identifica com o “sócio-interacionismo”, KAO
identifica-se com o “global, o fonético e com Paulo Freire”, e LUX
com “o tradicional ou o método que facilita mais a partir da realidade
e individualidade do aluno”, sendo que três (LUX, DEO e KIT) não
souberam precisar a origem do método, porém KAO revelou que a
origem está em Paulo Freire. A docente NEM revelou Vygotsky, não
sabendo também precisar em que estão fundamentados os métodos
que aplicam, admitindo, porém, que adotam seus métodos, na prática,
ora porque “é possível fazer funcioná-los na realidade em que
trabalham” (LUX), obtendo resultados porque “é o mais fácil e porque
estudou o método” (KAO), ou, porque “obtém o melhor retorno”
(NEM), ou porque “o aluno tem reagido bem aos métodos que
aplicam” (KIT). Destacaram que, para que o método resulte “o aluno
deve acompanhar as atividades” (NEM), “estudar” (KIT), “dedicar-
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se” (DEO), “prestar atenção” (KAO), “frequentar e participar” (LUX),


embora para a professora NEM esta questão “não depende só da
criança e de sua motivação, mas do ambiente familiar em que está
inserida, sendo que o resultado do método depende do esforço e do
dinamismo do professor até onde for possível, de como conhece os
seus alunos e de sua capacidade em motivá-los a aprender a ler e da
necessidade da aprendizagem da leitura”.

Com efeito, vimos que em Vygotsky o ensino-aprendizagem


inclui: aquele que aprende, aquele que ensina e a relação entre essas
pessoas” (OLIVEIRA, 2000; p.57, apud, VYGOTSKY, 1966).
Enquanto o sócio-interacionismo de Vygotsky postula que a
maturação é importante, mas é o aprendizado que permite o despertar
dos processos internos de desenvolvimento, se não acontecer o contato
do indivíduo com o ambiente cultural, o processo de desenvolvimento
fica comprometido (VYGOTSKY, 1996). O construtivismo piagetiano
considera a maturação do organismo como fundamental, pois é ela
que permite ao indivíduo agir sobre o mundo, levando-o
consequentemente ao desenvolvimento cognitivo. Assim, por
exemplo, se um determinado aluno está inserido num grupo cultural
que não dispõe de um sistema de escrita e caso ele permaneça isolado
nesse meio, jamais será alfabetizado, mesmo possuindo todos os
requisitos inatos necessários para tal. Em face da ênfase que Vygotsky
empresta aos processos sócios históricos, o aprendizado implica em
interdependência dos indivíduos participantes do processo.

As questões que colocámos neste Bloco, pretendiam levantar a


opinião do entrevistado sobre as explicações adiantadas para o sucesso
ou insucesso dos métodos aplicados. Na Escola LGS, a professora
LUX nos revelou que o sucesso do método “é ter o planejamento de
aula, pois o método, sem planejamento não funciona.“ e que “o
fracasso da não aprendizagem do aluno está no professor, no entanto,
as explicações para o fracasso do aluno é a família também”.

Identificamos, através das entrevistas, que, o sucesso das


metodologias aplicadas pelos professores, depende da inter-relação
professor, aluno e família, e que a maior parte dos professores acredita
que os resultados obtidos variam do “razoável para bom”. Embora
considerem que “aprender a ler é conquistar um mundo ao seu redor”
(Professora KAO) e, para a professora LUA, ensinar a ler “é ensinar o
aluno a descobrir a si próprio e a descobrir o mundo” ou “é como dar
a luz a um filho”, segundo a professora NEM e o professor KAO. No
entanto, como o nível de satisfação dos professores, no exercício da
profissão, não é bom, uma vez que não estão motivados e como para a
professora LUA “o índice de reprovação é alto”, nas séries
pesquisadas, e que, inclusive, o insucesso deve-se às falhas do
professor, do aluno e são atribuídas também como originárias da falta
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de condições sociais da família, então, ficam claras as causas do


sucesso ou insucesso na aprendizagem da leitura dos alunos das
primeiras e segundas séries da escola LGS.

Os Quadros I e II, abaixo, apresentam alguns indicadores do


sucesso (aprovação) e insucesso (reprovação + abandono). Dados
fornecidos pela Secretaria Municipal de Educação da cidade de
Aracaju (Escolas AT /LGS).

Quadro I – Escola AT

ESCOLA MUNICIPAL AT

A S ABANDO APROVA REPROV


NO ÉRIE NO ( %) DO (%) ADO (%)

2 1º 3,08 69,23 27,69


007

2 2º 3,08 67,69 29,23


007

2 1º 3,80 55,70 40,51


008

2 2º - 92,06 7,94
008

Fonte: Secretaria Municipal de Educação da Cidade de Aracaju


(2009)

De acordo com o Quadro I (Escola AT), os percentuais de


aprovação e reprovação dos alunos da primeira série, em 2007, são,
respectivamente, 69,23% aprovados e 27,69% reprovados, os quais,
somados aos 3,08% de abandono, totalizam 100%.

No mesmo ano (2007), para os alunos da segunda série, os


percentuais de aprovação e reprovação dos alunos da segunda série,
em 2007, são, respectivamente, 67,69% aprovados e 29,23%
reprovados, os quais, somados aos 3,08% de abandono, totalizam
100%.
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Para os alunos da primeira série, no ano 2008, identifica-se que o


percentual de reprovação cresceu 40,51%, assim como cresceu para
3,8% o percentual de abandono escolar, o que, consequentemente,
reduz o percentual de aprovados para 55,70%.

Para os alunos da segunda série, no ano 2008, taxa de abandono é


zero %. O percentual de reprovação foi significativamente reduzido
em relação aos 29,3% de reprovados em 2007, o que implica um
elevado percentual de 92,06% de alunos aprovados no ano 2007.

Quadro II – Escola LGS

ESCOLA MUNICIPAL LGS

A S ABAND APROV REPROV


NO ÉRIE ONO % ADO % ADO %

2 1º - - -
007

2 2º 4,65 60,47 34,88


007

2 1º 8,14 60,47 31,40


008

2 2º 3,77 49,06 47,17


008

Fonte: Secretaria Municipal de Educação da Cidade de Aracaju


(2009)

Os números do Quadro II (Escola LGS) nos mostram que os


percentuais de aprovação e reprovação dos alunos da segunda série,
em 2007, são, respectivamente, 60,47% aprovados e 34,88%
reprovados, com 4,65% de abandono escolar nesse ano.

No ano (2008), para os alunos da primeira série, os percentuais de


aprovação e reprovação dos são, respectivamente, 60,47% aprovados
e 31,40% reprovados, os quais, somados aos 8,14% de abandono,
totalizam 100%.
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Para os alunos da primeira série, no ano 2008, identifica-se que o


percentual de reprovação cresceu para 47,17%, e decresceu para
3,77% o percentual de abandono escolar, o que, consequentemente,
reduz o percentual de aprovados para 49,06%.

Para os alunos da primeira série, no ano 2007, não há dados


fornecidos.

Quanto ao sucesso das turmas examinadas em ambas as escolas,


entendemos que relaciona-se com o que Ausubel chama de
aprendizagem significativa, obtida pelo aluno a partir do
conhecimento prévio que o mesmo trás, para poder conseguir
modificar o pré-conhecimento e construir um conhecimento novo,
incorporando-o na sua estrutura cognitiva.

Para que se consiga a aprendizagem significativa, uma condição


básica é que o aluno tenha uma disposição para aprender, ou seja, é
preciso que haja interesse do aluno e que o material de ensino (aula,
textos, lâminas, ..) sejam potencialmente significativos. Quando se
fala em potencialmente significativos, segundo Ausubel, isso não quer
dizer que é qualquer aula que trás um ambiente para a aprendizagem
significativa. Por outro lado, por mais atraente que seja o material
didático, se o aluno não quiser aprender, também não aprenderá
(AUSUBEL, 1968, p. 78).

Esquematicamente, a aprendizagem significativa, segundo


Ausubel, resulta da seguinte equação (Figura 1)

+
Idéias pré-
Informação nova
existentes

ALUNO

=Aprendizagem significativa

Fonte: Adaptação do conceito de aprendizagem significativa


(Ausubel).
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Com efeito, a aprovação do aluno, em uma determinada série,


nem sempre significa aprendizagem. Por isso não se pode inferir que
houve uma aprendizagem significativa dos alunos da segunda série na
Escola AT, em 2008, mas também não se pode negar que não houve
um avanço nos percentuais de aprovação (92,06%), com redução para
zero % na taxa de abandono escolar e redução para 7,94% na
reprovação, no referido ano (2008).

Já os alunos da segunda série, Escola LGS, em 2008, comparada


com os alunos da mesma série, no mesmo ano (2008), o percentual de
reprovação é altíssimo, como foi visto (47,17%), com registros de
abandono escolar de 3,77%, o que também impactou na redução do
percentual de aprovados (49,06%). Portanto, nada se pode afirmar que
houve uma aprendizagem significativa para os alunos das segundas
séries, no ano 2008, em ambas as escolas investigadas.

Observamos, que através das entrevistas, os aspectos revelados


os quais julgamos que podem ser comentados a partir de um ou mais
autores inclusos ou não na fundamentação teórica. Deste modo,
acreditamos que a tese da aprendizagem significativa de Ausubel e a
ideia dos conhecimentos prévios que os alunos devem ter associa-se
também à tese do capital cultural de Bourdieu, as quais acreditamos
que podem explicar tanto a questão do déficit de aprendizagem dos
alunos quanto o déficit de capital cultural dos professores e sua
relação com as estratégias aplicadas em sala de aula para o sucesso da
aprendizagem da leitura ou para remediar ou amenizar o problema do
insucesso dos alunos.

Apesar dos esforços dos docentes, entretanto não se pode


assegurar que os alunos de ambas as escolas tenham obtido uma
aprendizagem significativa à luz dos conceitos ausubelianos.

Em resumo, bom seria se os professores em questão


compreendessem, usando as palavras do Ausubel, que "... o fator,
isolado mais importante que influencia a aprendizagem é aquilo que o
aluno já sabe; descubra isso e ensine-o de acordo" (AUSUBEL, 1968;
p. 78, 80).

CONCLUSÃO

A aplicação das entrevistas para a sondagem de uma amostra de


professores os das escolas Municipais LGS e AT nos possibilitou
identificar que existe um “gap” muito profundo entre a Ciência da
Educação, a teoria e a prática no dia-a-dia. Pudemos contemplar
professores desmotivados, conteudistas, nem tanto, todavia, aplicando
seus conteúdos veiculados sem um compromisso de formar cidadãos,
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deixando-se de lado o sujeito, a substância e o real significado do ser


humano, a família, a sociedade e o mundo com o qual o aluno mantém
uma rede de inter-relações.

Constatamos que o nível de satisfação dos professores no


exercício da profissão, não é bom, uma vez que não estão motivados.
E quanto às DAL as queixas dos alunos são as mais variadas
resultando em reprovação, tal como elenca a professora LUA (Bloco
E) “o índice de reprovação é alto”, nas séries pesquisadas, conforme
Quadros I e II (pp.127-128), e que, inclusive, o insucesso deve-se às
falhas do professor, do aluno e à falta de condições sociais da família.
Então, ficam claras as causas do sucesso ou insucesso na
aprendizagem da leitura dos alunos das primeiras e segundas séries da
escola LGS e AT.

Percebe-se durante as entrevistas que somente dois professores


conhecem os métodos fônicos. Apesar de aplicar o método global, a
professora LUX (mestranda em ciência da Educação pela UFS) e o
professor TIM que já é mestre em ciência da educação pela UFS,
ambos revelaram ter noções sobre a modelagem da Dupla Rota, uma
vez que o professor TIM, embora revelasse usar o método global,
demonstrou conhecer a abordagem da Dupla Rota entendendo-a como
um “método metamorfônico ou fonético”, assim como a professora
LUX também demonstrou conhecer a modelagem da Dupla Rota
segundo a sua terminologia que usou como “método fonético”.

A partir dos parâmetros definidos em nossa pesquisa, pelas


respostas e comportamentos observados e pelo relacionamento
professor-aluno, atitudes e formas de tratamento incipientes na
solução dos problemas de aprendizagem da leitura nas referidas
escolas municipais da cidade de Aracaju, observamos que os
professores, ao ensinar, demonstram estar contaminados com um
“Vírus” causado pela ausência de uma política voltada para o bem
estar social e de não valorização da educação por parte do Estado
brasileiro. Trata-se da virulência do desânimo, frustração, falta de
motivação, ansiedade, irritabilidade, cansaço, impaciência, baixos
salários, tendo-se como consequências o déficit da aprendizagem, o
abandono das crianças em fase inicial dos estudos, e a contaminação
dos novos docentes e, por extensão, do ensino nas escolas públicas
pesquisadas.

REFERÊNCIAS

AUSUBEL, D. P. (1968). School learning an introduction to educational


psychology, New York.
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______ (1968) Educational psychology: a cognitive view. Grune and


Stratton, New York:
______ (1976). Psicologia educativa: um ponto de vista cognitivo.
Editorial Trillas, México:
______(1982).A aprendizagem significativa: a teoria de David Ausubel.
Moraes, São Paulo.
BOURDIEU, P. & PASSERON. La Reproducción. México,
Editorial Siglo XXI, 1976.
DELORS, J.(2000) Educação: um tesouro a descobrir. 4a ed. Cortez,
Brasilia, MEC: UNESCO, São Paulo.
OLIVEIRA, M, K. de. Vygotsky: Aprendizado e Desenvolvimento. Um
processo sócio-histórico. São Paulo: Scipione,2000.
VYGOSTKY, L. (1993). Pensamento e Linguagem. Martins Fontes, São
Paulo..
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Variação Linguística na
Educação de Jovens e Adultos:
sujeitos, vozes e identidades

Patrícia Wanderley Prazeres1

Andrea Berenblum2

RESUMO
O artigo visa divulgar alguns resultados obtidos a partir de uma pesquisa
realizada no contexto de um programa de Pós-Graduação em Educação, cujo
objetivo principal foi investigar diversas formas como professores do
primeiro segmento do Ensino Fundamental de educação de jovens e adultos
consideram, em suas práticas cotidianas, as variedades linguísticas faladas
pelos alunos. Ao mesmo tempo, procuramos compreender as diversas formas
como desenvolvem suas práticas educativas em relação ao fenômeno da
variação linguística. Pretendemos, também, caracterizar os sujeitos da
educação de jovens e adultos e refletir acerca da visão dos alunos em relação
ao trabalho pedagógico com a linguagem desenvolvido pelas professoras que
participaram do estudo. Foram realizadas entrevistas a duas professoras que
atuam na EJA na rede pública do município do Rio de Janeiro e a onze
alunos das turmas dessas professoras. A pesquisa evidenciou concepções
sobre a língua falada que se sustentam numa noção de língua única e
homogênea e a desvalorização das variedades linguísticas faladas pelos
educandos, principalmente das variedades regionais. Os resultados sugerem a
relevância de refletir sobre as práticas pedagógicas, analisando as concepções
de língua que circulam no âmbito da escola, como uma forma de contribuir
para o estudo da problemática da diversidade linguística e social no contexto
educacional.
Palavras-chave: Variação Linguística. Alfabetização; Educação de Jovens e Adultos.

1
Contato do(a) autor(a): Colégio Estadual Júlia Kubitscheck / RJ.
2
Contato do(a) autor(a): Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ).
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INTRODUÇÃO

O meu discurso em favor do sonho, da utopia, da liberdade, da


democracia é o discurso de quem recusa a acomodação e não deixa
morrer em si o gosto de ser gente, que o fatalismo deteriora.

Paulo Freire

Este texto surgiu a partir do diálogo entre orientanda e orientadora de


uma Dissertação de Mestrado iniciado em 2005. Nas sessões de orientação
compartilhávamos nossas angustias e vivências como professoras de jovens e
adultos em contextos diversos –e adversos-, refletíamos sobre as vidas dos
nossos alunos, líamos e discutíamos textos. O objeto da Dissertação foi sendo
construído a partir dessa interação, das vivências da autora como educadora
de jovens e adultos, de algumas falas de educadores ligados a movimentos
sociais e organizações não governamentais, de professores da rede pública e
trocas de experiências com os próprios alunos. Falas de professores que
demonstravam compartilhar as mesmas angustias e inquietações e buscavam,
também, possíveis caminhos para melhorar o trabalho na EJA.

A posição assumida pelos diversos profissionais envolvidos com a


educação de jovens e adultos revelava, em sua maioria, uma grande
insatisfação devido às dificuldades para desenvolver um trabalho de
qualidade, dificuldades essas que diziam respeito tanto à falta de material
didático específico como a ausência de um acompanhamento pedagógico
sério por parte das instituições de que faziam parte.

Alguns profissionais tendem a se culpabilizar e/ou aos seus próprios


alunos pelas dificuldades presentes no dia-a-dia, como a evasão, a baixa
frequência e a falta de motivação dos alunos. Outros, porém, relataram que,
apesar das dificuldades citadas acima, sentiam-se recompensados com o
trabalho realizado na EJA, pois percebiam a alegria desses alunos no retorno
aos “bancos escolares”, buscando recuperar, dessa forma, a sua condição de
cidadãos na sociedade letrada.

O processo de reflexão que deu origem a nossa caminhada inicia-se com


essas falas, confrontando nossas práticas com outras práticas educativas
observadas na educação de jovens e adultos, visando problematizar o modelo
de escola tradicional presente na memória, pois vivenciamos durante muito
tempo uma concepção de ensino como repasse de conhecimento, e a
aprendizagem como um ato receptivo e mecânico.

Muitas vezes, é difícil nos desligarmos desse modelo tradicional de


educação formal, modelo este que também está presente no imaginário dos
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alunos que chegam à instituição escolar com o desejo de recuperar o tempo


em que ficaram longe das instituições educacionais.

A fala instigante de uma aluna recém-chegada à escola pode elucidar


esse fato:

Professora, quando a senhora vai ensinar as coisas pra gente? Até


agora a gente só conversou. Eu quero usar o lápis e o caderno.
Demorei muito para voltar a estudar e não quero perder nem um
tempinho.3

Esse depoimento demonstra o quanto o fazer pedagógico do modelo


tradicional de educação está presente nas formas como os sujeitos concebem
a escola.

Outro problema enfrentado nos programas de EJA refere-se à falta de


formação adequada dos educadores que atuam nessa modalidade, pois são
geralmente oriundos de cursos de formação de professores e orientados
somente para trabalhar com crianças. Sendo assim, muitas vezes planejam
suas aulas e utilizam materiais didáticos inadequados ao ensino de jovens e
adultos, desconsiderando as reais condições e necessidades desses sujeitos.

As práticas pedagógicas que vêm sendo desenvolvidas, na maioria das


vezes, desconsideram a cultura, os saberes, os valores e as experiências dos
alunos, impedindo que eles estabeleçam relações entre o conteúdo trabalhado
na escola e seu meio social e cultural.

O presente texto visa sintetizar alguns resultados obtidos a partir da


referida pesquisa, que teve como objetivo principal investigar as diversas
formas como professores de educação de jovens e adultos, em suas práticas
educativas cotidianas, consideram as variedades linguísticas faladas pelos
alunos. Compreender como os professores da educação de jovens e adultos
do primeiro segmento do Ensino Fundamental desenvolvem suas práticas
educativas diárias em relação ao fenômeno da variação linguística.
Pretendemos, também, caracterizar os sujeitos da educação de jovens e
adultos e refletir acerca da visão dos alunos em relação ao trabalho
pedagógico com a linguagem, desenvolvido pelas professoras que
participaram do estudo.

A pesquisa empírica foi realizada através de entrevistas a duas


professoras que atuam na EJA na rede pública do Município do Rio de
Janeiro e a onze alunos das turmas dessas professoras. Foram observadas,
também, oitenta horas de sala de aula. A pesquisa evidenciou algumas
concepções das professoras e dos alunos sobre a língua falada que se

3
Fala de uma aluna da EJA da 3ª fase do Ciclo de
Alfabetização, em 01/03/2005.
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sustentam numa noção de língua única e homogênea – e a desvalorização das


variedades linguísticas faladas pelos educandos, principalmente das
variedades regionais. Os seus resultados sugerem a relevância de refletir
sobre as práticas pedagógicas, analisando as concepções de língua que
circulam no âmbito da escola, como uma forma de contribuir para o estudo
da problemática da diversidade linguística e social no contexto educacional.

1 Os sujeitos da EJA
Aqui no Rio de Janeiro

Quando nordestino fala

Carioca fala também

Vocês não sabem falar

A língua que a gente tem

Acham que não temos cultura

Por não falar tão bem.4

Ao caracterizar a modalidade EJA da educação básica nos deparamos


com uma pluralidade de sujeitos que dela fazem parte. Cada um com uma
história de vida e suas marcas de identidade, constituídas por memórias
ímpares. Essas experiências singulares se somam às do grupo, criando
espaços de saberes e não saberes, na busca de um reconhecimento na
sociedade.

Como sabemos, estes sujeitos de classes populares vivem em situação


socioeconômica desfavorável e a necessidade de trabalhar os afastou muito
cedo dos seus estados e cidades de origem. Provenientes principalmente do
norte e nordeste do país, trazem em sua bagagem uma história de
desesperança e de esperança que os encoraja a tentar “mudar de vida”,
procurando melhores condições. Nessa trajetória até a “cidade grande”
carregam o desejo de um futuro diferente daquele deixado para trás.

A vida é melhor de se viver lá, mas aqui é para trabalhar, ganhar


dinheiro, construir alguma coisa. Se lá tivesse condições não ia vir
tudo para cá.5

Esses jovens e adultos se caracterizam como um grupo heterogêneo


quanto as suas atividades: são pedreiros, donas de casa, porteiros, faxineiras,
cozinheiros. São homens e mulheres, trabalhadores, empregados,

4
Extraído do texto “Intriga do nordestino e carioca”. In: Caminhos de Vida.
Coletânea de textos das alunas da EJA do Colégio Sagrado Coração de Maria. Rio de
Janeiro, 2005.
5
Depoimento de um aluno do PEJA, bloco I.
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desempregados ou pessoas em busca do primeiro emprego; filhos, pais, mães


e avós. Muitos nunca foram à escola ou dela tiveram que se afastar, quando
crianças, em função da entrada precoce no mercado de trabalho, ou mesmo
por falta de escolas na região onde moravam. Alguns dos que retornaram à
escola permaneceram nela por períodos de tempo muito curtos: dias, semanas
ou, no máximo, alguns meses.

O maior tempo de escolarização nem sempre significa mais


conhecimento ou facilidade para a aprendizagem. São sujeitos
marginalizados, expulsos da escola ou privados do acesso à escolarização,
que carregam a marca da exclusão social. Neste sentido, é fundamental
entender a educação de jovens e adultos como direito e não apenas como
compensação que possibilitaria o resgate do tempo perdido, pois o aluno
muitas vezes se sente culpado por não ter sido capaz de aprender na “época
própria”.

A heterogeneidade presente na sala de aula da EJA se configura a partir


de aprendizagens e experiências que e os alunos adquirem ao longo de sua
vida em diferentes contextos sociais, pois as suas crenças, valores, atitudes e
práticas vão constituindo processos diferenciados de aprendizagem e
diferentes formas de acesso ao conhecimento. Será a partir do
reconhecimento de suas experiências de vida e visões de mundo que cada
aluno, jovem ou adulto, se apropriará das aprendizagens escolares de modo
crítico e original, na perspectiva de ampliar sua compreensão, seus meios de
ação e interação no mundo.

Segundo Oliveira e Paiva (2004, p. 8), “a concepção de aprendizagem


para esses sujeitos jovens e adultos, de qualquer nível de escolaridade, é a
base de estar no mundo”.

O jovem ou adulto não volta apenas à escola para recuperar o tempo


perdido, mas em busca de experiências de aprendizagem que lhes
possibilitem dar resposta para as suas necessidades presentes. Por isso, essa
modalidade deve ser pensada e planejada em relação a suas especificidades,
procurando desenvolver um trabalho diferente do realizado nas escolas
regulares. Esses alunos esperam encontrar na escola um espaço para falar de
suas vidas, seus desejos, suas dores e suas alegrias, daquilo que os aflige no
cotidiano, das dificuldades de conciliar família, casa, trabalho. Precisam se
sentir acolhidos, ouvidos, incluídos e construir um âmbito para compartilhar
todos esses sentimentos. São guiados pelos seus sonhos há muito esquecidos,
pelo desejo de “melhorar de vida”, pelo esforço de compreender melhor o
mundo que os rodeia, pela vontade de ser reconhecidos como sujeitos e olhar
para os outros, como eles afirmam, “de cabeça erguida”.

2 O trabalho pedagógico com a linguagem e variação


linguística na EJA: a visão dos alunos
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No discurso dos alunos escutamos diversas vezes que o tempo perdido


precisa ser recuperado, pois quando crianças não puderam estudar e precisam
acelerar os estudos.

Eles também valorizam muito a escola e o trabalho das professoras, são


unânimes em afirmar que geralmente não aprendem o conteúdo ensinado
devido às próprias dificuldades de aprendizagem.

As professoras são pacientes e atenciosas. Se nós não aprendemos a


culpa não é delas, é nossa. (A9)

Esperam que seu conhecimento prévio seja valorizado e quando isso


não acontece se sentem frustrados. Esses sujeitos querem ser escutados; a
satisfação de ser ouvido fica expressa no rosto de cada um deles. A
oportunidade de opinar e expor suas ideias cria um ambiente propício para o
grupo refletir sobre suas experiências de vida. Para o aluno, o professor é
visto como aquele que vai fiscalizar o conhecimento adquirido. Essa idéia de
controle atrapalha a autonomia dos alunos, deixando-os cada vez mais
inseguros ao realizarem as atividades propostas. Pudemos constatar, a partir
da nossa pesquisa, que o modelo de escola presente na memória dos alunos é
o da pedagogia tradicional, manifesta na fala dos alunos:

Após a leitura das transcrições das entrevistas, é possível inferir que


para os alunos é função da escola “ensinar a falar certo”, ensinando as
pronúncias certas das palavras, tendo como base a norma padrão da língua.
Para eles, as pessoas que tiveram oportunidade de estudar falam bem, falam
certo, “sem errar”, e por isso eles se espelham nesses modelos e buscam uma
“perfeição” que é exigida pela escola.

Alguns caracterizam a escola como lugar de ensino, de realização


pessoal, de certificação do saber, de ascensão social. Para os alunos, quem
sabe ler e escrever tem melhores oportunidades de emprego, consegue se
desenvolver dentro da sua função, aprimora seus conhecimentos, é valorizado
socialmente e dessa forma consegue “melhorar na vida”, o que significa ter
um emprego formal, com uma melhor remuneração e melhores condições de
trabalho 6.

Para os sujeitos entrevistados, quem teve oportunidade de estudar “fala


melhor”. Que sentidos esses alunos atribuem À expressão “falar melhor”?
Qual a importância da leitura e da escrita para esses grupos?

a gente vê que as pessoas que tem...é acesso a outras pessoas


importantes (com estudo) que sabem falar melhor, conversa melhor do
que a gente que não sabe. Então, a gente tem que estudar pra isso.
(A4)

6
Essas funções atribuídas à escola se evidenciam em vários trabalhos que abordam
os sujeitos da EJA. Entre eles, o trabalho: Jovens e Adultos em Processo de
Alfabetização: voz e vida. Garcia, I. H. M. Niterói: Universidade Federal
Fluminense. Dissertação Mestrado, 2004.
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sempre quis aprender a ler. [...] passei muita vergonha quando eu ia


assinar meu nome, andava com um papelzinho dentro da bolsa. (A4)

Na opinião dos alunos, “falar melhor” significa ter escolarização, ou


seja, ter aprendido a norma culta da língua na escola. Quem está inserido
nesse contexto aprende a “falar corretamente” e por isso não erra,
conseguindo assim se “expressar bem”, com desenvoltura diante do público e
com segurança no que está falando.

O aluno considera a escola como uma instituição capaz de lhe assegurar


uma melhor posição no mercado de trabalho. Através dela, ele pode sonhar
com um trabalho menos pesado, com melhor remuneração, como um negócio
próprio ou até em frequentar uma faculdade. A escola tem um valor muito
importante porque ela o instrumentaliza, dando-lhe condições materiais para
realizar seus planos, e assim utilizar os conhecimentos adquiridos na prática,
pois as exigências do mercado de trabalho pressionam cada vez mais e a
concorrência é muito grande. Estes jovens e adultos pertencem ao mundo do
trabalho, ou do desemprego, como é mais comum, e assim ingressam no
curso da EJA com o objetivo de concluir etapas de sua escolaridade para
buscar melhores oportunidades de emprego e sua inserção no mundo letrado,
pois esses conhecimentos que os alunos tanto valorizam estão sempre
associados à leitura e à escrita.

A fala desses alunos sobre a escola revela a centralidade que ela tem na
vida de cada um:

pra mim entender muitos pratos7, tenho que estudar senão não vou
conseguir chegar lá. (A2)

eu quis voltar a estudar porque o estudo é importante pra gente


melhorar na vida. Ir pra frente. Saber mais. (A6)

A possibilidade de ser valorizado socialmente é um dos sentidos


atribuídos à escola para esses alunos, porque eles desejam o reconhecimento
da sociedade. Um grupo que já foi tão excluído espera que a escola possa lhe
fornecer uma oportunidade para participar de forma efetiva na sociedade,
conquistando assim sua cidadania. A cidadania é entendida por eles como
sinônimo de “ser alguém na vida”.

eu sempre quis ser alguém. Eu sempre achei bonito quem fala bem,
quem lê direito, quem sabe se expressar, quem sabe falar. (A9)

antes de eu morrer...eu ainda quero ser gente na vida, porque a gente


com um pouquinho de estudo já melhora. (A10)

A realização pessoal também é um fator importante para esses sujeitos,


assim como a certificação, o prestígio de ter um diploma e estar inserido no
mundo letrado.

7 Esse aluno é ajudante de cozinha em um restaurante.


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Em relação ao ensino da variedade padrão da língua, afirmam que em


algumas situações gostam de ser corrigidos para aprenderem essa norma, que
é muito valorizada por eles, mas alegam que existe uma maneira certa dessa
intervenção ser feita, pois se sentem desconfortáveis quando são corrigidos
diante de uma platéia. Esse sentimento de vergonha, porém, muitas vezes se
transforma em agradecimento, pois em determinadas situações, quando são
corrigidos e o interlocutor explica o porquê da correção, quer seja em relação
à pronúncia ou à grafia da palavra, eles se sentem satisfeitos em aprender a
“forma correta” para falar sem constrangimentos:

o caderno os professores levavam pra casa, levavam pra casa pra


corrigir. Ela ia ver o que estava errado pra consertar (...) e o modo de
falar algumas palavras...que você falasse...assim errado os professores
corrigiam. Eles ensinavam a falar certo. (A5)

CONSIDERAÇÕES FINAIS: a importância do debate sobre a


variação linguística no contexto educacional

Compreender as formas como os professores da educação de jovens e


adultos, do 1º segmento do ensino fundamental, desenvolvem suas práticas
educativas diárias em relação ao fenômeno da variação linguística, foi a
nossa inquietação e a partir dela o trabalho foi se configurando.

O contato com a realidade da sala de aula, as observações e as


entrevistas realizadas nos levaram a considerar aspectos que não havíamos
considerado previamente.

Muito do que foi falado nas entrevistas gerou controvérsia, porque o


discurso das professoras muitas vezes era contraditório com as suas práticas
pedagógicas. Quanto às atitudes demonstradas pelas professoras em sala de
aula frente às variedades linguísticas utilizadas por seus alunos, foi possível
perceber ações diferenciadas dentro do universo pesquisado: algumas
professoras corrigiam claramente a fala dos alunos demonstrando uma ação
de pouco respeito à variedade linguística usada pelos mesmos; outras não
interferiam na fala deles, porém corrigiam os textos escritos segundo a norma
culta. É importante salientar que o intuito aqui não é culpabilizar os atores
desse processo e sim entender suas ações e motivações.

Essas ações demonstram a intensa valorização da norma culta em


detrimento das outras variedades linguísticas, pois, como dissemos
anteriormente, apesar de todos os avanços das pesquisas linguísticas
contemporâneas ainda prevalece um enorme autoritarismo que leva a
considerar como exclusivamente “certa” a variedade padrão.
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Percebemos que para as professoras que fizeram parte da pesquisa a


variedade de prestígio deveria ser ensinada por motivos pragmáticos, já que
os alunos farão uso dela em contextos reais, como em concursos, entrevistas
de emprego, vestibular e outras situações em que o uso da norma padrão é
exigido. Não questionamos essa visão, mas nos interessa compreender como
essa concepção vem sendo materializada na escola, pois se partirmos da
dicotomia “certo” e “errado” estaremos desconsiderando a cultura própria do
aluno. A partir dessa concepção do erro, o aluno se sente inseguro e tem
medo de “errar”; a consequência é que ou ele escreve pouco para ter menos
“erros” ou se silencia, para não errar na fala.

Quando ouvíamos os alunos na entrevista nos enxergávamos no


discurso deles, pois quantas vezes na escola víamos pessoas deixando de
escrever com medo de “errar”, porque o “bom” aluno para o professor
deveria escrever com a ortografia “correta” das palavras. Não era raro ouvir
da professora: “português é difícil, quem não se esforçar não vai aprender”;
“copie as palavras certas para não errar nunca mais”; “quem não sabe o
‘bom’ português não vai a lugar algum”. Essa pressão que o professor muitas
vezes exerce sobre o aluno, ou seja, que ele deve escrever sem “errar”, gera o
medo do “erro” e assim esses sujeitos não desenvolvem suas potencialidades
e acabam restringindo cada vez mais a língua falada e escrita. Percebemos na
fala dos alunos pesquisados que eles criaram uma imagem do professor como
aquele que não “erra”, aquele que sempre utiliza as palavras “corretamente”.
Como afirmou uma aluna: ”ele é 100% de perfeição”. E dessa forma cria-se
um mito em torno do professor, como aquele que fala “bem”, que utiliza a
norma padrão da língua em qualquer situação.

Os alunos querem ser ouvidos e legitimados e quando isso não


acontece a sua baixa auto-estima é abalada e se sentem cada vez mais
inferiorizados e desprestigiados. Essa atitude dos alunos explicaria em parte o
porquê de muitos se calarem e não se sentirem à vontade em usar a variedade
popular, utilizada no seu contexto social.

Uma questão reveladora apareceu nas entrevistas da maioria dos alunos.


Quando abordamos a falas regionais, os nordestinos desprestigiaram a sua
forma de falar, pois para eles o seu sotaque é “feio” e “errado”, sendo
desvalorizado e discriminado até por eles mesmos. Em oposição a ele, o
sotaque carioca é valorizado, pois tem prestígio social em relação a outros
estados do Brasil. Esses sujeitos são unânimes em afirmar que aprenderam a
falar corretamente no Rio de Janeiro e que aos poucos vão se
“aperfeiçoando”. Na fala de uma aluna esta certeza fica muito clara: “agora
que chequei no Rio estou ‘melhorzinha’ de sotaque, aprendi a falar bonito”.
Esse preconceito em relação à fala do nordestino é alimentado diariamente e
podemos percebê-lo em vários discursos de pessoas diferentes e em lugares
distintos. Uma professora, em seu discurso, revelou: ”eu tenho uns
probleminhas de sotaque porque eu morei no nordeste”. A partir da fala
desses alunos e professores, compreendemos a necessidade de questionar o
preconceito lingístico existente em nossa sociedade, compartilhado,
inclusive, pelos próprios sujeitos falantes de variedades linguísticas
desprestigiadas.
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Ficou evidente também o conflito que os alunos vivem diariamente:


aprender a norma culta apresentada pela escola para serem incluídos e
valorizados socialmente os leva muitas vezes a serem excluídos pelo seu
grupo social, pois são questionados quando começam a se apropriar de uma
variedade que não é reconhecida pelos seus pares. Como, então, a escola
pode lidar com essa situação? Como trabalhar com esse conflito? De que
forma ensinar a norma padrão, problematizando-a e promover a reflexão
sobre as situações de uso de outras variedades?

Percebemos que a linguagem tem um papel fundador no processo


educacional, não só do ponto de vista da construção da singularidade dos
sujeitos, mas também da construção das suas marcas de pertencimento a
determinado(s) grupo(s). Muitas vezes as concepções de professores e alunos
acerca da variação linguística dialogam, pois questões como preconceito, da
discriminação, o papel da escola, o poder que a linguagem desempenha e o
entendimento sobre língua falada e escrita aparecem na fala de ambos.

Tanto as professoras quanto os alunos evidenciaram que a função da


escola é “ensinar a falar corretamente” e que a gramática normativa tem um
papel muito importante nesse processo. Mas os alunos às vezes se
questionam: para que aprender a “falar certo?” Será que falando certo
conseguiremos um emprego melhor?

Diante das observações em sala de aula, é possível afirmar que raras


foram as atividades didáticas que focaram o fenômeno da variação linguística
como conteúdo a ser trabalhado e sobre o que é preciso refletir. Quando ele é
tangencialmente focado, a valorização exclusiva da norma culta acaba
prevalecendo.

Acreditamos que a afirmação dos direitos linguísticos dos alunos é


parte essencial do fortalecimento de identidades sociais e da formação de
cidadania em uma sociedade democrática. Percebemos que o preconceito
linguístico está ainda muito presente na sala de aula, às vezes de uma forma
sutil, outras de forma explícita, sendo as variedades populares e regionais
desprestigiadas e discriminadas. Na concepção de muitos professores a língua
é vista como estática e imutável, e a gramática normativa assume uma
posição de destaque, pois descreve a chamada norma culta que deve ser
usada e aplicada nas atividades em sala de aula, servindo de modelo para
avaliar as práticas linguísticas do grupo.

Como sabemos, a língua apresenta variações, mas muitos


professores não trabalham essas diferenças em sala de aula, pois para eles a
língua portuguesa é única e homogênea. A fala de uma professora representa
bem o preconceito em relação à fala dos alunos:

eles falam tudo errado e escrevem tudo errado. Tipo...eu tava dando p,
b e n, m e então eles faziam logo uma misturada e não conseguiam
escrever “direito” P2

A representante da turma é uma ótima aluna, mas fala muito errado.


Ela veio do nordeste. P2
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Apesar de algumas professoras procurarem não desprestigiar ou


discriminar a fala do aluno, o falar “certo” e “errado”, está arraigado na
concepção do trabalho com a linguagem na sala de aula, já que muitas vezes
elas consideraram um uso como “errado” e não como uma marca social ou
regional, julgando a fala do aluno sob a ótica do erro.

Observamos também que no trabalho didático com a linguagem na


sala de aula o professor geralmente solicita que os alunos transformem “o
errado” em “certo”. Ao longo do nosso estudo, não observamos a proposta de
uma discussão sobre os diversos fatores extralinguísticos que interferem na
linguagem falada, nem foi proposta nas aulas a reflexão sobre os usos
linguísticos mais adequados em determinadas situações e contextos.

Neste trabalho, partimos do pressuposto de a escola valoriza e


transmite quase com exclusividade a variedade oficial da língua e que o mito
da exclusiva legitimidade desta variedade é produto, em parte, do
desconhecimento dos processos histórico-políticos de instalação da mesma.
Buscamos, também, enfatizar a importância de refletir a respeito das
condições de produção e imposição da norma padrão de uma determinada
língua em contextos específicos. A partir daí, poderemos questionar a
legitimidade exclusiva dessa variedade. Assim, propomos um trabalho com a
língua na sala de aula que permita o debate, a discussão e a comparação de
formas de uso em contextos específicos, como uma forma de romper com a
crença fortemente arraigada de que o professor deve ensinar e impor a norma
padrão, evitando “interferências” dos usos populares da língua. O
reconhecimento das diferenças e a reflexão acerca dessa problemática, tanto
no contexto escolar quanto nos âmbitos de formação docente, poderá
permitir-nos avançar na construção de uma escola mais democrática.

REFERÊNCIAS

BAGNO, M. Linguística da norma. São Paulo: Loyola, 2002.


GNERRE, M. Linguagem, escrita e poder. São Paulo: Martins Fontes, 1991.
OLIVEIRA, I. Barbosa de; PAIVA, J. (orgs.). Educação de Jovens e
Adultos. Rio de Janeiro: DP&A, 2004.
WANDERLEY PRAZERES, Patrícia. Variação lingüística na Educação
de Jovens e Adultos. Niterói, RJ: UFF, 2007. Dissertação de Mestrado –
Programa Pós-Graduação em Educação.
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O Nível de Letramento dos Discentes Jovens


e Adultos matriculados no Ensino Médio
Noturno da Escola Gumercindo Bessa
pertencente a Rede Estadual de Educação, na
Cidade de Estância-Sergipe

Carlos Menezes de Souza Junior1


Herbet Alves de Oliveira2
Adriano de Souza Freitas3

RESUMO

Objetivou-se nesse artigo analisar o nível do domínio da Língua Portuguesa de


estudantes jovens e adultos do Ensino Médio noturno da Escola Estadual Gumercindo
Bessa, localizada na cidade de Estância-Sergipe. Para realização deste estudo foi
utilizada uma amostragem composta por 120 discentes, uma amostragem de 30% do
universo de estudantes desta unidade escolar neste nível de ensino noturno. Esta
pesquisa baseia-se em abordagens quantitativas e qualitativas. Foram feitas diversas
leituras como Freire, Ferreiro, Teberosky , dentre outras, realizadas algumas
entrevistas, houve a aplicação de uma avaliação diagnóstica que procurou medir seis
eixos: a compreensão e valorização da cultura escrita, a apropriação do sistema da
escrita, a leitura, a produção de textos escritos , a oralidade e o domínio de conteúdos
gramaticais. A maioria esmagadora dos pesquisados demonstra uma defasagem
imensa no domínio nos eixos pesquisados, referentes ao domínio da Língua
Portuguesa, levando em consideração o grau de escolaridade em que os discentes se
encontram, todavia foi diagnosticado que este público afirma gostar de leituras que
para eles tenham significado, um ponto que deve ser aproveitado pela escola. Com os
resultados obtidos, este estudo permite algumas reflexões: faz-se necessário repensar a
método de alfabetização que está sendo utilizado nos ensinos fundamental, bem como
o trabalho pedagógico que está sendo desenvolvido pelos profissionais envolvidos
para minimizar este quadro caótico, além de entender que o público jovem e adulto
precisa de uma metodologia adequada para a sua faixa etária, a fim de ser eficaz no
processo de alfabetização e letramento.
Palavras-Chave: Alfabetização, Letramento, Jovens, Adultos.

1
Contato do(a) autor(a): carlosmenezesj@hotmail.com. Instituto Federal de Sergipe,
IFS.
2
Contato do(a) autor(a): herbetalves148@hotmail.com. Instituto Federal de Sergipe,
IFS.
3
Contato do(a) autor(a):adriano_basket182@yahoo.com.br. Instituto Federal de
Sergipe, IFS.
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INTRODUÇÃO

As concepções acerca de alfabetização e letramento foram sendo


modificadas com o decorrer do tempo.

Historicamente o conceito de alfabetização se identificou ao ensino-


aprendizado da “tecnologia da escrita”, ou seja, a capacidade de decodificar
os sinais gráficos, transformando-os em sons, e, na escrita, a capacidade de
codificar os sons da fala, transformando-os em sinais gráficos.

Emília Ferreiro e Ana Teberosky contribuíram bastante para a


ampliação deste conceito, a partir dos estudos sobre a psicogênese da
aquisição da língua escrita, não o reduzindo apenas ao domínio de
correspondências entre grafemas e fonemas, mas a alfabetização passaria a se
caracterizar como um processo ativo de construção e reconstrução de
hipóteses sobre a natureza e o funcionamento da língua escrita.

As ideias de Ferreiro (2001) representam um das mais valiosas e


recentes contribuições numa abordagem construtivista-interacionista da
aprendizagem.

É inegável a contribuição de Freire (1999), apontado por boa parte dos


educadores, nacional e internacionalmente, como o grande pensador do
século vinte. A partir de suas idéias, criou-se uma nova concepção de
educação, de “leitura de mundo”, proporcionando grandes mudanças no
processo de alfabetização, por forte influência prático-teórica no
desenvolvimento cultural, social e político do sujeito.

Nesse processo, a linguagem não está "solta no ar", ela está diretamente
interligada à realidade, pois entre a leitura de mundo e a leitura da palavra há
um ir e vir constante, e isso nos afirma o próprio Freire (1987).

Dessa maneira, segundo Mortatti (2007: 166): "ensinar a ler e a escrever


é ensinar a ler e produzir textos (orais e escritos) que permitam ao sujeito se
constituir como tal no âmbito de uma sociedade letrada".

De forma progressiva, a alfabetização passou a ser considerada como o


domínio dos conhecimentos que permitem o uso dessas habilidades nas
práticas sociais de leitura e escrita, surgindo a partir de então o termo
alfabetização funcional e logo em seguida a palavra letramento.

Com a origem deste novo termo, alguns autores preferiram diferenciar


alfabetização de letramento. Este estudo foi feito baseado nos seguintes
conceitos: alfabetização é o processo de aquisição de habilidades para a
leitura e a escrita, enquanto o letramento usa essa habilidade para alcançar
diferentes objetivos. (COLELLO, 2006). Portanto, o letramento permite uma
relação diferenciada do indivíduo com a sociedade, permitindo-lhe uma
conexão mais profunda com seu próprio contexto sociocultural, conseguindo
assim inserir-se num mundo organizado da cultura escrita.
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Como são muito variados os usos sociais da escrita e as competências a


eles associadas, então surgem os níveis de letramento, levando em
consideração as diferentes formas pelas quais as pessoas têm acesso ao
domínio da Língua Portuguesa.

A escola é a instituição social responsável, dentre outras finalidades, por


inserir de forma sistêmica os indivíduos no mundo letrado, tarefa esta que
tem se mostrado muito complexa, visto o fracasso experimentado nestas
últimas décadas por estes ambientes educacionais. Desde que este espaço
passou a ser direito de todos, independente de classe socioeconômica dos
cidadãos, a tarefa de alfabetizar não tem obtido o sucesso devido, uma vez
que estas variações socioculturais influenciam diretamente na construção do
conhecimento, neste caso especificamente, no processo de alfabetização e
letramento, estando a escola totalmente despreparada para formar os diversos
tipos de cidadão, verdadeiramente, alfabetizados. Quando citamos a
alfabetização na perspectiva do letramento os índices pioram ainda mais,
segundo a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios realizada em 2009 e
divulgada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística mais de 20%
dos brasileiros são analfabetos funcionais, sendo mais grave a situação na
região Nordeste que chega a 30,8%.

Baseando-se no pressuposto de que a escola tem falhado com o


processo de alfabetização, na perspectiva do letramento, na educação infantil
e no ensino fundamental, faz-se necessário mensurar qual o nível de
letramento que os jovens e adultos têm chegado ao ensino médio das escolas
públicas brasileiras, precisamos conhecer se este nível de letramento é
adequado para a série estudada. Que fatores têm contribuído com a obtenção
dos resultados encontrados? Como o Ensino da Língua Portuguesa tem sido
trabalhado na escola objeto desta pesquisa? O letramento é trabalhado apenas
pela disciplina Língua Portuguesa?

Este estudo traz grandes contribuições às escolas públicas sergipanas,


principalmente às escolas que trabalham com jovens e adultos no Ensino
Médio noturno, que terão como parâmetros os seus dados encontrados. Desta
forma os gestores públicos e profissionais da educação pública possam
repensar o caminho que se tem percorrido, desde a educação infantil ou
fundamental, na tentativa de inserir os vários tipos de estudantes, oriundos
dos mais diversos meios sociais e culturais ao mundo das práticas sociais da
língua portuguesa.

1 METODOLOGIA

Este artigo baseia-se em um estudo de caso, tendo como referência as


turmas noturnas do ano de 2011 do Ensino Médio da Escola Estadual
Gumercindo Bessa, cujo público alvo são estudantes jovens e adultos.

Esta pesquisa dialoga com fontes bibliográficas, documentais e orais.


As primeiras são essenciais para aprofundamento teórico do objeto de
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investigação. Para tal, realizamos leituras de artigos científicos, livros de


autores importantes como Freire, Colello, Ferreiro, Teberosky, já a segunda
nos permitiram ter a dimensão do nível de alfabetização e letramento dos
estudantes pesquisados e para a última foram adotadas a realização de 22
entrevistas com fins diagnósticos, uma com a coordenação pedagógica, outra
com a direção geral e 20 com estudantes que foram escolhidos por sorteio.

A leitura destes estudiosos apresentados neste estudo foi de suma


importância para entendermos o universo do letramento, como também para
a análise dos dados obtidos com a aplicação de uma avaliação diagnóstica
com 104 discentes, que correspondem a 40% do universo total de estudantes
desta escola no turno noturno do Ensino Médio, cuja finalidade foi descobrir
os níveis de letramento em que os estudantes chegam ao ensino médio. Esta
avaliação serviu para avaliarmos o domínio dos discentes em seis diferentes
eixos da Língua Portuguesa: a compreensão e valorização da cultura escrita, a
apropriação do sistema da escrita, a leitura, a produção de textos escritos, a
oralidade e o domínio de conteúdos gramaticais. As questões selecionadas
foram retiradas de livros didáticos dos 6º e 7º ano do Ensino Fundamental.

Após a aplicação da avaliação diagnóstica, os dados foram tabulados,


por meio de dados estatísticos e todas as informações coletadas com as
entrevistas orais foram sistematizadas.

Por fim, houve o diálogo das fontes para confrontar as informações


obtidas e assim alcançar resultados para os questionamentos realizados, a fim
de cumprir com a finalidade da pesquisa: provocar uma reflexão acerca do
cumprimento do papel institucional da escola em formar sujeitos letrados,
capazes de fazerem uso da língua portuguesa nas mais diferentes práticas
sociais.

2 RESULTADOS E DISCUSSÃO

Após aplicação da avaliação diagnóstica foram obtidos os seguintes


resultados:

Com relação ao desenvolvimento do gosto pela leitura, 74,2% dos


estudantes pesquisados declaram que gostam de ler, restando apenas 25,8%
que afirmam não gostar de nenhum tipo de leitura, todavia estes mesmos
alunos que afirmam gastar de ler, também restringe o seu gosto a gêneros
textuais com os quais se identificam e colocam que a escola quer forçar
leituras desinteressantes que não possuem relação alguma com a sua
realidade social.

Apenas 3,5% dos alunos tiveram 100% de acertos, tomando como base
as 03 questões retiradas dos livros didáticos do 7º ano, que avaliavam o nível
de interpretação textual, 50,3% dos discentes acertaram somente metade
destas questões, enquanto 46,2% tiveram zero aproveitamento, apontando
assim para o analfabetismo funcional e nível de letramento muito aquém a
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escolaridade que possui, sendo incapazes de ler com compreensão questões


simples de interpretação. O rendimento das turmas no quesito leitura foi de
29%, o equivalente a nota 2,9 numa escala de nota de 0,0 a 10,0.

Com relação a apropriação do sistema da escrita, 61,2% escrevem ainda


fora dos padrões gramaticais, pois ainda não conseguem perceber que existe
uma diferença grande entre fonema e grafema, trazendo para a escrita as
variações linguísticas do seu meio social, utilizado na oralidade. Apenas
38,8% dos estudantes pesquisados dominam a escrita na norma culta, com
pouca dificuldade no universo ortográfico. O rendimento das turmas no eixo
escrita foi de 38,8%, o equivalente a nota 3,9 aproximadamente numa escala
de 0,0 a 10,0.

Para medirmos o domínio destes jovens e adultos, estudantes do ensino


médio noturno, no eixo produção de textos escritos, dividimos em duas
questões básicas: regras de organização textual e coerência/coesão, sendo que
na primeira verificamos que apenas 24,4% conseguem produzir um texto
com o mínimo de organização necessária e exigida pelas normas vigentes, já
75,6% não possuem nem noção da importância de utilizar as regras básicas
para conseguir produzir um texto visivelmente apresentável. Já sobre a
produção de tetos coesos e coerentes, 65,05% dos estudantes não conseguem
escrever de forma coerente e coesa, restando apenas 34,95% que já podem
ser considerados bons produtores textuais. A nota média da turma para o eixo
produção de textos escritos foi de 3,0, numa escala de notas de 0,0 a 10,0.
Neste quesito ainda encontramos um agravante que nem sempre o estudante
que consegue organizar seu texto de forma satisfatória é o mesmo que o
produz de forma coesa e coerente, o contrário também é verdadeiro.

Medimos também o domínio gramatical dos discentes envolvidos,


utilizando questões simples e de fácil solução, cuja aprendizagem já deveria
ter sido adquirida no 6º ano, e 60,8% dos pesquisados não acertaram
nenhuma questão relativa a conteúdos gramaticais, 26,1% acertaram algumas
questões gramaticais com muita dificuldade, 13,1% acertaram estas questões
com certa dificuldade e nenhum discente acertou com facilidades estes
quesitos, mostrando ainda mais a gravidade quando se tratam dos conteúdos
gramaticais, assuntos totalmente distantes do cotidiano em que eles vivem. A
análise desta área da Língua Portuguesa demonstra os piores índices deste
estudo, pois as turmas obtiveram nota 1,3, numa escala de 0,0 a 10,0.

As conversas informais ou entrevistas nos fizeram perceber claramente


que os alunos em questão reproduzem exatamente as práticas de oralidade do
seu meio social, cada um trazendo para o ambiente escolar precisamente o
vocabulário utilizado nos seus espaços domésticos e da sua comunidade, dos
20 discentes entrevistados, apenas 02 faziam uso da língua culta, propícia
para este tipo de prática social, logo os 90% restantes não se importavam com
o nível de exigência da ocasião, repetindo acriticamente a forma de se
expressar oralmente em rodas de conversas e relacionamentos familiares.

Nas entrevistas com a coordenação pedagógica e a direção geral fica


evidente que esta não é uma realidade que causa espanto ou surpresa,
posicionam-se como um fato natural para o aluno jovem e adulto do turno
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noturno de uma escola pública estadual, que chegaram ao ensino médio sem
mérito e condições para competirem de forma igualitária no mundo do
trabalho e que neste nível de escolaridade não há mais como reverter esta
situação, carregando para si e para todos os profissionais que fazem a escola
um estado de impotência pedagógica, colocando como única saída a
aceitação do quadro em questão.

CONCLUSÕES

Tomando como base este estudo, podemos fazer algumas reflexões


importantes.

A primeira traz uma afirmação de que a educação pública na rede


estadual deve ser repensada urgentemente, pelo menos, no que diz respeito ao
nível de alfabetização e letramento, uma vez que os índices apresentados
nesta pesquisa são assustadores e mostra de forma evidente a fragilidade do
estudante jovem e adulto que consegue chegar ao ensino médio noturno com
pouco ou quase nenhum domínio da Língua Portuguesa, tão importante para
dar a este indivíduo a capacidade de disputar de forma igualitária a
empregabilidade.

Outro questionamento que nos leva a pensar nos remete ao fato da


equipe gestora das escolas se sentir impossibilitada de executar um plano
eficaz que possa minimizar este quadro, totalmente, desfavorável à inclusão
social dos indivíduos por meio da educação, faltando assim preparo técnico e
iniciativa para sair da inércia pedagógica em busca de soluções viáveis,
através de discussões coletivas com todos que fazem a comunidade escolar.
Então é urgente a criação de ambientes e situações motivadoras, que
impulsionem os profissionais envolvidos a saírem das suas zonas de conforto
e acreditem que é possível transformar esta realidade, ainda que a questão
temporal não corrobore para que tal mudança aconteça.

É preciso entender que os estudantes jovem e adulto merecem uma


atenção diferenciada, uma vez que na idade ideal ou propícia não lhe foram
dadas as oportunidades devidas para construírem o conhecimento de forma
adequada com as competências e habilidades necessárias para que estes
pudessem trilhar uma trajetória acadêmica e profissional de sucesso, logo a
escola deve ter clareza para perceber que estes jovens e adultos que já são
autônomos em todas as outras áreas de sua vida cotidiana, mas que são
totalmente dependentes do professor no ambiente escolar, justamente porque
chegam ao ensino médio de forma tardia, com defasagem de idade-série, e
sem o menor domínio da alfabetização funcional, com um baixíssimo índice
de letramento, logo estes não veem na escola um ambiente acolhedor, que
combine com seu perfil independente, que não traz para as salas de aula
práticas motivadoras, aprendizagens significativas, linguagens atraentes, pois
os mesmos profissionais envolvidos utilizam-se ainda de metodologias
inadequadas para a sua vivência, o conhecimento ainda é meramente
transmitido de forma mecânica, sem contextualização, onde especificamente,
para o ensino da Língua Portuguesa não passa do ensino de pífias
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codificações e decodificações, sem apresentá-la ao uso das diversas práticas


sociais e a importância desta utilização para a sua vida extracurricular.

Um fator muito positivo deste estudo foi o fato de 74,2% dos estudantes
pesquisados gostarem de ler, pois demonstra que, se a escola souber
aproveitar esta sinalização, as estratégias para serem colocadas no plano de
ação pedagógico devem aproveitar bem este dado, escolhendo assim o
trabalho em sala com gêneros textuais diversos que possam alcançar o maior
número de jovens e adultos possíveis e a partir destas atividades, o tempo
desperdiçado seja resgatado com o ensino da Língua Portuguesa sob a
perspectiva do letramento.

O trabalho com o letramento deve começar cedo, nas séries iniciais,


para que não precisemos chegar a índices tão alarmantes no ensino médio,
todavia os gestores e profissionais de educação não podem simplesmente
ignorar a realidade em que os estudantes jovens e adultos vivem hoje, pois
estes concluem a educação básica totalmente como analfabetos funcionais,
logo é tempo de agir de forma planejada, intencional e coletiva , para que,
minimamente, consigamos aumentar o nível de letramento destes que estão
pagando um preço alto por negligência pública. Neste caso, prevenir é o
caminho e remediar é inevitável.

REFERÊNCIAS

COLELLO, Silvia M. Gasparian. Alfabetização e Letramento:


Repensando o Ensino da Língua Escrita. [2006]. Disponível em:
<http://www.hottopos.com/videtur29/silvia.htm> Acesso em: 16 jun. 2006.
FERREIRO, Emília. Reflexões sobre alfabetização, 24ª ed. São Paulo:
Cortez, 1985.
FERREIRO, Emília; TEBEROSKY, Ana. A Compreensão do sistema de
escrita: 1ª ed. Barcelona, 1981.
FREIRE, Paulo. Pedagogia da autonomia: Saberes necessários á prática
educativa, 28ª ed. São Paulo: Paz e Terra, 1996.
______. Pedagogia do oprimido. 17. ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1987.
MORTATTI, M. R. L Letrar é preciso, alfabetizar não basta...mais? In:
SCHOLZE, L. e RÖSING, T. M. K. (Org.). Teorias e práticas de
letramento. Brasília: Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais
Anísio Teixeira, 2007. p. 155-168.
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II Seminário Nacional de Alfabetização e Letramento Alfabetização, Discurso e Aprendizagens
Oralidade e Escrita na Prática Escolar
ISSN: 2177-4072

As Dificuldades na Produção Escrita dos


Alunos do 3º Ano do Ensino Médio do
Colégio Estadual CAIC Jorge Amado1

Geovania Falcão de Melo Dias2


Neilton Falcão de Melo3
Robson Cledson de Jesus Dias4

RESUMO

Este trabalho é fruto de uma pesquisa com professores e alunos do ensino de


Educação de Jovens e Adultos do Ensino Médio (EJAEM) - no Colégio Estadual
CAIC Jorge Amado, localizado na cidade de Estância, Sergipe. A dificuldade na
produção de textos tem sido uma realidade que inclui a maioria dos alunos do colégio.
Este artigo tem o objetivo de mostrar uma visão panorâmica a respeito do sistema de
ensino para jovens e adultos, compreendendo os problemas e causas que levam os
alunos do 3º ano a terem dificuldades para produzirem textos. Várias situações
contribuem para o fracasso dos alunos e algumas delas com forte influência. Os
resultados apontam que a Educação de Jovens e Adultos não tem obtido muito
sucesso. Para embasar esta pesquisa, utilizou-se de alguns teóricos e dados relevantes
sobre a EJA. O método utilizado nesta pesquisa é um estudo de caso de caráter
quantitativo e também se utiliza de referencial bibliográfico. Foram aplicados
questionários com professores e alunos das turmas em estudo. Diante da realidade
torna-se necessário analisar os problemas que levam ao insucesso e a partir isto criar
alternativas e soluções elaborando um currículo que atenda as expectativas e
necessidades dos alunos.

Palavras – chave: educação, professores, alunos, fracasso.

1
Agência financiadora: OBSERVATÓRIO DE EDUCAÇÃO/CAPES/INEP
2
Contato do(a) autor(a): geovaniafalcao@hotmail.com.Licenciada em Pedagogia pela
Universidade Estadual Vale do Acaraú, Especialista em Psicopedagogia Institucional
pela Faculdade Atlântico.
3
Contato do(a) autor(a): neilton_melo@hotmail.com. Licenciado em Pedagogia pela
Faculdade Pio Décimo e em Letras pela Universidade Federal de Sergipe (UFS),
Especialista em Letra Português e Linguística pela Faculdade Amadeus, Especialista
em Mídias na Educação pela UFS.
4
Contato do(a) autor(a): diasrobson@ymail.com. Licenciado em Pedagogia pela
Universidade Vale do Acaraú, Especialista em Gestão Escolar pela Faculdade
Amadeus e Coordenação Pedagógica pela Faculdade Pio Décimo.
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INTRODUÇÃO

O homem é um ser social que se constrói e se constitui através de


interações. A escrita foi criada para facilitar essa interação. Mesmo na Pré-
História, quando não existia uma forma de escrita elaborada, ele já se
comunicava por escrito através de desenhos feitos nas paredes das cavernas.

A escrita veio permitir o armazenamento e a propagação de informações


não só entre indivíduos (privilégio também da linguagem), mas também por
gerações.

A comunicação oral já é algo que nasce com o ser humano. A escrita é


aprendida na escola e requer algumas características que são dispensáveis na
comunicação oral. No texto escrito é preciso ter conhecimeto da grafia das
palavras, pontuação, coerência e coesão que são muito importantes para uma
melhor compreensão dos enunciados e produção de redação em qualquer
área.

Sabe-se que muitas pessoas não escrevem do mesmo modo com que
falam. Essas diferenças entre a oralidade e a escrita são perceptíveis, e essas
influências espontâneas são marcas que aparecem para preencher lacunas
próprias do uso da escrita. O que não pode acontecer são aberrações que
fogem do grau de tolerância quanto aos erros de ortografia e sentido de
ideias.

Em tese, quem termina o Ensino Médio já passou por várias fases da


escrita e este está apto a ler com fluência e escrever um texto coerente e
coeso. Teoricamente, sim.

O artigo 205 da Constituição Federal de 1988 garante: “a educação,


direito de todos e dever do Estado e da família, será promovida e incentivada
com a colaboração da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da
pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o
trabalho”.

Os alunos do 3º ano na modalidade Educação de Jovens e Adultos do


Ensino Médio (EJAEM) do Colégio Estadual CAIC Jorge Amado, em sua
maioria, não corresponde o que é garantido por lei. Com relação à produção
de texto, há uma grande dificuldade na grafia correta, na arrumação das
ideias e também para ler fluentemente.

Esses alunos vão concluir o ensino médio sem saber ler e escrever
corretamente. Os textos produzidos por eles apresentam fortes traços da
linguagem popular oral e uma aberração ortográfica, além da falta de nexo
entre parágrafos e coerência de ideias. Por que esses alunos têm esse tipo de
dificuldade?

Podemos dizer que algumas das dificuldades vivenciadas pelos alunos


são normais do aprendiz, outras, no entanto, nos mostram que uma ou várias
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habilidades não foram adquiridas adequadamente e que podem estar afetando


o aprendizado da linguagem escrita.

Diante das questões apresentadas, faz-se necessário investigar as causas


e motivos que levam esses alunos a terem tanta dificuldade. Os motivos para
o déficit escolar nos levam a algumas hipóteses. Será a metodologia utilizada
pelo professor em sala de aula que dificulta que o aluno aprenda ler e
escrever corretamente? Será a influência da fala oral familiar, visto que a
maioria dos pais tem pouca escolaridade e falam de forma “errada”, segundo
a gramática normativa? Será as etapas de ensino anteriores concluídas sem
muito êxito? Ou ainda, a falta de incentivo familiar com relação aos estudos?

São muitas indagações. Este artigo visa conhecer o perfil destes alunos
que legalmente estão aptos a disputarem uma vaga no Ensino Superior e, em
seguida, apresentar um estudo sobre as possíveis causas que os levam a terem
uma prática de leitura e de elaboração de textos restrita à prática escolarizada.
O artigo apresenta estratégias que podem contribuir para a melhoria dos
índices apresentados pelos alunos do colégio em estudo e também uma
reflexão sobre o ensino médio.

Para chegar às respostas que se busca aqui, leituras sobre autores que
falam do assunto e entrevista com professores e alunos do 3º ano do ensino
médio são suportes que embasam este trabalho.

Não é fácil segurar o aluno de EJA na sala de aula por muito tempo.
Para Arroyo (2006), “O ponto de partida deverá ser perguntar-nos quem são
esses jovens e adultos”.

A lei garante o ingresso à sala de aula, a escola precisa garantir a sua


permanência e o sucesso.

1 Aspectos Históricos da EJA no Brasil


A educação de jovens e adultos (EJA) é a modalidade de ensino nas
etapas dos ensinos fundamental e médio da rede escolar pública brasileira e
adotada por algumas redes particulares que recebe os jovens e adultos que
não completaram os anos da educação básica em idade apropriada por
qualquer motivo.

No Brasil, o campo consolidou-se com influência das ideias do


educador Paulo Freire e em forte relação com o movimento de educação
popular. O segmento é regulamentado pelo artigo 37 da Lei de Diretrizes e
Bases da educação (a LDB, ou lei nº 9.394 de 20 de Dezembro de 1996). É
um dos segmentos da educação básica que recebem repasse de verbas do
Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica (Fundeb).

A história da EJA apresenta muitas variações ao longo do tempo.


Inicialmente a alfabetização de adultos para os colonizadores, tinha como
objetivo instrumentalizar a população, ensinando-a a ler e a escrever. Com a
expulsão dos Jesuítas, ocorrida no século XVIII, desorganizou o ensino até
então estabelecido.
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A partir da Revolução de 1930, as mudanças políticas e econômicas


permitiram o início da consolidação de um sistema público de educação
elementar no país. A Constituição de 1934 estabeleceu a criação de um
Plano Nacional de Educação, que indicava pela primeira vez a educação de
adultos como dever do Estado.

A década de 40 foi marcada por algumas iniciativas políticas e


pedagógicas que ampliaram a educação de jovens e adultos. Um dos
objetivos era alfabetizar e aprofundar o trabalho educativo. Na década de 50
foram criadas várias campanhas voltadas para ao ensino de EJA, a exemplo
da Campanha Nacional de Erradicação do Analfabetismo (CNEA), e
Congresso Nacional de Educação de Adultos.

A década de 60, com o Estado associado à Igreja Católica, novo


impulso foi dado às campanhas de alfabetização de adultos. No entanto, em
1964, com o golpe militar, todos os movimentos de alfabetização que se
vinculavam à ideia de fortalecimento de uma cultura popular foram
reprimidos. O Movimento de Educação de Bases (MEB) sobreviveu por estar
ligado ao MEC e à igreja Católica. Todavia, devido às pressões e à escassez
de recursos financeiros, grande parte do sistema encerrou suas atividades em
1966.

A década de 70, ainda sob a ditadura militar, marca o início das ações
do Movimento Brasileiro de Alfabetização – o MOBRAL, que era um projeto
para se acabar com o analfabetismo em apenas dez anos.

Durante o período militar, a educação de adultos adquiriu pela


primeira vez na sua história um estatuto legal, sendo organizado em
capítulo exclusivo da Lei nº 5.692/71, intitulado ensino supletiva. O
artigo 24 desta legislação estabelecia com função do supletivo suprir a
escolarização regular para adolescentes e adultos que não a tenham
conseguido ou concluído na idade própria. (VIEIRA, 2004, p. 40).

Foram criados os Centros de Estudos Supletivos em todo o País, com a


proposta de ser um modelo de educação do futuro, atendendo às necessidades
de uma sociedade em processo de modernização.

Na visão de (Haddad, 1991) os Centros de Estudos Supletivos não


atingiram seus objetivos verdadeiros, pois, não receberam o apoio político
nem os recursos financeiros suficientes para sua plena realização. Além
disso, seus objetivos estavam voltados para os interesses das empresas
privadas de educação.

No início da década de 80, a sociedade brasileira viveu importantes


transformações sócio-políticas com o fim dos governos militares e a
retomada do processo de democratização, basta lembrar-se da campanha
nacional a favor das eleições diretas.

A nova Constituição de 1988 trouxe importantes avanços para a EJA: o


ensino fundamental, obrigatório e gratuito, passou a ser garantia
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constitucional também para os que a ele não tiveram acesso na idade


apropriada.

Contudo, a partir dos anos 90, a EJA começou a perder espaço nas
ações governamentais. Em março de 1990, com o início do governo Collor, a
Fundação EDUCAR foi extinta e todos os seus funcionários colocados em
disponibilidade. Em nome do enxugamento da máquina administrativa, a
União foi se afastando das atividades da EJA e transferindo a
responsabilidade para os Estados e Municípios.

Em janeiro de 2003, foi criada a Secretaria Extraordinária de


Erradicação do Analfabetismo, cuja meta é erradicar o analfabetismo durante
o mandato de quatro anos do governo Lula. Para cumprir essa meta foi
lançado o Programa Brasil Alfabetizado, por meio do qual o MEC contribuirá
com os órgãos públicos estaduais e municipais, instituições de ensino
superior e organizações sem fins lucrativos que desenvolvam ações de
alfabetização.

O Programa está em andamento, por isso não é possível, ainda, afirmar


se o objetivo pretendido foi alcançado.

Mesmo reconhecendo a disposição do governo em estabelecer uma


política ampla para EJA, especialistas apontam a desarticulação entre
as ações de alfabetização e de EJA, questionando o tempo destinado à
alfabetização e à questão da formação do educador. A experiência
acumulada pela história da EJA nos permite reafirmar que
intervenções breves e pontuais não garantem um domínio suficiente
da leitura e da escrita. Além da necessária continuidade no ensino
básico, é preciso articular as políticas de EJA a outras políticas.
Afinal, o mito de que a alfabetização por si só promove o
desenvolvimento social e pessoal há muito foi desfeito. Isolado, o
processo de alfabetização não gera emprego, renda e saúde. (VIEIRA,
2004, p. 85-86).

A Educação de Jovens e Adultos deve ser tratada juntamente com outras


políticas públicas e não isoladamente.

2 Caracterização do Colégio Estadual Caic Jorge Amado

O colégio Estadual CAIC Jorge Amado está situado na Avenida


Lourival Batista, s/n, Centro, em Estância, Sergipe. A instituição escolar
pertence à Rede Estadual, estando localizada a 75 km da capital do Estado,
Aracaju. O colégio é composto por 09 (nove) salas de aulas, 02 (dois)
banheiros para atender os alunos, 01 (uma) área de circulação. Seu
funcionamento acontece no turno noturno, ofertando somente o ensino de
Educação de Jovens e Adultos do Ensino Médio (EJAEM). No primeiro
semestre de 2011 foram matriculados 415 alunos; no segundo semestre, 450
alunos.

Com relação ao corpo docente, há um quantitativo de 11 professores.


Dos professores que lecionam no colégio 06 são efetivos e 05 contratados.
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Todos têm nível superior e atuam nas suas áreas de formação. Há 01 diretor
escolar, 01 coordenador pedagógico, 03 técnicos pedagógicos, 01 secretária,
serventes, merendeiras e vigias, totalizando 28 funcionários.

Educação de jovens e adultos no Colégio CAIC Jorge Amado

A educação de jovens e adultos é vista como uma forma de alfabetizar


quem não teve oportunidade de estudar na infância ou aqueles que por algum
motivo tiveram de abandonar a escola.

Os alunos do Colégio Jorge Amado são jovens e adultos, filhos, pais e


mães; alguns são trabalhadores empregados, a maioria desempregados e uns
em busca do primeiro emprego; são moradores urbanos de periferias e de
localidades em áreas rurais. São pessoas marginalizadas nas esferas
socioeconômicas e educacionais, características que comprometem uma
participação mais ativa no mundo do trabalho, da política e da cultura. São
sujeitos que evadiram da escola e apresentam em geral um tempo maior de
escolaridade devido a repetências acumuladas e interrupções na vida escolar.

São alunos que têm muitas dificuldades de aprendizagem. Não é por


falta de garantias. A Constituição Federal de 1988 garante a educação é
direito de todos e dever do Estado e da família visando ao pleno
desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua
qualificação para o trabalho.

Em tese, são alunos que deveriam estar aptos a produzirem um texto


sem dificuldades e lerem com fluência visto que estão concluindo o ensino
médio. Mas na prática, a grande maioria está muito distante do que se espera
de um aluno de 3º ano.

Analisando o quadro de rendimento dos anos de 2006 a 2010 percebe-se


a média de alunos que não conseguiram aprovação durante os cinco anos
analisados é de quase 30%. No ano de 2006 a aprovação foi de 71,9%; em
2007, apenas 62,1% dos matriculados foram aprovados; em 2008 teve o
maior índice de aprovação com 78,6%; em 2009, 76,3% foram aprovados;
em 2010 o índice de aprovação foi de 62,5%.

A repetência e a evasão escolar configuram-se como um grande desafio


a ser superado. Esta realidade acontece não só com quem trabalha, mas no
ensino fundamental há índices bastante negativos.

De acordo com Giannella Jr. (1997, p. 20):

Os brasileiros que conseguem permanecer 08 anos na escola saem de


lá com apenas 3,9 anos de escolaridade, graças aos altíssimos índices
de repetência. No Brasil, de cada 100 crianças matriculadas na 1ª série
do 1º grau, 44 repetem o ano ou abandonam a escola antes de
completar o ciclo básico de oito anos, os estudantes brasileiros levam
em média 12 anos, o que caracteriza pelo menos quatro repetências ao
longo desse período.
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O insucesso escolar nas turmas de Educação de Jovens e Adultos é


maior que nas turmas de ensino regular. As repetências e a evasão nestas é
que levam os alunos ‘atrasados’ à EJA, modalidade de ensino que
discriminada por algumas pessoas por destinadas a pessoas que não tiveram
oportunidade de estudar na idade apropriada.

3 Resultados e Discussões
Conhecer a história do ensino de EJA no Brasil e a realidade do Colégio
CAIC Jorge Amado foi um grande passo para chegar às respostas dos
questionamentos deste trabalho de pesquisa.

Diante da análise das entrevistas com alunos e professores do colégio


pesquisado foi possível saber os principais motivos que levaram os alunos do
3° ano da EJAEM a terem muitas dificuldades para produzirem textos.

Um dos aspectos identificados nas entrevistas diz respeito à repetência


escolar. Todos os dez alunos entrevistados são alunos que repetiram bastantes
anos letivos até chegarem ao ensino médio. Apenas dois alunos dos
entrevistados têm emprego fixo e todos não sentem estímulo para continuar
estudando, visto que à noite estão cansados do trabalho diário.

Os alunos alegaram também que estavam estudando somente para


concluir o ensino médio, já que é uma das exigências para quem almeja
disputar uma vaga de emprego no mercado de trabalho. Perguntados por que
reprovavam ou evadiam da escola e por que tinham muitas dificuldades para
produzir textos, eles disseram que um dos motivos para a repetência e evasão
perpassava pelas dificuldades na disciplina de língua portuguesa; quando
conseguiam ser aprovados era com média mínima, sem muito avanço no que
se refere à leitura e à escrita.

Outro aspecto que identificamos relevante é com relação à fala e à


escrita. Como sabemos, de acordo com a linguística não existe certo ou
errado na fala dos indivíduos desde que haja comunicação. Mas se
consideramos a fala produzida pelos alunos em estudo, há muitos erros. Além
de não existir coerência na sequência das ideias e coesão entre frases e
parágrafos.

Segundo os alunos entrevistados as metodologias apresentadas pelos


docentes também é outro item que não estimula gostar da escola e muito
menos aprender. Mais da metade dos entrevistados se queixa da dificuldade
enfrentada em assimilar alguns conteúdos trabalhados pelos professores.

Como afirma Arbache (2001), a educação de jovens e adultos requer do


educador conhecimentos específicos no que diz respeito ao conteúdo,
metodologia, avaliação, atendimento, entre outros, para trabalhar com essa
clientela heterogênea e tão diversificada culturalmente.

Cinco professores que lecionam nas turmas de EJAEM em estudo foram


entrevistados. Eles afirmaram que têm formação na disciplina que atuam,
mas não têm formação para trabalhar com o público EJA.
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A formação acadêmica dos professores como afirma Ireland (2009),


também é algo que pode dificultar na preparação de aulas que sejam
metodologicamente adequadas para os alunos de EJA.

Com relação às dificuldades dos alunos em produzir textos os


professores afirmaram que as dificuldades vêm de baixo, das séries iniciais.
Agora se torna difícil reverter esse quadro visto que esses alunos pensam
mais em concluir o ensino médio do que aprender a ler e escrever bem.

São muitas as dificuldades. Metodologia adotada pelos professores,


cansaço após um dia de trabalho, falta de incentivo, são exemplos de
diculdades que impedem o avanço dos estudos dos alunos de EJA, mas, as
dificuldades enfrentadas nos anos de estudos anteriores e habilidades que não
foram adquiridas nesses anos de estudos são traços bem marcantes para as
dificuldades atuais dos alunos no que se refere à leitura e à produção de
textos.

De acordo com Cagliari (1997), “é preciso deixar os alunos escreverem


textos livres, espontâneos, contarem suas histórias como quiserem. É nesse
tipo de material que vamos poder encontrar os elementos que mostram as
reais dificuldades e facilidades dos alunos no aprendizado da escrita”.

A Revista Nova Escola, de agosto de 2005, aponta como forma de obter


sucesso em turmas de EJA: “ensinar as disciplinas como elas aparecem na
vida; usar a experiência da turma como base das aulas; ampliar os horizontes
culturais dos estudantes; integrar os jovens e adultos aos demais alunos;
mostrar que a escola se modernizou”.

Como ser cultural que somos, incorporar atividades relacionadas à arte e


à cultura pode ser uma alternativa viável para estimular os alunos de EJA a
estudarem. Utilizar linguagens alternativas, como a música, o cordel e o
teatro, facilita o aprendizado, principalmente de estudantes mais velhos, que
geralmente têm mais proximidade com a cultura popular.

Neste sentido ainda, a Revista Nova Escola, de agosto de 2005, aponta


algumas ações que podem contribuir para o êxito dos alunos de EJA:

Mostrar que a atitude de voltar a estudar não deve ser motivo de


vergonha, mas de orgulho; ajudar o aluno a identificar o valor e a
utilidade do estudo em sua vida por meio de atividades ligadas ao seu
cotidiano; elaborar aulas dinâmicas e estimulantes; ser receptivo para
conversar, pois muitos vao à escola preocupados com problemas
pessoais ou profissionais; mostrar que a aula é um momento de troca
entre todos e que o saber do professor não é mais importante que o
dele; valorizar e utilizar os conhecimentos e as habilidades de cada
um. Isso pode mudar o seu planejamento no meio do caminho, mas as
aulas vão ficar mais interessantes; promover entre os colegas o
sentimento de grupo. Quando criam vínculos, eles se sentem
estimulados a participar das atividades.
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Para os adultos que não conseguiram ter um bom aproveitamento nos


anos iniciais de estudos, aprender nesta fase da vida se torna mais difícil.

CONCLUSÃO

A escrita surgiu há milhões de anos, mesmo quando não se tinha um


sistema organizado e definido. Daí a sua importância.

Aprender a ler e escrever não são práticas fáceis. A língua portuguesa é


muito complexa, com muitas regras que dificultam na hora de escrever.
Produzir textos coerentes e coesos torna-se mais difícil ainda para alunos que
não leem bem. A grafia correta é um empecilho, mas não interfere nas ideias
do texto.

Muitos alunos abandonam a escola por razões diversas e alguns


retornam a estudar em turmas de EJA para compensar o tempo perdido.

Este artigo de pesquisa investigou as turmas de EJAEM do Colégio


Estadual CAIC Jorge Amado para entender por que os alunos do 3º ano do
ensino médio têm tantas dificuldades para produzir textos escritos. As
hipóteses levantadas foram comprovadas a partir das entrevistas concedidas
pelos alunos e professores questionados sobre o assunto.

Com relação à escola pesquisada, a maioria de seus alunos tem uma


vida sofrida, não tem um emprego fixo, mas alimenta na conclusão do ensino
médio a esperança de conseguir ingressar no mercado de trabalho.

O histórico escolar dos alunos é marcado negativamente por evasões,


reprovações. Nos anos iniciais a família tem uma grande parcela de culpa por
não dá o acompanhamento necessário às crianças na escola. Com isso, a
escola, o professor e o sistema de ensino não ficam isentos de culpa.

Na EJAEM as maiores dificuldades para ler com fluência e produzir


bons textos são decorrentes das etapas anteriores que foram concluídas sem
muito êxito.

Além das dificuldades advindas de etapas de estudos anteriores, os


alunos enfrentam outros empecilhos que dificultam uma boa aprendizagem:
metodologia de ensino não compatível com alunos de EJA, visão negativa
por parte de setores da sociedade que discrimina alunos de EJA, cansaço após
um dia de trabalho exaustivo, questão financeira dos estudantes e de suas
famílias, visto que passam por muitas dificuldades. São muitas questões
desfavoráveis que levam esses alunos à falta de estímulo.

Analisando as leis que garantem o ingresso dos alunos que não


concluíram seus estudos na idade adequada, tudo é perfeito. Mas, na prática
da escola, não há atrativos suficientes para estes alunos permanecerem na
sala de aula e obterem sucesso.
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Em nosso país ainda não há uma valorização ideal para a modalidade de


ensino em EJA. Por isso é preciso rever alguns pontos deste sistema de
ensino, fazer uma auto-avaliação do que é ensinado, como é ensinado, e
também analisar e encontrar soluções para pelo menos minimizar os motivos
que têm contribuído para o fracasso escolar.

REFERÊNCIAS
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e adultas numa perspectiva multicultural crítica. Dissertação de Mestrado
(Mestrado em Educação pela Faculdade de Educação da UFRJ). Rio de
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VIEIRA, Maria Clarisse. Fundamentos históricos, políticos e sociais da
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ISSN: 2177-4072

A Evasão Escolar na Educação de Jovens e


Adultos no Povoado Priapu em Santa Luzia
do Itanhi - Se1

Neilton Falcão de Melo2


Geovania Falcão de Melo Dias3
Robson Cledson de Jesus Dias4

RESUMO
Este trabalho é fruto de uma pesquisa com professores, alunos e ex-alunos do ensino
de EJA - Educação de Jovens e Adultos - na Escola Municipal Edmar José da Cruz,
situada no Povoado Priapu, em Santa Luzia do Itanhi, Sergipe. A evasão escolar nas
turmas de EJA na escola tem sido um assunto preocupante. Este artigo tem o objetivo
de mostrar uma visão panorâmica a respeito da evasão escolar no sistema de ensino
para jovens e adultos, compreendendo os problemas e causas de abandono escolar.
Para a coleta de informações sobre o assunto foram aplicados questionários com
professores e alunos de EJA. Entre as situações que afastam os alunos da sala de aula,
a situação financeira é a principal. Os resultados desta pesquisa apontam para o fato
de que é necessário que os educadores e a equipe pedagógica formem grupos de
estudos para reverem, discutirem e melhorarem suas práticas de ensino. Esses
encontros são uma tentativa de criar alternativas e soluções através de metas e ações
eficazes para o programa da “EJA” elaborando um currículo que atenda as
expectativas e necessidades dos alunos, dando sentido significativo aos seus valores
socioculturais e históricos.
Palavras-chave: Educação. Alunos. Professores. Evasão.

1
Agência financiadora: OBSERVATÓRIO DE EDUCAÇÃO/CAPES/INEP
2
Contato do(a) autor(a): neilton_melo@hotmail.com. Licenciado em Pedagogia pela
Faculdade Pio Décimo e em Letras pela Universidade Federal de Sergipe (UFS),
Especialista em Letra Português e Linguística pela Faculdade Amadeus, Especialista
em Mídias na Educação pela UFS.
3
Contato do(a) autor(a): geovaniafalcao@hotmail.com.Licenciada em Pedagogia pela
Universidade Estadual Vale do Acaraú, Especialista em Psicopedagogia Institucional
pela Faculdade Atlântico.
4
Contato do(a) autor(a): diasrobson@ymail.com. Licenciado em Pedagogia pela
Universidade Vale do Acaraú, Especialista em Gestão Escolar pela Faculdade
Amadeus e Coordenação Pedagógica pela Faculdade Pio Décimo.
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II Seminário Nacional de Alfabetização e Letramento Alfabetização, Discurso e Aprendizagens
Oralidade e Escrita na Prática Escolar
ISSN: 2177-4072

INTRODUÇÃO
A Constituição Federal de 1988 e a Lei de Diretrizes e Base da
Educação (LDB) 9.394/96 conferem aos municípios a responsabilidade do
Ensino Fundamental e estabelece que aos sistemas de ensino cabe assegurar
gratuitamente vaga aos jovens e adultos.

O Artigo 37 da LDB garante que a educação de jovens e adultos será


destinada àqueles que não tiveram acesso aos estudos, ou continuidade deles,
nos ensinos Fundamental e Médio na idade própria. Os parágrafos desse
artigo garantem que os sistemas de ensino assegurarão, gratuitamente, aos
jovens e adultos que não puderam efetuar os estudos na idade regular,
oportunidades educacionais apropriadas, considerando as características do
alunado, os seus interesses e as suas condições de vida e de trabalho,
mediante cursos e exames – e que o poder público viabilizará e estimulará o
acesso do trabalhador à escola e a permanência nela, mediante ações
integradas e complementares entre si.

Mesmo com acesso garantido em lei, a maioria dos alunos que se


matricula nos cursos de EJA não tem permanecido na escola. A Escola
Municipal Edmar José da Cruz não foge a essa realidade. Há grande evasão;
os que permanecem não têm uma boa frequência; por outro lado, mesmo
aqueles alunos que praticamente não faltam às aulas, não conseguem obter
um bom aproveitamento nos estudos.

Dentro deste contexto sociocultural educacional que vive alunos que,


em tese, não tiveram a oportunidade de frequentar a escola na idade regular,
existem vários fatores preponderantes que interferem na permanência deles
em sala de aula.

Diante das questões apresentadas, faz-se necessário investigar as causas


e motivos que levam esses alunos a evadirem da escola e os que nela
permanecem não conseguirem resultados satisfatórios.

Essas situações são problemas que não tem uma resposta pronta. A
princípio, por que o aluno para de frequentar as aulas depois de ter tomado a
iniciativa de voltar a estudar? Essa situação nos leva a algumas hipóteses.
Será a metodologia utilizada em sala de aula que não condiz com o que o
aluno esperava? Ou será a situação econômica, o local de trabalho, que, de
repente, tornou-se um empecilho para sua continuidade? Ou ainda, a
inexistência de apoio familiar? Tudo isso perpassa por fatores internos e
externos.

Os questionamentos nos levam a refletir acerca da evasão escolar. Com


as leituras sobre o tema abordado, percebe-se que existe e persiste a demanda
de produção de conhecimento sobre a área temática EJA, pois, esse campo
tem uma longa história, entretanto não é ainda um campo consolidado nas
áreas de pesquisa, de políticas públicas e diretrizes educacionais, da formação
de educadores e intervenções pedagógicas.
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Diante das indagações, este artigo visa inicialmente conhecer o perfil


destes alunos que se encontram num processo educativo que tem como um de
seus objetivos atender às suas especificidades, e, em seguida, apresentar um
estudo sobre as possíveis causas da evasão, buscando estratégias para
resolver os problemas, e refletindo acerca da vida destes sujeitos.

Para chegar às respostas que se busca aqui, leituras sobre autores que
falam do assunto e entrevista com professores, alunos e ex-alunos de turmas
de EJA foram suportes que embasam os resultados deste trabalho.

Sobre educação de jovens e adultos, o ponto de partida deverá ser


perguntar-nos quem são esses jovens e adultos.

1 HISTÓRIA DA EDUCAÇÃO DE JOVENS E


ADULTOS NO BRASIL

Quando se fala em Educação de Jovens e Adultos se pensa em primeiro


lugar na alfabetização. Neste sentido Ireland (2009) afirma que no Brasil, a
EJA tem sido associada à escolaridade compensatória para aquelas pessoas
que não conseguiram ir para a escola quando crianças.

Os primeiros vestígios da educação de adultos no Brasil são perceptíveis


durante o processo de colonização, após a chegada dos padres jesuítas, em
1549. Estes se voltaram para a catequização e “instrução” de adultos e
adolescentes tanto de nativos quanto de colonizadores, diferenciando apenas
os objetivos para cada grupo social. Após a expulsão dos jesuítas pelo
Marquês de Pombal ocorreu uma desorganização do ensino.

Somente no Império o ensino volta a ser ordenado. Em 1910, segundo


informações do IBGE, “o direito a ler e escrever era negado a quase 11
milhões e meio de pessoas com mais de 15 anos”. Logo, alguns grupos
sociais mobilizam-se para organizar campanhas de alfabetização chamadas
de “Ligas”.

A partir de 1945, com a aprovação do Decreto nº19. 513, de 25 de


agosto de 1945, a Educação de Adultos torna-se oficial. Daí por diante novos
projetos e campanhas foram lançados com o intuito de alfabetizar jovens e
adultos que não tiveram acesso a educação em período regular. Dentre estes
podemos citar: a Campanha de Educação de Adolescentes e Adultos – CEAA
(1947); o Movimento de Educação de Base – MEB, sistema rádio educativo
criado na Conferência Nacional dos Bispos do Brasil com o apoio do
Governo Federal (1961); além dos Centros Populares de Cultura – CPC
(1963), Movimento de Cultura Popular – MCP e a Campanha Pé no Chão
Também se Aprende a Ler – CPCTAL, sendo que o primeiro estava mais
voltado para atender às necessidades de qualificação da mão-de-obra para o
setor industrial (além da necessidade de ampliar os “currais” eleitorais
mantidos pelas práticas “clientelísticas”), os demais tinham o intuito de
atender às populações das regiões menos desenvolvidas, além da
preocupação de conscientização e integração desse grupo através da
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alfabetização e utilização do sistema Paulo Freire. Porém, durante o regime


militar (1964-1985), estes movimentos e seus integrantes foram perseguidos
e reprimidos pelos órgãos do Governo Federal.

A partir de 1964, outros programas específicos foram criados para


atender a essa clientela em especial: “Fundação Mobral (1967 – 1985), da
Fundação Nacional para Educação de Jovens e Adultos – Fundação Educar
(1986 – 1990) e do Programa Brasil Alfabetizado (2003 – atual)” (SUZUKI,
2009, p. 16).

O Mobral – Movimento Brasileiro de Alfabetização, criado em 1967


(embora só inicie suas atividades em 1969) e funcionando com uma estrutura
paralela e autônoma em relação ao Ministério da Educação, reedita uma
campanha em âmbito nacional conclamando a população a fazer a sua parte:
“você também é responsável, então me ensine a escrever, eu tenho a minha
mão domável, eu sinto a sede do saber”. O Mobral surge com força e muitos
recursos.

O Mobral foi extinto em 1985, surgindo no ano seguinte a Fundação


Educar, que desempenhou um papel relevante na atuação do Ministério da
Educação junto a prefeituras municipais e setores da sociedade civil, com
destaque nos movimentos sociais e populares.

No ano de 1990, sendo este ano Internacional da Alfabetização,


aconteceu o contrário, ao invés do Governo de Fernando Collor de Mello dar
prioridade a Educação, simplesmente aboliu a Fundação Educar, sendo que
não criou nenhuma outra instância que assumisse suas funções. A partir deste
ano o Governo ausenta-se como articulador e indutor de uma política de
alfabetização de jovens e adultos no Brasil. Em 2002, no governo de Luís
Inácio Lula da Silva, foi criado o Programa Brasil Alfabetizado e das Ações
de continuidade da EJA.

Vários programas para atender jovens e adultos foram criados, mas a


história da EJA no Brasil está muito ligada a Paulo Freire. O Sistema Paulo
Freire, desenvolvido na década de 60, teve sua primeira aplicação na cidade
de Angicos, no Rio Grande do Norte. Os resultados em Angicos foram de
100% em aprendizagem. Durante 40 dias, Freire trabalhou com jovens e
adultos a partir do contexto individual de cada aluno juntando as ideias
significativas que eles possuíam, através dos objetos de trabalho para se
chegar aos códigos linguísticos, pois para ele saber falar todos tinha domínio,
o que faltava era associar à linguagem oral a complexidade dos códigos
escritos. E, com o sucesso da experiência, passou a ser conhecido em todo
país, sendo praticado por diversos grupos da cultura popular.

2 Breve Descrição do Município de Santa Luzia do Itanhi


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Fonte: santaluziadoitanhi-se.blogspot.com.br

Trata-se da povoação mais antiga de Sergipe e a suafundação coincide


com as primeiras tentativas de colonização do solo sergipano, pelos
portugueses.

Distante a 76 km da capital Aracaju,o município engloba uma área


territorial de 336,2 Km². No que se refere à sua renda per capta, visualiza-se
uma concentração, sustentando-se basicamente da economia informal com
ênfase na pesca artesanal e agricultura de subsistência.

De acordo com o censo do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística


(IBGE) realizado em 2010, Santa Luzia do Itanhi possui 12.969 habitantes.
No período do censo apenas 43,38% pessoas frequentavam a escola. Do total
de residentes, 42,48% já tinham frequentado a escola, mas não frequentavam
mais, e 14,13% nunca tinham frequentado a escola.

Ainda de acordo com o IBGE, o nível de instrução das pessoas a partir


dos 10 anos de idade tem um percentual baixo. Há no município um
quantitativo de 60,66% que corresponde a pessoas sem instrução e/ou ensino
fundamental incompleto. Somente 10,4% da população tinham ensino
fundamental completo e 5,97% possuía ensino médio completo. Apenas 0,99
da população, nível superior completo.

3 Caracterização da Escola Municipal Edmar José Da


Cruz

Foto: Neilton Falcão de Melo


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A Escola Municipal de Ensino Fundamental Edmar José da Cruz foi


criada pela Lei Municipal n° 218, de 06 de setembro de 1991. Está situada no
Povoado Priapu, em Santa Luzia do Itanhi, Sergipe. A unidade de ensino faz
parte da Rede Municipal de Ensino, estando localizada em zona rural a 8 km
da sede do município.

O nome da escola é uma homenagem ao saudoso Edmar José da Cruz.


Edmar era natural de Nossa Senhora das Dores, mas teve carreira profissional
em Santa Luzia do Itanhi, sendo secretário de saúde, vereador do município
por um mandato e delegado de polícia por vários anos.

O povoado Priapu, onde a escola está localizada, é um assentamento de


reforma agrária que inicialmente abrigou noventa famílias. Antes de ser
assentamento, a localidade era uma fazenda de criação de gado. Antes da
criação de gado, fora um antigo engenho voltado para plantação e cultivo de
cana-de-açúcar.

Com a povoação por volta dos anos 90, houve a necessidade de criação
de uma unidade de ensino. A escola construída, inicialmente só atendia
crianças do pré-escolar ao ensino fundamental menor. Devido à necessidade
em atender os alunos que concluíam o fundamental menor e atender as
comunidades que fazem parte do distrito, o nível de ensino foi ampliado para
até o último ano do fundamental maior. Inclui-se nesta oferta o ensino de
Educação de Jovens e Adultos do Ensino Fundamental I e II.

Para atender ao seu alunado, uma média anual de 240 alunos, a escola
funciona nos turnos matutino, vespertino e noturno; possui cinco salas de
aula, uma secretaria, uma sala para reuniões pedagógicas, uma quadra
poliesportiva, uma área espaçosa para recreação, uma cantina, dois banheiros
para atender os alunos e equipe de funcionários.

Com relação ao corpo docente, há um quantitativo de doze professores.


Apenas um professor ainda não tem nível superior. Todos possuem
licenciatura plena para exercício do magistério e pertencem ao quadro
efetivo. O corpo técnico administrativo é composto de um diretor, dois
coordenadores pedagógicos, um secretário, dois serventes, duas merendeiras
e um vigilante.

Para auxiliar no trabalho de sala de aula, na escola há cinco


computadores para atendimento dos alunos na área de informática e recursos
didáticos como livros, dicionários, kit de vídeo, recebimento das revistas
Escola Nova, Ciências Hoje, entre outras; recebe também recursos do Projeto
Dinheiro Direto na Escola e do Projeto Mais Educação.
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De acordo com uma lei municipal - Lei 710, de 18 de dezembro de 2006


- que trata da gestão democrática na escola, a Escola Edmar José da Cruz
possui Conselho Escolar e Eleição para Diretores. Todos os conselheiros e
diretores são eleitos pelos segmentos professores, alunos, pais de alunos e
servidores civis. Cada gestão tem duração de dois anos, podendo o eleito ser
reconduzido por mais dois anos na função, caso seja eleito.

A gestão democrática nas escolas tem sido uma luta antiga para que
todas as unidades de ensino implantem essa prática. A escola Edmar já deu
seus primeiros passos.

Educação de jovens e adultos na Escola Edmar José da Cruz


Sabemos que a educação de jovens e adultos é vista como uma forma de
alfabetizar quem não teve oportunidade de estudar na infância ou aqueles que
por algum motivo tiveram de abandonar a escola. Por consequência disso e
da necessidade que tem o ser humano de aquisição de conhecimento, faz-se
necessário uma capacitação continuada dos seres humanos em todas as fases
da vida, e não somente durante a infância e a juventude do cidadão.

Analisando os dados na educação de jovens e adultos nos anos de 2007,


2008 e 2009 no povoado Priapu percebe-se índices não desejáveis. No ano de
2007 foram matriculados em sala de EJA 34 alunos, sendo que 16 evadiram,
10 reprovaram e 08 foram aprovados. No ano de 2008 foram matriculados 30
alunos, sendo que 14 evadiram, 13 reprovaram e somente 03 foram
promovidos. Em 2009 22 alunos se matricularam - 08 evadiram, 09
reprovaram e 04 foram aprovados.

Diante dos resultados apresentados há uma enorme preocupação.


Juntando os anos de 2007, 2008 e 2009 foram matriculados 86 anos em turma
de EJA. Apenas 15 estudantes conseguiram chegar ao fim do ciclo letivo com
êxito. Esse número corresponde a 17,4%. Dos alunos matriculados 83,5 %
ficaram à margem do conhecimento.

Repetência e abandono escolar é uma realidade que se arrasta há muito


tempo e tem sido objeto de pesquisa e estudo. De acordo com Giannella Jr.
(1997):

Os brasileiros que conseguem permanecer 08 anos na escola saem de


lá com apenas 3,9 anos de escolaridade, graças aos altíssimos índices
de repetência. No Brasil, de cada 100 crianças matriculadas na 1ª série
do 1º grau, 44 repetem o ano ou abandonam a escola antes de
completar o ciclo básico de oito anos, os estudantes brasileiros levam
em média 12 anos, o que caracteriza pelo menos quatro repetências ao
longo desse período.

Os alunos de EJA da Escola Edmar não fogem ao que afirma Giannella.


O problema da evasão e da repetência escolar no nosso país e até mesmo no
nosso município tem sido um dos maiores desafios enfrentados pelas redes
do ensino público. Se levarmos em conta a média anual gasta por aluno, são
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muitos bilhões jogados fora todos os anos com aqueles que não conseguimos
levá-los ao êxito escolar.

4 Resultados e Discussões
Nos relatos que apresentaremos preferimos usar apenas letras iniciais
para representar os personagens entrevistados. A aluna M de 22 anos, do
quarto ano, nos conta que encontrou dificuldade em seu primeiro dia de aula
quando o professor fez um ditado de palavras que ela não conseguia
acompanhar, ficando frustrada por não conseguir escrever o que o professor
falava, decidiu não voltar mais à escola. Segundo M, fazia mais ou menos
oito anos que ela não estudava, saiu da escola por ter se casado e passou a
dedicar mais do seu tempo à família.

A metodologia trabalhada pelo professor foi um afronto à aluna. O ex-


aluno J, relatou que saiu da escola porque precisava trabalhar e chegava em
casa cansado do trabalho, e que as aulas não eram atrativas e muitas vezes
dormia na sala durante um período da aula. Perguntamos a ele se achava
importe estudar – ele respondeu que não via tanta importância já que na
comunidade algumas pessoas tinham concluído o ensino médio, mas não
conseguiram emprego fixo e viviam na mesma situação que ele.

Depois de um dia cansativo, aulas não podem ser desinteressantes. O


aluno A de 32 anos, respondeu que não tinha muito interesse em continuar
estudando por muito tempo, que estudar não é um meio de arrecadar dinheiro
para o sustento da família, que o cansaço depois de um dia de trabalho não o
deixava compreender os conteúdos, que o tempo de estudar já passou e que
velho não aprende mais nada. O aluno B do programa, declarou que todos os
anos sai da escola por causa da colheita do café em Minas Gerais, que vai
ganhar dinheiro para poder comprar roupas, sapatos e outro objetos, o estudo
fica para quando tiver sem trabalhar, pois estudar não dá dinheiro para ele.

Sem dinheiro e sem emprego fica difícil estudar. A aluna C afirmou que
tem muita vontade de continuar estudando, mas precisa trabalhar para
sustentar sua família. A aluna falou que gosta da escola, dos professores, mas
o trabalho tem sido mais importante no momento; que estudar é para os mais
ricos e que os pobres têm muitas dificuldades em formar os filhos; que o que
interessava na verdade para ela era ler e fazer contas para vender na feira.
Perguntada sobre o que acha de ser professor, a aluna disse que os
professores em sua maioria ganham pouco e não têm condições de terem uma
formação adequada, que a profissão de professor é muito desrespeitada, não
compensa estudar tanto e ter um salário baixo.

A classe de professores em geral também reclama de sua desvalorização


financeira. Ouvindo o professor de EJA do primeiro ciclo (que corresponde
do 1º ao 5º ano), ele nos disse que os alunos não têm muito estímulo para
estudar, têm muitas dificuldades e que faltam bastante. Um professor do
segundo ciclo relatou que muitos alunos não têm facilidade para escrever e
também leem com dificuldade. Sobre os alunos que indagamos, perguntamos
aos professores sobre os seus comportamentos. O professor disse que a aluna
M era calma, tímida e tratava-se de uma pessoa que tinha uma vida sofrida.
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Sobre o segundo aluno entrevistado, detectamos que todos os anos ele faz a
matrícula, mas desiste sempre nos primeiros meses de aula, sem falar da
frequência que sempre foi baixa.

São muitas as dificuldades. Metodologia adotada pelos professores,


cansaço após um dia de trabalho, falta de incentivo, são exemplos de
dificuldades que impedem o avanço dos estudos dos alunos de EJA, mas, a
situação econômica dos alunos é a que mais contribui para o abandono da
sala de aula, visto que todos são trabalhadores rurais que não têm um trabalho
fixo e que batalham todos os dias em trabalhos árduos para buscarem o
sustento da família.

Quem se matricula em uma sala de EJA praticamente tem a autoestima


baixa. O estudante sente vergonha de nunca ter estudado ou de ter parado de
estudar há muitos anos e medo do ridículo e do desconhecido. Sem contar o
cansaço e as preocupações que só os adultos têm, como pagar as contas ou
educar os filhos.

Com relação à preparação para trabalhar com a EJA, Ireland (2009)


afirma que:

Existem professores bem preparados para educar jovens e adultos,


mas na maioria dos casos, os educadores desse público são
improvisados e não têm preparo específico para atender esse público.
Segundo ele menos de 2% dos cursos de pedagogia oferecem
formação específica para esse fim.

Vê-se que para evitar a evasão na EJA e consequentemente alcançar


sucesso, é preciso que se observe o que afirma Arbache (2001): “a educação
de jovens e adultos requer do educador conhecimentos específicos no que diz
respeito ao conteúdo, metodologia, avaliação, atendimento, entre outros, para
trabalhar com essa clientela heterogênea e tão diversificada culturalmente”.

A princípio, o modelo de escola que a maioria guarda na memória é de


salas com carteiras enfileiradas, quadro-negro, giz, livro, caderno e um
professor – que fala o tempo todo e passa tarefas.

A Revista Nova Escola, de agosto de 2005, aponta ações que podem


contribuir para o êxito dos alunos de EJA:

Mostrar que a atitude de voltar a estudar não deve ser motivo de


vergonha, mas de orgulho; ajudar o aluno a identificar o valor e a
utilidade do estudo em sua vida por meio de atividades ligadas ao seu
cotidiano; elaborar aulas dinâmicas e estimulantes; ser receptivo para
conversar, pois muitos vão à escola preocupados com problemas
pessoais ou profissionais; mostrar que a aula é um momento de troca
entre todos e que o saber do professor não é mais importante que o
dele; valorizar e utilizar os conhecimentos e as habilidades de cada
um. Isso pode mudar o seu planejamento no meio do caminho, mas as
aulas vão ficar mais interessantes; promover entre os colegas o
sentimento de grupo. Quando criam vínculos, eles se sentem
estimulados a participar das atividades.
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O aluno de EJA, vê na escola uma forma de libertar-se da vida árdua


que enfrenta dia a dia. Fatores externos ao espaço escolar e os atrativos da
sala de aula são o que o afasta. Cabe à escola alimentar o sonho libertário de
quem dela participa utilizando práticas que garantam a matrícula e a
permanência desse aluno na sala de aula e consequentemente o sucesso. Para
Arroyo (1997) o ponto de partida deverá ser perguntar-nos quem são esses
jovens e adultos.

CONCLUSÃO
A história da educação de jovens e adultos vem desde o período da
colonização. Porém, mesmo após a garantia do acesso à escola em lei, a
maioria dos alunos que participam desta modalidade de ensino não tem
alcançado sucesso.

Este artigo de pesquisa procurou entender por que os alunos que


frequentam as turmas de EJA da Escola Municipal Edmar José da Cruz
evadem tanto e não obtém sucesso. As questões usadas para entender os
porquês para a evasão escolar deram margens para responder as hipóteses
levantadas.

Com relação à escola pesquisada, a população do povoado é formada


por pessoas pobres, de baixa renda, que vivem da agricultura. Cada um luta
pela sua sobrevivência e que muitas vezes tem que se deslocar para outros
municípios e estados à procura de trabalho para o seu sustento, deixando
assim os estudos em último plano. As causas de evasão e repetência variam
por vários motivos: cansaço após um dia de trabalho exaustivo, falta de
estímulo por não ter um trabalho fixo, falta de atrativo da escola, metodologia
de ensino, desestruturação da família e falta de incentivo para continuação
dos estudos; mas o maior empecilho é a questão financeira dos estudantes.

Diante das diversas situações presenciadas e analisadas e estudadas, foi


possível conhecer um retrospecto histórico da educação de jovens e adultos
no Brasil e o perfil dos alunos de EJA da escola pesquisada. Na prática, a
escola não tem proporcionado atrativos a estes alunos para permanecerem na
sala de aula, mas sim, um ambiente que representa o seu fracasso enquanto
aluno. Em nosso país ainda não há uma valorização ideal para esta
modalidade de ensino.

Por isso, é preciso rever alguns pontos deste sistema de ensino para
jovens e adultos, que necessita de uma alta avaliação tanto entre as
metodologias aplicadas, como também os motivos que estão contribuindo
para o crescimento da repetência e evasão escolar.

REFERÊNCIAS
ARBACHE, Ana Paula Bastos. A formação do educador de pessoas jovens
e adultas numa perspectiva multicultural crítica. Dissertação de Mestrado
(Mestrado em Educação pela Faculdade de Educação da UFRJ). Rio de
Janeiro: Papel Virtual Editora, 2001. In: EJA: uma educação possível ou
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mera utopia? Disponível em:


<http://www.cereja.org.br/pdf/revista_v/Revista_SelvaPLopes.pdf>. Acesso
em: 22 ago. 2011.
FREIRE, Paulo. A Educação na cidade. São Paulo: Cortez, 1991.
Disponível em: <
http://pt.wikipedia.org/wiki/Alfabetiza%C3%A7%C3%A3o>. Acesso em: 24
ago. 2011.
_____________. Pedagogia da autonomia. 27. ed. São Paulo: Paz e Terra,
1996.
GIANNELLA JR., Fúlvio. Ensino Fundamental em Reforma. Revista
Família Cristã. São Paulo, n. 742, 1997.
História da educação de jovens e adultos – EJA. Disponível em:
<http://pt.shvoong.com/humanities/1780318-hist%C3%B3ria-da-
educa%C3%A7%C3%A3o-jovens-adultos/>. Acesso em: 06 set. 2011.
IRELAND, Timothy. A tecnologia que ajuda a ensinar. Nova Escola. São
Paulo, n. 223, p. 36-40, jun./jul. 2009.
LDB. Lei de Diretrizes e Bases da Educação, Lei nº 9.394, de 20 Dezembro
de 1996.
Santa Luzia do Itanhi. Disponível em
<http://pt.wikipedia.org/wiki/Santa_Luzia_do_Itanhy: Acesso em 31 ago.
2011.
SUZUKI, Juliana Telles Faria. Tecnologias em educação: pedagogia. In:
SUZUKI, Juliana Telles Faria; RAMPAZO, Sandra Reis (Orgs.). Educação
de Jovens e Adultos (EJA) no Brasil. São Paulo, Pearson Education do
Brasil, 2009. Disponível em : <http://www.artigonal.com/educacao-
artigos/educacao-de-jovens-e-adultos-eja-n0-brasil-1046328.html>. Acesso
em: 27 ago. 2011.
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Análise do Contexto Educacional da


Educação de Jovens e Adultos (EJA)

Priscila Dantas Fernandes1

Kecia Karine Santos de Oliveira2

.
RESUMO
A educação destinada a jovens e adultos que não tiveram acesso em idade própria
e/ou reintegrar os que não concluíram é um dos papéis da Educação de Jovens e
Adultos (EJA). No entanto, para que isso ocorra é necessária uma formação específica
por parte dos professores como também entender como se procede esse segmento de
ensino. Com isso, o presente artigo tem como objetivo eleger uma avaliação sobre o
perfil dos alunos e professores que fazem parte do contexto da Educação de Jovens e
Adultos, bem como das aulas ministradas. O procedimento metodológico utilizado foi
observação de duas salas de aulas de EJA, em cidades distintas, bem como aplicação
de entrevistas com os alunos e professores. A análise se propôs abordar a
contextualização e descrição dos dados obtidos, fazendo um diagnóstico dos alunos
entrevistados e das aulas observadas. Desta forma, a formação dos alunos de EJA
deve visar uma capacitação tendo em vista o desenvolvimento não somente
intelectual, mas cognitivo, social e político.

Palavras-chave: Educação de Jovens e Adultos. Ensino. Formação.

1
Contato do(a) autor(a): prifernandes_17@yahoo.com.br. Mestranda em Ensino de
Ciências e Matemática (NPGECIMA) pela Universidade Federal de Sergipe.
2
Contato do(a) autor(a): keciakarine@hotmail.com. Graduada em Pedagogia pela
Universidade Federal de Sergipe.
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INTRODUÇÃO

O presente artigo tem como objetivo eleger uma avaliação sobre o perfil
dos alunos e professores que fazem parte do contexto da Educação de Jovens
e Adultos, bem como das aulas ministradas. A educação destinada a jovens e
adultos que não tiveram acesso em idade própria e/ou reintegrar os que não
concluíram é um dos papéis da EJA. No entanto, para que isso ocorra é
necessária uma formação específica por parte dos professores como também
entender como se procede esse segmento de ensino.

Partindo do pressuposto que os alunos que frequentam a EJA são


pessoas que, segundo Miguel Arroio (1997) são excluídas pela sociedade e é
por esta razão que o professor deve ter a sensibilidade de identificar o
potencial de cada aluno. Desta forma, o papel do educador é de suma
importância para o reingresso desse aluno no ambiente escolar. Mas será que
os profissionais da EJA estão capacitados para atuar e enfrentar as diversas
realidades trazidas pelos alunos?

Primeiramente, deve-se ter em mente que a escola não é o único


lugar que se aprende e que o aluno traz o seu conhecimento de mundo para
dentro da sala de aula. Por esta razão é que Paulo Freire (1996) propõe os
Temas Geradores os quais são extraídos da prática de vida dos educandos.

Desta forma, Paulo Freire (2009) nos fornece três momentos


importantes para se trabalhar com os alunos de EJA. O primeiro momento é a
investigação temática, onde o professor fará um Estudo da Realidade, através
de entrevistas. Estas servirão para registrar as palavras do universo vocabular
dos alunos a fim de extrair palavras geradoras que irão compor os Temas
Geradores, como também os conteúdos a serem dados.

No segundo momento, acontecerá a tematização. Depois de


selecionar as palavras geradoras, o professor irá montar junto com sua
respectiva ilustração a fim de que os alunos aprendam a codificar e
decodificar essas palavras. No último momento ocorrerá a problematização,
visto que o aluno irá transformar sua visão ingênua dos fatos, para vê-la com
uma visão mais crítica.

Desta forma, a fim de alcançar o objetivo do artigo o procedimento


metodológico utilizado foi através de fonte bibliográfica por ser embasado na
literatura de alguns autores como Paulo Freire (1996; 2009), Miguel
Gonçalves Arroio (1997) e dentre outros. Usamos também o método da
coleta de dados, empregando instrumento como as entrevistas e a observação
das aulas dadas.

A partir desse embasamento teórico, entrevistamos professores e alunos,


e observamos uma aula para sabermos se a teoria condiz com a prática. Como
também, saber um pouco sobre a realidade de alunos que não frequentaram a
escola ou tiveram que parar, e do professor, como ele pratica sua docência
neste ensino destinado a esses educandos.
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1 Observação de duas salas de aulas de EJA

Contextualização e descrição dos dados obtidos

A fim de podermos comparar os dados, fizemos duas visitas, ambas do


Programa Sergipe Alfabetizado3, mas são situadas em lugares diferentes. A
primeira foi em Aracaju, a aulas acontecem em uma Igreja Evangélica. O
professor, que se disponibilizou para nossa pesquisa, chamaremos de
Professor A, de 21 anos, cujo foi sua primeira experiência na docência,
ficando então, na Educação de Jovens e Adultos.

A segunda foi na Escola Municipal em Frei Paulo. O professor


entrevistado chamaremos de Professor B, que tinha 30 anos e trabalhava com
Jovens e Adultos a seis meses, sendo nesta modalidade de ensino, a sua
primeira experiência, já que suas experiências anteriores foram com
educação infantil.

A pesquisa foi realizada com os participantes do Projeto


Sergipe Alfabetizado de responsabilidade do Governo do Estado de Sergipe,
com aulas de segunda a quinta e com duas sextas-feiras letivas durante o mês,
partir das 18:30 até as 21:00. Dividiremos a análise em duas etapas.

2 Análise 1 : Aracaju

Com relação ao perfil dos alunos sobre sua profissão, constatamos


que alguns eram aposentados, pedreiros e outras secretárias domésticas,
recebiam um ou dois salários mínimos por mês. A maioria era católica e
estudaram até a antiga 4ª série (5ºano).

Segundo o gráfico abaixo, o número total de alunos matriculados


eram 19, sendo quinze mulheres (entre 18 a 70 anos) e quatro homens (23 a
60 anos). Mas no dia da observação da aula estavam dez mulheres e somente
um homem.

3
Foi implantado pela Secretaria de Estado da Educação de Sergipe com a
finalidade de reduzir as taxas de analfabetismo no Estado, por meio de uma
metodologia diversificada, visando atender a população pouco ou não
alfabetizada de diferentes segmentos sociais que estejam em situação de
exclusão ou de extrema vulnerabilidade social. O seu público alvo são jovens
e adultos, conforme faixas etárias, de 15 a 29 anos e acima de 29 anos.
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Alunos matriculados

21%

79%

Feminino

Masculino

O professor A era estudante de Habilidades em Artes Visuais da


Universidade Federal de Sergipe. Relatou que nunca teve a experiência de
lecionar uma aula, apesar disto, confessou que gostava do que fazia e
pretendia conciliar a exposição de suas obras com a docência. Descreveu que
recebeu uma capacitação de quatro dias e ao longo do contrato de oito meses
ele tiveram mais oito capacitações continuada. A única dificuldade narrada
pelo educador foi que alguns alunos necessitavam de óculos, o que
dificultava um pouco, já que as aulas eram ministradas a noite.

3 Análise 2: Frei Paulo


A renda parcial dos alunos era de um salário mínimo, pois a
grande parte é trabalhador rural ou diarista. Sobre a religião constatamos a
presença de um evangélico e os demais eram católicos.

Alunos matriculados

47% 53%

Femininos

Masculinos
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A turma atendia a quinze pessoas, de idade entre 24 e 75 anos, sendo a


maioria mulheres, como mostra o gráfico acima, sendo oito no total e sete
homens. Quando fomos observar a aula, tinham seis mulheres e quatro
homens. Segundo o professor B, a frequência maior era de mulheres, visto
que os homens, a maioria trabalhava na roça, chegavam à noite e por isso,
preferiam descansar, a ir às aulas.

O professor B era formado em Pedagogia, porém não tinha


formação específica para atuar em Educação de Jovens e Adultos. Esta foi
sua primeira experiência, já que anteriormente trabalhou com crianças na
educação infantil. As principais dificuldades relatadas por ele foram com
relação ao cansaço físico e mental dos alunos, sendo mais difícil estimular o
aprendizado e o número de faltas ocorridas durante o curso. Esclareceu
também que o professor de EJA deve ser devidamente capacitado para o
cargo, pois é “totalmente diferente de ensinar para o ensino regular”.

Para ele, as aulas de EJA deveriam sair mais do tradicional – quadro


e giz – e proporcionar aos alunos uma aula mais ativa já que eles trazem todo
o cansaço para dentro da sala de aula e se não deixar o ensino mais dinâmico,
este não estimulará para o processo de ensino-aprendizagem.

4 Alunos entrevistados

O ensino oferecido pela modalidade EJA foi um pouco distinto do


ofertado pelo ensino regular, tanto por causa dos educandos atingidos, como
pela realidade diferenciada. Segundo o Parecer CEB 15/98, as características
dos estudantes dessa modalidade:

[...] são adultos ou jovens adultos, via de regra mais pobres e com vida
escolar mais acidentada. Estudantes que aspiram a trabalhar,
trabalhadores que precisam estudar, a clientela do ensino médio tende
a tornar-se mais heterogênea, tanto etária quanto
socioeconomicamente, pela incorporação crescente de jovens adultos
originários de grupos sociais, até o presente, sub – representados nessa
etapa da escolaridade.

Mediante a esta análise dos educandos, entrevistamos dois alunos a


fim compararmos com a realidade. A aluna de Aracaju possuía 63 anos, e nos
que frequentou a escola até a terceira série e que precisou abandonar os
estudos por que era forçada a trabalhar com os pais na roça. Outro relato
curioso citado por ela foi o fato do pai sempre mencionar que ela não deveria
aprender a escrever para não ficar trocando cartas com namorados.

Segundo a aluna, no que diz respeito à utilização de livros e jornais,


contou que nunca teve acesso a eles enquanto mais nova, pois o pai era muito
rígido, “se eu pegasse era uma porrada!”, e que hoje ela se sente feliz em
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poder ter esse acesso, mesmo que com algumas restrições. Como ela não
sabia ler e escrever nem seu próprio nome comentou sobre a dificuldade de
pegar ônibus, assinar documentos, dentre outros. Conseguir hoje realizar
essas coisas, ainda com um pouco de dificuldades, mas sozinha, é algo que a
alegra muito.

Já o aluno do município de Frei Paulo, de 59 anos, relatou que nunca


havia frequentado a escola antes, pois trabalhou desde pequeno com o pai e
nunca teve a oportunidade de estudar. Não tinha acesso a livros, jornais,
revistas, e que sempre solicitava a ajuda de outras pessoas para ler
informações importantes para ele. Contou-nos que é trabalhador rural e que
sempre desejou se alfabetizar pela vontade de escrever seu próprio nome.

Apesar de ambos terem tido uma alfabetização um pouco tardia, eles


possuem visão de futuro diferenciada. A aluna de Aracaju deixou claro, na
entrevista, que deseja sim dar continuidade aos estudos, não descartando a
possibilidade de ainda conseguir cursar a faculdade. Entretanto, o aluno de
Frei Paulo, não pretendia dar continuidade aos estudos, estando satisfeito em
cumprir essa primeira etapa que para ele era o suficiente.

5 Análise das aulas observadas

O caderno de Orientações Pedagógicas para as classes de EJA, criado


pelo Ministério da Educação (MEC) em 2001, intitulado “Trabalhando com
Educação de Jovens e Adultos: Alunos e Alunas de EJA” ressalta que,

O papel do(a) professor(a) de EJA é determinante para evitar situações


de novo fracasso escolar. Um caminho seguro para diminuir esses
sentimentos de insegurança é valorizar os saberes que os alunos e
alunas trazem para a sala de aula. O reconhecimento da existência de
uma sabedoria no sujeito, proveniente de sua experiência de vida, de
sua bagagem cultural, de suas habilidades profissionais, certamente,
contribui para que ele resgate uma auto-imagem positiva, ampliando
sua auto-estima e fortalecendo sua autoconfiança (BRASIL, 2001, p.
18-19).

Neste contexto, em uma das aulas observadas da turma de Aracaju o


tema abordado pelo professor A fazia parte dos conteúdos de português. O
objetivo central da aula era aguçar o aluno a desenvolver um pequeno texto
levando-o a conhecer novas palavras. O professor havia separado 50 palavras
que não são comuns no cotidiano vivido pelo aluno, e distribuiu entre eles.
Logo em seguida, entregou-lhes um texto, com uma temática já discutida em
aulas anteriores. O aluno, então, teria como função encaixar as palavras no
texto. Para auxiliar os alunos o professor contava com a presença de um
dicionário, caso o aluno desconhecesse o significado da palavra.
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Já em uma das aulas observadas em Frei Paulo tinha como tema “A


importância dos documentos”, com a finalidade de esclarecer aspectos
contidos nos documentos que são desconhecidos por eles. A metodologia
utilizada foi aula expositiva, contanto com um material de apoio, a exposição
de alguns documentos da própria professora. Percebe-se que os alunos trazem
a vivência de mundo deles para dentro da escola, socializando-se com eles
mesmos e com a professora.

Desta forma, percebeu-se que quando o professor levava atividades


que faziam parte do cotidiano dos alunos, em que estes percebiam a utilidade
do que eles aprendiam na escola, na vida deles, os educandos se interessavam
mais pelas aulas, diminuindo assim, a evasão escolar e aumentando o desejo
em aprender.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A partir das análises dos dados acima relatados, destacaremos alguns


aspectos. No que diz respeito aos perfis dos alunos, percebeu-se que havia
predominância de mulheres e que a maioria possuía renda inferior a dois
salários mínimos.

Com relação às aulas observadas, constatamos que a maioria remetia


ao método de Paulo Freire, no qual o professor, neste caso Professor A,
desenvolvia momentos que provocava o aluno a desenvolver um pequeno
texto, levando-o a conhecer novas palavras. Já o Professor B, mostrava aos
alunos a importância de documentos, identificando os nomes e números.
Ambas as aulas a relação de professor-aluno e aluno-aluno era de interação e
dialogicidade.

Verificamos que os professores alvos da análise, eram de formações


bastante diferentes. Um era graduando de Habilidades em Artes Visuais,
tinha 21 anos e não havia tido experiência em sala de aula. O outro tinha 30
anos e era formado em Pedagogia, tendo já experiência com criança antes,
mas não com jovens e adultos em fase de alfabetização. Porém, ambos
receberam capacitação de quatro dias e ao longo do contrato de oito meses
eles têm mais oito capacitações continuada.

No que diz respeito aos alunos mencionados, constatamos perfis e


visões para o futuro distintas. Um nunca teve acesso a livros e jornais, não
porque ela não queria, mas o pai não dava liberdade para ela utilizar esses
meios. O outro, nunca frequentou a escola porque começou a trabalhar cedo,
pois tinha que ajudar o pai a dar sustento para a família.

Os dois alunos relatam sobre as dificuldades encontradas por não


saber ler e escrever. Hoje, eles conseguem escrever o nome deles e isso é de
uma felicidade sem igual. Mas um comenta que deseja sim dar continuidade
aos estudos e quem sabe conseguir cursar a faculdade, enquanto o outro não
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pretende dar continuidade aos estudos, estando satisfeito em saber escrever


seu nome.

Enfim, a formação dos alunos de EJA deve visar uma


capacitação tendo em vista o desenvolvimento não somente intelectual, mas
cognitivo, social e político. No entanto, o profissional desta área, muitas
vezes, não está altamente capacitado para que tal desenvolvimento aconteça
de maneira agradável tanto para o aluno quanto para o professor. Desta
forma, pode-se concluir que a EJA é uma iniciativa correta sim, porém, para
isso, os envolvidos neste sistema de ensino devem está devidamente
habilitados.

REFERÊNCIAS

ARROYO, Miguel G. Escola coerente à Escola possível. São Paulo:


Loyola, 1997
ARROYO, Miguel. A educação de jovens e adultos em tempos de
exclusão. Revista de Educação de Jovens e Adultos, São Paulo, n.11, abr.
2001.
BRASIL, Ministério da Educação e do Desporto. Secretaria de Educação
Fundamental. Trabalhando com educação de jovens e adultos: alunos e
alunas de EJA. Brasília: MEC/SEF, 2001.
FEITOSA, Sonia Couto Souza. O método Paulo Freire: princípios e
práticas de uma concepção popular de educação.
FREIRE, Paulo. Educação como prática da liberdade. 26 ed. Rio de
Janeiro-RJ: Paz e Terra, Reimpressão 2009.
_______________. Pedagogia da autonomia: saberes necessários à prática
educativa/ Paulo Freire. São Paulo: Paz e Terra, 1996 (coleção Leitura)
LOPES, Selva Paraguassu & SOUSA, Luzia Silva. EJA: uma educação
possível ou mera utopia?
LOPES, Maria Gorete Rodrigues de Amorim. A especificidade do trabalho
do professor de educação de jovens e adultos.
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Prática de Letramento no PROEJA:


perspectivas para o trabalho docente na EJA.

Marileide Andrade de Jesus Rocha1

Joelma Carvalho Vilar2

RESUMO
O presente artigo pretende discutir a questão do trabalho pedagógico em classes de
jovens e adultos, com ênfase nas atividades de letramento. A pesquisa é realizada no
Curso Técnico Profissional em Desenho da Construção Civil Integrado ao Ensino
Médio na Modalidade de Jovens e Adultos – PROEJA, no Instituto Federal de
Educação de Sergipe– IFS, Campus de Lagarto. A metodologia de pesquisa se assenta
nos seguintes técnicas de pesquisa: observação, realização de entrevistas e aplicação
de questionário. A participação e assistência às atividades de oralidade, envolvendo a
leitura e a escrita demarcam estratégias fundantes da pesquisa. As riquezas das
possibilidades pedagógicas para o PROEJA nas aulas de português, através da
valorização dos saberes e dos falares discente; a participação do aluno jovem e adulto
em seu próprio projeto pedagógico de formação na instituição; e os desafios e
perspectivas docentes no PROEJA são ideias motrizes nesse estudo. O artigo destaca
que a diversidade e especificidade presente na sala de aula do PROEJA ao invés de
ser considerado um obstáculo, pode representar um caminho para realização de
práticas pedagógicas emancipatórias que ajudem ao aluno trabalhador a familiarizar-
se aos saberes escolarizado.

Palavras-chave: PROEJA. Educação de Jovens e Adultos. Práticas pedagógicas.


Oralidade.

1
Contato do(a) autor(a): marileide.andrade@cefetse.edu.br. Especialista. Instituto
Federal de Sergipe.
2
Contato do(a) autor(a): joelmavilar@hotmail.com. Doutora em Educação.
Universidade Federal de Sergipe.
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INTRODUÇÃO

Os estudos sobre o ensino da Língua Portuguesa têm demonstrado os


avanços no entendimento das questões de comunicação interpessoal e suas
formas de realização no ambiente escolar. Considerando a especificidade das
práticas de Letramento na escola, pretendemos investigar a presença da
oralidade trazida pelos alunos do Instituto Federal de Educação de Sergipe-
IFS, especificamente do Curso Técnico em Desenho da Construção Civil
Integrado ao Ensino Médio na Modalidade – PROEJA no Campus Lagarto.

Os alunos do curso supracitado estão na faixa etária de 18 a 35 anos e


abandonaram a escola muito precocemente, entre outras razões, por
necessidade de trabalhar para contribuir com a renda de suas famílias; são
filhos de pais que também não tiveram acesso aos processos de escolarização.
Tais alunos, depois de muitos anos fora do ambiente escolar, reingressaram
na escola com a perspectiva de melhorar sua condição de vida, com especial
interesse nos processos de profissionalização que oferece o IFS.

A maior parte dos alunos vive na zona rural do município de Lagarto e


estão inseridos no mundo do trabalho. Alguns realizam labores braçais nos
sítios de familiares ou prestam serviços assalariados em terras de terceiros.
Outros realizam trabalhos informais na sede distrital do município de
Lagarto. Tais alunos trazem para a instituição de ensino as mais variadas
marcas de suas vidas pessoais e profissionais. Estas marcas presentes na
linguagem denotam um acúmulo de cultura e saberes que construíram ao
longo de suas vidas.

Especificamente ao que tange aos processos de letramento, os alunos da


educação de Jovens e Adultos PROEJA trazem consigo saberes próprios da
oralidade, adquiridos nas inter-relações de comunicação, nas experiências
dialógicas com os outros sujeitos sociais. Suas falas revelam o que pensam e
como pensam, demonstram suas experiências e os múltiplos significados
atribuídos a cada situação vivida (LEAL, ALBUQUERQUE, MORAIS,
2010; SOARES, 2008a; TFOUNI,1988).

O estudo aqui apresentado revela que o aluno do PROEJA tem um perfil


com características próprias, diferenciadas dos demais aprendizes do ensino
regular, seja pela questão geracional, seja pelas experiências sociais
acumuladas, ou ainda pela forma de produção econômica e cultural da
própria vida.

O artigo apresenta a questão da oralidade, presentes nos processos de


aprendizagem vivenciados pelos alunos, destacando as riquezas culturais e
saberes próprios desses jovens e adultos que estão frequentando o IFS. O
texto se desenvolve a partir do eixo temático Dimensões Pedagógicas do
PROEJA, tratando da metodologia no espaço da sala de aula, tocando na
questão da oralidade, da leitura e da escrita.

1 METODOLOGIA
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O estudo foi realizado no Instituto Federal de Sergipe, Campus Lagarto,


localizado no Povoado Carro Quebrado, zona rural da cidade de Lagarto, no
curso de Desenho de Construção Civil – PROEJA, durante o período de
março a junho de 2011. Foram desenvolvidas como estratégias
metodológicas: entrevista, observação e questionário.

Entrevista: Foi realizada entrevista com professores, funcionários e


alunos do IFS Lagarto. Com os professores e funcionários têm-se a intenção
de conhecer as concepções sobre a oralidade e os saberes discentes e
identificar a forma de tratamento dessas questões dentro e fora da sala de
aula. Com os alunos tem-se a pretensão de captar os modos como se veem
nesse processo de formação que envolve invariavelmente a linguagem oral.

Observação: Foi realizada nas turmas do 1º e 3º Ano do curso de


Desenho de Construção Civil – PROEJA. A escolha das turmas deveu-se a
necessidade de identificar as marcas da oralidade dos alunos recém-ingresso
na instituição e dos que já sofreram influência do ambiente escolar, além de
observar como está sendo trabalhada, desde uma perspectiva pedagógica, a
oralidade em sala de aula.

Questionário: Foi aplicado aos alunos do curso para construir o perfil


do grupo de alunos do PROEJA, abordando os seguintes aspectos: idade,
gênero, ano de conclusão do ensino fundamental, objetivos de ingresso no
PROEJA e intencionalidade educativas e formativas.

Oficina: Foi realizada oficina pedagógica com os alunos das turmas do


1º e 3º Ano do curso de Desenho de Construção Civil – PROEJA,
envolvendo os eixos oralidade, leitura e escrita. Os estudantes realizaram
atividades de debate, de leitura e de escrita a partir de diferentes gêneros
textuais.

2 ANÁLISE E DISCUSSÃO

Dimensões metodológicas em sala de aula do PROEJA

As questões metodológicas ganham destaque nesse estudo, pois são as


práticas docentes que iniciam o aluno no diálogo com os saberes científicos
consagrados pela humanidade e transmitidos pela escola. No PROEJA os
alunos reconhecem seus direitos e defendem uma educação com qualidade,
na sala de aula indicam a necessidade de melhor adequação dos métodos de
ensino às especificidades do aluno adulto e trabalhador. Os alunos afirmam
que as práticas metodológicas de ensino para o PROEJA são de difícil
compreensão e não respeitam os níveis de aprendizagem do grupo. As
palavras de um estudante sobre a forma de ensino é exemplificadora: “A
forma de trabalhar deve ser a forma que a gente tem de entender.” As
queixas dos alunos estão no fato do professor não usar uma linguagem
acessível para eles, adicionado a uma pressa de cumprir os conteúdos
programados.
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Uma questão pedagógica que se coloca no PROEJA é a ausência de um


diagnóstico do que os alunos sabem sobre a linguagem. Os alunos jovens e
adultos possuem conhecimentos tácitos e válidos porque são construídos nas
experiências de comunicação com outras pessoas (LEAL, ALBUQUERQUE,
2006), e esses conhecimentos não são devidamente valorizados no trabalho
de ensino. Nota-se uma ênfase em destacar o que o aluno não sabe e uma
carência acerca do conhecimento das ideias e hipóteses que os alunos
construíram a cerca do sistema linguístico. Verifica-se, portanto, uma falta e
valorização do que os alunos sabem e isso poderia ser a base para o trabalho
pedagógico no PROEJA com muita qualidade.

Dentre as dificuldades de aprendizagem e do processo de escolarização


apontadas pelos estudantes do PROEJA a mais destacada é a leitura, os
alunos revelam que apreciam a leitura, mas sentem dificuldade em entender
conteúdos morfológicos e estruturas sintáticas de maior complexidade. De
maneira autobiográfica um aluno destaca: “o aluno gosta de ler, mas tem
palavras que a gente não entende” (Estudante do PROEJA). A importância
da leitura é destacada por todos os alunos participantes da pesquisa. Algumas
falas são comuns: “Todos que leem muito fazem concurso e se dão bem”
(Estudante do PROEJA).

Os alunos destacam a disciplina Língua Portuguesa como a responsável


por estimular o prazer de ler, esta é considerada por muitos como a disciplina
mais importante pra se aprender. Um aluno diz: “A língua Portuguesa é a
única responsável por aprender” (Estudante do PROEJA). Apesar da
importância ressaltada a pesquisa indica que os alunos do PROEJA sentem
dificuldade na aprendizagem da Língua Portuguesa “Não me dou bem na
língua portuguesa”, afirma um Estudante do PROEJA.

Entre os alunos evidencia-se, no campo de leitura, o gosto pela leitura


virtual, com suas velozes estruturas midiáticas, prenhes de imagens, ícones e
sons. Em nossa avaliação essa preferência não reforça desmotivação pela
escrita oficial, mas reduz o hábito da prática significante da palavra escrita
convencional.

“A escrita é um sistema modelar secundário dependente da fala, um


sistema primário anterior – a linguagem falada” Ong (1998, p.16). A
escrita, registro da palavra, estende continuamente como representante de
força da linguagem, e reestrutura o pensamento e, nesse processo, converte os
dialetos em “grafoletos” (HAUGEN, 1996; HIRSH, 1977, pp.43-48 apud
ONG,1998, p.16). Um grafoleto é uma língua transdialética formada por uma
prática da escrita. Esta confere ao grafoleto um poder maior do que o
possuído por um dialeto puramente oral.

A escrita é de fato uma modalidade da língua, de domínio da elite


“letrada”. A língua deve cumprir o papel de interação entre os grupos
falantes, e impor essa categoria da “escrita” para os menos favorecidos, é de
certa forma uma agressão. O que a escola do PROEJA precisa aprender é que
a linguagem presente nela é a linguagem das classes favorecidas e que é
preciso articular a gramática internalizada dos alunos à linguagem padrão.
(POSSENTI, 1997).
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É finalidade do português padrão trabalhado na escola socializar,


equacionar e possibilitar ao educando do PROEJA a interação dos saberes
adquiridos em sua experiência da vida com o atual currículo da Educação
Profissional (Brasil, 2007). O uso da gramática normativa em sala de aula
está notadamente presente na sala de aula do PROEJA, realizam-se
comumente atividades de produção de texto.

A oralidade do aluno do PROEJA é rica, e através da linguagem foi


possível matizar a identidade do povo de Lagarto, na prática de linguagem
observada vimos que eles conhecem e descrevem personagens do ambiente
local, social e político. As variantes linguísticas dentro do próprio território
lagartense são expostas ludicamente pelos alunos nos momentos de
conversações descontraídas.

É comum a gente ouvir nas turmas expressões como “tomar de conta


de”, “Nós vai”, “coisa é cá”, “ome de qualidade” e outras tantas expressões
tão características do dialeto lagartense presentes nas salas de aula do
PROEJA. Contudo, foi possível observar que o material da oralidade não é
devidamente explorado como fonte para o aprendizado de formas mais
convencionais e socialmente aceita da língua portuguesa.

A língua materna é trazida com muita força por esses alunos do


PROEJA, as diferenças na linguagem é simplesmente a presença da riqueza
cultural local presente na fala (...) a despeito da palavra dos mundos
maravilhosos que a escrita abre, a palavra falada ainda subsiste e vive”
(ONG, 1998, p.16).

Percebemos a variação dialetal, somados à riqueza étnica, a explosão da


língua falada, os muitos significados apontam a singularidade do dialeto
local, da lagartinidade, do Centro-Sul do Estado de Sergipe. A Língua
Portuguesa representada com a força da oralidade dos dialetos locais.

“A escola valoriza a língua escrita e censura a língua oral espontânea


que se afaste muito dela, os adultos adaptam-se com dificuldade as
expectativas da escola tanto quanto as funções e usos da língua escrita,
quanto em relação ao padrão culto de língua oral” (SOARES, 2008,
p.22).

Os dialetos são falados entre todos os alunos e professores.


Principalmente entre alunos é usual a presença de dialeto Lagartense. Os
alunos dizem que sentem mais a vontade para falar com os colegas do que
com os professores. Isso indica a necessária relação de confiança e de
compartilhar o dialeto pra seu uso efetivo. Tal compreensão é destacada por
Vygotsky (1993) que afirma que é necessário o sentido de pertencimento ao
dialeto para falar o dialeto.

Nosso estudo indicou que os alunos do PROEJA fazem comparação


com o jeito de falar próprio de Lagarto, com outros espaços do nordeste e de
outras regiões do país. Eles destacam o preconceito que se tem com o
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linguajar nordestino. E dizem que parte da população brasileira “fala que o


nordestino é tabaréu” (Estudante do PROEJA). Eles destacam a importância
do uso de linguagem culta e técnica.

Em consonância com esse entendimento Possenti (1997) discorre:

(...) o objetivo da escola é ensinar o português padrão, ou, talvez mais


exatamente, o de criar condições para que ele seja aprendido.
Qualquer outra hipótese é um equívoco político e pedagógico. A tese
de que não se deve ensinar ou exigir o domínio do dialeto padrão dos
alunos que conhecem e usam dialetos não padrões baseia-se em parte
no preconceito segundo o qual seria difícil aprender o padrão... As
razões pelas quais não se aprende, ou se aprende, mas não se usa um
dialeto padrão, são de outra ordem, e tem a ver em grande parte com
os valores sociais dominantes e um pouco com estratégias escolares
discutíveis (POSSENTI, 1997, p.17).

Os jovens menos favorecidos socialmente precisam ter garantido o


direito inalienável de dominar as formas de falar e escrever tidas como culta
de nossa sociedade. Nesse sentido, educadores e educandos devem estar
inseridos num movimento contínuo capaz de fazer da escola “um espaço
para mútuo engajamento das diferenças vividas, que não exija o silenciar de
uma multiplicidade de vozes por um único discurso dominante” (GIROUX e
SIMON, 2011, p.106 apud FELÍCIO,2010,p.252).

Durante a oficina pedagógica que realizamos com os alunos do 2º e 3º


anos do Curso Técnico em Construção Civil Integrado ao Ensino Médio na
Modalidade de Jovens e Adultos, percebemos o anseio em reproduzir os
textos ouvidos, lidos e discutidos em sala de aula. Os alunos nas aulas de
Língua Portuguesa trouxeram consigo suas histórias pessoais, seus valores
familiares, suas emoções e sentimentos. Foram postos à tona nos relatos orais
temas do amor, do respeito, da amizade, da ajuda ao próximo e da
honestidade.

A língua falada foi externada com certa segurança. Percebemos a


liberdade de expressão, os jovens atuaram como bons ouvintes e debatedores,
e revelaram em suas falas os desejos de mudanças no contexto sociopolítico.
Desenvolveu-se nas atividades de linguagem oral a postura marcante da
argumentação, comparação e persuasão.

O domínio de uma língua é o resultado de práticas efetivas,


significativas e contextualizadas (POSSENTI, 1997). Aprendemos nas
oficinas pedagógicas realizadas a falar e ouvir com liberdade, assim como a
corrigir e autocorrigir sem ser afetado pela reprovação, humilhação, e
castigos. O exercício da reflexão do sistema linguístico foi a grande tônica
das oficinas.

Os erros cometidos pelos alunos são indicadores do processo através do


qual ele está descobrindo e construindo as correspondências entre o sistema
linguístico escrito e oral, entre aspecto fonológico e o ortográfico e entre a
gramática normativa e internalizada (POSSENTI, 1997). Além de construir
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um conhecimento e domínio do sistema linguístico, o aluno do PROEJA


também deve construir o conhecimento do uso da escrita e da oralidade como
discurso, como uma atividade real e de enunciação.

Trazer a tona o que sabem os alunos, exercitar a leitura do mundo,


estimular a crítica e a pensar sua condição de excluídos da escola são alguns
dos aspectos considerados no trabalho pedagógico realizado.

O trabalho de falar, de escrever e de ler em sala de aula

Sala de aula é o lugar de aprender a escrever, a ler e a usar a linguagem


oral de maneira satisfatória e adequada em variados contextos. Portanto, é um
espaço de experimentação e (des)cobertas.

Para Possenti (1997):

[...] O que proponho é que o óbvio seja efetivamente realizado. Uma


das medidas para que esse grau de utilização efetiva da língua escrita
possa ser atingido é escrever e ler constantemente, inclusive nas
próprias aulas de português. Ler e escrever não são tarefas extras que
possam ser sugeridas aos alunos como lição de casa e atitude de vida,
mas atividades essenciais ao ensino da língua. Portanto, seu lugar
privilegiado, embora não exclusivo, é a própria sala de aula
(POSSENTI, 1997, p. 30).

Falar, ler e escrever é uma tríade intimamente ligada ao mundo letrado.


No trânsito entre essas dimensões exige-se uma cuidadosa tessitura de sons,
palavras, conexões do amplo campo semântico que envolve a arte dos
sentidos de ouvir, ver e falar, movendo o ser humano na essência do uso da
linguagem - seja palavra verbal ou não-verbal.

Nas práticas de leitura em sala de aula os textos foram apresentados e


discutidos. As ideias se aprimoraram no debate caloroso, seguido do
momento de produção escrita que foi marcado pelo silêncio e reflexões
pessoais. Produzir texto escrito em sala de aula provocou desconforto entre
os alunos-escritores, afinal escrever é desnudar-se. O exercício da
modalidade escrita da língua materna é como um ato de fiar, de atribuir
significado às palavras e dar vida ao que se quer expressar.

O processo de ensino e de aprendizagem na modalidade escrita é


sustentada pelo prazer de ler em sala de aula (DURANTE,1998). Ser o leitor
narratário, arguto, mergulhador de entrelinhas é descobrir os segredos
escondidos no interior da tessitura das palavras. O ato de ler envolve
capacidades sensoriais, emotivas e intelectuais que dialogam continuamente.

A rotina das atividades de leitura e escrita evidencia a necessidade de


ajustes nas aulas. Os resultados da pesquisa apontam que os atos da
linguagem no PROEJA precisam ganhar mais significação e considerar,
sobremaneira, os saberes dos próprios alunos.
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Os jovens e os adultos, mesmo não alfabetizado, mantém contato com a


escrita e com práticas de leitura e levam para a sala de aula toda a experiência
linguística que vem tendo com a prática da oralidade (MARCUSCHI, 2004).
Cabe então a escola e ao professor identificar e saber explorar em benefício
da leitura e da escrita as marcas de oralidade que trazem. O que pode ser
percebido é que muitas vezes os professores veem como um problema as
marcas de oralidade que esses estudantes trazem para a escola.

Sobre a questão da leitura, os estudantes do PROEJA afirmam que


gostam de ler, mas leem pouco por não disporem de tempo para realizar a
tarefa de estudar, cumprindo tão somente as leituras exigidas pelas
disciplinas que estão matriculados. O aluno comenta: “Quando pego no
caderno pra estudar mesmo é aqui no Instituto” (Estudante do PROEJA)

Eles frequentam pouco a biblioteca da escola e fazem reduzido uso de


empréstimo de livros nela. Apesar da biblioteca do IFS Lagarto está equipada
adequadamente e ter livros de boa qualidade, entre alguns da literatura
clássica da Língua Portuguesa e, destacadamente, livros orientados ao
saberes técnicos profissionalizantes, os alunos do PROEJA consultam pouco
os livros disponibilizados. Contudo os alunos afirmam que gostam de ler e
preferem livros impressos aos digitais.

A oficina pedagógica realizada de leitura e debate sobre os temas da


atualidade possibilitou o diálogo com diferentes livros impressos, destaca-se
a importância de atividades como essas para os alunos jovens e adultos que
não convivem em seu contexto cultural com livros. Nas atividades de Língua
Portuguesa o ato de linguagem foi potencializado pelas atividades matrizes
da leitura, discussões e produção de texto.

Essa difícil realidade manifesta a fragilidade das práticas pedagógicas


para os processos básicos de ensino da leitura e da escrita. Esse é um grande
desafio da instituição, pois o aluno que trabalha e tem vida econômica ativa
disponibiliza pouco tempo pra leitura, já que os cuidados com a família e
com o trabalho consomem o tempo que poderia ser dedicado à atividade de
leitura. O tempo exíguo dos estudantes, as longas e muitas vezes duplas
jornadas de trabalho em casa e no ambiente profissional limita a
possibilidade de estudar.

A escola torna-se então o espaço privilegiado de acesso aos bens


escolarizados, assim precisa estar organizada de maneira que seja produtivo o
uso de tempo vivido nela. Deste modo, precisa reservar tempo para leitura de
livros de diferentes gêneros textuais, para o debate sobre temas da atualidade,
para visita orientada por profissionais da educação à biblioteca, sendo um
processo de adequação da rotina escolar dos alunos do PROEJA com a vida
institucional.

CONCLUSÃO

O respeito às características específicas do aluno do PROEJA pode


representar um caminho para realização de práticas pedagógicas
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emancipatórias que ajudem aos alunos jovens e adultos não familiarizados ao


saber vinculado à escola a ter o acesso a ele. A não consideração das reais
situações do aluno do PROEJA dificulta uma ação educativa que promova o
aprendizado.

O trabalho pedagógico relacionado as matrizes do falar, do ler e do


escrever potencializa a aprendizagem e desenvolvimento do aluno jovem e
adulto e deve invariavelmente estar vinculado aos seus contextos culturais e
sociais. Em relação à oralidade, destaca-se sua importância fundante para
desenvolver as atividades de escrita e de leitura em sala de aula. Em relação
à escrita e à leitura destaca-se a necessidade de oferecer múltiplas ocasiões
que possibilitem a reflexão sobre o sistema linguístico.

Um princípio norteador para as práticas de ensino da Língua Portuguesa


é a valorização do conhecimento prévio dos alunos e o reconhecimento de
sua cultura e saberes. Afirmamos nesse artigo que o jovem e adulto do
PROEJA tem competências lexicais amplas e um vocabulário rico,
construído em suas relações interpessoais. Nesse sentido, a escola deve ser o
lugar privilegiado para aprofundar tais conhecimentos que envolvem as
dimensões da palavra falada e escrita.

Entende-se que as especificidades características da população que


frequenta o PROEJA deve impulsionar outras estratégias metodológicas de
ensino, tais estratégias devem ser elaboradas com a participação do próprio
aluno. Somente dentro deste entendimento é que é possível fazer um trabalho
produtivo com os jovens e adultos do Instituto Federal de Educação de
Sergipe.

REFERÊNCIAS

BRASIL. Ministério da Educação. Secretaria de Educação Profissional e


Tecnológica. PROEJA, Documento Base, Brasília, 2007. Disponível em
<http://portal.mec.gov.br/setec/arquivos/pdf2/proeja_medio.pdf>. Acesso
15.04.2011.
DURANTE, M.. Alfabetização de adultos: leitura e produção de textos.
Porto Alegre: Artes Médicas, 1998.
FELÍCIO, H. M. dos S.. Currículo e Emancipação: redimensionamento de
uma escola instituída em um contexto advindo do processo de
desfavelização..<www.curriculosemfronteira.org>. Acesso: 04.11.2011
HADDAD, S.; DI PIERRO, M. C.. Diretrizes de Política Nacional de
Educação de Jovens e Adultos: consolidação de documentos 1985/1994.
São Paulo: CEDI, Ação Educativa, ago.
HADDAD, S. A Educação de Pessoas Jovens e Adultas e a nova LDB.
São Paulo: Cortez, 1998.
LEAL, T. F., ALBUQUERQUE, E. B. C., MORAIS, A. G.
(Org.)Alfabetizar letrando na EJA: fundamentos teóricos e propostas
didáticas. Belo Horizonte: Autêntica, 2010.
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LEAL, T. F., ALBUQUERQUE, E. B. C. (Org.) Desafios da educação de


Jovens e adultos: construindo práticas de alfabetização. Belo Horizonte:
Autêntica, 2006.
MALTA, A. A. A aprendizagem na educação de jovens e adultos: a
emergência de diferentes saberes na re-significação de práticas escolares.
Salvador: UFBA-FACED, 2004 (Dissertação de mestrado).
MARCUSCHI, L. A. Da fala para a escrita: atividades de retextualização.
São Paulo: Cortez, 2004.
ONG, W.. Oralidade e cultura escrita.Tradução de Enid Abreu
Dobránszky, Campinas-SP: Papirus,1998.
POSSENTI, S. Por que(não) ensinar gramática na escola? Campinas-SP:
Mercado das Letras,1997..
SOARES, L.. GIOVANETTI, M. A.. GOMES, N. L. (Orgs.). Diálogos na
educação de jovens e adultos. 2ª ed. Belo Horizonte: Autêntica, 2007.
SOARES, M.. Alfabetização e letramento. 5. ed. - São Paulo: contexto,
2008.
______. Linguagem e Escola: uma perspectiva social. Ática 13° edição,
15ª reimpressão. São Paulo, 2008a.
TFOUNI, L. V. Adultos não alfabetizados: o avesso do avesso. São Paulo:
Pontes, 1988.
VYGOTSKY, L. S.. Pensamento e Linguagem. São Paulo: Martins Fontes,
1993.
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A Mulher Estudante da Educação de Jovens


e Adultos no Ensino Médio

Maria José de Jesus Santos1

Joelma Carvalho Vilar2

RESUMO

Este estudo tem como objetivo principal analisar a contribuição da Educação de


Jovens e Adultos- EJA, do Ensino Médio, para a formação pessoal e profissional de
ex-alunas do Colégio Estadual Dr. Augusto Cesar Leite, Itabaiana-SE. Identifica-se,
nesse trabalho, aspectos sociais, culturais e econômicos que influenciaram a
descontinuidade do processo de escolarização dessas mulheres, como também a
função e a importância da escola para a formação delas, assinalando a perspectiva
futura dessas mulheres no que se refere à escolarização e profissionalização. Essa
pesquisa foi realizada a partir de um estudo bibliográfico e de campo, com realce a
realização de entrevistas. Destaca-se a importância da escola da EJA para a vida
pessoal e profissional dessas mulheres.

Palavras-chave: Educação de Jovens e Adultos. Mulher. Escolarização.

1
Contato do(a) autor(a): babamjjs@hotmail.com. Pedagogia. Universidade Federal de
Sergipe.
2
Contato do(a) autor(a): joelmavilar@hotmail.com. Doutora em Educação.
Universidade Federal de Sergipe.
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INTRODUÇÃO
Esta pesquisa pretende destacar as histórias de vida de mulheres da EJA
que lutaram para dar continuidade aos seus estudos, com o propósito de
identificar os condicionantes sociais, culturais e econômicos que interferem
na trajetória de escolarização dessas mulheres, e, assim, destacar a
importância da EJA para a vida pessoal e profissional de algumas mulheres
que ingressaram no curso de EJA do ensino médio do Colégio Estadual Dr.
Augusto César Leite em Itabaiana, Sergipe. Somente a autenticidade das
experiências relatadas, de quem viveu as diversas situações, pode fazer
compreender essa realidade e incentivar outras mulheres a buscarem seus
sonhos e os transformar em realidade.

Destaca-se, nesse trabalho, aspectos sociais, culturais e econômicos que


influenciaram na descontinuidade do processo de escolarização dessas
mulheres, como também se identifica a função e a importância da escola para
a formação delas, assinalando a perspectiva futura dessas mulheres no que se
refere à escolarização e profissionalização. A importância do estudo está em
possibilitar uma reflexão sobre a contribuição da EJA para melhoria de vida
pessoal e profissional das mulheres.

1 METODOLOGIA
Esta pesquisa tem como foco principal o Colégio Estadual Dr. Augusto
César Leite, que fica situado na Avenida Olímpio Arcanjo de Santana,
município de Itabaiana, Sergipe. A escolha dessa instituição ocorreu pelo fato
da pesquisadora ter sido aluna da EJA e assim contribuir para produção do
conhecimento na escola, assim como para a valorização da EJA na
instituição.

Os sujeitos da pesquisa foram seis mulheres com idades entre 31 a 58


anos, que concluíram o ensino médio em turmas de EJA no Colégio em
questão, nos anos de 2000 a 2003. Inclui-se também a própria pesquisadora,
que foi estudante da EJA da escola. As informantes foram escolhidas
mediantes as características relacionadas ao objeto de estudo, possibilitando
conhecer e analisar suas histórias de vida e evocando suas memórias, “A
memória é uma evocação do passado. É a capacidade humana de reter e
guardar o tempo que se foi, salvando-o da perda total” (CHAUI, 1995,
p.125).

As técnicas utilizadas para a coleta de dados foram as entrevistas e


história de vida da própria pesquisadora. Nesse artigo somente serão
apresentados os resultados referentes às entrevistas realizadas com as
mulheres participantes desse estudo.

Um roteiro de questões foi elaborado para a realização das entrevistas,


tais questões abordaram os aspectos que influenciam a não continuidade do
processo de escolarização de mulheres estudantes da EJA, a função e a
importância da escola para a formação dessas mulheres, assim como a
perspectiva futura no que se refere à escolarização e profissionalização.
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Os dados foram analisados de forma descritiva visando apreender os


elementos gerais contidos nas entrevistas pessoais. As análises das entrevistas
ocorreram através de transcrição, levando em consideração as falas em que as
informantes referem-se ao entorno da escola, aos motivos de abandonar a
escola, também referem-se as razões que as incentivaram a voltar a estudar,
as dificuldades enfrentadas em sala de aula na EJA.

2 RESULTADO E DISCUSSÃO
Muitas são as causas que produziram o abandono da escola por estas
mulheres. De acordo com as informantes, as principais estão relacionadas à
vida familiar. As mulheres contraem casamento e muito precocemente
assumem obrigações relacionadas ao lar e a maternidade.

As relações machistas em que muitas vezes estão subordinadas


influenciam também o abandono escolar por parte destas mulheres. É comum
relatos sobre a não autorização do parceiro para que elas deem continuidade
aos estudos.

As palavras de uma informante revela esta realidade: “... na época eu


deixei pelo motivo que fui ganhar nenê... E o motivo também é que o marido
também não deixava...” (Luzia).

As razões para o abandono da escola também são de ordem


financeira. A falta de dinheiro obriga a muitas mulheres a saírem da escola
para trabalharem, ainda na adolescência, e garantir a sobrevivência própria e
de seus familiares. Esta causa se relaciona com as questões familiares, pois
elas trabalham ainda menina para ajudar a complementar a renda familiar
necessária para a sobrevivência.

(...) Alguns materiais biográficos permitiriam esclarecer as motivações


individuais e coletivos de tais comportamentos que, para além dos
“estereótipos de sexo”, parecem indicar nas mocinhas e nas mulheres
jovens outras “escolhas de vida” e uma antecipação estratégica do
futuro que rege a vida familiar, interesses pessoais e atividade
profissional. (DELORY-MOMBERG, 2008, p.29).

Dentro do contexto familiar, as informantes ainda apontam a questão


não autorização dos pais para que elas estudassem. Sobre esse fator há que se
realizar uma mais profunda interpretação para se entender as razões. Entende-
se que isso pode está relacionado à função e o valor que a escola adquire para
os pais na sociedade.

O significado maior de retornar a escola é a conclusão do Ensino


Médio, tendo o intuito de obter alguns benefícios de ordem pessoal e
profissional. Algumas palavras ilustram essa motivação para voltar a estudar:
“... pra concluir o 2º grau, porque eu precisava fazer o técnico de
enfermagem e não tinha o 2º grau...” (Joseilde).

Outra informante acrescenta: “Me deu vontade de estudar de novo para


concluir o ensino médio”. (Marlene).
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As explicações dadas pelas informantes quanto às razões para retornar


a estudar podem estar vinculadas a duas vertentes: uma de ordem pessoal
relacionada especialmente às questões familiares e outra de ordem
profissional relacionada aos interesses ao mundo do trabalho. A maior parte
das mulheres indica que as razões ligam-se a primeira vertente.

Para a primeira vertente encontram-se os motivos:

 Definição profissional;

 Preparação para no mercado de trabalho;

 Preparação para fazer concursos para ingressar em setores públicos;

 Ingressar na universidade para fazer um curso superior.

Para a segunda vertente os motivos são:

 Adquirir mais conhecimento e desenvolver valores morais para


educar os filhos;

 Ajudar os filhos no processo de escolarização;

 Melhoria e valorização pessoal;

 Crescimento familiar.

Nota-se que há uma expectativa de promoção pessoal, social e produtiva


presente nas mulheres que estudaram a EJA.

Ainda sobre as motivações para fazer a EJA, foi possível identificar que
a temporalidade dessa modalidade de ensino, no que se refere à possibilidade
de conclusão do Ensino Médio em menor tempo, é também característica
atrativa.

Nesse retorno à escola, muitas são as dificuldades vivenciadas pelas


mulheres para continuar frequentando a EJA. Uma das principais
dificuldades diz respeito ao longo tempo que passaram sem estudar. As
alunas ao retornarem a estudar a EJA, depois de muito tempo longe dos
bancos escolares, sentem dificuldades geradas pela não familiaridade com a
linguagem, o conteúdo e a forma de transmissão do conhecimento que a
escola divulga.

Sentem-se inseguras com relação suas próprias condições de


aprendizagem, e duvidam de suas habilidades para aprender a aprender
novamente. A construção da autoconfiança discente é de fato o primeiro
grande desafio que as alunas precisam vencer. Tal desafio é uma questão
tratada por muitos estudiosos da EJA. (MUNARETTI, 2007; VILAR, 2007).
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Outra dificuldade diz respeito à condição feminina. O tempo de


gestação de uma aluna, aliada a outras condições laborais. O relato de uma
informante elucida: “Fiquei gravida né... Tinha que ir pra escola a noite,
trabalhava durante o dia, pesado por causa da gravidez só” (Joseilde).

Entretanto algumas mulheres afirmam que não tiveram dificuldades, e


acompanharam com normalidade a escola da EJA. Nota-se:

“Não tinha dificuldade nenhuma, o conteúdo era dado de forma clara,


de forma que entendesse...” (Valdeci). Outra informante confirma:
“Não tive não dificuldade, era fácil o aprendizado.” (Marlene).

A mulher que até certo tempo foi submissa ao homem, quando resolvem
voltar a estudar, ainda enfrentam inúmeros problemas, devido à incapacidade
de entendimento dos seus parceiros. A luta delas pela conquista do seu
espaço na sociedade, ainda passa por grandes dificuldades. A mulher do
século XXI está mais determinada a conquistar esse espaço, e tem seu direito
garantido nas salas da EJA.

A EJA de hoje vive um momento de desafio e tenta superar as


desigualdades sociais dos direitos Na análise destes dados, torna-se relevante
verificar as condições de desigualdade que influenciam a educação
(TOLEDO E FIGUEIREDO, 2007).

Sobre a aprendizagem e o relacionamento Professor-Aluno, é possível


afirmar que a aprendizagem está intimamente relacionada às condições do
relacionamento entre os sujeitos educativos na EJA. O professor na EJA
exerce uma função muito importante no processo de aprendizagem, pois é ele
o responsável por estimular os alunos a continuarem estudando.

O histórico de exclusão social dos alunos da EJA demanda do docente


uma postura compromissada com os alunos e com o processo de
aprendizagem. As relações vivenciadas pelas mulheres desse estudo foram
marcadas pela amizade, cordialidade e parceria em um projeto de retomada
de estudos.

As palavras de uma informante demonstra essa relação de parceria:


“Era muito bom, ainda hoje tenho contato com o professor e com os colegas
de EJA.” (Valdeci).

A qualidade de ensino para ser alcançada dependerá muito da relação do


professor com o aluno. Na relação de confiança e alteridade entre estes
sujeitos se constrói possibilidades para que o aluno dialogue com os
conhecimentos escolares (FREIRE, 1996).

Nesse contexto, a escola possui uma função importante, muito além do


ensinar. E um espaço de socialização entre as mulheres, de troca de
experiência e de diálogo. Sobre a questão do papel da escola na vida pessoal
as mulheres destacam os méritos da EJA:
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“Ajudou. A ler, a escrever, a viver melhor, a escola ajudou.”


(Marlene).

“Ajudou através dos conhecimentos que me foram transmitidos e


mudou muito a minha vida, minha forma de se expressar, de falar...”
(Valdeci).

“Ajudou na minha profissão. Eu mudei, subi mais. Antes era auxiliar,


hoje sou técnica, graças a esse curso...” (Joseilde).

Meksenas (2005) destaca que: “Com o constante aumento da divisão do


trabalho social, a cada dia que se passa as pessoas se especializam em
funções e assim também ocorre com a educação”. Por isso que a mulher
sempre estar buscando novos conhecimentos no seu cotidiano para atender as
novas exigências do mercado de trabalho.

Muitas são as funções da EJA, mas a possibilidade de qualificação


profissional assume posição de destaque entre as mulheres. Na EJA coloca-se
em pauta a vinculação com o universo do trabalho. As mulheres da EJA
acreditam na escola como possibilidade de melhoria de vida profissional.

Para comprovar essa assertiva leia-se as afirmações:

“Hoje eu conclui meu curso técnico, se não fosse a EJA não tinha
concluído não.” (Joseilde).

“O Ensino Médio me levou a ter o conhecimento do trabalho, se


não fosse a EJA talvez não tivesse feito esse concurso e não tivesse
passado...” (Luzia).

Sobre a continuidade dos estudos, parte das informantes relatou que


pretende seguir estudando, outra parte afirma que não, observe-se:

“Sim, depois que terminei o EJA, fiz o pré-vestibular de um ano e três


meses e passei, e hoje estou na Universidade.” (Valdeci).

“Não. O problema foi que eu não pretendia fazer nada, porque eu


tinha medo de enfrentar, achando que eu não passava na faculdade.
Então eu não fui em frente.” (Marlene).

Sobre as perspectivas futuras das mulheres da EJA, algumas apontam:

“Fazer a faculdade em Serviço Social é o meu sonho.” (Joseilde).

“Tenho um projeto de me formar costureira, hoje eu tenho.” (risos).


(Marlene).

“Meu projeto agora é passar em um concurso, fazer valer tudo que


passei.” (Valdeci).

Tudo isso tem uma direção, a busca por melhores condições de vida e a
EJA tem uma importância muito grande para a vida de muitas pessoas,
inclusive para as mulheres participantes desse estudo.
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CONSIDERAÇÕES FINAIS

Sobre os motivos que levaram as mulheres a frequentar a EJA, é


unanime a indicação de concluir o Ensino Médio, porém com diferentes
intencionalidades. Entre elas: a melhor possibilidade de qualificação
profissional, a obtenção de conhecimento para dar melhor instrução aos
filhos em casa, uma preocupação com o futuro ocupacional das crianças e
também a genuína intenção de aprender pelo prazer de fazê-lo. Todas essas
explicações reforçam a vinculação que a EJA tem com o mundo social e do
trabalho. As mulheres da EJA acreditam na escola como possibilidade de
melhoria de vida social e profissional.

Sobre a contribuição dessa modalidade de ensino, destaca-se: a


possibilidade de qualificação profissional, aumento da escolarização, acesso a
leitura e escrita aos saberes escolarizados, interação social, melhoria e
valorização pessoal.

As mulheres da EJA, embora enfrentem dificuldades com os saberes


escolarizados, e lutam bravamente para superar essas dificuldades, são
capazes de produzir histórias de vida que retratam saberes próprios e
experiências únicas, capazes de gerar conhecimento em sala de aula. Em
síntese, são mulheres que geram não apenas a sua descendência, mas a
própria vida na educação, nesse sentido, a EJA pode representar uma
educação capaz de mudar a vida de uma pessoa e permitir que ela reescreva
sua história de vida.
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REFERÊNCIAS

CHAUI, Marilena. Convite à Filosofia. São Paulo: Ática, 1995.


DELORY-MOMBERG, C. Biografia e Educação. Trad. De Maria da
Conceição Passeggi, João Gomes da Silva Neto e Luis Passeggi. São Paulo:
PAULUS; Natal: EDUFRN, 2008.
FREIRE, Paulo. Pedagogia da Autonomia: saberes necessários á prática
educativa. São Paulo: Paz e Terra, 1996.
MEKSENAS, Paulo. Sociologia da Educação-Introdução ao estudo da
escola no processo e transformação social. 12ª ed. São Paulo: Loyola,
2005.
MUNARETTI, Robianca. A importância do trabalho psicopedagógico na
Educação de Jovens e Adultos. São Paulo: Jan. 2007. Disponível em:
www.abpp.com.br/artigos. Acesso em 12 maio 2011.
VILAR, Joelma C. Estudio etnográfico de una experiencia de educación
liberadora en el Estado de Sergipe. Universidade de Valladolid. Espanha
(Tese de Doutorado), 2007. 330 p.
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Ensino da Escrita na Educação de Jovens e


Adultos: dificuldades e proposições

Natali Souza da Silva1

Joelma Carvalho Vilar2

RESUMO
O estudo analisa as dificuldades de aprendizagem da escrita dos jovens e adultos na
Escola Professora Nivalda Lima de Figueiredo, município de Itabaiana-SE. Tal
pesquisa, de natureza qualitativa, apresenta aspectos das estratégias metodológicas
que apoiam as práticas educativas e indica princípios pedagógicos para o ensino da
escrita na EJA. Este estudo foi realizado através de pesquisa bibliográfica e de campo,
envolvendo observações, entrevistas e questionários a fim de apontar quais são as
principais dificuldades vivenciadas por professores no processo de ensino-
aprendizagem da escrita. A realização deste trabalho nos deu a oportunidade de
conhecer as práticas de ensino de escrita e as dificuldades na aprendizagem.
Reconhece-se a necessidade de repensar as práticas de escrita para jovens e adultos
com base nesse conhecimento.

Palavras-chave: Educação de Jovens e Adultos, Dificuldades de aprendizagem,


Escrita.

1
Contato do(a) autor(a): natali-souza@hotmail.com. Pedagogia. Universidade
Federal de Sergipe.
2
Contato do(a) autor(a): joelmavilar@hotmail.com. Doutora em Educação.
Universidade Federal de Sergipe.
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INTRODUÇÃO
Este estudo trata-se de uma pesquisa qualitativa que teve como
motivação analisar quais são as dificuldades enfrentadas na aprendizagem da
escrita pelos jovens e adultos da Escola Municipal Professora Nivalda Lima
de Figueiredo, Itabaiana -SE, assim como indicar princípios metodológicos
para que os jovens e adultos desenvolvam a escrita.

Neste estudo, duas questões são relevantes e norteiam as ideias aqui


tratadas. A primeira diz respeito às dificuldades vivenciadas pelos alunos no
processo de aprendizagem da escrita. A segunda aponta para princípios
metodológicos que podem ser indicados para o enfrentamento das
dificuldades de aprendizagem da leitura e escrita na EJA.

O tema do artigo é resultado da realização do projeto de pesquisa e


extensão Leitura e Escrita uma relação dialógica entre a universidade e
escolas de Educação de Jovens e Adultos de Itabaiana, vinculado ao PIBIX.
Este artigo apresenta parte dos resultados obtidos durante a pesquisa, com
destaque para a perspectiva docente.

1 PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS
A pesquisa foi desenvolvida na Escola Municipal professora Nivalda
Lima Figueiredo, localizada na cidade de Itabaiana-SE, Bairro Campo
Grande. O estudo foi feito com alunos e professores desta unidade escolar a
partir de uma abordagem qualitativa, composta por uma pesquisa
bibliográfica e investigação de campo, sobre as principais dificuldades na
aprendizagem da escrita.

O levantamento bibliográfico serviu de base para a fundamentação de


conceitos que envolvam as dificuldades de escrita enfrentadas na EJA. Essa
atividade está fundamentada, principalmente, nos seguintes autores: Freire
(1976, 1987, 2000, 2008); Soares (2006, 2008a, 2008b); Tfouni (2006);
Souza (1996); Charlot (2000); Cagliari (1999), dentre outros.

A coleta de informações foi realizada através da observação, entrevistas


e questionários, objetivando identificar as principais dificuldades na
aprendizagem de escrita enfrentadas pelos jovens e adultos da EJA e
professores envolvidos.

As observações foram realizadas em duas salas de aula do primeiro


segmento da Educação de Jovens e Adultos na Escola Municipal Professora
Nivalda Lima de Figueiredo. As observações seguiram as seguintes pautas:
metodologia de ensino da escrita, atividade de escrita, uso do texto, relação
escrita-oralidade-leitura e recursos para o ensino da escrita.

As entrevistas foram feitas com os professores que trabalham nessa


modalidade de ensino na Escola Municipal Professora Nivalda Lima com
perguntas acerca das seguintes temáticas: dificuldades na aprendizagem da
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escrita e metodologias do professor. As entrevistas foram realizadas para


identificar quais são as principais dificuldades enfrentadas, por esses alunos
na aprendizagem da escrita, bem como as vivenciadas pelos professores para
garantir essa aprendizagem, e também quais são as metodologias usadas para
facilitar essa aprendizagem. Para isso, foram entrevistados 5 professores que
trabalham nessa modalidade de ensino. O tipo de entrevista utilizada foi à
entrevista estruturada, que, segundo Marconi e Lakatos (1999) é aquela que
tem um roteiro pré-estabelecido, no qual as perguntas que são feitas tem um
roteiro para ser seguido, e, é feito com pessoas selecionadas.

2 RESULTADOS E DISCUSSÕES

Perspectiva docente
A pesquisa indica que os educadores consideram que a escrita tem
muita importância para o desenvolvimento do estudante e apontam
basicamente duas dimensões referentes à repercussão do domínio da escrita
sobre os estudantes da EJA. Uma está relacionada à importância dessa
aprendizagem para a vida pessoal e social do aluno e a outra para a vida
escolar.

A primeira, representada pela maioria dos professores, relaciona a


aprendizagem da escrita à realização pessoal, pois, conforme os informantes,
durante a infância os alunos da EJA não tiveram acesso à escrita, e estes
acreditam que a partir desse aprendizado irão fluir com mais facilidade as
oportunidades para sua vida pessoal e social. A segunda dimensão, referente
ao processo de escolarização, estabelece uma relação entre a escrita e o
desenvolvimento intelectual do aluno nas diferentes disciplinas escolares,
pois, conforme os professores indicam, é a partir da escrita que este aluno
terá mais facilidade para se expressar, para ler e para dialogar com os
diferentes conteúdos das demais áreas do conhecimento escolar.

A importância da escrita é tema destacado por muitos estudiosos, a


exemplo de Mollica (2007) e Soares (2006), que asseguram que a
aprendizagem da escrita é condição imprescindível para o exercício pleno da
cidadania. É na aprendizagem da escrita que estes vão sentir-se realizados
como cidadãos, destacam os informantes. No processo de ensino-
aprendizagem da escrita os estudantes vêm a possibilidade de uma qualidade
de vida melhor. Esta idéia se confirma nas palavras de um informante: “A
aprendizagem da escrita é importante para qualquer cidadão no dia-a-dia, no
cotidiano, na profissão e por que as oportunidades tendem a fluir mais.”
(Professor)

A aprendizagem da escrita é fundamental para jovens e adultos da EJA,


pois é através dessa aprendizagem que eles podem se realizar como cidadão,
além de proporcionar ao jovem e adulto uma sensação de recuperação do
tempo que foi perdido, incitando assim melhores condições de vida. Para
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Mollica (2007, p. 12) “as práticas de leitura e escrita colocam os falantes com
maiores chances de constituir cidadania plena.”

Segundo Mollica:

[...] a intimidade com a escrita de modo diferenciado e sua utilização


heterogênea são responsáveis pela construção de identidades sociais
distintas, assim como pelo grau de envolvimento e participação na
sociedade por parte da população, componentes determinantes para
formação da cidadania. (MOLLICA, 2007, p. 21).

Ainda segundo Soares (2006) quem aprende a ler e a escrever e passa a


envolver-se em práticas de leitura e escrita, torna-se uma pessoa diferente,
adquire um outro estado, uma outra condição social e política.

No entanto, muitas são as dificuldades para que o aluno da EJA exerça


de maneira competente a habilidade da escrita. Quanto às principais fatores
que dificultam a aprendizagem da escrita os participantes desse estudo
afirmaram que os maiores entraves estão justamente relacionados à condição
de excluído que esse aluno vivencia. Geralmente o aluno da EJA passou
muitos anos fora do ambiente escolar ou foi excluído do ensino regular,
resultando em uma baixa autoestima que prejudica o desempenho escolar.
Ele não acredita em sua própria capacidade de aprender a língua e vê a escrita
como algo de difícil compreensão.

Outros informantes citaram como dificuldade para aprendizagem dos


alunos da EJA a falta de tempo para estudar devido ao trabalho, trazendo para
escola problemas familiares. Mais uma vez se evidencia que a condição
social e econômica do aluno influencia o desempenho escolar.

Outro fator apontado pelos professores que dificulta a aprendizagem da


escrita é que os alunos da EJA carregam as marcas de oralidade, e não sabem
diferenciar oralidade de escrita. Entretanto, pela história de vida e experiência
social dos alunos da EJA é óbvio que destaque-se a supremacia da oralidade
sobre a escrita. Algo que deveria ser considerado positivo, já que a oralidade,
mesmo não sendo uma representação fidedigna da escrita, é um material
valioso para que qualquer estudante aprenda a escrever.

Alguns dos professores apontaram que os alunos de EJA tem muita


dificuldade na ortografia, leitura e interpretação de texto, e não sabem o que é
tipologia textual. Indicação evidente já que os alunos da EJA não estão
familiarizados com a escrita e não compreendem as funções, o
funcionamento e a aplicação social do código linguistico.

Apenas um professor relacionou as prováveis causas das dificuldades da


aprendizagem à questão pedagógica e citou a falta de material para leitura
como uma dificuldade para aprendizagem da escrita.

A dificuldade enfrentada pelos estudantes da EJA na aprendizagem da


escrita é um tema discutido entre estudiosos como: Carvalho (2009) e
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Cagliari (1999). Assim em conformidade com Carvalho (2009) os


professores nos dizem que quando o jovem chega a esta modalidade de
ensino ele está desencantado com o ensino regular, mas é preciso que a
escola lhes ofereça condições para que ocorra a aprendizagem.

É necessário que se perceba que a diversidade nas turmas de EJA é fator


relevante e que as dificuldades enfrentadas são maiores ainda. Assim, o
professor deve estar preparado para lidar com todas estas dificuldades
atendendo as necessidades e desejos desses educandos de forma a inserir uma
proposta motivadora para a aprendizagem. O que é preciso destacar é que
essa diversidade pode, de maneira aparentemente contraditória, gerar formas
metodológicas variáveis e produtivas para o ensino da escrita.

Conforme Carvalho:

... um traço presente nas classes de jovens e adultos é o da diversidade


de origens. Encontram-se, nos espaços da sala de aula, pessoas que
migraram de suas cidades de origem em busca de melhores condições
de vida, trabalho, moradia, estudos e novas oportunidades... O normal
é que o jovem, ao chegar nessa modalidade, geralmente está
desencantado com a escola regular, com o histórico de repetência de
um, dois, três anos ou mais (CARVALHO, 2009, p. 9/10).

Os jovens e os adultos levam para a sala de aula toda a experiência que


vem tendo com a oralidade. Cabe ainda a escola e ao professor identificar e
saber explorar em benefício da escrita as marcas de oralidade que trazem,
pois na maioria das vezes eles escrevem da maneira que falam. O que pode
ser percebido é que muitas vezes os professores veem como um problema as
marcas de oralidade e de vida que esses estudantes trazem para a escola, não
devendo esse ser o melhor caminho para garantir a aprendizagem desses
jovens e adultos. Como afirma Cagliari (1999) o alfabetizando traz para a
escola a variedade lingüística do meio em que vivem em que aprendeu a
falar, e que deve ser respeitada porque interfere diretamente no seu processo
de alfabetização.

Nesta perspectiva atitudes preconceituosas aumentam ainda mais a


distância entre a linguagem utilizada pelos estudantes e a linguagem padrão,
podendo trazer inúmeras consequências. Nesse sentido é preciso que haja
uma compreensão por parte dos atores envolvidos no âmbito escolar.

Em relação às metodologias e procedimentos pedagógicos utilizados


para garantir que esses jovens e adultos desenvolvam o aprendizado da
escrita, foi possível perceber dois eixos fundamentais, um está relacionado à
aplicação de uma metodologia inovadora e outro a uma metodologia
tradicional.

Os professores apontaram o uso de uma metodologia diversificada com


atividades de escrita, leitura, interpretação, debate, ditado de textos e de
palavras e realização de dinâmicas, que levem os alunos a interpretar, refletir,
e expor suas idéias, para que assim as aulas se tornem prazerosas e sejam
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significativas. A utilização de diversos recursos, tais como: textos, filmes e


imagens são destacados pelos docentes. Apenas uma professora admitiu
utilizar a metodologia tradicional do ensino diurno, na qual se escreve no
quadro, os estudantes copiam no caderno e depois o professor passa
exercícios escritos, com ênfase na repetição e memorização.

As metodologias e procedimentos pedagógicos utilizados para


aprendizagem da escrita se destacam entre estudiosos como: Soares (2008b),
Souza (2004), Santos (1997) e Freire (2008), quando nos falam da questão
dos métodos, e da importância do lúdico para aprendizagem e a não
reprodução de metodologias do ensino diurno para Educação de Jovens e
Adultos.

Assim, em relação às metodologias, para garantir a aprendizagem


alguns professores tentam inovar buscando levar o aluno a interpretar, através
de filmes, conversas, debates, dinâmicas, jogos, buscando assim uma aula
mais prazerosa. Deste modo, as dinâmicas passam a ser uma possibilidade de
um novo olhar para aqueles que não tiveram oportunidades educacionais na
idade própria e retornam à escola na tentativa de recuperar o tempo perdido,
tentando encontrar na escola um ambiente prazeroso, conforme afirma Santos
(1997).

A ludicidade é uma necessidade do ser humano em qualquer idade e


não pode ser vista apenas como diversão. O desenvolvimento do
aspecto lúdico facilita a aprendizagem, o desenvolvimento pessoal,
social e cultural, colabora para uma boa saúde mental, prepara para
um estado interior fértil, facilita os processos de socialização
comunicação, expressão e construção do conhecimento (SANTOS,
1997, p. 12).

Sendo assim, é importante trabalhar os conteúdos a partir das atividades


lúdicas, transformando as atitudes e comportamentos para facilitar
aprendizagem, tornando-a significativa. A aprendizagem da escrita não se
realiza da mesma forma para todas as pessoas, e principalmente quando se
trata de jovens e adultos. E na maioria das vezes as dificuldades dos alunos
podem ser causadas pelo processo de ensino que normalmente utiliza um
método único de educação, sem olhar quem são os sujeitos dessa educação.

Porém em desacordo com Souza (2004) e Freire (2008), foi possível


perceber que alguns utilizam uma metodologia tradicional, cópia do quadro e
exercícios, pautada no ensino diurno, o que não é recomendável. Sobre isso
Souza (2004) nos alerta que, a EJA não pode mais se limitar a reproduzir o
que se faz no ensino regular, realizando meras transposições de modelos por
eles utilizados, sem a devida atenção as especificidades da população jovem e
adulta.

Os conteúdos não devem ser passados de forma descontextualiza, onde


são priorizados a memorização e a assimilação mecânica, pois os alunos da
EJA são adultos que trazem consigo uma bagagem de vida, um conhecimento
adquirido através das experiências, e este não deve ser desprezado.
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No que se refere a escrita de textos espontâneos na sala de aula foi


possível perceber basicamente duas vertentes. Uma considera a escrita de
textos espontâneos uma ferramenta importante para aprendizagem, a outra
sequer faz uso deste recurso em sala de aula.

Os professores que fazem uso desta ferramenta o faz da seguinte forma:


pedem para que eles escrevam um acontecimento de suas vidas, e que
geralmente eles escolham textos narrativos ou abrem um tema e pedem para
eles relatarem o que desejam. É sabido que a escrita de textos espontâneos
não ocorre a partir de uma sugestão, é preciso deixar que eles escolham sobre
o que desejam falar para que seja espontâneo.

A importância da escrita de textos espontâneos e a questão do mero


exercício de escrever foi enfatizada por Cagliari (1999, p.101): “A escola é o
único lugar onde se escreve muitas vezes sem motivo... Certas atividades da
escola representam o puro exercício de escrever. Na alfabetização isso pode
trazer problemas sérios para certos alunos.”

A escrita de textos espontâneos auxilia o professor a compreender a


visão de mundo que seu aluno tem, pois esse vai escrever aquilo que tem
vontade, que sente motivação. Sobre esse assunto Cagliari (1999, p.124) nos
diz que: “Deixar que os alunos escrevam redações espontâneas não dando
muita atenção aos erros ortográficos e apostando na capacidade de escrever e
se auto-corrigir com relação à ortografia é de fato um estímulo e um desafio
que o aluno sente no seu trabalho, uma motivação verdadeira para a escrita.”
Ainda segundo Cagliari (1999, p.102) “Ninguém escreve ou lê sem motivo,
sem motivação... não basta saber escrever para escrever. É preciso ter
motivação para isso.”

É preciso incentivar os alunos de EJA para escrita, embora não seja isso
que acontece com alguns destes professores. É preciso deixar que eles
escolham o que desejam escrever, embora muitos ainda deem sugestões de
temas. Em relação a opção por escrever textos narrativos, isso está
relacionado ao fato de escreverem mais facilmente sobre momentos que
acontecem no seu dia-a-dia, vivências do seu cotidiano, ou seja, eles ficam
estimulados ao escreverem sobre si. Segundo Souza (2006, p.163) “a
construção da narrativa de si remete o sujeito a vivenciar, no seu processo de
formação, experiências formadoras e aprendizagens experienciais inscritas
em suas identidades e subjetividades.”

Outro aspecto relevante nesse estudo diz respeito a realização de


atividades individualizadas para atender os estudantes que apresentam mais
dificuldade na escrita. Sobre isso foi possível perceber que a maioria tenta
fazer um trabalho individualizado para os alunos que apresentam mais
dificuldades, sendo que apenas dois admitem não fazer, pois segundo eles a
diversidade da EJA é muito grande e o tempo é curto. A diversidade nas
turmas de EJA destaca-se em Coutinho (2006, p.75), quando nos diz que “A
Educação de Jovens e Adultos caracteriza-se principalmente pela diversidade
de público a que atende”. Porém, os professores precisam saber lidar com
essa diversidade para que isso não se constitua em dificuldade para
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aprendizagem dos estudantes que estão inseridos na EJA, trabalhando as


dificuldades individualmente.

Quando questionados sobre os recursos utilizados para garantir a


aprendizagem da escrita dos estudantes da EJA foi possível perceber que os
recursos são diversos: além do livro didático, quadro e giz, e apostilas; são
utilizados também, cartazes, jogos, dinâmicas, vídeos, textos, músicas,
filmes.

Um dos autores que se destacam a questão dos recursos que são


utilizados pelo professor é Soares (2008b) que nos diz que são muitos os
fatores que influenciam na aprendizagem dos alunos.

Os recursos utilizados na sala de aula influenciam na aprendizagem dos


alunos. Os recursos e estratégias assinaladas pelos professores devem fazer
parte das práticas diárias dos educadores, sendo que eles sempre devem
buscar inovações para estimular a aprendizagem, pois, através de recursos
variados a aprendizagem fica mais prazerosa e muito mais significativa. No
ambiente escolar, a música pode ser um recurso metodológico eficiente,
despertando a sensibilidade do educando de uma forma prazerosa. Además, a
utilização de livros do ensino regular deve ser trabalhado de maneira
contextualizada e não simplesmente reproduzindo o que contém no livro,
pois os estudantes da EJA não devem ser tratados como crianças, pois trazem
consigo uma trajetória de vida que deve ser respeitada pelo professor.

Assim... são discutidos os fatores responsáveis pela qualidade do


processo de ensino e aprendizagem da leitura e da escrita; entre
outros: a natureza de paradigmas curriculares e metodológicos; a
interferência de fatores intra e extra-escolares na aquisição da língua
escrita; a adequação ou inadequação do equipamento escolar e do
material didático de alfabetização; a competência ou incompetência do
professor alfabetizador; a definição do tempo de aprendizagem
necessário para o domínio da leitura e da escrita quer em termos de
duração em anos do processo de alfabetização, quer em termos de
horas-aula por dia (SOARES, 2008b, p. 48).

De modo geral as dificuldades mais frequentes em sala de aula para o


trabalho com a escrita desses jovens e adultos são diversas e de diferente
ordem. Os docentes destacam várias dificuldades, dentre elas: não sabem ler,
a falta de tempo dos alunos para estudar devido ao trabalho, falta de material
didático, problemas familiares, problemas de visão, erros gramaticais, falta
de interesse, e até falta de conhecimento de mundo. Sobre as dificuldades de
aprendizagem Freire (2008), Griffo (2006) e Souza (1996) nos falam que
essas dificuldades podem ter diversas origens.

A falta de material para se trabalhar na EJA pode se constituir em um


fator relevante para as dificuldades dos professores, conforme foi apontado
por Freire (2008, p.45), que nos diz que “a escassez de quadros e de recursos
materiais, refletindo-se necessariamente no plano da alfabetização de adultos,
teria de constituir-se em obstáculo não apenas a sua programação, mas
também ao seu desenvolvimento.”
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Além disso, a questão da ausência de material específico para EJA é, de


fato, um grave complicador para o avanço do desenvolvimento discente. É
muito comum na sala de EJA a utilização de livros didáticos direcionados à
infância e adolescência serem utilizados pelos jovens e adultos. Tal estratégia
desconsidera a cultura e saberes próprios dos jovens e adultos. A elaboração
de livros didáticos, elaborados a partir da realidade social, econômica e
cultural dos alunos da EJA poderia representar um avanço para o
atendimento de qualidade a essa modalidade de ensino.

Ferreira (2009, p.10) nos aponta que “um dos primeiros passos para o
trabalho na EJA é a valorização do conhecimento prévio e o reconhecimento
dos alunos como portadores de cultura e saberes.” Assim, o professor para
proporcionar uma aprendizagem significativa a seus alunos deve realizar o
processo de ensino-aprendizagem de forma contextualizada, aproveitando o
conhecimento de vida que os estudantes de EJA trazem, pois estes estudantes
têm conhecimento de mundo. Sobre isso Freire (1997, p.81) relata: “a leitura
do mundo precede a leitura da palavra.”

Kramer (2006) também nos diz que:

Entender que quando o aluno e o professor chegam a escola não são


folhas em branco, mas já trazem conhecimentos e história de vida, é
condição essencial para prosseguir nessa longa travessia em direção a
uma maior participação política, econômica, social e cultural”
(KRAMER, 2006, p.91-92).

As dificuldades desses alunos podem estar atreladas ao fato de a escola


não corresponder as suas expectativas, e ainda não oferecer os subsídios
necessários para seu acesso, permanência e aprendizagem. Souza (1996),
afirma que as dificuldades de aprendizagem aparecem quando a prática
pedagógica não possui relação com as necessidades do aluno. Porém alguns
professores parecem não estar atentos a esse conjunto de fatores que podem
dificultar a aprendizagem dos alunos de EJA.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Durante a pesquisa foi possível perceber que assim como a diversidade


de gênero, geracional, cultural e social caracteriza as turmas de EJA, também
a diversidade e complexidade das causas das dificuldades na aprendizagem
da escrita marca a realidade dessa modalidade de ensino. Os jovens e adultos
que frequentam a Escola Nivalda Lima Figueiredo, foco central desse estudo,
enfrentam diversas dificuldades para desenvolver a aprendizagem da escrita.

Nesse estudo é possível constatar que as causas dessas dificuldades de


aprendizagem da escrita, entre os jovens e adultos, são basicamente de três
grandes origens: política, pedagógica e biológica. A de origem política está
relacionada à condição social, econômica e cultural do aluno da EJA, sabe-se
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que o aluno da EJA é um sujeito estigmatizado pela exclusão. A de natureza


pedagógica se refere especificamente à dimensão de ensino-aprendizagem,
centra-se na prática docente para o ensino da escrita. A biológica se refere a
aspectos estritamente físicos do aluno, compreende-se que o a organização
biológica discente também tem ascendência sobre a forma e os resultados da
aprendizagem.

Tais causas precisam ser interpretadas de maneira interdependente, pois


uma dificuldade de aprendizagem da escrita pode ter sua raiz em mais de
uma dessas dimensões apresentadas. Uma das dificuldades mais destacadas
pelos informantes desse estudo foi o fato de que os alunos não sabem ler,
prejudicando o aprendizado da escrita, a causa desse problema pode está
relacionado as questões culturais, orgânicas e mais especialmente as questões
pedagógicas.

O que se pretende afirmar categoricamente é que as causas são


múltiplas como também são múltiplas as dificuldades. Portanto, cabe aos
agentes educativos compreenderem as variadas faces que envolvem o
processo de aprendizagem da escrita, que vão desde condicionantes sócio-
econômico-cultural do aluno da EJA até aspectos estritamente relacionados à
compreensão do sistema lingüístico.

Entre as dificuldades enfrentadas pelos alunos da EJA do primeiro


segmento da Escola Nivalda Lima Figueiredo destaca-se a questão da
autoestima, interpretada pelos alunos como insegurança e medo de errar.
Destaca-se também os problemas de visão, assim como as condições
financeiras. Não saber ler é um grande problema apontado, tanto por alunos
quanto por professores, de fato esse é um grande entrave, pois a leitura
influencia na escrita, ler e escrever são habilidades indissociáveis e
necessárias para a alfabetização do aluno.

Para os professores as maiores dificuldades encontradas nas turmas de


EJA são: falta material específico para EJA, a falta de tempo dos alunos para
estudar devido ao trabalho, falta de interesse discente, e a pouca
familiaridade com os saberes escolares.

O que se pode inferir de todo o exposto é que a condição de histórica de


exclusão dos alunos que frequentam a EJA interfere de maneira incisiva na
aprendizagem da escrita do aluno. Entretanto, as práticas metodológicas da
escrita, se alicerçada em princípios que dignifiquem à condição dos sujeitos
da EJA, podem intervir de maneira produtiva no aprendizado do aluno.

Nesse contexto, entende-se que a aplicação destes princípios às práticas


de ensino da escrita pode, dentro dos seus limites de atuação, contribuir de
maneira mais satisfatória para o aprendizado de uma habilidade tão
necessária para a inserção social dos jovens e adultos na sociedade. Sem
lugar a dúvidas, o uso competente da habilidade escrita tem ressonância na
vida pessoal, profissional e social dos alunos da EJA, assim se torna urgente
conhecer as dificuldades do aprendizado para criar práticas de ensino da
escrita bem-sucedidas.
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REFERÊNCIAS
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Formação Docente e Projeto Curricular para


EJA em Sergipe: reflexões epistemológicas

Maria Josefa de Menezes Almeida1

RESUMO
Este artigo apresenta a análise de conteúdo realizada sobre os projetos curriculares da
EJA e entrevistas a gestores da EJA em fase exploratório-descritiva da investigação:
“Pedagogia intercultural no contexto da formação de professores - aportes para a
educação de jovens e adultos em Sergipe” - tese defendida para obtenção do título de
Doutor (a) em Ciências da Educação na Universidade Autônoma de Assunção. Inicia-
se com a identificação cultural dos projetos curriculares para a EJA em Sergipe, lócus
da pesquisa e o que se registra acerca de processos de formação para o docente desta
modalidade educativa em explicitações deste texto. Entre os questionamentos que o
originam se encontram: Quais os elementos de identidade cultural dos projetos
curriculares da EJA? Como ocorre a referência cultural em determinado projeto
curricular da EJA? A que processos de formação docente têm acesso os professores da
EJA? Que elementos curriculares são indicadores de uma prática intercultural na
EJA? Percurso metodológico inicial que se justifica pela inexistência de informações
a este respeito que pudessem ser referência para a pesquisa pretendida. Esta fase
inicial funciona como o antecedente necessário para apoiar a criação, aplicação e
validação de uma proposta inovadora cujo objetivo é responder às reivindicações por
formação docente específica para EJA. Nesta parte do estudo destacam-se os
primeiros objetivos: a) Descrever a identidade cultural de projetos curriculares para a
EJA através da análise documental destes; e b) Indicar os mecanismos promovidos
para a formação do docente da EJA em entrevista semiestruturada a coordenadores da
EJA com a finalidade de contextualizar a problemática em que se insere a ausência de
formação docente para EJA neste determinado contexto sociocultural, principal
resultado alcançado.

Palavras-chave: Formação Docente - Projetos curriculares - Educação de Jovens e


Adultos (ensino fundamental) - Sergipe.

1
Contato do(a) autor(a): josefaaju@gmail.com. Doutora em Ciências da Educação
pela Universidad Autónoma de Asunción/Py. Coordenadora do Grupo de Pesquisa
CNPq/Seppeja/Codap/UFS.
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INTRODUÇÃO

Este artigo resulta da análise qualitativa dos elementos textuais, dados


coletados na fase exploratório-descritiva da investigação: “Pedagogia
intercultural no contexto da formação de professores: aportes para a educação
de jovens e adultos em Sergipe”, tese elaborada para responder á
problemática da ausência de formação docente para a Educação de Jovens e
Adultos (doravante EJA) no Brasil. Tenta responder á insistente
reivindicação por formação específica para o docente da EJA, conforme
(CURY, 2000; MACHADO, 2007; SOARES, 2010), ainda deficitária ou
inexistente no país, tanto no nível da formação inicial quanto da formação
continuada docente, a exemplo do que se evidencia na localidade onde se
realiza esta pesquisa de campo (ALMEIDA, 2012a).

Assume-se, ao final da referida investigação, o compromisso de


apresentar proposta para efetivar a formação para o docente da EJA com o
perfil curricular adotado na intervenção pedagógica (ALMEIDA, 2012a):
planejada, estruturada e executada junto a professores em exercício de uma
cidade sergipana, proposta ancorada no paradigma preceituado para a
formação docente pela Pedagogia da Autonomia (FREIRE, 2010) e
Pedagogia Intercultural (AGUADO, 2003), em consonância com Canen
(2002) Candau (2005), Freuri (2003) e Moreira e Candau (2008) dentre
outros.

Desta investigação, destacam-se, neste texto, dados do reconhecimento


textual dos projetos curriculares para a EJA (SERGIPE/CEE/2006) a fim de
neles caracterizar a identidade cultural e o perfil idealizado para a formação
docente capaz de preparar o professor para atuar junto ao público desta
modalidade educativa cujos destinatários ainda são encarados no país sob a
égide de estigmas e prejuízos históricos segundo Galvão e Di Pierro (2007).
Buscando encontrar a referência à formação que reflete sobre o papel de
equidade social a se promover pela ação educativa da EJA, direito negado a
quem fora excluído historicamente por diversas razões (HADDAD, 2005;
SOARES, 2005 e 2010).

Neste contexto, entre os questionamentos que originam o referido


estudo encontram-se: Quais os elementos de identidade cultural dos projetos
curriculares da EJA? Como ocorre a referência cultural em determinado
projeto curricular da EJA? A que processos de formação docente têm acesso
os professores da EJA? Que elementos curriculares são indicadores de uma
prática intercultural na EJA?

A criação, aplicação e validação de uma proposta inovadora para a


formação docente na EJA são analisadas a partir do método
quaseexperimental intragrupal pré e pós-teste em Almeida (2012b) que
resultam, como este texto, em parte da tese apresentada e defendida para a
obtenção do título de Doutor (a) em Ciências da Educação na Universidade
Autônoma de Assunção. Desta investigação destacam-se os primeiros
objetivos: a) Descrever a identidade cultural de projetos curriculares para a
EJA através da análise documental destes; e b) Indicar os mecanismos
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promovidos para a formação do docente da EJA em entrevista


semiestruturada a coordenadores da EJA.

1 Metodologia Adotada
Deste estudo descritivo que adotou o rigor científico do método
quaseexperimental intragrupal pré e pós-teste na sua parte central
(ALMEIDA, 2012b), tenta-se, de forma inovadora, adotar um perfil
diferenciado para a pesquisa educacional brasileira. Neste artigo, destaca-se
a análise de elementos textuais a partir do paradigma qualitativo, utilizando o
método da análise do conteúdo de dados, coletados na fase inicial e
identificados como categorias a se analisar em fase inicial deste estudo,
através da técnica da análise documental, utilizando como instrumento uma
pauta. Assim como a análise de conteúdo da aplicação da técnica, entrevista,
a um gestor estadual da EJA, seguindo uma pauta semiestruturada.

2 Unidades de Análise
a) Projetos curriculares para EJA
Estes textos destinados à organização e orientação pedagógica para a
condução do ensino fundamental da EJA (EJAEF-1 e EJAEF-2) constituem-
se em dois volumes, um dedicado à 1ª fase (1º ao 5º ano) e o outro à 2ª fase
(6º ao 9º ano). Ambos datam do ano 2008, em revisão aos textos
anteriormente aprovados pelo Conselho Estadual de Educação em 2006 e
contém respectivamente, 48 e 100 páginas os quais se ilustram:

Figura No 06 - Capas dos Projetos Curriculares da EJA

b) Entrevista aplicada a gestor público


Com data agendada e seguindo uma pauta semiestruturada,
resgatam-se informações a respeito da EJA no estado através do depoimento
pessoal de um representante do Serviço de Educação de Jovens e Adultos
(SEJA/SE).
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3 Procedimentos
Em agosto de 2009, iniciou-se o reconhecimento acerca da identidade
dos projetos curriculares para o ensino fundamental (1º ao 9º ano) da EJA
local, através da leitura e análise documental dos dois volumes destes
documentos, bem como do resgate de informações acerca da EJA estadual
através da aplicação da técnica da entrevista ao seu respectivo representante
do setor da EJA da Secretaria Estadual da Educação, determinando-se, ao
final desta etapa, a contextualização da referida investigação (ALMEIDA,
2012a).

4 Resultados
a) Análise Documental dos Projetos Curriculares

De sua análise, destacaram-se como categorias de análise as


informações contidas neste primeiro quadro demonstrativo:

Quadro No 01 – Projetos Curriculares para EJA –


Ensino Fundamental - Sergipe

Projeto 1 (EJA) Projeto 2 (EJA)

Categoria investigada Informação coletada Informação coletada

Função atribuída à EJA Ensino supletivo (p. Ensino Supletivo (p.


09, 10 e 11) 09,10 e 14)

Referência à diversidade Há alunos com Trabalhar as diferenças


cultural diferenças (p. 23) (p. 24)

ETHOS ou alteridade Comunidade e


(p. 46) identidade nacional no
contexto internacional. (p. 42)
Diversidade cultural
(p. 48) Dinâmica da cultura,
patrimônio cultural de grupos
sociais, respeito à diversidade
(p. 42)

Manifestações culturais
(p. 84)

Atendimento à Nenhum Nenhum


diversidade

Referência à cultura dos Nenhuma Nenhuma


alunos

Referência à cultura Nenhuma Nenhuma


local
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Referência ao Nenhuma Nenhuma


intercultural

Marcas de identidade A palavra “Sergipe” A palavra “Sergipe” na


sociocultural na capa do projeto capa e na Apresentação do
projeto.

Referência á formação Orientar, capacitar Orientar, capacitar e/ou


docente e/ou aperfeiçoar os reciclar os envolvidos (p.16)
envolvidos (p. 16)

Fonte: Elaboração Própria a partir da Análise


Documental – 2009

b) Entrevistas a gestores

Dos discursos dos gestores (estadual e municipal), sobressaem-se


informações contidas no levantamento de dados que se demonstra no quadro
a seguir:

Quadro No 02 - Dados sobre a EJA em Sergipe

Tema Sugerido Dado Recolhido

Início do atendimento à EJA no estado 1969 – Curso Madureza

Documentos atuais relativos à EJA Projetos EJAEF 1 e 2


aprovados em 2006- CEE

Professores que atuam na rede junto á EJA 1127 na capital e 582 dos
municípios conveniados

Cultura Local na proposta curricular Contemplada/Existente/Consi


derada

Último processo de formação docente Agosto/2009 16h– “Como


trabalhar o Livro didático”

EJAEF em municípios sergipanos Apenas General Maynard não


oferece

Municípios sergipanos assistidos pela SEED 55

Fonte: Entrevista à Coordenação do SEJA/SE – 2009.2


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5 Discussão
Confrontando informações recolhidas acerca da identidade curricular e
formação docente para EJA com estudos teóricos que embasaram este
trabalho, é possível afirmar que:

São elementos motivadores de reflexão em relação aos projetos


curriculares analisados: a) o fato de ambos possuírem a mesma redação em
muitas de suas partes; b) não se distinguirem em objetivos, finalidades,
tempos; c) a quase total ausência do contexto sociocultural a que se destina.
Marca apenas expressa pela palavra “Sergipe” nas capas dos respectivos
textos e pela expressão “Governo de Sergipe” no interior destes uma única
vez; bem como, d) a suplência como função atribuída à oferta escolar da
EJA. Segundo Di Pierro, M. C; Ribeiro, V. M.; Joia, O. (2005), a função
supletiva ou compensatória enclausura a escola da EJA nas rígidas
referências curriculares, metodológicas, de tempo e espaço da escola
destinada a crianças e adolescentes, interpondo obstáculos à necessária
flexibilidade da organização escolar para o atendimento à especificidade
desse grupo sociocultural.

Assim, em resposta ao primeiro objetivo do respectivo trabalho,


caracterizar a identidade cultural dos projetos curriculares da EJA, afirma-se
que as informações transformadas em categorias de análise identificam a EJA
neste contexto sociocultural como modalidade educativa marcada pelo
estigma da suplência. Associada esta característica à ausência de
consideração à diversidade, ao silêncio em relação à cultura local, à ausência
de atenção ao fenômeno cultural do jovem e adulto, verifica-se a
incongruência entre estes documentos e o que indicam os estudos mais
recentes acerca do tema (UNESCO, 1997; 2010).

Esta identidade velada pode se associar ao fato de não se compreender a


EJA como uma ação devidamente estruturada, fato confirmado pela
denominação de muitas Diretorias da Educação do país relacionadas à EJA
como Diretorias de Suplência ou de Estudos Supletivos. Na realidade
pesquisada, é possível identificar o lugar privilegiado que os “exames
supletivos” ocupam dentro da respectiva gerência da EJA, ênfase atribuída
semestralmente à sua promoção e aplicação. Tudo isso atesta a necessidade
de revisão desta propositura para EJA, da sua ideia de compensação que
compromete a inclusão, equidade e qualificação deste público na escola, ou
seja, não assume sua permanência no contexto escolar (HADDAD, 2005).

Ainda analisando a referencia à diversidade cultural encontrada


como temas a serem tratados por disciplinas nos documentos curriculares,
confrontando-a com a ausência dos demais elementos que a referendam,
sugere suposta indicação de currículo flexível, mas não asegura legítima
vabilização, bem como almejada qualidade pedagógica. Segundo Soares
(2005) isso não assegura a articulação entre os saberes vividos e escolares
propostos aos alunos da EJA. Negação à clara consideração às diferenças
sociais a partir da sua construção histórica, posto que se verificam
socialmente grupos marcados pela ausência de oportunidades iguais. Caráter
reducionista para a EJA admitida como escolarização tardia, sem o
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tratamento necessário às especificidades da parcela sociocultural que


representa (UNESCO, 2010).

Ainda na comparação entre esses dois discursos, é possível identificar a


incongruência em relação à referência à cultura local ou à cultura dos alunos.
Enquanto os gestores afirmam que esta referência existe (Quadro 2), a leitura
dos projetos curriculares (Quadro 1) indica total ausência dessa categoria de
análise. A concepção de cultura de um e de outro se desencontram segundo
Gimeno Sacristan (1995) ao afirmar que a cultura dominante nas salas de
aula corresponde à visão de determinados grupos sociais, ou seja, dos grupos
sociopoliticamente privilegiados, aqueles que exercem a hegemonia cultural.
Ou seja, nos conteúdos escolares poucas vezes aparece a cultura popular, as
formas de vida rural ou de povos desfavorecidos, exceto de forma exótica, o
que já se caracteriza como estereótipo e forma de preconceito. Também são
ausentes temas como a fome, o desemprego, os maus tratos, o racismo e a
xenofobia, assim como as conseqüências do consumismo ou outros temas
que parecem “incômodos” (SACRISTAN, op.cit.). Um velamento do que
parece incômodo.

A seguir, da analogia entre o que se registra nos projetos analisados


(Quadro 1) e discursos dos gestores (Quadro 2), registra-se a consonância
entre discursos a expressarem mesma visão ideologicamente comprometida
com o paradigma existente em relação à concepção sobre o processo de
formação docente. Tal fato, analisado a partir de Marin (2000), Tardif (2007)
e Torres Gonzáles (2011), se apresenta anacronicamente distante da
perspectiva mais recente acerca da concepção epistemológica para este
processo formativo. Assim, a citada ação aligeirada – “evento de 16h para
esclarecer sobre o livro didático” como indicação da formação docente
ofertada para os docentes da EJA é analisada como inadequada e incoerente.
Indicar a formação docente como acesso a treinamentos é pensar na
modelagem de seu comportamento, no automatismo da sua prática, na sua
produtividade sem se preocupar com a sua participação, anseios e
necessidade conforme os referidos autores. Distancia-se das concepções mais
recentes indicadas para a consecução do desenvolvimento profissional do
docente, a concepção por exemplo do professor reflexivo ou pesquisador da
própria prática. Segundo Tardif (2007) “O professor prático reflexivo é
aquele que consegue superar a rotinização de suas práticas e refletir sobre as
suas ações cotidianas antes, durante e depois de executá-las”.

Além disso, sobre este dado ainda se destaca o fato de apenas 125 de
um total de 1709 professores envolvidos com a EJA participarem da referida
atividade. Este fato coaduna-se com a grave realidade de um município
sergipano que, por não ter projeto próprio para a EJA, conveniou-se ao
sistema estadual para dele repetir a mesma estrutura curricular. Nesta
localidade, a EJA que funciona desde 2006, até 2009 ainda não se registrara
nenhuma ação para a formação docente. Assim, respondendo ao segundo
objetivo específico deste trabalho para “indicar os processos de formação
docente a que o professor da EJA tem acesso em nível local”, constata-se a
ausência de qualquer ação para a promoção do desenvolvimento profissional
deste professor. Segundo estudiosos da teoria crítica, a exemplo de Moreira e
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Candau (2008), isso se caracteriza como sério prejuízo para o


desenvolvimento curricular.

Ainda para este contexto, o Parecer CEB/CNE 11/2000 (CURY, 2000),


assim como Soares (2005; 2010) já atentavam a necessidade da formação do
docente da EJA com vistas a indicar a relação pedagógica com os sujeitos,
trabalhadores ou não, que constituem o público-alvo desta ação cujas marcas
e experiências vitais não podem ser ignoradas por este profissional. Não pode
o processo formativo docente prescindir da mobilização do professor para a
mudança, para a inquietude com o “status quo”, para a reflexão sobre o
currículo oculto a ponto de motivar sua responsabilidade pela construção de
relações mais democráticas socialmente (FLEURI, 2003; CANDAU e
MOREIRA, 2008).

Ante esta situação, apresentou-se como alternativa para a promoção


desta lacuna em relação à formação docente específica para EJA, o Curso
“Pedagogia Intercultural com ênfase na identidade cultural” cuja finalidade
foi contribuir para a promoção de um novo perfil docente na EJA.
Acreditando, de forma semelhante à Arroyo (2008), que se atrever a
incorporar na formação do docente essa pluralidade de dimensões, só
enriquece o currículo, a docência e a pedagogia. Um processo formativo
assim é capaz de ajudar os trabalhadores da EJA a lidar com estágios de uma
visão mais etnocêntrica ou portadoras de prejuízo no processo de interação
social, bem como orientá-los à aproximação dos pares socialmente em
interação (UNESCO, 1997). Segundo Aguado (2003), a formação docente a
partir da pedagogia intercultural é uma estratégias para o desenvolvimento de
novo perfil curricular e prática educativa nas escolas. É instrumentalizar o
professor a contestar o modelo compensatório ou de assimilação (CANEN,
2002; CANDAU, 2005); para assim o professor sentir-se motivado a lutar
contra a ideia socialmente partilhada a respeito da EJA como “uma nódoa
social incômoda” (GALVÃO e DI PIERRO, 2007).

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Em face das reflexões apresentadas a respeito do processo de formação


docente para EJA e visão epistemológica a este respeito e demais aspectos
averiguados na expressão dos projetos curriculares – ensino fundamental de
Sergipe faz-se necessário argumentar:

a) Para atender a diversidade que caracteriza o público desta ação


pedagógica, o professor necessita de um processo de uma
formação que se aproxime de novos paradigmas a este respeito.
Eventos e realizações no âmbito da formação inicial e
continuada que se coadunem com o avanço histórico-
epistemológico já apresentado por estudos científicos para este
processo formativo, que ultrapasse o simples conceito da
reciclagem, capacitação, treinamento, aperfeiçoamento,
semanticamente criticados. Todavia, se aproxime e se
exemplifique como o avanço explicitado na imagem:
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Século XXI
Formação
Continuada
Década de 90
- Formação Docente/
Desenvolvimento
Profissional

Década de 80
- Reciclagem/
Treinamento/
Aperfeiçoamento/
Capacitação

Figura No 07 – Avanço Epistemológico para Formação Docente


Fonte: Elaboração Própria/ 2010

b) As instituições de ensino superior precisam investir no


atendimento de uma formação específica para a EJA a exemplo
do que ocorre atualmente na UFS com o Projeto: Pró-docência
para EJA (PIBIX – 2011-2012);

c) Os currículos da EJA precisam incorporar a cultura do entorno a


que se destina e assim, em consonância com as orientações
pedagógicas da atualidade, planejar, executar e avaliar projetos
interdisciplinares a resgatarem o reconhecimento da identidade
cultural. Para tanto, a formação docente carece de um novo
perfil capaz de se caracterizar como instrumento de estímulo
para a inserção e motivação da presença da educação
intercultural em sala de aula na EJA. Exemplo do que acontece
no Colégio de Aplicação da UFS com o Curso: Aprofundando
saberes na EJA;

d) Esta modalidade educativa precisa ser contemplada como parte


da educação básica por todo o sistema escolar brasileiro,
ampliação da visão existente a seu respeito, reconhecendo-a
como processo de escolarização, formal ou informal, que se
constrói para além da alfabetização. Apenas, atentando para a
especificidade do atendimento a um público jovem e adulto que
almeja a inserção no mundo do trabalho ou já se caracteriza
como aluno-trabalhador (UNESCO, 2010);

Por fim, sugere-se que outros estudos, assim como este o fez, se
debrucem sobre a construção inovadora da formação docente a partir da
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pedagogia intercultural e seus vieses, elemento determinante para a promoção


do impacto de uma nova visão de mundo a se apresentar a partir das
representações sociais. Um processo de formação docente a favorecer a
prática educativa da EJA, como aponta Almeida (2012 a), com:
 Empenho para lutar contra o insucesso do seu aluno, ou seja, para
encontrar formas eficazes de ajudá-lo nas dificuldades;
 Motivo para vencer as inércias e as rotinas repousantes da profissão;
 Promoção de uma nova consciência para situações de resistência na
base de suas opções didático-pedagógicas;
 Valorização do trabalho em equipe;
 Abandono da ideia de si como elemento central da prática educativa
para admissão de que ela se constitua uma construção compartilhada
com o aluno, admitindo ambos como agentes de transformação
social.

Enfim, a humanização do processo educativo destinado ao jovem e


adulto num processo de educação tardia com o objetivo claro de qualificá-lo
ao longo da vida.

REFERÊNCIAS

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Perspectivas Educacionais do MST:


formação humana e identidade cultural

Vânia Batista de Souza1

Anselmo Castro dos Santos2

RESUMO

Este trabalho é fruto de leituras, discussões em sala de aula em que a abordagem foi a
Educação do Campo: propostas e práticas pedagógicas do MST. Objetiva em linhas
gerais apontar a formação humana e o caráter da identidade cultural nos sujeitos
através da ação e reflexão das lutas por qualidade de vida e igualdade social.
Possibilitando ampliar saberes e práticas pedagógicas, que ao mesmo tempo
dinamizam as lutas dos trabalhadores do campo, colaboram para a emancipação
política e humana. Portanto, essa proposta encontra respaldo pelos movimentos
sociais populares que fazem parte do MST, porque propiciam aos próprios indivíduos
camponeses que reflitam sobre o modo de vida no campo e reconheçam nele as
possibilidades de avanços, tanto das lutas e conquistas sociais, quanto da melhoria da
qualidade de vida.

Palavras-Chave: Educação do campo; MST; formação humana; identidade cultural;


igualdade social.

1
Contato do(a) autor(a): arcanjauniversitaria@bol.com.br. Graduada em Pedagogia
(UFS). Técnica em Saúde – ETSUS
2
Contato do(a) autor(a): Anselmo-castro1984@bol.com.br. Graduando em
Letras/Português (UFS)
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INTRODUÇÃO

Muito se tem debatido qual o tipo de educação que é significativa para


valorizar a formação e identidade dos trabalhadores do campo.

O Movimento dos Sem Terra (MST), como espaço educativo é


identificado com um novo perfil de propostas pedagógicas em que centra o
sujeito no ambiente em que vive e proporciona, através dos movimentos
sociais, os direitos de permanecer no campo livre de injustiça social. Neste
sentido, é que a construção da identidade é um passo importante para que o
sujeito sinta-se à vontade, orgulhoso de pertencer a determinado segmento e
lutar por ele.

E no pensar da educação que o MST e suas lideranças das lutas


organizadas tentam superar as formas de aprisionamento do capital. Daí
então, sente-se a necessidade de buscar estratégias de criar um projeto que
seja direcionado e construído pela própria classe, em que a pauta seja baseada
na luta e sobrevivência do próprio movimento.

É nessa perspectiva, que o MST investe no processo educativo na


formação do sujeito social. Uma vez que o seu papel é educar os sujeitos para
serem autônomos, colaborar dentro da essência do próprio movimento e a
partir de então ter a auto-estima levada e firmar-se como grupo forte e
percebido seus valores.

Desse modo, a educação no MST consolida num projeto mais amplo,


que atinge a consciência em sua integralidade, isso porque as propostas
educacionais trazem nas ações produtivas, políticas a construção do sujeito,
ou seja, a formação não é só atribuição do espaço escolar e sim de toda
comunidade em que estão inseridos. Nesse sentido, Caldart (p.222) reflete
“que educação pode ser mais do que educação, e que escola pode ser mais do
que escola, à medida que sejam considerados os vínculos que constituem sua
existência nessa realidade”.

Ainda nesse aspecto Floresta destaca:

O MST parte do pressuposto de que o conhecimento não foi e não é


produzido de forma inocente, neutra, pois a própria natureza social do
conhecimento implica um ponto de vista que o determina e, assim, já
está marcado em uma própria produção, ligada à divisão social do
trabalho. O processo de sistematização desse conhecimento é
determinado pelos interesses de classe, ou seja, de quem tem o
domínio material e espiritual. (2006, p.90)

1 SUJEITO COMO CENTRO DO PROCESSO: AÇÃO E


REFLEXÃO
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Em linhas gerais, a educação proposta pelo MST, evidencia uma


educação em que o indivíduo seja o centro do processo educativo. São vários
os fatores que levam a compreender e concretizar estas propostas, entretanto
a escola é um dos destaques principais.

Neste sentido, a valorização está relacionada no espaço de interação:


escola, família e comunidade em que a interdisciplinaridade e os temas
geradores farão parte do processo de ensino-aprendizagem, levando os
indivíduos a se conscientizarem e se reconhecerem como sujeitos que possui
identidade, história participando ativamente no meio em que vivem.

Ainda neste sentido, o MST não se afirma como fundador de uma


pedagogia, mas que diante de sua ação e reflexão canaliza e propõe um novo
jeito de lidar com as matrizes pedagógicas construídas ao longo da história da
humanidade (CALDART, 1999; 2004). Já Arroyo, 2004 afirma que “A
formação do ser humano, sua socialização e produção do conhecimento e dos
valores são inseparáveis das formas de produzir suas existências” (2005,
P.99).

Diante disso, vale destacar que as propostas educativas do MST buscam


fazer uma relação do homem com seu trabalho no campo conciliando a
educação fundamentada na valorização do conhecimento que estes possuem.
O trabalho produz o ser humano e os indivíduos compreendem que o trabalho
é o que os tornam útil e diferente dos outros seres, é preciso refletir e agir. Ou
seja, o principio educativo é um meio de mediação entre educação e trabalho.

Contudo, ao se perceber que a história do MST se consolida entre as


diferentes lutas de classes e que legitima, não só a educação de qualidade que
valoriza a formação do sujeito, mas que o conscientiza das suas lutas para a
transformação social através dos militantes em ação, e então, fundamentam-
se um caráter de bases socialistas. De acordo com esse contexto, Floresta
(2006), reflete que:

[...] a formação omnilateral implica o desenvolvimento de mais


habilidades em todos os sentidos, a partir do trabalho. Envolve o
homem na totalidade das relações com o mundo e com a sociedade no
processo histórico de seu desenvolvimento. É a formação do individuo
enquanto homem social integrado a totalidade da sociedade e a gente
da práxis histórica. (2006, p. 134)

Nesta mesma direção Frigotto analisa que:

A educação é concebida como uma prática social, uma atividade


humana, histórica, que se define das relações sociais no embate dos
grupos ou classes sociais (...) a luta é justamente para que a
qualificação humana não seja subordinada às leis do mercado. (2003,
p. 31)
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Ou melhor, dizendo, o trabalho como princípio educativo objetiva na


escola como que pense o ser humano em sua totalidade, forme cidadãos que
ajam a favor da hegemonia da classe trabalhadora e que seja uma educação
como construção histórica, a partir das mediações sociais.

Soares (2010), cita entre outras propostas educativas do MST que:

Conduz a uma prática pedagógica diferenciada, consciente, porque


propicia condições favoráveis a resolução de problemas complexos e
variados como contratos de empréstimos para financiamentos;
conhecimentos dos direitos dos trabalhadores da previdência social
[...] (2010, p. 156)

Ainda nessa perspectiva Freire (2005, p. 42) “que a práxis, porém e a


reflexão e ação dos homens, sobre o mundo para transformá-lo. Sem ela é
impossível a superação da contradição opressor-oprimido.” Desse modo, o
MST tem se destacado no sentido de trazer suas propostas educativas, aliadas
aos seus objetivos de lutar pela terra e conseqüentemente pela escola tendo
por base referencial, os direitos estabelecidos na Constituição de 1988:

Art. 6° São direitos sociais a educação, a saúde, o trabalho, a moradia,


o lazer, a segurança, a previdência social, a maternidade e a infância, a
assistência aos desamparados, na norma desta constituição.
Art. 205 A educação, direito de todos e dever do estado e da família,
será promovida e incentivada com a colaboração da sociedade,
visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o
exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho.

Enfim, a educação proposta faz com que os indivíduos ao se perceberem


como sujeitos capazes, adquiram uma visão crítica e dessa forma lutam pelos
seus direitos como trabalhador, contra as injustiças e desigualdades sociais
através da reflexão-ação.

2 O MST E O CARÁTER DA IDENTIDADE


CULTURAL

O termo identidade cultural se compreende por duas vias: o substantivo


identidade e o adjetivo cultural, especificando algo que faz parte de uma
cultura.
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Em aspectos gerais, a expressão identidade possui diferentes


significados. No que diz respeito a identidade civil, que o fato que garante a
uma pessoa ser determinado individuo, e paralelamente ser identificado como
tal, graças aos fatores que o individualizem. Significa também “a
possibilidade de sermos reconhecidos como membros pertencentes a um
determinado grupo devido a características comuns a todos os componentes
destes” (SANTINI, 1996, p.25). Logo, a identidade garante que algo ou
alguém possui características que o identificam, os distinguindo dos outros.

No caso da identidade dos sujeitos da educação do campo, Caldart irá


defini-los de modo abstrato:

[...] aquelas pessoas que sentem na própria pele os efeitos desta


realidade perversa, mas que não se conformam com ela. São sujeitos
da resistência no e do campo: sujeitos que lutam para continuar sendo
agricultores, apesar de um modelo de agricultura cada vez mais
excludente; sujeitos da luta pela terra e pela Reforma Agrária; sujeitos
da luta por melhores condições de trabalho no campo [...]
(CALDART, apud ARROYO, 2005, p. 159)

De acordo com isso, a identidade do MST, embora possa ser definida


por alguns, ainda se configura como algo que está no processo de construção,
podendo apenas ser entendida como uma busca pela auto-afirmação de
sujeitos com características próprias, preocupados em consolidar seus valores
e necessidades para transformar a sua realidade.

Já o termo cultura nos direciona para que tipo de identidade deve ter a
educação do MST. Trata-se, portanto, de uma identidade que é dada a partir
da cultura. No sentido da educação no MST significaria, de forma objetiva
está vinculado a uma determinada ordem política e, por conseguinte, social.

Esse sentido de cultura, não exclui o fato histórico de que todo


individuo desde o nascimento, já está inserido dentro de uma tradição
cultural. Está inserido previamente num horizonte cultural significa “herdar
uma construção simbólica e um sistema de significações que inevitavelmente
vai influenciar as decisões que regeneram os rumos do destino pessoal e
coletivo” (SANTINI, 1996, p. 16). Ainda neste sentido, a identidade é
marcada pela simbologia das tristezas, superação de muita esperança e
resistência. Eis que Zé Pinto denota isso em sua composição:

Pra onde vai essa gente/com um compromisso marcado/amarelo de


poeira/em cima de um pau de arara/com um semblante sofrido/uma
canção revoltada/jeito de quem descobriu/onde vai dar a
estrada/homens, mulheres e meninos/numa bandeira irmanada? Este é
um povo sem terra/estão inscritos pra guerra/vou implantar uma nova
realidade fundiária. (Dissiê, 2007, p.111)
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Ou seja, “Em por uma realidade”, o autor traz como símbolo o pau de
arara identificando um novo e sonhado destino, ou melhor, a direção não é
mais zona urbana e sim o acampamento, a ocupação de terra.

No que diz respeito à construção da identidade do movimento pela


educação do campo, Caldart diz que “um dos traços fundamentais que vem
caracterizando a identidade deste movimento [...] é a luta do povo do campo
por políticas públicas que garantam seu direito à educação e uma educação
que seja no e do campo.” (CALDART, apud ARROYO, 2005, p. 149).

Resgatar a identidade cultural representa uma luta contra as


homogeneizações propostas sucessivamente ao longo do desenvolvimento
social das políticas públicas para a educação do campo. Pois, como vemos
expressos na cartilha organizada pela Via Campesina.

[...] as diversas leis da educação que tratam da educação em relação ao


campo, embora determinem a adaptação dos currículos, dos
calendários e de outros aspectos da educação às necessidades e
características regionais, não fazem mais que sugerir uma adaptação
do urbano para o campo [...] (2006, p. 28)

No sentido de caráter identitário:

Identidade Camponesa significa viver o que vive o povo do campo,


sentir o que o povo sente, conviver com o povo do campo e suas
causas. Mesmo que não seja um trabalhador do campo, o educador
que vive, sente e convive, faz-se companheiro nas suas lutas, também
identifica-se com os seus viveres, seus saberes e seus prazeres. (2006,
p. 32)

Desse modo, a busca pelo resgate da identidade da educação no campo


deve consolidar uma luta constante pela efetivação dos direitos de pensar
uma educação para os trabalhadores do campo e suas características diversas.
E ao mesmo tempo, contribuindo para a transformação sociocultural,
levando-os a se apropriarem de um olhar mais critico da realidade que os
cercam, possibilitando uma organização e mobilidade de luta social.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

As propostas e práticas pedagógicas do MST objetiva levar o sujeito a


pensar e agir com consciência diante do seu papel num contexto em que vive.
Além do mais é compreendida como uma prática social juntamente com os
sujeitos fazendo com que estes superem as injustiças sociais no campo.
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O caráter identitário faz parte deste contexto, isto porque quando os


indivíduos estão ligados aos objetivos de luta dos movimentos sociais sentem
orgulhosos de pertencer a determinados segmentos. Enquanto o caráter
formador ou identitário fazem parte do resgate das práticas da tradição
histórica que estão em processo de formação. Porém, significa dizer que
sejam culturados e cultuados como formas existentes e possam vivenciar seu
próprio meio com liberdade e perspectiva de produção da vida.

Sendo que, uma proposta de educação no campo que visar inova e


rompe com as barreiras do espaço escolar e do individualismo e vai mais
além, para dialogar de forma democrática com os sujeitos da comunidade.
Para isso, é preciso que todos da comunidade estejam conciente do seu papel
nesse novo processo, pois isso implica em mexer no currículo, o que torna as
práticas desafiadoras para proporcionar o envolvimento ativo dos educandos
e da comunidade através da integração interdisciplinar dos conteúdos
escolares.

REFERÊNCIAS

ARROYO, Miguel G. Por um tratamento público da educação. In:


MOLINA, Mônica; JESUS, Sônia M. A. de. (orgs). Por uma educação do
campo. 2ª Ed, n 5, setembro, 2005.
BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do
Brasil. Brasília, DF, Senado, 1998.
Cadernos de Letras da UFF – Dossiê: Letras e Direitos Humanos, no 33, p.
105-121, 2007
CALDART, Roseli Salete. Escola é mais do que escola na pedagogia do
movimento Sem Terra. Porto Alegre/ RS, PPGE – UFRGS. Tese
(doutorado). 1999
Educação do campo: direito de todos os camponeses e camponesas.
Cartilha. Via Campesina: Brasil, 2006.
FLORESTA, Leila. Escola dos acampamentos/ assentamentos do MST:
Uma pedagogia para revolução? Campinas: Unicamp, 2006, 217p. Tese
(doutorado). Programa de pós-graduação da Faculdade de Educação da
Universidade Estadual de Campinas, Campinas. 2006.
FRIGOTO, Gaudêncio. Educação e a crise do capitalismo real. São Paulo:
Cortez, 2003.
FREIRE, Paulo. Pedagogia do oprimido. 47. ed. Rio de Janeiro. Paz e
Terra.2005.
SANTINI, Silvino. Identidade cultural. Ouro Preto: INDESP, 1996.
SOARES, Maria José N. Processo Formativo-Educativo e a prática
pedagógica no MST/SE. São Cristovão: Editora UFS, 2010.
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Reflexões sobre a Oralidade e a Escrita nos


Anos Iniciais da Escola Municipal
José Laurindo dos Santos

Robson Cledson de Jesus Dias1

Geovânia Falcão de Melo Dias2

Neilton Falcão de Melo3

RESUMO

Este trabalho propõe-se mostrar os desafios de trabalhar a oralidade e a escrita com


alunos dos anos iniciais no cotidiano escolar. E tem o objetivo de compreender como
está o processo de aquisição de leitura e escrita dos alunos de 1º ao 5º ano da Escola
Municipal José Laurindo dos Santos. E se justifica com base em dados encontrados no
âmbito das salas de aula, dando ênfase ao processo de alfabetização, oralidade e
escrita em sala de aula. Faz-se uma reflexão sobre o processo de letramento e
alfabetização tendo como base a fala aliada a escrita. A metodologia empregada neste
artigo foi por meio de pesquisa de campo com verificação da leitura e produção
escrita e também pesquisa em material bibliográfico. Será apresentado um breve
conceito sobre letramento e alfabetização, a importância da fala no contexto escolar e
seus aspectos legais, suscitando a reflexão a respeito da prática existente de
valorização dos conhecimentos prévios dos alunos no dia a dia, almejando levar para
as salas. Analisa-se também a relação professor aluno na construção da escrita e o
quanto o apoio pedagógico ao professor é valioso no contexto educacional. Nessa
perspectiva foi possível perceber quanto é difícil letrar e alfabetizar partindo da
oralidade.

Palavras-Chave: Alfabetização. Letramento. Escrita. Valorização.

1
Contato do(a) autor(a): diasrobson@ymail.com. Licenciado em Pedagogia pela
Universidade Vale do Acaraú, Especialista em Gestão Escolar pela Faculdade
Amadeus e Coordenação Pedagógica pela Faculdade Pio Décimo.
2
Contato do(a) autor(a): geovaniafalcao@hotmail.com. Licenciada em Pedagogia
pela Universidade Estadual Vale do Acaraú, Especialista em Psicopedagogia
Institucional pela Faculdade Atlântico.
3
Contato do(a) autor(a): neilton_melo@hotmail.com. Licenciado em Pedagogia pela
Faculdade Pio Décimo e em Letras pela Universidade Federal de Sergipe (UFS),
Especialista em Letra Português e Linguística pela Faculdade Amadeus, Especialista
em Mídias na Educação (UFS).
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INTRODUÇÃO

Nos últimos anos a educação brasileira tem avançado significativamente


no que se refere ao acesso à escola, após a Lei de Diretrizes e Bases da
Educação Nacional de 1996 e com a criação do FUNDEF em 1997
posteriormente com o FUNDEB. Tudo isso contribuiu para que o país
conseguisse resultados gratificantes no acesso a educação.

Mesmo com os avanços, o processo de ensino aprendizagem não


conseguiu alcançar a mesma proporção. Alunos chegam ao final da primeira
etapa do ensino fundamental semianalfabetos. Uma realidade presente em
quase todas as escolas brasileiras.

Essa pesquisa surgiu da necessidade de entender como se dá o processo


de oralidade e escrita em sala de aula, culminando para o processo de
alfabetização e letramento.

Este trabalho tem por finalidade demonstrar os resultados obtidos em


pesquisa realizada na Escola Municipal de Ensino Fundamental José
Laurindo dos Santos, situada no povoado Pau Torto, Distrito Priapu, com
alunos do 1º ao 5º ano. Visa-se também compreender como está o processo
de aquisição de leitura e escrita dos alunos e saber o quanto eles são capazes
de desenvolver essas habilidades.

Saber ler e escrever de forma mecânica não garante a uma pessoa


interação plena com os diferentes tipos de textos que circulam na sociedade.
É preciso ser capaz de não apenas decodificar sons e letras, mas entender os
significados e usos das palavras em diferentes contextos.

Assim, ser alfabetizado, isto é, saber ler e escrever, tem se revelado


condição insuficiente para responder adequadamente às demandas da
sociedade. Ser alfabetizado é assinar o nome. Como a leitura e a escrita é
ponto de partida para a aprendizagem, é necessário compreender onde o
sistema educacional tem falhado em não conseguir fazer com que esses
alunos sejam alfabetizados e letrados ao mesmo tempo.

A metodologia empregada foi através de pesquisa de campo com


aplicação de texto para que os alunos realizassem a leitura e em seguida a
interpretação do texto lido e consulta em material bibliográfico. Daí foi
possível ter uma visão completa da situação em que se encontra o processo
de aquisição da leitura e escrita.

Foram observadas as condições de produção textual e quais gêneros


discursivos orais e escritos eram mais trabalhados em sala de aula e qual a
influência da oralidade nos textos de escrita espontânea.

1 ORALIDADE E ESCRITA
É imprescindível fazer uma análise da linguagem cotidiana dos
educandos, pois isso é fator de suma importância no desenvolvimento da
oralidade e escrita na vida educacional. E o ensino da língua falada ao longo
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desses anos vem ocupando o seu espaço em sala de aula. A motivação para
que essa modalidade de uso da língua seja trabalhada no desenvolvimento
das habilidades sócio-cognitivas dos alunos se faz presente em diversos
estudos e pesquisas, dentre os quais se destacam: Magda Soares, Emilia
Ferreiro, Paulo Freire, Ana Teberosky, entre outros.

Neste sentido, é importante que o professor seja consciente de que o


acesso ao mundo da escrita é em grande parte responsabilidade da escola, que
concebe a alfabetização e o letramento como um trabalho complexo. É
perceptível as múltiplas possibilidades de uso da leitura e da escrita na
sociedade.

Como a leitura e escrita é o que faz do ser humano um ser social e hábil,
Soares (2005) afirma que:

À luz dessas considerações sobre o grande número de habilidades e


conhecimento que constituem a escrita e a leitura, a natureza
heterogênea dessas habilidades e conhecimentos, o amplo leque de
gêneros de escrita e de portadores de textos escritos a que essas
habilidades devem ser aplicadas, claro está que o conceito de
letramento de alfabetização é extremamente impreciso, mesmo se
tentarmos formulá-lo considerando apenas as habilidades e os
conhecimentos individuais de leitura e escrita.

Compartilhando do que afirma Soares (2005), a dimensão individual diz


respeito à posse individual de capacidades relacionadas à escrita e à leitura,
que inclui não só a habilidade de decodificação de palavras, mas também um
amplo conjunto de habilidades de compreensão e interpretação.

E a escola ao trabalhar valorizando as habilidades dos educandos no


processo de aquisição da leitura e da escrita terá resultados favoráveis ao
crescimento da autonomia e domínio nas relações pessoais e sociais.

Diante das práticas realizadas pela escola, os investigadores


psicolingüísticos mostram que, na verdade, os alunos pobres e da classe
média são igualmente inteligentes, mas convive com diferentes formas de
linguagens, não simplesmente a língua culta.

Para Ferreiro (1999):

Não podemos esquecer, porém, que a alfabetização tem duas faces:


uma relativa aos adultos, e a outra, relativa às crianças. Se em relação
aos adultos trata-se de somar uma carência, no caso das crianças trata-
se de prevenir, de realizar o necessário para que essas crianças não se
convertam em futuros analfabetos.

Por isso, a escola tem que observar suas metodologias para não tornar
essas crianças em futuros analfabetos funcionais, pessoas que não conseguem
compreender o que leem e nem usufruírem das vantagens da escrita.

Ao conceber a escrita como modo de representação, não dá para admitir


que o simples domínio de sistema não torna o sujeito um escritor competente,
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porque, além disso, é preciso que ele amplie a sua experiência e seus
conhecimentos a ponto de reconhecer a escrita na sua especificidade,
vinculando à oralidade, e a escola é a principal produtora desse
conhecimento, mostrando a relação biunívoca entre letra e som e, finalmente,
ampliar a sua experiência sobre as práticas sociais de produção e
compreensão/interpretação.

Soares (2001) ressalta que:

[...] implica habilidades várias, tais como: capacidade de ler ou


escrever para atingir diferentes objetivos – para informar ou informar-
se, para interagir com os outros, para imergir no imaginário, no
estético, para ampliar conhecimentos, para seduzir ou induzir, para
divertir-se, para orientar-se, para apoio à memória, para catarse...
habilidades de interpretar e produzir diferentes tipos e gêneros textos;
habilidades de orientar-se pelos protocolos de escrever: atitudes de
inserção efetiva no mundo da escrita, tendo interesse e informações e
conhecimentos, escrevendo ou lendo de forma diferenciada, segundo
as circunstâncias, os objetivos, o interlocutor [...].

O trabalhar considerando as múltiplas facetas da função da escrita na


sociedade potencializa a reflexão crítica sobre as relações estabelecidas entre
as pessoas em uma sociedade.

O Letramento e a Escrita

Para falar sobre o letramento e a escrita faz-se necessário uma reflexão


sobre o processo de alfabetização em que é um campo aberto, no qual o
conflito entre teorias é fundamental para o progresso do conhecimento.

Mas é importante levar em conta a compreensão sobre as visões de


mundo, de homem e de sociedade que as sustentam para que o professor
possa decidir de modo mais crítico e consciente, sobre os quais os ajudarão a
concretizar os fins de uma educação formada da cidadania de nossos
aprendizes.

Numa perspectiva em que a pouca leitura de mundo da grande parte dos


alunos tem se tornado um fator preocupante, lingüistas e estudiosos em
educação trouxeram à nossa realidade a questão do letramento, que segundo
Soares (2002) é “resultado da ação de ensinar e aprender as práticas sociais
de leitura e escrita”.

Vivenciamos uma nova situação, no que se refere à alfabetização, o que


vem sendo submetido a quadros conceituais e suas práticas ao longo do
processo de alfabetização e letramento. Enfrenta-se problemas resultantes de
alfabetização de crianças no contexto escolar, insatisfações e inseguranças
entre alfabetizadores, o que evidencia uma perplexidade na persistência do
fracasso escolar em alfabetizar.
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Segundo Marcuschi (2001):

Uma vez adotada a posição de que lidamos com práticas de letramento


e oralidade, será fundamental considerar que as línguas se fundam em
usos e não o contrário. Assim não serão primeiramente as regras da
língua nem a morfologia os merecedores da nossa atenção, mas os
usos da língua, pois o que determina toda a variação lingüística em
todas as suas manifestações são os usos que fazemos dela.

Ao trabalhar as possibilidades dos conhecimentos prévios dos alunos


Marcuschi (2001) afirma que é possível desenvolver uma alfabetização
conjunta com o letramento, dando espaço à escrita.

Assim a escola precisa vencer alguns paradigmas tradicionalmente


incorporados à educação escolar ao concentrar-se no desenvolvimento de um
conjunto delimitado de habilidades de leitura e escrita na alfabetização
inicial, em que o foco era apenas o mecanismo de codificação e
decodificação de letras, sílabas e palavras. O professor de português seguia
com o treino de ortografia, a fluência da leitura em voz alta e, finalmente, a
compreensão e a interpretação de textos, sobretudo narrativos e literários.

Sobre esse respeito Freire (1991) afirma: “Não basta saber ler ‘Eva viu a
uva. É preciso compreender qual a posição que Eva ocupa no seu contexto
social, quem trabalha para produzir a uva e quem lucra com esse trabalho”.
Dessa forma o autor chama atenção para que não basta simplesmente
dominar a escrita como um instrumento tecnológico e de comunicação.

Então é evidente que alfabetizar e letrar requerem dos professores o uso


intenso de textos e evidenciar que não é a aprendizagem da língua escrita que
transforma as pessoas, mas sim os usos que elas fazem desse instrumento.

Estudos sobre o letramento abrem novas perspectivas para uma reflexão


sobre o papel da escola e também para o desenvolvimento de práticas
pedagógicas que respondam com mais eficiência às demandas sociais
relativas ao letramento.

2 REFLEXÃO SOBRE A ORALIDADE E A ESCRITA


NOS ANOS INICIAIS DA ESCOLA MUNICIPAL
JOSÉ LAURINDO DOS SANTOS

Ao observar o desenvolvimento entre as relações de oralidade e escrita


com as turmas de 1º ao 5º ano, ficou evidente o quanto o modo como os
alunos falam tem repercutido na forma como escrevem.

E diante dos precários resultados que vêm sendo obtidos pelos alunos
no que se referem à aprendizagem inicial da língua escrita, tem causado
sérios reflexos ao longo de todo o ensino fundamental, o que implica ser
necessário rever as práticas desenvolvidas em sala de aula, ou talvez
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reconhecer a possibilidade e mesmo a necessidade de estabelecer a distinção


entre o que mais propriamente se denomina letramento.

A observação da turma foi feita a partir de experiências variadas com a


leitura e a escrita, conhecimento e interação com diferentes tipos e gêneros de
material escrito e o que é propriamente a alfabetização, de que também são
muitas as utilidades e consciência fonológica e fonêmica, identificação das
relações fonema-grafema, habilidades de codificação e decodificação da
língua escrita, conhecimento e reconhecimento dos processos de tradução da
forma sonora da fala para a forma gráfica da escrita.

Toda observação amparou-se na ideia de que a oralidade não difere de


outras concepções ao se tratar do seu uso no contexto escolar e de que os
alunos aprendem a falar em um contexto familiar e é na escola que se
aprende a ler e a escrever. Partiu-se também do pressuposto de que devemos
trabalhar a alfabetização através da valorização do uso da linguagem falada
para se chegar ao uso formal da linguagem escrita.

Com o intuito de alfabetizar e letrar, de acordo com os Parâmetros


Curriculares Nacionais:

Cabe à escola ensinar o aluno a utilizar a linguagem oral no


planejamento e realização de apresentações públicas [...]. Trata-se de
propor situações didáticas nas quais essas atividades façam sentido de
fato, pois é descabido treinar um nível mais formal da fala, tomado
como mais apropriado para todas as situações. A aprendizagem de
procedimentos apropriados de fala e de escuta, em contextos públicos,
dificilmente ocorrerá se a escola não tomar para si a tarefa de
promovê-la. (BRASIL, 2001, p. 25).

Os PCN ressaltam a importância de preparar o aluno para as interações


diante das situadas mais diversas, destacando, em especial, as situações que
envolvem um público maior e exigem certo grau de formalidade, como é o
caso de um seminário, ou debate, por exemplo. Quando dado ao educando a
possibilidade de usar da fala para daí em diante desenvolver a escrita, a
escola proporciona a reflexão das normas culta com a linguagem cotidiana.

3 ANÁLISES E DISCUSSÕES
Comentar sobre o trabalho envolvendo oralidade e escrita exige não só
o envolvimento do professor, mas também de todos aqueles que fazem parte
do contexto didático-pedagógico. Ou seja, é preciso realizar um trabalho
coletivo, um apoio pedagógico que mobilize e incentive o professor,
apresentar e discutir sobre referências teóricas, documentos oficiais que lhe
sirvam de suporte, já que nos livros didáticos do ensino fundamental a
oralidade e a escrita se apresentam num espaço menos privilegiado.

Nas turmas de 1º ao 5º ano tem alunos que não conseguem ler com
fluência, alguns ainda não são capazes de escrever pequenos textos ou
compreender o que leu, deixando os professores preocupados com esses
resultados.
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Entre os alunos de 1º, 2º e 3º ano, foi observado um alto índice de


alunos com bastantes dificuldades na leitura e na escrita. De 18 alunos
observados, 10% ainda não consegue ler frases curtas; 50% leem pequenos
textos, mas não compreendem o que leram; 15% leem, mas não conseguem
escrever. Somente 25% dos alunos observados conseguem ler e interpretar
pequenos textos.

Dentre os alunos de 4º e 5º ano, o índice permaneceu mostrando as


mesmas dificuldades. Dos 22 observados, 60% mostraram dificuldades na
escrita e interpretação de pequenos textos compatíveis com os seus níveis. Os
outros 40%, na leitura e na escrita, demonstraram desenvoltura na hora da
leitura e na interpretação de texto.

Concordando com Soares (2001), a leitura e a escrita é o caminho para


desenvolvimento das demais áreas do conhecimento e a maior ferramenta de
comunicação entre as pessoas dentro de uma sociedade.

Segundo Freire (1996 p. 136), “a leitura de mundo revela,


evidentemente, a inteligência do mundo que vem cultural e socialmente se
constituindo. Revela também o trabalho individual de cada sujeito no próprio
processo de assimilação da inteligência do mundo”.

Concordando com o que afirma Soares e Freire, o professor precisa


trabalhar com os educandos valorizando o conhecimento prévio para através
deste, dar sentido ao processo de aquisição da aprendizagem.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Falar sobre a oralidade e escrita é um desafio muito grande e em


primeiro lugar, há necessidade de reconhecimento da especificidade da
alfabetização, entendida como processo de aquisição e apropriação do
sistema da escrita, alfabético e ortográfico; em segundo lugar, e como
decorrência, a importância de que a alfabetização se desenvolva num
contexto de letramento entendido este, no que se refere à etapa inicial da
aprendizagem da escrita, como a participação em eventos variados de leitura
e de escrita.

E como consequência, o desenvolvimento de habilidades de uso da


leitura e da escrita nas práticas sociais que envolvem a língua escrita e de
atitudes positivas em relação a essas práticas; em terceiro lugar, o
reconhecimento de que tanto a alfabetização quanto o letramento têm
diferentes dimensões, ou facetas, a natureza de cada uma delas demandando
uma metodologia diferente, de maneira que a aprendizagem inicial da língua
escrita exige múltiplas funções.

Ao observar o desenvolvimento da oralidade, foi possível analisar o


quanto ela é importante para fundamentar a escrita; e como a escrita serve
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para socialização humana, quando valorizada resgata as histórias de mundo


dos homens que se formam a partir de seu contexto social.

Levar o aluno a refletir, possibilitará que ele perceba a importância de


interagir em contextos diferentes, e para isso, será preciso utilizar variados
gêneros orais e escritos. É importante registrar também o fato de que os
educandos demonstram contentamento em produzir os textos orais e escritos.

Nessa concepção, o ambiente escolar deve oferecer aos alunos uma


prática, o que contribuirá também para o desenvolvimento do sujeito
enquanto autor de seu discurso em diferentes lugares, desde os mais
espontâneos aos mais formais.

REFERÊNCIAS

BRASIL. Secretaria de Educação Fundamental. Parâmetros Curriculares


Nacionais: terceiro e quarto ciclos do ensino fundamental - língua
portuguesa. Brasília: MEC/SEF, 2001.
FERREIRO, Emília; TEBEROSKY Ana. Psicogênese da língua escrita.
Porto Alegre: Artmed, 1999.
FREIRE, Paulo. A educação na cidade. São Paulo: Cortez, 1991.
_______________. Pedagogia da autonomia: saberes necessários à prática
educativa. São Paulo: Paz e Terra S/A, 1996.
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Oralidade e Escrita na Prática Escolar
ISSN: 2177-4072

Narrativas e Memórias:
a construção da escrita acadêmica na licenciatura em
educação do campo (UFRRJ)

Fabrícia Vellasquez Paiva 1

Régis Alexsandro Taveira Teixeira2

RESUMO
O presente trabalho tem como objetivo socializar uma experiência de construção da
escrita a partir de um Curso de Licenciatura em Educação do Campo da Universidade
Federal Rural do Rio de Janeiro, de onde partem nossas inquietações e nossos
diálogos. Trata-se de uma vivência quanto às marcas de resistência da oralidade nos
escritos acadêmicos, como composição de uma identidade docente específica.
Constitui-se, ademais, como uma valiosa experiência de memória de formação para a
vida profissional, com significativos impactos nos sujeitos sociais ali envolvidos.

Palavras-chave: escrita, educação do campo, oralidade.

1
Contato do(a) autor(a): fabriciavellasquez@yahoo.com.br. Professora da UFRRJ.
2
Contato do(a) autor(a): regisalexsandro.ufrural.rj@gmail.com. Mestrando da
UFRRJ.
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INTRODUÇÃO

O presente artigo surge de uma necessidade de socialização de práticas


de construção escrita vivenciadas durante a proposta de Oficina de Texto, ao
longo de encontros do Curso de Licenciatura em Educação do Campo da
Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ). Não apenas a análise
linguística, mas, especialmente, a forma de composição desse aporte
representativo da linguagem, por meio da escrita, é, pois, o principal objetivo
desse trabalho.

Trata-se de uma experiência de aproximação e de distanciamento, em


um movimento aparentemente paradoxal, entre oralidade e escrita como
marcas de identidades docentes em formação. Processos de elaboração de
uma linguagem tipicamente acadêmica, de letramento científico, dividem
espaço com marcas orais de compreensão das realidades de mundo, oriundas
da socialização de uma turma composta, toda, por movimentos sociais.

Pela história típica dos alunos, sabemos que a linguagem é um


instrumento de grande importância tanto para a comunicação em si, quanto
pela legitimação de um discurso coletivo – tão caro para as demandas de cada
grupo social em movimento. Nesse sentido, o que nos chamou a atenção,
nessas vivências, não foi da capacidade de articulação ou não dos
licenciandos na universidade, mas, sim, de uma possível resistência que fora
sendo percebida em alguns escritos, sobretudo naqueles que exigiam, dos
alunos, uma vinculação ainda mais restrita à escrita, com suas marcas
próprias, e, nesta, uma diretriz eminentemente “acadêmica”.

1 Conhecendo os alunos: um mergulho na Licenciatura


em Educação do Campo

O Curso surgiu visando ao atendimento de uma demanda de garantia de


escolarização dos trabalhadores rurais das áreas de Reforma Agrária do
Estado do Rio de Janeiro. Apresentava, pois, uma preocupação quanto a uma
política pública voltada para o desenvolvimento intelectual e cultural destes
trabalhadores, que fosse consolidada por meio do aumento do acesso à
escolarização de ensino médio e superior.

Considerando-se, ainda, que a política educacional no Brasil carece de


uma dinâmica eficaz no sentido de realmente integrar uma formação docente
em áreas consideradas rurais, indígenas, quilombolas, etc., a UFRRJ foi
convidada, pelo Ministério da Educação (MEC), a desenvolver um Projeto de
Licenciatura em Educação do Campo com vistas à necessidade de
democratização do acesso e da permanência nesses espaços.
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A proposta de Curso, portanto, surge com o objetivo principal de


formação, em nível superior, de sessenta (60) educadores em três (3) anos,
para atuação tanto nos anos finais do Ensino Fundamental (segundo
segmento), quanto no Ensino Médio das Escolas do Campo. Para tal, tem
como campos epistemológicos duas grandes áreas de conhecimento, a saber:
ciências sociais e humanidades; e agroecologia e segurança alimentar.

Nesse sentido, também apresentou, desde o princípio, a preocupação


com a formação da docência multidisciplinar e para a gestão de processos de
educação básica em escolas do campo, bem como o desenvolvimento de
estratégias pedagógicas que visem à formação de sujeitos humanos
autônomos e criativos, com capacidade de refletir sobre sua realidade,
concebendo, para tal, projetos interventivos que eficientemente produzam
mudanças significativas em seus contextos de atuação.

Vale lembrar que, para garantir uma formação docente no mesmo


padrão das demais licenciaturas, o curso fora fundamentado nos princípios
construídos na luta dos profissionais da educação por uma formação docente
substantiva, explicitados pela Associação Nacional pela Formação dos
Profissionais da Educação (ANFOPE). Esses pressupostos, fundamentais a
uma identidade docente qualificada, compreendem tanto a
interdisciplinaridade como fundamento epistemológico básico que
materializa a complexidade, quanto o trabalho pedagógico
partilhado/coletivo. Além disso, consideram a articulação entre teoria e
prática, bem como a pesquisa como princípio educativo de conhecimento e
intervenção na realidade.

Vemos, assim, que o processo de composição do Curso procurou


contemplar o propósito dessa formação diferenciada: de um lado, valendo-se
dos conceitos para legitimação dessa nova proposta; de outro, garantindo
uma flexibilidade curricular própria dos e para os movimentos. Ademais, o
Projeto político-pedagógico foi formulado a partir da orientação das
demandas advindas de encontros realizados e promovidos na UFRRJ:
Seminários, Fóruns e Projetos sobre a Educação do Campo, Juventude Rural,
Movimentos Sociais, Educação em Contextos Específicos, Escola Ativa e
Agroecologia.

Outro ponto relevante é a significativa presença de sujeitos que, mesmo


distante do domínio da educação formal, são importantes e envolvem-se,
tanto política quanto socialmente, com as questões da Educação do Campo –
viabilizando não apenas a discussão sobre ela, mas, principalmente,
contribuindo para a formulação de políticas públicas. Essas experiências têm
podido fomentar processos incipientes de democratização, de socialização de
poder, de afirmação de identidades que, apesar de em contextos ainda locais,
já fortalecem ambientes coletivos.
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Todo esse breve histórico da Licenciatura em Educação do Campo – tão


caro à compreensão do próprio processo de consolidação do Curso – nos
permite aprofundar as questões relativas a esse trabalho: como, em uma
proposta de democratização do ensino superior, se situa o letramento
científico? O que fazer com a escrita e com a oralidade – permite-se às duas o
mesmo peso? Como se situam a memória, a narrativa livre, em detrimento de
uma escrita padronizada e com traços peculiares de composição?
Tentaremos, assim, trabalhar essas inquietações ao longo desse artigo,
convidando o leitor a refletir conosco sobre um curso da história que ainda se
encontra aberto.

2 Conhecendo os escritos: a proposta das Oficinas de


Textos

A proposta curricular do Curso procurou contemplar, ao longo da


formação, a dinâmica das Oficinas de Textos. Não havia a necessidade de
uma disciplina de produção textual, como comumente tem se observado em
alguns cursos de graduação. A ideia era, sim, a de se pensar um momento
mais “livre”, em que a própria ideia de texto pudesse ser (re)construída com
os alunos ao longo dos encontros. Tirava-se, assim, o peso acadêmico
atribuído à linguagem escrita.

É importante registrar que o curso prevê, como metodologia, a


Pedagogia da Alternância, na qual os alunos realizam etapas da Universidade
(Tempo escola) e nos movimentos (Tempo comunidade) – dialogando o
tempo todo com a realidade acadêmica e a experiência coletiva nos
movimentos. Nesse sentido, para a realização da oficina, foram estudados
alguns diários, também em registro escrito, que os alunos preenchem como
atividade do Curso – tanto no tempo escola quanto no previsto em cada
comunidade. Esses cadernos, vale dizer, contêm toda a impressão do aluno
acerca das aulas, das dinâmicas, dos momentos, enfim, vivenciados por eles
nesse processo formativo.

Some-se a isso o fato de que essas oficinas deveriam privilegiar as


relações estabelecidas entre a formação do educador e suas histórias de vida,
as memórias, a formação política e ideológica na perspectiva freireana e suas
conseqüências na utilização e produção do material didático, na formação de
educandos preocupados com o restabelecimento de espaços e atitudes que
privilegiem a arte do diálogo e a conscientização.

Partindo das contribuições de Stuart Hall (1997) e de Boaventura de


Sousa Santos (1997), é preciso considerar, em uma sociedade que se
apresenta como democrática, não mais o multiculturalismo, mas os
multiculturalismos, no sentido de se permitir, especialmente na Educação,
possibilidades de integração efetivamente consolidadas. Faz-se necessário,
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nesse sentido, considerar a cultura como formas diferentes de se representar


publicamente o social, não permitindo, pois, que ela seja mais um
instrumento de segregação. Sobre isso, Graça Paulino (2001) diz que:
[...] o sistema social percorre e contamina todo o processamento da
comunicação letrada, desde a natureza da própria linguagem, que é
social, até os limites de interpretação e réplica dos leitores em
determinada época, em determinadas condições político-econômicas,
sob determinadas restrições ideológicas (PAULINO, 2001, p. 22).

Logo, fosse pela proposta das Oficinas ou pela importância de se


trabalhar as marcas de identidade na escrita – sem desconsiderar as
construções próprias de comunicação em cada texto produzido –, cada
momento foi construído com diálogos orais e buscando, inicialmente, os
textos memorialísticos, por meio de produções mais “livres”, para que se
pudesse chegar, mais naturalmente, às composições mais específicas, a partir
de uma padronização acadêmica. Como o Projeto do Curso valoriza o ser
como sujeito da própria história, e, nesse sentido, a autoconfiança na
capacidade intelectual das pessoas, as experiências educacionais e políticas
dos educadores foram essenciais nessas reflexões, também como
possibilidade de compreensão da ação coletiva, via textos.

Optou-se, assim, além do aspecto oral e memorialístico, inicialmente,


por uma composição escrita mais criativa, porque livre: após algumas
apresentações de textos de literatura, por meio da mediação de leitura em voz
alta, os alunos foram convidados a também produzir textos literários, em
forma argumentativa, sem um tema único. Esse ambiente coletivo e
educacional pode cumprir com papel libertador e de emancipação humana,
abrindo novos espaços de atuação, por onde ecoarão as vozes daqueles que,
em nome do respeito às diferenças e da igualdade, sempre foram silenciados.
Associar a uma variedade linguística a comunicação escrita implica
iniciar um processo de reflexão sobre tal variedade e um processo de
“elaboração” da mesma [...]. Tal associação foi um passo fundamental
no processo de “legitimação” de uma norma (GNERRE, 2009, p. 8).

Tal como Gnerre, nossa preocupação sempre fora a de viabilizar uma


reflexão, pela elaboração da escrita, daquilo que era possível produzir. Era
preciso, sim, que os alunos se vissem como autores, e, nessas autorias, como
sujeitos constituintes da própria história, da própria memória, e de uma
escrita particular, enfim. Ainda que, vale dizer, essa norma não fosse
legitimada academicamente em um primeiro momento.

No entanto, produções textuais riquíssimas puderam surgir nesses


escritos, ainda reservando traços fortes da oralidade, mas realçando uma
identidade que insistia – ou resistia – em se eternizar por meio da escrita.
Esse dado não foi por nós despercebido. Pelo contrário: sempre no sentido de
criar um ambiente favorável à introdução do letramento científico, ele fora
trabalhado com os alunos ao longo das Oficinas. Afinal, também acreditamos
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que era preciso não isentá-los desse conhecimento também acadêmico, sob
pena de fazer a não-democracia do saber, de continuar permitindo apenas o
acesso restrito ou a entrada em alguns campos da informação que sejam
apenas úteis, para fins utilitários ou ainda condizentes com a prática de
determinados grupos.

3 Resistir e conhecer é preciso: dos textos literários à


escrita do projeto

Em um pequeno artigo publicado em seu livro Contracorrente:


conversas sobre leitura e política (1999), Ana Maria Machado apresenta a
expressão, que é parte emblemática, ou título, da ideia do texto – Tulutatulê,
vinda de “Tu luta, tu lê” –, como uma única, e mais: uma “palavra mágica”.
O enunciado, tal como fora escrito, foi percebido por ela rascunhado por um
aluno de uma turma composta por um grupo de operários em meio a uma
construção em Copacabana, no Rio de Janeiro.

A autora, em recente contato com o método de Paulo Freire à época –


pedagogia da emancipação ou do oprimido –, tinha resolvido aplicar pela
primeira vez a experiência com os novos alunos, sempre preconizando a
importância de se trabalhar com a realidade deles. Foi quando teve a surpresa
– o fato em si não a incomodou. O que a surpreendeu, isso sim, foi a exatidão
de como cada aluno encara a linguagem e o poder que ela assume. Segundo
ela:
De repente, um aluno escreveu uma longa palavra esquisita,
parecendo palavra mágica: Tu luta, tu lê. Levei um susto. Não só com
a emoção de ver como era rápido, como ele era capaz de criar de
imediato um uso impessoal e coletivo para o único pronome capaz de
escrever no momento... mas também pela ordem que deu a seu
pensamento. Não se tratava de ler para poder lutar, como propunha
meu coração de vinte anos, mas de lutar para conseguir ler. A leitura
era o objetivo, a meta. A luta era só um meio de se chegar lá
(MACHADO, 1999, p. 124).

A mesma inquietação pôde ser vivenciada com as resistências, via


linguagem escrita, que insistiam em “se marcar” a cada texto, a cada novo
encontro na UFRRJ. Como expressões “teimosas”, as marcas da
comunicação oral, vivenciadas pelos alunos em suas práticas cotidianas, eram
trazidas – em alguns momentos como que à revelia de qualquer processo
“formal” – para qualquer gênero em que tais escritos eram sugeridos e/ou
solicitados. Só que tal traço, no entanto, não representou, em nenhum
encontro, uma barreira, uma dificuldade ou mesmo uma resistência na
produção.

Eis o ponto. A resistência não estava no ato de escrever, mas na maneira


como se escreve, e independentemente de quem fosse o interlocutor. Sendo
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esse ponto, pois, explorado, iniciamos a discussão com a leitura de um texto


de literatura infantojuvenil: De carta em carta, de Ana Maria Machado, e foi
proposta uma produção no gênero epistolar, em forma argumentativa. A ideia
da argumentação, via carta, trabalharia, mais livremente, a necessidade de
também se pensar – principalmente com vistas ao atendimento de demandas
– um destinatário, um contexto de produção, bem como as características de
um padrão escrita que poderia, e deveria, ser conhecido – ainda que não se
quisesse fazer uso desse mecanismo em outros ambientes. E a opção pela
literatura tende a romper a hierarquia sobre a qual o sistema educacional se
apóia e dá lugar a uma relação mais democrática entre o professor e o aluno.
Para Zilberman, a literatura “revela a possibilidade de ruptura com os laços
ideológicos que convertem a escola em sala de espera da engrenagem
burguesa” (1985, p.22).

Foi possível, com isso, iniciar com os alunos um debate sobre a


importância da comunicação, em suas diversas variantes, para a mobilização
social e do uso da linguagem não apenas para este momento de educação
formal institucionalizada, mas, a partir disso, para o próprio movimento
social. Ademais, a apropriação de escritos, n plural, também era um ponto
fundamental para a legitimação desse grupo de alunos em uma universidade
pública, bem como o uso contextualizado da linguagem – como fim
acadêmico, mas, sobretudo, como empoderamento de um lugar ocupado
também nos movimentos – ferramenta fundamental de comunicação entre
sujeitos sociais.

As estratégias de comunicação, sejam escritas ou orais, puderam ser


apropriadas por cada licenciando de acordo com a realidade de cada grupo
social, sendo, pois, entendidas como ferramenta de comunicação e,
consequentemente, em atendimento àqueles de que deles necessitam. Como
nos lembra Henriques:
Diante dos desafios de mobilizar os sujeitos no cenário
contemporâneo, torna-se cada vez mais evidente a necessidade de que
a comunicação seja tratada de uma maneira estratégica. Isso pode ser
explicado por vários motivos: (a) os meios de comunicação tornaram-
se hoje um complexo de veículos e canais, cada um com suas
peculiaridades técnicas e de linguagem, cujo uso pressupõe algum
conhecimento especializado e uma apreensão de sua lógica de
operação; (b) a posse dos meios de comunicação e o acesso a eles se
dão de forma assimétrica, sujeitos a interesses nem sempre
convergentes e compatíveis com a causa que se deseja defender; (c)
para inúmeros conteúdos especializados que compõem a
problematização de causas sociais torna-se indispensável uma
tradução da fala especializada, de tal maneira que se produza uma
informação qualificada, plenamente acessível aos não-especialistas; e
(d) a necessidade de arregimentar e organizar recursos simbólicos, que
promovam não apenas a visibilidade, mas também as condições
necessárias para vinculação dos atores e para a cooperação
(HENRIQUES, 2009, p. 10).
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Logo, a comunicação para a mobilização social deve ser pensada e


estimulada de forma estratégica pelo grupo e para o próprio grupo, de forma
a viabilizar a linguagem como uma efetiva realização de diálogo e de
colocação de demandas. Afinal, a construção de uma possibilidade de
comunicação real, para a coletividade, é não apenas fundamental naquele
contexto em que os licenciandos se encontram, mas, sobretudo, para seus
assentamentos e contextos de socialização. Aliás, a ideia é justamente essa:
promover, pela exemplaridade, as viabilidades de construção de discursos, no
plural, com argumentações possíveis às reivindicações.

O momento das oficinas vem sendo entendido como essa possibilidade


de construção com esses sujeitos históricos, como forma de se refletir sobre a
necessidade de administrar estrategicamente os meios para gerar
identificação do movimento ou projeto mobilizador, para que seja
reconhecido pelos públicos. A ideia é, pois, não apenas socializar as
informações formais de utilização da linguagem, mas também não prescindir
delas – estabelecendo uma relação necessária entre os suportes padrão e não
padrão de manifestação da comunicação.

Isso porque, se entendemos que é preciso considerar aquilo que os


movimentos já possuem construído como forma de articulação, de
comunicação e de diálogo, também precisamos não negligenciá-los quanto às
estruturais formais de organização de um discurso mais legítimos – não
porque o é, de fato, mas porque fora socialmente construído. E, justamente
em função dessas elaborações específicas de pensamento e de linguagem,
mais ou menos aceitas com facilidade, é que cabe também à universidade a
socialização desses padrões de discurso.
[Outros escritos] traduzem as aspirações de uma população semi-
alfabetizada que disputa com os grandes e os poderosos seus
monopólios sobre a escrita visível. Se as escritas expostas são um dos
instrumentos utilizados pelos poderes e pelas elites para enunciar sua
dominação – e conquistar adesão –, são também uma forma de os
mais fracos manifestarem sua existência ou afirmarem seus protestos
(CHARTIER, 2002, p. 81).

Entendidos os processos e os valores de se conhecer as variantes


escritas – formais e acadêmicas, para além das coloquiais oralizadas – vimos
que as marcas orais ainda assim se mantinham, ratificando, de certa forma, a
tese primeira, ainda que incipientemente, de que o oral poderia ser uma
escolha, uma marca própria de identidade docente que se constituía dentro
dos muros da Universidade.

Importa-nos, portanto, questionar – tal como vimos tentando realizar no


momento – que tipo de memória se quer construir e/ou permitir: se a
(re)produção de uma escrita que é legítima, porque formal para aquele
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contexto ou se uma (neo)produção a partir de simbolismos e representações


outros, que tanto eternizem quanto a marca gráfica forçada do traço no papel.

Os projetos de pesquisa, instrumentos de caracterização, por natureza,


acadêmica, trouxeram consigo ainda essas marcas, embora grafadas, de
sonorização evidente, como uma resistência de voz que não se podia calar;
que não devia, por fim, silenciar. Essas vozes vêm compondo, sem prejuízo
ao texto escrito, uma tessitura de significados de uma memória, de uma
trajetória, de uma história, enfim. Logo, se o oral também se ensina e se é
possível construir discursos dialógicos, há de se encontrar um ponto em
comum entre o verbal da articulação e da grafia para um mesmo fim: o de
formação de uma identidade docente.

CONSIDERAÇÕES FINAIS
Vemos, assim, que a linguagem, antes de se transformar em discurso
legítimo, pode, se utilizada com recursos estéticos, subverter a ordem da
própria língua, tal como elucida Barthes (2007), se alimentando na fonte de
valores de cultura, expressos em padrões de produção que nem sempre são
considerados, mas são saberes. Assim, todo escritor, quando assim se
reconhece, sabe de sua função indiscreta de invasão de um território especial
da língua. É, pois, um fenômeno de ordem social – superior a ele.

Percebemos, também, que os participantes das oficinas consideraram,


em seus escritos, muito mais as marcas orais como um espaço especial da
linguagem. E com tudo o que pudemos discutir no presente trabalho, aliado
ao resultado concreto de construção dos projetos pelos alunos, postula, para
nós, um importante movimento de trabalho conjunto, como forma de
procurar focar no aluno-autor aquilo que de fato pode representar um
diferencial para sua vida em cidadania.

Por fim, o processo de construção das oficinas considerou as recentes


transformações societárias e educacionais, fomentando debates políticos em
torno das orientações históricas, pedagógicas e éticas que deve sempre existir
no processo de ensino-aprendizagem e na relação dialógica entre educador e
educando. Teve como objetivo a efetivação de um momento de produção
coletiva cuja manifestação pôde ser vivenciada nos escritos de cada projeto .

REFERÊNCIAS

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Avaliação da Linguagem Escrita

Catharine Prata Seixas1

RESUMO

O presente estudo versa sobre as reflexões da avaliação da linguagem escrita sob o


olhar da Fonoaudiologia. Trata-se de um estudo de caso, onde os aspectos
encontrados na avaliação de linguagem serão descritos, relatando as dificuldades, os
anseios e a experiência adquirida no decorrer do processo. Diariamente a temática
acerca da linguagem oral e escrita está presente na prática fonoaudiológica, uma vez
que a alteração nesses âmbitos implica na interferência de vários aspectos da vida do
sujeito. Na sociedade em que vivemos, tanto a leitura como a escrita são vistas como
algo imprescindível. A todo o momento as utilizamos, seja para nos comunicarmos
uns com os outros; na escola, em casa ou em um encontro trivial. Avaliar a linguagem
requer um olhar cuidadoso, uma vez que esta tem um papel central na vida humana,
contribuindo para o desenvolvimento de habilidades cognitivas e sociais.

Palavras-chave: Avaliação, Fonoaudiologia, Linguagem.

1
Contato do(a) autor(a): catharineseixas@hotmail.com. Graduanda em
Fonoaudiologia pela Universidade Federal de Sergipe e membro do Núcleo de
pesquisa em Inclusão Escolar da Pessoa com deficiência
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INTRODUÇÃO

Acosta et al (2003) ressaltam que a linguagem é uma das funções do ser


humano que apresenta uma evolução das mais complexas em sua aquisição e
desenvolvimento, devido à interação de enorme número de variáveis, tais
como maturidade neurológica, afetividade, desenvolvimento cognitivo,
correta maturação dos órgãos periféricos da linguagem ou os contextos nos
quais a criança está inserida.

O objetivo deste artigo é destacar a importância da avaliação da


linguagem, para isso foi utilizado como metodologia um estudo de caso, para
que possamos apresentar os aspectos relevantes. O caso refere-se ao relato de
um aluno da sexta série do ensino fundamental, que será identificado como
L., trata-se da descrição da sua avaliação, esses dados foram colhidos com o
intuito de analisar a sua produção nas atividades solicitadas, não sendo
iniciada a terapia.

O processo de avaliação da linguagem não é fácil, a avaliação clínica é


uma das etapas do processo que envolve a atuação fonoaudiológica,
principalmente a atuação clínica ligada à prevenção e à reabilitação.

A avaliação clínica nos remete ao conhecimento e o uso de uma série de


ferramentas técnicas, especificamente ligadas à Fonoaudiologia e à
comunicação humana, mas também, questões mais abrangentes relativas ao
ser humano e suas relações e sentimentos sobre o meio que o cerca.

Segundo Hage (2001), os procedimentos de avaliação de linguagem


podem ser divididos em quatro categorias básicas: testes padronizados,
protocolos não padronizados, observação comportamental e escalas de
desenvolvimento. Tanto os testes como os protocolos não padronizados de
avaliação de linguagem são estruturados para investigar as diversas
dimensões da linguagem, a saber, fonologia, sintaxe, semântica, pragmática e
implicam em algum nível de oralidade.

1 Anamnese

O aluno avaliado será aqui identificado com a letra L. Inicialmente


aplicou-se a anamnese, com o propósito de investigar a queixa que o sujeito
apresenta, nesse caso, L. 12 anos, apresentou a queixa de dificuldade para ler
e escrever.

Para identificar possíveis causas da queixa, questionou-se a história


pregressa, desenvolvimento motor e aspectos do comportamento geral.
Direcionei as perguntas com o intuito de obter os dados específicos da
queixa, sendo assim, consegui relatos cronológicos da mesma, segundo a
mãe, L. ingressou na creche a partir do primeiro ano e permaneceu até os três
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anos, sendo nesta idade o momento do seu ingresso na escola particular e


quando começaram as dificuldades na escola, a mãe era chamada
frequentemente com reclamações dos professores, estes relatavam que seu
filho era muito desatento e não acompanhava as atividades de sala de aula,
era uma criança hiperativa.

Devido a sua dificuldade no âmbito da linguagem faz parte de um


projeto que tem por objetivo reforçar aquilo que foi visto no horário das
aulas. Fez uso de medicação Ritalina, apenas durante o período letivo, com
dosagem de um comprimido antes de sair para suas atividades, tendo sido
modificado no atual semestre por Gaballon 8/8 horas orientado pela
neurologista, a mãe relata que sem o uso do medicamento ele é muito
relaxado, a medicação o deixa mais atento e o mesmo faz uso da medicação
desde os sete anos de idade.

Segundo a Associação brasileira do déficit de atenção (2011), o TDAH


é um transtorno neurobiológico, com grande participação genética, isto é,
existe chances maiores de ele ser herdado, que tem início na infância e que
pode persistir na vida adulta, comprometendo o funcionamento da pessoa em
vários setores de sua vida, e se caracteriza por três grupos de alterações:
hiperatividade, impulsividade e desatenção. A pessoa com TDAH é
comumente muito desorganizada, graças em primeiro lugar à falha da
atenção, mas também devido à sua hiperatividade. Por isso freqüentemente
perde, ou não sabe onde colocou, objetos tais como canetas, óculos, livros,
chaves, telefone celular, etc..., e não é raro depois achar esses mesmos
objetos nos locais mais estranhos, porque foram inadvertidamente colocados
ali num momento de distração, quando um outro estímulo desviou a atenção
do que a pessoa estava fazendo.

O uso da Ritalina ou Gaballon é descrito na literatura, em específico


pela Revista Brasileira de Psiquiatria (2000), como as medicações
estimulantes de primeira escolha. Existem mais de 150 estudos controlados,
bem conduzidos metodologicamente, demonstrando a eficácia destes
fármacos.

Algumas características do TDAH estão presentes em L. e interferem


diretamente na aquisição e desenvolvimento da linguagem. Cabe ressaltar
que durante todo o processo de avaliação, L. mostrou-se muitas vezes apático
para as atividades (o que segundo a mãe, esse comportamento mudou devido
ao uso da Ritalina).

2 Avaliação da Linguagem

Avaliar remete-nos ao ato de fazer estimativas sobre um objeto ou


evento em particular, de acordo com algum parâmetro. No cotidiano dos
profissionais de saúde e da educação, a ação de avaliar para diagnosticar é
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uma visão ampla, repetindo-se no cotidiano de forma contínua e permeando


todo o fazer clínico.

Utilizou-se para avaliação da linguagem escrita, provas que


envolvessem habilidades de leitura oral, silenciosa, redação e ditado. As
alterações encontradas serão a seguir descritas de acordo com os critérios
linguísticos que caracterizam o sistema alfabético de escrita do português.

Realizou-se o ditado, foram detectados os seguintes erros: substituições


entre grafemas que representam os fonemas surdos e sonoros, omissões,
apoio na oralidade e junção-separação indevida de palavras.

Segundo Zorzi (2001), identificar em uma palavra a presença dos sons


que a compõem , exige da criança a habilidade denominada, ‘’consciência
fonológica’’, assim sendo, sugere-se nesse caso avaliação da consciência
fonológica. Tendo em vista que as alterações da escrita decorrentes das
chamadas trocas surdo-sonoras, quando sistemáticas e duradouras estão em
geral relacionadas a processos de fala (percepção e produção).

Zorzi (1998), diz que a escrita apoiada na oralidade nada mais faz do
que confirmar a existência desse processo e a forte influência que padrões
acústicos e articulatórios, ou seja, os mecanismos da oralidade exercem sobre
a escrita, principalmente em suas etapas iniciais. À medida que a criança
passa a compreender que a escrita alfabética não significa uma escrita do
modo como se fala (fonética), isto é, ela tem que compreender que pode
haver variações ou diferenças entre o modo de falar e o de escrever.

O padrão de construção silábica pode ser relacionado às omissões, uma


vez que para escrever corretamente as palavras, torna-se necessário o
domínio das estruturas menores que a compõem, nesse caso, as sílabas.
Demonstra não dominar a estruturação da palavra, podendo não estar
detectando todos os componentes que a constituem.

Na leitura oral como na leitura silenciosa confirmamos as estratégias:


acompanhou com o dedo, movimentos de cabeça e articulação das palavras
silenciosamente. Sua leitura foi considerada lenta, com nível de
decodificação silábico. Ficou claro a sua compreensão parcial do material
lido, não havendo apreensão do núcleo do texto, dos vínculos temporais e
causais. A leitura não foi fluente, sem respeitar sinais de pontuação, sem
entonação e falha na coordenação pneumofonoarticulatória. Há falha na
decodificação, uma vez que L. faz redução de vocábulos, aglutinação e
substituição.

Ferreiro e Teberosky (1985) definem o nível silábico se delimita quando


a criança percebe que é possível representar graficamente a linguagem oral.
Ela faz então várias tentativas para estabelecer uma relação entre a produção
oral e a produção gráfica, entre o som e a grafia. E começa, com essas
tentativas, a relacionar o que escreve com as sílabas das palavras faladas que
deseja representar. Entretanto, com seu conhecimento prévio sobre o material
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escrito, utiliza-se de letras que podem não representar os respectivos sons.


Ela percebe nessa fase que pode escrever tudo o que deseja, mesmo que
aquilo que expressa graficamente não possa ser decifrado por outras pessoas.
Também nessa fase, pode aceitar relutante o fato de escrever palavras
menores com poucas letras ou ainda pode se usar, ao escrever uma frase, uma
letra somente para uma palavra inteira. A criança passa, então, a conviver
com esses dois tipos de correspondência entre a grafia e o som, adentrando
assim no nível silábico-alfabético.

Na ordenação de vocábulos em sentenças, apresentou dificuldade para


entender a instrução, necessitando visualizar um exemplo, ainda assim, para
realização da prova apresentou-se opções, perceptível a limitação de
vocabulário, apoiando-se sempre no exemplo dado, e utilizando sempre
pronome do caso reto (eu), e artigos. Apesar das poucas variações de
palavras, demonstra a necessidade de coesão entre elas, caracterizando um
estabelecimento de relações sintático-semântico.

Ao complementar e formar as sentenças compreende o conteúdo das


sentenças, evoca elementos que estão presentes no contexto, utiliza artigos,
preposições e raramente verbos. Demonstra dificuldade de concordância
nominal e verbal, os seus desvios acontecem sistematicamente. Ao realizar
essa prova, percebeu-se a mesma dificuldade da prova anterior, dificuldade
no estabelecimento das relações morfossintáticas e/ou semânticas entre os
elementos das sentenças, além da dificuldade de atenção, sendo mais
explícito nessa prova a restrição lexical do paciente.

Na sequencialização de parágrafos, assim como na leitura oral e


silenciosa, não estabeleceu vínculos temporais e causais entre os parágrafos e
sentenças. Foi necessária nesse momento, a repetição da leitura do texto e
apoio visual. Observou-se a compreensão parcial do texto, não entendendo a
ordem que este se apresenta: início, meio e fim.

Solicitou-se que L. realizasse a cópia de palavras e cópia de texto, na


cópia de palavras reproduziu todas corretamente, já na cópia do texto,
observei a insistência de omissões, traçado irregular e ausência de pontuação,
sendo assim, apresenta dificuldade para transferir a recepção de símbolos
gráficos para emissão.

A produção da redação apresenta todos os erros das provas anteriores,


percebe-se que L. não consegue decifrar o que foi escrito quando faz a
leitura, ele percebe o erro de sua escrita, porém no momento de realizá-la não
faz as correções necessárias, errando sistematicamente.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A avaliação da linguagem é essencial, uma vez que a linguagem é uma


das funções do ser humano que apresenta uma evolução das mais complexas
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em sua aquisição e desenvolvimento, devido à interação de enorme número


de variáveis.

A anamnese auxilia inicialmente a avaliação, esclarecendo acerca da


queixa, proporcionando um diagnóstico condizente com o caso. A análise da
avaliação de L. deixa explícita sua dificuldade em diversos parâmetros:
substituições entre grafemas que representam os fonemas surdos e sonoros,
omissões, apoio na oralidade e junção-separação indevida de palavras.

Aplicar testes não padronizados supõe um estreitamento da ligação


entre o diagnóstico inicial e o programa de intervenção. Analisar cada tarefa e
ter uma reflexão crítica de como se desenvolve cada sessão de avaliação são
pilares fundamentais que nos permitem elaborar um bom diagnóstico,
prognóstico preciso e planejamento coerente e estruturado.

REFERÊNCIAS

ACOSTA, Victor M. et al. Avaliação da linguagem: teoria e prática do


processo de avaliação do comportamento lingüístico infantil. São Paulo:
Santos, 2003. p. 17-31.
Associação Brasileira do Déficit de Atenção disponível em
http://www.tdah.org.br/; acesso 10/10/2011.
FERREIRO, E. e TEBEROSKY, A. A psicogênese da língua escrita. Porto
Alegre, Artes Médicas, 1985.
Goulart BNG, Chiari BM. Construção e aplicação de indicadores de saúde na
perspectiva fonoaudiológica: contribuições para reflexão. Rev Soc Bras
Fonoaudiol. 2006;11(3):194-204.
HAGE, S.R.V.; GUERREIRO, M.M. Distúrbio Específico do
Desenvolvimento da Linguagem: subtipos e correlações neuroanatômicas.
PRÓ-FONO – Revista de Atualização Científica. v. 13, n. 2, p. 1-9, 2001.
RODHE, L.; BARBOSA, G.; TRAMONTINA, S. et al. Transtorno de déficit
de atenção/ hiperatividade. Revista Brasileira de Psiquiatria, São Paulo,
v.22 s.2 dez. 2000.
ZORZI, J. L. Diferenciando alterações da fala e da linguagem. Mímeo,
1998.
ZORZI, J. L. A Aprendizagem da Leitura e da Escrita Indo Além dos
Distúrbios. 2001
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Saberes e Práticas de Ciências Naturais nos


Anos Iniciais do Ensino Fundamental:
um estudo em duas escolas do agreste de Itabaiana- SE

Fagner Alves Neris1


Maria Elane Mendonça Santos2
Maria Batista Lima3
Edenilse Batista Lima4

RESUMO
O Ensino de Ciências nos anos iniciais do Ensino Fundamental tem sido apontado
como porta de entrada, ou em outras palavras, uma base para que a criança
desenvolva um olhar situado sobre o lugar da natureza na sociedade. Este campo de
formação contribui para a articulação entre a realidade vivenciada e a formação de
conceitos científicos, mas especificadamente a construção de uma alfabetização
científica. Do entendimento da contextualização dos conteúdos das Ciências Naturais
na sociedade, ou seja, da relação da natureza com a produção social. Fortalecer essa
visão também é função da escola. O presente trabalho objetivou identificar a
concepção de discentes sobre saberes/conhecimentos relacionados às Ciências
Naturais e como esses conhecimentos são abordados (ou não) nas práticas das escolas.
Tratou-se da compreensão acerca do lugar das Ciências Naturais no processo de
ensino e aprendizagem, na perspectiva dos objetivos conceituais, procedimentais e
atitudinais, ou seja, qual a visão de estudantes sobre os conteúdos das Ciências
Naturais e que importâncias estes têm na formação do sujeito e na sociedade e como
esses conteúdos têm sido trabalhados nas aulas e nas práticas das escolas. Para tanto,
foi desenvolvida uma pesquisa com enfoque qualitativo com aplicação de
questionários, desenvolvimento de oficinas e observação dos comportamentos dos/das
alunos/as. Os resultados apontam que os(as) alunos(as) possuem uma concepção de
Ciências Naturais vaga, geral, estereotipada e relacionada a conteúdos e que os
atributos do ser um(a) bom(boa) professor(a) estão relacionados à capacidade de
desenvolver suas atividades profissionais. Dessa forma, percebe-se que o Ensino de
Ciências precisa melhoras nos seus aspectos estruturais e metodológicos.

Palavras-chave: Ensino de Ciências Naturais, Saberes de Ciências Naturais, Anos


Iniciais do Ensino Fundamental.

1
Contato do(a) autor(a): fagnerneris@yahoo.com.br. Graduando em Ciências
Biológicas-licenciatura. UFS - Campus Prof. Alberto Carvalho.
2
Contato do(a) autor(a):elane.ufsquimica@gmail.com. Graduando em Química –
licenciatura. UFS - Campus Prof. Alberto Carvalho.
3
Contato do(a) autor(a):mabalima.ufs@gmail.com. Profª Adjunta do Departamento
de Educação do Campus Prof. Alberto Carvalho – UFS..
4
Contato do(a) autor(a): josefaaju@gmail.com. Doutora em Ciências da Educação
pela Universidad Autónoedenbali2005@yahoo.com.br. Mestranda em Ensino de
Ciências Naturais e Matemática – NPGECIMA /UFS.
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INTRODUÇÃO
Este artigo surgiu a partir do projeto de pesquisa intitulado “Os
Saberes e Práticas de Matemática e Ciências Naturais dos Anos Iniciais do
Ensino Fundamental: Um estudo em diferentes contextos escolares da
Microrregião do Agreste de Itabaiana- SE”. Este projeto, vinculado ao Grupo
de Estudos e Pesquisas Identidades e Alteridades: Diferenças e
Desigualdades na Educação (GEPIADDE), tem como objetivo central
investigar saberes e práticas de Matemática e Ciências Naturais nos Anos
Iniciais do Ensino Fundamental. O presente artigo traz um recorte dos
resultados da pesquisa desenvolvida em duas escolas do agreste sergipano,
sendo uma localizada no Povoado Palmeiras, no município de Moita Bonita -
SE (Escola 1, Turma A) e a outra, no Povoado Carrilho, Itabaiana – SE
(Escola 2 – Turma B).

Buscou-se, assim, identificar a concepção de discentes e docentes


sobre saberes/conhecimentos relacionados às Ciências Naturais e como esses
conhecimentos são abordados (ou não) nas práticas das escolas. Tratou-se da
compreensão acerca do lugar das Ciências Naturais no processo de ensino e
aprendizagem, na perspectiva dos objetivos conceituais, procedimentais e
atitudinais, ou seja, qual a visão de estudantes e docentes sobre os conteúdos
das Ciências Naturais e que importâncias estes têm na formação do sujeito e
na sociedade. E como esses conteúdos têm sido trabalhados nas aulas e nas
práticas das escolas.

O Ensino de Ciências nos anos iniciais tem sido apontado como


porta de entrada, ou em outras palavras, uma base para que a criança
desenvolva um olhar situado sobre o lugar da natureza na sociedade. Este
campo de formação contribui para a articulação entre a realidade vivenciada e
a formação de conceitos científicos, mas especificadamente a construção de
uma alfabetização científica. Do entendimento da contextualização dos
conteúdos das Ciências Naturais na sociedade, ou seja, da relação da natureza
com a produção social. Fortalecer essa visão também é função da escola.

Segundo Lima (2011) o ensino e a aprendizagem das Ciências


Naturais tem sido um dos importantes eixos de discussões sobre educação
brasileira, fato este enfatizado nos dados do Ministério da Educação (MEC),
através de avaliações como o IDEB (Índice de Desenvolvimento da Educação
Básica) e a Prova Brasil, cujos resultados têm mostrado uma defasagem na
aprendizagem de conhecimentos básicos nas diversas áreas de
conhecimentos.

Tornou-se assim importante discutir qual o papel da formação


docente, bem como que conceito de ensino está em processo na educação
básica, de modo especial nos Anos Iniciais, nos quais se forma a base de
formação do ser humano.

Assim, fez-se necessário discutir tanto a questão da concepção que


se tem de Ciência e de Ciências Naturais no âmbito da visão sobre saberes
científicos e saberes cotidianos, como se discutir que lugar ocupam os
aspectos didático-pedagógicos nesse processo.
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1 Metodologia

O estudo que origina este artigo é uma pesquisa de abordagem


qualitativa que articula aspectos da etnografia da prática escolar com a
perspectiva sócio histórica, combinação esta que envolve procedimentos
como aplicação de questionários exploratórios com docentes e estudantes do
quarto e quinto ano do Ensino Fundamental de duas escolas de dois povoados
da Microrregião do Agreste Sergipano, entrevistas semiestruturadas,
aplicação e análise de atividades e observação participante, além de análise
de documentos didático-pedagógicos da escola. Para o recorte que constitui
este artigo foram analisados questionários aplicados em duas turmas do 4º
ano do Ensino Fundamental de duas escolas públicas municipais, sendo uma
localizada no Povoado Palmeiras, no município de Moita Bonita - SE (Escola
1, Turma A) e a outra, no Povoado Carrilho, Itabaiana – SE (Escola 2 –
Turma B).

Buscou-se a identificação das concepções e práticas em torno dos


saberes de Ciências Naturais processadas pelos sujeitos sociais do âmbito do
cotidiano escolar dos anos iniciais dos municípios do Agreste de Itabaiana.

2 Fundamentação Teórica

A educação é um elemento-chave que precisa continuamente ser


aperfeiçoado para garantir o progresso social e econômico do Brasil. Apesar
do enorme avanço educacional realizado nas últimas décadas, quando
finalmente quase todas as crianças vão à escola, é consensual que falta muito
para alcançar uma situação aceitável.

A formação de professores é o elemento pedagógico chave para a


melhoria da educação, embora não seja por si só, suficiente para garantir o
sucesso. Além da falta de professores com formação específica, a qualidade
da formação deixa a desejar, conforme apontam estudos da área. Por outro
lado, a formação continuada, que se torna cada vez mais instrumento
qualificador da dinâmica da formação docente também ainda é bastante
incipiente nas redes de ensino, conforme aponta Gois (2011).

A escola pode ser um espaço aberto, com amplas possibilidades de


favorecer o desenvolvimento crítico das ideias, crenças e valores dos
discentes, a partir de suas relações nos microespaços e relações em que vive
(família, bairro, cidade, de seu grupo de amigos, lazer, diversão do trabalho
dos pais, conhecimentos de suas profissões.), ampliando para uma
macrocontextualização que envolve outros espaços mais amplos e novas
relações. A escola é, desse modo, ao mesmo tempo, um espaço de elaboração
de explicações e formação de atitudes que compõem as relações da
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sociedade. Assim, isso é algo que deverá mobilizar a ação do/a profissional
de educação.

Faz-se necessário que o ensino de Ciências seja trabalhado de


acordo com a visão do dia-dia de cada comunidade escolar e vivenciada pelo
aluno, principalmente as necessidades de cada área e a articulação entre estas.
Uma grande contribuição para o ensino de Ciências e para a educação de
modo geral é a forma como o/a docente situa o conhecimento e sua relação
com os educandos e educandas, tornando essa relação significativa. Esse
aspectos passa pelos fundamentos sócio históricos, filosóficos, políticos e
pedagógicos impressos e expressos na visão e atitudes dos sujeitos da
educação em relação aos conhecimentos, aos discentes e a comunidade
escolar e à próprio conceito e sentido da educação. Essa visão é mediadora da
própria prática pedagógica e suas diretrizes didático-curriculares.

No caso do ensino de Ciências Naturais, outro aspecto apontado por


referenciais da área, é a incipiência do conhecimento sobre a área de Ciências
Naturais, tanto pelos docentes que ensinam Ciências nos anos iniciais do
Ensino Fundamental, em sua maioria, pedagogas e pedagogos, como
professores e professoras que ensinam do 6º ao 9º ano, que muitas vezes
ensinam disciplinas sem ter formação pertinente. A fragilidade se dá tanto em
relação ao conteúdo, como no que refere aos aspectos didático-metodológicos
do ensinar e do aprender.

O professor vem se tornando cada vez mais uma ferramenta


fundamental para a percepção de novos conceitos, um dos maiores
inovadores para as mudanças ou tentativa dessas mudanças é o profissional
de Ensino de Ciências que está diretamente ligado à formação de novos
conceitos. De uma forma ou de outra, os pensamentos do professor influencia
a sua maneira de transmitir o conhecimento e se torna necessário conhecer as
concepções dos professores sobre o ensino, como aponta Garcia (1995).

As orientações para um processo de ensino centrado em objetivos


educacionais conceituais, procedimentais e atitudinais apontam para a
necessidade de uma educação que tenha como horizonte a formação sólida
em torno da própria convivência saudável do ser humano com os outros
elementos do ambiente socioambiental.

Segundo o documento da Academia Brasileira de Ciências (2007, p.


01), denominado “Ensino de Ciências e Educação Básica: propostas para um
sistema em crise”, a necessidade imperiosa de melhorar o Ensino Básico no
Brasil passa pela qualificação do Ensino de Ciências Naturais de forma a
estimular o raciocínio lógico e a curiosidade, o que ajudará a formar cidadãos
mais aptos a enfrentar os desafios da sociedade contemporânea e fortalecerá a
democracia, dando à população em geral melhores condições para participar
dos debates cada vez mais sofisticados sobre temas científicos que afetam
nosso quotidiano.

3 Resultados e Discussões
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Identificando os Sujeitos da Pesquisa

O estudo fonte deste artigo tem como campo duas turmas de duas
escolas situadas em dois municípios do agreste sergipano. A primeira turma,
aqui identificada como Turma A, é uma turma de 4º ano da escola aqui
denominada como Escola 1, que fica localizada no Povoado Palmeiras, em
Malhador – SE. Os 19 (dezenove) estudantes desta turma que responderam os
questionários desta pesquisa, têm idade entre 9 e 14 anos, sendo 9 meninos e
10 meninas, sendo que tem dois alunos na turma acima de 11 anos.

A segunda turma, identificada neste trabalho como Turma B, é uma


turma de 4º ano da escola aqui denominada como Escola 2, que fica
localizada no Povoado Carrilho, em Itabaiana-SE. Vinte cinco (25)
estudantes desta turma responderam os questionários desta pesquisa, sendo
18 meninos e 7 meninas como idade entre 9 e 14 anos, onde três estão acima
da faixa etária da escolaridade.

No que se refere à religião a maioria dos/as estudantes da Turma A


se identificou como católica, com 10 (dez) estudantes, sendo que nove se
identificaram como evangélicos. Já na Turma B, embora o número de
católicos seja predominante, com 16(dezesseis) identificações.

A autoidentificação etnicorracial apontou que na Turma A, 8


estudantes se identificaram como morenos seis (6) como negros, dois (2)
como brancos, dois (2) como claros e um (1) como pardo. Já na Turma B a
maioria se identificou como negro 9 (nove) e moreno 9 (nove) e 7 (sete) se
identificaram como brancos.

Considerando-se tratar-se de comunidades apontadas como


comunidades negras rurais e que apresentam características de ancestralidade
africana significativa, refletimos sobre a significativa frequência da
denominação morena e branca em sujeitos com características afro-brasileiras
tão visíveis. Remete a discussão de Lima (2006) e de Munanga (2000) ao
discutir a ideologia que media a questão da identidade e sua relação com a
mestiçagem no Brasil.

Concepções e Relações com os Saberes em Ciências Naturais

Para a primeira pergunta: Para você o que é Ciências? Os(as)


alunos(as) da Turma A apresentaram respostas relacionadas,
principalmente, aos conteúdos e a atividades seguidas de respostas vagas,
amplas, gerais e estereotipadas.. Já na Turma B há um grande número de
respostas de abordagem geral, ampla ou vaga conforme apontam os gráficos
a seguir.
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Gráfico 1: Concepção de Ciências.

Concepção de Ciências

Outras
Resp. relac. a conteú
respos
dos
Série1; Alegou não tas
37%
saber ; 1; 5% 16%

Resp. relac. a ativida


des
10%

Res. vagas,
amplas, gerais,
estereo
ti
padas
32%

Turma A

Concepção de Ciências

Resp. refer. à
relação afetiva
com o/a
docente e às Não enten
práticas deu
4% 14%

Resp. vagas,
amplas, gerais,
estereoti
padas
Resp. rel. a 54%
conteú
dos
14%

Resp. rel. a
ativida
des
14%

Turma B
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Isso mostra que o Ensino de Ciências Naturais ainda tem muito a


crescer em sentido de produção social e em formação de um ser critico em
seu papel na sociedade, conforme apontam Trivelato e Silva (2011).

A segunda pergunta na sequência foi sobre a afetividade


dos(as)alunos (as) em relação a uma determinada disciplina (Qual a
disciplina (matéria) que você mais gosta?). Levando-se em consideração as
respostas das turmas de ambas as escolas, mostrou-se que o ensino de
Ciências Naturais ainda é pouco aplicado e motivado nos Anos Iniciais. Isso
é demonstrado com a resposta de ambas as escolas, pois como se pode
observar, a referida disciplina não aparece entre as disciplinas preferidas da
Turma A e na Turma B, aparece com um percentual baixo. A Turma A,
mostrou uma relação com o ensino de Matemática e História e com uma
aproximação também da disciplina Português. Na Turma B os alunos
também mostraram gostar de Matemática, mas em maior quantidade,
conforme apontam os gráficos a seguir.

Gráfico 2: Disciplina que mais gosta.

Geo
gra Disciplina que mais gosta
fia
Reda
5%
ção
5%
Histó
ria
32%
Portu
guês
26%

Matemá
tica
32%

Turma A
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Geogra Ciên
fia cias
4% 4%
Disciplina que mais gosta
Série1;
História ; 1; 4%

Portu
guês
12%

Série1; Artes ; 4;
16% Mate

tica
60%

Turma B

A terceira pergunta também se refere à afetividade do (a) aluno(a)


com as disciplinas (matérias) que ele (a) estuda (a Disciplina que mesmo
gosta). A disciplina Ciências Naturais foi citada em ambas as turmas com um
mesmo percentual. Entretanto, a disciplina que menos os(as) alunos(as) se
identificam são Matemática na Turma A e Português na Turma B. O Ensino
em ambas as escolas,está precisando melhorar, principalmente no que
concerne as disciplinas Matemática, Geografia e Ciências na Turma A e
Português, Geografia e Ciências na Turma B, e para tanto, precisa-se, antes,
fazer uma avaliação diagnóstica dos procedimentos didático-pedagógicos
utilizados pelos(as) professores (as) e da relação afetiva professor(a)-aluno(a)
que estão favorecendo para essa relação afetiva negativa dos(as) alunos(as)
com essas disciplinas. Observem os gráficos a seguir:

Gráfico 3: Disciplina que menos gosta.

Histó
ria
5% Disciplina que menos gosta

Ciên
cias
16%

Geogra Mate
fia mática
21% 58%

Turma A
Grupo de Estudos e Pesquisa
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Série1;
História ; 1; Nenhu
Matemá
4% ma
tica
8% 4%

Série1; Redação
; 3; 12% Portu
guês
40%

Geogra
fia
16% Série1;
Ciências; 4;
16%
Disciplina que menos gosta

Turma B

Com relação ao Ensino de Ciências Naturais percebe-se que existe


ainda uma fragilidade nessa área de ensino, pois como aponta Krasilchik
(2000) a historia do Ensino de Ciências nos Anos Iniciais é algo da
modernidade.

Quando perguntados sobre o que se aprende em Ciências Naturais as


respostas mais apresentadas, em ambas as turmas, foram referentes aos
conteúdos conforme apontam os gráficos a seguir.

Gráfico 4: O que se aprende se aprende em Ciências Naturais

O que se aprende em Ciências Naturais

Resp. rel. a Não


atividade respon
10% deu
11%

Resp.
vagas, amplas, Resp. rel.
gerais, a conteú
estereotipa dos
das 58%
21%

Turma A
Grupo de Estudos e Pesquisa
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Série1; Ilegível Não enten


deu
Resp.; 1; 4% 8%
vagas, amplas,
gerais,
estereotipadas
4%

Resp. rel. ao
conteúdo
44%

Resp.
rel. a ativida
des
40%

O que se aprende em Ciências Naturais

Turma B

Relação com as Práticas em Ciências Naturais

Quando perguntados sobre o que se precisa para aprender Ciências


Naturais a maioria dos(as) alunos(as) da Turma A apontou o aspecto
didático-pedagógico como motivador da aprendizagem, representado na
categoria atividades, conforme o gráfico que se segue:

Gráfico 5: Do que é preciso para aprender Ciências Naturais.

Série1; Resposta Série1; Não


relativa ao esforço entendeu ; 1; 5%
pessoal,
concentração ; 1;
Série1; Resposta 5%
vaga, ampla, geral,
estereotipada; 1;
6%

Série1;
Respostas
relativa a
atividades ;
16; 84%

O que é preciso para aprender Ciências Naturais

Turma A
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Oralidade e Escrita na Prática Escolar
ISSN: 2177-4072

A Turma B apresentou uma semelhança com a Turma A por


ambas apresentarem em sua maioria respostas relativas a atividades, mas a
Turma B apresentou um dado significativo sobre respostas relativo ao esforço
pessoal, concentração. Isso mostra a relevância do desempenho
comportamental sobre o entendimento dos(as) alunos(as) para que seja
preciso aprender Ciências Naturais.Observe o gráfico a seguir:

Série1; Não
Respo. rel. à entendeu ; 2; 8%
prática didático-
pedagógico
4%

Resp. ref. ao
desenvolvi
mento pessoal
4%
Série1;
Resp. rel. a Respostas
conteúdos relativas a
12% atividades;
14; 56%
Resp. rel. ao
esforço pessoal,
concentração
16% O que é preciso para aprender Ciências Naturais

Gráfico 5: Do que é preciso para aprender Ciências Naturais. Turma B

Quando perguntados sobre os atributos necessários que o(a)


professor(a) precisa ter para ensinar bem Ciências Naturais a grande maioria
da Turma A apresentou respostas relacionadas a atividades enquanto quase
metade da Turma B deu respostas vagas, gerais, amplas, estereotipadas
seguida da categoria respostas relacionadas a atividades. Dessa forma,
percebe-se que os atributos do ser um(a) bom(boa) professor(a) estão
relacionados à capacidade de desenvolver suas atividades profissionais.
Observe os gráficos a seguir:

Não enten Série1;


deu Ilegível ; 1;
Outras 8% 4%
respos
tas
8%

Resp. vagas,
amplas,
gerais,
estereo
tipadas
Resp. rel. a 44%
ativida
des
36%

Atributos do bom Ensino de Ciências


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Gráfico 6: Atributos para o/a professor/a ensinar bem Ciências Naturais. Turma A

Resp. rel. ao
conteú
do
5%

Resp. rel. a
ativida
des
95%

Atributos do bom Ensino de Ciências

Turma B

Quando perguntados sobre como são as aulas de Ciências Naturais


a maioria dos(as) alunos(as) da Turma A forneceu respostas vagas, amplas,
gerais e estereotipadas, conforme mostra o gráfico a seguir:

Série1; Série1; Não


Respostas entendeu ; 2;
referentes à 11%
relação afetiva
com o/a docente
e às práticas ; 1;
5%
Série1;
Respostas
relativas ao
comportamento Série1;
da turma ; 3; Respostas
16% vagas,
amplas,
gerais,
estereotipad
as; 13; 68%

Como são as aulas de Ciências Naturais na turma

Gráfico7: Procedimentos didático-pedagógicos das aulas de Ciências Naturais.


Turma A

A Turma B apresentou respostas relacionadas à relação afetiva


com a docência e as práticas de ensino mostrando assim, a relevância da
relação professor(a)-aluno(a), conforme mostra o gráfico a seguir:
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Como são as aulas de Ciências Naturais na turma

Série1; Não
respondeu ; 1;
4%

Série1; Série1;
Respostas Respostas
relativas a vagas, amplas,
atividades ; 1; gerais, Série1;
4% estereotipadas Respostas
; 7; 27% referentes à
relação afetiva
com a docente
e às práticas ;
17; 65%

Gráfico 7: Procedimentos didático-pedagógicos das aulas de Ciências Naturais.


Turma B

CONCLUSÕES
Diante dos resultados apontados na pesquisa pode-se perceber que
o ensino de Ciências Naturais não está favorecendo para uma boa aceitação
por uma boa parcela dos estudantes de ambas as turmas que afirmaram não
gostar da disciplina. Provavelmente esse fato está associado aos
procedimentos didático-pedagógicos utilizados pelo(a) docente, pois, nas
duas turmas foi foram encontradas, de forma recorrentes, respostas
relacionadas a uma metodologia livresca e expositivista com muita leitura do
livro didático e apontamentos no quadro demonstrando que as aulas de
Ciências Naturais precisam de algumas melhorias.

O ensino de Ciências Naturais da forma como está sendo


apresentada não contribui para a formação da cidadania uma vez que não
consegue relacionar o conteúdo apresentado na sala de aula com o que os(as)
jovens vivenciam no seu cotidiano. Cabe lembrar que os Parâmetros
Curriculares Nacionais pregam que o ensino precisa ser contextualizado
levando-se em consideração a realidade na qual os(as) alunos(as) estão
inseridos(as). O ensino de Ciências precisa melhorar nos aspectos estruturais
e metodológicos para uma aula mais ampla e diversificada, de modo que seja
interativa e proporcional para a realidade da escola que está inclusa no meio
social.

REFERÊNCIAS

BRASIL. Ministério da Educação. Parâmetros Curriculares Nacionais.


Apresentação dos Temas Transversais e Ética. Brasília: MEC/SEF, 1998.
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Oralidade e Escrita na Prática Escolar
ISSN: 2177-4072

CHASSOT, Attico. Alfabetização Científica: uma possibilidade para a


inclusão social. Revista Brasileira de Educação, nº 22. Jan/Fev/Mar/Abr,
2003.
CHASSOT, Attico. A Ciência é masculina? É sim, Senhora!São Leopoldo-
RS: Editora UNISINOS, 2009.
FURLAN, Melina; BRASIL, Sangari. O Ensino de Ciências no Ensino
Fundamental: colocando as pedras fundacionais do pensamento científico.
Out./2009. Disponível em:
http://www.sangari.com/visualizar/institucional/pdfs/Colocando_as_pedras_f
undacionais. pdf. Acesso em 28/01/2012.
GARCÍA, Eduardo. Conhecimento cotidiano, escolar e científico:
representação e mudança. São Paulo: Ática, 1998.
GATTI, B. Avaliação de sistemas educacionais no Brasil. Sísifo. Revista
de Ciências da Educação, 09, pp. 7-18, 2009.
HAMBURGUER, Ernest. Apontamentos sobre o Ensino de Ciências nas
Séries Iniciais. 2007.
LIMA, Maria Batista. Relação com o Saber das Ciências Naturais nos
Anos Iniciais do Ensino Fundamental: Desafios e Possibilidades.
Itabaiana-SE: UFS, 2011. No prelo.
LIMA, Maria Batista. Saberes e Práticas de Matemática e Ciências
Naturais nos Anos Iniciais do Ensino Fundamental: um estudo em
diferentes contextos escolares da Microrregião do Agreste de Itabaiana-SE.
Projeto de Pesquisa. Itabaiana-SE: UFS, 2011.
MARCO, B. La alfabetización científica. Em Perales, F. y Cañal, P.
(Eds.): Didáctica de las Ciências Experimentales, Alcoy: Marfil.(2000)
MALAFAIA, Guilherme; RODRIGUES, Aline Sueli de Lima. Uma reflexão
sobre o Ensino de Ciências no Nível Fundamental Da Educação. Ciência
& Ensino, vol. 2, n. 2, junho de 2008.
MATOS, I. C. R. A Formação Permanente de Professores. Campinas-Sp:
2007.
MOREIRA, S.M.E.; SILVA, I. J. Saber cotidiano e saber escolar: uma
análise epistemológica e didática. R. EDUC. PÚBL. 2010
TRIVELATO, F. S.; SILVA, F. L. R. Ensino de Ciências. São Paulo:
Cengage Learning, 2011.
ZANON, V. D.; FREITAS, D. A aula de Ciências nas Séries Iniciais do
Ensino Fundamental: ações que favorecem a sua aprendizagem. Ciência &
Cognição, 2007.
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A Linguagem Docente como um Elemento


Mediador no Processo de Ensino-
Aprendizagem em Sala de Aula

Dhienes Charla Ferreira1


Gelson Caetano Paes Junior2
Eliana Crispim França Luquetti3

RESUMO
Este artigo tem como objetivo principal evidenciar a importância discursiva docente
numa perspectiva do ensino-aprendizagem do discente. Para tanto, as entrevistas com
professores e alunos dos anos iniciais do Ensino Fundamental foram extraídas dum
banco de fala escrita e oral de falantes escolarizados ou, em “escolarização” do norte
fluminense. Estes foram constituídos de sete (7) docentes que assistem a Educação
Infantil e Ensino Básico de escolas municipais e estaduais do munícípio de Campos
dos Goytacazes e de treze (13) estudantes dos ensinos infantil e fundamental. A
aplicação de perguntas seguiu-se a um itinerário próprio que buscou averiguar, de
modo geral, aspectos de ensino-aprendizagem e, em relação direta com o discurso
docente. Além, é claro, da pesquisa bibliográfica conforme a temática proposta.
Abordarmos os processos de aquisição de conhecimento e da linguagem no aluno.
Entendemos que a linguagem assumida pelo professorado é decisiva para a produção
do saber a ser aprendido pelos estudantes. Para tanto, estes conseguem ‘compreender’
o discurso docente quando sentados nos bancos escolares, ouvem atentamente a fala
do mestre e, demonstram o que adquiriram ao participar efetivamente da aula. Assim,
o presente trabalho visou propiciar a uma reflexão sobre uma outra forma de se
conceber as relações discursivas dos docentes em sala de aula

Palavras-chave: Discurso docente, Ensino-aprendizagem e Sala de Aula.

1
Contato do(a) autor(a):dhienesch@hotmail.com. UENF, Licencianda em Pedagogia.
2
Contato do(a) autor(a):gelcapaior@yahoo.com.br. UENF Licenciando em
Pedagogia.
3
Contato do(a) autor(a): elinafff@gmail.com. UENF, Professora Associada.
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INTRODUÇÃO

O presente artigo objetivou evidenciar a importância da linguagem do


professor no processo de ensino e aprendizagem na sala de aula. Ele foi
resultado de uma longa discussão acerca dos problemas de linguagem que se
tem valido o professorado do ensino básico e, em relação com o baixo
rendimento escolar de boa parte de estudantes da educação infantil e do
ensino fundamental. Bem se sabe que a linguagem está presente em todos os
momentos da vida humana. E, que ela é a principal ferramenta pelo qual o ser
humano se relaciona diretamente com o mundo externo, pratica a interação
social com os pares e, ainda, é capaz de se relacionar com o mundo que ele
carrega dentro de si como significação e sistema de conceitos e valores.

Conhecendo-se, ele expressa aquilo que sabe construindo ou


desconstruindo-o e, bem como, o de armazenar tudo aquilo que aprendeu e a
refazer novos conhecimentos numa contínua produção de saberes e
significados. Quer por meio de sinais, quer pelo sentido que dá a tudo aquilo
que produz. Tanto significado quanto a palavra criadora estão relacionados à
intencionalidade que garante o diálogo de quem fala e escreve tendo em vista
que haja uma interação relativa entre o enunciador que cria um sentido e ao
significado que o texto pode conferir ao processo comunicativo. Consoante, a
linguagem que o professorado tem se valido na prática docente merece total
atenção pelo fato dela ser o principal canal de comunicação que se faz jus em
sala de aula.

E o aluno aprende o que pertence ao educativo que o professor lhe


confere na aula diretamente e sem ressalvas. Mas porque nem todos
conseguem aprender o conteúdo através da linguagem docente? Se a
linguagem é clara, porque o alunado tem enfrentado tantos problemas em
aprender os conteúdos que a prática docente lhe confere? A compreensão
óbvia é que parece haver uma não acessibilidade na linguagem usada pelo
professor quando o conteúdo é ensinado ao aluno. Ora, o discurso também é
texto e este se vale da linguagem para veicular o que se deseja transmitir.
Assim, entendido, esse processo se completa e se justifica na compreensão
atribuída ao interlocutor, uma vez que, um fenômeno intersubjetivo ancora o
discurso naquilo que o texto necessariamente tem de imprescindível: o
significado. E isso faz com que os homens se sobressaiam às demais
espécies, mesmo àquelas mais próximas devido ao poder que ele tem de
delimitar ao mundo, os significados a tudo aquilo que produz.

Assim, a cada ação, a cada atitude, o homem manifesta aos outros


homens, tudo aquilo que pensa e sente, justamente porque se relaciona com
os outros. E nesse sentido, o professorado se relaciona com o alunado. Mas,
onde estão os significados conferidos à linguagem? Pode-se afirmar
categoricamente, que eles estão no mundo, mas não se limita a ele, pois, na
colaboração do docente a prática pedagógica se (re) faz no sujeito aprendiz e
o saber é produzido. E este se apropria do significado conferindo sentido e
expressividade a tudo aquilo que pensa e sente. Assim, tudo isso acontece
pelo fato deles serem sociáveis.
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Neste sentido, o artigo pretende evidenciar a importância e a eficácia da


linguagem na prática docente, no processo de ensino e, por último, na
aprendizagem estudantil. Conforme considerou FERREIRA (2008) acerca do
conceito de significado entendido como um produto social que acontece
implicitamente nos sujeitos falantes. A contextualização dos significados
ocorre por meio do relacionamento do falante com o ouvinte. E, nas trocas
discursivas intercalando posições entre emissor e receptor. Assim, o discurso
se manifesta no procedimento dialético que se completa na razão do processo
comunicativo.

1 A linguagem nos processos de ensino-aprendizagem

As indagações suscitadas levaram-nos a investigar os problemas


pertinentes ao ensino-aprendizagem do alunado em geral. Relativos à prática
pedagógica do professorado que se utiliza do discurso para retificar a sua
principal função: que é o ato do ensinar. E, nesse sentido, a prática docente se
serve do discurso, que é um subproduto da linguagem segundo AUROUX
(1998). Essa opção pela linguagem, intrinsecamente reproduzida na oralidade
e, concretizada do discurso está tão viva na prática pedagógica do
professorado hoje como o fora nos “passeios pelos jardins” da antiga Grécia
conforme ensinou CAMBI (1999). Assim, o discurso que se valeu a docência
foi de suma importância porque se configurou num veículo real da prática
pedagógica assumida pelo professorado no sentido do ensinar. Para tanto,
devido à carência de abordagens em educação que revelem o itinerário da
problemática da inacessibilidade de boa parte estudantil frente ao discurso
docente no sentido da relação linguagem e aprendizagem em sala de aula. A
referida problemática contida neste artigo veio buscar refletir em pesquisas
que propiciassem instrumentalizar uma investigação justamente a não se
perder o foco naquilo que se considerou imprescindível à relação linguagem
e aprendizagem: o de se buscar numa averiguação reflexiva, um esboço
acerca da relação entre linguagem docente com o aprendizado estudantil.

Assim, as concepções em psicologia, particularmente, aquelas que


tratam da gênese e desenvolvimento do pensamento e da linguagem
VIGOTSKI (1998). Conforme essas concepções num e noutro termo e
tratando-os em relação com a fala num processo puramente cognitivo. E,
destes com a aprendizagem segundo compreendeu LURIA (1987) acerca dos
processos que configuraram a linguagem humana e a sua relação com a
aprendizagem. Se buscou também na reflexão sociolinguística de Uriel
WEINREICH, William LABOV e Marvin HERZOG alguns aportes
necessários porque eles e, em particular, o segundo. Foi estudar a oralidade
como prática social do uso da fala, capaz de enriquecer o discurso nos falares
urbanos de falantes nativos de uma cidade. Isso implica afirmar a importância
da linguagem no cotidiano das pessoas. Diante desses aspectos, este projeto
justifica-se pela relevância da linguagem no processo comunicativo dentro e
fora da sala de aula. Estamos nos valendo dessas pesquisas para traçar um
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perfil do discurso do professorado, mas é preciso lembrar que estamos numa


abordagem reflexiva da linguagem. Consequentemente, nossa pesquisa tem
caráter exclusivamente, de pesquisa qualitativa. Dito e feito, LABOV
considerou no caput quarto dos Padrões Sociolinguísticos, os usos da fala
como fonte inesgotável de significados, de oportunidades infindáveis para o
entendimento dos falares urbanos, bem como, da competência linguística do
falante que faz uso diário do discurso. Assim, a linguagem tem para ele uma
característica fundamental: que é o de criar oportunidades discursivas para o
uso efetivo da língua, e no caso, a materna.

Destarte, o autor parte do pressuposto de que cada discurso tem o seu


valor, assim o falante e qualquer falante tem o seu valor! Todo discurso não é
neutro, evidentemente, ele implica ideologia, valores estéticos e morais, de
senso comum, científico, político e educativo. Cada falante é observado
como alguém que tem um jeito de se comunicar diferenciado e, em língua
materna ele discursa para uma comunidade em que a sua fala é entendida. Só
que LABOV (2011) não consegue explicar satisfatoriamente o porquê do
fracasso escolar de boa parte do alunado, amontoados nas nossas salas de
aula. Entender a competência linguística de cada um parece não ser coisa
muito difícil para ele. Mas, quando se pensa nas causas do fraco desempenho
estudantil, se entende que só a compreensão das carências materiais e
culturais da boa parte do contingente discente de nossas salas de aula não se
faz totalmente contundente. Ou seja, a velha ideia de que o aluno originário
das classes populares não aprende porque ele é, exatamente, pertencente a
essa classe. Está muito em moda hoje em nossos centros de pesquisa e
também nos materiais acadêmicos publicados cujo teor aponta um alunado
carente de tudo, principalmente dos bens ditos culturais a justificativa para tal
fato.

Contudo, o perfil do alunado brasileiro do ensino público de nível


básico oriundo das classes populares é na atualidade muito multifacetada e
correspondem a uma representação dos vários níveis culturais e educativos
quando se pensa em desempenho escolar. Visto que, parece não alcançar os
significados do discurso docente, fortemente demonstrados pelo baixo
rendimento escolar e comportamental dos estudantes. As experiências e
pressões da condição social contemporânea parecem corresponder a uma
intensidade de novos requisitos oriundos de novas condições, da natureza e
da organização do ensino que incidem diretamente no trabalho docente.
Entendemos que o processo de mudança educativa sofre variações contínuas,
pontuais e refletem uma busca pela reestruturação do ensino, bem como, a da
adoção de novas práticas pedagógicas que deveriam ser assumidas pelo
trabalho docente.

Considerar essas novas perspectivas é de fundamental importância


porque a pergunta que não quer calar é a de que infere na posição do
professor frente às mudanças linguísticas e educacionais que estão ocorrendo
na realidade social brasileira e, em particular, na escola pública. Assim, qual
o lugar que o professorado deve ocupar num processo de mudança educativa?
Tal mudança implica nos usos da linguagem que o docente assume em sala
de aula. Dessa maneira, se considerou a complexidade de se redefinir o papel
educativo do trabalho docente. É inegável viabilizar a ciência, os critérios de
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cientificidade e as concepções teóricas como apontou POPPER (2010). Tanto


quanto negar a possibilidade de conhecimento do ponto de vista prático. Na
contemporaneidade o momento é de valorização das concepções de
aprendizagem que enfatizam o processo. E nele, o individuo é exaltado.
Consequentemente, o reflexo que se tem observado no trabalho docente é a
dificuldade de maximizar as possibilidades do saber através da práxis
pedagógica. Essa reflexão incidente no discurso docente veio apresentar o
uso da linguagem que o professorado tem se valido em aula. É desafiante
para o professor invocar o desenvolvimento da racionalidade criativa no
alunado. Mas, é preciso alertar aos educadores de que, tal paradoxo é rico em
oportunidades tanto no âmbito das mudanças na ação educativa quanto a
reafirmação do papel social pertinente à identidade docente cujo espaço
decisivo de atuação é a escola.

Conforme a proposta de MORIN (2001: 128), o sujeito não pode ser


entendido como mera “ilusão”. Isso implica dizer que o reconhecimento dele
como personagem social pressupõe potencialidades de reorganização
conceitual. E, nesse patamar, o trabalho docente se concretiza.

2 Estruturação temática

O presente artigo objetiva evidenciar a importância da linguagem do


professor no processo de ensino e aprendizagem. Segundo, a demonstrar a
existência de necessidades de se levar em consideração a diversidade
linguística demandadas no espaço escolar. Uma vez que, esse ambiente é
extensão da sociedade e os usos linguísticos são diversos. E por último, a
identificar o papel mediador do professorado no processo de aquisição do
conhecimento. Para tanto, as entrevistas com professores e alunos dos anos
iniciais do Ensino Fundamental foram extraídas dum banco de fala escrita e
oral de falantes escolarizados ou, em “escolarização” do norte fluminense.
Estes foram constituídos de sete (7) docentes que assistem a Educação
Infantil e Ensino Básico de escolas municipais e estaduais do munícípio de
Campos dos Goytacazes e de treze (13) estudantes dos ensinos infantil e
fundamental. A aplicação de perguntas seguiu-se a um itinerário próprio que
buscou averiguar, de modo geral, aspectos de ensino-aprendizagem e, em
relação direta com o discurso docente. Além, é claro, da pesquisa
bibliográfica conforme a temática proposta.

A análise de anotações acumuladas nas aulas presenciais e reunidas


durante quase quatro anos na Licenciatura em Pedagogia também foi
apreciada, uma vez que, foi de fundamental importância na investigação
problematizada nas hipóteses acerca da substancialidade da linguagem do
professor como fator de suma importância para o ensino e aprendizagem na
sala de aula. Ou, na inconsideração feita por muitos docentes acerca da
heterogeneidade das turmas porque se visa à padronização da linguagem de
modo geral e dificultando, bem como, possibilitando a exclusão das intenções
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comunicativas do alunado e suas adequações. E, por último, o professor


desempenhando o papel mediador no processo de ensino e aprendizagem.

E, na comparação destes com outros apontamentos levantados


doravante observação em estágio supervisionado no ensino básico (educação
infantil e ensino básico: fundamental e médio). E que esse estudo servirá de
fonte de enriquecimento para todos que desejarem se atualizar na perspectiva
da Educação. Assim, buscou-se apontar as condições da reprodução cultural
no interior do ambiente escolar. Particularmente, nas que trataram das
condições oportunizadas em sala de aula. Pois, é aqui onde o papel do
professor pode na maioria das vezes, ser de suma importância para uma
efetiva transformação na vida do alunado, bem como, da instituição escolar.

ALGUMAS CONSIDERAÇÕES

A reflexão caminhou no sentido de indicar também as condições de


formação e trabalho docentes. Entendendo-se que a escola hoje é um espaço
social privilegiado para a prática pedagógica da docência onde ela se faz
valer do discurso que demanda por uma nova clientela estudantil. Nesse
sentido, justifica-se a necessidade de se refletir “sobre os estudos da
linguagem e da aprendizagem” (MATENCIO, p. 65).

Consoante, ficou entendido também que a linguagem e a aprendizagem,


bem como, a relação recíproca que ambas pareçam manter, não é
definitivamente unívoca, muito menos, de igual sentido porque se tem
confundido a significação de um e outro termo. E, essas concepções
entendidas paradoxalmente, orientaram por muitos anos abordagens de
ensino em sala de aula equivocadas, justamente por se tratar de campos
conceituais muito distintos e que muitas vezes podem confundir devido a
aproximação que pareçam manter. E, por se tratar de usos linguísticos
reproduzidos no âmbito da escrita obrigam o alunado a reproduzir fielmente
na escrita e no discurso tal como se escrevem no papel.

É claro que na medida em que pesquisas no campo da Linguagem e da


Pedagogia avancem melhores concepções poderão ser suscitadas em estudos
mais sistematizados acerca dos fenômenos que configuram a linguagem, a
aprendizagem e a educação. E esta, propriamente fazendo referência à
pedagogia que se atem na investigação do educativo. Mesmo que ela seja
considerada conforme LIBÂNEO (2000), um campo do saber sem um objeto
específico. Pois, todos os processos de ensino-aprendizagem produzidos e
absorvidos pelo ser humano têm a, grosso modo, um caráter pedagógico e,
por isso, educativo.

E no que toca à linguagem foi fundamental que se assumisse a proposta


saussuriana quanto à abordagem linguística e ao sistema linguístico que lhe é
pertinente. Dessa maneira, a prática pedagógica da docência, sem dúvida
alguma, exigiu para si uma atenção toda particular ao que é inerente ao
linguístico que se percebeu individualizado numa comunidade de falantes.
Porque “o fato social se impõe ao sujeito, no estudo da aprendizagem
coexistem diferentes perspectivas na abordagem da relação entre o social e o
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individual” MATENCIO (2007: 67). Mas, poder-se-ia pensar numa escola


pública que deveria dar a devida atenção à questão de estudos em linguagem
e aos relativos às teorias da aprendizagem na sala de aula?

Respostas a essas questões são muito necessárias quando se pensa em


buscar fundamentações teóricas que se façam condizentes ao interesse deste
artigo. Por essa razão, será preciso entender a necessidade de se fazer uma
“intersecção” entre diferentes concepções referenciadas nos estudos em
linguagem, bem como, em teorias atinentes a aprendizagem e as práticas
pedagógicas. Isso implica compreender que os estudos em ensino-
aprendizagem envolvem o descompasso de diferentes trajetórias abordadas
em educação e linguagem. Tem-se as universidades incumbidas de preparar o
futuro docente à formação, à pesquisa e aos processos de aprendizagem que
englobam a aquisição do conhecimento e as práticas que efetivam o ensino.

E o discurso que se vale os docentes é o principal veículo entre aquilo


que se pretende ensinar com a intenção do ensinar. Ferdinand de Saussure é
bem-vindo neste momento, pois, para revigorar essas reflexões, sobretudo,
quando para se estudar a questão dos “usos da língua” no contexto escolar
onde a linguagem assume papel relevante. Assim, ele fez questão de
contemplar a língua, ela mesma, como um fato social porque embora
estruturada neste. Ela é algo pertinente à razão do uso de práticas que são
organizadas conforme regularidade e ordem demandas no social. De certo
modo, foi uma maneira de se dizer a favor da padronização da linguagem.
Em que se apontou o interesse pela língua e não pela fala, porque buscou-se
entender como é reproduzida a questão do “fracasso escolar” pelo ponto de
vista do uso que o professor se faz dela dentro da sala de aula. Também foi
compreendido que a língua não pode ser somente a única requisitada, pois
segundo esclareceu MATENCIO (2007), a fala é algo mais particular e que
está referida ao sujeito falante, que toma o lugar no discurso e, como em
Saussure, ela entendeu a fala como uma estrutura linguística concebida a
partir de “uma representação coletiva que tem poder coercitivo sobre o
falante” (IDEM, p. 69).

Entender a apropriação da linguagem conforme ROJO (2010) no


contexto da sala de aula é assumir que o discurso docente envolveu o alunado
em mundos repletos de significações. O discurso a que se tem valido o
professorado na sua função de ensinar foi tido como um grande possibilitador
e mediador na construção das capacidades de linguagem, de significados e de
saberes. Um diálogo possível poderá ocorrer se houver um entendimento
claro acerca da abordagem “das funções psicológicas superiores”
vigotskiana. E esta, em relação com a intencionalidade tanto da prática
pedagógica quanto da prática docente porque foram ao encontro do estudante
buscando compreender a “internalização” dos conceitos que via de regra o
professor não conseguiu alcançar. Isso quer dizer que ninguém pode ver a
consciência do outro no momento em que o conhecimento está sendo
produzido no discurso docente. A menos que se indague. E também, a que
grau de entendimento foi o discurso interpretado ou apreendido. Estamos
num espaço de “... multiplicidade e simultaneidade de ações e interações
presentes em sala de aula...” (IDEM, p. 215).
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Assim, o presente trabalho visou propiciar a uma reflexão sobre uma


outra forma de se conceber as relações discursivas dos docentes em sala de
aula.

REFERÊNCIAS

AUROUX, Sylvain. A Filosofia da Linguagem. Trad., [de] José Horta


Nunes. Ed. Unicamp, Campinas, SP, 1998.
AZEREDO, José Carlos de. Gramática Houaiss da Língua Portuguesa. 2ª
Edição, Editora Publifolha, São Paulo, SP, 2008.
CAMBI, Franco. História da Pedagogia. Ed. Loyola/UNESP, São Paulo,
SP, 1999.
LABOV, William. Padrões Sociolinguísticos. (1ª edição, 1ª reimpressão:
abril de 2011) Ed. Parábola, São Paulo, SP, 2008.
LIBÂNEO, José Carlos. Pedagogia e Pedagogos, para quê? 3ª edição, Ed.
Cortez, São Paulo, SP, 2000.
LURIA, Alexandr Romanovich. Pensamento e linguagem: as últimas
conferências de Luria. Trad. [de] Diana Myrian Lichtenstein [e] Mário
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II Seminário Nacional de Alfabetização e Letramento Alfabetização, Discurso e Aprendizagens
Oralidade e Escrita na Prática Escolar
ISSN: 2177-4072

Novas Tecnologias na Educação

Dean Lima Carregosa1

RESUMO

Acreditamos que a parceria entre a educação e as tecnologias da informação e


comunicação – TICs compõe um cenário coerente com a atual dinâmica que estrutura
a vida do homem moderno. A introdução das tecnologias da informação na educação
está associada não apenas a mudanças tecnológicas, mas também sociais e
educacionais. É preciso também criar ambientes especialmente destinados à
aprendizagem, nos quais os alunos possam construir os seus conhecimentos de forma
cooperativa e interativa, não esquecendo os estilos individuais de aprendizagem. As
múltiplas interfaces e metodologias utilizadas neste contexto são capazes de estimular
a capacidade cognitiva dos alunos de maneira significativa. Dessa percepção, surgiu o
interesse em realizar o presente estudo, que procurou compreender como ocorrem as
situações educacionais de ensino e de aprendizagem nas escolas com a inserção de
novas tecnologias no currículo escolar. Abordou-se também conceitos de
alfabetização e letramento digital, expondo sua singularidades. Foram realizados
levantamento e análise de estudiosos que focam a utilização de TICs na educação.
Como resultado dessas leituras, análises e discussões, surgiu o presente artigo, que
explicita aspectos que tangenciam o uso de tecnologias como alternativa de
enriquecimento das relações entre o ensinar e o aprender. Nas considerações finais,
são registrados alguns comentários sobre o uso das TICs no contexto educacional. Ao
final, são citados livros, textos, leis e demais instrumentos utilizados na elaboração
deste artigo.

Palavras-Chave: TICs na Educação, Mídias Escolares, Informática Educativa

1
Contato do(a) autor(a): dlcarregosa@hotmail.com. Licenciatura em Matemática –
UNIT.
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INTRODUÇÃO

Com o crescimento do uso da informática e sua disseminação, o


computador chegou também às escolas. Foi inserido, inicialmente, pelo setor
burocrático e, mais tarde, na sala de aula, potencializando o processo de
ensino-aprendizagem.

Revestidas de modernidade, essas ferramentas exercem grande fascínio


sobre os alunos por virem acompanhadas das variadas possibilidades da
multimídia, dos programas que integram ludicidade e informações, das
enciclopédias virtuais, da informação em tempo real, da comunicação
instantânea e outras oportunidades.

Considerando-se que as tecnologias possibilitam formas diferentes de


acesso à informação e à construção do conhecimento, pode-se afirmar que a
presença da informática dentro da Educação interfere diretamente na
aprendizagem dos alunos.

É dessa observação que parte o presente estudo, o qual busca


compreender como a inserção das novas tecnologias de informação e
comunicação – TICs no currículo escolar afeta o cenário educacional de
ensino-aprendizagem nas unidades de ensino. Foram realizados levantamento
e análise de autores que se debruçam sobre o emprego de TICs na educação.
Como resultado, o artigo expõe aspectos relevantes do uso dessas tecnologias
como estratégia de enriquecimento das relações entre o ensinar e o aprender.

1 Tecnologias de Informação e Comunicação na Educação

Na atualidade, é crescente a demanda pelo uso de tecnologias de


informação e comunicação no meio educacional. Este processo de
incrementação do currículo escolar vem provocar educadores e gestores,
conduzindo-os à reflexão acerca das transformações ocorridas no cenário
socioeducacional após a introdução das TICs na relação ensino-
aprendizagem.

O percurso histórico da humanidade sempre registrou tentativas de o ser


humano construir aparatos que lhe auxiliassem na execução de tarefas e na
solução de problemas do cotidiano. Hoje, pode se afirmar que a evolução e
popularização da informática e da eletrônica inauguram uma nova fase da
História, proporcionando ao homem contemporâneo a realização de uma
experiência que outrora povoava apenas as mentes visionárias de seus
antepassados.

Os avanços tecnológicos ocorridos na sociedade nas últimas décadas


têm fomentado intensas alterações nos setores da economia, da política, das
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relações de trabalho, entre outros. A presença das tecnologias no campo


educacional traz à tona questões relativas à concepção de escola, de ensino,
de aprendizagem, de perfil do professor, do aluno, do ‘novo’ cidadão que está
em formação. Instala-se aqui mais um paradigma pedagógico, no qual as
formas de ensinar/aprender passaram a ser revistas e remodeladas. Segundo
Carvalho:

A acessibilidade mudou nossa forma de lidar com a informação, com


novos padrões de velocidade e armazenamento. Para termos uma ideia
basta pensar em como eram realizadas as pesquisas escolares
antigamente. Era preciso consultar uma enciclopédia pesada e
empoeirada procurando o verbete necessário. Depois, esse material era
copiado cuidadosamente em uma folha de papel e entregue ao
professor (CARVALHO, 2006, p.49).

As tecnologias assumiram um papel fundamental na revisão de


conceitos antes inquestionáveis, ao se fazerem presentes em todas as esferas
sociais, inclusive na educação. O mundo, agora visitável/navegável pela tela
do computador e pela televisão, se reconstrói numa outra dimensão, onde
barreiras geográficas e distanciamento espaço-temporal já não constituem
contratempos na relação ensino-aprendizagem. Surge, então, uma nova
possibilidade de aprender, sem necessariamente se estar no ambiente formal
da sala de aula.

Estimulada pelas multipossibilidades da informática, a sociedade vive o


chamado boom das TICs. Cada vez mais a educação tem sido permeada por
elas, onde todos esses meios aplicam interatividade e sentido mais amplo a
outros canais de fluxo de conhecimento, como livros, almanaques, revistas e
até mesmo o quadro e o giz. Segundo Carregosa:

Do popular computador pessoal aos portáteis celulares e tabletes, são


muitos os suportes que, integrados em rede, asseguram a realização de
teleconferências, aulas digitais e versões on line de fóruns e debates,
além do já tradicional e-mail (CARREGOSA, 2011, p.08).

Além de produzir e disseminar saberes, é função atribuída à escola (em


todos os níveis de ensino) preparar cidadãos críticos, participantes,
autônomos e dominadores das tecnologias. Dessa forma, torna-se importante
que a mesma utilize as tecnologias da informação e do conhecimento em seu
cotidiano. Porém, essa mesma humanidade que demanda conhecimento com
agilidade, vive um dilema frente ao uso desses equipamentos na educação,
pois essa nova proposta exige certo domínio tecnológico. Neste sentido, Silva
e Nunes afirmam que:

A introdução das TICs na educação causa, a princípio, um impacto,


um desconforto em grande parte das pessoas não porque as
ferramentas tecnológicas sejam abomináveis, mas principalmente
porque o ser humano se vê diante de novos desafios e de outras
formas de aprender (SILVA e NUNES, 2005, p.5).
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Assim, além de ‘digitalmente alfabetizado’ (consulta de saldos e saques


em bancos, retirada da bolsa-família em lotéricas, votação em eleições
oficiais, por exemplo), para atuar de forma mais dinâmica na sociedade
moderna, é preciso que o sujeito seja também ‘digitalmente letrado’.

O sujeito alfabetizado sabe decodificar os sinais gráficos do seu


idioma, porém de modo superficial. Ele lê com dificuldade e é capaz
de escrever textos simples como listas de compras e bilhetes. Já o
sujeito letrado não só adquiriu a capacidade de ler e escrever, como
também é capaz de usar esse conhecimento em práticas sociais de
leitura e escrita (VALENTE, 2008, p.13).

Ainda segundo Valente:

Embora o termo letramento apresente o prefixo "letra" e tenha sido


cunhado no contexto do processo de leitura e escrita, ele tem sido
utilizado para designar o processo de aquisição de outros
conhecimentos, como, por exemplo, o digital. Por isso, é comum
encontrarmos a expressão letramento digital designando o domínio
das tecnologias digitais, no sentido de alguém não ser um mero
apertador de botões (alfabetizado digital), mas sim ser capaz de usar
essas tecnologias em práticas sociais. (VALENTE, 2008, p.13).

Dentro desse cenário, o uso do computador e da internet passaram a


definir outro olhar no ambiente informacional, que contribuiu para uma nova
forma de comunicação que intervém em todo o contexto social e educacional.
Surge uma nova ordem na relação ensino-aprendizagem, na qual, segundo
Azevedo et al:

É preciso estabelecer um conjunto de elementos que precisam ser


priorizados, tanto na arquitetura e no uso dos sistemas, quanto na
elaboração e na utilização do material didático, para oferecer
experiências de aprendizagem colaborativas que se traduzam como
avanço cognitivo para os alunos (AZEVEDO et al, 2011, p.1)

A partir do momento em que assume o papel de facilitador da vida


contemporânea, o computador potencializa, enriquece e diversifica a
experiência educativa e, assim, oportuniza a aprendizagem sob diferentes
óticas. De acordo com Villardi e Oliveira:

As novas tecnologias de informação e de comunicação fizeram


ingressar nos ambientes tecnológicos de treinamento e ensino um
poderoso instrumental interacional, capaz de alterar,
substantivamente, as possibilidades de relação entre os sujeitos
envolvidos e, assim, viabilizar que, nesses ambientes, se criem as
condições indispensáveis ao caráter dialógico da educação
(VILLARDI e OLIVEIRA, 2005, p.36).

A presença de tecnologias digitais na relação ensino-aprendizagem cria


variadas possibilidades de comunicação e expressão. No cotidiano escolar
elas se fazem presentes e, assim como a tecnologia da escrita, também devem
ser adquiridas. Através delas, novos modos de comunicação e expressão são
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evidenciados como a criação e uso de sons, imagens, animação e a


combinação dessas modalidades.

Tais facilidades passam a exigir o desenvolvimento de diferentes


habilidades, de acordo com as diferentes modalidades utilizadas,
criando uma nova área de estudo, relacionada com os diferentes tipos
de letramento - digital (uso das tecnologias digitais), visual (uso das
imagens), sonoro (uso de sons), informacional (busca crítica da
informação) - ou os múltiplos letramentos, como têm sido tratados na
literatura (VALENTE, 2008, 15).

Como se percebe, a introdução de TICs na Educação está associada não


apenas a mudanças tecnológicas, mas também sociais e educacionais. Dessa
forma, não basta inserir novas tecnologias no processo educativo.
Concomitantemente, faz-se necessário criar também ambientes especialmente
destinados à aprendizagem, onde os alunos possam construir os seus
conhecimentos interativamente. Nesse viés, não se pode esquecer os estilos
individuais de aprendizagem nem negligenciar que é preciso capacitar os
professores para que orientem a sociedade no convívio com a informática,
participando de suas decisões como seu principal agente.

Apesar da disseminação dos computadores em ambientes escolares, há o


risco desta sociedade informatizada não ter acesso a um uso adequado e
produtivo do computador, visto que o processo de implementação e
utilização deste instrumento no ensino ultrapassa a montagem de laboratórios
de informática ou mesmo a distribuição de computadores para cada aluno,
como é feito através de alguns projetos de governo.

Nesse processo de inserção dos computadores nas escolas, o antigo


paradigma educacional – que se estrutura num amontoado de conhecimentos
e ignora a capacidade cognitiva e criativa dos educandos (e professores!) –
torna-se insuficiente por ser incapaz de lidar com as constantes mudanças que
ocorrem na sociedade atual. Nesse contexto, se atribui fundamental
importância à formação continuada dos professores para uso dos recursos
tecnológicos na escola.

Torna-se relevante investir na formação desses professores, para que


haja uma consolidação do uso da informática na escola. Tal
importância é reconhecida pelos idealizadores desses programas
governamentais, tanto que a formação é uma de suas principais ações,
e considerada por eles, condição de sucesso dos mesmos (BOVO,
2004, p. 4).

Por outro lado, sabe-se que os computadores têm sido pouco utilizados
na prática pedagógica dos professores, os quais se sentem despreparados para
usufruir os recursos computacionais na sala de aula. Muitos até conseguem
planejar suas aulas, elaborar planos, boletins e resenhas sobre o que querem
trabalhar. Todavia, há um impasse em como converter em uma linguagem
gráfica as informações e ideias que possuem, de forma a revitalizar a
importância do cálculo, valorizando-se as possibilidades de realização de
projetos de exploração, investigação e modelagem.
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A maioria dos candidatos a professores entra em fase da sua


preparação profissional com um contato anterior com essas
tecnologias muito reduzido. De modo geral, esses jovens olham com
desconfiança o uso das TICs na educação e sentem-se pouco à
vontade em lidar com elas, mesmo para seu uso pessoal (PONTE,
2003, p.161).

Para Flemming et al (2005), o computador é como uma ponte entre os


dois lados dos muros da escola, capaz de promover o intercâmbio entre os
conteúdos acadêmicos, potencializando o ensinar e o aprender.

Considera-se que o uso de computadores e calculadoras pode levar às


escolas anseios de uma nova geração, já acostumada com estas
tecnologias. Com a presença do computador, a aula ganha um novo
cenário que reflete diretamente na relação professor-aluno. O
computador pode funcionar como uma ponte de ligação entre o que
acontece na sala de aula e o que está fora da escola (FLEMMING et
al, 2005, p.17).

Dede (2011) afirma ser possível, através do uso de tecnologias, unir de


maneira tão integrada os mundos dentro e fora da escola. O pesquisador,
porém, faz ressalvas quanto ao direcionamento do projeto pedagógico.

Os educadores pensam em tecnologia como mágica e acreditam que


apenas usando o computador ou a internet coisas boas vão acontecer.
Na educação as coisas não funcionam dessa forma. Ao adotar novos
aparatos, as escolas devem estar munidas de um projeto pedagógico
consistente, ou os aparelhos perdem sentido. Fazer dessas tecnologias
ferramentas pedagógicas é, portanto, o grande desafio da escola do
século XXI (DEDE, 2011, p. 1).

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Com frequência, se diz que as tecnologias de informação e comunicação


estão transformando a educação. Isso ocorre porque as TICs desafiam
definições existentes de conhecimento, oferecendo novas maneiras de
motivar aprendizagens relutantes, além de prometer oportunidades variadas
de criação e execução.

Depreende-se, então, que a inserção de tecnologias na educação


contribui para que seja estruturado um novo cenário educacional, dentro do
qual as formas e conceitos de ensino-aprendizagem, de aluno e de professor
passam a ser revistos.

O atual interesse em inserir computadores e mídias na sala de aula é


motivado, sobretudo, pelo vasto potencial de ensino que estas ferramentas
possuem, pois o uso de TICs associado a práticas educativas agrega valores
ao ensino e colaboram na construção de um modelo pedagógico em que o
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foco da aprendizagem esteja na auto-formação do aluno, mediado pela


orientação do ‘novo’ professor.

É válido destacar que a utilização de tecnologias como recurso didático


não resolve todos os problemas de formação profissional e de ensino-
aprendizagem, principalmente se o professor e o aluno não utilizarem
adequadamente estas ferramentas. Além disso, pode-se ressaltar que, mesmo
com todo o cuidado que envolve a preparação das aulas e atividades, o
sucesso não é garantido, pois para haver aprendizado efetivo, é necessário
que o aluno sinta-se motivado e interaja nas situações propostas.

Finalmente, entende-se que a procura de estratégias diferenciadas na


educação, em especial com a introdução de TICs e o fomento para seu uso
interativo/colaborativo, está ancorada na convicção de que é possível ensinar
e aprender de forma significativa.

REFERÊNCIAS

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FLEMMING, Diva Marília; LUZ, Elisa Flemming; MELLO, Ana Claúdia
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PONTE, João Pedro da; OLIVEIRA, Hélia; VARANDAS, José Manuel. O
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Facebook:
limite de caracteres e texto curto, elemento estimulante de
criatividade e expressividade na produção de textos

Emelson José Silva dos Santos1

José Batista de Souza2

RESUMO

Com a revolução tecnológica, possibilitando o desenvolvimento dos meios de


comunicação e, por consequência, a Internet, este último, grande responsável pelo
aparecimento de Redes Sociais, importantes no aumento da frequência de troca de
informações entre pessoas de diversos lugares. É diante dessa realidade que se
destaca o Facebook como ferramenta em que não somente impera o diálogo
interpessoal, mas uma ampla discussão acerca de diversos assuntos de interesse da
sociedade. O trabalho, assim, traz análises referentes à textos produzidos,
possibilitando a abertura para diversas discursões acerca da produções textuais no
Facebook. Enfim, uma discussão reveladora que destaca a integração do usuário não
somente como internauta, mas como coprodutor de conteúdo, produzindo textos
semanticamente ricos, sempre utilizando muita criatividade.

Palavras- chave: revolução tecnológica, facebook, criatividade.

1
Contato do(a) autor(a): emelsonjose@hotmail.com. Formado em Letras vernáculas
pela Faculdade Ages, especialista em Língua Portuguesa pela Pio X e Professor da
Rede Municipal de Coronel João Sá-Ba.
2
Contato do(a) autor(a): jbdesouza@bol.com.br. Formado em Pedagogia pela
Faculdade Estadual do Vale do Acaraú-UVA , especialista em Gestão Pedagógica
pela Faculdade FANESE, Tutor da UNEB e Professor da Rede Municipal de Coronel
João Sá..
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INTRODUÇÃO

Desde a popularização da internet o fenômeno das redes sociais vem


sendo protagonista no novo universo midiático que emergiu na última
década. Possibilitando a inserção, principalmente, dos jovens em um universo
de recepção produção e interação, isto, em um volume jamais visto. Diante
desse contexto este artigo traz em sua primeira parte uma discussão acerca de
teorias de figuras do mundo intelectual que já pregavam há muito tempo o
surgimento desse mundo interligado por redes interativas a exemplo de
autores como Pierre Lévy e Marshall Mcluhan.

Na segunda parte o foco está em discutir o conceito de gênero para


assim entender a importância, principalmente, da relação texto escrito
imagem como modalidade escrita predominante em redes sociais como
Facebook. E, por fim, o texto é finalizado com análise de produções postadas
e compartilhadas nessa rede social que se tornou ícone no mundo das novas
mídias, contribuindo para transpor os limites da comunicação e mexendo
definitivamente com conceitos que até então tinham supremacia. Para isso, na
última parte do texto há predomina análises acerca de produções que
estimulam a criatividade, o censo crítico e a interação.

1 Pensadores da comunicação: visionários de um mundo


fantástico.

Conceitos de um mundo em rede, de um planeta interconectado por


tecnologias avançadas já foi ficção científica. Mas em meio a toda utopia
sempre existiram aqueles que acreditaram na possibilidade do mundo ser
realmente o que é hoje. Tal realidade demonstra plenamente que a sociedade
não se curva diante de desafios quando se tem metas, e que a palavra limite
não é o termo mais adequado neste caso. Já que nos últimos tempos estes
foram superados, o que retira de cogitação qualquer possibilidade de se
duvidar da capacidade de superação humana até mesmo na realização de
conquistas mais extraordinárias.

O interessante dessa realidade é que a humanidade sempre foi capaz de


superar desafios e transformar o mundo ao seu favor, provendo revoluções e
mudanças extraordinárias, seja a partir do desenvolvimento da técnica de
produção do fogo em períodos mais remotos de sua existência até a a
revolução industrial com surgimento da maquina a combustão, conquista do
espaço e proezas que faz do humano um ser singular nesse universo. Essas
realizações citadas foram realmente conquistas revolucionárias e importantes
para o desenvolvimento da humanidade, todavia, ou foram conquistas
individuais ou de pequenos grupos. Faltava ainda trabalhar a possibilidade de
produzir em escala maior, envolvendo mais pessoas e criando um espaço da
amplitude planetária. Entre pensadores o primeiro a vislumbrar essa
possibilidade foi o Jesuíta filósofo Teilhard de Chardin que já na metade do
século passado defendeu a tese de que o mundo viveria uma revolução
universal, a primeira visão filosófica de um mundo moderno e cooperativo.
Atente-se ao pensamento de Chardin.
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Ninguém pode negar que uma rede […] de filiações econômicas e


psíquicas está sendo tecida numa velocidade que aumenta sempre, que
abraça e constantemente penetra cada vez mais fundo em nós. A cada
dia que passa, torna-se um pouco mais impossível para nós agir ou
pensar de forma que não seja coletiva […] Nós chegaremos ao
princípio de uma nova era. A Terra ganha uma nova pele. Melhor
ainda, encontra sua alma (CHARDIN, 1947, apud: ZWARG, 2005,
p.12).

Se tratando do período em que esse extraordinário pensador divulgou


esse pensamento, ou seja, ainda na metade do século passado, período em
que o mundo ainda não vivenciava a evolução tecnológica no campo da
informática as suas ideias já apontavam para o surgimento do
compartilhamento de pensamentos. Deixando claro que essa era uma
tendência irreversível no longo percurso da humanidade em busca do
conhecimento. Esse pensamento fora a base para o desenvolvimento da tese
de um outro pensador contemporâneo Pierre Lévy (1999) que cunhou dois
dos conceitos básicos que norteiam este trabalho. Para ele o desenvolvimento
da tecnologia e dos meios de comunicação possibilitaria com rapidez e
eficiência o compartilhamento de ideias e pensamentos possibilitando uma
interação rápida e com isso permitir a construção coletiva do conhecimento,
daí denominar esse processo de “inteligência coletiva”. Ou seja, um processo
de troca de ideias ocorridas em rede que para Pierre (1999), com o
surgimento da Internet, seria denominado de ciberespaço, sendo este um
conceito revolucionário e totalmente concretizado nos dias atuais se for
levado em conta o fato de que em paralelo à vida física se vive uma relação
virtual.

A intensa relação humana no “ciberespaço” já rende conquistas


importantes para humanidade, seja no plano científico a partir do
mapeamento genético, realizado em tempo recorde pelo fato da possibilidade
de cooperação de diversos grupos que utilizaram a comunicação em rede.
Sendo este um dos primeiros exemplos de desenvolvimento de conhecimento
através do conceito de inteligência coletiva. Já no que concerne ao
desenvolvimento de softwares e aplicativos a troca de informações em rede
possibilitou que até mesmo sistemas operacionais fossem desenvolvidos a
partir do compartilhamento de informações, a exemplo do Linux que é
bastante utilizado no mundo e os usuários não precisam gastar um centavo
para utilizá-lo. No que se refere à política o papel de redes sociais tem sido
preponderantes na atualidade como meio de expressão acerca de atuações
políticas em todo o mundo, servindo de canal aberto para emissão coletiva de
opiniões acerca da atuação política dos governantes. Esse fenômeno,
ultimamente, vem sendo tão recorrente que ditaduras derrubadas no Oriente
Médio tiveram nas redes sociais a base para que fosse deflagrado o
movimento de revolta popular importante para a queda de Governos
autoritário em países como Líbia e Egito. Observa-se então que as redes
sociais disposta como o mais importante instrumento comunicativo existente,
até pelo fato de possibilitar a todas as pessoas que tenham acesso ao direito
de expor ideias com liberdade e autonomia. Algo muito diferente, por
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exemplo, da televisão que restringe à opinião a grupos minoritários


geralmente detentores do poder. O pensamento visionário de Pierre Lévy de
inteligência coletiva no ciberespaço deixa claro que a revolução tecnológica
possibilitou o surgimento de uma redefinição do conceito de fronteira. Ou
seja, enquanto o mapa geopolítico demarca espaços em que os governos
defendem até mesmo com derramamento de sangue, se possível, o
ciberespaço é de todos, tornando o que para Marshall Mclohan (1967) é
apenas uma “Aldeia global” em que as pessoas trocam informações,
comercializam e vivenciam sentimentos comuns a todo tempo em grande
escala. Constata-se, dessa forma, que a importância das ciências humanas,
marginalizada no mundo científico foi e é primordial para entendimento de
tais fenômenos que, de certa forma, tenta compreender impactos positivos e
negativos desse fenômeno que vem mudando a vida contemporânea e
refletirá certamente nas futuras gerações.

É, mais do que nunca, importante compreender que as redes sociais


despontam como protagonista desse processo por ser o canal mais eficiente
no que se refere à interatividade, possibilitando que pessoas de diversas
partes do mundo possam trocar informações e se confraternizarem sem
estarem preocupadas com determinadas diferenças. Ou seja, o advento da
Internet ajudou a romper o conceito que se tinha a respeito da relação espaço-
tempo, isto, pelo fato da possibilidade, até então inexistente, de haver uma
interação grupal em espaços e tempos diferentes de forma simultânea como
as que vêm ocorrendo em salas de aula virtuais, conferências, salas de bate
papo virtuais que congregam pessoas de diversas culturas e pensamentos.
Fisicamente em múltiplos espaços e lugares, mas presentes no mesmo espaço
virtual. Tal possibilidade congrega perfeitamente com o conceito de Aldeia
Global cunhando por Marshall Mclohan quando visiona um mundo sem
fronteiras, globalizado e cada vez mais integrado, possibilitando a
comunicação e que todos sejam mais produtivos e estimulados a pensar o
mundo. A ser, assim, seres mais ativos no proveitoso e indispensável
processo de construção e reconstrução de ideias, visando a existência de um
mundo melhor.

2 Um novo gênero, um velho gênero adaptado a um novo


formato ou diversos gêneros em só veículo de
comunicação?

A utilização da linguagem é algo fundamental para sobrevivência


humana, visto que a comunicação através da utilização desse instrumento ser
fundamental até mesmo para a existência humana. Tal situação coloca os
indivíduos humanos na condição de espécie singular no que concerne à forma
de estabelecer contato, utilizando-se de uma diversidade de práticas de
exercício da linguagem. Este processo que se iniciou nos primórdios e que
vivenciou uma evolução sem precedentes no período do surgimento da
escrita e mais outra quando emergiu a imprensa, passa, na atualidade, por
mais uma fase, denominada de revolução tecnológica que culminou nos
últimos tempos com o ápice da Internet surgida inicialmente com fins
bélicos. Mas que vem se transformado, nós últimos tempos, em dos mais
extraordinários instrumentos de comunicação desenvolvidos pela sociedade.
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Fenômenos este que possibilitou o surgimento de redes sociais a exemplo do


Orkut, MSN, Twitter, Facebook e outros veículos de comunicação surgidos a
partir do advento da internet.

É interessante e óbvio que o surgimento de novos veículos para a


disseminação da linguagem provoca o surgimento de novos gêneros a
exemplo da carta que certamente surgiu com o advento da escrita e do jornal
com o da imprensa. É nítido que a internet iria trazer diante de sua grandeza
e complexidade o surgimento de novos gêneros, destacando o fato da do uso
da Língua no processo contínuo de troca de informações ser capaz de
transitar perfeitamente em meio a essa multiplicidade. Para isso é interessante
ler Mikhail Bakhtin:

Todos os diversos campos da atividade humana estão ligados ao uso


da linguagem. Compreende-se perfeitamente que o caráter e as
formas desse uso sejam tão multiformes quanto os campos de
atividade humana, o que, é claro, não contradiz a unidade nacional de
uma língua. ( Backtin, p. 261)

De acordo com o pensamento de Bakhtin no trecho acima o caráter


múltiplo de modalidades de gêneros demonstra o quão é diversificado a
quantidade de gêneros textuais em uso. Essa multiplicidade permite que
exista uma modalidade específica para cada ferramenta comucacional e esse
processo sempre esteve em constante adequação nos diferentes períodos e
contextos vividos pela civilização humana em sua história. Mas a constância
das mudanças vem bem mais frequente e é particularmente singular nas
últimas décadas com o surgimento do advento da internet. Nesse curto
período de tempo se for levado em conta toda história esse processo nunca
foi tão acelerado quanto nos últimos anos, principalmente após o surgimento
de serviços de e-mail em substituição a carta, dos serviços de mensagem
instantânea a exemplo das redes sociais – facebook, Orkut- além de outros
responsáveis por uma transformação sem precedentes na formação entre as
pessoas no mundo inteiro. Nunca na história as pessoas se comunicaram
tanto, permitindo que no processo de adaptação essa multiplicidade de
gêneros aumente consideravelmente, mas deixe na mão dos especialistas em
comunicação e linguagem o desafio de estabelecer critérios que definam o
que são realmente essas novas modalidades de textos produzidos para esses
veículos revolucionários. O que se sabe é que a maioria dos textos são curtos
e escritos com base na ortografia normal ou utilizando “ internetês” para
assim facilitar o processo de digitação. Mas no que se refere às postagens
expostas no Facebook um dos pontos de destaque é a expressividade dos
textos que em grande parte das vezes desencadeiam reflexão no internauta
que de imediato dá o retorno acerca do texto publicado. Ou seja, é possível
vislumbrar no Facebook como um dos meios de comunicação mais
extraordinários que já se conheceu, já que democratiza a opinião e, além
disso, permite às pessoas comuns o exercício da criatividade, isto é,
enquanto na grade mídia a criatividade e inspiração está a favor de grupos
fechados do setor de comunicação. Ferramentas como o Facebook abre
espaço para a difusão dos pensamentos e ideias provindos do coletivo. Com
isso é possível compreender que cada gênero textual exerce função
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específica, isto, de acordo com a finalidade de cada, e apesar da diversidade


de textos postados nessa Rede social ambos se assemelham na sua finalidade.
Leia-se Bakhtin mais uma vez.

O conteúdo temático, o estilo, a construção composicional estão


indissoluvelmente ligados no todo do enunciado e são igualmente
determinados pela especificidade de um determinado campo da
comunicação. Evidentemente, cada enunciado particular é individual,
mas cada campo de utilização elabora seus tipos relativamente
estáveis de enunciados, os quais denominamos gêneros do discurso[...]
A riqueza e a diversidade dos gêneros do discurso são infinitas por
que são inesgotáveis as possibilidades da multiforme atividade
humana e porque em cada campo dessa atividade é integral o
repertório de gêneros do discurso, que cresce e se diferencia à
medida que se desenvolve e se complexifica em um determinado
campo. (Bakhtin, p.263)

Seria possível então dizer que os textos postados no não se tratariam de


um mesmo gênero, já que a construção composicional é diversa e textos de
diferentes formas são postados. Mas ao mesmo tempo que o autor cita
elementos estruturais não deixa de destacar a importância do veículo e da
finalidade do texto. Cabendo então destacar o fenômeno ocorrido atualmente
em redes sociais como o Facebook que independente de ser texto
relacionado com imagem ou só texto procura ser expressivo o suficiente para
despertar o interesse de todos pelo o compartilhamento. Ou seja, são textos
ora imagéticos, ora apenas escritos e na maioria das vezes unem os dois,
mas tem como enfoque principal despertar a curiosidade e o a reflexão de
quem o ler, isso em poucas palavras ou às vezes com uma só imagem, porém
não com menos importância e impacto do que um editorial de um grande
jornal escrito ou televisivo. Dessa forma, pode se destacar que o Facebook
vem sendo um ícone da comunicação por demonstrar que pessoas comum são
capazes de compreenderem a complexidade do mundo, compartilharem e o
melhor serem coprodutoras dessa grandiosa mídia coletiva aberta para o
mundo.

3 Análise de textos postados no Facebook

A afirmação de que quem faz o texto é o contexto é mais que verdadeira


e essa realidade vem transformando ferramentas como o Facebook em um
instrumento importante na difusão de ideias e pensamentos em âmbito local e
regional, já que o compartilhamento se dá entre amigos, isso não exclui
pessoas mais distantes, todavia o contato é mais intenso por pessoas mais
próximas e que vivenciam um mesmo contexto. Tudo isso sem excluir a
participação em questões que envolvam o interesse nacional e até mesmo
internacional. Fator que transforma o Facebook não somente em um
instrumento para a troca de mensagens bobas, mas em um meio de
comunicação mais importante que a televisão, o rádio e o jornal impresso
pelo fato de permitir uma intensa interação. É bom destacar que além de
haver uma intensa troca os indivíduos têm o retorno imediato do pensamento
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que produziu ou somente compartilhou, pois a aceitação torna-se um


elemento de incentivo para a produção de outros.

É com base na realidade do que é hoje o Facebook, um gênero que além


de ser mais um elemento produzido na Internet, seus textos, causam impacto
na sociedade, sendo então o ponto crucial. E com base nessa realidade, serão
analisados textos a seguir que são exemplos de assuntos levantados no
Facebook e tiveram significativa repercussão no meio em que circularam.

Texto I

Compartilhado em 5 de agosto de 2012 por


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O fator criatividade é realmente fenomenal quando se trata de postagens


no Facebook e os internautas se mostram bastante habilidosos neste sentido e
produzem textos com maestria, mesmo sendo, neste caso amadores.
Ferramentas como o Facebook e recursos tecnológicos auxiliam e
possibilitam o exercício da criatividade. O texto acima une a imagem ao
escrito e com isso provoca humor. Obviamente o humor, no caso dessa
produção, só é desencadeado se for levado em conta o contexto em que é
produzido. Neste caso, o internauta se utilizou da coincidência de encontrar
um jacaré com gatos dentro da imensa boca e precisou apenas acrescentar o
texto escrito para assim relacioná-lo com o atual momento de disputa política
de Coronel João Sá- Ba, cujos candidatos têm como símbolo o gato e o
jacaré. Com isso a intencionalidade do autor perpassa por dois dos
significados, no primeiro ele relaciona a imagem a disposição de devorar os
adversários, simbolicamente, é claro, o que é pretendido nas próximas
eleições e também um segundo, acrescentado a partir da inserção do texto
“vamos para o PMDB” ou seja, um convite para que os adversário integrem o
grupo do PMDB, cujo símbolo, no contexto local, é o jacaré.

Observa-se, então, que esse é um exemplo de texto criado na rede que


abrange um contexto local em que o sentido está atrelado a um contexto que
foi produzido a partir do estímulo desencadeado devido a ocorrência de
eleições. Um outro fator interessante é que a captura da imagem se deu de
uma pesquisa na própria rede, fator este comprovado já que a imagem traz o
endereço eletrônico que comprova a tese de que o grande diferencial dos
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textos postados em ferramentas como o Facebook são frutos do


compartilhamento de ideias. Obviamente que isso só é possível graças à
disponibilidade de recursos existentes na atualidade, mas o interessante é que
se dado o estímulos e o recursos necessários, pessoas comuns são capazes de
produzirem textos nitidamente caseiros, mas que são ricos de expressividade
e criatividade.

Texto II

Compartilhado em 13 de agosto de 2012 por


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O fator intertextualidade é um dos pontos fortes dos textos produzidos e


postado no Facebook, ou seja, um gênero único com múltiplas faces, pois
para o internauta não há limite para a criatividade. Neste caso, o texto está
atrelado a um contexto local, porém de maior abrangência que o anterior já
que envolve a figura de um político local. E, apesar da montagem muito bem
feita, neste caso, a visão crítica está na relação do nome do político a forma
do personagem “Mussun” do extinto programa Os trapalhões que falava
utilizando sempre o diminutivo. Ou seja, texto aberto a interpretações, mas
que seguramente destaca às críticas que o atual vem recebendo por parte da
sociedade acerca do seu governo.

Textos III, IV e V

Compartilhado em 9 de agosto de 2012 por


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Compartilhado em 11 de julho de 2012 por


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Compartilhado em 5 de agosto de 2012 por


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Os últimos três textos têm como destaque a reflexão acerca do atual


panorama da educação no Brasil. No primeiro o compartilhamento de ideias
se dá em dois ângulos. Em um primeiro momento o texto é apenas um
cartaz, que caso não fosse publicado no Facebook, apesar da criatividade,
não passaria de um simples cartaz criativo e cômico acerca da educação
brasileira e da atual realidade em que a falta de qualidade no ensino é
inerente. Mas o fato de ser fotografado passa a ser um texto cuja amplitude
de disseminação das ideias ganha um alcance Nacional. Ou seja, há uma
mudança de gênero, tanto por causa da mudança de veículo como pelo fato
de adequação do texto a ferramentas de comunicação como o Facebook. Pois,
mais do que nunca, é imprescindível destacar que prolixos, que não sejam
sintéticos e expressivos não são os mais adequados para postagem em Rede
Sociais como o Facebook. Constata-se, dessa forma, que ferramentas de
interação como o facebook são abertas, mas dificilmente textos que não
contornem a falta de espaço com criatividade e concisão e expressividade
têm Espaço.

No segundo texto o espaço para a reflexão continua e o enfoque é a


conturbada Copa que será realizada na Brasil em 2014, mas que não deixa de
enfocar crítica semelhante ao anterior, ou seja, prováveis motivos da má
qualidade da educação brasileira. Porém no primeiro aparece a má
remuneração estimuladora de greves e no segundo texto a má aplicação do
dinheiro público que em muitos momentos priorizam o supérfluo. Enfim,
verdadeiras dissertações que clamam à sociedade a discutir a realidade da
educação barasileira, e, tentando explicar com argumentos bem
fundamentados a causa de muitos dos fracassos. Uma demonstração de que
com poucas palavras e imagens acertadas “o gênero postagem para o
Facebook” é uma ferramenta que impressiona na difusão de pontos de vistas,
sendo obviamente bem mais acessíveis que os tradicionais textos de opinião,
sendo então um gênero singular no que que concerne à relação leitor
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produtor e reprodutor. Sendo então fruto da inteligência coletiva tão


difundida por Pierre Lévy, autor de pensamentos discutidos neste trabalho .
São característica desse tipo que faz desse gênero, nascido do coletivo, um
dos mais fenomenais instrumentos de comunicação até então criados pelo
homem.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

As reflexões aqui feitas deixa claro que o a revolução tecnológica


dos últimos tempos possibilitou que transformações extraordinárias
ocorressem. Neste cenário do mundo virtual. Este trabalho traz como
destaque o protagonismo do Facebook, uma rede social de ampla e
responsável por uma grande transformação na forma de se comunicar. Fator
este, preponderante para o surgimento de um processo de linguagem
expressiva e criativa, alcançando o público com a utilização mínima de
palavras com grande poder persuasivo. Ou seja, um instrumento de difusão
de informações que permite a interatividade, possibilitando, dessa forma,
que o conhecimento seja produzido em cooperação. Ou seja, sínteses de
antíteses geradas em Rede e importantes para a construção do conhecimento.

Portanto é necessário destacar que nos últimos tempos a Rede vem


sendo fonte de estímulo a criação e a expressão popular, demonstrando, dessa
forma, que na maioria das vezes a falta de espaço e incentivo pode ser
determinante no processo de produção textual. Daí destacar o protagonismo
do Facebook como uma espaço de integração das pessoas que compartilham
e criam, imbuídas do objetivo de expressar através de textos escritos, mistos
ou apenas imagéticos opiniões acerca dos diversos assuntos que envolvem a
vida das pessoas dos mais diversos lugares. Enfim, postar no facebook não é
só produzir por produzir, mas como foi observado nos textos analisados
neste trabalho, é produzir de forma sintética assuntos inerentes a
complexidade do mundo.

REFERÊNCIAS

BAKHTIN, Mikhail Mikhailovich. Estética da Criação Verbal; introdução e


tradução do russo Paulo Bezerra. – 5ª ed-São Paulo: Editora WMF Martins
Fontes, 2010.
MCLUHAN, Marshall. A Galáxia de Gutenberg. São Paulo: Cultrix, 1967.
PIERRE LEVY. A inteligência coletiva: por uma antropologia do
ciberespaço. 2. ed.
Tradução de Luiz Paulo Rouanet. São Paulo: Loyola, 1999.
______________.As tecnologias da inteligência: o futuro do pensamento
na era da
informática. Tradução de Carlos Irineu da Costa. São Paulo: Editora 34,
1993.
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ZWARG. Cláudia Durand. 2005. O virtual e o humano no pensamento de


pierre Lévy. 0.90 f. Dissertação( Mestrado em comunicação)-Coordenação
de Pós-Graduação em Arquitetura, Artes e Comunicação da Universidade
Estadual Paulista, Bauru, 2005.
Site: WWW. Facebook.com.br
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Ensino e Aprendizagem da Matemática no


Curso Técnico em Edificações de Nível
Médio do Instituto Federal de Sergipe IFS:
estudo de caso

Herbet Alves de Oliveira1

Carlos Menezes de Souza Junior2

RESUMO

O ensino da matemática para o Ensino Médio no Instituto Federal de Sergipe – IFS


tem sido um grande desafio, uma vez quando observada a enorme dificuldade inicial
dos nossos alunos egressos do Ensino Fundamental. No IFS é utilizado como modelo
de ensino o chamado sistema tradicional: o professor transfere a matéria na lousa e em
seguida distribui listas de exercícios para que os alunos possam resolvê-las em sua
casa. No entanto, foi observado que a maior parte dos estudantes não resolvia os
exercícios propostos para casa em consequência da falta de acompanhamento do
raciocínio das aulas. Como o volume de assuntos a serem abordados em uma ou duas
aulas eram enormes, os alunos acabavam acumulando os estudos, e assim em épocas
de prova, raramente conseguiam atingir a média das avaliações, e tão pouco
alcançavam bons resultados no processo de recuperação. Deste modo, o índice de
reprovação mesmo utilizando aulas de recuperação chegava até 40%. Com a
finalidade de minimizar este índice de reprovação, foi proposta uma nova
metodologia em que o professor ministraria suas aulas, e preservaria um tempo até o
término da mesma, para a distribuição de listas de exercícios a fim de serem
resolvidas por pequenos grupos na própria sala. Foi observada que a nova
metodologia permitiu uma maior aproximação do professor com os alunos, sobretudo
com aqueles que apresentavam maior dificuldade. Foi possível conhecer as diferenças
individuais e tratar cada aluno de forma diferenciada. O resultado mostrou que o
índice de reprovação na disciplina matemática reduziu de 40% para 10% em média.

Palavras-chave: ensino de matemática, avaliação, metodologia de ensino.

1
Contato do(a) autor(a): herbetalves148@hotmail.com. Instituto Federal de Sergipe,
IFS.
2
Contato do(a) autor(a): carlosmenezesjr@hotmail.com. Instituto Federal de Sergipe
IFS.
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INTRODUÇÃO

Segundo Boeri e Vione (2009) o ensino e a aprendizagem da


Matemática estão passando por um profundo processo de renovação. A
aprendizagem hoje não é vista mais como a simples transmissão e recepção
de informações, mas sim como um processo de construção de conhecimentos,
que é favorecido mediante a estimulação da investigação e participação dos
alunos.

Neste contexto, a escola não pode ficar indiferente aos novos


métodos e técnicas que podem ser introduzidos no ensino decorrentes do
aparecimento de novas tecnologias.

Quando se discute o papel da matemática no processo de ensino-


aprendizagem, é pertinente analisar a forma como ele se apresenta em nossas
escolas. É fundamental ter sempre presente que o aluno aprende mais quando
lhe é permitido criar relações, experiências e conseguir contato com material
concreto. Porém, infelizmente, muitas vezes a escola trabalha de modo que
bloqueia os estudiosos da matemática apesar destas, realizarem
sistematicamente fóruns, mesa redonda a respeito das necessidades de
renovações das metodologias a fim de atender satisfatoriamente o processo
de ensino e aprendizagem da disciplina matemática, seja no ensino
fundamental ou médio.

Haja vista que os alunos ingressantes no ensino médio apresentam


enorme dificuldade para aprender matemática, questiona-se a atual concepção
de como se aprende tal disciplina. Sabe-se que a típica aula de matemática
empregada no ensino fundamental e médio ainda é uma aula expositiva, em
que o professor passa, através da lousa, para o aluno aquilo que ele julga
como importante. O aluno, por sua vez, copia da lousa para o seu caderno e
em seguida procura fazer exercícios de aplicação, que nada mais são do que
uma réplica da solução modelo apresentada pelo professor. Devido a esta
repetição de modelo, torna-se comum ver os estudantes desistirem de
resolver problemas matemáticos mais sofisticados, afirmando não terem
aprendido como resolver tais tipos de questão. Assim, a típica aula de
matemática tem proporcionado uma carência nos momentos em que se exige
um maior raciocínio nas soluções problemas.

Para Tardif (2002) as pesquisas sobre a educação hoje, muitíssimas


vezes não tem, infelizmente, nenhuma relação com o ensino e nenhum
impacto sobre ele, pois é produzido de acordo com práticas, discursos e
atores que agem em espaços institucionais e simbólicos completamente
separados da realidade. No caso do IFS, está se fazendo com que a pesquisa
ou a observação seja fruto de um trabalho diretamente ligado ao que os
alunos estão aprendendo em sala de aula. É muito comum ouvirmos fala de
alunos, como:
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[...] para que temos que estudar isso? [...] onde vamos utilizar esse
assunto?[...] por que é tão difícil?

Atualmente, o professor também possui uma série de crenças sobre o


ensino e a aprendizagem de matemática que reforçam a prática educacional
por ele exercida. Essa prática revela a concepção de que é possível aprender
matemática através de um processo de transmissão de conhecimento. Mais
ainda, de que a resolução de problemas reduz-se a procedimentos
determinados pelo professor. Alguns alunos acreditam que a aprendizagem
de matemática se dá através de um acúmulo de fórmulas, outros acreditam
que, aprender matemática é seguir e aplicar regras. Regras essas que foram
transmitidas pelo professor.

Segundo Witter (2010), deve haver um consenso em que, para se


obter um bom resultado no ensino da matemática é necessário que o
professor tenha competência para estabelecer relações entre o assunto em que
está trabalhando e o mundo ou contexto de vida de seus alunos.

Para Muniz (2005), o professor deve ser criterioso, investigativo da


prática da aprendizagem. Ele deve estar atento ao contexto do processo
ensino aprendizagem, deve avaliar os resultados do seu trabalho. O valor
dado à disciplina ou tema, é fundamental para que o aluno se interesse pelo
assunto de fato e não apenas estude para obter uma nota de aprovação. A
relação dos conceitos de matemática com o mundo real, sobretudo em curso
de formação profissional Técnico como o de Edificações, é fundamental para
que o aluno realmente esteja motivado para aprender.

Qualquer que seja o assunto a ser abordado em matemática é


fundamental que o professor faça um prefácio, uma discussão a respeito do
tema a ser estudado. O educador deve levar o aluno a viajar no tempo e
espaço de forma que ele possa se empenhar nos assuntos ministrados e
entender de forma clara o objetivo dos assuntos propostos. Os resultados
mostram que os alunos quando inseridos em grupos ficam mais a vontade
para tirar suas dúvidas. No entanto, a avaliação do processo do ensino-
aprendizagem deve ser rigorosa, ou seja, o aluno deve mostrar resultados.

Segundo Luckesi (2005) o ato de avaliar não se encerra na configuração


do valor ou qualidade atribuído ao objeto em questão, exigindo uma tomada
de posição favorável ou desfavorável ao objeto de avaliação, com uma
consequente decisão de ação.

A avaliação, diferentemente da verificação, envolve um ato que


ultrapassa a obtenção de configuração do objeto, exigindo decisão do que
fazer ante ou com ele. A verificação é uma ação que "congela" o objeto; a
avaliação, por sua vez, direciona o objeto numa trilha dinâmica de ação.

No geral, a escola brasileira opera com a verificação e não com a


avaliação da aprendizagem. Este fato fica patente ao observarmos que os
resultados da aprendizagem usualmente têm a função de estabelecer uma
classificação do educando, expressa em sua aprovação ou reprovação. O uso
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dos resultados encerra-se na obtenção e registro da configuração da


aprendizagem do educando, nada decorrendo daí, só em situações reduzidas e
específicas, encontramos professores que fogem a esse padrão usual, fazendo
da aferição da aprendizagem um efetivo ato de avaliação. Para estes raros
professores, a aferição da aprendizagem manifesta-se como um processo de
compreensão dos avanços, limites e dificuldades que os educandos estão
encontrando para atingir os objetivos do curso, disciplina ou atividade.

No IFS os professores em geral mostram para os alunos a matemática


como um corpo de conhecimentos já prontos. A esses não é dada uma
oportunidade para a criação de soluções mais sofisticadas, o aluno passa a
acreditar que na aula de matemática o seu papel é passivo e desinteressante,
gerando assim, uma desmotivação no estudo da disciplina. Mas o que motiva
o aluno? O professor deve realizar uma abordagem logo no primeiro dia de
aula com a finalidade de conhecer o aluno, fazer questionamentos que
possam despontar o perfil e a motivação que o trouxeram para a Instituição,
e, sobretudo qual o grau de satisfação do mesmo com relação à disciplina
anteriormente. De posse do perfil de cada aluno o professor poderá dar
prosseguimento ao seu trabalho.

Para instruir-se depende da estratégia de ensino e, sobretudo do nível


do aluno, que pode estar motivado independente de gostar ou não da
disciplina. No entanto os anseios e sonhos podem estar depositados na sala de
aula. Cabe ao professor estabelecer estratégias para manter a motivação do
aluno em alta, e garantir o sucesso do processo de ensino e aprendizagem.

Diversas são as atuais linhas de propostas de trabalho lidando com a


pergunta: como ensinar matemática hoje? Uma das preocupações dos
educadores é com relação ao ensino está no fator quantidade de conteúdo
trabalhado. Para eles o conteúdo trabalhado é a prioridade de sua ação
pedagógica, ao invés da aprendizagem. Em nenhum momento no processo
escolar, em uma aula de matemática geram-se situações em que o aluno deva
ser criativo. Na matemática do ensino fundamental raramente o aluno
vivencia situações de investigação, exploração e descobrimento. O processo
de pesquisa matemática é reservado a poucos indivíduos que assumem a
matemática como seu objeto de pesquisa. É esse processo de pesquisa que
permite e incentiva a criatividade ao se trabalhar com situações problemas.
Assim, é fundamental que todo assunto estudado deva ser correlacionado
com a realidade em que o aluno irá vivenciar.

Parece haver um consenso em que, para se obter um bom resultado no


ensino de Matemática é necessário que o professor tenha competência para
estabelecer relações entre o assunto que está trabalhando e o mundo ou
contexto de vida de seus alunos. São as interpretações dos alunos que
constituem o se saber matemática "de fato". Muitas vezes o aluno demonstra,
através de respostas a exercícios, que aparentemente compreendeu algum
conceito matemático; porém, uma vez mudado o capítulo de estudo ou algum
aspecto do exercício, o aluno nos surpreende com erros inesperados. É a
partir do estudo dos erros cometidos pelos alunos que poderemos
compreender as interpretações por eles desenvolvidas
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Neste trabalho foi realizado um estudo comparativo em sala de aula,


com alunos do 1º período do Curso Técnico em Edificações do Instituto
Federal de Sergipe - IFS, na disciplina Ciência Aplicada (matemática) na
cidade de Estância em Sergipe. No primeiro caso, foram ministrados os
assuntos de matemática utilizando a lousa e foi entregue uma lista de
exercícios para que os alunos resolvessem em casa. Antes da realização da
prova, foram tiradas as dúvidas relacionadas à lista. No segundo caso, após
passar o assunto no quadro e elaborar listas de exercícios para os alunos
resolverem em casa, foram distribuídas outras listas para que os alunos
pudessem resolver em grupo na sala de aula. Assim, foi possível assistir a
cada grupo e tirar as dúvidas individualmente.

Os resultados mostraram que os alunos na primeira prova sem o auxilio


do grupo e de acompanhamento individualizado, 40% tiraram notas abaixo
da média que é seis (6,0). Já no segundo caso, adotando o apoio ao aluno,
tirando suas dúvidas in loco o índice de alunos que tiraram notas abaixo da
média, caiu para 10%. Assim, este modelo de ensino passou a ser padrão na
Instituição a fim de garantir o direito do aluno de aprender.

1 METODOLOGIA

O estudo de caso se deu na turma do 1º período do Curso Técnico


em Edificações do Instituto Federal de Sergipe, composta por 40 alunos do
turno da tarde no 1º e 2º semestre de 2010. Para a realização do trabalho,
foram utilizados dois métodos de ensino a fim de comparar sua eficiência no
aprendizado dos alunos com a matemática.

No primeiro caso, o método consistiu na ministração dos conteúdos de


matemática na lousa e recomendado uma lista de exercícios para que os
alunos resolvessem em casa. A lista foi posteriormente corrigida e em
seguida aplicou-se uma prova.

Na segunda metodologia aplicada, consistiu na ministração dos mesmos


conteúdos do primeiro caso, porém foram formados grupos de estudo que
resolviam os exercícios em sala. Neste momento os alunos eram
acompanhados em grupos e estabeleceu-se um líder de cada grupo para
facilitar a interação com o professor, e posteriormente foi aplicada uma
prova.

2 RESULTADOS E DISCUSSÃO

Os dados obtidos dos resultados das provas referentes aos conteúdos


aplicados em ambos modelos propostos, então dispostos na Tabela 1.
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Tabela 1: Notas obtidas nas provas nos métodos de ensino

Nota < 6,0 Nota ≥ 6,0


(menor) (maior ou igual)

Sem a formação de 40% 60%


grupo

Estudo em grupos 10% 90%

Fonte: dados da pesquisa

Foi observado que os alunos quando são assistidos em grupo


apresentam melhor rendimento. Existem alunos que são tímidos,
introvertidos que não se expõem na frente da classe para tirar dúvidas. Assim,
a assistência de um professor, tutor ou ainda um líder do grupo é fundamental
para garantir o processo ensino aprendizagem.

CONCLUSÕES

A prática do estudo em grupo ajuda de forma expressiva o aluno a


entender e aprender matemática. Além do mais, o professor poderá assistir a
cada aluno individualmente. Existem alunos que são por motivos diversos
introvertidos e não se expõe em sala de aula quando tem dúvida de um dado
assunto. Assim, somente mediante realização das atividades em grupo o
mesmo poderá expor suas dúvidas. É fundamental que o professor fique
alerta para verificar se os alunos estão se adaptando aos seus grupos, quando
necessário, o mesmo deverá ser transferido para outro. O professor deve
procurar formar os grupos conforme o grau de dificuldades dos alunos e,
sobretudo reunir pessoas que possuem maior afinidade. De antemão pode-se
dizer que o aluno em um primeiro momento deve ser inserido em um grupo
de sua preferência. A redução do índice de alunos que não atingiram a média
de 40 para 10% mostram que podemos reduzir o índice de evasão ou
reprovação quando o aluno é assistido de forma individualizada em sala de
aula. Casos extremos de falha no processo ensino aprendizagem, o professor
pode encaminhar o aluno para aulas extras com o grupo fora da sala ou com
monitor.

REFERÊNCIAS
Grupo de Estudos e Pesquisa
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ISSN: 2177-4072

BOERI, Camila e VIONE, Márcio Tadeu. Abordagens em Educação


Matemática. São Paulo 2009. Disponível em
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LUCKESI, Cipriano Carlos. Avaliação da aprendizagem escolar, São


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MUNIZ, C.A. Transição didática: o professor como construtor de


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WITTER, Geraldina Porto. Matemática e problemas do cotidiano:


estratégias para o ensino. Psico-USF (Impr.) [online]. 2010, vol.15, n.2, pp.
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827120100002000014. Acessado em: 08 de julho de 2012
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A Forma que os Alunos estão sendo


Avaliados em Cálculo Diferencial Integral no
Campus Professor Alberto Carvalho,
Itabaiana - SE

Welânia Santos Souza1

Lívia de Souza Dantas Santana2

Karly Barbosa Alvarenga3

RESUMO
O índice de reprovações ocorridas na Universidade Federal de Sergipe de Itabaiana
nos despertou o interesse de procurar saber se um dos fatores que contribui para tal
fato tem alguma relação com a forma como os alunos estão sendo avaliados. Para isso
desenvolvemos essa pesquisa aplicando questionários a alunos e professores dessa
universidade. Por meio das respostas obtidas podemos inferir que a forma avaliativa
que prevalece ainda é somativa e classificatória. Quanto ao índice de reprovação,
deve-se a imaturidade matemática apresentada pelos alunos principalmente aqueles
advindos de escolas públicas.

Palavras-chave: Cálculo Diferencial Integral, Avaliação, Reprovação.

1
Contato do(a) autor(a): welania.matematica@hotmail.com. Graduanda.
Universidade Federal de Sergipe.
2
Contato do(a) autor(a): liviasouza.ufs@hotmail.com. Graduanda. Universidade
Federal de Sergipe.
3
Contato do(a) autor(a): karlyba@yahoo.com.br. Doutoranda. Universidade Federal
de Sergipe.
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INTRODUÇÃO

Nosso trabalho visa, principalmente, conhecer a prática pedagógica


adotada pelos professores para avaliar seus alunos em Cálculo Diferencial
Integral no Campus Professor Alberto Carvalho-Itabaiana. Como resultado
esperamos subsidiar reflexões sobre o ensino e aprendizagem de Cálculo
Diferencial Integral; Descobrir novos métodos para a prática avaliativa;
Induzir os docentes a melhorar suas ações pedagógicas; Conhecer o motivo
que desencadeia tantas reprovações em Cálculo Diferencial Integral; Induzir
uma compreensão do processo de avaliar como prática de investigação e não
de classificação.

Mediante as dificuldades dos alunos e o alto índice de reprovação em


Cálculo Diferencial Integral procuramos elaborar uma pesquisa com o intuito
de entender e refletir sobre as práticas avaliativas mais comuns usadas por
professores que lecionam o Cálculo Diferencial Integral, e como os alunos
aceitam essas práticas. Se nos perguntarmos hoje de que forma se dá a prática
avaliativa do professor, segundo MENDES (2005), a resposta de um modo
geral seria

Apresentamos um conteúdo novo por meio da exposição, às vezes


dialogada; aplicamos exercício para fixação; tiramos as dúvidas
durante a correção dos exercícios; logo em seguida avaliamos o aluno,
geralmente através de provas e testes; realizamos a correção contando
os acertos obtidos; e depois desse processo reiniciamos uma nova
unidade com um novo conteúdo. Durante todo esse processo,
dificilmente nos detemos nos erros, embora sejam eles que
possibilitam detectar as não aprendizagens e, muito menos paramos
para pensar sobre o que fazer para que as dificuldades sejam
superadas. Essa prática é comum tanto nos professores quanto nos
alunos. (MENDES, 2005, p. 1)

Através de experiências próprias, podemos afirmar que grande parte das


dificuldades encontradas no ensino superior são conseqüências das advindas
do ensino médio, uma vez que nos tornamos mais uma vítima do ensino
tradicional que ocorre basicamente através de definição, exercício e aplicação
de fórmulas, fazendo com que a matemática torne-se insignificante. Por não
compreendermos o real significado da matemática, ingressamos na
universidade sendo meros acumuladores de informações. Mesmo que ajam
meios que apresentam propostas, para que ocorram mudanças significativas,
várias delas são trazidas pelos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN),
cujo objetivo principal é preparar o estudante para a profissão e assegurar a
cidadania e aprofundar o conhecimento adquirido. A Secretaria de Educação
Superior (SESU), (antigo DAU-MEC) criou o Programa de Apoio ao
Desenvolvimento de Ensino do Ensino Superior (PADES), com o objetivo de
melhorar a qualidade do ensino de 3º grau.

“Embora nossa admiração pela matemática fosse muita”, a qual nos


levou a escolher tal curso, a dificuldade encontrada na disciplina de Cálculo
Diferencial Integral foi enorme, pois para fazermos esta disciplina
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deveríamos ter ao menos uma noção do que ela é, e dos pré-requisitos que
necessitávamos, mas a realidade é outra, nós alunos, principalmente
procedentes de escolas públicas ingressamos imaturos para um bom
desenvolvimento no curso.

Ainda que estejamos em busca de analisar e melhorar esse problema,


temos plena consciência que não é tão fácil, pois este problema envolve
vários outros e centra-se em deficiências acumuladas desde o primeiro ano de
estudo, mas se o ensino a partir de então mudar de rumo, fazendo com que o
aluno se torne o centro do processo educacional e o professor passe a ter o
papel de orientador e monitor das atividades propostas aos alunos, o ensino
se tornará mais significativo.

O maior intuito desse trabalho é mostrar como os alunos de Cálculo


Diferencial e Integral estão sendo avaliados, de que forma os professores
agem quando se trata de avaliar o aluno. Esta forma de avaliação está bem
explícita na parte de análises dos dados, opinião esta, afirmada tanto pelos
alunos como pelos próprios professores. Esta é uma questão bastante
discutida entre grandes autores, na revisão bibliográfica e na justificativa é
possível notar vários relatos de quem defende a avaliação formativa e não
apenas a classificatória. Nossas análises foram feitas de forma qualitativa,
procurando interligar respostas obtidas por professores e alunos,
principalmente perceber onde suas respostas coincidem.

1 Revisão bibliográfica
A avaliação faz parte do processo da educação, podendo ser um reflexo
da aprendizagem dependendo de como o professor faz esta avaliação. A
mesma é utilizada hoje, na maioria das vezes, como método de repreensão,
para que os professores obtenham controle sobre a turma. Segundo Barros e
Camargo (2009), a avaliação no ensino superior é muito mais do que aplicar
meros testes, levantar medidas, selecionar e classificar alunos. “Avaliar, para
muitos de nós, professores da educação superior, é uma das atividades
pedagógicas mais difíceis de realizar...” ABREU e MASETTO (apud
BARROS CAMARGO, 2009, p. 4).

A verdadeira avaliação acontece pelo ato de observar e analisar um


problema, porém para isso é necessário que o educador esteja pronto para
tomar posições em busca da melhor forma de transmitir para o aluno o
conteúdo desejado. Segundo Luckesi (apud BARROS e CAMARGO, p. 3,
2009).

A avaliação educacional escolar se traduz em prática pedagógica. A


respeito da avaliação educacional a conceitua como avaliação da
culpa, na qual notas são usadas para classificar os alunos comparando
desempenhos sem se preocupar em se atingir metas pré-estabelecidas.
Luckesi (1986, 1994, apud BARROS e CAMARGO, p. 3, 2009)
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Mendes (2005) ressalta em seu texto que a avaliação está centrada na


verificação, uma vez que são verificados os acertos obtidos e não dedica
quase nenhuma atenção aos erros, fazendo com que o ensino se baseie em
padrões de aprendizagem desejáveis e se prendam na avaliação somativa.

Para construirmos a avaliação formativa o nosso trabalho não pode se


reduzir a uma verificação como produto final da aprendizagem, ela
precisa acontecer durante todo o processo de ensino-aprendizagem e
não somente em dias previamente estabelecidos. Não podemos
acreditar que só avaliamos quando acontece a verificação formal
somativa, ou seja, quando escolhemos os instrumentos (na maioria das
vezes provas), os aplicamos e lhes atribuímos pontos. Geralmente
esses momentos estanques causam uma ruptura com o processo de
ensino e de aprendizagem e dificilmente favorecem o
desenvolvimento da avaliação formativa. (MENDES, 2005, p. 2)

Para o mesmo autor (2005, p. 3), “A avaliação formativa é toda prática


de avaliação continuada que pretenda contribuir para melhorar as
aprendizagens em curso, qualquer que seja o quadro e extensão da
diferenciação do ensino”. Assumindo este papel o educador desempenha a
função de orientar e facilitar o ensino aprendizagem, deixando de centrar-se
em se próprio e abrindo espaço para o aluno, fazendo com que o indivíduo
seja em ser crítico, capaz de interagir com o mundo e apto para buscar
soluções em meio a um problema.

Quando o educador age desta forma desenvolve o que Moretto (2002)


define como o real sucesso, onde o professor além de estar preocupado com o
assunto a ser ministrado, preocupa-se como trabalhar este assunto, se ele é
adequado ao tipo de aluno, em relação a sua cultura e seu desenvolvimento.

Faz-se necessário também avaliar a opinião do aluno, pois para um bom


processo de ensino aprendizagem exige um bom relacionamento entre
professor e aluno.

Segundo Azambuja, Muller e Gonçalves (2001), um aspecto


fundamental é que a aprendizagem se dá em uma elaboração contínua do
conhecimento em novas sínteses cada vez mais complexas. Os mesmos
desenvolveram uma pesquisa no curso de engenharia civil da Faculdade de
Engenharia UNESP/BAURU na disciplina de Cálculo Diferencial Integral І
com essa pesquisa ele afirma que o procedimento da avaliação em equipe tem
produzido resultados satisfatórios, pois conduz ao amadurecimento dos
conhecimentos específicos adquiridos pelos alunos e desperta neles o censo
de responsabilidade tornando-os mais participantes.

As aulas de Cálculo Diferencial Integral podem-se tornar muito mais


complicadas para o aluno entender, principalmente se não forem trabalhadas
de uma forma mais interativas e interessantes. Uma das alternativas para
tentar mudar isso poderia ser o uso computador, que está cada vez mais
presente na educação matemática.
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2 Metodologia de Pesquisa
Nosso método de pesquisa foi de caráter naturalista, pois os dados em
estudo foram coletados diretamente na Universidade Federal de Sergipe
localizada em Itabaiana, a mesma foi realizada com alunos que já estudaram
o Cálculo Diferencial Integral (CDI). É um artigo de caráter exploratório uma
vez que obtivemos uma visão geral do problema abordado.

Para o desenvolvimento do artigo fizemos aplicações de questionários


caracterizados como mistos, pois os mesmos combinam perguntas fechadas
com perguntas abertas. Elaboramos dois questionários um direcionado aos
alunos, o outro direcionado aos professores, eles eram compostos de quatro
questões cada, os entrevistados tinham liberdade para escolher mais de uma
alternativa, o que pode gerar em alguns resultados uma porcentagem maior
que 100%. A entrevista foi realizada com 10 professores, todos eles são do
departamento de matemática e ministram ou já ministraram algum dos CDI.
Com relação aos alunos optamos por aplicar o questionário a 30 deles, sendo
que 19 são de matemática e 11 são da física. Faz-se importante lembrar que a
pesquisa foi colaborativa onde nós trabalhamos em conjunto durante todo o
artigo.

3 Análises e Resultados
Nesta parte estão os gráficos referentes a todos os alunos entrevistados,
onde faremos uma análise sobre as respostas em comum entre professores e
alunos.

O gráfico 1 aponta as respostas encontradas em relação a questão: Qual


a sua opinião sobre o Cálculo Diferencial Integral?

Qual a sua opinião sobre o Cálculo Diferencial Integral?


130%
90%
40% 50% 50%
10%

Uma disciplina Não consigo Gosto muito. Encontrei pouca Poderia ter sido A avaliação foi
muito uma boa dificuldade. trabalhada de bem variada,
complicada. abstração do uma forma com vários
conteúdo. diferente, mais instrumentos
compreensiva. avaliativos.

Série1

Gráfico 1: Opinião sobre o cálculo


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Neste gráfico podemos notar que a maioria acredita que o CDI poderia
ser trabalhado de uma forma mais compreensiva, apenas um dos trinta
entrevistados afirma que a avaliação teve vários instrumentos avaliativos.

No próximo gráfico (2) os alunos opinam sobre o método de avaliação


do educador.

Qual o método de avaliação utilizado pelo educador?


220%

110%
60% 50%
30%

Somente a prova Resoluções de Considera a Considera A avaliação


somativa (soma exercícios como participação, o trabalho em formativa visando
de pontos) e um dos meios interesse, a grupo. à aprendizagem.
classificatória para avaliar. presença, entre
(melhor outros.
desempenho por
meio da nota).

Série1

Gráfico 2 : Método de avaliação

Apenas 5 dos 30 entrevistados afirma que as avaliações aplicadas pelos


professores visam à aprendizagem. Doze dos respondentes escolheu mais de
uma alternativa, sendo que uma das escolhidas foi à primeira, enquanto dez
deles marcaram somente ela. Isto pode indicar que, o método de avaliação
utilizada pelo educador ainda predominante é a prova somativa e
classificatória.

No terceiro gráfico estão as respostas dos alunos sobre a forma que o


educador faz a correção das provas.

Sobre a correção das provas o educador


170%
130% 120%
80%
30%

Só considera as Observa os erros e Considerava o Ele explicava os Ele explicava o erro


questões totalmente tenta entender o desenvolvimento erros da turma toda. individual a cada
correta e da forma motivo de tê-lo das questões aluno.
que ele ensinou. cometido. mesmo que não
tivesse chegado ao
resultado correto.

Série1

Gráfico 3: Correção de provas


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É notável que grande parte dos educadores considera o desenvolvimento


das questões e explica os erros cometido por toda a turma. Pouco menos da
metade optou por responder apenas uma alternativa, sendo que esses itens
foram bem variados de aluno para aluno.

No gráfico (4) seguinte os alunos responderam questões como: Você já


reprovou em Cálculo Diferencial Integral? Você teve os alguns conteúdos de
Cálculo Diferencial Integral no Ensino Médio? Você gostou como seu
professor ministrou as aulas de Cálculo Diferencial Integral na UFS? Você
acha que teve uma boa base no ensino fundamental e médio?; Você acha
importante utilizar metodologias diferenciadas para o ensino de Cálculo
Diferencial e Integral?; O professor que ministra ou ministrou Cálculo
Diferencial e Integral utilizou alguma metodologia de ensino diferente da
tradicional?; O professor ministrou o curso de forma interdisciplinar inter-
relacionando outras ciências?

Marque um X na opção desejada

30%
160% 120% 180%
250% 280% 240%
270%
140% 180% 120%
50% 20% 60%
Você já reprovou Você teve os Você gostou Você acha que Você acha O professor que O professor
em Cálculo alguns como seu teve uma boa importante ministra ou ministrou o curso
Diferencial conteúdos de professor base no ensino utilizar ministrou Cálculo de forma
Integral? Cálculo ministrou as fundamental e metodologias Diferencial e interdisciplinar
Diferencial aulas de Cálculo médio. diferenciadas Integral utilizou inter-

sim não

Gráfico 4: opiniões sobre a matéria

Podemos notar um desencontro de respostas entre as duas primeiras


alternativas, pois embora a maioria dos respondentes afirma não ter visto
algum assunto de CDI no ensino médio a minoria assumem ter reprovado na
disciplina, talvez isso tenha ocorrido pelo fato de alguns ter receio de afirmar
que já reprovou. Algo notável também é que a maioria dos alunos diz ter
gostado da forma como o professor ministrou as aulas, embora tenham
afirmado que o mesmo não fez uso de metodologias diferenciadas e aulas
interdisciplinares.

4 Análises dos questionários aplicados aos professores


que ministram ou ministraram o Calculo Diferencial
Integral

Nesta parte estão os gráficos referentes às respostas apresentadas pelos


professores entrevistados, onde faremos uma análise detalhada dos mesmos.

No primeiro gráfico os professores apontam sua opinião sobre a


avaliação.
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Para você a avaliação é um meio de


90%
80% 80%
50%
30%

Verificar a Observar os Somar pontos Contribuir para Orientar novas


aprendizagem erros cometidos para atingir a uma boa estratégias
do aluno. pelos alunos e aprovação. aprendizagem e pedagógicas.
tentar corrigi-los. um melhor
desempenho em
disciplinas que
estão por vir.

Série1

Gráfico 5: o que é a avaliação para o professor

Para a maioria dos professores a avaliação é um dos métodos de


verificar a aprendizagem do aluno, e a minoria acredita que é uma soma
pontos para atingir a aprovação. É importante ressaltar que dois dos
entrevistados marcaram todas as alternativas, e três assinalaram todas exceto
a terceira, logo, podemos concluir que eles afirmam que a avaliação é um
meio de verificar a aprendizagem, detectar os erros de seus alunos, além de
abrir caminhos para novas disciplinas.

O gráfico seguinte revela o método de avaliação adotado pelo professor.

Qual o método de avaliação você utiliza ou utilizou no Cálculo


Diferencial Integral?
100%
80%

20% 30% 30%

A prova somativa A resolução de A avaliação A participação, o O trabalho em


e classificatória. exercício, como formativa, interesse, grupo na sala de
complemento da visando à presença entre aula.
prova. aprendizagem. outros.

Série1

Gráfico 6: método de avaliação

Todos os professores afirmam usar a prova somativa e classificatória


como método de avaliação, e grande parte deles relatam usar a resolução de
exercícios como complemento da nota, apenas 20% afirma que usa a
avaliação formativa. Três dos entrevistados marcaram as duas primeiras
alternativas.

O gráfico seguinte (7) traz questões relacionadas aos procedimentos


utilizados pelos professores ao fazer a entrega das avaliações.
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Ao entregar os resultados das avaliações você:


90%
80%
70%
60%

0%

Observa o erro de seus Só considera Considera o Comenta os erros Atende particularmente


alunos e busca meios resultados obtidos, e desenvolvimento das cometidos pela maioria cada aluno para falar
para orientá-los. que estejam questões, mesmo que dos alunos. sobre a prova.
completamente não chegue ao
corretos. resultado correto.

Série1

Gráfico 7: correção de provas

Nenhum dos educadores afirma que só considera os resultados obtidos,


eles dizem observar os erros de seus alunos e buscar meios para orientá-los.
Quatro dos professores marcaram todas as alternativas exceto a segunda, logo
verificamos que todos os respondentes consideram o desenvolvimento das
questões mesmo que não estejam completamente corretos.

Neste último gráfico (8) é exposta a opinião do professor a respeito das


reprovações em Cálculo Diferencial Integral.

Por que há inúmeras reprovações em Cálculo Diferencial Integral?


100%

50%
10% 0% 0%

Os alunos chegam Falta de interesse Falta de tempo para Poucos meios para Desconheço o
muito imaturos, ou dos alunos. trabalhar melhor o auxiliar o professor motivo.
seja, não tem base conteúdo. que leciona a
matemática disciplina.
suficiente.

Série1

Gráfico 8: reprovações em cálculo

Todos os professores concordam que os alunos chegam imaturos,


metade deles acredita que também há falta de interesse dos alunos. Somente
um professor acredita que necessita de mais tempo para o conteúdo ser
trabalhado. Cinco dos professores marcaram os dois primeiros itens, e todos
assinalaram o primeiro.

CONCLUSÕES FINAIS

Podemos verificar através dos dados obtidos, que a prática pedagógica


(a maneira como os professores organizam suas aulas) adotada pelos
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professores como meio de avaliar ainda é a prova somativa e classificatória.


Quanto ao índice de reprovação os professores afirmam que os alunos
chegam imaturos, ou seja, sem conhecimentos suficientes para ingressar bem
na disciplina, o que também é confirmado pelos alunos, quando 28 deles
relatam que não obtiveram uma boa base escolar.

Diante de toda essa realidade, é preciso que os educadores revejam seus


métodos de ensinar e avaliar, uma das alternativas seria o uso de recursos
metodológicos para despertar o interesse do aluno, e não usar somente a
prova somativa e classificatória como método de avaliação, mas buscar a
avaliação formativa visando a verdadeira aprendizagem.

REFERÊNCIAS

AZAMBUJA, C. R. J. , MULLER M. J. , GONÇALVES N. da S. Cálculo


diferencial e integral I: superando barreiras para promover a
aprendizagem. Disponível em:
www.pucrs.br/edipucrs/online/.../inovacao/pag23.html. Acessado em
27/08/2011
BARROS, T. B. ; e CAMARGO, M. A. B. de. Avaliação na educação
superior: produção da proposta de avaliação da aprendizagem.
Disponível em:
http://www.uftm.edu.br/upload/ensino/AVALIACAO_NA_EDUCACAO_S
UPERIOR__PRODUCAO_DA_PROPOSTA_DE.pdf. 2009. Acessado em
29/08/2011
BERBEL, N. A. N. (UEL); CARVALHO, M. de (UEL); DE SORDI, M. R.
L.(PUCAMP); GIANNASI, M. J. (UEL); GUARIENTE, M. H. D.M.(UEL);
OLIVEIRA, Cláudia C.(UEL); SOUSA, Maria Irene P. de O.(UEL);
RODRIGUES, S. C. (FAEFIJA). Avaliação da aprendizagem no ensino
superior. Um projeto integrado de investigação através da metodologia
da problematização. Disponível em:
http://168.96.200.17/ar/libros/anpend/0405p.pdf. Acessado em 29/08/2011
CARVALHO, J. P. Avaliação e perspectivas da área de ensino de
matemática no Brasil. Brasília, DF, n. 62, p. 74-88, abr/jun. 1994. Acessado
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MENDES, O. M. Avaliação formativa no ensino superior: Reflexões e
alternativas possíveis. Disponíveis em:
http://arquivos.unama.br/nead/baixar/metodologia_ensino_superior/pdf/avali
ação_formativa.pdf . Acessado em 22/0/2011
MORETTO, V. P. PROVA um momento privilegiado de estudo não um
acerto de contas. 2º edição 2002. Acessado em 20/08/2011
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Saberes e Práticas de Matemática e Ciências


Naturais nos Anos Iniciais do Ensino
Fundamental: uma reflexão preliminar

Jussiele de Oliveira Mendonça Costa1


Ana Maria Santos Oliveira2
Maria Batista Lima3
Evanilson Tavares de França 4

RESUMO
Este artigo resulta de incursão investigativa, de cunho teórico, desenvolvida a partir
do plano de trabalho Saberes e Práticas de Matemática nos Anos Iniciais do Ensino
Fundamental: um estudo em duas escolas de Sergipe. O referido plano faz parte do
projeto de pesquisa “Saberes e Práticas de Matemática e Ciências Naturais nos Anos
Iniciais do Ensino Fundamental: Um estudo em diferentes contextos escolares da
Microrregião do Agreste de Itabaiana-SE, que faz parte do Programa Especial de
Inclusão em Iniciação Científica – PIIC/POSGRAP/PROEST/UFS, que está
vinculado a PROSGRAP, contribuindo para que os discentes possam aprimorar sua
formação acadêmico-científica tendo uma estreita relação com a área de pesquisa,
extensão e ensino. O projeto está vinculado ao Grupo de Estudos e Pesquisas
Identidades e Alteridades: Diferenças e Desigualdades na Educação
(GEPIADDE/UFS/CNPq). O objetivo que impulsionou a investigação foi
encontrar/identificar concepções teóricas que sustentassem e/ou justificassem
entendimentos, representações e fazeres de professores e professoras nas práticas
quotidianas das salas de aula, em Matemática. Para tanto nos apoiamos em Guimarães
(2008) Soares e Pinto (2001); Charlot e Elisabeth Bautier (1992, 1993); Cruz (2012),
entre outros. O diálogo com os teóricos potencializou o nosso entendimento sobre
saberes e aprendizagens de Matemática nos anos iniciais do Ensino Fundamental,
formação docente e práticas de Matemática nos anos iniciais do Ensino Fundamental,
concepções e aprendizagens de Matemática nos anos iniciais do Ensino Fundamental.

Palavras-Chave: Saberes e práticas; Matemática, Anos Iniciais do Ensino


Fundamental.

1
Contato do(a) autor(a): ussiele_omendonca@yahoo.com.br. Graduanda em
Matemática. UFS - Campus Prof. Alberto Carvalho.
2
Contato do(a) autor(a): anamaria.ufs@hotmail.com. Graduanda em Química. UFS
- Campus Prof. Alberto Carvalho.
3
Contato do(a) autor(a):mabalima.ufs@gmail.com. Profª Adjunta do Departamento
de Educação do Campus Prof. Alberto Carvalho – UFS..
4
Contato do(a) autor(a): evanilsont@gmail.com. SEED- UFS. Mestrando do Núcleo
de Pós-Graduação em Ensino de Ciências Naturais..
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INTRODUÇÃO

Este artigo resulta de incursão investigativa, de cunho teórico,


desenvolvida a partir do plano de trabalho Saberes e Práticas de Matemática
nos Anos Iniciais do Ensino Fundamental: um estudo em duas escolas de
Sergipe. O referido plano faz parte do projeto de pesquisa “Saberes e Práticas
de Matemática e Ciências Naturais nos Anos Iniciais do Ensino Fundamental:
Um estudo em diferentes contextos escolares da Microrregião do Agreste de
Itabaiana-SE”, que faz parte do Programa Especial de Inclusão em Iniciação
Científica – PIIC/POSGRAP/PROEST/UFS, que está vinculado a
PROSGRAP, contribuindo para que os discentes possam aprimorar sua
formação acadêmico-científica tendo uma estreita relação com a área de
pesquisa, extensão e ensino. O projeto está vinculado ao Grupo de Estudos e
Pesquisas Identidades e Alteridades: Diferenças e Desigualdades na
Educação (GEPIADDE/UFS/CNPq).

Para a fundamentação teórica, utilizamos autores como o professor


D`Ambrósio (2003), que relata a necessidade e o desprendimento de um
grande esforço dos educadores modernos para que a matemática deixe de
parecer tão complexa e elitista e que os professores precisam aproximar a
disciplina do que é espontâneo, deixar a criança à vontade, propor jogos,
distribuir balas, objetos, para que o aluno se sinta bem. A criança adquire
habilidades para a matemática em casa, no meio em que vive. Cada um tem
um modo próprio de aplicá-la. Só que na escola dizem que a matemática não
se faz do jeito de casa. Rechaçam esse conhecimento que o aluno traz e isso
cria conflito.

Assim, para lidar com esta questão faz-se necessário trabalhar o sentido
construído pelas crianças sobre os saberes matemáticos e a própria
Matemática e a inserção de jogos parece salutar ao desenvolvimento de uma
relação positiva. Para uma melhor compreensão desta relação positiva com a
Matemática a partir da intermediação de jogos, buscamos Diniz, Tomaz e
Eleutério (2010) os quais apresentam o jogo como uma metodologia bastante
eficaz nos anos iniciais, para que professores e professoras possam utilizar
nas aulas, principalmente de Matemática. Dessa forma professores e
professoras têm a função de mediar formalmente à transmissão dos
conhecimentos socialmente acumulados e a construção de novos
conhecimentos na relação com seus alunos e alunas no ambiente escolar.

Para isso, é fundamental considerar a perspectiva da prática educativa


como dinâmica politico-pedagógica do compartilhamento, da inovação do
que Delors (1999) chama de “Os Quatro Pilares da Educação” (aprender a
conhecer, aprender a fazer, aprender a viver juntos ou aprender a viver com
os outros e aprender a ser). Para isso, é fundamental uma prática mediada
pela práxis pedagógica no sentido atribuído por Freire (1998), de docente e
discente como sujeitos protagonistas de um processo em que ambos em
relações dialógicas ensinam e aprendem, construindo conhecimentos como
instrumento de sua formação contínua. Para isso, é preciso superar a prática
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bancária da educação, em que em uma relação dualista e mecânica de


educação as crianças são vistas como depósitos do saber reificado dos/as
docentes. E a partir daí consolidar uma prática contextualizada ou pedagogia
situada (FREIRE, 2011) em que aprender a aprender abre as perspectivas de
novas e inesperadas aprendizagens cotidianamente.

1 Saberes e Aprendizagem de Matemática nos Anos


Iniciais do Ensino Fundamental

Pesquisas e estudos de caráter interdisciplinar demostram que alunos


após cursarem as quatro primeiras séries do Ensino Fundamental e terem
supostamente vivenciado situações relacionadas às figuras não planas e
planas, continuavam confundindo seus nomes, chamando, por exemplo, o
cubo de quadrado, o paralelepípedo de retângulo, bem como não
reconhecendo as mesmas figuras em diferentes posições. Situações como
essas requerem muita atenção por parte dos profissionais da educação,
principalmente os professores que devem fazer uma reflexão sobre como
estão lecionando este conteúdo para seus alunos e alunas.

Vasconcellos (2005) acredita que é necessário empreender novos


estudos na área de Matemática com ênfase no conteúdo de geometria e que
tais estudos devem compreender as interações entre alunos/as e
professores/as, diante do ensino e da aprendizagem da geometria. Tais
estudos realizados em sala de aula devem estar ligados com o dia a dia,
voltados para o ensino, à aprendizagem ou para a formação dos
professores/as que atuam nos anos iniciais do Ensino Fundamental, com o
intuito de propiciar tanto a elaboração de propostas curriculares, como a
atuação docente condizente com as recomendações mais recentes.

Uma estratégia que pode ser utilizada pelos/as professores/as é o uso do


jogo na sala de aula, ajudando aos alunos a participarem ativamente no
processo de ensino aprendizagem, assimilando conteúdos e interagindo com
os colegas. Eleutério, Tomaz, Andrade (2010, p.4) afirmam que:

A situação escolar é bastante estruturada na promoção do aprendizado,


mas é conveniente lembrar que um domínio da atividade infantil que
tem relações com o desenvolvimento é o jogo. Nesse sentido a escola,
se destaca como local onde os saberes entre sujeitos devem ser
trocados, comprovados, questionados e renovados e tem o papel a
exercer: o de cuidar para que o aprendizado seja uma conquistada. E
como instrumento indispensável, a utilização do jogo nas mais
diferentes situações e conteúdos. Para a criança jogar e brincar são
compromissos sérios. Cabe à escola facilitar o aprender brincando.

Os jogos e as brincadeiras aparecem como importantes aliados no


ensino da matemática uma vez que atos lúdicos como esse permeiam toda a
infância e possibilitam a construção das interações, inter-relações pessoais e
análises espaciais. O educador e/ou educadora são nesse momento agentes
facilitadores na (re) construção das relações e das interações contribuindo
com argumentos baseados nos saberes construído ao longo de sua formação e
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nas experiências obtidas. A escola é por excelência um espaço de troca,


divergências, interações e de sistematização das relações pessoais e
interpessoais. È nela que se assenta a luta por espaços e domínio de território.

Convém ressaltar a importância do uso de jogos principalmente nos


anos iniciais, já que é nesses anos em que alunos e alunas estão construindo
sua identidade e relação prazerosa com o saber poderá favorecer a
potencialização se sua socialização. Essas estratégias metodológicas podem
contribuir também para tornar a Matemática é uma disciplina interessante na
visão dos discentes, desde que seja compreendida da maneira
contextualizada, e não apenas de forma mecânica, através de “decorebas” de
algoritmos. Segundo os PCN do Ensino Fundamental:

As coisas que as crianças observam (a mãe fazendo compras, a


numeração das casas, os horários das atividades da família), os
cálculos que elas próprias fazem (soma de pontos de um jogo, controle
de quantidade de figurinhas que possuem) e as referências que
conseguem estabelecer (estar distante de, estar próximo de) serão
transformadas em objeto de reflexão e se integrarão às suas primeiras
atividades Matemática s escolares. (BRASIL, 1997, p.45)

Também é importante, ainda conforme os PCN (BRASIL, 1997), que se


considere antes da elaboração de situações de aprendizagem, “o domínio que
cada criança tem sobre o assunto que vai explorar, em que situações algumas
concepções são ainda instáveis, quais as possibilidades e as dificuldades de
cada uma para enfrentar este ou aquele desafio”.

Para isso, é fundamental se planejar de forma que se consiga conhecer


as crianças, seu modo de apender, seu modo de se relacionar com os outros
na atividade de aprender. Esse é um procedimento que traz uma concepção
ampla de avaliação como instrumento de reorientação da mediação da
aprendizagem.

Outro aspecto destacado pelos PCN é que “ao explorarem as situações-


problema, os alunos deste ciclo precisam do apoio de recursos como
materiais de contagem (fichas, palitos, reprodução de cédulas e moedas),
instrumentos de medida, calendários, embalagens, figuras tridimensionais e
bidimensionais, etc.”.

As discussões apontadas anteriormente sobre a necessidade de uma


formação pedagógica mais consistente e a construção de um conhecimento
matemático em que crianças compreendam de fato a determinar o uso das
formas, das medidas e das operações matemáticas são apontados através de
dados da Prova Brasil, nos anos 2005, 2007 e 2009, apontam resultados
muito negativos em Matemática, seja nos anos/séries iniciais ou anos/séries
finais do Ensino Fundamental. Essa questão é constantemente vinculada à
problemática da formação docente e à forma de estruturação didático-
curricular.

Para entender essa problemática, faz-se necessário discutir a relação


docente e discente com o saber matemático. Bernard Charlot e Elisabeth
Bautier (1992, 1993) trazem grandes contribuições a esse campo em suas
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pesquisas sobre as relações do saber matemático e a escola. Também


D'Ambrosio e Halmenschlager (2001), ao discutirem a relação da Matemática
com a cultura e sociedade, a partir do conceito de etnomatemática trazem
contribuições importantes para pensar o contexto em questão. Para estes
pesquisadores, não se deve analisar o fracasso de determinada disciplina
apenas sob o ponto de vista da disciplina em questão. Deve-se analisar de
forma mais ampla e abrangente a relação que os/as alunos/as mantêm com o
saber e a escola de forma geral.

No caminhar desse processo é fundamental entender que a Matemática


tem uma linguagem que dialoga continuamente com as outras linguagens, a
exemplo da situação de interpretação de situações-problema com a língua
materna ou ao lidar com tratamento da informação em articulação com as
áreas de ciências humanas.

2 Formação Docente e Práticas de Matemática nos Anos


Iniciais do Ensino Fundamental
Os estudos sobre este tema apontam que a formação docente deixa
muito a desejar, no que se refere ao conhecimento de conteúdo, de
concepções didático-metodológicas no ensino dos diversos níveis e
modalidades de ensino. Muitos profissionais vão para a sala de aula
transcrever aquilo que já está no livro didático, tornando assim as aulas
cansativas, monótonas e repetitivas. Nesse sentido Guimarães (2008, p.1) nos
diz que:

O ensino da Matemática no início do século XX era voltado para a


repetição, sendo a memorização considerada um aspecto importante.
O aluno recebia a informação, escrevia, memorizava e repetia. Repetia
e treinava em casa os exercícios feitos em sala de aula. O
conhecimento do aluno era medido por meio da aplicação de testes em
que ele deveria repetir, mesmo sem compreensão, tudo que o
professor havia feito. Descartando esta forma de trabalho buscou-se
desenvolver uma Matemática com compreensão, influenciada por um
movimento de renovação denominado Matemática Moderna. Nessa
época começou-se a falar em resolver problemas como um meio de
aprender Matemática. Entretanto, as investigações sistemáticas sobre
resolução de problemas e suas implicações curriculares tiveram início
a partir da década de 1970.

Nota-se que alunos/as de várias escolas possuem diferentes formas de


aprendizagens. Cabe ao/à professor/a organizar seu trabalho, de modo que os
alunos desenvolvam a própria capacidade para construírem conhecimentos
matemáticos e interagirem de forma cooperativa, tanto com o/a professor/a, e
com os colegas, na busca de solucionar problemas, respeitando o modo de
pensar dos/as colegas e aprendendo com eles/as. É importante que os/as
professores/as conheçam os diversos tipos de problemas, estimule a interação
entre as crianças, fazendo perguntas, explorando as diferentes estratégias de
soluções que eles utilizam, seja mediante o uso de calculo mental, da
contagem nos dedos, nos materiais concretos ou mediante registros no papel.
Repensar o modelo de formação do/a professor/professora é um passo
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indispensável para a melhoria da qualidade do ensino de forma geral, e para o


ensino de Matemática.

De acordo com Soares e Pinto (2001), há uma grande necessidade de


professores buscarem uma formação continuada, levando para a sala de aula
metodologias que estimulem o raciocínio dos alunos, fazendo com que eles
possam construir os conceitos matemáticos, e também que haja mais
interação entre professor/a-aluno/a e aluno/a-aluno/a, tornando o ambiente
interativo. Segundo Santos (2012, p.147):

(...) a matemática escolar a ser ensinada nos anos iniciais do e Ensino


Fundamental, bem como suas metodologias e recursos, devem estar
presente no curso de pedagogia; deve preocupar-se com as
características próprias do nível de ensino em que irão atuar essas
profissionais formadas a partir dele, buscando trabalhar a Metodologia
de ensino aliada ao conteúdo de Matemática a ser ensinado. Isso
proporcionará à futura professora experiências reais de associação da
teoria com a prática, de modo que o seu conhecimento teórico não
venha a ser confrontado com a realidade, apenas quando já estiver no
exercício da profissão.
Para que esses professores e professoras adquiram conhecimentos
matemáticos não é tarefa fácil, precisam de esforço e dedicação para
melhorar cada vez mais suas metodologias de ensino. E precisam,
principalmente, que seja efetivamente conquistado e exercido o direito à
formação continuada de qualidade em todas as áreas de conhecimentos em
que atua e com as quais interage.

Ao tratar sobre a formação docente Lima (2004, p. 15) coloca que:

Em suma, a situação da instituição escolar se torna mais complexa,


ampliando a complexidade para a esfera da profissão docente, que já
não pode mais ser vista como reduzida ao domínio dos conteúdos das
disciplinas e à técnica para transmiti-los. É agora exigido do professor
que lide com um conhecimento em construção – e não mais imutável
– e que analise a educação como um compromisso político, carregado
de valores éticos e morais, que considere o desenvolvimento da pessoa
e a colaboração entre iguais e que seja capaz de conviver com a
mudança e com a incerteza.

Essa realidade da dinâmica social coloca a urgência de se rever


continuamente o processo de formação docente inicial e continuada, pois
tanto o conhecimento é cada vez mais mutável como a forma de se aprender
em relação com as diversas linguagens, códigos e tecnologias. Assim, a
mudança na forma de aprender implica no desafio docente de continuamente
reaprender a ensinar ou como dizia Paulo Freire. A mediar essa
aprendizagem.

Ao de se tratar do ensino e aprendizagem de Matemática isso não é


diferente. Saímos, pelo menos em tese, da era da “decoreba” da tabuada para
o uso da calculadora e atualmente para a era do tablete, dos jogos eletrônicos.
Embora isso não seja universal em todos os espaços nem na mesma condição,
já que a educação traz em sua realidade a desigualdade que apresenta
condições diferentes de acesso ao conhecimento para as pessoas de classes,
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etnias e outros pertencimentos diferentes não podem negar que o avanço das
tecnologias impõe ao processo escolar a necessidade de rever seus conceitos
e suas práticas.

Desse modo, considera-se conforme Soares e Pinto (2001, p.5) que:

É importante que os cursos de formação, inicial ou continuada,


proporcionem aos professores, que ensinarão Matemática, clareza a
respeito da metodologia da resolução de problemas e ofereçam
condições para que compreenda seu papel incentivador, facilitador,
mediador das ideias apresentadas pelos alunos, de modo que estas
sejam produtivas, levando os alunos a pensarem e a gerarem seus
próprios conhecimentos.

Portanto, como forma de buscar novas soluções para esse problema nos
anos iniciais do ensino fundamental, pesquisadores/as vêm discutindo novas
aprendizagens, tais como a resolução de problemas, a contar de histórias nas
aulas de Matemática s e a utilização de brincadeiras.

Um exemplo da dificuldade do ensino de Matemática nos é dado por


Lamonato e Passos (2009, p. 4) no que se refere ao ensino de conteúdos
relacionados à geometria, especialmente nos anos iniciais, pois segundo os
referidos autores “o ensino de geometria, por sua natureza para a percepção
do espaço, dos deslocamentos, do desenvolvimento de habilidades de
percepção e orientação espacial, é fundamental para a compreensão,
adaptação e exploração do indivíduo no mundo em que vive. Disso decorre a
sua relevância em todos os níveis de escolaridade”.

Ferreira (2003, p. 31) apud Santos (2012) ao concluir suas pesquisas


sobre a formação de professores de Matemática coloca que:

O processo de formação acadêmica de professores que ensinam


Matemática tem sido um dos principais temas das pesquisas
relacionadas à formação e ao desenvolvimento profissional de
professores de Matemática realizadas no Brasil. Esse interesse tem
passado por alterações ao longo das últimas décadas.

Do mesmo modo Santos (2011), aponta que essas pesquisas, além de


timidamente incluir temas relacionados à formação dos professores que
ensinam Matemática nos anos iniciais do Ensino Fundamental também
apontam novas abordagens que visam melhor entender a identidade desse
professor ou professora de Matemática, suas concepções, e a relação dessas
concepções com suas práticas.

Desse modo, o desafio que se coloca é entender que qualquer mudança


de contexto na qualidade da educação passa pelo entendimento da realidade
das diferentes áreas em articulação, na tentativa de se pensar
interdisciplinarmente.
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A formação docente é uma responsabilidade pública que passa pela ação


de todos/as. É preciso que se perceba isso e que essa formação tenha como
protagonista na formulação e nas práticas os/as profissionais da educação.

3 Concepções sobre o Ensino e Aprendizagem de


Matemática nos Anos Iniciais do Ensino Fundamental

Os PCN de Matemática apontam o caráter interdisciplinar e social do


ensino dessa disciplina ao colocar que entre os objetivos desse documento
(PCN) está:

Utilizar as diferentes linguagens — verbal, Matemática,


gráfica, plástica e corporal — como meio para produzir,
expressar e comunicar suas ideias, interpretar e usufruir das
produções culturais, em contextos públicos e privados,
atendendo a diferentes intenções e situações de comunicação;
(BRASIL, 1997, p.06)

Por outro, este mesmo documento aponta uma realidade confirmada


pelas produções e dados estatísticos mais recentes, sobre duas constatações
contraditórias em relação ao ensino e aprendizagem de Matemática. A
primeira trata da valorização da Matemática, disciplina vista como muito
importante no currículo, levando inclusive a um antagonismo em relação a
outras áreas, sendo vista como indicativo de inteligência; e por outro lado a
realidade dos resultados negativos em todos os níveis de ensino.

Segundo o item introdutório dos PCN (BRASIL, 1997) essa importância


se deve ao fato da Matemática desempenhar papel decisivo na resolução de
problemas da vida cotidiana, ter muita aplicabilidade no mundo do trabalho e
ser base para construção de conhecimentos em outras áreas, especialmente
nas demais áreas relacionadas a uma concepção muito vinculada à tecnologia
e as Ciências da Natureza.

Embora seja necessário relativizar ao considerar que outras disciplinas


da área de Ciências Humanas também estão na vida cotidiana e se entenda
que essa hierarquia na área dos campos do conhecimento escolar se relaciona
com a forma como o conhecimento foi sendo estabelecido nas sociedades,
inclusive considerando os aspectos de disputa de poder, de dominação social
e de aspectos culturais, não podemos deixar de considerar a importância da
Matemática para o desenvolvimento do potencial intelectual, para o a
estruturação do pensamento, bem como para o desenvolvimento do raciocínio
dedutivo dos sujeitos em formação.
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Em meio à problemática da formação docente se encontra a questão das


concepções sobre o que seja a Matemática, da sua função na escola e na
sociedade, da sua relação com a vida do/da estudante e sobre quais as formas
mais indicadas para seu ensino. Nessa direção os PCN (BRASIL, 1997, p.
12) apontam que:

Há problemas a serem enfrentados, tais como a necessidade de


reverter um ensino centrado em procedimentos mecânicos,
desprovidos de significados para o aluno. Há urgência em reformular
objetivos, rever conteúdos e buscar metodologias compatíveis com a
formação que hoje a sociedade reclama.

Nesse sentido compreendemos que a melhoria do ensino de Matemática


nos anos iniciais do Ensino Fundamental se faz necessário para a qualificação
da educação básica. E essa melhoria passa pela própria compreensão dos
Saberes Matemáticos como conhecimentos entrelaçados no viver e conviver
na sociedade; saberes estes que são construídos nas relações sociais que se
dão no processo escolar.

Seguindo esse pensamento no referendamos em Charlot (2000, p.79),


apud Lima (2011, p. 2) para quem “analisar a relação com o saber é estudar o
sujeito confrontado à obrigação de aprender, em um mundo que ele partilha
com outros: a relação com o saber é relação com o mundo, relação consigo
mesmo, relação com os outros”.

Essa ideia aponta que o/a docente em formação possui então vários
momentos dessa relação em sua formação inicial e desta relação depende o
sentido do saber a ser construído pelos alunos e alunas no processo de
aprendizagem.

Assim, a concepção de Matemática e de saber matemático a ser


desenvolvido pelos/as discentes é mediado pelo sentido atribuído pelos
docentes a este saber e a forma como este profissional enxerga a
potencialidade dos/as discentes.

Desse modo, conforme Lima (2011), docentes tem papel fundamental


no processo curricular, pois os currículos que se materializam nas escolas e
nas salas de aula têm no profissional seu principal construtor.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

É preciso que professore/as discutam na sala de aula e busquem


alternativas de melhorar as concepções que os alunos têm dos Saberes
Matemáticos. Para isso faz-se necessário que professore/as busquem
estratégias para ajudarem os alunos/as na sua forma de pensar os Saberes
Matemáticos, que são utilizados de diversas formas no cotidiano dos
mesmos.

Dentre outras coisas, a pesquisa revelou que os alunos/as como foco


precisam de novas estratégias de ensino para melhor desenvolver seu
pensamento matemático, como também de construir espaços/tempos para que
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essas questões venham a ser expostas, reconhecidas e respeitadas de forma


significativa, já que estas são muitas vezes esquecidas pelos alunos/as e
professores/as.

Entretanto, faz-se necessário sublinhar que a definição/implementação


de espaços/tempos destinados à formação dos/as professores/as precisa ser
meta prioritária daqueles e daquelas que conquistam do povo o mandato para
imprimir políticas de desenvolvimento social. A educação não pode (e nem
deve) ser compreendida como gasto, mas como investimento imprescindível
ao desenvolvimento e melhoria de vida das pessoas e, como consequência, da
sociedade humana.

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O Ensino de Ciências Naturais nos Anos


Iniciais do Ensino Fundamental:
um estudo no Agreste Sergipano

Elaine de Oliveira1
Roberta Brito dos Santos2
Maria Batista Lima3
João Rogério Menezes de Santana4

RESUMO
O Ensino de Ciências Naturais é essencial para desenvolvimento intelectual do
individuo, pois contribui para formação do cidadão. O ensino de Ciências Naturais
nos anos iniciais do Ensino Fundamental possui particularidades em relação às outras
etapas da Educação Básica, pelo fato de contar com único professor ou professora,
geralmente graduado em pedagogia para lecionar todas as áreas. Assim, o estudo
objeto deste trabalho tem como foco de estudo “Os Saberes e Práticas de Ciências
Naturais em processo nos anos iniciais do Ensino Fundamental”, um estudo
qualitativo, com base nas visões dos discentes de duas escolas da Microrregião do
Agreste de Itabaiana -SE. O universo que compõe nossos estudos são estudantes com
predominância afrodescendente. Mediante dados empíricos em nossa pesquisa
algumas considerações podemos elencar: Torna-se necessário uma maior contribuição
do Ensino Fundamental para a formação científica dos/as estudantes, tornando o
Ensino Ciências Naturais uma realidade não apenas em perspectiva futura. Através de
tantas questões que constituíram-se ao longo desses estudos exploratórios, fica uma
reflexão: Quais as concepções de saberes e práticas dos/as professores/professoras do
Ensino de Ciências Naturais nos Anos Inicias do Ensino Fundamental? A esse
respeito, faz-se necessário propostas dessa natureza voltada aos professores e
professoras que lecionam nessa etapa de formação humanística. Nesse sentido,
entendemos o direito a um ensino qualificado e contextualizado dos conhecimentos de
Ciências Naturais como parte dessa formação.

Palavras-Chave: Saberes e Práticas, Ensino de Ciências Naturais, Anos Iniciais do


Ensino Fundamental.

1
Contato do(a) autor(a): laneoliveira.girl@hotmail.com. Graduanda em Química-
licenciatura Bolsista do Programa Especial de Inclusão em Iniciação Científica
(PIIC)-POSGRAP/PROEST/UFS. Membro do Grupo de Pesquisa
GEPIADDE/UFS/Campus Prof. Alberto Carvalho.
2
Contato do(a) autor(a): robertabs-07@hotmail.com. Graduanda em Química –
licenciatura. Voluntária do Programa de Educação Tutorial (PET-Conexão de
Saberes-Educação/MEC-CAPES). Membro do Grupo de Pesquisa
GEPIADDE/UFS/Campus Prof. Alberto Carvalho. .
3
Contato do(a) autor(a): mabalima.ufs@gmail.com. Profª Adjunta do Departamento
de Educação do Campus Prof. Alberto Carvalho e do Núcleo de Pós-Graduação em
Ensino de Ciências Naturais e Matemática – NPGECIMA. Pesquisadora dos Grupos
de Pesquisa GEPIADDE, EDUCON e NEAB (UFS). Orientadora do Programa
Especial de Inclusão em Iniciação Científica (PIIC)-POSGRAP/PROEST/UFS.
4
Contato do(a) autor(a): santana.menezes@hotmail.com. Mestrando em Ensino de
Ciências Naturais e Matemática – NPGECIMA. Membro dos Grupos de Pesquisa
GEPIADDE e EDUCON/UFS.
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INTRODUÇÃO

Este trabalho tem com base o projeto de pesquisa denominado: Saberes


e Práticas de Matemática e Ciências Naturais nos Anos Iniciais do Ensino
Fundamental, que tem como objetivo investigar saberes e práticas de
Matemática e Ciências Naturais em processo nos anos iniciais do Ensino
Fundamental. O referido projeto está vinculado ao Grupo de Pesquisas
identidades e Alteridades: Diferenças e Desigualdades na Educação
(GEPIADDE).

Parte de um projeto mais amplo, o estudo que originou este trabalho, de


natureza qualitativa, envolve procedimentos como a) Aplicação de
questionários a docentes, discentes e gestores das secretarias de educação e
das escolas selecionadas; b) entrevistas a docentes, discentes e gestores das
secretarias de educação e das escolas selecionadas; c) Observação
participante em turmas das escolas selecionadas; d)
sistematização/categorização e análise dos dados coletados. Para este
trabalho focalizamos os questionários aplicados em duas turmas de duas
escolas publicas do agreste sergipano, sendo uma na zona do campo
(Povoado Palmeira) em Malhador e outra na zona do campo de Moita Bonita.

Entende-se que os conhecimentos de Ciências Naturais não devem ser


transmitidos através de regras e memorização, pois isso não ajuda os alunos
a compreenderem e reelaborarem os conhecimentos, articulando-os com
realidade. O ensino na escola deve ser voltado para formar cidadãos críticos e
exigentes em decisões para seu bem estar e o bem estar coletivo. Isso envolve
todas as áreas de formação do ser humano, inclusive das Ciências Naturais,
pelas quais estudantes em formação podem aprender a se situar e
compreender melhor o mundo em que vivem. Existe a necessidade do
reconhecendo de que a criança tem o direito de estudar as Ciências Naturais
através de argumentos de aproximação entre a Ciência dos cientistas e as
experiências cotidianas.

Quanto à avaliação, em particular na área de Ciências Naturais, deve ser


olhada de maneira cautelosa na orientação do ensino necessário e
procedimento centrado em objetivos educacionais em uma formação que
priorize elementos do convivo social e ambiental. Assim, os conhecimentos
das Ciências Naturais devem se transmitidos em consonância com
compromissos com a educação transformadora.

Nesse sentido, a formação dos professores e professoras deve


possibilitar subsídios fundamentais, alguns dos quais são citados nas
Diretrizes Curriculares Nacionais para Formação de Professores/as da
Educação Básica em Nível Superior, Curso de Licenciatura, de Graduação
Plena (BRASIL, 2002). Este em seu artigo 5° se refere coloca que o Projeto
Politico-Pedagógico (PPP), de cada curso deve garantir a constituição das
competências objetivas na educação básica, exigindo que formação
contemple diferentes âmbitos do conhecimento profissional do/a
professor/professora.
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.Desse modo, neste trabalho abordamos a problemática do Ensino de


Ciências Naturais nos anos iniciais do Ensino Fundamental e trazemos
algumas das concepções dos estudantes sobre as Ciências Naturais e seu
lugar na escola e na sociedade.

1 Ciências naturais e ensino


O Ensino de Ciências Naturais nos anos iniciais do Ensino Fundamental
vem sendo alvo de discussões constantes. Discute-se o papel desse
conhecimento na relação com o ambiente e na proposição de uma educação
que contribua para a percepção ambiental e para a preservação da própria
sociedade. O desafio é fazer do ensino e da aprendizagem dos conhecimentos
das Ciências Naturais um instrumento de práticas pedagógicas que favoreçam
uma aprendizagem significativa no mundo. Uma prática reflexiva é um ponto
importante no que se refere à conduta educacional nas Diretrizes Curriculares
Nacionais para Formação de Professores/as da Educação Básica (BRASIL,
2002, p. 32 ). “Sem a mediação da transposição didática, a aprendizagem e a
aplicação de estratégias e procedimentos de ensino tornam-se abstratas,
dissociando teoria e prática”, sendo assim a educação escolar deverá garantir
a constituição das competências objetivadas na educação básica a fim de
garantir o conhecimento na construção da formação intelectual de cada
indivíduo. .

Apontado como porta de entrada, ou em outras palavras, uma base para


que a criança desenvolva um olhar situado sobre o lugar da natureza na
sociedade. O Ensino de Ciências deve contribui para a articulação entre a
realidade vivenciada e a formação de conceitos científicos, mas
especificadamente a construção de uma alfabetização científica conforme
enfatiza Lima (2011) quando aponta o Ensino e a aprendizagem das Ciências
Naturais tendo sido um dos importantes eixos de discussões sobre educação
brasileira, fato este destacado nos dados do Ministério da Educação (MEC),
através de avaliações como o IDEB (Índice de Desenvolvimento da Educação
Básica) e Prova Brasil, cujos resultados têm mostrado uma defasagem na
aprendizagem de conhecimentos básicos nas diversas áreas de
conhecimentos.

Assim, faz-se necessário discutir tanto a questão da concepção que se


tem de Ciência e de Ciências Naturais no âmbito da visão sobre saberes
científicos e saberes cotidianos, como se discutir que lugar ocupam os
aspectos didático-pedagógicos nesse processo.

Conforme Lima (2011) a Resolução do Conselho Nacional de Educação


(Conselho Pleno), nº 1, de 2006, que institui Diretrizes Curriculares
Nacionais para o Curso de Graduação em Pedagogia, aponta o lugar das
Ciências Naturais na formação do /a docente da educação infantil e anos
iniciais do Ensino Fundamental, ao colocar, em seu art. 2º, § 2º que

[...] o curso de Pedagogia, por meio de estudos teórico-práticos,


investigação e reflexão crítica, propiciará ao educando a aplicação ao
campo da educação, de contribuições, entre outras, de conhecimentos
como o filosófico, o histórico, o antropológico, o ambiental-ecológico,
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o psicológico, o linguístico, o sociológico, o político, o econômico, o


cultural. (BRASIL, 2006).

Desse modo Lima (2011) aponta que o documento coloca a necessidade


de uma formação que oriente para uma prática multidisciplinar e
contextualizada. De modo similar as Diretrizes Curriculares Nacionais para a
Educação Básica apontam o mesmo, enfatizando a importância dessas
práticas para “um projeto de nação, em que aspectos da Vida Cidadã,
expressando as questões relacionadas com a Saúde, a Sexualidade, a Vida
Familiar e Social, o Meio Ambiente, o Trabalho, a Ciência e a Tecnologia, a
Cultura e as Linguagens, se articulem com os conteúdos mínimos das Áreas
de Conhecimento” (BRASIL, 1998, p.09 - PARECER CEB, 04/98, apud
LIMA, 2011).

Entende-se, a partir do contexto apresentado que as Ciências Naturais


devem ser pensadas, problematizadas e compreendidas no processo de ensino
e aprendizagem como parte da relação do ser humano com o mundo, ou seja,
no contexto do ser no mundo como relação construída na relação do ser
humano com a natureza e a produção cultural que se dá nessa relação.

Outro documento que aborda a importância de se trabalhar o Ensino de


Ciências Naturais de forma a possibilitar uma compreensão acerca do mundo
em que vive o educando é o documento da Academia Brasileira de Ciências
(2007, p.01), denominado “Ensino de Ciências e educação básica: propostas
para um sistema em crise”, a necessidade imperiosa de melhorar o ensino
básico no Brasil passa pela qualificação do Ensino de Ciências Naturais, de
forma a estimular o raciocínio lógico e a curiosidade, o que ajudará a formar
cidadãos com maior capacidade de enfrentar os desafios da sociedade
contemporânea. Corrobora com esse pensar o pesquisador Charlot (2000,
p.79), quando faz sua análise a respeito da relação do sujeito com o saber.
Para ele, “analisar a relação com o saber é estudar o sujeito confrontado à
obrigação de aprender, em um mundo que ele partilha com outros: a relação
com o saber é relação com o mundo, relação consigo mesmo, relação com os
outros”.

Assim, é importante entender a importância das Ciências Naturais na


base do Ensino Fundamental, pois estas tornam significativa a base
educacional das crianças, pois considerando essa formação escolar como
espaço de contextualização da realidade social e da formação de atitudes das
novas gerações, entendemos que as Ciências Naturais proporcionam as
condições do sujeito se colocar no mundo como sujeito ambiental.

2 O ensino de ciências nos anos iniciais do ensino


fundamental

No contexto social essa pesquisa tem como objetivo o público alvo


alunos/as de escolas municipais do interior do Estado de Sergipe com
predominância afrodescendente. Vale ressaltar que o Ensino de Ciência deve
ser voltado para construção intelectual, além de proporcionar mudança na
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concepção de vida do aluno/a, mas também assegurar seus direitos como


construtor de uma sociedade igualitária.

Fortalecendo essa necessidade pelas características políticas sociais em


nosso país e, buscando responder a alguns pressupostos teóricos sobre o
acesso a escola e suas diferentes ações. Temos como norte os seguintes
resultados a respeito da etnia: A autoidentificação etnicorracial apontou que
na Turma A (escola 1) oito estudantes se identificaram como sendo moreno e
seis, como negros, dois se denominaram branco, e chamo atenção para dois
alunos que se identificaram como claro e somente um se identificou como
pardo. Um dos fatores importante a destacar em relação à etnia/raça é que
alguns/mas alunos/alunas não discernem se identificam de forma erronia.
Segundo Lima (2008 p. 49), “nesse sentido, me pergunto qual o papel da
educação escolar na constituição da identidade dessa criança, considerando-
se que é também no contexto escolar que esta sistematiza seus
conhecimentos, estabelece relações, está em interação com diferentes sujeitos
e materiais, e em processo de formação.”

No que se refere à autoidentificação etnicorracial na Turma B, escola 2,


percebeu-se que dos 12 (doze) alunos, 7(sete) se identificaram como branco,
2 (dois) como moreno e apenas 2 dois alunos disseram serem negras e 1 (um)
não se identificou. Outra questão comparada com a escola 1 pode ser alvo de
estudo futuramente para investigar quais os fatores predominantes que se
destacam entre a relação da etnia/raça entre essas duas comunidades.
Segundo Oliveira (1999, p. 11), “partindo desta perspectiva e focalizando um
trabalho na área das Ciências Naturais, poderíamos investigar quantas e quais
seriam as visões de Natureza em uma sala de aula, e a partir daí trabalharmos
com suas origens, suas incoerências, seus limites, seus problemas éticos”.

Faz-se necessário que o Ensino de Ciências Naturais seja voltado para


proporcionar a todos o desenvolvimento da escrita, raciocínio lógico e do
conhecimento contextualizado do ambiente, para que se torne uma pessoa
competente, capaz de tomar decisões em prol do bem da humanidade. Como
disse Ovigli (2009, p. 1608): “Enquanto cidadãos e cidadãs pertencentes a
uma sociedade democrática, todos/as somos convidados/as a discutir e opinar
em assuntos que envolvem a Ciência e a Tecnologia”. Para confirmar essa
lógica, segundo Chassot (2003, p. 6 ). “A alfabetização científica pode ser
considerada como uma das dimensões para potencializar alternativas que
privilegiam uma educação mais comprometida”. Essa afirmação traz a
necessidade de investimento na formação de professores e professoras,
conforme apontada nas Diretrizes Curriculares Nacionais (DCN) para as
licenciaturas, que apontam entre outras coisas, a necessidade do perfil
docente dar conta da relação do ensino com a ciência e o papel social dessa
ciência e desse ensino.

Ao discutir a questão sobre “Por que ensinar Ciências na escola


fundamental?”, Malafaia e Rodrigues (2008) dizem que de acordo com
Fumagalli (1993), várias linhas de pensamento possibilitam responder este
questionamento e que não obstante essas possibilidades, três considerações
merecem ser destacadas ao se definir essas respostas, a saber: “ (i) o direito
das crianças de aprender Ciências; (ii) o dever social e obrigatório da escola
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fundamental como sistema escolar de distribuir conhecimentos científicos ao


conjunto da população e (iii) o valor social do conhecimento científico”
(MALAFAIA e RODRIGUES, 2008, p. 03).

Nesse contexto a criança é vista como sujeito de direito e de autonomia,


conquistando, inclusive do campo da educação escolar, o direito de ser
considerada como sujeito que possui modos específicos de significar o
mundo, portanto modos particulares de adquirir conhecimentos. São sujeitos
do presente em construção e não miniaturas de adultos.

Nessa perspectiva, Malafaia e Rodrigues (2008) apontam que não


ensinar Ciências Naturais para as crianças é uma forma de discriminá-las, de
trata-las como incapazes de aprender de fato. É lhes negar o protagonismo
histórico de serem cidadãs do presente e não sujeitos do futuro. Apresenta
com esta posição equivocada uma ignorância sobre o processo de
desenvolvimento da criança. Segundo os autores,

[...] Nesse sentido, parece esquecido que as crianças não são somente
“o futuro” e sim que são “hoje” sujeitos integrantes do corpo social e
que, portanto têm o mesmo direito que os adultos de apropriar-se da
cultura elaborada pelo conjunto da sociedade para utilizá-la na
explicação e compreensão do mundo atual. Não ensinar Ciências nas
primeiras idades invocando uma suposta incapacidade intelectual das
crianças é uma forma de discriminá-las como sujeitos sociais. Este é
um forte argumento para sustentar o dever inevitável da escola de
Ensino Fundamental de divulgar e trabalhar conhecimento científico
(MALAFAIA E RODRIGUES, 2008, p. 03).

Este pensamento se aproxima do pensamento de Chassot (2003) sobre o


direito das crianças aprenderem Ciências Naturais, na perspectiva da
alfabetização científica, já que para este autor,

A alfabetização científica pode ser considerada como uma das


dimensões para potencializar alternativas que privilegiam uma
educação mais comprometida. É recomendável enfatizar que essa
deve ser uma preocupação muito significativa no Ensino
Fundamental, mesmo que se advogue a necessidade de atenções quase
idênticas também para o ensino médio (p. 97).

O autor aponta assim a importância de se trabalhar a relação saberes


cotidianos com o caráter científico, pois esta relação traz para o ensino uma
linguagem importante na formação humana, que é a linguagem científica,
importante expressão da humanidade que ao não ser trabalhada nega a uma
grande parcela da sociedade o acesso a uma importante produção humana,
levando a exclusão de possibilidades por parte dos/as educandos e educandas.

Desse modo, o pensamento dos autores aponta para o fato de que o


Ensino de Ciências precisa ser pensado tanto no âmbito qualitativo como
quantitativo, em articulação com outras questões como a função social do e
ensino e a própria discussão sobre a função da ciência na sociedade e da
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relação conhecimento cotidiano e conhecimento cientifico na formação do


ser humano e na realimentação da produção cultural humana.

Em relação a um terceiro argumento trazido por Malafaia e Rodrigues


(2008, p. 4-5) sobre o valor social do conhecimento cientifico, “Fumagalli
(1993) já enfatizava o valor do conhecimento científico na prática social
presente no cotidiano das crianças e considerava que esse era um aspecto
tristemente esquecido no momento de justificar o Ensino de Ciências na
infância”.

Assim, tais ideias nos permite perceber a importância dos estudos sobre
o Ensino de Ciências Naturais e a relação desse ensino com as próprias
concepções de Ciência vigente na sociedade contemporânea. Os autores e
autoras lidos nos mostram que esta é uma questão significativa para a
educação escolar, como uma contribuição para uma educação significativa,
transformadora, que permita aos seus sujeitos se perceberem como agentes
do ambiente, sujeitos da natureza e cidadãos do universo.

3 Resultados e discussões
O Ensino de Ciências Naturais nos últimos anos vem sendo alvo de
pesquisa em torno das suas praticas pedagógica desenvolvia na sala de alua,
no decorre das relações dos sabres com as práticas, será necessário rigor ao
julgar os métodos de ensino que os alunos que faz parte dessa pesquisa estão
em inseridos. De acordo com Marandino (2003, p. 171), “diferentes
tendências pedagógicas predominaram ao longo dos anos, contudo, a
Didática continua até hoje centrando a formação prática do educador e as
demais disciplinas não têm contribuído para a articulação com o contexto da
prática pedagógica desenvolvida nas escolas”.

Além de toda discussão referente às práticas desenvolvida Marandino


(2003), aponta que apesar da crescente produção da pesquisa em Ensino de
Ciências Naturais, a prática dos educadores área tem suas raízes ligadas ao
tradicionalismo de ensino e de-aprendizagem, são vários os obstáculos para
aceitação de novas formas que não e somente no campo a formação dos
professores.

Na análise da primeira questão para verifica o que os alunos da Escola 1


entendem por Ciência fez a seguinte pergunta: O que é Ciências? No gráfico
1 a seguir, pode-se observar que 37% responderam relacionado ao conteúdo,
32% responderam com respostas vagas, amplas, gerais e estereotipadas, em
contexto que pretendia esclarecer a concepções dos estudantes ficou evidente
os desvios de significados ao conceitua a pergunta a cima. De acordo com os
PCN (BRASIL, 1998, p.28), “dizer que o aluno é sujeito de sua
aprendizagem significa afirmar que é dele o movimento de ressignificar o
mundo, isto é, de construir explicações, mediado pela interação com o
professor e outros estudantes e pelos instrumentos culturais próprios do
conhecimento científico”.

O esclarecimento acima deixa evidente a responsabilidade do professor


como mediador entre o conhecimento científico e as concepções prévias dos
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alunos/os na desconstrução e formação de conceito mais elaborado com rigor


científico.

Gráfico 1: Concepção de Ciências. Turma A Turma B

Ao verificar a resposta dos alunos da Turma A os resultados não foram


diferentes em relação às respostas dos alunos do 4° Ano da Turma B, pois
46% dos estudantes classificaram a ciência com respostas vagas, amplas,
gerais e estereotipadas. No caso da Turma B surgiram questionamentos
relacionados à quais as metodologias precisam ser adotadas para que os/as
alunos/alunas entendam as Ciências Naturais não somente como uma matéria
que deve estudar para passar de ano, mas como uma disciplina que tem seu
papel na formação e construção da base de uma sociedade. Na concepção de
Filho et all (2011, p. 5) “O Ensino de Ciências nas Séries Iniciais deverá
propiciar a todos os cidadãos os conhecimentos e oportunidades de
desenvolvimento de capacidades necessárias para se orientarem nesta
sociedade complexa, compreendendo o que se passa à sua volta, tomando
posição e intervindo na sua realidade”.

Como aconteceu com os alunos da Escola 1 (Turma A), que 37% dos
alunos/as responderam relacionado ao conteúdo, 38% dos alunos da Escola 2
(Turma B), também responderam com diferença de apenas 1%. Percebemos
que nossos alunos tem um ensino padrão no contexto dessas escolas
localizadas em povoados de cidades diferentes.

O gráficos a seguir, correspondem aos resultados referente à questão em


que os estudantes responderam sobre a importância de se aprender Ciências
Naturais. Como já se esperava os alunos, em sua maioria, relacionaram as
respostas a atividades e ao conteúdo.
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Gráfico 02: Importância de aprender Ciências Naturais Turma A. Turma B

Na Turma B, pode-se observar que os alunos responderam em sua


maioria em relação a conteúdo com diferença em termos de resposta com a
Turma A, pois enquanto na Turma A foram 42%, na B foram 50%.

Ao perguntar aos/às alunos/alunas o que eles poderiam fazer com o que


aprenderam em Ciências Naturais muitos responderam citando atividades
desenvolvidas no âmbito da disciplina tais como, estudar, ler e escrever, fazer
exercícios; e conteúdos. Com relação à primeira categoria, a Turma A obteve
um percentual de 42% e a Turma B, 58%. Já com relação à segunda
categoria, a Turma A obteve 16% e a Turma B, 25%. Interessante notar que
na Turma A obtivemos um percentual significativo com relação à progressão
no estudo/futuro (16%) sendo que esta categoria não está presente na Turma
B. Esse fato nos suscita diversos questionamentos. Vejamos, então, os dados
nos gráficos a seguir:

Alegou
O que se pode fazer com o que se não
aprende em Ciências saber
Resposta 5%
vaga,
ampla,
geral,
estereotipa Respostas
Respostas relativas a
da à
relativa
11% atividades
aprendizage 42%
m, leitura e
escrita Respostas
10% relativa à Respostas
progressão relativa ao
no conteúdo
estudo/futu 16%
ro
16%
Gráfico 03: O que se pode fazer com o que se aprende em Ciências Naturais. Turma A.
Turma B
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Ao analisar os dados a Turma A, 42% dos alunos/as responderam em


relação à atividade desenvolvida em sala como: ler, escrever, e aprender em
quanto na Turma B, o percentual foi 58% também responderam que podia
ensinar; ler, abrir sapos. É interessante notar que os/as alunos/alunas
conseguem relacionar Ciências Naturais ao estudo anatômico dos animais
assim como, a experiências. A partir disso, trazemos a importância de no
ensino fundamental trabalhar como experiências simples que possa despertar
o interesse dos alunos para estudar Ciências Naturais e despertando o
raciocino dos/as aluno/as para a construção do conhecimento científico e
aproxima a linguagem científica da realidade do aluno.

Segundo Lira (2010, p. 2). “A escola é um desses espaços, onde


acontecem formas particulares de comunicação com uma linguagem
específica. Esta forma de linguagem torna-se importante na construção da
ciência e necessita ser veiculada aos alunos, como um fator importante no
processo de ensino e aprendizagem”. Partindo dessa teoria a experimentação
é outra prática que deve ser trabalhar vinculada construção da linguagem
científica pelo seu papel investigativa. De acordo com as concepções de
Prigol e Giannotti (2008, p. 4) “A disciplina de Ciências Naturais é uma
disciplina na qual a prática não deveria ser desvinculada da teoria. Por isso,
acredita-se que o reconhecimento por parte dos alunos na construção do
pensamento científico, atesta o caráter investigativo das aulas práticas”.

ALGUMAS CONCLUSÕES
O Ensino de Ciência Naturais nos anos do Ensino Fundamental de
acordo com PCN, (1997, p. 28), “Ao professor cabe selecionar, organizar e
problematizar conteúdos de modo a promover um avanço no
desenvolvimento intelectual do aluno, na sua construção como ser social”. A
partir desse parâmetro parece haver certo distanciamento entre o Ensino de
Ciências Naturais e o objetivo educacional aconselhado pelos PCN nas duas
escolas pesquisadas, o que nos leva a várias hipóteses sobre os fatores que
contribuem para isso, desde o contexto histórico nacional e local da formação
docente inicial até a realidade da ausência de uma política efetiva de
formação continuada. Ao estudar a fundo o entendimento dos alunos das
turmas A e B; podemos considerar que as práticas metodológicas
desenvolvidas nessa área não parecem favorecer a problematização dos
conteúdos e articulação como os conhecimentos prévios dos/as discentes,
condições para uma prática contextualizada significativa.

Assim, como o Ensino de Ciências Naturais deve contribuir para


formação intelectual dos estudantes, tendência não observada na pesquisa,
nos fortalece levantar o questionamento o porquê de se estudar Ciência
Naturais? Além disso, a busca por respostas traz vários outros levantamentos
principalmente, no tocante a formação dos professores de Ciências Naturais.

Quando se refere às novas maneiras inovadoras de transmitir


conhecimentos muitos professores/professoras, buscam justificar não ter
conhecimentos para outras metodologias.

Segundo Andrade et all (2011, p.5),


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a resistência do professor quanto à implementação de um novo


currículo pode ser justificada pelo fato de o mesmo estar acostumado
a utilizar um modelo de ensino linear, que faz uso de modelos prontos
e acabados para o desenvolvimento dos conteúdos. Esse “ensino
tradicional” imposto desde a formação inicial até a formação
acadêmica por muitos, é o único modelo conhecido então, como
ensinar de forma diversificada quando não se têm o conhecimento de
outras metodologias?

São essas resistências, que impedem às novas metodologias


contribuírem para a formação intelectual dos/as alunos/alunas. Torna-se
necessário uma maior contribuição do Ensino Fundamental para a formação
científica dos/as estudantes, tornando o Ensino Ciências Naturais uma
realidade não apenas em perspectiva futura. Através de tantas questões fica
uma reflexão: Quais as concepções de saberes e práticas dos/as
professores/professoras do Ensino de Ciências Naturais nos Anos Inicias do
Ensino Fundamental?

REFERÊNCIAS

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Nacionais: Ciências Naturais. Brasília: MEC/SEF, 1997. Disponível em:
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CHASSOT, Attico. Alfabetização Científica: uma possibilidade para a


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CHARLOT, Bernard. Relação com o saber, formação de professores e


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Análise do Discurso e o Ensino de


Língua Portuguesa

Carlos Alexandre N. Aragão1

RESUMO

O presente texto faz uma abordagem acerca da visão que o docente de língua
portuguesa faz do ensino de língua no espaço escolar. Pelo que se tem examinado,
percebe-se que o professor de Língua Portuguesa e a sociedade em geral ainda estão
pautados em práticas tradicionais de ensino, mais precisamente, no ensino da
Gramática Normativa, corroborando a perspectiva do “certo” versus o “errado”. Tal
abordagem, por seu turno, advém de uma visão de norma postulada desde os gregos
que adentrou no universo escolar e social como um poder que jamais poderá ser
questionado. Com efeito, tem provocado um grande quantitativo de desistência por
parte do estudante, no âmbito da Escola Pública, haja vista a repetição de exercícios
estruturais, fazendo com que ele não perceba a língua como dinâmica, histórica e
dialógica. Esse olhar é reflexo de uma pesquisa maior intitulada “O professor de
língua portuguesa e as imagens de si no município de Monte Alegre de Sergipe”,
desenvolvida durante o mestrado em Letras. Além desses aspectos, analisamos alguns
corpora extraídos das entrevistas realizadas com os professores de língua portuguesa
com o intuito de investigarmos qual a imagem que esse professor faz de si, do ensino
de língua e do seu estudante. Os professores foram submetidos a duas perguntas: a)
para você, o que é ensinar língua portuguesa? b) para você, o que é ser professor de
língua portuguesa? Depois de gravadas, as entrevistas foram transcritas. A transcrição
foi realizada à luz dos postulados de Marcuschi (1986). A partir das transcrições,
procedemos à análise discursiva das suas falas, tentando compreendê-las, porque é
essa perspectiva que interessa ao analista do discurso, e assim, fizemos a relação com
as teorias que nos servem de base.

Palavras-Chave: ensino – língua portuguesa – análise do discurso

1
Contato do(a) autor(a): cana_aragao@yahoo.com.br. Mestre em Letras (UFS e
UNIT) .
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1 Um olhar sobre a Análise do Discurso

A Análise do Discurso (doravante AD) surge na França nos anos de


1960 com os estudos de Jean Dubois (lexicólogo, envolvido com as tentativas
da linguística de sua época) e de Michel Pêcheux (filósofo e debatedor do
marxismo, da psicanálise e da epistemologia), com o objetivo de trabalhar o
discurso, mas para isso faz uso da Linguística sem excluir o objeto desta que
é a Língua. A AD propõe uma não dicotomia entre língua e discurso. A
Linguística, instaurada por Saussure, não dá o suporte necessário para tal
estudo, portanto, esses estudiosos criaram uma teoria do discurso formada
por elementos linguísticos e socioideológicos, capazes de acolher esse novo
projeto. Segundo Orlandi (2007), explicando o objeto de estudo da AD, a
língua não pode ser concebida como um sistema, mas como movimento,
porque é através desse movimento que o discurso surge, logo, a língua deve
ser vista na perspectiva do uso: a língua no mundo, na fala do homem,
produzindo sentido no contexto. De acordo com Possenti (2009), por sua vez,
a língua é o lugar apropriado para o discurso se mostrar e se dissimular,
exigindo alguns protocolos específicos de leitura.

Nesse sentido, o discurso é concebido por Pêcheux (1988) como um


efeito de sentido. Isto se deve ao fato das formações discursivas (FDs) serem
interpeladas pelas formações ideológicas (FIs) e, consequentemente, refletem
no discurso. Pêcheux (1988, p. 163), postula que o efeito-sujeito é constituído
e produzido pelo interdiscurso. Desse modo, este efeito revela o
funcionamento da ideologia a partir da materialidade linguística, o texto seja
ele verbal/não-verbal. Este não é trabalhado como na análise de conteúdo, à
procura de um sentido dentro dele, mas da discursividade, a partir da sua
materialidade. Assim, o texto é pensado em relação às suas condições de
produção, ligando-se a sua exterioridade, pois não interessa ao analista o que
o autor quis dizer, a interpretação como a reprodução, mas os efeitos de
sentido, a realização dos processos de constituição dos sujeitos envolvidos
numa determinada situação de comunicação.

O texto, portanto, não é concebido como unidade fechada porque se


relaciona com outros discursos, com as condições de produção do discurso e
com o que Orlandi (2010) chama de exterioridade constitutiva, haja vista ser
atravessado por diferentes formações discursivas e afetado por diferentes
posições de sujeito. É nessa perspectiva que procuramos trabalhar o discurso
neste trabalho. Segundo Pêcheux (1988, p. 143) o discurso é o lugar
destinado à prática da reprodução e transformação das relações de produção,
devido às diversas posições assumidas pelo sujeito em um determinado lugar.
Este, por sua vez, é interpelado pela ideologia, mas ela não é o único
processo de efetivação da reprodução/transformação das relações de
produção de uma formação social. Nesse sentido, o discurso sempre acontece
em uma arena de embates ideológicos.
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A condição de produção do discurso é realizada através da inserção dos


sujeitos, da situação, da memória discursiva e do interdiscurso. Sem esses
mecanismos não se pode analisar o texto discursivamente, pois ele está
inserido em um aqui e agora do dizer, atravessado por um contexto sócio-
histórico e ideológico mais amplo. Desse modo, reiteramos a afirmação de
Bakhtin (2003) de que não existe um enunciado original, mas um enunciado
formado por vários enunciados. A isso Pêcheux (1988) denomina de
interdiscurso, o já-dito que está na base do dizível e o considera como “todo
complexo com dominante” das formações discursivas (doravante FDs).
Nesse caso, o interdiscurso subsidia a memória discursiva (social e não
individual), porque “[...] toda formação discursiva dissimula [...] sua
dependência com respeito ao ‘todo complexo com dominante’
(interdiscurso)2 das formações discursivas, intrincado no complexo das
formações ideológicas definido mais acima” (PÊCHEUX 1988, p. 162). As
FDs, por sua vez, determinam o que pode e deve ser dito pelo sujeito em uma
conjuntura/posição dada. Dessa forma, a palavra não veicula um único
sentido, mas diversos, a depender da formação discursiva em que é utilizada.
As formações discursivas, por seu turno, são interpeladas pelas formações
ideológicas, as quais têm relação com a ideologia. Esta para Pêcheux (2008)
é entendida como uma formação de práticas sociais que são construídas e
modificadas dependendo da posição ocupada pelo sujeito.

Nesse caminho, compreendemos que seria um erro pensarmos na


contribuição igualitária dos aparelhos ideológicos de Estado tanto para a
reprodução das relações de produção quanto para sua transformação em uma
determinada conjuntura. Desse modo, a ideologia interpela os indivíduos em
sujeito, criando assim o efeito do pré-construído, cuja formação se dá através
de diversos discursos que vieram de outro lugar. Portanto, o discurso sempre
está demarcado por uma formação discursiva em que o sujeito está inserido.
Assim, seu sentido é estabelecido pela própria identidade das FDs colocadas
em relação no espaço interdiscursivo. Mesmo existindo a demarcação no
discurso do sujeito, este não a percebe e o produz como sendo seu, isto é,
como se a origem deste estivesse no próprio sujeito. Dessa maneira, esquece
que o seu discurso está assujeitado a uma formação discursiva (esquecimento
n° 1), no entanto, a sua produção discursiva não pode ser considerada
original, porque está atravessada por outros discursos já-ditos em algum
outro momento. À medida que concebe o discurso como sendo a sua origem,
o sujeito só consegue produzi-lo de uma única forma, esquecendo a
existência de outros sentidos possíveis, produzindo a impressão de que existe
uma ligação direta entre linguagem-pensamento-mundo. Esse processo
Pêcheux (1988) chama de esquecimento nº2.

O intradiscurso, por sua vez, diz respeito ao eixo da atualidade. Com


efeito, o interdiscurso sempre está presente no intradiscurso, porque faz parte
da memória discursiva. Esta é definida por Fernandes (2008) como sendo um
espaço de memória do funcionamento discursivo que constitui um corpo-
sócio-histórico-social. Nesse caminho, podemos compreender que a

2
Acréscimo nosso.
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constituição do sujeito só é realizada pelo esquecimento, pelo interdiscurso,


pelo intradiscurso, pela memória discursiva, ao se identificar com uma
formação discursiva que o domina.

Diante desse pensamento, vale mencionar Orlandi (2002), quando


enfatiza que o sujeito para se constituir deve-se submeter à língua, ao
simbólico, porque é através do jogo: língua/história que o sujeito é afetado
enquanto tal. Nessa trajetória, a forma-sujeito é constituída pela existência
histórica de qualquer indivíduo agente das práticas sociais presentes nas FDs.
O sujeito do discurso ocupa um lugar social e a partir dele enuncia; o seu
discurso será sempre controlado pela formação discursiva a qual está
inserido, portanto não é livre para dizer o que quer. Este sujeito é um sujeito
clivado, por está dividido entre o consciente e o inconsciente.

Além disso, a produção do discurso faz com que o sujeito crie uma
representação imaginária da interação entre o EU e o OUTRO. A esse
processo (PÊCHEUX apud MUSSALIM, 2009), denomina de jogo de
imagem de um discurso, pois à medida que um sujeito ocupa uma posição ele
constrói uma imagem ao pronunciar seu discurso: do lugar que ocupa; do
lugar que ocupa seu interlocutor; do próprio discurso. Do mesmo modo é a
imagem construída desse sujeito com relação à imagem feita do seu
interlocutor. Dessa forma, percebemos que as diferentes posições do sujeito
determinam as imagens que são constituídas dele. Mas a formação desse jogo
e imagens só se constitui através da constituição do discurso, sendo vedado,
assim, o preestabelecimento desse jogo de imagem antes que o sujeito
enuncie o discurso.

Seguindo a nossa reflexão, faremos no próximo tópico um apanhado


da institucionalização da gramática no espaço escolar. Para isso faremos uso
dos postulados de Kristeva (2007) e Silva (2000).

2 A gramática: da tradição à imposição


Seguindo a linha de nossa abordagem, é importante também
observarmos como a Gramática se consolidou na humanidade, no sentido de
ser instituída como uma disciplina e, portanto, um conjunto de verdades a ser
ensinado. Além disso, atentamos também para o valor da escrita na
humanidade.

Sabemos que, após os fenícios fazerem uso da escrita alfabética, a outra


civilização que se ateve a tal mecanismo foi a grega. Para isso fez adaptações
do alfabeto fenício às características da língua grega, como bem argumenta
Kristeva (2007). Dessa forma, percebemos que o estudo da linguagem ganha
uma atenção especial desde a escrita alfabética até a criação da gramática.
Isso já era possível ser observado na obra “Crátilo” de Platão (429-347 a.C),
quando este filósofo discute a respeito dos problemas da linguagem.
Podemos também dizer que os gregos entendiam a linguagem como um
sistema formal, distinto de um exterior significado por ela (o real),
constituindo em si mesma um domínio próprio (KRISTEVA, 2007). Por ser
um sistema formal, torna-se, na visão de Platão, uma obrigação, isto é, uma
lei para toda a sociedade.
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A linguagem passa a ser vista, então, como um instrumento do


conhecimento, por representar uma função didática. Essa representação deve-
se ao fato de constituir uma obrigação universal: todos os cidadãos deveriam
adquiri-la e, ao mesmo tempo, saber usá-la. Mas é na Alexandria que se
assiste ao desenvolvimento de uma gramática especializada, diferente dos
postulados teóricos dos estóicos, baseados na filosofia e na lógica.

O modelo de gramática lançado pelos alexandrinos torna-se o exemplo


da gramática ocidental tradicional. Nesse caminho, é Dionísio da Trácia
(170-90 a.C.) o responsável pelo modelo ainda hoje reconhecido nas obras
gramaticais do ocidente. Ele via a gramática como uma arte, por defini-la
como o saber empírico da linguagem dos poetas e dos prosadores. A
gramática deste filósofo, por sua vez, estava voltada para a Morfologia. Os
alexandrinos, por seu turno, são seguidores históricos dos estóicos e, de
acordo com Silva (2000, p. 17), “[...] fixaram na tradição gramatical o ‘erro
clássico’, como batizou John Lyons [...]”. Isso ocorre na medida em que
aqueles filósofos tomam como base de uma escrita certa a dos escritores
reconhecidos, instaurando a tão propalada discussão acerca do certo versus o
errado. É nesse caminho que se reconhece a Grécia como o berço dos
gramáticos do Ocidente, cuja função é ensinar o difícil idioma de Homero.
Para o estudo da sintaxe, volta-se o olhar para o gramático Apolônio Díscolo
(Séc. II, a.C.), criador da primeira sintaxe, voltada mais para a filosofia do
que a linguística.

Ao adquirir o saber grego sobre a língua, os gramáticos alexandrinos


chegaram a Roma, transmitindo para este povo todo o conhecimento
adquirido, desde a filosofia até a gramática. Com efeito, essa civilização
obtém o modelo de gramática que tanto se tornou popular no ocidente. Entre
os estudos dos gramáticos latinos o que ganhou mais destaque foi o de
Varrão, “De Língua Latina”. Nesta, ele propõe uma gramática do latim
padrão, opondo-se ao latim vulgar. Nessa perspectiva, a gramática consiste
na arte de escrever e falar corretamente, de compreender os poetas (SILVA,
2000). O pensamento dos romanos, quanto à teoria da linguagem, assemelha-
se ao dos gregos, pois a concebem como um jogo de normas. Por
conseguinte, a gramática é o instrumento regulamentador de todas as regras
seguidas pelos cidadãos falantes do Latim. Dessa forma, a gramática passa a
ser definida como a base de qualquer ciência, por expressar uma verdade que
jamais pode ser questionada, ocupando um lugar de prestígio nas sociedades,
conforme o pensamento de Varrão. Mas é com a publicação da obra
“Institutiones Grammaticae”, de Prisciano, que a gramática latina atinge o
seu apogeu. É nela que se encontra a primeira sintaxe da língua latina. Esta se
torna modelo para todos os gramáticos da Idade Média.

Não gozando do prestígio de outrora, o Latim ainda continua sendo, no


Renascimento, o padrão para todos os outros idiomas estudados/criados.
Apesar da utilização dos cânones latinos, a sua teoria sofre modificações no
ato de adaptação às línguas vulgares. Isso leva ao desprestígio dessa língua.
Entretanto, é importante enfatizar que, nesta época, tal língua foi usada como
objeto de ensino. Tal atitude corrobora o pensamento dos romanos quanto à
função da gramática de expressar uma verdade, a correta. Nesse sentido, a
gramática passa a ser um instrumento regulador das normas aceitáveis pela
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sociedade culta, repassadas, através do ensino, para todos os falantes


frequentadores dos bancos escolares.

A partir desse momento, a gramática é concebida como uma disciplina,


estudada e ministrada como a filosofia, no espaço escolar.
Consequentemente, ganha um lugar de prestígio nessa instituição. Portanto, a
gramática passa a ser uma disciplina autônoma e obrigatória. Não se
despreza, porém, que tal prática é igualmente advinda dos gregos
(KRISTEVA, 2007).

Observando o estudo da língua numa abordagem particular, a gramática


da Língua Portuguesa (LP) começa a ser produzida pelos estudiosos da
linguagem, tais como: Fernão de Oliveira, João de Barros, Pêro de Magalhães
de Gândavo e Duarte Nunes de Leão, cada um, ao seu estilo, deu sua
contribuição para o desenvolvimento dos estudos da LP. Mas é a gramática
de João de Barros que apresenta uma completude quanto às reflexões sobre a
LP (SILVA, 2000). São seguidores conscientes do estilo da gramática latina.

Observamos que desde o séc. XVI a gramática desfruta de alguns


privilégios no que se refere ao ensino de língua. Isso se deve ao fato de o seu
surgimento ser a partir da Retórica e da Poética. Um outro ponto é a
valorização dada ao pensamento do falar e escrever corretamente. Alguns
estudiosos não concordam com o ensino da gramática como é o caso de
Ferreira França. Para ele, não seria necessário dizer o que é nome, verbo e
nem tampouco quais as partes da oração são essenciais ou acessórias, mas
mostrar, através de exemplos, que é a partir do uso que podemos descobrir
tais conceitos/normas (OLIVEIRA 2010, p. 89).

Seguindo ainda uma perspectiva histórica acerca do ensino de língua,


abordamos no tópico seguinte o ensino de LP no Brasil, procurando historiá-
lo a partir dos postulados de Guimarães (2005), Soares (1996), Cereja (2002),
Lara (2003) e Barros (2008).

3 Ensino de Língua Portuguesa no Brasil


O processo de colonização no séc. XVI traz consigo diversas
transformações sejam elas econômicas, políticas, culturais, educacionais etc,
para as terras e povos colonizados. Esse foi o caso do Brasil. Devemos
destacar ainda que, ao conquistar um território, o povo dominante impõe a
sua língua ao dominado. Assim ocorreu com os colonizadores portugueses,
por ocasião do decreto do Marquês de Pombal, anos 50 do Séc. XVIII. Ele
proibiu o uso de quaisquer línguas que não fosse a portuguesa. A língua
portuguesa torna-se a língua oficial e nacional desta terra, mas isso não nos
leva a pensar que antes ou intermediariamente não existiram/existam outras
línguas no território brasileiro.

Essa língua só adentra o universo escolar, fazendo parte do currículo,


nas últimas décadas do séc. XIX. Até então, a língua utilizada nos bancos
escolares era o Latim. O ensino dessa língua deve-se aos jesuítas que vieram
com o objetivo de catequizar e moralizar os nativos (índios). Assim, eles
implantaram um programa educacional denominado “Ratio Studiorum” que
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logo se expandiu por vários países. Esse programa tinha a seguinte estrutura:
os alunos que frequentavam as escolas menores praticavam a alfabetização e,
em seguida, no ensino secundário, passavam para o latim; depois, no ensino
superior, estudavam a gramática latina e retórica (SOARES 1996, p. 04).

Somente em 1837 é que o Colégio Pedro II inclui em seu currículo o


estudo da LP sob a forma das disciplinas Retórica e Poética. Em 1838 o
regulamento do colégio faz referência à gramática nacional como objeto de
estudo. Logo em seguida, ocorre uma fusão da Retórica, Poética e da
Gramática na disciplina Português que culmina com a criação do decreto
imperial, criando o cargo de professor de Português, em 1871 (SOARES
1996, p. 08).

De acordo com Soares (1996), o professor de Português era um


intelectual e estudioso da língua e de sua literatura. Sendo assim, só era
preciso que o manual didático lhe disponibilizasse um texto para ele
comentar, discutir, analisar, propor questões e exercícios para os estudantes.
Isso só era possível porque os discentes eram oriundos de uma classe
privilegiada e dominavam o latim. Além disso, ainda não existiam cursos de
formação de professores de LP. Esses só surgem no início dos anos 30 do
séc. XX; os formadores desses profissionais são seguidores do ensino
tradicional, isto é, do ensino da gramática, passando-a assim para os seus
discípulos.

Diante do crescente ingresso de estudantes na Rede Pública de ensino,


houve a necessidade de se recrutarem mais professores através de seleção.
Em contrapartida, esta não seguiu o rigor antes praticado, culminando com a
contratação de profissionais desqualificados e com baixa escolaridade para os
cursos de Letras. Em decorrência de tal situação, os manuais didáticos
começaram a trazer, em seu conteúdo, exercícios já respondidos,
proporcionando uma acomodação do professor, refletido no modelo de
preparação de aula. Nesse sentido, Soares (2001) expõe que, nessa época, os
formadores de professores desconheciam as novas condições de letramento
de seus alunos e a nova realidade da escola e do alunado à espera desses
futuros professores. Dessa maneira, não tinham como objetivo formar
professores, mas estudiosos da língua e da literatura.

Nos anos 60, do séc. XX, chega aos cursos de Letras a Linguística,
trazendo em si as teorias estruturalistas (língua como um sistema de regras)
que são perpassadas para as gramáticas pedagógicas. Reforça-se, assim, o
pensamento tradicionalista existente quanto ao ensino de língua, conforme já
mencionado. Nessa mesma época, o ensino de língua sofre influência das
teorias de Comunicação; consequentemente, a disciplina de Português sofre
alteração em sua nomenclatura, passando a se chamar Comunicação e
Expressão. Neste sentido, de acordo com Soares (1996), a concepção da
língua como comunicação substitui as concepções de língua como um
sistema. Há uma suposta nova direção de ensino, entretanto, da mesma forma
que a anterior, traz em seu bojo a perspectiva de aquisição de um código.
Aprender a ler, então, consiste em decodificar o código escrito. Consoante tal
perspectiva de língua, há um continuísmo relacionado ao seu ensino. Apesar
de existir um direcionamento linguístico, no que diz respeito ao ensino de
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língua, ainda é perpetuada a forma, segundo a qual os sujeitos aprendizes têm


que adquirir a norma.

Segundo Cereja (2002), esse fato deve-se à forte força da tradição de


ensino de língua fincado na cristalização do ensino de gramática, por ser
consagrado, devido à ligação com a antiguidade greco-latina. Diante desse
acontecimento, alguns linguistas questionam o rigor da gramática normativa,
culminando com a formulação de propostas renovadoras para o ensino de
língua. Tais propostas são aceitas pelos professores de LP, mas eles não
conseguem desenvolvê-las em sala de aula por não seguirem uma sequência
didática, como bem faz o livro didático. Sabemos que não é esse o objetivo
dos pesquisadores, mas mostrar aos docentes que a língua é dinâmica,
pluriforme e multifacetada (LARA 2003, p. 85).

Mesmo com a presença da Linguística, há quase 50 anos, nos cursos de


Letras, e de várias pesquisas no campo da linguagem, muitos professores de
LP de hoje insistem em permanecer no ensino canônico de língua,
privilegiando o uso da metalinguagem e da obediência às regras da gramática
normativa. Nem a publicação dos PCNs, em 1998, consegue mudar tal
realidade. De acordo com Lara (2003), apesar de esse instrumento enfatizar o
uso do texto como ponto de partida para as atividades de leitura, escrita e
prática de análise linguística, dando ao aluno a possibilidade de explorar a
língua em diferentes contextos de usos, o que se observa no dia-a-dia da sala
de aula é um cenário muito diferente que privilegia o modelo clássico de
ensinar a língua portuguesa, centrado na gramática normativa.

No próximo item, procuramos analisar as falas dos sujeitos professores


de LP, relacionando-as com as teorias estudadas.

4 A fala dos sujeitos professores


Como foi explanado na Introdução, para constituir os corpora deste
trabalho, entrevistamos professores de Língua Portuguesa, Ensinos
Fundamental e Médio, entre o 6º e 3º anos, das escolas municipais e estaduais
do município de Monte Alegre de Sergipe. Tal prática foi efetivada a fim de
analisarmos a sua voz, principalmente no que diz respeito à imagem que eles
constroem em relação a o que representa (para eles) ser professor de LP. No
âmbito deste trabalho, tentamos estabelecer a ponte entre as teorias estudadas
e as vozes aqui recortadas. Com efeito, detectamos que a gramática, até hoje,
é vista por alguns professores de LP como o instrumento primordial do
ensino de língua. Para transcrevermos essas falas, seguimos os ensinamentos
de Marcuschi, tal como explicitado na introdução deste trabalho.

Abaixo expomos alguns exemplos relacionados às percepções desses


sujeitos. Para efeitos de facilitação dessa análise, dividimos essas falas em
itens. São eles:

a) O que significa ensinar Língua Portuguesa para


os sujeitos
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 S1 “/.../ é (+) é ensinar as pessoas a (+)


falar bem, a conhecer o idioma da sua terra. Ensinar os
seres humanos como falar é um prazer muito grande.
Eu gosto de trabalhar com a Língua Portuguesa”.
(grifos nossos)

 S2 “Bom, ensinar Língua Portuguesa, a


princípio, é um pouco (+) é complicado, né? /.../ S2 “A
escola vem voltada pra as regras gramaticais (+),
né?”(grifos nossos) /.../ mas quando voltamos um
pouco para a parte gramatical é bem perceptível assim
a a a dificuldade deles em relação ao conteúdo, mas
quando se dedicam e vai praticando é fácil (+) de (+),
né? (+) Assim, tem ambiguidade, né? Ora é fácil ora é
complicado (+), né? Pra o professor é fácil, né? Mas
para os alunos (+), né? Então, assim, é uma das
disciplinas que os alunos têm mais dificuldade de
aprender, né? (grifos nossos)

 S7 “(...) Então, na minha opinião, é é,


ensinar a Língua Portuguesa pra mim é um motivo de
muita é é de muita alegria e também de
responsabilidade, porque é uma língua que eu gosto,
apesar das dificuldades que a gramática traz, é é das
coisas, é é um pouco parecidas quando você acha que
em um determinado assunto você já sabe tudo
(incompreensível) de repente descobre algo diferente
ou uma normas diferentes (sic.), algumas normas
diferentes. (...) de entender as regras do Português.
(grifos nossos)

A partir de tais falas, observamos que a visão postulada por Dionísio de


Trácia (depois, perpetuada na Tradição Gramatical do Ocidente), “a
gramática é a arte de falar e escrever corretamente”, ainda permanece
presente no espaço escolar destinado ao ensino de língua. Esse é um indício
de que o interdiscurso (PÊCHEUX, 1988) está presente no discurso dos
sujeitos do ensino, haja vista a sua repetição fundamentar o ensino canônico
de língua. Tal perspectiva revela que esses sujeitos estão de tal maneira
afetados pelo já-dito que não permitem a transformação do ensino de acordo
com os postulados da Linguística, perpassados durante a sua formação nos
cursos de Letras. Isso é evidenciado no discurso dos S1, S2 e S7.
Consequentemente, há um processo de desvalorização das normas
socioeconomicamente desprestigiadas, manifestado na fala do S2, quando ele
revela a dificuldade dos estudantes ao serem expostos a essa norma. Enfatiza
ainda o mecanismo de domesticação à norma, na medida em que ele
argumenta que há uma adaptação a ela, pois afirma que a sua aquisição ora é
fácil ora é difícil.

Assim como o S2, o S7 faz referência quanto à dificuldade de se


aprender a gramática, devido às exceções existentes no uso de sua aplicação.
Dessa forma, percebemos que a norma gramatical é imposta em nossas salas
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de aula como uma verdade absoluta que não pode ser questionada e ocupa,
assim, um lugar privilegiado, conforme o pensamento de Varrão. Nesse
caminho, a gramática passa a ser uma disciplina que faz parte do currículo
escolar e como tal traz em seu bojo um conjunto de métodos e propostas
consideradas verdadeiras, como bem afirma Foucault (2009).

O discurso acerca da dificuldade de “aprendizagem da língua” (S 2 e S7)


remete a um discurso advindo de todas as classes sociais, haja vista a crença
de que é difícil “aprender o Português”. Consideramos também um indício de
polifonia, caracterizado pela relação com o interdiscurso, uma vez que essa
“dificuldade” ecoa de vozes do passado remoto e está presente na memória
do povo. Esse discurso é reiterado múltiplas vezes pelos sujeitos dessa
pesquisa. Nesse caminho, o professor de LP traz a imagem de que a Língua
Portuguesa, isto é, o referente (R) 3 só pode ser aprendido no espaço escolar,
desconsiderando, assim, todas as demais formas de comunicação presentes
no cotidiano dos estudantes. Como bem revela o S 2 “ensinar Língua
Portuguesa a princípio é um pouco (+) é complicado, né? ¨. Retomamos,
então, o postulado de Orlandi (2009), segundo o qual o conhecimento
adquirido pelo estudante já está predeterminado no discurso escolar, e este
não aceita um outro que não se apresente dessa maneira.

Ademais, podemos dizer que o ensino de língua ainda está centrado no


pensamento da concepção de linguagem enquanto representação do
pensamento e do mundo, cuja ação do indivíduo é seguir as regras impostas
sem questioná-las, pois não é visto como um ser ativo, mas passivo diante da
língua (KOCH, 1995).

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Ao procedermos à relação entre a teoria e a prática, constatamos que no


espaço escolar, a limitação de muitos educadores ao livro didático, ao ensino
tradicional de língua (uso da gramática normativa) como sendo a única
verdade existente traz conseqüências que jamais serão reparadas. Tal
pensamento deve-se ao fato de que o processo de ensino de LP, por vários
séculos até a atualidade, limita-se ao repasse de regras gramaticais,
provocando uma visão de que a língua é uma estrutura dividida em partes,
sem que haja uma ligação entre elas. É preciso que a língua seja vista como
um espaço de interação, capaz de se modificar a partir do envolvimento dos
sujeitos e não como algo estático e fechado em regras/normas que devem ser
usadas em espaços isolados. Essa referência de ensino de língua por parte dos
professores não pode continuar no espaço escolar, porque assim
continuaremos presenciando momentos de exclusão daqueles estudantes que
não conseguem adquirir essa norma dita padrão que tanto a escola procura
inserir no seio social. Além disso, a escola não pode servir apenas para

3
Segundo Orlandi (2009) o discurso do referente (R) é autoritário e
representa o poder.
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sistematizar o ensino, mas torná-lo mais acessível ao seu aprendiz, que, por
sua vez, conseguirá ressignificar a língua.

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ISSN: 2177-4072

O Senhor dos Anéis “A Sociedade Do Anel”:


nas entrelinhas do percurso gerativo de sentido

Nicaelle Viturino dos Santos1

RESUMO

Tendo em conta as várias formas de definição do significado e, consequentemente, o


desenvolvimento de várias semânticas, propomo-nos neste trabalho analisar e discutir
de que forma se dá a construção de sentido no filme “O Senhor dos Anéis - A
sociedade do Anel”, na perspectiva da Semântica do discurso. Este filme faz parte da
trilogia composta por mais dois títulos, quais sejam: As duas Torres e o Retorno do
Rei, respectivamente. Traçaremos nossa análise à luz das perspectivas de Fiorin
(1997) acerca da Semântica discursiva e do percurso gerativo de sentido, por
entendermos que este se dá em níveis diferentes, e pode se manifestar em diversos
planos de expressão; e de Foucault (1970), por tratar de aspectos relevantes sobre o
poder exercido pelos discursos na sociedade e nas relações sociais. Assim, buscamos
aqui, estabelecer uma conexão entre essas duas proposições a partir do filme em
questão, posto que segundo Fiorin, (1997), o percurso gerativo de sentido pode ser
evidenciado enquanto uma série de patamares que podem ser descritos, evidenciando
como se dá e se interpreta a significação, percorrendo um caminho que vai do mais
simples ao mais complexo. E, segundo Foucault (1970), em toda sociedade a
produção do discurso é controlada, organizada e redistribuída por procedimentos que
cumprem a função de desviar a pesada e ameaçadora materialidade do discurso, pois
as interdições que as cercam revelam logo suas ligações com o desejo e com o poder.
Na interface dessas perspectivas, entendemos que tal trabalho pode alcançar níveis
mais amplos no que se refere às redes de sentido.

Palavras-chaves: Semântica Discursiva, O Senhor dos Anéis – A Sociedade do Anel,


poder.

1
Contato do(a) autor(a): nicaelleviturino@yahoo.com.br. Graduanda. Universidade
Federal de Sergipe. Este artigo foi realizado durante a disciplina de Semântica e
Pragmática, ministrada pela professora Drª Maria Emília Barreto Barros, durante o
período de 2011.1.
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Introdução

“Tudo começou com a forjadura dos grandes anéis. Pois esses anéis
continham a força e a vontade de governar cada raça, mas todos eles
foram enganados. Pois outro anel foi feito. Um anel mestre para
controlar todos os outros. Um anel para dominar a todos (...) o poder
do anel não podia ser destruído”.

A trilogia O Senhor dos Anéis é composta pelas seguintes partes: A


sociedade do Anel, As duas Torres e o Retorno do Rei. Essas produções
audiovisuais foram elaboradas a partir de uma adaptação intersemiótica, isto
é, são traduções de signos verbais (livro) para signos não verbais, podendo
ser considerada, portanto, uma releitura da obra original. A tríade escrita por
J.R. R Tolkien, nos anos 1930, foi trazida para as telas pelo diretor Peter
Jackson entre 2001 e 2003 obtendo uma boa aceitação pelo público e pela
crítica. Neste trabalho trataremos da primeira parte, O Senhor dos Anéis- A
Sociedade do Anel.

O filme tem início com o contar do surgimento dos Grandes Anéis,


que foram forjados e distribuídos por Sauron – personificação do mal e das
trevas- entre três povos: os Elfos (seres sábios com poderes mágicos e com o
dom da imortalidade), os Anões (seres leais que habitavam as cavernas), e os
Homens (seres extremamente vulneráveis e sujeitos à morte, mas cheios de
amor e efervescência pela vida). Estes anéis possuíam poderes que incitavam
seus usuários a quererem dominar os outros povos. Contanto, um em
especial, o Um Anel, continha um poder de sedução superior aos demais,
capaz de despertar os sentimentos mais sórdidos de cobiça e descontrole a
quem se aproximasse dele. Além de tais manifestações, quem o utilizasse
detinha faculdades especiais, como a capacidade de desaparecer e a
permanência da juventude. Todavia, neste anel pode-se notar uma dupla
simbologia. Ao passo que representa o poder como algo que domina e
ultrapassa a dimensão moral e ética, ele também une e isola os seres que o
circundam. Características essas, oriundas de sua composição maléfica de
unicidade com o seu criador. Isso pode ser exemplificado nas cenas em que
Frodo e Boromir se afastam dos demais componentes da Sociedade do Anel.
Após Boromir tentar tomar o anel de Frodo, este decide afastar-se dos seus
companheiros. De forma semelhante, o isolamento acontece também com
Gandalf, quando este é aprisionado na torre de Saruman. Em sentido inverso,
o anel serve como meio de união entre os componentes da Sociedade do
Anel, posto que, é em virtude da necessidade da sua destruição que a
Sociedade é formada. É a partir dessa vontade de poder que trazemos à baila
os argumentos de Foucault (1970) sobre o poder do discurso.
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“o discurso – como a psicanálise nos mostrou - não é simplesmente


aquilo que manifesta (ou oculta) o desejo; é, também, aquilo que é o
objeto do desejo; e visto que – isto a história não cessa de nos ensinar-
o discurso não é simplesmente aquilo que traduz as lutas ou os
sistemas de dominação, mas aquilo por que, pelo que se luta, o poder
do qual nos queremos apoderar” (FOUCAULT, 1970, p. 10)”.

Nesse sentido, Foucault apresenta a hipótese de que, em toda


sociedade, a produção do discurso é controlada, organizada e redistribuída
por procedimentos que cumprem a função de desviar a pesada e ameaçadora
materialidade do discurso, pois as interdições que as cercam revelam logo
suas ligações com o desejo e com o poder. Nesse jogo de poder encontra-se a
relação de alguns personagens da história com o anel.

Com a possibilidade de retorno de Sauron e o desejo do Anel de


reencontrar seu dono, os povos da Terra Média se organizam com o intuito de
destruí-los, dado o perigo de domínio que esse exercia sobre o outro. Para sua
destruição, formam uma sociedade composta por nove seres e iniciam a
viagem para a Montanha da Perdição, lugar onde o anel deveria ser lançado
às chamas e assim, ser destruído. Tal demanda se dá em meio a muitas
aventuras em que os personagens: seres mágicos, homens e monstros se
enfrentam em batalhas clássicas entre o bem e o mal.

Nas seções que seguem fazemos recortes que ilustraram a forma


como se dá a construção de sentido no filme O Senhor dos Anéis – A
Sociedade do Anel, levando em consideração os níveis propostos por Fiorin
(1997). Este concebe o percurso gerativo de sentido enquanto uma série de
patamares que podem ser descritos, evidenciando como se dá e se interpreta a
significação, percorrendo um caminho que vai do mais simples ao mais
complexo (FIORIN, p.17). Assim, percorreremos os três níveis gerativos de
sentido, quais sejam nível profundo ou fundamental, narrativo e discursivo.

1 Nível fundamental ou profundo


Neste nível, descreve-se a questão que embasa o decorrer do filme,
isto é, neste nível estão situadas as categorias semânticas que constituem a
base do texto/filme. Essas categorias baseiam-se em situações de oposição,
mas que entre as partes exista um traço comum.

No que se refere a O Senhor dos Anéis - A Sociedade do Anel, esta


oposição acontece entre o Bem, que tem um valor positivo e, portanto,
eufórico e o Mal, que assume um caráter negativo e, consequentemente, um
valor disfórico. O traço comum estaria caracterizado pelo interesse de ambos
pelo Anel, que adquire um papel de extrema importância, pois é por conta
dele que surgem divergências e impasses no decorrer da trama. A relação de
contrariedade que existe entre os termos opostos pode ser exemplificada pelo
personagem Boromir, componente da Sociedade do Anel. Aquele é
facilmente influenciado pelo Anel. Ele revela-se desconfiado com os outros
componentes da Sociedade, com exceção dos Hobbits. Tal comportamento de
Boromir se constitui por conta de sua experiência prévia enquanto herdeiro
do regente do reino de Gondor. Essa herança enfatiza a necessidade de se
defender o reino e de dar proteção e continuidade a seu povo. Assim, da
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influência exercida pelo meio em que vive e do peso da história, provém à


pressão sofrida por ele.

Nesse aspecto, pode-se dizer que a relação estabelecida entre


Boromir e o reino do qual faz parte está incluída, no que Foucault denomina
de Sociedade do discurso. Pois, o reino, assim como essas “sociedades” têm
por função conservar ou produzir discursos, mas conservando-os em um
espaço fechado, em que há uma detenção de ‘segredo’ por parte de alguns e
uma não permutabilidade. É necessário somente o reconhecimento das
mesmas verdades e o consentimento de certas regras embasadas nos
discursos legitimados (FOUCAULT, 1970, p.39). Assim, o discurso
produzido por Boromir visa convencer os outros integrantes da Sociedade a
utilizar o anel em benefício próprio, mas tal, discurso por não ser ouvido por
membros que compartilham dos mesmos valores e ideais que ele, acaba por
não obter êxito.

Assim, estabelece-se a negação dos contrários, o que caracteriza a


relação de contraditoriedade. Ele é o não bem, o que implica que ele seja mal,
evidenciando a vulnerabilidade do homem. Segundo Fiorin (1997), “os
termos opostos de uma categoria semântica mantêm entre si uma relação de
contrariedade (...). Cada um dos contraditórios implica o termo contrário
daquele de que é o contraditório (FIORIN, p.19)”. Nesse sentido,
evidenciam-se os contrários Bem e Mal, sendo que o não bem implica em
mal e vice-versa, constituindo as relações de contrários e contraditórios da
trama.

Para darmos continuidade à análise do filme, apresentamos a seguir


o nível narrativo.

2 Nível narrativo
Nesta seção é necessário que façamos uma observação acerca do que
vem a ser narratividade. Fiorin (1997) traz à baila a distinção entre esta e a
narração, pois, segundo ele, a narratividade faz-se presente em qualquer tipo
de texto, enquanto que a narração é um tipo específico de textos. Nesse
sentido, a narratividade é parte da teoria do discurso e acontece como uma
narrativa mínima, com uma transformação de estado dos personagens que
percorrem uma mudança entre dois estados sucessivos diferentes (FIORIN,
p.21).

Nesse sentido, há transformações que intervêm no curso das


personagens. Isso pode ser exemplificado pelo comportamento, antes de um
sábio bom e generoso, adotado por Saruman e que posteriormente,
corrompido pelo desejo de poder, torna-se tirano, impiedoso e cruel, aliando-
se a Sauron. Tal mudança de conduta pode ser percebida também, no que
concerne a Aragorn, antes sem interesse pelo reino do qual é herdeiro e, no
decorrer da trama, torna-se empenhado em protegê-lo e garantir a paz e a sua
conservação.

Com isso, observamos as narrativas mínimas de privação. E, que no


caso de Saruman, este passa de um estado de junção para um estado de
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disjunção com o bem (Saruman era bom e tornou-se mal ou não bom), o que
caracteriza um enunciado de fazer. No que concerne a Aragorn, trata-se de
um enunciado de estado, em que ele passa a ter interesse pelo retorno ao seu
reino.

Ao tratar de Frodo, a relação de transformação de enunciados se


desenvolve de maneira indireta, em que durante a trama, ele é tentado a aderir
ao poder de Um Anel, mas resiste a esta junção, entrando, assim, em um
conflito entre a junção e a disjunção com o mal. Em outro plano, passa de um
estado passivo e sossegado, enquanto vivia no Condado, para um ativo com o
intento da demanda, em que seu estado passivo se modifica, na medida em
que as necessidades vão surgindo. Inicialmente, com a incumbência de levar
o Anel até a estalagem dos Pôneis Saltitantes e, posteriormente com a
formação da Sociedade do Anel, em que ele se sente compelido a dar
continuidade à missão de destruí-lo. Ao passo que, as incumbências vão
surgindo, Frodo torna-se cada vez mais corajoso e heroico, deixando de ser
um hobbit complacente, tornando-se a esperança de salvação para a Terra
Média.

Esse conflito torna-se ainda mais evidente no caso da criatura


Gollun, pois a batalha entre a ambição pelo precioso e o desejo de livrar-se
dele é intrínseca à sua própria sobrevivência. Dessa forma, ele pode ser
caracterizado como um ser complexo que conjuga os dois contrários – bem e
mal.

Nesse sentido, o Anel desempenha um papel narrativo que vai além


do seu caráter enquanto coisa, pois podemos afirmar que ele apresenta de
forma um valor disfórico, no sentido de que tem uma dimensão negativa e
provoca a discórdia entre os povos. Subtendemos, assim, que está em jogo,
a partir de sua detenção, a continuidade da espécie humana e da terra ou o seu
assolamento pelas trevas.

Nesse contexto, Fiorin (1997) defende que Sujeito e objeto são


papéis narrativos que não podem ser confundidos com pessoas e coisas,
podendo aqueles serem representados por coisas, pessoas ou animais em um
nível mais superficial ( FIORIN, 1997, p.22).

Ao tratarmos das fases de construção da narrativa, é perceptível que


a manipulação se dá na medida em que Frodo se sente na condição de “ter
que fazer” – objeto modal, sendo impulsionado por Gandalf, quando este diz:
“Mas, você tem muita força meu caro hobbit” / “Bilbo estava destinado a
encontrar o anel e assim, você também estava designado a possuí-lo. Isso é
um pensamento encorajador”; e por Galadriel – Senhora da Floresta, quando
diz: “Mesmo a menor das criaturas pode mudar o rumo do futuro”. Daí
podemos perceber que, em vários momentos, Frodo é seduzido a continuar a
demanda do anel, sendo encorajado e estimulado a continuar a viagem até a
Montanha da Perdição. Com isso, o Anel assume a condição de objeto-valor,
pois sua aquisição é necessária para que a performance principal seja
concretizada.
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Outro papel narrativo é desempenhado pela ambição que age sobre


boa parte dos personagens. Podemos percebê-la em atuação em Bilbo, em
Boromir, em Saruman, em Galadriel (que a toma enquanto um teste e que se
considera aprovada, por não tomar o Anel de Frodo), nos nove cavaleiros que
eram reis e foram se destruindo, terminando por serem Espectros,
manuseados por Sauron.

Outros sentimentos também desempenham papéis narrativos


importantes, como o companheirismo e a lealdade entre os componentes da
Sociedade do Anel e a amizade. Esta, entre os primos Pippin e Merry,
Gandalf e os outros seres da Terra Média, mas principalmente, entre
Samwise e Frodo.

Mais uma vez torna-se relevante mencionar a influência do meio e


da situação sobre os personagens, pois, a necessidade de pôr um fim
definitivo à tentativa de Sauron de dominar a Terra Média faz com que os
seres se unam, visando um único objetivo. E, no que se refere mais
especificamente a Pippin e Merry; Frodo e Sam, o contexto em que viviam
no Condado sempre foi de amizade e companheirismo, o que lhes
proporcionou o crescimento e fortalecimento de tais sentimentos durante a
demanda do Anel.

Na fase da competência, em que o personagem incumbido do fazer


recebe elementos para concretizar a ação, o Portador do Anel recebe objetos
mágicos em momentos diferentes da trama. De Bilbo ele aufere a Espada
Ferroada, cuja lâmina fica azul com a aproximação dos Orc’s e Mithril,
espécie de camisa que o protege do golpe de um Troll das cavernas, que caso
o atingisse, provavelmente, o levaria à morte.

Posteriormente, Galariel lhe entrega a Luz de Eärendil, a estrela


mais amada, desejando que fosse uma luz nos lugares de sombra quando as
outras luzes se apagassem. Aragorn também recebe um objeto mágico que
era guardado pelos Elfos, para desempenhar sua função. É Narsil, a lâmina
usada por Isildor para cortar o anel da mão de Sauron num passado muito
distante, em que o exército dos mortos foi convocado, mas não compareceu
para a guerra. Isso implicou em uma espécie de maldição que só poderia ser
quebrada pela absolvição desses homens mortos por um descendente de
Isildor. Após essa batalha o Homem evidenciou sua fraqueza e
vulnerabilidade perante a ambição e desejo de poder proporcionados pelo
Anel.

Neste primeiro filme da trilogia Senhor dos Anéis, as fases da


construção narrativa não são completadas, elas serão efetivadas no decorrer
dos outros filmes.

3 Nível discursivo
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O filme “O Senhor dos Anéis - A Sociedade do Anel” é revestido por


figuras que criam um universo visual ligado aos valores éticos e morais
expressos pelos personagens no decorrer do filme, o que configura a isotopia.
Em outras palavras, é por meio da reiteração das características dessas figuras
dramáticas que há a possibilidade de correlação entre a imagem configurada e
o que subjaz a elas.

Este nível, então, trata da concretude das formas abstratas


abordadas nas seções anteriores. Nesse caminho, entendemos que os
personagens, o ambiente e as cores utilizadas para ilustrar as cenas compõem
um percurso figurativo que sugere o antagonismo entre bem e mal e que, se
observado no âmbito discursivo, significam temas mais abrangentes e
complexos, tais como a ambição e o desejo de poder; a lealdade e a amizade;
a destruição da natureza, dentre outros.

Nesse sentido, o estágio de disjunção com o bem desenvolvido por


Saruman, quando adere aos preceitos de Sauron, os desconcertos de Boromir,
Bilbo, Galadriel e a complexidade comportamental da criatura Gollun
tematizam a ambição e o deslumbramento dos homens ao se depararem com
a possibilidade de se tornarem poderosos dominadores. Nessas cenas do
filme, em que se evidenciam os sentimentos negativos de desejo de
dominação, o ambiente é revestido por uma atmosfera sobrecarregada de
cores escuras, tristes que remetem a um lugar obscuro. Fazendo-se uma
analogia com o discurso bíblico, pode-se associar à imagem que este faz do
inferno.

No entanto, quando as cenas estão relacionadas aos personagens


coadjuvantes defensores do bem, o cenário é revestido por um clima mais
ameno, ilustrado por cores mais claras, que se relacionadas, neste caso, ao
discurso bíblico; estão ligadas a seres benévolos como anjos da guarda (San,
Pippin, Merry, os Elfos). Podemos exemplificar essas cenas com as ações que
acontecem no Condado, na Terra dos Elfos e com a proteção que é dada por
estes seres ao portador do anel. Este, por sua vez, está em um patamar mais
elevado, pois é tido como o possível Salvador da Terra Média. Com efeito, é
divinizado, por ser o único ser capaz de resistir ao poder do Anel.

A terra de Valfenda, a dos Elfos, nos remete a um ambiente de luz,


beleza, serenidade e sabedoria. Podem ser associadas ao lugar que é
prometido àqueles que desempenham funções benévolas, equiparando-se ao
Céu na memória discursiva do catolicismo. No âmbito discursivo, pode-se
considerar que tais atributos de beleza corroboram o discurso de que o Bem
está intrinsecamente ligado ao Belo, enquanto que a dissociação com este
corresponde ao que é negativo.

Ao tratar de Gandalf à luz de tal discurso, percebemos que ele


desempenha o importante papel de orientar os componentes da Sociedade do
Anel, para que estes sirvam de suporte e a expedição seja concluída com
sucesso. Assim, remete-nos à função dos Santos, que é a de orientar os
cristãos para o caminho do bem e prepará-los para a vinda do Cristo. Após o
desaparecimento de Gandalf, essa função passa a ser desempenhada por
Aragorn.
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Outro aspecto relevante faz referência à destruição da floresta


ordenada por Saruman. Essa passagem faz alusão ao desmatamento que vem
acontecendo constantemente e de maneira desenfreada na Terra. Em
substituição às árvores, passam a investir na reprodução dos orc’s, que pode
ser associada a uma fábrica de armas de guerra. O verde das matas é
associado à esperança. E, com a destruição das árvores, ele vai diminuindo
pouco a pouco.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Em vista do que foi exposto, entendemos que os aspectos de construção


de sentido no filme “O Senhor dos Anéis – A Sociedade do Anel” puderam
ser distribuídos em níveis da Semântica Discursiva, na perspectiva proposta
por Fiorin (1997); discutidos na interface das proposições de Foucault
(1970), acerca das manifestações do discurso frente a organização social.
Assim, vale considerar que, a partir das divisões em níveis do percurso
gerativo de sentido, quais sejam, nível profundo ou fundamental, narrativo e
discursivo, trabalhadas por Fiorin (1997), e das considerações de Foucault
(1970), pudemos observar e discutir alguns aspectos referentes tanto à
construção de sentido, quanto à relação de desejo e poder, estabelecidos a
partir dos discursos que circulam em determinada sociedade. É possível
também fazer uma inter-relação entre o filme e as sociedades reais do
discurso, mesmo sendo o filme uma produção ficcional.

Vale destacar ainda que, a análise realizada nesse trabalho é apenas uma
possibilidade interpretativa e que qualquer obra desse âmbito é
plurissignificativa. Sendo assim, é passível de interpretações distintas e, por
vezes, pode dar margens a análises que não sejam interligadas, a depender da
teoria utilizada para a discussão.

REFERÊNCIAS

FIORIN, José Luiz. Elementos de Análise do Discurso. 6a ed. São Paulo:


Contexto, 1997.
FOUCAULT, Michel. A ordem do discurso. Aula inaugural no Collège de
France pronunciada em 2 de dezembro de 1970. Edições Loyola, São Paulo,
1996.
www.adorocinema.com: Acesso em: 26/11/11
www.cineclick.com.br: Acesso em 26/11/11

Ficha Técnica do Filme

Diretor: Peter Jackson


Grupo de Estudos e Pesquisa
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Elenco: Elijah Wood, Ian McKellen, Sean Astin, Sean Bean, Cate Blanchett,
Orlando Bloom, Billy Boyd, Kevin Conway, Ian Holm, Christopher Lee,
Viggo Mortensen, John Rhys-Davies, Liv Tyler, Dominic Monaghan.
Produção: Peter Jackson, Barrie M. Osborne, Tim Sanders
Roteiro: Peter Jackson, Frances Walsh, Philippa Boyens, Stephen Sinclair,
baseado em obra de J.R.R. Tolkien
Fotografia: Andrew Lesnie
Trilha Sonora: Howard Shore
Duração: 178 min.
Ano: 2001
País: Nova Zelândia/ EUA
Gênero: Aventura
Cor: Colorido
Distribuidora: Warner Bros.
Estúdio: New Line Cinema / The Saul Zaentz Company
Classificação: 12 anos
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O Estudo da Gramática e suas Implicações


para o Ensino de Língua:
um breve olhar arqueológico

Agnaldo Almeida de Jesus1

RESUMO
O presente trabalho tem como objetivo averiguar a importância da Gramática
Tradicional nos estudos linguísticos desde a Antiguidade greco-latina. Dessa forma,
por um viés arqueológico, demonstramos que os estudos gramaticais daquela época
ecoam até os dias atuais, principalmente no que diz respeito ao ensino-aprendizado de
língua materna. Partindo dessa constatação, percorremos toda a trajetória da Língua
Portuguesa aqui no Brasil, desde a colonização dos portugueses aos nossos dias,
verificando a instauração do português como língua oficial até sua disciplinarização e
suas relações conflituosas com as demais línguas (línguas gerais, de imigrantes etc.)
no espaço de enunciação brasileiro (GUIMARÃES, 2002, 2006). Vale ressalvar que
este trabalho é parte integrante do capítulo teórico do Trabalho de Conclusão de Curso
em Letras – Português intitulado A construção de imagens da Língua Portuguesa na
mídia: um olhar discursivo, apresentado ao Departamento de Letras de Itabaiana –
DLI, da Universidade Federal de Sergipe, sob orientação da Professora Dra. Maria
Emília de Rodat de Aguiar Barreto Barros.

Palavras-chave: Estudos linguísticos; Ensino de língua materna; Arqueologia.

1
Contato do(a) autor(a): agnaldoal@hotmail.com . Graduado em Letras – Português,
UFS.
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INTRODUÇÃO

O interesse pelos estudos da linguagem provém desde a Antiguidade


greco-latina, mas é com o surgimento da Linguística, no início do século XX,
que os estudos linguísticos tornam-se uma ciência, pois temos um objeto
empírico e um método de estudo. Dessa maneira, a língua de uma nação pode
ser considerada um patrimônio cultural, já que traz consigo marcas sócio-
históricas que constituem tal comunidade.

Em meio aos estudos linguísticos, a Gramática, em suas diversas


formas, sempre possuiu um lugar relevante. Nessa perspectiva, Possenti
(1984) afirma que podemos compreender a Gramática em diversos âmbitos,
dentre os quais três se sobressaem: no sentido mais corrente, a Gramática
corresponde a um conjunto de normas que devem ser seguidas para o uso
“correto” da língua; em um segundo sentido, a Gramática é o conjunto de leis
que regem os enunciados concretos. Nesse caso, não há a distinção de “certo”
e “errado” e sim a descrição dos fatos linguísticos; já em um terceiro sentido,
a Gramática é entendida como o repertório linguístico que um determinado
sujeito internaliza durante sua vida e utiliza quotidianamente.

Ainda segundo este autor, a Gramática do tipo um é elitista, uma vez


que só considera uma variante como legítima (norma padrão) e as demais
como desvios e “erros”. Por isso, quem fala de modo diferente do padrão fala
“errado”. Além disso, a Gramática Normativa possui caráter político e
excludente, visto que privilegia a escrita (literária) como “correta”, isto é,
apresenta uma língua arcaica ao trabalhar somente com os clássicos. A
Gramática do tipo dois, por sua vez, também é excludente, porque considera
a língua um sistema homogêneo e abstrato, assim, não observa as variações.
A Gramática do tipo três pondera que a língua é permeada de variantes,
utilizadas a depender das circunstâncias. Desse modo, os próprios falantes
determinam o que deve ou não ser utilizado, pois a língua está ligada aos seus
usuários (fatos sociais). Além de variar, as línguas mudam. Sendo assim,
Possenti (1984, p.35) acrescenta:

[...] aquilo que se chama vulgarmente de linguagem correta não passa


de uma variedade da língua que, em determinado momento da
história, por ser a utilizada pelos cidadãos mais influentes da região
mais influente do país, foi a escolhida para servir de expressão do
poder, da cultura deste grupo, transformada em única expressão da
única cultura. Seu domínio passou a ser necessário para ter acesso ao
poder. (p. 35)

Fica evidente que o domínio da norma padrão é uma forma de adquirir


status e poder. Para que isso ocorra, em nossa sociedade, algumas instituições
são incumbidas em transmitir as regras necessárias para que um sujeito fale e
escreva “corretamente”, a mais evidente é a Escola. Nesse sentido,
discutimos a importância da Gramática desde os estudos greco-latinos, assim
como a distribuição e a institucionalização da Língua Portuguesa aqui no
Brasil, observando a importância de tais fatores para o ensino de língua
materna em nesse país.
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1 A Gramática: uma perspectiva arqueológica

Antes de nos determos ao estudo da Gramática pelo viés arqueológico,


cabe elucidarmos o que este tipo de estudo propõe. Tendo como principal
expoente os apontamentos de Michel Foucault 2, a arqueologia não assume o
caráter de ciência, uma vez que não há uma busca por verdades que os
discursos podem revelar, e sim descrever e analisar seus limites, suas
rupturas. Assim, o estudo arqueológico está centrado no saber. Em sua
contramão, temos os estudos epistemológicos, os quais procuram descrever
as ciências e suas verdades. Eis algumas considerações sobre em que consiste
a arqueologia:

[...] A arqueologia, reivindicando sua independência em relação a


qualquer ciência, pretende ser uma crítica da própria ideia de
racionalidade; enquanto a história epistemológica, situada
basicamente no nível dos conceitos científicos, investiga a produção
de verdade pela ciência, que ela considera como processo histórico
que define e aperfeiçoa a própria racionalidade [...]. (MACHADO,
2006, p.9)
Nessa perspectiva, o estudo arqueológico busca analisar as ideias e o
saber da Idade Clássica (séculos XVI, XVII, XVIII) à Modernidade (século
XIX). Tal estudo observou as descontinuidades que possibilitaram ao homem
lidar de formas diferentes com os objetos do saber, tal como a loucura. Sendo
assim, a história do saber não é unitária, ela é dinâmica e descentralizada.
Foucault (2008) propõe o estudo do arquivo, ou seja, o conjunto possível de
discursos institucionalizados sobre determinado objeto do saber, buscando
uma regularidade. Investiga ainda as Formações Discursivas, as práticas
sociais e as condições de funcionamento de tais discursos numa dada época,
possibilitando a formulação de regras capazes de gerir a formação dos
discursos. Como bem postula Foucault (2008, p.188-189):

[...] a arqueologia define as regras de formação de um conjunto de


enunciados. Manifesta, assim, como uma sucessão de acontecimentos
pode, na própria ordem em que se apresenta, se torna objeto de
discurso, ser registrada, descrita, explicada, receber elaboração em
conceitos e dar a oportunidade de uma escolha teórica [...].
Além do interesse pelo estudo dos discursos da medicina, direito,
psiquiatria etc., Foucault (2007) se volta também para o surgimento das
Ciências Humanas. Em As palavras e as coisas, o autor estuda as
descontinuidades que possibilitaram o surgimento da biologia, da filologia e
da economia política, no século XIX. Como já mencionado, trata-se de uma
investigação arqueológica, a qual mostrou duas grandes descontinuidades na
episteme da cultura ocidental: Idade Clássica e Modernidade. Na Idade
Clássica existia uma coerência entre “a teoria da representação e as da
linguagem, das ordens naturais, da riqueza e do valor.” (FOUCAULT, 2007,

2
Os estudos arqueológicos marcaram seus primeiros trabalhos, como:
História da Loucura, O Nascimento da Clinica, As Palavras e as Coisas e A
Arqueologia do saber.
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p. XX). Porém, esta tese foi abalada no século XIX, já que a teoria da
representação desaparece como fundamento universal de todos os possíveis
ordenamentos.

Porém, o interesse pelo estudo da Gramática não se origina na Idade


Clássica, visto que os estudos linguísticos fundam-se na antiguidade,
seguindo as transformações socioculturais e ideológicas. Com base nos
postulados de Weedwood (2002), sabemos que na antiguidade greco-romana
a Gramática e a Filologia constituíram os pilares dos estudos sobre a
linguagem. Conhecidos como pré-linguísticos, os estudos da Gramática
Tradicional, os quais são centrados na dicotomia: certo versus errado, já
preservavam os traços da elite social. Estes eram considerados corretos, em
detrimentos dos adotados pelas classes inferiores. Diferenciavam-se, assim,
dos estudos filológicos, que consistiam na comparação de uma língua em seu
momento presente com a de um momento passado, verificando suas
mudanças.

Nessa época, os homens acreditavam que a linguagem era uma dádiva


divina e que as coisas inspiravam seus nomes, ou seja, o significado
antecedia o significante. Sobretudo, foi no campo da Gramática, focada na
língua escrita, que os gregos se destacaram, já que houve esforços para a
elaboração de um conjunto de classes de palavras (verbos, adjetivos etc.)
aplicável a qualquer língua, do qual poderia ser depreendida sua função
sintática. Ou seja, já existia um princípio de classificação das unidades
linguísticas.

Mesmo deixando a sintaxe à parte, Dionísio de Trácia (cerca de 100 a.


C) elaborou a primeira descrição explícita da língua grega, a Téchinē
Grammatikē. De modo geral, tal autor postulava que o gramático era aquele
que lia e sabia fazer o bom uso da língua, ou seja, a Gramática era vista como
a arte de ler e escrever corretamente. Em Roma, por sua vez, podemos
destacar os estudos de Varrão, um dos primeiros e mais importantes dos
gramáticos latinos, por possuir um grande conhecimento científico e por seu
debate sobre o pensamento linguístico em seus vinte e cinco volumes da De
Língua Latina. Para ele, a Gramática era base de qualquer ciência, e não arte
como defendia Dionísio de Trácia. No entanto, é com Prisciano (cerca de 500
d. C.) que a Gramática latina alcança seu apogeu. Em seus trabalhos são
nítidos os esforços para aplicar ao latim as categorias e as nomenclaturas
gregas, sendo o primeiro a elaborar uma sintaxe na Europa. Institutiones
grammaticae, sua obra prima, representa a passagem entre a erudição
linguística da Antiguidade à Idade Média, pois esta se constituiu a base da
Gramática latina e da filosofia linguística medieval.

Já na Idade Média, com a queda do Império Romano, o então Império


Romano do Ocidente estava dominado por diversas tribos e diversos falares.
Com efeito, os bizantinos retomaram a obra de Dionísio de Trácia e deram
continuidade aos estudos sobre a teoria dos casos gramaticais. Como a Igreja
católica possuía o status de autoridade central, todos os estudos culturais e
intelectuais estavam subordinados ao estudo da fé. Logo, o latim foi
considerado uma língua de erudição, sendo a “Gramática a base da erudição
medieval, uma disciplina indispensável para ler e escrever corretamente o
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latim” (BARROS, 2004, p. 23). Com o passar do tempo, surgem as


Gramáticas Especulativas (ou modistas), as quais consideravam a linguagem
como espelho ou reflexo do mundo. O nome e o verbo se tornam o centro de
tais estudos, uma vez que o nome exprime a estabilidade; o verbo, o
movimento.

Retomando os conceitos de Foucault (2008), sabemos que a arqueologia


está centrada na dispersão dos discursos, por isso não podemos deixar de
levar em conta os discursos de outras positividades que se imbricaram aos
estudos linguísticos. Dessa forma, não podemos esquecer os estudos
paralinguísticos, divididos em: biológicos, uma vez que o estudo da
linguagem encontra-se inter-relacionado com outras ciências, averiguando as
características biológicas que favorecem ao uso da linguagem pelo homem; e
lógicos, com a cientificidade adotada pelos estudos anteriores, os estudos
filosóficos são entrelaçados aos estudos linguísticos, dando origem à lógica.
Ainda segundo Foucault (2007), a teoria da semelhança foi fundamental na
construção do saber da cultura ocidental até o final do século XVI. As
assinalações presentes nas coisas promoviam a visibilidade de similitudes
(semelhanças). Por conseguinte, a linguagem não era vista como algo
arbitrário, como bem pontua o autor:

No século XVI, a linguagem real não é um conjunto de signos


independentes, uniformes e lisos [...]. É antes coisa opaca, misteriosa,
cerrada sobre si mesma, massa fragmentada e ponto por ponto
enigmática, que se mistura aqui e ali com as figuras do mundo e se
imbrica com elas. [...] está depositada no mundo e dele faz parte
porque, ao mesmo tempo, as próprias coisas escondem e manifestam
seu enigma como uma linguagem e porque as palavras se propõem aos
homens como coisas a decifrar. (FOUCAULT, 2007, p. 47)
Até este século, acreditava-se que as coisas sugeriam suas
nomenclaturas, possuindo, dessa forma, fidelidade aos escritos da
Antiguidade, os absorvendo somente. No início do século XVII, a
semelhança deixa de ser o centro do saber, passando a ser sinônimo de erro e
perigo. O conhecimento agora é obtido pela comparação (pautada no
pensamento cartesiano) - jogo das identidades e das diferenças – das partes
visíveis de duas ou mais coisas. Tal comparação era baseada na medida e na
ordem.

Nessa perspectiva, é destituída a crença de que os signos (nomes) eram


depositados sobre as coisas para que os homens pudessem desvendar seus
segredos e suas virtudes. A partir do século XVII, os signos se distribuíam
entre o certo e o provável, não havia signos desconhecidos. Na Idade
Clássica, o signo deixa de ser uma figura do mundo, “deixa de estar ligado
àquilo que ele marca por liames sólidos e secretos da semelhança ou da
afinidade.” (FOUCAULT, 2007, p. 80) Logo, entre o signo e seu conteúdo
não existe opacidade, nem intermediação. O significante e o significado só
podem ser ligados quando existe a representação, em que um represente o
outro.

Dessa forma, temos a emergência das Gramáticas Gerais que eram


marcadas pelo estudo racional da linguagem, a qual era vista como
representação do pensamento. Logo, os signos são considerados meios para a
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representação do pensamento. Estes gramáticos defendiam a clareza e a


precisão do uso da linguagem pelos falantes e a existência de princípios
lógicos que regem todas as línguas, cujo objetivo era atingir uma língua
universal, sem equívocos, sem ambiguidades, isto é, a língua ideal
(ORLANDI, 2007). É nesse contexto que surge a famosa Gramática de Port
Royal, dos franceses Cl. Lancelot e A. Arnauld (1690).

Ainda em As palavras e as coisas, Foucault (2007) traça um estudo


arqueológico da história natural, da teoria da moeda e do valor, e da
Gramática Geral que, no século XIX, ganham status do estudo da vida, do
trabalho e da filologia, respectivamente. Em linhas gerais, a história natural
concebia a distribuição dos seres por suas partes visíveis, isto é, por sua
estrutura. A teoria da moeda e do valor, por seu turno, era centrada na troca,
ou seja, uma coisa poderia ser trocada na medida em que representava uma
moeda. Já a Gramática Geral concebia o entrecruzamento do conhecimento e
da linguagem, por terem a mesma origem e princípio funcional na
representação.

Com o desvanecimento da teoria da representação, o saber no século


XIX não se pautou na ordem das identidades e diferenças, e sim em sua
organização interna entre elementos que, em conjunto, possuem uma função.
Dessa forma, o trabalho gasto na produção determina o preço das coisas
(trabalho); os seres são nomeados a partir da existência de funções essenciais
e por sua importância (vida); já no âmbito da linguagem, as flexões tornam-
se o centro dos estudos, uma vez que foi procedido o estudo das famílias das
línguas (filologia), verificando as possíveis analogias entre os sistemas
gramaticais destas:

As línguas são confrontadas não mais por aquilo que as palavras


designam, mas pelo que as liga umas às outras; elas vão agora
comunicar-se, não por intermédio desse pensamento anônimo e geral
que devem representar, mas diretamente, uma com a outra, graças a
esses finos instrumentos de aparência tão frágil, mas tão constante, tão
irredutíveis, que dispõe as palavras umas em relação às outras.
(FOUCAULT, 2007, p. 325)
Destarte, comparavam-se as línguas em seu estado presente com outro
do passado, com a pretensão de buscar uma língua primeira falada pelo
homem. Segundo Orlandi (2007), este século é marcado pelas Gramáticas
Comparadas (linguística histórica) as quais admitem que as línguas
transformam-se com o tempo, o que importa agora é a mudança e não a
precisão. Defendem que as mudanças da língua não dependem da vontade
dos homens, já que é uma necessidade das próprias línguas. O alemão F.
Bopp, considerado o pai da linguística comparativa, é uma figura de
destaque.

A linguística do século XX, por sua vez, é descritiva. Ferdinand de


Saussure3, precursor do estruturalismo, detém a paternidade da Linguística

3
Ele formaliza, de maneira clara, as duas perspectivas de estudos
linguísticos: sincrônico (descritivo) e diacrônico (histórico); distingue langue
(língua) e parole (fala). Considera o objeto próprio da linguística a langue,
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Moderna e possui grande importância, visto as suas contribuições para os


estudos da língua. Para os estruturalistas, a língua deve ser estudada em si
mesma e por si mesma por ser um objeto unificado e classificável.
Consequentemente, o estudo da língua pela língua encontra-se focado no
sistema, na estrutura, o que podemos chamar de Formalismo. Mesmo com
estudos que levam em consideração o uso da língua em seus diversos
contextos (Funcionalismo), as atuais Gramáticas Normativas, bases do
Formalismo, possuem grande importância e estão ligadas a uma tradição
iniciada em um passado bem distante. Como verificamos ainda hoje, há
resquícios dos primeiros estudos linguísticos, provenientes da Antiguidade
greco-romana.

Até agora, verificamos a importância da Gramática no Ocidente, por


isso, a seguir, centraremos nossas discussões em torno da política linguística
estabelecida aqui no Brasil desde sua colonização, como também
discorremos sobre a importância da Norma para o ensino de Língua
Portuguesa.

2 Norma e Política Linguística no Brasil

Como visto anteriormente, a Gramática sempre deteve um lugar


importante nos estudos linguístico. No Brasil não é diferente, porém,
observar historicamente a política de língua no Brasil implica verificar o
funcionamento entre línguas diferentes, assim como suas subdivisões, já que
vivemos em um país multilíngue, mas que privilegia uma variante em
detrimento das demais.

Dessa forma, observamos como a Língua Portuguesa se historicizou no


Brasil desde a chegada dos portugueses até ser considerada uma disciplina.
Para tanto trabalhamos com a noção de espaço de enunciação, cunhada por
Eduardo Guimarães (2002, 2006), visto que as línguas funcionam de acordo
com a distribuição para seus falantes, pois são objetos históricos ligados
àqueles que as falam, além de serem “[...] elementos fortes no processo de
identificação social dos grupos humanos” (GUIMARÃES, 2006, p. 48).
Consecutivamente, cada espaço de enunciação é político e possui suas
regularidades peculiares, distribuindo as línguas em relação a um

que está no social. Afirma que a langue é um sistema de elementos


gramaticais, lexicais e fonológicos que se inter-relacionam, e não um
aglomerado de elementos autônomos. Essas inter-relações se dão em duas
dimensões do plano sincrônico: o eixo sintagmático (distribuição sequencial
dos elementos no enunciado) e o eixo paradigmático (sistemas de
categorias ou elementos contrastivos). Segundo Weedwood (2002), foi com
a publicação do Curso de Linguística Geral, em 1916, que os estudos
linguísticos passaram a ser referenciados como um estudo científico, pois
tinham um objeto teórico, assim como um método de estudo.
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determinado grupo social. Logo, no Brasil há diversos espaços de enunciação


que recebem uma distribuição hierárquica, desigual.

Guimarães (2005, 2006) diferencia quatros categorias de línguas que


podem ser distribuídas nos espaços de enunciação e são necessárias para
visualizarmos o percurso histórico do português brasileiro, são elas: Língua
materna – língua utilizada pela sociedade de nascimento dos falantes; Língua
franca – a utilizada por falantes de diversas línguas maternas, os quais a
utilizam para um espaço intercomum; Língua nacional – língua de um povo
que dá aos seus falantes um pertencimento a tal nação. Língua oficial –
língua de um Estado, a qual é obrigatória nas ações formais e em atos legais
do Estado.

Como é sabido, o descobrimento do Brasil é datado em 1500, no


entanto, a efetiva colonização só inicia em 1532 com o advento da instalação
dos portugueses nas terras brasileiras. Com efeito, a Língua Portuguesa é
transportada para o Brasil, sendo utilizada, agora, em novas condições
espaços-temporais. Segundo Orlandi e Guimarães (2001) e Guimarães
(2005b), estas condições se modificaram durante todo o processo de
colonização, podendo ser evidenciados quatro períodos distintos.

Em um primeiro momento, que parte do início da colonização até 1654


– expulsão dos Holandeses, a Língua Portuguesa é falada por um pequeno
número de brasileiros. Havia o predomínio das línguas indígenas (línguas
tupi), que constituíam a língua geral, considerada uma língua franca. Porém,
neste período, o português já é considerado uma língua oficial, pois é
ensinado nas escolas católicas e usado em documentos oficiais.

O segundo período, por sua vez, vai de 1654 até a vinda da família real
portuguesa para o Brasil, em 1808. Depois de expulsarem os holandeses, a
colonização portuguesa ganha força, visto que o número de portugueses (com
diversos falares, já que vinham de regiões diferentes de Portugal) e negros
cresce gradativamente, provocando a diminuição do uso da língua geral. É
desta época o Diretório dos Índios, quando o Marquês de Pombal, em 1757,
obrigou o ensino do português nas escolas dos jesuítas, proibindo qualquer
ensinamento e uso da língua geral.

Um terceiro momento decorre de 1808 até 1826, quando a Língua


Portuguesa é oficialmente dada como língua nacional. Com a vinda da
família real portuguesa, as línguas faladas no Rio de Janeiro, até então capital
do Brasil, sofrem mudanças, o que resulta em “um efeito de unidade do
português no Brasil.” (ORLANDI, GUIMARÃES, 2001, p. 23). Neste
contexto, é criada a Imprensa, veículo para a proliferação de textos em
português, e a Biblioteca Nacional, mudando a vida cultural daqueles
sujeitos.

O quarto período inicia em 1826. Nesta ocasião é determinado por lei


que os docentes deveriam utilizar a gramática da língua nacional para ensinar
a ler e escrever. Assim, Orlandi e Guimarães (2001, p. 24) afirmam que “a
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questão da língua nacional está ligada aqui ao processo de gramatização 4


brasileira do português que é posto em curso a partir da segunda metade do
século XIX.”. Ou seja, os instrumentos linguísticos brasileiros irão
diferenciar-se dos portugueses. Isto é, o português no Brasil possui uma
memória europeia (MARIANI, 2004), mas se historicizou de modo diferente,
haja vista as novas condições histórico-sociais, pois “produzem discursos
distintos, significam diferentemente.” (ORLANDI, 2005, p. 30)

A partir do século XIX, a gramática no Brasil passa a ser utilizada com


mais ênfase, cujo propósito é corroborar uma identidade nacional. Assim, há
o distanciamento da gramática de cunho filosófico produzida em Portugal.
Em 1959 temos a instauração da Nomenclatura Gramatical Brasileira (NGB)
a qual determinou que os fatos gramaticais fossem tratados por uma
nomenclatura fixa (partes da gramática).

Nessa perspectiva, a Língua Portuguesa vai de língua oficial à


institucionalização como disciplina nas escolas brasileiras. Mais ainda,
enquanto língua oficial e nacional gera o imaginário de unidade, sendo
transmitida como língua materna. Dessa forma, ela é politicamente
dominante, enquanto as outras línguas (indígenas, dos imigrantes etc.) são
tachadas como inferiores. Logo, todas as práticas que ocorrem no “mercado
linguístico” são medidas por essa língua de Estado, que é uma língua
legítima (BOURDIEU, 1996).

E, como observamos, para se tornar uma língua legítima, ocorreram


imposições generalizadas e condições institucionais necessárias para sua
codificação e reprodução. “Enquanto língua do Estado e língua nacional, o
português dispõe de instrumentos específicos de organização do espaço de
enunciação: a Escola, a gramática e o dicionário. A estas se junta de maneira
decisiva hoje a mídia.” (GUIMARÃES, 2006, p. 49, grifos nossos). Ou seja,
diversas instituições trabalham para definir e manter um padrão linguístico,
as quais definem o que é “certo” ou “errado”. Sendo que tal postura resulta
num ideal de língua pura e homogênea: língua em que não há variações e
mudanças positivas, e quando ocorrem são tachadas como erros e desvios.

ALGUMAS CONSIDERAÇÕES SOBRE O ENSINO DE


LÍNGUA

Muitos são os trabalhos que discutem o ensino de Língua Portuguesa no


Brasil (NEVES, 1990; FARACO, 1984; POSSENTI, 1984, 1996; GERALDI,
1984, 1993), os quais mostram que tal prática é comumente entendida como
ensino da Gramática Normativa. Todavia, esse tipo de ensino acompanha a
propalada crise do ensino brasileiro, já que centraliza suas práticas em
métodos tradicionais e arcaicos (leitura mecânica, uso do texto como pretexto

4
Entendemos por gramatização o processo de descrição de uma língua por
meio da gramática e do dicionário, ou seja, saberes metalinguísticos.
(Auroux, 1992)
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para o ensino de morfologia e sintaxe, exemplos descontextualizados,


excesso de regras etc.). Ou seja, não há um ensino de língua e sim da
metalinguagem. Geraldi (1993) postula a distinção entre atividades
metalinguísticas e atividades epilinguísticas, sendo estas a reflexão sobre a
língua, sobre seus aspectos estruturais ou sobre seus aspectos discursivos; e
aquelas a análise da língua através de conceitos, classificações etc.

Ainda sobre isso, Geraldi (1993) defende que o ensino da língua deveria
estar pautado na ampliação dos conhecimentos dos alunos, fazendo com que
estes sejam sujeitos de seus próprios textos e discursos, e não meros
repetidores das lições propostas pelos docentes. É importante deixar claro
que o que está sendo proposto não é a abolição do ensino da norma padrão,
até mesmo porque “o objetivo da escola é ensinar o português padrão, ou,
talvez mais exatamente, o de criar condições para que ele seja aprendido.”
(POSSENTI, 1996, p. 17). Porém, o modelo tradicional de ensino perpetua a
ideologia dominante de que ensinar língua corresponde ao ensino da
Gramática Normativa. Portanto, observamos que há diversos reflexos dos
estudos greco-latinos nos dias atuais, visto que a gramática ainda se constitui
a maior ferramenta para o ensino de língua materna.

REFERÊNCIAS

AUROUX, Sylvain. A revolução tecnológica da gramatização. Campinas:


Editora da Unicamp, 1992.
BARROS, Maria Emília de Rodat de Aguiar Barreto. Linguística I. Aracaju:
UNIT, 2004.
BOURDIEU, Pierre. A economia das trocas linguísticas: o que falar quer
dizer. São Paulo: Editora da Universidade de são Paulo, 1996.
FARACO, Carlos Alberto. As sete pragas do ensino de português. In:
GERALDI, João Wanderley (org.). O texto na sala de aula: leitura e
produção. Cascavel: Assoleste, 1984.
FOUCAULT, Michel. As palavras e as coisas: uma arqueologia das ciências
humanas. Tradução Salma Tannus Muchail. São Paulo: Martins Fontes,
2007.
FOUCAULT, Michel. A arqueologia do saber. Trad. Luiz Felipe Baeta
Neves. 7ª edição. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2008.
GERALDI, João Wanderley. Concepções de linguagem e ensino de língua.
In: GERALDI, João Wanderley (org.). O texto na sala de aula: leitura e
produção. Cascavel: Assoleste, 1984.
GERALDI, João Wanderley. Portos de passagem. São Paulo: Martins
Fontes, 1993.
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GUIMARÃES, Eduardo. Semântica do acontecimento. Campinas: pontes,


2002.
GUIMARÃES, Eduardo. Brasil: país multilíngue. In: Línguas do Brasil.
Ciência e Cultura. Revista da SBPC. Ano 57, nº 2, abril – junho de 2005. p.
22-23.
GUIMARÃES, Eduardo. A língua portuguesa no Brasil. In: Línguas do
Brasil. Ciência e Cultura. Revista da SBPC. Ano 57, nº 2, abril – junho de
2005b. p. 24-28.
GUIMARÃES, Eduardo. Enunciação e política de língua no Brasil. In:
Revista Letras – espaços de circulação da linguagem. nº 27, jul./dez. 2006.
MACHADO, Roberto. Foucault, a ciência e o saber. Rio de Janeiro: Jorge
Zahar, 2006.
MARIANI, Bethania. Colonização linguística. Campinas, SP: Pontes, 2004.
NEVES. Maria Helena de Moura. Gramática na escola. São Paulo:
Contexto, 1990.
ORLANDI, Eni Puccinelli. GUIMARÃES, Eduardo. Formação de um espaço
de produção linguística: a gramática no Brasil. In: História das ideias
linguísticas: construção do saber metalinguístico e constituição da língua
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ORLANDI, Eni Puccinelli. A língua brasileira. In: Línguas do Brasil.
Ciência e Cultura. Revista da SBPC. Ano 57, nº 2. Abril – Junho de 2005. p.
29-30.
ORLANDI, Eni Pulcinelli. O que é linguística. São Paulo: Brasiliense, 2007.
POSSENTI, Sírio. Gramática e política. In: GERALDI, João Wanderley
(org.). O texto na sala de aula: leitura e produção. Cascavel: Assoleste,
1984.
POSSENTI, Sírio. Por que (não) ensinar gramática na escola. Campinas,
SP: Mercado das letras, 1996.
WEDWOOD, Barbara. História Concisa da Linguística. Trad. Marcos
Bagno. São Paulo: Parábola Editorial, 2002.
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Ensino de Leitura e Escrita a partir de


Gêneros Discursivos Variados:
exemplo de uma prática pedagógica realizada

Giselma Machado1

RESUMO
O ensino tradicional de língua materna tem sido alvo de crítica por se mostrar
deficiente para lidar com as diferenças culturais e linguísticas, pautando-se pela
tradição gramatical como instrumento utilizado para falar e escrever com correção. A
partir desse panorama, muito se tem discutido e afirmado acerca da importância do
desenvolvimento de práticas escolares de leitura e escrita que resgatem práticas
sociais de leitura e escrita, com vistas à formação de um aluno crítico e participativo
no meio social em que vive. A demonstrar o alcance desse objetivo, apresenta-se o
desenvolvimento de uma prática pedagógica a partir do eixo temático Política e
Participação Cidadã e os principais resultados obtidos. É importante ressaltar que esse
viés pedagógico é parte de um instrumento de intervenção pedagógica que compõe a
dissertação de Mestrado em Ciências da Educação intitulada “Gêneros Discursivos e
Compreensão Leitora no Ensino de Língua Materna na EJA: uma Relação de
Proximidade”. Tal dissertação foi desenvolvida com base no modelo quase-
experimental intragrupal, pré e pós-teste. Como referencial teórico, este artigo se
fundamenta em Ensino de Leitura e Escrita, Gêneros Discursivos à luz da teoria
bakthiniana, Compreensão Leitora e Linguística Textual, além de orientações
expressas nos Parâmetros Curriculares Nacionais e na Proposta Curricular para a EJA.

Palavras-chave: Ensino de leitura e escrita, Gêneros discursivos, Domínio discursivo,


Discurso político, Prática pedagógica.

1
Contato do(a) autor(a): giselmaaju@gmail.com. MSc. em Ciências da Educação
pela UAA/PY. Membro do Grupo de Pesquisa CNPq SEPPEJA/CODAP/UFS.
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1 Contextualização
O ensino de língua materna tem sido alvo de preocupação e
discussão de especialistas das mais variadas áreas, como gramáticos,
pedagogos e, de forma especial, linguistas que centraram seus estudos e
críticas segundo pressupostos e pontos de vista pertinentes às suas áreas de
conhecimento. Todos estes desencadearam propostas cuja preocupação maior
está fundamentada no desenvolvimento da leitura e da escrita de forma
privilegiada em sala de aula. Nesse sentido, os linguistas atribuíram um
enfoque maior que deu novo tom a esse cenário, ao destacarem, de forma
crítica, as deficiências do ensino tradicional de língua portuguesa ao lidar
com as diferenças culturais e linguísticas, pautando-se na tradição gramatical
como instrumento utilizado para falar e escrever com correção.
A partir desse panorama, muito se tem discutido e afirmado acerca
da importância do desenvolvimento de práticas escolares de leitura e escrita
que resgatem práticas sociais de leitura e escrita. Em outras palavras,
significa dizer que a leitura e a escrita na escola não devem referendar um
propósito distante do uso que o aluno faz dessas habilidades fora do ambiente
educativo (LERNER, 2002), sob pena de carecer de sentido e de interesse por
parte do aluno. Nesse instante, recordam-se as palavras de Freire (1987, p.
11-12), quando defendia que a leitura:
não se esgota na decodificação pura da palavra escrita ou da
linguagem escrita, mas [...] se antecipa e se alonga na inteligência
posterior do mundo. A leitura do mundo precede a leitura da palavra,
daí que a leitura desta não possa prescindir da continuidade da leitura
daquele. Linguagem e realidade se prendem dinamicamente. A
compreensão do texto a ser alcançada por sua leitura crítica implica a
percepção das relações entre o texto e o contexto.

Nesse contexto de discussões e afirmações, destaca-se, de forma


especial, um dos objetivos do Ensino Fundamental elencados pelos
Parâmetros Curriculares Nacionais (BRASIL, 1998, p. 8) que é tornar o aluno
capaz de
Questionar a realidade, formulando-se problemas e tratando de
resolvê-los, utilizando para isso o pensamento lógico, a criatividade, a
intuição, a capacidade de análise crítica, selecionando procedimentos
e verificando sua adequação.

Em outras palavras, significa fazer do aluno um ser crítico e


participativo no meio social em que vive.
Com o intuito de atingir esse objetivo, apresenta-se a realização de
uma prática pedagógica de leitura e escrita a partir de variados gêneros
discursivos, para o desenvolvimento do eixo temático Política e Participação
Cidadã, tomando como referencial teórico o Ensino de Leitura e Escrita
(FREIRE, 1987; KOCH, 2001, 2003; LERNER, 2002), os Gêneros
Discursivos à luz da teoria bakthiniana (BAKTHIN, 2006; MARCUSCHI ,
2007). Somando-se a esse arcabouço teórico, destaca-se o conceito de
compreensão leitora (AGUILERA, 2007) e leitura a partir da linguística
textual (KOCH, 2001, 2003; ORLANDI, 1998, 2002), além de orientações a
este respeito expressas pelos Parâmetros Curriculares Nacionais (BRASIL,
1998) e pela Proposta Curricular para a EJA (BRASIL, 2002).
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É importante ressaltar que tal experiência encontra-se contemplada


na intervenção pedagógica que compõe a dissertação de Mestrado em
Educação de Machado (2012a), intitulada “Gêneros discursivos e
compreensão leitora no ensino de língua materna na EJA: uma relação de
proximidade”, estudo realizado a partir do modelo quase-experimental
intragrupal, pré e pós-teste, cujos resultados também estão descritos em
Machado (2012b).
Assim, tomando-se como base os resultados alcançados nesse
trabalho científico, acredita-se possível a aplicação desse viés pedagógico em
outros contextos educativos.

2 Ensino de Leitura e Escrita e Gêneros Discursivos:


realidades que se entrecruzam pedagogicamente

O ensino de leitura e escrita aqui abordado deve ser concebido não


como simples decodificação ou reprodução, mas como uma prática discursiva
ou processo de significações desencadeadas por leitor, autor e texto,
inseridos, ambos, num momento sócio-histórico, sendo, portanto,
ideologicamente constituídos (KOCH, 2003). Representa, assim, uma ação
conjunta e interativa de enunciados que se insere na lógica bakhtiniana.
Trata-se, ainda, de um ensino que favoreça ao aluno conciliar as
necessidades escolares com as necessidades da vida social, dando-lhe
condições de contestar, concordar, apresentar novos argumentos ou,
simplesmente, desfrutar de momentos de fruição e de prazer, criando, assim,
uma íntima relação entre a versão escolar e a versão social da leitura.
Significa fazer desse aluno um leitor do texto e do contexto (LERNER,
2002).
Diante desse panorama, o ensino de leitura e escrita deve propiciar o
desenvolvimento da compreensão leitora do aluno. Esta compreensão
acontece quando o leitor consegue estabelecer uma ponte entre o que está
posto no texto e o que já possui de conhecimento acerca do que está lendo,
formando um novo conhecimento ou uma nova informação (AGUILERA,
2007).
Um trabalho dessa natureza, segundo Lerner (2002), visa preservar o
sentido que essa leitura tem especialmente fora da escola, fazendo-a cumprir
o seu papel social.
No tocante ao trabalho com gêneros discursivos, não se pode
esquecer a infinidade deles que povoa o mundo social, uma vez que apresenta
uma estreita relação com tudo que é produzido pelo homem, quer seja
utilizando a linguagem verbal, quer seja utilizando a linguagem não verbal
ou, ainda, mesclando-as ao mesmo tempo.
Dessa forma, endossando e até mesmo justificando tal variedade,
Bakhtin (2006, p. 261) expõe que

Todos os diversos campos da atividade humana estão ligados ao uso


da linguagem e cada campo de utilização da língua elabora seus tipos
relativamente estáveis de enunciados, os quais se denominam gêneros
do discurso.” (Grifos do autor, p.262).
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Vale ressaltar também que esses estudos (BAKHTIN, 2006), ao


abordarem gêneros discursivos, fazem também menção ao domínio
discursivo que diz respeito à instância ou esfera da atividade humana em que
o gênero é produzido, dando origem não a um gênero em particular, mas a
vários deles.
Nesse contexto, sob o prisma dos domínios, fala-se em discursos que
são muitos: discurso político, jurídico, jornalístico, religioso, dentre outros.
Como já se expressou anteriormente, estes discursos propiciam o
aparecimento de uma infinidade de gêneros textuais. O domínio, de certa
forma, impõe determinadas características ao gênero. No discurso político,
por exemplo, surgem os gêneros santinho, panfleto, cartaz e muitos outros
(MARCUSCHI, 2007).
Em consonância com essas ideias, Marcuschi (2007) também
reconhece que novas formas de comunicação utilizam imagens e palavras ou
simplesmente imagens ou palavras e fazem surgir novos gêneros discursivos
ou gêneros textuais, exigindo uma nova postura de abordagem à leitura e à
escrita. A escola, antes habituada apenas a trabalhar o texto verbal, passa a
presenciar a invasão do universo social do aluno por uma infinidade de
gêneros novos e vê-se impelida a inseri-los em sala de aula.
No momento em que se reconhece a importância e a urgência de se
trabalhar leitura e escrita a partir de gêneros variados, com vistas à formação
de um aluno mais consciente e mais participativo no meio em que vive,
tomam-se as palavras de Lerner (2002, p. 18) como um dos elementos
norteadores:
O necessário é fazer da escola um âmbito onde leitura e escrita sejam
práticas vivas e vitais, onde ler e escrever sejam instrumentos
poderosos que permitem repensar o mundo e reorganizar o próprio
pensamento, onde interpretar e produzir textos sejam direitos que é
legítimo exercer e responsabilidades que é necessário assumir. O
necessário é, em suma, preservar o sentido do objeto de ensino para o
sujeito da aprendizagem, o necessário é preservar na escola o sentido
que a leitura e a escrita têm como práticas sociais (...).

Assim, reitera-se a importância da formação de um leitor ativo que


lança mão de estratégias de leitura para estabelecer relação entre texto e
contexto (KOCH, 2001), bem como de um escritor capaz de “re-criar” essa
leitura para atender às suas necessidades educativas e sociais. Dentro desse
contexto, requer-se uma leitura que desenvolva a compreensão leitora do
aluno (AGUILERA, 2007).
Dessa forma, faz-se urgente o desenvolvimento de práticas de leitura
com base nos diferentes gêneros textuais, o que significa entender que há
diferentes modos de ler um texto. Ou seja, cada gênero textual pressupõe uma
leitura e é papel da escola propiciar condições para que os alunos se
constituam leitores de fato e de direito, objetivando prepará-los para o seu
desempenho social, principalmente tendo em vista que “o mesmo leitor não
lê o mesmo texto da mesma maneira em diferentes momentos e em condições
distintas de produção de leitura, e o mesmo texto é lido de maneiras
diferentes em diferentes épocas, por diferentes leitores.” (ORLANDI, 2005,
p.62).
É com o espírito baseado na compreensão de que os gêneros
discursivos devem ser escolhidos considerando-se a época, a cultura e a
finalidade social, que se apresenta o exemplo desta prática pedagógica do
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ensino de leitura e escrita a partir de gêneros discursivos variados, como


santinhos, panfletos, encartes políticos, charges, tirinhas e jornais, todos
inseridos no domínio do discurso político. A escolha desses gêneros teve
como base o desenvolvimento do eixo temático Política e Participação
Cidadã, um tema igualmente peculiar no momento da sua execução à
semelhança da atualidade. Além disso, também serviu de alicerce para essa
escolha o que dizem os PCN (BRASIL, 1998) nesse sentido:
Sem negar a importância dos textos que respondem a exigências das
situações privadas de interlocução, em função dos compromissos de
assegurar ao aluno o exercício pleno da cidadania, é preciso que as
situações escolares de ensino de Língua Portuguesa priorizem os
textos que caracterizam os usos públicos da linguagem. Os textos a
serem selecionados são aqueles que, por suas características e usos,
podem favorecer a reflexão crítica, o exercício de formas de
pensamento mais elaboradas e abstratas, bem como a fruição estética
dos usos artísticos da linguagem, ou seja, os mais vitais para a plena
participação numa sociedade letrada (p. 24).

3 Prática Pedagógica: Procedimentos

a) Contexto de Aplicação: Esta atividade foi aplicada com 24


alunos da EJA, correspondente ao 9º ano do Ensino Fundamental da
Escola Estadual 15 de Agosto, situada em Aracaju/Se. Ela fez parte
da intervenção pedagógica promovida no período de agosto a
outubro de 2010, para que se desenvolvesse a pesquisa da
Dissertação de Mestrado em Ciências da Educação (MACHADO,
2012a).

b) Duração: 6 horas/aula

c) Gêneros discursivos explorados: santinhos, panfletos,


encartes políticos, charges, tirinhas e jornais, todos de teor político.

d) Eixo temático – Política e Participação Cidadã

e) Objetivos pretendidos:

 Geral:

 Desenvolver práticas de leitura e escrita a partir dos gêneros


discursivos santinhos, panfletos, encartes, charges, tirinhas e jornais
com vistas à formação de um ser crítico e participativo em seu meio
social.

 Específicos:

 Reconhecer o discurso político em suportes variados.


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 Reconhecer a leitura como elemento presente em textos


verbais e não verbais.

 Identificar tema, tese ou mensagem dos textos, percebendo


a semelhança entre os que trazem o discurso político, especialmente.

 Reconhecer, sempre que possível, marcas de


intertextualidade.

 Identificar a função da linguagem predominante nos textos.

 Comparar os textos apresentados em sala com outros textos


e com a sua realidade social, identificando semelhanças e diferenças.

 Utilizar conhecimentos prévios para o processo de


construção de sentidos dos textos.

 Identificar a presença de variante(s) linguística(s) nos textos


apresentados.

 Identificar a finalidade dos textos apresentados.

 Associar imagens e palavras ao discurso político nos textos


apresentados.

 Descrever o porquê e o para quê dos textos de cunho


político.

 Criar uma chapa eleitoral para concorrer ao cargo fictício


de representante da modalidade educativa do ano ou série que cursa.

 Construir uma plataforma com propostas de melhoria do


ensino e da aprendizagem do ano ou série que cursa.

 Escolher um representante de cada grupo para expor


oralmente o nome da chapa eleitoral e as propostas definidas.

 Estabelecer comparação, apontando semelhanças e


diferenças, coerências e incoerências entre as propostas
apresentadas.

 Reconhecer dificuldades e/ou facilidades quanto à criação


da chapa eleitoral e quanto à elaboração das propostas.

f) Metodologia Aplicada

 Método

 Aprendizagem colaborativa
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 Formação de grupos de 3 a 4 componentes

 Discussão com enfoque na associação entre


texto/contexto

 Desenvolvimento de comportamentos leitores e escritores

 (Re) Escrita de textos

 Composição de uma chapa eleitoral fictícia

 Escolha de um relator para apresentação das propostas


eleitorais

 Atividades desenvolvidas

 Leitura e escrita

 Recursos utilizados

 Quadro e pincel/giz
 Datashow
 Santinhos, panfletos, encartes políticos, jornais, charges,
tirinhas e livro didático
 Computador
 Papel chumbo

g) Comportamentos leitores alcançados:

 Utilização de conhecimentos prévios ou conhecimentos de


mundo para estabelecer um sentido
 Identificação do tema, da tese ou mensagem
 Indicação, quando necessário, pressupostos necessários à
compreensão leitora
 Percepção de que o não verbal também faz parte da sua
composição
 Identificação do tipo de texto
 Identificação de recursos gráficos, sonoros e semânticos
 Indicação de relação do texto com a realidade social
 Indicação de pistas textuais tais como: inferências e
intertextualidades
 Percepção do discurso injuntivo velado presente em muitos
dos textos de conotação política/eleitoreira

h) Comportamentos escritores alcançados:

 (Re) escrita de textos à semelhança do que se leu

i) Resultados destacados:
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Os alunos, em sua maioria:

 Conseguiram estabelecer relação entre texto e contexto.

 Associaram as linguagens verbal e não verbal à composição


do discurso político.

 Perceberam semelhanças e diferenças entre os textos


apresentados.

 Identificaram intertextos.

 Puderam se colocar no lugar de candidatos que concorrem a


cargos públicos.

 Estabeleceram propostas, à semelhança de uma campanha


eleitoral, e perceberam que essa tarefa não é tão simples como
imaginavam.

 Foram bastante participativos e demonstraram gostar das


atividades.

CONSIDERAÇÕES FINAIS
Estudos indicam que o ensino da metalinguística ainda é prioritário no
ensino de língua materna como forma de ler e escrever corretamente. Em
consonância com o que expressa a literatura especializada descrita ao longo
deste texto, rejeita-se esta prioridade e em seu lugar sugere-se o ensino de
leitura e de escrita como fundamental para a melhoria do desempenho social
do aluno nos mais variados contextos. Neste artigo, apresentou-se um
exemplo de uma prática pedagógica a confirmar esta nova orientação para as
aulas de língua portuguesa, baseando-se no estudo “Gêneros Discursivos e
Compreensão Leitora no Ensino de Língua Materna na EJA: uma Relação de
Proximidade” (MACHADO, 2012a).

Dentro desse contexto, vale ressaltar os resultados positivos dessa


prática, como a relação estabelecida entre texto e contexto, bem como a
autoestima expressa pela satisfação estampada no rosto do educando. Isto
demonstra a importância e a necessidade de se incorporar práticas como estas
em aulas de língua materna até que seja comum outra prática de ensino de
leitura e escrita com base em gêneros discursivos. Mais uma vez, salientando
que o desenvolvimento deste processo corroborou o que defendem autores e
documentos curriculares especializados para essa área do conhecimento.

Ao final dessas considerações, apresenta-se como elemento


impulsionador à formação de um aluno capaz de viver e conviver dentro e
fora dos muros da escola, bem como para atender às necessidades educativas
e sociais, a sugestão de que esta atividade, adaptada em parte ou replicada na
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íntegra, seja aplicada em outros contextos educativos para se verificar que


resultados se alcançarão.

REFERÊNCIAS

AGUILERA, N. Comprensión lectora y algo más... Assunção/PY: Serv


Libro, 2007.
BRASIL. Secretaria de Educação Fundamental. Parâmetros curriculares
nacionais: 3º e 4º ciclos do ensino fundamental: língua portuguesa.
Brasília: MEC/SEF, 1998.
BRASIL. Ministério da Educação. Secretaria de Educação Fundamental.
Proposta Curricular para a educação de jovens e adultos: segundo
segmento do ensino fundamental: 5ª a 8ª série. Brasília: MEC/SEF, 2002.
BAKHTIN, M. Gêneros do discurso. In: Estética da criação verbal. São
Paulo: Martins Fontes, 2006.
KOCH, I. G. O texto e a construção dos sentidos. 5. ed. São Paulo:
Contexto, 2001.
________. Desvendando os segredos do texto. 2. ed. São Paulo: Cortez,
2003.
LERNER, D. Leitura e escrita na escola: o real, o possível e o necessário.
Porto Alegre: Artmed, 2002.
MARCHUSCHI, L. A. Gêneros textuais: definição e funcionalidade. In:
DIONÍSIO, Angela P. Gêneros textuais e ensino. 5. ed. Rio de janeiro:
Lucerna, 2007.
MACHADO, G. O Gênero discursivo a história em quadrinhos e a
compreensão leitora no ensino de língua materna na EJA: uma relação
de proximidade. Dissertação de Mestrado. UAA/PY, 2012a.
________. La relación entre género textual y comprensión lectora de
historietas en la modalidad eja: resultados de una investigación cuasi-
experimental. EUREKA, Revista Científica de Psicologia, vol. 9, Nº 1,
2012b. ISSN 2218-0559 (CD R) E-ISSN 2220-9026. Disponível em:
http://www.psicoeureka.com.py/autores/giselma-machado
ORLANDI, E.P. A leitura e os leitores. Campinas: Pontes, 1998.
______. Discurso e Texto: formulação e circulação dos sentidos. 2ª ed.
Campinas/SP: Pontes, 2005.
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Efeitos de Construção da Coerência a partir


de Inferências Indiretas

Isabela Marília Santana 1

Glícia Kelline Santos Andrade2

RESUMO

O artigo em questão trata de questões concernentes à Linguística de Texto que traz a


referenciação como forma de atribuir sentidos. Dessa forma, objetiva-se analisar em
textos opinativos de alunos da Educação de Jovens e Adultos a partir de discussões
realizadas em sala de aula, as ocorrências de várias estratégias referenciais, em
especial das anáforas indiretas, as quais inferem significação em seus modelos
textuais e ampliam a dimensão de conhecimento contribuindo, assim, para a
construção e estabelecimento da coerência. Diante disso, os sujeitos sociais
reconstroem a realidade a partir de atividades cognitivas e interacionais resultando em
objetos de discurso e não do mundo, vão construindo seus referentes à medida que
interagem com seus ambientes sociocomunicativos. Como assinala Koch “o texto
passa a ser considerado resultado de processos mentais: é a abordagem procedural,
segundo a qual os parceiros da comunicação possuem saberes acumulados quanto aos
diversos tipos de atividades da vida social, têm conhecimentos representados na
memória que necessitam ser ativados para que sua atividade seja coroada de sucesso.”
(KOCH, 2004, p. 21). Isso é o que será notado nos textos desses alunos, diversas
inferências, em sua maioria indiretas, presentes na memória cognitiva e que mantém
relação com a entidade central de seus modelos textuais, enriquecendo-os e
confeccionando, ao longo do discurso, a coerência textual responsável pelo
entendimento do discurso como um todo. A partir destes aspectos, foi possível
concluir e considerar como importante a questão de que o professor deve reconhecer a
bagagem internalizada desses alunos, principalmente por se tratar de alunos-
trabalhadores como os da Eja, e julgar seus textos pela significação e entendimento
que possui e não somente por aspectos gramaticais e normativos, os quais devem ser
trabalhados a partir de um contexto escolar linguístico.

Palavras-chave: Coerência; Anáforas indiretas; Inferências; Educação de Jovens e


Adultos.

1
Contato do(a) autor(a): isabelamarilia@hotmail.com. Graduanda. Universidade
Federal de Sergipe.
2
Contato do(a) autor(a): gliciakelline@bol.com.br. Graduanda. Universidade Federal
de Sergipe.
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INTRODUÇÃO

O campo da Linguística Textual (LT) vem evoluindo a cada novo


direcionamento e cada nova descoberta no cenário analítico sobre o texto.
Principalmente no que diz respeito ao processamento textual com suas
estratégias de constituição e estabelecimento dos referentes na dinâmica do
discurso. É nesse sentido que se apresenta a referenciação, (re) elaborando as
palavras e as coisas em função de um querer-dizer dos seus interactantes.
Indo para além da questão de mera referência que apenas retoma termos já
mencionados anteriormente, sendo colocada como representação de mundo e
avaliada em termos de verdade e correspondência com ele.

O presente estudo foca na vertente da referenciação ancorada numa


concepção de linguagem alinhada à língua, texto, sentido e inferenciação
orientando-se sócio-interativamente com o mundo ao seu redor e criando
objetos de discurso a partir de suas concepções cognitivas e discursivas. E
focado também na questão do texto como lugar de interação, onde sua
significação e sentido são construídos a partir da intencionalidade dos seus
produtores, suas crenças, seus desejos, suas opiniões e posicionamentos.

Partindo deste âmbito é que se propõe analisar em textos, de caráter


opinativo, de alunos da Educação de Jovens e Adultos do Centro de
Referência Professor Marcos Ferreira localizado na cidade de Simão Dias
(Sergipe), os processos de referenciação que contribuem para a elaboração
dos sentidos de seus discursos, em especial da contribuição das anáforas
indiretas que como assinala Roncarati (2010) é um relacionamento
cognitivamente determinado, já que elas introduzem novos elementos através
de associações temáticas como dados que estão disponíveis na memória
discursiva. Ou seja, a cada nova roupagem, a cada nova informação e a cada
nova inferência na sequência textual são introduzidos novas significações,
novos entendimentos, novos assuntos, porém todos relacionados e ancorados
no referente central, na entidade a que se refere o texto como um todo.

Esses modelos textuais foram resultado de alguns debates sobre


variados temas em sala de aula, a partir da interação dos alunos, da
professora de língua materna e das pesquisadoras em questão. Resolvemos
trabalhar com a Educação de Jovens e Adultos (EJA) pelo fato de se tratar de
alunos-trabalhadores, que possuem um conhecimento internalizado extenso e
bagagem cultural considerável, fruto de suas experiências nos seus mais
variados estilos de vida. Relacionando-se bastante com este trabalho, pois
como assinala Pinto, o método de ensino da Eja deve centrar-se:

nos elementos que compõe a realidade autêntica do educando, seu


mundo de trabalho, suas relações sociais, suas crenças, valores, gostos
artísticos, gíria, etc. Assim, por exemplo, a aprendizagem dos
elementos originais da leitura tem que partir de palavras motivadoras
que são aquelas dotadas de conteúdo semântico imediatamente
percebido pelo aluno, que se destacam como expressão de sua relação
direta e contínua com a realidade na qual vive (PINTO, 1997, p. 86).
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Leva-se em conta também na presente pesquisa a referenciação como


importante papel na continuidade do tópico discursivo, e, consequentemente,
no estabelecimento da coerência no discurso. À medida que os referentes vão
sendo criados, modificados, reativados e (re) construídos de acordo com a
progressão do texto pelos seus sujeitos sociais, o sentido, a compreensão e a
comunicação vão sendo garantidas concomitantemente com a coerência.

1 Referenciação e construção da coerência (dos sentidos)

Um dos principais processos de estabelecimento e construção da


coerência no texto é a recategorização, a qual acontece quando uma
informação, um conceito ou uma ideia são retomados através do aporte de
novas predicações que podemos chamar de expressões atributivas e que veem
ancoradas no referente central. Segundo Roncarati (2010), a recategorização
não é cossignificativa (identidade de sentidos) e nem é necessariamente
correferencial (identidade do objeto de discurso). “É baseada em inferências
fundadas em algum aspecto co (n) textual antecedente [...]” (RONCARATI,
2010, p. 52).

Uma das estratégias referenciais de produção de texto que mais destaca


a recategorização é a anáfora indireta, pois infere novos referentes que
aumentam a dimensão do conhecimento através de expressões predicativas, e
que são identificáveis no contexto discursivo mantendo uma relação de
sentido com ele. A qual será tratada mais adiante.

Anáforas deste tipo desempenham um papel extremamente importante


na construção da coerência. Muitas vezes, por ocasião do
processamento textual, existem diversas representações tópicas
potenciais e, somente no co-texto subsequente, fica claro, por meio do
encadeamento referencial efetuado, qual delas deve ser selecionada na
interpretação (KOCH, 2006, p. 108).

Nessa perspectiva, uma das formas de estabelecer a coerência é a


construção e manutenção da relação de comunicação/compreensão que
acontece entre o enunciador e seu receptor, que a partir do conhecimento de
mundo internalizado de ambos proveniente dessas inferências realizadas com
o intuito de ampliar a dimensão de significação (recategorização) torna-se
possível um processamento discursivo eficiente e um entendimento conjunto.
Já que as palavras transmitem ideias, transmitem informações de um
indivíduo para o outro como forma de estabelecer a comunicação, a
significação, e consequentemente, a coerência baseadas nas relações
linguísticas, interacionais e discursivas, e ainda, muitas das vezes,
sociocognitivas.
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Esse processo de construção de sentido e da coerência, do


estabelecimento da significação, dá-se por meio de operações de linguagem
que envolve os mais variados processos e estratégias referenciais que operam
e se concretizam através de entidades e/ou referentes linguísticos. Uma
dessas estratégias são as anáforas indiretas que como afirma Koch:

o emprego de elementos anafóricos caracteriza-se como um fenômeno


de retomada informacional relativamente complexa, em que intervém
o saber construído linguisticamente pelo próprio texto e os conteúdos
inferenciais que podem ser calculados a partir de conteúdos
linguísticos tomados por premissas, graças aos conhecimentos
lexicais, aos pré-requisitos enciclopédicos e culturais e aos lugares-
comuns argumentativos de uma dada sociedade (BERRENDONNER
(1986) apud KOCH, 2009 p. 61-62)

2 Anáforas indiretas: estratégias sociocognitivas

O termo anáfora, na retórica clássica, era considerado apenas como


indicação da repetição e retomada de um elemento anteriormente citado no
texto, porém, nas últimas décadas ele designa expressões que se remetem a
um referente, retomando-o ou não. A anáfora indireta é um caso de referência
textual, ela constrói, induz e lança novos referentes ativando uma série de
conhecimentos cognitivos dos interlocutores e do processamento local, não
apenas retomando e sim remetendo. Além de seu estudo envolver cognição,
análises semântica, pragmática e análises de modelos mentais, ela propicia
uma revisão nas noções de língua, categoria, referência, inferência, texto e
coerência (dentre outros).

As AI são consideradas processos mais complexos pelo fato de não


possuir um antecedente explícito, sendo necessária sua identificação a partir
do contexto sociocognitivo e semântico. Ainda de acordo com Marcuschi,
estudos comprovam que esse tipo compreende cerca de 60% das anáforas de
modo geral, daí sua relevância em propor uma abordagem, já que também
são responsáveis pela atividade de textualização. Schwarz (2000) define-a:

No caso da anáfora indireta trata-se de expressões definidas que se


acham na dependência interpretativa em relação a determinadas
expressões da estrutura precedente e que têm duas funções
referenciais textuais: a introdução de novos referentes (até aí não
nomeados explicitamente) e a continuação da relação referencial
global (SCHWARZ (2000) apud MARCUSCHI, 2012, p. 58).

Elas são responsáveis por dois importantes processos de estratégias de


referenciação, pela ativação (prospecção), inserindo novos referentes
ampliando todo o texto, dando-lhe novas informações, e pela reativação
(retroação) que vai fazendo remissão aos mesmos domínios de referência, ao
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contexto. Procedimentos esses, bastante fundamentais para a progressão


textual.

As anáforas indiretas caracterizam-se, assim, pelo fato de não existir


no co-texto um antecedente explícito, mas sim um elemento de
relação [...], que se pode denominar âncora [...] e que é decisivo para a
interpretação; ou seja, trata-se de formas nominais que se encontram
em dependência interpretativa de determinadas expressões da
estrutura textual em desenvolvimento, o que permite que seus
referentes sejam ativados por meio de processos cognitivos
inferenciais, possibilitando, assim, a mobilização de conhecimentos
dos mais diversos tipos armazenados na memória dos interlocutores
(KOCH, 2006, p. 107.)

Esse termo, a que se determina âncora, ativa no léxico representações


mentais dotadas de relações de significado e conceituais evocando o contexto
relevante. O processamento delas depende, como diz a citação acima, da
presença no cotexto anterior de estruturas ou unidades, cujas representações
semânticas e/ou informações são relevantes para o bom entendimento e
significação.

Os novos referentes que equivalem às anáforas indiretas são


reconstituídos através dessas âncoras, sendo condição necessária para se
classificar como anáfora. Para Cavalcante (2004), as indiretas adquirem ora
caráter de puras, ora de encapsuladoras, pois, no tocante a esta última, em
alguns casos elas resumem a proposição precedente.

Esse tipo de processo referencial, ao introduzir um novo referente (ou


até mesmo um novo assunto), faz supor que o interlocutor tenha bagagem
e/ou conhecimentos necessários para que se realize a compreensão e
interpretação referencial. Diante dos pressupostos acima e ainda de acordo
com o proposto por Koch (2006, p.109), “a interpretação das anáforas
indiretas baseia-se [...] em conhecimento semântico (verbal e/ou nominal),
e/ou em conhecimento conceitual, e/ ou, ainda, na inferenciação”.

E essa inserção desse novo elemento ou assunto ou informação nova no


contexto, de acordo com o que vem sendo tratado, sem fugir do tema
proposto, faz com que aumente o desenrolar do texto, assim contribuindo
também para o desenvolvimento da coerência. “As anáforas indiretas,
consideradas do ponto de vista da estrutura informacional, constituem
tematizações remáticas, que acarretam no texto continuidade e progressão no
fluxo informacional” (KOCH, 2006, p. 110).

Como práticas de todas essas definições, análises e reflexões, seguem os


exemplos a seguir, os quais são textos produzidos por alunos do segundo ano
médio (EJAEM) do Centro de Referência de Educação de Jovens e Adultos
Professor Marcos Ferreira.
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3 Análises dos textos de alunos da Educação de Jovens e


Adultos

Texto 1

Legalização do aborto no Brasil.

Eu sou contra o aborto no Brasil, porque nós ser humano


devemos nos amar cada vez mais. uma pessoa que for a favor (de) o
aborto ela não tem deus no coração. Deus não perdoa umas coisa
dessas [...]

Nota-se no texto acima uma estruturação por meio de cadeias anafóricas


diretas com antecedentes, ou âncoras com realização no cotexto. Assim é
que, após ser introduzida uma entidade como “a legalização do aborto no
Brasil”, o referente é reiterado como “o aborto no Brasil”, ou seja, com o
mesmo item lexical; do mesmo modo, acontece com o referente “uma
pessoa” que reaparece, logo em seguida, através do “ela”.

Como vemos, há a presença de expressões que retomam referentes já


mencionados, os quais servem apenas de reforço à questão explanada, como
a repetição do sintagma nominal. Tais ocorrências prototificaram as tão
conhecidas anáforas correferenciais. Alguns autores trazem o fato de que elas
podem aparecer de duas maneiras, uma total, quando referente é retomado
por inteiro e parcial quando essa retomada se dá em partes.

Porém, o que interessa neste estudo são as anáforas indiretas,


responsáveis pela construção e reconstrução de sentidos no texto e pela
progressão textual, já que são elas que trazem novos referentes não
mencionados, até então, no cotexto anterior e considera como fundamental
para a textualização os aspectos cognitivos e inferenciais. Segundo
Marcuschi “trata-se de uma estratégia endofórica de ativação de referentes
novos e não de uma reativação de referentes já conhecidos, o que constitui
um processo de referenciação implícita” (MARCUSCHI, 2012, p. 53).

No texto citado, temos como exemplo disso a expressão “nos amar”,


que nos faz remeter inferencialmente à questão do amor em relação à mãe e
ao feto, ao filho que está em seu ventre, nos levando a uma nova dimensão de
significação que faz com que associemos o amor ao próximo ao contexto e ao
referente central “aborto”. Como também a expressão “deus no coração” traz
ao contexto a relação do aborto com a religião, mostrando o conhecimento de
mundo e a visão crítica do aluno, incorporando ao enunciado um caráter
polêmico. Assim, esse fato evidencia-se para a questão do olhar do professor
diante do texto do aluno, que apesar de acentos mal grafados e palavras mal
escritas (gramaticalmente), o discurso existe, a comunicação e o
entendimento foram estabelecidos e o mais importante, foi perceptível a
bagagem significativa de conhecimento do discente.
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Assim, segundo Schwarz (2000), citada por Koch (2006), muitas


anáforas indiretas se explicam através das inferências, que se dão de duas
formas: por meio da ativação de conhecimentos de mundo armazenados na
memória com a intenção de dar precisão e complementar as estruturas
textuais; e pela construção de informações, de acordo e dependente do
contexto de representações mentais, ambas (re) construindo o texto.

Texto 2

Legalização do aborto no Brasil.

O aborto sem duvida alguma é uma grande polêmica. Um caso


que precisa ainda ser muito bem discutido com consciência e frieza.
Considerando que, uma mulher passou por um estupro ou não tem
condições físicas e psicológicas, para conceder a criança ser levado
em consideração ou uma garota de 10 anos que não está apta a
engravidar por seu corpo ainda não ter uma boa estrutura para ter um
menino. Ao em vez da sociedade brasileira se preocupar em legalizar
ou não deveria se empenhar em ajudar essas mulheres, com um
acompanhamento psicológico.

Nesse quinto exemplo, o aluno aborda o tema “legalização do aborto no


Brasil” de maneira ampla, caracterizando-o ou predicando como “uma grande
polêmica” e demonstra estar inteirado com as informações da mídia e dos
ambientes sociais em que está inserido. Podemos perceber que também traz,
associado ao tema (ou à entidade “legalização do aborto no Brasil”), outros
recursos linguístico-cognitivos de grande relevância para o contexto, como
“um caso”, “um estrupo”, “condições físicas e psicológicas para conceder a
criança”, abuso sexual infantil através da expressão “uma garota de 10 anos
que não está apta a engravidar”, e a preocupação em disponibilizar um
“acompanhamento psicológico” para essas vítimas de estupros.

Percebe-se também que o autor do texto atribuiu à “legalização do


aborto no Brasil” uma questão que deve ser “muito bem discutido com
consciência e frieza”, mostrando que as pessoas que resolverem legalizá-lo
devem ser frias e insensíveis, pois para conseguir aprovar que este seja
permitido não podem se envolver com o assunto, nem se comover com
determinadas situações, as quais eles até cita algumas.

Quanto à referenciação anafórica, há entre os novos referentes inseridos


casos de recategorização anafórica, as informações que vão sendo dadas
trazem um novo sentido para a questão do aborto, eles lançam mão da
legalização ou não do mesmo – que é a entidade em questão – mas trazem
uma nova situação a cada instante, primeiro traz a “consciência e frieza”,
depois o “estupro”, questões físicas e psicológicas, abuso infantil, enfim,
todas essas questões recategorizam e reconstroem o sentido “da legalização
do aborto”, que são entidades de representação argumentativa, muito
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importante para o estabelecimento da coerência, da (re) construção dos


sentidos no modelo textual.

Ao retratar a questão de crianças abusadas, de condições físicas e


psicológicas, de jovens não terem condições de gerar uma criança, o produtor
do texto lança um tema bastante atual, assim como o aborto, mas que não foi
exigido dele, ele incluiu o assunto por escolha própria, por achar que tinha
relação com o referente textual. Diante dessa iniciativa, pode-se perceber que
ele o fez motivado por situações reais existentes em nosso país, em nosso
estado ou até mesmo no município em que reside, por ser palco de frequentes
questões a respeito disso, mostrando-se atualizado com a realidade.

CONCLUSÃO

Diante de tudo o que foi exposto no decorrer deste estudo foi possível
notar, no processamento textual a partir das inferências, em especial das
anáforas indiretas, o conhecimento de mundo acumulado e a bagagem
internalizada dos interactantes do discurso contribuindo assim para o
enriquecimento e construção dos sentidos do texto e, consequentemente, da
coerência. Levando em consideração que a referenciação é um ato remissivo,
um ato de memória que infere significação e sentido ao modelo textual.

Detectou-se, diante das expressões inseridas pelos produtores – alunos


da Educação de Jovens e Adultos – que eles enquadram em seus textos muito
de suas experiências, lições de vida, habilidades e competências adquiridas a
partir de seus trabalhos, opiniões relacionadas com a realidade em que vivem,
enfim, uma gama de elementos discursivos responsáveis pela (re) construção
da coerência e do texto, assinalando marcas argumentativas. E que esse
sentido é estabelecido a partir dos conhecimentos partilhados entre
enunciador e receptor no momento da enunciação. Os alunos/produtores não
possuem a consciência linguística das estratégias que usaram, mas sabem que
essa combinação de elementos contribuem para enriquecer o texto, o
discurso, suas opiniões e pontos de vista dando ênfase ao contexto.

Esse tipo de pesquisa interessa aos estudiosos da língua que consideram


o texto como um processo interativo, dialógico, discursivo e não como algo
pronto e não modificável. E para aqueles que acreditam num trabalho
didático voltado para um contexto escolar linguístico que valorize, além dos
conhecimentos enciclopédicos, os valores sociais, cognitivos e interacionais,
orientando o professor a ter uma visão mais ampla na escrita do aluno.

Assim, reportamos ao que expôs Bronckart (2003), “Os textos são


produtos permanentes nas formações sociais ou sócio-historicamente
construídos.”, ou seja, tantos os textos como a linguagem em si (que mantém
relação um com o outro) são resultados das relações sociais, culturais, reais
que convivem em meio aos domínios sociais de cada ser humano. Nem a
linguagem está fora do indivíduo, nem o indivíduo está fora da linguagem.
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REFERÊNCIAS

BRONCKART, Jean Paul. Atividades de Linguagem, Textos e Discursos:


Por um Interacionismo Sócio-discursivo. São Paulo, EDUC, 2003.
CAVALCANTE, Mônica Magalhães. Expressões referenciais: uma proposta
classificatória. In: CAVALCANTE Mônica Magalhães; BRITO, Mariza
Angélica Paiva (Org.). Gêneros textuais e referenciação. Fortaleza: Quatro
Comunicação, 2004. CD-Rom.
KOCH, Ingedore Grunfeld Villaça. Desvendando os segredos do texto. São
Paulo: Cortez, 2006.
______. Introdução à Lingüística Textual: trajetória e grandes temas. São
Paulo: Martins Fontes, 2004.
_______. O texto e a construção dos sentidos. 9ed. São Paulo: Contexto,
2009.
MARCUSCHI, Luiz Antônio. Anáfora indireta: O barco textual e suas
âncoras. In: Koch, Ingedore Villaça. MORATO, Edwiges Maria. BENTES,
Anna Christina (Orgs). Referenciação e Discurso. São Paulo: Contexto,
2012, p.p. 53-101.
PINTO, Álvaro Vieira. Sete lições sobre educação de adultos. 10ed. São
Paulo: Cortez, 1997.
RONCARATI, Cláudia. As cadeias do texto: construindo sentidos. São
Paulo: Parábola Editorial, 2010.
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Os Processos Referenciais nos Textos de


Alunos do 8º ano

Monique Silva Mendonça Siqueira1

Vivian Araújo Fontes Ribeiro2

Denise Porto Cardoso3

RESUMO
Este trabalho tem por objetivo trazer à tona algumas considerações e reflexões sobre a
Linguística Textual, sobre os conceitos de referência e referenciação, destacando-se as
relações anafóricas indiretas, as formas de valor pronominal, as formas nominais
reiteradas, sinônimicas e meronímicas. Estes termos serão especificados através da
análise de textos de alunos do 8º ano da Escola Municipal de Ensino Fundamental
Professor Alcebíades Melo Vilas Boas, situada na cidade de Aracaju, no Bairro
Industrial. A produção desses textos se deu após a realização de aulas com debates
sobre os temas “Felicidade” e “Beleza”. Escolhemos trabalhar com texto, pois “(...) a
produção linguística (e a produção discursiva em geral) não se dá em unidades
isoladas, tais como fonemas, morfemas ou palavras soltas, mas sim em unidades
maiores, ou seja, através de textos” (MARCUSCHI, 2008, p.71). Tivemos como
embasamento teórico KOCH (2005, 2007, 2008), APOTHÉLOZ (2011), MILNER
(2003), MONDADA (2005), MONDADA e DUBOIS (2003), BENTES (2005) dentre
outros autores. É possível notar que após o incentivo constante da produção de textos
escritos, os alunos conseguem utilizar de forma pertinente os processos de
referenciação. Além disso, neste trabalho o aluno é um sujeito ativo que contribui,
durante suas interações comunicativas, para a construção do texto.

Palavras-chave: referência; referenciação; referentes; processos referenciais.

1
Contato do(a) autor(a): moniquesm_19@yahoo.com.br. Mestranda /UFS.
2
Contato do(a) autor(a): vivian_afr@hotmail.com. Graduanda / UFS.
3
Contato do(a) autor(a):denipoc@uol.com.br. Doutora/UFS.
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INTRODUÇÃO

A Linguística de Texto (LT), surgida em meados da década de 1960,


passou por muitas transformações ao longo dos anos e ampliou seus
interesses e objetivos, quando passa a considerar o texto como unidade básica
comunicativa, ao se preocupar também com os estudos de textos orais e ao
introduzir a pragmática, o cognitivismo e o sociocognitivismo aos seus
estudos.

A LT pertence aos domínios da Linguística, trabalha com fatos da


língua e também leva em consideração a sociedade em que essa língua se
situa. Para a esta área:

(...) a língua não tem autonomia sintática, semântica e cognitiva. O


texto não é simplesmente um artefato linguístico, mas um evento que
ocorre na forma de linguagem inserida em contextos comunicativos.
Assim, [...] a linguística de texto é uma perspectiva de trabalho com a
língua que recusa a noção de autonomia da língua. (MARCUSCHI,
2008, p. 75-76).

No primeiro tópico deste artigo “Considerações sobre a Linguística


Textual” serão apresentadas fases pelas quais a LT passou ao longo dos anos,
abordando desde a fase inicial, que dava importância às relações
interfrásticas, até a fase sociocognitiva, ao destacar a interação entre os
interlocutores que compartilham seus conhecimentos nas situações
comunicativas. O tópico “Referência e referenciação” fará uma abordagem
sobre estes termos, mostrando seus respectivos conceitos e explicando a
substituição do termo referência pelo termo referenciação. O terceiro e último
tópico “Classificação da teoria da referenciação” trará a classificação dos
processos referenciais de forma breve que serão exemplificados através da
análise de dois textos.

Esses textos selecionados para a análise foram resultados das pesquisas


“O ensino da Língua Materna: trabalhando quadrinhos e crônicas na sala de
aula” (2009 -2010) e “O ensino da Língua Materna: propaganda na sala de
aula” (2010-2011), realizadas na Escola Municipal de Ensino Fundamental
Professor Alcebíades Melo Vilas Boas, situada no bairro Industrial da cidade
de Aracaju, com a turma do 8º ano. Os textos escolhidos resultaram do
trabalho de leitura e produção de textos de caráter argumentativo dos gêneros
crônicas e propagandas e abordam os temas “Felicidade” (discutido em sala
após o trabalho com a crônica Caderno Novo) e “Beleza” (discutido ao se
trabalhar uma propaganda das lojas Esplanada).
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1 Considerações sobre a Linguística Textual

Para compreendermos o objeto de estudo da Linguística de Texto,


acreditamos ser de extrema importância relatar, sucintamente, a evolução
dessa disciplina. A Linguística Textual surgiu na Alemanha por volta de
1960, a fim de explicar alguns fenômenos que apareciam nos textos,
inexplicáveis pela linguística tradicional até então.

Durante a sua primeira fase, segundo Marcuschi (2008, p. 73) os


fenômenos linguísticos resumiam-se às “relações interfrásticas”, isto é, “as
propriedades linguísticas de uma frase só eram explicáveis na sua relação
com uma outra frase, o que exigia uma teoria que fosse além da linguística da
frase” . Nessa fase, a gramática apresentava uma visão limitada e normativa
da língua. Porém, com o tempo, sentiu-se uma necessidade de ir além da
frase, uma vez que a unidade de comunição humana é o texto.

Na segunda fase, por sua vez, a pragmática domina as pesquisas sobre o


que se submetem as análises sintática ou semântica para serem considerados
os elementos da realização de intenções comunicativas e sociais dos falantes.
Aí, busca-se uma visão mais ampla, que aborda o texto como uma unidade
mínima de comunicação e interação. Baseado na psicologia da Linguagem,
especificamente na Teoria dos Atos de Fala, um novo modelo surge em
meados de 1970 e a língua passa a ser vista como uma atividade verbal
humana ligada a outras atividades do ser humano.

Posteriormente, em 1980, o texto passa a ser visto como o resultado da


ativação de processos mentais a partir da ideia de que toda ação é
acompanhada de modelos de ordem cognitiva. Essa perspectiva leva em
conta os saberes acumulados a partir das atividades vivenciadas por cada um
e a reativação de conhecimentos guardados na memória. Assim, cada
indivíduo faz uso, numa dada situação comunicativa, de um conhecimento já
dominado, tendo em vista a realização de uma meta, isto é, das intenções
pretendidas.

Ao se introduzir questões cognitivas nos estudos da linguística de texto,


ela entra em uma nova fase. Contudo, segundo Koch (2008), a ciência
cognitiva apresenta um problema que foi questionado: a separação entre
exterioridade e interioridade. O cognitivismo clássico acreditava que existia
uma diferença entre os processos cognitivos que acontecem dentro da mente
de pessoas e os processos cognitivos que acontecem fora dela. O ambiente
apenas fornecia informações para a mente individual e a cultura e a vida
social estariam dentro dele.

Essa visão começa a mudar quando a neurobiologia, a antropologia e a


linguística percebem que os processos cognitivos se baseiam na percepção e
na atuação física no mundo. Constata-se que mente e corpo são entidade não-
separáveis. Koch (2008, p. 18) cita Varela, Thompson & Rosch (1992) para
afirmar que a cognição é resultado das nossas ações e capacidades e está
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diretamente relacionada com o mundo que nos rodeia. Assim, as operações


não ocorrem somente na mente dos indivíduos, mas resulta das ações por eles
praticadas. Não se pode afirmar que a cognição está dentro ou fora da mente,
pois existe uma “inter-relação complexa”.

Deste modo, a interação e a divisão de conhecimentos formam a base da


atividade linguística, ou seja, os eventos linguísticos jamais são possíveis
individualmente, porém em conjunto, com outros interactantes. Essas ações
não se realizam independente de sujeitos livres, mas se desenrolam em
contextos sociais e com papéis distribuídos socialmente.

Nota-se que dentro dessa concepção sociointeracionista, a noção de


contexto é ampliada. Se incialmente, no momento das análises transfrásticas,
o contexto era visto como co-texto, com a introdução da pragmática passou a
englobar a situação comunicativa imediata, e, em seguida, o entorno sócio-
histórico-cultural, representado por meio de modelos cognitivos,
constituindo, assim, a interação e os seus sujeitos.

Isto quer dizer que na concepção interacional da língua, os sujeitos são


atores sociais, o texto é o lugar de interação e os interlocutores (ativos) tanto
se constroem quanto são construídos nele.

2 Referência e referenciação
A questão da referência é muito mais antiga do que se imagina. Desde a
antiguidade, o homem sentia a necessidade de nomear as coisas e compará-
las com o que já existia.

Milner (2003) afirma que a noção de referência vem sendo discutida


desde que se considera a função de “designar” como propriedade da língua.
É comum associar as sequências linguísticas a segmentos da realidade, as
quais elas nomeiam e que são sua referência.

O autor destaca ainda que uma sequência nominal possui uma referência
que está associada ao segmento da realidade. Este não é necessariamente um
“espácio-temporal”; pelo contrário, pode estar associado tanto a um nome
abstrato, quanto a um nome concreto.

Para Apothéloz e Doehler (2011, p. 137) a referência que ocupa o cerne


na história do pensamento ocidental é a entendida como a que interliga a
linguagem com o que é exterior a ela, ou seja, o “mundo, a “realidade” etc.
Mesmo com o passar dos anos as concepções deste domínio seguiram essa
linha.

Segundo os autores acima, os trabalhos a respeito da referência


cresceram nos últimos vinte anos no domínio da linguística, influenciados
pelo desenvolvimento da linguística do discurso e pelo interesse dos modelos
cognitivos e pragmáticos. Inicialmente, a orientação advinha de um ponto de
vista textualizador, fazendo com que o principal objeto a ser observado fosse
a segmentação e a sequência textual – aí, dava-se uma importância extrema a
noção de antecedente. Posteriormente, preferiram-se concepções mais
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“representacionalistas” dos processos referenciais e anafóricos, dando


destaque às informações, inferências e a memórias ligadas a esses processos.

Apothéloz e Doehler (2011, p. 138) consideram que “esta evolução


coincide com uma consideração, hoje mais explícita, da representação mental
construída pelo (e a partir do) discurso, pelas circunstâncias da enunciação e
pelos saberes dos participantes”. Isso tem relação com as críticas feitas às
concepções de “fechamento do texto”, que se liga à vertente do
estruturalismo clássico.

Cabe ressaltar que os processos referenciais não podem reduzir-se à


ocorrência ou co-ocorrência de segmentos linguísticos em um texto, nem às
suas estruturas semânticas; eles estão solidificados nos conhecimentos
compartilhados do remetente e do destinatário, baseando-se no texto, no
contexto e nos conhecimentos socioculturais.

A partir da década de 80, com os estudos da Linguística Textual e da


Semântica Cognitiva, a noção de referência teve sua concepção modificada:
deixa de ser tida como a representação do mundo. Foi justamente por esse
motivo que se preferiu substituir o termo referência por referenciação.

Koch, Morato e Bentes (2005, p.8), explicam a substituição do termo


referência por referenciação. Esta substituição ocorre porque as atividades de
linguagem realizadas por sujeitos históricos e sociais em interação passam a
ser objetos de análise, “sujeitos que constroem mundos textuais cujos objetos
não espelham fielmente o “mundo real”, mas são, isto sim, interativamente e
discursivamente construídos em meio a práticas sociais, ou seja, são objetos-
de-discurso”.

Quando a noção de referenciação introduz algo de novo em relação à


questão da referência é porque ela vem acompanhada de outras noções, até
mesmo não reservadas à Linguística, como a noção de discurso, que empresta
um novo vigor aos estudos da linguagem. Desta forma, a noção de referência
(discurso) conhece uma vertente inovadora na segunda metade do século XX,
com o declínio das tendências estruturalistas, logicistas, internalistas.

Mondada (2005) afirma que a questão da referência passa pela filosofia


da linguagem e pela linguística. Para a primeira, a referência é concebida na
correspondência entre as palavras do discurso e os objetos do mundo. Já para
essa, a referência resulta de um processo dinâmico e intersubjetivo que
acontece nas interações entre locutores.

A referência, portanto, não é mais considerada um problema


estritamente linguístico, mas um fenômeno que diz respeito à cognição e aos
usos da linguagem em contexto e em sociedade. Assim, os objetos de análise
são as práticas referenciais manifestadas na interação social.

Koch (2005, p.34) traz uma citação de Mondada que propõe a


substituição da noção de referência pela de referenciação,
consequentemente, a noção de referente pela de objeto-de-discurso. Para esta
autora, o termo referência é utilizado como representação de mundo, para
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falar de referente em correlação com este. A referenciação, por sua vez, não
dá enfoque à relação entre as palavras e as coisas, mas à relação
intersubjetiva e social, em que se avalia as finalidades práticas e as ações dos
enunciadores. É dentro das ocorrências de referenciação que os objetos de
discurso são elaborados pelos interlocutores. Os objetos de discurso são
“entidades constituídas nas e pelas formulações discursivas dos
participantes”.

Koch e Elias (2007, p. 123) conceituam referenciação como “as diversas


formas de introdução, no texto, de novas entidades ou referentes”; e
consideram a progressão referencial quando estes referentes são retomados
ou servem para introduzir novos referentes. As autoras veem a referenciação
como uma “atividade discursiva”. É na interação verbal que o sujeito “opera
sobre o material linguístico que têm à sua disposição e procede a escolhas
significativas para representar estados de coisas de modo condizente com a
sua proposta de sentido”. Ou seja, os sujeitos escolhem as formas de
referenciação para interagir com outros sujeitos, em função do que se quer
dizer.

Bentes e Rio (2005, p. 266) reiteram que “as atividades de referenciação


consistem na construção e na reconstrução de objetos do discurso”. Ou seja,
os objetos de discurso são produtos da atividade cognitiva e interativa dos
sujeitos falantes. Consequentemente, a atividade de referenciação resulta de
“um processo dinâmico e intersubjetivo” que se estabelece na interação entre
locutores e é passível de transformações ao longo dos desenvolvimentos
discursivos.

Citando Koch, as autoras consideram a referenciação como uma


atividade discursiva que demonstra instabilidade entre as palavras e as coisas,
destacando que “os modelos de mundo não são estáticos”. Para aquela, a
variedade de estratégias de referenciação no discurso depende mais da
pragmática da enunciação e menos da semântica dos objetos. Assim, a
realidade é transformada em referente graças à interpretação humana. Bentes
e Rio (2005) ratificam a ideia de que durante a atividade de referenciação
face a face, os seus participantes compartilham conhecimentos entre si, pois
para se comunicar é preciso ter algo em comum.

Mondada e Dubois (2003, p.20) afirmam que a referenciação não diz


respeito a “uma relação de representação das coisas ou dos estados de coisas,
mas a uma relação entre o texto e a parte não-linguística da prática em que
ele é produzido”. Além disso, ambas as autoras têm como objeto de análise
as práticas referenciais desenvolvidas na interação. Estas práticas englobam
as práticas gestuais, linguageiras, orientação do olhar, movimentos no
espaço. Não se pode, então, afirmar que o referente existe anterior a essas
práticas; eles somente aparecem na realização da atividade referencial.

3 Classificação da teoria da referenciação


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A progressão referencial pode ser feita de forma retrospectiva


(anaforicamente) ou de forma prospectiva (cataforicamente).

Na escrita, segundo Koch e Elias (2010), podemos recorrer a dois tipos


de introdução de referentes textuais: ativação ancorada e não-ancorada. A
introdução de um texto é não-ancorada quando o escritor introduz no texto
um objeto de discurso totalmente novo. Já uma introdução (ativação)
ancorada é produzida quando um novo objeto de discurso é introduzido no
texto, mas associado com elementos já presentes no contexto ou no contexto
sociocognitivo dos interlocutores. Casos de introdução desta forma
constituem anáforas indiretas.

As anáforas diretas reativam referentes previamente introduzidos no


texto. Estabelecem uma relação de correferência entre o elemento anafórico e
seu antecedente, enquanto as anáforas indiretas ativam referentes novos, e
não reativam referentes já conhecidos. Estas são, geralmente, constituídas por
expressões nominais definidas, indefinidas e pronomes.

O processo de referenciação implícita é constituído com base em


elementos textuais ou modelos mentais e é caracterizado pela ativação de
referentes novos, assim como acontece em anáforas indiretas, as quais
também podem ser constituídas com base em esquemas cognitivos ou
modelos mentais.

Já as retomadas ou remissões de um mesmo referente são chamadas de


progressão referencial. Esta pode ser realizada por uma série de elementos
linguísticos: formas de valor pronominais (os pronomes pessoais de 3ª
pessoa, possessivos, demonstrativos, indefinidos, interrogativos e relativos);
numerais (cardinais, ordinais, multiplicativos e fracionários); certos
advérbios locativos (aqui, lá, ali etc.); elipses (trecho que omite palavras sem
prejudicar a clareza do texto); formas nominais reiteradas (repetição de uma
palavra no texto, mas de maneira renovada); formas nominais sinônimas ou
quase sinônimas (uso de sinônimos, ou quase sinônimos, no texto); formas
nominais meronímicas (uso de palavras que dá ideia de um todo, depois de
várias partes).

Veremos abaixo nos dois textos escritos pelos alunos da turma do 8º ano
da Escola Municipal de Ensino Fundamental Professor Alcebíades Melo
Vilas Boas, as classificações dos processos referenciais mais utilizados pelos
alunos:

Aluno: 2 (Texto: B2)

Felicidade

O que te traz felicidade?


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Uma pergunta interessante, pois para mim, o que me


traz felicidade é brincar me divertir. Você deve estar se
perguntando, por quê?

Quando eu estou brincando, seja do que for, de vídeo-


game ou de correr, me esqueço dos meus problemas. E às
vezes namorar tambem, Quem quer ficar sozinha? Sem
namorado você pode ter certeza que eu não gosto de ficar.
Mas sempre temos aquela discussãozinha no namoro.
Quando estou nessa situação, começo a brincar e assim
esqueço da briga e fico feliz.

Neste texto, no primeiro momento, o aluno introduziu o referente


“felicidade” e recorreu ao uso de cadeias anafóricas indiretas, introduzindo
elementos novos “brincar”, “me divertir” e “namorar”. Esses termos
denominados aqui de anáforas indiretas são baseados nas relações semânticas
inscritas nos sintagmas nominais definidos, estabelecendo com este uma
relação meronímica (relação parte-todo), pois tratam-se de elementos
constitutivos da felicidade. Há ainda uma relação associativa entre aqueles
termos e a felicidade.

Já no segundo momento, a progressão referencial tem valor pronominal.


E neste caso, particularmente, a progressão referencial foi marcada por um
pronome demonstrativo (nessa) e por uma forma nominal sinônima “briga”
para retomar o referente (aquela discussãozinha).

Aluno: 2 (Texto: E2)

As pessoas que não querem envelhecer

Hoje em dia há muitas pessoas que fazem


plasticas, compram cremes e mais cremes para não
envelhecer. Elas tentam lutar contra o tempo para quê?
Simplesmente para ficarem bonitas e serem desejadas.
É isso que as mulheres querem, mas muitas não
admitem.

Algumas até seguem a carreira de modelo, porém


não sabem quando devem parar de emagrecer.

Algumas pessoas conseguem ser um tanto


paranoicas quando o assunto é beleza: um docinho
aqui, uma dieta ali. Vale de tudo para ficar em paz
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com a balança. Hoje em dia, até as crianças querem


fazer plásticas podemos ver nas ruas crianças de 3,4 e
5 anos com as unhas pintadas. Com bolsinhas,
bijuterias etc.

Na minha opinião, as pessoas são muitos


anoréxicas quando chegam ao ponto de emagrecer até
ficar amostrando os ossos.

Primeiramente, percebe-se que o referente “muitas pessoas” é retomado,


através da progressão referencial de valor pronominal “elas”. Depois de
especificar o motivo da luta dessas pessoas contra o tempo, o aluno
especifica o referente com o termo “as mulheres”, e, posteriormente, com “as
crianças” caracterizando uma progressão referencial de forma nominal
reiterada.

Além disso, o aluno usa a forma de valor pronominal “algumas” tanto


no 2º quanto no 3º parágrafo para ratificar que não são todas as mulheres que
seguem a carreira de modelo e que também nem todas são paranoicas. Há
ainda uma especificação quando se define estas pessoas como “paranoicas”.
Este referente é retomado por meio de anáforas indiretas associativas, que
exprimem com clareza o significado de ser paranoica: “um docinho aqui”,
“uma dieta ali”; “plásticas”; “unhas pintadas”, “bolsinhas”, e “bijuterias”.
Além de estarem relacionados com paranoica, estes termos também se
associam ao referente beleza, uma vez que todas essas atitudes são tomadas
com uma única finalidade: ficar belo.

Por fim, o termo “anoréxica” é retomado pela anáfora indireta “osso”,


constituída com base em esquemas cognitivos ou modelos mentais, pois a
expressão referencial “ossos” está ancorada textualmente na expressão
“anoréxicas”, uma vez que associamos este termos a pessoas muito magras
(que mostram os ossos).

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Após a análise dos textos, percebemos que esses alunos são capazes e
hábeis de mostrar suas visões de mundo e seus conhecimentos sobre os temas
“felicidade” e “beleza”. Mesmo que imperceptivelmente, há um domínio dos
recursos referenciais pelos alunos, principalmente quanto à utilização de
anáforas indiretas, formas de valor pronominal, formas nominais sinônimicas
e meronímicas, o que só traz ganhos para a dinâmica textual.

Este “aprendizado inconsciente” tem relação direta com o trabalho


desenvolvido em sala através de frequentes discussões sobre variados temas e
incentivo à produção de textos escritos. Vale ressaltar que os temas
selecionados sempre tinham relação com o contexto vivenciado pelos alunos
e que cada aluno compartilhava com os demais colegas a sua realidade.
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Por fim, acreditamos ser de extrema importância se trabalhar com a


questão sociocognitiva em sala de aula e chamar a atenção dos alunos para o
fato de que a comunicação se dá através de textos. Os discentes não são
sujeitos passivos, mas ativos, uma vez que ajudam a construir o texto e
também se desenvolvem por meio deles. Além disso, vale a pena ratificar que
o trabalho da língua portuguesa sob a ótica da LT vai além do ensino de
regras de como se estruturam as sequências linguísticas. “Trata-se de um
estudo que privilegia a variada produção e suas contextualizações na vida
diária” (MARCUSCHI, 2008, p. 76).

REFERÊNCIAS
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Magalhães Cavalcante; Tércia Montenegro Lemos. Novas perspectivas sobre
a referência: das abordagens informacionais às abordagens interacionais.
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MARCUSCHI, Luiz Antônio. Processos de produção textual. In: ______.
Produção textual, análise de gêneros e compreensão. São Paulo: Parábola
Editorial, 2008. p. 49-143.
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CAVALCANTE, Mônica Magalhães; RODRIGUES, Bernardete Biasi;
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categorização: Uma abordagem dos processo de referenciação. In:
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A Língua Portuguesa nas Malhas da Mídia:


a busca da perfeição ortográfica no programa soletrando

Agnaldo Almeida de Jesus1

RESUMO
O presente trabalho tem como objetivo averiguar a construção de imagens da Língua
Portuguesa elaborada na/pela mídia, especificamente no programa Soletrando,
transmitido pela Rede Globo de Televisão. Para tanto, a base teórica norteadora de tal
investigação está circunscrita à Análise do Discurso de linha francesa - ADF, tendo
como principais pressupostos teóricos as contribuições de Maingueneau (2008,
2008a) e Amossy (2008, 2008a), no que diz respeito à construção do ethos discursivo.
Ainda segundo Maingueneau (2008, 2010), exploramos o conceito de discurso
constituinte. De acordo com Michel Foucault (2009), observamos o jogo de poder
instaurado em nossa sociedade e verificamos a vontade de verdade evocada pela
mídia para corroborar uma imagem íntegra e confiável. Por fim, verificamos que os
recortes feitos pela mídia legitimam o tradicionalismo visto em sala de aula, pois se
constitui de forma normativa. Colaboram, desse modo, para a instauração do discurso
da Gramática Normativa como um discurso constituinte, isto é, um discurso superior,
se comparado aos demais. Vale ressaltar, que o referido trabalho é parte integrante da
monografia apresentada ao Departamento de Letras de Itabaiana – DLI, cujo título é:
A construção de Imagens da Língua Portuguesa na mídia: uma análise discursiva, sob
orientação da Profa. Dra. Maria Emília de Rodat de Aguiar Barreto Barros.

Palavras-chave: Língua Portuguesa; mídia; ethos discursivo; discurso constituinte

1
Contato do(a) autor(a): agnaldoal@hotmail.com. Graduado em Letras – Português,
UFS. .
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INTRODUÇÃO

Atualmente, a mídia em geral possui grande importância, visto que é


através dela que nos mantemos informados sobre as diversas facetas sociais,
como: política, economia, entretenimento, etc. Em relação ao ensino de
Língua Portuguesa, a mídia instaura e perpetua um único ponto de vista, ou
seja, traz aos seus telespectadores uma análise estritamente gramatical. Deste
modo, buscamos averiguar, no presente trabalho, a construção de imagens da
Língua Portuguesa elaborada pela mídia, verificando as consequências de tal
construção para o ideal (ou não) de língua pura e o poder do discurso da
Gramática Normativa, o qual consideramos um discurso constituinte. Para
tanto, temos como corpus o programa Soletrando (Rede Globo).

A priori, temos como base teórica as inferências de autores como


Possenti (2003, 2009, 2009a), Baronas (2003, 2002), Gregolin (2003), os
quais são unânimes ao afirmarem que a mídia efetua exames puramente
normativos que visam ao uso “correto” da Língua Portuguesa. Para Possenti
(2009b, p. 9), as discussões sobre língua que a mídia apresenta são “[...]
pequenas análises, sem pretensão de exaustividade e mesmo de grande
precisão [...] as colunas sobre língua que circulam em nosso meio nunca
ultrapassam a repetição das mesmas receitas simplificadas e resumidas”.
Logo, deduzimos que a imprensa não discute a língua como fenômeno
social e histórico, só repete o que postulam as Gramáticas Normativas e os
dicionários. A seguir, iniciamos a nossa discussão verificando a importância
dos procedimentos de controle do discurso na mídia e em nossa sociedade em
geral.

1 Mídia e poder: os procedimentos de controle do discurso

Segundo Foucault (2009), há em toda sociedade ocidental


procedimentos de controle do discurso (sistemas de exclusão), tanto externos
quanto internos. Fazem parte do primeiro tipo: a interdição, a separação ou
rejeição e vontade de verdade. O comentário, autoria e a disciplina, por sua
vez, fazem parte do segundo tipo. Além destes delimitadores, temos um
terceiro grupo de princípios de controle, caracterizado pela rarefação dos
sujeitos que falam, fazem parte de tal grupo: as sociedades do discurso, a
doutrina e o sistema de apropriação.

No que diz repeito aos procedimentos externos, de acordo com


Foucault (2009), a interdição é o principio de exclusão mais evidente, uma
vez que sabemos que “não se tem o direito de dizer tudo, que não se pode
falar de tudo em qualquer circunstância, que qualquer um, enfim, não pode
falar de qualquer coisa” (FOUCAULT, 2009, p. 9). Ou seja, o nosso discurso
depende da Formação Discursiva, do local institucional em que nos
encontramos, como, por exemplo: família, escola, religião etc.

A separação ou rejeição, por seu turno, é exemplificada pela oposição


entre razão e loucura. O louco é aquele cujo discurso é impedido de circular
como o dos outros, pois ora é visto sem valor algum de verdade, ora é
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definido como dotado por poderes sobrenaturais. Já o terceiro princípio de


exclusão está centrado na oposição verdadeiro versus falso. Nesse sentido,
Foucault (2009) infere que desde a Idade Média perpetua-se o discurso
verdadeiro, pronunciado por quem tem direito, segundo um ritual requerido.

Quanto aos procedimentos internos, estes funcionam segundo os


critérios de classificação, de ordenação e de distribuição dos discursos, visto
que eles exercem seu próprio controle. Com efeito, o comentário diz respeito
ao conjunto ritualizado de discursos que existe em nossa sociedade, os quais
são retomados e transformados. O princípio de autoria, por sua vez, é
apreendido não como o sujeito que profere ou escreve um texto, mas como
um “princípio de agrupamento do discurso, como unidade e origem de suas
significações, como foco de coerência” (FOUCAULT, 2009, p. 26). Já a
disciplina opõe-se aos dois acima: ao do autor, pois a disciplina requer
métodos, regras e um corpus considerado verdadeiro. Por conseguinte, a
disciplina é um sistema autônomo válido a todos que queiram utilizá-la,
independente do seu inventor. Opõe-se ao comentário, uma vez que a
disciplina sugere a construção de novos enunciados, e não uma identidade a
ser repetida.

O terceiro grupo de princípios de controle dos discursos, como já


mencionado, determina quem pode ou não ter acesso aos discursos. Nessa
perspectiva, este conjunto de princípios é caracterizado pela rarefação dos
sujeitos que falam, já que nem todas as regiões do discurso são abertas e
penetráveis. Uma das formas mais visíveis de restrição é o ritual, o qual
define os sujeitos que possuem autoridade para proferir determinados
discursos, como o judiciário e religioso, ou seja, indivíduos que
desempenham papéis previamente estabelecidos. Por conseguinte, temos as
sociedades de discurso, cuja função é produzir e conservar discursos num
espaço fechado, obedecendo a regras rigorosas.

Partindo dessa premissa, é constatado que a mídia perpetua socialmente


o controle dos discursos e instaura ideologias determinantes para a
construção da imagem que fazemos da nossa língua materna, como também
de seu ensino. Nesse sentido, Charaudeau (2007) observa que acreditamos
que a mídia tem o papel primordial de informar, trazer a público o que ocorre
no espaço social, sendo comprometida com a verdade e a transparência. No
entanto, ela exerce um papel (auto)manipulador e deformador, por operar
através da

[...] ideologia do mostrar a qualquer preço, do tornar visível o


invisível e do selecionar o que é o mais surpreendente (as notícias
ruins) faz com que se construa uma imagem fragmentada do espaço
público, uma visão adequada aos objetivos das mídias, mas bem
afastada de um reflexo fiel (CHARAUDEAU, 2007, p.20).

Nessa perspectiva, é necessário que conheçamos as fontes para verificar


a validade da informação fornecida, já que a mídia faz uma seleção, um
recorte do que lhe interessa, levando em consideração o não saber do
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receptor. No entanto, muitas vezes temos somente a versão midiática, sem


termos um verdadeiro contato com as fontes. Há de se observar ainda o fato
de que o sentido não é dado antecipadamente, mas construído pela interação.
Nesse contexto, observamos a mecânica de construção de sentido, que é a
transformação e a transação: a primeira consiste na descrição, o contar, o
explicar; já a segunda, na significação psicossocial proposta por quem fala e
o efeito que se pretende produzir no outro.

Portanto, a mídia utiliza-se de diversos procedimentos para propagar as


informações que lhes são necessárias para a manutenção da máquina
midiática, assim como para difundir uma ideologia dominante, qual seja: a
existência de uma língua pura, cujo discurso está diretamente relacionado à
Gramática Normativa. Sendo assim, a mídia modela seu discurso a depender
do ethos (imagem) que possui de seus telespectadores, os quais aderem ou
não a tal discurso. Nessa perspectiva, discutimos a seguir as noções de ethos
discursivo e discurso constituinte.

2 A cena enunciativa: discurso constituinte, ethos


discursivo

Dominique Maingueneau (2008, 2008a, 2010), ao estudar a Cena de


enunciação, verifica que esta não é um quadro empírico, e sim um processo
ligado diretamente ao momento em que emerge um enunciado. Assim, ele
postula que tal cena é constituída pela: cena englobante – correspondente ao
tipo de discurso em que o enunciado está inserido (discurso religioso,
publicitário etc); cena genérica – equivalente ao gênero do discurso, o qual
requer um contexto específico (papéis, circunstâncias, finalidade do discurso
religioso, por exemplo); e a cenografia – instituída pelo próprio discurso, e
não pelo seu tipo ou gênero. Ou seja, “O discurso impõe sua cenografia de
algum modo desde o início; mas, de outro lado, é por intermédio de sua
própria enunciação que ele poderá legitimar a cenografia que ele impõe”
(MAINGUENEAU, 2008, p. 117).

A partir daí, o autor nos apresenta diversos conceitos ligados


diretamente à cenografia. Dentre tais noções, destacamos aqui, como
mencionado anteriormente, discurso constituinte e ethos discursivo. Em
relação aos discursos constituintes, Maingueneau (2008, 2010) nos orienta
que estes não reconhecem uma autoridade maior que a deles próprios, isto é,
não há discursos superiores a eles. Nessa conjuntura, temos como exemplos
de discursos constituintes: o discurso religioso, literário, filosófico, científico.
O discurso político, por sua vez, encontra-se em confluência entre os
discursos constituintes, nos quais se apoia, já que há interação entre os
próprios discursos constituintes e os discursos não-constituintes. Porém,
aqueles negam essa interação ou a reduzem aos seus princípios.

Socialmente, os discursos constituintes possuem uma função simbólica


– archeion, pois estão ligados à sede de verdade, como bem define
Maingueneau (2008, p. 38): “O archeion associa assim intimamente o
trabalho de fundação no e pelo discurso, a determinação de um lugar
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associado a um corpo de enunciadores consagrados e uma gestão da


memória.” Nesse caminho, tais discursos dão sentido aos atos da
coletividade, pois são fiadores de diversos gêneros do discurso, delimitando,
assim, lugares-comuns da coletividade.

Para não se autorizarem por si mesmos, os discursos constituintes são


oriundos de uma Fonte Legitimadora, ou seja, são ancorados a um Absoluto.
No entanto, “esse Absoluto que se supõe como exterior ao discurso para lhe
conferir sua autoridade deve, de fato, ser construído por esse mesmo discurso
para poder fundá-lo" (MAINGUENEAU, 2010, p. 159). Logo, eles se
encontram numa localidade paradoxal que é a chamada paratopia. Nesse
contexto, formam-se as comunidades discursivas, as quais compartilham um
conjunto de normas e ritos. Sendo assim,

[...] não é ao conjunto dos membros da sociedade que cabe avaliar,


produzir e gerir os textos constituintes, mas a comunidade restrita. [...]
os produtores desses textos se põem de acordo com as normas internas
de um grupo, não diretamente com uma doxa universamente
partilhada. Os lugares institucionais de onde emergem os textos não se
ocultam por trás de sua produção, eles moldam através de uma
maneira de viver. (MAINGUENEAU, 2008, p. 44)

Podemos relacionar, dessa forma, os discursos constituintes às


sociedades de discursos, visto que Foucault (2009) afirma que cabe aos
partícipes de tais sociedades produzirem e fazerem circular os discursos sob
seus critérios. Temos ainda a distinção entre os discursos paratópicos
(discursos constituintes) e discursos tópicos (o restante da produção
discursiva de uma sociedade). Quanto a este verificamos que o sujeito de um
discurso cotidiano não pode modificar o quadro preestabelecido em que seu
enunciado está inserido. No discurso constituinte, por sua vez, “o locutor
deve dizer construindo o quadro desse dizer, elaborar dispositivos pelos quais
o discurso encena seu próprio processo de comunicação [...]”
(MAINGUENEAU, 2008, p. 51).

O estudo do ethos discursivo, por seu turno, é originado na Antiguidade


Clássica, por Aristóteles em sua obra A Retórica. Para este filósofo, além de
sabermos nos expressar perante o público, temos que mostrar confiabilidade
e honestidade (através de tom de voz, gestos, postura, olhar, escolha lexical
etc.), pois nosso discurso só será aderido enquanto tal e será instaurador de
sentidos se obtivermos a confiança do auditório.

Maingueneau, por sua vez, retoma esta noção na Análise do Discurso de


linha francesa a partir dos anos de 1980. Ao trazer o conceito de ethos para a
ADF, este teórico leva em consideração a construção do ethos em textos
escritos, utilizando, dessa forma, o termo tom, pois verifica que há uma fonte
enunciativa tanto em discursos orais como em discursos escritos. Amossy
(2008, p. 9), por sua vez, afirma que todo ato de tomar a palavra e utilizá-la
em um ato conversacional implica na construção de uma imagem de si, a qual
revela nossas intenções e preceitos acerca do que estamos nos referindo no
discurso.
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Nesse contexto, o ethos não se constitui em um discurso que é dito


claramente, mas no que é mostrado, como bem observa Maingueneau (2008,
p.59), “[...] o ethos se mostra no ato de enunciação, ele não é dito no
enunciado. Ele permanece, por natureza, no segundo plano da enunciação:
ele deve ser percebido, não deve ser objeto do discurso.” Com efeito, vemos
que alguém, diante de um auditório, pode enumerar diversas qualidades,
porém deve transparecer portador de tais virtudes para que seu discurso seja
considerado legítimo.

Por isso, enfatizamos que o ethos está ligado à enunciação, momento


este em que levamos em consideração fatores como: a imagem que se faz do
Outro, a imagem que Outro faz do Eu, a imagem que o Eu e o Outro fazem
do referente etc. Esse Outro, por seu turno, constrói um ethos pré-discursivo,
ou seja, antes mesmo que o orador tome a palavra, o Outro idealiza uma
imagem pré-construída, já que “mesmo que o destinatário não saiba nada
antecipadamente sobre o ethos do locutor, o simples fato de um texto
pertencer a um gênero de discurso ou a certo posicionamento ideológico
induz expectativas em matéria de ethos” (MAINGUENEAU, 2008, p. 60). E
essa imagem tanto pode ser desfeita quanto intensificada ao se tomar a
palavra, pois sabemos que o ethos está fundamentado nas representações
valorizadas e desvalorizadas, ou seja, nos estereótipos, como verificaremos
nas análises a seguir.

3 Análise do Corpus

Desde 2007, a grade televisiva brasileira conta com mais um programa


que trata da Língua Portuguesa: o Soletrando. Centrado especificamente na
ortografia, o referido programa acolhe alunos de instituições públicas entre
11 a 17 anos. Atualmente, o Soletrando encontra-se na quinta edição,
demonstrando, desse modo, que a sua proposta foi bem aceita pela população
em geral. O sucesso obtido fez com que o programa virasse um jogo, em
moldes semelhantes ao que é transmitido na televisão. Como já mencionado,
nossa análise está pautada no último episódio do Soletrando 2010, sendo que
os sujeitos participantes de tal episódio são caracterizados da seguinte
maneira:

L1: Luciano Huck – apresentador titular do programa Caldeirão do


Huck e do Soletrando; responsável por enunciar as palavras a serem
soletradas.

L2: Sérgio Nogueira – professor de Língua Portuguesa; integrante do


júri: responsável para a confirmação das palavras soletradas entre “certas” e
“erradas”.

L3: Participante da cabine 1 – representante do Estado do Piauí.

L4: Participante da cabine 2 – representante do Estado de Minas Gerais.


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L5: participante da cabine 3 – representante do Estado de São Paulo.

L6: Talita Rebouças – personalidade convidada para integrar o júri.

Inicialmente, é importante verificar que cada participante não está


representando somente a si próprio, mas um Estado, ou seja, é transmitida
uma ideia de pertencimento. Dessa maneira, o programa perpassa uma
proposta de integração social: ao representar um determinado Estado, os
participantes estão mostrando que são capazes de dominar as normas que
regem o “bom uso” da Língua Portuguesa. Mais ainda estão representando
uma comunidade discursiva que, às vezes, é discriminada pelo seu modo de
falar.

Vale lembrar que a mídia trabalha, em grande escala, com estereótipos.


Isto é, a construção do ethos discursivo se apoia em representações
partilhadas pelo locutor e seu auditório. Destarte, acredita-se que os Estados
do eixo sul/sudeste possuam mais chances de obter o prêmio, visto que os
sujeitos da comunidade norte/nordeste há um longo tempo sofrem com o
título de analfabetos, caipiras etc. Porém, das cinco edições realizadas, duas
foram vencidas por representantes nordestinos, contrariando, assim, os
estereótipos construídos em torno dessas comunidades linguísticas.

Como já mencionado, o Soletrando é parte integrante de um programa


maior, Caldeirão do Huck, cujo apresentador é Luciano Huck. No entanto, os
responsáveis por afirmar se as palavras foram soletradas corretamente são:
um professor de Língua Portuguesa, representado por Sérgio Nogueira, e uma
personalidade do meio artístico. Notamos, dessa maneira, o poder
argumentativo da formação discursiva de professor. Segue um exemplo:

Exemplo 1: L1: [...] Da obra de Rachel de Queiroz, soletre


corretamente a palavra: HEBDOMADÁRIO.

L4: Significado, por favor.

L6: Semanal, que se faz, sucede ou aparece de semana em semana.

L4: Aplicação numa frase.

L2: Da obra “As três Marias”: “hebdomadário, satírico e


independente.”

L4: hebdomadário: H-E-B-D-O-M-A-D-Á-R-I-O.

L1: Professor Sérgio, a palavra está...

L2: Correta.

Tomando como base o contexto em que estamos inseridos, a palavra


hebdomadário não é utilizada em grande escala pelos falantes. Dessa forma,
há a predominância de palavras dicionarizadas, isto é, o importante na
seleção dos termos a serem soletrados não é o conhecimento e uso destas
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pelos participantes, o que importa é que seja dicionarizada. Vejamos mais um


exemplo:

Exemplo 2: L1: Professor Sérgio, primeiro, onde tava o erro de kirsch,


qual a história dessa palavra?

L2: É, primeiro lembrar que desde as fases anteriores que essas


palavras estrangeiras que estão dicionarizadas estão valendo na edição
deste ano, como aconteceu com byroniano, e tudo mais, shakespeariano, e
outras que já caíram aqui. No caso do kirsch, palavra de origem alemã, que
significa cereja, faltou o C, S-C-H no fim. É uma pena, só o alemão mesmo
para derrubar nossos candidatos.

Neste exemplo, o professor Sérgio Nogueira ressalta que todas as


palavras dicionarizadas, sendo elas de origem portuguesa ou não, são
utilizadas para avaliar os participantes. Tal explicação foi dada logo após um
dos concorrentes soletrar “erroneamente” a palavra kirsch. Voltando ao
exemplo 1, observamos ainda que a exemplificação dada é totalmente
descontextualizada: possui um sentido vazio, corroborando as práticas
pautadas em atividades metalinguísticas, voltadas para a reprodução de
conhecimento, concebendo os alunos e telespectadores como sujeitos dóceis
e moldáveis (FOUCAULT, 2009a) em prol da sociedade moderna.

Com efeito, o programa supõe que todos os brasileiros precisam


dominar as normas inscritas na Gramática Normativa para exercerem sua
cidadania e conseguirem um posto no mercado de trabalho. Isto é, a escola e
mídia não visam à formação de sujeitos críticos que saibam utilizar a língua
em sua diversidade, e sim sujeitos que internalizem o proposto pela ideologia
dominante: saber falar e escrever “corretamente” para ser útil ao sistema,
corroborando os ideais neoliberais.

Remetendo-nos aos postulados de Foucault (2009), entendemos que, na


medida em que a mídia busca uma forma legítima para o uso oral e escrito do
português, ela instaura uma vontade de verdade, pois se torna
ideologicamente comum a suposição da transparência da linguagem: a
Língua Portuguesa é pura – há uma forma verdadeira/legítima e diversas
formas “erradas”. Nesse sentido, o programa Soletrando está encoberto por
uma falsa ideologia: mostra-se como uma forma de amplificador dos
conhecimentos dos participantes e telespectadores porque trabalha com
palavras distintas, evidencia seus significados e ainda demonstra como
utilizá-las. Destarte, retornamos à discussão acima explicitada, pois algumas
das palavras apresentadas não possuem uso corrente. Vejamos abaixo os
termos selecionados para o episódio final do Soletrando 2010:

Exemplo 3: insígnia, hebdomadário, convalescença. ânsia, desígnio,


anti-horário, desidratação, expatriação, indissolúvel, preexistência,
ignifugar, geognosia, xexelento, kirsch, xanteína, iâmbico.

Dentre as palavras consideradas mais difíceis de soletrar podemos


destacar: hebdomadário, ignifugar, geognosia, iâmbico e kirsch, estas são
dicionarizadas, mas não possuem uso corrente. Por isso, Possenti (2009, p.
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29) alega que os “Professores, gramáticos e demais puristas têm diante de si


formas velhas, caídas e podres.” Ademais, podemos inferir que muitas das
palavras selecionadas são do “tipo pegadinha”, pois possibilitam a
emergência de dúvidas pelos participantes e expectadores sobre a forma de
sua escrita, como: a troca de letras, o uso de sinais de pontuação, o uso do
hífen, entre outros. Tais sujeitos podem questionar-se da seguinte forma, por
exemplo: a palavra xanteína é escrita com x ou ch? Na palavra expatriação o
“correto” é usar s ou x? Devo usar hífen nas palavras preexistência e anti-
horário? A palavra iâmbico possui h? Consecutivamente, todos os tipos de
variação linguística existentes são encarados como “locais de erros”.

Ao passo de não considerar a variação linguística, os responsáveis por


tal programa só utilizam como significado as descrições canônicas
encontradas nos dicionários e exemplos descontextualizados, como vimos no
exemplo 2, e podemos visualizar no seguinte exemplo:

Exemplo 4: L1: Certa a palavra para o Piauí [...] Vamos a Minas


Gerais [...] soletre corretamente a palavra: ignifugar.

L4: Significado?

L2: Tornar ininflamável.

L4: Aplicação numa frase.

L6: Podemos ignifugar materiais como papel, tecido, cartões etc.

L4: ignifugar: I-G-N-I-F-U-G-A-R.

L1: Talita Rebouças, a palavra está...

L6: Correta.

No excerto acima, depreendemos, mais uma vez, que a mídia, assim


como a escola, ensina a Língua Portuguesa não a partir dos usos, do contexto
sócio-histórico do alunado, mas pautado em descrições rígidas estabelecidas
pela Gramática Normativa e dicionários. Estes, por sua vez, trazem em seu
bojo algumas palavras que não utilizamos mais, explicações herméticas e
exemplos canônicos. Não asseguram, desse modo, a diversidade de
significados que as palavras adquirem a depender do contexto de uso e as
mudanças sofridas durante a sucessão de gerações. No referido programa, é
difundido que o significado dado para o termo ignifugar é “tornar
ininflamável”, mas será que todos os participantes e expectadores sabem o
que é tornar algo ininflamável? O exemplo dado: Podemos ignifugar
materiais como papel, tecido, cartões etc., pode ser utilizado e fazer sentido
em quais contextos? E qual a importância de saber soletrar uma palavra que
não é usada constantemente?

Em síntese, percebemos que a proposta do Soletrando não leva em


consideração o saber dos alunos/participantes. O programa possui uma
preocupação formal e, pelo seu poder de amplitude, difunde o como escrever
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“corretamente”, define o significado legítimo ou verdadeiro e demonstra


como utilizar as palavras soletradas de forma “correta”. Por conseguinte,
constrói um ethos discursivo pautado no ideal de língua pura, defendendo o
apagamento de qualquer variante que destoe da norma padrão.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A partir das análises efetuadas acima, verificamos a defesa da existência


de uma única forma de falar/escrever “corretamente”, sendo as demais
variantes consideradas “erros”, as quais empobrecem a Língua Portuguesa.
Constatamos ainda que essa postura não é somente de um só gramático, mas
de um discurso originado e que vem se perpetuando desde a Antiguidade.
Além disso, observamos o caráter superficial pelo qual a língua é discutida na
mídia. As explicações encontradas são simplificadas ao máximo, como temos
nos cursinhos pré-vestibulares e similares.

Por conseguinte, na medida em que os sujeitos responsáveis por tais


discursos propagam um ethos de língua pura e simples, eles colaboram para
os ideais da sociedade capitalista. É perpassada, dessa maneira, a ideologia
do bom sujeito, pois devemos estar aptos a atender as exigências das
sociedades neoliberais para efetivarmos a nossa cidadania e não ficarmos à
margem social. Ressalvamos ainda que o domínio da norma padrão está
diretamente relacionado à possibilidade de ascensão social, pois há uma
perpetuação da ideia de que o uso “correto” do português determina se o
sujeito está apto ou não para assumir um dado cargo na esfera social.

Destarte, acreditamos que o discurso da Gramática Normativa é um


discurso constituinte: ao passo que a mídia constrói uma imagem de língua
pura e transparente, colabora para que o discurso da Gramática Normativa
seja um discurso constituinte, pois é nesta que encontramos o modo legítimo
e “correto” de falar e escrever. Desse modo, os postulados da Gramática são
o referencial mais elevado que temos para as discussões linguísticas, sendo
requisitados em todos os momentos pelos gramáticos e puristas. Além destes,
a população em geral colabora para essa perpetuação, uma vez que é senso
comum a ideia de que temos que dominar as normas gramaticais para
possuirmos um bom status e não sermos colocados à margem da sociedade,
como pessoas incapazes de dominarmos nosso próprio idioma. Portanto,
concordamos com Baronas (2003, p. 88), ao afirmar que é “justamente essa
extrema valorização da língua padrão como algo positivo que possibilita que
os sujeitos se tornem cúmplices de sua própria submissão linguística”.

REFERÊNCIAS
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AMOSSY, Ruth. O ethos na intersecção das disciplinas: retórica,


pragmática, sociologia dos campos. In: ______. Imagens de si no
discurso: a construção do ethos. São Paulo: Contexto, 2008.
AMOSSY, Ruth. Da noção retórica de ethos à análise do discurso. In:
______. Imagens de si no discurso: a construção do ethos. São
Paulo: Contexto, 2008a.
BARONAS, Roberto. Panoptismo linguístico e mídia. Estudos
Linguísticos (São Paulo. 1978), v. 01, p. 10-25, 2002.
BARONAS, Roberto. A língua na malha do poder. In: GREGOLIN,
Maria do Rosário (org.). Discurso e mídia: a cultura do espetáculo.
São Carlos: Claraluz, 2003.
CHARAUDEAU, Patrick. Discurso das mídias. São Paulo: Editora
Contexto, 2007.
FOUCAULT, Michel. A ordem do discurso. Tradução de Laura
Fraga de Almeida Sampaio. 18. ed. São Paulo: Edições Loyola, 2009.
FOUCAULT, Michel. Vigiar e punir: nascimento da prisão.
Tradução de Raquel Ramalhete. 36. ed. Petrópolis: Vozes, 2009a.
GREGOLIN, Maria do Rosário. A mídia e a espetacularização da
cultura. In: ____. Discurso e mídia: a cultura do espetáculo. São
Carlos: Claraluz, 2003.
MAINGUENEAU, Dominique. Cenas da enunciação. São Paulo:
Parábola Editorial, 2008.
MAINGUENEAU, Dominique. Ethos, cenografia, incorporação. In:
AMOSSY, Ruth (org.). Imagens de si no discurso: a construção do
ethos. São Paulo: Contexto, 2008a.
MAINGUENEAU, Dominique. Doze conceitos em Análise do
Discurso. São Paulo: Parábola Editorial, 2010.
POSSENTI, Sírio. Notas sobre a língua na imprensa. In: GREGOLIN,
Maria do Rosário (org.). Discurso e mídia: a cultura do espetáculo.
São Carlos: Claraluz, 2003.
POSSENTI, Sírio. Língua na mídia. São Paulo: Parábola Editorial,
2009.
POSSENTI, Sírio. Malcomportadas línguas. São Paulo: Parábola
Editorial, 2009a.
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Produção de Texto no Facebook:


um espaço para a de manifestação da subjetividade do
sujeito, sem medos das punições gramaticais.

Jailda Evangelista do Nascimento Carvalho1

Alecrisson da Silva2

RESUMO
Este trabalho foi realizado a partir de uma pesquisa com alunos e alunas do ensino
fundamental II, matriculados nas últimas séries do ciclo quarto. A mesma foi
realizada a parti da análise de textos publicados no facebook pelos sujeitos,
observando a criatividade e os aspectos linguísticos de quem os produzem. A
pesquisa tem como objetivos constatar tanto o nível de criatividade que esses
educandos demonstram nas produções postadas no facebook, pois esse é um
ambiente onde os sujeitos expressam a sua subjetividade quanto à produção escrita,
bem como evidenciar a relevância e o nível de interatividade (o que proporciona
maior número de leitores) que há entre aqueles que compartilham da produção de que
o postou. Nesse contraponto, vale refletir acerca de algumas colocações que alguns
educadores que laboram com o ensino de língua materna nessa etapa da vida
estudantil: a afirmação de que os alunos não gostam de ler e de escrever. Levando em
consideração essa afirmação de muitos docentes, remete-se ao seguinte
questionamento: como os jovens matriculados não gostam de ler e escrever se a todos
os momentos estão postando, compartilhando e comentando a respeito que costumam
ler na rede? Se for levado em consideração que os educandos estão todo momento
escrevendo e lendo o que é postado no facebook, possivelmente a razão disso seja o
fato de o que escola requisita como produção de texto está distante da realidade que o
satisfaz enquanto sujeito social.

Palavras-Chave: facebook, produção textual, subjetividade linguística.

1
Contato do(a) autor(a): jayllda@ig.com.br. Especialista em Metodologias de Ensino
para Educação Básica (UFS); integrante do Grupo de Pesquisa e Estudos Educação e
Contemporaneidade (EDUCON/UFS); Supervisora do Programa Escola Ativa no
município de Coronel João Sá- BA.
2
Contato do(a) autor(a): alex.cjs.ba@bol.com.br. Especialização em Língua
Portuguesa (Faculdade Pio Décimo); professor da rede municipal do município de
Coronel João Sá- BA; tutor do curso de especialização em GPP-GeR/ UFS-CESAD.
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INTRODUÇÃO

A dinâmica contemporânea acerca da estruturação da sociedade da


informação exige dos cidadãos novas posturas. Isso porque os desafios que
surgem requem do quem os têm de enfrentar muitas habilidades para quebrar
não apenas as barreiras bem como alguns paradigmas. A respeito dos
paradigmas, pode-se citar de imediato os ligados ao campo do ensino da
linguagem, uma vez que os muitos estudos acerca de como se deve proceder
metodologicamente são tantos, porém pouco se constata de aplicação.
Por parte dos educandos, no cotidiano não mais existe uma
preocupação exacerbada com os fins produção linguística, estritamente a
partir da produção de texto. Porém, no contexto escolar, muitas vezes eles
são obrigados a mascarar a sua insatisfação com as produções de textos que
muitos educadores os solicitam. Os estudantes, para não deixarem de
cumprir suas obrigações, costumam, na sua maioria, realizar suas tarefas,
porém elas quase nunca os deixam satisfeitos. Muitas vezes essa insatisfação
é advinda do fato as tipologias textuais não deixarem espaço para manifestar
a sua percepção da realidade através da linguagem. Além disso, os textos que
são produzidos não ganham uma dimensão social através dos inúmeros
leitores que poderiam conhecer seus textos, sem que fosse atribuída qualquer
tipo de punição.
Assim, o facebook pode ser um ambiente atraente para os educandos
que estão concluído o ensino fundamental maior por conta de eles não
apenas terem livre arbítrio para produzir sem nenhuma preocupação com a
correção/punição, mas também por conta de tanto assumirem a coautoria dos
textos de outros autores como também outros leitores podem assumir a
coautoria dos textos postados si.

1 Comunidades Discursivas e Mídias na


Contemporaneidade

É comum ainda testemunhar professores de língua portuguesa


trabalhando com produção textual em sala de aula que expõem suas angústias
sobre o nível de argumentatividade dos textos de seus alunos, seja qual for o
gênero textual estudado. Ainda é perceptível constatar as mais diversas
estratégias para melhorar esse desempenho, auxiliado por uma vasta
bibliografia dedicada à produção textual no contexto escolar.
Porém, correlata a essa angústia, pouco tem se verificado como avanço
nessa área, e muitos textos de alunos de ensino básico continuam com ideias
superficiais, com argumentos de obviedade, e com muito pouco argumento
de autoria. Se justificativas forem buscadas para isso, pode-se encontrar
algumas respostas na própria concepção de gênero textual, em consonância
com algumas teorias de gêneros, sejam tradicionais ou contemporâneas, no
que diz respeito ao seu aspecto interacionista. Koch (2003) afirma que “na
concepção interacional da língua, o texto passa a ser considerado o próprio
lugar da interação e os interlocutores, como sujeitos ativos que –
dialogicamente – nele se constroem e são construídos.” Nesse sentido, pode-
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se tomar como menção a concepção que os textos produzidos e postados no


facebook é, para quem os produzem, o espaço mais adequado para que o que
a autora cita faça com que seja representado na prática. Analisando através de
outro viés, é cabível citar que a escola está distante de se adequar às
concepções de produções de textos, uma vez que é mais comum os
educadores trabalharem mais com a noção de tipologias em detrimento aos
gêneros textuais.
Desse modo, a produção nesse espaço virtual se pode estar se dando por
conta de nesse ambiente haver uma interação dialógica entre os
interlocutores. Além disso, que o publica também ‘permite’ que os seus
leitores também seja autores através porque do próprio leitor também
‘compartilha’. Isso faz com o que Bronckart (1999), citado por Marcuschi
(2007) afirma seja realmente relevante, pois segundo o mesmo “a
apropriação dos gêneros é um mecanismo fundamental de socialização, de
inserção prática nas atividades comunicativas humanas”, e como a escola não
está dando conta disso, o facebook é o espaço onde os jovens manifestam
seus aspectos de autoria sem a preocupação com punição através da correção
que muitos docentes aplicam.
Os textos que são produzidos por agentes sociais que fazem o uso do
facebook estão situados numa rede de relações sociais num contexto histórico
e social específico – nesse caso específico, o de uso do gênero e-fórum.. O
consumo dos textos, ou seja, a sua leitura, não se dá de modo aleatório, na
medida em que “os textos que eu leio são quase totalmente previsíveis de
acordo com o lugar que ocupo nas estruturas sociais e institucionais” (Kress,
1989). As formas linguísticas a quais somos expostos e de que fazemos uso
no nosso grupo social são familiares e acessíveis a nós. Para outros
indivíduos, pertencentes a grupos sociais diferentes (outras classes sociais,
outros grupos étnicos, grupos de outra faixa etária ou de outro sexo), essas
formas linguísticas podem não ser familiares ou accessíveis. Em outras
palavras, diferentes agentes sociais podem fazer uso de diferentes formas
linguísticas e produzir ou ler diferentes textos.

2 A Leitura e a Escrita no Contexto Escolar

A linguagem é capacidade que tem os serem humanos de usar qualquer


sistema de sinais significativos, expressando seus pensamentos, sentimentos e
experiências para atenderem as necessidades estabelecidas nas comunidades
em que vivem. Esta perpassou por inúmeras mudanças ao longo do processo
histórico por conta do processo de evolução natural que o ser humano se
deparou. Entre eles, pode-se destacar a comunicação oral e escrita. O
domínio da linguagem oral e escrita é premissa para o homem se comunicar
no mundo em que vive.
Fundamentando-se na óticade Bakhtin (2000, p. 156), que afirma que "a
linguagem é, ao mesmo tempo, o lugar e o meio de interações sociais
constitutivas de qualquer conhecimento humano", pode-se afirmar que a
escola precisa ensinar o estudante a ler, escrever e a expressar-se oralmente
em todas as situações em que ele se encontre, sendo tal domínio essencial
para o exercício da cidadania. Mas será que é isso que realmente se ver nas
salas de aula? É mais comum perceber um trabalho com a linguagem em sala
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de aula que aprsenta relevante distância entre o que se ensina e as práticas de


linguagem no cotidiano exterior à escola.
Na verdade, os docentes que trabalham com o ensino de língua materna
devem levar sempre ter sempre consigo a conceopção de que a leitura é um
dos meios mais importantes para a aquisição do conhecimento,
independetemente de está em um suporte (material didático) ou não. Além
disso, os mesmos precisam perceber que não são apenas as leituras escolhidas
pelos docentes que possui um espaço na vida das pessoas, uma vez que por
mais haja necessidade de desenvolvê-la também no espaço escolar, outros
tipos de leituras também têm espaço no cotidiano dos educaandos.
É evidente que para quem quer trabalhar dentro da área da educação, a
leitura torna-se um instrumento indispensável. E em meio ao turbilhão de
acontecimentos novos, é necessário que o educador esteja sempre atualizado
com todas as informações que são notícias. A leitura não deve ficar só no
estritamente necessário. Deve-se criar o gosto de ler sempre e esse gosto pela
leitura costuma ser despertado quando os textos escolhidos são produzidos
pelos proprios educandos.
Em meio aos tantos espaços em que os educandos costumam produzir
textos, o virtual é um dos mais propícios é o facebook.
Do mesmo modo que a leitura, a escrita também se torna uma obrigação
na vida das pessoas e muitas vezes é mais traumatizante que a primeira. E
como há uma diferença gritante entre falar e escrever que os educadores
costumam corrigir cotidianamente na escola, os textos postados no facebook
funcionam como um grito de liberdade, uma vez que as punições aplicadas
pela escola estão distantes de ocorrer mnesse ambiente.
Assim, para os educandos que produzem textos para o ambiente virtual,
não há problemas quando se fala em formalidades linguisticas. Os problemas
começam a surgir quando se tem de produzir textos escritos para atender à
norma culta. É óbvio que essa deve sim ser abordada no cotidiano escolar,
porém não como única e absoluta a quem estudam, uma vez que os
educandos, apesar de não constetar a relevância da mesma, têm consciência
de que produzem textos mais espontâneos e que são atraentes olhos dos seus
leitores.
Não basta dominar as regras gramaticais, escrever ortograficamente de
forma eficiente é ter argumentos e pensamento críticos. E escrever nessa
perspectiva implica, necessariamente, saber associar conteúdo e forma, bem
como expressar ideias, sentimentos e conhecimentos nos textos que se
escreve.
Apesar disso, a escola ainda estimula pouco o desenvolvimento da
linguagem, apenas impondo aos estudantes, desde crianças, um exagero de
normas gramaticais, normalmente associadas a exercícios mecânicos e
fragmentados que propociam o repúdio à mesma, além de desvaloziar as
hipóteses linguísticas que a criança elabora até a idade escolar. Assim, fica
evidente que as propostas de trabalho com a prodição de textos pautadas
apenas numa vertente formalista, deixará as instituições anos luz (além do
que já está) das intensões de proporcionar o estímulo à criatividade que esses
educandos possuem.

3 Uma Abordagem Psicológica sobre a Aquisição da


Linguagem
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Estudos sobre a aquisição da leitura e da escrita, o desenvolvimento da


linguagem e os diferentes dialetos são feitos atualmente pela Psicolinguística.
Esta faz uma diferenciação do que é erro ortográfico ou gramatical de erro
linguístico ou dialetal. Assim, conclui-se quea Psicolinguística é o estudo da
psicologia da linguagem.
Corroborando para os estudos acerca da linguagem, há divergências
entre Vygotsky e Piaget, uma vez que esse, na pesquisa que realizou quanto à
linguagem, classificou-a em dois grupos: o egocêntrico e o socializado. Na
primeira a criança fala para si como se estivesse pensando alto. Não se
preocupa em saber se alguém ouviu, geralmente fala do que está vendo ou
acontecendo num determinado momento. Já na fala socializada, a criança
tenta realizar urna espécie de comunicação com os outros: faz perguntas,
pedidos, ameaças, transmitem informações. Entre os sete ou oito anos,
manifesta-se na criança o desejo de trabalhar com outros, e a fala egocêntrica
desaparece.
Contudo, percebe-se que, para Piaget, a fala social é representada como
após e não antes da fala egocêntrica, partindo, assim, do pensamento autista
não-verbal à fala socializada.
Fazendo um contraponto com a produção de textos no ambiente virtual,
pode-se afirmar que tanto o ato egocentrico quanto o socializado são sentidos
por quem produz para postar nesse contexto. Isso ocorre da seguinte forma: a
“fala”, que já não é mais uma fala manifestada através da oralidade, e sim a
través da produção dos textos para serem postados no ambiente virtual,
ocorre em formas de “atos egocêntricos”. Porém esses atos não ocorrem do
nada, pois quem produz os textos também pensa nos “atos socializados”
refletidos através dos comentários que os leitores farão na rede virtual onde
seus testos estão postados.
Já para Vygotsky, a fala egocêntrica é um meio de "expressão" e de
liberação da tensão, tornando-se um instrumento do pensamento. Enquanto
para o mesmo, a fala egocêntrica não desaparece, transformando-se fala
interior, estabelecendo-se, assim, o esquema do desenvolvimento
dalinguagem, tendo em vista que, para ele, primeiro ocorre a “fala social” e
depois "a fala egocêntrica”.
Analisando o parecer de Vigostsky acerca pode afirmar que quem pensa
num esquema de produção textual para postar no facebook, fundamenta-se
“ato social” de produção textual, que, consequentemente, inspirará o “ato
individual” no momento em estará prodizindo antes da postagem. Após a
produção e a publicação do mesmo, haverá um retorno à sociedade e essa
dirá seus pareceres abertamente na rede social, sem nenhuma procupação
com formalidades acerca do que está postado, mas sim levando em
consideração os significados de interpretação motivados aos leitores.
Contudo, fica evidente mm gênero compreende uma classe de eventos
comunicativos, cujos exemplares que são produzidos são também
compartilhados pelos mesmos propósitos comunicativos e pelos próprios
produtores, através dos feedbacks que a rede possibilita aos usuários.

CONSIDERAÇÕES FINAIS
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É imprescindível que o professor saiba que existem muitas variações


dialetais e, principalmente, deve ter conhecimentos a respeito de linguagem e
estar ciente de como se dá o processo de aquisição linguística necessária, de
modo a saber que os cidadãos são "falantes" unicamente de uma língua,
aperfeiçoando, assim, o processo de leitura e escrita. Sabe-se que a
aprendizagem da leitura e da escrita faz desenvolver formas particulares de
inteligência e da expressão, passando o educando a assumir uma consciência
crítica e ativa e exercendo a função de sujeito de sua linguagem, seja falando,
escrevendo, lendo, seja interpretando, independentemente de estar ou não
usando a linguagem culta.
Nesse sentido, o professor deve fazer uma análise e reflexão sobre a
língua para poder interferir positivamente na capacidade de compreensão e
expressão dos estudantes em situações de comunicação, tanto escrita como
oral; compreender que a oralidade, a leitura e a escrita são práticas que se
complementam e que permitem ao estudante construir conhecimentos e;
adequar-se às situações comunicativas que seus educandos para através desse
procedimento possa propor medologias de trabalho com a linguagem que
sejam atraentes aos seus educandos. Uma das alternativas para isso é
conhecendo o que eles produzem e postam no facebook.
Contudo é com domínio da linguagem que o homem consegue se
comunicar, acumulando informações e produzindo conhecimentos,
inpendentemente da tipologia ou gênero em que ele esteja escrevendo e do
ambiente em que os textos são inseridos ou postados.

REFERÊNCIAS

BAKHTIN, Mikhail Mikhailovitch. Estética da criação verbal. Trad. de


Maria Ermantina Galvão; rev. da tradução Maria Appenzeller. 3 ed. São
Paulo: Martins Fontes, 2000.
BRASIL. Ministério da Educação e dos Desportos. Secretaria de Educação
Fundamental / MEC. Parâmetros Curriculares Nacionais – Terceiro e
Quarto Ciclos do Ensino Fundamental: Língua Portuguesa. Brasília, 1998.
BRONCKART, Jean‐Paul. O agir nos discursos: das concepções teóricas às
concepções dos trabalhadores; Trad. Anna Rachel Machado, Maria de
Lourdes Meirelles – São Paulo: Mercado de Letras, 2008.
CAGLIARI, Luís Carlos. Alfabetização e Lingüística. São Paulo: Scipione,
1997.
KOCH, Ingedore. Argumentação e Linguagem. 11 ed. – São Paulo: Cortez,
2008.
MARCUSCHI, Luiz Antônio; XAVIER, Antônio Carlos (orgs). Hipertexto
e gêneros
digitais. 2 ed., Rio de Janeiro: Lucena, 2007.
VYGOTSKY, L. S. Pensamento e linguagem. Tradução Jefferson Luiz
Camargo. São Paulo: Martins Fontes, 1993.
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ANEXO DE ALGUMAS POSTAGENS NO FACEBOOK


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Leyde Alves
èveroooooooooooooooooookkkkkkkkkkkkkkkkkkk
kkkkkkkkkk
Quarta às 17:40 · CurtirCurtir (desfazer)

Samantha Serpa kkk...é né...


Quarta às 18:37 · CurtirCurtir (desfazer)

Sandra Bispo Dos Santos concordo com


elekkkkkkkkkkkkk.

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O Ensino Organizado por Sequências


Didáticas voltadas para os Gêneros
Discursivos, sob o ponto de vista de
Professoras do Ensino Fundamental

Eleriza Melquiades Ribeiro1

Juliana Lima de Azevedo2

RESUMO
Com o objetivo de investigar a opinião de docentes sobre o ensino organizado por
sequências didáticas focadas no trabalho com gêneros discursivos, entrevistamos 10
professoras, que atuavam no 1º e no 2º ciclos das redes municipais de ensino de
Recife, Camaragibe e Jaboatão dos Guararapes. As docentes participaram de um
grupo de estudo na UFPE, que discutiu sobre a organização do trabalho pedagógico
em sequências didáticas e sobre os gêneros discursivos que seriam contemplados nas
sequências, e, posteriormente, planejou coletivamente sequências didáticas
envolvendo diferentes gêneros. As docentes realizaram as atividades planejadas em
sala de aula, fazendo os ajustes que consideravam necessários. No ano seguinte à
realização da última sequência, as professoras foram entrevistadas. São os dados
dessas entrevistas que constituirão o objeto das reflexões expostas neste artigo. Os
dados foram analisados com base nos princípios metodológicos da análise de
conteúdo, segundo Bardin (2002). Verificamos que as professoras reconheciam
diferentes princípios baseados na perspectiva sociointeracionista na proposta de
trabalho com sequências didáticas: valorização dos conhecimentos prévios dos
estudantes; proposição de atividades desafiadoras; ensino centrado na
problematização; estímulo à explicitação verbal dos conhecimentos pelos estudantes;
ênfase na sistematização dos saberes construídos; ensino centrado na interação entre
alunos; progressão entre as atividades; favorecimento da argumentação; incentivo à
participação dos alunos; diversificação de estratégias didáticas; dimensão formativa
da sequência didática; favorecimento da autoavaliação por parte dos alunos; e o
desenvolvimento de habilidades metacognitivas. Em suma, as docentes avaliaram
positivamente a organização do ensino com base nessa modalidade, argumentando
que esta contribui para a construção de uma prática mais sistemática e articulada a
objetivos relevantes à inserção social das crianças.

Palavras-chave: Ensino de Língua Portuguesa; Sequências-didáticas; Gêneros


discursivos.

1
Contato do(a) autor(a): elerizamel@yahoo.com.br. Pedagoga /UFPE.
2
Contato do(a) autor(a): julilimaz@hotmail.com.Pedagoga /UFPE.
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INTRODUÇÃO

Neste artigo, relataremos uma pesquisa que investigou a opinião de


docentes sobre o ensino organizado por sequências didáticas focadas no
trabalho com gêneros discursivos. De acordo com Bakhtin (1992) os gêneros
discursivos correspondem a tipos relativamente estáveis de enunciados
presentes nas diferentes esferas de utilização da língua. Eles são
historicamente variáveis, ou seja, não permanecem estáticos, podem surgir,
modificar-se, e até desaparecer.

Elegemos a temática em questão por concebermos que a mediação


docente depende enormemente dos modos como os docentes concebem o
trabalho pedagógico e de suas concepções sobre os objetos de ensino e
modos de aprendizagem dos estudantes. Desse modo, buscamos identificar
quais princípios subjacentes ao trabalho com sequências didáticas focadas no
ensino de gêneros discursivos, em uma perspectiva sociointeracionista, são
reconhecidos por professoras e analisar a opinião das docentes sobre este tipo
de organização do trabalho pedagógico, identificando os critérios que elas
adotam para avaliar tal proposta didática.

1 Sequência didática voltada para os gêneros na


perspectiva de Dolz e Schneuwly

As sequências didáticas são instrumentos utilizados em práticas


pedagógicas discutidas por muitos autores. Nesta pesquisa optamos por
trabalhar com a proposta defendida por Dolz e Schneuwly (2004). Segundo
eles, as sequências didáticas voltadas para os gêneros têm como
características: favorecimento de atividades de linguagem voltadas para um
gênero em uma situação de comunicação; estímulo à observação das
capacidades e dificuldades dos alunos; trabalho com atividades diversas, para
abordar o gênero em seus diferentes aspectos; produção de um texto final
pertencente ao gênero, para que sejam vivenciadas novas observações,
análises e verificação dos progressos conquistados e das dificuldades ainda
não superadas.

Dolz, Noverraz e Schneuwly (2004) definem sequência didática – na


área de língua – como um conjunto de atividades escolares organizadas, de
forma sistemática, em torno de um gênero oral ou escrito. Nesse sentido, as
sequências didáticas se constituem como ferramentas que podem guiar os
docentes, possibilitando intervenções fundamentais para a aprendizagem de
maneira geral, bem como para o progresso de apropriação de um gênero em
particular.

Assim, a escola, como instituição formal de ensino, deve propiciar


situações didáticas que possibilitem aos alunos o contato com os diversos
gêneros, para que os mesmos aprendam a ler e a produzir textos variados, em
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diferentes situações cotidianas e em contextos específicos. Entendemos,


portanto, que, mais do que simplesmente entrar em contato com textos
variados, os estudantes, na escola, devem refletir sobre os gêneros e
desenvolver habilidades de leitura e escrita de textos.

O desafio de proporcionar que os educandos se apropriem dos


instrumentos necessários ao desenvolvimento de suas capacidades de
expressão oral e escrita, interagindo com a língua nas mais diferentes
situações comunicativas, sugere, segundo os autores citados anteriormente,
um ensino de gênero sob uma perspectiva modular.

Na visão dos autores, a sistematização do ensino, tendo por base a


sequência didática, é organizada por etapas. A primeira etapa, que diz
respeito à apresentação da situação, como o próprio nome sugere, consiste
em descrever detalhadamente a atividade oral ou escrita que os educandos
deverão desempenhar. Tal situação inclui: evidenciar o gênero trabalhado, a
finalidade do texto, os possíveis destinatários, os suportes textuais utilizados
e também os sujeitos incluídos nesse processo. Tratando-se do primeiro
contato com o gênero em questão, pode-se apresentar textos que promovam a
discussão em torno do referido gênero, de modo a auxiliar os alunos na etapa
seguinte.

A primeira produção é defendida pelos autores como de fundamental


importância, pois os professores, através dela, poderão orientar todo o
planejamento da sequência, ante as possibilidades e dificuldades encontradas.
Essa fase consiste em uma espécie de avaliação diagnóstica, pois conforme
salienta Casanova (1996:60)

A avaliação aplicada ao ensino e à aprendizagem consiste em um


processo rigoroso de coleta de dados, incorporado ao processo
educativo desde seu início, de maneira que seja possível se dispor de
informação contínua e significativa para conhecer a situação, formar
juízos de valor sobre ela e tomar decisões adequadas para fazer
prosseguir e melhorar progressivamente a atividade educativa.

A partir dessa concepção, o professor estabelece o trajeto a ser


percorrido, reorganiza, se necessário, a estruturação do ensino. Assim,
a relação pedagógica assume os contornos das diretrizes traçadas pela
turma e, para os alunos, cria transparências, de modo que a sequência
possa também atender às necessidades particulares de cada um. Em
direção contrária ao que se especula, essa fase não põe os educandos
em uma situação de fracasso. Quando a situação comunicativa é bem
elucidada na primeira etapa, os alunos são capazes, mesmo os que
apresentam mais dificuldades, de construírem o que lhes foi proposto
(DOLZ, NOVERRAZ e SCHNEUWLY, 2004).
Os módulos compõem-se por diferentes atividades trabalhadas de
maneira sistemática. No decorrer dessas atividades, o docente pode avaliar,
de forma contínua, o avanço dos discentes, estimulando-os e fornecendo-lhes
os instrumentos necessários, na tentativa de superar as lacunas constatadas na
primeira produção. Convém ressaltar a importância de que as atividades
propostas possam fomentar a curiosidade, provocada pela instauração de
dúvidas, a partir da provocação de conflitos cognitivos que possam
impulsionar e favorecer o progresso dos alunos.
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Por fim, os autores apresentam a última etapa, denominada de


produção final. Com a sequência finalizada é possível averiguar os avanços
no domínio do gênero. Esse momento possibilita ao docente a realização de
uma avaliação do tipo somativa, uma vez que verifica o produto final da
aprendizagem, e também formativa, pois serve “não só para avaliar no
sentido mais estrito, mas também para observar as aprendizagens efetuadas e
planejar a continuação do trabalho, permitindo eventuais retornos a pontos
mal assimilados” (DOLZ, NOVERRAZ e SCHNEUWLY, 2004:107).

Diante do exposto, fica claro que essa forma de organização do ensino,


proposta por estes autores, se insere dentro de um processo contínuo de
transformação, pois nunca poderá ser tida como definitiva, estando sempre se
modelando e se modificando.

Nesta pesquisa, focaremos na avaliação que professoras que conduziram


o ensino com base nesta proposta fazem dessa abordagem metodológica.

2 Metodologia

Na busca de alcançarmos o objetivo de investigar a opinião de docentes


sobre o ensino organizado por sequências didáticas focadas no trabalho com
gêneros discursivos, entrevistamos 10 (dez) professoras, que participavam de
um grupo de estudo denominado “Argumentação e Ensino de Língua
Portuguesa”. As professoras tinham diferentes experiências de ensino e
participaram das atividades do grupo com frequências diferentes.

Tais docentes atuavam em turmas de 1º e 2º ciclos das redes municipais


de Recife, Camaragibe e Jaboatão dos Guararapes. Todas realizaram estudos
organizados em quatro fases: estudo prévio da literatura sobre sequência
didática e sobre o gênero em foco, para posteriormente ingressarem num
planejamento coletivo da sequência; aplicação de uma atividade de escrita de
um texto pelos estudantes; desenvolvimento da sequência, que foi observada,
gravada e filmada por bolsistas do grupo de estudo; aplicação de outra
atividade de escrita de texto.

No total, o grupo desenvolveu, entre os anos de 2007 e 2009, sequências


envolvendo cinco diferentes gêneros discursivos. Vale ressaltar que algumas
professoras atuaram em uma sequência, outras desenvolveram sequências
diferentes em turmas distintas, num mesmo ano (uma turma em um turno e
outra noutro turno) ou sequências diferentes em turmas diferentes em anos
diferentes. Convém ainda esclarecer que, no período de realização das
entrevistas, quatro das docentes não atuavam mais em sala de aula, pois
assumiram atividades relacionadas à gestão educacional e à coordenação
pedagógica. Todas as entrevistas foram gravadas em áudio e posteriormente
transcritas na íntegra.
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Os dados obtidos na pesquisa foram analisados qualitativamente, a


partir da análise de conteúdo defendida por Bardin (2002:160). Esta
abordagem é composta

por um conjunto de técnicas de análise das comunicações visando


obter, por procedimentos sistemáticos e objetivos de descrição do
conteúdo das mensagens, obter indicadores quantitativos ou não, que
permitam a inferência de conhecimentos relativos às condições de
produção/recepção (variáveis inferidas) das mensagens.

Este processo, segundo Bardin (2002), pressupõe três etapas: 1) a pré-


análise; 2) a exploração do material ou codificação; 3) o tratamento dos
resultados, inferências e interpretação.

Na pré-análise, fizemos a leitura de todas as entrevistas para manter um


primeiro contato com os dados, para, assim, conhecê-los e podermos elencar
os principais pontos a serem discutidos. Na segunda etapa, codificamos os
dados, a partir de unidades de registro, visando à categorização e à
computação da frequência de referência a conceitos e princípios citados pelas
docentes. Na última etapa, organizamos os dados em categorias que
obedeceram a uma mesma temática, para, assim, interpretar os resultados.
Nesta etapa, fizemos análises qualitativas aprofundadas dos depoimentos,
relacionando o que as professoras disseram ao que está subjacente aos textos
dos autores que embasam esta forma de organização do trabalho docente.

3 Concepções apresentadas acerca da sequência didática


Para apreendermos a concepção geral das professoras, lançamos o
seguinte questionamento: “O que você entende por sequência didática?”

Sete professoras ressaltaram, logo de início, que a sequência didática é


uma forma de trabalho sistemático, um processo que envolve etapas, um
passo a passo de atividades articuladas. Isto se remete a um princípio
fundamental dessa modalidade, sendo defendido por diferentes autores como
Brousseau (1996), Schneuwly e Dolz (2004) e Zabala (1998). Este último,
por exemplo, traz a ideia de que a sequência didática é uma ferramenta que
possibilita encadear e articular as diversas etapas ao longo de um período.
Esta compreensão pode ser observada no trecho da professora 2: “Eu vejo a
sequência como uma continuidade, né? (...) daquilo que você propôs naquele
dia, naquele mês, naquele ano. Então, a gente tem um trabalho que é difícil
de você escorregar, porque ele tá tão arrumadinho, sabe, ele vem todo...
passo a passo...”

Uma docente destacou, em sua forma de conceituar a sequência


didática, que esta pode ser um instrumento para se valorizar os
conhecimentos dos alunos, explicitando, desse modo, um princípio muito
importante.
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Duas professoras se referiram à sequência como um instrumento de


apropriação de um gênero. Tal concepção é defendida por Schneuwly, Dolz e
outros autores genebrinos (2004) e pode ser evidenciada no discurso da P1:
“A sequência didática... são atividades que nós vamos usar, pra que a
criança possa se apropriar, né? (...) ela propõe um desafio pra eles, uma
apropriação de um gênero”. Desse modo, essas docentes associaram este
tipo de organização do ensino a um objeto particular, o gênero.

Ressaltamos, em relação às conceituações expostas pelas professoras,


que todas tinham uma capacidade de explicitação geral sobre o que seria uma
sequência didática, com destaque a princípios fundamentais discutidos por
diferentes autores. Para aprofundarmos as análises, investigamos que
aspectos elas consideravam importante na hora de planejar uma sequência
didática (“O que é importante numa sequência didática?”).

Constatamos que cinco professoras levaram em conta que este


planejamento deve ser elaborado a partir do interesse das crianças. Tal
situação evidencia a preocupação das professoras com os alunos,
considerando seus interesses e aspirações, de modo que a aprendizagem
possa ser atrativa e prazerosa, como podemos observar na entrevista da
professora 1: “Também ver algo que seja do interesse da criança, também é
importante”. Os objetivos traçados na elaboração de uma sequência didática
foram ressaltados como fundamentais por quatro professoras.

O momento de conversa com os alunos, para apresentação da sequência,


foi salientado por quatro das docentes. Já a escolha do gênero discursivo a ser
trabalhado e a avaliação feita no início do processo como aspectos
importantes no momento de planejamento, foi ressaltado por apenas duas,
conforme o exemplo da professora 8: “Que aí, a partir dessa produção, você
ia ver o que é que você teria que acrescentar enquanto informação pra
construção daquele gênero”. A produção inicial, conforme Dolz, Noverraz e
Schneuwly (2004:102), permite “refinar a sequência, modulá-la e adaptá-la
de maneira mais precisa às capacidades reais dos alunos de uma dada turma”.

Um aspecto que convém ressaltar, mencionado por sete docentes, foi a


elaboração e o desenvolvimento das atividades organizadas em fases que,
para Dolz, Noverraz e Schneuwly (2004), seriam os “módulos da sequência”.

Assim como as atividades propostas, percebemos, novamente, a


preocupação de que o trabalho seja pensado e repensado de acordo com as
necessidades apresentadas pelo grupo. Conforme a fala da professora 7:
“Também de acordo com as necessidades dos alunos da turma, né? (...) a
gente organiza as atividades nessa sequência, né? Pra atender justamente,
atender as necessidades deles”.

Por fim, detectamos que seis professoras salientaram a avaliação feita


ao final do trabalho como uma etapa importante. Vejamos dois trechos de
entrevista: “Eu acho interessante, porque você consegue ver um produto final
daquilo que você planejou, né?” (P3); “Pode haver produção durante também
o desenvolvimento, mas que sigam a inicial, sigam uma medial e uma final,
para comparar o quanto os alunos cresceram” (P8). Tendo em vista estes
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aspectos considerados pelas professoras e na tentativa de compreender


melhor as atividades realizadas ao longo das sequências, como já dito em
momento anterior, planejadas coletivamente e posteriormente aplicadas por
essas docentes, levantamos a seguinte pergunta: “Como eram as atividades
aplicadas?”

Quando indagadas sobre essa questão, verificamos que todas as


professoras mencionaram a diversidade dessas atividades, como algo
presente na sequência didática. Cinco docentes também apontaram que as
diferentes atividades estavam sempre relacionadas aos gêneros que estavam
sendo foco do estudo, conforme exemplo: “A gente não chegou direto pra
trabalhar reportagem. A gente trabalhou o que era o jornal, os cadernos, né?
Teve trabalho pra diferenciar o que é o... a reportagem, o que é a manchete,
eles, no final, eles já conseguiam identificar até o olho da reportagem (...) A
isenção de falas, quem tá dizendo isso dentro da reportagem é a pessoa que
foi entrevistada pelo repórter. A questão da idade, que geralmente vem: “José
Antônio, 18”(...) Então foram coisas que a gente foi descobrindo, durante a
sequência, (...), e no final, o resultado foi bastante positivo... (P3).

O que podemos perceber é que a diversidade de atividades e


metodologias adotadas nos módulos da sequência, mencionadas pelas
professoras como algo muito positivo, sempre em torno do gênero
trabalhado, dava certo movimento às aulas, o que, segundo elas, facilitou a
compreensão e a apropriação do gênero que estava sendo objeto de estudo. A
importância da diversidade das atividades, sempre em torno do gênero
trabalhado, é, sem dúvida, um dos aspectos ressaltados por Dolz, Noverraz e
Schneuwly (2004), conforme já mencionamos em momento anterior.

Com relação à necessidade de modificar o plano de aula


desenvolvido coletivamente, lançamos a seguinte questão: “O planejamento
desenvolvido foi seguido na íntegra, ou você sentiu necessidade de modificar
alguma coisa?"

Percebemos que apenas uma professora afirmou não ter sentido


necessidade de mexer no planejamento, enquanto que nove delas
asseguraram a necessidade de fazer ajustes: “(...) Então, sempre tem algum
acréscimo, mas eu não sentia tanta necessidade de mudar não. Não, não
sentia. Eu achava muito, muito... completo. Agora é claro que na hora da aula
você... tem que ter uma postura de flexibilidade, né? E de abrir espaço pra
outras coisas. Você não pode... se fechar, né? Aí... eu sentia necessidade e eu
ampliava” (P2).

Como já discutido anteriormente, o planejamento deve ser


concebido como uma forma de melhor direcionar as atividades pensadas e
desenvolvidas ao longo do processo de ensino e aprendizagem. A atenção à
necessidade dos alunos, a dinâmica do grupo e a compreensão do
planejamento como ferramenta indispensável na mão do professorado, que
pode e deve ajustar-se às necessidades dos estudantes, ficam evidentes na fala
das professoras. Partindo dessa perspectiva, o planejamento só contribui para
uma melhor organização e aproveitamento do trabalho pedagógico, em que
todos os sujeitos envolvidos no processo saem ganhando.
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Nesse sentido, Bassedas, Huguet e Solé (1999) asseguram que o


planejamento não pode se constituir como uma ferramenta engessada, um
modelo fixo, fechado. Concebê-lo desse modo é ignorar as diferentes
necessidades dos educandos, bem como as situações que, na prática, podem
surgir e que possibilitam fazer variações.

Leal, Brandão e Correia (2010), ao analisarem a proposta de


organização de sequências didáticas segundo Brousseau (1996), sistematizam
alguns princípios didáticos fundamentais presentes nas proposições didáticas
deste autor. São eles: valorização dos conhecimentos prévios dos estudantes;
proposição de atividades desafiadoras, que estimulam a reflexão; ensino
centrado na problematização; estímulo à explicitação verbal dos
conhecimentos pelos estudantes; ênfase na sistematização dos saberes
construídos; ensino centrado na interação entre alunos; progressão entre as
atividades, com demandas crescentes quanto ao grau de complexidade. Lima
(2011), além dos princípios enfatizados por Brousseau (1996), apontou a
existência de mais três: favorecimento da argumentação, incentivo à
participação dos alunos e diversificação de estratégias didáticas.

Durante as análises das entrevistas, buscamos verificar se as professoras


consideraram tais princípios no momento do planejamento e do
desenvolvimento da sequência didática, e quais outros aspectos podiam ser
ressaltados por elas. Percebemos que seis professoras ressaltaram a utilização
da sequência como instrumento de incentivo à participação dos alunos em
sala de aula.

Cinco das docentes entrevistadas citaram o favorecimento da


argumentação, como pode ser visto na fala da professora 4: “Que ele vai
ganhando autonomia. Seja na escrita, seja de pensamento, seja é... do
argumentar, do falar, do intervir, do expor seu pensamento sobre, de trazer a
fala do outro como exemplo”. De forma semelhante, cinco docentes
salientaram a problematização viabilizada pelo trabalho com a sequência
didática, ou seja, contato com situações em que os alunos fiquem diante de
desafios.

Quatro das docentes entrevistadas consideraram a sequência didática


como promoção de um ensino centrado na interação em pares e em grupo.
Além desse destaque, percebemos a defesa ao trabalho com a sequência
didática como ensino reflexivo / crítico na fala de quatro docentes. De forma
semelhante, quatro professoras destacaram o ensino centrado na progressão,
bem como a menção ao princípio relativo à diversificação de estratégias
didáticas. A valorização dos conhecimentos prévios dos estudantes e a
explicitação verbal foram salientadas por duas professoras. O princípio
menos citado foi a sistematização dos saberes, desatacado por uma
professora.

Durante as entrevistas, também verificamos a presença de mais quatro


princípios apontados pelas professoras que não foram salientados pelas
autoras anteriormente citadas. O primeiro deles, salientado por cinco
docentes, foi o aspecto formativo da sequência didática. Dolz, Noverraz e
Schneuwly (2004) salientam que a sequência pode ser um instrumento de
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análise do trabalho realizado, pois, através dela, o professor pode avaliar o


processo e as conquistas, a fim de buscar o que ainda não foi alcançado.
Vejamos a fala da professora 4: “(...) várias produções, pra gente ir
acompanhando o processo, né? E pra que ele perceba também o quanto eles
vão melhorando, né? A cada escrita. (...) A gente vai acompanhando o
desenvolvimento dele e vai observando, né?”

O segundo princípio diz respeito ao favorecimento da autoavaliação por


parte dos alunos, citado por três docentes. Três professoras também
destacaram a metacognição como princípio promovido pela sequência
didática. Vejamos o exemplo: “Ela ajuda é... nessa questão da segurança, da
autonomia, porque a criança vai percebendo, né? Onde errou, né? Onde
precisa melhorar, é... o que deixou de trazer pro seu texto, né?” (P4). Por
fim, destacamos a menção ao desenvolvimento atitudinal: “(...) teve
desenvolvimento (...) atitudinal. A atitude de parar e ouvir o outro, levantar o
dedo que não se tinha, falava todo mundo ao mesmo tempo” (P8).

Diante do exposto, percebemos que as docentes entrevistadas


apreenderam dimensões importantes desse tipo de trabalho.

Investigamos também questões relativas às perspectivas de uso da


sequência didática: “Atualmente, o ensino com sequência didática está
presente no seu planejamento?” As seis professoras, que continuavam
lecionando, afirmaram que sim.

Vale ressaltar que, apesar de quatro docentes não estarem mais em sala,
como já havíamos esclarecido, elas enfatizaram o interesse em trabalhar com
essa modalidade didática, afirmando que ela certamente estaria presente em
suas aulas: “(...) a experiência que eu vivenciei com meus alunos, né? Com
certeza, estando em sala de aula, que eu estarei algum dia, novamente, é
uma... coisa que vai continuar acontecendo. Porque eu vi o resultado, eu vi o
interesse do aluno e, modéstia parte, eu aprendi a fazer junto com eles, (...)
tanto eu aprendi como eles aprenderam. Então não dá pra dizer que não vá
utilizar mais, se o resultado foi tão positivo” (P3).

Quando indagadas sobre o interesse em dar continuidade ao trabalho


com esta modalidade (“Você pretende desenvolver novas sequências?”),
todas as professoras afirmaram que sim, esclarecendo o porquê, como
podemos perceber nos extratos: “Você comparar um produto inicial, (...) O
que foi que o aluno produziu naquele momento e você vê o produto final,
depois de ter vivenciado todas as etapas, aí você vê quanto o aluno aprendeu,
quanto o aluno cresceu” (P3)

As professoras justificaram o interesse em dar continuidade ao trabalho,


destacando o ganho que os alunos adquirem em termos de aprendizagem. Ao
mencionarem os módulos da sequência, elas apontaram que as atividades
propostas devem partir do que os alunos já conhecem, desafiando-os para
outras aprendizagens, estando em consonância com o que defendem Dolz,
Noverraz e Schneuwly (2004).
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Quando questionadas sobre os tipos de atividades a serem


desenvolvidos (“Em sua opinião, quais poderiam ser boas sequências a serem
desenvolvidas?”), duas professoras apontaram a importância de se pensar em
temáticas que sejam do interesse da criança. Quatro professoras destacaram
sequências que envolvem gêneros como: entrevista, música, piada, adivinhas,
cartaz educativo e júri simulado. Duas professoras mencionaram a
importância de sequências que favoreçam a interdisciplinaridade, conforme o
exemplo a seguir: “O cartaz educativo mesmo, comunica, é... é... provoca
reflexões e mudança de atitude. Assim como o júri simulado. Esses gêneros...
é... é, ensina a questionar pontos de vista, é, é valores dos vários sujeitos, e
ainda, valoriza a escuta ativa. Esses pontos são extremamente importante na
organização da contra argumentação” (P4).

Diante do exposto, podemos perceber que o trabalho com a sequência


didática era e certamente continuaria sendo foco de interesse na prática das
professoras entrevistadas, pois, mesmo aquelas que não estavam em sala de
aula, socializavam esse conhecimento para outros sujeitos envolvidos com o
universo escolar.

CONSIDERAÇÕES FINAIS
A partir desses resultados, podemos afirmar que as docentes atribuem
grande significado à organização do ensino com base nessa modalidade
didática, utilizam também critérios pertinentes e evidenciam clareza sobre
essa forma de organização pedagógica, demonstrando, portanto, uma
capacidade de explicitação geral sobre o que seria uma sequência didática. É
possível concluir, também, a importância do estudo para o crescimento
profissional, para a construção de uma prática mais bem organizada,
articulada a objetivos claros e bem definidos.

Desse modo, com base em tudo o que foi descrito, na concepção das
professoras, e na nossa concepção, o trabalho com a sequência didática,
pautada em uma perspectiva sociointeracionista, pode, quando bem
conduzido, propiciar boas oportunidades de aprendizagem, trazendo aos
alunos condições indispensáveis no que diz respeito aos conhecimentos e
habilidades importantes para lidarem com situações “reais” de leitura e
escrita de diferentes gêneros discursivos que circulam na sociedade.

Assim, é essencial pesquisar esta temática. Estudos desse tipo são


importantes também para desmistificar a falsa ideia de que não há um
trabalho de qualidade, nem bons profissionais nas Instituições Públicas e que,
quando se deseja fazer um trabalho bem feito, significativo, podemos colher
bons frutos, contribuindo para uma conscientização política dos estudantes,
para o desenvolvimento do sujeito ativo, participativo, que se perceba como
um ser apto à construção do novo, enfim, um verdadeiro cidadão.
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REFERÊNCIAS

BAKHTIN, Mikhail. Estética da Criação Verbal. 3a ed. (1953 – 1a ed.). São


Paulo: Martins Fontes, 2000.
BARDIN, Laurence. Análise de conteúdo. Lisboa: Edições 70, 2002.
BASSEDAS, Eulália. HUGUET, Teresa; SOLÉ, Isabel. Aprender e ensinar
na educação infantil. Porto Alegre: Artes Médicas, 1999.
BROUSSEAU, G. Fondements et méthodes de la didactiques des mathéma-
tiques. RDM v. 7, n. 2, 1996.
CASANOVA RODRÍGUEZ. Maria Antonia. Avaliação no Sistema
Educativo. In IV Congresso de estratégias de intervenção na educação
primária e secundária. Salamanca: INICO. 1996.
DOLZ, Joaquim; NOVERRAZ, Michele; SCHNEUWLY, Bernard.
Sequência didática para o oral e a escrita: apresentação de um procedimento.
In: SCHNEUWLY, Bernard; DOLZ, Joaquim. Gêneros orais e escritos na
escola. São Paulo: Mercado de Letras, 2004.
DOLZ, Joaquim; SCHNEUWLY, Bernard. Gêneros e progressão em
expressão oral e escrita – elementos para reflexão sobre uma experiência
suíça (francófona). In: DOLZ, Joaquim e SCHNEUWLY, Bernard. Gêneros
orais e escritos na escola. São Paulo: Mercado das letras, 2004.
LEAL, Telma F., BRANDAO, Ana Carolina P., CORREIA, Edla. F. Prática
docente e formação do leitor no ensino fundamental: análise de uma
experiência com foco em reportagens In: XV Encontro de Didática e Prática
de Ensino, 2010, Belo Horizonte
LIMA, Juliana de Melo. Os critérios adotados por crianças para avaliar as
práticas de suas professoras. Dissertação de Mestrado. Pós-Graduação em
Educação da UFPE. Recife: UFPE, 2011.
ZABALA, Antoni. A prática educativa: como ensinar. Porto Alegre: Artmed,
1998.
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Da Composição e Redação Escolar à


Produção Significativa de Textos Escritos

Cleide Inês Wittke1

RESUMO
A passagem do ritual escolar de fazer composição ou redação à prática de produção
textual diz respeito a um enfoque bem mais complexo do que a simples mudança de
nomenclatura, como pode parecer sob um olhar superficial, ou mesmo ingênuo.
Conforme Geraldi (1998), Bunzen (2006) e Guedes (2009), dentre outros linguistas
que abordam essa questão, tal troca implica uma nova abordagem tanto conceitual
como metodológica no ensino de língua. Em outras palavras, um trabalho voltado à
produção escrita de textos/gêneros textuais está diretamente relacionado às
concepções de língua, texto, sujeito e sentido (KOCH, 2006), enquanto atividade
social, o que implica também mudanças na metodologia dessa prática docente. Sob
esse contexto, o presente artigo tem como objetivo refletir não somente acerca da
troca do termo em si, mas principalmente sobre os efeitos discursivos que ela produz
no cotidiano escolar e fora dos muros da escola. Tendo como base os estudos de
Geraldi (2006), Marcuschi (2002, 2008), Antunes (2006, 2009), Koch e Elias (2010),
definimos a língua como processo de interação verbal entre interlocutores, em
variadas instâncias sociais (BAKHTIN, 1992). Vale lembrar que esse novo olhar
sobre o trabalho com a escrita na sala de aula também causa alterações no modo de
avaliar, pois, sob uma ótica sociointeracionista, produzir texto passa a ser uma prática
social e deixa de ser visto como um ato escolar mecânico e destituído de sentido com
o fim máximo, ou até mesmo único, de identificar erros e atribuir nota.

Palavras-chave: Ensino de língua; Produção escrita; Texto/gênero textual; Prática


social; Sentido.

1
Contato do(a) autor(a): cleideinesw@yahoo.com.br DOUTORA/UFPEL..
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INTRODUÇÃO

Mesmo que seja sob forma de um ato mecânico, por se tratar de um


exercício de treinamento e não de um processo social de interação, a
atividade de escrita tem feito parte do conteúdo trabalhado na aula de língua,
no ambiente escolar, em todas as séries do ensino básico. Conforme Bunzen
(2006), ainda nos dias de hoje, ao propor a dinâmica da escrita, o professor
está mais preocupado em avaliar se o aluno sabe escrever de acordo com as
regras da língua padrão do que realmente interessado em saber o que o
educando conhece e pensa sobre determinado assunto ou acerca da realidade
em que vive. Trata-se antes de um exercício sobre o conhecimento das regras
da língua (de metalinguagem) do que uma atividade de comunicação entre
dois ou mais interlocutores, uma construção de sentido.

É sob essa ótica, esclarece Antunes (2006, p. 165), que “avaliar uma
redação, por exemplo, se reduz, assim, ao trabalho de apontar erros, de
preferência aqueles que se situam na superfície da linha do texto”. A prática
de redação consiste então em um ato avaliativo e não em um processo de
interação, de diálogo entre dois interlocutores: aluno e professor, aluno e
aluno. Em síntese: o aluno escreve um texto para que o professor aponte os
erros (principalmente os gramaticais e de coesão) e atribua uma nota. E nos
perguntamos: qual é o estímulo para o aluno realmente dizer o que sente e
pensa se o próprio processo de produção textual não o incentiva a agir dessa
forma? Como encontrar satisfação, e até mesmo prazer, em realizar essa
atividade escolar tão destituída de sentido?

Depois de uma longa tradição do ensino de língua voltado à Gramática


Normativa, sustentando a tese de que o domínio das regras da língua padrão,
via exercícios automáticos e mecânicos, identificando e classificando, seria o
método ideal para expressar-se com clareza e objetividade, os resultados
obtidos nas escolas (e em diversas provas e demais processos avaliativos) nos
mostram que essa prática precisa mudar, pois tanto o objeto de estudo como o
modo de abordá-lo necessitam de alterações: ajustes e inovações. Ao
reconhecer o texto/gênero textual como sendo o elemento principal no ensino
de língua, é preciso rever também os princípios que norteiam as estratégias
de leitura, de estudos gramaticais e, em especial, os mecanismos empregados
no exercício de produção textual, tanto no nível oral quanto escrito. Sob uma
abordagem sociointeracionista, produzir textos consiste em um ato social em
que alguém diz algo a outro alguém, com dada intenção significativa e não
somente para ser avaliado, mas para posicionar-se sobre determinada
questão, para interagir com o outro que o cerca, seja ele o professor, um
colega, ou alguém da comunidade. Nessa perspectiva de trabalho, há mais
probabilidade de que o ato de se expressar, falando ou escrevendo, seja um
exercício interessante e, quem sabe, até prazeroso.

Considerando, então, a complexidade de textos/gêneros textuais que


circulam em nossa sociedade contemporânea, e a importância que tal
materialidade discursiva exerce no processo de interação verbal, pode-se
compreender a ênfase que os Parâmetros Curriculares Nacionais (1998, 1999)
atribuem ao uso desse material, no meio escolar. Esse documento oficial
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elege o texto como objeto de ensino e o gênero como objeto de análise,


sugerindo a prática de escuta, análise de elementos linguísticos, leitura e
produção de textos orais e escrito como procedimentos metodológicos, nas
aulas de língua.

Diante desse quadro, cabe a pergunta: Com toda essa riqueza de


material verbal de interação existente e precisando ser trabalhado na sala de
aula, continua sendo pertinente que o professor de português dedique tanto
tempo de sua aula efetuando exercícios de metalinguagem, com o velho
objetivo de identificar, classificar e avaliar? Sabemos que tais atividades não
oportunizam ao aluno a capacidade de se comunicar com destreza e
naturalidade ao ler, falar e escrever, então, por que insistir nessa prática
metodológica? Vale lembrar que uma mudança de postura exige um
redimensionamento na escolha das atividades propostas e no enfoque dado à
produção textual. Como estimular o aluno a ter interesse em expressar-se,
tanto falando como escrevendo?

Construímos nossa reflexão sobre a prática da escrita, abordando


inicialmente a passagem do termo composição ao de redação e, finalmente,
ao de produção textual. Mais do que mera substituição de nomenclaturas, há
alterações nas concepções, nos princípios e na prática didático-metodológica.
Estamos falando de um enfoque sociointeracionista sobre a prática de
produção de textos escritos.

1 Da redação à produção de textos

Antes de chegar à realidade atual, em que produzimos textos (alguém


que diz algo a outro alguém com determinada intenção, de dado modo),
tivemos diferentes abordagens dessa prática no meio escolar, com maior ou
menor ênfase à escrita, dependendo das concepções assumidas em cada
época. Segundo Guedes (2009, p. 88), as expressões composição, redação e
produção textual diferenciam-se por se “vincularem a teorias que expressam
diferentes formas de considerar não só a ação de escrever, a ação de ensinar a
escrever textos e a ação de exercitar a linguagem, mas também nossa própria
organização social”.

2 As modalidades de composição e de redação


Com base em uma retomada histórica do processo que envolve o
estudo de língua portuguesa no meio escolar, mais especificamente, do final
do século XVIII até meados do século XX, notamos que a ênfase, nessa
época, era dada ao ensino de regras gramaticais (normativas) e do exercício
de leitura, entendida, conforme esclarece Bunzen (2006, p. 141), “como uma
prática de decodificação e memorização de textos literários”. Nesse período,
a atividade da escrita, denominada composição, era exercitada somente nas
séries finais do ensino secundário, nas disciplinas de Retórica, Poética e
Literatura Nacional. A partir de títulos e de textos-modelo, o aluno deveria
escrever uma composição. Como vemos, tratava-se de um exercício de
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imitação, já que se partia de modelos pré-determinados, os quais deveriam


ser copiados, reproduzidos.

Foi por influência da Lei 5692/71 que, a partir da década de 70 (do


século XX), o exercício de redação ganhou espaço no ensino de língua. Essa
lei apontou mudanças no objetivo, na metodologia e no método de trabalhar a
língua materna. Os objetivos passaram a ser pragmáticos, com vistas a
desenvolver a postura do aluno como emissor e recebedor de mensagens, por
meio de códigos diversos, tanto verbais como não verbais.

Com essa abordagem, o ensino de língua passou a ser visto como atos
de comunicação e expressão; o texto foi definido como uma mensagem que
precisa ser decodificada pelo receptor; e a língua definida como um conjunto
de sinais (um sistema) que possibilita a decodificação da mensagem. Nesse
ínterim, construir um texto consistia em “submeter uma mensagem a uma
codificação, o que é, em certo sentido, uma visão bastante reducionista da
própria interação verbal, seja escrita ou oral, pois observa a língua de forma
monológica e a-histórica” (BUNZEN, 2006, p. 145).

Foi, no entanto, o Decreto Federal no 79.298, de 24 de fevereiro de


1977, que realmente impulsionou a adesão maciça da prática de redação na
escola, principalmente no ensino médio, a partir de janeiro de 1978. Esse
Decreto determinou que todas as Instituições que realizassem vestibulares
eram obrigadas a efetuar uma prova de redação na disciplina de língua
portuguesa. A decisão de obrigatoriedade de fazer redação para ingressar no
Ensino Superior redimensionou o currículo e a metodologia do ensino na
escola, principalmente, no nível médio. A partir de então, a comunidade
escolar devia optar por um desses caminhos: ou preparava o aluno para o
trabalho, oferecendo cursos profissionalizantes, ou, como acontecia na
maioria dos casos, preparava o aluno para passar no vestibular, dando ênfase
ao ensino de redação, principalmente do texto dissertativo, exigência da
maioria das Universidades e outras Instituições de ensino superior.

Muitos educadores acreditavam que essa medida melhoraria a qualidade


na capacidade do aluno de se expressar por escrito. Porém, diversos trabalhos
e pesquisas de estudiosos da linguagem, como é o caso de Pécora (1983),
Geraldi (1991) e Travaglia (2002), citando apenas alguns deles, mostraram e
atualmente continuam mostrando que o problema não estava na falha
linguística dos alunos, mas estava diretamente relacionado com as condições
de produção e do processo de ensino e aprendizagem da atividade de escrita,
realizada no meio escolar. Em síntese, o problema não estava na produção
dos alunos, mas nas concepções e na inadequação das propostas de produção
escrita, o que acabava afetando a qualidade do produto em si. Um processo
inadequado gerava um produto de baixa qualidade. O que estava faltando (e,
infelizmente, ainda está) era que o aluno pudesse assumir seu papel de
sujeito-autor ao produzir seus textos.

3 A produção de texto como processo de interação verbal


Inicialmente, a produção escrita era uma prática que recebia pouco
espaço no ensino e aprendizagem de língua na escola. Depois, embora tenha
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sido uma atividade realizada, inclusive com ênfase, principalmente no ensino


médio, acabou se tornando uma espécie de ajuste de contas entre professor e
aluno. Redigir um texto consistia em uma atividade árdua em que o aluno
deveria se postar diante da folha em branco e escrever sobre um assunto que,
muitas vezes, não tinha praticamente nada a dizer, por desconhecê-lo, já que
era uma escolha do professor e não sua e não teve a oportunidade de se
informar sobre o tema antes de se pronunciar sobre ele.

Nessas condições, a redação se tornou um exercício mecânico em que o


aluno redige um texto para que o professor aponte erros cometidos,
principalmente, os desvios gramaticais e de coesão, uma vez que esses são de
fácil identificação por estarem marcados na superfície do texto. Além disso, a
redação tem servido de instrumento para avaliar o desempenho do aluno no
conhecimento da língua padrão, única variedade linguística reconhecida no
meio escolar (avanços conquistados com os estudos da sociolinguística).

Estamos no século XXI, muitas descobertas foram feitas nos últimos


anos, em todas as áreas, principalmente no campo da comunicação, sendo
que as práticas de interação social vêm mudando com bastante rapidez. Eis
um dos papéis da escola: trazer essa realidade, via textos/gêneros textuais,
para ser trabalhada pelos alunos na aula de língua. Mas como estudar o texto?
Ou melhor, de que modo abordá-lo? Entendemos que o mais adequado seja
trabalhá-lo por meio de diferentes estratégias de leitura e de produção textual
(oral e escrita), prática didático-metodológica que, aos poucos, poderá
desenvolver a capacidade de expressão do aluno.

Já que elegemos o texto/gênero textual como objeto de estudo, é


fundamental que esse conceito seja delimitado. Quando nos referimos a texto,
estamos pensando em uma materialidade linguística de variada extensão, que
constitui um todo organizado de sentido, isto é, seja coerente e adequado à
comunicação (tanto oral como escrita) a qual se propõe, em determinada
situação social. Trata-se de uma produção verbal que exerce adequadamente
sua funcionalidade comunicativa. Para Koch (2003, p. 31), o texto consiste
em uma

manifestação verbal, constituída de elementos lingüísticos de diversas


ordens, selecionados e dispostos de acordo com as virtualidades que
cada língua põe à disposição dos falantes no curso de uma atividade
verbal, de modo a facultar aos interactantes não apenas a produção de
sentidos, como a de fundear a própria interação como prática
sociocultural.

Seguindo essa linha de pensamento, Marcuschi (2002, p. 24) define o


texto como “uma identidade concreta realizada materialmente e corporificada
em algum gênero textual”. Vemos, então, que o texto, ao circular
socialmente, sob uma enorme gama de gêneros textuais, pode ser desde um
enunciado, uma poesia, uma crônica, uma bula de remédio, uma receita
culinária, um e-mail, uma reportagem, uma charge, uma história em
quadrinhos, um edital, uma resenha crítica, um bilhete, um manual de
instrução até um romance de vários volumes. Para Pereira et al. (2006, 32), o
gênero textual “refere-se aos textos encontrados na vida diária que
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apresentam características sócio-comunicativas definidas pelo contexto de


produção, conteúdo, propriedades funcionais, estruturação do texto”.

Os gêneros textuais remetem aos diferentes formatos que os textos


assumem para desempenhar as mais diversas funções sociais, ressaltando
suas propriedades sociocomunicativas de funcionalidade e de
intencionalidade. Nesse sentido, são artefatos culturais historicamente
construídos pelo homem. Eles apresentam diferentes caracterizações, com
vocabulários específicos e empregos sintáticos apropriados, em conformidade
com a função social que exercem. Segundo Bronckart (1999, p. 48),
“conhecer um gênero de texto também é conhecer suas condições de uso, sua
pertinência, sua eficácia ou, de forma mais geral, sua adequação em relação
às características desse contexto social”.

Sendo assim, é de competência do professor de língua criar


oportunidades para que o aluno estude os mais diversos gêneros textuais, sua
estrutura e funcionalidade, para que se tornem capazes não só de reconhecê-
los e compreendê-los, mas também de construí-los de modo adequado, em
seus variados eventos sociais. Concordamos com o posicionamento de
Geraldi (2006), quando o autor especifica que o exercício dessas habilidades
proporcionará o desenvolvimento da competência comunicativa do aluno,
capacitando-o a um bom desempenho na sua vida diária, nas mais diversas
situações de interação verbal.

Segundo Brait (2002), ao estudar os gêneros textuais, precisamos levar


em conta diferentes aspectos que dizem respeito a seu processo de produção,
circulação e recepção. Suas condições de produção e de recepção remetem
ao fato de quem produz a mensagem e a quem ela é dirigida. Trata-se da
identidade social do produtor e do receptor. Já a circulação refere-se ao
veículo em que o dizer circula. Tudo isso remete à mensagem em si, ou seja,
explica porque aquilo é dito daquela maneira e não de tantos outros modos
possíveis. Para Marcuschi (2008, p. 149), “o trato dos gêneros diz respeito ao
trato da língua em seu cotidiano nas mais diversas formas”.

Como o leitor já deve ter notado, na medida em que trabalhamos o


texto/gênero textual em sala de aula, considerando seu caráter funcional, ou
seja, a partir do papel social que o texto exerce na sociedade, deixamos de
fazer redação para produzir textos. No entender de Geraldi (2006), o aluno
deixa de desempenhar o papel de função-aluno e passa a exercer o papel de
sujeito-aluno, aqui, no caso, o aluno assume o papel de sujeito de seu texto,
pois diz o que tem a dizer e não aquilo que o professor espera que ele diga.

Em outras palavras, abandonamos o exercício mecânico e sem sentido


de redigir um texto dissertativo para que o professor possa avaliar o
desempenho linguístico do aluno e passamos à prática social de interagir com
o outro por meio de gêneros textuais que circulam em nossa sociedade.
Passamos a produzir cartas pessoais e de opinião, editorial, charge, história
em quadrinho, poema, e-mail, blog, resenha crítica, resumo, receita culinária,
fábula, crônica, reportagem, ata, ofício, curriculum vitae, comunicação,
artigo científico, dissertação, tese e tantos outros mais.
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Em síntese, ao produzir um texto, o aluno deve assumir-me como


locutor, como sujeito de seu dizer, e isso implica que ele tenha o que dizer e
tenha razões para esse dizer; que ele saiba a quem dizer e com que finalidade
produz seu dizer. O conhecimento desses elementos linguísticos,
enunciativos e discursivos o auxilia na escolha das estratégias que constituem
seu dizer, na seleção dos mecanismos que determinam o modo de dizer,
enfim, na escolha do gênero textual a ser empregado em diferentes situações
sociais.

Outro aspecto interessante na passagem do ato de fazer redação para a


prática social de produção textual consiste nos possíveis leitores do texto
produzido. Quem disse que o texto construído em aula precisa sempre ser
lido somente pelo professor? E pior, sempre receber uma nota? Por que não
pode estar dirigido a um colega da turma, ou de outra série, ou a um amigo,
ou a leitores de um jornal, entre várias outras possibilidades? Essa mudança
de enfoque traz a tona outra questão: se o texto é visto como um processo de
interação entre interlocutores e não um produto final a ser avaliado, é digno
de ser refeito a partir do diálogo que o leitor estabelece ao procurar
compreendê-lo.

Surge, assim, um novo desafio à prática de produção textual no


processo de ensino e aprendizagem de língua materna: o texto é um processo,
portanto, se apresenta problemas tanto na abordagem do conteúdo, na
estrutura, como nas questões gramaticais, precisa ser reescrito. Isso nos faz
questionar qual é o papel do leitor, principalmente do professor, diante desse
texto. E ainda, de que modo o leitor pode dialogar com o autor, apontando
aspectos que podem melhorar a qualidade comunicativa de seu texto? Deve
usar grades, cartas finais, assinalar nas bordas, enfim, como proceder e
orientar os trabalhos de reescritura? Há uma fórmula ideal para interagir com
o texto do aluno? No dizer de Therezo (2008), o uso de indicadores, cartas
finais, ou mesmo grades são maneiras produtivas de mostrar ao autor em que
e como seu texto pode ser melhorado tanto em aspectos cognitivos,
estruturais, linguísticos, enunciativos como discursivos. Outro desafio do
ensino de língua: Como provocar e orientar a reescrita do texto do aluno?

4 A importância da reescrita no processo de produção


textual
O ato de escrever consiste em um processo que depende de várias
etapas para que possa ser realizado com sucesso. Para Antunes (2006, p.
168), escrever um texto consiste em “uma atividade que supõe informação,
conhecimento do objeto sobre o qual se vai discorrer, além, é claro, de outros
conhecimentos de ordem textual-discursiva e lingüística”.

Nesse contexto, é muito importante que o professor de língua tenha


clareza no que tange ao processo de produção de textos e suas diferentes
etapas, uma vez que essa prática docente vai muito além da simples atividade
de fazer um texto a partir de um título, de uma temática, de uma imagem ou
mesmo de um fragmento de outro texto. Há todo um trabalho de estudo, de
contextualização do assunto a ser abordado, antes de chegar à etapa de
produção em si. Além do conhecimento cognitivo, deve haver um estudo do
gênero a ser produzido, ou seja, é preciso delimitar quem escreve, para quem,
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com que finalidade, onde o texto circula, se a linguagem é mais ou menos


formal, qual o vocabulário mais adequado, entre outras questões dessa
natureza. É fundamental que haja conhecimento da estrutura da frase, do
parágrafo, do texto; e domínio de usos de elementos de coesão e linguísticos.
Enfim, o produtor de um texto deve ter conhecimento de vários elementos e
mecanismos implicados no processo de construir textos, tendo em mente que
se trata de uma prática social e não de um ato mecânico, destituído de
sentido.

Mas a sequência didática de produção textual ainda não está


completa, pois, houve a preparação e a produção. É chegado, então, outro
momento da interação social (da leitura e da compreensão) por parte de um
leitor, que pode ou não ser o professor. Quanto ao papel do leitor nesse
processo, compete a ele interagir, dialogar com o texto produzido. Mas como
fazer isso? No caso do professor-leitor, ele deve ler o texto não somente
levando em conta questões gramaticais e de coesão, que estão na superfície
do texto, mas conferir também o sentido produzido e todos os efeitos
enunciativos e discursivos envolvidos nesse processo. Entendemos que o
mestre deve apontar e orientar em que aspectos o autor pode melhorar seu
texto, de modo particular, e sua capacidade de se expressar por escrito, de
modo geral. E existem diferentes maneiras de dialogar com o texto: fazendo
indicações na borda, no corpo do texto ou no final, usando grades
previamente estabelecidas ou não. É fundamental também escrever uma
carta, orientado em que aspectos o texto pode ser aperfeiçoado.

Seguindo com o processo de escrita, o aluno-autor volta a ler seu texto,


observando as indicações feitas e o reescreve, reorganizando seu dizer. Como
vemos, essa etapa é bem mais complexa do que o simples ato de passar a
limpo. O número de vezes que o texto será reescrito vai depender das
condições didático-metodológicas de cada processo de escrita e do objetivo
final dessa prática. O importante é que o espaço de reescrita seja instituído e
efetuado no ensino de língua, na escola. Como vemos, a reescrita é parte
integrante do processo de escrita, na qual o aluno é estimulado a aperfeiçoar
seu texto, sob orientação de um leitor mais experiente que, boa parte das
vezes, será o professor.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Na medida em que o texto/gênero textual é reconhecido e trabalhado em


sala de aula, atuando em suas diversas situações sociais, tanto na prática de
leitura como de produção de textos, a língua passa a ser vista como um
processo de interação verbal e a manifestação falada ou escrita deixa de ser
um ato mecânico, destituído de significação. Em resumo, se professor e aluno
perceberem e trabalharem a língua como processo de interação, em que
alguém diz algo a outro alguém, com determinada intenção, o ato de se
expressar, tanto falando como escrevendo, começará a ser vivenciado como
algo significativo e útil não só nas aulas de língua, mas na convivência social
cotidiana. Com isso, o ensino de língua deixa de ser abordado como algo que
vai trazer benefícios no futuro e se torna uma prática importante para que o
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aluno interaja, desde já, no meio em que vive, em uma sociedade letrada, via
materialidade impressa e digital.

Sendo concebido como um processo social em que há no mínimo dois


interlocutores, a produção textual passa a levar em conta um autor e um
possível leitor-ouvinte, papel que, no processo escolar, boa parte das vezes é
desempenhado pelo professor. Tal concepção implica um diálogo, ou seja, ao
ler o texto do aluno, o professor precisa apontar tanto aspectos positivos
como aproveitar a oportunidade para indicar elementos em que o texto deve
ser aperfeiçoado, levando em conta questões linguísticas, textuais,
enunciativas e discursivas. Com essa abordagem, aos poucos, vai surgindo
mais espaço e interesse em reorganizar, reescrever os textos (dizeres)
produzidos. Resquícios dessa mudança, ainda que de forma tênue, já podem
ser percebidos nos livros didáticos de português produzidos nos últimos anos:
há uma tentativa de trabalhar a língua enquanto processo de interação verbal,
como trabalho social, e o texto sob uma perspectiva dos gêneros textuais.

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Persuadir com o Intuito de Desenvolver nos


Alunos o Hábito da Leitura

Elisson Souza de São José1

RESUMO

Este artigo tem por finalidade ser mais uma ferramenta de apoio ao professor para que
possa incentivar e motivar de forma eficaz o aluno a desenvolver o hábito de ler e
escrever. Assim sendo, ele vai mostrar algumas formas de persuadir o estudante a
gostar da leitura. A persuasão é fundamental quando o assunto é conquistar a turma, e
com o seu uso correto, não só o aluno como também o professor se beneficiará com os
bons resultados que serão obtidos. A maioria dos estudantes brasileiros, infelizmente,
não tem o hábito de ler, o que faz com que os educadores tenham que elaborar
estratégias e métodos capazes de mudar essa realidade. O presente artigo mostrará que
é possível persuadir de forma sadia, a ponto de ocasionar benefícios, não só para o
indivíduo como também para todos que convivem com ele. Para isso, é necessário
usar métodos motivadores e incentivadores que ajudem a encorajar o discente sobre a
importância da leitura. Na construção deste trabalho foi utilizado artigos e livros de
estudiosos na área de psicologia, de linguagem e de educação. Entre os pesquisadores
utilizados podemos citar Borg (2011), psicólogo que estuda a respeito da persuasão;
Joule e Beauvois (2010) professores universitários franceses que atuam na área da
psicologia e Carnegie (1981) estudioso da área de motivação e autor de um dos
grandes Best Seller mundial, Como fazer amigos e influenciar pessoas.

Palavras-chave: leitura; persuasão; motivação.

1
Contato do(a) autor(a): elisson.tj@hotmail.com. Formado em Português - Inglês
pela Universidade Tiradentes, especialista em Metodologia do Ensino de Língua
Inglesa e aluno do curso de especialização em piscopedagogia pela Universidade
Tiradentes; também é professor de inglês do Colégio Rabboni LTDA
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INTRODUÇÃO

Os professores são os profissionais mais importantes da sociedade [...]


apesar de serem profissionais nobilíssimos, os professores estão
inseridos em um sistema educacional doente, falido cambaleante [...]
Creio que mais de 95% das informações que são transmitidas aos
alunos não serão lembradas ou utilizadas [...] (CURY, 2008,
pp.125,126).

Os professores, principalmente da área de português, costumam ter


problemas quando o assunto é desenvolver em seus alunos o hábito de ler e
escrever. Esse problema não é novo, entretanto, devido ao avanço da
tecnologia e da grande disputa por uma vaga de emprego faz com que a sua
importância seja ainda maior, quando se trata de sobrevivência em um mundo
competitivo. Assim sendo, os alunos necessitam criar o bom hábito da leitura,
mas o que vem a ser ler?

Ler é atribuir diretamente um sentido a algo escrito [...] Ler é


questionar algo escrito como tal a parti de uma expectativa real
(necessidade-prazer) numa verdadeira situação de vida [...] Ler é ler
escritos reais, que vão desde um nome de rua numa placa até um livro,
passando por um cartaz, uma embalagem, um jornal, um panfleto, etc.
no momento em que se precisa realmente deles numa determinada
situação de vida (JOLIBERT, 1994, p15).

Sabendo de seu enorme valor, os pais deveriam ler para suas crianças
desde a infância (JOLIBERT, 1994, p.129). Pais leitores têm grande chance
de ter filhos com o mesmo costume, pois os filhos tendem a imitar os pais, no
entanto, nem sempre os responsáveis incentivam seus filhos ao bom costume,
pois estes também não têm o hábito de ler, e, ainda outros, costumam ler para
os filhos assuntos que não são do interesse destes. Por isso, devemos tomar
cuidado como tratamos o interesse de nossas crianças.

São vários os motivos que podem levar uma criança a não gostar de ler
e muito menos de escrever, contudo, elas não são as únicas culpadas. Os
grandes vilões são os responsáveis que convivem com elas, pois não as
motivam de forma persuasiva a ver a leitura como algo divertido e agradável,
mas pelo contrário, alguns pais tratam a leitura e o estudo como punição para
seus filhos, obrigando-os a estudar apenas quando fazem algo errado.

Para mudar a visão errônea que muitos jovens têm a respeito da leitura,
pois alguns veem como castigo, é necessário um bom preparo e uma boa
dedicação da parte dos educadores para que possam ajudar seus discentes a
terem uma visão da leitura como algo agradável e importante para a vida, e
não algo obrigatório e forçado, fazendo-os com que percam o interesse.
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Oralidade e Escrita na Prática Escolar
ISSN: 2177-4072

Contudo, é necessário saber persuadir o aprendiz de tal forma que este goste
de ler e faça isso de vontade própria.

Um instrumento poderoso que pode e deve ser usado pelos educadores é


a persuasão. Quando falamos em persuadir estamos nos referindo ao ato de
conquistar a confiança do ouvinte através de argumentações sólidas e
precisas. “Em suma, o poder da persuasão é aquela “fórmula mágica” que
gostaríamos de ter em mãos para facilitar a vida. Podemos defini-lo da
seguinte forma: qualquer mensagem que busque influenciar as opiniões,
atitudes ou ações das pessoas” (BORG, 2011, p.12).

A arte de persuadir não é nova. Sua origem é desconhecida, mas sabe-se


que já era utilizada pelos grandes filósofos gregos da antiguidade, tais como
Aristóteles (384-322 a.C.), que considerava a persuasão como uma arte
(BORG, 2011, p.18). Portanto, vejamos a partir de agora algumas formas
corretas de persuadir.

1 A Forma eficaz de Persuadir o Aluno a Leitura

A eficácia da persuasão está mais voltada para a emoção do que para a


razão. De acordo com Borg (2011), o ser humano coloca a emoção acima da
razão. Ele diz: “diversos estudos demonstram que, de modo geral o elemento
subconsciente (ou emocional) é o motivo principal pelo qual se toma uma
decisão (BORG, 2011, p.19).”

Um exemplo que pode facilitar o entendimento é: digamos que o


gerente de uma grande empresa tenha em mãos dois currículos: um é de seu
melhor amigo de infância – pouco qualificado- e o outro é de um
desconhecido- qualificado para o trabalho- qual ele daria a oportunidade de
trabalhar na empresa? Sem sombra de dúvida seria ao amigo.

O exemplo acima mostra claramente a importância de o professor levar


em consideração os sentimentos – o emocional - dos seus estudantes,
principalmente quando querem convencê-los que algo é importante. Então,
antes de apenas dizer que os estudantes devem ler e que isso é essencial para
eles ou até mesmo pegar um livro enorme sobre assuntos que eles jamais
leriam por vontade própria, é necessário emocioná-los.

“A persuasão depende da emoção, da sugestão e da crença. O poder


falar sobre tudo e convencer a todos sobre tudo é uma habilidade
técnica importante para vida social e política” (PAVIANI, 2001,
p.30).

Uma forma que pode dar certo é elogiar bastante a turma, no entanto, o
professor tem que tomar o cuidado para que sua linguagem corporal esteja de
acordo com o que está sendo dito, caso contrário a turma não se renderá aos
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“encantos”. Todos os seres humanos gostam de ser elogiados, e quando isso é


feito da forma certa pode ser usado como uma ferramenta poderosa.
“Elogios, palavras afetuosas, incentivo e compreensão são capazes de entrar
na mente de uma pessoa e curar a alma [...] Homens e mulheres sábios usam
palavras para levantar a moral do próximo, curar suas feridas e aumentar sua
auto-estima” (SCOTT, 2008, p.51).

Nenhum estudante gosta de ser criticado ou mesmo pressionado a fazer


algo que não quer. Muitas vezes eles ficam chateados ou começam a detestar
os professores que apenas se preocupam em cobrar deles sem se importar
com seus sentimentos. Pressionar o indivíduo de forma descontrolada só
servirá para magoá-lo, o que trará consequências desastrosas. “O elogio
honesto produz resultado onde a crítica e a ridicularização falharam. Magoar
as pessoas não apenas não as modificam como jamais as despertam para suas
atividades” (CARNEGIE, 1981, p.60). Em outras palavras, se não
conquistarmos o estudante, infelizmente, o proveito da aula será mínimo e
desgastante para ambas as partes.

Um meio muito eficaz e perigoso2 de incentivo a leitura é a premiação.


Esse método pode ser aplicado pelos pais. Os filhos sempre costumam pedir
presentes aos pais, todavia, essa é uma boa oportunidade de aproveitar a
situação. O pai pode dizer que vai dar o presente ao filho, mas antes gostaria
que o filho fizesse algo por ele que seria ler algum livro diariamente 3.

2 A Persuasão contra o medo de Ler em Público

Muitos adultos detestam ler em público e ficam nervosos quando


confrontados por chefes, professores ou outra autoridade que os colocam em
frente com este problema. Isso ocorre muitas vezes porque a mente deles está
preocupada demais com a reação de seus ouvintes, caso este leia errado, o
que aumenta ainda mais o nervosismo e a gagueira do leitor. Muitas das
vezes o problema está na infância e na forma como seus educadores o
trataram.

Todos os seres humanos costumam ter dificuldade em alguns aspectos


escolares. Alguns na leitura, outros na matemática; mas o mais importante é
que ninguém é bom em tudo. Quando uma criança está nervosa ela precisa da
ajuda de um ser competente que a estimule e que a incentive a não desistir.

Os comportamentos de uma pessoa não só alteram as condições do


ambiente, mas, por sua vez, também são afetadas por alterações que
ocorrem neste ambiente. [...] Os comportamentos das pessoas
presentes são uma das circunstâncias que podem afetar o
comportamento do sujeito (DANNA E MATOS, 2006, pp. 86 e 88).

2
Quando feito de forma errada o aluno passa a ver a leitura apenas como um
meio para conseguir realizar seu desejo.
3
É aconselhável que o próprio filho escolha de princípio os livros que irá ler,
pois o intuito principal é fazê-lo criar gosto pela leitura.
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Quando o instrutor o convence através de argumentos sólidos, o


instruído aumenta o seu autoestima e perde o medo de falar em público, de
princípio pode parecer difícil, mas vale o esforço tentar.

Exemplo: o professor pode antes de mandar um aluno tímido ler, pedir


para que outro aluno mais extrovertido leia, com o intuito de que o aluno
acanhado possa relaxar e diminuir assim o seu nervosismo; ou ainda, poderá
avisá-lo antecipadamente para que ele possa treinar, e ainda pode relembrar
que todos estão na escola para aprender, caso eles já soubessem tudo
corretamente não teriam necessidade de estarem ali. Cabe ao responsável
analisar qual a melhor forma de persuadir o aluno.

É importante também que o professor não corrija várias vezes o aluno


durante a leitura em sala, pois esta ação irá não só aumentar o nervosismo do
estudante como aumentará as chances dele continuar errando. Seria melhor
que ao término da leitura o professor falasse em particular com ele e assim
evitaria deboches dos demais membros da turma. ‘Jamais o responsável pela
classe deve criticar o desempenho do aluno que não atingir o nível dos
demais do grupo, isso apenas prejudicaria o desenvolvimento do
individuo’(JOSÉ, 2010, p. 10).

Quando persuadido de forma correta e levando sempre em conta o


sentimento do aluno, ele passará a ver os estudos como algo agradável e não
com temor. Devemos lembrar que, em muitos casos, o futuro do aluno
dependerá de como eles foram tratados quando ainda estavam em idade
escolar. “Quando os sentimentos são negados, o aluno se sente rapidamente
desmotivado. [...] Quando os sentimentos negativos são identificados e
aceitos, o aluno se sente motivado a esforça-se” (FABER e MAZLISH, 1995,
pp.26, 27).

3 Resultados obtidos por persuadir de forma eficaz

Quando feito de forma correta tanto o orientador quanto o orientando


saem ganhando. O aluno passará a gostar da leitura e fará isso de forma
natural, sem a necessidade da cobrança dos pais ou dos professores. Já os
educadores, são beneficiados por ajudar aquele jovem a se tornar um cidadão
mais desenvolvido intelectualmente e com maiores chances de se tornar uma
pessoa bem sucedida na vida.

A leitura ajuda a melhorar tanto a escrita como a fala. As vantagens são


incontáveis. Quem ler tem um amplo vocabulário o que fará com que se
expresse melhor em diferentes situações da vida, sejam em momentos
formais ou informais.
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As vantagens vão além dos momentos vividos pela criança em sala de


aula. Sem dúvida, o hábito saudável irá ajudar, principalmente, quando ela se
tornar adulta, pois a leitura será ainda mais importante, tanto para passar em
um concurso público quanto para sua formação pessoal e profissional.

Muitos dos seus benefícios não costumam ser percebidos de princípio


pelos estudantes, mas pode ter certeza que a forma como é posta pelos pais e
pelos orientadores do jovem aprendiz influenciará de forma positiva ou
negativa no futuro da criança. Isso será claramente visto em um momento
posterior, quando ela, já adulta, for estudar para um concurso ou mesmo para
se atualizar. Ela terá mais facilidade de entender, interpretar e até mesmo de
aprender algo novo.

O poder da argumentação juntamente com as técnicas de


direcionamento poderão transformar um simples estudante em um futuro
profissional capacitado e preparado para suas atividades diárias. No entanto,
devemos ter em mente que os alvos não são atingidos simplesmente de um
dia para o outro. É necessário trabalhar passo a passo e “ganhar terreno aos
poucos”, ou seja, conquistando a confiança do jovem devagar, sem correr o
risco de perder todo o processo já trabalhado.

CONCLUSÃO

O hábito de ler infelizmente é muito pequeno no Brasil, e se os


professores em conjunto com os demais responsáveis pela educação na
sociedade brasileira, lamentavelmente não agirem de forma eficaz, este
problema tenderá a crescer gradativamente.

O professor, desde a educação infantil até a universitária, sempre teve


um dos papeis mais importante na sociedade, o de transmitir valores. Ele é o
elemento principal, juntamente com os pais, para a formação e
desenvolvimento intelectual do indivíduo.

O professor, como pessoa realizada e com a auto-estima elevada,


poderá, assim, projetar em seus alunos um modelo de adulto que os
motive e ajude a conseguir um formação pessoal similar. Para isso,
contudo, é necessário estar ciente do que se deve mudar na educação
(VOLI, 2002, p.15).

Portanto, é necessária uma boa preparação e uma


formação continuada, por parte do professor, para que não deixe sua aula
cansativa e desestimuladora para o estudante. Pois, se assim fizer, todos
sairão ganhando, principalmente as pessoas que convivem com ela.
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A lei 9394 de 20 de dezembro de 1996, Lei de Diretrizes e Bases da


Educação Nacional - LDB - diz claramente que o desenvolvimento pleno da
leitura e da escrita deve fazer parte da formação básica de um cidadão e
para fazer cumpri-la é necessário que o educadores participem dela com
deteminação . Ela diz:

Art. 32. O ensino fundamental, com duração mínima de oito anos,


obrigatório e gratuito na escola pública, terá por objetivo a formação
básica do cidadão, mediante:
I - o desenvolvimento da capacidade de aprender, tendo como meios
básicos o pleno domínio da leitura, da escrita e do cálculo; (BRASIL,
1996).

Infelizmente, o cumprimento das legislações caminha em marcha lenta,


mas a cada dia mais pessoas estão sendo beneficiadas. O governo do Brasil
tem o desafio de atender aos diversos cidadãos que necessitam de uma boa
formação e capacitação, e a leitura é fundamental para que isso ocorra.

Portanto, os orientadores devem estar preparados para trabalhar de todas


as formas possíveis, para introduzir essa habilidade em seus orientandos, e
uma forma eficaz de conseguir atingir esse objetivo é persuadindo de forma
correta de acordo com o que foi mostrado no presente artigo.

REFERÊNCIAS

BRASIL, lei 9394, de 20 de dezembro de 1996. Lei de Diretrizes e Bases da


Educação Nacional. Senado federal: subsecretaria de informações. Brasília,
1996. Disponível em:
http://www6.senado.gov.br/legislacao/ListaTextoIntegral.action?id=75723 .
Acesso em: 02 de abril de 2012.
BORG, James. A arte da persuasão: consiga tudo o quer sem precisar pedir.
São Paulo: Saraiva, 2011.
CARNEGIE, Dale. Como fazer amigos e influenciar pessoas. Companhia
Editora Nacional, 1981.
CURY, A. O código da inteligência: a formação de mentes brilhantes e a
busca pela excelência emocional e profissional. Rio de janeiro. Thomas
Nelson Brasil/ Ediouro, 2008.
DANNA, M. F.; MATOS, M. A. Aprendendo a observar. São Paulo:
EDICON, 2006.
FABER, Adele; MAZLISH, Elaine. Como falar para o aluno aprender.
São Paulo, Summus editorial: 1995.
JOULE, R. V.; BEAUVOIS, J. L. Como Manipular Pessoas: para uso
exclusivo de pessoas de bem. Ribeirão Preto – Sp: Editora Novo Conceito,
2010.
JOLIBERT, Josette. Formando crianças leitoras. Porto Alegre: Artmed,
1994.
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JOSÉ. E. S. S. A necessidade de despertar nos alunos interesse pelo


estudo de Língua Inglesa nos dias atuais. 15f. Artigo (especialização em
metodologia do ensino de Língua Inglesa), Faculdade Atlântico, Aracaju-SE,
2010.
PAVIANI, Jayme. Filosofia e método em Platão. Porto Alegre.
EDIPUCRS, 2001.
SCOTT, Steven K. Salomão o homem mais rico que existiu. Rio de
Janeiro: Sextante, 2008.
VOLI, Fanco. A auto-estima do professor: manual de reflexão e ação
educativa. São Paulo, Edições Loyola, 2002.
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Persuadir com o Intuito de Desenvolver nos


Alunos o Hábito da Leitura

Elisson Souza de São José1

RESUMO

Este artigo tem por finalidade ser mais uma ferramenta de apoio ao professor para que
possa incentivar e motivar de forma eficaz o aluno a desenvolver o hábito de ler e
escrever. Assim sendo, ele vai mostrar algumas formas de persuadir o estudante a
gostar da leitura. A persuasão é fundamental quando o assunto é conquistar a turma, e
com o seu uso correto, não só o aluno como também o professor se beneficiará com os
bons resultados que serão obtidos. A maioria dos estudantes brasileiros, infelizmente,
não tem o hábito de ler, o que faz com que os educadores tenham que elaborar
estratégias e métodos capazes de mudar essa realidade. O presente artigo mostrará que
é possível persuadir de forma sadia, a ponto de ocasionar benefícios, não só para o
indivíduo como também para todos que convivem com ele. Para isso, é necessário
usar métodos motivadores e incentivadores que ajudem a encorajar o discente sobre a
importância da leitura. Na construção deste trabalho foi utilizado artigos e livros de
estudiosos na área de psicologia, de linguagem e de educação. Entre os pesquisadores
utilizados podemos citar Borg (2011), psicólogo que estuda a respeito da persuasão;
Joule e Beauvois (2010) professores universitários franceses que atuam na área da
psicologia e Carnegie (1981) estudioso da área de motivação e autor de um dos
grandes Best Seller mundial, Como fazer amigos e influenciar pessoas.

Palavras-chave: leitura; persuasão; motivação.

1
Contato do(a) autor(a): elisson.tj@hotmail.com. Formado em Português - Inglês
pela Universidade Tiradentes, especialista em Metodologia do Ensino de Língua
Inglesa e aluno do curso de especialização em piscopedagogia pela Universidade
Tiradentes; também é professor de inglês do Colégio Rabboni LTDA
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INTRODUÇÃO

Os professores são os profissionais mais importantes da sociedade [...]


apesar de serem profissionais nobilíssimos, os professores estão
inseridos em um sistema educacional doente, falido cambaleante [...]
Creio que mais de 95% das informações que são transmitidas aos
alunos não serão lembradas ou utilizadas [...] (CURY, 2008,
pp.125,126).

Os professores, principalmente da área de português, costumam ter


problemas quando o assunto é desenvolver em seus alunos o hábito de ler e
escrever. Esse problema não é novo, entretanto, devido ao avanço da
tecnologia e da grande disputa por uma vaga de emprego faz com que a sua
importância seja ainda maior, quando se trata de sobrevivência em um mundo
competitivo. Assim sendo, os alunos necessitam criar o bom hábito da leitura,
mas o que vem a ser ler?

Ler é atribuir diretamente um sentido a algo escrito [...] Ler é


questionar algo escrito como tal a parti de uma expectativa real
(necessidade-prazer) numa verdadeira situação de vida [...] Ler é ler
escritos reais, que vão desde um nome de rua numa placa até um livro,
passando por um cartaz, uma embalagem, um jornal, um panfleto, etc.
no momento em que se precisa realmente deles numa determinada
situação de vida (JOLIBERT, 1994, p15).

Sabendo de seu enorme valor, os pais deveriam ler para suas crianças
desde a infância (JOLIBERT, 1994, p.129). Pais leitores têm grande chance
de ter filhos com o mesmo costume, pois os filhos tendem a imitar os pais, no
entanto, nem sempre os responsáveis incentivam seus filhos ao bom costume,
pois estes também não têm o hábito de ler, e, ainda outros, costumam ler para
os filhos assuntos que não são do interesse destes. Por isso, devemos tomar
cuidado como tratamos o interesse de nossas crianças.

São vários os motivos que podem levar uma criança a não gostar de ler
e muito menos de escrever, contudo, elas não são as únicas culpadas. Os
grandes vilões são os responsáveis que convivem com elas, pois não as
motivam de forma persuasiva a ver a leitura como algo divertido e agradável,
mas pelo contrário, alguns pais tratam a leitura e o estudo como punição para
seus filhos, obrigando-os a estudar apenas quando fazem algo errado.

Para mudar a visão errônea que muitos jovens têm a respeito da leitura,
pois alguns veem como castigo, é necessário um bom preparo e uma boa
dedicação da parte dos educadores para que possam ajudar seus discentes a
terem uma visão da leitura como algo agradável e importante para a vida, e
não algo obrigatório e forçado, fazendo-os com que percam o interesse.
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Contudo, é necessário saber persuadir o aprendiz de tal forma que este goste
de ler e faça isso de vontade própria.

Um instrumento poderoso que pode e deve ser usado pelos educadores é


a persuasão. Quando falamos em persuadir estamos nos referindo ao ato de
conquistar a confiança do ouvinte através de argumentações sólidas e
precisas. “Em suma, o poder da persuasão é aquela “fórmula mágica” que
gostaríamos de ter em mãos para facilitar a vida. Podemos defini-lo da
seguinte forma: qualquer mensagem que busque influenciar as opiniões,
atitudes ou ações das pessoas” (BORG, 2011, p.12).

A arte de persuadir não é nova. Sua origem é desconhecida, mas sabe-se


que já era utilizada pelos grandes filósofos gregos da antiguidade, tais como
Aristóteles (384-322 a.C.), que considerava a persuasão como uma arte
(BORG, 2011, p.18). Portanto, vejamos a partir de agora algumas formas
corretas de persuadir.

1 A Forma eficaz de Persuadir o Aluno a Leitura

A eficácia da persuasão está mais voltada para a emoção do que para a


razão. De acordo com Borg (2011), o ser humano coloca a emoção acima da
razão. Ele diz: “diversos estudos demonstram que, de modo geral o elemento
subconsciente (ou emocional) é o motivo principal pelo qual se toma uma
decisão (BORG, 2011, p.19).”

Um exemplo que pode facilitar o entendimento é: digamos que o


gerente de uma grande empresa tenha em mãos dois currículos: um é de seu
melhor amigo de infância – pouco qualificado- e o outro é de um
desconhecido- qualificado para o trabalho- qual ele daria a oportunidade de
trabalhar na empresa? Sem sombra de dúvida seria ao amigo.

O exemplo acima mostra claramente a importância de o professor levar


em consideração os sentimentos – o emocional - dos seus estudantes,
principalmente quando querem convencê-los que algo é importante. Então,
antes de apenas dizer que os estudantes devem ler e que isso é essencial para
eles ou até mesmo pegar um livro enorme sobre assuntos que eles jamais
leriam por vontade própria, é necessário emocioná-los.

“A persuasão depende da emoção, da sugestão e da crença. O poder


falar sobre tudo e convencer a todos sobre tudo é uma habilidade
técnica importante para vida social e política” (PAVIANI, 2001,
p.30).

Uma forma que pode dar certo é elogiar bastante a turma, no entanto, o
professor tem que tomar o cuidado para que sua linguagem corporal esteja de
acordo com o que está sendo dito, caso contrário a turma não se renderá aos
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“encantos”. Todos os seres humanos gostam de ser elogiados, e quando isso é


feito da forma certa pode ser usado como uma ferramenta poderosa.
“Elogios, palavras afetuosas, incentivo e compreensão são capazes de entrar
na mente de uma pessoa e curar a alma [...] Homens e mulheres sábios usam
palavras para levantar a moral do próximo, curar suas feridas e aumentar sua
auto-estima” (SCOTT, 2008, p.51).

Nenhum estudante gosta de ser criticado ou mesmo pressionado a fazer


algo que não quer. Muitas vezes eles ficam chateados ou começam a detestar
os professores que apenas se preocupam em cobrar deles sem se importar
com seus sentimentos. Pressionar o indivíduo de forma descontrolada só
servirá para magoá-lo, o que trará consequências desastrosas. “O elogio
honesto produz resultado onde a crítica e a ridicularização falharam. Magoar
as pessoas não apenas não as modificam como jamais as despertam para suas
atividades” (CARNEGIE, 1981, p.60). Em outras palavras, se não
conquistarmos o estudante, infelizmente, o proveito da aula será mínimo e
desgastante para ambas as partes.

Um meio muito eficaz e perigoso2 de incentivo a leitura é a premiação.


Esse método pode ser aplicado pelos pais. Os filhos sempre costumam pedir
presentes aos pais, todavia, essa é uma boa oportunidade de aproveitar a
situação. O pai pode dizer que vai dar o presente ao filho, mas antes gostaria
que o filho fizesse algo por ele que seria ler algum livro diariamente 3.

2 A Persuasão contra o medo de Ler em Público

Muitos adultos detestam ler em público e ficam nervosos quando


confrontados por chefes, professores ou outra autoridade que os colocam em
frente com este problema. Isso ocorre muitas vezes porque a mente deles está
preocupada demais com a reação de seus ouvintes, caso este leia errado, o
que aumenta ainda mais o nervosismo e a gagueira do leitor. Muitas das
vezes o problema está na infância e na forma como seus educadores o
trataram.

Todos os seres humanos costumam ter dificuldade em alguns aspectos


escolares. Alguns na leitura, outros na matemática; mas o mais importante é
que ninguém é bom em tudo. Quando uma criança está nervosa ela precisa da
ajuda de um ser competente que a estimule e que a incentive a não desistir.

Os comportamentos de uma pessoa não só alteram as condições do


ambiente, mas, por sua vez, também são afetadas por alterações que
ocorrem neste ambiente. [...] Os comportamentos das pessoas
presentes são uma das circunstâncias que podem afetar o
comportamento do sujeito (DANNA E MATOS, 2006, pp. 86 e 88).

2
Quando feito de forma errada o aluno passa a ver a leitura apenas como um
meio para conseguir realizar seu desejo.
3
É aconselhável que o próprio filho escolha de princípio os livros que irá ler,
pois o intuito principal é fazê-lo criar gosto pela leitura.
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Quando o instrutor o convence através de argumentos sólidos, o


instruído aumenta o seu autoestima e perde o medo de falar em público, de
princípio pode parecer difícil, mas vale o esforço tentar.

Exemplo: o professor pode antes de mandar um aluno tímido ler, pedir


para que outro aluno mais extrovertido leia, com o intuito de que o aluno
acanhado possa relaxar e diminuir assim o seu nervosismo; ou ainda, poderá
avisá-lo antecipadamente para que ele possa treinar, e ainda pode relembrar
que todos estão na escola para aprender, caso eles já soubessem tudo
corretamente não teriam necessidade de estarem ali. Cabe ao responsável
analisar qual a melhor forma de persuadir o aluno.

É importante também que o professor não corrija várias vezes o aluno


durante a leitura em sala, pois esta ação irá não só aumentar o nervosismo do
estudante como aumentará as chances dele continuar errando. Seria melhor
que ao término da leitura o professor falasse em particular com ele e assim
evitaria deboches dos demais membros da turma. ‘Jamais o responsável pela
classe deve criticar o desempenho do aluno que não atingir o nível dos
demais do grupo, isso apenas prejudicaria o desenvolvimento do
individuo’(JOSÉ, 2010, p. 10).

Quando persuadido de forma correta e levando sempre em conta o


sentimento do aluno, ele passará a ver os estudos como algo agradável e não
com temor. Devemos lembrar que, em muitos casos, o futuro do aluno
dependerá de como eles foram tratados quando ainda estavam em idade
escolar. “Quando os sentimentos são negados, o aluno se sente rapidamente
desmotivado. [...] Quando os sentimentos negativos são identificados e
aceitos, o aluno se sente motivado a esforça-se” (FABER e MAZLISH, 1995,
pp.26, 27).

3 Resultados obtidos por persuadir de forma eficaz

Quando feito de forma correta tanto o orientador quanto o orientando


saem ganhando. O aluno passará a gostar da leitura e fará isso de forma
natural, sem a necessidade da cobrança dos pais ou dos professores. Já os
educadores, são beneficiados por ajudar aquele jovem a se tornar um cidadão
mais desenvolvido intelectualmente e com maiores chances de se tornar uma
pessoa bem sucedida na vida.

A leitura ajuda a melhorar tanto a escrita como a fala. As vantagens são


incontáveis. Quem ler tem um amplo vocabulário o que fará com que se
expresse melhor em diferentes situações da vida, sejam em momentos
formais ou informais.
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As vantagens vão além dos momentos vividos pela criança em sala de


aula. Sem dúvida, o hábito saudável irá ajudar, principalmente, quando ela se
tornar adulta, pois a leitura será ainda mais importante, tanto para passar em
um concurso público quanto para sua formação pessoal e profissional.

Muitos dos seus benefícios não costumam ser percebidos de princípio


pelos estudantes, mas pode ter certeza que a forma como é posta pelos pais e
pelos orientadores do jovem aprendiz influenciará de forma positiva ou
negativa no futuro da criança. Isso será claramente visto em um momento
posterior, quando ela, já adulta, for estudar para um concurso ou mesmo para
se atualizar. Ela terá mais facilidade de entender, interpretar e até mesmo de
aprender algo novo.

O poder da argumentação juntamente com as técnicas de


direcionamento poderão transformar um simples estudante em um futuro
profissional capacitado e preparado para suas atividades diárias. No entanto,
devemos ter em mente que os alvos não são atingidos simplesmente de um
dia para o outro. É necessário trabalhar passo a passo e “ganhar terreno aos
poucos”, ou seja, conquistando a confiança do jovem devagar, sem correr o
risco de perder todo o processo já trabalhado.

CONCLUSÃO

O hábito de ler infelizmente é muito pequeno no Brasil, e se os


professores em conjunto com os demais responsáveis pela educação na
sociedade brasileira, lamentavelmente não agirem de forma eficaz, este
problema tenderá a crescer gradativamente.

O professor, desde a educação infantil até a universitária, sempre teve


um dos papeis mais importante na sociedade, o de transmitir valores. Ele é o
elemento principal, juntamente com os pais, para a formação e
desenvolvimento intelectual do indivíduo.

O professor, como pessoa realizada e com a auto-estima elevada,


poderá, assim, projetar em seus alunos um modelo de adulto que os
motive e ajude a conseguir um formação pessoal similar. Para isso,
contudo, é necessário estar ciente do que se deve mudar na educação
(VOLI, 2002, p.15).

Portanto, é necessária uma boa preparação e uma


formação continuada, por parte do professor, para que não deixe sua aula
cansativa e desestimuladora para o estudante. Pois, se assim fizer, todos
sairão ganhando, principalmente as pessoas que convivem com ela.
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A lei 9394 de 20 de dezembro de 1996, Lei de Diretrizes e Bases da


Educação Nacional - LDB - diz claramente que o desenvolvimento pleno da
leitura e da escrita deve fazer parte da formação básica de um cidadão e
para fazer cumpri-la é necessário que o educadores participem dela com
deteminação . Ela diz:

Art. 32. O ensino fundamental, com duração mínima de oito anos,


obrigatório e gratuito na escola pública, terá por objetivo a formação
básica do cidadão, mediante:
I - o desenvolvimento da capacidade de aprender, tendo como meios
básicos o pleno domínio da leitura, da escrita e do cálculo; (BRASIL,
1996).

Infelizmente, o cumprimento das legislações caminha em marcha lenta,


mas a cada dia mais pessoas estão sendo beneficiadas. O governo do Brasil
tem o desafio de atender aos diversos cidadãos que necessitam de uma boa
formação e capacitação, e a leitura é fundamental para que isso ocorra.

Portanto, os orientadores devem estar preparados para trabalhar de todas


as formas possíveis, para introduzir essa habilidade em seus orientandos, e
uma forma eficaz de conseguir atingir esse objetivo é persuadindo de forma
correta de acordo com o que foi mostrado no presente artigo.

REFERÊNCIAS

BRASIL, lei 9394, de 20 de dezembro de 1996. Lei de Diretrizes e Bases da


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ISSN: 2177-4072

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Argumentação no Livro Didático:


análise de um capítulo de Cereja e Magalhãesi

Márcia Regina Curado Pereira Mariano1

RESUMO

Poucas são as oportunidades encontradas pelos alunos para argumentar em sala de


aula, embora se reconheça a importância da argumentação no uso efetivo da
linguagem. A partir dessa constatação, nosso objetivo é refletir sobre o lugar da
argumentação no ensino de Língua Portuguesa atualmente e revelar a importância do
oferecimento de uma gama variada de textos que permitam que o aluno construa seu
próprio ponto de vista sobre questões polêmicas e importantes. Com essa finalidade,
analisamos um capítulo do livro didático Português: Linguagens, de Willian Roberto
Cereja e Thereza Cochar Magalhães, publicado em 2005, um volume único
direcionado para o Ensino Médio e composto por 9 unidades divididas em 52
capítulos que abordam questões de Língua Portuguesa, Linguística e Literatura. A
partir da análise, observamos que ainda hoje há espaço para os exercícios de
argumentação nas aulas de Língua Portuguesa, cabendo não só ao livro didático, mas
também aos professores, disponibilizar para os alunos atividades que desenvolvam
sua capacidade de argumentar e que permitam que eles se transformem em sujeitos
críticos e socialmente ativos. Para desenvolver este trabalho, baseamo-nos em tipos de
argumentos apresentados por Perelman e Tyteca no Tratado da Argumentação,
publicado originalmente em 1958, obra que retoma os conceitos da Retórica
aristotélica e que marca o início das neo-retóricas.

Palavras-chave: Argumentação. Livro didático. Ensino. Sala de aula.

1
Contato do(a) autor(a): ma.rcpmariano@gmail.com. Professora Adjunta do
Departamento de Letras da Universidade Federal de Sergipe (DLI-UFS)
Grupo de Estudos e Pesquisa
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INTRODUÇÃO

A argumentação na linguagem está relacionada às situações de conflito,


de controvérsia, de diferentes pontos de vista, valores, crenças, ideologias.
Caracteriza-se pela busca do enunciador de modificar o enunciatário, de fazê-
lo aderir a sua tese ou a seu modo de ver o mundo. Como sempre agimos
sobre o outro no uso concreto da linguagem, esta é, naturalmente,
argumentativa.

A preocupação com a argumentação no ensino tem se mostrado presente


em trabalhos tanto da área da Educação, quanto da área de Letras, e foi
privilegiada por nós em nossa tese de doutorado, defendida em 2007 e
intitulada As Figuras de Argumentação como estratégias discursivas. Um
estudo em avaliações no ensino superior (MARIANO, 2007). Tendo como
corpus avaliações de alunos ingressantes em cursos de Letras, nosso objetivo
principal foi analisar discursivamente as estratégias utilizadas pelos alunos
para persuadir o professor em provas escritas, mais especificamente, os
argumentos que causam a sensação de surpresa ou de inesperado, e que
caracterizam as figuras de argumentação e retórica, segundo Perelman e
Tyteca, no Tratado da Argumentação, publicado em 1958. A análise dos
dados nos permitiu observar que o aluno busca persuadir o professor por
meio de diferentes estratégias argumentativas, esperadas e inesperadas, que
fornecem indícios dos ethé (imagens discursivas construídas no
discurso/identidades discursivas) dos alunos e revelam também a imagem
discursiva do outro, o professor. Notamos, ainda, que poucas questões das
provas analisadas permitiam que o aluno demonstrasse seu conhecimento e
sua capacidade de argumentar.

Voltando no tempo, vemos que os exercícios de argumentação fizeram


parte do cotidiano escolar da Antiguidade até o século XIX, quando a
Retórica, desmoralizada, foi deixada de lado nos currículos para abrir espaço
para as ciências objetivas. Hoje, poucas são as oportunidades encontradas
pelos alunos para argumentar em sala de aula, embora se reconheça a
importância da argumentação no uso efetivo da linguagem. A partir dessa
constatação, nosso objetivo, neste artigo, é refletir sobre a importância da
argumentação no ensino de Língua Portuguesa na atualidade. Com essa
finalidade, analisamos parte de um capítulo do livro didático Português:
linguagens, de Cereja e Magalhães, publicado em 2005. A partir da análise,
observamos que há lugar para a argumentação nas aulas de Língua
Portuguesa, cabendo não só ao livro didático, mas também aos professores,
aproveitar esse espaço para desenvolver nos alunos a capacidade de
argumentar, transformando-os em sujeito críticos.

1 A Retórica aristotélica e os estudos da argumentação


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Na história Ocidental, o surgimento da Retórica data do século V a.C., e


o que conhecemos como Retórica Antiga tem seu reinado até o século XIX
d.C. Segundo Fonseca (2001, p.101), o primeiro tratado retórico – a Teoria
Retórica de Córax e Tísias – apareceu, mais especificamente, por volta de
465 a.C na Sicília. Esse surgimento da Retórica, segundo Mosca, “prende-se
à luta reivindicatória de defesa de terras na Sicília, que haviam caído em
poder de usurpadores” (2001, p. 26). Governada por dois tiranos que haviam
retirado moradores de suas terras para entregá-las aos soldados, a Sicília
passava por conflitos. Os proprietários prejudicados abriram longos
processos para reaver suas terras. Nesse contexto político surge a Retórica,
relacionada, desde sua gênese, às situações de controvérsia.

A Retórica viveu uma época de ouro, tanto na Grécia quanto em Roma,


e passou a ser disciplina obrigatória nas escolas. A redução dos estudos
retóricos às figuras ou tropos, no entanto, fez com que a Retórica perdesse
espaço, na Idade Média, para as ciências exatas, para a Lógica e para a
Gramática e virasse sinônimo de discurso “florido” e “vazio”. Na segunda
metade do século XX, as questões retóricas retornam aos estudos da
linguagem, valorizando o estudo da persuasão, como em Aristóteles (2011), e
tentando apagar essa noção estreita de retórica.

A recuperação das noções aristotélicas, realizada, sobretudo, por


Toulmin, Perelman e Tyteca, deu origem às neo retóricas, que propõem
estudos atuais da argumentação que deem conta de um número maior de
gêneros discursivos, não só orais, como acontecia na Retórica antiga, mas
também escritos. O Tratado da Argumentação, de Perelman e Tyteca,
publicado em 1958, promoveu uma retomada de conceitos aristotélicos
fundamentais para o estudo do texto e do discurso em qualquer época; trouxe
para reflexão a importância da adequação do discurso ao auditório com vistas
à persuasão, evidenciando o papel do enunciatário como o de coenunciador
na construção dos textos; resgatou a importância persuasiva das figuras de
argumentação e retórica; aprofundou e sistematizou o estudo dos argumentos
e abriu caminho para o diálogo entre os estudos da Retórica e da
Argumentação e outras abordagens do texto e do discurso. A partir desses
novos estudos da argumentação, cria-se, também, a possibilidade de novas
reflexões sobre argumentação e ensino.

2 Argumentação em um livro didático do Ensino Médio

Analisamos, aqui, parte de um capítulo da segunda edição, de 2005, do


livro didático Português: Linguagens, de Cereja e Magalhães. Em volume
único e direcionado para o Ensino Médio, o livro é composto por 9 unidades
divididas em 52 capítulos, que abordam questões de Língua Portuguesa,
Linguística e Literatura. Para atender ao nosso objetivo, fizemos,
inicialmente, um levantamento dos capítulos que traziam no título a palavra
argumentar ou palavras desta derivadas, e chegamos aos seguintes capítulos:
36 – O texto argumentativo – o editorial; 45 – As cartas argumentativas; 48 –
O texto dissertativo-argumentativo. Tendo em vista a brevidade deste artigo,
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optamos por analisar uma parte do primeiro capítulo que traz uma das
palavras buscadas no título: o capítulo 36.

Focalizando esse capítulo 36, que vai da página 370 até a página 380 do
livro didático citado, vemos que ele é anunciado, no topo da primeira página,
como um capítulo de “Produção de texto”. Da página 370 até a página 374 é
explorado o gênero editorial a partir de textos que abordam um tema
polêmico: o sistema de cotas para alunos de escolas públicas, negros e
indígenas. Da página 374 em diante, outros aspectos, diretamente ou
indiretamente relacionados, são tratados, e sobre esses apenas faremos uma
breve descrição no final desta análise.

Na página 370 apresenta-se o título do capítulo: “O texto


argumentativo: o editorial”, uma foto com jovens buscando seus nomes em
listas afixadas em uma parede ou quadro e a frase logo abaixo da foto:
“Vestibulandos na expectativa dos resultados. Oportunidades iguais?”. Logo
depois da foto, ocupando partes das páginas 370 e 371, a seção “Trabalhando
o gênero” traz um editorial intitulado “As universidades ameaçadas”,
publicado em 16/05/2004, no jornal O Estado de S. Paulo, que questiona
medidas anunciadas pelo governo federal , nos dias anteriores, referentes ao
ensino superior público. De acordo com o texto, em reunião com 47 dos 54
reitores de universidades e instituições do ensino público federal, o então
ministro da Educação, Tarso Genro, anunciou três medidas, “[...] a pretexto
de ' democratizar' as universidades [...]”: a abertura de novos cursos ficaria
condicionada à “diminuição das desigualdades”; “a criação de uma escola
pública de pós-graduação de Geopolítica e Defesa”; e “a escolha dos reitores,
nas universidades públicas e privadas, por meio de eleição direta”.

O ponto central do questionamento do texto, no entanto, está em dois


projetos de lei anunciados pelo presidente Lula um dia depois da “exposição
do ministro da Educação”: […] um, obrigando as universidades filantrópicas
a transformar em vagas gratuitas os recursos que seriam usados para pagar
impostos; outro, reservando metade das vagas das universidades federais a
alunos que tenham cursado todo o ensino médio em escolas públicas,
incluindo-se aí as cotas para negros e indígenas.” E é, sobretudo, sobre este
último ponto, as cotas, que serão levantados os principais argumentos.

No Tratado da Argumentação (2005), Perelman e Tyteca indicam que os


argumentos utilizados num texto pelo orador podem ser encontrados em
diferentes lugares, que podem ser definidos como

“[...] grandes armazéns de argumentos utilizados para estabelecer


acordos com o auditório. O objetivo é indicar premissas de ordem
ampla e geral, usadas para assegurar a adesão a determinados valores
e, assim, re-hierarquizar as crenças do auditório.” (FERREIRA, 2010,
p.69)

Esses argumentos podem ser, dentre outras possibilidades, argumentos


quase lógicos, “[...] que se apresentam como comparáveis a raciocínios
formais, lógicos ou matemáticos.” (PERELMAN e TYTECA, 2005, p.221),
como a definição, a regra de justiça, a inclusão da parte no todo, a
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comparação e o sacrifício, dentre outros; argumentos baseados na estrutura


do real, que buscam “[...] estabelecer uma solidariedade entre juízos
admitidos e outros que se procura promover.” (PERELMAN e TYTECA,
2005, p.299), como causa e consequência, fins e meios, argumento do
desperdício, de autoridade, etc.; ou, ainda, os argumentos que fundamentam a
estrutura do real “[...] pelo recurso ao caso particular.” (PERELMAN e
TYRTECA, 2005, p.399), como o exemplo, a ilustração, o modelo e o
antimodelo.

Na teoria da argumentação perelmaniana, o orador é responsável não só


pela escolha dos argumentos, mas também pela escolha das palavras, do
registro, do tipo textual, etc. Essas escolhas, no entanto, não são aleatórias,
mas sim de acordo com a imagem que o orador tem do auditório, assim, “[...]
é em função de um auditório que qualquer argumentação se desenvolve.”
(PERELMAN e TYTECA, 2005, p.06) na busca por sua adesão. Deste modo,
podemos dizer que o enunciatário é também co-enunciador, na medida em
que também é responsável pela produção do enunciado, “Por isso a cultura
própria de cada auditório transparece através dos discursos que lhe são
destinados [...]” (p.23).

Voltando ao capítulo 36 de Cereja e Magalhães, observamos que o


ponto de vista contrário ao governo, às medidas e projetos de lei anunciados,
fica claro na escolha de palavras e termos e no uso de aspas, dando um tom
de ironia ao texto: sandices; viés político-ideológico; pretexto de
“democratizar” as universidades, consideradas elitistas pelos ideólogos do
PT; variedade petista do socialismo populista mais retrógrado; “diminuição
das desigualdades”; grosseira instrumentalização política da educação;
“projeto de nação”; tosca manobra autoritária para impor um pensamento
único e uma linguagem única; “democrática”...

O autorii do texto, que se identifica apenas como sendo o jornal O


Estado de S. Paulo, com vistas à persuasão do leitor, faz uso de uma série de
argumentos, dentre eles:

 argumentos dos lugares da qualidade x lugares da quantidade: “o


governo está preocupado em produzir medidas de impacto na opinião
pública” (aumentando o número de vagas e reservando uma porcentagem
para estudantes de escolas públicas, negros e indígenas (lugares da
quantidade)) “mas nem um pouco com a qualidade do ensino”;

 exemplo: “Essa experiência “democrática” (a escolha de reitores por


eleição direta) foi tentada em algumas universidades públicas e confessionais
nas décadas de 80 e 90, com resultados desastrosos.”

 causa e consequência: “a adoção da medida comprometerá o


equilíbrio financeiro dessas escolas (das universidades filantrópicas),
obrigando-as, com certeza, a mudar o regime tributário para sobreviver”; “a
queda da qualidade do ensino […] seria uma conseqüência natural do
preenchimento de metade das vagas por alunos sem o devido preparo”;

 regra da justiça: “A cota criaria discriminação às avessas,


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dificultando o acesso à universidade das pessoas que não freqüentaram


escolas públicas, não são negras nem indígenas. E o sistema de mérito – o
mais democrático dos métodos de escolha – iria para o ralo.”;

 argumento de autoridade: “Vários reitores reagiram negativamente à


medida anunciada pelo presidente da República.”;

 leis: “A criação dessa monumental reserva de vagas choca-se contra


os preceitos constitucionais. A Constituição proíbe discriminação por
critérios de raça, cor e origem.”;

 igualdade: “O verdadeiro problema está na baixa qualidade do


ensino das escolas públicas do ensino médio. Se o governo quer que os
alunos dessas escolas disputem vagas nas universidades públicas em
condições de igualdade com os alunos das escolas médias privadas, a solução
é igualar – elevando – o padrão de ensino das primeiras.”

 modelo e anti modelo: “O presidente Luiz Inácio Lula da Silva se


orgulha de ter chegado aonde chegou apesar de sua origem social e do fato de
não ter estudado. Não lhe cabe impor os sacrifícios pelos quais passou,
obstruindo as oportunidades de acesso ao ensino superior, a quem estudou em
boas escolas.”

Com certeza, conseguiríamos encontrar ainda outros argumentos


levantados pelo autor para defender seu ponto de vista. No entanto, nosso
objetivo não é esse, mas observar quais são as atividades propostas para os
alunos a partir do texto. Com esse intuito, observamos as questões de
compreensão ou interpretação, que são colocadas logo abaixo dele:

- Questão 1 (p.371) - traz uma característica do gênero (abordar um


tema do momento), pede ao aluno que identifique, no texto, o tema, e diga
“Por que esse tema estava sendo debatido no Brasil naquele momento”.

- Questão 2 (p.371) - pede que o aluno diga qual seria o verdadeiro


objetivo das medidas, segundo o editorial.

- Questões 3 e 4 (p.371) – A questão 3 complementa a definição de


editorial: “Por meio dos editoriais, os jornais e revistas expressam seu ponto
de vista sobre o tema abordado, seja para fazer uma crítica ou um elogio a
algo ou alguém, seja para fazer sugestões ou estimular a reflexão.[...]”. Em
seguida, leva o aluno a buscar o posicionamento do autor do texto com
relação às medidas do governo federal, instruindo-o a encontrar palavras e
expressões que indiquem esse posicionamento. O item “c” da questão 3 e a
questão 4 levam o aluno a encontrar os argumentos utilizados pelo autor
contrários às propostas do governo. O livro didático já diz quantas medidas
foram apresentadas pelo governo e quais são elas, cabendo ao aluno achar no
texto os argumentos contrários.

- Questão 5 (p.372) – Dando sequência à tarefa de definir o gênero, os


autores expõem agora as características estruturais do editorial: “O editorial
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tem uma estrutura relativamente simples: apresenta uma ideia principal


(tese), que expressa o ponto de vista do jornal sobre o tema; um
desenvolvimento, construído por parágrafos que fundamentam a ideia
principal; e uma conclusão, geralmente formulada no último parágrafo do
texto.” Em seguida, sintetizam para os alunos a ideia principal e dois
argumentos presentes no desenvolvimento, pedindo que completem com o 3º
argumento e a conclusão encontrados no texto.

- Questão 6 (p.372) – Caracterizando o editorial como um texto


argumentativo, os autores do livro didático entram na questão da persuasão,
sem defini-la mais profundamente, apresentam alguns tipos de argumento e
direcionam o aluno a buscar argumentos já previamente determinados: “O
editorial pertence ao grupo dos textos argumentativos, ou seja, aqueles que
têm a finalidade de persuadir o leitor e, portanto, precisam apresentar
argumentos consistentes, tais como comparações, depoimentos de
autoridades, dados estatísticos de pesquisa, etc. Identifique no
desenvolvimento do editorial lido: a) um exemplo de implantação
malsucedida de uma das medidas; a reação de pessoas do mundo
universitário à proposta de reserva de vagas; alerta para o caráter
inconstitucional da medida.”

- Questão 7 (p. 372) – Informa que no gênero editorial a conclusão pode


vir em forma de síntese das ideias expostas ou de sugestão, e pede que o
aluno identifique o “tipo de conclusão” que aparece no texto lido.

- Questão 8 (p. 372) – Chama a atenção para a linguagem utilizada no


texto, incluindo verbos e pronomes, lembrando que “os editoriais expressam
a opinião do jornal ou revista e não a de um jornalista em particular” e, por
isso, geralmente, vêm sem a identificação do autor. Informa ainda, que o
gênero se caracteriza pela impessoalidade e pede ao aluno que encontre a
pessoa, as formas verbais predominantes, a variedade linguística utilizada, e
reflita como o uso da pessoa colabora com essa impessoalidade que
caracteriza o editorial.

- Questão 9 (p. 372) – Propõe que os alunos reúnam-se em grupos e


concluam quais são as principais características desse gênero trabalhado no
capítulo.

Observamos que essa primeira seção do capítulo preocupa-se com a


definição do gênero editorial, com sua estrutura e organização: ideia
principal, desenvolvimento e conclusão; com os tipos de argumentos; com as
escolhas linguísticas (linguagem, variação, pronomes e tempos verbais). No
entanto, os autores do livro didático não se preocupam em levar o aluno a
refletir sobre o lugar em que os argumentos foram encontrados, impedindo-o
de construir uma visão politica mais ampla. Claramente, os argumentos
escolhidos pelo autor do editorial foram tirados de uma ideologia política de
direita (retrógrada?), que busca manter a estratificação social, impedindo as
classes menos privilegiadas de ocuparem lugares na sociedade
tradicionalmente pertencentes à elite. A remissão à Constituição brasileira,
promulgada em 1988, evidencia um nacionalismo, próprio da ideologia
direitista.
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Embora os autores do livro didático evidenciem a organização do texto


argumentativo e apontem alguns argumentos utilizados, outros ficam de fora
(entram apenas no “etc.”), como mostra a nossa breve análise do editorial
presente no capítulo. Os argumentos deixados de lado, no entanto, podem
impedir o aluno de identificar a posição política do autor do editorial e do
jornal que o veicula. As escolhas linguísticas são, de forma pouco
aprofundada, trabalhadas pelos autores do livro didático junto aos alunos,
mas não se observa que essas escolhas têm em vista um auditório
(público/leitor) determinado, que é o dos leitores do Estado de S. Paulo.

A seção seguinte do capítulo, chamada “Produzindo o editorial”, chama


a atenção para o caráter polêmico do tema tratado e apresenta cinco excertos
que falam sobre a questão das cotas nas universidades. Os trechos são curtos
(os cinco ocupam uma página do livro, a página 373), sendo anunciados
como “Fórum de debates – Tema: cotas em universidades”. O primeiro texto,
intitulado “Justiça social”, assinado por um leitor de algum jornal ou revista,
é favorável ao projeto de lei do presidente Lula e usa como argumento a
igualdade de oportunidades que devem ter os alunos de diferentes classes
sociais. O segundo texto, de título “Mérito”, também de um leitor de jornal
ou revista, usa os argumentos da justiça e causa e consequência para
posicionar-se contrariamente à nova proposta federal, dizendo que se deve
entrar na universidade por mérito, que os alunos cotistas não conseguirão
ficar até o final dos cursos na universidade.

O excerto três, também assinado por um leitor, intitula-se “Degradação


à vista”, e também se posiciona contrário às cotas nas universidades, usando
os mesmos argumentos do segundo texto dessa seção: o mérito e o
despreparo dos alunos cotistas, que levará à degradação, segundo ele, do
ensino superior público. O trecho quatro, de um leitor do Estado de S. Paulo,
não muda muito: “Levar analfabetos para a universidade não é democratizar
o ensino, é jogar o País e seu povo cada vez mais no poço do atraso.”
Finalmente, o texto cinco, visivelmente mais longo, é da revista Veja.
Trazendo argumentos de autoridade (um pesquisador da Universidade de São
Paulo), porcentagens, argumento da justiça (o mérito), exemplos (a
implantação de cotas nos Estados Unidos) e comparação (Brasil x EUA), a
revista firma seu posicionamento contrário à proposta do governo.

Logo depois desses trechos, o livro didático propõem, na página 374,


um “debate com os colegas” (não se sabe se em pequenos grupos ou com
toda a sala de aula, não há a exposição de regras e nenhuma orientação de
como o aluno deve se apresentar e apresentar oralmente seus argumentos
diante dos colegas) “procurando abordar aspectos que não foram explorados
nos textos lidos.”, e a produção de um editorial em grupo, que deve ser
elaborado a partir da escolha de um dos seguintes temas: o sistema de
ingresso às universidades; o sistema de cotas; outras formas de seleção de
candidatos para o ingresso nas universidades públicas; e o ensino nos níveis
fundamental e médio. A partir da escolha do tema, o aluno é orientado a
levantar argumentos convincentes (não se diz para quem), distribuir esses
argumentos de acordo com o número de parágrafos do desenvolvimento
(“Por exemplo, se usarem três argumentos, desenvolvam-nos em três
parágrafos”), reservar o último parágrafo (que pode ser, de acordo com o
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livro, um resumo das ideias ou uma proposta) para a conclusão e revisar o


texto.

Nota-se que, nesta seção, repetem-se os objetivos privilegiados na seção


de compreensão do texto e definição do gênero: a escolha dos argumentos e a
disposição ou organização do texto. Quanto à origem desses argumentos,
nada se orienta. Vimos, dentre seis textos no total (o editorial mais os cinco
excertos colocados na segunda seção do capítulo), cinco posições contrárias
ao projeto de lei do governo federal que prevê cotas de vagas destinadas aos
alunos de escolas públicas, negros e indígenas. Os argumentos repetiram-se,
principalmente a falta de mérito e o despreparo dos alunos cotistas, que
levará, segundo tais textos, à degradação da universidade pública. Apenas um
desses seis textos apresentou-se favorável à proposta.

A questão é se os alunos, a quem se propõem as atividades do livro


didático, têm condições de formular um posicionamento frente a esse assunto
polêmico ou se não serão induzidos, pelos textos apresentados no livro
didático, a tomarem a posição contrária ao governo federal como única
opção. Será que, a partir dessas atividades, mostra-se que os argumentos não
são encontrados sempre num mesmo conjunto de ideias, sempre numa
mesma ideologia? Como o aluno que for a favor do projeto pode manter sua
posição se após uma reflexão sobre a validade do sistema de cotas propõem-
se outra que pede a indicação de outras formas de seleção para ingresso na
universidade, já descartando a reflexão anterior, tornando uma posição
favorável às cotas como equivocada? Como pode o aluno não se ver
representado em uma foto que mostra alunos preocupados, tentando
encontrar seus nomes em longas listas de aprovação do vestibular? Como não
se sentirem ameaçados, se alunos de escolas privadas, ou diminuídos, se
alunos da escola pública?

A proposta de produção do editorial completa-se com um quadro com


orientação para a confecção de um jornal que reúna os editoriais produzidos e
outros textos de diferentes gêneros jornalísticos, produzidos em capítulos
anteriores do livro didático. Aqui, chama-se a atenção, mesmo que
rapidamente, para o público/leitor do jornal: “o perfil do leitor que queiram
atingir”, “Diagramem as matérias de forma que o jornal fique agradável de
ler”. Um pequeno quadro, logo abaixo, com o nome “Avalie seu editorial”,
toca, de forma rápida, mais uma vez, na necessidade da adequação do texto
ao auditório (público/leitor), fala sobre clareza e coerência, mas ainda
privilegia a colocação de argumentos sem, no entanto, definir o que seriam
“bons argumentos” - são bons para quem? Para quê? Por quê?, e,
principalmente, a organização do texto:

Verifique se o texto expressa com clareza uma opinião a respeito do


tema abordado; se é capaz de convencer o leitor por meio de bons
argumentos; se apresenta uma ideia principal e fundamenta-a com
argumentos consistentes; se apresenta uma conclusão coerente com o
que foi desenvolvido; se emprega uma linguagem adequada ao perfil
do jornal e dos leitores e do gênero.
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Recursos linguísticos são trabalhados a partir daí, do final da página 374


até a 376, numa seção de nome “Para escrever com expressividade”, que
destaca “O efeito de impessoalidade na linguagem”, trazendo outros excertos
de textos argumentativos com o tema “uso de uniforme nas escolas” e
exercícios de impessoalidade sobre este e outros temas relacionados à vida
escolar. Da página 377 até a 380, fim do capítulo, são oferecidos textos
verbais e não verbais, textos literários e propostas outras atividades que,
tendo em vista o objetivo deste artigo e sua brevidade, conforme já
comentamos, não serão analisados.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A partir da análise de atividades argumentativas propostas em um


capítulo de um livro didático, é possível perceber como a argumentação é
importante no ensino. O desenvolvimento de exercícios argumentativos, a
partir da proposta de temas polêmicos em aulas de Língua Portuguesa, por
exemplo, e de acordo com a faixa etária dos alunos, pode oferecer-lhes a
oportunidade de posicionar-se frente a questões importantes para sua vida
social. Vimos, no entanto, que cabe aos autores dos livros didáticos e aos
professores aprofundar as análises argumentativas dos textos, , organizar
atividades que permitam ao aluno desenvolver sua capacidade de argumentar,
explicitar os tipos de argumentos que podem ser utilizados e todos os
mecanismos que podem tornar um discurso persuasivo. Além disso, cabe
também a eles, e principalmente, disponibilizar textos diversificados e que
apresentem pontos de vista diferentes, a fim de que os alunos possam chegar
às próprias conclusões e possam se posicionar de forma crítica diante de tais
assuntos, compreendendo melhor os textos que os circundam, produzindo
textos melhores e agindo socialmente por meio da linguagem.

Os autores de livros didáticos e os professores precisam perceber que ao


retomarem textos, de sua autoria ou de outros, já antes publicados ou ditos,
constroem um novo texto, com novas significações, em novas situações
discursivas, como nos revelam os estudos sobre intertextualidade. O auditório
do livro didático não é mais o leitor do jornal ou da revista, mas é o aluno e o
professor, que podem ser induzidos a pensar de determinada forma se só uma
forma for apresentada e se não contarem com outras informações,
lidas/ouvidas dentro ou fora da sala de aula. Num país em que pouco se lê,
não podemos perder a oportunidade de oferecer aos alunos, dentro da sala de
aula, a oportunidade de dominar a linguagem, de formular juízos críticos e de
marcar sua opinião e seu lugar na sociedade.

REFERÊNCIAS
Grupo de Estudos e Pesquisa
II Seminário Nacional de Alfabetização e Letramento Alfabetização, Discurso e Aprendizagens
Oralidade e Escrita na Prática Escolar
ISSN: 2177-4072

ARISTÓTELES (384-322 a.C.). Retórica. Tradução de Edson Bini. São


Paulo: Edipro, 2011.
CEREJA, William R.; MAGALHÃES, Thereza C. Português: Linguagens.
São Paulo: Atual Editora, 2005.
FERREIRA, Luiz A. Leitura e persuasão – princípios de análise retórica.
São Paulo: Contexto, 2010.
FONSECA, Ísis B. da. A Retórica na Grécia. In: MOSCA, Lineide do L. S.
(org.) Retóricas de ontem e de hoje. São Paulo: Humanitas, 2001, p. 99-
117.
MARIANO, Márcia R.C.P. As Figuras de Argumentação como estratégias
discursivas. Um estudo em avaliações no ensino superior. 2007. 231 f. Tese
(Doutorado em Língua Portuguesa) – Faculdade de Filosofia, Letras e
Ciências Humanas da Universidade de São Paulo, São Paulo.
MOSCA, Lineide do L. S. Velhas e novas retóricas: convergências e
desdobramentos. In: MOSCA, Lineide do L. S. (org.) Retóricas de ontem e
de hoje. São Paulo: Humanitas, 2001, p. 17-54.
PERELMAN, Chaïm; TYTECA, Lucie Olbrechts-. Tratado da
argumentação: a nova retórica. Tradução de Maria Ermantina Galvão G.
Pereira. São Paulo: Martins Fontes, 2002. [original de 1958]

Parte deste trabalho e da análise podem ser encontrados no artigo intitulado


“O ensino da argumentação da Antiguidade aos nossos dias” (no prelo) em que
privilegiamos os aspectos da Retórica antiga, fazemos um histórico do ensino da
Retórica e da argumentação ao longo do tempo e comparamos as atividades presentes
no capítulo do livro de Cereja e Magalhães às atividades do ensino retórico na
Antiguidade e na Idade Média.
ii
“Autor” e “leitor” não estão, aqui, relacionadas aos sujeitos empíricos, mas às
imagens discursivas construídas no texto, ou seja, às noções de enunciador e
enunciatário ou, ainda, de éthos e páthos.
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Histórias de Crianças: leituras de mundo

Adriana Santos da Mata1

Carla Andréa Lima da Silva2

RESUMO

Neste artigo, pretendemos fazer um exercício de compreensão de como crianças da


Educação Infantil fazem suas leituras de mundo dando sentidos a ele por meio da
atividade Livro de Histórias da Turma, desenvolvida desde o ano de 2005 na Unidade
Municipal de Educação Infantil Rosalina de Araújo Costai, localizada em Niterói
(RJ). Na tentativa de análise, buscamos interlocução com a noção de letramento
(KLEIMAN, 1995; MARCUSCHI, 2001), e os conceitos de diálogo e enunciação
(BAKHTIN, 1992; 2010). Consideramos que, além de ser uma prática de letramento,
esta atividade pode promover uma escuta atenta das crianças cujas histórias trazem
uma riqueza de temas e tramas. Nelas podemos perceber como os pequenos observam
os fatos, o que sentem, como se relacionam com suas famílias, suas culturas, seus
sonhos, medos, brincadeiras, enfim como fazem suas leituras de mundo, comunicam e
dão sentidos às experiências vividas. Eles demonstram compreender: relações de
poder, perigos, comportamento dos adultos, fenômenos da natureza e finitude dos
seres vivos. E aprendem tudo isso na interação com múltiplos sujeitos que trazem
marcas culturais e históricas, constroem discursos, tanto presencialmente na
interlocução com outras pessoas, como de maneira indireta, por intermédio dos meios
de comunicação, dos livros de literatura infantil, dos brinquedos. Assim as crianças
pequenas vão construindo seus próprios sistemas de referência, composto pelos
conhecimentos prévios, valores, opiniões, convicções, preconceitos, etc. Acreditamos
que, conhecendo o que as crianças apontam e expressam por meio de suas histórias,
professoras e professores poderão tornar a prática pedagógica mais significativa,
ampliando as possibilidades das crianças serem e atuarem no mundo. É preciso parar
para pensar no que a escola infantil e dos primeiros anos do Ensino Fundamental tem
feito com as leituras de mundo das crianças.

Palavras-chave: Educação Infantil, Livro de Histórias, Leitura de Mundo,


Letramento

1
Contato do(a) autor(a): addamata@hotmail.com .Umei Rosalina de Araújo Costa,
Mestre em Educação - UFF.
2
Contato do(a) autor(a): ccarlandrea@hotmail.com. Umei Rosalina de Araújo Costa,
Mestre em Educação-UFRJ.
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INTRODUÇÃO

As escolas de Educação Infantil são instituições de cuidado e de


educação, de socialização e produção de cultura e conhecimentos das/com as
crianças pequenas, por meio das brincadeiras, das músicas, da literatura
infantil, dos gestos, das emoções e, sobretudo, da fala oral. Pensando no lugar
e no tempo da fala oral, precisamos perguntar (e responder!): em que
momentos as crianças são autorizadas ou não a falar na escola? Sobre o que
elas falam? Como os professores têm ouvido as crianças? O que pode ser
feito para tornar a prática pedagógica mais significativa a partir do que elas
falam?

Iniciando a busca por respostas, pretendemos neste artigo fazer um


exercício de compreensão de como crianças da Educação Infantil leem e
expressam sentidos para o mundo na atividade Livro de Histórias da Turma,
desenvolvida desde o ano de 2005 na Unidade Municipal de Educação
Infantil Rosalina de Araújo Costa, localizada em Niterói (RJ).

Antes de empreender a análise, feita na interlocução com a noção de


letramento (KLEIMAN, 1995; MARCUSCHI, 2001), e os conceitos de
diálogo e enunciação (BAKHTIN, 1992; 2010), faremos uma breve
contextualização da escola.

Apontamos para (não) concluir algumas implicações pedagógicas da


atividade, acreditando que, ao conhecer o que as crianças sinalizam e
comunicam por meio de suas histórias, professoras e professores poderão
tornar a prática pedagógica mais significativa, ampliando as possibilidades
das crianças serem e atuarem no mundo.

1 Contextualização da escola

A Umeirac está situada no Barreto que é um bairro basicamente


residencial da zona norte de Niterói, e atende crianças de três a cinco anos
das comunidades próximas. No ano de 2012 foram matriculados 280 alunos
divididos em sete turmas em cada um dos dois turnos. Cada grupo é formado
por, no máximo, 20 alunos. Nos agrupamentos, estão incluídas seis crianças
com necessidades educacionais especiais. A equipe pedagógica é formada
por 16 professoras, uma agente educadora, duas pedagogas, uma diretora
adjunta e uma diretora geral.

Da entrada da escola logo se vê a Casinha de Bonecas e um dos


parques. No pátio coberto, as crianças participam das aulas de Educação
Física e das festas e têm acesso aos banheiros externos. O outro parque fica à
frente do pátio coberto, de onde as crianças vêem a Sala de Recursos (onde
são atendidas as crianças com necessidades educacionais especiais),
compartilhada com a Sala dos Professores. Ao lado desta sala, estão os dois
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refeitórios separados pela cozinha. No segundo andar desse setor, há uma Sala
de Leitura, duas salas de aula, um banheiro para os adultos e outro para as
crianças. As cinco salas de aula do primeiro piso são amplas e têm
banheiros infantis e portas coloridas em tons claros – laranja, amarelo, azul,
vermelho e rosa. Internamente, as paredes das salas, de azulejo rosa, são
cobertas com murais para exposição dos trabalhos dos alunos, quadro-de-giz
e outras coisas. E ainda há um pátio descoberto, na parte de trás das salas de
aula, com grandes jardineiras ao longo da parede e alguns brinquedos grandes
de plástico (duas casinhas, túnel e escorrega).

2 Referencial teórico-metodológico

Encontramos em Paulo Freire (1995) quando diz que "a leitura do


mundo precede a leitura da palavra" pistas para começar um exercício de
compreensão de como as crianças da Educação Infantil leem, comunicam e
dão sentidos ao mundo.

Entendendo a escola como lócus privilegiado para promover práticas


discursivas relacionadas à leitura e escrita - o letramento -, analisamos a
oralidade das crianças que ainda não sabem ler nem escrever, mas que podem
ser consideradas letradas, visto que apresentam estratégias orais letradas,
características orais letradas que elas adquirem nas práticas orais cotidianas
com outras crianças e com os adultos com quem convivem. (KLEIMAN,
1995) Nesta perspectiva, "letrado é o indivíduo que participa de forma
significativa de eventos de letramento e não apenas aquele que faz um uso
formal da escrita". (MARCUSCHI, 2001, p. 25) O letramento, portanto, é
fundamentalmente social, surge e se desenvolve independentemente da
escola, em diferentes contextos: na família, na vida burocrática, no dia a dia,
no trabalho, na atividade intelectual, e também na escola. De acordo com
Marcuschi (2001, p. 19):

Em cada um desses contextos, as ênfases e os objetivos do uso da


escrita são variados e diversos. Inevitáveis relações entre escrita e
contexto devem existir, fazendo surgir gêneros textuais e formas
comunicativas, bem como terminologias e expressões típicas. Seria
interessante que a escola soubesse algo mais sobre essa questão para
enfrentar sua tarefa com maior preparo e maleabilidade, servindo até
mesmo de orientação na seleção de textos e definição de níveis de
linguagem a trabalhar.

Assim o trabalho com a leitura e a escrita na escola de Educação


Infantil deve ter como objetivo ampliar o acesso à cultura letrada das crianças
que, desde pequenas, estão em contato com diferentes textos escritos em casa
(por exemplo, nas estampas das roupas, nas embalagens dos brinquedos e dos
produtos que a mãe ou o responsável utilizam, na televisão, nos livros, no
computador etc.) ou ao saírem nas ruas (na pintura e informações dos ônibus,
nos painéis e panfletos de propaganda etc.). É papel da escola "dar
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continuidade ao diálogo que as crianças já trazem com a realidade, de várias


formas, para que os vão ampliando as suas redes de conhecimento, alargando
suas sensibilidades, respondendo a algumas perguntas e criando outras".
(GOULART, 2005)

É o meio social mais amplo e a situação mais imediata - o momento


– que determinam os modos de dizer - a entonação, os gestos, a escolha das
palavras ou do silêncio - estruturando o diálogo, a enunciação. De acordo
com Bakhtin (1992), é nas enunciações concretas estabelecidas pelas relações
sociais que as palavras se realizam - na oralidade ou na escrita - e são,
portanto, sempre dirigidas a alguém com intencionalidade e orientadas em
função deste interlocutor, do auditório social – para quem falamos.

Compartilhando do horizonte espaço-temporal e da situação social,


os locutores elaboram enunciações que já sinalizam possíveis respostas do
destinatário (ouvinte/leitor), que não se comporta passivamente diante do que
ouve ou lê. O destinatário poderá concordar, discordar, completar, ajustar,
executar, aderir, refutar, objetar, polemizar, silenciar, etc., adotando para com
o discurso uma compreensão responsiva ativa.

De fato, o ouvinte que recebe e compreende a significação


(linguística) de um discurso adota simultaneamente, para com este
discurso, uma atitude responsiva ativa: ele concorda ou discorda (total
ou parcialmente), completa, adapta, apronta-se para executar, etc., e
esta atitude do ouvinte está em elaboração constante durante todo o
processo de audição e de compreensão desde o início do discurso, às
vezes já nas primeiras palavras emitidas pelo locutor. (BAKHTIN,
2010, p. 290, grifos do autor)

Temos então que os enunciados não são “soltos”, “isolados”, nem


surgem do nada, mas são sempre contextualizados na situação social, ligados
ao que se disse anteriormente e contendo o germe do que será dito em
seguida, formando elos na cadeia da comunicação verbal e provocando
reações-respostas imediatas e uma ressonância dialógica. (BAKHTIN, 2010)

O enunciado deve ser considerado acima de tudo como uma resposta a


enunciados anteriores dentro de uma dada esfera: refuta-os, confirma-
os, completa-os, baseia-se neles, supõe-nos conhecidos e, de um modo
ou de outro, conta com eles. Não se pode esquecer que o enunciado
ocupa uma posição definida numa dada esfera da comunicação verbal,
relativa a um dado problema, a uma dada questão, etc. Não podemos
determinar nossa posição sem correlacioná-la com outras posições. É
por esta razão que o enunciado é repleto de reações-respostas a outros
enunciados numa dada esfera da comunicação verbal. (IDEM, p. 316)

Sendo assim o diálogo deve ser considerado no “sentido amplo das


relações que os sujeitos e seus discursos estabelecem na sociedade com a
multiplicidade de seres humanos, marcados cultural e historicamente, com os
quais interagem de muitas maneiras, não somente face a face.” (GOULART,
2007, p. 95),
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O diálogo é a forma privilegiada de relação com a alteridade e se


materializa pela palavra que é, ao mesmo tempo, própria e alheia.
(GERALDI, s/d). O sujeito constrói seus discursos por meio da apreensão e
da apropriação do discurso de outrem dentro do seu próprio sistema de
referência, ao qual Bakhtin (1992) chama de “fundo perceptivo”, composto
pelos conhecimentos prévios, valores, opiniões, convicções, preconceitos,
etc.

Para Larossa Bondía (2002), "tem a ver com as palavras o modo


como nos colocamos diante de nós mesmos, diante dos outros e diante do
mundo em que vivemos. E o modo como agimos em relação a tudo isso". O
autor acrescenta que as

palavras produzem sentido, criam realidades e, às vezes, funcionam


como potentes mecanismos de subjetivação. Eu creio no poder das
palavras, na força das palavras, creio que fazemos coisas com as
palavras e, também, que as palavras fazem coisas conosco. As
palavras determinam nosso pensamento porque não pensamos com
pensamentos, mas com palavras... (LAROSSA BONDÍA, 2002, p. 20)

Que enunciados as crianças pronunciam, que contextos retratam, a


que situações se referem, falam a que destinatários, a que outros enunciados
respondem? Que palavras utilizam para produzir sentido, criar realidades e
colocar-se diante dos outros e do mundo?

Este é o exercício de compreensão e análise que pretendemos fazer


na seção seguinte.

3 Livro de Histórias da Turma

O Livro de Histórias da Turma é uma prática de letramento


desenvolvida na Rosalina desde o ano de 2005. Podemos dizer que esta
atividade é uma sofisticação de outras realizadas há alguns anos na escola,
tais como: fazer desenho livre ou com uma interferência na folha (um furo,
um ponto, um papelzinho colado, etc.), criar cenas com formas geométricas
ou jogos de montar para, em seguida, apresentar oralmente para os colegas
da turma o desenho/a montagem.

A proposta de elaborar um livro de histórias é apresentada às


crianças depois que elas já vivenciaram diversos momentos envolvendo a
leitura de muitos livros infantis disponíveis na Sala de Leitura e também na
atividade do Bornalii.

A professora explica aos alunos que cada um, ao longo do segundo


semestre, criará um desenho e ditaráiii uma história que serão reproduzidos
para todo o grupo e, ao final, desenhos e histórias formarão o Livro da
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Turma. As crianças tornam-se autoras e ilustradoras, assinam a folha de


rosto, fazem um texto coletivo de apresentação e escolhem o título do livro
que levam para casa ao término das aulas.

A dinâmica ocorre da seguinte da forma: a criança recebe uma folha


com uma linha dividindo-a mais ou menos no meio. Na parte de cima, ela vai
criar o desenho e na de baixo, a professora vai escrever a história que ela
ditar. Terminada esta parte, a criança segue para a secretaria, onde fica a
máquina copiadora, e solicita a quantidade de cópias necessárias para toda a
turma. Na sala, em roda, as folhas são passadas de mão em mão até que todas
recebam uma. Crianças e professora leem a história, interpretam, comentam,
fazem perguntas para o autor do trabalho a respeito do conteúdo do texto e do
desenho, e depois elas seguem para as mesas para colorir e enfeitar o desenho
com alguma técnica. Lembramos que nem sempre dá tempo de concluir todo
o processo no mesmo dia.

Devido ao limite do artigo, não procederemos à análise dos desenhos


das crianças que, certamente, nos apontariam questões importantíssimas
sobre a maneira como elas representam, expressam, enfim leem o mundo.
Optamos pela tentativa de compreensão das histórias ditadas pelas crianças e
escritas pela professoraiv. As histórias narradas trazem uma riqueza de temas
e tramas. Elencamos, a seguir, exemplos de alguns temas recorrentes nas
histórias de crianças de 3, 4 e 5 anos.

1. COTIDIANO DA FAMÍLIA

"Aí eles foram pra casa. Eles eram irmãos. Eles dormiram, acordaram e
deram 'tchau' pro pai e pra mãe porque eles iam brincar. O pai e a mãe foram
procurar eles dois pra almoçar. Eles foram pro quarto e cada um pegou seu
brinquedo". (Sávio, 5 anos, 04/09/2006)

"O boneco tava na rua brincando com os amiguinhos dele. O papai e a


mamãe tavam bebendo cerveja no bar. O carro foi andar e tava cheio de
trânsito. Depois ficou caindo a chuva. A avó dos amiguinhos foi sair pra
Niterói. A avó tava chegando em casa e não tinha mais trânsito". (Elis, 3
anos, 23/10/2007)

"As meninas tavam grávidas de dois gêmeos. O sol tava feliz. As meninas
tavam felizes. Os primos também. A casa tava com tudo de neném: berço,
cadeira de papa, cadeira que o neném fica sentado, brinquedos, chupeta,
mamadeira. Faltavam dois meses pra eles nascerem. O nome deles vai ser
Murilo e Ana Beatriz. Os bebês de Carol vai ser Júlia e João". (Laura, 4 anos,
16/08/2007)

"A menina ficou perdida na rua. Aí depois ela saiu de casa sem avisar a mãe.
Aí depois a mãe ficou procurando, ela tava na casa da avó dela. Aí depois a
mãe botou ela de castigo. E todo mundo ficou brigando com ela. Aí ela ficou
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de castigo um ano. Aí depois ela ficou de castigo no quarto". (Amanda


Cecília, 5 anos, 11/08/2010)

2. VIVÊNCIA NA ESCOLA

"Era uma vez uma bonequinha que se chamava Mariana, outra bonequinha
era Natália e a outra era Beatriz. Elas tão fazendo faculdade de política. Elas
aprenderam a fazer as letras". (Beatriz, 4 anos, 04/09/2006)

"A gente saiu da piscina pra tomar banho pra ir pro colégio. Almoçamos,
estudamos muito. Depois a gente foi merendar. Depois a gente fez
trabalhinho da escola." (Stefani, 5 anos, 20/10/2006)

"Carol, Hugo, Larissa, Laura, Bia, Rennan, Yuri, Wendel, eu, tia Adriana,
Bia Assunção, Mariana, Isabelly, Gabriel, Elis, Manu, Maria Clara e Lucas
acabamos de sair da sala pra merendar. Aí escovamos os dentes e fomos pro
parquinho. E tinha um monte de ave no céu. E fomos embora pra casa. E a
gente fomos passear pro show da Bia Bedran". (Pedro Henrique, 4 anos,
20/08/2007)

"Um dia chegou o Aedes Aegypti e um pássaro. O Aedes Aegypti picou os


dois meninos e botou seus ovos na poça d'água e saiu voando. Um dia o
pássaro seguiu o Aedes Aegypti e os meninos tiraram a pipa do alto e foram
pra casa falar com a mãe pra levar eles no médico". (Hugo, 5 anos,
13/08/2008)

3. BRINCADEIRAS

"Eu, Hugo, Laura, Wendel, eu e Carol tamos brincando de pega-pega.


Wendel tá pegando eu. Carol tá pegando Wendel. Eu tô pegando Laura.
Hugo tá pegando Wendel. Laura tá pegando Hugo. A brincadeira foi legal".
(Lucas, 3 anos, 05/11/2007)

"O menino tava brincando de pique se esconde. Aí teve um balão, a nuvem e


o sol. Aí tinha uma criança dando a mão pra brincar de 'Atirei o pau no gato'.
Aí todo mundo abaixou pro gato cair. Aí eles tavam indo pra casa. Aí a
nuvem foi apareceu e todo mundo foi brincar de novo". (Alyson, 5 anos,
30/08/2010)

"O garoto tava jogando bola com o outro garoto. Ele tava soltando a pipa. Aí
a pipa foi embora. Aí bateu o sinal pra dormir. Aí a nuvem tava acordada. Aí
tava conversando com a outra. O garoto tava acordado pra jogar bola de novo
com ele". (Caio, 5 anos, 04/08/2010)
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"Dois meninos soltando cafifa. Duas cafifas se embolou no poste. O sol foi
embora e a chuva voltou. A mãe dos meninos falou pra não soltar cafifa
agora porque está chovendo. A chuva caiu no poste. Os meninos puxaram a
cafifa, mas o fio arrebentou. O choque acertou nos meninos. A mãe levou os
meninos pro hospital. E eles ficaram bem". (Patrick, 5 anos, 10/10/2011)

4. PERSONAGENS INFANTIS

"A menina Moranguinho cantava a música do Moranguinho. Ela fazia


comida pro cachorro dela e a gatinha. Laranjinha fazia suco pra Moranguinho
e pro cachorro. Laranjinha deu leite pra gatinha. Irmãozinho andou de skate
em todo lugar. Bolinho deu um bolo pra Moranguinho muito pesado".
(Laura, 3 anos, 29/08/2006)

"A Barbie tá na casa. Ela tá cozinhando. Ela tá entrando na nuvem. Ela


prendeu o cabelo porque não pode ficar de cabelo solto senão vai ventar."
(Fernanda Beatriz, 3 anos, 10/11/2008)

"O Monstro S.A. entrou na casa e pegou o menino. E afogou ele na água. Aí
o monstro entrou na casa e pegou tudo o que ele tinha. Aí destruiu a casa
dele. O menino nadou até a casa e destruiu o monstro. Ele afogou o monstro.
Tinha outro monstro escondido. Aí pegou ele e jogou na floresta. O menino
escapou e o monstro viu". (Andre Filipe, 5 anos, 11/10/2011)

"Uma princesa passou pelo campo e viu muitas e muitas flores. Depois um
dia uma bruxa passou e enfeitiçou ela na floresta. E um príncipe veio e deu
um beijo nela e ela acordou. Depois ela engravidou e a bruxa roubou o bebê
dela. Ela queria enfeitiçar o bebê para que ela encontrasse o príncipe do amor
dela. E ela viveu feliz para sempre com o príncipe". (Julia, 5 anos,
07/10/2011)

"Era uma vez um castelo que tava chovendo. A princesa tava lá dentro e a
bruxa deu a maçã pra ela dormir. Aí depois o rei foi lá no castelo acordar ela.
Depois beijou ela e ela acordou. Aí depois foi embora com o cavalo dele.
Depois foi pro castelo dele. A princesa foi embora com o príncipe. Depois
eles dormiram". (Matheus, 5 anos, 06/10/2011)

5. NATUREZA

"Eu tava brincando com duas borboletinhas. Quando eu parei de brincar com
as borboletinhas, eu fiquei brincando com as florzinhas. Aí, o sol ficou
brilhando. Aí, eu fiquei feliz. Aí, choveu e eu fui pra casa". (Camylla, 5 anos,
29/08/2006)
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"Eu tô na minha casa. Tô mexendo nas plantas. Tô dando 'bom dia'. Eu gosto
de fazer isso. O sol tá brilhando. As nuvens é pra chover. Quando papai do
céu fica nervoso, ele faz chover". (Natália, 5 anos, 29/08/2006)

"O sol tava rodando, procurando a nuvem. Tava chovendo e molhou o sol. O
mar deu um banho no sol e na nuvem. E escangalhou o sol. Tava chovendo
de novo. O mar rodou. Aí a chuva caiu no mar". (Manuela, 3 anos,
25/10/2007)

"Era uma vez um jardim cheio de flores. As borboletas foram pousar na flor.
Mas elas não conseguiram passar porque estão cercadas de arco-íris, urubus e
corações. Aí elas acharam uma saída. Elas pousaram nas flores pra
descansar." (Isabelly, 5 anos, 12/06/2008)

6. VIOLÊNCIA E MORTE

"O raio tava caindo na cabeça do cara. Aí ele desmaiou. Aí ele foi pra
ambulância. Todo mundo chegou pra ver ele. Aí o cara morreu. Aí veio um
bandido e assaltou a mulher. Aí a polícia chegou pra prender o bandido".
(Gustavo, 5 anos, 09/10/2006)

"A cobra tá comendo carne. Depois comeu ração e depois comeu um osso de
galinha. Depois comeu frutas. Depois bebeu água e vomitou. E depois ele
comeu jiló. A cobra ficou gorda e estourou. O bombeiro veio buscar ela
porque ela morreu". (Wendel, 4 anos, 30/08/2006)

"A polícia quer matar pessoa. O carro de polícia quer botar todo mundo na
cadeia. A planta morreu porque a polícia matou ela. Ficou sol e a lua ficou
queimada. Tava um cachorro que mordeu a polícia e a polícia foi embora".
(Yuri, 4 anos, 25/10/2007)

"A menina tava abraçada com um negão. Aí a mãe apareceu grávida. Aí


depois quando a mãe viu, aí foi ela morreu grávida de uma filha. Aí depois
ela não tinha marido porque o pai do bebê morreu. Aí a vizinha morava lá
com ela. Aí depois ela foi procurar a vizinha. Aí ela levou ela pro hospital. Aí
foi, ela levantou, aí o bebê dela saiu. O pai apareceu em casa". (Ana Mirian, 5
anos, 24/10/2011)

Muitas histórias apresentam mais de uma temática. Fizemos esta


divisão para dar destaque a cada uma.

Percebemos que as crianças elegem muitos temas para narrar em


situações que parecem remeter a vivências no cotidiano da família, as
brincadeiras, as experiências na escola, etc. e até assuntos que são ainda
difíceis de serem tratados como a morte. As histórias ocorrem em diferentes
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cenários: casa, castelo, rua, parque, escola, entre outros. Os personagens são
membros da família (mãe, pai, avó, irmão, irmã, bebê) e elementos da
natureza (animais, plantas, sol, chuva, mar, nuvem), e são também inspirados
em filmes e histórias infantis (Moranguinho, Barbie, Monstros S.A., princesa,
príncipe, bruxa). Eles praticam diversas ações, tais como brincar, almoçar,
tomar banho, dormir, estudar, brigar, engravidar, matar.

As crianças pequenas já se mostram grandes observadoras e leitoras


do mundo. Demonstram compreender: relações de poder (mãe coloca filha de
castigo; polícia mata e prende bandido); perigos (choque provocado pela
cafifa embolada no fio do poste); comportamento dos adultos (a mãe e o pai
que bebem cerveja no bar); necessidade de procurar atendimento médico (os
meninos picados pelo Aedes Aegypti; os meninos que levaram choque; a
menina que foi ter o neném); fenômenos da natureza (a nuvem faz chover; o
sol brilha e queima; borboletas pousam nas flores; Aedes Aegypti voa e
coloca ovos próximo à poça d'água); finitude dos seres vivos – a morte (a
cobra ficou gorda, estourou e morreu; a planta porque a polícia matou; o raio
caiu na cabeça do cara e ele morreu; a menina não tinha marido porque ele
morreu).

Podemos perguntar - como pais e mães assustados e surpresos com


algo inesperado que a criança fala - "onde esse menino/essa menina aprendeu
isso?". Aprendeu na interação com múltiplos sujeitos que trazem marcas
culturais e históricas, nas relações com estes sujeitos e com seus discursos,
tanto presencialmente na interlocução com outras pessoas (familiares,
vizinhos, membros da igreja, outras crianças e professoras na escola, etc.),
como de modo indireto, por intermédio dos meios de comunicação
(computador, televisão), dos livros de literatura infantil, dos filmes, dos
brinquedos.

Assim as crianças pequenas vão construindo seus próprios sistemas


de referência, composto pelos conhecimentos prévios, valores, opiniões,
convicções, preconceitos, etc.

IMPLICAÇÕES PEDAGÓGICAS

As crianças da Educação Infantil são cheias de palavras! Palavras


plenas, potentes, reveladoras de sentimentos, de sonhos, de criatividade, de
fantasia, de conhecimentos, de cultura. Ricas leituras de mundo!

Além disso, na atividade do Livro de Histórias da Turma as crianças


apresentam comportamentos de leitores ao acompanhar a leitura com os
dedinhos identificando o início da escrita/leitura e a direção do texto
(esquerda para direita, de cima para baixo); demonstram ser críticas e muito
atentas aos detalhes dos desenhos e textos dos colegas; realizam um
complexo exercício de elaborar de perguntas completas no momento em que
vão esclarecer alguma dúvida com o autor a respeito da história ou do
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desenho; aumentam o repertório vocabular e usam as novas palavras


aprendidas ao falarem ou elaborarem texto individual ou coletivo;
estabelecem novas relações com as experiências vividas a partir da história,
trocando informações, contando acontecimentos, fazendo os mais diversos
comentários.

Temos então que as enunciações das crianças provocam diversas


respostas dos destinatários - as outras crianças e a professora -, que
concordam, acrescentam, criticam, levantam questões, enfim, como dizia
Bakhtin (2010), adotam uma compreensão responsiva ativa para com o
discurso. As histórias narradas não surgiram do nada, são contextualizadas na
situação social, estão ligadas a enunciados anteriores e contêm a semente do
que será dito. E assim vão adicionando novos elos na cadeia da comunicação
verbal.

O Livro de Histórias da Turma é uma prática de letramento que


possibilita às crianças expressarem, comunicarem e darem sentido para o
mundo, e aos professores e professoras, melhor conhecê-las para
aprimorarem o fazer docente tornando a prática pedagógica mais
significativa, ampliando as possibilidades das crianças serem e atuarem no
mundo.

Precisamos parar para pensar no que a escola infantil e dos primeiros


anos do Ensino Fundamental tem feito com as palavras, enunciações, estas
leituras das crianças. Achamos ‘engraçadinhas’ ou nos escandalizamos?
Escolarizamos suas histórias usando-as como pretexto para ensinar a norma
culta ou pontos gramaticais? O que acontece na hora de passar da leitura do
mundo à leitura da palavra na alfabetização?

É papel da escola criar oportunidades para que as crianças usem a língua


escrita como forma de comunicação, de interlocução, estabelecendo situações
de produção de texto não de maneira artificial e repetitiva, mas dentro de um
contexto no qual esta escrita seja necessária e real. Isto é, que sejam
planejadas situações nas quais "a expressão escrita se apresente como uma
resposta a um desejo ou uma necessidade de comunicação, de interação, em
que o aluno tenha, pois, objetivos para escrever, e destinatários (leitores) para
quem escrever". (SOARES, 1999, p.70)

Infelizmente, em muitas escolas, à medida em que as crianças crescem,


vão se tornando emudecidas, pois se veem obrigadas a ler palavras muitas
vezes ‘mortas’ - signos neutros (BAKHTIN, 1992), acartilhados -,
completamente descontextualizadas e sem sentido para elas. Felizmente, as
crianças não perdem a capacidade de continuar a ler o mundo, embora, na
escola, esta leitura passe a ser silenciosa...

REFERÊNCIAS
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BAKHTIN, Mikhail M. Estética da criação verbal. Trad. Paulo Bezerra. 5.


ed. São Paulo: Editora WMF Martins Fontes, 2010.
BAKHTIN, Mikhail (V.N.Volochínov). Marxismo e Filosofia da
Linguagem: Problemas fundamentais do Método Sociológico na Ciência da
Linguagem. 6. ed. São Paulo: Hucitec, 1992.
FREIRE, Paulo. A importância do ato de ler. São Paulo: Cortez. Col.
Polêmicas do Nosso Tempo, 1985.
GERALDI, João Wanderley. Paulo Freire e Mikahil Bakhtin. O encontro que
não houve. In: Diálogos através de Paulo Freire. Edição Instituto Paulo
Freire de Portugal e Centro de Recursos Paulo Freire da FPCE. Colecção
Querer Saber1, s/d. pp. 37-52
GOULART, Cecília. M. A. Histórias de crianças, linguagem e educação
infantil. Cadernos de Pesquisa em Educação PPGE. UFES, Vitória, ES, v.
11, n. 22, p. 139-157, 2005.
_____. Enunciar é argumentar: analisando um episódio de uma aula de
História com base em Bakhtin. In: Pro-Proposições. Dossiê Linguagem e
construção de conhecimento: a argumentação em sala de aula. Campinas:
Universidade Estadual de Campinas. Faculdade de Educação. V.18, n. 3(54),
set./dez. 2007. Pp.93- 107.

KLEIMAN, Angela B. Modelos de letramento e as práticas de


alfabetização na escola. In: KLEIMAN, Angela B. (org.). Os significados
do letramento: uma nova perspectiva sobre a prática social da escrita.
Campinas, SP: Mercado das Letras, 1995, p. 15-61.
LARROSA BONDÍA, Jorge. Notas sobre a experiência e o saber de
experiência. In: Revista Brasileira de Educação, p. 20-28 Jan/Fev/Mar/Abr
2002. Disponível em: educa.fcc.org.br/pdf/rbedu/n19/n19a03.pdf. Acesso
em: 25/02/2012.
MARCUSCHI, Luiz Antonio. Da fala para a escrita: atividades de
retextualização. São Paulo: Cortez, 2001.
SOARES, Magda. Aprender a escrever, ensinar a escrever. In: ZACCUR,
Edwiges (org). A magia da linguagem. Rio de Janeiro: DP&A, SEPE, 1999.

i
Utilizaremos também as siglas Umeirac, Umei, ou, simplesmente, Rosalina, quando
nos referirmos ao nome da escola.
ii
Em 2006, a partir do trabalho com cultura popular, cujo tema foi o Universo
Cultural de Ariano Suassuna, teve início a atividade do Bornal de Leitura, realizada
por todas as turmas. A cada dia, uma criança escolhe um livro de história que leva
dentro do bornal junto com um caderno para que a família registre como foi a
experiência. Há também um espaço para a criança desenhar o que mais gostou ou lhe
chamou a atenção. Os relatos dos pais e/ou responsáveis revelam que os momentos de
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leitura em família aproximam as crianças de seus parentes, em gestos lúdicos,


afetivos, de prazer e de conhecimento.
iii
As crianças da Educação Infantil ainda não sabem ler e escrever e não é proposta da
escola usar esta atividade para alfabetizá-las.
iv
A professora procurou registrar as histórias ditadas pelas crianças da maneira mais
fiel possível, respeitando suas falas. Não é objetivo desta atividade fazer correções
gramaticais, modificar ou mexer na história narrada.
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O Uso da Literatura Infantil como Elemento


Pedagógico para a Inserção da Criança no
Universo do Letramento

Camila Bahia Góes1

RESUMO
Esse trabalho é resultado de uma experiência em estágio com Educação Infantil,
ocorrida em uma escola Municipal de Feira de Santana-Ba, proposta pelo componente
curricular Estágio Supervisionado em Educação Infantil do curso de pedagogia da
Universidade Estadual de Feira de Santana-UEFS. Com o intuito de observar e co-
participar das atividades desenvolvidas com as crianças de grupo 4, da sala de aula
elegida, tendo como foco de investigação a hora da contação de história e as
atividades de escrita. Desse modo, esse trabalho pretende desenvolver uma análise e
sistematização do que foi visto no estágio, no que diz respeito, a prática pedagógica
acerca da leitura e escrita desenvolvida na sala de aula a partir do uso da literatura
infantil. Na sala observada, foram presenciados momentos de envolvimento e
desconcentração das crianças com a contação e/ou leitura de história realizada pela
professora. Esta, por sua vez, desenvolveu um trabalho que explorou a imaginação,
criatividade, espontaneidade, reflexão e interação das crianças, sem deixar de lado o
lúdico. A professora mantinha uma rotina que favorecia forte contato com os livros,
com a linguagem escrita e principalmente, momentos de contação e/ou leitura de
histórias. Contudo, ainda que parciais, as análises permitem conhecer a importância
do uso da literatura Infantil nas práticas da leitura e da escrita na sala observada do
grupo 4 de educação infantil

Palavras-chave: Literatura Infantil; Leitura; Contação; Escrita.

1
Contato do(a) autor(a): milabhgoes@hotmail.com. Bolsista PIBEX-
GEPOLE/NEPA/UEFS- Universidade Estadual de Feira de Santana.
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INTRODUÇÃO

Esse trabalho é resultado de uma experiência em estágio com Educação


Infantil, ocorrida em uma escola Municipal de Feira de Santana-Ba, proposta
pelo componente curricular Estágio Supervisionado em Educação Infantil do
curso de pedagogia da Universidade Estadual de Feira de Santana-UEFS.
Com o intuito de observar e co-participar das atividades desenvolvidas com
as crianças de grupo 4, da sala de aula elegida, tendo como foco de
investigação a hora da contação de história e as atividades de escrita.

Ressalta-se que desde antes do nascimento da criança, no momento da


gestação, é de suma importância que a mãe já conte histórias para seu bebê,
para que o mesmo possa reconhecer e se adaptar a voz da mãe e, que
futuramente venha favorecer o bom desenvolvimento da oralidade da criança,
pois a leitura quando feita nessa fase estimula o desenvolvimento do bebê em
vários aspectos: o emocional, o social e o psicológico.

A leitura ensina a comunicação básica, introduz números, letras, cores e


formas, ajuda a construir vocabulário, a estimular a memória e a ouvir, além
de estimular o bebê a olhar, apontar, tocar e responder perguntas que a mãe
faz, imitar sons, reconhecer imagens, virar páginas e mais tarde, repetir
palavras. Nesse sentido, “a prática da leitura exige uma atitude ativa,
permitindo o exercício da criatividade, da imaginação e da livre
interpretação”. (MATURANO, s.a)

Não obstante, na educação infantil, onde muitas crianças estão iniciando


o processo de escolaridade e uma das questões fundamentais nesse processo é
a construção da escrita, o ato de ler histórias, de contá-las está muito presente
na sala de aula. Todavia, o professor precisa conhecer a importância dessa
prática para que possa utilizá-la com objetivos claros, com intenções e
intervenções reais para desenvolver um trabalho significativo com as
crianças.

Partindo desse pressuposto e das atividades desenvolvidas na sala


observada foi que surgiu o interesse de tratar dessa temática, pois, durante o
período de estágio era corriqueiro presenciar momentos de contação de
história, momentos de leitura, e, paralelamente, realização de atividades que
trabalhassem a escrita das crianças, as quais se envolviam e participavam
desse momento com entusiasmo, autonomia e interesse. Mas, antes de
adentrar na temática escolhida, vale contextualizar a sala a qual foi
observada.

São crianças do grupo 4, ou seja, com idade variável entre 4 e 5 anos,


de família considerada de baixa renda, que tem os mais diversos
históricos/contextos familiares, afirmado pela professora regente da sala.
Que, dito pela mesma, muitos não tem um acompanhamento devido em casa,
pois tais atividades sempre voltam não feitas, o que infere diretamente no
processo de ensino da professora e aprendizagem dos alunos. A professora
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vinda de uma escola particular e atuante da escola Municipal de Feira de


Santana mencionada, há dois anos, mantém um papel de mediadora do
conhecimento.

A partir do exposto, o presente trabalho pretende desenvolver uma


análise e sistematização do que foi visto no estágio, no que diz respeito, a
prática pedagógica acerca da leitura e escrita desenvolvida na sala de aula a
partir do uso da literatura infantil.

1 A Arte de Contar e/ou Ler uma História


O hábito de ler se constrói desde a infância, quando a criança, na escola
e/ou na família, já possui uma rotina que proporcione momentos de leitura. A
fim de que a criança construa uma futura formação leitora, o professor, como
mediador do conhecimento, precisa na sua prática, fomentar o gosto pela
leitura fazendo com que elas interajam com as histórias contadas, com os
personagens que as compõem, enfim, com todo o livro. Nesse sentido,
Abramovich (1989, p. 16) salienta que “é importante para a formação de
qualquer criança ouvir muitas histórias... Escutá-las é o início da
aprendizagem para ser leitor é ter um caminho absolutamente infinito de
descobertas e de compreensão do mundo”.

Para isso, a leitura deve ser vista pelo professor como forma de lazer, de
prazer, de aquisição de conhecimento, de enriquecimento cultural e de
interação. Desse modo, o professor precisa não ser apenas o locutor da
história, ele precisa ser também, um leitor. Ou seja, o professor precisa
conhecer a história a qual vai contar, ele precisa ter claro em mente os
objetivos que quer alcançar com a história e saber explorá-la de várias
maneiras. Contribui Busatto dizendo que:

Para conseguir atingir o objetivo de ensinar e a criança aprender é


preciso escolher leituras que incentive as crianças a ouvir e reproduzi-
las posteriormente. Usar entonação de voz atraente, fazer suspense,
usar gestos movimentando o corpo e estar sempre atento ao
vocabulário da história colocando significados quando houver
palavras novas. (2007, p.64)

Por se tratar das crianças do grupo 4, observadas durante o estágio, que


ainda não sabem ler , digo aqui, leitura convencional da escrita, pois a leitura
de imagens e de mundo eles já realizam. Até por que a criança convive com a
leitura e escrita em todos os momentos, como por exemplo, ao manejar um
livro de histórias infantis, ao pegar a embalagem de algum brinquedo, ao
simples fato de estar passeando e observar os outdoors, propagandas, vitrines,
entre outros. Sobre esta realidade, Ferreiro e Teberosky (1999) dizem que:

É bem difícil imaginar que uma criança de 4 ou 5 anos, que cresce


num ambiente urbano no qual vai reencontrar, textos escritos em
qualquer lugar não faça nenhuma idéia a respeito da natureza desse
objeto cultural até ter anos e uma professora à sua frente. (p.29)

Vale ilustrar que em um dos nossos encontros, ocorreu a atividade,


explorando cantos, a qual foi dividida em 3 cantos diferentes: um canto para
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historinha, com fantoches, livros de história e alguns chapéus; um canto com


jogos, jogo de memória e montagem de números; e, um canto de pintura. E
no canto da história, quando eu estava perto, um dos alunos fez a leitura de
uma história para mim. E ele reproduzia a leitura vista de um adulto,
começando com era uma vez, falando pausadamente cada página da história,
até chegar ao fim e dizer: “viveram felizes para sempre, fim.” No entanto ele
criava a história de acordo com as imagens trazidas no livro, nos indicando
que, “nos bons livros infantis ilustrados, o texto e a imagem se articulam de
tal modo que ambos concorrem para a boa compreensão da narrativa”
(FARIA, 2004, p. 39).

Ao contar e/ou ler histórias, o professor tende a ser mediador entre a


história e seus alunos. Nesse momento, cabe ao professor utilizar de
estratégias de leitura para que o aluno possa refletir e se posicionar sobre a
história, podendo até fazer relações com sua realidade. A professora
observada, no momento da leitura e/ou contação de histórias, fazia
inferências contínuas, fazendo com que seus alunos se envolvessem e
participassem da história. Até mesmo, nos momentos em que nós fizemos a
leitura da história, tentamos ao máximo fazer inferências com o mesmo
propósito e as crianças reagiram com igual entusiasmo e envolvimento.

Segundo Isabel Solé (1988), as estratégias de leitura são as ferramentas


necessárias para o desenvolvimento da leitura proficiente. Sua utilização
permite compreender e interpretar de forma autônoma os textos lidos e
pretende despertar o professor para a importância em desenvolver um
trabalho efetivo no sentido da formação do leitor independente, crítico e
reflexivo.

Não obstante, o professor precisa “mergulhar” na história a ser contada,


precisa criar um ambiente de encantamento, suspense, surpresa e emoção, no
qual o enredo e personagens ganham vida e transformam tanto o narrador
como o ouvinte. Contar e/ou ler uma história é um momento mágico que
envolve a todos que estão nesse momento de fantasia. Ao contar e/ou ler
histórias o professor proporciona ao aluno um mundo fictício, onde ele
explora todo o seu imaginário.

No momento da contação de história da sala observada, as crianças


ficavam admiradas, extasiadas com as imagens do livro, com a professora
contando a história. Os olhos brilhavam, as crianças ficavam ansiosas com a
nova página a ser virada. Foi lindo de se ver, elas sentadas e fixadas no
desenrolar da história, e não por que a professora ordenava, mas sim, por que
as crianças estavam deslumbrando a história.

Nesse sentido, Pennac (1993), salienta:

Mas ler em voz alta não é suficiente, é preciso contar também,


oferecer nossos tesouros, desembrulhá-los na praia ignorante.
Escutem, escutem e vejam como é bom ouvir uma história. Não há
melhor maneira de abrir o apetite de um leitor do que lhe dar de
farejar uma orgia de leitura. (p. 124)
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Corroborando que o professor também deve ser parte da história, esse


tem que deixar fluir a magia, o imaginário, o mundo fictício que está dentro
da história.

Partindo desse pressuposto, vale comentar o acontecido conosco em um


dos nossos encontros. A professora nos pediu para contar a história de “A
Bela Borboleta”, e em algum momento da história, a borboleta em uma
página abria as asas e as fechava em outra página. E nós fizemos uma
brincadeira, sugerindo que quando a página em que a borboleta abria as asas
estivesse aberta, ela sairia voando. Foi o estopim para que eles deixassem a
imaginação fluir, a borboleta estava por todo canto agora. Toda hora ela
estava voando pela sala atrás de um de nós e quando ela não voava é por que
estava dormindo.

Podemos notar a importância do momento supracitado com as crianças,


a contribuição para aflorar o imaginário e para fomentar o gosto pela leitura
por eles, pois Abramovich (1989, p. 17) corrobora com essa afirmação, ao
dizer que ler “... é ouvir, sentir e enxergar com os olhos do imaginário!” O
que contribui para o bom uso da Literatura Infantil como elemento para o
trabalho pedagógico com as crianças.

2 Ensinando as Letras: Atividades de Escrita através da


Literatura Infantil

Não obstante de tudo que foi dito, a literatura infantil proporciona as


crianças um contato com a linguagem escrita, contato com os códigos, com a
escrita convencional, pois essas sabem, que apesar das variadas imagens que
o livro traz, existe uma história que é lida através das letras que a compõem.

Britton (apud KATO, 1997, p.41) já afirmava que:

Ao ouvir histórias, a criança vai construindo seu conhecimento da


linguagem escrita, que não se limita ao conhecimento das marcas
gráficas a produzir ou a interpretar, mas envolve gênero, estrutura
textual, funções, formas e recursos lingüísticos.

A criança compreende que no livro existe uma repercussão de


elementos, inclusive as letras, que dão sentido a história. E através desse
contato, quando o professor está lendo ou em seguida, quando o mesmo
permite que as crianças toquem o livro, que elas folhem, essas estão
descobrindo a linguagem escrita, além de se aproximarem do fim social para
o qual foi criada, ou seja, para escrever ao registrar vivências, expressar
sentimentos e emoções, enfim comunicar-se.

Um ponto significante que deve ser referendado aqui é, toda vez ao


ouvir a história, o grupo observado, pedia para a professora o livro, para que
eles folheassem. Ou então, em alguns momentos eles pegavam os livros que
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ficavam em uma determinada mesa e folheavam. Além do que, a própria


organização da sala favorece o contato com as letras e números.

Em alguns momentos do estágio, foi presenciado as crianças brincando


pela sala e certa hora paravam diante das letras espalhadas em cartazes no
espaço e faziam relações com os nomes deles mesmos ou de outra pessoa.
Teve um dia, que dois meninos estavam olhando o cartaz de aniversariantes
do mês, o menino “X”, apontou para um determinado nome e data e disse que
era o aniversário de outro colega, só que o menino “Y” o corrigiu dizendo o
seguinte: “Não é não, essa é a letra F de “F...”, então é aniversário dela.”

Outro ponto importante é o trabalho feito, na sala de aula observada,


para a aquisição da escrita das crianças. Algumas das vezes, que a professora
leu e/ou contou uma história para seus alunos, fez em seguida, uma atividade
que trabalhasse a escrita. A literatura infantil, nessa perspectiva, vem a ser
um instrumento de grande ajuda ao professor, no sentido de auxiliar, como
suporte, na elaboração de atividades significativas capazes de promover
aprendizagens importantes, além de ajudar a criança no processo de aquisição
da linguagem tanto oral quanto escrita. (COLOMBO, s/a, pg.4)

Com esse trabalho, a professora pode identificar em que nível de escrita


as crianças se encontram, e pode através do mesmo, fazer com que avancem,
pois a atenção do professor volta-se para compreensão de como o aluno
aprende, para o desenvolvimento do mesmo.

Para fundamentar o que foi presenciado na sala observada, o trabalho


teve como fonte de pesquisa os estudos sobre a psicogênese da linguagem
escrita de Ferreiro e Teberosky (1999) que lançaram uma nova luz sobre as
tentativas de descrever as etapas pelas quais a criança passa durante o
processo da aquisição da escrita. A partir dos estudos das autoras, a língua
escrita deixa de ser encarada como mera apropriação de um código ou como
meros atos de codificação e decodificação de palavras, sílabas e letras,
passando a ser concebida como sistema de representação.

Segundo Emília Ferreiro e Ana Teberosky (1999), as crianças elaboram


conhecimentos sobre a leitura e escrita, passando por diferentes hipóteses –
espontâneas e provisórias – até se apropriar de toda a complexidade da língua
escrita. Tais hipóteses, baseadas em conhecimentos prévios, assimilações e
generalizações, dependem das interações delas com seus pares e com os
materiais escritos que circulam socialmente.

De acordo com a Teoria da Psicogênese, toda criança passa por níveis


estruturais da linguagem escrita até que se aproprie da complexidade do
sistema alfabético, são eles: o pré-silábico, o silábico, que se divide em
silábico-alfabético, e o alfabético. Tais níveis são caracterizados por
esquemas conceituais que não são simples reproduções das informações
recebidas do meio, ao contrário, são processos construtivos onde a criança
leva em conta parte da informação recebida e introduz sempre algo subjetivo.

A partir desses conceitos e através das atividades de escrita, foi


percebido e confirmado pela professora, de que alguns se encontram em
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hipótese pré-silábica, outros em silábica e um ou dois em silábico-alfabético.


Foi notada, intensamente, essa diversificação de níveis em duas crianças:
uma que, escreveu com garatujas, desenhos e símbolos, e outra que, ao som
da sílaba ia identificando as letras sem muita dificuldade.

Vale salientar que, a passagem de um nível para o outro é gradual e


depende dentre outras coisas, das intervenções feitas pelo professor. Nesse
sentido, a professora da sala observada fez intervenções, as quais a meu ver
foram necessárias para que eles pudessem realizar as atividades propostas.
Como no dia que, ela fez a leitura da história e propor-lhes uma atividade de
escrita, explicou a atividade, e na hora da intervenção, ela realizava
deixando-os refletir sobre o que estava posto e não interferia na construção
deles, só quando necessário.

Contudo, cabe a professora utilizar de estratégias, como o uso da


Literatura infantil, para que incentive o aluno pelo mundo das letras fazendo
com que esse não só crie gosto pela leitura como, avance nos níveis da
escrita.

CONCLUSÃO

Acredito que a vivência na sala de aula, do grupo 4, durante o Estágio


Supervisionado em Educação infantil, proporcionou maior interesse sobre a
temática abordada e foi muito relevante para meus estudos, pois, como futura
Pedagoga, atuar nessa modalidade requer um olhar voltado para o sujeito,
para a construção cognitiva, moral, social, emocional do mesmo e não menos
importante, a aquisição da leitura e escrita.

Sabe-se que hoje, a escola assume um papel primordial de alfabetizar as


crianças, torná-los aptos ao ato de ler e escrever. Porém, se não tivermos uma
olhar diferenciado para com esse processo de alfabetização, acabamos por
reproduzir um trabalho voltado para mera decodificação de letras e não
trabalhamos os sentidos reflexivos, crítico.

Para Britto, o maior desafio da educação infantil em vez de se preocupar


com o ensino das letras numa perspectiva redutora de alfabetização ou
letramento é:

[...] construir as bases para que as crianças possam participar


criticamente da cultura escrita, conviver com essa organização do
discurso escrito e experimentar de diferentes formas os modos de
pensar escrito. Antecipar o ensino das letras sem trazer o debate da
cultura escrita para o cotidiano é desrespeitar o tempo da infância e
sustentar uma educação tecnicista, em que predominam o mito da
precocidade e o mito da superespecialização, alimentados pela lógica
da competitividade (BRITTO, 1997, p.17).
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Dessa forma, é preciso ressaltar que o desenvolvimento da linguagem


escrita não é a única razão de ser da educação infantil. Essa também deve se
preocupar em desenvolver ações que envolvam o conhecimento, socialização,
construção da autonomia criatividade, solidariedade, cooperação e a
autoconfiança.

A educação infantil precisa ser um espaço, o qual a criança tenha


contato com a leitura e a escrita. O qual possa pensar sobre o que representa e
de que modo se comunica através da escrita. O qual a leitura e a escrita
possam ser utilizadas com sentido. Como afirma Cagliari (1995), para
aprender a ler é preciso pensar sobre a escrita e o que ela representa e como
se apresenta graficamente, ou seja, se não houver compreensão sobre a fala e
a escrita, não haverá leitura.

Ao se tratar de crianças que estão na fase de construção de valores, e,


paralelo do processo de aquisição da leitura e escrita, desse modo, o professor
tende a utilizar estratégias para que as crianças passem a conhecer, a explorar
e se apropriar do universo letrado. O que favorece a criança no sentido que, a
mesma possa respeitar a espontaneidade e a criatividade do outrem, conhecer
informações sobre o mundo que a cerca, satisfazer suas necessidades
emocionais, sociais e físicas além, de se comunicar e explanar suas vontades
e desejos.

Nesse sentido, a importância do hábito de contar e/ou ler história para a


criança, fazer que ela tenha prazer nesse momento, se faz presente dentro e
fora da sala de aula. No intuito da criança ir criando empatia com as letras,
com os livros, cabe ao professor na sala de aula envolver seus alunos com a
leitura, com a história, proporcionando-os ambiente favorável ao momento de
interação e aproximação com o livro.

Na sala observada, foram presenciados momentos de envolvimento e


desconcentração das crianças com a contação e/ou leitura de história
realizada pela professora. Esta, por sua vez, desenvolveu um trabalho que
explorou a imaginação, criatividade, espontaneidade, reflexão e interação das
crianças, sem deixar de lado o lúdico.

A professora mantinha uma rotina que favorecia forte contato com os


livros, com a linguagem escrita e principalmente, momentos de contação e/ou
leitura de histórias. No que se refere a essa rotina recorro às palavras de
Rizzoli (2005, p.7) quando esta diz que:

Ouvir histórias tem uma importância muito grande para a criança: faz
com que ela se sinta importante, sinta que alguma coisa está sendo
feita especialmente para ela. As histórias também têm um valor
terapêutico e, por isso, são narradas para as crianças como forma de
terapia.

A professora valorizou as atividades orais, e deu importância a fala das


crianças. Contudo, ainda que parciais, as análises permitem conhecer a
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importância do uso da literatura Infantil nas práticas da leitura e da escrita na


sala observada do grupo 4, de educação infantil.

REFERÊNCIAS

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Paulo: Scipione, 1989.
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II Seminário Nacional de Alfabetização e Letramento Alfabetização, Discurso e Aprendizagens
Oralidade e Escrita na Prática Escolar
ISSN: 2177-4072

Aquisição da Língua Escrita:


concepções e práticas de professores da educação infantil

Carla Jamille de Araújo1

RESUMO

Este estudo buscou analisar as concepções que as professoras que exercem docência
em classes de Educação Infantil têm sobre a aquisição da língua escrita. Atualmente,
conhecemos o processo de aprendizagem das crianças, mas sabemos muito pouco
sobre as concepções do professor sobre isto, daí a importância deste estudo, visto que
se não considerarmos os conhecimentos e as crenças dos professores sobre esse
processo, o ensino da língua escrita continuará sendo mecânico e repetitivo, e os
professores continuarão utilizando uma concepção já superada sobre a aprendizagem
da leitura e da escrita, desconsiderando, dessa forma, o sujeito que age, que pensa e
que constrói conhecimentos. Os dados desta pesquisa de natureza qualitativa foram
coletados a partir de observações e entrevistas semiestruturadas realizadas com duas
professoras dos grupos IV e V de Educação Infantil da rede Municipal de Salvador.
Verificou-se através deste estudo que as professoras apresentam em suas práticas
tendências pedagógicas que se aproximam dos discursos oficiais e das perspectivas
atuais do ensino da lecto-escrita. No entanto, também é possível perceber vestígios de
uma prática pedagógica pautada em concepções tradicionais.

Palavras- chave: Concepções de professores. Lecto-escrita. Educação Infantil.

1
Contato do(a) autor(a): jamillecarla@hotmail.com. Mestranda em Educação, UFBA
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INTRODUÇÃO

A escola é uma instituição contextualizada, isto é, sua realidade, seus


conteúdos, seus valores, sua configuração variam segundo as condições
histórico-sociais que a envolvem, visto que ela tem a finalidade de comunicar
às novas gerações o conhecimento elaborado pela sociedade. Deste modo, se
a escola for analisada em diferentes momentos históricos, certamente
mostrará realidades muito diferenciadas.

O ensino da língua escrita, neste cenário de transformações, também se


modifica, para formar um tipo de leitor e escritor que atenda às novas
demandas sociais. E o professor, como protagonista dessa dinâmica, precisa
acompanhar essas mudanças, refletindo e reconstruindo seus saberes e a
relação entre eles no cotidiano da sua ação docente.

O processo de aquisição da língua escrita passou por diversas


transformações no decorrer da história. Tais mudanças conceituais devem-se
a uma multiplicidade de enfoques que foram se tornando hegemônicos na
prática e também no discurso educacional brasileiro, para atender às
demandas estabelecidas pela sociedade.

Até a década de 80 do século XX, o processo de ensino-aprendizagem


da leitura e da escrita estava vinculado a uma questão de métodos. A língua
escrita, nesse período, era compreendida como um código, e aprender a
decifrar esse código era a garantia de que a criança havia aprendido a ler e a
escrever.

A partir de 1980, a intensificação dos estudos e pesquisas voltados para


a alfabetização renovou as concepções teóricas acerca da aquisição da língua
escrita. Dentre essas pesquisas, destaca-se a obra Psicogênese da língua
escrita (FERREIRO & TEBEROSKY, 1985) que concebe a escrita como um
objeto de conhecimento da criança. Nessa perspectiva, a aquisição da língua
escrita equivale a um processo de construção cognitiva, resultante da ação de
um sujeito cognoscente e ativo.

Logo, é interessante analisar como os professores compreendem o


processo de aquisição da língua escrita e de que forma isso reflete em sua
práxis pedagógica, depois de tantas transformações que ocorreram no cenário
educacional brasileiro, pois se não considerarmos os conhecimentos e as
crenças dos professores sobre esse processo, o ensino da língua escrita
continuará sendo mecânico e repetitivo, desconsiderando, dessa forma, o
sujeito que age, que pensa e que constrói conhecimentos.

Neste artigo serão inicialmente, analisados os sentidos que foram sendo


atribuídos ao ensino da leitura e da escrita ao longo do tempo. Em seguida,
será discutido como essas concepções implantadas no contexto educacional
interferiram na práxis pedagógica dos professores.
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1 Olhares sobre a aquisição da língua escrita

O ensino da língua escrita, por muito tempo, centrou-se nos métodos de


alfabetização que foram o foco das atenções dos educadores que buscavam
um instrumento seguro e eficaz para alfabetizar seus alunos. Dessa forma, em
cada momento histórico, a hegemonia de um método exigiu dos professores
competências específicas em relação ao ensino da leitura e escrita. Mortatti
(2008, p. 474) afirma que

Dadas às constantes dificuldades dos professores em aprender (se


convencer) e aplicar adequadamente as novas (para cada momento
histórico) propostas para o ensino inicial da leitura e escrita, para a
configuração desse modelo se foram aperfeiçoando e consolidando
certos recursos didático-pedagógicos, em especial as cartilhas de
alfabetização.

Nas cartilhas de alfabetização encontrávamos concretizado determinado


método a ser seguido, de acordo com um programa oficial estabelecido
previamente. Inicialmente as cartilhas de alfabetização baseavam-se nos
métodos de marcha sintética. O método sintético (alfabético, fônico e
silábico) caracteriza-se por seguir a marcha que vai das partes para o todo. O
ensino da leitura dever-se-ia iniciar com as letras (grafemas), os sons
(fonemas) e as famílias silábicas, de acordo com certa ordem crescente de
dificuldade, para posteriormente, formar com elas sílabas, palavras e depois
frases.

Os métodos sintéticos foram veementemente criticados e combatidos


por aqueles que propuseram e defenderam os métodos de marcha analítica.
No método analítico (sentenciação, palavração e global de contos), o ensino
inicia-se no reconhecimento global de uma palavra, uma frase ou um texto, e
a análise dos componentes é uma tarefa posterior.

De acordo com Mortatti (2000b), as cartilhas produzidas, sobretudo no


início do século XX, passaram a basear-se no método de marcha analítica, a
partir das contribuições da pedagogia norte-americana, divulgadas
inicialmente no estado de São Paulo, pelas reformas da instrução pública na
década de 1890, e, posteriormente, disseminadas para outros estados
brasileiros, por meio de “missões de professores” paulistas.

Em meados do ano de 1920, houve um aumento das resistências dos


professores quanto à utilização do método analítico que resultou na busca por
novas propostas para o ensino e aprendizagem iniciais da leitura e da escrita.
Uma das soluções encontradas pelos professores foi a utilização do método
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analítico-sintético, também chamado de método misto ou eclético, que une as


orientações dos dois métodos, pois utiliza os processos de análise e síntese.

Segundo Mortatti (2000a, p. 45), a partir dos anos de 1930, os


professores passaram a embasar-se nos métodos mistos ou ecléticos
(analítico-sintético ou vice-versa) especialmente em decorrência da
disseminação e da repercussão dos testes ABC, de Lourenço Filho, cuja
finalidade era medir o nível de maturidade necessário ao aprendizado da
leitura e da escrita, visando à maior rapidez e eficiência na alfabetização.

Com a hegemonia da perspectiva teórica dos testes ABC, o como


ensinar subordina-se à maturidade da criança, cabendo apenas ao professor a
escolha pelo o método mais adequado para alfabetização eficiente e eficaz em
classes homogêneas. Diante disso, temos a ênfase nos métodos mistos ou
ecléticos para o ensino inicial da leitura e escrita, que a partir de então,
dissemina-se e ganha rapidamente adeptos.

Nos anos 80 as concepções até então defendidas e praticadas a respeito


do ensino inicial da leitura e de escrita são questionadas, em particular as que
se baseavam nos métodos de alfabetização e nos “testes de prontidão”. Dessa
forma, inicia-se no cenário educacional brasileiro, a instauração de um novo
paradigma para a interpretação do modo pelo qual a criança aprende a ler e
escrever, decorrente das pesquisas desenvolvidas pelas pesquisadoras Emilia
Ferreiro e Ana Teberosky.

A língua escrita começa a ser estudada a partir dos pressupostos da


epistemologia genética de Piaget, como um processo que se inicia, na maioria
dos casos, em contextos extra-escolares. As investigações das autoras
articulam-se para explicar as relações que o sujeito estabelece com o objeto
do conhecimento (a língua), no processo de aprendizagem, compartilhando
com matriz teórica piagetiana do mesmo conceito de sujeito epistêmico.

O sujeito que conhecemos através da teoria de Piaget é aquele que


procura ativamente compreender o mundo que o rodeia e trata de
resolver as interrogações que este mundo provoca. Não é um sujeito o
qual espera que alguém que possui um conhecimento o transmita a ele
por um ato de benevolência. É um sujeito que aprende basicamente
através de suas próprias ações sobre os objetos do mundo e que
constrói suas próprias categorias de pensamento ao mesmo tempo em
que organiza seu mundo. (FERREIRO & TEBEROSKY, 1999, p. 29).

A difusão rápida das idéias das autoras, divulgadas no Brasil,


principalmente por meio do livro Psicogênese da língua escrita, dirigiu
grande parte da reflexão teórica e da discussão sobre a alfabetização entre
pesquisadores e também atingiu um grande número de professores. De
acordo com Mortatti (2006, p. 10)

Deslocando o eixo das discussões dos métodos de ensino para o


processo de aprendizagem da criança (sujeito cognoscente), o
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construtivismo se apresenta, não como um método novo, mas como


uma revolução “conceitual”, demandando, dentre outros aspectos,
abandonarem-se as terias e praticas tradicionais, desmetodizar-se o
processo de alfabetização e questionar a necessidade das cartilhas.

Essa nova perspectiva teórica veio justamente refutar as explicações


dadas ao modo pelo qual a criança aprende a ler e a escrever. A mudança de
foco (da psicogênese), do “como se ensina” para o “como se aprende”,
constatou que a criança ao ingressar na série em que começa a ocorrer o
ensino sistemático das letras, já detém uma grande capacidade linguística que
não é considerada. Deste modo, os estudos das autoras comprovam que o
processo de aprendizagem da língua escrita, considerada também como
“aprendizagem conceitual”, é resultado da própria atividade do sujeito sobre
a língua escrita.

2 Aquisição da língua escrita na concepção das


professoras de educação infantil

Como vimos anteriormente ocorreram diversas transformações e


evoluções significativas no ensino da leitura e da escrita. O professor, neste
cenário de mudanças, é visto como um sujeito sócio-cultural que constrói e
reconstrói seus conhecimentos, conforme as necessidades e demandas do
contexto histórico e social.

Destarte, cabe-nos, então, questionar como os professores se apropriam


destes conhecimentos sobre a leitura e a escrita que foram produzidos no
meio educacional? Como têm sido reelaborados os diferentes conhecimentos
que subsidiam o trabalho com a linguagem escrita na Educação Infantil? Em
qual abordagem metodológica as professoras de Educação Infantil se pautam
no que tange a lecto-escrita?

Para responder a essas questões aproximamo-nos do cotidiano escolar, e


realizamos entrevistas e observações em sala de aula. Nesta pesquisa
contamos com a participação de duas professoras, que foram intituladas de
professora 1 e professora 2. Realizamos quatro observações na sala de aula
das professoras. Em cada dia observado elaboramos um protocolo de
observação das atividades desenvolvidas pela professora, a fim de verificar o
tratamento dado às atividades de leitura e escrita, e identificar na práxis
pedagógica a abordagem teórica que ela se pauta no que tange a lecto-escrita.

3 Prática pedagógica da professora 1

Com base nos protocolos de observação, elaboramos o quadro abaixo,


no qual podemos constatar as atividades desenvolvidas pela professora 1 nos
dias observados:
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Atividades/Observações 1º 2º 3º 4º TOTAL

Rodinha de músicas X X X X 4
Contagem da quantidade de meninos e meninas X X X X 4
Calendário X X X X 4
Chamada X X X X 4
Escrita do dia
Desenho X 1
Roda de conversa X 1
Atividade com massa de modelar X 1
Contação de história infantil X 1
Reconto de história
Brincadeiras e jogos X 1
Escrita de frases ou palavras ditas pelas crianças
Atividades com o nome próprio X X X X 4
Quadro 1: Atividades desenvolvidas pela professora 1

Um fato que chamou a atenção no trabalho desenvolvido pela


professora 1 foram as atividades com o nome próprio, que foram realizadas
todos os dias observados. A professora 1 entende que esse trabalho de
exploração do nome dos alunos é importante para que as crianças se
apropriem do sistema de escrita, uma vez que é parte de um referencial
estável que faz com que as crianças pensem sobre a escrita, conforme ela
expressa em sua fala, quando questionada sobre as mudanças que ocorreram
em sua prática pedagógica

Antes eu compreendia [...], que cada dia eu tinha que ensinar uma
letra a eles (risos), hoje era dia de tal letra e vamos lá, trabalhar com
aquela letra, aí quando eu entrei na Faculdade, que tinha didática da
alfabetização e [...] aqui também tinha formação, aí eu comecei a
compreender realmente que as crianças não precisavam ficar, não
precisava mandar elas copiarem várias vezes uma letra, mas essa
questão do nome é muito importante pra eles porque é uma coisa que
não muda, é dele, que tem uma história, quem escolheu, é deles, pode
até ter nomes iguais na sala, mas cada um tem a sua história, cada um
tem uma família, tem um pai e uma mãe diferente, e que o primeiro,
[...] contato, idéias que dá certo, pra que eles comecem a visualizar
essa questão da escrita, é o nome próprio.

De acordo com Teberosky (2001, p. 34), o nome próprio informa a


criança sobre as letras, sua quantidade, variedade, posição e ordem, servindo
de referência para confrontar as ideias das crianças com a realidade
convencional da escrita; ele pode servir de base de apoio para a
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aprendizagem da leitura e da escrita tanto do ponto de vista linguístico quanto


do gráfico.

Um outro fato que chama atenção na fala da professora refere-se a


mudança em sua forma de ensinar. A professora acreditava que ensino da
leitura e da escrita deveria iniciar-se das partes para o todo, das unidades
menores da escrita, nesse caso as letras. Essa concepção em que a professora
sustentava a sua práxis é característica do método sintético. No entanto, como
fica claro em sua fala, a sua prática foi alterada devido a sua formação
acadêmica e continuada, ou seja, devido às modificações no cenário
educacional quanto à forma de conceber o ensino da leitura e da escrita.

De acordo com Chartier (1998), os professores constroem suas práticas


a partir do que está sendo discutido no meio acadêmico e transposto para os
textos do saber, porém sempre considerando o que é possível e pertinente de
ser feito em sala de aula. Assim, a prática pedagógica dos professores é
permeada por apropriações, e constituem-se em um processo ativo de “re-
construção”, e não pelo recebimento de algo pronto e acabado.

Notamos ainda na prática pedagógica da professora 1 uma preocupação


para que as crianças possam constituir-se como autores de suas escritas. Há
estímulo e a oportunidade para ela demonstrar o que sabe e o que não
conhece sobre a escrita.

Quando eles contam pra mim como foi o fim de semana. Assim dia de
segunda-feira, o que foi que vocês fizeram no fim de semana, eu quero
saber, aí eles vão lá escrever, tem dias que eles falam e eu escrevo, ah!
Você fez isso, ah tá bom, eu vou lá e anoto, mas às vezes não, eu digo
que vai escrever é você hoje, e eles vão lá e escrevem aí depois eu
pergunto, ah você escreveu o que aí mesmo? Ai eles escreverem, tem
que ter esse momento também deles escreverem. Eles escrevem o
nome deles na atividade, eu falo a eles, eu não sei de quem é esse
dever, por que mistura tudo e aí eu não vou saber de quem é, e aí eu
falo, borá ver a fichinha, a sua fichinha é essa, a do nome, e aí eles
escrevem o nome deles.

Com base na entrevista e observações realizadas, podemos verificar que


o trabalho da professora 1 não reduz a escrita a um trabalho mecânico de
decifração do código. Dessa forma, com base nas observações e entrevista
realizadas com a professora 1, nota-se a introdução do ideário construtivista
nas ações pedagógicas da professora, ou seja, um novo momento no fazer
pedagógico da professora, que parece romper com as práticas tradicionais de
ensino.

4 Prática pedagógica da professora 2


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Na classe da professora 2 foram realizadas as seguintes atividades :

Atividades/Observações 1º 2º 3º 4º TOTAL

Rodinha de músicas X 1
Contagem da quantidade de meninos e meninas X 1
Escrita das vogais X 1
Desenho X 1
Roda de conversa X X 2
Atividade com massa de modelar X X X 3
Contação de história infantil X 1
Brincadeiras e jogos de encaixe X X X 3
Roteiro da aula (atividades preparadas pela
professora) X X 2
Atividades com o nome próprio X 1
Quadro 2: Atividades desenvolvidas pela professora 2

Das ações desenvolvidas pela professora 2, durante as observações


podemos notar que a práxis pedagógica da professora apresenta algumas
características de propostas inovadoras, que podem ser vistas nas atividades
de escrita do nome e do contato com os materiais escritos.

Ao organizar a prática trazendo para sala de aula materiais escritos


disponíveis e presentes na realidade das crianças a professora estará
reconhecendo que a linguagem escrita deve ser adquirida em um contexto no
qual tenha uma função significativa. Esse contato torna-se ainda mais
importante quando oferecido as crianças de classes desfavorecidas, visto que
“quando a escola recebe as crianças que não tem acesso a esse tipo de
material, estamos frente a uma encruzilhada muito clara. Ou a escola os
fornece ou ninguém os fornecerá.” (FERREIRO, 1992, p. 65).

No entanto, podemos constatar, ainda, na prática pedagógica da


professora 2, o uso de atividades tradicionais: de treino, repetição e
memorização de aspectos fragmentados e descontextualizados da língua
escrita, mais especificamente as vogais. De acordo com Ferreiro (2008, p. 37)
as instituições pré-escolares de caráter público a fim de “preparar melhor as
crianças” costumam então introduzir exercícios de discriminação de formas
gráficas, folhas para a cópia de grafismos e, às vezes, identificação de letras
(vogais, em particular).

Essa maneira de elaborar as atividades obscurece o pensamento da


criança, havendo pouco estímulo e a oportunidade para ela demonstrar o que
sabe e o que não sabe sobre a escrita. Tais atividades não permitem o aluno
pensar e refletir sobre a linguagem escrita.
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Esses fatos mostram a presença de um ecletismo teórico metodológico,


uma visão mesclada de como trabalhar o processo de ensino-aprendizagem
da lecto-escrita. Objetiva-se que os professores incorporem os conhecimentos
produzidos no meio acadêmico. No entanto, tais mudanças costumam
tropeçar em fortes resistências, como podemos observar na prática e também
discursos da professora

Olha, algumas coisas eu consegui mudar, por que a gente termina


internalizando e não consegue fazer muita mudança realmente, a
gente vai nos cursos, a gente tira alguma coisa, da pra tirar realmente,
mas termina a gente voltando pra aquele mesmo do inicio, por que
cada vez que você vai numa capacitação dessas, elas sempre vem com
mudanças, eles chegam com uma proposta nova, [...] mas agente
sempre termina voltando, da tudo no mesmo trabalhar a silabação, por
que é o que acha que não dá certo você trabalhar o som mesmo b com
a e a gente vê que tem mais resultados, eu misturo muito, eu misturo
casinha feliz, eu misturo,[...] até as cartilhas, a gente abre volta,
quando a gente ver tá tudo lá, aí a gente tá sempre misturando. (grifos
meus)

Para Nóvoa (2007) em geral os professores são profissionais sensíveis


ao efeito da moda no terreno educativo. A adesão pela moda não conduz a
um enfrentamento eficaz dos debates educativos, pois se apresenta como uma
opção que não leva à compreensão do que está sendo colocado em pauta
nesses debates.

Devido a essa superficialidade de como a moda é apresentada, os


professores acabam recorrendo a uma forma tradicional de ensinar, que no
caso da professora 2, é o método sintético de silabação. Nesse método, o
ensino inicia-se com a apresentação das vogais, geralmente associadas a
gravuras e, posteriormente, mostra-se as sílabas (ba, be, bi, bo, bu), partindo
da das sílabas “simples” (em que a grafia coincide com a pronúncia), para as
sílabas mais “complexas” (em que a grafia não coincide com a pronúncia).

Pode-se verificar também que a práxis pedagógica da professora ainda


apresenta amarras no uso de atividades de coordenação motora propostas
pelos trabalhos de prontidão nos quais as crianças são treinadas com tarefas
de cobrir pontinhos, cobrir letrinhas, ligar uma figura a outra, exercitando
habilidades de coordenação motora para a aprendizagem posterior. Essa
prática da professora também se comprova em sua entrevista, quando
questionada sobre as situações que as crianças escrevem em sala de aula.

Não agora, mais tarde, é quando, a partir desse texto que você der uma
linha a ele, dá um texto mesmo que ele ainda não saiba ler, e ele vai
fazer a reescrita daquele texto que está ali em cima, é o momento de
escrita deles [...]. E tem também os trabalho de coordenação né que
eles dizem que esse trabalho de coordenação já ficou pra trás pra
trabalhar com criança, mas eu ainda uso os trabalho coordenação, por
que eu acho necessário né, se você não tiver uma boa coordenação
como é que você vai aprender a contornar? Por que até a própria
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escrita depende da coordenação, e formato das letras também é através


da coordenação, por isso que pede primeiro pra trabalhar com o dedo,
trabalhar com a massa, hoje mesmo eu pedi que eles fizessem com a
massa de modelar, que é contato, é coordenação, eles tem que pegar
né, por que ninguém vai aprender do nada, a gente tem que ter a base,
os mais novos, os métodos mais novos dizem que não, mas a gente
termina voltando pra trás mesmo, por que a gente vê que foi o que deu
certo.

Assim, percebemos nas observações realizadas com a professora 2 que a


práxis pedagógica desta apresenta algumas tentativas mudanças que
condizem com as perspectivas atuais de leitura e escrita, mas ela ainda sente
necessidade de recorrer ao ensino tradicional.

ALGUMAS CONSIDERAÇÕES FINAIS

A reflexão sobre a aquisição da língua escrita a partir de novos


parâmetros culturais de nossa sociedade, fez com que, no percurso
profissional percorrido por cada uma das professoras, a sua prática
pedagógica e o modo de conceberem a língua escrita fossem alterados, ainda
que de forma parcial, pois notamos que a práxis pedagógica ainda apresenta
uma tradição teimosamente operada, especialmente na classe da professora 2.

Percebemos nas ações da professora 1 inovações no modo de


desenvolver a prática de leitura e escrita. A professora organiza sua prática
com atividades que vão além do treino e memorização de letras e sílabas e
dos trabalhos de coordenação motora, propostos pela concepção tradicional.
Percebemos que a sua prática valoriza o diálogo, a interação com o outro, e,
sobretudo, há na práxis pedagógica da professora 1 uma preocupação com o
sujeito do conhecimento. Dessa forma, podemos afirmar que a práxis
pedagógica da professora 1 se aproxima das tendências atuais de leitura e
escrita, que vêem a criança como sujeito que pensa e constrói o seu próprio
conhecimento.

No trajeto percorrido na sala de aula da professora 2, reiteramos que


existem iniciativas de práticas inovadoras, ainda sutis, mas ainda há uma
permanência de práticas tradicionais. A escrita é tratada de forma
fragmentada e por meio de exercícios mecânicos, que sequer apresentam um
significado ou sentido para as crianças. Tais atividades pautam-se nos
elementos menores da língua, ou seja, o ensino da leitura e da escrita está
organizado em elementos isolados.

Assim, é necessário investir na formação docente permanentemente, de


maneira que os espaços de troca, de estudo e aprofundamento teórico sejam
construídos no e pelo grupo de professores, para que as mudanças possam se
efetivar em suas práticas pedagógicas. Nesse sentido, acredita-se que, através
do conhecimento do processo de construção das práticas de leitura e escrita,
que impulsionaram os estudos atuais, é que os professores poderão romper
com conceitos e ideias, até então sedimentadas, e reconstruir por meio de sua
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própria experiência novos saberes pedagógicos, que poderão possibilitar a


transformação das suas ações práticas.

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TEBEROSKY, A. Psicopedagogia da língua escrita. 11 ed. Petrópolis, RJ:
Vozes, 2001.
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II Seminário Nacional de Alfabetização e Letramento Alfabetização, Discurso e Aprendizagens
Oralidade e Escrita na Prática Escolar
ISSN: 2177-4072

Linguagem e Diálogo na Infância:


algumas abordagens bakhtinianas

Eliane Fazolo1

RESUMO
O presente trabalho apresenta algumas discussões realizadas na tese de doutorado.
Neste texto está parte de um dos eixos analisados com o objetivo de problematizar a
questão da linguagem a partir de diálogos das crianças retirados do diário de campo e
das experiências cotidianas à luz da teoria de Mikhail Bakhtin.
Palavras-chave: Infância, linguagem, cultura, dialogismo.

1
Contato do(a) autor(a): elifazolo@gmail.com Doutora em Educação. Universidade
Federal Rural do Rio de Janeiro.
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APRESENTAÇÃO

“As palavras são tecidas a partir de uma multidão de fios ideológicos e


servem de trama a todas as relações sociais em todos os domínios”.
Bakhtin (1992, p. 41)

Este trabalho é fruto da tese de doutorado intitulada “Pelas telas de um


aramado: Educação Infantil, cultura e cidade” defendida na PUC-Rio. A tese
teve como principal objetivo entender de que forma se dá a relação de
crianças de uma turma de Educação Infantil de uma Escola Municipal
situada no centro da cidade do Rio de Janeiro com as manifestações e
expressões culturais que perpassam o entorno da escola. A partir de uma
inspiração etnográfica, a pesquisa se concentrou em uma turma de crianças
de quatro e cinco anos acompanhada diariamente em suas atividades
escolares. Trago neste texto parte de um dos eixos analisados (linguagem e
diálogo) na intenção de problematizar a questão da linguagem no cotidiano
da instituição construída a partir dos diálogos das crianças e das suas
experiências familiares, individuais e culturais.

1 Algumas considerações sobre os estudos da infância


Os séculos XVII e XVIII assistiram a profundas mudanças na
sociedade e se consolidaram como o período histórico onde a moderna ideia
de infância foi cristalizada, constituindo-se referência de um grupo não
caracterizado pela imperfeição, incompletude ou miniaturização do adulto
(Sarmento, 2007), mas adquirindo uma investidura própria do
desenvolvimento humano. A partir da década de 90, o campo de estudos das
crianças se modificou. Para Sarmento e Pinto (1997), ele ultrapassou os
limites da investigação que se restringia ao campo médico, da psicologia do
desenvolvimento ou mesmo da pedagogia e passou a considerar o fenômeno
social da infância “concebida como uma categoria social autônoma,
analisável nas suas relações com a acção e a estrutura social”. (1997, p. 35).

Na análise de James, Jenks e Prout (1998) sobre as correntes


sociológicas do estudo da infância, duas grandes vertentes teórico-
metodológicas se apresentam: a primeira diz respeito ao estudo da infância
como categoria social e busca compreender como esta categoria é
constituída na sociedade; a segunda centra o estudo das crianças como
agentes sociais, como sujeitos ativos, participantes do seu processo de
socialização.
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Durante o trabalho de campo foi possível olhar para os


sujeitos/crianças que participam na construção de ações significantes
partilhadas na coletividade bem como na sua organização como grupo
social. Foi possível, também, perceber os processos de socialização
protagonizados pelas próprias crianças quando procuram gerir a
heterogeneidade dos seus papéis, identidades e posições sociais.

O homem é social. Faz-se pela linguagem em contato com o outro que é


diferente dele e que o forma. Esse é o exercício de combinação de
experiências que constitui o homem histórico, pertencente a uma dada
comunidade e que, portanto, se constitui sujeito da sociedade, logo sujeito
cultural.

A cultura é um espaço privilegiado de signos; contudo, há muito que se


compreender sobre a dinâmica que comanda a relação entre os sistemas
nesses espaços. Quanto mais instrumentos para se pensar tais mecanismos
formos capazes de desenvolver, maiores serão nossas possibilidades de
conhecer sua dinâmica.

Neste universo plural que se vê a partir do conceito – ou dos


conceitos – de cultura está a criança, produtora de sua história e imersa na
sociedade de onde veio. Também ela está participando ativamente de todo
este conjunto de relações e estabelecendo diferentes formas de se relacionar
com ele. Produção e criação de linguagem, sistema de relações sociais,
dança, música, instrumentos de trabalho, práticas e valores definidos, ética e
estética. Teia de significados que enredam o indivíduo/criança e fazem
dele/dela sujeitos diferentes uns dos outros a partir da experiência que vivem
e trocam dentro dessas teias.

2 As infâncias e as culturas infantis


Muitas análises sobre a condição da infância contemporânea
revelam as formas atuais em que as crianças convivem entre si e com os
adultos e de como aprendem conhecimentos sobre o mundo. A convivência
com pessoas mais velhas, a troca de experiências, as histórias ouvidas, lidas,
contadas, as brincadeiras inventadas, recriadas, compõem um repertório que
auxilia na construção de um mundo de cultura. Mas como esperar isso se
cada vez mais as experiências não são mais compartilhadas? Como fazer
para desligar a TV e incluir na rotina familiar o diálogo, a palavra, a troca?

Segundo (Sarmento e Pinto, 1997), as culturas infantis estão


atreladas a contextos sócio-culturais mais amplos que os estritamente
infantis. Assim, de acordo com os autores, não basta apenas ser criança para
produzir uma cultura infantil. O argumento trata do entendimento de que as
culturas infantis são próprias de infâncias diversas e de contextos diversos.
Elas são plurais. Estão dissolvidas em um sem números de sociedades,
experiências, vivências, modos de ver e entender os fatos a que estão
submetidas. Pode-se dizer que não há uma cultura infantil, mas culturas
infantis tantas quantas sejam as infâncias existentes ao longo dos tempos. As
culturas da infância são tão antigas quanto à infância. São socialmente
construídas, constituem-se historicamente e são alteradas pelos processos
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históricos de recomposição das condições sociais em que vivem as crianças


e que regem as possibilidades de interação das crianças entre si e com os
outros membros da sociedade (Sarmento, 1997).

É importante, no entanto, ter em conta que a criança não é uma


mera receptora dos produtos culturais, como muitos ainda a julgam ser. Ao
invés disso, sua forma de se relacionar com estes produtos adquire novos
modos e reinterpretações, através do cruzamento de culturas e de
significações construídas nas relações com os seus pares. Cumpre-se
acreditar, assim como Sarmento, que a infância está em processo de
mudança, mas mantém-se como categoria social, com características
próprias, o que nos leva ao entendimento das crianças como atores sociais.

A infância é, simultaneamente, uma categoria social, do tipo


geracional, e um grupo social de sujeitos activos, que interpretam e
agem no mundo. Nessa acção estruturam e estabelecem padrões
culturais. As culturas infantis constituem, com efeito, o mais
importante aspecto na diferenciação da infância (2007, p: 36).

3 A infância e a construção social da linguagem


Kramer (1993, p. 78-79), ao abordar as idéias de Bakhtin sobre a
criação artística, diz que “o discurso verbal é um evento social que reúne o
falante (autor, locutor, criador) com o ouvinte (leitor, interlocutor,
contemplador) e com o tópico da fala (o quê, quem, o herói). É a “alma
social” desse discurso que o torna belo ou feio; que lhe dá significado.

O debate sobre o reconhecimento social da infância aponta para


várias dimensões da vida em sociedade. A institucionalidade da vida em
sociedade, ao definir as práticas sociais que a orientam, define o lugar que os
sujeitos vão ocupar em uma busca incessante de reconhecimento. Esse
reconhecimento se constrói na rede de relações que os indivíduos
estabelecem entre si, onde acontece a luta pela conquista e/ou afirmação da
sua cidadania individual e coletiva, assentada em uma organização social e
política e, também, na linguagem. A linguagem, ao denominar, diferencia;
ao enunciar, evoca e simboliza. Em suas diferentes manifestações, a
linguagem guarda na memória o que já não está ao alcance dos sentidos e,
assim, aponta para o campo da ideologia e da significação, pois, segundo
Bakhtin, “tudo que é ideológico possui um significado e remete a algo
situado fora de si mesmo” (l992, p. 31). Desta forma, “a língua penetra na
vida através dos enunciados concretos que a realizam, e é através dos
enunciados concretos que a vida penetra na língua” (Bakhtin, l992, p. 282).

Ainda segundo o autor (l992), todo produto ideológico é constitutivo de


uma determinada realidade, mas ele tem a peculiaridade de refletir outra
realidade que lhe é exterior. Um objeto físico vale por si só, no entanto ele
pode ser percebido como um símbolo, convertendo-se, assim, em um signo.
A ideologia relaciona-se às relações entre homens e não entre coisas e,
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portanto, estabelece vínculos sociais tanto nas condições de produção da


igualdade, quanto da desigualdade.

Para Bakhtin, tudo o que nos diz respeito vem do mundo exterior, do
outro e nos é dado com a entonação e com o tom emotivo dos seus valores.
No meio dessas relações sociais ocorre a produção do igual e do diferente:
“Tomo consciência de mim, originalmente, através dos outros: deles recebo
a palavra, a forma e o tom que servirão para a formação original da
representação que terei de mim mesmo”. (Bakhtin, l992, p. 378)

Sala de aula. As crianças estão brincando nas mesas com brinquedos


variados e criando brincadeiras a partir dos objetos expostos. Trocam de
lugar a toda hora. A professora faz algumas arrumações na sala e não
interfere na brincadeira das crianças. Sento em uma das mesas com
Manoel, Carol e Anne.

Anne: Essa brincadeira é de comprar e vender. Eu vendo e vocês


compram. Eu digo quanto é cada coisa e quem tem dinheiro. (olha para
Manoel) Você não tem dinheiro. (olha para Carol) Você tem dinheiro.

Manoel: Mas eu tenho dinheiro.

Anne: (com voz firme, autoritária) Mas eu estou falando que não tem.
Eu falo e aí você não tem, entendeu?

Manoel: (fica quieto por uns instantes, pensando). Responde: entendi.


Não tenho dinheiro.

Carol: Ela falou que eu tenho dinheiro. Daí eu tenho dinheiro e posso
comprar. Minha mãe também fala para mim e eu entendo.

Manoel: Se eu não tenho dinheiro para comprar, vou sair da loja e


brincar de outra coisa.

Anne: Se você sair da loja a brincadeira acaba. Vai ficar só eu e


Carol? Daí não tem graça. Mesmo sem dinheiro você fica brincando, eu
posso deixar você comprar fiado.

Manoel: (sorri, fala em tom animado) então eu fico. Também compro


fiado na venda da praça porque seu Juca diz que eu posso. Minha mãe não
gosta, mas eu compro bala e minha mãe paga depois. Paga e briga. Mas seu
Juca diz que eu posso, daí eu compro.

A brincadeira segue com Anne dizendo os preços dos objetos. Carol


acha tudo muito caro e pede para dividir no cartão. Anne não quer deixar.

Carol: Mas em todo lugar divide no cartão. Lá em casa tudo compra


dividido no cartão. Eu ouvi minha mãe falar que o cartão salva a gente,
então vou dividir no cartão.
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Anne: “Então ta”. Se o Manoel tiver cartão pode dividir também. Mas
depois tem que pagar.

Manoel: Não tenho cartão, tenho cheque.

Anne: Cheque pode. Então escolhe e compra. (Caderno de campo)

No diálogo acima Anne define as regras da brincadeira através da


palavra firme e decidida. Vai, dessa forma, definindo os papéis e
organizando as funções sociais de quem brinca com ela. Ainda que apenas
durante a brincadeira, Carol e Manoel vão se constituindo personagens a
partir do que Anne lhes indica pela linguagem, formando as personalidades e
os papéis que lhe interessam naquele jogo de comprar e vender. Ao mesmo
tempo, os outros dois se isentam de argumentações e acatam as decisões de
Anne como se soubessem que apenas daquela forma poderiam participar do
brinquedo. Misturam aos seus novos papéis informações familiares, como
para corroborar a aceitação daquele que ora lhes foi imposto.

Segundo Bakhtin (1992), o homem só pode ser estudado se for


considerado como um sujeito que tem voz, que é produtor de textos e se
constitui enquanto sujeito num diálogo permanente e inconcluso
estabelecido com o outro. Na trama de constituição deste diálogo – e vimos
isso no diálogo de Anne, Carol e Manoel – há a presença de elementos não
apenas lingüísticos, pois a língua viva é aquela que penetra numa complexa
e rica corrente de comunicação onde elementos da vida social e da cultura
estão encarnados.

Ao dirigir-se ao seu interlocutor, a palavra coloca em cena o


processo de reconhecimento social que está implícito nas relações sociais
(Essa brincadeira é de comprar e vender. Eu vendo e vocês compram. Eu
digo quanto é cada coisa e quem tem dinheiro. [olha para Manoel] Você
não tem dinheiro. [olha para Carol] Você tem dinheiro.

Posso reconhecer o outro como parte de mim, assim o outro está em


mim. O eu é um outro, mas também posso percebê-lo como um grupo social
concreto ao qual não pertenço, mas que, junto comigo, forma todo um grupo
que identifico como nós. Assim, o reconhecimento que o eu faz do outro se
fundamenta em uma base de identidade que estrutura a noção do nós: seja
ela etária, de sexo, de raça. Tudo isso é atravessado pela estrutura de classes
sociais, pois é nela que se constrói a ideia do coletivo. Esses elementos vão
se refletir na estrutura da comunicação e da linguagem

Através da linguagem, o sujeito se situa em relação à sociedade e à


complexa rede de relações sociais que a atravessam; a linguagem revela a
forma como as classes sociais se organizam tanto no que diz respeito à
construção das bases da identidade quanto da diferença. O reconhecimento
pode ocorrer entre seres que são iguais ou parcialmente diferentes, mas
identificados no plano moral, histórico ou social.
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O que acontece com o indivíduo enquanto ser social acontece também


com a comunidade; ou seja, como um indivíduo, a comunidade também se
constitui em arena de conflito de discursos concorrentes, um fenômeno que
Bakhtin chama de polifonia ou heteroglossia. Segundo esses conceitos, cada
língua, como cada indivíduo, é formada por variantes conflitantes – sociais,
geográficas, temporais, profissionais etc. – todas sujeitas à questão do poder.

O ato de fala, ou exatamente o seu produto, a enunciação, não pode ser


considerado levando-se somente em consideração as condições
psicofisiológicas do sujeito falante - apesar de não poder delas prescindir.
“A estrutura da enunciação é uma estrutura puramente social” (Idem, 1992,
p. 127) e para compreendê-la é necessário entender que ela acontece sempre
numa interação. A verdadeira substância da língua é constituída, para este
autor, “pelo fenômeno social da interação verbal, realizada por meio da
enunciação ou das enunciações. A interação verbal constitui assim a
realidade fundamental da língua” (Idem, 1992, p. 123).

A enunciação é o produto da interação de dois indivíduos socialmente


organizados. A palavra dirige-se a um interlocutor real e variará em função
deste, em relação ao grupo social a que ele pertence, aos laços sociais, etc.

Uma das formas mais importantes da interação verbal é o diálogo,


caracterizado não apenas como comunicação em voz alta, de pessoas face a
face, mas toda comunicação verbal, de todo tipo. Qualquer enunciação
constitui apenas uma fração da corrente da comunicação verbal ininterrupta
(relativa à vida cotidiana, à literatura, ao conhecimento, à política). Por sua
vez a comunicação verbal ininterrupta constitui apenas um momento na
evolução contínua e em todas as direções de um grupo social determinado.
De acordo com Bakhtin (1992, p. 124), a língua vive e evolui historicamente
na comunicação social concreta. Dessa forma, a língua é vista a partir de
uma perspectiva de totalidade, integrada à vida humana. A lingüística não
pode dar conta de explicar um objeto multifacetado. A abordagem que
Bakhtin propõe para o discurso – que ultrapassa os limites da lingüística – é
a do estudo da própria enunciação. A estrutura da enunciação concreta é
determinada inteiramente pelas relações sociais, ou seja, pela situação social
mais imediata e pelo meio social mais amplo.

A enunciação é produto da interação de dois indivíduos socialmente


organizados e, mesmo que não haja um interlocutor real, este pode ser
substituído por um representante ideal, mas que “não pode ultrapassar as
fronteiras de uma classe e de uma época bem definidas” (Idem, p. 112).

Segundo Bakhtin (2003, p. 261), os diversos campos das atividades


humanas estão atravessados e ligados pela linguagem. Para o autor, o uso da
língua se dá em forma de enunciados orais e escritos, concretos e únicos.
Estes enunciados acabam por refletir as condições específicas de cada
campo seja pelo conteúdo, pelo estilo da linguagem pelos “recursos lexicais,
fraseológicos e gramaticais da língua” .

O conteúdo temático, o estilo e a composição estão ligados no corpo


do enunciado, formando um todo indissolúvel e são também determinados
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pelas especificidades de um determinado campo da comunicação.

Assim, cada enunciado ou palavra nasce como resposta a um enunciado


anterior, e espera, por sua vez, uma resposta sua. O sujeito é visto por
Bakhtin como sendo imbricado em seu meio social, sendo permeado e
constituído pelos discursos que o circundam. Cada sujeito é um híbrido, ou
seja, uma arena de conflito e confrontação dos vários discursos que o
constituem, sendo que cada um desses discursos, ao confrontar-se com os
outros, visa a exercer uma hegemonia sobre eles.

Parque. As crianças brincam coletivamente. Correm, escorregam,


andam de balanço. A professora está sentada em um banco e eu em outro,
longe dela. Fico observando as crianças e percebo uma menina, Alice,
brincando sozinha, sentada no chão, perto do aramado. Aproximo-me sem
querer ser notada. Ela parece não perceber minha presença. Se nota que
estou ali, não se importa. Continua seu diálogo:

Alice: Vamos então sair para passear. Quero ir ao shopping.

(Alice faz a voz de outra pessoa, mudando entonação, timbre, inflexão):


Está bem, vamos sair, mas shopping é lugar de gente rica. Não tenho
dinheiro para ir lá. Vamos a outro lugar. Lá na feirinha da praça quinze.

Alice: Mas quero ir ao shopping. A gente não compra nada. Só vai


passear. Depois que sair de lá a gente passa na praça quinze.

(Novamente Alice): se você prometer que depois a gente vai na praça


quinze eu saio para passear com você. Eu gosto de sair com você, Alice.
Você é igual a mim. Minha amiga e minha vizinha.

Alice: Também gosto de sair com você. Por isso estou te convidando
hoje. Então vamos para não ficar tarde.

Alice se levanta e faz que espera seu interlocutor. Sai caminhando e


gesticulando, conversando animadamente com este alguém que ela idealiza,
conhece os gostos, negocia, dialoga.

(Caderno de campo)

O interlocutor de Alice só é visto por ela, mas o diálogo não se


inviabiliza por isto. A enunciação está ali, na fala de Alice e de um alguém
que, como ela, conhece a praça quinze, a feirinha, não tem dinheiro para
compras em shoppings centers ainda que goste de passear por lá. A criança
constitui seu interlocutor aquele que está mais perto do que ela tem a dizer
naquele momento. Na brincadeira, ela pode interagir com um alguém
invisível, com um objeto, com um brinquedo, com um animal. O diálogo da
criança é profícuo, flui solto e transmite seu pensamento, sentimento, desejo.
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A palavra diálogo, além de significar o ato de fala entre duas ou mais


pessoas adquire também em seu sentido amplo qualquer tipo de
comunicação verbal, oral ou escrita, exterior ou interior, manifestada ou não.
Tudo está em constante comunicação. À ideia de diálogo soma-se um outro
elemento que não se refere apenas à fala em voz alta de duas pessoas, mas a
um discurso interior, do qual emanam as várias e inesgotáveis enunciações
que são determinadas pela situação de sua enunciação e pelo seu auditório.

Na linguagem, pela linguagem, no diálogo com o outro, na alteridade,


no exercício ético e cognitivo da exotopia – afastar para entender – estão
algumas das contribuições de Bakhtin que ajudam a construir o universo de
significação da cultura. Neste universo plural que se vê a partir do conceito –
ou dos conceitos – de cultura está a criança, produtora de sua história e
imersa na sociedade de onde veio. Também ela está participando ativamente
de todo este conjunto de relações e estabelecendo diferentes formas de se
relacionar com ele. Produção e criação de linguagem, sistema de relações
sociais, dança, música, instrumentos de trabalho, práticas e valores
definidos, ética e estética, sagrado e profano. Teia de significados que
enredam o indivíduo/criança e fazem dele/dela sujeitos diferentes uns dos
outros a partir da experiência que vivem dentro dessas teias.

Dentro dessas teias encontramos, ainda, a palavra. A palavra se orienta


em função do interlocutor. Na realidade, a palavra comporta duas faces:
procede de alguém e se dirige para alguém. Ela é o produto da interação do
locutor e do interlocutor; ela serve de expressão a um em relação ao outro,
em relação à coletividade. “A palavra é uma espécie de ponte lançada entre
mim e os outros. Se ela se apóia sobre mim numa extremidade, na outra se
apóia sobre o meu interlocutor. A palavra é o território comum do locutor e
do interlocutor” (Bakhtin,1992, p. 113).

Olhar o mundo de um ponto de vista para melhor captar o movimento


dos fenômenos em sua pluralidade e diversidade não é apenas a postura
filosófica de Bakhtin, mas também, e principalmente, a orientação de seu
sistema teórico fundado no dialogismo. As ideias de Bakhtin sobre o homem
e a vida são caracterizadas pelo princípio dialógico. A alteridade marca o ser
humano, pois o outro é imprescindível para sua constituição. Como afirma
Bakhtin, a vida é dialógica por natureza. Assim, a dialogia é o confronto das
entoações e dos sistemas de valores que posicionam as mais variadas visões
de mundo dentro de um campo de visão:

Na vida agimos assim, julgando-nos do ponto de vista dos outros,


tentando compreender, levar em conta o que é transcendente à nossa
própria consciência: assim levamos em conta o valor conferido ao
nosso aspecto em função da impressão que ele pode causar em outrem
[...] (Bakhtin, 1992, p. 35-36).

O dialogismo é o permanente diálogo entre os diversos


discursos que configuram uma sociedade, uma comunidade, uma
cultura. A linguagem é, portanto, essencialmente dialógica e
complexa, pois nela se imprimem historicamente e pelo uso as
relações dialógicas dos discursos. A palavra é sempre perpassada
pela palavra do outro. Isso significa que o enunciador, ao construir
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seu discurso, leva em conta o discurso de outrem, que está sempre


presente no seu, exatamente como faz Alice.

O próprio sujeito é um intertexto, não existe isolado, sua


experiência de vida se tece, entrecruza-se e interpenetra com o outro.
Pensar em relação dialógica é remeter a um outro princípio — a não
autonomia do discurso. As palavras de um falante estão sempre e
inevitavelmente atravessadas pelas palavras do outro: o discurso
elaborado pelo falante se constitui também do discurso do outro que
o atravessa, condicionando o discurso do eu.

4 Linguagem, interações sociais e cultura


Olhar o mundo de um ponto de vista para melhor captar o movimento
dos fenômenos em sua pluralidade e diversidade não é apenas a postura
filosófica de Bakhtin, mas também, e principalmente, a orientação de seu
sistema teórico fundado no dialogismo. As ideias de Bakhtin sobre o homem
e a vida são caracterizadas pelo princípio dialógico. A alteridade marca o ser
humano, pois o outro é imprescindível para sua constituição. Como afirma
Bakhtin, a vida é dialógica por natureza. Assim, a dialogia é o confronto das
entoações e dos sistemas de valores que posicionam as mais variadas visões
de mundo dentro de um campo de visão.

A interação entre interlocutores é o princípio fundador da linguagem. É


na relação entre sujeitos, ou seja, na produção e na interpretação dos textos
que se constroem o sentido do texto, a significação das palavras e os
próprios sujeitos. Com efeito, para Bakhtin pode-se dizer que a
intersubjetividade é anterior à subjetividade. Esta é o resultado da polifonia,
das muitas vozes sociais que cada indivíduo recebe, mas que tem a condição
de reelaborar.

Esses aspectos do dialogismo interacional de Bakhtin, assinalados


acima, contribuem para a compreensão, dentre outras características do
discurso, dos simulacros e as avaliações entre os sujeitos. O autor
argumenta que cada um de nós ocupa um lugar e um tempo específicos no
mundo, e que cada um de nós é responsável por nossas atividades. Estas
ocorrem nas fronteiras entre o eu e o outro, e, portanto, a comunicação entre
as pessoas tem uma importância fundamental.

As crianças têm um modo peculiar de habitar o mundo, elas atuam na


criação de relações sociais, nos processos de aprendizagem e de produção de
conhecimento desde muito pequenas. Sua inserção no mundo acontece a
partir das observações das atividades dos adultos e com esses elementos elas
produzem suas hipóteses, expressões, reflexões, julgamentos. É pelo e com o
adulto, na grande maioria das vezes, que a criança estabelece relações de
aprendizagem. Nos diálogos acima a figura do adulto atravessa as falas das
crianças dando sentido e significado ao que elas estabelecem na sua
linguagem com os amigos visíveis e/ou invisíveis.

Segundo Grigorowitschs (2007), a especificidade dos processos de


socialização na infância, de um ponto de vista sociológico, repousa no fato
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de que as crianças participam de uma série de modalidades de interações


sociais, que variam cultural e historicamente. Dentre elas podem-se citar as
interações no interior da instituição escolar (interações entre crianças, entre
crianças e professoras/es, entre crianças e demais funcionárias/os); as
interações no interior da vida familiar (com pais, irmãos, primos, avós), e as
interações entre pares (onde o jogar/brincar revela-se fundamental). Em todas
essas modalidades ficam marcadas na criança as ações dos outros – adultos
ou crianças – seus exemplos, suas palavras, suas representações.

Ainda de acordo com Grigorowitschs (2007), quando as crianças


tornam-se adultas deixam de participar (na condição de crianças) da maioria
dessas modalidades de interação e passam a privilegiar outras formas de
interação em suas experiências cotidianas. Nesse aspecto, as divergências
entre os processos de socialização infantil e os processos de socialização na
vida adulta ocorrem apenas no que se refere às formas de interagir, mas não
no próprio ato de interagir. Isso faz com que, por um lado, os processos de
socialização infantil tenham uma especificidade, mas, por outro, define seus
limites, pois, vistos de uma perspectiva mais abrangente, pode-se considerar
que tanto adultos como crianças participam de interações; e o interagir é o
que define o socializar-se.

Dessa maneira, nos processos de socialização infantil, a inserção das


crianças no mundo social ocorre por meio da construção de uma identidade,
isto é, cada criança insere-se no mundo ao mesmo tempo em que constrói
uma identidade própria, que permitirá essa mesma inserção. Essa identidade
é individual exatamente porque está carregada de certo grau de autonomia
em relação ao mundo social, mas ao mesmo tempo só pode ser construída
quando inserida nesse mesmo mundo. Essa identidade começa a se tornar
perceptível na infância, não apenas como algo estritamente social e externo à
criança, mas sim intersubjetivo, como o centro do agir por meio de processos
de co-construção, que nas relações intersubjetivas constroem tanto uma série
de experiências coletivas, como também deixam espaços vazios para que o
centro do agir individual tenha lugar.

O conceito de “interação” ou “interações sociais”, como aquilo que


constitui os processos de socialização, permite reconhecer todos os atores
sociais (crianças, adultos, idosos, negros, brancos, mulheres, homens,
homossexuais, heterossexuais) como ativos nos processos dos quais
participam, o que não significa que, na vida em sociedade, não existam
figurações sociais específicas dotadas de formas variadas de distinção social
e hierarquias diversas. Mas o fato é que essas formas de distinção social
encontram-se em constante tensão com a dimensão de autonomia individual
que o interagir proporciona. Desse modo, o conceito processos de
socialização permite captar as tensões e contradições constituintes da vida
em sociedade, tanto na infância, como na vida adulta, sem pender nem para o
lado da mera reprodução e manutenção da ordem social, nem para a total
autonomia do agir individual.

Para que o campo do estudo da infância se desenvolva em suas


dimensões teóricas, tais tensões devem ser levadas em conta: as crianças são,
simultaneamente, atores sociais que interagem com adultos e outras crianças,
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ao mesmo tempo em que pertencem a uma forma de distinção social


singular, a infância, posicionada em lugar específico nas hierarquias de
determinada sociedade; lugar esse não totalmente fixo, dado o caráter
processual e fluido da socialização e, portanto, da própria sociedade.

REFERÊNCIAS

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______________. A cultura popular na idade média e no renascimento:
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GRIGOROWITSCHS, Tamara. Jogo, processos de socialização e mimese:
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JAMES, Allison, JENKS, Chris, PROUT Alan. Theorizing childhood.
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KRAMER, Sonia. Por entre as pedras: arma e sonho na escola. São Paulo,
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A Necessidade de Despertar nos Aluno


Brasileiro o Hábito da Leitura nos Dias
Atuais

Elisson Souza de São José1

RESUMO

Este artigo tem a finalidade de ajudar os professores, principalmente de língua


portuguesa, a não só melhorarem seu desempenho de ensinar como também aos de
seus alunos de adquirir o hábito da leitura. Sendo assim, ele vai destacar algumas das
formas de estimular o estudante a se sentir não apenas capaz de ler um livro com
prazer como também de faça isso de vontade própria sem sentisse obrigado pelo
professor. Devido esse ser um grande problema na realidade da educação brasileira,
esse trabalho será uma ferramenta importante para auxiliar os educadores a atingir
esse objetivo. Para isso foram analisados diversos livros, artigos, anais e outras
publicações de caráter cientifico que tinham a finalidade de motivar os alunos a leitura
com a intenção de que eles possam fazer isso de forma fácil e divertida, o que vai
requerer também da parte do educador preparação e experiência para lidar com “os
diferentes tipos de estudantes” da melhor forma possível. Mostraremos algumas
formas de transformar uma aula ‘chata’ em uma aula atraente, e em alunos
desinteressados em livros ou revistas em alunos com sede de aprender mais. Para
tanto, foram utilizados como bases teóricas, vários estudiosos da área de educação,
principalmente voltado para o ensino de Línguas, brasileiros e estrangeiros, onde
podemos destacar Jolibert (1994), Witter (2004), Melo e Urbanetz, (2008) e Veiga
(2007).

Palavras-Chave: motivação; aluno; professor; aprendizagem, leitura.

1
Contato do(a) autor(a): elisson.tj@hotmail.com. Graduado em Letras Português-
Inglês Licenciatura pela Universidade Tiradentes, especialista em Metodologia do
Ensino da Língua Inglesa. Atualmente é professor de Inglês do Colégio Rabboni
LTDA e faz especialização em psicopedagogia.
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INTRODUÇÃO

Há muito tempo os professores, principalmente de Língua Portuguesa e


de pedagogia, procuram métodos e técnicas para despertar o interesse dos
alunos que de princípio são desinteressados pela leitura. Foi pensando
exatamente neste propósito que foi elaborado este trabalho, com a finalidade
de ser mais uma ferramenta de suporte aos métodos utilizados pelos
educadores para induzir os jovens à leitura.

O professor criativo, de espírito transformador, está sempre buscando


inovar sua prática e um dos caminhos como tal fim seria dinamizar as
atividades desenvolvidas em sala de aula. Uma alternativa para
dinamização seria a variação das técnicas de ensino utilizadas; outra
seria a introdução de inovação nas técnicas já amplamente conhecidas
e empregadas (VEIGA, 2007a, p.35).

É comum de um jovem não ter muito interesse em ler um livro. Por isso
é importante que os pais leiam para suas crianças desde a infância
(JOLIBERT, 1994, p.129). Pais leitores têm grande chance de ter filhos com
o mesmo costume, pois os filhos tendem a imitar os pais, no entanto nem
sempre os responsáveis fazem isso.

As leis brasileiras reconhecem o valor da leitura. A lei 9394 de 20 de


dezembro de 1996, Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional - LDB -
diz claramente que o desenvolvimento pleno da leitura e da escrita deve
fazer parte da formação básica de um cidadão. Ela diz:

Art. 32. O ensino fundamental, com duração mínima de oito anos,


obrigatório e gratuito na escola pública, terá por objetivo a formação
básica do cidadão, mediante:

I - o desenvolvimento da capacidade de aprender, tendo como meios


básicos o pleno domínio da leitura, da escrita e do cálculo; (BRASIL,
1996).

No entanto, existem vários motivos que levam uma criança a não gostar
de ler e muito menos de escrever e elas não são as únicas culpadas. Muitos
pais não as ensinaram a ver a leitura como algo divertido e agradável, mas
pelo contrário, alguns tratam a leitura e o estudo como punição para seus
filhos, obrigando-os a estudar sempre que eles fazem alguma coisa de errado.
Ao agir desta forma a criança sempre que deparar com um livro vai vê-lo
com uma punição e como já é de esperar passará a repudiá-lo.

Para mudar a visão errônea que muitos jovens têm a respeito da leitura,
pois alguns vêem como castigo, é necessário um bom preparo e uma boa
dedicação da parte dos educadores para que possam ajudar seus discentes a
terem uma visão da leitura como algo agradável e importante para a vida, e
não algo obrigatório e forçado, fazendo com que percam o interesse. Para
isso é necessário usar métodos, abordagens e outros meios para que possam
atingir esse objetivo.
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1 Planejamento apropriado
O planejamento é essencial para o sucesso do professorem sala de aula.
Um professor que não planeja sua aula, infelizmente não conseguirá ter bom
êxito em sala de aula, principalmente quando o assunto é motivar a leitura.

O planejamento está diretamente vinculado ao que ocorre em sala de


aula e é determinante no processo de ensino- aprendizagem [...] será
um subsídio valioso para o professor. Mas do que uma simples
ferramenta de trabalho, o planejamento aparece como uma
possibilidade de realização de um trabalho criativo, realizador e
humanizador (MELO e URBANETZ, 2008, p.92).

É necessário um bom preparo para que assim possa diminuir os


problemas e as dificuldades enfrentadas em sala de aula. Ele deve ser feito
visando atingir os objetivos sem ter muitas interferências, e, para isso, é
necessários encontrar os problemas e então analisar como ocorreram e então
propor uma nova estratégia de ação para o aprendizado do aluno, “já que esse
é o maior objetivo da escola” (MELO e URBANETZ, 2008, p.93).

É na metodologia que o professor irá encontrar a possibilidade de


escolha, de encaminhamento de seu trabalho, e deve tomar muito
cuidado, pois corre o risco de escolher um rumo metodológico que
não atinja os objetivos, ou ao menos, como desejaria (JOSÉ, 2011,
p.8).

O professor deve estar certo do que irá fazer e o resultado que deseja
chegar com as atividades que serão desenvolvidas e não simplesmente ficar
com uma turma a base de improviso. “Estabelecer os objetivos é, então,
planejar e organizar o processo pedagógico, sem “inventar” o que se vai
trabalhar na hora da aula. É pensar no aluno enquanto um ser histórico,
portanto contextualizado” (MELO e URBANETZ, 2008, p.85).

O orientador deve dar condições para que a leitura ocorra de forma


natural e espontânea. Nenhum adulto gosta de ler algo forçado ou por
obrigação, e muito menos as crianças. Sendo assim, de principio é muito
importante deixar os jovens escolherem suas literaturas, sejam estas dentro
do conteúdo escolar ou não; pois não adianta colocar vários livros
obrigatórios de acordo com as normas escolares para um aluno ler, se ele
ainda não tem costume de ler nem mesmo algo que gostem. ‘Primeiro é
necessário plantar para depois colher’.

O professor fomentador da autonomia deve se fortalecer para exercer


sua profissão. Esse fortalecimento passa necessariamente pela
consciência de seu próprio entendimento e reinterpretação do que seja
uma língua e o que seja ensiná-la. Em segundo lugar, passa também
pela necessidade da pratica da negociação. E finalmente, é preciso que
o professor se auto-monitore para refletir sobre o tipo de comunidade
de aprender que ele esta criando e fomentando em sua sala de aula. Só
assim o professor poderá saber se esta efetivamente criando condições
para que autonomia do aprendente surja (GIL e VIEIRA-ABRAHÃO,
2008, p.297)
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Ao trabalharmos com a leitura em sala devemos tomar cuidado, pois o


aluno pode ficar constrangido ao ler em voz alta em sala de aula por não de
adaptar as pessoas que ali estão e também por temer a reação destes. Algo
que poderá ajudar é sempre elogiar o aluno ao ler textos, mesmo que estes
sejam pequenos. Pois, a autoestima é fundamental de acordo com Witter:

Um dos mais importantes componentes do auto-estima positivo na


criança é a aceitação de que ela seja como é, respeitando sua
individualidade. Outro passo é nunca perder o papel significativo que
os professores representam na vida das crianças e como a concepção
desses professores, de si e de cada criança, influem na forma de
ensinar (WITTER, 2004, p. 59).

“O elogio honesto produz resultado onde a crítica e a ridicularização


falharam. Magoar as pessoas não apenas não as modificam como jamais as
despertam para suas atividades” (CARNEGIE, 1981, p.60). Quando o
professor valoriza a leitura de seus estudantes eles perdem o medo de ler e
passam a fazer isso com maior constância.

A aprendizagem é muito importante, no entanto, “Mais importante do


que a aprender o conteúdo transmitido pelo professor é o aluno dominar o
método de se chegar ao conhecimento” (VEIGA, 2007b, p.90).

2 Material didático apropriado

Quando se trata de estimular o aluno a leitura não podemos deixar de


considerar a importância do material didático. Não são todos os livros que
são apropriados para todos os tipos de alunos e muito menos que todos
venham ter as qualidades necessárias para o bom desenvolvimento do leitor,
pois, cada livro costuma ter suas próprias características. Conforme Amorim
(2008, p. 12): “O livro didático é objeto constante de uso, análise e crítica por
parte desse profissional da educação, sendo também uma ferramenta
importante para sua prática diária”.

Ao escolher a obra que será utilizada em sala de aula é necessário


observar o nível de linguagem do livro e dos alunos. Quando o material tem
uma linguagem muito diferente da que os estudantes costumam ouvir ou
falar, naturalmente a leitura será cansativa e chata. O professor deve está
atento a realidade de seus alunos e ao mesmo tempo ao que eles necessitam
melhorar.

Devemos tomar cuidado para não dar uma falsa impressão de


aprendizado, quando na verdade, o aluno não consegue ler sem soletrar ou
mesmo sem dá as pausas corretas correspondente a cada pontuação.

Devemos tomar cuidado também para que a linguagem do livro


estudado não esteja fora do contexto vivido pelo estudante. “O uso de
material autêntico pode ser uma maneira de facilitar essa transparência de
aprendizagem” (LEFFA, 2003, p.24). [...] a escola deve trabalhar com o
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conhecimento do cotidiano, mais próximo da realidade dos alunos concretos


que frequentam as escolas [...]” (MELO e URBANETZ, 2008, p.115).

É apropriado então utilizar notícias de jornais, revistas ou até mesmo


alguns textos informais encontrados na internet para mostrar aos alunos
diferentes formas que um texto pode ser produzido.

3 A tecnologia a favor leitura


As aprendizagens vão acontecer em função das necessidades do
individuo; estas tendem a gerar um desequilíbrio, fazendo com que
imediatamente sujam motivos; [...] assim podemos dizer que, para que
ocorram as aprendizagem é necessário um estado de alerta
(moderado), impulso, vontade e desejo de aprender, ou seja
motivação. (ROSA, 2007, p.28)

A tecnologia atualmente anda a favor da aprendizagem. Diferente de


décadas atrás, hoje nós temos várias ferramentas que podemos utilizar para
estimular o empenho do aluno à leitura. Incumbe então aos instrutores utilizá-
la da forma correta, o que fará com que não só os alunos venham aprender
de forma mais fácil como o grau de atenção dada pelos alunos ao professor
será maior e assim, portanto, o educador poderá atingir seu objetivo.

É possível trabalhar vocabulário, pronúncia, tempos verbais, e diversos


outros assuntos através das músicas. Basta que o professor esteja preparado e
tenha selecionado uma música apropriada para trabalhar em sala de aula. De
acordo com LEFFA (2007, p.103). “O grau de atratividade e de eficiência
dependerão da criatividade do professor”.

Outro meio de comunicação eficaz que está aumentando a cada dia é o


uso da internet. Então podemos e devemos utilizá-los a nosso favor da
leitura. O Brasil é um país onde as pessoas utilizam bastante a internet, e esta,
por sua vez, possuem diversos sites com vários tipos de textos que poderão e
devem ser utilizados pelo professor.

Segundo as estatísticas e as agências de pesquisa há no Brasil 41,5


milhões de internautas segundo o ibope/ NetRating (com dados
apontados em julho de 2008) ou 64,5 milhões segundo a DataFolha
(agosto de 2008) – a discrepância entre os números deve-se à
diferença de metodologia, mas ambos os institutos consideram apenas
os internautas maiores de 16 anos. Nas áreas urbanas, 44 % da
população estão conectados a internet, bem como, 97% das empresas
brasileiras estão presentes na Grande Rede” (MACHADO E
SOBRAL, 2009, pp. 193 e 194).

Quando falamos de internet devemos levar em conta que podemos ter


acesso a cultura de qualquer parte do mundo diante de nós e não apenas nos
determos ao português do Brasil, e os alunos provavelmente só a aproveitarão
se nós educadores o incentivarmos a pesquisar.

Na internet encontramos vários tipos de aplicações educacionais: de


divulgação, de apoio ao ensino e de comunicação. Existem vários sites de
bate papos onde podem ser encontradas pessoas de todas as partes do mundo.
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Por meio da internet podemos conseguir diferentes tipos de textos, atividades,


imagens, diálogos, livros revistas e outros instrumentos essenciais para fazer
da aula o mais divertido e dinâmico possível.

Existem vários jogos educativos através da internet. Os alunos irão


gostar de conhecer, mas para isso exige que o professor esteja disposto a
pesquisar qual seria o mais apropriado. Devemos integrar as tecnologias em
projetos pedagógicos, inovadores e participativos, pois se não a usarmos de
forma correta ao invés de ajudar ela poderá nos complicar.

Os jogos, por exemplo, podem ajudar o aluno a desenvolver suas


habilidades com mais rapidez, não apenas seus conhecimentos como sua
linguagem poderão ser aprimoradas.

Os jogos de expressão, interpretação e interiorização de conteúdos,


além de desenvolver a inteligência, enriquecem a linguagem oral, a
escrita e a interiorização de conhecimentos, libertando o aluno do
imobilismo para uma participação ativa, criativa e crítica no processo
de aprendizagem (ALMEIDA, 2003, p.119).

É importante também ser flexível, adaptável e está sempre atento para


ver se as coisas estão indo como esperado, e mudar, quando necessário, as
dinâmicas e estratégias. Às vezes acontece também de o laboratório de
informática está com problema, o que requer do instrutor um segundo plano
de aula caso o previsto não seja possível.

CONCLUSÃO

Quando se trata de motivar o interesse de um individuo a leitura é


necessário esforço, preparação e planejamento da parte do orientando, a fim
de fazer com que uma aula que costuma ser enfadonho se transforme em algo
agradável e atraente.

O Brasil vem passando por esse problema, mas já estão sendo feitos
vários trabalhos como este para que no futuro próximo a taxa de não leitores
ativos e de professores despreparados possam atingir um nível aceitável, e
quem sabe seja inferior a 1% da população.
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REFERÊNCIAS

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WITTER, G. P(org.). Psicologia e Educação: professor ensino e
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A Linguagem Oral e Escrita na Educação


Infantil: análises e desafios

Jeanne Karla Lima Fernandes1

RESUMO
O presente artigo tem como finalidade analisar o uso da leitura e da escrita na
educação infantil, partindo do significado do Letramento, dialogando a respeito de
como trabalhar esse conceito na educação da primeira infância, incidindo nos
significados do cuidar e do educar. Baseamo-nos na abordagem histórico-cultural,
embasados nos estudos de Vygotsky (1993, 2007, 2010), pois nos dá suporte para
afirmar que o sujeito é um ser dialético, produto e produtor de conhecimento, assim
ao mesmo tempo em que transforma o meio em que vive, transforma a si mesmo. Para
trabalharmos o conceito de Letramento, temos como suporte teórico os estudos de
Soares (2004, 2010), Souza (2008, 2010) e Tfouni (2010). Assim, para a construção
do diálogo em torno das análises e desafios, o texto está disposto em três tópicos. O
primeiro traz uma ilustração do que propomos no decorrer do texto; o segundo tópico
refere-se à Educação Infantil e ao Letramento, nele nos propomos a explicar o
conceito proporcionando um diálogo reflexivo com o contexto da educação infantil; e
por fim o terceiro tópico traz as considerações a respeito do trabalho com a linguagem
oral e escrita dialogando com o contexto da educação infantil e o Letramento.

Palavras-chave: linguagem oral; linguagem escrita; crianças; Letramento.

1
Contato do(a) autor(a): jeannekarla02@hotmail.com. Graduanda do curso de
Pedagogia- UFMS.
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A título de ilustração

Pesquiso para constatar, constatando, intervenho, intervindo, educo e


me educo. Pesquiso para conhecer o que ainda não conheço e
comunicar ou anunciar a novidade. (FREIRE, 2011, p. 31).

A presente produção tem como principal objeto de estudo discutir o


trabalho com a linguagem oral e escrita na educação infantil, na perspectiva
do letramento. Aqui especialmente faz-se a interlocução com a
interdisciplinaridade nos trabalhos que são realizados ou pretende-se realizar
na educação infantil, que visam criar um espaço adequado e estruturado para
a criança, sendo coerente com suas culturas, com o seu tempo de
aprendizagem e desenvolvimento; garantindo que este ocorra de modo
cultivado e não imposto, uma vez que não pensamos a educação infantil-
creche e pré-escola, como espaços de escolarização, mas, todavia o espaço de
contato com o mundo social.

Partindo dessa análise, baseamo-nos na teoria histórico-cultural


embasada nos estudos de Vygotsky (1993, 2007, 2010) e seus colaboradores,
onde o sujeito é considerado um ser dialético; assim ao mesmo tempo em que
transforma o meio em que vive, transforma a si mesmo. Atentando-nos a
educação infantil, essa perspectiva nos faz pensar de imediato nas trocas que
são estabelecidas entre criança- adulto e criança-criança; um aprende e
desenvolve-se em contato com o outro, muito embora essa aprendizagem e
esse desenvolvimento comecem a ocorrer muito antes da inserção desta na
instituição educativa.

Em que pese às colocações aqui apresentadas, este texto não tem a


pretensão de colocar uma ideia, um ponto de vista, como verdades únicas,
mas colocá-las como ponto de partida ao pensarmos no contexto das
instituições infantis, onde as crianças por vezes passam a maior parte do
tempo. Procurando instigar um olhar reflexivo e crítico em torno do que é
proposto para a criança nessas instituições, excluindo os costumes e as visões
adultocêntricas que giram em torno dos espaços que são destinados à
infância, à criança e ao seu conhecimento, no que concerne as práticas da
leitura e da escrita.

1 Educação Infantil e Letramento: um diálogo em favor


da infância

Conforme Kramer (2006) a educação infantil foi estabelecida como


dever do Estado, direito das crianças, e opção da família a partir da
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Constituição de 1988 e considerada a primeira etapa da educação básica a


partir da Lei de Diretrizes e bases de 1996.

Desde esse período, movimentos sociais ocorreram na busca de garantir


o acesso e a qualidade nos sistemas de ensino; chegando à conclusão que
para obtê-lo é preciso considerar o desenvolvimento afetivo, cognitivo,
motor, físico, social e acima de tudo respeitar os espaços e etapas de
aprendizagem e desenvolvimento de cada criança.

A partir da promulgação da Constituição de 1988, a creche e a pré-


escola começaram a perder o cunho somente assistencialista ganhando como
pilares tanto o cuidar quanto o educar. Assim a instituição não é apenas
responsável por zelar, envolver e criar um vínculo afetivo com a criança em
aspectos somente físicos, mas também os intelectuais, pois para cuidar e
educar não podemos desvencilhá-las como se fossem produzidas
isoladamente.

Como o cuidar já é representado pela própria potencialidade da palavra,


cabe-nos significar o sentido do educar na instituição infantil. A intenção de
discutir esse binômio, mesmo que brevemente surge para destacarmos a
importância da educação infantil na apropriação da linguagem oral e escrita.
Em Souza (2008) encontramos o significado do educar; a autora cita que

O educar [...] [é] promover a educação da criança por meio de


atividades que possam ser consideradas de sua história, de seu meio
social e da cultura que comunga com sua família, seus amigos, com
quem faz parte do seu convívio, tanto na instituição como em casa. (p.
266).

A partir de tal significado percebemos que educar, não é colocar a


criança em treinos motores da leitura e da escrita, não é apresentar frases
desconexas para que ela aprenda, e sim partir dos contextos sociais, das
demandas sociais existentes, permitindo que a leitura e a escrita sejam
tomadas como necessárias às crianças (VYGOTSKY, 2007). Mas como fazê-
lo com crianças de 0 a 5 anos1?

Bem, há um conceito que permeia o campo educacional, e é bastante


recente, pois somente a partir dos anos de 1986, ele começou a ser discutido,
sendo Mary Kato (1986) a primeira a referir-se ao tema, o Letramento. Em
Soares (2010) encontramos o significado de Letramento como sendo

o estado ou condição de quem interage com diferentes portadores de


leitura e de escrita, com diferentes gêneros e tipos de leitura e de
escrita, com as diferentes funções que a leitura e a escrita
desempenham na nossa vida. Enfim: letramento é o estado ou
condição de quem se envolve nas numerosas e variadas práticas
sociais de leitura e escrita. (p. 44)

Assim desde o momento que a criança entra em contato com a leitura e


a escrita por meio de diversos portadores de textos tais como: jornais,
revistas, gibis, livros, entre outros, mesmo que não saibam ler
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convencionalmente mais em suas relações sociais tais práticas são contínuas,


essa criança está imersa no processo de letramento.

Tfouni (2010, p. 12) descreve que “[...] o letramento tem por objetivo
investigar não somente quem é alfabetizado, mas também quem não é
alfabetizado, e nesse sentido, desliga-se de verificar o individual e centraliza-
se no social.”. Então o Letramento não se baseia apenas no domínio da leitura
e da escrita, em codificar e decodificar os códigos, mas ao uso que fazemos
dela em sociedade, na capacidade de comunicar-se com o outro, de expressar-
se e ser entendido.

Se considerarmos os contextos grafocêntricos em que vivemos, todos/as


somos de certa forma letrados/as2, é claro que devemos nessa explicitação
considerar que por fatores sociais, econômicos e culturais, uns estão inseridos
mais e outros menos nos contextos da leitura e da escrita.

Veiculando esses significados a educação infantil, observamos quão


grande é a responsabilidade do/a professor/a em atuar como mediador/a no
contato por parte da criança com materiais escritos e em situações de
comunicações; assim pensamos que o educar pode ser dado como sinônimo
de incentivar o uso da linguagem e de suas estruturas através de momentos
lúdicos e de interações entre as crianças e seus pares com as diversas
linguagens tais como: as da música, da arte, da dança, da leitura de histórias
da literatura infantil, entre outras; de modo a desenvolver a criança
integralmente, enfatizando sempre o contato, a inter-relação do adulto com a
criança de uma forma dialógica permitindo que ela se expresse e produza
livremente.

Acreditamos que trabalhar o Letramento na educação infantil é garantir


ao/a professor/a elaborar um trabalho que permita a criança conhecer o que se
pretende quando a apresentam a linguagem oral e a linguagem escrita. A
primeira ela já pratica desde o nascimento, quando chora, balbucia, faz gestos
e expressões, sendo estas as capacidades elementares3; e a segunda ela
expressa muito antes de escrever convencionalmente.

Conforme Vygotsky (2007) a linguagem escrita tem uma pré-história,


ela inicia-se com os gestos, que ele designa como sendo “a escrita no ar”, que
nas situações de desenho é representado com riscos, traços e pontos. E assim
tem-se o desenvolvimento do simbolismo no brinquedo onde a criança usa a
fantasia, a imaginação para representar situações que vivencia no cotidiano;
passa posteriormente para o simbolismo no desenho, sendo nessa etapa que
as crianças representam o que vivenciam e o que conhecem por meio do
desenho; e então temos o simbolismo da escrita que “se dá [...] pelo
deslocamento do desenho de coisas para o desenho de palavras”
(VYGOTSKY, 2007, p. 140).

Se a linguagem escrita tem uma pré-história, é crível que não podemos


transformar os espaços da educação infantil espaços de escolarização, por
que a criança traz consigo uma pré-linguagem escrita e uma pré-linguagem
oral, e como já afirmamos, ela aprende e desenvolve-se muito antes de ser
inserida em uma instituição educativa. Por isso na educação infantil a criança
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deve participar de situações que garantam suas expressões, seja nas situações
dos gestos, dos desenhos ou dos brinquedos, pois

é preciso que o nexo intermediário- representado pela linguagem oral-


desapareça gradualmente e a escrita se transforme em um sistema de
signos que simbolizem diretamente os objetos e as situações
designadas.”(MELLO, 2005, p. 27).

Assim, forçar e antecipar a criança a escrever, é obscurecer suas


expressões, suas criações e seu modo de pensar a escrita, pois ao rabiscar um
papel ela de certa forma escreve algo, a seu modo, mas não deixa de ser uma
escrita. Por isso é tão importante criar situações de pintura, colagem,
desenhos na instituição educativa, pois essa representação do mundo exterior
no desenho hoje poderá ser o início da escrita convencional amanhã, uma vez
que se a linguagem oral é apropriada naturalmente desde o nascimento a
partir das necessidades existentes, a escrita se tornará uma necessidade
natural da criança, pois convive em uma sociedade com pessoas que leem e
escrevem, convivem com os portadores de textos, faz parte de uma sociedade
letrada.

O Referencial Curricular Nacional para Educação Infantil/RCNEI


destaca algumas implicações que nos subsidiam nas explanações abordadas
quanto ao trabalho com a linguagem oral e escrita, sob a perspectiva do
letramento, nele encontramos que

[...] considerando-se que o contato com o maior número possível de


situações comunicativas e expressivas resulta no desenvolvimento das
capacidades linguísticas das crianças, uma das tarefas da educação
infantil é ampliar, integrar e ser continente da fala das crianças em
contextos comunicativos para que ela se torne competente como
falante. (BRASIL, 1998, 3v, p.135)

As capacidades linguísticas que o RCNEI apresenta debruçam-se em


quatro competências básicas: falar, escutar, ler e escrever. (BRASIL, 1998).
Assim podemos dizer que mesmo não encontrando nas propostas do referido
documento o termo letramento em destaque, enfatizamos que é possível
encontrar subsídios que articulam com o conceito, mostrando ao/a
professor/a, a importância de se estimular e criar ambientes na instituição
educativa que estejam imersos no mundo da leitura e da escrita.

Damos ênfase ao trabalho com a linguagem oral e escrita, pois


consideramos que os espaços das instituições infantis, podem ser espaços
também do educar, excluindo a visão assistencialista que a sociedade muitas
vezes considera quanto ao trabalho que é realizado nessas instituições. E
considerando a etapa de aprendizagem e desenvolvimento na idade em que
propusemo-nos a estudar é essencial o uso da linguagem como formadora de
conhecimento uma vez que ela é a marca primordial do homem como ser
social. Nessa questão concordamos com Kramer (2002) quando afirma que:

[...] o homem em uma infância, não foi sempre falante, e precisa, para
falar, constituir-se em sujeito de linguagem. A linguagem é, pois,
condição da humanidade do homem, já que só o ser humano pode ser
in-fans ( aquele que não fala) e, nessa descontinuidade é que se funda
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a historicidade do ser humano. Se há uma história, se o homem é um


ser histórico, é só porque existe uma infância do homem, é porque ele
deve se apropriar da linguagem. Se assim não o fosse o homem seria
natureza e não história. (p.46, grifo do autor).

Assim, é necessário que o/a professor/a, a família e a sociedade


considerem a criança não como um sujeito que virá a ser, mas como ser
social, produto e produtor de cultura, cuja história é marcada pelas relações
que estabelece com o outro pelo uso da linguagem, proporcionando
ambientes que garantam o uso da linguagem oral e escrita, para que as
crianças sintam necessidade de usá-las.

A TÍTULO DE CONSIDERAÇÕES

A escrita deste artigo baseou-se nos estudos realizados no Grupo de


Estudos e Pesquisas em Letramento, Educação e Infância- GEPLEI, na
disciplina Alfabetização e Letramento4 e nas experiências obtidas nos
projetos de extensão e pesquisa intitulados “Era uma vez... Práticas de
Letramento com crianças de 06 a 24 meses e suas mães” realizado em um
Centro de Educação Infantil- CEINF, no município de Campo Grande, MS,
cujo objeto de estudo foi de analisar a aprendizagem e o desenvolvimento da
linguagem oral de crianças na mais tenra idade, sob as práticas de
Letramento, com uso de leituras da literatura infantil e outros materiais que
fazem parte do cotidiano da leitura e da escrita dos sujeitos alvo do estudo.

Se observarmos os contextos atuais das instituições educativas, muitas


vezes elas são representadas pela família e pela sociedade apenas pelas
funções assistencialistas que exerce; e quando ela é tomada como espaço
também educativo, logo consideram que, quanto mais cedo a criança
aprender a ler e a escrever, mais competentes elas serão quando tratarmos da
habilidade de ler e escrever. Assim adianta-se um processo, que como foi
apresentado na elaboração do presente texto, ocorrerá naturalmente. Nesse
ponto indagamos o que essa institucionalização representará na aprendizagem
e no desenvolvimento da criança? Essa antecipação é realmente necessária?
Estamos esperando que as crianças sejam competentes com falantes ou que
apenas saibam ler e escrever de modo convencional?

Talvez essa perspectiva esteja enraizada por boa parte da sociedade, por
conta do ensino tradicional da escolarização vivenciada, onde o ensino era
voltado para as técnicas motoras do ensinar a ler e a escrever, o uso de
cadernos de caligrafia, desenhos de letras por meio de pontilhados, formando
apenas a habilidade de codificar e decodificar os códigos sem um contexto
específico.

Se partirmos da visão tradicional tomaremos a criança, como sendo


infans, aquela que não fala que não tem voz; sujeito de devir, que virá a ser,
que ainda não é; que só se constituirá em um determinado tempo, com
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determinadas atividades, para determinadas idades, como se a criança fosse


um depósito de conhecimento, como se ela não fosse capaz de aprender antes
mesmo de ser inserida na instituição educativa, como se ela não trouxesse
consigo sua pré- linguagem escrita e a sua pré-linguagem oral.

Como dito no prólogo deste artigo, não temos a pretensão de colocar as


ideias aqui apresentadas como verdades únicas, mas colocá-las como ponto
de partida para novas discussões a respeito do que é proposto para a criança
na educação infantil; quais as propostas pedagógicas que garantam a criança
desenvolver-se integralmente, para tornar-se capaz de atender as demandas
sociais existentes no que concerne ao uso da leitura e da escrita? Qual a
concepção de infância que permeia as instituições infantis? Qual a formação
do profissional da instituição infantil?

Assim encerramos este artigo, esperando que você leitor/a, possa


formular suas concepções em torno do trabalho com a linguagem oral e
escrita na educação infantil. E tal como a citação de Freire (2011) nós
propomos os questionamentos para conhecer e para intervir em novos estudos
relacionados à aprendizagem e ao desenvolvimento da linguagem oral e
escrita da criança, propondo e nos colocando o desafio de continuar essas
discussões na esperança de encontrar novas respostas para que possamos
buscar uma educação infantil de qualidade, que permeiem tantos os espaços
do cuidar e do educar, como a garantia que as crianças não sejam
homogeneizadas na instituição infantil e que sejam vistas como produtoras de
conhecimento.

NOTAS
1
A idade de 0 a 5 anos é apresentada tendo em vista o ensino fundamental de nove
anos.
2
“Atribuindo a este adjetivo sentido vinculado a letramento.” (SOARES, 2010, p. 24,
grifo do autor)
3
Conforme Rego (2011, p.39) processos psicológicos elementares “ [...] (estão
presentes na criança pequena e nos animais), tais como, reações automáticas, ações
reflexas e associações simples, que são de origem biológica”, diferentemente dos
processos psicológicos superiores, que conforme a teoria Vygotskiana não são inatos,
e se dá nas relações existentes entre os sujeitos e pela internalização da cultura, assim
são mecanismos intencionais.
4
Disciplina obrigatória da estrutura curricular do curso de Pedagogia- Licenciatura da
Universidade Federal do Mato Grosso do Sul.
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REFERÊNCIAS

BRASIL, Ministério da Educação e do Desporto. Secretária de Educação


Fundamental. Referencial curricular nacional para educação infantil.
Brasília: MEC/SEF, 3v, 1998, p. 117- 133.
FREIRE, Paulo. Pedagogia da autonomia: saberes necessários à prática
educativa. São Paulo: Paz e Terra, 2011.
KRAMER, Sônia. Autoria e autorização: Questões éticas na pesquisa com
crianças. Cadernos de Pesquisa, n. 116, p. 41-59, julho/2002.
KRAMER, Sônia. As crianças de 0 a 6 anos nas políticas educacionais no
Brasil: educação infantil e /é fundamental. Educ. Soc., Campinas, n. 96-
Especial, v. 27, p. 797-818, out. /2006.
MELLO, Suelly Amaral. O processo de aquisição da escrita na educação
infantil: contribuições de Vygotsky. In: Linguagens infantis: outras formas
de leitura. Campinas: Autores Associados, 2005, p. 23- 40.
SOARES, Magda. Letramento: um tema em três gêneros. 4.ed. Belo
Horizonte: Autêntica, 2010.
SOUZA, Regina Aparecida Marques de. Letramento na Educação Infantil:
“Quem tem medo do lobo mau...”. Inter-Ação: revista da faculdade de
educação de Goiás, v. 33. p. 265-279, jul./dez. 2008.
SOUZA, Regina Aparecida Marques de. Letras para a sustentabilidade: a
linguagem oral e escrita no contexto da infância. In: Desenvolvimento e
sustentabilidade: revelando olhares, valorizando vozes na educação da
infância. Campo Grande: Ed. Oeste, 2011, p. 170- 181.
TFOUNI, Leda Verdiani. Letramento e Alfabetização. 9 ed. São Paulo:
Cortez, 2010.
VYGOTSKY, L. S. Pensamento e Linguagem. São Paulo: Martins Fontes,
1993.
VIGOTSKI, L. S. A formação social da mente. 7. ed. São Paulo: Martins
Fontes, 2007.
VIGOTSKI, L. S. A pré-história da linguagem escrita. In: A formação social
da mente. 7. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2007, p.125- 145,
VIGOTSKII, Lev Semenovich, LURIA, Alexander Romanovich e
LEONTIEV, Alex N. Linguagem, desenvolvimento e aprendizagem.
11.ed. São Paulo: Ícone, 2010.
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O Processo de Aquisição da Escrita na


Educação Infantil:
reflexões de uma experiência em uma pré-escola do
Semiárido baiano

Jaciene Santos de Cerqueira1

Sirlane Machado de Souza2

RESUMO
O presente texto tem como objetivo refletir sobre o processo de aquisição da escrita
na Educação Infantil, especificamente no Grupo 05 de uma pré-escola do município
de Feira de Santana-BA, bem como refletir sobre a prática pedagógica desenvolvida
pela docente junto às crianças do referido grupo. Pretende-se, então, promover uma
discussão sobre o uso das representações gráficas realizadas por crianças no processo
de aquisição da linguagem escrita. Essa reflexão se baseia nos dados obtidos em
observações de um trabalho de campo e pesquisa bibliográfica sobre o tema, bem
como a análise de atividades fotografadas e dos resultados dos dados coletados. Como
resultado parcialmente alcançado, foi possível perceber que as práticas pedagógicas
tecnicistas, ainda utilizadas nas escolas, pouco contribuem para aprendizagem
significativa da criança.

Palavras-chave: aquisição da escrita; formação docente; práticas pedagógicas.

1
Contato do(a) autor(a): jacyuefs@hotmail.com. Bolsista do Programa Institucional
de Bolsa de Iniciação à Docência- PIBID/UEFS- Universidade Estadual de Feira de
Santana.
2
Contato do(a) autor(a): sirlanems@hotmail.com. UEFS- Universidade Estadual de
Feira de Santana.
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INTRODUÇÃO

Essa produção textual é resultado de um trabalho de campo, realizado


em 2011 através da disciplina Fundamentos e ensino da leitura, escrita e
produção de textos, que faz parte do currículo do curso Licenciatura em
Pedagogia de uma Universidade Estadual da Bahia. O trabalho teve cinco
observações realizadas numa sala de aula da Educação Infantil, no Grupo 05-
G05 (crianças com 05 anos de idade).

Considerando o universo de 281 alunos da instituição, nosso trabalho


será centrado na análise da aquisição da escrita, apenas de quinze alunos, os
quais estão devidamente matriculados no G05.

Analisar como a aquisição da escrita estava sendo construído no G05


(cinco) foi o que nos motivou a escolher essa faixa etária, pois este grupo,
ingressará no ano letivo de 2012 no 1º ano do Ensino Fundamental I. Então,
nossa necessidade é refletir como o processo da escrita, estava sendo
desenvolvido com essas crianças até o presente momento das visitas
realizadas, bem como pensar como a ação pedagógica contribuía para o êxito
dos alunos.

Compreender a criança como um ser em formação é imprescindível para


os docentes, uma vez que é através do conhecimento das especificidades
infantis que o educador norteia seu fazer pedagógico, pois é no processo
dialético que o professor deve guiar sua ação diária em sala de aula.

De acordo Vasconcellos (1992), a prática dialética:

Entende o homem como um ser ativo e de relações. Assim, entende


que o conhecimento não é “transferido” ou “depositado” pelo outro
(conforme a concepção tradicional), nem é “inventado” pelo sujeito
(concepção espontaneísta), mas sim que o conhecimento é construído
pelo sujeito na sua relação com os outros e com o mundo. Isto
significa que o conteúdo que o professor apresenta precisa ser
trabalhado, refletido, re-elaborado, pelo aluno, para se constituir em
conhecimento dele. Caso contrário, o educando não aprende, podendo,
quando muito, apresentar um comportamento condicionado, baseado
na memória superficial.

Então, percebe-se que a prática dialética possibilita o aluno a construir


seu conhecimento, a ser, portanto, o autor do processo de aprendizagem,
fazendo com que esse momento seja o mais significativo possível.

1 Aquisição da escrita: conhecendo a experiência


através das crianças
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Para iniciarmos uma análise dos dados coletados durante o trabalho de


campo realizado, é necessário refletir, ainda que sucintamente, sobre o
processo de aquisição da leitura e escrita. Segundo Ferreiro (1995, p.33), o
processo de alfabetização:

[...] não é uma questão de sondar as letras, repetindo-se mais e mais as


mesmas cadeias de letras numa página, ou aplicando testes de leitura
para assegurar-se de que a alfabetização comece com todas as
garantias de sucesso.

Com base na afirmação acima, pode-se dizer que o processo da escrita é


um momento que deve ser importante, prazeroso para a criança, pois é
necessário desmistificar as concepções que consideram a mesma como um
ser pronto para ser moldado, desconsiderando, portanto toda especificidade
que esse ser em desenvolvimento possui. E é fundamental que se faça
presente no cotidiano escolar à concepção que toda criança é capaz de
realizar qualquer tipo de tarefa que lhe designem, que tem todas as
possibilidades de fazer parte da construção do seu saber, e essa construção
precisa ser incentivada e mediada, e não podada, porém isso vai depender da
percepção que cada instituição tem em relação à criança, bem como a prática
docente perante o processo de ensino/aprendizagem, especificamente no que
tange a aquisição da leitura e escrita.

O processo de escrita no Grupo 05, o qual foi observado, fica limitado à


ideia de reprodução, pois no grupo supracitado as atividades eram propostas
de forma que as crianças reescrevessem várias vezes as letras que estavam na
folha. Vale mencionar que, talvez essa postura seja resquício de práticas
reprodutivistas, ou mesmo para atender aos anseios das famílias, as quais
cobram da escola uma ação que possibilite rapidamente que a criança saiba
ler e escrever, ambos entendidos como a decodificação da escrita.

A expectativa de que a criança deve obrigatoriamente saber ler e


escrever no G05, é uma postura que a família tem, e dessa forma é
representada como uma ação imediata, sem, portanto, considerar como um
processo que exige uma demanda de tempo.

A aquisição da escrita vai além do que saber decodificar aquilo que


estar graficamente representado. É saber identificar uma propaganda (aqui, a
criança sabe fazer a leitura de imagens, identificando um determinado
produto), é poder apontar um produto e dizer que pertence a determinada
marca, e também fazer a escrita através de desenhos para representar a grafia
propriamente dita.

A partir desse momento faz-se necessário trazer a análise dos dados


coletados, e para tanto foi feita a utilização de equipamento tecnológico que
nos forneceu posteriormente a consulta desse material. A partir das imagens
ilustrativas, pode-se notar como é o processo de escrita que os alunos do
grupo 05 estão inseridos.
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2 A importância da formação docente

No processo de ensino e aprendizagem, é fundamental que o docente


tenha consciência de como o aluno está estruturando seu conhecimento, pois
através do acompanhamento processual, é possível compreender como ocorre
o processo de aprendizagem do aluno.

Para compreender como o aluno aprende, é necessário que o docente


tenha sua prática pedagógica baseada numa fundamentação teórica
condizente com a proposta de uma aprendizagem significativa, e que coloque
o aluno no centro desse processo de ensino/aprendizagem, desconstruindo a
visão de que os alunos são receptáculos vazios, prontos para receber os
conhecimentos, caracterizando-se em meros sujeitos passivos.

Para a desconstrução desse estigma é necessário oportunizar os alunos


para que se tornem autores de sua própria aprendizagem, e para isso é
imprescindível que a prática pedagógica do professor conduza os aprendizes
para um ambiente propiciador de uma aprendizagem significativa. De acordo
com Anastasiou (2005, p.18).

Cabe ao professor planejar e conduzir esse processo contínuo de ações


que possibilitem aos estudantes , inclusive aos que têm maiores dificuldades ,
ir construindo , agarrando , apreendendo o quadro teórico-prático pretendido,
em momentos seqüenciais e de complexidade crescente.

A partir da citação acima, percebe-se que a formação docente é


essencial para o que o professor reflita sobre sua prática pedagógica, atuando
de forma efetiva na mediação realizada na sala de aula. Sabe-se, porém, que
“mudar” a concepção pedagógica que guiou por um bom tempo a carreira
profissional de um determinado professor, não é tarefa fácil. No entanto, essa
mudança deve ser realizada, até mesmo porque é necessário acompanhar as
transformações que ocorrem na sociedade, e esta requer cada vez mais que os
indivíduos reflitam, questionem e expressem sua opinião sobre os mais
diversos assuntos.

E para que os aprendizes tenham uma formação ampla, é primordial que


o espaço escolar promova o desenvolvimento do intelecto, social e do
pessoal.

3 Analisando as atividades
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Os dados apresentados a seguir, foram possíveis através de 05


observações do trabalho de campo, bem como a análise de atividades
fotografadas, e os estudos sobre o tema. Todos esses elementos contribuíram
para a reflexão desse trabalho.

Pode-se observar que a Figura 1 é uma atividade que está


contextualizada a partir de um trava língua, com base nessa tipologia textual
foi pedido que os alunos circulassem a letra T, e posteriormente fizessem a
mesma letra por várias vezes, observa-se ainda que nessa atividade a
prioridade é fixar a letra T e a “sua família”, que seria a escrita da letra
supracitada seguida das vogais.

Figura 1. Fonte: Rafaella


Silva, 19 de Abril de 2011.

A análise dessa atividade nos permite verificar que os alunos estão


inseridos numa prática que não condiz com a realidade da atualidade, isso
quer dizer que, já não é possível construir uma aprendizagem significativa a
partir de uma metodologia que limita o aluno a reprodução de letras seguidas
de vogais, ou qualquer outra metodologia que priorize a reprodução, e não a
reflexão e criatividade. Pois é fundamental proporcionar situações que o
aluno reflita, e consequentemente consiga resolver um dado problema que for
sugerido. Para isso, é preciso se pensar também nas práticas pedagógicas,
como afirma Ferreiro (1995, p.34), ao ressaltar que,

[...] é preciso pensar o quadro escolar em termos de ambientes de


alfabetização, e não só em termos de métodos de ensino (como sempre
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foi). É fundamental refletir sobre os tipos de práticas através das quais


as crianças são introduzidas no mundo da leitura/escrita, bem como
sobre a maneira com a qual a linguagem escrita é apresentada pelo
intermédio dessas práticas.

É imprescindível que a prática pedagógica não limite os alunos a uma


mera repetição de letras, evitando assim, que os aprendizes fiquem restritos a
um mundo da reprodução da escrita. Faz-se necessário a ocorrência de um
ambiente escolar propiciador de momentos que levem o aluno a participar
ativamente do processo de ensino/aprendizagem, o aprendiz tem que ser
considerado autor da própria construção do conhecimento.

A figura 2 mostra os escritos de uma criança que reproduziu o modelo


que estava imposto. Nessa atividade a letra trabalhada é o R, nesse momento
é proposto para os alunos que, eles circulem a letra R, complete as palavras
com essa mesma letra e ainda repitam a família silábica por diversas vezes.

Figura 2. Fonte: Rafaella Silva, 19 de Abril de 2011.

A aquisição da leitura e escrita não deve ficar limitada a reprodução


desenfreada que normalmente acontece na maioria das escolas, pois, segundo
Teberosky (1995, p.55):

As escolas têm, portanto, o desafio de organizar situações de


aprendizado que incorporem as atividades espontâneas de escrita das
crianças, sem inibi-las. Ao fazer isso, não só poder-se-á ajudar as
crianças a aprender, como também transformar a sala-de-aula num
laboratório de observação das ideias e respostas das crianças com
respeito à linguagem escrita.
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Certamente através da proposta acima encontraríamos um ambiente que,


possibilitaria um aprendizado significativo para as crianças que se fazem
presentes naquele espaço. No entanto, não é somente na instituição
pesquisada que podemos encontrar essa situação, essa é uma realidade da
maioria das escolas públicas, pois o que ocorre em sua grande maioria são
alunos submetidos a práticas pedagógicas já ultrapassadas, que não os
possibilitam agir criticamente na sociedade atual, a qual é cada vez mais
exigente e seletiva. E, a leitura e escrita é um meio de inserção dos indivíduos
na sociedade.

Com isso encontra-se a necessidade de se desenvolver práticas que


incentivem os alunos a fazerem questionamentos, serem criativos, formar
opiniões e, sobretudo expor suas ideias. Mas vale ressaltar que, essa tarefa
não é destinada apenas para o professor, pois a escola no geral deve rever os
conceitos que possui em relação à aprendizagem significativa, seja ela de
crianças, jovens ou adultos. A escola como um conjunto, deve agir em
parceria com os professores sempre procurando promover o desenvolvimento
amplo do aluno, sejam nos aspectos sociais, afetivos, cognitivos, dentre
outros.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A partir da análise dos dados coletados, pode-se verificar que não há


uma criação situacional que proporcione para os alunos um ambiente
favorável para a aquisição da escrita, pois isso era facilmente percebível
quando eram convidados a pronunciar uma determinada letra do alfabeto,
expressando desconhecimento, mas que demonstrava um conhecimento
quando realizava as atividades que tinha as letras de forma sequenciada.

Então, percebe-se que as crianças tinham um conhecimento superficial,


uma vez que elas não conseguiam reconhecer a mesma letra em outro
contexto, como exemplo, identificar a letra em outro texto além do que foi
apresentado pela professora. Essa afirmação é baseada nos momentos que
convidamos as crianças para apresentar o mesmo conhecimento que era
solicitado nas atividades, no entanto, a maioria das crianças não teve êxito na
nossa proposta.

De acordo com Teberosky (1995) seria fundamental uma escola que


subsidiasse atividades espontâneas, as quais pudessem proporcionar para os
alunos momentos nos quais consigam resolver os problemas propostos , pois
não só adquiriam conhecimentos da escrita, como também, a autonomia ao
procurar respostas para determinadas questões.

No processo de aquisição da escrita é fundamental também que se


insiram novas práticas, que deem oportunidades para a promoção do
conhecimento do aluno, para que este se aproprie do processo de construção
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do conhecimento. Como ressalta Santos (2008, p.122), “[...] é preciso rever


estratégias de ensino e delinear novas propostas, capazes de dinamizar as
ações pedagógicas, de modo que permitam envolver um maior número de
alunos em torno de uma problemática, fortalecendo neles o seu papel de
agentes.”

Com base no que a autora supracitada afirma, acredita-se que essa


tomada de postura seja necessária para a reflexão sobre as práticas
pedagógicas que se fazem presente nas escolas públicas, pois assim pode-se
ter um ambiente favorável para a aprendizagem do aluno.

Através da análise dos dados coletados, pode-se observar que os alunos


não tinham essa espontaneidade que necessitam para a realização das
atividades e efetivação da aprendizagem, o que contribuía para que as
crianças ficassem limitadas a um processo mecanizado, o qual não favorece o
desenvolvimento cognitivo do aluno.

REFERÊNCIAS

ANASTASIOU, Léa das G. Camargo; ALVES, Leonir Pessate. Ensinar,


aprender, apreender e processos de ensinagem. In: ANASTASIOU, Léa das
G. Camargo. Processos de ensinagem na universidade: pressupostos para
as estratégias de trabalho em aula. 5ed, Joinville, SC: UNIVILLE, 2005.
FERREIRO, Emilia. Desenvolvimento da alfabetização: psicogênese. In:
GOODMAN, Yetta M. (org.). Como as crianças constroem a leitura e a
escrita: perspectivas piagetianas. Porto Alegre, RS: Artes Médicas, 1995.
SANTOS, Ivoneide Bezerra de Araújo. Projetos de letramento:
ressignificação da prática escolar. In: OLIVEIRA, Maria do Socorro;
KLEIMAN, Angela B. (orgs.). Letramentos múltiplos: agentes, práticas,
representações. Natal, RN: EDUFRN-Editora da UFRN, 2008.
SILVA, Rafaella Pena da. 2011. Figuras 1 e 2
TEBEROSKY, Ana. A linguagem escrita por crianças pequenas: reflexões
sobre uma situação de aprendizado. In: GOODMAN, Yetta M. (org.) Como
as crianças constroem a leitura e a escrita: perspectivas piagetianas. Porto
Alegre, RS: Artes Médicas, 1995.
VASCONCELLOS, Celso dos S. Metodologia Dialética em Sala de Aula.
In: Revista de Educação AEC. Brasília: abril de 1992 (n. 83).
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Formação Inicial em Serviço de Professores


da Educação Infantil:
uma abordagem à luz do grupo I do Proinfantil

Maria Eurácia Barreto de Andrade 1

Sineide Cerqueira Estrela 2

Marilene dos Santos3

RESUMO
Este trabalho apresenta uma discussão sobre a experiência vivenciada no Grupo I do
Programa de Formação Inicial para Professores em Exercício da Educação Infantil –
(Proinfantil), tomando como parâmetro de reflexão o município de Água Fria no
interior da Bahia, sendo um dos municípios acompanhados pela Agência Formadora
de Feira de Santana – Bahia. Objetiva discorrer sobre o desenvolvimento do programa
no município destacado, evidenciando todos os processos e percursos trilhados
durante os dois anos de formação, envolvendo a fase presencial, acompanhamento da
prática com intervenções in loco, encontros quinzenais e fase presencial intermediária.
Além disso, apresentamos uma reflexão sobre os instrumentos avaliativos de
acompanhamento teórico e prático do programa, tais como: memorial, plano de ação e
registro reflexivo, além das provas bimestrais e a produção do projeto de intervenção
desenvolvido junto às crianças e Instituição de Educação Infantil. Depois de todo o
percurso vivenciado, as considerações apontam para a grande relevância do programa
para o fortalecimento das práticas pedagógicas nos cenários da educação infantil.
Professores com maior respaldo teórico e prático, sabendo atuar com maior autonomia
e intervir positivamente no desenvolvimento das crianças, bem como instituições com
maior responsabilidade no papel de educar e cuidar de crianças com uma grande
ênfase nas diferentes linguagens, são alguns dos impactos positivos do Proinfantil no
contexto pesquisado.

Palavras-chave: Proinfantil; Formação Inicial; Educação Infantil.

1
Contato do(a) autor(a): nateandrade@bol.com.br. Doutoranda em Educação (UA).
2
Contato do(a) autor(a): sineidestrela@hotmail.com.Mestre em Educação (UHS).
3
Contato do(a) autor(a): marileneprofessor@hotmail.com. Especialista em Educação
a Distância (SENAC).
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INTRODUÇÃO

No âmbito da Educação Infantil tem crescido de forma acelerada a


preocupação com políticas públicas voltadas para a formação inicial
continuada dos profissionais, tanto na esfera municipal, quanto estadual e
federal. Dentre outras ações formativas voltadas para o público docente que
atende a primeira etapa da educação básica, está o Programa de Formação
Inicial para Professores em Exercício da Educação Infantil – Proinfantil, que
é um curso em nível médio à distância, na modalidade Normal. O referido
programa busca uma formação em serviço dos profissionais que atuam na
Educação Infantil sem a formação inicial, dentre eles estão contemplados,
professores, ajudantes, monitores babás, auxiliares e outros que atuam
diretamente com crianças de zero a cinco anos.

As discussões atuais priorizam a formação em nível superior para o


exercício qualificado no âmbito da Educação Infantil e nos anos iniciais do
Ensino Fundamental. Esse é um debate que já está garantido na Lei de
Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDBN), Lei 9394/96 que no seu
artigo 62 apresenta a formação em nível superior como necessária para
atuação na educação básica, admitindo a formação mínima em nível médio,
na modalidade normal. Mesmo com a determinação da legislação nacional,
até 2005 existia um número alarmante de professores que ainda não tinha
alcançado a formação mínima exigida para atuação na Educação Infantil e
Anos Iniciais do Ensino Fundamental. Em razão desta realidade em muitos
estados brasileiros o Proinfantil optou em atender a formação mínima
exigida, ou seja, a formação em nível médio tentando também atender a 6ª
meta do Plano Nacional de Educação (PNE/2001) que estabelece que a partir
da vigência do Plano, só serão admitidos na docência da Educação Infantil os
profissionais que possuem a titulação mínima em nível médio, modalidade
normal.

O Proinfantil iniciou no segundo semestre de 2005 com 88 municípios


com um grupo piloto de 4 estados brasileiros e em janeiro 2006 ampliou o
atendimento, desta vez contemplando também municípios da Bahia no Grupo
I. Dentre outros municípios que aderiram ao programa na Bahia está o de
Água Fria, o qual faz parte da Agência Formadora (AGF) de Feira de Santana
que é o nosso foco de discussão neste artigo.

Assim sendo, a nossa intenção neste artigo é discorrer sobre o


desenvolvimento do Proinfantil no contexto citado, evidenciando os
processos desenvolvidos durante os dois anos de formação, envolvendo a
fase presencial, acompanhamento da prática com intervenções in loco,
encontros quinzenais e fase presencial intermediária. Além disso, buscamos
apresentar uma breve reflexão sobre os instrumentos avaliativos de
acompanhamento teórico prático do programa, a saber: memorial, plano de
ação e registro reflexivo, além das provas bimestrais e a produção do projeto
de intervenção desenvolvido junto às crianças e Instituição de Educação
Infantil.
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1 Processo Metodológico do Proinfantil

Conforma apresentado, o Programa de Formação Inicial para


Professores da Educação infantil - Proinfantil é um curso em nível médio,
ofertado a distância, na modalidade Normal destinado aos profissionais que
atuam em sala de aula da educação infantil, tanto nas creches quanto nas pré-
escolas que não possuem a formação mínima exigida na legislação brasileira.

O curso com duração de dois anos tem a intenção básica de valorizar o


trabalho docente, oferecendo possibilidade de crescimento pedagógico ao
profissional que atua na educação infantil. Para contemplar o objetivo central
do programa, conta com
material pedagógico específico para a educação à distância e um amplo
acompanhamento que permite ao cursista obter informações necessárias à sua
prática, socializar seus conhecimentos, compartilhar e esclarecer suas dúvidas
através de um processo formativo alicerçado em princípios sólidos e um
trabalho qualificado.

O trabalho desenvolvido durante os dois anos de processo formativo,


com carga horária de 3.200 horas distribuídas em quatro módulos semestrais,
permite aos participantes um maior domínio dos processos necessários para o
desempenho de sua função docente e desenvolver metodologias e estratégias
de intervenção pedagógicas adequadas às crianças na faixa etária de zero a
cinco anos. Isso porque cada módulo é composto pelos seguintes
momentos/ações:

A Fase Presencial - com dez dias de atividades totalizando 76 horas de


intensa produção durante as férias escolares, visando um conhecimento
aprofundado e sistematizado dos conteúdos em todas as áreas temáticas.
Nesta fase inicial de cada módulo é garantido a todos os cursistas um estudo
exaustivo junto a Agência Formadora, Professores Formadores e Tutores de
modo que garanta maior apropriação dos conhecimentos apresentados nos
cadernos temáticos, bem como trazer uma maior discussão sobre os
instrumentos avaliativos que fazem parte do programa, a saber: plano de
trabalho, memorial, registro reflexivo e projeto de trabalho.

Estudos e Atividades Individuais – que acontecem durante o semestre


em todas as unidades trabalhadas. É o momento de estudos e reflexões
individuais dos cursistas com base nos livros de estudo, bem como a
realização das atividades sobre os conteúdos das áreas temáticas presentes
nos Cadernos de Aprendizagem (CA) e os registros reflexivos sobre o seu
processo de construção de conhecimentos que também são registrados nos
CA. Nos momentos de estudos e atividades individuais estão presentes
também a construção de valiosos instrumentos voltados para as disciplinas
pedagógicas os quais formam o portfólio: planejamento diário (planejamento
da prática que é observada e avaliada pelo tutor), memorial (escrito pelo
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professor contemplando as vivências ao longo do curso) e o registro de


atividades (que é a reflexão sobre uma atividade interessante desenvolvida
com as crianças). Além disso, o cursista conta também com mais dois
momentos/ações: prática pedagógica supervisionada, desenvolvida na
Instituição de Educação Infantil incorporando as orientações propostas nas
leituras dos livros e acompanhadas pelo tutor e as provas bimestrais que são
individuais e sem consulta, realizada duas vezes em cada módulo.

Encontros Quinzenais (EQ) com os tutores aos sábados. São oito


encontros presenciais em cada módulo, totalizando 64 horas de intensa
atividade que buscam promover orientações de suporte à aprendizagem e
acompanhamento do trabalho pedagógico dos cursistas e, finalmente, a Fase
Presencial Intermediária que são atividades de revisão para as provas
bimestrais realizadas em dois encontros, totalizando 20 horas de atividades.

Além de todos estes momentos, o cursita também conta com o serviço


de apoio a aprendizagem junto ao professor formador através de informações
por telefone, e-mail e/ou encontros in loco na Agencia Formadora com
encontro previamente agendado, bem como, com o apoio pedagógico
sistemático desenvolvido pelo tutor. Mesmo com todo esse acompanhamento,
caso o cursista tenha aproveitamento insatisfatório no módulo,
principalmente na prova bimestral, o mesmo pode contar com as atividades
extras que são acompanhadas pelo tutor com o objetivo de esclarecer dúvidas
e recuperar a aprendizagem dos professores sem bom rendimento.
(Proinfantil, Guia Geral, 2005).

O programa em discussão contempla cinco objetivos básicos, os quais


buscam a valorização do magistério através de um processo de formação
inicial em serviço com discussões e leituras voltadas para as demandas da
educação infantil, assim como a oferta de condições de crescimento tanto
pessoal como profissional dos sujeitos envolvidos, a ampliação da qualidade
social da educação das crianças de zero a cinco anos, bem como a elevação
do nível de conhecimento e prática pedagógica dos docentes e, por fim o
cumprimento da legislação em vigor com a formação mínima exigida para
atuação com a primeira etapa da educação basca (Proinfantil, Guia Geral,
2005).

Tais objetivos apresentados, somados com um trabalho sistemático e


consistente com um amplo acompanhamento de tutores e professores
formadores, associados a leituras e discussões dos temas apresentados nos
guias de estudo das áreas temáticas, possibilitam que os cursistas ao final do
processo possam desenvolver um trabalho alicerçado em princípios sólidos
de educação e cuidado e de desenvolvimento integral das crianças.

A base curricular do Proinfantil foi definida com base nas Diretrizes


Curriculares para o Ensino Médio e nas concepções teóricas que orientam a
formação dos professores de Educação Infantil e está estruturada em seis
áreas temáticas, que congregam em Base Nacional do Ensino Médio e
Formação Pedagógica. A primeira contempla: Linguagens e Códigos;
Identidade, Sociedade e Cultura; Matemática e Lógica; Vida e Natureza. Já
as áreas temáticas que contemplam a formação pedagógica são: Fundamentos
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da Educação e Organização do Trabalho Pedagógico. É importante


mencionar que os campos do conhecimento são trabalhados por eixos
integradores, criando espaços de interdisciplinaridade. Às áreas do núcleo
comum, acrescentam-se as seguintes partes diversificadas a serem
determinadas pelos estados: Projeto de trabalho e intervenção sobre temas de
interesse local e Língua estrangeira, eleita pelo estado para compor o
currículo pleno. (Proinfantil, Guia Geral, 2005).

Após esta abordagem metodológica, faz-se interessante tecer algumas


discussões acerca da proposta pedagógica que fundamenta o curso de
formação em questão. O Proinfantil defende a educação como um processo
construído ao longo da vida em todos os espaços formais e não formais,
procurando em todas as ações articular os conhecimentos científicos
sistematizados com os saberes práticos. Desta forma, o currículo busca
valorizar as experiências culturais e os conhecimentos anteriormente
adquiridos pelos professores na sua vivência cotidiana, sendo estes, ponto de
partida para a construção de uma base conceitual mais consolidada.

A aprendizagem no contexto do Proinfantil é entendida como um


processo crescente de desenvolvimento de competências construídas na
trajetória formativa, tanto no âmbito pessoal quanto profissional, articulado à
construção da subjetividade que envolve diretamente as bases cognitiva,
social e afetiva do sujeito imerso no processo. Assim sendo o programa
busca valorizar as características culturais do cursista como sujeito histórico,
produto e produtor de cultura, que carrega em si experiências enriquecedoras
as quais definem seus interesses concretos de aprendizagem.

O programa entende a Instituição de Educação Infantil como um espaço


privilegiado de interação, troca, brincadeira, ludicidade e construção de
saberes necessários à vida. Um espaço de cuidado e educação, que
possibilita a inserção da criança na cultura local e favorece o
desenvolvimento dos aspectos cognitivos, afetivos, sociais, psicológicos,
enfim, a preparação para a autonomia e participação para a vida cotidiana.
Para tanto, o referido programa considera a criança como um cidadão de
direitos, um sujeito cognoscente, histórico e cultural, por isso valoriza os
direitos e necessidades da criança no seu ritmo e faixa etária, reconhecendo o
brincar com atividade fundamental para o desenvolvimento das mais
diversas linguagens e a interação com o mundo que a cerca.

O conhecimento escolarizado se traduz como resultado da construção


dos mais diversos conhecimentos adquiridos ao longo da vida no contexto
social, com a vivência na família, na igreja, na associação, nas festas
populares, enfim, sua elaboração se processa com a junção destes vários
conhecimentos aos novos que são adquiridos com as discussões, leituras
realizadas. Para favorecer um conhecimento escolar mais consubstanciado, a
concepção de prática pedagógica transcende a idéia de prática docente e
busca, sobretudo, a tematização a própria prática como ação própria da
reflexão que transforma o sujeito.

A avaliação no Proinfantil é concebida como um processo amplo,


contínuo, formativo e parte integrante do processo de aprendizagem. Busca a
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formação de um profissional da educação que conheça o seu papel social na


formação das crianças e propõe o rompimento da dicotomia entre ensino e
avaliação. Nesse sentido, trabalha com a concepção de avaliação como um
momento de aprendizagem e reflexão constante sobre a sua formação
profissional e pessoal com os instrumentos construídos periodicamente os
quais favorecem um amplo desenvolvimento da criticidade e da auto-
avaliação.

A interdisciplinaridade é defendida na proposta pedagógica do


Proinfantil, enfatizando os princípios e funções das diferentes ciências,
focalizando para a prática pedagógica da educação infantil. Busca articular
os conteúdos das áreas temáticas da base nacional do ensino médio aos
conteúdos pedagógicos organizando as áreas em eixos integradores que
favorece uma maior integração entre todas as discussões e conteúdos
trabalhados.

1. Caminhos metodológicos do trabalho

Como todo processo formativo objetivou uma mudança através da ação


formativa, pode-se caracterizar como uma pesquisação, pois seus principais
objetivos estão pautados na mudança qualitativa. Para Thiollent (1986, p. 14)
a pesquisação é “[...] concebida e realizada em estreita associação com uma
ação ou com a resolução de um problema coletivo e no qual os pesquisadores
e participantes representativos da situação ou problema estão envolvidos de
modo cooperativo e participativo.”

Foi neste processo de discussão coletiva, formação e estudo que este


trabalho foi realizado. No transcorrer da ação foi possível uma análise e
compreensão da percepção e intenção do grupo pesquisado, bem como de
muitas construções e aprendizagens no momento da formação. Assim,
concorda-se com a afirmação de Barbier (2003, p. 59) ao

Tratar a pesquisação como [...] a ciência da práxis exercida pelos


técnicos no âmago do seu local de investimento.

2 Reflexões sobre o processo formativo do Grupo I no


município de Água Fria: percursos e impactos

Após esta ampla abordagem do programa, no que se refere aos aspectos


pedagógicos e metodológicos, focaremos nossas discussões para uma
reflexão acerca da experiência vivenciada no município de Água Fria –
Bahia, contemplando principalmente dois aspectos, a saber: percursos
formativos e impactos do programa junto às instituições de Educação Infantil
que os professores cursistas são vinculados. Para essa reflexão, tomamos
como referência as atividades/momentos presentes na formação, quais sejam:
fase presencial, momentos de estudo dos livros e atividades de aprendizagem,
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encontros quinzenais, fase presencial intermediária, projeto de trabalho e o


acompanhamento direto do tutor no processo de reflexão sobre a prática e na
construção de novos conceitos necessários para o fortalecimento do fazer
pedagógico junto a Instituição de Educação Infantil e as crianças atendidas.

Nas quatro fases presenciais, realizadas no início de cada módulo, os


cinco professores do município de Água Fria, tiveram uma participação
assídua e com excelente aproveitamento. Com o objetivo de informar e
orientar os cursistas no processo de estudo e reflexão dos módulos, bem
como promover uma discussão em linhas gerais dos conteúdos em todas as
áreas temáticas e trabalhar alguns aspectos relativos ao desenvolvimento e
fortalecimento da prática junto as crianças nas Instituições de Educação
Infantil, os momentos de fase presencial foram fundamentais também para
discussão sobre o funcionamento do curso e familiarização com os materiais
e instrumentos utilizados.

Foi visível a grande relevância destes momentos de discussão coletiva


com todos os cursistas, tutores e professores formadores todos agregados na
AGF para troca de experiências, leituras construtivas e reflexões conceituais
e metodológicas acerca da prática pedagógica. Em relação a este momento
valioso do programa os professores cursistas declararam em avaliação no
final de uma das fases presenciais:

“[...] a fase presencial caracteriza-se como momentos de


aprendizagem, principalmente para nós cursistas. É neste período de
intensa atividade que passamos a conhecer com maior propriedade os
conteúdos das áreas temáticas e adquirir maior domínio para a
produção dos instrumentos de avaliação do curso. Além disso, a fase é
fundamental para troca de experiência com os colegas de outros
municípios e isso ajuda muito a fortalecer a nossa prática junto as
nossas crianças. Passamos a conhecer novas formas de ensinar e a
saber como as crianças se apropriam do conhecimento [...],
aprendemos muita coisa.” (Professora 1, cursista do Proinfantil,
município de Água Fria – Bahia)

“Que bom compartilhar de momentos coletivos como estes! Que bom


contarmos com professores formadores tão comprometidos e
preocupados com a nossa aprendizagem! A fase presencial é para nós
cursistas um presente. Apesar do cansaço, do sono, aprendemos muito
e também compartilhamos a nossa experiência com os outros
professores e isso enriquece a nossa formação [...]” (Professora 2,
cursista do Proinfantil, município de Água Fria – Bahia).

Nestes dois depoimentos, percebemos a grande relevância da fase


presencial para o processo formativo. Apesar de uma carga horária
relativamente extensa, a professora cursista, mesmo admitindo ser cansativo,
acha necessário preservar estes momentos de discussão, produção e troca.
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Em relação aos momentos de estudo nos livros e as atividades de


aprendizagem, que são realizados pelos cursistas com orientação do tutor,
também se caracterizam como atividades essenciais para uma maior
apropriação dos conteúdos temáticos em cada área. Quinzenalmente é
estudada uma unidade e respondido o caderno de atividade de cada livro.
Cada um deles apresenta os conteúdos auto-instrucionais, seguido de
propostas de reflexão sobre a experiência vivenciada durante o transcorrer do
curso e sugestões para fortalecer a prática pedagógica.

Para os professores do município de Água Fria, os momentos de estudo


e resolução dos cadernos de atividade são extremamente ricos por ampliarem
significativamente o repertório conceitual, porém o tempo destinado a estas
leituras e resolução das atividades é muito escasso, comprometendo o
processo reflexivo das diversas áreas temáticas. Nos depoimentos abaixo esta
afirmação é revelada:

“Acho que o tempo para cada unidade é muito curto, são muitas áreas
temáticas e temos que dar conta de todas elas nos encontros
quinzenais. Essa escassez no tempo prejudica o nosso processo
reflexivo e analítico. [...] Não temos como ler atentamente, olhar com
os olhos de ver os conteúdos de cada área temática em todas as
unidades. É uma pena, porque os temas sugeridos para estudo são
muito bons!”(Professora 3, cursista do Proinfantil, município de Água
Fria – Bahia)

“Confesso que não consigo me dedicar o quanto gostaria nas leituras e


atividades de cada unidade temática, não dá tempo para uma leitura
mais reflexiva, mais cuidadosa. Se fossem só as leituras dos livros e os
cadernos de atividade daria sim para garantir maior aprendizagem
porque os livros são muito bons, com conteúdos selecionados e
atualizados que realmente são importante para o nosso crescimento
profissional, mas temos muitas outras atividades para cumprir no
programa, além da nossa dinâmica pedagógica com as crianças e a
Instituição e nossa família que não podemos deixar de lado”
(Professora 4, cursista do Proinfantil, município de Água Fria – Bahia)

Os encontros quinzenais são momentos essenciais para o fortalecimento


do programa e da prática pedagógica dos professores cursistas por
representarem um espaço ímpar para o esclarecimento de dúvidas, a
discussão dos temas da unidade, a ampliação do conhecimento pedagógico,
metodológico e conceitual por meio de leituras, discussões e realização de
atividades em suas diversas linguagens. São nos encontros quinzenais que o
tutor tem oportunidade de desenvolver um trabalho voltado para as
necessidades dos cursistas observadas nos momentos de visitas in loco, bem
como para orientação e esclarecimento de dúvidas acerca dos conteúdos das
áreas temáticas e dos instrumentos de avaliação que são produzidos pelo
cursista a partir da reflexão sobre as aprendizagens construídas e sua prática
pedagógica. Os depoimentos abaixo evidenciam a relevância dos encontros
quinzenais no contexto do Proinfantil.
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“Os encontros quinzenais são muito proveitosos para os cursistas. São


os momentos de maior proximidade entre nós professoras e a nossa
tutora, que de forma criativa e contextualizada consegue programar
oficinas que atendem as nossas necessidades. É importante termos
momento como esse de aprendizagem, reflexão e compartilhamento
de idéias”. (Professora 5, cursista do Proinfantil, município de Água
Fria – Bahia)

“Falar dos EQs é falar do principal momento do Proinfantil. É aqui


neste espaço que nós conseguimos nos revelar: falar das nossas
frustrações, das nossas angústias, dos nossos sucessos, das nossas
dúvidas, sem medo, pois temos uma tutora que consegue se colocar no
nosso lugar, que entende as especificidades do chão da Educação
Infantil e por isso consegue nestes encontros tocar no que precisamos
ouvir e vivenciar [...] é o momento principal do processo formativo
[...]” (Professora 1, cursista do Proinfantil, município de Água Fria –
Bahia)

Outro momento importante para o programa de formação é a fase


presencial intermediária. É neste encontro com todos os cursistas, tutores e
professores formadores que são discutidos os conteúdos de maior dificuldade
em todas as áreas temáticas para potencializar as aprendizagens e
consequentemente garantir um bom desempenho do cursista nas provas
bimestrais. É, na verdade, um momento de revisão, de esclarecimentos de
dúvidas em relação aos conteúdos dos livros de estudo, assim como de
resolução de dificuldades dos professores detectadas pela agência formadora
durante o acompanhamento das atividades. Os depoimentos abaixo revelam a
fase presencial intermediária como um encontro extremamente relevante para
a formação.

“[...] Na fase presencial intermediária temos oportunidade de rever os


conteúdos, de discutir sobre a nossa prática, enfim é um encontro de
trocas e de aprendizagens que permitem uma melhor atuação na prova
bimestral. É interessante como em apenas 1 dia de atividade os
professores formadores conseguem esclarecer tanta dúvida, discutir
tantas temáticas e apresentar tanta sugestão importante.” (Professora
3, cursista do Proinfantil, município de Água Fria – Bahia)

“Os professores formadores dão show nestes encontros que antecedem


as provas bimestrais. Apresentam e discutem os assuntos mais
significativos de forma qualificada.” (Professora 5, cursista do
Proinfantil, município de Água Fria – Bahia).

Os instrumentos de produção e avaliação que constituem o portfólio do


programa também se caracterizam como elementos fundamentais para o
fortalecimento das competências leitora, escritora e reflexiva dos professores
cursistas. Voltado principalmente para as disciplinas pedagógicas, o portfólio
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contempla o planejamento diário, o memorial e o registro reflexivo de


atividade. Estes documentos de reflexão sobre a prática possibilitaram ao
longo do processo formativo um amplo avanço, tanto no que diz respeito à
competência escritora, como no que se refere à capacidade de reflexão do
cursista. É interessante observar o primeiro e o último portfólio para poder
comparar o nível de evolução neste processo. No planejamento diário
observamos objetivos mais coerentes e consistentes com a turma e a faixa
etária, metodologia, atividades, materiais e organização do tempo e espaço
que buscam atender aos objetivos propostos, garantindo a presença das
múltiplas linguagens e o brincar como principal atividade da criança. No que
se refere ao memorial, a grande evolução, além da forma estrutural e uso
correto da língua, percebemos uma grande capacidade de reflexão sobre a
prática e aprofundamento dos assuntos, tudo isso com apoio de idéias
organizadas e claras. Já no que diz respeito ao registro de atividades, os
professores apresentaram um grande avanço tanto no planejamento quanto no
relato, mas o que mais chamou a nossa atenção foi a capacidade de avaliar
criticamente a atividade registrada, apontando aspectos positivos e possíveis
falhas apresentadas. Isso foi para nós considerado um grande avanço na
formação. Os depoimentos dos professores também revelam esta
consideração:

“[...] às vezes fico observando os meus primeiros portfólios e começo


a perceber o quanto cresci na escrita, na reflexão das idéias e na
organização do texto de forma geral. Lembro dos primeiros memoriais
e das observações da minha tutora, sempre pertinentes mas que
naquele momento não conseguia perceber as falhas. [...] Agora
percebo o quanto foi válido tudo isso, as noites sem dormir
produzindo, as madrugadas de reflexões, enfim [...] tudo valeu a pena.
Foi um avanço visível para todos. Agora já me sinto preparada para
fazer meu curso de pedagogia [...] esse curso me preparou muito.”
(Professora 1, cursista do Proinfantil, município de Água Fria - Bahia)

“De tudo que aprendi no Proinfantil o que mais me ajudou foi no


processo de leitura e escrita. Os memoriais me fizeram ser mais
crítica, mas reflexiva e mais consciente das minhas ações
pedagógicas. Antes reclamava muito, lembra? Era muito trabalho, mas
hoje reconheço a importância de todas as atividades desenvolvidas.
Estamos de parabéns!” (Professora 1, cursista do Proinfantil,
município de Água Fria - Bahia).

Sobre o Projeto de Estudo, desenvolvido em forma de pesquisa e/ou


ação pedagógica acerca de aspectos da realidade local, podemos avaliar que
foi um processo bastante produtivo. Os professores conseguiram mergulhar
no trabalho e realizar ações extremamente significativas para as crianças,
para a instituição de Educação Infantil e para a comunidade local. Além
dessa valiosa contribuição de ordem pedagógica, não podemos esquecer que
iniciaram um processo científico de pesquisa sistemática, passando por um
processo de construção do projeto contemplando problema, justificativa,
objetivos, cronograma e fontes de pesquisa, possibilitando um amplo
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conhecimento sobre a elaboração de uma proposta de trabalho, além disso,


passaram por um segundo momento com a construção de um relatório parcial
com as atividades e pesquisas já realizadas e finalmente o relatório final
contemplando as conclusões e recomendações, além de uma auto-avaliação
do cursista. Este foi um percurso extremamente valioso para o crescimento
científico dos professores, bem como para fortalecer as ações entre a
Instituição de Educação Infantil e a comunidade local. O depoimento da
professora ilustra a relevância do projeto de estudo.

“[...] Quando apresentaram pela primeira vez mais uma atividade que
deveríamos realizar no programa, fiquei apavorada, pois até então
nunca tinha feito nada parecido, não sabia como começar, o que
pesquisar, fiquei com muito medo de não conseguir [...]. Confesso que
foi uma construção difícil, dolorida e inicialmente cheia de dúvidas,
mas com a nossa tutora o processo foi ficando mais leve, mais claro e
até que conseguimos produzir bons projetos e realizar atividades de
fato significativas nas creches. Hoje agradeço ao Proinfantil por ter
proporcionado esta oportunidade de construirmos um projeto de
estudo.[...] Agora já sei o que é um objeto de pesquisa, um problema,
uma justificativa, enfim, não terei dificuldade nos projetos da
faculdade. Os nossos trabalhos foram bastante elogiados e serviram de
referência na Agência Formadora. Valeu muito a pena todo o
trabalho! (Professora 1, cursista do Proinfantil, município de Água
Fria – Bahia)

Diante das reflexões aqui discutidas sobre o percurso formativo do


Proinfantil no contexto do município de Água Fria, faz-se interessante uma
pequena avaliação dos impactos sociais do Projeto na atuação pedagógica dos
professores cursistas junto as Instituições de Educação Infantil do município
de Água Fria. Para esta avaliação de impacto fizemos uma observação das
instituições que foram contempladas com professores que participaram do
referido programa para percebermos quais as mudanças apresentadas depois
do processo formativo, além da observação conversamos com os professores
para que eles pudessem externar a avaliação da prática pedagógica a partir
dos conhecimentos construídos.

Diante da observação foi possível perceber um grande avanço na


atuação dos profissionais no que se refere tanto aos aspectos metodológicos,
quanto conceituais. Depois da formação os professores passaram a
reconhecer a criança como de fato um ser histórico e de direitos, valorizando
as suas produções e limites, bem como conseguem perceber o valor do tempo
e dos espaços pedagógicos no trabalho com as crianças. Foi observada uma
grande valorização da brincadeira como possibilitadora das interações e
linguagens, além disso, um trabalho rico no que se refere às linguagens oral e
escrita, não como forma pura de codificação e decodificação, mas como
possibilidade de interação com a escrita que revela as diversas formas de
ações com o mundo. Para as professoras que participaram da formação, não
há dúvida da mudança nas suas práticas junto às crianças, nos seus
depoimentos revelam:
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“[...] Depois do Proinfantil posso dizer que sou outra profissional.


Hoje me sinto mais segura e sei o que e como trabalhar com as
crianças. Sei o que devem aprender para conquistar a autonomia, sei
da importância do trabalho com as diferentes linguagens [...] o
trabalho agora ficou mais leve, mais interessante. [...]” (Professora 1,
cursista do Proinfantil, município de Água Fria – Bahia).

“A minha prática agora é bem diferente. Acho que todo professor de


Educação Infantil precisa fazer essa formação porque aprende como e
o que ensinar [...] a prática muda muito, começamos a dar valor a
outras questões e não somente a linguagem escrita.” (Professora 3,
cursista do Proinfantil, município de Água Fria – Bahia)

“O Proinfantil me ajudou muito. Todos percebem a mudança na


prática. Agora sei fazer um bom plano, sei valorizar as necessidades
das crianças e tenho respaldo teórico para discutir sobre a Educação
Infantil. Agora, quando os pais chegam para falar alguma coisa sobre
o meu trabalho já sei explicar e mostrar para eles o que é de fato
importante para as crianças.” (Professora 4, cursista do Proinfantil,
município de Água Fria – Bahia)

CONSIDERAÇÕES

Depois de todo o percurso vivenciado, as considerações apontam para a


grande relevância do programa para o fortalecimento das práticas
pedagógicas nos cenários da educação infantil. Professores com maior
respaldo teórico e prático, sabendo atuar com maior autonomia e intervir
positivamente no desenvolvimento das crianças, bem como instituições com
maior responsabilidade no papel de educar e cuidar de crianças com uma
grande ênfase nas diferentes linguagens.

Percebemos que após a formação os professores passaram a


compreender a criança como cidadã, como pessoa em processo de
desenvolvimento, como sujeito ativo da construção do conhecimento.
Passaram a compreender a criança como fruto das relações sociais, um ser
pensante e pulsante, um ser social que deve ser respeitado e valorizado.

Portanto, o Proinfantil no contexto do município de Água Fria – Bahia,


possibilitou, muito além de um amplo crescimento conceitual, mas
principalmente uma maior articulação e fortalecimento na práxis pedagógica
junto as crianças nos cenários da Educação Infantil. Com as discussões,
produções e reflexões ao longo do processo formativo os professores
cursistas sentem-se mais fortalecidos e os impactos sociais da ação
pedagógica são visíveis na instituição.
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REFERÊNCIAS

BARBIER, R. A pesquisa-ação. Brasília: Plano, 2003.


BRASIL, MEC. Referencial Curricular Nacional para a Educação
Infantil. Brasília, 1998.
______. Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, Lei n. 9394/96.
______. Ministério da Educação. Política Nacional de Educação Infantil:
pelo direito das crianças de zero a seis anos à educação. Brasília, 2006.
MOSS, P. Reconceitualizando a Infância: crianças, instituições e
profissionais. In: MACHADO, M.L.de A. Encontros e Desencontros em
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PROINFANTIL: Programa de Formação Inicial para Professores em
Exercício da Educação Infantil: Guia Geral. Brasília: Ministério da
Educação, Secretaria da Educação Básica, 2005.
THIOLLENT, Michel. Metodologia da pesquisa-ação. São Paulo: Cortez.
Autores Associados, 1986.
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ISSN: 2177-4072

Educação Inclusiva: inclusão ou exclusão?

Glícia Kelline Santos Andrade1

Isabela Marília Santana2

RESUMO

A Educação Inclusiva refere-se a várias possibilidades de estratégias, atividades e


processos que procuram fazer do direito universal para a qualidade uma realidade
importante e apropriada para a educação. Escola inclusiva é aquela que garante a
qualidade de ensino educacional a cada um de seus alunos, reconhecendo e
respeitando a diversidade e respondendo a cada um de acordo com suas
potencialidades e necessidades. Será que as escolas e os profissionais, que delas
fazem parte, estão preparados para oferecer uma educação com qualidade? A
sociedade encontra-se pronta para conviver diretamente com a diversidade? E os
alunos, aceitarão o convívio de forma natural? Diante do exposto, o presente trabalho
objetiva-se a) Mostrar como o sistema educacional está funcionando para atender
alunos com deficiência; b) Pesquisar as dificuldades enfrentadas e as possibilidades
que a sociedade possui para garantir uma inclusão sem exclusão; c) Comprovar os
meios e formas de orientação para que toda a sociedade escolar esteja preparada para
receber as diferenças sem gerar nenhum tipo de preconceito. Com base no processo de
inclusão e nos termos de ABREU (2001), BRÊTAS (1997), CARVALHO (1998),
CERQUEIRA (1982), GODOY (2004), MARTINS (2003), PELBART (2000),
POCHMANN (2004), SASSAKI (2002), serão discutidos os problemas reais
enfrentados pela sociedade em geral no processo de inclusão e as soluções dadas para
a efetivação desse projeto. Foi constatado que a educação básica deve ser
proporcionada a todas as crianças, jovens e adultas, para tal, é necessário universalizá-
la e melhorar a sua qualidade, bem como tomar medidas efetivas para reduzir as
desigualdades, para que, assim, a educação básica se torne equitativa, oferecendo a
todas as crianças, jovens e adultos, a oportunidade de alcançar e manter um padrão
mínimo de qualidade da aprendizagem sem estarem excluídos da sociedade.

Palavras-chave: Inclusão, Educação inclusiva, Preconceito, Desigualdades.

1
Contato do(a) autor(a): gliciakelline@bol.com.br. Letras Português (UFS).
2
Contato do(a) autor(a):isabelamarilia@hotmail.com. Letras Português (UFS)
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INTRODUÇÃO

Antes de abordar qualquer tema que faça referência à inclusão, é


necessário se saber o que é incluir. Mas, será que a sociedade em geral é
igual? O que é o externo para que se possa ser incluído?

A sociedade, desde o período da colonização, convive com uma rotina


fechada controlada, geralmente, por quem detém o poder.

Deleuze lembra que antes se funcionava do seguinte modo,


compondo e dando visibilidade à sociedade disciplinar diagnosticada
por Foucault: você não está mais na escola, aqui é o exército, ou você
não está mais no exército aqui é a fábrica, você não está mais na
fábrica aqui é a família. As pessoas passavam de uma à outra
instituição, e por isto mesmo, o rosto do professor reverberava no
rosto do pai, do patrão etc. Com a diluição dessas fronteiras, nunca se
abandona nada, nem se quita nada, não é mais o homem confinado,
diz Deleuze, mas o homem endividado. Por exemplo, não há mais
escola, e sim um processo de formação permanente, a sociedade ela
mesma torna-se uma escola interminável, segundo um processo de
avaliação incessante. (PELBART, 2000)

Desta forma seguiu-se até os dias atuais. O mundo manteve-se fechado


para mudanças, mas a partir do ano de 1981, a ONU (Organização das
Nações Unidas) criando um decreto que tornou este ano como o ano
internacional das pessoas portadoras de deficiências (AIPPD). Desde então,
as pessoas portadoras de alguma necessidade especial passaram a ser vistas
como merecedoras dos direitos como outro e qualquer cidadão.

A exclusão está ligada a falta de oportunidades, devido à falta de um


padrão, na maioria das vezes estético, imposto pela sociedade. Muitas
providências já foram tomadas, porquanto o caminho para conscientização e
“igualdade” ainda será longo. Segundo a Constituição Federal, a educação é
um direito de todos, contudo, o direito à educação não implica
automaticamente a inclusão. Inicialmente o direito à educação inclusiva, foi
claramente afirmado na Declaração de Salamanca que salienta que as escolas
precisam mudar e adaptar. A Convenção da ONU sobre os Direitos das
Pessoas com Deficiência estabeleceu a educação inclusiva como um direito
legal. Existem várias opiniões e interpretações que podem afetar ou não, o
sucesso e a sustentabilidade dos resultados. O problema principal é que a
educação inclusiva é baseada no modelo de direitos e no modelo social; o
sistema devia adaptar-se à criança, não a criança ao sistema. Para que haja a
inclusão é necessário reconhece que a aprendizagem é iniciada no nascimento
e continua ao longo da vida, e isso inclui o aprendizado em casa, na
comunidade e em situações formais, informais e não-formais.

A educação é um processo dinâmico que se encontra em constante


evolução, consoante a cultura e ao contexto, por isso é preciso permitir às
comunidades, sistemas e estruturas o combate à discriminação, a valorização
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da diversidade, promover a participação e ultrapassar as barreiras da


aprendizagem. Todas as diferenças de acordo com a linguagem, situação
econômica, estilo de vida, idade, deficiência, etnia, religião e outras, são
formas de diferenciação para que sejam reconhecidas e respeitadas e não
sejam motivos de exclusão.

1 Terminologia
Para que uma verdadeira sociedade inclusiva seja construída é
necessário que se tenha o cuidado com a linguagem. É por meio desta que se
expressa, voluntariamente ou involuntariamente, a discriminação ou o
respeito em relação às pessoas que possuem algum tipo de deficiência.
Existem hoje inúmeras nomenclaturas utilizadas no dia-a-dia entre as pessoas
que automaticamente perpetuam o preconceito.

É de extrema importância para que a inclusão seja efetivada a utilização


dos termos corretos, a sociedade não deverá temer a utilização adequada. Só
se propagará o preconceito se as pessoas acharem que estarão ofendendo a
um deficiente visual se o chamar de cego. Foi feita uma relação com algumas
palavras ou expressões incorretas acompanhadas de seus termos corretos
equivalentes, os quais foram retirados de uma pesquisa feita pelo consultor de
inclusão social Romeu Kazumi Sassaki.

TERMO INCORRETO TERMO CORRETO

Adolescente normal Adolescente (criança, adulto) sem


deficiência ou não-deficiente.

Aleijado; defeituoso; incapacitado; Pessoas com deficiência.


inválido

Ceguinho Cego; pessoa cega; pessoa com


deficiência visual.

Classe normal Classe comum; classe regular.

Criança excepcional Criança com deficiência mental.

Defeituoso físico Pessoa com deficiência física.

Deficiente mental Pessoa com doença mental.

Doente mental Pessoa com deficiência mental.

Escola normal Escola comum; escola regular.

Inválido Pessoa com deficiência.


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Mongolóide; mongol Pessoa com síndrome de Down.

Mudinho Surdo; pessoa surda; deficiente


auditivo.

O epilético A pessoa com epilepsia, a pessoa


que tem epilepsia.

O incapacitado A pessoa com deficiência.

Retardo mental, retardamento Deficiência mental.


mental

*Romeu Kazumi Sassaki In: VIVARTA, Veet (coord.). Mídia e deficiência. Brasília:
Andi/Fundação Banco do Brasil, 2003, p. 160-165.

Esses termos são considerados corretos devido a determinados valores e


conceitos que vigoram em cada sociedade e em cada época. Dessa forma,
passam a ser incorretos quando esses valores e conceitos são substituídos por
outros, o que exigirá o uso de outras palavras. Esta exigência de uso pode já
existir na língua escrita ou falada, mas passam a adquirir novos significados.
Ou ainda são construídas especificamente para designar conceitos novos.

O maior problema que decorre do uso de termos incorretos está no fato


destes conceitos, que são obsoletos e possuem informações inexatas, serem
reforçados e perpetuados. Segundo Sassaki (2002), nas décadas de 50, 60 e
70 do século XX as pessoas com deficiências mentais e intelectuais eram
chamadas de crianças excepcionais, porém a partir dos estudos referentes às
altas habilidades e aos superdotados estes também passaram a ser
considerados indivíduos “excepcionais”, pois também poderiam ser
consideradas exceções às regras comuns da ‘normalidade”. Hoje o termo
excepcional refere-se tanto a pessoas com inteligência múltipla acima da
média como para pessoas com inteligência lógico-matemática abaixo da
média. Este debate envolve educadores do mundo inteiro e, no Brasil, por
meio da LDBN/96, a Educação Inclusiva é contemplada de modo a garantir o
ingresso e a permanência das pessoas com deficiência no ensino regular e ,
posteriormente, foi promulgada a Resolução Nº 2 do CNE/CEB de 2001que
institui as Diretrizes Nacionais para a Educação Especial na Educação
Básica.

Para que a política de inclusões seja efetivada, está sendo exigido da


maioria dos países adequações no modelo educacional para que satisfaça as
necessidades individuais de cada estudante. Essas adequações compreendem
uma série de ressignificações educacional do sistema de ensino para tornar o
ambiente escolar um lugar onde haja cidadania e eficácia no combate à
exclusão. Por isso, incluir não significa inserir uma pessoa com deficiência
dentro de um sistema de ensino regular,
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[...] incluir significa organizar e implementar respostas educativas que


facultem a apropriação do saber, do saber fazer e da capacidade crítica
e reflexiva; envolve a remoção de barreiras arquitetônicas sim, mas
sobretudo das barreiras atitudinais - aquelas referentes ao "olhar" das
pessoas normais e desinformadas - para que se promova a adequação
do espaço psicológico que será compartilhado por pessoas muito
diferentes entre si. (CARVALHO, 1999 apud FERREIRA, 2007,
p.44)

Promover o desenvolvimento para a inclusão faz parte de uma estratégia


mais abrangente, com o objetivo de criar um mundo onde exista paz,
tolerância, uso de recursos sustentáveis e justiça social e onde as
necessidades básicas e os direitos para todos se reúnam. Trata-se de alterar o
sistema para se ajustar ao aluno, não de alterar o aluno para se ajustar ao
sistema. Localiza o “problema” de exclusão, no sistema, de forma
firmemente enraizada, e não na pessoa ou em suas características. É
assegurada a todos, desde 1988 com a implantação da Constituição Federal, a
igualdade de condições para o acesso e a permanência na escola, sem
qualquer tipo de discriminação, mas, ainda, não se tornou realidade para
milhares de crianças e jovens que apresentam necessidades educacionais
especiais, vinculadas estas ou não a deficiências.

A falta de um apoio pedagógico pode fazer com que essas crianças e


adolescentes não estejam na escola ou que não consigam permanecer sem
progredir para os níveis mais elevados de ensino, o que gerará forma de
desigualdade de condições de permanência (perpetuando as discriminações).
No entanto, temos que lembrar que inclusão não se faz por decreto. É um
processo, leva tempo. Implica em mudanças estruturais na construção de uma
nova postura pedagógica, na cultura, na vida social.

2 Como agir para incluir?


É de fundamental importância que a família esteja envolvida no
processo de inclusão. A escola, juntamente com o professor e com a família,
deverá procurar as soluções para que sejam feitas as devidas adequações para
o ingresso do aluno e das suas limitações. As primeiras providências a serem
tomadas pela escola são:

 Convocar a família para uma Reunião e solicitar, por escrito:


Avaliação Psicológica, Neurológica ou outras que julgar necessárias.
 Dar um prazo para a família entregar o parecer médico na
Escola.
 Encaminhar o aluno para as terapias, caso a criança ainda não esteja
realizando, conforme os laudos recebidos.
 Solicitar cópia do Receituário para verificação de quais
medicamentos o aluno faz uso, pois muitos deles ocasionam mudança de
comportamento e interferem na atenção, ocasionando lentidão de
aprendizado e memória, bem como agitação.
 Levantar, junto à família, qual é a rotina do aluno, pois os familiares
de crianças com deficiência tendem a ser permissivos, assim eles crescem
sem regras, disciplina ou boas maneiras.
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 Atualizar o prontuário do aluno com todo o registro (cópias) de


diagnósticos de especialistas tais como: Neurologista, Psiquiatra, Psicólogo,
Fonoaudiólogo, Psicopedagogo, Terapeuta Ocupacional e outros, conforme o
caso.
 Estudar sobre a deficiência do aluno, aprender sobre suas
características e sintomas, de modo a saber detectar quais comportamentos
acompanham as limitações, para que se tenha mais elementos e se possa
distinguir o que é da deficiência e o que é falta de disciplina e educação.
 Solicitar relatórios periódicos das terapias que a criança estiver
realizando, se possível manter contato direto com o Especialista em questão.
 Caso a família protele indefinidamente as providências que o
Professor ou a escola solicitou, pode-se acionar o Conselho Tutelar e alegar
que a família está sendo negligente com as necessidades da criança.

Esses são os procedimentos administrativos e informativos, para que


tanto a escola quanto o professor tenham conhecimento das necessidades que
cada aluno possui. Assim, ambos poderão adequar o ambiente escolar, sua
estrutura física e conscientizar a comunidade formadora da escola. Feito isso,
começa o trabalho pedagógico. Nesse o professor é o direcionador e
responsável pelo desenvolvimento e inclusão do aluno. O professor pode:

 Criar plano de curso específico e bem variado para as necessidades


de cada aluno.

 Criar plano de rotina/disciplina para que a família implante no dia-a-


dia.

 Entrar em contato periódico com os profissionais que fazem a


terapia do aluno para fazer o acompanhamento da evolução do mesmo.

 Criar uma rotina na escola e sala de aula, o que exigirá paciência e


persistência.

 Promover a inclusão social (com os demais alunos), física (adequar


as instalações físicas), pedagógica (atividades diferenciadas e focadas nas
necessidades do aluno).

CONCLUSÃO

A inclusão de pessoas com deficiência no ensino tem que estar voltada


para os aspectos que dizem respeito a tudo aquilo que envolve o sujeito em
suas relações cotidianas. E esta não pode ser pensada a partir de ações
isoladas, mas precisa congregar ações com vistas à aquisição de produtos e
tecnologias; ações voltadas às atitudes sociais e para as políticas de inclusão
de ingresso e permanência das pessoas com deficiência, assim como relativas
ao apoio que as instituições de ensino necessitam tais como no âmbito das
pesquisas que desenvolvem, no financiamento da infraestrutura voltadas à
formação e para o ensino, entre outros. Diante das dificuldades enfrentadas
pelos alunos com necessidades educacionais especiais é indispensável que a
escola ofereça uma educação de qualidade, pois antes de lhes ser garantido
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um direito, plenamente reconhecido, é um dever de o estado implementar


ações que favoreçam não só seu ingresso, como sua permanência e saída do
ensino que está matriculado. Segundo Romeu K. Sassaki:

(...) a integração social, afinal de contas, têm consistido no esforço de


inserir na sociedade pessoas com deficiência que alcançaram um nível
de competência compatível com os padrões sociais vigentes. A
integração tinha e tem o mérito de inserir o portador de deficiência na
sociedade, sim, mas desde que ele esteja de alguma forma capacitada
a superar essas barreiras físicas, programáticas e atitudinais nela
existentes. Sob a ótica dos dias de hoje, a integração constitui um

esforço unilateral tão somente da pessoa com deficiência e seus


aliados ( a família, a instituição especializada e algumas pessoas da
comunidade que abracem a causa da inserção social), sendo que estes
tentam torná-la mais aceitável no seio da sociedade. (SASSAKI, 1997,
p. 34).

Neste sentido, estas propostas estudadas contribuem para dar um


panorama do que tem sido desenvolvido com vista à inclusão e podem
apontar caminhos para a mudança no projeto de organização e na prática
pedagógica dos professores atuantes. A efetivação da inclusão educacional
requer clareza sobre a própria condição da pessoa com deficiência, suas
habilidades e fragilidades, e neste sentido, os novos estudos nos convida a
olhar outros aspectos que estão envolvidos na qualidade de vida das pessoas
com deficiência, tirando o foco das alterações das funções e estruturas do
corpo e pensando os fatores ambientais e pessoais que influenciam a
realização de atividades e participação e permitem a sua funcionalidade.

REFERÊNCIAS

ABREU, Marina Maciel. Assistência Social e conquista dos direitos


sociais: Elementos para uma problematização. Universidade e Sociedade.
ANDES/SN, Ano XI, n.25, p.70-78, 2001.
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BRÊTAS, Ana Cristina Passarella. VI – envelhecimento e Trabalho.


Trabalho, saúde e gênero na era da globalização. SCAVONE, L. (orgs.).
GO: Ed. Cultura e Qualidade, 1997.

CARVALHO, Mª . do Carmo Brant de [et al]. Programas e serviços de


proteção e inclusão social dos idosos. São Paulo: IEE/PUC-SP; Brasília:
secretaria de Assistência Social/MPAS, 1998.

CARVALHO, R. C. Representações sociais: dos modelos de deficiência à


leitura de paradigmas educacionais. 2005. Dissertação (Mestrado em
Educação) - Universidade Federal de Santa Maria, Programa de Pós-
Graduação em Educação, Santa Maria

CERQUEIRA FILHO, Gisálio. A “Questão Social” no Brasil: crítica ao


discurso político. Rio de janeiro: Civilização Brasileira, 1982. (coleção
Retrato do Brasil: v.162).

GODOY, Heloísa Costa. A noção da inclusão na topologia. MELLO, Mônica


Mª Fernandes de. & RESENDE, Graziele A . Ética da inclusão. Belo
Horizonte/MG: Ed. Armazém de Idéias, 2004. p.11-17.

MARTINS, José de Souza. Exclusão social e a nova desigualdade.São


Paulo: Ed. Paulus, 2003. 2ª edição.

POCHMANN, Márcio (orgs.). Políticas de Inclusão Social: resultado e


avaliação. São Paulo: Cortez, 2004. 237p.

PELBART, Peter Pál. A vertigem por um fio: políticas de subjetividade


contemporânea. São Paulo: lluminuras, 2000.

SASSAKI, Romeu Kazumi. Uma lição de inclusão social no filme Uma


Lição de Amor.
Revista Nacional de Reabilitação, São Paulo, V:25, mar./abr. 2002.

______. Inclusão: construindo uma sociedade para todos. Rio de janeiro:


WVA, 1997.
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Educação de Surdos:
uma análise sobre as práticas de leitura e escrita da língua
portuguesa por crianças surdas.

Gracyane Rodrigues Fernandes1

RESUMO

O presente artigo vem apresentar aspectos da realidade das práticas de escrita e leitura
de seis alunas surdas, resultado de uma pesquisa realizada durante o ano de 2010, na
EMEF Oscar Nascimento da rede municipal de ensino de Aracaju-Se, cujo objetivo
geral foi analisar o desenvolvimento dessas práticas da Língua Portuguesa com as
alunas surdas. Diante dos estudos literários sobre a surdez, ressaltam-se os trabalhos
de Souza (2010), Vygotsky (1991), Smolka (2008) entre outros. Para tentar encontrar
uma resposta para como os alunos surdos aprendem e compreendem as práticas de
leitura e escrita da Língua Portuguesa na classe regular de ensino, questão norteadora
desta pesquisa, se fez necessário as observações da metodologia do professor, das
práticas de leitura dos alunos surdos, descrição das eventualidades no campo,
atividades de escrita e leitura, ficha de matrícula, questionários com os professores e
entrevistas com as alunas. Mesmo em uma época que se luta pela inclusão e pelo
acesso e permanência dos deficientes, que são até garantidas pela Lei de Diretrizes e
Base da Educação Básica- LDB- foram encontrados erros nas práticas das professoras
e atividades inadequadas que não valorizam o incentivo da leitura e escrita, além de
não promover momentos de interação e a persistência da valorização da escrita a
partir da oralidade da Língua Portuguesa. Contudo, acredito que todas as realidades
expostas neste trabalho possam ser modificadas a partir de uma consciência de que o
aluno surdo é capaz, dentro das suas possibilidades, aprender a ler e escrever a Língua
Portuguesa (L2), mediante a Língua de Sinais (L1).

Palavras-Chave: Inclusão; Educação ; Surdez; Linguagem; LIBRAS.

1
Contato do(a) autor(a): gracyane.pink@hotmail.com. Graduada em Pedagogia
(UFS).
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INTRODUÇÃO

Sabemos que todos os órgãos dos sentidos, tato, olfato, paladar, visão e
audição, são de suma importância para que o sujeito possa sentir e vivenciar
o ambiente em que ele está inserido. Mas, é utilizando a audição que o
indivíduo consegue além de identificar as emissões sonoras do ambiente,
adquirir a linguagem, uma vez transmitida a partir da oralidade.

Os deficientes auditivos sentem-se prejudicados, pois as percepções que


nos levam as ações, as comunicações, as informações e aprendizagem são
resultados de um pleno funcionamento do sistema auditivo.

Um dos maiores desafios para os deficientes auditivos é a aquisição da


Língua Portuguesa, uma vez que é uma língua de difícil empregabilidade nas
práticas de linguagem.

Para poder aprender a Língua Portuguesa, é necessário que o aluno


surdo aprenda a sua primeira língua, a LIBRAS, para em seguida
compreender e aprender a Língua Portuguesa, língua essa que a sociedade
acredita que só haverá a aprendizagem se houver o domínio da mesma.

Desta forma, é importante compreender como se dá o processo de


aprendizagem do aluno surdo a partir da relação entre a Língua Portuguesa e
a Língua de sinais na sala de aula além do seu relacionamento no âmbito
escolar.

Foram levantados estudos sobre surdez, que analisa o comportamento


do surdo em sua classe e no seu convívio na instituição escolar, como
também sobre as práticas pedagógicas desenvolvidas por professores de
surdos. Temos como exemplo Souza (2007), Muller (2006), Magali Schiedt
(2006), Freitas(2005), Damázio (2007), entre outros autores.

Essa pesquisa, desenvolvida no ano de 2010 na rede municipal de


ensino de Aracaju, teve como objetivo geral analisar o desenvolvimento das
práticas de linguagem de seis alunas surdas do quarto ano do ensino
fundamental da EMEF Oscar Nascimento. Assim , a questão norteadora
desse estudo é: Como os alunos surdos aprendem a ler e escrever em classe
regular inclusiva?

Acredita-se que este trabalho poderá fazer refletir as ações


desenvolvidas pelos profissionais da educação, que tem em sua sala de aula
alunos com surdez e que em muitas vezes acaba por excluir a criança.

1 Definições e problemáticas da educação dos surdos


Não podemos falar do processo de educação dos surdos sem conhecer a
trajetória dessa educação, pois nem sempre os deficientes tiveram um ensino
voltado para eles.
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Na antiguidade os deficientes eram vistos como pessoas excluídas da


sociedade. Ao nascer, os deficientes eram condenados a morte ou feitos de
“bobos” da corte para a diversão.

A Idade Média, marcada pela pelas ações cristãs e a proibição do


infanticídio, consideravam os deficientes resultados de bruxarias, sendo
rotulados como incapazes. Assim eles eram isolados em orfanatos e asilos.
Os surdos eram vistos como pessoas desprovidas da educação, ou seja, não
exercia cidadania, não recebiam comunhão e era proibido o casamento de
pessoas surdas.

Só a partir da Idade Média e Contemporânea que acontecem mudanças


no âmbito educacional para os deficientes, principalmente para os surdos. Os
rótulos são retirados, e pensa-se que eles necessitam de uma educação
direcionada a eles, respeitando as suas particularidades. É nessa época que
nascem as escolas segregacionistas e uma importante obra de Jean Paul
Bonet, “Redação das Letras e Arte de Ensinar os mudos a Falar”, essa que
tinha como foco o ensino para pessoas surdas.

Foi em 1770, que a educação de surdos toma impulso. Nesse ano foi
criada a primeira escola para surdos na França por Charles Michel de Epée,
que em 1791 tornou-se Instituto Nacional de Surdos e Mudos movida pela
língua visual-gestual.

Em seguida outros países utilizaram essa língua visual-gestual, como a


Alemanha e os Estados Unidos. Os Estados Unidos usa a ASL , ou seja
Língua Americana de Sinais criada por Laurent Cler.

Mesmo com tanta evolução na educação dos surdos, o ensino a partir da


oralidade era o que predominava.

No Brasil, é possível notar o avanço na educação dos surdos com a


fundação do Instituto Nacional de Surdos por Ernest Huet no século XIX. A
priori a sua prática pedagógica partia da leitura dos lábios, incentivando as
habilidades orais dos alunos surdos; em seguida ele traduziu a Língua de
Sinais da França e aplicou aqui no Brasil.

No século XX, documentos oficiais garantem a inclusão, o acesso e


permanência dos deficientes em todos os ambientes, como a Declaração dos
Direitos Humanos (1948); Princípios Básicos da Educação Especial(1960);
Declaração Mundial sobre Educação para Todos- Tailândia (1990);
Declaração de Salamanca ( 1994); Convenção de Guatemala( 1999); Direitos
das pessoas com deficiência (2006); entre outros. Além desses documentos,
temos também a Constituição Federal de 1988; lei nº 10.098/00 da
acessibilidade; lei nº 7.853 do apoio as pessoas com deficiência; lei
nº10.436/02 da LIBRAS, entre outras.

Em Sergipe tivemos um marco na educação de surdos. O Decreto nº


3.017/75 autoriza o funcionamento da Escola 11 de Agosto que direciona o
ensino para os surdos.
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Infelizmente essas belezas documentais, não passam do papel, fazendo


com que essa visão de inclusão se tornem utópicas. Vale então a
conscientização dos profissionais em proporcionar meios para que os alunos
surdos possam desenvolver suas habilidades diante das práticas de
linguagem.

2 Surdez e a prática de escrita e leitura


Considera-se surdo a pessoa que tem perda total ou parcial do poder
auditivo. Podemos classificar essas perdas em leve- quando não apresentam
dificuldade com a linguagem-, perda moderada- comunicam-se mediante a
oralidade, mas podem trocar letras-, severa- apresenta dificuldade na fala,
necessita de atenções dirigidas e comunicam-se pela língua de sinais-, ou
profunda- necessitam de adaptações curriculares, intérpretes e comunicam-se
com a língua de sinais.

O professor quando tem um aluno com surdez precisa mediar o


processo de interação e aprendizagem. Essa relação da criança com o meio
em que ela está inserida predispõe o desenvolvimento da linguagem.

A teoria sociointeracionista ,de Vygostky e Smolka, afirma que a


linguagem se dá de fora para dentro; a língua não deve ser ensinada,
imposta... ela deve ser vivenciada.

Vygotsky, no inicio dos seus estudos sobre surdez, acreditava que os


surdos precisavam aprender a falar, assim ele conseguiria organizar o seu
pensamento. Mas a partir de 1930, Vygotsky percebe a importância da
utilização da língua de sinais, que naquela época era denominada como
mímica, pois a aprendizagem da oralidade seria apenas reproduções de uma
língua viva, ou seja, o aluno não vivenciaria o que estaria falando ou
escrevendo.

Quando o aluno surdo se apropria da linguagem , ele consegue


desenvolver o seu cognitivo, e o surdo tem condições permanentes para o
desenvolvimento da linguagem mediante a LIBRAS.. Cabe ao professor
direcionar o seu ensino a partir das subjetividades dos seus alunos, garantindo
a interação, socialização e mediação. FERNANDES (2010, p.25), afirma que
“ a criança é um sujeito ativo e conhecedor, por isso as interações são
imprescindível para desenvolver suas habilidades e trocas de conhecimento,
isso é o que gera uma construção do conhecimento.”

Quando o surdo convive com a LIBRAS, ele consegue dar sentido as


suas ações. A LIBRAS deve está inserida nos primeiros anos de vida. Só com
o domínio da usa língua é que ele conseguirá aprender uma segunda língua, a
Língua portuguesa.

Mas o que é LIBRAS? Em BRASIL (1996) afirma que,

Entende-se como Língua Brasileira de Sinais(LIBRAS), a forma de


comunicação e expressão em que o sistema linguístico de natureza
visual-motora, com estrutura gramatical própria, constitui um sistema
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linguístico de transmissão de ideias e fatos, oriundos de comunidades


de pessoas surdas do Brasil

A LIBRAS é uma língua que possui a sua estrutura própria. Não há


flexões de verbos, as ordens das frases são caracterizadas em Sujeito-Verbo-
Objeto, além de ter aspectos que dever ser respeitados. Segundo Schmiedt &
Quadros( 2006) esses aspectos são os movimentos, as expressões faciais,
configurações de mão, palavras classificadoras, entre outros.

Quando a criança sente-se segura com a sua língua de comunicação, é


mais fácil compreender e aprender outra.

Durante os anos, houveram métodos para ensinar os surdos, como a


Oralidade, quando sua aprendizagem se dá mediante a leitura labial; a
Comunicação Total, baseada na oralidade mas com uso que proporcionem a
melhor comunicação; e o Bilinguismo, que acredita que a aprendizagem da
criança está voltada para as duas línguas.

O Bilinguismo, está presente na escola inclusiva. O aluno surdo


vivencia sua comunicação mediante a língua de sinais e aprende com mais
facilidade a Língua Portuguesa que lhe da o direito de exercer a sua
cidadania.

O que falamos aqui é a importância do aluno compreender e aprender a


Língua Portuguesa para poder utilizada de forma clara e correta. Isso só
poderá acontecer se o professor disponibilizar o contato com materiais em
LIBRAS, histórias em LIBRAS, para facilita a leitura e a organização das
palavras. SCHMIEDT & QUADROS (2006 p. 29) confirma a importância
dessa leitura, afirmando que “a leitura é uma das palavras chave do processo
de alfabetização. Ler sinais é fundamental para eu se constitua”. A produção
textual de acordo com a estrutura gramatical pode ser utilizada para
aperfeiçoá-la de acordo com as normas da Língua portuguesa.

Os parâmetros curriculares Nacionais da Língua portuguesa objetiva a


leitura como fonte de matéria prima para a escrita. Se o aluno surdo lê textos
em português, sem ter tido uma base com a LIBRAS, ele não conseguirá
entender o que está posto no texto.

Temos como exemplo esse texto para melhor compreensão de como é


importante o domínio da Língua de Sinais para aprender a língua Portuguesa.

Tema do Texto: Inferno na noite das bruxas

Como era uma festa de Haloween, os 400 adolescentes que lotavam a


pista de dança do Centro Cultural da Macedônia e Gotemburgo, na Suécia,
não se assustaram quando as luzes se apagaram perto da meia-noite de
quinta-feira. Começou assim uma terrível tragédia. Logo surgiram as
primeiras labaredas, a fumaça sufocante, a correria e o pisoteamento. Apesar
da rápida ação dos bombeiros, 65 jovens morreram e cerca de 170 ficaram
feridos. “Quando entrei lá, me vieram à memória as câmaras de gás de
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Auschwitz”, descreveu, emocionado, o chefe da equipe de socorro, Lennart


Olin.

Nesse texto junto á notícia, tinha uma foto na qual se vêem duas jovens
chorando, sendo socorridas por um homem e, abaixo da foto, a frase:
Discoteca sueca: pânico e morte.)

Reprodução (em sinais e fala)

“Um acidente aconteceu na Suécia / quatrocentos adolescentes foi lá


para dançar festa dia das bruxas / foi dançando / aconteceu uma fumaça //
todos ficaram fumaça o que? / ficaram pensando vai explodir explodiu / todos
sessenta e cinco jovens morreram / trezentos e sessenta ficaram feridos /
todos ficaram assustados / ficaram muito tristes machucados // (retornou ao
texto) // só isso // (retornou ao texto) // muitos os bombeiros apagaram o fogo
das casas residências / só.”

É possível perceber que o aluno deu sentido a sua leitura, pois tinha o
seu domínio da língua de sinais e transferiu seu entendimento a Língua
Portuguesa.

Mas o que acontece nas salas de ensino regular? Os alunos aprendem


primeiramente a Língua de Sinais, ou são impostos ao contato com a língua
Portuguesa? Poderemos compreender a relação da Língua de sinais com a
Língua Portuguesa através dessa pesquisa.

3 A pesquisa e sua análise

A pesquisa realizada na EMEF Oscar Nascimento, foi realizada em


2010 para compreender como se dá processo de aprendizagem da Língua
Portuguesa. Foi realizada observações da metodologia do professor, das
práticas de leitura dos alunos surdos, descrição das eventualidades no campo,
atividades de escrita e leitura, ficha de matrícula, questionários com os
professores e entrevistas com as alunas.

As surdas serão identificadas como Aline- 13 anos; Carla- 13 anos;


Gleide- 13 anos; Júlia- 17 anos; Cristiane- 15 anos e Marta- 13 anos. Todas
frequentavam a quarta série do ensino fundamental, junto a uma turma com
27 alunos.

A turma consegue se relacionar com elas utilizando a língua de sinais.


Os profissionais da escola aprenderam LIBRAS mediante aos contatos com
os alunos surdos presentes no ambiente escolar. Em todas as atividades tem a
participação dos alunos surdos, o que caracteriza o processo de inclusão.

Para o auxilio no processo de aprendizagem das alunas surdas, a escola


possui a sala de recursos, local onde eles passam a maior parte do tempo.
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Na sala de aula, o conteúdo é ministrado pela professora através da


escrita do conteúdo no quatro, e a sua explicação mais direcionada aos alunos
ouvintes. Ela utiliza a língua de sinais raramente, quando pede para que uma
das alunas sente-se ou para pedir a pausa na conversa entre elas.

Nas leituras dos livros didáticos e nas resoluções das atividades dos
mesmos é normal as alunas não realizarem a leitura, o que nçao incomoda a
professora da sala de aula, além de copiar as resposta dos colegas ouvintes,
pois somente eles conseguem compreender as explicações orais da
professora. Essas resoluções de atividades não se dá no mesmo momento
que a professora pedi para fazê-las, pois Marta e Carla demoram muito para
entender o que é para fazer.

Nos trabalhos que envolvem a escrita da Língua portuguesa, como


cartazes, as surdas não tem espaço para apresentações dos seus trabalhos.
Alice disse que “ a professora não deixa apresentar porque somos surdas, e
ninguém vai entender, então eu faço e entrego. Pego pela internet.”

No momento de prova, as alunas não ficam na sala de aula, passam a


semana na sala de recurso.

Na sala de recurso são desenvolvidas atividades de fixação, ou seja,


memorização de palavras através da reprodução das mesmas. Essas
atividades não eram contextualizadas, eram simplesmente palavras soltas,
sem nenhum significado para elas.

“ Atividades de escrita como esta, que recorrem ao ditado de palavras


soltas e sem um fim mais significativo, tornam-se sem sentido para o
aluno surdo; quer dizer, como uma pessoa que não ouve pode ser
requisitada a fazer a correspondência entre a dimensão sonora e a
extensão gráfica de determinadas palavras simplesmente pelo recurso
da oralidade? (OLIVEIRA, disponível em www.anped.org.br)

No momento em que alguma atividade está errada, a professora da sala


de recurso pede para que ela faça de novo e logo se vê uma aparência triste e
angustiante pela aluna surda.

Sobre isso, conversei com uma delas e logo respondeu: “ esse povo não
sabem de nada, não ensina nada, acha que ser surdo é ser burro”. É uma
frase muito forte para uma criança. Isso significa que os trabalhos
desenvolvidos na escola são remetidos a teorias tradicionais de reprodução de
palavras da oralidade.

Há muitos jogos na sala de recursos, e livros a respeito da educação de


surdos. Mas desses ainda estão lacrados e colocados em caixa, resultando no
não uso pelos alunos surdos da escola, como também pelos profissionais da
instituição.

Ao ser questionada sobre essa situação, a resposta que se obtém é que os


matérias são para a alfabetização e não para alunas desta série. Como não? O
contato dos jogos lúdicos que apresentam a relação LIBRAS e a Língua
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Portuguesa desenvolve a aprendizagem da leitura e escrita da Língua


portuguesa.

Vygotsky relata que a escrita não pode ser colocada por reproduções, o
professor não deve colocar atividades só por fazer até aprender, mas o aluno
surdo tem que compreender o que está fazendo.

Uma das atividades de leitura proposta nesta pesquisa foi a produção de


texto a partir de um texto ilustrado em sequência chamado “ O pato”. A sua
escrita ficou “ Ovo Pata árvore flor patinho pataovo água. Mas quando peço
para ela contar a história através da LIBRAS, percebo que a sua compreensão
foi positiva:

- PAT@ BOTAR OVO, DEPOIS FILHO NASCER, PAT@ FELIZ,


FILHO PAT@ PERTO DELA, L-E-V-A-R FILHO ÁGUA.

As alunas surdas afirmam que gostam de ler, mas a escola não oferece
livros que elas possam ler, e que acha difícil aprender a Língua Portuguesa,
pois não entendem nada, só mandam escrever...escrever...Mas tem que fazê-
las. Ser surda é difícil, porque ninguém sabe LIBRAS, elas falam e ninguém
compreendem, as professoras não ensinam, então como poderiam aprender.

Podemos perceber que a memorização não é a melhor solução para a


aprendizagem da Língua portuguesa, só as deixam angustiadas e cheias de
dificuldades, as metodologias para as práticas de leitura e escrita são
mediadas pela oralidade, cópias e memorizações que não fazem parte do
dialeto dos surdos.

A educação de surdos é uma área que necessita de maior atenção. O


resultado obtido nesta pesquisa é que os alunos surdos não aprendem a ler e a
escrever, apenas decodificam palavras que não pertence a sua
contextualização da sua realidade, uma vez que o conhecimento construído é
porta para a transformação da sua sociedade.

Toda criança tem direito de ler e escrever em sua língua, e os alunos


surdos precisam vivenciar mais a sua língua, e os professores refletir suas
práticas de ensino e entender que a didática é o ato de ensinar respeitando as
especificidades dos seus alunos,

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<http://www.ines.gov.br/Paginas/historico.asp> . Acesso em 15 de julho de
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A Sala de Recursos como Espaço de Inclusão:


atendimento educacional especializado a alunos com
deficiência no município de Itabaiana

Isa Regina Santos dos Anjos1

RESUMO
A presente pesquisa discutiu a importância da sala de recursos como parte do processo
de inclusão no contexto escolar, enfocando seus objetivos e sua organização. O
sistema escolar brasileiro está diante do desafio de alcançar a educação que contemple
a diversidade da condição humana. No anseio de uma inclusão que se efetive na
prática de forma harmoniosa, consideramos necessário procurar conhecer as
dificuldades que estão sendo reveladas na sua operacionalização. O objetivo geral
dessa pesquisa foi descrever o funcionamento de uma sala de recursos em uma escola
da rede estadual de Itabaiana, observando as metodologias que foram aplicadas na
mesma, tendo como objetivo elaborar materiais didáticos e pedagógicos que
contribuam para oferecer suporte necessário às necessidades educacionais especiais
dos alunos com deficiência. Utilizamos a entrevista como instrumento de coleta de
dados. Os dados apontaram uma necessidade urgente de formação, preparação e
habilitação dos docentes para trabalhar com pessoas em situação de deficiência.

Palavras-Chave: educação especial, atendimento educacional especializado, sala de


recursos

1
Contato do(a) autor(a): isaanjos@yahoo.com.br. Doutora em Educação
Especial/UFS

.
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INTRODUÇÃO

As pessoas com deficiência passaram por muitas discriminações, a


própria religião ao colocar o homem como imagem e semelhança de Deus
impunha a idéia de um ser perfeito, inculcando a idéia da perfeição física e
mental. Várias lutas foram travadas e algumas conquistas forma alcançadas,
portanto, é um processo que vem sendo conquistado lentamente.

No século XVI, deram início aos estudos sobre a educação especial, os


médicos desafiaram conceitos e passaram a acreditar nas possibilidades
educacionais de pessoas com deficiência. No século XIX houve a criação de
instituições para atendimento a cegos, surdos, deficientes mentais e
deficientes físicos, inspirados nos países da Europa e Estados Unidos da
América, países que já tinham experiências concretas de atendimento a
pessoas com deficiência.

Na Europa aconteceu os primeiros movimentos pelo atendimento aos


deficientes, com reflexões de mudanças nas atitudes dos grupos sociais,
sendo concretizado por meio de medidas educacionais. Algumas medidas
educacionais foram se expandindo para os Estados Unidos, Canadá e Brasil.

MAZZOTA (2001) salienta que o “clima social” apresentou as


condições favoráveis para que determinadas pessoas, homens ou mulheres,
leigos ou profissionais, portadores de deficiência ou não, despontassem como
líderes da sociedade em que viviam, para sensibilizar, impulsionar, propor,
organizar medidas para o atendimento as pessoas portadoras de deficiência,
ou com elas identificados, abrindo espaços nas várias áreas da vida social
para a construção de conhecimento e de alternativas de atuação com vistas à
melhoria das condições de vida de tais pessoas.

A Educação Inclusiva se torna acessível na década de 60 e 70 com o


princípio da normalização que implicava em prestar serviços assegurando
que a pessoa experienciasse dignidade, respeito individual, situações e
práticas apropriadas para sua idade e o máximo possível de participação na
comunidade. Já a integração pregava a junção de pessoas com deficiência
com pessoas que não apresentavam nenhum tipo de deficiência na mesma
escola, essa prática resultou em reações mais intensas no sentido de buscar
novas formas de assegurar a presença e participação dessas pessoas na
comunidade, promovendo suas habilidades e buscando sua autonomia.

A Educação Inclusiva vem com uma proposta que implica a construção


de um processo bilateral, no qual as pessoas excluídas e a sociedade buscam
em parcerias efetivas a igualdade de oportunidades para todos, portanto, é um
movimento de construção para uma sociedade democrática.

Na década de 90, a filosofia da Educação Inclusiva é reforçada por


meio da Conferência Mundial sobre Necessidades Especiais: acesso e
qualidade, promovida pelo governo da Espanha e pela UNESCO, em junho
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de 1994, representando um importante marco mundial na difusão da proposta


da educação inclusiva.

Apesar do crescimento expressivo da produção científica na área de


Educação Especial, o conhecimento que vem sendo produzido tem tido
pouco ou nenhum impacto na definição dos caminhos que as políticas
educacionais para a escolarização de crianças e jovens com necessidades
educacionais especiais (NEEs) têm assumido no país. Se analisarmos as
propostas das políticas inclusivas, veremos que estas ressaltam a necessidade
de mudanças de ordem estrutural, que vão do micro ao macroambiente,
inserindo nesse contexto a responsabilidade de todos e não atribuindo
somente à escola o mérito pelo sucesso ou fracasso escolar. Nesse sentido,
deverá haver um maior envolvimento de quem formula planos educacionais e
políticas públicas.

A presente proposta fomentou ações cujo foco foi a questão da inclusão


escolar na realidade brasileira, com ênfase nas “Salas de Recursos
Multifuncionais” (SRMs). Desde 2005 a Secretaria de Educação
Especial/MEC vem apoiando a criação deste serviço de atendimento
educacional especializado (AEE) para pessoas com necessidades
educacionais especiais.

1 Atendimento Educacional Especializado: Sala de


Recurso Multifuncional

As salas de recursos no Brasil foram criadas nos anos 80, embora tenha
começado a ser pensada na década de 70, tendo como objetivo atender as
pessoas com algum tipo de deficiência que estavam freqüentando o ensino
regular. Portanto, historicamente, a constituição da sala de recursos se deu no
Brasil no ano de 1980, configurando-se em uma alternativa ao processo de
segregação que as pessoas com deficiências enfrentavam no cotidiano.

Analisando a história da educação especial e informações sobre o


atendimento educacional às pessoas com deficiência até o século XVIII,
podemos perceber ainda que havia muita ligação entre a condição da pessoa
com deficiência e o misticismo e ocultismo. Nesse sentido, não havendo base
científica para o desenvolvimento de noções realísticas, o conceito de
diferenças individuais não era compreendido ou avaliado e essa falta de
conhecimento sobre as deficiências contribuiu para que as pessoas com
deficiência por serem consideradas diferentes, fossem marginalizadas e
ignoradas.

O Decreto Nº 6.571/08 (BRASIL, 2008) dispõe sobre o


atendimento educacional especializado (AEE) definindo este sistema de
apoio a escolarização de alunos com NEEs como sendo:
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o conjunto de atividades, recursos de acessibilidade e pedagógicos


organizados institucionalmente, prestado de forma complementar ou
suplementar à formação dos alunos no ensino regular
(Brasil/SEESP,2008,§ 1).

O papel do AEE é de oferecer procedimentos educacionais específicos


de acordo com cada tipo de deficiência, ou seja, as ações são definidas de
acordo com cada aluno, numa perspectiva de complementar e/ou suplementar
suas necessidades educacionais, não se configurando em reforço escolar.

As salas de recursos multifuncionais fazem parte da ação do MEC,


sendo desenvolvida com os estados e municípios, constituindo-se em um
espaço para atendimento educacional especializado (AEE), tendo como
objetivo oferecer suporte aos alunos com necessidades educacionais
especiais, favorecendo seu acesso ao conhecimento, possibilitando o
desenvolvimento de algumas competências e habilidades próprias.

Podemos afirmar que a sala de recursos não pode ser um mecanismo de


segregação das pessoas com algum tipo de deficiência que se encontram
matriculadas no ensino regular, mas sim atuar no sentido de propiciar o
acesso, sucesso e permanência de todas as pessoas que freqüentam o ensino
regular escolar.

As salas de recursos multifuncionais são espaços da escola onde se


realiza o atendimento educacional especializado para alunos com
necessidades educacionais especiais, por meio do desenvolvimento de
estratégias de aprendizagem centradas em um novo fazer pedagógico que
favoreça a construção de conhecimento pelos alunos, subsidiando-os para que
desenvolvam o currículo e participem da vida escolar .

As atividades que são realizadas nas salas de recursos diferenciam


daquelas realizadas nas salas de aula das escolas comum, o objetivo não é só
alfabetizar os alunos mais prepará-los para sua independência, a interação do
educando para melhor atuarem em sociedade.

2 Metodologia

1ª etapa - Conhecendo o enquadramento legal da Educação


Especial

Nessa etapa analisamos e compilamos informações contidas nos


seguintes documentos: Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, Lei
nº 9.394 de 1996 (LDB / 96); Diretrizes Nacionais para a Educação Especial
na Educação Básica; Resolução CNE / CEB n.º 2 de 2001; Política Nacional
de Educação Especial na Perspectiva da Educação Inclusiva (BRASIL,
2008); Decreto nº 6.571 de 2008 e Documentos norteadores de educação
especial no estado e município participante do estudo.
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2ª etapa - Conhecendo o contexto educacional do município,


realidade das salas de recursos multifuncionais dos
municípios - SRMs
Mapeamos o quantitativo de sala de recursos e a quantidade de alunos
atendidos pelas mesmas. Selecionamos o Colégio Estadual Murilo Braga para
a aplicação da pesquisa. Nesta etapa utilizamos como instrumento de coleta
de dados a entrevista e o questionário.

3 Resultados e discussão
A análise dos dados teve como base: entrevista com o gestor da
educação especial do município e com os professores das salas de recursos e
da sala de aula regular. Foram feitas perguntas para os entrevistados,
referindo-se a: identificação dos entrevistados; conhecimento sobre a área;
caracterização dos alunos; conhecimento sobre a sala de recursos; trabalho
realizado na sala de recursos; conhecimento sobre a sala de recursos e
resultados expectativas.

A coleta de dados foi realizada em uma escola da rede estadual de


ensino do município de Itabaiana – Colégio Estadual Murilo Braga. A escola
realiza atendimento educacional especializado a 03 (três) alunos surdos, 04
(quatro) deficientes intelectuais e 01 (um) autista, sendo que todos são
atendidos na mesma sala de recursos. Portanto, a entrevista foi realizada com
o gestor da Educação Especial, como também com 04 (quatro) professores da
sala de aula regular e um professor da sala de recursos.

Entrevista gestor da Educação Especial

De acordo com entrevista realizada com a Técnica em Educação


Especial da Diretoria Regional 3 (DR 3), podemos coletar os seguintes dados:
existem atualmente 52 escolas jurisdicionadas a esta regional, englobando
um total de 14 municípios, no entanto, existem apenas 10 salas de recursos,
distribuídas em 08 (oito) municípios.

Podemos perceber que a inclusão de pessoas com deficiência em escolas


regulares está garantida por lei. No entanto, um dos empecilhos na educação
dessas pessoas é a necessidade de uma metodologia específica, bem como de
recursos, fato que pode ser minimizado por meio da participação destes
indivíduos nas salas de recursos. Nesse sentido, podemos inferir que ainda há
um número reduzido de salas de recursos no município estudado, visto que, a
sala de recursos é um espaço de investigação e compreensão dos processos
cognitivos, sociais e emocionais, visando a superação das dificuldades de
aprendizagem e o desenvolvimento de diferentes possibilidades dos sujeitos.

Entrevista com o professor da sala de recursos

A primeira parte do questionário constitui-se de duas questões que se


referiam ao conhecimento sobre a área, sendo a primeira “Você tem alguma
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formação acadêmica específica para trabalhar com alunos em situação de


deficiência?” O professor afirmou que participou de alguns encontros de
formadores promovidos pela Secretaria de Estado da Educação (SEED), por
meio da Divisão de Educação Especial (DIEESP), porém, diz que aceitou a
proposta de ser professor de sala de recursos por acaso, porque na época só
tinha ele com alguns cursos sobre a área, visto que para lecionar na sala de
recursos só poderia ser um professor efetivo e na escola a maioria era
contratado.

Entre as ofertas dos diversos serviços aos estudantes que se encontram


matriculados no ensino regular, destaca-se o trabalho do docente que atua na
sala de recursos. Mas o que é preciso para que esse profissional possa
trabalhar nesse ambiente educacional? O docente ao se dispor a trabalhar nas
salas de recursos deve passar por cursos de capacitação, seminários,
encontros, palestras, cursos de especialização e formação continuada.

A segunda questão “Seu trabalho está norteado por algum autor ou


linha teórica. Qual e de que forma?” O mesmo afirma que seu trabalho em
sala de aula tem suporte nas teorias de Piaget e Paulo Freire.

A terceira parte constitui-se de seis questões que têm como foco o


trabalho na sala de recursos. Em seguida perguntamos: “Como são feitos os
encaminhamentos dos alunos para esta sala de recursos?” O professor
respondeu que através de relatório médico apresentado pela família. Nesse
sentido, podemos frisar que o Estado de Sergipe tem um setor denominado
Centro de Referência em Educação Especial (CREESE) que é responsável
por realizar diagnósticos em toda a clientela da educação especial em todos
os municípios do Estado. Esse setor ainda tem a responsabilidade de emitir
um relatório e fazer os devidos encaminhamentos para e escola. Portanto,
ainda não há por parte dos setores da Educação Especial uma proposta de
acompanhamento para esses alunos diagnosticados que apresentam algum
tipo de deficiência.

“Como é o seu trabalho na sala de recursos?” Como está


estruturado?”O professor respondeu que ainda não possui todos os recursos
necessários para atuar em uma sala de recursos, contudo, tenta dinamizar os
encontros com criatividade na produção das aulas. Importante frisar que o
professor da sala de recursos deve elaborar o planejamento pedagógico
individual, com metodologia e estratégias diferenciadas para atender as
necessidades de cada aluno. O trabalho na sala de recursos deverá ser
complementado ainda com orientação aos professores do ensino regular
juntamente com a equipe pedagógica, nas adaptações curriculares, avaliações
e metodologias que serão utilizadas pelos professores.

Sobre “Quais e como são as atividades desenvolvidas?” Segundo o


professor as atividades são executadas de maneira afetiva buscando valorizar
as habilidades e os limites de cada aluno, utilizando o computador, livros,
desenhos, produção de palavras, etc. Relacionando com a pergunta anterior
“Se há um planejamento das atividades a serem realizadas? Como é feito?”
O professor respondeu que sim, há um planejamento, através de
acompanhamento diário com a prática de cada atividade. Na questão “No que
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se diferenciam o trabalho da sala de recursos e o trabalho desenvolvido da


classe comum?” A diferença é que a sala de recursos é um trabalho mais
espontâneo e afetivo, é reduzido o número de alunos e é um trabalho só
exclusivo para o portador com necessidades especiais.

Quanto à pergunta “Quais materiais e recursos você utiliza?” Como


consegue os materiais necessários?” Os materiais são livros, cadernos,
pincel, tinta, papel, bola, jogos e dinâmicas. Quanto à aquisição dos
materiais, o mesmo responde que utiliza os que a escola já tem, como
também, por meio de recursos próprios. Percebe-se que muitos materiais já
são da escola. A instalação dessa sala de recursos não está de acordo com o
que está na lei, isso mostra que é uma falta de compromisso da Secretaria da
Educação do Estado que não disponibiliza os recursos necessários para que o
professor possa colocar desenvolver atividades diferenciadas, com o objetivo
de estimular as habilidades dos alunos.

A quarta parte finaliza com os resultados e expectativas. “Há alguma


relação ente o trabalho desenvolvido na sala de recursos e o da classe
regular?” O professor responde que sim, ele ajuda o portador se sentir a
vontade para o processo social, além de estimular a aprendizagem.
Percebemos que não há nenhuma ligação entre o professor da sala de
recursos e o da sala de aula regular, e o trabalho pedagógico especializado na
sala de recursos deve constituir um conjunto de procedimentos específicos,
de forma a desenvolver os processos cognitivos, motores e sócio-afetivo-
emocionais do aluno. Nesse sentido, o diálogo entre docentes de diferentes
contextos de aprendizagem é essencial que se efetive na escola.

Na segunda questão “Os pais participam do trabalho da sala de


recursos?” Como ocorre esta participação?”Foi respondido que sim, a
participação é seguida com visitas, orientações e informações que são
passadas dos pais para o professor e do professor para os pais.

Na terceira questão “Como você vê os resultados alcançados?” Qual


sua expectativa neste trabalho?” O professor diz que poderia ser melhor, no
entanto, observam-se mudanças de comportamento e aprendizagem de forma
lenta dentro do possível.

Na última questão, “Você tem mais alguma coisa a acrescentar sobre o


assunto?” Ele responde que gostaria que a teoria se tornasse um laboratório
de experiência e que o processo de inclusão não fosse apenas um “conto de
fadas” que favorecesse aos interesses dos governantes.

Nesse sentido, podemos inferir que o trabalho sério e comprometido dos


professores das salas de recursos, envolvendo família e comunidade escolar é
fundamental não apenas para contribuir com a aprendizagem efetiva dos
alunos, mas também para dar credibilidade ao próprio trabalho desses
professores e dessas salas que têm o objetivo de promover um bom
atendimento aos alunos que as frequentam.

Entrevista com professores da sala de aula regular


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Os questionários foram aplicados a quatro professoras, todas lecionam


em turmas do ensino regular as quais possuem alunos que apresentam algum
tipo de deficiência. Todas lecionam no turno matutino e são do sexo
feminino. Todas são graduadas, três em Licenciatura em Pedagogia e uma em
Licenciatura em História. A idade varia entre 36 a 46 anos.

A primeira parte traz questionamentos sobre o conhecimento sobre a


área. “Você tem alguma formação específica para trabalhar com alunos em
situação de deficiência?” Todas responderam que não, porém, três
professoras que possuem vínculo com o município, afirmaram que já
participaram de cursos de poucas horas oferecidos pela Secretaria de
Educação do Município. “Para trabalhar com esses alunos você se baseia
em algum autor ou linha teórica: Qual e de que forma?” Três responderam
que não, e a outra diz que segue os Parâmetros Curriculares Nacionais.

Observamos que a formação do professor é um dos momentos do


desenvolvimento profissional. Portanto, entrelaçando formação inicial e
continuada, pressupõe-se a construção coletiva do conhecimento profissional,
entendendo também a realidade da escola como um princípio curricular de
toda formação.

A segunda parte tem como foco a caracterização dos alunos “Quais são
os alunos com deficiência que freqüentam a turma em que você leciona? As
professoras responderam que têm alunos com Síndrome de Down,
Deficiência Intelectual, Deficiência Mórbida e Surdez. “Como é o
rendimento escolar desses alunos?”Elas responderam que é muito básico,
eles freqüentam mais é para se socializar.

Na seguinte pergunta “Como são feitos os encaminhamentos dos alunos


para a sala de recursos?” As respostas deram-se da seguinte forma: através
das observações; os próprios pais que encaminham; por meio do professor da
sala de recursos que vai até a nossa sala para saber se tem algum aluno que
precisa de um atendimento especializado. “Como é o relacionamento dos
colegas de classe com os alunos que apresentam algum tipo de deficiência”?
As professoras responderam que às vezes com discriminação porque elas
ficam brincando e eles não sabem brincar direito; outras crianças acolhem
bem e não ligam para sua deficiência. Foi perguntado também “Como é a
freqüência do aluno com deficiência?” Todas responderam que a freqüência
é ótima, pois há uma preocupação dos pais em mandá-los para a escola.

Em relação à pergunta “Quais os benefícios você identifica no serviço


de apoio da sala de recursos?” Uma professora não soube identificar, pois
ainda não conhece a sala de recursos; as demais afirmaram que é um bom
início para dar continuidade a outros trabalhos, e é bom porque distraí e se
torna um espaço de igualdade. “ Há dificuldades de relação entre o professor
da sala de recursos e o da sala regular?” Três professoras afirmaram que o
que dificulta são os horários diferentes que trabalho; a outra professora
respondeu que no momento, a relação entre eles foi apenas para saber o
número de alunos que iam freqüentar a sala de recursos.
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Não compartilhamos da tese de que a sala de recursos deve se


configurar como um espaço diferenciado do ensino regular. Se assim for,
penso ser ela um elemento segregador ao sistema educacional que por
objetivo pretende ser inclusivo. Por mais que sua função seja a de atender os
estudantes em horários opostos ao do ensino regular, esta não pode ser e
parecer distante da educação escolar centrada nos princípios da inclusão.

Em relação à pergunta “Como são estabelecidos os contatos entre você


e o professor(a) da sala de recursos para discutirem sobre os alunos que
estão sobre a responsabilidade de ambos?” As professoras responderam
essse contato somente acontece nos encontros ou reuniões da escola. Na
próxima pergunta “Se é realizado algum tipo de
acompanhamento/orientação por parte da escola?” Elas responderam não
estão a par de nenhum assunto sobre isso.

A problemática recorrente nessa trajetória é que, diferente dos docentes


que atuam nas salas de recursos, o profissional do ensino regular não recebe
formação específica para atuar com pessoas em situação de deficiência, ou
seja, sua formação é fragmentada no que tange esse serviço especializado. O
trabalho em parceria da sala de recursos com o ensino regular tende a trazer
bons resultados quando há, pelos docentes que atuam nesses ambientes
educacionais, um processo que ousamos chamar de mediação profissional.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A escola passou a desempenhar um papel ambíguo frente à diversidade:


de um lado, abriu as portas aos alunos com deficiencia; de outro não se
preparou para essa realidade, sendo que a Educação Especial deve ser parte
integrante do sistema geral de Educação e não um sistema isolado, paralelo,
devendo fluir nos diferentes níveis e graus de ensino.

Nossa reflexão inicial nesse estudo permite perceber o quanto os


docentes que estão ministrando aulas no ensino regular precisam de
formação, preparação e habilitação para trabalhar com pessoas em situação
de deficiência. Nesse sentido, somos defensores de que o sistema educacional
possa oferecer políticas públicas no sentido de melhorar o atendimento nas
salas de recursos.

Assim sendo, o reconhecimento da mediação entre os dois setores sala


de recursos/ensino regular, expressa e fortalece o trabalho pedagógico no
qual as atividades aplicadas, o conhecimento especializado, preparação de
técnicas apropriadas, metodologias adequadas entre tantas outras são
contributos somatórios ao processo de inclusão.

Podemos perceber que a inclusão de pessoas com deficiência em escolas


regulares está garantida por lei. No entanto, um dos empecilhos na educação
dessas pessoas é a necessidade de uma metodologia específica, bem como de
recursos, fato que pode ser minimizado por meio da participação destes
indivíduos nas salas de recursos.
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Diante do contexto, podemos afirmar que a sala de recursos não pode


ser um mecanismo de segregação das pessoas com algum tipo de deficiência
que se encontram matriculadas no ensino regular, mas sim atuar no sentido
de propiciar o acesso, sucesso e permanência de todos(as) as pessoas que
freqüentam o ensino regular escolar.

REFERÊNCIAS

BRASIL. Política de Educação Especial na perspectiva da Educação


Inclusiva. Disponível em
http://portal.mec.gov.br/arquivos/pdf/politicaeducespecial.pdf. Ministério da
Educação/ Secretaria de Educação Especial. 2007. Acesso em 24/março de
2008.
BRASIL. Decreto nº 6.571, de 17 de setembro de 2008. Dispõe sobre o
atendimento educacional especializado. Presidência da República/Casa
Civil/Subchefia para Assuntos Jurídicos. Brasília. 2008.
BRASIL. Resolução nº 4, de 2 de outubro de 2009. Institui Diretrizes
Operacionais para o Atendimento Educacional Especializado na Educação
Básica, modalidade Educação Especial. Ministério da Educação/Conselho
Nacional de Educação/ Câmara de Educação Básica. 2009. Disponível em
http://portal.mec.gov.br/dmdocuments/rceb004_09.pdf.
BUENO, J. G. S. A educação especial nas universidades brasileiras. 1. ed.
Brasília: MEC-Secretaria de Educação Especial, 2002
MENDES, E. G. . Pesquisas sobre Inclusão Escolar: Revisão da Agenda de
um Grupo de Pesquisa. Revista Eletrônica de Educação, v. 2, p. 1-11, 2008.
MENDES, E. G. A radicalização do debate sobre inclusão escolar no Brasil.
Revista Brasileira de Educação. v. 11, p. 387-405, 2006.
STAINBACK , Susan. Inclusão: um guia para educadores. Tradução
Magda França Lopes- Porto Alegre: Artmed, 1999.
SASSAKI, Romeu Kazami. Inclusão : Construindo uma sociedade para
todos. Rio de Janeiro: WVA,1997.
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O Texto Oral de uma Aluna com Cegueira:


um olhar sobre o ensino de língua portuguesa e a inclusão

Marleide dos Santos Cunha1

RESUMO

A educação das pessoas com necessidades educacionais especiais percorre uma


trajetória de lutas e conquistas. Se antes elas estudavam apenas em escolas especiais,
na atualidade as escolas da rede regular de ensino não podem mais recusar a matrícula
de nenhum dos alunos. Para tanto, quando se fala em ensino de língua portuguesa, os
PCN’s citam que a principal finalidade é a expansão das possibilidades do uso da
linguagem. Já o Ministério da Educação defende a ideia de que o texto é produto da
atividade discursiva oral ou escrita. Nesse contexto, mediante a necessidade de incluir
os alunos com cegueira, surge a inquietação de como vem ocorrendo o ensino do
português na sala de aula. Refletimos, então, sobre a necessidade de ter alguns
elementos básicos nesse processo inclusivo como à formação do professor, os
recursos didáticos disponíveis para a educação do aluno cego, material pedagógico e
tecnológico utilizados pelo professor, entre outros aspectos. Assim, este estudo tem
como objetivo analisar textos orais de uma aluna com cegueira, buscando refletir
sobre a aprendizagem e a inclusão na escola. Caracteriza-se como estudo
bibliográfico, embora sejam analisados dois trechos de entrevista semiestruturada de
uma aluna cega. Para suporte teórico contou-se com os autores Barros (2006);
Carvalho (2008); Possenti (1998); Saviani(2003), entre outros. Conclui-se que a
análise dos textos reflete o desenvolvimento educacional da aluna com cegueira
considerando sua trajetória educacional. Logo, detectamos a relevância do
acompanhamento pedagógico na rede regular de ensino como importante suporte da
educação inclusiva.

Palavras-chave: Cegueira; escola; inclusão; texto

1
Contato do(a) autor(a): marleidedossantoscunha@yahoo.com.br – UFS. Especialista
em Língua Portuguesa (FPD); Graduada em Letras Português (UNIT); Graduanda em
Letras Português/Inglês pela Universidade Federal de Sergipe (UFS). Membro do
Núcleo de Pesquisa em Inclusão Escolar da Pessoa com Deficiência
(NUPIEPED/UFS)
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INTRODUÇÃO

Quando falamos de educação da pessoa em situação de deficiência


na atualidade, inúmeras são as leis que protegem e favorecem a inclusão na
escola. Se considerarmos a história da educação especial no Brasil, na qual,
por meio de lutas e conquistas as pessoas com deficiência foram ganhando
espaço de forma gradativa no contexto escolar. Assim, o momento atual é de
contínuas buscas de contribuições que venham minimizar as diferenças
impostas por nossa sociedade, que em tempos remotos chegou a excluir do
contexto educacional a pessoa com deficiência.

A Constituição da República Federativa do Brasil, de 1988, no


Capítulo I, artigo 5º, afirma que “todos são iguais perante a lei, sem distinção
de qualquer natureza”. Mas, tratando-se de inclusão na escola, será que o
professor, peça-chave dessa engrenagem, está preparado para enfrentar os
desafios de uma sala de aula heterogênea, na qual muitas vezes as várias
vozes, os vários pensamentos e as singularidades estarão sendo o maior
desafio que ele possa ter para conduzir o ensino-aprendizagem de modo
satisfatório e qualitativo?

Nesse contexto, o ensino de língua portuguesa, suporte desse estudo,


vem percorrendo modificações ao que se refere ao ensino e aprendizagem,
dando-se prioridade ao uso do texto como principal base de estabelecer
relações entre aluno, língua e ensino. Desse modo, quando o aluno fala ele
produz discurso, consequentemente, há a produção do texto por meio da
oralidade.

Diante da necessidade de incluir o aluno cego nas aulas fazendo valer


assim a inclusão na escola de modo participativo e dialógico, então, este
estudo tem por objetivo analisar textos orais de uma aluna com cegueira,
buscando refletir sobre a aprendizagem e a inclusão na escola. Caracteriza-se
como estudo bibliográfico, embora também se faça a análise de dois trechos
de entrevista semiestruturada com uma aluna com cegueira. Para suporte
teórico, Barros (2006); Carvalho (2008); Possenti (1998); Saviani(2003),
entre outras fontes.

1 O ensino para alunos com cegueira e a escola atual

Este estudo foca a análise de texto oral de uma aluna com cegueira.
Conforme o Ministério da Educação (1995, p.17) na área da deficiência
visual distinguem-se dois tipos de educandos: os com cegueira e os com
visão subnormal (reduzida).
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Ainda, quando tratamos da educação da pessoa cega, o Ministério da


Educação (2005, p. 130) apresenta algumas considerações importantes nas
quais é citado que se deve “oportunizar ao aluno a vivência de experiência
com vocabulário e com conteúdos próprios da idade”. Desse modo, quando
analisamos o texto oral da aluna cega, que nesse estudo estará sendo
transcrito a fala da educanda, então, poderemos fazer algumas considerações
baseadas nos fundamentos de alguns teóricos, que puderam nos esclarecer
questões de ordem da percepção da oralidade.

O novo princípio defendido por linguistas e gramáticos é o de que a


Língua Portuguesa deve ser ensinada nas escolas a partir dos textos. Isso
valoriza a língua em condição de uso e prioriza a competência
textual/discursiva do aluno, a partir das percepções dos diversos textos que
circulam em nossa sociedade, por meio dos gêneros textuais, enriquecendo
assim a formação do aluno na perspectiva da cidadania. Contudo, na
discussão de que o professor não deve ser simplesmente um defensor da
gramática, priorizando o ensino das regras que devem ser seguidas, sabemos
que esse profissional deve ensinar o português por meio das regras, mesmo
porque é sua função ensinar a norma padrão no contexto escolar, embora
também deva preocupar-se com o ensino das práticas linguísticas, tanto orais
quanto escritas.

Entretanto, quando se trata do aluno cego, no momento que são


necessárias as correções gramaticais, há professores da educação básica que
ficam temerosos de instruí-los, pois têm sentimentos de piedade, e pensam
que nem tudo deve ser considerado porque o aluno é cego e não tem a
obrigação de saber escrever corretamente. Contudo, são questões como essas
que instigam a pesquisa desse estudo.

Essa discussão entre a produção do texto oral por meio do uso correto
das palavras é algo que proporciona uma reflexão acerca da língua em ação, e
o desenvolvimento da expressão oral através de textos e atividades
relacionadas com a vida social do aluno podem contribuir para o
entendimento da formação gradativa de alunos com cegueira.

Desse modo, um aluno cego tem as mesmas necessidades educacionais


que os demais, devendo ele também estar predisposto a aprender a língua
portuguesa na sua norma padrão, tanto quanto os outros alunos, pois há o
sistema Braille2 que contempla em códigos numéricos, todas as letras do
alfabeto, com e sem acentuação, além dos sinais de pontuação e os números.
Enfim, com o sistema Braille, o aluno cego consegue escrever manualmente
as palavras de forma correta, tendo de memorizar todos os símbolos e utilizá-
los na escrita e também na leitura tátil. Outrossim, atualmente, o aluno cego
também pode ter acesso à diversidade de textos por meio das tecnologias
assistivas3 digitais.

Por conseguinte, ao transcrever o texto em Braille para a tinta, o


professor especializado em deficiência visual, que normalmente fica lotado
numa sala de recursos4 pedagógicos, não faz as correções imediatas, sendo
fiel na transcrição do texto, conforme o aluno com cegueira escreveu, pois é
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necessário que, no momento de corrigir, percebam-se os progressos da


aprendizagem do aluno cego.

Questões como essa enfatizam a formação do professor da educação


básica que, por não ter o conhecimento do sistema Braille necessita do
auxílio do docente especializado em deficiência visual, que é conhecedor do
Braille, e está preparado para conduzir com mais segurança e experiência o
ensino-aprendizagem do aluno cego, no que refere a corrigir seus textos
quando necessário, assumindo, assim, o papel de educador e não de
profissional que se utiliza da caridade.

Conforme Vygotsky (2005, p. 182): “Há muito se sabe que as palavras


podem mudar de sentido. (...) Da mesma forma que o sentido de uma palavra
está relacionado com toda a palavra, e não com sons isolados, o sentido de
uma frase está relacionado com toda a frase, e não com palavras isoladas”.
Desse modo, o aluno que aprende a ler, escrever e expressar suas ideias a
partir da alfabetização passo a passo no sistema Braille pode ter maiores
possibilidades de construir o conhecimento linguístico de forma segura e
singular. Mas se o aluno já recebe os textos prontos para simples leitura, será
que o processo de aprendizagem da língua portuguesa em sua norma padrão
terá a mesma significação?

No texto escrito no sistema Braille por um aluno cego, a professora, ao


fazer a transcrição, é muito fiel à escrita do aluno o que a faz perceber o
desenvolvimento e progresso desse estudante. Explorar a produção textual do
aluno cego, seja por meio da oralidade ou da escrita, é fator muito
importante, uma vez que estaria sendo dada a esse discente a oportunidade de
expressar seus pensamentos, sentimentos e percepções da vida, valorizando-
se com isso a cultura e aprendizagem de cada um. Afirma o Ministério da
Educação (2005, p. 130) “o aluno com deficiência visual pode chegar à
escola com uma restrita experiência de linguagem, por não ter tido uma
atenção sistemática no contexto em que vive.

Analisando o texto oral de uma aluna cega que cursou o 4º ano do


ensino fundamental no ano de 2007, numa escola pública de Aracaju,
poderemos perceber a realidade da produção de fala e linguagem da aluna,
considerando os diversos contextos que a discente está inserida, e entre eles o
aspecto sociocultural. Ao ser entrevistada, foi pedido a ela, em uma das
perguntas, que descrevesse o seu dia a dia na escola, ocasião em que essa
aluna respondeu oralmente e assim transcrevemos os textos que seguem:

Tenho um pouquinho de dificuldade, já que moro num bairro com


piçarra; os ônibus demoram, tem animal e carros no meio da rua.
Quando chego, vou para a sala normal, pego as atividades, vou para a
sala de recursos aí respondo exercícios e alguns deixo para casa. Fico
mais tempo na sala normal. O lanche é bom, mas às vezes é ruim. O
lanche hoje é na sala de recursos, eu prefiro porque os menino normal
ficam com piada, ficam dizendo piada, com palavrões, a maneira deles
falar com os outro dizendo coisa feia e eu não gosto, prefiro o lanche
só com a gente, só com os deficiente”. (R.A.S., entrevista em 04 fev.
2008)
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Numa outra pergunta, quando lhe foi solicitado que apontasse as


principais dificuldades na execução das tarefas escolares, a estudante
respondeu:

Preciso praticar mais o Braille, o Braille é assim, se a pessoa deixa de


mão esquece. Com o Braille não tem dificuldade nenhuma de fazer as
atividades. Com duas professoras agora na sala de recurso tá melhor.
Uma das professoras dava mais atenção a minha irmã porque ela
ficava mais tempo na sala de recurso. Minha irmã não ia na sala de
aula normal, eu também não gosto não da sala de aula normal, mas eu
ia e ela não (R.A.S., entrevista em 04 fev. 2008).

Fazendo uma análise dessas falas, equiparadas a fundamentos teóricos,


podemos citar:

o envolvimento direto e compulsório, caracterizado pela partilha de


ideias ou reações aos interlocutores, é próprio do discurso oral. O
falante experimenta um contato direto com seu ouvinte, face a face,
que o obriga a situar-se em um determinado contexto, a submeter-se a
suas condições e possibilidades, para que o diálogo se realize a
contento e chegue a um termo (CARVALHO, 2008, p. 67).

Na fala da aluna com cegueira, destacamos, por exemplo, a


despreocupação em manter o plural das palavras, o que daria melhor sentido
à pronúncia correta desses vocábulos, mantendo a coerência com a sintaxe na
oração dita. Ressaltamos também a repetição de palavras e a informalidade
na fala sem grandes preocupações com uma organização mais requintada da
frase expressa, fato que nos leva a afirmar que essa seria uma característica
própria da oralidade. Outro aspecto importante é o uso de expressões como
“deixa de mão”, que geralmente é usada pelos mais velhos ou quando se quer
concretizar pensamentos como: não dar importância, não ter preocupações,
etc. Um outro termo usado pela aluna cega é “a gente”, a respeito do qual
Barros (2006, p.72) diz: “A gente traz para o discurso, porém, o efeito de
informalidade dos usos mais populares e coloquiais, característicos da língua
falada”. Assim,

sabe-se que a questão do ensino da gramática na escola tem sido


longamente discutida. A discussão continua atual, seja porque o
professor precisa decidir, caso haja ensino de gramática na escola,
qual proporção do tempo destinado ao ensino da língua deve ser
dedicado a cada uma das estratégias (leitura, redação, gramática, etc.)
além do fato de que a decisão pode variar conforme o nível de ensino
e o tipo de classe, ou, até mesmo, o tipo de escola. (POSSENTI, 1998,
p. 62)

Em razão disso, quando analisamos o texto citado da aluna com


cegueira, é muito importante considerarmos na análise, que não se deve
enfatizar apenas os aspectos gramaticais, ou seja, dos erros e acertos, mas
também, e principalmente, a perspectiva da linguagem, que moderniza-se no
contexto dialógico e na produção de texto.
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Assim, partindo para o ensino de língua portuguesa em sala de aula, os


PCNs de Língua Portuguesa sugerem que seja desenvolvida a percepção de
níveis morfológico, lexical e sintático da língua. Desse modo, é dever do
professor de língua portuguesa trabalhar textos que estejam o mais próximo
possível da realidade dos alunos a fim de que a percepção de possíveis vícios
na produção textual sejam apontados e que os alunos se identifiquem com
aquela situação, tornando o ensino do português mais harmônico e menos
voltado para regras a serem seguidas. Dessa forma,

são os textos que favorecem a reflexão crítica e imaginativa, o


exercício de formas de pensamento mais elaboradas e abstratas, os
mais vitais para a plena participação numa sociedade letrada. Cabe,
portanto à escola viabilizar o acesso do aluno ao universo dos textos
que circulam socialmente, ensinar a produzi-los e a interpretá-los.
(PCN’s Língua Portuguesa, 2001, p.30)

Assim, no caso de aluno com cegueira, o fato de ter o contato direto


com a leitura tátil no sistema Braille aponta para a possibilidade da
aproximação aos textos, desde que se tenha uma impressora Braille, também
chamada Juliete, e que pode disponibilizar o texto escrito. Outrossim, o
acesso à leitura pode ser proporcionado pelos textos digitais, mas é
necessário a pessoa com deficiência ter aproximação aos programas
específicos que facilitam o acesso ao mundo das tecnologias assistivas
digitais.

Essa discussão sobre o texto digital e o texto em Braille proporciona


uma continuidade na proposta educacional de que o mundo digital adentra a
escola de forma espetacular, facilitando o acesso rápido e prático às
informações, contudo, inúmeros são os sites que ainda não estão acessíveis a
pessoa com cegueira, como também os programas com sintetizadores de voz
nem sempre estão disponíveis a todas as pessoas com deficiência visual, por
requererem um custo benefício que nem todas essas pessoas podem adquirir.

Ademais, o contato direto com a leitura e escrita em Braille pode


proporcionar inúmeros benefícios, como: ter estratégias na produção textual e
utilizar os sinais gráficos de forma pensante. Desta forma, as pessoas cegas
teriam todos os desafios propostos pelo ensino da língua portuguesa de forma
a ter o professor e o aluno para construírem juntos o ensino-aprendizagem no
passo a passo de toda e qualquer alfabetização e também no prosseguimento
dos estudos.

Nesse contexto ao falar do sistema Braille e das novas tecnologias


estamos tranquilamente adentrando em um assunto que seria o discurso da
escola, que tende a querer uniformizar os alunos, pois ainda há professores
que não querem assumir salas de aula que tenham alunos com necessidades
educacionais especiais por não se sentirem preparados para receber ou
trabalhar junto às limitações impostas pelas deficiências desses alunos.

Logo, “a escola diz respeito ao conhecimento elaborado e não ao


conhecimento espontâneo; ao saber sistematizado e não ao saber
fragmentado; à cultura erudita e não à cultura popular”(SAVIANI, 2003,
p.14). Assim, a inclusão de pessoas em situação de deficiência se torna uma
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questão de sobrevivência, visto que “a educação é um fenômeno próprio dos


seres humanos”(SAVIANI, 2003, p.11). Logo, deve-se pensar em dar
oportunidades de crescimento intelectual a todos, sem desmerecer o saber
popular, que dentro das suas instâncias tem seu grau de importância para o
bom andamento da sociedade.

A análise em textos orais da aluna com cegueira traz uma reflexão sobre
o reconhecimento da competência lingüística da aluna, fato que, aponta para
uma possível insuficiência do acompanhamento do aprendizado dessa
discente. Envolvem-se nesse contexto, o papel da família, da escola e o
compromisso do Estado em proporcionar uma educação que favoreça o
crescimento intelectual de alunos com cegueira, tudo isso, por meio de
condições de permanência no contexto escolar, e não só da garantia da
matrícula, mas procurando valorizar principalmente o desenvolvimento
escolar dos alunos em situação de deficiência por meio do apoio pedagógico.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O texto é a base fundamental da percepção do ensino e da aprendizagem


na disciplina de língua portuguesa. As contribuições da análise do texto oral
de que trata este estudo, leva-nos a perceber que é possível imaginar uma
escola capaz de atender às necessidades educacionais especiais do aluno com
cegueira de modo geral, e também ao que se refere ao ensino do português
pautado não só no ensino de regras gramaticais, mas também na competência
lingüística. Isso proporciona um ensino mediante a realidade de
aprendizagem dos alunos, oportunizando um ensino coerente com as reais
necessidades educacionais dos alunos com cegueira.

As pessoas cegas têm condições de frequentar uma instituição do ensino


básico conforme defendem as leis; entretanto, é necessário dar possibilidades
de permanência na escola, disponibilizando, por exemplo, um professor
especializado em deficiência visual, que tem os aparatos teóricos para
conduzir o ensino e aprendizagem de forma a dispor tanto da oferta do
material específico no Sistema Braille, como do suporte das tecnologias
assistivas digitais, quando disponibilizadas na escola, e também do apoio
necessário nas horas de realização das tarefas de sala de aula.

Mas também, este estudo aponta para a possível insuficiência na


formação do professor de português para acompanhar coerentemente o
aprendizado do aluno cego, tanto quanto em ministrar aulas em salas do
ensino regular considerando metodologias adequadas para atender todos os
alunos, pensando-se em aulas dialógicas e interativas tendo como base
principal o texto.

Quando se fala em produção de textos de alunos cegos, sejam orais ou


escritos, é importante enfatizar que não se deve minimizar as potencialidades
desse aluno, por despreparo do professor do ensino básico, ou seja, o aluno
com cegueira deve ser acompanhado considerando sua real aprendizagem.
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ISSN: 2177-4072

Este estudo procurou analisar o texto de uma aluna cega buscando


refletir sobre o ensino do português e a inclusão, fazendo a contrapartida com
as reais condições da escola na atualidade.

Percebemos que um dos principais papeis da escola é o de preparar o


aluno para futuramente assumir com autonomia suas idéias e poder contribuir
assim para o crescimento da sociedade na qual vive. Por isso, deixamos como
reflexão a certeza de que muito ainda há a ser feito pelo ensino e
aprendizagem da pessoa com cegueira proporcionados pela escola atual,
tentando-se vislumbrar um futuro diferente para todos aqueles que possuem
limitações visuais que, se um dia foram totalmente discriminados e rejeitados
por esta mesma sociedade, hoje precisamos pensar nos avanços e numa
inclusão que possibilite cada vez mais igualdade de direitos para todos
principalmente na área da educação como uma forma de promoção humana.

________

Notas

1- Especialista em Língua Portuguesa (FPD); Graduada em Letras Português (UNIT); Graduanda em Letras
Português/Inglês pela Universidade Federal de Sergipe (UFS). Membro do Núcleo de Pesquisa em Inclusão
Escolar da Pessoa com Deficiência (NUPIEPED/UFS). E-mail: marleidedossantoscunha@yahoo.com.br
2- Sistema Braille é um sistema de leitura tátil e escrita para pessoas cegas, que consta da combinação de seis

pontos em relevo, dispostos em duas colunas de três pontos. (LEMOS et AL 1999, p.22)

3- Também chamadas ajudas técnicas, como: [...] qualquer produto, instrumento, estratégia, serviço e prática

utilizado por pessoas com deficiência e pessoas idosas, especialmente produzido ou geralmente disponível para

prevenir, compensar, aliviar ou neutralizar uma deficiência, incapacidade ou desvantagem e melhorar a

autonomia e a qualidade de vida dos indivíduos. (ISO 9999). (Galvão & Dasmasceno, 2006).

4- Local com equipamentos, materiais e recursos pedagógicos específicos à natureza das

necessidades especiais do educando, onde se oferece a complementação do atendimento

educacional realizado em classes do ensino comum, por professor especializado (Ministério

da Educação/SEESP, 1995, p. 27).


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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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05 de outubro de 1988.

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SEESP / MEC; organização: Maria Salete Fábio Aranha. _
Brasília: Ministério da Educação, Secretaria de Educação
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_________. Secretaria de Educação Especial. Subsídios


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GALVÃO FILHO, T. A.; DAMASCENO, L. L. Tecnologias


assistivas para autonomia do aluno com necessidades educacionais
especiais. In: Inclusão – Revista da Educação Especial – Ago/2006.

LEMOS, E. R. et al. Louis Braille sua vida e seu sistema. 2ª edição,


revisada e ampliada. Fundação Dorina Nowill para Cegos: São Paulo,
1999.
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Portuguesa. Vol. 2. 2 ed. Ministério da Educação / Secretaria de
Educação Fundamental. Rio de Janeiro, 2000

POSSENTI, Sírio. Por que (não) ensinar gramática na escola.


Campinas. SP. Mercado de Letras. Associação de Leitura do Brasil.
1996 (Coleção Leituras no Brasil). 2ª reimpressão. 1998.

SAVIANI, D. Pedagogia histórico-crítica: primeiras aproximações.


8.ed. revista e ampliada – Campinas, SP: Autores Associados, 2003. –
(Coleção educação contemporânea)

VYGOTSKY, L. S. Pensamento e linguagem; tradução Jefferson


Luiz Camargo; revisão técnica José Cipolla Neto. – 3ed. – São Paulo:
Martins Fontes, 2005. – (Psicologia e pedagogia)
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Educação Especial, em quê?

Pérola Cunha Bastos1

RESUMO
Este trabalho objetiva a discussão de conceitos de educação, educação especial,
Tecnologia Assistiva / assistente terapeuta. A educação denominada especial remete a
diferenciação entre sujeitos, que em nada são diferente no que tange ao direito a uma
educação. Assim, este trabalho justifica-se por trazer à tona a reflexão a respeito do(s)
sentido(s) que o termo agrega. Trataremos desse recorte do ponto de vista dos
teóricos: Mantoan, Teófilo Galvão Neto, Edgar Morin e Paulo Freire. O percurso
metodológico será de revisão bibliográfica, ressaltando incongruências semântica dos
termos utilizados. Esperamos contribuir para a reflexão dos conceitos, uma vez que
eles são responsáveis por constructos formadores de sentidos inseridos no contexto
social. Por sua vez o trabalho se justifica pela importância operatória que os conceitos
exercem no contexto comunicativo.

Palavras-chave: tecnologias assitivas; educação inclusiva; educação especial.

1
Contato do(a) autor(a):perolacunha@yahoo.com.br. Professora Assistente.
Departamento de Educação. UNEB - Campus II.
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INTRODUÇÃO

Após a oportunidade de ter acesso a uma vasta literatura a respeito da


Educação e Tecnologia Assistiva, são tantas as inquietações que é realmente,
imprescindível o questionamento a respeito dos conceitos que operam na área
de conhecimento aqui tratada. Não desmerecendo, é lógico, as demais áreas.
E somente uma questão de recorte.

Sabe-se que o conceito trás a noção, o entendimento, as


características do que denomina. O conceito, também, é universal e carrega
valores, são assim portadores de significado.

A terminologia educação especial, encerra uma contradição em si.


Visto que, a educação é dever do estado e direito constitucional de qualquer
cidadão brasileiro. Qualificada, como especial carrega o sentido de
diferenciação aos que está direcionada. Especial, em quê?. Nesta modalidade,
insere a ideia de ‘para poucos, por serem os sujeitos especiais(deficientes)?.
Cabe a pergunta: como assim?. Estamos falando de ricos deficientes?, de
deficientes?, de pobres/ricos deficientes?, ou de cidadões?. Sabe-se que de
fato quem tem condições financeiras de pagar por serviços especializados é
que tem o direito a educação especial. O problema, então, reside na
contradição, por que a educação como um direito, deve ser especializada,
qualificada, e visar o atendimento daquele que dela precisa pra viver com
dignidade.

Ficaram perguntas: a educação especial inclusiva, considerando os


parâmetros atuais de educação, não está muito equivocada em sua essência?.
Por que precisamos insistir na idéia de educação inclusiva, se é função da
educação garantir, democraticamente, através de seu acesso: a transformação
pelo acesso à informação/conhecimento? .

Acredita-se que as novas tecnologias da informação tenham um


papel contributivo pra a inserção, cada vez maior, de pessoas que podem se
beneficiar de seus meios, cibernéticos, telemáticos, vivendo melhor, com
qualidade, exercendo com plenitude sua cidadania.

A tecnologia assistiva como meio de desenvolvimento da autonomia


do estudante com necessidades específicas, sejam temporárias ou
permanentes. Torna-se um caminho a ser explorado e garantido, através da
acessibilidade ao mundo que se garante, através, via internet.

1 A Educação que está ai oferecido na rede pública


A escola pública que outrora formou nossos pais, avós, formou
profissionais brasileiros e uma grande massa, agora aposentada. Mas, a
demanda de mercado quase os obriga a ocuparem frentes de trabalhos, por
serem pessoas bem qualificadas. Aquela escola pública, que praticava o que
conhecemos como método tradicional, contava com professores, regularidade
das aulas, educação bilíngue com aulas de francês e/ou inglês. Já não existe
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mais, lamentavelmente. Resta um sistema falido, desatualizado e agonizante.


Onde está a escola? que sinaliza Perrenoud(2000), Como ele aponta: “lugar
da descoberta, do trabalho com as habilidades e competências, demandas
inerentes da contemporaneidade”. Sabemos que “a tecnologia sempre
atropela o método“, como afirma Borges (2011). Contudo, está muito claro
que necessitamos de um novo paradigma pra educação.

Perrenoud (2000) sinaliza pra a necessidade de uma escola


atualizada, que “dialogue com as necessidades formativas do estudante”. Para
uma escola viva. Não o que Mantoan (1997) atesta:

A educação escolar e o professor que a ministra não têm, no geral, um


referencial de mundo que se compatibiliza com a realidade
circundante e com seus possíveis avanços. O espaço educacional
parece imune, preservado desses avanços, mantendo o velho, pela
indiferença às mudanças do meio.
(MANTOAN, 1997).

A tudo se agregue a rapidez com que se produz conhecimento hoje.


E com a mesma rapidez se divulga. Portanto, “as chances de se estar
atualizado, ou conhecedor da totalidade, depende de uma esforço próprio”,
depende de uma autonomia que Paulo Freire(2003) já nos apresentou muito
antes de tudo que vivemos hoje acontecer.

A ciência está a serviço da informação, está sendo divulgada a


descoberta de uma partícula formadora de massa que pode ter dado início ao
universo, os pesquisadores não sabem ainda o que este novo conhecimento
vai nos trazer e é com esta rapidez que seguimos pesquisando e produzindo
mais conhecimento.

Na ceara da educação, resta saber de que inclusão está-se falando,


qual o caráter da educação inclusiva que se impõe? O problema se interpõe
entre o que deve a educação, como meio democrático de crescimento de um
povo; o que temos como representação de educação da rede pública, e o que
precisamos.

A educação é padronizante, e não está atenta às diferenças que é


inerente a todos os seres humanos. Assim, neste cenário de padronização
castrante, vemos que toda a curiosidade e vontade de conhecer, levados por
nós ao ingressar na escola, é parcimoniosamente anestesiado até a morte.
Qualquer traço que foge ao estabelecido como o conceito padrão não tem,
sequer, a mínima chance de germinar e crescer.

O modelo de escola que temos na contemporaneidade não atende.


Segundo Morin (2011)

(...)a escola é o lugar da pergunta, não do saber diluído, precisamos


conceber os estudantes como sujeitos agentes de seu aprendizado,
completamente capazes de ativar o conhecimento através de uma
construção que envolve sua autonomia em construí-lo sujeito e
conhecimento.
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Ariscamos dizer que a escola que temos serve, talvez, apenas, pra
garantir números maquiados de matrículas e concluintes, para os políticos
que fazem desses dados moeda de troca por empréstimos com os bancos
internacionais.

Parece-nos que a terminologia de educação especial encerra o


conceito de acesso ao que é de direito. Deveria a educação formal ser de
qualidade, como outrora, direito natural de qualquer cidadão que nela
ingresse. Se assim fosse, jamais conheceríamos o termo educação especial,
muito menos educação inclusiva. Visto que, numa miríade gozaríamos de
uma educação que a inclusão no mercado de trabalho, na vida social e
profissional seria consequências naturais. Dados como descritos abaixo sobre
a matéria, Educação inclusiva, já deveriam ter números mais animadores.
Galvão Filho (2009, p.18)

No Brasil, há 24,6 milhões de portadores de deficiência, de acordo


com o último Censo do IBGE, do ano 2000. Entre eles, apenas
537.000 têm alguma atividade remunerada, o que corresponde a 2,3%
do total. E só 200.000 trabalham com registro em carteira - o que não
chega a 1% (REDE SACI, 2004b).

A escola é o espaço da socialização fora da família. Como também é


o espaço para a formação, formalização sistematizada do conhecimento.
Bronfenbrenner (2002)

Concluiu que, “depois do lar, é nas instituições infantis que se encontra


o ambiente mais propício para o desenvolvimento e socialização da criança”.
Portanto, há muito que se fazer na escola pública, que se apresenta, para
torna-se contemporânea. Afinal, a ciência tem, em muito, contribuído nessas
últimas décadas, para que o cenário educacional atenda e acolha melhor o
estudante.

2 A tecnologia e seus desdobramentos

A tecnologia tem um impacto inquestionável no mundo hoje, isso já


foi colocado no início do texto. Porém, há de se entender do que se trata,
quando nos referimos à Educação e Tecnologia assistiva:

[...] as ajudas técnicas e a tecnologia assistiva constituem um campo


de ação da educação especial que têm por finalidade atender o que é
específico dos alunos com necessidades educacionais especiais,
buscando recursos e estratégias que favoreçam seu processo de
aprendizagem, habilitando-os funcionalmente na realização das tarefas
escolares (MEC, 2006, p. 19).

Além das ajudas técnicas que incluem os profissionais da área de


humanas, terapeutas, fonodiólogos, psicólogos, psicopedagogos e outros, a
tecnologia assitiva como alta tecnologia pode, inclusive, garantir o
aprendizado significativo daqueles que a utilizam. Afinal, o aprendizado
ocorre quando o meio lhe é favorável ao suprimento de questionamentos
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elaborados por quem os elaborou, é a garantia do exercício da autonomia. A


liberdade de escolha do conteúdo, acessibilidade das Tecnologias da
Informação e Comunicação favorecem e estimulam a criatividade, a
curiosidade e à busca por superação. Assim, o conteúdo tem valor e
significado para quem estuda e para quem pesquisa.

Entre tantos equívocos cometidos na escola com a lida com a


tecnologia assistiva altas e baixas, chamamos a atenção pra a ideia de que a
Tecnologia Assistiva não está ligada ao acesso a um terminal de computador,
nem muito menos a aparelhagem específica destinada aos deficientes. Mas,
sim à utilização desses meios, e tantos outros adaptados às necessidades de
cada um, a fim de lhe conferir desenvolvimento, inserção na vida social e
interação no mundo contemporâneo.

Contamos também com as salas multifuncionais segundo BERSH


(2006, p.146) são:

Salas de recursos multifuncionais são espaços da escola onde se


realiza o atendimento educacional especializado para os alunos com
necessidades educacionais especiais, por meio de desenvolvimento de
estratégias de aprendizagem, centradas em um novo fazer pedagógico
que favoreça a construção de conhecimentos pelos alunos,
subsidiando-os para que desenvolvam o currículo e participem da vida
escolar (MEC, 2006, p. 13).

Tivemos, ainda, a oportunidade de ver outras aplicações do uso do


programa DOSVOX na alfabetização. Devemos considerar que a utilização
ou aplicação das tecnologias assistivas devem considerar os itens abaixo
listados, a fim de que cumpram o seu papel e finalidades necessárias.
BERSCH (2006, p.283)

• histórico e conhecimento do aluno/usuário da TA;


• identificação das necessidades no contexto escolar;
• identificação de objetivos a serem alcançados pela equipe;
• avaliação das habilidades do aluno;
• seleção/confecção e teste de recursos;
• tempo para aprender a utilizar o recurso;
• orientação para aquisição;
• implementação da TA;
• seguimento e acompanhamento do aluno na utilização da TA;
• desenvolvimento e fortalecimento de equipe durante todo o processo.

O aspecto de individualidade, ou seja, a quem se destina é um traço


muito importante para aquele que vai utilizar uma tecnologia assistiva,
portanto BERSCH (2006, p.284), levanta a necessidade de se observar os
seguintes aspectos.

• auxílios para a vida diária e vida prática – materiais pedagógicos e


escolares especiais;
• comunicação aumentativa e alternativa;
• recursos de acessibilidade ao computador;
• adequação postural (mobiliário e posicionamento) e mobilidade;
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• recursos para cegos ou pessoas com visão subnormal;


• recursos para surdos ou pessoas com déficits auditivos;
• projetos arquitetônicos para acessibilidade;
• adaptações em veículos escolares para acessibilidade.

A seguir vemos imagens de tecnologias assitivas de baixa e alta


tecnologias BERSCH ( 2006, p.285)

São os lápis, canetas e pincéis engrossados; adaptações que


facilitam virar páginas; mobiliário adequado às necessidades de quem
os utiliza; pranchas de comunicação alternativa; material pedagógico
ampliado ou em relevo; textos na linguagem Braille; lupas; máquina
Braille; teclados especiais que facilitam acesso na deficiência física,
mouses alternativos, softwares com acessibilidade, e muitos outros.
Afinal, a adaptação pode, inclusive, ser criada a fim de atender as especificidades
de quem utilizará.

Adaptações no ambiente físico como rampas e elevadores,


sinalizações visuais e em Braille, portas largas são importantes
fatores de acessibilidade, bem como adaptações nos meios de
transporte, como plataformas de embarque para acesso autônomo de
cadeirantes entre outras.

3 TA ou AT? Tecnologias Assistiva (TA) ou Assistência


Terapêutica (AT)?

Agora queremos problematizar os conceitos de TA e AT, a fim de


entendermos melhor o lugar da TA e da AT no processo de desenvolvimento
do indivíduo com necessidades especiais.

Retomando o conceito de TA temos em GALVÃO FILHO (2009, p. 27)


que:

Tecnologia Assistiva é uma área do conhecimento, de característica


interdisciplinar, que engloba produtos, recursos, metodologias,
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estratégias, práticas e serviços que objetivam promover a


funcionalidade, relacionada à atividade e participação de pessoas com
deficiência, incapacidades ou mobilidade reduzida, visando sua
autonomia, independência, qualidade de vida e inclusão social. (CAT,
2007c)

Entendemos que a partir da TA- Tecnologias Assistiva - poderemos


desenvolver projetos, aplicar à pedagogia de projetos, buscar informações,
interferir em fóruns, participar de blogues, dentre outros. Contudo, a
assistência terapêutica não se deve restringir ao atendimento imediato, às
necessidades sinalizadas pelos deficientes. Mas, deve também, estes
profissionais serem TAs ou Tecnologias Assistivas. No sentido de “promover
a funcionalidade, relacionada à atividade e participação de pessoas com
deficiência (...)”, deve “criar ambientes de aprendizagem”, como está
defendido por Teófilo Galvão acima. Eles devem desenvolver metodologias,
estratégias e práticas a fim de alcançar a superação desejada do aprendiz.

O/A AT, Assistente Terapêutica, deve ter como meta, tornar-se o


facilitador para o crescimento e desenvolvimento de seu paciente em várias
áreas. A AT “vai além de ajudar o aluno nas tarefas aprendidas” este
profissional tem em seu trabalho a obrigação de transgredir limites, que seu
paciente se propõe ultrapassar.

Tanto a TA -Tecnologia Assistiva -, como a AT- Assistente


Terapêutica- não devem ser desassociadas, já que a parceria garante
qualidade e melhor atendimento e aprendizado/crescimento. Apesar de
sabermos que garantir esta parceria depende de investimento em
qualificação de pessoal, que nem sempre está ao alcance do terapeuta.
Contudo, insistimos que tal qualificação traz benefícios de todas as ordens,
além certamente de garantir empregabilidade dos profissionais, pois se trata
de uma qualificação, diferencial no mercado de trabalho.

CONCLUSÃO
Por força das circunstâncias temos que realizar as indicações
conclusivas, todavia o assunto é muito envolvendo e rico de descobertas.

Sabe-se que o conceito trás a noção, o entendimento, as


características do que denomina. O conceito, também, é universal e carrega
valores, são assim portadores de significado.

A terminologia educação especial, encerra uma contradição em si.


Visto que, a educação é dever do estado e direito constitucional de qualquer
cidadão brasileiro. Qualificada, como especial carrega o sentido de
diferenciação aos que está direcionada.

Partimos dos seguintes questionamentos: A educação especial


inclusiva, considerando os parâmetros atuais de educação, não está muito
equivocada em sua essência? Por que precisamos insistir na ideia de
educação inclusiva, se é função da educação garantir, como direito o que é de
todos, e é traço natural da educação: transformar pelo acesso à informação?
Indiscriminadamente?
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Após as leituras realizadas, é evidente que estamos numa fase de


muitos desencontros e erros na educação. O seu valor social está esquecido
como função da educação formal, acreditamos que os índices de violência e
desemprego factuais, encontram sua causa justamente ai. Uma escola que
nem sequer discute as necessidades sociais de seus estudantes está fadada a
sucumbir ao descrédito, como o que já acontece. Perrenoud (2000) sinaliza
pra a “necessidade de uma escola atualizada, que dialogue com as
necessidades formativas do estudante”.

Nesse modelo padronizado, o diferente será sempre descriminado e


rejeitado, estamos ainda muito contaminados com as ideias de perfeição.
Todos somos deficientes em alguma coisa ou de alguma forma. E com o
envelhecimento, ou por acidente, nos tornamos deficientes, necessitamos das
TAs - Tecnologias Assistivas. Portanto, é necessária a disseminação das
tecnologias assistivas de maneira intensiva e progressiva por todos os meios
sociais.

A TA comporta a utilização desses meios e tantos outros adaptados


às necessidades de cada um, a fim de lhe conferir desenvolvimento, inserção
na vida social e interação no mundo contemporâneo.

O/A AT- Assistente Terapêutica- deve ter como meta, tornar-se o


facilitador para o crescimento e desenvolvimento de seu paciente em várias
áreas. Este profissional tem em seu trabalho a obrigação de transgredir
limites, que seu paciente se propõe ultrapassar.

A TA- Assistente Terapêutica -, assim como, a AT- Tecnologias


Assistiva - não devem ser desassociadas, já que a parceria garante qualidade
e melhor atendimento e aprendizado. Tal postura, apesar de exigir
qualificação, é também garantia de empregabilidade.

Resta-nos, como especialistas, garantir depois de alcançadas as


estâncias aqui analisadas romper com os padrões políticos, a fim de
garantirmos o direito à educação de qualidade para todos indistintamente.

RERÊNCIAS

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Alfabetização de Surdos:
o desafio do ensino de libras em sala de atendimento
educacional especializado em escola regular

Simone Maria dos Santos1

Maggie Francis Santos Pereira2

Verônica dos Reis Mariano Souza3

RESUMO
O presente trabalho é requisito do Programa Especial de Inclusão em Iniciação
Científica – PIIC POSGRAP/PROEST/UFS, sob a orientação da Profª Drª Verônica
dos Reis Mariano Souza. Tem como principal objetivo verificar como ocorre o
atendimento dos surdos falantes da Língua Brasileira de Sinais (LIBRAS) na sala de
Atendimento Educacional Especializado (AEE) em uma escola da rede pública
municipal, onde se trabalha a inclusão. Trata-se de uma pesquisa qualitativa com
abordagem de estudo de caso. Para a realização da pesquisa de campo de cunho
qualitativo foram utilizados: coleta de dados, entrevistas estruturadas com a mãe da
aluna, professoras e coordenadora pedagógica, observação participante e consulta a
documentos. As leituras realizadas sobre alfabetização de surdos no que diz respeito
ao ensino de LIBRAS e ao processo de inclusão, e de como os agentes socializadores
demonstram as dificuldades desse processo e as barreiras encontradas no método da
inclusão social e educacional. Após as observações e leituras sobre alfabetização de
surdos conclui-se que o atendimento da criança surda ainda é insatisfatório porque
não existe uma metodologia adequada ao aluno, pois, a repetição de letras e sílabas e a
cópia não levam a aprendizagem. A LIBRAS ainda não é utilizada como língua I (LI).
Para que ocorra a alfabetização de Surdos é necessário que haja uma mudança nas
práticas pedagógicas de professores da sala de AEE, da equipe pedagógica e da escola
como um todo.

Palavras-chave: AEE. Alfabetização. LIBRAS.

1
Contato do(a) autor(a): simone-1977@hotmail.com. Graduanda do 7º período em
Pedagogia pela Universidade Federal de Sergipe (UFS); Bolsista do Programa de
Inclusão em Iniciação Científica – PIIC POSGRAP/PROEST/UFS; Integrante do
Núcleo de Pesquisa da Inclusão Escolar da Pessoa com Deficiência (NUPIEPED).
2
Contato do(a) autor(a)guinha_pereira@yahoo.com.br. Graduanda do 7º período em
Pedagogia pela Universidade Federal de Sergipe (UFS); Bolsista do Programa de Inclusão em
Iniciação Científica – PIIC POSGRAP/PROEST/UFS; Integrante do Núcleo de Pesquisa da
Inclusão Escolar da Pessoa com Deficiência (NUPIEPED)..
3
Contato do(a) autor(a):veromar@infonet.com.br. Professora Doutora em Educação
na Universidade Federal de Sergipe (UFS); Departamento de Educação (UFS);
Coordenadora do Núcleo de Pesquisa da Inclusão Escolar da Pessoa com Deficiência
(NUPIEPED).
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II Seminário Nacional de Alfabetização e Letramento Alfabetização, Discurso e Aprendizagens
Oralidade e Escrita na Prática Escolar
ISSN: 2177-4072

INTRODUÇÃO
No decorrer dos anos, os movimentos surdos estão conquistando
múltiplos espaços pautados a educação de surdos, e a Língua Brasileira de
Sinais (LIBRAS). A busca por uma alfabetização de qualidade demanda dos
profissionais uma invariável preparação de métodos de ensino. Diante desse
panorama, essa visão despertou a curiosidade de conhecer o “universo dos
surdos”.

A partir da convivência diária como professora atuante em sala de aula


com crianças surdas, foi possível perceber a árdua missão do educador em
alfabetizar crianças com esse tipo de deficiência, pois na maioria das vezes
não dominam a Língua Brasileiras de Sinais (LIBRAS) nem muito menos a
Língua Portuguesa.

Também foi possível perceber que as crianças surdas que ingressam


mais cedo nas escolas, têm um desenvolvimento melhor na L1 e na L2 (L1 –
LIBRAS e L2 Língua Portuguesa) em relação aos que tem um ingresso
tardio.

O desafio da comunicação exigiu um estudo mais aprofundado baseado


em leituras, participação de palestras e congressos voltados para esse tema. É
exatamente na escolarização dos surdos que se apresentam as maiores
limitações, uma dessas é o processo de alfabetização de crianças surdas. Já
que o desafio maior está na alfabetização do indivíduo, assim como nas
escolas bilíngues e nas regulares, esses educandos estão saindo sem serem de
fato alfabetizados. A necessidade da comunicação é humana, assim como
também para o surdo. Todas as pessoas têm o direito à escolarização
independente da sua deficiência. Comunicar não é algo especial, mas sim
essencial. Primordial é a aprendizagem da língua que eleva o nosso grau de
instrução, que diferencia dos outros animais, de outros grupos e possibilita a
comunicação.

A linguagem permite ao homem estruturar seu pensamento, traduzir o


que sente historiar o que conhece e comunicar-se com os outros. Ela marca o
acesso do homem na cultura, construindo-o como sujeito capaz de produzir
transformações antes nunca imaginadas.

Toda aprendizagem é mediada pela linguagem e será mais bem sucedida


se a língua for utilizada compartilhada inteiramente em seus usos e funções
sociais. Além disso, a surdez não é uma realidade homogênea, mas
multicultural, a depender de cada histórico da vida de cada aluno e das
relações sociais que estabeleceu, desde o nascimento. A escola poderá se
deparar com diferentes identidades surdas. Hoje a pessoa surda tem uma
linguagem caracterizada e utiliza a mesma para poder comunicar-se e
melhorar a socialização.

Diante do exposto questiona-se: que tipo de formação a escola oferece


aos professores, para que eles atuem como profissionais na educação de
surdos, no ensino de LIBRAS em uma sala de aula da rede pública regular?
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Para responder ao questionamento traçou-se o seguinte objetivo:


verificar como dá a prática de alfabetização dos surdos falantes da Língua
Brasileira de Sinais.

1 Revisão de literatura

A partir da convivência diária com crianças surdas em uma sala de


atendimento educacional especializado do ensino regular, foi possível
observar que o processo de inclusão necessita de subsídios e capacitação dos
professores e demais funcionários da escola para criar métodos educativos
que possibilitem além da integração a inclusão destes alunos em escolas
regulares, efetivando assim o direito à educação como direito de todos,
garantindo o pleno desenvolvimento da pessoa, como garante a Constituição
Federal de 1988, que dispõe em ser Art. 205 que a educação é um direito de
todos e dever do Estado e da família, que esta terá a colaboração da
sociedade, ao visar o pleno desenvolvimento da pessoa, e o seu preparo para
o exercício da cidadania.

A Constituição Federal também estabelece no Art. 208, III o direito das


pessoas com necessidades especiais receberem educação preferencialmente
na rede regular de ensino. A educação de surdo no ensino regular faz parte
das políticas públicas no processo de inclusão.

É oportuno considerar a valorização da língua de sinais-LIBRAS, para


os surdos que possibilita a igualdade de condições de desenvolvimento entre
as pessoas.

Esta disposta no Plano Nacional de Educação:

A diretriz atual é a da plena integração dessas pessoas em todas as


áreas da sociedade. Trata-se, de duas questões, o direito á educação
comum, a todas as pessoas, e o direito de receber essa educação
sempre que possível junto com as demais pessoas nas escolas
regulares. Não há como ter uma escola regular eficaz quanto ao
desenvolvimento e aprendizagem dos educando especiais sem que
seus professores, demais técnicos, pessoal administrativo e auxiliar
seja preparado para atendê-los adequadamente. As classes especiais,
situadas nas escolas “regulares”, destinadas aos alunos parcialmente
integrados, precisam contar com professores especializados e
materiais pedagógicos adequados. (PNE- Educação Especial, 2011).

A busca por uma alfabetização de qualidade requer profissionais que


conheça as concepções e paradigmas que determine o trabalho educacional
com o surdo, refletindo sobre os processos e propostas de ensino a serem
adotados nas diferentes áreas do conhecimento (educação L1-Língua de
sinais, L2-Língua portuguesa). De acordo com a Lei de LIBRAS 10.436 de
2002 que reconhece a Língua Brasileira de Sinais como uma língua no país
usada pelas comunidades surdas brasileiras.
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O desafio maior que se apresenta no momento, é de formar professores


bilíngues (língua de sinais, e português), para atuarem no ensino superior na,
formação e outros profissionais para garantir o acesso, e a permanência de
surdos na educação. Entretanto o processo educativo favorecera, não somente
o professor, mas o aluno nas escolas regulares.

Sobre o objetivo do AEE, DAMÁZIO, 2007, diz: esse atendimento


constitui um dos momentos didático-pedagógicos para os alunos com surdez
incluídos na escola comum. O atendimento ocorre diariamente, em horário
contrário ao das aulas na sala de aula comum.

O parecer embasa para pensar um modelo educacional a ser aplicado, na


qual possibilite as diferenças, tendo como suporte os dispositivos
pedagógicos, a linguagem em LIBRAS e pensar essa formação para que ele
consiga transmitir, o planejar para o surdo, individuo (a língua). A proposta
faz o planejamento, penso no sujeito usando a Língua de Sinais como
caminho para o conhecimento.

“A capacidade de comunicação linguística apresenta-se como um dos


principais responsáveis pelo processo de desenvolvimento da criança surda
em toda a sua potencialidade, para que possa desempenhar o seu papel social
e integra-se verdadeiramente na sociedade” (MEC, SEE. 2006). Nessa
definição a Língua de Sinais viabiliza a interação entre o sujeito, de caráter a
propiciar a aquisição da linguagem escrita pelo surdo.

Vygotsky (1996) em seus estudos relaciona a apropriação da linguagem


escrita com o amadurecimento da representação simbólica, para ler e
escrever, as crianças não necessitam restringir - se aspecto sensorial da fala e
do significado das palavras, trabalhar com o símbolo que é fundamental.

Ao analisar os trabalhos citados, percebesse que a educação de surdos


não é algo tão complicado em relação á natureza da surdez. Mas esta ligada a
dificuldade encontrada no processo de alfabetizar essas crianças, ou seja, no
letramento inicial. Já que a escola atual vem tentando introduzir e manter
esses alunos no paradigma da educação inclusiva, para corromper modelos
discriminatórios. Nessa busca não podemos deixar de citar o despreparo por
parte das instituições e professores, que na maioria das vezes não estão aptos
a trabalharem o bilinguismo com os surdos.

2 Metodologia
Trata-se de uma pesquisa qualitativa com abordagem de Estudo de
Caso. A obtenção de dados descritivos ocorreu mediante contato direto e
indireto do pesquisador com a situação objeto de estudo (Neves, 1996). Esse
tipo de estudo foi escolhido por sua complexidade e especificidade do
problema e da oportunidade de estudá-lo em profundidade.

A pesquisa foi realizada no contexto de uma escola da rede pública em


uma sala de Atendimento Educacional Especializado, onde está situada em
Aracaju, em um bairro de classe média.
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A coleta de dados foi realizada durante uma semana, através das


observações da criança na sala de AEE, entrevistas estruturadas com a mãe,
professores e a diretora. Após essa etapa de coleta de dados foram realizados
levantamentos e analises dos pontos que interessam e em seguida analisados
de acordo com a bibliografia ofertada sobre o tema.

Caracterização da Escola

É uma escola de pequeno porte, oferece o ensino Fundamental de 1º ao


5º ano, possui 03 salas de aula, 01 sala de recursos, 01 laboratório de
informática reativado recentemente, 01 cozinha, 04 banheiros, 01 secretária,
01 almoxarifado e 01 pátio. Funciona nos turnos matutinos e vespertinos e
possui 140 alunos dentre os quais 20 são portadores de necessidades
educativas especiais, especificamente auditivas.

É uma escola inclusiva que realiza o atendimento especializado no


mesmo horário das aulas da sala regular, fazendo assim a exclusão do aluno
portador de alguma deficiência.

A Criança

“G” entrou na escola regular (instituição particular) com 5 anos já


diagnosticada com surdez profunda desde 1 ano de vida. Durante as
observações, “G” se encontra com 11 anos.

Durante o convívio com “G” a criança se mostrou carinhosa, mas com


um comportamento agitado (falta de concentração, desinteresse nítido por
conta da metodologia utilizada pela professora da sala de AEE, retirada da
atenção dos outros colegas de sala).

“G” tem facilidade de interagir com os demais colegas – tanto da sala de


AEE quanto da sala regular -. Para desenvolver as atividades escolares
necessita de um apoio maior devido a sua deficiência, mas infelizmente não
acontece esse atendimento para a realização do seu desenvolvimento.

A criança é assistida por outra instituição de apoio pedagógico (sendo


esta segregativa – APADA-SE), onde a partir dos relatos da mãe seu
comportamento é contrário ao que apresenta na escola.

A Mãe

“G” mora com a mãe que está grávida de seu segundo filho, seu
padrasto o qual ela tem muito carinho. Sua mãe é a principal responsável
pelos estímulos e acompanhamento em seu processo de desenvolvimento.
Mesmo sabendo que sua filha nasceu surda, afirma que ela não é deficiente.
Mas, nem por isso, desiste e/ou deixa de lutar para ver sua filha alfabetizada.

3 Resultados e discussão
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A partir das observações realizadas foi possível constatar que o


atendimento oferecido na sala de AEE da escola não está sendo feito. De
acordo com DAMÁZIO, 2005: “A inclusão de pessoas com surdez na escola
comum requer que se busquem meios para beneficiar sua participação e
aprendizagem tanto na sala de aula como no Atendimento Educacional
Especializado”.

Com dito antes, essa instituição de ensino apenas promove a inclusão no


papel. Ou seja, ao matricular um aluno portador de algum tipo de deficiência,
a escola se diz altamente inclusiva, e o que ocorre na prática é totalmente o
contrário.

Na coleta de dados, onde a aluna “G” (objeto de estudo dessa pesquisa)


foi retirada da sala de aula regular durante todo o período de observação pela
professora da sala de recursos/AEE, que tinha como motivo maior a oferta de
um melhor acompanhamento e subsídios necessários para o desenvolvimento
da aluna. Mas na verdade não é isso que ocorre. O que ela alega é que: “o
lugar dela enquanto não estiver amadurecimento e progresso, é na sala de
AEE.

Assim como também, a mesma profissional afirma que “G” não tem
capacidade para realizar as atividades que a professora da sala regular
transmite, sendo assim a professora da AEE, refaz as atividades para criança
usando um método de “infantilização” na qual julga a criança incapaz devido
ao seu não amadurecimento.

Segundo a mãe de “G” em seus relatos na entrevista, o atendimento que


está sendo oferecido à sua filha na escola regular é regressivo. Pois se até o
comportamento na instituição de apoio pedagógico é diferente ao apresentado
na escola por “G” deixa claro que há algo de errado em sua maneira de se
trabalhar com a criança. A sua principal queixa é não entender que
amadurecimento é esse que tanto a professora do AEE explicita pelo não
cumprimento das atividades feitas por ela durante o atendimento, se na
APADA-SE ela cumpre todas as suas obrigações escolares.

Sua principal e repetitiva fala durante a entrevista é: “de tanto a


professora falar que “G” precisa amadurecer, já cheguei à conclusão de que
minha filha vai “cair de podre” e não vai ficar madura”.

Uma fala de “G” que chamou bastante atenção durante as observações


foi ela dizer que a professora a chamou de “burra, burra”.

Para DAMÁZIO, 2007: “Também, a escola especial é segregadora, pois


os alunos isolam-se cada vez mais, ao serem excluídos do convívio natural
dos ouvintes. Há entraves nas relações sociais, afetivas e de comunicação,
fortalecendo cada vez mais os preconceitos”. Mesmo sabendo que uma
escola segregadora por um lado incentiva o preconceito, por outro, ela faz o
papel da escola inclusiva quando exerce as duas funções: AEE e Ensino
Regular.
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Também foi constatado na entrevista da professora que é preferível estar


em uma classe especial, onde só se encontram crianças portadoras de alguma
deficiência, pois a metodologia utilizada é mais simples e fácil de trabalhar.
Mas isso não foi percebido durante as observações, e sim, o contrário: que
assim como “G” e os demais que se encontravam na sala de AEE tinham
dificuldades para compreender o que ela exigia.

CONCLUSÕES
A intenção da realização dessa pesquisa não é simplesmente recolher
esses dados, analisá-los e finalizar por aqui. E sim, dar continuidade ao
estudo sobre a alfabetização dos surdos em salas de Atendimento
Educacional Especializado.

A partir das leituras e observações feitas para essa pesquisa, ficou


claro para a pesquisadora que há um contraste entre a teoria e a prática. A
falta de formação e profissionalismo dos professores, o mau uso da sala de
AEE, falta de estímulo à família e a criança e a educação regressiva, foram os
pontos relevantes que se destacaram durante a realização da pesquisa.

A respeito da falta de formação e profissionalismo dos professores – da


sala de AEE e da sala aula regular (sendo a segunda que permite a retirada da
criança da sala de aula) – é notória. Pois a partir do momento em que a
professora da sala de aula regular permite esse tipo de ação, demonstra o
quanto está despreparada para ficar com a aluna surda em sua classe junto
aos “ditos normais” promovendo a inclusão e avanços no desenvolvimento da
criança.

Se a professora de AEE “faz questão” de colocar a aluna em sua


sala, deveria ao menos tentar auxiliar e estimular a criança, e não fazer a
regressão desta. O mau uso da sala de AEE está presente em todos os
aspectos:

 Não cumprimento do objetivo do AEE;

 Falta de compromisso por parte da professora;

 Utilização indevida do espaço pedagógico;

 Desrespeito ao aluno;

 Desconsideração do aprendizado e desenvolvimento do aluno;

 Má formulação das atividades.

Devido à falta de formação e profissionalismo dos professores e o mau


uso da sala de AEE, o desestimulo a família e a criança também não passa
despercebido para a pesquisadora.
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Assim como já foi relatado antes pela mãe e por “G”, são impostos
tantos empecilhos por parte dos profissionais responsáveis pelo
desenvolvimento da criança, que ambas ficam desestimuladas e
desinteressadas chegando ao ponto de não querer frequentar a instituição de
ensino, somente a de apoio pedagógico.

Com isso, percebe-se também o tipo de educação ofertada por essa


professora de AEE é uma educação regressiva. Onde a criança é obrigada a
fazer atividades repetitivas, por exemplo: cópia do alfabeto, dos números e
do seu próprio nome. Sendo que a mesma faz a troca da atividade da sala
regular por essas aqui citadas, afirmando a incapacidade da aluna.

Verifica-se assim, que na instituição de ensino em que foi realizada a


pesquisa, o atendimento dos Surdos falantes da Língua Brasileira de Sinais
não ocorre na sala de Atendimento Educacional Especializado/AEE da rede
pública municipal.

Após as observações e leituras sobre alfabetização de surdos conclui-se


que o atendimento da criança surda ainda é insatisfatório porque não existe
uma metodologia adequada ao aluno, pois, a repetição de letras e sílabas e a
cópia não levam a aprendizagem. A LIBRAS ainda não é utilizada como
língua I (LI). Para que ocorra a alfabetização de Surdos é necessário que haja
uma mudança nas práticas pedagógicas de professores da sala de AEE, da
equipe pedagógica e da escola como um todo.

REFERÊNCIAS

BARROS, S. A. D; SILVA, D. T. C; LOUREIRO, V. R. A criança surda


em idade pré- escolar e a investigação da classificação de objetos.
Brasília: CORDE, 1977.
BRASIL, Ministério da Educação. PLANO NACIONAL DE EDUCAÇÃO -
Educação Especial
DAMÁZIO, Mirlene Ferreira Macedo. Educação Escolar Inclusiva das
Pessoas com Surdez na Escola Comum: Questões Polêmicas e Avanços
Contemporâneos. In: II Seminário Educação Inclusiva: Direito à Diversidade,
2005, Brasília. Anais... Brasília: MEC, SEESP, 2005. p.108 - 121.
DAMÁZIO, Mirlene Ferreira Macedo. Atendimento Educacional
Especializado: pessoas com surdez. SEESP / SEED / MEC Brasília/DF –
2007.
DORZIAT, Ana. Democracia na escola: bases para igualdade de condições
surdos-ouvintes. Revista Espaço. Rio de Janeiro: INES. nº 9, p. 24 -29,
janeiro junho, 1998.
LODI, A. C. B; LACERDA, C. B. F. Uma escola duas línguas: letramento
em língua portuguesa e língua de sinais nas etapas iniciais de escolarização.
Ed. Mediação, 2009.
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NEVES, J. L. Pesquisa qualitativa- característica, usos e possibilidades.


Caderno em Administração, São Paulo, v. l, n.3,2 sem/1996.
QUADROS, R, M. Desafios na formação de profissionais na área da
surdez.
Disponível em www.ronice.muller.com.br/pdf (Acessado em 04 de abril de
2011).
QUADROS, R. M; SCHMIEDT, M. L. P. Idéias para ensinar português
para alunos surdos. – Brasília: MEC, SEESP, 2006.
SABERES E PRÁTICA DA INCLUSÃO: desenvolvendo competências
para o atendimento ás necessidades educacionais especiais de alunos surdos.
2. Ed. Coordenação Geral SEESP/MEC. – Brasília: MEC, Secretária de
Educação Especial, 2006.
SOUZA, Verônica dos Reis Mariano. Gênese da Educação de Surdos em
Aracaju. São Cristóvão: Editora da UFS; Aracaju: Fundação Oviêdo
Teixeira, 2010.
VYGOTSKY, L. S. A formação social da mente. São Paulo: Martins fontes,
1996.
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Letramento: prática do AEE no Ensino Fundamental

Uilde de Santana Menezes1

Vânia Batista de Souza2

RESUMO

O presente artigo procurou refletir sobre o sentido da inclusão dos alunos com
Necessidades Educacionais Especiais e o letramento de forma a integrar os alunos
com deficiência ao processo de aquisição da leitura e escrita. Pois, a educação se
encontra numa perspectiva mudança exigido mais liberdade na pratica pedagógica.
Nesse contexto ações de reflexões provenientes da oralidade e escrita integrada no
contexto do Atendimento Educacional Especializado (AEE), possibilitando
aprendizagem aos alunos com Necessidade Educacionais Especiais (NEE) do Ensino
Fundamental. Sendo que o processo de letramento desses alunos e uso das tecnologias
educacionais no contexto escolar como recurso didático, tendo a aprendizagem como
o principal foco na vida dos alunos com deficiências. Os recursos tecnológicos
permitem aos alunos aproveitar os conhecimentos adquiridos no seu cotidiano e
através da mediação docente, transitar consciente entre os discursos postos na
sociedade. Com objetivo de aprimorar a linguagem escrita e falada, com materiais e
atividades adequadas as suas habilidades, estimulando a sua participação de forma
integral no meio em que vivem. Por outro lado, o estudo buscou também uma reflexão
acerca da educação inclusiva no Brasil, bem como o papel das políticas publicas para
este fim. Pois, apesar das leis que amparam a educação inclusiva, percebe-se que o
atendimento as pessoas com algum tipo de deficiência é um grande desafio para
escolas públicas brasileiras hoje.

Palavras-chave: Atendimento Educacional Especializado (AEE); Letramento;


Necessidades Educacionais Especiais (NEE).

1
Contato do(a) autor(a): uildsm@gmail.com. Especialista também em Educação
Física Escolar pela Faculdade Atlântico.
2
Contato do(a) autor(a): arcanjauniversitaria@bol.com.br. Licenciada em Pedagogia
pela UFS.
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INTRODUÇÃO

Este artigo objetiva abordar o letramento no Atendimento educacional


especial-AEE, possibilitando facilitar o processo de ensino-aprendizagem nos
alunos com Necessidades Educacionais Especiais (NEE) do ensino
fundamental, com apoio de recursos metodológicos dos quais buscam inclui a
alunos com deficiência no contexto do desenvolvimento da oralidade e
escrita. Especificamente nas salas de aulas do 1º ao 9º ano da rede municipal
de educação da cidade de Poço Verde.
O AEE constitui atualmente mais um recurso para que o professor possa
contribuir e acompanhar o desenvolvimento do aluno principalmente aquele
com dificuldade ou déficit de aprendizagem. Nessa perspectiva este trabalho
tem a finalidade de contribuir com os professores que trabalham na Sala de
Recursos Multifuncional para uma reflexão no desenvolvimento de suas
atividades.
Uma vez que os mesmo percebem que os alunos apenas decodificam as
palavras, mas tem dificuldade no material utilizado para ser lidos. Pois,
muitos desses alunos estão inseridos no processo de alfabetização e não
letrados, visto que também que não compreendem o discurso do professor na
transmissão dos conteúdos. Sendo que estes problemas não são apenas pela
dificuldade de aprendizagem devido à deficiência, mas também pela falhas
no processo da aquisição de leitura e escrita dos alunos com deficiências;
ocasionando desinteresse, displicência, indisciplina e conseqüentemente o
fracasso escolar.
Os alunos com NEE devem e podem participar de todas as atividades
realizadas na sala de aula do ensino regular, com diferentes recursos de
acessibilidade e com confecção de materiais e interação de todos os
envolvidos. Nesse contexto é que se insere o AEE, com o objetivo de
oferecer e fortalecer aos educando do ensino fundamental que freqüentam a
sala de recursos multifuncional (SEM), com recursos didáticos tecnológicos e
alternativos que favoreçam o acesso aos conteúdos escolares e o
desenvolvimento das potencialidades e habilidades através do ato da leitura e
escrita. Uma vez que a função da escola é o de socialização do saber, e a
integração do educando com necessidade especial para sua plena participação
no exercício da cidadania de forma autônoma.

A escola é um espaço essencialmente de fonte de formação e


socialização. Esses seus compromissos podem ser concretizados e
garantidos, na medida em que a escola construir momentos
significativos para o educando de interação entre experiências
escolares e não escolares (RIOS e LIBÂNIO, 2009, P.43)

Portanto, discutiremos nesse artigo, as implicações decorrentes da


alfabetização na perspectiva do letramento, a partir das reflexões em torno da
concepção de letramento, no processo de leitura e escrita como as ações e
desafios nas praticas pedagógicas no Atendimento Educacional Especializado
(AEE) através da SEM na inclusão de alunos com Necessidades
Educacionais Especiais (NEE).
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1 Letramento e a reflexão sobre a prática da leitura e


escrita

No âmbito da pratica escolar de aquisição da escrita e leitura é


fundamental saber selecionar as informações, bem como interpretá-las de
acordo com seus contextos e as transformá-las em conhecimento, num
processo em que a aprendizagem se torna uma necessidade continua, para
adquirir as habilidades necessárias de aprender a ler e escrever, possibilitando
decodificar a língua escrita, que por sua vez é o resultado do processo de
alfabetização do individuo no ato de ensinar e aprender a ler e a escrever.
Sendo que o conceito de alfabetização vai alem do ato de ler e escrever
os rudimentos da língua materna, pois o domínio da linguagem permea pela
busca constante de endente-la em sua totalidade, mantendo estreitas relações
com o ato da leitura e a produção de textos, em diversas situações do seu uso,
para uma efetiva participação social. Não ficando restrito apenas ao processo
de alfabetização, já que o conhecimento lingüístico prévio se faz necessário
para a compreensão de um texto. Como nos afirma Gomes (2009):

Para que possa integrar de pleno direito a condução, a produção e a


transformação da sociedade de que faz parte, todo cidadão deve
dominar a língua padrão. A criança já vai para a escola com domínio
de sua variedade lingüística, que muitas vezes, é estigmatizada pela
sociedade. Cabe à escola, então, oferecer a possibilidade de inserção
dessa criança nos outros contextos sociais, como o educacional e o do
futuro mercado de trabalho, como lhe é de direito, sem, no entanto,
colocá-la em posição de inferioridade pela variedade lingüística que
usa. Essa possibilidade só se concretizará através da leitura e da
escrita (GOMES, 2009, P.55).

Nessa perspectiva, o conceito de letramento aparece para dá uma maior


dimensão a visão de alfabetização e ao mesmo tempo mediar com o
individuo o processo de aquisição da leitura e da escrita levando-os ao
letramento, possibilitando a ingressar no contexto dos diversos discursos,
transitando como interlocutor e como autor, fazendo procedimentos
caracteriza um leitor proficiente, que consegue estabelecer objetivos de
leitura e construir estratégias para entender as relações sociais e as suas
contradições, (Pietri, 2009). Pois, o letramento é o ato de como nos
apropriamos da escrita e da leitura, o que torna diferente apenas do saber do
aprender ler e escrever.
Sendo assim, pensar no ensino do português escrito para pessoas com
necessidades educacionais especiais na escola, então, significar pensar no
processo de letramento que requer o desenvolvimento e aperfeiçoamento da
língua em varias práticas do contexto social de interação verbal e discursiva,
principalmente da escrita. Já que se faz, necessário dar condições ao
individuo de ampliar o domínio da língua e da linguagem como um todo,
uma vez que aprendizagem é de suma importância para o pleno exercício da
cidadania.
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O ato de escrever é um fenômeno inerente, já que somos requisitados


diariamente a produzir sentido escrito, uma vez que os sujeitos que vivem em
uma sociedade letrada tem necessidades de ler e escrever em práticas sociais
e que a escola espaço para instrumentalizar esses atos.

A escola tem como função primordial preparar os indivíduos para


entender dados, informações e inovações dentro de seus respectivos
contextos, mas sem perder de vista suas ligações com um todo maior
que se apresenta como um sistema de vasos comunicantes (SILVA,
2006, P.14).

Nesse sentido, o ato de ler e escrever implica, em processo de cognitivo


e em atividades socioculturais, sendo que estas não são solitárias, mas são
construídas na interação entre o sujeito cognoscente e os objetivos do
conhecimento. Visto que o processo de leitura constitui-se na sociedade um
caminho que permite o acesso a cultura e ao conhecimento, enquanto a
escrita por sua vez, organizada e estruturada a informação que construir o
conhecimento e gera o pensamento lógico.
Com isso, demanda que as atividades propostas da reflexão sobre o
processo de letramento precisam ser voltadas para a observação e a analise da
língua em uso, bem como ao seu conhecimento, estrutura, sistema lingüístico,
funcionamento e variação no contexto da pratica e uso, que seja no processo
de aquisição da leitura e escrita ou da produção da escrita, permitindo ao
aluno ampliar sua competência e seu desempenho lingüístico.

Conforme Vygotsky (1984, p.27) “é na interação com as atividades que


envolvem simbologia e materiais didáticos que o educando aprende a agir
numa esfera cognitiva.” Na visão do autor a criança comporta-se de forma
mais avançada do que nas atividades da vida real, tanto pela vivencia de uma
situação imaginaria, quanto pela capacidade de subordinação às regras.

Dessa forma, o processo de compreensão da aquisição do letramento é


gradual e sempre exige esforços dos alunos e, para que a compreensão seja
melhorada cada vez que entra um novo contato com o texto, entende-se que,
para o aluno aprender um determinado conceito, ele deve relacioná-lo aos
conhecimentos prévios que possui. Essa relação é complexa, mas de um
modo geral, pode-se considera que quando ela acontece ocorre uma
aprendizagem significativa, ou seja, o aluno consegue assimilar a leitura nova
aos conhecimentos prévios por causa do desequilíbrio e do conflito
provocado pela nova informação a que entrou em contato; o que pode levar a
mudanças conceituais dos conhecimentos prévios.

2 O AEE: a prática pedagógica na sala de recursos


multifuncional no ensino fundamental

A integração dos alunos com necessidades especiais na escola comum é


um dos grandes desafios que educação enfrenta hoje. Pois, o ser humano é
um ser social e cultural que vive em sociedade com regras e costumes. Que
durante o seu processo de desenvolvimento, a aquisição da fala está
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fortemente ligada ao seu momento e ao mundo com quais as pessoas que


estão em seu convivo. Este trabalho vem refletir sobre o verdadeiro sentido
da inclusão, de alunos com deficiência auditiva, em termos de legislação em
que assegura a Educação Especial nas instituições escolares publicas ou não e
quais as políticas publicas voltada para este fim.

Como o Atendimento Educacional Especializado- AEE, que é uma das


inovações trazidas pela política Nacional de Educação Especial na
Perspectiva da Educação inclusiva, como nos diz: Mantoan, Ropoli e
Machado:

O Decreto Nº. 6.571, de 17 de setembro de 2008, que dispõe sobre o


Atendimento educacional Especializado, destina recursos do Fundo
Nacional de Desenvolvimento da Educação Básica- FUNDEB ao AEE
de alunos com deficiência, transtornos globais do desenvolvimento e
altas habilidades/ superdotação, matriculados na rede publica de
ensino regular, admitindo o cômputo duplo da matricula desses alunos
em classes comuns de ensino regular publico e no AEE,
concomitantemente, conforme registro no Censo Escolar. (ROPOLI,
MANTOAN E MACHADO, 2010, p. 21)

No entanto, mesmo com leis que amparam a educação inclusiva,


percebe-se que o atendimento aos alunos com algum tipo de deficiência,
ainda é um grande desafio, uma vez que requer da comunidade escolar e
especial aos professores o conhecimento e entendimento do processo de
inclusão destes alunos no ambiente escolar de forma integral, rompendo as
barreiras da exclusão. Promovendo assim seu crescimento e autonomia nos
aspectos lingüísticos, cognitivos, físicos, psicológico, social e cultura,
promovendo também a sua auto- estima.

Neste sentido, a inclusão por se já é um grande desafio, maior ainda


quando nos educadores não estamos preparado para receber alunos com
necessidades especiais, pois, é vivendo com esta situação que
compreendemos que a qualificação para lhe dá com o novo é reconhecer que
os obstáculos fortalecem mais a nossa pratica, rompendo com as barreiras da
exclusão e dos mitos e tabus que cerca o mundo dos alunos com deficiência,
favorecendo nossas experiências e metodologias que requer mudança de
atitude.

Mas com a Política Nacional de Educação Especial é uma ação política,


cultural, social e pedagógica que visa o desenvolvimento e a defesa do direito
de todos os alunos estarem juntos, aprendendo e participando do processo de
educacional sem nenhuma discriminação. Bem como o papel do Brasil nesse
contexto que ao longo dos anos desenvolve política e leis que garantam a
inclusão dos alunos no processo de ensino.

E com a implantação da AEE que é uma das inovações trazidas pela


Política Nacional de Educação Especial na perspectiva da Educação
Inclusiva, que visa identificar o pleno desenvolvimento dos alunos de
necessidades especial, se organizando para suprir as necessidades de acesso
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ao conhecimento e à participação dos alunos com deficiência e dos demais


que são público alvo da Educação Especial, nas escolas comuns.

A proposta pedagógica do AEE para atender na SRM numa visão


inclusiva de atendimento, para intervenção no processo de ação de letramento
para os alunos com NEE. Pois, são alunos que em determinado momento de
sua vida escolar, apresenta necessidades educacionais especiais, e o AEE e
seus professores buscam diferentes estratégias, para auxiliarem esses alunos e
os professores da sala de aula regular, proposta de intervenção no processo de
aquisição da escrita e leitura que freqüentam a SEM.

O trabalho nas SEM da rede municipal de educação da cidade de Poço


Verde tem a justificativa de proporcionar aos alunos com NEE, condições
para a inclusão educacional, familiar e social, bem como orientar os
professores do ensino regular das necessidades desses discentes, em obterem
bom desempenho nas atividades de leitura e escrita, mas também utilização o
processo de letramento e outros materiais visuais, adaptados e software
educativos que favoreçam a compreensão das informações no processo da
ensino-aprendizagem da leitura e escrita.

Ainda enfatizamos que as atividades propostas na SEM com os alunos


do ensino fundamental em torno do letramento, com usos diferentes recursos
didáticos, são realizadas em grupos ou individuais, dependendo da
necessidade de cada aluno, levando em conta o ritmo desenvolvimento da
aprendizagem. Estas ações promoverão mudanças significativas no
comportamento e no desenvolvimento cognitivo de Davi, fazendo com que
ele se desenvolva satisfatoriamente no âmbito escolar e/ou social. Vale
ressaltar também que o papel da família em parceria com os profissionais do
AEE é de suma importância para que os objetivos traçados sejam alcançados.
Como afirma Mantoan (1992): “estas ações objetivam torná-las cada vez
mais aptas a viverem, a se integrarem socialmente e, portanto mais próximas
da normalidade”.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O Atendimento Educacional Especializado na Perspectiva Inclusiva


estabelece a compreensão e o reconhecimento do potencial e da capacidade
das pessoas com deficiência, e ao mesmo tempo o seu pleno desenvolvimento
e aprendizagem que a Política Nacional de Educação Especial na perspectiva
Inclusiva que disponibiliza serviços e recursos, considerando também a
obrigatoriedade dos dispositivos legais, que determinam o direito de uma
educação em língua portuguesa brasileira para pessoas com OU sem NEE.
Pois, segundo Freire (1987, p. 3) “a educação é um processo continuo e tem
por finalidade precípua auxiliar o homem a edificar a sua própria
personalidade e tornar-se de maneira ativa e criativa no mundo em que vive”.

Ainda segundo a Lei de Diretrizes e de Bases nº 5692 de 11 de agosto


de 1971, no capitulo 4 art. 1º, o ensino de 1º e 2º grau que atualmente é o
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ensino fundamental e o ensino médio da educação básica tem por objetivo


geral proporcionar ao educando a formação necessária do desenvolvimento
de sua personalidades como elemento de auto-realização, preparação para o
trabalho e para ao exercício consciente da cidadania.

REFERÊNCIAS

BRASÍLIA: Ministério da Educação, Secretaria de Educação Especial;


[Fortaleza]: Universidade Federal do Ceará, 2010.
FREIRE, Paulo. Pedagogia do Oprimido. 17 ed. Rio de Janeiro: Paz e
Terra, 1987.
GOMES, Maria Lucia de Castro. Metodologia do ensino de língua
portuguesa. –São Paulo: Saraiva, 2009.
PIETRI, Émerson de. Pratica de leitura e elemento para a atuação
docente. 2.ed.- Rio de Janeiro: Ediouro, 2009.
RIOS, Zoé e LIBANIO, Márcia. Da escola para casa: alfabetização. Belo
Horizonte: RHJ, 2009.
ROPOLI, Edilene Aparecida; MANTOAN, Maria Teresa Eglé e
MACHADO, Rosangela. A Educação Especial na Perspectiva da Inclusão
Escolar: A Escola Comum Inclusiva.
SILVA, Rosana Cristina Ferreira. A dialética do prazer na profissão
docente. Três Corações: UNINCOR- 2006.
VIGOSTKY, L. S. A formação social da mente. São Paulo: Martins Fontes,
1984.
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Inclusão de Autistas em Escolas Regulares:


um trabalho multidisciplinar

Maggie Francis Santos Pereira1


Simone Maria dos Santos2
Verônica dos Reis Mariano Souza3

RESUMO
O presente trabalho é realizado através do Programa de Inclusão em Iniciação
Científica – PIIC POSGRAP/PROEST/UFS, sob orientação da Prof.ª Dr.ª Verônica
dos Reis Mariano Souza. Tem como objetivo analisar a prática de inclusão de uma
criança autista a partir do cotidiano em uma sala de aula do 1º ano do ensino
fundamental em uma escola regular com o intuito de contribuir para o acesso e a
permanência dos portadores dessa deficiência nas instituições juntos aos alunos
normais, para que assim, possam desenvolver sua comunicação, interação social e o
cognitivo. Trata-se de um estudo de caso de base etnográfica. Este tipo de pesquisa foi
escolhido por permitir ao pesquisador uma análise mais profunda sobre o que está
sendo pesquisado. Para a realização da pesquisa de campo de cunho qualitativo foram
utilizados: coleta de dados, entrevistas estruturadas com a mãe da aluna, professoras e
coordenadora pedagógica, observação participante e consulta a documentos. Diante
das observações e leituras conclui-se que é possível a inclusão da criança autista em
escolas regulares desde que haja um trabalho multidisciplinar e a metodologia
adequada às necessidades do aluno contribuindo assim, para o desenvolvimento das
limitações da mesma.

Palavras-chave: Autismo. Ensino Regular. Inclusão.

1
Contato do(a) autor(a): guinha_pereira@yahoo.com.br. Graduanda do 7º período em
Pedagogia pela Universidade Federal de Sergipe (UFS); Bolsista do Programa de
Inclusão em Iniciação Científica – PIIC POSGRAP/PROEST/UFS; Integrante do
Núcleo de Pesquisa da Inclusão Escolar da Pessoa com Deficiência (NUPIEPED).
2
Contato do(a) autor(a): simone-1977@hotmail.com. Graduanda do 7º período em
Pedagogia pela Universidade Federal de Sergipe (UFS); Bolsista do Programa de
Inclusão em Iniciação Científica – PIIC POSGRAP/PROEST/UFS; Integrante do
Núcleo de Pesquisa da Inclusão Escolar da Pessoa com Deficiência (NUPIEPED).
3
Contato do(a) autor(a): veromar@infonet.com.br. Professora Doutora em Educação
na Universidade Federal de Sergipe (UFS); Departamento de Educação (UFS);
Coordenadora do Núcleo de Pesquisa da Inclusão Escolar da Pessoa com Deficiência
(NUPIEPED) .
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INTRODUÇÃO

Em Sergipe são poucas as pesquisas realizadas sobre a inclusão da


criança autista por se tratar de um distúrbio neurológico pouco conhecido. A
escolha desse tema foi feita a partir da convivência diária com uma criança
autista da qual despertou meu interesse para conhecer e me aprofundar nesse
mundo Autista. A inclusão do autista ainda é pouco estudada e muitas vezes
polêmica. Verificar as possibilidades da inclusão de crianças autistas em
escolas regulares e saber se as necessidades dessas crianças estão sendo
desenvolvidas para que obtenham avanços junto aos alunos normais em sua
comunicação, interação social e desenvolvimento cognitivo são tentativas de
contribuir para a inclusão escolar desse tipo de aluno que ainda sofre
discriminação na escola e na sociedade mais ampla.

Com esse convívio também foi possível observar que o processo de


inclusão necessita de subsídios e capacitação dos professores e demais
funcionários da escola para criar métodos educativos que possibilitem além
da integração a inclusão destes alunos em escolas regulares, efetivando assim
o direito à educação como direito de todos, garantindo o pleno
desenvolvimento da pessoa, como garante a Constituição Federal de 1988,
que dispõe em seu Art. 205 que a educação é um direito de todos e dever do
Estado e da família, que esta terá a colaboração da sociedade, ao visar o
pleno desenvolvimento da pessoa, e o seu preparo para o exercício da
cidadania.

O Autismo é um Transtorno Global do Desenvolvimento (também


chamado de Transtorno do Espectro Autista), caracterizado por alterações
significativas na comunicação, na interação social e no comportamento da
criança.4

A Lei de Diretrizes e Bases para a Educação Nacional, Lei nº 9.394, de


20/12/1996, trata, especificamente, no Capítulo V, da Educação Especial.
Define-a por modalidade de educação escolar, oferecida preferencialmente na
rede regular de ensino, para pessoas com necessidades educacionais
especiais, mas para haver a inclusão é necessário que não haja segregação
entre ensino regular e especial. Esta reorganização na qual a educação
especial passa a integrar a ação pedagógica do ensino regular chama-se
Educação Inclusiva.

A Política Nacional da Educação Especial na perspectiva da Educação


Inclusiva discorre em sua introdução que esta é uma ação política, cultural,
social e pedagógica, desencadeada em defesa do direito de todos os alunos
estarem juntos, aprendendo e participando, sem nenhum tipo de
discriminação.

4
O texto encontra-se na íntegra na Cartilha “Direitos as Pessoas Autistas”.
Disponível em:
http://www.defensoria.sp.gov.br/dpesp/repositorio/34/figuras/DireitosPessoas
Autismo_Leituras.pdf. Acessado em 15 de novembro de 2011.
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E o que são crianças com Necessidades Educacionais Especiais (NEE)?


Segundo o PLANO NACIONAL DE EDUCAÇÃO – PNE (1994):

Entende-se por criança com necessidade educacional especial aquela


que apresenta claro distúrbio no desenvolvimento, originado durante a
gestão, no nascimento, ou nos primeiros anos de vida. São exemplos
disso: as deficiências sensoriais; a deficiência motora e mental; as
deficiências sociais.

E por que as crianças com NEE precisam ser assistidas por escolas
regulares inclusivas? Para BUENO (1997):

O conceito de portador de necessidades educacionais especiais


abrange uma diversidade de sujeitos. Ao ganhar na amplitude e na
quebra da estigmatização, perde na precisão. Tanto é assim que, ao
lado do termo em questão, é preciso acrescentar a espécie de sujeito
sobre o qual estamos nos referindo (p. 40).

O Processo de Inclusão tem início na primeira instituição da qual o


indivíduo faz parte, que é a família, esta é a principal fonte de referência de
valores morais e sociais, complementada pela escola. Essa relação forma o
indivíduo, concretiza sua subjetividade, e relações afetivas, podendo
potencializar o ser humano, possibilitando a promoção da sua autonomia e
participação social.

E como se deve trabalhar com essas crianças? Como inseri-las junto aos
demais em escolas regulares?

A partir dessas definições questiona-se: Quais as práticas inclusivas que


podem favorecer a permanência e aprendizagem da criança autista em seus
diferentes graus de comprometimento nas escolas regulares?

Para responder aos questionamentos traçou-se o seguinte objetivo:


Analisar a prática de inclusão de crianças autistas a partir do cotidiano em
uma sala de aula do 1º ano do ensino fundamental de uma escola da rede
particular.

1 Revisão de literatura

Dentro dos aportes teóricos encontrados, é possível analisar que as


práticas pedagógicas têm como função elaborar, a partir da identificação das
limitações, recursos pedagógicos que possibilitem a plena participação,
buscando a autonomia e a independência do indivíduo, para isto, adequar a
realidade familiar e social ao aprendizado e o que fora passado enquanto
conhecimento moral, educativo, e da própria formação do ser. Estas ações
devem efetivar a participação social e ampliar as oportunidades profissionais
e de escolarização. Ao apontar as práticas pedagógicas, Serra, 2006, enfatiza
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que é necessária a qualificação dos profissionais que atuarão na Educação


Inclusiva.

Está disposto na Declaração de Salamanca:

Inclusão e participação são essenciais à dignidade humana e ao gozo e


exercício dos direitos humanos. No campo da educação, tal se reflete
no desenvolvimento de estratégias que procuram proporcionar uma
equalização genuína de oportunidades. A experiência em muitos
países demonstra que a integração de crianças e jovens com
necessidades educacionais especiais é mais eficazmente alcançada em
escolas inclusivas que servem a todas as crianças de uma comunidade.
(Declaração de Salamanca, 1994:61).

Visto à necessidade da adequação societária, da legislação, e da


reformulação da Política de Educação como um todo para atender a essa nova
demanda, já que o ensino regular e a educação especial um dissociado do
outro não mais supriam de forma qualificada e unificada as questões
colocadas pela dimensão de diversidade que trazem as deficiências e
transtornos, o processo de exclusão agora adentra no campo da inclusão.

A educação é um campo de diversidades, então não pode ser prestada de


forma mecanizada, não há fórmulas, nem a única forma de exercer o papel do
professor, por exemplo. Assim as práticas são mutáveis e deve estar
adequada a realidade vivida dentro do local, o qual esta sendo executada.

A inclusão possibilita que equipes de vários profissionais atuem no


mesmo propósito instigando a interdisciplinaridade, e traz novos conceitos
para dentro do âmbito escolar, além de estarem modificando a cultura
societária, que hoje alia a escola, família e sociedade, como parceiras e
agentes socializadores que não devem e podem estar segregados um do outro.

Os autistas como não têm uma característica que seja notada


fisicamente, ou que impossibilitem de exercer alguma atividade física, não
são “percebidos” a primeira vista ou mesmo que se tenha um contato direto, o
que torna a sua inclusão mais difícil, o senso comum coloca que o deficiente
é aquele não pode exercer a maior parte das atividades tidas como comum,
por isso até que a infantilização é tão latente dentro da nossa sociedade. O
fato de existirem poucos estudos sobre inclusão de crianças autistas na rede
comum de ensino parece refletir esta realidade, isto é, a de que existem
poucas crianças incluídas, se comparadas àquelas com outras deficiências. 5

Diante do autismo e toda a sua complexidade, em gerar no indivíduo


limitações na comunicação, imaginação e interação, o desafio é ainda maior,
pois algumas das características dos autistas é que são crianças arredias e
isoladas, que murmuram muito, evitam a troca de olhar com outras pessoas e
não interagem com o meio em que estão inseridas. Em alguns casos,
geralmente nos graus de comprometimento mais severos, os autistas têm

5
Disponível em http://www.scielo.br/pdf/psoc/v21n1/08.pdf . Acesso em 15
de novembro de 2011.
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hipersinesia, ou seja, hiperatividade. Além de todas essas características de


uma criança autista, é importante frisar que esse distúrbio vai do grau leve ao
severo. A AMA – SP [...] “alerta que há graus diferenciados de autismo e que
há, em instituições especializadas, (como a própria AMA), intervenções
adequadas a cada tipo ou grau de comprometimento” [p. 24].

A psicomotricidade pode ser vivenciada como prática pedagógica para


crianças autistas, os jogos trabalham o lúdico; o psicológico; o físico; o
motor, considerado como uma ação livre que possibilita o ser humano
expressar a sua imaginação, que promove a relação corporal. Assim,
CORNEILSEN (2007), acredita que a criança descobre o mundo através do
corpo e quanto maior for a sua vivência corporal, melhor será a sua visão de
mundo.

2 Metodologia

Trata-se de uma pesquisa qualitativa com abordagem de Estudo de Caso


de Base Etnográfico em função da especificidade do problema e da
possibilidade de estudá-lo em profundidade.

O Estudo de Caso de Base Etnográfico permite ao pesquisador análises


mais profundas a respeito do que está sendo pesquisado, pois por ser agente
participativo na ação, o mesmo intervém e com isso, contribui para uma
possível solução do problema.

São características do Estudo Etnográfico:

 Trabalho de campo prolongado, onde o pesquisador tem


contato com o objeto de estudo e o meio que o cerca;

 O principal responsável pela coleta de dados é o


pesquisador;

 Utiliza um conjunto de técnicas para coletar dados sobre os


valores, os hábitos, as crenças, as práticas e os comportamentos de
um grupo social (André, 1995, p. 27-28);

 Observação participante, entrevista (s) estruturada (s) e


consultas a documentos.

Para Bogdan; Biklen (1994, p. 90-91), o estudo de caso etnográfico é o


estudo de um caso de observação.

Já a observação participante para YIN, 2010: “é uma modalidade


especial de observação na qual você não é simplesmente um observador
passivo”. Ou seja, o pesquisador é totalmente livre para interferir ou não,
escolher quais os dados relevantes que deverão ser destacados na pesquisa.
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Outro método utilizado para obtenção de dados dessa pesquisa foi a


entrevista estruturada feita com a mãe, professoras e coordenadora
pedagógica da escola. Foi escolhido esse tipo de entrevista por permitir ao
entrevistador um maior controle durante a aplicação desta.

Segundo André (1997):

A utilização de diferentes técnicas e de coletas de fontes variadas de


dados também caracteriza os estudos etnográficos, ainda que o método
básico seja a observação participante. O pesquisador em geral conjuga
dados de observação e de entrevistas com resultados de testes ou com
material obtido através de levantamentos, registros, documentos,
fotografias e produções do próprio grupo pesquisado, o que lhe
permite uma “descrição densa” da realidade pesquisada (p. 39).

O contexto da pesquisa foi uma escola da rede particular de ensino que


trabalha com a inclusão de crianças autistas. São sujeitos da pesquisa uma
criança do 1º ano do ensino fundamental, a professora, os pais e a
coordenação pedagógica da escola. A coleta de dados foi feita através da
observação da criança no contexto da sala de aula, de entrevistas estruturadas
com pais e coordenadores. Após a coleta de dados foram levantados e
analisados os pontos relevantes e depois analisados a luz da bibliografia
existente sobre o tema.

Caracterização da Escola

A escola é de pequeno porte, está localizada na cidade de Aracaju,


no bairro Grageru. Funciona em dois turnos: matutino e vespertino, sendo
que no turno vespertino funciona apenas como reforço escolar. Possuía 74
alunos, e na sala em que a aluna se encontrava havia 28 alunos: 17 meninas e
11 meninos. É uma escola composta por alunos de classe média alta, onde
seu principal objetivo é trabalhar e desenvolver o aluno independente de
síndrome, deficiência que ele tenha ou não. Ou seja, sendo portador de
alguma deficiência ou “dito normal”.

A equipe profissional está especificada no quadro abaixo:

Direção Coordenação Professores Auxiliar de Secretário Serviço


Pedagógica Professores Geral
1 1 6 2 1 1

Por ser uma escola que trabalha a inclusão escolar, o acompanhamento


dos alunos é feito individualmente a depender a dificuldade, necessidade,
e/ou deficiência apresentada por cada um deles. Seu índice de aprovação é de
99,0%. Com os alunos que têm algum tipo de síndrome, deficiência, o
atendimento que recebem por parte de outros profissionais especializados em
cada caso é realizado fora da escola, mas isso não significa que se necessário
esses profissionais podem ir a escola, tanto para conversar com professores e
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coordenadores, quanto para observar e/ou trabalhar algo com o aluno em sala
de aula junto aos demais colegas de classe.

A Criança

Durante todo o tempo de convívio com “A”, ela sempre se mostrou


muito tranquila. Às vezes dispersa devido à síndrome, mas isso não a impede
de avançar nos estudos e desenvolvimento das suas principais dificuldades: a
comunicação e interação social.

“A” entrou com três anos e meio ainda sem ser diagnosticada. E após
apresentar algumas características específicas do autismo (principalmente o
isolamento), a mãe foi aconselhada a levá-la a um psicólogo pela professora.
E foi quando “A” recebeu o diagnóstico de “Espectro Autista Leve”. Durante
o período de convívio, “A” tinha entre cinco e seis anos.

A aluna sempre apresentou um comportamento diferenciado dos demais


colegas de classe como, por exemplo: repetições de movimentos (pulos,
balanço das mãos, etc.). Para realizar as atividades era preciso em alguns
momentos a ajuda de um profissional (professor ou auxiliar) que ficasse e/ou
sentasse ao seu lado, e/ou chamá-la pelo nome para que sua atenção fosse
voltada para a atividade que estava sendo feita.

Sua interação com os demais colegas de classe no início não era tão
fácil, apesar de todos terem um carinho por ela. Pois, não é tão simples para
as crianças entender o porquê de nem sempre “A” se interessar pelas mesmas
brincadeiras delas. Sempre fizemos por onde inseri-la em tudo que estava
sendo feito com os demais alunos e quando menos esperávamos éramos
surpreendidas com uma reação por parte dela, que ora participava, ora parecia
que não nos escutava, ou até mesmo, como se não estivesse ali naquele
momento.

“A” fazia Ballet, participava das apresentações culturais que a escola


promove. Às vezes se interessava pelas brincadeiras dos colegas, cumpria
todas as suas tarefas escolares, mesmo necessitando de acompanhamento
individualizado algumas vezes. Quando apresentava alguma dificuldade em
algo que estava sendo explicado (conteúdo escolar) era surpreendente a
forma que ela desenvolvia ao compreender tal assunto.

“A” mora com os pais, e a irmã, pessoas que são responsáveis e ativos
tanto pelos estímulos quanto pelos avanços da mesma.

A Família

A família sempre se mostrou muito presente e dedicada quanto ao


desenvolvimento e educação de “A”. De todos os familiares, a mãe é a que
mais a acompanha, nas atividades escolares assim como também nas
atividades que “A” realiza juntos aos outros profissionais que participam
ativamente do desenvolvimento e avanços da criança.
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3 Resultados e discussão

Com base nas leituras realizadas, observações e consultas aos


documentos da aluna objeto de estudo para esta pesquisa, constata-se a
possibilidade de uma inclusão escolar eficaz para alunos autistas respeitando,
lógico, seus limites e estimulando-os em suas maiores dificuldades para que
se desenvolvam juntos aos demais colegas de classe.

A partir das respostas da mãe de “A” durante a entrevista, nota-se o


quão é importante a existência de escolas regulares inclusivas para que
crianças com NEE evoluam três aspectos essenciais (principalmente nos
autistas): interação social, comunicação e desenvolvimento cognitivo.

Ao relatar sobre como sua filha chegou a escola e como está hoje
(momento em que foi realizada a entrevista), ela se emociona e se enche de
orgulho e alegria.

Outro ponto importante da inclusão é a forma com que os outros alunos


passam a compreender e auxiliar no desenvolvimento, sem contar que a
interação seja com um aperto de mão, um convite para participar de uma
brincadeira, também é válido para que ocorra essa inclusão. Essa interação
com os demais colegas faz com que as limitações e diferenças existentes
entre eles sejam minimizadas e torne-o um aluno como outro qualquer, com
seus direitos e deveres.

CONCLUSÕES

Primeiramente é importante ressaltar que a realização desta pesquisa


não é apenas para obtenção dos presentes dados, e sim, para a continuação de
um breve estudo com o intuito de compreender e auxiliar à inclusão de
autistas em escolas regulares.

Após tudo que foi observado e analisado conclui-se que uma escola
regular inclusiva é de fundamental importância para o desenvolvimento de
crianças com Necessidades Educacionais Especiais – NEE e que o
Atendimento Educacional Especializado – AEE é um dos métodos que
auxiliam para esse desenvolvimento.

Outro ponto favorável para a socialização do aluno é inseri-lo em toda e


qualquer atividade que seja realizada. Ou seja, atividades em grupo junto aos
colegas de classe, atividades culturais e brincadeiras.

Não se pode deixar de mencionar mais uma vez, a importância da


família como suporte para o crescimento e estímulos da criança. É na família
que se aprendem os princípios básicos da vida. Ela é a responsável em formar
e educar a criança transmitindo os principais valores morais.
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Em um trabalho conjunto com a escola, a família também é um dos


principais agentes socializadores e eficaz para o desenvolvimento cognitivo,
social e comunicativo.

Assim pode-se afirmar que a aceitação e o acompanhamento da família


junto a escola promovem o desenvolvimento da criança autista em suas
principais limitações: desenvolvimento cognitivo, social e comunicativo.
Tornando-as independentes e autônomas em seu âmbito social.

Diante das observações e leituras conclui-se que é possível a inclusão da


criança autista em escolas regulares desde que haja um trabalho
multidisciplinar e a metodologia adequada às necessidades do aluno
contribuindo assim, para o desenvolvimento das limitações da mesma.

REFERÊNCIAS

AMA – Associação de Amigos do Autista. Cambuci – São Paulo – SP


www.ama.org.br (acessado em 15 de novembro de 2011).
ANDRÉ, Marli Eliza Dalmazo Afonso de. Etnografia da prática escolar.
Campinas: Papirus, 1995.
ANDRÉ, M. E. D. A. A pesquisa no cotidiano escolar. In: FAZENDA, Ivani
(Org). Metodologia da pesquisa educacional. São Paulo: Cortez, 1997.
BOGDAN, Robert; BIKLEN, Sari. Investigação qualitativa em educação:
uma introdução à teoria e aos métodos. Porto: Porto Editora, 1994.
BRASIL. Defensoria Pública do Estado de São Paulo. Cartilha Direitos das
Pessoas com Autismo. São Paulo, 2011.
http://www.defensoria.sp.gov.br/dpesp/repositorio/34/figuras/DireitosPessoas
Autismo_Leitura.pdf (acessado em 16 de novembro de 2011).
BRASIL/MJ/CORDE. Declaração de Salamanca e linha de ação sobre
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BRASIL. PLANO NACIONAL DE EDUCAÇÃO – Educação especial,
1994
BUENO____. Práticas institucionais e exclusão social da pessoa deficiente.
In: CASA do Psicólogo. São Paulo: Casa do Psicólogo/CRP, 1997.
(Educação Especial em Debate).
SANDRA, Cornelsen. Uma Criança Autista e sua Trajetória na Inclusão
Escolar por meio da Psicomotricidade Relacional. Curitiba, 2007.
SERRA, Dayse. Inclusão e Ambiente Escolar. In: Inclusão e Educação –
culturas e práticas. SANTOS, Mônica Pereira dos. PAULINO, Marcos
Moreira (Orgs.). São Paulo: Cortes, 2006.
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II Seminário Nacional de Alfabetização e Letramento Alfabetização, Discurso e Aprendizagens
Oralidade e Escrita na Prática Escolar
ISSN: 2177-4072

Educação Étnico-Racial e a Problemática


Racial Brasileira:
possibilidades de práticas educativas

Cristianne Oliveira1

Aghatha Amaral2

RESUMO
O objetivo do trabalho é apresentar resultados de atividades realizadas no Ensino
Fundamental dialogadas com a lei 10.639/03. Para tanto, foram realizadas oficinas
visando uma educação étnicorracial. Percebe-se a possibilidade de ações educacionais
visando uma construção de identidades positivas.

Palavras-Chave: práticas educativas; educação étnico-racial; cotidiano escolar;

1
Contato do(a) autor(a): cristianne.oliveira@gmail.com . UNIRIO/PIBID.
2
Contato do(a) autor(a): aghatha.amaral@hotmail.com UNIRIO/PIBID.
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INTRODUÇÃO

O objetivo deste trabalho é apresentar atividades desenvolvidas na


Escola Municipal Francisco Alves, situada na cidade do Rio de Janeiro,
relacionando-as a questões presentes nas discussões do grupo de pesquisa
"Educação para as Relações Etnicorraciais". As atividades ocorreram na
terceira serie do Ensino Fundamental nos meses de setembro a dezembro de
2011, os encontros no período de (tempo de permanência na pesquisa).
A proposta das consiste em caracterizar as práticas educativas escolares
presentes no cotidiano das oficinas, realizadas pelas bolsistas da
Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (UNIRIO), em parceria
com a escola, vinculadas ao Programa Institucional de Bolsa de Iniciação à
Docência (PIBID) que possui financiamento da Coordenação de
Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES) pelas bolsistas da
Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (UNIRIO) relacionando a
orientações teóricas presentes nas discussões do grupo de pesquisa .

1 Educação étnico-racial3

No dia 9 de janeiro de 2003 o então presidente da República Federativa


do Brasil Luiz Inácio Lula da Silva promulgou a Lei nº 10.639, instituindo a
obrigatoriedade do ensino de História da África e da Cultura Afro-brasileira e
no ano de 2004, o Conselho Nacional de Educação aprovou o parecer que
propõe as Diretrizes Curriculares para a Educação das Relações
Étnicorraciais e para o Ensino de História e Cultura Africana e Afro-
brasileira.
Os 122 anos que se passaram após a Lei Áurea não foram suficientes
para resolver o grande número de problemas discriminatórios que ficaram
enraizados ao longo dos séculos, devido às marcas do regime da escravidão.
O Estado brasileiro é responsável “pelo escravismo e pela marginalização
econômica, social e política dos descendentes de africanos”, como é
reconhecido no Documento Oficial Brasileiro para a III Conferência4:

O racismo e as práticas discriminatórias disseminadas no cotidiano


brasileiro não representam simplesmente uma herança do passado. O
racismo vem sendo recriado e realimentado ao longo de toda a nossa
história. Seria impraticável desvincular as desigualdades observadas

3
Utilizamos nesse trabalho as duas expressões: raça e etnia. Mas, queremos chamar a atenção
que as duas palavras não têm o mesmo significado, pois, etnia refere-se a grupos sociais cuja
“identidade se define pela comunidade de língua, cultura, tradições, monumentos históricos e
territórios”. (BOBBIO apud GOMES, 2005, p.50). Já raça significa “construções sociais,
políticas e culturais produzidas nas relações sociais e de poder ao longo do processo histórico.
Não significa, de forma alguma, um dado da natureza”. (GOMES, 2005, p.49)
4
Conferência Mundial contra o Racismo, à Discriminação Racial, à Xenofobia e às Formas
Correlatas de Intolerância.
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atualmente dos quase quatro séculos de escravismo que a geração


atual herdou (BRASIL, 2001 apud 5)

Ainda atualmente permanece a luta dos negros em prol do direito à


participação nos espaços da sociedade brasileira, e, ao respeito e
reconhecimento dos mesmos.
Entre os países das Américas, o Brasil foi o país que mais importou
escravos durante a permanência da política de mão-de-obra escravista, que
perdurou vai do período colonial até o século XIX, importando doze vezes
mais africanos que os Estados Unidos da América nesse mesmo período.
Essa importação trouxe consequências ideológicas no que se refere às
relações raciais entre negros e brancos6. Ainda hoje,infelizmente, existem
pessoas que definem o negro como um ser inferior. No entanto, entre 1900 e
1950, foi desenvolvida uma cultura de democracia racial, onde não haveria
distinção entre negros e brancos na sociedade brasileira. O mito da
democracia racial7 divulgava a crença que as diferenças raciais não existiam
e que a convivência entre as etnias no Brasil era pacífica, o que o
diferenciava de outros países como Estados Unidos da América e África do
Sul.
Além disso, conforme Andrews, no Brasil não existia “um sistema
abrangente de discriminação racial imposto à sociedade pelo Estado Nacional
e executado pelas agências que representam esse Estado”. (1998 p. 23). O
mito da democracia racial aliado a esse sistema fez e faz com que o combate
à discriminação e ao preconceito racial seja ainda mais difícil, já que estes se
encontram velados na sociedade, não trazendo à tona a segregação e, com
isso, o desejo de mobilização de luta contra essas injustiças é minimizado,
além de serem utilizados outros argumentos para persuadir à não existência
das desigualdades raciais, atribuindo-se tal fato à pobreza, ou seja, às
desigualdades sociais e não raciais.
De acordo com dados de pesquisa do IBGE/PNAD de 2009, a
população negra abrangia 96.183.000 pessoas (12.987.000 pessoas negras e
83.196.000 pessoas pardas) e a população branca 92.003.000 pessoas; ou
seja, a população negra representa 51,11% da população brasileira. No
entanto, a cultura negra e afro-brasileira é pouco difundida no cotidiano
escolar.
As relações raciais brasileiras aconteceram sob o etnocentrismo, desde
sua origem. No caso brasileiro, a etnia européia era que possuía maior poder
bélico e econômico, o que proporcionou a dominação e exploração dos dois
outros grupos que também fazem parte da nossa sociedade: os indígenas e os
negros. É indispensável, portanto, um espaço físico e social que permita a
valorização de grupos étnicos com suas especificidades culturais e com
representações positivas acerca de si, livre de representações sociais que o
estigmatizem. Um desses espaços seria a escola, mas, a educação formal
costuma ser eurocêntrica e de ostentação aos Estados Unidos da América, o

5
Ministério da Educação / Secretaria da Educação Continuada, Alfabetização e Diversidade.
Orientações e Ações para Educação das Relações Étnicorraciais. Brasília: SECAD, 2006.262
pg.; il.
6
Denominamos negras as pessoas consideradas pretas e pardas, conforme classificação do
IBGE.
7
Esse mito foi reforçado por Gilberto Freire, com sua obra Casa Grande e Senzala.
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que desqualifica e inferioriza a cultura de raízes africanas e,


consequentemente, os negros, sejam eles de qualquer origem: brasileiros ou
africanos. Abdias do Nascimento diz:

O sistema educacional brasileiro é usado como aparelhamento de


controle nesta estrutura de discriminação cultural. Em todos os níveis
do ensino brasileiro – elementar, secundário, universitário – o elenco
das matérias ensinadas, como se executasse o que havia predito a frase
de Sílvio Romero8, constitui um ritual de formalidade e da ostentação
da Europa, e mais recentemente, dos Estados Unidos. Se consciência é
memória e futuro, quando e onde está a memória africana, parte
inalienável da consciência brasileira? Onde e quando a história da
África, o desenvolvimento de suas culturas e civilizações, as
características, do seu povo, foram ou são ensinadas nas escolas
brasileiras? Quando há alguma referência ao africano ou negro, é no
sentido do afastamento e da alienação da identidade negra. Tampouco
na universidade brasileira o mundo negro-africano tem acesso. O
modelo europeu ou norte-americano se repete, e as populações afro-
brasileiras são tangidas pata longe do chão universitário como gado
leproso. Falar em identidade negra numa universidade do país é o
mesmo que provocar todas as iras do inferno, e constitui desafio aos
raros universitários afro-brasileiros (NASCIMENTO, 1978. p. 95)

Na sociedade brasileira, portanto, o negro encontra grandes dificuldades


em seu processo de identificação com um modelo positivo, pois, seu grupo de
pertencimento é negado tanto social quanto racialmente. Existe uma
ideologia que introjeta uma série de atributos negativos com o objetivo de
desvalorizar a identidade positiva dos negros, o que os leva a nutrir
sentimentos de inferioridade e auto-aversão e também promove a alienação
de seus processos históricos e sociais.
Nesse sentido, a escola precisa ser repensada como um lugar de
humanização, no sentido de resgatar sua vocação para a construção do
conhecimento e superação da realidade, ou seja, a escola enquanto um lugar
em que é possível compreender a riqueza encontrada na singularidade e
pluralidade dos sujeitos.
Considerando que o objetivo da existência dessa relação sendo o de
ensino-aprendizagem, o ponto de partida seria a prática social comum sobre
os conhecimentos construídos historicamente. A partir daí, ambos, professor
e aluno, participam do desejo da compreensão e reorganização da prática
social enquanto ponto de chegada, transformando-se num processo recíproco
e tornando possível transformar a realidade no processo. No exercício da
aprendizagem, desenvolvido na escola, o aluno entra em contato com
diversas concepções de mundo que o orientam qual posição tomar, em sua
vida, em suas atitudes, em formação de pensamento crítico em relação às
desigualdades raciais e ao racismo.
No cotidiano escolar, portanto, reforça-se o preconceito racial e ele é
encontrado tanto entre alunos, entre professores, funcionários, diretores e
responsáveis, sendo de suma importância o debate neste local. Hoje, vemos
uma abertura aos estudos de história e cultura afro-brasileiras, a partir da

8
A frase de Sílvio Romero é: “Nós temos a África em nossas cozinhas, América em nossas
selvas, e Europa em nossas salas de visitas” (NASCIMENTO, 1978. p. 94)
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assinatura da lei 10.639/039. Essa lei altera a lei no 9.394, de 20 de dezembro


de 1996, nos seus artigos 26, 26A e 79B. Recentemente, a lei 10.639/2003
foi alterada pela lei 11.645, de 10 de março de 2008, que passa a incluir, no
currículo oficial da rede de ensino, a obrigatoriedade da temática "História e
Cultura Indígena".
Este trabalho fica restrito ao texto do parecer da lei 10.639/2003 que
trata de uma política curricular que se apoiou em diversas áreas do
conhecimento, buscando combater o racismo e a discriminação contra a
população negra brasileira. Nesse sentido, propõe a divulgação e produção de
conhecimentos, a formação de atitudes, posturas e valores que eduquem
cidadãos orgulhosos de seu pertencimento étnico-racial.(BRASIL, 2005,
p.10). Portanto, o direito dos negros de se reconhecerem na cultura nacional e
poderem manifestar seus pensamentos com autonomia é uma das metas do
parecer.
Estamos chamando de educação étnico-racial, aquela educação, formal
ou não, que se coloca contra a ideologia racial brasileira que seleciona e
hierarquiza nossa sociedade, em nome de uma pretensa ordem racial. Uma
ordem em que crianças negras estão sempre em desvantagem em relação às
crianças brancas. Essa situação não é muito difícil de perceber. Basta entrar
em uma escola pública municipal no Rio de Janeiro e observar as crianças
que compõem aquelas turmas, consideradas as mais “atrasadas”, as que têm
um rendimento escolar considerado abaixo do que é exigido: a maioria é
negra. Uma de nossas hipóteses para esse fato é que essas crianças têm uma
auto-estima baixa, prejudicada pelos episódios de preconceito racial
existentes na escola. Sobre esse ponto Kabengele Munanga explicita que

[...] a questão fundamental que se coloca hoje é o reconhecimento


oficial e público dessas diversidades que até hoje estão sendo tratadas
desigualmente no sistema educacional brasileiro. Acresce que os
portadores dessas identidades de resistência são ainda vítimas dos
preconceitos e da discriminação racial, até mesmo da segregação
racial de fato. (2010, p. 47)

Levar em consideração o ensino da cultura africana e sua valorização,


principalmente, nos ambientes escolares, possivelmente acarretará resultados
positivos, no que concerne à visão sobre os negros e a escravidão, que
sempre foi repassada aos alunos, de forma equivocada, corroborando, apenas,
para a continuação do preconceito, da discriminação e do racismo nas
construções de pensamentos das pessoas.
É necessário, portanto, inserir outra visão do negro, apresentar outro
lado da história do negro, evidenciando suas múltiplas contribuições e
dimensões na constituição da história brasileira; para podermos dá-lhes o
direito de dignidade, que lhes tem sido retirado, tantas vezes. Desse modo
favoreceremos a incorporação dos mesmos à sociedade de forma justa,
antirracista.

9
A lei 10.639/03 estabeleceu, em 18 de maio de 2004, diretrizes curriculares para a educação das
relações étnico-raciais e para o ensino de História e Cultura Afro-Brasileira e Africana.
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2 Oficinas como espaço de conversa, reflexão e expressão:


diálogos com a lei 10.639

As atividades propostas foram elaboradas a fim de ampliar o


repertório de estratégias de leitura e escrita, introduzir o estudo da história e
da cultura afro-brasileira para o espaço das oficinas, estimular o diálogo entre
os integrantes e a reflexão a respeito dos temas apresentados. A ação lúdico-
pedagógica valoriza o uso da escrita como forma de expressão pessoal
abandonando o uso mecanizado de textos e conteúdos escolares,

A escrita não é um produto escolar, mas sim um objeto cultural,


resultado do esforço coletivo da humanidade. Como objeto cultural, a
escrita cumpre diversas funções sociais e tem meios concretos de
existência (especialmente nas concentrações urbanas). O escrito
aparece, para a criança, como objeto de propriedades específicas e
como suporte de ações e intercâmbios sociais (FERREIRO, 1985. p.
43).

Buscamos ampliar a noção de leitura com o uso de imagens, gráficos


e tabelas, acompanhados ou não de palavras, possibilitando a construção de
narrativas diversas a partir destes elementos.

Dividimos em três momentos as oficinas realizadas durante o


período de agosto a dezembro de 2011. As relações étnico-raciais foram uma
constante no pensar nas propostas desenvolvidas, pois "As formas de
discriminação de qualquer natureza não tem seu nascedouro na escola, porém
o racismo, as desigualdades e discriminações correntes na sociedade
perpassam por ali” (BRASI, 2005, p14). Ao produzir bonecas negras, estudar
história da capoeira e realizar leituras em grupo de livros bilíngues, buscou-se
trazer o tema à conversa.

Em um primeiro momento, realizamos atividades de produção de


bonecas abayomis, bonecas de pano artesanais, feitas com sobras de pano,
tradicionalmente negras e representando personagens folclóricos, da
mitologia, contos de fadas ou figuras do cotidiano. Dentro da transformação
de panos em bonecas incluímos personagens negras nas narrativas,
propusemos a elaboração de uma história coletiva, partindo desta filmamos,
fotografamos e produzimos um vídeo.

Em um segundo momento, realizamos leituras coletivas de textos,


para, a partir destes, produzir uma releitura, reconstruindo algumas histórias,
através de redações, representação teatral, histórias em quadrinhos e livros.
Sinalizamos para a estrutura narrativa destacando quem são as personagens, o
cenário, como se desenvolve a ação. Consideramos a necessidade de

[…] ampliar o foco dos currículos escolares para a diversidade


cultural, racial, social e econômica brasileira. Nesta perspectiva, cabe
as escolas incluir no contexto dos estudos e atividades, que
proporciona diariamente, também as contribuições histórico-culturais
dos povos indígenas e dos descendentes de asiáticos, alem da raiz
africana e européia"(BRASIL, 2005, p17).
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Os textos trabalhados foram: "Como apareceu a noite", uma lenda


indígena adaptada por Antonieta D. Moraes do livro “Contos e Lendas de
Índios do Brasil”; Três livros bilíngues produzidos pela UNIRIO também
foram compartilhados em nossas leituras, "Esta é nossa vida…trabalhar na
roca", escrito em português-umbundo, em parceria com a comunidade
remanescente quilombos de Santana (RJ), "Aqui eu quero deixar minha
palavra" e "Nosso costume verdadeiro" escritos e ilustrados pelas crianças
guaranis da etnia Mybia, habitantes do Rio de Janeiro, “O cabelo de Lelê”, a
história de uma menina negra que está confusa a respeito dos cabelos e “de
onde vem tantos cachinhos?” ela pensa, até descobrir, em um livro, a
relação entre as heranças culturais e os cabelos, a história foi trabalhada
dentro da linguagem das histórias em quadrinhos.

Dentro do que chamamos de terceiro momento das oficinas,


realizamos um projeto intitulado “Introdução ao Universo da Capoeira”,
buscamos trazer a capoeira como instrumento de resistência cultural e
política das populações negras. Através de textos contando suas origens,
imagens de pinturas e gravuras, leituras das letras de músicas impressas e
registros em áudio, discutimos a história brasileira relacionando-a com a
herança cultural africana, como estabelece as Diretrizes Curriculares
Nacionais para a Educação das Relações Étnico-Raciais e para o Ensino de
História e Cultura Afro-Brasileira e Africana

"O ensino de Historia Afro-Brasileira abrangerá, entre outros


conteúdos, iniciativas e organizações negras, incluindo a história dos
quilombos […] exemplos: associações negras culturais, educativas,
artísticas […]" (BRASIL, 2005, p. 21)

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Pensando que aprendemos e ensinamos na prática da realidade social


e que internalizamos experiências positivas e negativas no decorrer de nossas
vidas, e que a educação é algo inseparável da vida do homem, a reflexão
sobre a forma como arquitetamos a escola e a sua organização é muito
importante e delicado, pois a educação escolar faz parte da formação base
que a pessoa vai levar por toda a vida; tendo um papel muito relevante, tanto
no aspecto positivo, como no aspecto negativo, os professores também
precisam estar atentos à preocupação de estarem inserindo, incentivando e
valorizando o espaço do negro na história e na sociedade.

Em seu artigo 26 a lei 10.639/03 deixa explícito que o ensino sobre


História e Cultura Afro-Brasileira torna-se obrigatório nos estabelecimentos
de ensino fundamental e médio, oficiais e particulares. Para orientar o
cumprimento da lei, foram publicadas as Diretrizes Curriculares Nacionais
para a Educação das Relações Étnico-Raciais e para o Ensino de História e
Cultura Afro-Brasileira e Africana. Quando se trata de diretrizes curriculares,
não podemos deixar de perceber que se trata também de orientações e
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princípios. No caso específico dessas diretrizes, elas trazem princípios que


permitem a aplicabilidade da lei e orientam para procedimentos pedagógicos,
mas não apenas isso: procuram chamar a atenção também para a necessidade
de mudanças nas maneiras de pensar e agir dos indivíduos.

O reconhecimento na cultura nacional e manifestação de seus


pensamentos com autonomia é um direito dos negros e é uma das metas do
parecer. Outra meta diz respeito ao direito dos negros e de todos os cidadãos
brasileiros em cursarem todos os níveis de ensino, em instituições bem
equipadas, com professores qualificados para lidar com diversas situações
decorrentes do racismo entre os diferentes grupos. Essa qualificação passa
pela formação para trabalhar com os mais variados saberes que vão permitir o
entendimento e a sensibilidade indispensáveis para trabalhar a questão.

As diretrizes expressam uma política curricular que se apoiou em


diversas áreas do conhecimento, buscando combater o racismo e a
discriminação contra a população negra brasileira. Apontam três princípios
para orientar, de forma geral, as ações dos sistemas de ensino e dos
professores: 1. Consciência política e histórica da diversidade; 2.
Fortalecimento de identidades e de direitos e 3. Ações educativas de combate
ao racismo e discriminações. Esses princípios trazem orientações para
posturas a serem adotadas pela escola.

Queremos destacar que efetuar pesquisas com crianças negras ou


brancas deve ter como objetivo primeiro incentivá-las a construir projetos de
vida que estejam pautados em sentimentos de dignidade e pertencimento
social. Para as crianças negras, um projeto de vida em que não haja um
sentimento de rejeição ao branco; para as crianças brancas, um projeto de
vida em que não haja um sentimento de rejeição ao negro. Desse modo,
defendemos uma sociedade compartilhada por todas as raças e etnias, de
forma igualitária e com equidade com disposição de reconhecer igualmente o
direito de cada um.

É necessário, portanto, pensar e repensar constantemente nossas


práticas, seja como professor ou como pesquisador, pois quando os sujeitos
da pesquisa são crianças há de se ter uma ética comprometida com valores
que permitirão construir uma sociedade melhor redobrada, porque as crianças
costumam acreditar nas atitudes e no que os adultos falam.

REFERÊNCIAS

ANDREWS, George Reid. Negros e Brancos em São Paulo (1888-


1988)Trad.: Magda Lopes. Bauru, São Paulo: EDUSC, 1998.
BOBBIO, Norberto et al. Dicionário de política. Brasília: Ed. Universidade
de Brasília, 1992.
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BRASIL. Lei nº. 10.639 de 09 de janeiro de 2003. Diretrizes Curriculares


Nacionais para a Educação das Relações Étnico-Raciais e para o Ensino
de História e Cultura Afro-Brasileira e Africana. Brasília: DF, 2005.
FERREIRO, Emilia. Reflexões Sobre Alfabetização. Trad.: Horácio
Gonzales (et. al.). 20ed. São Paulo: Cortez: Autores Associados, 1992.
GOMES, Nilma Lino. Alguns termos e conceitos presentes no debate sobre
relações raciais no Brasil: uma breve discussão. In: BRASIL. Educação anti-
racista: caminhos abertos pela Lei Federal no 10.639/03. Brasília,
Ministério da Educação, Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização e
Diversidade, 2005.
IBGE, Diretoria de Pesquisas, Coordenação de Trabalho e Rendimento.
Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios, 2008-2009. Disponível em
http://www.ibge.gov.br/home/estatistica/populacao/trabalhoerendimento/pna
d2009/tabelas_pdf/sintese_ind_1_2.pdf Acesso em 07/04/2012
Ministério da Educação/Secretaria da Educação Continuada, Alfabetização e
Diversidade. Orientações e Ações para Educação das Relações
Étnicorraciais. Brasília: SECAD, 2006.262 pg.; il. Disponível em:
<http://portal.mec.gov.br/dmdocuments/orientacoes_etnicoraciais.pdf>
Acesso em 02/04/2012.
MUNANGA, Kabengele. Educação e Diversidade. In: MÜLLER;
OLIVEIRA (Orgs.). Cadernos Penesb – O negro na contemporaneidade e
suas demandas. Niterói: EdUFF, 2008-2010.
NASCIMENTO, Abdias do. O genocídio do negro brasileiro. Processo de
um racismo mascarado. Rio de Janeiro. Paz e Terra, 1978.
OLIVEIRA, Cristianne R. A cultura popular brasileira como ferramenta
de combate ao preconceito e a discriminação racial no cotidiano escolar.
Sub-projeto de pesquisa. UNIRIO. Rio de Janeiro, 2009.
SOUZA, Maria Elena V. O preconceito racial nas entrelinhas das
diferentes práticas educativas escolares. Projeto de pesquisa. UNIRIO. Rio
de Janeiro, 2005.
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Concepções de Africanidades na Ótica das


Crianças

Elis Raquel Santos de Santana Santiago1

Maria Batista Lima2


Jiselda Meirielly de França3

RESUMO
Este artigo tem como fonte a pesquisa “Concepções e Práticas de Educação para as
Relações Etnicorraciais em Sergipe: Um Estudo em duas Escolas da Microrregião do
Agreste Sergipano” parte do projeto “Identidades e Diferenças: diversidades
etnicorracial, de gênero e de orientação sexual em diferentes contextos da educação
sergipana”, desenvolvido no âmbito do Grupo de Pesquisas GEPIADDE. O objetivo
do projeto é investigar o lugar das políticas, concepções e práticas de Educação para a
diversidade em Sergipe, sendo que neste trabalho apresentamos uma análise inicial
sobre as concepções e práticas acerca da história e culturas africanas e afro-brasileiras
e sua relação com as identidades etnicorracial em duas escolas públicas do Agreste
sergipano. Para isso foram utilizados dados de questionário aplicado em duas turmas
do 5º ano do Ensino Fundamental das referidas escolas. Entre os referenciais do
trabalho estão: Boakari (2002), Marques (2006), Maroun (2010), Oliveira (2011),
Silva (2011), Lima (2006) Miranda (2011), Muller (2009) entre outros. Os dados
analisados apontaram que apesar dos nove anos de existência da Lei 10.639/03 as
concepções e práticas referentes à história e às culturas africanas e afro-brasileiras
ainda são mediadas por significativo desconhecimento e desvalorização e que apesar
das iniciativas individuais de abordagem dessas temáticas, ainda falta muito para sua
efetivação como política pública em ação.

Palavras-chave: Identidades; relações etnicorraciais; história e cultura africana e


afro-brasileira.

1
Contato do(a) autor(a):elisraquelsantiago@gmail.com. Aluna de graduação do curso
de Geografia, Bolsista do Programa Especial de Inclusão em Iniciação Científica
(PIIC), UFS (Universidade Federal de Sergipe). Membro do Grupo de Estudos e
Pesquisas Identidades e Alteridades: Desigualdades e Diferenças na Educação
(GEPIADDE).
2
Contato do(a) autor(a): mabalima.ufs@gmail.com. Profª Adjunta da Universidade
Federal de Sergipe (UFS). Docente do Departamento de Educação do Campus
Itabaiana e Núcleo de Pós-Graduação em Ensino de Ciências e Matemática
(NPGECIMA). Pesquisadora do Grupo de Estudos e Pesquisas Identidades e
Alteridades: Desigualdades e Diferenças na Educação (GEPIADDE) e do Núcleo de
Estudos Afro-Brasileiros da UFS.
3
Contato do(a) autor(a): jiseldameirielly@hotmail.com. Aluna de graduação do curso
de Letras, Bolsista do Programa de Iniciação Científica (PBIC)/UFS (Universidade
Federal de Sergipe). Membro do Grupo de Estudos e Pesquisas Identidades e
Alteridades: Desigualdades e Diferenças na Educação (GEPIADDE).
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INTRODUÇÃO
O artigo apresentado tem como base o projeto de pesquisa “Concepções
e Práticas de Educação para as Relações Etnicorraciais em Sergipe: Um
Estudo em duas Escolas da Microrregião do Agreste Sergipano” parte do
projeto “Identidades e Diferenças: diversidades etnicorracial, de gênero e de
orientação sexual em diferentes contextos da educação sergipana”,
desenvolvido no âmbito do Grupo de Pesquisas GEPIADDE. O objetivo do
projeto é investigar o lugar das políticas, concepções e práticas de Educação
para a Diversidade em Sergipe, de modo especial nos municípios das regiões
do Agreste e Semiárido sergipanos.
Como instrumento metodológico fizemos análises de publicações sobre
a temática, levantamento exploratório sobre as políticas existentes no campo
da pesquisa, aplicação de questionário e procedimentos dos estudos do tipo
etnográfico, conforme André (2001), tais como entrevistas com membros da
equipe pedagógico-administrativa da escola e das Secretarias Municipais de
Educação, observações e análise de documentos pedagógicos, aplicação de
atividades para análise das concepções sobre o objeto de estudo.
Os questionários aplicados estão organizados em três partes, sendo que
a primeira trata da identificação dos sujeitos; a segunda sobre identidade,
família e referência; e a terceira sobre identidades, diversidades e práticas
escolares. Em seguida, foram realizadas a sistematização, categorização e
análise dos dados. Neste artigo focalizamos os dados dos questionários de
duas turmas do quinto ano do Ensino Fundamental de uma escola do
município de Malhador-SE (Turma A, Escola 1, Povoado Palmeiras) e uma
escola do município de Itabaiana (Turma B, Escola 2, Povoado Carrilho).

Os estudos teóricos realizados apontam que a educação para as relações


etnicorraciais é um instrumento importante para a qualificação da educação e
para a melhoria da sociedade. Como apontam as referências sobre essa
temática (LIMA, 2006; LIMA E TRINDADE, 2009; TRINDADE, 1994;
entre outros) o pertencimento à ancestralidade africana tem sido um fator de
inferiorização desse grupo, com a negação da participação negra na
construção da sociedade e a negativização da sua história e da sua cultura.
Como pontos positivos dos avanços no sentido da aplicação da lei,
nessas duas últimas décadas destacamos as conquistas no âmbito da lei, bem
como a ampliação no campo das políticas públicas, das produções científicas
e das práticas na educação escolar.
Destacamos os estudos de autores e autoras empregados/as nesse estudo
para entender o contexto do problema tratado. Entre estes destacamos
Gonçalves e Silva (1986), Silva (2011), Trindade (1994) Lima (2006), Hall
(1999), Brasil (2003, 2004, 2006, 2010), Lima (2011); Lima (2012); Lima e
Trindade (2010), Cavalleiro (2002), Bento (1998) Munanga (2001), Sodré
(2005), (2006), Oliveira (2011), Silva (2011), Gomes (2003), Muller, Santos,
Gonçalves e Costa (2009); Miranda (2011), Perez(2011), Arruti(2011),
entre outros.
A partir de suas pesquisas e produções, percebemos que o racismo tem
sido reprodutor de desigualdades sociais na sociedade e que a base dessa
reprodução tem uma força muito grande na infância. Apontam ainda que o
conhecimento sobre a cultura e a história africana e afro-brasileira e a
abordagem fundamentada adequada com a valorização do protagonismo
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negro e seus repertórios culturais ou africanidades na história da humanidade,


do Brasil e em suas regiões podem contribuem para a construção do que se
denomina como Educação para as Relações Etnicorraciais (LIMA, 2012;
BRASIL, 2004). Educação essa que “preconiza a valorização equânime de
todos os povos e suas ancestralidades na construção das sociedades” (LIMA,
2011, p. 01).
Munanga (2001) traz, além da denuncia do racismo no cotidiano
escolar, as estratégias para sua superação a partir do fortalecimento de uma
práxis constituídas a partir de conhecimentos sobre as histórias e culturas
africanas e principalmente das trajetórias afro-brasileiras e suas africanidades.
Bento (2006) procura abordar a questão das relações raciais no Brasil,
partindo de conceitos básicos como preconceito, discriminação, racismo,
estereótipo e contextualizando o recorte etnicorracial das desigualdades
brasileiras a partir de situações do cotidiano.
O estudo da legislação educacional voltada para a questão etnicorracial
(BRASIL, 2001, 2003, 2004, 2006, 2010) possibilita compreender o papel
dessa legislação para a construção de uma educação e de uma sociedade
antirracista.
Hall (1999) e Lima (2006) nos trazem a referência teórica para entender
os conceitos de identidades e de identidades negras, sendo essencial esse
entendimento para entender as relações raciais no Brasil, pois Lima (2012, p.
2) nos diz que “os repertórios identitários são elementos basilares para a
ERER (Educação para as Relações Etnicorraciais) no Brasil”. Assim,
entender esses repertórios possibilita entender o processo de formação das
identidades e seu lugar na sociedade. É também Lima (2012) que aponta a
identidade como uma construção social de dimensões múltiplas, dinâmicas e
relacional, formada a partir das relações entre as diferentes pessoas da
história.

1 Identidades e Identidades Etnicorraciais Negras

Para este trabalho utilizamos como uma das referências Hall (2003) que
aponta o caráter sócio-histórico-cultural e político das identidades, bem como
Lima (2006) ao afirmar que “a sua construção está inscrita em relações de
poder, de interações materiais e simbólicas e como tal não pode ser pensada
fora do campo de tensão contínua e processual” ( p. 67).

Entendemos que a base das identidades é saber quem somos e como


somos enxergados no mundo na nossa trajetória de vida, seja no aspecto
etnicorracial, de gênero e sexualidade, de religião, de profissão, de lugar de
origem, entre outros (LIMA, 2011).

Também nos baseamos em Sodré (1999, p. 34 apud LIMA, 2006, p. 64-


65), ao apontar que

Dizer identidade é designar um complexo relacional que liga o sujeito


a um quadro contínuo de referências, constituído pela intersecção de
sua história individual com a do grupo onde vive. Cada sujeito singular
é parte de uma continuidade histórico-social, afetado pela integração
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num contexto global de carências naturais, psicossociais e de relações


com outros indivíduos, vivos e mortos. A identidade de alguém, de um
“si mesmo”, é sempre dada pelo reconhecimento do “outro”, ou seja, a
representação que o classifica socialmente.,

Desse modo, consideramos nossas diversas identidades (de gênero,


etnicorracial, religiosa, entre outras), são continuamente configuradas a partir
das interações sociais das quais fazemos parte, inclusive, a partir do acesso e
contatos com os nossos referenciais ancestrais de pertencimentos grupais.
Nessa perspectiva é que entendemos a constituição das identidades negras a
partir de Lima (2006), já que para esta autora essas identidades são:
“Construções múltiplas, complexas, social e historicamente (re)construídas
com base nos dispositivos de matrizes africanas; tais dispositivos são
processados nas relações socioculturais, políticas e históricas que se deram a
partir do sequestro dos nossos ancestrais africanos para o Brasil (LIMA,
2006, p.67)”

Assim, identidades negras ou afro-brasileiras em Sergipe e no Brasil


também possuem como elementos formadores repertórios das culturas e
histórias africanas e afro-brasileiras, mediadas pelas relações acontecidas
nesses espaços a partir das reconfigurações do preconceito e discriminação
racial e em seu enfrentamento ao longo da história. Nossa autoidentificação
etnicorracial tem sua existência marcada pelas relações processadas ao longo
dos séculos de exploração do escravismo e de negação e inferiorização do
racismo. Portanto, conforme Lima (2011, p. 03) “as identidades têm um
caráter histórico e cultural, caráter este que demarca os conceitos de
identidades etnicorraciais e identidades negras embasados nos conceito de
raça social e etnia e imbricados na trajetória histórica dessa população”.

2 Racismo, Preconceito e Desigualdade Etnicorracial

A luta histórica da população negra contra as desigualdades tem se dado


ao longo da história desde o momento em que os descendentes africanos
foram trazidos a força para ser escravizado. Nessa trajetória de desigualdades
alguns conceitos que se materializam em práticas são elementos históricos
nessa sociedade. Um desses conceitos que precisa ser entendido para se lutar
contra essas desigualdades é o preconceito. Segundo Bento (2006, p.37)
preconceito racial é “um conceito negativo que uma pessoa ou um grupo de
pessoas têm sobre outra pessoa ou grupo diferente. É uma espécie de ideia
preconcebida, acompanhada de sentimentos e atitudes negativas de um grupo
contra outro”.

Assim, a forma como a exploração escravista se deu, com o aval do


Estado e da Igreja alimentou um pensamento negativo, inferiorizador e
desumanizador dos/das africanos/as e seus descendentes. Por isso, até os dias
atuais o pensamento racista, sem base de conhecimento na maioria das vezes,
reproduz a priori um pensamento negativo sobre essas pessoas de
ascendência africana e seus repertórios culturais. É comum nesse contexto,
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de reprodução do pensamento e do imaginário social, as forças policiais


considerarem negros como suspeitos preferenciais, bem como as pessoas
considerarem crianças brancas mais bonitas, inteligentes e merecedoras de
afeto do que as crianças negras, como apontam os trabalhos de Silva (1986) e
de Cavalleiro (2000).

São nas situações acima descritas que o preconceito se transforma em


discriminação, pois a discriminação são as ações que materializam o
preconceito, ou seja, a partir do seu preconceito as pessoas agridem ou
prejudicam as outras. Por exemplo, o pensamento preconceituoso considera
que as crianças negras são menos bonita do que as crianças brancas e de
alguma forma externaliza esse preconceito, atingindo sua autoestima e
fazendo com que se considere inferior. A partir desse preconceito essas
crianças são preteridas para situações de valorização social como ser
destaque em desfiles e outras atividades. Como exemplos dessa situação
discriminatória no que se refere ao pertencimento etnicorracial
(discriminação etnicorracial), podemos citar o resultado da pesquisa de
Cavalleiro (2000) realizada em escolas de Educação Infantil de São Paulo,
que mostra que crianças brancas recebem mais expressões de afeto do que
crianças negras, tais como elogios, beijos de recepção e de despedida, entre
outras expressões.

Nesse contexto, referendados na Declaração sobre raça e preconceitos


Raciais, de 1978, adotada na 20ª sessão da Conferência Geral da UNESCO i
(apud LIMA; TRINDADE, 2009, p. 29), entendemos o racismo como:

Toda teoria que leve a admitir nos grupos raciais ou étnicos qualquer
superioridade ou inferioridade capaz de atribuir a alguns o direito de
dominar ou eliminar outros, pretensamente inferiores, e que leve a
fundamentar julgamentos de valor em qualquer diferença racial, bem
como as ideologias racistas, as atitudes fundadas em preconceitos
raciais, os comportamentos discriminatórios, as disposições estruturais
e práticas institucionalizadas que provoquem desigualdade racial, bem
como a ideia falaciosa de que as relações discriminatórias entre grupos
justificam-se moral e cientificamente.

Desse modo, o racismo no Brasil tem o resquício da escravização e suas


estratégias ideológicas de justificação, mas a estratégia de reprodução que
perdura pela ausência de políticas públicas de combate e de promoção da
equidade para o povo negro. E se reproduz até a atualidade nos diversos
meios e instrumentos sociais, tais como pela mídia, pela indústria de
brinquedos, cosmético, pela ausência ou deturpação de imagens na
propaganda, no mundo da moda, na televisão, nas músicas, no material
didático, entre outros meios.

A definição da UNESCO também aponta para a relação discriminação


racial ou racismo com a realidade da desigualdade social brasileira, ou seja,
temos um país de desigualdades sociais, mas essa desigualdade tem um
caráter etnicorracial, assim como de gênero. Segundo dados da IPEA, a
pirâmide social brasileira é formada por homens brancos no seu topo, seguido
por mulheres brancas e depois por homens negros e na base da desigualdade
se encontram as mulheres negras, mesmo que essas tenham formação
semelhante aos demais.
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Além disso, a forma como as crianças negras têm sido tratadas na


educação escolar se contribui para o fracasso escolar, o que se torna elemento
de reprodução da desigualdade.

Uma amostra da situação descrita acima nos é trazida por Lima e


Trindade (2009, pp. 30 e 31) ao apontar que a desigualdade etnicorracial
também tem a contribuição das práticas escolares. A citação é de uma
pesquisa realizada por Carlos Henrique Araújo e Ubiratan Castro de Araújo,
a partir da análise de dados do Sistema Nacional de Avaliação da Educação
Básica (Saeb).

Os alunos negros que sobrevivem na escola são vítimas de uma


sistemática queda de desempenho. Os dados revelam que, mesmo entre
estudantes de escolas particulares, portanto com níveis
socioeconômicos similares, o desempenho entre brancos e negros não
é igual. Por exemplo, na 4ª série, em Língua Portuguesa, alunos negros
alcançam uma pontuação de 179, na escala de desempenho, e os
brancos, de 228 pontos. (ARAUJO; ARAUJO apud PAIXÃO, 2006, p.
34).

A grande questão que se coloca ao se perguntar as causas dessa


desigualdade encontra eco nas pesquisas que têm sido realizadas sobre
relações etnicorraciais na escola e na sociedade. Pesquisas como as de Silva
(1995), Lima (2006), Cavallleiro (2000), Gonçalves e Silva (1985) entre
outros que apontam que o preconceito e a discriminação tem um efeito
negativo no desenvolvimento das crianças e assim, são reprodutores da
desigualdade social brasileira.

3 Identificando os Sujeitos da Pesquisa


O estudo fonte deste relatório tem como campo duas turmas de duas
escolas situadas em dois municípios do agreste sergipano. A primeira turma,
aqui identificada como Turma A, é uma turma de 5º ano da escola aqui
denominada como Escola 1, localizada no Povoado Palmeiras, em Malhador
– SE. Os 19 estudantes desta turma que responderam os questionários desta
pesquisa, têm idade entre 9 e16 anos, sendo 9 meninos e 10 meninas, onde
fizemos uma divisão etária em: de 9 a 11temos 15 alunos, considerados em
idade serie regular e entre 12 e 16 anos temos 4 alunos, considerados aqui em
idade serie irregular.

A segunda turma, identificada neste trabalho como Turma B, é uma


turma de 5º ano da escola aqui denominada como Escola 2, localizada no
Povoado Carrilho, em Itabaiana-SE. Vinte três (23) estudantes desta turma
responderam os questionários desta pesquisa, sendo 11 meninos e 12 meninas
com idade entre10 e 16 anos, também aqui fizemos divisão etária em: de 9 a
11temos 9 alunos, considerados em idade serie regular e entre 12 e 16 anos
temos 13 alunos, considerados aqui em idade serie irregular. E 1(um) não
informou.

A autoidentificação etnicorracial apontou que 12 estudantes da Turma A


se identificaram como negro, 6 se declararam brancos e 3 orientais.Com
relação a identificação etnicorracial dos genitores , foram declarados como
sendo 11 pais negros, 6 brancos e 2 orientais; em relação as mães foram 9
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negras, 8 brancas e 2 orientais. Já se tratando da Turma B a auto identificação


etnicorracial dos entrevistados que se declaram negros é exatamente igual 12,
porém o número de estudantes que se declararam morenos são de 10, e
apenas 1 se auto declara oriental. Assim, vemos surgir um novo item de
identificação etnicorracial partir da autoidentificação na opção outro.

Em relação aos genitores, os estudantes da Turma B, foi obtido um total


de 15 pais negros, 7 morenos e apenas 1(um) branco. O que faz disso mais
instigante é o fato de existirem histórias (narrativas orais de pessoas da
comunidade) sobre os povoados em questão serem comunidade
remanescentes quilombolas, porém a discriminação sofrida pelo povo negro
no Brasil perpassa pela criação desse tipo de termo que não os define nem
como brancos nem como negros como forma de aceitação da sociedade, o
que interfere na identidade etnicorracial do individuo, configurando o que
Munanga (1999) aponta como ambiguidade identitária, bem característico da
sociedade brasileira, em que o racismo cordial se articula com a ideologia do
branqueamento. Nesse contexto, a negativização do “ser negro” ,
reproduzido nos diversos âmbitos da sociedade, inclusive na mídia, nos
materiais didáticos, na indústria de brinquedos e nas diversas produções
culturais.

4 Identidade, Família e Referências


O primeiro item trata sobre a concepção dos/as alunos/alunas no tocante
ao Ser Negro/a. Na Turma A, a categoria que tem maior predominância são
os conceitos vagos, gerais e estereotipados com 10(dez) ocorrências, com a
indicação da palavra “normal” (8 vezes). Após surgem os conceitos de
referência à beleza e estética positiva com os termos “bonito”(5 vezes) e
“linda”(1vez).Em seguida destaca-se o aspecto histórico-cultural com 2(duas)
ocorrências e indicação de “Vem da cor do meu avó ou do meu pai” e “Uma
pessoa muito importante no Brasil”. Na categoria características físicas tem
(2) ocorrências, como: “Que tem a cor escura” e “Que tem a pele escura”.
Também foram citadas características de personalidade, onde dividimos em
positiva e negativa, como positiva temos: “inteligente” e negativa “uma
pessoa que só pensa maldade” com 1(uma) ocorrência cada.

Na Turma B, predominam os conceitos vagos, gerais, sem definição,


com 14 (catorze) ocorrências, com maior indicação da palavra “normal” 13
vezes e “igual a mim e a todos” (1 vez). Em seguida surgem os conceitos
referentes à beleza e a estética positiva com os termos “bonito” (4 vezes) e
“elegante” (2 vezes). Em seguida destacam-se as referências físicas ou
fenotípicas com as palavras “cabelo negro” (2 vezes) e “pele negra” (1).

Os dados apresentados acima apontam para um panorama em que a


identidade negra não se encontra tão discriminada/negativizada por essas
crianças ao definir a categoria como externa a si, embora ao se
autoidentificar, como colocamos tenha parecido resquício da ideologia da
mestiçagem na recorrência do termo moreno. Ainda assim, parece haver uma
visão mais normalizada em relação ao ser negro, pois somando as
recorrências de “normal” com as referentes à beleza e estética, formam uma
predominância significativa. Não obstante isso é significativo o aspecto
fenotípico do olhar para as identidades, à medida que há três referências a
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traços físicos como repertórios da identidade negra (“cabelo negro” e “pele


negra”). Como bem colocou Nogueira (1998) o racismo brasileiro traz em si
o preconceito de marca, relacionado aos traços fenotípicos, portanto, as
identidades etnicorraciais são marcadas por esses repertórios, já que estas são
construções sociais, como coloca Lima (2006, 2011).

A seguir perguntados aos/às alunos/alunas se na família havia pessoas


negras. A percepção com relação à identidade etnicorracial foi praticamente
igual nas duas turmas: 16 para a Turma A e 17 para a Turma B. Com relação
a não presença de pessoas negras na família apenas 3 alunos/as da Turma A e
6 da Turma B deram essa afirmativa.

Os/as estudantes que afirmaram possuir pessoas negras na família


fizeram a identificação destas sendo que na Turma A surgiram 25 citações de
familiares próximos (pais/mães, irmãos/irmãs) e 19, para familiares
secundários (tios/tias, primos/primas, avôs/avós). Em alguns/mas citações
não foi possível identificar que tipo de parentesco os/as
entrevistados/entrevistadas possuíam com os nomes citados. Assim sendo,
estes foram categorizados como não identificados totalizando 15. Na Turma
B foram citados 17 pessoas como familiares próximos e 11, como familiares
secundários.

No item seguinte foi pedido para os/as alunos/alunas citarem nomes de


mulheres negras e homens negros que conhecem na comunidade. Na Turma
A houve predominâncias de nomes de pessoas conhecidas pelos/as
alunos/alunas com um total de 72 pessoas. Em seguida foram citados os
nomes de familiares com 6 ocorrências. Na Turma B a maior ocorrência foi
para familiares com 9 citações contra 3 para conhecidos.

Em sequência foi pedido aos/às alunos/alunas que citassem três nomes


de mulheres e três de homens que fossem negros/as e famosos/as. Na Turma
A, foram citadas seis cantoras: com destaque para Alcione e Preta Gil,
sendo também citadas Ivete Sangalo e Thalia, que aparentemente não
apresentam características de origem africanas. Entre os negros famosos
houve 11 ocorrências para cantores, sendo os mais citados estão Júnior
Ventura (4 ocorrências), Léo Santana(3 ocorrências), Adalvenon e Alexandre
Pires(1 ocorrência cada) e ainda Luan Santana e Justin Bieber sendo esses
não apresentarem características fenotípicas de origem africanas. Entre os
atores houve 29 ocorrências, os mais citados estão Micael Borges e Lázaro
Ramos com 2 ocorrências cada, entre outros, contando com três referencias
não negras. Na categoria atletas temos 14(catorze) ocorrências, entre os mais
apontados estão Ronaldinho Gaúcho, Neymar e Pelé com 2(dois) ocorrências
cada, ainda contamos com 2 não identificados.

Na Turma B a categoria “cantoras” conta com 15(quinze) ocorrências


entre as mais apontadas estão Margareth Menezes com 4 (quatro) ocorrências
e Preta Gil com 2 ocorrências, além de mais 3(três) referenciais não negros
como Gretchen, Maria Gadhu (4 ocorrências) e Ivete Sangalo. Na categoria
atletas houve apenas uma ocorrência onde é apontada a ginasta Daiane dos
Santos; e mais duas na categoria não identificada. Entre os homens a
categoria cantores obteve 13 ocorrências, sendo os mais apontados Rick, Léo
Santana, Thiaguinho e Alexandre Pires com duas ocorrências cada e ainda
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mais 3(três) referencias não negras. Entre os atores temos 24 ocorrências de


referências entre os quais destacamos: Micael Borges, Zezé Mota e mais duas
referencias não negras. Os atletas conta com 24(vinte e quatro) ocorrências
Ronaldinho, Neymar com 5 (cinco)ocorrências cada. Ainda mais uma
referência no item não identificado.

Aqui podemos observar que mesmo em número reduzido, o negro no


Brasil tem representações famosas sejam elas regionais ou nacionais. No
entanto, conforme Lima (2006) e Matos e Lima (2010) a referência negra na
mídia brasileira ainda é muito restrita e predominantemente ligada ao esporte
e a música, sendo que nos últimos tempos tem havido uma ampliação dessa
presença na dramaturgia televisiva. Embora consideremos que isso possa
contribuir para uma positivação das identidades negras, faz-se necessário que
as crianças brasileiras tenham também referência negras de outras áreas. Por
exemplo, cientistas, escritores e outros referenciais que possam contribuir
para as crianças perceberem que seu pertencimento etnicorracial não deve ser
impedimento ao seu direito de ser representante ou representado nas diversas
áreas do conhecimento. 4

Foi perguntado aos/às alunos/alunas se eles/elas conheciam algumas


histórias nas quais os/as personagens principais eram negras. No tocante a
esse item, 11 entrevistados/entrevistadas da Turma A afirmaram conhecer
citando como histórias com personagens negros Zumbi, Líder dos Palmares,
Luiz Gonzaga, Anaconda e Os trapalhões. Na Turma B o número de alunos
que disseram não conhecerem foi superior aos da Turma A, foi de 20
estudantes e apenas 3(três) alegaram conhecer, onde citaram: A vida escrava
e Sitio do Pica-Pau Amarelo com duas incidências.

A constatação acima nos causa uma inquietação: em se tratando de


turmas de crianças em processo escolar, qual o lugar da literatura infantil
nesse processo e qual a representação negra nessa literatura, já que passados
nove anos da Lei 10.639/03, com o acervo existente de história infanto-
juvenil com personagens negros, não se percebeu essas referências no
contexto pesquisado. É uma questão que nos instiga para aprofundamentos
futuros, considerando o que apontam França e Lima (2011) e Oliveira (2010)
sobre a importância da literatura infanto-juvenil para a constituição e
expressão identitária.

No item sobre o desejo de mudanças no próprio corpo, na Turma A 13


estudantes responderam que sim, apontando 20 ocorrências, sendo que a
maior incidência foi para o cabelo (7 vezes) e 6(seis)vezes foi dito que
mudariam “tudo”, três disseram querer mudar a cor; já quando questionados
por que eles responderam: “Porque ficaria mais bonita”, “Porque é muito
ruim quando está grande”, “Porque é da mesma cor”, “Porque acho minha
pele feia” etc, Os estudantes que disseram não querer fazer nenhuma
mudança disseram que: “Porque não gosto dessas coisas”, “Porque gosto do

4
Um bom referencial para se trabalhar na escola são os DVS Heróis de
Todo Mundo do Projeto a Cor da Cultura, que trazem 60 (sessenta)
referências negras ancestrais, apresentadas por outras sessenta referências
negras atuais. Ver site www.acordacultura.org.br
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meu jeito”, “Porque Deus me fez assim”, “Porque ele é muito importante
para mim”, entre outras. Na Turma B, 9(nove) disseram que gostariam de
mudar algo como o cabelo, cor, olho, nariz e tipo físico, não houve
justificativa de porque gostariam de mudar. Entre os que disseram não
desejar mudar nada a incidência foi de 13 estudantes.

Tratando-se de comunidades negras rurais, nas quais os traços


etnicorraciais de origem africana são bastante visíveis, nota-se certa
negativização de alguns desses traços, de modo especial o cabelo, repertório
identitário significativo, especialmente na região Nordeste, onde a atribuição
do estereótipo de “cabelo ruim” ao cabelo crespo é recorrente (LIMA, 2011).
Gomes (2003, p.175) afirma que: “Não podemos deixar de pontuar que a
sociedade e a escola brasileira da atualidade têm construído representações
sociais mais positivas sobre o negro e sua estética”, porém essas
representações não tem sido o suficiente para que haja uma mudança
significativa nesse campo. Assim, o cabelo, como repertório identitário
fenotípico, seguida pela cor da pele, são repertórios que remetem a
ancestralidade africana e, portanto, tem sido negativizado historicamente
como contraponto ao modelo de beleza estabelecido pelo racismo brasileiro.
É muito comum, ainda em pleno século XXI, as pessoas se referirem ao
cabelo crespo, como “cabelo ruim” e ao cabelo liso, principalmente loiro,
como “cabelo bom”, e conforme aponta Lima (2006) isso tem um reflexo
negativo na própria autoimagem da criança e na sua relação com sua própria
identidade.

ALGUMAS CONSIDERAÇÕES
As conclusões deste se referem tanto a ênfase na importância da
fundamentação teórico-metodológica para o a efetivação da pesquisa quanto
ao seu reflexo no espaço social Assim traz a algumas conclusões referentes à
abordagem da temática e algumas considerações sobre o trabalho de campo.

Os autores que dão suporte a esta pesquisa trazem temas relacionados a


conceitos de racismo, discriminação, beleza afro-brasileira, conceito de
morenidade. Vários foram os conceitos apontados como problemáticos a
exemplo de ações discriminatórias relacionadas aos conceitos etnicorraciais e
até religiosos. Percebemos na fala das crianças que a escola disponibiliza
material necessário para o docente trabalhar essa temática e que mesmo já
sendo trabalhado pelo docente é necessário que seja incorporado como
prática da escola e não só iniciativas eventuais individuais.

As temáticas aqui abordadas nos dão um indicativo de que o avanço é


fruto da ação de movimentos sociais negros e outros movimentos e sujeitos
sociais que defendem a tese da importância da produção acadêmica e do
ensino para a superação da ideologia racista e consequente transformação da
sociedade o que falta muito para alcançarmos uma sociedade igualitária e que
saiba respeitar as diferenças de cada indivíduo independente de conceitos
etnicorraciais, deficiência, gênero ou preferência sexual.
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Reflexões sobre Identidade e Educação para


as Relações Etnicorraciais

Hermínia Rafaela Pereira dos Santos1

Maria Batista Lima2

Liana Alves Batista3

Edenilse Batista Lima4

RESUMO
Este artigo apresenta uma reflexão sobre Identidades e Educação para as Relações
Etnicorraciais. Tem como base o estudo “Concepções e Práticas de Educação para as
Relações Etnicorraciais em Sergipe: Um Estudo em duas Escolas de Sergipe”,
inserido na pesquisa “Identidades e Diferenças: diversidades etnicorracial, de gênero e
de orientação sexual em diferentes contextos da educação sergipana”, em
desenvolvimento no âmbito do Grupo de Pesquisas Identidades e Alteridades:
Diferenças e Desigualdades na Educação (GEPIADDE). O objetivo do projeto é
investigar o lugar das políticas, concepções e práticas de Educação para a diversidade
em Sergipe, sendo que este trabalho, de base teórica, tem como foco o referencial
teórico do referido estudo. Para isso destacamos os/as autores/as Marques (2006),
Maroun (2010), Oliveira (2011), Silva (2011), Lima (2006, 2011) Miranda (2011),
Brasil (2003, 2008, 2010; 2011), entre outros. Os estudos teóricos realizados apontam
que a educação para as relações etnicorraciais é um instrumento importante para a
qualificação da educação e para a melhoria da sociedade.

Palavras-chave: Identidades; relações etnicorraciais; educação, Lei 10.639/2003.

1
Contato do(a) autor(a): herminiarafaela@yahoo.com.br. Bolsista PIIC-UFS.
2
Contato do(a) autor(a): mabalima.ufs@gmail.com. Profª Adjunta DEDI-
UFS/GEPIADDE
3
Contato do(a) autor(a): lianaabds@gmail.com. Bolsista PIIC-UFS
4
Contato do(a) autor(a): edenbali2005@gmail.com . Mestranda NPGECIMA-
UFS/GEPIADDE.
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INTRODUÇÃO

Autoras como Lima (2006), Lima e Trindade (2009); Trindade (1994),


entre outros/as apontam que o pertencimento à ancestralidade africana tem
sido fator de inferiorização da população negra, havendo historicamente uma
negação de sua participação na construção da sociedade, bem como a
reprodução de negativização da sua história e sua cultura.

Autoras e autores como Gonçalves e Silva (1986), Silva (1999),


Trindade (1994) Lima (2006), Lima (2011); Lima (2012); Lima e Trindade
(2010), Cavalleiro (2002), Bento (1998) Munanga (2001) demonstram, a
partir de suas pesquisas e produções, que o racismo tem sido reprodutor de
desigualdades sociais na sociedade e que a base dessa reprodução tem uma
força muito grande na infância. Apontam ainda que o conhecimento sobre a
cultura e história africana e afro-brasileira e a abordagem fundamentada
adequada com a valorização do protagonismo negro e seus repertórios
culturais ou africanidades na história da humanidade, do Brasil e em suas
regiões podem contribuem para a construção do que se denomina como
Educação para as Relações Etnicorraciais (LIMA, 2012; BRASIL, 2004).
Educação essa que “preconiza a valorização equânime de todos os povos e
suas ancestralidades na construção das sociedades” (LIMA, 2011, p. 01).

Munanga (2001) traz, além da denuncia do racismo no cotidiano


escolar, as estratégias para sua superação a partir do fortalecimento de uma
práxis constituídas a partir de conhecimentos sobre as histórias e culturas
africanas e principalmente das trajetórias afro-brasileiras e suas africanidades.

Bento (2006), na obra Cidadania em Preto e Branco- Discutindo as


relações raciais, procura abordar a questão das relações raciais no Brasil,
partindo de conceitos básicos como preconceito, discriminação, racismo,
estereótipo e contextualizando o recorte racial das desigualdades brasileiras a
partir de situações do cotidiano.

O estudo da legislação educacional voltada para a questão etnicorracial


(BRASIL, 2001, 2003, 2004, 2006, 2010) possibilita compreender o papel
dessa legislação para a construção de uma educação e de uma sociedade
antirracista.

Hall (1999) e Lima (2006) nos traz a referência teórica para entender os
conceitos de identidades e de identidades negras, sendo essencial esse
entendimento para entender as relações raciais no Brasil, pois Lima (2012, p.
2) nos diz que “os repertórios identitários são elementos basilares para a
ERER (Educação para as Relações Etnicorraciais) no Brasil”. Assim,
entender esses repertórios possibilita entender o processo de formação das
identidades e seu lugar na sociedade.

É Lima (2012) que aponta a identidade como uma construção social de


dimensões múltiplas, dinâmicas e relacional, formada continuamente a partir
das relações entre as diferentes pessoas da história.
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Discutir a Educação para as Relações Etnicorraciais (ERER) no cenário


brasileiro requer que compreendamos o contexto da formação das relações
etnicorraciais no Brasil e o contexto do papel da educação na vivência e
expressão dessas identidades, realidade entrelaçada na forma como a
população negra tem sido tratada nesse contexto. Assim, organizamos essa
reflexão sobre relação etnicorracial na perspectiva afro-brasileira, a partir do
contexto da lei 10.639/2003, a partir de eixos como identidades e identidades
etnicorraciais; racismo, preconceito desigualdade etnicorracial; e educação
para as relações etnicorraciais.

1 Identidades e Identidades Etnicorraciais Negras


Para este trabalho tomamos como referência Hall (2003) Lima (2006)
que evidenciam o caráter sociohistórico das identidades. Lima afirma que “a
sua construção está inscrita em relações de poder, de interações materiais e
simbólicas e como tal não pode ser pensada fora do campo de tensão
contínua e processual”. (LIMA, 2006, p. 67)

Entendemos que a base das identidades é saber quem somos e somos


enxergados no mundo na nossa trajetória de vida, seja no aspecto
etnicorraciais, de gênero e sexualidade, de religião, de profissão, de lugar de
origem, entre outros, como diz Lima (2011).

Também nos baseamos em Sodré, que define:

Dizer identidade é designar um complexo relacional que liga o sujeito


a um quadro contínuo de referências, constituído pela intersecção de
sua história individual com a do grupo onde vive. Cada sujeito singular
é parte de uma continuidade histórico-social, afetado pela integração
num contexto global de carências naturais, psicossociais e de relações
com outros indivíduos, vivos e mortos. A identidade de alguém, de um
“si mesmo”, é sempre dada pelo reconhecimento do “outro”, ou seja, a
representação que o classifica socialmente. (SODRÉ, 1999, p.34 apud
LIMA, 2006, pp.64-65),

Para falar de identidades negras nos baseamos em Lima (2006) que diz
que as identidades negras são:

Construções múltiplas, complexas, social e historicamente


(re)construídas com base nos dispositivos de matrizes africanas; tais
dispositivos são processados nas relações socioculturais, políticas e
históricas que se deram a partir do sequestro dos nossos ancestrais
africanos para o Brasil. (LIMA, 2006, p.67)

Desse modo, as identidades negras ou afro-brasileiras em Sergipe e no


Brasil também têm como elementos formadores repertórios das culturas e
histórias africanas e afro-brasileiras, mediadas pelas relações acontecidas
nesses espaços a partir das reconfigurações do preconceito e discriminação
racial e em seu enfrentamento ao longo da história.
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Assim, a nossa auto identificação etnicorracial tem sua existência


marcada pelas relações processadas ao longo dos séculos de exploração do
escravismo e de negação e inferiorização do racismo. Portanto, conforme
Lima (2011, p. 03) “as identidades têm um caráter histórico e cultural, caráter
este que demarca os conceitos de identidades etnicorraciais e identidades
negras embasados nos conceito de raça social e etnia e imbricados na
trajetória histórica dessa população”.

2 Racismo, Preconceito e Desigualdade Etnicorracial


A luta histórica da população negra contra as desigualdades tem se dado
ao longo da história desde o momento em que os descendentes africanos
foram trazidos a força para ser escravizado. Nessa trajetória de desigualdades
alguns conceitos que se materializam em práticas são elementos históricos
nessa sociedade. Um desses conceitos que precisa ser entendido para se lutar
contra essas desigualdades é o preconceito.

Segundo Bento (2006, p.37) preconceito racial é “um conceito negativo


que uma pessoa ou um grupo de pessoas têm sobre outra pessoa ou grupo
diferente. É uma espécie de ideia preconcebida, acompanhada de sentimentos
e atitudes negativas de um grupo contra outro”.

Assim, a forma como a exploração escravista se deu, com o aval do


Estado e da Igreja alimentou um pensamento negativo, inferiorizador e
desumanizador dos/das africanos/as e seus descendentes. Por isso, até os dias
atuais o pensamento racista, sem base de conhecimento na maioria das vezes,
reproduz a priori um pensamento negativo sobre essas pessoas de
ascendência africana e seus repertórios culturais. É comum nesse contexto, de
reprodução do pensamento e do imaginário social, as forças policiais
considerarem negros como suspeitos preferenciais, bem como as pessoas
considerarem crianças brancas mais bonitas, inteligentes e merecedoras de
afeto do que as crianças negras, como apontam os trabalhos de Silva (1986)
e de Cavalleiro (2000).

São nas situações acima descritas que o preconceito se transforma em


discriminação, pois a discriminação são as ações que materializam o
preconceito. Ou seja, a partir do seu preconceito as pessoas agridem ou
prejudicam as outras. Por exemplo, o pensamento preconceituoso considera
que as crianças negras são menos bonita do que as crianças brancas e de
alguma forma externaliza esse preconceito, atingindo sua autoestima e
fazendo com que se considere inferior. A partir desse preconceito essas
crianças são preteridas para situações de valorização social como ser
destaque em desfiles e outras atividades. Como exemplos dessa situação
discriminatória no que se refere ao pertencimento etnicorracial
(discriminação etnicorracial), podemos citar o resultado da pesquisa de
Cavalleiro, realizada em escolas de educação infantil de São Paulo, que
mostra que crianças brancas recebem mais expressões de afeto do que
crianças negras, tais como elogios, beijos de recepção e de despedida, entre
outras expressões (CAVALLEIRO, 2000).
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Nessa perspectiva, tomamos como referência para o racismo o conceito


da Declaração sobre raça e preconceitos Raciais, de 1978, adotada na 20ª
sessão da Conferência Geral da UNESCO 5 (apud LIMA; TRINDADE, 2009,
p. 29)

Racismo: Toda teoria que leve a admitir nos grupos raciais ou étnicos
qualquer superioridade ou inferioridade capaz de atribuir a alguns o
direito de dominar ou eliminar outros, pretensamente inferiores, e que
leve a fundamentar julgamentos de valor em qualquer diferença racial,
bem como as ideologias racistas, as atitudes fundadas em preconceitos
raciais, os comportamentos discriminatórios, as disposições estruturais
e práticas institucionalizadas que provoquem desigualdade racial, bem
como a ideia falaciosa de que as relações discriminatórias entre grupos
justificam-se moral e cientificamente.

Assim, o racismo no Brasil tem o resquício da escravização e suas


estratégias ideológicas de justificação, mas a estratégia de reprodução que
perdura pela ausência de políticas públicas de combate e de promoção da
equidade para o povo negro. E se reproduz até a atualidade nos diversos
meios e instrumentos sociais, tais como pela mídia, pela indústria de
brinquedos, cosmético, pela ausência ou deturpação de imagens na
propaganda, no mundo da moda, na televisão, nas músicas, no material
didático, entre outros meios.

A definição da UNESCO também aponta para a relação discriminação


racial ou racismo com a realidade da desigualdade social brasileira. Ou seja,
temos um país de desigualdades sociais, mas essa desigualdade tem um
caráter etnicorracial, assim como de gênero e etc. Segundo dados da IPEA, a
pirâmide social brasileira é formada por homens brancos no seu topo, seguido
por mulheres brancas e depois por homens negros e na base da desigualdade
se encontram as mulheres negras, mesmo que essas tenham formação
semelhante aos demais. Além disso, a forma como as crianças negras tem
sido tratada na educação escolar se contribui para o fracasso escolar, o que se
torna elemento de reprodução da desigualdade.

Uma amostra da situação descrita acima nos é trazida por Lima e


Trindade (2009, pp. 30 e 31) ao apontar que a desigualdade etnicorracial
também tem a contribuição das práticas escolares. A citação é de uma
pesquisa realizada por Carlos Henrique Araújo e Ubiratan Castro de Araújo,
a partir da análise de dados do Sistema Nacional de Avaliação da Educação
Básica (Saeb)

Os alunos negros que sobrevivem na escola são vítimas de uma


sistemática queda de desempenho. Os dados revelam que, mesmo entre
estudantes de escolas particulares, portanto com níveis
socioeconômicos similares, o desempenho entre brancos e negros não
é igual. Por exemplo, na 4ª série, em Língua Portuguesa, alunos negros
alcançam uma pontuação de 179, na escala de desempenho, e os
brancos, de 228 pontos. (ARAUJO; ARAUJO apud PAIXÃO, 2006, p.
34).

5
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Assim, o preconceito e a discriminação são elementos formadores e


reprodutores da desigualdade social brasileira.

3 A Educação para as Relações Etnicorraciais e a Lei


10.639/2003

Ao longo da história tem sido muitas formas de enfrentamento do


racismo. Nessa luta a conquista de leis antirracistas tem sido um passo
importante e a educação um espaço de o estratégico de transformação.

A conquista da Lei 10.639/03 é uma conquista significativa nessa longa


caminhada por reconhecimento, valorização e equidade para a população
afro-brasileira. É uma lei que fortalece e fundamenta ações de políticas
públicas que fomentam e são fomentadas por micro práticas cotidianas,
conforme Lima (2011).

A criação da Lei 10.639/03 e da Lei 11.645/08, que modificam a Lei de


Diretrizes e Base da Educação Nacional, tornando obrigatório o ensino da
história e cultura africana, afro-brasileira e indígena nos currículos escolares
são frutos das lutas políticas construídas pelos Movimentos Sociais Negros e
que para se consolidar na prática pedagógica necessita da consolidação de
compromisso por parte de diversas instancias da sociedade, a saber Estado,
Sociedade Civil e, especialmente, da formação compromissada dos sujeitos
do cotidiano escolar. A luta é por reconhecimento da participação ativa do
povo africano e seus descendentes no Brasil para a formação sócio-histórica e
cultural brasileira.

Faz-se necessário assim, considerar que o conhecimento da história e


cultura africanas, afro-brasileiras e indígenas é condição para a redução das
desigualdades e consequente fortalecimento da equidade. Essa é a
contribuição da educação para as relações etnicorraciais para a
democratização efetiva dessa sociedade.

As Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação das Relações


Étnico-Raciais e para o Ensino de História e Cultura Afro-Brasileira e
Africana, do Conselho Nacional de Educação, pela Resolução CP/CNE nº 1,
de 17 de junho de 2004, (DOU nº 118, 22/6/2004, Seção 1, p. 11), instituiu:

Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação das Relações


Etnicorraciais e para o Ensino de história e Cultura Afro-brasileira e
Africana, a serem observadas pelas instituições, em todos os níveis e
ensino, em especial, por instituições que desenvolvem programas de
formação inicial e continuada de professores. A resolução tem por base
o Parecer CP/CNE nº 3, de 10 de março de 2004, homologado pelo
Ministro da Educação, em 19 de maio de 2004.

Essas diretrizes apontam o objetivo central da Educação das Relações


Étnico-Raciais, a partir da articulação entre conceitos, procedimentos e
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atitudes, com vista ao mesmo tempo de fortalecimento dos repertórios


identitários de herança africana e da valorização das diferenças como
elemento facilitador da construção de uma sociedade realmente democrática.
Assim, este documento estabelece:

§ 1° A Educação das Relações Étnico-Raciais tem por objetivo a


divulgação e produção de conhecimentos, bem como de atitudes,
posturas e valores que eduquem cidadãos quanto à pluralidade étnico-
racial, tornando-os capazes de interagir e de negociar objetivos
comuns que garantam, a todos, respeito aos direitos legais e
valorização de identidade, na busca da consolidação da democracia
brasileira.

§ 2º O Ensino de História e Cultura Afro-Brasileira e Africana tem por


objetivo o reconhecimento e valorização da identidade, história e
cultura dos afro-brasileiros, bem como a garantia de reconhecimento e
igualdade de valorização das raízes africanas da nação brasileira, ao
lado das indígenas, europeias, asiáticas. (BRASIL, 2004, p.1)

Enfatizamos a responsabilidade dos diversos setores da sociedade no


cumprimento das referidas leis e suas diretrizes. Essas responsabilidades são
explicitadas no Plano Nacional de Implementação das Diretrizes Curriculares
Nacionais Para Educação das Relações Etnicorraciais e para o Ensino de
História e Cultura Afro-brasileira e Africana (BRASIL, 2010).

O referido plano aponta o papel do MEC na proposição de políticas que


favoreçam a valorização das diferenças como forma de combater essas
desigualdades. No caso das desigualdades etnicorraciais a finalidade seria “a
institucionalização da implementação da Educação das Relações
Etnicorraciais, maximizando a atuação dos diferentes atores por meio da
compreensão e do cumprimento das Leis 10639/2003 e 11645/08, da
Resolução CNE/CP 01/2004 e do Parecer CNE/CP 03/2004.”

Assim, o referido plano estabelece seis eixos fundamentais


estruturantes, que são:

1) Fortalecimento do marco legal; 2) Política de formação para gestores


e profissionais de educação; 3) Política de material didático e paradidático; 4)
Gestão democrática e mecanismos de participação social; 5) Avaliação e
Monitoramento e 6) Condições institucionais.

Após a apresentação desses eixos o plano detalha as atribuições dos


diferentes setores da educação brasileira, como se segue: a) Ações dos
sistemas de ensino da educação brasileira, subdivididas em ações do governo
federal, ações do governo estadual e ações do governo municipal; b)
Atribuições dos Conselhos de Educação; Atribuições das Instituições de
Ensino, subdivididas em: rede pública e particular de ensino, instituições de
ensino superior e coordenações pedagógicas; c) Atribuições dos Grupos
Colegiados e Núcleos de Estudos, agrupados em Núcleos de estudos afro-
brasileiros e grupos correlatos e Fóruns de Educação e Diversidade
Etnicorracial.
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Em seguida o plano estabelece os encaminhamentos de trabalho em


relação aos diferentes níveis de ensino, subdivididos em Educação Básica
(Educação Infantil, Ensino Fundamental e Ensino Médio) e Educação
Superior. Após isso são apresentadas as especificidades de ações por
modalidades de ensino, a saber: Educação de Jovens e Adultos, Educação
Tecnológica e Formação Profissional e Educação em áreas remanescentes de
quilombos. O plano coloca a necessidade de articulação entre os diferentes
níveis e modalidades de ensino para que se alcance os objetivos propostos no
Plano de Implementação e nas leis que o originaram.

Conforme Marques (2006, p.04) essas politicas educacionais


representam a pertinência e a necessidade de se viabilizar uma prática
pedagógica, na qual a diversidade cultural seja trabalhada, visando à
formação de uma sociedade plural, em que o diálogo entre as diferenças
culturais possa enriquecer os espaços de aprendizagem. Desta forma, a autora
em questão aponta a riqueza que o reconhecimento dessas diferenças como
fontes de valorização dos sujeitos pode trazer para a sociedade. Marques
(2006) aponta a importância de compreender, pela análise da Proposta
Pedagógica, como as escolas têm abordado o preconceito, a discriminação
racial na prática pedagógica. Segundo ela:

Não basta, portanto, reconhecer a diferença, mas também identificar se


o próprio reconhecimento não se tornará instrumento a favor da
hierarquização cultural, na qual a cultura do grupo social dominante
passa a ser considerada superior, devendo, consequentemente, ser
incorporada pelo grupo social dominado. (MARQUES, 2006, p.03)

A discriminação etnicorracial interfere de modo negativo na construção


da identidade pessoal, pois a identidade é construída no decorrer da vida, a
partir de experiências, do convívio em sociedade. E é com essas experiências
vivenciadas pela criança e pelo/a adolescente, sejam elas no grupo social, na
família ou na escola, junto com seus valores, crenças, imagens etc. É nesta
fase da vida que o/a jovem negro/a vivencia, de forma marcante, experiências
relacionadas à cor, cabelo, cultura e religião. Assim se a pessoa se
desenvolve em um ambiente onde são apresentados para ela esses fatores
como negativos, consequentemente, ela irá se tornar um adulto, que terá
consigo que é inferior dos demais do grupo que convive.

Destacamos que, sendo obrigatório o ensino da cultura e história afro-


brasileiras e africanas, como fator de reconhecimento, valorização e
fortalecimento das identidades afro-brasileiras é importante perceber que
todos/as têm um papel na efetivação da Lei 10.639/03, tanto no espaço da
gestão como das práticas cotidianas da escola.

CONCLUSÕES
Em relação á temática da Educação para as Relações Etnicorraciais,
como tema amplo da pesquisa, observamos que os avanços da legislação tem
sido impulsionador, se não da efetivação da Lei 10.639/03 no cotidiano da
escola como ação institucional, tem motivado o avanço da problematização
na sociedade e de fortalecimento das micropráticas cotidianas, que se tornam
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impulsionadoras de lutas por ações políticas institucionais, como disse Lima


(2011), sendo que um dos focos dessa luta é a formação docente continuada
e a garantia de materiais didático-pedagógicos que reflita a diversidade do
país.

As leituras realizadas nos dão um indicativo de que o avanço é fruto da


ação de movimentos sociais negros e outros movimentos e sujeitos sociais
que defendem a tese da importância da produção acadêmica e do ensino para
a superação da ideologia racista e consequente transformação da sociedade.
Nesse sentido, compreende-se a necessidade de ações articuladas e
contextualizadas de formação continuada, em que os/as profissionais se
desenvolvem a sensibilidade e a compreensão do processo constituinte das
relações etnicorraciais brasileiras e do papel da educação nesse processo.
Conhecer, sentir para agir na formação de conceitos, procedimentos e
atitudes antirracistas é o horizonte necessário para a democratização das
relações sociais e para a redução das desigualdades ainda marcantes na
sociedade brasileira.

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Cotas para Estudantes nas Universidades:


enegrecendo a Educação Superior

Tássia Fernanda de Oliveira Silva1

RESUMO

Este artigo discute o sistema de cotas nas Universidades brasileiras, entendendo-o


como uma política de ação afirmativa que tem o objetivo de descentralizar a educação
formal, que historicamente foi privilégio do grupo racial branco, e diminuir as
desigualdades raciais pela via da educação superior. Partindo da premissa de estarmos
inseridos/as em um país racista, que sempre colocou negros e negras do lado
marginalizado da sociedade, argumenta-se que as cotas são um aparato legal para o
combate à discriminação racial no Brasil. Para isso, foram feitas leituras sobre a
questão racial, ações afirmativas e cotas. Sendo assim, além da introdução, na qual
explico a ideia da democracia racial e das considerações finais o texto desenvolve-se
em duas partes: a primeira direcionada à discussão das ações afirmativas, e a segunda
à discussão das cotas nas Universidades. Tratando-se de uma polêmica, as conclusões
nunca são definitivas, contudo, ratifico a argumento defendido ao longo de texto e
aponto que as cotas obrigatórias para estudantes negros e negras nas Universidades
configuram-se em garantia de acesso e permanência desse grupo étnico-racial a
espaço majoritariamente reservado ao grupo étnico- racial branco, além de serem um
mecanismo de poder que pode colaborar para a construção de uma sociedade mais
justa e igualitária.

Palavras-chave: Ação afirmativa. Cotas. Universidade.

1
Contato do(a) autor(a): t.nandinha@gmail.com. Mestranda (FAPESB/UNEB).
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INTRODUÇÃO

A situação de desigualdades raciais no Brasil, fez com que o


Movimento Negro expressasse sua insatisfação com a situação sustentada por
quase quatro séculos de escravidão e passasse a reivindicar, junto ao Estado
brasileiro, políticas de igualdade racial, tendo como principal objetivo ir de
encontro à ideologia da democracia racial.

A ideia de democracia racial aparece no Brasil por volta da década de


1930 quando o intelectual brasileiro Gilberto Freyre escreve Casa Grande &
Senzala. Considerado um ícone para a proliferação da ideia de democracia
racial, Freyre defendia que o Brasil estava livre do racismo i e da
discriminação racial presente em outras nações (como Estados Unidos), pois
este era um país que incluía os negros, a ponto de vivermos uma democracia
racial.

Entretanto, apesar de questionada, nos anos de 1950, por intelectuais


como Florestan Fernandes, a ideia da democracia racial continuou sendo a
ideologia dominante até o início da década de 1990, quando o Movimento
Negro finalmente conseguiu que o governo federal reconhecesse o racismo
brasileiro. Diante da persistência e da luta desse Movimento, o poder público
brasileiro vê-se obrigado a reconhecer a existência da desigualdade racial e
institui políticas de ações afirmativas no Brasil. Mas o que são essas
políticas? A quem são direcionadas?

1 Ações afirmativas

O objetivo das políticas de ações afirmativas é oferecer aos grupos


discriminados e marginalizados da sociedade, um tratamento diferenciado
para reparar as consequências de viverem inseridos/as em uma sociedade
racista, discriminatória, e preconceituosa. Segundo Silva et. al (2010, p. 79),
elas são direcionadas

[...] a todo e qualquer grupo social com histórico de exclusão e


qualquer tipo de discriminação diante de grupos sociais hegemônicos.
Populações negras e indígenas, mulheres, homossexuais, deficientes
físicos, idosos, jovens das periferias urbanas, trabalhadores do campo,
dentre outros grupos em situação de vulnerabilidade social, podem ser
alvos de tais políticas. A curto e médio prazos essas políticas visam
diminuir as desigualdades sociais entre esses grupos sociais e os
grupos dominantes: em longo prazo, o que se pretende é estabelecer
uma substantiva justiça e equidade social, ou seja, a construção de
uma sólida democracia. (SILVA et. al, 2010, p. 79)

No Brasil a discussão sobre ações afirmativas ganha força por volta da


década de 80. De acordo com Moehlecke (2002) o Movimento Negro e
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algumas lideranças negras no congresso nacional, desde 1980 se


mobilizavam para conseguir espaço legal para negros e negras na sociedade,
formulando e apresentando projetos de lei que beneficiasse os
afrodescendentes.

É nesse contexto que Abdias do Nascimento, deputado federal pelo


PDT – RJ apresenta, em 1983, o projeto de lei nº 1.332 propondo ações
compensatórias para negros/as brasileiro/as, na qual solicitava reserva de
vagas de 20% para mulheres negras e homens negros na seleção para
ingressar em serviço público; bolsa de estudos; introdução da história da
África e dos africanos nas escolas; etc. O projeto, no entanto, não foi
aprovado no congresso nacional.

Mas essa não aprovação não intimidou o Movimento Negro, a


Constituição de 1984, traz a proteção ao mercado de trabalho da mulher e a
reserva percentual para deficientes em cargos públicos, como parte dos
direitos sociais. Nesse mesmo ano foi criado em São Paulo o Conselho da
Participação e Desenvolvimento da Comunidade Negra do Estado de São
Paulo, criado para monitorar a legislação que defendia os interesses da
população negra. No ano seguinte, em 1985, o presidente José Sarney, após
encontro com líderes negros propõe o Conselho Negro de Ação
Compensatória, entretanto, não implanta. (MOELEHCKE, 2002; TELLES,
2003)

Três anos depois, grupos negros e feministas conseguem incluir leis


anti-racistas e anti-sexistas na Constituição Federal de 1988. Com essa
Constituição o racismo passa a ser considerado um crime inafiançável e
imprescritível, sujeito a pena de reclusão, de acordo com o prescreve o Titulo
II, capítulo I, art. 5º, inciso XLII.

Mas, até então, a sociedade estava embebida pela ideia de vivermos em


uma democracia racial, consubstanciada pelo pensamento de Freyre. Foi
somente a partir da década de 1990 que a democracia racial foi
completamente desmascarada como um mito. O movimento negro conseguiu,
apesar da contestação de alguns acadêmicos, fazer com que o pensamento de
Freyre, (sobrevivente por longos cinquenta anos) perdesse o apoio popular da
elite brasileira

Esse novo período seria marcado pelo reconhecimento do racismo por


vários setores da sociedade brasileira e o surgimento de pressões para
que o Estado ampliasse a cidadania democrática real e os direitos
humanos de sua população negra. (TELLES, 2003, p.75)

Quando ideia da democracia racial perde credibilidade, o Movimento


Negro passa a pressionar mais incisivamente o governo para o surgimento de
políticas de ações afirmativas para a população afro-brasileira.

Até que no ano de 1995 encontramos a primeira política de cotas


adotada no Brasil, quando a legislação eleitoral estabelece que as mulheres
tem direito a cota mínima de 30% na candidatura dos partidos políticos.
Nesse mesmo ano, no dia 20 de novembro de 1995, em comemoração aos
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trezentos anos da morte de Zumbi, o movimento negro realiza em Brasília a


Marcha contra o Racismo, pela Cidadania e a Vida, para apresentar ao
governo suas reivindicações.

Essa marcha culminou com a exposição das demandas do Movimento


Negro no Congresso nacional e em reunião com o então presidente da
República Fernando Henrique Cardoso, no qual exigiu medidas de combate a
discriminação racial. Com isso o Movimento Negro conseguiu que o governo
não só reconhecesse a existência do racismo no Brasil, como anunciasse
medidas de promoção da justiça racial, anunciando nesse mesmo dia a
criação do grupo de Trabalho Interministerial – GTI, para desenvolver
políticas públicas para a mulher “O GTI foi encarregado de gerar propostas
para a inclusão dos negros na sociedade brasileira”. (TELLES, 2003, p. 77).

Esse grupo para discutir ações afirmativas, elaborou dois seminários


sobre o tema em Salvador (Bahia) e em Vitória (Espírito Santo) a partir dos
quais elaborou 46 propostas de ações afirmativas para a área de saúde,
educação, trabalho, comunicação. Essas propostas foram publicadas em um
documento de 72 páginas, mas com alcance limitado já que o governo não
criou mecanismos para viabilizar as ideias do GTI. (MOEHLECKE, 2002;
TELLES, 2003)

E assim o governo do Presidente Fernando Henrique Cardoso,


seguiu recuando a várias oportunidades de atender às demandas do
movimento negro. Até que em 2001, na III Conferência Mundial de combate
o Racismo, Discriminação Racial, Xenofobia e Intolerância Correlata,
realizada em Durban, na África do Sul, este mesmo governo, finalmente,
apresenta um programa de ação afirmativa, comprometendo-se com medidas
para eliminar racismo, preconceito e discriminação que gera a desigualdade
no país. (MOEHLECKE, 2002; CESAR, 2010; TELLES, 2003)

Essa conferência foi o marco para o avanço nas discussões acerca das
questões étnico-raciais no Brasil. Acontecendo em 2001, Ano Internacional
da Mobilização contra o Racismo, a III Conferência foi o resultado da
mobilização de movimentos sociais, que teve como objetivo alertar o mundo
contra os impactos do racismo e de outras formas de discriminação racial e
Xenofobia.

Atualmente dentre os mais relevantes exemplos do combate dos


impactos do racismo no Brasil, a implantação do sistema de cotas nas
universidades ainda provoca grandes discussões.

2 Ações afirmativas: cotas

Uma das mais conhecidas políticas de ações afirmativas é polêmico


sistema de cotas, que “consiste em estabelecer um determinado número ou
percentual a ser ocupado em área específica por grupo(s) definido(s), o que
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pode ocorrer de maneira proporcional ou não, e de forma mais ou menos


flexível”. (MOEHLECKE, 2002, p. 199)

Trazendo a discussão para as cotas para estudantes negros/as nas


universidades, vemos que, no contexto brasileiro, não são poucas as
discussões em torno do assunto. Há um desencontro de olhares para essa
questão que, coloca de um lado aqueles/as que acreditam que o sistema de
cotas ajuda a dividir a sociedade em negros/as e brancos/as, fomentando a
separação racial, e de outro aqueles/as que enxergam nelas a oportunidade
para que negros/as e brancos/as possam concorrer em igualdade de condições
nos processos seletivos que dão acesso ao ensino superior.

Contrárias à implementação do sistema de cotas, algumas pessoas


(sobretudo intelectuais) de todos os cantos do Brasil elaboraram em 2006, um
manifesto direcionado ao Congresso Nacional e intitulado Todos têm direitos
iguais na República Democráticaii argumentando que a adoção de cotas faz
com que os direitos das pessoas sejam definidos pela tonalidade de sua pele,
dificultando a resolução do problema da desigualdade.

Os/as autores/as não acreditam na existência de raça, afirmam que esse


sistema pode, inclusive, dar respaldo à possível divisão entre negros/as e
brancos/as, acusando os/as defensores/as do sistema de cotas de
transformarem classificações estatísticas do Instituto Brasileiro de Geografia
e Estatística – IBGE em identidade e direito, etc.; defendendo que para
combater a exclusão social é preciso a construção de serviços públicos de
qualidade na educação, saúde, mercado de trabalho, etc.

Inicio essa polêmica discussão marcando o meu posicionamento frente a


essa questão. Concordo com o pensamento de Cunha Júnior (2010) ao
afirmar que estamos inseridos em uma sociedade historicamente formada
num modelo que a vê sob a ótica europeia e eurocêntrica das lutas de classe,
que acostumou o pensamento universitário brasileiro a tratar os problemas
sociais como presentes na sociedade, e não na universidade.

É justamente o desautorizado e até desrespeitado (principalmente no


meio acadêmico) Movimento Negro, que aponta para essas questões, e para a
importância de desenvolver política pública que torna a oportunidade de
acesso às formações universitárias, reivindicando a quebra do monopólio
étnico nas universidades, segundo o autor:

O movimento negro afirmou que [as universidades] não são


instituições democráticas: se o fossem, a proporção de pretos e pardos
seria a mesma que a de brancos. No mínimo, estamos diante de um
problema conceitual e ético novo para as universidades, o da
existência de uma proposta nova sobre o sentido da democracia,
quando tratamos de grupos sociais de caráter étnico diferenciado e não
apenas de seres individuais. Como tudo que é novo causa desconfortos
e provoca reações antagônicas, está sendo assim, também, no caso das
cotas para negros nas universidades. (CUNHA JÚNIOR, 2010, p. 30)
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O problema de cotas para a população negra desencadeia muita


discussão já há algum tempo, entretanto, o público universitário ignorou a
discussão, antes uma oposição silenciosa, hoje uma oposição declarada. Mas
isso não é algo que necessariamente nos deixe surpresos/as, afinal, o Brasil
tem suas raízes históricas alicerçadas na escravidão, sistema sustentado pela
exploração dos/as negros/as. As cotas representam justamente mudanças de
paradigma nas relações raciais brasileiras, um benefício para a população
historicamente marginalizada, que entrou na agenda política do estado,
assustando àqueles que sempre estiveram do lado confortável da sociedade e
que veem a sua supremacia ameaçada. (CUNHA JÚNIOR, 2010)

O manifesto contra as cotas argumenta que elas promovem uma divisão


entre negros e brancos. Mas se estamos em um país racista (e estamos), não
podemos atribuir a uma medida política a responsabilidade pela problemática
das relações raciais no Brasil, o clima de hostilidade racial sempre existiu e
as cotas não são as “culpadas” e não tem nenhuma intenção em manter esse
clima, pelo contrário, elas são uma medida política para corrigir
desigualdades e não para legitimar o racismo no sistema educacional.

Por isso perguntamos: quem se coloca contra as cotas compreende que a


discriminação racial é fruto da desigualdade? Percebe que o Brasil é um país
racista?

O manifesto é construído para contestar as cotas, mas não se mostra


comprometido em apresentar contra-propostas, não é sugerida nenhuma
alternativa para minimizar ou acabar com que é chamado de exclusão social.

No que tange à exclusão social, apesar de ser uma perspectiva


importante, é demasiadamente redutora para problematizar as relações raciais
no Brasil. A princípio poderíamos imaginar que como a maioria da população
negra é pobre resolver a desigualdade social resolveria os problemas
enfrentados pelos negros, já que haveria um empenho em combater a
pobreza. Mas, no Brasil, a questão vai para além da erradicação da pobreza,
isto porque, além da discriminação social, negros e negras também enfrentam
a discriminação racial, ambas configurando em diferentes modo de exclusão
enfrentados pela mesma população negra. (MOLEHCKE, s/d)

Ainda há de considerar que, mesmo em situação de pobreza, o/a


branco/a tem o privilégio simbólico da sua brancura (BENTO, 2002).
Privilégio nada difícil de constatar, Lélia Gonzalez (1982), ao discutir a
mulher negra na sociedade, flagra facilmente esse privilégio. Em sua
discussão a autora mostra que as mulheres negras são constantemente
submetidas a um processo de seleção racial que favorece as mulheres
brancas, principalmente no mercado de trabalho, onde a grande parte das
empresas mascaram o seu racismo exigindo o pré-requisito “boa aparência”
(leia-se branca) para a possível contratação de funcionárias, deixando
subtendido que as candidatas negras não serão admitidas.

Ratificação que também fiz na pesquisa que deu origem ao meu


trabalho de conclusão de curso (2010), naquela ocasião as minhas
entrevistadas afirmaram:
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O fator cor influencia principalmente no trabalho, porque eu vejo que


tem empresas em que é difícil você vê uma mulher negra.
Recepcionista mesmo é muito difícil você vê uma recepcionista negra,
normalmente são mulheres brancas, enfim, depende do cargo, esse
cargo mesmo de secretária, recepcionista geralmente são mulheres
brancas. (SOLANGE)

Sei que existe uma diferença entre ser negra e ser branca na sociedade,
principalmente na questão profissional. Por exemplo, vamos supor que
eu sou negra e você é branca, vamos para o mesmo lugar no mercado
de trabalho, óbvio que eles vão preferir o que? Uma mulher branca.
(CRISTINA)

Pesquisadoras e pessoas “comuns” percebem, sem grandes dificuldades


que o problema não é simplesmente econômico. O sistema de cotas não serve
apenas para conferir privilégios a negros/as e sim para provocar um resgate
histórico, requerendo que as relações raciais sejam colocadas no lugar de
justiça e equidade. Segundo Bernardo (s/d, p.09)

O debate sobre as cotas suscita honrosas idiossincrasias. O racismo no


Brasil encontra uma trincheira voraz. Porém, divergir da parte não
serve para negar o todo. Divergir dos métodos não pode negar o
princípio. Ser contra as cotas não pode servir para nada fazer em
relação a injustiças. Cota não é uma solução permanente, mas
soluciona uma parte dos limites permanentes das políticas
universalistas.

Não tenho a intenção de levar esse debate ao limite, até porque, entendo
que o sistema de cotas não fomenta uma discriminação que já existe a
tempos, de modo que as proposições aqui dispostas são no sentido de mostrar
que não há espaço para pensarmos em uma democracia racial, pelo contrário,
estamos em um país racista que nunca ofereceu igualdade de acesso à
educação a negros e brancos, não há, pois, espaços para o sonho da
democracia dos sonhosiii, como é idealizado no manifesto:

Qual Brasil queremos? Almejamos um Brasil no qual ninguém seja


discriminado, de forma positiva ou negativa, pela sua cor, seu sexo,
sua vida íntima e sua religião; onde todos tenham acesso a todos os
serviços públicos; que se valorize a diversidade como um processo
vivaz e integrante do caminho de toda a humanidade para um futuro
onde a palavra felicidade não seja um sonho. Enfim, que todos sejam
valorizados pelo que são e pelo que conseguem fazer. Nosso sonho é o
de Martin Luther King, que lutou para viver numa nação onde as
pessoas não seriam avaliadas pela cor de sua pele, mas pela força de
seu caráter.

Acordando do sonho nos percebemos em um país no qual discriminação


e preconceito contra negros e negras existe; um país economicamente e
socialmente desigual para negros/as e brancos/as, um país que possui um
contingente muito menor de negros/as dentro das universidades que de
brancos.
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Nesse sentido acredito que os dados do IBGE, com todas as suas


limitações, ajuda-nos a demonstrar estatisticamente a desigualdade racial no
Brasil, inclusive na educação.

Em dados coletados em 2007 e divulgados em 2008, o IBGE mostra


que entre estudantes de 15 (quinze) a 24 (vinte e quatro) anos de idade,
85,2% de brancos/as estavam frequentando a escola, dentro desse percentual
58,7% estavam no ensino médio, na idade adequada, entre negros/as 79,8%
estavam estudando e apenas 39,4% estava no ensino médio.

Em relação a cursos universitários, a frequência dos jovens entre 18


(dezoito) e 25 (vinte e cinco) anos é maior entre brancos/as do que entre
negros/as. Fazendo uma comparação entre os anos de 1997 e 2007, os dados
do IBGE mostram que estudantes negros/as não conseguiam alcançar em
2007 taxas de frequência que os/as brancos/as obtiveram em 1997. Segundo o
documento, em 1997 9,6% de brancos/as e 2,2% de negros/as apareciam com
nível superior completo no país, já em 2007 estes percentuais são de 13,4% e
4,0%, respectivamente, isto é, a diferença entre os dois grupos que era de 7,4
pontos percentuais em 1997 passa a 9,4 pontos percentuais em 2007.

No que tange às taxas de analfabetismo, o IBGE aponta que em 2007,


dos mais de 14 (quatorze) milhões de analfabetos brasileiros, quase 9 (nove)
milhões são negros/as. A média de anos de estudo da população de 15 anos
ou mais de idade continua a apresentar uma vantagem em torno de 2 (dois)
anos para brancos/as, com 8,1 anos de estudo, enquanto negros/as
apresentam, com 6,3 anos de estudo. No que tange ao analfabetismo
funcionaliv, negros/as apresentam um índice de 27, 5% em 2007, enquanto
que brancos/as apresentam 16,1%.

Apesar dos dados do IBGE serem apenas uma imagem, é incontestável


as desigualdades em nossa sociedade. Por isso, entendo que a educação ainda
é o caminho legítimo para melhorar as condições de vida de qualquer pessoa,
principalmente se essa pessoa conseguir chegar ao ensino superior.

No Brasil o popular “fazer faculdade” é uma possibilidade de ter uma


profissão e uma oportunidade para melhorar as condições de vida, para
ascender socialmente. Entretanto, para os/as negro/as brasileiros/as, chegar a
uma universidade sempre foi muito mais difícil que para os/as brancos/as, o
que ratificar o caráter racialmente discriminatório da sociedade e mostra os
empecilhos ao processo de desenvolvimento social da população negra.
(MATTOS, 2003)

As ações afirmativas reivindicam o acesso de negros/as aos espaços


onde há obstáculos comprovados ao seu acesso, o sistema de cotas é uma
estratégia para descentralizar o acesso à educação, sobretudo, a educação
superior. (QUIJANO, 2009) Conceder cotas para a população negra brasileira
é legitimar o objetivo de diminuição das desigualdades sociais.

Além disso, utilizo-me das proposições de Cesar (2004) para entender o


vestibular (processo seletivo mais utilizado para ingressar no ensino superior)
como um sistema que, alicerçando-se no mérito, promove a exclusão, ajuda a
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elitização do conhecimento e a proliferação da desigualdade, afinal, quem


garante que o famoso “mérito” no vestibular significa mérito na vida
profissional?

O princípio do mérito está assegurado pelo artigo 208 da Constituição


Federal de 1888, segundo o artigo, a responsabilidade do estado com a
educação se efetivará mediante a garantia de “V - acesso aos níveis mais
elevados do ensino, da pesquisa e da criação artística, segundo a capacidade
de cada um” (BRASIL, 1888, p. 95).

As cotas aparentemente violam esse mérito, e de fato, violaria se


estivéssemos em uma sociedade igualitária; se a República brasileira
conseguisse alcançar os objetivos dispostos no Art. 3º incisos I e IV da
Constituição, que dispõe sobre a construção de uma sociedade livre, justa e
solidária, bem como, a promoção do bem de todos sem preconceito de
origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras forma de discriminação.
(BRASIL, 1988) Isto é, se cada um de nós brasileiros/as fosse tratado da
mesma maneira.

Ai sim as cotas seriam um desrespeito, pois, uma vez que estivéssemos


em uma sociedade igualitária, inserir cotas seria tratar as partes iguais de
maneira diferente, o que torna a proteção desnecessária e injusta. Mas o
Brasil é um país injusto e desigual, o sistema de cotas caminha ao encontro
do princípio da justiça, já que as cotas são um mecanismo institucional de
combate a desigualdade racial e socioeconômica brasileira.

É importante registrar que, ao contrário do que se propala, as cotas não


ferem os direitos adquiridos. Numa primeira interpretação as políticas de
cotas parecem contrariar o princípio da igualdade estabelecido no Art. 5.º da
Constituição Federal: “Todos são iguais perante a lei, sem distinção de
qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes
no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à
segurança e à propriedade” (BRASIL, 1988, p. 03) Mas, fugindo da
interpretação literal e considerando o contexto racial brasileiro, será que
todos e todas dispomos e gozamos dos mesmos direitos e benefícios na forma
e na prática?

A nossa própria história brasileira permite-nos afirmar que não, as


oportunidades não são as mesmas para grupos étnico-raciais diferentes e a
desigualdade racial, um dos sustentáculos do racismo, está presente na
sociedade nos mais diversos espaços sociais. A política de cotas não viola o
princípio da igualdade, ela propõe exatamente o combate à desigualdade
racial, em prol de uma sociedade equânime, como já está assegurado no Art.
3º da mesma Constituição.

Além disso, o advogado e professor Luiz Fernando Silva (2003)


assegura que oferecer tratamento diferenciado àqueles que estão em
desvantagem social e econômica não constitui violação de nenhum princípio
de igualdade, e, portanto, não fere nenhum direito adquirido:
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O princípio da ação afirmativa Direito e seus mecanismos como as


cotas é perfeitamente compatível com o Constitucional Brasileiro,
cujas normas claramente permitem discriminações justas, ou seja,
discriminações que devem ser feitas em razão da igualdade material,
como forma de compensar a desigualdade de oportunidades. (SILVA,
2003, p. 67)

Não que o tratamento desigual seja um objetivo que se traça ao


estabelecer o sistema de cotas, pelo contrário, as cotas são mecanismos que
tem o objetivo de oferecer igualdade de oportunidade aos cidadãos e cidadãs
brasileiros/as e isso passa pelo reconhecimento do racismo como principal
pilar da desigualdade racial no país.

Considerações finais

É valido ratificar que o mecanismo das cotas está respaldado legalmente


pela Constituição de 1988, entretanto, o embate de opiniões e argumentos
simboliza quão desarmoniosas são as relações raciais no Brasil e o quanto a
luta por igualdade racial sucinta fervorosas discussões, e, sobretudo, mostra-
nos o esforço de algumas pessoas para dificultar a ascensão da população
negra à educação superior.

Reconheço que o sistema de cotas na educação superior é um sistema


restrito, que abraça apenas àqueles/as negros/as que conseguiram cursar toda
a educação básica (há um número muito grande de negros e negras que não
conseguem isso, vide dados do IBGE), mas isso não quer dizer que a política
de cotas minimiza ou desconsidera a necessidade de melhoria na educação
básica das escolas públicas.

Sabemos que na educação básica está a raiz da problemática


educacional no Brasil, por isso, há a necessidade de política pública
universalista que vise à melhoria das escolas públicas brasileiras. Mas,
prefiro pensar que uma política não precisa excluir a outra. As cotas
obrigatórias para estudantes negros e negras nas universidades configuram-se
em garantia de acesso e permanência desse grupo étnico-racial em espaço
majoritariamente reservado ao grupo étnico – racial branco, elas são uma
conquista da população negra brasileira e são um mecanismo de poder que
pode colaborar para a construção de uma sociedade mais justa e igualitária.

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i O racismo aponta para a hierarquização de grupos humanos, ideia de que uma raça é
superior a outra.
ii Para ler o manifesto na integra:
http://www.tempopresente.org/index2.php?option=com_content&do_pdf=1&id=431.
iiiO texto está disponível em:
http://www1.folha.uol.com.br/folha/educacao/ult305u18773.shtml.
iv O IBGE considera analfabeto funcional, as pessoas com 15 (quinze) anos ou mais
de idade que não concluíram a 4ª série do ensino fundamental.
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Concepções e Práticas de Educação para as


Relações Etnicorraciais:
apontamentos iniciais de um estudo em duas escolas do
Agreste sergipano

Liana Alves Batista1

Hermínia Rafaela Pereira dos Santos2

Maria Batista Lima3

RESUMO
Este artigo tem como base resultados iniciais e parciais do estudo “Concepções e
Práticas de Educação para as Relações Etnicorraciais em Sergipe: Um Estudo em dois
Municípios Sergipanos”, parte integrante da pesquisa “Identidades e Diferenças:
diversidades etnicorracial, de gênero e de orientação sexual em diferentes contextos
da educação sergipana”, desenvolvido no âmbito do Grupo de Pesquisas GEPIADDE.
O estudo em questão objetiva analisar as concepções e práticas referentes à história e
às culturas africanas e afro-brasileiras e sua relação com as identidades etnicorraciais
em duas escolas públicas de Itabaiana-SE. O estudo envolve procedimentos como
aplicação de questionários e entrevistas com estudantes, docentes e gestores/as, além
de observação participante, com aplicação de atividades. Para este artigo foram
considerados dados parciais dos questionários aplicados com crianças de duas turmas
de 5º anos do Ensino Fundamental de duas comunidades de municípios do Agreste
Sergipano. Entre os autores utilizados na pesquisa destacam-se: Boakari (2002),
Marques (2006), Maroun (2010), Oliveira (2011), Silva (2011), Lima (2006), Miranda
(2011), entre outros. Os dados analisados apontaram que apesar dos nove anos de
existência da Lei 10.639/03 as concepções e práticas referentes à história e às culturas
africanas e afro-brasileiras ainda são mediadas por significativo desconhecimento e
desvalorização e que apesar das iniciativas individuais de abordagem dessas
temáticas, ainda falta muito para sua efetivação como política pública em ação.

Palavras-chave: Identidades; relações etnicorraciais; história e cultura africana e


afro-brasileira.

1
Contato do(a) autor(a): lianaabds@gmail.com. Bolsista PIIC-UFS
2
Contato do(a) autor(a): herminiarafaela@yahoo.com.br. Bolsista PIIC-UFS.
3
Contato do(a) autor(a): mabalima.ufs@gmail.com. Profª Adjunta DEDI-
UFS/GEPIADDE
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INTRODUÇÃO

Estudos teóricos realizado apontam que a educação para as relações


etnicorraciais é um instrumento importante para a qualificação da educação e
para a melhoria da sociedade. Como apontam as referencias sobre essa
temática (LIMA, 2006; LIMA E TRINDADE, 2009; TRINDADE, 1994;
entre outros) o pertencimento à ancestralidade africana tem sido um fator de
inferiorização desse grupo, havendo historicamente uma negação da
participação negra na construção da sociedade, bem como ainda prevalece a
negativização da sua história e sua cultura.

Como pontos positivos dos avanços nessas duas últimas décadas


destacamos as conquistas no âmbito da lei, bem como a ampliação no campo
das políticas públicas, das produções científicas e das práticas na educação
escolar.

Assim, nessa trajetória podemos destacar os estudos de autores e autoras


usados nesse estudo para entender o contexto do problema tratado. Entre
estes destacamos Gonçalves e Silva (1986), Silva (Trindade (1994) Lima
(2006), Hall (1999), Brasil (2003, 2004, 2006, 2010), Lima (2011); Lima
(2012); Lima e Trindade (2010), Cavalleiro (2002), Bento (1998) Munanga
(2001), Sodré (2005), (2006), Maroun (2010), Oliveira (2011), Silva (2011,
Miranda(2011), Perez (2011), Arruti (2011), entre outros.

Essas autoras e autores demonstram, a partir de suas pesquisas e


produções, que o racismo tem sido reprodutor de desigualdades sociais na
sociedade e que a base dessa reprodução tem uma força muito grande na
infância. Apontam ainda que o conhecimento sobre a cultura e história
africana e afro-brasileira e a abordagem fundamentada adequada com a
valorização do protagonismo negro e seus repertórios culturais ou
africanidades na história da humanidade, do Brasil e em suas regiões podem
contribuem para a construção do que se denomina como Educação para as
Relações Etnicorraciais (LIMA, 2012; BRASIL, 2004). Educação essa que
“preconiza a valorização equânime de todos os povos e suas ancestralidades
na construção das sociedades” (LIMA, 2011, p. 01).

Munanga (2001) traz, além da denuncia do racismo no cotidiano


escolar, as estratégias para sua superação a partir do fortalecimento de uma
práxis constituídas a partir de conhecimentos sobre as histórias e culturas
africanas e principalmente das trajetórias afro-brasileiras e suas africanidades.

Bento (2006), aborda a questão das relações raciais no Brasil, partindo


de conceitos básicos como preconceito, discriminação, racismo, estereótipo e
contextualizando o recorte racial das desigualdades brasileiras a partir de
situações do cotidiano.

O estudo da legislação educacional voltada para a questão etnicorracial


(BRASIL, 2001, 2003, 2004, 2006, 2010) possibilita compreender o papel
dessa legislação para a construção de uma educação e de uma sociedade
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antirracista. Para a instrumentalização metodológica necessária para


realização dessa pesquisa nos baseamos em Kramer (2002), em André (2001)
e em Lima (2006). Estudamos o papel da pesquisa para a melhoria da
sociedade, percebendo a importância da relação ensino-pesquisa e extensão.
Sobre essa importância Kramer (2002) nos ensina a importância da educação
para formar homens e mulheres que façam diferença com suas ações,
tornando o mundo mais humano.

Hall (1999) e Lima (2006) nos trazem a referência teórica para entender
os conceitos de identidades e de identidades negras, sendo essencial esse
entendimento para entender as relações raciais no Brasil, pois Lima (2012, p.
2) nos diz que “os repertórios identitários são elementos basilares para a
ERER (Educação para as Relações Etnicorraciais) no Brasil”. Assim,
entender esses repertórios possibilita entender o processo de formação das
identidades e seu lugar na sociedade. Também Lima (2012) aponta a
identidade como uma construção social de dimensões múltiplas, dinâmicas e
relacional, formada continuamente a partir das relações entre as diferentes
pessoas da história.

Nessa perspectiva, este trabalho tem como foco as concepções e práticas


referentes à história e às culturas africanas e afro-brasileiras e sua relação
com as identidades etnicorraciais, aspectos relevantes para a instituição da
Educação para as Relações Etnicorraciais na sociedade brasileira. Tratando-
se de um estudo em que foi aplicado um questionário com questões que
compõem três eixos temáticos, este trabalho apresenta e problematiza
aspectos do primeiro eixo (Identidade, família e referência) e do segundo
eixo (Identidade, diversidade e ppráticas eescolares).

1 Identidades, Preconceitos e Desigualdades


Etnicorraciais

Hall (2003) aponta o caráter sócio-histórico-cultural e político das


identidades, bem como Lima (2006, p. 67) que afirma que “a sua construção
está inscrita em relações de poder, de interações materiais e simbólicas e
como tal não pode ser pensada fora do campo de tensão contínua e
processual”.

Entendemos que a base das identidades é saber quem somos e como


somos enxergados no mundo na nossa trajetória de vida, seja no aspecto
etnicorraciais, de gênero e sexualidade, de religião, de profissão, de lugar de
origem, entre outros, como diz Lima (2011). É também Lima (2006) que
conceitua identidades negras como:

Construções múltiplas, complexas, social e historicamente


(re)construídas com base nos dispositivos de matrizes africanas; tais
dispositivos são processados nas relações socioculturais, políticas e
históricas que se deram a partir do sequestro dos nossos ancestrais
africanos para o Brasil ( p.67).
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Assim, as identidades negras ou afro-brasileiras em Sergipe e no Brasil,


também têm como elementos formadores repertórios das culturas e histórias
africanas e afro-brasileiras, mediadas pelas relações acontecidas nesses
espaços a partir das reconfigurações do preconceito e discriminação racial e
em seu enfrentamento ao longo da história.

Assim, a nossa auto identificação etnicorracial tem sua existência


marcada pelas relações processadas ao longo dos séculos de exploração do
escravismo e de negação e inferiorização do racismo. Portanto, conforme
Lima (2011, p. 03) “as identidades têm um caráter histórico e cultural, caráter
este que demarca os conceitos de identidades etnicorraciais e identidades
negras embasados nos conceito de raça social e etnia e imbricados na
trajetória histórica dessa população”.

A luta histórica da população negra contra as desigualdades tem se dado


ao longo da história desde o momento em que os descendentes africanos
foram trazidos a força para ser escravizado. Nesse contexto alguns conceitos
que se materializam em práticas são elementos históricos nessa sociedade.
Um desses conceitos que precisa ser entendido para se lutar contra essas
desigualdades é o preconceito.

Segundo Bento (2006, p.37) preconceito racial é “um conceito negativo


que uma pessoa ou um grupo de pessoas têm sobre outra pessoa ou grupo
diferente. É uma espécie de ideia preconcebida, acompanhada de sentimentos
e atitudes negativas de um grupo contra outro”. Assim, a forma como a
exploração escravista se deu, com o aval do Estado e da Igreja, alimentou um
pensamento negativo e inferiorizador de africanos/as e seus descendentes.
Por isso, até os dias atuais o pensamento racista, sem base de conhecimento
na maioria das vezes, reproduz a priori um pensamento negativo sobre essas
pessoas de ascendência africana e seus repertórios culturais. É comum nesse
contexto, de reprodução do pensamento e do imaginário social, as forças
policiais considerarem negros como suspeitos preferenciais, bem como as
pessoas considerarem crianças brancas mais bonitas, inteligentes e
merecedoras de afeto do que as crianças negras, como apontam os trabalhos
de Silva (1986) e de Cavalleiro (2000).

São nas situações acima descritas que o preconceito se transforma em


discriminação, pois a discriminação são as ações que materializam o
preconceito. Ou seja, a partir do seu preconceito as pessoas agridem ou
prejudicam as outras. Por exemplo, o pensamento preconceituoso considera
que as crianças negras são menos bonita do que as crianças brancas e de
alguma forma externaliza esse preconceito, atingindo sua autoestima e
fazendo com que se considere inferior. A partir desse preconceito essas
crianças são preteridas para situações de valorização social como ser
destaque em desfiles e outras atividades, o que configura ações de prejuízo
em razão do pertencimento etnicorracial. Assim, se configura o racismo ou a
discriminação etnicorracial, conceito explicitado na Declaração sobre Raça e
Preconceitos Raciais, de 1978, adotada na 20ª sessão da Conferência Geral da
UNESCO (apud LIMA; TRINDADE, 2009, p. 29)
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Racismo: Toda teoria que leve a admitir nos grupos raciais ou étnicos
qualquer superioridade ou inferioridade capaz de atribuir a alguns o
direito de dominar ou eliminar outros, pretensamente inferiores, e que
leve a fundamentar julgamentos de valor em qualquer diferença racial,
bem como as ideologias racistas, as atitudes fundadas em preconceitos
raciais, os comportamentos discriminatórios, as disposições estruturais
e práticas institucionalizadas que provoquem desigualdade racial, bem
como a ideia falaciosa de que as relações discriminatórias entre grupos
justificam-se moral e cientificamente.

Assim, o racismo no Brasil tem o resquício da escravização e suas


estratégias ideológicas de justificação, mas a estratégia de reprodução que
perdura pela ausência de políticas públicas de combate e de promoção da
equidade para o povo negro. E se reproduz até a atualidade nos diversos
meios e instrumentos sociais, tais como pela mídia, pela indústria de
brinquedos, cosmético, pela ausência ou deturpação de imagens na
propaganda, no mundo da moda, na televisão, nas músicas, no material
didático, entre outros meios.

A definição da UNESCO também aponta para a relação discriminação


racial ou racismo com a realidade da desigualdade social brasileira. Ou seja,
temos um país de desigualdades sociais, mas essa desigualdade tem um
caráter etnicorracial, assim como de gênero e etc. Segundo dados da IPEA, a
pirâmide social brasileira é formada por homens brancos no seu topo, seguido
por mulheres brancas e depois por homens negros e na base da desigualdade
se encontram as mulheres negras, mesmo que essas tenham formação
semelhante aos demais.

Além disso, a forma como as crianças negras têm sido tratadas na


educação escolar se contribui para o fracasso escolar, o que se torna elemento
de reprodução da desigualdade.

2 A Lei 10.639/2003 e a Educação para as Relações


Etnicorraciais

A criação da Lei 10.639/03 e da Lei 11.645/08, que modificam a Lei de


Diretrizes e Base da Educação Nacional (LDBEN), tornando obrigatório o
ensino da história e cultura africana, afro-brasileira e indígena nos currículos
escolares são frutos das lutas políticas construídas pelos Movimentos Sociais
Negros e que para se consolidar na prática pedagógica necessita da
consolidação de compromisso por parte de diversas instâncias da sociedade, a
saber, Estado, Sociedade Civil e, especialmente, da formação compromissada
dos sujeitos do cotidiano escolar. A luta é por reconhecimento da
participação ativa do povo africano e seus descendentes no Brasil para a
formação sócio-histórica e cultural brasileira.
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Faz-se necessário assim, considerar que o conhecimento da história e


cultura africanas, afro-brasileiras e indígenas é condição para a redução das
desigualdades e consequente fortalecimento da equidade. Essa é a
contribuição da educação para as relações etnicorraciais para a
democratização efetiva dessa sociedade.

As Diretrizes Curriculares Nacionais (DCN) para a Educação das


Relações Étnico-Raciais e para o Ensino de História e Cultura Afro-Brasileira
e Africana, do Conselho Nacional de Educação, pela Resolução CP/CNE nº
1, de 17 de junho de 2004, instituiu:

Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação das Relações


Etnicorraciais e para o Ensino de história e Cultura Afro-brasileira e
Africana, a serem observadas pelas instituições, em todos os níveis e
ensino, em especial, por instituições que desenvolvem programas de
formação inicial e continuada de professores. A resolução tem por
base o Parecer CP/CNE nº 3, de 10 de março de 2004, homologado
pelo Ministro da Educação, em 19 de maio de 2004 (BRASIL, 2004,
p. 11).

Essas diretrizes apontam o objetivo central da Educação das Relações


Étnico-Raciais, a partir da articulação entre conceitos, procedimentos e
atitudes, com vista ao mesmo tempo de fortalecimento dos repertórios
identitários de herança africana e da valorização das diferenças como
elemento facilitador da construção de uma sociedade realmente democrática.
Assim, este documento estabelece:

§ 1° A Educação das Relações Étnico-Raciais tem por objetivo a


divulgação e produção de conhecimentos, bem como de atitudes,
posturas e valores que eduquem cidadãos quanto à pluralidade étnico-
racial, tornando-os capazes de interagir e de negociar objetivos
comuns que garantam, a todos, respeito aos direitos legais e
valorização de identidade, na busca da consolidação da democracia
brasileira.
§ 2º O Ensino de História e Cultura Afro-Brasileira e Africana tem por
objetivo o reconhecimento e valorização da identidade, história e
cultura dos afro-brasileiros, bem como a garantia de reconhecimento e
igualdade de valorização das raízes africanas da nação brasileira, ao
lado das indígenas, europeias, asiáticas (BRASIL, 2004, p.1).

Enfatizamos a responsabilidade dos diversos setores da sociedade no


cumprimento das referidas leis e suas diretrizes. Essas responsabilidades são
explicitadas no Plano Nacional de Implementação das Diretrizes Curriculares
Nacionais Para Educação das Relações Etnicorraciais e para o Ensino de
História e Cultura Afro-brasileira e Africana (BRASIL, 2010).

O referido plano aponta o papel do Ministério da Educação (MEC) na


proposição de políticas que favoreçam a valorização das diferenças como
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forma de combater essas desigualdades. No caso das desigualdades


etnicorraciais a finalidade seria “a institucionalização da implementação da
Educação das Relações Etnicorraciais, maximizando a atuação dos diferentes
atores por meio da compreensão e do cumprimento das Leis 10639/2003 e
11645/08, da Resolução CNE/CP 01/2004 e do Parecer CNE/CP 03/2004”.

O plano coloca a necessidade de articulação entre os diferentes níveis e


modalidades de ensino para que se alcance os seus objetivos. Conforme
Marques (2006) essas políticas educacionais representam a pertinência e a
necessidade de se viabilizar uma prática pedagógica, na qual a diversidade
cultural seja trabalhada, visando à formação de uma sociedade plural, em que
o diálogo entre as diferenças culturais possa enriquecer os espaços de
aprendizagem. Desta forma, a referida autora aponta a riqueza que o
reconhecimento e a valorização dessas diferenças podem trazer para a
sociedade. É também Marques (2006) que visa compreender, pela análise da
Proposta Pedagógica, como as escolas têm abordado o preconceito, a
discriminação racial e a prática pedagógica. Segundo ela:

Não basta, portanto, reconhecer a diferença, mas também identificar


se o próprio reconhecimento não se tornará instrumento a favor da
hierarquização cultural, na qual a cultura do grupo social dominante
passa a ser considerada superior, devendo, consequentemente, ser
incorporada pelo grupo social dominado (p.03)

A discriminação etnicorracial interfere de maneira negativa na


construção da identidade pessoal, pois a identidade do individuo é construída
no decorrer da vida, a partir de suas experiências, do seu convívio em
sociedade. E é com essas experiências vivenciadas pela criança e pelo
adolescente, sejam elas no grupo social, na família ou na escola, junto com
seus valores, crenças, imagens etc. É nesta fase da vida que o jovem vivencia
de forma marcante experiências relacionadas à cor, cabelo, cultura e religião.

Assim se ela se desenvolve em um ambiente onde são apresentados para


ela esses fatores como negativos, consequentemente, ela irá se tornar um
adulto, que terá consigo que é inferior dos demais do grupo que convive.

Destacamos que, sendo obrigatório o ensino da cultura e história afro-


brasileiras e africanas, como fator de reconhecimento, valorização e
fortalecimento das identidades afro-brasileiras é importante perceber que
todos têm um papel na efetivação da Lei 10.639/03, tanto no espaço da
gestão como das práticas cotidianas da escola.

3 Identificando os Sujeitos da Pesquisa

O estudo aqui apresentado tem como campo duas turmas de duas


escolas situadas em dois municípios do agreste sergipano. A primeira turma,
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aqui identificada como Turma A, é uma turma de 5º ano da escola aqui


denominada como Escola 1, localizada no Povoado Palmeiras, em Malhador
– SE. Os vinte e três estudantes desta turma que responderam os
questionários desta pesquisa, têm idade entre nove e onze anos, sendo sete
meninos e dezesseis meninas. A segunda turma, identificada neste trabalho
como Turma B, é uma turma de 5º ano da escola aqui denominada como
Escola 2, localizada no Povoado Carrilho, em Itabaiana-SE. Vinte três
estudantes desta turma responderam os questionários desta pesquisa, sendo
onze meninos e doze meninas com idade entre dez e dezesseis anos.

A autoidentificação etnicorracial na turma “B” apontou que 12


estudantes se identificaram como negros, 10 como moreno e 1 se identificou
na categoria “outra” e nenhuma estudante se autodeclarou branco. Em
relação ao autoidentificação na turma “A” 14 se identificaram como moreno,
6 como branco, 3 como negro. Esses dados nos levam a refletir sobre as
diferenças etnicorraciais entre as duas turmas e sobre quais os indícios levam
esses estudantes se identificarem como negros, brancos ou morenos, mesmo
tratando-se em uma comunidade com forte indícios de ancestralidade
africana. Sobre o papel da escola nessa expressão identitária nos apoiamos
nos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN) de pluralidade cultural que
apontam que “A criança na escola convive com a diversidade e poderá
aprender com ela singularidades presentes nas características de culturas, de
etnias, de regiões, de família são de fatos percebidos com mais clareza
quando colocada junto às outras” (BRASIL, 1997, p. 123).

4 Identidade, Família e Referência

Sobre “Ser Negro/a”, nas duas turmas houve predominância de


conceitos vagos, gerais, indefinidos, com 18 ocorrências na Turma A e 14 na
Turma B. Dentre esses conceitos são citados: normal, igual a mim e a todos,
de outra cor, entre outros. Os dados apresentados acima apontam para um
panorama em que a identidade negra não se encontra tão discriminada.
Parece haver uma visão mais normalizada em relação ao ser negro, pois
somando as recorrências de “normal” com as referentes à beleza e estética,
formam uma predominância significativa. Não obstante, é significativo o
aspecto fenotípico do olhar para as identidades, à medida que há três
referências a traços físicos como repertórios da identidade negra (“cabelo
negro” e “pele negra”). Como bem colocou Nogueira (1998), o racismo
brasileiro traz em si o preconceito de marca, relacionado aos traços
fenotípicos, portanto, as identidades etnicorraciais são marcadas por esses
repertórios, já que estas são também construções sociais, como coloca Lima
(2006, 2011).

No item que aborda se há pessoas negras na família a percepção com


relação à identidade etnicorracial foi maior na Turma B, na qual dezessete
alunos/alunas disseram ter familiares negros e 6 afirmaram o contrário. Já a
Turma A treze afirmaram que sim enquanto dez afirmaram o contrário. Um
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fato interessante é que na Turma B houve predominância da categoria


familiares próximos, com 17 citações, ou seja, pais/mães e irmãos/irmãs; A
categoria familiares secundários obteve 9 citações, entre elas, tios/tias,
primos/primas, avôs/avós, padrinho. Em contrapartida, dos 13 alunos/alunas
da Turma A que afirmaram possuir pessoas negras na família seis citaram
familiares próximos e 7 familiares secundários.

No Brasil, fazer referência à raça ou á cor das pessoas ainda é sinônimo


de ofensa. Como disse Oracy Nogueira (2006, p.299), que estudou o
preconceito nas sociedades brasileiras e estadunidense no Brasil “não é de
bom tom ‘puxar o assunto da cor’ diante de uma pessoa preta ou parda”.

Apoiamo-nos em Ferreira (2000) para afirmar que a construção da


percepção do pertencimento etnicorracial das pessoas negras acontece por
meio de 4 estágios de desenvolvimento: submissão, impacto, militância e
articulação , embora compreendamos que tais estágios podem não dar conta
da trajetória de contribuição identitária de todas as pessoas negras, mas que a
escola tem um papel nessa construção.

[...] a escola se constitui como espaço de formação identitária dessas


crianças, bem como dos demais sujeitos do cotidiano escolar,
considerando-se que as identidades são dinâmica e continuamente (re)
construídas nas relações sociais, já que "a identidade é sempre
socialmente atribuída, socialmente mantida e também só se transforma
socialmente” (MENESES, 1992, p.183).

Sobre as mudanças desejadas para o próprio corpo, apenas quatro


discentes da turma A e nove da turma B afirmaram que mudariam, sendo
que essas mudanças seriam com relação à cor, cabelos, olhos, narizes, entre
outras características. Diante desses dados tomamos como referencia as
Diretrizes Curriculares para o Ensino Fundamental que trazem indicativos
para o cuidado com a diversidade cultural abrangendo identidades étnicas, de
gênero, regional, geracional, entre outros aspectos. O apontamento
predominante de desejo de mudanças corporais em relação à traços
fenotípicos negros se articula com os processo de supervalorização de traços
eurocêntricos e invisibilização ou negação de aspectos que remetem a
herança africana presente na mídia, nos materiais didáticos, na indústria de
brinquedos, entre outros espaços sociais.

[....] Pesquisas têm apontado para discriminações e exclusões em


múltiplos contextos e no interior das escolas, devidas ao racismo, ao
sexismo e a preconceitos originados pelas situações sócio-econômicas,
regionais, culturais e étnicas. Estas situações inaceitáveis têm deixado
graves marcas em nossa população infantil e adolescente, trazendo
conseqüências destrutivas (BRASIL, 2001).

Sobre o conceito de mulher bonita os/as discentes da turma A


destacaram as características de personalidade, tais como educada, carinhosa,
simpática, anjo, entre outras. Em seguida foram citados conceitos referentes a
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características físicas com 31,43%. Dentre estas foram citadas estão magra,
alta, olhos azuis, olhos verdes, cabelo loiro, entre outras. Já na Turma B a
predominância também foi de características de personalidade, tais como
inteligente, educada, bom coração, cuidadosa, com 42,86%, com 33,33 %,
seguido por conceitos vagos, gerais e amplos (uma mulher referente a outra,
uma mulher bonita, como uma colega para mim, legal), com 25%. Em
terceiro lugar aparece a categoria características de produção estética
(charmosa, que se arruma bem), com 16,5%.

Em relação ao conceito de homem bonito os/as discentes da turma A


destacaram as características físicas com 61,36%. Dentre estas: negro (1 vez),
branco (7 vezes), moreno (6 vezes), magro (2 vezes), tamanho médio (2
vezes), alto (3 vezes), baixo (1 vez), loiro (2 vezes), olhos azuis (1 vez),
olhos verdes (2 vezes). Em seguida foram citados conceitos referentes à
produção estética com 13,64% e de personalidade com 11,36%. Na Turma B
o destaque também foi para as características físicas (corpo bonito (4); cabelo
preto (1); negro (1), ter que ser sarado (1); com 28%. Em seguida vem a
categoria referente às características de personalidade, com 24% (inteligente
(2); os que fazem as coisas com carinho (1), simpático (1); educado (2)),
seguido pela categoria não entendeu (16%) e pela categoria características de
produção estética (ter estilo, roupa bonita, se arrumar, cortar cabelo e fazer
unha), com 12%.

Analisando os conceitos atribuídos pelas duas turmas percebe-se que,


embora estejamos em um espaço de predominância negra, ainda há uma forte
presença de um conceito brancocêntrico de beleza, especialmente na turma 1,
na qual há uma recorrência significativa de relação entre características de
origem europeia e o conceito de beleza, principalmente no que se refere à
etnia/raça/cor da pele e a cor do olhos. Esse é um indício da forma
persistente da ideologia racista que continua formando o imaginário e o
pensamento social hegemônico na sociedade, apesar do inegável avanço que
tem ocorrido na luta antirracista. Assim, informados por estereótipos, se não
estivermos atentos, podemos manifestar, por palavras e gestos,
discriminação, desrespeito, desqualificação. Estes julgamentos decorrem de
preconceitos. Pessoas negras têm sido vítimas deles. Não poucas vezes se
ouve que negros, são feios, sujos, violentos ou preguiçosos. São sujeitos de
um grupo etnicorracial historicamente discriminado na formação da nação.
Cabe mencionar aqui que a palavra raça não se refere ao conceito biológico
de raças, amplamente rechaçado pelos conhecimentos científicos na
atualidade. Tal conceito se refere à construção social que envolve
características físicas e culturais (GUIMARÃES, 2003 apud LIMA, 2006).

5 Identidades, Diversidades e Práticas Escolares

Sobre o estudo da história e a cultura africana e afro-brasileira na


escola, apenas um aluno da turma A e cinco alunos/as da Turma B afirmaram
já ter estudado essa temática, sendo abordado, segundo os mesmos, no 5º
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ano, esse ano e em 2011 e com foco na questão do preconceito e da


discriminação (que não deve ter preconceito). Percebe-se um amplo
desconhecimento sobre a temática em relação aos alunos/as, docentes e corpo
administrativa das escolas. Segundo Santos (2006), as atenções da educação
estão basicamente voltadas para a ideia de cidadania e para a formação de
professores/as com novos perfis profissionais, mestres em condições de
trabalhar com uma visão interdisciplinar da ciência, própria das múltiplas
formas de se conhecer e intervir na sociedade hoje. (p. 1). No entanto, esse
ideário está longe de sua efetivação quando consideramos que não há
proposta de formação continuada efetiva nas redes de ensino, seja em relação
à história e cultura africana e afro-brasileira, seja em relação à outras
temáticas importantes na formação humana. O desconhecimento da Lei
10.639/2003 e de sua relevância para a educação escolar e para a
democratização social são frutos também de uma inexistência de política
pública efetiva de formação educacional qualificada dos/as profissionais de
educação. Nesse sentido, é relevante a colocação que [...] a educação das
relações étnico-raciais impõe aprendizagens entre brancos e negros, trocas de
conhecimentos, quebra de desconfianças, projeto conjunto para construção de
uma sociedade, justa, igual, equânime (BRASIL, 2004, p. 6).

Foi perguntado aos/às discentes se na escola deles/delas havia material


sobre historia e cultura Africana e Afro-brasileira. Tanto os/as discentes da
turma A quantos os da turma B citaram livros de histórias, imagens, fotos,
gravuras, entre outros. Isso aponta um distanciamento a ampliação de
disponibilização por parte do Governo Federal de algum material sobre a
temática ocorrido na última década e a efetivação da abordagem efetiva da
temática e uso deste material no cotidiano escolar, o que aponta mais uma
vez para a importância da formação continuada neste contexto a partir de sua
própria realidade.

ALGUMAS CONSIDERAÇÕES
As pesquisas de campo nos permitiu perceber que, passados nove anos
de existência da Lei 10.639/2003, que torna obrigatória a inclusão da história
e culturas africana e afro-brasileira nos currículos escolares ainda estamos
longe de sua efetivação como política e prática institucional instituinte da
educação para as relações etnicorraciais, requisito para a democratização
dessa sociedade, com a redução das desigualdades de cunho
socioetnicorracial. Também foi evidenciado que a ideologia do
branqueamento ainda se faz presente nas relações etnicorraciais em processo
nos diferentes espaços dessa sociedade, incluindo as comunidades
pesquisadas, na medida em que ainda persiste um ideário brancocêntrico
supervalorizado em detrimento da inferiorização dos repertórios identitários e
socioculturais de base africana. No entanto, a esperança também desponta
nos dados coletados, a partir das referências de negritude apontadas pelas
crianças, que evidenciam que “ser negro” não tem seu sentido totalmente
negativizado pelas estratégias preconceituosas e discriminatórias da
sociedade. E em relação à escola, as falas apontam, que pelo menos no que se
refere às discriminações diretas, com agressões no espaço da escola, tem
havido ações intervencionistas pontuais por parte de sujeitos da escola.
Entretanto, faz-se necessário que essas micropráticas sejam potencializadas,
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tornando-se, em rede, instituintes institucionais que garantam a efetivação da


Educação para as Relações Etnicorraciais, políticas em práticas produtoras de
equidade.

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Sexualidade no Cotidiano Escolar:


as vozes de alunos e alunas do Agreste sergipano

Edenilse Batista Lima1

João Rogério Menezes de Santana2

Maria Batista Lima3

Resumo

Referências como Nunes (2005) e Figueiró (2001) apontam a sexualidade


como parte inerente da vida humana. Porém, sua compreensão e forma de
expressão têm sofrido mudanças ao longo da história e mediado relações em
diferentes segmentos e instituições das sociedades. Uma dessas instituições é
a escola, como espaço de formação dos sujeitos. Assim, este artigo, de cunho
exploratório, objetiva apresentar uma breve análise sobre as visões de
estudantes do Ensino Médio do Agreste Sergipano acerca do papel da escola
na Educação Sexual. Entre os referenciais destacam-se documentos oficiais
que legislam e/ou orientam a temática e produções acadêmicas como Dazzi,
(2004); César (2009), Castells (2010) e Foucault (2011). O estudo aponta que
predomina entre os sujeitos a percepção a sexualidade tem na escola um
espaço necessário legítimo de abordagem. Porém ainda predomina uma visão
biologizante da questão, com a responsabilização da biologia pela abordagem
da temática.

Palavras-Chave: Sexualidade, Educação Sexual, Cotidiano Escolar.

1
Contato do(a) autor(a): edenbali2005@gmail.com . Mestranda NPGECIMA-
UFS/GEPIADDE.
2
Contato do(a) autor(a): santana.menezes@hotmail.com. Mestrando em Ensino de
Ciências Naturais e Matemática – NPGECIMA. Membro dos Grupos de Pesquisa
GEPIADDE e EDUCON/UFS.
3
Contato do(a) autor(a): mabalima.ufs@gmail.com. Profª Adjunta DEDI-
UFS/GEPIADDE
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INTRODUÇÃO

Homens e mulheres têm incorporado, ao longo da história, diferentes


papeis na sociedade. Esses se tornaram elementos de estudos acadêmicos em
diferentes áreas do conhecimento, tais como Sociologia, Filosofia,
Psicologia, Antropologia e a Educação. Esta última tem se utilizado de
diferentes instrumentos de análise sobre a temática em razão de diversas
percepções de diferentes sujeitos sociais. Entre estas percepções encontra-se
a que atribui às mulheres o papel exclusivo de objeto sexual de prazer e de
executora de serviços domésticos. Em contraponto, aos homens são
atribuídas características naturalizadas de provedores ou controladores
financeiros, com o direito de usufruto e posse da mulher nas diversas
dimensões da sua vida pessoal, principalmente no âmbito sexual. Um dos
sustentáculos dessa relação de dominação e subordinação na sociedade é o
patriarcalismoi, que segundo Castells (2010), vem sofrendo uma crise com o
avanço das conquistas sociopolíticas das mulheres.

Nesse contexto patriarcal, de opressão/subordinação de gênero e seus


enfrentamentos, um dos elementos centrais é a sexualidade, que segundo
Castells (2010) tem ao longo da história a heterossexualidade como norma e
a homossexualidade como transgressão, sendo esta dualidade um dos focos
dos Movimentos Sociais de gênero ao longo da história, principalmente dos
Movimentos Feministas do Século XX.

A sexualidade é tomada como elemento de estudos no Brasil, numa


perspectiva científica, a partir da década de 70 do século XIX, com o IV
Congresso Brasileiro de Orientação Educacional, em São Paulo, em 1976.
Nesse evento notificou-se a presença dos discursos sobre essa temática -
também em outros estados brasileiros - com maior evidência em São Paulo,
na área temática sobre trabalhos educacional, intitulada Programa de Saúde.
É nessa área de trabalho educacional que ativistas feministas pleitearam a
abordagem da sexualidade nos espaços escolares (BRUNO e BRUNO, 1994).

A sexualidade é inserida na educação brasileira em 1996, como


proposta de trabalho em uma perspectiva controladora do Estado, no que
refere ao desenvolvimento de adolescentes com o intuito de controle das
Doenças Sexualmente Transmissíveis - DST e a gravidez não planejada.
Ainda que no viés de controle epidemiológico e da natalidade, a proposta dos
Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN) marca um avanço no que diz
respeito a assuntos como a sexualidade, questões de gênero e corpo humano,
os quais compõem seus eixos. Neste documento de referência didático-
pedagógica a temática está embutida como tema transversal, com a
terminologia de orientação sexual (BRASIL, 1997).

Mediante tais pressupostos, a proposta desse artigo é apresentar uma


análise inicial sobre o papel da escola na Educação Sexual, a partir das visões
de estudantes do Ensino Médio do Agreste Sergipano, tendo como base
atividades desenvolvidas no Projeto Compartilhando as Diferenças e
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Promovendo a Equidade na Educação Sergipana, desenvolvido pelo Grupo


de Pesquisa GEPIADDE. Foram desenvolvidas oficinas sobre sexualidade,
com foco em formação de professores. O público das referidas oficinas e
sujeitos deste estudo exploratório foram 35 estudantes dos 1º e 2º anos do
Ensino Médio de escolas públicas do Agreste Sergipano. Os estudantes em
questão responderam um questionário com 16 questões, sendo que cinco
destas, que tratavam sobre o lugar da sexualidade no ambiente escolar, foram
utilizadas neste trabalho.

O referencial utilizado inclui documentos educacionais e produções


acadêmicas sobre a temática. Entre estes a Lei de Diretrizes e Bases da
Educação Nacional (LDB nº 9394/1996), as Diretrizes Curriculares
Nacionais (DCN) e os PCN, em particular, o livro Temas Transversais. E
ainda Silva (2005); Sacristán (2000); Candau (2008); Dazzi, (2004); César
(2009); Foucault (2011); Madureira (2010), dentre outros.

1 Sexualidade Humana: Apontamentos Científicos e


Sociopolíticos
Estudos sobre a sexualidade humana tomam fôlego a partir de
desenvolvimento dos Movimentos Sociais Feministas, no século XX, nos
Estados Unidos da América – EUA. Esses Movimentos favoreceram uma
maior visibilidade das dos temas relacionados à sexualidade no espaço
acadêmico. É nesse período, mais precisamente na década de 70, que essas
discussões ganham espaço nas rodas do discurso científico (CÉSAR, 2009).

A sexualidade humana passa a ser uma das expressões mais marcantes


da humanidade no Século XX. Países, a exemplo da França, constroem o
imaginário humano em adornos, peças íntimas e vestimentas com a proposta
de refletir o corpo que os usa. Surge a moda, o modismo e as tendências em
um mercado que não para de crescer: o da sexualidade (FOUCAULT, 2011).

O Brasil, desde o período colonial apresenta resquícios de ideais


eurocêntricos. Com a vinda do D. João VI há uma mudança brusca nas
estruturas de urbanização em terras agora imperiais (MADUREIRA, 2010).
Essas mudanças, que indicam a construção de uma sociedade comportada e
educada, na qual mulheres e homens se enquadrem nos padrões estabelecidos
pela Corte. Assim, saber se comportar em salões de encontros sociais é sinal
de intervenção externa em uma sociedade tipicamente agrária com suas
especificidades comportamentais (MADUREIRA, 2010).

Essas mudanças são inseridas nessa ‘nova’ sociedade por meio do


discurso autoritário, e preconceituoso. Autoritário porque conferia a mulher
um lugar de referência ao modelo de mulher que fora denominado de
manequim higiênico. Essa terminologia foi adotada por alguns autores, a
exemplo de Costa (1983), por esse personagem social ser a referência de
saúde e assepsia corporal para outras mulheres, em particular para suas filhas.
Preconceituoso porque busca manter a hegemonia masculina sobre a
feminina, como ainda na contemporaneidade em algumas sociedades e em
alguns grupos sociais no Brasil (Op. cit.).
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Outras transformações significativas na sociedade brasileira vão ocorrer


a partir da metade do século XX, com o aumento de níveis de escolarização
entre homens e mulheres, o ingresso de mulheres no campo do trabalho em
áreas consideradas exclusivamente masculinas, bem como avanços de ordem
tecnológica e de comportamento social. Diversos movimentos pleiteiam a
equidade entre mulheres e homens, bem como atenção individualizada às
crianças e jovens, considerando também os seus novos costumes
comportamentais. Tais movimentos surgem a partir da indústria cultural (o
cinema, o rádio, a televisão, o jornal etc.) e a partir dai novos contornos
identitários são constituídos nos diversos grupos sociais (Op. cit.).

Considerando que a sexualidade representa processos identitários e, em


particular os processos identitários do comportamento sexual dos sujeitos,
esses comportamentos são deturpados pelo poder midiático. Essa fala é
pertinente, pois a mídia se utiliza de instrumentos subliminares justificando
estar apoiando essa ou aquela tendência ou mesmo apoiando determinado
grupo social. O poder midiático sempre esteve de braços dados com a classe
social dominante sem a quebra literal dos laços que os unem e assim
mantendo a visão de uma sociedade heterossexualizada, desrespeitando os
diferentes sujeitos. Também tem se utilizado de estereótipos que reforçam o
papel dominante de homens sobre a mulher, quando utilizam da sexualidade
como mercadoria em diferentes tipos de exposição masculina e feminina,
inclusive no contexto infanto-juvenil (GALVÃO, 2010).

Corroborando com a autora, Castells (2010) diz que os movimentos


feministas, as organizações de defesa dos direitos de homossexuais
masculinos e femininos defendem o uso desses dispositivos midiáticos como
veículos de luta por seus direitos, através do que o referido autor chama de
sociedade em rede.

Em relação à abordagem da sexualidade no espaço escolar e às


intervenções do Estado, a base inicial dessa interferência se dá pela
elaboração de programas e projetos que visam controlar dados estatísticos em
escala crescente, tais como de gravidez na adolescência e as infecções pelas
DST/ HIV/ Aids. É a partir desse crescente número de jovens em idade
escolar da educação básica que o Estado tem demostrado interesse em
realizar as intervenções de controle. Exemplo são os PCN, criados em 1997,
fase de crescente dado epidemiológico nessa faixa etária e segmento
educacional. Esses documentos norteadores são indicativos para se trabalhar
a temática ao orientar educadores/educadoras para atividades pedagógicas
com o corpo, relações de gênero, DST/HIV/ Aids, e com a sexualidade
(BRASIL, 1997b).

O Governo Brasileiro, tentando minimizar problemas de desigualdades


na educação, cria, em julho de 2004, a Secretaria de Educação Continuada,
Alfabetização e Diversidade (SECAD), hoje denominada SECADI ii, traz
diversos temas, dentre eles a sexualidade. Seu objetivo, segundo dados no
portal do Ministério da Educação (MEC) “é contribuir para a redução das
desigualdades educacionais por meio da participação de todos os cidadãos em
políticas públicas que assegurem a ampliação do acesso à educação”
(BRASIL, 2011, p. 1).
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Na educação brasileira a sexualidade passa a ter maior visibilidade


como objeto de discussão a partir dos novos encaminhamentos reguladores e
orientadores, elaborados pelo Estado, tendo como marco legal a Constituição
Federal (CF/1988), a LDB/96, os PCN e as DCN e, por fim, os atuais
programas educativos elaborados com a proposta de se trabalhar a
sexualidade na educação. Uma dessas propostas é o Programa de Saúde e
Prevenção nas Escolasiii (BRASIL, 2006).

Com a CF/88, a sociedade brasileira passa por um movimento de


redemocratização sociopolítica. Essa nova conjectura amplia as
possibilidades de homens e mulheres serem tratados com igualdades de
direitos. Também os dispositivos legais que intervém nos processos
educativos passam a ser objeto de intervenção política, especialmente a partir
da nova LDB, que define as principais diretrizes para a Educação Nacional.
A partir desse documento criam-se os PCN e as DCN, que servem como
documentos norteadores da prática didático-pedagógica da escola.

2 A Prática Pedagógica e a Sexualidade


Já na década de 20 havia reivindicações para inclusão na Educação
Sexual nos currículos escolares brasileiros, sendo que esta objetivava a
proteção à infância e à maturidade. Dentre os segmentos sociais que
reivindicavam este direito estavam as feministas. Na mesma década, mais
precisamente em 1928, a Educação Sexual nas escolas foi aprovada em um
Congresso Nacional de Professores e Educadores, objetivando a formação de
educandos e educandas, jovens e adolescentes.

A Educação Sexual desenvolvida Brasil, no período de 1954 a 1970,


realizada por educadores sanitaristas e, posteriormente, também por
professores e professoras objetivava orientar as alunas do atual 5º ano e suas
mães sobre as transformações ocorridas na puberdade (FIGUEIRÓ, 2001).
Porém, essa atuação foi encerrada em 1970, após parecer da Comissão
Nacional de Moral e Civismo contra a Educação Sexual nas escolas.

A partir da década de 80 do século XX as questões relacionadas à


sexualidade tornaram-se amplas e mais visíveis impulsionando estudos,
pesquisas e intervenções. Este fato decorre do advento da Aids e da gravidez
não planejada na adolescência (FIGUEIRÓ, 2001).

Algumas iniciativas para inclusão de discussões sobre sexualidade no


ambiente escolar ocorreram e ocorrem ao longo dos anos por professores e
professoras que se sentiam responsáveis pela formação global dos/as jovens.
Mesmo que para isso sofressem sanções e chegassem a perder o cargo, a
exemplo do Colégio Batista do Rio de Janeiro, que desenvolveu trabalhos de
Educação Sexual no período de 1930 a 1954, quando, então, o professor
responsável foi processado e demitido.

Apesar da década de 60 do século XX ser uma época de repressão, foi


também uma época favorável para a implantação de programas de Educação
Sexual no Brasil por algumas escolas como: Colégio de Aplicação da
Universidade de São Paulo, Ginásios Vocacionais e Pluricurriculares, escolas
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públicas paulistas que discutiam a temática no Serviço de Orientação


Educacional. Já na década de 70 do século XX as discussões sobre
sexualidade foram severamente reprimidas e os colégios que desenvolviam
programas de Educação Sexual tiveram suas atividades encerradas.

Segundo Jardim e Bretas (2006) a Educação sexual é uma estratégia de


prevenção dos problemas relacionados ao desenvolvimento da sexualidade na
adolescência, porém a escola apresenta dificuldades em cumprir esse papel,
uma vez que faltam professores/professoras habilitados/as para exercerem
tais funções. Dessa forma, Silva e Carvalho (2005, p. 81) vislumbram a

[...] necessidade de repensar os cursos de formação de professores,


particularmente, repensar sobre o preparo que o futuro professor
recebe durante sua formação inicial, para enfrentar situações novas ou
desconhecidas, como o ensino de Sexualidade, no momento em que
ele se tornar mais um dos profissionais da educação. Em uma outra
perspectiva, vislumbramos a necessidade de reflexões que envolvem
familiares e agentes da sociedade que também atuam como
educadores sexuais, visto que o reflexo dessa educação incide na
escola e não deve ser desvinculado dela.

A formação inicial e continuada do professor/professora precisa


abranger discussões sobre a Sexualidade Humana habilitando-o/a assim, para
trabalhar com questões relacionadas a essa temática. Porém, devido à quase
inexistência dessas discussões, o professor/professora apresenta dificuldades
em discutir a versão psicossocial da sexualidade, já que esta também envolve
as vivências e os conflitos decorrentes do crescimento. Assim sendo, a
abordagem sobre esse tema no ambiente escolar, quando há, versa, muitas
vezes, sobre os aspectos biológicos. Outro motivo para essa dificuldade do
professor/professora pode está relacionada à educação familiar antissexual e
opressora que recebeu. Assim, a figura do professor/ professora é

[...] tida noutras vertentes como detentora de um “poder central e


decisivo” para a ocorrência das aprendizagens, fica de certa forma
relativizada, principalmente no que tange ao poder que sempre lhe
fora conferido. Deste modo, as pedagogias e seus representantes, mais
do que ensinar conteúdos, produzem sujeitos, constituindo suas
identidades, não vistas como tendo "uma essência" mas sim como
sendo conformadas por objetivos e estratégias da própria pedagogia
(DAZZI, 2004, p. 3).

A sala de aula não deve ser vista como um universo a parte; ao


contrário, ela precisa ser o ambiente que possibilite mudanças em todas as
fases da vida do educando/ educanda e tenha no professor/professora,
aquele/a que será o/a agente moderador/a e o/a facilitador/a nas discussões
sobre sexualidade, sem juízos negativos ou de valores que a sociedade julga
como corretos. A metodologia utilizada pelo professor/professora precisa
englobar a diversidade dos discursos, referentes à sexualidade, proliferado
em todas as esferas sociais, principalmente a científica, objetivando a
ampliação dos níveis de conhecimento dos/as jovens no tocante a esse
assunto.
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Além dos discursos sobre a sexualidade que tem se proliferado em todos


os segmentos sociais, a legislação educacional brasileira justifica e
fundamenta a necessidade desses discursos no ambiente escolar fomentando
práticas pedagógicas. Assim, são a partir destas e da vivência no ambiente
escolar e familiar que a construção da sexualidade dos/as jovens será
mediada.

Dentre os documentos que tratam sobre assuntos correlacionados à


sexualidade estão os PCN, as DCN, os Referencias Curriculares da Educação
Infantil (RCEI), as Leis de Diretrizes e Bases da Educação Nacional
(LDBEN) e as constituições federais de 1891 a 1988. Estes dois últimos
documentos trazem apenas indicativos oficiais quando discorrem sobre a
valorização e o respeito à diversidade.

Apesar das discussões sobre sexualidade no ambiente escolar


acontecerem, desde a década de 20 do século XX, a sua intensificação
ocorreu a partir da década de 70 do mesmo século devido a essa temática ser
considerada como relevante na formação global do indivíduo. A retomada da
necessidade de discussão sistemática no ambiente escolar a partir da década
de 80 do século XX foi impulsionada pelos movimentos sociais que se
propunham a repensar o papel da escola e dos conteúdos por ela trabalhados,
principalmente, diante do advento da AIDS e da gravidez não planejada na
adolescência.

Diante da pressão dos movimentos sociais, o Ministério da Educação


(MEC) publica os PCN em 1997, os RCEI em 1998, as Diretrizes
Curriculares Nacionais para o Ensino Médio (DCNEM) em 1998 e os
Parâmetros Curriculares Nacionais para o Ensino Médio (PCNEM) em 2000,
trazendo subsídios para o desenvolvimento de metodologias pedagógicas que
englobem questões relacionadas à Sexualidade e a Educação Sexual.

Os PCN trazem a temática sexualidade como transversal e assim sendo,


podendo ser trabalhada em qualquer disciplina e a qualquer momento. Além
disso, a educação sexual precisa começar na Educação Infantil e se
desenvolver ao longo de toda a vida escolar do/a jovem. No entanto, faz-se
necessário adequar a abordagem à faixa etária e ao nível de desenvolvimento
cognitivo do aluno/aluna. Neste documento, a temática é dividida em três
blocos onde são abordadas questões como corpo, gravidez não planejada,
gênero e DST/Aids.

Os RCEI trazem no volume 2 o tema “formação pessoal e social” onde


são abordadas questões como a construção de vínculos, de identidades, de
autonomia e de autoestima, a valorização da diversidade, o conhecimento do
corpo, a sexualidade e o gênero.

As DCNEM trazem no seu item I do 3º Art. que deve haver coerência


entre as práticas administrativas e escolares e os princípios estéticos, políticos
e éticos:

A Estética da Sensibilidade, que deverá substituir a da repetição e


padronização, estimulando a [...] afetividade, bem como facilitar a
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constituição de identidades capazes de suportar a inquietação,


conviver com o incerto e o imprevisível, acolher e conviver com a
diversidade [...] e fazer do lazer, da sexualidade e da imaginação um
exercício de liberdade responsável; a Política da Igualdade, tendo
como ponto de partida o reconhecimento dos direitos humanos e dos
deveres e direitos da cidadania, visando à constituição de identidades
que busquem e pratiquem a igualdade no acesso aos bens sociais e
culturais, o respeito ao bem comum [...] o combate a todas as formas
discriminatórias; e a Ética da Identidade, buscando superar dicotomias
entre o mundo da moral e o mundo da matéria, o público e o privado,
para constituir identidades sensíveis e igualitárias no testemunho de
valores de seu tempo, praticando um humanismo contemporâneo, pelo
reconhecimento, respeito e acolhimento da identidade do outro e pela
incorporação da solidariedade, da responsabilidade e da reciprocidade
como orientadoras de seus atos na vida profissional, social, civil e
pessoal (BRASIL, 1998b, p. 1-2).

Os princípios mencionados nas DCNEM sinalizam o fazer pedagógico,


visando atender a demanda de sujeitos nessa nova conjectura social. Usar de
artifícios que desrespeitem a Constituição Federal, não atendendo aos
dispositivos legais, é retroceder em tempo e espaço. É desconhecer que
professores/professoras, alunos/alunas e todos que compõem a escola são
seres humanos e pertencem a mesma sociedade.

Os PCNEM trazem no final da parte de Ciências Humanas e suas


tecnologias rumos e desafios para essa área. É lançada a possibilidade de
desenvolvimento de outros conhecimentos das Ciências Humanas, entre eles,
a Psicologia, sendo que o seu conhecimento

[...] na construção da identidade dos jovens estudantes, [...]


questionando o senso comum, podem contribuir para uma reflexão e
melhor compreensão de sua inserção no mundo, relativizando um
suposto caráter ahistórico e único da adolescência, desconstruindo um
certo determinismo em relação a papéis sociais a serem
desempenhados, frente à escola, ao trabalho, à sexualidade, à
autoridade, à relação familiar e aos grupos com que interagem
(BRASIL, 2000, p. 66).

A interdisciplinaridade, neste caso a da psicologia, torna-se, desse


modo, um eficiente instrumento de trabalho na desconstrução de ideias,
ideologias, preconceitos, mitos e tabus na educação, sendo que essa área de
formação humanística tem se tornado grande aliada no fortalecimento das
identidades.

3 Dialogando com os Sujeitos: O que dizem os dados


Como apontam as referências ainda predomina uma abordagem
biologizante da sexualidade no ambiente escolar, excluindo-se as dimensões
psicossociais que são relevantes para a vivência da sexualidade do/a jovem. É
nessa perspectiva que, neste trabalho, tomamos como foco cinco questões, a
saber: Sexualidade é um assunto que deve ser discutido com os jovens na
escola; como a sua escola discute com os alunos o assunto sexualidade; se
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você não conversa com seus professores sobre este assunto é por quê; quando
os professores, na escola, falam sobre sexualidade...; a sexualidade deve ser
discutida por quais professores. A partir destas constituímos três eixos do
trabalho, cujos resultados são apresentados a seguir.

Abordagem da Temática na Escola


Neste tópico, buscou-se identificar se, na visão dos sujeitos, se a
sexualidade deve ser discutida pela escola e como se dá essa discussão.

Sexualidade é
um assunto…
Feminino Masculino
18
17 00 18
17

Gráfico (1). A sexualidade deve ou não ser Gráfico (2). Como a sexualidade é discutida nas escolas.
discutida nas escolas.

As notas do primeiro e do segundo gráfico sugerem que a temática


sexualidade deve estar presente nas rodas de discussões em sala de aula, já
que todos os/as entrevistados/as disseram sim à primeira questão. Os dados
remetem ao posicionamento de Foucault quando este diz que a sexualidade, a
partir de século XX, toma novos rumos nas discussões. Para ele, a
sexualidade nesse século “[...] não sofre mais com a dura repressão exercida,
a condenação, a contenção dos pudores e aos imperativos de decência
impostas no século XVII[...]” (FOUCAULT, 2011, p.126). Sobre o tipo de
abordagem, a maioria dos/as sujeitos da pesquisa aponta que essa temática é
abordada em palestras. Porém, parcela significativa afirmou que não percebe
discussões sobre esse tema na escola. Interessante notar que as percepções
sobre essa questão são diferenciadas de acordo com o gênero do/a
pesquisado/a, sendo que a maior parte dos/as que não percebem essa
abordagem pertencem ao sexo feminino.
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Diálogo entre Estudantes e Docentes


Diálogo, palavra-chave do processo de ensino e aprendizagem. A tríade,
falar, ouvir e replicar passa a ser o encaminhamento mais apropriado na
construção do conhecimento, visando uma sociedade mais justa, igualitária
democrática. E a educação e suas metodologias são parte desse processo.
Quanto aos procedimentos metodológicos comungamos com Vasconcelos
(2008, p.116-117) quando diz que “[...] a metodologia possui um caráter
político que lhe é inerente, uma vez que responde a uma posição política a
nível da luta ideológica que se dá no interior da sociedade e,
consequentemente, na prática educativa.” Desse modo, o/a docente tem
importante contribuição para que os estudantes consigam transitar no mundo
no qual habitam, de forma a compreenderem o seu entorno e se posicionarem
frente às situações sociopolíticas, constituindo-se sujeitos de sua própria
construção social. A esse respeito, o fazer pedagógico, ou a metodologia,
enquanto instrumento da prática docente se faz presente nesse contexto. A
metodologia enquanto instrumento de disseminação do conhecimento e sua
reconstrução compõe o que se define como didática.

Os sujeitos apresentam certa inquietação em tratar sobre a temática.


Essa inquietação pode estar relacionada ao fato de não se sentirem bem em
conversar com seus professores devido aos tabus criados pela sociedade, nos
quais falar, sobre esse tema seria uma invasão ao espaço privado. Este,
considerado de domínio exclusivo da família. Outra negação é o fato da não
percepção de ocasiões para discussões dessa dimensão. Esse desconforto se
deve, talvez, ao fato da instituição e/ou mesmo os alunos/alunas não
possibilitarem que o tema seja objeto de discussão. Um número pequeno,
mas não insignificante para o contexto, realça o tempo como agente
impossibilitador, como também determina que o assunto lhes causa certa
repulsa quando diz não se sentir bem em discussões dessa natureza. Nesse
sentido, ao colocar “o não se sentir bem” para conversar com os/as docentes
sobre a sexualidade, os estudantes apontam para, no mínimo, dois fatores a se
considerar, dos tabus que ainda persistem quando se trata da sexualidade e da
fragilidade da interrelação docente/discente na prática escolar.

Gráfico (3). A sexualidade em diálogo nas escolas.


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A sexualidade no contexto docente

A instituição escolar é por excelência o local que a sociedade


contemporânea credenciou para a formação de seus filhos, por meio do
conhecimento sistematizado, possibilitando a estes intervirem no seu mundo
a partir do desenvolvimento de competências e habilidadesiv(SANTANA,
2009). Dentro dessas categorias que definem o ser humano como apto e
capaz de realizar atividades, a compreensão a respeito de sua sexualidade e o
seu pleno exercício constituem elementos também dessa formação
humanística. Tal necessidade, na contemporaneidade é elencada por
estudantes da rede pública de ensino, sujeitos desse trabalho, conforme dados
a seguir.

O quarto gráfico traz dados sobre como se comportam


professores/professoras ao abordarem a temática sexualidade com seus
alunos e alunas. Segundo os resultados obtidos, 12(doze) homens e 9 (nove)
mulheres disseram que os/as professores/professoras falam naturalmente
sobre sexualidade, enquanto 7 (sete) mulheres e 5 (cinco) homens disseram
que eles/elas não se sentem bem e/ou não falam sobre o assunto.

Embora a maioria dos/das estudantes (21) aponte naturalidade docente


ao tratar da temática, um número significativo é visto na direção inversa, ao
não tratar ou tratar ou tratar com desconforto, o que mais uma vez aponta
para resquícios da visão de sexualidade como tabu.

Gráfico (4). Sexualidade: como se Sentes os/as Gráfico (5). A interdisciplinaridade da sexualidade nas escolas.
professores/as em sala de aula. nas escolas.
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O quinto gráfico aponta quais professores/professoras devem tratar da


temática em estudo. 13 (treze) estudantes afirmam que a área de biologia é a
indicada para essa função e 13 (treze) afirmam que qualquer disciplina
poderia trabalhar. São apontadas também outras disciplinas: Educação Física
(1) e Sociologia (1). Salienta-se que há uma predominância de
responsabilização das disciplinas que se aproximam de temas como saúde e o
corpo, em um viés biologizante da temática, o que vai na contramão dos
indicativos dos documentos oficiais, tais como as DCN e os PCN, no que se
refere a transversalidade da questão.

ALGUNS APONTAMENTOS

Estudos apontam que a sexualidade humana tem sido objeto de embates


sociopolíticos nos diferentes períodos da humanidade, passando a ter maior
expressão no Século XX. A partir da metade deste século, a elevação dos
níveis de escolaridade entre os gêneros e o ingresso de mulheres no mercado
de trabalho, em áreas consideradas exclusivamente masculinas, são
apontados como marcos nessa mudança de conceitos. Há um fortalecimento
na luta dos movimentos por equidade entre mulheres e homens, bem como
atenção específica às crianças e aos jovens.

Dados deste estudo sinalizam que os/as estudantes consideram a escola


como espaço legítimo e necessário para a abordagem da temática. Contudo,
de acordo com visões dos sujeitos do estudo, a sexualidade deve ser abordada
prioritariamente pelas áreas afins da saúde como a biologia e a educação
física. Esta visão nos parece decorrente dos paradigmas higienistas do século
passado, bem como dos resquícios de tendências pedagógicas conservadoras,
que primam pelo ensino disciplinar fragmentado e descontextualizado.
Assim, faz-se necessário um envolvimento docente interdisciplinarizado, que
trate a temática como tema transversal, conforme é apontado por documentos
educacionais oficiais da educação brasileira.

O estudo aponta que no Brasil existe uma gama de documentos oficiais


que fomentam encaminhamentos na área de Políticas Públicas Educacionais
voltadas para a sexualidade. Esses documentos apontam diretrizes, metas e
estratégias a serem seguidas com o intuito de visibilizar a diversidade sexual,
promover a equidade sexual e de gênero, melhorar a qualidade da educação e
da saúde dos/as jovens através da implementação de programas que
promovam a Educação Sexual, fomentar cursos de formação inicial e
continuada na área da sexualidade, proteger os direitos e as garantias dos
indivíduos, entre outras. Esse é um propósito que passa pela responsabilidade
de todos os sujeitos da educação.

REFERÊNCIAS
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MEC/SEF, 1997b.
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MEC/SEF, 1998a.

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BRASIL/MEC. Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996 - Lei de Diretrizes
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Implantar Educação Sexual nas Escolas? In. Revista Brasileira de
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i
Segundo Castells (1999) o Patriarcalismo é uma das estruturas sobre as
quais se assenta a sociedade contemporânea e é caracterizado pela autoridade,
imposta institucionalmente, do homem sobre a mulher e os filhos, no âmbito
familiar.
ii
Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização, Diversidade e Inclusão.
iii
Este projeto faz parte de uma proposta de intervenção governamental
Federa a ser desenvolvida nas escolas da rede pública no Brasil. As ações
contidas nesse programa contemplam projetos que buscam minimizar os
índices de infecção e os efeitos danosos das infecções pelas DST, pelo HIV e
a AIDS em adolescentes. Projetos de atenção ao adolescente e a adolescente
no que diz respeito a gravidez não planejada com propostas pedagógicas na
sala de aula de orientação com vistas a minimizar a evasão escolar em virtude
de uma gravidez.
iv
As competências nas palavras de Perrenoud (Ensinar: agir na urgência,
decidir na incerteza. 2ª ed. Artmed, Tradução de Cláudia Schilling. Porto
Alegre: 2001, p. 139-140) é ter capacidade para “identificar obstáculos a
serem superados ou os problemas a serem resolvidos [...] planejar e
implementar estratégias [...]optando pelas estratégias menos ruim[...]” por
meio de um processo de reavaliação contínua destas respeitando [...] “os
princípios legais ou éticos” utilizando-se quando necessário do controle dos
humores (sensações de medo, raiva etc.) por meio da cooperação mutua entre
os pares e no processo de finalização (resultados) extrair ensinamentos que
possam ser utilizados numa outra oportunidade (negativos ou positivos).
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Motivos para a Escolha da Docência e


possíveis transformações geradas pelo Curso
de Formação de Professores em Alunos de
Ciências Biológicas da UFS- Campus Prof.
Alberto Carvalho

Aline Mendonça Santana1


Juliana Gimenes de Andrade2
Weverton Santos de Jesus 3
Acácio Alexandre Pagan4

RESUMO
Neste trabalho buscamos identificar as possíveis influencias para a escolha da
docência pelos licenciados em Ciências Biológicas da Universidade Federal de
Sergipe, Campus Prof. Alberto Carvalho- Itabaiana/SE. Buscamos ainda, identificar
as possíveis transformações geradas pelo curso e sua importância no processo
formativo dos discentes. Num primeiro momento, nossa ferramenta de estudo se dá
pela aplicação de 169 questionários, conseguimos abranger um percentual de 76,8%
de licenciandos consultados, nossa coleta ocorreu nos períodos 2011/1 e 2011/2 e os
dados obtidos foram processados no SPSS e plotados gráficos e tabelas. Em seguida
foram realizadas entrevistas individuais com alunos de diferentes períodos, a fim de se
obter a triangulação dos resultados, a analise dessas entrevistas foi pela categorização
das falas dos alunos. Dentre as principais considerações apontamos a grande
importância das disciplinas pedagógicas do curso de licenciatura, o importante papel
da graduação na formação do caráter profissional do aluno, e afinidade que os
discentes possuem com a área, a licenciatura e/ou a biologia. Além disso, destacamos
o importante papel do processo de expansão orgânica das universidades, que entre os
principais fatores gerados estão a proximidade do campus á residência dos alunos
entrevistados e a ampliação do acesso ao ensino superior público em Itabaiana.

Palavras-chave: Formação de Professores, Ensino de Ciências, Licenciatura.

1
Contato do(a) autor(a): alynedsr@gmail.com. Graduanda. Universidade Federal de
Sergipe.
2
Contato do(a) autor(a): julianagimenesn1@yahoo.com.br. Graduanda. Universidade
Federal de Sergipe.
3
Contato do(a) autor(a): Professor Mestre (IFS ) Campus Nossa Senhora da Glória
weverton.santos@ifs.edu.br.
4
Contato do(a) autor(a): Professor Doutor (UFS) apagan.ufs@gmail.com.
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ISSN: 2177-4072

INTRODUÇÃO

Para Brando e Caldeira (2009) o professor constrói seus valores,


crenças, atitudes e hábitos, agindo assim em razão de um tipo de opção
pessoal que o distingue de outros: sua identidade. Essa identidade vai de
algum modo interferir direta e indiretamente no seu trabalho em sala de aula.

Quadros et al (2010) explica que os candidatos de curso de graduação


têm concepções formadas sobre a profissão, mas irão durante o curso
confrontar-se com outras formas de pensar. Essas representações que os
alunos de graduação trazem sobre a própria profissão podem tanto se manter
como serem modificadas nesse espaço/tempo de formação.

Segundo Tardif (2010), antes mesmo de ensinarem, os futuros


professores passam uma grande parte do tempo no futuro local de trabalho e,
com isso, constroem crenças, saberes e representações sobre o oficio de
professor, com base em sua história escolar anterior à formação inicial. Essas
crenças historicamente construídas na experiência escolar são tão fortes que
os estudantes passam da formação inicial para a prática docente sem abalá-las
ou transformá-las. Acreditamos que embora essa afirmação não se aplique a
todos os licenciandos, de qualquer modo implica em um desafio para a
formação docente, o de criar condições de formação que sejam
significantemente transformadoras.

Brando e Caldeira (2009, p. 156), afirmam que:

“Os cursos de licenciatura em Ciências Naturais estão estruturados


com possibilidades de formação concomitante com a pesquisa em
áreas especificas de atuação do biólogo, físico e químico, proporciona
muitas vezes ao aluno identificar-se mais como pesquisador nessas
áreas do que como professor [...]”.

As ideias e pensamentos que os graduandos trazem do ensino médio


interferem muito no profissional que ele irá se tornar. Frequentemente
identificamos docentes insatisfeitos com sua profissão, salario, condições de
trabalho e desvalorização perante a sociedade.

É pensando nesses fatos cotidianos que, resolvemos ir a campo e


identificar como os licenciandos desta pesquisa representam a sua futura
profissão ou o ser professor. Sendo assim, tem-se por objetivo nesta pesquisa
buscar o conteúdo das representações sociais dos graduandos de Ciências
Biológicas do campus prof. Alberto Carvalho sobre as abordagens
pedagógicas na constituição do ser professor. Este trabalho foi desenvolvido
em conjunto com a dissertação de mestrado defendida por Jesus (2012) no
Programa de Pós-Graduação Ensino de Ciências e Matemática
(NPGECIMA).
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1 Metodologia

Este trabalho foi organizado em duas fases. Na primeira delas foram


construídos, aplicados e analisados um conjunto de questionários cujos
resultados foram triangulados com uma segunda etapa com a aplicação e
análise de entrevistas individuais.

Os questionários

Foi elaborado um questionário contendo perguntas organizadas em um


Escala de Likert que visa compreender níveis de atitudes e preferências dos
sujeitos. Isso é possível, pois ela foi formulada com perguntas relativas às
atitudes dos sujeitos, os quais foram solicitados a indicar o seu grau de
concordância (atitude positiva) ou discordância (atitude negativa) em cada
afirmação estabelecida na escala, refletindo assim o comportamento do
sujeito (HILL; HILL, 2000). Além disso, foram construídas algumas questões
de caráter censitário.

As afirmações da Escala de Likert referentes às abordagens de ensino


estão embasadas nas categorias sobre tipos de abordagens pedagógicas
apresentadas no livro “Ensino:as abordagens do processo” de Mizukami
(1986).

Foram aplicados 169 questionários a todos os alunos de Ciências


Biológicas matriculados no curso de licenciatura do campus prof. Alberto
Carvalho, que estiveram presentes às aulas nos períodos de coleta em fins de
2012.

Os dados foram processados no software Package for Social Sciences


(SPSS), versão 18.0, e plotados em gráficos e tabelas. O SPSS é um pacote
de programas estatísticos muito utilizado nas pesquisas em ciências sociais,
por oferecer agilidade no cálculo estatístico dos dados.

Entrevistas

Buscando complementar e justificar os dados obtidos a partir dos


questionários aplicados em 2011.1 e 2011.2, foi utilizada como instrumento
de coleta de dados, a entrevista. De acordo com Pádua (2007), esta se
diferencia em:

 Entrevista estruturada: Quando o entrevistador usa um


conjunto de questões referentes a um determinado tema, partindo de
um roteiro elaborado previamente.

 Entrevista semiestruturada: Como na estruturada, o


pesquisador utiliza um conjunto de questões, mas permite que o
entrevistado tenha liberdade sobre o assunto.
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 Entrevista livre-narrativa: O entrevistado pode falar de


forma livre sobre o tema.

 Entrevista orientada: O pesquisador focaliza sua atenção


sobre uma experiência dada e os seus efeitos, sabendo com
antecipação os tópicos ou informações que deseja obter com a
entrevista.

 Entrevista de grupo: Um grupo de entrevistados responde


de forma informal e simultaneamente as questões e em seguida o
pesquisador organiza em uma avaliação global.

 Entrevista informal: É utilizada com maior frequência em


estudos exploratórios, podendo fornecer pistas para o
encaminhamento da pesquisa.

Pádua (2007) afirma ainda que, a entrevista apresenta pontos favoráveis,


como por exemplo: os seus dados podem ser analisados qualitativamente e
quantitativamente, ela pode ser usada em qualquer segmento da população,
além de obter dados do comportamento humano. No entanto, apresenta
também pontos desfavoráveis, como por exemplo, os entrevistados podem
não dar informações de forma precisa ou o entrevistador poder interpretar os
dados obtidos de maneira errônea. Sendo assim, este instrumento foi
escolhido principalmente por dar liberdade ao entrevistado para expor suas
ideias, dando ao entrevistador uma melhor interpretação de suas opiniões e
conceitos pessoais, referentes ao tema abordado.

Neste trabalho, foi utilizada a técnica de entrevistas semiestruturadas,


com questões abertas, de modo que o entrevistado tivesse liberdade para falar
sobre temas de interesse do pesquisador, que se norteou por um roteiro de
questões.

Tendo em vista uma maior abrangência de alunos, foram escolhidos


quatro alunos. Estes foram divididos de forma a ficarem dois alunos que não
tiveram estágio, do primeiro ao quarto período, e dois alunos que já fizeram
estágio, do quinto ao oitavo período. A pesquisa foi realizada no mês de
Maio. Em seguida, as entrevistas foram transcritas e analisadas.

Após a analise do perfil censitário dos graduandos observamos que este


é feminino e jovem.

Segundo Bardin, 2009 a analise de dados de entrevistas começa a partir


de uma “leitura flutuante” dos trechos transcritos, onde podem surgir
intuições a que convém formular em hipóteses. Para classifica-las é possível
dividir as respostas em segundo o critério do objeto de referência citado e
inferir a partir dos resultados certos conhecimentos a proposito da imagem
sócio afetiva do professor nos alunos, futuros professores também. Sendo
assim dividimos os trechos das entrevistas em categorias para facilitar sua
análise.
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2 Resultados e discussão

Os dados numéricos

Foram aplicados 169 questionários, sendo que o número total de


matriculados no período da pesquisa era de 220 alunos, atingindo-se assim
um percentual de 76,8% de licenciandos consultados. A coleta ocorreu nos
períodos 2011/1 e 2011/2.

O curso de Ciências Biológicas analisado está organizado em oito


semestres, no entanto, há alunos com defasagem, seja por trancamento ou por
reprovação (1,2%).O ingresso dos estudantes no curso ocorre anualmente, no
inicio do segundo semestre. Assim, a maioria dos alunos que estavam no
segundo, quarto, sexto e oitavo semestres na primeira coleta, também estava
no terceiro, quinto e sétimos semestres durante a segunda e não responderam.
Dessa forma, a segunda coleta visou os alunos ingressantes e aqueles que
ainda não haviam respondido aos questionários, por isso as oscilações
observadas na figura 1.

Semestres cursados na UFS


25,0%
Segundo 13,7%
1,8%
Quarto 20,8%
1,2%
Sexto 20,2%
1,2%
Oitavo 14,3%
1,2%
Não quero responder 0,6%
0% 5% 10% 15% 20% 25%

Figura 1: distribuição dos graduandos com relação aos semestres nos


quais se encontravam matriculados durante a aplicação dos
questionários.

De qualquer modo essa amostra não interfere nos resultados analisados,


posto que, as análises se preocupem com o gradiente de oscilação durante o
curso e não especificamente em cada semestre cursado.

Na figura 2 é possível observar que os alunos apresentam uma faixa


etária relativamente jovem. Eles têm de 17 a mais de 29 anos, sendo que a
maior parte está na faixa dos 20 aos 22 (40,3%).
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Figura 2: distribuição etária dos discentes.

Faixa Etária dos alunos amostrados

20-22 40.3%

23-28 29,8%

17-19 24,4%

29 ou mais 5,4%

0% 20% 40% 60%

3 Análise do corpus de entrevistas

Os resultados foram organizados em categorias que explicitam o objeto


de estudo desta pesquisa. Por meio da analise das categorias iremos reafirmar
e contrastar os dados obtidos nos questionários e nas correlações e também os
resultados obtidos pelo grupo focal desenvolvido por Jesus (2012).

Os dados obtidos nas entrevistas foram organizados em categorias:


2.1Influencias para a escolha da docência e 2.2 Formação docente. A
primeira categoria nos apresenta as influências sofridas pelos discentes na
escolha do curso de licenciatura. Esta se apresenta em 2 subcategorias: 2.1.1
Afinidade com a área e 2.1.2 Ampliação do acesso à Universidade. A
segunda categoria aborda as mudanças geradas pelas disciplinas do curso de
licenciatura nos alunos do curso. Está composta também por 2 subcategorias:
2.2.1 Transformações e 2.2.2 Experiências.

Influências para a escolha da docência

Nesta categoria vemos os principais motivos que levaram os discentes a


escolher o curso de licenciatura em Ciências Biológicas. Eles apontam
afinidade com área, licenciatura e/ou biologia, e a ampliação do acesso ao
ensino superior público em Itabaiana como as causas fundamentais à escolha
do curso, principalmente a proximidade do campus à residência dos alunos
entrevistados.

Quadro 1:

Distribuição das frequências na categoria Influencias para a escolha da


docência.
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Subcategorias Anos Anos


Categoria Unidades de contexto (exemplos)
temáticas iniciais finais

[...] bom na verdade eu fiz este


curso porque eu sempre gostei de
Afinidade
biologia [...] (4).
com a 03 05
área (08)
Influências [...] E sempre gostei da profissão
para a [...] (4).
escolha da
docência [...] eu disse vou fazer um curso que
(13) Ampliação
seja na minha cidade né... então eu
do acesso
decidi fazer biologia [...] (6).
à 02 03
universidade
[...] Localização da universidade
(05)
[...] (4).

Afinidade com a área

Esta subcategoria agrupa as falas dos discentes onde eles revelam que
escolheram a licenciatura por terem uma afinidade com a área, biologia e
ensino de biologia.

[...] bom na verdade eu fiz este curso porque eu sempre gostei de


biologia [...] (4).

[...] E sempre gostei da profissão [...] (4).

Alguns deles adquiriram essa afinidade por influencia de professores da


educação básica.

[...] Uma professora da área de biologia Principalmente [...] (8).

[...] Alguns professores né [...] (6).

[...] Pela forma pelo amor que ela tinha em ensinar... eu queria ser
uma professora tão boa quanto ela [...] (8).

A nossa vida escolar é formada por diversos professores. Alguns


acabam sendo mais presentes e participativos na nossa trajetória estudantil do
que outros, principalmente por terem atitudes que nos causam admiração. A
escolha da licenciatura é muitas vezes incentivadas por esses profissionais
(JESUS, 2012).

Nos resultados do grupo focal de Jesus (2012), os alunos investigados


também relataram a influencia de antigos professores, denominados como de
memória, nas próprias decisões para a escolha dos seus cursos de
licenciatura.. De acordo com o pesquisador, esses professores servem como
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espelhos, pela forma como trabalham e exploram os conteúdos, pois facilitam


a construção do conhecimento pelo aluno, por meio de sua explicação, e
consequentemente acabe se identificando com aquela disciplina que será
determinante na escolha da área do curso. Assim sendo, a prática pedagógica
adotada pelos professores de memória está entre os principais atributos
destacados pelos estudantes quando se referem à influência exercida por eles

Os entrevistados igualmente ligam a escolha da licenciatura com a


afinidade com a área gerada pelos bons exemplos de alguns professores.

Ampliação do acesso à universidade

Esta subcategoria foi construída para representar o aumento na oferta de


vagas no ensino superior púbico em Sergipe com a criação do campus
Professor Alberto Carvalho. Nos questionários identificamos que mais de
80% mora em cidades circunvizinhas ao campus e mais da metade dos alunos
do curso de Ciências Biológicas reside em Itabaiana.

Jesus (2012) relata que “até 2004, em matéria de ensino superior


público, o estado de Sergipe contava apenas com o Campus Universitário de
São Cristóvão, da Universidade Federal de Sergipe”. Em 2005, iniciou-se
processo de expansão orgânica da UFS com a construção de novos campi no
interior do estado, aumentado assim à oferta de vagas e cursos, e o acesso ao
ensino superior (UFS, 2004).

Apesar de apresentarem outras influencias todos afirmaram ser ponto


forte a localização do campus em sua cidade.

[...] Por ser perto da minha residência... e pelos cursos que tem aqui...
Decidi fazer biologia [...] (4).

[...] ai eu disse vou fazer biologia porque pelo menos é aqui [...] (6).

Cursos de formação docente

As falas contidas nesta categoria influem a importância das disciplinas


de formação docente para os alunos entrevistados. Os discentes revelam as
mudanças geradas por estas disciplinas, a importância dos estágios de
observação, regência do curso e as expectativas em realiza-los pelos que
ainda não o fizeram.

Quadro 2:

Distribuição das frequências na categoria curso de formação docente.

Subcategorias Anos Anos


Categoria Unidades de contexto (exemplos)
temáticas iniciais finais
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[...] Mas quando você entra aqui


você começa a conviver... Você
começa a ter aquelas disciplinas de
Transformações
04 12 educação que vão começando a
(16)
falar pra você a realidade da
educação ai sim você vai se
apegando a área [...] (6).
Curso de
formação [...] Talvez depois que eu tenha
docente alguma experiência talvez eu tenha
(23) uma visão diferente [...] (4).

Experiências [...] E ai quando você vai... como


04 03
(07) eu fiz estagio agora... você entra no
estagio você começa a ter contato
com os alunos com a sala de aula...
ai você começa a se posicionar [...]
(6).

Transformações

Nesta subcategoria, as falas dos alunos indicam uma influências do


grupo de disciplinas didático-pedagógicas na mudança de pensamentos e nas
transformações das concepções sobre a futura profissão.

[...] alguns as vezes que entraram com uma visão é... apenas pra
ser...fazer graduação apenas fazer um curso superior não querendo
lecionar... e no decorrer do curso com o contato com as disciplinas da
área de educação começaram a gostar a se interessar pela área e querer
ser professor [...] (8).

[...] mas quando você vai pro outro lado você começa a entender o
lado do professor eu acho que você vai se encantado com a área [...]
(6).

As disciplinas pedagógicas dos cursos de licenciatura, geralmente,


possibilitam ao futuro professor contato com um corpo organizado de ideias
que procura subsidiar e justificar a prática educativa (MIZUKAMI, 1986).

[...] quando eu entrei no curso comecei a conhecer as disciplinas


conhecer a área entender o outro lado do professor sabe mudar a visão
[...] (6).
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[...] você começa a pensar... quando eu estudava não era assim... meu
professor não era assim comigo... então a partir disso eu acho que
você começa a se posicionar... que (tipo) professor eu quero ser? [...]
(8).

Experiências

Esta subcategoria engloba as falas dos entrevistados que remetem a


importância das disciplinas de estagio, das praticas em sala de aula, da
diferença entre falar e fazer. Podemos observar nessas falas a expectativa que
os discentes, que não tiveram o contato direto com a sala de aula, têm em
fazer os estágios. Eles acreditam que quando puderem ter este contato direto
com os alunos, com a escola, com a sala de aula, mudarão suas ideias iniciais
sobre a docência.

[...] Eu ainda não me vejo como professora ...talvez porque eu ainda


não tenha nenhum tipo de experiência [...] (4).

[...] Talvez depois que eu faça todas essas experiências talvez eu tenha
uma visão diferente [...] (4).

Diferentemente do exercício de outros profissionais, o de professores no


Brasil, desde suas origens, requer o cumprimento apenas do estagio
curricular, não exige o estágio profissional. Por estagio curricular entendem-
se as atividades que os alunos deverão realizar durante o seu curso de
formação, junto ao campo futuro de trabalho. Por isso costuma-se denomina-
lo a parte mais pratica do curso, em contraposição ás demais disciplinas
consideradas como a “parte mais teórica” (PIMENTA, 2010).

Morés (2005) destaca a importância da universidade prestigiar um


trabalho de articulação entre as concepções teóricas com as vivências
práticas, onde os diferentes saberes são vividos, na elaboração das atividades
de ensino e aprendizagem, na construção, criação, reflexão e avaliação das
atividades docentes, até mesmo na superação do medo, da insegurança e das
incertezas vividas, por muitas vezes, por se constituir o primeiro contato
como professor no ambiente escolar.

[...] agente só sabe realmente quando chega na prática... Porque quer


queira quer não um seminário que você aplica uma aula que você dá
não vai mostrar realmente a vivencia que é uma sala de aula [...] (6).

[...] E ai quando você vai... como eu fiz estágio agora... você entra no
estagio você começa a ter contato com os alunos com a sala de aula...
ai você começa a se posicionar [...] (6).
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CONCLUSÃO
É notória a importância da expansão orgânica da universidade pra estes
discentes. Tanto nos questionários quanto nas entrevistas notamos a forte
influencia da localização do campus na cidade de Itabaiana. A afinidade com
a área também se mostrou de grande valia na hora de escolher a futura
profissão. A afinidade com a disciplina e com a docência muitas vezes foi
plantada pelo desempenho e forte presença dos exemplos bons da educação
básica dos alunos pesquisados.

Podemos ver também que o processo de formação do caráter


profissional do professor é repleto de desafios e instabilidade. Muitas vezes o
aluno que entra no curso de licenciatura não se identifica com a área e ainda
se mostra desmotivado por considerar algumas representações sobre um
desvalor social e financeiro sobre sua profissão. Por outro lado muitos ao se
depararem com as disciplinas didático-pedagógicas do curso apegando-se
apropriam de novos olhares e visa à reconstrução da identidade e da realidade
profissional.

As concepções dos alunos entrevistados, no primeiro momento,


pareciam negativas quanto à profissão docente. Porem através da analise das
entrevistas observamos outra face da questão profissional por eles apontada.
Muitos deles até certo momento do curso não almejam seguir careira na
docência. Após o contato com a escola, sala de aula e os alunos estes acabam
se aproximando afetivamente da área.

Podemos perceber o importante papel da graduação na formação do


caráter profissional do aluno e que o caráter profissional dos graduandos se
molda ao decorrer do curso. Sendo assim podemos concluir que no curso de
formação de professores as disciplinas pedagógicas são essenciais na
formação do caráter profissional. Os estágios, principalmente, tem a missão
de desenvolver no discente o gosto pelo exercício da futura profissão.

REFERÊNCIAS

BARDIN, L. Análise de conteúdo. 4. ed. Tradução Luís Antero Reto e


Augusto Pinheiro. Lisboa: Edições 70, 2009.
BRANDO, F. R.; CALDEIRA, A. M. A. Investigação sobre a identidade
profissional em alunos de Licenciatura em Ciências Biológicas. Ciência e
Educação, Bauru, v. 15, n. 1, p. 155-173, 2009. Disponível em:
<http://www2.fc.unesp.br/cienciaeeducacao/>. Acesso em: 23 set.2010.
Grupo de Estudos e Pesquisa
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HILL, M. M.; HILL, A. Investigação por questionário. Lisboa: Sílabo,


2000.
JESUS, W.S.; PAGAN, A.A; SUSSUCHI, E.M; SER PROFESSOR: UM
BREVE PANORAMA DE PESQUISAS BRASILEIRAS. In: V Colóquio
Internacional “Educação e Contemporaneidade”, em setembro de 2011.
JESUS, W. S. Ser Professor: Representações Sociais de graduandos de
Química, Física e Ciências Biológicas no campus Prof. Alberto Carvalho.
São Cristóvão- SE, 2012. 175f. Dissertação (Mestrado em Ensino de Ciências
Naturais e Matemática) – Programa de Pós-Graduação em Ensino de
Ciências Naturais e Matemática, Pró-Reitoria de Pós-Graduação e Pesquisa,
Universidade Federal de Sergipe, 2012.
MIZUKAMI, M. da G. N. Ensino: As Abordagens do Processo/ Maria da
Graça Nicoletti Mizukami- São Paulo: EPU, 1986. (Temas Básicos de
Educação e Ensino).
MORÉS, A; CARVALHO, C. R.R. de ; ZANELA, C. M. Formação de
professores: articulações construídas entre os saberes acadêmicos e as
práxis pedagógicas. In: IV Encontro Ibero-Americano de coletivos escolares
e redes de professores que fazem investigação na sua escola. Lajeado RS,
2005.
PÁDUA, E. M. de M.; Metodologia da pesquisa:Abordagem Teórico-
Prática. 13. Ed. São Paulo: Papirus, 2007. (Magistério: formação e trabalho
pedagógico).
PIMENTA, S. G;O estagio na formação de professores: unidade teórica e
prática? 9. Ed. São Paulo: Cortez 2010.
QUADROS, A. L. de. ; SILVA, D.C. da.; ANDRADE, F. P. de. ; SILVA, G.
F. ALEME, H. G.; OLIVEIRA, S. R. As práticas educativas e seus
personagens na visão de estudantes recém-ingressados nos cursos de
química e biologia. Ciência e Educação, v. 16, n. 2, p.293-308, 2010.
Disponível em: <http://www2.fc.unesp.br/cienciaeeducacao/>. Acesso em:
22 de setembro de 2010.
TARDIF, M. Saberes Docentes e Formação Profissional. 10. ed.
Petrópolis: Vozes, 2010.
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Formação Docente e PIBID:


caminhos mediadores nas práticas pedagógicas

1
Andreia Silva de Assis
2
Liz Daiana Tito Azeredo
3
Eliana Crispim França
4
Rhaísa Sampaio Bretas

RESUMO

O presente artigo tem como objetivo discutir a formação dos alunos do curso de
pedagogia da Universidade Estadual do Norte Fluminense Darcy Ribeiro (UENF), no
âmbito da atuação desses futuros profissionais a partir das contribuições e dos
resultados obtidos pelo Programa Institucional de Bolsas de Iniciação à Docência
(PIBID), com as lacunas que o projeto tem preenchido tanto para a formação
acadêmica, como também na formação de leitores nas séries iniciais nos contextos de
duas escolas municipais da rede pública de ensino de Campos dos Goytacazes/RJ,
uma vez que o objetivo do subprojeto do PIBID/Pedagogia, intitulado “Políticas de
língua e de Leitura: Formando Leitores na Escola”. Propõe-se, neste artigo, um
modelo de pesquisa que esteja assentado a partir da reflexão sobre a formação docente
visando a relação entre a teoria e prática, a fim de enfatizar a importância da
experiência da atuação profissional, oportunizado pelo PIBID. Através deste trabalho
pretende-se apontar como a experiência do PIBID auxilia na complementação dos
estágios onde esses futuros profissionais são supervisionados e orientados em sua
formação profissional, permitindo que eles se diferenciem de um professor, muitas
vezes mais experiente, ao estar a todo momento refletindo sobre sua própria prática
docente, bem como das práticas de outros profissionais a sua volta.

Palavras-chave: Educação; Formação de Professores e Políticas Educacionais.

1
Contato do(a) autor(a):andreiad.silva@hotmail.com. Pós graduada em estudos
linguísticos e literários
2
Contato do(a) autor(a):lizdaiana@ig.com.br. Aluna do Programa de Pós-graduação
em Cognição e Linguagem/UENF
3
Contato do(a) autor(a): elianafff@gmail.com . Doutora em Linguística; Professora
do Laboratório de Estudos de Educação e Linguagem, do Programa de Pós-
graduação em Cognição e Linguagem e Coordenadora do PIBID/Pedagogia/UENF.
4
Contato do(a) autor(a): rhaisabretas@hotmail.com. Aluna do curso de
Pedagogia/UENF
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INTRODUÇÃO

A formação dos professores é um tema que tem ocupado um lugar


central no debate acadêmico, ao mesmo tempo que se faz cada vez mais
presente em programas de governo e nos meios de comunicação. Esse
destaque se dá principalmente a partir da década de 1990, marcada por várias
reformas, em especial, quando o MEC publica documentos para a educação
básica e para a formação de professores, voltados para a política nacional
(BRASIL/ MEC/ SEF/ COEDI, 1994a).

Mesmo após tantas reformas no cenário educacional, a formação de


docentes para atuar no nível da educação básica ainda é um grande desafio
para as universidades públicas do país. Isso porque ainda há carência de
formação que estreite a relação entre teoria e prática, e que possibilite uma
formação técnica-científica-cultural capaz de propiciar o conhecimento dos
fundamentos científicos e sociais das competências do trabalho. Tais desafios
constituem-se no artigo 61 da lei 9394/96, a Lei de Diretrizes e Bases da
Educação Nacional, fundamentos da formação dos profissionais da educação.

A proposta deste trabalho é contribuir para o estudo da caracterização


de formação de professores, as políticas educacionais que os norteiam e,
sobretudo, da formação dos docentes que atuarão na Educação Infantil,
primeiro nível da Educação Básica.

O artigo 29 da lei 9394/96 caracteriza a Educação Infantil como


primeira etapa da educação básica, tendo como finalidade para atuação
profissional, o desenvolvimento integral da criança de zero a seis anos de
idade, visando o desempenho dos aspectos físicos, psicológicos, intelectual e
social das crianças, além de complementar a ação da família e da comunidade
em sua formação como indivíduo. No artigo 30, da mesma lei, este nível de
ensino se divide em duas fases: a creche que atenderá crianças com até três
anos de idade e pré-escolas para crianças de quatro a seis anos de idade. No
que diz respeito à formação dos professores que atuarão na Educação Infantil,
o artigo 62 esclarece o nível de formação acadêmica mínima exigida, a saber:

A formação de docentes para atuar na educação básica far-se-á em


nível superior, em cursos de licenciatura, de graduação plena, em
universidades e institutos superiores de educação admitida, como
formação mínima para o exercício do magistério na educação infantil
e nas quatro primeiras séries do ensino fundamental, a oferecida em
nível médio, na modalidade normal (Artigo 62, lei 9394/96).

Sonia Kramer (2008) analisa a formação dos professores da educação


infantil no contexto das políticas educacionais do Brasil, situando tal nível de
ensino no cenário político nacional. A autora também aponta os desafios
enfrentados nesse campo. Faz-se importante a compreensão da relação que
Kramer (2008) realiza entre a importância das mudanças curriculares do
curso de pedagogia e a articulação no que se refere às crianças e ao trabalho
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pedagógico nas creches e pré-escolas. Verificamos tal relação de acordo com


a proposta de Kramer (2008).

a LDB de 1996 afirma que a educação infantil é a primeira etapa da


educação básica e assegura o direito de todos à educação. Coloca-se,
assim, a necessidade de ações educativas de qualidade, o que demanda
a formação dos profissionais da educação infantil, questão básica na
educação da criança de 0 a 6 anos (Kramer 2008, p. 19).

Contudo, mesmo as instituições de ensino mais tradicionais e


renomadas não têm como preparar o profissional para a diversidade de
realidades e situações que ele terá de enfrentar em seu cotidiano. A formação
acadêmica ou de formação técnica específica prevê e prepara o profissional
de educação para ser um educador, mas o profissional se constituirá como tal
a partir de suas próprias experiências. É durante a prática cotidiana que esses
profissionais complementam, atualizam e aprimoram seus conhecimentos e
aprendem a lidar com as provações das situações que ocorrem diariamente no
ambiente escolar, mas que não são simuladas na academia. De acordo com a
perspectiva da epistemologia contemporânea, a prática docente não se
constitui apenas na aplicação da teoria aprendida na formação inicial, mas
principalmente na prática cotidiana. Diante desse pressuposto, temos a
contribuição de Tardif (2002), quando este afirma que:

O professor ideal é alguém que deve conhecer sua matéria, sua


disciplina e seu programa, além de possuir certos conhecimentos
relativos às ciências da educação e à pedagogia, e desenvolver um
saber prático baseado em sua experiência cotidiana com os alunos
(TARDIF, 2002, p. 39).

Segundo o MEC (1999, p.5), uma nova prática de Educação Infantil


implica em proporcionar oportunidades aos futuros docentes o acesso a
competências, habilidades e conhecimentos específicos, cuja aquisição deve
ser o objetivo central da formação inicial e continuada dos mesmos. Nesse
sentido o MEC considera necessária a articulação entre teoria e prática ao
propor ações de formação inicial para profissionais sem habilitação mínima
para exercício na educação infantil.

Em relação à formação inicial de profissionais da educação infantil o


MEC considera necessário acolher as demandas do tempo presente.
Demandas que visem à construção de um novo entendimento sobre
aprendizagem, currículo e estratégias de avaliação, bem como as que
colocam em pauta o papel social da escola no sentido de absorver interesses e
necessidades da sociedade.

Enfim, ao tratar a formação docente dos profissionais da Educação


Infantil, o MEC pretende enfrentar as urgências próprias da sociedade atual,
com seu entorno tecnológico, consolidando compromissos com a
socialização do saber e com a inclusão social. A educação pode e deve
contribuir, efetivamente, para o desenvolvimento social e econômico do país,
uma vez que se constitui como um processo capaz de possibilitar às crianças
e jovens brasileiros o desenvolvimento de novas formas de compreender e de
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representar a realidade, bem como o desenvolvimento de novas relações com


o mundo físico e social em que estão inseridas.

A educação é uma tarefa e um encargo coletivo nos dias atuais. “É


imperioso que o profissional da educação contribua decisiva e decididamente
para melhor fluir os projetos propostos para a resolução de problemas e
enfrentamentos de desafios na escola” (CUNHA, 2006, p.271). Por isso deve-
se ressaltar a importância do PIBID, pois este programa proporciona o
desenvolvimento da relação entre teoria e prática na formação de professores
da Educação Infantil, e tem como objetivo principal valorizar e incentivar o
magistério, permitindo que aos discentes dos cursos de licenciatura a
participação em práticas docentes, inserindo-os na realidade escolar desde o
início do curso.

1 A inserção do PIBID no curso de Pedagogia da UENF


O PIBID é um programa de inserção dos alunos de licenciaturas a
iniciação à docência. Os alunos participantes do PIBID-Pedagogia da UENF
iniciam sua experiência profissional ainda durante sua formação acadêmica,
sob orientação dos docentes da instituição de origem e em parceria com
professores de rede pública de ensino.

Sem que se confunda com o Estágio Supervisionado, também de suma


relevância, onde possui função principal a de promover sua integração ao
mundo do trabalho e sua futura profissão, contribui para o enriquecimento da
formação acadêmica, cultural e profissional dos alunos. Com o aspecto legal,
o estágio supervisionado representa a complementação curricular obrigatória,
ou seja, no mínimo 400 horas efetivamente trabalhadas para que o aluno faça
jus ao diploma.

Estágio Supervisionado é uma disciplina teórico-prático do processo de


ensino aprendizagem e constitui-se como componente curricular obrigatório
para todos os alunos do curso de licenciatura plena em Pedagogia. O Parecer
CNE/CP/21/2001, definiu estágio como sendo: “o tempo de aprendizagem
que, através de um período de permanência, alguém se demora em algum
lugar ou ofício para aprender a prática do mesmo e depois poder exercer
uma profissão ou ofício”.

Não diferente do estágio, PIBID propicia ao licenciando atuação junto


aos alunos da rede pública com bolsa de duração de um ano, podendo ser
renovável, sob a dupla supervisão do coordenador do subprojeto e do
supervisor da escola, traçando estratégias conjuntas de ação para o
desenvolvimento dos conteúdos. Dessa forma, o Parecer/CNE/CP/09/2001
sugere que a prática, como componente curricular, apresente uma dimensão
investigativa que permita a (re)criação do conhecimento.

O programa é financiado pela Coordenação de Aperfeiçoamento de


Pessoal de Nível Superior – CAPES. O projeto está oficialmente incluído no
orçamento da CAPES e sua criação definitiva como política de Estado está
consolidada no Decreto Presidencial Nº 7.219 de 24 de junho de 2010.
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Portanto, o projeto de intervenção pedagógica pode ser uma estratégia


de trabalho conforme o que está preconizado na LDB, nos Parâmetros
Curriculares e nos estudos pedagógicos contemporâneos. Segundo Lewin
(1975, p. 98), a dinâmica de grupo é o estudo das forças que agem no seio
dos grupos, suas origens, consequências e condições modificadoras do
comportamento do grupo. Sua importância para organização é a de que,
considerando os grupos responsáveis em atingir os objetivos institucionais
educativos, a variação no comportamento do grupo é de conhecimento vital
para o gestor pedagógico.

O principal foco do PIBID é a implantação de metodologias inovadoras


de ensino na rede pública, permitindo uma interação efetiva entre Escola e
Universidade, valorizando a carreira docente, permitindo e facilitando o
contato dos estudantes de graduação com seu futuro campo profissional. O
PIBID não deve ser confundido com estágio supervisionado, uma vez que o
estudante de graduação atua junto aos alunos da rede pública sob a dupla
supervisão do coordenador do subprojeto e do supervisor da escola, que
juntos traçam estratégias de ação para o desenvolvimento dos projetos nas
escolas.

São objetivos do PIBID: incentivar a formação de professores para a


educação básica, especialmente para o ensino médio; valorizar o magistério,
incentivando os estudantes que optam pela carreira docente; promover a
melhoria da qualidade da educação básica; estimular a integração da
educação superior com a educação básica no ensino fundamental e médio, de
modo a estabelecer projetos de cooperação que elevem a qualidade do ensino
nas escolas da rede pública; e, ainda, fomentar experiências metodológicas e
práticas docentes de caráter inovador, que utilizem recursos de tecnologia da
informação e da comunicação, e que se orientem para a superação de
problemas identificados no processo ensino-aprendizagem.

Os objetivos do PIBID/Pedagogia nas escolas contempladas com o


programa desenvolve o subprojeto, intitulado “Políticas de língua e de
Leitura: Formando Leitores na Escola”, com alunos da Educação Infantil até
o 5º ano do Ensino Fundamental. Em linhas gerais busca-se desenvolver e
facilitar a compreensão da linguagem científica; aplicar métodos de incentivo
à leitura e a escrita; estimular interpretações de textos; incentivar à autonomia
e a criatividade dos alunos.

Como nos mostra Freire (2002), as consequências deste enfoque para o


ensino dos licenciando são enormes. Convém salientar que:

Ensinar é assim a forma como toma o ato de conhecimento que o (a)


professor (a) necessariamente faz na busca de saber o que ensina para
provocar nos alunos seu ato de conhecimento também. Por isso,
ensinar é um ato criador, um ato crítico e não mecânico. A curiosidade
do (a) professor (a) e dos alunos, em ação, se encontra na base do
ensinar-aprender (FREIRE, 2002, p. 81).
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À luz desta perspectiva, pode-se afirmar que o PIBID está permitindo a


concretização da proposta do MEC de aplicar a teoria às práticas da sala de
aula, melhorando a formação dos profissionais da educação e também o
processo de ensino-aprendizagem em função do conhecimento adquiridos
pelos bolsistas/universitários participantes do programa.

2 Resultados Prévios
Sendo um trabalho em desenvolvimento, não se dispõe, ainda, de
resultados conclusivos, mas as avaliações parciais apontam alcance dos
objetivos propostos, especialmente no que diz respeito à aplicação dos
conhecimentos teóricos e práticos adquiridos na elaboração de situações
didáticas, que exploram não apenas as capacidades de atuação profissional,
mas também a articulação entre as diferentes abordagens de ensino-
aprendizagem. No decorrer da participação dos alunos no projeto, notou-se
que houve mudanças na conscientização referente à carreira docente e à
superação de dilemas como a participação dos bolsistas em sala de aula.

Notou-se, ainda, a valorização dos serviços prestados pelos bolsistas,


destacando seu envolvimento no processo pedagógico. O projeto também se
fez notar na comunidade, uma vez que foi tema de conversas em reuniões de
pais e professores, e na Secretaria de Educação, onde foi constatada a
evolução dos alunos bolsitas na participação efetiva no processo ensino-
aprendizagem.

Os bolsistas concretizam suas ações não somente em atuação em sala de


aula, como também em participação de eventos científicos. Em relação às
experiências adquiridas, podemos relatar que foi de grande contribuição para
a formação acadêmica, pois auxiliou na concretização da teoria por meio da
prática em sala de aula. Assim, os bolsistas, ao longo das ações, estão
adquirindo experiências para sua formação docente de maneira contínua,
conhecendo a realidade do ambiente escolar, não apenas em sala de aula, mas
de todo o processo de gestão educativa através do planejamento, estratégias
de ensino e operacionalização das atividades.

A pesquisa-ação possibilita que o educador intervenha dentro de


uma problemática, através de análises e tenha meios de propor novas opções
de metodologias com o objetivo de mobilizar os envolvidos, construindo,
assim, novos saberes.

O Projeto PIBID do curso de Pedagogia da UENF favorece a


atuação dos graduandos na rede pública de ensino de Campos dos
Goytacazes-RJ, exercitando a prática docente, desenvolvendo metodologias
inovadoras, permitindo uma interação efetiva entre Escola e Universidade. A
partir das informações coletadas, são produzidos relatórios que poderão
subsidiar e orientar novos horizontes para as políticas públicas, a fim de
erradicar possíveis problemas do cotidiano escolar.
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REFERÊNCIAS

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de dezembro de 1996. Estabelece as diretrizes e bases da educação nacional.
Diário Oficial da União. Brasília, DF, 23 dez. 1996.
BRASIL. Ministério da Educação e do Desporto. Secretaria de Educação
Fundamental. Referencial Curricular Nacional para a Educação Infantil.
Brasília: MEC/SEF, 1998.
BRASIL. Ministério da Educação e do Desporto. Secretaria de Educação
Fundamental. Programa de desenvolvimento profissional continuado.
Brasília, DF: MEC, 1999.
BRASIL. Parecer nº 9/2001, de 08 de maio de 2001. Diretrizes Curriculares
Nacionais para a Formação de Professores da Educação Básica, em nível
Superior, curso de licenciatura, de graduação Plena. Conselho Nacional de
Educação. Disponível em:
<http://portal.mec.gov.br/index.php?option=com_content&view=article&id=
12636&Itemid=86.
BRASIL. Parecer CNE/CP 21/2001, de 06 de agosto de 2001. Dispõe sobre a
duração e carga horária dos cursos de Formação de Professores da Educação
Básica, em nível superior, curso de licenciatura, de graduação plena.
Disponível em:
<http://portal.mec.gov.br/index.php?option=com_content&view=article&id=
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CUNHA, A. S. da; OLIVEIRA; A. C. de; ARAÚJO, L. A. (Orgs.). A
Supervisão no contexto escolar: Reflexões Pedagógicas. Manaus.
UNINORTE; 2006.
FREIRE, P. Pedagogia da esperança: um reencontro com a Pedagogia do
oprimido. 9. ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2002.
GOMES, M. Formação de professores na educação infantil. São Paulo:
Cortez, 2009.
GUSDORF, G. Professores para quê? Lisboa, Moraes, 1970.
KRAMER, S. Profissionais de educação infantil: gestão e formação. São
Paulo: Ática, 2008.
LEWIN, Kurt. Teoria Dinâmica da Personalidade, (tradução de Álvaro
Cabral). São Paulo: Cultrix, 1975.
MEC. Educação brasileira: políticas e resultados. p.43, 1999.
NÓVOA, A. (Org.). Os Professores e a sua Formação. 2. ed. Lisboa: Dom
Quixote, 1995.
PROGRAMA INSTITUCIONAL DE BOLSA DE INICIAÇÃO À
DOCÊNCIA – PIBID. SUBPROJETO: Políticas de língua e de leitura:
Formando Leitores na Escola. Universidade Estadual do Norte Fluminense,
2010.
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SILVA, I. O. Profissionais da educação infantil: formação e construção de


identidades. 2. ed. São Paulo: Cortez, 2003. (Coleção Questões da nossa
Época; v. 85).
TARDIF, M. Saberes docentes e formação profissional. Petrópolis: Vozes,
2002.
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Construção e Desconstrução:
o processo de alfabetização através da proposta
alfabetizar letrando

Nicaelle Viturino dos Santos1

RESUMO

A partir de observações, mediações e intervenções do processo de alfabetização


ocorrida no período de 2012, nas escolas de Ensino Fundamental I, do Município de
Ilhéus/Ba, foi realizada reflexões entre a Formadora Municipal e Formadores
Municipais/Formadores Regionais/Professores-alfabetizadores que resultou na
construção e na desconstrução da Proposta Didática Alfabetizar Letrando, do Pacto
dos Municípios, do Programa Todos pela Escola, da Secretaria de Educação do
Estado da Bahia. A pesquisa tem sua importância no sentido que visa atingir as metas
do IDEB para 2021, bem como, erradicar o analfabetismo no Estado da Bahia. A
metodologia adotada foi a etnopesquisa crítica e multireferencial porque ela
possibilita realizar análise e observação do objeto de pesquisa para construir no
interior de cada escola de Ilhéus múltiplas relações e ressignificações entre os sujeitos,
os textos e os contextos intra e extraescolar para a construção efetiva da alfabetização
na idade certa. Os resultados esperados são, a saber: articulação e colaboração entre os
professores-alfabetizadores e formadores; dialogar, refletir e (re)construir a Proposta
de acordo com cada contexto e realidade; alfabetizar todas as crianças até os oito anos
de idade.

Palavras-chave: Alfabetização, Pacto com os Municípios, Proposta Alfabetizar


Letrando, Município de Ilhéus, Desconstrução e Construção

1
Contato do(a) autor(a): marisa_medeiros@hotmail.com. Professora da Educação
Infantil e Séries Iniciais da Rede Municipal do Salvador. Professora de Língua
Portuguesa/Inglesa da Rede Estadual da Bahia. Formadora Estadual do Pólo de Ilhéus
(Pacto dos Municípios/SEC/BA). Bacharel e Licenciada em Letras/Inglês (UFBA).
Licenciada em Pedagogia (FTC). Especialista em Gestão Escolar (FTC). Especialista
em Tecnologias e Novas Educações (UFBA). Especialista em Educação Infantil
(UFBA/MEC/SEB). Atualmente está cursando a Especialização em Psicopedagogia
Institucional, Clínica e Hospitalar pelo Educa Mais Brasil/MEC/Padma Consultoria..
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TECENDO ALGUMAS CONSIDERAÇÕES INICIAIS

A inspiração e argumentação deste trabalho estão pautadas na


compreensão dos fatos e na interpretação da pesquisa dos diversos
documentos (plano de curso, plano de aula, anotações no diário de bordo,
caderno de atividades do aluno, documentos utilizados nas Formações
Estaduais e Municipais), ou seja, “etnotextos fixadores de experiências”
(MACEDO, 2004, p. 170) nas escolas que pertencem ao Pólo IX (Ilhéus) que
compreende a Direc 6 (Ilhéus), Direc 8 (Eunápolis), Direc 9 (Teixeira de
Freitas), a partir do ano de 2012. Essas escolas trabalham com a Proposta
Didática Alfabetizar Letrando i. A cidade de Ilhéus é um dos trezentos e vinte
nove municípios que aderiam ao Pacto com os Municípiosii, que é um
Programa de Todos Pela Escolaiii, da Rede Estadual da Bahia.

Segundo Macedo (2004), os “etnotextos fixadores de experiências”


revelam inspirações, sentidos, normas e conteúdos valorizados, o documento
é uma fonte quase indispensável na compreensão/explicação da instituição
educativa, vez que, cada uma é diferente, tendo suas especificidades e
singularidades em seu contexto macro, como no contexto micro
(comunidade, alunos, professores, pais) (MACEDO, 2004, p. 172).

Assim, pretendendo observar como acontece e se desenvolve o processo


de alfabetização, em suas nuances conceituais, políticas e pedagógicas no
contexto das escolas do Pólo IX que trabalham com a Proposta Didática
Alfabetizar Letrando. E o objeto desta pesquisa é a construção e a
desconstrução de redes dialógicas entre formador estadual/formador
regional/formador municipal e professor-alfabetizador. Pretendo como
pesquisadora, inspirada na fenomenologia, investigar as coisas, analisar o
contexto e interpretá-lo. Esta é a recomendação clássica de qualquer
etnopesquisador: ir ao campo ver para compreender de forma situada a
situação-problema da pesquisa. (MACEDO, 2004, p. 44).

De acordo com a “Etnopesquisa crítica e multireferencial”, Macedo


(2004) fala que a “região de inquérito” é o mundo vivenciado na pesquisa
pelo pesquisador, no caso deste trabalho são as escolas que atendem os
primeiros anos das séries inicias do Pólo IX. A variação imaginativa está
nesta baila, no que diz respeito, na análise e nas indagações sobre o que o
objeto/sujeito da pesquisa pensa, sente, julga e constrói seus processos de
ensino-aprendizagem da alfabetização.

O contexto que essas escolas estão inseridas possui um caráter ethos


multicultural, ou seja, novos olhares nos processos socioculturais, na
construção de referências de identidades, nos diversos modos de ser e agir
que seus grupos constroem no interior da escola e suas múltiplas relações e
ressignificações que os sujeitos estabelecem no seu contato com o mundo
(MACEDO, 2004, p.85). Por isso, é essencial o processo dialógico horizontal
e democrático para a construção efetiva da alfabetização na idade certa.
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Desta forma, a etnopesquisa crítica e multireferencial é um precioso


caminho formativo que vai possibilitar a análise e a observação do contexto e
do objeto de pesquisa crítica. Como dispositivo de investigação será utilizado
pesquisa colaborativa e observação participante. Outros dispositivos, também
importantes, serão utilizados durante a pesquisa: a escuta sensível, forma
humanizante de ouvir, de ser, de sentir, de tocar, de compreender; grupo focal
e o questionário aberto, de acordo com as necessidades de cada instituição
que foi realizada a pesquisa.

1 Algumas considerações legais

A partir da Lei Federal n. 11.274, de 06 de fevereiro de 2006, o Ensino


Fundamental passou a ter nove anos de duração, desta forma, as crianças de 6
anos de idade passaram a ingressar no Ensino Fundamental I. E com as
Diretrizes Curriculares Nacionais para o Ensino Fundamental-DCNEF
(Brasil, 2010) constituem o documento legal que traça uma direção para que
possamos refletir sobre as nossas práticas pedagógicas. Além disso, a
DCNEF propõe eixos com os seguintes, a saber: a) princípios éticos da
autonomia, da responsabilidade, da solidariedade e do respeito ao bem
comum; b) princípios políticos dos direitos e deveres da cidadania, do
exercício da criticidade e do respeito à ordem democrática; c) princípios
estéticos da sensibilidade, criatividade e diversidade de manifestações
artísticas e culturais.

De acordo com o explicitado acima, os eixos devem garantir as crianças


de seis anos, o estudo articulado das ciências sociais, das ciências naturais,
das noções lógico-matemática e das linguagens. No que diz respeito à área
das Linguagens, essa que nos interessa, deve assegurar um ensino de permita
uma pratica pedagógica com atividades variadas, possibilitando práticas
discursivas de diferentes gêneros textuais, orais e escritos, de usos,
finalidades e intensões diversos.

Além disso, as crianças devem ser encorajadas a pensar, a discutir, a


conversar e, principalmente, a raciocinar sobre a escrita alfabética, um
dos principais objetivos do trabalho com a língua materna nos
primeiros anos das séries iniciais é assegurar o conhecimento sobre a
natureza e o funcionamento o sistema de escrita, compreendendo e se
apropriando dos usos e convenções da linguagem escrita nas suas mais
diversas funções (CORSINO, 2006, p. 61-63).

2 Vygotsky e Piaget: dialogando e interagindo com o


conhecimento
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Pensando nas necessidades e direitos das crianças de 6 a 8 anos de


idade, devemos criar condições para que o educando atue de forma crítica,
mediante aprendizagens significativas. Para isso, deve-se entender que o
conhecimento não é algo posto para dentro do educando, mas algo a ser
produzido, (re)construído por ele, considerando-se protagonista e sujeito, e
não objeto da aprendizagem.

Refletindo sobre essas condições, será tomado como base do processo


da construção do conhecimento o sócio-interacionismo, ou seja, os princípios
do construtivismo do psicólogo, Piaget (1896-1980) e do interacionismo
representado pelo psicólogo e pedagogo, Vygotsky (1896-1934).

Piaget ficou conhecido mundialmente pelas pesquisas sobre o


pensamento e as habilidades mentais das crianças. Com o resultado de suas
observações, formulou a teoria do desenvolvimento intelectual humano. Para
Piaget, em nenhum momento, o conhecimento está pronto ou acabado, mas
sempre em construção, graças as interações dos indivíduos com o meio físico
e social. Já Vygotsky, pensou nas bases para uma teoria da criança centrada
nos postulados da teoria marxista. Para ele, os processos psicológicos
superiores são mediados pela linguagem e pela fala, não sendo colocações
fixas no cérebro; trata-se dos sistemas produzidos culturalmente, dinâmicos,
historicamente mutáveis e enraizados na sociedade e na cultura, isto é, o
conhecimento é socialmente construído. Vygotsky diz que uma
aprendizagem boa é aquela que consolida e, sobretudo, cria zonas de
desenvolvimento proximal sucessivas.

3 O ensino e a aprendizagem da língua materna

O problema da qualidade da educação do Brasil é um tema que é


sempre discutido e cheio de controvérsias. Em se tratando dos anos iniciais, a
questão é ainda mais grave, pois são neles que as crianças precisam adquirir
várias competências para que tenha sucesso nos estudos dos anos
subsequentes. Durante muito tempo, o educando foi visto como único
responsável pelo seu insucesso, mas, Ferreiro (2001) demonstra em suas
pesquisas que “as crianças chegam à escola com muitos conhecimentos sobre
a língua escrita”. O educando traz consigo uma serie de conhecimentos
prévios sobre a linguagem escrita, oriundos das experiências sociais que te
acesso no seu contexto.

Essas experiências decorrem da interação sociocultural que a criança


mantem com a escrita e da convivência com adultos alfabetizados. Assim, a
criança começa a compreender que a língua escrita tem uma função social:
serve para comunicar, a dizer algo a alguém. Assim, a aprendizagem de
leitura e de escrita começa muito antes de a criança entrar na escola. Por isso,
a escola e o professor devem estar preparados para retomar concepções que a
criança traz sobre o que é, e para que serve a escrita. Assim como, é
importante que o professor compreenda como se dá o processo de
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aprendizagem da língua escrita, ou seja, como a criança compreende e se


apropria desse conhecimento.

Portanto, para aprender a ler e a escrever, a criança precisa construir um


conhecimento de natureza conceitual: precisa compreender não só o que a
escrita representa, mas também de que forma ela representa graficamente a
linguagem (SEF, 1998, p.122).

Telma Weiz esclarece dizendo que

o que move as crianças é o esforço para acreditar que atrás das coisas
que ela tem de aprender existe uma lógica. De certa maneira, aprender
é, para elas, ter de construir suas ideias lógicas a partir do confronto
com a realidade. E é exatamente porque nem tudo o que elas têm de
aprender é logico – ou tem uma lógica que esteja ao seu alcance
imediato – que constroem ideias aparentemente absurdas, mas que são
importantes no processo de aprendizagem (WEIZ, 2000, p. 42).

4 Concepção de alfabetização e letramento

A comunicação entre os homens se estabelece por meio da linguagem


verbal e não verbal. É nos atos de linguagem que os sujeitos se constroem,
formulam pensamentos e as informações sobre a articulação do mundo,
possibilitando a ação dos homens.

A linguagem verbal é essencial para as relações de convivência na


sociedade, enquanto as habilidades de escrita e leitura são condições
essenciais para que as pessoas possam compreender o mundo e atuar sobre
ele. E é através da linguagem escrita que o homem entra em contato com
maior parte dos conhecimentos produzidos pela humanidade; amplia seus
horizontes, desenvolve a imaginação, o raciocínio crítico, a compreensão e
nos liga a outros mundos, ampliando a capacidade de comunicação. Podemos
perceber que a sociedade busca leitores e escritores competentes, assim, estar
alfabetizado é algo muito importante na vida do individuo.

O conceito “alfabetização” ficou atrelado por muito tempo ao sentido do


ensino aprendizagem da tecnologia da escrita, isto é, a escrita alfabética e as
habilidades de utilizá-la para ler e para escrever. Alfabetizar era então, na
leitura, um ato de transformar os sinais gráficos em sons, e, na escrita, a
capacidade de transformar os sons da fala em sinais gráficos (codificação e
decodificação).

Com a divulgação das teorias da psicogênese da aquisição da língua


escrita, na década de 1980, desenvolvida por Emília Ferreiro e Ana
Teberosky, verificou-se que estar alfabetizado não se limitava aos domínios
das capacidades de codificar e decodificar, mas sim, o domínio de outros
conhecimentos que possibilitam o uso da escrita em práticas sociais. De
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acordo com as autoras, alfabetizar é um processo ativo por meio do qual a


criança, desde seus primeiros contatos com a escrita, mesmo no contexto
extraescolar, constrói e reconstrói hipóteses sobre como a língua escrita
funciona e para que ela serve (FERREIRO, 2001).

Posteriormente, para distinguir o ensino e a aprendizagem da tecnologia


da escrita do ensino e da aprendizagem do conhecimento da função da língua
escrita na sociedade, cunhou-se o termo “letramento”. E essa noção é
importante no sentido em que esclarece o papel do professor-alfabetizador
nos anos iniciais.

[...]teríamos alfabetizar e letrar como duas ações distintas, mas não


inseparáveis, ao contrário: o ideal seria alfabetizar letrando, ou seja,
ensinar a ler e a escrever no contexto das práticas sociais da leitura e
da escrita (SOARES, 2003, p. 47).

5 A construção e desconstrução na Proposta


Alfabetizar Letrando

A Proposta Didática para Alfabetizar Letrando de Andrade (2011), de


acordo com as observações, formações e acompanhamentos em sala de aula
durante o ano de 2012 no Pólo IX – Ilhéus, garante o trabalho de Língua
Portuguesa conforme pesquisas recentes sobre a aquisição da linguagem oral
e escrita, e em harmonia com as orientações do Ministério da Educação para
inclusão das crianças de 6 anos no Ensino Fundamental, assim como, a
Rotina Didática abrange atividades voltadas ao desenvolvimento da
linguagem oral, da escrita, da produção de textos e da reflexão sobre aspectos
linguísticos, abrangendo a compreensão do sistema alfabético de escrita e o
desenvolvimento da consciência fonológica.

Durante a visitação, a observação e o acompanhamento realizado no


mês de julho de 2012, percebeu-se que a reflexão sobre a língua escrita
precisa ocorrer ao mesmo tempo em que se oferecem momentos de leitura,
quando essa é concebida como construção de sentidos expressões em textos
escritos e não apenas como decodificação. A compreensão do sistema
alfabético de escrita também se dá em contextos de produção, quando se
considera que, ao escrever, o autor de um texto está refletindo sobre as
palavras da língua em diferentes níveis, sejam eles, fonológico, semântico,
pragmático e sociolinguístico, a fim de obter os efeitos que cada Quadro
Didático referente ao mês e a semana se propõem.

Sendo assim, todos os professores-alfabetizadores do referido Pólo,


trabalham com a linguagem em suas múltiplas dimensões, sem reduzi-la a um
código de transcrição dos sons da fala em signos gráficos, implicando em
situações em que o aprender a escrever não se desvincula do propósito de
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saber usar a linguagem escrita, confluindo assim o processo de (re)construção


da comunicação.

Por outro lado, as observações e intervenções dialógicas efetuadas pelos


professores-alfabetizadores, supervisores, coordenadores escolares bem como
os coordenadores de cada Regional concordaram que as atividades da
Proposta está organizada por gêneros textuais, tais como, fábula, lenda, texto
informativo, conto e reconto, mas, outros gêneros que são importantes neste
ciclo não foram contemplados tais como, histórias em quadrinhos,
reportagem, biografia etc. Contudo, sabe-se que o objetivo da Proposta não é
realizar descrição exaustiva dos gêneros, mas sim, abordar aspectos básicos
da textualidade para garantir a aproximação dos educandos a essas formas de
discurso.

A criança que está nos primeiros anos das séries iniciais precisam se
envolver na construção e desconstrução ativa do processo de leitura, de
produção oral e escrita e análise linguística com diferentes gêneros. Quando o
educando reconhece as marcas composicionais e temáticas de alguns dos
diferentes gêneros a que está exposto socialmente, o educando passará a fazer
uso de novos e significativos recursos nas diferentes situações de
comunicação a que é inserido tanto na escola quanto fora dela, ampliando,
assim, suas capacidades leitoras e escritoras.

Portanto, para garantir e atingir o objetivo de desenvolver no educando


a competência comunicativa oral e escrita nas diversas situações sociais, faz-
se mister que a Proposta contemple a leitura de diferentes gêneros textuais,
respeitando assim, as necessidades, motivações e potenciais facilidades e
dificuldades dos educandos, próprias de cada faixa etária. Por isso, o material
utilizado na Proposta deve contemplar a diversidade textual, a qualidade, no
que diz respeito a extensão, autoria, originalidade e, principalmente, o
interesse do educando porque essas são algumas das recomendações
encontradas em autores que pensam o trabalho didático e pedagógico com
gêneros e em documentos, como os Parâmetros Curriculares Nacionais
(1997/1998).

Outro aspecto que foi bastante pontuado pelos alfabetizadores foi a


invisibilidade da interdisciplinaridade, transversalidade e
interdisciplinaridade na Proposta. No âmbito da interdisciplinaridade,
Petráglia (1993, p. 32) diz que essa concepção “rompe com as fronteiras das
disciplinas, unindo, assim, as diversas áreas do saber, no sentido de melhor
oferecer ao educando a visão do todo”. Mesmo porque, as áreas curriculares
convencionais (Língua Portuguesa, Matemática, Ciências Naturais, História e
Geografia) não são suficientes para promover uma formação integral do
educando. A intertextualidade deve ser garantida nas atividades para
estabelecer relações entre textos do mesmo gênero quanto entre textos em
linguagens diferentes. Isso contribui para garantir o exercício das relações
interdisciplinares, fundamental no desenvolvimento de novos paradigmas de
conhecimento. Educar para a cidadania implica apresentar as questões sociais
também como objeto de aprendizagem, de reflexão, de construção e
desconstrução.
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Por isso, os Parâmetros Curriculares Nacionais sugerem a inclusão de


novos temas ao currículo, que servem de base para uma formação plena do
educando, a saber: ética, meio ambiente, pluralidade cultural, saúde e
orientação sexual, são temas propostos como transversais por
corresponderem aos interesses e às necessidades atuais. A intertextualidade e
a transversalidade não se excluem; ao contrario, são concepções que se
complementam.

Outros aspectos foram levantados pela equipe gestora das escolas do


Pólo IX, a intervenção pedagógica referente ao quinto e último tempo da
Rotina Rotina Didática e a ludicidade da Proposta, porém, esses assuntos
serão retomados a posteriori.

6 Construindo e desconstruindo algumas considerações


quase-finais

Mesmo com todos os pontos elencados e explorados acima, podemos


perceber que a Proposta busca trabalhar e atender as orientações dos
PCN/LP, da Lei Federal n. 11.274, das Diretrizes Nacionais do Ensino
Fundamental. E fornecer aos educandos instrumentos que os levem a
observar, compreender, analisar, criticar e relacionar as múltiplas linguagens
que o cercam, utilizando-as de forma competente para atender a seus
propósitos comunicativos; com o objetivo que o trabalho escolar investigue
as possibilidades individuais de se apropriar dessas linguagens, e revelar as
diversas maneiras de entender, interpretar e simbolizar ideias, são exploradas
varias formas de expressão e diferentes linguagens.

Entendendo que aqui não se pretende esgotar todas as discussões


pertinentes ao tema, ou seja, as questões que não foram explicitadas, serão
objetos de estudo e de investigação para a pós-graduação strictu senso.

REFERÊNCIAS

ANDRADE, Maria Amália Simonetti Gomes de. Proposta Didática para


Alfabetizar Letrando. Colaboração de Maria Cílvia Queiroz Farias. 1.ed.
Salvador: Secretaria da Educação, 2011.
BRASIL. Conselho Nacional de Educação. Diretrizes Curriculares
Nacionais para o Ensino Fundamental de Nove Anos. Brasília:
MEC/CEB, Resolução n. 7, 2010.
CORSINO, Patrícia. As crianças de 6 anos e as áreas do conhecimento. In:
FUNDO NACIONAL DE DESENVOLVIMENTO DA EDUCAÇÃO.
Ensino Fundamental de nove anos: orientações para a inclusão da criança de
seis anos de idade. Brasília: MEC/FNDE, 2006.
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FERREIRO, Emília. Reflexões sobre alfabetização. 24.ed. São Paulo:


Cortez, 2001.
PETRÁLIGLIA, Izabel. Interdisciplinaridade: o cultivo do professor. São
Paulo: Pioneira/Universidade São Francisco, 1993.
SECRETARIA DE EDUCAÇÃO FUNDAMENTAL. Referencial
Curricular para a Educação Infantil. Brasília: MEC/SEF, 1998. v.3.
SOARES, Magda. Letramento, um tema em três gêneros. Belo Horizonte:
Autêntica, 2003.
WEIZ, Telma. O diálogo entre ensino e a aprendizagem. São Paulo: Ática,
2000.

i
Os professores-alfabetizadores dos municípios que fazem a adesão recebem
formação na área de alfabetização com foco no letramento e na matemática,
acompanhamento às escolas, o aluno recebe um kit com um caderno de
atividade, um caderno do aluno com fichas e cartelas didáticas para ser
utilizado pelas crianças em situações de aprendizagem, um livro de histórias:
“Parece, mas não é...”. O professor também recebe um kit com a Proposta
Didática Alfabetizar Letrando, um caderno de atividades do aluno, um
caderno do aluno (fichas e cartelas) e cartazes com as histórias utilizadas nas
atividades, trava-línguas e alfabeto.
ii
O Pacto com os municípios é ação que visa o primeiro compromisso do
Programa Estadual Todos pela Escola, o de alfabetizar todas as crianças até
os oito anos de idade e extinguir o analfabetismo escolar. O Decreto nº
12.792, institui o Programa Estadual Pacto com Municípios. Acesso através:
http://educar.sec.ba.gov.br/todospelaescola/wp-
content/uploads/2011/03/decreto_pacto.pdf
iii
Garantir a todos os estudantes da escola pública o direito de aprender. Esse
é o grande desafio da Secretaria da Educação do Estado da Bahia com o
Programa Todos pela Escola, que conta com o compromisso do Governo da
Bahia, a adesão das prefeituras, a colaboração dos gestores, educadores e a
parceria das famílias. Para melhorar a qualidade da educação básica, a
Secretaria articula um grande pacto do Estado com os municípios no sentido
de integrar as redes e sistemas públicos de ensino, em regime de colaboração,
para atender às crianças desde o processo de alfabetização.
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Alfabetizadoras: do medo de escrever


ao direito da autoria em uma disciplina do PARFOR

Gerson Tavares do Carmo1

Jackeline Barcelos Corrêa2

Laís Rodrigues Ferreira3

RESUMO
O artigo tem por objetivo constituir um topos de discussão sobre o medo de escrever
dos professores da rede pública do Ensino Fundamental, especialmente, dos dois
primeiros anos de escolaridade. Sentir-se bem ou ter uma relação amigável com a
escrita é uma exceção, a regra é o medo, o desconforto. A raríssima produção
acadêmica em torno da chave “medo de escrever” é um sintoma que desvela a
proximidade com o seu correspondente sinal: as dificuldades na produção de artigos
na academia e a resistência à escrita nas graduações e pós graduações para produzir de
textos autorais. O uso de questionário com perguntas abertas e fechadas, bem como de
entrevistas semiestruturadas permitiu abordar a questão do medo e prazer de escrever
sobre a experiência que vinte e seis docentes-alunas do PARFOR (Plano Nacional de
Formação de Professores da Educação Básica), na 1ª Licenciatura de Pedagogia da
Universidade Estadual do Norte Fluminense/RJ, realizaram no processo de autoria
vivenciado a partir de memórias de fatos marcantes em suas trajetórias profissionais.
Entre o passado enraizado do medo de escrever e a alegria do presente despertado ao
verem o livro pronto com suas histórias, a tensão e ambiguidade dos depoimentos das
docentes-alunas apontam para o caráter provocador que a experiência autora exerce
sobre a baixa autoestima que têm em relação à escrita.

Palavras-chave: autoria docente; medo de escrever; escrita e memória.

1
Contato do(a) autor(a): gtavares33@yahoo.com.br . Dr. em Sociologia Política.
Professor Associado da UENF, RJ.
2
Contato do(a) autor(a): jack.barcelos1@hotmail.com. Licenciatura em Pedagogia.
Mestranda de Cognição e Linguagem/UENF, RJ.
3
Contato do(a) autor(a): laisrodriguesferreira@hotmail.com. Licenciatura em
Pedagogia. Bolsista Universidade Aberta/UENF, RJ.
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CONSIDERAÇÕES INICIAIS

A proposta de utilizar a autoria como recurso didático, na disciplina


Material Didático de Alfabetização: confecção e aplicação do Curso de 1ª
Licenciatura do PARFOR, em 2011, foi ação piloto de um projeto do Núcleo
de História Oral e Autoria da UENF. O projeto Autoria de Alfabetizadoras
postula que uma relação amigável da alfabetizadora com a escrita cria um
campo de possibilidades de ressignificação de suas concepções acerca suas
experiências de alfabetização.

Dentre as vinte e seis professoras-alunas matriculadas na referida


disciplina, vinte e duas (84,6%) explicitaram algum sentimento negativo em
sua relação com a escrita. O medo de escrever “errado”, “besteira” ou de
“passar ideias para o papel” foram recorrentes na sondagem realizada. A
ortografia e a gramática igualmente foram citadas como fonte de insegurança,
do “branco” na hora em que são solicitadas a escrever algo que será lido por
alguém. Entretanto, escrever para si foi mencionado por 50% delas como
algo mais fácil, que lhes dá prazer ou lhes permite “desabafar” ideias e
sentimentos. É assim que o medo e o fascínio, como também a recusa e o
desejo, deixam a mostra alguns dos paradoxos exercidos pela escrita.

Maria do Socorro Calhau (2008), pesquisadora e alfabetizadora de


adultos há mais de uma década, enfatiza em sua tese de doutoramento o
quanto o fenômeno da alfabetização está impregnado de relações de poder,
nas quais tanto a ação de dominação quanto a de submissão geralmente são
subliminares. Entretanto, escrever com desenvoltura, muito mais que ler,
exige uma prévia relação amigável com a escrita (não autoritária), cujo
aperfeiçoamento se dá pelo uso constante da escrita. Relação amigável, aqui,
traduz-se pelo uso da escrita como recurso de comunicação expressiva da
alfabetizadora nas mais variadas situações possíveis de um processo de
alfabetização, seja ele de crianças ou de jovens e adultos.

Vencer um obstáculo ou uma dificuldade que foram vividas


repetidamente, como a dificuldade com a escrita, exige empenho, dedicação,
dispêndio de energia, uma energia extra se assim pode-se dizer. Mas, de onde
obter ou possibilitar essa energia extra para vencer o medo de escrever?
Benjamin (apud BOLZ, 1992) destaca que o passado que não pôde existir é
pleno de energia. Assim, o passado, como energia retida, pode interpelar o
presente para fazer-se presente, dado que para o autor o passado não está
fechado, mas sim aberto ao refazer-se em ressignificações.

É conhecida a posição do Benjamim (1975) acerca dos seres humanos


estarem privando-se da "faculdade de intercambiar experiências" porque "as
ações da experiência estão em baixa, e tudo indica que continuarão caindo até
que seu valor desapareça" devido às rápidas mudanças tecnológicas que
fazem com que nada permaneça como era. Mas, exatamente, por isso é que o
autor faz um campo de interpretação se abrir, quando pensa a memória como
depositária de energia capacitante, oriunda de um passado que não foi
permitido existir.
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O que há de mais surpreendente na teoria da história de


Benjamin é conceber o passado como algo inacabado, algo que não está
fechado, nas palavras de Bolz (1992, p. 13): “se a memória vai ao arrepio da
história, o passado ainda não está encerrado. Fica em aberto e pode ser usado,
portanto, como ponto de referência da utopia. Esta é a reviravolta
fundamental em Benjamin” e, portanto, acrescentamos, das possibilidades de
retomada da narrativa como meio de acesso ao passado docente como
referência de utopia.

Para Benjamin, a narrativa é comunicação artesanal e encerra em si


uma dimensão prática, de um conselho, de um ensinamento moral ou de uma
forma de vida. Por isso, uma proposta de produção semi-artesanal de um
livro a partir de experiências autoras docentes é condizente com o sentido
próprio da entrevista-narrativa não como fonte para um produto posterior e
final da pesquisa, mas como momento fundante onde não só recolhe-se a
história, mas onde se vive a memória e cria-se um acontecimento que
também faz história.

A alfabetização é uma tarefa complexa, são variados os processos


sociocognitivos em ação possibilitando os primeiros passos de apropriação da
leitura e da escrita pelos alunos. Momentos de extrema beleza, encantamento
e vigor, aos quais apenas os que já alfabetizaram têm acesso. Mas, nesse
processo, mesmo aqueles que conseguem alfabetizar e alfabetizar-se não
estão livres de enveredar por uma relação negativa com a escrita. Por isso, é
extremamente urgente libertar o processo de alfabetização das relações
históricas de poder que fizeram da escrita, e do escrever bem, um critério de
distinção dos grupos sociais dominantes.

Consequentemente, o preconceito gramaticalístico acumulado na


memória, não só envergonha os mal alfabetizados, como impinge o medo de
escrever de forma generalizada. Fenômeno que, tal qual o efeito bumerangue,
atinge igualmente muitos dos alfabetizados pertencentes aos grupos
dominantes.

E, neste momento de reflexão, parafraseando Calhau (2008, p. 213)


é preciso matizar a responsabilidade docente pelos possíveis baixos
desempenhos de seus alunos, porque limitadas a uma formação que não tem
dado conta de prepará-las adequadamente para realizar tarefa tão complexa,
responsabilidade essa que também alcança as universidades e, respectivas,
Faculdades de Educação e/ou Cursos de Pedagogia.

Assim, conquistar uma relação amigável com a escrita torna-se


mais do que um desejo de escrever bem, é acima de tudo um direito, um
direito de livrar-se do medo de escrever, que nada mais é do que libertar-se
do autoritário preconceito gramaticalístico que, ao longo da história de nosso
país, muito mais serviu para dominar do que para libertar as mentes e
corações da maioria da população.
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1 Caracterização do medo de escrever


O medo de escrever “errado”, “besteira” ou de “passar ideias para o
papel” foram respostas recorrentes na sondagem realizada, totalizando 84,6%
das vinte e seis alunas-professoras do PARFOR/UENF que demonstraram o
medo ou o pavor da escrita. A ortografia e a gramática igualmente foram
citadas como fonte de insegurança, do “branco” na hora em que são
solicitadas a escrever algo que será lido por alguém. Escrever para si, ao
contrário, foi mencionado por quatro delas como algo mais fácil, que lhes dá
prazer, que lhes amplia a comunicação intrapessoal. Tal constatação levou-
nos a concordar com Geraldi (1996, p.144) a respeito da necessidade do
professor tornar-se "co-autor dos textos de seus alunos" de modo a assumir
uma autonomia como produtor de textos, alterando assim a sua relação com
a escrita.

Bonh (2003, p.83) discute em sua pesquisa, que o professor "não se


considera escritor e entende que não forma alunos escritores". No entanto
sente-se angustiado com essa situação incapaz de solucioná-la. Percebi assim
a sua estreita relação com a escrita, pois como seus alunos, também partilham
o medo de escrever que provavelmente, originou-se de sua formação no
ensino fundamental e médio e não foi resolvido em sua primeira formação
superior, uma vez que, ressalta o autor, não é de se estranhar que "alunos
universitários, profissionais liberais, pós graduandos quando confrontados
com a produção textual entram em pânico"(Id., p.81). Com certeza esse
pânico é oriundo dos modelos tradicionais da escrita, nos quais não se
permite errar.

Dessa forma, nos apropriamos do questionamento da Kramer (2001, p.


103): "É possível tornarmos nossos alunos pessoas que lêem e escrevem se
nós mesmos, professores, não temos sido leitores e temos medo de
escrever?". Ao mencionar sua pesquisa "Cultura, modernidade e linguagem",
em que estudou o que lêem e escrevem os professores a autora afirma que
conheceu "histórias de desprazer, indisposição, obrigatoriedade e vontade de
não ler", depoimentos de professoras com "pavor e vergonha de escrever seus
relatórios escolares". Mais uma vez, deparamo-nos com a restrita relação do
professor com a escrita, imposta pelo contexto escolar em que viveu. Sendo
assim, acredito que ele precisa romper esses tabus e, de acordo com Kramer
(2001, p.117), "aprender a valorizar a narrativa, a leitura e a escrita para ler
com as crianças e os jovens, para escrever a história pessoal, registrar a
história pessoal e coletiva". Para que isso aconteça, segundo a autora, é
necessário que haja (op. cit., p.116-117):

Formação prévia em nível médio e superior, onde é fundamental a


leitura e escrita relativas aos conhecimentos básicos da língua (...);
formação no movimento social, fertilizando-se as lutas com
sensibilidade da leitura e da poesia, ampliando o acesso de informação
de diversos grupos; formação em cada escola, com estudo da leitura,
discussão (...) escrevendo, registrando a história; formação cultural,
garantindo experiências com a literatura, música, cinema, arte,
museus, capaz de nos humanizar e fazer entender o sentido da vida
para além do cotidiano.
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No entanto, para atuarmos como mediadores nos textos dos alunos e


realizarmos interferências, necessitamos de escrever e fazê-lo com
competência. Logo, para atingirmos essa competência na escrita,
necessitamos do desenvolvimento da metaconsciência, ou seja, assumir uma
atitude responsiva ativa, sermos o "outro" de nós mesmos (BAKHTIN,
1997).

A dificuldade e o medo da escrita estão presentes desde o início da


escolarização, a escrita acaba sendo feita para a escola e reconhecida como
uma atividade que retrata o processo educacional de uma ideologia escolar.
Escrever deixa de ser prazeroso, interessante, dinâmico. Deve-se seguir
aquilo que foi estipulado, caso contrário é repreendido com uma nota baixa.
Para Paulo Freire (1986, p.107), controlar o medo não é a mesma coisa para
todos. Depende da intensidade da prática. Depende dos resultados de sua
prática. Conforme nosso levantamento exploratório, a experiência das alunas
com a escrita é de muita insegurança e desconforto, escrever para a maioria
delas é expor suas fragilidades diante seus relatórios.

Nas palavras de Graciliano Ramos “A palavra não foi feita para


enfeitar, brilhar como ouro falso; a palavra foi feita pra dizer” (2005). Nesse
sentido pode-se entender que escrever é comprometer-se intelectualmente; é
assumir antes um compromisso com você mesmo diante do que pensa sobre o
assunto, sobre aquilo em que acredita, sobre aquilo que forma seu conjunto
de valores e concepções do mundo. Escrever é conhecer-se; como dizia
Clarice Lispector, "é lembrar-se do que nunca existiu". Lembramos à medida
que conhecemos um pouco mais sobre nós mesmos, sobre o que nos
impulsiona, sobre o que nos mantém ligados à existência.

Para Santos (2005)o medo maior é de nos entregarmos e nos deixarmos


sem proteção, sem máscaras, desnudos, livres. Quando escrevemos deixamos
a nossa marca, a nossa personalidade, uma palavra em lugar de outra pode
dizer muito sobre nós. E mais, o que escrevemos pode ser lido, relido,
analisado, estudado, interpolado, enfim, um universo infinito de
possibilidades que nos exporá para o mundo, nos descortinará diante dos
outros. Enquanto professoras a cobrança da escrita perfeita é ainda maior.

Palavras ditas o vento leva, e estas quando alguém usa contra nós,
muitas vezes podemos e o fazemos, argumentamos que não era bem aquilo
que pretendíamos dizer com as nossas palavras. Mas ao escrever, a prova está
gravada, presa no papel, não tem como renegar. A romancista Clarice
Lispector ressalta que escrever e ler algumas coisas, é um caminho sem volta,
quando então a vida pulsa intensamente e transforma.

[...] tenho medo de escrever”. É tão perigoso. Quem tentou, sabe.


Perigo de mexer no que está oculto, o mundo não está á tona, está
oculto em suas raízes submersas em profundidades do mar. Para
escrever tenho que me colocar no vazio, Nesse vazio terrivelmente
perigoso: dele arranco sangue. Sou um escritor que tenho medo da
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cilada das palavras: as palavras que digo escondem outras - quais?


Talvez as diga. Escrever é uma pedra lançada no poço fundo.
(LISPECTOR, 1978, p.6)

De forma complementar, em uma entrevista com Shor (1986, p. 107),


Paulo Freire diz que: “O educador libertador tem de criar criando, isto é,
inserindo na prática, aprendendo os limites muito concretos de sua ação,
esclarecendo sobre suas possibilidades, não muito aquém nem muito além de
nossos limites do medo necessário.

Georges Picard (2008), no livro Todo mundo devia escrever: a escrita


como disciplina do pensamento, irá dizer que, “a vida da maioria dos seres
humanos é desprovida de valor, a não ser e na medida em que eles
escrevem”. O autor ainda diz mais (id., p.86): “[...] todo mundo devia
escrever para si mesmo, na concentração e na solidão: um bom meio de saber
aquilo que se sabe e de entrever aquilo que se ignora sobre o mecanismo do
próprio cérebro, sobre o próprio poder de apreensão e de interpretação dos
estímulos externos”.

A escrita como descoberta de si próprio, de desvendar seus medos,


segredos, sonhos, desejos. Um texto escrito hoje sobre um tema, se escrito
daqui a um ano sobre o mesmo tema terá muitas mudanças, sutilezas. Pelo
simples fato que nós mudamos, estamos sempre em mutação, uma constante
inconstante. E a melhor forma, ou uma das melhores formas de se perceber
isso é na escrita. Sem falar da vaidade, da auto-estima que nos toma de conta
quando escrevemos um texto bem escrito, com nossos pensamentos bem
organizado, disciplinados.

Mattoso Câmara (2001, p. 61) afirma que "qualquer um de nós senhor


de um assunto é, em princípio, capaz de escrever sobre ele. Não há um jeito
especial para a redação, ao contrário do que muita gente pensa. Há apenas
uma falta de preparação inicial, que o esforço e a prática vencem". Essa falta
de preparação inicial que Mattoso cita, decorre muitas vezes da ausência de
conhecimento da estrutura do texto a ser elaborado e da carência de leitura,
mas, acrescentamos, não só a leitura de algo escrito, como também da
“leitura de mundo” como anuncia Paulo Freire.

Entretanto, a língua escrita requer conhecimento de uma série de


elementos que possibilitem ao homem expressar-se bem. Para escrever bem a
pessoa precisa conhecer um grande número de regras e também de um
conhecimento técnico da estrutura que será elaborada. Para Baptista (2004, p.
7), o processo de criação da escrita parece travar justamente diante da rigidez
das regras impostas. O mundo das regras impõe uma escrita ‘de fora’,
externa, de uma dimensão do outro apenas, e o sujeito, por isso, não se
encontra nesta possibilidade de texto. Conforme Baptista (id. p. 9), para
muitas pessoas o texto não flui:
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Ele sai receoso, com medo do ato de imprimir-se. Pode tratar-se, neste
caso, de um medo maior de concretizar-se e entregar-se. Medo da
possibilidade de o outro nos pegar, analisar, perceber nossos defeitos.
Trata-se de uma espécie de desnudar-se e colocar-se diante das outras
pessoas como objeto de análise. Este medo vem da nossa prévia
constatação de imperfeição e incompletude, em confronto com a
idealização do eu– modelo de perfeição tão bem explicado pela
Psicanálise.

A tradição da escrita acadêmica, por exemplo, durante muito tempo


afastou o sujeito da escrita da sua produção, solicitando/obrigando uma
impessoalização forçada, cheia de amarras a verdades de outrem.

2 A experiência de autoria docente no PARFOR: a


produção do livro Professoras Autoras: lembranças
profissionais

Nessa direção, adotamos aspectos da concepção de autoria de Benjamin


como referência preliminar de reflexão da experiência. A noção de autoria de
Benjamin, centrada na conferência “O Autor como Produtor” (1934) foi
proferida diante de um público operário, quando se encontrava exilado na
capital francesa. Foram dois seus objetivos: criticar o pseudo-autor que,
militando nas filas da revolução contra o fascismo alemão, servia em sua
atividade à lógica do capital; e, em consequência, identificar o que seria a
marca de autenticidade de um autor, propondo uma série de categorias para
se pensar a relação entre escritor e sociedade.

Mas, não foi por esses aspectos de distinção entre autores e pseudo-
autores que tomamos emprestado a versão autoria de Benjamin. Foi o
“caráter de dispositivo de produção” que interessou. Para Benjamin (1996, p.
132):

[...] Um autor que não ensina nada aos escritores não ensina nada a
ninguém. Assim, é decisivo que a produção tenha um caráter de
modelo, capaz de, em primeiro lugar, levar outros produtores à
produção e, em segundo lugar, pôr à sua disposição um aparelho
melhorado. E esse aparelho é tanto melhor quanto mais consumidores
levar à produção, numa palavra, quanto melhor for capaz de
transformar os leitores ou espectadores em colaboradores.

Assim, a autoria na visão bejaminiana tem corporeidade, é produtora


consciente de hábitos, promove diálogo permanente entre o pensamento e a
ação autêntica. Nesse sentido, a autoria é geminal para o processo de
reconhecer-se e reconhecer o outro. No caso da experiência realizada, esse foi
um fator fundamental para estabelecer um ambiente de confiança para a
exposição de fatos passados marcantes.
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Na primeira aula da disciplina Material Didático de Alfabetização:


confecção e aplicação, em março de 2011, o passado das alunas-educadoras
foi convidado a mostrar-se por meio de experiências individuais marcantes
ocorridos em sala de aula, descrito primeiro oralmente e, em seguida, por
histórias em quadrinhos. Uma aula marcante sem dúvida na qual pudemos
destacar o valor da experiência, conforme concepção de Larrosa Bondia
(2001, p. 3): “A experiência é o que nos passa, o que nos acontece, o que nos
toca. Não o que se passa, não o que acontece, ou o que toca”.

Conforme palavras do professor autor, em relatório apresentado


(PROEX/UENF, 2011):

Há anos, incomodado com o medo de escrever dos professores, já


havia feito experiências com produção de “livros”i com o propósito de
estimular a autoria de narrativas de experiências de sala de aula. Nesse
primeiro dia de aula, creio que contagiado por essas experiências com
produção de livros e pela alegria proveniente de uma empatia à
primeira vista com a turma, deixei o plano de aula de lado e propus
uma roda de contação de histórias marcantes das professoras-alunas
com seus alunos. Foram dezesseis histórias, contadas à moda dos
“causos” mineiros. A cada nova história, uma tensão por parte de
quem contava, uma atenção concentrada por parte de quem ouvia e
um título dado pela autora ou pela turma. Ao final, propus que cada
docente-aluna lembrasse (pelo título dado ou de outra maneira) de
cinco histórias ali contadas sem qualquer ordem ou critério. Essas
histórias mais lembradas, acordamos, comporiam um livro que
decidiram seria no formato de história em quadrinhos. Esse momento
fundante desdobra-se até hoje.
Enquanto o semestre de aula seguia, retomei as atividades do Núcleo
de História Oral, acrescentando a palavra Autoria, considerando a
ideia de montar uma Micro Editora Semi-Artesanal (MESA), para a
qual, no final do semestre, obtive recursos, adquirindo uma
termolaminadora, uma guilhotina manual/200 folhas, uma
encadernadora e uma impressora laser colorida com o objetivo de
possibilitar a impressão e encadernação dos livros criados não só das
docentes-alunas, mas livros de outros projetos de autoria, organizados
por mim ou por outros professores do Laboratório de Estudos de
Educação e Linguagem.
Um ano depois do referido “primeiro dia de aula”, os resultados mais
visíveis dessa experiência fundante foram: o livro “Professoras Autoras:
Lembranças Profissionais”, com 90 páginas; e um projeto de mestrado sobre
a experiência com a turma 1ª Licenciatura de Pedagogia do PARFOR

Em relação ao livro, no quadro abaixo é possível observar os títulos das


vinte e uma histórias em quadrinhos de autoria das professoras-alunas:
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Quadro 1 – Relação de títulos de histórias em quadrinhos de


professoras-alunas da 1ª Licenciatura de Pedagogia PARFOR/UENF, turma
2011-1.

- Tristeza Repentina - A surpresa

- Os Sonhos da Renata - O caso dos dois batons

- Confusão - Festa surpresa

- O susto da boa alimentação - Despertar

- A árvore que fala... Que Dia! - Um sapato no caminho

- Fabiano: o menino com o braço queimado - Gabriel

Se observarmos alguns títulos da relação de histórias, veremos que


sugerem situações inusitadas, curiosas, impactantes, paradoxais, por
exemplo: “Com Deus não, vou para casa”; “O susto da boa alimentação”;
“Palavras que machucam”; “O menino que comia inseto”; “A mãe parasita”;
“A árvore que fala...que dia!; “Fabiano com o braço queimado”; ou
simplesmente, “O remédio”. Interessante é que tais títulos não foram fruto de
um exercício de criatividade para chamar a atenção do leitor, apenas de
sintetizaram o que narravam as professoras-alunas. As narrativas sim
possuíam carga emotiva, por isso marcantes, em situações fora do comum, o
suficiente para gerar um título “chamativo”. Essa nomeação das histórias em
si representou uma experiência de deleite para as autoras, tendo em vista a
surpresa de encontrar em seu passado uma história pronta, “só faltava o
título”, como disse uma das professoras-aluna

Em relação ao projeto de mestrado, este teve como objetivos


específicos: descrever a relação das alunas/educadoras do PARFOR com a
escrita; sistematizar o processo de produção literária dos alunos a partir de
narrativas e experiências marcantes em sala de aula; e registrar pontos de
vista/depoimentos, os limites e potencialidades da autoria docente. Dessa
forma, ao longo do primeiro semestre do ano corrente, foram realizados
registros que desdobram a experiência em seus detalhes. Por exemplo,
conforme, palavras da mestranda autora, escritas em seu caderno de campo:

No segundo encontro com a turma, dia 02/03/2012, fui apresentar o


meu projeto, e explicar os motivos que me levaram a fazer essa
pesquisa, conversando com elas sobre a metodologia a ser aplicada na
pesquisa neste período.
Neste encontro, mostrei o resultado da primeira etapa da pesquisa ,
mas quando se viram diante do livro, as imagens falaram por si só e
revelaram em suas expressões de felicidade e de prazer diante de uma
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etapa vencida. O sentimento de satisfação e o largo sorriso tomou


conta de cada rosto, e o brilho dos olhos de cada uma das alunas era
intenso.
Neste dia gravei depoimentos sobre os sentimentos das
alunas/professoras sobre a escrita. Na gravação pude perceber o
sentimento de satisfação de algumas alunas/professores por ter
participado do livro que aqui destaco apenas o início do depoimentos:
“Me senti poderosa vendo a minha história, e o desenho que meu filho
fez...”

Esse empoderamento, do qual fala a professora-aluna no início do


seu depoimento, é a representativo do que se pretendeu ao enfatizar a relação
entre autoria e memória, fazendo de sua narrativa a matéria prima para
resgatar o desejo e a crença no poder escrever.

No fragmento da apresentação do livro, realizado por duas alunas, é


possível identificar, marcado em negrito, o caráter provocador e de
empoderamento que a experiência autora exerceu sobre a baixa autoestima
que essas professoras-alunas têm em relação à escrita. Aqui se explicita a
tensão e ambiguidade entre o medo de escrever e a alegria da autoria.

(...) Ao ser lançado o desafio expressamos várias reações como:


nervosismo, ansiedade, entusiasmo, estranhamento, entre outros.
Porém, no decorrer das falas das colegas, outros sentimentos também
foram surgindo como risos, espantos e sobretudo a identificação em
cada fato contado.
No final dos relatos, reproduzimos nossas experiências, reais e muitas
vezes impactantes, em pequenos livros ilustrados. Em seguida,
elegemos as melhores estórias contadas para que fosse confeccionado
o nosso livro.
Enquanto transcorria o semestre o professor Gerson buscou adquirir
os equipamentos necessários para a sua confecção. Nesse tempo,
fomos autoras de várias produções, o que nos levou a olhar de modo
diferente a nossa relação com a escrita, pois aprendemos que as nossas
experiências também são importantes e que por isso devem ser
escritas e repassadas para outras pessoas.
Nas últimas três semanas do semestre, finalmente, começamos a
produzir o nosso livro. Então o professor dividiu a turma em pequenos
grupos e colocamos a mão na massa, ou melhor, no papel.
E o nosso livro começou a ganhar vida. De modo que todas nós
estávamos envolvidas nesse projeto e imprimindo pouco a pouco
nossas marcas.
Graças à união e dedicação de todas nós conseguimos concluir este
lindo trabalho que carrega um grande tesouro: a história dos nossos
alunos, como também um pouco de cada uma de nós.
Por isso sinta-se a vontade para compartilhar conosco da emoção de
conhecer a realidade que vivenciamos no nosso cotidiano escolar.
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Cleyde da Silva Lima Soares e Elisabeth de Souza Leite


Professoras-alunas da 1ª Licenciatura do PARFOR

Ao ler esse trecho da apresentação do livro encontra-se quase que um


meta- depoimento representativo dos demais, no qual encontramos
expressões em negrito reveladoras dos sentimentos de nervosismo,
estranhamento diante do desafio proposto, e, ao mesmo tempo, reveladoras
não apenas da satisfação, mas principalmente, da relação entre a memória e a
autoria que pode ser representada por essa que ora reproduzimos: “lindo
trabalho que carrega um grande tesouro: a história de nossos alunos, como
também um pouco de cada uma de nós”

CONSIDERAÇÕES FINAIS
Se todas as manifestações arroladas em relação ao medo de escrever
foram encontradas nas respostas das alunas-professoras do PARFOR, antes e
após terem realizado a referida experiência de autoria, isso não significou
haver incapacidade para a atividade de autoria escrita entre as professoras-
alunas pesquisadas e participantes da experiência autora que culminou na
edição do livro “Professoras Autoras: Lembranças Profissionais”.

Pelo contrário, verificamos que a experiência de autoria provocou


incômodos, dissonantes cognitiva e afetivamente, com o sentimento de baixa
autoestima em relação a escrita das referidas professoras-alunas. Entre o
passado enraizado do medo de escrever e a alegria do presente despertado ao
verem o livro pronto com suas histórias, a tensão e ambiguidade dos
depoimentos das docentes-alunas apontam para o caráter provocador que a
experiência autora exerce sobre a baixa autoestima que têm em relação à
escrita, e, portanto, de empoderamento da subjetividade por meio da escrita.

Dessa forma, consideramos necessário para trabalhos futuros postular a


centralidade da escrita como ponto de convergência interdisciplinar e
epistemológico, pelo entendimento da escrita como direito social, direito de
todos de aprendê-la em seus usos e práticas sociais numa relação amigável,
não submissa, com o ato de escrever.

REFERÊNCIAS

BAKHTIN, Mikhail. Estética da criação verbal. 3. ed. São Paulo: Martins


Fontes, 2000.
BAPTISTA, M. L. C. Escrever: Dor e Prazer a Sobrevivência na Selva
Caosmótica da Comunicação. In: Anais do Congresso Brasileiro de
Ciências da Comunicação, Porto Alegre, 2004. São Paulo: Intercom, 2004.
CD-ROM.
BENJAMIN, Walter. A Modernidade e os Modernos. Rio de Janeiro:
Tempo Brasileiro, 1975.
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BENJAMIN, Walter. “O narrador. Observações sobre a obra de Nikolai


Leskov”. In: Magia e técnica, arte e política : ensaios sobre literatura e
história da literatura. São Paulo: Brasiliense, 1986. p. 167-221.
BOHN, H. I. Produção textual e cultura: a interlocução necessária da
construção do saber. In: SOUZA S. de BOHN, H. I. (Orgs.) Escrita e
cidadania. Florianópolis: Insular, 2003.
BOLZ, Norbert W.; KONDER, Leandro. É preciso teologia para pensar o
fim da história?. In: Revista USP. São Paulo, nº 15, set.-nov./1992.
CALHAU, Maria do Socorro. Desmitificando aspectos que impedem o
sucesso na Alfabetização de Jovens e Adultos ou Como autorizar Solanges,
Raimundos e Isauras a participarem da cultura letrada. Rio de Janeiro, RJ:
Tese (doutorado), Pontifícia Universidade Católica, 2008.
CAMARA JR, Joaquim Mattoso. Manual de expressão oral e escrita. 21.
ed. Petrópolis: Vozes, 2001.
FREIRE, Paulo e SHOR, Ira. Medo e ousadia, o cotidiano do educador.
Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1986.
GERALDI, João Wanderley (org.). O texto na sala de aula: leitura e
produção. 3. ed. Cascavel: Assoeste, 1984.
KRAMER, Sônia. Leitura e escrita como experiência-notas sobre o seu papel
na formação. In: ZACCUR, E. (Org.) A magia da linguagem. 2. ed. Rio de
Janeiro: DP&A; SEPE, 2001, p.101-121.
LARROSA BONDIA, Jorge. Notas sobre a Experiência e o Saber de
Experiência. In: I Seminário Internacional de Educação de Campinas,
Campinas, SP, julho 2001.
LISPECTOR, Clarice. Um sopro de vida: pulsações. 3. ed. Rio de Janeiro:
Nova Fronteira, 1978.
PICARD, George. Todo mundo devia escrever: a escrita como disciplina do
pensamento. São Paulo: Parábola, 2008.
PROEX/UENF – Pro-Reitoria de Extensão da Universidade Estadual do
Norte Fluminense. Relatório do projeto Diagnóstico de EJA: autoria e
formação de alfabetizadoras. Coordenador Gerson Tavares do Carmo.
Campos dos Goytazaes, RJ: Mimeo, 2011.
RAMOS, Graciliano. Vidas secas. Rio de Janeiro: Record, 2005.
SANTOS, Pedro Perini. Por que as pessoas têm dificuldade em escrever?
— reflexões sobre a limitação repertorial e cognitiva da sociedade
contemporânea. In: 1º Encontro Mineiro de Análise do Discurso, Faculdade
de Letras da UFMG, jun./ 2005.

i
Livros está entre aspas porque referem-se a produções textuais de sala de
aula que se organizam à semelhança dos componentes básicos de um livro:
capa, autoria, referências de produção, páginas, ilustrações etc.
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Observação e Análise Quantitativa da


Interação Verbal Professor Aluno numa
Turma de Física do Ensino Médio através da
Tabela de Flanders

Jônathas Rafael de Jesus1

RESUMO
O presente trabalho é resultado da observação critica de uma aula de física realizada
na turma do 1º ano do Ensino Médio do Colégio Estadual Professor Nestor Carvalho
Lima no município de Itabaiana (Agreste Sergipano) durante a disciplina Estágio
Supervisionado em Ensino de Física I. A metodologia empregada neste trabalho se
deu pela aplicação do sistema de Flanders para uma análise quantitativa da interação
verbal professor aluno. Este foi escolhido por fornecer uma análise de forma
sistemática e não aleatória, facilitando a identificação de possíveis problemas que
atrapalham o processo de troca de conhecimento entre ambos. A turma continha 43
alunos com idade média entre 13 e 16 anos. Os resultados mostram que o professor
usa cerca de 63% do tempo para expor suas ideias e transpor os conteúdos, enquanto
os alunos usam apenas 15% para expressar suas opiniões e fazer questionamentos.
Durante o restante do tempo observa-se apenas silêncio ou confusão. Sendo assim, a
metodologia empregada pelo docente não permite uma grande exposição de ideias por
parte dos alunos, podendo interferir negativamente no processo de ensino-
aprendizagem. Por outro lado, observou-se que durante a aula a relação do professor
com os alunos se dá de forma gentil e amigável. Pode-se concluir que o sistema de
Flanders mostrou-se uma ferramenta viável para aplicação em sala de aula, facilitando
a identificação dos problemas e contribuindo para a formação do futuro professor.

Palavras-chave: Física; Sistema de Flanders; Interação verbal; Formação de


Professores.

1
Contato do(a) autor(a): jonathasrafael@gmail.com. Graduando. Universidade
Federal de Sergipe.
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INTRODUÇÃO

Vários são os fatores que podem influenciar no processo de ensino-


aprendizagem dos alunos. A escola, os professores, a sociedade, etc. Além
desses fatores a metodologia que o professor utiliza na sala de aula, pode
influenciar positiva ou negativamente na aprendizagem dos alunos.

Estes fatores tem um peso especial num curso de formação de


professores. Como futuros profissionais da educação, devemos ter bem
esclarecidas todos os fatores que podem interferir na aprendizagem dos seus
futuros alunos.

Sabemos que existem varias metodologias de ensino, porém


historicamente a mais utilizada sempre foi o tradicionalismo. Mizukami
(1986) conceitua o método tradicional como sendo uma concepção e uma
prática educacional que persiste no tempo, em suas diferentes formas, e que
passaram a fornecer um quadro diferencial para todas as demais abordagens
que a ela se seguiram.

O tradicionalismo se baseia na aula expositiva, o professor já traz o


conteúdo pronto e o aluno se limita exclusivamente a ouvir. A didática
praticamente se resume em dar e tomar a lição. A avaliação visa à
reprodução do conteúdo comunicado em sala de aula e as notas
obtidas funcionam na sociedade como níveis de aquisição do
patrimônio cultural (Mizukami, 1986 p. 15).
Nas pesquisas qualitativas a observação de aulas é muito utilizada no
intuito de entrar em contato com a dinâmica docente e proporcionar reflexões
críticas que discutidas no ambiente universitário possam subsidiar estudos e
produções sobre o tema. Sendo assim resolvemos ir a campo a fim de analisar
a metodologia empregada pelo professor em sala de aula, o comportamento
dos alunos e o relacionamento entre ambos.

O ensino-aprendizagem é um processo complexo que está presente no


cotidiano e principalmente numa instituição de ensino. Não obstante a isso,
existem diversos fatores que levam ao sucesso ou fracasso deste processo na
escola. Estrutura física da escola, materiais didáticos, relação do professor
com o aluno e metodologia, são alguns desses fatores.

A prática atual de ensino-aprendizagem baseia-se na transmissão de


conteúdos de forma verbal. Neste sentido, o sistema de Flanders (1967)
detecta quantitativamente e qualitativamente vários aspectos das interações
verbais professor/aluno e aluno/aluno que acontecem em sala de aula,
mostrando ser uma importante ferramenta para a análise dessa interação.

Neste trabalho, foi proposto o uso do sistema de Flanders na tentativa de


detectar e analisar essas interações numa turma de Física, 1° ano do ensino
médio, na Escola Estadual Prof. Nestor Carvalho Lima, Itabaiana SE.

1 Metodologia
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A necessidade do graduando ascender aos livros e conhecer seu futuro


espaço de atuação justifica a realização de observações criticas como
atividades num curso de formação de professores (Cavalheiro 2011).

É necessária a observação de aulas para formar no discente uma ideia de


didática aplicável na escola. Para SILVA 2010, a dimensão investigativa da
prática, enquanto componente essencial da formação de futuros professores
se sobressai às outras.

Na observação de aulas o aluno do curso de licenciatura, pode ter uma


noção de como é o dia-a-dia numa escola, como o professor age com os
alunos e como ele desempenha suas funções.

Nossa metodologia se deu pela observação das aulas de física e 1º ano


do Ensino Médio Colégio Estadual Prof. Nestor Carvalho Lima, Itabaiana/SE
e a aplicação de uma tabela de Flanders.

A observação e análise estão presentes no cotidiano, e isso é feito de


forma aleatória e intuitiva (nesse caso, os resultados são imprecisos e muito
pouco aproveitados). No entanto, para uma observação precisa no dia-a-dia,
faz-se necessário uma análise sistemática de um fato, e na sala de aula não
seria diferente. O sistema de análise de Flanders esquematiza um perfil de
toda a aula, a partir de separações e classificações dos fenômenos ocorridos
durante o período de observação.

Esse sistema consiste na construção de uma planilha dividida em dez


categorias (CARVALHO, 1985), em que sete estão relacionadas com a
participação do professor, duas com a participação do aluno e uma como
silêncio ou confusão. Cada categoria recebe uma numeração de acordo com a
seguinte ordem:

1 – Aceita sentimentos. Aceita e classifica os sentimentos dos


estudantes de uma maneira não ameaçadora.

2 – Elogio ou encorajamento. Elogiar ou encorajar as ações ou


comportamentos dos alunos. Piadas que relaxam a tensão da classe e
não à custa de um indivíduo em particular.

3 – Aceitação ou uso de ideias dos alunos. Classificando,


instruindo ou desenvolvendo as ideias ou sugestões dos alunos.

4 – Perguntando. Fazendo questões sobre o conteúdo ou


procedimento, com intenção de obter respostas do aluno.

5 – Exposição. Dando falas ou opiniões sobre o conteúdo ou


procedimento, expressando suas ideias, fazendo questões retóricas.

6 – Dando ordens. Ordens, direções para as quais é esperado que


os alunos obedeçam.
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7 – Crítica ou justificativa de autoridade. Críticas, intenção de


mudar o padrão de comportamento do aluno de não aceitável para
aceitável, pôr o aluno para fora, explicar seus atos, extrema auto
referência.

8 – Respondendo. Participação do aluno em resposta ao


professor. O professor inicia o contato ou solicita a participação dos
alunos.

9 – Iniciando a participação. Participação iniciada pelo aluno. O


observador precisa decidir se o aluno queria falar.

10 – Silêncio ou confusão. Pausa, pequenos períodos de silêncio


e períodos de confusão nos quais a comunicação pode ser entendida
pelo observador.

Na planilha é feita uma tabela com dez linhas e dez colunas, a cada três
segundos o observador marca uma numeração correspondente a aquela
ocorrida em sala de aula. Os números marcados são organizados em pares,
em que o primeiro número corresponde à linha e o segundo a coluna,
formando a tabela.

A análise quantitativa é feita somando os valores obtidos em cada


coluna e definindo alguns índices:

 Participação do professor (P) durante a aula foi obtida


através da soma do total de pontos das colunas de 1 a 7, dividida
pelo número total de pontos entre todas as colunas.

 Participação dos alunos (A) no decorrer da aula, é dada pela


soma de pontos das colunas 8 e 9, dividida pelo número total de
pontos entre todas as colunas.

 A relação I/D caracteriza todos os comportamentos do


professor, diretos e indiretos. A influência indireta é dada pela
soma das colunas de 1 a 4, e a direta é dada pela soma das colunas
de 5 a 7.

 A relação I/D* caracteriza todos os comportamentos do


professor, diretos e indiretos, exceto aqueles que tratam da
transmissão de conteúdo pelo docente. A influência indireta é dada
pela soma das colunas de 1 a 3, e a direta é dada pela soma das
colunas 6 e 7.

É importante ressaltar que a relação I/D e I/D*, possuem caraterísticas


distintas. Na primeira, não há distinção entre os comportamentos do
professor, enquanto na segunda a transmissão de conteúdos é excluída. Assim
a relação I/D*, caracteriza uma relação mais pessoal do professor com o
aluno (FLANDERS, 1967).
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2 Resultado e discussão
Durante a aula a relação do professor com os alunos se dá de forma
gentil e amigável, em que é possível perceber o prazer da mesma no exercício
da docência. Assim, o modo de agir do professor em sala de aula estabelece
um tipo de relação com os alunos que colabora (ou não) para o
desenvolvimento buscado pela escola. (Masetto, 1997).

No entanto, quando a turma exagera na conversa e bagunça, essa


relação é modificada para um comportamento ríspido (durante esse
comportamento os alunos ficam atemorizados), mais ainda sim é notável o
gozo do professor no decorrer da aula. Sendo assim, o aspecto mais
interessante, é o controle da classe.

É notável um bom controle da classe, no entanto, a falta de recursos


audiovisuais, a não preocupação com a aprendizagem dos alunos e a falta de
domínio de conteúdos prejudicam a relação ensino-aprendizagem.

A principal metodologia empregada pelo docente em questão é a aula


tradicional.

A abordagem tradicional enfatiza a transmissão de conceitos e a


imitação dos modelos aprendidos. Em termos gerais, é um ensino que
se preocupa mais com a variedade e a quantidade de noções, conceitos
e informações do que com a formação do pensamento reflexivo.
(MASETTO, 1997).

É visível a falta de motivação dos alunos já que a aula torna-se, de certa


forma, cansativa. Durante a aula o professor apenas expõe os conteúdos e os
alunos ouvem, o que evidencia mais uma vez traços do tradicionalismo.

As suas atitudes em sala de aula demonstram um grande carinho pelos


alunos. Devido a essa relação os alunos acabam falando muito, com o
professor e com os colegas, durante a aula. Muitas vezes essa conversa acaba
em celeuma. No entanto assim que o professor percebe a situação, toma
medidas para mostrar controle e respeito.

O domínio de conteúdo, apresentado pelo professor, aliado a falta de


recursos audiovisuais dificultam o entendimento do conteúdo. A dificuldade
que o professor tem em relacionar os conteúdos, abordados em sala de aula,
com o cotidiano deixa os alunos confusos e pouco motivados. Outro ponto
crucial é o objetivo do educador em cumprir a ementa programada,
despreocupando-se com a aprendizagem do aluno.

De modo geral a aula do professor nos pareceu ser limitada. Apesar de


toda experiência, ainda há muito que melhorar.
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Usando o sistema de Flanders foi elaborada uma tabela com base na


observação realizada da turma.

Tabela 1:

Tabela de Flanders com as informações extraídas durante a aula.

1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 Total

2 1 1 2

4 3 12 39 2 4 60

5 35 60 4 1 6 106

6 3 4 1 3 11

7 1 1 1 3

8 2 15 17 3 - - 2 1 40

9 1 4 50

10 3 8 3 1 1 45 61

Total 2 60 106 11 3 40 5 61 288

Através da construção da tabela 1 foi calculado o valor de cada um dos


índices. Esses valores podem ser observados na tabela 2.
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Tabela 2:

Valores dos índices obtidos durante a observação da aula de física.

Participação Participação Relação I/D Relação I/D*


do professor dos alunos (A)
(P)

63,194% 15,625% 0,5167 0,143

Os índices P e I/D (com valor inferior a 1) mostram que durante a aula


de física há uma grande participação verbal do professor (cerca de 63% do
tempo), tratando-se de uma aula bastante expositiva. Ou seja, os alunos
apenas recebem informação e praticamente não expõem suas ideias.

O índice A evidencia a metodologia empregada pelo docente (aula


expositiva). Em apenas 16% do tempo, os alunos têm participação ativa.
Sendo assim, durante a maior parte do tempo os discentes recebem o
conteúdo transmitido pelo professor, não havendo espaço para
questionamentos.

A relação I/D* (com valor menor que 1) mostra que o docente, em


alguns momentos, usa sua autoridade para criticar e não aceitar os
sentimentos dos alunos. Essa atitude pode inibir a participação dos discentes,
prejudicando-os no processo de ensino-aprendizagem.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Os resultados obtidos, por meio do sistema de Flanders, mostram que a


metodologia aplicada pelo professor possui vestígios do tradicionalismo.
Segundo Mizukami (1986), neste tipo de metodologia a relação professor
aluno é vertical, sendo que um dos polos, o professor, detém o poder de
decisão quanto aos métodos, conteúdo e forma de interação na aula. Ou seja,
os sentimentos e opiniões dos alunos são deixados de lado em detrimento da
veleidade do docente.

Podemos ainda perceber que a observação de aulas permite ao


graduando de licenciatura um primeiro contato com os alunos, ainda que sem
ter de ministrar aulas, o graduando tem uma amostra de como se da os
processos de ensino na escola.

Sendo assim, a observação crítica é uma ferramenta de grande valia na


formação de professores, dando lhes a oportunidade de analisar e revisar as
metodologias de ensino aplicadas em sala. Observando a prática de docentes
já formados e ministrantes de aulas mais experientes, o graduando pode fazer
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uma reflexão da prática e pensar melhor como ele irá atuar quando for sua
vez de lecionar.

REFERÊNCIAS

CARVALHO, A. M. P. da. Prática de ensino: os estágios na formação do


professor. Pioneira, São Paulo, 1985.
CAVALHEIRO, Joice Wociechoski; OLIVEIRA, Waléria Fortes.
Metodologias empregadas em sala de aula: uma reflexão de observações
de aula na visão de uma acadêmica de matemática. In: II CNEM –
Congresso Nacional de Educação Matemática. IX EREM – Encontro
Regional de Educação Matemática. Universidade Federal de Santa Maria, RS
2011.
FLANDERS, N. A., Analyzing Teaching Behavior. Addison-Wesley
Company, USA, 1970.
GASPARETTO, G; CIMA, V. A. Interações verbais aluno-professor:
compondo o retrato de uma sala de Aula. Departamento de Física – UFSC.
MASETTO, Marcos Tarciso. Didática: a aula como centro. 4ª Ed. – São
Paulo. FTD, 1997 – (Coleção aprender e ensinar).
MIZUKAMI, M. da G. N. Ensino: as abordagens do processo. EPU, São
Paulo, 1986.
FLANDERS, N. A., Interaction Analysis and Inservice Training.
California.
SILVA, Maria Helena Santos; DUARTE, Maria da Conceição. O diário de
aula na formação de professores reflexivos: resultados de uma
experiência com professores estagiários de biologia/geologia.
Departamento de Ciências da Educação, Universidade de Trás-os-Montes e
Alto Douro, Portugal, 2010.
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Apreciação da Física por Alunos do 3º Ano


do Ensino Médio do Colégio Estadual Murilo
Braga, Itabaiana-SE

Jônathas Rafael de Jesus1

Aline Mendonça Santana2

RESUMO
Neste trabalho buscamos as possíveis concepções dos alunos com relação à disciplina
de Física. Nossa metodologia se deu pela elaboração de um questionário com
questões abertas e fechadas, diretas. Estes questionários foram aplicados a 29 alunos
do 3º ano do Ensino Médio, do colégio Estadual Murilo Braga, Itabaiana SE, durante
a aplicação de um estágio. Nossa pesquisa abrange dados quantitativos e qualitativos.
Os dados quantitativos foram plotados em gráficos, e os qualitativos foram analisados
e citamos algumas respostas no decorrer texto. Dentre as principais considerações
apontamos os dados quantitativos: 52,2% dos alunos são do sexo feminino, a faixa
etária deles é a normal para o 3º Ano, 43,5% têm 17 anos, com relação ao município
onde residem os alunos, a maioria reside em Itabaiana, apenas 8,7% residem em areia
branca. Partindo para os dados qualitativos, as questões diretamente ligadas às
concepções dos alunos quanto à disciplina de física, temos que 69,5% dos alunos
afirmaram não gostar de física. Os alunos afirmam entre outras coisas que a física é
importante na inovação tecnológica, as invenções que revolucionam os materiais e
utensílios do dia-a-dia. A maioria dos alunos não se considera bom em física e ligam
essa rejeição à parte matemática da física.

Palavras-chave: Formação de Professores, Ensino de Física, Ensino-Aprendizagem.

1
Contato do(a) autor(a): jonathasrafael@gmail.com. Graduando. Universidade
Federal de Sergipe.
2
Contato do(a) autor(a): alynedsr@gmail.com. Graduando. Universidade Federal de
Sergipe.
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ISSN: 2177-4072

INTRODUÇÃO

Professor Pesquisador

Devido às potencialidades que a investigação dos problemas da sala de


aula parece ter na formação de professores reflexivos, diferentes estratégias
têm sido adaptadas algumas das quais no sentido de promover "reflexão
sobre a ação" e "reflexão sobre a reflexão na ação".

O primeiro tipo ocorre quando se formula conhecimento, explícita e


verbalmente, de modo a haver um distanciamento da ação e refletir sobre ela;
no segundo, trata-se de olhar retrospectivamente para a ação e refletir sobre o
momento da reflexão na ação: o que aconteceu, o que o professor observou
que significados atribuíram e que outros significados podem atribuir ao que
aconteceu. (SILVA, 2004).

A origem do interesse pela reflexividade na ação remonta ao filósofo


norte-americano John Dewey, em suas preocupações com a educação
nos Estados Unidos. No entanto, a utilização deste conceito nas
pesquisas em educação deu um salto a partir das propostas de Donald
Schön em seu livro “The Reflective Practitioner”, de 1983
(MARTINS, sem data).

Para GARCIA (2009), Professor pesquisador é aquele que parte de


questões relativas à sua prática para aprimorá-la. A pesquisa do professor
busca o conhecimento da realidade, para transformá-la, visando à melhoria
das práticas pedagógicas e à autonomia do professor. Enquanto a pesquisa
acadêmica em educação em geral está conectada com objetivos sociais e
políticos mais amplos, a pesquisa do professor tem caráter instrumental e
utilitário.

O processo de formação do professor reflexivo vai, aos poucos,


requerendo um novo enfoque às metodologias investigativas, pautado em
procedimentos científicos que permitam aos pesquisadores não só
apreenderem e compreenderem a prática reflexiva, mas construí-la em
processo. Tomio, 2002 conclui que a reflexão implica na introdução
consciente do professor no mundo das suas praticas, objetivando contempla-
las, interpreta-las, indaga-las, contribuindo, desta maneira, na auto-
organização do seu saber/fazer/ser.

Por fim, na prática de ensino, busca-se a integração entre a prática e os


conhecimentos teóricos, através de sua aplicação, reflexão, debate e
reelaboração. Na maioria das vezes é na prática de ensino que o licenciando
terá o primeiro contato real com a escola como espaço de produção e
conhecimentos. Através da visão do trabalho do professor, dos seus saberes
experienciais, práticos e com os dilemas dessa profissão e os desafios que
hoje, o discente se coloca na vivência da prática docente, e projeta sua
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própria visão e maneira de lidar com todos os desafios da profissão docente


(MENDES, sem data).

1 Deficiências no processo de ensino aprendizagem de


Física
As deficiências do ensino que é praticado em nossas escolas, e até
mesmo nas universidades, manifestam-se na evasão escolar, no alto índice de
repetência, na crescente difusão dos chamados cursinhos informais
preparatórios e, principalmente, no fraco desempenho dos alunos quando
colocados diante de situações em que são solicitados a explicitar seu
aprendizado (BONADIMAN, 2007).

A aprendizagem tem sido evidenciada em função da mudança do


aprendiz diante de situações planejadas para tal fim. Os cursos de ciências
tradicionalmente tem como resultado a memorização de nomes, termos
técnicos e informações (BIZZO, 2009).

Para Veit, a ciência é um processo de representação do mundo, sempre


sujeito a reformulação. A física representa para o estudante, na maior parte
das vezes, uma disciplina muito difícil, em que é preciso decorar formula
cuja ordem e finalidades são desconhecidas.

O ensino de Ciências, especificamente o ensino de Física, pode ser


entendido no âmbito da educação em geral, como uma atividade que busca
proporcionar aos membros de um grupo, acesso a uma determinada
experiência social historicamente acumulada e culturalmente organizada
(SILVA, 2004).

Anda segundo Silva 2004, em sociedades mais desenvolvidas cientifica


e tecnologicamente, a educação como um todo, mas, sobretudo o
ensino/aprendizagem de ciências, não pode mais ser feito através da imitação
e da participação. O mundo adulto tem uma incrível variedade de atividades,
e o conhecimento cientifico necessário sequer faz parte da pratica regular de
todas as pessoas.

Segundo Bonadiman o desempenho estudantil em alguns processos


avaliativos, por exemplo, o PISA (Programa Internacional de Avaliação de
Alunos) e o ENEM (Exame Nacional do Ensino Médio), é fraco e é um
problema geral, que perpassa todos os campos do conhecimento, não sendo
exclusividade de nenhuma área específica. No entanto, as dificuldades de
aprendizagem se revelam de forma mais contundente quando se trata do
ensino das ciências da natureza e o que se observa é que, de um modo geral,
nas escolas de nível médio, se aprende pouco da Física e, o que é pior, se
aprende a não gostar dela.

Levando em questão todos estes fatores elaboramos um questionário e


fomos a campo para decifrar os conceitos aqui abordados. Realizamos a
pesquisa das perspectivas dos alunos do ensino médio quanto à disciplina de
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física a fim de avaliar a pratica de ensino e exercitar a reflexão da mesma


numa turma do 3º ano do Ensino Médio durante o estágio.

2 Metodologia
Existem vários instrumentos de coleta de dados para grupos sociais e
que talvez o mais comum seja o questionário. O questionário é uma
entrevista estruturada e possuem a função de descrever as características e
medir variáveis de um grupo social. (Richardson, 2008).

Marconi, 1996 afirma que o questionário é um instrumento de coleta de


dados, constituído por uma série ordenada de perguntas, que devem ser
respondidas por escrito e sem a presença do entrevistador. Entre as vantagens
de se utilizar o método do questionário está: a economia de tempo, viagens e
maior quantidade de dados; atinge um maior numero de pessoas
simultaneamente; maior liberdade nas respostas devida o anonimato.

Sendo assim nosso método de coleta foi a elaboração de um


questionário com questões abertas e diretas e aplica-lo a 29 alunos do 3º ano
do colégio Estadual Murilo Braga, Itabaiana SE, durante a aplicação de
estagio.

Buscamos, através do questionário, identificar e descobrir o que os


alunos pensam sobre física. Se eles gostam da matéria, o que mais agrada o
que menos agrada etc. buscou-se também identificar qual curso eles
pretendem seguir, já que estes alunos estão se preparando para o Ensino
Superior.

3 Resultados e discussão
Foram aplicados 29 questionários. Dos alunos pesquisados 52,2% eram
do sexo feminino como vemos na figura 1.

Figura 1:
porcentagem relativa ao sexo dos alunos entrevistados.

Sexo

Feminino
47,8% 52,2% Masculino

A faixa etária dos alunos esta descrita na figura 2, onde vemos que
43,5% têm 17 anos, idade regular para esta serie de acordo com a LDB .
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Figura 2:
Distribuição etária dos alunos pesquisados.

Faixa etária
23 4,3%
21 4,3%
19 8,6%
18 17,5%
17 43,5%
16 17,5%
15 4,3%
0% 10% 20% 30% 40% 50%

Com relação ao município onde residem os alunos, a maioria reside em


Itabaiana, apenas 8,7% residem em areia branca. Este dado já era esperado
por se tratar da cidade onde fica o colégio onde estes alunos estudam. 30,5%
dos alunos moram na zona rural.

Partindo para as questões diretamente ligadas às concepções dos alunos


quanto à disciplina de física, temos a figura 3 que nos mostra que 69,5% dos
alunos afirmaram não gostar de física.

Figura 3:
Gráfico da apreciação dos alunos à física.

Gosto pela disciplina de física

Sim 30,5%

Não 69,5%

0% 10% 20% 30% 40% 50% 60% 70% 80%

O fato de alguns alunos não gostarem de estudar física não é uma


novidade e não caberia perguntar o porquê. Evidentemente há várias causas
possíveis, desde dificuldades individuais de aprendizagem até a forma como
o professor gerencia as situações de aprendizagem.

Quando perguntados o que eles menos gostam na disciplina, a maioria


dos alunos respondeu ser a parte matemática da disciplina. As fórmulas e os
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cálculos são o que mais incomoda os alunos. Apesar desta rejeição grande à
física, em outra questão foi perguntado o que mais agrada na disciplina e
alguns alunos alegaram ser os cálculos. Podemos perceber que enquanto para
a maioria os cálculos se apresentam como um “bicho papão”, alguns alunos
se saem bem em resolução de cálculos matemáticos.

Pereira em seu estudo percebeu este contraste também, ela afirma que
ao mesmo tempo em que a habilidade matemática é indispensável para a
física, não se pode reduzir esta àquela. As respostas dos alunos denunciam o
modelo de ensino de física que foi apresentado a eles: reduzido à resolução
de exercícios e à aplicação de fórmulas. Assim, não se estranha que uma
parcela dos alunos que alegaram não gostar de estudar física, o fazem porque
não gostam de cálculos.

Ainda em relação ao que mais agrada os alunos na física temos a parte


experimental e o desenvolvimento da curiosidade em como as coisas são
feitas. Os alunos alegam gostar da ligação clara entre a física e o cotidiano, a
capacidade do ser humano em criar através da física.

Essas respostas dos alunos nos remetem a outra questão abordada que
foi a importância da física para a sociedade. Os alunos afirmam entre outras
coisas que a física é importante nas inovações tecnológicas, as invenções que
revolucionam os materiais e utensílios do dia-a-dia. Algumas falas dos alunos
são interessantes citar aqui.

[...] Serve para o dia-a-dia de todos. A Física está presente em tudo


[...].

[...] Para inventar tecnologias [...].

[...] Para resolvermos os problemas do nosso cotidiano [...].

É importante ressaltar a ligação entre a física e a tecnologia e a


resolução dos problemas do cotidiano. Os alunos têm a física como uma
ferramenta de inovação tecnológica onde as coisas são inventadas para
melhorar a vida das pessoas. Estas afirmações podem estar ligadas aos físicos
da historia que eram inventores, Thomas Edson, inventor da lâmpada; o
inventor da câmera fotográfica; entre outros. Outra hipótese gira em torno de
que alguns assuntos abordados em física estão ligados as novas tecnologias,
onde cientistas se utilizam dos princípios da física e juntamente a
engenheiros e outros profissionais desenvolverem protótipos de alta
tecnologia.

Alguns alunos deram algumas respostas peculiares à função da física,


onde demonstram fortemente sua dificuldade nesta matéria.

[...] Para complicar minha cabeça [...].

[...] Para embaralhar a cabeça dos alunos [...].

[...] Para complicar mais a cabeça dos alunos [...].


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Perguntamos aos alunos se eles se consideram bons em física. Apenas 3


dos 29 alunos pesquisados se consideram bons. Isso nos remete a deficiência
no ensino da mesma. A física se mostra uma matéria de difícil aprendizagem
pela forma em que ela esta sendo aplicada nas escolas há muito tempo. As
principais causas apontadas por eles pra este mau desempenho na meteria
estão novamente os cálculos.

[...] Não, porque não sou boa em cálculos [...].

Outra causa apontada foi por não gostar da disciplina, não gostar do
assunto leva os alunos a não estudar e assim obter notas baixas, o que os leva
ao desestímulo. E ainda outro motivo para eles não se declararem bons em
física esta a necessidade em decorar formulas.

[...] Não, porque não gosto da matéria [...].

[...] Não, porque não consigo entender o assunto direito [...].

[...] Não, pois tenho dificuldade em decorar formulas [...].

Por fim ao serem perguntados se eles fariam vestibular para física


nenhum aluno respondeu positivamente ao curso. Embora tenha este curso no
campus em Itabaiana, nenhum aluno pretende cursar física. Os cursos
pretendidos por eles variam muito. Apenas quatro alunos não sabem ainda o
que fazer. Alguns cursos citados por eles são Educação física, Pedagogia,
Psicologia, Biologia, História, engenharia, engenharia mecânica, etc.

Conclusão

As concepções dos alunos interferem no processo de Ensino


Aprendizagem. Quando os alunos simpatizam com determinado assunto
adquirem certa facilidade em aprender tal assunto. Bonadiman, 2007 afirma
que quando o jovem estudante ingressa no Ensino Médio, proveniente do
Ensino Fundamental, vem estimulado pela curiosidade e motivado na busca
de novos horizontes científicos. Entre os diversos campos do saber, a
expectativa é muito grande com relação ao estudo da Física. Porém, na
maioria das vezes em pouco tempo, o contato em sala de aula com essa nova
disciplina torna-se uma vivência pouco prazerosa e, muitas vezes, chega a
constituir-se numa experiência frustrante que o estudante carrega consigo por
toda a vida. Essas características podem ser fruto de como a disciplina de
física é aplicada em sala de aula.

O ensino de Física tem-se realizado frequentemente mediante a


apresentação de conceitos, leis e fórmulas, de forma desarticulada,
distanciados do mundo vivido pelos alunos e professores e não só, mas
também por isso, vazios de significado. É provável que estas características
do ensino levem os alunos a não desenvolverem a curiosidade e motivação ao
seu estudo.
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Por fim vale ressaltar que estas concepções sobre determinada disciplina
pode interferir no seu aprendizado e no gosto pela matéria. É necessário ter
uma reformulação na didática do ensino das matérias exatas e das ciências,
para que os alunos possam desenvolver o gosto por estas áreas do
conhecimento. Cabem a nós alunos de licenciatura observar e mudar esta
situação desde o estágio até o exercício da profissão docente.

REFERÊNCIAS

BIZZO, N. Mais ciências no Ensino Fundamental: Metodologia de ensino


em foco/ Nélio Bizzo. – São Paulo: Editora do Brasil, 2009.
BONADIMAN, H; NONENMACHER, S. E. B. O Gostar e o Aprender no
Ensino De Física: Uma Proposta Metodológica. In: Caderno Brasileiro de
Ensino de Física, v. 24, n. 2: p. 194-223, ago. 2007. Ijuí RS.
GARCIA, V. C. V. Fundamentação teórica para as perguntas primárias:
O que é matemática? Por que ensinar? Como se ensina e como se
aprende? Educação, Porto Alegre, v. 32, n. 2, p. 176-184, maio/ago. 2009.
MARCONI, M. de A. Técnicas de pesquisa: planejamento e execução de
pesquisas, amostragens e técnicas de pesquisas, elaboração de analise e
interpretação de dados. 3ª Ed. São Paulo. Atlas, 1996.
MENDES, R; MUNFORD, D. Dialogando saberes – pesquisa e prática de
ensino na formação de professores de Ciências e Biologia. Faculdade de
Educação /UFMG.
PEREIRA, A. S; COELHO, M. F. de F; SILVA, M. M. da; COSTA, I. F. da;
RICARDO, E. C. Um Estudo Exploratório Das Concepções Dos Alunos
Sobre A Física Do Ensino Médio. Universidade Católica de Brasília.
RICHARDISON, R. J. Pesquisa social: métodos e técnicas. 3ª Ed. São
Paulo. Atlas. 2008.
SILVA, E. L. da. Aspectos motivacionais em operaçao nas aulas de Física
do Ensino Médio, nas escolas estaduais de São Paulo. Instituto de Física e
Faculdade de Educação, Universidade de São Paulo, 2004.
VEIT. E. A; TEODORO V. D. Modelagem no Ensino/Aprendizagem de
Física e os Novos Parâmetros Curriculares Nacionais para o Ensino
Médio. Revista Brasileira de Ensino de Física, vol. 24, no. 2, Junho, 2002.
Rio Grande do Sul.
TOMIO, D. De corpo presente a corpo aprendente: o professor de
ciências nos seus espaços de aprender. Itajaí: Univali, 2002.
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O Cotidiano de um Laboratório de Formação


Docente para Educação de Jovens e Adultos:
registros e reflexões

Maria Josefa de Menezes Almeida1

Resumo

Este texto constitui-se no breve relato sobre a experiência pedagógica do Laboratório


para Formação Docente, em desenvolvimento, objeto de extensão universitária
(PIBIX/UFS/2011-2012) cujo principal objetivo é Descrever o processo de formação
docente específica para a Educação de Jovens e Adultos (EJA) através da aplicação do
Curso: Aprofundando Saberes. Fornece um curto “estado de arte” desta ação que tenta
responder à problemática ainda existente em relação à formação para a docência nesta
modalidade educativa, determinada para cumprir objetivos como: a) Indicar principais
fundamentos para o processo ensino-aprendizagem de jovens e adultos; b)
Desenvolver conhecimentos, habilidades e atitudes pertinentes à docência na
Educação de Jovens e Adultos; e c) Elaborar materiais didáticos aplicáveis à EJA –
ensino fundamental a considerar uma abordagem interdisciplinar e intercultural. Seu
estudo articula-se metodologicamente a partir do paradigma da investigação
etnográfica e sobre ele já é possível apontar resultados parciais como: a) alguma
produção científica acerca desta ação pedagógica em desenvolvimento; b) a
elaboração de material didático próprio para a aplicação do Curso: Aprofundando
saberes na EJA; c) a aspiração à pesquisa científica em torno do tema – pedagogias
para EJA; d) o aproveitamento significativo manifestado pelo aluno da EJA no Curso
através da sua promoção escolar e por fim, e) a inserção do paradigma da
intersetorialidade no desenvolvimento da ação pedagógica da EJA neste projeto.

Palavras-chave: laboratório pedagógico – formação docente - educação de jovens e


adultos.

1
Contato do(a) autor(a): josefaaju@gmail.com. Doutora em Ciências da Educação
pela Universidade Autônoma de Assunção. Coordenadora do Grupo de Pesquisa
CNPq/Seppeja/Codap/UFS
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INTRODUÇÃO
Neste novo século, vivem-se as perplexidades, desafios e incertezas
que o acompanham. Exemplo disso são as novas tecnologias revolucionando
a comunicação enquanto ainda se convive com índices alarmantes do
analfabetismo absoluto e funcional atingindo uma enorme parcela da
população brasileira. Situação mais agravante encontra-se no Nordeste do
Brasil onde se registra um dos maiores percentuais destes índices (INAF,
2011). Assim, afirma-se ainda que parte deste contingente de excluídos do
sistema formal de ensino depara-se com a necessidade de realizar uma
escolaridade tardia, seja na adolescência ou em idade adulta. Em Sergipe, isto
é emergencial, segundo estudos da Agenda Territorial do Desenvolvimento
da Alfabetização e EJA, mais de 50% da população sergipana, acima de 15
anos, ainda não possui o ensino fundamental.

Alia-se a estes dados a grave questão: o ensino apresentado para


estes se realiza a partir de uma opção pedagógica e curricular distante do
público a que se destina. Restringe-se o papel da Educação de Jovens e
Adultos (EJA) à tentativa de conferir o acesso à escolarização a quem não
teve ainda esta oportunidade, mas esta não se realiza como ação social que
preza pela manutenção destes na escola. Justifica-se este distanciamento, pelo
fato de concluírem os professores os seus cursos de graduação em nível
superior, mas nesta formação não receberem nenhuma informação a respeito
desta modalidade de ensino da educação básica, nem orientação para lidar
com ela em sala de aula (SOARES, 2010, UNESCO, 2010).

Esta problemática encontra-se, na atualidade, intimamente


relacionada á configuração atual da concepção epistemológica para EJA e,
por conseguinte, sua reorganização curricular. Neste contexto, surge o
Projeto Pró-docência para EJA (PIBIX/UFS 2011-2012), atividade de
extensão universitária que propõe a convergência entre as propostas que
compõem o tripé da ação universitária (ensino-pesquisa-extensão) com a
finalidade de responder à necessidade para esta formação docente específica,
através da aplicação do Curso: Aprofundando saberes na EJA. Ação que, na
oportunidade, apresenta-se como um Laboratório de Formação Docente que
se oferece, no Colégio de Aplicação (Codap/UFS), aos estudantes de
licenciatura da UFS e de outras IES do estado, através de turmas-piloto de
EJA. Contribuindo assim para a reinserção de pessoas excluídas do lócus
escolar, ao tempo em que se promove um espaço de formação profissional
para atuar junto a este público, concomitante à investigação científica acerca
de estratégias pedagógicas e material didático para a promoção desta
modalidade educativa, apoiando-se na pedagogia dialógica (FREIRE, 2010),
interdisciplinar (SANTOMÉ,1998) e intercultural (AGUADO, 2003;
ALMEIDA 2012).

Este estudo que se caracteriza como investigação etnográfica pelo


envolvimento entre pesquisador e pesquisados, analisa este projeto que
possui como objetivo geral: Indicar impactos da formação docente específica
para Educação de Jovens e Adultos sobre a construção de um novo
paradigma curricular para este campo pedagógico. Ao tempo em que se
valendo do paradigma do professor reflexivo e pesquisador, tenta alcançar
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objetivos específicos como: a) Indicar principais fundamentos para o


processo ensino-aprendizagem de jovens e adultos; b) Desenvolver
conhecimentos, habilidades e atitudes pertinentes à docência na Educação de
Jovens e Adultos; e c) Elaborar materiais didáticos aplicáveis à EJA – ensino
fundamental a considerar uma abordagem interdisciplinar e intercultural.

1 Aporte Teórico

Nova Concepção da Educação de Jovens e Adultos


A diversidade sociocultural, geracional e cognitiva são
características peculiares à Educação de Jovens e Adultos (doravante EJA).
Sua concepção epistemológica na atualidade implica a consciência do perfil
diferenciado do sujeito para o qual se destina esta ação educativa, bem como
da organização curricular e consequente condução pedagógica desta. Não
interessa o nível de escolarização com o qual se esteja lidando
profissionalmente na EJA, o objetivo a se alcançar é sempre a qualificação
permanente da pessoa com a qual se interage neste processo (UNESCO,
2010).

Não deve ser objetivo da EJA simplesmente garantir o acesso à


escolarização já tardia, mas a permanência escolar com reflexos na
qualificação da pessoa envolvida neste processo. Assim, há que se considerar
sua especificidade própria, marcada pela diversidade que a caracteriza
(BRASIL, 1988, 1996, 2000). O que requer da escola, a capacidade de inovar
e adequar-se a circunstâncias diversas e até adversas socialmente na meda em
que poderá se contrapor ao “status quo” (SOARES, 2005). Uma ação
educacional cujo foco deva ser a integração do ensino com a vida,
conhecimento e ética, reflexão e ação numa visão holística e reflexiva da
própria realidade (AGUADO, 2003). Educar para ajudar uma pessoa a
interagir com a sua identidade cultural e com os outros em todas as
dimensões da vida, encontrando seu caminho intelectual, emocional,
profissional com o qual se realize e contribua para modificar a sociedade da
qual faz parte. Como afirmam Di Pierro, Joia e Ribeiro (2005):

A Educação de Jovens e Adultos é um campo de práticas e reflexão


que inevitavelmente transborda os limites da escolarização em sentido
estrito. Primeiramente, porque abarca processos formativos diversos,
onde podem ser incluídas iniciativas visando a qualificação
profissional, o desenvolvimento comunitário, a formação política e um
sem número de questões culturais pautadas em outros espaços que não
o escolar.

Para admitir esta nova concepção, faz-se necessário contrapor-se ao


engessamento dos sistemas escolares em geral que apresentam para esta
modalidade de ensino o distanciamento dos universos culturais do seu
entorno, reproduzindo neste uma prática a contribuir com a forma
hegemônica dos currículos, a reconhecida pela escola convencional. Muitos
dos currículos adotados pela EJA distanciam-se das necessidades educativas
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de adultos sem escolarização, trabalhadores iletrados, assim como da


crescente massa jovem urbana que, em função da dinâmica escolar do Brasil
e das pressões oriundas do mundo do trabalho, busca a EJA. Assim, esta
modalidade atende insuficientemente a todos que a buscam porque, ainda
concebida sob o estigma de “aceleração de estudos”, esquece os trazem
consigo uma herança arraigada na cultura rural desvalorizada, negada ou
apagada pela escola que nada de popular consegue expressar (GALVÃO &
DI PIERRO, 2007).

Ressalte-se ainda que, como modalidade da Educação Básica, a


LDB atual prevê “A educação de jovens e adultos destinada àqueles que não
tiveram acesso ou continuidade de estudos no Ensino Fundamental e Médio
na idade própria”. Cabe aos sistemas de ensino assegurar “gratuitamente aos
jovens e aos adultos, que não puderam efetuar os estudos na idade regular,
oportunidades educacionais apropriadas, consideradas as características do
alunado, seus interesses, condições de vida e de trabalho, mediante cursos e
exames”. Assim, além de viabilizar e estimular o acesso á escolarização
destes jovens e adultos que buscam tardiamente a escola, especialmente, a
organização curricular deve preocupar-se com a obrigação atribuída ao poder
público com “a permanência do trabalhador na escola, mediante ações
integradas e complementares entre si” (BRASIL, 1996).

Considerando que este texto legislativo já está completando 16 anos


de vigência e que já recebeu, particularmente em relação à Educação Básica,
uma série de alterações significativas como a obrigatoriedade do respeito à
diversidade cultural e religiosa do Brasil, outras leis promoveram
significativas modificações, o que se exemplifica com o Parecer CNE/CEB
(07/2010) que julga “oportuno e necessário considerar as dimensões do
educar e do cuidar, em sua inseparabilidade, buscando recuperar, para a
função social da Educação Básica, a sua centralidade, que é o estudante”.
Assim, entende-se que educar exige cuidado e isto quer dizer uma propensa
indicação para o intercultural.

Entende-se que esta é uma ação que envolve educar, acolher, ouvir,
encorajar, apoiar, no sentido de desenvolver o aprendizado de pensar e agir,
cuidar de si, do outro, da escola, da natureza, da água, do Planeta. Enfrentar o
desafio de lidar com o outro com a alteridade e seus desafios inscritos na teia
das relações humanas e suas complexidades. Desenvolver a sensibilidade
humana na relação de cada um com o outro, com tudo o que existe em busca
da formação holística, ecológica, global, intercultural (AGUADO, 2003).

2 Relação entre Currículo e Cultura


É inegável que nos dias de hoje a noção de currículo esteja atrelada à
de cultura. Saber, linguagem, escola, tudo é concebido como expressão
cultural (MOREIRA & SILVA, 2002). Assim, à concepção e organização do
currículo imbricam-se ambientes físicos, didático-pedagógicos e
equipamentos que não se reduzem às salas de aula, mas incluem outros
espaços socioculturais. Uma ampliação e diversificação dos tempos e espaços
curriculares que pressupõe profissionais dispostos a reinventar e construir
nova mentalidade escolar. Contexto em que se insere a perspectiva
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pedagógica interdisciplinar, ultrapassando a concepção de um estudo


meramente disciplinar, favorecendo a transversalidade do conhecimento
mediada, por exemplo, pelo que se denomina após a nova escola como
pedagogia dos projetos ou aprendizagem significativa. Segundo Santomé
(1998): “ É necessário criar situações de ensino-aprendizagem nas quais a
relevância dos conteúdos culturais selecionados no currículo possa interagir e
propiciar processos de reconstrução junto com o que já existe nas estruturas
cognitivas dos alunos”.

Estas situações facilitam a organização coletiva e cooperativa do


trabalho pedagógico, embora sejam ainda recursos que vêm sendo utilizados
de modo restrito e, às vezes, equivocados. A interdisciplinaridade, neste
texto, é entendida como abordagem teórico-metodológica em que a ênfase
incide sobre o trabalho de integração das diferentes áreas do conhecimento,
num trabalho de cooperação e troca, aberto ao diálogo e ao planejamento
contínuo segundo Nogueira (2001). Assim, neste projeto se analisa e
considera a pertinência de um currículo aberto, elaborado a partir da
realidade a que se destina. Uma alternativa de viés menos convencional e
menos rígido, na tentativa de atingir necessidades especiais da EJA como a
compreensão leitora e a competência escritora, capaz de possibilitar o diálogo
e a parceria entre diversos componentes curriculares através do
desenvolvimento da competência intercultural.

De acordo com a atual LDB, conteúdos, metodologias e formas de


avaliação devem ser organizados de tal forma que o educando possa
demonstrar habilidades e competências para dar prosseguimento aos
respectivos estudos. Essa orientação é enriquecida, pela orientação para que
se contemple o aspecto intercultural (UNESCO, 1997; 2010). Nesta
concepção, a partir de um eixo temático como uma “rede de conhecimento e
de aprendizagem”, expressa-se por meio de planejamento sistemático e
integrado, a disposição para o diálogo entre os componentes curriculares,
porque todo conhecimento é cultural. Assim, dá-se o diálogo de uma cultura
com outra cultura de tempo diferente, de local diferente, de etnia diferente, de
pontos de vistas diferentes. Em Aguado (2003), colhe-se a orientação para
uma prática pedagógica capaz de desenvolver-se a:

(...) situar as variáveis culturais no centro de toda reflexão sobre a


educação. Assumir um enfoque diferencial que questiona visões
restritivas e marginalizantes para a definição de grupos e indivíduos
em função de suas características culturais. Propõe-se ajudar a
“desconstruir” as visões fundamentalistas da identidade, da cultura; a
lutar contra a percepção etnocêntrica do outro que leva a encerrá-lo
numa representação de caricatura”.

De Almeida (2012), recolhe-se a orientação para o processo de


formação docente para EJA a favorecer a existência de um elo significativo
entre os interlocutores em sala de aula através da prática da leitura, a
promover um movimento contracorrente em relação ao que se estabelece
como hegemonia cultural, a exemplo da supremacia atribuída à variante
linguística denominada padrão. E por um olhar voltado especificamente para
EJA, defende-se uma ação educativa a refletir estas e outras questões sociais
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ISSN: 2177-4072

a partir da leitura e da escrita – tomadas como prioridade e determinantes


para a inserção no contexto de luta por igualdade e justiça social. Ainda
que não seja esta uma questão propriamente nova, somente nas últimas
décadas, a formação docente tem se identificado como um problema do
contexto educacional brasileiro, ganhando uma dimensão mais ampla.

Na ampliação desses conceitos, sob o enfoque holístico, chega-se à


qualificação profissional pelo viés intercultural ou da competência para o
convívio com a alteridade em espaços socioculturais a exemplo da escola. A
partir desta visão que também é humanista, identifica-se uma construção
epistemológica para o referido termo no sentido de incluí-lo no exercício de
tarefas básicas como a reflexão sobre as condições que lhe são oferecidas
para executar tarefas profissionais. Pedagogicamente, faz-se necessária a
construção de um espaço educativo ávido por considerar as práticas sociais
de letramento, ou seja, dar um resposta a esta discussão como sugeriu Arroyo
(2005, p. 44):

Superação de estruturas e lógicas seletivas, hierárquicas, rígidas,


gradeadas e disciplinares de organizar e gerir os direitos ao
conhecimento e à cultura é uma das áreas de inovações tidas como
inadiáveis. Nesse quadro de revisão institucional dos sistemas
escolares, torna-se uma exigência buscar outros parâmetros para
reconstruir a história da EJA. Se a organização dos sistemas de
educação formal está sendo revista e redefinida a partir dos avanços
da consciência dos direitos, a educação dos jovens-adultos tem de ser
avaliada na perspectiva desses avanços.

3 Caracterização da Ação

Sujeitos Envolvidos: Professores- Formadores


Deste processo participa uma equipe multidisciplinar composta por
professores e alunos pesquisadores da UFS predominantemente, com algum
vínculo ou estudo desenvolvido para EJA, que exercem a função de agentes
formadores para os futuros docentes a atuarem nas turmas-piloto de EJA.

Docentes do Curso: Aprofundando saberes na EJA


São denominados estagiários – voluntários os que atuam como
docentes no Curso “Aprofundando saberes na EJA”, alunos dos diversos
cursos de graduação da UFS predominantemente, de cursos presenciais e a
distância. Perfazem um total de 20 interlocutores neste processo ensino-
aprendizagem da EJA, além de professores do Colégio de Aplicação que
aderiram ao projeto.

Alunos da EJA
Em agosto de 2011, quando se iniciou a regência de classes em
turmas de EJA no Codap/UFS, atenderam à chamada pública para a
constituição de turmas de EJA, 55 pessoas de 19 a 59 anos, 52% do gênero
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masculino, na maioria casados, residentes predominantemente no Bairro


Rosa Elze e adjacências que declaram ter estudado da 1ª série do ensino
fundamental até a 3ª série do ensino médio. Após nova chamada pública em
2012, primeiro semestre, este público passa a se constituir de 150 pessoas
com formação escolar concluída ou não em níveis de escolaridade diversos a
compreenderem á educação básica e com características semelhantes as
anteriormente assinadas.

4 Metodologia Aplicada

Para Estudar a própria Prática


O modelo metodológico adotado para tomar o desenvolvimento do
projeto como objeto de investigação científica sobre o processo da formação
docente se desencadeia a partir da ação pedagógica de atuar como docentes
em turmas de EJA atende ás especificidades do perfil da pesquisa etnográfica
pelo amplo envolvimento do pesquisador com os envolvidos no processo na
qual o docente se coloca como pesquisador da própria ação que desenvolve
(TARDIF, 2008).

Para o Desenvolvimento da Formação Docente


Este processo formativo se desencadeia a partir da perspectiva
interdisciplinar e intercultural numa reflexão sobre a prática, para que se
alcance o enfoque privilegiado para a leitura e a escrita a se desenvolverem
predominantemente em sala de aula por todos os componentes curriculares
do Curso Aprofundando saberes na EJA.

Em particular destacam-se, no processo, um momento dedicado á


formação inicial (abril de 2011 – agosto de 2011) em situações em que aos
cursistas são apresentados paradigmas para a EJA a considerar a perspectiva
de uma Educação para a Diversidade, sempre entremeadas pela vivência da
leitura e da escrita entre os participantes, exploradas por textos, temas e
formadores de diversos componentes curriculares em espaço virtual de
aprendizagem colaborativa e experiencial, no Blog do Seppeja/Codap/UFS-
2011. Aprendizagem admitida como um desafio sempre presente visando à
ampliação de conhecimento, habilidade e atitude intercultural a considerar a
perspectiva da reflexão-ação-reflexão, oportunidade de estabelecer relação
entre teoria e prática, contribuindo para a sua autonomia pedagógica
conforme definiu Freire (2010). No segundo momento, ou seja, da
formação continuada em exercício, as ações de planejamento, elaboração,
execução e avaliação de recursos didáticos e estratégias para a promoção
desta intervenção pedagógica são constantes tendo como alvo a consecução
de uma aprendizagem colaborativa e experiencial nas turmas piloto de EJA
no Codap/UFS.

Para a Aplicação do Curso _ Aprofundando saberes na EJA


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Este processo que se pretende inovador considera pedagogicamente


as perspectivas interdisciplinar e intercultural na construção de novo perfil
curricular embasados em competências e habilidades definidas como
primordiais para o desenvolvimento da ação pretendida através da prioridade
à compreensão leitora e à produção textual cujas preocupações pedagógicas
se descrevem nesta ordem:

1ª preocupação – desenvolvimento das habilidades da leitura e


escrita

2ª preocupação – expressão de letramento ou utilização da leitura e


escrita em situações sociais

3ª preocupação –desenvolvimento do caráter intersetorial da EJA –


vínculo com o mundo do trabalho, saúde e cultura.

Na interface com o mundo do trabalho, esta ação articula-se com


exigências e necessidades atuais a exemplo de temas como: Informatização
de espaços; Empreendedorismo; Qualificação profissional, estimulando a
autoestima através da instrução para participar de concursos diversos a fim de
se promoverem a inserção ou avanço de patamares já alcançados. Já na
interface com temas da juventude, promove-se a reflexão sobre o futuro
frente a problemáticas sociais como saúde pública, drogas, DST, alcoolismo,
fumo, sustentabilidade e ecologia. Ainda preocupada com a
intersetorialidade, dá-se atenção especial a questões culturais, de gênero, de
sexualidade, de nutrição e saúde, de meio ambiente e vida social. Para que
um bojo de temas e ações se concretizem em relação à intersetorialidade,
procurou-se estabelecer o contato, relacionamento e adesão de setores
diversos da sociedade para que não se constituíssem entraves/empecilhos
para o desenvolvimento educacional dos alunos envolvidos no processo.

Em todos os momentos em prol do desenvolvimento cognitivo,


comportamental e atitudinal do processo formativo junto aos professores,
alunos de graduação, bem como entre os alunos da EJA, a abordagem
pedagógica adotada preza por desencadear-se através de atividades
presenciais, no entanto não se desvincula totalmente do universo das
Tecnologias de Comunicação e Informação (TCI). Realizam-se também
atividades a distância, a partir da interatividade virtual, utilizando alguns
recursos da internet, por meio de ambiente colaborativo e virtual, um blog
dos alunos, elaborado e acompanhado através da contribuição da Informática
Educativa, ou aulas desenvolvidas no Laboratório de Informática.

5 Resultados
Reafirma-se a pertinência e possibilidade da adoção dos paradigmas
interdisciplinar e intercultural no processo concomitante da formação docente
continuada e desenvolvimento da ação didático-pedagógica para EJA
desenvolvidas neste projeto em turmas-piloto no Colégio de Aplicação da
UFS através da indicação destes resultados parciais:
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1) produção científica acerca deste processo de formação docente,


bem como sobre estratégias didático-pedagógicas utilizadas para o exercício
desta docência;

a) elaboração de um projeto pedagógico local para EJA com vistas à


inserção desta modalidade educativa no novo projeto curricular do
Codap/UFS;

b) elaboração de material didático utilizado neste projeto;

c) aspiração à pesquisa científica em torno do tema;

2) Reflexos do avanço escolar do aluno da EJA participante deste


processo:

a) êxito em concursos públicos, aprovação em exames supletivos e em


cursos de nível superior;

3) Exemplo de uma prática da EJA a considerar a intersetorialidade:

a) em relação à saúde – exame oftalmológico no HU para todos os


alunos; exame nutricional acompanhado por aluno do Curso de Nutrição da
UFS; encaminhamento de aluno do Curso a setores da saúde pública para
atendimento à dependente químico;

b) em relação à cultura: viagens e visitas a espaços culturais;

c) em relação ao trabalho: oficinas profissionalizantes e palestras sobre


o mundo do trabalho e estímulo ao empreendedorismo.

CONSIDERAÇÕES FINAIS
Este projeto em desenvolvimento fornece um exemplo de como
certa consciência sobre a Educação de Jovens e Adultos (EJA) e seus
principais fundamentos na atualidade gera uma forma cultural de conhecer e
fazer EJA, talvez mais aproximada do que preconiza a literatura especializada
a este respeito. Esta consciência estimulou a criação de estratégias
metodológicas e recursos didáticos a partir dos artefatos culturais existentes
no entorno do público-alvo a que a ação se destina.

Também se espera que os resultados alcançados por este projeto até


o momento possam servir de estímulo para a sua continuidade, bem como
possa alertar aqueles que atuam nesta modalidade educativa. Construção de
um processo educativo futuro para a EJA a partir das concepções culturais de
seus alunos, do que eles são e do que eles podem fazer. Anseia-se, por fim,
alcançar a possibilidade de desconstruir o atual “mundo da escola” destinado
a este público, marcado por percepções nascidas de estereótipos, tais como
“déficits” cognitivos marcados por expressão como: “não está pronto para
aprender”; “não consegue aprender” etc. Por fim, credita-se que seja
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determinante para que se estabeleçam inovações neste universo escolar um


novo perfil para a formação docente inicial e continuada a fim de que surjam
antídotos em potencial úteis para este viés de percepção distorcida acerca da
EJA dentro do contexto da educação básica.

REFERÊNCIAS

AGUADO. Tereza. Pedagogia Intercultural. Mc Grill. 2003.


ALMEIDA, M. J de Menezes Almeida. A pedagogia intercultural na
formação docente: aportes para a educação de jovens e adultos em Sergipe.
Tese de Doutorado, UAA, Paraguai, 2012.
ARROYO, Miguel G. Educação de Jovens-Adultos: um campo de direitos e
de responsabilidade pública. In: Leôncio Soares; Maria Amélia Giovanetti;
Nilma Lino Gomes. (Org.) Diálogos na Educação de Jovens e Adultos. Belo
Horizonte: Autêntica, 2005.
BRASIL. Lei de Diretrizes e bases para a Educação brasileira.
Brasília,1996.
BRASIL. Proposta Curricular para a Educação de Jovens e Adultos.
Secretaria de Educação Fundamental. Brasília: MEC/SEF, 2000.
BRASIL. Conselho Nacional de Educação. Diretrizes Curriculares
Nacionais Gerais para a Educação Básica. Parecer CNE/CEB No 07/2010.
Brasília, 2010. Disponível em:
http://portal.mec.gov.br/index.php?option=com_content&view=article
DI PIERRO, M. Clara; JOIA, Orlando e RIBEIRO, Vera Massagão. Visões
da Educação de Jovens e Adultos no Brasil. Cadernos Cedes, ano XXI, nº 55,
novembro/2005. Disponível em:
http://www.scielo.br/pdf/ccedes/v21n55/5541.pdf
FREIRE, P. Pedagogia da Autonomia: Saberes Necessários à Prática
Educativa. 41ª ed., São Paulo: Paz e Terra, 2010.
GALVÃO, A. M. & DI PIERRO, M. C. Preconceito contra analfabeto. São
Paulo: Cortez, 2007.
INAF. Indicador de Analfabetismo Funcional. Instituto Paulo Montenegro.
São Paulo: Ação Educativa: 2011. Disponível em: http://www.ipm.org.br/
MOREIRA, A. F. e SILVA, T. T. (Org.) Currículo, cultura e sociedade. São
Paulo: Cortez, 6ª ed., 2002.
NOGUEIRA, N. R. Pedagogia dos Projetos: uma jornada interdisciplinar
rumo ao desenvolvimento das múltiplas inteligências. São Paulo: Érica, 2001.
SANTOMÉ, J. Torres. Globalização e interdisciplinaridade: o currículo
integrado. Porto Alegre: Artes Médicas, 1998.
SOARES, Leôncio. (org.). Diálogos na educação de jovens e adultos. São
Paulo: Autêntica, 2005.
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SOARES, L. et al (org.). Convergências e tensões no campo da formação e


do trabalho docente: educação de jovens e adultos. Belo Horizonte:
Autêntica, 2010.
TARDIF, Maurice. Saberes docentes e formação profissional. Petrópolis, 9ª
edição. Rio de Janeiro: Vozes, 2008.
UNESCO, 2010. Conferência Internacional para a Educação de Adultos,
Marco de Belém, 2010.
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Formação dos/as Professores/as que Ensinam


Matemática nos Anos Iniciais

Evanilson Tavares de França 1


Maria Batista Lima2

RESUMO

No Brasil do Século XXI, considerado país em desenvolvimento, cada vez mais os


discursos acadêmicos e políticos colocam a educação escolar como instrumento de
desenvolvimento social. No entanto, como apontam autores como Melo e Luz (2005),
ainda há uma distância entre esses discursos e a efetivação da universalização
qualitativa dessa educação. Dados estatísticos do IBGEi e MECii indicam que a
ampliação do acesso escolar ainda não se universalizou de fato, nem
quantitativamente e muito menos qualitativamente. Segundo Melo e Luz (2005) em
cada 100 alunos desta modalidade de ensino, apenas 31 chegam ao ensino médio, e
somente 9% dos jovens entre 18 e 24 anos conseguem ter acesso à educação superior.
Isso aponta para o fato de que a educação escolar não consegue cumprir seu papel
para com um percentual significativo de estudantes, contribuindo para que o país
tenha uma das piores taxas de progressão educacional da América Latina. Entre os
fatores contributivos apontados para este quadro destaca-se a fragilidade de
pertinência e de sintonia entre elementos essenciais dessa educação, tais como
investimentos e gestão competente em estrutura pedagógica e tecnológica. Um dos
aspectos essenciais nesse aspecto pedagógico têm sido a formação e a valorização
dos/as profissionais da educação. Aspectos se traduzem nos contextos articulados da
formação inicial e continuada, das condições estruturais (física e pedagógica) de
trabalho nas escolas, nas condições salariais e no processo de (des)valorização no
âmbito dos governos e da sociedade. Esses são desafios que segundo vários
referenciais do campo da educação, bem como a legislação educacional se refletem
nos resultados educacionais (BRASIL, 1996, 2001; Arroyo, 2009; Lima, 2006, entre
outros). Ao se tratar da educação infantil e dos anos inicias do ensino fundamental,
isso tem o agravante de sendo os níveis de ensino em que se constitui a base de
formação do ser humano, ser o que mais é atingindo pelas más condições de trabalho
e pela desvalorização social e estatal. Embora algumas mudanças estejam em curso,
como apontam Tardif (2002) e Arroyo (2009), muito ainda estar por fazer. Isso inclui
a problemática sobre a identidade e profissionalização docente da pedagoga e do
pedagogo, profissionais responsáveis pela docência na educação infantil e nos anos
iniciais do Ensino Fundamental, para formação da base de formação escolar humana
nas diferentes áreas do conhecimento. Uma dessas áreas em foco em debates
educacionais e pesquisas científicas é a Matemática, disciplina cujos resultados de
desempenho nas avaliações institucionais como Prova Brasil, SAEB tem sido

1
Contato do(a) autor(a): evanilsont@gmail.com. SEED- UFS. Mestrando do Núcleo
de Pós-Graduação em Ensino de Ciências Naturais..
2
Contato do(a) autor(a): mabalima.ufs@gmail.com. Profª Adjunta DEDI-
UFS/GEPIADDE
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apontados como muito baixos. Um dos aspectos pertinentes nesse panorama é a


formação das professoras e professores que ensinam neste nível de ensino, e de modo
específico, que ensinam Matemática, um dos componentes curriculares com um dos
menores índices de desempenho nas estatísticas educacionais. Assim, este artigo tem
como objetivo apresentar uma reflexão sobre a formação de professoras e professores
que ensinam matemática nos anos iniciais do Ensino Fundamental. Para isso, a
referida reflexão está organizada em três eixos, a saber: alguns apontamentos sobre a
trajetória histórica da formação das professoras e professores dos anos iniciais do
Ensino Fundamental e a formação da pedagoga e do pedagogo e o ensino de
Matemática.

Palavras-chave: Formação de Professores. Ensino de Matemática.

INTRODUÇÃO

De acordo com Dermeval Saviani (2009), a preocupação com a


formação de professores remonta o século de XVII, ainda sob a inspiração de
João Amós Comenius. Contudo é a partir da Revolução Francesa que a
institucionalização de estabelecimentos voltados para a formação de
professores ganha corporeidade graças à preocupação com a educação
popular. Para tanto, estrutura-se as Escolas Normais: aquelas voltadas para a
formação de professores que atuariam no ensino secundário (Escola Normal
Superior) e as destinadas à formação de professores primários (Escola
Normal Primária ou apenas Escola Normal).
Ainda seguindo a trajetória aberta por Saviani (ibidem), a preocupação
com a formação de professores no Brasil se instaura com a Proclamação da
Independência. A partir deste fato histórico, segundo o autor supracitado, é
possível delinear os seguintes períodos no processo evolutivo na história da
formação de professores neste país: 1. “Ensaios intermitentes de formação de
professores”3 (SAVIANI, 2009, p. 143), de 1827 a 1890, quando se institui as
Escolas de Primeiras Letras, 2. Instituição e ampliação das Escolas Normais
(1890 – 1932); 3. Organização dos Institutos de Educação (1932 – 1939), sob
a influência dos Pioneiros da Escola Nova, Anísio Teixeira e Fernando de
Azevedo; 4. Estruturação dos cursos de Pedagogia e de Licenciatura (1939 –
1971); 5. Instauração da Habilitação Específica do Magistério (em
substituição às Escolas Normais), 1971 a 1976; 6. Estabelecimento dos
Institutos Superiores de Educação, das Escolas Normais Superiores e
redefinição do curso de Pedagogia (1996 a 2006).
Ainda que concordemos que a Lei de 15 de outubro de 1827, por
estabelecer que os professores devessem fazer uso do método mútuo para

33
Este período é marcado pela promulgação da Lei das Escolas de Primeiras
Letras, em 15 de outubro de 1827, que inclusive dará origem ao Dia do/a
Professor/a.
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alfabetização das crianças nas Escolas de Primeiras Letras, já abordasse, de


alguma forma, questões didáticas, e reconheçamos que as Escolas Normais,
nascidas em 1890, preconizassem as “coordenadas pedagógico-didáticas”
(SAVIANI, 2009, p. 144), “No entanto, contrariamente a essa expectativa,
predominou nelas a preocupação com o domínio dos conhecimentos a serem
transmitidos nas escolas de primeiras letras” (ibidem):

O currículo dessas escolas era constituído pelas mesmas matérias


ensinadas nas escolas de primeiras letras. Portanto, o que se
pressupunha era que os professores deveriam ter o domínio daqueles
conteúdos que lhes caberia transmitir às crianças, desconsiderando-se
o preparo didático-pedagógico. (SAVIANI, 2009, p. 144).

A instituição das Escolas Normais, inspiradas no modelo europeu,


influencia os processos de formação de professores e professoras, no Brasil,
até a segunda metade do século XX. Com Gatti (2010), aprendemos que a
formação para professores das “primeiras letras” (p. 1356) foi proposta no
final do século XIX, com a criação das Escolas Normais que, à época,
formavam estes profissionais a nível secundário (atual nível médio). Este
modelo permaneceu funcionando no Brasil até a promulgação da Lei de
Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDBEN 9394/96) a qual, em seu
Art. 62, define que

A formação de docentes para atuar na educação básica far-se-á em


nível superior, em curso de licenciatura, de graduação plena, em
universidades e institutos superiores de educação, admitida, como
formação mínima para o exercício do magistério na educação infantil
e nas quatro primeiras séries do ensino fundamental, a oferecida em
nível médio, na modalidade Normal.

Entretanto, esta “formação mínima para o exercício do magistério na


educação infantil e nas quatro primeiras séries do ensino fundamental”, como
prevê a lei, que poderia ser oferecida em nível médio, na “modalidade
Normal”, tinha prazo definido para encerramento: dez anos, a partir da
promulgação da legislação acima mencionada, foi o tempo estabelecido para
que o ingresso no magistério somente se efetivasse a partir do ensino
superior, “em curso de graduação plena”.
Em nossa pesquisa, como o lócus de efetivação ocorrerá em série inicial
do ensino fundamental, nosso interesse reside nos processo de formação do
pedagogo e da pedagoga, visto que são estes/as profissionais os/as
responsáveis pela construção dos primeiros conceitos matemáticos, na
educação formal, em crianças de educação infantil e dos cinco primeiros anos
do ensino fundamental assim como daqueles e daquelas que não tiveram
acesso à escolaridade na idade adequada ou que retornaram à escola anos
mais tarde.
Segundo Castro (2007), o curso de Pedagogia teve sua gênese nos
cursos de Administração Escolar (de 1930) quando começam, segundo a
autora, “a surgir propostas de criação de faculdades de educação” (p. 201). A
criação destes cursos está respaldada no Decreto n.º 19.851, de 11 de abril de
1931, que define, no seu artigo 196:
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A Faculdade de Educação, Ciências e Letras incumbida de ministrar o


ensino superior de diversas disciplinas com os objetivos de ampliar a
cultura no domínio das ciências puras; promover e facilitar a prática
das investigações originais; desenvolver e especializar conhecimentos
necessários ao exercício do magistério; sistematizar e aperfeiçoar,
enfim, a educação técnica e cientifica para o desempenho profícuo das
diversas atividades nacionais (Decreto 19.851, art. 196).

Certo é que, regulamentado em 1939, o curso de Pedagogia também


seguirá a equação 3 + 1: os três primeiros anos destinados à formação de
bacharéis, acrescido de mais um ano quando se preparava o/a licenciado/a:
“professores para as Escolas Normais em nível médio”, como assevera Gatti,
(2010, p. 1356). Era ainda facultado a estes profissionais o ensino de algumas
disciplinas no nível secundário.
Ainda secundo Gatti:

No ano de 1986, o então Conselho Federal de Educação aprova o


Parecer n. 161, sobre a Reformulação do Curso de Pedagogia, que
faculta a esses cursos oferecer também formação para a docência de 1ª
a 4ª séries do ensino fundamental, o que algumas instituições já
vinham fazendo experimentalmente. Foram, sobretudo, as instituições
privadas que se adaptaram para oferecer este tipo de formação ao final
dos anos de 1980. A grande maioria dos cursos de Pedagogia das
instituições públicas manteve sua vocação de formar bacharéis, nos
moldes da origem desses cursos. (GATTI, 2010, pp. 1356-1357).

Com a publicação da LDBEN 9.394/96, são propostas modificações


tanto para os cursos de formação de professores/as quanto para as instituições
que os/as formam. Contudo, em relação especificamente ao curso de
Pedagogia, somente em 2006, com a aprovação da Resolução n.º 01 do
Conselho Nacional de Educação, aprovada em 15/05/2006, são apresentadas
as Diretrizes Curriculares para este curso: voltado para a formação de
professores que atuarão na educação infantil, nas séries iniciais do ensino
fundamental, no ensino médio na modalidade Normal e também na educação
de jovens e adultos. Estes/as profissionais também, segundo a Resolução,
devem ainda ser preparados para atuarem como gestores/as.
A Resolução CNE/CP n.º 01, de 15 de maio de 2006, “Institui Diretrizes
Curriculares Nacionais para o Curso de Graduação em Pedagogia,
licenciatura” (ementa). Para este documento, o egresso do curso de
Pedagogia deverá estar apto a: contribuir para a “construção de uma
sociedade justa, equânime e igualitária” (Art. 5º, I), cuidar de crianças de
zero a cinco anos, fortalecer as aprendizagens e o desenvolvimento, trabalhar
em espaços escolares e não escolares, “ensinar Língua Portuguesa,
Matemática, Ciências, História, Geografia, Artes, Educação Física, de forma
interdisciplinar e adequada às diferentes fases do desenvolvimento humano”
(Art. 5º, VI), dentre outros.
A estrutura do curso de Pedagogia (licenciatura), ainda de acordo com a
Resolução supracitada, compor-se-á de: 1. Um núcleo de estudos básicos,
que compreende princípios, critérios, concepção de diversas áreas do
conhecimento, princípios de gestão democrática, planejamento, avaliação,
conhecimento de processos de desenvolvimento de crianças, adolescentes,
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jovens e adultos em diversos âmbitos, realização de diagnóstico, estudo da


Didática, utilização e compreensão das disciplinas que compõem a matriz
curricular da Educação Básica (Educação Infantil, séries iniciais do ensino
fundamental e Curso de Formação de Professores, nível médio), estudo das
relações entre educação e trabalho, estudos de questões relacionadas à ética,
estética e ludicidade, estudo, aplicação e compreensão dos textos legais; 2.
Um núcleo de aplicação e aprofundamento e diversificação de estudos, que
envolve investigação sobre processos educativos e gestoriais, avaliação e
criação de uso de textos e materiais didáticos, e; 3. Um núcleo de estudos
integradores, composto por seminários e estudos curriculares, atividades
práticas que assegurem o aprofundamento e ampliação de estudos. Toda esta
variedade de aprendizagens deve ser adquirida/construída em uma

(...) carga horária mínima de 3.200 horas de efetivo trabalho


acadêmico, assim distribuídas: I - 2.800 horas dedicadas às atividades
formativas como assistência a aulas, realização de seminários,
participação na realização de pesquisas, consultas a bibliotecas e
centros de documentação, visitas a instituições educacionais e
culturais, atividades práticas de diferente natureza, participação em
grupos cooperativos de estudos; II - 300 horas dedicadas ao Estágio
Supervisionado prioritariamente em Educação Infantil e nos anos
iniciais do Ensino Fundamental, contemplando também outras áreas
específicas, se for o caso, conforme o projeto pedagógico da
instituição; III - 100 horas de atividades teórico-práticas de
aprofundamento em áreas específicas de interesse dos alunos, por
meio, da iniciação científica, da extensão e da monitoria. (Resolução
CNE/CP n.º 01/2006, Art. 8º).

Parece-nos inquestionável o acúmulo extraordinário de conhecimentos e


competências a serem desenvolvidas pelo/a futuro/a pedagogo/a capazes de
habilitá-lo/a ao exercício, com qualidade, de sua profissão. Esta nossa
conclusão encontra-se, em nosso olhar, em sintonia com Gatti ao afirmar que
“A complexidade curricular exigida para esse curso é grande, notando-se
também, pelas orientações da Resolução citada, a dispersão disciplinar que se
impõe em função do tempo de duração do curso e sua carga horária” (2010,
pp. 1357-1358).
Convém trazer à baila que o percurso pelo qual transita a formação de
professores e professoras, independentemente do campo de atuação deste
profissional, compreende tanto a dimensão teórico-científica, que se refere ao
domínio da disciplina para a qual estar sendo habilitado (Língua Portuguesa,
Matemática, Geografia, História, Ciências, Educação Física etc.) – e que no
caso do/a pedagogo/a ganha contornos ampliados – e a dimensão de caráter
técnico-prático, que prepara o/a professor para a docência, envolvendo,
portanto, disciplinas como Didática, Metodologia, Pesquisa Educacional e
Psicologia da Educação (MAIA, SHEIBEL, 2009). “Pode-se ver, nessa
perspectiva, que a formação do educador pressupõe uma permanente inter-
relação [sic] entre teoria e prática, com a teoria se vinculando aos problemas
reais que surgem na prática e a prática sendo orientada pela teoria” (MAIA,
SHEIBEL, 2009, p. 09).
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1 Os pedagogos e a Matemática
Este conjunto de elementos imbricados e complementares (não
justapostos) que constituem o processo de formação de professores e
professoras é imprescindível para a compreensão dos fatores (históricos,
políticos, sociais e pedagógicos) que justificam (ou explicam) o cenário
educacional que se nos apresenta na atualidade no sistema brasileiro.
Entretanto, para alicerçar a pesquisa que efetuamos é essencial
desvelar/compreender como os conceitos matemáticos se apresentam, quanti
e qualitativamente, na trajetória que assegura o/a pedagogo a exercer sua
profissão, enquanto professor que ensina Matemática.
E entendemos o/a pedagogo/a como professor/a que ensina Matemática,
vez que, e isto nos parece ponto pacífico, as primeiras noções conceituais e
práticas desta disciplina são construídas ainda na Educação Infantil por
aqueles/as profissionais. Fiorentini também caminha nessa direção ao afirmar
que:

Usamos, (...), a denominação professores que ensinam matemática


[sic] para contemplar o professor da educação infantil e das séries
inicias do Ensino Fundamental que, embora não se autodenomine
professor de matemática, também ensina matemática, requerendo para
isso uma formação. (FIORENTINI et al., 2002, p. 138).

Contudo, as pesquisas que desvelam a formação destes/as profissionais


ainda descrevem passos tímidos em uma estrada que exige alicerce
consistente. O próprio Fiorentini, em parceria com cinco pesquisadoras,
desenvolve uma pesquisa, a partir de dissertações e teses, objetivando “fazer
um balanço da pesquisa brasileira sobre a formação de professores que
ensinam matemática” (FIORENTINI et al., 2009, p. 138).
Para a efetivação da incursão investigativa, os/as pesquisadores/as
utilizam como fontes de referência: a tese de doutorado do próprio Fiorentini
(de 1994), Banco de Teses de Educação Matemática, do Círculo de Estudo,
Memória e Pesquisa em Educação Matemática (EduMat/Cepem), CD-ROM
da AMPed, Banco de Teses da CAPES e informações obtidas junto aos
programas de pós-graduação do Brasil. O objeto de estudo: Formação ou
desenvolvimento profissional do professor.
Foram auferidos 112 estudos, sendo 87 dissertações e 25 teses. Convém
salientar que a produção de pesquisas nesta área tem alcançado um
crescimento expressivo: saindo de sete produções na década de 70, elevando-
se para 22 trabalhos na década de 80 e atingindo o número significativo de 62
investigações na década de 90 – isto porque se observa o conjunto de todos
os professores que ensinam matemática e não apenas os pedagogos. Quando
nos restringimos a este profissional, as pesquisas reduzem quase que
drasticamente. Por exemplo: No subfoco Estudo de Programas e Cursos,
“Dentre as 24 pesquisas relacionadas (...), apenas 4 investigaram a formação
de professores das séries iniciais do ensino fundamental” (FIORENTINI et
al, 2009, p. 143). No subfoco Estudo de Outras Disciplinas, que tratam de
disciplinas diferentes de Prática de Ensino e Estágio Supervisionado,
catalogou-se 12 pesquisas, destas seis direcionavam-se aos/às professores/as
das séries iniciais do Ensino Fundamental.
Os/as pesquisadores delinearam dois grandes focos temáticos para
agrupar as pesquisas, sendo eles: 1. Processo de formação e desenvolvimento
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profissional do professor em formação inicial (que englobou 59 trabalhos) e,


2. Formação continuada, com 51 pesquisas. Os textos que não puderam ser
classificados nestes dois grandes grupos compuseram uma categoria extra:
Outros. Os focos, por sua vez, foram subdivididos em 11 subfocos: seis
contemplando a formação inicial (foco 01) e cinco, a formação continuada
(foco 02).
Em se tratando do foco 01, Processo de formação e desenvolvimento
profissional do professor em formação inicial, os/as professores/as que
ensinam Matemática na Educação Infantil (EI) e nas séries inicias do Ensino
Fundamental (EF1), assim foram contemplados:

 Subfoco 01 (Estudo de Programas e Cursos), já mencionado


anteriormente: Das 24 pesquisas efetuadas, apenas 4
investigavam questões referentes aos/às profissionais que
atuam na EI e no EF1, sendo que, de acordo com os/as
pesquisadores/as, todos os trabalhos relacionavam ao
Magistério 2º grau;
 Subfoco 02 (Práticas de Ensino e Estágio Supervisionado):
Não contempla os/as professores da EI e do EF1;
 Subfoco 03 (Estudo de outras disciplinas), já citado em
linhas anteriores: Foram contabilizadas 12 pesquisas neste
âmbito, sendo seis destinadas à Licenciatura em Matemática
e as demais envolvendo os/as profissionais que trabalham
com esta disciplina na Educação Infantil e nas séries iniciais
do Ensino Fundamental.
 Subfoco 04 (Atividades extracurriculares): Este subfoco
“buscou investigar a contribuição de atividades
extracurriculares ou experimentais na formação do futuro
professor” (p. 146). Os trabalhos aqui inseridos voltaram-se
para a Licenciatura em Matemática.
 Subfoco 05 (Formação, pensamento e prática profissional
dos formadores): Foram encontrados apenas 04 trabalhos.
Um deles buscou verificar a influência dos professores de
Matemática e de Metodologia da matemática nas práticas
dos formandos do antigo Magistério. Outros três
destinaram-se exclusivamente aos professores formadores
da Licenciatura em Matemática.
 Subfoco 06 (Outras questões específicas relativas à
formação inicial): “Os 8 estudos aqui relacionados tratam de
questões específicas ou particulares da formação inicial do
professor da Educação Básica que ensina Matemática” (p.
148). Portanto, contempla tanto os/as profissionais
oriundos/as da Licenciatura em Matemática quanto os/as
professores/as que atuam na EI e no EF1.

O segundo foco de investigação, Estudos sobre a formação continuada,


foi subdividido em 05 subfocos os quais contemplam “estudos de propostas,
projetos, cursos, trajetórias e experiências individuais ou coletivas que têm
como preocupação básica a atualização ou o desenvolvimento profissional
dos professores” (p. 148). Estando, portanto, assim distribuídos: Estudo de
modelos, programas, propostas e projetos de formação continuada (15
trabalhos, também contemplando os/as profissionais que atuam no EF1);
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cursos de atualização ou especialização (seis trabalhos que buscaram


investigar a influência dos cursos de atualização no fazer pedagógico do/a
professor/a); estudos sobre a própria experiência do formador em formação
continuada (três trabalhos, cujo objeto de estudo foi a experiência
profissional de professores/as formadores/as); grupos ou práticas
colaborativas (14 pesquisas); iniciação e evolução profissional do professor
(13 trabalhos).
O quadro delineado acima representa, ainda que sucintamente, a
trajetória do país no que concerne à compreensão de formação de educadores
e educadoras e a implementação de estratégias, por iniciativa de
pesquisadores e pesquisadoras (e instituições), capazes de englobar um
conceito mais largo e profundo em relação ao que tem sido considerado como
necessário à instrumentalização daqueles e daquelas que atuam na docência.
E isto parece evidenciar-se na assertiva de Fiorentini e Nacarato ao
concluírem que, em relação à formação continuada, nas décadas de 70 e 80
do século XX, “consistia basicamente em oferecer cursos de reciclagem,
treinamento ou capacitação de professores em novas técnicas e metodologias
de ensino de matemática. Havia também os tradicionais cursos de atualização
em conteúdos específicos” (FIORENTINI; NACARATO, 2010, p. 08).
Contudo, este entendimento passa por uma ressignificação considerável na
década seguinte e no século presente:

A virada paradigmática ocorreria a partir dos anos 90 do século XX,


motivada, de um lado, pelos recentes estudos internacionais sobre o
pensamento do professor – descobrindo que os professores escolares
também produzem, a partir dos desafios da prática, saberes
profissionais relevantes e fundamentais – e pelo conceito de professor
reflexivo e investigador de sua prática e, de outro, pelos resultados das
experiências e estudos dos próprios formadores-pesquisadores, alguns
realizados em colaboração com professores escolares (ibidem).

No tangente às pesquisas especificamente referentes à formação do


professor e da professora da Educação Infantil e das séries iniciais do Ensino
Fundamental (1º ao 5º ano), o resultado obtido por Fiorentini e as cinco
pesquisadoras que a ele se somaram é ainda bastante tímido – e isto se
evidencia na conclusão dos próprios pesquisadores: “Quanto à formação
inicial do professor para ensinar Matemática na Educação Infantil e nas séries
inicias do Ensino Fundamental, encontramos poucos estudos”
(FIORENTINE et al., 2009, p. 156).
A Sociedade Brasileira de Educação Matemática (SBEM), em 2008,
publica um livro intitulado A Formação do Professor que Ensina Matemática
– perspectivas e pesquisas, sob a coordenação das professoras Adair Mendes
Nacarato e Maria Auxiliadora Vilela Paiva. O livro resulta dos trabalhos
efetivados pelo GT7, do SBEM, denominado Formação de Professores que
Ensinam Matemática. Segundo as organizadoras do livro, o GT7 foi
oficialmente instituído no I Seminário Internacional de Educação Matemática
(I SIPEM), promovido pela SBEM, em novembro/2000, na cidade paulista,
de Serra Negra. Os objetivos traçados por aquece grupo de trabalho (GT7),
que tinha como preocupação inicial “buscar um mapeamento dos trabalhos
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desenvolvidos no País, relacionados à formação docente, no campo da


Matemática” (2007, p. 08), foram os seguintes:

1 Incentivar, discutir, analisar e divulgar/socializar pesquisas e


estudos de experiências inovadoras, com ênfase em processo
de formação inicial e continuada.
2 Elaborar proposta de intervenção nas políticas públicas.
3 Oferecer indicativos de questões e perspectivas de pesquisas
em formação de professores que ensinam matemática.
4 Discutir o domínio metodológico de investigação sobre os
saberes profissionais e formação de professores que ensinam
matemática.

As produções deste grupo de trabalho (GT7) nos são bastante caras


porque suas pesquisas, produções e publicações não se restringem ao/à
licenciado/a em Matemática, mas amplia o leque de interesse incluindo os/as
pedagogos/as que, em uma primeira análise, são os/as primeiros/as
profissionais a construírem com as crianças conceitos fundamentais desta
disciplina que as embasarão em todo seu percurso de relacionamento com
este campo de conhecimento.
Mas não apenas isso. Os primeiros contatos estabelecidos com a
Matemática poderão possibilitar aproximações e/ou distanciamentos
indutores de sucesso ou fracasso escolar. E mais: estes primeiros contatos
com os conceitos construídos por esta disciplina, tão valorizada socialmente,
se enclausurados em determinado fronteiramento regional – eurocentrismo -,
em nosso olhar, contribuirão para manutenção de um status quo que lega à
Europa um poder intelectual desmedido enquanto para aos demais povos
resta a obrigação de introduzir o saber superior oriundo daquele continente.
Esta é também uma preocupação do SBEM. Quando o I SIPEM foi
efetivado alguns questionamentos provocativos foram externados, dentre eles
destacamos: Como formar o professor que ensina Matemática em face dos
desafios contemporâneos da interdisciplinaridade, da multiculturalidade
(grifo nosso) e do uso de novas tecnologias? Qual a formação matemática e
didático-pedagógica necessária ou básica: - ao professor da Educação Infantil
e ao professor das séries inicias? – ao professor que ensina Matemática para
jovens e adultos (deslocados do ensino regular)? – ao professor que ensina
Matemática para crianças com necessidades especiais? E acrescentaríamos:
Qual a formação necessária aos/às professores/as que ensinam Matemática
nas comunidades quilombolas e mesmo nas escolas públicas onde a maioria é
não branca?
Apesar de em nosso acréscimo (último questionamento do parágrafo
anterior) termos sublinhado a escola pública e a maioria não branca presente
nos bancos escolares destas instituições, a preocupação com a Matemática
constante nos currículos escolares, nos livros didáticos e no fazer pedagógico
dos/as professores/as deve ser foco de todas e todas que acreditam na escola
inclusiva como instrumento indispensável à construção de uma sociedade
equânime, seja a unidade de ensino pertencente à rede pública ou privada.
Mesmo diagnosticando, como o fizeram Fiorentini et al., avanços
significativos no que concerne ao foco de interesse, às metodologias
utilizadas e à inclusão do/a professor/a no processo de pesquisa – o/a
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professor/a passa a ocupar a posição de sujeito nas pesquisas implementadas,


no referente especificamente aos professores que ensinam Matemática na
Educação Infantil e nas séries iniciais do ensino fundamental, o grupo
reconhece que ainda há pouca atenção dos pesquisadores: “o número de
pesquisas nessa área é bastante reduzido” (NACARATO; PAIVA, 2008, p.
24).
Curi (2008) também tem investido bastante em pesquisas destinadas à
formação de professores/as polivalentes 4 para ensinar Matemática – tendo
sido, inclusive, objeto de estudo de sua tese de doutorado, defendida em
agosto de 2004, na Pontifícia Universidade católica de São Paulo – PUC/SP.
A professora-pesquisadora – e todo/a professor/a precisa ser um/a
pesquisador – admite que:

Alguns dados de minhas pesquisa revelam um quadro bastante


preocupante tanto em relação ao número de horas destinadas à
formação matemática de professores polivalentes nas grades
curriculares dos cursos superiores (Pedagogia e Curso Normal
Superior), como em relação à falta de publicação específicas
destinadas à essa formação (CURI, 2008, p. 61).

No concernente restritamente à carga horária, Curi diagnostica que, em


média, os Cursos de Pedagogia “destinam cerca de 36 a 72 horas para o
desenvolvimento dessas disciplinas [que envolvem Matemática]” (2008, p.
61), o que representa “cerca de 4% a 5% da carga horária total do curso”
(ibidem). E acrescenta: “Em nenhum dos cursos investigados, encontrei
indicações bibliográficas de pesquisas na área de Educação Matemática, em
particular sobre o ensino e aprendizagem de matemática nas séries iniciais do
Ensino Fundamental (...)” (ibidem).
O diagnóstico de Edda Curi (2008), fotografado acima, contrasta,
parece-nos, com o que é proposto por documentos oficiais à prática
pedagógica de professores e professoras que atuam na Educação Infantil e
nas séries iniciais do Ensino Fundamental (1º ao 5º ano). À página 34 dos
Parâmetros Curriculares Nacionais – Matemática (1997) consta que o saber
matemático do professor polivalente deve compor-se de: 1. Conhecimento da
história dos conceitos matemáticos; 2. Conhecer obstáculos envolvidos no
processo de construção de conceitos (matemáticos); 3. Transformar os
saberes matemáticos para torna-los acessíveis aos/às estudantes; 4. Mobilizar
os conhecimentos em situações diversas àquela em que foi elaborado. Em 4%
a 5% da carga horária total?
Não bastassem estas competências – que consideramos necessárias, mas
questionamos o tempo destinado à preparação do professor e da professora –
o mesmo documento apresenta alguns caminhos a serem percorridos pelos/as
educadores/as para “fazer Matemática na sala de aula” (p. 42): Recurso à
resolução de problemas, recurso à história da matemática, recurso às
tecnologias da informação, recurso aos jogos – e acrescentaríamos: recurso às
etnomatemáticas – se é que a pretensão é construir relações interétnicas
saudáveis e respeitosas.

4
Denominação genérica aos professores que atuam na Educação Infantil e
nas séries iniciais do Ensino Fundamental – 1º ao 5º ano.
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O documento ainda apresenta bloco de conteúdos que deverão compor a


proposta curricular de Matemática: Número e operações (no primeiro caso,
envolvendo os números naturais, os números inteiros positivos e negativos e
os racionais. Com relação às operações possibilitando que a criança trabalhe
com cálculos exatos e aproximados, escritos e mentais); Espaço e forma (ou
seja: desenvolver conceitos geométricos que envolvem números e medidas);
Grandezas e medidas (além de explorar questões relativas à grandezas e
medidas, o/a professor/a trabalhará com a ideia de proporcionalidade e
escala); Tratamento da informação: que envolve noções de estatística (coleta,
organização, comunicação e interpretação de dados, fazendo uso de tabelas,
gráficos e outras representações do quotidiano) e de combinatória.
Reforçamos: não discordamos do programa matemático apresentado
pelo documento (nem mesmo o consideramos exagerado. Em verdade,
sentimos a falta de conteúdos pertinentes à geometria não euclidiana, às
matemáticas produzidas por comunidades tradicionais africanas, aos sistemas
de contagem de comunidades indígenas nativas). Entretanto, pensar que o/a
professor dará conta de todo este cabedal de conhecimentos, que precisa ser
tratado “de forma interdisciplinar e adequada às diferentes fases do
desenvolvimento humano", como estabelece a Resolução CNE/CP n.º 01, de
15 de maio de 2006 (que institui diretrizes curriculares nacionais para o
Curso de Pedagogia, licenciatura), sem uma formação, inicial e continuada,
consistente é, senão engodo, uma ressuscitação da tendência pedagógico-
filosófica que atribui à educação o poder de redenção da sociedade, o que não
encontra sentido no contexto político, social, cultural e econômico em que
vivemos.
Em pesquisa que culminou em sua dissertação de mestrado (defendida
em abril de 2012), a professora Débora Guimarães Cruz Santos, após
entrevistar professoras polivalentes de escolas públicas da Rede Estadual
(Sergipe), conclui que:

(...) as professoras que ensinam Matemática, nos anos iniciais do EF


[Ensino Fundamental], necessitam aliar ao conhecimento adquirido
durante a formação inicial, novas tendências da Educação Matemática.
Estas envolvem tecnologias, não utilizadas em épocas anteriores, mas
necessárias para fazer o aluno de hoje atuar numa sociedade
complexa, a da “informação e conhecimento”.

Vê-se, por conseguinte, que são muitas as demandas a serem atendidas


por estes/as profissionais no exercício de sua profissionalidade – as quais
englobam desde o domínio de competências pedagógicas que lhe asseguram
o exercício da docência (e o/a diferenciam de outros profissionais que se
aventuram no magistério) ao conhecimento estruturado de disciplinas
diversas, que precisam dialogar entre si. Para abarcar todo este cabedal de
saberes, sem querer ser redundante, torna-se mister uma formação inicial
consubstanciada e a implementação de um programa de formação continuada
– construído com o/a professor/a – que o prepare para atuação em uma escola
(e por consequência em uma sociedade) plural – que precisa ser cada vez
mais inclusiva.
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ALGUMAS CONSIDERAÇÕES

Obviamente, há muito o que se considerar quando se analisa os


processos históricos relativos à formação dos/as professores/as que iniciam,
na educação formal, a construção de conceitos básicos de Matemática
em/com crianças matriculadas na Educação Infantil e nas séries iniciais do
Ensino Fundamental. Entretanto, dado o caráter deste trabalho – que nos
impõe limites compreensíveis – abordaremos apenas dois aspectos: o que se
refere às pesquisas implementadas neste âmbito e a formação de pedagogos e
pedagogas.
No primeiro caso, as pesquisas de Fiorentini e Nacarato, notadamente,
revelam as limitações tanto quantitativas quanto qualitativas nesta área, ainda
que tenha havido um aumento de interesse de grupos de pesquisas e de
pesquisadores independentes – mesmo assim há carente de pesquisas amplas
e mais aprofundadas: ouvindo-se o/a professor; ou pesquisas produzidas por
eles/elas.
No que tangencia os processos de formação, cremos que os cursos de
Pedagogia busca abraçar uma gama muito grande de compromissos a serem
cumpridos em um prazo que, parece-nos, não condizente. Ainda que
concordemos que a formação acadêmica e a formação pedagógica não são
apenas imprescindíveis, mas saudáveis para o desenvolvimento profissional
do/a professor/a, bem como para a formação de cidadãs/ãos que com ele/ela
dialogam nas situações didáticas, faz-se necessária uma readequação do
tempo se o objetivo é a implementação de uma educação de qualidade – que
precisa ser social.

REFERÊNCIAS

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de 1931.
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Educação Nacional. Brasília, 1997.
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iniciais da educação básica: das origens às diretrizes curriculares nacionais.
In: RBPAE – v.23, n.2, p. 199-227, mai./ago. 2007.
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Alunas e Alunos e Pedagogia da UFS/Itabaiana. Itabaiana-SE: UFS/DEDI,
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matemática: um balanço de 25 anos da pesquisa brasileira. Belo Horizonte:
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teóricos do problema no contexto brasileiro. In: Revista Brasileira de
Educação v. 14 n. 40 jan./abr. 2009.

i
Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística
ii
Ministério da Educação
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Reflexões acerca do Ser Professor a partir


das Visões dos/as Acadêmicos/as de Duas
Licenciaturas UFS/Itabaiana, Sergipe

Assicleide da Silva Brito1

Edinéia Tavares Lopes2

Maria Batista Lima3

RESUMO
O presente trabalho foi desenvolvido com o objetivo de refletir sobre as visões acerca
do Ser Professor apresentadas pelos/as ingressantes nos cursos de Licenciatura Plena
em Física (CLPF/UFS-ITA) e Licenciatura Plena em Química (CLPQ/UFS-ITA). Os
dados foram coletados por meio de um questionário aplicado a 38 acadêmicos/as do
CLPQ/UFS-ITA, em 2006, e 41 acadêmicos/as do CLPF/UFS-ITA, em 2007, que
buscava identificar o perfil, as expectativas em relação ao curso e questões
relacionadas ao ser professor e professores de memória desses/as acadêmicos/as. Na
análise desta investigação observou-se que a maioria dos/as entrevistados/as
apresentou uma visão do ser professor relacionada ao eixo pedagógico/didático em
que o papel do professor está relacionado, em sua maioria, ao transmissor de
informações. Para este trabalho apresentamos as visões sobre Ser Professor dos
mesmos, em outras investigações já foram discutidas demais questões que,
juntamente, proporcionaram informações importantes para o aprofundamento desta
investigação e compreensão dos elementos que compõem o processo de construção da
identidade docente desses/as acadêmicos/as.

Palavras-chaves: Formação de professores, Identidade docente, Licenciatura em


Química, Licenciatura em Física.

1
Contato do(a) autor(a): assicleide-brito@hotmail.com. Mestranda NPGECIMA-
UFS/GEPIADDE.
2
Contato do(a) autor(a): edinéia.ufs@gmail.com. Doutora em Educação (UFS).
3
Contato do(a) autor(a): mabalima.ufs@gmail.com. Profª Adjunta DEDI-
UFS/GEPIADDE
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INTRODUÇÃO
A pesquisa sobre a construção da identidade docente, precisa ser
constantemente debatido pelos professores e pesquisadores da área, visto que
a necessidade de melhoria da qualificação dos educadores é cada vez mais
urgente para o enfrentamento dos atuais desafios da prática docente e da
profissão de professor atualmente. Diversos estudos abordam a preocupação
com a qualidade da Educação Básica e trazem no bojo dessas discussões a
importância da formação de professores (MALDANER,1999; TARDIF,
2000; QUADROS, 2005; e PEREIRA, 2000).

Loguercio e Del Pino (2003, p. 21) consideram que há “uma concepção


social prévia a instituição escola sobre o que é ser professor e, há, neste
espaço, uma outra concepção sobre o ser professor”. Nessa rede discursiva se
produzem identidades de professores, no entanto, os contra discursos na
escola e as resistências se fazem sempre presentes, porém, continuam
reproduzindo professores padrões porque, entre outros, a estrutura física e
administrativa da escola permanece inalterada e padronizadas há séculos,
com enunciados que se repetem e se reatualizam.

A escola tem sua cultura específica de produção de saberes e dos


membros que participam de sua estrutura institucional. Com a palavra
e o significado cultural que ela carrega se produz o professor em todas
as suas variantes: tradicional, outsider, criativo, sensível, amigo,
professor ou professora, o que diferencia do homem, mulher, tia
(LOGUERCIO E DEL PINO, 2003, p. 20).

Essa produção não é exclusiva da cultura escolar, ela se faz intra e


extramuros da escola, mas é na escola que o professor tem espaço onde
exercita o seu papel determinado, é lá que ele exercita seu sujeito professor.

É nessa linha de pensamento que vem sendo desenvolvida, desde 2006 4,


uma pesquisa acerca da formação para a docência em química no Campus
Prof. Alberto Carvalho da Universidade Federal de Sergipe, em Itabaiana-SE.
Assim, o presente trabalho tem como objetivo apresentar as visões dos/as
acadêmicos/as ingressantes nos cursos de Licenciatura Plena em Física
(CLPF/UFS-ITA) e Licenciatura Plena em Química (CLPQ/UFS-ITA) acerca
do Ser Professor.

A coleta dos dados foi realizada por meio de um questionário, com


questões abertas e fechadas, referentes ao perfil, às expectativas em relação
ao ingressarem no curso, as visões sobre ser professor e professores de
memória desses/as acadêmicos/as. Foram informantes da pesquisa 38

4
Este trabalho faz parte de uma pesquisa mais ampla realizada, juntamente,
com o Grupo de Estudos e Pesquisa Identidades e Alteridades: diferenças e
desigualdades na educação (GEPIADDE) que está sediado no Campus Prof.
Alberto Carvalho da Universidade Federal de Sergipe, no município de
Itabaiana-SE.
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acadêmicos/as do CLPQ/UFS-ITA, em 2006 e 41 acadêmicos/as do


CLPF/UFS-ITA, em 2007.

Compreender as representações que esses/as acadêmicos/as apresentam


sobre a atividade docente pareceu-nos pertinente, como forma de buscar
novos elementos para a compreensão da formação inicial e posteriormente da
formação continuada desses/as futuros/as professores/as.

1 Visões dos/as acadêmicos/as do clpf/ufs-ita sobre ser


professor

Foi perguntado aos/as acadêmicos/as do curso de Licenciatura Plena em


Física (CLPF/UFS-ITA) e do curso de Licenciatura Plena em Química
(CLPQ/UFS-ITA) suas visões sobre ser um/a professor/a. Na análise dos
dados foram criados eixos e categorias a partir das respostas dos/as
acadêmicos/as, na busca de uma melhor compreensão dos dados. As
respostas obtidas pelos/as acadêmicos/as do CLPF/UFS-ITA foram
organizadas nos eixos Pedagógico/didático; contribuição na formação do
cidadão; professor e o social; relacionamento professor e aluno;
características do professor; quanto à profissão; incentivo a carreira
docente e outros, cada eixo com as suas categorias (Quadro 1).

Eixo Categorias Fr. Fr. T.


Transmissor do conhecimento 23
Buscar e aprofundar novos conhecimentos 03
Ensinar de maneira proveitosa, interessante e criativa 03
Trocar conhecimentos 02
Buscar novos métodos de ensino 01
Pedagógico/Didático 36
Explicar bem a matéria/coerente 01

Incentivar os alunos na busca do conhecimento/dos objetivos 01

Relacionar teoria com o cotidiano 01


Interagir com o aluno 01
Contribuição na formação do Orientar na formação profissional 04
07
cidadão Formar cidadãos 03
Tornar a educação melhor 02
Professor e o Social Tornar o mundo/sociedade melhor 02 05
Ajudar as pessoas 01
Ser amigo 03
Relacionamento com o aluno Ter um bom relacionamento com o aluno 01 05
Compreender o aluno 01
Ser educador 03
Características do professor Ser responsável 01 05
Ser culto e inteligente 01
Ser qualificado 03
Quanto à Profissão 04
Mostrar o papel da escola 01
Incentivar a seguir a carreira docente 02
Incentivo a carreira docente Mostrar sua experiência como professor 01 04
Ser espelho para o aluno 01
Ser um herói 01
Outros Um mestre na arte de ensinar 01 03
Um agente do saber 01
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Quadro 1:
Eixos e categorias das visões de ser professor dos/as acadêmicos/as ingressos/as
no CLPF/UFS-ITA.

Na análise das visões dos/as acadêmicos/as de Física sobre ser


professor, o eixo que teve maior destaque foi o Pedagógico/Didático (36
inferências), o qual foi citado com maior frequência à categoria que
caracteriza o ser professor como “transmissor do conhecimento” (23
inferências). Ao ingressarem no curso esses/as acadêmicos/as tem, em sua
maioria, uma visão do professor relacionado a uma visão do ensino
tradicional, que tem o papel de passar os conteúdos para os alunos/as em sala.

Em seguida, foi citado com a menor frequência (03 inferências) o ser


professor que “busca novos conhecimentos e aprofundar” o que já sabe, e o
professor que “ensina de maneira proveitosa”, na qual torna a aula
“interessante” para o/a aluno/a e que esta também seja “criativa”.

Nesse sentido, é interessante destacar que além da maioria apresentar


uma visão do ser professor como transmissor do conhecimento, pode-se
destacar também uma visão de ser professor que busca estar atualizado com
os conhecimentos da área e se procura com o desenvolvimento das suas
aulas, como cita os/as acadêmicos, de forma interessante e criativa.

Os/as acadêmicos/as também citaram o/a professor/a que possibilita a


“troca de conhecimento” entre os/as alunos/as (02 inferências), que apensar
de apresentar uma baixa frequência em relação à categoria “transmissor do
conhecimento”, já se observa uma visão diferente da visão do professor como
transmissor de informações, pois presenciamos nas escritas desses/as
acadêmicos/as um professor/a que favoreça a troca de conhecimentos com
seus/suas alunos/as. A apresentação de uma visão em que a relação entre
professor/as e alunos/as seja de forma horizontal, em que o conhecimento é
construído na interação com os/as alunos/as.

Ainda foi citado por estes/as entrevistados/as o ser professor que “busca
novos métodos de ensino”; “explicar bem a matéria” e apresenta “coerência”
no trabalho em sala de aula; o professor que busca “incentivar seus/suas
alunos/as na investigação de novos conhecimentos” e no “alcance de seus
objetivos”; que “relaciona a teoria com a prática” e que “interage com os/as
alunos/as” no trabalho em sala de aula.

Nestas categorias encontramos visões do ser professor com uma atuação


mais significativa nas ações docentes, apesar da baixa frequência, alguns
entrevistados/as trazem aspectos em que o/a professor/a não tem como única
preocupação a transmissão do conhecimento, mas que o/a professor/a tenha
uma maior interação com seus/suas alunos/as a partir do incentivo na busca
de novos conhecimentos e relação entre a teoria e a prática nas atividades em
sala de aula.

Nesse sentido, observa-se uma preocupação com a busca de novos


métodos de ensino trazida por um/a entrevistado/a, aspecto que consideramos
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um dos elementos importantes para a prática pedagógica em sala de aula,


pois além da busca de conhecimentos citados por outros/as acadêmicos/as nas
categorias anteriores, o/a professor/a também deve buscar novas maneiras de
desenvolver o trabalho em sala de aula. Está visão é reforçada quando
também é citado o/a professor/a que busca relacionar a teoria com a prática
em sala de aula.

O Segundo eixo mais citado foi o Contribuição na formação do cidadão


(07 inferências), nele os/as acadêmicos/as apresentaram visões de ser
professor que procura “orientar seus/as alunos/as para a sua formação
profissional” (04 inferências) e a outra categoria foi a orientação para a
“formação de cidadãos” (03 inferências) de modo geral. Notam-se
preocupações com o aspecto social por esses/as acadêmicos/as, em que o
processo de aprendizagem vai além da sala de aula, pois o conhecimento e/ou
informação trabalhada também deve contribuir para orientar os/as alunos/as
para a sua atuação em sociedade, tanto na relação de cidadãos de modo geral
quanto no campo profissional.

Esta visão voltada ao contexto social também se apresenta no eixo


Professor e o Social (05 inferências), no qual os/as acadêmicos/as citam um/a
professor/a que se preocupa em “tornar a educação melhor” (02 inferências),
“tornar um mundo melhor” (02 inferências) e procura “ajudar as pessoas no
contexto social” (01 inferência). Apesar de apresentarem visões de maneira
muito geral, são ideias importantes levadas para o papel do professor,
mostrando que este papel não está apenas dentro da escola, mas dentro de
todo um contexto social.

Outro eixo também categorizado a partir das respostas dos/as


acadêmicos/as foi o Relacionamento com o aluno (05 inferências), dentro
dele foram identificadas as categorias que caracteriza o “ser professor/a como
amigo/a do/a aluno/a” (03 inferências), aspecto também observado nas
investigações anteriores. Apresenta-se a visão de um/a professor/a que tem
uma “boa relação com seu/a aluno/a” (01 inferência) e que busca
compreendê-lo (01 inferência).

No eixo relacionado a Características do professor (05 inferências), a


categoria que teve maior frequência é referente ao ser professor que busca ser
“educador” (03 inferências), expressa de modo geral. Em seguida, citaram o
ser “professor responsável” (01 inferência), “culto e inteligente” (01
inferência). Visão que nos leva a aprofundar estas investigações na busca de
conhecer de maneira mais específica esta visão trazida pelos/as
entrevistados/as sobre o/a professor/a ser educador. Vimos no primeiro eixo
citado pelos/as entrevistados/as que o ser professor está relacionado ao
aspecto de passar conhecimento, de modo geral, com maior frequência (23
inferências), a qual se expressa em uma visão tradicional do ser professor.

De tal modo, esses pontos trazem informações importantes sobre as


visões que estes acadêmicos/as têm sobre o papel do professor, como
também, contribui para o aprofundamento desta investigação na busca de
conhecer as mudanças nas visões deles/as durante o desenvolvimento no
curso.
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No aspecto Quando a profissão (04 inferências) foi citado o ser


professor que é “qualificado” (03 inferências) para sua atuação docente e que
busca “mostrar o papel da escola” (01 inferência) para seus/as alunos/as.

Um aspecto novo em relação aos demais se apresentou no eixo


Incentivo a carreira docente (04 inferências), em que os/as acadêmicos/as
citaram o ser professor que busca “incentivar seus alunos/as a seguir a
carreira docente” (02 inferências). Além disso, procura “mostrar sua
experiência profissional” (01 inferência) e se preocupa com suas ações dentro
do seu trabalho, pois “servirá de espelho” para seus alunos/as quando forem
atuar na carreira docente (01 inferência).

Oliveira e Gomes (2004) comentam que, no Brasil, a identidade docente


que, anos atrás, era definida de acordo com a posição e o status que os
membros desta categoria profissional ocupavam no contexto social,
atualmente tem sido caracterizada a partir de um crescente desgaste
emocional e pessoal do professor em vista de más condições de trabalho,
baixos salários e que o torna membro indiferenciado de uma categoria
profissional, além da pouca realização profissional. As consequências desses
fatores são o desejo de abandono ou afastamento da atividade docente e o
aumento do descontentamento com a profissão. Nesse contexto, a categoria
de incentivo a carreira docente pode vir a trazer uma visão diferente da
atividade docente, pois esses/as acadêmicos/as do CLPF/UFS-ITA vêm
apresentar a possibilidade de valorização desta profissão, à medida que os
mesmos citam a oportunidade de mostrar aos/as alunos/as as diversas ações
que compõe a atividade docente, que os/as professores podem servir de
espelhos para seus/suas alunos/as futuramente e o quanto esta atividade é
importante para a sociedade.

No eixo Outros (03 inferências) apresentaram-se as visões dos/as


acadêmicos/as que não se encaixavam nas demais categorias, mas também
são aspectos muito importantes das visões desses/as acadêmicos/as, pois
apresentaram visões de ser professor caracterizando-o como “ser um herói”,
um “mestre na arte de ensinar” e um “agente do saber”, ambas com 01
inferência.

Sobre este ponto, a autora Allain (2005, p. 119) ao trazer questões


relacionadas ao desenvolvimento profissional docente, com atenção especial
aos saberes mobilizado pelos professores durante os processos de reflexão e
racionalização sobre a prática profissional, discutiu algumas dicotomias
presentes na profissionalização docente. Ao apresentar a dicotomia entre a
formação científica e a pedagógica, ela destaca que esta é sustentada pela
dicotomia da teoria e prática, em que a prática é uma aplicação da teoria e só
tem sentido a partir dela. A formação pedagógica é encarada como um
apêndice da formação científica e observa-se uma separação, de um lado as
disciplinas científicas e do outro as disciplinas que instrumentalizam o aluno
na profissão e nessa tendência a teoria é vista como verdade absoluta.
Observa-se também o enfoque a formação prática, na qual a mesma é
independente da teoria e nessa tendência a educação é vista como uma arte e
o professor como possuidor de um dom, que se caracteriza no fazer
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pedagógico. De certa forma, essas visões contribuem para uma fragilidade no


trabalho pedagógico e na construção da própria identidade profissional.

2 Visões dos/as acadêmicos/as do clpq/ufs-ita sobre ser


professor

As ideias acerca do ser professor dos/as acadêmicos/as do curso de


Licenciatura Plena em Química (CLPQ/UFS-ITA) também foram agrupadas
em eixos (Quadro 2). Observa-se que o eixo Pedagógico/didático se destacou
sobre os demais eixos (36 inferências). Neste, a categoria “transmissor de
conhecimento” apresentou maior frequência (16 inferências). Na escrita da
maioria, percebe-se que a visão do “ser professor” está atrelada à visão
tradicional de ensino como transmissão e unidirecional, centrada na figura do
professor detentor do saber. Essa ideia de transmissor também é percebida
quando os informantes ressaltam a categoria “domínio de conhecimentos
específicos” por parte do docente. A preocupação do/a professor/a com a
garantia da aprendizagem (09 inferências) dos/as acadêmicos/as foi
manifestada por poucos informantes. Cabe destacar que, se somarmos as
inferências, tem-se um total de 22 inferências para o “professor transmissor
de conhecimento”, já, para as outras categorias do eixo pedagógico/didático,
temos 14 inferências.

Fr.
Eixo Categorias fr.
T
Transmissor de conhecimento 16
Troca de aprendizagem com alunos 07
Auxiliar no desenvolvimento cognitivo e 01
moral
Domínio de conhecimentos específicos 06
Professor exemplo de paciência e 02
Pedagógico/didático 36
flexibilidade
Garantir a aprendizagem dos alunos 01
Ensinar de diferentes formas 01
Comprometimento com preparo de aulas 01
e aprendizagem
Mediador – constrói conhecimento 01
Relacionamento com o Bom relacionamento com o aluno/amigo 08
08
Aluno do aluno
Compromisso com a sociedade 02
Professor e o social 06
Professor transformador 04
Quanto à profissão Gostar da profissão 04 04
Quadro 2:
Eixos e categorias das visões de ser professor dos/as acadêmicos/as
ingressos/as na primeira turma do CLPQ/UFS-ITA.

Além de apresentarem com maior frequência características de ser


professor como “transmissor do conhecimento”, os/as acadêmicos/as também
destacaram com uma frequência significativa, o ser professor que possibilita
a “troca de aprendizagem com seus/suas alunos/as” (07 inferências). As
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demais categorias destacadas pelo/as acadêmicos/as entrevistados/as do


CLPQ/UFS-ITA foram o ser professor que tem “paciência e flexibilidade”
(02 inferências) no desenvolvimento das ações em sala de aula. O ser
professor que ensina de forma diferente, que é “comprometido com a
organização das aulas e a aprendizagem” (01 inferência) dos/as alunos/as e
que se caracteriza como um professor mediador, o qual busca também
“construir o conhecimento” (01 inferência) em sala de aula.

No eixo Professor e o social (06 inferências), o docente é entendido


como “transformador e comprometido com a sociedade”. Aspectos também
de um trabalho que vai além da sala de aula, pois o conhecimento trabalhado
não será utilizado apenas para a aprovação em um vestibular, mas que possa
possibilitar a formação de um indivíduo que contribua com as ações em
sociedade.

Quanto ao Relacionamento com o aluno (08 inferências), observou que


os/as acadêmicos/as entrevistados/as definem esse relacionamento como
sendo: “bom relacionamento com o aluno e ser bom amigo do aluno”. Esses
pontos levam a inferir a importância dada à afetividade, na qual a interação
entre professor e aluno envolve a relação de amizade no contexto escolar e
fora dele. Em relação ao eixo Quanto à profissão (04 inferências), os
informantes ressaltaram a preocupação com o “gostar da profissão”,
evidenciando-o como um pré-requisito para ingresso na profissão.

3 Visões de ser professor dos/as acadêmicos/as das duas


licenciaturas: comparando os dados

Foi observado que em ambos os cursos que o eixo que teve maior
frequência foi o Pedagógico/Didático (Quadro 3), os/as acadêmicos/as
apresenta nas suas visões o ser professor que está diretamente ligado a sua
prática. Nesse caso, com ações voltadas a transmissão de conhecimentos e
que é possuidor do conhecimento específico, com maior inferência. Os
demais ainda citaram, com menor frequência, a possibilidade de troca dos
conhecimentos com os/as alunos/as, o/a professor/a que traz preocupações
com a sua prática, com a interação professor aluno e busca relacionar teoria
com a prática.

Curso Eixo Fr. T


CLPF/UFS-ITA Pedagógico/Didático 36
Contribuição na Formação do Cidadão 07
Professor e o social 05
Relacionamento professor aluno 05
Características do professor 05
Quanto à profissão 04
Incentivo a carreira docente 04
Outros 03
Subtotal 69
Pedagógico/didático 36
CLPQ/UFS-ITA Relacionamento com o aluno 08
Professor e o social 06
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Quanto à profissão 04
Subtotal 54
Total 123
Quadro 3:
Síntese dos eixos sobre ser professor das visões
dos/as acadêmicos/as das duas licenciaturas.

Ressaltou-se que ambos ingressantes das duas licenciaturas a visão do


“ser professor” está atrelada à visão tradicional de ensino como transmissão e
recepção dos conteúdos. Porém, é interessante destacar a presença das
categorias “mediador, educador e orientador”, que apesar de ter uma baixa
frequência em relação à “transmissão dos conhecimentos”, citadas pelos/as
acadêmicos/as, uma visão de professor/a caracterizado como mediador e
orientador do processo de ensino e aprendizagem de seus/suas alunos/as,
um/a professor/a que possibilita a interação entre o conhecimento e seus/suas
alunos/as, se preocupa com a sua prática, busca novos conhecimentos e
incentiva os/as alunos/as na busca pelo conhecimento. Assim, além da
maioria de ambos os cursos apresentarem visões do ser professor, assim que
esses/as acadêmicos/as ingressam no curso, como transmissor do
conhecimento podemos destacar também visões do ser professor como
orientador do processo de ensino e também como alguém preocupado em
tornar as aulas mais dinâmicas, apesar de serem citadas com menor
inferência. São essas últimas visões que deve ser aprofundada nos curso de
formação de professores, hoje se busca a formação de um/a professor/a que
seja mais atuante na sua atividade docente e procure a reflexão da sua prática.

Em seu trabalho, Schnetzler e Aragão (1995, p. 27) afirmam que é


comum encontrar inúmeros colegas com visão muito simplista da atividade
docente. Estes “concebem que para ensinar basta saber um pouco de
conteúdo específico e utilizar algumas técnicas pedagógicas, já que a função
do ensino é transmitir conhecimento que deverão ser retidos pelos alunos”.
Essas ideias sobre ensino refletem que as concepções de ensino e
aprendizagem correspondem ao modelo de transmissão-recepção. A autora
ainda considera que a prática pedagógica de cada professor manifesta suas
concepções de ensino, de aprendizagem, de conhecimento, como também
suas crenças, seus sentimentos, seus compromissos políticos e sociais.

Quadros (2005, p. 7) afirma “que uma vez que, na sua escolarização,


esteve presente a transmissão/recepção, a imagem de professor como
transmissor de conhecimento está presente de forma muito significativa”.

Por isso, torna-se interessante conhece as visões desses/as


acadêmicos/as ao ingressarem nos cursos de formação de professores, pois ao
se buscar identificar suas ideias sobre ser professor e as ações docentes,
pode-se procurar trabalhar essas ideias de modo que possam ser trabalhadas
para uma melhor compreensão e aprofundamento da complexidade da
atividade docente.

Assim, as pesquisas sobre o saber docente é essencial uma vez que os


conhecimentos e as crenças prévias dos professores parecem influenciar na
significação, aplicação e aquisição de futuros conhecimentos. É uma
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perspectiva de estudo do saber profissional dos professores, que é construído


de experiências práticas, teóricas e pessoais. (ALLAIN, 2005, p.33 e 34).

Outros eixos citados com significativa frequência foram à contribuição


na formação de cidadãos (07 inferências) e o relacionamento com o aluno
(08 inferências). São eixos que apresentam visões importantes para as ações
docentes, pois é percebido neles visões que aprofundam o conhecimento
sobre as atividades docentes. Além das preocupações com o conhecimento a
ser trabalhado no processo de ensino e aprendizagem é importante reforçar a
ideia da relação entre aluno/a e professor/a durante este processo, segundo
os/as entrevistados/as o/a professor/a deve ser amigo/a de seu aluno/a e essa
relação vai além do contexto da sala de aula. No aspecto de formação de
cidadãos, o papel do professor vai mais abrangente que o contexto da sala de
aula, em que são expressas a formação dos/as alunos/as para serem pessoas
mais participativas em sociedade e que possa fazer relação dos conceitos
específicos com as ações cotidianas.

Um aspecto importante observado nas visões dos/as ingressantes do


curso de Licenciatura Plena em Física (CLPF/UFS-ITA) foi o eixo de
incentivo a carreira docente, que não foi citado pelos/as acadêmicos/as do
curso de Licenciatura Plena em Química (CLPQ/UFS-ITA), nem observado
nos dados de outras investigações desta pesquisa. Sobre este aspecto, torna-se
interessante conhecer o que vela esses/as acadêmicos/as pensarem na
possibilidade de incentivar seus/suas alunos/as a carreira docente, pois esta
questão parte do saber o que velaram eles/as a seguirem a carreira docente,
quem ou qual motivo levou esses/as ingressantes a optarem pela carreira
docente. Essas e outras questões podem ser importante para as futuras
investigações sobre a continuidade desses/as acadêmicos/as no curso de
formação, os aspectos da atividade docente que permanecem em suas
memórias e o proposito de continuidade da sua formação docente.

Mesmo assim, cabe destacar a investigação realizada por Louzano e


colaboradores (2010, p. 549 e 550) sobre como o Brasil está atraindo,
selecionando e formando seus professores, pois nele os autores procuram
analisar a atratividade da carreira docente no Brasil. Nos dados da sua
investigação, os autores destacam que em dados qualitativos, o benefício
mais significativo oferecido para a carreira docente seria a estabilidade para
os contratados, porém está não é suficiente para compensar as condições
negativas de trabalho, como o pouco reconhecimento público, o baixo status,
baixos salários e pouca oportunidade de influencia as políticas publicas,
especificamente aquelas que afetam o trabalho em sala de aula.

Sendo assim, no Brasil ainda não se encontra uma política que possa
contribuir para uma atratividade na carreira docente no Brasil. Mas, encontrar
elementos que favoreçam ao crescimento desta atividade é importante, na
busca de proporcionar o incentivo a continuidade carreira e o
aprofundamento dos saberes nela envolvidos, deve ser fundamental nos
cursos de formação de professores.

CONSIDERAÇÕES FINAIS
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Na análise das visões dos/as ingressantes dos cursos de Licenciatura


Plena em Física (CLPF/UFS-ITA) e Licenciatura Plena em Química
(CLPQ/UFS-ITA) sobre ser professor, observou-se que a maioria deles
possuem visões relacionadas ao eixo Pedagógico/Didático, em destaque o
professor que é transmissor de conhecimento, ao ingressarem no curso de
formação docente. Contudo, para outros/as entrevistados/as pode-se observar
um ser professor que teve possuir preocupações, no seu trabalho, que vão
além do contexto escolar, pois também têm importância na formação de
cidadãos e no seu papel para a sociedade. No desenvolvimento da atividade
docente, incluem-se inquietações sobre os métodos utilizados na relação das
aulas, como também, a relação entre professor/a e aluno/a de amizade que vai
além do contexto escolar.

Nesta investigação foram discutidas as visões sobre ser professor


desses/as acadêmicos/as ao ingressarem no curso de licenciatura, neste
momento em Física e Química. No entanto, este trabalho faz parte de uma
pesquisa bem mais ampla, como informado anteriormente, que busca estudar
a formação docente no Campus Professor Alberto Carvalho/UFS-ITA. Sendo
assim, pretende-se em outras investigações o aprofundamento das questões
envolvidas neste trabalho e das demais inquietações que envolvam a
construção da identidade docente.

REFERÊNCIAS

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identidade profissional. São Paulo: Annablume, Belo Horizonte: FUMEC,
2005, 150p.

LOGUERCIO, R. Q.; DEL PINO, J. C. Os Discursos Produtores da


Identidade Docente. Ciência e Educação (UNESP), Bauru - SP, v. 9, n. 1, p.
17-26, 2003.
LOUZARO, P.; ROCHA, V. MORICONI, G. M.; OLIVEIRA, R. P. Quem
quer ser professor? Atratividade, seleção e formação docente no Brasil. Est.
Aval. Educ., São Paulo, v. 21, n. 47, set./dez. 2010, p. 543-568.
MALDANER, O. A. A pesquisa como perspectiva de Formação Continuada
do Professor de Química. Revista Química Nova, vol. 22, n.2. São Paulo
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OLIVEIRA, C. A. V.; GOMES, A. A. Identidade, formação e “mal-estar
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Região Centro-Oeste, Goiânia, 2004. Anais VII EPECO Encontro de
Pesquisa em Educação da Região Centro-Oeste. Goiânia: Associação
Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Educação ANPED Centro-Oeste,
2004.
PEREIRA, J. E. D. Formação de professores: pesquisas, representações e
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QUADROS. A. L. et al.Os professores que tivemos e a formação da nossa


identidade como docentes: um encontro com nossa memória. Ensaio pesq.
Educ. Ciência, Belo Horizonte, vol. 7, n. 1, ago. 2005. Disponível em: <http:
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SCHNETZLER, R. P. & ARAGÃO, R. M. R. Importância, sentido e
contribuições de pesquisa para o ensino de Química. Química Nova, São
Paulo, n. 1, maio 1995, p. 27-31.
TARDIF, M. Saberes Profissionais dos Professores e Conhecimentos
Universitários: elementos para uma epistemologia da prática profissional dos
professores e suas consequências em relação à formação para o magistério.
Revista Brasileira de Educação (ANPED). Nº 13, jan/fev/mar/abr, 2000.
Grupo de Estudos e Pesquisa
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Influência da Formação Docente na Prática


de Ensino do Tema ‘Orientação Sexual’

Railene dos Santos Menezes1

RESUMO
O assunto ‘Orientação sexual e/ou sexualidade’ é de extrema importância no
desenvolvimento e na vida psíquica das pessoas. De modo geral, nesse trabalho
objetivamos apresentar a visão de professores da educação básica sobre o tema
‘orientação sexual’. Para atingir os citados objetivos foi aplicada entrevista com
professores da educação básica e realizada analise temática de conteúdo. Nos
resultados foi percebido que os professores não abordam o tema ‘sexualidade’,
enquanto tema transversal do PCN. E os entrevistados se mostram despreparados para
tratar em sala de aula do mencionado tema, citando que as instituições de ensino
superior têm contribuído de forma mínima para a formação docente, no que se refere
ao conhecimento acadêmico dos docentes sobre a temática aqui abordada.

Palavras-chave: Prática docente, ensino fundamental, sexualidade.

1
Contato do(a) autor(a): railene.ufs@gmail.com. Mestranda em Ensino de Ciências
pela /FE-USP.
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II Seminário Nacional de Alfabetização e Letramento Alfabetização, Discurso e Aprendizagens
Oralidade e Escrita na Prática Escolar
ISSN: 2177-4072

INTRODUÇÃO
No Brasil, dentre as propostas formais de inovação na educação básica,
está a introdução de temas transversais no currículo escolar instituído a partir
dos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN) para o ensino fundamental.

Tais temas-Ética, pluralidade cultural, meio ambiente, saúde, orientação


sexual não se constituem como disciplinas, mas como conteúdos que devem
ser incorporados às áreas ou disciplinas já existentes e em todo o trabalho
educativo da escola atravessando o currículo. A incorporação de tais temas
pode ser considerada uma forma de se vincular conteúdos tradicionais à
realidade cotidiana dos alunos.

A discussão acerca da temática sexualidade no currículo escolar do


ensino fundamental e médio tem se intensificado desde a década de 70, a
partir dos parâmetros curriculares nacionais (PCN, 1997).

Contudo, nos anos 80, a preocupação ligada à orientação sexual


aumentou por parte dos educadores, em virtude do aumento no número de
gravidez indesejada entre adolescentes e risco de contágios pelo HIV.

Apesar de ser um assunto de extrema importância no desenvolvimento e


na vida psíquica das pessoas, há ainda muitos tabus quando se fala de sexo.
Antigamente as famílias apresentavam resistência à abordagem das questões
sexuais no âmbito escolar.

Mas, nos dias atuais percebe-se que muitos pais apóiam a orientação
sexual na escola, pois reconhecem não só a sua relevância para crianças e
jovens, como também a dificuldade de falar abertamente com seus filhos.
Claro que existem ainda, pessoas que abominam a discussão de tal assunto.

Nesse contexto, têm-se os meios de comunicação que utilizam o sexo


para chamar atenção das pessoas e acabam por estimular e criar curiosidades
precoces até em crianças, o que dificulta bastante o processo de
conscientização e responsabilidade individual dessas sobre o assunto.

Contudo, o fundamental é a possibilidade de se desenvolver um trabalho


educativo positivo de valorização humana, mesmo que limitado o seu alcance
através de uma intervenção pedagógica adequada, que possibilite aos jovens
capacidades de escolha e a eliminação do sentimento de culpa.

Nesse trabalho objetivamos apresentar a visão de professores da


educação básica sobre o tema ‘orientação sexual’. Bem como, notificar
aspectos da práxis docente sobre a referida temática. Além de identificar
elementos da formação docente dos investigados, os quais estão voltados ao
trato do tema orientação sexual em sala de aula.

1 Metodologia
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No contexto do ‘Estágio Supervisionado em ensino de Ciências I’ foi


construído um projeto sobre o tema orientação sexual, o qual foi aplicado
com alunos de 6ª, 7ª e 8ª, e professores, os quais foram observados durante o
citado estágio.

Após a observação e descrição do espaço escolar, foram elaborados


questionários a serem aplicados com os alunos observados. Como também,
foram elaboradas entrevistas semi- estruturadas, aplicadas a professor de
Ciências, de história e de matemática, cujas disciplinas foram observadas
durante o ‘Estágio Supervisionado em ensino de Ciências I’. Quanto à
observação Carvalho (1987, p. 65) diz que esta ‘é ponto de partida eficiente e
fundamental para toda atividade criativa’.

Os dados coletados com as entrevistas foram descritos no caderno de


campo e digitados no Microsoft Office Word. Foi feito recorte de conteúdo no
texto das entrevistas conforme sugere Bardin (2004), e tais dados foram
estruturados em tabelas no Microsoft Office Word.

Neste trabalho será apresentada uma discussão previa dos dados a partir
da análise temática de conteúdo e posteriormente os dados serão
categorizados, seguindo a orientação de Bardin (2004).

Esta técnica de analise constitui-se de três fases: a primeira, compreende


a pré-análise, que sintetiza a organização das idéias; a segunda, comporta a
exploração do material; e a terceira, se refere ao tratamento dos resultados,
que pode ser feito através de uma análise estatística, por porcentagem ou
interpretações.

2 Resultados e discussão
A pesquisa foi desenvolvida com professores da educação básica. Um
total de três docentes foram entrevistados, os quais ensinam em séries do
ensino fundamental do Colégio Estadual Professor Gentil Tavares da Mota,
localizado em Frei Paulo, um Município pertencente ao estado de Sergipe.

Os entrevistados lecionam nas séries de 5ª a 7ª, as disciplinas:


Matemática, história e ciências do referido colégio.

A área de formação dos entrevistados é respectivamente: pedagogia e


matemática, historia e ciências naturais. Os quais lecionam a mais de 20
anos.

No que diz respeito à parte específica da entrevista, quanto à questão


‘Qual a sua opinião sobre sexualidade na escola?’ percebeu-se que
aparentemente os investigados consideram relevante o trabalho de tal
temática em sala de aula e apontaram diferentes aspectos sobre tal temática
(Tabela 1).
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Tabela 1:
Opinião dos investigados sobre a relevância de se trabalhar a temática
‘sexualidade’ em sala de aula.

Professor Qual a sua opinião sobre sexualidade na escola?


A Eu acho que é importante, pois grande maioria dos pais não
orienta, então cabe a escola estar trabalhando, orientando os
alunos.
B Não existe. Há momentos que agente conversa com os alunos,
mas não têm na disciplina específica que agente trabalha.
C Particularmente, não trabalho o tema em si. Mas de vez em
quando surgem perguntas. Como por exemplo, quando falo
sobre reprodução surgem dúvidas de alunos, mas nunca parei
na aula para falar com eles sobre isso.

Os aspectos vinculados a sexualidade apontados pelos professores


investigados podem ser definidos como de grande relevância, no entanto não
têm sido devidamente trabalhado pelos professores, os quais afirmam que os
pais dos seus alunos também não tratam de tal temática em casa com os seus
filhos.

De modo geral o tema ‘sexualidade ou orientação sexual’ não é algo que


é incluído como um tema transversal pelos professores em suas disciplinas
como sugere o PCN, mas é simplesmente tratado quando os discentes fazem
perguntas.

Considerando a relevância de se tratar ‘orientação sexual’ em sala de


aula, aponta-se também a importância e a necessidade de uma formação
continuada com acesso a informações sempre atualizadas, o que seria uma
função do estado para que assim a atuação do professor seja eficaz no
processo de orientação sexual na escola.

Sobre as dificuldades dos professores para trabalhar


sexualidade/orientação sexual em sala de aula, todos disseram ter
dificuldades e considerar difícil, ou não se sentir preparado para o trato de tal
temática em sala (Tabela 2).

As dificuldades apontadas pelos professores estão voltadas a: questão de


ser um tabu o tema sexualidade, os alunos distorcerem o fato de os
professores tentarem abordar o tema, não considerando isso um ato de
orientação sexual, mas apenas um ato de falar uma coisa sem tanta
relevância.
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Tabela 2:
Resposta dos entrevistados sobre as dificuldades de trabalhar a temática
sexualidade/orientação sexual em sala de aula.

Professor Você têm dificuldade para trabalhar esse tema? Quais as


maiores dificuldades?
A Sim, é muito difícil. Vejo como um tabu, pois se os pais não
falam, quando a gente vai falar, eles levam como se fosse
safadeza. Por isso acredito que é um ponto a ser trabalhado
mais.
B Sim. Os alunos não entendem a mensagem do professor como
educativa.
C Não me sinto totalmente preparada, até mesmo porque tenho
pouco tempo que leciono ciências e tenho que ver cada turma
para poder trabalhar.

Dentre as dificuldades apontadas pelos professores na tabela 2,


destacamos a questão tabu do tema. Acreditamos que isso ocorra devido
historicamente o sexo ser considerado como algo que devesse ocorrer apenas
para reprodução e perpetuação da espécie humana, e não como algo essencial
para a formação psíquica e desenvolvimento humano, sendo a sexualidade
um elemento intrínseco dos seres humanos.

Em relação às dúvidas mais frequentes dos alunos em sala de aula sobre


sexualidade, os investigados apontaram: homossexualidade, gravidez e uso
de preservativos (Tabela 3).

Tabela 3:
Respostas dos investigados quanto às dúvidas mais freqüentes dos alunos
sobre sexualidade.

Professor Quais as dúvidas mais freqüentes dos alunos?


A Não lembro por que eu quase não trabalho. É uma coisa mais
esporádica, por isso não dá para lembrar as dúvidas mais
comuns. Mas, na semana passada tinham alunos falando sobre
homossexualidade, pois não sabiam o que era isso. Quando os
alunos estavam com essa dúvida eu conversei com eles. Acho
que as disciplinas não devem se fechar em relação a esse
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assunto, mas têm que tirar as dúvidas. Percebo preconceito


com homossexuais por parte dos alunos. 100% do preconceito
se manifesta em relação a rejeição.
B Questionam sobre confiança, respeito, gravidez.
Relacionamento entre casais e medo de engravidar
C Eles perguntam mais sobre preservativos, eles questionam
como usar preservativos. Eu já conversei com a direção para
ver se eu posso trazer materiais, ainda estou vendo a forma de
trabalhar.

Entre as problemáticas apontadas pelos professores como sendo as


dúvidas mais freqüentes de seus alunos, destacamos questões voltadas á
homossexualidade.

O PCN que fala sobre ‘Orientação sexual’, ainda coloca que a


sexualidade relaciona-se com “o direito ao prazer e ao exercício da
sexualidade com responsabilidade.”, sugerindo que tal tema abranja “as
relações de gênero, o respeito a si mesmo e ao outro e à diversidade de
crenças, valores e expressões culturais existentes numa sociedade
democrática e pluralista.” (BRASIL, 1997b, p.287)

Tal abordagem deve incluir também “a importância da prevenção das


doenças sexualmente transmissíveis/AIDS e da gravidez indesejada na
adolescência, entre outras questões polêmicas. Pretende contribuir para a
superação de tabus e preconceitos ainda arraigados no contexto sociocultural
brasileiro.” (BRASIL, 1997b, p.287)

Deste modo, percebe- se não apenas a obrigatoriedade de se trabalhar o


mencionado tema no âmbito escolar, mas também a importância de tal tema
para a formação de pessoas conscientes de aspectos que se refere à
sexualidade.

Em relação à visão dos investigados sobre a formação docente em


cursos de licenciatura para o trabalho da temática sexualidade, em sua
maioria os investigados disseram que os cursos capacitam sim (Tabela 4).

Tabela 4:
Opinião dos investigados sobre a própria formação em cursos de licenciatura.

Professor Você considera que os cursos de licenciatura em geral


capacitam os docentes para trabalhar este tema?
A Só em pedagogia recebi orientação, pois pedagogia de tudo
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têm um pouco. Mas, matemática é um pouco mais fechada em


relação a esse tema. Acho que seria importante os professores
de matemática estarem recebendo orientação, pois sempre
acaba surgindo esse tema.
B Não. No meu tempo não trabalhava e atualmente também não,
só em algum momento. Eu acho que para trabalhar têm que ser
o próprio profissional, porque surgem duvidas que a gente não
sabe responder.
C Capacitam sim. Foram tratados em disciplinas do curso.

Analisando as respostas dos investigados, estes apontaram que os cursos


de pedagogia e ciências capacitam os professores para o trabalho com o tema
sexualidade e orientação sexual. Já os cursos de historia e matemática não
capacitam.

Segundo os entrevistados os cursos que trabalham com os professores


sexualidade e orientação sexual são cursos mais abertos, os quais têm
diferentes temáticas dentro da grade curricular.

Já os que não tratam são os cursos mais fechados e que se limitam a


temáticas especificas do próprio curso, não mostrando a relevância de
disciplinas que tratem do professor enquanto agente social, com poder de
auxiliar os discentes em suas escolhas.

No que remete a metodologia de ensino adotada em sala de aula pelos


investigados, bem como a forma como estes abordam a temática
‘sexualidade’ em sala de aula, os entrevistados apontam que os professores
devem abordar a referida temática.

Neste sentido, um dos professores disse que seria interessante se todas


as disciplinas trabalhassem, outro professor disse que somente profissionais
da área devem abordar a temática e um outro entrevistado disse que o tema
sexualidade deve ser tratado por meio de palestras (Tabela 5).

Tabela 5:
Visão dos entrevistados sobre a abordagem de sexualidade em sala de aula.

Professor Como o professor pode abordar o tema sexualidade e ir


além dos tabus?
A A meu ver se tivesse na escola a oportunidade de todas as
disciplinas trabalhar isso ajudaria a desfazer o tabu. Em sala o
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professor deveria ter obrigatoriedade de trabalhar quando


surgem as dúvidas.
B Deve abordar o tema só se for um professor profissional que
têm especialização nessa área.
C Sempre através de palestras, com um profissional para falar
através de uma apresentação, palestra,aula.

É interessante quando um dos professores aponta que deveria ser


obrigatório os professores tratar em sala de aula o tema ‘sexualidade’. Isso
nos leva a questionar será que se fosse obrigatória a abordagem do
mencionado tema em sala de aula nós teríamos indivíduos mais conscientes?
Bem como, será que os índices de pessoas com doenças sexuais diminuiriam?

De certa forma quando observamos o PCN podemos considerar uma


obrigatoriedade de se tratar do tema sexualidade em sala de aula. No entanto,
como pode ser percebido neste estudo os PCNs não têm sido considerado
relevante, pois os professores com suas próprias palavras confessam não
abordar o tema sexualidade, enquanto tema transversal, em sala de aula, e
como pode ser visto em discursos anteriores que apresentamos em tabelas, os
entrevistados apontam diferentes fatores para não abordar a temática em suas
aulas.

Sobre a visão dos professores entrevistados quanto ao papel do


professor e da família na formação da sexualidade dos discentes, todos
consideram que o professor exerce importante papel (Tabela 6).

Tabela 6:
Resposta dos entrevistados quanto ao papel do professor na constituição da
sexualidade dos seus alunos.

Professor Você considera que o professor, além da família, exerce um


importante papel na sexualidade da estudante?
A Acho que sim, pois depois os pais, os alunos confiam mais nos
professores.
B Sim.
C Sim. Formação para a cidadania. Não apenas o professor, mas
a comunidade escolar de modo geral deve conversar com os
alunos. Por exemplo, um servente pode dar um conselho.
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É interessante o recorte de conteúdo temático no qual um dos


investigados fala sobre a possibilidade de todos os funcionários da instituição
escolar contribuir para a formação da sexualidade dos alunos.

Sendo também interessante pensar que os professores podem ser as


pessoas mais indicadas para tratar dessa temática nas escolas, uma vez que o
esperado é que estes percebam nas instituições de ensino superior preparo
para lhe dar com orientação sexual e outras temas relacionados à sexualidade
no ambiente escolar.

Quanto à resposta dos professores em relação ao próprio preparo para


tratar sobre sexo com seus alunos, todos disseram não se sentir preparado. A
justificativa para o despreparo está vinculada a diferentes aspectos, a saber:
falta de conhecimento, falta de entrosamento com os alunos, dificuldade
pessoal para a abordagem da temática (Tabela 7).

Tabela 7:
Opinião dos professores sobre o próprio preparo para tratar sobre sexo com
os seus alunos.

Professor Você se sente preparado profissionalmente e


psicologicamente para falar sobre sexo com seus alunos?
A Não. Devido à falta de conhecimento, pois não têm como você
trabalhar o tema sem ter embasamento.
B Não, de jeito nenhum.
C Não. Sempre falta alguma coisa, como eu têm coisas que a
gente têm dificuldades. Meu filho uma vez e perguntou ao pai
o que era orgasmo, ele viu na TV, e o pai teve de engolir e se
perdeu, eu estava na sala e gritei: ‘Ensina ao menino o que é
orgasmo’.
Em suas falas os professores citaram falta de conhecimento, a qual
consideramos estar vinculada principalmente a formação inicial e continuada
dos professores.

No entanto, apontamos que também os professores podem ser


responsáveis por sua própria formação. Os quais podem buscar diferentes
meios (leituras, vídeos) que possam contribuir para seu conhecimento sobre
sexualidade e orientação sexual.

Essa busca por conhecimento possivelmente poderia contribuir para o


trato da referida temática em sala de aula, auxiliando no processo de ensino
dos docentes e facilitando o processo de aprendizagem dos discentes.
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CONSIDERAÇÕES FINAIS
Com a análise dos resultados foi possível perceber que nossos objetivos
foram atingidos. Assim nós podemos apresentar a visão de professores da
educação básica sobre o tema ‘orientação sexual’.

Além de apresentar aspectos da práxis docente sobre a referida temática


e identificar elementos da formação docente dos investigados, os quais estão
voltados ao trato do tema orientação sexual em sala de aula.

De modo geral, em nossa pesquisa foi percebido que os professores não


abordam o tema ‘sexualidade e orientação sexual’, enquanto tema transversal
do PCN, em sala de aula., apenas abordando quando os alunos levantam
questionamentos. Neste sentido as questões apontadas pelos alunos estão
vinculadas a homossexualidade, gravidez e preservativos.

Bem como, os professores se mostram despreparados e citam que as


instituições de ensino superior têm contribuído de forma mínima para a
formação docente, no que se refere ao conhecimento acadêmico dos docentes
sobre a temática aqui abordada.

Enfim, consideramos que o professor exerce papel relevante para a


formação da vida sexual segura dos discentes, sendo necessário que as
instituições de ensino superior devam refletir sobre a formação que têm sido
passada aos docentes.

Isso nos leva a questionar: Será que a formação docente tem refletido
em uma formação mais abrangente que não se fecha nos muros das
universidades, mas que os ultrapassa, atingindo a realidades dos alunos?

REFERÊNCIAS

BARDIN. L. Análise de conteúdo. 4 ed. Trad. RETO, J.A.; PINHEIRO, A.


Lisboa: Edições 70, 2004.
BRASIL. Secretaria de Educação Fundamental. Parâmetros curriculares
nacionais: Orientação sexual. Ministério da Educação. Secretaria da
Educação Básica. Brasília: MEC/SEF, 1997.
CARVALHO, A. M. P. Prática de Ensino: Os estágios na Formação do
professor. São Paulo: Livraria Pioneira Editora, 1987.
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A Mediação Leitora:
o papel do professor no processo de formação do leitor

Sandra Cristina Oliveira da Silva1


Júlia Teixeira Souza 2
Marcela Paula dos Santos Castro3

RESUMO

Este estudo teve como objetivo analisar a importância da mediação na formação do


leitor e qual o papel do professor na formação do leitor. Para a coleta de dados,
utilizamos a analise documental, na qual analisamos entrevistas semi-estruturadas de
cinco professoras que lecionam no Ensino Fundamental, do município do Paulista
(PE). Os resultados mostram que nem todas as professoras tiveram incentivo a leitura
quando eram estudantes, mas mesmo assim afirmam que gostam de ler; elas
reconhecem que é importante realizar um trabalho de incentivo a leitura com seus
alunos e afirmam que primeiro o professor precisar gostar de ler para motivar e serem
os espelhos dos estudantes. E por fim sugerem atividades com diferentes gêneros
textuais e defendem que os docentes precisa aproximar a criança do livro trazendo
livros que sejam de acordo com a faixa etária dos alunos para que os mesmos possam
manusear e ler, mesmo antes se apropriarem do sistema de escrita alfabética.
Podemos concluir que as professoras participantes valorizam o eixo da leitura em suas
práticas pedagógicas afirmando que as práticas de leitura fazem parte da sua rotina
pedagógica, salientam que as atividades estão sempre direcionadas para a formação
do leitor critico e autônomo e em seus discursos apontam que atuam como mediadoras
no processo de formação leitora.

Palavras-chave: Leitura, Mediação, Formação do leitor, Incentivo a leitura.

1
Contato do(a) autor(a): sandracristinao@yahoo.com.br. Universidade Federal de
Pernambuco
2
Contato do(a) autor(a): julia_souzat@yahoo.com.br. Universidade Federal de
Pernambuco
3
Contato do(a) autor(a): marcycasttro@hotmail.com . –Universidade Federal de
Pernambuco.
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INTRODUÇÃO

Sabemos o quanto é importante um trabalho sistematizado do eixo da


leitura de modo que proporcione ao aluno a interação com o texto de maneira
crítica e autônoma, entretanto o ensino da leitura ainda continua sendo um
problema nas escolas, como salienta Ferreira e Dias (2002):

O acesso ao aprendizado da leitura apresenta-se como um dos


múltiplos desafios da escola e, talvez, como o mais valorizado e
exigido pela sociedade. Como afirma Foucambert (1994, p.123), o
acesso à escrita é o único meio de alcance da democracia e do poder
individual, o qual ele define como “a capacidade de compreender por
que as coisas são como são” e que não se confunde com os “poderes”
permitidos ou facilitados pelo status social do indivíduo (p.40).

É na valorização da leitura e da escrita que muitas pessoas atribuem a


chance de mudança de status social e os classificam como conhecimentos
necessários à prática da cidadania de forma consciente. Segundo Petit (2008)

[...] a leitura, em particular a leitura de livros, pode ajudar os jovens a


serem mais autônomos e não apenas objetos de discursos repressivos
ou paternalistas. E que ela pode representar uma espécie de atalho que
leva de uma intimidade um tanto rebelde à cidadania.” (p.19).

Ou seja, segundo a autora a leitura é um dos instrumentos que


possibilita a conscientização do sujeito para que o mesmo não seja facilmente
alienado.

Diante dessa problemática, nesse trabalho buscaremos responder as


seguintes questões: qual a importância da mediação na formação do leitor?
Qual o papel do professor na formação do leitor?

1 A importância da mediação na formação do leitor


A leitura por muitos anos foi vista como perigosa para os interesses das
classes dominantes, por causa do sentido particular que as pessoas podem
atribuir a um mesmo texto. Por esta razão, antigamente as pessoas das classes
populares só tinham acesso a textos e livros de cunho religiosos, ou seja, o
necessário para participarem dos ritos religiosos que eram realizados em
latim. (SOLÉ, 2003).

A leitura acontecia em voz alta e em público para muitas pessoas, essa


prática era realizada como forma de “controlar” as distintas interpretações
das pessoas diante do texto. De acordo com Vinão (apud Solé 2003) o tipo de
leitura praticada durante esse período era a leitura intensiva “a leitura
intensiva caracterizar-se pela leitura de poucos livros, com as mesmas
referências de uma geração a outra; eram leituras compartilhadas em grupo,
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em voz alta, que implicavam a atribuição de caráter sacro ao impresso e a


memorização.” (SOLÉ 2003, p.19).

Nesse momento histórico a mediação era desempenhada para que as


pessoas não compreendessem o que estavam lendo, através de “leituras
controladas”, sendo os mediadores as pessoas que tinham vínculos com as
igrejas e classes dominantes. Apesar de toda a dominação em torno da leitura,
não se pôde garantir o controle absoluto do ato de ler e construir sentido,
Petit (2008) salienta que:

(...) não se pode jamais estar seguro de dominar os leitores, mesmo


onde os diferentes poderes dedicam-se a controlar o acesso aos textos.
Na realidade, os leitores apropriam-se dos textos, lhes dão outro
significado, mudam o sentido, interpretam à sua maneira, introduzindo
seus desejos entre as linhas: é toda a alquimia da recepção. (p.26).

Ou seja, o contato com o texto é algo pessoal, temos pontos de vista


diferentes, experiências distintas, enfim não somos iguais.

Se somos diferentes, então qual a importância da mediação já que cada


pessoa atribui um sentido ao que está lendo? Apesar de estarmos muitas
vezes sozinhos diante de um texto não quer dizer que chegamos sozinhos até
aquele texto. Yunes (2009) afirma: “(...) o que está à nossa volta afeta o que
conhecemos.” (p. 31), ou seja, mesmos estando sozinhos diante do texto,
mobilizamos experiências vividas, relacionamos os conhecimentos já
adquiridos no processo de construção de novos conhecimentos, e somos
influenciados por tudo e todos que nos rodeiam.

Petit (2008) reforça ainda mais a importância da mediação: “o gosto


pela leitura não pode surgir da simples proximidade material com os livros.
Um conhecimento, um patrimônio cultural, uma biblioteca, podem se tornar
letras mortas se ninguém lhe der vida.” (p. 154). Não basta ter em casa
ou na escola, por exemplo, várias estantes de livros com a falsa ideia de que
apenas o contato com os livros irá garantir o interesse pela leitura, se não
tiver alguém que chegue perto e indique ou até mesmo leia um daqueles
livros para o outro, não adiantará de nada tantos livros que ficaram ali
empoeirados e sem utilização.

Portanto, a mediação é fundamental na formação do leitor, pois é


através da interação que os indivíduos constroem modelos de leitores,
aprendem a construir sentido ao texto que estão lendo, assim como aprendem
também a construir e utilizar estratégias de leitura que sem um mediador
experiente não seria possível de serem formuladas.

2 Qual o papel do professor na formação do leitor?


Diante da importância da mediação, como já discutimos anteriormente,
o professor servirá de modelo, assim como outras pessoas, para os alunos, no
entanto no caso do professor a responsabilidade é ainda maior do que de
outras pessoas, pois ele é responsável por ensinar os alunos a decodificar os
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sinais gráficos, assim como, ensinar também que a leitura é uma atividade de
construção de sentido. Brandão e Rosa (2011) salientam que “(...) é preciso
que a criança compreenda a leitura como uma atividade de construção de
sentidos em que é preciso interagir ativamente com o texto.” (p.70). Ou seja,
a leitura não é somente decodificar os sinais gráficos. Corroboramos com
Leal e Melo (2006) ao defenderem que

Ler é uma atividade social e que, portanto, as estratégias cognitivas


são adequadas aos propósitos de leitura, às finalidades que orientam
nossa ação de ler. Quem lê, lê um texto para algum fim. As
características desse texto e essa finalidade de leitura nortearão a
atividade globalmente, ativando, na nossa memória,conhecimentos
prévios relevantes, que nos ajudarão a prever o que virá e a adotar
estratégias de leitura adequadas a tais propósitos. (p.41).

O professor aparece para o aluno como um leitor experiente que


interage com ele e com o texto, por isso o professor, no âmbito escolar, é o
que faz a mediação entre o texto, as formas que se faz para ler, e o leitor
inexperiente, porém o que acontece muitas vezes na escola é que os
professores não sabem como fazerem isso atribuindo a compreensão de
textos apenas as atividades localização de informações, ou perguntas diretas
que estão explícitas no texto, que são atividades importantes no processo de
formação do leitor, no entanto valorizando apenas essas atividades na maioria
das vezes faz com que os alunos tenham uma visão negativa da leitura por
não saberem bem a função real da mesma, que na escola servirá, muitas
vezes, apenas para a execução de atividades. De acordo com Leal e Melo
(2006)

É preciso ajudar os alunos a desenvolver capacidades que possibilitem


atender a diferentes finalidades de leitura, presentes na escola e fora
dela. Um primeiro passo para isso é fazer com que os alunos tomem
consciência sobre os diferentes modos de ler, relacionados aos
diferentes propósitos de leitura na sociedade. (p.42)

Por esta razão, o professor tem um papel importante na formação do


leitor, isso é claro dependendo de como aconteça essa mediação. A prática
docente influenciará bastante na maneira como acontecerá essa mediação. O
que queremos frisar é que o professor é um mediador e tem que assumir tal
papel com responsabilidade e consciência de que tipo de leitores estão
querendo formar. Concordamos com Petit (2008) quando fala que:

O iniciador aos livros é aquele ou aquela que pode legitimar um


desejo que não está muito seguro de si. Aquele ou aquela que ajuda a
ultrapassar os umbrais em diferentes momentos do percurso. Seja
profissional ou voluntário, é também aquele ou aquela que acompanha
o leitor no momento, por vezes tão difícil, da escolha do livro. Aquele
que dá a oportunidade de fazer descobertas, possibilitando-lhe
mobilidade nos acervos e oferecendo conselhos eventuais, sem pender
para uma mediação de tipo pedagógico. (p. 175).
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Como incentivador ao contato com os livros e com os textos, é papel do


professor mostrar para o aluno a diversidade de textos que existem, ampliar o
conhecimentos sobre os gêneros textuais, indicar para eles quais as esferas de
circulação que determinados tipos de texto circulam, além de mostrar a
função dos textos na sociedade e a utilizar adequadamente os textos nas
situações sociais em que se envolvem, informações essas que auxiliarão o
leitor durante a realização da leitura, pois conhecendo o tipo de texto a leitura
fluirá mais fácil.

3 Metodologia
Utilizamos como instrumento de coleta de dados entrevistas semi
estruturadas, pois através delas pudemos analisar qual a importância da
mediação na formação do leitor e qual o papel do professor na formação do
leitor. Foram realizadas entrevistas com cinco professoras de ensino
fundamental da rede de ensino da cidade do Paulista, todas com graduação
em Pedagogia e duas Pós graduadas. O tempo de serviço varia de cinco a
dezessete anos e atuação na rede variando entre cinco e onze anos. A
entrevista foi dividida em duas partes, a primeira intitulada professor como
leitor, com questões referente a formação e mediação, que as professoras
receberam durante a vida escolar, e a segunda o professor como mediador na
formação do leitor, com questões relativas ao ensino e mediação no ensino da
leitura em sua prática docente. O levantamento de dados deu-se no período
equivalente a dois meses, onde foram realizados encontros com as
professoras nas escolas nas quais lecionam.

Utilizamos para as análises acima citadas, a metodologia baseada na


análise de conteúdo, de Bardin (1977).

4 Resultados
Nossos resultados foram divididos em dois tópicos. O primeiro referente
ao professor como leitor; e o segundo referente ao professor como mediador
no ensino da leitura.

O professor como leitor

Todas as professoras disseram que gostam de ler, entre os tipos de


textos mais citados estão os textos jornalísticos citados por 4 professoras,
romances citados por 3 professoras, e outros tipos de textos (literatura,
aventura, poesia, biografias, textos espíritas) citados por uma professora.
Duas docentes disseram que gostam de ler qualquer tipo de texto, porém uma
salienta que não gosta de romance.

Sobre a influência dos professores em sua formação como leitor, apenas


duas, das cincos docentes participantes, afirmaram que sofreram influências
nessa formação, porém uma delas afirma que isso ocorreu parcialmente; duas
docentes asseguram que os professores não influenciaram na sua formação
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como leitores e uma das docentes afirmou que só alguns professores serviram
de mediadores na sua formação como leitora.

Entre os exemplos positivos de mediadores, duas docentes citaram os


professores de português “minha professora de Português do ginásio era
incentivadora e comentava da importância da leitura e sempre trazia títulos
novos como sugestão de leitura.” (professora 1)

(...) a de português, Teresinha, esqueço o nome dela nunca, ela


gostava muito de ler, e passava isso pra gente, isso na quinta série, foi
quando eu vim realmente pra despertar pra ler, como eu gostava dela,
admirava muito a postura dela, então foi quando eu decidi realmente
ser professora, eu gostava muito do jeito dela, e ela me incentivou a
gostar de ler.(Professora 3).

Alem dos professores de português, uma das docentes citou o pai como
seu principal mediador na leitura

Mas meu grande incentivador foi meu pai que era professor de
História e eu passei minha infância acompanhando as noites que ele
passava estudando e lendo por prazer e quando ele ia comprar livros
eu acompanhava e sempre ele comprava livros pra mim, isso ficou
marcado e até hoje quando entro numa livraria lembro
dele.(professora 1).

Entre os motivos para não considerar seus professores incentivadores de


leitura a professora 2 cita o método de ensino “ tradicional”. “Era uma
coisa muito tradicional, o b-a-ba e pronto, não tinha leitura de textos e muito
menos vários diversos gêneros.” (Professora 2). Ainda há o exemplo da
professora 4, que além de não ser incentivada a ler, ainda ouvia que a leitura
que praticava não era apropriada. “No início eu comecei a ler romances,
aqueles romances Júlia, Sabrina. Teve professores que cortaram, disseram
que não, não podia.”

A prática dos docentes citadas pelas professoras 2 e 4 são oposta das


ideias atuais de autores como Leal e Melo (2006); Brandão e Rosa (2011);
Petit (2008) que defendem que é preciso incentivar o gosto pela leitura,
mostrar para o aluno o caminho para que o mesmo construa sentido durante a
leitura e para que o leitor interaja com o texto, por isso é imprescindível que
o professor indique as leituras e deixe o aluno experimentar variados textos
para que descubra qual é o que mais lhe agrada.

Apesar de gostaram de ler, as professoras participantes apresentaram em


suas respostas que tiveram pouco incentivo na escola o que reforça a ideia
defendida por Petit (2008) que o iniciador da leitura pode ser qualquer pessoa
que esteja perto do leitor e que o ajude a entender o sentido da leitura, como
nos relatou a professora 1 que teve como grande incentivador da leitura o pai.
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Diante do exposto, podemos compreender um pouco a formação leitora


das professoras. No tópico a seguir buscaremos apreender como são as
professoras atuam no papel de mediadoras de leitura.

O professor como mediador na formação do leitor

Ao serem questionadas sobre a importância da leitura na sala de aula


todas as docentes afirmaram ser importante por diversos motivos. A
professora 2 acredita que é importante por fazer “o aluno refletir, torna-se
crítico”, as professoras 3 e 4 afirmam que é importante a leitura estar
presente na sala de aula, pois o professor alem de servir de espelho para os
alunos, ainda vai estimular a vontade de aprender dos mesmos. “se a gente
ler pra os alunos, eles vêem a gente lendo, eles sentem vontade de ler né?” (
professora 3).

Em relação ao espaço para a leitura na sua rotina, as docentes


participantes asseguraram que dão grande atenção “leio todos os dias para os
meus alunos.” (professora 1); “todos os dias a gente faz um tipo de leitura.
“ ( profesora 2); “praticamente todos os dias, só na terça-feira que diminui
um pouco, mas mesmo assim tem leitura.” ( professora 3) “ está sempre
inclusa nas atividades permanentes” ( professora 5). Com esses depoimentos
as professoras reforçam que junto ao eixo da escrita a leitura tem lugar
privilegiado nas salas de aulas.

Quando questionadas sobre o incentivo que dão aos seus alunos para
lerem, as docentes asseveraram que incentivam bastante, e entre as formas de
incentivos citadas por elas esta o conselho

Sempre digo que é importante sermos independentes e que a leitura os


torna livre quando sabemos ler ninguém nos engana, se eles sabem ler
e entendem o significado da palavras não serão enganados e também
podem ajudar as pessoas que fazem parte da vida deles, pois alguns
alunos os pais são analfabetos e os filhos de uma certa maneira
ajudam nas atividades cotidianas, ler tudo que estiver ao seu alcance e
escolher sempre o que for melhor.(professora 1).

As outras formas de incentivos citados pelas docentes foram trazer


livros e diversos tipos de textos para que os alunos manuseiem e o próprio ato
de ler para seus alunos na sala de aula “trazendo os livros que a escola tem
no acervo, algumas vezes eu pergunto se eles querem, ouvir uma história,
tem uns que já se manifestam sem que você pergunte, e também trazer o livro
e deixar na mesa,sem você falar nada, aí eles começam a vir, olhar,
perguntar.” ( professora 2); “Oferecendo diversos gêneros textuais,
realizando leitura deleite, oportunizando a descoberta do ler por prazer e do
ler para aprender.” ( professora 5).

No entanto, como alertam Petit (2008) e Leal e Melo (2006), além de


trazer os diversos livros e gêneros textuais, o professor precisa mostrar para
os alunos a finalidade daquele material, que tipo de olhar o leitor precisa dá
ao texto que está lendo, a fim de construir sentido para a leitura, ou seja, “o
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gosto pela leitura não pode surgir da simples proximidade material com os
livros. Um conhecimento, um patrimônio cultural, uma biblioteca, podem se
tornar letras mortas se ninguém lhe der vida.” (PETIT, 2008; p. 154).

Sobre o fato de o professor gostar ou não de ler influenciar no processo


de formação leitora dos alunos, quatro docentes acreditam que o fato de
gostarem de ler influencia sim na formação do aluno, “Acredito que gostar
de ler ajuda, já pensou um professor não gosta de ler? toda a nossa vida
profissional requer muita leitura.” ( professora 1); “Sim. pois se não
demonstrarmos interesse pela leitura, como poderemos motivar os alunos a
lerem?” (professora 5).

Apenas a professora 4 afirma que não, e justifica que não teve esse
incentivo como aluna e mesmo assim gosta de ler, e ainda salienta que foi a
necessidade de ler que incentivou o seu gosto pela leitura. “Não, porque
durante a minha formação de graduação e pós graduação, mesmo que eu
não gostasse de ler entre aspas, eu tinha que ler textos, livros... aí eu acho
que isso me influenciou... não o gostar ou não dos professores em
ler.”(professora 4).

Ao serem questionadas sobre como avaliavam a importância do seu


trabalho no processo de formação do leitor, as docentes responderam que o
professor é o exemplo de leitor que o aluno tem em sala de aula e por isso seu
papel em sala de aula precisar ser o de incentivar os alunos ao mundo da
leitura. “o professor é co-participante desta formação leitora, sendo assim é
fundamental que procure despertar no aluno o gosto pela leitura e a
consciência de como esta é fundamental nas suas vidas.”( professora 5).

Sobre a mediação no processo de formação do leitor, todas as docentes


afirmaram que é importante por ajudar os alunos a entrar e a trilhar o
caminho que os leva a leitores autônomos e críticos. “sim. sem dúvida!
porque o aluno necessita do outro para que possa desenvolver as habilidades
de leitor autônomo e crítico.” ( professora 5). A professora 1 além de
ressaltar a importância da mediação também explica que não é um trabalho
fácil para o professor como observamos no trecho a seguir:“Quando leio um
texto vou questionando ao meu aluno eu estou ajudando ele a formar sua
opinião, encaminhar o aluno , é como se você ensinasse o aluno a pescar
sem entregar o peixe de mão beijada, isso é difícil.” ( professora 1).

Sobre os tipos de atividades que o professor pode oferecer para que os


alunos se tornem leitores autônomos e críticos, foram citadas várias
atividades, entre elas, atividades de interpretação de textos, atividades com
diferentes gêneros textuais. Como sugere a professora 5.

Leitura de diversos gêneros e tipos textuais através de leituras deleite,


interpretação dos textos lidos em rodas de conversa para reflexão e
debates, com provocações da professora motivando aos alunos a se
posicionarem com argumentos bem elaborados e convincentes,
recitais, saraus, declamações de poesias, círculos de leitura.
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A professora 1 menciona atividades que incentivam o contato dos


alunos com livros que estejam em consonância com a faixa etária deles

Se possível ter sempre uma mini biblioteca pessoal , é difícil , mas


livros variados, sempre levando em consideração a idade dos alunos,
mesmo aqueles que não estão alfabéticos aproximar esses alunos de
situações de leitura é fundamental e se escola tiver um acervo melhor
ainda.

Com essas respostas as professoras confirmam a ideia de que é preciso


desenvolver as habilidades de leitura nos alunos para que eles construam
sentido e interaja com os textos que estão lendo e “um primeiro passo para
isso é fazer com que os alunos tomem consciência sobre os diferentes modos
de ler, relacionados aos diferentes propósitos de leitura na sociedade.” (
LEAL E MELO, 2006; p.42). Ou seja, o professor é iniciador de livros, no
ambiente escolar, precisa apresentar esse caminho aos alunos, fazer com que
eles entendam a finalidade e o diferente modos de ler distintos texto.

ALGUMAS CONSIDERAÇÕES

O trabalho com o eixo da leitura precisa ser continuo nas séries iniciais
do ensino fundamental, pois acreditamos que a mediação dos docentes,
apesar de não ser a única que o indivíduo tem ao longo da vida, é uma das
mais importantes, pois é na escola que as pessoas passam boa parte da sua
vida.

Diante dessa realidade entendemos que ensinar a ler é uma tarefa


complexa. Requer planejamento e conhecimento do professor. O papel do
professor como mediador é muito importante, pois é nele que o aluno se
espelha, ou seja, o docente é o leitor experiente, que busca estreitar os laços
dos alunos com diferentes tipos de texto fazendo-os entender que durante a
leitura é preciso utilizar algumas estratégias para garantir a compreensão do
texto, assim como entender a intenção que tem ao ler um texto.

Concordamos com Colomer e Camps (2002) quando afirmam que

A condição básica e fundamental para um bom ensino de leitura na


escola é a de restituir-lhe seu sentido de prática social e cultural, de tal
maneira que os alunos entendam sua aprendizagem como um meio
para ampliar suas possibilidades de comunicação, de prazer e de
aprendizagem e se envolvam no interesse por compreender a
mensagem escrita. ( p. 90)
Podemos observar com as respostas que as professoras participantes
valorizam o eixo da leitura em suas práticas pedagógicas afirmando que o
ensino da leitura se faz presente assiduamente em sua rotina pedagógica,
como foi afirmado por todas as participantes. As docentes salientam que as
atividades estão sempre direcionadas para a formação do leitor critico e
autônomo e em seus discursos apontam que atuam como mediadoras no
processo de formação leitora. Apesar de receberem pouco incentivo nos
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ambiente escolar, quando estudantes, as docentes participantes mostraram-se


preocupadas com o incentivo a prática de leitura o que pode ser observado
com clareza em todos os depoimentos da professora 4.

Portanto a mediação é necessária na formação do leitor, porem essa


mediação pode acontecer em diversos espaços sociais, sendo a escola um
ambiente privilegiado por ser um espaço rico em situações e em recursos
didáticos que favorecem a pratica da leitura.

REFERÊNCIAS

BARDIN, L. Análise de Conteúdo. Lisboa: Edições 70, 1977.


BRANDÃO, A. C. P.; ROSA, E. C. de S. A leitura de textos literários na sala
de aula: é conversando que a gente se entende... In: Coleção Explorando o
Ensino - Literatura/ Ensino Fundamental. 2011 MEC/SEB, vol. 20, pp. 69-
106, disponível
em:<(http://portal.mec.gov.br/index.php?option=com_content&view=article
&id=12314&Itemid=811)> Acesso em 26 de abril de 2011.
COLOMER, Teresa; CAMPS, Anna. Ensinar a ler, ensinar a
compreender. Porto Alegre: Artmed, 2002.
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Psicologia em Estudo, Maringá, v. 7, n. 1, p. 39-49, jan./jun. 2002,
disponível em:
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em primeiro lugar. In: SOUZA, I. P.; BARBOSA, M. L. F. F.(Orgs). Prática
de leitura no ensino fundamental. Belo Horizonte: Autêntica. 2006.
PETIT, M. Os jovens e a leitura: uma nova perspectiva. Tradução: Celina
Olga de Souza. São Paulo: Editora 34, 2008.
SOLÉ, I. Ler, leitura, compreensão: “sempre falamos da mesma coisa?” In:
TEBEREOSKY, A. [Et. al.]. Compreensão de leitura: a língua como
procedimentos; Tradução: Fátima Murad. Porto Alegre: Artmed, 2003.
__________ Leitura em Educação Infantil? Sim, Obrigada! In:
TEBEREOSKY, A. [Et. al.]. Compreensão de leitura: a língua como
procedimentos; Tradução: Fátima Murad. Porto Alegre: Artmed, 2003.
YUNES, E. Tecendo um leitor: uma rede de fios cruzados. Curitiba:
Aymará, 2009.
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Práticas Educativas de Incentivo ao


Gosto pela Leitura:
criação de um ambiente alfabetizador

Kecia Karine Santos de Oliveira1

RESUMO
O objetivo do artigo aqui proposto é abordar estratégias pedagógicas que
desenvolvam a leitura e a escrita no período de alfabetização das crianças, visto que é
nesta fase que se aprende os conceitos iniciais para que se objetive um bom processo
de aprendizagem. A metodologia usada por alguns professores ao trabalhar a leitura
dentro da sala de aula a torna uma atividade mecânica e desinteressante. Observou-se
que as crianças sofrem influências dentro do ambiente em que ela se encontra. Se esta
se depara num ambiente informatizador, onde a convivência com os livros é mais
frequente, a convergência é ela ter mais facilidade na aprendizagem da leitura e da
escrita e cabe a escola continuar este processo. Ao pensar em atividades que
desenvolva na criança o gosto pela leitura e um aprimoramento da escrita é que se
detém ao fato de este processo se dará com êxito a partir das estratégias que o
professor oferece dentro da sua sala de aula. Neste contexto que a escola e a família
podem se tornar ambientes que contribuem a construção do gosto pela leitura. Desta
forma, devemos acolher a leitura como uma atividade lúdica e informativa e assim
proporcionar o gosto pela leitura.

Palavras-chave: Leitura. Escrita. Livros. Crianças.

1
Contato do(a) autor(a): keciakarine@hotmail.com. Graduada em Pedagogia pela
Universidade Federal de Sergipe.
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INTRODUÇÃO

O objetivo do artigo aqui proposto é abordar estratégias pedagógicas


que desenvolvam a leitura e a escrita no período de alfabetização das
crianças, visto que é nesta fase que se aprende os conceitos iniciais para que
se objetive um bom processo de aprendizagem. A metodologia usada por
alguns professores ao trabalhar a leitura dentro da sala de aula a torna uma
atividade mecânica e desinteressante. No entanto, cabem a nós educadores
contribuirmos como mediadores das atividades de leitura a fim de despertar
nos alunos a criatividade e o gosto pela mesma.

A fim de colaborar na aprendizagem da leitura e da escrita na


alfabetização é “necessário realizar (...) atividades que atendam aos fatores
físicos, intelectuais e sócio-emocionais.” (GROSSO & BELLOTTI, p.12),
tais como: linguagem oral, habilidades sociais – através de trabalho em
grupo, dentre outras.

As crianças sofrem influências dentro do ambiente em que ela se


encontra. Se esta se depara num ambiente informatizador, onde a convivência
com os livros é mais frequente, a convergência é ela ter mais facilidade na
aprendizagem da leitura e da escrita e cabe a escola continuar este processo.
No entanto, se esta vive em um ambiente mais prejudicial, a escola fica
incumbida de tornar essas oportunidades mais acessíveis, não admitindo que
saia do espaço escolar da mesma maneira que ingressou.

Segundo Cardoso e Madza (2004) após o professor ter adquirido dados


concretos dos alunos em que se esteja trabalhando, este será capaz de avaliá-
los de forma justa, colocando em pauta o avanço que o aluno obteve em
relação a si próprio e a maneira de como esse aluno chegou na escola, sem
desprezar suas habilidades.

Neste sentido, é importante levar para dentro da sala de aula textos do


cotidiano, tais como: livros, jornais, anúncios com o intuito de aproximar
com a escrita. Ao estabelecer tais atividades, o docente cria um ambiente
disciplinador onde a criança aprende por meio das circunstâncias que lhe são
apresentadas.

Uma questão importante é o fato de que o desenvolvimento do aluno se


dará com êxito a partir das estratégias que o professor oferece dentro da sua
sala de aula. Ou seja, o objetivo das atividades deve está centradas em
promover o avanço intelectual dos alunos e analisar o domínio da escrita e da
leitura por meio desses recursos didáticos.

1 Práticas educativas de leituras

Ao pensar em atividades que desenvolva na criança o gosto pela leitura


e um aprimoramento da escrita é que se detém ao fato de este processo se
dará com êxito a partir das estratégias que o professor oferece dentro da sua
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sala de aula. A escrita se faz presente em todos os momentos da vida, nas


suas diversas formas de representações e com os mais diversos objetivos.
Estas representações mencionadas vêm em formas de jornais, revistas, livros,
receitas, contos, poesias, músicas dentre outras, pois “o que se deve fazer é
ensinar às crianças a linguagem escrita, e não apenas a escrita de letras”
(VYGOTSKY, 1994, p.157).

A importância da escrita é responsável pela grande preocupação de


como trabalhá-la na infância. Segundo Cagliari (2007, p. 10), “a
alfabetização é, sem dúvida, o momento mais importante da formação escolar
de uma pessoa, assim como a invenção da escrita foi o momento mais
importante da História da humanidade”. Portanto a escrita deve ser bem
trabalhada na infância, é preciso estabelecer o ato de escrever da melhor
forma possível, onde a criança entenda o que é escrever e para que serve a
escrita.

Diante das variantes formas que se encontra a escrita é que se percebe a


importância da leitura, visto que se cria uma necessidade de decifrar a escrita,
para entender a linguagem encontrada e em seguida interpretar todas as
implicações que o texto oferece. Por isso que é válido ressaltar que a criança
antes de entrar na escola já possui uma “leitura de mundo”, e este processo
que a leitura provoca tem como intuito a reflexão sobre o texto e
desenvolvimento do próprio conhecimento, a fim de criar conceitos a respeito
do que leu.

Algumas atividades incentivam a leitura promove o hábito pela mesma


e proporciona o gosto por ela. Durante um período de exercício da docência,
trabalhei com meus alunos de cinco anos algumas atividades onde trabalhava
a leitura e a escrita. A turma era composta por 22 alunos, que tinham entre 4
e 5 anos, eles não sabiam ler, apenas soletrava algumas pequenas palavras.

Mesmo sem saberem ler, a professora pode, através de algumas


atividades, introduzir a leitura na vida do aluno. Uma dessas práticas foi a
“leitura de livros” para os alunos, onde reservava todos os dias um momento
na rotina das crianças para ler um livro para elas.

Foi observado que as crianças ficavam atentas na leitura da história, aos


desenhos e a maioria se interagiam com a contação. Conforme Kuhlthau
(2002, p. 50):

Antes que possam ler sozinhas as crianças devem escutar histórias, a


fim de desenvolver o interesse pelos livros e conscientizar-se da
variedade de livros disponíveis. Quando estão aprendendo a ler, a
escuta de histórias funciona como uma influência modelizadora para a
leitura. Essa atividade possibilita a experiência com o fluxo das
palavras para formar os significados. As crianças vivenciam o prazer e
os sentimentos criados pela leitura. Por outro lado, a leitura tem como
finalidade a formação de escritores, não no sentido de profissionais da
escrita, mas de pessoas capazes de escrever adequadamente.
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Corroborando com a autora, a leitura suscita na criança a imaginação, a


criatividade, bem como “educa sua atenção, desenvolve a linguagem oral e
escrita, amplia seu vocabulário e principalmente aprende a procurar, nos
livros, novas histórias para o seu entretenimento” (ABRAMOVICH, 1995,
p.18)

Com isso, outra forma de fazer a leitura de um livro é dramatizando a


história. Na figura abaixo, foi a dramatização do livro “O sonho da vaca”
de Sonia Junqueira. A atividade se deu da seguinte forma: tudo o que
acontecia no sonho, era representado pelas crianças, se a vaca pulava, todos
pulavam; se ela comia biscoitos, todos comiam.

(Autoria: Kecia Karine Santos de Oliveira. Data: outubro/2011 –


imagem modificada)

Corroborando com esta prática, Carvalho (2004, p.18) diz que: “a


criança é invadida por novas informações, emoções diferentes e pode querer
se expressar, dizer o que pensou, o que sentiu”. Nesta atividade, os alunos
fazem parte da história, notou-se também que incentiva o gosto pela leitura.

Outra atividade foi o “empréstimo” de livros a fim de que as crianças


possam manusear os livros. Essa tarefa propunha um empréstimo do livro,
onde cada criança escolhia um livro da escola e levava para casa, lia este
livro, fazia uma atividade de interpretação e depois devolvia. É interessante
também fazer isso com as crianças que não sabem ler ainda, porque elas
levariam para casa e os pais delas ou algum outro adulto iria ler para elas.
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Através das figuras as crianças “liam” e interpretavam as histórias, pois


mesmo sem saber ler, elas entendiam e/ou complementavam as narrações,
incentivando a imaginação. Como forma de desenvolver esse hábito de
leitura, eram proposto idas à biblioteca da escola, pois as crianças entravam
em contato com muitos livros e manuseava-los. Segundo Carvalho (2004,
p.18):

[...] é preciso pensar o espaço da biblioteca como um lugar atraente


onde, além de ler, as pessoas possam trocar ideias, discutir, ouvir
histórias, dar risadas etc. [...] O espaço da biblioteca tem de permitir
essa vontade de falar, de trocar ideias com os companheiros e com o
educador. O mediador tem um importante papel aqui, permitindo a
expressão e respeitando o silêncio de cada criança. As histórias podem
funcionar como um facilitador dos encontros e favorecem o
desenvolvimento da imaginação.

Foi visitada a biblioteca da própria escola, onde foi proposto um


tempo para as crianças escolherem alguns livros para ler na hora, e logo após
ficou aberto para elas optassem por qual livro queriam levar para casa, como
mostra a figura abaixo:

(Autoria: Kecia Karine Santos de Oliveira. Data: junho/2011 –


imagem modificada)

Como também foi visitada a Biblioteca Clodomir Silva, localizada no


bairro Siqueira Campos em Aracaju. Esta atividade foi realizada na época do
folclore, e como forma de atrelar o tema a leitura, foi levado todos os alunos
para este espaço.
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(Autoria: Kecia Karine Santos de Oliveira. Data: agosto/2011 –


imagem modificada)

Após verem a dramatização, as crianças falaram o que entenderam da


história, foram questionadas se gostaram, e dentre outras. Logo depois, elas
foram conhecer um pouco mais de cada personagem folclórico, mostrando
foto, e lendo um pouco da historia de cada um.

(Autoria: Kecia Karine Santos de Oliveira. Data: agosto/2011 –


imagem modificada)
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Observou-se que as atividades foram satisfatórias, pois, segundo


Abramovich (1995, p.18) “a criança que ouve histórias com frequência educa
sua atenção, desenvolve a linguagem oral e escrita, amplia seu vocabulário e
principalmente aprende a procurar, nos livros, novas histórias para o seu
entretenimento”. Portanto, devemos acolher a leitura como uma atividade
lúdica e informativa e assim proporcionar o gosto pela ela.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Observou-se que é possível proporcionar um ambiente alfabetizador,


onde as crianças se interessem pela leitura e tenha gosto por ela, visto que
existem várias práticas educativas que podem ser incorporadas em sala de
aula. Tais como: contação de histórias, por meio de teatro, fantoches, como
também uma leitura dramatizada; empréstimos de livros; textos informativos
pequenos que estimulem a leitura; ir a uma biblioteca, dentre outros.

Contudo, notou-se que esses leitores mirins já entram na escola com


muitos conhecimentos, tendo já de alguma forma conhecido a língua escrita,
como por exemplo, seu nome escrito. Neste contexto que a escola e a família
podem se tornar ambientes que contribuam para a construção do gosto pela
leitura. Desta forma, devemos acolher a leitura como uma atividade lúdica e
informativa e assim proporcionar o gosto pela leitura.

Portanto, pode-se concluir que a leitura pode ser trabalhada de forma


prazerosa dentro do âmbito escolar, visto que esta contribui para o
desenvolvimento da criança, pois uma história mexe com as emoções,
estimula o desenhar, o pensar, o imaginar, mesmo para aquelas crianças que
não sabem ler ainda.

REFERÊNCIAS

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Paulo: Scipione, 1997.
CARDOSO, Beatriz & MADZA, Ednir. Ler e escrever, muito prazer! São
Paulo: Ática, 2004.

CARVALHO, Cíntia. Biblioteca viva: fazendo história com livros e


leituras. Fundação Abrinq, 2004.
CAGLIARI, Luiz Carlos. Alfabetização & lingüística. 10. ed. São Paulo:
Scipione, 2007.
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CARDOSO, Beatriz; EDNIR, Madza. Ler e escrever, muito prazer! 2. ed.


São Paulo: Ática, 2006.
FREITAS, Maria Teresa de Assunção. . Leitura e escrita na formação de
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Grupo de Estudos e Pesquisa
II Seminário Nacional de Alfabetização e Letramento Alfabetização, Discurso e Aprendizagens
Oralidade e Escrita na Prática Escolar
ISSN: 2177-4072

Um Ditado Mudo Diferente

Lorena Bárbara da Rocha Ribeiro1

RESUMO
Este trabalho pretende apresentar a experiência de aplicação da atividade Ditado
mudo, a partir da proposta da Robótica Pedagógica Livre (RPL), proposta essa que
tem como objetivo a confecção/utilização de lixo eletrônico (sucata) como artefatos
robóticos/recurso didático, podendo ser usados em espaços de aprendizagens (formais
ou não). Considerando o ditado mudo uma atividade onde é possível estimular o
desenvolvimento de hipóteses de leitura e escrita (um processo de codificação e
decodificação - alfabetização), onde a criança elabora
suposições/conhecimentos/hipóteses sobre a leitura e escrita, até que de fato esteja
imersa nessa dinâmica, a articulação do elemento novo RPL a essa atividade permitiu
também o desenvolvimento de diferentes habilidades por partes das crianças
envolvidas. A RPL nesse contexto se insere com um recurso didático, possível de ser
trabalho em diferentes aspectos, auxiliando na construção de conhecimentos
específicos. Consolidando-se também como uma inovação tecnológica, uma “nova”
perspectiva para o ensino e aprendizagem, de caráter produtivo, criativo e
transformativo. Dessa forma, pode-se considerar que o ditado mudo como é uma
atividade que permite o alfabetizando fazer a correspondência leitura-escrita/escrita-
leitura, criando assim teoria/hipóteses próprias sobre a relação sons-letras, além da
compreensão do funcionamento do sistema alfabético, construindo a noção/hipótese
de que na escrita ela estará constantemente construindo, reconstruindo sentidos e
significados.

Palavras-chave: Ditado mudo, Alfabetização, Robótica Pedagógica Livre, Recurso


didático

1
Contato do(a) autor(a): lore_barbara@hotmail.com. Pós-graduanda – UNEB.
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INTRODUÇÃO

O ditado mudo é uma das atividades mais utilizadas no processo de


alfabetização de crianças. Podendo ser utilizada também como instrumento
de avaliação/conhecimento acerca do nível de escrita em que se encontram os
alfabetizandos, essa atividade - que consiste em o professor apresentar
figuras ou objetos aos alunos para que estes escrevam seus respectivos
nomes, a partir de suas próprias hipóteses -, tem como função básica o
auxílio na construção do sistema fonético e gráfico da língua.

E é nessa perspectiva, de auxílio/recurso no processo de codificação e


decodificação, que apresento a aplicação do ditado mudo a partir da
(re)utilização de lixo eletrônico – sucata eletrônica (Robótica Pedagógica
Livre).

1 Apresentando/entendendo o contexto

O ditado mudo é uma atividade que reforça as relações entre a língua


oral e a língua escrita, tanto de adultos quanto de crianças em processo de
alfabetização – aquisição inicial da língua escrita.

Especificamente, abordo a aplicação dessa atividade sob a proposta da


Robótica Pedagógica Livre por se tratar de uma experiência vivenciada com
uma turma da educação infantil – Grupo 5, na qual atuava como professora.
Era uma turma pequena, apenas 6 alunos, com idades entre 5 e 6 anos - em
fase inicial do processo de alfabetização-, de uma escola particular do
município de Lauro de Freitas, Bahia.

A alfabetização nessa fase da criança, numa perspectiva mais ampla,


representa a sua entrada na sociedade de maneira crítica, dinâmica, visto que
possibilita ampliação de sua visão de mundo.

A alfabetização faz parte da formação da personalidade da criança e,


neste sentido, não basta simplesmente que ela aprenda a ler e escrever;
mais do que isto, é necessário que ela encontre na leitura uma
motivação permanente. Desse modo, ela terá condições futuras de,
através da leitura, poder participar das grandes tradições, da história
da humanidade, da cultura e de comparar suas idéias com as os outros,
ampliando e reorganizando sua própria visão de mundo (ABUD, 1987
p.5).
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Trazendo para um sentindo mais restrito, a fase de alfabetização para


criança representa a aquisição básica de habilidades de leitura e escrita. Ou
seja, “significa ensinar o código escrito correspondente ao código oral,
habilitando o aluno a decifrá-lo (leitura, decodificação) e a utilizá-lo com
compreensão (escrita, codificação)” (ABUD, 1987 p.7)

Partindo da compreensão de que a alfabetização é um processo de


codificação (da linguagem oral para linguagem escrita - escrever) e
decodificação (da linguagem escrita para linguagem oral – ler), podemos
considerar o ditado mudo como uma atividade que permite o alfabetizando
fazer a correspondência leitura-escrita/escrita-leitura, criando assim
teoria/hipóteses próprias sobre a relação sons-letras (Abud, 1987).

E como foi possível exercitar a relação leitura-escrita/escrita-leitura


através do ditado mudo, utilizando a Robótica Pedagógica Livre (RPL)? A
contribuição da proposta da RPL se deu através do artefato (re)utilizado, o
teclado quebrado (sem uso) de computador, considerado lixo eletrônico.
Partindo do pressuposto que a sucata eletrônica pode se transformar num
potencial recurso didático, foi possível fazer essa articulação - RPL e
Processo de Alfabetização -, através dessa atividade (ditado mudo).

2 A robótica pedagógica livre (rpl)


Mas afinal, o que é a Robótica Pedagógica Livre? A RPL surge em um
contexto emergencial das tecnologias digitais, que pode possibilitar uma
articulação entre o mundo tecnológico e o mundo pedagógico escolar (Lima
Jr., 2005).

Compartilhando do mesmo objetivo da robótica educacional – auxiliar


no processo ensino-aprendizagem -, a RPL se difere/destaca pela
filosofia/proposta que prega, que é a de buscar:

[...] soluções livres em substituição aos produtos comerciais. Propõe o


uso de software livres (Linux e seus aplicativos) como base para
programação, e utiliza-se de sucata de equipamentos eletroeletrônicos
e hardwares abertos/livres para a construção de kits alternativos de
robótica pedagógica (kits construídos de acordo com a realidade social
de cada escola) e protótipos de artefatos robóticos (robôs, braços
mecânicos, elevadores...). (CESAR, 2009 p.4)

O emprego do termo Livre ocorre pelo fato da RPL utilizar soluções


livres e criações livres – sem um padrão pré-definido -, para a produção de
artefatos robóticos (que poderão ser utilizados como recurso didático),
substituído os produtos convencionais já comercializados, além do uso de
software livre (Linux) para a programação dos kits robóticos, que também
podem ser construídos a partir de sucatas de equipamentos eletrônicos.

O principio de trabalho educacional com a robótica assemelha-se a


proposta do construtivismo, onde permite uma prática que desperte nos
estudantes o pensar, a construção coletiva de conhecimento, a partir de suas
descobertas, interação e reflexão da relação mútua sujeito-objeto (Piaget
apud Brooks, 1997).
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A RPL possibilita, no sentido didático-pedagógico, ao estudante


situações em que este “compara, classifica, analisa e utiliza-se de estratégias
que requerem o uso do raciocínio e de uma organização interna (PIAGET
apud NUNES & SILVEIRA, 2009 p. 90).

Nessa perspectiva, a utilização da RPL como recurso na aplicação dessa


atividade, além dos próprios benefícios que a atividade proporciona,
permite/permitiu construir um ambiente favorável à interação entre o
concreto e o abstrato, auxiliando na aquisição de conhecimentos específicos.

3 A atividade: experienciando... Inventando... Inovando...


O grande ganho nessa articulação (RPL – Alfabetização) está nas
habilidades trabalhadas durante a execução da atividade. Isso porque o ditado
mudo - que consiste em o professor mostrar aos alunos uma imagem e/ou um
objeto qualquer e os mesmo, dentro de suas construções/hipóteses, escrevem
o nome desses -, fora aplicado tendo como auxílio, não apenas o caderno para
registro do nome da imagem e/ou objeto, mas também a base do teclado de
computador (sem as teclas – Fig.1).

Fig.1

A atividade desenvolveu-se da seguinte maneira, foram formadas 2


equipes (cada equipe com 3 alunos), onde cada uma das equipes recebeu um
teclado de computador sem as teclas, apenas a base (compartimento sem as
teclas). Todas as teclas foram separadas de maneira que cada grupo recebesse
uma quantidade2 que tivesse letras suficientes para a formação das palavras.
Sendo assim, prosseguiu com a ação de mostrar a imagem de um animal 3 e a

2
A quantidade de letras refere-se a 4 teclados, de onde essas foram
retiradas.
3
A opção de trabalhar com animais se deu pelo fato de, no período em que
a atividade fora aplicada pela primeira, estar ensaiando uma apresentação
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orientação que eles deveriam procurar as letras que correspondiam ao nome


do animal mostrado, e encaixar na base do teclado formando assim, uma
palavra.

Após a escrita no teclado, foi pedido aos alunos que


registrassem/escrevessem a palavra em seus cadernos, da mesma maneira
como estava no teclado, para que depois pudéssemos corrigir 4. Vale destacar
que os alunos que participaram dessa atividade estavam entre os níveis de
escrita pré-silábico – nível em que ainda não há uma compreensão da
natureza do sistema alfabético5 (Teberosky, 1996) -, e silábico – nível em que
há certa compreensão quanto a estabilidade da escrita de palavras (Grossi,
1990) -. Essa constatação, quanto ao nível de escrita, foi feita anterior a
aplicação da atividade, ficando muito mais evidenciada durante a execução
da atividade. Daí, o seu caráter avaliativo, podemos assim considerar.

Durante a execução e correção da atividade constatou-se que algumas


habilidades estavam sendo trabalhadas simultaneamente, como discriminação
visual e auditiva – percepção de distinção entre as letras, na ação de procurar
cada letra correspondente ao nome do animal mostrado na figura -,
coordenação viso-motora, traçado de letras maiúscula e minúscula do
alfabeto, a percepção da diferença entre letras, palavras (quanto a quantidade
de letras), entre outras (Lemle, 2003); habilidades essas que precisam ser
desenvolvidas no processo de aquisição da leitura e escrita, mesmo
compreendendo quão complexa é a atividade de ler e escrever e que aspectos
cognitivos precisam ser levados em conta (Abud, 1987)

Quanto às dificuldades apresentadas por alguns alunos, também


percebidas durante a execução da atividade, destaca-se a transcrição fonética
da própria fala, o uso indevido de letras, a hipercorreção, simbolização entre
as letras e os sons da fala. Essas dificuldades não foram e não podem ser
encaradas como erros, mas valorizado o esforço desprendido pela criança na
tentativa de executar/escrever a atividade da melhor maneira possível.

[...] os erros não são dificuldades insuperáveis ou falta de capacidade


das crianças e nem os acertos são obra do acaso. Tudo pertence a um
processo de aprendizagem da escrita e revela a reflexão que o aluno
põe na sua tarefa e na forma de interpretar o fenômeno que estuda.
(CAGLIARI, 1991 p.145)

Ainda sobre as dificuldades dos alunos percebidas durante a atividade,


no momento de registro – transcrição -, no caderno das palavras formandas
no teclado, foi possível perceber o uso indevido de letras maiúsculas e
minúsculas, e a forma estranha de traçar de algumas letras.

teatral de uma história bíblica – A arca de Noé. Logo, os alunos estavam


familiarizados com a escrita (grafia) e som dos nomes dos animais.
4
A correção nessa perspectiva consistia em apresentar a escrita padrão das
palavras, não descartando as hipóteses de escritas dos alunos.
5
Os alunos que estavam no nível pré-silábico apresentavam a hipótese das
letras aleatórias, visto que eles conheciam as letras do alfabeto, no entanto,
as utilizava de forma aleatória (Teberoski, 1996).
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Ao perceber essas dificuldades, novas estratégias metodológicas foram


criadas e aplicadas, no intuito de diminuí-las, e não saná-las totalmente, já
que são hipóteses criadas pelas crianças aceitáveis em virtude da idade e
também da série (Grupo 5) – período em que eles estão se familiarizando
com as letras, com a construção de palavras, comparação entre palavras, entre
outras.

CONSIDERAÇÕES

Trazer a RPL como elemento novo, diferente para a execução de uma


atividade comum, sem dúvida possibilitou o desabrochar de novas
perspectivas para o processo de alfabetização. Rompe-se com o método
convencional, e propõe algo inovador, criativo, produtivo, transformativo, e,
por que não, tecnológico, da prática pedagógica.

Torna-se evidente, com essa proposta, que é possível se afastar dos


métodos alfabéticos tradicionais, sem deixar a sua essência de lado, mas
ressignificando com algo mais dinâmico e interativo, convidativo – Ditado
Mudo e RPL.

Por fim, esse casamento - Ditado Mudo e RPL -, permitiu aos


estudantes uma interação com o mundo da leitura e escrita e o mundo
tecnológico, simultaneamente, considerando a todo o momento a escrita da
criança, como também o seu esforço construtivo; além de uma maior
interação com a língua escrita, auxiliando e ampliando o desenvolvimento de
hipóteses sobre essa e a compreensão do funcionamento do sistema
alfabético.

REFERÊNCIAS

ABUD, Maria José Milharezi. O ensino da leitura e da escrita na fase


inicial da escolarização. São Paulo: EPU, 1987.
BROOKS, Jacqueline Grennon; BROOKS, Martin G. Construtivismo em
sala de aula. Porto Alegre: Artes Médicas, 1997.
CAGLIARI, Luiz Carlos. Alfabetização e Lingüística. São Paulo: Scipione,
1991.
CÉSAR, Danilo Rodrigues; ALBUQUERQUE, Ana Paula; MELO, Caio
Monteiro; MILL, Daniel. Robótica Pedagógica Livre: Instrumento de
criação, reflexão e inclusão sócio-digital. Disponível em:
http://libertas.pbh.gov.br/~danilo.cesar/robotica_livre/artigos/artigo_sbie_200
7.doc Acesso em: 12 Set. 2009
_________ Robótica Pedagógica Livre: Uma Possibilidade Metodológica
para o processo de ensino-aprendizagem. Disponível em:
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II Seminário Nacional de Alfabetização e Letramento Alfabetização, Discurso e Aprendizagens
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ISSN: 2177-4072

http://libertas.pbh.gov.br/~danilo.cesar/robotica_livre/artigos/artigo_epenn_2
009.pdf Acesso em: 12 set. 2009
GROSSI, Esther Pilar. Didática do Nível Silábico. Rio de Janeiro: Paz e
Terra, 1990.
LEMLE, Miriam. Guia teórico do alfabetizador. São Paulo: Ática, 2003.
LIMA JR, Arnaud Soares de. Tecnologias Inteligentes e Educação:
Currículo Hipertextual. Rio de Janeiro: Quartet; Juazeiro, BA: FUNDESF,
2005 (Cibercultura e educação; v.2)
NUNES, Ana Ignez Belém Lima; SILVEIRA, Rosemary do Nascimento.
Psicologia da aprendizagem: processos, teorias e contextos. Brasília: Líber
Livro, 2009.
RIBEIRO, Lorena B. R.; MAGRIS NICOLAU, Patrícia. Robótica
Pedagógica Livre. Revista Espírito Livre, p. 40 - 44, 14 nov. 2011
TEBEROSKY, Ana. Psicopedagogia da linguagem escrita. Campinas:
Vozes, 1996.
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Formação Continuada de Professores


Alfabetizadores e Estágio Supervisionado:
uma experiência que articula observação, intervenção e
práxis pedagógica

Maria Eurácia Barreto de Andrade1


Sineide Cerqueira Estrela2
Marilene dos Santos Professor3

RESUMO
Este artigo apresenta a experiência vivenciada no processo de Estágio Supervisionado
do curso de Pedagogia do Programa de Formação Inicial de Professores da Plataforma
Freire (PARFOR). Esta experiência se abastece na formação em serviço, com
intervenções no momento das visitas in loco nos espaços das salas de aula dos
professores-alunos e também com o processo formativo através de leituras, estudos e
discussões aprofundadas das teorias atuais que sustentam o trabalho pedagógico no
componente curricular Fundamentos da Práxis Pedagógica, articulando estes
conhecimentos com a prática pedagógica vivenciada pelos sujeitos pesquisados. Desta
forma, o estágio no contexto aqui evidenciado, é entendido como atividades de
aprendizagens experienciadas pelos docentes através da vivência e reflexão em
situações reais do trabalho pedagógico, combinadas com a pesquisa e a extensão,
perpassando todo o processo formativo e realizado nas escolas ou instituições de
atuação dos profissionais em formação. Para a qualificação do processo formativo são
evidenciadas quatro ações: observação da prática dos professores envolvidos,
reflexão, estudo e discussão dos fundamentos da práxis pedagógica, atividades
complementares e oficinas articulares. As considerações apontam para a grande
relevância de uma dinâmica formativa que contemple a articulação teoria e prática
vivenciada através de momentos individuais e coletivos com estudos direcionados e
intervenções que atendam as demandas apresentadas.

Palavras-chave: Formação do Professor. Estágio Supervisionado. Intervenção. Práxis


Pedagógica.

1
Contato do(a) autor(a): nateandrade@bol.com.br. Doutoranda em Educação (UA)
2
Contato do(a) autor(a): sineidestrela@hotmail.com. Mestre em Educação (UHS)
3
Contato do(a) autor(a): marileneprofessor@hotmail.com. Especialista em Educação
a Distância (SENAC).
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INTRODUÇÃO

Trazer uma discussão sobre a formação continuada e estágio


supervisionado em um contexto urge mudanças radicais de paradigmas, é
bastante desafiador e pertinente, exatamente por vivermos em um momento
de mutação e ruptura não só educacional, mas também econômica, política,
religiosa, familiar, psicológica e social gerando uma crise representativa em
todas as instâncias.

A educação nesta conjuntura precisa atender aos desafios e buscar novas


possibilidades para sua ascensão e promoção social através de um trabalho
articulado e coletivo com uma práxis que responda aos desafios apresentados
cotidianamente no seu entorno.

Nessa discussão, o estágio supervisionado precisa buscar alternativas


para canalizar esforços visando atender as necessidades pedagógicas dos
sujeitos para uma atuação eficaz no campo de trabalho, necessitando para
isso articular a formação e a prática de modo que oportunize a estes sujeitos
uma ação competente.

O estágio supervisionado é, portanto, o momento do confronto e


articulação teoria e prática em um processo de profunda formação dos
sujeitos envolvidos. Isso requer um trabalho de assessoria e acompanhamento
à luz de fundamentação teórica como norteadora de todas as ações
executadas.

É exatamente por isso que o trabalho de formação é o sustentáculo do


processo, pois implica no conhecimento teórico associado às práticas
vivenciadas. Todo trabalho de formação deve buscar contemplar os
parâmetros para educação do século XXI apresentados por Jacques Delors
(2001) que implica não só aprender a conhecer, mas também a fazer, a ser e a
conviver. Estes referenciais devem estar presentes em toda formação,
principalmente no momento de sinalizar os conteúdos que devem contemplar
tanto os conceitos quanto os procedimentos e princípios.

O trabalho pedagógico organizado desta forma assegura uma construção


ampla e necessária para os sujeitos e possibilita uma maior autonomia na
execução do seu trabalho no campo empírico.

Para atender a estas necessidades a Lei de Diretrizes e Bases (LDB)


9394/96 traz uma importante contribuição ao propor que toda instituição tem
o poder, junto a sua equipe, de elaborar o seu projeto político pedagógico e
contemplar suas demandas. Só desta forma a prática docente, a formação
continuada e o estágio das instituições serão efetivadas com maior
sustentação e garantirão o empoderamento do trabalho pedagógico podendo
estar a serviço de todas as instâncias.

O estágio supervisionado deve garantir participação e autonomia


pedagógica associada a uma prática que responda ao estado da arte do
conhecimento construído no transcorrer da vida acadêmica. É o momento de
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maior aproximação com as teorias estudadas e no campo empírico fazer uso


social.

É neste contexto apresentado que o Estágio Supervisionado nos cursos


de formação em serviço se constitui em uma etapa formativa que se realiza
ao longo do curso tomando como referência a experiência do professor-aluno
no seu campo de atuação no contexto da educação básica.

Desta forma o estágio no contexto do Programa de Formação de


Professores em exercício da Plataforma Freire no contexto aqui evidenciado,
é entendido como atividades de aprendizagens vivenciadas pelos professores-
alunos através da experiência e reflexão em situações reais de trabalho
pedagógico, combinadas com a pesquisa e a extensão, perpassando todo o
processo formativo e realizado nas escolas ou instituições de atuação dos
profissionais em formação.

Este artigo apresenta a experiência vivenciada no processo de Estágio


Supervisionado do curso de Pedagogia do Programa de Formação Inicial de
Professores da Plataforma Freire (PARFOR). Esta experiência se abastece na
formação em serviço, com intervenções no momento das visitas in loco nos
espaços das salas de aula dos professore-alunos e também com o processo
formativo através de leituras, estudos e discussões aprofundadas das teorias
atuais que sustentam o trabalho pedagógico no componente curricular
Fundamentos da Práxis Pedagógica, articulando estes conhecimentos com a
prática pedagógica vivenciada pelos sujeitos pesquisados.

1 Caminhos Metodológicos
Os caminhos metodológicos se abastecem no processo formativo a
partir das demandas e observações no estágio supervisionado, associada à
ementa proposta na disciplina Fundamentos da Práxis Pedagógica em todos
os semestres letivos.

No início do processo formativo junto aos professores-alunos foi feita a


aplicação de alguns questionamentos através da técnica de grupo focal para
um diagnóstico inicial sobre as expectativas com a formação, a compreensão
sobre o processo formativo, bem como o entendimento acerca da prática
pedagógica. Além das questões discutidas no grupo focal foi necessário
também um processo de observação participante para compreender as ações e
reações dos professores do trabalho pedagógico na fase inicial de
escolarização.

Como o trabalho tenciona uma mudança e fortalecimento das práticas


pedagógicas através da ação formativa, pode-se caracterizar como uma
pesquisa-ação, pois os principais objetivos deste aporte metodológico estão
pautados na mudança qualitativa, ou seja: melhorar a prática, a compreensão
dessa prática e a situação no ambiente social, assim como envolver a
participação e compromisso direto dos integrantes. Para Thiollent a pesquisa-
ação é:
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[...] um tipo de pesquisa social com base empírica que é concebida e


realizada em estreita associação com uma ação ou com a resolução de
um problema coletivo e no qual os pesquisadores e participantes
representativos da situação ou problema estão envolvidos de modo
cooperativo e participativo.” (THIOLLENT, 1986, p. 14)

É indicada quando há interesse coletivo na resolução de um problema


ou suprimento de uma necessidade e isso caracteriza de fato o trabalho
realizado com os estudantes do curso de pedagógica do Programa de
Formação dos Professores em Serviço (PARFOR), pois, enquanto uma
formação inicial destinada a docentes que estão no exercício da educação
básica, tem a intenção principal de articular o contexto escolar e o trabalho
docente como eixos formativos, assim como vivenciar a relação teoria e
prática durante a formação e promover a articulação com a escola e a
comunidade durante a formação.

Para esse processo de pesquisa-ação foi necessário o envolvimento


participativo e cooperativo tanto do professor pesquisador, quanto dos demais
participantes no trabalho investigativo. Concorda-se com a afirmação de
Barbier (2003) quando defende:

A pesquisa-ação torna-se a ciência da práxis exercida pelos técnicos


no âmago do seu local de investimento. O objeto da pesquisa é a
elaboração da dialética da ação num processo pessoal e único de
reconstrução racional pelo ator social (BARBIER, 2003, p. 59).

Foi neste processo de discussão coletiva, formação e estudo que esta


investigação foi realizada. No transcorrer da ação foi possível uma análise e
compreensão da percepção e intenção do grupo pesquisado, bem como de
muitas construções e aprendizagens no momento da visita pedagógica in loco
com as devidas intervenções e encaminhamentos e também das discussões e
leituras constantes no momento teórico dos fundamentos da práxis
pedagógica. Além do trabalho intenso com observações pedagógicas e com a
discussão e apropriação do aporte teórico, podemos contar com mais dois
momentos importantes para o processo formativo dos professores alunos: as
atividades complementares e as oficinas articulares. A primeira, as atividades
complementares, acontecem semestralmente e objetivam aprofundar os
conhecimentos trabalhados nas aulas teóricas presenciais através de
metodologias variadas para a realização de estudos, pesquisas ou seminários
nas comunidades ou escola de atuação. A segunda, as oficinas articulares,
também são realizadas em todos os semestres letivos e tem a intenção de
envolver a comunidade local nas discussões sobre temas de interesse da
escola e da população. Estas oficinas são ministradas pelos professores-
alunos e orientadas pelos professores-pesquisadores. É um longo processo de
estudo para escolha da temática, preparação e efetivação do trabalho,
caracterizando-se em importante momento no processo formativo.

2 Formação Continuada de Professores: Expectativas e


Práticas Pedagógicas
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Na visão de Demo (2004), o professor atualizado, não valoriza apenas a


base teórica, mas também o saber fazer, a prática, a trajetória, de
reconstrução do conhecimento desde que saiba teorizar. Afinal de contas, a
importância decisiva, do conhecimento hoje, se deve, não ao fato de ser
procedimento de estudo da realidade, mas, precisamente de ser a maneira
mais competente, de intervenção. É neste sentido que o processo de
informação e a prática do docente para reflexão desenvolvem no professor a
postura de profissional reflexivo, pesquisador da própria prática, munido de
formação teórica competente que o preparem para ver o mundo na sua
globalidade e não de forma fragmentada.

Para sobreviver, a escola precisará de um educador capaz de ousar,


inovar, e de construir, novos significados para a vida da humanidade. Esses
profissionais devem ser capazes de apresentar altas doses de inovação e
criatividade, sendo experimentadores de processos de aprendizagens, e,
sobretudo, devem ser capazes de promover situações instigantes, utilizando
jogos de aprendizagem, desafios, combinando flexibilidade com leveza,
criatividade e ousadia. As instituições de ensino precisam aguçar os seus
olhares a partir da adoção de metodologias adequadas ao momento atual.

O exercício da docência exige saberes que são essenciais para o seu


desenvolvimento. Não existe uma metodologia pré-definida para se aplicar,
mas existem saberes especiais. A concepção atual em relação à formação é
bastante diferente da concepção de algumas décadas atrás, todo profissional
da educação deve estar consciente que sua formação é permanente e inerente
a sua função diária no cenário escolar.

Sobre a formação docente no que se refere ao estágio supervisionado e


fundamentos da práxis pedagógica, através da técnica de grupo focal, foi
questionado sobre as expectativas e várias respostas foram evidenciadas no
momento da discussão com o grupo de professores-alunos, as quais foram
categorizadas em sete grupos apresentados abaixo:

Quadro1- Expectativas dos professores-alunos com o processo formativo

EXPECTATIVAS APRESENTADAS NÚMERO DE PERCENTUAL


RESPOSTAS
Conhecer o mundo da criança para interagir com 05 13,5%
ela
Aperfeiçoar a prática 08 21,6%
Compreender o dinamismo do estudante 03 08,1%
Ampliar o conhecimento pedagógico 10 27,0%
Conhecer novos métodos para o trabalho na sala 09 24,3%
Refletir sobre a prática pedagógica 01 02,7%
Relacionar teoria e prática 01 02,7%
Fonte - Dados da pesquisa de campo.

Neste quadro, observa-se que as grandes expectativas dos


professores-alunos estão pautadas principalmente em três: aperfeiçoar a
prática, ampliar o conhecimento pedagógico e conhecer novos métodos para
o trabalho na sala de aula. O aperfeiçoamento da prática pedagógica é um dos
grandes objetivos do processo formativo, uma vez que busca um trabalho de
articulação entre o contexto escolar e a ação docente no campo de atuação
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dos sujeitos envolvidos, além disso, busca também a vivência da relação


teoria e prática no transcorrer da formação. No que se refere a ampliação do
conhecimento pedagógico, a proposta contempla fortemente esta expectativa
através de uma dinâmica que oportuniza a flexibilidade durante a formação
em serviço bem como a profunda articulação de conhecimentos aprendidos e
vivenciados no momento de reflexão teórica, com estudo sistemático das
pesquisas que sustentam a prática educativa da educação básica.

O conhecimento de novos métodos de trabalho é a grande


expectativa de 24,3% dos professores-alunos. Sobre esse desejo, a formação
em serviço busca não apresentar métodos de trabalho em sala, mas uma
intensa e exaustiva reflexão e discussão sobre a prática dos professores-
alunos de modo que consigam estabelecer uma estreita articulação com as
teorias apreendidas nos estudos teóricos.

Sobre a formação continuada, Nóvoa (2002, p. 23) afirma que: “O


aprender contínuo é essencial e se concentra em dois pilares: a própria
pessoa, como agente, e a escola, como lugar de crescimento profissional
permanente.” Para o autor, a formação deve acontecer de maneira coletiva,
uma vez que todo conhecimento é construído socialmente, no âmbito das
relações entre os seres humanos. Essa idéia é sustentada pela teoria
sociointeracionista defendida por Vygotsky (1998), que tem por base o
desenvolvimento do indivíduo como resultado de um processo sócio-
histórico, enfatizando o papel da linguagem e da aprendizagem nesse
desenvolvimento.

O trabalho coletivo, a troca de experiência e a partilha de saberes


segundo Novoa (1997), consolidam espaços de formação mútua em que o
professor assume o papel de formador e formando. Para o autor, o trabalho
em equipe é essencial para que todos possam compartilhar responsabilidades,
aprender junto e lutar por objetivos comuns.

A valorização aos profissionais da educação, especialmente do


professor, precisa de um tripé sólido: formação inicial de qualidade,
formação continuada e condições dignas de trabalho e remuneração. Para
tanto, a universidade ocupa um espaço ímpar, pois cabe o papel de
possibilitar o ensino, a pesquisa e a extensão para que garanta a base de
sustentação. Assim sendo, a valorização e melhor remuneração que professor
tanto defende e luta, depende principalmente de formação e atuação
profissional inovadora e de qualidade pedagógica.

A abertura de espaços para discussões precisa ser estimulado pelo


professor para que os sujeitos possam participar e compartilhar suas
experiências, para tanto o professor deve ter a sensibilidade para ouvir e
articular o diálogo para que os conteúdos planejados possam de fato ser
aprendidos de uma forma mais participativa e interessante.

Significar os conteúdos trabalhados no contexto da sala de aula é uma


necessidade. Os estudantes devem perceber a funcionalidade de cada
conteúdo, pois muitas vezes não conseguem se enxergar inseridos naquele
contexto a que são submetidos para aprender e isso pode provocar
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desinteresse. A função social de cada temática trabalhada deve ser explorada


pelo professor, mas para isso deve ter conhecimento profundo do assunto
trabalhado para relacionar aos diversos contextos sociais presentes na vida do
estudante.

O olhar sensível do educador é fundamental para verificar a relevância


dos conteúdos para sua formação e também se a estratégia metodológica
utilizada para o ensino de determinado conteúdo se faz viável. O
compromisso e a responsabilidade de selecionar os temas a serem ensinados
requerem do educador um processo de aprendizagem, pois precisa, além de
outros aspectos, aprender a ouvir, observar e refletir sobre os seus alunos e o
contexto sociocultural e que estão inseridos.

Como defende Pinto (1996, p.18),

O processo educativo implica num esforço e numa renovação


permanente de si mesmo, porque o educador tem que se educar
através de cada educando. Assim, o educador consciente de sua ação
pedagógica deve procurar educar-se educando e aprender ensinando.

Desta forma, o panorama atual defende a necessidade de uma formação


em serviço mais eficaz em virtude das deficiências apresentadas no início da
formação dos professores, uma vez que a formação inicial não conseguirá
antecipar todos os desafios que o futuro professor poderá enfrentar, assim
como não conseguirá absorver o conhecimento e competência necessária para
exercer com autonomia e eficiência a sua prática docente.

A formação em serviço torna-se condição necessária para a preparação


do profissional docente capaz de refletir autônoma e criticamente sobre a sua
própria ação pedagógica, tornando-se um profissional reflexivo,
transformador, sem haver dissociabilidade entre teoria e prática. Sobre esta
discussão concordamos com Vasquez que defende:

[...] se teoria não muda o mundo, só pode contribuir para transformá-


lo. Ou seja, a condição de possibilidade - necessária, embora não
suficiente – para transitar conscientemente da teoria a prática e,
portanto, para que a primeira (teoria) cumpra uma função prática, é
que seja propriamente uma atividade teórica, na qual os ingredientes
cognoscitivos e teleológicos sejam intimamente, mutuamente
considerados (VASQUEZ, 1968, p. 171).

Portanto, o caminho de construção da identidade profissional é paralelo


a realidade social e ao processo de formação, pois, segundo Souza Neto
(2000), a identidade social/profissional norteia o professor para a
compreensão de uma "ocupação", pois tem como objeto de estudo as origens
sociais e as histórias de vida dos sujeitos. Para o autor, não se pode
desconsiderar que a construção de uma identidade social não é transmitida de
uma geração a outra, mas é construída por cada geração com base nas
categorias e posições herdadas da geração precedente, incluindo os desafios,
limitações e conquistas.
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Os saberes docentes podem ser entendidos na sua pluralidade,


constituídos numa abrangência sociocultural que se modifica com o tempo.
Na compreensão de Benetti, 2004, os saberes são compreendidos de forma
mais ampla e abrangente do que conhecimento, uma vez que para o autor
estes (os saberes) incluem conhecimentos, informações, crenças, habilidades
e aptidões relacionadas a uma determinada profissão.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

As discussões e ações voltadas para a formação inicial e continuada do


professor, estão crescendo de forma consubstancial, isso devido a inquietação
dos profissionais preocupados com a qualificação da prática pedagógica e do
fortalecimento da educação.

O Estágio Supervisionado no contexto pesquisado se abastece na


formação em serviço e constitui como uma etapa formativa que se realiza no
transcorrer de todo o curso tomando como referência a experiência
pedagógica dos professores-alunos nos seus campos de atuação no contexto
da educação básica. Nesta dinâmica, os objetivos estão sendo atingidos por
possibilitar uma estreita articulação teoria e prática.

Em cada semestre letivo são elucidados alguns grandes temas de acordo


a ementa do componente curricular Fundamentos da Práxis Pedagógica, os
quis são trabalhados de forma articulada com o contexto escolar observado
nas visitas nos espaços de aula dos professores-alunos.

Quatro grandes momentos/ações potencializam e qualificam o processo


formativo no contexto pesquisado, quais sejam: observação e registro das
práticas dos professores-alunos com intervenções individuais inerentes a
ação, estudo e discussão dos fundamentos da práxis pedagógica articulado a
observação da prática, atividade complementar para o aprofundamento dos
conhecimentos trabalhados nas aulas teóricas e oficinas articulares enquanto
uma ação de extrema importância para a promoção da articulação da escola
com a comunidade.

Este processo formativo promove uma prática reflexiva e autônoma que


potencializa as oportunidades dos professores para uma atuação
transformadora. Os conhecimentos teóricos contribuem para nortear e refletir
sobre a sua prática docente a qual deve estar comprometida com a formação
do sujeito histórico e respaldada no projeto político pedagógico da instituição
e as referências teóricas atuais.

Portanto, concordamos com Pimenta (2005) que ao mencionar Shön


afirma que a formação não pode mais acontecer nos moldes de um currículo
normativo que primeiro apresenta a teoria, depois a sua aplicação e por
último um estágio que supõe a aplicação pelos alunos dos conhecimentos
técnicos profissionais. O profissional formado nessa dinâmica, não consegue
dar respostas às situações que emergem no dia-a-dia profissional, porque
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ultrapassam os conhecimentos elaborados pela ciência e as respostas técnicas


que poderiam oferecer ainda não estão formuladas, elas surgem no momento
da ação, na atuação corpo a corpo.

Referências

BENETTI, B. O tácito e o explícito: a formação de professores de ciências


naturais e biologia e a temática ambiental. Tese (Doutorado em Educação
Escolar) - Faculdade de Ciências e Letras da Unesp- Araraquara, 2004.
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legislação correlata, 2ª Ed, Brasília: Câmara dos Deputados, coordenação de
publicações, 2001;
DELORS, Jacques. Educação: Um Tesouro a Descobrir. Relatório para a
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VYGOTSKY, L. S. A formação Social da Mente. São Paulo: Martins


Fontes, 1998.
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Dizer e o Fazer:
a prática de duas professoras alfabetizadoras

Sandra Cristina Oliveira da Silva1

RESUMO
Por meio deste projeto de pesquisa, buscamos analisar os discursos de professoras
sobre suas opções metodológicas relativas ao processo de alfabetização e investigar as
práticas de duas docentes alfabetizadoras, a fim de analisar as relações entre o
discurso e a prática efetiva. A metodologia foi dividida em três etapas: a primeira
consistiu da aplicação de um questionário a um grupo de 12 professoras, que
lecionavam nos anos 1 e 2 do Ensino Fundamental; a segunda etapa foi realizada por
meio de uma entrevista com quatro professoras, que apresentaram concepções
distintas de alfabetização na etapa anterior; e na última etapa foram realizadas
observações de 20 aulas de duas docentes, escolhidas entre as quatro participantes da
etapa 2, com diferentes discursos acerca do processo de alfabetização, sendo 10 aulas
de cada uma. Neste artigo, iremos analisar os dados relativos apenas às duas docentes
observadas. Os resultados evidenciaram que houve predomínio de um discurso que
valorizava mais as atividades de leitura e produção de textos e menos as atividades de
apropriação do sistema alfabético de escrita. Em relação ao ensino do sistema
alfabético, uma professora afirmava preferir metodologias mais tradicionais, com base
em métodos sintéticos, e a outra afirmava adotar a alfabetização na perspectiva do
letramento. As análises das aulas observadas mostraram que houve muitas
aproximações entre o discurso e a prática das duas docentes participantes.

Palavras chaves: Alfabetização e letramento, métodos de alfabetização, professores


alfabetizadores, discurso e prática.

1
Contato do(a) autor(a): sandracristinao@yahoo.com.br. Universidade Federal de
Pernambuco- UFPE
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INTRODUÇÃO

A alfabetização nem sempre foi entendida como um processo de acesso


às práticas sociais de leitura e escrita. Ela foi entendida durante muito tempo
como a aprendizagem de um código, que servia como uma etapa prévia à fase
de aprendizagem de leitura e escrita de textos. Atualmente, diferentes
educadores defendem a ideia de que o próprio processo de alfabetização
incorpore o trabalho com os textos de circulação social, dando continuidade
às aprendizagens extraescolares que os indivíduos vivenciam em outros
espaços da sociedade.

Segundo Morais e Albuquerque (2005, p. 69), “a condição de sujeito


letrado se constrói nas experiências culturais com práticas de leitura e escrita
que os indivíduos têm oportunidade de viver, mesmo antes de começar sua
educação formal.”. Ou seja, a escola deve proporcionar a continuidade desse
processo de letramento, associando-o de forma significativa à prática de
alfabetização.

Nessa nova concepção de alfabetização, o professor tem o papel crucial


de evitar a desarticulação entre o processo de aprendizagem da escrita e da
leitura e o uso das mesmas no meio cultural em que o sujeito está inserido.
Cabe ao professor mediar as aprendizagens dos alunos para que, na medida
em que eles tiverem contato com os diversos textos de uso social, em
diversas situações no seu cotidiano, possam compreender as funções sociais
desses textos. No entanto, podemos questionar se os professores concordam
com tais premissas e como viabilizam práticas que contemplem tais modos
de conceber a alfabetização das crianças.

Diante dessa problemática, analisamos os discursos de professoras sobre


suas opções metodológicas relativas ao processo de alfabetização, sobretudo,
em relação à realização ou não de estratégias de ensino que articulem essas
duas dimensões (apropriação do sistema alfabético de escrita e estratégias de
produção e compreensão de textos) e investigamos as práticas de duas
docentes, a fim de verificar se seus discursos condizem com as suas práticas.

Muitos docentes, em seus discursos, valorizam e dizem fazer uso da


concepção de alfabetizar letrando, mas será que realmente esses professores,
na prática, se apóiam nessa concepção em suas salas de aula? Outros
docentes dizem que para alfabetizar o melhor mesmo é usar os métodos
tradicionais, mas será que realmente, na prática, são esses procedimentos
metodológicos que eles utilizam?

Para refletir sobre tais questões, analisamos as relações entre o discurso


de duas professoras sobre o ensino da leitura e da escrita, com foco nas
relações entre alfabetização e letramento, e o que era praticado por elas.

1 Alfabetização: um breve histórico


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Diferentes métodos de alfabetização foram adotados no Brasil, ao longo


da história, com o objetivo de auxiliar o indivíduo no processo de
alfabetização. Esses métodos têm sido classificados em três tipos: os métodos
sintéticos, os métodos analíticos e os sintético-analíticos, cada um com suas
características próprias.

Os métodos sintéticos tiveram seu auge na Antiguidade até meados do


século XVIII e consistem em partir dos elementos da língua “mais simples”,
ou seja, letra ou fonema ou sílaba para, a partir da aprendizagem dessas
unidades, apresentar as palavras, frases e textos compostos por esses
elementos. Sobre esse assunto, Galvão e Leal salientam que:

Propostas de ensino baseadas nesses métodos partem do pressuposto


de que a aprendizagem é mais fácil quando se parte das unidades mais
elementares e simples (em geral sem sentido), para, em seguida,
apresentar unidades inteiras e significativas. (2005, p. 18).

Abordando o mesmo tema, Barbosa afirma que:

A instrução procede do simples para o complexo, racionalmente


estabelecidos: num processo cumulativo, a criança aprende as letras,
depois as sílabas, as palavras, frases e, finalmente, o texto completo.
Estabelece-se como regra geral que a instrução não deve avançar no
processo sem que todas as dificuldades da fase precedente estejam
dominadas. (1994, p. 47).

Podemos citar como exemplos os métodos alfabéticos, silábicos e os


fônicos.

Em suma, os métodos sintéticos seguem uma sequência delimitada por


etapas: primeiro o aluno tem que aprender as letras (ou fonemas ou sílabas);
somente após isso acontecer, é que ele passa para outra etapa, que é formar
sílabas (ou palavras), até chegar à leitura de textos.

As principais críticas a essa abordagem são em relação à repetitividade


das atividades e descontextualização dos recursos didáticos, sobretudo ao uso
de textos cartilhados, assim como à concepção de que é apenas por meio da
memorização das correspondências grafofônicas que a alfabetização ocorre.

Os métodos analíticos vieram se fortalecer no Século XX e tiveram


grande influência da psicologia genética. Os defensores desse método
acreditavam que os métodos sintéticos não ofereciam um aprendizado
significativo por serem mecânicos e artificiais. Acreditava-se que o problema
decorria da ênfase dada à memorização das unidades “não significativas da
língua”.

Os métodos analíticos, também nomeados de métodos globais, “são


aqueles que propõem um ensino que parte das unidades significativas da
linguagem, isto é, palavras, frases ou pequenos textos, para depois conduzir
análise das partes menores que as constituem (letra e sílabas).”. (GALVÃO E
LEAL, 2005, p. 20).
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Os métodos analíticos trazem a inovação de partir das palavras,


unidades maiores e que têm sentido para as crianças. No entanto, é, também,
um método mecânico e monótono de memorização de palavras ou textos.

Os métodos analítico-sintéticos sugerem que o processo de


alfabetização se dá por meio dos processos de composição / decomposição de
palavras, de modo que simultaneamente eram apresentadas as palavras, que
eram decompostas em partes e recompostas, formando novas palavras.

Coutinho (2005) resume de maneira clara a relação entre os três


métodos: “embora houvesse divergências entre os três, ambos percebiam a
aprendizagem do sistema de escrita alfabética como uma questão mecânica, a
aquisição de uma técnica para a realização do deciframento.” (p. 48).

De acordo com a perspectiva tradicional de alfabetização, o mais


importante era apenas aprender a codificar e decodificar. Ou seja, nessa
concepção, o aluno só aprenderia a ler e a escrever através da memorização
de sons, letras, sílabas, palavras e pequenos textos. Sendo assim, a
aprendizagem do sistema de escrita era concebida de forma fragmentada,
repetitiva e monótona. Os métodos citados anteriormente não estimulavam
reflexões sobre o funcionamento do sistema de escrita.

Foi através dos estudos sobre a psicogênese da língua escrita, realizados


por Emília Ferreiro e seus colaboradores, nos anos de 1980, que o
pensamento construtivista mudou as visões a respeito do processo de
apropriação alfabética. De acordo com Mortati (2006):

O construtivismo se apresenta não como um método novo, mas como


uma “revolução conceitual”, demandando, dentre outros aspectos,
abandonarem-se as teorias e práticas tradicionais, desmetodizar-se o
processo de alfabetização e se questionar a necessidade das cartilhas
(p. 10).

Segundo Ferreiro (1992), a escrita pode ser vista de duas maneiras:


“como uma representação da linguagem ou como um código de transcrição
de unidades sonoras” (p. 10). Nos métodos citados anteriormente, a escrita é
vista da segunda forma, como um código, que deve ser memorizado.

Ainda de acordo com a autora, “a invenção da escrita foi um processo


histórico de construção de um sistema de representação, não um processo de
codificação.” (p. 12). Desse modo, para Ferreiro (1992), a criança também se
apropria de um sistema de representação e não simplesmente de um código.
A autora acredita que o primeiro passo para saber quais os conhecimentos
que o indivíduo apresenta sobre a escrita é analisar os escritos dele, ou seja, é
através dessa análise que se podem conhecer os níveis de escrita dos alunos.

A partir dos estudos de Ferreiro, as escritas e as aprendizagens das


crianças foram vistas de outro ângulo, o que proporcionou um avanço
bastante significativo sobre como as crianças se apropriam do sistema de
escrita alfabética.
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Também nos anos 1980 surgem, no Brasil, os estudos sobre o


letramento. Com base nas discussões acerca do letramento, foram
fortalecidos os argumentos de que a alfabetização, sozinha, não estava sendo
suficiente para que as pessoas participassem de maneira autônoma das
práticas sociais de escrita e leitura. Tal concepção começou a ganhar força no
meio educacional quando se percebeu que muitas pessoas alfabetizadas liam
e não compreendiam o que estavam lendo. Ou seja, as pessoas aprendiam a
ler e a escrever apenas textos escolares, como os que apareciam nas cartilhas
de alfabetização ou redações, e muitas vezes não sabiam utilizar os
conhecimentos adquiridos fora de ambiente escolar.

Para combater tal fenômeno, era preciso entender que ler e escrever são
práticas sociais. Desse modo, é preciso associar a alfabetização ao
letramento. O termo letramento, de acordo com Soares (1998), “(...) é a
versão para o Português da palavra de língua inglesa literacy, que significa o
estado ou condição de escrever.” (p. 16). O termo letramento, no Brasil, não
substitui a palavra alfabetização. Ele aparece associado a ela. Segundo
Albuquerque (2005):

Podemos falar ainda nos dias de hoje, de um alto índice de


analfabetos, mas não de “iletrados”, pois sabemos que o sujeito que
não domina a escrita alfabética, seja criança, seja adulto envolve-se
em práticas de leituras e escritas através da mediação de pessoas
alfabetizadas, e nessas práticas desenvolve uma série de
conhecimentos sobre os gêneros que circulam na sociedade. (p. 16).

O sujeito está inserido num mundo letrado. Todos os dias ele tem
contato com distintos textos com finalidades diferentes. Mesmo sem nunca
ter ido à escola, as pessoas fazem uso da escrita e da leitura com mediação de
outras pessoas.

Após o surgimento da abordagem de alfabetizar na perspectiva do


letramento, foram sendo introduzidos nas salas de aula diversos gêneros
textuais, no entanto, houve diferentes concepções sobre o que seria
alfabetizar letrando. Um dos modos de conceber tal forma de alfabetização é
a de que a imersão das crianças em situações de leitura e produção de textos
seria suficiente para que elas se apropriassem do sistema alfabético de
escrita; outra concepção é a de que o fundamental seria propiciar, de modo
simultâneo, situações de reflexão sobre o sistema alfabético de escrita e
situações de leitura e produção de textos de circulação social.

Neste artigo, defendemos a segunda concepção, pois acreditamos que


essas duas práticas, ensinar o sistema alfabético de escrita (denominada por
alguns como alfabetização) e letrar (inserir as crianças em situações de
interação mediadas pela escrita), devem vir juntas. Sobre esse assunto,
Soares (1998) afirma que:

Alfabetizar e letrar são duas ações distintas, mas não inseparáveis, ao


contrário: o ideal seria alfabetizar letrando, ou seja: ensinar a ler e
escrever, de modo que o indivíduo se tornasse, ao mesmo tempo,
alfabetizado e letrado (p. 18).
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Para investigar as relações entre essas duas dimensões do ensino,


buscamos, nesta pesquisa, analisar os discursos de professoras sobre suas
opções metodológicas relativas ao processo de alfabetização e investigar as
práticas de duas docentes alfabetizadoras, a fim de analisar as relações entre o
discurso e a prática efetiva.

2 Metodologia

A pesquisa foi realizada por meio de trabalho de campo em escolas


municipais da cidade do Recife-PE e da Região Metropolitana (Igarassu-PE e
Paulista-PE). Participaram da primeira fase da pesquisa 12 professoras
alfabetizadoras, com idades entre 25 e 49 anos, com formações distintas. O
tempo em que lecionavam variava de 2 a 28 anos e o tempo que lecionavam
nos anos 1 e 2 do Ensino Fundamental variou entre 1 e 13 anos.

Foram aplicados diferentes instrumentos de coleta de dados: entrevistas


semi estruturadas, questionários e observações de aula.

Três etapas foram seguidas nesta investigação. A primeira etapa


consistiu na aplicação de um questionário às professoras, que nos deu suporte
para a análise das opções metodológicas das docentes pesquisadas acerca da
alfabetização e para a caracterização do grupo investigado. Baseando-se nas
análises dos questionários, foram escolhidas quatro professoras para
participar da etapa seguinte da pesquisa. O critério de seleção foi a
necessidade de contemplar professoras que explicitassem diferentes opções
metodológicas de alfabetização.

Na segunda etapa da pesquisa, foi realizada uma entrevista com quatro


professoras, para que elas pudessem detalhar melhor suas formas de
condução do trabalho docente, para, então, aprofundarmos as análises das
concepções de alfabetização delas e entendermos melhor as suas práticas.

Na terceira etapa, foram escolhidas duas professoras dentre as quatro


que demonstraram concepções diversas sobre alfabetização. As professoras
escolhidas foram as que demonstraram opiniões distintas sobre alfabetização.

Neste artigo iremos enfocar apenas os dados relativos às duas docentes.


As aulas dessas professoras foram observadas e analisadas. Por meio dessas
análises, foi possível relacionar melhor os discursos e as práticas
pedagógicas. Foram realizadas dez observações com cada professora. O
período foi de três meses, contando, em média, com intervalos de sete dias
entre as aulas.

3 Resultados
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A professora 1 afirmou que não concordava com a perspectiva do


alfabetizar letrando, afirmando que adotava abordagens tradicionais. No
entanto, ela afirmou, na entrevista, que trabalhava com “textos
diversificados, trabalho os fonemas, padrões silábicos, o alfabeto que é
indispensável para que o aluno aprenda a ler e a escrever.”. Isto é, embora
assumisse que acreditava em perspectivas tradicionais de alfabetização,
demonstrava acreditar no princípio de que é necessário trabalhar com textos e
com unidades menores que o texto (fonemas, sílabas...). Assim, mostrou
evidências de que considerava importante contemplar as duas dimensões do
ensino: a leitura e a produção de textos e do sistema alfabético de escrita.

A professora salientou que não utilizava apenas um método e sim um


pouco de cada. Quando perguntada sobre o melhor método, ela afirmou que o
“Casinha Feliz com o Se Liga seria ótimo", mas não argumentava as razões
dessa junção. Podemos levantar a hipótese que é justamente porque nestes
métodos há atenção ao trabalho com as correspondências grafofônicas.

Observando a prática da docente 1, pudemos perceber que a mesma


realizava leitura de textos quase todos os dias, no início da aula. Das dez
aulas observadas, ela só não realizou a leitura em voz alta para as crianças em
três. Dessas três aulas, apenas uma não envolvia o eixo leitura, que foi a aula
que a professora conversou sobre o dia das crianças e propôs uma atividade
de produção textual; as outras duas aulas foram iniciadas com atividades
envolvendo leitura, uma em que a leitura foi realizada pelas crianças em voz
alta e outra em que as mesmas escolheram um livro para ler. Vemos, assim,
que ela contemplou em todas as aulas atividades envolvendo textos. Os
gêneros textuais utilizados pela docente foram cantigas de roda, lendas e
fábulas, contos.

Na entrevista, a docente disse que o eixo privilegiado por ela em suas


aulas era a leitura e o trabalho com gêneros textuais:

“com o texto, eu faço as leituras pra eles. Procuro saber deles o que
eles já sabem sobre aquela... Se for uma receita ou se for uma
narrativa, o que eles já sabem sobre aquilo. Procuro é... falar algumas
partes assim, deixando que eles completem pra que eles tenham a
oportunidade também de participar ali e de completar.”

Confrontando o discurso e a prática da professora 1, verificamos que


ela, embora afirmasse adotar uma perspectiva tradicional de alfabetização,
incorporava, tanto no discurso, quanto na prática, algumas orientações
advindas das abordagens centradas no letramento, pois valorizava as práticas
de leitura de textos de circulação social. Assim, pode-se afirmar que ela ou
não conhecia, de fato, todos os princípios das perspectivas tradicionais de
alfabetização, ou contemplava algumas orientações e juntava com outros
tipos de orientações a que teve acesso em ações de formação continuada ou
em interação com seus pares, ressignificando sua prática nas experiências
cotidianas.
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Em relação à escrita, a professora propôs somente uma atividade de


produção textual, na qual as crianças teriam de elaborar um texto sobre o dia
das crianças. Não houve indicação do gênero, finalidade ou destinatário para
o texto a ser escrito. Este eixo não foi valorizado pela docente nem na
entrevista e nem da prática docente. Concordamos com Soares (2003) quando
ela salienta que na escola pode acontecer a aprendizagem e desaprendizagem
da escrita “enquanto aprende a usar a escrita com as funções que a escola
atribui a ela, e que transformam em uma interlocução artificial, a criança
desaprende a escrita como situação de interlocução real” (p. 73). Assim, essa
professora, apesar de ter realizado atividade de elaboração textual, conduziu a
atividade de modo desarticulado das práticas sociais de leitura e escrita.
Afasta-se, portanto, das orientações que tem circulado acerca do trabalho
com textos na escola.

O eixo da apropriação do sistema alfabético também foi


contemplado nas aulas observadas. No entanto, não havia diversidade de
atividades e as propostas didáticas não ajudavam as crianças a problematizar
o funcionamento do sistema de escrita, evidenciando a influência dos
métodos sintéticos em sua prática.

Em várias aulas a professora fez a leitura das letras do alfabeto.


Nesses momentos, a docente mostrava a letra que estava em uma cartolina
junto com uma palavra que iniciava com a mesma letra e ia dizendo o nome
da letra e o fonema representado por ela. Os alunos repetiam o nome das
letras e os sons.

Outra atividade freqüente era a de memorização dos padrões


silábicos. A professora mostrava as sílabas e perguntava: “b com a é...”. Os
alunos iam respondendo. Ao mostrar determinadas sílabas, os próprios alunos
diziam a sequência inteira: “d com a, é da”.

Foram realizadas também atividades com ditados. Em duas aulas a


professora fez um ditado para a fixação de palavras com BR, CR, DR, FR,
VR. Os escritos foram corrigidos pela docente nos dois momentos, sem
haver, no entanto, nenhuma reflexão no decorrer da atividade.

A decomposição e a recomposição de palavras também ocorreu nas


aulas. A professora escrevia no quadro as palavras e pedia para os alunos
separarem e juntarem novamente. Nessa atividade, porém os alunos sentiram
dificuldades de compreender a função da decomposição e perguntavam como
fazer a atividade e a professora respondia: “vocês vão separar as palavras e
juntar novamente”.

Analisando as atividades voltadas para o ensino da escrita alfabética,


pode-se afirmar que, de fato, conforme a própria professora anunciou na
entrevista, havia muita influência das perspectivas tradicionais / sintéticas de
alfabetização, pois ela adotava estratégias didáticas comuns a tais abordagens
metodológicas.

Comparando o discurso com a prática, pode-se afirmar que havia


coerência entre o que a professora afirmava e o que ela dizia, embora possam
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ser identificadas duas abordagens distintas no discurso e na prática: o foco na


leitura de textos de circulação social presente no discurso do letramento; e o
foco nas atividades de memorização de unidades lingüísticas menores que as
palavras presente no discurso dos métodos sintéticos.

A professora 2, diferentemente da professora 1, afirmou concordar com


a perspectiva de alfabetizar letrando. Salientou ainda que o melhor método de
alfabetização era o “sócio-construtivismo”, porém, dizia que em sua prática
utilizava um pouco de cada método.

Durante o tempo em que foi observada, a docente pareceu demonstrar


aproximações entre o discurso e a prática. No questionário, a mesma
informou utilizar diferentes recursos para alfabetizar seus alunos e isso foi
constatado. A docente selecionava textos de distintos gêneros textuais, como
parlendas, contos, receitas, bilhetes, quadrinhas, bulas, cartas, anúncios,
horóscopos, entre outros.

O eixo da leitura era trabalhado quase que diariamente. A docente, ao


ler histórias, fazia perguntas de antecipação para atiçar a curiosidade dos
alunos a respeito do texto e exibia para as crianças a capa do livro, as
ilustrações. Durante a leitura, a professora fazia intervenções, a fim de
estimular o interesse e a participação das mesmas e após fazia a interpretação
oral do texto. A professora trabalhava também com ordenação de textos e
quebra-cabeças de frases e textos.

A professora utilizava os textos, também, em atividades que


estimulavam os alunos a fazer a relação grafofônica através de rimas, como
foi o caso das parlendas: “Quando é que uma palavra rima com a outra?
Quando elas têm o mesmo final, né, gente?! Quando elas combinam. Tu,
tatu. Tá vendo?”.

Sobre o trabalho com gêneros, a professora salienta que: “(...) são


fundamentais, é... leitura de todos os gêneros e a interpretação dos gêneros,
trabalhando a estrutura de cada gênero, mostrando que, que uma carta, um
bilhete, uma poesia, uma música... ela diferencia por... cada uma tem um
objetivo, uma funcionalidade...”

Em relação à produção de textos, no entanto, havia um afastamento


de uma perspectiva do trabalho com gêneros, na medida em que não eram
indicados os destinatários e as finalidades dos textos a serem produzidos e
nem os suportes onde eles iriam circular.

Em uma das aulas, ela produziu, juntamente com os alunos (texto


coletivo), uma história a partir de uma gravura. Durante a construção, a
professora pediu para que eles informassem o título que queriam dar à
história, o nome dos personagens, em que local estavam e ela registrava tudo
no quadro. “- O que eles estão fazendo, onde eles estão? Um é goleiro e o
outro é o quê? Digam aí.” ou “- E agora, o que aconteceu?”. Como podemos
perceber, o texto era um misto de descrição de imagem e narrativa. Vemos,
então, que o eixo de produção de textos foi tratado de um modo bastante
similar ao que era proposto em perspectivas centradas em concepções de
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textos como “tipos abstratos”, apartados dos gêneros que circulam


socialmente.

No eixo da aprendizagem da base alfabética, a professora trabalhava


com análise de palavras através de atividades com caça-palavras, alfabeto
móvel, ditado mudo, construção de palavras a partir de fichas com sílabas,
bingo de palavras, produção de rimas.

Analisando o discurso e observando a prática das duas docentes


pesquisadas, percebemos que há mais aproximações do que afastamentos no
discurso proferido pelas duas sobre sua prática, contradizendo o senso
comum de que as professoras “dizem uma coisa e fazem outra”.

ALGUMAS CONSIDERAÇÕES FINAIS

Entender os princípios do sistema de escrita alfabética não é tarefa fácil


para o aluno, assim como alfabetizar não é uma tarefa fácil para o professor.
Segundo Soares (2003), alfabetizar é fazer com que o aluno entenda e se
aproprie do sistema de escrita alfabética. O conceito de letramento, por outro
lado, abrange os usos da escrita na sociedade. Antes mesmo de entrar na
escola, os sujeitos vivem num mundo letrado, mesmo não sendo
alfabetizados. Cabe ao professor, portanto, propor, em sala de aula,
atividades que ajudem o aluno a se apropriar do sistema de escrita alfabética,
entender o uso da escrita na sociedade, lendo e produzindo textos de
diferentes gêneros discursivos.

Das duas professoras, a que mais se aproximou desse modo de conceber


a alfabetização foi a professora 2, que desenvolveu atividades de
interpretação de textos e atividades problematizadoras de apropriação do
sistema de escrita, embora no eixo de produção de textos tenha adotado uma
perspectiva distanciada desse modo de conceber o ensino da língua.

A professora 1 misturou, tanto no discurso quanto na prática,


orientações advindas das perspectivas tradicionais de alfabetização e
orientações pautadas nas abordagens do letramento. No tocante ao eixo da
leitura, favorecia a ampliação das experiências das crianças com os diferentes
gêneros, mas, em relação ao ensino do sistema alfabético, adotava uma rotina
centrada na memorização, não estimulando a reflexão sobre o funcionamento
do sistema de escrita.

Tal modo de construção da ação docente pode ser resultante de um


processo de construção profissional em que há carência de reflexões mais
aprofundadas acerca de outros modos de garantir a aprendizagem da base
alfabética, diferentes dos tradicionalmente vivenciados. Pode, ainda, ser
conseqüência de um descrédito da viabilidade de outros modos de
organização do trabalho pedagógico, oriundo, dentre outros fatores, do
desconhecimento de experiências bem sucedidas em que práticas mais
fundadas em um ensino problematizador sejam socializadas.
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Como principal conclusão nesta pesquisa pode-se salientar os dados de


que havia muitas aproximações entre os discursos das professoras e suas
práticas. Uma implicação desse dado é que no trabalho de formação
continuada é importante, de fato, investir na teorização da prática,
construindo argumentações consistentes, pautadas em dados empíricos, que
ajudem os professores a refletir sobre os pressupostos teóricos das
abordagens adotadas e sobre os impactos das opções metodológicas adotadas.

REFERÊNCIAS

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In: SANTOS, C. F. E MENDONÇA, M. (Orgs.) Alfabetização e
letramento: conceitos e relações. Belo Horizonte: Autêntica. 2005.
BARBOSA, J. J. Alfabetização e Leitura. São Paulo: Cortez;
Coleção Magistério. 2º grau. Série formação do professor: v.16, 2ª ed ,
1994.
COUTINHO, M. L. Psicogênese da Língua Escrita: O que é? Como
intervir em cada uma das hipóteses? Uma conversa entre professores.
In: MORAIS, A. G.; ALBUQUERQUE, B. C. E LEAL, T. F. (Orgs.)
Alfabetização: apropriação do sistema de escrita alfabética. Belo
Horizonte: Autêntica. 2005.
FERREIRO, E. Reflexões sobre Alfabetização. São Paulo: Cortez;
Autores associados 20ª ed. Coleção Polêmicas do Nosso Tempo.
1992.
GALVÃO, A.; LEAL, T. F. Há lugar ainda para métodos de
alfabetização? Conversa com professores (as), In: MORAIS, A. G.;
ALBUQUERQUE, B. C. E LEAL, T. F. (Orgs.) Alfabetização:
apropriação do sistema de escrita alfabética. Belo Horizonte:
Autêntica. 2005.
MORAIS, A.G.; ALBUQUERQUE, E. B. C. Alfabetização e
letramento: o que são? Como se relacionam? Como “alfabetizar
letrando”? In: ALBUQUERQUE, E. B. C.; LEAL, T. F. A
alfabetização de jovens e adultos em uma perspectiva do
letramento. Belo Horizonte: Autêntica, 2005.
MORTATTI, M. R. L. História dos métodos de alfabetização no
Brasil. Portal MEC Seminário Alfabetização e Letramento Em
Debate, Brasília, v. 1, p. 1-16, 2006.
SANTOS, C. F. E ALBUQUERQUE, E. B. C. Alfabetizar letrando.
In: SANTOS, C. F. E MENDONÇA, M. (Orgs.) Alfabetização e
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SOARES, M. Alfabetização e letramento. São Paulo: Contexto.


2003.
SOARES, M. Letramento: um tema em três gêneros. Belo
Horizonte: Autêntica, 1998.
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O Que Muda no Chão da Escola após a


Década da Alfabetização?

Edwiges Zaccur - UFF

Por uma nova sociedade, que sendo sujeito


de si mesma, tenha no homem e no povo
sujeitos de sua história. (...) por uma
sociedade que se descolonize cada vez mais.
Que cada vez mais corte as correntes que as
faziam e fazem ser objeto de outras que lhe
são sujeitos. (Paulo Freire)

Para discutir a questão que o título introduz, me proponho a fazer um


cerco epistemológico, problematizando a Década da Alfabetização lançada na
ONU em fevereiro de 2003, dobrando-me sobre heranças recebidas de
décadas anteriores e rebatendo-as sobre o que está acontecendo no chão de
nossas escolas, por trás do propalado declínio dos índices de analfabetismo e
de melhorias nos índices do Ideb. Para que se tenha uma dimensão do
problema, o Brasil ocupa um lastimável 54º. lugar entre 59 países, quando se
trata de educação, e uma vergonhosa 4ª. colocação entre os países com maior
desigualdade na América Latina, muito embora sejamos a sexta economia do
mundo.i

Diante dessa situação contraditória, proponho começar fazendo


algumas perguntas que convidam à reflexão. O que significou o lançamento
da Década da Alfabetização na sede das Nações Unidas? A favor de quem se
elaboraram políticas nesta década em que uma vez mais o combate ao
analfabetismo voltou à cena? A década se pautou pela produção de novos
conhecimentos ou se limitou a recondicionar conhecimentos antigos? Que
avanços e retrocessos as ações desenvolvidas produziram no chão das
escolas brasileiras? Ou, ainda, o que é possível dizer a respeito da
alfabetização consolidada e da diminuição da pobreza em países como o
Brasil?
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Afinal, a Década da Alfabetização foi proposta, tendo como prioridades:


aumentar os níveis de alfabetismo; promover o empoderamento de todas as
pessoas em todos os lugares, e contribuir para a erradicação da pobreza,
como parte dos esforços para a paz num mundo globalizado onde a
alfabetização de todas as pessoas é do interesse da comunidade internacional.
Dez anos depois do seu lançamento a com pompa e circunstância, a década
chega ao seu final sem alarde. Pelo menos não encontrei nenhum documento
da UNESCO sobre um possível balanço entre o que foi proposto e o que foi
realizado na década no Brasil ou em outros países do sul.

Mas, para não atropelar os fatos, voltemos a 2003. Vale lembrar que o
engajamento do Brasil nos esforços da Década da Alfabetização coincidiu
com um momento histórico que não poderia ser mais propício: Lula, um
sindicalista oriundo do sertão nordestino, assumia a presidência, consagrado
pelo voto popular. Três meses depois foi assinado, no Congresso Nacional,
um acordo entre a UNESCO e o Ministério da Educação, no valor de 200 mil
euros, para o desenvolvimento de um Plano Nacional de Alfabetização.
Naquela oportunidade, Cristóvam Buarque, então ministro da educação,
assumiu o compromisso de alfabetizar vinte milhões de brasileiros, entre
jovens e adultos, em quatro anos.

No entanto, entre pensar, propor e concretizar metas existe um largo


fosso em que naufragam muitas das propostas mais mobilizadoras. Que o
diga Cristóvam Buarque que viu minada a sua influência política no
Governo Lula e esvaziado o seu programa à frente do MEC. Se ao ministro
faltaram apoio e tempo, já que permaneceu no cargo apenas onze meses
(entre 2003 e 2004), as metas tampouco foram muito além dos belos
discursos publicados no documento editado pela UNESCO em parceria com
o MECii, sob um título de muito apelo – Alfabetização como liberdadeiii.

O documento é aberto com uma apresentação assinada pelo ministro


Cristóvão Buarque e pelo representante da UNESCO no Brasil. Nela se
justifica o engajamento do país na Década da Alfabetização, em razão dos
seguintes argumentos:

A alfabetização universal de crianças e adultos


continua sendo um desafio.

A alfabetização é um direito humano fundamental,


uma necessidade básica de aprendizagem e a chave
para aprender a aprender, condição indispensável para
o exercício pleno da liberdade.

A alfabetização requer esforços sustentados,


intensivos e focalizados, além de programas, projetos
e campanhas de curto prazo.

A alfabetização favorece a identidade cultural, a


participação democrática, a cidadania, a tolerância
pelos demais, o desenvolvimento social e a paz.

Como se constata, nenhum desses motivos faz qualquer alusão à


perversidade do modelo capitalista em que os interesses do capital atropelam
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direitos acordados em diferentes fóruns internacionais. É como


diagnosticar males e prescrever remédios paliativos, sem que as causas
sejam devidamente atacadas. Empunhar a bandeira da alfabetização, sem
discutir politicamente o que faz perdurar o binômio analfabetismo e pobreza,
significa ignorar 500 anos de colonização / exploração / ideologização.
Como se sabe, mesmo com a criação da ONU em meados do século XX,
certos países continuam mais iguais do que outros. A Organização das
Nações Unidas continua praticamente cega, surda e muda em relação a
intervenções e guerras promovidas pelos mais fortes contra os mais fracos,
em prol dos interesses econômicos daqueles em detrimento destes. Não é,
pois, de se estranhar que seja eclipsada, no documento da UNESCO, a íntima
relação entre regiões exploradas e empobrecidas e altos índices de
analfabetismo.

Se a dupla face político-pedagógica da prática educativa não ganhou


ênfase no documento, tampouco são feitas referências consistentes aos
alfabetizandos, a uma epistemologia outra, a uma pedagogia dialógica e
emancipatória. Pouco se investe no cerco epistemológico realizado por
Freire, em sua práxis revolucionária porque emancipatória, desconstruindo
um conjunto de dicotomias tais como, sujeito-objeto, teoria-prática,
transmissão-recepção, conhecimento-ignorância. Também não se insiste na
diferença abissal entre uma educação bancária, com base na transmissão, e
outra com base no diálogo, uma educação emancipatória. Como o diálogo é
uma relação de eu-tu, como tantas vezes Paulo Freire enfatizou, implica
necessariamente a relação de dois sujeitos. Porém, muito frequentemente,
em se tratando de educação para os esfarrapados do mundo, o tu da relação
é convertido em mero objeto. Nesse caso, como denuncia Freire: se terá
pervertido o diálogo e já não se estará educando, mas deformando. (Freire,
2011,151)

Denúncias tão radicais estão praticamente ausentes do documento


oficial. Continuou prevalecendo a alfabetização em si mesma, pouco
levando em conta os sujeitos, suas inserções culturais e experiências e,
sobretudo, seus saberes e suas existências históricas. Como no passado,
sobressai o desafio já “enfrentado” ao longo de muitas décadas e governos
sucessivos, acrescido da necessidade de novos esforços e investimentos,
tendo em vista favorecer quase miraculosamente a participação, a identidade
cultural, o desenvolvimento etc, etc, etc. No avesso dos discursos, leio uma
desejável acomodação à ordem vigente como garantia da paz mundial e
tranquilidade das nações.

Além disso, no documento citado, é possível colher indícios da


desqualificação dos saberes dos deserdados da terra. Tomo como exemplo
um argumento politicamente correto, mas nem tanto, em que a
alfabetização é enfatizada como um direito humano fundamental, uma
necessidade básica de aprendizagem e a chave de aprender a aprender. Que
a alfabetização seja um dos direitos humanos fundamentais ninguém
discorda, ainda assim é possível perguntar: qual alfabetização, uma que
acomode ou outra que invista na emancipação? Paulo Freire alerta afirma que
“a opção, por isso, teria que ser, também, entre uma “educação”
para a “domesticação”, para a alienação, e uma educação para
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a liberdade. “Educação” para o homem-objeto ou educação para o homem-


sujeito.”(Paulo Freire, 2011, 52)

Ao apresentar uma alfabetização pretensamente neutra, oferecida como


chave do aprender a aprender, e não como chave da cultura escrita, são
desqualificados os saberes advindos da leitura de mundo dos alfabetizandos e
das aprendizagens cotidianas decorrentes de sua inserção cultural. Tal postura
é inaceitável, por desumanizar os educandos. Situá-los num grau zero de
aprendizagem os despotencializa para enfrentar o desafio de se apropriarem
da cultura escrita. Além disso, a absolutização da ignorância, que perpetua a
dicotomia ignorância X saber, é fundamental para a manipulação exercida
pelas elites sobre os oprimidos, como denunciou Freire. Revolucionário é
instigar “os condenados da terra” a descobrir a relatividade de ambas, como
no jogo proposto por Paulo Freire a colonos, com base na troca de perguntas
a partir de seus respectivos conhecimentos, revelando desconhecimentos de
ambos os lados (Freire, 2002). Objetivo de Freire era justamente mostrar que
ele ignorava o que os colonos sabiam e os colonos ignoravam o que ele sabia.

Diversamente, o Diretor Geral da UNESCO, Sr Koichiro Matsuura, em


seu discurso no lançamento da década, reforçou a tese de absolutização da
ignorância ao dizer: “Por meio da alfabetização, os pobres podem aprender a
aprender” (2003, 11). No avesso dessa falsa generosidade é possível ler:
sem a alfabetização, os pobres não podem aprender a aprender. Por esse
caminho, implicitamente, o analfabetismo é usado para justificar a pobreza e
vice-versa. Em contraponto a essa retórica equivocada, convoco Ciço,
sujeito da pesquisa de Brandão, quando diz que a escola que é dada aos
pobres ensina o mundo como ele não é (Brandão, 1998). Ensina que eles
nada sabem e que o fato de não saber ler e escrever o transforma em seres
menorizados, incapazes de refletir e gerir seu próprio destino.

No entanto, outro sujeito da pesquisa realizada por mim também nega


Matsuura, confirmando Brandão e Freire. Refiro-me a Aguinoir, um
analfabeto letradoiv que se evadiu da escola e se encontrou no saber-fazer.
Marceneiro dos melhores, que se autonomeava “artista da madeira” , ele
compreendeu o quanto era explorado na marcenaria em que trabalhava.
Planejou e se preparou para trabalhar por conta própria, adquirindo, aos
poucos, os meios de produção, realizando o sonho de poder dizer com
justificado orgulho: eu sou meu próprio patrão. Trabalhava numa pequena
oficina no fundo da casinha de fundos em que morou muito tempo de aluguel
e da qual se tornou finalmente proprietário, reformando-a e transformando-a
em sobrado. Não sabia fazer conta no papel, mas era imbatível nos cálculos
mentais, revelando possuir, entre outros, o conhecimento matemático
indispensável ao exercício de sua profissão. Quando necessitava registrar
detalhes dos projetos recebidos, criava um código que funcionava para a sua
leitura, embora fosse indecifrável para os demais.

Aguinoir poderia repetir as palavras que um alfabetizando do sul do


país disse a Paulo Freire: “eu tenho a escola do mundo”. Palavras muito
diferentes das proferidas pela mulher que sintetizou seu desejo de aprender a
ler e a escrever “para deixar de ser a sombra dos outros” . Mal comparando,
o primeiro construiu sua identidade, graças a seu ofício criativo, fazendo de
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cada cliente, senão um amigo, um divulgador, de modo que ele costumava


dizer: “ minha obra é a minha propaganda”. Quando veio a falecer, seu filho
não teve como avisar ninguém: a agenda de telefones do pai existia apenas
na sua memória. Quanto à mulher, ela buscava a aprendizagem da leitura e
da escrita como uma possível redenção, que a livrasse de ser apenas uma
sombra alheia, sombra que a sociedade letrada projetou e que ela incorporou,
penosa e ideologicamente, como a pena que se paga por não saber ler.

Não estou aqui fazendo uma apologia do analfabetismo o que seria uma
contradição com minha história, ainda e sempre preocupada com a
apropriação da leitura e da escrita, historicamente negada aos mais pobres. O
que rechaço vivamente é a anulação de saberes de toda uma existência,
justificada por não saber ler. Mesmo porque o pobre para sobreviver
necessita aprender a cada dia, precisa engendrar soluções e invenções para
viver na escassez, precisa “matar um leão por dia”, em condições as mais
adversas. E para isso, precisa recorrer a muito engenho e arte somados a um
tanto de astúcia, que é “a arte do fraco”, como teorizou Certeau. Aquelas
astuciosas estripulias da dupla formada por João Grilo e Chicó, imortalizadas
por Ariano Suassuna em seu Auto da compadecida, são fortemente
inspiradas pela sabedoria popular.

No entanto, quando são invisibilizados os saberes dos oprimidos, como


partir do já sabido para aprender o não sabido? E como sacudir o peso de se
ver negado, tendo sua cultura desrespeitada pelas monoculturas dominantes v
que se pretendem universais, eclipsando outras culturas? (Santos, 2007: 29-
31)

Pincelar esse cenário ajuda a problematização do que aparece apenas


sob a chancela do pedagógico, contrariando a contribuição de Paulo Freire de
que o político e o pedagógico não se separam, como faces que são da
mesma moeda. O próprio Paulo Freire é citado na apresentação do
documento de forma atenuada, quando se diz que a influência de Paulo
Freire acrescentou dimensões políticas, situando o aluno não mais como
beneficiário, mero objeto, mas como sujeito de um processo de alfabetização
crítica entendida como possiblidade de participar. Mas Paulo Freire não
reformou a educação, acrescendo uma nova dimensão a que já existia. Ele a
revolucionou com sua práxis dialógica e emancipatória, instigando os
educandos a descobrir a face política do pedagógico, antes oculta. Tampouco
a alfabetização crítica se limita à mera possibilidade de participar sem que se
explicite o complemento desse verbo. Antes se abre à transformação do
sujeito que se assume criador de cultura e crítico e, portanto, capaz de
participar efetivamente da transformação do mundo.

Na minha leitura, além de manter a dicotomia entre o pedagógico e o


político, o documento procura escamoteá-la por meio da junção das palavras
do título: Alfabetizaçãocomoliberdade impressa na capa. Essa releitura do
lema da Década da Alfabetização sugere um amálgama inseparável entre
alfabetização e liberdade, indiciando tanto um diálogo implícito com o livro
de Paulo Freire: Educação como prática de liberdade, como um explícito,
através da inclusão no documento de duas páginas extraídas do livro
Educação e política, de Paulo Freire. Porém, quem fizer uma leitura atenta,
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poderá perceber o jogo tão peculiar à política hegemônica: capturar, filtrar o


conteúdo revolucionário e, assim subtraído do que incomoda o sistema,
disseminá-lo em seu próprio discurso. Por esse caminho, sobram apenas ecos
longínquos do revolucionário giro epistemológico de Freire, em que as
pessoas não são libertadas por outrem, mas se libertam em comunhão.

Acresce que aos colonizadores não basta que os pobres sejam pobres, é
preciso que estejam tão desqualificados que aceitem injustiças de todo tipo,
inclusive as cognitivas, cometidas contra eles. A práxis freireana, ao
contrário, assume claramente a favor de quem se coloca. No livro Educação
como prática da liberdade, Paulo Freire explicita que, nos círculos de
cultura, o trabalho se iniciava a partir da pesquisa do universo vocabular,
derivado do universo existencial. As situações existenciais eram codificadas
em imagens, para instigar a discussão abrangente da cultura e de daqueles
sujeitos como fazedores de cultura. Com essa proposta, Paulo Freire conta
que em duas noites são discutidas essas situações, motivando-se
intensamente os homens. A seguir são apresentadas as palavras geradoras
ligadas à vida daquele grupo, representadas pela escrita, mas inseridas em
situações existenciais acompanhadas do debate de dimensões da realidade. E
assim, coletivamente, dialogando, debatendo e refletindo, homens sem
letras, mas com leitura de mundo, se motivam e se alfabetizam. Como
enfatiza Freire: Só assim, nos parece válido o trabalho da alfabetização em
que a palavra seja compreendida pelo homem na sua justa significação:
como força de transformação do mundo. Só assim a alfabetização tem
sentido.(Freire, 2011,181).

Fora do jogo dialógico que desafia a refletir, pouco se aprende e se


ensina, sobretudo quando se trata de se apropriar a modalidade escrita da
língua materna. Como sintetiza Geraldi, a língua só tem existência no jogo
que se joga na sociedade, na interlocução, e é no interior de seu
funcionamento que se pode estabelecer as regras de tal jogo” (Geraldi, 1984,
p.43). Vale dizer que, no jogo que se joga na sociedade, as relações de poder
tem importância vital, e compreendê-las faz toda a diferença.

A meio caminho, ficaram os objetivos, entre idealistas e funcionalistas,


traçados pela UNESCO para a década da Alfabetização com ênfase em ações
sem sujeitos:

a) colocar a alfabetização no centro de todos os


níveis dos sistemas educacionais nacionais e de
todos os esforços visando ao desenvolvimento;

b) adotar uma abordagem dupla, conferindo igual


importância tanto às modalidades de educação formal
quanto às de educação não-formal, criando sinergia
entre elas;

c) promover, nas escolas e nas comunidades, um


ambiente que propicie os usos da alfabetização e
uma cultura de leitura;
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d) assegurar a participação comunitária nos


programas de alfabetização, bem como apropriação
desses programas pelas comunidades;

e) construir parcerias em todos os níveis,


particularmente em nível nacional, entre governo,
sociedade civil, setor privado e comunidades locais; e
também nos níveis sub-regional, regional e
internacional;

f) desenvolver, em todos os níveis, processos


sistemáticos de acompanhamento e avaliação,
embasados por resultados de pesquisa e bases de
dados.

Em contraponto a esse conjunto difuso de ações sem sujeitos, sem


homens, sem mulheres, sem crianças, e sem conflitos, proponho o resgate
de sementes de utopia e experiências que fizeram diferença na Educação
Popular, destacando entre outras: a Paulo Freire, por sua histórica luta pela
emancipação dos mais excluídos e a de Darcy Ribeiro por ter ousado, a
partir da semente lançada por Anísio Teixeira, pensar uma escola de tempo
integral para as crianças de classes populares, os CIEPs,

Recordo que, em 1990, ao iniciar meu Mestrado em Educação,


encontrei a UFF em fértil ebulição iniciada na década anterior. Discutiam-se,
entre outros temas, a aprendizagem como processo, a alfabetização como
continuum e, paralelamente, a avaliação e o fracasso escolar, temas
interconectados aos anteriores que mobilizavam e ainda mobilizam
professoras empenhadas em ensinar melhor. No ano seguinte, uma reforma
curricular foi feita na Faculdade de Educação da UFF, a partir de ampla
discussão, apostando na formação da professora-pesquisadora chamada a
refletir sobre seu fazer. Havia também um candente debate teórico em que se
polarizavam estudiosos do construtivismo de Piaget e do sócio-
interacionismo de Vygotsky, cada grupo empenhado em defender qual
suporte teórico explicaria melhor questões relativas aos processos de
aprendizagem, com vistas a contribuir para a diminuição do fracasso
escolar. Outras discussões paralelas denunciando a escola dual que, grosso
modo, pode ser sintetizada na escola de qualidade para os ricos e uma
escolinha, que não muda a vida, para os pobres.

Paralelamente as pesquisas justificavam a busca de alternativas que


explicassem como crianças de classes populares, potentes para responder aos
desafios da vida, se tornavam impotentes para aprender a ler e a escrever na
escola. Em síntese, cresciam os incômodos gerados pela persistência do
fracasso escolar que se mantinha, a despeito da querela dos métodos que
atravessara três décadas, de 1950 a 1970, quando vigorava o tecnicismo e se
apostava em seguir passo a passo métodos de alfabetização em disputa. Na
verdade, se tratava de mais do mesmo, pois, prevalecia a educação bancária
sob a batuta do silenciamento, oposto ao diálogo.
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Foi contra este quadro que Darcy Ribeiro idealizou o Programa dos
CIEPs no 1º.Governo Brizola (1983-1986) e o retomou com mais ímpeto no
segundo mandato (1991-1994). Com uma proposta de escola de tempo
integral e sua organização em ciclos, respeitando o tempo da criança e
evitando confrontá-la com o desestímulo de uma reprovação inicial, os CIEPs
alimentavam amplo debate contra e a favor.

Pude conviver em dois lugares distintos com as políticas educacionais


que atravessaram as décadas de 1980 e 1990. Na primeira delas, era ainda
uma professora da rede estadual que se perguntava porque os CIEPS
recebiam tamanha atenção em detrimento das demais escolas da rede
estadual. Ainda não compreendia o alcance de uma proposta piloto e não
conseguia ver o caráter seminal da experiência. Na década de 1990, como
mestranda, pude alargar minha compreensão e começar a ver o alcance do
projeto arquitetado e reeditado por Darcy Ribeiro no segundo governo de
Leonel Brizola. Participando de debates e lendo o Livro dos CIEPs,
compreendi a dimensão política de um projeto que denunciava nunca ter
havido desejo e vontade política de que o nosso povo se educasse, se
alfabetizasse, pois educação implica em dividir, em reconhecer o outro, em
ouvir e ser ouvido, e convivendo com a riqueza da diferença partilhar com
todos o que é direito de todos (Ribeiro, 1986, p.62). Mas, ao denunciar
velhas mazelas de uma sociedade excludente , Darcy Ribeiro anunciava que
o projeto do CIEP:

contribui para resgatar uma velha dívida da escola,


pois impede que as crianças a abandonem por não
suportarem situações críticas, e pode trazer para seu
interior aquelas que nem procuram matricular-se, por
perceberem a educação como algo que não pertence a
seu mundo. (Ribeiro, 1986, p. 131)

Ainda em 1991, pude ouvir Darcy e Freire dialogarem no encontro -


CIEP: Crítica e Auto-crítica, realizado em Niterói. Se bem me lembro, aquela
era a primeira oportunidade em que se encontravam dois revolucionários
incansáveis, cada qual em seu espaço, após a ditadura militar e o retorno de
ambos do exílio. Eis que recorrendo ao Google, me emocionei ao encontrar o
texto O encontro das águas: diálogos entre Paulo Freire e Darcy Ribeiro e
nele pude ouvir, emocionada, essas vozes em prol educação popular,
generosamente transcritas pelas autoras Lia Faria e Rosemaria J. Vieira Silva.
A luta de cada um se dera em diferentes espaços e instâncias, mas isso não
impediu a sintonia de ambos em prol da educação popular. Paulo Freire
aplaudiu a proposta de tempo integral dos CIEPs, enfatizando que:

o CIEP, ao mesmo tempo em que ele propõe a


compreensão e o uso diferente do tempo, nesta
proposta ele reeduca, ele forma diferentemente a
própria educadora. É isso que certos intelectuais
metidos a progressistas não entendem. E inclusive
nisso é muito dialético, quer dizer, o CIEP está
convencido de que a teoria passa pela prática e vice-
versa; não é possível dicotomizá-las. (...) A escola é o
espaço e o tempo em que se deve conhecer o
conhecimento que já existe, em que se deve trabalhar
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para experimentar a possibilidade de criar o


conhecimento que ainda não existe. Isso afinal é a
educação. Do tempo que a criança precisa para
participar da produção do saber, e não para receber
pacote de saber. (Freire)

Ao tomar a palavra, Darcy Ribeiro além de enfatizar que Paulo Freire é


a consciência, a emoção e a sabedoria da educação brasileira, soube
reconhecer que o traço fundamental da vida e obra de Freire é esse, é de um
respeito de educador pelo educando. Um respeito largo que se estendia à sua
luta para realizar a vocação humana para aprender. Contribuições que fazem
parte, como sublinhou Darcy, de ideias encarnadas movem o mundo.
Inclusive, acrescento eu, porque sementes grávidas de utopia perduram e
podem ser retomadas. Nesse sentido, Darcy fez questão de dizer de onde veio
a inspiração para a criação dos CIEPs, retomando um experimento realizado
por Anísio Teixeira. Nas palavras de Darcy:

Anísio fez um experimento, que foi pra nossa geração


uma coisa comovedora, que é a Escola Parque da
Bahia, no bairro mais miserável da Bahia. Era um
bairro de palafitas, na lama, na merda. Naquele bairro,
o Anísio fez a Escola Parque da Bahia. (...) e a escola
era para quê? Para receber as crianças quatro horas
antes ou quatro horas depois da escola classe. E ele
tentou melhorar as escolas classes, os meninos tinham
suas aulas na escola classe, e iam pra Escola Parque.

A partir da semente lançada, Darcy foi além, criando os Centros


Integrados de Educação Popular. Já não se tratava de dispor de um complexo
educacional, com espaços e atribuições complementares, mas distintas.
Nos CIEPs, a proposta era integrar a cultura da escola com a cultura da
comunidade, inclusive com a mediação de animadores culturais, que deviam
realizar um trabalho capaz de articular as demais atividades da escola,
explorando diferentes e possibilidades de criação (arte, música, dança
teatro).

Com a experiência seminal dos CIEPs, dentro e fora deles, o fracasso


escolar ganhou também o sentido de fracasso da escola. Problematizou-se a
produção do analfabetismo no interior das escolas, onde muitas crianças
eram sistematicamente reprovadas até que se evadissem ou fossem
transferidos para o noturno. Isso tudo vi acontecer, razão por que me
comoveu tanto ouvir a forte denúncia de Darcy: Nós estamos produzindo
agora os analfabetos do futuro. Além de denunciar a escola pensada para e
pela elite, Darcy implicitamente relacionou o fracasso da escola também ao
esvaziamento da carreira docente:

a professora ganha hoje uma sexta parte do salário que


recebia. Havia uma profissão que era marido de
professora: casar com professora era um grande
negócio. Minha mãe viúva podia criar dois filhos dela,
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eu e meu irmão, e os irmãos dela (...) Quer dizer, uma


professora podia manter, como o médico também.

Insisto em trazer as vozes entremeadas de Paulo Freire e Darcy Ribeiro,


uma vez que a questões ali presentes continuam sem respostas e ainda se
insiste em negar, na intimidade da escola, o conflito social . Dessa forma,
como denuncia Freire, incorrem profundamente num atraso: Essa gente não
quer mudar nada. Pior que isso: essa gente parece querer retroceder às
décadas de 1950 a 1970 quando prevalecia a querela dos métodos e o
tecnicismo.

Se não estivemos andamos em círculos, como me parece, o faro é que


a “Década da Alfabetização” se encerra com parcos avanços, o que instiga a
analisar as distâncias entre as prioridades anunciadas e o que efetivamente se
priorizou entre nós. Aponto algumas: o código e não a alfabetização ganhou
centralidade; os conteúdos escolarizados recobraram força, relegando a um
segundo plano a leitura freireana da palavramundo; a síndrome dos testes
encobriu a discussão de processos de avaliação; a discussão dos processos de
aprendizagem foi recalcada pela busca de resultados; as ONGs cresceram
sobre a fragilização da escola pública de tempo integral; os gestores técnicos
tomaram o lugar de humanistas, e segue por aí um rol de distorções.

E mais, na chamada Década da Alfabetização, foram descartadas


contribuições da psicologia, da sociolinguística, da antropologia filosófica, da
psicolinguística e da linguística, em favor de um foneticismo estreito que
privilegia o código, reduzindo o signo ao significante e reafirmando
conteúdos escolares menores em detrimento da palavramundo. Ou seja,
“jogou-se fora o bebê com a água do banho”.

Posso estar sendo injusta com a década, até por me limitar apenas ao
que pude acompanhar no Brasil. Posso ser acusada de saudosismo, mas não
posso deixar de me indignar diante dos legados descartados em favor de um
neotecnicismo que combina em tudo com neocolonialismo e promove os
retrocessos a que se tem assistido. A alfabetização, defendida por Paulo
Freire como ponte entre a leitura de mundo e a leitura da palavra,
distendendo-se na leitura da palavramundo, viu-se novamente reduzida à
aquisição do código.

Como justificativa teórica para amesquinhar a alfabetização que se


complexificara com Freire, discute-se crescentemente a especificidade da
alfabetização, a par do conceito de letramento que se alarga nas funções
sociais da escrita na sociedade letrada. Emilia Ferreiro tomou posição contra
essa dicotomia:

Há algum tempo, descobriram no Brasil que se poderia


usar a expressão letramento. E o que aconteceu com a
alfabetização? Virou sinônimo de decodificação.
Letramento passou a ser o estar em contato com
distintos tipos de texto, o compreender o que se lê.
Isso é um retrocesso. Eu me nego a aceitar um período
de decodificação prévio àquele em que se passa a
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perceber a função social do texto. Acreditar nisso é dar


razão à velha consciência fonológica. (2003, p. 30)

A alfabetização saiu de foco e as luzes se acenderam sobre a discussão


do letramento cuja disseminação começou com Mary Kato em 1986. Paulo
Freire, que só faleceu onze anos depois, ignorou solenemente essa discussão
que passava ao largo do político como reverso do pedagógico, questão maior
que o mobilizava. Depois de sua morte, não faltam os que tentam associar o
letramento à leitura da palavramundo de Paulo Freire. Porém Moacir Gadotti,
Presidente de Honra do Instituto Paulo Freire, cioso do legado recebido, além
de concordar com Ferreiro, na denúncia do retrocesso conceitual, vai mais
longe, denunciando uma lamentável tentativa de esvaziar o caráter político
da educação e da alfabetização, uma armadilha na qual muitos educadores e
educadoras hoje estão caindo. (2010, p. 9)

Na contramão dos avanços conquistados nas décadas anteriores, assiste-


se a uma espécie de revanche da educação bancária tão longamente
combatida por Paulo Freire. Mais que nunca as crianças e suas professoras
recebem pacotes prontos que pouco ou nada têm a ver com sua cultura, sua
história, sua experiência. Tais pacotes não levam em conta os sujeitos dos
processos de aprendizagem e atropelam as professoras, cuja prática é
reduzida ao fazer pensado por outros. Enquanto isso, cartilheiros,
especialistas em marketing, com suas técnicas de antanho embaladas nas
tecnologias de agora ganham espaço crescente na mídia e são contemplados
pelas nas políticas públicas.

Para seguir tais pacotes não é preciso ser pedagoga, nem professora-
pesquisadora, nem sujeito que pensa o seu fazer. Basta ser boneco do
ventrículo que, por sua vez, forma bonequinhos de ventrículo que, no
máximo se alfabetizam mecanicamente o que não significa se credenciar a
fazer uso da alfabetização e se tornar um leitor confirmado. Cientes de que a
melhor defesa é o ataque, tais cartilheiros atacam, desqualificando o trabalho
de pedagogas, como estratégia de venda ao poder público de pacotes
pretensamente salvadores, compostos de muitos itens, de manuais coloridos
a CDs e até computadores fantasiados de mesas alfabetizadoras, tudo isso a
custos exorbitantes. Em meio a tanta parafernália, a professora mal paga e
desqualificada é posta no final da linha, condenada a retransmitir
acriticamente os pacotes que recebe prontos para consumir.

Nesse sentido, deixa-se de lado tudo o que já foi produzido a respeito da


educação emancipatória e da práxis alfabetizadora de Freire. Ignora-se por
extensão a integração prática-teoria, o fazer pensado, a experiência refletida,
a práxis em construção da professora-pesquisadora que reflete sobre seu fazer
e sobre as respostas que colhe dos alunos, buscando compreender o
compreender deles para ensinar melhor. É tamanha a imbricação entre ser
professora e ser pesquisadora que Paulo Freire também se posicionou a esse
respeito:

Fala-se hoje, com insistência, no professor


pesquisador. No meu entender o que há de
pesquisador no professor não é uma qualidade ou uma
forma de ser ou de atuar que se acrescente à de
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ensinar. Faz parte da natureza da prática docente a


indagação, a busca, a pesquisa. O de que se precisa é
que, em sua formação permanente, o professor se
perceba e se assuma, porque professor, como
pesquisador.” (FREIRE, 2000 p.33).

Mas quando se dicotomizam o fazer e o pensar, a teoria e a prática, é


possível perguntar: Como a professora pode se assumir pesquisadora, a
despeito dessa política dos pacotes? Direi que se uma professora não se
demite de pensar a sua prática e de compreender como suas crianças
compreendem, ela se desvencilha das amarras dos pacotes e do controle a que
é submetida. Se a professora consegue ver sentido no que faz, instiga as
crianças à descoberta e à criação e, sobretudo, as convida a ampliar a leitura
da palavramundo. Mas como fazer isso, se existe, em muitos municípios,
uma política posta e imposta com controle semanal das atividades do pacote?

Nesse ponto entra em cena a astúcia da professora. O uso da astúcia foi


teorizado por Certeau como a arma do fraco e, consequentemente, a arma do
pobre. Mas pode ser também a arma da professora desqualificada e
subalternizada por esses pacotes. Recentemente, participei de um dos
encontros do Fórum de Alfabetização e Leitura na UNIRIO em que uma
professora relatou como driblava o controle a que era submetida. Como a
supervisora só comparecia à escola em determinado dia da semana, a
professora resolveu que apenas nesse dia usaria o material do pacote. Nos
demais dias da semana, exploraria outras possibilidades de ler e produzir
conhecimentos com sua turma. Um belo dia, a supervisora apareceu fora do
dia combinado, encontrando a professora vivendo práticas muito distintas das
que estavam previstas para a semana. Questionada, a professora respondeu
que variava as aulas para ir ao encontro dos interesses das crianças e que
estas estavam aprendendo. Não importa saber se a supervisora agiu com
sabedoria, aplaudindo a ação da professora. O importante é ressaltar que a
professora foi além do relato, discutindo a cartilha e exercícios mecanizantes
nela propostos, confrontados com outros momentos em que o conteúdo da
alfabetização incluía o código, sem se reduzir a ele.

Mas os percalços impostos às professoras não param aí. Além dos


pacotes pedagógicos prontos para transmitir, na última década se
disseminaram políticas de avaliação, que mobilizam verbas substanciais e um
grande aparato sob a alegação de que os testes nacionais e internacionais em
larga escala contribuem para alcançar a almejada qualidade da educação.
Angel Barriga problematiza essa argumentação, não hesitando em denunciar
que tal avaliação tem negado a complexidade pedagógica subjacente aos
atos educativos. Para Barriga essa politica:

Longe de abordar os temas substantivos destes


problemas, promoveu um maior formalismo na
educação. Se algum resultado teve este
estabelecimento de sistemas de avaliação, foi o
aumento do formalismo e do simulacro nos actos
educativos. (Barriga, 2009, 28)
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Volto ao documento Alfabetização como Liberdade e encontro um


discurso ambíguo sobre alfabetização e avaliação. De um lado, ressalta-se
que a alfabetização serve a propósitos múltiplos, é adquirida de diversas
maneiras, razão por que deve ser encarada, não como um conceito único, mas
sim plural: as alfabetizações. Por outro lado, sinaliza que os métodos de
avaliação da alfabetização (novamente no singular) não são confiáveis,
necessitando uma complexificação (2003, p.35-36). O reconhecimento das
alfabetizações múltiplas, a par da necessidade de complexificar a avaliação,
não foi além das boas intenções. Na prática, acabou desembocando em
testes nacionais e internacionais em larga escala que inverteram o processo:
em vez da avaliação subsidiar a investigação dos processos de aprendizagem;
o ensino e a pretendida aprendizagem passaram a se pautar pela matriz
estreita dos testes em larga escala.

Esse retorno a testes pretensamente objetivos, capazes de apurar médias


em várias instâncias, mas incapazes de compreender os sujeitos e suas
lógicas, me faz lembrar o tempo em que se aplicava o teste ABC nas escolas.
Como o teste era vendido em papelarias, muitas mães compravam e
treinavam seus filhos em casa para se saírem bem. Eram, assim, bem
classificados, ficavam nas melhores turmas para as quais nunca havia falta de
professora. Astúcia de mães que entendiam o jogo da escola capitalista onde
muitas vezes quem mais precisa é quem menos recebe. Se o teste ABC
pretensamente prognosticava, com muitos discrepâncias, quem já atingira a
maturidade necessária à alfabetização, os testes de agora, do tipo provinha
Brasil e assemelhados, se pretendem capazes de aferir objetivamente os
resultados ao final de dois anos de escolaridade. São talhados a perfeição
para alardear que o investimento feito gerou resultados “comprovados”.
Servem também para justificar a “eficácia” da opção por novos gestores da
educação, que não são poetas como Cecilia Meirelles, nem antropólogos
como Darcy Ribeiro e nem educadores como Anísio Teixeira e Paulo Freire.
São técnicos que lidam com pessoas como se fossem números, que
administram a educação como se fosse empresa, que acenam com
gratificações como se fossem cenouras para atrair docentes como se fossem
coelhos.

Enquanto isso, parcerias entre governo e sociedade civil, estimuladas


no documento da UNESCO/MEC, vêm crescentemente se proliferando. As
Ongs que se multiplicam atendem a objetivos específicos voltados ora para
as artes, ora para os esportes, ora para a sustentabilidade, ora para a saúde etc,
etc, etc. Não vou entrar no mérito da qualidade discutível de muitas delas,
que recebem vultosas doações do Estado, eximindo-o de tarefas que seriam
suas. Mas o fato de trabalharem com crianças e adolescentes em horários
alternativos ao da escola, exime o Estado de sua responsabilidade com a
educação das crianças em tempo integral nas escolas. Mas, sobretudo,
distanciam-se da complementaridade pensada por Anísio Teixeira entre
escolas base e Escola Parque da Bahia, e da integração entre cultura da
escola e cultura da comunidade defendida no programa dos CIEPs criado por
Darcy Ribeiro. O frouxo nexo entre as escolas e essas ONGs não vai além do
controle de assiduidade e da aprovação, o que não basta para transformar a
escola que temos. Mais um retrocesso.
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Recentemente dados do Ideb-2911 revelaram discreta melhora de 0,4


pontos nos anos iniciais do ensino fundamental e um discretíssimo avanço de
0,1 nos anos subsequentes e no ensino médio. Tudo dosado e medido com
parâmetros genéricos de aferição de avanços, em que ecoam uma antiga
brincadeira infantil: - Mamãe posso ir? – Pode. _ Quantos pontos? – Menos
que meio de formiguinha. O quadro torna-se ainda mais preocupante, se
levarmos em conta que as dificuldades de leitura e escrita se estendem pelo
ensino fundamental, atravessam o ensino médio e chegam mesmo à
universidade. Evidência de que os testes não vão além de simulacros,
enquanto a educação brasileira continua derrapando no que é essencial.

Diante disso, denúncias suficientemente alardeadas pela imprensa,


sinalizam que, vencido o problema de metas quantitativas, permanece o
desafio de uma educação de qualidade para todos. Jornais estampam
manchetes anunciando problemas crescentes para a economia brasileira por
falta de profissionais com formação adequada. Já vem sendo recrutados
estrangeiros para atender as demandas de mão de obra qualificada que o
modelo educacional que temos não consegue atender. Temos uma escola que
não atende à formação humana e sequer responde às demandas ditadas pela
vi
economia no século XXI. Segundo José Pastore :

O mundo do trabalho não quer apenas canudo, apenas


diploma. A escola de hoje ensina, na melhor das
hipóteses, a passar no exame. Não ensina a pensar. E o
trabalho moderno exige o pensamento. Nós vivemos
numa sociedade do conhecimento em que se demanda
muito mais neurônio do que músculo.

Ou seja, em se tratando de educação popular, quando se consegue


ensinar o código, não se consegue avançar em direção à educação de
qualidade. Aliás, temo que se desabilitem atividades leitoras em que o
cérebro humano se aplica desde o nascimento, para desenvolver
competências cognitivas que permitem aos bebês ler o mundo, imaginar e
pensar, processar e incorporar a linguagem oral sem que esta lhes seja
formalmente ensinada.

O que constatei, em quase cinco décadas, tanto como professora que se


foi construindo professora-pesquisadora, quanto como pesquisadora-
professora, é que a alfabetização é crucial para a permanência das crianças
de classes populares na escola. Para mim, discutir alfabetização em qualquer
tempo e espaço, pressupõe necessariamente articulá-la à questão maior da
leitura e da formação de leitores críticos. Essa é a bandeira que abraço desde
longa data, sobretudo a partir do final da década de 1980, quando integrei o
grupo de sete professoras de língua portuguesa que, lideradas por Luzia de
Maria, se responsabilizaram por uma ação pioneira: o lançamento do jornal-
revista PRAvaLER, sob o seguinte lema: “Educar para a leitura, ler para
educar”.

O primeiro artigo que escrevi para esse jornal, há quase 25 anos, já


trazia minha preocupação maior em seu título: “Alfabetização – onde a
escola se reprova?”. O texto problematizava a precariedade de nosso sistema
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escolar, incompetente não só para alfabetizar todas as crianças – nenhuma a


menos, como também para conseguir alfabetizar, formando leitores.

Não por acaso, o saldo minimamente positivo da Década da


Alfabetização, a meu ver, diz respeito ao objetivo de promover, nas escolas
e nas comunidades, um ambiente que propicie os usos da alfabetização
e uma cultura de leitura. Pelo menos, a importância da leitura tem sido
difundida na mídia e nas mensagens publicitárias institucionais. Nesse
cenário a FLIP chega à sua décima edição, as bienais do livro vêm tendo
vendas recordes e minifeiras de livros já acontecem em escolas. Tudo isso é
muito bom e tem produzido boas respostas de um público que dispõe de
poder aquisitivo para colocar livros em sua cesta básica.

No entanto, como construir uma cultura de leitura, tenda onde entrem


todos, se falta uma alfabetização popular que se abra efetivamente ao prazer
da leitura, que instigue ao prazer de se emocionar, de sonhar e de conhecer?
Como construir uma cultura de leitura se ainda é quase uma exceção um
trabalho que se inicie em sala de aula e se distenda nas bibliotecas das
escolas? Ou como fazê-lo, quando não se tem uma política de leitura capaz
disseminar livros acessíveis como artigos de primeira necessidade para
todos? O problema é que as classes populares só contam com as escolas.
Estas, muitas vezes, são induzidas a treinar estudantes para aparecerem em
programas de TV para soletrar, quando o que há de mais importante é a
leitura, a produção escrita e o poder de dizer sua palavra.

Por certo, uma cultura de leitura não se improvisa. Construí-la é um


desafio das escolas e das famílias, das políticas públicas e do país, com
vistas à construção da sociedade aprendente que o século XXI está exigindo,
para além da Década da Alfabetização. Entendo que uma cultura da leitura
abre horizontes, indo ao encontro de uma educação emancipatória em prol de
uma sociedade que se descolonize cada vez mais como fala Freire, na
epígrafe com que abri esse texto. E desse modo, possamos confirmar as
palavras esperançosas de Darcy Ribeiro:

Estamos
nos
construindo
 na
 luta
 para
 florescer
 amanhã
 como


uma nova
civilização, mestiça
e
tropical, orgulhosa
de
si
mesma.
Mais alegre, porque
mais
sofrida. Melhor, porque
incorpora
em
si

mais humanidades. Mais
generosa,
porque
aberta
 à
 convivência

com
 todas
 as
 raças
 e
 todas
 as
 culturas... (Ribeiro, 1995, 455)

Mas para nos mobilizarmos em direção a esse belo horizonte de futuro
anunciado por Darcy, um movimento coletivo de indignação, contra os
retrocessos na educação popular, mas não só, se faz mais do que necessário,
se faz urgente.
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REFERÊNCIAS

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de Ciências
da Educação, nº. 9º. Lisboa, 2009.
BRANDÃO, Carlos R. Lutar com a palavra, Rio de Janeiro: Edições
Graal, 1982.
CERTEAU, Michel de. A invenção do cotidiano. Petrópolis RJ, Vozes,
1994.
ESTEBAN, Maria Teresa e ZACCUR, Edwiges. Professora-pesquisadora:
uma a práxis em construção. Rio de Janeiro: DP&A, 2002.
FARIA, Lia e Rosemaria J. Vieira Silva O encontro das águas: diálogos
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intranet.ufsj.edu.br/rep_sysweb/File/vertentes
FERREIRO, Emilia. Alfabetização e cultura escrita, Entrevista concedida
à Denise Pellegrini In Nova Escola – A revista do Professor. São Paulo,
Abril, maio/2003.
FREIRE, Paulo. Pedagogia do oprimido, Rio de Janeiro:
Afrontamento, 1975.
_______ . Educação como prática da liberdade. Rio de Janeiro:
Paz e Terra. 2011
_________Pedagogia da Esperança: um diálogo com a Pedagogia
do
Oprimido, Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1992.
GADOTTI, Moacir. Não podemos negar nossa história. In Alfabetização e
letramento: o que muda quando muda o nome? Zaccur, Edwiges (org) Rio
de Janeiro, Rovelle, 2011.
GERALDI, João Wanderley (Org.) Concepções de linguagem e ensino de
Português. In O Texto na Sala de Aula: leitura & produção. Cascavel:
Assoeste, 1984.
KATO, Mary. No mundo da escrita: uma perspectiva psicolinguística.
Rio de Janeiro, Ática, 1986.
RIBEIRO, Darcy. O livro dos CIEPs. Rio de Janeiro: Bloch, 1986.
_______________ O
Povo
Brasileiro: A
formação
e
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sentido
do

Brasil. São Paulo, Companhia
das
Letras
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1995.
SANTOS, Boaventura de Sousa. Renovar a teoria crítica e reinventar a
emancipação social. São Paulo, Boitempo, 2007.
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i
Ver Carta Capital de 21/08/2012 – Brasil 4º. país mais desigual da
América Latina
ii
O referido documento, publicado no Brasil em maio de 2003 em parceria
UNESCO/MEC, materializa a proposta Década da Alfabetização das Nações
Unidas aprovada na 54ª Sessão da Assembleia-Geral da ONU, por meio da
sua Resolução A/RES/54/122 e efetivamente lançada na 56ª. Sessão da
Assembleia-Geral da ONU realizada dia 3 de fevereiro de 2003.
iii
Este é o título que consta da ficha catalográfica. Porém, capa o título vem
com todas as palavras escritas sem espaço entre elas.
iv
O termo analfabeto letrado foi cunhado por Magda Soares e se
aplica a quem, mesmo não sabendo ler formalmente, convive a seu modo
com práticas sociais de leitura e escrita. Prefiro empregá-lo a classificar o
sujeito da pesquisa realizada por mim como um caso típico do alfabetismo
funcional, por considerá-lo um leitor que vai além, pela leitura crítica e
criativa que faz.
v
Boaventura de Souza Santos denuncia que a racionalidade
ocidental reduz a riqueza do mundo, recorrendo a cinco monoculturas como
maneiras de produzir a ausência do que difere de sua matriz: a monocultura
do saber e do rigor, a monocultura do tempo linear, a monocultura da
naturalização das diferenças, a monocultura da escala dominante e a
monocultura do produtivismo capitalista. Ver obra sitada os 29-31.
vi
Ver entre outras a matéria de 15/8/2012 em O Globo: Dificuldade de encontrar
mão de obra qualificada afeta economia brasileira
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O Trabalho com a Oralidade e Escrita em


uma Sequência Didática com o Conto “O Rei
Sapo”

José Ricardo Carvalho (UFS)

RESUMO

Observamos que a oralidade dificilmente é considerada como ponto de partida para


desenvolver atividades de produção de texto na escola. A fim de refletir sobre
experiências pedagógicas que explicitem o vínculo entre a fala e a escrita. Realizamos
descrição de interações verbais em uma classe do ensino fundamental de contação de
história, produção de texto oral e escrito. Selecionamos atividades vivenciadas a
partir da leitura do conto de fadas “O rei sapo” de Charles Perralt com uma turma do
sexto ano. Esta proposta de trabalho consiste em ações desenvolvidas no PIBID 2012,
no projeto “Produção textual no ensino fundamental: oralidade e escrita na formação
do professor-pequisador”. As atividades são analisadas com base nos estudos de
Bakhtin, Vygotsky e Marcuschi, avaliando o processo de interação, o gênero como
mediação comunicativa e a retextualização como princípio pedagógico para realizar a
passagem do texto oral para o texto escrito. Evidenciamos a noção de gênero textual e
de retextualização apresentada nos estudos de Luiz Antônio Mascuschi. Conferimos a
noção de gênero textual à dinâmica de promover a relativa estabilidade aos as
enunciados produzidos em uma esfera comunicativa. Por meio desta compreensão,
destacamos princípios que regulam a produção de sentido dos enunciados junto a
compreensão de texto e seu trabalho pedagógico na sala de aula. Por outro lado,
destacamos o papel da retextualização como princípio de explicitação de operações
linguísticas realizadas na passagem da modalidade oral para escrita. Relatamos, neste
contexto, reflexões sobre o processo de formação de professor que busca intensificar a
relação teoria-prática a partir do trabalho com gênero textual e retextualização de
conto de fadas na sala de aula.

Palavras-chave: contos de fada; sequencia didática, oralidade e retextualização

INTRODUÇÃO

Na sociedade contemporânea, lidamos com textos orais e escritos que


exigem abordagens distintas, visto que as condições de produção e
organização dos discursos, responsáveis por sua formulação textual,
demandam diferentes procedimentos para interagir com o material linguístico
das duas modalidades. O professor precisa, então, considerar a selecão
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gêneros a ser estudado na sala aula, bem como as estratégias discursivas para
torná-los objeto de reflexão linguística para ampliar o repertório do usuário
da língua. Neste sentido, o grande compromisso da escola é ajudar o aluno a
compreender o funcionamento da linguagem dos variados gêneros
encontrados nas dinâmicas coletivas, redimensionando, assim, a competência
sociocomunicativa dos alunos. Esta ação parece ser um grande desafio para a
escola, na atualidade, pois contribuir com o processo de inserção dos alunos
ao mundo letrado demanda um trabalho sistemático e reflexivo. Neste
sentido, o ensino da língua materna nos anos iniciais tem sofrido forte
deslocamento, pois no lugar professor transmissor de conteúdos
descontextualizados e fragmentados, a nova ação educativa convoca a
promoção de situações de interação verbal voltadas para o domínio de
diferentes linguagens para os alunos lerem e produzirem textos orais e
escritos.

Neste processo, a concepção socionteracionista, apoiada em Vygotsky


(1989) e Bakhtin (1992), a oralidade se configura como ponto de partida para
as ações com a linguagem, aproveitando os conhecimentos discursivos que
falante já utiliza para se relacionar verbalmente. Sob esta perspectiva,
propomos, neste trabalho, uma reflexão sobre os desafios envolvidos com a
apropriação dos recursos discursivos do gênero conto de fadas por alunos do
ensino fundamental. Buscamos compreender em que medida as atividades
orais reconfiguram os saberes voltados para o domínio do discurso escrito.
Para isto, relatamos atividades desenvolvidas no projeto “Processos de
retextualização dos contos de fadas nas séries iniciais” (PIBIC/2011).
Ressaltamos as estratégias de produção textual que exploram os aspectos
discursivos dos contos de fadas em sala de aula. Elegemos o conto de fada
“O rei sapo”, por ser oriundo da tradição oral e dotado de linguagem e
conteúdo próximo da realidade infantil. Por meio de uma linguagem
simbólica, eles promovem uma forte identificação das crianças, pois
expressam alternativas mágicas para resolução de problemas difíceis
encontrados na existência humana. Acrescenta-se, ainda, que a narrativa
selecionada possui características regulares que motivam o desenvolvimento
a compreensão do funcionamento da linguagem oral e escrita e as habilidades
envolvidas em cada modalidade.

Neste contexto, percebemos que a força da cultura oral, presente na


primeira fase escolar, pode ser um ponto de partida para a compreensão do
gênero conto de fadas no ensino fundamental. Sendo assim, a seleção de
textos da cultura oral e a sua dinamização pode ser um elo desencadeador de
reflexão sobre a forma composicional, estilo de uso da linguagem nos
diversos gêneros textuais trabalhados no ensino fundamental.

O reconto oral começa na Educação Infantil, quando as crianças, antes


mesmo de dominarem os rudimentos do código verbal escrito, já são capazes
de formularem discursos, atualizando os elementos linguísticos e factuais que
ouvem para recompor gêneros textuais com os quais interagem. Observamos
na rotina da educação infantil a importância dominar o modo como se
estrutura as narrativas para avaliar como este gênero vai sendo, aos poucos,
inserido na vida da criança. Por meio da conversa informal, os alunos
compartilham experiências para recontar histórias com ajuda do professor.
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Diremos que as crianças, em contato social com narrativas orais,


internalizam, intuitivamente, a estrutura destes textos, fornecendo, elementos
para a expansão de suas competências linguístico-discursivas. Por meio da
modalidade oral, crianças de 3 a 6 anos são capazes de recontar histórias
ouvidas, dramatizar, mudar o final de uma história, entre outras atividades.
Apresentamos a seguir o trecho de um reconto oral do “Rei Sapo” dos Irmãos
Grimm realizado no CMEI-Recife (Centro de Educação Infantil) por alunos
de 5 e 6 anos. A atividade foi extraída da tese de doutorado de Araujo (2009).

(Rei sapo. 1º recontar) Emanuelle diz: “Era uma vez...”. A narradora


aguarda um pouco. Joyce fala: “Uma linda princesa...”. Após um
tempinho, a menina continua: “Chamada Raiz...”. A narradora diz: “O
nome dela era Raiz?!”. Emanuelle ri. A narradora exclama: “Que
nome bonito você deu pra princesa!”. Emanuelle e Rafael falam ao
mesmo tempo, mas a voz da menina se sobrepõe: “Ela morava num
castelo...”. O menino diz: “Ela tava fazendo isso [Faz o gesto de jogar
uma bola para cima com uma mão e pegar com a outra] e a bolinha
caiu...”. Emanuelle completa: “Dentro do poço...”. Joyce afirma: “O
sapo pegou...”. Pouco depois, Emanuelle diz: “Aí, deu pra ela...”.
Rafael fala: “Aí, ela correu e...”. Emanuelle e Joyce falam ao mesmo
tempo. A primeira diz: “Aí, o sapo disse...”. A fala da segunda se
sobrepõe: “Aí, o sapo bateu na porta... Depois entrou... Era o sapo,
que depois dormiu na cama dela... Que nojo! Depois ele... [Faz um ar
de suspiro] Virou um príncipe...”. Emanuelle fala: “Aí, depois pegou o
sapo e meteu... [Faz o gesto de arremesso] E... Bateu com ele na
parede...”. Joyce afirma: “E morreu... E virou um príncipe...”.
Emanuelle diz: “Mentira! Que mentira! Ele nem morreu... Virou
umpríncipe...”. Emanuelle ri. A narradora ri também. Joyce fala:
“Felizes para sempre... foi simbora pro castelo...”. (ARAUJO, 2009,
p.105/106)

No fragmento da transcrição gravada que acabamos de ter contato, é


possível identificar a mediação da professora para a realização do reconto
oral da história “Rei Sapo”. Por meio de perguntas e comentários a
professora ajuda na condução da composição do gênero conto de fadas. Os
alunos tentam seguir a sequencia de fatos ocorridos na história, suprimindo
algumas informações importantes para compreensão da narrativa como um
todo, mas mantém o fio da narrativa. Percebe-se que a professora auxilia os
alunos no reconto com silêncio e comentários, fazendo com que os alunos
reconstruam a sequencia da narrativa, enfatizando os personagens, o conflito
e o desfecho da história “O nome dela era Raiz?!” (...) “Que nome bonito
você deu pra princesa!”. Observa-se que os alunos já dominam uma série de
conhecimentos sobre a estrutura narrativa e acrescentam novas informações
que não havia no texto-base. Contudo, eles promovem a lógica dos contos de
fadas, ressaltando o ápice da história com a descrição do momento quando o
sapo é jogado na parede e a metamorfose do animal em príncipe acontece.
Podemos perceber que a crianças não se esqueceram de destacar o elemento
mágico, formulação discursiva caracterizadora do gênero contos de fada ao
recontarem oralmente “O rei sapo”. Além disso, os alunos repetem o
tradicional enunciado “e foram felizes para sempre” para encerrar o enredo
da narrativa, demonstrando, mais uma vez, conhecimentos sobre o gênero
contos de fada. Se retirarmos da gravação os momentos de intervenção da
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professora, bem como comentários dos alunos para recontar o “Rei Sapo”,
veremos que seu produto linguístico pode ser transcrito da seguinte forma:

Era uma vez... uma linda princesa... chamada Raiz....ela morava num
castelo...ela tava fazendo isso [Faz o gesto de jogar uma bola para cima
com uma mão e pegar com a outra] e a bolinha caiu...dentro do poço... o
sapo pegou...aí, deu pra ela... aí, ela correu e... aí, o sapo disse...aí, o sapo
bateu na porta... depois entrou... era o sapo, que depois dormiu na cama
dela... depois ele... virou um príncipe...aí, depois pegou o sapo e meteu...
e... bateu com ele na parede...e morreu... e virou um príncipe...mentira que
mentira... ele nem morreu... virou um príncipe...felizes para sempre... foi
simbora pro castelo...

Os alunos rememoram boa parte do conteúdo proposicional da


narrativa, utilizando recursos verbais e corporais para recontar a história. Para
narrar o momento em que a princesa jogava bola no jardim do palácio, as
crianças consideram a situação por meio de gestos para descrever o fato, não
explicitando de formal verbal esta informação. Observamos, também, a
ausência de conectores para realizar passagem temporal e promover unidade
ao fio narrativo. Estes elementos demonstram aspectos interacionais ligados
ao gênero do conto de fadas, em um sua dimensão oral, onde os sujeitos
compartilham representações depois de ouvir “O rei sapo”.

Todas as ações, demonstradas na passagem do texto lido pela professora


e recontado pelos alunos, revelam um processo complexo que envolve a
operação de retextualização. Segundo Marcuschi (2001) o trabalho de
produção textual, sob a ótica da retextualização, explora os diferentes gêneros
textuais como fonte de estímulo para refletir e agir sobre a linguagem no
plano da formulação e reformulação dos usos dos signos. Em sua proposta,
Marcuschi (2001, p. 48) prevê a passagem de uma ordem para outra (falada e
escrita), pode ocorrer em diferentes níveis.

1. Fala  Escrita (entrevista oral  Entrevista impressa);

2. Fala  Fala (conferência Tradução simultânea);

3. Escrita Fala (texto escritoExposição oral);

4. Escrita Escrita (texto escrito Resumo escrito).

As operações no processo de retextualização envolvem mudanças tanto


no nível do código como no processo de construção de sentido. Sendo assim,
o modo como alunos da Educação Infantil interagiram com o conto “O rei
sapo”, do ponto vista linguístico-discursivo, suscitou uma série de indagações
sobre o processo de interação da mesma narrativa quando já se domina o
código escrito e já se aprofundou outros procedimentos do mundo letrado.
Tal processo nos levou a investigar a atividade de retextualização com alunos
que já dominam a linguagem escrita e se encontram nos anos iniciais do
Ensino Fundamental. Buscamos compreender como a retextualização pode
ser inserida nas propostas de produção de texto no espaço escolar.
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Consideramos, inicialmente, a noção de gênero de texto e sequência


didática proposta por Joaquim Dolz e Bernard Schneuwly (2004), para
projetar o reconto oral, a reescrita de “O rei sapo” e a sua retextualização na
dinâmica da produção de textual. Neste contexto, houve a preocupação em
estabelecer uma sequência didática que levasse os alunos a aprofundarem
conhecimentos sobre a forma composicional e o funcionamento discursivo do
gênero conto de fadas na modalidade escrita e oral. De acordo com Dolz e
Schneuwly (2004), é possível considerar uma progressão de atividades
didáticas, ponderando as seguintes ações:

1. adaptar a escolha de gêneros e de situações de comunicação


às capacidades de linguagem apresentadas pelos alunos;
2. antecipar as transformações possíveis e as etapas que
poderiam ser transpostas;
3. simplificar a complexidade da tarefa, em função dos
elementos que excedem as capacidades iniciais das crianças;
4. esclarecer com os alunos os objetivos limitados visados e o
itinerário a percorrer para atingi-los;
5. dar tempo suficiente para permitir as aprendizagens;
6. ordenar as intervenções de maneira a permitir as
transformações;
7. escolher os momentos de colaboração com os outros alunos
para facilitar as transformações;
8. avaliar as transformações produzidas. (DOLZ;
SCHNEUWLY, 2004, p.63)

Para agenciar a ampliação dos conhecimentos do gênero conto de


fada em uma classe do quarto ano, apresentamos uma proposta inicial
de leitura e produção de textos com contos de fadas, fazendo uma
pequena sondagem. A primeira conversa ocorreu de maneira informal,
procurando identificar o que os alunos já sabiam sobre os contos de
fadas. a) Alguém já ouviu falar em contos de fadas? b) Quais? c) Que
contos de fadas vocês já ouviram? d) Que tipo de personagens,
geralmente, encontramos nos contos de fadas? e) Em que tempo e
lugar ocorrem os acontecimentos das histórias? Que ações, geralmente,
ocorrem? Como, normalmente, começa um conto de fadas? Como ele
termina? O que ocorre no meio destas histórias? Quem geralmente
conta a narrativa? Para quê lemos os contos de fadas?

Depois da sondagem inicial, realizamos uma leitura interativa do “O rei


sapo”, considerando perguntas que promovessem comentários durante o
momento da narração, focalizando estratégias de antecipação e ativação de
conhecimentos prévios da leitura em voz alta do professor. Neste trabalho,
valorizamos a entonação e recursos da modalidade oral para aproximar o
texto lido à dinâmica da contação de história.

Professor: a gente vai pedir pra vocês recontarem esta história


(apontando para o livro)... colocando todos os elementos que puderem... a
história que a gente vai ler hoje chama-se o rei sapo... um conto de
fadas... vocês já ouviram?
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Fabrício: sim... que ele era um sapo assim...

Luan : não... ele era um homem... aí a bruxa transformou ele em


sapo... aí a princesa beija ele e ele vira um príncipe...

Professor : será que nessa história vai ter uma princesa que vai beijar
o sapo pra ele virar príncipe?...

Todos: não...

Professor: quem já ouviu esta história?... vocês viram onde?...

Luan: na TV...

Professor: existe um filme... A PRINCESA E O SAPO, não é?...E o


PRÍNCIPE SAPO?... vocês já leram esta história?... vocês sabem quem
escreveu este conto de fadas? (silêncio)... os irmãos Grimm... ele escreveu
a Bela Adormecida... Rapunzel... é::... A gata Borralheira... é::... JOÃO E
MARIA...

Aluno: o galo e o burro...

Professor: não...aí... já é uma fábula... mas “o galo e o burro” também


é uma história boa...

Fabrício: Garfield...

Professor: Garfield... já é um quadrinho... é uma outra história...

Fabrício: mas tem em filme... também...

Professor: mas não é conto de fadas...

Examinando o diálogo estabelecido com a turma, foi possível coletar


uma série de informações que permitiram a configuração de uma sequencia
didática para trabalhar com contos de fadas como propõem Dolz, Noverraz,
Schneuwly (2004). Organizamos nosso trabalho, então, de acordo com
esquema a seguir.

Apresentação
da situação PRODUÇÃO Módulo Módulo PRODUÇÃO
Módulo
INICIAL 1 2 FINAL
n

(DOLZ, NOVERRAZ & SCHNEUWLY, 2004, p. 98)


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1 Produção Inicial
A partir da história narrada, oralmente, acompanhada de uma
recapitulação coletiva; pedimos que os alunos reescrevessem, desenvolvendo,
assim, a produção inicial. Examinamos os recursos linguístico-discursivos
utilizados pela classe para narrar um conto de fadas na modalidade escrita.
Identificamos algumas características comuns nos textos escritos pelos
alunos. A maioria deles mantinham formas de oralidade, tanto no plano
ortográfico como no plano discursivo, ao recontarem o “O rei sapo”.
Observamos que os alunos escreviam como falavam, desconsiderando em
muitos momentos a norma ortográfica e convenções para organizar o
discurso escrito. Podemos notar, também, que grande parte da turma
apresentava dificuldade para pontuar os textos, apesar de conhecer os sinais
de pontuação e saber usá-los em frases descontextualizadas.

Módulo I – O domínio da superestrutura e a macroestrutura


do texto “O rei sapo”

Os contos de fadas, dentro da tipologia dos textos narrativos, projetam


elementos mágicos no enredo para promover fantasia e imaginação os
distinguindo de outros gêneros textuais. Em sua elaboração é necessário
estabelecer ações verossimilhantes com o plano da vida real e ao mesmo
tempo explorar o universo imaginário que convença o leitor dos
acontecimentos narrados. Notamos, entretanto, que alguns textos produzidos
pelos alunos havia a supressão de informações importantes que
descaracterizavam o modo de organização discursivo dos contos de fadas
(exposição, complicação, clímax e desfecho), exigindo uma reflexão mais
ampla do ponto de visto do conteúdo semântico apresentado na versão lida
para alunos com a versão retextualizada pelos alunos. Para examinar a
presença de informações importantes que promovem a organização
macroestrutural nos textos dos alunos, organizamos um quadro com dados da
macro-estrutura da narrativa “O rei sapo”.
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2 Macroestrutura do texto do conto “O Rei Sapo” (Irmão


Grimm)
SUPERESTRUTURA MACROESTRUTURA DO TEXTO

Apresentação ou exposição - Um rei vivia com três filhas em um castelo, onde nas proximidades havia um bosque
escuro com um poço.
(tema da história, cenário,
personagens e o momento onde - A filha mais nova era a mais bela das irmãs e possuía uma bola de ouro que gostava de
ocorrem as ações). brincar todos os dias.

E Conflito/complicação -A princesa foi para o bosque e deixou a bola cair no poço.

(momento de tensão) - O sapo vendo a princesa chorar, fez a proposta de pegar o objeto, com a condição de
ela ser sua companheira.
P
- A princesa prometeu conviver com sapo depois de recuperada a bola caída no fundo do
Solução poço.
I
- O sapo devolveu a bola para a princesa.

Conflito/complicação - A princesa fugiu para o castelo sem cumprir a promessa.


S
Solução - No momento em que a princesa jantava com seu pai, o sapo foi ao castelo cobrar a
promessa da princesa, batendo na porta do castelo.
Ó
- A princesa foi a atender e não permitiu a entrada do sapo no palácio, trancando a porta.

D
Conflito/complicação - O pai da princesa, ao perguntar quem bateu a porta, percebeu o modo aflito da filha.

- O rei interrogou a filha e descobriu o não cumprimento de uma promessa feita ao sapo.
I

O Solução O rei exigiu o reparo da dívida, mandando o sapo entrar.

O sapo, no castelo, comeu no prato de ouro e bebeu no copo da princesa.

S O pai, com as pontas dos dedos, levou o sapo para o quarto da filha.

conflito/complicação O sapo exigiu que a princesa dormisse com ele na cama de seda, senão contaria ao rei o
não cumprimento da palavra.

Clímax - A princesa, irritada, jogou o sapo contra a parede para livrar-se dele.

- O sapo caiu no chão e transformou-se em príncipe.


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Desfecho/desenlace - O nobre rapaz contou que uma bruxa o enfeitiçara e somente uma bela princesa poderia
quebrar o encanto. Os dois casaram com o consentimento do rei e seguiram para castelo
onde príncipe morava.

O esquema apresentado orientou as atividades de leitura e interpretação


de texto, bem como critérios para avaliar o domínio das informações
necessárias para reescrever o conto. Desta maneira projetamos a forma
composicional do gênero conto de fadas, orientando cognitivamente o aluno
na fase inicial de produção textos. Por meio deste esquema, foi possível
avaliar se os alunos não deixavam informações necessárias para uma
aproximação maior com a versão contada pelo professor.

Modulo II – Pontuação e ortográfica

Diante de problemas relacionados a convenções gráficas, planejamos


uma oficina para examinar a ortografia, discutindo o uso de letras maiúsculas
no meio de frases para termos que não se constituíam como nomes próprios
ou não se encontravam no início do período. Tais atividades foram reforçadas
com o trabalho de revisão coletiva de pequenos fragmentos dos textos
produzidos pelos alunos. Desta forma, ampliamos noções vinculadas a
competência ortográfica, bem como as convenções relacionadas à
distribuição gráfica dos enunciados no corpo do gênero conto de fadas. Tal
aspecto não foi trabalhado em diversos momentos do semestre letivo, visto
que a ação sobre as questões ortográfica exige um processo contínuo de
atividades nos anos iniciais. Observamos que em diversas situações que as
atividades de revisão ortográfica e organização da distribuição dos
enunciados no texto exigiam um trabalho conjunto com o da pontuação.
Destacávamos, então, a organização das vozes (personagens e do narrador)
expressas por meio dos parágrafos e dos travessões.
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Versão escrita Versão revisada

O rei Perguntou de quem a O rei perguntou de quem a


princesa estava com medo:
Princesa estava com medo.
- Está com medo de um
O pai Pergunta está com gigante?

medo do gigante não está com - Não! Estou com medo de


um sapo nojento que está na porta.
medo do sapo nojento que

está na Porta.

Módulo III – Reflexão sobre discurso direto e indireto

A segunda oficina aprofundou a noção de pontuação em textos


narrativos, destacando o discurso direto e indireto em pequenos textos
(piadas) para demarcar a organização das vozes nos enunciados. A partir da
pontuação destes discursos, recorremos a dois textos da turma para analisar
como as vozes do narrador e dos personagens foram distribuídas
graficamente, no corpo do texto, por meio de parágrafos e travessões

Módulo IV – Marcadores conversacionais e conectores

Observamos que os alunos apresentavam dificuldades para ligar os


enunciados uns aos outros. Uma das estratégias utilizadas para introduzir
uma nova sequencia temporal da narrativa foi o uso do marcador
conversacional “aí” bastante utilizado na fala e transferido para escrita. Por
meio deste recurso, muitos alunos cometiam a repetição deste marcador para
unir enunciados e dar continuidade a narrativa. Tal recurso, bastante utilizado
no discurso oral, foi um fator de discussão nas atividades de produção de
textos escritos, visto que destacamos outros recursos linguísticos no momento
de ser expressar na modalidade escrita. Neste sentido, promovemos uma
sequência de atividades de substituição de marcadores conversacionais que
desempenhavam funções anafóricas e conectivas nos dos textos escritos pelos
alunos. Observamos a força da oralidade no texto do aluno que narrou “O rei
sapo”, utilizando em seu texto 22 “aí”.

Era uma vez um castelo que tinha um poço e a princesa ia para o poço
brincar com sua bola de ouro aí a bola de ouro caiu no poço aí ela começou a
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chorar aí o sapo disse eu pego se você deixa eu jantar com você dormir com
você aí ela disse viu aí o sapo foi pegar a bola aí ele chegou com a bola na
boca aí ela começou a pula de alegria aí ela estava jantando com o pai aí o
sapo foi na casa dela pateu na porta toc-toc-toc aí ela foi abrir a porta aí ela
viu o sapo ali no chão aí ela fechou a porta aí ela ficou com medo do sapo aí
o pai dela disse filha quem é aí o sapo chamou a filha mais nova do rei aí o
reio abriu a porta aí ele o sapo veio pulando aí chegou na cadeira comeu aí
foi dormir na cama de seda aí a princesa jogou o sapo na parede aí virou
príncipe aí viveram felizes para sempre

3 Produção Final
Observamos na produção final dos alunos um grande avanço do ponto
de vista da organização dos enunciados, correção ortográfica, pontuação e
elaboração textual de acordo com a proposta de escrita do gênero “conto de
fadas”. Depois de várias atividades de revisão coletiva, cada aluno elaborou
a reescrita do conto “O rei sapo”, demonstrando novas habilidades que os
aproximaram do discurso na modalidade escrita. Julgamos que o texto
abaixo, mesmo com alguns aspectos que precisam ser mais trabalhados,
apresentou grande avanço no processo de formulação linguístico-discursiva.

O rei sapo

Era uma vez um castelo que tinha um poço e a princesa ia para o


poço brincar com sua bola de ouro. De repente a bola de ouro caiu no
poço e a menina começou a chorar. Neste momento, um sapo apareceu
e disse:

- Eu pego a bola se você me deixar jantar e dormir com você.

A princesa disse que sim e o sapo foi pegar a bola. Quando


chegou com o brinquedo na boca a princesa pulou de alegria.

À noite, quando a filha do rei estava jantando com o pai, o sapo


chegou na casa dela e bateu na porta: “toc-toc-toc”. A linda moça foi
abrir, vendo o pequeno bicho ali no chão, com medo, fecha
imediatamente. Mas, o pai da princesa, ao ver a filha aflita, perguntou:

- Filha, quem bate à porta?

O sapo chamou, novamente, a princesa, mas o rei foi quem abriu a


porta. O bicho veio pulando até chegar na cadeira e começou a comer.
Quando terminou pediu para dormir na cama de seda da princesa.
Enraivada, a moça jogou o animal contra a parede que ao cair no chão
já não era um sapo, mas sim um lindo príncipe por quem ela se
apaixonou. E viveram felizes para sempre.
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CONSIDERAÇÕES FINAIS

Os estudos realizados, até o presente momento, forneceram base para


reafirmar a importância de se valorizar a cultura oral como princípio de
desenvolvimento da produção de texto na escola. Consideramos que as
atividades de leitura e reconto das narrativas desenvolvidas na escola
revelam traços orais, tais como repetições, pausas, complementaridade das
informações por meio de gestos etc. Estes são objetos de reflexão para
compreender a dinâmica de funcionamento discursivo no processamento
escrito de crianças que se encontram na fase inicial de domínio da produção
do texto escrito.

Diante dos problemas ortográficos, planejamos um primeiro módulo


para ampliação da competência textual, atividades de pontuação e revisão
ortográfica em pequenos fragmentos dos textos produzidos por eles próprios.
Em seguida, promovemos a revisão coletiva a fim de destacar a organização
das vozes dos personagens e do narrador delimitadas por meio dos parágrafos
e dos travessões. Além destes aspectos, observamos na reescrita dos alunos,
lacunas informacionais impediam a compreensão do leitor devido à falta de
acesso ao texto-fonte. Neste sentido, trabalhamos a importância de produtor
de texto se dirigir a um possível leitor que não teve acesso aos conhecimentos
adquiridos na sala de aula. Além disso, desenvolvemos no percurso de seis
meses, o hábito de revisar os textos produzidos pelos alunos, visto que esta
prática não era recorrente nas ações pedagógicas que implantamos o projeto.

Do ponto de vista pedagógico, o reconto dos contos de fadas


correspondem um desafio para a Educação Básica em todos os seus
segmentos, pois evidencia a reelaboração de um conjunto de ações vividas
pelos personagens em determinado espaço e tempo, sendo dotado de coesão e
coerência em sua esfera enunciativa. A compreensão do funcionamento das
sequencias textuais que constitui este gênero, bem como a sua dimensão
simbólica é de extrema importância para que haja uma boa condução nas
atividades de interpretação e proposta de produção textual.

REFERÊNCIAS

ARAÚJO, Ana Nery Barbosa de. A narrativa oral literária na educação


infantil: quem conta um conto aumenta um ponto. Tese (Doutorado),
Universidade Federal de Pernambuco. CE. Educação, 2009.
BAKTHIN, Michail. Estética da criação verbal. São Paulo: Martins
Fontes, 1992.
BASTOS, Lúcia Kopschitz. Coesão e Coerência em Narrativas Escolares.
São Paulo: Martins Fontes, 1994.
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BRONCKART, Jean-Paul. Atividades de linguagem, textos e discursos:


por um interacionismo sócio – discursivo. São Paulo: EDUC, 2007.

BRASIL. Ministério da Educação. Secretaria de Educação Fundamental.


Parâmetros Curriculares Nacionais de língua portuguesa – 1ª a 4ª série.
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II Seminário Nacional de Alfabetização e Letramento Alfabetização, Discurso e Aprendizagens
Oralidade e Escrita na Prática Escolar
ISSN: 2177-4072

Oralidade e Produção de Texto na


Sala de Aula

Leonor Werneck dos Santos


(UFRJ/ Doutor/ leonorws@yahoo.com.br)

Welington de Almeida Cruz


(UFRJ/Mestre/ tomcruz20@hotmail.com)

RESUMO
Neste artigo, destacamos como os livros didáticos vêm abordando os gêneros textuais
(SANTOS, 2009; 2011) e, retomando o alerta de Marcuschi (1997; 2005), a respeito
da pouca atenção dada à oralidade em sala de aula, atualizamos o debate sobre o tema,
com base em Cruz (2012), que avaliou catorze coleções de livros didáticos aprovadas
pelo PNLD 2011 para verificar, dentre outros aspectos, se os livros didáticos
cumprem as demandas propostas pelos PCN (BRASIL, 1998), que indicam a
necessidade de favorecer a proficiência do aluno em situações de interação orais
formais. Partimos dos pressupostos sociointeracionais que norteiam os estudos de
Linguística de Texto atualmente, para discutir o conceito de gênero e sua abordagem
em livros didáticos de língua portuguesa do ensino fundamental e médio. Com isso,
pretendemos mostrar o que ainda falta enfatizar no ensino de gêneros na escola,
especificamente no que se refere aos gêneros orais.

Palavras-chave: gêneros orais, leitura, ensino de língua portuguesa

INTRODUÇÃO

Pretendemos, com este artigo, destacar algumas das dificuldades


com a abordagem de gêneros textuais em livros didáticos de português (LDP)
dos níveis fundamental e médio, publicados a partir de 2004. É importante
destacar, porém, que não temos a intenção de avaliar a qualidade desses
materiais didáticos nem a pertinência da avaliação dos programas oficiais do
MEC, mas pretendemos incluir no debate sobre ensino de língua portuguesa
o conflito teoria/prática percebido nos manuais didáticos no que se refere aos
GT. Além disso, daremos atenção especial à abordagem dos GT orais, muitas
vezes preteridos nos LDP.

A importância do debate sobre esse tema decorre da ênfase


sociointeracional que os estudos de linguagem vêm recebendo desde o final
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da década de 1990, devido principalmente à publicação dos Parâmetros


Curriculares Nacionais (PCN). O espaço escolar procurou adaptar-se a essa
perspectiva sociointeracional, e o principal exemplo disso é a abordagem dos
GT em sala de aula. No caso dos LDP, considerados por muitos professores
como referencial teórico, notamos uma instabilidade no tratamento dos GT,
decorrente, em grande parte, da instabilidade teórico-metodólogica dos
próprios PCN (cf. SANTOS, 2009; 2011), e, no que se refere aos GT orais,
ainda persiste o alerta de Marcuschi (1997, 2005):

A bem da verdade, deve-se registrar que nos últimos anos vem-se


notando um progressivo aumento das sugestões de estudos sobre a
fala. Os anos 90 marcam uma guinada extraordinária nesse sentido e
certamente nos próximos anos teremos cada vez mais observações
sobre a questão. Isso permite esperar que os autores de obras didáticas
já não se mostrem mais insensíveis ao que sugerem os teóricos da
linguística. Creio que os PCN, malgrado suas posições restritivas e
sem uma concepção de língua mais nítida, servirão para dar aos
estudos da oralidade um lugar mais adequado e mais explicitude sobre
o tema. (MARCUSCHI, 1997, p.46/ 2005, p.26)

Mostraremos, neste artigo, que os LDP atuais ainda apresentam um


trabalho insuficiente em relação à oralidade (cf. CRUZ, 2012), priorizando
atividades de leitura e oralização em detrimento de práticas orais que levem
em conta os gêneros textuais e as diferentes práticas sóciointeracionais que
ocorrem por meio dessa modalidade, dentro e fora do ambiente escolar.

1 O texto nos PCN: aspectos teórico-metodológicos e


consequências no ensino

Uma das discussões mais frequentes atualmente na área de educação


engloba os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN) e seu reflexo no ensino.
Com relação à língua portuguesa, os PCN apresentam propostas que
valorizam as variedades e pluralidade de uso linguístico, em diversos gêneros
textuais orais e escritos, em todas as séries do ensino fundamental e médio,
visando à formação de cidadãos críticos e conscientes.

Além disso, nos PCNEF (BRASIL, p. 49), enfatiza-se que

No trabalho com os conteúdos previstos nas diferentes práticas, a


escola deverá organizar um conjunto de atividades que possibilitem ao
aluno desenvolver o domínio da expressão oral e escrita em situações
de uso público da linguagem, levando em conta a situação de
produção social e material do texto (lugar social do locutor em relação
ao(s) destinatário(s); destinatário(s) e seu lugar social; finalidade ou
intenção do autor; tempo e lugar material da produção e do suporte) e
selecionar, a partir disso, os gêneros adequados para a produção do
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texto, operando sobre as dimensões pragmática, semântica e


gramatical.

Dessa forma, os PCNEF apresentam as três práticas – escuta de


textos orais / leitura de textos escritos, produção de textos orais e escritos,
análise linguística –, que sustentam o ensino de língua portuguesa,
funcionando como um bloco na formação dos alunos. Os conteúdos partem,
portanto, de textos, valorizando e destacando diferenças e semelhanças,
fazendo com o aluno discuta o que vê ⁄ lê para conseguir se sentir usuário da
língua e participante do processo de aprendizagem. Em resumo, tem-se o
princípio uso→ reflexão→ uso (Brasil, 1998, p. 65), já defendido por
Travaglia (1996), de uma pluralidade de gêneros. E o objetivo principal desse
acesso a uma pluralidade de gêneros é desenvolver no aluno uma
competência metagenérica, que, segundo Koch e Elias (2006, p. 102),
“possibilita a produção e a compreensão de gêneros textuais, e até mesmo
que os denominemos”.

Percebemos, portanto, que os Parâmetros consideram o texto, tal


qual apregoa Marcuschi (2008c, p. 72), como “um evento comunicativo em
que convergem ações linguísticas, sociais e cognitivas”. Porém, Marcuschi
critica os PCN, afirmando que, com relação aos GT, há “sugestão pouco clara
do seu tratamento” e alerta que, como consequência, nos LDP, “são poucos
os casos de tratamento dos gêneros de maneira sistemática” (id., p. 207).

Assim, o professor e o autor de LDP que decidirem se basear nos


Parâmetros para compreender e aplicar as teorias de GT (e também de
tipologias textuais), encontram alguns problemas: o primeiro, que parece
refletir no tratamento dado ao tema nos LDP, refere-se à oscilação na
nomenclatura; o segundo é a falta de definições consistentes nesses
documentos oficiais; o terceiro é a falta de relação entre terminologia
utilizada e referências bibliográficas citadas (nem sempre cita-se o teórico em
que o documento está se baseando para determinada definição). Para
ilustrarmos esse problema, vejamos o Quadro 1, que lista os termos usados
nos PCN para se rerefir a GT e Tipologia Textual (cf. SANTOS, 2011):

Documento Nomenclatura Nomenclatura Presença de


para GT para TT definição

PCNEF Gêneros (cf. p. Sequências (p. 21), Definição de


(1998) 21) sequências gêneros (p. 20-
discursivas: 21), sequências (p.
narrativa, 22) e suporte (p.
descritiva, 22)
argumentativa,
expositiva e
conversacional (p.
21, 56, 60)

PCNEF em Gêneros textuais Sequência Não há definição


ação (3º. e descritiva (p. 150), dos termos. Há
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4º. ciclos), (p. 166) “tipo de texto comentários gerais


vol. 1 (publicitário)” na p. sobre o tema e
117, “tipo de listas de gêneros a
veículo”, referindo- serem trabalhados
se a suporte (p. no 3º. e no 4º.
119) ciclos.

PCNEM Gêneros Tipos de discurso Não há definição


discursivos (p. 8, (p. 22) dos termos. Há
21) comentários gerais
sobre gêneros.

PCNEM + Gêneros (p. 59), Tipologia textual Definição de GT


gêneros textuais (p. 69), mas na p. na p. 60. Há
(p. 60, 64, 97). 62 aparece diversos
Fala-se também “sequências e comentários
de “tipos de texto” tipos”, dando a teórico-
para se referir a entender que são metodológicos
gêneros (p. 39, aspectos diferentes sobre GT. Não há
46) da constituição definição de TT.
textual.

Quadro 1: Tipologia e gêneros textuais nos PCN

Essa oscilação na nomenclatura e a falta de definições têm


consequências no ensino, pois os autores de livros didáticos, na hora de citar
termos e elaborar definições, nem sempre demonstram em que textos
pretendem se apoiar, talvez por isso, conforme veremos na seção a seguir,
haja incoerências teóricas e falta de sistematização no trabalho com GT e TT.
O que parece é que, nos LDP, se passou do período da inexistência de um
trabalho coerente e produtivo com textos, até a década de 90, para um
período atual, de equívocos teóricos devido à referência a termos e teorias
nem sempre bem assimiladas por professores e autores de livros didáticos.

No que se refere aos Parâmetros elaborados especificamente para o


ensino médio, percebemos que entre os dois materiais voltados para esse
nível de ensino, PCNEM e PCNEM+, há diferença de nomenclatura – além
disso, o primeiro documento não define gênero, apenas tece considerações
gerais, enquanto os PCNEM+ definem gênero e detalham como deve ser a
abordagem em sala de aula.

Além disso, fatores semânticos também parecem influenciar: tanto


nos PCN quanto nos LDP, a palavra “tipos” parece ser usada, às vezes, como
sinônimo de “exemplos”, entretanto, como já há “tipos de textos” referindo
às tipologias narração, descrição etc., alguns trechos ficam ambíguos e pode-
se interpretar que tipos e gêneros referem-se ao mesmo conceito (cf.
PCNEM+, p. 39 e 46).

Embora possamos questionar a relevância de discutir nomenclatura


num momento em que os textos estão recebendo lugar de destaque nos LDP,
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concordamos com o comentário de Bonini (2001, p. 7): “o surgimento da


noção de gênero nos termos em que está posta atualmente (...) é
extremamente recente, havendo ainda muito a ser clareado por meio de
pesquisas e discussões”. Muitas pesquisas têm sido feitas, mas nem sempre
elas chegam às salas de aula, então o manual didático passa a ser, para muitos
professores, a referência teórica para o trabalho com os textos. E a
instabilidade na nomenclatura pode confundir os professores e os alunos.

2 Gêneros textuais: conceituação

Antes de mostrarmos como os LD abordam os gêneros, faremos, a


seguir, um resumo de alguns aspectos teóricos associados a esse tema:

- Os gêneros textuais são interacionais

O gênero só pode existir num contexto de interação, haja vista que a


ação expressa num dado enunciado é sempre destinada a outrem. Um
indivíduo pode criar um gênero novo, mas este só se consolidará quando em
atividade social. Marcuschi (2007, p.35) reitera que “gêneros textuais não
são fruto de invenções individuais, mas formas socialmente maturadas em
práticas comunicativas”.

- Os gêneros textuais são entidades sócio-históricas

Não há como conceber um determinado gênero sem compreender o


contexto histórico que o complementa. Se eles dependem da interação
humana e se essa só pode ser entendida de acordo com fatores políticos,
sociais, culturais, econômicos que estão fora do indivíduo, entendemos um
gênero textual como um fator histórico e cultural de atividade comunicativa.

- Os gêneros textuais são situacionais

Mesmo em uma dada cultura, num momento histórico específico,


não se pode conceber que todos os gêneros aparecem indistintamente
realizados pelos falantes. Marcuschi (2007, p.34), explicita que “os gêneros
são geralmente determinados com base nos objetivos dos falantes e não na
natureza do tópico tratado, sendo assim uma questão de uso e não de forma”.
Além disso, pode-se entender que os gêneros são muito mais caracterizados
pela sua função que por seus constituintes formais. Isso explica, por exemplo,
por que um candidato a um emprego entrega a empresa um currículo e não
uma biografia. Há, nessa situação, dois fatores determinantes: (i) o gênero
consolidado culturalmente para esse tipo de evento e (ii) a finalidade a que
esse gênero se destina.

- Os gêneros são maleáveis.

Segundo Bakhtin (2010[1979]), os gêneros são “relativamente


estáveis”, mas é importante observar o caráter relativo dessa estabilidade.
Marcuschi (2008b, p. 15-16) define o gênero como “fluido” e diz ser ele
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“essencialmente flexível e variável, tal como o seu componente crucial, a


linguagem”. Portanto, o importante é compreendê-lo “pelo seu lado
dinâmico, processual, social, interativo, cognitivo, evitando a classificação e
a postura estrutural” (MARCUSCHI 2008b, p.16).

Contudo, mesmo que haja maleabilidade na construção dos gêneros,


há de se entender que há limites em suas construções. Os gêneros dependem
de um fator preponderante, a interação. Portanto, se cada indivíduo operasse
reformulações nos gêneros indistintamente, a comunicação seria inviável.
Esse conhecimento que permeia os participantes do jogo enunciativo,
referente a diversos gêneros, é chamado por Koch (2009, p. 160) de
“competência metagenérica”:

[...] nas variadas situações de interação verbal, a competência


sociocomunicativa dos interlocutores permite-lhes discernir o que é
adequado ou inadequado no interior das práticas sociais em que se
acham engajados. Tal competência possibilita-lhes optar entre
diversos gêneros: uma anedota, um poema, um enigma, um
requerimento, uma procuração, uma conversa telefônica etc. Há o
conhecimento, pelo menos intuitivo, de estratégias de construção e
interpretação de textos próprios de cada gênero. Assim, o contato
permanente com os gêneros com que se defrontam na vida cotidiana,
entre os quais se incluem anúncios, avisos de toda ordem, artigos e
reportagens de jornais, catálogos, receitas médicas, bulas, petições,
prospectos,guias turísticos, manuais de instruções etc., leva os
usuários a desenvolver uma competência metagenérica, que lhes
possibilita interagir de forma conveniente em cada uma dessas
práticas. (grifos da autora)

Assim, pode-se dizer que temos uma dupla regulamentação do


evento comunicativo: os componentes do jogo discursivo regulam as trocas
interativas, à medida que podem selecionar os gêneros adequados àquela
troca, e, por sua vez, quando instaurado um gênero, a ele compete a
determinação do percurso do jogo. Afirma-se, com isso, que o gênero textual
determina a situação interativa. Percebemos, portanto, que o gênero tem uma
força intrínseca que lhe permite direcionar os posicionamentos dos artífices
da encenação enunciativa.

- Os gêneros são híbridos

A maleabilidade dos gêneros, apresentada anteriormente, permite


modificações estruturais na composição de dados enunciados que podem
chegar à hibridização de gêneros na formação de outro, com nova função.
Marcuschi (2007, p.31) aponta que esse fenômeno “evidencia-se como uma
mescla de funções e formas de gêneros diversos num dado gênero”. Koch e
Elias (2006, p.114) apresentam o termo “intergenericidade” para o mesmo
processo, o que talvez seja uma nomenclatura mais adequada para explicar o
mecanismo pelo qual um gênero pode assumir a forma de outro, dado o
caráter comunicativo.
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3 Gêneros textuais nos LD de EM

Muitas críticas são feitas aos PCN de língua portuguesa, mas as


ideias apresentadas nos Parâmetros, não são tão novas: autores como Fávero
e Koch (1983), Travaglia (1996), Geraldi (1997), apenas para citar alguns, já
sugerem uma abordagem mais produtiva no ensino de língua portuguesa há
muito tempo e certamente influenciaram a elaboração dos PCN. Da mesma
forma, pesquisas por todo o Brasil mostram como se pode melhorar a
concepção dos alunos a respeito da própria língua e diminuir o preconceito
linguístico, com atividades simples, que privilegiam o uso, a reflexão, no
lugar de apenas dividir e classificar termos, orações etc. Da parte do governo,
as avaliações dos LDP vêm tentando melhorar a qualidade dos materiais
didáticos, com programas como o PNLD de EF e EM.

Entretanto, no que se refere a GT, os livros de ensino médio ainda


têm um longo caminho a percorrer. Os livros analisados em Santos (2009;
2011), aprovados no PNLEM/2009, servem como um panorama da confusa
seara que tem se tornado abordar GT. Isso não compromete a qualidade dos
LDP – nem é objetivo deste artigo discutir esse aspecto –, mas é digno de
nota que, embora seja possível perceber a preocupação do PNLEM em aferir
a formação de leitores e produtores críticos e competentes, com base numa
abordagem coerente dos GT, os LDP ainda demonstram certa instabilidade
de conceituação.

Resumindo o resultado da análise dos LDP de ensino médio, quanto


aos GT, Santos (2011) comprova que:

- não há coerência na nomenclatura utilizada (Gênero Textual / Gênero do


Discurso), o que reflete a instabilidade dos próprios PCN sobre o tema;

- geralmente, os GT não aparecem como tópico do programa (teórico); na


maioria das vezes, aparecem apenas no Manual do Professor como uma
diretriz presente no LDP para escolha dos textos;

- as atividades de leitura e produção textual geralmente desconsideram a


concepção de GT, e as poucas atividades de leitura que tentam abordar GT
não costumam interagir com os conteúdos de língua e literatura.

Segundo Santos (2011), os problemas teórico-metodológicos


referentes aos gêneros textuais nos livros didáticos de nível médio acenam
para a necessidade de repensar a abordagem desse tema no ensino, uma vez
que os livros didáticos ignoram, confundem ou abordam de maneira
superficial as teorias que se baseiam em Bakhtin e que consideram os gêneros
como práticas sociais. Em alguns livros, quando há a expressão “gêneros
textuais”, ela aparece como mais um tópico teórico a ser explicado e
estudado, não como pressuposto teórico para análise textual.
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Concordamos com Bunzen (2007, p. 22), que constata que

a recepção da Teoria dos Gêneros, seja ela de base mais textual ou


discursiva, ainda precisa ser mais estudada e detalhada nos trabalhos
acadêmicos voltados para o ensino de língua materna. Precisamos
saber o que estamos fazendo ao receber e didatizar esses
conhecimentos, uma vez que um trabalho com gêneros (e não sobre
gêneros) deveria estar fundamentado em uma concepção de língua
menos formal ou normativa. [grifo do autor]

Segundo Bunzen (id., p. 9), é importante observar, nos LDP, como


os “gêneros foram selecionados/tratados e quais domínios discursivos são
priorizados neste percurso”. O que se percebe, muitas vezes, conforme alerta
o autor, é a ênfase em um ou outro domínio discursivo, como o jornalístico e
o literário, sem que a análise dos textos e as propostas de “redação” levem
em consideração as características intrínsecas aos GT em questão. É
necessário, portanto, discutir de que maneira é possível incluir gênero textual
na elaboração de conteúdo programático e material didático para que a
abordagem de GT diversificados, que tanto colabora na formação do leitor e
produtor de textos, não seja prejudicada.

4 Gêneros textuais orais no ensino

Se fala e escrita estão relacionados às modalidades da língua,


oralidade estaria relacionada às práticas sociais específicas, cuja contraparte
se vincularia às mais variadas formas de letramento. Marcuschi (2008a, p.
25-26) adota essa postura, o que, para o autor, justificaria o trabalho da LT
não com textos falados, mas com gêneros textuais orais. Aprofundando um
pouco mais essa discussão, o autor aponta que

oralidade seria uma prática social interativa para fins comunicativos


que se apresenta sob várias formas ou gêneros textuais fundados na
realidade sonora; ela vai desde uma realização mais informal à mais
formal nos mais variados contextos de uso [...] O letramento, por sua
vez, envolve as mais diversas práticas da escrita (nas suas variadas
formas) na sociedade [...] A fala seria uma forma de produção textual-
discursiva para fins comunicativos na modalidade oral (situa-se no
plano da oralidade, portanto), sem a necessidade de uma tecnologia
além do aparato disponível pelo próprio ser humano [...] A escrita
seria um modo de produção textual-discursivo para fins comunicativos
com certas especificidades materiais e se caracterizaria por sua
constituição gráfica [...] (grifos do autor)
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Com isso, entendemos os gêneros orais como as várias formas de


enunciado, que se estabelecem interativamente por meio da fala, respeitando-
se as posições e as idiossincrasias dos componentes do jogo enunciativo. Não
se perpetuam na dicotomia fala-escrita, mas são co-construídos nos inúmeros
domínios discursivos existentes e, por assim dizer, constituem os mais
próximos representantes de um modelo ideal de interação. Muitos autores
inclusive atestam a primazia dos discursos orais em relação à escrita, já que
essa última seria mais “artificial”. Contudo, para além de manter a relação de
dominação de uma produção em relação à outra, é importante perceber como
ambas colaboram para os processos comunicativos, cada uma utilizando suas
propriedades inerentes.

O esquema a seguir, apresentado por Marcuschi (2008a, p 41),


aponta uma série de gêneros textuais que poderiam ser enquadrados em um
continuum que levasse em conta não somente a forma de produção – escrita
ou falada –, mas, também, os graus de formalismo em relação às situações de
interação e aos domínios discursivos específicos:

Esquema 1 – Representação do contínuo dos gêneros textuais na fala e escrita

Baseado no consenso de que os alunos sabem falar, a oralidade é


tolhida de sala de aula tanto por professores quanto pelos manuais didáticos,
muito embora haja uma indicação para essa prática. Isso se deve, em muitos
casos, ao desconhecimento da distinção entre oralidade e fala, como apontado
anteriormente. No espaço escolar, a simples resposta oral a alguma pergunta
direcionada é o máximo que se poderia esperar no ensino tradicional. Essa
resposta, aliás, deveria ser dada de modo extremamente formal e ordenado,
tal como na escrita, afinal, como postulam algumas gramáticas normativas e
prescritivas mais tradicionais, o falar adequado é aquele o mais próximo da
escrita possível.
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Somente quando o espaço escolar adotar uma postura de


heterogeneidade e idiossincrasia no que diz respeito à língua, estará apto a
compreender, não só o gênero oral, mas sua principal função: favorecer a
comunicação dos indivíduos. De certa forma, os PCN (BRASIL, 1998), já se
colocam favoráveis às novas discussões linguísticas sobre o objeto de estudo
de LP e atestam que as práticas educacionais devem estar pautadas não mais
em apreciações meramente formais, como quando dos estudos tradicionais,
em que se verificavam prerrogativas prescritivas na tentativa da construção
de uma língua uniforme e “correta”, mas numa análise funcional das mais
variadas práticas linguísticas, tomando como base para tal a interação. Para
isso, deve-se tomar o texto – dentro da perspectiva mais ampla de que
tratamos anteriormente – como objeto de análise, já que é somente por meio
dele que se estabelece a comunicação:

[...] não é possível tomar como unidades básicas do processo de


ensino as que decorrem de uma análise de estratos – letras/fonemas,
sílabas, palavras, sintagmas, frases – que, descontextualizados, são
normalmente tomados como exemplos de estudo gramatical e pouco
têm a ver com a competência discursiva. Dentro desse marco, a
unidade básica do ensino só pode ser o texto. (BRASIL, 1998, p.23)

Assim, tornar um indivíduo competente linguisticamente a partir


apenas da análise de elementos sintáticos, morfológicos e/ou fonológicos é
inviável. Observar a língua materializada por meio de gêneros é a única
forma de compreendê-la como objeto amplo e permitir ao falante a
apropriação sobre esse mesmo objeto.

Vista a necessidade de trabalho com gêneros nas instâncias


escolares, voltemos à oralidade de forma mais específica. Para essa
avaliação, duas perguntas são fundamentais: (i) por que ensinar?; (ii) como
ensinar?

Por que ensinar oralidade na escola?

O que permite a prática da oralidade na escola é a ampliação dos


conhecimentos prévios do aluno: embora ele saiba se expressar oralmente em
um contexto familiar, a escola deveria partir desse conhecimento para
ampliar as possibilidades de uso da língua. Os PCN (BRASIL, 1998, p. 18-
19) afirmam que “[...] é praticamente consensual que as práticas devem partir
do uso possível aos alunos para permitir a conquista de novas habilidades
linguísticas [...]” e que
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[...] considerando os diferentes níveis de conhecimento prévio, cabe à


escola promover sua ampliação de forma que, progressivamente,
durante os oito anos do ensino fundamental, cada aluno se torne capaz
de interpretar diferentes textos que circulam socialmente, de assumir a
palavra e, como cidadão, de produzir textos eficazes nas mais variadas
situações.

Essa primeira motivação encontra respaldo nas análises linguísticas


que dizem respeito às práticas de oralidade no espaço escolar. Castilho (2006,
p.21) aponta como justificativa para a valorização do ensino de língua falada
nos currículos escolares a necessidade de

[...] iniciar o aluno valorizando seus hábitos culturais, levando-o a


adquirir novas habilidades desconhecidas de seus pais. O ponto de
partida para a reflexão gramatical será o conhecimento linguístico de
que os alunos dispõem ao chegar à escola: a conversação.

Fávero, Andrade e Aquino (2003, p.10) vão além, propondo que seja
dado um papel de destaque à língua falada no espaço escolar, justamente
porque o aluno domina a gramática da língua por meio daquilo que foi
possível apreender no ambiente familiar.

Além dessa primeira justificativa para o trabalho com a oralidade, os


PCN compreendem que, para avaliar o caráter múltiplo da língua, é
indispensável que se analisem suas possibilidades de efetivação. Assim,

Cabe à escola ensinar o aluno a utilizar a linguagem oral nas diversas


situações comunicativas, especialmente nas mais formais:
planejamento e realização de entrevistas, debates, seminários, diálogos
com autoridades, dramatizações, etc. Trata-se de propor situações
didáticas nas quais essas atividades façam sentido de fato, pois seria
descabido “treinar” o uso mais formal da fala. A aprendizagem de
procedimentos eficazes tanto de fala como de escuta, em contextos
mais formais, dificilmente ocorrerá se a escola não tomar para si a
tarefa de promovê-la. (BRASIL, 1998. p.25)

Marcuschi (2005, p.24) atesta, também, que um estudo de práticas


orais “não se trata de ensinar a falar. Trata-se de identificar a imensa riqueza
e variedade de usos da língua” (grifos do autor). Como segunda justificativa
para o trabalho com a oralidade, Castilho (2006, p.21) compreende que
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[...] os recortes linguísticos recolhidos devem ilustrar as variedades


sócio-culturais da Língua Portuguesa, sem discriminações contra a
fala vernácula do aluno, isto é, de sua fala familiar. [...] Com o tempo
o aluno entenderá que para cada situação se requer uma variedade
linguística, e será assim iniciado no padrão culto, caso já não o tenha
trazido de casa.

Uma última justificativa para o trabalho com a oralidade vai ao


encontro das predisposições encontradas nos PCN. Se o papel da escola é
partir do domínio do aluno e fornecer-lhe instrumento para ampliar seu
conhecimento dos usos da língua, principalmente escritos (BRASIL, 1998,
p.18), a partir do trabalho com textos orais, e partindo da concepção de
continuum entre oralidade e escrita, como apontado anteriormente, podemos
chegar a um produtivo ensino dessa última modalidade por meio da
compreensão dos mecanismos que permitem a construção de gêneros orais.

Assim, temos, de forma resumida, três motivações bastante fortes


para o trabalho com a oralidade no espaço escolar: (i) ser esse o mecanismo
linguístico de que o aluno dispõe e que já domina; (ii) fomentar a
possibilidade de um trabalho com variação de forma produtiva e experiencial;
e (iii) tratar-se de um ponto de partida para a ampliação dos conhecimentos
das possibilidades da língua, inclusive em sua modalidade escrita.

Como ensinar oralidade na escola?

Trabalhar com o oral pressupõe, sobretudo, um trabalho por meio


dos gêneros textuais:

Ensinar língua oral deve significar para a escola possibilitar acesso a


usos da linguagem mais formalizados e convencionais, que exijam
controle mais consciente e voluntário da enunciação, tendo em vista a
importância que o domínio da palavra pública tem no exercício da
cidadania.

Ensinar língua oral não significa trabalhar a capacidade de falar em


geral. Significa desenvolver o domínio dos gêneros que apóiam a
aprendizagem escolar de Língua Portuguesa e de outras áreas
(exposição, relatório de experiência, entrevista, debate etc.) e,
também, os gêneros da vida pública no sentido mais amplo do termo
(debate, teatro, palestra, entrevista etc.). (BRASIL, 1998, p. 67-68)
(grifos nossos)

Embora tenham sido apresentadas as motivações para o estudo da


oralidade no espaço escolar, a resposta ao segundo questionamento que
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propusemos não se apresenta de forma tão fácil. Há indicações, tanto da


academia quanto das diretrizes educacionais, para que os gêneros, sobretudo
os orais, façam parte das etapas de escolarização no ensino de língua. No
entanto, como fazê-lo? Talvez seja essa a pergunta fundamental desse
trabalho e para respondê-la ainda não haja muitas certezas. Respostas orais,
oralização de textos escritos, reescritura de textos orais, entre tantas outras
atividades são vistas nos LDP afinados com as propostas dos PCN (BRASIL,
1998). Porém, mesmo essas tentativas têm recebido críticas, principalmente
por manter a ideia de que a única finalidade do oral é a produção adequada
do texto escrito. Tratar o oral como fim é uma perspectiva ainda distante.
Para além do texto oral exclusivamente, a escola ainda esbarra na
inconsistência de trabalho com o próprio texto, como atestam Dolz e
Schneuwly (2004, p.50):

Se, para as atividades gramaticais, o professor dispõe de uma


descrição precisa dos conteúdos que os alunos devem adquirir a cada
série, para as atividades de expressão escrita e oral, nas quais os
saberes a se construir são infinitamente mais complexos, ele tem tido
de se contentar com indicações muito sumárias. Tudo se passa como
se a capacidade de produzir textos fosse um saber que a escola deve
encorajar, para facilitar a aprendizagem, mas que nasce e se
desenvolve fundamentalmente de maneira espontânea, sem que
pudéssemos ensiná-la sistematicamente.

Tendo em vista essas dificuldades, os autores propõem uma


estratégia que pode tornar o ensino de textos, tanto orais como escritos, algo
produtivo e eficaz, dada a necessidade de fomentar a comunicação como
objetivo primeiro do ensino de língua. Tal estratégia foi denominada
sequência didática, e consiste em “uma sequência de módulos de ensino,
organizados conjuntamente para melhorar determinada prática de linguagem”
(DOLZ e SCHNEUWLY, 2004, p.51). Esse trabalho tem como objeto os
gêneros textuais, orais ou escritos, já que, como explicitam Dolz e
Schneuwly, qualquer trabalho escolar com a linguagem só pode ser feito se
for esse o instrumento de mediação. Assim,

uma “sequência didática” é um conjunto de atividades escolares


organizadas, de maneira sistemática, em torno de um gênero textual
oral ou escrito. [...] tem, precisamente, a finalidade de ajudar o aluno a
dominar melhor um gênero de texto, permitindo-lhe, assim, escrever
ou falar de uma maneira mais adequada numa dada situação de
comunicação. (DOLZ e SCHNEUWLY, 2004, p.97)

Além desse projeto de sequência didática, cumpre compreender


quais gêneros devem ser trabalhados no espaço escolar e de que forma devem
ser organizados ao longo dos ciclos educacionais. Dolz e Schneuwly (2004)
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propuseram um agrupamento de gêneros, orais e escritos, que leva em conta


(i) as finalidades do ambiente escolar, (ii) as distinções tipológicas que
sobredeterminam os gêneros e (iii) a homogeneidade em relação às formas de
linguagens de gêneros afins. A partir desse grupamento, Dolz e Schneuwly
propõem, ainda, um trabalho sistemático dos gêneros ao longo dos
ciclos/séries, chamado de progressão em espiral: os gêneros devem ser
trabalhados, em séries distintas, de acordo com níveis de complexidade
pertinentes àquela etapa de escolarização. Portanto, um mesmo gênero
poderá ser abordado em séries diferentes, desde que sejam adotadas novas
perspectivas e novos conteúdos sejam aplicados nos módulos que sobre ele
incidirão.

Assim, as sequências didáticas, juntamente com a progressão em


espiral dos conteúdos, apresentam-se como as mais recentes teorias de
trabalho com os GT, tanto escritos como orais. Dentro da perspectiva de Dolz
e Schneuwly (2004), citada em vários LDP, cabe à escola fornecer ao aluno
um gradativo processo de aprendizagem que leve em conta os mais variados
gêneros, sendo esses últimos o meio e o fim da própria atividade
comunicativa. O texto oral, nesse sentido, deve receber uma maior atenção, já
que é por meio dele que os conhecimentos sobre o texto escrito são passados
e ele é o fim mesmo das práticas orais que se executam por meio de gêneros.

Essas propostas teóricas são, portanto, o que de mais recente a


academia tem produzido em relação ao trabalho com gêneros textuais. No
entanto, por apresentarem uma configuração e um planejamento distinto, os
gêneros de modalidade oral precisam ter, também, um tratamento particular.
Para esses gêneros, contudo, não são muitas as atividades propostas. Embora
haja um respaldo teórico adequado sobre os gêneros orais e sua configuração,
a prática talvez ainda careça de sistematização, o que, de certa forma, se
espraia para os níveis básicos de educação. No entanto, algumas propostas já
têm sido levantadas e procuraremos apresentá-las aqui.

Marcuschi (1997, p. 76-77) já postulara algumas dessas


possibilidades de trabalho, tais como (i) a audição de gravações para
estabelecer um contato específico com o texto oral; (ii) análise dos elementos
de organização dos textos produzidos pela língua falada, que interferem
diretamente nos constituintes do gênero e nas ações por ele representadas;
(iii) a relação da fala com a escrita como forma de compreender os
distanciamentos e as aproximações entre as modalidades; (iv) a observação
da estrutura do texto falado, tanto pela sua constituição isolada – marcadores
conversacionais, hesitações, truncamentos, repetições – quanto pela formação
frasal e oracional – com cortes, retomadas, fechamentos e aberturas de turno;
entre outras abordagens possíveis. Por esse levantamento, fica claro que,
embora o estudo dos gêneros seja o norte para o ensino de língua, não só os
gêneros, mas também o próprio processo de oralização deve ser estudado em
sala de aula a fim de desenvolver as práticas orais necessárias à comunicação.

Criscitelli e Reis (2011, p. 35-37) também procuram apresentar três


perspectivas que podem ser adotadas para o trabalho com o gênero oral. A
primeira delas tem como foco a observação e análise da oralidade. Do ponto
de vista da sequência didática proposta por Dolz e Schneuwly (2004), é pela
avaliação de um dado gênero que começamos a descobrir-lhe os elementos
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composicionais. Em um gênero oral, a forma de avaliar essa composição


estrutural é por meio da audição do texto real. A gravação e posterior
transcrição dariam conta dessa etapa de trabalho. Assim, conceitos da AC,
como a noção de marcadores conversacionais, turnos de fala, troca de turnos,
organização dos pares adjacentes – pergunta e resposta, p.e. –, deverão ser
utilizados a fim de que alunos e professores possam compreender o texto que
têm em mãos. Como entende que a prática do ensino de língua deve ocorrer
de forma integrada entre professor e alunos, Castilho (2006) propõe,
inclusive, que as próprias normas de transcrição sejam decididas em
conjunto, em sala de aula, na prática da audição, para que o aluno torne-se
participante da construção de uma gramática do oral.

Magalhães (2008, p. 147-148) compreende, de igual modo, que a


atividade de escuta, tal como é apontada pelos PCN, pressupõe um trabalho
específico com o texto oral, já que favoreceria ao aluno um contato
experiencial com esse texto. Segundo a autora, essas atividades

são relevantes para o processo de aprendizagem, pois as gravações


conferem à análise verdadeiro entendimento da relação oral-escrito,
uma vez que se pode transcrever os dados, voltar a trechos que não
tenham sido bem compreendidos, dar ênfase a trechos que mostrem
características típicas da fala, entre outros.

A segunda perspectiva apontada por Criscitelli e Reis (2011) é o da


interface entre a língua falada e a escrita, mas especificamente o trabalho que
parte da fala para chegar à escrita. Longe de repetir a incoerência de
algumas propostas que priorizam o ensino da escrita no espaço acadêmico e
usam o texto oral somente como o meio, elas procuram evidenciar que um
trabalho que parta da oralidade para a escrita deve pressupor a compreensão
ampla do texto produzido oralmente. Para que isso ocorra de forma coerente,
elas se embasam na teoria da retextualização, evidenciada por Marcuschi
(2008a). Para esse autor, a retextualização é

um processo que envolve operações complexas que interferem tanto


no código como no sentido e evidenciam uma série de aspectos nem
sempre bem-compreendidos da relação oralidade-escrita.
(MARCUSCHI, 2008a, p.46)

Marcuschi (2008a) atesta que a passagem de um texto oral para o


escrito não confirma a hipótese prescritiva que colocaria “ordem no caos” da
oralidade, mas observa que são ordens distintas e que o processo de
passagem de uma modalidade a outra pressupõe a compreensão do texto
original. Por isso, é uma atividade de interpretação e produção
simultaneamente. Nesse sentido, pode-se ter retextualização da fala para a
escrita, da escrita para a fala, da fala para a fala e da escrita para a escrita. O
processo de retextualização é distinto, pois, da transcrição, mas esta última
pode compor uma de suas etapas, tal como atesta Marcuschi (2008a). Por
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adotar, também, a retextualização como um processo produtivo de trabalho


com a oralidade em relação à escrita, Fávero, Andrade e Aquino (2003, p.90)
apresentam o seguinte quadro, que pode sintetizar as etapas desse processo:

1º operação: eliminação de marcas estritamente interacionais e inclusão da


pontuação;

2º operação: apagamento de repetições, redundâncias, autocorreções e


introdução de substituições;

3º operação: substituição do turno por parágrafos;

4º operação: diferenciação no encadeamento sintático dos tópicos;

5º operação: tratamento estilístico com seleção do léxico e da estrutura


sintática, num percurso do menos para o mais formal.

Quadro 2 – Operações de produção do texto escrito a partir do texto falado

A terceira perspectiva de Criscitelli e Reis (2011) faz referência


direta à abordagem dada pelos PCN (BRASIL, 1998) em relação ao trabalho
com a língua oral e, em certa medida, reforçado nos trabalhos de Marcuschi
(1997, 2005), que trata do trabalho especificamente com a variação
linguística. Por esse viés, as autoras propõem que a discussão sobre a
variação pode ser apresentada por meio da própria interação em sala de aula,
quer pela análise de expedientes dialetais, como nas falas de professor e
alunos, quer pela observação das adequações necessárias aos registros de
utilização dessa linguagem. Fazer com que o aluno compreenda que a
conversação espontânea tem uma informalidade que deve ser abandonada
quando da participação em uma entrevista de emprego, por exemplo, é uma
das formas de evidenciar esse trabalho.

Percebemos, nessas propostas, uma amostragem pontual que


representa formas efetivas de trabalho com a oralidade e com os gêneros
orais. Um trabalho com o gênero entrevista, por exemplo, poderia ser feito
partindo da análise de gravações de entrevistas, com sua posterior
transcrição; observando, posteriormente, os componentes situacionais que
interfiram diretamente no grau de formalismo; retextualizando a entrevista
transcrita como forma de publicá-la em um jornal ou revista; produzindo uma
nova entrevista, levando em conta as marcas conversacionais do gênero e o
aprofundamento da estrutura do par pergunta-resposta; entre tantas outras
atividades que (i) trabalhariam o gênero oral de forma adequada e (ii)
favoreceriam ao aluno o conhecimento de uma estrutura que utilizaria fora do
ambiente escolar, como em uma entrevista de emprego.

Ainda sobre o trabalho específico com gêneros orais, podemos citar


alguns estudos recentes e que contribuem para ampliação da fundamentação
teórica que pode dar suporte aos LDP. Dolz e Schneuwly (2004) apontam um
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conjunto de atividades que poderiam ser aplicadas para os gêneros exposição


oral e debate público, gêneros esses que estão consolidados no espaço
escolar. Há, também, a proposta de Hoffnagel (2007) que, embora trate de
forma mais específica da reprodução escrita do gênero entrevista, apresenta
contribuições que podem auxiliar no processo de retextualização de um
gênero que é predominantemente oral.

Além dessas contribuições e numa clara abordagem da interface


oral/escrito, Negreiros (2011) apresenta propostas de atividades que
verifiquem marcas de oralidade em poesias. Já Ramos (2011) procura
destacar como essa interface se evidencia nos quadrinhos. Na mesma esteira
da relação entre o oral com o escrito estão Fávero et al (2010), que procuram
mostrar, em chats, as marcas elementares da conversação.

Assim, já que é responsabilidade da escola favorecer o


desenvolvimento comunicativo do aluno dentro e fora do espaço escola, e
levando em consideração que há propostas coerentes e adequadas para o
trabalho com esse expediente linguístico, cabe verificar se os LDP têm se
adequado a essas perspectivas e se podem fornecer um subsídio completo a
professores e alunos nas práticas de ensino-aprendizagem. A análise das
coleções aprovadas pelo Guia PNLD 2011 poderá nos fornecer essas
respostas.

5 Gêneros orais nos LDP de ensino fundamental

Os LDP, para serem aprovados no PNLD 2011, devem se adequar a


uma série de parâmetros regidos por uma legislação específica, seguindo
alguns critérios gerais e cada disciplina determina também critérios
específicos de avaliação. No caso de Língua Portuguesa (LP), cabe a cada
coleção organizar-se de forma a garantir (i) o desenvolvimento da linguagem
oral e a apropriação e o desenvolvimento da linguagem escrita e (ii) o pleno
acesso ao mundo da escrita (PNLD 2011, p.20). Assim, o Guia do
PNLD/2011 de LP avalia quatro critérios específicos, dentre os quais o
trabalho com a oralidade, que deve se caracterizar principalmente por:

- recorrer à oralidade nas estratégias didáticas de abordagem da leitura


e da produção de textos;

- valorizar e efetivamente trabalhar a variação e a heterogeneidade


linguísticas, situando nesse contexto sociolinguístico o ensino das
normas urbanas de prestígio;

- propiciar o desenvolvimento das capacidades e formas discursivas


relacionadas aos usos da linguagem oral próprios das situações
formais e/ou públicas pertinentes ao nível de ensino em foco.
(BRASIL, 2010, p. 22-23)
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Entendendo que o primeiro ponto não trabalha efetivamente com


gêneros orais específicos, já que a oralidade é vista como um meio e não
como um fim, e que, no segundo ponto, a perspectiva é mais variacionista
que voltada à Linguística de Texto, resta analisarmos nas coleções o terceiro
ponto: a ampliação da capacidade de produção de textos orais nas mais
variadas situações de comunicação por meio de gêneros textuais.

Segundo Cruz (2012), para analisar quais gêneros têm sido


priorizados no trabalho com oralidade ao longo das últimas séries do EF nos
LDP aprovados pelo PNLD/20111, é preciso associá-los por afinidades de
elementos composicionais e situacionais, como contextos de produção,
domínio discursivo, marcadores específicos, finalidade de produção, entre
outros. Dessa associação, podemos estabelecer sete grupos para alocação
desses gêneros: (1) Atividades de oralização; (2) Entrevistas; (3) Debates; (4)
Seminários e exposições orais; (5) Domínio midiático (rádio e TV); (6)
Dramatizações; (7) Relatos e recontos; (8) Outros.

O primeiro grupo abarca atividades que não correspondem ao


trabalho com gêneros orais específicos, mas com atividades de oralização da
escrita, como a leitura expressiva, a leitura enfática, a declamação de poemas,
a contação de histórias, os jograis, entre outras atividades. O segundo grupo
corresponde às atividades de entrevista e enquetes, gêneros que, embora
tenham uma divulgação escrita muito recorrente, são produzidos oralmente.
O terceiro grupo trabalha com gêneros como debates regrados, debates
deliberativos, mesas-redondas, júris simulados, discussões regradas e gêneros
afins. Nesse conjunto de gêneros, não só elementos da oralidade são levados
em conta, como também as estratégias argumentativas são observadas.

O quarto grupo compreende as atividades de apresentação oral, tais


como seminários e exposições orais, formando, juntamente com o terceiro
grupo, aqueles que seriam próprios da esfera educacional, dado seu caráter
mais formal. O quinto grupo reúne os gêneros que são transmitidos por meio
de suportes orais, como rádio, e/ou audiovisuais, como a televisão. Fazem
parte desse grupo a transmissão de notícia radiofônica, a novela do rádio,
programas televisivos e telejornais, por exemplo. Importante verificar que,
nesse grupo, embora alguns gêneros não sejam efetivamente orais, como a
notícia e a novela, entendemos que merecem destaque como gêneros que
trabalham o aspecto oral de sua transmissão. Não se assemelham, em forma,
aos trabalhos de oralização da escrita pertencentes ao grupo 1.

O sexto grupo foi organizado em torno dos gêneros que compõem o


domínio teatral, tais como a dramatização, a esquete, a encenação e a
composição de peças teatrais. Da mesma forma que no grupo anterior, os
gêneros desse domínio discursivo apresentam uma base escrita, mas
entendemos que o trabalho com a oralidade é mais amplo que a simples

1
Foram aprovadas 16 coleções no PNLD/2011, porém duas delas não foram
disponibilizadas pelas editoras, por isso a análise de Cruz (2012) pautou-se
em 14 coleções.
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oralização da escrita e muito diferente daquele apresentado nos textos do


rádio e TV. O sétimo agrupamento compreende uma série de gêneros que
pertencem, predominantemente, a uma tipologia narrativa, mas que diferem
dos demais grupos também por suas características de composição, tais como
o reconto, o relato, a narrativa oral, entre outros gêneros similares. Há, ainda,
um último grupo que compreende uma série de gêneros que não caberiam nas
classificações que adotamos anteriormente, tais como comentário, conversa,
parlenda, adivinhação, entre outros que, no computo geral de cada uma das
coleções, têm um número reduzido, mas que, somadas às dezesseis coleções,
podem apresentar alguma relevância.

O Gráfico 1 permitirá compreender quais gêneros, de acordo com os


agrupamentos apresentados, são priorizados pelos LDP:

Série1; Relatos e Série1; Outros; Série1;


recontos ; 34; 30; 9% Atividades
Atividadesdede oralização
Série1; 10% oralização; 56;
Dramatizaçõ 16% Série1;
Entrevistas
es ; 21; 6% Entrevistas;
39; 12%
Debates
Série1;
Seminários e Série1; Seminários
Debates; e exposições
exposições 82; orais
24%
orais; 56; 16%
Textos do domínio
midiático

Série1; Textos Dramatizações


do domínio
midiático; 23;
7%

Gráfico 1 – Quantitativo de gêneros orais por agrupamento de similaridades

Percebemos, portanto, que a maioria das atividades propostas nos


LDP referem-se a debates, seminários e entrevistas (totalizando 52%), mas
chama a atenção a quantidade de atividades de oralização (leitura em voz
alta) e de simulação de fala (cf. Marcuschi, 2008a), como dramatização,
relato, reconto e outras propostas que não são devidamente sistematizadas
nos LDP. Até mesmo as atividades de audição são postas em segundo plano,
pois apenas uma das coleções apresenta essa preocupação, incorporando ao
livro um CD com material para audição de textos. Ou seja, a proposta de
produção pode ser de um GT oral, mas não há leitura/escuta de textos orais,
como defendem os PCN.
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Nesse sentido, verificamos que a maior parte do trabalho feito nesses


livros ainda reside em dois pilares: (i) oralização de textos escritos e (ii)
resposta oral a perguntas de interpretação textual. Por esse ângulo,
corroboramos a tese de Magalhães (2008, p. 148) de que não são atividades
produtivas as que envolvam leitura oral, do tipo “desenvolva oralmente um
exercício”, ou “converse com seu grupo” e “converse com seu professor”,
muito frequentes em quase todas as coleções, uma vez que não é o texto oral
que está em análise, mas o conteúdo temático proposto.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Podemos concluir, após este breve relato da abordagem de GT em


LDP, que, assim como há instabilidade teórica nos manuais didáticos e os
próprios PCN oscilam na nomenclatura e nem sempre definem os conceitos,
as definições e as atividades dos LDP (ou a ausência de ambas...) reproduzem
as dificuldades enfrentadas por autores e professores na abordagem do tema.
Dessa forma, reduz-se o tratamento dado aos textos a características
superficiais de alguns GT específicos, seguidas de questões de caráter redutor
no que se refere à análise dos textos.

Além disso, observamos como os LDP tratam as questões de


oralidade e o trabalho com gêneros orais. Percebemos que os LDP não
formam adequadamente o aluno egresso do EF para atividades de interação
oral pública tal como indicam os PCN. Isso porque a própria oralidade ainda
não tem um conceito bem delimitado para esses manuais de ensino, pois a
distinção apresentada por Marcuschi (2008c) entre oralidade e fala não foi
absorvida de forma completa por esses livros. Assim, embora haja coleções
em que a perspectiva de trabalho com GT orais é adequada, a maioria das
coleções aprovadas ainda apresenta deficiência em relação a essa temática.
Em menor quantidade, ainda, estão as coleções que conseguiram associar
adequadamente o conceito de oralidade ao trabalho com gêneros textuais.

Em outro aspecto, no entanto, talvez os LDP tenham conseguido


evoluir em relação ao que fora observado por Marcuschi (1997, 2005): a
quantidade do trabalho aumentou. E em quase 100% das coleções analisadas
surge uma preocupação com a necessidade de discutir no espaço escolar o
texto falado nas três perspectivas defendidas pelos PCN: (i) a relação com a
escrita; (ii) a interface variacionista; e (iii) o viés textual por meio de gêneros.
Mesmo que as atividades não sejam as mais produtivas, pudemos perceber
que, na prática, a preocupação existe, embora o como fazer ainda não tenha
sido assimilado de forma efetiva. Ainda hoje, relemos Marcuschi (1997) e
percebemos que os LDP não se adaptaram qualitativamente na apresentação
de propostas efetivas que versem sobre as práticas orais, tanto em
comparação à escrita, quanto em relação aos GT.

Para melhorar abordagem dos GT orais e escritos nos LDP e na


escola, é necessário atentar para o que alerta Brandão (2003, p. 17): “Para
muitos, o texto ainda não chegou na sua dimensão textual-discursiva. Uma
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dimensão discursiva do texto pressupõe uma concepção sociointeracionista


de linguagem centrada na problemática da interlocução”.

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ISSN: 2177-4072

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Convergência Multimidiática e as Práticas de


Oralidades no Limiar Contemporâneo

Vinicius Silva Santos 1

RESUMO

O objetivo desse trabalho é explorar o conceito de convergência multimidiática,


observando sua influência nas práticas cotidianas de oralidade dos sujeitos
contemporâneos. Para isso, faz-se uma análise sobre os comportamentos humanos
decorridos do contato com as mídias convergentes em relação à interação, linguagem
e interconexão das práticas de aprendizagens virtuais nascidas no interstício da cultura
digital. No primeiro momento, apresenta-se a trajetória do conceito de convergência
multimidiática, observando sua natureza epistemológica e prática, enquanto fenômeno
social situado no aperfeiçoamento de técnicas de interação. No segundo momento, são
abordadas práticas de oralidade oriundas dessa cultura tecnológica e seus
desdobramentos na tradição oral humana. Portanto, no limiar das relações sociais,
cada vez mais pautadas pela interconexão das mídias, torna-se relevante perceber as
mudanças ocorridas nas práticas de oralidade, mais que nunca, vividas e tensionadas
nos espaços convergentes, onde transitam novas formas de comunicação,
comportamentos e modos de oralidade singulares.

Palavras-chave: Convergência Multimidiática; Linguagem; Comunicação; Oralidade.

1
Contato do(a) autor(a): vinnymil@yahoo.com.br. Mestre em Educação. Professor
Assistente da Universidade do Estado da Bahia e da Universidade Federal de Sergipe.
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INTRODUÇÃO

Os últimos dez anos do século XX apresentam inovações no


âmbito da produção de tecnologias interativas, modificando
decisivamente a cultura humana, cada vez mais produzida e
disseminada enquanto resultado da relação entre distintos
artefatos tecnológicos e os símbolos da própria cultura humana,
a saber, a grafia, a linguagem os diferenciados estilos de
oralidade presentes no cotidiano da ação humana. O inicio do
século serviu como porta-voz de mudanças sociotécnicas que
estariam porvir. Entretanto, no imaginário humano não tivemos
a dimensão da rapidez e influência com a qual esse fenômeno se
apresentaria poucos anos depois.

Fala-se em realidade aumentada, interação hologramática,


imersão em ambiências tridimensionais e etc. No cerne dessas
mudanças sociais, a grande novidade não contempla a visão
futurista cultivada na passagem do século. Não são os formatos
das mídias, as infinitas possibilidades de aplicativos e estruturas
tecnológicas criadas em tão pouco tempo. A grande mudança
nem pede passagem ou anuncia a modificação de alguma coisa,
ela apresenta-se enquanto encarnação mais viril e desconcertante
da expressão da linguagem e oralidade humana por meio das
mídias convergentes.

Alguns autores acreditam não existir nada de novo nessa


passagem, outros declaram apenas se tratar de uma reinvenção
ou reapropriação das técnicas segundo suas finalidades. Porém,
o que a princípio poderia ser resolvido de modo tão prático,
assume na atualidade, uma reviravolta sem precedentes na
extensão oral. É notória a existência da reapropriação do uso ou
reinvenção dos sentidos atribuídos aos objetos na relação entre
homens e os objetos. Mas não se pode perder de vista, os
resultados da apropriação dos dispositivos comunicacionais
convergentes, quer seja, nas relações sociais de partilha, nos
modos de relacionar-se, na forma de cultivar as paixões, na
maneira de comunicar-se e etc.

O objetivo desse trabalho é explorar o conceito de


convergência multimidiática, observando sua influência nas
práticas cotidianas de oralidade dos sujeitos contemporâneos.
Para isso, faz-se uma análise sobre os comportamentos humanos
decorridos do contato com as mídias convergentes em relação à
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interação, linguagem e interconexão das práticas de


aprendizagens virtuais nascidas no interstício da cultura digital.

Para isso, apresenta-se o conceito de convergência


multimidiática, observando sua natureza epistemológica e
prática, enquanto fenômeno social situado no aperfeiçoamento
de técnicas de interação. Logo em seguida, são destacadas a
emergência de oralidade multimidiáticas, resultantes da
interação humana com a cultura tecnológica O convite aqui é
para deixar-se levar pelo movimento das relações sociais, cada
vez mais pautadas pela interconexão das mídias, perceber as
mudanças ocorridas nas práticas de oralidade, mais que nunca,
vividas e tensionadas nos espaços convergentes, onde transitam
novas formas de comunicação, comportamentos e modos de
oralidade singulares.

1 Convergência Multimidiática: um conceito em


movimento?

O conceito de convergência multimidiática tem seu


nascimento na chamada sociedade da informação. Logo, seu
aparecimento e/ou criação pode ser caracterizado por dois
movimentos igualmente importantes. O primeiro movimento
está relacionado ao surgimento e aperfeiçoamento das
tecnologias digitais móveis. Cabe destacar o processo de
nascimento dessas engenharias, situado historicamente durante a
revolução da informação iniciada desde o final da segunda
guerra mundial. As tecnologias até então consideradas
experimentais, deram espaço às ferramentas portáteis,
facilmente manuseáveis e interligadas. O segundo movimento
está relacionado à mudança cultural, levando a cabo o
nascimento de um pensamento não mais simplificador, ao
contrário, tinha como principal objetivo promover a interação e
a comunicação dos sujeitos sociais através de objetos complexos
e manuseáveis.

A segunda opção traz consigo uma mudança não somente


dos processos culturais. Pode-se destacar a influência de
diferentes campos de pesquisas que contribuíram para o
pensamento convergente, com destaque, as pesquisas sobre
neurociências, pesquisas sobre o desenvolvimento da interface
de computadores, o avanço no campo da telemática, mas,
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sobretudo, a criação da rede mundial de computadores e sua


popularização recente.

O termo convergência multimidiática tornou-se jargão


corriqueiramente utilizado pelos meios televisivos, nas mídias
sociais e entre os usuários de artefatos digitais na cena
contemporânea. Na prática, o conceito foi sendo naturalizado
com o lançamento de aparelhos tecnológicos convergentes. O
movimento pelo qual passou o conceito de convergência
multimidiática nos últimos anos presume um processo
vertiginoso de mudanças, retroalimentação de modelo de mídias
já existentes em novas engenharias de produção.

Logo, o movimento de convergência engloba


transformações tecnológicas pelas quais o setor das mídias e
comunicação tem passado nos últimos anos, mas também
mudanças na apropriação sociocultural desempenhadas pelos
consumidores, ativos e criadores de mídias alternativas. Além
disso, são observadas ainda, influências na esfera mercadológica
e na produção das mídias.

Não muito distante, vivenciamos a substituição dos meios


de comunicação. Tecnologias analógicas tonaram-se digitais, e
hoje, são consideradas digitais em rede. Ainda nesse contexto,
prevíamos a substituição das formas de viver em sociedade em
decorrência da tão aclamada revolução digital. Novos aparelhos,
dispositivos, computadores, terminais pareciam dotados de uma
projeção futurista, descartando o elemento humano na
produção/relação com esses instrumentos. Nesse movimento, as
mídias digitais pareciam dotar de uma força devastadora capaz
de dissipar toda e qualquer antiga mídia.

O resultado dessa fantástica história recente da mídia foi a


emergência do paradigma da convergência midiática. Para além
das transformações dos aparatos, a convergência operou
mudanças na dinâmica social da produção midiática. Se até
então, os consumidores eram vistos como espectadores passivos
dos meios de comunicação, depois desse movimento, tornaram-
se parte importante, produtores ativos no processo de
composição, criação, disseminação da comunicação.

Nesse ínterim, os meios alternativos de mídia vêm


ganhando lugar de destaque no cenário das relações e interações
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sociais. As mídias, os canais particulares de TV, rádios online


com programação e lista de reprodução pessoal. A engenharia
computacional permitiu a incorporação de novos fluxos de
utilização sobre os espaços midiáticos. A mídia coorporativa
viu-se amplamente influenciada pelo comportamento, produção
e disseminação de informações de outras mídias, alternativas. A
convergência permitiu inverter a lógica da organização social da
mídia. Se antigamente era pensada numa organização
verticalizada, após convergência foi necessário pensar numa
estrutura flexível e horizontalizada dos meios de comunicação.

Desse modo, a imprevisão dos objetivos sociais dos grandes


produtores de mídia passou a ser tema de debate, pois o
comportamento do consumidor, quase sempre produtor ativo de
mídia social, tornou-se indecifrável. Por isso mesmo, os
produtores de mídia coorporativa estudam, partilham e
observam cuidadosamente o comportamento dos consumidores,
observando com critérios o que pensam, como agem e se
relacionam.

A convergência dos meios de comunicação foi a porta de


entrada nesse mundo de fluxos informacionais. Em princípio, a
convergência da telefonia projetou novos modos de imersão dos
usuários. Aparelhos dotados de inúmeros aplicativos e funções
tornaram fáceis e acessíveis o mundo da comunicação entre
sujeitos sociais. Nessa realidade o celular pode ser considerado
uma TV, um rádio, um videogame, uma câmera filmadora e etc.
Porém, o mais interessante é a possibilidade de através de
aplicativos e por meio do acesso a internet conseguir, por
exemplo, alimentar seu próprio canal de TV, além de fazer a
promoção do mesmo instantaneamente na internet, dentre outras
infinitas possibilidades.

Desse modo, é perceptível a participação dos sujeitos nos


espaços de convergência das mídias. O pensamento convergente
tornou-se parte da cultura massiva. Uma cultura da conexão
buscando conteúdos e experiências de mídia em diferentes
espaços de interação. Nota-se a presença da inteligência coletiva
como se refere Lèvy (1998). Pessoas, objetos intercambiam
informações em portais de informações disponíveis em qualquer
lugar. O fenômeno da inteligência coletiva nos mostra a força
das redes de solidariedade entre os sujeitos sociais no limiar
contemporâneo. Uma simples informação, logo depois de
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socializada em rede faz parte de uma construção coletiva de


comunicação baseada numa lógica síncrona. Note-se:
A convergência não ocorre por meio de aparelhos, por mais
sofisticados que venham a ser. A convergência ocorre dentro dos
cérebros de consumidores individuais e em suas interações sociais
com outros. Cada um de nós constrói a própria mitologia pessoal, a
partir de pedaços e fragmentos de informações extraídos do fluxo
midiático e transformados em recursos através dos quais
compreendemos nossa vida cotidiana. (JENKINS, 2011, p.23).

Sendo assim, a comunicação tornou-se hoje objeto de


grande valor, quer seja para as grandes empresas e corporações
ou mesmo nas atividades mais banais do cotidiano. O caminho
de facilidade percorrido entre a emissão de uma mensagem e
instantaneidade do seu recebimento pelo receptor, maximizado
pela possibilidade de ampliação da informação através de
portais convergentes é, sem dúvida, uma grande promessa da
chamada sociedade da informação e da comunicação.

O termo multimidiático pressupõe a existência de variados


meios “suportes” no processo de comunicação. O uso do termo
está associado à utilização das variadas mídias como auxilio na
busca de informação ou mesmo para promover a comunicação.
Porém, não se trata da junção de mídias puramente. Há de se
observar que vai além da visão fragmentada sobre o uso das
distintas mídias num mesmo aparelho. É uma maximização da
informação por diversos canais de informação numa relação de
fluxo constante. Trata-se da complementaridade das mídias,
sejam elas, novas ou velhas, numa ampliação de sentidos
conforme desejo de busca dos seus usuários. Como afirma
Jenkins (2011) são fluxos de conteúdos através de múltiplos
suportes midiáticos, à cooperação entre múltiplos mercados
midiáticos e ao comportamento migratório dos públicos dos
meios de comunicação.

Outra grande promessa da convergência multimidiática é a


portabilidade de ações dos sujeitos envolvidos na comunicação.
Não obstante, pode ser observada a proliferação dos canais de
comunicação, onde a mídia encontra-se ou pretende estar
presente nos mais diversos espaços da interação humana. Tudo
isso, fruto das tecnologias de informática e o aperfeiçoamento
das redes de telecomunicações.
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Portanto, no entorno da experiência humana


contemporânea, nas das atividades de comunicação, interação e
produção de mídias, seja ela uma corporativa ou alternativa,
observa-se não só o nascimento, mas o crescimento e
popularização de novas formas de pensar a produção da
informação, logo mudança nos processos de linguagem, e,
sobretudo, o cultivo de novas maneiras de pensar o mundo e
suas relações, mais que nunca, midiatizadas e produzidas nos
fluxos da convergência sociocultural, afetando não somente os
modos das relações humanas, mas as nossas oralidades, modos
de comunicação e linguagens.

2 Oralidades Multimidiáticas: novas expressões da


interação e linguagem humana

Falar sobre oralidades multimidiáticas requer antes


descrever a vocação humana para atividade de socialização e
transmissão dos conhecimentos cultivados através da cultura. A
tradição oral antigamente dependia exclusivamente da presença
de outros sujeitos no processo de interação. Existia, portanto,
uma dependência de uma memória auditiva e visual presente.
Logo, a experiência da oralidade é parte importante da cultura,
enquanto forma de descrição de costumes, crenças, comunicação
e armazenamento de conhecimento.

Nesse contexto, é possível afirmar a importância do cérebro


humano, enquanto aparato cognitivo, utilizado para reter e
divulgar fatos, acontecimentos, narrar histórias e etc. Nota-se a
presença de uma tradição oral ligada à inteligência e capacidade
cognitiva do homem. Por outro lado, na chamada sociedade da
informação e da comunicação pode-se falar na maximização da
memória humana através de artefatos, como por exemplo, o
computador, capazes não somente de reter informações, mas
com capacidade de alargar as possibilidades da memória,
armazenamento das experiências cotidianas, como também é
capaz de proporcionar novos estilos de oralidade.

Se antigamente a tradição oral presumia a presença de uma


memória viva, atualmente a oralidade torna-se cada vez mais
virtualizada. A oralidade aos poucos se tornou a encarnação dos
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bits e fluxos de informação constantes transitórios nas


experiências do homem em contato com as tecnologias.

Assim sendo, passamos do nível de oralidade primária,


entendida como resultado da palavra enquanto informação
responsável pela transmissão dos códigos, símbolos e cultura
para o nível da oralidade secundário, descrita por Lèvy (1993)
como sendo o processo no qual a oralidade falada complementa
a palavra escrita. Nesse cenário, o turbilhão de mídias, artefatos
eletrônicos ganham lugar de destaque. Esse conjunto de mídias e
suportes tecnológicos não só auxiliam os processos orais
envolvendo a escrita, mas criam também formas outras de
comunicação, tornando a comunicação dinâmica, instantânea e
democrática.

Oralidades multimidiáticas é todo e qualquer tipo de função


enunciativa criada com auxílio de artefatos midiáticos,
compreendendo não somente a função da palavra, mas a
utilização de sons, textos, hipertextos, imagens, vídeos capaz de
expandir a capacidade e o repertório da comunicação humana.
Dessa forma, novas oralidades são destaque na cena da
produção cultural humana. São criações da relação dos sujeitos
sociais com os aparelhos convergentes. Enquanto características
desses novos estilos de oralidades digitais destacam-se três
aspectos. Primeiro, são oralidade eminentemente virtuais.
Mesmo se tratando de uma extensão da palavra oral, torna-se em
contato com as mídias ou artefatos tecnológicos uma
experiência virtualizada de oralidade. O segundo aspecto está
relacionado à convergência da oralidade, pois não somente é
produzida em contato com os suportes midiáticos, como é
transmitida em diversos formatos, nos distintos espaços onde
ganham visibilidade capaz de modificá-la enquanto oralidade. O
terceiro aspecto da oralidade multimidiática é a natureza
coletiva. Enquanto recurso enunciativo da comunicação
contemporânea é produzido, partilhado e modificado
coletivamente entre os pares envolvidos. E ainda aquelas
oralidades não produzidas coletivamente ao adentrarem a rede,
tornam-se parte do coletivo que a incorpora, atribuindo-lhe
novos significados.

Para melhor compreender o funcionamento da oralidade


multimidiática tomemos como exemplo, o filme Super-Homem
da Marvel. Do lançamento do filme até a sua divulgação a
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quantidade de informações criadas pelos usuários é no mínimo


impressionante e assustadora. Estes mesmos usuários se
apropriam os conteúdos, criam páginas guias falando sobre o
filme, criam jogos contendo a narrativa do filme, produzem
musicas ou lista de músicas baseadas na trilha sonora original do
filme. Existem aqueles mais ousados que arriscam criar seus
próprios enredos da trama, outros fazem curtas do filme
trocando as falas dos personagens. Ainda é possível observar a
criação de blogs sobre a temática, divulgação de histórias em
quadrinhos, dentre inúmeras outras coisas possíveis de se
realizar. Percebam a dimensão convergente enquanto
maximizadora de repertórios orais possíveis de socialização.
Ademais, tudo isso pode ser partilhado através um único
aparelho que converge todas as funções necessárias ou através
de diferentes mídias convergidas pela necessidade pessoal do
usuário em produzir oralidades sobre determinada temática.
Perceba-se:

Como filmes amadores e profissionais produzidos em celulares


competiram por prêmios em festivais de cinema internacionais; como
usuários puderam ouvir grandes concertos e shows musicais; como
romancistas japoneses serializam sua obra via mensagens de texto; e
como gamers usaram aparelhos móveis para competir em jogos de
realidade alternativa. (JENKINS, 2011, p. 32).

Nesse sentido, a procura por aparelhos portáteis, a exemplo


o celular contrapõe a lógica costumeiramente expressa pelos
sujeitos. Segundo o senso comum quase sempre os indivíduos
buscam comprar aparelhos, cujas funções não serão utilizadas.
Pode até existir uma aparente verdade nesse pensamento, mas
observa-se no cotidiano dos sujeitos contemporâneos a busca
por aparelhos sofisticados com o propósito de exaurir as
potencialidades existentes em tais dispositivos. Em relação a
isso, pode-se destacar o crescente número de aplicativos criados
com a premissa de tornar os conteúdos e informações
convergentes. Jenkins (2011) afirma que os telefones celulares
não são apenas aparelhos de telecomunicações; pois eles
permitem jogar, baixar informações da Internet, tirar e enviar
fotografias ou mensagens de texto.

Os exemplos acima se referem ao conceito de narrativas


transmidiáticas, vista como sendo parte da produção discursiva
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de natureza ampla e/ou específica de elementos


comunicacionais, atravessados pela linguagem social. Talvez
não tenhamos dado a de vida atenção às novas formas de
oralidade e meios de organização da fala, escrita e disseminação
com auxílio das tecnologias. É possível que estejamos lidando
com formas inéditas de aprendizado e convívio capazes de
modificar grandemente a nossa forma de ver, porta-se e
conviver em sociedade.

Assim sendo, as oralidades multimidiáticas se multiplicam


ao passo que as experiências comunicacionais acontecem cada
vez mais através de instrumentos de convergência. Somos
sujeitos, resultado da incorporação de tecnologias midiáticas,
reinventando aos poucos não somente as formas de relacionar-
se, mas também as formas de linguagens e expressões orais.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

É preciso compreender os diferentes estilos de oralidade


presentes no cotidiano da interação humana. Os estilos de
oralidade se tornam expressões intercambiadas por artefatos
tecnológicos convergentes, múltiplos, expressando não somente
o enunciado da escrita, mas criando em diferentes espaços
culturas de comunicação alternativas, baseadas na interlocução
de coletivos conectados por tecnologias síncronas, permitindo-
lhes não só a divulgação e arquivamento da memória, mas,
sobretudo, possibilitando viver experiências em torno da
oralidade, quer sejam em tempo real ou através da produção
coletiva em rede.

Por isso mesmo, trata-se de oralidades multimidiáticas. A


relação das tecnologias inteligentes e homem, criando novas
linguagens, midiáticas, interativas, de imersão, misturando fala,
objeto, sons, imagens e muito mais, não deixa de ser uma
política de sentido engajada, pois se apresenta como alternativa
democrática da participação social na vida coletiva e
enfrentamento contra qualquer forma de poder midiático.

Assim sendo, utilização da convergência multimidiática


como ferramenta para partilha das oralidades ainda é pouco
aproveitada em outros ramos da sociedade. O setor do
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entretenimento e das interações sociais em rede conseguiu


adentrar na cultura da convergência, de modo que as produções
midiáticas desses setores tomaram outros rumos. Por fim, essa
realidade nos faz pensar sobre a possibilidade de alargar as
experiências de convergência para outras áreas da vida social,
explorando assim, todo o potencial da comunicação oral
multimidiática, enquanto signo da fecunda expressão das
partilhas, paixões comunicacionais do tempo presente.

REFERÊNCIAS

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nossa maneira de criar e comunicar. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2001.
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A Retextualização do Conto de Fadas


“As Três Folhas da Serpente”
para o Gênero Notícia

José Ricardo Carvalho (UFS)1


Emanuela Alves Correa (UFS)2

RESUMO
O presente artigo relata o desenvolvimento de estratégias de ensino da leitura e da
escrita nas dinâmicas escolares por meio de práticas orais e letradas configuradas nos
gêneros textuais. As experiências apresentadas foram implementadas no projeto
PIBIX “A retextualização de textos narrativos ficcionais e não-ficcionais nas séries
iniciais” com o objetivo de estimular a produção textual na sala de aula, trabalhando
em uma perspectiva socionteracionista. Tomamos um gênero conto de fadas e o
gênero notícia como objeto de estudo e organização de produção de texto. Foi
enfocado diferentes textos narrativos ficcionais e não-ficcionais para realizar
atividades de retextualização. Examinaram-se os recursos específicos dos gêneros
textuais elencados em uma abordagem reflexiva sobre as operações de transformação
no processo da reescrita.

Palavras-chave: conto de fadas; notícia, gênero textual e retextualização.

1
Contato do(a) autor(a): ricardocarvalho.ufs@hotmail.com. Professor
Adjunto da Universidade Federal de Sergipe. Campus Universitário Prof.
Alberto Carvalho. Departamento de Educação. Doutor em Letras pela
Universidade Federal Fluminense (UFF).
2
Contato do(a) autor(a):emanuelaalves2008@hotmail.com. Graduanda do
Curso de Pedagogia. Universidade Federal de Sergipe.
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INTRODUÇÃO

Vemos no processo de retextualização a oportunidade de trabalhar, com


os alunos, distintos gêneros textuais, reconhecendo os vários recursos
linguísticos que os textos utilizam para constituir uma atividade
sociocomunicativa. Para tanto, exige-se um trabalho pedagógico voltado para
os aspectos que caracterizam o gênero textual em uma perspectiva de conjunto
(conteúdo, forma composicional e estilo de linguagem). Neste trabalho,
tomamos o gênero conto de fadas na modalidade oral como ponto de partida
para o aluno reescrevê-lo na modalidade escrita e reformulá-lo sobre o modo
gênero notícia. Optamos por assumir o texto em uma abordagem discursiva,
valorizando a noção de gênero textual como prática social, como aponta Dell’
Isola (2007).

O texto é o observável, o fenômeno linguístico empírico que apresenta


todos os elementos configuracionais que dão acesso aos demais
aspectos da análise. Entre o discurso e o texto está o gênero que aqui é
visto como prática social e prática textual-discursiva. O gênero opera
como ponte entre o discurso, como atividade mais universal e o texto
é tido como peça empírica particularizada e configurada numa
determinada composição observável. (DELL’ISOLA, 2007, p. 22)

De acordo com Schneuwly e Dolz (2004), os alunos na escola precisam


conhecer diferentes práticas de uso da linguagem para que percebam as
variações de uso da língua nos gêneros textuais que se realizam nas esferas
sociais. Desenvolvemos, então, atividades voltadas para a compreensão do
processo de transição de um gênero para outro estimulando o planejamento e
a revisão textual de textos narrativos ficcionais e não-ficcionais.
Consideramos a noção de gênero textual e a proposta de sequência didática
desenvolvida por Schneuwly e Dolz (2004) como ponto de partida de nossa
pesquisa voltada para a compreensão de processos voltados para a produção
de texto.

O trabalho com diferentes gêneros leva o aluno a se apropriar das


especificidades da linguagem, pois a escolha de um gênero para interagir é
necessário organizar um conjunto de atividades necessárias para configurar a
ação sócio comunicativa. Todavia, antes de trabalhar com um determinado
gênero fazemos uma avaliação diagnóstica para examinar os conhecimentos
que os alunos possuem sobre o gênero a ser estudado. Investigamos como os
educandos abordam o conteúdo a ser tratado, projetando o conhecimento
prévio dos alunos para as ações envolvidas no ato da leitura e da produção de
texto. Em cima desse levantamento, expandimos de forma gradativa e
processual o conteúdo, a forma composicional e o estilo do gênero em
questão.

Desta forma, atividades valorizam o desenvolvimento da oralidade


prevendo uma relação sociocomunicativa intensa sobre o gênero trabalhado
em conjunção com a noção de sequencia didática (DOLZ; NOVERRAZ;
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SCHNEUWLY, 2004). Vemos nesta proposta um ponto positivo da nossa


ação, pois prevemos um conjunto de ações, levando em conta o grau de
dificuldades das atividades no decorrer do processo pedagógico.
Apresentamos, a seguir, uma sequencia ações que conduziram nosso processo
pedagógico desenvolvido em nosso projeto com o gênero notícia:

1 Atividades previstas na sequencia didática


a) Conversa informal sobre acontecimentos inventados e reais que
são encontrados nos textos;
b) Exemplificação textos ficcionais e textos não-ficcionais;
c) Examinar e Identificar o nome de cada parte do jornal recebido,
escrevendo ao lado os segmentos que o constitui;
d) Analise a foto das notícias (comentário sobre a relação entre
notícia, imagem e a legenda);
e) Leitura da notícia “Chapeuzinho.” e analisar as partes. Por meio
desta conversa explicar a composição e o formato de uma notícia
de jornal. Interpretar a notícia, examinando a manchete.
f) Comentar sobre o “olho” que é o pequeno texto que vem logo
depois do título com resumo da notícia,

Dentro do universo dos tipos textos textuais que assumem uma forma
genérica de interação, elegemos os textos narrativos como objeto de estudo.
Todavia, julgamos necessário trabalhar com uma variação que nos pareceu
pertinente para desencadearmos este trabalho, visto que foi selecionando o
gênero conto de fadas e gênero notícia. Observamos que o primeiro se
consolida no plano ficcional, contando uma história criada a partir da
imaginação (do irreal), enquanto o texto jornalístico opera sobre um fato real.

Com as narrativas não-ficcionais escolhemos a notícia, gênero textual


jornalístico que transmite informações sobre um acontecimento, apresentando
para os alunos toda estrutura característica dele.

A escolha de se trabalhar esses dois tipos de narrativas se dá pelo fato


de ajudar os alunos das séries iniciais a perceber que existem diferenças no
processo produção de textos narrativos, exigindo um conjunto de recursos
gráficos e linguístico singular para cada gênero com finalidade diversa. O
projeto pretende melhorar, então, o desempenho da escrita pela vivência da
retextualização a partir de uma sequencia didática.

No primeiro momento explicitamos diferenças, do ponto de vista


composicional entre os dois gêneros a serem trabalhados na sala de aula.

Elementos composicionais Elementos composicionais


dos contos de fadas da notícia
- Situação inicial: apresentação - Manchete é o título da notícia.
- Olho ou lide é o pequeno texto
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dos personagens e do cenário; que sucede o título em forma de


- Problema desencadeador; resumo do acontecimento.
- Foto é a imagem que acompanha
- complicação;
a narrativa para ilustrar.
- Solução mágica; - Legenda são as informações
- Desfecho. colocadas abaixo da foto.

- Desenvolvimento apresenta
detalhes da notícia (Quem?
Quando? O quê? Como? Onde?
Por que?)

Do ponto de vista da função e dos participantes e as condições


enunciativas dos gêneros estudados, apresentamos as seguintes
especificidades:

Conto de fadas Jornal

 Narra um acontecimento  Relata um acontecimento


inventado, criado a partir real, fatos da realidade.
da imaginação e do real.  Personagens reais com
 Personagens inventados nome e sobrenome.
geralmente titulados de  Acontece em um tempo e
princesa, rei, caçador, espaço determinado.
bruxa, a filha do rei...  Possui um repórter com o
 Acontece em um espaço e objetivo de informar um fato
em um tempo real.
indeterminado.
 Possui um narrador com
objetivo de encantar.

2 Atividades com o conto de fadas “As Três Folhas Da


Serpente”

A primeira atividade de produção de texto consistiu em ouvir um conto


e depois reescrever o conteúdo da história sem acesso ao texto escrito
propriamente dito. Antes da contação foi realizada uma conversa com os
alunos a cerca do título da história para promover a interação e acionar
hipóteses sobre os acontecimentos da narrativa. Quando convidamos os
alunos para participar, fazemos com que eles se envolvam, despertando neles
a curiosidade e o interesse em descobrir o que se passará na história. Depois
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do levantamento das opiniões e de ampla discussão foi realizada a leitura do


texto.

Compreendemos que a forma como se lê a história para o aluno é muito


importante para envolver o aluno. Neste sentido, valorizamos princípios da
oralidade no processo da contação da história fazendo a variação do tom de
voz na troca dos personagens. Além disto, exploramos a entonação, dando
ênfase nos momentos fortes da narrativa. Ainda nesta dinâmica, provocamos a
interpretação, convidando os alunos para opinar sobre os acontecimentos
narrados, interrompendo o texto em diferentes momentos para os alunos para
participarem da ação narradora.

Observarmos, neste o contexto, o modo como os alunos realizam a


reescrita do reconto oral “As três folhas da serpente” dos Irmãos Grimm,
preservando a estrutura do gênero conto de fadas.

As três folhas da serpente

A princesa voltou a vida o rei ficou muito feliz e fez uma festa para
comemora a ressureição da velha e depois da comemoração a princesa
resolveu fazer uma viagem de barco a princesa perdeu todo seu amo pelo
jovem pobre e si apajonol-se pelo capitão e resolveu joca o jovem ou mar
a princesa e o capitão pegou o jovem e jocou ou mar mas só que o jovem
criado viu tade e jocou ou mar um bote para o jovem pobre e o jovem
criado pecou as três folhas e botou uma na boca e osndas nos olhos e de
repente o jovem resussitou e os dois jovem remarão muito e chegarão
primeiro do que a princesa quando o rei . viu os dois jovens sozinho o rei
– falou sozinho cadé a minha filha o jovem contou todo ou rei. i o rei
falou – si esgunda na sala de repente a princesa chego mais o capitão.
O rei disse – Cadé o seu marido a princesa falou – Meu pai o senhor
nim agredito durante a viagem marido ficou doente e morreu. se não
fosse este homem não tivesse nem ajudado não sei o que eu faria O rei
disse – vou resussito o seu marido quando o rei abriu a porta o jovem saiu i
quando pricesa viu o jovem. ficou asustado caiu de joelhos i pediu o rei
falou- Nada de perdou foi você que traiu agora você vai ter o castigo que
meresse o rei botou aprincesa io capitão. dentro de um barco cheius de
furas e faram botados no mar no dia de tempestade. em pouco estante eles
afundarão.

Analisamos a primeira produção de Elias e notamos que ele reescreveu


a história, relatando os fatos com apresentação do cenário; acontecimento
desencantador; complicação; resolução e desfecho. Entretanto, do ponto de
vista do discurso escrito, seu texto possui alguns problemas. Em seu texto há
parágrafo único, não respeitou a margem, não usou sinais de pontuação e sua
escrita possui muitos erros de ortografia.

Fazemos a leitura de todas as produções dos alunos e depois a


comparamos com as anteriores para ver se houve avanço na escrita após ter
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feito a revisão. Esse processo é muito importante, pois se o aluno não


conseguiu corrigir seus erros, nosso trabalho agora será acompanhar e instruir
estes, até que eles consigam adquirir os conceitos básicos para retificarem
seus desacertos e produzirem melhor seus textos.

Depois das atividades diagnósticas e de trabalharmos os problemas mais


comuns encontrados nas produções dos alunos, partimos para o objetivo de
examinar o processo de retextualização de uma narrativa ficcional para uma
não-ficcional. Para isso, explicitamos para os alunos diferenças entre
narrativas ficcionais e não-ficcionais, apresentando diversos textos que
assumiam as duas formas.

Toda a discussão sobre os conceitos e exemplos de narrativas ficcionais


e não-ficcionais foram construídas através do diálogo e de questionamento
que os alunos já possuem sobre estes. Com o conceito pré-estabelecido
conceituamos junto com os alunos sempre de forma interacional os tipos de
narrativas em discussão.

Para exemplificarmos o que queríamos que eles fizessem, a passagem


do gênero conto de fadas, para o gênero notícia levamos uma notícia de jornal
que foi escrita baseada no conto “Chapeuzinho Vermelho” e entregamos para
os alunos lerem e destacarem o título, o lide e o desenvolvimento. Em seguida
pedimos para eles retirarem do lide o que aconteceu, onde, quando e com
quem.

Depois de deixarmos bem claro como está estruturado o gênero conto


de fadas e o gênero notícia contamos a história “As Três Folhas Da Serpente”,
que narra uma história de traição, e pedimos para os alunos retextualizarem
para o gênero notícia, seguindo todas as características presente nesse gênero.

Durante a produção da notícia os alunos foram orientados e


acompanhados por nós. Primeiramente pedimos para eles bolarem um nome
para o jornal, em seguida criarem um título para a notícia, depois produzir o
lide que deveria conter o que aconteceu, onde, quando e com quem. Por
último fazer o desenvolvimento que deveria conter maiores informações sobre
a notícia.

Explicamos para eles que diferente dos contos de fadas que não dão
nome aos personagens, a ação não acontece num tempo e nem num espaço
determinado, na notícia seria diferente, pois deveriam relatar a história dando
nome aos personagens, determinar um tempo e um espaço e necessitariam
também retirar os elementos mágicos.

3 A retextualização do conto de fadas na linguagem do


gênero notícia

Com o propósito de cada vez mais trabalhar oralidade e enfatizar o ato


da leitura, entregamos jornais locais para os alunos e pedimos que eles lessem
e escolhessem a notícia que mais acharam interessantes e depois contassem
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para os seus colegas. Neste momento buscamos mediar, organizar as falas,


estimular a emissão de opiniões, perguntar quem já sabia da informação,
ajudando-os à leitura compreensiva e à livre expressão. Em um segundo
momento, propomos a reescrita do conto “As três folhas da serpente” na
linguagem jornalística, escrevendo a narrativa de acordo com os princípios de
organização do gênero notícia. Para isto apresentamos o seguinte texto como
modelo de inspiração:

LOBO MAU VIOLENTA APOSENTADA

A aposentada Maria Vovozilda da Floresta, 90 anos, foi


violentada pelo meliante Ludolfo da Silva, 40 anos, conhecido na região
por Lobo Mau. O crime ocorreu no último dia 10 de maio, na reserva
extrativista Praia Escura, onde residia a aposentada, em plena Floresta
Amazônica.
De acordo com moradores da região, a aposentada costumava
mandar, diariamente, a neta Malva Chapeuzinho da Floresta, buscar o
leite utilizado na produção de bolos caseiros.
Ao sair por volta das sete horas da manhã para a leitaria, Malva
Chapeuzinho deixou a porta da casa encostada e a sua avó ainda deitada
aguardando a chegada da neta, segundo relatos da adolescente.
Foi nesse momento que o “Lobo Mau” teve acesso ao interior
da casa, amordaçou e violentou a avó da adolescente, levando-a, após o
ato de violência, para a despensa onde a aposentada costuma guardar os
gêneros alimentícios.
Ao chegar da leitaria, Malva Chapeuzinho achou estranho a
porta da casa estar totalmente aberta e nenhum sinal da avó nas
dependências internas da residência.
Segundo Malva, ao se dirigir ao quarto percebeu que a avó não
estava na cama, mas a porta do banheiro do quarto estava fechada. A
adolescente chamou pela avó, que respondeu, mas Malva achou estranha
a voz e questionou se avó havia amanhecido resfriada.
Desconfiada da situação, já que só moravam as duas na
residência, Malva saiu pela casa como que procurando a avó em outros
cômodos. Ao chegar à despensa, próxima a cozinha, percebeu que a avó
encontrava-se amordaçada e sangrando muito. Imediatamente ela tomou
a iniciativa de ligar do aparelho celular para a delegacia de polícia da
cidade, relatando o fato.
No aguardo da polícia, Malva tentou ajudar a avó, mas foi
encontrada por Ludolfo da Silva, o Lobo Mau, que tentou encurralar as
duas no mesmo espaço. A adolescente resistiu ao ato de violência e,
nesse momento, chegou a viatura da polícia, que prendeu o acusado e
libertou a adolescente e a aposentada. A aposentada foi levada de
imediato ao posto de saúde da localidade.
Segundo o delegado de polícia, Cajuru da Silva, o meliante já
era acusado de vários crimes, mas, em virtude de a região ser de difícil
acesso, além dos parcos recursos humanos e logística policial, só agora
havia sido possível detê-lo, graças à iniciativa e agilidade da adolescente
Malva Chapeuzinho da Floresta.
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http://folhadetexto.blogspot.com.br/2011/06/retextualizacao-do-conto-da-
chapeuzinho.html

Depois de deixarmos bem claro como está estruturado o gênero conto


de fadas e o gênero notícia recontamos a história “As Três Folhas Da
Serpente”, que narra a história de uma traição, e pedimos para os alunos
retextualizarem para o gênero notícia, seguindo todas as características
presente nesse gênero. Vejamos algumas produções de dois alunos:

Jornal da Escola

No dia 21 de janeiro, em São Paulo, a princesa Patrícia trai o


marido e depois, com ajuda do capitão, matou e jogou no mar.
A princesa Patrícia disse ao pai:
- Pai, só vou casar se um homem prometer que quando eu morrer ele
se enterrar vivo e se ele morrer eu enterro vivo.
O príncipe Paulo falou:
- Eu quero casar com vc!
Um dia Patrícia ficou doente e morreu. Ao lado do caixão tinha uma
mesa com quatro garrafas de vinho e quatro pães e ele falou que ia
comer uma dentada de pão e um gole de vinho. Apareceu uma folha da
serpente e Paulo cortou em três partes.
Apareceu outra folha da serpente e a principe colocou uma folha na boca
e as outras nos dois olhos. Ela sobreviveu.

A aluna ao retextualizar o gênero conto de fadas para notícia colocou o


nome do jornal, no lide explicou muito bem as circunstâncias, resumindo de
forma clara e objetiva onde, quando, o que e com quem aconteceu o fato. No
entanto precisa rever suas questões, pois se esqueceu de colocar a manchete,
item muito importante na notícia. No desenvolvimento relatou os fatos, só que
se utilizou do diálogo e do elemento mágico, subsídios característicos do
gênero retextualizado. Percebemos também que ela colocou em seu texto
“vc”, linguagem própria dos internautas.
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Jornal da Escola

Mulher trai marido e o atira ao mar

A princesa Maria trai marido príncipe Elias e o atira no Oceano


Atlântico, juntamente com o capitão do navio Rodolfo Luís, este fato
aconteceu no dia 31 de março de 2011.
No dia 31 de março de 2011, princesa Maria se apaixona pelo capitão
Rodolfo Luís, em plena viagem com o marido príncipe Elias e para poder se
livrar do seu marido ela e o capitão o atira ao mar dormindo, segundo
testemunha.
Ligeiramente o mordomo Rafael pegou o príncipe Elias do oceano, pega
as três folhas que o príncipe pediu para guardar, colocou uma na boca e duas
nos olhos e imediatamente o sangue voltou a correr nas veias, ai eles
utilizaram todas as forças remando remaram tão ligeiro que chegaram antes
que a princesa e o príncipe contou sua versão e rei Dom Pedro I ficou
aborrecido, quando a princesa chegou toda falsa contou ao rei voltou de luto,
dai apareceu o príncipe Elias, e ela ficou implorando perdão mas o rei não
perdou e os deu castigo, os colocaram no navio cheio de furos e saiu
afundando na tempestade.

A aluna ao retextualizar o gênero conto de fadas para notícia formulou o


nome do jornal, a manchete, o lide e no desenvolvimento relatou os fatos. Em
sua produção usou os verbos no tempo presente “trai, atira” dando a sensação
de tempo ocorrido num momento próximo, típico do gênero notícia. Ela
utilizou o conteúdo temático do conto de fadas, ou seja, um acontecimento
irreal e produziu a notícia dando nomes aos personagens. Além disto, define
espaço e tempo determinado pela estrutura do gênero em questão. Notamos
que a aluna tem contato com textos jornalísticos, pois encontramos um
discurso muito usado em notícias, que é a expressão “segundo testemunha”
para tornar mais verídico o fato narrado. Por meio deste mecanismo, a aluna
coloca a responsabilidade do fato sobre testemunha que presenciaram o
acontecimento narrado.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Na retextualização do conto de fada para a notícia foram explorados


diferentes recursos semióticos para que houvesse aproximação entre os dois
gêneros do ponto de vista da narração, todavia várias modificações foram
realizadas, tais como: retirada dos elementos mágicos, nomeação dos
personagens e determinação temporal e local dos fatos contados na trama.
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Ao analisarmos a retextulização da notícia observamos que a maioria


das produções utilizou o vocabulário típico dos textos jornalísticos. Houve a
preocupação em colocar o nome do jornal, o título, o lide e no
desenvolvimento narraram a história. Contudo, as atividades foram permeadas
por muitos diálogos características mais fortes do gênero conto de fadas.
O projeto trouxe para a escola novas estratégias de produção e revisão
textual trabalhando com os gêneros, oferecendo aos alunos diferentes vias de
acesso à escrita, ampliando a capacidade reflexiva deles para a escolha de
diferentes recursos linguísticos para produzir textos.

REFERÊNCIA

BAKHTIN, M. M. Estética da criação verbal. São Paulo: Martins Fontes,


1992.
DELL´ISOLA, Regina. Retextualização de gêneros textuais. Rio de
Janeiro: Lucerna, 2007.
DOLZ, J.; NOVERRAZ, M.; SCHNEUWLY, B. Sequencias didáticas para o
oral e a escrita: apresentação de um procedimento. In: SCHNEUWLY, B.;
DOLZ, J. Gêneros orais e escritos na escola. Campinas: Mercado de Letras,
2004.
MARCUSCHI, Luiz Antônio. Oralidade e ensino, uma questão pouco
‘falada’. In: DIONÍSIO, Angela Paiva e BEZERRA, Maria Auxiliadora
(Orgs.). O livro didático de português. Rio de Janeiro: Lucerna, 2002.
MARCUSCHI, L. A. Da fala para a escrita: atividades de retextualização. 2
ª ed. São Paulo: Cortez, 2001.
ROJO, R.H.R. (Org.). A prática da linguagem em sala de aula: Praticando
os PCNS . São Paulo: EDUC; Campinas, SP : Mercado de Letras, 2000.
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Como é Abordado o Ensino da Oralidade na


Proposta Curricular de Camaragibe e Quais
as Opiniões das Professoras sobre as
Orientações dadas para o Ensino?

Júlia Teixeira Souza (UFPE)1

RESUMO
O presente estudo teve como objetivo analisar a Proposta Curricular da Rede
Municipal de Camaragibe - PE, a fim de verificar quais orientações sobre o ensino da
oralidade são disponibilizadas no documento e investigar as opiniões de professoras
dessa rede sobre o que é proposto neste documento. Foi realizada uma análise
documental da Proposta Curricular tendo como foco principal o que diz respeito ao
eixo da oralidade e entrevista semiestruturada com oito professoras que lecionam nos
anos inicias do Ensino Fundamental da rede investigada. Os resultados nos mostram
que o documento disponibiliza várias orientações para o ensino da oralidade, que
contemplam três dimensões das quatro descritas por Leal, Brandão e Lima em estudo
recentemente realizado. As entrevistas nos mostram que as professoras concordam
com todas as orientações dadas pelo documento curricular, no entanto têm
dificuldades para desempenhar atividades na sala de aula características para o ensino
da oralidade. Podemos notar também que as docentes possuem pouco domínio
teórico sobre o tema, pois em alguns depoimentos elas se equivocaram em alguns
conceitos, fazendo definições errôneas a respeito do eixo investigado. Podemos
concluir que é necessário desenvolver mais estudos sobre o ensino do eixo da
oralidade, e propiciar mais formação continuada com foco neste tema.
Palavras-chave: currículo, oralidade, ensino.

1
Contato do(a) autor(a): julia_souzat@yahoo.com.br
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INTRODUÇÃO
A necessidade de um trabalho sistemático com o ensino da oralidade na
sala de aula já vem sendo defendida por alguns autores (Schneuwly e Dolz
(2004); Marcuschi (2005); Leal, Brandão e Lima (2010); Leal, Brandão e
Nascimento (2010); Magalhães (2007)), contudo esses autores alertam que
esse trabalho não é fácil.

De acordo com os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN, 1998) de


Língua Portuguesa, o ensino da linguagem oral deve ser feito pela escola com
o objetivo de possibilitar acesso a usos da linguagem mais formalizados e
convencionais, que demandem um controle mais consciente e voluntário da
enunciação, levando em consideração a importância que o domínio da
palavra pública tem no exercício da cidadania.Desta forma, podemos refletir
que o ensino da oralidade deve fazer parte da educação básica, porém,
podemos perceber que este eixo não está sendo valorizado em todas as
modalidades de ensino.

De acordo com Magalhães (2007),

Ainda existe hodiernamente (acreditamos que com frequência) uma


supervalorização da escrita na escola, levando a uma posição de
supremacia das culturas letradas ou, até mesmo, dos grupos que
dominam a escrita. Dessa forma, o trabalho que desprivilegia a
oralidade acaba por ser preconceituoso, além de desqualificar a cultura
oral que o aluno traz de seu meio, principalmente o público da rede
oficial brasileira que, em sua maioria, utiliza a linguagem particular de
seu ambiente. (p.12)

Concordamos com a autora citada acima e percebemos que ao


voltarmos nosso olhar para a realidade das nossas escolas nos anos iniciais,
existe uma precariedade no ensino da oralidade. Sobre isso, Magalhães
(2007) acrescenta ainda que as alterações almejadas no ensino da língua
portuguesa têm crescido nas últimas décadas, porém, o ensino da linguagem
oral não é muito frequente na sala de aula, e, mesmo diante das contribuições
acadêmicas por meio de pesquisas sobre o desenvolvimento da fala e sobre a
língua, os professores não têm clareza sobre como conduzir tal ensino.

Esse fato pode ser consequência de que, mesmo havendo diversos


estudos sobre a fala, existem poucas pesquisas sobre seu ensino. Constatamos
essa ausência de estudos sobre o ensino da oralidade a partir de um
levantamento realizado nos anais de congressos brasileiros e revistas
científicas (ANPED, COLE, Revista Brasileira de Educação).Diante do que
foi exposto, notamos que os professores têm recebido poucas orientações da
comunidade científica de como abordar o ensino da oralidade. Acreditamos
que talvez esse seja o motivo pelo qual eles dediquem pouco tempo
pedagógico para o ensino da oralidade e tenham dificuldade para ensinar este
eixo, especialmente porque não sabem o que é preciso ser ensinado.

Assim, o interesse por essa temática surgiu a partir de discussões


realizadas no curso de Pedagogia sobre a importância do ensino da
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oralidade e as poucas orientações para o professor desenvolver na sala


de aula um ensino sistemático com esse eixo.
Diante da falta de definições claras sobre o eixo da oralidade,
analisamos a Proposta Curricular da Rede Municipal de Camaragibe -
PE, com o objetivo de verificar quais orientações sobre o ensino da
oralidade são disponibilizadas no documento e investigar as opiniões
de professoras dessa rede sobre o que é proposto neste documento.
Para melhor aprofundamento da discussão, faremos uma breve
exposição do marco teórico que contribuiu para a pesquisa.

1 Concepções sobre Currículo e Relações com Prática Docente

A concepção de currículo sofreu várias modificações ao longo da


história. A ideia de currículo, de acordo com Hamilton (2005, apud
SAVIANI, 1998) surgiu no Calvinismo. Nesse contexto, o currículo
era visto como uma unidade, ordem ou sequência dos elementos de
um curso. Inicialmente, o termo surgiu para representar um todo ou
uma seleção de conteúdos que deveriam ser seguidos anualmente por
cada estudante.
Assim, Saviani (1998, p.34) afirma que,

A noção de currículo, desde a origem da aplicação desse termo à


educação escolar, liga-se às ideias de: controle do processo
pedagógico; estabelecimento de prioridades segundo as finalidades da
educação, de acordo com o público a que se destina e com os
interesses dos atores em disputa; ordenação, sequenciação e dosagem
dos conteúdos de ensino.

Moreira e Candau (2007) afirmam que o currículo deve ser


compreendido como “as experiências escolares que se desdobram em
torno do conhecimento, em meio às relações sociais, e que contribuem
para a construção das identidades dos nossos estudantes. Currículo
associa-se, assim, ao conjunto de esforços pedagógicos desenvolvidos
com intenções educativas” (p.18). Podemos esperar desses
documentos que sejam consideradas, de um ponto de vista mais
crítico, as expressões, experiências e vivências dos alunos, e não
somente a distribuição de saberes como ponto de partida para a
escolha dos conteúdos que serão ensinados.
Portanto, no ato de elaborar o currículo, especialmente de Língua
Portuguesa, é necessário eleger seu conteúdo de forma que se assegure
aos alunos uma união entre as experiências sociais e o conhecimento,
viabilizando a aquisição dos conhecimentos pelos alunos e a utilização
destes nas suas vivências extra-escolares.

2 O Currículo de Língua Portuguesa e o Ensino da Oralidade


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Segundo Marinho (1998), o currículo de Língua Portuguesa


sofreu diversas mudanças no que diz respeito às formas de ensino e
aprendizagem. Soares (1996) também comenta que a partir da década
de 50 aconteceram mudanças no perfil das propostas curriculares,
mediante as intensas transformações sociais, como, por exemplo, a
abertura de escolas para as classes populares do país.
De acordo com a autora, priorizava-se o ensino da gramática
neste período, em decorrência de concepções que se consolidaram
desde o século XVI até o século XIX. Só a partir do século XVIII,
conforme Soares (1996), o texto passou a ser um instrumento de
estudo da comunicação oral e escrita. Porém, os textos serviam apenas
para instrumentos de estudo de recursos gramaticais e poéticos,
sistematizando e legitimando a expressão da linguística. Portanto,
mesmo utilizando os textos, a gramática foi por muito tempo um
conteúdo ressaltado no ensino de língua portuguesa.
Com o tempo, notou-se uma ineficiência do ensino da gramática
e, a partir daí, a linguagem oral e a linguagem escrita passaram a
construir espaço no ensino de Língua Portuguesa, por conseguinte,
nos livros didáticos. Desta forma, a partir da década de 70, passou a
ser realizada uma busca pelo ensino sistemático que considerasse os
processos de aquisição da língua. Com a ruptura desses paradigmas,
os Parâmetros Curriculares Nacionais de Língua Portuguesa para os
anos iniciais do Ensino Fundamental advertiram sobre a necessidade
das práticas de fala, leitura e escritas nas escolas, pois a língua deveria
ser vista como um instrumento de interação social. A proposta deste
documento era a reflexão não apenas de como estava estruturada a
língua, mas também, de como se dava os processos comunicativos,
por meio de situações que desenvolvam essas habilidades.
Dessa forma, a intenção de ensino passa a ser um alargamento
das probabilidades de uso da língua, ou seja, admite que as
capacidades que serão criadas estarão relacionadas às quatro
habilidades linguísticas básicas: falar, escutar, ler e escrever.Em
relação ao eixo da oralidade, que é foco dessa pesquisa, é proposto nos
PCNs que os alunos aprendam a produzir e compreender os textos
orais de diferentes gêneros, para atender a diversas finalidades. Outras
dimensões de ensino são destacadas, como: a reflexão sobre suas
escritas; objetivos referentes a variações linguísticas, com a finalidade
de levar os alunos a conhecerem e refletirem sobre a diversidade da
língua falada e a perceberem a importância dessas diferenças dentro
da sociedade.

3 Prática Docente de Ensino da Oralidade

O professor precisa se comprometer com o estudo e a pesquisa,


deve também se posicionar bem a frente dos múltiplos temas sociais,
pois sem esse comprometimento se torna difícil propiciar aos alunos
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uma apreensão maior do mundo que vive. Assim, é imprescindível,


para compreender o currículo, ter um profundo conhecimento da
prática docente.
Leal, Brandão e Lima (2011) asseguram que autores como
Correa (2001) e Signorini (2001) há bastante tempo já sinalizam a
necessidade de valorização da oralidade no contexto escolar, essas
autoras evidenciam que a fala está presente em diferentes campos
sociais e adquire, nesses campos, um papel crucial nas interações
humanas, com maior frequência, até mesmo, que a escrita. Mesmo
assim, na escola, não tem recebido muita atenção dos profissionais.
Não há, via de regra, reconhecimento de que esta instituição tenha
como um de seus objetivos ajudar os alunos a expandir suas
habilidades de uso da fala.
Leal, Brandão e Nascimento (2010), em uma pesquisa que
analisou a prática de cinco professoras do segundo ano do segundo
ciclo do Ensino Fundamental de escolas públicas do Recife,
investigaram os modos como essas professoras orientavam seus
trabalhos no eixo da oralidade. Foram observadas 75 aulas (15 de cada
professora).
Os resultados encontrados apontaram que as professoras se
preocupavam com o ensino da oralidade na escola, entretanto os
gêneros discursivos produzidos pelos alunos nestas aulas foram
continuamente a conversa informal e a discussão. Desta forma, os
alunos não eram estimulados a desenvolverem capacidades
argumentativas que são importantes em outras situações públicas e
formais, além disso, não acontecia uma reflexão sobre os gêneros
orais na prática das cinco professoras.Sendo assim, não era estimulado
nos alunos o desenvolvimento de capacidades argumentativas que são
necessárias em outras situações públicas e formais, os resultados
mostraram também, que não ocorria uma reflexão sobre os gêneros
orais na prática das cinco professoras.
As autoras perceberam que as docentes, mesmo não tendo
recebido em suas formações, tanto inicial como continuada,
orientações para o ensino da oralidade, realizavam em sala de aula
situações de tratamento da argumentação oral. Todavia, a prática era
espontaneísta, ou seja, as atividades eram realizadas de maneira
intuitiva e sem um planejamento sobre quais habilidades orais
deveriam ser ensinadas e nem o modo como deveria ocorrer. A partir
desses resultados, notamos que para as professoras investigadas, existe
uma idéia de que as atividades que incitam a fala em situações
informais são suficientes para o trabalho com a linguagem oral.
O resultado dessa pesquisa aponta uma precariedade no trabalho
docente nessa área, pois, como afirmam Leal, Brandão e Lima (2011),
o professor precisa ter objetivos didáticos definidos para o ensino da
oralidade, que perpassem quatro dimensões que envolvem o
desenvolvimento da linguagem oral, são elas: Valorização de textos de
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tradição oral; Variação linguística e relações entre fala e escrita;


Oralização de textos escritos; e Produção e compreensão de gêneros
orais2.
De acordo com Geraldi (1984), os gêneros orais são regulares e,
muitas vezes, em situações públicas, são complicados de serem
construídos. A escola, dessa forma, deve preparar os alunos para a
vivência na sociedade, sabendo-se que essas situações farão parte das
suas práticas sociais. Deve-se, desse modo, tornar esses gêneros
instrumentos de ensino dentro da escola. Essa discussão também é
feita por autores como, Dolz e Schneuwly (2004) e Costa (2006).
Entendemos que é importante uma abordagem maior sobre o ensino
deste eixo nos programas de formação continuada e na formação
inicial dos docentes, como também, um investimento maior nos
materiais didáticos que possam ajudar os professores no exercício de
ensinar a fala.
Pesquisadores como Marcuschi (1997), Magalhães (2007), Leal,
Brandão e Lima (2011) debatem sobre as atividades presentes nos
livros didáticos que permeiam o eixo oralidade. Magalhães (2007)
realizou uma pesquisa abordando atividades com o eixo da oralidade
presentes nos livros didáticos, nesta pesquisa foram analisados dois
livros didáticos a partir das orientações do PCN e do GUIA PNLD /
2005, seu objetivo foi analisar como os livros didáticos abordavam a
questão da linguagem oral, considerando os dois documentos já
citados.
Os seguintes resultados foram encontrados: o livro A apresentou
20,9% das atividades de oralidades que obedeciam às orientações do
PCN, sendo 70,1% dedicados às orientações do GUIA PNLD/2005; o
livro B apresentou o percentual de atividades que correspondiam às
orientações do PCN, e 64,8% satisfaziam as recomendações do GUIA
PNLD/2005. Na pesquisa, Magalhães (op. cit.) destacou que “os livros
didáticos consideram atividades de oralidade quaisquer exercícios,
reflexões, considerações que envolvam a língua falada, via
modalidade oral ou não” (p. 123). Em contrapartida aos resultados
encontrados anteriormente, a pesquisa realizada por Leal, Brandão e
Lima (2011) apresenta alguns avanços que se referem à presença do
eixo oralidade nos livros didáticos, ao analisarem quatro coleções de
livros didáticos aprovadas no Programa Nacional do Livro Didático
(PNLD, 2004), voltados aos anos iniciais do Ensino Fundamental.
As autoras inicialmente procuraram identificar as diferentes
dimensões do ensino da oralidade, em seguida analisaram se estas
apareciam nas coleções examinadas. Constataram a presença de
atividades bastante diversificadas direcionadas para o ensino da
oralidade que abarcam as diferentes dimensões de ensino, a grande
predominância era de atividades de situações informais, como

2
Ver Leal, Brandão e Lima (2011).
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conversa em grupo e interpretação oral de textos. Apareciam poucas


situações que contemplavam planejamento, realização e avaliação de
uso de gêneros mais formais. Outra observação feita pelas autoras às
obras analisadas foi “a ausência de propostas em que as crianças
possam analisar textos orais na modalidade oral e não como um texto
‘transcrito’, considerada muito importante para o ensino da oralidade”
(p.13).
Diante dos dados encontrados, podemos afirmar que, apesar da
incidência de trabalhos voltados para o ensino da oralidade nas
práticas das professoras e nos livros didáticos seja mais recorrente nos
dias atuais, ainda há pouca sistematização desse ensino, sendo
indispensável nortear melhor os professores acerca desse eixo do
trabalho pedagógico. Por isso, compreender o currículo de Língua
Portuguesa e as determinações dadas para o ensino da oralidade. Com
o surgimento dos Parâmetros Curriculares Nacionais, a oralidade
conquistou seu espaço no currículo de Língua Portuguesa, tornando-se
um dos principais eixos do Ensino fundamental.
Os Parâmetros Curriculares Nacionais (1998) afirmam que o
trabalho com a modalidade oral é de extrema necessidade para os
alunos, tendo em vista que esta modalidade será cobrada do aluno em
suas experiências sociais, pois eles irão se deparar com diversas
situações nas quais precisarão responder às mais variadas exigências
da fala e de uso das características dos diferentes gêneros orais, assim,
a escola tem o papel de ensinar o aluno a utilizar a linguagem oral nas
diversas situações comunicativas, especialmente nas mais formais.
Buscaremos nessa pesquisa, como já foi anunciado, analisar a
Proposta Curricular da Rede Municipal de Camaragibe – PE, a fim de
verificar quais orientações sobre o ensino da oralidade são
disponibilizadas no documento e investigar as opiniões de professoras
dessa rede sobre o que é proposto neste documento.

4 Metodologia

A coleta foi realizada em duas fases: Análise do documento


curricular da Rede Municipal de Camaragibe - PE e entrevista semi
estruturada com as professoras. As etapas serão detalhadas a seguir.
Analisamos a Proposta Curricular de Camaragibe dando ênfase
ao eixo da oralidade, visto que o nosso objetivo é apreender quais
orientações são dadas aos professores e que conhecimentos e
habilidades são contemplados. Na segunda fase da pesquisa, foram
realizadas entrevistas semi estruturadas, com 08 professoras da Rede
Municipal que atendam aos anos iniciais do Ensino Fundamental. As
professoras foram escolhidas de forma aleatória, para que fossem
alcançadas opiniões diversas no maior número de escolas possíveis.
As docentes possuem a seguinte formação: 1 com magistério; 2 com
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graduação e 5 com graduação e pós-graduação. O tempo que lecionam


no ensino fundamental varia entre 5 e 25 anos.
Todos os dados coletados, nas duas fases foram analisados
com base nos princípios da análise de conteúdo proposto por Bardin
(1977).

5 Resultados

Na análise da proposta de Língua Portuguesa da Rede Municipal


de Camaragibe - PE focamos no tópico referente ao eixo da oralidade,
para verificar quais as orientações disponibilizadas para o ensino
desse eixo, quais as habilidades, objetivos e competências definidas
para o ensino da oralidade. A análise nos mostra que a proposta
aborda algumas dimensões do ensino da oralidade, como: valorização
de textos de tradição oral; variação linguística e relações entre fala e
escrita e produção e compreensão de gêneros orais, não encontramos
orientações relativas à dimensão da oralização dos textos escritos
(essas dimensões foram citadas por Leal, Brandão e Lima 2011,
conforme apontamos acima). Numa análise geral, as professoras
mostraram concordância com os pressupostos contidos no documento
curricular, inclusive porque tinham tido alguma participação na sua
elaboração. No entanto, demonstraram algumas angústias, traduzidas
em dificuldades para organizar uma prática coerente com os princípios
sistematizados no documento.
Sobre a dimensão da valorização dos textos orais, o documento
cita alguns gêneros importantes para o ensino nos anos iniciais, são
eles: parlendas, trava-línguas, canções, provérbios, entre outros. No
entanto, não encontramos no documento, orientações mais específicas
acerca de como o trabalho com esses gêneros podem contribuir para o
ensino da oralidade. Apesar da ausência dessa discussão, é
apresentado, no quadro da listagem dos conhecimentos e habilidades,
que é preciso ensinar as crianças a “valorizar os textos de tradição
oral, reconhecendo-os como manifestações culturais” (p. 337). Na
entrevista inicial, em que foi questionado se as professoras ensinavam
oralidade e foi pedido que elas relatassem suas experiências, apenas
duas delas relataram atividades envolvendo tais gêneros, mas as
respostas foram vagas, como, por exemplo, aparece na fala da
professora P4:

Eu concordo, é quando fala aqui de parlendas, e geralmente no início


da aula, aí eu nunca chego assim e digo logo vamos corrigir a tarefa,
tem toda aquela coisa de o repertório de cada dia é... a recepção aonde
cada aluno vai sentar cada dia (...).

A respeito da dimensão - variação linguística e relações entre fala


e escrita -, Leal, Brandão e Lima (2011) acreditam que se precisa ser
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realizado um trabalho que extermine com o preconceito linguístico


existente na sociedade. Sobre isso, Bagno (1998) afirma:

Estudar, ensinar e aprender uma língua, em uma perspectiva


sociolingüística, são tarefas para aqueles que conseguem perceber a
dinamicidade a que ela está exposta e derrubar o mito de que somente
a língua padrão é a única forma correta de pensar esse
ensino/aprendizagem. (p. 168)

A dimensão variação linguística foi contemplada na proposta. O


documento afirma que é muito importante que os alunos valorizem a
fala e suas variações, sabendo que a sociedade, em algumas situações,
cobrará diferentes modos de se comunicar e expressar, que atendam às
regras gramáticas fixadas pela sociedade, a norma padrão. Sobre a
variação linguística, todas as professoras entrevistadas concordaram
com a proposta curricular, afirmam ser necessário trabalhar com
variação linguística na escola, porém algumas demonstraram pouco
conhecimento sobre esse conceito, como podemos ver na fala da
professora P3:

Porque a gente pode trabalhar com leitura, livros que falam melhor
que a gente desses preconceitos, feito a menina bonita do laço de fita,
que trata muito bem desses preconceitos... e a gente trabalha essa
questão, porque na sala de aula tinha uma menina bem negrinha, e ela
não tinha nome, os meninos chamavam de negrinha, então a gente
deve trabalhar essa questão com os livros, porque aí pra eles, não é
você que está falando e sim um livro... também tinha um menino
mudo (ou surdo-mudo) que também não tinha nome, então a gente
sabe que por livros é melhor, eu acabei com isso agora chamam eles
pelo nome, esses preconceitos dá um trabalhozinho, mas a gente tenta,
eu concordo.

Percebemos que ela não compreende o preconceito linguístico


como um preconceito de fala, pois ela descreveu que trabalhava com o
preconceito linguístico referindo-se ao uso de livros para trabalhar o
preconceito de raça, e de deficiência auditiva. Explicamos que se
tratava de preconceito linguístico, ou seja, de preconceito com as
várias formas de falar existentes, ela disse: “é eu trabalho também, a
partir dos livros”.
Também notamos que algumas professoras acreditavam na
necessidade de trabalhar com a variação linguística não com uma
reflexão sobre as variedades de fala e escrita existentes, mas, como
um suporte para mostrar a importância do uso da norma padrão, não
combatendo, assim, o preconceito linguístico tanto nas relações
aluno/aluno, quanto aluno/professor. Podemos comprovar isso na fala
da professora P5

É a questão do preconceito linguístico, realmente existe na sociedade


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um preconceito muito grande com as pessoas de outra região, que não


sabe o que falar, a questão do falar errado, que têm que falar a norma
culta. É você policiar eles? É, é sim! Mas também é você respeitar as
diferenças, sabendo que aquilo é um hábito de vivência deles, e a
gente tem que apresentar a... a norma correta.

Na proposta, não foi encontrada nenhuma orientação para os


professores sobre o trabalho com a oralização do texto escrito em sala
de aula. De acordo com Dolz, Schneuwly, Pietro e Zahnd (2004), na
didática em que se privilegia o ensino da expressão oral, o importante
não é apenas evidenciar o oral e trabalhar exclusivamente aspectos da
fala, mas conhecer diversas práticas orais e as relações que esta
mantém com a escrita.
Sobre a dimensão produção e compreensão de gêneros orais, na
proposta curricular, tal dimensão é enfatizada, pois foi possível
visualizar várias ocorrências de trechos em que detalhes do trabalho
pedagógico com produção e compreensão de gêneros orais aparecem,
como podemos perceber no seguinte trecho:

Diferentes situações de uso da oralidade são, assim, contempladas,


desde as mais informais que dizem respeito às interações cotidianas
para resolver os problemas escolares e dar conta das tarefas propostas
nas diferentes áreas de conhecimento, quanto as mais formais,
semelhantes às práticas não familiares e não escolares, como a
realização de entrevistas, debates regrados, notícias radiofônicas,
dentre outras. (p. 334)

Todas as professoras investigadas afirmaram concordância com


os princípios e orientações presentes no documento curricular
relativos a essa dimensão do ensino e pareciam compreender o que
está sendo proposto. Cinco docentes relataram pelo menos uma
atividade relacionada ao trabalho com produção / compreensão de
gêneros orais, podemos perceber na fala da professora P7:

Já vivenciei essa situação. Por exemplo, eu fiz um trabalho com eles


nesse semestre passado sobre Olhar o Brasil e ver a África. Então, eu
apresentei até lá na Federal, então a gente entrevistou um africano
natural, e eu tive toda essa preocupação, além dele ser diferente, a
cultura, aquela questão toda, a questão física também, a linguagem
também, então a gente fez todo um estudo em cima do que seria a
cultura, do que seria olhar o Brasil e ver a África, o que a gente trouxe
de herança (...).

No relato é possível perceber que houve um trabalho que


contemplou tanto o gênero entrevista, que requer uma preparação e
monitoramento da fala, até as situações de discussão em sala de aula
durante toda a execução do projeto.

CONSIDERAÇÕES FINAIS
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Nessa pesquisa, buscamos analisar um documento curricular e a


relação de oito professoras com esse documento, investigando as
opiniões acerca das orientações difundidas na proposta e os modos
como tentam desenvolver as orientações presentes no documento no
trabalho na sala de aula.
Com base na análise documental, concluímos que a Proposta
Curricular da Rede Municipal de Camaragibe-PE contempla o ensino
da oralidade, apresentando não apenas os princípios gerais, mas
também as habilidades e conhecimentos a serem construídos e
orientações didáticas. Considerando-se as quatro dimensões do ensino
da oralidade, definidas por Leal, Brandão e Lima (2011), foi possível
verificar que o documento aborda três delas. Nenhuma professora
conseguiu sintetizar o objetivo geral da proposta, contudo, todas as
professoras relataram em entrevista alguma atividade de ensino da
linguagem oral. Constatamos também uma supervalorização da escrita
pelas professoras entrevistadas, que evidenciaram uma exaltação da
cultura letrada em detrimento da oralidade. Ao longo das entrevistas,
as professoras afirmaram utilizar a oralidade como auxílio para
atividades de escrita, gramática, interpretação de textos, entre outras.
Diante dos resultados encontrados nessa pesquisa, reforçamos,
aqui, a necessidade de se realizar mais pesquisas que repensem os
conteúdos, metodologias, recursos didáticos e condições de trabalho
para que os professores desenvolvam um trabalho mais significativo
na sala de aula com o eixo da oralidade.

REFERÊNCIAS

BAGNO, M. Preconceito lingüístico: o que é e como se faz. São


Paulo: Loyola, 1998.
BARDIN, L. Análise de Conteúdo. Lisboa: Edições 70, 1977.
BRASIL. MEC. PCN - Parâmetros curriculares nacionais: língua
portuguesa /Secretaria de Educação Fundamental. – Brasília: 1998.
COSTA, Débora Amorim Gomes Da. Livros didáticos de Língua
Portuguesa: propostas didáticas para o ensino da linguagem oral.
Dissertação – Universidade Federal de Pernambuco, PE – 2006.
DOLZ, Joaquim; SCHNEUWLY, Bernard; PIETRO, Jean-François
de. A; ZAHND, Gabrielle.Exposição Oral. In: Gêneros Orais e
escritos na escola. Campinas – SP: Mercado de Letras,2004.
GERALDI, J. V. O texto na sala de aula: leitura e produção. 2 ed.
Cascavel: Assoeste, 1984.
LEAL, Telma F., BRANDÃO, Ana Carolina P., NASCIMENTO,
Bárbhara Elizabeth S.Basta conversar? A prática de ensino da
oralidade no segundo ciclo. Em: Heinig, Otília L.; Fronza, Cátia de A.
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Oralidade e Escrita na Prática Escolar
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(orgs.) Diálogos entre Linguistica e Educação. Blumenau: Edifurb,


2010.
LEAL, Telma Ferraz; BRANDÃO, Ana Carolina Perrusi; LIMA,
Juliana de Melo. A oralidade como objeto de ensino na escola: o que
sugerem os livros didáticos? In: Leal, Telma Ferraz, Gois, Siane
(Orgs). A oralidade na escola: a investigação do trabalho docente
como foco na reflexão. Belo Horizonte, Autêntica Editora, 2012.
MAGALHÃES, Guedes Tânia. Concepção de oralidade: a teoria
nos PCN e no PNLD X a prática nos livros didáticos. Rio de
Janeiro, 2007. 138 p. Tese de Doutorado em Linguística e Ensino da
Língua. Universidade Federal Fluminense.
MARCUSCHI, Luiz. Fala e escrita/ Luiz Antônio Marcuschi e Angela
Paiva Dionísio – Belo Horizonte: Autêntica, 2005.
MARINHO, Marildes. A Língua Portuguesa nos currículos de final de
século. In E. S. Barreto (Org.). Os Currículos do Ensino
Fundamental para as Escolas Brasileiras. Campinas: Autores
Associados/São Paulo: Fundação Carlos Chagas,1998.
MOREIRA, Antônio Flávio Barbosa; CANDAU, Vera Maria.
Indagações sobre currículo: currículo, conhecimento e cultura.
Brasília: Ministério da Educação, Secretaria de Educação Básica,
2007.
SAVIANI, Nereide. Saber escolar, currículo e didática: problemas
de conteúdo/método no processo pedagógico. Campinas, SP:
Autores Associados, 1998.
SCHNEUWLY, Bernard; DOLZ, Joaquim. Gêneros Orais e escritos
na escola. Campinas – SP: Mercado de Letras, 2004.
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O TRABALHO COM A ORALIDADE E


COM A REESCRITA A PARTIR DA
LEITURA DE CONTO DE FADAS

José Ricardo Carvalho (UFS)


ricardocarvalho.ufs@hotmail.com

Aline de Araujo Santos


Graduanda do Curso de Pedagogia
alineufs2009@hotmail.com

Rosana Santos da Costa


Graduanda do Curso de Pedagogia
rosana_costa18@hotmail.com

RESUMO

O objetivo central deste trabalho é valorizar a cultura oral e


compreender interações desta modalidade com o discurso escrito,
provocando uma reflexão sobre os procedimentos linguísticos
adotados no ato de produzir uma narrativa. Segundo Marcuschi
(2001), o trabalho com a modalidade oral e escrita deve ser
elaborado por meio dos gêneros, avaliando a produção textual-
discursiva. Notamos que as escolas têm se voltado,
exclusivamente, para os exercícios escritos, não havendo ligação
com as práticas sociais que envolvem os saberes oriundos da
oralidade. A partir desta hipótese, pretendemos em nosso
trabalho examinar atividades orais e escritas que estão
envolvidas no processo de produção de textos. O corpus de
nosso trabalho são atividades realizadas no projeto PIBID/2011
vinculado ao curso de pedagogia da UFS. Examinamos três
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atividades de produção de texto que toma a oralidade com foco


de discussão em uma classe do 4º ano do ensino fundamental de
uma escola pública de Sergipe. Descrevemos o reconto oral e a
retextualização de três contos de fadas “ O Rei Sapo”,
“Chapeuzinho Vermelho” e “O Gato de Botas”. Analisamos
procedimentos utilizados por uma aluna na realização da
reescrita por meio da retextualização. Identificamos, em uma
visão diagnóstica, os recursos utilizados e as dificuldades para
interagir pela modalidade escrita. Observam-se momentos de
oscilação de formas usuais da oralidade no processo de
aproximação com o discurso escrito.

Palavras-chave: retextualização, gênero textual, oralidade e


escrita.

INTRODUÇÃO

A língua materna - a composição de


seu léxico e sua estrutura gramatical -
, não a aprendemos nos dicionários e
nas gramáticas, nós a adquirimos
mediante enunciados concretos que
ouvimos e reproduzimos durante a
comunicação verbal viva que se
efetua com os indivíduos que nos
rodeiam. Assimilamos as formas da
língua somente nas formas assumidas
pelo enunciado e juntamente com
essas formas. As formas da língua e
as formas típicas de enunciados, isto
é, os gêneros do discurso,
introduzem-se em nossa experiência e
em nossa consciência conjuntamente
e sem que sua estreita correlação seja
rompida. (BAKHTIN, 1992, p.279)
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Observamos que a premissa expressa na epígrafe acima


é pouco desenvolvida na escola, visto que esta instituição
valoriza pouco as situações concretas de comunicação para
aprofundar conhecimentos da língua materna. Geralmente, as
análises linguísticas são realizadas em frases e não em
enunciados encontrados nos textos concretos que circulam na
sociedade. A oralidade, conhecimento palpável que os alunos
trazem de casa, encontra-se subaproveitada no ensino de textos
inscritos na modalidade escrita. O currículo tradicional de ensino
não costuma estabelecer uma relação entre oralidade e escrita,
costumando evidenciar, na maioria das vezes, a supremacia da
escrita em suas tarefas escolares. Em confronto com essa
perspectiva, invertemos a lógica, utilizando a oralidade e textos
reais como ponto de partida para o ensino da língua materna.
Relatamos neste artigo atividades orais e escritas
desenvolvidas no projeto de extensão PIBID/2011 “Produção
textual no Ensino fundamental: Oralidade e escrita na formação
do professor-pesquisador”. O objetivo geral do projeto é
promover práticas pedagógicas reflexivas sobre a relação fala e
escrita nos gêneros textuais, formando, assim, alunos leitores e
produtores de textos que vinculem conhecimentos das duas
modalidades de uso da linguagem verbal. As ações foram
realizadas em uma escola estadual do município de Itabaiana/SE
em uma turma do 4º ano do ensino fundamental.

Neste trabalho apresentamos a evolução de uma aluna


nas atividades de produção textual a partir das atividades
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realizadas com o reconto oral e a retextualização de três contos


de fadas: “O Rei Sapo”, “Chapeuzinho Vermelho” e o “O Gato
de Botas”. Para mostrarmos a relação entre a língua falada e
língua escrita explicitamos com os alunos as mudanças que
ocorrem na passagem de um texto falado para um texto escrito
fazendo uso do processo de retextualização. Propomos nas aulas,
a compreensão das semelhanças e diferenças do uso da língua na
modalidade oral e escrita, identificando suas especificidades no
processo de formulação dos textos. Para compreender com se
processa estas relações no universo de aprendiz, acompanhamos
a produção de uma aluna a fim de examinar como esta se
aproxima da linguagem escrita apoiada nos conhecimentos
adquiridos na oralidade.
Uma das grandes dificuldades dos alunos na produção
de texto é a organização dos enunciados por meio da pontuação,
visto que os recursos gráficos precisam de estratégias
diferenciadas dos que são utilizados em uma situação falada.
Observamos como a pontuação atua como um recurso que
fornece coesão ao texto, ajudando, também, na coerência textual.
Buscamos explicitar a evolução dos trabalhos da aluna,
considerando o trabalho pedagógico que vincula oralidade e
escrita em atividades com o gênero conto de fadas. De acordo
com Bakhtin (1992), o gênero do discurso assume grande
importância para compreendermos as interações e seu processo
de apropriação na sociedade.

Todas as esferas da atividade


humana, por mais variadas que sejam,
estão sempre relacionadas com a
utilização da língua. Não é de
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surpreender que o caráter e os modos


dessa utilização sejam tão variados
como as próprias esferas da atividade
humana, o que não contradiz a
unidade nacional de uma língua. A
utilização da língua efetua-se em
forma de enunciados (orais e
escritos), concretos e únicos, que
emanam dos integrantes duma ou
doutra esfera da atividade humana. O
enunciado reflete as condições
específicas e as finalidades de cada
uma dessas esferas, não só por seu
conteúdo (temático) e por seu estilo
verbal, ou seja, pela seleção operada
nos recursos da língua - recursos
lexicais, fraseológicos e gramaticais -
mas, também, e sobretudo, por sua
construção composicional. Estes três
elementos (conteúdo temático, estilo
e construção composicional) fundem-
se indissoluvelmente no todo do
enunciado, e todos eles são marcados
pela especificidade de uma esfera de
comunicação. Qualquer enunciado
considerado isoladamente é, claro,
individual, mas cada esfera de
utilização da língua elabora seus tipos
relativamente estáveis de enunciados,
sendo isso que denominamos gêneros
do discurso.(BAKHTIN, 1992, p.279)

Analisar textos, sob a perspectiva dos gêneros


discursivos, amplia-se a noção de interação verbal, pois as
atividades linguísticas vão para além da frase, pois se volta para
a contextualização da realização da produção de sentido. Dessa
forma, o trabalho com o gênero permite um olhar mais apurado
para as condições que regulam os enunciados em um texto.
Escolhemos o gênero conto de fadas por sua forte relação com
atividades da tradição oral. Além disso, possui formulações que
geram o efeito de encantamento, chamando a atenção para
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aspectos éticos, espirituais e existenciais. Por meio da fantasia o


leitor se defronta com situações mágicas vividas pelos
personagens que podem ajudá-lo a resolver conflitos internos e
externos. Este gênero possui uma linguagem simbólica, que trata
dos excluídos socialmente e utiliza em muitos momentos
formulações lúdicas para narrar a história

Sobre as atividades desenvolvidas e analisadas

Assumimos como princípio teórico-metodológico, para


desenvolver as atividades de produção de textos a visão de
gênero discursivo de Bakhtin (1992), bem como as orientações
de retextualização organizadas por Marcuschi (2001). A visão
teórica de Marcuschi (2001) fornece indicações para o trabalho
de produção textual sob a ótica da retextualização, considerando
os diferentes gêneros textuais como fonte de estímulo para
refletir e agir sobre a linguagem. Em sua proposta Marcuschi
(2001, p.48) prevê a passagem de uma ordem para outra (da fala
para escrita). Neste sentido, toda a investigação de produção
textual neste trabalho se configura como uma pesquisa
qualitativa que examina textos orais e escritos produzidos por
alunos do ensino fundamental por meio dos estudos de gênero e
retextualização desenvolvidos por Marcuschi (2001).
Para tanto, relatamos procedimentos da passagem do
reconto oral contos de fadas para a modalidade escrita. Em
seguida, observamos a interferência do discurso oral sobre o
escrito e a influência das práticas de letramento desenvolvidas no
espaço da escola.
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Para trabalhar com gênero conto de fadas exploramos as


três narrativas: “O Rei Sapo”, “Chapeuzinho Vermelho” e o “O
Gato de Botas” sob a perspectiva do gênero de discurso
defendido por Bakhtin (1992).
Observando a forma composicional dos contos de fadas,
ressaltando que a grande maioria apresenta uma situação de
equilíbrio em que se descreve na introdução o cenário e dos
personagens. No meio destas narrativas há a exposição de um
conflito, havendo no final uma solução para trama pela via de
um elemento mágico. Do ponto de vista da abordagem e da
temática escolhemos três histórias que assumem o encantamento
que ponto comum, contudo com temas diferenciados. Na
primeira narrativa, o “tema foi o não cumprimento da palavra”
da princesa ao sapo no conto “O Rei Sapo” adaptada por Tatiana
Belinck. Nesta história, uma princesa deixa a bola cair no poço e
pede ao sapo para ajudá-la. A princesa promete levar o sapo
para castelo, se ele pegar a bola no fundo do poço. O animal
pega a bola, mas a princesa não cumpre a palavra.
A segunda história foi “Chapeuzinho vermelho”. O tema
abordado foi a desobediência da filha diante de uma orientação
dada pela mãe. A terceiro conto “O Gato de Botas” ressalta o
tema a esperteza para obter benefícios próprios. Diante dessas
temáticas propomos discutir com os alunos sobre as questões
morais que estão envolvidas. Desta forma, os textos começam a
ganhar sentido e sendo relacionados com a vida cotidiana,
assumindo assim a premissa bakhtiniana.

A palavra existe para o locutor sob


três aspectos: como palavra neutra
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da língua e que não pertence a


ninguém; como palavra do outro
pertencente aos outros e que
preenche o eco dos enunciados
alheios; e, finalmente, como palavra
minha, pois, na medida em que uso
essa palavra numa determinada
situação, com uma intenção
discursiva, ela já se impregnou de
minha expressividade (BAKHTIN,
1992, p.313).

Bakhtin observa que os sujeitos para compreender os


enunciados precisam tomar a palavra nas três dimensões
mencionadas. Ao analisar os enunciados é preciso se dar conta
de que nenhum deles é autossuficiente, pois todo enunciado está
repleto de eco de lembrança de outros enunciados. Neste
sentido, em todas as atividades de leitura de textos orais e
escrito confrontamos diferentes vozes para ler os enunciados.
Propomos análise de pequenos fragmentos dos contos a fim de
reescrevê-los, visto que estas narrativas são textos grandes para
reescrevê-los e refletir sobre os diferentes aspectos que as
constitui. Neste trabalho, optamos então por apresentar alguns
fragmentos de reescrita de contos de fadas realizada por um
aluno do ensino fundamental a fim de obsevar como se deu o
desenvolvimento de suas produções diante do projeto gênero
conto de fadas, realizado em sua classe. Sob esta perspectivas
alertamos para um dado apontado por Marcuschi que conduz a
nossa análise.

A escrita não consegue reproduzir


muitos dos fenômenos da oralidade,
tais como a prosódia, a gestualidade,
os movimentos do corpo e dos olhos,
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entre outros. Em contrapartida, a


escrita apresenta elementos
significativos próprios ausentes na
fala, tais como o tamanho e tipo de
letras, cores e formatos, elementos
pictóricos, que operam como gestos,
mímica e prosódia graficamente
representados. Oralidade e escrita são
práticas e usos da língua com
características próprias, mas não
suficientemente opostas para
caracterizar dois sistemas lingüísticos
nem uma dicotomia. (MARCUSCHI,
2004, p.17)

RESULTADOS

Apresentamos a seguir a reescrita de três contos de


fadas: O Rei Sapo, Chapeuzinho Vermelho e O Gato de Botas
que foi produzido por uma das alunas que participou da
dinâmica de retextualização de contos ouvidos para modalidade
escrita. No processo de análise observamos a presença de traços
de oralidade nos textos e as dificuldades de produção textual.
Escolhemos o texto da aluna Maísa pelo fato de
demonstrar mudanças significativas entre a primeira produção
textual realizada, com bastante dificuldade; e a última “O gato
de Botas” com maior proficiência. Por meio de nossas
intervenções, percebemos que houve uma grande evolução em
seu processo de formulação textual quer do ponto de vista da
forma composicional, quer do estilo de linguagem e da
abordagem temática.

O rei sapo
Era uma ves uma prinsesa linda e um lindo castelo perto da
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naturesa a prinsesa quando ela estáva triste ela se sentava no


lado do posso e ela brinca com a bola jogando a bola de ouro
para sima e para cima e para baixo quando a bola da prinsesa
a bola caio no fundo do posso e a prinsesa comesou a chorar e
o sapo vio a linda princesa chorando muinto e o sapo disse a
ela filha do rei ela parou de chorar e olhou para sima e
quando ela olhou para baixo ela vio o sapo e o sapo perguntou
porque está chorando ela respondeu e a minha bola de ouro e
o sapo disse para ela eu vou pegar a sua bola mas com uma
condição eu vou comer no seu prato e vou beber na sua tasa de
ouro e vou dormir na sua cama de ouro e ela disse a prinsesa
disse eu prometo então o sapo foi la e pegou a bola da
princesa.

Em seu aspecto formal, o texto está em um único


parágrafo, não apresentando sinais de pontuação no corpo do
texto. Utiliza apenas um ponto final para indicar o término da
narrativa. A falta de pontuação dificulta a compreensão na hora
da leitura, pois não conseguimos identificar em que momento o
leitor esta dando uma pausa ou começando um novo tópico. A
pontuação é necessária para dar coesão e coerência ao texto,
estabelecendo, assim, limites entre as vozes que se encontram
presente no texto. A mediação do professor no processo de
construção de sentido do texto, segmentando o texto em
enunciados foi um trabalho necessário para os alunos
perceberem. Neste processo, que o aluno do ensino fundamental
para ler e produzir texto precisa observar o trabalho de
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pontuação que segmenta as vozes e os pontos de vistas


expressos na narrativa.
Alguns conhecimentos intuitivos são percebidos
quando a aluna começa a narrar a história. No trecho “Era uma
vez uma linda princesa e um lindo castelo perto da natura”,
percebemos que ao descrever o cenário da história a aluna
apresenta conhecimentos relacionados aos aspectos tipológicos
da narrativa. Sua dificuldade, do ponto de vista interacional com
o discurso escrito está vinculada ao domínio no modo como
estrutura os enunciados, mantendo fortes traços da modalidade
oral. Observemos o seguinte trecho:

“Era uma vez uma princesa linda e um lindo castelo perto da


natureza a princesa quando ela estava triste ela se sentava no lado
do poço e ela brinca com a bola...”

No processo de passar o texto oral para o escrito, a aluna


manteve segmentos pertinentes à modalidade falada. Ocorreu a
repetição do pronome “ela” três vezes para retomar o referente
“princesa”, traço recorrente ao discurso falado sustentado pelo
contexto situacional. Neste caso, a autora do texto não utiliza da
pontuação, não retoma o referente de maneira diversificada,
recorrendo ao recurso do pronome como único elemento de
retomada do referente. Sua escrita reproduz muitos traços da
oralidade sem demarcar por meio de recursos gráficos as pausas,
as entonações e a mudanças de vozes que se evidenciam no
percurso narrativo. Observamos que a aluna configura os
enunciados, tomando como base os conhecimentos que possui
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da oralidade, sem demonstrar o uso de algumas convenções da


linguagem escrita.

“... ela brinca com a bola jogando a bola de ouro para cima e para
cima e para baixo quando a princesa a bola caiu no fundo do
poço”.

Observamos, também, no discurso da aluna algo que ocorre


no discurso oral que diz respeito a repetição de um termo no
enunciado para intensificar um ação ou caracterizar algo que
precisa ser descrito na narrativa. No caso do fato narrado acima,
a princesa jogou a bola e ela foi para cima e mais para cima,
demonstrando que a bola foi muito para cima. No discurso
escrito, entretanto, remete-nos a uma ideia incoerente, visto que
uma bola não pode ir para cima e depois mais para cima,
seguida de uma queda para o fundo do poço. A identificação
deste aspecto funciona como objeto de reflexão sobre o sentido
das palavras no texto escrito que se configura de maneira
diversa no texto oral. Na oralidade contarmos com os recursos
que temos com a entonação da fala para demonstrar a
intensificação da ação de jogar a bola para cima. Já no texto
escrito contamos com itens lexicais que apontam para a ideia de
que a bola foi muito para cima e não para cima e mais para
cima.

Detectamos a importância de se trabalhar uma


especificidade da modalidade de escrita pouco compreendida
pelos alunos para segmentar o texto pelo critério do tópico e das
vozes apresentadas na narrativa. Ressaltamos, na segunda
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produção de texto, a pontuação do texto e a paragrafação por


meio de atividade de revisão coletiva e individual dos textos dos
alunos. Esta atividade teve continuidade com a produção do
texto Chapeuzinho Vermelho. Damos acesso, ao segundo texto
da aluna para fazermos algumas observações.

Chapeuzinho Vermelho
chapeuzinho vermelho chegou na casa da vovósinha mas
não era a vovosinha era o lobo mal e ele e ele afinando a voz
disse:
- puxi a tranca que ela soutara a tranca caiu o lobo
disfaçando de vovó e cobrindo o rosto:
- Ela disse o vovó eu trose vinho e um pedaço de bolo
que minha mãe mando li dar para ficar melhor
- tire o vestido e deite aqui:
- que olhos grandes você tem é pra tiver melhor que
orelhas grandes você tem é pra ti ouvir melhor e que mãos
grandes você tem e pra ti abrasar melhor e que boca grande é
pra ticomer e ele comeu melhor e ele comeu a vovó mas o
casador e ele pegou uma teso cortou e ele tirou a vovó e a
chapeuzinho
fim

Neste texto, observamos a segmentação das vozes do


narrador e dos personagens por do uso do travessa e da
pontuação. Contudo no enunciado “puxi a tranca que ela
soutara a tranca caiu o lobo disfaçando de vovó e cobrindo o
rosto”. É possível identificar a junção da fala do personagem e
do narrador, dificultando a compreensão do leitor. A aluna não
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coloca pontuação, nem faz a paragrafação para diferenciar as


duas falas. Esta dificuldade ainda persiste no decorrer de forma
mais intensa no final texto, quando deixa de pontuar o texto no
último parágrafo. Atribuímos este fato ao cansaço da aluna e
falta de monitoramento.

O Gato de Botas

No texto “O Gato de Botas”, depois de lermos a história


completa, selecionamos um pequeno trecho para ser reescrito.
Todavia, antes, de ser realizada esta atividade, fizemos a leitura
do trecho ressaltando os recursos gráficos utilizados pelo autor
para tornar o texto expressivo. A parte selecionada do gato de
botas foi o trecho final em que o gato tenta ludibriar o ogro
fazendo com ele se transformasse em um rato e dessa forma
podendo devorar. Observamos os sinais de pontuação e as
entonações dadas na leitura do professor a fim de identificar
recursos da pontuação. Em seguida, propomos as crianças que
reescrevessem o texto que haviam escutado oralmente,
observando os sinais de pontuação. Apresentamos, a seguir, o
texto da aluna Maísa.

O Gato de Botas
O gato foi para o castelo do ogro e quando ele chegou
lá o ogro disse:
- ola você veio mim agradar
O gato disse:
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- sim mas que barba grande você tem e barriga. E o


ogro disse:
- E e eu também posso me transformar
Em qualquer bicho e o gato disse:
- E o senhor pode se transformar num leão enorme.
E o ogro disse:
- todos os bichos que pensar
E o gato disse:
- Então se transforme em um leão um dois e três e o
ogro se transformou num e bem grande chega o gato ficou com
medo e as bolas tremião mas ele se alcamou-se e disse:
- A si transformar num leão você e grande e o leão.
e o ogro disse :
- Mas eu também posso mi transformar em bichos
pequenos.
- E o gato pensou é em um ratinho
É claro um, dois, três e já e ele se transformou num
ratinho e o gato di botas o comeu e o castelo ficou vasio e o
gato deu a princesa e o príncipe ficarão morando tá e forma
felizes para sempre
fim

Notamos no terceiro texto uma grande evolução da aluna,


visto que a ocorrência de sinais gráficos e recursos linguísticos
como verbo discendi para sinalizar a mudança de fala dos
personagens e do narrador foi intensificada. Entendemos que
este é um processo de idas e vindas em que o processo de
regulação se faz com um tempo com a ajuda do professor. O
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aluno ainda não sabendo regular a fala do narrador com a fala do


personagem, ou seja, não segmenta o dizer do narrador com o
dizer do personagem.

CONCLUSÕES

A experiência revelou um caminho a ser perseguido na


compreensão da relação oralidade e escrita nos textos dos alunos
que estão em processo de aquisição da linguagem escrita. Neste
sentido, buscamos, no decorrer deste projeto, desenvolvermos
propostas pedagógicas que levem os alunos a se apropriarem das
formulações textual-discursiva para chegarem a um bom nível
de produção textual.
Observamos no texto do aluno uma grande dificuldade
inicial para organizar esse texto, segmentando a voz dos
personagens com a voz do narrador na passagem da modalidade
oral para escrita. No discurso escrito os alunos tem dificuldade
de identificar qual o personagem que está falando por
reconhecer recursos da pontuação para expressar a mudança de
vozes no texto.
Um dos recursos da oralidade que ajuda a marcar estas
diferenças foi explorar nas atividades de leituras a mudanças de
voz entre narrador e personagens. Obsevamos, também, com os
alunos a mudança de altura da voz e suas modulações para
tornar o texto mais expressivo. Por estes mecanismos
evidenciamos a necessidade da pontuação para destacar essas
formas expressivas que no discurso escrito não aparece. Os
alunos perceberam no plano da oralidade a importância da voz
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que possui uma melodia, além das pausas que propõem um


ritmo para o texto. Percebemos, neste processo, a evolução dos
alunos pela inclusão de novos recursos gráficos que apresentam
em seus textos escritos e no modo como passaram a realizar os
recontos orais na sala de aula.

REFERÊNCIA
BAKTHIN, Michail. Estética da criação verbal. São Paulo: Martins
Fontes, 1992.
DOLZ, B.; SCHNEWLY, D. Gêneros e progressão em expressão oral e
escrita: elementos para reflexões sobre uma experiência suíça (francófona).
IN: Gêneros do oral e do escrito na escola. Trad. e org. de Rojo, R. e
Cordeiro, G. L.. Campinas: Mercado de Letras, 2004.
MARCUSCHI, Luiz Antônio. Da fala para a escrita: processos de
retextualização. São Paulo: Cortez, 2001.
GRIMM, Jacob & Wilhelm. Os contos de Grimm. [Tradução: Tatiana
Belinky]. São Paulo: Paulus, 1989.
GRIMM, Jacob & Wilhelm. O Rei Sapo. [Tradução: Tatiana Belinky]. São
Paulo: Paulus, 1996.
GRIMM, Jacob & Wilhelm. Chapeuzinho Vermelho. [Tradução: Tatiana
Belinky]. São Paulo: Paulus, 1995.
GRIMM, Jacob & Wilhelm. O gato de botas. [Tradução: Tatiana Belinky].
São Paulo: Paulus, 1996.
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Conto e Reconto de uma Narrativa


Maravilhosa de Charles Perrault

Prof. Dr. José Ricardo Carvalho (UFS)1


Manoela Barreto Borges (UFS)2
Gilvaneide Ferreira Souza Santos (UFS)3
Tatiana Pinheiro da Cruz (UFS)4

RESUMO
A oralidade, dificilmente, é considerada como ponto de partida para desenvolver
atividades de produção de texto na escola. O desconhecimento da natureza da fala tem
dificultado a implementação de uma proposta pedagógica que amplie a competência
dos alunos para o desenvolvimento da fala. A fim de refletir sobre o funcionamento da
fala no processo de contação de histórias por alunos que se encontram em processo de
aquisição da linguagem escrita, examinamos o discurso falado realizado no reconto de
narrativas maravilhosas. Partimos da hipótese de que há uma intensa relação entre a
fala e a escrita em seu processo de formulação discursiva. Para evidenciar este
processo, analisamos uma transcrição do reconto oral do texto “As Fadas” de Charles
Perrault, narrado por cinco alunos de uma classe do ensino fundamental. A
investigação destaca princípios que regulam a produção do discurso oral, explicitando
operações linguísticas para interagir na modalidade oral. Relatamos, neste contexto,
reflexões sobre o processo de formação de professor que busca intensificar a relação
teoria-prática a partir da compreensão da natureza da fala e dos princípios que atuam
sobre funcionamento da modalidade oral.

Palavras chaves: oralidade, gênero conto de fadas, Análise da Conversação.

1
Contato do(a) autor(a): ricardocarvalho.ufs@hotmail.com. Professor
Adjunto da Universidade Federal de Sergipe. Campus Universitário Prof.
Alberto Carvalho. Departamento de Educação. Doutor em Letras pela
Universidade Federal Fluminense (UFF).
2
Contato do(a) autor(a): manubela86@hotmail.com. Universidade Federal de
Sergipe.
3
Contato do(a) autor(a):gilmorena2@hotmail.com. Universidade Federal de
Sergipe.
4
Contato do(a) autor(a): tatiana.pinheiro@hotmail.com. Universidade
Federal de Sergipe.
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INTRODUÇÃO
O trabalho que se segue tem o intuito de compreender o funcionamento
do discurso oral da criança em atividades de reconto de narrativas com alunos
do ensino fundamental. Observamos que há pouco aproveitamento dos
trabalhos em que a oralidade se faz mais presente na interação entre alunos e
professores. Este fato se deve principalmente ao pouco conhecimento que os
professores possuem sobre a natureza do discurso oral. Dessa forma temos
por objetivo investigar o comportamento lingüístico oral dos alunos em
interações verbais com intuito de aproximar as práticas orais das práticas
letradas. Para isso nos debruçamos sobre as propriedades da fala que ora se
apresenta semelhante da escrita e ora se apresenta com suas peculiaridades. O
falante se utiliza de instrumentos lingüísticos diversos de acordo com o
gênero textual ou o uso da modalidade falada e escrita.

Nesse contexto examinamos atividades de reconto oral que resultaram


em uma ampla reflexão da linguagem falada por alunos que não dominam,
ainda, totalmente os princípios do discurso escrito. Para isso levamos em
conta a compreensão da natureza da fala e como esta se utiliza de elementos
variados e singulares para interagirem verbalmente. Evidenciamos recursos
ímpares no funcionamento do discurso falado que nos leva a crer a
importância de estudar suas propriedades a partir da análise de textos
recontados oralmente por alunos do ensino fundamental. Tais atividades
resultam de atividades desenvolvidas no projeto PIBID (Produção textual no
ensino fundamental: oralidade e escrita na formação do professor-
pesquisador) no ano de 2012 em uma escola do município de Itabaiana/SE.

Do ponto de vista pedagógico, a atividade do reconto oral valoriza a


bagagem linguística da criança, pois envolve uma série de processos
cognitivos e internacionais que atuam sobre o domínio da competência
sociocomunicativa. Nesse sentido, o gênero contos de fada, por ser oriundo
da tradição oral, afina-se com os propósitos de compreensão da oralidade em
textos narrativos. Durante o processo do reconto, o falante necessita ter o
conhecimento estrutural do gênero que deseja comunicar-se e ter em mente
os elementos lingüísticos a serem utilizados para poder organizá-los com
unidade.

Como atividade prévia diagnóstica para identificar o que os alunos já


sabem, fazemos sempre uma discussão inicial com os alunos sobre as
interações que já fizeram com os contos de fadas. Neste percurso, contamos a
história e exploramos aspectos que levavam os alunos a reconhecerem
propriedades particulares do conto de fadas que diferenciam de outros
gêneros. Em seguida, realizamos a leitura do conto de fadas por parte, tendo
o cuidado de examinar a estrutura narrativa e o modo como se textualizava a
narrativa por meio de seus recursos linguísticos e dos enunciados proferidos
pelo narrador. Observamos o modo como o autor introduz os fatos, por meio
da apresentação dos personagens e do cenário e desenvolvimento do
narrador. Em seguida buscamos ressaltar o conflito vivido pela personagem,
fazendo com que os alunos se colocassem na situação vivida. Muitas formas
de reagir ao conflito foram levantadas pelos alunos, levando-os a prever o
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que poderia acontecer no decorrer da narrativa. De acordo com Bakhtin


(1992):

Os enunciados não são indiferentes uns aos outros nem auto-


suficientes, conhecem-se uns aos outros, refletem-se
mutuamente. São precisamente esses reflexos que lhes
determinam o caráter. O enunciado está repleto de ecos e
lembranças de outros enunciados, aos quais está vinculado no
interior de uma esfera comum da comunidade verbal
(BAKHTIN, 1992, p. 317).

Para evidenciar o clímax, a narrativa foi interrompida a fim de levar os


alunos a criar novas hipóteses de como seria o fim da história. Por fim,
narramos a resolução do conflito central, explorando a solução mágica dada
por Perrault para projetar o conto de fadas. Convém mencionar que os
recursos do conto de fadas possuem uma certa regularidade que a são
ressaltadas nos diálogos realizados com os alunos. Por meio de um amplo
diálogo com a turma, os alunos vão aos poucos internalizando a estrutura e se
motivando para a realização do reconto oral e a reescrita dos contos de fadas.

Nas atividades de contação de história evidencia-se, normalmente, a


presença de variados usos linguísticos, em que se verifica a alternância do
registro culto na voz do narrador e o registro coloquial na fala dos
personagens. No domínio do narrador de conto de fadas encontramos
expressões rebuscadas, estruturas sintáticas pouco usadas pelos alunos, além
de vocábulos utilizados em outras épocas. Somente por este fato o contato
com as narrativas maravilhosas já seria algo bastante interessante para
criança, nota-se, todavia, que o ato de interação em si quando se conta este
tipo de história promove uma intensa comoção e interesse quando se estimula
o diálogo no momento da contação da história. Uma das grandes dificuldades
de se promover esta atividade é, justamente, a compreensão de oralidade e
diálogo instalado na tradição escolar, visto que a noção de roda de leitura é
trabalhada de uma maneira onde os alunos são passivos e não possuem a
oportunidade de falar no processo da contação de história.

Observamos algumas práticas de sala aula que a atividade de contação


de história se restringia a dois momentos: a leitura do conto, seguido do
desenho da história. Desta maneira, verificamos que muitas escolas perdiam
a oportunidade de trabalhar a dinâmica da oralidade em diversos momentos
em que se configura a atividade de contação de história.

1 O trabalho com a oralidade na sala de aula


A fim de promover atividades dialógicas na sala de aula, organizamos
um planejamento de atividades de leitura de conto de fadas em turmas da
Educação Infantil e do Ensino Fundamental. Elegemos a narrativa “As
Fadas” de Charles Perrault, adaptada por Ruth Rocha. Registramos a
produção de texto oral com os alunos dos dois segmentos utilizando dois
procedimentos a fim de examinar os recursos linguísticos e os procedimentos
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para realizar a atividades do reconto. Tanto na turma de Educação Infantil


como na do Ensino Fundamental, realizamos a atividade em três etapas: a)
diálogo de motivação para o texto; b) a contação da narrativa; c) o reconto
com a mediação da professora. A primeira etapa consistiu na possibilidade
de confrontar a vivencia dos alunos com a história a ser narrada, promovendo
antes da narrativa, uma discussão sobre o tema a ser abordado. A segunda
etapa diz respeito ao diálogo com os alunos durante o processo de contação
da história, desenvolvendo a oralidade em todos os seus sentidos.

Trabalhamos procedimentos de organização dos enunciados e trabalho


com a linguagem verbal quer em seu registro coloquial quer em ser registro
culto, visto que no processo de interação é possível perceber a dinâmica entre
os dois registros e intervenções de professora a fim de ajustar os usos verbais
no processo de interação. Apresentamos a seguir um fragmento do reconto
oral, com auxílio da professora que arregimenta a vozes dos alunos para
realizar a atividade do conto “As fadas” de Charles Perrault, em uma classe
de Educação Infantil com alunos na faixa etária entre 3 a 6 anos.

A narradora diz: “A história que a gente contou é de uma autora chamada


Ruth Rocha... O nome da história é?!... (Todos falam ao mesmo tempo em
tom alto) “AS FADAS!”... A narradora pergunta: “Como é que
começava?” (Falam ao mesmo tempo) “Era uma vez” a voz de Joana
sobrepõe “uma mãe com duas filhas ... má.” A narradora pergunta:
“Alguém lembra?”((Vitória balança a cabeça e diz)): “ahã! Maria diz:
“Eu!” Branca diz: “Eu!” Mas a voz de Maria sobrepõe. Alice diz:
“Boazinha” Maria diz: “O...A filha mais velha foi buscar água”...A
narradora pergunta: “A filha mais velha foi buscar água?” ((Vitória diz
levantando a mão)): “Eu sei” .. Ana diz: “Eu sei”...A narradora pergunta:
“Quem foi primeiro buscar água?” Ana diz: “A filha mais nova ...foi buscar
água aí uma velha apareceu porque pensou que ela era bonita e disse
...Maria interrompe dizendo: pediu um pouco um copo de água ...ela disse
assim... Vitória interrompe dizendo: oh menina como você é bonita!
Branca interrompe dizendo: me ofereça um pouco um copo de água ...e
Vitória completa: me dê-me um pouco de água por favor Maria diz: Aí ela
deu... aí depois a a fada ... Ana interrompe e diz: ela ofereceu um dom...
Maria diz: quando ela falasse ...Vitoria diz: disse assim...Maria diz: que
quando ela falasse ia sair jóias.. pérolas... flores e pedra”.

Podemos observar que a professora busca coordenar as vozes do


narrador e dos personagens para realizar a atividade de recontação de uma
narrativa no gênero conto de fadas. O professor, nesta perspectiva, funciona
como arregimentador das vozes para que a estrutura da narrativa e sua a
função comunicativa seja cumprida pelos agentes que produzem a narração.

Por meio da dinâmica transcrita, é possível identificar o funcionamento


da oralidade com toda a sua intensidade, visto que os sujeitos interagem
utilizando todos os recursos da fala para promover a ação de recontar uma
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história ouvida. Diríamos que houve um trabalho de produção texto com toda
a sua complexidade, pois os alunos, com a mediação da professora, foram
capazes de formular a sequencia com enunciados pertinentes e expressivos,
demonstrando a apropriação do texto pela via da oralidade. Em uma primeira
impressão podemos observar falas sobrepostas, hesitações, uso de poucos
conectores para ligar os enunciados, frases interrompidas. Estes elementos,
entretanto, fazem parte da dinâmica de formulação do texto oral.
Acreditamos que a compreensão sobre o modo como os textos orais são
formulados poderá nos ajudar a compreender procedimentos que os alunos
adotam para produzir seus textos escritos. Neste sentido, a compreensão das
regras da interação face-a-face apresenta-se como um ponto chave para
reconfigurar a relação oralidade-escrita na dinâmica da escola.

Identificamos um modo próprio de organização dos enunciados na fala,


visto que as práticas orais se configuram como um tipo de “interação
centrada”, em torno de um propósito comunicativo por meio de recursos
linguísticos e extralinguísticos. Na atividade de conversação, ou interação
verbal oral, é necessário que haja pelo menos dois interlocutores que
interagem em torno de um tema de forma alternada. Com base neste princípio
Fávero et alli (2007), com base no modelo conversacional de Ventola(1979),
descreve os componentes envolvidos na conversação que são: tópico ou
assunto abordado, situação, papéis dos participantes, modo e o meio de
interação. É possível identificar no reconto dos alunos da classe de
Educação Infantil estes elementos que nos ajudam a descrever o contexto de
interação da seguinte forma: O tema abordado foi a bondade de uma moça
recompensada por suas atitudes. A situação de interação foi o reconto onde
cada participante conta um pequeno trecho sem um prévio planejamento.
Observa-se que os papéis dos participantes é bastante claro, visto que a
professora coordena as falas e os alunos interagem para cumprir a função de
recontar a história. Por se tratar de uma situação escolar uma preocupação em
privilegiar o modo da linguagem culto, todavia este se apresenta de forma
heterogênea pelo meio de interação face-a-face.

A narradora diz: “Você agora... conte!” Joana diz: “A filha mais velha foi
buscar água ...quem apareceu foi uma madame e a madame e a madame
pediu água e ela não deu...a madame disse que quando ela falasse ia sair
sapo e serpente da boca dela”. A narradora pergunta: “E agora? Ela faz o
quê quando fica sabendo disso?” Vitória diz: “Aí ela ficou assustada ...aí
quando ela foi para a casa da mãe...Eh minha filha como foi lá? Ela disse...Aí
quando quando ela foi falar ...Aí saiu dois sapos e duas serpentes aí foi ... aí
point... aí point”. Maria diz: “Aí aí Aí... a mãe dela chamou a filha ... foi na
cozinha tava ...a filha tava a mais nova tava fazendo as coisas ( ) Vitória
interrompe: não foi assim não! A narradora intervem: foi foi ...assim! Maria
diz: “Aí a filha” A narradora pergunta: “Peraí uma fala depois a outra fala
vamos lá”? Maria diz: “Aí a filha... correu prum mato Aí depois ... o
príncipe apar ela tava chorando aí depois o príncipe apareceu e pediu ela em
casamento” A narradora pergunta: “E agora? E depois”? Maria diz: “ela
aceitou” Joana diz: “E ela aceitou aí e eles foram pro castelo”. Dizem
juntos: “E se casaram e viveram felizes para sempre”. A narradora
pergunta: “Aí o que foi que aconteceu com a filha mais velha”? Todos falam
juntos: “Morreu” Por causa ( ) A narradora pergunta: O que foi que
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aconteceu com a filha mais velha? Vitoria diz: “Ela ela ficou muito feia por
isso ...quando as pessoas passavam não poderia nem falar por causa toda vez
que ela saia... falava ..saia um bicho.

De acordo com Andrade (1998, p. 22), os enunciados conversacionais


se configuram como unidade discursiva. Estas unidades podem expressar
relativa “coincidência com orações ou atos de fala, porém reflete a
experiência do falante a respeito do que seja um bloco textual”. Evidencia-se
nos enunciados da conversação certa regularidade no modo de organizar as
porções de informações, garantindo coerência entre as partes, promovendo,
assim, uma unidade textual. Andrade (1998) esclarece, então, a importância
dos marcadores textos como elementos constitutivos do discurso oral que
permite a articular a linguagem falada.

A unidade discursiva é delimitada, geralmente, por


marcadores conversacionais. Estes, por sua vez, são
elementos característicos da oralidade, mas não exclusivos.
Operam na monitoração das relações interpessoais e na relação
com os conteúdos desenvolvidos, sendo, portanto,
considerados multifuncionais. Os marcadores podem ser
lingüísticos - incluindo os prosódicos (pausas, alongamentos) e
os verbais (lexicalizados e não lexicalizados) -, e não
lingüísticos: gestos, olhar, riso, etc. Os marcadores verbais
apresentam uma variada gama de partículas, palavras,
sintagmas, expressões estereotipadas e orações de diversos
tipos, tais como: ahn, uhn, eh, ah, certo, né, sabe, viu, então, aí,
daí, mas, então daí, eu acho que, quer dizer, então eu acho que,
etc. (ANDRADE, 1998, p. 22)

Por meio destas observações, buscamos compreender o funcionamento


da oralidade, reconhecendo aspectos orais que podem ser mais trabalhados na
sala de aula. Evidenciamos, neste contexto, algumas diferenças entre o
discurso oral culto e o registro da linguagem coloquial, quando o professor
monitora a linguagem verbal. Desta forma a preocupação com o modo de
arregimentar os discursos, bem como o cuidado com a linguagem aponta para
caminhos de como trabalhar com a oralidade na sala de aula.

REFERÊNCIA
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Aprendiz de Contador: histórias de vida,


narrativas e ficções no ensino fundamental
(interfaces da oralidade e escrita)

Lucinete Chaves de Oliveira1

RESUMO
Esta comunicação apresenta o trabalho de pesquisa e extensão Aprendiz de contador:
histórias de vida, narrativas e ficções no Ensino Fundamental – Interfaces da
Oralidade e Escrita desenvolvido no Departamento de Educação- Campus I, da
Universidade do Estado da Bahia, desde 2008, sob a coordenação das professoras
Maria Antônia Ramos Coutinho, da Área de Linguagem e Lucinete Chaves de
Oliveira , da área de Didática e Metodologia do Ensino, com o objetivo de,
juntamente com graduandos do curso de Pedagogia, construir perspectivas teórico-
metodológicas que articulem a cultura oral e a cultura escrita, com vistas ao
letramento socialmente referenciado dos estudantes do Ensino Fundamental,
mobilizando-os para a produção de histórias de vida e para a transmissão de
narrativas biográficas e ficcionais. O projeto ancora-se, sobretudo, nas contribuições
dos campos de conhecimento: Poética da Oralidade, História Oral; Alfabetização e
Letramento e Estética da Recepção, para realizar o propósito de formar educadores
com competência para conceber, implementar e avaliar processos formativos de
estudantes contadores de história, fortalecendo as ações de letramento de alunos da 3ª
e 4ª séries do Ensino Fundamental da rede pública de ensino, com foco na coleta e
registro de narrativas orais de seus grupos culturais. Os resultados apontam para a
fertilidade do trabalho de formação de estudantes pesquisadores no ensino
fundamental, a partir de experiências com as narrativas e histórias de vida de sujeitos
de seu grupo social, observando-se desdobramentos positivos para a produção de
textos orais e escritos, bem como para o uso significativo de dispositivos e tecnologias
da informação e comunicação no processo de letramento. O projeto oportunizou,
ainda, maior entrelaçamento da teoria e da prática na formação de estudantes do curso
de Pedagogia para o ensino socialmente referenciado da leitura e escrita em escolas da
rede pública de ensino.

Palavras-chave: formação docente - oralidade - letramento - histórias de vida

1
Contato do(a) autor(a): lucinetechaves@gmail.com. Professora Assistente
da Universidade do Estado da Bahia - Departamento de Educação da DEDC
I. Doutoranda em Educação/UCSF-Argentina.
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INTRODUÇÃO

O projeto de pesquisa e extensão “Aprendiz de contador: histórias de


vida, narrativas e ficções no ensino fundamental”, inscrito no GRAFHO –
Grupo de Pesquisa Autobiografia, Formação e História Oral do Programa de
Pós-Graduação em Educação e Contemporaneidade do Departamento de
Educação, Campus I, da Universidade do Estado da Bahia – UNEB, propõe a
aproximação entre universidade, escola e comunidade, formação inicial e
formação continuada, envolvendo, de início, alunos da terceira e quarta séries
de escolas do Ensino Fundamental no entorno do DEDC-I – Campus
I/UNEB, professores do sistema municipal e graduandos do DEDC-I, em
ações que promovam a articulação entre história oral, história de vida e
literatura, no trabalho de formação docente.
O projeto converge e cruza ações acadêmicas de pesquisa e ensino
sobre a formação e atuação docentes em processos de alfabetização e
letramento, em especial nos espaços educativos de escolas públicas e
comunitárias. Defende o comprometimento da universidade para com a
escola pública considerando as experiências socioculturais dos que nela
convivem.

1 MARCO TEÓRICO

Construído a partir da perspectiva de entrelaçamento entre cultura oral e


cultura escrita, o projeto ambiciona a formação de jovens contadores de
histórias, disseminadores do legado cultural dos grupos sociais dos quais
fazem parte, estabelecendo ponte entre os conteúdos escolares e os processos
identitários das comunidades a que pertencem.
As abordagens contemporâneas fundadas na utilização da História Oral
conferem atenção especial aos microrrelatos, às narrativas dos silenciosos e
dos excluídos, à história da vida cotidiana, da vida privada, e às maneiras de
ver e de sentir de subjetividades inscritas em contextos sociais geralmente à
margem da história “autorizada” e legitimada pelo conhecimento científico e
pela sociedade letrada. Numa perspectiva “micro-histórica”, a singularidade
das trajetórias individuais ganha relevância e tanto as fontes orais como os
documentos escritos tornam-se elementos significativos na produção de
conhecimento por alunos e professores.
Cada sociedade humana constrói seu sistema de comunicação e possui
técnicas e formas de transmissão de mensagens específicas, conforme as
estruturas sociais, mentais, políticas e estéticas. No Brasil, devido aos
complexos processos de intersecção histórica, a oralidade constitui-se
importante sistema de produção, transmissão e recepção de mensagens, nas
relações interpessoais e na apropriação dos bens materiais e simbólicos. Os
freqüentes deslocamentos de grupos humanos através do fenômeno de
imigração interna têm favorecido a coexistência, nas metrópoles, de forças
heterogêneas, portadoras de saberes oriundos de repertórios culturais
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construídos à margem da organização escolar, vistos como objeto de


desprestígio pela sociedade letrada.
Em uma cidade como Salvador, de agrupamentos socioculturais
diversos, grande parte da população só dispõe da linguagem oral como forma
de apropriação e recriação de códigos, valores e identidades, o que torna esse
segmento mais exposto a diferentes tipos de opressão, étnica ou política, e
formas de exclusão social. O sistema formal de ensino confronta-se com o
imperativo de contribuir para o letramento desse grande contingente
populacional e assegurar a sua inserção na civilização escrita, produzindo
espaços de negociação entre os dois sistemas: o oral e o escrito.
A prática de contar histórias, advinda da tradição oral, pode constituir-se
estratégia importante para a criação de espaços de mediação entre campos e
saberes, na complexa tarefa de intersecção entre o mundo escrito e o não-
escrito. A sua inserção no quadro das atividades pedagógicas do Ensino
Fundamental encerra a possibilidade de desencadear processos de
comunicação abertos e dinâmicos e de organizar uma rede de intervocalidade
geradora de formas narrativas e de uma economia de trocas e permutas de
experiências diversas no plano individual e coletivo.
A presença de uma prática tão antiga de comunicação como a narração
de histórias, signo da memória cultural, no sistema de ensino, reveste-se de
um caráter subversor, na medida em que contribui para que a experiência do
imaginário, mobilizada pela voz e pelo corpo, não caia no esquecimento,
integrando a soma de conhecimento de extração popular e oral às formas de
transmissão adotadas pelas instituições escolares.
À luz dessas reflexões é que vem sendo desenvolvido, desde 2008, o
projeto “Aprendiz de contador: histórias de vida, narrativas e ficções, no
ensino fundamental” com o objetivo de transformar estudantes adolescentes
em pesquisadores das tradições orais, da memória e dos legados históricos de
sua comunidade; das histórias de vida dos grupos sociais; do repertório
ficcional que habita o imaginário individual e coletivo e, posteriormente, nos
intérpretes que, através da voz, vão partilhar com ouvintes o conhecimento
gerado, perspectiva metodológica que pode constituir-se em um caminho
importante para o letramento social historicamente referenciado no Ensino
Fundamental.
Na atualidade, a sociedade globalizada orquestra novos ordenamentos
econômicos e socioculturais, gerenciados pela sociedade capitalista e
marcada pela revolução tecnológica, em cujos processos a cultura digital e a
escrita ocupam lugar de destaque no sistema produtivo e das relações sociais.
Por outro lado, os sujeitos das camadas populares, mesmo quando ingressam
na escola, permanecem nela por oito anos ou mais sem dominar o código
escrito, muito menos sabendo usá-lo como instrumento para sua inserção
crítica na sociedade 2.
São escassas as propostas curriculares que articulam inclusão digital ao
processo de aquisição e desenvolvimento da escrita nos espaços escolares da
rede pública de ensino.

2
SOARES, 2003.
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A informatização da escrita indica a necessária atualização da dinâmica


alfabetizadora praticada com crianças, jovens e adultos, pois o uso crítico e
autônomo das tecnologias da comunicação e informação pode potencializar o
desenvolvimento de práticas sociais necessárias à consolidação de
experiências socioculturais nas comunidades de aprendizagem. 3 Essa questão
é reforçada pelo significado político-pedagógico que o acesso à escrita e à
cultura digital pode representar para os membros das camadas populares.
Assim, o projeto vem buscando desenvolver ações educativas orientadas para
a apropriação da escrita na sociedade informatizada.
Em uma sociedade pós-colonial como a nossa, é preocupante que, de
acordo com o Índice Nacional de Alfabetismo Funcional – Inaf (2009), 52%
dos brasileiros que estudaram até a 4ª série atinjam, no máximo, o grau
rudimentar de alfabetismo. Mais grave ainda é o fato de que 9% destes
podem ser considerados analfabetos absolutos, apesar de terem cursado de
um a quatro anos do ensino fundamental. Dentre os que cursam ou cursaram
da 5ª a 8ª série, apenas 17% podem ser considerados plenamente
alfabetizados. Além disso, 24% dos que completaram entre 5ª e 8ª séries do
ensino fundamental ainda permanecem no nível rudimentar. Dos que
cursaram alguma série ou completaram o ensino médio, apenas 41%,atingem
o nível pleno de alfabetismo. Entre aqueles que chegaram ao ensino superior,
71% apresentam pleno domínio das habilidades de leitura/escrita.

A noção de heterogeneidade multitemporal, formulada por Nestor


Garcia Canclini 4 para interpretrar o continente latino-americano, mostra-se
eficaz no quadro da sociedade brasileira e, particularmente, no cidade de
Salvador, que reúne agrupamentos socioculturais díspares, com um grande
contingente de analfabetos funcionais e parte da comunidade urbana letrada
que funda suas formas discursivas na razão abstrata e científica e nos usos
das tecnologias inteligentes.
A prática de contar histórias, nas suas diferentes modalidades - simples
narração ou história “de boca”, narração com interferência, narração com o
livro5, narração com recursos visuais , narração com suportes digitais -
reveste-se de um papel primordial nessa sociedade em que, como afirma
Silviano Santiago, as “orelhas dos cidadãos brasileiros leem mais ávida e
consistentemente do que os nossos olhos, mesmo os alfabetizados”. 6
Emergindo da tradição oral, a prática social de contar pode tornar-se uma
ferramenta importante para o acesso ao escrito, contribuindo para o
letramento de populações que, inseridas em sociedades organizadas a partir
da escrita, só dispõem do código oral como forma de construção e
transmissão de conhecimento, bem como para a democratização do livro e da
leitura.
O projeto de transformar pré-adolescentes e adolescentes em contadores
de história vem assim se orientando para o propósito de aprofundar a questão
da inserção dos contadores na sociedade pós-industrial, na qual convivem

3
MARINHO,2001.
4
CANCLINI, 2000.
5
SILVA, 1997.
6
SANTIAGO, 2004, p.176.
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lógicas de desenvolvimento bastante diferenciadas, e simultaneamente


construir formas de comunicabilidade social, através das quais os estudantes
possam articular pontes entre o discurso produzido na sua comunidade, em
seus fundamentos epistêmicos, ideológicos, políticos e sociais, e as
formações discursivas geradas nas instâncias da educação formal.
O projeto ampara-se em investigações no campo dos Estudos Culturais,
da Poética da Oralidade, da História Oral, da Estética da Recepção, nas
contribuições dos estudos sobre Alfabetização e Letramento e recorre a
perspectivas teóricas que enfatizam a importância da articulação entre o
arquivo individual e cultural, a massa documental e a experiência vivida,
compreendidos como traços que compõem uma rede aberta a significações
infinitas.
Pesquisas antropológicas sobre as sociedades de cultura oral contribuem
para desvelar a visão etnocêntrica que temos da escrita, encarando-a como
toda e qualquer tecnologia já construída pela humanidade: como objeto que
não é neutro e independente do contexto cultural, mas profundamente
marcada por cada momento histórico singular. Assim, o ensino da escrita
ancorado em valores culturais do aprendiz e da sua comunidade, pode
contribuir para o desvelamento de mecanismos lingüísticos geradores de
preconceitos e exclusão social a que estão submetidos estudantes e
profissionais de educação, sobretudo do Ensino Fundamental.
Ao assumirem o papel de narradores, os estudantes se inscreverão
em uma comunidade de poetas, cantores e contadores de história que
realizam uma teatralidade viva e amalgamam o tempo no instante único em
que o passado, o presente e o futuro se entretecem e se entrelaçam, nas
“margens deslizantes do deslocamento cultural” 7.
O exercício da narração, a partir de fontes orais e escritas, promove o
reencontro da força viva imantada no corpo e na voz, ao tempo que pode
oferecer ao público, pela via auditiva-oral, padrões de linguagem e
formulações que remetem ao sistema escrito. Longe de agravar as
dissonâncias que as duas modalidades lingüísticas passam estabelecer, a
performance 8 do contador de histórias, ao transmitir textos ouvidos ou lidos,
coloca-se como ponto de intersecção entre o oral e o escrito, a voz e a letra, a
tradição e a modernidade.

2 TRILHA METODOLÓGICA

O percurso metodológico envolveu ações e processos concernentes aos


campos da pesquisa, do ensino e da extensão, buscando articular
universidade, escola pública e comunidade na tarefa de investigar alternativas

7
BHABHA, 2001, p.46
8
ZUMTHOR, 1993 .
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metodológicas que permitissem melhor aproximação aos significados e às


formas que os indivíduos constroem para partilhar conhecimentos e saberes
em eventos comunicacionais, perpassados pela subjetividade dos envolvidos
e configurados como uma construção cultural.
A pesquisa, de caráter etnográfico, se interessou por identificar
estratégias e dispositivos capazes de surpreender fenômenos e eventos que
possibilitassem, pela via da oralidade e da escrita, interpretações qualitativas
de processos histórico-sociais, promovendo o desenvolvimento das
competências dos envolvidos no campo da linguagem, tendo a observação
participante e a intervenção docente da monitoria de pesquisa e extensão
como principais estratégias de ação.

3 CAMINHOS PERCORRIDOS

Em 2008, o projeto, em sua primeira edição, acolheu o subprojeto


Memorial da Escola Antônio Euzébio, com a finalidade de formar
estudantes pesquisadores da história dessa instituição escolar, considerada a
primeira do bairro do Cabula e com mais de cem anos de existência, em
Salvador, e identificar o impacto das práticas narrativas orais no desempenho
de estudantes do Ensino Fundamental, no que se refere ao uso e
desenvolvimento da escrita, leitura e oralidade secundária.
O trabalho envolveu os seguintes participantes: 03 estudantes do
curso de graduação em Pedagogia: um monitor de pesquisa; um voluntário;
um monitor de extensão; 02 professoras universitárias das Áreas de
Linguagem (Literatura Infantil) e Didática e Tecnologias (Alfabetização e
Letramento); estudantes do 3º. ano do Ensino Fundamental da Escola
Municipal Antonio Euzébio; ex-alunos idosos da Escola Municipal Antonio
Euzébio; funcionários antigos da Escola Municipal Antonio Euzébio;
professoras e direção da Escola Municipal Antonio Euzébio; contadores de
História, sobretudo a contadora Betty Coelho.
As ações de implementação desse subprojeto após sua apresentação à
comunidade da Escola Antonio Euzébio, e feito os ajustes acordados, se
deram partir das atividades de observação participante para coleta de dados
sobre a dinâmica pedagógica, a performance e as práticas narrativas na
unidade escolar, tipos e freqüência das atividades de leitura, escrita e
oralidade junto aos estudantes do ensino fundamental, para referenciar o
alcance dos objetivos traçados, adequando-os ao contexto e suas
necessidades. A seguir, apresenta-se a dinâmica da pesquisa e as principais
ações realizadas no período de 2008-2009:

 Encontros semanais de formação na universidade,


envolvendo a equipe de trabalho: coordenadoras, monitores e
estudantes colaboradores, contadores de histórias e
especialistas nas áreas de conhecimento que fundamentam o
projeto, para construção de quadro conceitual e de seqüências
didáticas de intervenção pedagógica; avaliação e reconstrução
dos materiais produzidos.
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 Intervenção semanal do monitor de pesquisa na unidade


escolar, envolvendo atividades pedagógicas no ensino
fundamental, com vistas a formar alunos pesquisadores, aptos
a: planejar e realizar a coleta de dados recorrendo a
informantes, como ex-alunos da Escola Antonio Euzébio,
moradores antigos do bairro do Cabula, por meio de
entrevistas; construir inventário da memória de ex-alunos,
professores e funcionários da Escola Antonio Euzébio,
utilizando tecnologias da informação e comunicação e a
escrita.
 Realização de encontros dos estudantes do ensino
fundamental com contadores de história em bibliotecas
públicas no município de Salvador.
 Pesquisa documental realizada pelos monitores sobre as
origens e histórico do Bairro do Cabula e da Escola Municipal
Antonio Euzébio, a partir de fontes orais e escritas, em
instituições públicas oficiais, entidades religiosas, associações
de bairro, entrevistas com antigos moradores e estudantes;
elaboração de textos e artigos reunindo os dados coletados,
para efeito de socialização na comunidade e suporte para
atividades acadêmicas e de ensino na unidade escolar parceira.

4 ENTRAVES
A ausência total de recursos financeiros, as interrupções no fluxo do
calendário escolar, na unidade de ensino e na Universidade, as limitações
pessoais das fontes orais identificadas para atender às demandas do projeto, a
pouca disponibilidade de tempo dos profissionais de educação da unidade
parceira e da universidade e a dificuldade dos estudantes de graduação em
articular conteúdos teóricos de diferentes disciplinas para construção das
redes conceituais, condições necessárias ao desenvolvimento do projeto,
foram os principais obstáculos encontrados durante a sua operacionalização.

5 RESULTADOS

Dentre os resultados alcançados, destacamos a melhoria na formação


dos universitários, tanto no plano teórico quanto no exercício docente,
observados por meio da produção de TCCs, apresentação de comunicações
em eventos acadêmicos, transposição da experiência para a prática docente
em sua experiência profissional em espaços educativos, ampliação da
competência docente para planejar e implementar práticas no âmbito da
oralidade e escrita.

Ao oportunizar aos graduandos do curso de Pedagogia, monitores do


projeto, e aos estudantes do ensino fundamental experiências de valorização
das narrativas orais, histórias de vida e saberes de pessoas mais velhas da
comunidade, ex-alunos, ex-funcionários e professoras da escola Antonio
Euzébio e antigos moradores do Bairro do Cabula, possibilitou-se a criação
de pontes entre a narrativa escolar e as narrativas dos grupos sociais a que
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pertenciam os estudantes, as quais enriqueceram as experiências educativas


dos envolvidos.

A prática de coleta de dados recorrendo aos relatos e histórias de vida


dos ex-alunos da Escola Antonio Euzébio promoveu a troca de experiências
intergeracionais sobre as práticas, instrumentos e atitudes próprias da vida
escolar em diferentes períodos e contextos socioculturais, a valorização do
legado memorialístico dos sujeitos e possibilitou a incorporação ao repertório
dos alunos de 3º. Ano do ensino fundamental de conceitos relativos aos
campos da memória e da história oral, os quais passaram a ser utilizados em
seus discursos orais e escritos, de modo espontâneo.

Outros aspectos merecem destaque:

 o contato dos estudantes do ensino fundamental com


tecnologias digitais para coleta e organização de dados, a exemplo
de gravadores, máquinas fotográficas digitais, computadores,
contribuindo para o desenvolvimento de novas competências no
manejo e utilização significativa desses recursos;
 o mapeamento das práticas educativas no cotidiano da
escola, com ênfase para o uso do tempo pedagógico, o acesso a
diferentes suportes e tecnologias de difusão da cultura escrita, a
articulação entre oralidade, escrita, leitura e análise lingüística nas
atividades de ensino;
 a produção de um filme documentário sobre a história da
escola, com o apoio da TV UNEB;
 a articulação entre universidade e comunidade do bairro,
escola pública, bibliotecas públicas;
 maior aproximação entre graduação e pós graduação e as
Áreas de Linguagem e de Didática e Metodologia do Ensino no
DEDC-I.

CONSIDERAÇÕES

As ações desenvolvidas no campo da extensão e da pesquisa, enquanto


uma iniciativa acadêmica de investigação da realidade escolar e das
perspectivas de contribuição teórico-metodológica para o processo formativo
dos estudantes do ensino fundamental, possibilitaram à equipe proponente e
aos universitários envolvidos o enfrentamento dos desafios e obstáculos que
se interpõem sempre que se busca romper com as referências cristalizadas e
introduzir mudanças nas práticas educacionais.
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É muito difícil avaliar a extensão dos impactos do trabalho realizado,


entretanto, é imperativo reconhecer a função social desse projeto, orientado
para a expansão da potencialidade dos alunos da 3ª série da Escola Antônio
Euzébio, nos campos da oralidade e da escrita, tendo por eixos formativos os
temas: memória, história oral e narração. Pudemos notar, nas sessões de
intervenção pedagógica semanal, a construção de elos entre as falas dos
alunos e o repertório vocabular próprio dos eixos formativos, que foram,
assim, incorporados ao discurso oral e às produções escritas desses
estudantes.

A atitude e a postura de pesquisador que procuramos desenvolver nos


alunos puderam ser claramente observadas nos registros obtidos, tais como
fotos e fragmentos discursivos dos estudantes. O trabalho realizado, que
certamente se soma a outras iniciativas acadêmicas de criação de pontes entre
a cultura oral e a cultura escrita, configurou-se também como uma história,
uma narrativa que buscou atribuir forma e sentido à própria existência
acadêmica, desenhando um espaço de diálogo com o sistema público de
ensino, ainda que essa perspectiva representasse o enfrentamento de
momentos de tensão, dificuldades e de incertezas.

No que tange à formação dos graduandos em Pedagogia, os resultados


foram extremamente significativos, pois, além da produção de três
monografias de Trabalho de Conclusão de Curso decorrentes da participação
de monitoras envolvidas na experiência, destaca-se a transferência de
conhecimentos teóricos e metodológicos para outras situações e espaços de
ensino e aprendizagem por parte da monitora de pesquisa, que desenvolve,
desde então, em sua atividade profissional, seja como regente de classe ou
enquanto coordenadora pedagógica, projetos similares junto aos estudantes
das séries iniciais do ensino fundamental da rede municipal de ensino.

Quanto às ações de ensino, pesquisa e extensão das coordenadoras do


projeto, a experiência aqui relatada possibilitou, a partir das avaliações
realizadas, inúmeras iniciativas associadas ao projeto, que ora se desdobra em
dois subprojetos de pesquisa e extensão. Um deles diz respeito à formação
de estudantes do curso de Pedagogia do DEDC-I para atuarem como
contadores de histórias nas séries iniciais do ensino fundamental; o outro se
refere à construção e análise de memoriais de leitura de estudantes do 1º.
Semestre de Pedagogia, com o intuito de inventariar a sua trajetória,
mapeando espaços, repertórios, mediadores e práticas leitoras na infância e
adolescência. Pretendemos, por meio dessas narrativas, identificar as
possíveis articulações entre a oralidade e escrita que marcaram as trajetórias e
buscar os sentidos daí decorrentes para a profissão docente e a futura atuação
dos professores como mediadores na formação de leitores no ensino
fundamental.

A descoberta e a explicitação desses entrelaçamentos podem ser férteis


para o reconhecimento da importância das interfaces entre o oral e o escrito
no exercício de uma práxis alfabetizadora ancorada na experiência de narrar
e contar histórias, fundamental, na nossa perspectiva, para a apropriação
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socialmente referenciada da escrita por sujeitos oriundos de grupos sociais


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II Seminário Nacional de Alfabetização e Letramento Alfabetização, Discurso e Aprendizagens
Oralidade e Escrita na Prática Escolar
ISSN: 2177-4072

O Trabalho com a Oralidade e com a


Reescrita a partir da Leitura de
Conto de Fadas

José Ricardo Carvalho (UFS)1


Aline de Araujo Santos (UFS)2
Rosana Santos da Costa (UFS)3

RESUMO

O objetivo central deste trabalho é valorizar a cultura oral e compreender interações


desta modalidade com o discurso escrito, provocando uma reflexão sobre os
procedimentos linguísticos adotados no ato de produzir uma narrativa. Segundo
Marcuschi (2001), o trabalho com a modalidade oral e escrita deve ser elaborado por
meio dos gêneros, avaliando a produção textual-discursiva. Notamos que as escolas
têm se voltado, exclusivamente, para os exercícios escritos, não havendo ligação com
as práticas sociais que envolvem os saberes oriundos da oralidade. A partir desta
hipótese, pretendemos em nosso trabalho examinar atividades orais e escritas que
estão envolvidas no processo de produção de textos. O corpus de nosso trabalho são
atividades realizadas no projeto PIBID/2011 vinculado ao curso de pedagogia da
UFS. Examinamos três atividades de produção de texto que toma a oralidade com
foco de discussão em uma classe do 4º ano do ensino fundamental de uma escola
pública de Sergipe. Descrevemos o reconto oral e a retextualização de três contos de
fadas “ O Rei Sapo”, “Chapeuzinho Vermelho” e “O Gato de Botas”. Analisamos
procedimentos utilizados por uma aluna na realização da reescrita por meio da
retextualização. Identificamos, em uma visão diagnóstica, os recursos utilizados e as
dificuldades para interagir pela modalidade escrita. Observam-se momentos de
oscilação de formas usuais da oralidade no processo de aproximação com o discurso
escrito.

Palavras-chave: retextualização, gênero textual, oralidade e escrita.

1
Contato do(a) autor(a): ricardocarvalho.ufs@hotmail.com. Professor
Adjunto da Universidade Federal de Sergipe. Campus Universitário Prof.
Alberto Carvalho. Departamento de Educação. Doutor em Letras pela
Universidade Federal Fluminense (UFF).
2
Contato do(a) autor(a):alineufs2009@hotmail.com. Graduanda do Curso de
Pedagogia. Universidade Federal de Sergipe.
3
Contato do(a) autor(a): rosana_costa18@hotmail.com. Graduanda do Curso
de Pedagogia. Universidade Federal de Sergipe.
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INTRODUÇÃO
A língua materna - a composição de seu léxico e sua estrutura
gramatical -, não a aprendemos nos dicionários e nas gramáticas, nós a
adquirimos mediante enunciados concretos que ouvimos e
reproduzimos durante a comunicação verbal viva que se efetua com os
indivíduos que nos rodeiam. Assimilamos as formas da língua
somente nas formas assumidas pelo enunciado e juntamente com essas
formas. As formas da língua e as formas típicas de enunciados, isto é,
os gêneros do discurso, introduzem-se em nossa experiência e em
nossa consciência conjuntamente e sem que sua estreita correlação
seja rompida. (BAKHTIN, 1992, p.279)

Observamos que a premissa expressa na epígrafe acima é pouco


desenvolvida na escola, visto que esta instituição valoriza pouco as situações
concretas de comunicação para aprofundar conhecimentos da língua materna.
Geralmente, as análises linguísticas são realizadas em frases e não em
enunciados encontrados nos textos concretos que circulam na sociedade. A
oralidade, conhecimento palpável que os alunos trazem de casa, encontra-se
subaproveitada no ensino de textos inscritos na modalidade escrita. O
currículo tradicional de ensino não costuma estabelecer uma relação entre
oralidade e escrita, costumando evidenciar, na maioria das vezes, a
supremacia da escrita em suas tarefas escolares. Em confronto com essa
perspectiva, invertemos a lógica, utilizando a oralidade e textos reais como
ponto de partida para o ensino da língua materna.

Relatamos neste artigo atividades orais e escritas desenvolvidas no


projeto de extensão PIBID/2011 “Produção textual no Ensino fundamental:
Oralidade e escrita na formação do professor-pesquisador”. O objetivo geral
do projeto é promover práticas pedagógicas reflexivas sobre a relação fala e
escrita nos gêneros textuais, formando, assim, alunos leitores e produtores de
textos que vinculem conhecimentos das duas modalidades de uso da
linguagem verbal. As ações foram realizadas em uma escola estadual do
município de Itabaiana/SE em uma turma do 4º ano do ensino fundamental.

Neste trabalho apresentamos a evolução de uma aluna nas atividades de


produção textual a partir das atividades realizadas com o reconto oral e a
retextualização de três contos de fadas: “O Rei Sapo”, “Chapeuzinho
Vermelho” e o “O Gato de Botas”. Para mostrarmos a relação entre a língua
falada e língua escrita explicitamos com os alunos as mudanças que ocorrem
na passagem de um texto falado para um texto escrito fazendo uso do
processo de retextualização. Propomos nas aulas, a compreensão das
semelhanças e diferenças do uso da língua na modalidade oral e escrita,
identificando suas especificidades no processo de formulação dos textos. Para
compreender com se processa estas relações no universo de aprendiz,
acompanhamos a produção de uma aluna a fim de examinar como esta se
aproxima da linguagem escrita apoiada nos conhecimentos adquiridos na
oralidade.
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Uma das grandes dificuldades dos alunos na produção de texto é a


organização dos enunciados por meio da pontuação, visto que os recursos
gráficos precisam de estratégias diferenciadas dos que são utilizados em uma
situação falada. Observamos como a pontuação atua como um recurso que
fornece coesão ao texto, ajudando, também, na coerência textual. Buscamos
explicitar a evolução dos trabalhos da aluna, considerando o trabalho
pedagógico que vincula oralidade e escrita em atividades com o gênero conto
de fadas. De acordo com Bakhtin (1992), o gênero do discurso assume grande
importância para compreendermos as interações e seu processo de apropriação
na sociedade.

Todas as esferas da atividade humana, por mais variadas que sejam,


estão sempre relacionadas com a utilização da língua. Não é de
surpreender que o caráter e os modos dessa utilização sejam tão
variados como as próprias esferas da atividade humana, o que não
contradiz a unidade nacional de uma língua. A utilização da língua
efetua-se em forma de enunciados (orais e escritos), concretos e
únicos, que emanam dos integrantes duma ou doutra esfera da
atividade humana. O enunciado reflete as condições específicas e as
finalidades de cada uma dessas esferas, não só por seu conteúdo
(temático) e por seu estilo verbal, ou seja, pela seleção operada nos
recursos da língua - recursos lexicais, fraseológicos e gramaticais -
mas, também, e sobretudo, por sua construção composicional. Estes
três elementos (conteúdo temático, estilo e construção composicional)
fundem-se indissoluvelmente no todo do enunciado, e todos eles são
marcados pela especificidade de uma esfera de comunicação.
Qualquer enunciado considerado isoladamente é, claro, individual,
mas cada esfera de utilização da língua elabora seus tipos
relativamente estáveis de enunciados, sendo isso que denominamos
gêneros do discurso.(BAKHTIN, 1992, p.279)

Analisar textos, sob a perspectiva dos gêneros discursivos, amplia-se a


noção de interação verbal, pois as atividades linguísticas vão para além da
frase, pois se volta para a contextualização da realização da produção de
sentido. Dessa forma, o trabalho com o gênero permite um olhar mais apurado
para as condições que regulam os enunciados em um texto. Escolhemos o
gênero conto de fadas por sua forte relação com atividades da tradição oral.
Além disso, possui formulações que geram o efeito de encantamento,
chamando a atenção para aspectos éticos, espirituais e existenciais. Por meio
da fantasia o leitor se defronta com situações mágicas vividas pelos
personagens que podem ajudá-lo a resolver conflitos internos e externos. Este
gênero possui uma linguagem simbólica, que trata dos excluídos socialmente
e utiliza em muitos momentos formulações lúdicas para narrar a história

1 Sobre as atividades desenvolvidas e analisadas

Assumimos como princípio teórico-metodológico, para desenvolver as


atividades de produção de textos a visão de gênero discursivo de Bakhtin
(1992), bem como as orientações de retextualização organizadas por
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Marcuschi (2001). A visão teórica de Marcuschi (2001) fornece indicações


para o trabalho de produção textual sob a ótica da retextualização,
considerando os diferentes gêneros textuais como fonte de estímulo para
refletir e agir sobre a linguagem. Em sua proposta Marcuschi (2001, p.48)
prevê a passagem de uma ordem para outra (da fala para escrita). Neste
sentido, toda a investigação de produção textual neste trabalho se configura
como uma pesquisa qualitativa que examina textos orais e escritos produzidos
por alunos do ensino fundamental por meio dos estudos de gênero e
retextualização desenvolvidos por Marcuschi (2001).

Para tanto, relatamos procedimentos da passagem do reconto oral


contos de fadas para a modalidade escrita. Em seguida, observamos a
interferência do discurso oral sobre o escrito e a influência das práticas de
letramento desenvolvidas no espaço da escola.

Para trabalhar com gênero conto de fadas exploramos as três narrativas:


“O Rei Sapo”, “Chapeuzinho Vermelho” e o “O Gato de Botas” sob a
perspectiva do gênero de discurso defendido por Bakhtin (1992).

Observando a forma composicional dos contos de fadas, ressaltando que


a grande maioria apresenta uma situação de equilíbrio em que se descreve na
introdução o cenário e dos personagens. No meio destas narrativas há a
exposição de um conflito, havendo no final uma solução para trama pela via
de um elemento mágico. Do ponto de vista da abordagem e da temática
escolhemos três histórias que assumem o encantamento que ponto comum,
contudo com temas diferenciados. Na primeira narrativa, o “tema foi o não
cumprimento da palavra” da princesa ao sapo no conto “O Rei Sapo”
adaptada por Tatiana Belinck. Nesta história, uma princesa deixa a bola cair
no poço e pede ao sapo para ajudá-la. A princesa promete levar o sapo para
castelo, se ele pegar a bola no fundo do poço. O animal pega a bola, mas a
princesa não cumpre a palavra.

A segunda história foi “Chapeuzinho vermelho”. O tema abordado foi a


desobediência da filha diante de uma orientação dada pela mãe. A terceiro
conto “O Gato de Botas” ressalta o tema a esperteza para obter benefícios
próprios. Diante dessas temáticas propomos discutir com os alunos sobre as
questões morais que estão envolvidas. Desta forma, os textos começam a
ganhar sentido e sendo relacionados com a vida cotidiana, assumindo assim a
premissa bakhtiniana.

A palavra existe para o locutor sob três aspectos: como palavra neutra
da língua e que não pertence a ninguém; como palavra do outro
pertencente aos outros e que preenche o eco dos enunciados alheios; e,
finalmente, como palavra minha, pois, na medida em que uso essa
palavra numa determinada situação, com uma intenção discursiva, ela
já se impregnou de minha expressividade (BAKHTIN, 1992, p.313).

Bakhtin observa que os sujeitos para compreender os enunciados


precisam tomar a palavra nas três dimensões mencionadas. Ao analisar os
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enunciados é preciso se dar conta de que nenhum deles é autossuficiente, pois


todo enunciado está repleto de eco de lembrança de outros enunciados. Neste
sentido, em todas as atividades de leitura de textos orais e escrito
confrontamos diferentes vozes para ler os enunciados. Propomos análise de
pequenos fragmentos dos contos a fim de reescrevê-los, visto que estas
narrativas são textos grandes para reescrevê-los e refletir sobre os diferentes
aspectos que as constitui. Neste trabalho, optamos então por apresentar
alguns fragmentos de reescrita de contos de fadas realizada por um aluno do
ensino fundamental a fim de obsevar como se deu o desenvolvimento de suas
produções diante do projeto gênero conto de fadas, realizado em sua classe.
Sob esta perspectivas alertamos para um dado apontado por Marcuschi que
conduz a nossa análise.

A escrita não consegue reproduzir muitos dos fenômenos da oralidade,


tais como a prosódia, a gestualidade, os movimentos do corpo e dos
olhos, entre outros. Em contrapartida, a escrita apresenta elementos
significativos próprios ausentes na fala, tais como o tamanho e tipo de
letras, cores e formatos, elementos pictóricos, que operam como
gestos, mímica e prosódia graficamente representados. Oralidade e
escrita são práticas e usos da língua com características próprias, mas
não suficientemente opostas para caracterizar dois sistemas
lingüísticos nem uma dicotomia. (MARCUSCHI, 2004, p.17)

2 RESULTADOS

Apresentamos a seguir a reescrita de três contos de fadas: O Rei Sapo,


Chapeuzinho Vermelho e O Gato de Botas que foi produzido por uma das
alunas que participou da dinâmica de retextualização de contos ouvidos para
modalidade escrita. No processo de análise observamos a presença de traços
de oralidade nos textos e as dificuldades de produção textual.

Escolhemos o texto da aluna Maísa pelo fato de demonstrar mudanças


significativas entre a primeira produção textual realizada, com bastante
dificuldade; e a última “O gato de Botas” com maior proficiência. Por meio
de nossas intervenções, percebemos que houve uma grande evolução em seu
processo de formulação textual quer do ponto de vista da forma
composicional, quer do estilo de linguagem e da abordagem temática.

O rei sapo
Era uma ves uma prinsesa linda e um lindo castelo perto da naturesa a
prinsesa quando ela estáva triste ela se sentava no lado do posso e ela
brinca com a bola jogando a bola de ouro para sima e para cima e para
baixo quando a bola da prinsesa a bola caio no fundo do posso e a prinsesa
comesou a chorar e o sapo vio a linda princesa chorando muinto e o sapo
disse a ela filha do rei ela parou de chorar e olhou para sima e quando ela
olhou para baixo ela vio o sapo e o sapo perguntou porque está chorando
ela respondeu e a minha bola de ouro e o sapo disse para ela eu vou pegar
a sua bola mas com uma condição eu vou comer no seu prato e vou beber
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na sua tasa de ouro e vou dormir na sua cama de ouro e ela disse a
prinsesa disse eu prometo então o sapo foi la e pegou a bola da princesa.

Em seu aspecto formal, o texto está em um único parágrafo, não


apresentando sinais de pontuação no corpo do texto. Utiliza apenas um ponto
final para indicar o término da narrativa. A falta de pontuação dificulta a
compreensão na hora da leitura, pois não conseguimos identificar em que
momento o leitor esta dando uma pausa ou começando um novo tópico. A
pontuação é necessária para dar coesão e coerência ao texto, estabelecendo,
assim, limites entre as vozes que se encontram presente no texto. A mediação
do professor no processo de construção de sentido do texto, segmentando o
texto em enunciados foi um trabalho necessário para os alunos perceberem.
Neste processo, que o aluno do ensino fundamental para ler e produzir texto
precisa observar o trabalho de pontuação que segmenta as vozes e os pontos
de vistas expressos na narrativa.
Alguns conhecimentos intuitivos são percebidos quando a aluna começa
a narrar a história. No trecho “Era uma vez uma linda princesa e um lindo
castelo perto da natura”, percebemos que ao descrever o cenário da história
a aluna apresenta conhecimentos relacionados aos aspectos tipológicos da
narrativa. Sua dificuldade, do ponto de vista interacional com o discurso
escrito está vinculada ao domínio no modo como estrutura os enunciados,
mantendo fortes traços da modalidade oral. Observemos o seguinte trecho:

“Era uma vez uma princesa linda e um lindo castelo perto da natureza a
princesa quando ela estava triste ela se sentava no lado do poço e ela
brinca com a bola...”

No processo de passar o texto oral para o escrito, a aluna manteve


segmentos pertinentes à modalidade falada. Ocorreu a repetição do pronome
“ela” três vezes para retomar o referente “princesa”, traço recorrente ao
discurso falado sustentado pelo contexto situacional. Neste caso, a autora do
texto não utiliza da pontuação, não retoma o referente de maneira
diversificada, recorrendo ao recurso do pronome como único elemento de
retomada do referente. Sua escrita reproduz muitos traços da oralidade sem
demarcar por meio de recursos gráficos as pausas, as entonações e a
mudanças de vozes que se evidenciam no percurso narrativo. Observamos
que a aluna configura os enunciados, tomando como base os conhecimentos
que possui da oralidade, sem demonstrar o uso de algumas convenções da
linguagem escrita.

“... ela brinca com a bola jogando a bola de ouro para cima e para cima e
para baixo quando a princesa a bola caiu no fundo do poço”.

Observamos, também, no discurso da aluna algo que ocorre no


discurso oral que diz respeito a repetição de um termo no enunciado para
intensificar um ação ou caracterizar algo que precisa ser descrito na narrativa.
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No caso do fato narrado acima, a princesa jogou a bola e ela foi para cima e
mais para cima, demonstrando que a bola foi muito para cima. No discurso
escrito, entretanto, remete-nos a uma ideia incoerente, visto que uma bola não
pode ir para cima e depois mais para cima, seguida de uma queda para o
fundo do poço. A identificação deste aspecto funciona como objeto de
reflexão sobre o sentido das palavras no texto escrito que se configura de
maneira diversa no texto oral. Na oralidade contarmos com os recursos que
temos com a entonação da fala para demonstrar a intensificação da ação de
jogar a bola para cima. Já no texto escrito contamos com itens lexicais que
apontam para a ideia de que a bola foi muito para cima e não para cima e
mais para cima.

Detectamos a importância de se trabalhar uma especificidade da


modalidade de escrita pouco compreendida pelos alunos para segmentar o
texto pelo critério do tópico e das vozes apresentadas na narrativa.
Ressaltamos, na segunda produção de texto, a pontuação do texto e a
paragrafação por meio de atividade de revisão coletiva e individual dos textos
dos alunos. Esta atividade teve continuidade com a produção do texto
Chapeuzinho Vermelho. Damos acesso, ao segundo texto da aluna para
fazermos algumas observações.

Chapeuzinho Vermelho
chapeuzinho vermelho chegou na casa da vovósinha mas não era a
vovosinha era o lobo mal e ele e ele afinando a voz disse:
- puxi a tranca que ela soutara a tranca caiu o lobo disfaçando de
vovó e cobrindo o rosto:
- Ela disse o vovó eu trose vinho e um pedaço de bolo que minha mãe
mando li dar para ficar melhor
- tire o vestido e deite aqui:
- que olhos grandes você tem é pra tiver melhor que orelhas grandes
você tem é pra ti ouvir melhor e que mãos grandes você tem e pra ti abrasar
melhor e que boca grande é pra ticomer e ele comeu melhor e ele comeu a
vovó mas o casador e ele pegou uma teso cortou e ele tirou a vovó e a
chapeuzinho
fim

Neste texto, observamos a segmentação das vozes do narrador e dos


personagens por do uso do travessa e da pontuação. Contudo no enunciado
“puxi a tranca que ela soutara a tranca caiu o lobo disfaçando de vovó e
cobrindo o rosto”. É possível identificar a junção da fala do personagem e
do narrador, dificultando a compreensão do leitor. A aluna não coloca
pontuação, nem faz a paragrafação para diferenciar as duas falas. Esta
dificuldade ainda persiste no decorrer de forma mais intensa no final texto,
quando deixa de pontuar o texto no último parágrafo. Atribuímos este fato ao
cansaço da aluna e falta de monitoramento.

3 O Gato de Botas
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No texto “O Gato de Botas”, depois de lermos a história completa,


selecionamos um pequeno trecho para ser reescrito. Todavia, antes, de ser
realizada esta atividade, fizemos a leitura do trecho ressaltando os recursos
gráficos utilizados pelo autor para tornar o texto expressivo. A parte
selecionada do gato de botas foi o trecho final em que o gato tenta ludibriar o
ogro fazendo com ele se transformasse em um rato e dessa forma podendo
devorar. Observamos os sinais de pontuação e as entonações dadas na leitura
do professor a fim de identificar recursos da pontuação. Em seguida,
propomos as crianças que reescrevessem o texto que haviam escutado
oralmente, observando os sinais de pontuação. Apresentamos, a seguir, o
texto da aluna Maísa.

O Gato de Botas
O gato foi para o castelo do ogro e quando ele chegou lá o ogro
disse:
- ola você veio mim agradar
O gato disse:
- sim mas que barba grande você tem e barriga. E o ogro disse:
- E e eu também posso me transformar
Em qualquer bicho e o gato disse:
- E o senhor pode se transformar num leão enorme.
E o ogro disse:
- todos os bichos que pensar
E o gato disse:
- Então se transforme em um leão um dois e três e o ogro se
transformou num e bem grande chega o gato ficou com medo e as bolas
tremião mas ele se alcamou-se e disse:
- A si transformar num leão você e grande e o leão.
e o ogro disse :
- Mas eu também posso mi transformar em bichos pequenos.
- E o gato pensou é em um ratinho
É claro um, dois, três e já e ele se transformou num ratinho e o gato
di botas o comeu e o castelo ficou vasio e o gato deu a princesa e o príncipe
ficarão morando tá e forma felizes para sempre
fim
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Notamos no terceiro texto uma grande evolução da aluna, visto que a


ocorrência de sinais gráficos e recursos linguísticos como verbo discendi para
sinalizar a mudança de fala dos personagens e do narrador foi intensificada.
Entendemos que este é um processo de idas e vindas em que o processo de
regulação se faz com um tempo com a ajuda do professor. O aluno ainda não
sabendo regular a fala do narrador com a fala do personagem, ou seja, não
segmenta o dizer do narrador com o dizer do personagem.

CONCLUSÕES

A experiência revelou um caminho a ser perseguido na compreensão da


relação oralidade e escrita nos textos dos alunos que estão em processo de
aquisição da linguagem escrita. Neste sentido, buscamos, no decorrer deste
projeto, desenvolvermos propostas pedagógicas que levem os alunos a se
apropriarem das formulações textual-discursiva para chegarem a um bom
nível de produção textual.
Observamos no texto do aluno uma grande dificuldade inicial para
organizar esse texto, segmentando a voz dos personagens com a voz do
narrador na passagem da modalidade oral para escrita. No discurso escrito os
alunos tem dificuldade de identificar qual o personagem que está falando por
reconhecer recursos da pontuação para expressar a mudança de vozes no
texto.
Um dos recursos da oralidade que ajuda a marcar estas diferenças foi
explorar nas atividades de leituras a mudanças de voz entre narrador e
personagens. Obsevamos, também, com os alunos a mudança de altura da
voz e suas modulações para tornar o texto mais expressivo. Por estes
mecanismos evidenciamos a necessidade da pontuação para destacar essas
formas expressivas que no discurso escrito não aparece. Os alunos
perceberam no plano da oralidade a importância da voz que possui uma
melodia, além das pausas que propõem um ritmo para o texto. Percebemos,
neste processo, a evolução dos alunos pela inclusão de novos recursos
gráficos que apresentam em seus textos escritos e no modo como passaram a
realizar os recontos orais na sala de aula.

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Leitura de Textos Cômicos:


exercício para o aprimoramento da leitura e
interpretação textual

Ana Paula Rocha Vital Pereira1

RESUMO
Neste trabalho faremos uma explanação sobre o Projeto de extensão “Leitura de
textos cômicos”, projeto orientado pela Profa. Dra. Jacqueline Ramos cujo objetivo
foi amenizar a falta de intimidade dos alunos com o texto escrito e a interpretação
deturpada sobre alguns textos trabalhados em sala de aula. Nesse projeto, propôs-se a
criação de oficinas de leitura e interpretação de textos cômicos procurando-se atender
a comunidade acadêmica da Universidade Federal de Sergipe (campus Alberto
Carvalho) e proporcionar aos alunos do curso de Letras envolvidos na execução do
projeto a oportunidade de desenvolver estratégias pedagógicas de ensino, assumindo a
postura responsiva de um profissional da educação. Para o desenvolvimento desse
trabalho, apoiamo-nos nas teorias sobre o cômico de Bergson (1971) e Freud (1977),
nas análises sobre leitura desenvolvidas por Antunes (2003) e Martins (1982) e no
estudo sobre gênero discursivo de Bakhtin (1992).

Palavras-chave: cômico, interpretação, leitura.

1
Contato do(a) autor(a): aprochavital@ig.com.br. Universidade Federal de Sergipe.
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Nos PCNs, o domínio da linguagem oral e escrita é um ponto fulcral


para a participação social efetiva do indivíduo, “pois é por meio dela que o
homem se comunica, tem acesso a informação, expressa e defende pontos de
vista, partilha ou constrói visões de mundo (...)” (2001, p. 23). Mas,
compreender, interpretar e expressar o que se pensa a respeito de um texto só
é possível quando um indivíduo é funcionalmente letrado, quando consegue
“engajar-se em todas as atividades nas quais o letramento for condição para o
desempenho efetivo no seu grupo e comunidade e (...) continue a utilizar a
leitura, a escrita e o cálculo para o seu próprio desenvolvimento e o da sua
comunidade” (UNESCO, 2007, apud Scliar-Cabral). Ou seja, em um sujeito
funcionalmente letrado os textos escritos são entendidos, são refletidos,
conduzindo-o a atuar na sociedade de forma ativa.

Supõe-se que um indivíduo ao ingressar em uma instituição


universitária seja um sujeito funcionalmente letrado, que não apenas
decodifique os sinais gráficos, que decifre as palavras em um gesto
simplesmente mecânico, mas, que compreenda e interprete adequadamente o
texto escrito. Contudo, a realidade é outra. Nos centros universitários é
comum a reclamação de professores quanto à falta de intimidade dos alunos
com o texto escrito e com a interpretação deturpada sobre alguns textos
trabalhados em sala de aula. Com o intuito de amenizar tal situação é que se
propôs colocar em prática, em âmbito acadêmico, o Projeto de extensão
“Leitura de textos cômicos”, sob a orientação da Profa. Dra. Jacqueline
Ramos. Nesse projeto, propõe-se a criação de duas oficinas de leitura e
interpretação de textos cômicos procurando-se atender a comunidade
acadêmica e proporcionar aos alunos do curso de Letras envolvidos na
execução do projeto a oportunidade de desenvolver estratégias pedagógicas
de ensino, assumindo a postura responsiva de um profissional da educação,
profissional cujo papel está cada vez menos atrelado apenas a transmissão de
conteúdos. De acordo com os Parâmetros curriculares Nacionais ser professor
significa muito

mais do que reproduzir dados, denominar classificações ou identificar


símbolos, estar formado para a vida, num mundo como o atual, de tão
rápidas transformações e de tão difíceis contradições, significa saber
se informar, se comunicar, argumentar, compreender e agir, enfrentar
problemas de qualquer natureza, participar socialmente, de forma
prática e solidária, ser capaz de elaborar críticas ou propostas e,
especialmente adquirir uma atitude de permanente aprendizado (
2001, p. 9).

Diante dessas perspectivas, colocamos em prática a primeira oficina de


leitura de textos cômicos, e neste trabalho exporemos as atividades
desenvolvidas durante a sua execução – do planejamento até a aplicação
efetiva da oficina realizada de 16 a 31 de janeiro de 2012. Nesta primeira
oficina procurou-se criar um espaço para o exercício de leitura e interpretação
de textos cômicos. A utilização de textos exclusivamente cômicos diz
respeito ao fato de tal gênero discursivo revelar-se bastante atrativo ao
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público leitor, despertando em um primeiro momento o prazer suscitado pelo


riso. Por meio dessa particularidade produzida pelo cômico, o prazer da
leitura, procura-se despertar o interesse do leitor ao que subjaz um texto
cômico, levando-o a refletir sobre tal texto, aprimorando, ou desenvolvendo,
sua capacidade interpretativa.

Para a aplicação da oficina fez-se necessário o estudo de algumas


teorias sobre o cômico e sobre leitura. No que diz respeito ao primeiro tema,
uma das vertentes da comicidade associa o riso a uma função social. É o que
podemos constatar com os estudos de Henri Bergson, filósofo francês para
quem o riso funciona como um mecanismo de repressão que cumpre a tarefa
de reajustar os indivíduos à sociedade reafirmando, assim, a seguinte máxima
latina: “o riso corrige os costumes”.

Já para o fundador da psicanálise, Sigmund Freud, o riso representa um


ato de prazer. Em “Os chistes e sua relação com o inconsciente” (1977) Freud
atribui ao cômico a função de produzir prazer ao extravasar conteúdos
reprimidos. O chiste funciona, então, como uma “válvula de escape”.

Além da revisão teórica dos principais estudos sobre o cômico, o que foi
de suma importância para a aplicação da oficina de leitura, também apoiamo-
nos em alguns textos que tratam da leitura, como o texto de Irandé Antunes
“Aula de Português: encontro & interação”. Nessa obra, discorrendo sobre o
trabalho da oralidade, da leitura, da escrita e da gramática na escola, Antunes
levanta algumas constatações sobre como essas atividades acontecem, ainda,
em muitas salas de aula. No que concerne a oralidade, por exemplo, Antunes
diz que os professores não abordam os diferentes gêneros textuais, gêneros
que englobam tanto a comunicação informal quanto a formal, atentando os
alunos para o fato de que existem diferentes formas de enunciação, a
depender do contexto comunicativo. No que se refere ao trabalho com a
leitura, parte que mais nos interessou para a aplicação da oficina, a autora
enfatiza que essa atividade, longe de ser um ato que proporcione prazer, é
“centrada nas habilidades mecânicas de decodificação da escrita, sem dirigir,
contudo, a aquisição de tais habilidades para a dimensão da interação verbal”
(2003, p. 27), o que quer dizer que a escola não propicia a interação do aluno
com a diversidade de textos escritos, textos vinculados a diferentes usos
sociais que pudessem levá-los a participarem concretamente de atos de
leitura, interpretando e questionando os textos submetidos à reflexão.

Em “O que é leitura?” de Maria Helena Martins, o conceito de leitura


atrela-se a concepção teórica de Paulo Freire de que “a leitura do mundo
precede sempre a leitura da palavra e a leitura desta implica a continuidade da
leitura daquele” (apud Martins, 1982, p. 10). Sendo assim, a forma
mecanizada de como a leitura é trabalhada em sala de aula,
descontextualizada da realidade do aluno focalizando-se apenas no ato de
decorar o alfabeto, soletrar e decodificar palavras isoladas, corresponde a
uma prática arcaica que não proporciona uma formação integral do indivíduo.
Citando Paulo Freire, Martins diz que a metodologia pedagógica de
desenvolvimento da leitura deve partir da cultura de origem dos estudantes,
da situação real do dia a dia, apresentando temas que façam parte da
realidade concreta do aluno instigando, assim, a capacidade crítica e reflexiva
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do indivíduo como sujeito histórico imerso em um contexto que não se exclui


da realidade que o cerca.

A partir dessas leituras teóricas desenvolvemos a oficina de leitura de


textos cômicos, objetivando-se promover a prática da leitura e interpretação
textual entre os alunos que apresentassem certa dificuldade diante dessas
atividades requisitadas em âmbito acadêmico. Como o próprio título da
oficina já sugere, os textos utilizados para o exercício da leitura foram
selecionados a partir de seus aspectos cômicos, uma vez que a comicidade,
associada comumente ao prazer, se mostra como um mecanismo convidativo
à prática da leitura, além de ser um gênero discursivo que explora diferentes
recursos da linguagem. Assim, por meio do cômico, procuramos seduzir os
alunos a participarem da primeira oficina de leitura de textos cômicos. Para
esta primeira oficina abrimos uma turma com vaga para 15 alunos. Todas as
vagas foram preenchidas por alunos da própria instituição acadêmica – UFS.

A oficina atraiu alunos de diferentes cursos acadêmicos: matemática,


geografia, letras português e sistema de informação. Apesar do nosso receio
em relação à recepção dos textos por parte dos alunos – houve participantes,
no momento da divulgação do evento, que se mostraram tímidos dizendo que
se recusariam a ler durante a oficina – todos se mostraram bem participativos
já no primeiro dia do curso, lendo piadas e refletindo sobre elas. A leitura de
piadas no primeiro dia de aula foi algo estratégico no nosso plano de aula,
procurando favorecer a descontração e a interação entre os alunos. No
decorrer da oficina trabalhamos com diferentes gêneros textuais: charges;
piadas; contos (“As mil e uma noites”); música (“Incompatibilidade de
gênios” de Aldir Blanc e João Bosco); jogral (“Epílogos” de Gregório de
Matos); crônica (“Desabafo de um bom marido” de Luís Fernando
Veríssimo); poemas (“Tragédia brasileira” de Manuel Bandeira); peça de
teatro (“Lisístrata – A greve do sexo” de Aristófanes); dentre outros textos.

Vale destacar que essa primeira oficina de leitura de textos cômicos


foi realizada no período das férias acadêmicas e ofereceu-se a cada
participante um certificado de 30 horas emitido pela PROEX.

Durante a oficina percebemos que apenas dois alunos não liam com
proficiência, os demais não apresentaram muita dificuldade diante dessa
prática nem da prática interpretativa. Assim, o objetivo do curso de extensão
em aprimorar a leitura e a interpretação textual dos alunos mais
problemáticos em relação a essas atividades se restringiu a apenas 13% da
turma. Talvez a própria dificuldade dos alunos com a leitura seja um entrave
para a participação desses indivíduos em cursos como o que oferecemos, já
que muitos deles têm vergonha de exporem suas deficiências. Para a maior
parte dos participantes da oficina, a leitura dos textos se mostrou como algo
prazeroso. A oficina proporcionou, segundo alguns alunos, um divertido
momento de reflexão sobre diferentes tipos de textos. Destacamos aqui que a
utilização de diferentes gêneros discursivos na oficina contribuiu para a
dinamicidade das aulas. Para um dos participantes, “a oficina foi bastante
divertida e proveitosa por apresentar gêneros diversificados”.
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Os alunos que apresentaram maiores dificuldades nas atividades


propostas na oficina foram justamente os estudantes do curso de matemática.
Durante a leitura dos textos ”Lisístrata: a greve do sexo” de Aristófanes e “O
dote” de Artur Azevedo, por exemplo, pudemos observar a falta de traquejo
desses alunos com a leitura, algo que seja motivado, provavelmente, pela
leitura pouco assídua de textos por parte desses indivíduos, o que nos fez
pensar que muitos alunos ainda mantêm a ideia de que nos cursos de exatas
lida-se apenas com números e por isso a leitura de textos escritos não se
configura como algo imprescindível à sua formação acadêmica. Ledo
engano, já que o raciocínio lógico requer uma capacidade interpretativa
aguçada, algo que só pode ser alcançado com o hábito da leitura.

Mas, apesar da falta de intimidade de alguns alunos com as palavras,


principalmente durante a leitura de textos mais longos, eles mostraram
grande interesse em participar das atividades propostas expondo, inclusive,
suas reflexões sobre os textos lidos. A cada dia da oficina presenciamos o
interesse desses alunos em especularem, imaginarem possíveis
interpretações, aspecto que pode ter sido propiciado pelo fato de o texto
cômico explorar questões de âmbito sociocultural, abrangendo diferentes
assuntos e relações sociais. Essas peculiaridades do gênero cômico
promoveram a identificação de muitos alunos com o assunto tratado em
determinados textos, fazendo com que eles dessem exemplos de experiências
próprias ou familiares que se assemelhavam a alguns acontecimentos
presentes nos textos lidos ou projetassem os acontecimentos textuais na
sociedade, tornando o debate sempre mais ativo.

Para podermos ter uma visão mais ampla sobre a opinião dos
participantes da oficina a respeito das atividades propostas, elaboramos um
questionário avaliativo do curso de extensão que foi distribuído entre os
alunos no último dia do evento. Nesse questionário, além de pedirmos para
que os alunos avaliassem os textos e os gêneros textuais trabalhados durante
a oficina atribuindo uma nota de zero a cinco a cada item, indagamos sobre
outros pontos referentes ao evento como, por exemplo, se o miniauditório foi
um ambiente favorável ao desenvolvimento da oficina – todos apresentaram
opinião positiva quanto ao uso desse recinto para a execução das atividades
propostas –; se a carga horária do evento foi extensa – a maioria não achou a
duração da oficina cansativa –; e se a proposta do curso atingiu a expectativa
do aluno – a maioria avaliou positivamente esse aspecto. No que diz respeito
aos textos, aquele que mais agradou ao público da oficina foram “As mil e
uma noites”, texto anônimo, e “Lisístrata – a greve do sexo” de Aristófanes –
em nossa opinião o conteúdo erótico presente nessas obras influenciou o
prazer pela leitura desses textos –. Os textos que menos agradaram os
participantes, provavelmente devido a escrita rebuscada que apresentam, foi
o poema “A origem do mênstruo” e o jogral “Epílogos”, ambos de Gregório
de Matos. Quanto a avaliação realizada sobre os gêneros discursivos, os
participantes da oficina gostaram mais dos vídeos cômicos que foram
exibidos – de fato as imagens visuais costumam agradar mais – e das piadas,
textos curtos que suscitam o prazer imediato.

Complementando esses itens apregoados no questionário perguntamos


também se o curso contribuiu para a ampliação da perspectiva do aluno sobre
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o cômico. A maioria disse não imaginar que à comicidade subjazem


diferentes funções e procedimentos, que o cômico tanto serve a repressão de
certas condutas sociais quanto à liberação de conteúdos refreados pela
censura, funcionando como uma “válvula de escape”. A abordagem de textos
cômicos na oficina proporcionou, de acordo com a opinião dos participantes
registrada no questionário, “mudança de visão sobre o tema” e “estimulo para
ler e conhecer mais textos literários”. O gênero cômico faz parte da
comunicação humana explorando, pois, diferentes recursos linguísticos para
o processo de construção de sentido do texto. O fato de estar associado ao
prazer suscitado pelo riso, o cômico é visto como um gênero menor. Essa
perspectiva vai ao encontro das teorias que dizem que o cômico não dá
acesso ao pensamento dito sério, que o cômico serve apenas para o prazer
imediato. Felizmente outras teorias vêm quebrando com este tipo de
raciocínio. É o que podemos verificar nos estudos realizados pelo filósofo
alemão Ritter, para quem o riso representa um dos caminhos para se entender
e explicar o mundo.

Acreditamos que, como uma oficina despretensiosa, o objetivo de


treinar a leitura e aprimorar a capacidade interpretativa foi alcançado. Os
poucos alunos que apresentaram maiores dificuldades diante dessas práticas
participaram ativamente de todas as atividades, demonstrando prazer ao ler
um texto e expor suas reflexões, assim como os demais alunos.

Nessa primeira oficina de leitura de textos cômicos aprendemos,


como alunas, a planejar um curso, refletindo sobre a criação da oficina –
estudo teórico, organização e seleção de material, análise dos textos,
divulgação do evento, infra-estrutura do evento – e a aplicação efetiva da
oficina – plano de aula e estratégias para conduzir o curso. A partir do nosso
envolvimento com o curso de extensão tivemos a oportunidade de pensar e
agir concretamente como um professor, algo bastante limitado durante o
curso acadêmico. Como professor, pretendíamos que os alunos matriculados
na oficina interagissem uns com os outro, analisassem e interpretassem os
textos com os quais tivessem contato ampliando a reflexão sobre a língua, o
homem e o meio social no qual estão inseridos, contribuindo, dessa forma,
com a formação de cidadãos mais conscientes, críticos e reflexivos sobre a
sua realidade.

É mister associar a ideia de leitura ao prazer e não a um ato obrigatório


que, muito provavelmente, tem como resultado contraproducente uma ojeriza
aos livros, fato que afeta toda a esfera da vida do indivíduo. Assim, a leitura
em sala de aula deve partir de situações reais, onde o texto é usado para obter
informação, diversão e não como pretexto para se ensinar como se lê.
Infelizmente muitos alunos universitários vêm de uma realidade educacional
que prima pelo aprendizado mecânico da língua em aulas que giram em torno
do ensino de gramática pura – gramática ensinada de forma
descontextualizada –, algo que vai de encontro às abordagens de ensino de
língua portuguesa contidas nos PCNs, pois, segundo estes,
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não se justifica tratar o ensino gramatical desarticulado das práticas de


linguagem. É o caso, por exemplo, da gramática que, ensinada de
forma descontextualizada tornou-se emblemática de um conteúdo
estritamente escolar, do tipo que só serve para ir bem na prova e
passar de ano – uma prática pedagógica que vai além da
metalinguagem para a língua por meio de exemplificação, exercícios
de reconhecimento e memorização de terminologia. Em função disso,
discute-se se há ou não necessidade de ensinar gramática. Mas essa é
uma falsa questão: a questão verdadeira é o que, para quem e como
ensiná-la (2001, p. 30).

Infelizmente, na prática, percebemos que esse preceito contido nos


Parâmetros Curriculares Nacionais de Língua Portuguesa é negligenciado,
uma vez que muitos professores executam suas aulas pautando-se em um
método tradicional de ensino, preocupados apenas em cumprir o currículo
escolar pré-estabelecido e transmitir os conteúdos didáticos. Arraigados nesse
método passadista, os professores transmitem os conceitos gramaticais
dissociados da prática interpretativa discursiva, mantendo uma perspectiva
reducionista do estudo gramatical, focalizada no estudo da palavra e da frase
de modo descontextualizado. Dessa forma, os alunos não são preparados para
situações vivenciadas fora da sala de aula, porque o que se espera de um
aluno é que ele decore as regras gramaticais e que faça bom uso delas no
momento da avaliação escolar. Assim, as aulas acabam representando um
mecanismo estático em que o professor finge que dá aula e o aluno finge que
aprende. Vindos dessa realidade muitos alunos universitários apresentam
muita dificuldade quanto à prática da leitura e interpretação textual.

Tentando amenizar tal situação ofereceu-se, em âmbito acadêmico, o


curso de extensão “Leitura de textos cômicos” procurando-se sensibilizar os
alunos para o hábito da leitura por meio do cômico, por meio de textos que
suscitam prazer e que por isso promovem mais facilmente o envolvimento do
aluno com o texto, levando-o a alcançar uma sensível forma de perceber os
elementos que compõem a linguagem discursiva. Apesar de a criação da
oficina ter sido motivada para atender os alunos com dificuldades de leitura e
interpretação, o público da oficina acabou sendo composto por indivíduos
que gostavam de ler, não apresentando, pois, leitura problemática. Mesmo
assim, podemos dizer que o curso atingiu seus objetivos na medida em que
despertou o interesse dos alunos por outro tipo de leitura pouco requisitada
em âmbito acadêmico – a leitura de textos cômicos –, levando-os a
aprimorarem a leitura, já que estamos em constante aperfeiçoamento, por
outro viés, o literário. Quanto aos alunos que realmente demonstraram
problemas diante das práticas propostas, percebemos que se envolveram nas
atividades procurando compreender os elementos textuais e a função do
cômico em cada texto lido.

Apesar da boa recepção da oficina e dos objetivos alcançados é preciso


destacar um ponto que deve ser melhorado para a execução da próxima
oficina. Uma das etapas de criação da oficina que merece mais atenção é a
parte da divulgação. Por conta de uma maior dedicação despendida para a
seleção do material a ser aplicado na oficina a divulgação ficou prejudicada.
Não elaboramos cartazes para colocar em pontos estratégicos do campus
universitário para chamar a atenção visual dos alunos, sem falar que só
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começamos a divulgar o evento no final do semestre, momento em que


muitos professores já encerraram suas aulas e, sendo assim, poucos alunos
frequentam a Universidade. Por conta dessa falha na divulgação do evento
houve pouca procura para a inscrição na oficina. Apesar de todas as vagas
terem sido preenchidas, esperávamos que mais alunos se interessassem pelo
evento o que nos levou a elaborar uma lista de excedentes caso a demanda na
procura do curso fosse além das quinze vagas estipuladas. Somente um
inscrito excedeu as quinze vagas estipuladas para a oficina. A lista de
excedentes serviria como parâmetro para a oferta de vagas da segunda
oficina. Algo que também pode ter inibido a procura dos alunos pelo curso de
leitura é o fato de no período das férias a universidade oferecer disciplinas de
verão. O horário da oficina chocava com o horário de muitas disciplinas
ofertadas.

Afora essa falha pertinente ao evento podemos dizer que a oficina foi
executada com responsabilidade e dedicação e que fazer parte da sua
organização foi fundamental para o nosso aprimoramento profissional. Vale
destacar que parte do sucesso da oficina está vinculado ao fato de o projeto
de extensão “leitura de textos cômicos” estar atrelado ao projeto de iniciação
científica “O cômico na literatura brasileira”, cujo objetivo é analisar os
modos e as formas da comicidade na literatura nacional traçando um
panorama da produção literária cômica dos autores canonizados pela
historiografia. O referido projeto de iniciação científica nos proporcionou
embasamento teórico e material literário para trabalharmos durante a oficina.

REFERÊNCIAS

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Parábola Editorial, 2003.
ARISTÓFANES. Lisístrata – A greve do sexo. Tradução Millôr Fernandes.
Porto Alegre: L&PM, 2003.
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BAKHTIN, Mikhail M. Gêneros do discurso. In. Estética da Criação
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BANDEIRA, Manuel. Tragédia Brasileira. In. Estrela da vida inteira. Rio
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BERGSON, H. O riso: ensaio sobre a significação da comicidade.
Tradução Ivone Castilho Benedetti. 2ª Ed. São Paulo: Martins Fontes, 2007.
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FREUD, S. O chiste e suas relações com o inconsciente. Edição Standard
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MARTINS, Maria Helena. O que é leitura?. São Paulo: Editora Brasiliense,
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MATOS, Gregório. A origem do mênstruo. Disponível em
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MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO E CULTURA. Parâmetros Curriculares
Nacionais: Língua Portuguesa. Secretaria de Educação Fundamental.
Brasília: A secretaria, 2001.
VERÍSSIMO, Luís Fernando. Desabafo de um bom marido. Disponível em:
<http://mais.uol.com.br/view/e8h4xmy8lnu8/desabafo-de-um-bom--marido--
-luis-ferna ndo—verissimo 0402356AC4C92326?types=A>. Acesso em: 10
out. 2011, 08:24:59.
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O Trabalho com Verbos nos Anos


Iniciais do Ensino Fundamental II:
Os “erros” gramaticais não interferem à
temporalidade

Alecrisson da Silva (UFS)1


Jailda Evangelista do Nascimento Carvalho (UFS)2

RESUMO
Este trabalho foi realizado a partir de uma pesquisa de campo com alunos do sexto
ano do ensino fundamental de uma Escola Estadual de uma cidade do sertão
sergipano. A mesma tem como meta mostrar que o número de alternância que muitos
educandos cometeram no emprego de verbos (terceira pessoa do plural dos tempos
pretérito perfeito e futuro do presente), principalmente na produção de narrativas não
se configura necessariamente como um “erro” no emprego do tempo verbal, mas
como uma imaturidade ainda comum nessa fase do percurso estudantil. Além disso,
pode-se justificar que o “erro” no emprego dos verbos nesses tempos e pessoas não
pode ser admitido como falta de conhecimento de tempo (presente e pretérito), mas
por conta de haver uma semelhança sono na terminação dos mesmos (terminação em -
ram para o pretérito perfeito e terminação em -rão para o futuro do presente) que, por
conta de a “imagem fotográfica” acerca da terminação de ambos não ainda não está
solidificada por conta da maturidade cognitiva. Com isso, é natural que essa permuta
aconteça. Contudo, a maior parte dos educadores muitas vezes ignoram os desvios
grafofonêmicos e acabam punindo seus educandos e, algumas vezes, provocando o
baixo estímulo para o estudo da língua materna.

Palavras-Chave: educandos; escrita; tempos verbais; correção textual.

1
Contato do(a) autor(a): alex.cjs.ba@bol.com.br Especialização em Língua
Portuguesa (Faculdade Pio Décimo); professor da rede municipal do
município de Coronel João Sá- BA; tutor do curso de especialização em
GPP-GeR/ UFS-CESAD.
2
Contato do(a) autor(a): jayllda@ig.com.br. Especialista em Metodologias
de Ensino para Educação Básica (UFS); integrante do Grupo de Pesquisa e
Estudos Educação e Contemporaneidade (EDUCON/UFS); Supervisora do
Programa Escola Ativa no município de Coronel João Sá- BA.
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INTRODUÇÃO
Os estudos acerca do trabalho com ensino de língua materna realizados
nos anos finais século XX têm proporcionado uma série de reflexões a
respeito de como se deve proceder o laboro com o mesmo. Entre um dos
paradigmas firmados está o que a língua não pode ser enfocada dissociada da
Cultura e a Sociedade. Isso porque língua e sociedade são realidades que se
inter-relacionam de tal modo que é impossível se conceber a existência de
uma sem a outra. É no seio da sociedade, com suas particularidades e
afinidades que as falas fluem, que a interação ocorre. E nesse fluxo constante
não há como presenciar uma homogeneidade de expressão comunicativa
culta entre as classes que disponibilizam de meios culturais mais
conceituados do que àqueles que não dispõem. Mesmo assim, isso não é
razão suficiente para que não disponibilize dos meios supracitados deixem de
serem seres comunicativos tanto no campo oral como escrito.

1 O MEIO SOCIAL COMO INSTRUMENTO DE


INSERÇÃO DO INDIVÍDUO NA LINGUAGEM

São inúmeros os desafios que o ser humano se depara na sua labuta


cotidiana. Para solucioná-los ou até mesmo amenizá-los, por mais que ela
não seja a solução mais adequada, muitas vezes a linguagem serve como
instrumento de desaba – quando não é a própria solução. Além disso, a
mesma pode funcionar como meio sedimentação para o ser humano explanar
suas descobertas, suas raízes históricas.

Diferenças de sotaques e dialetos podem desempenhar um papel


importante na projeção de determinadas imagens sociais e na cultura de um
povo, porém isso não é suficiente para que a linguagem deixe de tornar
possível o registro dos fatos históricos, sociais e culturais de um povo,
independentemente de ser expressa de forma coloquial ou culta.

Nesse sentido, pode-se afirmar que de nada adiante constituir um


fundamento de reflexão acerca de uma concepção sócio interacional de
linguagem sem que haja interação entre sujeitos sociais. E nada mais
adequado do que se os sujeitos ativos forem empenhados em atividades sócio
comunicativas – o diálogo entre professor de língua materna e alunos através
do próprio texto a partir da correção.

Para que esta atividade possa ser concebida, é admissível por parte de
quem produz o texto, um “projeto de dizer”; e, da parte do interpretador
(leitor/ ouvinte), uma participação ativa na construção do sentido, através da
mobilização do contexto (em sentido amplo), a partir das pistas e sinalizações
que o texto lhe oferece. Com isso, o que é visto como erro gramatical na
produção de textos, pode passar a ser através da correção textual-interativa,
a partir da orientação escrita (bilhetes) colocadas como recomendação a ser
seguida pelos educandos na reescrita.
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Esse procedimento de correção se constitui a parti de bilhetes que “Em


geral, têm duas funções básicas; falar acerca da tarefa de revisão pelo aluno
(ou, mais especificamente, sobre os problemas do texto), ou falar,
metadiscursivamente, acerca da correção pelo professor” (RUIZ, 2010, p.
47), de modo que quem escreve se depara não apenas com a sinalização do
desvio cometido, mas também de ter um norte no momento de reescrever.

Em meio a esse aparato de menções, pode-se afirmar que a linguagem é


o maior instrumento que o homem possui para lutar tanto por si mesmo bem
como pelos seus semelhantes. Sendo assim, ainda cabe a continuação da
afirmação no tocante à linguagem como identidade perfeita do homem,
porque ela o descreve, ela o espelha e mesmo ele tenta fazer através do
processo de metalinguagem (usar a linguagem para explicá-la). Seja em
qualquer uma dessas circunstâncias, a escola é um dos principais ambientes a
favorecer para que muitos desses adventos venham a se concretizar.

Porém o que costuma ainda predominar é um ensino de língua materna


pautado na maioria das vezes em conceitos gramaticais, sem tomar como
instrumento a importância da leitura e interpretação e até mesmo a produção
escrita para a tomada de quais conceitos gramaticais podem ser aplicados.
Isso faz com que caiba a seguinte reflexão:

[...] o fracasso dos alunos em provas que exigem escrita não é só o


fracasso da escola, mas o de uma sociedade que valoriza o que tem
pouco valor – escrever sempre as mesmas palavras e frases – e não
valoriza o que tem muito valor – a capacidade de alguém ser sujeito
de um texto, de defender idéias que se articulem, mesmo que haja
pequenos problemas de escrita. (...) Somos uma sociedade que
valoriza ortografia e casuísticas medievais sobre correção gramatical.
Mas que diz querer textos criativos e coerentes. (POSSENTI 2000, p.
55).

O resultado de tais procedimentos no ensino de língua materna nada


mais é do que um ensino que não passa do campo do próprio ensino e uma
aprendizagem que, na maioria dos casos que se pautam nesses fundamentos,
não se chega a atingi-la.
Segundo Antunes,

[...] a língua não pode ser vista tão simplesmente, como uma questão
de certo e errado, ou como um conjunto de palavras que pertencem à
determinada classe e que se juntam para formar frases, à volta de um
sujeito e de um predicado. A língua é muito mais que isso. É parte de
nós mesmos, de nossa identidade cultural, histórica e social.
(ANTUNES, 2006, p. 22).

E tendo a língua muito mais que tais concepções acerca do que a


autora afirmou, o que ainda se percebe no cotidiano do ensino de língua
materna, mais especificamente no tocante à correção de produção de textos é
uma escola que privilegia a gramática, deixando de lado a diversidade a
diversidade linguística que a gramática não consegue dá conta e que muitas
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vezes a endeusa. Assim, a norma culta é utilizada e colocada em um pedestal,


como intocável e única a ser aprendida na escola. Entretanto,

O reconhecimento da existência de muitas normas lingüísticas


diferentes é fundamental para que o ensino em nossas escolas seja
conseqüente com o fato comprovado de que a norma lingüística
ensinada em sala de aula é, em muitas situações, uma verdadeira
“língua estrangeira” para o aluno que chega à escola proveniente de
ambientes sociais onde a norma lingüística empregada no quotidiano
é uma variedade de português não-padrão (BAGNO, 2006, p. 19).

Com isso, fica evidente que o autor roga acerca para que as instituições
voltadas para a educação e cultura abandonem o mito da unidade do
português no Brasil, reconhecendo a verdadeira diversidade linguística
brasileira, de maneira que sejam melhores elaboradas as suas políticas de
ação junto à população que é marginalizada pelo uso de variedades não
padrão. E quando o não uso dessa variedade padrão não está postulado na
produção escrita, torna-se ainda mais gritante a manifestação, por parte do
docente, o repúdio ao “erro” dos alunos, alegando que esses manifestando-se
linguisticamente, não terão como ocupar uma posição de prestígio no meio
social.

Para que o trabalho com a correção de produção textual possa ter


significação para os educandos, é cabível que os

[...] professores e profissionais da linguagem possam modificar ou


adaptar a sua prática no sentido de incorporar a língua como
dimensão complexa do humano, a qual extrapola o círculo fechado do
sistema de formas e regras, para assentar-se naquilo que nos faz
humanos: ser e estar socialmente no mundo (MENDES, 2004, p.
137).

Isso só vai ocorrer a partir do momento que os professores de língua


materna compreenderem que seus educandos perpassam por etapas de
amadurecimento psicológico de acordo com sua idade. E, naturalmente, será
evidente que tal advento interfira na linguagem. Nesse sentido, pode ser que
educandos que não estejam com distorção idade-série possam ainda não ter
uma noção definitiva do que de como se flexiona os verbos na terceira pessoa
do plural dos tempos pretérito perfeito (-ram) e futuro do presente (-rão),
justamente por conta da proximidade sonora que ambas apresentam.

Possivelmente os docentes que atuam com o ensino de língua materna


não se dão conta de que para uma criança com idade entre 10 e doze anos não
é um procedimento tão natural ter uma “imagem fotográfica” acerca das
desinências supracitadas e acabam inserindo-as nas suas produções de textos.

É evidente que os educandos poderiam ter essa conclusão acerca de


como escreveriam tais desinências se lembrassem que no tempo pretérito
perfeito se tem uma paroxítona, e por isso o verbo vai sempre terminar em –
ram, enquanto que no futuro do presente se tem uma oxítona e os verbos
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terminarão em –rão. Mas como já fora mencionado nesse o amadurecimento


cognitivo dos educandos nessa idade pode não condizer para abstrair
informações tão complexas.

Vale ressaltar que tais posturas dos docentes no tocante às correções das
produções de textos podem ser justificadas pelo fato de que

[...] nas sociedades letradas (aquelas que usam intensamente a


escrita), há a tendência de tomarem-se as regras estabelecidas para o
sistema de escrita como padrões de correção de todas as formas
lingüísticas. Esse fenômeno, que tem na gramática tradicional sua
maior expressão, muitas vezes faz com que se confunda falar
apropriadamente à situação com falar segundo as regras de bem dizer
e escrever, o que, por sua vez, faz com que se aceite a idéia
despropositada de que ninguém fala corretamente no Brasil. e que se
insista em ensinar padrões gramaticais anacrônicos e artificiais.
(PCNs, 1998, p. 30)

Porém, com as inúmeras leituras que chegaram aos conhecimentos


daqueles que atuam no laboro com o ensino de língua materna, se torna
inconveniente presenciar a aplicação de um ensino de produção de textos sem
que haja um feedback para que os alunos possam reconstruir seus textos a
partir do seus próprios “erros”.

2 METODOLOGIA PARA A REALIZAÇÃO DA


PESQUISA

A pesquisa foi realizada om educandos do sexto ano do ensino


fundamental de uma escola da rede estadual de ensino do estado de Sergipe.
Foi requisitado que os educandos escrevessem uma narrativa que contivesse
um espaço (praça), ao menos os seguintes personagens: pai e mãe, dois
filhos e um acontecimento. Não foi solicitado limite de linhas. Ao todo, 34
alunos colaboraram voluntariamente produzindo a narrativa solicitada.
Após o término das produções, os educandos entregaram ao
pesquisador. A partir da observação e constatação acerca da permuta quanto
ao emprego de verbos na terceira pessoa do plural nos tempos pretérito
perfeito e futuro do presente, foi solicitado a 26 professores formados em
Letras com habilitação em ensino de língua materna e que atuam como
professores de Língua Portuguesa e Redação entre o sexto e nono ano do
ensino fundamental.
Foi solicitado que eles fizessem a correção na íntegra acerca de todos
os desvios no tocante aos aspectos linguísticos presentes no texto. A partir
disso, foi requisitado que os docentes mencionassem os seguintes aspectos:
quais os aspectos mais graves quanto à produção de texto? Como você faria
para que seus educandos pudessem evitar a dualidade muitas vezes
inadequada na aplicação dos verbos na terceira pessoa do plural dos tempos
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pretérito perfeito e futuro do presente? Haveria algum conteúdo ligado à


fonologia que poderia auxiliar os educandos para evitar tais “desvios”?
Segue abaixo os casos em que os educandos sinalizaram em seus textos
a permuta no emprego dos verbos:

3 ACEPÇÃO DE ALGUNS RESULTADOS

Na maioria dos textos produzidos pelos educandos, houve sinalização


de desvios de natureza grafo fonêmicos, além dos de aspectos macro textuais
como coesão e coerência.

Os docentes tiveram a incumbência de responder um pequeno


questionário que seus dados foram a base para a interpretação dos seguintes
resultados transpostos a partir dos gráficos a seguir.
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Quais dos "erros" presentes nas produções de


textos corrigidas por você que tu considera
muito grave?
Sintáticos
Coesão e
Morfológicos 4%
coerência
19% 27%

Fonológicos
50%

Como se pode perceber, há uma ainda um resquício muito forte


presente entre os colegas professores que atuam no ensino de língua materna
que prioriza aspectos micro textuais como de importante relevância para o
aprimoramento da produção escrito. Não se pretende afirmar que os desvios
grafo fonêmicos deixem de ser sinalizados, mas de refletir acerca do grau de
distorção que um desvio fonológico pode implicar na compreensão do texto.

O gráfico abaixo tem como meta saber qual a posição tomada pelos
docentes para que eles contribuam para que seus educandos possam superar
determinada dificuldade de aprendizagem no tocante à conjugação (mais
especificamente à flexão temporal) dos tempos pretérito perfeito e futuro do
presente do modo indicativo.

Segue a interpretação dos dados:

Como você faria para que os seus


educandos evitassem o trocadilho na
flexão dos verbos na terceira pessoa do
plural dos tempos pretérito perfeito e
futuro do presente?

Intensificav
a o ensino
Pensava do
outra conteúdo
estratégia conjugação
de acordo verbal até
com a aprenderem
situação 65%
35%
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As informações acima deixam evidentes que é mais comum


aos professores insistirem nas mesmas estratégias metodológicas em vez
de pensar uma nova possibilidade metodológica para que seus
educandos possam aprender determinado conteúdo.

O último questionamento busca diagnosticar se, por acaso,


algum conteúdo gramatical for escolhido para contribuir no tocante à
compreensão da conjugação dos verbos nos tempos pretérito perfeito e
futuro do presente, qual poderia servir de base para tal intento.

Haveria algum conteúdo ligado à fonologia


(tonicidade de sílaba) que poderia auxiliar os
educandos para evitar tais “desvios” quanto à
flexão dos verbos?

Sim
31%

Não
69%

Um dos conteúdos gramaticais ligados à fonologia que poderia


contribuir para que muitas das permutas presentes nos textos,
especificamente no tocante à flexão dos verbos nos tempos pretérito perfeito
e futuro do presente, seria o conhecimento do emprego de palavras oxítonas
e paroxítonas. Isso se daria da seguinte forma: para o aluno escrever os
verbos no tempo correto, deverá observar a posição da sílaba tônica. Ou seja,
quando o verbo escrito pelo educando for uma oxítona, ele está no tempo
futuro do presente (com a terminação –rão).

Já quando o verbo for uma paroxítona, está empregado no tempo


pretérito perfeito (com a terminação –ram). Nesse sentido, o mais adequado
é esta última opção para a produção de textos narrativos, uma vez que a
retratação dos acontecimentos estão no passado. Porém, pode-se observar
que a maior parte dos docentes que participaram da pesquisa não tiveram a
compreensão desses adventos.
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CONSIDERAÇÕES FINAIS

Do final do século XX até a contemporaneidade, foram muitas as


transformações no tocante ao ensino de língua materna com o intuito de
melhorá-lo. Todavia, como se pode ver nos dados transpostos nesta pesquisa,
ainda há uma distância considerável em relação às recomendações da
linguística textual e aplicabilidade dos conceitos que a mesma recomenda aos
docentes que atuam no ensino de língua materna.

O que ainda se testemunha é uma predominância, principalmente


com relação à correção de textos, sinalização dos desvios grafo fonêmicos
que não se amplia a partir de estudos que a própria gramática pode contribuir.
Os dados mostrados na pesquisa revelam que os professores pautam-se em
“vigiar” os desvios ortográficos cometidos pelos seus educandos, mas não
consideram o “erro” ortográfico como estratégia para aprimorar a própria
capacidade de escrever.

Contudo, fica informado que o trabalho pedagógico de prática de


escrita da maneira como foi percebida na pesquisa não dá conta de
transformar as práticas de escrita como fora vista, uma vez que as atividades
não são significativas diante das demandas sociais de uso da escrita na
contemporaneidade.

REFERÊNCIAS
ANTUNES, Irandé. Muito além da gramática: por um ensino de línguas sem
pedras no aminho. São Paulo: Parábola Editorial. 2007.
BAGNO, Marcos. (2006). Preconceito linguístico: o que é, como se faz. 46ª
edição. São Paulo: Edições Loyola.
Brasil. Parâmetros curriculares nacionais: terceiro e quarto ciclos do
ensino fundamental: língua portuguesa. Brasília: MEC/SEF, 1998.
MENDES, Edleise; ASTRO, Maria Lúcia Souza (Org.). Saberes em
português: ensino e formação docente. Campinas, SP: Pontes Editores.
POSSENTI, Sírio. Mal comportadas línguas. Curitiba. Criar Edições, 2000.
RUIZ, Eliana Donaio. Como corrigir redações na escola: uma proposta
textual-interativa. São Paulo: Contexto, 2010.
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Alfabetização e Sociolinguística
do Dialogismo das Relações Escolares:
a sociolinguística nas classes de alfabetização

Fernanda Izidro Monteiro1

RESUMO
O presente artigo visa refletir sobre a sociolinguística e sua aplicabilidade em termos
metodológicos, pensando especificamente as classes de alfabetização, apresentando e
discutindo o tema com base em conceitos bakhtinianos como dialogismo, polifonia e
alteridade. Assim, o trabalho objetiva refletir dialogicamente acerca da utilização de
contribuições da sociolinguística no processo de alfabetização. A sociolinguística é
aqui considerada como uma forma de aproximar educando x educador x conteúdo, de
forma a propiciar o desenvolvimento integral do aluno e a otimização do processo de
ensino e aquisição da linguagem escrita, sobretudo no que tange às classes populares,
mais excluídas nesse processo devido à descontextualização que a estrutura de ensino
representa em relação ao seu cotidiano. Em meio a estas considerações, é possível
perceber a existência da concepção de alfabetização como construção histórico-social
do conhecimento, construção essa que é indissociável da língua, elemento de cultura
dos grupos sociais, tanto dominantes ou dominados. A pesquisa justifica-se a partir
da visão ampliada do processo de aquisição da linguagem escrita, pautada na
utilização da sociolinguística, em que a construção dos sentidos, por meio da fala,
escrita ou leitura, está absolutamente arraigada em atividades discursivas e às práticas
sociais as quais os educandos têm acesso ao longo de seu processo de socialização.
Assim, o presente trabalho, realizado através de pesquisa bibliográfica, pauta-se na
ideia de que a escola, enquanto um espaço de formação efetiva de indivíduos
conscientes de seu papel cidadão deve ter como elemento norteador do ensino de
língua portuguesa a não discriminação das variações linguísticas, considerando a
alteridade constitutiva dos sujeitos como um fator de destaque no desenvolvimento do
processo de ensino e aprendizagem.

Palavras-chave: sociolinguística; alfabetização; dialogismo.

1
Contato do(a) autor(a): fernandapedletras@yahoo.com.br. (Mestranda
PPGE/ UFRJ)
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INTRODUÇÃO

Em decorrência de sua notoriedade no que se refere ao desenvolvimento


global do educando, o tema alfabetização tem sido amplamente discutido em
várias esferas do âmbito educacional brasileiro. Contudo, vale ressaltar que
ainda há um longo caminho a ser percorrido no tema em questão, sobretudo
no que se refere à questão do fazer docente no ano de escolaridade aqui
tratado. Refletir a respeito de tal assunto significa refletir, mormente, sobre a
real significação da alfabetização no processo de integração social do
educando. A importância da compreensão de tal significado pode ser
percebida por meio das mudanças notadas no próprio panorama sociopolítico,
econômico e cultural brasileiro em relação à importância da aquisição da
linguagem escrita. Essas mudanças se refletem nas metodologias da
alfabetização, esta que, gradualmente, passou a ser vista como uma
ferramenta de promoção à língua escrita significativa e cônscia para o
educando, levando-o à autonomia e à ação social efetiva. Todavia, esse
processo não tem atingido a todos os educandos, de modo que os altos
índices de evasão e repetência escolar apontam para a necessidade de novos
paradigmas educacionais que priorizem a aproximação do educando da
escola, o que colaborará decisivamente nesse processo: o aluno não precisa
apenas estar na escola, mas sentir-se parte integrante do grupo que a constitui
como uma instituição de formação da criticidade dos sujeitos do processo
educativo.

Nesse aspecto, Soares (2002) fala incisivamente da importância da


significação real da escola como fator inerente da aprendizagem para as
classes populares:

Essa escola para ao povo é, ainda, extremamente insatisfatória, do


ponto de vista quantitativo e, sobretudo, qualitativo. Não só estamos
longe de ter escola para todos, como também a escola que temos é
antes contra o povo que para o povo; o fracasso escolar dos alunos
pertencentes às camadas populares, comprovado pelos altos índices de
repetência e evasão, mostra que, se vem ocorrendo uma progressiva
democratização do acesso à escola, não tem igualmente ocorrido à
democratização da escola. (p. 5-6)

A priori, no que tange à complexidade do processo de significação da


linguagem escrita, faz-se essencial um leitor capaz de entender o significado
do discurso, indo além da mera decodificação dos signos, interpretando os
elementos históricos, sociais e ideológicos que o compõem. Para
desempenhar autonomamente tal objetivo, o educando precisa dominar de
forma ativa os elementos de textualidade que constroem o âmbito discursivo
oral e escrito, e, ainda, os elementos materiais de sua codificação, de uma
maneira una e coerente. Para a significação ampla da presente pesquisa, faz-
se necessária uma apresentação da perspectiva linguística e cultural da
linguagem na escola e na sociedade, sendo essa um instrumento de
construção da mesma.
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Pela linguagem, além dos laços sociais consolidarem-se e os


conhecimentos serem acumulados e transmitidos, é produzida a possibilidade
da consciência humana propriamente dita. A linguagem é, assim, a
consciência real e prática dos homens. Ao viabilizar a representação do
pensamento por meio da abstração e generalização das características do
mundo exterior, a linguagem possibilita a passagem da consciência sensível à
consciência racional, permite a transposição das operações com objetos
concretos para operações mentais por meio de conceitos e representações, e
esse processo ocorre transversalmente com a aquisição da linguagem escrita
na escola, sendo essa a formadora dessa consciência humana nos indivíduos.
Conforme Bakhtin, a palavra, aqui considerada na perspectiva da linguagem,
é o elemento fundamental de contato com o outro, no viés do presente
trabalho, o contato entre docente e discente. Assim, a palavra

serve de expressão a um em relação ao outro. Através da palavra,


defino-me em relação ao outro, isto é, em última análise, defino-me
em relação à coletividade. A palavra é uma espécie de ponte lançada
entre mim e os outros. Se ela se apoia sobre mim numa extremidade,
na outra apoia-se sobre o meu interlocutor. A palavra é o território
comum do locutor e do interlocutor (BAKHTIN, 2004, p. 112).

Logo, a linguagem tem função social, cultural, intelectual e histórica de


representação e perpetuação dos valores e saberes humanos, sendo a escola,
desde a era moderna, a instituição responsável pela perpetuação desses
elementos, sobretudo através de uma criação humana para essa perpetuidade:
a linguagem escrita.

Em uma abordagem histórica, pode-se dizer que a linguagem,


inicialmente presa à situação prática e ao gesto, avançou em possibilidade de
representação, exigida pela produtividade gerada pela divisão social do
trabalho, até a construção de um sistema de códigos capaz de transmitir as
informações mais abstratas. Esse esforço para emancipar a linguagem da
situação concreta imediata, ampliando seu grau de abstração, tem, na
linguagem escrita, seu estado mais desenvolvido. A escrita e sua invenção
caracterizaram-se como a constituição de um aparelho de representação, não
um processo de codificação. Uma vez construído, poder-se-ia pensar que o
sistema de representação é aprendido pelos novos usuários como um sistema
de codificação, uma ideia errônea. No caso dos dois códigos envolvidos no
princípio da escolarização (a representação numérica e da linguagem escrita)
as dificuldades que as crianças enfrentam se caracterizam por aspectos
conceituais, que se assemelham à constituição de um sistema, e, portanto,
pode-se dizer que o educando reinventa, ressignifica esses sistemas. Não é
uma reinvenção dos signos numéricos e linguísticos, mas uma modificação
que os transforma no que tange o processo de construção, com regras de
produção únicas elaboradas a partir de seus saberes que não devem ser
desvalorizadas pelo professor. Nesse aspecto, Cagliari (1999) afirma que

(...) Ninguém escreve ou lê sem motivo, sem motivação. É justamente


por isso, que, em certas culturas, o uso da escrita se apresenta como
algo secundário e dispensável, mesmo e, em outras, como
absolutamente imprescindível. Essa atitude perante a escrita não se
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observa só comparando, por exemplo, a cultura europeia com a cultura


de tribos indígenas. Atitudes conflitantes com relação à escrita se
podem observar numa grande cidade, entre seus habitantes, sem
dúvida alguma, todos necessitam de um modo ou de outro saber ler
certas coisas, mas o número cai enormemente quando se conta quem
necessita produzir a escrita na proporção do que lê. Não basta saber
escrever, para escrever. É preciso ter uma motivação para isso. (p.102)

Há a necessidade de atração do educando para o universo escolar, do


qual ele se sente separado pelas diferenças que nota entre a sua realidade e o
que lhe é apresentado. É na alfabetização que se evidencia primeiramente
essa questão, posto que a criança não reconhece a sua linguagem na língua
que está sendo exposta pelo docente, e dessa forma sente-se desnorteado.

A perspectiva do presente trabalho tem como ideia norteadora a visão


das diferenças linguísticas como uma ferramenta funcional do processo de
construção do saber de uma maneira ampla, e no ensino da língua materna
escrita como um ponto de partida essencial a ser considerado pelo docente
em sua práxis.

Contrariando a ideia que considera o saber linguístico das classes


populares como insuficiente ou deficiente, Labov demonstrou que a escola
deveria partir da linguagem da criança no processo de alfabetização,
conforme demonstra Soares (2002) ao discorrer sobre a teoria do mesmo:

Para Labov, pois, a principal falácia da teoria da privação verbal é que


ela atribui o fracasso escolar da criança a uma inexistente “deficiência
linguística”; a explicação para esse fracasso deveria ser buscada na
identificação dos obstáculos sociais e culturais a aprendizagem, e na
inabilidade da escola em ajustar-se a realidade social. Os programas
de educação compensatória, afirma ele, são planejados para corrigir a
criança, não a escola: falharão, enquanto se basearem nessa inversão
lógica. (p.47-48)

Numa análise sociológica, vê-se que o domínio da escrita e do saber


tem configurado-se como fonte de poder consideravelmente emblemáticas
nas sociedades e, logo, privilégio das chamadas classes dominantes, por
possuir tais fontes. Assim, conforme Cagliari (1999), a instrumentalização
desses saberes a todos os indivíduos da sociedade através do ensino e, por
conseguinte, da escola, tornaria arriscada a estrutura social posta de
inferiorização das classes dominadas, que têm como justificativa para tal
ação a falta desses saberes.

Conforme Althusser (1969), a escola, na sociedade capitalista,


assume funções antes reservadas à igreja e torna-se principal veículo de
manutenção do status quo da classe dominante. Tal fato consolida-se na
anulação da contextualização e inserção do conhecimento de mundo dos
educandos no ensino, fazendo assim com que todas as crianças, de todas as
classes sociais sejam suscetíveis à ideologia dominante, não havendo espaço
para a consideração da individualidade do educando enquanto sujeito.
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A anulação das particularidades do conhecimento de mundo dos


educandos das classes populares, elementos culturais constituintes de sua
identidade, configura a cultura de tais classes como uma subcultura, e a
“verdadeira cultura”, modelada a partir dos padrões da classe dominante, que
é implantada, reproduzida e difundida no âmbito escolar. A ação pedagógica,
nesse prisma, é tida como uma das formas de violência simbólica, conforme
Bourdieu e Passeron (1975, p.20), posto que trata-se de uma “imposição, por
um poder arbitrário, de um arbitrário cultural”. Tal ação pedagógica está
inscrita nas instituições por um sistema de ferramentas que perpetuam seus
valores no cotidiano escolar: a linguagem, o espaço social, as práticas de
convivência, as metodologias de trabalho etc.

A partir dessa perspectiva, é possível afirmar que a escola pode ser


vista como lócus da perpetuação de uma estrutura social que se mantém
como superior por meio da desvalorização das práticas sociais, linguísticas e
culturais das classes dominadas. A escola, por meio de um cotidiano
excludente do uso da linguagem, afasta os educandos das classes populares
do ambiente escolar, posto que seus hábitos e culturas, transmitidos através
de uma linguagem que é negada, não são considerados na práxis escolar,
práxis essa que nem ao menos dá aos educandos a possibilidade de se
apropriar da língua dita legítima a fim de ter instrumentos para mudar sua
condição social. Logo, é possível relacionar o fracasso escolar ao processo de
aquisição da linguagem escrita, em que o educando das ditas classes
dominadas não se apropria de maneira eficaz, eficiente e significativa do
código linguístico, sentindo-se sempre indiferente e fora da realidade
apresentada pela escola, que não considera o contexto em que o mesmo está
inserido e as suas necessidades enquanto ser biopsicosociocultural. Soares
(2002), a esse respeito, diz:

(...)A escola exige de todos os alunos que cheguem a ela trazendo


algo que ela mesma não se propõe dar, e que só as classes dominantes
podem trazer - o domínio pratico da língua “legítima”, pressupondo
esse domínio prático, oferece um ensino da língua “legítima” que,
evidentemente, só pode levar os bons resultados àqueles que já
dispõem daquilo que ela não dá, mas de que depende do que ela dá.
(...) A escola leva os alunos pertencentes às camadas populares e a
reconhecer que existe uma maneira de falar e escrever considerada
legítima diferente daquela que dominam, mas não os leva a conhecer
essa maneira de falar e escrever, isto é, a saber, produzi-la e consumi-
la. (p.62-63)

A linguagem tem como objetivo principal a comunicação, sendo


socialmente construída e transmitida culturalmente e, consistindo a escola em
um ambiente de construção de cultura, é inerente o trabalho com a linguagem
dos educandos no processo de alfabetização como instrumento de ensino x
aprendizagem e de aproximação entre os indivíduos desse processo. Assim,
o sentido da palavra baseia-se no contexto, brota no diálogo e metamorfoseia-
se historicamente produzindo formas linguísticas e atos sociais que
necessitam ser empregados no lócus de aprendizagem da linguagem escrita.
Esta perspectiva do processo de alfabetização exige que se delineie o fazer
docente como professor-interlocutor, numa construção interdiscursiva que
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permite a esses interlocutores (discentes e docentes) a possibilidade de


construção identitária a partir de uma ação discursiva que só se realiza nesse
processo dialógico. A apropriação do conhecimento socialmente produzido
se efetiva por meio da interação da criança com os outros indivíduos que a
cercam, num processo constituído pela alteridade. Conforme Vygotsky
(2002, p.11): “(...) o aprendizado humano pressupõe uma natureza social
específica e um processo através do qual as crianças penetram na vida
intelectual no meio daqueles que a cercam”.

Na construção de uma práxis educativa não excludente e de fato


significativa, é possível dizer que o processo de alfabetização deve ser
proporcionado por práticas que considerem o texto escrito, a variação
linguística e os modos de interação entre tais linguagens. Assim, numa práxis
coconstruída com a identidade social originária da interação com a linguagem
oral dos educandos, pode-se proporcionar uma aprendizagem real. Segundo
um antigo preceito de Claparède (apud FOUCAMBERT, 1997, p.68), “seja o
que for que se deseje ensinar à criança, é preciso integrá-lo à sua vida”. Tal
preceito, relacionado às práticas de alfabetização, refere-se à utilização da
linguagem do educando enquanto ponto de no processo de aquisição da
linguagem escrita: a linguagem é, assim, um instrumento de aprendizagem
mister no que tange a inserção da criança no universo escolar.

Segundo os princípios democráticos regentes da sociedade


contemporânea, nenhuma natureza de discriminação é tolerada: seja ela por
raça, religião, ou credo de qualquer espécie. Todavia, há uma brecha no que
tange dos aspectos inerentes à vida em sociedade: a educação e a linguagem.
Segundo Gnerre (1991),

(...) A única brecha deixada aberta para a discriminação é aquela que


se baseia nos critérios da linguagem e da educação. Como existe uma
contradição de base entre a ideia fundamental da democracia, do valor
intrinsecamente igual dos seres humanos e a realidade a qual os
indivíduos tem um valor social diferente, a língua, na sua versão de
variedade normativa, vem a ser um instrumento central para reduzir
tal conflito. Daí a sua posição problemática e incômoda de mediadora
entre democracia e propriedade. Em linguística, a posição
antinormativa foi estabelecida como uma visão abstrata segundo a
qual todos os dialetos têm um valor intrínseco, igual em termos
estritamente linguísticos. Este credo, que tem suas raízes na tendência
que M. Bakhtin- Voloshinov (1929) chamou de “objetivismo
abstrato”, aprofundou a distância entre os linguistas e os professores
de língua. Os linguistas, como consequência dessa posição abstrata
que assumiram, ficaram quase que por um acaso teórico, eu diria, ao
lado dos credos democráticos, contra a visão generalizada e enraizada
na sociedade da desigualdade entre língua padrão de um lado e os
falares ou “dialetos” do outro. (p.25)

Assim, numa perspectiva bakhtiniana, pode-se afirmar a necessidade de


um trabalho metodológico que desconstrua uma cadeia de discriminação
através da linguagem que tem como principal espaço de constituição o
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ambiente escolar, em que várias e distintas modalidades de fala convivem de


modo que apenas a que é tida como padrão é referencial de aceitação e
diálogo no grupo, de uma maneira geral. Logo, vê-se a necessidade de
alteração dessa perspectiva de visão una, considerando os saberes e fazeres
dos educandos e de sua individualidade, constituída na relação dialógica com
outros indivíduos durante todo o seu percurso, numa perspectiva de
constituição polifônica da alteridade do indivíduo.

No que tange à alfabetização, pode-se dizer que, antes de ser inserido no


âmbito da educação sistemática e formal representado pela instituição
escolar, o educando convive com outros indivíduos, os quais com
características, hábitos, discursos e culturas que acabam por ser incorporadas
pela criança, sendo essa a perspectiva de alteridade constitutiva do discurso
descrita por Bakhtin e aqui aplicada à temática desenvolvida no trabalho.

Ao trabalhar a perspectiva sociolinguística de alfabetização, são esses


discursos que a escola deve tomar como ponto de partida para a composição
de sua metodologia de ensino. Essa escolha metodológica implica numa
mudança radical nas relações professor x aluno, aluno x escola e aluno x
sociedade, posto que o educador não ocupe sozinho o lugar de detentor do
conhecimento linguístico válido, estreitando assim seus laços com o
educando, que se aproxima mais da escola, por essa lhe parecer mais atrativa
e ele membro significante dessa, que tem como se posicionar e agir frente à
sociedade. A construção dessa nova relação discursiva não se caracteriza
como uma prática simples, posto que demanda a construção de novas formas
de relação com a heterogeneidade linguística de que a sala de aula é
mantenedora. As diferentes histórias e relações dos educandos no que tange
as linguagens (oral e escrita) não podem ser desprezadas num processo de
aquisição da linguagem escrita que seja de fato eficaz e eficiente.

Buscando uma análise na perspectiva bakhtiniana, em que o homem é


sujeito expressivo e falante, constituído intersubjetivamente pelo dialogismo,
a relação entre educando e educador tende a se transformar numa relação
polifônica de enunciados vivos acompanhada de uma atitude responsiva
frente às demandas do outro com quem dialoga: ambos transmutam-se do
lugar de ouvinte ao lugar de fala do locutor, ocupando simultaneamente
ambas as posições discursivas. Demonstra-se, portanto, fundamental à
aprendizagem a noção de que a diversidade não representa um aspecto
negativo para o trabalho nas classes de alfabetização. É, sobretudo,
ferramenta de aproximação da realidade dos educandos que não deve ser
desprezada para o professor, posto que se trate da marca principal que o
educando traz de sua cultura, uma marca que por se revelar sincrônica traz
em seu âmago o movimento das línguas no espaço-tempo da sociedade,
demonstrando o quanto pode se transformar e, portanto, deve ser respeitada.
Segundo Bakhtin (2004) “aquele que apreende a enunciação de outrem não é
um ser mudo, privado da palavra, mas ao contrário um ser cheio de palavras
interiores. (...) A palavra vai à palavra.” (p.147). Assim, vê-se a perspectiva
sociolinguística na alfabetização como um processo homológico e dialógico,
em que cada posição em que os sujeitos estão inscritos não é individualmente
construída, mas compreendida e constituída a partir da relação de alteridade,
sendo essa alteridade o fundamento da identidade.
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A atitude de respeito perante a variação linguística que caracteriza a


alteridade constitutiva dos educandos e sua identidade enquanto indivíduos
permite a aproximação entre os elementos do processo de aprendizagem ao
fomentar instrumentos que permitam o acesso da criança ao conhecimento.
Desse modo, na perspectiva sociolinguística, propõe-se considerar e valorar
positivamente a linguagem que a criança traz consigo com ponto fundamental
de contato com o educador nesse complexo processo. A partir da
aproximação entre professor e aluno, criada a relação essencial de confiança
entre os mesmos, o educador terá pontos de contato mais firmes com os
educandos e de modo que os mesmos reconheçam-se no processo de ensino
aprendizagem, ressignificado em duas perspectivas: docente e discente,
sobretudo. Essa ressignificação é fundamental pela sua essência dialógica de
análise da prática docente no contato e no fazer-pensar da práxis.

Uma nova perspectiva de ensino e aprendizagem em relação aos


padrões postos se faz revelada. Nessa perspectiva metodológica, quando se
propõe a reflexão sobre a escola que existe, significa que, tal escola, assim
como a sociedade que a construiu e é por ela delineada, não é algo dado e
acabado, sendo efetivamente o produto de relações sociais, o reflexo da
prática social de grupos e de classes, e, por conseguinte, pode ser
transformada. Essa transformação se dá a partir do processo de interação que
é o cerne de sua constituição enquanto instituição feita de indivíduos, valores
e cultura essencialmente polifônicos porque dialógicos.

Tais marcas de interação, numa abordagem bakhtiniana, apontam para a


constituição da perspectiva de ensino e aprendizagem e aqui para a
constituição do fazer docente na relação com o discente na concepção de
sociolinguística aplicada ao processo de alfabetização, considerando as
múltiplas vozes que compõem essa relação. Essa interação se caracteriza
como ratificadora da efetividade da concepção: o espaço para o interlocutor e
o lugar de escuta, assim como o lugar de fala constituem-se como elementos
essenciais no processo de ensino e aprendizagem numa perspectiva
sociolinguística.

REFERÊNCIAS

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BAKHTIN, Mikhail. Estética da criação verbal. São Paulo: Martins Fontes,
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SOARES, Magda. Linguagem e escola – Uma perspectiva social. São Paulo: Ática,
2002.
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Martins Fontes, 1998.
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Variações Linguísticas nos


Manuais Didáticos

Carina Sampaio Nascimento (UFBA)1

RESUMO

Este estudo ancora-se na hipótese da inadequação do tratamento dispensado às


questões relacionadas à variação linguística nos manuais didáticos de língua
portuguesa. É importante ressaltar, a priori, a relevância desse estudo, visto que os
manuais didáticos são colocados como principal e, às vezes, como o único
instrumento pedagógico no ensino de Língua Portuguesa. Com base nestas reflexões,
foram analisados alguns manuais didáticos do ensino fundamental, observando como
são apresentadas as questões sobre as variantes linguísticas, e a partir dessas análises,
procurou-se estabelecer um paralelo entre as atividades solicitadas nas coleções e as
práticas pedagógicas desenvolvidas em sala de aula pelos professores de escola
pública e privada. Ao ler os PCN parece simples aplicar todas as propostas de reflexão
e conscientização em relação às variedades sociolinguísticas no Brasil, contudo não é
levada em consideração a qualificação dos professores. É muito comum em muitas
regiões do Brasil a contratação de estudantes que ainda não concluíram o curso e
estão exercendo a função didático-pedagógica de um profissional qualificado que já
possui o conhecimento e metodologia para desenvolver um ensino de Língua
Portuguesa não tão centrado nas regras da gramática normativa. Desta forma, ficaria
aberta à reflexão sobre a presença das variações e utilização de estratégias para o uso
do livro didático, posturas estas, que favoreceriam o ensino e atenuaria o preconceito
linguístico, que consequentemente diminuiria a exclusão social.
Palavras-chave: Ensino de Língua Portuguesa; Variação Linguística e Manual
Didático.

1
Contato do(a) autor(a): carinasampaio@gmail.com. Universidade Federal
da Bahia . Mestranda de Língua e Cultura (UFBA).
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INTRODUÇÃO

São várias as perguntas com as quais nos deparamos em sala de aula. A


variação linguística é, sem duvida, um dos fatores mais discutido, tendo em
vista a sua importância no ensino de língua portuguesa. Assim, para falar de
variação linguística no ensino é preciso levar em consideração o manual
didático, e como ele é utilizado pelos professores nas aulas de língua
materna, pois estes, muitas vezes usam de maneira acrítica, sem questionar a
adequação das questões e a outros elementos constituintes deste instrumento.
Desde a década de 60 estudos sociolinguísticos foram iniciados, tendo
como contribuição significativa de William Labov. Ao longo dos anos, a
sociolinguística foi se expandindo e tornando cada vez mais importante para
os estudiosos da língua. Assim tornou-se mais fácil mostrar que a língua
também é um objeto para realização de estudos científicos e que a
conceituada gramática normativa pode ser questionada. Apesar da
contribuição tida a respeito da língua, a gramática normativa ainda é usada
como instrumento único para o aprendizado de língua portuguesa, mesmo
sabendo que a língua não é um bloco uniforme.
Assim, embora ainda se mantenha o estudo voltado à gramática
normativa, a proposta de ensino de língua materna é estimular o aluno a
reflexão, bem como desenvolver a competência comunicativa e abrir espaço
para a pluralidade linguística.
É dever da escola preparar para que o aluno não perpetue a
discriminação linguística, pois não se pode tratar as variantes linguísticas que
se afastam das normas estabelecidas pela gramática normativa como
incorretas. Para isso, é importante formar a consciência linguística do aluno,
mostrando que os fenômenos de variação fonética, sintática, morfológica,
lexical e semântica são característicos da história e cultura humana, devendo
ser observada sem juízo de valor.
Com base no avanço e importância que se destina à linguística,
analisaremos duas coleções de manuais didáticos do ensino fundamental (5ª e
6ª série) para verificar se existe influência da variação linguística nas
questões e se estas são adequadas. Como este processo está ligado ao ensino,
serão observadas quatro aulas de língua portuguesa, tendo como objetivo
verificar a prática pedagógica desempenhada pelos professores.

1 Língua e ensino de língua portuguesa


A partir de meados do século XIX começa ser idealizado um padrão
linguístico de tradição lusitanizante no Brasil, pois existia nesta época o
desenvolvimento de estudos e das gramáticas prescritivo-normativas.
Assim, até os dias atuais ainda por alguns segmentos, como jornais,
programas de rádios, televisão, revistas, até cursos, palestras que lucram com
a gramatiquice abordando o uso "correto" do português de maneira
superficial e rápida, como uma fórmula, desprezando as mudanças que
acontecem na língua, pois como bem afirmam Faraco e Tezza (1992) as
"transformações sociais, políticas e econômicas se passam em curto espaço
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de tempo em uma sociedade como a brasileira. De tal modo que um


gramático conservador, munido de compêndios, que passasse um mês diante
de noticiários de televisão ou lendo jornais e revistas acabaria por declarar,
desesperado que ninguém sabe falar e escrever no país".
A não aceitação da diversidade linguística brasileira tem caráter
ideológico e a gramática normativa é símbolo desta ideologia, pois aqueles
que detêm o poder e o prestígio social hipoteticamente dominam as regras
presentes nela. Desta forma, aqueles que não dominam as regras da gramática
normativa são estigmatizados, visto que são consideradas inadequadas as
estruturas que fogem da estrutura padrão.
Estas questões relacionadas ao preconceito voltadas o ensino de língua
portuguesa dificultam a aprendizagem de alunos que possuem vocabulário,
fonética ou sintaxe divergente do ensinado, outro fator que merece destaque é
o livro didático de português, pois este se baseia segundo Bagno (2000) no
mito da unidade linguística do Brasil, ou seja, como se a língua fosse
imutável, atemporal, homogênea. É ilusão também afirmar que os falantes
cultos dominam totalmente o código linguístico. Dados de pesquisa utilizados
por Ilza Ribeiro (1999) em A crise brasileira no ensino da norma culta
mostram questões relacionadas com a escolarização no Brasil deste século e
com formação científico-pedagógico dos docentes de Língua Portuguesa.
Foram analisados vários casos de hipercorreção atestados na escrita de
universitários e de professores. Pois ao contrário do que se pensam as
variedades também ocorrem em falantes cultos, estes que muitas vezes ditam
regra do "certo" e "errado" se mostram inseguros ao utilizar determinadas
estruturas mais conservadoras. É o retrato do Brasil do século XX que
sinaliza para a crise no ensino em que a grande maioria de professores de
língua portuguesa "não dominam a norma culta, nem conhecem a norma
padrão definida pelas gramáticas"2.
Ao ler os PCN parece simples aplicar todas as propostas de reflexão e
conscientização em relação às variedades sociolinguísticas no Brasil, contudo
não é levada em consideração a qualificação dos professores. É muito comum
em muitas regiões do Brasil a contratação de estudantes que ainda não
concluíram o curso e estão exercendo a função didático-pedagógica de um
profissional qualificado que já possui o conhecimento e metodologia para
desenvolver um ensino de língua portuguesa não tão centrado nas regras da
gramática normativa. É importante refletir sobre a presença das variações e
utilização de estratégias para o uso do livro didático, posturas estas, que
favoreceriam o ensino e atenuaria o preconceito linguístico, que
consequentemente diminuiria a exclusão social.

2 PCN: abordagem de variação linguística

2
RIBEIRO, I. A crise brasileira no ensino da norma culta. A cor das letras, n.
3, p. 101-122, dez. 1999
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Os (PCN) Parâmetros Curriculares Nacionais trazem uma grande


contribuição no que diz respeito ao trabalho didático centrado na análise
linguística, leitura e escrita, dos quais podem orientar o ensino de Língua
Portuguesa.
Os PCN (1998) enfatizam ao respeito que se devem ter as variedades
linguísticas, pois considera o fenômeno da variação linguística como parte
constitutiva das línguas humanas. No Brasil “quando se fala em “Língua
Portuguesa” está se falando de uma unidade que se constitui de muitas
variedade e, sobretudo de um mesmo espaço social em que convivem
diferentes variedades linguísticas, geralmente associadas a diferentes valores
sociais”3 . Com base uma das propostas dos PCN é combater o preconceito e
alguns mitos que acabam dificultando o aprendizado do aluno.
Desta forma, os PCN (1998) esperam que no processo de análise
linguística, o aluno: constitua um conjunto de conhecimentos sobre o
funcionamento da linguagem e sobre o sistema linguístico relevante para as
práticas de escuta, leitura e produção de textos; como também, aproprie-se
dos instrumentos de natureza procedimental e conceitual necessários para a
análise e reflexão linguística (delimitação e identificação de unidades,
compreensão das relações estabelecidas entre as unidades e das funções
discursivas associadas a elas no contexto); seja capaz de verificar as
regularidades das diferentes variedades do Português, reconhecendo os
valores sociais nelas implicados e, consequentemente, o preconceito contra as
formas populares em oposição às formas dos grupos socialmente favorecidos.
Deve está centrado também na observação da língua em uso de maneira
a dar conta da variação intrínseca ao processo linguístico, no que diz respeito:
aos fatores geográficos (variedades regionais, variedades urbanas e rurais),
históricos (linguagem do passado e do presente), sociológicos (gênero,
gerações, classe social), técnicos (diferentes domínios da ciência e da
tecnologia); às diferenças entre os padrões da linguagem oral e os padrões da
linguagem escrita; à seleção de registros em função da situação interlocutiva
(formal, informal); aos diferentes componentes do sistema linguístico em que
a variação se manifesta: na fonética (diferentes pronúncias), no léxico
(diferentes empregos de palavras), na morfologia (variantes e reduções no
sistema flexional e derivacional), na sintaxe (estruturação das sentenças e
concordância). Comparação dos fenômenos linguísticos observados na fala e
na escrita nas diferentes variedades.
Assim, espera-se que sejam abordados nos manuais didáticos aspectos
ligados à análise linguística e a reflexão das possibilidades de construção
contida na língua de muitos brasileiros, inclusive os escolarizados, mas que a
gramática normativa desconsidera emprego adequado de palavras limitadas a
certas condições histórico-sociais (regionalismos, estrangeirismos, arcaísmos,
neologismos, jargões, gíria);

3
Dionísio, Ângela Paiva & Bezerra, Maria Auxiliadora. Livro didático de
Português: múltiplos olhares. 2 ed. Editora Lacerda, Rio de Janeiro, 2002. p.
84.
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3 Análise ao livro didático

Foram selecionados manuais didáticos do ensino fundamental (5ª e 6ª


série) de duas coleções. Os manuais didáticos da coleção de CEREJA,
William e MAGALHÃES, Thereza Cochar são divididos por unidade cada
uma composta por três capítulos.
Sabendo que toda língua varia, devido as modificação que sofre quando
é falada “por um homem ou uma mulher, por uma criança ou por um adulto,
por uma pessoa escolarizada ou por uma não-escolarizada, por uma pessoa de
classe alta, média ou baixa, por um morador de cidade e por um morado do
campo”4, ou seja, as variáveis sempre existiram, é a marca de cada pessoa e
de cada grupo possui uma linguagem exclusiva.
A gramática, os manuais didáticos, não acompanham a renovação na
língua, ao contrário, se apegam aos conceitos que não elucidam o fenômeno
linguístico.
Com base nas análises realizadas dos manuais didáticos percebe-se que
embora, tímida, já existe uma preocupação no que diz respeito à abordagem
da variação linguística. Pois foi encontrada a abordagem a variação
linguística de forma sucinta, porém considerada inadequada, pois não induz
ao aluno a refletir sobre as variantes, nem a ter uma postura menos
preconceituosa, apenas explica como é falado na norma culta e como é falado
na norma popular.
O foco do trabalho é observar se existem questões relacionadas à
variação linguística, existindo, será classificada como questões adequadas ou
inadequadas, conforme a sua elaboração. Assim, foi possível observar
algumas ocorrências inadequadas, pois foi elaborada de forma superficial. Os
exemplos 1, 2 e 3 ilustram o que foi dito.
Exemplo 1

Suponha que queira chamar uma pessoa até o local onde você está.
Como faria para chamá-la, se ela fosse:

a) um idoso, com mais de 70 anos?

b) um colega da sua classe, com quem você tem muita


amizade?

c) um rapaz jovem, que você não conhece?

(Português: linguagens, 5ª, p. 31).

Exemplo 2

4
BAGNO, Marcos. A língua de Eulália. 2ª ed. São Paulo. Parábola, 2001.
p. 41
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Você está andando na rua e um desconhecido lhe pergunta: “Você


conhece a rua Castro Alves por aqui?”.

a) Se você conhecer, a resposta mais lógica a essa


pergunta será:

 Sim, conheço.

 Conheço; até logo.

 Conheço, é a primeira à direita.

b) Por que as outras duas respostas seriam inadequadas?

(Português: linguagens, 5ª, p. 31).

Outra questão que poderia ser aprofundada, visto que se trata da


variação, utilizada pelos jovens alunos, porém a proposta do exercício cujo
tema gírias é mecânico.

Exemplo 3

O texto abaixo é parte da carta de uma leitora que elogia a matéria


publicada sobre gírias numa revista. Leia o texto e, em seguida, reescreva-o,
substituindo as gírias por palavras e expressões da norma culta.

É massa!

Dessa vez a Atrevida “arrepiou”. Foi “da hora” a matéria


NA PONTA DA LÍNGUA, com gírias “maneiras” de todos os
lugares. È por isso que me “amarro” cada vez mais nesta revista:
descolada, divertida, diferente e “trilegal”.

(Mariana Alves Manso, Atrevida, set. 1996. p. 18.)

(Português: linguagens, 5ª, p. 31).

A proposta que se tem para o ensino reflexivo diante das variedades


linguísticas, difere da realidade dos manuais didáticos, em que ainda estão
estagnados para este tipo de abordagem. Como ocorrem nas questões que se
refere a pronome, se limita a:
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Exemplo 4

Reescreva as frases, passando para o plural as palavras destacadas e


adaptando o que for necessário:

a) Eu sempre me preocupo com você.

b) Ele jamais se esquece dos amigos.

(Português: linguagens, 5ª, p. 142).

Exemplo 5

Empregue adequadamente pronomes pessoais retos e oblíquos:

a) “Não estou entendendo coisa nenhuma – reagiu a


irmã numa irritação que mostrava que _______não entendia coisa
nenhuma. – Fala ________, Geraldinho. O que é que há? (Chico
Anísio).

b) “Esta noite/ ______tive um sonho/ que deixou/


chateado”. (C. Q. Telles)

(Português: linguagens, 5ª, p. 142).

Apenas faz menção, (exemplo 6), porém de forma superficial e é tratado


como problema, e não como variação.

Exemplo 5

Você certamente já ouviu aquela música do grupo Ultraje a


Rigor que diz:

A gente na sabemos escolher presidente

A gente não sabemos tomar conta da gente

A gente somos inútil

De forma bem-humorada, o grupo retrata um problema gramatical muito


frequente na linguagem popular: o uso da expressão “a gente” (de 3ª pessoa
do singular) com o verbo na 1ª pessoa do plural (“sabemos e somos”).

(Português: linguagens, 5ª, p. 142).


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Dê duas outras redações a esses versos, de modo que eles fiquem de


acordo com a língua culta.

Contudo, o MD, bem como aquele quem o manuseia, o professor,


deveriam utilizar métodos que se aproximem da realidade do aluno, para que
auxilie no aprendizado, pois seja linguagem culta, seja na popular, a
ocorrência mais comum que se aproxima da realidade do falante é o como
pode ser observado na tabela 1, no que se refere ao português não-padrão.

TABELA 1: MUDANÇA NO USO DO PRONOME E DA


FLEXÃO VERBAL

1ª pessoa Eu Canto
singular

2ª pessoa Tu Cantas ou Você canta


singular

3ª pessoa Ele (a) Canta


singular

1ª pessoa plural Nós Cantamos ou A gente canta/cantamos

2ª pessoa plural Vós Cantais ou vocês cantam

3 ª pessoa Eles cantam


plural (as)

Sendo assim, são variações que não podem ser limitadas, em


exercícios mecânicos, como foi explicitado nos exemplos acima.

Foi constatada a presença, de forma sutil, do preconceito linguístico


em uma unidade do manual que tem como tema “ser diferente” e uma das
diferenças que ocorre no social é a diferença linguística. Mas a seção do
primeiro capítulo cujo título é “Para escrever certo” não faz menção disto, ao
contrario, é iniciado com quadrinhos em que considera a variação como
“errada”.

Exemplo 6
- Eu vi ela!
- A professora nova? Como é que você sabe?
- Pelo geito dela.
- Como assim?
- Não é “vi ela” que se diz! O certo é “eu a vi”
- Jeito é com “J” e não se fala com a boca cheia.
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- Ah... sim, esse jeito!


Este diálogo tem teor preconceituoso, mas poderia ser direcionado para
uma outra abordagem sobre as variantes linguísticas, aproveitando o tema da
unidade, ser diferente, para também fala sobre a diversidade na língua. Em
nenhum momento neste capítulo foi tratada esta questão.

As questões que se destinada à ortografia J ou G, X ou CH também


exclui o fenômeno. Como ilustrado nos exemplo 7 e 8.

Exemplo 7

Todas as palavras abaixo estão grafadas corretamente, exceto uma.


Indique-a e reescreva-a em seu caderno com a grafia adequada.

Gorgeta – berinjela- sarjeta- selvagem- pajem.

(Português: linguagens, 6ª, p. 12).

Exemplo 8

Na seqüência de palavras abaixo, todas devem ser grafadas com ch,


exceto uma. Reescreva-as em seu caderno, completando-as adequadamente.

Col__a mo___ila fe_____o _____ampu fle___a in___ar


espi___ar

(Português: linguagens, 6ª, p. 13).

Exemplo 9

É curioso o que ocorre no do exercício sobre o plural de substantivo


composto. Um cachorrinho vermelho inventa um substantivo composto:

- TCHAM!

TCHAM!

Cachorro-helicóptero!
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Abaixo o autor pede para que o aluno acrescente livremente outros


substantivos aos apresentados abaixo, para formar substantivos compostos.
(Português: linguagens, 6ª, p. 31).

O exercício pede para inventar substantivo composto, porém não faz


referência de neologismos, nem mesmo antes do exercício, assim, como o
aluno irá compreender melhor o assunto? Além disso, não provoca o aluno a
observar a língua que ele usa, pois, sendo pré-adolescente, a tendência natural
é inovar palavras, e também usar gírias é a inovação de palavras
(neologismo), como também o uso de gírias. Abarcar este fenômeno para ser
trabalhado em uma aula seria de grande valia.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Na análise realizada percebemos que os manuais didáticos avaliados


fazem menção em seus exercícios sobre alguns fenômenos de variação
linguística, porém de forma superficial e com pouca freqüência. Nenhuma
das questões analisadas foram consideradas adequadas, no que dizem respeito
à abordagem de variação linguística, visto que nas raras vezes em que foram
mencionadas, foram caracterizadas como: reescreva, copie, identifique,
substitua.

Assim, verifica-se que apesar da proposta enfatizada pelos PCN e das


muitas discussões que se Têm feito sobre a importância da diversidade
linguística no ensino, o instrumento que constantemente é usado pelos
professores não faz abordagens adequadas em seus exercícios. Faz-se
necessário que os professores assuma o papel de orientador de pesquisas a
serem empreendidas em sala de aula, junto com seus alunos. Além disso, é
pertinente estimulá-los dom métodos inteligentes e prazerosos para que os
próprios aprendizes deduzam essas regras em textos vivos, coerentes e bem
construídos, tanto de língua escrita, como de língua falada.

REFERÊNCIAS

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Português: linguagens, 6ª série. São Paulo: Atual, 1998.
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Oralidade e Escrita na Prática Escolar
ISSN: 2177-4072

POSSENTI, Sírio. Por que (não) ensinar gramática na escola. Campinas,


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TELLES, João A. . Teachers´ Accounts of language variations. D.E.L.T.A.
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TRAVAGLIA, Luiz Carlos. Gramática e interação. São Paulo: Cortez,
1995.
Grupo de Estudos e Pesquisa
II Seminário Nacional de Alfabetização e Letramento Alfabetização, Discurso e Aprendizagens
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A Alfabetização em Língua Portuguesa


em Timor-Leste:
os desafios da variação linguística

Davi Borges de Albuquerque1

Aurelie Marie Franco Nascimento2

RESUMO

A República Democrática de Timor-Leste, ou simplesmente Timor-Leste, é um país


independente desde 2002, elegendo, em sua constituição, como línguas oficiais: o
Tétum-Praça, língua nativa de origem austronésia e que possui o status de língua
franca, e o português, devido à herança cultural de cerca de quatro séculos de
colonização portuguesa na ilha. O objetivo deste trabalho é apontar alguns problemas
encontrados na escrita dos alunos leste-timorenses, do nível pré-secundário do sistema
educacional formal de Timor-Leste, ao aprender português para propor algumas
soluções aos professores de Língua Portuguesa em atividade docente em Timor-Leste.
A escrita analisada dos alunos leste-timorenses foi coletada pelos autores entre 2008 e
2009, período no qual exerceram a função de professores de Língua Portuguesa. A
metodologia utilizada é da sociolinguística educacional, que serviu para identificar e
analisar as causas das variações fono-ortográficas, sendo as principais: a influência da
língua materna dos alunos, que não são falantes de português como língua materna; as
diferentes variedades da língua portuguesa que os alunos são expostos, pois os
professores são portugueses, brasileiros, leste-timorenses e cubanos; ausência de
ambientes de imersão onde os alunos possam praticar a língua portuguesa fora de sala
de aula. Assim, com base na análise efetuada, nossa proposta é a de elaborar técnicas
didáticas que visam auxiliar o professor a trabalhar a variação linguística em sala de
aula, enfocando a superação de problemas relativos à variação fono-ortográfica.

Palavras-chave: alfabetização; língua portuguesa; Timor-Leste.

1
Contato do(a) autor(a): albuquerque00@hotmail.com. Professor Substituto (UFS) e
Doutorando do PPGL (UnB).
2
Contato do(a) autor(a): aurelie-marie@hotmail.com. Especialista em Educação
Inclusiva (UNESP) e TICs (UFRGS)
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INTRODUÇÃO

A ilha de Timor foi colonizada por Portugal no início do século XVI,


sendo conhecida como Timor Português. Somente no ano de 1974 foi
iniciado o processo para reconhecimento internacional de nação soberana,
porém Timor-Leste sofreu uma dominação da Indonésia em 1975 que se
estendeu até 1999. Durante este período de dominação indonésia a língua
portuguesa, língua do colonizador, foi proibida, contudo, foi usada como
língua de resistência. A língua utilizada no sistema educacional era o bahasa
indonesia, ou indonésio3.
A língua portuguesa em Timor-Leste possui o status de língua oficial
desde 2002, de acordo com a constituição da República Democrática de
Timor-Leste, ao lado da língua nativa Tétum, em sua variedade Tétum-Praça4
(língua de origem austronésia falada por grande parte da população leste-
timorense como língua franca). Duas outras línguas são previstas na
constituição para serem utilizadas como línguas de trabalho, são elas: a
língua inglesa e o bahasa indonesia.
Em Albuquerque (2010, p.33), há uma série de problemas no ensino de
língua portuguesa em Timor-Leste, como: poucos professores lusófonos
nativos e professores leste-timorenses capacitados para o ensino de
português; ausência de planejamento linguístico por parte do governo;
choque de ideologias entre professores e alunos. Digno de nota é que a língua
portuguesa não é língua materna de uma parcela significativa da população,
conforme será apontado posteriormente, e mesmo que alguns autores falem
do ensino de português em Timor-Leste ter características de Português
Língua Estrangeira (PLE), há um consenso entre os linguistas de que o
ensino da língua portuguesa não deva ser encarado como tal, já que, além de
ser língua oficial, há um grande número de professores e outros profissionais
lusófonos em atuação no país, assim como muito tem sido feito para que o
português seja usado em uma série de ambientes fora de sala de aula, como
os veículos de comunicação em massa (televisão, rádio, jornais), produções
artístico-culturais (telenovelas, músicas, literatura) e nas mais variadas
situações comunicativas informais. Ainda, há um confronto no ensino de
diferentes variedades da língua portuguesa, já que os professores portugueses
tendem a ensinar a variedade europeia, os professores brasileiros ensinam a
variedade brasileira e muitos alunos e professores leste-timorenses possuem
uma variedade nativa da língua portuguesa (ALBUQUERQUE, 2011), que é
pouca conhecida e frequentemente desconsiderada pelos professores 5.

3
bahasa indonesia ‘língua indonésia’ é uma variedade do malaio e língua oficial da
Indonésia. Geralmente, o termo bahasa indonesia é usado com interesses
nacionalistas de relações de poder, com o sentido de a língua indonésia ser ‘a língua
indonésia’, ou seja, de certa forma superior a outras línguas.
4
A língua Tétum possui duas variedades principais: Tétum-Praça e Tétum-Terik. A
primeira, como foi apontado, é a língua oficial e língua franca do país, apresentando
uma reestruturação gramatical com perda de morfologia flexional e léxico lusófono.
Já o Tétum-Terik é uma variedade conservadora e rural. Há grafias alternativas para o
nome das variedades, entre elas: Tetun Prasa e Tetum Praça.
5
Na maioria das vezes, a produção oral e escrita na variedade do português de Timor-
Leste é encarada pelos professores simplesmente como erros de aprendizagem.
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O português, apesar de ser a língua oficial na atualidade, é falado


somente por uma pequena parcela da população leste-timorense, já que há
uma série de fatores que dificultam a instalação de um ensino eficaz, assim
como o uso dessa língua nas diferentes comunidades de fala. Mesmo com
uma permanência de cerca de quatro séculos em Timor-Leste, a eficácia do
sistema educacional português foi de pouca expressão, quando comparado
aos 24 anos de dominação indonésia e foi nesse curto intervalo de tempo que
a Indonésia conseguiu impor de maneira exemplar sua língua, o bahasa
indonesia, em uma grande parcela da população timorense fluente nela, ou
melhor, cerca de 58%, enquanto que apenas 37% falavam português 6. Ainda,
a política e planejamento linguísticos adotados pelo governo leste-timorense
refletem seus interesses econômicos: o governo de Timor-Leste fez diversos
acordos internacionais para o ensino de língua portuguesa e capacitação de
professores de língua portuguesa, principalmente com os governos português,
brasileiro e cubano. Além disso, acordos internacionais também foram
assinados com países anglófonos e com organizações multinacionais, que
possuem interesses contrários ao ensino e à manutenção da língua portuguesa
em Timor-Leste. Dessa forma, a posição política em relação ao ensino já se
encontra contraditória, abrindo espaço tanto para a lusofonia, quanto para a
dominação anglófona.
No presente trabalho, serão analisadas algumas variações fono-
ortográficas coletadas pelos autores no período em que lecionaram a
disciplina Língua Portuguesa, durante 2008 e 2009, em diferentes localidades
de Timor-Leste. Ainda, o sistema educacional leste-timorense se encontra
dividido entre o pré-secundário, nível que equivale ao ensino fundamental, e
secundário, equivalente ao ensino médio. Desta maneira, concentramo-nos
somente na produção escrita dos alunos do pré-secundário.

1 Língua portuguesa: alfabetização, erro, ensino e


variação

Sabe-se que o falante nativo já chega à escola com um saber


comunicativo e gramatical, sendo o papel do professor/alfabetizador respeitar
a variedade falada pelo aluno, seja ela urbana ou rural, e ensiná-lo o código
escrito (BORTONI-RICARDO, 2004). Ainda, Soares (2003) afirma que a
alfabetização se constitui na apropriação de uma tecnologia por parte dos
alunos, exigindo do alfabetizador certos conhecimentos de disciplinas
específicas, principalmente da sociolinguística. Em Timor-Leste, o professor
encara um desafio duplo, pois além de ter que trabalhar as diferentes
variedades dos alunos em sala de aula, há também muitos casos de alunos
que não possuem um saber comunicativo em português, convivendo na
mesma turma com alunos com este saber.
O professor deve ter conhecimento de outras áreas da linguística, como
a fonética, fonologia e morfologia, já que o “sistema silábico-alfabético do
português não é biunívoco, posto que a relação grafema-fonema não se aplica

6
Os dados foram extraídos de Timor-Leste Census of Population and Housing (2006).
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em todos os casos” (MOLLICA e LOUREIRO, 2008, p.224), sendo alguns


casos ortográficos regidos por regras, enquanto outros são convenções puras,
o que é encarado pelo aluno como algo aleatório. Desta maneira, segundo
Freitag (2011), a produção textual dos alunos:

que estão aprendendo o código escrito da sua língua materna revela a


maneira como os aprendizes inconscientemente registram aspectos
fonéticos da modalidade sociolinguística regional que utilizam. Ao
iniciar seu intercurso no mundo da escrita, a criança tende a
estabelecer uma correspondência estrita entre os sons da fala e as
letras, numa atitude semelhante à do linguista ao fazer uma transcrição
fonética. No princípio do aprendizado do código escrito da sua língua
materna, a criança constrói hipóteses acerca da representação dos
sons, tomando por base seus conhecimentos da fala da sua variedade
sociolinguística (FREITAG, 2011, p.115).

Assim, o professor/alfabetizador necessita refletir sobre o conceito de


“erro”, juntamente com o processo de identificação da origem deste na
produção do aluno, pois este “erro” é apenas reflexo de um desconhecimento
do emprego adequado do código, no caso, os grafemas, ou de repercussões de
fenômenos da variação linguística da fala na escrita 7. Para tanto, Mollica
(2007) afirma que é fundamental o alfabetizador que trabalha com as
modalidades da fala, sendo a fala informal, e da escrita, sendo esta o código
padrão, identificar as características regionais e sociais da(s) variedade(s)
faladas por seus alunos.
Nas diferentes produções textuais analisadas dos alunos leste-
timorenses, encontramos os dois tipos de problemas em relação ao uso do
código padrão: o desconhecimento da ortografia e a tentativa de reproduzir
elementos da fala, conforme será apresentado na seção seguinte.

2 Análise das variações fono-ortográficas


A produção textual analisada consiste em 37 dissertações sobre o
tema ‘A língua portuguesa em Timor-Leste’, 18 produções de uma turma do
1º ano pré-secundário e 19 de uma turma do 2º ano, somando um total de 43
páginas. Nesta produção textual, o tema foi escolhido com a intenção de
estimular os alunos a simpatizar8 com a língua portuguesa, assim como
pensar sobre ela. Ainda, tal tema deixa um espaço para o aluno também falar
sobre questões políticas, culturais, históricas, entre outras, que envolvem o
ensino da língua portuguesa, que está intimamente ligado com o processo de
independência do país. Outro fator importante sobre as dissertações
analisadas é que elas faziam parte de um concurso cultural cujas melhores
seriam premiadas.

7
Vale lembrar que, de acordo com Bortoni-Ricardo (2004, p. 273), uma língua que
possui um histórico e uma estabilidade em sua codificação em sua modalidade escrita
a variação não está prevista.
8
Empregamos aqui ‘simpatizar’, pois há alguns alunos resistentes ao ensino de língua
portuguesa, preferindo o indonésio, já que nesses casos foi esta a língua aprendida na
escola por irmãos mais velhos e, às vezes, até pelos pais.
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Para a realização da análise nos baseamos em Faraco (2012, p. 128),


que separa as representações do sistema gráfico da língua portuguesa em
relações biunívocas e relações cruzadas, sendo estas subdivididas relações
cruzadas previsíveis, relações cruzadas parcialmente previsíveis e
parcialmente arbitrárias, e relações cruzadas totalmente arbitrárias.
Ainda, segundo Faraco (2012, p. 131 e segs.), as relações biunívocas
ocorrem quando uma determinada unidade sonora corresponde a certa
unidade gráfica, e a unidade gráfica representa somente uma unidade sonora:
/p/ > p9 e p > /p/, como em pato /‘pa.tʊ/, mapa /‘ma.pʌ/. Já os três tipos de
relações cruzadas são:
 relações cruzadas previsíveis: a unidade sonora ocorre só
em um ou alguns determinados contextos e nesta posição é
previsível, ou seja, biunívoco: /m/ só ocorre em início de sílaba,
como em mato /‘ma.tʊ/, cama /‘kã.mʌ/, a unidade gráfica m em fim
de sílaba marca somente a vogal nasal, campo /‘kã.pʊ/, bomba
/‘bõ.bʌ/), e em fim de palavra representa somente a semivogal /y/ ou
/w/ de ditongos decrescentes nasais, falam /‘fa.lãw/;
 relações cruzadas parcialmente previsíveis e parcialmente
arbitrárias: a unidade sonora tem mais de uma representação gráfica,
em certos contextos é previsível e em outros não: /ʒ/ quando diante
das vogais orais /i/, /e/ e /ɛ
representado por g ou j, e nos demais contextos somente por j;
 relações cruzadas totalmente arbitrárias: a unidade sonora
tem mais de uma representação gráfica e a ocorrência de uma ou de
outra é imprevisível: /ʃ/ pode ser representado por x ou por ch:
abacaxi /a.ba.ka.‘ʃi/, ou chuva /‘ʃu.vʌ/.
Foram encontrados os dois tipos de problemas na produção textual dos
alunos, conforme já foi mencionado anteriormente, a saber: a influência na
escrita de regras fonológicas variáveis da fala e falta de familiaridade com a
convenção ortográfica da língua 10. Ainda, também encontramos alguns casos
de hipercorreção e de influências do ensino de outra L2/LE, no caso o inglês
LE e o indonésio L2.

9
Destacaremos os grafemas em itálico, juntamente com a representação escrita das
palavras, para evitar qualquer confusão no decorrer deste trabalho.
10
Usamos os termos de Bortoni-Ricardo (2006).
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Regras fonológicas variáveis:


ambarcam ‘embarcam’, portuguasa ‘portuguesa’, futuru ‘futuro’,
servisu ‘serviço’, aprenderoum ‘aprenderam’, estudaroum ‘estudaram’,
igreza ‘igreja’, comprendem ‘compreendem’, jovenes ~ zovens ‘jovens’,
dicidio ‘decidiu’.

Os exemplos destacados acima, em (1), para nossa análise são apenas


alguns dentre os muitos encontrados, assim como nos demais casos citados
abaixo. Os primeiros podem ser analisados como pura interferência da
oralidade na escrita, já que as vogais centrais /a/, /e/ e /o/ em língua
portuguesa sofrem um fechamento e os alunos leste-timorenses, expostos a
inputs português e brasileiro, acabam por produzir nesses casos [ə] e [ɐ], [i] e
[u]. Desta maneira, ambarcam ‘embarcam’ e portuguasa ‘portuguesa’
refletem a tentativa de reproduzir a pronúncia do português europeu
[əm.‘bar.kãm] e [pɔr.tu.‘gɐ.za]. Em futuru ‘futuro’ e servisu ‘serviço’ pode
ser observado o mesmo fenômeno. Já em aprenderoum ‘aprenderam’ e
estudaroum ‘estudaram’ encontramos uma convergência entre certas
variedades do português brasileiro, juntamente com transferência da L1
Tétun Prasa e da variedade do português falada em Timor-Leste, chamada de
Português de Timor-Leste (PTL). Assim, em igreza ‘igreja’, jovenes ~ zovens
‘jovens’ e comprendem ‘compreendem’ observamos transferência da L1 e do
PTL, já que em ambas não há consoantes palatais, sendo realizados seus
correlatos /ʒ/ > [z] ou [zʲ], [i.‘gre.za] e [‘zʲɔ.vɛnz], e não há também vogais
dissilábicas11: [a.pren.‘de.run], [eʃ.tu.‘da.run] e [kɔm.‘pren.den]. Em dicidio
‘decidiu’ há tanto o caso descrito anteriormente de fechamento de vogais
átonas /e/ > [i], como também uma hipercorreção, que será analisada
posteriormente.

Ortografia:
gia ‘guia’, desembro ‘dezembro’, defisil ~ deficil ‘difícil’, catesismo
‘catecismo’, deçisão ‘decisão’, teritorio ‘território’, enssinou ‘ensinou’,
servico ~ servisu ‘serviço’.

Os exemplos em (2) mostram claramente a falta de familiaridade com a


escrita por parte dos alunos. Nos exemplos catesismo ‘catecismo’, deçisão
‘decisão’, enssinou ‘ensinou’ e defisil ~ deficil ‘difícil’, observamos as
dúvidas dos alunos para representar graficamente a unidade sonora /s/, que se
encontra registrada como c, s, ss e ç. Segundo Faraco (2012, p. 145) a
representação do /s/ é classificada como relações cruzadas parcialmente
previsíveis e parcialmente arbitrárias, logo apresenta problemas para os
alunos em fase de alfabetização, principalmente em relação às representações
arbitrárias. A mesma análise pode ser feita para /z/ e suas representações
gráficas, como há no exemplo desembro ‘dezembro’. Já em gia ‘guia’ o
problema pode ser trabalhado facilmente pelo alfabetizador junto com seus

11
Aqui há uma série de convergência de regras variáveis, já que tanto no Tetun Prasa,
assim como a transferência de certos traços deste para o PTL, encontramos a ausência
de vogais geminadas, de nasalização e do segmento /m/ em posição final, substituído
por /n/. Sobre a variedade do português falado em Timor-Leste e a influência das
línguas nativas, ver Albuquerque (2011).
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alunos, já que a unidade sonora /g/ possui suas representações gráficas


totalmente previsíveis (relações cruzadas previsíveis): emprega-se gu quando
for seguida das vogais anteriores /i/, /e/ e /ɛ/, e suas respectivas
-se somente g.

Hipercorreção:
femenino ‘feminino’, acontecementos ‘acontecimentos’, ofeciais
‘oficiais’, calegráfia ‘caligrafia’, descobrio ‘descobriu’.

Em (3), estão alguns casos encontrados de hipercorreção. Na maioria


dos exemplos acima, vê-se que os alunos interpretaram aleatoriamente que
um dos grafemas seria e no lugar da ortografia padrão i. Afirmamos que tal
processo por parte do falante ocorre de maneira aleatória pelo motivo de que
em algumas palavras há mais de uma unidade sonora /i/, como em femenino
‘feminino’ e ofeciais ‘oficiais’, e somente uma delas foram interpretadas
como e. O mesmo acontece com a unidade sonora /u/, representada
graficamente por hipercorreção como descobrio ‘descobriu’.
A hipercorreção ocorre pelo fato do aluno leste-timorense, falante de
uma variedade do português, chamada aqui de PTL, ou falante de uma
interlíngua que tenta se aproximar do português padrão, devido à insegurança
linguística em relação à variedade da língua portuguesa falada por ele,
realizar correções indiscriminadamente, achando que, desta maneira, se
aproximará da variedade padrão da língua.

Língua inglesa e indonésia:


evaluação ‘avaliação’, liders ‘líderes’, melaio ~ melayu ‘malaio’.

Na complexa situação multilíngue atual em Timor-Leste, percebe-se


claramente a influência da língua inglesa, que possuí papel importante como
língua de comunicação internacional e também usada pelo grande número de
estrangeiros residentes na capital leste-timorense, Dili, além da proximidade
com a Austrália. Ainda, o indonésio faz parte do cotidiano dos cidadãos de
Timor-Leste, com muitos falantes em situação de bilinguismo/multilinguismo
(língua nativa12 – Tétun – Indonésio), assim como uma parcela significativa
da população escolarizada pelo sistema educacional indonésio. Desta
maneira, foram encontrados certos problemas de interferência das LEs, inglês
e indonésio, na produção textual dos alunos. Porém, estes problemas foram
em número reduzido, quando comparado aos demais casos já apontados. Em
(4), há os exemplos evaluação ‘avaliação’ e liders ‘líderes’ que se
configuram como uma interferência do inglês evaluation [ɪvalueɪʃən]
‘avaliação’ e leaders [li:Dəz] ‘líderes’, enquanto a palavra melaio ~ melayu
‘malaio’ consiste em uma convergência entre o indonésio melayu /mə.‘la.yu/
‘malaio’ e o português europeu malaio, pronunciado [mə.‘la.ɪu].

CONSIDERAÇÕES FINAIS
12
Em Timor-Leste, há aproximadamente 16 línguas nativas, que convivem em
situação de contato com as línguas portuguesa, inglesa e indonésia.
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O presente trabalho foi fruto de pesquisa de campo dos autores e


procurou analisar os “erros” na produção textual de alunos leste-timorenses
em língua portuguesa. Para tanto, além da análise efetuada que se focou nos
fenômenos de interferências da fala na escrita, juntamente com o
desconhecimento do código do português padrão, apresentamos também a
complexa situação linguística de Timor-Leste, com uma série de línguas
nativas e uma grande influência de potências internacionais lusófonas,
Portugal e Brasil, assim como anglófonas, Austrália. Ainda, deve-se também
levar em consideração a língua portuguesa e seu ensino no território leste-
timorense, já que uma grande parcela da população não a fala e no ensino o
aluno nativo está exposto a diferentes inputs, tanto de professores
portugueses, quanto de professores brasileiros, o que acaba por afetar a
produção oral e escrita, pois o aluno ora é influenciado pelas variedades
europeias da língua portuguesa, ora pelas variedades brasileiras.
Compartilhamos a visão de Faraco (2012, p.102), que é válida
também para o ensino de língua portuguesa em outros países lusófonos,
consistindo na elaboração de uma pedagogia da gramática. Esta pedagogia da
gramática deve equilibrar elementos intuitivos, pois o aluno já possui certo
conhecimento linguístico que pode ser estimulado e trabalhado, e
expositivos, é preciso reduzir a quantidade excessiva de conteúdos
gramaticais, enfatizando aqueles que são realmente funcionais para a
produção oral e escrita da língua.
O professor-alfabetizador deve possuir conhecimento linguístico
para a tarefa de trabalhar com seus alunos tal proposta mencionada
anteriormente. A partir do conhecimento linguístico do professor, um passo
inicial é a identificação do perfil, ou perfis, sociolinguístico da turma,
identificando as origens e possíveis variedades faladas pelo aluno e sua
família. Em seguida, o professor parte para o processo de alfabetização,
trabalhando com a classificação das relações biunívocas e relações cruzadas
(previsíveis, parcialmente previsíveis e parcialmente arbitrárias, e totalmente
arbitrárias), assim o professor dispõe de ferramentas para elaborar suas aulas,
enfatizando as relações biunívocas e previsíveis, auxiliando os alunos no
processo de compreensão do código escrito, e iniciando o trabalho de
exercitá-los nas relações parcialmente e totalmente arbitrárias por meio de
tarefas de memorização, de pares de palavras semelhantes e/ou em contextos
significativos, e famílias de palavras, trabalhando sempre com as palavras de
uso mais frequente, deixando casos especiais, exceções e palavras pouco
usadas para momentos posteriores.

REFERÊNCIAS

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Uma Análise acerca do Trabalho com a


Gramática Normativa e a Variação
Linguística no Contexto Escolar

1
José Batista de Souza
2
Emelson José Silva dos Santos

RESUMO
O presente trabalho objetiva investigar de modo muito cuidadoso a forma como vem
sendo trabalhada nas aulas de Língua Portuguesa a temática relacionada à Gramática
Normativa e à Variação Linguística, tendo como foco, um colégio da rede municipal
da cidade de Coronel João Sá-Bahia (6º ao 9º ano), por serem esses, temas de grande
inquietação e de suma relevância dentro do ensino da disciplina. Será discutida
também a necessidade de o professor dessa área, na referida instituição de ensino,
rever seus conceitos em relação ao tratamento dado a esses dois temas, de modo que
ambos sejam valorizados e contemplados, por se tratar de uma única área – a Língua
Portuguesa, e não dar toda a atenção à gramática normativa em detrimento da
variação linguística. Trata-se de um trabalho cuja metodologia baseia-se na pesquisa
exploratória, utilizando-se a análise bibliográfica, a técnica de coleta de dados com a
aplicação de questionário, e, principalmente, a análise documental, a fim de se colher
respostas para as inquietações apresentadas na instituição alvo da pesquisa.
Palavras-chave: Ensino de Língua Portuguesa. Gramática Normativa. Variação
Linguística.

1
Contato do(a) autor(a):jbdesouza@bol.com.br. Graduado em Pedagogia pela
Universidade Estadual Vale do Acaraú – CE, Graduado em Letras Português/Inglês
pela Faculdade de Tecnologia e Ciências – FTC-EAD e Especialista em Coordenação
Pedagógica pela Faculdade de Administração e Negócios de Sergipe – FANESE.
2
Contato do(a) autor(a): emelsonjose@hotmail.com. Graduado em Letras Vernáculas
pela Faculdade Ages e Especialista em Língua Portuguesa pela Faculdade Pio X.
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INTRODUÇÃO

O ensino de Língua Portuguesa em muitas instituições de ensino do


Brasil, há muito vem deixando a desejar. Devido a uma concepção errônea
em relação ao que se deve trabalhar na disciplina, muitos professores a
trabalham de modo equivocado, fazendo com que os alunos também
aprendam de modo equivocado, e, consequentemente, adquiram uma
formação carente no que concerne ao ensino da própria língua.
Na instituição foco dessa pesquisa não é diferente, pelo contrário, os
equívocos parecem ser ainda maiores, uma vez que se percebe uma grande
fragilidade por parte dos professores no trabalho com a disciplina em
discussão.
Sabe-se que, em muitas instituições educacionais, impera um modelo de
educação, nas aulas de Língua Portuguesa, que dá prioridade ao trabalho com
a gramática normativa, como se esta fosse a única forma correta de transmitir
e retransmitir saberes, deixando de lado a variação linguística, de suma
importância dentro dessa área tão complexa. Desse modo, trabalhar essas
duas vertentes de forma conjunta, é essencial para o aprendizado por parte do
aluno.
Sendo assim, esse trabalho se justifica pelas inquietações que esse tema
tem causado no ensino, e, principalmente, pelo fato de a temática referente à
variação linguística contemplar o plano de curso de Língua Portuguesa da
instituição alvo da pesquisa, mas, não ser abordada na prática, sendo
totalmente deixada de lado.
Nos capítulos subsequentes, serão discutidos de forma separada,
conceitos relacionados à gramática normativa e à variação linguística. Em
seguida, por meio dos procedimentos metodológicos, serão mostrados os
detalhes dessa pesquisa que, logo em seguida, passarão por uma espécie de
análise. No final desse trabalho, serão mostradas as considerações finais
acerca do tema, cujo propósito é clarificar o máximo possível as ideias nele
discutidas, enriquecendo-o ainda mais.

1 GRAMÁTICA NORMATIVA

De modo muito resumido, Bagno (2011, pág. 73) afirma que “a palavra
gramática, em grego, significa exatamente a arte de escrever”, porém, para a
gramática normativa, não é um escrever assistemático, mas, um escrever
totalmente sistemático que privilegia a modalidade escrita da língua,
demonstrando uma preocupação demasiada com a forma “mais correta”, com
base nos escritores renomados na literatura. No entanto, ao se falar sobre a
expressão “mais correta”, cabe indagações muito pertinentes: Só existe
mesmo uma única maneira correta de se usar a língua? Todas as outras
formas de usos da língua são erradas? Por que as diversas manifestações da
língua nos mais diversos grupos sociais não recebem o valor que merecem?
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É a partir de indagações como essas que se percebe que, a gramática, tal


qual é encarada, não leva em consideração a funcionalidade da língua, ou
seja, não aceita que a língua está impregnada de variação, e, desse modo,
deve ser encarada com outros olhos.
A gramática normativa, como o próprio nome sugere, visa estabelecer
uma norma para que todos os falantes da língua sigam, isto é, para ela, não há
maneira correta de usar a língua se não por meio dela. Quaisquer outras
formas usadas pelos falantes, mesmo com justificativas plausíveis para tais
usos, é por ela desvalorizada.
Conforme Bechara (2001), esse tipo de gramática dita as regras do bem
falar e do bem escrever de acordo com aqueles considerados autoridades no
uso da gramática: dicionaristas e gramáticos. Nessa ótica, a gramática
normativa nada mais é do que a gramática tradicional, uma vez que sua
preocupação está no seguimento à risca, da norma.
Nota-se que essa forma de se conceber o estudo da Língua Portuguesa, é
a forma que a escola costuma valorizar e classificar como a ideal, não
levando em consideração que não existe apenas um tipo de gramática, mas,
que existem vários tipos, e, como ser integrante de sua própria língua, o aluno
tem todo o direito de conhecer outros tipos de gramáticas e aprender em
quais momentos de sua vida serão mais propícios usá-los.

2 VARIAÇÃO LINGUÍSTICA

Segundo Dubois (1973, p.609), “variação é o fenômeno no qual, na


prática corrente, uma língua determinada não é jamais, numa época, num
lugar e num grupo social, idêntica ao que ela é noutra época, em outro lugar e
em outro grupo social”. Ou seja, é perceber que a “língua é um organismo
vivo”, conforme já nos disse Saussure, pois, por ser dinâmica, está sempre
em constante mudança.
Sintetizando, pode-se dizer que variação linguística é a variação
encontrada numa determinada língua, levando-se em consideração os
aspectos sociais, culturais, históricos e regionais inerentes a ela.
Cabe enfatizar que a variação linguística, é um modo de linguagem
diferente dos outros modos, principalmente no que tange à linguagem padrão.
Sabe-se que uma nação é identificada entre outros fatores, pela língua, e, que
essa língua pode apresentar mudanças claras em virtude do histórico familiar
do falante, de sua faixa etária, de sua condição social e do espaço geográfico
no qual vive, e, que tais variedades devem, antes de discriminadas pela
escola, ser por ela trabalhadas, de modo que seus alunos sintam-se parte de
um sistema lingüístico comum a toda a sociedade. Em relação ao papel da
escola nesse sentido, Soares entende que:
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Uma escola transformadora não aceita a rejeição dos dialetos dos


alunos pertencentes às camadas populares, não apenas por eles serem
tão expressivos e lógicos quanto o dialeto de prestígio (argumento em
que se fundamenta a proposta da teoria das diferenças lingüísticas),
mas também, e sobretudo, porque essa rejeição teria um caráter
político inaceitável, pois significaria uma rejeição da classe social,
através da rejeição de sua linguagem (... ) uma escola transformadora
atribui ao bidialetalismo a função não de adequação do aluno às
exigências da vida social, como faz as diferenças da teoria linguística,
mas a de instrumentalização do aluno, para que adquira condições de
participação na luta contra desigualdades inerentes a essas estruturas.
(SOARES, 1980, pág. 74)

Conforme o que foi explicitado pela autora acima, como instituição


social responsável por levar educação aos cidadãos, a escola não pode
contribuir com a discriminação de qualquer gênero, principalmente a
lingüística, uma vez que é o papel dela formar e informar, mostrar o padrão
existente na língua e também suas variedades, para que o aluno/cidadão possa
perceber e entender tais variedades e saber como se portar nas mais distintas
situações do cotidiano nas quais a língua é posta em prática.
Tratando-se de um tema tão importante quanto a variação linguística,
não se pode de forma alguma deixar de mencionar um ícone no que tange a
este assunto. Trata-se do lingüista e autor Marcos Bagno (2011), que afirma
que o preconceito lingüístico se baseia na crença de que só existe uma única
Língua Portuguesa digna deste nome e que seria a língua ensinada nas
escolas, explicada nas gramáticas e catalogadas nos dicionários.
Tomando como base o pensamento de Bagno, percebe-se que essa ideia
está enraizada na cabeça de um grande contingente de pessoas, inclusive de
muitos professores. Tal fato ocorre porque grande parte dessas pessoas não
pararam nenhum momento de suas vidas para se dedicarem ao estudo da
própria língua, para conhecer o modo correto de como ela deve ser encarada
e aplicada, ficando, dessa forma, reféns de conceitos ultrapassados criados
por outros, sem se darem ao trabalho sequer de questionar e pesquisar.
Vale frisar que todas as variedades constituem sistemas linguísticos
perfeitamente adequados para a expressão comunicativa e cognitiva dos
falantes. O preconceito linguístico é uma forma de discriminação que deve
ser enfaticamente combatido, e, Marcos Bagno trata deste assunto com
propriedade, prova disso é que sua obra mais conhecida já foi editada 54
vezes, devido sua importância para o tema.
De acordo com Bagno:
A verdade é que no Brasil, embora a língua falada pela maioria da
população seja o português, esse português apresenta um alto grau de
diversidade e de variabilidade, não por causa da grande extensão
territorial do país- que gera as diferenças regionais, bastante
conhecidas e também vítimas, algumas delas, de muito preconceito-,
mas principalmente por causa da trágica injustiça social que fazia do
Brasil, em 2006, o oitavo país com a pior distribuição de renda em
todo o mundo. (BAGNO, 2011, pág. 28)
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A partir do exposto por Bagno, percebe-se que a questão é tão complexa


que, o preconceito lingüístico, uma vez cometido, deixa claro para a vítima,
que tal preconceito não é de valor totalmente lingüístico, mas também social,
ou seja, quando se discrimina uma pessoa por seu modo de falar, critica-se de
forma implícita, sua condição social, pelo fato de não se perguntar quais os
motivos que levam alguém a falar tão diferente da norma padrão, qual o meio
social no qual vive e quais as condições sociais que possui. Deste modo,
antes de discriminar alguém, faz-se salutar que o indivíduo se questione sobre
esses aspectos, para não ser injusto com seus pré-julgamentos sem
conhecimento de causa.

Conforme Pretti:

As variedades geográficas conduzem a uma oposição fundamental:


linguagem urbana e linguagem rural. A primeira cada vez mais
próxima da linguagem comum, pela ação decisiva que recebe dos
fatores culturais (escola, meio de comunicação de massa e literatura).
A segunda mais conservadora e isolada, extinguindo-se gradualmente.
(PRETTI, 1982, pág. 19)
[[

É imprescindível ressaltar que essa comparação entre o espaço


geográfico no qual a língua é observada é de suma importância para o
entendimento da variação lingüística, por ser o espaço geográfico um lócus
de mistura de todos os tipos de etnias, classes sociais, faixa etária, entre
outros, e, como tal, deve ser explorado o máximo possível. Sendo assim, à
luz dos Parâmetros Curriculares Nacionais para o Ensino Médio ( PCNEM):

Dar espaço para a verbalização da representação social e cultural é um


grande passo para a sistematização da identidade de grupos que
sofrem processos de deslegitimação social. Aprender a conviver com
as diferenças, reconhecê-las como legítimas e saber defendê-las em
espaço público fará com que o aluno reconstrua a autoestima.
(PCNEM, 2000, pág. 20)

É nesse contexto dos PCNEM que a escola deve agir, garantido aos seus
discentes espaço para todos os tipos de diversidades, principalmente a
lingüística, tornando-os sujeitos de direito dentro de uma sociedade
multicultural, e, mais do que isso, fazer o seu papel de difusora e
reconhecedora da variação lingüística dentro de suas quatro paredes e fora
dela.
Partindo desse pressuposto defende-se um professor com uma formação
sólida para lidar com questões como essas, nas quais a disciplina e o aluno
sejam valorizados. Um professor que, munido com os conhecimentos
transmitidos pela academia, possa fazer um trabalho diferente em sua área, de
modo que o aluno possa gostar da disciplina, ter interesse pela aula, e,
principalmente, por conhecer profundamente a própria língua.
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Nessa perspectiva, cabe ao professor, seja ele de qual etapa da


educação básica for, valorizar os diferentes modos de expressão oral, tendo a
variação linguística, papel importante dentro do âmbito escolar, uma vez que
se trata apenas de modos de falar diferentes e não necessariamente errados,
conforme grande parte das pessoas pensam, inclusive professores que, na
maior parte dos casos, por não estudarem os fenômenos lingüísticos,
costumam qualificar.
3 PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS

Em virtude da problemática encontrada na instituição alvo da pesquisa,


referente ao trabalho com a gramática normativa e com a variação linguística,
buscou-se compreender os motivos que levam os docentes a desprezarem a
variação linguística em suas aulas, uma vez que tal temática está contemplada
no objetivo geral da disciplina de Língua Portuguesa em todas as séries do
Ensino Fundamental II (6º ao 9º ano).
Foi utilizada, primeiramente, a análise documental, na qual foram
observados os planos de curso de Língua Portuguesa do 6º ao 9º ano, planos
esses que tinham o mesmo objetivo geral em todas as séries.
Segundo o objetivo geral da disciplina, “almeja-se que os alunos
estudem a Língua Portuguesa, considerando suas variações, de modo que ele
possa ampliar seu vocabulário com a inserção de novos termos”.
Além disso, analisando cuidadosamente os referidos planos de curso, o
que se percebeu foi que, em todas as séries, o trabalho na disciplina é
totalmente resumido a classes de palavras, ou seja, gramática normativa.
Para confirmar as impressões acerca dos planos de curso, foram
observados também espelhos de avaliações de todas as séries, cujo objetivo
foi perceber se havia contradição entre o que se sugere nos planos de curso
em comparação ao que se cobra nas avaliações.
Finalmente, foi utilizada outra técnica de coleta de dados – a aplicação
de um questionário, cujos informantes foram 8 professores de Língua
Portuguesa da instituição em foco, cujo objetivo foi compreender, a partir de
questões de múltipla escolha, como esses informantes veem o ensino de
Língua Portuguesa e como conduzem o trabalho na disciplina.

4 ANÁLISE DOS DADOS COLETADOS

Com base nos dados coletados através dos instrumentos citados nos
procedimentos metodológicos, pôde-se notar, com base na comparação entre
os planos de curso da disciplina de Língua Portuguesa e os espelhos de prova
que, a contradição existente é muito grande, pois, em nenhuma das avaliações
foi encontrada questões que abordem a variação linguística, tal qual é
mencionada no objetivo geral da disciplina, pelo contrário, o que ficou
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perceptível nos espelhos das provas foi uma preocupação desmedida com
questões mecânicas referentes à gramática normativa.
O próprio objetivo geral contemplado para a disciplina apresenta
equívocos, pois, a variação linguística não é considerada, como foi proposto.
Além disso, o mesmo objetivo visa a ampliação do vocabulário por parte dos
alunos, vocabulário esse que não fica claro, afinal, que tipo de vocabulário se
almeja ampliar? Também sugere-se no objetivo a inserção de novos termos,
termos esses que não se consegue compreender, pois, em momento algum
isso fica claro.
Em relação ao questionário aplicado aos professores, percebeu-se
que a problemática é ainda maior do que se imaginava, pois, esses
instrumentos revelaram uma deficiência muito grande em relação à
compreensão que os informantes têm acerca da disciplina.
Foram propostas algumas questões, com o objetivo de perceber
como os informantes da pesquisa veem a disciplina que lecionam no
cotidiano e como a colocam em prática. Dentre as questões propostas, foram
escolhidas algumas que serviram melhor para análise da situação.
Conforme uma das questões propostas, notou-se que dos 8
informantes, 2 não são graduados na área, um dado muito importante, pois,
sabe-se que, para atuar numa área, é imprescindível que o docente tenha
conhecimento específico nela, uma vez que, só assim, ele terá condições de
fazer um trabalho que de fato, contemple os objetivos do ensino da disciplina.
Isso não quer dizer que um docente com outra formação não possa fazer um
bom trabalho, mas, a falta de base específica pesará muito nos resultados de
seu trabalho.
Em outra questão proposta, dos 8 informantes, 4 mostraram-se mais
ou menos satisfeitos no trabalho com a disciplina em foco, justificando que
muitos pais não incentivam seus filhos a estudar, que não participam da vida
escolar deles e que muitos alunos não mostram interesse em aprender a
Língua Portuguesa.
Com base nas justificativas desses 4 informantes, notou-se um
incompreensão muito grande por parte deles, pois, o simples fato de dizer que
os pais não incentivam os filhos a estudar e de que não participam da vida
escolar dos filhos não passa de mera suposição por parte dos informantes, e,
com relação à justificativa de que muitos deles não mostram interesse em
aprender a Língua Portuguesa, revela uma fragilidade muito grande em
relação à compreensão do (a) informante em relação à Língua Portuguesa,
pois, ele (a) não percebe que o aluno não precisa aprender a Língua
Portuguesa porque ele já sabe muito sobre ela, afinal, ele vive a Língua
Portuguesa a todo momento, seja falando ou escrevendo. Na verdade, o (a)
informante quis dizer que os alunos, em grande parte, não se interessam por
aprender gramática normativa, e, isso é muito fácil de ser compreendido,
pois, esse é o grande estorvo na vida dos alunos que, por não conseguirem
memorizar estruturas e mais estruturas gramaticais, e por não verem sentido
na mecanicidade com que a língua é tratada, acabam por achar a disciplina
chata, e, consequentemente, tendo aversão a ela.
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Em outra questão proposta no questionário, os informantes deveriam


citar, dentre 6 itens abordados em Língua Portuguesa, 2 que seriam, na
opinião deles, os mais importantes no trabalho cotidiano com a disciplina. Os
resultados apresentados para essa questão foram muito reveladores, e,
mostraram que, de modo geral, os informantes têm visões parecidas em
relação à Língua Portuguesa. Do total de 8 informantes, 7 responderam que
os mais importantes na disciplina são: gramática normativa e compreensão de
texto. Ou seja, provaram o que está nítido tanto nos planos de curso quanto
nos espelhos de avaliações.
O objetivo pretendido em relação à questão anterior era perceber
qual o grau de importância de certos itens no trabalho com a Língua
Portuguesa, e, principalmente, descobrir se eles viam a variação linguística
como importante nesse trabalho, dúvida que ficou bem esclarecida através da
questão proposta, pois, dos 8 informantes da pesquisa nenhum citou o item
variação linguística como sendo importante no trabalho com a disciplina em
questão, dado que só vem confirmar o que já se imaginava.
Numa outra questão, os informantes deveriam citar, dentre 6 tópicos,
2 que eles sempre trabalham em suas aulas, e, mais uma vez, o item variação
linguística foi deixado de lado pelos 8 informantes, os quais, por
unanimidade, citaram gramática normativa como 1º item e leitura e produção
de texto como 2º item. Ou seja, mais uma vez, fica nítido que há um
descompasso muito grande entre o objetivo da disciplina e o que é realmente
colocado em prática.
Em outra questão, os informantes foram questionados sobre a
pretensão de deixar de trabalhar com a disciplina de Língua Portuguesa, e,
mesmo com todas as fragilidades demonstradas até agora, 7 dos 8
informantes responderam que não têm pretensão de deixar de trabalhar nessa
área, pois, segundo eles, mesmo com todas as dificuldades, gostam dessa
área. Apenas 1 informante respondeu que tem pretensão de deixar essa área
nos próximos anos, pois, segundo o mesmo, entrou nela por falta de opção.
Os informantes também foram questionados sobre a leitura de livros
específicos na área, e, 2 dos 8 informantes, responderam que recentemente
leram o livro A Língua de Eulália, de Marcos Bagno, e, esse dado foi muito
importante, pois, contribuiu para a confirmação de que, mesmo que alguns
dos informantes tenham certa noção sobre a variação linguística, não
colocam em prática, conforme foi observado nos instrumentos analisados.
Outro livro específico citado foi Do mundo da leitura para a leitura do
mundo. Além desses dois livros, outro livro foi citado (Pedagogia da
Autonomia), de Paulo Freire, porém, não é um livro específico na área,
mostrando mais uma vez uma certa fragilidade por parte do(s) informante(s)
em saber o que é um livro específico da área ou não.
Na última questão que achou-se interessante analisar, os informantes
foram questionados sobre a frequência com a qual abordam a variação
linguística em seu trabalho, e, as respostas foram no mínimo incoerentes,
pois, dos 8 informantes, 4 responderam que sempre trabalham com a
temática, resposta que é facilmente desmentida pelas respostas de questões
anteriores e dos próprios instrumentos analisados. Dos 4 informantes
restantes, 3 responderam que trabalham com o tema às vezes, informação
também falsa, conforme o que já se enfatizou acima. Apenas 1 informante
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respondeu que raramente trabalha com o tema, mesmo assim, deveria ter
apontado a alternativa nunca.
Em suma, o que se percebeu com essa última questão foi que os
informantes, por unanimidade, não quiseram se comprometer dizendo a
verdade, temendo serem apontados por não abordarem um tema tão
importante, atitude um tanto quanto ingênua, já que o questionário não
identificava o informante, justamente para nenhum deles se sentir exposto
com a análise.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Conforme o exposto nesse trabalho, desde o início até o fim, a
intenção foi discutir a importância de se valorizar a variação linguística
dentro do ensino de Língua Portuguesa na instituição foco dessa pesquisa,
por ser ela de suma importância no aprendizado de língua materna.
Destacou-se em várias passagens desse trabalho uma discrepância
muito grande entre a atenção dada à gramática normativa em comparação
com a atenção dada à variação linguística por parte de muitos professores da
área de Letras. Como as duas temáticas se tratam de uma única área – a
Língua Portuguesa, uma não deveria ser deixada de lado em detrimento da
outra, por se tratar de tirar do aluno a oportunidade de compreender melhor
sua própria língua, conhecer a grande diversidade linguística que seu país
possui e o porquê de a Língua Portuguesa apresentar tantas nuances.
Essa postura não é a postura condizente com o profissional de Letras
conforme se aprende na academia. Pelo contrário, durante o curso, o ponto
mais cobrado do profissional da área está relacionado a conhecer a Língua
Portuguesa de forma ampla, valorizando tanto a gramática normativa quanto
a variação linguística, tendo uma preocupação com o uso dessas duas
vertentes da língua, tanto na teoria quanto na prática.
Faz-se necessário destacar que mesmo com vários profissionais
trabalhando de forma equivocada a Língua Portuguesa, há uma minoria que
busca ser um diferencial, defendendo em seus ambientes de trabalho e nos
locais onde freqüentam, um ensino que contemple a variação lingüística,
vista como de suma relevância dentro de um país multilingui, ou seja, que
fala várias línguas num mesmo lócus. Sendo assim, almeja-se que o número
de professores preocupados com essa temática aumente cada vez mais, de
modo que o trabalho com a Língua Portuguesa possa ser melhorado a cada
dia, não só na instituição alvo dessa pesquisa, mas, nas escolas de modo
geral.

REFERÊNCIAS

BAGNO, Marcos. Preconceito Linguístico, o que é como se faz. São Paulo:


Loyola, 2011.
BECHARA, Evanildo. Moderna gramática portuguesa. 37 ed. Ver. e ampl.
Rio de Janeiro: Lucerna, 2001, in: Módulo Impresso do Curso de Letras
Português/Inglês da FTC-EAD, 6º período, edição de 2007.
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DUBOIS, Jean et alii. Dicionário de lingüística. São Paulo: Cultrix, 1978,


in: Módulo Impresso do Curso de Letras Português/Inglês da FTC-EAD, 6º
período, edição de 2007.
PARÂMETROS CURRICULARES NACIONAIS DO ENSINO
MÉDIO: língua portuguesa. Secretaria de Educação Fundamental. Brasília:
MEC/SEF, 2000.
PRETTI, Dino. Sociolinguística: os níveis da fala- um estudo
sociolingüístico do diálogo na literatura brasileira. São Paulo: Nacional,
1982.
SOARES, Magda. Linguagem e escola: uma perspectiva social. São Paulo:
Ática, 1980.

ANEXO 1

Questionário aplicado ao professor de Língua


Portuguesa

Professor (a): A
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1) Há quanto tempo trabalha com a disciplina de


Língua Portuguesa?

( ) 1 a 2 anos ( ) 7 a 8 anos
( ) 3 a 4 anos ( ) 9 a 10
anos
( ) 5 a 6 anos ( ) mais de 10
anos

2) Você é graduado em qual área?

( ) Letras Português ( ) Pedagogia


( ) Letras Inglês ( ) História
( ) Letras Português/Inglês ( ) Geografia
( ) Matemática ( ) Educação
Física
( ) Biologia ( ) Outra área

3) De que forma você iniciou a docência na área de


Letras?

( ) Por vontade própria, mesmo não sendo graduado (a)


na área.
( ) Por vontade própria, pois, já estava me graduando na
área.
( ) Por vontade própria, pois, já estava graduado (a) na
área.
( ) Por falta de opção, pois, era graduado (a) em outra
área que não havia mais vaga.
( ) Por falta de opção, pois, não era graduado (a) nem
estava me graduando em nenhuma área.

4) Desde que começou a trabalhar com a disciplina de


Língua Portuguesa até hoje, como se sente?
Justifique.

( ) muito satisfeito
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( ) insatisfeito
( ) mais ou menos satisfeito
_____________________________________________
_____________________________________________
_____________________________________________
_____________________________________________
_____________________________________________
_______________________________
5) Dos itens abaixo, cite 2 que, na sua opinião, são os
mais importantes a serem abordados nas aulas de
Língua Portuguesa:
( ) Gramática ( )
Variação Linguística
( ) Compreensão e Interpretação de Texto ( )
Sintática
( ) Produção de Texto ( )
Semântica

6) Dos itens abaixo, qual o que você mais trabalha


durante suas aulas?

( ) Leitura e Produção de Texto


( ) Variação Linguística
( ) Sintaxe e Semântica
( ) Gramática

7) Em relação à Gramática, qual o peso que você atribui


dentro do ensino de Língua Portuguesa?

( ) peso de 100% ( ) peso de


60%
( ) peso de 90% ( ) peso de
50%
( ) peso de 80% ( ) peso de
40%
( ) peso de 70% ( ) peso de
30% ou abaixo disso
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8) Tem pretensão de deixar de trabalhar com a


disciplina de Língua Portuguesa?

( ) Sim. Ainda esse ano.


( ) Sim. No próximo ano.
( ) Sim. Nos próximos anos.
( ) Não. Não penso em sair dessa área porque é a área
que realmente gosto.

9) Tem participado de cursos na área de Letras com que


frequência?

( ) entre 1 e 2 vezes por ano


( ) entre 3 e 4 vezes por ano
( ) Não tenho participado de cursos nessa área.

10) Tem lido livros específicos da área de Letras?

( ) Não.
( ) Sim. Cite 1 caso a resposta seja sim:
______________________________

11) Como vê o desempenho de seus alunos na disciplina?

( ) bom
( ) regular
( ) ótimo
( ) péssimo

12) Dos itens abaixo, qual é o que mais lhe ajudaria a ser
um professor (a) melhor no trabalho com a
disciplina?
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( ) Leituras de livros específicos.


( ) Cursos de capacitação na área promovidos pela
Secretaria Municipal de Educação.
( ) Curso de Especialização na área.
( ) Discussão sobre assuntos relevantes da disciplina
com colegas da área.

13) Costuma dar atenção nas suas aulas ao trabalho com


as variações linguísticas?

( ) Sempre
( ) Às vezes
( ) Raramente
( ) Nunca
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O Resgate pela Arte: a inclusão através do Hip Hop

Daniela de Oliveira Alves1

RESUMO

A arte proporciona respeito e valorização da diversidade. E a partir da dança, esta


expressão corporal foi utilizada como manifestação cultural, numa abordagem
artística que revela a alegria de se descobrir através da exploração do próprio corpo e
das qualidades do movimento. É a arte de mover o corpo como um todo, estabelecida
graças a um ritmo e a uma composição coreográfica. As quais são utilizadas para
proporcionar uma melhora no desenvolvimento social, psíquico e cognitivo dos
alunos da Escola Estadual 11 de agosto. Este artigo baseia-se na análise da aplicação
de um projeto realizado com alunos surdos e ouvintes desta escola com diferentes
níveis escolares, num trabalho de inclusão com o intuito de utilizar a dança, através de
uma metodologia diferenciada e dentro de um contexto interdisciplinar, visando
desenvolver as habilidades motoras, cognitivas e sociais, também quanto a
valorização da sua identidade e resgate de valores culturais. Tentando a partir deste
projeto envolve –lós na dinâmica da escola e livra-los ou afasta-los dos males que
excluem e leva-os para o mundo das drogas e furtos, como estava acontecendo com
alguns dos nossos alunos, explorando o potencial artístico que cada jovem tem à
desenvolver, além de contribuir na melhora dos estudos com uma metodologia
prazerosa, mas que ao mesmo tempo estimula o desenvolvimento da disciplina e
responsabilidade, que serão adquiridas ao se comprometerem quando entraram no
grupo.

Palavras Chave: Dança Inclusão, Surdos.

1
Contato do(a) autor(a): daniela.pp.alves@hotmail.com. Universidade Federal de
Sergipe. Professora de Sala de Recursos/laboratório de línguas da Escola Estadual 11
de Agosto. Licenciada em Pedagogia pela Universidade Federal de Sergipe,
especialista em psicopedagogia, educação inclusiva, e Língua Brasileira de Sinais pela
Faculdade Pio Décimo. Integrante do Núcleo de Pesquisa em Inclusão Escolar da
Pessoa com Deficiência NUPIEPED
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INTRODUÇÃO

O artigo apresentado relata uma experiência de resgate social, psíquico


e cognitivo dos alunos da escola estadual 11 de agosto.

Em 2009, alguns dos nossos alunos da sala de recursos estavam


evadindo, neste período as professoras Daniela de Oliveira Alves e Mônica
de Gois Silva Barbosa eram as responsáveis pelo atendimento educacional
destes alunos, que devido as faltas, procuramos saber e fomos informados
que os alunos se ausentavam porque estavam envolvidos em pequenos grupos
que furtavam nas lojas do centro da cidade e estavam iniciando o uso de
drogas, maconha especificamente, no horário que deveria esta frequentando a
sala de recursos, fazendo seus pais acreditarem que estavam na escola
estudando.

Diante desta problemática, pensamos numa atividade que pudesse


resgata – lós para nossa escola, mas que ao mesmo tempo fosse prazerosa, e
com este intuito criamos o projeto Hip Hop, uma vez que os alunos gostavam
e ouviam este ritmo de música, pois fazia com que eles pudessem ouvir a
vibração da música e sentir-se inclusos no mundo dos ouvintes. Rompendo a
partir deste trabalho as barreiras para a plena participação dos alunos,
considerando suas necessidades específicas, uma vez que [...] “o AEE tem
como objetivo complementar e/ou suplementar a formação do aluno, visando
a sua autonomia na escola e fora dela”. (SEESP/MEC, 2004). A partir da
realização deste projeto tivemos a possibilidade de reconquista-los e
proporcionar uma melhoria no seu desenvolvimento psicossocial.

1 ASPECTOS HISTÓRICOS

Na Grécia, a beleza do corpo e a perfeição dos movimentos norteavam


os estilos, a dança estava inserida no plano educacional elaborado por Platão,
sendo muito importante para a formação dos jovens. Para alguns filósofos, a
música deveria ser o início, pois desencadeava um processo emocional e era
fundamental na educação das crianças e dos jovens. Segundo Caminada
(1999, p. 25), eles utilizavam a dança para a educação dos guerreiros como
forma de preparação para as lutas. Afirmavam que os melhores dançarinos se
tornavam os melhores guerreiros.

Por volta do século XIV, a dança começou a tomar novas formas e


passou a fazer parte da educação dos nobres. Surgiram, então, os estilos de
dança que se distinguiam entre nobres e camponeses pelas vestimentas e
pelos sapatos. Os nobres passavam por um ensino mais específico de
aperfeiçoamento, chamado de balé atualmente.

No século XX danças contemporâneas surgiram enriquecendo ainda


mais este universo. O Hip-hop, a partir de uma das suas vertentes, foi um
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desses, movimento cultural iniciado no final da década de 1960 nos Estados


Unidos como forma de reação aos conflitos sociais e à violência sofrida pelas
classes menos favorecidas da sociedade urbana. É uma espécie de cultura das
ruas, um movimento de reivindicação de espaço e voz das periferias,
traduzido nas letras questionadoras e agressivas, no ritmo forte e intenso e
nas imagens grafitadas pelos muros das cidades.

O hip hop como movimento cultural é composto por quatro


manifestações artísticas principais: o canto do rap (sigla para rythm-and-
poetry), a instrumentação dos DJs, a dança do break dance e a pintura do
grafite. O termo música hip hop refere-se aos elementos rap e DJ, sendo hip
hop também usado como sinônimo de rap.

No Brasil, o movimento hip-hop foi adotado, sobretudo, pelos jovens


negros e pobres de cidades grandes, como São Paulo, Rio de Janeiro, Brasília
e Porto Alegre, como forma de discussão e protesto contra o preconceito
racial, a miséria e a exclusão. Como movimento cultural, segundo
Richard,2005, p. 32, “o hip-hop tem servido como ferramenta de integração
social e mesmo de re- socialização de jovens das periferias, no sentido de
romper com essa realidade”.

2 A DANÇA COMO RESGATE E INCLUSÃO

Diante do papel pedagógico e psicossocial que a dança exerce nas


pessoas, entendemos a necessidade da criação deste projeto, uma boa
oportunidade para resgatarmos alguns alunos da Escola Estadual 11 de
agosto, uma vez que pessoas com surdez enfrentam inúmeros entraves para
participar da educação escolar, decorrentes da perda da audição e da forma
como se estruturam as propostas educacionais das escolas.

Muitos alunos são prejudicados pela falta de estímulos adequados ao


seu potencial cognitivo, sócio-afetivo, lingüístico e político cultural e ter
perdas consideráveis no desenvolvimento da aprendizagem, chegando a
evadirem da escola por falta de estimulo e interesse.

Muitos alunos têm superado limites através do ensino da arte que tem
oferecido possibilidades relevantes na busca de caminhos efetivos
permitindo aos educandos vivenciar expressões e construir
conhecimentos. (BRASIL, 2002, p. 14).

Percebe-se, assim, que a dança possibilita ao aluno desenvolver o


movimento corporal, o conhecimento do seu corpo e de si mesmo, ou seja,
um auto-conhecer. Isso permite um aumento da auto-estima do educando na
medida em que valoriza a identidade de um grupo.

A relação da dança com a deficiência é um extraordinário campo, por


meio do qual podem ser exploradas as construções sobrepostas da habilidade
física do corpo, subjetividade e visibilidade cultural. Um modo de examinar
as pré-concepções das habilidades do mundo da dança profissional é
confrontar tanto os significados simbólicos e ideológicos que o corpo
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deficiente detém em nossa cultura como também as condições práticas da


deficiência. Uma vez mais, estamos numa posição de negociar entre a
representação teatral do corpo dançante e a atualidade de suas experiências
físicas (Brasil, 2002, p. 58). Nesse sentido, o hip hop que é composto por
quatro manifestações artísticas, dentre as quais se podem destacar a dança do
break dance. Normalmente é dançada ao som do Hip-Hop ou de Electro. O
breakdancer, breaker, B-boy, ou B-girl é o nome dado a pessoa dedicada ao
breakdance e que pratica o mesmo.

Inicialmente, o breakdance era utilizado como manifestação popular e


alternativa de jovens para não entrar em gangues de rua, que tomavam Nova
Iorque em meados da década de 1970. Atualmente, o breakdance é utilizado
como meio de recreação ou competição no mundo inteiro. Há também
escolas que organizam grupos de hip hop com objetivos educacionais. São
projetos relevantes que alcançam resultados significativos.

3 METODOLOGIA
Quando pensamos em estruturar e organizar idéias ou ações
educacionais, precisamos desenvolver métodos que possibilitem melhor
aprendizado, sendo que os objetivos de ensino devem ir ao encontro das
atividades pedagógicas a serem desenvolvidas. Ao aplicá-las, devemos
observar alguns parâmetros que nortearão as práticas: os alunos, a sua
disponibilidade, a sua aceitação, o local onde serão aplicadas as aulas e o
respeito ao curso das outras disciplinas.

A escola tem papel fundamental na realização desse trabalho, devendo


dar sustentação ao professor e aos alunos, pois sua função é oportunizar a
socialização do saber, permitindo que o aprendizado ocorra de todas as
formas possíveis. De acordo com Nanni (2001, p. 100),

A escola deverá estar sensível ao mundo daqueles que são a maioria:


as classes populares e se valer da vontade de fazer chegar a elas
conteúdos significativos que tenham relação com sua vida e que
permitam a compreensão em si, das coisas que a cercam, e da relação
entre ambos.

Na escola, o ensino da dança visa ao processo criativo, devendo estar


professor e aluno sempre motivados para as aulas. É de fundamental
importância que haja um planejamento profundo e consciente dos objetivos a
serem alcançados bem como a utilização de estratégias pluridimencionais que
estabeleçam relações entre as demais disciplinas e que permitam ao aluno
desenvolver sua personalidade através de seus conhecimentos, de suas
habilidades, de seus comportamentos e da própria consciência corporal sobre
as individualidades e limitações.

A prática da dança proporciona ao aluno uma ampla consciência


corporal em relação ao mundo e às coisas que evoluem com a prática da
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dança, desenvolvendo a criatividade, a liderança e a exteriorização dos seus


sentimentos.

Antes de iniciar o projeto percorremos um caminho até sua


concretização.

Primeiro, convidamos os alunos que estavam passando por problemas


sociais e questionamos se
havia o interesse de participar. Em seguida convidamos os pais dos alunos
para uma reunião, onde apresentamos o projeto com sua estrutura,
metodologia e regras, todas vinculadas às notas e freqüência da sala regular.
Os pais dos alunos interessados assinaram um termo de compromisso,
autorizando seus filhos.

Num segundo momento criamos um workshop com vários grupos de


Hip Hop, exposição de poesias e discos de Hip Hop. Foi convidado o DJ e
MS Ganso, apresentador do programa Periferia da TV Cultura, o qual
explanou sobre o Hip Hop e suas manifestações artísticas para todos os
alunos da escola, pais e comunidade presente.

O terceiro momento formou-se o grupo composto por alunos ouvintes e


surdos. Na primeira aula apresentamos as regras, os cronogramas das
atividades com aulas semanais na escola, apresentaram o professor –
intérprete, conhecedor do estilo street dance do Hip Hop, que ministrou as
aulas em LIBRAS e Português.

4 RECURSOS

Recurso físico: Sala de artes,

Recursos materiais: Aparelho de DVD, TV, CDs de grupos de hip hop,


pincel, resma de papel chamex, lápis de cor, canetas, réguas, lápis etc.

Recursos humanos: duas professoras e um intérprete conhecedor do hip


hop.

5 AVALIAÇÃO
Muitos são os conceitos de avaliação nos processos educativos. Porém,
para as aulas de dança ainda são recentes os primeiros estudos de sua
aplicação como atividade escolar. Partimos, então, para o método da
observação, uma vez que devemos respeitar as diferenças, pregar a inclusão e
valorizar a participação de todos para que haja maior integração do grupo e
para que se firme em cada aluno a autoconfiança, o que desafiará e estimulará
a superação dos próprios limites.Segundo Nanni (2001 p. 178),
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o processo de avaliação possui como características: descrição do


comportamento motor por uma identificação dos padrões de
movimentos estipulados anteriormente; classificação das habilidades e
performances processadas através (das observações e seqüências e
rotinas de coreografias); ordenação sem instrumentos apropriados para
tal fim
.

Para auxiliar esse método avaliativo de observação, utilizamos recursos


audiovisuais antes e durante as aulas e, também, nas apresentações públicas.
Essas gravações são utilizadas como feedback.

Analisamos o progresso individual e registramos em fichas individuais


o interesse, a participação, o grau e o esforço utilizado nos movimentos
quando o aluno avança melhorando seu desempenho tanto nas aulas de
dança, como nas aulas regulares.

CONCLUSÃO

Partimos da premissa de que o corpo humano possui várias formas de


linguagem e expressividade de seus sentimentos e sensações, com uma carga
histórico-cultural herdada pelas gerações.

O processo educativo engloba todas as formas didáticas para auxiliar o


aprendizado. Através de estudos sobre a Dança/ Educação, desenvolvemos
um projeto e o aplicamos com o objetivo de integrar e socializar e como
suporte para o desenvolvimento motor na aprendizagem. Observamos que
tais objetivos foram atingidos com a execução das aulas.

A música proporciona o encontro entre a ação e a imaginação, fazendo


com que a criança mova as partes do corpo de forma rítmica e harmoniosa.
Os movimentos devem ser encaixados nas frases musicais de acordo com a
criatividade do professor e o grau de absorção e de execução dos alunos,
sempre respeitando suas limitações físicas de força e agilidade.

Esse projeto exigiu dinamicidade, criatividade e muita pesquisa das


vivências socioculturais, pois

a dança, hoje, retrata as ansiedades, idéias, necessidades e interesses


da nossa época, aliadas à forte necessidade do ser humano de
extrapolar a sua essência ou transcender a sua existência em evasões
positivas e significativas nas circunstâncias de sua vida real. (NANNI,
2001, p. 180)

Durante o desenvolvimento, a partir das aulas práticas, do


acompanhamento das professoras do AEE e das apresentações artísticas,
pudemos observar um verdadeiro interesse e participação de
todos,principalmente, daqueles alunos que precisavam de um objetivo, o qual
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pudéssemos explorar seu potencial e com isto afasta-los do mundo do crime,


mostrando novas perspectivas e valorizando –os, trazendo consequentemente,
um melhor desempenho nas atividades escolares e na relação com sua
família.

As aulas de dança igualmente possibilitaram a interdisciplinaridade,


levando ao engajamento no processo educativo, pois a mesma é vista como
parte isolada por possuir uma metodologia mais prática e por ter a ação como
eixo norteador. Ao avaliar as aulas, respeitamos as individualidades,
estimulamos a participação e conscientizamos os alunos dos benefícios da
dança.

Portanto, dançar não é privilégio de alguns, mas um excelente método


capaz de auxiliar na formação pedagógica e capaz de desenvolver em seus
praticantes uma consciência corporal enquanto sujeito transformador do
tempo e do espaço.

REFERÊNCIAS

BRASIL, República Federativa do Brasil. (1997). Parâmetros Curriculares


Nacionais. Artes. Brasília: MEC.
BRASIL, República Federativa do Brasil (2002) Estratégias e Orientações
sobre artes: Respondendo com Arte às necessidades especiais. Brasília:
MEC, SEEESP.
CAMINADA, Eliana. História da dança: evolução cultural. Rio de Janeiro,
Sprint, 1999.
MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO. Secretaria de Educação Especial.
Educação Inclusiva – vol 4. Brasília: SEESP/MEC, 2004.
NANNI, Dionísia. Dança-Educação – pré-escola à universidade. Rio de
a
Janeiro: 3 edição, 2001.
WWW.pt.wikipedia.org/wiki/hiphop.com
RICHARD, Big. Hip Hop consciência e atitude. São Paulo, Ed. Livro
pronto, 2005.
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ANEXOS
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REGISTRO FOTOGRÁFICO

Fotos dos momentos desenvolvidos durante o planejamento,


work shop, aulas e apresentação artística dos alunos da Escola
Estadual “11 de agosto”.

REUNIÃO DE PAIS

Apresentação das regras e


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metodologia do curso.

Profª Daniela e Prof. Ailton

Work shop sobre Hip Hop: MS e Dj Ganso


apresentando as manifestações artísticas, com
o apoio das professoras Mônica e Daniela.

Apresentação na SEED/SE

Bela finalização, após uma das várias


apresentações artísticas do grupo.
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Produção Escrita de Surdos:


análise de redação do vestibular

Mônica de Gois Silva Barbosa1

RESUMO

A proposta de educação bilíngue para surdos tem suscitado indagações relacionadas à


aquisição da Língua Brasileira de Sinais-LIBRAS pelos educandos surdos e ao ensino
de Língua Portuguesa para tais sujeitos. Pesquisadores têm ressaltado que o processo
de aprendizagem da escrita pelos surdos sinalizadores apresenta peculiaridades que
precisam ser consideradas e analisadas no processo educacional. Dentre tais
particularidades, tem-se observado que em suas produções escritas da Língua
Portuguesa há marcas de interferências das línguas sinalizadas. Assim, em tais
produções há a presença da interlíngua que mescla a estrutura das línguas sinalizadas
com a Língua Portuguesa. À luz desse entendimento e tomando a escrita como objeto
de estudo, neste artigo, será analisada uma redação de um candidato surdo do
Concurso Vestibular 2011 da Universidade Federal de Sergipe, com o intuito de
examinar a interferência da LIBRAS nessa produção. A análise verifica as possíveis
interferências à nível ortográfico e morfossintático. Para dar conta dessa proposta, o
presente estudo baseia-se nas teorias de Faria (2001), Brochado (2003), Quadros e
Schmiedt (2006) e Skliar (2009). De modo geral, constatou-se que há nítidas
interferências da LIBRAS que se manifestaram nos níveis ortográfico e
morfossintático. Apesar dessa interferência, há empregos de procedimentos coesivos e
sentido na produção textual analisada.

Palavras-chave: Escrita. LIBRAS. Língua Portuguesa.

1
Contato do(a) autor(a): monicagsb@yahoo.com.br. Mestre em Letras (UFS).
Professora Assistente I da Universidade Federal de Sergipe (DEDI-Campus
Itabaiana).
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INTRODUÇÃO

Muitas propostas educacionais para surdos foram empregadas ao longo


do tempo, dentre elas pode-se destacar o oralismo, a comunicação total e,
mais recentemente, o bilinguismo. Esse ensino bilíngue propõe que a
LIBRAS seja reconhecida como primeira língua da comunidade surda
brasileira e a Língua Portuguesa (doravante LP) seja ensinada como segunda
língua. Como consequência disso, ao avaliar as produções escritas dos surdos
deve-se levar em conta a interferência da língua de sinais no aprendizado da
LP, visto que há a presença da interlíngua em tais produções.

Dessa forma, neste artigo será examinada a interferência ortográfica e


morfossintática da LIBRAS na produção escrita de um candidato surdo do
vestibular 2011 da Universidade Federal de Sergipe.

O artigo organiza-se em duas partes: a primeira trata-se dos


pressupostos teóricos e a segunda aborda a análise do texto. A
fundamentação teórica subdivide-se em dois tópicos. O primeiro refere-se a
uma explicação sobre interlíngua com o intuito de esclarecer como se dá a
interferência da LIBRAS na produção de LP. O segundo trata-se de uma
reflexão sobre o aprendizado da escrita pelos surdos a fim de ressaltar a
importância da LIBRAS no processo de aprendizagem da segunda língua.

Assim, a elaboração deste artigo justifica-se diante da relevância do


assunto por se tratar de falantes da LIBRAS aprendizes do português como
segunda língua. O artigo trata de um conteúdo relevante para pesquisadores e
professores interessados em estudos linguísticos, pois possibilitará um
esclarecimento sobre as características da escrita do surdo, permitindo um
novo olhar sobre tais produções.

1 A interlíngua
De acordo com Yocata (2005), o termo interlíngua foi consagrado por
Selinker, em 1972. É uma denominação utilizada para designar a língua de
um falante não nativo. No caso da pessoa surda, trata-se de um texto cuja
estrutura linguística combina a estrutura da LP com a da LIBRAS ou outras
formas de sinalização.

Essa transferência de estruturas de uma língua materna para o


aprendizado de uma segunda língua ou língua estrangeira trata-se de um
processo natural de aprendizagem de línguas. Sobre isso, é bastante salutar
frisar o que Lado (1972) menciona sobre o assunto:

Sabemos, pela observação de muitos casos, que a estrutura gramatical


da língua nativa tende a ser transferida para a língua estrangeira. O
aluno tende a transferir as formas das frases, os dispositivos de
modificação, os padrões de números, gêneros e caso da sua língua
nativa. Sabemos que essa transferência ocorre muito sutilmente, de
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modo que o aprendiz nem mesmo a percebe, a menos que se chame a


sua atenção para casos específicos. E, sabemos que, mesmo assim, ele
subestimará a força desses hábitos transferidos, que, suspeitamos,
podem ser tão difíceis de mudar quando transferidos como quando
operam na língua nativa. (LADO, 1972, p. 82).

Desse modo, qualquer pessoa que aprende uma segunda língua


transferirá, de forma espontânea, aspectos gramaticais de sua língua materna
para a língua estrangeira. Isso ocorre no aprendizado de LP pelos surdos, em
que as marcas de transferência vão estar presentes na sua escrita, originando
a interlíngua.

Como está evidenciado pela literatura (QUADROS, 2006; SALLES,


2004; FARIA, 2001; SAMPAIO, 2007; BROCHADO, 2003; MEIRELLES,
2004; SILVA, 1999; entre outros), as crianças ou jovens surdos apresentam
diferenças no que diz respeito ao seu processo de desenvolvimento da escrita
em LP. Em suas pesquisas, os autores chamam a atenção para a interferência
da LIBRAS na escrita da LP por sujeitos surdos.

Nesses estudos, constata-se que, a LIBRAS repercute diretamente na


aprendizagem escrita da LP. Isso ocorre porque a articulação das
propriedades da LIBRAS e da língua alvo dá origem à interlíngua.

Ao se referir aos estágios de interlíngua da escrita da LP por surdos,


Quadros e Schmiedt (2006, p. 34) esclarecem: “esses estágios de interlíngua
apresentam características de um sistema linguístico com regras próprias e
vai em direção à segunda língua.” Isto significa que, em diversos estágios da
escolarização do surdo, a sua produção escrita estará sujeita a diferenciações.
Por isso, nas etapas iniciais, a sua escrita estará muito mais marcada pelas
características da língua de sinais, enquanto nas etapas finais desse processo,
mesmo com particularidades, ela estará mais próxima do português, sua
segunda língua. Isso foi comprovado pelas pesquisas realizadas por Brochado
(2003, p. 308), cujo foco demonstra os estágios de interlíngua em crianças
surdas.

Segundo a autora, no estágio de interlíngua I, observa-se o emprego


predominante de estratégias de transferência da língua de sinais (L1) para a
escrita da LP (L2). Já no estágio de interlíngua II, constata-se na escrita de
alguns alunos uma intensa mistura das duas línguas, em que se observam o
emprego de estruturas linguísticas da LIBRAS e o uso indiscriminado de
elementos da LP, na tentativa de apropriar-se da língua alvo. No terceiro
estágio de interlíngua, há o emprego predominante da gramática da LP em
todos os níveis, principalmente, no sintático, definindo-se pelo aparecimento
de um número maior de frases na ordem Sujeito-Verbo-Objeto e de estruturas
complexas.

Diante dessas particularidades da interlíngua, as marcas de transferência


da L1 podem não ser compreendidas pelo ouvinte no seu primeiro contato
com um texto escrito por um surdo. Isso acontece pelo fato de o ouvinte não
conhecer a realidade do surdo e desconhecer que a produção escrita em LP
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trata-se de segunda língua. (SALLES, 2004, p. 118). Além disso, a educação


bilíngue para os surdos ainda é um projeto utópico na maioria das escolas,
causando um prejuízo enorme na aprendizagem da segunda língua,
repercutindo diretamente na produção escrita desses educandos, muitas vezes
não chegando a um nível adequado de escrita, após anos de escolarização.

Portanto, essa construção que caracteriza uma interlíngua - percurso de


aquisição de uma segunda língua, que tem no ponto de partida sua língua
natural - não pode ser desconsiderada pelo professor em seu procedimento de
avaliação e em seu processo de ensino-aprendizagem da LP. Nesses
momentos, a interlíngua precisa ser considerada pelos profissionais
envolvidos com o ensino da LP.

2 O aprendizado da escrita pelos surdos

Algumas considerações devem ser feitas sobre o aprendizado da escrita


pelos surdos. Desta forma, vale aqui refletir sobre as considerações que
Sanches (2009, p. 41 apud SKLIAR, 2009) faz sobre o aprendizado de leitura
e de escrita para surdos:

Para que qualquer ser humano aprenda a ler e a escrever bem, ou seja,
para que chegue a ser um usuário competente de uma segunda língua,
de um registro específico, como é a língua escrita, fazem-se
necessários três condições básicas, que no caso dos surdos, reiteremos,
não se cumprem. Para adquirir a língua escrita é necessário: a) um
desenvolvimento normal da linguagem; b) um desenvolvimento
normal da inteligência; c) uma “imersão” do “aprendiz” na prática
social da língua escrita. (SÁNCHEZ 2009, p. 41 apud SKLIAR, 2009,
p. 41).i

Para que a primeira e a segunda condição básica citada pelo autor se


desenvolvam naturalmente na pessoa surda, é imprescindível a língua de
sinais, pois é através dela que se dá o desenvolvimento linguístico e cognitivo
do surdo. Dessa forma, os surdos que ainda não têm conhecimento da
LIBRAS e que se comunicam por outras formas de sinalizações, precisam ter
essa oportunidade. Por isso, Faria (2003, p. 177) reforça que “... se o surdo
adquirir a LS como L1 ele terá uma interação comunicativa maior nos
diversos domínios sociais onde está ou possa vir a estar inserido”. Portanto,
ao oportunizar ao surdo acesso à língua de sinais se pratica uma atitude
inclusiva.

Em relação à terceira condição que se refere à imersão na prática social


da escrita, percebe-se que o ensino não considera tal aspecto, professores
reduzem o ensino da leitura e escrita a regras de gramática e
codificação/decodificação. Isso ocorre nas aulas de LP para ouvintes e para
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surdos, em que professores limitam o ensino da LP a explicações de normas


gramaticais.

Considerar a língua de sinais no aprendizado da LP deve ser o primeiro


passo de uma série de mudanças que precisam ser feitas para o benefício da
educação de surdos. Além disso, o processo de ensino-aprendizagem da
leitura e escrita de um surdo não pode ser considerado o mesmo do ouvinte.
Sanchez (2009, p.39 apud SKLIAR, 2009) afirma:

Entre as coisas que mais preocupam na educação dos surdos está o


ensino da língua escrita. Os surdos não sabem ler bem, e os
professores seguem tentando metodologias e estratégias muito
diferentes, algumas simplesmente sem sentido, outras com certocunho
teórico, mas todas guiadas pela preocupação de que os surdos
aprendam a ler, porque assim se supõe que fazem os ouvintes.
(SÁNCHEZ, 2009, p.39apud SKLIAR, 2009, p. 39)ii

A escrita é um processo que exige muito do escritor. É um processo que


requer estratégias que vão além do reconhecimento de palavras e sequências
de frases. Isso se torna mais complexo quando se trata do aprendizado da
escrita de segunda língua. Nesse caso, não considerar a língua de sinais é não
compreender que ela é a língua de instrução necessária nesse processo. Por
isso, Hocervar et al (2009, p. 89 apud SKLIAR, 2009) afirmam que “Em
síntese, pode-se apreciar através das investigações dos últimos anos, que o
instrumento de mediação semiótica mais forte para facilitar o acesso à escrita
das pessoas surdas, é a língua de sinais.”iii (HOCERVAR et al, 2009, p. 89
apud SKLIAR, 2009, p. 89).

A apropriação de conhecimento será realizada através da língua de


sinais que serve como suporte cognitivo para o aprendizado da escrita,
possibilitando à pessoa surda, que desconhece o valor sonoro das palavras,
apropriar-se dessa escrita. Portanto, a língua de sinais é essencial para a
organização das ideias do surdo, tendo sua estrutura morfossintática refletida
nas atividades escritas, produzindo uma escrita distante da tida como padrão
de normalidade. (FERNANDES, 2009, p.67 apud SKLIAR, 2009).

Assim, mesmo desconhecendo a sonoridade das palavras, o surdo


aprende a modalidade escrita. Refletindo sobre o assunto, Fernandes (2009,
p. 96 apud SKLIAR, 2009) afirma:

É evidente que nossa cultura está habituada a supor que o processo de


entrada de regras gramaticais de uma língua para o individuo se dá
através da exposição ao mundo da modalidade oral desta língua.
Embora este seja o processo natural para o mundo dos ouvintes, isto
não quer dizer, obrigatoriamente, que deve ser o processo natural para
o mundo dos surdos. (FERNANDES 2009, p. 96 apud SKLIAR, 2009,
p. 96).
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Pautados em práticas oralistas, educadores se preocupavam em fazer


com que o surdo aprendesse o som das palavras para decodificá-las no
momento da leitura. Por isso, muitas vezes, os surdos decodificam os
símbolos escritos e não compreendem o seu sentido. Ou ainda, decodificam
as palavras de uma determinada sequência e não as interpretam. Isso ocorre
porque o que está escrito não tem sentido presente em uma tradução palavra
por palavra. Esse fato também ocorre nas interpretações de uma língua para
outra, visto que determinadas construções frasais de uma língua não podem
ser traduzidas para outra se levando em consideração apenas a ordem das
palavras. Ler não significa codificar e decodificar palavras, é estabelecer
sentido para o que se lê. O ensino, ao qual estão submetidos, faz estudar
vocabulários soltos e estudar palavras fora de contextos.

Educadores ainda questionam sobre como ensinar aos surdos, pelo fato
de estes não conhecerem o som.

Até hoje educadores nos questionam como é possível dar


independência de leitura a uma criança surda que não tem consciência
de como juntar, sonoramente, letras e sílabas para construir novas
palavras e percebê-las, como se letras e silabas pudessem dar
autonomia suficiente a um falante da língua; como se letras e sílabas
trouxessem, em seu bojo, automaticamente, a consciência de
significados; como se letras e sílabas fossem as unidades básicas de
uma língua ou justificassem a formação das palavras, frases e
contextos. Enfim, como se letras e sílabas fossem o verdadeiro e único
ponto de partida desse processo ou chegada ao letramento.
(FERNANDES 2009, p. 96 apud SKLIAR, 2009, p. 96).

Levando em consideração os aspectos sonoros, professores


desconsideram que o pensamento visual da escrita é um dos aspectos de que
o surdo se serve constantemente. Além disso, eles não podem exigir do surdo
uma construção simbólica tão natural como a do ouvinte. (PERLIN 2010, p.
57 apud SKLIAR, 2010, p. 57).

A língua de sinais, as experiências escolares e seu histórico de vida,


mergulhados em diferentes interações e relações de poder, sinalizam para a
constituição da diferença na construção do objeto escrita, pelos surdos.
(FERNANDES 2009, p. 63 apud SKLIAR 2009, p. 63). Dessa forma, a
artigo, que aqui se apresenta, considera a LIBRAS como uma língua que
serve de referência para a escrita da LP pelos surdos.

3 Análise da interferência da LIBRAS na LP

Antes da análise do texto, faz-se necessário esclarecer alguns pontos


referentes aos candidatos surdos e à prova de redação. Os candidatos surdos,
após realizarem sua inscrição no processo seletivo, passam por uma junta
médica da universidade para comprovar sua surdez. Isso acontece com todos
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os candidatos que se declaram deficientes. Segundo o coordenador do CCV,


o professor Manuel Leite Torres, os candidatos surdos inscritos no PSS 2011
são usuários de LIBRAS e durante a realização das provas tiveram intérprete
à disposição. Para tais candidatos, a prova de redação tem a mesma duração
de tempo da de um candidato ouvinte, entretanto, de acordo com as normas
da coordenação, caso o aluno surdo precise de um tempo a mais lhes é
garantido esse direito.iv

Segundo o edital, a prova de redação consta de um texto argumentativo


sobre um tema proposto, com duração de duas horas. Por exigência do
concurso vestibular, os textos produzidos pelos vestibulandos devem
apresentar um bom nível de expressão, com destaque para os critérios de
coesão e coerência na avaliação.

Deve-se ressaltar que os critérios utilizados nessa análise não deixam


de ter certa subjetividade, e derivam-se da interpretação da analista.
Entretanto, levou-se em consideração a intertextualidade, o tema da redação,
a interpretação do texto do candidato, a coerência das ideias ao longo da
produção. Os exemplos aqui analisados, portanto, são aqueles considerados
relevantes:

No que diz respeito ao domínio da ortografia da LP, sabe-se que as


dificuldades são imensas para as pessoas surdas, visto que a língua de sinais
apresenta uma modalidade gesto-visual e não oral-auditiva. Os surdos
aprendem a partir da memorização das sequencias das letras de uma palavra
por sua capacidade visual e não a partir das estruturas fonéticas. Isso acarreta
muita interferência na escrita das palavras, tais como as encontradas e
descritas abaixo:

FUNADIÁRIO, FUNÁRIO: funcionários.

DOUTRADOR: doutorado.

Verifica-se que as palavras estão acentuadas, por exemplo, ÓTIMA,


DEFICIÊNCIA, PROFISSÕES.

Santana (2007, apud PADDEN, 1998), ao analisar o uso da soletração


na análise ortográfica do inglês por crianças surdas inglesas, demonstra que o
processo de aquisição não é fonêmico, mas se dá pela aprendizagem de
regras posicionais grafêmicas. A pesquisa demonstra que os erros observados
nas construções de palavras são tentativas resultantes em palavras que não se
assemelham na pronúncia, mas na escrita, e são analisadas em dois níveis,
identidade de letras e posição de letras.

Essa pesquisa verifica que “as crianças surdas não realizam sequências
impossíveis nas estruturas ortográficas e mostram seu conhecimento
morfológico na escrita.” (SANTANA, 2007, p. 195, apud PADDEN, 1998).
Tal constatação se enquadra nos exemplos das produções aqui analisadas. As
construções são tentativas de uso que se apoiam na aprendizagem de regras
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posicionais de grafemas, por isso há transposições, substituições e omissões


de letras.

Em relação ao nível morfossintático, verifica-se inadequação de


emprego de Gênero, por exemplo:

MAS SÓ UMA PROBLEMA

O DIA BOA.

Encontra-se no texto verbos empregados na forma infinitiva, visto que


na LIBRAS para designar tempo e modo introduz-se um novo sinal e não
desinências verbais. Sendo assim, o surdo, usuário da LIBRAS, na escrita dos
verbos, emprega-os na forma infinitiva. Observe abaixo:

AS PESSOAS TER...

AS PESSOAS ESCOLHER...

...DIFERENTES GANHAR DINHEIRO...

NA EMPRESA SEMPRE INFORMAR...

EMPRESA ESQUECER...

AQUELA NÃO COLOCAR...

Percebem-se ausências de verbos de ligação durante todo o texto. Isso


se dá pelo fato de na LIBRAS esse tipo de verbo ser ausente.

NO CONCURSO MAIS IMPORTANTE: é mais importante

SEMPRE VAGAS EMPREGADOS AS PESSOAS TER QUE GRAU 2º OU


3º PODER: As vagas dos empregos são para pessoas que têm 2° ou 3° grau.

AS PESSOAS GOSTAM DE VENDEDOR: gostam de ser vendedoras

AS ALGUMAS GOSTAM DE FUNADIÁRIO GOVERNO: gostam de ser


funcionários do governo.

NO CONCURSO MAIS IMPORTANTE VIDA ÓTIMA: Concurso é mais


importante... AS PESSOAS SEMPRE DEMITIR...: As pessoas sempre são
demitidas.

Em relação aos usos ou ausência de preposição e de conjunção,


verificam-se tentativas de uso por parte do candidato. A ausência de tais
termos na LIBRAS interfere diretamente na escrita da LP, pode-se perceber
que há algumas ausências de contração. Entretanto, verificam-se tentativas de
uso por parte dos candidatos:
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IMPORTANTE ESTUDAR DO CURSO

GANHAR DINHEIRO BEM O DIA POR RÁPIDO

A SEMANA DE UM MÊS GANHAR DINHEIRO

IMPORTANTE ESTUDAR DO CURSO TÉCNICO OU PROFISSIONAL

VIDA ÓTIMA É CONCURSO PARA ATÉ APOSENTADORES

NO CONCURSO MAIS IMPORTANTE...

É IMPORTANTE NO FUTURO

Observou-se na redação que algumas palavras cognatas são comumente


empregadas uma no lugar da outra. Essa troca ocorre entre Substantivos,
adjetivos e verbos, conforme exemplos abaixo:

PESSOA EMPREGADORES: empregadas

VAGAS EMPREGADOS: vagas para emprego

1% EMPREGADO VAGA: 1% das vagas para emprego

TRABALHAR BEM: direito

AS PESSOAS HABILITAÇÕES: habilitadas

APOSENTADORES: aposentados

CURRICULAR: currículo

CONTINUADO: continuar

PERFEITAR: perfeito

GANHAR DINHEIRO BEM: ganhar um bom dinheiro

PROFISSIONAL: profissão, vida profissional

Em relação à concordância de termos ou orações foi possível encontrar


na produção desvios de normas gramaticais no emprego da concordância
verbal e nominal. Essas inadequações se deram não apenas entre termos, mas
entre orações. Verifique os exemplos:

PESSOA EMPREGADORES VAGAS ÓTIMO

E AS ALGUMAS PESSOAS: uso inadequado do artigo, supõe-se que o


aluno empregou por considerar o pronome um substantivo.
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AQUELA NÃO COLOCAR “VAGAS PESSOAS E DEFICIENCIA” EM


EDITAL...: Subtende-se “Aquela não coloca no edital ‘vagas para pessoas
com deficiência’.”

A MAIORIA ESCOLA MÉDIO OU SUPERIOR DE EMPREGADOS,


PESSOAS QUEREM MUITO ESTUDAR SER DOUTRADOR GANHAR
DINHEIRO O DIA BOA: Subtende-se: “A maioria dos empregados tem
ensino médio ou superior, mas as pessoas querem muito estudar para serem
doutoras e ganharem um bom dinheiro.”

De acordo com a análise, percebe-se que na redação há interferência da


LIBRAS, mas isso não impediu o uso de elementos de coesão e o sentido da
produção. Há muitos aspectos gramaticais que já sinalizam uma
aprendizagem de estrutura da LP.

CONSIDERAÇÕES FINAIS
A produção escrita de surdos é um campo de pesquisa que vem
crescendo no âmbito nacional, entretanto, tal estudo mostra-se embrionário
no estado de Sergipe. Diante dessa incipiência, este artigo traz resultados que
podem contribuir com informações que possibilitem uma reflexão sobre o
ensino de LP e um repensar sobre uma metodologia de LP em segunda
língua.

Diante da relevância do assunto e supondo a interferência da LIBRAS


na produção escrita da LP, procurou-se através da análise da redação verificar
o nível dessa interferência à nível morfossintático. Partiu-se de uma posição
que admitia a interferência da LIBRAS na LP.

Averiguaram-se nitidamente interferências que se manifestaram no


nível morfossintático. A análise demonstrou que, no desempenho dos
aprendizes durante a produção escrita, a presença da LIBRAS torna-se
bastante evidente e oferece subsídios preciosos para a análise.

Constatou-se a LIBRAS intervém na produção escrita da LP, a segunda


língua, havendo, assim, a presença da interlíngua em tais produções. Isso
interfere nos procedimentos de coesão utilizados, mas não deixa o texto
privado de sentido.

Essas interferências, apesar de ocorrerem pelo fato de ser fruto de um


processo natural de aprendiz de segunda língua, permitem refletir sobre o
ensino de LP para surdos. Portanto, ao avaliar um texto escrito de um aluno
surdo deve-se levar em consideração a interlíngua e, assim, apreciar o
aspecto semântico, como também esclarecer aos professores sobre a
particularidade linguística da pessoa surda.

Diante disso, deve-se deixar claro que, na produção escrita do surdo, há


uma forma peculiar de produzir sentido e expressar suas ideias visto que
indivíduos bilíngues, ao vivenciarem uma situação de interação na segunda
língua, nunca desativam totalmente a primeira língua.
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REFERÊNCIAS

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crianças surdas usuárias da Língua Brasileira de Sinais. Faculdade de
Ciências e Letras de Assis (UNESP), 2003. 439 f. Tese (Doutorado) – Área
de concentração: Filologia e Linguística Portuguesa. Faculdade de Ciências e
Letras de Assis, 2003.
FARIA, Sandra Patrícia de. Interface da Língua Brasileira de Sinais-LIBRAS
(variante falada pela comunidade surda de Brasília) com a Língua Portuguesa
e suas implicações no ensino de Português, como segunda Língua, para
surdos. Revista Pesquisa Linguística, Brasília: LIV/UNB, fascículo 6, série
2, 2001. p.iii-xii.

______. Sandra Patrícia de. A metáfora na LBS e a construção dos


sentidos no desenvolvimento da competência comunicativa de alunos
surdos. Brasília: Universidade de Brasília, 2003. 304 p. Dissertação (Mestre)
- Programa de Pós-graduação em Linguística. Brasília, 2003.
QUADROS, Ronice Muller de & SCHMIEDT, Magali L. P. Ideias para
ensinar português para alunos surdos. Brasília: MEC, SEESP, 2006.
ROBERTO LADO, Introdução à linguística aplicada. Trad. E notas:
Vicente Pereira de Souza. 2 ed. Petrópolis: RJ. Editora Vozes LTDA, 1972.
SALLES, Heloisa Maria Moreira Lima et al. Ensino de Língua portuguesa
para surdos – Caminhos para a prática pedagógica. Brasília:
MEC/SEESP, 2004a. V. 1.
SALLES, Heloisa Maria Moreira Lima et al. Ensino de Língua portuguesa
para surdos – Caminhos para a prática pedagógica. Brasília:
MEC/SEESP, 2004b. V. 2.
SAMPAIO, Maria Janaina Alencar. A construção de textos na escrita de
surdos: estratégias do sujeito na transição entre sistemas linguísticos.
João Pessoa: UFPB, 2007. Dissertação (Mestre) – Linguagem e Ensino.
Universidade Federal da Paraíba, 2007.
SILVA, Marília da Piedade Marinho. A Construção de Sentidos na Escrita
do Sujeito Surdo. Campinas: UNICAMP,1999. 109 f. Dissertação (Mestre)
– Faculdade de Educação na área de Psicologia Educacional. Universidade
Estadual de Campinas.
SKLIAR, Carlos (Org.) A Surdez: um olhar sobre as diferenças. 4 ed. Porto
Alegre: Editora Mediação, 2010.
SKLIAR, Carlos (Org.) Atualidade da educação Bilingue para surdo.
Interfaces entre pedagogia e linguística. 3 ed. Porto Alegre: Editora
Mediação, 2009.
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YOKOTA, Rosa, Aquisição/aprendizagem de línguas estrangeiras – aspectos


teóricos. In.: Ensino e aprendizagem de línguas estrangeiras: reflexão e
prática, BRUNO, Fátima Teves Cabral (org.). São Carlos: Clara luz, 2005.

i
Texto traduzido pela autora do artigo. Segue no original: Para que cualquier ser
humano aprenda a leer y a escribir bien, es decir, para que llegue a ser un usuario
competente de una segunda lengua, de un registro particular, como es la lengua
escrita, hacen falta tres condiciones básicas, que en el caso de los sordos, reiteremos,
no se cumplen. Para adquirir la lengua escrita hace falta: a) un desarrollo normal del
lenguaje; b) un desarrollo normal de la inteligencia; y c) una “inmersión” del
“aprendiz” en la práctica social de la lengua escrita. (SÁNCHEZ 2009, p. 41 apud
SKLIAR, 2009, p. 41).
ii
Texto traduzido pela autora do artigo. Segue no original: Entre las cosas que más
preocupan en la educación de los sordos está la enseñanza de la lengua escrita. Los
sordos no saben leer bien, y los maestros siguen intentando metodologías y estrategias
de muy distinto corte, algunas sencillamente disparatadas, otras con ciertos teóricos,
pero todas guiadas por la preocupación de que los sordos aprendan a leer, porque así
se supone que lo hacen los oyentes. (SÁNCHEZ, 2009, p.39apud SKLIAR, 2009, p.
39).

iii
Texto traduzido pela autora do artigo. Segue no original: En síntesis, se puede
apreciar a través de las investigaciones de los últimos años, que el instrumento de
mediación semiótica más fuerte para facilitar el acceso a la escritura de las personas
sordas, es la lengua de señas
iv
As informações foram obtidas através de entrevista concedida pelo coordenador do
CCV- Coordenação de concurso vestibular Professor Manuel Leite Torres, em
30/05/2011.
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O Surdo na Educação Contemporânea:


um desafio no processo ensino-aprendizagem

Edna Maria dos Santos1

RESUMO
A construção de uma sociedade inclusiva tem como base a valorização da diversidade,
para que se possa efetivar uma prática que venha atender aos anseios da educação
vigente. Em se tratando disso, a Educação de surdos não é diferente da Educação
Geral em seu objetivo porque ambas desejam o desenvolvimento dos educandos.
Desse modo, para que a escola seja democrática deve se preparar para atender cada
um de seus alunos. Visto que, por atender diferentes alunos com características
peculiares é responsável pela formação dos sujeitos. E, por ser um lugar de
aprendizagem, de diferenças e de troca de conhecimentos, precisa, portanto, atender a
todos sem distinção, a fim de não promover discriminações e exclusões. Independente
da clientela, diferentes estratégias deverão ser utilizadas, oferecendo alternativas de
atendimento diversificado. Convicta disto surgiu a inspiração para este trabalho cujo
objetivo é apresentar reflexão sobre Atendimento Educacional Especializado – AEE e
algumas tendências atuais, como as Tecnologias de Informação e Comunicação –
TICs, em destaque o computador na educação de surdos. Destaca-se a importância das
salas multifuncionais e do computador como mediadores na comunicação e
letramento do Surdo numa perspectiva bilíngue. A realização deste contribui para a
mudança de postura das escolas com/sem salas multifuncionais bem como no
desenvolvimento cognitivo e sócio-afetivo dos alunos.

Palavras-Chave: Letramento do Surdo. Salas multifuncionais. Computador.

1
Contato do(a) autor(a): andesan_1121@hotmail.com. Mestranda em Educação pela
Universidade Lusófona de Humanidade e Tecnologias, Especialista em LIBRAS -
Língua Brasileira de Sinais, Educação e Gestão pela Faculdade Pio Décimo, Educação
Inclusiva pela Universidade Tiradentes - UNIT, Graduada em Pedagogia pela
Faculdade Pio Décimo, professora aposentada da Rede Estadual de Ensino, com
experiência em Salas de Recursos multifuncionais e como professora de LIBRAS
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INTRODUÇÃO

No final do século XX, observa-se uma verdadeira “revolução


tecnológica” decorrente do avanço técnico no campo da informática,
colocando à disposição da sociedade possibilidades novas de comunicar, de
produzir e difundir informação. Vive-se uma mutação tecnológica sem
precedentes, com a digitalização que, embora longe de ter esgotado seus
efeitos, já delineia uma nova paisagem comunicacional e informacional. Do
ponto de vista dos usuários, tal mutação leva um nome: internet, e se realiza
em uma máquina ao mesmo tempo incrivelmente complexa e ao alcance de
todos nós: o computadori.

Em boa parte do mundo, a popularização do computador e sua


utilização em diversas áreas é fato inquestionável, assim como na esfera
educacional surge uma nova consciência no uso da informática. Uma era de
mudanças que traz desafios para os sistemas educacionais, pois, nesta nova
configuração social, o universo da informação dos alunos (e professores)
ampliou-se a uma escala nunca antes imaginada.

Diante a esse novo desafio, é indiscutível que os professores


reconheçam que as formas de ensinar precisam ser inovadas adequando-se as
novas tendências tecnológicas. Pois os alunos já não são os mesmos e que
está em construção um novo saber, até então desconhecido por eles e pela
escola. Entretanto, a integração das Tecnologias de Informação e
Comunicação (TICs)ii no cotidiano da escola, de modo criativo, crítico e
competente, é essencial para a formação dos jovens.

Neste contexto, com o paradigma da inclusão, não só digital, mas


também no atendimento à diversidade, as instituições de ensino em sua
maioria não estão preparadas para se adequarem a esta realidade desafiadora
que envolve as tecnologias e os educandos com necessidades educativas
especiaisiii. Com isso, entende-se que as escolas precisam adotar diferentes
competências no âmbito do atendimento e da aquisição do conhecimento
centrado no potencial de cada aluno, e que as limitações oriundas da falta da
audição, ou de outra especificidade não sejam vista como incapacidade para
aprender ou nem mesmo a causa de desestímulo para esses alunos.

Nesse sentido, a escola é uma instituição social encaminhadora de


indivíduos independente de suas características peculiares para a vida em
sociedade, proporcionando-lhe a formação do conhecimento. No caso dos
surdos, para que sua educação seja de fato garantida se faz necessário um
conjunto de recursos e serviços educacionais para apoiar e suplementar,
substituindo os serviços educacionais comuns visto que, muitas vezes são
excluídos do convívio com os ouvintes por suas dificuldades de
comunicação.

Com relação a isso, a Declaração de Salamanca (1994) ressalta que é


dever da escola atender todas as crianças independentemente de suas
condições físicas, intelectuais, sociais, emocionais, lingüísticas ou outras.
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Dentro deste contexto amplo, as questões da vida e do reconhecimento


da dignidade dos surdos ainda estão muito aquém de qualquer parâmetro
eticamente estabelecido. É bem verdade que historicamente muita coisa já
mudou, mas este processo de melhoria na qualidade de vida dos surdos tem
muito ainda a se conquistar.

Em vistas a essas concepções, este trabalho terá como foco as Salas de


Recursos Multifuncionais e o computador como mediadores no
desenvolvimento do surdo. Pretende-se com isso apresentar reflexão acerca
da utilização desses indicadores como alternativas diferenciada no ensino da
Língua Portuguesa como L2 para Surdo, bem como do atendimento
especializado no ambiente escolar para o avanço desses alunos. Essa
contribuição é de fundamental importância para a sociedade atual, já que a
inclusão de modo geral é algo que está em meio às principais preocupações
do mundo contemporâneo.

1 AS SALAS DE RECURSOS MULTIFUNCIONAIS E O


COMPUTADOR: MEDIADORES NA EDUCAÇÃO E
INCLUSÃO DO SURDO

A questão da inclusão de crianças com necessidades educacionais


especiais na rede regular de ensino insere-se no contexto das discussões, cada
vez mais em evidência, relativas à sua integração com deficiências enquanto
cidadãos, com seus respectivos direitos e deveres de participação e
contribuição social. Entretanto, para que isso aconteça é necessário que a
escola se organize e como afirma (ALVES, 2006, p. 9), essa organização
implica em mudanças necessárias:

A educação Inclusiva, a partir do reconhecimento e valorização da


diversidade como fator de enriquecimento do processo educacional,
tem provocado mudanças na escola e na formação docente, propondo
uma reestruturação da educação que beneficie todos os alunos. A
organização de uma escola para todos prevê o acesso à escolarização e
ao atendimento às necessidades educacionais especiais.

Nesse contexto só o reconhecimento e a valorização de pessoas com


necessidades educativas especiais - NEEs não é suficiente para sua inserção
em salas comuns de ensino, como complementa Carvalho (2004), não basta
colocar as pessoas com deficiência em classes regulares, se faz necessário
assegurar-lhes garantias e práticas pedagógicas que rompam as barreiras de
aprendizagem a fim de não se fazer uma educação excludente.

Em respeito a essas mudanças, o acesso ao conhecimento igual para


todos foi garantido com base legal na LDBEN – Lei nº. 9.394/96, no parecer
do CNE/CEB nº. 17/01, na Resolução CNE/CEB nº. 2, de 11/09/2001, na Lei
nº. 10.436 /2002 e no Decreto nº. 5.626 de 22/12/2005 assegurando o direito
à educação (escolarização) realizada em classes comuns e ao atendimento
educacional especializadoiv - AEE preferencialmente em salas de recursos na
escola onde estudam ou em outra escola (ALVES, 2006, p.13).
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Neste sentido, o trabalho desenvolvido pelas salas de recursos é de


grande relevância, pois como assegura (ALVES, 2006, p. 13):

As salas de recursos multifuncionais são espaços da escola onde se


realiza o atendimento educacional especializado para alunos com
necessidades especiais, por meio do desenvolvimento de estratégias de
aprendizagem, centradas em um novo fazer pedagógico que favoreça a
construção de conhecimentos pelos os alunos, subsidiando-se para que
desenvolvam o currículo e participem da vida escolar.

Cabe salientar ainda que este atendimento, embora preferencialmente


deva ser garantido nas escolas – no contraturno -, pode ser realizado fora da
rede regular de ensino, uma vez que seria um complemento e não um
substitutivo da escolarização ministrada na rede regular para todos os alunos.
Sendo assim, atendimento educacional especializado e educação especial não
são sinônimos.

O atendimento educacional especializado é uma forma de garantir que


sejam reconhecidas e atendidas as particularidades de cada aluno com
deficiência. São Consideradas matérias do atendimento educacional
especializado: Língua Brasileira de Sinais (LIBRAS); interpretação de
LIBRAS; ensino de língua portuguesa para surdos; (...) tecnologias
assistivas; informática educativa; enriquecimento e aprofundamento
do repertório de conhecimentos; [...] (Ministério Público Federal,
2004:11(org.: Fundação Procurador Pedro Jorge Melo e Silva)

Com foco neste diferencial nas salas de recursos multifuncionais, cabe


aos professores desenvolver atividades que proporcionem aos educandos uma
aprendizagem centrada no seu potencial. No tocante aos alunos surdos que
apresentam dificuldades de aprendizagem com os métodos tradicionais de
ensino podem apresentar melhorias significativas através do uso da
informática na escola. Contanto, que sejam estimulados pelo professor no uso
do computador como mais um instrumento para a construção de novos
conhecimentos.

Vivemos em uma sociedade informatizada, onde todos, inclusive os


educandos, e como não dizermos os surdos, necessitam do computador
presente em seu processo de aprendizagem. Para a educação dos surdos que
se comunicam de forma visual, esta ferramenta passa a ser prioridade, visto
que possibilita e facilita o desenvolvimento de suas potencialidades de
maneira lúdica. Vale acrescentar que, além de estimulá-lo em sua construção
cognitiva as atividades pedagógicas aplicadas nestes ambientes são
enriquecedoras, de modo a contribuir também na sua relação sócio-afetiva
entre educandos e educadores.

E, partindo do princípio que o surdo vive no mundo dos ouvintes e sua


comunicação é visual gestual, percebe-se que um dos grandes problemas
enfrentado por eles é não poder se expressar através da escrita de sua própria
língua (língua de sinais). Por isso, precisam fazer uso de sua segunda língua –
L2 (língua portuguesa) para escrever, o que é muito difícil para eles, pois o
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código escrito de uma língua oral está fundado em um foneticismo - grafia


baseada nos sons, o que dificulta seu aprendizado.

Este aprendizado é extremamente doloroso, pois, para o surdo, a escrita


de um língua falada passa a ser uma união de símbolos sem significados. Para
um domínio da escrita é preciso um conhecimento da língua falada, o que
para eles não pode acontecer de maneira natural. Por este motivo, eles estão
praticamente limitados de realizar produções escritas Skliar (2001).

Com vistas a isto, sabe-se que ao longo dos anos, a Língua Portuguesa
(LP), tem sido ensinada tanto para crianças como adultos surdos dentro de
um contexto como língua materna (LM). Práticas estas realizadas nas aulas
de LP na inclusão de surdos em turmas de alunos ouvintes v por professores
de alfabetização e graduação. Visto que, foram formados para ensinar LM
através de práticas metodológicas fundamentadas na concepção oralista e por
isso acreditam que o surdo precisa aprender a LP como LM. Daí a crença
que, o conteúdo de LP ensinado para o surdo é o mesmo para o ouvinte.

Entretanto, o intuito de oferecer ao surdo um tratamento não


preconceituoso, mas igualitário oferecem-se as mesmas condições de ensino
do ouvinte, resultando deste entendimento o desnível de aprendizagem onde
ouvintes aprendem os surdos fracassam. Sobre isso, Segundo (FARIA, 2001,
p.1) afirma:

É preciso que os profissionais envolvidos com o ensino de LP para


surdos, conscientes dessa realidade, predisponham-se a discutir
constantemente esse ensino, buscando alternativas que permitam ao
surdo usufruir do seu direito de aprender com igualdade, entendendo-
se, no caso do surdo, que para ser “igual” é preciso, antes, ser
diferente. É inconcebível que o conteúdo de LP para surdo, nas séries
iniciais, e, mesmo nas séries seguintes, quando o aluno ainda não
possui certo domínio da língua escrita, seja o mesmo do ouvinte.

Desse modo, compreendendo a igualdade com vista na diferença, o


ensino da L2 para surdo deve ter caráter comunicativo com o fim não apenas
da comunicação, mas também do acesso à informação e ao lazer. Deve partir
do texto para a gramática, não o contrário. As produções de textos por sua
vez devem partir do contexto, ou melhor, de ações e atividades vivenciadas
no seu cotidiano.

E para auxiliar em sua escrita é conveniente que o professor conheça a


estrutura lingüística da LIBRAS entendo essa como a LM do surdo e assim
estabeleça as diferenças lingüísticas entre ambas. Visto que, o surdo transfere
a estrutura de sua língua para os textos em LP reforçando a Escrita Surda
numa interlínguavi que apresenta, geralmente, a estrutura da língua de sinais
com vocabulário de língua portuguesa.

Apesar de orientados seguindo essa concepção quanto à leitura,


apresentam compreensão reduzida mesmo após muitos anos de escolaridade.
Desse modo, ser surdo é pertencer a um mundo de experiência visual e não
auditiva. A cultura ouvinte é construída com base no sentido da audição, até
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mesmo no que tem de visual, como a escrita. A escrita, devido ao seu caráter
visual, é extremamente importante para o surdo, embora evidenciem esforços
demasiados em ler e escrever, pois disponibilizam apenas da escrita da língua
oral. Perlin, (2001).

Outra concepção relevante na alfabetização de surdos no que diz


respeito à sua escrita, sugere, entretanto, que deve se realizar, inicialmente,
em língua de sinais o signwritingvii ou língua escrita de sinais. Segundo
afirma (STUMPF, 2000, p. 2):

Quando as crianças conseguem aprender uma escrita que é


representação de sua língua natural amadurecem e melhoram todo o
seu desenvolvimento cognitivo. E acrescenta que “a sua importância
dá-se pelo fato de que os surdos que se comunicam por sinais
precisam representar pela escrita a fala própria deles que é viso-
espacial”.

Ainda nesse contexto, (FARIA, 2002, p.12) acrescenta:

Acredita-se que o signwriting é uma forma de agregar as tecnologias


educacionais empregadas no ensino de surdos, além de tornar perenes
e sólidas as idéias dos mesmos, confirmando, reforçando e ampliando
a ‘marca surda’ de pertinência no mundo e, quem sabe, por meio dela,
a História Surda se construa e se sustente sobre a ‘voz’ da maioria
surda, definindo-se e estabelecendo, enfim, a Cultura Surda pelo
próprio surdo, por ideal, por opção, por convicção, por SER SURDO e
se identificar como tal.

Observa-se desse modo que é uma proposta de ensino arrojada, mas


ainda incipiente no Brasil. Sem dúvida, um caminho que emerge aos poucos
e timidamente, por meio da tecnologia auxiliando na educação e no
desenvolvimento de diversas competências.

Para Rocha (2000), ainda é raro no Brasil ambientes computacionais


que trabalhem com a língua de sinais, porém cada vez mais este quadro vem
sendo alterado. Por sua vez o uso do Dicionário LIBRAS on-line
(http://www.dicionariolibras.com.br) é um trabalho já desenvolvido com e
sobre língua de sinais no Brasil pelo professor Fernando Capovilla onde são
desenvolvidos sistemas para comunicação de surdos utilizando sinais, textos
e símbolos através de computadores em rede.

Já no caso da aprendizagem do português como segunda língua pelo


aluno surdo no tocante a importância do uso social da linguagem escrita,
(ARCOVERDE, 2006, p.256) diz que “a apropriação da língua escrita pelos
surdos se dá através das trocas entre as diferentes culturas, e diante disso, as
tecnologias digitais se mostram como um suporte eficaz para a criação de
ambientes que promovem interações sociais”.
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A respeito do Português como L2 para o acesso do surdo à educação, o


Decreto 5.626/2005 que regulamenta a Lei 10.436/2002 que dispõe sobre a
LIBRAS, no CAP IV do art. 15 comenta:

Para complementar o currículo da base nacional comum, o ensino de


Libras e o ensino da modalidade escrita da Língua Portuguesa, como
segunda língua para alunos surdos, devem ser ministrados em uma
perspectiva dialógica, funcional e instrumental, como: I - atividades
ou complementação curricular específica na educação infantil e anos
iniciais do ensino fundamental; e II - áreas de conhecimento, como
disciplinas curriculares, nos anos finais do ensino fundamental, no
ensino médio e na educação superior.

Neste sentido, a língua de sinais, uma vez entendida como a língua


materna do surdo, será, dentro da escola, o meio de instrução por
excelênciaviii, ou seja, a educação de surdos deve ser a língua de sinais
independente dos espaços em que o processo se desenvolva. A língua
portuguesa deve ser tratada como segunda língua, privilegiando-se a escrita,
cujo ensino deve explorar exaustivamente os recursos visuaisix.

Para tanto, no ensino de Língua portuguesa como L2 para surdo, o


professor deve, preferencialmente, ser formado em Língua Portuguesa e que
conheça os pressupostos lingüísticos teóricos que norteiam o trabalho, e que,
sobretudo acredite nesta proposta estando disposto a realizar as mudanças
para o ensino do português aos alunos com surdez. Para isso, é preciso que o
professor conheça muito bem a organização e a estrutura dessa Língua, bem
como, metodologias de ensino de segunda língua.

Desse modo, seguindo os pressupostos lingüísticos o professor trabalha


os sentidos das palavras de forma contextualizada, respeitando e explorando
a estrutura gramatical da Língua Portuguesa com foco nos níveis
morfológico, sintático e semântico-pragmático, ou seja, como são atribuídos
os significados às palavras e como se dá à organização delas nas frases e
textos de diferentes contextos, levando os alunos a perceber a estrutura da
língua através de atividades diversificadas. Conforme (QUADROS, op. cit.:
9) afirma:

É preciso o incentivo à utilização de recursos lingüísticos para se


‘produzir estórias utilizando configurações de mãos específicas,
produzir estórias, em primeira pessoa, sobre pessoas surdas, sobre
pessoas ouvintes, produzir vídeos de produções literárias de adultos
surdos’.

Em complemento a isto, as línguas de sinaisx, dotadas de toda a


complexidade e utilidade encontradas nas línguas orais, possuem gramáticas
próprias, com regras específicas em seus níveis lingüísticos – fonológico,
morfológico e sintático. Outro fator que as diferenciam é a estrutura
seqüencial no tempo, onde as línguas orais são caracterizadas pela
linearidade, pois os fonemas se sucedem seqüencialmente em contraste com
simultaneidade das línguas de sinais onde os sinais possuem uma estrutura
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paralela, podendo emitir sinais envolvendo simultaneamente diversas partes


do corpo do sinalizador (BRITO, 1995 e QUADROS, 1997).

Vale acrescentar ainda, para estímulo na produção escrita dos surdos é


interessante também neste espaço o uso da comunicação em rede através de
e-mails e chats entre os alunos com o intuito de ampliar a fluência na língua
portuguesa. Com vistas a isso, (QUADROS, 2006, p.23) enfatiza:

A sua aquisição dependerá de sua representação enquanto língua com


funções relacionadas ao acesso às informações e comunicação entre
seus pares por meio da escrita. Entre os surdos fluentes em português,
o uso da escrita faz parte do seu cotidiano por meio de diferentes tipos
de produção textual, em especial, destaca-se a comunicação através do
celular, de chats e de e-mails.

Desse modo, o surdo (como o ouvinte) quer se comunicar e, para


utilizar a Internet, precisa atualmente fazê-lo da forma escrita. Apesar de o
português utilizado na rede não ser, em termos da norma culta, esta é uma
oportunidade para a ampliação do seu vocabulário desde que seja orientado.
E isto também pode ser visto no sentido de letramento xi e ser alfabetizado.

É interessante ressaltar que, pesquisas sustentam que se uma criança


surda puder aprender a língua de sinais da comunidade surda na qual será
inserida, ela terá mais facilidade em aprender a língua oral-auditiva da
comunidade ouvinte (FELIPE, op. Cit.: 96-7). E enfatiza, a possibilidade de
ser plenamente multicultural é ter oportunidades nos dois mundos, surdo e
ouvinte.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A educação deve assegurar ao surdo o direito de receber os mesmos


conteúdos que os ouvintes, através de comunicação visual a exemplo das
línguas de sinais, língua portuguesa, e outras línguas no que tange à escrita,
leitura e gramática.

Com relação às línguas ditas L2 necessitam de metodologias e recursos


adequados para seu ensino-aprendizado, visto que o conhecimento da língua
falada e o decorrente domínio da escrita, não ocorrem de maneira natural para
as pessoas surdas. A língua que elas percebem e utilizam de maneira natural é
a língua de sinais, que se constitui na sua língua materna (L1).

Contudo, a falta de conhecimento da Cultura Surda, que é


desconsiderada a partir do momento em que sua língua não é usada como
referencial, gera uma série de problemas na construção do conhecimento,
principalmente, na comunicação do surdo e no estabelecimento de sua
identidade surda.
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Vale ressaltar, portanto, que através das novas tecnologias, consegue-se


resgatar uma nova forma de aprender e, tendo o computador como aliado no
processo educativo, torna-se possível que os professores atuem como
mediadores, cujo papel fundamental é facilitar a aprendizagem, atuando
como orientador e estimulador do processo de ensino-aprendizagem. Para
inserir de forma correta o computador no processo educacional, torna-se
necessário buscar uma maneira de transformar o ensino Instrucionista em um
ensino Construcionista, uma vez que o computador pode favorecer a
construção de uma aprendizagem contextualizada e potencializar o trabalho e
as produções dos educandos surdos.

REFERÊNCIAS

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a Lei nº 10.436, de 24 de abril de 2002. Dispõe sobre a LIBRAS, CAP IV do
art. 15.
______ Decreto nº 6.571. Brasília. 17 de setembro de 2008. Regulamenta a
Lei 9.394 de 20 de dezembro de 1996 e a Lei nº 11.494 de 20 de junho de
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o_surdos/t exto53.pdf Acesso em 07.08.2010.

VIANNA, Adriana Chan ‘Estruturas de posse na aquisição de português


por surdos’, comunicação no I Encontro Nacional do Grupo de Estudos da
Linguagem do Centro-Oeste – GELCO: MT, 2001.
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NOTAS:

i
Computador significa, segundo os dicionários, aquele que faz contas. os ábacos -
primeiros computadores que se tem notícia, cuja origem remonta há 5000 anos.
ii
Tecnologias de Informação e Comunicação (TIC): termo popularizado na década de
90 e utilizado para nomear as tecnologias requeridas para o processamento,
conversão, armazenamento, transmissão e recepção de informações, bem como o
estabelecimento de comunicações por computador. A terminologia TIC resulta da
fusão das tecnologias de informação, antes referenciadas como informática, e as
tecnologias de comunicação, relativas às telecomunicações e aos media eletrônicos.
As TIC, referenciadas na atualidade, envolvem a integração de métodos, processos de
produção, hardware e software, com o objetivo de proporcionar a recolha, o
processamento, a disseminação, a visualização e a utilização de informação, no
interesse dos seus utilizadores.
iii
O termo "necessidades educacionais especiais" refere-se a todas aquelas crianças ou
jovens cujas necessidades educacionais se originam em função de deficiências ou
dificuldades de aprendizagem. As escolas devem buscar formas de educar tais
crianças com sucesso, incluindo também as que possuam desvantagens severas. Este é
um passo crucial no sentido de modificar atitudes discriminatórias, de criar
comunidades acolhedoras e de desenvolver uma sociedade inclusiva.
iv
- § 1º Considera-se atendimento educacional especializado o conjunto de atividades,
recursos de acessibilidade e pedagógicos organizados institucionalmente, prestado de
forma complementar ou suplementar à formação dos alunos no ensino regular;
- § 2º O atendimento educacional especializado deve integrar a proposta
pedagógica da escola, envolver a participação da família e ser realizado em
articulação com as demais políticas públicas (Decreto nº 6.571, de 17/09/08, que
dispõe sobre o atendimento educacional especializado, e regulamenta o parágrafo
único do art. 60 da Lei nº 9.394, de 20/12/1996).
v
Utiliza-se o termo ouvinte para denominar aqueles que ouvem em oposição a surdo,
termo que denomina os que não ouvem.
vi
Interlíngua é a língua produzida pelo aprendiz em fase de aquisição, língua esta que
não corresponde à língua materna, nem à língua alvo (Vianna, 2001).
vii
O signwriting é um sistema de escrita das línguas de sinais, idealizado e
desenvolvido por Valerie Sutton do Deaf Action Commitee, da Califórnia, USA.
Trata-se de um conjunto de símbolos visuais que podem descrever qualquer língua de
sinais no mundo.
viii
Desde 1954, a Unesco, defende o “direito que têm as crianças que utilizam uma
língua diferente da língua oficial de serem educadas na sua língua” ( apud, Skliar, op.
cit.: 25). Desta forma, propõe a educação básica na LM da criança, o que corresponde
para o surdo, na educação básica em língua de sinais.
ix
A oralização do surdo deve ser opção dela e da família. Feita esta opção, deverá ser
aprendida por métodos artificiais, em atendimentos fonoaudiológicos e em clínicas
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especializadas, não associada às práticas educacionais, onde deve ser privilegiada a


modalidade escrita da língua portuguesa.
x
A comunidade surda de cada país do mundo fala uma Língua de Sinais diferente
uma da outra. Apesar disso, as diferentes Línguas de Sinais possuem estruturas
semelhantes, e são, basicamente, formadas pelos mesmos parâmetros (unidades
mínimas, sem significado, utilizadas na formação de itens lexicais de uma Língua de
Sinais). No Brasil, a comunidade surda fala a Língua Brasileira de Sinais – LIBRAS;
nos EUA, a American Sign Language – ASL; na Itália, a Língua Italiana dei Segni –
LIS, e assim por diante.
xi
letramento é pois, o resultado da ação de ensinar ou de aprender a ler e escrever: o
estado ou a condição que adquire um grupo social ou um indivíduo como
conseqüência de ter-se apropriado da escrita. Enquanto que alfabetizado é o individuo
capaz de ler e escrever. (...) Há, assim uma diferença entre saber ler e escrever –ser
alfabetizada- e viver na condição ou estado de quem sabe ler e escrever –ser letrado-.
(Soares, 2000 p. 36).
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Educação Inclusiva:
proposta didática de orientação sexual para estudantes
surdos

Marcela Santos de Almeida1


Railene dos Santos Menezes2

RESUMO

Este artigo faz parte de uma experiência de graduandos do curso de Ciências


Biológicas com alunos surdos de escolas públicas de Ensino Fundamental do agreste
Sergipano, que trabalharam com alguns temas polêmicos relacionados à sexualidade.
Desse modo, foi desenvolvida uma oficina intitulada “Sexo seguro: É sexo sem risco”
que fez parte da VI Oficina de Ciências, Matemática e Educação Ambiental (VI
OCMEA), realizada na Universidade Federal de Sergipe (UFS), Campus Prof. Alberto
Carvalho, em Itabaiana/SE. Na oficina buscou-se expor assuntos tais como: a gravidez
na adolescência, métodos anticoncepcionais, Doenças Sexualmente Transmissíveis
(DSTs) e reprodução humana a fim de observar o entendimento dos alunos surdos a
respeito desses assuntos. Com isso, o objetivo geral deste trabalho foi apresentar uma
proposta didática de orientação sexual para estudantes surdos. A metodologia
utilizada foi primeiramente um levantamento bibliográfico que serviu de base para
refletir sobre a oficina desenvolvida. Em segundo foi realizada observação
participante ao decorrer da referida oficina, e por último os relatos de experiência
foram estruturados no Microsoft Word. Assim, essa oficina além de abranger
elementos relacionados à sexualidade entre os surdos, também possibilitou a interação
entre ouvintes e surdos, levando a troca de diferentes experiências acerca da
sexualidade de alunos surdos.

Palavras-Chave: Sexualidade, Estudantes de Biologia, Surdos, Oficina.

1
Contato do(a) autor(a): cecelabioalmeida@hotmail.com. Mestranda em Ensino de
Ciências e Matemática pelo NPGECIMA da Universidade Federal de Sergipe/ UFS.
2
Contato do(a) autor(a): railene@usp.br. Mestranda em Educação (Ensino de
Ciências) pela Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo/FE-USP.
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INTRODUÇÃO

Várias pesquisas têm enfocado a importância da inclusão do aluno surdo


em escolas de ensino regular (BORGES, 2004; GUARINELLO et al., 2006).
Conforme Borges (2004) a leitura e a escrita de crianças surdas evidenciam
que há uma necessidade de conhecimento de mundo para que essas crianças
possam atribuir um sentido ao que elas leem.

Nesse sentido, escolas inclusivas devem reconhecer e atender às


necessidades diversas dos alunos. Desse modo, o termo inclusão sugere que a
escola em conjunto com o corpo docente procure se adequar às necessidades
dos discentes para que sejam inseridas na instituição sem maiores problemas.

Sabe-se que o aluno surdo passa por muitos obstáculos em uma escola
inclusiva. A deficiência auditiva se caracteriza pela privação sensorial, ou
seja, uma perda ou uma diminuição considerável do sentido da audição.
Assim, a inclusão escolar dos surdos em escolas para alunos ouvintes propõe-
se oferecer ao aluno surdo, na escola e na sala de aula, as mesmas condições
de comunicação oral oferecidas ao aluno ouvinte (BOTELHO, 1999; SILVA,
2010).

No entanto, para Botelho (1999) o aluno surdo necessita de condições


formais e específicas de aquisição de uma nova língua, pois os surdos se
orientam a partir da visão. Então, isso significa que a organização perceptual
fundamental de quem tem uma perda auditiva se dá a partir da visão, e não da
audição.

Em vista dessas necessidades específicas dos surdos, no processo de


aprendizagem na educação inclusiva é preciso que o docente utilize na
comunicação e no ensino, a linguagem oral com certas adaptações, como
falar mais devagar e com clareza, sempre de frente para o aluno surdo, e
registrar no quadro as informações que fornece oralmente, sendo essas as
principais atitudes (BOTELHO, 1999).

Além da presença do docente qualificado para a construção do


conhecimento do aluno surdo, é relevante a participação de um intérprete de
língua de sinais na sala de aula. Como são várias situações pedagógicas no
ambiente escolar, o intérprete que tem sido considerado um fator mediador
nos processos de leitura e de escrita do surdo (BOTELHO, 1999).

Já Lebedeff (2010) ressalta que:

O surdo é apresentado como um sujeito pertencente a uma minoria


linguística e cultural, que merece e necessita de um espaço
educacional que respeite essas diferenças, proporcionando condições
de leitura e compreensão de um mundo que é, também, sexualizado
(p.1).

Porém, a questão da sexualidade no campo da surdez sempre foi pouco


discutida (LEBEDEFF, 1993; MOUKARZEL, 2003; CURSINO et al. 2006),
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porque o foco maior da discussão da diferença na surdez por muito tempo foi
a língua e cultura dos surdos.

Diante desse contexto sobre educação inclusiva, o presente artigo


aborda o tema sexualidade e orientação sexual para alunos surdos, através da
apresentação de uma proposta didática vinculada a educação sexual.

De acordo com Pinheiro et al. (2010) como muitos surdos não tem
acesso a serviços de educação em saúde sexual, isso os tornam bastante
vulneráveis a ocorrência de gravidez precoce e infecção por Doenças
Sexualmente Transmissíveis (DSTs) /AIDS.

O objetivo desse trabalho foi apresentar uma proposta didática de


orientação sexual para estudantes surdos, a partir de oficina elaborada por
alunos de graduação em parceria com a Universidade Federal de Sergipe,
interpretes de LIBRAS e professores especialistas em educação inclusiva.

1 EDUCAÇÃO INCLUSIVA PARA SURDOS

Esta parte do trabalho buscou refletir sobre a implantação da educação


inclusiva no Brasil. Tendo em vista a precariedade linguística tanto em casa
como na escola, vale à pena problematizar questões relativas à educação
inclusiva para compreender um pouco mais a respeito da sexualidade de
surdos.

Sabe-se que crianças e adolescentes surdos enfrentam muitos desafios


para serem alfabetizados, mas esse processo é importante para que ocorra a
inclusão social do surdo (CARVALHO e MORAES, 2002).

Nesse sentido, Lopes (1998) afirma que:

Os surdos, quando não representados como sujeitos culturais, entram


no rol dos desajustados, desintegrados da sociedade ouvinte,
deficientes e incapazes de se desenvolverem sem o auxílio de grupos
dominantes culturalmente. A escola não pode mais representar e
contar os sujeitos com os quais trabalha, referendada em um único
modelo de normalidade ou deficiência. Ela precisa procurar vê-los
dentro do hibridismo em que estão envolvidos enquanto sujeitos
diferentes e pertencentes a um grupo cultural em permanente
construção e desconstrução de conceitos, comportamentos, valores
[...] (p.114).

A partir dessa discussão, é importante ressaltar que foi no início da


década de 1990 que se fundamentou a ideia da adaptação do sistema escolar
as necessidades dos educandos. Essa ideia ficou conhecida como a fase da
inclusão que propõe um sistema educacional único e de qualidade ao qual
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venha atender os alunos com ou sem deficiência sem distinções (BORGES,


2004; SÁ, 2006; SILVA, 2010).

Nessa perspectiva, a comunicação entre surdos e surdos e entre surdos e


ouvintes, começou a ser desenvolvida através da utilização de recursos
possíveis, seja através da fala, de gestos ou outros recursos visuais. Com base
em Carvalho e Moraes (2002) as escolas inclusivas através de um currículo
apropriado e organizado, estratégias de ensino, uso de recursos e parceria
com as comunidades e a família pode favorecer o processo de aprendizagem
dos surdos.

Assim sendo, a Educação Especial no Brasil começa, de fato, a ser posta


em prática na segunda metade do século XIX. Mas, estudos da filosofia e
medicina inferiam que a incapacidade dos surdos de desenvolverem uma
linguagem própria os desabilitavam para o processo educacional (SILVA,
2010).

Então, a educação dos surdos teve como foco principal nos seus
primórdios a maneira como deveria se desenvolver a linguagem (SÁ, 2006).
Alguns eram favoráveis que o ensinamento da linguagem para os surdos,
devesse ser a mesma utilizada pelos ouvintes, enquanto outros achavam mais
coerentes as ideias de se criarem através de sinais, uma linguagem baseada na
utilização de sinais que pudessem ser apreendidas tanto pelos surdos quanto
pelos ouvintes.

Silva (2010, p, 5) comenta que a língua de sinais no Brasil só foi


considerada uma língua, “[...] em 24 de abril de 2002 quando o então
Presidente da República, Fernando Henrique Cardoso, sancionou a lei que
reconheceu a LIBRAS como meio legal de comunicação entre os surdos”.
Essa língua teve origem na Língua de Sinais Francesa criada por Eduard
Huet, que conjuntamente com a Língua Portuguesa passou a ser considerada
língua oficial a partir da aprovação da Lei nº 10.436, de 24 de abril de 2002
(SA, 2006).

De acordo com Silva (2010), a Constituição Federativa do Brasil de


1988, no artigo 208, determinou ser dever do Estado, o atendimento
educacional especializado, aos portadores de deficiência, na rede regular de
ensino, logo a pessoa com deficiência deve ser acolhida pela rede regular de
ensino e, preferencialmente, atendida por esta.

Conforme Borges (2004) a Lei de Diretrizes e Bases (LDB) de 1996,


também apoia a inclusão e entende que a educação deve ser a mais integrada
possível, propondo que os alunos com necessidades especiais sejam incluídos
à rede regular de ensino.

Nesse sentido, é relevante ressaltar que é só depois da LDBEN


(9394/96) é que a educação especial passa a ser objeto de muitos debates,
além da recomendação de a educação inclusiva deve contar com o apoio
especializado, para o atendimento adequado aos alunos especiais (SILVA,
2010).
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2 PROPOSTA DE ORIENTAÇÃO SEXUAL PARA


ALUNOS SUDOS: ASPECTOS METODÓLOGICOS

Como metodologia para o estudo de relatos de experiência sobre a


oficina “Sexo seguro: É sexo sem risco”, primeiramente foi feito um breve
levantamento bibliográfico que serviu de base para refletir sobre o público-
alvo da oficina desenvolvida. Segundo foi feita observação participante ao
decorrer da referida oficina, e por último os relatos de experiência foram
estruturados no Microsoft Word, e a análise de conteúdo foi realizada
conforme sugere Bardin (2004).

Em relação à observação participante, tal metodologia é definida por


alguns teóricos como algo útil, e como ressalta Carvalho (1987, p. 65), “A
observação é o ponto de partida eficiente e fundamental para toda atividade
criativa, e é também um ponto de retorno, no sentido de que a observação de
um processo pode oferecer dados para uma posterior avaliação do mesmo”.

Quanto a analise de conteúdo, seguiu-se as orientações de Bardin (2004)


sendo feita categorização dos termos recortados dos relatos de experiência
que foram digitados no Microsoft Word.

Para Bardin (2004) categorizar é dividir notações e agrupá-las de acordo


com o objeto de referência. Esta técnica de analise consiste em três fases, a
primeira delas, compreende a pré-análise, que sintetiza a organização das
idéias; a segunda fase comporta a exploração do material e na terceira é dado
tratamento aos resultados, que pode ser feito através de uma análise
estatística, por porcentagem ou interpretações.

3 RESULTADOS DA OFICINA DE ORIENTAÇÃO


SEXUAL PARA ALUNOS SURDOS

De acordo com Lebedeff (1993) foi constatado o desconhecimento das


pessoas com relação à sexualidade dos surdos. Porém, o que mais chama
atenção, é que pessoas com deficiências, assim como os demais, estão
expostas à cultura sexual abordada pelos meios de comunicação.

Em função da sexualidade para os surdos, Moukarzel (2003) comenta


que para a maioria dos surdos, a sexualidade está restrita a uma concepção
biologizante, ou seja, “[...] com ênfase na genitalidade e na procriação”
(p.184).

Concomitante a essa opinião, Cursino et al. (2006) afirmam que


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O termo sexualidade para grande parte dos jovens adultos,


principalmente os homens, ainda remete a um conceito biologizante,
que reduz a sexualidade ao ato sexual ou a formas de prevenção de
doenças ou métodos contraceptivos (p.39).

Os estudos desses autores vêm ao encontro dos anseios do objetivo do


presente artigo, que foi elaborar uma oficina com o propósito de orientação
sexual para alunos surdos, da Educação Básica. Desse modo, foi
desenvolvida uma oficina intitulada “Sexo seguro: é Sexo sem risco” que fez
parte da VI Oficina de Ciências, Matemática e Educação Ambiental (VI
OCMEA), realizada pelos graduandos de biologia da Universidade Federal
de Sergipe (UFS), Campus Prof. Alberto Carvalho, em Itabaiana/SE. Os
professores especialistas auxiliaram no processo de elaboração das oficinas
junto com os graduandos.

Buscou-se expor assuntos tais como: a gravidez na adolescência,


métodos anticoncepcionais, Doenças Sexualmente Transmissíveis (DSTs) e
saúde reprodutiva a fim de observar o entendimento dos alunos surdos a
respeito desses temas.

Primeiramente, um grupo de estudantes da UFS foi para as escolas


convidar os alunos para participar da VI OCMEA. Para a oficina “Sexo
seguro: é Sexo sem risco”, todas as vagas foram preenchidas. Esta oficina foi
realizada no período da noite, na referida universidade.

Os temas propostos para realizar as discussões foram apresentados no


PowerPoint. Também foram utilizadas muitas figuras e ilustrações para
abordar os temas já citados. Os alunos de graduação iam falando devagar, e
os intérpretes faziam a mediação através da LIBRAS.

Além dessa exposição sobre sexualidade através de imagens, foi


apresentado um filme com atores que usavam a linguagem de sinais, e que
também possuía legenda. O filme abordava temas como a gravidez na
adolescência, métodos anticoncepcionais e sistema reprodutor. Assim, os
temas abordados eram introduzidos e aprofundados, na medida em que os
próprios alunos desencadeavam questões de seu interesse.

Através das observações e interações com os alunos surdos, percebeu-se


que no começo ficaram bastante quietos. Somente com um tempo depois que
eles começaram a expor as dúvidas, curiosidades, e também o que já sabiam
sobre os conteúdos abordados. Então, uns tinham dúvidas sobre virgindade,
relação sexual, anticoncepcionais e gravidez. Já outros manifestaram
curiosidades sobre o corpo humano e métodos anticoncepcionais.

Além disso, é importante ressaltar que muitos apresentaram ansiedade


para conhecer mais sobre o corpo humano. E o que chamou muito a atenção
dos componentes da oficina foi que durante a exposição do tema DSTs, eles
fizeram silêncio e alguns pediam para explicar novamente.

Percebeu-se que assim como os alunos ouvintes já possuem


conhecimentos prévios sobre os temas abordados neste trabalho, alunos
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surdos também já conhecem sobre sexualidade, por isso, é necessário que o


professor e equipe escolar busquem novas estratégias para mediar o processo
de ensino-aprendizagem de conteúdos relacionados a sexualidades e
orientação sexual.

ALGUMAS CONSIDERAÇÕES

O estudo aqui realizado constitui-se de momentos de reflexão sobre


educação inclusiva e educação sexual para surdos. Então, não se pode negar
que exista todo o subsídio legal brasileiro para garantir a inclusão do aluno
com necessidade especial à rede regular de ensino, porém a realidade que se
apresenta é diferente.

A inclusão no ambiente escolar consiste em possibilitar à criança um


desenvolvimento dentro dos limites pessoais. Também consiste na
importância do papel dos profissionais e especialistas que atuam nesta área
em exercerem um papel de mediadores do processo de aprendizagem e
inclusão.

Em virtude do crescente número de casos de gravidez entre


adolescentes, percebe-se a importância de se criar um espaço para abordar
questões a respeito da educação sexual para adolescentes surdos, a fim de
favorecer uma reflexão mais ampla sobre temas relacionados com
sexualidade. Também foi relevante a aplicação da oficina para alunos surdos
sobre sexualidade, pois se percebeu que os alunos já tinham conhecimentos
sobre temas como gravidez na adolescência e métodos anticoncepcionais.

Além disso, a interação e troca de experiências foi bastante


enriquecedor para todos os participantes da oficina, pois, os alunos surdos
não são deficientes, são diferentes, pois precisam de condições especiais para
que ocorra efetivamente a inclusão no ambiente escolar.

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Surdez e Bilinguismo: algumas considerações

Mônica de Gois Silva Barbosa1

RESUMO

A educação bilíngue para surdos tem sido debatida por muitos pesquisadores, gerando
discussões sobre o espaço que deve ocupar a Língua Brasileira de Sinais-LIBRAS e a
Língua Portuguesa (doravante LP) no processo educacional da pessoa surda. Diante
da relevância de tal assunto, o presente artigo tem como objetivo refletir sobre
questões pertinentes à surdez, à importância da LIBRAS para o desenvolvimento do
aluno surdo e ao aprendizado da Língua Portuguesa como segunda língua no
processo educacional. Para tanto, faz-se necessário esclarecer pontos relevantes como
língua/linguagem, pessoa surda, bilinguismo. Para dar conta dessa proposta, tal
reflexão apoia-se em Quadros (1997), Sá (2000), Fernandes (2005) e Skliar (2010).
As leituras permitem constatar que as metodologias aplicadas no contexto atual
desconsideram a LIBRAS como primeira língua da comunidade surda brasileira.
Além disso, o ensino de LP para os surdos não é ministrado com metodologia de
segunda língua. Como conseqüência dessa realidade, há muitos surdos que não
conhecem de maneira satisfatória a LIBRAS, nem a LP. Tal reflexão permite
compreender que no desenvolvimento educacional da pessoa surda, cada língua tem a
sua importância no processo ensino-aprendizagem, devendo ficar bem claro o valor
que ambas tem, por se tratar de primeira e segunda língua da comunidade surda
brasileira.

Palavras-chave: Bilinguismo, LIBRAS, Língua Portuguesa.

1
Contato do(a) autor(a): monicagsb@yahoo.com.br. Mestre em Letras (UFS).
Professora Assistente I da Universidade Federal de Sergipe (DEDI-Campus
Itabaiana).
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INTRODUÇÃO
Na educação de surdos a abordagem bilíngue entende que a pessoa
surda pode adquirir naturalmente a língua de sinais da comunidade surda, sua
primeira língua, e aprender sua segunda língua i, a língua oficial do seu país.
O conceito mais importante que essa filosofia traz é de que os surdos formam
uma comunidade, com cultura e língua próprias

Deve-se ressaltar que, no presente artigo ao empregarmos o termo


bilingue para pessoa surda considera-se que ela deve aprender a língua oficial
de um país através da escrita e não para fins auditivos. Aqui, entende-se que a
oralização dos surdos é opcional e não é de competência educacional.

Para uma melhor reflexão sobre o assunto, esse artigo está organizado
em duas partes. A primeira, trata de crenças e preconceitos que ainda existem
em torno da LIBRAS e da pessoa surda. Isso tem gerado prejuízos na
educação da pessoa surda levando a práticas educacionais sem resultados
positivos.

A segunda parte debate sobre o bilinguismo na educação de surdos,


refletindo sobre a LIBRAS como primeira língua e sua importância no
processo de aprendizagem da LP como segunda língua.

Ao refletir sobre esse assunto, busca-se compreender melhor as práticas


educacionais, da realidade atual, direcionadas à pessoa surda e entender a
importância de um efetivo ensino bilíngue.

1 Crenças em torna da libras e da pessoa surda


Inicialmente, devem-se esclarecer as concepções entre língua e
linguagem para melhor compreender porque as línguas de sinais se
classificam como línguas naturais humanas. A palavra linguagem é usada
com referência à linguagem em geral, aplica-se a uma série de sistemas de
comunicação, notação ou cálculo, que são sistemas artificiais ou naturais,
humanos ou não. Portanto, linguagem é um termo mais abrangente que o
vocábulo língua.

A palavra língua refere-se aos sistemas naturais de comunicação quando


se tratam de um sistema de símbolos flexíveis, adaptáveis, de natureza
gramatical, pertencente a um grupo de indivíduos. Sobre isso, Quadros e
Karnopp (2004, p. 28) afirmam:

Assim sendo, a língua é um sistema padronizado de sinais/sons


arbitrários, caracterizados pela estrutura dependente, criatividade,
deslocamento, dualidade e transmissão cultural. Isso é verdade para
todas as línguas no mundo, que são reconhecidamente semelhantes em
seus traços principais.

As pesquisas linguísticas de Stokoe, na década de 1960, constataram


que as línguas de modalidade visuoespacial representavam um sistema
linguístico legítimo e não se tratavam de uma patologia da linguagem. Ele
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comprovou que a língua de sinais apresentava os critérios linguísticos de uma


língua genuína, no léxico, na sintaxe e na capacidade de gerar infinitas
sentenças. (QUADROS E KARNOPP, 2004).

Portanto, as línguas de sinais são línguas naturais e não são universais.


Cada país apresenta as suas línguas, que se originaram naturalmente a partir
do contato surdo-surdo, surdo-ouvinte. Deve-se frisar também que a LIBRAS
não apresenta uma unidade no Brasil. Da mesma forma que os ouvintes não
falam o mesmo português, os surdos não falam a mesma LIBRAS. Há
variedades linguísticas de sinais que devem ser aceitas sem preconceito.
Sobre isso, Gesser (2009) assegura:

A língua de sinais, ao passar, literalmente, “de mão em mão”, adquire


novos ‘sotaques’, empresta e incorpora novos sinais, mescla-se com
outras línguas em contato, adquire novas roupagens. O fenômeno da
variação e da diversidade está presente em todas as línguas vivas, em
movimento. (GESSER, 2009, p. 40-41).

A língua de sinais, há pouco tempo, deixou de ser considerada uma


língua ágrafa. A escrita da língua de sinais, denominada de signwriting, ainda
é pouco divulgada no Brasil e, no momento, passa por um processo de
padronização. No país, o sistema de escrita ainda é incipiente, estando em
fase de experimentação. (GESSER, 2009).

Além dessa reflexão sobre língua, deve-se esclarecer que,


historicamente, constituíram-se duas concepções da surdez. Em uma delas a
surdez se define como deficiência, trata-se de uma visão patológica, fruto da
tradição médica que vê o surdo como portador de uma deficiência,
precisando ser “normalizado”, ou seja, tornar-se ouvinte. Na outra
concepção, de viés cultural, a surdez é vista como diferença, há aceitação e
valorização das línguas de sinais como também há o reconhecimento de que a
pessoa surda pertence a uma comunidade com cultura própria. Nesse
trabalho, adota-se uma postura contrária ao viés patológico. Aqui, a surdez é
vista como uma diferençaii. Assim, corrobora-se com o pensamento de Sá
(2002), Skliar (2010), Gesser (2009) e Fernandes (2009):

Muito além da dimensão biológica e limitada da surdez encarada


como “deficiência auditiva”, “limitação fisiológica” ou “patologia”,
que os bancos escolares edificam sob a égide da cientificidade, está a
dimensão sócio-histórico-cultural que a caracteriza como diferença
construída historicamente e, portanto, geradora de identidades
múltiplas e multifacetadas. (FERNANDES, p. 59 apud SKLIAR,
2009, p. 59).

É importante frisar que, ainda hoje, o discurso construído e aceito pela


maioria das pessoas gera concepções equivocadas de surdez, línguas de sinais
e pessoa surda, como também empregos de termos inadequados como surdo-
mudo, mudinho, entre outros. Silva (2005, p. 43 apud FERNANDES, 2005),
ao explanar sobre isso, afirma:

As referências às pessoas surdas vão do termo surdo-mudo, como se


todos os surdos fossem mudos, ao reducionismo de se achar que o
surdo é apenas alguém que não ouve ou a quem só falta falar. Assim
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sendo, é fundamental que se entenda como se formam as


representações sociais para que, através deste conhecimento, se possa
compreender melhor o cotidiano escolar e, a partir dessa consciência,
se desenvolvam estratégias pedagógicas que venham a contribuir para
a melhoria da qualidade de ensino. (SILVA, p. 43 apud
FERNANDES, 2005, 43).

Essas concepções pautadas na medicalização têm gerado falhas no


processo educacional das pessoas surdas. Apesar de as práticas educativas
das últimas décadas terem gerado novos discursos em relação à surdez e à
pessoa surda, ainda se percebe que as ideias dominantes de séculos, de que
ser surdo é uma pessoa incompleta, falha e defeituosa, encontram-se
disfarçadas em métodos equivocados, na tentativa de normalizar a pessoa
surda. Skliar (2010) discorre sobre isso e assegura:

As ideias dominantes, nos últimos cem anos, são um claro testemunho


do sentido comum segundo o qual os surdos correspondem, se
encaixam e se adaptam com naturalidade a um modelo de
medicalização da surdez, numa versão que amplifica e exagera os
mecanismos da pedagogia corretiva, instaurada nos princípios do
século XX e vigente até os nossos dias.(SKLIAR, 2010, p.7).

Apesar da vigência de práticas pautadas no oralismo, como afirma o


autor, há, no momento, um discurso a favor do bilinguismo. Entretanto, faz-
se necessário que a criança surda se reconheça como parte de uma
comunidade surda. (QUADROS, 1997). Considerar essa situação é essencial,
visto que a maioria das crianças surdas que chegam à escola são filhas de pais
ouvintes que desconhecem a LIBRAS, utilizando em seus lares formas
gestuais criadas para estabelecer a comunicação. Assim, para que a LIBRAS
seja uma das línguas de uma criança surda, é necessário o contato com surdos
adultos para garantir sua aquisição. A autora ainda alega que:

Se a língua de sinais é uma língua natural adquirida de forma


espontânea pela pessoa surda em contato com pessoas que usam essa
língua e se a língua oral é adquirida de forma sistematizada, então as
pessoas surdas têm o direito de ser ensinadas na língua de sinais. A
proposta bilíngue busca captar esse direito. (QUADROS, 1997, p. 27).

Das palavras acima, advém a confirmação de que propiciar à criança


surda a exposição a LIBRAS, o mais cedo possível, é fundamental ao seu
desenvolvimento. Privá-la disso é desrespeitar um direito que lhe assiste.

2 Bilinguismo na educação de surdos


De acordo com documentos legais, como o decreto nº. 5.626/2002, a
educação de surdos no Brasil deve ser bilíngue, como destacado no capítulo
IV, garantindo o acesso à educação por meio da língua de sinais e o ensino de
língua portuguesa como segunda língua, na modalidade escrita. Para tanto, no
seu quarto capítulo se lê: “ofertar, obrigatoriamente, desde a educação
infantil, o ensino da libras e também da língua portuguesa, como segunda
língua para alunos surdos”. Desse modo, verifica-se que a educação bilíngue
para pessoas surdas já é um direito garantido em Lei. Por isso, faz-se
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necessário repensar as práticas atuais para que tal ensino seja efetivado e
proporcionado aos estudantes surdos.

É sabido que a educação para os surdos, durante muitos anos, reduziu o


ensino de LP a treinamento articulatório para o desenvolvimento da língua,
na modalidade oral. Atualmente, tem-se o bilinguismo como uma nova
proposta de ensino, tendo como uma de suas premissas a presença da língua
de sinais no contexto educacional. Entretanto, será que nos espaços escolares
a LIBRAS tem sido, de fato, aceita como língua da comunidade surda?
Quadros (2005, p.31 apud FERNANDES, 2005), ao refletir sobre isso,
assegura:

...as propostas bilíngues estão estruturadas muito mais no sentido de


garantir que o ensino de português mantenha-se como a língua de
acesso ao conhecimento. A língua de sinais brasileira parece estar
sendo admitida, mas o português mantém-se como a língua mais
importante dos espaços escolares. Inclusive, percebe-se que o uso
“instrumental” da língua de sinais sustenta as políticas públicas de
educação de surdos em nome da “inclusão”. (QUADROS, 2005, p.31
apud FERNANDES, 2005, p.31).

A LIBRAS, além de precisar ser entendida como língua da comunidade


surda brasileira, necessita ocupar seu espaço linguístico no ambiente
educacional. Não basta admiti-la como uma língua que servirá como uma
opção, um instrumento, caso o aluno surdo não seja oralizado, ou não saiba
se comunicar pela escrita da LP. A propósito disso, Skliar (2010) adverte:

Também sabemos que determinadas representações sobre a educação


bilíngue - e não somente no que se refere ao caso dos surdos-podem se
constituir numa ferramenta conservadora e politicamente eficaz para
reproduzir uma ideologia e uma prática orientada para o
monolonguismo: utilizar a primeira língua do aluno para “acabar”
rapidamente com ela, com o objetivo de “alcançar” a língua oficial.
(SKLIAR, 2010, p. 10).

Essa suposta prática bilíngue não proporciona a inclusão da


pessoa surda no processo educacional. Por isso, Quadros (2005, p. 31 apud
FERNANDES, 2005) alega que “A língua de sinais, ao ser introduzida dentro
dos espaços escolares, passa a ser coadjuvante no processo, enquanto o
português mantem-se com o papel principal. As implicações disso no
processo de ensinar-aprender caracterizam práticas de exclusão.”
(QUADROS 2005, p. 31 apud FERNANDES, 2005, p.31).

Portanto, torna-se urgente que os profissionais envolvidos com a


educação de surdos entendam que promover o bilinguismo envolve
considerar não somente a necessidade de duas línguas, mas dar espaço
privilegiado à língua natural dos surdos, como também considerar a
identidade e a cultura surda como eixo fundamental. (SÁ, 2010, 183-184
apud SKLIAR, 2010, 183-184).
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Definitivamente, a LIBRAS não pode ser vista como língua secundária,


visto que se a LIBRAS ocupar seu espaço linguístico como a língua
institucionalizada da comunidade surda, a LP ocupará seu lugar de L2. Essa
problemática é discutida por Faria (2001, p. 04), ao afirmar que “o ensino de
LP para surdo, necessariamente, precisa de metodologia de ensino de
segunda língua, a preocupação não está na adaptação curricular, mas na
substituição da disciplina de LP como LM pela de LP como L2.” Sobre isso,
ainda assegura:

A disciplina de língua portuguesa deve ser ministrada em turma


distinta daquela dos alunos ouvintes, pois a referida disciplina é
ministrada como língua materna para os ouvintes e como segunda
língua para os surdos. A metodologia de ensino de uma e outra é
bastante diferente, sendo impossível, portanto, conciliá-las numa
mesma disciplina. (FARIA, 2002, p. 77).

Essas representações ouvintistasiii sobre surdez e sobre pessoa surda têm


levado ao fracasso a educação de tais sujeitos. A relação de poder dos
ouvintes sobre os surdos tem resultado em falhas que geram consequências
na vida do sujeito surdo. Profissionais da PUC do Paraná publicaram, em
1986, um resultado que se verificou que 74% dos surdos não chegam a
concluir o ensino médio. De acordo com o INES (Instituto Nacional de
Educação de Surdos), em 1995, constatou-se que o Brasil tinha apenas 5%
das pessoas surdas estudando em universidades e a maioria era incapaz de
lidar com o português escrito. (SALES, 2004, p. 57). Ao observarmos a
realidade atual, percebemos que discentes surdos ficam anos no ensino
regular e não são capazes de ler textos curtos ou escrever simples cartas.
Sobre isso Salles (2004) garante:

Essa realidade de fracasso é enfim o resultado de uma gama complexa


de representações sociais, sejam históricas, culturais, linguísticas,
políticas, respaldadas em concepções equivocadas que reforçam
práticas em que o surdo é condicionado a superar a deficiência,
buscando tornar-se iguais aos demais. (2004, p. 57).

Hocervaret al (2009, p. 87 apud SKLIAR, 2009) também afirmam que:

Os dados estatísticos demonstram que são poucos os surdos que têm


feito suas leituras e escritas como se aprende em todas as dimensões;
não são leitores nem escritores competentes. Normalmente, têm
grandes dificuldades para compreender os textos escritos e sua escrita
é distante da convencional apesar dos anos de escolaridade
obrigatórios.iv

Muitos professores ainda não aceitam os alunos surdos como capazes,


ou não reconhecem a LIBRAS como a língua institucionalizada da
comunidade surda. Diante disso, Silva (2005, p. 47, apud FERNANDES
2005) assegura que “é fundamental que o surdo seja aceito como uma pessoa
que tem capacidade para construir uma outra linguagem. E isso só acontece
quando sua língua, a língua de sinais, for de fato, respeitada.” (SILVA 2005,
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p. 47, apud FERNANDES 2005, p. 47). Gesueli (2003, p. 147 apud SILVA et
al, 2003) também reflete sobre isso ao garantir que:

A Língua de Sinais ainda é utilizada como instrumento para se atingir


a oralização ou a língua escrita na tentativa de transformar o surdo em
ouvinte, o que, em geral, é sinônimo de fracasso. Os ouvintes ainda
não entenderam que aceitar a Língua de Sinais é também aceitar a
surdez como diferença. (GESUELI 2003, p. 147apud SILVA et al,
2003, p. 147).

A LIBRAS precisa ser difundida nos lares de pais ouvintes que têm
filhos surdos e nas escolas, pois percebe-se que comunicações gestuais
criadas pela família ou professores ainda se fazem presente no dia-a-dia da
pessoa surda, tornando-se a primeira forma de comunicação desses
indivíduos. Entretanto, como a LIBRAS é reconhecida legalmente como a
língua da comunidade surda brasileira, faz-se necessário oportunizar aos
surdos o conhecimento dessa língua.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Diante da reflexão acima, é notório afirmar que os surdos precisam estar


em um espaço que possibilite sua formação bilíngue: tendo o direito de
aprender a LIBRAS como primeira língua e a LP com metodologia adequada.
Isso possibilitaria aos estudantes surdos um maior conhecimento em LP
resultando em uma escrita com nível de interlíngua mais avançado.

Atualmente, o aluno tem aprendido a LP em turmas de ouvintes, ou


seja, com metodologia de LM. Um ensino de LP como segunda língua se faz
urgente para que os alunos surdos tenham oportunidade de ter esse direito
que já é garantido em lei, concretizado nas instituições de ensino. Além
disso, muitos surdos só têm contato com a LIBRAS após o ingresso nas
escolas visto que a maioria nasce em lares de ouvintes.

Essa realidade apresentada acarreta consequências graves para o


desenvolvimento do surdo resultando em alunos sem a devida preparação
após anos de estudo. Sobre isso Sá (2011, p. 20) afirma que, no Brasil, a
maioria dos surdos não conhece de maneira satisfatória a LIBRAS, nem a LP.

Aprender a ler e a escrever bem é uma realidade ainda distante da


vida da maioria dos surdos. Essa situação pode ser alterada, proporcionando a
criança surda acesso à língua de sinais o mais cedo possível, visto que o
contexto familiar em que o surdo está inserido é composto em sua maioria
por pais e irmãos ouvintes. Assim, aqui se defende uma educação bilíngue
para surdos, pois tornar um surdo bilíngue é uma necessidade para
proporcioná-los mais autonomia.

Nesse caso, difundir a LIBRAS também aos familiares oportunizaria


aos surdos um ambiente linguístico natural, preparando-o para o aprendizado
da LP. Além disso, que essa seja sua língua de instrução nas instituições de
ensino para que o aluno tenha acesso aos conteúdos disciplinares através da
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sua primeira língua e que essas crianças tenham a oportunidade de aprender a


LP com metodologia de segunda língua.

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SALLES, Heloisa Maria Moreira Lima et al. Ensino de Língua portuguesa
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SILVA, Ivana Rodrigues. KAUCHAKJE, Samira. GESUELI, Zilda Maria.
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SKLIAR, Carlos (Org.) A Surdez: um olhar sobre as diferenças. 4 ed. Porto
Alegre: Editora Mediação, 2010.
Grupo de Estudos e Pesquisa
II Seminário Nacional de Alfabetização e Letramento Alfabetização, Discurso e Aprendizagens
Oralidade e Escrita na Prática Escolar
ISSN: 2177-4072

SKLIAR, Carlos (Org.) Atualidade da educação Bilingue para surdo.


Interfaces entre pedagogia e linguística. 3 ed. Porto Alegre: Editora
Mediação, 2009.

i
Aqui, compreende-se que segunda língua (L2) é uma língua não-materna que se
sobrepõe a outra(s) que circula(m) setorialmente ou com restrições. (ALMEIDA
FILHO, 2009).
ii
Nessa pesquisa não se tem a intenção de entrar em aspectos políticos e ideológicos,
nem mesmo se aprofundar em questões específicas dos estudos culturais.
iii
De acordo com Skliar (2010), representações ouvintistas tratam-se de um conjunto
de representações dos ouvintes, a partir do qual o surdo está obrigado a olhar-se e a
narrar-se como se fosse ouvinte. É nesse olhar-se e narrar-se que acontecem as
percepções do ser deficiente, do não ser ouvinte, percepções que legitimam as práticas
terapêuticas habituais.
iv
Los datos estadísticos demuestran que son pocos los sordos que han hechos suyas la
lectura y la escritura, como para poder aprovecharlas en todas sus dimensiones; no
son lectores ni son escritores competentes. Generalmente tienen grandes dificultades
para comprender los textos escritos y su escritura está alejada de la convencional a
pesar de los años de escolarización obligatoria. (HOCERVAR et al, 2009, p. 87 apud
SKLIAR, 2009, p. 87).
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A Leitura dos Valores Contemporâneos no


Conto “Procurando Firme” de Ruth Rocha
na Sala de Aula

José Ricardo Carvalho (UFS)1


Silvana Machado Oliveira Lisboa (UFS)2

RESUMO

Este trabalho tem o objetivo de refletir como os contos de fadas interferem na


formação da criança. Sendo assim, analisaremos como os conteúdos mágicos destas
narrativas entretêm e contribuem para processo de formação de valores. Procuramos
entender o engajamento da criança no universo imaginário, possibilitando o
desenvolvimento psicológico e intelectual envolvido na construção de valores. A
escolha do tema se justifica pelo fato de querermos entender como a leitura dos contos
de fadas pode influenciar na formação de valores das crianças, criando nela princípios
de reflexão e criticidade sobre o mundo. A partir da leitura do conto de fadas
contemporâneo “Procurando Firme” de Ruth Rocha, retratamos como uma princesa e
um príncipe são vistos na realidade atual. Este conto leva a criança a refletir sobre
como as coisas mudam com o passar do tempo, determina para eles que existem
outras maneiras de agir. Portanto, trás consigo o ensinamento voltado para autonomia,
liberdade de pensamentos e de atitudes. A pesquisa realizada mostra que os contos de
fadas, realmente, agem sobre o modo de pensar e se expressar das crianças, pois
estimula não só o habito da leitura como também sua formação pessoal.

Palavras – chave: Contos de fadas, criança, sala de aula.

1
Contato do(a) autor(a): ricardocarvalho.ufs@hotmail.com. Professor Adjunto da
Universidade Federal de Sergipe. Campus Universitário Prof. Alberto Carvalho.
Departamento de Educação. Doutor em Letras pela Universidade Federal Fluminense
(UFF).
2
Contato do(a) autor(a): silvania.mac@hotmail.com. Graduada do Curso de
Pedagogia
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INTRODUÇÃO

Os contos de fadas são de origem muito antiga, e no seu principio não


eram destinados às crianças, mas com o passar do tempo foram sendo
reformulados e sofreram modificações tornando-se mais adequados ao
publico infantil. Por volta do século II a.C. até o século I da era Cristã, o
povo Celta acrescentou as historias bem antigas, a presença forte das fadas,
mulheres “iluminadas”, capazes de prever o futuro de outra pessoa, em
especial a quem elas protegiam. E a imaginação popular dotou as de
pequenas asas, varas de condão, diminuíram seu tamanho, mas sempre
vendo-as como belas e bondosas. (TELLES, 2000, p. 8).

Também na visão de Coelho os contos de fadas originaram-se entre os


celtas, com heróis e heroínas, cujas aventuras estavam ligadas ao
sobrenatural, ao Mistério do além - vida e visavam à realização interior do ser
humano. Daí a presença da fada, cujo nome vem do termo latino “fatum”,
que significa destino. (COELHO, 2000, p.155).

Ainda de acordo com Telles (2000), em suas origens, muitas das


histórias de fadas eram extremamente violentas. Quando transposta para o
papel por PERRAULT, a violência ainda foi mantida nessas historias. Já os
irmãos GRIMM e mais ainda ANDERSEN procuravam valorizar outros
sentimentos. Mais importante que a punição violenta era destacar, por
exemplo, o bom caráter da princesa, ou a bondade do fraco sendo superior à
maldade do vilão.

Os contos de fadas, desde o seu surgimento como pode se perceber


seduz os seres humanos, pois relata história que falam dos desejos, sonhos e
da própria vida. Ao estudar os contos de fadas e analisar o inconsciente
coletivo, torna-se possível definir que há semelhanças entre os diferentes
tipos de contos, isso torna-se possível após o estudo de que as estórias são
compostas em uma linguagem simbólica cheia de diversos arquétipos e mitos
presentes em vários tempos ou lugares.

A maioria dos contos de fadas se originou em períodos em que a


religião era parte muito importante da vida; assim, eles lidam,
diretamente ou por inferência, com temas religiosos. As estórias das
Mil e Uma Noites estão cheias de referências à religião islâmica.
(BETELHEIM, 1999, p. 14).

Partindo deste contexto, apresentado pelo autor supracitado,


entendemos que a origem dos contos de fadas teve influência da religião. “É
por volta do final da Idade Média que, sob diversas aparências, o conto
popular se torna literário.” (PAZ, 1995, p.53). No Brasil e em Portugal, os
contos de fadas, na forma como são hoje conhecidos, surgiram em fins do
século XIX sob o nome de contos da carochinha. Esta denominação foi
substituída por "contos de fadas" no século XX. Somente depois do século
XIX é que passou a ser denominado literatura infantil.
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Por fim, os contos de fadas formaram no decorrer de sua trajetória


construções significativas no que diz respeito à formação da personalidade,
construção de valores, vivência e formação da consciência humana. Oferece
aos leitores expressões do pensamento mítico e função psíquica relacionada à
formação de arquétipos. Os contos de fadas são histórias que trazem em seu
bojo os dilemas que encontramos em nossas vidas, trazem as expressões mais
puras e mais simples dos processos psíquicos do inconsciente coletivo.

1 Os contos de fadas e a formação de arquétipos e valores

Os arquétipos, como elementos estruturais formadores que se firmam no


inconsciente, dão origem tanto às fantasias individuais quanto às mitologias
de um povo. Por lidarem com conteúdos da sabedoria popular, com
conteúdos essenciais da condição humana, é que esses contos de fadas são
importantes, perpetuando-se até hoje. Neles encontramos o amor, os medos,
as dificuldades de serem crianças, as carências (materiais e afetivas), as auto-
descobertas, as perdas, as buscas, a solidão e o encontro. Para Coelho:

Os mitos e arquétipos são matéria prima da literatura maravilhosa, e


os símbolos são a linguagem que expressam e tornam comunicável
esta literatura. Ao estudar alguns teóricos, a autora tenta caracterizar
os três termos, da seguinte forma “os mitos nascem na esfera do
sagrado, arquétipos correspondem à esfera humana e símbolos
pertencem à esfera da linguagem. (COELHO, 2003, p. 85).

Partindo deste entendimento o amor, a inveja, o ciúme, o ódio, o desejo,


entre outros, dão força as ações humanas, são elementos estruturais
formadores que se firmam no inconsciente, dão origem tanto às fantasias
individuais quanto às mitologias de um povo. Por lidarem com conteúdos da
sabedoria popular, com conteúdos essenciais da condição humana, é que
esses contos de fadas são importantes, perpetuando-se até hoje. Neles
encontramos o amor, os medos, as dificuldades de serem criança, as carências
(materiais e afetivas), as auto-descobertas, as perdas, as buscas, a solidão e o
encontro.

Os contos de fadas são mediadores da formação de valores nas crianças,


eles apontam caminhos a serem seguidos e permitem ao indivíduo uma
perfeita união entre as sensações de emoção e razão. É construído valores
éticos e emocionais que permitem a criança crescer e virar um adulto
reflexivo sobre suas atitudes e as de outrem. Os contos de fadas interferem,
ainda, na formação da personalidade das crianças e na formação de sua
identidade enquanto sujeito no mundo.

Os contos de fadas narram histórias fantásticas sobre seres que moram


em reinos fantasiosos ou imaginários e exercem influência sobre a formação
da personalidade infantil, uma vez que lendo as estórias as crianças se tornam
capazes de vencer os obstáculos que a vida lhe impõe. O contato da criança
com os contos de fadas permite a criação de uma camada de força interior
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que permite vencer os medos e crer que ela é capaz de fazer qualquer coisa
que esteja ao seu alcance.

Dessa forma é importante citar o elemento maravilhoso dos contos de


fadas, pois este trás a criança o incentivo de apreciar e procurar entender os
mistérios que giram em torno das narrativas literárias e de seus personagens
místicos, fantasioso que desenvolvem nos contos fenômenos e poderes
sobrenaturais.

Vivendo de acordo com o princípio do prazer, os porquinhos; mais


novos buscam gratificação imediata, sem pensar no futuro e nos
perigos da realidade, embora o porquinho do meio mostre algum
amadurecimento ao tentar: construir uma casa um pouco mais
substancial do que o mais novo. Só o terceiro e mais velho dos
porquinhos aprendeu a viver de acordo com o princípio da realidade:
ele é capaz de adiar seu desejo de brincar, e de acordo com sua
habilidade de prever o que pode acontecer no futuro. É até mesmo
capaz de predizer corretamente o comportamento do lobo— o
inimigo, ou estrangeiro de dentro, que o tenta seduzir e fazer cair na
armadilha; e por conseguinte o terceiro porquinho é capaz de derrotar
os poderes mais fortes e mais ferozes que ele. O lobo feroz e
destrutivo vale por todos os poderes não sociais, inconscientes e
devoradores, contra os quais a gente deve aprender a se proteger, e se
pode derrotar através da força do próprio ego ((BETELHEIM,1999, p.
44).

Histórias como esta nos leva a repensar nossas crenças e nossos valores.
Sendo que ao mesmo tempo, nos impulsiona a sermos mais realistas diante
de algumas circunstâncias da vida. Dessa forma, é importante citar o
elemento maravilhoso dos contos de fadas, pois este trás a criança o incentivo
de apreciar e procurar entender os mistérios que giram em torno das
narrativas literárias e de seus personagens místicos, fantasioso que
desenvolvem nos contos fenômenos e poderes sobrenaturais. Os contos de
fadas narram histórias fantásticas sobre seres que moram em reinos
fantasiosos ou imaginários e exercem influência sobre a formação da
personalidade infantil, uma vez que lendo as estórias as crianças se tornam
capazes de vencer os obstáculos que a vida lhe impõe. O contato da criança
com os contos de fadas permite a criação de uma camada de força interior
que permite vencer os medos e crer que ela é capaz de fazer qualquer coisa
que esteja ao seu alcance.

Dessa forma torna-se importante relatar que a personalidade humana foi


analisada por Freud através de cada atitude mental do individuo, com isso foi
possível identificar uma serie de conflitos e acordos psíquicos que estão
aliados ao estudo dos contos de fadas. O psiquismo humano foi definido em
três componentes básicos estruturais: o id, o ego e o superego. Sob o olhar da
psicanálise dos contos de fadas, torna-se relevante trabalhar valores que
medeiam e exercem influência na formação da personalidade infantil, já que
estão aliados ao trabalho com o id, ego e superego no indivíduo. Através dos
contos as crianças vão trabalhar valores e conflitos vividos na sociedade,
buscando soluções para os dilemas existenciais e sociais.
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Os valores são critérios segundo os quais se torna possível compreender


as razões que justificam ou motivam as ações humanas, tornando-as
preferíveis a outras, eles reportam-se, em geral, sempre a ações, justificam-
nas. Cada valor possui a sua relevância, a utilização de valores na tomada de
decisões depende da situação a qual se está vivendo, a hierarquização de
valores é feita de forma muito diversa e tem como uma de suas funções
principais subordinar uns aos outros.

Os valores presentes nos contos de fadas estão inteiramente ligados à


formação pessoal do individuo. Estes valores são associados aos princípios
de moral e ética, que permitem ao indivíduo refletir e regular as atividades
humanas coletivas, respeitando costumes e tradições. Sendo assim, os
conceitos de moral e ética envolvem temas que abrangem princípios de
democracia, pluralidade e reflexão sobre valores adquiridos.

O convívio com os contos de fadas permite a expansão dos


conhecimentos e da aprendizagem da criança, a interação com a leitura
permite um contato e uma reflexão cada vez maior da criança com a realidade
do meio social em que vive.

Enquanto diverte a criança, o conto de fadas a esclarece sobre si


mesma, e favorece o desenvolvimento de sua personalidade. Oferece
significado em tantos níveis diferentes, e enriquece a existência da
criança de tantos modos que nenhum livro pode fazer justiça à
multidão e diversidade de contribuições que esses contos dão à vida
da criança. (BETTELHEIM, 1980, pág. 20)

Os contos de fadas tornam-se deste modo um elemento rico e educativo


que contribui para a formação cultural e intelectual das crianças, pois permite
ao leitor a reflexão sobre a realidade apresentada aliada a realidade vivida,
propondo um novo ponto de vista sobre a compreensão do mundo, dos
valores sociais permitindo a elaboração e analise de questionamentos.
Segundo Nelly Novaes (2000),

Como sabemos o impulso para ler, para observar e compreender o


espaço em que se vive e os seres e as coisas com que convive, é a
condição básica do ser humano. Desde muito tempo a inteligência
humana teve condições para organizar, em conjunto coerente, as
formas e situações enfrentadas pelos homens em seu dia-a-dia.
(COELHO, 2000, p.16)

Por este motivo, as escolas precisam trabalhar temas morais e éticos


presentes nos contos de fadas, pois estes oferecem uma grande força de
criação de vínculos afetivos, aliados a noção de respeito e confiança. É
preciso que as escolas trabalhem os contos de fadas de maneira interativa e
dialógica com os alunos, pois desta forma estará contribuindo gradativamente
para a construção de valores morais e éticos.

Na atualidade, os contos de fadas expõem em seus contextos problemas


sociais, políticos e econômicos, sem perder a noção do lúdico. Transmitem,
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assim como os tradicionais, emoções e senso critico, despertam a curiosidade


fazendo com que a criança desenvolva sua própria ideologia sobre o que é ser
cidadão e como construir valores a ser trabalhados em meio a sociedade em
que vive. Algumas produções literárias atuais trazem em seu contexto alguns
processos narrativos arcaicos, mas estes sendo recriados pelas exigências da
literatura infantil atual.

Os contos de fadas tradicionais sempre expressam em seu conteúdo


mágico a interpretação do “era uma vez”, mostram em sua grande maioria
temas que envolvem a bondade, a beleza, a verdade, a simplicidade, entre
outros adjetivos. Pode-se perceber que ao se falar sobre contos de fadas, as
crianças já pensam logo em fada madrinha, vara de condão, beleza espiritual,
esse pensamento demonstra o poder que os contos de fadas tradicionais
exercem sobre as crianças e a sua formação sócio - ideológica.

Os contos de fadas tradicionais apresentam conteúdos voltados para o


espírito individualista, a ideia de enfrentamento de obstáculos com moral,
baseada em dogmas, mediação mágica com referenciais racistas, viagens e
conquistas a serem alcançadas. A criança era vista como um adulto em
miniatura.

Já as produções literárias atuais expõem em seu conteúdo a presença do


maravilhoso, algo que atrai o leitor infantil. Eles transmitem valores
humanistas que exprimem ideais de sobrevivência, há uma oscilação entre a
ética maniqueísta e a ética relativista, ou seja, o que parecia errado acaba
culminando num acerto. Aquele que luta e consegue vencer o mal tende a sair
de uma situação de vida ruim para uma melhor, sempre através de atos de
bondade ou cavalheirismo.

2 O conto contemporâneo “Procurando firme”, uma


experiência itabaianense

Para a realização da pesquisa de campo foi utilizado o conto


contemporâneo Procurando Firme, pois este retrata para as crianças como era
uma princesa e um príncipe dos contos tradicionais e como é a princesa e o
príncipe dos contos atuais. Este conto leva o aluno a refletir sobre como as
coisas mudam com o passar do tempo, determina para eles que existem
outras maneiras de agir, trás consigo o ensinamento voltado para autonomia,
liberdade de pensamentos e de atitudes.

Em Procurando Firme (1997), da autora Ruth Rocha (escritora aliada à


renovação criadores da literatura infantil brasileira), o texto se inicia com a
critica de que o conto é “uma história que parece história de fadas, mas não é.
Também parece história pra criança pequena, mas não é”. Trata-se de uma
história de princesa totalmente diferente das histórias infantis tradicionais, e
que se chama Linda Flor. Invertendo princípios, fazendo uso de palavras em
desuso, como “maviosa”, ao referir-se à pele da princesa, e a expressão “tire
o cavalinho da chuva”, usada por Linda Flor, ao negar-se casar com
determinado príncipe, a autora conta a história de uma princesa que, ao
contrário de todas, não quer ficar esperando pelo príncipe encantado. Ao
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invés de envolver-se com “ocupações principescas”, quer dizer, “aulas de


frivolité, de canto, de flores de marzipã... pois naquele reino é muito bonito
ter prendas... dotes” (p. 8), ela preferia ter aulas de esgrima, berro e
cabeçadas como os príncipes.

A atividade foi desenvolvida numa turma de 3º Ano e foi dividida em


três partes, sendo elas: a) o diálogo com os alunos sobre contos de fadas e b)
leitura e análise do conto Procurando Firme através de uma atividade de
interpretação de texto. c) preenchimento de questionário. Toda dinâmica foi
registrada em uma filmagem de vídeo que foi analisada em nosso trabalho.

Ao analisar o áudio realizado com os alunos sobre o conto “Procurando


Firme” de Ruth Rocha, pudemos perceber através do diálogo com os alunos
que eles julgam as pessoas pelo que veem, como foi o caso da leitura da capa
do livro, que apresentava uma imagem da princesa de cabelos curtos e
usando calças. Para os alunos, isto era errado, pois mulheres precisam usar
vestido e ter cabelos compridos. Dessa forma é possível afirmar que os
alunos possuem ainda no século XXI uma visão que incute valores
retrógados e tradicionalistas sobre o que é ser uma mulher. Entre os contos de
fadas que mantém este estereótipo, destacam-se “A Branca de Neve”,
“Rapunzel”, “A Bela e a Fera”, “Cinderela”. Pelo que se pode perceber, os
contos de fadas tradicionais ainda são os mais lidos pelos alunos.

Foi interessante ver que os alunos se identificam com a ideia de que um


conto de fadas para ter um final feliz, a princesa precisa encontrar o príncipe
e se casar com ele. Segundo os alunos, todos os contos de fadas devem ter
um final feliz.

Em “Procurando Firme”, apesar da história apresentar valores novos,


que mostram a independência da mulher sobre suas atitudes, para os alunos
isto não é visto como algo correto, pois a princesa deixa de usar vestidos e
sapatos e não se casa também com príncipe.

Os alunos relatam sobre a qualificação profissional que querem ter no


futuro, é possível perceber através do áudio que muitos deles têm uma visão
atual sobre o que querem ser, foram citadas as profissões de doutor, jogador
de futebol, etc. Apenas uma menina citou que queria ter aulas de pintura e
bordado, o que mostra ainda uma visão tradicional de que a mulher deve
aprender coisas atreladas ao meio doméstico.

Pode ser percebido que há muita dificuldade de se expressar por parte


dos alunos, muitas vezes eles querem falar, mas não sabem como, ou ficam
com vergonha. Foi possível perceber que eles não são incentivados pela
professora a falarem e interagirem uns com os outros e por este motivo o
nível de interpretação e conhecimento sobre o que eles leem e ouvem é muito
baixo.

Segundo Vygotsky (2002), a comunicação e o desenvolvimento


intelectual iniciais da criança são estimulados pelo adulto e por outras
crianças, que a conduz em seu processo de construção da linguagem.
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Dessa forma houve a necessidade de dialogar junto com os alunos sobre


a história contada, uma forma de comunicar-se e buscar informações sobre o
entendimento dos alunos com relação a histórias e aos valores que ela
transmite Cada aluno constrói seu próprio aprendizado num processo que vai
do interno ao externo, baseado em experiências de fundo psicológico. Uma
fala de um aluno foi muito curiosa, pois o mesmo ao ser questionado se na
escola deveria ter as aulas que o príncipe estudava, ele respondeu que
deveria, pois na cidade não tem dragão, mas tem ladrão.

Na segunda parte do nosso trabalho, os alunos que fizeram parte da


pesquisa 50% corresponderam ao sexo masculino e 50% ao sexo feminino,
dessa forma nota-se uma igualdade no que diz respeito ao gênero dos
indivíduos que fizeram parte da amostra pesquisada.

Com relação à faixa etária dos alunos, pode-se considerar que há uma
variação bem visível, pois 25% têm dez anos, outros 25% tem nove anos e
50% do grupo de alunos pesquisados tem oito anos.

Foram questionados aos alunos quais são as personagens que


normalmente aparecem nos contos de fadas, 100% dos alunos responderam
que tem rainha, 88,5% afirmaram que tem príncipe ou princesa, 80 %
definiram que tem dragão e 20% afirmaram que tem a bela nos contos de
fadas.

A partir da pergunta feita sobre se as aulas que o príncipe tinha


deveriam ser ensinadas na escola, 100% dos alunos responderam que não
pois era feio o que ele aprendia e que no nosso mundo não tem dragão.

Os alunos foram questionados se o príncipe e a princesa estudaram na


mesma escola, 100% deles responderam que não, pois eles aprendiam coisas
diferentes.

Foi perguntado sobre com o qual conto de fadas tradicional o


Procurando Firme se parecia, 88,5% responderam que se parece com o da
Rapunzel, pois a princesa no inicio tinha cabelos longos com tranças, 12,5%
não souberam responder a questão.

Ao perguntar se os alunos gostavam mais do príncipe ou da princesa,


62,5% relataram que gostam mais da princesa, 25% definiram que gostam
mais do príncipe e 12,5% dos alunos não soube responder.

Com relação ao questionamento sobre se a princesa deveria se vestir


com calças compridas, 100% dos alunos respondeu que não, pois era feio, era
coisa de menino e não de uma princesa.

Sobre a pergunta que relatava se a saída da princesa do castelo pelo


mundo procurando firme foi o final, 75% dos alunos definiram que não, pois
a princesa não encontrou o príncipe; 12,5% responderam que sim porque a
princesa foi feliz e 12,5% definiram que acha que sim, mas não sabe explicar
por que.
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Na atividade de produção de texto foi pedido que os alunos


continuassem a historia depois que a princesa saiu do castelo. As repostas
foram às seguintes:

“Encontrou o príncipe e foi feliz”.

“Ela fugiu para a cidade e mudou muito e lá ficou morando”.

“Ela foi procurar um príncipe”.

“Ela fugiu por causa do príncipe e foi atrás do que ela queria”.

“A princesa saiu do castelo e encontrou o príncipe”.

“A princesa foi embora e também foi olhar o príncipe”.

“Ela foi procurar o príncipe”.

“Ela foi pro mundo atrás de um príncipe”.

A análise de dados obtidos e as reflexões nos levaram a entender que


não é fácil lidar com a fantasia nos contos de fadas aliados ao mundo real das
crianças, os valores construídos por ela através da leitura dos contos de fadas
ainda remete ao tradicionalismo, o que é importante também de se verificar é
que a reflexão com os alunos sobre os contos de fadas é um recurso
fundamental no processo do desenvolvimento humano porque favorece a
comunicação via imagens simbólicas com as dimensões mais profundas da
personalidade humana. Através dos contos de fadas adentramos magicamente
a penumbra misteriosa do nosso inconsciente, condição básica para se
conhecer o significado profundo de nossa vida.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Concluímos que os contos de fadas interferem na formação da criança,


pois o engajamento da criança no universo imaginário possibilita o
desenvolvimento psicológico e intelectual envolvido na construção de
valores.

A pesquisa realizada em sala de aula veio mostrar que os contos de


fadas realmente agem sobre o modo de pensar e se expressar das crianças. É
preciso que os professores trabalhem sempre com os alunos este tipo de
leitura, pois estimula a formação moral e intelectual.

O convívio com as histórias infantis permitem que a criança entre em


contato com a fantasia, com o sonhar, com experiências que muitas vezes
servem de modelos ou estímulos para sua própria vida e que lhes permite
construir sentimentos e valores indispensáveis para o convívio em sociedade.

Em suma, entendemos que os contos de fadas precisam ser trabalhados


nas escolas como verdadeiros construtores de valores, conhecimentos e
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formadores de personalidade humana. Sabe-se que a literatura infantil desde


os primórdios surgiu com um caráter pedagógico, portanto os contos de fadas
devem ser trabalhados na sala de aula como facilitadores do entendimento
humano e meio crucial para sensibilizar os pequenos leitores.

REFERÊNCIAS

SILVA, Ezequiel Theodoro da. Leitura na escola e na biblioteca.


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BETTELHEIM, Bruno. A psicanálise dos contos de fadas. Rio de Janeiro:
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Menna Barreto, Solange Castro Afeche. 6. ed. 4. tir. São Paulo: Martins
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VYGOTSKY, Lev S. A imaginação e a arte na infância. Madrid: Ediciones
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ZILBERMAN, Regina. A literatura infantil na escola. 4. ed. São Paulo:
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contos-de-fada.html. Acesso em 27/04/2011.
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Viajando com Textos Literários:


estratégia mediadora no processo de aprendizagem da
leitura e escrita dos alunos de 3º ano do
Ensino Fundamental I

Camila Bahia Góes1

RESUMO
Este artigo é proveniente da experiência junto ao projeto de pesquisa/extensão da
Universidade Estadual de Feira de Santana (UEFS), “Conte-me uma história: a
interação de crianças com textos narrativos”, intitulado pelo Grupo de Estudos,
Pesquisa e Extensão em Oralidade, Leitura e Escrita - GEPOLE/NEPA (Núcleo de
Alfabetização). Tendo como objetivo central fazer uma reflexão sobre o trabalho
desenvolvido com a Literatura Infantil na sala de aula com os alunos do 3º ano do
ensino fundamental I. O trabalho está sendo realizado com a turma referendada, de
uma determinada Escola Municipal de Feira de Santana-BA. A pesquisa é realizada
com 25 crianças de faixa etária entre 8 e 13 anos, sendo 12 meninas e 13 meninos.
Escolhidos em prol de fazer parte desse ensino, o qual ainda está iniciando o processo
de construção das competências de leitura e escrita, e por ser o foco do Projeto de
Extensão maior. O trabalho foi estruturado em seis momentos, nos quais foram
utilizados o diálogo, dinâmica, sequência didática, reescrita e retextualização através
da Literatura Infantil. Apesar da resistência dos alunos em alguns momentos, o
trabalho teve êxito em todas as atividades e diante dos resultados da
pesquisa/extensão, tem sido possível perceber a importância do uso da Literatura
Infantil como instrumento para prática pedagógica a fim de promover uma
aproximação dos alunos com esse gênero, e, paralelamente trabalhar com a leitura e
escrita dos mesmos.

Palavras-chave: Literatura Infantil; Escrita; Leitura.

1
Contato do(a) autor(a): milabhgoes@hotmail.com. Bolsista PIBEX-
GEPOLE/NEPA/UEFS - Universidade Estadual de Feira de Santana.
Grupo de Estudos e Pesquisa
II Seminário Nacional de Alfabetização e Letramento Alfabetização, Discurso e Aprendizagens
Oralidade e Escrita na Prática Escolar
ISSN: 2177-4072

INTRODUÇÃO

Este artigo é proveniente da experiência junto ao projeto de


pesquisa/extensão da Universidade Estadual de Feira de Santana (UEFS),
“Conte-me uma história: a interação de crianças com textos narrativos”,
intitulado pelo Grupo de Estudos, Pesquisa e Extensão em Oralidade, Leitura
e Escrita - GEPOLE/NEPA (Núcleo de Alfabetização). O Projeto de
Extensão pauta- se no Projeto de Pesquisa com o mesmo nome,
desenvolvimento em 2006, em escolas municipais da zona rural de Feira de
Santana. Seu principal objetivo foi constatar se práticas pedagógicas que
oportunizam situações de leitura e escrita de histórias, em sala de aula,
podem promover o uso adequado da estrutura textual desse gênero em
produções escritas pelas crianças.

Os resultados desse estudo revelaram, por um lado, o quanto é difícil ao


professor desenvolver atividades de produção de textos narrativos, pelo
pouco domínio de estratégias para esse fim. Por outro lado, revelaram as
dificuldades que as crianças sentem em produzir textos de qualquer natureza,
principalmente, os narrativos considerando seus elementos estruturais.

Foi constatado que esta dificuldade deve-se à pouca interação das


crianças com a variedade textual, considerada importante para a aquisição
dos aspectos formais da língua e a busca de sentido e significado no texto.

Desse modo, concluiu-se que o exercício de práticas pedagógicas que


propiciam a interação de crianças com leitura de histórias pode promover o
uso adequado da estrutura narrativa na produção escrita, favorecendo, assim,
a busca de significado no texto.

É com base nesta experiência que foi retomada as reflexões sobre o


assunto, para ser desenvolvido em uma determinada Escola Municipal de
Feira de Santana-Ba, um Projeto de Extensão com os alunos da 3ª ano do
Ensino Fundamental I, realizado por duas vertentes: “A produção de textos
narrativos por crianças do 3° ano do Ensino fundamental I a partir da
leitura e contação de histórias”, aplicado por uma estudante do curso de
Letras Vernáculas com Inglês e bolsista de Extensão da UEFS; e, Viajando
com textos literários: Estratégia mediadora no processo de aprendizagem da
leitura e escrita dos alunos de 3º ano do ensino fundamental I , aplicado por
uma estudante do curso de Licenciatura em Pedagogia e bolsista de Extensão
da mesma instituição. Vertente essa, que será explanada no seguinte trabalho
tendo como objetivo central fazer uma reflexão sobre o trabalho
desenvolvido com a Literatura Infantil na sala de aula com os alunos do 3º
ano.

A escola é um dos lugares sociais privilegiados de acesso à leitura e de


um trabalho sistemático com a escrita. Sendo o currículo, a gestão, as
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concepções da escola e o planejamento peças fundamentais nesse processo


pedagógico. Não menos importante, o professor também é uma peça
fundamental, pois é ele quem media as habilidades necessárias que
impulsionam o real aprendizado da criança. Em contrapartida, o ensino tem
sido marcado por inúmeras dificuldades de aprendizagem, sobretudo no
processo de aquisição da leitura e escrita.

Considerando que a escrita é um meio de comunicação, expressão e


interação e, que a leitura e a escrita são atos linguísticos indissociáveis, existe
alguns instrumentos pontuais para promover a aproximação entre as crianças
e o texto, instrumentos esses, que incentivam ao ato de ler e os aproximam
com a “cultura escrita”, de modo a intensificar o desenvolvimento da leitura e
da escrita de crianças no ensino fundamental I.

Entretanto, promover a aproximação entre os alunos e o texto é um


processo delicado que requer maestria, como afirma Cagliari (1993, p.57)
que, “para aprender a ler é preciso pensar sobre a escrita e o que ela
representa e como se apresenta graficamente”. Ou seja, se não houver
compreensão sobre a fala e a escrita, não haverá leitura. Para que haja leitura,
o aluno tem que ser incentivado a pensar sobre o que lê, não apenas
decodificar a grafia do texto.

Desse modo, a escola, assim como o professor, tem um papel


fundamental de realizar momentos que favoreçam o desenvolvimento da
leitura e escrita, trabalhando-as de forma instigante e prazerosa. Já que ler é o
ato de sentir-se bem, é nesse sentir-se bem que entra a Literatura Infantil. A
Literatura Infantil é uma fonte rica em aspectos atrativos, imagéticos,
simbólicos e linguísticos, os quais “despertam” nas crianças o gosto pela
leitura, bem como, pela produção de textos, quer seja poema, poesia, versos,
histórias, contos, etc. E, concomitantemente, ajuda nesse processo de
desenvolvimento.

A Literatura Infantil pode servir como estratégia mediadora no processo


de aprendizagem de leitura e escrita das crianças. Pois quando bem
fundamentada, o professor pode explorar a literatura como geradora de
comportamentos, conceitos, sentimentos e atitudes (LAJOLO, 1994), a fim
de promover uma aprendizagem significativa dos seus alunos.

É preciso trazer a Literatura Infantil para a sala de aula, desvinculando-a


do trabalho gramatical, da análise sintática de trechos e não a simplificando
em mera análise literária; questionários a propósito de personagens principais
e secundários, identificação de tempo e espaço da narrativa (LAJOLO, 1994).
A Literatura Infantil deve ser trabalhada no intuito de "despertar" no aluno o
gosto pela leitura, propiciar condições para desenvolvimento do prazer como
satisfação, conjuntamente ao aprendizado.

Por isso, é importante o professor estar sempre em busca de


conhecimento literário e ser ele próprio um leitor crítico e estabelecer suas
próprias hipóteses de leitura para abranger todas as sugestões vindas de seus
alunos na leitura e incentivá-los ao ato de ler e escrever. Contudo, muitos
professores não podem trabalhar esses textos literários com seus alunos de
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modo adequado, por não ter em sua formação a competência leitora devida
ou simplesmente por não achar necessário trabalhar com textos literários na
sala de aula. Com isso os professores não investem na Literatura Infantil
como estratégia mediadora para a aprendizagem.

Nesse contexto, que a vertente “Viajando com textos literários:


Estratégia mediadora no processo de aprendizagem da leitura e escrita dos
alunos de 3º ano do ensino fundamental I” se propõe a desenvolver
estratégias pedagógicas que possibilitam a aquisição de habilidades para a
produção textual a partir da leitura de textos literários, como histórias, contos,
fábulas, entre outros para que as crianças possam interagir com os textos,
refletir, analisar e apropriar-se da escrita por meio de práticas de
retextualização.

Estes são elementos norteadores do trabalho que servem como


instrumentos para analisar as dificuldades na leitura, escrita e interpretação
textual que se encontram, para que assim possa motivar a vontade de
aprender e de adquirir conhecimentos que ajudem as crianças a produzir,
apreciar e contextualizar textos, na perspectiva de possibilitar habilidades
consistentes e autônomas de leitura e escrita.

1 Metodologia
O trabalho está sendo realizado com uma turma do 3º ano do ensino
fundamental I, de uma determinada Escola Municipal de Feira de Santana-
BA. A pesquisa é realizada com 25 crianças de faixa etária entre _ e _ anos,
sendo 12 meninas e 13 meninos. Escolhidos em prol de fazer parte desse
ensino que ainda está iniciando o processo de construção das competências
de leitura e escrita e por ser o foco do Projeto de Extensão maior.
Observando e analisando sua trajetória, seu desenvolvimento e evolução em
relação às propostas e objetivos deste estudo.

No primeiro momento foi utilizada uma metodologia dialógica no


sentido de trocar opiniões, comentários, com alternância dos papéis de falante
e ouvinte; através do diálogo ocorreu uma interação entre dois ou mais
indivíduos. Buscou-se uma participação real, efetiva, por parte dos sujeitos
envolvidos, a fim de que suas ações fossem geradoras de idéias, de conflitos,
de transformações. Desse modo, esse trabalho é uma pesquisa de natureza
qualitativa, construída na perspectiva dialógica e relacional.

No segundo momento, foi realizada uma a contação da história, “Meu


amigo trovão”, de Sonia Rodrigues Mota, para iniciar o processo de
aproximação com a Literatura Infantil. Posterior, a socialização e discussão
das idéias, foi realizada uma dinâmica “o animal que eu gostaria ser”, no
intuito de descontrair o grupo e fazer um “link” com a leitura do livro.
Ressalto que, a dinâmica já inicia o trabalho com a escrita das crianças. Aqui,
todos ficaram agitados devido a ser uma atividade diferente, porém foi
permitida a expressividade de todos, a fim de que os mesmos interagissem
com a atividade. No momento de socializar para a turma, eles ficaram
envergonhados, mas se soltaram e falaram. Todos participaram, dando
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palpites e dialogando. Até mesmo aqueles que, não queriam falar no início,
falaram sem insistência.

No terceiro momento, demos início a uma sequência didática com o


conto “Os Saltimbancos” de Chico Buarque. Schneuwly e Dolz
desenvolveram uma proposta que engloba aspectos relevantes na construção/
interiorização da escrita processual e exige não um trabalho maçante em
volta do texto, mas um conjunto amplo de atividades que visem o texto como
unidade de ensino e os gêneros textuais como objetos de ensino.

Uma sequência didática é um conjunto de atividades escolares


organizadas, de maneira sistemática, em torno de um gênero oral ou
escrito. (...) Quando nos comunicamos, adaptamo-nos à situação de
comunicação. (...) Os textos escritos ou orais que produzimos
diferenciam-se uns dos outros e isso porque são produzidos em
condições diferentes. (ROJO e GLAÍS, 2004, p. 97)

Desse modo, iniciamos com a leitura das músicas dos quatro animais do
conto, pedi para que eles fizessem a leitura comigo. Então eu lia e eles
repetiam em seguida, entretanto, não posso deixar de explicitar momentos em
que alguns deles liam sozinhos, alguns deles liam antecipadamente a música.
Fiz a primeira leitura, a do jumento, em seguida coloquei a música, para que
eles pudessem depois da leitura, associar a música. Com isso, já trago
elementos importantes da peça “os saltimbancos” para que eles possam se
apropriar da história. FARIA (2001), define que a música é um importante
fator na aprendizagem, pois a criança desde pequena já ouve música, a qual
muitas vezes é cantada pela mãe ao dormir, conhecida como ‘cantiga de
ninar’. Na aprendizagem a música é muito importante, pois o aluno convive
com ela desde muito pequeno. Enfatizo a importância de trazer
primeiramente a música, pois a partir desse momento, eles podem se
envolver mais com o trabalho desenvolvido. Posterior a ouvir a música,
discutimos alguns pontos que a música do jumento traz da história. E pedi,
para que em dupla, ou trio, eles escrevessem um trecho da música que eles
mais gostaram. Aqui, utilizo a reescrita do texto, sem a função de modificar,
adicionar, somente a de deslocar o texto, no intuito de conhecer mais sobre a
escrita deles. Fizemos o mesmo trabalho com os animais seguintes, a cão, a
galinha e a gata.

No quarto momento, os levei para sala de computação, pois sair do


espaço da sala de aula para propiciar uma atividade diferenciada que
incentive os alunos a lerem. Pois, os alunos lêem apenas o básico e não são
estimulados em pesquisar ou procurar novos tipos de leitura (KLEIMAN,
2001). Isso acarreta em uma grande distância entre alunos e livros. O que
deveria ser um espaço estimulador acaba por se tornar um ambiente
repressor. Nesse sentido, utilizamos de estratégias que valorizem esse
estímulo. Sentamos no chão da sala, formando uma roda e começamos a
leitura compartilhada da história completa de “Os saltimbancos”. Ressalto a
importância de fazermos essa leitura compartilhada, para que eu pudesse ver
a desenvoltura deles em relação à pontuação, coerência, pausa. Além do que,
verificou-se que a exposição constante da criança à audição de estórias e à
manipulação de livros infantis expande seu conhecimento e seu grau de
letramento de forma considerável. (Terzi,1995). Ao terminarmos a história,
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perguntei o que eles tinham entendido da mesma. E alguns manifestaram a


sua compreensão. Em seguida, coloquei a história contada em áudio, para que
eles pudessem agora ouvir a história que eles tinham acabado de fazer a
leitura.

No quinto momento, iniciamos novamente, com a história contada em


áudio. Pois essa atividade sonora se faz importante, por que o jovem e a
criança precisam ser seduzidos para a leitura, desconsiderando neste processo
qualquer artifício que possa tornar a leitura uma obrigação. Martins (1989)
chama a atenção para “o contato sensorial com o trabalho, pois antes de ser
um texto escrito, um trabalho é um objeto; tem forma, cor, textura. Na
criança esta leitura através dos sentidos revela um prazer singular; esses
primeiros contatos propiciam à criança a descoberta do trabalho, motivam-na
para a concretização do ato de ler o texto escrito.” Ao fim da história em
áudio, passamos para atividade de escrita, em especial a criatividade deles.
Pedi para que eles criassem e escrevessem uma história sobre os animais da
referendada história. Para Freire (2001, p. 47): "ensinar não é transmitir
conhecimento, mas criar as possibilidades para a sua produção ou a sua
construção". Dessa forma, pudemos explorar potencialidades criadoras dos
alunos e, não menos importante, fizessem a atividade de escrita. E nesse
momento, pudemos detectar os erros gramaticais e textuais.

No sexto e último momento, realizamos uma atividade, a qual trabalhou


a ortografia. Foi posto no quadro um texto formulado por mim, com os erros
mais encontrados nas escritas deles. Fizemos uma análise em coletivo das
palavras escritas erradas no decorrer do texto e começamos a atividade. A
turma foi separada em dois grupos, cada um desses tinha em mãos uma
cartolina com o texto transcrito com lacunas no lugar das palavras erradas. E
dois recortes das palavras, sendo uma correta e uma errada. Desse modo, eles
além de detectarem as palavras erradas, teriam que refletir sobre a forma
correta de escrever as determinadas palavras. Em seguida, fechamos a
sequência didática com essa atividade ortográfica e com uma breve reflexão
sobre o trabalho desenvolvido.

2 Resultados e Conclusão

Segundo Smolka (1989, p. 45) “a leitura e escrita são certamente


atividades humanas, reflexivas e críticas e não se resumem à decifração
mecânica”. No mesmo sentido, Barbosa (1994, p.26) corrobora dizendo que:
“aprender a ler é aprender a fabricar sentidos a partir do estímulo da palavra
impressa: ler é um meio de produção de sentido”. Sendo assim, o trabalho
desenvolvido caminhou para práticas que fizeram o aluno analisar e refletir
sobre o que foi lido, se posicionando criticamente e participando com sujeitos
ativos.

Por isto, Freire enfatiza a prática da leitura dizendo que:

Ler é uma operação inteligente, difícil, exigente, mas gratificante (...)


Ler é procurar ou buscar criar a compreensão do lido... ler é engajar-se
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numa experiência criativa em torno da compreensão. Da compreensão


e da comunicação. E a experiência da compreensão será tão mais
profunda quanto sejamos nela capazes de associar, jamais
dicotomizar, os conceitos emergentes na experiência escolar aos que
resultam do mundo da continuidade. (Freire, 2001, p.29-30)

Acerca dessa questão, pode-se destacar a Literatura Infantil, um gênero


literário, foi de extrema importância para o desenvolvimento da leitura e da
escrita inserida dentro da sala de aula do 3º ano do ensino fundamental I, com
intuito de proporcionar-lhes atividades diferenciadas, as quais eles sentiram
interesse em se envolver.

De acordo com Kaufman (1994), o texto literário permite-nos ler “para


nada”, para não fazer nada depois da leitura, somente nos leva pela
imaginação; porém, também nos permite tentar recriar os mecanismos
utilizados pelo autor em novas criações, ou seja, podemos construir e
reconstruir novos textos a todo o momento. O que foi realizado nos
momentos propostos, atingindo o determinado fim.

O trabalho da produção escrita se realizou com a proposta do trabalho


com o texto “Os saltimbancos” como “fonte” para nova produção, além de
conceder a tal texto o status de objeto de reflexão de toda a classe,
conseqüentemente, valorizamos as produções das crianças, o que contribuiu
também para favorecer a expressão espontânea dos alunos envolvidos no
processo de aquisição da escrita.

Sendo assim, tratou-se de um trabalho que exercitou novas formas de


narrar, de dizer ou de contar um mesmo fato, uma atividade a que Marcuschi
(2001) denomina retextualização. Retextualização, nesse caso, diz respeito a
um “processo que envolve operações complexas que interferem tanto no
código como no sentido e evidenciam uma série de aspectos nem sempre bem
compreendidos da relação oralidade-escrita”. Não se tratou, simplesmente, de
refacção do texto tido como “fonte”, com a finalidade de se eliminarem
marcas da heterogeneidade ou da oralidade, ou mesmo de reescrevê-lo apenas
com o intuito de adequá -lo à norma padrão. Tratou-se, sim, de uma proposta
ainda mais significativa, isto é, “dizer de outro modo, em outra modalidade
ou em outro gênero, o que foi dito ou escrito por alguém”. Ou seja, as escritas
dos alunos re-significaram a primeira versão da história.

Contudo, o trabalho teve êxito em todas as atividades, mesmo com a


resistência dos alunos em alguns momentos e diante desses resultados da
pesquisa/extensão, tem sido possível perceber a importância do uso da
Literatura Infantil como instrumento para prática pedagógica a fim de
promover uma aproximação dos alunos com esse gênero, e, paralelamente
trabalhar com a leitura e escrita dos mesmos. Nesse sentido, se faz ainda
presente a realização desse Projeto de Extensão junto ao Grupo de Estudos,
Pesquisa e Extensão em Oralidade, Leitura e Escrita - GEPOLE/NEPA
(Núcleo de Alfabetização) com as crianças do 3º ano do ensino fundamental
I.
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REFERÊNCIAS
BARBOSA, Juvêncio José. Alfabetização e Leitura. 2ªed, São Paulo:
Cortez, 1994.

CAGLIARI, Luiz Carlos. Alfabetização e Lingüística. 8ª ed., São Paulo:


Scipione, 1995.

DOLZ, Joaquim & SCHNEUWLY, Bernard, NOVERRAZ, Michèle.


Gêneros e progressão em expressão oral e escrita – seqüências didáticas para
o oral e a escrita: apresentação de um procedimento. In: Gêneros orais e
escritos na escola / Tradução e organização Roxane Rojo e Glaís Sales
Cordeiro. Campinas, SP: Mercado de letras, 2004. São Paulo: Mercado de
letras, 2006

FARIA, Márcia Nunes. A música, fator importante na aprendizagem. Assis

chateaubriand – Pr, 2001. 40f. Monografia (Especialização em


Psicopedagogia) – Centro Técnico-Educacional Superior do Oeste
Paranaense – CTESOP/CAEDRHS.

FREIRE, Paulo. A importância do ato de ler: em três artigos que se


completam. São Paulo, Cortez, 2001.

KAUFMAN, Ana Maria, RODRIGUEZ, Maria Elena. Escola, Leitura e


Produção de Textos. Porto Alegre – Artes Médicas, 1994.

KLEIMAN, Ângela. Leitura: ensino e pesquisa. São Paulo: Ed. Pontes; 2º


edição, 2001. MARCUSCHI, Luís Antônio. Da fala para a escrita:
atividades de retextualização. São Paulo: Cortez, 2001.

LAJOLO, Marisa. Do mundo da leitura para a leitura do mundo. São


Paulo: Ática, 1994.

MARTINS, Maria Helena. O que é leitura. São Paulo: Brasiliense, 1989.

SMOLKA, B. Luíza Ana. Leitura e desenvolvimento da linguagem. Porto


Alegra – RS: Mercado Aberto,1989.

TERZI, S.B. A oralidade e a construção da leitura por crianças de meios


iletrados. In KLEIMAN, A. Os significados do letramento. Campinas:
Mercado de Letras, 1995.
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O Poema para Iniciação ao Letramento


Literário na Infância:
Análise da Antologia “Meus Primeiros Versos”

Ellen dos Santos Oliveira (Graduanda/FSLF)1


Vilma Mota Quintela (Doutora/FSLF)2

RESUMO
É possível iniciar o processo de letramento na infância por meio da leitura de poemas?
Que métodos pedagógicos usar para esse fim? Essas questões serão discutidas no
decorrer deste artigo que se destina a uma reflexão sobre a possível contribuição do
gênero lírico ao processo de iniciação ao letramento literário. Com base no que diz
Joana Cavalcante, em Caminhos da literatura infantil e juvenil, sobre a importância da
iniciação literária na infância, e nas contribuições de Magda Soares contidas no estudo
Letramento: um tema em três gêneros (2010), pretende-se aqui trazer ao centro da
discussão a problemática envolvendo o uso do texto poético em sala de aula com
vistas à formação do leitor literário. Também será posta em discussão neste estudo a
produção literária para a criança, analisando-se, especificamente, a antologia Meus
primeiros versos (2001), publicada pelo Ministério da Educação e distribuída
gratuitamente em espaços públicos, como bibliotecas e escolas. O presente artigo terá
também como fundamentação teórica a obra Literatura: a formação do leitor (1988),
de Vera Teixeira de Aguiar e Maria da Glória Bordini; as obras de Angela Kleiman:
Os significados do letramento (1995) e Oficina de leitura: teoria e Prática (2001); o
texto “Poesia para crianças”, de Gabriela Mistral, publicado em Literatura Infantil:
teoria e prática (2003), o estudo de Maria da Glória Bordini: “Poesia e consciência
linguística na infância”, publicado na coletânea Leitura e desenvolvimento da
linguagem (1989).

Palavras-chave: Letramento. Letramento Literário na infância. Poemas para crianças.

1
Contato do(a) autor(a): ellenletrinhas@hotmail.com.
2
Contato do(a) autor(a): vilmaquintela@yahoo.com.br
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INTRODUÇÃO

Este trabalho apresenta uma discussão sobre o uso do poema no


processo de iniciação ao letramento na infância, tendo como proposta
responder aos seguintes questionamentos: É possível iniciar o processo de
letramento na infância por meio da leitura de poemas? Que métodos
pedagógicos usar para esse fim? Essas questões serão discutidas no decorrer
deste artigo que se destina a uma reflexão sobre a possível contribuição do
gênero lírico ao processo de iniciação ao letramento literário.

Tomando-se como ponto de partida o estudo Caminhos da literatura


infantil e juvenil, de Joana Cavalcante, que tece reflexões sobre a importância
da iniciação literária na infância, e o livro Letramento: um tema em três
gêneros, de Magda Soares, que coloca em pauta os significados da palavra
“letramento”, destacando a importância dessa prática, pretende-se aqui trazer
ao centro da discussão a problemática envolvendo o uso do texto poético em
sala de aula com vistas à formação do leitor. Tendo-se em vista esse fim,
tomar-se-á, também, como referencial teórico os livros: Literatura: a
formação do leitor: alternativas metodológicas, de Aguiar e Bordini, e
Oficina de leitura: teoria e Prática, de Angela Kleiman, onde a autora,
baseada em Bellenger (1978), enfatiza o valor do texto poético como fonte de
prazer estético, isto é, como uma prática que envolve os sentidos, incidindo
sobre a experiência de vida de seus leitores. Nesse sentido, a autora ressalta
ainda que a atividade árida e tortuosa de decifração de palavras que é
chamada de leitura, quando desenvolvida em sala de aula, não tem nada a ver
com a atividade prazerosa descrita por Bellenger. De fato, esta não seria uma
atividade de leitura, propriamente dita, por mais que tal prática seja
legitimada pela tradição escolar (KLEIMAN, 2001, p. 16).

A leitura deve ser prazerosa, pois só assim contribuirá para o


letramento. Joana Cavalcante diz que a criança iniciada no mundo da leitura é
alguém que pode ampliar sua visão do outro, que pode adentrar no universo
do simbólico e construir para si uma realidade mais carregada de sentido
(CAVALCANTI, 2002, p. 31). É através do simbólico que a criança se
reconhece e reconhece seu mundo, e é a partir da leitura que a criança cria
sua noção de mundo, pois ler, não é apenas decodificar o código linguístico, é
trazer a experiência de mundo para o texto lido, fazendo com que as palavras
impressas tenham um significado que vai além do que está escrito, por
passarem a fazer parte, também, da experiência do leitor, e esse processo de
identificação e conhecimento de mundo através da leitura recebe o nome de
Letramento.

Angela Kleiman, em Os significados do letramento, define hoje o


letramento como um conjunto de práticas sociais que usam a escrita,
enquanto sistema simbólico e enquanto tecnologia, em contextos específicos,
para objetivos específicos (KLEIMAN,1995, p. 19). Já Magda Soares, o
define como a ação de ensinar e aprender as práticas sociais de leitura e
escrita. Para a autora, o letramento é um estado ou condição que adquire um
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grupo social ou um indivíduo, como consequência de ter se apropriado da


escrita e de suas práticas sociais. Um indivíduo alfabetizado não é
necessariamente um indivíduo letrado, pois ser letrado implica em usar
socialmente a leitura e a escrita e responder as demandas sociais da leitura e
da escrita (SOARES, 2010). É nessa perspectiva que esse trabalho propõe o
uso de poemas para favorecer o letramento entre as crianças, para que elas
não sejam apenas alfabetizadas, mas, sim, conduzidas a uma leitura do
mundo em sua complexidade, assim como a uma compreensão mais ampla e
aprofundada do outro.

1 O QUE É LETRAMENTO LITERÁRIO?

Segundo Joana Cavalcante, o literário detém o poder de captura, na


medida em que revela o cerne da alma humana, ao falar daquilo que aprisiona
e liberta, metaforizando imagens do cotidiano banal e factual para revelar-se
no não dito, naquilo possível de ser e pulsar nas entrelinhas do texto. Entre
uma palavra e outra, no vazio instituído pela letra que cai, pela palavra
transformada, a leitura vai alcançar sua dimensão própria e singular,
identificada com o sujeito leitor (CAVALCANTI, 2002, p.31). A obra
literária pode ser entendida como uma tomada de consciência do mundo
concreto que se caracteriza pelo sentido humano dado a esse mundo pelo
autor. Assim, não é um mero reflexo da mente, que se traduz em palavras,
mas de uma interação ao mesmo tempo receptiva e criadora. Essa interação
se processa através da mediação da linguagem verbal, escrita ou falada. O
texto produzido, graças a essa natureza verbal, permite o estabelecimento de
trocas comunicativas dentro dos grupos sociais, pondo em circulação esse
sentido humano (AGUIAR; BORDINI, 1988, p.14). Joana Cavalcante afirma
que a literatura pode ser, para a criança, o espaço fantástico para a expansão
do seu ser e exercício pleno da sua capacidade simbólica, pois trabalha
diretamente com elementos do imaginário, do maravilhoso e do poético.
Amplia o universo mágico, transreal da criança para que esta se torne adulto
mais criativo, integrado e feliz (CAVALCANTE, 2002, p. 39). Já Antônio
Candido, em Literatura e Sociedade, defende a ideia de que a literatura
contribui para o processo de humanização do sujeito, pois esta ajuda a suprir
as necessidades psicológicas, sociais e educativas do ser humano. Tendo isso
em vista, é importante que se inicie cedo o letramento literário no processo da
formação humana.

Entre vários tipos de texto literário, o poema pode ser um objeto eficaz
para o letramento, pois como afirma Gabriela Mistral em seu artigo “Poesia
para crianças”, publicado no livro Literatura Infantil: teoria & prática, revela
que pesquisas demonstram que a criança tem uma certa inclinação para o
texto poético, e que é “muito comum comparar a criança com o poeta, pois o
mundo infantil é cheio de imagens, assim como o campo da poesia”
(MISTRAL, 2003, 118). A autora aponta duas características comum a
ambos: a fantasia e a sensibilidade. E nota que é surpreendente a frequência
com que se encontra nas crianças falas significativamente poéticas. Segundo
a autora, é um erro imaginar que criança não goste de poesia, pois entre as
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formas de arte, a criança prefere, em primeiro lugar, a música, vindo, em


seguida, o poema (MISTRAL, 2003, p.118-119). Considerando-se esse
aspecto, é possível concluir que, começar o letramento infantil com textos
poéticos, pode resultar numa prática produtiva e eficaz, a depender do modo
como se dará tal processo.

2 COMO INTRODUZIR O POEMA NA INFÂNCIA

Deve-se pensar muito bem antes de escolher um poema para se


trabalhar com crianças, pois uma escolha infeliz pode trazer consequências
negativas e ao invés de despertar o interesse da criança pode causar-lhe
aversão ao texto poético. Nesse sentido, Gabriela Mistral aponta dois motivos
que fazem com que criança “não goste de poesia”: o primeiro é a falha na
escolha do poema, e o segundo é o tratamento ineficaz do poema em classe.
Uma pesquisa feita pela autora quanto à falha relativa ao aproveitamento da
poesia na escola demonstra que a maioria dos professores do Ensino Básico
não gosta de trabalhar com poemas em classe, pois, grande parte deles, “não
está despertada para a poesia e se sente incomodada quando tem de estudar
um poema porque não sabe como fazê-lo” (idem, p.120).

Quanto à seleção dos poemas para serem trabalhados em sala de aula,


Mistral ressalta que eles devem ser escolhidos pelo professor, e não vir
determinados por orientador ou livro didático. O docente deve escolher o
poema que lhe sensibilize, pois não se pode transmitir uma emoção, um gosto
que não se sente, e se o professor não se sensibilizar com o poema,
dificilmente conseguirá emocionar os alunos (idem, p.121). A autora ainda
ressalta que:

Para levar os poemas à criança, seria ideal que a professora tivesse, à


mão, recursos adequados a cada um: música sugestiva, boa ilustração,
slides, gravação do poema por um intérprete etc. Como não são essas
as nossas condições de trabalho, vejamos o que seria capaz de
motivar, prender o aluno ao poema: a leitura expressiva. A professora
deve preparar cuidadosamente essa leitura. Nunca deverá ser feita à
primeira vista (de nenhum texto literário, menos ainda de um poema),
nem pelo aluno nem pelo professor. A leitura adequada do texto, por
si só, pode ser suficiente para criar o gosto pelo poema. (idem)

A autora também sugere uma forma muito agradável ao aluno e muito


educativa que é partir do poema para novas formas de expressão, podendo o
professor, nesse caso, solicitar aos alunos que produzam a partir do texto
poético desenhos, montagens, coro falado, e até novos poemas, sendo esses
meios eficazes no desenvolvimento da criatividade da criança (idem). Outras
opções são também a apresentação dos poemas em painéis, bibliotecas, sala
de aula etc, pois toda estratégia é válida para atrair os leitores infantis.

Nelly Novaes Coelho, em Panorama Histórico da literatura


infantil/juvenil, considera a poesia uma área essencialmente importante da
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criação literária para crianças e jovens, ganhando, essa, cada vez mais espaço
em nosso mercado editorial, á medida em que conquista a preferência dos
pequenos leitores. (COELHO, p. 285). Para satisfazer esse público leitor,
muitas antologias estão sendo organizadas e distribuídas gratuitamente nas
bibliotecas e escolas públicas, entre elas encontra-se a Antologia Meus
primeiros versos, que será aqui analisada.

3 A ANTOLOGIA MEUS PRIMEIROS VERSOS

A Antologia de poetas brasileiros Meus primeiros versos, volume 4,


constitui a coleção Literatura em minha casa, publicada pela editora Nova
Fronteira e distribuída gratuitamente às bibliotecas e escolas públicas, pelo
Ministério da Educação, trazendo o carimbo do FNDE e da Biblioteca da
Escola. A antologia é composta por vinte poemas de Cecília Meireles, quais
sejam: “Colar de Carolina”, “Pescaria”, “Moda de Menina Trombuda”, “O
Cavalinho branco”, “Jogo de Bola”, “Tanta tinta”, “Bolhas”, “Leilão de
Jardim”, “Rio na Sombra”, “Os Carneirinhos”, “A Bailarina”, “O Mosquito
escreve”, “A Lua é do Raul”, “Sonhos da Menina”, “Rômulo Rema”, “As
Duas Velhinhas”, “O Último Andar” e “Ou Isto ou Aquilo”. Além disso, a
coletânea traz também vinte e cinco poemas de Manuel Bandeira:
“Berimbau”, “Debussy, O Menino Doente”, “Na Rua do Sabão”,
“Balõezinhos”, “Pensão Familiar”, “Porquinho-da-Índia”, “Andorinha”,
“Madrigal tão engraçadinho”, “Irene no Céu”, “Cabedelo”, “O Amor, a
poesia, as Viagens”, “Trem de Ferro”, “A Estrela, Mozart no Céu”,
“Acalanto de John Talbot”, “Pardalzinho”, “Canto de Natal”, “D. Janaína”,
“Céu”, “Vozes na Noite”, “O Grilo”, “Rondó do Capitão”, “O Anel de
Vidro”, “Os Sapos”. Acrescenta-se, ainda, à coleção, o poema “Qual a
Palavra?”, de Roseana Murray.

Figura 1: Capa da Antologia “Meus Primeiros Versos”


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Quanto à qualidade de edição, a antologia se apresenta em uma versão


econômica na qual somente a capa é colorida, sendo as imagens presentes no
corpo do texto em preto e branco. Quase todos os poemas são acompanhados
por ilustrações, com exceção de “Madrigal tão engraçadinho”, “A Estrela” e
“O Anel de Vidro”, que não apresentam imagens, recurso muito usado nas
antologias infantis, tendo-se em vista facilitar a codificação do texto. Esses
poemas fazem intertextualidade com o “Porquinho-da-Índia”, de Manuel
Bandeira, funcionando, tal recurso, nesse caso, como um mecanismo
mnemônico de que lançam mão os organizadores do volume. Os poemas de
Cecília Meireles apresentam ilustrações de Beatriz Berman. Já os de Manuel
Bandeira, apresentam ilustrações de Maria Louise Nery, sendo o poema de
Roseana Murray ilustrado por Ana Luisa Sigon.

Os poemas apresentam versificações diversas, possuindo, a maioria,


versos curtos, nos quais se nota riqueza e criatividade na utilização das rimas,
outro recurso mnemônico bastante explorado nos textos para crianças. Dos
poemas que compõem essa antologia, foram selecionados quatro para esta
análise: “A Bailarina” e “O Mosquito escreve”, de Cecília Meireles; e “O
Céu” e “Porquinho-da-Índia”, de Manuel Bandeira.

Cunha aponta dois elementos, presentes principalmente na poesia, que


marcam o objeto lúdico da criança, que são: o ritmo e a rima. Segundo a
autora, “o ritmo, elemento essencial a toda arte e à poesia, deverá ser
fortemente marcado no poema para crianças. A rima, que naturalmente é um
acessório na poesia, agrada-lhes muito” (CUNHA, 2003, pág. 119). Observa-
se a seguir no poema “A Bailarina”, de Cecília Meireles, como o ritmo
cavalga de um verso a outros em busca de sentido. As rimas paralelas e o
jogo de palavras são marcantes de modo à prender a atenção do público
infantil.

Figura 2: Poema “A Bailarina” de Cecília Meireles


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O poema de Meireles, “Bailarina”, citado acima, permite que a criança


que o lê se identifique com o eu lírico do poema, e o texto poético, além de
penetrar no imaginário infantil, convida a criança a confrontá-lo com seu
mundo, pois ela, ao lê-lo, irá imaginar-se no lugar da bailarina, ou irá
imaginar uma criança que a lembre. Nesse caso, quanto menor for a criança,
maior será a identificação. Assim, se ela não souber o que é o “dó” ou o “ré”,
mas souber, por exemplo, “ficar na ponta do pé”, possivelmente, irá se
identificar com o texto. Da mesma forma, se ela também não souber o que é
o “fá”, decerto, saberá “inclinar o corpo para lá e para cá”. Talvez ela não
saiba o que é “lá” nem “si”, mas, provavelmente, saberá “fechar os olhos e
sorrir” ou “rodar com os bracinhos pro ar”. Em todo caso, provavelmente,
haverá muitas possibilidades de identificação. Percebe-se, então, que tal
método propõe, não apenas a decodificação dos códigos linguísticos do
poema, mas também certa identificação corporal com o texto poético e,
portanto, a identificação do universo do poema com o mundo particular da
criança, constituindo-se, então, tal experiência numa prática positiva de
letramento. Percebe-se, ainda, que há, no poema, além do jogo de palavras,
um jogo rímico e sonoro, bem insinuativo para o universo infantil. Nesse
sentido, Nelly Coelho afirma: “a poesia (ou a arte em geral) é um jogo que
enriquece interiormente aqueles que a ele se entregam”(COELHO, 2000,
pág. 245).

Já o poema “Céu”, de Manuel Bandeira, composto por dois quartetos


em versos pentassílabos, apresenta movimentos rítmicos mais suaves, assim
como o céu. Assim, além de proporcionar o despertar a imaginação, o poema
coloca a criança no centro da ação, favorecendo, assim, sua percepção de si
mesma como sujeito.

Figura 3: Poema “Céu” de Manuel Bandeira


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Esse poema também pode contribuir para o desenvolvimento de um


pensamento reflexivo, fazendo a criança pensar, por exemplo, em como é
possível alcançar o céu, ou, o que significa dizer que a criança tem “o céu na
mão”. Por outro lado, os versos curtos, presentes no poema, facilitam o
entendimento da criança, a observação e o sentimento do ritmo, sendo mais
indicados à adesão da criança ao poema. Já no texto “O Mosquito Escreve”,
além da musicalidade, observa-se o estímulo à alfabetização, compondo-se
de forma bem divertida, e criativa. Nele, a criança é instada a perceber a
importância de saber escrever o nome de forma imaginativa, estimulando-se,
assim, a criatividade infantil.

Figura 4: Poema “O Mosquito Escreve” de Cecília Meireles


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Poemas com animais também são considerados eficazes no processo de


letramento, pois a criança aprende a identificar, nos poemas, os animais que
fazem parte do meio ambiente, e também a respeitá-los. Além disso, esses
costumam estimular o lado emotivo das crianças. Outro poema presente na
antologia que estimula a relação afetiva entre as crianças e os bichos é o
poema “Porquinho-da-Índia”, de Cecília Meireles, o poema em versos livres,
tem caráter de uma conversa ou um depoimento, contribuindo, assim, para o
efeito do verossímil, como pode ser observado no poema abaixo:

Figura 5: Poema “Porquinho-da-Índia” de Manuel Bandeira

Se bem explorado, esse poema também pode propiciar uma reflexão


sobre cuidado com os animais, contribuindo para que mais tarde, em fase
adulta, a criança demonstre afetividade pelo seu próximo. Como esses
poemas citados, há muitos outros adequados ao processo de letramento da
criança, propícios a iniciá-la no mundo mágico da poesia sem apartá-la do
mundo real que ela habita.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Conclui-se, ao final desta reflexão, que, para o bom encaminhar do


processo de letramento, será de crucial importância a intermediação do
professor. Este deve estar apto a escolher o poema certo para cada situação e
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para cada criança, pois uma má escolha pode contribuir, fatalmente, para a
aversão ao texto poético. Trabalhar a poesia durante o processo de
letramento na infância pode vir a contribuir para a descoberta de um mundo
mágico e/ou real e rico de experiências e relações discursivas que a
linguagem poética pode propiciar. No entanto, o educador deve estar atento a
aspectos que extrapolam o campo da estética, incidindo, diretamente, na
questão ética que não deve ser negligenciada quando se trata da educação.
Esse é um dado que não coube aprofundar neste artigo que, como foi dito a
princípio, objetiva refletir sobre o emprego da poesia em sala de aula como
recurso à formação do leitor literário, ficando, aqui, apenas pontuado, tendo-
se em vista o desdobramento desta reflexão em estudos futuros.

REFERÊNCIAS
AGUIAR, Vera Teixeira de; BORDINI, Maria da Glória. Literatura: a
formação do leitor: alternativas metodológicas. Porto Alegre: Mercado
Aberto, 1988.
ANDRADE, Mario de.; et al. Na onda dos versos. 1.ed. São Paulo: Ática,
2003.
BORDINI, M. da G. Poesia e consciência lingüística na infância. In:
SMOLKA, A. L. B. et all. Leitura e desenvolvimento da linguagem. Porto
Alegre: Mercado Aberto, 1989, p. 53-68.

CAVALCANTE, Joana. Caminhos da literatura infantil e juvenil. São


Paulo: Paulus, 2002.
KLEIMAN, A. Modelos de letramento e as práticas de alfabetização na
escola.In:KLEIMAN, A. (Org.). Os significados do letramento: uma nova
perspectiva sobre a prática social da escrita. Campinas: Mercado de Letras,
1995.
KLEIMAN, Angela. Oficina de leitura: teoria e Prática. 8.ed.Campinas, SP:
Pontes, 2001.
MEIRELES, Cecília; BANDEIRA, Manuel; et al. Meus primeiros versos.
Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2001.
MISTRAL, Gabriela. Poesia para crianças. In.CUNHA, Maria Antonieta
Antunes. Literatura Infantil: teoria e prática. 18. ed. São Paulo: Ática,
2003.
SOARES, Magda. Letramento: um tema em três gêneros. 4.ed. Belo
Horizonte: Autêntica Editora, 2010.
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Representação dos Personagens Negros na


Literatura Infantil:
um estudo a partir de duas produções brasileiras

Jiselda Meirielly de França1

Maria Batista Lima2

RESUMO

O estudo pretende analisar a representação dos personagens negros/as em duas


produções da literatura infantil brasileira, a saber: “Menina Bonita do Laço de Fita”
(2000), de Ana Maria Machado; e “Ana e Ana” (2003), de Célia Cristina, Com a
intenção de atingir os respectivos objetivos específicos: a) Mapear as imagens
atribuídas à população negra nas respectivas obras literárias; b) Identificar os
discursos atribuídos aos personagens negros/as nas obras literárias infantis em análise;
e c) Verificar em que medida as obras analisadas apontam para uma ressignificação na
literatura infantil no que refere à educação para as relações etnicorraciais. Os
procedimentos metodológicos remetem a uma pesquisa bibliográfica de caráter
explicativo para com a interpretação dos discursos presentes nas narrativas analisadas,
tendo como base a crítica literária e conhecimentos teóricos da educação. Com relação
à teoria literária serão investigados os elementos que compõem o foco narrativo
(enredo, personagem, narrador e espaço) bem como o panorama histórico em que
surgem os personagens negros na literatura e a situação em que os mesmos eram
inseridos, a fim de discorrer a respeito da identidade etnicorracial e das matrizes
africanas presentes nesse objeto de estudo, a literatura infantil. Mediante análise
dessas narrativas literárias percebeu-se que “Menina Bonita do Laço de Fita” possui
uma afirmativa positiva com relação à identidade negra e africana, valoriza o fenótipo
desta referida população, em contrapartida mostra um conflito identitário, além da
utilização de termos pejorativos “mulata, preta, pretinha” para com a identidade
negra. Quanto a “Ana e Ana” percebe-se um discurso com o intuito de valorização a
etnia negra e mostrar que as diferenças favorecem a construção/enriquecimento
cultural e identitário da sociedade, rompendo padrões/modelos de protagonistas da
Literatura infantil. Assim pode-se afirmar que houve uma ressignificação da
população negra, reafirmando valores de nossas matrizes africanas.

Palavras-chave: Literatura infantil, foco narrativo, personagem negro e identidade


etnicorracial.

1
Contato do(a) autor(a):jiseldameirielly@hotmail.com . UFS-DLI-PIBIC-
GEPIADDE
2
Contato do(a) autor(a):mabalima.ufs@gmail.com. UFS-DEDI-GEPIADDE/Doutora
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INTRODUÇÃO

A problemática da questão racial no Brasil apesar de antiga ainda é


polêmica, além de ser um problema atual e presente em nossa sociedade.
Dessa forma, é de suma importância que questões como esta sejam
abordadas, principalmente, no âmbito escolar por ser um ambiente de
discussão, aprendizagem, saber e conhecimento. Tal iniciativa é uma
tentativa de desconstruir toda, e qualquer ideia ou conceito pré-concebido
que permeia o imaginário social a respeito da questão racial brasileira e de
nossas matrizes culturais africanas.

Este estudo apresenta algumas discussões a cerca da Representação dos


Personagens Negros na Literatura Infantil, em duas obras: “Menina Bonita do
Laço de Fita” (2000), de Ana Maria Machado; e “Ana e Ana” (2003), de
Célia Cristina. O trabalho tem como objetivo principal analisar a
representação atribuída aos personagens negros na literatura infantil no
Brasil. Para isso, pretende-se analisar as imagens e os discursos dos e sobre
os personagens negros nas obras que trazem alguma referência aos
repertórios afro-brasileiros, repertórios aqui entendidos como elementos de
matrizes africanas referentes às identidades e/ou aos diversos elementos
culturais e referenciais dessas matrizes. O estufo faz parte do projeto
Compartilhando as Diferenças e Promovendo a Equidade na Educação
Sergipana, do grupo de pesquisa GEPIADDE.

Com isso, para a seleção dessas obras infantis foi necessário delimitar
um determinado período (anterior e durante) à publicação da Lei
10.639/2003, que atribui a todas as áreas do conhecimento a responsabilidade
da inclusão da história e cultura africana e afro-brasileira nos currículos
escolares, especialmente nas áreas de Educação Artística, de Literatura e
História Brasileira (BRASIL, 2003). Além da reduzida quantidade de
material relacionado aos personagens negros na Literatura infantil. Mediante
essa seleção pretende-se perceber como as narrativas literárias destinadas ao
público infantil abordaram /abordam a questão etnicorracial a partir dos anos
delimitado.

Nesse estudo bibliográfico foi necessário inserir textos relevantes para o


aprofundamento/entendimento do contexto em que a Literatura infantil surgiu
no Brasil, o aparecimento tardio dos/as personagens negros/as e atrelado a
isso uma imagem estereotipada/estigmatizada que permeou por muito tempo
as obras literárias brasileiras direcionadas ao público infantil, além de
provocar discussão/reflexão a cerca dessa temática.

Assim, a partir da análise das obras Literárias infantis com base na


crítica literária percebeu-se que “Menina bonita do laço de fita” possui um
discurso que contempla os traços da cultura negra de forma positiva, no
sentido de reafirmar o fenótipo negro, e contempla o leitor a cultivar o
respeito às relações raciais. Entretanto, a obra causa uma inquietação quando
faz alusão à miscigenação além de utilizar termos pejorativos para com a
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identidade negra: “mulata, preta, pretinha”. Ainda nessa obra, é relevante


inserir um conflito identitário vivido por um dos personagens na narrativa.
Quanto a “Ana e Ana” percebe-se um discurso com o intuito de valorização
da etnia negra e de certa forma a autora ressalta que as diferenças favorecem
a construção/enriquecimento cultural e identitário da sociedade.

1. Referencial Teórico

Nesse estudo bibliográfico foi necessário ressaltar a perspectiva das


origens da Literatura infantil a partir da concepção de Nelly Coelho (1983,
1988) com a obra Dicionário da Literatura Infantil/juvenil, que amplia a
análise/estudo literário nessa linha de pesquisa, e mostra a relação entre
Literatura, História e Educação, nesse trabalho a autora aborda as obras de
Monteiro Lobato como marco divisório/significativo da Literatura infantil
através doas autores brasileiros dos “precursores no século XIX e primórdios
da literatura infantil no Brasil (1808-1920) ao período lobatiano e pós-
lobatiano (1920-1990)”. No que remete ao livro Panorama Histórico da
Literatura Infantil e Juvenil (1988) a mesma apresenta todo caminho
histórico da criação para crianças e jovens daquela época, as narrativa
primordial, das origens Indo-europeias da Literatura Ocidental ao Brasil
Contemporâneo.

Esses livros foram significativos para desenvolver este trabalho de


cunho investigativo e esclarecedor no que remete a representação dos
personagens negros nas referidas obras.

Ainda no desenvolvimento do estudo foi necessário o panorama dos


cânones da literatura infanto-juvenil (Monteiro Lobato) sobre o viés de
alguns autores, por exemplo: Oliveira (2001, 2003). Para ajudar no
desenvolvimento desse estudo, serão utilizados também referenciais teóricos
da literatura que fazem uma abordagem crítica sobre esse objeto de estudo,
tais como; Cavalleiro (2002); Brookshaw (2006); Coelho (1983, 1987);
Cordeiro (2001); Munanga (1996); Negrão (1988); Rosemberg (1985, 1979);
Sousa (2001 e 2002); Souza (2006) e Schwarcz (1993) entre outros, que se
farão presentes no decorrer do estudo. O projeto utiliza a perspectiva da
educação quanto a Lei 10.639/2003 (BRASIL, 2003) no sentido de torná-lo
enriquecedor com os/as autores/as Andrade (2001) que aborda o racismo e
antirracismo na literatura infanto-juvenil e Brookshaw (2006), além de Hall
(1999) com algumas discussões/reflexões sobre identidades.

1 Literatura Infantil
A literatura infantil é relevante na educação inicial, pois é através dela
que a criança desperta/exercita o imaginário e aprende com o contato oral das
histórias infantis a descobrir/compreender o mundo. Assim, essa literatura
voltada para o público infantil é considerada indispensável para a etapa da
alfabetização, na qual as crianças estão vivendo a fase de aquisição de leitura
e escrita. De acordo com Aguiar (1990):

Os contos de fadas mantêm uma estrutura fixa. Partem de um


problema vinculado à realidade (como estado de penúria, carência
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afetiva, conflito entre mãe e filhos), que desequilibra a tranqüilidade


inicial. O desenvolvimento uma busca de soluções, no plano da
fantasia, com a introdução de elementos mágicos. A restauração da
ordem acontece no desfecho da narrativa, quando há uma volta ao
real. Valendo-se desta estrutura, os autores, de um lado, demonstram
que aceitam o potencial imaginativo infantil e, de outro, transmitir à
criança a idéia de que ela não pode viver indefinidamente no mundo
da fantasia, sendo necessário assumir o real, no momento certo.

Diante dessa premissa, percebemos que é relevante que a escola insira


na prática pedagógica uma Literatura Infantil que contemple nossa cultura e
matrizes africanas. No entanto, o docente deve está atento em trabalhar com
esse recurso didático (livro infantil) em sala de aula sem criar estereótipos,
estigmatizar, ou até mesmo invisibilizar determinada etnia e cultura (como
acontece com os negros).

Partindo do pressuposto de que Literatura é um componente curricular e


que a escolha do material didático (os livros de literatura infantil ou infanto-
juvenil) adequado contribui muito para prática educativa capaz de
desmistificar pré-conceitos que permeiam o imaginário social a respeito da
questão etnicorracial brasileira e de nossas matrizes africanas, torna-se
relevante o estudo da literatura como fonte dessa representação identitária no
contexto da diversidade etnicorracial brasileira. Assim, são relevantes as
afirmativas das autoras Flúvia Rosemberg e Nelly Coelho, citadas abaixo:

O livro infanto-juvenil ensina e ensina muito. A sua postura aberta e


declaradamente didática se faz sentir na temática escolhida, na
estrutura narrativa, na própria transmissão de princípios morais e de
outras informações, ou ainda na eleição de personagens
modelares.(ROSEMBERG, 1985, p.59).

A literatura infantil é, antes de tudo, literatura; ou melhor, é arte:


fenômeno de criatividade que representa o mundo, o homem, a vida,
através da palavra. Funde os sonhos e a vida prática, o imaginário e o
real, os ideais e sua possível/impossível realização.
(COELHO, 2000, p. 9)

Diante dessa conceituação da Literatura Infantil, esse gênero literário é


um meio pelo qual o respectivo leitor aprende a desenvolver a criatividade, o
senso crítico, a perceber através de determinadas situações princípios
moralizantes, além de remeter a (re)afirmação de determinados valores
culturais tidos como referência.

Com isso, o leitor é direcionado a internalizar personagens modelos e


estes podem estar apenas se referindo a uma determinada etnia. Desta forma,
remete o/a leitor/a há uma hierarquização social a partir dessa criação de
estereótipos para com determinados personagens nas narrativas. Assim, a
autora Coelho (2002, p. 15) afirma que: “Se a criança, bem como os adultos,
forem capazes de desvelar todos os aspectos ideológicos subjacentes nas
obras literárias, como ficará o caráter de fruição e de apreciação do belo,
presentes nestes livros?”
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Assim, é relevante frisar que as obras literárias são e agem como


instrumentos de construção identitária, construções essas individuais e
coletivas, ou nas palavras da autora Nelly Coelho (2002, p.15) “tem uma
tarefa fundamental a cumprir nesta sociedade em transformação: a de servir
como agente de formação”.

Essa hierarquização está atrelada ao período histórico em que estava


inserida tanto a literatura infantil quanto a infanto-juvenil e ao surgimento
tardio de personagens negros/as em nossa literatura brasileira, com isso
direcionou uma inserção tardia que mostrava a população negra em situação
subalterna. Sobre esse fato Jovino pontua:

A literatura dirigida ao público infantil começa a ser publicada no


Brasil nos fins do século XIX e início do século XX. No início tinha
fins didáticos, ou seja, eram publicações destinadas à educação
formal, à moralização, ou à evangelização de crianças e jovens. Mas
os personagens negros só aparecem a partir do final da década de 20 e
início da década de 30, no século XX. É preciso lembrar que o
contexto histórico em que as primeiras histórias com personagens
negros foram publicadas, era de uma sociedade recém saída de um
longo período de escravidão. As histórias dessa época buscavam
evidenciar a condição subalterna do negro. Não existiam histórias,
nesse período, nas quais os povos negros, seus conhecimentos, sua
cultura, enfim, sua história, fossem retratados de modo positivo.
(JOVINO, 2006, p. 187).

Ampliando a discussão em torno dessa questão é interessante frisar os


vários aspectos da ideologia presentes na produção literária infanto-juvenil,
em uma pesquisa da década de 1980 o livro Literatura Infantil e Ideologia, de
Fúlvia Rosemberg (1985). A obra apresenta a proposta de “estudar a relação
adulto-criança implicada e veiculada pela literatura infanto-juvenil,
indagando se ela reflete a mesma bipolarização dominador-dominado
observado no tratamento imposto a outras categorias sociais” (p. 20), sendo
este trabalho de grande importância para o campo da literatura infantil,
destacando-se como marco teórico-metodológico para autores/as com
produções que remetem as ideologias no ambiente escolar, tais como Oliveira
(2001, 2003). Na referida obra de Rosemberg foram objeto de análise 168
livros infanto-juvenis (dos anos de 1955 e 1975) a respeito dos personagens,
observando as imagens e os discursos.

Com esse estudo a autora conseguiu mostrar a relação de hierarquia


estabelecida entre os personagens: brancos, negros, masculinos e femininos.
Desta forma, percebem-se as ideologias responsáveis pela manutenção destas
desigualdades abordados pela autora Rosemberg (1985, p. 30).

O caráter unilateral da relação estabelecida pelo livro infanto-juvenil


não decorre apenas do domínio exercido pelo adulto sobre a criação
de um texto ou de uma imagem, mas também de seu poder sobre a
produção, difusão, crítica e consumo de um livro. São adultos os
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escritores, ilustradores, diagramadores, programadores, capistas,


editores, chefes de coleção; são também adultos os agentes
intermediários (críticos, bibliotecários, professores, livreiros)
responsáveis pela difusão do livro junto ao comprador que também é
adulto (bibliotecários, pais e parentes). Aqui, a distância entre criação
e consumo é máxima, pois o público infantil, enquanto categoria
social, não participa diretamente da compra do produto que consome e
quase não dispõe de canais formalizados para opinar livremente sobre
o livro que lê. Fala-se nesse caso, em receptor cativo.

Diante dessa premisssa, é interessante abordar a perspectiva historico


cultural abordada por Hall (1999). É importante nos reportarmos para a época
da colonização e suas consequência para com a população negra, já que o pós
abolicionismo nos deixou “marcas” e de certa forma estão presentes em
nosssos materiais didáticos, e remetem infelizmente nos discursos/imagem da
literatura infantil e infanto-juvenil. Assim, a colonização brasileira aconteceu
através de muita violência, desumanização e imposição. Os colonizadores
impusseram os valores culturais, a religão e a língua deles aos colonizados.

Assim, a partir dessa imposição, a população passou a sobrevalorizar o


saber e os valores culturais europeus (mito epistemológico), e isso resultou
em um esquecimento/silenciamento de nossa identidade cultural. Para o
europeu existia uma necessidade extrema de mudança, pois eles nos
julgavam uma civilização inferior. Desta forma, o Brasil passou a ser
dominado em todos os sentidos pelos europeus. Com a abolição da
escravatura, os negros não tiveram nenhuma assistência do governo para que
fossem reintegrados humanamente à população. Com isso, passaram a ser
vitímas de estereótipos e submetidos a trabalhos desumanos.

Com essa ressalva, pode-se perceber que a violência aplicada no


período da escravidão “continua”, mas de maneira camuflada ou seja, através
do preconceito, da discriminação etnicorracial, dos estereótipos que estão no
cotidiano da população brasileira e da famosa “democracia racial”. Diante
disto, é relevante frisar que “a cultura da violência” e o problema da
colonialidade do Brasil deixaram marcas em nossa sociedade, em nossa
formação identitária e no panorama histórico em que está inserida a literatura
infantil.

Desse modo, entende-se que esta literatura, fonte de criatividade, de


beleza e de fomento do imaginário, traz em si marcas dos valores que
circulam no contexto em que é produzida e sua leitura dialoga de forma
dinâmica com os valores que circulam na sociedade. Em se tratando da
literatura infantil, é relevante considerar que as crianças, seus leitores/as
principais estão em uma fase importante na formação de sua personalidade;
formação esta mediada pelo contato com as várias linguagens dos contextos
onde vivem, entre essas linguagens destaca-se a linguagem literária.

Na perspectiva apresentada buscou-se com este trabalho elucidar/refletir


sobre as representações de personagens negros/as nas narrativas investigadas,
como contributo para a compreensão do lugar da literatura infantil na
formação para Educação para as Relações Etnicorraciais, perspectiva que
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aponta para a ampliação da possibilidade de uma sociedade mais equânime.


Para isso, foi levadas em consideração as discussões dos teóricos citados
anteriormente.

2 Conceitos e Identidade etnicorracial


Neste estudo foram inseridos textos que são de grande importância para
o entendimento da questão racial, além de provocar discussão/reflexão a
cerca dessa temática. Desta forma, a partir dessas leituras o receptor poderá
perceber o quanto é relevante discutirmos na escola o conhecimento
histórico, as contribuições dos negros/as em nossa cultura, e a discriminação
racial.

Em relação às identidades, os autores Sodré (1999) e Hall (1999):


afirmam que as identidades são construídas e reconstruídas socialmente;
dinâmicas e múltiplas. Podem ser modificadas de acordo com os momentos e
os fatos históricos. Essa Pesquisa centrou-se no referencial teórico que
contemplou os seguintes quesitos: Identidades; diversidade; Identidades
Etnicorraciais Negras; Africanidades, Culturas Negras, e Práticas escolares.

Em relação às nomeações de “raça, racismo, discriminação racial”


segundo Souza E Silvia (2007), o primeiro mostra-se importante para o
combate ao racismo explica e afirma sua existência. “Também explica a
trajetória de resistência e de produção de conhecimento de inúmeras pessoas
e de organizações dos movimentos sociais e negros”. O segundo racismo
doutrina que defende a superioridade de certos grupos racistas e étnicos. “É
um modo hierárquico de classificação dos seres humanos que os distingue
com base nas propriedades físicas e nos marcos culturais”. Já o terceiro,
“Discriminação racial é o preconceito materializado em ações e condutas que
desqualificam e inferiorizam um grupo em detrimento de outro.”

Dentro dessa concepção, é relevante explanar que com as teorias


racistas inventadas no século XIX na Europa e nos Estados Unidos como
uma maneira de explicar as origens e características da sociedade foi aceita
nos anos de 1870 e 1930. Essas teorias afirmavam que através da biologia as
mesmas leis da natureza eram aplicadas na sociedade e que o fenótipo dos
sujeitos poderia ser capaz de afirmar, ou negar se determinado indivíduo
tinha capacidade intelectual, sendo expandida para outras civilizações do
mundo. Assim, naquele período as pessoas passaram a ser classificada de
acordo com os estágios civilizatórios. Nesse sentido a Europa era adiantada
se comparada com os indígenas e africanos, recusando de certa maneira a
diversidade. Segundo os autores:

Podemos dizer que foram basicamente quatro os argumentos da


“ciência racial” que tiveram grande aceitação na sociedade brasileira
daquele tempo: o primeiro, que havia raças diferentes entre os
homens; segundo, que a “raça branca” era superior à “raça negra”, ou
seja, os brancos eram biologicamente mais inclinados à civilização do
que os negros; terceiro, que havia relação entre raça, características
físicas, valores e comportamentos; e, ainda, que as raças estavam em
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constante evolução, portanto era possível que uma sociedade pudesse


ir de um estágio menos desenvolvido para outro mais adiantado, sob
certas condições. (ALBUQUERQUER E FILHO, 2006, p.320).

Essas teorias, embora secularmente contestadas ainda circulam seus


efeitos no imaginário social, contribuindo para a reprodução das
desigualdades a partir da discriminação e inferiorização dos grupos
considerados pelas referidas teorias como inferiores, de acordo com seu
conceito de civilização. O branqueamento visto como condição civilizatória,
implementado sob a forma de política de imigração, mas alimentado na
inculcação de que para se desenvolver precisa se branquear o país e para ser
feliz no âmbito pessoal também se precisa se perseguir esse ideal. A
ideologia do branqueamento e da mestiçagem como estratégias de
negociação das identidades passa a alimentar pensamento e imaginário social,
conforme Munanga (1999) apud Lima (2010). Nesse sentido, as teorias
racistas esperavam era que o branqueamento do país “corrigisse os defeitos
dos negros e indígenas, considerados, nesse entender racista como inferiores”
(LIMA, 2010, p.6).

Segundo Lima (2006) e Lima e Trindade (2009) as identidades negras


são dinamicamente forjadas a partir dos elementos de raízes e produção
africanas e afro-brasileiras presentes na cultura e na história brasileiras, no
que as autoras definem como africanidades. Assim, “nas africanidades se
definem os repertórios culturais brasileiros que em sua origem, dispositivos
de base ou (re) elaboração histórica remetem ou se relacionam com as
ancestralidades africanas” (LIMA, 2008, p 08).

3 A Relação da Literatura-criança

Segundo Rosemberg (1985) a relação adulto-criança em nossa


sociedade não desempenha uma interação e muito menos uma troca, já que a
criança é destinada o papel do que aprende/receptor e o adulto ensina. Desta
forma, essa relação distingue bem o papel hierárquico, no qual a criança era
submetida. Mediante essa afirmativa a autora insere a concepção de Soares
(1975) sobre Literatura Infanto-juvenil:

Uma forma de comunicação historicamente determinada onde emissor


é o adulto e o receptor é a criança. Assim colocada, a literatura que
pré-fixei desde o início: o do quadro mais amplo das relações entre
categorias sociais que por vezes, em determinados momentos
históricos e em determinadas sociedades, ocupam posições
assimétricas ou bipolares. Bipolares ou não porque a repartição do
poder se faz desigualmente.” (ROSEMBERG, 1985, p. 29).

Essa premissa remete-se ao momento histórico em que a criança por


muito tempo foi considerada/tratada como um adulto menor, e a este não era
atribuído fases em que protegesse a infância. É interessante abordar o
panorama histórico em que a criança está inserida, e passa de um “adulto em
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miniatura” para uma criança que requer cuidados especiais. Nesse período da
Idade Média não existia um “vocabulário especifico para designa-la”. Assim,
a criança não recebia amor por parte dos pais. Somente a partir da
padronização da família “patriarcal moderna” é que a criança começa a
conseguir espaço (ainda que pequeno). Nesse sentido, verifica-se que no livro
Literatura e Ideologia, a autora insere a concepção de Soriano (1975) sobre
Literatura Infanto-juvenil:

Uma forma de comunicação historicamente determinada onde emissor


é o adulto e o receptor é a criança. Assim colocada, a literatura que
pré-fixei desde o início: o do quadro mais amplo das relações entre
categorias sociais que por vezes, em determinados momentos
históricos e em determinadas sociedades, ocupam posições
assimétricas ou bipolares. Bipolares ou não porque a repartição do
poder se faz desigualmente.” (ROSEMBERG, 1985, p. 29).

Essa premissa remete-se ao momento histórico em que a criança por


muito tempo foi considerada/tratada como um adulto, e a este não era
atribuído fases em que protegesse a infância. É interessante abordar o
panorama histórico em que a criança está inserida, e passa de um “adulto em
miniatura” para uma criança que requer cuidados especiais.

Nesse período da Idade Média não existia um “vocabulário especifico


para designa-la”. Assim, a criança não recebia amor por parte dos pais.
Somente a partir da padronização da família “patriarcal moderna” é que a
criança começa a conseguir espaço (ainda que pequeno).

Nesse sentido é relevante frisar o panorama histórico em que a criança


foi inserida, exposto por Fúlvia:

Extraído do diário de Ariès no século XVII escrito por Heroardo,


médico do infame Luís XIII. Através destes escritos percebe-se a
extraordinária liberdade no trato da vida sexual, quando brincadeiras
infantis com os genitais, iniciados tanto pelo adulto quanto pela
criança eram vividas com naturalidade (...) no fim do século XVI,
alguns educadores “não mais toleram que se coloquem entre as mãos
das crianças obras duvidosas. Nasce, então, a ideia do livro clássico
expurgado a ser usado pelas crianças. Esta é uma etapa muito
importante. É verdadeiramente quando se pode datar o respeito à
infância” (Ariès, 1960, p.113). Até o final do século XVI, era difícil
diferenciar os livros pedagógicos, de civilidade, destinados a adultos e
a crianças. Esta ambiguidade vai desaparecendo, porém, no
transcorrer do século XVII, para ser definidamente afastada na
segunda metade do século XVIII, com o surgimento de livros de
civilidade “pueris e honestos”. Agora, o tom é novo e o narrador
dirige-se diretamente ao leitor: “a Literatura deste livro não vos será
inútil, minhas caras crianças, ela vos ensinará (...)”. No século XIX
com a preocupação voltada para a educação das crianças com isso,
houve uma “reelaboração do acervo popular europeu, destacando-se
especialmente os irmãos Grimm dentro desse processo”.
(ROSEMBERG, 1985, p. 31 e 32).
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Segundo a concepção a autora defende que apenas no fim do século


XVI é que alguns educadores observavam e impediam de certa forma, que
materiais (obras) considerados na concepção deles/as indevida para
determinada faixa etária com isso, percebe-se que “a ideia do livro clássico
expurgado a ser usado pelas crianças”. Desta forma, é que se pode ressaltar
uma data em que foi inserida o respeito à infância “transcorrer do século
XVII, com o surgimento de livros de civilidade “pueris e honestos”. (Ariès,
1960, p. 113). Mediante a essa afirmativa os escritores direcionam o discurso
para o leitor/criança “A leitura deste livro não vos será inútil, minhas caras
crianças, ela vos ensinará (...)”.

Nesse sentido, verifica-se que houve a partir desse momento uma


preocupação em separa/reelaborar o acervo popular europeu (narrativa
primordial), com intensão de preparar um material em que contemplasse a
criança e respeitasse à inocência da mesma.

4 Análise e discussão
Esse trabalho bibliográfico de caráter explicativo consistiu no
determinado procedimento teórico-metodológico: 1) levantamento do
referencial teórico; 2) Seleção de duas obras infantis (dos anos: 2000 e 2003)
tendo como suporte teórico a crítica literária; 3) Observação/análise dos
discursos e imagens dos/das personagens negros/as nas narrativas literárias
pesquisadas e 4) Mediante a análise das narrativas literárias, será inserida a
discussão acerca das conclusões.

A amostra para esse estudo foi composta pelas obras infantis brasileiras:
“Menina Bonita do Laço de Fita” (2000), de Ana Maria Machado; “Ana e
Ana” (2003). Editados entre os anos de 2000 a 2003. Esse processo de estudo
buscou categorizar partes dos discursos, na tentativa de mostrar significados
a partir da linguagem: verbal e não-verbal. Nesse sentido o processo
investigativo constituiu em cortes “unidade de análise” nas passagens em que
de certa forma fosse verificado discriminação racial, ou algum artifício que
remetesse a determinado preconceito.

Estrutura das obras:

A narrativa “Menina bonita do laço de fita” (2000), de Ana Maria


Machado, foi publicada na década de 1980 pela editora: melhoramentos, e
atualmente é comercializado pela Ática.

É organizado/estruturado da seguinte forma: o foco narrativo está em 3º


pessoa; por um narrador onisciente neutro “ausência de instruções e
comentários gerais ou mesmo sobre o comportamento das personagens,
embora a sua presença, interpondo-se entre o leitor e a história, seja sempre
muito clara”; o texto segue uma sequência cronológica (começo, meio e fim);
a única protagonista da narrativa é a própria “menina bonita do laço de fita”;
o coelho branco e a mãe da “menina bonita do laço de fita” são personagens
secundários e planos; quanto ao tempo é cronológico.
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No que remete ao título desta narrativa traz uma afirmativa positiva com
relação à identidade negra “Menina bonita do laço de fita” e africana “Ela
ficava parecendo uma princesa das Terras da África, ou uma fada do Reino
do Luar”. Ainda nessa categoria de valorização da identidade negra é
relevante a comparação do fenótipo e da pele da protagonista, na passagem:
“Os olhos pareciam duas azeitonas pretas brilhantes, os cabelos
enroladinhos e bem negros/A pele era escura e lustrosa, que nem

O pelo da pantera negra na chuva (....)”. Esses traços que antes era
desvalorizado/estereotipado pelos escritores, nessa respectiva obra é
contemplado e direcionado a um tipo de beleza que somente é encontrado em
pessoas negras.

Em contrapartida, o enredo da obra desenvolve-se através de um


conflito identitário vivido pelo coelho branco que deseja ser “preto” igual à
menina bonita do laço de fita, ele instruído pela menina fracassa em todas as
tentativas de ficar da cor da protagonista. Mas, a mãe dela revela o segredo
da cor da menina ao coelho:

“a mãe dela que era uma mulata linda e risonha, resolveu se meter e
disse:
- Artes de uma avó preta que ela tinha...”

Com isso, percebe-se que a obra possibilita pensar que as etnias afro-
brasileiras são, então, demarcadas pelas raízes históricas, socioculturais e
políticas que marcam a formação populacional brasileira e pelas relações
estabelecidas tanto nas suas ancestralidades distantes como nas vivências
contemporâneas.

Mas, o discurso para finalizar a narrativa é direcionado para a utilização


das relações inter-raciais e da mestiçagem para resolver essa inquietude.
Além desse conflito identitário a menina na narrativa não é denominada pela
etnia/raça negra, e sim pela cor “preta, pretinha”. Ainda nessa vertente a mãe
da menina é citada através de um discurso pejorativo, ao chama-la de
“mulata”, termo que tem em seu histórico de criação referência ora de
desumanização do ser negro ora de etnocídio etnicorracial e na sua
contemporaneidade uma associação à objetivação sexual da mulher negra i.

Nesse sentido, Munanga (1994, p. 177-178) aponta a perspectiva


multimensionalidade do conceito de identidade como construção social
processada nas relações humanas, conforme citação abaixo:

A identidade é uma realidade sempre presente em todas as sociedades


humanas. Qualquer grupo humano, através do seu sistema axiológico
sempre selecionou alguns aspectos pertinentes de sua cultura para
definir-se em contraposição ao alheio. A definição de si
(autodefinição) e a definição dos outros (identidade atribuída) têm
funções conhecidas a defesa da unidade do grupo, a proteção do
território contra inimigos externos, as manipulações ideológicas por
interesses econômicos, políticos.
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Nessa perspectiva de identidade como construção social em torno de


aspectos sócio-históricos e culturais, as concepções de Munanga dialogam
com a produção de Hall (1999) quando este aponta as identidades como
construções em constante formação, implicadas socioculturalmente na
necessidade de se reconhecer, se entender e se explicar (LIMA, 2004).

A obra literária infantil “Ana e Ana”, de Célia Cristina, foi publicada no


ano de 2003, pela editora: São Paulo. Quanto à estruturação dessa narrativa é
organizada da seguinte forma: o foco narrativo está em 3º pessoa; por um
narrador onisciente neutro “ausência de instruções e comentários gerais ou
mesmo sobre o comportamento das personagens, embora a sua presença,
interpondo-se entre o leitor e a história, seja sempre muito clara”; o texto
segue uma sequência cronológica (começo, meio e fim); as protagonistas da
narrativa são: Ana Carolina e Ana Beatriz; e as personagens planas são: mãe
e a avó das gêmeas.

Nessa obra a autora mostra a dificuldade que Ana Carolina e Ana


Beatriz passaram ao serem reconhecidas como iguais fisicamente, sendo que
ambas eram diferentes por dentro, ou seja, em sentimentos, gostos,
profissões, entre outros. A autora aborda a questão da identidade negra com o
intuito de esclarecer e ensinar as crianças a desempenharem o respeito à
diversidade racial e a valorização da nossa cultura de matrizes africanas, além
abordar que a profissão é um escolha nossa, independente de qualquer
situação. Com isso, percebe-se que houve na referente obra uma afirmação
positiva a respeito da identidade negra.

ALGUMAS CONSIDERAÇÕES

Como se afirmou na introdução, este artigo se desencadeou a partir da


representação atribuída aos personagens negros na literatura infantil no
Brasil, e teve como objeto de análise as obras “Menina bonita do laço de fita”
e “Ana e Ana” e mediante os discursos das mesmas nota-se, entre outras
coisas que na primeira obra: a) possui um discurso que contempla os traços
da cultura negra de forma positiva, no sentido de reafirmar o fenótipo dessa
etnia; b) contempla o leitor a cultivar o respeito a identidade racial; c)
Entretanto a obra causa uma inquietação quando faz alusão a miscigenação
além de utilizar termos pejorativos para com a identidade negra “mulata,
preta, pretinha” e d) Destaca-se que no enredo a autora insere um conflito
identitário vivido pelo coelho, um dos personagens na narrativa. Quanto à
segunda obra “Ana e Ana” percebe-se um discurso com o intuito de valorizar
o grupo etnicorracial negro e de certa forma, a autora ressalta que as
diferenças favorecem a construção/enriquecimento cultural e identitário da
sociedade. Assim, os discursos presentes nessa referida obra estrategicamente
trazem suporte para combater o preconceito e discriminação racial, através do
desenrolar da trama das personagens protagonistas, as gêmeas.
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Assim, os resultados obtidos na análise, desenvolvida no presente no


trabalho contribuem para que os indivíduos possam refletir sobre os padrões
de beleza, de repertórios etnicorraciais e a falta de respeito ao diferente,
questões estas que são ditadas pela sociedade e materializadas nos discursos
dos indivíduos.

Portanto, este artigo revelou o quanto a Literatura Infantil pode servir no


sentido positivo em desmistificar pré-conceitos com relação a nossa
identidade negra ou de nossas matrizes africanas, desconstruindo discursos
preconceituosos e estigmatizados que tendem a valorizar os indivíduos pela
estética hegemonicamente supervalorizada em detrimento da diversidade
enriquecedora da humanidade.

REFERÊNCIAS

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Quíron,. 1987.
COELHO, Nelly N. Dicionário Crítico da Literatura Infantil e Juvenil
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COELHO, Nelly Novaes. Literatura infantil: teoria, análise, didática. SP:
Moderna, 2000.
GODOY, Célia. Ana e Ana. São Paulo: DCL, 2003..
HALL, Stuart. A identidade cultural na pós-modernidade. 3. ed. RJ:
DP&A,1999.
LAJOLO, Marisa; ZILBERMAN, Regina. Literatura infantil no Brasil:
história & histórias. São Paulo: Ática, 2004.
JOVINO, Ione da Silva. Literatura infanto-juvenil com personagens negros
no Brasil. In: SOUZA, Florentina; LIMA, Maria Nazaré. Literatura afro-
brasileira. Salvador: Centro de Estudos Afro-Orientais; Brasília: Fundação
Cultural Palmares, 2006.
LIMA, Maria Batista Lima. Identidade Étnico/Racial No Brasil: Uma
Reflexão Teórico-Metodológica. Revista Fórum identidades. Ano 2, Volume
3 – p. 33-46 – jan-jun de 2008, p.33-46.
LIMA, Maria Batista Lima. Práticas cotidianas e identidades étnicas: um
estudo no contexto escolar. Rio de Janeiro: PUC/RJ, 2006. (Tese de
doutoramento)
LIMA, Heloisa Pires. Personagens negros: um breve perfil na literatura
infanto-juvenil In: MUNANGA, Kabengele (org) Superando o racismo na
escola. 3.ed. Brasília-DF: MEC, 2001.
MACHADO, Ana Maria, Menina Bonita do Laço de Fita. São Paulo: Ed.
Ática, 7ª ed., 2001. (Coleção Barquinho de Papel).
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OLIVEIRA, Maria Anória. Negros personagens nas narrativas literárias


infanto-juvenis brasileiras: 1979 – 1989. 2001. (Mestrado em
Educação),UNEB, Salvador, 2003.
ROSEMBERG, Fúlvia. Literatura Infantil e Ideologia. São Paulo: Global,
1985.
SCHREIBER, M. R. As minorias étnicas na literatura infanto-juvenil
Brasileira. Belo Horizonte: Escola de Biblioteconomia/UFMG, 1975.

i
A palavra mulata, de origem espanhola, feminina de "mulato", tem
atribuído ao seu sentido a relação com palavra "mulo" (animal híbrido,
resultado do cruzamento de cavalo com jumenta ou jumento com égua). As
palavras "mulato" e "mulata" foram usadas de forma pejorativa para os
filhos mestiços das escravas que coabitaram com os seus senhores brancos e
deles tiveram filhos (SILVA, 2004). No decorrer da história, ainda que os
sentidos atribuídos ao fruto da mestiçagem do negro com branco tenham
sofrido algumas mudanças, ainda se tem uma representação da negra
denominada de “mulata” como símbolo da sensualidade exacerbada, da
sexualidade objetivada, uma imagem que tem sido ao longo do tempo
fomentada por empresários do entretenimento e do turismo brasileiro, tais
como Sargentelli. Maiores informações em LOPES, Antonio Herculano.
Algumas notas sobre o mulato, a mulata e a invenção de um país sem culpa.
Casa Rui Barbosa. Disponível em
http://www.casaruibarbosa.gov.br/dados/DOC/artigos/k-
n/FCRB_AntonioHerculano_Lopes_Algumas_notas_sobre_o_mulato_a_mu
lata_ea_invencao_de_um_pais_sem_culpa.pdf. Acesso em 26/08/2012.
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O Uso da Literatura Infantil como Prática


Pedagógica para Formação de Leitores

Priscila Dantas Fernandes1

Mara Rúbia Guimarães Lima2

RESUMO
O presente estudo versa sobre as atividades realizadas no estágio obrigatório em uma
turma de 2º ano do Ensino Fundamental em Aracaju/SE, relatando as dificuldades, os
anseios e a experiência adquirida no decorrer da prática. Utilizamos como
procedimentos metodológicos aula expositiva e dialogada, realização de bonecos,
utilização de textos, canto de músicas, roda de leitura, atividades individuais.
Desenvolvemos um programa para execução das tarefas, contudo ao longo dos dias
houve algumas alterações. Na sociedade em que vivemos, a leitura é vista como algo
imprescindível. A todo o momento a utilizamos, seja para pegar um ônibus, seja num
banco, seja procurando um telefone, seja vendo um letreiro ou num supermercado. O
primeiro contato das crianças com a leitura se dá através da leitura auditiva. Por meio
de cantigas de ninar, de contação de histórias (sejam elas inventadas ou não), a
criança tem esse contato. O resultado foi bastante satisfatório, porque conseguimos
constatar os problemas relacionados à aprendizagem daquelas crianças. No entanto, os
problemas que rodeiam as crianças se assemelham as muitas dificuldades enfrentadas
pela maioria das crianças na educação pública brasileira. Entre eles, podemos citar os
pais que jogam os filhos na escola e não os acompanham, famílias que passam por
dificuldades financeiras, com dificuldade de aprendizagem, falta de acompanhamento
pedagógico na escola, ficando a cargo da professora todas as responsabilidades com
as crianças, sem contar que a sala continha 22 alunos para uma única professora, o
que torna difícil a realização das atividades. Este estágio nos proporcionou vivenciar
(apesar de ter sido somente dez dias) com alunos, professores, ou seja, com a escola
como um todo, delineando o desenvolvimento de atividades e práticas pedagógicas
envolvendo a literatura infantil, colaborando assim, para nossa formação acadêmica.

Palavras-chave: Atividades. Dificuldades. Leitura.

1
Contato do(a) autor(a): prifernandes_17@yahoo.com.br. (Mestranda/UFS)
2
Contato do(a) autor(a): marinha_lima@hotmail.com (Graduanda/UFS)
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INTRODUÇÃO

Este texto tem como objetivo expor as atividades realizadas no estágio


estágio obrigatórioi, relatando as dificuldades, os anseios e a experiência
adquirida no decorrer da prática.

O tema foi escolhido de forma democrática pelos próprios alunos da


Escola Estadual Senador Lourival Fontes, Aracaju/SE e a turma selecionada
foi o 2º ano do ensino fundamental, composta por 22 (vinte e dois) alunos.

O objetivo principal foi despertar o interesse e o gosto pela leitura,


ampliando assim o universo linguístico da criança. Os conteúdos foram
selecionados de acordo com o cronograma da professora responsável pela
turma que de modo singular colaborou com a realização do referido projeto.

Utilizamos como procedimentos metodológicos aula expositiva e


dialogada, realização de bonecos, utilização de textos, canto de músicas, roda
de leitura, atividades individuais. Desenvolvemos um programa para
execução das tarefas, contudo ao longo dos dias houve algumas alterações.

A avaliação foi realizada durante todo processo do desenvolvimento do


projeto de ensino, mediante acompanhamento das crianças, participação das
atividades realizadas em sala de aula e os avanços individuais. É um processo
contínuo e de caráter diagnóstico. Neste sentido, serviu para observar se os
objetivos propostos foram atingidos, a fim de rever a própria prática docente
e, criar novas possibilidades para estimular os alunos a desenvolverem suas
potencialidades.

Sabemos hoje o valor que a leitura exerce no dia-a-dia de uma criança.


Educadores tentam mostrar essa importância aos pais e professores no intuito
de formar cidadãos leitores, pois a sua aplicação permite que a criança
imagine um mundo fictício, viaje nele e, assim, compreenda a realidade.

Na sociedade em que vivemos, a leitura é vista como algo


imprescindível. A todo o momento a utilizamos, seja para pegar um ônibus,
seja num banco, seja procurando um telefone, seja vendo um letreiro ou num
supermercado. De acordo Cagliari (2005), o primeiro contato das crianças
com a leitura se dá através da leitura auditiva. Por meio de cantigas de ninar,
de contação de histórias (sejam elas inventadas ou não), a criança tem esse
contato.

Desta forma, aprender a ler é mais fácil do que aprender a escrever.


Uma criança pode começar ouvindo histórias, aprendendo a decifrar os sons
das letras em diversos contextos e se pôr a ler pequenos textos de cujo
conteúdo já tem conhecimento ou que sabe de cor, como canções, provérbios,
adivinhações etc. (CAGLIARI, 2005).

Ler significa decodificar a mensagem contida no texto, ou seja,


interpretá-la. Através da leitura, as crianças aprendem a ler o mundo, e dão
sentido a ele. A leitura é um processo no qual o leitor realiza um trabalho
ativo de construção do significado do texto, de acordo com conhecimentos
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sobre o assunto, sobre o autor, ou seja, de tudo o que sabe sobre a


língua: características do gênero, do portador, do sistema de escrita,
entre outros. (PCNs, 1997).

Nesta perspectiva, a literatura infantil é fundamental para a


formação escolar das crianças, pois além de possibilitar-lhes a aquisição
de novos conhecimentos, também exerce um papel relevante na
formação da expressão oral, no aprimoramento das suas capacidades de
leitura e escrita.

Deste modo, a “[...] literatura infantil, por seu caráter lúdico-


mágico é o caminho natural, a chave mágica que abre a porta de entrada
principal que dá acesso ao mundo da leitura e a tudo o que ela pode nos
proporcionar” (FRANTZ, 1997, p. 8).

Portanto, para que se possa transmitir a leitura, é necessário que se


saiba como enriquecê-la no cotidiano da sala de aula, com o intuito de
expressar no indivíduo o seu prazer crítico, reflexivo e criativo. Assim,
a literatura é fundamental para a formação escolar das crianças.

1 O Mundo Encantado da Literatura Infantil

A literatura infantil universal se configurou como gênero a partir


do século XVII. Anteriormente, não havia literatura destinada às
crianças, pois não havia distinção entre a fase adulta e a infantil ii.
Segundo Zilberman (2003), os primeiros livros para criança foram
produzidos ao final do século XVII e durante o século XVIII. Antes
disso, não se escrevia para elas, porque não existia “infância”.

Em meio à Idade Moderna, foi que sucedeu a concepção de uma


faixa etária diferenciada com interesses próprios, a qual necessitava de
formação específica. Essa mudança se deveu à emergência de uma nova
noção de família, centrada não mais em amplas relações de parentesco,
mas no núcleo unicelular, preocupado em manter sua privacidade e
estimular o afeto entre seus membros (ZILBERMAN, 2003).

A literatura infantil brasileira surgiu no século XVIII com a


publicação de “Narizinho arrebitado” (1921), obra de Monteiro Lobato.
Sua produção marca o início de uma verdadeira literatura nacional, pois,
no começo do século XX, as obras literárias designadas a crianças
brasileiras eram textos europeus adaptados à linguagem brasileira.

O conceito de literatura infantil é muito discutido por autores e


educadores. Para uns, ela é prazer, para outros, ela é informação. Assim
sendo, não há um conceito único para esta produção literária.

Uma criança ao ler um texto de literatura infantil, percebe a


fantasia, o belo, o prazeroso, o fantástico, o mágico. Sendo assim, o
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leitor viaja, mergulha sem medo neste universo cheio de encantamentos e


emoções.

Pesquisas de Oliveira (1996), sobre os livros infantis, constatou que eles


abrem um leque de possibilidades para o empreendimento de atividades
pedagógicas. O emprego didático deste tipo de impresso pode orientar os
educadores a criarem práticas educacionais, por meio do lúdico, estimulam
assim, a imaginação das crianças.

A literatura infantil é observada como material que estabelece uma


ponte entre as concepções ideológicas de seus autores, professores e alunos.
Neste sentido:

A literatura infantil tem [...] por meta a exploração do processo de


comunicação que a obra literária por si só já representa. Através da
identificação e de trocas culturais entre obra e leitor, provocado pela
mediação do professor, as visões de mundo do aluno defrontam-se
com visões de mundo da obra. Ao lidar com a literatura infantil em
sala de aula, o professor estabelece a relação dialógica com o aluno,
com sua cultura e com sua realidade quando, para além de contar ou
ler a história [...] cria condições para que eles lidem com a história a
partir de seus pontos de vista, trocando impressões sobre ela,
assumindo posições frente aos fatos narrados, defendendo posições e
personagens, criando novas situações através das quais eles vão
desdobrando a história original. (OLIVEIRA, 1996, p. 49-52).

A literatura constitui, sobretudo, comunicação. É material que facilita a


relação entre os sujeitos da comunicação, autor e leitor. Se não houver esta
interação entre estes elementos, corre-se o risco de não ser efetivado o
mecanismo de transmissão do conhecimento/informação que se pretende
compartilhar.

No que se refere ao respeito do contato criança/literatura, via


leiturização, estabelece-se uma relação dupla entre leitor e personagens.
Nessa comunicação, ele se identifica ou não com os personagens ou com a
situação vivida por eles. (OLIVEIRA, 2006).

O primeiro contato da criança com um texto é feito oralmente, através


da voz da mãe, do pai ou dos avós, contando trechos da Bíblia, contos de
fada, histórias inventadas, poemas, entre outros.

A literatura infantil é de grande importância para as crianças, pois “[...]


auxilia na ordenação de seu mundo e na busca de respostas para suas infinitas
interrogações a respeito de si mesmo, do outro e da realidade que o cerca”
(FRANTZ, 1997, p. 30).

No que diz respeito à contação de histórias, “[...] é uma estratégica


pedagógica [...] que estimula a imaginação, educa, instrui, desenvolve
habilidades cognitivas, dinamiza o processo de leitura e escrita...” iii.
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Contar história é suscitar o imaginário, é responder as


indagações, é buscar soluções a tantos questionamentos, é a
possibilidade de descobrir um mundo cheio de ideias, conflitos.
Ouvindo as histórias pode-se sentir raiva, alegria, tristeza, saudade,
amor, pavor, medo, ou seja, tudo aquilo que a narrativa proporcionar ao
leitor.

Para tanto, o professor primeiramente precisa gostar da obra


literária antes de contá-la, pois, se assim não o fizer, pode desestimular
o aluno, mesmo sem perceber. O docente deve ler uma obra com
entusiasmo, com emoção para despertar o interesse e o gosto da leitura
no aluno, pois, este tem o professor como modelo de leitor.

Para prender a atenção do aluno, o educador deve saber utilizar a


voz, a expressão corporal, os gestos, entre outras formas que
possibilitem um maior interesse do educando pelo que está sendo
contado. O professor também precisa conhecer a história a ser contada,
para garantir um bom desempenho, por isso, é importante saber escolher
bem a história que vai levar para os alunos.

O professor ao lidar com a contação nas séries iniciais, deve ter o


cuidado com a estrutura da narração, a qual deve ter uma linguagem
fácil e recursos imagéticos, podendo ser exploradas de forma lúdica,
cujas narrativas possibilitem as crianças um melhor desenvolvimento da
capacidade de produção e compreensão textual. Segundo Abramovich
(1997), o ato de ouvir contos é o princípio para a aprendizagem de se
tornar um leitor. Proporcionar estas oportunidades educativas às
crianças significa desenvolver todas as suas potencialidades dentro da
língua materna.

Outra maneira para se trabalhar estas práticas é recontar histórias


pelas próprias crianças. Poder reconstruir textos originais de histórias
conhecidas com o auxilio do professor, pois “[...] ao narrar uma história,
o aluno estará exercitando a comunicação verbal. Por isso o professor,
atento ao processo de comunicação, criará espaços onde os alunos
possam desenvolver o seu potencial de comunicação através das
histórias infantis” (OLIVEIRA, 1996, p. 56).

O sistema educativo é um grande responsável nesse processo, pois


é a escola que deve ajudar os indivíduos em determinada cultura a se
identificar como sujeito. Neste sentido, a partir das narrativas, é possível
construir uma identidade e encontrar-se dentro da própria cultura.

2 Literatura Infantil na Vivência Escolar

O estágio foi realizado na Escola Estadual Senador Lourival


Fontes, em Aracaju - Sergipe. Ministra o Ensino Fundamental do 1º ao
9º ano, os Programas Alfa e Beto, Se Liga, Acelera e EJAEF. A
clientela desta instituição é de classe economicamente desfavorecida.
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São alunos que moram nos bairros próximos, como o Bairro Industrial, o
Bairro Sanatório, Bairro Santo Antônio. Alguns pais acompanham a rotina de
seus filhos, levando-os até a escola, dialogando com a professora e
participando das reuniões. No entanto, outros nem chegam a ir à escola para
saber sobre o desempenho, comportamento, desenvolvimento dos filhos,
estes vão com irmãos mais velhos, que também estudam na mesma
instituição, ou somente vão levá-los até a porta da mesma.

No primeiro dia foi apresentado o tema “Literatura infantil”,


mediante as informações sobre o que é este gênero, sua importância e seus
aspectos. Todos os dias fazíamos a leitura de livros, pois,

É através duma história que se podem descobrir outros lugares, outros


tempos, outros jeitos de agir e de ser, outra ética, outra ótica [...] É
ficar sabendo História, Geografia, Filosofia, Política, Sociologia, sem
precisar saber o nome disso tudo e muito menos achar que tem cara de
aula... (ABRAMOVICH, 1997, p. 17).

Buscamos intercalar os conteúdos aos diversos livros de literatura, no


intuito de despertar o interesse e o gosto pela leitura, de forma prazerosa.
Neste sentido, cabe ao professor esquematizar os conteúdos escolares, de
forma a significá-los no mundo do educando, para que este compreenda,
questione, discorde e proponha soluções, tornando-se um leitor ativo e
reflexivo do mundo a sua volta (SILVA, 2008).

Assim, “[...] como outros profissionais, todos nós sabemos que entre as
coisas que fazemos algumas estão muito bem feitas, outras são satisfatórias e
algumas certamente podem ser melhoradas” (ZABALA, 1998, p. 13).

Em uma conversa no último dia de estágio, sobre os alunos, com a


professora, esclareceu que a aluna Alicia nunca havia estudado, era seu
primeiro ano em uma escola. Pudemos perceber através de sua escrita.

A aluna mal escrevia o nome da professora da turma. No entanto,


estamos tão acostumados a considerar a aprendizagem da leitura e escrita
como um processo de aprendizagem escolar que se torna difícil
reconhecermos que o desenvolvimento da leitura e da escrita começa muito
antes da escolarização (FERREIRO, 1993).

Podemos perceber a dificuldade da aluna Alicia em seu primeiro ano


escolar. Pois, “[...] as primeiras escritas infantis aparecem, do ponto de vista
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gráfico, como linhas onduladas ou quebradas [ziguezague], continuas ou


fragmentadas, ou então como uma série de elementos discretos
repetidos [séries de linhas verticais, ou de bolinhas]” (id. p. 18).

Já a aluna Nataly, trocava algumas letras como se pode ver abaixo.


De acordo com Cagliari, “[...] o uso indevido de letras se caracteriza
pelo fato do aluno escolher uma letra possível para representar um som
de uma palavra quando a ortografia usa outra letra” (2005, p. 140).

Exploramos bastante as imagens presente nos livros, como


também através do varal de história e confecção de fantoches.
Recorrendo à percepção visual para chegar ao pensamento, os signos
visuais, por meio de suas propriedades, induzem conceitos. Considere-
se que a apreensão das formas é o meio de percepção mais espontânea,
sobre o qual se constroem, posteriormente, os conceitos, o procedimento
analítico e, a reflexividade. O desenvolvimento da compreensão visual
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é, portanto, uma etapa básica e importante do desenvolvimento que a leitura


requer. (CADEMARTORI, 1986).

Buscamos nestes dez dias, mediante uso das diversas formas da


literatura infantil, dinamizar as aulas. A sala de aula é um espaço privilegiado
para o desenvolvimento do gosto pela leitura, assim como um campo
importante para o intercâmbio da cultura literária, não podendo ser ignorada,
muito menos desmentida sua utilidade. Por isso, o educador deve adotar uma
postura criativa que estimule o desenvolvimento integral da criança
(ZILBERMAN; SILVA, 2003).

O aluno Victor, possuía Síndrome Down. Só realizava as atividades de


vez em quando, e quando fazia não as realizava por completo. Ele sabia o
alfabeto, mas não compreendia o que estava escrevendo. Apesar de este
aluno ter freqüentado a escola nos anos anteriores, devido a sua deficiência,
se torna um pouco difícil a sua aprendizagem, necessitando de um
acompanhamento desde o inicio do ano.

Apesar da resolução CNE/CEB N. º 2/2001 prever a utilização de


classes especiais para alunos com necessidades especiais deve-se considerar
que não basta inserir alunos deficientes no ensino regular, é necessário que se
estruturem para eles um ensino de qualidade. Assim, é indispensável nesse
processo de inclusão, a preocupação na preparação de profissionais para lidar
com esses alunos, para ajudá-los a se sentirem parte de seu processo de
aprendizagem e de socialização com os demais colegas. (HOLLANDA;
BARBOSA, 2002).

Os alunos foram solicitados também que desenhassem após a leitura


de alguns livros, já que a distinção entre ‘desenhar’ e ‘escrever’ é de
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fundamental importância. Ao desenhar se está no domínio do icônico;


as formas dos grafismos importam porque reproduzem a forma dos
objetos. Ao escrever se está fora do icônico: as formas dos objetos, nem
sua ordenação espacial reproduz o contorno dos mesmos (FERREIRO,
1993).

No ultimo dia de estágio, realizamos um ditado. Os alunos


conseguiram realizar o ditado sem consulta (não houve somente neste
dia) ao quadro. O objetivo geral foi alcançado, que foi despertar o
interesse e o gosto pela leitura, ampliando assim o universo lingüístico
da criança, por meio das leituras dos livros, da pintura, das atividades,
entre outros.

Foi muito proveitoso desenvolver de forma prazerosa para a


criança os mesmos conteúdos que seriam dados dentro desses dez dias.
Sair um pouco da rotina diária facilita muito o desenvolvimento do
ensino-aprendizagem entre as crianças. Cagliari (2005) afirma que a
leitura é algo que a escola pode oferecer de melhor para suas crianças
para que os mesmos não apresentem grandes dificuldades futuramente.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A leitura é o ponta pé inicial para o desempenho das demais


atividades da escola. Se uma criança sabe ler, sairá bem melhor na
escrita. Assim, todo desenvolvimento da criança pode começar com a
apropriação da leitura e escrita.

Hoje, a escola tem buscado entender o mundo infantil, na tentativa


de levar a criança a criar hábitos favoráveis à assimilação de conteúdos
e consequentemente a uma aprendizagem significativa. Para isso, a
direção, a coordenação, professores e todos aqueles que compõem a
escola devem estar envolvidos e objetivando o ensino-aprendizagem dos
alunos, principalmente a leitura e a escrita. Isso, porém, não exclui a
responsabilidade dos pais, ou seja, a presença, o diálogo, o
acompanhamento, o incentivo são fundamentais para o desenvolvimento
da criança na escola e na vida fora dela.

Para tanto, “[...] os próprios efeitos educativos dependem da


interação complexa de todos os fatores que se inter-relacionam nas
situações de ensino: tipo de atividade metodológica, aspectos materiais
da situação, estilo do professor, relações sociais, conteúdos culturais”
(ZABALA, 1998, p. 15).

O resultado foi bastante satisfatório, porque conseguimos constatar


os problemas relacionados à aprendizagem daquelas crianças. No
entanto, os problemas que rodeiam as crianças se assemelham as muitas
dificuldades enfrentadas pela maioria das crianças na educação pública
brasileira. Entre eles, podemos citar os pais que jogam os filhos na
escola e não os acompanham, famílias que passam por dificuldades
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financeiras, com dificuldade de aprendizagem, falta de acompanhamento


pedagógico na escola, ficando a cargo da professora todas as
responsabilidades com as crianças, sem contar que a sala continha 22 alunos
para uma única professora, o que torna difícil a realização das atividades.

No caso do estágio tudo transcorreu bem e acreditamos que um dos


motivos desse sucesso foi o fato de utilização da literatura infantil, facilitando
bastante o desenvolvimento das atividades.

Conseguimos manter as atividades dos livros diariamente e isso fez uma


grande diferença para a execução do projeto. A leitura dos livros foi recebida
com entusiasmo pelas crianças, levando-as a participar ativamente de todas
as histórias.

Estes dez dias de estagio contribuíram muito para nossa aprendizagem,


nossas práticas e, será de grande valia para nosso futuro, quando nos
formarmos e seguirmos a carreira de docente, seja em escola pública, ou seja,
em escola particular.

Assim sendo, um dos objetivos de qualquer bom profissional consiste


em ser mais competente em seu oficio. Geralmente se consegue esta melhora
profissional mediante o conhecimento e a experiência: o conhecimento das
variáveis que intervêm na prática e a experiência para dominá-las (ZABALA,
1998).

Portanto, este estágio nos proporcionou vivenciar (apesar de ter sido


somente dez dias) com alunos, professores, ou seja, com a escola como um
todo, delineando o desenvolvimento de atividades e práticas pedagógicas
envolvendo a literatura infantil, colaborando assim, para nossa formação
acadêmica.

REFERÊNCIAS

ABRAMOVICH, F. Literatura Infantil: gostosuras e bobices. São Paulo:


Scipione, 1997.
BARBOSA, S. M. A; HOLLANDA, J. M. Um estudo sobre a educação
inclusiva em escola pública. REVISTAIC. Paraíba. v.3, mar. 2002.
BRASIL. Secretaria de Educação Fundamental. Parâmetros curriculares
nacionais: língua portuguesa / Secretaria de Educação Fundamental. –
Brasília: 1997.
CADEMARTORI, L. O que é literatura infantil. São Paulo: Brasiliense,
1986.
Importância dos direitos da criança. Disponível em:
<http://302284.vilabol.uol.com.br/resumo7.htm>. Acesso em: 19 jun. 2011.
CAGLIARI, L. C. Alfabetização e linguística. 10 ed. São Paulo: Scipione,
2005.
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FERREIRO, E. Reflexões sobre alfabetização. 21 ed. São Paulo: Cortez,


1993.
FRANTZ, M. H. Z. O ensino da literatura nas séries iniciais. Ijuí: UNIJUÍ,
1997.
OLIVEIRA, M. A. de. Literatura prazer: interação participativa da criança
com a literatura infantil na escola. 6ª ed. São Paulo: Paulinas, 1996.
ZABALA, A. A prática educativa: como ensinar. Porto Alegre: Artmed,
1998.
ZILBERMAN, R. & SILVA, E. T. (orgs) Leitura: perspectivas
interdisciplinares. 3 ed. São Paulo: Ática, 1995.
ZILBERMAN, R. A literatura infantil na escola. São Paulo: Global, 2003.

Notas de fim

i
Disciplina Estágio Supervisionado III, ministrada pela professora Drª. Maria José
Nascimento Soares, do curso de Pedagogia da Universidade Federal de Sergipe., parte
do Projeto PRODOCÊNCIA/CAPES/UFS.
ii
Segundo Ariès (1981), a infância era desconhecida e correspondia a um período de
transição cuja lembrança era logo perdida.
iii
A contação de histórias como estratégia pedagógica na educação infantil e ensino
fundamental. Disponível em: <http://www.monografias.brasilescola.com/educacao/a-
contacao-historias-como-estrategia-pedagogica.htm>.
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A Prática da Literatura Infantil na Escola

Naiane Liborio Fontes1

RESUMO

Este artigo foi elaborado a partir de pesquisas bibliográficas, com o objetivo de


mostrar como a literatura infantil é utilizada na escola. Com esse artigo pretendo
discutir alguns pontos importantes que possam gerar uma reflexão sobre a introdução
da literatura na escola, como: quando surgiram as primeiras obras de literatura
infantil, o papel e o privilégio da escola em ter a leitura presente e a importância da
leitura no processo de construção do conhecimento e desenvolvimento das crianças,
destacando que a leitura não pode ser usada apenas para esses motivos, pois ela é
muito mais abrangente. Mediante aos estudos feitos foram destacados neste artigo,
possibilidades do encanto das crianças pela leitura que a escola pode proporcionar. A
arte de contar histórias é uma importante ferramenta. Existem também vários recursos
para ajudar na hora de contar a história e os contadores de histórias devem conhecê-
las bem, usando sua criatividade, promovendo o prazer pela leitura. A escola e família
são responsáveis em oferecer as crianças boas leituras instigando ao deleite no
fantástico mundo que a leitura oferece. Procuro neste artigo fazer uma abordagem do
universo lúdico que pode ser explorado através de uma leitura dinâmica e
contextualizada, proporcionando um encontro da criança com o mundo da
imaginação.

Palavras – chave: criança, escola, leitura, literatura infantil;

1
Contato do(a) autor(a): naiane_liboriofontes@hotmail.com. Universidade Federal de
Sergipe.
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INTRODUÇÃO

Os livros para as crianças só começaram a ser escritos a partir do final


do século XVII e no decorrer do século XVIII, a literatura infantil é um dos
gêneros literários mais recentes. Antes não existia “infância”, as crianças
freqüentavam os mesmos lugares dos adultos, o seu mundo era junto com as
demais pessoas. Mas com a criação de um novo modelo familiar, as crianças
passaram a receber atenção diferenciada. Com grande intuito educativo, os
primeiros livros de literatura infantil foram escritos por educadores, por
motivos pedagógicos e hoje tem muitos educadores que não utilizam a
literatura de forma atrativa, agradável que desperte o interesse das crianças
pela leitura, trazendo-os apenas didaticamente, cobrando do aluno a leitura
sobre pressão e não através do despertar pelo interesse da própria criança.
Quando na realidade a literatura não se restringe apenas a isso. A arte, o
prazer da leitura deveria ser o principal motivo da literatura presente em sala
e o auxílio a aprendizagem um segundo ou terceiro motivo já que também a
leitura traz uma boa contribuição nesse aspecto.

O professor que se utiliza do livro em sala de aula não pode ser


igualmente um redutor, transformando o sentido do texto num número
limitado de observações tidas como corretas (procedimento que
encontra seu limiar nas fichas de leitura, cujas respostas devem ser
uniformizadas, a fim de que possam passar pelo crivo do certo e do
errado) (ZILBERMAN 2003, p. 28).

A literatura infantil é uma arte que as crianças devem e podem apreciar,


e a escola é uma das grandes responsáveis em estimular o prazer da leitura
nas crianças mostrando a elas, direta ou indiretamente, a importância da
leitura.

A literatura infantil pode ser trabalhada de diversas maneiras. É


interessante, importante e chama muito a atenção das crianças leitoras
quando sua realidade tem haver com o que elas leem. Elas interpretam
melhor e percebem que a cultura esta presente e a leitura passa a ter não só
um carácter pedagógico e sim também de conhecimento de mundo, ou seja,
da sua própria realidade.

A justificativa que legitima o uso do livro na escola nasce, pois, de


um lado, da relação que estabelece com o seu leitor, convertendo-o
num ser crítico perante sua circunstância; e, de outro, do papel
transformador que pode exercer dentro do ensino, trazendo-o para a
realidade do estudante e não submetendo este último a um ambiente
rarefeito do qual foi suprimida toda a referência concreta.
(ZILBERMAN 2003, p. 30)

A literatura infantil contribui no processo de construção do


conhecimento e desenvolvimento cognitivo da criança. A leitura apresentada
de forma dinamizada desperta na criança um interesse maior em folhear as
páginas de um livro infantil, proporcionando um espaço de aproximação com
esse instrumento de literatura. Através da leitura a criança questiona, viaja
sem sair do lugar e desenvolve melhor seu conhecimento, assimilando com
mais facilidade os conteúdos para ela apresentados.
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No entanto, a escola possui um instrumento, porém na maioria das


vezes não esta sabendo como aplicá-lo nesse contexto mencionado, pois
utilizam o livro apenas de maneira didática.

As histórias infantis nos tematizam episódios que nos transmitem


valores. Uma leitura feita por prazer nos acompanha por toda vida. Quantos
de nós não lembramos, de livros lidos quando crianças e adolescentes, ou
histórias que nossos pais, avós, tias nos contavam? Quanto mais cedo as
crianças tiverem contato com o universo da leitura, mais sonhos,
imaginações, viagens, elas terão. E isso faz parte da infância, da
adolescência, da fase adulta e da velhice. O ser humano deve sonhar e a
leitura nos proporciona isso. A leitura faz de nós cidadãos críticos. “Ao ler
uma história a criança também desenvolve todo um potencial crítico. A partir
daí ela pode pensar, duvidar, se perguntar, questionar... Pode se sentir
inquietada, cutucada, querendo saber mais e melhor ou percebendo que se
pode mudar de opinião...” (ABRAMOVICH 1997, p. 143).

Ao lermos uma história, cada pessoa pode ter uma interpretação, um


modo de ver a história, por causa da fase que estamos, do que estamos
sentindo, entre outros aspectos que nos possibilita isso. Além disso, há vários
tipos de leitura que abordam temas variados da realidade da sociedade.

1 O contato com a leitura


O contato com o livro desde pequeno é fundamental para que a criança
goste da leitura.

Ah, como é importante para a formação de qualquer criança ouvir


muitas, muitas histórias... Escutá-las é o início da aprendizagem para
ser um leitor, e ser leitor é ter um caminho absolutamente infinito de
descoberta e de compreensão de mundo... (ABRAMOVICH 1997, p.
16)

As crianças devem ter seu primeiro contato com a leitura antes mesmo
de saberem ler. Historinhas tem que ser contadas a elas por seus pais ou
parentes e pelos seus professores começando na educação infantil. Em vários
momentos essas histórias podem ser contadas, não só necessariamente na
hora de dormir. Que bom seria que todas as crianças já tivessem esse contato
desde cedo.

Os desenhos das histórias são de grande importância, principalmente


para crianças da educação infantil. Os desenhos nos proporciona o poder da
imaginação, nos ajuda a saber o que cada personagem está sentindo e
achando daquela situação. Além de chamar a atenção da criança, aquele
universo de formas que encontramos nas páginas dos livros. As imagens
falam muito sobre os personagens e muitas vezes estereótipos são criados
nessas imagens.

A autora Fanny Abramovich, no seu livro Literatura Infantil Gostosuras


e Bobices, traz ao leitor possibilidades de executar atividades que façam com
que as crianças criem um contato com o livro e que sintam prazer de ler e de
ouvir os vários gêneros literários.
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Existem vários tipos de livros. Livros de plástico para usar na hora do


banho, de pano para os bebês, histórias sem texto, apenas com figuras, livros
diversos para o encantamento da criança e de todos. Além de existirem
diversos temas de história, como: suspense, humor, romance, histórias que
destacam assuntos a serem debatidos, etc. Escolher uma história que agrade o
leitor é importantíssimo.

2 Contar histórias, uma arte!


“O professor precisa procurar despertar a fantasia e a imaginação,
criando um espaço de encantamento que auxilie o desenvolvimento da
criatividade e da expressão. Deve ser dada a criança a oportunidade de sorrir,
chorar, divertir-se, admirar-se e espantar-se.” (KRAEMER, 2008, p. 13).
Contar histórias é uma arte. Um contador de história não pode contar uma
história apenas por contar, não se pode pegar qualquer história
aleatoriamente. Antes de tudo o contador tem que ler a história, conhecê-la,
para depois contar. É importante que ele conheça as pausas do texto e na hora
criar um encantamento com a história. Contar a história como o autor
escreveu, sem querer diminuí-la ou aumentá-la.

O narrador deve deixar espaço para as crianças usarem a imaginação.


Como falei anteriormente, contar histórias é uma arte e a voz é um dos
artifícios que o narrador deve saber utilizá-la. Falar baixo ou alto quando a
narrativa pede, sussurrar, chorar, gargalhar, ou seja, fazer com que pareça
real a história contada.

Curtir o ritmo da narrativa é fundamental tanto para o narrador quanto


ao ouvinte. A história desde seu início já deve chamar a atenção dos ouvintes.
Outro ponto importante é o convite para todos os ouvintes ficarem juntos na
hora da história, proporcionando as crianças um ambiente confortável e
deixá-las à vontade para ouvir a história, sentadas, deitadas, ajoelhadas, de
pé, etc.

Ao ouvir histórias podemos também sentir junto aos personagens o que


eles estão sentindo. Podemos viajar sem sair do lugar e conhecer diversas
áreas do conhecimento sem precisar falar que estamos estudando história. Ao
contar a história de um faraó que viveu no Egito de 1500 a. c., não
precisamos falar, que estamos estudando a história da civilização Egípsia, e
não estamos. Conhecer várias civilizações, sociedades diferentes, pessoas
diferentes, isso tudo e muito mais pode ser transmitido pela leitura.

O ouvir histórias não serve apenas para aqueles que não sabem ler. Nós
adultos amamos contar e ouvir histórias de diversos enredos.

O exercício de ouvir nos instiga a imaginação, o pensamento, a


concentração e outras coisas mais.

3 O fantástico nas histórias infantis


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O maravilhoso se comunica mais facilmente com o pensamento mágico,


que é natural das crianças. Em algumas histórias o maravilhoso e o mágico
chegam a se confundirem. Tudo que é maravilhoso numa narrativa pode não
dizer muito do nosso mundo de fora, esse mundo tocável e objetivo, mas diz
muito do nosso mundo interior, pois revelam sentimentos.

A literatura por si só, tem o poder mágico de transceder o tempo e o


espaço. No que diz respeito à literatura infantil, estórias maravilhosas, criadas
desde o século XVII, continuam a encantar crianças, jovens e até adulto,
comprovando o carácter literário de seus textos.

Mesmo com as mudanças comportamentais da sociedade, os contos de


fadas jamais caíram no esquecimento, seus registros possibilitam sua
unidade, dando aos leitores de todas as idades e países, uma cultura única,
uma só linguagem e pensamento.

4 O contador de histórias

Quando o contato com os livros e com outras fontes, em que nessas são
encontradas diversos gêneros literários acontece mais cedo, é mais evidente o
gosto e a busca da leitura pela criança. É importante que esse contato já
aconteça na sua casa, mas quando isso não acontece o ideal é que a escola
proporcione e estimule está leitura. E se ocorrer a parceria da família e da
escola trabalhando juntas, são grandes as chances que um grande leitor será
formado. O exemplo nessas circunstâncias é fundamental. Os livros não
servem apenas de enfeite para a sala muito menos para acumular poeira nas
estantes. Guardados ou expostos, o livro é muito mais que um simples
acessório de decoração. E quando a criança observa sua família e seus
professores como leitores, consequentemente surgirá a curiosidade de ler
também. Afinal de contas educadores e familiares são exemplos para as
crianças.

O momento que se escolhe a história a ser contada merece destaque. O


contador de história além de ser criativo e dinâmico deve gostar da história
que será narrada, pois assim o prazer que sente ao contar será
consequentemente passado ao ouvinte.

Nem toda a história vem no livro pronta para ser contada. A


linguagem escrita, por mais simples e acessível, ainda requer a
adaptação verbal que facilite sua compreensão e a torne mais
dinâmica, mais comunicativa. Naturalmente, é necessário fazer uma
seleção inicial, levando em conta, entre outros fatores, o ponto de vista
literário, o interesse do ouvinte, sua faixa etária, suas condições sócio-
econômicas. (COELHO, 1991, p. 13 )

Para a escolha da história deve-se levar em consideração a faixa etária


da criança, a realidade da sociedade aonde vive e seus interesses relacionando
sempre a sua idade. Mas isso não quer dizer que uma história só pode ser
contada somente a uma determinada idade, pelo contrário, a história pode e
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deve ser recriada e adaptada à faixa etária a que se deseja contar. Um bom
contador de histórias deve ser um conhecedor, um leitor e um bom
observador do mundo, armazenando na sua memória as literaturas que leu ou
que ouviu, para que no momento adequado possa contar com prazer as
histórias aos ouvintes. Mas não significa dizer que quem vai contar deve
decorar a história ao pé da letra. Ao contrário disso, o contador pode
improvisar, mas sempre usando elementos essenciais da narrativa:
Introdução, Enredo, Clímax e Desfecho. Não é interessante quando o
contador de histórias muda o final da literatura feito pelo autor, esse respeito
em não mudar certas informações da história deve-se haver, pois quando o
autor escreveu teve seus motivos e algumas daquelas que crianças que estão
ouvindo pode se identificar com a trama da história.

Para contar histórias pode ser utilizado vários recursos como a narrativa,
os desenhos, a sequência de gravuras, o livro, o flanelógrafo, etc. Para cada
situação há um recurso. O contador de histórias deve atentar-se ao que a
história pede para ser utilizado, cabe a ele também usar sua criatividade
quanto a maneira de contar.

Segundo Betty Coelho, é muito importante ter uma conversa antes de


contar a história, principalmente quando a história traz fatos ou personagens
domésticos. Isso evita que tenha interrupções durante a contação.

O contador de histórias deve-se mostra seguro e nunca querer roubar a


atenção dos ouvintes para ele. A atenção deve está voltada a trama da
narrativa. E a voz é o principal instrumento do contador de histórias, devendo
variar segundo a trama da narrativa. Outro aspecto relevante que o narrador
deve se atentar é a duração da narrativa.

A duração da narrativa em si depende da faixa etária e do interesse


que suscita: 5 a 10 minutos para pequeninos, de 15 a 20 minutos para
os maiores. Isso é muito flexível. Há crianças da fase pré-mágica que
acompanham todo enredo, enquanto outras do mesmo grupo não
conseguem fixar a atenção e se dispersam. Compete ao narrador
alongar ou diminuir o texto, conforme aprendeu ao estudar sua
estrutura, sabendo distinguir os fatos principais dos detalhes.
(COELHO, 1991, p. 54).

As histórias infantis são passadas por gerações. Quantas histórias nos


fazem lembrar da nossa infância quando ouvimos por que foram contadas a
nós quando pequenos? A história infantil encanta. Esse encantamento
acontece mais ainda quando contada de uma forma que marca. Antigamente,
não muito tempo atrás, as histórias eram contadas em rodas de conversa na
casa das crianças, os adultos além de divertir traziam ensinamentos dos seus
pais e avós. Hoje percebemos que há uma nova cultura que surge, onde a
criança passa mais tempo assistindo TV, do que em contato com a família,
falando de assuntos interessantes ou até mesmo jogando conversa fora. Seria
maravilhoso que o pais ou responsáveis pelas crianças pensassem um pouco
mais sobre o desenvolvimento da criança e ficassem mais um com o outro. O
educador não deve esperar que a criança se forme leitora apenas em casa. Se
a criança já é uma pessoa que gosta de um boa leitura o educador precisa
cultivar esse gosto, se ela ainda não é, o educador tem que procurar motivar a
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criança a sentir prazer pela leitura. Isso acontece de acordo com as


circunstâncias e a criatividade é importante nesse processo.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A leitura muitas vezes não é vista como uma boa forma de se divertir,
pois na escola é dada como tarefa a ser cumprida. Existem prazos para se ler,
entregar resumo da obra, responder questionários e outras atividades sem
sentido que são atribuídas aos alunos.

A história aquieta, serena, prende a atenção, informa, socializa, educa.


Quanto menor a preocupação em alcançar tais objetivos
explicitamente, maior será a influência do contador de histórias. O
compromisso do narrador é com a história, enquanto fonte de
satisfação de necessidades básicas das crianças. Se elas as escutam
desde pequeninas, provavelmente gostarão de livros, vindo a descobrir
neles histórias como aquelas que lhes eram contadas. ( COELHO,
1991, p. 12).

Ao contar histórias podemos propiciar as crianças o prazer pela leitura.


Mostrar a elas que a história ouvida está escrita num livro e que a qualquer
momento ela pode voltar a deslumbrar aquela ouvida ou lida.

Se deleitar na leitura, ler por prazer, sem cobranças, ler por ler, ler por
hobby, curtir a leitura.

REFERÊNCIAS

ABRAMOVICH, Fanny. Literatura Infantil: gostosuras e bobices. São


Paulo: Scipione,1997. – (Pensamento e ação no magistério).
COELHO, Betty. Contar Histórias uma arte sem idade. 4ª edição; São
Paulo: Editora Ática, 1991.
KRAEMER, Maria Luiza. Histórias infantis e o lúdico encantam as
crianças: atividade lúdicas baseadas em clássicos da literatura infantil.
Campinas, SP: Autores Associados, 2008. – (Coleção formação de
professores).
ZILBERMAN, Regina. A Literatura Infantil na Escola. 11ª edição;São
Paulo: Editora global ,2003.
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Leitura e Contação de Histórias:


caminhos para a formação do indivíduo leitor e escritor

Raíssa da C. Silva1

RESUMO

Pautado na ideia de que o hábito da leitura influencia positivamente no


desenvolvimento cognitivo e social da criança, o presente artigo visa socializar as
experiências que estão sendo desenvolvidas no Plano de Trabalho “A produção de
textos narrativos por crianças do 2° ano do Ensino fundamental a partir da leitura e
contação de histórias”, vinculado ao projeto de extensão “Conte-me uma história: a
interação de crianças com textos narrativos”, da Universidade Estadual de Feira de
Santana. O objetivo das ações extensionistas é oferecer oportunidades de
desenvolvimento da leitura e escrita para as crianças do 2º ano do Ensino
Fundamental I, matriculadas em uma escola pública de Feira de Santana, Ba. Foram
realizadas diversas práticas de leitura e produção de textos com os alunos, com vistas
à contribuição para a formação de sujeitos leitores e produtores. Tais atividades deram
aos alunos a oportunidade de conhecer variadas produções literárias e proporcionaram
situações de escrita diferentes das vividas por eles no cotidiano escolar. Diante dos
resultados alcançados, como o progresso constante dos alunos nas atividades
propostas, constatamos que é importante a reflexão do professor a respeito de suas
práticas pedagógicas no intuito de proporcionar aos seus alunos uma aprendizagem de
qualidade e significativa.

Palavras-chave: Leitura- escrita- textos narrativos- literatura infantil

1
Contato do(a) autor(a): raissa.costa@hotmail.com. Bolsista Pibex, Estudante de
Letras com Inglês da UEFS
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INTRODUÇÃO

A leitura é o principal caminho para a alfabetização e para o letramento,


seja de crianças, seja de adultos. As atividades convencionais de repetição,
que consistem na reprodução de frases e letras aleatórias sem que estas
estejam vinculadas a algum texto com corpo e significado, não conseguem
representar sentido para nenhum ser humano. Se um adulto em condições de
aprendizado normais se recusa a realizar atividades repetitivas, por que,
então, o ensino de maneira geral ainda exige das crianças esse tipo exercício?

Refletindo a respeito dessa questão é que surge o desejo de desenvolver


atividades de leitura e contação de histórias com crianças, visando ampliar o
repertório literário destas e proporcionar-lhes não só momentos de interação e
de conhecimento, mas também momentos de prazer, além de mostrar o
verdadeiro sentido da leitura, que é o próprio deleite, o ‘gosto’ de ler.

Somente após a descoberta do valor dos textos literários é que as


crianças podem desenvolver a escrita, pois, além de bagagem, elas terão
modelos de texto para basearem suas produções. No intuito de levar
diferentes literaturas a crianças e conhecer as dificuldades enfrentadas por
elas no momento da produção de textos, foi idealizado o plano de trabalho “A
produção de textos narrativos por crianças do 2° ano do Ensino fundamental
a partir da leitura e contação de histórias”, vinculado ao projeto de extensão
“Conte-me uma história: a interação de crianças com textos narrativos”, da
Universidade Estadual de Feira de Santana.

Trata-se de um projeto desenvolvido pelo GEPOLE (Grupo de Estudos,


Pesquisa e Extensão em Oralidade, Leitura e Escrita) com o objetivo de
estimular a formação de sujeitos leitores e escritores de textos narrativos
através das atividades desenvolvidas pelas bolsitas em sala de aula. O projeto
está sendo aplicado numa instituição de ensino público em Feira de Santana,
Bahia, a qual chamaremos daqui por diante de “escola A”. A metodologia
adotada consiste na realização de reuniões semanais com as professoras
orientadoras e as bolsitas do GEPOLE, momento nos quais estudamos e
planejamos as atividades que serão realizadas bem como socializamos e
avaliamos os efeitos destas para a formação dos alunos.

Essas intervenções começaram a ser realizadas logo após o contato dos


bolsitas com o espaço, uma vez que consideramos imprescindível conhecer o
espaço e identificar as práticas cotidianas da escola A em relação à leitura e
escrita, para em seguida, realizar as intervenções pedagógicas.

O primeiro passo é transformar a leitura em uma atividade comum e


prazerosa, levando textos completos, de tipologias e autores variados,
independentemente do tamanho, porém, adequados à faixa etária com a qual
estamos trabalhando. Devemos lembrar que não podemos menosprezar a
capacidade de assimilação das crianças somente por serem crianças, e sim
acostumá-las a leituras mais longas, de livros completos, e não de pequenos
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fragmentos, pois, segundo consta nos Parâmetros Curriculares Nacionais de


Língua Portuguesa:

Analisando os textos que costumam ser considerados


adequados para os leitores iniciantes, novamente aparece a
confusão entre a capacidade de interpretar e produzir discurso e
a capacidade de ler sozinho e escrever de próprio punho. Ao
aluno são oferecidos textos curtos, de poucas frases,
simplificados, às vezes, até o limite da indigência. (...) Não se
formam bons leitores oferecendo materiais de leitura
empobrecidos, justamente no momento em que as crianças são
iniciadas no mundo da escrita. As pessoas aprendem a gostar
de ler quando, de alguma forma, a qualidade de suas vidas
melhora com a leitura. (Parâmetros Curriculares Nacionais de
Língua Portuguesa, 1997, p.29).

Em segundo lugar, é preciso desenvolver as habilidades de escrita com


atividades de produção de textos que representem algum significado para as
crianças e não simplesmente exigir-lhes um exercício que será direcionado ao
professor visando apenas a correção de erros ortográficos. Claro que em
nenhum momento será extinta a correção, porém, as práticas de escrita a
serem desenvolvidas com os alunos, segundo os PCNs (1997,p 31), precisam
primeiramente induzi-los a refletir “sobre a língua em situações de produção
e interpretação, como caminho para tomar consciência e aprimorar o controle
sobre a própria produção linguística.” E, em seguida, introduzir de maneira
progressiva os elementos que se referem ao ensino de gramática.

1 Literatura infantil: arte que possibilita aprendizagem


significativa

Para Kaufman (1995), é trabalho do professor proporcionar um encontro


adequado entre a criança e o texto. Apoiadas nesta afirmação, consideramos
que o educador deve estar preparado para estimular o aluno ao hábito da
leitura, de variadas maneiras.

A escola tem enorme dificuldade para ensinar a ler e a escrever. Por isso
é necessário que passemos a perceber os livros como objetos de consumo,
mesmo que a cultura da nossa sociedade muitas vezes imponha barreiras no
acesso ao material. Certamente este é um dos fatores que contribuem para
que a prática da leitura nas escolas públicas brasileiras ainda seja um assunto
associado à ideia de fracasso.

Segundo Terzi (1997), as crianças que não têm acesso à leitura no meio
familiar possuem como única opção a incorporação da leitura através das
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práticas didáticas do professor. Desse modo, é dever da escola oferecer uma


formação intelectual que capacite o indivíduo a ter domínio sobre a língua
escrita.

Não existe um método excepcional e infalível para ensinar a leitura e a


escrita, porém há uma maneira de dinamizar e tornar mais proveitoso este
processo: através da leitura e contação de histórias. Para Abramovich (1997),
é neste momento que as crianças têm a oportunidade de iniciar a
aprendizagem para ser um leitor, suscitar o imaginário, sentir emoções
importantes, descobrir outros lugares, além de aprender sobre outras
disciplinas escolares sem perder o prazer.

A leitura deve estar presente desde o nascimento do indivíduo,


acompanhando-o no cotidiano da vida escolar, deve ser uma atividade
realizada diariamente. Há quem não perceba utilidade em contar histórias a
quem não sabe ler, porém, como afirma Abramovich (1997), ouvir a leitura
ou contação de uma história não é uma tarefa que se restrinja a ser
alfabetizado ou não.

As práticas escolares ainda associam a leitura à decodificação dos


signos linguísticos, e a escrita à reprodução de marcas gráficas. Faz-se
necessário, entretanto, que o professor perceba que o ato de ler e escrever vai
além dessas convenções. Como afirma Koch (2006), em situações de leitura
ativa o leitor estabelece relações entre conhecimentos adquiridos
anteriormente e as novas informações contidas no texto, realizando assim
diferentes estratégias que o permitam direcionar o próprio processo de
leitura.

Considerando pouco eficazes as práticas pedagógicas desenvolvidas


nas escolas, devemos propor uma nova abordagem da leitura e da escrita em
sala de aula. Na maioria das vezes, o professor propõe atividades de cópia,
separação de sílabas ou questões de interpretação de textos que exigem
respostas mecânicas e também a apresentação de trechos de textos, ou frases,
dentre tantos outros métodos. Para Matencio:

O senso comum, entretanto, resiste às mudanças e, baseando-se


em uma visão já tradicional da leitura e da escrita, continua a
ver o aprendizado dessas práticas como o acesso às primeiras
letras, que seria acrescido linearmente do reconhecimento das
sílabas, palavras e frases, que, em conjunto, formariam os
textos, e após o conhecimento dos quais o aprendiz estaria apto
a ler e escrever (...). (MATENCIO, 1994, p.17.)

Para que uma criança desenvolva a escrita é necessário que ela leia e
participe de situações de leitura, não há como escrever sem ter conhecimento
da linguagem e das inúmeras palavras que existem no nosso sistema
linguístico. A natureza da literatura infantil proporciona momentos de
aprendizagem sem perder de vista o prazer pelo ato de ler, e, como afirma
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Coelho (1991, pag. 25), “a criação literária será sempre tão complexa,
fascinante, misteriosa e essencial, quanto a própria condição humana”.

Sendo a literatura uma expressão da arte, o adulto não tem a


necessidade, muito menos o direito, de privar a criança dos momentos de
deleite que a leitura proporciona. O educador insiste em cobrar do aluno
atividades mecânicas envolvendo a leitura, sem produção de sentidos. Com
essas atitudes fica claro que, apesar de valorizar o domínio da leitura e
escrita, a escola, como afirma Matencio (1994, pag.16), “não chega a
trabalhar especificamente com essas práticas” e “transmite uma concepção de
que a escrita é transcrição da oralidade”.

O professor, ao invés de criar um abismo entre a criança e o mundo


literário, deve repensar suas práticas visando estimular o aluno a ler, a
produzir e a compreender textos, assim estará preparando um ser humano
para a sociedade e contribuindo para a formação de um individuo pensador,
crítico. O educador deve aprimorar suas práticas pedagógicas atentando para
o fato de que a contação de histórias é uma redefinição da situação de
interação e propicia às crianças a gradativa construção do significado textual
e o envolvimento em atividades em grupo, além de estimular o
desenvolvimento da aprendizagem nas demais disciplinas.

Com a mudança das ações do professor, o ato de ler não se resumirá


numa simples apreensão de uma decodificação de mensagem, mas, como
afirma Koch (2006, p. 11), será “uma atividade interativa altamente
complexa de produção de sentidos, que se realiza evidentemente com base
nos elementos linguísticos presentes na superfície textual e na sua forma de
organização”.

A escrita, da mesma forma que a leitura, precisa ser trabalhada como


algo real, com sentido e significado, pois há uma prática no cotidiano que
requer seu uso. A criação de textos narrativos pelos alunos, por exemplo,
representa uma motivação para o mesmo, além de desenvolver a escrita,
aguça seu senso argumentativo e crítico, e, também, estabelece uma ligação
interdisciplinar com outras áreas de conhecimento.

2 Ações extensionistas
A vasta literatura que já existe sobre as práticas de leitura, tanto nos
espaços formais como em outros espaços educativos, mostra que o ato da
leitura e da escrita está além da decodificação de símbolos e reproduções
gráficas. Portanto, o papel do educador consiste em não somente ensinar
gramática, como também ensinar as práticas de linguagem.

Conhecendo o valor da literatura infantil para uma aprendizagem


significativa, o projeto “Conte-me uma história: a interação de crianças com
textos narrativos”, idealizado pelo GEPOLE/UEFS, vem sendo desenvolvido
na escola A visando ampliar as possibilidades de encontro das crianças, tanto
com as histórias/textos narrativos quanto com o exercício prazeroso da
escrita. Os encontros são realizados uma vez por semana.
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Os primeiros contatos com a turma do 2° ano do Ensino Fundamental


da escola A possibilitaram o reconhecimento das atividades em seu
cotidiano. A escola A disponibiliza de uma pequena sala de leitura, onde os
alunos têm a oportunidade de, uma vez a cada quinze dias, visitá-la por
alguns minutos. Neste momento, a coordenadora pedagógica lê um livro para
os alunos; logo em seguida, eles são convidados a escolher livros para ler,
porém, ainda na mesma sala, pois a escola não permite e nem possui
mecanismos de empréstimo adequados para que todas as crianças levem o
material para casa.

Dando início às atividades, o primeiro passo como bolsita foi identificar


o nível de escrita das crianças daquela turma. Tendo em vista a importância
do nome próprio para a aprendizagem da escrita, optamos por este tema nos
primeiros encontros. Foi solicitado que os alunos escrevessem seus nomes
numa folha juntamente com a profissão que desejariam exercer no futuro.
Neste momento, observamos que, até mesmo para escreverem os seus nomes,
os alunos utilizavam uma ficha com o alfabeto e, ainda assim, tinham
dificuldade de reconhecer algumas letras. Diagnosticamos que das 24
crianças da turma duas são alfabetizadas e o restante se divide nos níveis pré-
silábicos e silábicos.

Posteriormente, foi feita a leitura da música “Gente tem sobrenome”, de


Toquinho. Os alunos foram questionados sobre qual seria o título da música
e, após alguns segundos encarando a folha, arriscaram-se e, ajudando uns aos
outros, responderam. Percebemos aí a importância do trabalho em grupo,
pois proporciona a troca de conhecimentos.

As músicas favorecem o desenvolvimento da criança devido à melodia


das rimas e a possibilidade de memorizá-las facilmente. Quando perceberam
que se tratava de leitura de repetição, algumas crianças manifestaram
interesse em ler também, assim cada um lia determinada parte. Alguns
alunos, inclusive, acrescentaram seus saberes à letra da música. Por exemplo,
no trecho “Todo brinquedo tem nome bola, boneca e patins” uma aluna
acrescentou “bicicleta, patinete”, e, no trecho “Coisas gostosas têm nome
Bolo, mingau e pudim” um aluno citou “Danone” enquanto outro citou
“farinha”.

Nos encontros seguintes, começamos a utilização de livros. O primeiro


livro trabalhado foi “O veterinário maluco”, de Milton Camargo. Percebemos
que os alunos não sabiam identificar a estrutura comum dos livros: capa,
conta capa, nome do autor, nome da editora. Alguns com o olhar mais atento
afirmaram que “O veterinário maluco” era o título, por estar em destaque na
capa. Então, os alunos foram questionados a respeito do nome do autor e
afirmaram que sabiam por que o nome estava logo abaixo do título. Porém,
as crianças pareciam não conhecer o fato de que o nome das editoras vem
impressos na capa do livro.

A partir daí, todas as semanas os alunos foram desafiados a identificar


os elementos presentes nos livros, nos textos. Outra tarefa importante é a
antecipação do que está por vir, por exemplo, a respeito de “O veterinário
maluco”, o que eles esperavam encontrar na história? Também são utilizadas
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paradas estratégicas no decorrer das leituras, para que as crianças tenham


oportunidade de desenvolver a criatividade e utilizar seu conhecimento de
mundo.

Ainda a respeito desse primeiro livro, foi solicitado que os alunos


escrevessem frases e então veio a surpresa: os alunos não eram desafiados a
escrever estruturas completas de pensamentos, as frases; somente lhes
solicitavam a escrita de palavras soltas. Partindo do pressuposto de que só se
aprende tentando, os encontros semanais são realizados de maneira a deixar
espaço para que os alunos realizem suas próprias produções.

A dificuldade enfrentada pelos alunos deve-se ao fato de que eles não


possuem praticamente nenhuma bagagem literária para nortear suas
atividades de produção textual sendo assim, além de não conhecerem a
escrita convencional, parecem não receber com frequência o estímulo para
falar sobre um tema. Para adaptá-los à prática textual, diversas atividades
foram realizadas por toda a turma em conjunto, nas quais a bolsista servia de
escriba: as crianças discutiam a respeito do que iriam escrever e como
deveria ser escrito, e ditavam à bolsita, que escrevia no quadro.

Sabendo que a possibilidade de leitura não existe somente em textos


escritos, mas também em imagens, trabalhamos essa perspectiva com as
crianças. A leitura de imagens é uma atividade didática que permite que a
criança participe ativamente em seu processo de aprendizagem. Em um dos
encontros, por exemplo, a sala foi dividida de maneira a balancear os níveis
de escrita, para que todas as crianças pudessem participar e entender o
processo de escrita. Foram distribuídos quadrinhos da Turma da Mônica, sem
falas, a partir dos quais eles deveriam criar um texto considerando a
coerência nas sequências de imagens que tinham em mãos.

A atividade foi propositalmente elaborada para criar o conflito


interno, de cada criança a respeito da escrita, pois, segundo Bomtempo
(2001), o educador deve buscar detectar as dificuldades das crianças e então
ajudá-las no sentido de uma reestruturação, momento em que o aluno terá a
oportunidade de pensar na sua própria forma de resolver seus problemas
referidos à atividade de escrita. Alguns alunos escreviam e, quando eram
questionados a respeito do que estava escrito, eles não sabiam ler, pois a
escrita não correspondia à escrita convencional. Este é o instante do conflito,
no qual as crianças buscam associar a fala à escrita, quando pode haver a
percepção do som de cada sílaba ou a percepção de cada fonema.

Como todos os textos criados em relação aos quadrinhos da Turma da


Mônica não possuíam a estrutura própria do texto e alguns estavam fora dos
padrões comuns da escrita, os alunos foram convidados a reescrevê-los.
Neste momento, houve interação e questionamento: as crianças deveriam
pensar no que estavam escrevendo, e não escrever de maneira aleatória. A
criança tem a espontaneidade aflorada, por isto as atividades de reescrita são
propostas com bastante cautela, de maneira que não interfira na capacidade
natural infantil.
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Nos próximos meses, as atividades serão desenvolvidas de maneira a


contribuir para a ampliação do repertório leitor dos alunos com histórias
variadas. Continuarão os encontros semanais com vistas ao estudo dos
aportes teórico-metodológicos que auxiliem as ações extensionistas.
Pretendemos ampliar o uso dos recursos oferecidos pela escola, como a lousa
digital e o aparelho de som, porém sem deixar de lado o livro em si e a
contação convencional de histórias, de modo a incentivá-los a ver a leitura
como diversão e não como obrigação. Os alunos permanecerão sendo
estimulados a participar, a pensar, a ler e a escrever, de maneira que essas
práticas se tornem mais habituais em suas vidas.

CONCLUSÃO

O plano de trabalho “A produção de textos narrativos por crianças do


2° ano do Ensino fundamental a partir da leitura e contação de histórias”
vem experimentando atividades didáticas diferentes, além de criar momentos
de reflexão sobre a prática adotada pelo professor em sala de aula. No
decorrer do desenvolvimento do projeto, observamos que as crianças vêm se
mostrando mais habituadas à escrita e a leitura, além de terem mostrado
maior capacidade de produção textual e concentração nas atividades
propostas.

Neste período de desenvolvimento do projeto na escola A, foram


traçados e alcançados objetivos como: a realização de sessões semanais de
contação de histórias, a fim de fortalecer a formação de sujeitos leitores; a
ampliação do repertório literário dos alunos matriculados no 2° ano do
Ensino Fundamental; e a prática da produção de textos narrativos pelos
referidos alunos.

Com as atividades desenvolvidas, pudemos constatar que a literatura


infantil proporciona às crianças melhor qualidade de aprendizagem. Como
percebemos, o professor possui papel de fundamental importância na
formação do sujeito leitor e escritor. O educador deve refletir se suas práticas
pedagógicas estão obtendo o resultado esperado, e buscar novas maneiras de
intervenção.

REFERÊNCIAS

ABRAMOVICH, Fanny. Literatura infantil: gostosuras e bobices. São


Paulo: Scipione, 1997.
BOMTEMPO, L. Escrita: o caminho da evolução. AMAE educando. Minas
Gerais, N°300, p 33-41, Junho 2001.
BRASIL, Secretaria da Educação Fundamental - Parâmetros Curriculares
Nacionais: Língua Portuguesa. Brasília: MEC/SEF, 1997.
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COELHO, Nelly Novaes. Literatura infantil: teoria, análise, didática. São


Paulo: Ática, 1991.
KAUFMAN, Ana Maria. Escola, leitura e produção de textos. Porto
Alegre: Artes Médicas, 1995.
KOCH, Ingedore Villaça. Ler e compreender: os sentidos do texto. São
Paulo: Contexto, 2006.
MATENCIO, Maria de L. M. Leitura, produção de textos e a escola:
reflexões sobre o processo de letramento. São Paulo: Ática, 1994.
TERZI, Sylvia Bueno. A construção da leitura: uma experiência com
crianças de meios iletrados. 2. ed Campinas: Pontes, Unicamp, 1997.
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A Questão da Ludicidade na Formação de


Leitores das Séries Iniciais:
a contribuição dos contadores de história

Alice de Oliveira Fonseca1


Eliana Crispim França Luquetti2
Liz Daiana Tito Azeredo³
Rhaísa Sampaio Bretas4

RESUMO
O presente artigo apresenta algumas abordagens sobre leitura e formação do leitor
através do uso de atividades lúdicas que promovam a interação entre os
alunos/leitores e as histórias. O objetivo principal deste artigo é mostrar como o uso
de histórias e da prática da contação nas escolas tem papel preponderante na formação
do leitor, na busca pela leitura prazerosa. O trabalho foi desenvolvido a partir da
experiência do PIBID – Programa Institucional de Bolsas de Iniciação à Docência, do
curso de Pedagogia que trouxe grandes contribuições para este trabalho. Enfatiza-se a
importância da leitura nos primeiros anos de escolaridade e sua necessidade no
cotidiano das crianças com o objetivo de torná-los cidadãos capazes de interpretar o
que leem e fazer apropriações de suas leituras para a sua vida com criticidade e
independência.

Palavras-chave: leitura, formação do leitor, contador de histórias, ludicidade.

1
Contato do(a) autor(a): lik.fonseca@gmail.com. Graduanda em Licenciatura em
Pedagogia pela Universidade Estadual do Norte Fluminense Darcy Ribeiro (UENF)
2
Contato do(a) autor(a): elinafff@gmail.com. Orientadora/ Doutora em Linguística.
Professora do Laboratório de Estudos de Educação e Linguagem, do Programa de
Pós-graduação em Cognição e Linguagem e Coordenadora do
PIBID/Pedagogia/UENF.
³ Contato do(a) autor(a): lizdaiana@ig.com.br . Aluna do Programa de Pós-graduação
em Cognição e Linguagem/ Universidade Estadual do Norte Fluminense Darcy
Ribeiro (UENF)
4
Contato do(a) autor(a): rhaisabretas@hotmail.com. Graduanda em Licenciatura em
Pedagogia pela Universidade Estadual do Norte Fluminense Darcy Ribeiro (UENF)
Grupo de Estudos e Pesquisa
II Seminário Nacional de Alfabetização e Letramento Alfabetização, Discurso e Aprendizagens
Oralidade e Escrita na Prática Escolar
ISSN: 2177-4072

INTRODUÇÃO

Vivemos cercados pela leitura e cada um de nós tem a forma de ler e de


interpretar o que se lê. Com as crianças não é diferente e, a leitura que fazem
dos livros e do mundo que a cerca deve estar ligado a emoções, criatividade,
alegria e também ao lúdico. Para que a criança possa se envolver com o
universo literário é preciso que professores e contadores de história estejam
mergulhados no universo infantil e que transformem a leitura em uma
atividade prazerosa, onde a mesma seja constantemente estimulada.

Desta forma, ressalta-se que esta prática deve ser desenvolvida por
professores que podem ser excelentes contadores de história e no seu
cotidiano fazer a diferença como forma de aproximar as crianças ao ato da
leitura e do reconhecimento das culturas, povos e do próprio mundo onde
habita. A partir da prática de contação de histórias, o aluno cria, imagina,
fantasia, sonha, ele faz da história lida uma leitura vivida.

Primeiro devemos levar em consideração que para que a leitura seja


iniciada a criança deve ter alguma motivação. Chamar a atenção dos alunos
para a leitura é um desafio. Não há como obter resultados criativos, críticos e
que desenvolvem a imaginação com a leitura se o objetivo que se deseja
alcançar é apenas utilizar o texto ou a história como gancho para uma
atividade. As situações de leitura devem ser as mais reais.

Por este motivo, utilizamos em nossas aulas leituras combinadas à


atividades lúdicas que envolvam a criança e, que a faça gostar de ler e se
ambientar com este mundo de imaginação e criatividade. A partir das
histórias, criamos jogos que possam fazer os alunos interagirem com a
leitura, criando assim uma curiosidade para próximas leituras.

Reconhecendo na ludicidade sua importância no desenvolvimento


cognitivo, o uso de jogos e histórias infantis são ferramentas importantes no
aprendizado da criança. Explorando a disposição para brincadeiras e o mundo
da fantasia dos alunos os professores ensinam brincando a leitura, fazendo
com que aguce o interesse pela mesma, tornando-a parte de suas atividades
diárias. É de suma importância o lúdico no desenvolvimento infantil porque
estimula o desenvolvimento emocional, intelectual e social da criança,
possibilitando a interação social.

Nessa perspectiva, estruturamos este artigo da seguinte maneira: no


primeiro tópico promoveremos uma discussão sobre o processo de ensino-
aprendizagem de leitura...

1 O processo de ensino-aprendizagem de leitura


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O momento em que a criança irá se apropriar do mundo letrado


mostra-se como um momento mágico, em que ela se descobrirá capaz de
desvendar e decifrar códigos até então desconhecidos. A leitura de histórias
para os alunos, que nesse processo poderá culminar na leitura de suas
próprias histórias de vida, será um meio principal de aquisição de
conhecimentos.

Para tanto, é necessário que o processo ensino-aprendizagem da


leitura esteja composto por momentos prazerosos para que a criança esteja
totalmente inserida e veja sentido nesta aprendizagem.

1.1.Leitura
A leitura é uma atividade fundamental para a vida de todos, tanto nas
escolas como na vida em sociedade. Na escola o aluno irá depender da
mesma para se desenvolver em todas as disciplinas, e na vida em sociedade
para se relacionar e realizar atividades cotidianas como leitura de um jornal,
outdoor, letreiros de ônibus, etc.

Como aborda Luiz Carlos Cagliari, temos:

“(...) No mundo em que vivemos, é muito mais importante ler do que


escrever. Muitas pessoas alfabetizadas vivem praticamente sem
escrever, mas não sem ler. Ainda mais: há muitos analfabetos de
escrita que não são analfabetos de leitura. Sobretudo pessoas que
vivem nas cidades, precisam saber ler pelo menos placas de ônibus,
números, nomes, etiquetas, documentos etc.”(CAGLIARI, 2009)

Ocorre que nas escolas a prática da leitura é deixada em segundo plano


em relação à prática da escrita, podendo afirmar que a leitura, muitas vezes é
utilizada nas salas de aula como maneira de avaliar a aprendizagem dos
alunos, perdendo o seu valor.

Devemos atentar para o fato de que o papel da escola no que diz


respeito a leitura não é fazer com que os seus alunos decodifiquem códigos
ou signos, é preciso que este aluno saiba interpretar o que lê.

A leitura pode ter diversas especificações, em outras palavras, significa


dizer que temos vários motivos para se fazer uma leitura. Ela pode ser para
lazer, para aprendizagem de algum conteúdo, para receber alguma
informação, entre outros. E ela nunca será feita da mesma forma por diversos
indivíduos, a leitura é individual, cada um entende o que lê a sua maneira.
Por este motivo, a leitura deve ter papel primordial no ensino, principalmente
nos anos iniciais de escolaridade.

Neste sentido, temos:

“(...) Ao contrário da escrita, que é uma atividade de exteriorizar o


pensamento, a leitura é uma atividade de assimilação de
conhecimento, de interiorização, de reflexão. Por isso, a escola que
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não lê muito para os seus alunos e não lhes dá a chance de ler muito
está fadada ao insucesso, e não sabe aproveitar o melhor que tem a
oferecer aos seus alunos. Há um dito popular que diz que a leitura é o
alimento da alma.” (CAGLIARI, 2009).

1.2 Leitor

O leitor é um sujeito capaz de decifrar códigos e signos. No entanto, um


bom leitor é aquele que além de decodificar, também faz a interpretação do
texto se aprimorando conceitualmente daquilo que leu e para isso faz-se
necessário que este leitor tenha tido uma formação com foco na leitura.

Encontramos muitas pessoas que não gostam de ler e isso se deve a uma
má formação, onde as atividades que envolvessem leitura não possuíam
sentido para os mesmos.

Ao ler um texto o leitor se conecta com o autor no sentido de que se


aprimora de suas idéias fazendo a sua própria interpretação. Além disso, ao
compreender um texto o leitor faz uso de conhecimentos prévios.

Tratamos aqui da formação de leitores, então crianças que estão sendo


ou acabaram de ser alfabetizadas, portanto o processo de leitura envolverá
primeiro a decodificação para depois haver o entendimento do que foi lido.
Deve-se preocupar com a maneira que esse leitor receberá os textos e como
eles serão trabalhados para a sua formação.

2 A contação de histórias

Diante do que já foi exposto, evidenciamos que a prática de


contação de histórias constitui uma atividade importantíssima na construção
de leitores. Além disso, destacamos, a função desses contadores nas escolas.
Num primeiro momento, o envolvimento dos alunos com textos e histórias
deve estar ligado com o prazer pela leitura, o ler por ler e não o ler para
aprender algo, ou realizar alguma atividade.

Nos primeiros anos de escolaridade, o contato com a leitura se dará


de forma secundária, ou seja, até que o aluno se efetive como leitor ele terá
contato com muitas histórias faladas ou contadas, sendo um ouvinte. No
entanto, se ao ouvir estas histórias houver também um encantamento, o aluno
bom ouvinte, acabará se tornando um bom leitor.

A contação de histórias traz a criança para um mundo de leitura e


magia, pois envolverá prática de leitura e ludicidade, mesmo porque muitos
alunos só irão ter contato com textos e práticas de leitura na escola. O
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momento da contação de histórias é além de um momento de prazer, um


momento de aprendizagem sobre leitura e também de escrita.

Os contadores de histórias são além de encantadores, são


estimulantes da leitura. Por isso devem estar preparados para trabalhar a
leitura com os alunos, atentando para a formação dos mesmos. Os contadores
de histórias têm o poder de sedução e o seu objetivo deve ser o de cativar os
educandos para a prática da leitura, tendo em vista que sua atuação mexe com
as sensações dos alunos.

2.1.O valor educacional das histórias

As histórias são ótimas ferramentas para proporcionar a


aprendizagem aos alunos e existem vários motivos para que elas sejam
implementadas na escola, tendo em vista a aceitação das crianças, a variedade
de temas que podem ser propostos, a falta de exigência de recursos materiais
e os aspectos educacionais que podem ser focados.

Uma boa história pode abordar temas desejados pelos professores e


evidenciar o ensino da leitura como promotor de discussões, ela pode ser a
principal fonte de conhecimentos para aquelas crianças que a estão ouvindo.
Dentro de uma fábula, de histórias em quadrinhos, histórias com fantoches
pode-se desenvolver inúmeros conteúdos, primeiramente com a leitura
imagética, a visualização das ações dos personagens trabalhando assim cores,
verbos, números, valores, sustentabilidade, animais, alimentos, enfim muitos
conteúdos.

Com todos esses conteúdos possíveis de se desenvolver com a


leitura e a contação das histórias, que vão além dos livros e dos fantoches, é
possível que a leitura de mundo seja então iniciada ou realizada pela criança.
Quando a criança começa a realizar, através de boas histórias contadas, a
leitura de mundo, o processo de ensino torna-se significativo, em que
colocará muitas ações, palavras, cores e outras coisas mais, no seu cotidiano,
fazendo referências às histórias que ela conhece, que ela interiorizou e que
agora está concretizado no seu mundo.

Essa leitura do mundo e de seu mundo é um dos grandes valores


educacionais proporcionado pelas histórias, pois com elas a criticidade é
bastante desenvolvida. Tivemos a experiência de trabalhar no 1º ano de
Ensino Fundamental com história dos Três porquinhos, porém adicionamos a
essa outra história a do Lobo Maurinho, onde o lobo não era tão mau quanto
a famosa história dos três porquinhos mostra, o Maurinho só é bagunceiro,
mas é um lobo bom. Com isso pudemos mostrar para as crianças que finais
diferentes podem existir e que é possível um lobo ser bom, basta elas criarem
esse novo contexto.
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As interpretações do texto devem ser livres e foi essa intenção que


tivemos ao fazer com as crianças fantoches de palitos dos personagens da
clássica história dos três porquinhos. Com essa atividade criamos então, um
final diferente para a história afim de que nossos próprios alunos reflitam, se
tornem críticos e abertos para quem sabe assim também mudarem o final de
suas próprias histórias de vida.

2.2.O lúdico e o ensino de leitura

O professor ao ler uma história, ou ao mostrá-la irá mediar todo o


processo pedagógico e, esse será uma figura fundamental para a compreensão
leitora de seu aluno, por isso ele deve se utilizar de estratégias lúdicas que é
uma das formas mais interessantes e significativas de se trabalhar o ensino da
leitura. Mas como e por que promover experiências lúdicas de leitura? Esse é
um tipo de pergunta bem presente no cotidiano das escolas.

Muitas atividades de leitura que até têm imagens e sons perdem o


sentido e seu caráter lúdico, pois assumem a função de treino, de repetição,
de atividade obrigatória, sem nenhuma motivação, somente tendo o objetivo
de alcançar resultados cobrados e isso afeta bastante na aprendizagem do
aluno. Pois, segundo Borba:

“ (...) se incorporarmos de forma mais efetiva a ludicidade nas nossas


práticas, estaremos potencializando as possibilidades de aprender e o
investimento e o prazer das crianças e dos adolescentes no processo de
aprender. E com certeza, descobriremos também novas formas de
ensinar e de aprender com as crianças e os adolescentes!”(BORBA,
2007)

As atividades lúdicas são de extrema importância, principalmente no


processo de leitura onde o faz-de-conta é muito presente, pois fazemos
entonações de vozes, gestos e trabalhamos bastante com a imaginação. Assim
também, quando as crianças abrem os braços, por exemplo, e falam que estão
voando, fazem os gestos de que estão dirigindo o carro e se acham os
motoristas, a imaginação e o lúdico estão sendo trabalhados e é com essas e
nessas brincadeiras que podemos iniciar um processo da leitura de um texto
ou de uma história. Se analisarmos são atividades simples, mas que exigem
do educador reflexões sobre sua prática e comprometimento na sua prática de
desenvolver a compreensão leitora do seu aluno.

O ser humano tem a necessidade de utilizar a ludicidade durante o


seu aprendizado em qualquer idade e sem a visão de apenas uma diversão. A
atividade lúdica promove o desenvolvimento pessoal e associando-a aos
fatores sociais e culturais vão auxiliar também numa boa formação física e
mental da criança, além disso, estas atividades facilitam o processo de
socialização, comunicação, construção do conhecimento, além de um
desenvolvimento pleno de todos aqueles que estão integrados no processo
ensino-aprendizagem da leitura.
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3 A prática pedagógica: contação de histórias no ensino de


leitura

A atuação do professor contador de histórias irá fazer a diferença no


ensino da leitura, pois segundo Souza e Serafim (2012) este professor tem
como um propósito didático muito importante e que deve fazer parte das suas
reflexões a leitura como uma prática social, cujo o objetivo é levar os alunos
a utilizar essa habilidade para a vida.

É no dia-a-dia que sua prática vai ser significante para o aluno, tanto
para os leitores quanto para os alunos “pré-leitores”.

Com os “já leitores” a contação de histórias, fará com que eles


aprimorem sua capacidade de imaginação, melhorem sua prática criativa já
que ao ouvi-las o seu pensar, o desenhar, o escrever, o criar, o recriar estarão
sendo estimulados. Sabemos, que atualmente muitas informações estão tão
prontas, são muitas as tecnologias e a criança que não tiver a oportunidade de
suscitar seu imaginário, poderá no futuro, ser um indivíduo sem criticidade,
pouco criativo, sem sensibilidade para compreender a sua própria realidade.

A prática do contador de histórias com os pré-leitores também é


muito importante. É através do professor que o aluno entrará naquele
universo e depois fará o tão importante reconto da história, que segundo
Souza e Serafim:

“(...) não é mera reprodução. É uma atividade essencialmente


construtiva, baseada na racionalização de diferentes tipos de textos e
de conhecimento, interesses e atitudes emocionais do sujeito em
relação ao conteúdo da história.” Além também de trabalhar o social e
o cognitivo, pois o aluno acrescenta a história novas informações, sua
interpretação, uma história agora recontada, mas o recontar é de sua
autoria” (SOUZA E SERAFIM, 2012)

Através da ação realizada pelo professor da leitura de histórias, os


contos de fadas, as fábulas e as histórias em quadrinhos assumem a extrema
importância que têm no desenvolvimento criativo da escrita e da
compreensão do mundo em que vivemos. Considerando que “educar é contar
histórias. Contar histórias é transformar vida na brincadeira mais séria da
sociedade... Pais e professores devem dançar a valsa da vida como contadores
de histórias.” (Cury, 2003, p.132). O contar histórias é um momento muito
especial e isso deve ser trabalhado com as crianças!

CONSIDERAÇÕES FINAIS
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De certo que a leitura traz, abre grandes e novos horizontes para os


leitores, porém para que este horizonte seja mostrado, o condutor dos alunos
para o mundo da leitura, que inicialmente é o professor deve proporcionar
momentos de prazer e de motivação para a leitura.

O leitor interage com o mundo através da leitura que faz do mesmo,


sendo esta leitura visual ou escrita. No entanto, esta leitura de mundo só irá
ter real sentido, se este leitor estiver pronto para fazer interpretações e a partir
delas, incorporar o que foi lido, à sua vivência, ao seu cotidiano. Um bom
leitor é aquele que é capaz apenas de decodificar signos, um bom leitor,
decodifica, interpreta, adquire novos conhecimentos a partir desta leitura e
constrói conceitos que serão utilizados na sua vida.

Deste modo, como citado anteriormente o professor, primeiramente,


deverá ser capaz de inserir a criança no mundo letrado, não se importando
apenas com a escrita deste aluno, a leitura é capaz de trazer novos
conhecimentos e formar um grande vocabulário para os alunos, que somente
a escrita não é capaz de trazer. É preciso ressaltar a importância da leitura
para o aluno que está se formando.

Neste ínterim, que se ressalta a importância dos contadores de história,


estes tem papel primordial para a formação de um bom leitor, tendo em vista
que ao contar histórias mexem com as sensações das crianças, utilizando
principalmente elementos e materiais lúdicos. A ludicidade traz magia e
novas formas de interagir com o mundo letrado tornando a leitura uma forma
mais atrativa para as crianças.

É preciso desmistificar para professores e educadores que contar uma


história para seus alunos, inseri-los no mundo da leitura, não é algo
trabalhoso, impossível de ser realizado. O encantamento trazido pelas
atividades lúdicas em consonância com a leitura enriquece o aprendizado dos
alunos, traz novas expectativas, novas interpretações, além de acrescentar à
formação do leitor novas formas de interagir com a leitura.

REFERÊNCIAS

BORBA, A. M. Ensino Fundamental de nove anos: orientações para a


inclusão da criança de seis anos de idade/ organização Jeanete Beauchamp,
Sandra Denise Pagel, Aricélia Ribeiro do Nascimento. – Brasília: Ministério
da Educação, Secretaria de Educação Básica, 2007.
CAGLIARI, Luiz Carlos. Alfabetização e linguística. São Paulo, Editora
Scipione. 2009. Coleção Pensamento e ação na sala de aula.
CURY, Augusto. Pais brilhantes, professores fascinantes. Rio de Janeiro:
Sextante, 2003.
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SOUZA, H. D. S. C. de. e SERAFIM, M. de. S. Leitura e mediação


pedagógica/ organização Stella Maris Bortoni-Ricardo. – São Paulo:
Parábola, 2012.
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Literatura Infantojuvenil e Escola:


espaços de (re)leitura em cursos de pedagogia

Fabrícia Vellasquez Paiva1

Josimara Ferreira Teodoro2

Luana Rocha Paulino3

RESUMO
O trabalho tem como objetivo contribuir para o debate sobre espaços de formação
leitora através da literatura infantojuvenil, considerando, também, os extramuros da
escola. Compreendemos que a leitura da literatura infantojuvenil, em sendo livre,
pode ser igualmente incentivada pela escola em outros espaços, tais como a biblioteca
e a livraria com a mesma importância e legitimidade. Nesse sentido, o referencial
teórico contou a contribuição sobre o sentido ampliado de leitura segundo Paulo
Freire (1983, 2006) e Graça Paulino (2001), bem como as formas de leitura, de acordo
com Chartier (2002). Buscamos apoio em autores como Sônia Kramer (2000) e
Magda Soares (2000), acerca dos letramentos, dentre os quais destacamos o da
literatura infantojuvenil. E, por fim, quanto aos espaços, utilizamos referenciais sobre
a legitimação e a ideologia, presentes em Gramsci (1991); recorrendo a Bourdieu
(1974) e a Lajolo (2002) para a contribuição sociocultural da literatura infantojuvenil
neste processo. A proposta procurou partir dos resultados de aplicação de um
questionário, constituído de seis perguntas abertas, e aplicado a professoras-alunas de
um Curso de Licenciatura em Pedagogia, na modalidade a distância de uma
universidade pública do estado do Rio de Janeiro. Os resultados foram bastante
reveladores: de um lado, temos a consideração da legitimidade de novos espaços de
formação leitora, entendendo-os como um processo sempre em formação; de outro,
encontramos nos discursos certa resistência quanto ao uso desses territórios de leitura
como algo à revelia da escola. Por esse motivo, a pesquisa fora ampliada para outros
contextos, partindo, agora, para um Curso de Pedagogia, presencial, e ainda em uma
instituição superior pública no mesmo estado. Em momento posterior, esperamos
cruzar esses dados, com vistas à compreensão desses espaços de (re)leitura da
literatura infantojuvenil, a partir de uma formação inicial em modalidades diferentes
de ensino.

Palavras-chave: leitura literária, literatura infantojuvenil, escola, espaços de leitura.

1
Contato do(a) autor(a):fabriciavellasquez@yahoo.com.br. Professora da UFRRJ.
Mestre em Educação
2
Contato do(a) autor(a): jozyferreir@hotmail.com. Bolsista da UFRRJ. Licencianda
em Pedagogia
3
Contato do(a) autor(a): lrpwen@yahoo.com.br. Bolsista da UFRRJ. Licencianda em
Pedagogia.
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INTRODUÇÃO: um mergulho no texto

Pensada, há algum tempo, como uma ferramenta capaz de alargar os


conhecimentos e de capacitar o ser humano a interagir no mundo de modo
criativo e transformador, a leitura ainda representa uma possibilidade de se
realizar todo o conhecimento socialmente construído. Falar de leitura, pois,
ainda significa uma tarefa atual. Dessa forma, o presente trabalho teve como
objetivo oferecer uma discussão sobre os espaços atuais de formação leitora,
especificamente no campo da literatura infanto-juvenil. Partindo dessa
questão, nosso intuito foi o de viabilizar uma reflexão acerca da formação do
leitor de literatura infantojuvenil para além da escola. E tal foco se justifica
pelos crescentes espaços não-escolares de leitura que, cada vez mais, ganham
espaço no universo urbano contemporâneo das grandes cidades,
especificamente nas grandes capitais, donde já se observam livrarias com
formatos de biblioteca ou, para que não se padronize, espaços outros de
viabilização do contato com a leitura, e com a literatura infantojuvenil,
muitos representando, inclusive, o primeiro momento de interação entre a
criança e o livro.

A literatura infantojuvenil assume um papel de destaque neste estudo


principalmente pela adaptação desses espaços de formação leitora a um
público mais diferenciado. É possível observar, inclusive, uma estrutura que
se apresenta como um “mundo à parte” para os apreciadores dessa literatura,
num espaço físico literalmente destacado nas livrarias e em algumas
bibliotecas. Nesse sentido, a proposta procurou utilizar a aplicação de um
questionário, constituído de seis perguntas abertas, e aplicado a professoras-
alunas de um Curso de Licenciatura em Pedagogia, na modalidade a distância
e presencial. Convidamos, pois, o leitor a conhecer um pouco do que revelou
o presente estudo, não em uma tentativa de esgotar o assunto ou reproduzir
discursos outros. Pelo contrário: a ideia é justamente a de levantar ainda mais
inquietações sobre os espaços que se constituem para que o gosto ou o hábito
da leitura se valham e quais desses territórios, portanto, conseguem ou não
ser legitimados para o ato de ler.

1 Leitor e texto: reposicionando o ato de ler

O acesso à leitura, em suas atividades iniciais, tem sido entendido como


um mecanismo capaz de inserir a criança no universo das letras,
possibilitando a ela o contato com os registros escritos e, com isso, com os
bens culturais da humanidade. No entanto, acreditamos que, mesmo que já se
tenha evoluído nas pesquisas sobre a leitura, no sentido de não mais
considerar o ato de ler como mera ação decodificadora de códigos e de
signos, precisamos fomentar ainda mais a discussão sobre o leitor e sua
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formação – especialmente considerando o protagonismo que deve ser dado ao


pequeno leitor.

De fato, essa nova autonomia proporcionada à leitura, e, para nós, à


literatura infantojuvenil, cria uma nova figura de leitor, muito mais vivo,
crítico e, por vezes, subversivo. Essa idéia de subversão, aliás, fez com que se
colocasse no leitor a imagem de passividade outrora citada. Já se conheciam,
pois, as múltiplas habilidades de um leitor e de um texto também repleto de
possibilidades e sempre inacabado quanto aos diversos sentidos atribuídos a
sua leitura. Colocando-se, pois, leitor e texto em contato poderíamos ter a
perda da autoria até então “única” do documento escrito. Mais do que isso:
não se teria mais o controle sobre o que fora apreendido do ato de ler. Nessa
perspectiva, nos afirma Graça Paulino:

Aparentemente, o leitor não teria poder algum, a não ser o de traduzir


o sentido que estaria pronto no texto. Entretanto, o texto não se
apresenta ao leitor senão como uma proposta de produção de sentido,
que pode ou não ser aceita. Trata-se de um pacto de leitura que
constitui o que denominamos interação leitor/texto. Há ainda uma
terceira instância [sobre o ato de ler], correspondente ao verbo roubar,
que traz uma idéia de subversão, de clandestinidade. Não se rouba
algo com conhecimento e autorização do proprietário, logo essa leitura
do texto vai se construir à revelia do autor, ou melhor, vai acrescentar
ao texto outros sentidos, a partir de sinais que nele estão presentes,
mesmo que o autor não tivesse consciência disso (PAULINO, 2001, p.
12).

Acreditamos que, para que a criança leitora de literatura tenha formada


tal compreensão, é importante que sejam considerados seus conhecimentos e
suas informações de mundo, tal como postula Paulo Freire (2006). Tal ação é
necessária para que o(a) pequeno(a) leitor(a) se identifique na leitura por ele
escolhida, tecendo, a cada obra nova, as malhas textuais que têm, através da
leitura, também sua coautoria. Michel de Certeau trabalha essa questão muito
bem quando apresenta a ideia da quebra da função do ledor, tal como era
concebida. Esta, segundo ele, aprisionava o leitor, pois só chegavam a este as
falas pronunciadas e interpretadas pela função de seu intermediário. É por
esta autonomia que reivindicamos quando propomos, no presente trabalho, a
também libertação dos espaços possíveis de aquisição leitora, para além do
único e legítimo espaço escolar.

A leitura tornou-se, depois de três séculos, um gesto do olho. Ela não


é mais acompanhada, como antes, pelo rumor de uma articulação
vocal, nem pelo movimento de manducação muscular. Ler sem
pronunciar em voz alta ou à meia-voz é uma experiência “moderna”,
desconhecida durante milênios [...]. Hoje o texto não impõe o seu
ritmo ao indivíduo. Ele não se manifesta mais pela voz do leitor. Essa
suspensão do emprego do corpo, condução de sua autonomia, equivale
a um distanciamento do texto. Ela é o habeas-corpus do leitor
(CERTEAU, 1994, p. 253-254).

Quando o leitor se vê passível de mudança de comportamento, podendo


escolher este ou aquele caminho pelo bosque da ficção, segundo Eco (2006),
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realmente ele se sente potente, capaz, dominador do texto e de tudo o que ele
apresenta. O leitor passa a ser dono, portanto, não apenas de sua própria
leitura e de seus caminhos possíveis quanto à interpretação; ele se transforma,
sobretudo, como a pessoa de maior poder para controlar aquele mundo que
chega até ele – cheio de personagens e de situações sociais perfeitamente
aplicáveis também ao mundo real, de fora das letras. E essas escolhas,
evidentemente, podem começar pelo espaço que mais lhe dê prazer de sentar,
deitar ou recostar para abrir um livro.

Se temos, em uma obra infantojuvenil, os elementos de alteridade e


verossimilhança, vemos que, em uma leitura “liberta” – de escolhas de obras
e de espaços de leitura – eles se complementam ainda mais como um
processo de reconhecimento do leitor na obra lida. Além disso, podem
permitir ao leitor incipiente perceber as referências e as experiências por ele
vivenciadas – na realidade ou na ficção – através de seu diálogo com o texto.
Ao mesmo tempo em que é capaz de alternar suas direções de leitura diante
do livro, também se torna plenamente habilidoso para não permitir que as
manifestações do mundo real interfiram em seu controle daquele espaço que
é seu, ainda que também seja social. A preocupação, nesse sentido, deve estar
voltada para a concepção de que falamos: ambos os grupos devem se
constituir como seres instigadores, ou, segundo Graça Paulino,
desobedientes.

Importa perguntar, pois, qual o papel da escola na formação do leitor.


Não o leitor obediente que preenche devidamente fichas de livros ou
reproduz com propriedade enunciados textuais. Mas o leitor que,
instigado pelo que lê, produz sentidos, dialoga com o texto, com os
intertextos e com o contexto, ativando sua biblioteca interna, jamais
em repouso. Um leitor que, paradoxalmente, é capaz de se safar até
mesmo das camisas-de-força impostas pela escola e pela sociedade, na
medida em que produz sentidos que fogem ao controle inerente à
leitura e à sua metodologia (PAULINO, 2001, p. 29).

Se a leitura realizada na escola pode propiciar a formação de leitores


críticos – viabilizando, inclusive, a força da leitura como reconhecimento
social – que ela também permita que os alunos sejam capazes de, se preciso
for, subverter os mecanismos de limitação presentes em qualquer instituição,
tal como o bom leitor diante de um texto persuasivo. A subversão aqui não é
entendida como um fator de quebra de regras, e sim como a leitura para além
dos códigos – tanto da decifração da língua quanto das regras impostas pela
escola à leitura.

2 Letramento literário: os espaços de formação do leitor

Com a literatura infantil, as características de um texto literário se


tornam ainda mais relevantes, no sentido de agruparem um público ainda
maior de leitores: ela se apresenta como uma literatura que, embora
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adjetivada – e portanto aparentemente restritiva – também pode ser lida e


entendida por crianças, demonstrando seu caráter universal e atemporal. A
escola não deve prescindir, nessa perspectiva, de permitir que a literatura seja
vista, conforme sugere Zizi Trevizan (1995, p. 37), “como tessitura
constituída de palavras mágicas, desencadeadoras de uma realidade
específica – a arte –, onde tudo que não existe é passível de ser dito pelo
poeta”. O texto literário, e especialmente o infantil, por fim, é completo,
como gênero literário, por contemplar o dito e não-dito, o real e o imaginário
– todos eles passíveis de compreensão por todos, crianças ou não.

E trazer Gramsci para a discussão sobre leitura, cultura e literatura


infantojuvenil tem o objetivo único de suscitar a compreensão de que, sendo
sociais, essas esferas também o são, pelo mesmo motivo, políticas,
envolvendo, assim, todo um aparato de força pelas simbologias sociais
através das ideologias em Gramsci (1991; 2000). Tais símbolos podem ser,
nesse sentido, caracterizados desde uma simples escolha que compõe o
acervo literário da escola até a possibilidade de se considerar a visita de um
aluno a uma biblioteca, ou mais: a uma livraria do bairro. À instituição
escolar, inclusive, ele delegava a discussão pedagógica acerca da conquista
da cidadania, que deve ser orientada para a elevação cultural das massas,
livrando-as de uma visão de mundo que propicia a interiorização da ideologia
da classe dominante. Segundo ele:

Por intelectuais deve-se entender não somente essas camadas sociais


tradicionalmente chamadas de intelectuais, mas em geral toda a massa
social que exerce funções de organização em sentido amplo: seja no
plano da produção, da cultura ou da administração pública
(GRAMSCI, 2000, p. 201).

Além disso, considerar os conceitos de “capital cultural” e de “capital


social”, de Bourdieu, bem como o entendimento de capital literário,
apresenta-se como um fator crucial para este trabalho, pois eles representam
alguns fundamentos teóricos que redimensionam, por meio dessas categorias
analíticas, a posição da literatura como uma cultura específica dentro de uma
sociedade igualmente determinada por relações que se reconstroem a todo
tempo – fato que muito esclarece a escolha de um lugar de formação leitora e
não outro. Bourdieu atribui ao termo capital cultural todo um emaranhado
conjunto de valores que referenciam a um determinado padrão social. Revela,
ainda, que esse contato com as formas de cultura – dominantes ou não –
realiza-se a partir do momento de sua aplicação, do uso que se faz – e como
se faz – do capital cultural transmitido socialmente. Para ele:

[...] em matéria de cultura, a maneira de adquirir perpetua-se no que é


adquirido sob a forma de uma maneira de usar o que se adquiriu.
Assim, quando acreditamos reconhecer por nuances ínfimas, infinitas
e indefiníveis que definem a “destreza” ou o “natural”, as condutas ou
os discursos socialmente designados como autenticamente
“cultivados” ou “requintados” pois neles nada lembra o esforço ou o
trabalho de aquisição, na verdade, referimo-nos a um modo particular
de aquisição [...] (BOURDIEU, 1974, p.258).
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ISSN: 2177-4072

O uso, então, para o sociólogo, seria de fundamental importância dentro


do contexto social, e, dentro deste, os próprios espaços de formação leitora,
tais como a própria escola, mas também: a biblioteca e a livraria. É
justamente nesse sentido que, a partir do conceito de capital literário,
acreditamos existir culturas que dominam ou que direcionam uma ou outra
escolha para os bens culturais e para tais espaços, de uma forma geral,
estando a literatura infantojuvenil entre os possíveis objetos de influência.

E foi justamente observando essas múltiplas possibilidades oferecidas e


divididas com o leitor, a partir da literatura infantojuvenil, que pensamos
sobre a discussão acerca dos espaços sociais em que a leitura literária destas
obras vem sendo realizada. Tivemos, assim, o intuito de investigar se outros
lugares são também aproveitados, na visão da escola – e em especial pela
figura do professor – no sentido de não apenas fomentar a ida dos alunos à
biblioteca e à livraria, com a finalidade do contato com a literatura
infantojuvenil, mas também de considerar esses momentos de visitação como
atividade prevista no plano semestral e/ou por meio de uma roda de conversa
sobre a obra escolhida e a opinião acerca da leitura.

3 Possibilidades da literatura infantojuvenil: entre


livrarias e bibliotecas

Em uma análise mais geral, temos observado que há um movimento –


cuja direção ainda não está tão bem definida – mas que tem seguido uma
ordem no tocante aos espaços sociais da leitura literária. Podemos destacar
que se há algum tempo mais distante os leitores incipientes tinham contato
com as obras apenas na escola, esse universo foi ampliado para a biblioteca
(não escolar) e, hoje, vemos novos espaços se constituindo em contextos cujo
universo de leitura se faz presente e de forma convidativa. Referimo-nos
especialmente às livrarias como um novo lócus de apropriação dessa
literatura: não devemos desconsiderar que houve uma remodelagem no
próprio cenário físico desse lugar que só apresentava o cinza ou, no máximo,
o marrom das estantes. O colorido ficava sempre por conta das ilustrações
dos livros simplesmente.

Em muitas livrarias, há espaços determinados para o leitor.


Independentemente de adquirir o livro ou não, é dada a ele a oportunidade de
ter o contato, de saborear, por assim dizer, uma obra inteira. Há o respeito,
nessa perspectiva, do espaço/tempo de cada leitor de que tratamos
anteriormente. Afinal, se sua atração pelo livro foi tão grande ao ponto de
escolhê-lo, por que não se permitir desafiar o autor naquele mesmo instante?
A ida para a casa poderia colocar toda a leitura a perder.

Dessa forma, a proposta do presente trabalho se justifica em função de


um estudo necessário quanto a esses novos contextos de leitura,
especialmente na visão dos profissionais que estão na escola, lidando
diretamente com práticas de formação leitora, tendo como objeto a literatura
infantojuvenil. Pensamos, como recursos metodológicos, em uma pesquisa
qualitativa, que parte de um estudo bibliográfico para posterior aplicabilidade
de um questionário constituído de seis (6) perguntas, todas abertas, de modo
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a fomentar a reflexão sobre o cotidiano das escolas – tanto no Curso a


distância quanto no presencial. Ao final dos questionários, a ideia é a de
levantarmos as categorias ali presentes, pela análise discursiva das respostas,
cruzando os dados dos dois Cursos.

Partimos, então, para dois momentos diferentes na pesquisa. O primeiro


foi o de estudo a partir do Curso de Licenciatura em Pedagogia, na
modalidade a distância, que fora selecionado por apresentar, em sua matriz
curricular, uma preocupação com a linguagem e com a literatura, donde se
destacam, sequencialmente, as seguintes disciplinas: Língua Portuguesa
Instrumental (1° período), Língua Portuguesa na Educação 1 (2º período),
Língua Portuguesa na Educação 2 (3º período) e Literatura na Formação do
Leitor (4º período). Tais disciplinas dialogam entre si, estabelecendo uma
união de conteúdo e de temas que se articulam do primeiro ao quarto período.
E chegamos, finalmente, a um total de cinco (5) alunas-professoras como
regentes de turmas. Privilegiamos, além disso, um universo diferente: cada
selecionada – aqui apresentada como professoras A, B, C, D e E –
representava uma realidade local diversificada a partir de cada pólo do Curso
(Paracambi, Petrópolis, Nova Friburgo, Angra dos Reis, São Pedro d’Aldeia).
Esses também eram os pólos mais antigos, o que facilitaria a procura por
egressos, com exceção do pólo Maracanã, que, por ser em uma região da
capital, preferimos não incluí-lo pela facilidade de acesso à discussão.

O segundo Curso fora selecionado por ser nosso lócus de formação e de


pesquisa, a saber: na Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro, campus
Seropédica. Há entre eles, uma diferença substantiva quanto à organização
das disciplinas, pois, neste, não contamos com tantas propostas, no currículo
básico, sobre linguagem – a organização curricular conta com a disciplina
Fundamentos Teórico-metodológicos da Língua Portuguesa (3º período) e
Linguagem, Letramento e Alfabetização (4º período). No momento atual,
estamos em fase de análise das primeiras categorias – pelos questionários do
primeiro Curso –, mas já podemos apresentar, pelas leituras iniciais, alguns
pontos interessantes.

Observamos em alguns escritos, por exemplo, que a leitura dessa


literatura, em seus textos originais, é compreendida como um momento de
respeito às particularidades dos alunos: seus anseios, sua visão de mundo, sua
posição e disposição para ler. Como exercício, que elas não desconsideram
em momento algum, pode-se utilizar o texto contido no material que, vale
lembrar, também é uma forma de conhecer uma obra.

As propostas de leitura eram, em sua maioria, livres:

A realização dos momentos de leitura literária, na escola, era


privilegiada como um momento [particular] do aluno. Não
gostávamos de estabelecer atividades para esses momentos.
Trabalhávamos com os textos do material didático. Agora, a leitura
literária, de poesia, essas coisas, não. Esse era entendido como um
momento especial (Professora A).
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Em que pese, no entanto, a preocupação e consciência da professora em


vislumbrar na leitura literária uma importante formação social, crítica e
propositiva, ela também entende que a circulação e a liberdade, na escola, de
quaisquer obras, deixando a cargo do aluno escolher, ainda representa um
problema que, quando não questionado pela própria instituição escolar, o é
pela família e/ou pela sociedade através de outros órgãos fiscalizadores,
como destaca a professora seguinte:

Eu sempre procurei indicar os alunos as leituras, mas também ouvir


deles as leituras que faziam, que traziam de casa ou que tivessem feito
em outro lugar. Mas o meu medo, como professora, é que algum pai
ou mãe viesse reclamar com a escola sobre a permissão para deixar o
aluno sozinho na biblioteca. O professor é ainda muito questionado,
especialmente quando envolve a leitura (Professora B).

E, a partir disso, nos é também revelador o dado que, apesar desse


reconhecimento, faz com que muitas professoras tendam a manter o discurso
centralizador da escola. Quando colocamos em destaque, no questionário, a
possibilidade da livraria e da biblioteca como esses novos espaços possíveis
de formação leitora, de alguma forma se mantinha o discurso oficial que
ainda circula na e para a escola.

Vale ressaltar que as demais professoras não souberam precisar que


espaços seriam esses, para além da escola, no tocante à formação. Isso nos
leva a entender que também está revestido, nessas considerações, uma ótica
institucional que ratifica o destaque escolar nesse processo, como único
espaço possível de circulação de saberes, dentre os quais a literatura
infantojuvenil. A despeito disso, Ezequiel Theodoro da Silva (1998, p. 21)
nos lembra que “não se forma um leitor com uma ou duas cirandas e nem
com uma ou duas sacolas de livros, se as condições sociais e escolares,
subjacentes à leitura, não forem consideradas e transformadas”. De acordo
com as professoras:

Entendo que outros espaços são importantes, mas não conseguem


fazer o que a escola faz, entende? Aqui temos a mediação do
professor, como um facilitador para o processo de leitura literária
(Professora D). Acredito que todos os espaços devam ser
considerados, mas sempre a partir da escola, para que se tenha um
encaminhamento mais correto (Professora A). Vejo a biblioteca fora
da escola como um espaço a mais, em que o aluno possa
complementar aquilo que leu na escola (Professora B). A biblioteca é
sempre importante, mas o aluno precisa saber o que pesquisar sobre
literatura, de acordo com sua idade. O ideal é que ele levasse as
leituras para a escola, para a professora saber (Professora C).

Vemos que as professoras procuraram trazer a biblioteca não-escolar


como um território que ainda desperta dúvidas – seja pela suposta falta de
“controle” dos professores, ou da escola, quanto às obras lidas, seja pela
dúvida latente da incapacidade de autonomia dos alunos quanto ao contato
com uma obra literária. Logo, a ideia de que a leitura fosse levada “para a
professora saber” não parte do princípio de socialização do que o aluno leu,
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considerando sua bagagem cultural diferente da escola, mas, sim, de


apresentação, como uma explicação pela escolha do texto lido.

Semelhante compreensão também ocorre, e até com mais ênfase, com o


espaço destinado à leitura nas livrarias. As professoras, de forma unânime,
mencionaram não compreender esse lócus como semelhante ao da escola,
mas disseram que vêm percebendo o aumento de leitura nesse território,
principalmente pelos “atrativos”:

Vejo a livraria como um espaço de mercado e não de reflexão, por


isso acho difícil conseguir pensar naquele espaço (Professora A).
Tenho percebido um aumento de leitores de todo tipo nas livrarias,
mas acho que é modismo (Professora B). Acredito que esta função
seja mais mercadológica, não compreendo como formação ou como
um lugar para debate (Professora C). A livraria tem atraído os alunos
pelo colorido, pelas mesinhas do tamanho deles, eles se sentem em
casa, mas não vejo como um momento de dedicação à leitura, ainda
mais de literatura infantojuvenil (Professora E).

Observamos, por fim, que os dados já nos revelam certa resistência a


esses novos espaços. No entanto, temos visto que muitos leitores de literatura
infantojuvenil elegem a livraria e a biblioteca como seu espaço de iniciação e
até de continuidade da leitura literária. E essa escolha, vale dizer, reforça o
processo de autonomia tão cara aos alunos e aos leitores; afinal, se
entendemos, assim como as professoras também, que a literatura não deva ser
mera ferramenta para o ensino de algo, como o da própria Língua, por
exemplo, os espaços reconfigurados talvez representem esse grito de alforria,
especialmente dessa literatura, em relação às práticas escolares.

4 Voltando do mergulho: algumas considerações finais

Permitimo-nos, assim, o alcance de duas importantes considerações


quanto à análise dos questionários iniciais: de um lado, temos a consideração
das professoras-alunas do primeiro Curso quanto à legitimidade de novos
espaços de formação leitora, entendendo-os mesmo como um processo
sempre em formação; de outro, encontramos também nos discursos certa
resistência quanto à consideração desses territórios de leitura como algo à
parte, apesar de ou mesmo à revelia da escola.

É possível observar que a literatura, antes de se transformar em discurso


estético, de subverter a ordem da língua, tal como elucida Barthes (2007), se
alimenta na fonte de valores de cultura, expressos em padrões de produção já
dados, em saberes. A esse leitor de literatura cabe também a valorosa tarefa
de lutar por seu lugar, por seu ambiente de realizar e de se encontrar no texto.
Afinal, o que não é o modo de leitura, cada vez mais livre, do que justamente
essa autonomia necessária à própria formação – inicial ou continuada desse
leitor? Sua formação, sendo crítica, permite a liberdade diante do texto, ao
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mesmo tempo em que esta liberdade, ou seja, os muitos modos de ler –


modus legendi – viabilizam a garantia de criticidade a cada nova leitura, pois
retira do leitor a obrigação de se ter de fazer algo com o que foi lido.

A literatura infantojuvenil, trabalhada no contexto escolar, ainda


representa um ponto que necessita ser pesquisado tanto pela força como se
apresenta aos professores, quanto pela restrição que pode estar concentrada
nos usos do texto literário. Esperamos que o trabalho tenha conseguido, ainda
que em sua fase inicial, contribuir para o debate sobre a relação entre a escola
estabelece com essa literatura e deixamos, como sugestão, o incentivo para se
realizarem mais estudos que visem à problematização desses espaços para
circulação de obras infantojuvenis e para formação social dos leitores.

Referências

BARTHES, Rolland. Aula. São Paulo: Cultrix, 2007.


BOURDIEU, Pierre. A economia das trocas simbólicas. São Paulo,
Perspectiva, 1974.
CERTEAU, Michel de. A invenção do cotidiano. Rio de Janeiro: Vozes,
1994.
CHARTIER, Roger. As revoluções da leitura no ocidente. In: ABREU,
Márcia. Leitura, História e História da Leitura. Campinas: Mercado das
Letras, 2002.
ECO, Umberto. Seis passeios pelo bosque da ficção. São Paulo: Companhia
da Letras, 2006.
FREIRE, Paulo. Pedagogia do oprimido. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1983.
____________. A importância do ato de ler: em três artigos que se
completam. São Paulo: Cortez, 2006.
GRAMSCI, A. Os intelectuais e a organização da cultura. Rio de Janeiro:
Civilização Brasileira, 1991.
KRAMER, Sonia. Infância, cultura e educação. In: EVANGELISTA, Aracy
(org.). No fim do século: a diversidade – Jogo do livro infantil e juvenil.
Belo Horizonte: Autêntica, 2000.
LAJOLO, Marisa. Do mundo da leitura para a leitura do mundo. São
Paulo: Ática, 2002.
PAULINO, Graça et al. Tipos de textos, modos de leitura. Goiânia:
Formato, 2001.
SILVA, Ezequiel Theodoro da. Elementos da pedagogia da leitura. São
Paulo: Martins Fontes, 1998.
SOARES, Magda. Linguagem e escola: uma perspectiva social. São Paulo:
Ática, 2000.
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Oralidade e Escrita na Prática Escolar Alfabetização, Discurso e Aprendizagens
ISSN: 2177-4072

SOUZA, Renata Junqueira. Caminhos para a formação do leitor. São


Paulo: DCL, 2004.
TREVIZAN, Zizi. Poesia e ensino: antologia comentada. São Paulo: Arte
& Cultura – Unip, 1995.
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O Processo de Ensino e Aprendizagem de


Leitura e Escrita:
estudo realizado com crianças de escola pública oriundos
de classes populares

Veronica Fortuna 1

Soleide Silva Ferreira2

RESUMO
O presente estudo aborda a importância das questões da aprendizagem, de modo
especial, na apropriação da linguagem escrita. A pesquisa objetiva analisar a produção
da escrita em crianças do ensino fundamental, como também, caracterizar e verificar
as tipologias dos erros ortográficos e por fim relacioná-las como nível
socioeconômico. A pesquisa será de natureza qualitativa e quantitativa. O
levantamento das dificuldades na transcrição de palavras será efetuada através de uma
prova de ditado de um texto. Será igualmente entregue um breve questionário para
levantamento de dados sociodemográficos. Retiraremos inicialmente 4 textos com
aproximadamente 150 palavras e solicitaremos a um “júri” de 3 professores que
lecionam os primeiros anos do ensino fundamental que escolherão um deles próximo
dos interesses e contexto dos alunos. O texto será ditado pelo próprio docente da
turma. Na escrita dos 50 alunos que participaram da pesquisa, percebe-se que há uma
relevante ocorrência de erros ortográficos por alunos que ratifica o estado de
dificuldade de aprendizagem na escrita dos estudantes. Sabe-se que são muitas as
causas que explicam esse déficit, vão desde o aspecto social, biológico ao aspecto da
maturidade. Este artigo expõe parte dos resultados de uma pesquisa realizada em uma
escola pública localizada em uma periferia de Aracaju.

Palavras-chave: Aprendizagem, leitura e escrita.

1
Contato do(a) autor(a): ve.30@hotmail.com. Graduada em Pedagogia. Pós-graduada
em Psicopedagogia Clinica e Institucional, Politica Educacional e Social.
Universidade Federal de Sergipe – UFS
2
Contato do(a) autor(a): soll.rena@hotmail.com. Graduada em Pedagogia. Pós-
graduada em Psicopedagogia Clinica e Institucional, Politica Educacional e Social.
Mestre em Ciências da Educação. Universidade Lusófona de Humanidades e
Tecnologia
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INTRODUÇÃO

O presente estudo aborda a importância das questões da


aprendizagem e as dificuldades de aprendizagem, de modo especial, na
apropriação da linguagem escrita.

A pesquisa tem relevância social porque, levantaremos informações


sobre as dificuldades de aprendizagem na escrita em crianças de escola
pública, normalmente oriundas das camadas populares, onde será verificado
as dificuldades mais freqüentes na aprendizagem da escrita por fim faremos
uma relação entre a linguagem oral e a linguagem escrita.

A pesquisa objetiva analisar a produção da escrita em crianças nos


primeiros anos do ensino fundamental, como também, caracterizar e verificar
as tipologias dos erros ortográficos e por fim relacioná-las como nível sócio-
econômico.

É importante salientar que o presente projeto tem o propósito de tornar o


assunto disponível para outros pesquisadores, sugerindo discussões e
possíveis contribuições para o conhecimento e tomada de decisões quanto ao
nível de dificuldade de aprendizagem na escrita em crianças de meios
populares em Aracaju.

1 ENQUADRAMENTO TEÓRICO

A Escrita

O domínio da escrita representa uma grande importância na vida do


homem, a linha do tempo divide sua história em antes e depois da escrita,
pois a partir desta descoberta foi possível registrar sua cultura, as canções,
suas poesias, enfim, sua maneira de ver o mundo. Segundo Teberosky (2002)
a importância social da escrita, em termos de controle, governo,
administração, é tamanha que a cidade como forma social de organização era
desconhecida nas sociedades orais.

Na época da pré-história utilizavam figuras registradas em pedras para


transmitir informações, tais registros fornecem um conhecimento resumido
de uma era sem escrita. E para que essas informações fossem transmitidas,
fazia-se uso de várias formas de expressão como gestos, ruídos, Sinais de
fumaça e tantos. Mas, a esse respeito Cagliari afirma que:

Um desenho não participa necessariamente de um tipo de escrita. A


escrita, para ser qualificada como tal, precisa de um objetivo bem
definido, que é fornecer subsídios para que alguém leia
(CAGLIARI,1996, p.104).

Em relação à evolução da escrita, vistas em seus aspectos gerais,


Cagliari (1996) a descreve em três diferentes etapas: Pictórica, Pictórica e
Alfabética.
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Aprendizagem da Escrita

Pode-se afirmar que a alteração do comportamento é o resultado final da


aprendizagem. Segundo Nelson Piletti (2006), a aprendizagem é uma
mudança de comportamento que resulta da experiência.

Para Gagné, a aprendizagem é uma modificação na disposição ou na


capacidade do homem, modificação essa que pode ser anulada e que não
pode ser simplesmente atribuída ao processo de crescimento (Apud Nelson
Piletti, 2006).

Na definição de Morgan (1977, p.90) a aprendizagem é qualquer


mudança relativamente permanente no comportamento, e que resulta de
experiência ou prática.

Aprendizagem específica da escrita está vinculada a um conjunto de


fatores que adota como princípios o domínio da linguagem e a capacidade de
simbolização. Aos poucos, as crianças devem compreender como o sistema
funciona, o que nota/representa e como a escrita cria estas notações/
representações. Ou seja, sua aprendizagem se converte em um novo objeto de
conhecimento, trata-se de uma aprendizagem conceitual (FERREIRO, 2001,
MORAIS, 2005).

Bernal (Apud Teberosky, 2002) chama a escrita de “a maior invenção


manual-intelectual criada pelo homem”.

Na evolução da escrita houve inúmeras transformações até chegarmos à


forma atual: o alfabeto. No processo da aquisição da escrita a criança também
passa por fases no período da alfabetização, revela Ferreiro e Teberosky
(1999) que são cinco fases sucessivas de produção escrita que a criança terá
que vivenciar e ultrapassar:

 Primeira fase - na construção da escrita a criança descobre


os limites que a separa do desenho, conforme Ferreiro e Teberosky
(1999), percebe-se algum ensaio figurativo entre a escrita e o desenho
onde a criança escreve partindo da idéia de que a quantidade ou o
tamanho das letras deve estar de acordo com o objeto que representa.

 Segunda fase – caracteriza-se pela atribuição de escritas


diferenciadas, a forma dos grafismos é mais redefinida e mantém uma
proximidade maior com as letras.

 Terceira fase – envolve as propriedades sonoras das letras,


neste nível a criança acredita que cada letra equivale a uma sílaba.
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 Quarta fase – é a transição da hipótese silábica para a


alfabética, pois, segundo Ferreiro e Teberosky:

A criança abandona a hipótese silábica e descobre a necessidade de


fazer uma análise que vá “mais além” da sílaba pelo conflito entre
hipótese silábica e a exigência de quantidade mínima de gramas (...) e
o conflito entre as formas gráficas que o meio lhe propõe e a leitura
dessas formas em termos da hipótese silábica (FERREIRO &
TEBEROSKY, 1999, pg. 214).

Mediante Correia (2001), a respeito desses conflitos, acrescenta que essa


problematização deve estar em consonância com as práticas sócio-educativas
referente à leitura e a escrita do meio em que a criança vive.

 Quinta fase – a criança é capaz de fazer relações entre grafemas e


fonemas, ou seja, alcança a escrita alfabética.

É bom ressaltar que estas construções não ocorrem linearmente em cada


aluno, pois ele passa por processos diferentes de acordo com o seu próprio
ritmo. O que importa, realmente, é que cada aluno tenha vivido e superado
seus níveis de aprendizagem da escrita no período da pré-escola para que não
se defronte com problemas mais adiante.

Relação entre a Leitura e a Escrita

A linguagem humana e sua codificação são fatores que devem ser


analisados antes da leitura e escrita, que por sua vez são partes integrantes a
ela (Rebelo, 1993). O autor define linguagem como um sistema de símbolos
que permite a comunicação entre organismos ou membros de uma espécie,
podendo afirmar que tanto os seres humanos como os animais são dotados de
linguagem.

Com relação às formas de linguagem humana, o autor supramencionado


esclarece serem as formas: Linguagem falada – utiliza sons e palavras
articulados, susceptíveis de serem ouvidos; Linguagem escrita – designada de
gráficos, emprega letras como sinais convencionais, representativos dos sons
da língua; Linguagem corporal – através de movimentos, postura e gestos,
voluntários ou involuntários, que comunicam algo que as pessoas desejam
exprimir. Tal linguagem é importante, sobretudo nos primeiros meses de vida
e mesmo em idade mais avançada, quando existe dificuldade em utilizar
outras formas de comunicação.

O domínio da escrita é o resultado de um longo processo de


organização do desenvolvimento da linguagem/fala, que permeia a
construção de: gestos significativos, brincadeira de faz-de-conta,
desenho e escrita (VYGOTSKY, 1984).

A Relação da Escrita com o Contexto Sociocultural

A realidade das condições de domínio da escrita das crianças que


moram em periferia e estudam em escola pública é bem clara e lamentável,
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pois comumente elas não desempenham as competências de acordo com a


sua idade/série. E segundo Ferreiro e Teberosky (1989), as expectativas de
resolver os problemas denominados de seleção social e expulsão encoberta,
gerados pela distribuição desigual de oportunidades educacionais, não se
concretizaram e muitas crianças que são matriculadas nas escolas continuam
sem aprender a ler e a escrever, porque a solução para o problema do fracasso
escolar, durante a alfabetização, exige não apenas mudanças nas concepções
de ensino e aprendizagem, mas demanda, sobretudo, empenho e vontade dos
Poderes Públicos no sentido de garantirem as condições para que o sistema
educacional possibilite a efetiva aprendizagem.

É importante lembrar que a maioria das escolas públicas permanece


com salas cheias, ou seja, com quantidade de discentes acima da capacidade
máxima por sala. Dificultando, assim, o processo de ensino-aprendizagem.

2 OBJETIVO, PROBLEMA

Objetivo Geral

 Analisar a reprodução da escrita em


crianças dos primeiros anos do ensino fundamental.

Objetivos Específicos

 Verificar a incidência dos erros


ortográficos numa prova de ditado;

 Caracterizar os erros pela sua tipolgia

 Verificar as tipologias de erros mais


frequentes.

Problema

 Quais as dificuldades na transcrição


escrita em crianças dos anos finais do ensino
fundamental de uma Escola Municipal?

Amostra / Sujeito

A amostra será aleatória, composta por 50 alunos com


idades variando de 9 a 12 anos e, que fazem parte dos 4º e 5º anos do Ensino
Fundamental.

Instrumento

A pesquisa será de natureza qualitativa e quantitativa. O


levantamento das dificuldades na transcrição de palavras será
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efectuada através de uma prova de ditado de um texto. Será


igualmente entregue um breve questionário para levantamento de
dados sócio-demográficos.

Material e Procedimento

Retiraremos inicialmente 4 textos com aproximadamente 150 palavras e


solicitaremos a um “juri” de 3 professores que lecionam os primeiros anos do
ensino fundamental que escolherão um deles próximo dos interesses e
contexto dos alunos. O texto será ditado pelo próprio docente da turma.

CONCLUSÃO

A análise dos dados evidenciou que na escrita dos 50 alunos que


participaram da pesquisa, há uma relevante ocorrência de erros ortográficos
que ratifica o estado de dificuldade de aprendizagem na escrita dos
estudantes.

Incidência de erros ortográficos obtidos:

Série1;
Classe 4;
14% 136;
12% Série1;
Classe 1;
Série1; 601;
Classe 2; 55%
207;
19%

Classe 1 Classe 2 Classe 3 Classe 4


Classes de erros – Representação de incidência de erros de acordo com
as classes de erros

Texto:Como se forma o arco-íris? (5º anos)

Classe I - erros foneticamente e graficamente incorretos - erros de


adição (tipo 1), de omissão (tipo 2), de substituição (tipo 3) e de troca de
posição ou inversão (tipo 4).
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Classe II - erros foneticamente corretos e graficamente incorretos -


substituição de maiúsculas/minúsculas (tipo 5), as grafias homófonas (tipo 6),
as omissões ou adições de sons mudos (tipo 7) e os erros de
divisão/aglutinação (tipo 8).

Classe III - outros - III classificamos como erros as grafias ilegíveis


(tipo 9), palavras omitidas (tipo 10) e palavras substituídas (tipo 11).

Classe IV - erros relacionados com acentos - todos os erros


relacionados com acentos (tipo 12)

REFERÊNCIAS

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A Linguística no Enfrentamento da
Medicalização:
sintomas da dislexia em foco

Lays Santana de Bastos Melo1

RESUMO
A facilidade, rapidez e frequência na maneira como é oferecido o rótulo de dislexia às
crianças em idade escolar é surpreendente e faz refletir sobre as tendências
mercadológicas de uma sociedade medicalizante. Assim, o presente trabalho tem
como objetivo lançar bases para o debate em torno de sintomas tradicionalmente
reconhecidos como típicos da dislexia. Para isso, aborda novas perspectivas a respeito
do funcionamento cognitivo durante a leitura, enfatizando a estratégia da predição
(segundo a qual a leitura se realiza a partir da construção de significados através da
testagem de hipóteses ou adivinhações) e realiza uma análise crítica de características
apresentadas na leitura de crianças. Portanto, dependendo da concepção que se possui
de língua e de leitura, o presente artigo revela de que forma a linguística pode auxiliar
na desmistificação de sinais inicialmente apontados como patológicos, acompanhando
o desejo de enfrentamento do processo de medicalização da aprendizagem.

Palavras-chave: Dislexia. Estratégias cognitivas. Leitura.

1
Contato do(a) autor(a): laysbastos@yahoo.com.br. Doutoranda em Língua e Cultura
– UFBA

.
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INTRODUÇÃO

Aprender envolve uma associação de elementos, sejam eles emocionais,


culturais, biológicos e pedagógicos. O mau funcionamento em alguma destas
áreas pode gerar manifestações negativas durante o processo da leitura e da
escrita. Assim, a dificuldade porventura apresentada pela criança precisa ser
analisada nestas diversas facetas, com o intuito de verificar a influência de
cada uma delas e direcionar a atuação.

A frequência, a facilidade e o pouco rigor no modo como, muitas vezes,


surge o termo dislexia e a observação do desempenho de crianças em idade
escolar quanto às atividades de leitura e escrita constituem-se motivação para
as considerações realizadas no presente artigo (PINTO, 2008).

Convém, nesse ínterim, diferenciar os diversos tipos de perturbação de


leitura: (1) O transtorno adquirido, proveniente de lesão cerebral específica,
reconhecido como alexia, e que afeta indivíduos com competência prévia em
leitura; (2) as dificuldades de leitura transitórias, relacionadas às inadaptações
ao método escolar, às restritas oportunidades de educação básica de
qualidade e / ou às questões afetivas e (3) a “dislexia” propriamente dita, que
se manifesta na criança na ausência de qualquer lesão cerebral (SHAYWITZ,
2006). Neste último caso, o diagnóstico está associado à discrepância entre o
nível intelectual e o desempenho de leitura, constatados através de testes,
muitas vezes, descontextualizados.

Aqui cabe registrar uma consideração. A leitura eficiente deve ser


realizada levando-se em conta a integridade do texto, a construção frasal e o
encadeamento das ideias ao longo dos parágrafos, que colaboram na
coerência e coesão textual e na extração do significado. Analisar o
desempenho de leitura através de testes com palavras isoladas em cartões,
como é feito através da abordagem da Psicologia Cognitiva (STERNBERG,
2000), pode ser perigoso à medida que retira da criança a possibilidade de
verificar como ela se comporta em situação natural.

Analogicamente, imaginemos que um cientista deseje estudar o modo


como as pessoas caminham. Ao fazer isso, ele propõe amarrar uma perna de
cada vez para observar como a outra se comporta isoladamente. A partir de
então, deixa-se de caminhar e a deambulação é substituída por saltos. Ou
seja, a situação natural é modificada e os resultados são diferentes do
original, perdem a fidedignidade. Assim seria na avaliação do desempenho
em leitura utilizando-se de palavras isoladas.

Segundo a visão biológica da dislexia, a perturbação teria origem


genética e estaria associada a uma disfunção nas áreas cerebrais responsáveis
pelo processamento da leitura. Além disso, o diagnóstico exclui existência de
lesão cerebral, presença de deficiências sensoriais, cognitivas e também
escolarização inadequada (ABD, 2009; ORTON DYSLEXIA SOCIETY
RESEARCH COMMITTEE, 1994; DSM-IV, 2002). Entretanto, a definição
pela exclusão não se constitui uma maneira clara de identificação do
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problema e parece, até mesmo, negar a possibilidade de existir uma criança


disléxica proveniente de meios sócio-econômicos desfavorecidos.

Apesar disso, há uma forte tendência em generalizar diagnósticos


médicos referentes aos distúrbios de aprendizagem. Em seu texto
“Disbicicléticos”, Rodrigues (2005) encara como a medicalização do
diferente pode ser a solução para eximir de responsabilidade aqueles que
lidam diretamente com a criança:

Dani é uma criança que não sabe andar de bicicleta. Todas as outras
crianças do seu bairro já andam de bicicleta; os da sua escola já andam
de bicicleta; os da sua idade já andam de bicicleta. Foi chamado um
psicólogo para que estude seu caso. Fez uma investigação, realizou
alguns testes (coordenação motora, força, equilíbrio e muitos outros;
falou com seus pais, com seus professores, com seus vizinhos e com
seus colegas de classe) e chegou a uma conclusão: esta criança tem
um problema, tem dificuldades para andar de bicicleta. Dani é
“disbiciclético”.

Agora podemos ficar tranquilos, pois já temos um diagnóstico. Agora


temos a explicação: o garoto não anda de bicicleta porque é
disbiciclético e é disbiciclético porque não anda de bicicleta. Um
círculo vicioso tranquilizador. (...) Pouco importa, porque o
diagnóstico, a classificação, exime de responsabilidade aqueles que
rodeiam Dani. Todo o peso passa para as costas da criança. Pouco
podemos fazer. O garoto é disbiciclético! O problema é dele. A culpa
é dele. Nasceu assim. O que podemos fazer?

Realizando uma analogia com as crianças disléxicas, os fatos são


semelhantes desde a mais tenra idade. A diferença de desempenho
apresentada nas atividades de leitura e escrita em relação aos colegas da
mesma faixa etária torna-se preocupação para os pais, que levam seus filhos a
uma série de profissionais e, dentre as avaliações, o médico constata uma
disfunção cerebral através de um exame como a Ressonância Magnética
Funcional – uma prova científica! Rodrigues (2005) acredita que é a partir
deste ponto que se entra num ciclo vicioso, no qual o diagnóstico justifica os
problemas e vice-versa. Numa adaptação à versão disléxica do seu texto
Disbicicléticos, dar-se-ia os seguintes questionamentos:

Por que a criança lê silabado? “É que ela tem dislexia”. Ah bom, pensei
que fosse por influência de algum método de alfabetização.

Por que a criança não gosta de ler? “É que ela tem dislexia”. Ah bom,
pensei que fosse por falta de motivação.

Por que a criança não compreende a leitura? “É que ela tem dislexia”.
Ah bom, pensei que fosse porque não lhe ajudaram.
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E as prováveis justificativas para estes “sintomas” encontram-se


baseadas unicamente na dislexia. O diagnóstico torna-se o suporte para
resignação e retirada de culpa dos pais e profissionais que lidam com estas
crianças. A presença de queixas escolares tornou-se a válvula de escape
inclusive para educadores que descartam a importância de sua participação na
construção desses problemas e se isentam de responsabilidade.

É preciso que o senso crítico dos profissionais de saúde e familiares


permeie a atitude frente à criança com problemas de aprendizagem e que a
satisfação pessoal em dar uma explicação biológica para o transtorno não
permita esvanecer os fatores sociais e culturais que permeiam a condição
humana. O cego atrelamento ao diagnóstico reduz as potencialidades e
subjetividade da criança à dificuldade com a leitura. É de suma importância
debater os estigmas perpetuados através de verdades pré-estabelecidas.

1 A HIPÓTESE DA ESTRATÉGIA DA PREDIÇÃO NA


LEITURA

Todo ser humano nasce com a capacidade para aprender. Alguns


aprendizados ocorrem em meios informais, outros precisam da presença de
um intermediador, geralmente o professor, como ocorre com a leitura e a
escrita, fazendo parte da aprendizagem escolar. Maia (2011) refere que entre
estes dois pólos, há uma gama de variações entre um aprendizado mais
intuitivo e o “ensinado”: “Sempre existem aqueles que aprendem sozinhos.
Esses, na verdade, estão reproduzindo por imitação erros e acertos,
experimentação, e incorporando de forma autodidata o conhecimento
socialmente construído”.

Existem, inclusive, estudos atuais que defendem o funcionamento


cerebral durante o aprendizado como sendo baseado na formulação de
hipóteses e verificações. A confirmação ou não destas adivinhações cerebrais
constroem o modo como as crianças aprendem.

Inclusive, uma equipe de pesquisadores chegou a esta conclusão pelas


características das respostas do córtex visual primário, área essencial para a
visão. Os cientistas notaram que imagens induzem respostas mais fracas
nesta área quando uma informação é previsível. Significa que o cérebro
requisita menos esforço quando já possui suas hipóteses e tenta ativamente
prever os sinais.

Strauss (2012) defende que quando o cérebro realiza uma previsão


correta, ele é recompensado ao reagir de forma mais eficiente. Quando ocorre
um erro, a demanda de trabalho é maior para descobrir por que aquela
hipótese estava errada, propondo outras previsões para o problema.

Funciona mais ou menos assim: você deixa o seu carro, que é vermelho,
num estacionamento de shopping e vai realizar compras. Ao retornar para
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procurar o carro, seu cérebro prevê as possibilidades de localização do carro


através da cor: procurando um carro vermelho. É o que se espera. Ao chegar
perto de um carro vermelho, do mesmo modelo e percebe que tem um
adesivo diferente no vidro traseiro, o cérebro entre em “choque” porque não
esperava isso. O carro não é o seu. A hipótese estava errada e terá que
realizar um esforço maior para estabelecer novas previsões.

E o que tais explicações têm a ver com a leitura?

A predição é um processo natural e frequentemente realizado no


cotidiano. É da natureza do ser humano planejar e formular hipóteses. Desde
o momento da saída de casa imagina-se como serão as atividades. Assim
também ocorre na leitura e, na maioria das vezes, de maneira inconsciente.

A percepção visual depende dessas previsões. Tal pressuposto contrasta


com a antiga ideia de que a percepção visual seria resultado, principalmente,
de respostas automáticas aos sinais visuais recebidos pelo cérebro.

Na perspectiva de Smith (2003), a leitura se processa a partir de


elementos visuais e não visuais, em que os primeiros dizem respeito aos
aspectos físicos, como as letras impressas, e o segundo refere-se aos
elementos que são carregados na mente, como o conhecimento do assunto
abordado. Quanto mais informação não-visual se possui, menos informação
visual é requisitada. “Por isso, crianças e leitores inexperientes têm
dificuldades com a leitura: seu repertório muitas vezes é limitado, tornando a
compreensão lenta, ou até mesmo impossível. É preciso que haja uma
combinação entre os elementos visuais e não-visuais para que ocorra uma
interação entre o leitor e o texto”.

Para o senso comum, quando se lê, acredita-se que o processamento


ocorre letra por letra, até formar uma palavra. Depois, junta-se palavra por
palavra, forma-se uma frase e retira-se o sentido dela. Na verdade, esta
sequência afasta-se da realidade: quase todo esse processo é imediato. As
letras e os grafemas são identificados quase que imediatamente a fim de que
a extração do sentido também seja instantânea. A razão para isso é o nosso
repertório de informações não-visuais, ou seja, os conhecimentos gramaticais
do idioma e de mundo.

Assim, é dessa forma que se processa a leitura diante, por exemplo, da


eliminação de algumas pistas textuais. Se uma palavra começa com “h”, os
conhecimentos gramaticais inerentes do português direcionam que, em
seguida, virá uma vogal e não uma consoante. Quanto ao conhecimento de
mundo, ele auxiliaria numa frase assim disposta: “Estou com calor. Vou
tomar um ____.” Neste item, as possibilidades de alternativas que o
completam são relativamente pequenas. Logo, não se demanda muito tempo
tentando extrair o significado da frase. E mesmo que não saibamos o
significado de uma determinada palavra, muitas vezes podemos deduzi-lo de
acordo com o seu contexto. Grande parte de nosso vocabulário é aprendido
dessa maneira. Da mesma forma, o conhecimento prévio do que está para ser
lido faz uma enorme diferença para a leitura. Isso ocorre porque as incertezas
são diminuídas, então nos tornamos mais confiantes para seguir adiante.
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É neste sentido que a captação do significado do texto é baseada em


previsões ou expectativas. Smith (2003) explica que essas previsões são
múltiplas e abrangem diversos níveis: algumas duram por toda a leitura
enquanto outras são rapidamente descartadas. Imagina-se que o leitor esteja
diante de um livro com temática policial. Sua previsão global para o texto é a
solução de um crime e ele irá percorrer todas as páginas esperando por ela.
Porém, dentro do texto, outras previsões vão surgindo. Essas previsões se
estendem pelos parágrafos e até mesmo pelas frases – ao terminar uma frase,
logo se deseja partir para a outra. São essas expectativas que o leitor tem que
mantém o desenvolvimento da compreensão (pode ocorrer também de essas
previsões simplesmente não se cumprirem). A maneira utilizada para que as
expectativas e as intenções se cruzem é através das convenções: esquemas do
gênero, as páginas, a estrutura do discurso, a coesão, a gramática e, por fim, a
ortografia.

A neuropsicologia e a psicologia cognitiva também corroboram a


existência de duas vias de leitura: a direta, utilizando um sistema visual para
atingir diretamente a semântica através da construção do significado
(correspondendo ao acesso às informações não-visuais) e a indireta, em que o
sistema visual estaria ligado ao processamento fonológico (enfatizando o uso
de informações visuais). Se a leitura eficiente é considerada como um
resultado da interação de ambos os tipos de processamento, porque, ao tratar
de crianças com problemas de aprendizagem, enfatizar apenas o
processamento de informações visuais em detrimento das não-visuais?

A concepção de leitura desenvolvida pelos estudos sobre processamento


cognitivo também defende que a predição (ou adivinhação, antecipação,
previsão) consiste em uma racionalização metalinguística sobre a
textualidade e sua construção – a partir de elementos fônicos,
morfossintáticos, semânticos, pragmáticos e textuais (DALL’AGNOL, 2011).

Assim, é necessário ir de encontro com a crença comum de que ler


através de adivinhações indica uma leitura superficial ou apressada, mas sim,
constitui-se um indicativo de capacidade de preditibilidade, o leitor torna-se
participativo e o texto, mais significativo (BORBA, 2005). Se as crianças
disléxicas possuem a mesma capacidade das normoleitoras em desenvolver
habilidades de conhecimento de mundo, através de suas experiências
socioculturais, o acesso à compreensão através das informações não-visuais
deve ser estimulado tão quanto o processamento visual através do princípio
fonológico.

Um dos mais importantes teóricos da estratégia da predição, Goodman


(1984), explica que a visão de leitura contra qual escreve é aquela que a vê
como um processo preciso, envolvendo percepção exata, detalhada e
sequencial de letras, palavras e unidades linguísticas. Em contrapartida, ele
propõe um modelo em que:

ler é um processo seletivo. Envolve uso parcial de pistas linguísticas


mínimas apreendidas por input perceptual encaminhado pela
expectativa do leitor. Sendo processada essa informação parcial,
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decisões são feitas para serem confirmadas, rejeitadas ou refinadas


enquanto que o leitor avança.

É desta forma que a adivinhação assume importância na leitura e,


inclusive, Smith (2003) afirma que a leitura fluente é aquela que depende
menos dos olhos, afinal, “quanto mais exigimos de nossos olhos mais nossos
olhos se tornam funcionalmente cegos”. Ela seria como um jogo de apostas
automonitorado, em que o sujeito estabelece uma hipótese, realiza o controle
e chega (ou não) ao êxito.

Dall’Agnol (2011) em seu debate “Leitura: A adivinhação


desejável”, defende que, através das predições, “o leitor tem uma ferramenta
interpretativa a mais, dá um passo adiante na sua capacidade leitora quando
adota, com consciência linguística, a estratégia de adivinhação. Depreende-se
dessa hipótese a importância da metacognição para uma leitura satisfatória.”
A estimulação da consciência morfossintática, por exigir habilidades do uso
do contexto, seria um caminho neste sentido. Como afirma Maia (2011), a
estimulação é a “ginástica” que o cérebro precisa para desenvolver suas
conexões neurais. Ressalta-se que as adivinhações podem variar também de
acordo com a cultura em que o indivíduo está inserido e a sua eficácia
depende de uma automonitorização constante.

2 DESMISTIFICANDO CARACTERÍSTICAS DA
LEITURA DISLÉXICA

De posse das informações acima, serão discutidos os principais “erros”


supostamente indicativos da dislexia e as explicações linguísticas associadas
(ressalta-se que podem ocorrer também por simples lapsos).

Ao considerar o comportamento diferenciado do aluno diante de


atividades com leitura e escrita como “doença ou desvio da normalidade”,
cria-se a tendência do direcionamento para a medicalização. Daí a
importância de reflexões críticas sobre as características mais comuns
apresentadas pela criança considerada “disléxica”. São constantes as
discussões na literatura a respeito da existência ou não do distúrbio.
Entretanto, não é o objetivo do presente artigo estabelecer uma posição rígida
diante disto, mas oferecer suporte para uma análise baseada no bom senso,
antes de rotular uma criança como disléxica.

As alterações paragráficas e paraléxicas de leitura envolvem


substituições semânticas e seriam os principais erros cometidos por crianças
com dislexia. Elas comportam alterações do seguinte tipo:
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Figura 1- Exemplos de alterações de ordem semântica na leitura.

Neste exemplo, observa-se que a substituição por palavras não interfere


na manutenção da compreensão global do texto. Se a leitura é a produção de
significados, e estes ocorrem através da testagem de hipóteses, que são
confirmadas ou não, então houve êxito durante a leitura.

Analisando as substituições apontadas, percebe-se que há uma


correlação adequada no campo do significado. O texto continua a fazer
sentido para o sujeito, porque os itens permutados são sinônimos. Presume-se
que a criança, durante seu processamento cognitivo da leitura, alcançou o
campo semântico antes mesmo do fonológico. Ela faz uso do seu
conhecimento de mundo para inferir as próximas palavras do texto e
consegue eficácia na compreensão global.

Pode-se inclusive, estabelecer uma relação entre concepções de língua e


de leitura que estariam por trás da medicalização do processo de
alfabetização:

Ao se conceber a Língua como estrutura ou código, o texto é visto como


um simples produto de codificação de um emissor a ser decodificado pelo
leitor, bastando a este, para tanto, o conhecimento do código utilizado. Neste
sentido, a leitura realizada pelo indivíduo acima seria considerada defasada.

Por outro lado, concebendo a Língua como interação autor-texto-leitor,


os sujeitos são vistos como atores/construtores sociais, sujeitos ativos que,
dialogicamente, se constroem e são construídos no texto (KOCH, ELIAS,
2006). Nessa perspectiva, a leitura é encarada como sendo a extração de
significados e a atividade de captação das ideias do autor, uma atividade na
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qual se leva em conta as experiências e os conhecimentos do leitor; exige


deste bem mais que o conhecimento do código linguístico, uma vez que o
texto não é simples produto da codificação de um emissor a ser decodificado
por um receptor passivo. Neste caso, cada criança produz um texto diferente
e a atividade da criança seria considerada aceitável e suficiente por um
professor.

No exemplo já oferecido anteriormente: “Estou com calor. Vou tomar


um ____.” A criança poderia completar com “sorvete” ou “banho”. A escolha
do item a completar o espaço sofre influência de seu conhecimento de mundo
e das experiências pessoais. Como acredita Strauss (2011), a extração do
sentido da leitura depende do conhecimento de mundo do leitor e ele está
sob seu controle. A utilização excessiva da estratégia fônica retira esse
“controle” do sujeito, gerando leituras pobres, pois assim, reduz-se a
possibilidade de interação com o texto. Este tipo de leitura é resultado de uma
supervalorização do método fônico na alfabetização e seria responsável por
uma “superfonologização”, o que gera a leitura silabada e também, alterações
de ordem fonética, como a substituição de palavras semelhantes quanto à
sonoridade – o que pode gerar erros de compreensão. Vejamos um exemplo
de leitura em que predominam este tipo de adivinhação.
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Figura 2 – Exemplos de alterações de ordem fonética na leitura.

Neste sentido, crianças que realizam adivinhações de alta qualidade e


conseguem confirmações na maioria das vezes, seriam as normoleitoras.
Aquelas que possuem baixa qualidade de adivinhações seriam consideradas
disléxicas.

Outro ponto importante abordado por Smith (2003) é a forma como é


capturado o sentido de uma palavra. Pensa-se que é o conjunto de letras que
oferece o significado, ou seja, que a imagem da palavra remete diretamente
ao seu sentido. Quando lemos “bola”, por exemplo, isso não se traduz para a
definição de bola e depois para a sua imagem. Ela ocorre de forma
automática. Esse processo de identificação do sentido se perde ao realizar a
subvocalização durante a leitura, quando se ouve a própria voz lendo. Esta
característica retarda o processo de leitura e, consequentemente, a
compreensão.

A subvocalização é frequentemente associada aos sintomas disléxicos.


Entretanto, pode constituir apenas um resíduo indesejável dos hábitos de
leitura adquiridos na escola, que frequentemente privilegia a oralização, ou
ainda, pode estar presente diante de um aumento no nível da dificuldade do
texto e a pouca familiaridade das palavras (SMITH, 2003).

Logo, mais uma vez, o reconhecimento global e o uso do recurso das


informações não-visuais permitem economizar a informação visual através da
antecipação. Saber ler não é fazer uso de toda informação visual disponível,
mas a que for suficiente para interagir com o nível de familiaridade que se
possui sobre o texto.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Diante das informações discutidas, pode-se observar como o


conceito de dislexia pode estar relacionado à concepção de leitura. Se esta
concepção resume-se apenas à atividade de decodificação, os erros
apresentados podem conduzir a um diagnóstico não fidedigno de dislexia.

Ao contrário, conceber a leitura como extração de significado


construído a partir de uma interação texto-leitor leva a entender que cada
sujeito produz um resultado mais ou menos diferenciado a partir de um
mesmo texto, onde sua visão de mundo e aspectos culturais influenciam a
compreensão.

Com esses conhecimentos, consegue-se entender porque muitas formas


de ensino de leitura não atingem seus objetivos e se tornam frustrantes. É
preciso oferecer importância ao significado do discurso como um todo, e não
apenas seguir a tendência de se concentrar sequencialmente nas letras,
palavras e frases. A leitura significativa é uma forma adequada de expansão
do vocabulário e constitui base de conhecimento sólida.
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Segundo essa lógica, a leitura, mais do que uma “transmissão de


mensagem”, é compreensão. Sua definição é riquíssima e depende da
finalidade e do objeto da leitura. Os sinais impressos no papel servem para
responder questões que o próprio leitor formula. Logo, a leitura é a busca
pela resposta dessas questões.

Finalmente, este artigo ressalta a necessidade de valorização de uma


leitura que vá além do alcance dos olhos. Muito mais que decifrar os códigos
utilizados para a emissão de uma mensagem escrita, ler implica compreensão
daquilo que ultrapassa os limites da simples decodificação.

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Influência da Consciência Morfossintática na


Aprendizagem da Leitura e Escrita:
Diretrizes da Literatura Científica

Lays Santana de Bastos Melo1

RESUMO

Este artigo apresenta uma revisão da literatura a respeito da produção científica sobre
consciência morfossintática e suas relações com a aprendizagem da leitura e da
escrita. Já é bem divulgada a capacidade da consciência fonológica agir
beneficamente sobre o desempenho de crianças com problemas para ler e escrever. A
consciência morfossintática, por sua vez, também pode se constituir como uma faceta
de investigação dentre as habilidades cognitivas envolvidas no processo de
alfabetização. Adotou-se como metodologia a pesquisa bibliográfica de caráter
exploratório e descritivo, tendo como fontes artigos científicos publicados nas bases
eletrônicas do Scielo, Lilacs e Periódicos Capes. Privilegiaram-se as publicações em
língua portuguesa datadas entre 1990 e 2012. A coleta de dados ocorreu no período de
março a maio de 2012, sendo selecionados 11 artigos que atendiam aos critérios
definidos. Para apresentação dos resultados, os achados foram organizados em três
tópicos de discussão. Evidenciou-se um consenso que existem correlações positivas
entre as variáveis em questão, embora seja rara a divulgação quanto à aplicação da
estimulação da consciência morfossintática como instrumento de trabalho voltado
para remediação de dificuldades de leitura ou escrita.

Palavras-chave: Consciência morfossintática. Leitura. Escrita.

1
Contato do(a) autor(a): laysbastos@yahoo.com.br. Doutoranda em Língua e Cultura
– UFBA

.
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II Seminário Nacional de Alfabetização e Letramento Alfabetização, Discurso e Aprendizagens
Oralidade e Escrita na Prática Escolar
ISSN: 2177-4072

INTRODUÇÃO

Dentre as habilidades metalinguísticas, três parecem influenciar o


aprendizado da leitura e da escrita: a consciência fonológica, a consciência
sintática e a consciência morfológica. A consciência fonológica possui um
amplo desenvolvimento em termos de pesquisas comparando-se com as
outras duas habilidades, que podem ser reconhecidas em conjunto como
consciência morfossintática.

Enquanto a consciência fonológica está ligada ao princípio fonográfico


de aquisição – que relaciona os grafemas aos sons que compõem a fala - o
processamento morfológico está mais fortemente associado ao princípio
semiográfico, que envolve estabelecer como os grafemas representam
significados (MAREC-BRETON; GOMBERT, 2004). A consciência
sintática, por sua vez, envolve a reflexão sobre a estrutura das frases.
Atualmente têm-se preferido o termo consciência morfossintática ou
gramatical (TUNMER, 1990) por estar relacionado com a habilidade de
refletir sobre a estrutura sintática (morfológica e gramatical) da linguagem,
implicando também o controle de sua aplicação (GOMBERT, 1992). Mais
especificamente, diz respeito à reflexão e controle intencional sobre os
processos formais relativos à organização das palavras para produção e
compreensão de frases.

Os morfemas são os menores signos linguísticos que encerram um


significado. Eles podem constituir palavras inteiras (por exemplo, o
substantivo casa) ou uma parte da palavra, portadora de significado (por
exemplo, o “s” na palavra casas, significando mais de um). Já a sintaxe
estuda tudo o que se relaciona com a combinação linear das palavras nas
frases. Desse modo, a consciência morfossintática diz respeito à capacidade
que o sujeito possui de fazer considerações, de modo consciente, sobre as
palavras enquanto categorias gramaticais e sua posição na frase
(considerações sintáticas) e a flexão e a derivação das palavras
(considerações morfológicas). (GUIMARÃES, 2005).

De acordo com Correa (2005), no caso específico da morfologia


derivacional, investiga-se a habilidade da criança em lidar com a formação de
palavras pelo acréscimo de prefixos ou sufixos a um radical ou ainda com a
decomposição de palavras derivadas gerando palavras primitivas. Quanto à
morfologia flexional, o estudo volta-se para a sensibilidade da criança às
flexões de modo-tempo e número-pessoa de verbos, adjetivos e substantivos.

No Brasil, pesquisadores como Barrera e Maluf (2003) e Capovilla e


Capovilla (2000) abordam a importância da consciência fonológica para
aquisição da língua escrita. Demonstram que o treinamento dessa habilidade
pode ser uma estratégia eficaz na remediação dos problemas de leitura.
Entretanto, pouco se discute a inclusão do treinamento em consciência
morfossintática em programas deste tipo, o que incita a realização de
investigações visando proporcionar novas evidências e sua divulgação.

O avanço de pesquisas no campo ocorre principalmente no sentido de


averiguar as relações entre consciência morfossintática e a leitura e escrita.
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Neste âmbito, o presente estudo busca fazer uma compilação dos achados
científicos referentes ao tema, com o intuito de apresentar à comunidade
acadêmica e aos profissionais da saúde e de educação uma reflexão a respeito
de novas perspectivas de cuidado dispensado às crianças aprendizes e
também aqueles que possuem algum transtorno de aprendizagem.

Defende-se o pressuposto de que a criança capaz de refletir sobre os


morfemas e as pistas sintático-semânticas, ou seja, as unidades de
significado, teria melhor desempenho na aquisição da leitura e escrita, através
da compreensão do princípio semiográfico.

Ressalta-se que a natureza do processamento requerido durante a leitura


e escrita está na dependência do tipo de ortografia ao qual o sujeito está
exposto. Nas ortografias mais regulares, por exemplo, o finlandês, o princípio
preferencialmente utilizado é o fonográfico, ao contrário das ortografias mais
opacas, como o inglês, em que o princípio semiográfico possui maior
relevância (MANN, 2000). O sistema de escrita do português é alfabético,
contendo algumas ambiguidades, mas é considerado como mais transparente
que os sistemas do inglês ou francês, que são bastante irregulares.

Diante das considerações expostas, vislumbra-se a necessidade de saber,


no português, qual a relevância do processamento destes princípios na
aprendizagem da leitura e escrita, em especial, no que diz respeito às
habilidades morfossintáticas.

1 MÉTODOS
A metodologia aplicada baseou-se na pesquisa bibliográfica de caráter
exploratório e descritivo, tendo como fontes artigos de revistas eletrônicas
publicadas nas bases de dados Scielo, Lilacs e Periódicos Capes. Foram
analisadas apenas publicações nacionais entre os anos de 1990 e 2012. As
palavras-chave utilizadas de forma combinada com os operadores booleanos
OR e AND foram: Consciência morfossintática, consciência morfológica,
consciência sintática, leitura, escrita, aprendizagem, ortografia. A coleta de
dados ocorreu no período de março a maio de 2012. Para discussão dos
resultados, os achados foram organizados conforme tópicos temáticos.

2 RESULTADOS
A busca bibliográfica resultou em 35 artigos. Em uma análise inicial,
por meio da leitura do título e do resumo, verificou-se que 14 artigos não se
relacionavam com o tema proposto, restando 21 artigos. Em seguida,
realizou-se uma leitura na íntegra desses artigos e observou-se que 10 não se
enquadravam no objetivo do estudo, restando, assim, 11 artigos. Os 10
artigos excluídos nessa fase final não se enquadravam nos critérios de
inclusão do estudo devido aos seguintes motivos: 3 artigos eram revisões de
literatura, 1 artigo tinha os adultos como sujeitos de pesquisa, 2 artigos se
referiam à influência do nível de escolarização na consciência
morfossintática, 2 artigos abordavam apenas as estratégias de avaliação das
habilidades em consciência morfossintática e 2 artigos tinham como objetivo
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a análise do desempenho de consciência morfossintática em crianças com


dificuldades de leitura e escrita.

Os dados foram sistematizados em três categorias: 1) os instrumentos de


avaliação de consciência morfossintática, 2) relação entre desempenho de
consciência morfossintática e a leitura e escrita, 3) as tendências de estudo
apontadas para o ramo.

3 DISCUSSÃO

Os Instrumentos de Avaliação da Consciência Morfossintática

A literatura revela uma variedade de instrumentos utilizados com a


finalidade de avaliar a consciência morfossintática, sendo que as categorias
de atividades propostas dependem dos objetivos específicos traçados em cada
estudo. Como pré-requisito para a inclusão nesta revisão de literatura, os
artigos deveriam investigar as habilidades de uso do contexto
morfossintático, embora também incluíssem instrumentos de coleta visando
outras finalidades, como por exemplo, avaliação da leitura e/ou da escrita.
Estes não foram abordados aqui.

Através da análise dos instrumentos, constata-se a preocupação


crescente dos pesquisadores em buscar aqueles que permitam uma
mensuração psicométrica, ou seja, que venham acompanhados de tabelas de
normatização para possibilitar avaliar o grau de desvio entre o padrão de
escores de um examinando e o de seu grupo de referência conforme idade e
nível de escolaridade (CAPOVILLA, CAPOVILLA, 2010).

Um exemplo disso é o instrumento elaborado por Capovilla e


Capovilla (2010), denominado de Prova de Consciência Sintática. Em seu
estudo preliminar de validação, Capovilla, Capovilla e Soares (2004)
descreveram os instrumentos inclusos, com a finalidade de avaliar a
consciência morfossintática. São as seguintes tarefas: 1) Julgamento
Gramatical: a criança deve julgar a gramaticalidade de 20 frases, sendo
metade gramaticais e metade agramaticais. Dentre as agramaticais, há frases
com anomalias morfêmicas e com inversões de ordem; 2) Correção
Gramatical: corrigir frases gramaticalmente incorretas, sendo metade com
anomalias morfêmicas e metade com inversões de ordem; 3) Correção
Gramatical de Frases Agramaticais e Assemânticas: diante de frases com
incorreções tanto semânticas quanto gramaticais, corrigir o erro gramatical
sem alterar o erro semântico; 4) Categorização de Palavras: a criança deve
categorizar palavras, dizendo se uma determinada palavra é substantivo,
verbo ou adjetivo (REGO; BUARQUE, 1997).

A habilidade para refletir sobre a correção sintática das sentenças foi


uma das categorias de avaliação mais utilizadas dentre os artigos. Quatro
deles fizeram uso de tarefas de correção de sentenças desordenadas, em que
os sujeitos estavam incumbidos de colocar na ordem as palavras de uma
sentença (REGO, 1993; BARRERA, MALUF, 2003; CAPOVILLA,
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CAPOVILLA, SOARES, 2004; REGO, BUARQUE, 1997). Dois artigos


selecionaram a tarefa de discriminação de sentenças sintaticamente incorretas
na qual a criança deveria decidir, a cada grupo de sentenças, aquela que
estava errada (REGO, 1997; CAPOVILLA, CAPOVILLA, SOARES, 2004).
Dois artigos optaram também pela tarefa de correção de violações
gramaticais contidas nas frases (GUIMARÃES, 2005; CAPOVILLA,
CAPOVILLA, SOARES, 2004). Nesta tarefa, as crianças deveriam corrigir
uma série de frases gramaticalmente incorretas, englobando concordância
verbal, emprego de pronomes, flexões de substantivos e adjetivos. Destaca-se
que, em cada uma das frases, apenas uma palavra era considerada incorreta,
estando envolvidas anomalias morfêmicas como, por exemplo, “Nós vai ao
circo no próximo domingo”, “Marta veste sua casaco”, “Juliana tem lindas
olhos”.

Além das tarefas citadas, observou-se que três artigos fizeram o uso de
tarefas de preenchimento de lacunas em sentenças isoladas ou em textos
(REGO, 1997; GUIMARÃES, 2005; MOTA et al, 2009). Estas tarefas,
conhecidas como Teste de Cloze, são elaboradas a partir da omissão de
palavras de função (preposição, artigo e verbo-auxiliar) ou de conteúdo
(substantivos e verbos principais), onde os sujeitos devem utilizar pistas
contextuais para preencher os espaços com as palavras que melhor
completarem o sentido do texto. Como exemplo: “João chegou em casa. Ele
decidiu beber alguma coisa e encheu um copo de________”. Podem ter como
objetivo avaliar a habilidade de usar o contexto sintático-semântico das
sentenças ou ainda, a compreensão textual, possuindo também propriedades
psicométricas.

Um artigo utilizou tarefa de morfologia produtiva, em que a criança tem


de completar uma frase com uma pseudopalavra (MOTA, SILVA, 2007).
Para completar a frase corretamente, a pseudopalavra tem de ser flexionada
de acordo com as regras gramaticais do português. Por exemplo: “Isto é um
Zugo. Ele veio de outro planeta. Na verdade, são dois _____”.

Queiroga, Lins e Pereira (2006) realizaram testes de analogia de


palavras, a qual buscou avaliar o nível de consciência dos participantes sobre
os processos de formação de palavras em português. Esta tarefa é constituída
de duas partes: na primeira delas, os participantes relataram a presença (ou
não) de similaridade entre as palavras apresentadas; na segunda parte, as
crianças são solicitadas a justificar suas respostas, explicando tal
similaridade.

Três artigos foram mais específicos ao investigar a consciência da


morfologia derivacional (CARDOSO, LEANDRO, PAULA, 2008; MOTA,
ANIBAL, LIMA, 2008; MOTA et al, 2008). Neste caso, selecionaram como
instrumentos de coleta de dados as seguintes tarefas:

1) Produção de neologismos, em que são utilizadas palavras com


derivação de dois tipos de prefixo e dois tipos de sufixo, conforme exemplos
abaixo. Prefixos: “rasgar: rasgar mais uma vez é rerasgar”; “esquentar:
deixar de esquentar é desesquentar”. Sufixos: “cenoura: comida feita de
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cenoura é uma cenourada”; “piscina: aquele que trabalha na piscina é um


piscineiro”;

2) Decisão morfo-semântica, em que as crianças tinham que decidir se


uma palavra era construída da mesma forma que outras, variando apenas o
sufixo ou o prefixo. Exemplos: Palavras envolvendo prefixos: Cansar –
Descanso – Desmaio e palavras envolvendo sufixos: Leite – Ligeira –
Leiteira.

3) Associação morfo-semântica, as crianças tinham que decidir se duas


palavras eram da mesma família ou de famílias diferentes. Neste tópico,
todas as palavras possuíam o mesmo som inicial, de maneira que as
diferenças no desempenho não poderiam ser atribuídas à semelhança
fonológica, mas ao conhecimento da relação morfo-semântica das palavras.
Ex. banho-banheiro / chique-chiqueiro.

4) Analogia gramatical, que consistiu na produção de palavra


morfologicamente complexa a partir de uma palavra-alvo, aplicando a
relação de derivação de um par previamente dado (ex. pedra - pedreiro). Esta
última atividade também foi selecionada por Mota e Silva (2007), Guimarães
(2005).

Guimarães (2005) utilizou também a tarefa de uso gerativo de


morfemas, segundo a qual as crianças devem flexionar formas verbais
apresentadas no contexto de duas ou três sentenças, conforme o exemplo a
seguir: 1) Hoje pela manhã arrumei o meu quarto inteirinho. Quando minha
mãe viu, me disse: – Muito bem, você arrumou tudo sem precisar que eu
pedisse para você ________.

Rego e Buarque (1997) desenvolveram, ainda, uma atividade de


categorização de palavras, semelhante a de Capovilla, Capovilla (2010),
específica para sua pesquisa, com o objetivo de testar níveis mais explícitos
de consciência sintática. Ela consistia em dar à criança uma cartela contendo
três colunas. A primeira encabeçada por um adjetivo (bonito), a segunda por
um substantivo (mesa) e a terceira por um verbo (pulam). Na instrução, o
experimentador mostrava diferentes palavras, cada uma pertencente a uma
das três categorias gramaticais selecionadas e a criança deveria colocá-las na
coluna com a qualidade correspondente.

Relação entre Desempenho de Leitura e Escrita e Consciência


Morfossintática

Para verificar a existência de relações entre o desempenho de leitura


e/ou escrita e a consciência morfossintática, pesquisadores utilizaram
técnicas de análise estatística com o objetivo de medir o grau de correlação
entre as duas variáveis e estabelecer se os resultados obtidos têm
significância ou efeito real, não sendo atribuídos ao acaso (REGO,1993;
MOTA, ANIBAL, LIMA, 2008; BARRERA, MALUF, 2003;
GUIMARÃES, 2005; MOTA et AL, 2008; CAPOVILLA, CAPOVILLA,
SOARES, 2004).
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Em geral, os artigos foram concordantes a respeito da correlação


significativa entre as medidas de consciência morfossintática e as atividades
de leitura e escrita, realizando algumas ressalvas, que serão discutidas neste
item.

Rego (1993), por exemplo, ressaltou que as tarefas de preenchimento de


lacunas (teste de Cloze) não demonstrou ser tão boa preditora do desempenho
de leitura quanto as que envolveram a correção de sentenças. Em
contrapartida, Mota et al (2008) demonstraram que quanto maior a pontuação
das crianças nas tarefas de consciência morfológica, melhor era o
desempenho delas na leitura contextual, medida pelo Cloze. Estes dados
sugerem que as atividades que demandam reflexão e correção das
inadequações morfológicas são mais eficientes do que aquelas que pedem
simplesmente para identificar ou julgar o erro. Inclusive, o desempenho no
julgamento pode sofrer influência do acaso, quando o sujeito escolhe
aleatoriamente uma resposta.

Capovilla, Capovilla e Soares (2004) e Mota, Anibal, Lima (2008)


observaram que as crianças que melhor processam os aspectos morfológicos
da língua, melhor se saem na escrita. Acrescentam também que a morfologia
do tipo derivacional contribui de forma independente da consciência
fonológica para tais atividades.

Diante do exposto, acredita-se que os níveis de processamento cognitivo


envolvidos nestes dois itens ocorram de forma desassociada, o que é
favorável para as crianças com distúrbio no processamento fonológico (como
as disléxicas). Nestes casos, a estimulação do processamento morfossintático
poderia ser uma opção de compensação nas suas dificuldades.

Barrera e Maluf (2003), ao corroborar os resultados anteriores em sua


pesquisa, indicaram que:

a capacidade de prestar atenção à organização sintática das frases pode


desempenhar um papel facilitador no processo de alfabetização,
sobretudo no que se refere à leitura, o que dá sustentação à hipótese
segundo a qual a consciência sintática no início da aquisição da escrita
e particularmente da leitura, seria preditora de maior sucesso na sua
aprendizagem.

Os autores acima citados referem ainda que a relação da consciência


morfossintática com as habilidades de compreensão é muito mais consistente
do que com a decodificação.

Isso porque a consciência morfossintática pode auxiliar durante


atividades de leitura em que predominam processos top down, quando o
contexto oferece pistas para aquelas palavras em que a criança possui
dificuldade em decodificar (especialmente as irregulares). Dessa forma, tal
habilidade cognitiva facilita a apreensão do significado de palavras e também
de frases e textos. Para a aprendizagem da escrita, Rego e Bryant (1993)
apontam que somente a consciência fonológica, dentre as habilidades
metalinguísticas, contribui de forma estatisticamente significativa.
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Mais uma vez, pensando-se na prática com crianças disléxicas, a posse


de tais informações permite direcionar as atividades de acordo com as
necessidades apresentadas. Se o objetivo for a melhoria da compreensão
geral, a ênfase recai na estimulação da consciência morfossintática. Por outro
lado, a decodificação pode ser implementada por atividades de consciência
fonológica.

Nos estudos de Mota e Silva (2007) e de Queiroga, Lins e Pereira


(2006), as crianças que tiveram melhores escores nas tarefas de consciência
morfológica foram também aquelas que tiveram melhores escores nas tarefas
de ortografia de palavras morfologicamente complexas e que se encontram
em níveis mais avançados de escolarização. Assim, “quando as crianças estão
escrevendo palavras com ortografia ambígua, utilizam seu conhecimento da
morfologia da língua para decidir a grafia correta das palavras. Embora o
português seja uma língua alfabética, a ortografia de muitas palavras depende
da morfologia” (MOTA, SILVA, 2007).

Guimarães (2005) confirmou a hipótese de que os níveis de variação


linguística tendem a se correlacionar negativamente com os desempenhos em
leitura e escrita, enquanto que a consciência morfossintática se correlaciona
positivamente. Por isso,

os falantes de variedades linguísticas não-padrão têm dificuldades


ortográficas especiais (para além das dificuldades do sistema gráfico
da língua portuguesa comum a todos os falantes da norma padrão),
causadas pela distância entre sua variedade linguística e a grafia.
Nesse sentido, em vários estudos há referências explícitas de que
muitos dos erros ortográficos são produzidos devido ao fato dos
sujeitos grafarem as palavras apoiando-se no modo de falar.

A autora encontrou que os escores de consciência morfossintática


correlacionam-se positiva e significativamente com os desempenhos nas
mesmas tarefas de decodificação, compreensão da leitura e ditado.

No caso específico de variações linguísticas serem transpostas para a


escrita, as atividades de consciência morfossintática podem ser úteis no
estabelecimento de alguns conceitos, como o de “palavra” e também para a
fixação da representação ortográfica. Comumente ocorrem junções indevidas
de palavras pela tendência de seguir o fluxo sonoro continuado da fala, por
exemplo: “eletinha uma bola”. Ou ainda, realizarem a omissão do segmento
nasal <nh>, já que na fala, ele pode ser suprimido, enquanto a vogal
adjacente assimila o traço de nasalidade. Ex: bolinha sendo escrita como
<bolia>.

Num estudo longitudinal, Rego e Buarque (1997) evidenciaram que


a consciência sintática é, possivelmente, um fator importante na aquisição de
aspectos da ortografia que envolvem o conhecimento da classe gramatical a
que uma palavra pertence. Este conhecimento gramatical, porém, não
necessita ser explícito, isto é, constituído de habilidades prévias da criança
para classificar palavras de acordo com as respectivas classes gramaticais.
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Mota et al (2008) relacionou o desempenho de consciência morfológica


e a compreensão de texto medida pelo teste de Cloze. Encontrou correlação
positiva e significativa entre o Cloze e tarefa de analogia e de associação
morfo-semântica. Os resultados das correlações de Pearson indicam ainda
que quanto maior a pontuação das crianças nas tarefas de consciência
morfológica, melhor era o desempenho delas na leitura contextual, medida
pelo Cloze.

As Tendências de Estudo apontadas para o Ramo

Os artigos utilizados nesta revisão são coerentes ao afirmar que é


preciso uma compreensão mais aprofundada sobre consciência
morfossintática e a aprendizagem da leitura e escrita. Para isso, seria ideal a
existência de investigações em línguas diferentes e com metodologias
distintas, além de apontarem a necessidade de estudos longitudinais.

A investigação, inclusive, poderia estar relacionada às diferenças de


contribuição de cada tipo de morfologia - flexional ou derivacional - na
performance em leitura ou ortografia.

Um aspecto metodológico importante apontado por Mota, Anibal e


Lima (2008) é esclarecer se a consciência morfológica apresenta uma
contribuição específica para a leitura e a escrita, independente de outras
habilidades metalinguísticas, principalmente a consciência fonológica. Em
seu trabalho, observaram uma possível dependência entre ambas habilidades.
Entretanto, Barrera e Maluf (2003) encontraram que tais habilidades não
estão relacionadas entre si, o que sugere que as mesmas podem apresentar
diferenças importantes nos processos de desenvolvimento, desempenhando
papéis diversos no desenvolvimento da leitura e da escrita. Segundo estes
autores:

enquanto a consciência fonológica estaria diretamente relacionada ao


domínio das regras de correspondência entre grafemas e fonemas, a
consciência sintática estaria relacionada ao domínio da estruturação do
texto em unidades maiores, sendo portanto crucial para a compreensão
do mesmo.

As diferenças encontradas nas pesquisas podem ser ocasionadas pelas


variações de métodos de alfabetização empregados nas classes de
participantes ou ainda, pela própria diferença metodológica na condução das
mesmas. Por isso, Barrera e Maluf (2003) sugeriram controlar o efeito tanto
dos métodos de ensino quanto das diferentes habilidades de leitura.

Mota et al (2008) acreditam que é possível que a consciência


morfológica seja produto de uma habilidade metalinguística mais geral
resultante do processamento fonológico. Portanto, esses resultados requerem
uma verificação sobre a especificidade da relação entre consciência
morfológica e a leitura contextual, controlando também a consciência
fonológica.
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CONSIDERAÇÕES FINAIS
A revisão de literatura realizada aponta que existe um expressivo
suporte empírico e teórico para a afirmação de que, nas línguas alfabéticas, a
consciência fonológica exerce papel fundamental na aprendizagem da leitura
e da escrita. Paralelamente, vários autores têm demonstrado que a
consciência morfossintática também possui contribuição neste sentido.

Acredita-se que os resultados apresentados trazem novas perspectivas


nesta temática. Isto porque se supõe que as atividades sugeridas aqui como
instrumentos de coleta de dados podem também ser utilizadas
terapeuticamente, buscando favorecer o desenvolvimento de habilidades
metalinguísticas voltadas para uma reflexão sobre o conhecimento gramatical
e promover um desempenho em leitura e escrita cada vez mais adequado e
competente.

Como as diferenças de desempenho podem estar relacionadas às


práticas de ensino da linguagem escrita, constata-se sua importante influência
no desenvolvimento das habilidades metalinguísticas. Dessa forma, práticas
mistas de alfabetização, que incluam, além do treino de correspondência
letra-som, atividades mais globais de construção e leitura de textos, podem
ser benéficas ao desenvolvimento geral relacionados com a capacidade de
decodificação e compreensão de textos, assim como da escrita.

Os resultados indicam que o conhecimento morfossintático é um


caminho viável para promover avanços na apropriação da ortografia.
Portanto, possivelmente, um ensino que privilegie ou valorize mais a
compreensão desses aspectos certamente favoreceria o processo de
apropriação da ortografia pelas crianças.

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CARDOSO, S. B.; LEANDRO, D. S.; PAULA, F. V. Conhecimento
morfológico derivacional e suas relações com o desempenho na escrita de
palavras. Psicólogo inFormação, ano 12, n. 12, jan./dez. 2008.
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CORREA, J. A avaliação da consciência morfossintática na criança.


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GOMBERT, J. Metalinguistic Development. Hertfordshire: Harverster
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GUIMARÃES, S. R. K. Influência da variação linguística e da consciência
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MANN, V. Introduction to special issue on morphology and the acquisition


of alphabetic writing systems. Reading and Writing: an Interdisciplinary
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MAREC-BRETON, N.; GOMBERT, J. A dimensão morfológica nos
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Práticas de Leitura:
uma proposta de pesquisa com os alunos do ensino médio
profissionalizante

Alessandra Pereira Gomes Machado1

RESUMO
Este estudo é parte de um projeto de pesquisa em desenvolvimento apoiado pela
Fundação de Apoio à Pesquisa e à Inovação Tecnológica do Estado de Sergipe –
FAPITEC/SE no Programa de Bolsas de Iniciação Científica Júnior – PBIC Jr que
busca investigar as práticas de leitura dos alunos do Ensino Médio Profissionalizante.
Ao descobrir que a leitura possui uma história, que o leitor se apropria das leituras
realizadas de diferentes formas e de lugares sociais diversos, que a leitura nem sempre
foi livre e desejada, sentiu-se a necessidade de investigar as práticas de leitura como
fruto de uma cultura escolar, dando destaque à função cultural da escola. Acredita-se
que as disciplinas escolares, como objeto da cultura escolar, podem dar-nos alguns
indícios de práticas escolares que nos revelem o universo dessas práticas dos alunos.
Logo surgiram as perguntas sobre o hábito de leitura, tais como: o acesso ao livro
possibilitou a prática? A textualidade eletrônica incentivou a leitura? Os livros
moldam os leitores? Assim, percebemos a importância de estudar as práticas de leitura
a partir do ambiente escolar que envolve a relação entre mestres e estudantes para
compreender as representações sociais que essas práticas permitem na aquisição de
habitus e valores e quais "as transferências culturais" da escola para os alunos. Para
alcançar o objetivo proposto, a metodologia desenvolvida foi através de uma pesquisa
de campo, tendo como instrumento questionários aplicados aos sujeitos da pesquisa.
Trata-se de uma proposta de estudo que procura apreender, no cotidiano desses
alunos, como são realizadas as práticas de leitura. Os resultados estão sendo tabulados
para análise e considerações finais.

Palavras-chave: Ensino Profissionalizante, História da Educação, Prática de Leitura,


Cultura Escolar.

1
Contato do(a) autor(a): alessandrasje@hotmail.com. Mestre. Colégio de Aplicação
da Universidade Federal de Sergipe.
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INTRODUÇÃO

Este estudo é parte de um projeto de pesquisa em desenvolvimento


apoiado pela Fundação de Apoio à Pesquisa e à Inovação Tecnológica do
Estado de Sergipe – FAPITEC/SE no Programa de Bolsas de Iniciação
Científica Júnior – PBIC Jr que busca investigar as práticas de leitura dos
alunos do 1º ano do Ensino Médio Profissionalizante.

Para Soares (1999), Bagno (2006) e Possenti (2004), o domínio da


língua amplia a visão de mundo, possibilitando ao aluno ter consciência do
meio e da sociedade em que está inserido e conhecer seus direitos e deveres
enquanto cidadão, possibilitando-o exercer sua cidadania. Acreditamos que
desenvolver a leitura e a escrita nesses alunos de forma crítica e reflexiva,
proporcionará a construção do conhecimento para a formação de um jovem
consciente.

Para entender melhor como vem se processando o ensino para alcançar


essa proposta, é necessário estudar o contexto social em que a escola
profissionalizante está inserida e refletir sobre como essa vem se
posicionando historicamente, já que no Brasil, desde o tempo do Império, o
ensino artesanal e manufatureiro era destinado aos miseráveis, aos órfãos, aos
abandonados, aos delinquentes, enfim, a quem não podia opor resistência a
um ensino que preparava para o exercício de ocupações socialmente
definidas como próprias de escravos. A cultura aristocrática do Império
priorizava a formação da elite e desprezava a educação das classes populares,
havia, assim, operado uma verdadeira separação em classes. De um lado,
uma minoria de homens altamente instruídos usufruindo de uma vida
intelectual intensa e divorciada das duras realidades nacionais e de outro
enorme massa de povo analfabeto, ou quase, arcando com as tarefas pesadas
dos trabalhos humildes.

Segundo Cunha (2000) a educação profissional, historicamente, é


delineada por um caráter pré-conceituoso de que trabalhos manuais eram
desempenhados por escravos, imprimindo a essas atividades jeito de
inferioridade. O autor ressalta que as características dos primeiros
estabelecimentos de aprendizagem eram de aspecto assistencialista de
atendimento aos órfãos e desvalidos. Eram vistas mais como “obras de
caridade” do que como “obras de instrução pública” (CUNHA, 2000).

Perguntamos se essa realidade vem sendo modificada ao longo da


história brasileira e, fazendo um recorte para a década de 1930, quando as
mudanças estruturais na organização da sociedade capitalista podem ser
consideradas o marco de transição do Estado Oligárquico para o Estado
Burguês, se essas transformações também apareceram na escola. Nesse
contexto, a necessidade de mão de obra especializada nas indústrias muda o
cenário do ensino profissional no Brasil, que será instituído como um meio
de progresso para a nação brasileira. Percebemos que a mudança de contexto
não favoreceu nem resultou numa mudança efetiva da qualidade da educação
para as classes populares.
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Com os estudos, entendemos que a política educacional brasileira está


intrinsecamente ligada às mudanças históricas, políticas e econômicas
ocorridas no Brasil. Historicamente, a educação profissional de nível médio
foi e continua sendo, de maneira tão desproporcional quanto equivocada,
preconceituosa e seletista.

Conforme avança no percurso histórico, percebemos que a organização


da escola começa a se estruturar com tendências, atuando como reprodutora
da sociedade capitalista, articulando-se com o sistema produtivo, ou seja, o
indivíduo é educado para se inserir no mercado de trabalho, valorizando o
saber-fazer de forma automática, sem um questionamento e aprofundamento
do conhecimento adquirido.

Kuenzer (2000) resume todo o enfrentamento da implantação da


reforma do Ensino Médio profissionalizante quando aborda a questão da
democratização do ensino como meio de preparação para o trabalho e para a
cidadania.

Em 2007 o governo publica o Decreto 6.302 que institui o Programa


Brasil Profissionalizado, com a ideia, como em outros momentos da história,
da educação profissional para atender a uma crescente exigência de mão de
obra qualificada no mercado brasileiro e em 2008 é articulada a criação dos
Institutos Federais de Educação, Ciência e Tecnologia, em que as Escolas
Agrotécnicas, as Escolas Técnicas e os Centros Federais de Educação
Tecnológica formam uma única rede, autorizando os Institutos a ministrarem
cursos de graduação e pós-graduação.

Conforme os Parâmetros Curriculares Nacionais do Ensino Médio –


PCNEM – a perspectiva dos jovens brasileiros que hoje estão no Ensino
Médio é obter qualificação mais ampla para a vida e para o trabalho. Posto
que a sociedade capitalista valoriza e cobra o dialeto padrão; os alunos do
Ensino Médio Profissionalizante que almejam uma vida social e um trabalho
nessa sociedade necessitam do domínio desse dialeto. A escola, portanto, é o
espaço para essa educação formal e a disciplina de Língua Portuguesa uma
das responsáveis por essa formação do jovem para participar da sociedade e
ao questioná-la, transformá-la.

Os Parâmetros Curriculares Nacionais do Ensino Médio – Língua


Portuguesa permitem inferir que:

o ensino de Língua Portuguesa, hoje, busca desenvolver no


aluno seu potencial crítico, sua capacitação como leitor efetivo
dos mais diversos textos representativos de nossa cultura. Para
além da memorização mecânica de regras gramaticais ou das
características de determinado movimento literário, o aluno
deve ter meios para ampliar e articular conhecimentos e
competências que possam ser mobilizadas nas inúmeras
situações de uso da língua (BRASIL, 2002, p. 55).
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Percebemos, no decorrer da nossa trajetória profissional, que alunos que


passam pelo Ensino Médio Profissionalizante apresentam dificuldades no
domínio da Língua Portuguesa, ou seja, não conseguem construir os
conhecimentos necessários para se expressarem com clareza e desenvoltura e
poderem conquistar seu espaço na sociedade, em que nessa, a relação com
bens materiais requer um preço, um valor; e a língua, numa relação de
interação linguística com interlocutores de classes sociais diferentes, também
funciona como num mercado: tem valor e poder quem domina o dialeto-
padrão e desprestígio e exclusão aqueles que não o dominam. Bourdieu
(apud. SOARES, 2001) define essa situação como um mercado linguístico,
estabelecendo que uma competência só tem valor quando existe um mercado
para ela.

Para que o aluno participe do meio social que utiliza o dialeto-padrão,


ou seja, o de prestígio, ele não pode ser somente alfabetizado, uma vez que
alfabetizado é aquele que adquiriu uma capacidade de codificar em língua
escrita (escrever) e a de decodificar essa língua escrita (ler); não basta,
porém, essa aquisição, é preciso apropriar-se da escrita, isto é, fazer uso das
práticas sociais de leitura e de escrita, articulando-as ou dissociando-as das
práticas de “inter-ação” oral, conforme as situações.

A escola, portanto, como um dos meios de construção desse


conhecimento linguístico, quando cumpre o seu papel de promover o
letramento, estará proporcionando a inclusão social e oportunizando ao aluno
a condição para o exercício da cidadania. Mas ao identificar a dificuldade de
um aluno incorporar a prática de leitura e de escrita em seu dia-a-dia, como
no preenchimento de formulários de inscrição do ENEM, do vestibular ou na
elaboração de um requerimento ou uma carta, a falta de hábito de ler uma
reportagem num jornal e construir sua opinião a respeito do fato informado,
leva-nos a entender que não houve a prática do letramento.

Tais situações despertam as discussões sobre a falta de leitura do


brasileiro que giram em torno também da qualidade do ensino. Essa
problemática leva o olhar para a função cultural da escola em face da
diversidade da clientela. Para isso, o estudo sobre a cultura escolar, segundo
Julia (2001), almeja acrescentar o estudo das práticas escolares à nova
História da Educação.

Para tanto sentimos a necessidade de investigar as práticas escolares


como fruto de uma cultura escolar, dando destaque à função cultural da
escola.

Entendendo cultura escolar como:

um conjunto de normas que definem conhecimentos a ensinar e


condutas a inculcar, e um conjunto de práticas que permitem a
transmissão desses conhecimentos e a incorporação desses
comportamentos; normas e práticas coordenadas a finalidades
que podem variar segundo as épocas (finalidades religiosas,
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sociopolíticas ou simplesmente de socialização) (JULIA, 2001,


p. 10).

O conceito de cultura escolar tem corroborado para uma pesquisa que


desnaturalize a escola e a veja como um espaço para a educação formal, mas
também como uma instituição de socialização.

O diálogo estabelecido entre a História da Educação e outras áreas,


como a linguística, tem contribuído para os estudos sobre as práticas.
Perceber os indícios, os sinais, a materialidade, as práticas de que os objetos
são portadores ou que formalizam, poderá ajudar a entender melhor a sala de
aula e a refletir sobre o papel de educadora e a prática pedagógica.

Entendemos, portanto, que os fins estabelecidos pelas disciplinas


escolares como um objeto da cultura escolar pode nos dar alguns indícios de
práticas escolares que nos revelem o universo de práticas de leitura dos
alunos. Para Chervel (apud. FELGUEIRAS, 2010, p. 26), disciplinas
escolares são "um produto específico da escola, que não se confunde com
outras práticas sociais e constituem um importante elemento da cultura
escolar".

Percebemos, portanto, a importância de estudar as práticas de leitura a


partir do ambiente escolar que envolve a relação entre mestres e estudantes
(FELGUEIRAS, 2010) para compreender as representações sociais que essas
práticas permitem na aquisição de habitus e de valores e quais "as
transferências culturais" da escola para os alunos a partir da prática da leitura.

Acreditamos que as práticas de leitura sejam relevantes no processo de


aquisição de novo habitus – considerado por Bourdieu como o “sistema das
disposições socialmente constituídas que, enquanto estruturas estruturantes,
constituem o princípio gerador e unificador do conjunto das práticas e das
ideologias características de um grupo de agentes” (BOURDIEU, 2005, p.
191).

A partir de estudos, descobrimos que a leitura possui uma história, que o


leitor se apropria das leituras realizadas de diferentes formas e de lugares
sociais diversos, que a leitura nem sempre foi livre e desejada, o que explica
livros e leitores tão perseguidos em diversos períodos históricos. Dessa
forma, percebe-se que a leitura não tem uma aparente neutralidade e um
caráter universal (DARNTON, 2010).

Chartier (2009, p. 63) nos apresenta que “a longa história da leitura


mostra fortemente que as mudanças na ordem das práticas costumam ser
mais lentas que as revoluções das técnicas e que sempre estão defasadas em
relação a estas. A invenção da imprensa não produziu imediatamente novas
maneiras de ler”.

Sobre a história do livro, Darnton (2010) nos mostra que a rota que
esses percorriam para chegar aos livreiros era demorada e cara, mas os
leitores se desdobravam para ter acesso. Segundo o autor, “os leitores
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extraíam significado dos livros; não se limitavam a decifrá-los. Ler era uma
paixão” (Darnton, 2010, p. 215).

Houve um tempo em que a prática de leitura e de escrita era


indissociável, os leitores sentiam necessidade de registrar sua impressão
sobre o livro, transcrever partes interessantes para um caderno, era o livro de
lugares-comuns. Esse livro era lido e reescrito à medida que recombinavam
novas observações, “era uma maneira especial de absorver a palavra
impressa” (DARNTON, 2010, p. 164).

À época do Renascimento, no mundo do livro impresso, a leitura era


tudo, o homem era o que lia, incentivando, portanto, o hábito. Essa prática
aguçava a consciência da formação do indivíduo autônomo.

Agora estão disponíveis várias opções de leitura com hipertextos que


possibilitam um campo diferente de informações, filmes baseados nos livros
dentre outras maneiras que possibilitam leituras diversas. O acesso ao livro e
à diversidade temática que tem estado à disposição do público leitor tem
revolucionado a maneira de ler e ter contato com essa leitura, proporcionando
interpretações, vivências e abstrações que envolvem essa prática e esse novo
público leitor. Hoje é estabelecida uma nova relação com o leitor, a
textualidade eletrônica transformou o ato de ler.

As leituras realizadas nessa área suscitaram perguntas sobre o hábito de


leitura dos alunos do Ensino Médio Profissionalizante, tais como: o acesso ao
livro possibilitou a prática? A textualidade eletrônica incentivou a leitura? Os
livros moldam os leitores, ou seja, nós somos o que lemos?

Chartier (2009, p. 63) afirma que “continua existindo uma profunda


brecha entre a obsessiva presença da revolução eletrônica nos discursos e a
realidade das práticas de leitura”; acreditamos, portanto, que seja necessário
incentivar essa prática aos alunos, para que a tecnologia possa ajudar numa
concepção de leitura que atue como diferencial para a mudança social.

A formação de leitores proficientes por parte da escola requer o


envolvimento e o comprometimento de professores que compreendam a
leitura enquanto prática cultural e que se reconheçam como leitores.

Para isso, é preciso trabalhar com a leitura como prazer e como


formadora do cidadão autônomo. Darnton (2010, p. 188) afirma que a leitura
é como “elemento daquilo que era chamado de história das mentalidades –
isto é, visões de mundo e modos de pensar”.

Nesse estudo, a leitura é entendida como um processo cultural em que


"o significado dos textos depende das capacidades, das convenções e das
práticas de leitura próprias das comunidades que constituem, na sincronia ou
na diacronia, seus diferentes públicos" (CHARTIER, 2009, p. 37).

Darnton (2010, p. 177) compreendia a leitura “como digestão, um


processo de extrair a essência dos livros e incorporá-las em si mesmo. [...] A
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leitura não deveria ter fins de erudição, mas prestar-se a ajudar um homem a
progredir no mundo”.

Assim, conhecer as práticas de leitura realizadas por alunos


proporcionará indícios de comportamento, valores e experiências que
surgiram a partir das leituras, tanto as do processo educacional formal quanto
as do cotidiano de suas vidas.

Perguntamos, portanto, se as práticas de leitura são realizadas no


ambiente escolar e no cotidiano desses alunos, como meio de formação.

1 O lócus da pesquisa
Faremos uma breve apresentação da Instituição de Ensino para
contextualizar o leitor na proposta.

A Escola Agrotécnica Federal de São Cristóvão (EAFSC) teve sua


origem no “Patronato São Maurício”, em 1924, oferecendo cursos de
aprendizes e artífices. Após a federalização, em 1934, a instituição passou a
funcionar com o modelo de ensino agrícola profissional denominado de
Aprendizado Agrícola, e assim se manteve até 1946. Nessa fase recebeu a
denominação inaugural de Aprendizado Agrícola de Sergipe (1934-1939) e
depois foi denominado de Aprendizado Agrícola Benjamin Constant até o
final do período.

Em 17 de novembro de 1993, foi transformada em autarquia federal


ligada ao Ministério da Educação (MEC). Atualmente conhecida por Instituto
Federal de Educação, Ciência e Tecnologia de Sergipe – Campus São
Cristóvão, devido à Lei nº 11.892/2008, publicada no DOU de 30/12/2008,
que Instituiu a Rede Federal de Educação Profissional, Científica e
Tecnológica. Desde sua fundação, EAFSC está localizada no povoado
Quissamã, município de São Cristóvão, a 17 km de Aracaju, Sergipe.
Vinculada à Secretaria de Educação Profissional e Tecnológica (SETEC) do
MEC. A EAFSC tem como proposta uma educação tecnológico-científica e
profissionalizante, através de cursos com habilitações em Agroindústria
Integrada e Modular, Agropecuária Integrada e Modular e Informática –
PROEJA (Projeto de Educação de Jovens e Adultos).

Para tanto percebemos a necessidade de investigar essa instituição


educacional, para entender as práticas escolares para a formação do jovem,
em especial as práticas de leitura. Acreditamos que a investigação poderá
explicitar as práticas educacionais que formam os alunos dessa escola e se
essa formação serve à transformação (FREIRE, 1983).

2 O caminho investigativo
Para alcançar o objetivo proposto, esta pesquisa pretende ser
desenvolvida através de um estudo bibliográfico com ênfase nas temáticas da
História do Livro e da Leitura e com uma pesquisa de campo, tendo como
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instrumentos fichamentos e questionários aplicados aos sujeitos da pesquisa.


Trata-se de um estudo que procura apreender, no cotidiano do Instituto
Federal Campus São Cristóvão, as práticas de leitura que servem como
formadora de habitus.

Dessa questão geral e tendo em vista os objetivos propostos pela


pesquisa, decorrem os seguintes questionamentos: As práticas de leitura
acontecem nessa escola e como se processam? Elas servem para a formação
dos alunos? O aluno tem hábito de leitura? Qual o tipo de leitura o aluno
pratica? Ele recomenda livros aos colegas?

Para responder aos questionamentos propostos, utilizamos o


questionário com os sujeitos da pesquisa como fonte. O questionário tem o
objetivo de caracterizar o perfil e a prática de leitura dos alunos do 1º ano do
Ensino do Médio Profissionalizante – Técnico em Agropecuária do Instituto
Federal Campus São Cristóvão.

Os questionários já foram empregados e está em fase de tabulação dos


dados.

3 Práticas de leitura: alguns desafios a serem desvendados

Espera-se, portanto, que as práticas de leitura realizadas no ambiente


escolar, em especial dos alunos do 1º ano do Ensino Médio Profissionalizante
– Técnico em Agropecuária do Instituto Federal Campus São Cristóvão,
sejam identificadas a partir dos instrumentos de coleta de dados, questionário,
para que o objetivo desse estudo seja alcançado e as perguntas suscitadas pela
pesquisadora sejam respondidas.

A partir de dados preliminares do questionário, com intuito de


caracterizar e conhecer os sujeitos/alunos da pesquisa, obtivemos os
seguintes resultados.

Os sessenta e seis (66) sujeitos/alunos que participaram como


colaboradores nessa pesquisa cursam o 1º ano do Ensino Médio
Profissionalizante – Técnico em Agropecuária do IFSC, sendo quarenta e
nove (49) do sexo masculino e dezessete (17) do feminino. A faixa etária
desses alunos é de 15 a 19 anos, sendo quarenta e três (43) naturais de
Aracaju e do interior do estado de Sergipe, cinco (5) de Alagoas, dez (10) da
Bahia, um de São Paulo, um de Brasília, três (3) se identificaram como
brasileiros e três (3) não identificaram a naturalidade.

Os outros dados estão sendo tabulados para posterior análise e


conclusões.

Sabemos que um trabalho de pesquisa não encerra em si, mas abre


caminhos para outras perguntas.
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REFERÊNCIAS

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CHARTIER, Roger. A história ou a leitura do tempo. Belo Horizonte:
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A Aquisição da Leitura e Escrita de Crianças


com Síndrome de Down

Aline Grazielle Santos Soares Pereira1

RESUMO

O presente estudo se propôs a abordar dados sobre a aquisição da leitura e da escrita


de crianças com Síndrome de Down, através do levantamento de discussões de
autores, cujo objetivo é prover subsídios que auxilie o esclarecimento sobre o ritmo e
características próprias que estas crianças apresentam no desenvolvimento da leitura e
da escrita. É relevante compreender que apesar destas crianças aprenderem de maneira
mais lenta, não significa que sejam incapazes, mas sim que possuem um tempo de
aprendizagem diferente como um atraso considerável no desenvolvimento cognitivo,
devido a uma patologia causada por acidente genético, chamado de trissomia, que
afeta o desenvolvimento motor, físico, cognitivo e social-afetivo. Através da leitura,
as crianças buscam novas perspectivas vinculadas ao contexto social de
conhecimentos constantes da vida. Através da escrita, ela poderá registrar o seu
pensamento, difundir ideias e informações para o mundo. Diante disso, o estudo
dividiu-se em dois tópicos: o primeiro traz a definição da síndrome de down, as
características físicas, biológicas e cognitivas. No segundo tópico foram apresentadas
as discussões de pesquisadores sobre o processo de aquisição de leitura e escrita de
crianças com síndrome de down, contemplando pesquisas bibliográficas relacionadas
à temática. Os resultados apontam que as crianças com Síndrome de Down são
capazes de aprender dentro dos seus limites e a melhor forma de contribuir no
processo de desenvolvimento social e pedagógico é a inserção destas crianças na
escola regular, para que possam interagir e trocar experiências com as crianças ditas
normais. E utilizar atividade diferenciada que atenda a sua necessidade.
Palavras-chave: Leitura. Escrita. Síndrome de Down.

1
Contato do(a) autor(a): alinesoares_sp@hotmail.com. PIBIX/UFS.
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INTRODUÇÃO

O presente artigo representa os resultados de uma pesquisa que analisa


como acontece o desenvolvimento da leitura e da escrita de crianças com
Síndrome de Down, e aborda a definição e as características desta síndrome.
Nesse estudo, assumo uma perspectiva teórica baseada na concepção
sociointeracionista, onde a aprendizagem é encarada como um processo que
acontece de maneira diferente de indivíduo para indivíduo.

Independente de nível intelectual, toda criança deve ser respeitadas


quanto aos seus direitos a desfrutar pela convivência social. A educação é o
caminho da cidadania, que auxilia para refletir sobre seu meio, participando
como um sujeito ativo. A leitura é o mecanismo de ver na sua concretude o
que está representado por meio da escrita, é adquirir conhecimento com mais
autonomia.

Para tanto, me basearei em estudos que considero relevantes no tocante


a aquisição da leitura e da escrita de crianças com Síndrome de Down,
esclarecendo que apesar de muitas pessoas ainda não acreditarem no
potencial destas crianças, elas aprendem de acordo com a seu
desenvolvimento cognitivo. Por isso, a importância do estímulo, apoio,
paciência, vontade e sensibilidade.

É necessário que o setor pedagógico das instituições encontre


mecanismos para atender as limitações de crianças com Síndrome de Down,
pois elas aprendem de modo mais lento do que as crianças ditas normais e
precisam de uma atenção maior para que consigam compreender os
conteúdos. É fundamental que o seu perfil de aprendizagem diferenciado seja
respeitado, compreendendo esta limitação, com certeza, auxiliarão de forma
mais efetiva o desenvolvimento da criança em questão, fazendo que ela
alcance um grau mais satisfatório de aprendizagem.

1 A Síndrome de Down- Definições e Características

Definições

Segundo Pueschel (2011), a Síndrome de Down foi denominada em


homenagem ao médico inglês Dr. John Langdon Down que em seu trabalho
científico “Observations on na Ethnic Classication of Idiots” apresentado no
Lodon Hospital, em 1866 propôs uma classificação das deficiências mentais,
onde descreveu pela primeira vez sobre características físicas semelhantes e
graus variados de deficiência mental, englobando num único grupo, crianças
com a Síndrome.

Ainda Pueschel (2011), diz que a primeira descrição de uma criança que
se presumia ter a Síndrome de Down foi fornecida por Jean Esquirol,
psiquiatra francês, em 1838. Logo a seguir, em 1846, Edouard Seguin,
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primeiro especialista em deficiência mental, descreveu um paciente com


feições que sugeriam Síndrome de Down, denominado a condição de “idiotia
furfurácea”. Em 1866, Ducan registrou uma menina com uma cabeça
pequena e redonda, olhos parecidos com os chineses, projetando uma grande
língua e que só conhecia algumas palavras. Naquele mesmo ano, John
Langdon Down publicou um trabalho no qual descreveu algumas das
características da síndrome que hoje leva o seu nome.

Inicialmente foi descrita clinicamente sob o nome “idiotia mongólica”,


traduzido para português como mongolismo, mongoloidismo e idiotia
mongolóide a síndrome foi assim denominada. Somente em 1959 a etiologia
da Síndrome foi descoberta quando os franceses detectaram a alteração na
divisão dos cromossomos dos indivíduos. O estudioso no assunto, Pueschel,
em seu livro “Síndrome de Down para pais e educadores”, detalha esta
desordem cromossômica da seguinte maneira:

Metade dos cromossomos de cada indivíduo é derivada do pai e a


outra metade da mãe. As células germinativas (ou seja, esperma e
óvulo) têm somente metade do número de cromossomos encontrados
normalmente em outras células do corpo. Assim 23 cromossomos
estão no óvulo e 23 cromossomos estão no esperma. Em
circunstâncias normais, quando o esperma e o óvulo se unem no
momento da concepção, haverá um total de 46 cromossomos na
primeira célula, esta célula começara a se dividir. No entanto, se uma
célula germinativa, óvulo ou esperma, tiver um cromossomo adicional
(ou seja, 24 cromossomos) e outra tiver 23 cromossomos, isso levará,
no momento de concepção, a uma nova célula contendo 47
cromossomos. E, se o cromossomo extra for o cromossomo 21, o
indivíduo, se não ocorrer um aborto natural, nascerá com Síndrome de
Down. (PUESCHEL, 2011, p.54-55)

Diante da definição de Pueschel apresento a seguir a definição de


Síndrome de Down com base em outros autores como Werneck,
Schwartzman e Bee.

Werneck (1993) diz que a Síndrome de Down ocorre por um acidente


genético, e que nenhuma atitude tomada durante a gravidez, ou antes, dela,
poderia evitar o aparecimento da trissomia do 21.

Schwartzman (2003) aborda a Síndrome de Down como decorrência de


um erro genético presente desde o momento da concepção ou imediatamente
após e que ocorre de modo bastante regular na espécie humana afetando um
em cada 700/900 nascidos vivos.

Bee (1996) define a Síndrome de Down como sendo uma anomalia


genética em que todas as células contêm três cópias de cromossomo 21 ao
invés de duas. As crianças nascidas com este padrão genético normalmente
apresentam retardo mental e características físicas específicas.

Podemos observar que há um consenso entre os autores no que se refere


à definição da Síndrome de Down. Eles abordam como um acidente genético
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relativo a anormalidades cromossômicas no momento da geração do novo


ser. Então, esta Síndrome não é uma doença contagiosa, nem causada devido
a acidentes na gravidez, não é provocada por fortes impactos emocionais, e
nem causada por utilização de qualquer tipo de medicamento durante a
gravidez, assim ela poderá afetar qualquer pessoa. Vale ressaltar que a
incidência pode aumentar se a idade da mãe for maior de 35 anos,
considerando que o útero desta mulher já é considerado muito maduro,
podendo ocasionar um erro na distribuição dos cromossomos, ou o pai entre
45 e 50 anos de idade.

Características

Com base no autor Pueschel (2011), abordarei a seguir as características


que as pessoas com Síndrome de Down podem ser identificadas de maneira
física e específicas, associadas ao cromossomo extra, não há como rotulá-los
como trissômicos de imediato sem a confirmação de outros testes. Pois, em
sua maioria, apresentam semelhanças com a população em geral, pois nem
sempre a criança com trissomia apresenta todas as características, algumas
podem ter somente umas poucas, enquanto outras podem mostrar a maioria
dos sinais característicos da Síndrome.

A cabeça da criança com Síndrome de Down é um pouco menor quando


comparada com as das crianças “normais”. A parte posterior da cabeça é
levemente achatada na maioria das crianças, o que dá uma aparência
arredondada.

O rosto de uma criança pequena com síndrome de Down apresenta um


contorno achatado, devido principalmente aos ossos faciais pouco
desenvolvidos e ao nariz pequeno. Geralmente, o osso nasal é afundado. Em
muitas crianças as passagens nasais são estreitas.

As orelhas são pequenas e a borda superior da orelha muitas vezes e


dobrada. A estrutura da orelha é alterada e os canais do ouvido são estreitos.

Os olhos são geralmente normais quanto ao formato. As pálpebras são


estreitas e levemente oblíquas. A dobra da pele pode se vista em muitos
bebês nos cantos internos dos olhos. A periferia da íris pode apresenta
pequenas marcas brancas.

A boca da criança com síndrome de Down é pequena, algumas mantêm


a boca aberta e a língua pode projetar-se um pouco. À medida que a criança
fica mais velha, a língua pode ficar com estrias e no inverno, os lábios
tornam-se rachados. O céu da boca é mais estreito do que a criança normal.

A erupção dos dentes de leite é geralmente atrasada. Às vezes um ou


mais dentes estão ausentes e alguns dentes podem ter um formato um pouco
diferente. As mandíbulas são pequenas, o que leva muitas vezes, ao
apinhamento dos dentes permanentes. A cárie dentária é observada com
menor frequência na maioria das crianças com síndrome de Down do que nas
demais crianças.
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O pescoço da pessoa com Síndrome de Down pode ter uma aparência


larga e grossa. No bebê, dobras soltas da pele são muitas vezes observadas
em ambos os lados da parte posterior do pescoço, os quais se tornam menos
evidente, podendo desaparecer à medida que a criança cresce.

O tórax em alguns casos, tem um formato estranho, sendo que a criança


pode apresentar um osso peitoral afundado. Na criança cujo coração é
aumentado devido à doença cardíaca congênita, o peito pode aparecer mais
globoso do lado do coração.

Os pulmões da criança com síndrome de Down, no geral, não são


anormais. Somente alguns poucos bebês têm pulmões subdesenvolvidos.
Algumas crianças com doenças cardíacas congênita podem apresentar
pressão sanguínea aumentada nos vasos dos pulmões, o que leva à
pneumonia.

Os órgãos genitais de meninos e meninas, não são afetados na maioria


das crianças. Às vezes podem ser pequenos, em alguns casos os testículos
não se encontram no saco escrotal durante os primeiros anos de vida, mas
podem estar na região da virilha ou dentro do abdome.

Os dedos dos pés são curtos e há um grande espaço entre o dedão e o


segundo dedo, com uma dobra entre eles na sola do pé.

A pele é geralmente clara e pode ter uma aparência manchada durante a


primeira infância. Durante as estações mais frias, a pele fica ressecada e as
mãos e o rosto podem ficar rachados mais facilmente do que nas outras
crianças. Nas crianças mais velhas e nos adultos com síndrome de Down a
pele pode ser áspera.

É preciso enfatizar que nem toda criança com Síndrome de Down exibe
todas as características citadas. Além disso, algumas características são mais
acentuadas em algumas crianças do que de outras. Assim, embora as
crianças com Síndrome de Down possam ser reconhecidas por sua aparência
física semelhante, nem todas essas crianças parecem iguais. Além do mais,
algumas das características da criança com Síndrome de Down modificam-se
no decorrer do tempo. As crianças esta síndrome tem personalidades muito
variadas, estilos de aprendizagem diversos, assim como inteligência,
aparência, obediência, humor como qualquer outra criança.

2 O Processo de Aquisição de Leitura e Escrita de


Crianças com Síndrome de Down

As crianças, de uma maneira geral, antes mesmo de entrar na escola, nas


situações familiares, elas vivenciam o contato com números e letras no
cotidiano, através de jogos, livros de estórias infantis, programas de televisão,
velas em bolo de aniversários, entre outros. A criança está rodeada pelo
mundo da leitura. Caberá ao professor incentivar momentos de leitura
significativa atendendo a diversidade na sala de aula, para que as crianças
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possam sentir prazer em aprender de acordo com a sua realidade. Diante


disso

é lendo que nos tornamos leitores e não aprendendo primeiro para


poder ler depois: não é legítima instaurar uma defasagem nem no
tempo, nem na natureza da atividade entre “aprender a ler” e “ler”...
não se ensina a ler com a nossa ajuda... A ajuda lhe vem do confronto
com as proporções dos colegas com quem está trabalhando, porém é
ela quem desempenha a parte inicial de seu aprendizado (Jolibert,
1994, p.14).

Merece destaque, quando o autor citado acima menciona, o confronto


com as proporções dos colegas com quem está trabalhando, daí à importância
do sociointeracionismo, da convivência com o outro, de presenciar
experiências, ideias e opiniões diferentes. Viver a diversidade respeitando o
outro.

Além da interação com o outro, é importante que as atividades


propostas para crianças com Síndrome de Down, seja na intenção promover o
aprendizado da leitura e da escrita com base nas suas limitações, não levando
em consideração que a escrita “é um sistema particular de símbolos e signos
cuja denominação prenuncia um ponto crítico em todo o desenvolvimento
cultural da criança”. (VIGOTSKY, 1984, p.120), ou seja, à medida que a
criança compreende que a linguagem oral e escrita possuem características
diferentes ela vai se apropriando deste simbolismo e percebe que não é pela
repetição de traços preestabelecidos. O que percebemos nas escolas com
frequência é o uso de atividades que trace repetidas linhas ou curvas em folha
de papel que acaba tornando-a cansativa e sem significado.

Ainda conforme Vygotsky (1984, p.120), a aquisição da escrita é um


processo sem continuidade definida, ou seja, é um processo repleto de idas e
vindas. Por este motivo, a criança apresenta descontinuidades em sua escrita:
“reduções, desaparecimento e desenvolvimento reverso de velhas formas”.
Então, caberá ao professor propor atividades que motivem a criança com
Síndrome de Down a aprender, que tenha significado, levando em
consideração que estas crianças têm criatividade, desejos de descobertas,
expressão, comunicação e não apenas repetição.

Segundo LURIA, a questão mais importante a ser respondida a cerca do


desenvolvimento da escrita é:

investigar a fundo este período inicial do desenvolvimento infantil,


deslindar os caminhos ao longo dos quais a escrita se desenvolveu em
sua pré-história, explicar detalhadamente as circunstâncias que
tornaram a escrita possível para a criança e os fatores que
proporcionaram as forças motoras deste desenvolvimento e,
finalmente, descrever os estágios através dos quais passam as técnicas
primitivas da escrita da criança, desenvolvimento e, finalmente,
descrever os estágios através dos quais passam as técnicas primitivas
da escrita da criança. (LURIA, 1988, p. 144 )
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Assim, é notória a relevância em conhecer as habilidades e os


conhecimentos que as crianças com Síndrome de Down trazem para a escola
e utilizá-las na aquisição da escrita com base nas suas ideias, opiniões,
desejos, reclamações, etc. Despertando assim seu interesse de fixar suas
ideias através da necessidade da escrita dentro de sua relação com o mundo.

A criança em questão possui característica muito própria, tanto na


aparência quanto no cognitivo, se as atividades seguir passos pré-
determinados e descontextualizados, dificultará a aprendizagem. Por isso que
poderão ser tachados de alunos inaptos, pois essas atividades ainda
continuam sendo aplicadas em várias escolas atualmente.

“A aquisição da escrita é um processo de construção do conhecimento


que nada tem de mecânico, em que a criança se envolve como sujeito e não
como objeto em que se despejam conhecimentos”. (MAYTONK –
SABINSON, 1993, p. 19).

Com base no que foi exposto acima, além da aquisição da escrita como
um processo merece destacar também a avaliação como processo de
redimensionar a análise de seus propósitos a fim de que os alunos aprendam
mais e melhor, superando os obstáculos e atingindo os objetivos propostos.

Para que o processo de aprendizagem aconteça de forma efetiva com


pessoas que possuem algum tipo de deficiência, é necessário que
aconteça essa adaptação, esse movimento que deve ocorrer sempre da
família em relação ao filho, da escola em relação ao aluno e da
sociedade em relação à pessoa com deficiência. Para isso essas
instituições precisam colocar-se no lugar de quem vivencia isso,
enxergando com os olhos de quem sente na pele. (STREDA, V. e
STREDA, C, 2010, p. 9)

Na aquisição da leitura de crianças com Síndrome de Down é de


extrema relevância dar significado ao ato de ler, com significado, para que
possam compreender com mais exatidão. Assim, Freire (1982) profere que a
leitura apresentada à criança deve ser minuciosamente decifrada, trabalhada,
pois na maioria das vezes as crianças têm um contato imediato com a palavra,
mas a compreensão da mesma não existiu. Para tanto se faz necessário
apresentar o que foi descrito por tal palavra, de forma que esse objeto
proporcione sentido a ela, pois dessa maneira a busca e o gosto pelo mundo
das palavras, isto é, da leitura e da escrita, se intensifica. Logo, a leitura
ganha vida e a criança adquire o hábito de sua prática.

CONSIDERAÇÕES FINAIS
Diante das pesquisas bibliográficas dos levantamentos sobre a aquisição
da leitura e da escrita de crianças com Síndrome de Down, concluiu-se que
elas merecem uma atenção especial devido à má formação do cromossomo
21, o que a diferencia em alguns aspectos físicos, biológicos e cognitivos.
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Entretanto esses aspectos não significam dizer que são incapazes de aprender.
Elas têm capacidade dentro dos seus limites à expressão verbal e escrita.

Caberá a escola, na figura de seus professores identificarem as


dificuldades e as características próprias desses sujeitos, promovendo a
leitura e a escrita como meio de oralizar e registrar satisfazendo as reais
necessidades das crianças, despertando o prazer em aprender, descobrir,
conhecer e registrar num contexto mais amplo. Os professores devem
proporcionar apoio prático, discutir suas dificuldades, compartilhar ideias e
acreditar.

É evidente também a necessidade do apoio da família, pois a


estimulação dos pais produz um melhor desenvolvimento físico, motor e
psicológico e consequentemente uma relação melhor dessa pessoa com o
mundo a sua volta. Assim, contribui como fator de êxito no processo de
desenvolvimento e aprendizagem destas crianças. Se não houver colaboração,
dificultará um desenvolvimento satisfatório.

A sociedade deve se dar conta que as pessoas com Síndrome de Down


têm desejos, necessidades, esperanças, capacidade e que necessita de uma
posição na qual os seus direitos sejam respeitados, independentemente de
suas realizações limitadas merecem ser reconhecidos com dignidade.

Hoje, estas pessoas estão provando cada vez mais sua capacidade para
ter um bom desempenho na escola, no trabalho e na sociedade. No entanto,
elas só terão chance de conquistar seu espaço e sua independência se os
familiares e profissionais trabalharem juntos no sentido de conscientizar a
sociedade de suas obrigações. Só assim, a pessoa com Síndrome de Down
terá seus direitos garantidos, como qualquer outra pessoa.

Também é possível concluir que a melhor forma de contribuir no


processo de desenvolvimento social e pedagógico é a inserção destas crianças
em classes regulares promovendo a inclusão. Enfim, direciono as palavras de
Vinícius Ergang Streda, pessoa com Síndrome de Down, autor do livro
Nunca deixe de sonhar: Os sonhos e a vida de um jovem com Síndrome de
Down, publicado em parceria com a sua prima, a autora Carina Streda. As
letras abaixo estão em caixa alta, pois é a maneira que Vinícius utilizou para
escrever os capítulos de sua autoria no livro abordado.

MESMO COM TODAS AS DIFICULDADES


ENCONTRADAS NA ESCOLA SOU A FAVOR DA
INCLUSÃO. PARA MIM ESTUDAR NA ESCOLA
REGULAR FOI IMPORTANTE PORQUE CONHECI
PESSOAS ESPECIAIS E VIVI BONS MOMENTOS. MAS A
ESCOLA PODERIA TER ME ENSINADO MAIS, ACHO
QUE PODERIA TER APRENDIDO MAIS, ACHO QUE
MEUS COLEGAS APRENDIAM MAIS DO QUE EU.
(STREDA, V. e STREDA, C, 2010, p.42-43)

A SÍNDROME DE DOWN NÃO É UM PROBLEMA PARA


MIM, SOU ASSIM PORQUE DEUS QUIS E ISSO NÃO
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TEM MUITA IMPORTÂNCIA PRA MIM. SOU FELIZ


ASSIM. EU GOSTARIA MUITO DE PEDIR PARA TODAS
AS PESSOAS QUE APOIEM TODOS OS PROJETOS DE
INCLUSÃO DAS PESSOAS COM NECESSIDADES
ESPECIAIS. E DIZER ESSA FRASE, TODOS SOMOS
DIFERENTES MAS DEVEMOS TER OPORTUNIDADES
IGUAIS. .(STREDA, V. e STREDA, C, 2010, p. 64).

REFERÊNCIAS

BEE, H. A Criança em Desenvolvimento. Porto Alegre: Artes Médicas,


1996.
FREIRE, P. A importância do Ato de ler: em três artigos que se completam.
São Paulo: Cortez, 1982. 96 p.
JOLIBERT, J. Formando Crianças Leitoras. Porto Alegre: Artes Médicas,
1994. 219 p.
LURIA. A.R. O desenvolvimento da escrita na criança. In Vygotsky. L. S.
Linguagem, Desenvolvimento e Aprendizagem. São Paulo: ícone, 1988.
MAYRINK-SABISON. M.L. Cenas de Aquisição da Escrita: o sujeito e o
trabalho com o texto. Campinas: Mercado das Letras, 1997b.
PUESCHEL, S. Síndrome de Down. Guia para pais e educadores. Série
educação especial. 14ª ed. São Paulo: Editora Papirus, 2011.
SCHWARTZAN, J. S. Síndrome de Down. 2ª. ed.. São Paulo: Memnon:
Mackenzie, 2003.
STREDA, V.E. STREDA, C. Nunca deixe de sonhar: os sonhos e a vida de
um jovem com síndrome de down. 3ª ed. Santo Ângelo: Furi, 2010. 140p.
VYGOTSKY. L. S. A Formação Social da Mente. São Paulo: Martins
Fontes, 1984.
WERNECK, C. Muito Prazer, eu existo. 2a. ed.. Rio de Janeiro: WVA,
1993.
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Brincando e Aprendendo com os Jogos no


Processo de Letramento

Anselmo Castro dos Santos1

Uilde de Santana Menezes2

RESUMO

O presente trabalho visa demonstrar que os jogos lúdicos tem sido uma das estratégias
no processo de letramento, auxiliando, portanto, os alunos com deficiência na
aprendizagem da leitura e escrita. Nesse sentido, a problemática para incluir estas
estratégias está na difícil socialização dos alunos entre si, com os professores e a
comunidade escolar, isto por conta dos procedimentos de ensinos que são seletivos,
fragmentários e estáticos, provocando falta de estimulo e de participação. Porém, é
através dos jogos lúdicos, que minimizará estes conflitos possibilitando o
desenvolvimento e aprendizagem, fazendo o aluno apropriar-se de conhecimentos e
habilidades no âmbito da linguagem, da cognição, dos valores e da sociabilidade. Ou
seja, é no brincar e no jogar que as crianças vão se constituindo como agentes de sua
experiência social, organizando com autonomia suas ações e interações, elaborando
planos e formas de ações conjuntas, criando regras de convivência social e de
participação. Além disso, os alunos poderão participar dinamicamente, memorizando,
seguindo regras e interagindo com os saberes, apropriando-se do conhecimento
científico, sistematizado e de uma educação transformadora. Para desenvolver este
artigo, foi feito uma pesquisa em documentos oficiais como os PCNs e diversos
autores especialistas na temática. Desse modo, pretendemos dar uma contribuição aos
profissionais da educação, possibilitando momentos de reflexões e a conscientização
para o sucesso na construção do conhecimento. Além da aquisição da escrita, da
leitura na formação dos alunos de forma lúdica e prazerosa.
Palavras-chave: jogos lúdicos, letramento, aprendizagem dinâmica

1
Contato do(a) autor(a): anselmo-castro1984@bol.com.br . Graduando em Letras
Português – UFS.
2
Contato do(a) autor(a):uildsm@gmail.com. Graduado em Química pela UFS,
especialista em Educação Física Escolar pela Faculdade Atlântico e especialização
em Atendimento Educacional Especializado pela UFC.
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INTRODUÇÃO

O processo de letramento deve ser visto como uma construção humana


coletiva da qual participa a imaginação, a intuição e a emoção. A linguagem
sofre a influencia do contexto social, histórico e econômico em que está
inserida, pois não existem neutralidade e objetividade absoluta: a
aprendizagem exige escolhas e responsabilidade. Sendo assim, o processo de
letramento tem múltiplas relações com os jogos lúdicos e permite ao
educador realizar múltiplas atividades empíricas para favorecer ao educando
a compreensão sobre a escrita e leitura. Portanto, essas atividades (jogos,
brincadeiras, dinâmicas) devem ser vivenciadas pelos educandos através de
seus educadores. É um ingrediente indispensável no processo de
aprendizagem, bem como no relacionamento entre pessoas. Além disso,
possibilita nesse processo, afetividade, prazer, autoconhecimento,
cooperação, autonomia, imaginação e criatividade, permitindo que o outro
construa por meio da alegria e do prazer de querer fazer e construir.

Quando crianças ou jovens brincam, demonstram prazer e alegria em


aprender. Eles têm oportunidade de lidar com suas energias em busca da
satisfação de seus desejos. E a curiosidade que os move para participar da
brincadeira é, em certo sentido, a mesma que move os cientistas em suas
pesquisas. Dessa forma é desejável buscar conciliar a alegria da brincadeira
com a aprendizagem escolar.

De acordo com Friedman (2000), os jogos lúdicos estão imbricados na


gênese da construção do conhecimento, da aquisição da cultura, bem como,
da formação da criança como sujeito humano. No entanto, a escola utiliza-se
pouco de práticas como essa, preferindo por vez, seguir um modelo
tradicional de ensino e aprendizagem que enfatiza de forma abrangente os
conteúdos. É na verdade, um melo ultrapassado, mas infelizmente ainda há
muitos professores que veem os jogos na educação de crianças e adolescente
como sendo algo de conotação negativa, por ser entendido apenas como
atividade recreativa.

O uso de jogos e curiosidades no ensino da escrita e leitura tem o


objetivo de fazer com que os alunos gostem de aprender a aprender, mudando
a rotina da classe e despertando o interesse do aluno envolvido. Bem como,
identificar as formas de inserção dos jogos lúdicos como recurso pedagógico
para a aprendizagem do conteúdo e ao mesmo tempo, analisar a utilização
desses recursos numa perspectiva construtivista, correlacionando os jogos
lúdicos ao processo de letramento de forma teórico-prática no ensino da
escrita e da leitura.

De acordo com os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN, 1996,


Brasil), a capacidade dos alunos, de pesquisar, buscar informações, analisá-
las e selecioná-las, além da possibilidade de aprender, criar, formular, deve
ser valorizada, ao invés do uso de simples exercícios de memorização. O
aluno deve ser capaz de formular questões, diagnosticar e propor soluções
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para problemas reais, ele deve, ainda, colocar em prática, conceitos,


procedimentos e atitudes desenvolvidos na escola, adquiridos com suas
experiências. À medida que progride nos estudos ele passa dos argumentos
perceptivos aos conceituais, realizando raciocínios e analogias concretas, por
meio de sua interação com o mundo e as pessoas com que tem contato.

Nesta perspectiva, os materiais didáticos são ferramentas fundamentais


para os processos de ensino e aprendizagem, e o jogo didático caracteriza-se
como uma importante e viável alternativa para auxiliar os professores em tais
processos, favorecendo na construção do conhecimento ao aluno,
considerando-se que a relação entre os jogos lúdicos e o conhecimento
lógico-cognitivo nos níveis do ensino fundamental, tem o intuito de
contribuir com indicações básicas para integrar o processo de letramento.

O objetivo deste estudo é compreender as formas de inserção dos jogos


lúdicos como recursos pedagógicos no desenvolvimento da aprendizagem
dos alunos dentro de uma perspectiva do letramento, onde se envolve os
processos de leitura e escrita. É um estudo bibliográfico que se constitui
numa perspectiva de contribuir com as práticas pedagógicas.

1 SIMBOLOGIA E INTERAÇÃO ATRAVÉS DOS


JOGOS LÚDICOS
O jogo é uma atividade espontânea, desinibida, desinteressada e
gratuita, pela qual o jovem se manifesta, sem barreiras e inibições. Pode-se
dizer que o jogo é atividade, o “trabalho” próprio da criança ou do jovem.
Neste sentido, considera-se como uma atividade viável e interessante a
utilização dos jogos lúdicos, pois este material pode preencher muitas lacunas
deixadas pelo processo de transmissão-recepção de conhecimentos,
possibilitando que os alunos construam seus próprios conhecimentos e tenha
uma melhor interação diante das atividades propostas.

As situações lúdicas, competitivas ou não, são contextos favoráveis de


aprendizagem, pois permitem o exercício de uma ampla gama de
movimentos que solicitam a atenção do aluno na tentativa de executá-los de
forma satisfatória e adequada. Elas incluem, simultaneamente, a
possibilidade de repetição para a manutenção e por prazer funcional e a
oportunidade de ter diferentes problemas a resolver. Além disso, pelo fato de
o jogo constituir um movimento de interação social bastante significativo, as
questões de sociabilidades constituem motivação suficiente para que o
interesse pela atividade seja mantido (PCN, p36).

Para Piaget (1989, p. 44), “o jogo lúdico é formado por um conjunto


lingüístico que funciona dentro de um contexto social, possui um sistema de
regras e se constitui de um objeto simbólico 1 que designa também um
fenômeno”. Neste contexto, a apropriação e a aprendizagem significativa de
conhecimentos são facilitadas quando tomam a forma aparente de atividade
lúdica, pois os alunos ficam entusiasmados quando recebe a proposta de
aprender de uma forma mais interativa e divertida, resultando em uma
aprendizagem significativa. E ao mesmo tempo, o jogo ganha um espaço
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como ferramenta ideal da aprendizagem, na medida em que se propõe


estimulo ao interesse do aluno, desenvolve níveis diferentes de experiências
pessoais e sociais, ajuda a construir suas novas descobertas, desenvolve e
enriquece sua personalidade, e simboliza um instrumento pedagógico que
leva o professor à condição de condutor, estimulador e avaliador da
aprendizagem. Ele pode ser utilizado como promotor de aprendizagem das
práticas escolares, possibilitando aproximação dos alunos ao conhecimento
cientifico, levando-os a ter uma vivencia, mesmo que virtual de soluções de
problemas que são muitas vezes muito próximas da realidade que o homem
enfrenta ou enfrentou. Estes processos podem envolver os conteúdos
abstratos e, muitas vezes, de difícil compreensão e, ainda sofrem influencia
de abordagem tradicional do processo educativo, na qual prevalecem à
transmissão-recepção de informações dissociadas entre os conteúdos e a
realidade, bem como a memorização do mesmo.

Conforme Vygotsky (1984, p.27) é na interação 2 com as atividades que


envolvem simbologia e brinquedos que o educando aprende a agir numa
esfera cognitiva. Na visão do autor a criança comporta-se de forma mais
avançada do que nas atividades da vida real, tanto pela vivencia de uma
situação imaginaria, quanto pela capacidade de subordinação às regras.

Dessa forma, o processo de compreensão dos conceitos é gradual e


sempre exige esforços dos alunos e, para que a compreensão seja melhorada
cada vez que entra um novo contato com o conceito, entende-se que, para o
aluno entenda-o, ele deve relacioná-lo aos conhecimentos prévios que possui.
Essa relação é complexa, mas de um modo geral, pode-se considerar que
quando ela acontece ocorre uma aprendizagem significativa, ou seja, o aluno
consegue assimilar o material novo aos conhecimentos prévios por causa do
desequilíbrio e do conflito provocado pela nova informação que entrou em
contato; o que pode leva-lo a uma mudança conceitual.

Segundo Friedmann (2000), “os jogos lúdicos permitem uma situação


educativa cooperativa e interacional, ou seja, quando alguém está jogando,
está também, identificando as regras desse jogo e ao mesmo tempo,
desenvolvendo regras de interação e cooperação que estimulam a
convivência em grupo”. Desta forma, os jogos lúdicos se assentam em bases
pedagógicas, porque envolve os seguintes critérios: a função de literalidade e
não literalidade, os novos signos lingüísticos que se fazem nas regras, a
flexibilidade a partir de novas combinações de idéias e comportamentos, a
ausência de pressão no ambiente, ajuda na aprendizagem de noções e
habilidades.

Sendo assim, os jogos lúdicos oferecem condições do educando


vivenciar situações-problemas, a partir do desenvolvimento de jogos
planejados e livres que permitam ao aluno uma vivencia no tocante às
experiências com a lógica e o raciocínio e também permitam atividades
físicas e mentais que favoreça a sociabilidade, bem como estimule as reações
afetivas, cognitivas, sociais, morais, culturais e lingüísticas. Pois, existe uma
relação muito próxima entre o jogo lúdico e a educação do educando para
favorecer o ensino de conteúdos escolares e como recurso para motivação no
ensino às necessidades dos alunos. E nesta perspectiva o professor deve
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auxiliar na tarefa de formulação e de reformulação de conceitos ativando o


conhecimento prévio dos alunos com uma introdução da matéria que articule
esses conhecimentos à nova informação que está sendo apresentada e
utilizando recursos didáticos para facilitar a compreensão do conteúdo pelo
aluno. Neste sentido, o jogo lúdico constitui-se em um importante recurso
para o professor ao desenvolver habilidades de resolução de problemas,
favorece também, a apropriação de conceitos e atende as características da
adolescência.

Portanto, as estratégias aqui utilizadas neste projeto serão de promover a


reflexão diante de situações-problemas que permitirão a elaboração de uma
conclusão pessoal, com base no conhecimento prévio. Além disso, a leitura
de textos, as discussões das teorias através dos jogos lúdicos e as informações
de novos conceitos, a busca de informações em fontes diversas, o relato e a
troca de idéias entre alunos deverão enriquecer a compreensão dos conceitos
envolvidos e facilitarão a incorporação do tema proposto. Nesta perspectiva
epistemológica, considerando que o processo de letramento desperte o senso
critico, formando cidadãos conscientes de seus direitos e deveres, avança
impulsionada pela vontade de explicar situações problemáticas, que motivem
os alunos e os levem a elaborar um plano que permita condições de ampliar o
domínio da língua, sem perder de vista que a apropriação da escrita e da
leitura é um instrumento de liberdade e não de escravidão.

2 APRENDIZAGEM DIFERENCIADA NAS AULAS DE


LINGUA PORTUGUESA

A socialização dos alunos da rede escolar pública tem gerado uma


grande problemática, quando se reflete na diversidade cultural, fazendo com
que o trabalho pedagógico do professor se torne ainda mais difícil quando
esses alunos são oriundos de classes populares marginalizadas. Aos
educadores que se deparam com uma imensa diversidade cultural, cabe obter
uma real visão da necessidade desses alunos possibilitando novas
experiências educativas que tenham por base os componentes socializadores
e que estejam engajadas dentro de uma perspectiva didática.

O índice de evasão escolar tem sido explicado pela falta de capacidade


da escola de constituir um universo escolar socializado, participativo e
interativo, pois o modelo educativo escolar é seletivo e fragmentário nas
atividades educativas. Neste sentido, através dos jogos lúdicos, poderemos
criar todas as situações no processo de socialização e de letramento, além
disso, pode ajudar ao aluno na convivência com seu grupo de colegas tanto
na escola como em sua própria comunidade. É um aprendizado suave,
divertido e pode proporcionar constante alegria. Através dos jogos aprende-se
a colaborar, a repartir, a observar um regulamento, a ceder o individual para
que o grupo vença; ajuda na comunicação, nos modos de agir, de pensar e de
sentir, a ganhar confiança e aumenta a autoestima, através de um ambiente
acolhedor.
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Nas ultimas décadas, os debates sobre o construtivismo 3 tem fomentado


discussões e reflexões a respeito da utilização dos jogos lúdicos na escola, e
as análises apontam para a necessidade de utilizá-los porque estão
diretamente ligadas as necessidades de uma aprendizagem qualitativa e
significativa na vida do aluno. Sendo assim, a questão central do processo de
letramento através dos jogos lúdico, é que o jogo oferece estimulo e está
sempre associado a um ambiente de interação propício ao desenvolvimento
espontâneo e criativo dos estudantes, que permite não só ao professor de
português, mas a todos sem exceção, ampliando assim, seus conhecimentos
de técnicas ativas de ensino, desenvolvendo habilidades pessoais e
profissionais para estimular nos educando as capacidades de comunicação e
expressão. Dessa forma, demonstrando uma nova maneira lúdica, prazerosa e
participativa de relacionar-se com o conteúdo escolar, levando uma maior
apropriação do conhecimento científico envolvido. Tudo isso, baseado no
fato de que jogos e brincadeiras são elementos muito valiosos no processo de
ensino-aprendizagem.

No entanto, poucos educadores se arriscam a trabalhar pedagogicamente


com os jogos lúdicos no ensino de língua portuguesa, porque desconhecem as
formas de correlacionar conteúdos e ações aplicadas de experiências. Com
isso, os problemas da aprendizagem e a dificuldade dos educandos para
compreender os processos de leitura e escrita acabam que permanecendo.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Nesse trabalho buscamos discutir sobre a implementação dos jogos


lúdicos dentro de uma proposta curricular onde a escola juntamente com seus
professores, trabalhassem numa perspectiva de inserir seu alunos num
processo ativo, dinâmico, seguindo regras e interagindo com os saberes,
apropriando-se do conhecimento científico, e ao mesmo tempo se divertindo,
participando, portanto, de uma educação transformadora.

Mostramos ainda que através dos jogos lúdicos podemos também


trabalhar com os processos de leitura e escrita, já que os referidos processos
são o melhor caminho para se entender o mundo que está a nossa própria
volta. Sendo assim, credita-se que com a inserção dos jogos lúdicos como
recurso didático para a criação de um ambiente acolhedor e interativo, os
alunos possam buscar as soluções mais adequadas para as situações de
dificuldades no desenvolvimento da leitura e escrita para que eles mesmos
possam ampliar suas capacidades de apropriação dos conceitos dos códigos
sociais e das diferentes linguagens, por meio da expressão e comunicação de
sentimentos e ideias, da experimentação, da reflexão, da elaboração de
perguntas e respostas.

NOTAS

1. Objeto Simbólico para PIAGET (1989), é definido como o jogo em três


categorias: jogo funcional, que objetiva exercitar a função em si por volta
dos 2 anos de idade; O jogo simbólico, é o momento em que o indivíduo
põe significado independente das características do objeto por volta dos 7
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anos; e o jogo de regras, consiste na relação interindividual a serviço da


lógica e da representação.

2. De acordo com Vygotsky (1984), a aprendizagem é fundamentalmente uma


experiência social, de interação pela linguagem e pela ação. Ou seja, a
interação proporciona a coletividade no aprendizado de modo que os
indivíduos venham a construir significados, compreensão e autonomia tendo
como resultado a constituição cognitiva, afetiva de ação- reflexão.
3. A construção do conhecimento ressaltada pela teoria piagetiana, é realizada
através das ações físicas ou mentais sobre objetos uma vez que, provocando
o desequilíbrio, resultam em assimilação ou, acomodação, ou seja, a
assimilação dessas ações e em seguida a construção do conhecimento. Ou
melhor, no momento em que os indivíduos conseguem assimilar os
estímulos, eles tentam fazer uma acomodação e por consequência a
assimilação e o equilíbrio enfim é conquistado.

REFERÊNCIAS

FRIEDMAN, Adriano. Brincar, crescer e aprender: o resgate do jogo


infantil. São Paulo: Moderna, 1996.
Parâmetros Curriculares Nacionais: Educação física/ Secretaria de
Educação Fundamental. – Brasília: MEC/SEF, 1997.
PIAGET, J. A linguagem e o pensamento da criança. Rio de Janeiro:
Fundo de cultura, 1989.
VIGOSTKY, L. S. A formação social da mente. São Paulo: Martins Fontes,
1984.
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Leitura e Letramento:
uma análise dos níveis de proficiência da
Prova Brasil em Sergipe

Ana Débora Lima de França1

Roseane Santana Santos Dias2

RESUMO
Este artigo consiste em uma análise dos níveis de habilidades avaliados na Prova
Brasil, com base nas notas de proficiência em Língua Portuguesa (LP). Para este fim,
utilizamos os resultados das escolas da rede pública Estadual de Sergipe, circunscritas
à Diretoria de Educação de Aracaju (DEA), nos anos de 2005 a 2011. Para
fundamentar análise adotamos o conceito de Letramento defendido por Soares (2003)
e Kleimann (1995), nos servimos também dos pressupostos da Linguística Textual
postulados por Koch (2010) sobre texto e leitura. Por fim, para procedermos à análise
nos baseamos no esquema elaborado por Rojo (2004) acerca das capacidades
envolvidas nas diversas práticas de leitura. Sendo a Prova Brasil o instrumental que
possuímos hoje para medir a qualidade da educação no país, e com base nas notas de
proficiências em LP, identificamos que, embora as notas das proficiências tenham tido
um pequeno avanço, estes não se constituíram numa transcendência de um nível ao
outro dentro da escala, ou seja, a nota aumenta, no entanto os alunos não conseguem
ultrapassar o nível em que se encontra na escala. Isso nos leva a pensar que é preciso
ajustar o discurso sobre o que se avalia na prova Brasil e o que se trabalha nas escolas.

Palavras-chave: Leitura; Avaliação; Proficiência; Prova Brasil.

1
Contato do(a) autor(a): anadebora05@hotmail.com. Especialização em Pedagogia
Empresarial pela Faculdade Atlântico. Coordenadora dos programas de formação
continuada da SEED/SE.
2
Contato do(a) autor(a): roseanesd@hotmail.com. Mestrado em Letras pela UFS.
Técnica da SEED/SE. Professora da UFS e da Faculdade Serigy.
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1 Sobre a noção de Letramento


Termo recente no campo da educação e da lingüística, a palavra
letramento não possui uma definição sólida que possa dar conta da
complexidade de tal processo. Nesse mar de imprecisão, existe a convicção
de que o termo é de origem latina. De acordo com Soares (2006, p.17), “a
palavra literacy vem do latim littera (letra), com sufixo –cyque denota
qualidade, condição, estado, fato de ser”. Dessa forma, literacy seria o
“estado ou a condição que assume aquele que aprende a ler e escrever”. De
fato, essa palavra está mais associada à palavra alfabetização do que ao termo
letramento, tendo em vista que este é “resultado da ação de ensinar ou de
aprender a ler e escrever: o estado ou a condição que adquire um grupo social
ou um indivíduo como conseqüência de ter-se apropriado da escrita”
(SOARES, 2006, p.18). Essa é realmente a definição mais comum do termo
letramento, no entanto não podemos desconsiderar a “complexidade e os
tipos de estudo que se enquadram nesse domínio” (KLEIMAM, 1995, p.17).

Embora estabeleça semelhanças com o termo alfabetização, convém


esclarecermos mais detalhadamente a diferença existente entre alfabetização
e letramento. O vocábulo Alfabetização é mais fácil de ser compreendido que
o vocábulo letramento; este pelo fato de ser um termo recente no campo das
ciências sociais. Em sentido restrito, (Soares 2003, p.90) distingue os dois
termos afirmando que “a inserção no mundo da escrita se dá por meio da
aquisição de uma tecnologia (alfabetização), e por meio do desenvolvimento
de competências de uso efetivo dessa tecnologia em práticas sociais que
envolvem a língua escrita- isso é letramento”. Embora se caracterizem como
processos distintos, mantêm certa relação de dependência, ou seja,
analfabetos podem ter um certo nível de letramento, mas não terem adquirido
a tecnologia da escrita; nesse caso recorre a quem tem para fazer uso da
leitura e escrita (Soares 2003).

Entendido o significado do termo letramento e a diferença que


estabelece com o termo alfabetização, destacamos a importância daquele para
a formação de leitores proficientes no mundo letrado.

2 Leitura e letramento
As discussões sobre leitura nunca estiveram tão em voga como na
atualidade, haja vista os baixos desempenhos dos estudantes brasileiros em
avaliações externas que medem habilidades de leitura. Desde que o governo
Federal se propôs a criar um instrumental que pudesse avaliar os níveis de
proficiência em Língua Portuguesa, sobretudo, porque precisava ter um
diagnóstico mais preciso em relação ao ensino público no país, os resultados
vêm provocando reflexões acerca das práticas didáticas de leituras
desenvolvidas em nossas escolas. Na corrida para reverter baixos de índices
de desempenho na Prova Brasil cujo foco é a leitura, algumas questões se
tornam imperativas:

É preciso dar complemento ao verbo ler quando se fala de ler muito


ou pouco, ler bem ou mal; como também é preciso dar complemento
ao verbo ler quando se avalia a leitura (SAEB, ENEM, Provão, Pisa...)
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e quando se pretende desenvolver práticas sociais de leitura


(SOARES).

No bojo de tantas questões que envolvem a leitura, uma torna-se crucial


para o entendimento do problema: se atingimos o auge da democratização do
acesso ao ensino no nosso país, por que grande parte de nossos alunos saem
da escola lendo de forma precária? “Isso, se dá, em boa parte, porque as
práticas de leitura no letramento escolar não desenvolvem senão uma
pequena parcela das capacidades envolvidas nas práticas letradas exigidas
pela sociedade abrangente” (ROJO, 2004). Nesse sentido, um bom começo
seria re (pensar) as condições de leitura oferecidas hoje em nossas escolas,
assim como na prova Brasil, já que ambas as propostas de trabalho com a
leitura devem caminhar em harmonia para que os índices de desempenho em
leitura melhorem em nosso país.

O que fazer diante de fatos poucos animadores? Por onde podemos


começar? As pesquisas e teorias sobre leitura têm se constituído como um
elemento fundamental para nortear o desenvolvimento de práticas de leitura
que preparem nossos jovens para uma leitura efetivamente cidadã, inclusive
na escola.

Pensando nisso, procuramos aprofundar as possibilidades de leitura à


luz dos estudos Koch (2010) sobre a produção de sentido na leitura de
qualquer texto. Segundo a autora, o sentido de um texto requer do leitor a
mobilização de várias estratégias que ela chama de sociocognitivas. Segundo
a linguista, para que um texto seja processado é necessário recorremos a três
grandes sistemas de conhecimento: conhecimento lingüístico, conhecimento
enciclopédico e conhecimento interacional. No conhecimento lingüístico,
para que um texto produza sentido é necessário que o leitor tenha
conhecimento da estrutura e do léxico que compõe uma língua. Já no
conhecimento enciclopédico, a produção de sentido de um texto está
condicionada aos conhecimentos de mundo que o leitor compartilha com as
informações do texto. Podemos dizer que este é um conhecimento que
precisa ser ampliado ao máximo durante o processo de escolarização do
indivíduo. Por fim, o conhecimento interacional que abrange os
conhecimentos: ilocucional, comunicacional, metacomunicativo e
superestrutural. Quando não conseguimos identificar a intenção do autor de
um texto ao escrevê-lo, o entendimento do texto fica comprometido, essa
informação está relacionada ao conhecimento ilocucional que
desenvolvemos. O conhecimento comunicacional nos permite identificar em
um texto a quantidade de informação necessária, a seleção da variante
linguística adequada e o tipo de gênero em questão. O conhecimento
metacomunicativo garante o reconhecimento do leitor dos tipos de ações
linguísticas utilizadas pelo locutor para assegurar a compreensão do texto. Já
no conhecimento superestrutural é necessário que ao ler um texto o leitor
reconheça os gêneros e sua adequação aos diversos eventos da vida social.

Do ponto de vista prático, esses conhecimentos podem ser testados


considerando as diversas capacidades de leitura que recorremos nas diversas
práticas de letramento por nós vivenciadas. Nesse sentido, Rojo (2004)
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elenca algumas capacidades inerentes ao processo de leitura, que ela divide


em três grandes blocos:

Capacidades de decodificação

• Compreender diferenças entre escrita e outras formas


gráficas (outros sistemas de representação);

• Dominar as convenções gráficas;

• Conhecer o alfabeto;

• Compreender a natureza alfabética do nosso sistema de


escrita;

• Dominar as relações entre grafemas e fonemas;

• Saber decodificar palavras e textos escritos;

• Saber ler reconhecendo globalmente as palavras;

• Ampliar a sacada do olhar para porções maiores de texto


que meras palavras, desenvolvimento assim fluência e rapidez de
leitura.

Capacidades de compreensão (estratégias)

• Ativação de conhecimentos de mundo: previamente à


leitura ou durante o ato de ler, o leitor está constantemente colocando
em relação seu conhecimento amplo de mundo com aquele exigido e
utilizado pelo autor no texto. Caso esta sincronicidade falhe, haverá
uma lacuna de compreensão, que será preenchida por outras estratégias,
em geral de caráter inferencial.

 Checagem de hipóteses: Ao longo da leitura, no entanto, o


leitor estará checando constantemente essas suas hipóteses, isto é,
confirmando-as ou desconfirmando-as e, conseqüentemente,
buscando novas hipóteses mais adequadas. Se assim não fosse, o
leitor iria por um caminho e o texto por outro.

 Localização e/ou cópia de informações: Em certas práticas


de leitura (para estudar, para trabalhar, para buscar informações em
enciclopédias, obras de referência, na Internet), o leitor está
constantemente buscando e localizando informação relevante, para
armazená-la – por meio de cópia, recorte-cole, iluminação ou
sublinhado – e, posteriormente, reutilizá-la de maneira reorganizada.
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 Comparação de informações: Ao longo da leitura, o leitor


está constantemente comparando informações de várias ordens,
advindas do texto, de outros textos, de seu conhecimento de mundo,
de maneira a construir os sentidos do texto que está lendo.

 Produção de inferências locais: No caso de uma lacuna de


compreensão, provocada por exemplo, por um vocábulo ou uma
estrutura desconhecidos, exerceremos estratégias inferenciais, isto é,
descobriremos, pelo contexto imediato do texto (a frase, o período, o
parágrafo) e pelo significado anteriormente já construído, novo
significado para este termo até então desconhecido.

Capacidades de apreciação e réplica do leitor em relação ao


texto (interpretação, interação)

 Recuperação do contexto de produção do texto: Para


interpretar um texto discursivamente, é preciso situá-lo: Quem é
seu autor? Que posição social ele ocupa? Que ideologias assume e
coloca em circulação? Em que situação escreve? Em que veículo
ou instituição? Com que finalidade? Quem ele julga que o lerá?
Que lugar social e que ideologias ele supõe que este leitor
intentado ocupa e assume? Como ele valora seus temas?
Positivamente? Negativamente? Que grau de adesão ele intenta?
Sem isso, a compreensão de um texto fica num nível de adesão ao
conteúdo literal, pouco desejável a uma leitura crítica e cidadã.
Sem isso, o leitor não dialoga com o texto, mas fica subordinado a
ele.

 Percepção de relações de interdiscursividade (no nível


discursivo): Perceber um discurso é colocá-lo em relação com
outros discursos já conhecidos, que estão tramados a este discurso.
Quando esta relação se estabelece, então, num dado texto, como
por exemplo, nas paródias, nas ironias, nas citações, falamos de
interdiscursividade.

 Percepção de outras linguagens (imagens, som, imagens em


movimento, diagramas, gráficos, mapas etc.) como elementos
constitutivos dos sentidos dos textos e não somente da linguagem
verbal escrita.

Essa organização das capacidades necessárias a um leitor proficiente


servirá como parâmetro para as análises que nos propusemos a realizar com
base nas notas proficiência da Prova Brasil.

3 Sobre Avaliação Externa e Prova Brasil


O aprendizado da leitura e da escrita tem se apresentado como um
grande desafio à escola pública hoje. Mais do que uma atividade ou tarefa
que se desenvolve didaticamente nas aulas de Língua portuguesa, a leitura e a
escrita, em seu conjunto de habilidades, constitui-se como requisito básico
para que o indivíduo ingresse no mundo letrado e possa construir seu
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processo de cidadania. Assim entendida, torna-se, portanto, uma das


competências mais requeridas no processo de escolarização do indivíduo,
pois lhe permite penetrar de forma atuante nas diversas esferas de
participação da sociedade contemporânea.

Essas considerações trazem à tona a necessidade de se buscar formas de


organizar, medir e avaliar o domínio das habilidades relativas à leitura e a
escrita nos currículos escolares. Assim como torna-se também
imprescindível, que os sistemas de ensino criem parâmetros e metas que
norteiem essas práticas, e se organizem no sentido de definir o quê e como
avaliar a aprendizagem dessa competência.

Na última década têm sido recorrentes discussões em torno da qualidade


do ensino oferecido pelos sistemas educacionais. Com o objetivo de apurar
informações sobre as aprendizagens dos alunos e obter um diagnóstico acerca
do que se ensina nas escolas, medidas estão sendo tomadas no sentido de
promover avaliações sistemáticas em larga escala, de modo a responderem às
novas demandas sociais em relação à educação escolar, conforme aponta
Fernandes (2009, p. 21) “na expectativa de obter informação confiável acerca
do que os alunos sabem e de contribuir para melhorar a qualidade de ensino
nas escolas”. Essas avaliações têm também a intenção de contribuir para que
gestores, professores e demais agentes da educação, estabeleçam metas e
promovam ações eficazes tendo como foco a aprendizagem dos alunos.

Desde então, a opção pelas avaliações externas, com a realização de


exames em larga escala, têm sido adotadas em diversos países como política
pública de avaliação dos sistemas de ensino. Mesmo obstante às críticas de
todas as ordens, principalmente às que se referem ao empobrecimento do
currículo, como aponta Fernandes (2009, p.33), ao afirmar que estas “avaliam
uma amostra muito reduzida dos domínios do currículo e, por isso, não
avaliam muitos resultados significativos da aprendizagem dos alunos”. No
entanto, é pelo seu caráter de confiabilidade e validade dos dados, além da
equidade com que trata os diferentes sistemas de ensino que as avaliações
externas tem servido ferramenta de gestão, análise e monitoramento do
desempenho da educação escolar.

No Brasil, foi criada em 2005, pelo Ministério da Educação a Prova


Brasil que passou a integrar o Sistema de Avaliação da Educação Básica-
SAEB, avaliação em larga escala, que já era realizada pelo Inep – Instituto
Nacional de Estudos e Pesquisas Anízio Teixeira, desde 1990, e que produzia
informações, em uma amostragem representativa dos estudantes do 5º e 9º do
EF e 3ª série regular do ensino médio, a respeito da situação educacional das
redes pública e privada por Região e Unidade da Federação, das áreas
urbanas e rurais.

A partir da integração da Prova Brasil ao SAEB, as informações


coletadas passaram também a retratar a qualidade do ensino público nos
municípios e de cada unidade escolar, complementando as informações
coletadas pelo SAEB. Realizada desde 2005 e aplicada a cada dois anos,
avalia o desempenho dos estudantes nas disciplinas de LP, com ênfase em
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leitura, e Matemática, com foco em resolução de problemas. Consideradas as


áreas essenciais para uma compreensão mais ampla de todo currículo escolar.

Assim, foram elencados numa Matriz de Referência, construídas com


base nos documentos curriculares norteadores dos sistemas de ensino, nos
PCNs (Parâmetros curriculares Nacionais) e nos livros didáticos adotados nas
unidades de ensino públicas e privadas, um conjunto de competências e
habilidades comuns para as séries e disciplinas avaliadas em todo território
nacional. “Estas matrizes constituem um parâmetro de orientação, uma
espécie de pauta, segundo a qual se elege o que será avaliado.” (INEP, 2009).

As habilidades e competências são organizadas em forma de Descritores


que, “como o próprio nome sugere, constituem uma sumária “descrição” das
habilidades esperadas no final do 5º ou do 9º ano” (INEP, 2009). Estes, em
conjunto com os Tópicos, ou a relação dos temas e conteúdos, compõem o
objeto de avaliação da Prova Brasil.

Na disciplina Língua Portuguesa, objeto deste estudo, as competências e


habilidades requeridas têm como enfoque a competência leitora dos
estudantes brasileiros, assim expressas na cartilha de orientação da Prova
Brasil (INEP, 2009): “Os testes de Língua Portuguesa da Prova Brasil e do
Saeb têm como foco a leitura. Seu objetivo é verificar se os alunos são
capazes de apreender o texto como construção de conhecimento em
diferentes níveis de compreensão, análise e interpretação. A alternativa por
esse foco parte da proposição de que ser competente no uso da língua
significa saber interagir, por meio de textos, em qualquer situação de
comunicação. Ler não é apenas decodificar, mas entender. É uma atividade
complexa que exige do leitor demonstrar habilidades como reconhecer,
identificar, agrupar, associar, relacionar, generalizar, abstrair, comparar,
deduzir, inferir, hierarquizar.”

Esses pressupostos expressos no documento orientador de aplicação da


Prova Brasil (INEP, 2009), marca a posição conceitual do Ministério da
Educação em relação à LP e s expectativas leitoras dos estudantes do país,
que assume uma concepção de língua como instrumento de interação social
que muito se aproxima à concepção de Letramento defendida por Soares
(2006, p.30) e adotada neste estudo “podemos definir letramento como a
capacidade de um indivíduo de se apropriar da escrita, sendo capaz de utilizá-
la em diversas situações exigidas no cotidiano”.

Os resultados das provas são apresentados em uma escala desdobrada


em seis níveis de proficiência em Língua Portuguesa, que respondem aos
Descritores e aos Tópicos: Procedimento de Leitura; Implicação do suporte,
do Gênero e/ou do Enunciador na compreensão do Texto; Relação entre
textos; Coerência e Coesão no Processamento do Texto; Relação entre
Recursos Expressivos e Efeitos de Sentido; Variação linguística e que
determina o que efetivamente deve ser aprendido pelos alunos nas escolas do
país.

Com essa sumária explanação nos propusemos a ilustrar um panorama


dos objetivos, metas e metodologia das avaliações externas aplicadas no
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Brasil, mais precisamente a Prova Brasil, e seus resultados de proficiência em


LP de uma amostragem das escolas da rede estadual de educação de Sergipe
para, a partir daí, possamos desenvolver uma adequada interpretação dos
dados e uma reflexão sobre os reais níveis de Leitura em que essas unidades
escolares se encontram.

4 Leitura e Proficiência de Língua Portuguesa das Escolas


da DEA/SEED

A Secretaria de Estado da Educação de Sergipe- SEED é uma rede de


ensino composta por 378 escolas que atendem o Ensino Fundamental, o
Ensino Médio e Educação de Jovens e Adultos. Além do Ensino
Profissionalizante.

Seu modelo de gestão está organizado administrativamente por


diretorias regionais, de modo a atender de forma equinânime, respeitando as
diferenças territoriais, todos os 75 municípios do Estado. Esse modelo se
adéqua ao plano de gestão do governo do Estado, por entender que cada
diretoria regional é uma representação administrativa menor, mas que goza
de autonomia para colaborar com o Governo, administrando “de perto” as
demandas provenientes das unidades escolares circunscritas às suas
respectivas diretorias.

O procedimento metodológico que adotamos para desenvolver a


análise deste estudo precedeu de uma escolha aleatória de uma das diretorias
administrativas da SEED. Para isso elegemos a DEA – Diretoria de Educação
de Aracaju, localizada na cidade de Aracaju, capital do estado. Essa Diretoria
responde pela administração de 90 escolas da região metropolitana, sendo
que será objeto desta análise apenas 59 dessas, por somarem o quantitativo
das que oferecem o ensino fundamental regular nos anos iniciais.

No conjunto das 59 escolas avaliadas, eliminamos na análise dos dados


15, por não apresentarem os dados relativos ao nível de proficiência na série
histórica 2005-2011. Importante enfatizar que o INEP estabeleceu por meio
da Portaria Nº 410, de 3 de novembro de 2011, alguns critérios para que as
provas fossem aplicadas nas unidades escolares, quais sejam: Escolas
particulares; Escolas com ensino exclusivamente profissionalizante; Escolas
com ensino exclusivo para Jovens e Adultos; Escolas que optaram pela não
aplicação da Prova Brasil, com registro em Formulário de Controle da
Aplicação; Escolas públicas com menos de 20 alunos matriculados em cada
uma das séries avaliadas, de acordo com o Censo Escolar 2011; Escolas que
não atingiram 50% de participação em relação ao quantitativo de alunos
declarados no Censo Escolar 2011; Escolas municipais pertencentes aos
municípios que solicitaram a não divulgação dos resultados nos termos da
Portaria e Escolas municipais que compuseram o estrato especial de
aplicação, conforme critérios estabelecidos também na referida Portaria.
(DOU, 2011).

Diante desses recortes podemos nos adiantar em informar que a não


divulgação dos resultados das notas de proficiência dessas escolas, em um
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dos anos do período requerido, deu-se em função destas não se inserirem no


contexto dos critérios estabelecidos pelo INEP.

Na sequência das análises, apresentamos a tabela de distribuição dos


níveis de proficiência em LP dos alunos do 5º ano, por escola, no período de
2005 a 2011.

PROFICIÊNCIAS EM LÍNGUA PORTUGUESA 2005

Nível Pontos na Escolas Percentual


escala

Nível 9 325 ou mais 0 __________

Nível 8 300 a 325 0 _________

Nível 7 275 a 300 0 __________

Nível 6 250 a 275 0 __________

Nível 5 225 a 250 0 __________

Nível 4 200 a 225 03 7%

Nível 3 175 a 200 15 35%

Nível 2 150 a 175 24 56%

Nível 1 125 a 150 01 2%

Nível 0 125ou menos 0 ___________

43 100%

PROFICIÊNCIAS EM LÍNGUA PORTUGUESA 2007

Nível Pontos na Escolas Percentual


escala

Nível 9 325 ou mais 0 _________

Nível 8 300 a 325 0 _________

Nível 7 275 a 300 0 _________

Nível 6 250 a 275 0 _________

Nível 5 225 a 250 0 _________


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Nível 4 200 a 225 01 2%

Nível 3 175 a 200 12 22%

Nível 2 150 a 175 39 71%

Nível 1 125 a 150 03 5%

Nível 0 125ou menos 0 __________

55 100%

PROFICIÊNCIAS EM LÍNGUA PORTUGUESA 2009

Nível Pontos na Escolas Percentual


escala

Nível 9 325 ou mais 0 __________

Nível 8 300 a 325 0 _________

Nível 7 275 a 300 0 __________

Nível 6 250 a 275 0 __________

Nível 5 225 a 250 0 __________

Nível 4 200 a 225 04 7%

Nível 3 175 a 200 17 31%

Nível 2 150 a 175 32 58%

Nível 1 125 a 150 02 4%

Nível 0 125ou menos 0 ___________

45 100%

PROFICIÊNCIAS EM LÍNGUA PORTUGUESA 2011

Nível Pontos na Escolas Percentual


escala

Nível 9 325 ou mais 0 __________

Nível 8 300 a 325 0 _________

Nível 7 275 a 300 0 __________


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Nível 6 250 a 275 0 __________

Nível 5 225 a 250 0 __________

Nível 4 200 a 225 04 8%

Nível 3 175 a 200 23 46%

Nível 2 150 a 175 22 44%

Nível 1 125 a 150 01 2%

Nível 0 125ou menos 0 ___________

50 100%

Para entender a leitura e análise dos dados é importante ressalvar que


cada um dos níveis de habilidades é constituído pelas habilidades nele
descritas (conforme quadro de escalas em anexo), somadas às habilidades dos
níveis anteriores, em ordem crescente de complexidade (INEP, 2009,).

Em 2005, 43 escolas participaram da Prova Brasil, destas 24 escolas, ou


seja, 56%, mais da metade alcançaram o nível 2. Isso indica que tais alunos
estão em um nível de leitura correspondente a alunos da 2ª ano das séries
iniciais, isto é, em processo de alfabetização. Enquanto que pela descrição
dos níveis da escala, esse aluno já deveria está, por exemplo, inferindo o
sentido de palavra em texto poético, identificar as marcas linguísticas dos
elementos que compõe uma narrativa.

Em 2007 a quantidade de escolas no nível 2 aumentou, mostrando mais


uma estagnação do nível de leitura dos alunos avaliados. Tais dados revelam
que as práticas de leituras estão muito mais focadas nas capacidades de
decodificação e, dessa forma, entendendo a língua como código, como
também é perceptível um pequeno estímulo a capacidade de compreensão
dos alunos que abrange, por exemplo, o conhecimento enciclopédico.

No ano de 2009, o nível 2 continua mantendo a sua hegemonia,


mostrando de certa forma, que as notas podem até terem aumentado, porém
não o suficiente para que os alunos evoluíssem no nível de proficiência.

Em 2011 podemos visualizar uma mudança concreta do nível 2 para o


nível 3, retratando uma leve evolução na escala. Isso mostra que os alunos já
conseguem ler narrativas mais complexas e interpretá-las. Além disso, já
conseguem também inferir os sentidos de uma expressão, assim como,
identificar a finalidade de um texto jornalístico. Neste caso, já conseguem
ativar outros conhecimentos, além dos linguísticos, como o conhecimento
ilocucional, por exemplo.

Sendo assim, numa interpretação inicial e ampla dos dados de


proficiência, tendo como referência os dados apresentados pelas Unidades
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Escolares circunscritas à DEA, podemos afirmar que houve um aumento


geral da proficiência no histórico dos resultados divulgados até então. Não
obstante, observamos que o quantitativo de escolas que logram êxito no
avanço de uma escala para outra, ainda é muito tímido. Lembrando que essas
provas são aplicadas aos alunos do 5º ano e que, a expectativa de
aprendizagem para essa série em LP, compõe as habilidades descritas de
forma cumulativa no intervalo de nível 1 ao 4. O que significa uma aquisição
ainda muito restrita de novas habilidades e competências em Língua
Portuguesa ao longo da escolaridade básica.

Assim, uma análise não tão aguçada dos dados nos responde que as
escolas analisadas precisam ainda intervir muito para colaborar com
estudante no sentido de garantir-lhes o direito de ampliação das habilidades
de leitura que envolvam uma concepção ampla de letramento e que possam
ser avaliadas em diversos contextos.

CONSIDERAÇÕES FINAIS
Diante desta breve exposição da situação das escolas estaduais de
Aracaju, algumas considerações devem permear nossas últimas palavras. Os
níveis que se encontram nossos alunos na escala de proficiência mostram
que, as práticas de leitura/letramento desenvolvidas nestas escolas estão
negligenciando a possibilidade de acesso do aluno ao universo letrado nas
suas múltiplas dimensões. Esse fato nos leva também a inferir que existe um
abismo entre as concepções de leitura/língua/texto adotada na Prova Brasil e
as concepções adotadas pelas escolas. Nesse sentido, é sintomática a
necessidade de articular ações que visem aproximar os currículos das escolas
da matriz curricular da prova Brasil, e verificar como essa articulação se
efetiva na prática. Caso contrário, estaremos na contramão da tão almejada
qualidade da educação em nosso estado/país.

REFERÊNCIAS

KLEIMAM, A. Os significados do letramento: uma nova


perspectiva sobre a prática social da escrita- Campinas, SP:
Mercado das Letras, 1995.
ROJO, Roxane. Letramento e capacidade de leitura para a
cidadania. São Paulo: SEE: CENP, 2004. Disponível em
http://deleste2.edunet.sp.gov.br/htpc2012/pc1_letramento.pdf.
acessado em 29/08/2012.
SOARES, M. Letramento um tema três gêneros. 2ed. Belo
Horizonte: Autêntica 2006.
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SOARES, M. in Letramento no Brasil: Reflexões a partir do


INAF 2001. Org. Vera Masagão Ribeiro. São Paulo: Global,
2003.
SOARES, M. LER, VERBO TRANSITIVO.
www.leiabrasil.org.br/old/leiaecomente/doc/verbo_transitivo.do
c. acessado em 29/08/2012.
KOCH. INGEDORE. Ler e compreender: os sentidos do texto.
3. Ed. São Paulo: Contexto, 2010.
FERNANDES, Domingues. Avaliar para aprender. São Paulo.
Editora Unesp. 2009.
http://portal.inep.gov.br/web/prova-brasil-e-saeb/prova-brasil-e-
saeb.
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ALFABETIZAÇÃO:
reflexões a partir de um estudo de caso

Cláudia Cardinale Nunes Menezes1

RESUMO

Este trabalho pretende realizar reflexões sobre o processo de alfabetização, o qual


precisa ter como premissa que cada criança é única, e que suas dificuldades merecem
toda atenção, para que possamos propiciar um ambiente educacional favorável à
aprendizagem. O trabalho visa analisar as possíveis causas da dificuldade de
aprendizagem apresentada por um aluno de segunda série que já reprovou duas vezes
e, também, delinear um retrato da teoria e da práxis que constrói e embasa a
alfabetização. O estudo poderá servir como orientação para os profissionais da
educação e familiares sobre o desenvolvimento educacional do aluno dentro da
escola, na família e na comunidade. Para tanto, recorre-se ao estudo de caso,
sustentado pelos aportes teóricos de Emília Ferreiro, Sara Paín, entre outros autores. A
escolha do tema de estudo justifica-se pela preocupação com o número cada vez
maior de crianças no processo de alfabetização que apresenta dificuldades
relacionadas ao desenvolvimento afetivo, cognitivo e psicomotor.

Palavras-chave: Dificuldades de aprendizagem; Educação; Alfabetização

1
Contato do(a) autor(a): mota-claudia@ig.com.br. FSLF, especialista
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INTRODUÇÃO

Neste artigo será apresentado um estudo de caso de um aluno repetente


da 2ª série do Ensino Fundamental do município de Aracaju/SE que
apresenta dificuldade em ler e escrever, desde a educação infantil. Com o
objetivo de analisar as possíveis causas da dificuldade de aprendizagem
apresentada e delinear um retrato da teoria e da práxis que constrói o
processo de alfabetização.

Realizamos momentos de entrevista com a mãe da criança para a


compreensão das relações familiares e sua relação com o modelo de
aprendizagem; momentos de avaliação das atividades escolares; de estudo
sobre os processos de construção e desempenho das estruturas cognitivas; de
análise dos aspectos emocionais por meio de testes projetivos e de entrevistas
com os profissionais da escola.

Esses momentos foram estruturados dentro de uma sequência


diagnóstica estabelecida de acordo com o caso. Os dados foram coletados
com a família, escola e com o próprio aluno, considerando os aspectos
objetivos e subjetivos observados nos diversos âmbitos: cognitivo, familiar,
pedagógico e social.

Adotamos como referência de estudo o modelo desenvolvido por Weiss


(1992), composto pelas seguintes etapas: Entrevista Familiar Exploratória
Situacional (E.F.E.S), Entrevista de Anamnese, Sessões lúdicas centradas na
aprendizagem, Complementação com provas e testes, Síntese diagnóstica –
Prognóstico, Devolução e Encaminhamento.

O estudo de caso foi desenvolvido por meio de um atendimento


pedagógico especializado, o qual servirá como orientação e reflexão para os
profissionais da educação e familiares sobre o desenvolvimento educacional
e a alfabetização, a fim de proporcionar, a integração do aluno dentro da
escola, na família e na comunidade, superando as dificuldades encontradas no
processo de alfabetização.

1 REFLEXÕES SOBRE O PROCESSO DE


ALFABETIZAÇÃO

O processo de alfabetização deve oportunizar condições para que a


criança ou adulto seja capaz não só de ler e escrever, mas, sobretudo, de fazer
uso adequado da escrita, atuando como cidadão ativo e critico em nossa
sociedade.

Ferreiro (1996) em suas pesquisas entende que o desenvolvimento da


leitura e da escrita se constrói a partir do ponto de vista dos processos de
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apropriação de um objeto socialmente constituído. E este construir


conhecimento, estaria alicerçado em possibilidades que o sujeito obtém para
criar o seu conhecimento, perpassando pelos diversos patamares do próprio
conhecimento trabalhado e atingindo o saber socialmente elaborado.

Como discute Ferreiro (1996), um dos primeiros problemas enfrentados


pela criança, para desvendar a escrita, é compreender o que as marcas sobre o
papel representam e como se realiza esta representação. Esta é uma é uma
importante contribuição no sentido de considerar a escrita como a
representação da linguagem e não apenas como um código de transcrição
gráfica de unidades sonoras. Ressaltamos, ainda, que Ferreiro (1996)
considera a criança que aprende como um sujeito ativo que interage de modo
produtivo.

Este é o problema da criança do nosso estudo, desvendar “o segredo


das letrinhas”. Podemos caracterizar a criança em análise como um
indivíduo que apresenta a necessidade a todo o momento de aprovação e de
modelos a serem seguidos. Ao observar por atividades de repetição,
podemos perceber que a criança age mais na estrutura da hiperacomodação.
Uma modalidade de aprendizagem em desequilíbrio quanto aos movimentos
de assimilação e acomodação; sintomatizada na hiperacomodação. Segundo
Paín (1985, p.48)

muitas vezes a hipoassimilação leva a uma hiperacomodação,


fazendo com que o sujeito busque modificar o menos possível o
objeto do conhecimento para aprendê-lo. A hiperacomodação causa
uma pobreza de contato com a subjetividade, superestimulação da
imitação, falta de iniciativa, obediência acrítica, submissão.

Pode-se perceber que a relação de ensino-aprendizagem toma diversas


formas e modelos, na qual Fernández (2001) nomeia como modalidades de
aprendizagem, que se compõem a partir de uma modalidade de ensinagem.

A modalidade de aprendizagem do sujeito na infância está construída


nas bases de aprendizagem familiar, ou seja, o espaço de relação da família é
o ambiente onde compõe-se as modalidades de aprendizagem. Numa família,
que não autoriza a diferença, encontramos a diferença como deficiência; e
este é o contexto da família do estudo de caso.

De acordo com o relato da professora, a criança escreve copiando, mas


não sabe ler o que escreveu, apesar de reconhecer as letras. Na hora de fazer a
junção das letras para formar sílabas, não consegue, e permanece em silêncio.
A professora exemplificou a tentativa de leitura da criança, a palavra PAI,
fala P-A e não consegue ler mais nada, ainda segundo a professora, com
muita insistência a criança consegue pequenos avanços, mas esquece no dia
seguinte, “parece que tem um bloqueio”. Para os colegas de sala de aula, “ele
não sabe ler”. Observamos distração da criança durante a maior parte da
aula, e quando concentra-se em alguma atividades é por pouco tempo.
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Analisando o relato da professora orientamos que o trabalho pedagógico


sempre esteja fundamentado em um processo de alfabetização
contextualizada, a qual priorize o caráter construtivo das elaborações infantis,
sem os quais a aprendizagem pode ser muito dificultada, como o caso
relatado.

Segundo Ferreiro e Teberosky (1985) pouco adianta ensinar a criança a


traçar letras, se não forem oferecidas a ela situações onde a escrita como
sistema de representação possa ser objeto do pensamento infantil. Desta
forma, fazem-se necessárias mudanças no conjunto de textos oferecidos para
a leitura realizada pela criança, priorizando textos que proporcionem
significados pautados em conhecimentos prévios da criança, caso contrário à
criança pode não demostrar interesse pela aprendizagem.

Foi observado, também, que o comportamento apresentado pela criança


reflete questões múltiplas, sendo estas resultantes da constituição do sujeito e
da relação estabelecida com aspectos em seu contexto social. As áreas de
estudo se traduzem na observação de aspectos orgânico, cognitivo,
emocional, social e pedagógico no processo de aprendizagem.

Segundo Weiss (1992, p. 22) a interligação destes aspectos ajudará a


construir uma visão gestáltica da pluricausalidade, possibilitando uma
abordagem global do sujeito em suas múltiplas facetas. Observando tais áreas
específicas que compõem o ser em sua totalidade, foram identificadas as
seguintes situações.

No aspecto orgânico e corporal, a criança não apresentou dificuldades


quanto à psicomotricidade, coordenação motora fina, lateralidade e relações
espaciais. Não apresentou também alterações na visão visto que, a criança
não apresentou dificuldades nas visualizações gráficas. Não apresenta
carências nutricionais e a não recusa alimentação.
No nível emocional identificamos sentimentos de desconfiança e baixa
autoestima, além de insegurança nas relações familiares e sociais impedindo
assim, vínculos importantes para o seu desenvolvimento afetivo, podemos
citar como exemplo, as críticas recebidas em casa e na escola porque não ser
capaz de ler e escrever. A angústia, o medo e as tensões são direcionados
para área corporal durante o sono noturno, onde a criança relatou que tem
pesadelos e insônia com frequência.
As dificuldades da criança têm sido pontuadas e reforçadas pela
instituição escolar, classificando-o como ‘menos apto’ e desconsiderando a
singularidade do ser em permanente construção. Daí é percebido o
distanciamento e a inércia nas ações operativas que são de suma importância
para a autonomia e liberdade de pensamento.
No aspecto cognitivo e pedagógico não detectou-se alterações
importantes quanto à atenção, memória, antecipação, classificação e
percepção, pois apresentou distração na escola e não em jogos e programas
eletrônicos. Apresenta de maneira satisfatória relações espaços-temporais.
Limitações quanto às operações de cálculo mental e conceito de número, a
qual evidencia um estágio de pensamento operacional-concreto inicial com
predomínio no intuitivo e leitura e escrita no nível silábico. Segundo
Ferreiro e Teberosky (1980) este é um nível marcado pelo conflito
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estabelecido pela criança, pois precisa negar a lógica do nível silábico,


gerando incapacidade de compreensão daquilo que a criança escreveu.
A criança apresenta uma modalidade de aprendizagem marcada pelo
aparecimento de condutas dependentes. Não toma iniciativa, é queixoso e
precisa ser conduzido nas suas produções bem como necessita de aprovação
constante no trabalho que realiza. Esse comportamento representa ser fruto
dos constantes fracassos no seu processo de conhecimento, sendo um tipo de
conduta que representa obstáculos quanto à construção dos vínculos com as
primeiras aprendizagens e a relação estabelecida com os professores.
Estes aspectos, ao serem analisados separadamente configura um
quadro com pistas que podem explicitar mais claramente as causas do
comportamento apresentado. Ao integrar os resultados obtidos durante todo
o processo de investigação à queixa inicial podemos entender o que sinaliza
a dificuldade na alfabetização – um comportamento expresso pelo
desinteresse, mesmo que inconsciente.
Sendo assim, perceber as individualidades da criança possibilita
entender o seu processo de aprendizagem, o que ela apresenta como
comportamento destoante e que incomoda a escola e a família.
De acordo com Pain (1985, p.15)

Nesse lugar do processo de aprendizagem coincidem um momento


histórico, um organismo, uma etapa genética da inteligência e um
sujeito associado a tantas outras estruturas teóricas, de cuja
engrenagem se ocupa e preocupa a Epistemologia; referimo-nos
principalmente ao materialismo histórico, à teoria piagetiana da
inteligência e a teoria psicanalítica de Freud, enquanto instauram
a ideologia, a operatividade e o inconsciente.

Quando o assunto envolve questões relacionadas ao estabelecimento de


afetividade, ressignificação de aprendizagem, formação de valores e
orientação familiar, surge então a emergente necessidade de reorientação, e
sem os esforços de pais, professores e da própria criança, o processo de
alfabetização parece distante.

Diante deste contexto, tanto no âmbito da dinâmica do cotidiano escolar


quanto familiar, a criança manifesta comportamentos passíveis de
reorientação. Depois da análise do caso concluída foi proposta uma reflexão
aos envolvidos no estudo em questão, através de seminário para os
profissionais da escola e para a família e criança, um diálogo.

Para a escola recomendamos trabalho pedagógico direcionado a


valorização e singularidade do sujeito dentro do grupo e do seu conhecimento
prévio de mundo, sempre pautado em um planejamento flexível, com
objetivos claros e estratégia metodológica criativa e desafiadora que combine
os diferentes estilos de aprendizagem (sinestésico, visual, auditivo).
Valorização do conhecimento trazido pela criança, podemos exemplificar
com sugestões de atividades onde a criança desenhe histórias e escreva a fala
dos personagens. Atividades para a criança e na medida em que ela não
conseguir manter a atenção ampliar o tempo de atenção com outras
atividades que proporcione mais interesse pela criança. Realizar uma
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atividade de cada vez para facilitar o entendimento e cautela quanto à


sobrecarga de atividades e ansiedade. Estabelecer regras claras e simples para
serem adotadas no cotidiano escolar e não esquecer-se de realizar acordos e
elogiar o comportamento.

Vale ressaltar, também, que o profissional da educação necessita ter


conhecimentos multidisciplinares, pois é necessário estabelecer e interpretar
dados em várias áreas. O conhecimento dessas áreas fará com que o
profissional compreenda o quadro do aluno e favorecerá a escolha de
metodologia mais adequada com vistas à superação das dificuldades de
alfabetização, favorecendo a aprendizagem do aluno no processo.

Para a família, recomendamos falar com a criança sobre a importância


de aprender ler e escrever, sempre mantendo a criança em contato coma a
escrita, por meio de pequenos bilhetes demonstrando a utilização da
linguagem escrita como veículos de comunicação. Solicitar que a criança
faça lista de compras, conte histórias. Se a criança não quiser fazer a lição,
conversar e descobrir o motivo, já que pode ser por não ter entendido a
matéria. Estabelecer horários para estudar em casa, é importante que a
criança tenha tempo para brincar e fazer outras atividades que goste. Escolher
um ambiente tranquilo, sem barulho de televisão ou rádio, facilitando a
concentração. Se a criança não entender um exercício sobre desenho
geométrico, por exemplo, busque objetos que estão ao seu redor para
explicar. Montar teatrinhos sobre os assuntos estudados ou acrescente
músicas explicativas na hora de auxiliar na lição. Realizar experiências para
mostrar a criança na prática algum assunto que foi visto na escola. Não ficar
o tempo todo ao lado da criança, para que não se habitue a fazer a lição
apenas na companhia dos pais. Nunca estimular a memorização dos temas
estudados, peça sempre para explicar o que entendeu. Se não souber
responder a uma dúvida da criança, pesquise ou anote e transfira a questão
para a professora. Reforçar o ânimo frequentemente ao notar sinais de
desânimo e frustração, incentivando-o. Evitar sermões ou críticas longas, e
ser prudente e sensato quanto às sanções.

Para criança orientamos organização do horário de estudo diário para


revisar as matérias do dia e nunca deixar para estudar tudo no dia anterior a
prova. Estudar num lugar calmo e sem barulho. Procurar esclarecer todas as
dúvidas com o professor durante as aulas ou dias de reforço. Alimentar-se
antes de ir ao colégio. Procurar desenvolver as atividades propostas pelos
professores e participar dos trabalhos. Realizar atividades físicas, pois uma
boa saúde corporal é fundamental para um bom desempenho na escola.
Procurar dormir no mínimo oito horas por dia para não ter sono durante as
aulas. O lazer é fundamental para chegar disposto ao colégio. Ter uma vida
agradável no colégio, estudando e brincando com os amigos.

CONCLUSÕES
A criança revela obstáculos relacionados à vinculação afetiva que se
estabelece com as situações de aprendizagem, apresentando de diferentes
formas. Apresenta um histórico de vida marcado por construção de baixa
autoestima produzida pelo recorrente fracasso escolar, inadequação
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pedagógica favorecida por um modelo de aprendizagem limitado ao princípio


de acomodação cognitiva, descontextualizado e pautado no estímulo à
dependência e nos recursos básicos da memorização.

Faz-se necessário que a criança tenha oportunidade de sentir-se como


alguém capaz de conhecer e que sejam estabelecidas novas vinculações com
a aprendizagem escolar. Cabendo a família e a escola proporcionarem
estímulos significativos, dando condições de uma aprendizagem que o realize
como cidadão capaz de ler e saber interpretar o mundo. Pois, caso contrário,
o resultado poderá ser configurado nas constantes reprovações sem evolução
quanto à construção de saberes e ressignificação de conhecimentos, formando
mais um indivíduo estigmatizado como aluno problemático, e com limitações
cognitivas incapacitantes para o aprendizado.

Ressaltamos a importância do professor alfabetizador na formação do


educando, principalmente em seu exercício das práticas pedagógicas que
devem buscar a potencialização da leitura e da escrita no processo de
alfabetização. Para isso, os profissionais da educação precisam ter uma
prática comprometida e dedicação contínua não só em relação à formação dos
educandos, mas, principalmente, com a sua formação sobre os procedimentos
e conhecimentos sobre alfabetização, sempre buscando atualização,
considerando a descoberta e a produção do conhecimento um processo
contínuo.

REFERÊNCIAS

FERNÁNDEZ, Alicia. Os idiomas do aprendente: análise de


modalidades ensinantes em famílias, escolas e meios de
comunicação. Porto Alegre: Artmed Editora, 2001.
FERREIRO, Emília. Reflexões sobre alfabetização. São Paulo:
Cortez, 1996.
FERREIRO, Emília & TEBEROSKY, Ana. Psicogênese da
Língua escrita. Porto Alegre: Artes Médicas, 1985.
PAÍN, Sara. Diagnostico e tratamento dos problemas de
aprendizagem. Porto Alegre: Artes Médicas, 1985.
WEISS, Maria Lucia Lemme. Psicopedagogia clínica: uma
visão diagnostica dos problemas de aprendizagem. Rio de
Janeiro: Lamparina, 1992.
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Reflexões sobre o Ensino do Texto em uma


Sala de Aula com Crianças do 4º Ano do
Ensino Fundamental

Samuel de Souza Matos1


Thiago Gonçalves Cardoso2

RESUMO
Este trabalho tem como propósito explicitar a articulação dos estudos que privilegiam
o texto como o lugar de interação entre atores sociais, visto que é considerado por
muitos estudiosos o melhor ponto de partida e de chegada para o ensino da língua
portuguesa na escola, pois se revela como uma fonte de “lugares sociais, crenças,
valores e vivências” (KOCH e ELIAS, 2008) de uma dada comunidade. Os
resultados, revelado como uma grande carência em ensinar a produzir e a ler textos
competentemente. Diante disso, nosso interesse, aqui, é possibilitar uma dinâmica
interativa em sala de aula, em que professores e alunos compartilhem conhecimentos
e se utilizem de várias estratégias de caráter sociocognitivo e interacional a partir da
linguagem materializada em textos da vida cotidiana, acarretando nos alunos a
capacidade de produzir e interpretar textos em variadas situações de comunicação.
Daí ser importante refletir sobre questões de leitura/escrita na construção dos sentidos
do texto no ambiente escolar, procurando verificar durante as atividades o modo como
os textos são introduzidos pelos professores e recepcionados pelos alunos, observando
se esses mesmos textos dialogam com suas vivências. Para tanto, desenvolvemos
atividades em sala de aula do 4º ano do Ensino Fundamental, da Escola Estadual
Armindo Guaraná, localizada no Bairro Jardim Rosa Elze, no município de São
Cristóvão/SE. Esperamos, dessa forma, que o público-alvo perceba o valor do uso do
texto no ensino-aprendizagem da leitura e da escrita, além de que também esta
investigação possa despertar maior interesse da comunidade acadêmica pelos estudos
do texto e suscite a reflexão sobre a interdisciplinaridade entre a Linguística de Texto
e outras áreas do conhecimento. Focamos este estudo nos pressupostos teórico-
analíticos de Bakhtin (1997), Koch e Elias (2011), Marcuschi (2008), dentre outros.

Palavras-chave: Estudos do texto; leitura/escrita; ensino/aprendizagem.

INTRODUÇÃO

1
Contato do(a) autor(a): samuel.matos@hotmail.com.br.
2
Contato do(a) autor(a): thiago-tche@hotmail.com.
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O presente trabalho, ancorado nos estudos da Linguística Textual


(doravante, LT), faz parte do projeto de pesquisa recém-finalizado: “A
Contribuição dos estudos do texto no processo ensino-aprendizagem”,
vinculado ao Programa de Inclusão à Iniciação Científica - PIIC/COPES/UFS
(2011/2012). Nosso objetivo é levar o professor de Língua Portuguesa a
refletir sobre a importância e/ou o papel dos estudos textuais no processo
ensino-aprendizagem, possibilitando aos alunos a capacidade de compreender
e produzir textos nas mais variadas situações comunicativas.

Partimos da necessidade da existência de abordagens de ensino que


levem em consideração textos que façam parte das vivências dos alunos,
visto que, ainda hoje, são muitas as dificuldades encontradas ao se ensinar a
produzir e ler textos em diferentes níveis de escolaridade. Acredita-se no
pressuposto de que os aprendizes de uma língua conseguem utilizá-la
quando, em sala de aula, é tomada a consciência de que os confrontos com os
diversos gêneros textuais (MARCUSCHI, 2008) da vida diária estimulam a
ativação e a reativação de conhecimentos. Para os PCN, “são os textos que
favorecem a reflexão crítica e imaginativa, o exercício de formas de
pensamento mais elaboradas e abstratas, os mais vitais para a plena
participação numa sociedade letrada” (BRASIL, 1997, p. 30).

Sendo assim, o texto emerge como objeto relevante de discussão tanto


na comunidade acadêmica quanto fora dela. É, pois, por meio dele,
dialogicamente, que os interactantes da língua constroem e são construídos
no texto (KOCH e ELIAS, 2008), revelando sua perspectiva da realidade,
produzindo e ativando conhecimentos. Desse modo, trabalhar com texto
possibilita o desenvolvimento da leitura e escrita, atividades sujeitas a uma
construção de sentidos múltiplos (KOCH, 2006).

Ler e escrever exigem que o sujeito mobilize não apenas o seu


conhecimento linguístico, mas também o seu conhecimento sociocognitivo e
de mundo, pois a possibilidade de produzir textos eficazes tem sua origem na
prática de leitura em sala de aula (ROJO, 2000), que é “um espaço de
construção da intertextualidade e fonte de referências modelizadoras”
(BRASIL, 1997, p. 53). O domínio da escrita e da leitura se adquire em
atividades sociais que envolvem fatores diversos como pragmático, sócio-
histórico, cognitivo e cultural (KOCH e ELIAS, 2011), que, quando levados
em consideração, vão possibilitar o desenvolvimento das competências
linguístico-cognitivas dos alunos, garantindo-lhes a oportunidade de plena
participação social.

A partir de leituras diversas (KOCH et al, 2007; MARCUSCHI, 2008;


KOCH; ELIAS, 2008 e 2011; KOCH, 2006, 2004 e 2011; BAKHTIN, 1997;
ROJO, 2000; CAVALCANTE et al, 2010; LIMA, 2011a, b e c; SANTOS e
NEVES, 1999), discussões sobre essas leituras e a coleta de dados, fizemos
algumas análises do corpus construído na sala de aula do 4º ano da Escola
Estadual Armindo Guaraná, localizada no bairro Jardim Rosa Elze no
município de São Cristóvão/SE. Com o intuito de verificar, através disso, de
que modo o estudo dos sentidos de textos é introduzido pelo professor e
recepcionado pelos alunos nas práticas de linguagem, procurando observar se
os textos utilizados dialogavam (BAKHTIN, 1997) com suas vivências.
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1 A linguagem nas ações humanas e na constituição de


textos
“Não é possível dizer algo a alguém sem ter o que dizer”. É com esta
afirmação que os Parâmetros Curriculares Nacionais (BRASIL, 1997, p. 24)
tecem observações sobre o funcionamento das ações humanas mediadas pela
linguagem. As ações humanas não existem sem que se estabeleçam
necessidades, sem que haja motivos. Os sujeitos sociais, numa interrelação
uns com os outros, por meio da linguagem, trocam informações,
compartilham seus conhecimentos e pontos de vista sobre o mundo,
interagem entre si, para que possam manter e organizar a vida.

A linguagem, por ser tão útil nas ações humanas, constitui, portanto,
lugar importante na construção do texto. Koch (2011), ao mencionar os
pressupostos das teorias sociointeracionais, prega que

a existência de um sujeito planejador/organizador que, em sua inter-


relação com outros sujeitos, vai construir um texto, sob a influência de
uma complexa rede de fatores, entre os quais a especificidade da
situação, o jogo de imagens recíprocas, as crenças, convicções,
atitudes dos interactantes, os conhecimentos (supostamente)
partilhados, as expectativas mútuas, as normas e convenções
socioculturais. Isso significa que a construção do texto exige a
realização de uma série de atividades cognitivo-discursivas que vão
dotá-lo de certos elementos, propriedades ou marcas, os quais, em seu
inter-relacionamento, serão responsáveis pela produção de sentidos
(KOCH, 2011, p. 7).

Levando em consideração os argumentos da autora, na produção de


textos com outros sujeitos, ativamos, de forma interativa, nossos
conhecimentos, constantemente, com vistas à realização de nossas
necessidades. Os sujeitos, individualmente, possuem estruturas específicas do
conhecimento determinado pelas suas crenças, vivências, lugares sociais que,
na interação, partilham e constroem outros conhecimentos.

Assim, numa dada situação, por exemplo, podem ocorrer produções de


sentidos muito diferentes das que o sujeito/produtor pretendia fazer.
Construções estas elaboradas pelo interlocutor, as quais podem fugir das
intenções do produtor, acontecem, provavelmente, devido a limitações de
conhecimento do receptor, visto que são os conhecimentos (de mundo,
cognitivo, linguístico, cultural, histórico) que permitem aos sujeitos
interagirem, construírem e reconstruírem textos.

Como se pode ver, o texto não pode jamais ser um produto acabado,
fruto do pensamento do autor e possuidor de um único sentido. Nas ações
humanas, o texto funciona como objeto dinâmico, uma ferramenta poderosa
que se constrói/reconstrói a depender de uma complexa rede de fatores
linguísticos, cognitivos, socioculturais e interacionais. É no texto, portanto,
onde os sujeitos sociais interagem. Lima (2011c, p. 6), complementando essa
visão, comenta que
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as escolhas a serem feitas durante as ações discursivas dependem não


só de características expressas no cotexto (contexto linguístico), mas
também das do falante, isto é, de suas crenças, atitudes, opiniões e
conhecimentos de mundo depositados na sua memória, o que torna
possível a construção e reconstrução dos sentidos previstos pelo
produtor do texto e de outros não previstos por ele.

Diante do exposto, ao mencionar a linguagem como fator relevante para


a constituição do texto, pareceria uma tarefa fácil defini-la, todavia não o é,
pois, segundo Koch (2006), há diversas maneiras de se definir a linguagem a
depender de qual concepção de língua, de texto, de sujeito e de sentido se
procure trabalhar. Lima (2011b, p. 2), embasada em seus estudos, postula que
“podemos vê-la como uma atividade, como uma prática social, como um
trabalho entre sujeitos que, através desse processo, organizam, interpretam e
dão forma a suas experiências e à realidade em que vivem”.

Sob as perspectivas sociocognitiva e interacional da linguagem,


atualmente adotada pela LT, na compreensão e produção dos sentidos do
texto, são levados em consideração inúmeros fatores permeados nas
interações sociais que se expressam por meio das intenções do autor/locutor e
leitor/interlocutor do texto. É desse modo que, na interação textual, para que
os interlocutores se compreendam, ocorre necessariamente a mobilização de
vários fatores, no que concerne, principalmente, a sistemas de conhecimento
e estratégias de caráter sociocognitivo e textual (KOCH, 2011).

Quando nos referimos a sistemas de conhecimento, ou seja, a


conhecimentos arquivados na memória dos sujeitos sociais, tratamos de
conhecimento linguístico (a gramática, o léxico da língua, a ortografia, enfim,
do sistema linguístico), de conhecimento enciclopédico ou de mundo
(armazenado na memória de cada indivíduo: maneira de se comportar diante
dos fatos do mundo e “modelos cognitivos” definidos pela cultura e
adquiridos por meio de experiências) e de conhecimento sociointeracional
(formas de interação por meio da linguagem, tais como intenções dos
interlocutores, normas comunicativas, meios de tratamento do funcionamento
da interação pela linguagem através do uso da linguagem e modelos textuais
globais).

As estratégias, segundo Koch (2011), mobilizam, instantaneamente, os


sistemas de conhecimento na interação/processamento textual. Dividem-se
em estratégias cognitivas, sociointeracionais e textuais. (i) As cognitivas, em
resumo, consistem na realização de cálculos mentais, em que os
interlocutores/interactantes recebem novas informações semânticas a partir
de informações precedentes; (ii) as sociointeracionais visam controlar,
mediante as convenções sociais e culturais, o processo de interação verbal e
(iii) as estratégias textuais, por sua vez, visam organizar a informação do
material linguístico na superfície textual (o dado/novo, o tema/rema); visam
formular condições para melhor compreensão na interação e inserem reforços
para a argumentação, bem como correções e reparos; tendem à atividade de
reativar referentes (CAVALCANTE et al, 2010) no texto e, por fim,
viabilizam o balanceamento de informações que podem ficar explícitas ou
implícitas no curso da interação (KOCH et al, 2007).
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Além de considerar as estratégias e os conhecimentos arquivados na


memória dos interactantes, a concepção sociocognitiva e interacional da
linguagem considera também os processos externos à mente, pois com o
surgimento do sociocognitivismo (KOCH e CUNHA-LIMA, 2005), os
estudos afirmam que existem vários processos cognitivos (internos e
externos) distribuídos nos indivíduos e na sociedade. Assim, existem
computações (como exemplos, a cultura e os gestos) que são elaboradas e
fixadas na memória dos indivíduos, de modo que eles possam atingir
determinadas finalidades em diversas situações interacionais. Dessa forma,
faz-se necessário que os conhecimentos internos e externos sejam atribuídos
para que não ocorram fracassos ou prejuízos no curso da interação.

2 Estudos do texto: atividades de leitura e escrita


No ato da escrita, automaticamente, o produtor do texto utiliza-se, ainda
que na maioria das vezes de forma inconsciente, de uma série de estratégias
que estão ao seu dispor (linguística, cognitiva, interacional, cultural, social,
etc.). Essas estratégias, por conseguinte, tendem a se concentrar em
“modelos” textuais que fazem parte dos conhecimentos que o escritor possui.
É o caso dos gêneros textuais, textos característicos e relativamente estáveis
(BAKHTIN, 1997) de diferentes situações da comunicação social. Assim, o
produtor de um texto precisa seguir as características específicas do gênero a
fim de atingir o objetivo esperado no ato da leitura ou da comunicação.

Nessa perspectiva, a escrita é entendida como uma atividade de


remissão a outros textos, podendo ser uma retomada explícita ou implícita a
depender do propósito da comunicação, devendo o escritor recorrer à
contextualização do texto, isto é, de tudo aquilo que, de alguma forma,
contribui ou determina a produção de sentidos (KOCH e ELIAS, 2011).

Também no ato da leitura, o leitor estabelece relações com outros textos


que já leu ou que já viu alguma vez na vida. Dessa forma, é possível perceber
que tanto a leitura quanto a escrita pressupõe a decodificação, a captação do
pensamento e intenções do autor, bem como os vastos sistemas de
conhecimento de que dispõe o leitor, todos encarnados em contextos
sociocognitivos. O fato de um texto ser compreendido de diferentes maneiras
se justifica quando consideramos esses fatores, visto que também um leitor
“X” não é o leitor “Y”, pois a todo texto podem ser atribuídos vários
sentidos. Todavia, não se pode afirmar que o leitor, em qualquer situação
comunicativa, poderá interpretar um texto de qualquer modo, pois a
construção dos sentidos não reside somente naquele que lê ou ouve, mas na
interação autor/texto/leitor (KOCH e ELIAS, 2008).

Na realização dessa pesquisa (2011/2012), antes de iniciarmos a coleta


de dados, procuramos conversar com a professora (do 4º ano) sobre a
importância de se trabalhar com textos que dialogassem com as vivências dos
alunos, e se estaria disposta a colocar verdadeiramente a nossa proposta em
prática, a qual se colocou à disposição, certificando-se de que há uma grande
carência nos alunos no que diz respeito à compreensão e à produção de
sentidos, em virtude do pouco contato na escola com textos que têm a ver
com as vivências deles.
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Esse fato está totalmente relacionado à concepção inadequada que tem a


professora sobre o texto, que o vê como uma forma apenas de incentivo aos
estudos do sistema linguístico. Além disso, notamos a carência de
conhecimentos da docente sobre a importância e a criatividade de levar para a
sala de aula textos que estimulem os alunos a estudá-los. Esses fatores
tomados como relevantes para foco de nossas análises refletem muito bem a
maneira com que a docente trabalha os textos com os alunos.

Levando-se em consideração os textos lidos (embasamento teórico) e as


discussões acerca dessas leituras, verificamos que a professora e os alunos só
usam na sala de aula o livro didático para desenvolver atividades como o
estudo de frases separadas do contexto de uso; ditado de palavras e frases
descontextualizadas e formação de sílabas e palavras (decodificação). Como
se sabe, o estudo de frases e palavras isoladas do contexto de uso ocorre, de
fato, e que os alunos nada aprendem sobre os processos de funcionamento da
linguagem, muito menos constroem e ativam conhecimentos de modo que
consigam desenvolver suas competências e capacidades. Eles só aprendem as
atividades de memorização e decodificação, não contribuindo para a
formação de leitores e escritores competentes. No que diz respeito à leitura e
produção de textos, quando praticados, pouco têm a ver com o que os alunos
vivenciam, interativamente, no seu cotidiano.

Com o propósito de se trabalhar com textos que dialogassem com as


vivências desses alunos, em algumas visitas realizadas à referida turma (4º
ano), desenvolvemos atividades de leitura e escrita, levando-se em
consideração o contexto sociocultural e o conhecimento prévio desses alunos.
Em uma de nossas visitas, trabalhamos com dois textos por nós introduzidos
em sala de aula.

Primeiramente com um pequeno conto sobre uma história que mostrava


como os nossos ancestrais negros foram tratados quando chegaram ao Brasil,
transitando em sua história de muitas lutas até alcançarem a tão sonhada
liberdade. O segundo texto foi um relato de vida (autobiografia) de uma
adolescente que sofreu com o preconceito racial. Ainda muito pequena
começou a se revoltar com os efeitos causados por esse preconceito em sua
escola e no discurso de suas colegas de sala (da mesma idade).

Para levarmos os alunos a uma adequada compreensão dos sentidos


desses textos, procuramos contextualizar a situação sociocultural e histórica
da escravidão dos negros no Brasil, levando-os ao raciocínio crítico sobre
questões referentes ao preconceito racial, pois queríamos que eles
desenvolvessem um posicionamento crítico-reflexivo sobre os textos lidos,
verificando e comparando o que mudou desde a escravidão dos negros até a
nossa época atual. A partir das discussões entre os dois textos, solicitamos
aos alunos que produzissem um texto escrito dando suas opiniões sobre o
assunto apresentado. No final da atividade, percebemos, a priori, que alguns
alunos não conseguiram compreender os sentidos dos textos estudados.
Outros sentiram dificuldades em escrever porque haviam mostrado
desatenção na apresentação dos textos base.

3 Breves reflexões sobre essas atividades desenvolvidas na


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sala de aula

De acordo com os pressupostos teórico-analíticos em que nos


embasamos, podemos observar que a utilização de textos que não dialogam
com as vivências dos alunos não contribui em nada para o desenvolvimento
da competência linguístico-cognitiva e das capacidades crítica, reflexiva e
imaginativa desses sujeitos sociais, tampouco se adquire ou constrói
conhecimentos através de tal abordagem. Trabalhar com textos que trazem
realidades distantes das dos alunos suscita em desinteresse e dificuldades
tanto em leitura quanto em escritura, como pudemos verificar com alunos da
turma que investigamos.

Nossa hipótese é a de que isso ocorre porque eles não estão habituados
a produzir e ler textos constantemente na escola, nem fora dela. Além disso,
notamos que quando a professora introduz as atividades em sala de aula, o
faz com leitura silenciosa e é por isso que os alunos também demonstram
desinteresse e falta de disposição. Isso se reflete até no trabalho com textos
contextualizados com a realidade desses alunos, porém, quando se consegue
estimulá-los com essa abordagem, os seus conhecimentos prévios
automaticamente se ativam e fazem com que eles busquem compreender,
escrever e aprender através do próprio texto, levando-os a perceber que há
importância nos estudos textuais (ainda que esse processo ocorra de forma
inconsciente).

Nas aulas em que trabalhamos com textos relacionados às vivências,


percebemos que os alunos encontram mais facilidade em compreender e
produzir textos e, também, aplicam maior atenção nas atividades que
realizam. Dessa forma, as atividades diárias de leitura e de escritura
mobilizam os seus conhecimentos linguísticos e sociocognitivos, permitindo-
lhes a interação e a ativação de novos conhecimentos. Agora, vamos
apresentar brevemente alguns dos textos produzidos depois da atividade de
leitura do conto e da autobiografia:

(1) A gete não devemo chama as pesoua de negro porque a jete


vamos preso.

(2) Eles comiam feijão e leite para ficarem brancos.

(3) eu entendi que eu não quero ser branca e pra ser branca tem
que tira a pele.

(4) Eu entendi que nos não devemos ter preconseito por co r


religião ou raça por esenplo eu sou negra mais puriço eu não vou
fazer de tudo pra ficar branca por esenplo o rei do pop Michael
Jaquison tirou a pele dele para ficar bramco e ficou branco sim mais
qual sera o mutivo diso porque tenha enveja ou não gostava da sua
cor eu nunca iria fazer isso min orgulho da minha cor essa é a minha
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Historia puriço não tenha vergonha de sua cor pois nos negros
somos vensedor fim.

Comparando os textos (1), (2) e (3), percebemos que as interpretações


divergem em alguns pontos, visto que pertencem a leitores e escritores
diferentes. O autor de (1) apresenta-nos uma lei que está em vigor, que diz
que o preconceito racial contra os negros pode levar à prisão. Isso justifica
que os conhecimentos de mundo e sociointeracionais também entram em
jogo na leitura e produção de textos, permitindo que se evoque aquilo que
não está explícito na superfície textual. O autor de (2), como podemos ver,
construiu um sentido que fugiu das pistas textual-discursivas dadas pelos
autores do conto e da autobiografia. O fenômeno da intertextualidade
ocorrido após a leitura do conto e da autobiografia possibilitou que o autor
imprimisse em (2) as marcas lexicais “feijão” e “leite” desses textos. Além
disso, verifica-se nesse texto que só o conhecimento linguístico nele
empregado – a grafia correta, as concordâncias – é insuficiente, pois o autor
escreveu um texto eficaz do ponto de vista linguístico, mas, do ponto de vista
dos conhecimentos enciclopédico e sociointeracional, produziu um texto
inadequado e insuficiente.

Em consonância com Santos e Neves (1999), o autor de (2) fugiu das


ideias apresentadas pelos autores do conto e da autobiografia. Embora, nesta
investigação, a questão da pluralidade de sentidos seja priorizada, precisamos
estar cientes de que o leitor não pode construir qualquer interpretação em um
texto, visto que a finidade de interpretação (MARCUSCHI, 2008)
determinada para cada texto e, também, a interação não residem somente
naquele que lê ou ouve, mas na interação autor/texto/leitor. Já o autor de (3),
em sua produção escrita, desenvolveu sua competência linguístico-cognitiva
e reflexiva, ao expor uma de suas opiniões mediante ao que pôde avaliar
quanto ao comportamento da autora do relato de vida. Por fim, sobre a
extensão desses três textos (1, 2 e 3), podemos dizer que encontra relação
com a pouca frequência de atividades de leitura e escrita em sala de aula e os
conhecimentos limitados da professora. Outra justificativa da existência
dessas produções é a prioridade que a professora dá ao conhecimento
linguístico, que, como já sabemos, exclui os conhecimentos socioculturais,
pragmáticos, históricos, cognitivos e interacionais, isto é, fatores
extralinguísticos tão necessários para se ler e escrever competentemente.

Já o autor do texto (4), como vemos, ativou suas competências crítico-


reflexivas e os conhecimentos que possui sobre as leis de defesa dos negros e
o respeito à religião, procurando expor, a seu modo, o orgulho da sua cor.
Além disso, para reforçar as suas opiniões e crenças, ativou e imprimiu ao
seu texto um dos seus conhecimentos de mundo, fato muito conhecido por
nós: a retirada da melanina do cantor pop Michael Jackson. Essa produção
escrita é resultado da construção da intertextualidade decorrente do estudo
dos textos aos quais já nos referimos. Se compararmos (4) com o texto (3),
percebemos que o texto (4) tem coerência e envolve conhecimentos prévios
que vão permitir a formação do leitor e do escritor competente, capaz de
participar plenamente de uma sociedade letrada.

CONSIDERAÇÕES FINAIS
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Diante do que expomos, é possível perceber que quanto mais se adquire


o domínio dos fatores envolvidos na leitura, mais se torna possível dominar
as estratégias de escrita e os conhecimentos ligados, indissociavelmente, a
práticas discursivas. Isso mostra ao professor e aos alunos que eles devem se
adaptar e/ou se adequar às realidades sociais a partir do domínio dos textos
que circulam socialmente.

Queremos mostrar aqui que o trabalho com textos que dialogam com as
vivências dos alunos não exclui a possibilidade de se trabalhar com outros
textos, como os que se encontram nos livros didáticos. A reflexão que
justifica essa posição é a de que deve haver uma hierarquia nas práticas em
sala de aula: primeiramente, introduzir textos que envolvam aspectos da
cultura e da vida social dos alunos, para que, posteriormente, torne-se viável
introduzir os textos que estão expostos nos livros didáticos e em outras
situações comunicativas. Dessa forma, para que os sujeitos sociais/alunos
desenvolvam sua competência e capacidade, quando em contato com os
textos, consigam entender sua própria realidade e, em seguida, possam
entender e interagir com outras.

Concluindo este trabalho, é evidente dizer que a trajetória da Linguística


Textual muito tem contribuído para o processo ensino-aprendizagem de
Língua Portuguesa na escola, renovando as concepções sobre o papel do
texto enquanto meio de transmissão e construção de conhecimentos,
permitindo a todos os envolvidos nesse processo se motivarem a mudar a
realidade da educação no nosso país.

REFERÊNCIAS

BAKHTIN, Mikhail. Estética da Criação Verbal. São Paulo: Martins


Fontes, 1997.
BRASIL, Secretaria de Educação Fundamental. Parâmetros Curriculares
Nacionais. Brasília: Ministério da Educação/Secretaria de Educação
Fundamental, 1997.
CAVALCANTE, Mônica Magalhães et al. Dimensões textuais nas
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(Org.) Linguística de texto e análise da conversação: panorama das
pesquisas no Brasil. São Paulo: Cortez, 2010.
KOCH, Ingedore G. Villaça et al. Intertextualidade: diálogos possíveis. São
Paulo: Cortez, 2007.
______. Introdução à linguística textual: trajetória e grandes temas. São
Paulo: Martins Fontes, 2004.
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2011.
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Paulo: Contexto, 2011.
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______. Ler e compreender: os sentidos do texto. São Paulo: Contexto,


2008.
______; CUNHA-LIMA, M. L. Do cognitivismo ao sociocognitivismo. In:
MUSSALIM, F.; BENTES, A. C. (Org.). Introdução à linguística:
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LIMA, Geralda de O. S. Cognição, texto/discurso e contexto: um diálogo em
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MARCUSCHI, Luiz Antônio. Produção textual, análise de gêneros e
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ROJO, Roxane. A prática de linguagem em sala de aula: praticando os
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SANTOS, V. M. X; NEVES, T. R. P. O processamento da informação na
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O Professor e as Concepções Teóricas


sobre Leitura:
as práticas do ensino e aprendizagens significativas

Soleide Silva Ferreira1

Veronica Fortuna 2

RESUMO

O presente estudo tem como proposta identificar as concepções sobre as principais


teorias da aprendizagem e as estratégias de um grupo de professores que atuam
diretamente com o aluno no âmbito da aprendizagem formal da leitura, no processo
do ato de ler. Conhecer as práticas pedagógicas que são desenvolvidas na sala de aula,
as explicações para o sucesso e o insucesso na aprendizagem da leitura. Para atender
aos objetivos pretendidos, foram realizadas entrevistas semiestruturadas, sustentadas
por roteiros, com 10 professores em duas escolas públicas municipais do ciclo
fundamental na cidade de Aracaju. Os resultados apontam para um desconhecimento
dos métodos das principais teorias cognitivas. E revelam um leque extenso de
questões envolvidas no fracasso da leitura, no qual, encontram-se comumente os
problemas de aprendizagens gerados nas crianças em sala de aula. Os achados deste
estudo nos fazem pensar que o professor munícipe precisa rever seus métodos e
processos de educação, sem os quais continuaremos a assistir um sistema educacional
desmotivado e indiferente ao desenvolvimento de competências e capacidades críticas
no processamento da aprendizagem da leitura no primeiro ano do Ciclo Básico, com
isso, dificultado a aprendizagem significativa defendida por alguns teóricos da
educação, que nos proporcionam teorias atualizadas para prática pedagógica que
valorizem o saber pré-existente do aluno.

Palavras-Chave: Aprendizagem, Concepções, Professores, Sucesso e Leitura.

1
Contato do(a) autor(a): soll.rena@hotmail.com. Graduada em Pedagogia. Pós-
graduada em Psicopedagogia Clinica e Institucional, Politica Educacional e Social.
Mestre em Ciências da Educação. Universidade Lusófona de Humanidades e
Tecnologia
2
Contato do(a) autor(a): ve.30@hotmail.com. Graduada em Pedagogia. Pós-graduada
em Psicopedagogia Clinica e Institucional, Politica Educacional e Social.
Universidade Federal de Sergipe – UFS
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INTRODUÇÃO

Esta pesquisa analisa as Dificuldades de Aprendizagem na


Leitura (DAL)3, tal como são vistas, sentidas e resolvidas pelos
professores, a partir das suas informações sobre o processo de
aprendizagem da leitura em crianças da 1a e 2a séries do Ensino
Fundamental nas escolas municipais LGS e AT, situadas na cidade de
Aracaju, Capital do Estado de Sergipe. A pesquisa foi realizada com
entrevista, semiestruturada, a partir de guiãos preestabelecidos,
focados em 10 (dez) professores, sendo cinco docentes da escola LGS
e cinco da escola AT.

A importância da leitura é tema consensual na agenda política


imediata das organizações internacionais na área da educação, as quais
têm incentivado a realização de diversas conferências na intenção de
promover a leitura. Não são poucos os relatórios de organismos
internacionais, como a UNESCO, sobre o desempenho dos alunos de
vários países e as recomendações aos governos para que assumam a
responsabilidade do ensino da leitura como uma prioridade política.
Os resultados dos estudos internacionais não têm sido particularmente
favoráveis com relação às competências de leitura dos alunos
brasileiros, justificando uma analise objetiva da situação que
fundamente as medidas de intervenção necessária.

O enquadramento teórico é amplo, dado o caráter interdisciplinar


do tema, como forma de se entender o fenômeno complexo da
aprendizagem da leitura, tendo-se, como referências, abordagens
pontuais que evoluem a visão cognitiva ou construtivista de Jean
Piaget, à abordagem sócio histórica ou sócio interacionista de L. S.
Vygotsky, à ADR (Abordagem da Dupla Rota), e respectivas
contribuições no processo educacional, notadamente frente aos
problemas da DAL, bem como, a ênfase que dão à importância de se
adequar a forma de “como” o aluno aprende à luz dos métodos de
ensino, como o método de alfabetização o método fônico (Dupla
Rota).

A ideia fundamental do modelo da dupla via é a de que existem


duas formas essenciais de proceder à leitura de material escrito: uma
que assenta na conversão das letras em sons e outra que se fundamenta
num processo de reconhecimento da palavra como um todo. Assim, e
para proceder à leitura de palavras, dispomos de uma via mais indireta
(ou fonológica) e também de uma via mais direta (ou lexical).

3
O termo Dificuldades de Aprendizagem na Leitura, a partir de agora será
substituído pela sigla DAL.
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O recurso à via fonológica pressupõe que os grafemas que


integram um sistema de escrita alfabético sejam convertidos em fones
através da atuação de um conjunto de regras de Conversão Grafema-
Fone ou CGF. A leitura resulta da aplicação deste sistema de regras,
dependendo, grandemente, das capacidades de processamento
fonológico.

Já a via lexical funciona através do acesso a um dicionário mental


ou léxico interno onde estão representadas as palavras já aprendidas e
conhecidas. A palavra impressa é reconhecida como um todo porque o
seu processamento não requer a conversão das respectivas unidades
sublexicais (isto é, os grafemas) nos fones correspondentes. A entrada
lexical é ativada no dicionário mental diretamente pela forma gráfica
representada no texto. Dito isto, concluir-se-á que a via lexical,
dispensando a operação CGF, permite tão somente a leitura de
palavras que já integram o léxico ortográfico, não sendo possível,
através dela, processar quer palavras desconhecidas, quer
pseudopalavras.

1 OBJETIVOS

O objetivo desse estudo foi verificar as dificuldades mais


frequentes na aprendizagem da leitura, o diagnóstico que o professor
faz das mesmas, as explicações que encontra para cada caso, as
estratégias que usa para remediar, amenizar, neutralizar ou combatê-
las, numa sala com alunos das 1a e 2a séries do Ensino Fundamental.

2 METODOLOGIA

Na investigação prática pretendeu-se recolher dados sobre uma


amostra de professores, suas dificuldades mais frequentes relativas ao
ensino/aprendizagem da leitura. Foi realizada uma entrevista
semiestruturada com os professores, sustentada pelo guião.

Tipo da Pesquisa

 Investigação descritiva, comparativa, analítica e


transversal. Tendo-se o escopo de uma estratégia qualitativa a
partir de entrevistas e análise das inferências retiradas dos
discursos dos entrevistados.

Amostra (População/Sujeitos)
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A amostra consistiu em duas escolas públicas municipais,


situadas na cidade de Aracaju, não aleatória, intencional, composta
por 5 professores em cada escola. Trabalhamos, em uma primeira
escola, com uma amostra de 15 sujeitos (5 docentes e 10 discentes) de
um total de 10 professores e de um total de 125 alunos matriculados
na 1.º e 2.ª séries da escola AT, escolhida segundo dois critérios: a)
que na sua individualidade/totalidade, os sujeitos contemplassem as
características dos professores e alunos do turno matutino de cada
escola; b) que a amostra correspondesse a 50% do total de professores
do turno matutino e aproximadamente 10% dos alunos da 1a e 2 séries
do Ensino Fundamental da Escola AT, no ano de 2009. Na Escola
LGS, os 5 professores selecionados representam, 35% do total de
professores (14) no turno matutino. Os 10 alunos da Escola LGS,
representam aproximadamente 10 % do total de alunos matutinos
(120) no ensino fundamental, em 2009.

Em suma, escolhemos duas escolas públicas municipais, situadas


em Aracaju, sendo apenas uma periférica com a intenção de variar os
contextos.

3 ANÁLISE DAS ENTREVISTAS COM OS


PROFESSORES DAS ESCOLAS LGS E AT

No conteúdo dos depoimentos, em ambas as escolas, constatamos


a presença de alguns aspectos relacionados ao contexto social que se
mostraram relevantes para a insatisfação com o trabalho docente. Com
relação ao método que utiliza no ensino da leitura, a sua origem e
fundamentação e as razões pedagógicas da escolha. Constatamos na
Escola LGS que os docentes aplicam variadas denominações que
consideram como método. DEO aplica “a silabação.” KIT aplica
“textos”, NEM se identifica com o “sócio-interacionismo”, KAO
identifica-se com o “global, o fonético e com Paulo Freire”, e LUX
com “o tradicional ou o método que facilita mais a partir da realidade
e individualidade do aluno”, sendo que três (LUX, DEO e KIT) não
souberam precisar a origem do método, porém KAO revelou que a
origem está em Paulo Freire. A docente NEM revelou Vygotsky, não
sabendo também precisar em que estão fundamentados os métodos
que aplicam, admitindo, porém, que adotam seus métodos, na prática,
ora porque “é possível fazer funcioná-los na realidade em que
trabalham” (LUX), obtendo resultados porque “é o mais fácil e porque
estudou o método” (KAO), ou, porque “obtém o melhor retorno”
(NEM), ou porque “o aluno tem reagido bem aos métodos que
aplicam” (KIT). Destacaram que, para que o método resulte “o aluno
deve acompanhar as atividades” (NEM), “estudar” (KIT), “dedicar-
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se” (DEO), “prestar atenção” (KAO), “frequentar e participar” (LUX),


embora para a professora NEM esta questão “não depende só da
criança e de sua motivação, mas do ambiente familiar em que está
inserida, sendo que o resultado do método depende do esforço e do
dinamismo do professor até onde for possível, de como conhece os
seus alunos e de sua capacidade em motivá-los a aprender a ler e da
necessidade da aprendizagem da leitura”.

Com efeito, vimos que em Vygotsky o ensino-aprendizagem


inclui: aquele que aprende, aquele que ensina e a relação entre essas
pessoas” (OLIVEIRA, 2000; p.57, apud, VYGOTSKY, 1966).
Enquanto o sócio-interacionismo de Vygotsky postula que a
maturação é importante, mas é o aprendizado que permite o despertar
dos processos internos de desenvolvimento, se não acontecer o contato
do indivíduo com o ambiente cultural, o processo de desenvolvimento
fica comprometido (VYGOTSKY, 1996). O construtivismo piagetiano
considera a maturação do organismo como fundamental, pois é ela
que permite ao indivíduo agir sobre o mundo, levando-o
consequentemente ao desenvolvimento cognitivo. Assim, por
exemplo, se um determinado aluno está inserido num grupo cultural
que não dispõe de um sistema de escrita e caso ele permaneça isolado
nesse meio, jamais será alfabetizado, mesmo possuindo todos os
requisitos inatos necessários para tal. Em face da ênfase que Vygotsky
empresta aos processos sócios históricos, o aprendizado implica em
interdependência dos indivíduos participantes do processo.

As questões que colocámos neste Bloco, pretendiam levantar a


opinião do entrevistado sobre as explicações adiantadas para o sucesso
ou insucesso dos métodos aplicados. Na Escola LGS, a professora
LUX nos revelou que o sucesso do método “é ter o planejamento de
aula, pois o método, sem planejamento não funciona.“ e que “o
fracasso da não aprendizagem do aluno está no professor, no entanto,
as explicações para o fracasso do aluno é a família também”.

Identificamos, através das entrevistas, que, o sucesso das


metodologias aplicadas pelos professores, depende da inter-relação
professor, aluno e família, e que a maior parte dos professores acredita
que os resultados obtidos variam do “razoável para bom”. Embora
considerem que “aprender a ler é conquistar um mundo ao seu redor”
(Professora KAO) e, para a professora LUA, ensinar a ler “é ensinar o
aluno a descobrir a si próprio e a descobrir o mundo” ou “é como dar
a luz a um filho”, segundo a professora NEM e o professor KAO. No
entanto, como o nível de satisfação dos professores, no exercício da
profissão, não é bom, uma vez que não estão motivados e como para a
professora LUA “o índice de reprovação é alto”, nas séries
pesquisadas, e que, inclusive, o insucesso deve-se às falhas do
professor, do aluno e são atribuídas também como originárias da falta
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de condições sociais da família, então, ficam claras as causas do


sucesso ou insucesso na aprendizagem da leitura dos alunos das
primeiras e segundas séries da escola LGS.

Os Quadros I e II, abaixo, apresentam alguns indicadores do


sucesso (aprovação) e insucesso (reprovação + abandono). Dados
fornecidos pela Secretaria Municipal de Educação da cidade de
Aracaju (Escolas AT /LGS).

Quadro I – Escola AT

ESCOLA MUNICIPAL AT

A S ABANDO APROVA REPROV


NO ÉRIE NO ( %) DO (%) ADO (%)

2 1º 3,08 69,23 27,69


007

2 2º 3,08 67,69 29,23


007

2 1º 3,80 55,70 40,51


008

2 2º - 92,06 7,94
008

Fonte: Secretaria Municipal de Educação da Cidade de Aracaju


(2009)

De acordo com o Quadro I (Escola AT), os percentuais de


aprovação e reprovação dos alunos da primeira série, em 2007, são,
respectivamente, 69,23% aprovados e 27,69% reprovados, os quais,
somados aos 3,08% de abandono, totalizam 100%.

No mesmo ano (2007), para os alunos da segunda série, os


percentuais de aprovação e reprovação dos alunos da segunda série,
em 2007, são, respectivamente, 67,69% aprovados e 29,23%
reprovados, os quais, somados aos 3,08% de abandono, totalizam
100%.
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Para os alunos da primeira série, no ano 2008, identifica-se que o


percentual de reprovação cresceu 40,51%, assim como cresceu para
3,8% o percentual de abandono escolar, o que, consequentemente,
reduz o percentual de aprovados para 55,70%.

Para os alunos da segunda série, no ano 2008, taxa de abandono é


zero %. O percentual de reprovação foi significativamente reduzido
em relação aos 29,3% de reprovados em 2007, o que implica um
elevado percentual de 92,06% de alunos aprovados no ano 2007.

Quadro II – Escola LGS

ESCOLA MUNICIPAL LGS

A S ABAND APROV REPROV


NO ÉRIE ONO % ADO % ADO %

2 1º - - -
007

2 2º 4,65 60,47 34,88


007

2 1º 8,14 60,47 31,40


008

2 2º 3,77 49,06 47,17


008

Fonte: Secretaria Municipal de Educação da Cidade de Aracaju


(2009)

Os números do Quadro II (Escola LGS) nos mostram que os


percentuais de aprovação e reprovação dos alunos da segunda série,
em 2007, são, respectivamente, 60,47% aprovados e 34,88%
reprovados, com 4,65% de abandono escolar nesse ano.

No ano (2008), para os alunos da primeira série, os percentuais de


aprovação e reprovação dos são, respectivamente, 60,47% aprovados
e 31,40% reprovados, os quais, somados aos 8,14% de abandono,
totalizam 100%.
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Para os alunos da primeira série, no ano 2008, identifica-se que o


percentual de reprovação cresceu para 47,17%, e decresceu para
3,77% o percentual de abandono escolar, o que, consequentemente,
reduz o percentual de aprovados para 49,06%.

Para os alunos da primeira série, no ano 2007, não há dados


fornecidos.

Quanto ao sucesso das turmas examinadas em ambas as escolas,


entendemos que relaciona-se com o que Ausubel chama de
aprendizagem significativa, obtida pelo aluno a partir do
conhecimento prévio que o mesmo trás, para poder conseguir
modificar o pré-conhecimento e construir um conhecimento novo,
incorporando-o na sua estrutura cognitiva.

Para que se consiga a aprendizagem significativa, uma condição


básica é que o aluno tenha uma disposição para aprender, ou seja, é
preciso que haja interesse do aluno e que o material de ensino (aula,
textos, lâminas, ..) sejam potencialmente significativos. Quando se
fala em potencialmente significativos, segundo Ausubel, isso não quer
dizer que é qualquer aula que trás um ambiente para a aprendizagem
significativa. Por outro lado, por mais atraente que seja o material
didático, se o aluno não quiser aprender, também não aprenderá
(AUSUBEL, 1968, p. 78).

Esquematicamente, a aprendizagem significativa, segundo


Ausubel, resulta da seguinte equação (Figura 1)

+
Idéias pré-
Informação nova
existentes

ALUNO

=Aprendizagem significativa

Fonte: Adaptação do conceito de aprendizagem significativa


(Ausubel).
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Com efeito, a aprovação do aluno, em uma determinada série,


nem sempre significa aprendizagem. Por isso não se pode inferir que
houve uma aprendizagem significativa dos alunos da segunda série na
Escola AT, em 2008, mas também não se pode negar que não houve
um avanço nos percentuais de aprovação (92,06%), com redução para
zero % na taxa de abandono escolar e redução para 7,94% na
reprovação, no referido ano (2008).

Já os alunos da segunda série, Escola LGS, em 2008, comparada


com os alunos da mesma série, no mesmo ano (2008), o percentual de
reprovação é altíssimo, como foi visto (47,17%), com registros de
abandono escolar de 3,77%, o que também impactou na redução do
percentual de aprovados (49,06%). Portanto, nada se pode afirmar que
houve uma aprendizagem significativa para os alunos das segundas
séries, no ano 2008, em ambas as escolas investigadas.

Observamos, que através das entrevistas, os aspectos revelados


os quais julgamos que podem ser comentados a partir de um ou mais
autores inclusos ou não na fundamentação teórica. Deste modo,
acreditamos que a tese da aprendizagem significativa de Ausubel e a
ideia dos conhecimentos prévios que os alunos devem ter associa-se
também à tese do capital cultural de Bourdieu, as quais acreditamos
que podem explicar tanto a questão do déficit de aprendizagem dos
alunos quanto o déficit de capital cultural dos professores e sua
relação com as estratégias aplicadas em sala de aula para o sucesso da
aprendizagem da leitura ou para remediar ou amenizar o problema do
insucesso dos alunos.

Apesar dos esforços dos docentes, entretanto não se pode


assegurar que os alunos de ambas as escolas tenham obtido uma
aprendizagem significativa à luz dos conceitos ausubelianos.

Em resumo, bom seria se os professores em questão


compreendessem, usando as palavras do Ausubel, que "... o fator,
isolado mais importante que influencia a aprendizagem é aquilo que o
aluno já sabe; descubra isso e ensine-o de acordo" (AUSUBEL, 1968;
p. 78, 80).

CONCLUSÃO

A aplicação das entrevistas para a sondagem de uma amostra de


professores os das escolas Municipais LGS e AT nos possibilitou
identificar que existe um “gap” muito profundo entre a Ciência da
Educação, a teoria e a prática no dia-a-dia. Pudemos contemplar
professores desmotivados, conteudistas, nem tanto, todavia, aplicando
seus conteúdos veiculados sem um compromisso de formar cidadãos,
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deixando-se de lado o sujeito, a substância e o real significado do ser


humano, a família, a sociedade e o mundo com o qual o aluno mantém
uma rede de inter-relações.

Constatamos que o nível de satisfação dos professores no


exercício da profissão, não é bom, uma vez que não estão motivados.
E quanto às DAL as queixas dos alunos são as mais variadas
resultando em reprovação, tal como elenca a professora LUA (Bloco
E) “o índice de reprovação é alto”, nas séries pesquisadas, conforme
Quadros I e II (pp.127-128), e que, inclusive, o insucesso deve-se às
falhas do professor, do aluno e à falta de condições sociais da família.
Então, ficam claras as causas do sucesso ou insucesso na
aprendizagem da leitura dos alunos das primeiras e segundas séries da
escola LGS e AT.

Percebe-se durante as entrevistas que somente dois professores


conhecem os métodos fônicos. Apesar de aplicar o método global, a
professora LUX (mestranda em ciência da Educação pela UFS) e o
professor TIM que já é mestre em ciência da educação pela UFS,
ambos revelaram ter noções sobre a modelagem da Dupla Rota, uma
vez que o professor TIM, embora revelasse usar o método global,
demonstrou conhecer a abordagem da Dupla Rota entendendo-a como
um “método metamorfônico ou fonético”, assim como a professora
LUX também demonstrou conhecer a modelagem da Dupla Rota
segundo a sua terminologia que usou como “método fonético”.

A partir dos parâmetros definidos em nossa pesquisa, pelas


respostas e comportamentos observados e pelo relacionamento
professor-aluno, atitudes e formas de tratamento incipientes na
solução dos problemas de aprendizagem da leitura nas referidas
escolas municipais da cidade de Aracaju, observamos que os
professores, ao ensinar, demonstram estar contaminados com um
“Vírus” causado pela ausência de uma política voltada para o bem
estar social e de não valorização da educação por parte do Estado
brasileiro. Trata-se da virulência do desânimo, frustração, falta de
motivação, ansiedade, irritabilidade, cansaço, impaciência, baixos
salários, tendo-se como consequências o déficit da aprendizagem, o
abandono das crianças em fase inicial dos estudos, e a contaminação
dos novos docentes e, por extensão, do ensino nas escolas públicas
pesquisadas.

REFERÊNCIAS

AUSUBEL, D. P. (1968). School learning an introduction to educational


psychology, New York.
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______ (1968) Educational psychology: a cognitive view. Grune and


Stratton, New York:
______ (1976). Psicologia educativa: um ponto de vista cognitivo.
Editorial Trillas, México:
______(1982).A aprendizagem significativa: a teoria de David Ausubel.
Moraes, São Paulo.
BOURDIEU, P. & PASSERON. La Reproducción. México,
Editorial Siglo XXI, 1976.
DELORS, J.(2000) Educação: um tesouro a descobrir. 4a ed. Cortez,
Brasilia, MEC: UNESCO, São Paulo.
OLIVEIRA, M, K. de. Vygotsky: Aprendizado e Desenvolvimento. Um
processo sócio-histórico. São Paulo: Scipione,2000.
VYGOSTKY, L. (1993). Pensamento e Linguagem. Martins Fontes, São
Paulo..
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Variação Linguística na
Educação de Jovens e Adultos:
sujeitos, vozes e identidades

Patrícia Wanderley Prazeres1

Andrea Berenblum2

RESUMO
O artigo visa divulgar alguns resultados obtidos a partir de uma pesquisa
realizada no contexto de um programa de Pós-Graduação em Educação, cujo
objetivo principal foi investigar diversas formas como professores do
primeiro segmento do Ensino Fundamental de educação de jovens e adultos
consideram, em suas práticas cotidianas, as variedades linguísticas faladas
pelos alunos. Ao mesmo tempo, procuramos compreender as diversas formas
como desenvolvem suas práticas educativas em relação ao fenômeno da
variação linguística. Pretendemos, também, caracterizar os sujeitos da
educação de jovens e adultos e refletir acerca da visão dos alunos em relação
ao trabalho pedagógico com a linguagem desenvolvido pelas professoras que
participaram do estudo. Foram realizadas entrevistas a duas professoras que
atuam na EJA na rede pública do município do Rio de Janeiro e a onze
alunos das turmas dessas professoras. A pesquisa evidenciou concepções
sobre a língua falada que se sustentam numa noção de língua única e
homogênea e a desvalorização das variedades linguísticas faladas pelos
educandos, principalmente das variedades regionais. Os resultados sugerem a
relevância de refletir sobre as práticas pedagógicas, analisando as concepções
de língua que circulam no âmbito da escola, como uma forma de contribuir
para o estudo da problemática da diversidade linguística e social no contexto
educacional.
Palavras-chave: Variação Linguística. Alfabetização; Educação de Jovens e Adultos.

1
Contato do(a) autor(a): Colégio Estadual Júlia Kubitscheck / RJ.
2
Contato do(a) autor(a): Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ).
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INTRODUÇÃO

O meu discurso em favor do sonho, da utopia, da liberdade, da


democracia é o discurso de quem recusa a acomodação e não deixa
morrer em si o gosto de ser gente, que o fatalismo deteriora.

Paulo Freire

Este texto surgiu a partir do diálogo entre orientanda e orientadora de


uma Dissertação de Mestrado iniciado em 2005. Nas sessões de orientação
compartilhávamos nossas angustias e vivências como professoras de jovens e
adultos em contextos diversos –e adversos-, refletíamos sobre as vidas dos
nossos alunos, líamos e discutíamos textos. O objeto da Dissertação foi sendo
construído a partir dessa interação, das vivências da autora como educadora
de jovens e adultos, de algumas falas de educadores ligados a movimentos
sociais e organizações não governamentais, de professores da rede pública e
trocas de experiências com os próprios alunos. Falas de professores que
demonstravam compartilhar as mesmas angustias e inquietações e buscavam,
também, possíveis caminhos para melhorar o trabalho na EJA.

A posição assumida pelos diversos profissionais envolvidos com a


educação de jovens e adultos revelava, em sua maioria, uma grande
insatisfação devido às dificuldades para desenvolver um trabalho de
qualidade, dificuldades essas que diziam respeito tanto à falta de material
didático específico como a ausência de um acompanhamento pedagógico
sério por parte das instituições de que faziam parte.

Alguns profissionais tendem a se culpabilizar e/ou aos seus próprios


alunos pelas dificuldades presentes no dia-a-dia, como a evasão, a baixa
frequência e a falta de motivação dos alunos. Outros, porém, relataram que,
apesar das dificuldades citadas acima, sentiam-se recompensados com o
trabalho realizado na EJA, pois percebiam a alegria desses alunos no retorno
aos “bancos escolares”, buscando recuperar, dessa forma, a sua condição de
cidadãos na sociedade letrada.

O processo de reflexão que deu origem a nossa caminhada inicia-se com


essas falas, confrontando nossas práticas com outras práticas educativas
observadas na educação de jovens e adultos, visando problematizar o modelo
de escola tradicional presente na memória, pois vivenciamos durante muito
tempo uma concepção de ensino como repasse de conhecimento, e a
aprendizagem como um ato receptivo e mecânico.

Muitas vezes, é difícil nos desligarmos desse modelo tradicional de


educação formal, modelo este que também está presente no imaginário dos
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alunos que chegam à instituição escolar com o desejo de recuperar o tempo


em que ficaram longe das instituições educacionais.

A fala instigante de uma aluna recém-chegada à escola pode elucidar


esse fato:

Professora, quando a senhora vai ensinar as coisas pra gente? Até


agora a gente só conversou. Eu quero usar o lápis e o caderno.
Demorei muito para voltar a estudar e não quero perder nem um
tempinho.3

Esse depoimento demonstra o quanto o fazer pedagógico do modelo


tradicional de educação está presente nas formas como os sujeitos concebem
a escola.

Outro problema enfrentado nos programas de EJA refere-se à falta de


formação adequada dos educadores que atuam nessa modalidade, pois são
geralmente oriundos de cursos de formação de professores e orientados
somente para trabalhar com crianças. Sendo assim, muitas vezes planejam
suas aulas e utilizam materiais didáticos inadequados ao ensino de jovens e
adultos, desconsiderando as reais condições e necessidades desses sujeitos.

As práticas pedagógicas que vêm sendo desenvolvidas, na maioria das


vezes, desconsideram a cultura, os saberes, os valores e as experiências dos
alunos, impedindo que eles estabeleçam relações entre o conteúdo trabalhado
na escola e seu meio social e cultural.

O presente texto visa sintetizar alguns resultados obtidos a partir da


referida pesquisa, que teve como objetivo principal investigar as diversas
formas como professores de educação de jovens e adultos, em suas práticas
educativas cotidianas, consideram as variedades linguísticas faladas pelos
alunos. Compreender como os professores da educação de jovens e adultos
do primeiro segmento do Ensino Fundamental desenvolvem suas práticas
educativas diárias em relação ao fenômeno da variação linguística.
Pretendemos, também, caracterizar os sujeitos da educação de jovens e
adultos e refletir acerca da visão dos alunos em relação ao trabalho
pedagógico com a linguagem, desenvolvido pelas professoras que
participaram do estudo.

A pesquisa empírica foi realizada através de entrevistas a duas


professoras que atuam na EJA na rede pública do Município do Rio de
Janeiro e a onze alunos das turmas dessas professoras. Foram observadas,
também, oitenta horas de sala de aula. A pesquisa evidenciou algumas
concepções das professoras e dos alunos sobre a língua falada que se

3
Fala de uma aluna da EJA da 3ª fase do Ciclo de
Alfabetização, em 01/03/2005.
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sustentam numa noção de língua única e homogênea – e a desvalorização das


variedades linguísticas faladas pelos educandos, principalmente das
variedades regionais. Os seus resultados sugerem a relevância de refletir
sobre as práticas pedagógicas, analisando as concepções de língua que
circulam no âmbito da escola, como uma forma de contribuir para o estudo
da problemática da diversidade linguística e social no contexto educacional.

1 Os sujeitos da EJA
Aqui no Rio de Janeiro

Quando nordestino fala

Carioca fala também

Vocês não sabem falar

A língua que a gente tem

Acham que não temos cultura

Por não falar tão bem.4

Ao caracterizar a modalidade EJA da educação básica nos deparamos


com uma pluralidade de sujeitos que dela fazem parte. Cada um com uma
história de vida e suas marcas de identidade, constituídas por memórias
ímpares. Essas experiências singulares se somam às do grupo, criando
espaços de saberes e não saberes, na busca de um reconhecimento na
sociedade.

Como sabemos, estes sujeitos de classes populares vivem em situação


socioeconômica desfavorável e a necessidade de trabalhar os afastou muito
cedo dos seus estados e cidades de origem. Provenientes principalmente do
norte e nordeste do país, trazem em sua bagagem uma história de
desesperança e de esperança que os encoraja a tentar “mudar de vida”,
procurando melhores condições. Nessa trajetória até a “cidade grande”
carregam o desejo de um futuro diferente daquele deixado para trás.

A vida é melhor de se viver lá, mas aqui é para trabalhar, ganhar


dinheiro, construir alguma coisa. Se lá tivesse condições não ia vir
tudo para cá.5

Esses jovens e adultos se caracterizam como um grupo heterogêneo


quanto as suas atividades: são pedreiros, donas de casa, porteiros, faxineiras,
cozinheiros. São homens e mulheres, trabalhadores, empregados,

4
Extraído do texto “Intriga do nordestino e carioca”. In: Caminhos de Vida.
Coletânea de textos das alunas da EJA do Colégio Sagrado Coração de Maria. Rio de
Janeiro, 2005.
5
Depoimento de um aluno do PEJA, bloco I.
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desempregados ou pessoas em busca do primeiro emprego; filhos, pais, mães


e avós. Muitos nunca foram à escola ou dela tiveram que se afastar, quando
crianças, em função da entrada precoce no mercado de trabalho, ou mesmo
por falta de escolas na região onde moravam. Alguns dos que retornaram à
escola permaneceram nela por períodos de tempo muito curtos: dias, semanas
ou, no máximo, alguns meses.

O maior tempo de escolarização nem sempre significa mais


conhecimento ou facilidade para a aprendizagem. São sujeitos
marginalizados, expulsos da escola ou privados do acesso à escolarização,
que carregam a marca da exclusão social. Neste sentido, é fundamental
entender a educação de jovens e adultos como direito e não apenas como
compensação que possibilitaria o resgate do tempo perdido, pois o aluno
muitas vezes se sente culpado por não ter sido capaz de aprender na “época
própria”.

A heterogeneidade presente na sala de aula da EJA se configura a partir


de aprendizagens e experiências que e os alunos adquirem ao longo de sua
vida em diferentes contextos sociais, pois as suas crenças, valores, atitudes e
práticas vão constituindo processos diferenciados de aprendizagem e
diferentes formas de acesso ao conhecimento. Será a partir do
reconhecimento de suas experiências de vida e visões de mundo que cada
aluno, jovem ou adulto, se apropriará das aprendizagens escolares de modo
crítico e original, na perspectiva de ampliar sua compreensão, seus meios de
ação e interação no mundo.

Segundo Oliveira e Paiva (2004, p. 8), “a concepção de aprendizagem


para esses sujeitos jovens e adultos, de qualquer nível de escolaridade, é a
base de estar no mundo”.

O jovem ou adulto não volta apenas à escola para recuperar o tempo


perdido, mas em busca de experiências de aprendizagem que lhes
possibilitem dar resposta para as suas necessidades presentes. Por isso, essa
modalidade deve ser pensada e planejada em relação a suas especificidades,
procurando desenvolver um trabalho diferente do realizado nas escolas
regulares. Esses alunos esperam encontrar na escola um espaço para falar de
suas vidas, seus desejos, suas dores e suas alegrias, daquilo que os aflige no
cotidiano, das dificuldades de conciliar família, casa, trabalho. Precisam se
sentir acolhidos, ouvidos, incluídos e construir um âmbito para compartilhar
todos esses sentimentos. São guiados pelos seus sonhos há muito esquecidos,
pelo desejo de “melhorar de vida”, pelo esforço de compreender melhor o
mundo que os rodeia, pela vontade de ser reconhecidos como sujeitos e olhar
para os outros, como eles afirmam, “de cabeça erguida”.

2 O trabalho pedagógico com a linguagem e variação


linguística na EJA: a visão dos alunos
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No discurso dos alunos escutamos diversas vezes que o tempo perdido


precisa ser recuperado, pois quando crianças não puderam estudar e precisam
acelerar os estudos.

Eles também valorizam muito a escola e o trabalho das professoras, são


unânimes em afirmar que geralmente não aprendem o conteúdo ensinado
devido às próprias dificuldades de aprendizagem.

As professoras são pacientes e atenciosas. Se nós não aprendemos a


culpa não é delas, é nossa. (A9)

Esperam que seu conhecimento prévio seja valorizado e quando isso


não acontece se sentem frustrados. Esses sujeitos querem ser escutados; a
satisfação de ser ouvido fica expressa no rosto de cada um deles. A
oportunidade de opinar e expor suas ideias cria um ambiente propício para o
grupo refletir sobre suas experiências de vida. Para o aluno, o professor é
visto como aquele que vai fiscalizar o conhecimento adquirido. Essa idéia de
controle atrapalha a autonomia dos alunos, deixando-os cada vez mais
inseguros ao realizarem as atividades propostas. Pudemos constatar, a partir
da nossa pesquisa, que o modelo de escola presente na memória dos alunos é
o da pedagogia tradicional, manifesta na fala dos alunos:

Após a leitura das transcrições das entrevistas, é possível inferir que


para os alunos é função da escola “ensinar a falar certo”, ensinando as
pronúncias certas das palavras, tendo como base a norma padrão da língua.
Para eles, as pessoas que tiveram oportunidade de estudar falam bem, falam
certo, “sem errar”, e por isso eles se espelham nesses modelos e buscam uma
“perfeição” que é exigida pela escola.

Alguns caracterizam a escola como lugar de ensino, de realização


pessoal, de certificação do saber, de ascensão social. Para os alunos, quem
sabe ler e escrever tem melhores oportunidades de emprego, consegue se
desenvolver dentro da sua função, aprimora seus conhecimentos, é valorizado
socialmente e dessa forma consegue “melhorar na vida”, o que significa ter
um emprego formal, com uma melhor remuneração e melhores condições de
trabalho 6.

Para os sujeitos entrevistados, quem teve oportunidade de estudar “fala


melhor”. Que sentidos esses alunos atribuem À expressão “falar melhor”?
Qual a importância da leitura e da escrita para esses grupos?

a gente vê que as pessoas que tem...é acesso a outras pessoas


importantes (com estudo) que sabem falar melhor, conversa melhor do
que a gente que não sabe. Então, a gente tem que estudar pra isso.
(A4)

6
Essas funções atribuídas à escola se evidenciam em vários trabalhos que abordam
os sujeitos da EJA. Entre eles, o trabalho: Jovens e Adultos em Processo de
Alfabetização: voz e vida. Garcia, I. H. M. Niterói: Universidade Federal
Fluminense. Dissertação Mestrado, 2004.
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sempre quis aprender a ler. [...] passei muita vergonha quando eu ia


assinar meu nome, andava com um papelzinho dentro da bolsa. (A4)

Na opinião dos alunos, “falar melhor” significa ter escolarização, ou


seja, ter aprendido a norma culta da língua na escola. Quem está inserido
nesse contexto aprende a “falar corretamente” e por isso não erra,
conseguindo assim se “expressar bem”, com desenvoltura diante do público e
com segurança no que está falando.

O aluno considera a escola como uma instituição capaz de lhe assegurar


uma melhor posição no mercado de trabalho. Através dela, ele pode sonhar
com um trabalho menos pesado, com melhor remuneração, como um negócio
próprio ou até em frequentar uma faculdade. A escola tem um valor muito
importante porque ela o instrumentaliza, dando-lhe condições materiais para
realizar seus planos, e assim utilizar os conhecimentos adquiridos na prática,
pois as exigências do mercado de trabalho pressionam cada vez mais e a
concorrência é muito grande. Estes jovens e adultos pertencem ao mundo do
trabalho, ou do desemprego, como é mais comum, e assim ingressam no
curso da EJA com o objetivo de concluir etapas de sua escolaridade para
buscar melhores oportunidades de emprego e sua inserção no mundo letrado,
pois esses conhecimentos que os alunos tanto valorizam estão sempre
associados à leitura e à escrita.

A fala desses alunos sobre a escola revela a centralidade que ela tem na
vida de cada um:

pra mim entender muitos pratos7, tenho que estudar senão não vou
conseguir chegar lá. (A2)

eu quis voltar a estudar porque o estudo é importante pra gente


melhorar na vida. Ir pra frente. Saber mais. (A6)

A possibilidade de ser valorizado socialmente é um dos sentidos


atribuídos à escola para esses alunos, porque eles desejam o reconhecimento
da sociedade. Um grupo que já foi tão excluído espera que a escola possa lhe
fornecer uma oportunidade para participar de forma efetiva na sociedade,
conquistando assim sua cidadania. A cidadania é entendida por eles como
sinônimo de “ser alguém na vida”.

eu sempre quis ser alguém. Eu sempre achei bonito quem fala bem,
quem lê direito, quem sabe se expressar, quem sabe falar. (A9)

antes de eu morrer...eu ainda quero ser gente na vida, porque a gente


com um pouquinho de estudo já melhora. (A10)

A realização pessoal também é um fator importante para esses sujeitos,


assim como a certificação, o prestígio de ter um diploma e estar inserido no
mundo letrado.

7 Esse aluno é ajudante de cozinha em um restaurante.


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Em relação ao ensino da variedade padrão da língua, afirmam que em


algumas situações gostam de ser corrigidos para aprenderem essa norma, que
é muito valorizada por eles, mas alegam que existe uma maneira certa dessa
intervenção ser feita, pois se sentem desconfortáveis quando são corrigidos
diante de uma platéia. Esse sentimento de vergonha, porém, muitas vezes se
transforma em agradecimento, pois em determinadas situações, quando são
corrigidos e o interlocutor explica o porquê da correção, quer seja em relação
à pronúncia ou à grafia da palavra, eles se sentem satisfeitos em aprender a
“forma correta” para falar sem constrangimentos:

o caderno os professores levavam pra casa, levavam pra casa pra


corrigir. Ela ia ver o que estava errado pra consertar (...) e o modo de
falar algumas palavras...que você falasse...assim errado os professores
corrigiam. Eles ensinavam a falar certo. (A5)

CONSIDERAÇÕES FINAIS: a importância do debate sobre a


variação linguística no contexto educacional

Compreender as formas como os professores da educação de jovens e


adultos, do 1º segmento do ensino fundamental, desenvolvem suas práticas
educativas diárias em relação ao fenômeno da variação linguística, foi a
nossa inquietação e a partir dela o trabalho foi se configurando.

O contato com a realidade da sala de aula, as observações e as


entrevistas realizadas nos levaram a considerar aspectos que não havíamos
considerado previamente.

Muito do que foi falado nas entrevistas gerou controvérsia, porque o


discurso das professoras muitas vezes era contraditório com as suas práticas
pedagógicas. Quanto às atitudes demonstradas pelas professoras em sala de
aula frente às variedades linguísticas utilizadas por seus alunos, foi possível
perceber ações diferenciadas dentro do universo pesquisado: algumas
professoras corrigiam claramente a fala dos alunos demonstrando uma ação
de pouco respeito à variedade linguística usada pelos mesmos; outras não
interferiam na fala deles, porém corrigiam os textos escritos segundo a norma
culta. É importante salientar que o intuito aqui não é culpabilizar os atores
desse processo e sim entender suas ações e motivações.

Essas ações demonstram a intensa valorização da norma culta em


detrimento das outras variedades linguísticas, pois, como dissemos
anteriormente, apesar de todos os avanços das pesquisas linguísticas
contemporâneas ainda prevalece um enorme autoritarismo que leva a
considerar como exclusivamente “certa” a variedade padrão.
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Percebemos que para as professoras que fizeram parte da pesquisa a


variedade de prestígio deveria ser ensinada por motivos pragmáticos, já que
os alunos farão uso dela em contextos reais, como em concursos, entrevistas
de emprego, vestibular e outras situações em que o uso da norma padrão é
exigido. Não questionamos essa visão, mas nos interessa compreender como
essa concepção vem sendo materializada na escola, pois se partirmos da
dicotomia “certo” e “errado” estaremos desconsiderando a cultura própria do
aluno. A partir dessa concepção do erro, o aluno se sente inseguro e tem
medo de “errar”; a consequência é que ou ele escreve pouco para ter menos
“erros” ou se silencia, para não errar na fala.

Quando ouvíamos os alunos na entrevista nos enxergávamos no


discurso deles, pois quantas vezes na escola víamos pessoas deixando de
escrever com medo de “errar”, porque o “bom” aluno para o professor
deveria escrever com a ortografia “correta” das palavras. Não era raro ouvir
da professora: “português é difícil, quem não se esforçar não vai aprender”;
“copie as palavras certas para não errar nunca mais”; “quem não sabe o
‘bom’ português não vai a lugar algum”. Essa pressão que o professor muitas
vezes exerce sobre o aluno, ou seja, que ele deve escrever sem “errar”, gera o
medo do “erro” e assim esses sujeitos não desenvolvem suas potencialidades
e acabam restringindo cada vez mais a língua falada e escrita. Percebemos na
fala dos alunos pesquisados que eles criaram uma imagem do professor como
aquele que não “erra”, aquele que sempre utiliza as palavras “corretamente”.
Como afirmou uma aluna: ”ele é 100% de perfeição”. E dessa forma cria-se
um mito em torno do professor, como aquele que fala “bem”, que utiliza a
norma padrão da língua em qualquer situação.

Os alunos querem ser ouvidos e legitimados e quando isso não


acontece a sua baixa auto-estima é abalada e se sentem cada vez mais
inferiorizados e desprestigiados. Essa atitude dos alunos explicaria em parte o
porquê de muitos se calarem e não se sentirem à vontade em usar a variedade
popular, utilizada no seu contexto social.

Uma questão reveladora apareceu nas entrevistas da maioria dos alunos.


Quando abordamos a falas regionais, os nordestinos desprestigiaram a sua
forma de falar, pois para eles o seu sotaque é “feio” e “errado”, sendo
desvalorizado e discriminado até por eles mesmos. Em oposição a ele, o
sotaque carioca é valorizado, pois tem prestígio social em relação a outros
estados do Brasil. Esses sujeitos são unânimes em afirmar que aprenderam a
falar corretamente no Rio de Janeiro e que aos poucos vão se
“aperfeiçoando”. Na fala de uma aluna esta certeza fica muito clara: “agora
que chequei no Rio estou ‘melhorzinha’ de sotaque, aprendi a falar bonito”.
Esse preconceito em relação à fala do nordestino é alimentado diariamente e
podemos percebê-lo em vários discursos de pessoas diferentes e em lugares
distintos. Uma professora, em seu discurso, revelou: ”eu tenho uns
probleminhas de sotaque porque eu morei no nordeste”. A partir da fala
desses alunos e professores, compreendemos a necessidade de questionar o
preconceito lingístico existente em nossa sociedade, compartilhado,
inclusive, pelos próprios sujeitos falantes de variedades linguísticas
desprestigiadas.
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Ficou evidente também o conflito que os alunos vivem diariamente:


aprender a norma culta apresentada pela escola para serem incluídos e
valorizados socialmente os leva muitas vezes a serem excluídos pelo seu
grupo social, pois são questionados quando começam a se apropriar de uma
variedade que não é reconhecida pelos seus pares. Como, então, a escola
pode lidar com essa situação? Como trabalhar com esse conflito? De que
forma ensinar a norma padrão, problematizando-a e promover a reflexão
sobre as situações de uso de outras variedades?

Percebemos que a linguagem tem um papel fundador no processo


educacional, não só do ponto de vista da construção da singularidade dos
sujeitos, mas também da construção das suas marcas de pertencimento a
determinado(s) grupo(s). Muitas vezes as concepções de professores e alunos
acerca da variação linguística dialogam, pois questões como preconceito, da
discriminação, o papel da escola, o poder que a linguagem desempenha e o
entendimento sobre língua falada e escrita aparecem na fala de ambos.

Tanto as professoras quanto os alunos evidenciaram que a função da


escola é “ensinar a falar corretamente” e que a gramática normativa tem um
papel muito importante nesse processo. Mas os alunos às vezes se
questionam: para que aprender a “falar certo?” Será que falando certo
conseguiremos um emprego melhor?

Diante das observações em sala de aula, é possível afirmar que raras


foram as atividades didáticas que focaram o fenômeno da variação linguística
como conteúdo a ser trabalhado e sobre o que é preciso refletir. Quando ele é
tangencialmente focado, a valorização exclusiva da norma culta acaba
prevalecendo.

Acreditamos que a afirmação dos direitos linguísticos dos alunos é


parte essencial do fortalecimento de identidades sociais e da formação de
cidadania em uma sociedade democrática. Percebemos que o preconceito
linguístico está ainda muito presente na sala de aula, às vezes de uma forma
sutil, outras de forma explícita, sendo as variedades populares e regionais
desprestigiadas e discriminadas. Na concepção de muitos professores a língua
é vista como estática e imutável, e a gramática normativa assume uma
posição de destaque, pois descreve a chamada norma culta que deve ser
usada e aplicada nas atividades em sala de aula, servindo de modelo para
avaliar as práticas linguísticas do grupo.

Como sabemos, a língua apresenta variações, mas muitos


professores não trabalham essas diferenças em sala de aula, pois para eles a
língua portuguesa é única e homogênea. A fala de uma professora representa
bem o preconceito em relação à fala dos alunos:

eles falam tudo errado e escrevem tudo errado. Tipo...eu tava dando p,
b e n, m e então eles faziam logo uma misturada e não conseguiam
escrever “direito” P2

A representante da turma é uma ótima aluna, mas fala muito errado.


Ela veio do nordeste. P2
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Apesar de algumas professoras procurarem não desprestigiar ou


discriminar a fala do aluno, o falar “certo” e “errado”, está arraigado na
concepção do trabalho com a linguagem na sala de aula, já que muitas vezes
elas consideraram um uso como “errado” e não como uma marca social ou
regional, julgando a fala do aluno sob a ótica do erro.

Observamos também que no trabalho didático com a linguagem na


sala de aula o professor geralmente solicita que os alunos transformem “o
errado” em “certo”. Ao longo do nosso estudo, não observamos a proposta de
uma discussão sobre os diversos fatores extralinguísticos que interferem na
linguagem falada, nem foi proposta nas aulas a reflexão sobre os usos
linguísticos mais adequados em determinadas situações e contextos.

Neste trabalho, partimos do pressuposto de a escola valoriza e


transmite quase com exclusividade a variedade oficial da língua e que o mito
da exclusiva legitimidade desta variedade é produto, em parte, do
desconhecimento dos processos histórico-políticos de instalação da mesma.
Buscamos, também, enfatizar a importância de refletir a respeito das
condições de produção e imposição da norma padrão de uma determinada
língua em contextos específicos. A partir daí, poderemos questionar a
legitimidade exclusiva dessa variedade. Assim, propomos um trabalho com a
língua na sala de aula que permita o debate, a discussão e a comparação de
formas de uso em contextos específicos, como uma forma de romper com a
crença fortemente arraigada de que o professor deve ensinar e impor a norma
padrão, evitando “interferências” dos usos populares da língua. O
reconhecimento das diferenças e a reflexão acerca dessa problemática, tanto
no contexto escolar quanto nos âmbitos de formação docente, poderá
permitir-nos avançar na construção de uma escola mais democrática.

REFERÊNCIAS

BAGNO, M. Linguística da norma. São Paulo: Loyola, 2002.


GNERRE, M. Linguagem, escrita e poder. São Paulo: Martins Fontes, 1991.
OLIVEIRA, I. Barbosa de; PAIVA, J. (orgs.). Educação de Jovens e
Adultos. Rio de Janeiro: DP&A, 2004.
WANDERLEY PRAZERES, Patrícia. Variação lingüística na Educação
de Jovens e Adultos. Niterói, RJ: UFF, 2007. Dissertação de Mestrado –
Programa Pós-Graduação em Educação.
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O Nível de Letramento dos Discentes Jovens


e Adultos matriculados no Ensino Médio
Noturno da Escola Gumercindo Bessa
pertencente a Rede Estadual de Educação, na
Cidade de Estância-Sergipe

Carlos Menezes de Souza Junior1


Herbet Alves de Oliveira2
Adriano de Souza Freitas3

RESUMO

Objetivou-se nesse artigo analisar o nível do domínio da Língua Portuguesa de


estudantes jovens e adultos do Ensino Médio noturno da Escola Estadual Gumercindo
Bessa, localizada na cidade de Estância-Sergipe. Para realização deste estudo foi
utilizada uma amostragem composta por 120 discentes, uma amostragem de 30% do
universo de estudantes desta unidade escolar neste nível de ensino noturno. Esta
pesquisa baseia-se em abordagens quantitativas e qualitativas. Foram feitas diversas
leituras como Freire, Ferreiro, Teberosky , dentre outras, realizadas algumas
entrevistas, houve a aplicação de uma avaliação diagnóstica que procurou medir seis
eixos: a compreensão e valorização da cultura escrita, a apropriação do sistema da
escrita, a leitura, a produção de textos escritos , a oralidade e o domínio de conteúdos
gramaticais. A maioria esmagadora dos pesquisados demonstra uma defasagem
imensa no domínio nos eixos pesquisados, referentes ao domínio da Língua
Portuguesa, levando em consideração o grau de escolaridade em que os discentes se
encontram, todavia foi diagnosticado que este público afirma gostar de leituras que
para eles tenham significado, um ponto que deve ser aproveitado pela escola. Com os
resultados obtidos, este estudo permite algumas reflexões: faz-se necessário repensar a
método de alfabetização que está sendo utilizado nos ensinos fundamental, bem como
o trabalho pedagógico que está sendo desenvolvido pelos profissionais envolvidos
para minimizar este quadro caótico, além de entender que o público jovem e adulto
precisa de uma metodologia adequada para a sua faixa etária, a fim de ser eficaz no
processo de alfabetização e letramento.
Palavras-Chave: Alfabetização, Letramento, Jovens, Adultos.

1
Contato do(a) autor(a): carlosmenezesj@hotmail.com. Instituto Federal de Sergipe,
IFS.
2
Contato do(a) autor(a): herbetalves148@hotmail.com. Instituto Federal de Sergipe,
IFS.
3
Contato do(a) autor(a):adriano_basket182@yahoo.com.br. Instituto Federal de
Sergipe, IFS.
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INTRODUÇÃO

As concepções acerca de alfabetização e letramento foram sendo


modificadas com o decorrer do tempo.

Historicamente o conceito de alfabetização se identificou ao ensino-


aprendizado da “tecnologia da escrita”, ou seja, a capacidade de decodificar
os sinais gráficos, transformando-os em sons, e, na escrita, a capacidade de
codificar os sons da fala, transformando-os em sinais gráficos.

Emília Ferreiro e Ana Teberosky contribuíram bastante para a


ampliação deste conceito, a partir dos estudos sobre a psicogênese da
aquisição da língua escrita, não o reduzindo apenas ao domínio de
correspondências entre grafemas e fonemas, mas a alfabetização passaria a se
caracterizar como um processo ativo de construção e reconstrução de
hipóteses sobre a natureza e o funcionamento da língua escrita.

As ideias de Ferreiro (2001) representam um das mais valiosas e


recentes contribuições numa abordagem construtivista-interacionista da
aprendizagem.

É inegável a contribuição de Freire (1999), apontado por boa parte dos


educadores, nacional e internacionalmente, como o grande pensador do
século vinte. A partir de suas idéias, criou-se uma nova concepção de
educação, de “leitura de mundo”, proporcionando grandes mudanças no
processo de alfabetização, por forte influência prático-teórica no
desenvolvimento cultural, social e político do sujeito.

Nesse processo, a linguagem não está "solta no ar", ela está diretamente
interligada à realidade, pois entre a leitura de mundo e a leitura da palavra há
um ir e vir constante, e isso nos afirma o próprio Freire (1987).

Dessa maneira, segundo Mortatti (2007: 166): "ensinar a ler e a escrever


é ensinar a ler e produzir textos (orais e escritos) que permitam ao sujeito se
constituir como tal no âmbito de uma sociedade letrada".

De forma progressiva, a alfabetização passou a ser considerada como o


domínio dos conhecimentos que permitem o uso dessas habilidades nas
práticas sociais de leitura e escrita, surgindo a partir de então o termo
alfabetização funcional e logo em seguida a palavra letramento.

Com a origem deste novo termo, alguns autores preferiram diferenciar


alfabetização de letramento. Este estudo foi feito baseado nos seguintes
conceitos: alfabetização é o processo de aquisição de habilidades para a
leitura e a escrita, enquanto o letramento usa essa habilidade para alcançar
diferentes objetivos. (COLELLO, 2006). Portanto, o letramento permite uma
relação diferenciada do indivíduo com a sociedade, permitindo-lhe uma
conexão mais profunda com seu próprio contexto sociocultural, conseguindo
assim inserir-se num mundo organizado da cultura escrita.
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Como são muito variados os usos sociais da escrita e as competências a


eles associadas, então surgem os níveis de letramento, levando em
consideração as diferentes formas pelas quais as pessoas têm acesso ao
domínio da Língua Portuguesa.

A escola é a instituição social responsável, dentre outras finalidades, por


inserir de forma sistêmica os indivíduos no mundo letrado, tarefa esta que
tem se mostrado muito complexa, visto o fracasso experimentado nestas
últimas décadas por estes ambientes educacionais. Desde que este espaço
passou a ser direito de todos, independente de classe socioeconômica dos
cidadãos, a tarefa de alfabetizar não tem obtido o sucesso devido, uma vez
que estas variações socioculturais influenciam diretamente na construção do
conhecimento, neste caso especificamente, no processo de alfabetização e
letramento, estando a escola totalmente despreparada para formar os diversos
tipos de cidadão, verdadeiramente, alfabetizados. Quando citamos a
alfabetização na perspectiva do letramento os índices pioram ainda mais,
segundo a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios realizada em 2009 e
divulgada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística mais de 20%
dos brasileiros são analfabetos funcionais, sendo mais grave a situação na
região Nordeste que chega a 30,8%.

Baseando-se no pressuposto de que a escola tem falhado com o


processo de alfabetização, na perspectiva do letramento, na educação infantil
e no ensino fundamental, faz-se necessário mensurar qual o nível de
letramento que os jovens e adultos têm chegado ao ensino médio das escolas
públicas brasileiras, precisamos conhecer se este nível de letramento é
adequado para a série estudada. Que fatores têm contribuído com a obtenção
dos resultados encontrados? Como o Ensino da Língua Portuguesa tem sido
trabalhado na escola objeto desta pesquisa? O letramento é trabalhado apenas
pela disciplina Língua Portuguesa?

Este estudo traz grandes contribuições às escolas públicas sergipanas,


principalmente às escolas que trabalham com jovens e adultos no Ensino
Médio noturno, que terão como parâmetros os seus dados encontrados. Desta
forma os gestores públicos e profissionais da educação pública possam
repensar o caminho que se tem percorrido, desde a educação infantil ou
fundamental, na tentativa de inserir os vários tipos de estudantes, oriundos
dos mais diversos meios sociais e culturais ao mundo das práticas sociais da
língua portuguesa.

1 METODOLOGIA

Este artigo baseia-se em um estudo de caso, tendo como referência as


turmas noturnas do ano de 2011 do Ensino Médio da Escola Estadual
Gumercindo Bessa, cujo público alvo são estudantes jovens e adultos.

Esta pesquisa dialoga com fontes bibliográficas, documentais e orais.


As primeiras são essenciais para aprofundamento teórico do objeto de
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investigação. Para tal, realizamos leituras de artigos científicos, livros de


autores importantes como Freire, Colello, Ferreiro, Teberosky, já a segunda
nos permitiram ter a dimensão do nível de alfabetização e letramento dos
estudantes pesquisados e para a última foram adotadas a realização de 22
entrevistas com fins diagnósticos, uma com a coordenação pedagógica, outra
com a direção geral e 20 com estudantes que foram escolhidos por sorteio.

A leitura destes estudiosos apresentados neste estudo foi de suma


importância para entendermos o universo do letramento, como também para
a análise dos dados obtidos com a aplicação de uma avaliação diagnóstica
com 104 discentes, que correspondem a 40% do universo total de estudantes
desta escola no turno noturno do Ensino Médio, cuja finalidade foi descobrir
os níveis de letramento em que os estudantes chegam ao ensino médio. Esta
avaliação serviu para avaliarmos o domínio dos discentes em seis diferentes
eixos da Língua Portuguesa: a compreensão e valorização da cultura escrita, a
apropriação do sistema da escrita, a leitura, a produção de textos escritos, a
oralidade e o domínio de conteúdos gramaticais. As questões selecionadas
foram retiradas de livros didáticos dos 6º e 7º ano do Ensino Fundamental.

Após a aplicação da avaliação diagnóstica, os dados foram tabulados,


por meio de dados estatísticos e todas as informações coletadas com as
entrevistas orais foram sistematizadas.

Por fim, houve o diálogo das fontes para confrontar as informações


obtidas e assim alcançar resultados para os questionamentos realizados, a fim
de cumprir com a finalidade da pesquisa: provocar uma reflexão acerca do
cumprimento do papel institucional da escola em formar sujeitos letrados,
capazes de fazerem uso da língua portuguesa nas mais diferentes práticas
sociais.

2 RESULTADOS E DISCUSSÃO

Após aplicação da avaliação diagnóstica foram obtidos os seguintes


resultados:

Com relação ao desenvolvimento do gosto pela leitura, 74,2% dos


estudantes pesquisados declaram que gostam de ler, restando apenas 25,8%
que afirmam não gostar de nenhum tipo de leitura, todavia estes mesmos
alunos que afirmam gastar de ler, também restringe o seu gosto a gêneros
textuais com os quais se identificam e colocam que a escola quer forçar
leituras desinteressantes que não possuem relação alguma com a sua
realidade social.

Apenas 3,5% dos alunos tiveram 100% de acertos, tomando como base
as 03 questões retiradas dos livros didáticos do 7º ano, que avaliavam o nível
de interpretação textual, 50,3% dos discentes acertaram somente metade
destas questões, enquanto 46,2% tiveram zero aproveitamento, apontando
assim para o analfabetismo funcional e nível de letramento muito aquém a
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escolaridade que possui, sendo incapazes de ler com compreensão questões


simples de interpretação. O rendimento das turmas no quesito leitura foi de
29%, o equivalente a nota 2,9 numa escala de nota de 0,0 a 10,0.

Com relação a apropriação do sistema da escrita, 61,2% escrevem ainda


fora dos padrões gramaticais, pois ainda não conseguem perceber que existe
uma diferença grande entre fonema e grafema, trazendo para a escrita as
variações linguísticas do seu meio social, utilizado na oralidade. Apenas
38,8% dos estudantes pesquisados dominam a escrita na norma culta, com
pouca dificuldade no universo ortográfico. O rendimento das turmas no eixo
escrita foi de 38,8%, o equivalente a nota 3,9 aproximadamente numa escala
de 0,0 a 10,0.

Para medirmos o domínio destes jovens e adultos, estudantes do ensino


médio noturno, no eixo produção de textos escritos, dividimos em duas
questões básicas: regras de organização textual e coerência/coesão, sendo que
na primeira verificamos que apenas 24,4% conseguem produzir um texto
com o mínimo de organização necessária e exigida pelas normas vigentes, já
75,6% não possuem nem noção da importância de utilizar as regras básicas
para conseguir produzir um texto visivelmente apresentável. Já sobre a
produção de tetos coesos e coerentes, 65,05% dos estudantes não conseguem
escrever de forma coerente e coesa, restando apenas 34,95% que já podem
ser considerados bons produtores textuais. A nota média da turma para o eixo
produção de textos escritos foi de 3,0, numa escala de notas de 0,0 a 10,0.
Neste quesito ainda encontramos um agravante que nem sempre o estudante
que consegue organizar seu texto de forma satisfatória é o mesmo que o
produz de forma coesa e coerente, o contrário também é verdadeiro.

Medimos também o domínio gramatical dos discentes envolvidos,


utilizando questões simples e de fácil solução, cuja aprendizagem já deveria
ter sido adquirida no 6º ano, e 60,8% dos pesquisados não acertaram
nenhuma questão relativa a conteúdos gramaticais, 26,1% acertaram algumas
questões gramaticais com muita dificuldade, 13,1% acertaram estas questões
com certa dificuldade e nenhum discente acertou com facilidades estes
quesitos, mostrando ainda mais a gravidade quando se tratam dos conteúdos
gramaticais, assuntos totalmente distantes do cotidiano em que eles vivem. A
análise desta área da Língua Portuguesa demonstra os piores índices deste
estudo, pois as turmas obtiveram nota 1,3, numa escala de 0,0 a 10,0.

As conversas informais ou entrevistas nos fizeram perceber claramente


que os alunos em questão reproduzem exatamente as práticas de oralidade do
seu meio social, cada um trazendo para o ambiente escolar precisamente o
vocabulário utilizado nos seus espaços domésticos e da sua comunidade, dos
20 discentes entrevistados, apenas 02 faziam uso da língua culta, propícia
para este tipo de prática social, logo os 90% restantes não se importavam com
o nível de exigência da ocasião, repetindo acriticamente a forma de se
expressar oralmente em rodas de conversas e relacionamentos familiares.

Nas entrevistas com a coordenação pedagógica e a direção geral fica


evidente que esta não é uma realidade que causa espanto ou surpresa,
posicionam-se como um fato natural para o aluno jovem e adulto do turno
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noturno de uma escola pública estadual, que chegaram ao ensino médio sem
mérito e condições para competirem de forma igualitária no mundo do
trabalho e que neste nível de escolaridade não há mais como reverter esta
situação, carregando para si e para todos os profissionais que fazem a escola
um estado de impotência pedagógica, colocando como única saída a
aceitação do quadro em questão.

CONCLUSÕES

Tomando como base este estudo, podemos fazer algumas reflexões


importantes.

A primeira traz uma afirmação de que a educação pública na rede


estadual deve ser repensada urgentemente, pelo menos, no que diz respeito ao
nível de alfabetização e letramento, uma vez que os índices apresentados
nesta pesquisa são assustadores e mostra de forma evidente a fragilidade do
estudante jovem e adulto que consegue chegar ao ensino médio noturno com
pouco ou quase nenhum domínio da Língua Portuguesa, tão importante para
dar a este indivíduo a capacidade de disputar de forma igualitária a
empregabilidade.

Outro questionamento que nos leva a pensar nos remete ao fato da


equipe gestora das escolas se sentir impossibilitada de executar um plano
eficaz que possa minimizar este quadro, totalmente, desfavorável à inclusão
social dos indivíduos por meio da educação, faltando assim preparo técnico e
iniciativa para sair da inércia pedagógica em busca de soluções viáveis,
através de discussões coletivas com todos que fazem a comunidade escolar.
Então é urgente a criação de ambientes e situações motivadoras, que
impulsionem os profissionais envolvidos a saírem das suas zonas de conforto
e acreditem que é possível transformar esta realidade, ainda que a questão
temporal não corrobore para que tal mudança aconteça.

É preciso entender que os estudantes jovem e adulto merecem uma


atenção diferenciada, uma vez que na idade ideal ou propícia não lhe foram
dadas as oportunidades devidas para construírem o conhecimento de forma
adequada com as competências e habilidades necessárias para que estes
pudessem trilhar uma trajetória acadêmica e profissional de sucesso, logo a
escola deve ter clareza para perceber que estes jovens e adultos que já são
autônomos em todas as outras áreas de sua vida cotidiana, mas que são
totalmente dependentes do professor no ambiente escolar, justamente porque
chegam ao ensino médio de forma tardia, com defasagem de idade-série, e
sem o menor domínio da alfabetização funcional, com um baixíssimo índice
de letramento, logo estes não veem na escola um ambiente acolhedor, que
combine com seu perfil independente, que não traz para as salas de aula
práticas motivadoras, aprendizagens significativas, linguagens atraentes, pois
os mesmos profissionais envolvidos utilizam-se ainda de metodologias
inadequadas para a sua vivência, o conhecimento ainda é meramente
transmitido de forma mecânica, sem contextualização, onde especificamente,
para o ensino da Língua Portuguesa não passa do ensino de pífias
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codificações e decodificações, sem apresentá-la ao uso das diversas práticas


sociais e a importância desta utilização para a sua vida extracurricular.

Um fator muito positivo deste estudo foi o fato de 74,2% dos estudantes
pesquisados gostarem de ler, pois demonstra que, se a escola souber
aproveitar esta sinalização, as estratégias para serem colocadas no plano de
ação pedagógico devem aproveitar bem este dado, escolhendo assim o
trabalho em sala com gêneros textuais diversos que possam alcançar o maior
número de jovens e adultos possíveis e a partir destas atividades, o tempo
desperdiçado seja resgatado com o ensino da Língua Portuguesa sob a
perspectiva do letramento.

O trabalho com o letramento deve começar cedo, nas séries iniciais,


para que não precisemos chegar a índices tão alarmantes no ensino médio,
todavia os gestores e profissionais de educação não podem simplesmente
ignorar a realidade em que os estudantes jovens e adultos vivem hoje, pois
estes concluem a educação básica totalmente como analfabetos funcionais,
logo é tempo de agir de forma planejada, intencional e coletiva , para que,
minimamente, consigamos aumentar o nível de letramento destes que estão
pagando um preço alto por negligência pública. Neste caso, prevenir é o
caminho e remediar é inevitável.

REFERÊNCIAS

COLELLO, Silvia M. Gasparian. Alfabetização e Letramento:


Repensando o Ensino da Língua Escrita. [2006]. Disponível em:
<http://www.hottopos.com/videtur29/silvia.htm> Acesso em: 16 jun. 2006.
FERREIRO, Emília. Reflexões sobre alfabetização, 24ª ed. São Paulo:
Cortez, 1985.
FERREIRO, Emília; TEBEROSKY, Ana. A Compreensão do sistema de
escrita: 1ª ed. Barcelona, 1981.
FREIRE, Paulo. Pedagogia da autonomia: Saberes necessários á prática
educativa, 28ª ed. São Paulo: Paz e Terra, 1996.
______. Pedagogia do oprimido. 17. ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1987.
MORTATTI, M. R. L Letrar é preciso, alfabetizar não basta...mais? In:
SCHOLZE, L. e RÖSING, T. M. K. (Org.). Teorias e práticas de
letramento. Brasília: Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais
Anísio Teixeira, 2007. p. 155-168.
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As Dificuldades na Produção Escrita dos


Alunos do 3º Ano do Ensino Médio do
Colégio Estadual CAIC Jorge Amado1

Geovania Falcão de Melo Dias2


Neilton Falcão de Melo3
Robson Cledson de Jesus Dias4

RESUMO

Este trabalho é fruto de uma pesquisa com professores e alunos do ensino de


Educação de Jovens e Adultos do Ensino Médio (EJAEM) - no Colégio Estadual
CAIC Jorge Amado, localizado na cidade de Estância, Sergipe. A dificuldade na
produção de textos tem sido uma realidade que inclui a maioria dos alunos do colégio.
Este artigo tem o objetivo de mostrar uma visão panorâmica a respeito do sistema de
ensino para jovens e adultos, compreendendo os problemas e causas que levam os
alunos do 3º ano a terem dificuldades para produzirem textos. Várias situações
contribuem para o fracasso dos alunos e algumas delas com forte influência. Os
resultados apontam que a Educação de Jovens e Adultos não tem obtido muito
sucesso. Para embasar esta pesquisa, utilizou-se de alguns teóricos e dados relevantes
sobre a EJA. O método utilizado nesta pesquisa é um estudo de caso de caráter
quantitativo e também se utiliza de referencial bibliográfico. Foram aplicados
questionários com professores e alunos das turmas em estudo. Diante da realidade
torna-se necessário analisar os problemas que levam ao insucesso e a partir isto criar
alternativas e soluções elaborando um currículo que atenda as expectativas e
necessidades dos alunos.

Palavras – chave: educação, professores, alunos, fracasso.

1
Agência financiadora: OBSERVATÓRIO DE EDUCAÇÃO/CAPES/INEP
2
Contato do(a) autor(a): geovaniafalcao@hotmail.com.Licenciada em Pedagogia pela
Universidade Estadual Vale do Acaraú, Especialista em Psicopedagogia Institucional
pela Faculdade Atlântico.
3
Contato do(a) autor(a): neilton_melo@hotmail.com. Licenciado em Pedagogia pela
Faculdade Pio Décimo e em Letras pela Universidade Federal de Sergipe (UFS),
Especialista em Letra Português e Linguística pela Faculdade Amadeus, Especialista
em Mídias na Educação pela UFS.
4
Contato do(a) autor(a): diasrobson@ymail.com. Licenciado em Pedagogia pela
Universidade Vale do Acaraú, Especialista em Gestão Escolar pela Faculdade
Amadeus e Coordenação Pedagógica pela Faculdade Pio Décimo.
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INTRODUÇÃO

O homem é um ser social que se constrói e se constitui através de


interações. A escrita foi criada para facilitar essa interação. Mesmo na Pré-
História, quando não existia uma forma de escrita elaborada, ele já se
comunicava por escrito através de desenhos feitos nas paredes das cavernas.

A escrita veio permitir o armazenamento e a propagação de informações


não só entre indivíduos (privilégio também da linguagem), mas também por
gerações.

A comunicação oral já é algo que nasce com o ser humano. A escrita é


aprendida na escola e requer algumas características que são dispensáveis na
comunicação oral. No texto escrito é preciso ter conhecimeto da grafia das
palavras, pontuação, coerência e coesão que são muito importantes para uma
melhor compreensão dos enunciados e produção de redação em qualquer
área.

Sabe-se que muitas pessoas não escrevem do mesmo modo com que
falam. Essas diferenças entre a oralidade e a escrita são perceptíveis, e essas
influências espontâneas são marcas que aparecem para preencher lacunas
próprias do uso da escrita. O que não pode acontecer são aberrações que
fogem do grau de tolerância quanto aos erros de ortografia e sentido de
ideias.

Em tese, quem termina o Ensino Médio já passou por várias fases da


escrita e este está apto a ler com fluência e escrever um texto coerente e
coeso. Teoricamente, sim.

O artigo 205 da Constituição Federal de 1988 garante: “a educação,


direito de todos e dever do Estado e da família, será promovida e incentivada
com a colaboração da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da
pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o
trabalho”.

Os alunos do 3º ano na modalidade Educação de Jovens e Adultos do


Ensino Médio (EJAEM) do Colégio Estadual CAIC Jorge Amado, em sua
maioria, não corresponde o que é garantido por lei. Com relação à produção
de texto, há uma grande dificuldade na grafia correta, na arrumação das
ideias e também para ler fluentemente.

Esses alunos vão concluir o ensino médio sem saber ler e escrever
corretamente. Os textos produzidos por eles apresentam fortes traços da
linguagem popular oral e uma aberração ortográfica, além da falta de nexo
entre parágrafos e coerência de ideias. Por que esses alunos têm esse tipo de
dificuldade?

Podemos dizer que algumas das dificuldades vivenciadas pelos alunos


são normais do aprendiz, outras, no entanto, nos mostram que uma ou várias
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habilidades não foram adquiridas adequadamente e que podem estar afetando


o aprendizado da linguagem escrita.

Diante das questões apresentadas, faz-se necessário investigar as causas


e motivos que levam esses alunos a terem tanta dificuldade. Os motivos para
o déficit escolar nos levam a algumas hipóteses. Será a metodologia utilizada
pelo professor em sala de aula que dificulta que o aluno aprenda ler e
escrever corretamente? Será a influência da fala oral familiar, visto que a
maioria dos pais tem pouca escolaridade e falam de forma “errada”, segundo
a gramática normativa? Será as etapas de ensino anteriores concluídas sem
muito êxito? Ou ainda, a falta de incentivo familiar com relação aos estudos?

São muitas indagações. Este artigo visa conhecer o perfil destes alunos
que legalmente estão aptos a disputarem uma vaga no Ensino Superior e, em
seguida, apresentar um estudo sobre as possíveis causas que os levam a terem
uma prática de leitura e de elaboração de textos restrita à prática escolarizada.
O artigo apresenta estratégias que podem contribuir para a melhoria dos
índices apresentados pelos alunos do colégio em estudo e também uma
reflexão sobre o ensino médio.

Para chegar às respostas que se busca aqui, leituras sobre autores que
falam do assunto e entrevista com professores e alunos do 3º ano do ensino
médio são suportes que embasam este trabalho.

Não é fácil segurar o aluno de EJA na sala de aula por muito tempo.
Para Arroyo (2006), “O ponto de partida deverá ser perguntar-nos quem são
esses jovens e adultos”.

A lei garante o ingresso à sala de aula, a escola precisa garantir a sua


permanência e o sucesso.

1 Aspectos Históricos da EJA no Brasil


A educação de jovens e adultos (EJA) é a modalidade de ensino nas
etapas dos ensinos fundamental e médio da rede escolar pública brasileira e
adotada por algumas redes particulares que recebe os jovens e adultos que
não completaram os anos da educação básica em idade apropriada por
qualquer motivo.

No Brasil, o campo consolidou-se com influência das ideias do


educador Paulo Freire e em forte relação com o movimento de educação
popular. O segmento é regulamentado pelo artigo 37 da Lei de Diretrizes e
Bases da educação (a LDB, ou lei nº 9.394 de 20 de Dezembro de 1996). É
um dos segmentos da educação básica que recebem repasse de verbas do
Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica (Fundeb).

A história da EJA apresenta muitas variações ao longo do tempo.


Inicialmente a alfabetização de adultos para os colonizadores, tinha como
objetivo instrumentalizar a população, ensinando-a a ler e a escrever. Com a
expulsão dos Jesuítas, ocorrida no século XVIII, desorganizou o ensino até
então estabelecido.
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A partir da Revolução de 1930, as mudanças políticas e econômicas


permitiram o início da consolidação de um sistema público de educação
elementar no país. A Constituição de 1934 estabeleceu a criação de um
Plano Nacional de Educação, que indicava pela primeira vez a educação de
adultos como dever do Estado.

A década de 40 foi marcada por algumas iniciativas políticas e


pedagógicas que ampliaram a educação de jovens e adultos. Um dos
objetivos era alfabetizar e aprofundar o trabalho educativo. Na década de 50
foram criadas várias campanhas voltadas para ao ensino de EJA, a exemplo
da Campanha Nacional de Erradicação do Analfabetismo (CNEA), e
Congresso Nacional de Educação de Adultos.

A década de 60, com o Estado associado à Igreja Católica, novo


impulso foi dado às campanhas de alfabetização de adultos. No entanto, em
1964, com o golpe militar, todos os movimentos de alfabetização que se
vinculavam à ideia de fortalecimento de uma cultura popular foram
reprimidos. O Movimento de Educação de Bases (MEB) sobreviveu por estar
ligado ao MEC e à igreja Católica. Todavia, devido às pressões e à escassez
de recursos financeiros, grande parte do sistema encerrou suas atividades em
1966.

A década de 70, ainda sob a ditadura militar, marca o início das ações
do Movimento Brasileiro de Alfabetização – o MOBRAL, que era um projeto
para se acabar com o analfabetismo em apenas dez anos.

Durante o período militar, a educação de adultos adquiriu pela


primeira vez na sua história um estatuto legal, sendo organizado em
capítulo exclusivo da Lei nº 5.692/71, intitulado ensino supletiva. O
artigo 24 desta legislação estabelecia com função do supletivo suprir a
escolarização regular para adolescentes e adultos que não a tenham
conseguido ou concluído na idade própria. (VIEIRA, 2004, p. 40).

Foram criados os Centros de Estudos Supletivos em todo o País, com a


proposta de ser um modelo de educação do futuro, atendendo às necessidades
de uma sociedade em processo de modernização.

Na visão de (Haddad, 1991) os Centros de Estudos Supletivos não


atingiram seus objetivos verdadeiros, pois, não receberam o apoio político
nem os recursos financeiros suficientes para sua plena realização. Além
disso, seus objetivos estavam voltados para os interesses das empresas
privadas de educação.

No início da década de 80, a sociedade brasileira viveu importantes


transformações sócio-políticas com o fim dos governos militares e a
retomada do processo de democratização, basta lembrar-se da campanha
nacional a favor das eleições diretas.

A nova Constituição de 1988 trouxe importantes avanços para a EJA: o


ensino fundamental, obrigatório e gratuito, passou a ser garantia
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constitucional também para os que a ele não tiveram acesso na idade


apropriada.

Contudo, a partir dos anos 90, a EJA começou a perder espaço nas
ações governamentais. Em março de 1990, com o início do governo Collor, a
Fundação EDUCAR foi extinta e todos os seus funcionários colocados em
disponibilidade. Em nome do enxugamento da máquina administrativa, a
União foi se afastando das atividades da EJA e transferindo a
responsabilidade para os Estados e Municípios.

Em janeiro de 2003, foi criada a Secretaria Extraordinária de


Erradicação do Analfabetismo, cuja meta é erradicar o analfabetismo durante
o mandato de quatro anos do governo Lula. Para cumprir essa meta foi
lançado o Programa Brasil Alfabetizado, por meio do qual o MEC contribuirá
com os órgãos públicos estaduais e municipais, instituições de ensino
superior e organizações sem fins lucrativos que desenvolvam ações de
alfabetização.

O Programa está em andamento, por isso não é possível, ainda, afirmar


se o objetivo pretendido foi alcançado.

Mesmo reconhecendo a disposição do governo em estabelecer uma


política ampla para EJA, especialistas apontam a desarticulação entre
as ações de alfabetização e de EJA, questionando o tempo destinado à
alfabetização e à questão da formação do educador. A experiência
acumulada pela história da EJA nos permite reafirmar que
intervenções breves e pontuais não garantem um domínio suficiente
da leitura e da escrita. Além da necessária continuidade no ensino
básico, é preciso articular as políticas de EJA a outras políticas.
Afinal, o mito de que a alfabetização por si só promove o
desenvolvimento social e pessoal há muito foi desfeito. Isolado, o
processo de alfabetização não gera emprego, renda e saúde. (VIEIRA,
2004, p. 85-86).

A Educação de Jovens e Adultos deve ser tratada juntamente com outras


políticas públicas e não isoladamente.

2 Caracterização do Colégio Estadual Caic Jorge Amado

O colégio Estadual CAIC Jorge Amado está situado na Avenida


Lourival Batista, s/n, Centro, em Estância, Sergipe. A instituição escolar
pertence à Rede Estadual, estando localizada a 75 km da capital do Estado,
Aracaju. O colégio é composto por 09 (nove) salas de aulas, 02 (dois)
banheiros para atender os alunos, 01 (uma) área de circulação. Seu
funcionamento acontece no turno noturno, ofertando somente o ensino de
Educação de Jovens e Adultos do Ensino Médio (EJAEM). No primeiro
semestre de 2011 foram matriculados 415 alunos; no segundo semestre, 450
alunos.

Com relação ao corpo docente, há um quantitativo de 11 professores.


Dos professores que lecionam no colégio 06 são efetivos e 05 contratados.
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Todos têm nível superior e atuam nas suas áreas de formação. Há 01 diretor
escolar, 01 coordenador pedagógico, 03 técnicos pedagógicos, 01 secretária,
serventes, merendeiras e vigias, totalizando 28 funcionários.

Educação de jovens e adultos no Colégio CAIC Jorge Amado

A educação de jovens e adultos é vista como uma forma de alfabetizar


quem não teve oportunidade de estudar na infância ou aqueles que por algum
motivo tiveram de abandonar a escola.

Os alunos do Colégio Jorge Amado são jovens e adultos, filhos, pais e


mães; alguns são trabalhadores empregados, a maioria desempregados e uns
em busca do primeiro emprego; são moradores urbanos de periferias e de
localidades em áreas rurais. São pessoas marginalizadas nas esferas
socioeconômicas e educacionais, características que comprometem uma
participação mais ativa no mundo do trabalho, da política e da cultura. São
sujeitos que evadiram da escola e apresentam em geral um tempo maior de
escolaridade devido a repetências acumuladas e interrupções na vida escolar.

São alunos que têm muitas dificuldades de aprendizagem. Não é por


falta de garantias. A Constituição Federal de 1988 garante a educação é
direito de todos e dever do Estado e da família visando ao pleno
desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua
qualificação para o trabalho.

Em tese, são alunos que deveriam estar aptos a produzirem um texto


sem dificuldades e lerem com fluência visto que estão concluindo o ensino
médio. Mas na prática, a grande maioria está muito distante do que se espera
de um aluno de 3º ano.

Analisando o quadro de rendimento dos anos de 2006 a 2010 percebe-se


a média de alunos que não conseguiram aprovação durante os cinco anos
analisados é de quase 30%. No ano de 2006 a aprovação foi de 71,9%; em
2007, apenas 62,1% dos matriculados foram aprovados; em 2008 teve o
maior índice de aprovação com 78,6%; em 2009, 76,3% foram aprovados;
em 2010 o índice de aprovação foi de 62,5%.

A repetência e a evasão escolar configuram-se como um grande desafio


a ser superado. Esta realidade acontece não só com quem trabalha, mas no
ensino fundamental há índices bastante negativos.

De acordo com Giannella Jr. (1997, p. 20):

Os brasileiros que conseguem permanecer 08 anos na escola saem de


lá com apenas 3,9 anos de escolaridade, graças aos altíssimos índices
de repetência. No Brasil, de cada 100 crianças matriculadas na 1ª série
do 1º grau, 44 repetem o ano ou abandonam a escola antes de
completar o ciclo básico de oito anos, os estudantes brasileiros levam
em média 12 anos, o que caracteriza pelo menos quatro repetências ao
longo desse período.
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O insucesso escolar nas turmas de Educação de Jovens e Adultos é


maior que nas turmas de ensino regular. As repetências e a evasão nestas é
que levam os alunos ‘atrasados’ à EJA, modalidade de ensino que
discriminada por algumas pessoas por destinadas a pessoas que não tiveram
oportunidade de estudar na idade apropriada.

3 Resultados e Discussões
Conhecer a história do ensino de EJA no Brasil e a realidade do Colégio
CAIC Jorge Amado foi um grande passo para chegar às respostas dos
questionamentos deste trabalho de pesquisa.

Diante da análise das entrevistas com alunos e professores do colégio


pesquisado foi possível saber os principais motivos que levaram os alunos do
3° ano da EJAEM a terem muitas dificuldades para produzirem textos.

Um dos aspectos identificados nas entrevistas diz respeito à repetência


escolar. Todos os dez alunos entrevistados são alunos que repetiram bastantes
anos letivos até chegarem ao ensino médio. Apenas dois alunos dos
entrevistados têm emprego fixo e todos não sentem estímulo para continuar
estudando, visto que à noite estão cansados do trabalho diário.

Os alunos alegaram também que estavam estudando somente para


concluir o ensino médio, já que é uma das exigências para quem almeja
disputar uma vaga de emprego no mercado de trabalho. Perguntados por que
reprovavam ou evadiam da escola e por que tinham muitas dificuldades para
produzir textos, eles disseram que um dos motivos para a repetência e evasão
perpassava pelas dificuldades na disciplina de língua portuguesa; quando
conseguiam ser aprovados era com média mínima, sem muito avanço no que
se refere à leitura e à escrita.

Outro aspecto que identificamos relevante é com relação à fala e à


escrita. Como sabemos, de acordo com a linguística não existe certo ou
errado na fala dos indivíduos desde que haja comunicação. Mas se
consideramos a fala produzida pelos alunos em estudo, há muitos erros. Além
de não existir coerência na sequência das ideias e coesão entre frases e
parágrafos.

Segundo os alunos entrevistados as metodologias apresentadas pelos


docentes também é outro item que não estimula gostar da escola e muito
menos aprender. Mais da metade dos entrevistados se queixa da dificuldade
enfrentada em assimilar alguns conteúdos trabalhados pelos professores.

Como afirma Arbache (2001), a educação de jovens e adultos requer do


educador conhecimentos específicos no que diz respeito ao conteúdo,
metodologia, avaliação, atendimento, entre outros, para trabalhar com essa
clientela heterogênea e tão diversificada culturalmente.

Cinco professores que lecionam nas turmas de EJAEM em estudo foram


entrevistados. Eles afirmaram que têm formação na disciplina que atuam,
mas não têm formação para trabalhar com o público EJA.
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A formação acadêmica dos professores como afirma Ireland (2009),


também é algo que pode dificultar na preparação de aulas que sejam
metodologicamente adequadas para os alunos de EJA.

Com relação às dificuldades dos alunos em produzir textos os


professores afirmaram que as dificuldades vêm de baixo, das séries iniciais.
Agora se torna difícil reverter esse quadro visto que esses alunos pensam
mais em concluir o ensino médio do que aprender a ler e escrever bem.

São muitas as dificuldades. Metodologia adotada pelos professores,


cansaço após um dia de trabalho, falta de incentivo, são exemplos de
diculdades que impedem o avanço dos estudos dos alunos de EJA, mas, as
dificuldades enfrentadas nos anos de estudos anteriores e habilidades que não
foram adquiridas nesses anos de estudos são traços bem marcantes para as
dificuldades atuais dos alunos no que se refere à leitura e à produção de
textos.

De acordo com Cagliari (1997), “é preciso deixar os alunos escreverem


textos livres, espontâneos, contarem suas histórias como quiserem. É nesse
tipo de material que vamos poder encontrar os elementos que mostram as
reais dificuldades e facilidades dos alunos no aprendizado da escrita”.

A Revista Nova Escola, de agosto de 2005, aponta como forma de obter


sucesso em turmas de EJA: “ensinar as disciplinas como elas aparecem na
vida; usar a experiência da turma como base das aulas; ampliar os horizontes
culturais dos estudantes; integrar os jovens e adultos aos demais alunos;
mostrar que a escola se modernizou”.

Como ser cultural que somos, incorporar atividades relacionadas à arte e


à cultura pode ser uma alternativa viável para estimular os alunos de EJA a
estudarem. Utilizar linguagens alternativas, como a música, o cordel e o
teatro, facilita o aprendizado, principalmente de estudantes mais velhos, que
geralmente têm mais proximidade com a cultura popular.

Neste sentido ainda, a Revista Nova Escola, de agosto de 2005, aponta


algumas ações que podem contribuir para o êxito dos alunos de EJA:

Mostrar que a atitude de voltar a estudar não deve ser motivo de


vergonha, mas de orgulho; ajudar o aluno a identificar o valor e a
utilidade do estudo em sua vida por meio de atividades ligadas ao seu
cotidiano; elaborar aulas dinâmicas e estimulantes; ser receptivo para
conversar, pois muitos vao à escola preocupados com problemas
pessoais ou profissionais; mostrar que a aula é um momento de troca
entre todos e que o saber do professor não é mais importante que o
dele; valorizar e utilizar os conhecimentos e as habilidades de cada
um. Isso pode mudar o seu planejamento no meio do caminho, mas as
aulas vão ficar mais interessantes; promover entre os colegas o
sentimento de grupo. Quando criam vínculos, eles se sentem
estimulados a participar das atividades.
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Para os adultos que não conseguiram ter um bom aproveitamento nos


anos iniciais de estudos, aprender nesta fase da vida se torna mais difícil.

CONCLUSÃO

A escrita surgiu há milhões de anos, mesmo quando não se tinha um


sistema organizado e definido. Daí a sua importância.

Aprender a ler e escrever não são práticas fáceis. A língua portuguesa é


muito complexa, com muitas regras que dificultam na hora de escrever.
Produzir textos coerentes e coesos torna-se mais difícil ainda para alunos que
não leem bem. A grafia correta é um empecilho, mas não interfere nas ideias
do texto.

Muitos alunos abandonam a escola por razões diversas e alguns


retornam a estudar em turmas de EJA para compensar o tempo perdido.

Este artigo de pesquisa investigou as turmas de EJAEM do Colégio


Estadual CAIC Jorge Amado para entender por que os alunos do 3º ano do
ensino médio têm tantas dificuldades para produzir textos escritos. As
hipóteses levantadas foram comprovadas a partir das entrevistas concedidas
pelos alunos e professores questionados sobre o assunto.

Com relação à escola pesquisada, a maioria de seus alunos tem uma


vida sofrida, não tem um emprego fixo, mas alimenta na conclusão do ensino
médio a esperança de conseguir ingressar no mercado de trabalho.

O histórico escolar dos alunos é marcado negativamente por evasões,


reprovações. Nos anos iniciais a família tem uma grande parcela de culpa por
não dá o acompanhamento necessário às crianças na escola. Com isso, a
escola, o professor e o sistema de ensino não ficam isentos de culpa.

Na EJAEM as maiores dificuldades para ler com fluência e produzir


bons textos são decorrentes das etapas anteriores que foram concluídas sem
muito êxito.

Além das dificuldades advindas de etapas de estudos anteriores, os


alunos enfrentam outros empecilhos que dificultam uma boa aprendizagem:
metodologia de ensino não compatível com alunos de EJA, visão negativa
por parte de setores da sociedade que discrimina alunos de EJA, cansaço após
um dia de trabalho exaustivo, questão financeira dos estudantes e de suas
famílias, visto que passam por muitas dificuldades. São muitas questões
desfavoráveis que levam esses alunos à falta de estímulo.

Analisando as leis que garantem o ingresso dos alunos que não


concluíram seus estudos na idade adequada, tudo é perfeito. Mas, na prática
da escola, não há atrativos suficientes para estes alunos permanecerem na
sala de aula e obterem sucesso.
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Em nosso país ainda não há uma valorização ideal para a modalidade de


ensino em EJA. Por isso é preciso rever alguns pontos deste sistema de
ensino, fazer uma auto-avaliação do que é ensinado, como é ensinado, e
também analisar e encontrar soluções para pelo menos minimizar os motivos
que têm contribuído para o fracasso escolar.

REFERÊNCIAS
ARBACHE, Ana Paula Bastos. A formação do educador de pessoas jovens
e adultas numa perspectiva multicultural crítica. Dissertação de Mestrado
(Mestrado em Educação pela Faculdade de Educação da UFRJ). Rio de
Janeiro: Papel Virtual Editora, 2001. In: EJA: uma educação possível ou
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<http://www.cereja.org.br/pdf/revista_v/Revista_SelvaPLopes.pdf>. Acesso
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Nilma Lino e SOARES, Leôncio (Orgs.). Diálogos na Educação de Jovens e
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A Evasão Escolar na Educação de Jovens e


Adultos no Povoado Priapu em Santa Luzia
do Itanhi - Se1

Neilton Falcão de Melo2


Geovania Falcão de Melo Dias3
Robson Cledson de Jesus Dias4

RESUMO
Este trabalho é fruto de uma pesquisa com professores, alunos e ex-alunos do ensino
de EJA - Educação de Jovens e Adultos - na Escola Municipal Edmar José da Cruz,
situada no Povoado Priapu, em Santa Luzia do Itanhi, Sergipe. A evasão escolar nas
turmas de EJA na escola tem sido um assunto preocupante. Este artigo tem o objetivo
de mostrar uma visão panorâmica a respeito da evasão escolar no sistema de ensino
para jovens e adultos, compreendendo os problemas e causas de abandono escolar.
Para a coleta de informações sobre o assunto foram aplicados questionários com
professores e alunos de EJA. Entre as situações que afastam os alunos da sala de aula,
a situação financeira é a principal. Os resultados desta pesquisa apontam para o fato
de que é necessário que os educadores e a equipe pedagógica formem grupos de
estudos para reverem, discutirem e melhorarem suas práticas de ensino. Esses
encontros são uma tentativa de criar alternativas e soluções através de metas e ações
eficazes para o programa da “EJA” elaborando um currículo que atenda as
expectativas e necessidades dos alunos, dando sentido significativo aos seus valores
socioculturais e históricos.
Palavras-chave: Educação. Alunos. Professores. Evasão.

1
Agência financiadora: OBSERVATÓRIO DE EDUCAÇÃO/CAPES/INEP
2
Contato do(a) autor(a): neilton_melo@hotmail.com. Licenciado em Pedagogia pela
Faculdade Pio Décimo e em Letras pela Universidade Federal de Sergipe (UFS),
Especialista em Letra Português e Linguística pela Faculdade Amadeus, Especialista
em Mídias na Educação pela UFS.
3
Contato do(a) autor(a): geovaniafalcao@hotmail.com.Licenciada em Pedagogia pela
Universidade Estadual Vale do Acaraú, Especialista em Psicopedagogia Institucional
pela Faculdade Atlântico.
4
Contato do(a) autor(a): diasrobson@ymail.com. Licenciado em Pedagogia pela
Universidade Vale do Acaraú, Especialista em Gestão Escolar pela Faculdade
Amadeus e Coordenação Pedagógica pela Faculdade Pio Décimo.
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ISSN: 2177-4072

INTRODUÇÃO
A Constituição Federal de 1988 e a Lei de Diretrizes e Base da
Educação (LDB) 9.394/96 conferem aos municípios a responsabilidade do
Ensino Fundamental e estabelece que aos sistemas de ensino cabe assegurar
gratuitamente vaga aos jovens e adultos.

O Artigo 37 da LDB garante que a educação de jovens e adultos será


destinada àqueles que não tiveram acesso aos estudos, ou continuidade deles,
nos ensinos Fundamental e Médio na idade própria. Os parágrafos desse
artigo garantem que os sistemas de ensino assegurarão, gratuitamente, aos
jovens e adultos que não puderam efetuar os estudos na idade regular,
oportunidades educacionais apropriadas, considerando as características do
alunado, os seus interesses e as suas condições de vida e de trabalho,
mediante cursos e exames – e que o poder público viabilizará e estimulará o
acesso do trabalhador à escola e a permanência nela, mediante ações
integradas e complementares entre si.

Mesmo com acesso garantido em lei, a maioria dos alunos que se


matricula nos cursos de EJA não tem permanecido na escola. A Escola
Municipal Edmar José da Cruz não foge a essa realidade. Há grande evasão;
os que permanecem não têm uma boa frequência; por outro lado, mesmo
aqueles alunos que praticamente não faltam às aulas, não conseguem obter
um bom aproveitamento nos estudos.

Dentro deste contexto sociocultural educacional que vive alunos que,


em tese, não tiveram a oportunidade de frequentar a escola na idade regular,
existem vários fatores preponderantes que interferem na permanência deles
em sala de aula.

Diante das questões apresentadas, faz-se necessário investigar as causas


e motivos que levam esses alunos a evadirem da escola e os que nela
permanecem não conseguirem resultados satisfatórios.

Essas situações são problemas que não tem uma resposta pronta. A
princípio, por que o aluno para de frequentar as aulas depois de ter tomado a
iniciativa de voltar a estudar? Essa situação nos leva a algumas hipóteses.
Será a metodologia utilizada em sala de aula que não condiz com o que o
aluno esperava? Ou será a situação econômica, o local de trabalho, que, de
repente, tornou-se um empecilho para sua continuidade? Ou ainda, a
inexistência de apoio familiar? Tudo isso perpassa por fatores internos e
externos.

Os questionamentos nos levam a refletir acerca da evasão escolar. Com


as leituras sobre o tema abordado, percebe-se que existe e persiste a demanda
de produção de conhecimento sobre a área temática EJA, pois, esse campo
tem uma longa história, entretanto não é ainda um campo consolidado nas
áreas de pesquisa, de políticas públicas e diretrizes educacionais, da formação
de educadores e intervenções pedagógicas.
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Diante das indagações, este artigo visa inicialmente conhecer o perfil


destes alunos que se encontram num processo educativo que tem como um de
seus objetivos atender às suas especificidades, e, em seguida, apresentar um
estudo sobre as possíveis causas da evasão, buscando estratégias para
resolver os problemas, e refletindo acerca da vida destes sujeitos.

Para chegar às respostas que se busca aqui, leituras sobre autores que
falam do assunto e entrevista com professores, alunos e ex-alunos de turmas
de EJA foram suportes que embasam os resultados deste trabalho.

Sobre educação de jovens e adultos, o ponto de partida deverá ser


perguntar-nos quem são esses jovens e adultos.

1 HISTÓRIA DA EDUCAÇÃO DE JOVENS E


ADULTOS NO BRASIL

Quando se fala em Educação de Jovens e Adultos se pensa em primeiro


lugar na alfabetização. Neste sentido Ireland (2009) afirma que no Brasil, a
EJA tem sido associada à escolaridade compensatória para aquelas pessoas
que não conseguiram ir para a escola quando crianças.

Os primeiros vestígios da educação de adultos no Brasil são perceptíveis


durante o processo de colonização, após a chegada dos padres jesuítas, em
1549. Estes se voltaram para a catequização e “instrução” de adultos e
adolescentes tanto de nativos quanto de colonizadores, diferenciando apenas
os objetivos para cada grupo social. Após a expulsão dos jesuítas pelo
Marquês de Pombal ocorreu uma desorganização do ensino.

Somente no Império o ensino volta a ser ordenado. Em 1910, segundo


informações do IBGE, “o direito a ler e escrever era negado a quase 11
milhões e meio de pessoas com mais de 15 anos”. Logo, alguns grupos
sociais mobilizam-se para organizar campanhas de alfabetização chamadas
de “Ligas”.

A partir de 1945, com a aprovação do Decreto nº19. 513, de 25 de


agosto de 1945, a Educação de Adultos torna-se oficial. Daí por diante novos
projetos e campanhas foram lançados com o intuito de alfabetizar jovens e
adultos que não tiveram acesso a educação em período regular. Dentre estes
podemos citar: a Campanha de Educação de Adolescentes e Adultos – CEAA
(1947); o Movimento de Educação de Base – MEB, sistema rádio educativo
criado na Conferência Nacional dos Bispos do Brasil com o apoio do
Governo Federal (1961); além dos Centros Populares de Cultura – CPC
(1963), Movimento de Cultura Popular – MCP e a Campanha Pé no Chão
Também se Aprende a Ler – CPCTAL, sendo que o primeiro estava mais
voltado para atender às necessidades de qualificação da mão-de-obra para o
setor industrial (além da necessidade de ampliar os “currais” eleitorais
mantidos pelas práticas “clientelísticas”), os demais tinham o intuito de
atender às populações das regiões menos desenvolvidas, além da
preocupação de conscientização e integração desse grupo através da
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alfabetização e utilização do sistema Paulo Freire. Porém, durante o regime


militar (1964-1985), estes movimentos e seus integrantes foram perseguidos
e reprimidos pelos órgãos do Governo Federal.

A partir de 1964, outros programas específicos foram criados para


atender a essa clientela em especial: “Fundação Mobral (1967 – 1985), da
Fundação Nacional para Educação de Jovens e Adultos – Fundação Educar
(1986 – 1990) e do Programa Brasil Alfabetizado (2003 – atual)” (SUZUKI,
2009, p. 16).

O Mobral – Movimento Brasileiro de Alfabetização, criado em 1967


(embora só inicie suas atividades em 1969) e funcionando com uma estrutura
paralela e autônoma em relação ao Ministério da Educação, reedita uma
campanha em âmbito nacional conclamando a população a fazer a sua parte:
“você também é responsável, então me ensine a escrever, eu tenho a minha
mão domável, eu sinto a sede do saber”. O Mobral surge com força e muitos
recursos.

O Mobral foi extinto em 1985, surgindo no ano seguinte a Fundação


Educar, que desempenhou um papel relevante na atuação do Ministério da
Educação junto a prefeituras municipais e setores da sociedade civil, com
destaque nos movimentos sociais e populares.

No ano de 1990, sendo este ano Internacional da Alfabetização,


aconteceu o contrário, ao invés do Governo de Fernando Collor de Mello dar
prioridade a Educação, simplesmente aboliu a Fundação Educar, sendo que
não criou nenhuma outra instância que assumisse suas funções. A partir deste
ano o Governo ausenta-se como articulador e indutor de uma política de
alfabetização de jovens e adultos no Brasil. Em 2002, no governo de Luís
Inácio Lula da Silva, foi criado o Programa Brasil Alfabetizado e das Ações
de continuidade da EJA.

Vários programas para atender jovens e adultos foram criados, mas a


história da EJA no Brasil está muito ligada a Paulo Freire. O Sistema Paulo
Freire, desenvolvido na década de 60, teve sua primeira aplicação na cidade
de Angicos, no Rio Grande do Norte. Os resultados em Angicos foram de
100% em aprendizagem. Durante 40 dias, Freire trabalhou com jovens e
adultos a partir do contexto individual de cada aluno juntando as ideias
significativas que eles possuíam, através dos objetos de trabalho para se
chegar aos códigos linguísticos, pois para ele saber falar todos tinha domínio,
o que faltava era associar à linguagem oral a complexidade dos códigos
escritos. E, com o sucesso da experiência, passou a ser conhecido em todo
país, sendo praticado por diversos grupos da cultura popular.

2 Breve Descrição do Município de Santa Luzia do Itanhi


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Fonte: santaluziadoitanhi-se.blogspot.com.br

Trata-se da povoação mais antiga de Sergipe e a suafundação coincide


com as primeiras tentativas de colonização do solo sergipano, pelos
portugueses.

Distante a 76 km da capital Aracaju,o município engloba uma área


territorial de 336,2 Km². No que se refere à sua renda per capta, visualiza-se
uma concentração, sustentando-se basicamente da economia informal com
ênfase na pesca artesanal e agricultura de subsistência.

De acordo com o censo do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística


(IBGE) realizado em 2010, Santa Luzia do Itanhi possui 12.969 habitantes.
No período do censo apenas 43,38% pessoas frequentavam a escola. Do total
de residentes, 42,48% já tinham frequentado a escola, mas não frequentavam
mais, e 14,13% nunca tinham frequentado a escola.

Ainda de acordo com o IBGE, o nível de instrução das pessoas a partir


dos 10 anos de idade tem um percentual baixo. Há no município um
quantitativo de 60,66% que corresponde a pessoas sem instrução e/ou ensino
fundamental incompleto. Somente 10,4% da população tinham ensino
fundamental completo e 5,97% possuía ensino médio completo. Apenas 0,99
da população, nível superior completo.

3 Caracterização da Escola Municipal Edmar José Da


Cruz

Foto: Neilton Falcão de Melo


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A Escola Municipal de Ensino Fundamental Edmar José da Cruz foi


criada pela Lei Municipal n° 218, de 06 de setembro de 1991. Está situada no
Povoado Priapu, em Santa Luzia do Itanhi, Sergipe. A unidade de ensino faz
parte da Rede Municipal de Ensino, estando localizada em zona rural a 8 km
da sede do município.

O nome da escola é uma homenagem ao saudoso Edmar José da Cruz.


Edmar era natural de Nossa Senhora das Dores, mas teve carreira profissional
em Santa Luzia do Itanhi, sendo secretário de saúde, vereador do município
por um mandato e delegado de polícia por vários anos.

O povoado Priapu, onde a escola está localizada, é um assentamento de


reforma agrária que inicialmente abrigou noventa famílias. Antes de ser
assentamento, a localidade era uma fazenda de criação de gado. Antes da
criação de gado, fora um antigo engenho voltado para plantação e cultivo de
cana-de-açúcar.

Com a povoação por volta dos anos 90, houve a necessidade de criação
de uma unidade de ensino. A escola construída, inicialmente só atendia
crianças do pré-escolar ao ensino fundamental menor. Devido à necessidade
em atender os alunos que concluíam o fundamental menor e atender as
comunidades que fazem parte do distrito, o nível de ensino foi ampliado para
até o último ano do fundamental maior. Inclui-se nesta oferta o ensino de
Educação de Jovens e Adultos do Ensino Fundamental I e II.

Para atender ao seu alunado, uma média anual de 240 alunos, a escola
funciona nos turnos matutino, vespertino e noturno; possui cinco salas de
aula, uma secretaria, uma sala para reuniões pedagógicas, uma quadra
poliesportiva, uma área espaçosa para recreação, uma cantina, dois banheiros
para atender os alunos e equipe de funcionários.

Com relação ao corpo docente, há um quantitativo de doze professores.


Apenas um professor ainda não tem nível superior. Todos possuem
licenciatura plena para exercício do magistério e pertencem ao quadro
efetivo. O corpo técnico administrativo é composto de um diretor, dois
coordenadores pedagógicos, um secretário, dois serventes, duas merendeiras
e um vigilante.

Para auxiliar no trabalho de sala de aula, na escola há cinco


computadores para atendimento dos alunos na área de informática e recursos
didáticos como livros, dicionários, kit de vídeo, recebimento das revistas
Escola Nova, Ciências Hoje, entre outras; recebe também recursos do Projeto
Dinheiro Direto na Escola e do Projeto Mais Educação.
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De acordo com uma lei municipal - Lei 710, de 18 de dezembro de 2006


- que trata da gestão democrática na escola, a Escola Edmar José da Cruz
possui Conselho Escolar e Eleição para Diretores. Todos os conselheiros e
diretores são eleitos pelos segmentos professores, alunos, pais de alunos e
servidores civis. Cada gestão tem duração de dois anos, podendo o eleito ser
reconduzido por mais dois anos na função, caso seja eleito.

A gestão democrática nas escolas tem sido uma luta antiga para que
todas as unidades de ensino implantem essa prática. A escola Edmar já deu
seus primeiros passos.

Educação de jovens e adultos na Escola Edmar José da Cruz


Sabemos que a educação de jovens e adultos é vista como uma forma de
alfabetizar quem não teve oportunidade de estudar na infância ou aqueles que
por algum motivo tiveram de abandonar a escola. Por consequência disso e
da necessidade que tem o ser humano de aquisição de conhecimento, faz-se
necessário uma capacitação continuada dos seres humanos em todas as fases
da vida, e não somente durante a infância e a juventude do cidadão.

Analisando os dados na educação de jovens e adultos nos anos de 2007,


2008 e 2009 no povoado Priapu percebe-se índices não desejáveis. No ano de
2007 foram matriculados em sala de EJA 34 alunos, sendo que 16 evadiram,
10 reprovaram e 08 foram aprovados. No ano de 2008 foram matriculados 30
alunos, sendo que 14 evadiram, 13 reprovaram e somente 03 foram
promovidos. Em 2009 22 alunos se matricularam - 08 evadiram, 09
reprovaram e 04 foram aprovados.

Diante dos resultados apresentados há uma enorme preocupação.


Juntando os anos de 2007, 2008 e 2009 foram matriculados 86 anos em turma
de EJA. Apenas 15 estudantes conseguiram chegar ao fim do ciclo letivo com
êxito. Esse número corresponde a 17,4%. Dos alunos matriculados 83,5 %
ficaram à margem do conhecimento.

Repetência e abandono escolar é uma realidade que se arrasta há muito


tempo e tem sido objeto de pesquisa e estudo. De acordo com Giannella Jr.
(1997):

Os brasileiros que conseguem permanecer 08 anos na escola saem de


lá com apenas 3,9 anos de escolaridade, graças aos altíssimos índices
de repetência. No Brasil, de cada 100 crianças matriculadas na 1ª série
do 1º grau, 44 repetem o ano ou abandonam a escola antes de
completar o ciclo básico de oito anos, os estudantes brasileiros levam
em média 12 anos, o que caracteriza pelo menos quatro repetências ao
longo desse período.

Os alunos de EJA da Escola Edmar não fogem ao que afirma Giannella.


O problema da evasão e da repetência escolar no nosso país e até mesmo no
nosso município tem sido um dos maiores desafios enfrentados pelas redes
do ensino público. Se levarmos em conta a média anual gasta por aluno, são
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muitos bilhões jogados fora todos os anos com aqueles que não conseguimos
levá-los ao êxito escolar.

4 Resultados e Discussões
Nos relatos que apresentaremos preferimos usar apenas letras iniciais
para representar os personagens entrevistados. A aluna M de 22 anos, do
quarto ano, nos conta que encontrou dificuldade em seu primeiro dia de aula
quando o professor fez um ditado de palavras que ela não conseguia
acompanhar, ficando frustrada por não conseguir escrever o que o professor
falava, decidiu não voltar mais à escola. Segundo M, fazia mais ou menos
oito anos que ela não estudava, saiu da escola por ter se casado e passou a
dedicar mais do seu tempo à família.

A metodologia trabalhada pelo professor foi um afronto à aluna. O ex-


aluno J, relatou que saiu da escola porque precisava trabalhar e chegava em
casa cansado do trabalho, e que as aulas não eram atrativas e muitas vezes
dormia na sala durante um período da aula. Perguntamos a ele se achava
importe estudar – ele respondeu que não via tanta importância já que na
comunidade algumas pessoas tinham concluído o ensino médio, mas não
conseguiram emprego fixo e viviam na mesma situação que ele.

Depois de um dia cansativo, aulas não podem ser desinteressantes. O


aluno A de 32 anos, respondeu que não tinha muito interesse em continuar
estudando por muito tempo, que estudar não é um meio de arrecadar dinheiro
para o sustento da família, que o cansaço depois de um dia de trabalho não o
deixava compreender os conteúdos, que o tempo de estudar já passou e que
velho não aprende mais nada. O aluno B do programa, declarou que todos os
anos sai da escola por causa da colheita do café em Minas Gerais, que vai
ganhar dinheiro para poder comprar roupas, sapatos e outro objetos, o estudo
fica para quando tiver sem trabalhar, pois estudar não dá dinheiro para ele.

Sem dinheiro e sem emprego fica difícil estudar. A aluna C afirmou que
tem muita vontade de continuar estudando, mas precisa trabalhar para
sustentar sua família. A aluna falou que gosta da escola, dos professores, mas
o trabalho tem sido mais importante no momento; que estudar é para os mais
ricos e que os pobres têm muitas dificuldades em formar os filhos; que o que
interessava na verdade para ela era ler e fazer contas para vender na feira.
Perguntada sobre o que acha de ser professor, a aluna disse que os
professores em sua maioria ganham pouco e não têm condições de terem uma
formação adequada, que a profissão de professor é muito desrespeitada, não
compensa estudar tanto e ter um salário baixo.

A classe de professores em geral também reclama de sua desvalorização


financeira. Ouvindo o professor de EJA do primeiro ciclo (que corresponde
do 1º ao 5º ano), ele nos disse que os alunos não têm muito estímulo para
estudar, têm muitas dificuldades e que faltam bastante. Um professor do
segundo ciclo relatou que muitos alunos não têm facilidade para escrever e
também leem com dificuldade. Sobre os alunos que indagamos, perguntamos
aos professores sobre os seus comportamentos. O professor disse que a aluna
M era calma, tímida e tratava-se de uma pessoa que tinha uma vida sofrida.
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Sobre o segundo aluno entrevistado, detectamos que todos os anos ele faz a
matrícula, mas desiste sempre nos primeiros meses de aula, sem falar da
frequência que sempre foi baixa.

São muitas as dificuldades. Metodologia adotada pelos professores,


cansaço após um dia de trabalho, falta de incentivo, são exemplos de
dificuldades que impedem o avanço dos estudos dos alunos de EJA, mas, a
situação econômica dos alunos é a que mais contribui para o abandono da
sala de aula, visto que todos são trabalhadores rurais que não têm um trabalho
fixo e que batalham todos os dias em trabalhos árduos para buscarem o
sustento da família.

Quem se matricula em uma sala de EJA praticamente tem a autoestima


baixa. O estudante sente vergonha de nunca ter estudado ou de ter parado de
estudar há muitos anos e medo do ridículo e do desconhecido. Sem contar o
cansaço e as preocupações que só os adultos têm, como pagar as contas ou
educar os filhos.

Com relação à preparação para trabalhar com a EJA, Ireland (2009)


afirma que:

Existem professores bem preparados para educar jovens e adultos,


mas na maioria dos casos, os educadores desse público são
improvisados e não têm preparo específico para atender esse público.
Segundo ele menos de 2% dos cursos de pedagogia oferecem
formação específica para esse fim.

Vê-se que para evitar a evasão na EJA e consequentemente alcançar


sucesso, é preciso que se observe o que afirma Arbache (2001): “a educação
de jovens e adultos requer do educador conhecimentos específicos no que diz
respeito ao conteúdo, metodologia, avaliação, atendimento, entre outros, para
trabalhar com essa clientela heterogênea e tão diversificada culturalmente”.

A princípio, o modelo de escola que a maioria guarda na memória é de


salas com carteiras enfileiradas, quadro-negro, giz, livro, caderno e um
professor – que fala o tempo todo e passa tarefas.

A Revista Nova Escola, de agosto de 2005, aponta ações que podem


contribuir para o êxito dos alunos de EJA:

Mostrar que a atitude de voltar a estudar não deve ser motivo de


vergonha, mas de orgulho; ajudar o aluno a identificar o valor e a
utilidade do estudo em sua vida por meio de atividades ligadas ao seu
cotidiano; elaborar aulas dinâmicas e estimulantes; ser receptivo para
conversar, pois muitos vão à escola preocupados com problemas
pessoais ou profissionais; mostrar que a aula é um momento de troca
entre todos e que o saber do professor não é mais importante que o
dele; valorizar e utilizar os conhecimentos e as habilidades de cada
um. Isso pode mudar o seu planejamento no meio do caminho, mas as
aulas vão ficar mais interessantes; promover entre os colegas o
sentimento de grupo. Quando criam vínculos, eles se sentem
estimulados a participar das atividades.
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O aluno de EJA, vê na escola uma forma de libertar-se da vida árdua


que enfrenta dia a dia. Fatores externos ao espaço escolar e os atrativos da
sala de aula são o que o afasta. Cabe à escola alimentar o sonho libertário de
quem dela participa utilizando práticas que garantam a matrícula e a
permanência desse aluno na sala de aula e consequentemente o sucesso. Para
Arroyo (1997) o ponto de partida deverá ser perguntar-nos quem são esses
jovens e adultos.

CONCLUSÃO
A história da educação de jovens e adultos vem desde o período da
colonização. Porém, mesmo após a garantia do acesso à escola em lei, a
maioria dos alunos que participam desta modalidade de ensino não tem
alcançado sucesso.

Este artigo de pesquisa procurou entender por que os alunos que


frequentam as turmas de EJA da Escola Municipal Edmar José da Cruz
evadem tanto e não obtém sucesso. As questões usadas para entender os
porquês para a evasão escolar deram margens para responder as hipóteses
levantadas.

Com relação à escola pesquisada, a população do povoado é formada


por pessoas pobres, de baixa renda, que vivem da agricultura. Cada um luta
pela sua sobrevivência e que muitas vezes tem que se deslocar para outros
municípios e estados à procura de trabalho para o seu sustento, deixando
assim os estudos em último plano. As causas de evasão e repetência variam
por vários motivos: cansaço após um dia de trabalho exaustivo, falta de
estímulo por não ter um trabalho fixo, falta de atrativo da escola, metodologia
de ensino, desestruturação da família e falta de incentivo para continuação
dos estudos; mas o maior empecilho é a questão financeira dos estudantes.

Diante das diversas situações presenciadas e analisadas e estudadas, foi


possível conhecer um retrospecto histórico da educação de jovens e adultos
no Brasil e o perfil dos alunos de EJA da escola pesquisada. Na prática, a
escola não tem proporcionado atrativos a estes alunos para permanecerem na
sala de aula, mas sim, um ambiente que representa o seu fracasso enquanto
aluno. Em nosso país ainda não há uma valorização ideal para esta
modalidade de ensino.

Por isso, é preciso rever alguns pontos deste sistema de ensino para
jovens e adultos, que necessita de uma alta avaliação tanto entre as
metodologias aplicadas, como também os motivos que estão contribuindo
para o crescimento da repetência e evasão escolar.

REFERÊNCIAS
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e adultas numa perspectiva multicultural crítica. Dissertação de Mestrado
(Mestrado em Educação pela Faculdade de Educação da UFRJ). Rio de
Janeiro: Papel Virtual Editora, 2001. In: EJA: uma educação possível ou
Grupo de Estudos e Pesquisa
II Seminário Nacional de Alfabetização e Letramento Alfabetização, Discurso e Aprendizagens
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mera utopia? Disponível em:


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<http://pt.wikipedia.org/wiki/Santa_Luzia_do_Itanhy: Acesso em 31 ago.
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SUZUKI, Juliana Telles Faria. Tecnologias em educação: pedagogia. In:
SUZUKI, Juliana Telles Faria; RAMPAZO, Sandra Reis (Orgs.). Educação
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Brasil, 2009. Disponível em : <http://www.artigonal.com/educacao-
artigos/educacao-de-jovens-e-adultos-eja-n0-brasil-1046328.html>. Acesso
em: 27 ago. 2011.
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Oralidade e Escrita na Prática Escolar
ISSN: 2177-4072

Análise do Contexto Educacional da


Educação de Jovens e Adultos (EJA)

Priscila Dantas Fernandes1

Kecia Karine Santos de Oliveira2

.
RESUMO
A educação destinada a jovens e adultos que não tiveram acesso em idade própria
e/ou reintegrar os que não concluíram é um dos papéis da Educação de Jovens e
Adultos (EJA). No entanto, para que isso ocorra é necessária uma formação específica
por parte dos professores como também entender como se procede esse segmento de
ensino. Com isso, o presente artigo tem como objetivo eleger uma avaliação sobre o
perfil dos alunos e professores que fazem parte do contexto da Educação de Jovens e
Adultos, bem como das aulas ministradas. O procedimento metodológico utilizado foi
observação de duas salas de aulas de EJA, em cidades distintas, bem como aplicação
de entrevistas com os alunos e professores. A análise se propôs abordar a
contextualização e descrição dos dados obtidos, fazendo um diagnóstico dos alunos
entrevistados e das aulas observadas. Desta forma, a formação dos alunos de EJA
deve visar uma capacitação tendo em vista o desenvolvimento não somente
intelectual, mas cognitivo, social e político.

Palavras-chave: Educação de Jovens e Adultos. Ensino. Formação.

1
Contato do(a) autor(a): prifernandes_17@yahoo.com.br. Mestranda em Ensino de
Ciências e Matemática (NPGECIMA) pela Universidade Federal de Sergipe.
2
Contato do(a) autor(a): keciakarine@hotmail.com. Graduada em Pedagogia pela
Universidade Federal de Sergipe.
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INTRODUÇÃO

O presente artigo tem como objetivo eleger uma avaliação sobre o perfil
dos alunos e professores que fazem parte do contexto da Educação de Jovens
e Adultos, bem como das aulas ministradas. A educação destinada a jovens e
adultos que não tiveram acesso em idade própria e/ou reintegrar os que não
concluíram é um dos papéis da EJA. No entanto, para que isso ocorra é
necessária uma formação específica por parte dos professores como também
entender como se procede esse segmento de ensino.

Partindo do pressuposto que os alunos que frequentam a EJA são


pessoas que, segundo Miguel Arroio (1997) são excluídas pela sociedade e é
por esta razão que o professor deve ter a sensibilidade de identificar o
potencial de cada aluno. Desta forma, o papel do educador é de suma
importância para o reingresso desse aluno no ambiente escolar. Mas será que
os profissionais da EJA estão capacitados para atuar e enfrentar as diversas
realidades trazidas pelos alunos?

Primeiramente, deve-se ter em mente que a escola não é o único


lugar que se aprende e que o aluno traz o seu conhecimento de mundo para
dentro da sala de aula. Por esta razão é que Paulo Freire (1996) propõe os
Temas Geradores os quais são extraídos da prática de vida dos educandos.

Desta forma, Paulo Freire (2009) nos fornece três momentos


importantes para se trabalhar com os alunos de EJA. O primeiro momento é a
investigação temática, onde o professor fará um Estudo da Realidade, através
de entrevistas. Estas servirão para registrar as palavras do universo vocabular
dos alunos a fim de extrair palavras geradoras que irão compor os Temas
Geradores, como também os conteúdos a serem dados.

No segundo momento, acontecerá a tematização. Depois de


selecionar as palavras geradoras, o professor irá montar junto com sua
respectiva ilustração a fim de que os alunos aprendam a codificar e
decodificar essas palavras. No último momento ocorrerá a problematização,
visto que o aluno irá transformar sua visão ingênua dos fatos, para vê-la com
uma visão mais crítica.

Desta forma, a fim de alcançar o objetivo do artigo o procedimento


metodológico utilizado foi através de fonte bibliográfica por ser embasado na
literatura de alguns autores como Paulo Freire (1996; 2009), Miguel
Gonçalves Arroio (1997) e dentre outros. Usamos também o método da
coleta de dados, empregando instrumento como as entrevistas e a observação
das aulas dadas.

A partir desse embasamento teórico, entrevistamos professores e alunos,


e observamos uma aula para sabermos se a teoria condiz com a prática. Como
também, saber um pouco sobre a realidade de alunos que não frequentaram a
escola ou tiveram que parar, e do professor, como ele pratica sua docência
neste ensino destinado a esses educandos.
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1 Observação de duas salas de aulas de EJA

Contextualização e descrição dos dados obtidos

A fim de podermos comparar os dados, fizemos duas visitas, ambas do


Programa Sergipe Alfabetizado3, mas são situadas em lugares diferentes. A
primeira foi em Aracaju, a aulas acontecem em uma Igreja Evangélica. O
professor, que se disponibilizou para nossa pesquisa, chamaremos de
Professor A, de 21 anos, cujo foi sua primeira experiência na docência,
ficando então, na Educação de Jovens e Adultos.

A segunda foi na Escola Municipal em Frei Paulo. O professor


entrevistado chamaremos de Professor B, que tinha 30 anos e trabalhava com
Jovens e Adultos a seis meses, sendo nesta modalidade de ensino, a sua
primeira experiência, já que suas experiências anteriores foram com
educação infantil.

A pesquisa foi realizada com os participantes do Projeto


Sergipe Alfabetizado de responsabilidade do Governo do Estado de Sergipe,
com aulas de segunda a quinta e com duas sextas-feiras letivas durante o mês,
partir das 18:30 até as 21:00. Dividiremos a análise em duas etapas.

2 Análise 1 : Aracaju

Com relação ao perfil dos alunos sobre sua profissão, constatamos


que alguns eram aposentados, pedreiros e outras secretárias domésticas,
recebiam um ou dois salários mínimos por mês. A maioria era católica e
estudaram até a antiga 4ª série (5ºano).

Segundo o gráfico abaixo, o número total de alunos matriculados


eram 19, sendo quinze mulheres (entre 18 a 70 anos) e quatro homens (23 a
60 anos). Mas no dia da observação da aula estavam dez mulheres e somente
um homem.

3
Foi implantado pela Secretaria de Estado da Educação de Sergipe com a
finalidade de reduzir as taxas de analfabetismo no Estado, por meio de uma
metodologia diversificada, visando atender a população pouco ou não
alfabetizada de diferentes segmentos sociais que estejam em situação de
exclusão ou de extrema vulnerabilidade social. O seu público alvo são jovens
e adultos, conforme faixas etárias, de 15 a 29 anos e acima de 29 anos.
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Alunos matriculados

21%

79%

Feminino

Masculino

O professor A era estudante de Habilidades em Artes Visuais da


Universidade Federal de Sergipe. Relatou que nunca teve a experiência de
lecionar uma aula, apesar disto, confessou que gostava do que fazia e
pretendia conciliar a exposição de suas obras com a docência. Descreveu que
recebeu uma capacitação de quatro dias e ao longo do contrato de oito meses
ele tiveram mais oito capacitações continuada. A única dificuldade narrada
pelo educador foi que alguns alunos necessitavam de óculos, o que
dificultava um pouco, já que as aulas eram ministradas a noite.

3 Análise 2: Frei Paulo


A renda parcial dos alunos era de um salário mínimo, pois a
grande parte é trabalhador rural ou diarista. Sobre a religião constatamos a
presença de um evangélico e os demais eram católicos.

Alunos matriculados

47% 53%

Femininos

Masculinos
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A turma atendia a quinze pessoas, de idade entre 24 e 75 anos, sendo a


maioria mulheres, como mostra o gráfico acima, sendo oito no total e sete
homens. Quando fomos observar a aula, tinham seis mulheres e quatro
homens. Segundo o professor B, a frequência maior era de mulheres, visto
que os homens, a maioria trabalhava na roça, chegavam à noite e por isso,
preferiam descansar, a ir às aulas.

O professor B era formado em Pedagogia, porém não tinha


formação específica para atuar em Educação de Jovens e Adultos. Esta foi
sua primeira experiência, já que anteriormente trabalhou com crianças na
educação infantil. As principais dificuldades relatadas por ele foram com
relação ao cansaço físico e mental dos alunos, sendo mais difícil estimular o
aprendizado e o número de faltas ocorridas durante o curso. Esclareceu
também que o professor de EJA deve ser devidamente capacitado para o
cargo, pois é “totalmente diferente de ensinar para o ensino regular”.

Para ele, as aulas de EJA deveriam sair mais do tradicional – quadro


e giz – e proporcionar aos alunos uma aula mais ativa já que eles trazem todo
o cansaço para dentro da sala de aula e se não deixar o ensino mais dinâmico,
este não estimulará para o processo de ensino-aprendizagem.

4 Alunos entrevistados

O ensino oferecido pela modalidade EJA foi um pouco distinto do


ofertado pelo ensino regular, tanto por causa dos educandos atingidos, como
pela realidade diferenciada. Segundo o Parecer CEB 15/98, as características
dos estudantes dessa modalidade:

[...] são adultos ou jovens adultos, via de regra mais pobres e com vida
escolar mais acidentada. Estudantes que aspiram a trabalhar,
trabalhadores que precisam estudar, a clientela do ensino médio tende
a tornar-se mais heterogênea, tanto etária quanto
socioeconomicamente, pela incorporação crescente de jovens adultos
originários de grupos sociais, até o presente, sub – representados nessa
etapa da escolaridade.

Mediante a esta análise dos educandos, entrevistamos dois alunos a


fim compararmos com a realidade. A aluna de Aracaju possuía 63 anos, e nos
que frequentou a escola até a terceira série e que precisou abandonar os
estudos por que era forçada a trabalhar com os pais na roça. Outro relato
curioso citado por ela foi o fato do pai sempre mencionar que ela não deveria
aprender a escrever para não ficar trocando cartas com namorados.

Segundo a aluna, no que diz respeito à utilização de livros e jornais,


contou que nunca teve acesso a eles enquanto mais nova, pois o pai era muito
rígido, “se eu pegasse era uma porrada!”, e que hoje ela se sente feliz em
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poder ter esse acesso, mesmo que com algumas restrições. Como ela não
sabia ler e escrever nem seu próprio nome comentou sobre a dificuldade de
pegar ônibus, assinar documentos, dentre outros. Conseguir hoje realizar
essas coisas, ainda com um pouco de dificuldades, mas sozinha, é algo que a
alegra muito.

Já o aluno do município de Frei Paulo, de 59 anos, relatou que nunca


havia frequentado a escola antes, pois trabalhou desde pequeno com o pai e
nunca teve a oportunidade de estudar. Não tinha acesso a livros, jornais,
revistas, e que sempre solicitava a ajuda de outras pessoas para ler
informações importantes para ele. Contou-nos que é trabalhador rural e que
sempre desejou se alfabetizar pela vontade de escrever seu próprio nome.

Apesar de ambos terem tido uma alfabetização um pouco tardia, eles


possuem visão de futuro diferenciada. A aluna de Aracaju deixou claro, na
entrevista, que deseja sim dar continuidade aos estudos, não descartando a
possibilidade de ainda conseguir cursar a faculdade. Entretanto, o aluno de
Frei Paulo, não pretendia dar continuidade aos estudos, estando satisfeito em
cumprir essa primeira etapa que para ele era o suficiente.

5 Análise das aulas observadas

O caderno de Orientações Pedagógicas para as classes de EJA, criado


pelo Ministério da Educação (MEC) em 2001, intitulado “Trabalhando com
Educação de Jovens e Adultos: Alunos e Alunas de EJA” ressalta que,

O papel do(a) professor(a) de EJA é determinante para evitar situações


de novo fracasso escolar. Um caminho seguro para diminuir esses
sentimentos de insegurança é valorizar os saberes que os alunos e
alunas trazem para a sala de aula. O reconhecimento da existência de
uma sabedoria no sujeito, proveniente de sua experiência de vida, de
sua bagagem cultural, de suas habilidades profissionais, certamente,
contribui para que ele resgate uma auto-imagem positiva, ampliando
sua auto-estima e fortalecendo sua autoconfiança (BRASIL, 2001, p.
18-19).

Neste contexto, em uma das aulas observadas da turma de Aracaju o


tema abordado pelo professor A fazia parte dos conteúdos de português. O
objetivo central da aula era aguçar o aluno a desenvolver um pequeno texto
levando-o a conhecer novas palavras. O professor havia separado 50 palavras
que não são comuns no cotidiano vivido pelo aluno, e distribuiu entre eles.
Logo em seguida, entregou-lhes um texto, com uma temática já discutida em
aulas anteriores. O aluno, então, teria como função encaixar as palavras no
texto. Para auxiliar os alunos o professor contava com a presença de um
dicionário, caso o aluno desconhecesse o significado da palavra.
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Já em uma das aulas observadas em Frei Paulo tinha como tema “A


importância dos documentos”, com a finalidade de esclarecer aspectos
contidos nos documentos que são desconhecidos por eles. A metodologia
utilizada foi aula expositiva, contanto com um material de apoio, a exposição
de alguns documentos da própria professora. Percebe-se que os alunos trazem
a vivência de mundo deles para dentro da escola, socializando-se com eles
mesmos e com a professora.

Desta forma, percebeu-se que quando o professor levava atividades


que faziam parte do cotidiano dos alunos, em que estes percebiam a utilidade
do que eles aprendiam na escola, na vida deles, os educandos se interessavam
mais pelas aulas, diminuindo assim, a evasão escolar e aumentando o desejo
em aprender.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A partir das análises dos dados acima relatados, destacaremos alguns


aspectos. No que diz respeito aos perfis dos alunos, percebeu-se que havia
predominância de mulheres e que a maioria possuía renda inferior a dois
salários mínimos.

Com relação às aulas observadas, constatamos que a maioria remetia


ao método de Paulo Freire, no qual o professor, neste caso Professor A,
desenvolvia momentos que provocava o aluno a desenvolver um pequeno
texto, levando-o a conhecer novas palavras. Já o Professor B, mostrava aos
alunos a importância de documentos, identificando os nomes e números.
Ambas as aulas a relação de professor-aluno e aluno-aluno era de interação e
dialogicidade.

Verificamos que os professores alvos da análise, eram de formações


bastante diferentes. Um era graduando de Habilidades em Artes Visuais,
tinha 21 anos e não havia tido experiência em sala de aula. O outro tinha 30
anos e era formado em Pedagogia, tendo já experiência com criança antes,
mas não com jovens e adultos em fase de alfabetização. Porém, ambos
receberam capacitação de quatro dias e ao longo do contrato de oito meses
eles têm mais oito capacitações continuada.

No que diz respeito aos alunos mencionados, constatamos perfis e


visões para o futuro distintas. Um nunca teve acesso a livros e jornais, não
porque ela não queria, mas o pai não dava liberdade para ela utilizar esses
meios. O outro, nunca frequentou a escola porque começou a trabalhar cedo,
pois tinha que ajudar o pai a dar sustento para a família.

Os dois alunos relatam sobre as dificuldades encontradas por não


saber ler e escrever. Hoje, eles conseguem escrever o nome deles e isso é de
uma felicidade sem igual. Mas um comenta que deseja sim dar continuidade
aos estudos e quem sabe conseguir cursar a faculdade, enquanto o outro não
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pretende dar continuidade aos estudos, estando satisfeito em saber escrever


seu nome.

Enfim, a formação dos alunos de EJA deve visar uma


capacitação tendo em vista o desenvolvimento não somente intelectual, mas
cognitivo, social e político. No entanto, o profissional desta área, muitas
vezes, não está altamente capacitado para que tal desenvolvimento aconteça
de maneira agradável tanto para o aluno quanto para o professor. Desta
forma, pode-se concluir que a EJA é uma iniciativa correta sim, porém, para
isso, os envolvidos neste sistema de ensino devem está devidamente
habilitados.

REFERÊNCIAS

ARROYO, Miguel G. Escola coerente à Escola possível. São Paulo:


Loyola, 1997
ARROYO, Miguel. A educação de jovens e adultos em tempos de
exclusão. Revista de Educação de Jovens e Adultos, São Paulo, n.11, abr.
2001.
BRASIL, Ministério da Educação e do Desporto. Secretaria de Educação
Fundamental. Trabalhando com educação de jovens e adultos: alunos e
alunas de EJA. Brasília: MEC/SEF, 2001.
FEITOSA, Sonia Couto Souza. O método Paulo Freire: princípios e
práticas de uma concepção popular de educação.
FREIRE, Paulo. Educação como prática da liberdade. 26 ed. Rio de
Janeiro-RJ: Paz e Terra, Reimpressão 2009.
_______________. Pedagogia da autonomia: saberes necessários à prática
educativa/ Paulo Freire. São Paulo: Paz e Terra, 1996 (coleção Leitura)
LOPES, Selva Paraguassu & SOUSA, Luzia Silva. EJA: uma educação
possível ou mera utopia?
LOPES, Maria Gorete Rodrigues de Amorim. A especificidade do trabalho
do professor de educação de jovens e adultos.
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Prática de Letramento no PROEJA:


perspectivas para o trabalho docente na EJA.

Marileide Andrade de Jesus Rocha1

Joelma Carvalho Vilar2

RESUMO
O presente artigo pretende discutir a questão do trabalho pedagógico em classes de
jovens e adultos, com ênfase nas atividades de letramento. A pesquisa é realizada no
Curso Técnico Profissional em Desenho da Construção Civil Integrado ao Ensino
Médio na Modalidade de Jovens e Adultos – PROEJA, no Instituto Federal de
Educação de Sergipe– IFS, Campus de Lagarto. A metodologia de pesquisa se assenta
nos seguintes técnicas de pesquisa: observação, realização de entrevistas e aplicação
de questionário. A participação e assistência às atividades de oralidade, envolvendo a
leitura e a escrita demarcam estratégias fundantes da pesquisa. As riquezas das
possibilidades pedagógicas para o PROEJA nas aulas de português, através da
valorização dos saberes e dos falares discente; a participação do aluno jovem e adulto
em seu próprio projeto pedagógico de formação na instituição; e os desafios e
perspectivas docentes no PROEJA são ideias motrizes nesse estudo. O artigo destaca
que a diversidade e especificidade presente na sala de aula do PROEJA ao invés de
ser considerado um obstáculo, pode representar um caminho para realização de
práticas pedagógicas emancipatórias que ajudem ao aluno trabalhador a familiarizar-
se aos saberes escolarizado.

Palavras-chave: PROEJA. Educação de Jovens e Adultos. Práticas pedagógicas.


Oralidade.

1
Contato do(a) autor(a): marileide.andrade@cefetse.edu.br. Especialista. Instituto
Federal de Sergipe.
2
Contato do(a) autor(a): joelmavilar@hotmail.com. Doutora em Educação.
Universidade Federal de Sergipe.
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INTRODUÇÃO

Os estudos sobre o ensino da Língua Portuguesa têm demonstrado os


avanços no entendimento das questões de comunicação interpessoal e suas
formas de realização no ambiente escolar. Considerando a especificidade das
práticas de Letramento na escola, pretendemos investigar a presença da
oralidade trazida pelos alunos do Instituto Federal de Educação de Sergipe-
IFS, especificamente do Curso Técnico em Desenho da Construção Civil
Integrado ao Ensino Médio na Modalidade – PROEJA no Campus Lagarto.

Os alunos do curso supracitado estão na faixa etária de 18 a 35 anos e


abandonaram a escola muito precocemente, entre outras razões, por
necessidade de trabalhar para contribuir com a renda de suas famílias; são
filhos de pais que também não tiveram acesso aos processos de escolarização.
Tais alunos, depois de muitos anos fora do ambiente escolar, reingressaram
na escola com a perspectiva de melhorar sua condição de vida, com especial
interesse nos processos de profissionalização que oferece o IFS.

A maior parte dos alunos vive na zona rural do município de Lagarto e


estão inseridos no mundo do trabalho. Alguns realizam labores braçais nos
sítios de familiares ou prestam serviços assalariados em terras de terceiros.
Outros realizam trabalhos informais na sede distrital do município de
Lagarto. Tais alunos trazem para a instituição de ensino as mais variadas
marcas de suas vidas pessoais e profissionais. Estas marcas presentes na
linguagem denotam um acúmulo de cultura e saberes que construíram ao
longo de suas vidas.

Especificamente ao que tange aos processos de letramento, os alunos da


educação de Jovens e Adultos PROEJA trazem consigo saberes próprios da
oralidade, adquiridos nas inter-relações de comunicação, nas experiências
dialógicas com os outros sujeitos sociais. Suas falas revelam o que pensam e
como pensam, demonstram suas experiências e os múltiplos significados
atribuídos a cada situação vivida (LEAL, ALBUQUERQUE, MORAIS,
2010; SOARES, 2008a; TFOUNI,1988).

O estudo aqui apresentado revela que o aluno do PROEJA tem um perfil


com características próprias, diferenciadas dos demais aprendizes do ensino
regular, seja pela questão geracional, seja pelas experiências sociais
acumuladas, ou ainda pela forma de produção econômica e cultural da
própria vida.

O artigo apresenta a questão da oralidade, presentes nos processos de


aprendizagem vivenciados pelos alunos, destacando as riquezas culturais e
saberes próprios desses jovens e adultos que estão frequentando o IFS. O
texto se desenvolve a partir do eixo temático Dimensões Pedagógicas do
PROEJA, tratando da metodologia no espaço da sala de aula, tocando na
questão da oralidade, da leitura e da escrita.

1 METODOLOGIA
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O estudo foi realizado no Instituto Federal de Sergipe, Campus Lagarto,


localizado no Povoado Carro Quebrado, zona rural da cidade de Lagarto, no
curso de Desenho de Construção Civil – PROEJA, durante o período de
março a junho de 2011. Foram desenvolvidas como estratégias
metodológicas: entrevista, observação e questionário.

Entrevista: Foi realizada entrevista com professores, funcionários e


alunos do IFS Lagarto. Com os professores e funcionários têm-se a intenção
de conhecer as concepções sobre a oralidade e os saberes discentes e
identificar a forma de tratamento dessas questões dentro e fora da sala de
aula. Com os alunos tem-se a pretensão de captar os modos como se veem
nesse processo de formação que envolve invariavelmente a linguagem oral.

Observação: Foi realizada nas turmas do 1º e 3º Ano do curso de


Desenho de Construção Civil – PROEJA. A escolha das turmas deveu-se a
necessidade de identificar as marcas da oralidade dos alunos recém-ingresso
na instituição e dos que já sofreram influência do ambiente escolar, além de
observar como está sendo trabalhada, desde uma perspectiva pedagógica, a
oralidade em sala de aula.

Questionário: Foi aplicado aos alunos do curso para construir o perfil


do grupo de alunos do PROEJA, abordando os seguintes aspectos: idade,
gênero, ano de conclusão do ensino fundamental, objetivos de ingresso no
PROEJA e intencionalidade educativas e formativas.

Oficina: Foi realizada oficina pedagógica com os alunos das turmas do


1º e 3º Ano do curso de Desenho de Construção Civil – PROEJA,
envolvendo os eixos oralidade, leitura e escrita. Os estudantes realizaram
atividades de debate, de leitura e de escrita a partir de diferentes gêneros
textuais.

2 ANÁLISE E DISCUSSÃO

Dimensões metodológicas em sala de aula do PROEJA

As questões metodológicas ganham destaque nesse estudo, pois são as


práticas docentes que iniciam o aluno no diálogo com os saberes científicos
consagrados pela humanidade e transmitidos pela escola. No PROEJA os
alunos reconhecem seus direitos e defendem uma educação com qualidade,
na sala de aula indicam a necessidade de melhor adequação dos métodos de
ensino às especificidades do aluno adulto e trabalhador. Os alunos afirmam
que as práticas metodológicas de ensino para o PROEJA são de difícil
compreensão e não respeitam os níveis de aprendizagem do grupo. As
palavras de um estudante sobre a forma de ensino é exemplificadora: “A
forma de trabalhar deve ser a forma que a gente tem de entender.” As
queixas dos alunos estão no fato do professor não usar uma linguagem
acessível para eles, adicionado a uma pressa de cumprir os conteúdos
programados.
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Uma questão pedagógica que se coloca no PROEJA é a ausência de um


diagnóstico do que os alunos sabem sobre a linguagem. Os alunos jovens e
adultos possuem conhecimentos tácitos e válidos porque são construídos nas
experiências de comunicação com outras pessoas (LEAL, ALBUQUERQUE,
2006), e esses conhecimentos não são devidamente valorizados no trabalho
de ensino. Nota-se uma ênfase em destacar o que o aluno não sabe e uma
carência acerca do conhecimento das ideias e hipóteses que os alunos
construíram a cerca do sistema linguístico. Verifica-se, portanto, uma falta e
valorização do que os alunos sabem e isso poderia ser a base para o trabalho
pedagógico no PROEJA com muita qualidade.

Dentre as dificuldades de aprendizagem e do processo de escolarização


apontadas pelos estudantes do PROEJA a mais destacada é a leitura, os
alunos revelam que apreciam a leitura, mas sentem dificuldade em entender
conteúdos morfológicos e estruturas sintáticas de maior complexidade. De
maneira autobiográfica um aluno destaca: “o aluno gosta de ler, mas tem
palavras que a gente não entende” (Estudante do PROEJA). A importância
da leitura é destacada por todos os alunos participantes da pesquisa. Algumas
falas são comuns: “Todos que leem muito fazem concurso e se dão bem”
(Estudante do PROEJA).

Os alunos destacam a disciplina Língua Portuguesa como a responsável


por estimular o prazer de ler, esta é considerada por muitos como a disciplina
mais importante pra se aprender. Um aluno diz: “A língua Portuguesa é a
única responsável por aprender” (Estudante do PROEJA). Apesar da
importância ressaltada a pesquisa indica que os alunos do PROEJA sentem
dificuldade na aprendizagem da Língua Portuguesa “Não me dou bem na
língua portuguesa”, afirma um Estudante do PROEJA.

Entre os alunos evidencia-se, no campo de leitura, o gosto pela leitura


virtual, com suas velozes estruturas midiáticas, prenhes de imagens, ícones e
sons. Em nossa avaliação essa preferência não reforça desmotivação pela
escrita oficial, mas reduz o hábito da prática significante da palavra escrita
convencional.

“A escrita é um sistema modelar secundário dependente da fala, um


sistema primário anterior – a linguagem falada” Ong (1998, p.16). A
escrita, registro da palavra, estende continuamente como representante de
força da linguagem, e reestrutura o pensamento e, nesse processo, converte os
dialetos em “grafoletos” (HAUGEN, 1996; HIRSH, 1977, pp.43-48 apud
ONG,1998, p.16). Um grafoleto é uma língua transdialética formada por uma
prática da escrita. Esta confere ao grafoleto um poder maior do que o
possuído por um dialeto puramente oral.

A escrita é de fato uma modalidade da língua, de domínio da elite


“letrada”. A língua deve cumprir o papel de interação entre os grupos
falantes, e impor essa categoria da “escrita” para os menos favorecidos, é de
certa forma uma agressão. O que a escola do PROEJA precisa aprender é que
a linguagem presente nela é a linguagem das classes favorecidas e que é
preciso articular a gramática internalizada dos alunos à linguagem padrão.
(POSSENTI, 1997).
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É finalidade do português padrão trabalhado na escola socializar,


equacionar e possibilitar ao educando do PROEJA a interação dos saberes
adquiridos em sua experiência da vida com o atual currículo da Educação
Profissional (Brasil, 2007). O uso da gramática normativa em sala de aula
está notadamente presente na sala de aula do PROEJA, realizam-se
comumente atividades de produção de texto.

A oralidade do aluno do PROEJA é rica, e através da linguagem foi


possível matizar a identidade do povo de Lagarto, na prática de linguagem
observada vimos que eles conhecem e descrevem personagens do ambiente
local, social e político. As variantes linguísticas dentro do próprio território
lagartense são expostas ludicamente pelos alunos nos momentos de
conversações descontraídas.

É comum a gente ouvir nas turmas expressões como “tomar de conta


de”, “Nós vai”, “coisa é cá”, “ome de qualidade” e outras tantas expressões
tão características do dialeto lagartense presentes nas salas de aula do
PROEJA. Contudo, foi possível observar que o material da oralidade não é
devidamente explorado como fonte para o aprendizado de formas mais
convencionais e socialmente aceita da língua portuguesa.

A língua materna é trazida com muita força por esses alunos do


PROEJA, as diferenças na linguagem é simplesmente a presença da riqueza
cultural local presente na fala (...) a despeito da palavra dos mundos
maravilhosos que a escrita abre, a palavra falada ainda subsiste e vive”
(ONG, 1998, p.16).

Percebemos a variação dialetal, somados à riqueza étnica, a explosão da


língua falada, os muitos significados apontam a singularidade do dialeto
local, da lagartinidade, do Centro-Sul do Estado de Sergipe. A Língua
Portuguesa representada com a força da oralidade dos dialetos locais.

“A escola valoriza a língua escrita e censura a língua oral espontânea


que se afaste muito dela, os adultos adaptam-se com dificuldade as
expectativas da escola tanto quanto as funções e usos da língua escrita,
quanto em relação ao padrão culto de língua oral” (SOARES, 2008,
p.22).

Os dialetos são falados entre todos os alunos e professores.


Principalmente entre alunos é usual a presença de dialeto Lagartense. Os
alunos dizem que sentem mais a vontade para falar com os colegas do que
com os professores. Isso indica a necessária relação de confiança e de
compartilhar o dialeto pra seu uso efetivo. Tal compreensão é destacada por
Vygotsky (1993) que afirma que é necessário o sentido de pertencimento ao
dialeto para falar o dialeto.

Nosso estudo indicou que os alunos do PROEJA fazem comparação


com o jeito de falar próprio de Lagarto, com outros espaços do nordeste e de
outras regiões do país. Eles destacam o preconceito que se tem com o
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linguajar nordestino. E dizem que parte da população brasileira “fala que o


nordestino é tabaréu” (Estudante do PROEJA). Eles destacam a importância
do uso de linguagem culta e técnica.

Em consonância com esse entendimento Possenti (1997) discorre:

(...) o objetivo da escola é ensinar o português padrão, ou, talvez mais


exatamente, o de criar condições para que ele seja aprendido.
Qualquer outra hipótese é um equívoco político e pedagógico. A tese
de que não se deve ensinar ou exigir o domínio do dialeto padrão dos
alunos que conhecem e usam dialetos não padrões baseia-se em parte
no preconceito segundo o qual seria difícil aprender o padrão... As
razões pelas quais não se aprende, ou se aprende, mas não se usa um
dialeto padrão, são de outra ordem, e tem a ver em grande parte com
os valores sociais dominantes e um pouco com estratégias escolares
discutíveis (POSSENTI, 1997, p.17).

Os jovens menos favorecidos socialmente precisam ter garantido o


direito inalienável de dominar as formas de falar e escrever tidas como culta
de nossa sociedade. Nesse sentido, educadores e educandos devem estar
inseridos num movimento contínuo capaz de fazer da escola “um espaço
para mútuo engajamento das diferenças vividas, que não exija o silenciar de
uma multiplicidade de vozes por um único discurso dominante” (GIROUX e
SIMON, 2011, p.106 apud FELÍCIO,2010,p.252).

Durante a oficina pedagógica que realizamos com os alunos do 2º e 3º


anos do Curso Técnico em Construção Civil Integrado ao Ensino Médio na
Modalidade de Jovens e Adultos, percebemos o anseio em reproduzir os
textos ouvidos, lidos e discutidos em sala de aula. Os alunos nas aulas de
Língua Portuguesa trouxeram consigo suas histórias pessoais, seus valores
familiares, suas emoções e sentimentos. Foram postos à tona nos relatos orais
temas do amor, do respeito, da amizade, da ajuda ao próximo e da
honestidade.

A língua falada foi externada com certa segurança. Percebemos a


liberdade de expressão, os jovens atuaram como bons ouvintes e debatedores,
e revelaram em suas falas os desejos de mudanças no contexto sociopolítico.
Desenvolveu-se nas atividades de linguagem oral a postura marcante da
argumentação, comparação e persuasão.

O domínio de uma língua é o resultado de práticas efetivas,


significativas e contextualizadas (POSSENTI, 1997). Aprendemos nas
oficinas pedagógicas realizadas a falar e ouvir com liberdade, assim como a
corrigir e autocorrigir sem ser afetado pela reprovação, humilhação, e
castigos. O exercício da reflexão do sistema linguístico foi a grande tônica
das oficinas.

Os erros cometidos pelos alunos são indicadores do processo através do


qual ele está descobrindo e construindo as correspondências entre o sistema
linguístico escrito e oral, entre aspecto fonológico e o ortográfico e entre a
gramática normativa e internalizada (POSSENTI, 1997). Além de construir
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um conhecimento e domínio do sistema linguístico, o aluno do PROEJA


também deve construir o conhecimento do uso da escrita e da oralidade como
discurso, como uma atividade real e de enunciação.

Trazer a tona o que sabem os alunos, exercitar a leitura do mundo,


estimular a crítica e a pensar sua condição de excluídos da escola são alguns
dos aspectos considerados no trabalho pedagógico realizado.

O trabalho de falar, de escrever e de ler em sala de aula

Sala de aula é o lugar de aprender a escrever, a ler e a usar a linguagem


oral de maneira satisfatória e adequada em variados contextos. Portanto, é um
espaço de experimentação e (des)cobertas.

Para Possenti (1997):

[...] O que proponho é que o óbvio seja efetivamente realizado. Uma


das medidas para que esse grau de utilização efetiva da língua escrita
possa ser atingido é escrever e ler constantemente, inclusive nas
próprias aulas de português. Ler e escrever não são tarefas extras que
possam ser sugeridas aos alunos como lição de casa e atitude de vida,
mas atividades essenciais ao ensino da língua. Portanto, seu lugar
privilegiado, embora não exclusivo, é a própria sala de aula
(POSSENTI, 1997, p. 30).

Falar, ler e escrever é uma tríade intimamente ligada ao mundo letrado.


No trânsito entre essas dimensões exige-se uma cuidadosa tessitura de sons,
palavras, conexões do amplo campo semântico que envolve a arte dos
sentidos de ouvir, ver e falar, movendo o ser humano na essência do uso da
linguagem - seja palavra verbal ou não-verbal.

Nas práticas de leitura em sala de aula os textos foram apresentados e


discutidos. As ideias se aprimoraram no debate caloroso, seguido do
momento de produção escrita que foi marcado pelo silêncio e reflexões
pessoais. Produzir texto escrito em sala de aula provocou desconforto entre
os alunos-escritores, afinal escrever é desnudar-se. O exercício da
modalidade escrita da língua materna é como um ato de fiar, de atribuir
significado às palavras e dar vida ao que se quer expressar.

O processo de ensino e de aprendizagem na modalidade escrita é


sustentada pelo prazer de ler em sala de aula (DURANTE,1998). Ser o leitor
narratário, arguto, mergulhador de entrelinhas é descobrir os segredos
escondidos no interior da tessitura das palavras. O ato de ler envolve
capacidades sensoriais, emotivas e intelectuais que dialogam continuamente.

A rotina das atividades de leitura e escrita evidencia a necessidade de


ajustes nas aulas. Os resultados da pesquisa apontam que os atos da
linguagem no PROEJA precisam ganhar mais significação e considerar,
sobremaneira, os saberes dos próprios alunos.
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Os jovens e os adultos, mesmo não alfabetizado, mantém contato com a


escrita e com práticas de leitura e levam para a sala de aula toda a experiência
linguística que vem tendo com a prática da oralidade (MARCUSCHI, 2004).
Cabe então a escola e ao professor identificar e saber explorar em benefício
da leitura e da escrita as marcas de oralidade que trazem. O que pode ser
percebido é que muitas vezes os professores veem como um problema as
marcas de oralidade que esses estudantes trazem para a escola.

Sobre a questão da leitura, os estudantes do PROEJA afirmam que


gostam de ler, mas leem pouco por não disporem de tempo para realizar a
tarefa de estudar, cumprindo tão somente as leituras exigidas pelas
disciplinas que estão matriculados. O aluno comenta: “Quando pego no
caderno pra estudar mesmo é aqui no Instituto” (Estudante do PROEJA)

Eles frequentam pouco a biblioteca da escola e fazem reduzido uso de


empréstimo de livros nela. Apesar da biblioteca do IFS Lagarto está equipada
adequadamente e ter livros de boa qualidade, entre alguns da literatura
clássica da Língua Portuguesa e, destacadamente, livros orientados ao
saberes técnicos profissionalizantes, os alunos do PROEJA consultam pouco
os livros disponibilizados. Contudo os alunos afirmam que gostam de ler e
preferem livros impressos aos digitais.

A oficina pedagógica realizada de leitura e debate sobre os temas da


atualidade possibilitou o diálogo com diferentes livros impressos, destaca-se
a importância de atividades como essas para os alunos jovens e adultos que
não convivem em seu contexto cultural com livros. Nas atividades de Língua
Portuguesa o ato de linguagem foi potencializado pelas atividades matrizes
da leitura, discussões e produção de texto.

Essa difícil realidade manifesta a fragilidade das práticas pedagógicas


para os processos básicos de ensino da leitura e da escrita. Esse é um grande
desafio da instituição, pois o aluno que trabalha e tem vida econômica ativa
disponibiliza pouco tempo pra leitura, já que os cuidados com a família e
com o trabalho consomem o tempo que poderia ser dedicado à atividade de
leitura. O tempo exíguo dos estudantes, as longas e muitas vezes duplas
jornadas de trabalho em casa e no ambiente profissional limita a
possibilidade de estudar.

A escola torna-se então o espaço privilegiado de acesso aos bens


escolarizados, assim precisa estar organizada de maneira que seja produtivo o
uso de tempo vivido nela. Deste modo, precisa reservar tempo para leitura de
livros de diferentes gêneros textuais, para o debate sobre temas da atualidade,
para visita orientada por profissionais da educação à biblioteca, sendo um
processo de adequação da rotina escolar dos alunos do PROEJA com a vida
institucional.

CONCLUSÃO

O respeito às características específicas do aluno do PROEJA pode


representar um caminho para realização de práticas pedagógicas
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emancipatórias que ajudem aos alunos jovens e adultos não familiarizados ao


saber vinculado à escola a ter o acesso a ele. A não consideração das reais
situações do aluno do PROEJA dificulta uma ação educativa que promova o
aprendizado.

O trabalho pedagógico relacionado as matrizes do falar, do ler e do


escrever potencializa a aprendizagem e desenvolvimento do aluno jovem e
adulto e deve invariavelmente estar vinculado aos seus contextos culturais e
sociais. Em relação à oralidade, destaca-se sua importância fundante para
desenvolver as atividades de escrita e de leitura em sala de aula. Em relação
à escrita e à leitura destaca-se a necessidade de oferecer múltiplas ocasiões
que possibilitem a reflexão sobre o sistema linguístico.

Um princípio norteador para as práticas de ensino da Língua Portuguesa


é a valorização do conhecimento prévio dos alunos e o reconhecimento de
sua cultura e saberes. Afirmamos nesse artigo que o jovem e adulto do
PROEJA tem competências lexicais amplas e um vocabulário rico,
construído em suas relações interpessoais. Nesse sentido, a escola deve ser o
lugar privilegiado para aprofundar tais conhecimentos que envolvem as
dimensões da palavra falada e escrita.

Entende-se que as especificidades características da população que


frequenta o PROEJA deve impulsionar outras estratégias metodológicas de
ensino, tais estratégias devem ser elaboradas com a participação do próprio
aluno. Somente dentro deste entendimento é que é possível fazer um trabalho
produtivo com os jovens e adultos do Instituto Federal de Educação de
Sergipe.

REFERÊNCIAS

BRASIL. Ministério da Educação. Secretaria de Educação Profissional e


Tecnológica. PROEJA, Documento Base, Brasília, 2007. Disponível em
<http://portal.mec.gov.br/setec/arquivos/pdf2/proeja_medio.pdf>. Acesso
15.04.2011.
DURANTE, M.. Alfabetização de adultos: leitura e produção de textos.
Porto Alegre: Artes Médicas, 1998.
FELÍCIO, H. M. dos S.. Currículo e Emancipação: redimensionamento de
uma escola instituída em um contexto advindo do processo de
desfavelização..<www.curriculosemfronteira.org>. Acesso: 04.11.2011
HADDAD, S.; DI PIERRO, M. C.. Diretrizes de Política Nacional de
Educação de Jovens e Adultos: consolidação de documentos 1985/1994.
São Paulo: CEDI, Ação Educativa, ago.
HADDAD, S. A Educação de Pessoas Jovens e Adultas e a nova LDB.
São Paulo: Cortez, 1998.
LEAL, T. F., ALBUQUERQUE, E. B. C., MORAIS, A. G.
(Org.)Alfabetizar letrando na EJA: fundamentos teóricos e propostas
didáticas. Belo Horizonte: Autêntica, 2010.
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LEAL, T. F., ALBUQUERQUE, E. B. C. (Org.) Desafios da educação de


Jovens e adultos: construindo práticas de alfabetização. Belo Horizonte:
Autêntica, 2006.
MALTA, A. A. A aprendizagem na educação de jovens e adultos: a
emergência de diferentes saberes na re-significação de práticas escolares.
Salvador: UFBA-FACED, 2004 (Dissertação de mestrado).
MARCUSCHI, L. A. Da fala para a escrita: atividades de retextualização.
São Paulo: Cortez, 2004.
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Dobránszky, Campinas-SP: Papirus,1998.
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SOARES, L.. GIOVANETTI, M. A.. GOMES, N. L. (Orgs.). Diálogos na
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SOARES, M.. Alfabetização e letramento. 5. ed. - São Paulo: contexto,
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______. Linguagem e Escola: uma perspectiva social. Ática 13° edição,
15ª reimpressão. São Paulo, 2008a.
TFOUNI, L. V. Adultos não alfabetizados: o avesso do avesso. São Paulo:
Pontes, 1988.
VYGOTSKY, L. S.. Pensamento e Linguagem. São Paulo: Martins Fontes,
1993.
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A Mulher Estudante da Educação de Jovens


e Adultos no Ensino Médio

Maria José de Jesus Santos1

Joelma Carvalho Vilar2

RESUMO

Este estudo tem como objetivo principal analisar a contribuição da Educação de


Jovens e Adultos- EJA, do Ensino Médio, para a formação pessoal e profissional de
ex-alunas do Colégio Estadual Dr. Augusto Cesar Leite, Itabaiana-SE. Identifica-se,
nesse trabalho, aspectos sociais, culturais e econômicos que influenciaram a
descontinuidade do processo de escolarização dessas mulheres, como também a
função e a importância da escola para a formação delas, assinalando a perspectiva
futura dessas mulheres no que se refere à escolarização e profissionalização. Essa
pesquisa foi realizada a partir de um estudo bibliográfico e de campo, com realce a
realização de entrevistas. Destaca-se a importância da escola da EJA para a vida
pessoal e profissional dessas mulheres.

Palavras-chave: Educação de Jovens e Adultos. Mulher. Escolarização.

1
Contato do(a) autor(a): babamjjs@hotmail.com. Pedagogia. Universidade Federal de
Sergipe.
2
Contato do(a) autor(a): joelmavilar@hotmail.com. Doutora em Educação.
Universidade Federal de Sergipe.
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INTRODUÇÃO
Esta pesquisa pretende destacar as histórias de vida de mulheres da EJA
que lutaram para dar continuidade aos seus estudos, com o propósito de
identificar os condicionantes sociais, culturais e econômicos que interferem
na trajetória de escolarização dessas mulheres, e, assim, destacar a
importância da EJA para a vida pessoal e profissional de algumas mulheres
que ingressaram no curso de EJA do ensino médio do Colégio Estadual Dr.
Augusto César Leite em Itabaiana, Sergipe. Somente a autenticidade das
experiências relatadas, de quem viveu as diversas situações, pode fazer
compreender essa realidade e incentivar outras mulheres a buscarem seus
sonhos e os transformar em realidade.

Destaca-se, nesse trabalho, aspectos sociais, culturais e econômicos que


influenciaram na descontinuidade do processo de escolarização dessas
mulheres, como também se identifica a função e a importância da escola para
a formação delas, assinalando a perspectiva futura dessas mulheres no que se
refere à escolarização e profissionalização. A importância do estudo está em
possibilitar uma reflexão sobre a contribuição da EJA para melhoria de vida
pessoal e profissional das mulheres.

1 METODOLOGIA
Esta pesquisa tem como foco principal o Colégio Estadual Dr. Augusto
César Leite, que fica situado na Avenida Olímpio Arcanjo de Santana,
município de Itabaiana, Sergipe. A escolha dessa instituição ocorreu pelo fato
da pesquisadora ter sido aluna da EJA e assim contribuir para produção do
conhecimento na escola, assim como para a valorização da EJA na
instituição.

Os sujeitos da pesquisa foram seis mulheres com idades entre 31 a 58


anos, que concluíram o ensino médio em turmas de EJA no Colégio em
questão, nos anos de 2000 a 2003. Inclui-se também a própria pesquisadora,
que foi estudante da EJA da escola. As informantes foram escolhidas
mediantes as características relacionadas ao objeto de estudo, possibilitando
conhecer e analisar suas histórias de vida e evocando suas memórias, “A
memória é uma evocação do passado. É a capacidade humana de reter e
guardar o tempo que se foi, salvando-o da perda total” (CHAUI, 1995,
p.125).

As técnicas utilizadas para a coleta de dados foram as entrevistas e


história de vida da própria pesquisadora. Nesse artigo somente serão
apresentados os resultados referentes às entrevistas realizadas com as
mulheres participantes desse estudo.

Um roteiro de questões foi elaborado para a realização das entrevistas,


tais questões abordaram os aspectos que influenciam a não continuidade do
processo de escolarização de mulheres estudantes da EJA, a função e a
importância da escola para a formação dessas mulheres, assim como a
perspectiva futura no que se refere à escolarização e profissionalização.
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Os dados foram analisados de forma descritiva visando apreender os


elementos gerais contidos nas entrevistas pessoais. As análises das entrevistas
ocorreram através de transcrição, levando em consideração as falas em que as
informantes referem-se ao entorno da escola, aos motivos de abandonar a
escola, também referem-se as razões que as incentivaram a voltar a estudar,
as dificuldades enfrentadas em sala de aula na EJA.

2 RESULTADO E DISCUSSÃO
Muitas são as causas que produziram o abandono da escola por estas
mulheres. De acordo com as informantes, as principais estão relacionadas à
vida familiar. As mulheres contraem casamento e muito precocemente
assumem obrigações relacionadas ao lar e a maternidade.

As relações machistas em que muitas vezes estão subordinadas


influenciam também o abandono escolar por parte destas mulheres. É comum
relatos sobre a não autorização do parceiro para que elas deem continuidade
aos estudos.

As palavras de uma informante revela esta realidade: “... na época eu


deixei pelo motivo que fui ganhar nenê... E o motivo também é que o marido
também não deixava...” (Luzia).

As razões para o abandono da escola também são de ordem


financeira. A falta de dinheiro obriga a muitas mulheres a saírem da escola
para trabalharem, ainda na adolescência, e garantir a sobrevivência própria e
de seus familiares. Esta causa se relaciona com as questões familiares, pois
elas trabalham ainda menina para ajudar a complementar a renda familiar
necessária para a sobrevivência.

(...) Alguns materiais biográficos permitiriam esclarecer as motivações


individuais e coletivos de tais comportamentos que, para além dos
“estereótipos de sexo”, parecem indicar nas mocinhas e nas mulheres
jovens outras “escolhas de vida” e uma antecipação estratégica do
futuro que rege a vida familiar, interesses pessoais e atividade
profissional. (DELORY-MOMBERG, 2008, p.29).

Dentro do contexto familiar, as informantes ainda apontam a questão


não autorização dos pais para que elas estudassem. Sobre esse fator há que se
realizar uma mais profunda interpretação para se entender as razões. Entende-
se que isso pode está relacionado à função e o valor que a escola adquire para
os pais na sociedade.

O significado maior de retornar a escola é a conclusão do Ensino


Médio, tendo o intuito de obter alguns benefícios de ordem pessoal e
profissional. Algumas palavras ilustram essa motivação para voltar a estudar:
“... pra concluir o 2º grau, porque eu precisava fazer o técnico de
enfermagem e não tinha o 2º grau...” (Joseilde).

Outra informante acrescenta: “Me deu vontade de estudar de novo para


concluir o ensino médio”. (Marlene).
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As explicações dadas pelas informantes quanto às razões para retornar


a estudar podem estar vinculadas a duas vertentes: uma de ordem pessoal
relacionada especialmente às questões familiares e outra de ordem
profissional relacionada aos interesses ao mundo do trabalho. A maior parte
das mulheres indica que as razões ligam-se a primeira vertente.

Para a primeira vertente encontram-se os motivos:

 Definição profissional;

 Preparação para no mercado de trabalho;

 Preparação para fazer concursos para ingressar em setores públicos;

 Ingressar na universidade para fazer um curso superior.

Para a segunda vertente os motivos são:

 Adquirir mais conhecimento e desenvolver valores morais para


educar os filhos;

 Ajudar os filhos no processo de escolarização;

 Melhoria e valorização pessoal;

 Crescimento familiar.

Nota-se que há uma expectativa de promoção pessoal, social e produtiva


presente nas mulheres que estudaram a EJA.

Ainda sobre as motivações para fazer a EJA, foi possível identificar que
a temporalidade dessa modalidade de ensino, no que se refere à possibilidade
de conclusão do Ensino Médio em menor tempo, é também característica
atrativa.

Nesse retorno à escola, muitas são as dificuldades vivenciadas pelas


mulheres para continuar frequentando a EJA. Uma das principais
dificuldades diz respeito ao longo tempo que passaram sem estudar. As
alunas ao retornarem a estudar a EJA, depois de muito tempo longe dos
bancos escolares, sentem dificuldades geradas pela não familiaridade com a
linguagem, o conteúdo e a forma de transmissão do conhecimento que a
escola divulga.

Sentem-se inseguras com relação suas próprias condições de


aprendizagem, e duvidam de suas habilidades para aprender a aprender
novamente. A construção da autoconfiança discente é de fato o primeiro
grande desafio que as alunas precisam vencer. Tal desafio é uma questão
tratada por muitos estudiosos da EJA. (MUNARETTI, 2007; VILAR, 2007).
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Outra dificuldade diz respeito à condição feminina. O tempo de


gestação de uma aluna, aliada a outras condições laborais. O relato de uma
informante elucida: “Fiquei gravida né... Tinha que ir pra escola a noite,
trabalhava durante o dia, pesado por causa da gravidez só” (Joseilde).

Entretanto algumas mulheres afirmam que não tiveram dificuldades, e


acompanharam com normalidade a escola da EJA. Nota-se:

“Não tinha dificuldade nenhuma, o conteúdo era dado de forma clara,


de forma que entendesse...” (Valdeci). Outra informante confirma:
“Não tive não dificuldade, era fácil o aprendizado.” (Marlene).

A mulher que até certo tempo foi submissa ao homem, quando resolvem
voltar a estudar, ainda enfrentam inúmeros problemas, devido à incapacidade
de entendimento dos seus parceiros. A luta delas pela conquista do seu
espaço na sociedade, ainda passa por grandes dificuldades. A mulher do
século XXI está mais determinada a conquistar esse espaço, e tem seu direito
garantido nas salas da EJA.

A EJA de hoje vive um momento de desafio e tenta superar as


desigualdades sociais dos direitos Na análise destes dados, torna-se relevante
verificar as condições de desigualdade que influenciam a educação
(TOLEDO E FIGUEIREDO, 2007).

Sobre a aprendizagem e o relacionamento Professor-Aluno, é possível


afirmar que a aprendizagem está intimamente relacionada às condições do
relacionamento entre os sujeitos educativos na EJA. O professor na EJA
exerce uma função muito importante no processo de aprendizagem, pois é ele
o responsável por estimular os alunos a continuarem estudando.

O histórico de exclusão social dos alunos da EJA demanda do docente


uma postura compromissada com os alunos e com o processo de
aprendizagem. As relações vivenciadas pelas mulheres desse estudo foram
marcadas pela amizade, cordialidade e parceria em um projeto de retomada
de estudos.

As palavras de uma informante demonstra essa relação de parceria:


“Era muito bom, ainda hoje tenho contato com o professor e com os colegas
de EJA.” (Valdeci).

A qualidade de ensino para ser alcançada dependerá muito da relação do


professor com o aluno. Na relação de confiança e alteridade entre estes
sujeitos se constrói possibilidades para que o aluno dialogue com os
conhecimentos escolares (FREIRE, 1996).

Nesse contexto, a escola possui uma função importante, muito além do


ensinar. E um espaço de socialização entre as mulheres, de troca de
experiência e de diálogo. Sobre a questão do papel da escola na vida pessoal
as mulheres destacam os méritos da EJA:
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“Ajudou. A ler, a escrever, a viver melhor, a escola ajudou.”


(Marlene).

“Ajudou através dos conhecimentos que me foram transmitidos e


mudou muito a minha vida, minha forma de se expressar, de falar...”
(Valdeci).

“Ajudou na minha profissão. Eu mudei, subi mais. Antes era auxiliar,


hoje sou técnica, graças a esse curso...” (Joseilde).

Meksenas (2005) destaca que: “Com o constante aumento da divisão do


trabalho social, a cada dia que se passa as pessoas se especializam em
funções e assim também ocorre com a educação”. Por isso que a mulher
sempre estar buscando novos conhecimentos no seu cotidiano para atender as
novas exigências do mercado de trabalho.

Muitas são as funções da EJA, mas a possibilidade de qualificação


profissional assume posição de destaque entre as mulheres. Na EJA coloca-se
em pauta a vinculação com o universo do trabalho. As mulheres da EJA
acreditam na escola como possibilidade de melhoria de vida profissional.

Para comprovar essa assertiva leia-se as afirmações:

“Hoje eu conclui meu curso técnico, se não fosse a EJA não tinha
concluído não.” (Joseilde).

“O Ensino Médio me levou a ter o conhecimento do trabalho, se


não fosse a EJA talvez não tivesse feito esse concurso e não tivesse
passado...” (Luzia).

Sobre a continuidade dos estudos, parte das informantes relatou que


pretende seguir estudando, outra parte afirma que não, observe-se:

“Sim, depois que terminei o EJA, fiz o pré-vestibular de um ano e três


meses e passei, e hoje estou na Universidade.” (Valdeci).

“Não. O problema foi que eu não pretendia fazer nada, porque eu


tinha medo de enfrentar, achando que eu não passava na faculdade.
Então eu não fui em frente.” (Marlene).

Sobre as perspectivas futuras das mulheres da EJA, algumas apontam:

“Fazer a faculdade em Serviço Social é o meu sonho.” (Joseilde).

“Tenho um projeto de me formar costureira, hoje eu tenho.” (risos).


(Marlene).

“Meu projeto agora é passar em um concurso, fazer valer tudo que


passei.” (Valdeci).

Tudo isso tem uma direção, a busca por melhores condições de vida e a
EJA tem uma importância muito grande para a vida de muitas pessoas,
inclusive para as mulheres participantes desse estudo.
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CONSIDERAÇÕES FINAIS

Sobre os motivos que levaram as mulheres a frequentar a EJA, é


unanime a indicação de concluir o Ensino Médio, porém com diferentes
intencionalidades. Entre elas: a melhor possibilidade de qualificação
profissional, a obtenção de conhecimento para dar melhor instrução aos
filhos em casa, uma preocupação com o futuro ocupacional das crianças e
também a genuína intenção de aprender pelo prazer de fazê-lo. Todas essas
explicações reforçam a vinculação que a EJA tem com o mundo social e do
trabalho. As mulheres da EJA acreditam na escola como possibilidade de
melhoria de vida social e profissional.

Sobre a contribuição dessa modalidade de ensino, destaca-se: a


possibilidade de qualificação profissional, aumento da escolarização, acesso a
leitura e escrita aos saberes escolarizados, interação social, melhoria e
valorização pessoal.

As mulheres da EJA, embora enfrentem dificuldades com os saberes


escolarizados, e lutam bravamente para superar essas dificuldades, são
capazes de produzir histórias de vida que retratam saberes próprios e
experiências únicas, capazes de gerar conhecimento em sala de aula. Em
síntese, são mulheres que geram não apenas a sua descendência, mas a
própria vida na educação, nesse sentido, a EJA pode representar uma
educação capaz de mudar a vida de uma pessoa e permitir que ela reescreva
sua história de vida.
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Ensino da Escrita na Educação de Jovens e


Adultos: dificuldades e proposições

Natali Souza da Silva1

Joelma Carvalho Vilar2

RESUMO
O estudo analisa as dificuldades de aprendizagem da escrita dos jovens e adultos na
Escola Professora Nivalda Lima de Figueiredo, município de Itabaiana-SE. Tal
pesquisa, de natureza qualitativa, apresenta aspectos das estratégias metodológicas
que apoiam as práticas educativas e indica princípios pedagógicos para o ensino da
escrita na EJA. Este estudo foi realizado através de pesquisa bibliográfica e de campo,
envolvendo observações, entrevistas e questionários a fim de apontar quais são as
principais dificuldades vivenciadas por professores no processo de ensino-
aprendizagem da escrita. A realização deste trabalho nos deu a oportunidade de
conhecer as práticas de ensino de escrita e as dificuldades na aprendizagem.
Reconhece-se a necessidade de repensar as práticas de escrita para jovens e adultos
com base nesse conhecimento.

Palavras-chave: Educação de Jovens e Adultos, Dificuldades de aprendizagem,


Escrita.

1
Contato do(a) autor(a): natali-souza@hotmail.com. Pedagogia. Universidade
Federal de Sergipe.
2
Contato do(a) autor(a): joelmavilar@hotmail.com. Doutora em Educação.
Universidade Federal de Sergipe.
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INTRODUÇÃO
Este estudo trata-se de uma pesquisa qualitativa que teve como
motivação analisar quais são as dificuldades enfrentadas na aprendizagem da
escrita pelos jovens e adultos da Escola Municipal Professora Nivalda Lima
de Figueiredo, Itabaiana -SE, assim como indicar princípios metodológicos
para que os jovens e adultos desenvolvam a escrita.

Neste estudo, duas questões são relevantes e norteiam as ideias aqui


tratadas. A primeira diz respeito às dificuldades vivenciadas pelos alunos no
processo de aprendizagem da escrita. A segunda aponta para princípios
metodológicos que podem ser indicados para o enfrentamento das
dificuldades de aprendizagem da leitura e escrita na EJA.

O tema do artigo é resultado da realização do projeto de pesquisa e


extensão Leitura e Escrita uma relação dialógica entre a universidade e
escolas de Educação de Jovens e Adultos de Itabaiana, vinculado ao PIBIX.
Este artigo apresenta parte dos resultados obtidos durante a pesquisa, com
destaque para a perspectiva docente.

1 PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS
A pesquisa foi desenvolvida na Escola Municipal professora Nivalda
Lima Figueiredo, localizada na cidade de Itabaiana-SE, Bairro Campo
Grande. O estudo foi feito com alunos e professores desta unidade escolar a
partir de uma abordagem qualitativa, composta por uma pesquisa
bibliográfica e investigação de campo, sobre as principais dificuldades na
aprendizagem da escrita.

O levantamento bibliográfico serviu de base para a fundamentação de


conceitos que envolvam as dificuldades de escrita enfrentadas na EJA. Essa
atividade está fundamentada, principalmente, nos seguintes autores: Freire
(1976, 1987, 2000, 2008); Soares (2006, 2008a, 2008b); Tfouni (2006);
Souza (1996); Charlot (2000); Cagliari (1999), dentre outros.

A coleta de informações foi realizada através da observação, entrevistas


e questionários, objetivando identificar as principais dificuldades na
aprendizagem de escrita enfrentadas pelos jovens e adultos da EJA e
professores envolvidos.

As observações foram realizadas em duas salas de aula do primeiro


segmento da Educação de Jovens e Adultos na Escola Municipal Professora
Nivalda Lima de Figueiredo. As observações seguiram as seguintes pautas:
metodologia de ensino da escrita, atividade de escrita, uso do texto, relação
escrita-oralidade-leitura e recursos para o ensino da escrita.

As entrevistas foram feitas com os professores que trabalham nessa


modalidade de ensino na Escola Municipal Professora Nivalda Lima com
perguntas acerca das seguintes temáticas: dificuldades na aprendizagem da
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escrita e metodologias do professor. As entrevistas foram realizadas para


identificar quais são as principais dificuldades enfrentadas, por esses alunos
na aprendizagem da escrita, bem como as vivenciadas pelos professores para
garantir essa aprendizagem, e também quais são as metodologias usadas para
facilitar essa aprendizagem. Para isso, foram entrevistados 5 professores que
trabalham nessa modalidade de ensino. O tipo de entrevista utilizada foi à
entrevista estruturada, que, segundo Marconi e Lakatos (1999) é aquela que
tem um roteiro pré-estabelecido, no qual as perguntas que são feitas tem um
roteiro para ser seguido, e, é feito com pessoas selecionadas.

2 RESULTADOS E DISCUSSÕES

Perspectiva docente
A pesquisa indica que os educadores consideram que a escrita tem
muita importância para o desenvolvimento do estudante e apontam
basicamente duas dimensões referentes à repercussão do domínio da escrita
sobre os estudantes da EJA. Uma está relacionada à importância dessa
aprendizagem para a vida pessoal e social do aluno e a outra para a vida
escolar.

A primeira, representada pela maioria dos professores, relaciona a


aprendizagem da escrita à realização pessoal, pois, conforme os informantes,
durante a infância os alunos da EJA não tiveram acesso à escrita, e estes
acreditam que a partir desse aprendizado irão fluir com mais facilidade as
oportunidades para sua vida pessoal e social. A segunda dimensão, referente
ao processo de escolarização, estabelece uma relação entre a escrita e o
desenvolvimento intelectual do aluno nas diferentes disciplinas escolares,
pois, conforme os professores indicam, é a partir da escrita que este aluno
terá mais facilidade para se expressar, para ler e para dialogar com os
diferentes conteúdos das demais áreas do conhecimento escolar.

A importância da escrita é tema destacado por muitos estudiosos, a


exemplo de Mollica (2007) e Soares (2006), que asseguram que a
aprendizagem da escrita é condição imprescindível para o exercício pleno da
cidadania. É na aprendizagem da escrita que estes vão sentir-se realizados
como cidadãos, destacam os informantes. No processo de ensino-
aprendizagem da escrita os estudantes vêm a possibilidade de uma qualidade
de vida melhor. Esta idéia se confirma nas palavras de um informante: “A
aprendizagem da escrita é importante para qualquer cidadão no dia-a-dia, no
cotidiano, na profissão e por que as oportunidades tendem a fluir mais.”
(Professor)

A aprendizagem da escrita é fundamental para jovens e adultos da EJA,


pois é através dessa aprendizagem que eles podem se realizar como cidadão,
além de proporcionar ao jovem e adulto uma sensação de recuperação do
tempo que foi perdido, incitando assim melhores condições de vida. Para
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Mollica (2007, p. 12) “as práticas de leitura e escrita colocam os falantes com
maiores chances de constituir cidadania plena.”

Segundo Mollica:

[...] a intimidade com a escrita de modo diferenciado e sua utilização


heterogênea são responsáveis pela construção de identidades sociais
distintas, assim como pelo grau de envolvimento e participação na
sociedade por parte da população, componentes determinantes para
formação da cidadania. (MOLLICA, 2007, p. 21).

Ainda segundo Soares (2006) quem aprende a ler e a escrever e passa a


envolver-se em práticas de leitura e escrita, torna-se uma pessoa diferente,
adquire um outro estado, uma outra condição social e política.

No entanto, muitas são as dificuldades para que o aluno da EJA exerça


de maneira competente a habilidade da escrita. Quanto às principais fatores
que dificultam a aprendizagem da escrita os participantes desse estudo
afirmaram que os maiores entraves estão justamente relacionados à condição
de excluído que esse aluno vivencia. Geralmente o aluno da EJA passou
muitos anos fora do ambiente escolar ou foi excluído do ensino regular,
resultando em uma baixa autoestima que prejudica o desempenho escolar.
Ele não acredita em sua própria capacidade de aprender a língua e vê a escrita
como algo de difícil compreensão.

Outros informantes citaram como dificuldade para aprendizagem dos


alunos da EJA a falta de tempo para estudar devido ao trabalho, trazendo para
escola problemas familiares. Mais uma vez se evidencia que a condição
social e econômica do aluno influencia o desempenho escolar.

Outro fator apontado pelos professores que dificulta a aprendizagem da


escrita é que os alunos da EJA carregam as marcas de oralidade, e não sabem
diferenciar oralidade de escrita. Entretanto, pela história de vida e experiência
social dos alunos da EJA é óbvio que destaque-se a supremacia da oralidade
sobre a escrita. Algo que deveria ser considerado positivo, já que a oralidade,
mesmo não sendo uma representação fidedigna da escrita, é um material
valioso para que qualquer estudante aprenda a escrever.

Alguns dos professores apontaram que os alunos de EJA tem muita


dificuldade na ortografia, leitura e interpretação de texto, e não sabem o que é
tipologia textual. Indicação evidente já que os alunos da EJA não estão
familiarizados com a escrita e não compreendem as funções, o
funcionamento e a aplicação social do código linguistico.

Apenas um professor relacionou as prováveis causas das dificuldades da


aprendizagem à questão pedagógica e citou a falta de material para leitura
como uma dificuldade para aprendizagem da escrita.

A dificuldade enfrentada pelos estudantes da EJA na aprendizagem da


escrita é um tema discutido entre estudiosos como: Carvalho (2009) e
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Cagliari (1999). Assim em conformidade com Carvalho (2009) os


professores nos dizem que quando o jovem chega a esta modalidade de
ensino ele está desencantado com o ensino regular, mas é preciso que a
escola lhes ofereça condições para que ocorra a aprendizagem.

É necessário que se perceba que a diversidade nas turmas de EJA é fator


relevante e que as dificuldades enfrentadas são maiores ainda. Assim, o
professor deve estar preparado para lidar com todas estas dificuldades
atendendo as necessidades e desejos desses educandos de forma a inserir uma
proposta motivadora para a aprendizagem. O que é preciso destacar é que
essa diversidade pode, de maneira aparentemente contraditória, gerar formas
metodológicas variáveis e produtivas para o ensino da escrita.

Conforme Carvalho:

... um traço presente nas classes de jovens e adultos é o da diversidade


de origens. Encontram-se, nos espaços da sala de aula, pessoas que
migraram de suas cidades de origem em busca de melhores condições
de vida, trabalho, moradia, estudos e novas oportunidades... O normal
é que o jovem, ao chegar nessa modalidade, geralmente está
desencantado com a escola regular, com o histórico de repetência de
um, dois, três anos ou mais (CARVALHO, 2009, p. 9/10).

Os jovens e os adultos levam para a sala de aula toda a experiência que


vem tendo com a oralidade. Cabe ainda a escola e ao professor identificar e
saber explorar em benefício da escrita as marcas de oralidade que trazem,
pois na maioria das vezes eles escrevem da maneira que falam. O que pode
ser percebido é que muitas vezes os professores veem como um problema as
marcas de oralidade e de vida que esses estudantes trazem para a escola, não
devendo esse ser o melhor caminho para garantir a aprendizagem desses
jovens e adultos. Como afirma Cagliari (1999) o alfabetizando traz para a
escola a variedade lingüística do meio em que vivem em que aprendeu a
falar, e que deve ser respeitada porque interfere diretamente no seu processo
de alfabetização.

Nesta perspectiva atitudes preconceituosas aumentam ainda mais a


distância entre a linguagem utilizada pelos estudantes e a linguagem padrão,
podendo trazer inúmeras consequências. Nesse sentido é preciso que haja
uma compreensão por parte dos atores envolvidos no âmbito escolar.

Em relação às metodologias e procedimentos pedagógicos utilizados


para garantir que esses jovens e adultos desenvolvam o aprendizado da
escrita, foi possível perceber dois eixos fundamentais, um está relacionado à
aplicação de uma metodologia inovadora e outro a uma metodologia
tradicional.

Os professores apontaram o uso de uma metodologia diversificada com


atividades de escrita, leitura, interpretação, debate, ditado de textos e de
palavras e realização de dinâmicas, que levem os alunos a interpretar, refletir,
e expor suas idéias, para que assim as aulas se tornem prazerosas e sejam
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significativas. A utilização de diversos recursos, tais como: textos, filmes e


imagens são destacados pelos docentes. Apenas uma professora admitiu
utilizar a metodologia tradicional do ensino diurno, na qual se escreve no
quadro, os estudantes copiam no caderno e depois o professor passa
exercícios escritos, com ênfase na repetição e memorização.

As metodologias e procedimentos pedagógicos utilizados para


aprendizagem da escrita se destacam entre estudiosos como: Soares (2008b),
Souza (2004), Santos (1997) e Freire (2008), quando nos falam da questão
dos métodos, e da importância do lúdico para aprendizagem e a não
reprodução de metodologias do ensino diurno para Educação de Jovens e
Adultos.

Assim, em relação às metodologias, para garantir a aprendizagem


alguns professores tentam inovar buscando levar o aluno a interpretar, através
de filmes, conversas, debates, dinâmicas, jogos, buscando assim uma aula
mais prazerosa. Deste modo, as dinâmicas passam a ser uma possibilidade de
um novo olhar para aqueles que não tiveram oportunidades educacionais na
idade própria e retornam à escola na tentativa de recuperar o tempo perdido,
tentando encontrar na escola um ambiente prazeroso, conforme afirma Santos
(1997).

A ludicidade é uma necessidade do ser humano em qualquer idade e


não pode ser vista apenas como diversão. O desenvolvimento do
aspecto lúdico facilita a aprendizagem, o desenvolvimento pessoal,
social e cultural, colabora para uma boa saúde mental, prepara para
um estado interior fértil, facilita os processos de socialização
comunicação, expressão e construção do conhecimento (SANTOS,
1997, p. 12).

Sendo assim, é importante trabalhar os conteúdos a partir das atividades


lúdicas, transformando as atitudes e comportamentos para facilitar
aprendizagem, tornando-a significativa. A aprendizagem da escrita não se
realiza da mesma forma para todas as pessoas, e principalmente quando se
trata de jovens e adultos. E na maioria das vezes as dificuldades dos alunos
podem ser causadas pelo processo de ensino que normalmente utiliza um
método único de educação, sem olhar quem são os sujeitos dessa educação.

Porém em desacordo com Souza (2004) e Freire (2008), foi possível


perceber que alguns utilizam uma metodologia tradicional, cópia do quadro e
exercícios, pautada no ensino diurno, o que não é recomendável. Sobre isso
Souza (2004) nos alerta que, a EJA não pode mais se limitar a reproduzir o
que se faz no ensino regular, realizando meras transposições de modelos por
eles utilizados, sem a devida atenção as especificidades da população jovem e
adulta.

Os conteúdos não devem ser passados de forma descontextualiza, onde


são priorizados a memorização e a assimilação mecânica, pois os alunos da
EJA são adultos que trazem consigo uma bagagem de vida, um conhecimento
adquirido através das experiências, e este não deve ser desprezado.
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No que se refere a escrita de textos espontâneos na sala de aula foi


possível perceber basicamente duas vertentes. Uma considera a escrita de
textos espontâneos uma ferramenta importante para aprendizagem, a outra
sequer faz uso deste recurso em sala de aula.

Os professores que fazem uso desta ferramenta o faz da seguinte forma:


pedem para que eles escrevam um acontecimento de suas vidas, e que
geralmente eles escolham textos narrativos ou abrem um tema e pedem para
eles relatarem o que desejam. É sabido que a escrita de textos espontâneos
não ocorre a partir de uma sugestão, é preciso deixar que eles escolham sobre
o que desejam falar para que seja espontâneo.

A importância da escrita de textos espontâneos e a questão do mero


exercício de escrever foi enfatizada por Cagliari (1999, p.101): “A escola é o
único lugar onde se escreve muitas vezes sem motivo... Certas atividades da
escola representam o puro exercício de escrever. Na alfabetização isso pode
trazer problemas sérios para certos alunos.”

A escrita de textos espontâneos auxilia o professor a compreender a


visão de mundo que seu aluno tem, pois esse vai escrever aquilo que tem
vontade, que sente motivação. Sobre esse assunto Cagliari (1999, p.124) nos
diz que: “Deixar que os alunos escrevam redações espontâneas não dando
muita atenção aos erros ortográficos e apostando na capacidade de escrever e
se auto-corrigir com relação à ortografia é de fato um estímulo e um desafio
que o aluno sente no seu trabalho, uma motivação verdadeira para a escrita.”
Ainda segundo Cagliari (1999, p.102) “Ninguém escreve ou lê sem motivo,
sem motivação... não basta saber escrever para escrever. É preciso ter
motivação para isso.”

É preciso incentivar os alunos de EJA para escrita, embora não seja isso
que acontece com alguns destes professores. É preciso deixar que eles
escolham o que desejam escrever, embora muitos ainda deem sugestões de
temas. Em relação a opção por escrever textos narrativos, isso está
relacionado ao fato de escreverem mais facilmente sobre momentos que
acontecem no seu dia-a-dia, vivências do seu cotidiano, ou seja, eles ficam
estimulados ao escreverem sobre si. Segundo Souza (2006, p.163) “a
construção da narrativa de si remete o sujeito a vivenciar, no seu processo de
formação, experiências formadoras e aprendizagens experienciais inscritas
em suas identidades e subjetividades.”

Outro aspecto relevante nesse estudo diz respeito a realização de


atividades individualizadas para atender os estudantes que apresentam mais
dificuldade na escrita. Sobre isso foi possível perceber que a maioria tenta
fazer um trabalho individualizado para os alunos que apresentam mais
dificuldades, sendo que apenas dois admitem não fazer, pois segundo eles a
diversidade da EJA é muito grande e o tempo é curto. A diversidade nas
turmas de EJA destaca-se em Coutinho (2006, p.75), quando nos diz que “A
Educação de Jovens e Adultos caracteriza-se principalmente pela diversidade
de público a que atende”. Porém, os professores precisam saber lidar com
essa diversidade para que isso não se constitua em dificuldade para
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aprendizagem dos estudantes que estão inseridos na EJA, trabalhando as


dificuldades individualmente.

Quando questionados sobre os recursos utilizados para garantir a


aprendizagem da escrita dos estudantes da EJA foi possível perceber que os
recursos são diversos: além do livro didático, quadro e giz, e apostilas; são
utilizados também, cartazes, jogos, dinâmicas, vídeos, textos, músicas,
filmes.

Um dos autores que se destacam a questão dos recursos que são


utilizados pelo professor é Soares (2008b) que nos diz que são muitos os
fatores que influenciam na aprendizagem dos alunos.

Os recursos utilizados na sala de aula influenciam na aprendizagem dos


alunos. Os recursos e estratégias assinaladas pelos professores devem fazer
parte das práticas diárias dos educadores, sendo que eles sempre devem
buscar inovações para estimular a aprendizagem, pois, através de recursos
variados a aprendizagem fica mais prazerosa e muito mais significativa. No
ambiente escolar, a música pode ser um recurso metodológico eficiente,
despertando a sensibilidade do educando de uma forma prazerosa. Además, a
utilização de livros do ensino regular deve ser trabalhado de maneira
contextualizada e não simplesmente reproduzindo o que contém no livro,
pois os estudantes da EJA não devem ser tratados como crianças, pois trazem
consigo uma trajetória de vida que deve ser respeitada pelo professor.

Assim... são discutidos os fatores responsáveis pela qualidade do


processo de ensino e aprendizagem da leitura e da escrita; entre
outros: a natureza de paradigmas curriculares e metodológicos; a
interferência de fatores intra e extra-escolares na aquisição da língua
escrita; a adequação ou inadequação do equipamento escolar e do
material didático de alfabetização; a competência ou incompetência do
professor alfabetizador; a definição do tempo de aprendizagem
necessário para o domínio da leitura e da escrita quer em termos de
duração em anos do processo de alfabetização, quer em termos de
horas-aula por dia (SOARES, 2008b, p. 48).

De modo geral as dificuldades mais frequentes em sala de aula para o


trabalho com a escrita desses jovens e adultos são diversas e de diferente
ordem. Os docentes destacam várias dificuldades, dentre elas: não sabem ler,
a falta de tempo dos alunos para estudar devido ao trabalho, falta de material
didático, problemas familiares, problemas de visão, erros gramaticais, falta
de interesse, e até falta de conhecimento de mundo. Sobre as dificuldades de
aprendizagem Freire (2008), Griffo (2006) e Souza (1996) nos falam que
essas dificuldades podem ter diversas origens.

A falta de material para se trabalhar na EJA pode se constituir em um


fator relevante para as dificuldades dos professores, conforme foi apontado
por Freire (2008, p.45), que nos diz que “a escassez de quadros e de recursos
materiais, refletindo-se necessariamente no plano da alfabetização de adultos,
teria de constituir-se em obstáculo não apenas a sua programação, mas
também ao seu desenvolvimento.”
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Além disso, a questão da ausência de material específico para EJA é, de


fato, um grave complicador para o avanço do desenvolvimento discente. É
muito comum na sala de EJA a utilização de livros didáticos direcionados à
infância e adolescência serem utilizados pelos jovens e adultos. Tal estratégia
desconsidera a cultura e saberes próprios dos jovens e adultos. A elaboração
de livros didáticos, elaborados a partir da realidade social, econômica e
cultural dos alunos da EJA poderia representar um avanço para o
atendimento de qualidade a essa modalidade de ensino.

Ferreira (2009, p.10) nos aponta que “um dos primeiros passos para o
trabalho na EJA é a valorização do conhecimento prévio e o reconhecimento
dos alunos como portadores de cultura e saberes.” Assim, o professor para
proporcionar uma aprendizagem significativa a seus alunos deve realizar o
processo de ensino-aprendizagem de forma contextualizada, aproveitando o
conhecimento de vida que os estudantes de EJA trazem, pois estes estudantes
têm conhecimento de mundo. Sobre isso Freire (1997, p.81) relata: “a leitura
do mundo precede a leitura da palavra.”

Kramer (2006) também nos diz que:

Entender que quando o aluno e o professor chegam a escola não são


folhas em branco, mas já trazem conhecimentos e história de vida, é
condição essencial para prosseguir nessa longa travessia em direção a
uma maior participação política, econômica, social e cultural”
(KRAMER, 2006, p.91-92).

As dificuldades desses alunos podem estar atreladas ao fato de a escola


não corresponder as suas expectativas, e ainda não oferecer os subsídios
necessários para seu acesso, permanência e aprendizagem. Souza (1996),
afirma que as dificuldades de aprendizagem aparecem quando a prática
pedagógica não possui relação com as necessidades do aluno. Porém alguns
professores parecem não estar atentos a esse conjunto de fatores que podem
dificultar a aprendizagem dos alunos de EJA.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Durante a pesquisa foi possível perceber que assim como a diversidade


de gênero, geracional, cultural e social caracteriza as turmas de EJA, também
a diversidade e complexidade das causas das dificuldades na aprendizagem
da escrita marca a realidade dessa modalidade de ensino. Os jovens e adultos
que frequentam a Escola Nivalda Lima Figueiredo, foco central desse estudo,
enfrentam diversas dificuldades para desenvolver a aprendizagem da escrita.

Nesse estudo é possível constatar que as causas dessas dificuldades de


aprendizagem da escrita, entre os jovens e adultos, são basicamente de três
grandes origens: política, pedagógica e biológica. A de origem política está
relacionada à condição social, econômica e cultural do aluno da EJA, sabe-se
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que o aluno da EJA é um sujeito estigmatizado pela exclusão. A de natureza


pedagógica se refere especificamente à dimensão de ensino-aprendizagem,
centra-se na prática docente para o ensino da escrita. A biológica se refere a
aspectos estritamente físicos do aluno, compreende-se que o a organização
biológica discente também tem ascendência sobre a forma e os resultados da
aprendizagem.

Tais causas precisam ser interpretadas de maneira interdependente, pois


uma dificuldade de aprendizagem da escrita pode ter sua raiz em mais de
uma dessas dimensões apresentadas. Uma das dificuldades mais destacadas
pelos informantes desse estudo foi o fato de que os alunos não sabem ler,
prejudicando o aprendizado da escrita, a causa desse problema pode está
relacionado as questões culturais, orgânicas e mais especialmente as questões
pedagógicas.

O que se pretende afirmar categoricamente é que as causas são


múltiplas como também são múltiplas as dificuldades. Portanto, cabe aos
agentes educativos compreenderem as variadas faces que envolvem o
processo de aprendizagem da escrita, que vão desde condicionantes sócio-
econômico-cultural do aluno da EJA até aspectos estritamente relacionados à
compreensão do sistema lingüístico.

Entre as dificuldades enfrentadas pelos alunos da EJA do primeiro


segmento da Escola Nivalda Lima Figueiredo destaca-se a questão da
autoestima, interpretada pelos alunos como insegurança e medo de errar.
Destaca-se também os problemas de visão, assim como as condições
financeiras. Não saber ler é um grande problema apontado, tanto por alunos
quanto por professores, de fato esse é um grande entrave, pois a leitura
influencia na escrita, ler e escrever são habilidades indissociáveis e
necessárias para a alfabetização do aluno.

Para os professores as maiores dificuldades encontradas nas turmas de


EJA são: falta material específico para EJA, a falta de tempo dos alunos para
estudar devido ao trabalho, falta de interesse discente, e a pouca
familiaridade com os saberes escolares.

O que se pode inferir de todo o exposto é que a condição de histórica de


exclusão dos alunos que frequentam a EJA interfere de maneira incisiva na
aprendizagem da escrita do aluno. Entretanto, as práticas metodológicas da
escrita, se alicerçada em princípios que dignifiquem à condição dos sujeitos
da EJA, podem intervir de maneira produtiva no aprendizado do aluno.

Nesse contexto, entende-se que a aplicação destes princípios às práticas


de ensino da escrita pode, dentro dos seus limites de atuação, contribuir de
maneira mais satisfatória para o aprendizado de uma habilidade tão
necessária para a inserção social dos jovens e adultos na sociedade. Sem
lugar a dúvidas, o uso competente da habilidade escrita tem ressonância na
vida pessoal, profissional e social dos alunos da EJA, assim se torna urgente
conhecer as dificuldades do aprendizado para criar práticas de ensino da
escrita bem-sucedidas.
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Formação Docente e Projeto Curricular para


EJA em Sergipe: reflexões epistemológicas

Maria Josefa de Menezes Almeida1

RESUMO
Este artigo apresenta a análise de conteúdo realizada sobre os projetos curriculares da
EJA e entrevistas a gestores da EJA em fase exploratório-descritiva da investigação:
“Pedagogia intercultural no contexto da formação de professores - aportes para a
educação de jovens e adultos em Sergipe” - tese defendida para obtenção do título de
Doutor (a) em Ciências da Educação na Universidade Autônoma de Assunção. Inicia-
se com a identificação cultural dos projetos curriculares para a EJA em Sergipe, lócus
da pesquisa e o que se registra acerca de processos de formação para o docente desta
modalidade educativa em explicitações deste texto. Entre os questionamentos que o
originam se encontram: Quais os elementos de identidade cultural dos projetos
curriculares da EJA? Como ocorre a referência cultural em determinado projeto
curricular da EJA? A que processos de formação docente têm acesso os professores da
EJA? Que elementos curriculares são indicadores de uma prática intercultural na
EJA? Percurso metodológico inicial que se justifica pela inexistência de informações
a este respeito que pudessem ser referência para a pesquisa pretendida. Esta fase
inicial funciona como o antecedente necessário para apoiar a criação, aplicação e
validação de uma proposta inovadora cujo objetivo é responder às reivindicações por
formação docente específica para EJA. Nesta parte do estudo destacam-se os
primeiros objetivos: a) Descrever a identidade cultural de projetos curriculares para a
EJA através da análise documental destes; e b) Indicar os mecanismos promovidos
para a formação do docente da EJA em entrevista semiestruturada a coordenadores da
EJA com a finalidade de contextualizar a problemática em que se insere a ausência de
formação docente para EJA neste determinado contexto sociocultural, principal
resultado alcançado.

Palavras-chave: Formação Docente - Projetos curriculares - Educação de Jovens e


Adultos (ensino fundamental) - Sergipe.

1
Contato do(a) autor(a): josefaaju@gmail.com. Doutora em Ciências da Educação
pela Universidad Autónoma de Asunción/Py. Coordenadora do Grupo de Pesquisa
CNPq/Seppeja/Codap/UFS.
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INTRODUÇÃO

Este artigo resulta da análise qualitativa dos elementos textuais, dados


coletados na fase exploratório-descritiva da investigação: “Pedagogia
intercultural no contexto da formação de professores: aportes para a educação
de jovens e adultos em Sergipe”, tese elaborada para responder á
problemática da ausência de formação docente para a Educação de Jovens e
Adultos (doravante EJA) no Brasil. Tenta responder á insistente
reivindicação por formação específica para o docente da EJA, conforme
(CURY, 2000; MACHADO, 2007; SOARES, 2010), ainda deficitária ou
inexistente no país, tanto no nível da formação inicial quanto da formação
continuada docente, a exemplo do que se evidencia na localidade onde se
realiza esta pesquisa de campo (ALMEIDA, 2012a).

Assume-se, ao final da referida investigação, o compromisso de


apresentar proposta para efetivar a formação para o docente da EJA com o
perfil curricular adotado na intervenção pedagógica (ALMEIDA, 2012a):
planejada, estruturada e executada junto a professores em exercício de uma
cidade sergipana, proposta ancorada no paradigma preceituado para a
formação docente pela Pedagogia da Autonomia (FREIRE, 2010) e
Pedagogia Intercultural (AGUADO, 2003), em consonância com Canen
(2002) Candau (2005), Freuri (2003) e Moreira e Candau (2008) dentre
outros.

Desta investigação, destacam-se, neste texto, dados do reconhecimento


textual dos projetos curriculares para a EJA (SERGIPE/CEE/2006) a fim de
neles caracterizar a identidade cultural e o perfil idealizado para a formação
docente capaz de preparar o professor para atuar junto ao público desta
modalidade educativa cujos destinatários ainda são encarados no país sob a
égide de estigmas e prejuízos históricos segundo Galvão e Di Pierro (2007).
Buscando encontrar a referência à formação que reflete sobre o papel de
equidade social a se promover pela ação educativa da EJA, direito negado a
quem fora excluído historicamente por diversas razões (HADDAD, 2005;
SOARES, 2005 e 2010).

Neste contexto, entre os questionamentos que originam o referido


estudo encontram-se: Quais os elementos de identidade cultural dos projetos
curriculares da EJA? Como ocorre a referência cultural em determinado
projeto curricular da EJA? A que processos de formação docente têm acesso
os professores da EJA? Que elementos curriculares são indicadores de uma
prática intercultural na EJA?

A criação, aplicação e validação de uma proposta inovadora para a


formação docente na EJA são analisadas a partir do método
quaseexperimental intragrupal pré e pós-teste em Almeida (2012b) que
resultam, como este texto, em parte da tese apresentada e defendida para a
obtenção do título de Doutor (a) em Ciências da Educação na Universidade
Autônoma de Assunção. Desta investigação destacam-se os primeiros
objetivos: a) Descrever a identidade cultural de projetos curriculares para a
EJA através da análise documental destes; e b) Indicar os mecanismos
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promovidos para a formação do docente da EJA em entrevista


semiestruturada a coordenadores da EJA.

1 Metodologia Adotada
Deste estudo descritivo que adotou o rigor científico do método
quaseexperimental intragrupal pré e pós-teste na sua parte central
(ALMEIDA, 2012b), tenta-se, de forma inovadora, adotar um perfil
diferenciado para a pesquisa educacional brasileira. Neste artigo, destaca-se
a análise de elementos textuais a partir do paradigma qualitativo, utilizando o
método da análise do conteúdo de dados, coletados na fase inicial e
identificados como categorias a se analisar em fase inicial deste estudo,
através da técnica da análise documental, utilizando como instrumento uma
pauta. Assim como a análise de conteúdo da aplicação da técnica, entrevista,
a um gestor estadual da EJA, seguindo uma pauta semiestruturada.

2 Unidades de Análise
a) Projetos curriculares para EJA
Estes textos destinados à organização e orientação pedagógica para a
condução do ensino fundamental da EJA (EJAEF-1 e EJAEF-2) constituem-
se em dois volumes, um dedicado à 1ª fase (1º ao 5º ano) e o outro à 2ª fase
(6º ao 9º ano). Ambos datam do ano 2008, em revisão aos textos
anteriormente aprovados pelo Conselho Estadual de Educação em 2006 e
contém respectivamente, 48 e 100 páginas os quais se ilustram:

Figura No 06 - Capas dos Projetos Curriculares da EJA

b) Entrevista aplicada a gestor público


Com data agendada e seguindo uma pauta semiestruturada,
resgatam-se informações a respeito da EJA no estado através do depoimento
pessoal de um representante do Serviço de Educação de Jovens e Adultos
(SEJA/SE).
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3 Procedimentos
Em agosto de 2009, iniciou-se o reconhecimento acerca da identidade
dos projetos curriculares para o ensino fundamental (1º ao 9º ano) da EJA
local, através da leitura e análise documental dos dois volumes destes
documentos, bem como do resgate de informações acerca da EJA estadual
através da aplicação da técnica da entrevista ao seu respectivo representante
do setor da EJA da Secretaria Estadual da Educação, determinando-se, ao
final desta etapa, a contextualização da referida investigação (ALMEIDA,
2012a).

4 Resultados
a) Análise Documental dos Projetos Curriculares

De sua análise, destacaram-se como categorias de análise as


informações contidas neste primeiro quadro demonstrativo:

Quadro No 01 – Projetos Curriculares para EJA –


Ensino Fundamental - Sergipe

Projeto 1 (EJA) Projeto 2 (EJA)

Categoria investigada Informação coletada Informação coletada

Função atribuída à EJA Ensino supletivo (p. Ensino Supletivo (p.


09, 10 e 11) 09,10 e 14)

Referência à diversidade Há alunos com Trabalhar as diferenças


cultural diferenças (p. 23) (p. 24)

ETHOS ou alteridade Comunidade e


(p. 46) identidade nacional no
contexto internacional. (p. 42)
Diversidade cultural
(p. 48) Dinâmica da cultura,
patrimônio cultural de grupos
sociais, respeito à diversidade
(p. 42)

Manifestações culturais
(p. 84)

Atendimento à Nenhum Nenhum


diversidade

Referência à cultura dos Nenhuma Nenhuma


alunos

Referência à cultura Nenhuma Nenhuma


local
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Referência ao Nenhuma Nenhuma


intercultural

Marcas de identidade A palavra “Sergipe” A palavra “Sergipe” na


sociocultural na capa do projeto capa e na Apresentação do
projeto.

Referência á formação Orientar, capacitar Orientar, capacitar e/ou


docente e/ou aperfeiçoar os reciclar os envolvidos (p.16)
envolvidos (p. 16)

Fonte: Elaboração Própria a partir da Análise


Documental – 2009

b) Entrevistas a gestores

Dos discursos dos gestores (estadual e municipal), sobressaem-se


informações contidas no levantamento de dados que se demonstra no quadro
a seguir:

Quadro No 02 - Dados sobre a EJA em Sergipe

Tema Sugerido Dado Recolhido

Início do atendimento à EJA no estado 1969 – Curso Madureza

Documentos atuais relativos à EJA Projetos EJAEF 1 e 2


aprovados em 2006- CEE

Professores que atuam na rede junto á EJA 1127 na capital e 582 dos
municípios conveniados

Cultura Local na proposta curricular Contemplada/Existente/Consi


derada

Último processo de formação docente Agosto/2009 16h– “Como


trabalhar o Livro didático”

EJAEF em municípios sergipanos Apenas General Maynard não


oferece

Municípios sergipanos assistidos pela SEED 55

Fonte: Entrevista à Coordenação do SEJA/SE – 2009.2


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5 Discussão
Confrontando informações recolhidas acerca da identidade curricular e
formação docente para EJA com estudos teóricos que embasaram este
trabalho, é possível afirmar que:

São elementos motivadores de reflexão em relação aos projetos


curriculares analisados: a) o fato de ambos possuírem a mesma redação em
muitas de suas partes; b) não se distinguirem em objetivos, finalidades,
tempos; c) a quase total ausência do contexto sociocultural a que se destina.
Marca apenas expressa pela palavra “Sergipe” nas capas dos respectivos
textos e pela expressão “Governo de Sergipe” no interior destes uma única
vez; bem como, d) a suplência como função atribuída à oferta escolar da
EJA. Segundo Di Pierro, M. C; Ribeiro, V. M.; Joia, O. (2005), a função
supletiva ou compensatória enclausura a escola da EJA nas rígidas
referências curriculares, metodológicas, de tempo e espaço da escola
destinada a crianças e adolescentes, interpondo obstáculos à necessária
flexibilidade da organização escolar para o atendimento à especificidade
desse grupo sociocultural.

Assim, em resposta ao primeiro objetivo do respectivo trabalho,


caracterizar a identidade cultural dos projetos curriculares da EJA, afirma-se
que as informações transformadas em categorias de análise identificam a EJA
neste contexto sociocultural como modalidade educativa marcada pelo
estigma da suplência. Associada esta característica à ausência de
consideração à diversidade, ao silêncio em relação à cultura local, à ausência
de atenção ao fenômeno cultural do jovem e adulto, verifica-se a
incongruência entre estes documentos e o que indicam os estudos mais
recentes acerca do tema (UNESCO, 1997; 2010).

Esta identidade velada pode se associar ao fato de não se compreender a


EJA como uma ação devidamente estruturada, fato confirmado pela
denominação de muitas Diretorias da Educação do país relacionadas à EJA
como Diretorias de Suplência ou de Estudos Supletivos. Na realidade
pesquisada, é possível identificar o lugar privilegiado que os “exames
supletivos” ocupam dentro da respectiva gerência da EJA, ênfase atribuída
semestralmente à sua promoção e aplicação. Tudo isso atesta a necessidade
de revisão desta propositura para EJA, da sua ideia de compensação que
compromete a inclusão, equidade e qualificação deste público na escola, ou
seja, não assume sua permanência no contexto escolar (HADDAD, 2005).

Ainda analisando a referencia à diversidade cultural encontrada


como temas a serem tratados por disciplinas nos documentos curriculares,
confrontando-a com a ausência dos demais elementos que a referendam,
sugere suposta indicação de currículo flexível, mas não asegura legítima
vabilização, bem como almejada qualidade pedagógica. Segundo Soares
(2005) isso não assegura a articulação entre os saberes vividos e escolares
propostos aos alunos da EJA. Negação à clara consideração às diferenças
sociais a partir da sua construção histórica, posto que se verificam
socialmente grupos marcados pela ausência de oportunidades iguais. Caráter
reducionista para a EJA admitida como escolarização tardia, sem o
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tratamento necessário às especificidades da parcela sociocultural que


representa (UNESCO, 2010).

Ainda na comparação entre esses dois discursos, é possível identificar a


incongruência em relação à referência à cultura local ou à cultura dos alunos.
Enquanto os gestores afirmam que esta referência existe (Quadro 2), a leitura
dos projetos curriculares (Quadro 1) indica total ausência dessa categoria de
análise. A concepção de cultura de um e de outro se desencontram segundo
Gimeno Sacristan (1995) ao afirmar que a cultura dominante nas salas de
aula corresponde à visão de determinados grupos sociais, ou seja, dos grupos
sociopoliticamente privilegiados, aqueles que exercem a hegemonia cultural.
Ou seja, nos conteúdos escolares poucas vezes aparece a cultura popular, as
formas de vida rural ou de povos desfavorecidos, exceto de forma exótica, o
que já se caracteriza como estereótipo e forma de preconceito. Também são
ausentes temas como a fome, o desemprego, os maus tratos, o racismo e a
xenofobia, assim como as conseqüências do consumismo ou outros temas
que parecem “incômodos” (SACRISTAN, op.cit.). Um velamento do que
parece incômodo.

A seguir, da analogia entre o que se registra nos projetos analisados


(Quadro 1) e discursos dos gestores (Quadro 2), registra-se a consonância
entre discursos a expressarem mesma visão ideologicamente comprometida
com o paradigma existente em relação à concepção sobre o processo de
formação docente. Tal fato, analisado a partir de Marin (2000), Tardif (2007)
e Torres Gonzáles (2011), se apresenta anacronicamente distante da
perspectiva mais recente acerca da concepção epistemológica para este
processo formativo. Assim, a citada ação aligeirada – “evento de 16h para
esclarecer sobre o livro didático” como indicação da formação docente
ofertada para os docentes da EJA é analisada como inadequada e incoerente.
Indicar a formação docente como acesso a treinamentos é pensar na
modelagem de seu comportamento, no automatismo da sua prática, na sua
produtividade sem se preocupar com a sua participação, anseios e
necessidade conforme os referidos autores. Distancia-se das concepções mais
recentes indicadas para a consecução do desenvolvimento profissional do
docente, a concepção por exemplo do professor reflexivo ou pesquisador da
própria prática. Segundo Tardif (2007) “O professor prático reflexivo é
aquele que consegue superar a rotinização de suas práticas e refletir sobre as
suas ações cotidianas antes, durante e depois de executá-las”.

Além disso, sobre este dado ainda se destaca o fato de apenas 125 de
um total de 1709 professores envolvidos com a EJA participarem da referida
atividade. Este fato coaduna-se com a grave realidade de um município
sergipano que, por não ter projeto próprio para a EJA, conveniou-se ao
sistema estadual para dele repetir a mesma estrutura curricular. Nesta
localidade, a EJA que funciona desde 2006, até 2009 ainda não se registrara
nenhuma ação para a formação docente. Assim, respondendo ao segundo
objetivo específico deste trabalho para “indicar os processos de formação
docente a que o professor da EJA tem acesso em nível local”, constata-se a
ausência de qualquer ação para a promoção do desenvolvimento profissional
deste professor. Segundo estudiosos da teoria crítica, a exemplo de Moreira e
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Candau (2008), isso se caracteriza como sério prejuízo para o


desenvolvimento curricular.

Ainda para este contexto, o Parecer CEB/CNE 11/2000 (CURY, 2000),


assim como Soares (2005; 2010) já atentavam a necessidade da formação do
docente da EJA com vistas a indicar a relação pedagógica com os sujeitos,
trabalhadores ou não, que constituem o público-alvo desta ação cujas marcas
e experiências vitais não podem ser ignoradas por este profissional. Não pode
o processo formativo docente prescindir da mobilização do professor para a
mudança, para a inquietude com o “status quo”, para a reflexão sobre o
currículo oculto a ponto de motivar sua responsabilidade pela construção de
relações mais democráticas socialmente (FLEURI, 2003; CANDAU e
MOREIRA, 2008).

Ante esta situação, apresentou-se como alternativa para a promoção


desta lacuna em relação à formação docente específica para EJA, o Curso
“Pedagogia Intercultural com ênfase na identidade cultural” cuja finalidade
foi contribuir para a promoção de um novo perfil docente na EJA.
Acreditando, de forma semelhante à Arroyo (2008), que se atrever a
incorporar na formação do docente essa pluralidade de dimensões, só
enriquece o currículo, a docência e a pedagogia. Um processo formativo
assim é capaz de ajudar os trabalhadores da EJA a lidar com estágios de uma
visão mais etnocêntrica ou portadoras de prejuízo no processo de interação
social, bem como orientá-los à aproximação dos pares socialmente em
interação (UNESCO, 1997). Segundo Aguado (2003), a formação docente a
partir da pedagogia intercultural é uma estratégias para o desenvolvimento de
novo perfil curricular e prática educativa nas escolas. É instrumentalizar o
professor a contestar o modelo compensatório ou de assimilação (CANEN,
2002; CANDAU, 2005); para assim o professor sentir-se motivado a lutar
contra a ideia socialmente partilhada a respeito da EJA como “uma nódoa
social incômoda” (GALVÃO e DI PIERRO, 2007).

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Em face das reflexões apresentadas a respeito do processo de formação


docente para EJA e visão epistemológica a este respeito e demais aspectos
averiguados na expressão dos projetos curriculares – ensino fundamental de
Sergipe faz-se necessário argumentar:

a) Para atender a diversidade que caracteriza o público desta ação


pedagógica, o professor necessita de um processo de uma
formação que se aproxime de novos paradigmas a este respeito.
Eventos e realizações no âmbito da formação inicial e
continuada que se coadunem com o avanço histórico-
epistemológico já apresentado por estudos científicos para este
processo formativo, que ultrapasse o simples conceito da
reciclagem, capacitação, treinamento, aperfeiçoamento,
semanticamente criticados. Todavia, se aproxime e se
exemplifique como o avanço explicitado na imagem:
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Século XXI
Formação
Continuada
Década de 90
- Formação Docente/
Desenvolvimento
Profissional

Década de 80
- Reciclagem/
Treinamento/
Aperfeiçoamento/
Capacitação

Figura No 07 – Avanço Epistemológico para Formação Docente


Fonte: Elaboração Própria/ 2010

b) As instituições de ensino superior precisam investir no


atendimento de uma formação específica para a EJA a exemplo
do que ocorre atualmente na UFS com o Projeto: Pró-docência
para EJA (PIBIX – 2011-2012);

c) Os currículos da EJA precisam incorporar a cultura do entorno a


que se destina e assim, em consonância com as orientações
pedagógicas da atualidade, planejar, executar e avaliar projetos
interdisciplinares a resgatarem o reconhecimento da identidade
cultural. Para tanto, a formação docente carece de um novo
perfil capaz de se caracterizar como instrumento de estímulo
para a inserção e motivação da presença da educação
intercultural em sala de aula na EJA. Exemplo do que acontece
no Colégio de Aplicação da UFS com o Curso: Aprofundando
saberes na EJA;

d) Esta modalidade educativa precisa ser contemplada como parte


da educação básica por todo o sistema escolar brasileiro,
ampliação da visão existente a seu respeito, reconhecendo-a
como processo de escolarização, formal ou informal, que se
constrói para além da alfabetização. Apenas, atentando para a
especificidade do atendimento a um público jovem e adulto que
almeja a inserção no mundo do trabalho ou já se caracteriza
como aluno-trabalhador (UNESCO, 2010);

Por fim, sugere-se que outros estudos, assim como este o fez, se
debrucem sobre a construção inovadora da formação docente a partir da
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pedagogia intercultural e seus vieses, elemento determinante para a promoção


do impacto de uma nova visão de mundo a se apresentar a partir das
representações sociais. Um processo de formação docente a favorecer a
prática educativa da EJA, como aponta Almeida (2012 a), com:
 Empenho para lutar contra o insucesso do seu aluno, ou seja, para
encontrar formas eficazes de ajudá-lo nas dificuldades;
 Motivo para vencer as inércias e as rotinas repousantes da profissão;
 Promoção de uma nova consciência para situações de resistência na
base de suas opções didático-pedagógicas;
 Valorização do trabalho em equipe;
 Abandono da ideia de si como elemento central da prática educativa
para admissão de que ela se constitua uma construção compartilhada
com o aluno, admitindo ambos como agentes de transformação
social.

Enfim, a humanização do processo educativo destinado ao jovem e


adulto num processo de educação tardia com o objetivo claro de qualificá-lo
ao longo da vida.

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Perspectivas Educacionais do MST:


formação humana e identidade cultural

Vânia Batista de Souza1

Anselmo Castro dos Santos2

RESUMO

Este trabalho é fruto de leituras, discussões em sala de aula em que a abordagem foi a
Educação do Campo: propostas e práticas pedagógicas do MST. Objetiva em linhas
gerais apontar a formação humana e o caráter da identidade cultural nos sujeitos
através da ação e reflexão das lutas por qualidade de vida e igualdade social.
Possibilitando ampliar saberes e práticas pedagógicas, que ao mesmo tempo
dinamizam as lutas dos trabalhadores do campo, colaboram para a emancipação
política e humana. Portanto, essa proposta encontra respaldo pelos movimentos
sociais populares que fazem parte do MST, porque propiciam aos próprios indivíduos
camponeses que reflitam sobre o modo de vida no campo e reconheçam nele as
possibilidades de avanços, tanto das lutas e conquistas sociais, quanto da melhoria da
qualidade de vida.

Palavras-Chave: Educação do campo; MST; formação humana; identidade cultural;


igualdade social.

1
Contato do(a) autor(a): arcanjauniversitaria@bol.com.br. Graduada em Pedagogia
(UFS). Técnica em Saúde – ETSUS
2
Contato do(a) autor(a): Anselmo-castro1984@bol.com.br. Graduando em
Letras/Português (UFS)
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II Seminário Nacional de Alfabetização e Letramento Alfabetização, Discurso e Aprendizagens
Oralidade e Escrita na Prática Escolar
ISSN: 2177-4072

INTRODUÇÃO

Muito se tem debatido qual o tipo de educação que é significativa para


valorizar a formação e identidade dos trabalhadores do campo.

O Movimento dos Sem Terra (MST), como espaço educativo é


identificado com um novo perfil de propostas pedagógicas em que centra o
sujeito no ambiente em que vive e proporciona, através dos movimentos
sociais, os direitos de permanecer no campo livre de injustiça social. Neste
sentido, é que a construção da identidade é um passo importante para que o
sujeito sinta-se à vontade, orgulhoso de pertencer a determinado segmento e
lutar por ele.

E no pensar da educação que o MST e suas lideranças das lutas


organizadas tentam superar as formas de aprisionamento do capital. Daí
então, sente-se a necessidade de buscar estratégias de criar um projeto que
seja direcionado e construído pela própria classe, em que a pauta seja baseada
na luta e sobrevivência do próprio movimento.

É nessa perspectiva, que o MST investe no processo educativo na


formação do sujeito social. Uma vez que o seu papel é educar os sujeitos para
serem autônomos, colaborar dentro da essência do próprio movimento e a
partir de então ter a auto-estima levada e firmar-se como grupo forte e
percebido seus valores.

Desse modo, a educação no MST consolida num projeto mais amplo,


que atinge a consciência em sua integralidade, isso porque as propostas
educacionais trazem nas ações produtivas, políticas a construção do sujeito,
ou seja, a formação não é só atribuição do espaço escolar e sim de toda
comunidade em que estão inseridos. Nesse sentido, Caldart (p.222) reflete
“que educação pode ser mais do que educação, e que escola pode ser mais do
que escola, à medida que sejam considerados os vínculos que constituem sua
existência nessa realidade”.

Ainda nesse aspecto Floresta destaca:

O MST parte do pressuposto de que o conhecimento não foi e não é


produzido de forma inocente, neutra, pois a própria natureza social do
conhecimento implica um ponto de vista que o determina e, assim, já
está marcado em uma própria produção, ligada à divisão social do
trabalho. O processo de sistematização desse conhecimento é
determinado pelos interesses de classe, ou seja, de quem tem o
domínio material e espiritual. (2006, p.90)

1 SUJEITO COMO CENTRO DO PROCESSO: AÇÃO E


REFLEXÃO
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Em linhas gerais, a educação proposta pelo MST, evidencia uma


educação em que o indivíduo seja o centro do processo educativo. São vários
os fatores que levam a compreender e concretizar estas propostas, entretanto
a escola é um dos destaques principais.

Neste sentido, a valorização está relacionada no espaço de interação:


escola, família e comunidade em que a interdisciplinaridade e os temas
geradores farão parte do processo de ensino-aprendizagem, levando os
indivíduos a se conscientizarem e se reconhecerem como sujeitos que possui
identidade, história participando ativamente no meio em que vivem.

Ainda neste sentido, o MST não se afirma como fundador de uma


pedagogia, mas que diante de sua ação e reflexão canaliza e propõe um novo
jeito de lidar com as matrizes pedagógicas construídas ao longo da história da
humanidade (CALDART, 1999; 2004). Já Arroyo, 2004 afirma que “A
formação do ser humano, sua socialização e produção do conhecimento e dos
valores são inseparáveis das formas de produzir suas existências” (2005,
P.99).

Diante disso, vale destacar que as propostas educativas do MST buscam


fazer uma relação do homem com seu trabalho no campo conciliando a
educação fundamentada na valorização do conhecimento que estes possuem.
O trabalho produz o ser humano e os indivíduos compreendem que o trabalho
é o que os tornam útil e diferente dos outros seres, é preciso refletir e agir. Ou
seja, o principio educativo é um meio de mediação entre educação e trabalho.

Contudo, ao se perceber que a história do MST se consolida entre as


diferentes lutas de classes e que legitima, não só a educação de qualidade que
valoriza a formação do sujeito, mas que o conscientiza das suas lutas para a
transformação social através dos militantes em ação, e então, fundamentam-
se um caráter de bases socialistas. De acordo com esse contexto, Floresta
(2006), reflete que:

[...] a formação omnilateral implica o desenvolvimento de mais


habilidades em todos os sentidos, a partir do trabalho. Envolve o
homem na totalidade das relações com o mundo e com a sociedade no
processo histórico de seu desenvolvimento. É a formação do individuo
enquanto homem social integrado a totalidade da sociedade e a gente
da práxis histórica. (2006, p. 134)

Nesta mesma direção Frigotto analisa que:

A educação é concebida como uma prática social, uma atividade


humana, histórica, que se define das relações sociais no embate dos
grupos ou classes sociais (...) a luta é justamente para que a
qualificação humana não seja subordinada às leis do mercado. (2003,
p. 31)
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Ou melhor, dizendo, o trabalho como princípio educativo objetiva na


escola como que pense o ser humano em sua totalidade, forme cidadãos que
ajam a favor da hegemonia da classe trabalhadora e que seja uma educação
como construção histórica, a partir das mediações sociais.

Soares (2010), cita entre outras propostas educativas do MST que:

Conduz a uma prática pedagógica diferenciada, consciente, porque


propicia condições favoráveis a resolução de problemas complexos e
variados como contratos de empréstimos para financiamentos;
conhecimentos dos direitos dos trabalhadores da previdência social
[...] (2010, p. 156)

Ainda nessa perspectiva Freire (2005, p. 42) “que a práxis, porém e a


reflexão e ação dos homens, sobre o mundo para transformá-lo. Sem ela é
impossível a superação da contradição opressor-oprimido.” Desse modo, o
MST tem se destacado no sentido de trazer suas propostas educativas, aliadas
aos seus objetivos de lutar pela terra e conseqüentemente pela escola tendo
por base referencial, os direitos estabelecidos na Constituição de 1988:

Art. 6° São direitos sociais a educação, a saúde, o trabalho, a moradia,


o lazer, a segurança, a previdência social, a maternidade e a infância, a
assistência aos desamparados, na norma desta constituição.
Art. 205 A educação, direito de todos e dever do estado e da família,
será promovida e incentivada com a colaboração da sociedade,
visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o
exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho.

Enfim, a educação proposta faz com que os indivíduos ao se perceberem


como sujeitos capazes, adquiram uma visão crítica e dessa forma lutam pelos
seus direitos como trabalhador, contra as injustiças e desigualdades sociais
através da reflexão-ação.

2 O MST E O CARÁTER DA IDENTIDADE


CULTURAL

O termo identidade cultural se compreende por duas vias: o substantivo


identidade e o adjetivo cultural, especificando algo que faz parte de uma
cultura.
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Em aspectos gerais, a expressão identidade possui diferentes


significados. No que diz respeito a identidade civil, que o fato que garante a
uma pessoa ser determinado individuo, e paralelamente ser identificado como
tal, graças aos fatores que o individualizem. Significa também “a
possibilidade de sermos reconhecidos como membros pertencentes a um
determinado grupo devido a características comuns a todos os componentes
destes” (SANTINI, 1996, p.25). Logo, a identidade garante que algo ou
alguém possui características que o identificam, os distinguindo dos outros.

No caso da identidade dos sujeitos da educação do campo, Caldart irá


defini-los de modo abstrato:

[...] aquelas pessoas que sentem na própria pele os efeitos desta


realidade perversa, mas que não se conformam com ela. São sujeitos
da resistência no e do campo: sujeitos que lutam para continuar sendo
agricultores, apesar de um modelo de agricultura cada vez mais
excludente; sujeitos da luta pela terra e pela Reforma Agrária; sujeitos
da luta por melhores condições de trabalho no campo [...]
(CALDART, apud ARROYO, 2005, p. 159)

De acordo com isso, a identidade do MST, embora possa ser definida


por alguns, ainda se configura como algo que está no processo de construção,
podendo apenas ser entendida como uma busca pela auto-afirmação de
sujeitos com características próprias, preocupados em consolidar seus valores
e necessidades para transformar a sua realidade.

Já o termo cultura nos direciona para que tipo de identidade deve ter a
educação do MST. Trata-se, portanto, de uma identidade que é dada a partir
da cultura. No sentido da educação no MST significaria, de forma objetiva
está vinculado a uma determinada ordem política e, por conseguinte, social.

Esse sentido de cultura, não exclui o fato histórico de que todo


individuo desde o nascimento, já está inserido dentro de uma tradição
cultural. Está inserido previamente num horizonte cultural significa “herdar
uma construção simbólica e um sistema de significações que inevitavelmente
vai influenciar as decisões que regeneram os rumos do destino pessoal e
coletivo” (SANTINI, 1996, p. 16). Ainda neste sentido, a identidade é
marcada pela simbologia das tristezas, superação de muita esperança e
resistência. Eis que Zé Pinto denota isso em sua composição:

Pra onde vai essa gente/com um compromisso marcado/amarelo de


poeira/em cima de um pau de arara/com um semblante sofrido/uma
canção revoltada/jeito de quem descobriu/onde vai dar a
estrada/homens, mulheres e meninos/numa bandeira irmanada? Este é
um povo sem terra/estão inscritos pra guerra/vou implantar uma nova
realidade fundiária. (Dissiê, 2007, p.111)
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Ou seja, “Em por uma realidade”, o autor traz como símbolo o pau de
arara identificando um novo e sonhado destino, ou melhor, a direção não é
mais zona urbana e sim o acampamento, a ocupação de terra.

No que diz respeito à construção da identidade do movimento pela


educação do campo, Caldart diz que “um dos traços fundamentais que vem
caracterizando a identidade deste movimento [...] é a luta do povo do campo
por políticas públicas que garantam seu direito à educação e uma educação
que seja no e do campo.” (CALDART, apud ARROYO, 2005, p. 149).

Resgatar a identidade cultural representa uma luta contra as


homogeneizações propostas sucessivamente ao longo do desenvolvimento
social das políticas públicas para a educação do campo. Pois, como vemos
expressos na cartilha organizada pela Via Campesina.

[...] as diversas leis da educação que tratam da educação em relação ao


campo, embora determinem a adaptação dos currículos, dos
calendários e de outros aspectos da educação às necessidades e
características regionais, não fazem mais que sugerir uma adaptação
do urbano para o campo [...] (2006, p. 28)

No sentido de caráter identitário:

Identidade Camponesa significa viver o que vive o povo do campo,


sentir o que o povo sente, conviver com o povo do campo e suas
causas. Mesmo que não seja um trabalhador do campo, o educador
que vive, sente e convive, faz-se companheiro nas suas lutas, também
identifica-se com os seus viveres, seus saberes e seus prazeres. (2006,
p. 32)

Desse modo, a busca pelo resgate da identidade da educação no campo


deve consolidar uma luta constante pela efetivação dos direitos de pensar
uma educação para os trabalhadores do campo e suas características diversas.
E ao mesmo tempo, contribuindo para a transformação sociocultural,
levando-os a se apropriarem de um olhar mais critico da realidade que os
cercam, possibilitando uma organização e mobilidade de luta social.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

As propostas e práticas pedagógicas do MST objetiva levar o sujeito a


pensar e agir com consciência diante do seu papel num contexto em que vive.
Além do mais é compreendida como uma prática social juntamente com os
sujeitos fazendo com que estes superem as injustiças sociais no campo.
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O caráter identitário faz parte deste contexto, isto porque quando os


indivíduos estão ligados aos objetivos de luta dos movimentos sociais sentem
orgulhosos de pertencer a determinados segmentos. Enquanto o caráter
formador ou identitário fazem parte do resgate das práticas da tradição
histórica que estão em processo de formação. Porém, significa dizer que
sejam culturados e cultuados como formas existentes e possam vivenciar seu
próprio meio com liberdade e perspectiva de produção da vida.

Sendo que, uma proposta de educação no campo que visar inova e


rompe com as barreiras do espaço escolar e do individualismo e vai mais
além, para dialogar de forma democrática com os sujeitos da comunidade.
Para isso, é preciso que todos da comunidade estejam conciente do seu papel
nesse novo processo, pois isso implica em mexer no currículo, o que torna as
práticas desafiadoras para proporcionar o envolvimento ativo dos educandos
e da comunidade através da integração interdisciplinar dos conteúdos
escolares.

REFERÊNCIAS

ARROYO, Miguel G. Por um tratamento público da educação. In:


MOLINA, Mônica; JESUS, Sônia M. A. de. (orgs). Por uma educação do
campo. 2ª Ed, n 5, setembro, 2005.
BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do
Brasil. Brasília, DF, Senado, 1998.
Cadernos de Letras da UFF – Dossiê: Letras e Direitos Humanos, no 33, p.
105-121, 2007
CALDART, Roseli Salete. Escola é mais do que escola na pedagogia do
movimento Sem Terra. Porto Alegre/ RS, PPGE – UFRGS. Tese
(doutorado). 1999
Educação do campo: direito de todos os camponeses e camponesas.
Cartilha. Via Campesina: Brasil, 2006.
FLORESTA, Leila. Escola dos acampamentos/ assentamentos do MST:
Uma pedagogia para revolução? Campinas: Unicamp, 2006, 217p. Tese
(doutorado). Programa de pós-graduação da Faculdade de Educação da
Universidade Estadual de Campinas, Campinas. 2006.
FRIGOTO, Gaudêncio. Educação e a crise do capitalismo real. São Paulo:
Cortez, 2003.
FREIRE, Paulo. Pedagogia do oprimido. 47. ed. Rio de Janeiro. Paz e
Terra.2005.
SANTINI, Silvino. Identidade cultural. Ouro Preto: INDESP, 1996.
SOARES, Maria José N. Processo Formativo-Educativo e a prática
pedagógica no MST/SE. São Cristovão: Editora UFS, 2010.
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Reflexões sobre a Oralidade e a Escrita nos


Anos Iniciais da Escola Municipal
José Laurindo dos Santos

Robson Cledson de Jesus Dias1

Geovânia Falcão de Melo Dias2

Neilton Falcão de Melo3

RESUMO

Este trabalho propõe-se mostrar os desafios de trabalhar a oralidade e a escrita com


alunos dos anos iniciais no cotidiano escolar. E tem o objetivo de compreender como
está o processo de aquisição de leitura e escrita dos alunos de 1º ao 5º ano da Escola
Municipal José Laurindo dos Santos. E se justifica com base em dados encontrados no
âmbito das salas de aula, dando ênfase ao processo de alfabetização, oralidade e
escrita em sala de aula. Faz-se uma reflexão sobre o processo de letramento e
alfabetização tendo como base a fala aliada a escrita. A metodologia empregada neste
artigo foi por meio de pesquisa de campo com verificação da leitura e produção
escrita e também pesquisa em material bibliográfico. Será apresentado um breve
conceito sobre letramento e alfabetização, a importância da fala no contexto escolar e
seus aspectos legais, suscitando a reflexão a respeito da prática existente de
valorização dos conhecimentos prévios dos alunos no dia a dia, almejando levar para
as salas. Analisa-se também a relação professor aluno na construção da escrita e o
quanto o apoio pedagógico ao professor é valioso no contexto educacional. Nessa
perspectiva foi possível perceber quanto é difícil letrar e alfabetizar partindo da
oralidade.

Palavras-Chave: Alfabetização. Letramento. Escrita. Valorização.

1
Contato do(a) autor(a): diasrobson@ymail.com. Licenciado em Pedagogia pela
Universidade Vale do Acaraú, Especialista em Gestão Escolar pela Faculdade
Amadeus e Coordenação Pedagógica pela Faculdade Pio Décimo.
2
Contato do(a) autor(a): geovaniafalcao@hotmail.com. Licenciada em Pedagogia
pela Universidade Estadual Vale do Acaraú, Especialista em Psicopedagogia
Institucional pela Faculdade Atlântico.
3
Contato do(a) autor(a): neilton_melo@hotmail.com. Licenciado em Pedagogia pela
Faculdade Pio Décimo e em Letras pela Universidade Federal de Sergipe (UFS),
Especialista em Letra Português e Linguística pela Faculdade Amadeus, Especialista
em Mídias na Educação (UFS).
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INTRODUÇÃO

Nos últimos anos a educação brasileira tem avançado significativamente


no que se refere ao acesso à escola, após a Lei de Diretrizes e Bases da
Educação Nacional de 1996 e com a criação do FUNDEF em 1997
posteriormente com o FUNDEB. Tudo isso contribuiu para que o país
conseguisse resultados gratificantes no acesso a educação.

Mesmo com os avanços, o processo de ensino aprendizagem não


conseguiu alcançar a mesma proporção. Alunos chegam ao final da primeira
etapa do ensino fundamental semianalfabetos. Uma realidade presente em
quase todas as escolas brasileiras.

Essa pesquisa surgiu da necessidade de entender como se dá o processo


de oralidade e escrita em sala de aula, culminando para o processo de
alfabetização e letramento.

Este trabalho tem por finalidade demonstrar os resultados obtidos em


pesquisa realizada na Escola Municipal de Ensino Fundamental José
Laurindo dos Santos, situada no povoado Pau Torto, Distrito Priapu, com
alunos do 1º ao 5º ano. Visa-se também compreender como está o processo
de aquisição de leitura e escrita dos alunos e saber o quanto eles são capazes
de desenvolver essas habilidades.

Saber ler e escrever de forma mecânica não garante a uma pessoa


interação plena com os diferentes tipos de textos que circulam na sociedade.
É preciso ser capaz de não apenas decodificar sons e letras, mas entender os
significados e usos das palavras em diferentes contextos.

Assim, ser alfabetizado, isto é, saber ler e escrever, tem se revelado


condição insuficiente para responder adequadamente às demandas da
sociedade. Ser alfabetizado é assinar o nome. Como a leitura e a escrita é
ponto de partida para a aprendizagem, é necessário compreender onde o
sistema educacional tem falhado em não conseguir fazer com que esses
alunos sejam alfabetizados e letrados ao mesmo tempo.

A metodologia empregada foi através de pesquisa de campo com


aplicação de texto para que os alunos realizassem a leitura e em seguida a
interpretação do texto lido e consulta em material bibliográfico. Daí foi
possível ter uma visão completa da situação em que se encontra o processo
de aquisição da leitura e escrita.

Foram observadas as condições de produção textual e quais gêneros


discursivos orais e escritos eram mais trabalhados em sala de aula e qual a
influência da oralidade nos textos de escrita espontânea.

1 ORALIDADE E ESCRITA
É imprescindível fazer uma análise da linguagem cotidiana dos
educandos, pois isso é fator de suma importância no desenvolvimento da
oralidade e escrita na vida educacional. E o ensino da língua falada ao longo
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desses anos vem ocupando o seu espaço em sala de aula. A motivação para
que essa modalidade de uso da língua seja trabalhada no desenvolvimento
das habilidades sócio-cognitivas dos alunos se faz presente em diversos
estudos e pesquisas, dentre os quais se destacam: Magda Soares, Emilia
Ferreiro, Paulo Freire, Ana Teberosky, entre outros.

Neste sentido, é importante que o professor seja consciente de que o


acesso ao mundo da escrita é em grande parte responsabilidade da escola, que
concebe a alfabetização e o letramento como um trabalho complexo. É
perceptível as múltiplas possibilidades de uso da leitura e da escrita na
sociedade.

Como a leitura e escrita é o que faz do ser humano um ser social e hábil,
Soares (2005) afirma que:

À luz dessas considerações sobre o grande número de habilidades e


conhecimento que constituem a escrita e a leitura, a natureza
heterogênea dessas habilidades e conhecimentos, o amplo leque de
gêneros de escrita e de portadores de textos escritos a que essas
habilidades devem ser aplicadas, claro está que o conceito de
letramento de alfabetização é extremamente impreciso, mesmo se
tentarmos formulá-lo considerando apenas as habilidades e os
conhecimentos individuais de leitura e escrita.

Compartilhando do que afirma Soares (2005), a dimensão individual diz


respeito à posse individual de capacidades relacionadas à escrita e à leitura,
que inclui não só a habilidade de decodificação de palavras, mas também um
amplo conjunto de habilidades de compreensão e interpretação.

E a escola ao trabalhar valorizando as habilidades dos educandos no


processo de aquisição da leitura e da escrita terá resultados favoráveis ao
crescimento da autonomia e domínio nas relações pessoais e sociais.

Diante das práticas realizadas pela escola, os investigadores


psicolingüísticos mostram que, na verdade, os alunos pobres e da classe
média são igualmente inteligentes, mas convive com diferentes formas de
linguagens, não simplesmente a língua culta.

Para Ferreiro (1999):

Não podemos esquecer, porém, que a alfabetização tem duas faces:


uma relativa aos adultos, e a outra, relativa às crianças. Se em relação
aos adultos trata-se de somar uma carência, no caso das crianças trata-
se de prevenir, de realizar o necessário para que essas crianças não se
convertam em futuros analfabetos.

Por isso, a escola tem que observar suas metodologias para não tornar
essas crianças em futuros analfabetos funcionais, pessoas que não conseguem
compreender o que leem e nem usufruírem das vantagens da escrita.

Ao conceber a escrita como modo de representação, não dá para admitir


que o simples domínio de sistema não torna o sujeito um escritor competente,
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porque, além disso, é preciso que ele amplie a sua experiência e seus
conhecimentos a ponto de reconhecer a escrita na sua especificidade,
vinculando à oralidade, e a escola é a principal produtora desse
conhecimento, mostrando a relação biunívoca entre letra e som e, finalmente,
ampliar a sua experiência sobre as práticas sociais de produção e
compreensão/interpretação.

Soares (2001) ressalta que:

[...] implica habilidades várias, tais como: capacidade de ler ou


escrever para atingir diferentes objetivos – para informar ou informar-
se, para interagir com os outros, para imergir no imaginário, no
estético, para ampliar conhecimentos, para seduzir ou induzir, para
divertir-se, para orientar-se, para apoio à memória, para catarse...
habilidades de interpretar e produzir diferentes tipos e gêneros textos;
habilidades de orientar-se pelos protocolos de escrever: atitudes de
inserção efetiva no mundo da escrita, tendo interesse e informações e
conhecimentos, escrevendo ou lendo de forma diferenciada, segundo
as circunstâncias, os objetivos, o interlocutor [...].

O trabalhar considerando as múltiplas facetas da função da escrita na


sociedade potencializa a reflexão crítica sobre as relações estabelecidas entre
as pessoas em uma sociedade.

O Letramento e a Escrita

Para falar sobre o letramento e a escrita faz-se necessário uma reflexão


sobre o processo de alfabetização em que é um campo aberto, no qual o
conflito entre teorias é fundamental para o progresso do conhecimento.

Mas é importante levar em conta a compreensão sobre as visões de


mundo, de homem e de sociedade que as sustentam para que o professor
possa decidir de modo mais crítico e consciente, sobre os quais os ajudarão a
concretizar os fins de uma educação formada da cidadania de nossos
aprendizes.

Numa perspectiva em que a pouca leitura de mundo da grande parte dos


alunos tem se tornado um fator preocupante, lingüistas e estudiosos em
educação trouxeram à nossa realidade a questão do letramento, que segundo
Soares (2002) é “resultado da ação de ensinar e aprender as práticas sociais
de leitura e escrita”.

Vivenciamos uma nova situação, no que se refere à alfabetização, o que


vem sendo submetido a quadros conceituais e suas práticas ao longo do
processo de alfabetização e letramento. Enfrenta-se problemas resultantes de
alfabetização de crianças no contexto escolar, insatisfações e inseguranças
entre alfabetizadores, o que evidencia uma perplexidade na persistência do
fracasso escolar em alfabetizar.
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Segundo Marcuschi (2001):

Uma vez adotada a posição de que lidamos com práticas de letramento


e oralidade, será fundamental considerar que as línguas se fundam em
usos e não o contrário. Assim não serão primeiramente as regras da
língua nem a morfologia os merecedores da nossa atenção, mas os
usos da língua, pois o que determina toda a variação lingüística em
todas as suas manifestações são os usos que fazemos dela.

Ao trabalhar as possibilidades dos conhecimentos prévios dos alunos


Marcuschi (2001) afirma que é possível desenvolver uma alfabetização
conjunta com o letramento, dando espaço à escrita.

Assim a escola precisa vencer alguns paradigmas tradicionalmente


incorporados à educação escolar ao concentrar-se no desenvolvimento de um
conjunto delimitado de habilidades de leitura e escrita na alfabetização
inicial, em que o foco era apenas o mecanismo de codificação e
decodificação de letras, sílabas e palavras. O professor de português seguia
com o treino de ortografia, a fluência da leitura em voz alta e, finalmente, a
compreensão e a interpretação de textos, sobretudo narrativos e literários.

Sobre esse respeito Freire (1991) afirma: “Não basta saber ler ‘Eva viu a
uva. É preciso compreender qual a posição que Eva ocupa no seu contexto
social, quem trabalha para produzir a uva e quem lucra com esse trabalho”.
Dessa forma o autor chama atenção para que não basta simplesmente
dominar a escrita como um instrumento tecnológico e de comunicação.

Então é evidente que alfabetizar e letrar requerem dos professores o uso


intenso de textos e evidenciar que não é a aprendizagem da língua escrita que
transforma as pessoas, mas sim os usos que elas fazem desse instrumento.

Estudos sobre o letramento abrem novas perspectivas para uma reflexão


sobre o papel da escola e também para o desenvolvimento de práticas
pedagógicas que respondam com mais eficiência às demandas sociais
relativas ao letramento.

2 REFLEXÃO SOBRE A ORALIDADE E A ESCRITA


NOS ANOS INICIAIS DA ESCOLA MUNICIPAL
JOSÉ LAURINDO DOS SANTOS

Ao observar o desenvolvimento entre as relações de oralidade e escrita


com as turmas de 1º ao 5º ano, ficou evidente o quanto o modo como os
alunos falam tem repercutido na forma como escrevem.

E diante dos precários resultados que vêm sendo obtidos pelos alunos
no que se referem à aprendizagem inicial da língua escrita, tem causado
sérios reflexos ao longo de todo o ensino fundamental, o que implica ser
necessário rever as práticas desenvolvidas em sala de aula, ou talvez
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reconhecer a possibilidade e mesmo a necessidade de estabelecer a distinção


entre o que mais propriamente se denomina letramento.

A observação da turma foi feita a partir de experiências variadas com a


leitura e a escrita, conhecimento e interação com diferentes tipos e gêneros de
material escrito e o que é propriamente a alfabetização, de que também são
muitas as utilidades e consciência fonológica e fonêmica, identificação das
relações fonema-grafema, habilidades de codificação e decodificação da
língua escrita, conhecimento e reconhecimento dos processos de tradução da
forma sonora da fala para a forma gráfica da escrita.

Toda observação amparou-se na ideia de que a oralidade não difere de


outras concepções ao se tratar do seu uso no contexto escolar e de que os
alunos aprendem a falar em um contexto familiar e é na escola que se
aprende a ler e a escrever. Partiu-se também do pressuposto de que devemos
trabalhar a alfabetização através da valorização do uso da linguagem falada
para se chegar ao uso formal da linguagem escrita.

Com o intuito de alfabetizar e letrar, de acordo com os Parâmetros


Curriculares Nacionais:

Cabe à escola ensinar o aluno a utilizar a linguagem oral no


planejamento e realização de apresentações públicas [...]. Trata-se de
propor situações didáticas nas quais essas atividades façam sentido de
fato, pois é descabido treinar um nível mais formal da fala, tomado
como mais apropriado para todas as situações. A aprendizagem de
procedimentos apropriados de fala e de escuta, em contextos públicos,
dificilmente ocorrerá se a escola não tomar para si a tarefa de
promovê-la. (BRASIL, 2001, p. 25).

Os PCN ressaltam a importância de preparar o aluno para as interações


diante das situadas mais diversas, destacando, em especial, as situações que
envolvem um público maior e exigem certo grau de formalidade, como é o
caso de um seminário, ou debate, por exemplo. Quando dado ao educando a
possibilidade de usar da fala para daí em diante desenvolver a escrita, a
escola proporciona a reflexão das normas culta com a linguagem cotidiana.

3 ANÁLISES E DISCUSSÕES
Comentar sobre o trabalho envolvendo oralidade e escrita exige não só
o envolvimento do professor, mas também de todos aqueles que fazem parte
do contexto didático-pedagógico. Ou seja, é preciso realizar um trabalho
coletivo, um apoio pedagógico que mobilize e incentive o professor,
apresentar e discutir sobre referências teóricas, documentos oficiais que lhe
sirvam de suporte, já que nos livros didáticos do ensino fundamental a
oralidade e a escrita se apresentam num espaço menos privilegiado.

Nas turmas de 1º ao 5º ano tem alunos que não conseguem ler com
fluência, alguns ainda não são capazes de escrever pequenos textos ou
compreender o que leu, deixando os professores preocupados com esses
resultados.
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Entre os alunos de 1º, 2º e 3º ano, foi observado um alto índice de


alunos com bastantes dificuldades na leitura e na escrita. De 18 alunos
observados, 10% ainda não consegue ler frases curtas; 50% leem pequenos
textos, mas não compreendem o que leram; 15% leem, mas não conseguem
escrever. Somente 25% dos alunos observados conseguem ler e interpretar
pequenos textos.

Dentre os alunos de 4º e 5º ano, o índice permaneceu mostrando as


mesmas dificuldades. Dos 22 observados, 60% mostraram dificuldades na
escrita e interpretação de pequenos textos compatíveis com os seus níveis. Os
outros 40%, na leitura e na escrita, demonstraram desenvoltura na hora da
leitura e na interpretação de texto.

Concordando com Soares (2001), a leitura e a escrita é o caminho para


desenvolvimento das demais áreas do conhecimento e a maior ferramenta de
comunicação entre as pessoas dentro de uma sociedade.

Segundo Freire (1996 p. 136), “a leitura de mundo revela,


evidentemente, a inteligência do mundo que vem cultural e socialmente se
constituindo. Revela também o trabalho individual de cada sujeito no próprio
processo de assimilação da inteligência do mundo”.

Concordando com o que afirma Soares e Freire, o professor precisa


trabalhar com os educandos valorizando o conhecimento prévio para através
deste, dar sentido ao processo de aquisição da aprendizagem.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Falar sobre a oralidade e escrita é um desafio muito grande e em


primeiro lugar, há necessidade de reconhecimento da especificidade da
alfabetização, entendida como processo de aquisição e apropriação do
sistema da escrita, alfabético e ortográfico; em segundo lugar, e como
decorrência, a importância de que a alfabetização se desenvolva num
contexto de letramento entendido este, no que se refere à etapa inicial da
aprendizagem da escrita, como a participação em eventos variados de leitura
e de escrita.

E como consequência, o desenvolvimento de habilidades de uso da


leitura e da escrita nas práticas sociais que envolvem a língua escrita e de
atitudes positivas em relação a essas práticas; em terceiro lugar, o
reconhecimento de que tanto a alfabetização quanto o letramento têm
diferentes dimensões, ou facetas, a natureza de cada uma delas demandando
uma metodologia diferente, de maneira que a aprendizagem inicial da língua
escrita exige múltiplas funções.

Ao observar o desenvolvimento da oralidade, foi possível analisar o


quanto ela é importante para fundamentar a escrita; e como a escrita serve
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para socialização humana, quando valorizada resgata as histórias de mundo


dos homens que se formam a partir de seu contexto social.

Levar o aluno a refletir, possibilitará que ele perceba a importância de


interagir em contextos diferentes, e para isso, será preciso utilizar variados
gêneros orais e escritos. É importante registrar também o fato de que os
educandos demonstram contentamento em produzir os textos orais e escritos.

Nessa concepção, o ambiente escolar deve oferecer aos alunos uma


prática, o que contribuirá também para o desenvolvimento do sujeito
enquanto autor de seu discurso em diferentes lugares, desde os mais
espontâneos aos mais formais.

REFERÊNCIAS

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Nacionais: terceiro e quarto ciclos do ensino fundamental - língua
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FERREIRO, Emília; TEBEROSKY Ana. Psicogênese da língua escrita.
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_______________. Alfabetização e letramento. São Paulo: Contexto, 2005.
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Narrativas e Memórias:
a construção da escrita acadêmica na licenciatura em
educação do campo (UFRRJ)

Fabrícia Vellasquez Paiva 1

Régis Alexsandro Taveira Teixeira2

RESUMO
O presente trabalho tem como objetivo socializar uma experiência de construção da
escrita a partir de um Curso de Licenciatura em Educação do Campo da Universidade
Federal Rural do Rio de Janeiro, de onde partem nossas inquietações e nossos
diálogos. Trata-se de uma vivência quanto às marcas de resistência da oralidade nos
escritos acadêmicos, como composição de uma identidade docente específica.
Constitui-se, ademais, como uma valiosa experiência de memória de formação para a
vida profissional, com significativos impactos nos sujeitos sociais ali envolvidos.

Palavras-chave: escrita, educação do campo, oralidade.

1
Contato do(a) autor(a): fabriciavellasquez@yahoo.com.br. Professora da UFRRJ.
2
Contato do(a) autor(a): regisalexsandro.ufrural.rj@gmail.com. Mestrando da
UFRRJ.
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INTRODUÇÃO

O presente artigo surge de uma necessidade de socialização de práticas


de construção escrita vivenciadas durante a proposta de Oficina de Texto, ao
longo de encontros do Curso de Licenciatura em Educação do Campo da
Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ). Não apenas a análise
linguística, mas, especialmente, a forma de composição desse aporte
representativo da linguagem, por meio da escrita, é, pois, o principal objetivo
desse trabalho.

Trata-se de uma experiência de aproximação e de distanciamento, em


um movimento aparentemente paradoxal, entre oralidade e escrita como
marcas de identidades docentes em formação. Processos de elaboração de
uma linguagem tipicamente acadêmica, de letramento científico, dividem
espaço com marcas orais de compreensão das realidades de mundo, oriundas
da socialização de uma turma composta, toda, por movimentos sociais.

Pela história típica dos alunos, sabemos que a linguagem é um


instrumento de grande importância tanto para a comunicação em si, quanto
pela legitimação de um discurso coletivo – tão caro para as demandas de cada
grupo social em movimento. Nesse sentido, o que nos chamou a atenção,
nessas vivências, não foi da capacidade de articulação ou não dos
licenciandos na universidade, mas, sim, de uma possível resistência que fora
sendo percebida em alguns escritos, sobretudo naqueles que exigiam, dos
alunos, uma vinculação ainda mais restrita à escrita, com suas marcas
próprias, e, nesta, uma diretriz eminentemente “acadêmica”.

1 Conhecendo os alunos: um mergulho na Licenciatura


em Educação do Campo

O Curso surgiu visando ao atendimento de uma demanda de garantia de


escolarização dos trabalhadores rurais das áreas de Reforma Agrária do
Estado do Rio de Janeiro. Apresentava, pois, uma preocupação quanto a uma
política pública voltada para o desenvolvimento intelectual e cultural destes
trabalhadores, que fosse consolidada por meio do aumento do acesso à
escolarização de ensino médio e superior.

Considerando-se, ainda, que a política educacional no Brasil carece de


uma dinâmica eficaz no sentido de realmente integrar uma formação docente
em áreas consideradas rurais, indígenas, quilombolas, etc., a UFRRJ foi
convidada, pelo Ministério da Educação (MEC), a desenvolver um Projeto de
Licenciatura em Educação do Campo com vistas à necessidade de
democratização do acesso e da permanência nesses espaços.
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A proposta de Curso, portanto, surge com o objetivo principal de


formação, em nível superior, de sessenta (60) educadores em três (3) anos,
para atuação tanto nos anos finais do Ensino Fundamental (segundo
segmento), quanto no Ensino Médio das Escolas do Campo. Para tal, tem
como campos epistemológicos duas grandes áreas de conhecimento, a saber:
ciências sociais e humanidades; e agroecologia e segurança alimentar.

Nesse sentido, também apresentou, desde o princípio, a preocupação


com a formação da docência multidisciplinar e para a gestão de processos de
educação básica em escolas do campo, bem como o desenvolvimento de
estratégias pedagógicas que visem à formação de sujeitos humanos
autônomos e criativos, com capacidade de refletir sobre sua realidade,
concebendo, para tal, projetos interventivos que eficientemente produzam
mudanças significativas em seus contextos de atuação.

Vale lembrar que, para garantir uma formação docente no mesmo


padrão das demais licenciaturas, o curso fora fundamentado nos princípios
construídos na luta dos profissionais da educação por uma formação docente
substantiva, explicitados pela Associação Nacional pela Formação dos
Profissionais da Educação (ANFOPE). Esses pressupostos, fundamentais a
uma identidade docente qualificada, compreendem tanto a
interdisciplinaridade como fundamento epistemológico básico que
materializa a complexidade, quanto o trabalho pedagógico
partilhado/coletivo. Além disso, consideram a articulação entre teoria e
prática, bem como a pesquisa como princípio educativo de conhecimento e
intervenção na realidade.

Vemos, assim, que o processo de composição do Curso procurou


contemplar o propósito dessa formação diferenciada: de um lado, valendo-se
dos conceitos para legitimação dessa nova proposta; de outro, garantindo
uma flexibilidade curricular própria dos e para os movimentos. Ademais, o
Projeto político-pedagógico foi formulado a partir da orientação das
demandas advindas de encontros realizados e promovidos na UFRRJ:
Seminários, Fóruns e Projetos sobre a Educação do Campo, Juventude Rural,
Movimentos Sociais, Educação em Contextos Específicos, Escola Ativa e
Agroecologia.

Outro ponto relevante é a significativa presença de sujeitos que, mesmo


distante do domínio da educação formal, são importantes e envolvem-se,
tanto política quanto socialmente, com as questões da Educação do Campo –
viabilizando não apenas a discussão sobre ela, mas, principalmente,
contribuindo para a formulação de políticas públicas. Essas experiências têm
podido fomentar processos incipientes de democratização, de socialização de
poder, de afirmação de identidades que, apesar de em contextos ainda locais,
já fortalecem ambientes coletivos.
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Todo esse breve histórico da Licenciatura em Educação do Campo – tão


caro à compreensão do próprio processo de consolidação do Curso – nos
permite aprofundar as questões relativas a esse trabalho: como, em uma
proposta de democratização do ensino superior, se situa o letramento
científico? O que fazer com a escrita e com a oralidade – permite-se às duas o
mesmo peso? Como se situam a memória, a narrativa livre, em detrimento de
uma escrita padronizada e com traços peculiares de composição?
Tentaremos, assim, trabalhar essas inquietações ao longo desse artigo,
convidando o leitor a refletir conosco sobre um curso da história que ainda se
encontra aberto.

2 Conhecendo os escritos: a proposta das Oficinas de


Textos

A proposta curricular do Curso procurou contemplar, ao longo da


formação, a dinâmica das Oficinas de Textos. Não havia a necessidade de
uma disciplina de produção textual, como comumente tem se observado em
alguns cursos de graduação. A ideia era, sim, a de se pensar um momento
mais “livre”, em que a própria ideia de texto pudesse ser (re)construída com
os alunos ao longo dos encontros. Tirava-se, assim, o peso acadêmico
atribuído à linguagem escrita.

É importante registrar que o curso prevê, como metodologia, a


Pedagogia da Alternância, na qual os alunos realizam etapas da Universidade
(Tempo escola) e nos movimentos (Tempo comunidade) – dialogando o
tempo todo com a realidade acadêmica e a experiência coletiva nos
movimentos. Nesse sentido, para a realização da oficina, foram estudados
alguns diários, também em registro escrito, que os alunos preenchem como
atividade do Curso – tanto no tempo escola quanto no previsto em cada
comunidade. Esses cadernos, vale dizer, contêm toda a impressão do aluno
acerca das aulas, das dinâmicas, dos momentos, enfim, vivenciados por eles
nesse processo formativo.

Some-se a isso o fato de que essas oficinas deveriam privilegiar as


relações estabelecidas entre a formação do educador e suas histórias de vida,
as memórias, a formação política e ideológica na perspectiva freireana e suas
conseqüências na utilização e produção do material didático, na formação de
educandos preocupados com o restabelecimento de espaços e atitudes que
privilegiem a arte do diálogo e a conscientização.

Partindo das contribuições de Stuart Hall (1997) e de Boaventura de


Sousa Santos (1997), é preciso considerar, em uma sociedade que se
apresenta como democrática, não mais o multiculturalismo, mas os
multiculturalismos, no sentido de se permitir, especialmente na Educação,
possibilidades de integração efetivamente consolidadas. Faz-se necessário,
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nesse sentido, considerar a cultura como formas diferentes de se representar


publicamente o social, não permitindo, pois, que ela seja mais um
instrumento de segregação. Sobre isso, Graça Paulino (2001) diz que:
[...] o sistema social percorre e contamina todo o processamento da
comunicação letrada, desde a natureza da própria linguagem, que é
social, até os limites de interpretação e réplica dos leitores em
determinada época, em determinadas condições político-econômicas,
sob determinadas restrições ideológicas (PAULINO, 2001, p. 22).

Logo, fosse pela proposta das Oficinas ou pela importância de se


trabalhar as marcas de identidade na escrita – sem desconsiderar as
construções próprias de comunicação em cada texto produzido –, cada
momento foi construído com diálogos orais e buscando, inicialmente, os
textos memorialísticos, por meio de produções mais “livres”, para que se
pudesse chegar, mais naturalmente, às composições mais específicas, a partir
de uma padronização acadêmica. Como o Projeto do Curso valoriza o ser
como sujeito da própria história, e, nesse sentido, a autoconfiança na
capacidade intelectual das pessoas, as experiências educacionais e políticas
dos educadores foram essenciais nessas reflexões, também como
possibilidade de compreensão da ação coletiva, via textos.

Optou-se, assim, além do aspecto oral e memorialístico, inicialmente,


por uma composição escrita mais criativa, porque livre: após algumas
apresentações de textos de literatura, por meio da mediação de leitura em voz
alta, os alunos foram convidados a também produzir textos literários, em
forma argumentativa, sem um tema único. Esse ambiente coletivo e
educacional pode cumprir com papel libertador e de emancipação humana,
abrindo novos espaços de atuação, por onde ecoarão as vozes daqueles que,
em nome do respeito às diferenças e da igualdade, sempre foram silenciados.
Associar a uma variedade linguística a comunicação escrita implica
iniciar um processo de reflexão sobre tal variedade e um processo de
“elaboração” da mesma [...]. Tal associação foi um passo fundamental
no processo de “legitimação” de uma norma (GNERRE, 2009, p. 8).

Tal como Gnerre, nossa preocupação sempre fora a de viabilizar uma


reflexão, pela elaboração da escrita, daquilo que era possível produzir. Era
preciso, sim, que os alunos se vissem como autores, e, nessas autorias, como
sujeitos constituintes da própria história, da própria memória, e de uma
escrita particular, enfim. Ainda que, vale dizer, essa norma não fosse
legitimada academicamente em um primeiro momento.

No entanto, produções textuais riquíssimas puderam surgir nesses


escritos, ainda reservando traços fortes da oralidade, mas realçando uma
identidade que insistia – ou resistia – em se eternizar por meio da escrita.
Esse dado não foi por nós despercebido. Pelo contrário: sempre no sentido de
criar um ambiente favorável à introdução do letramento científico, ele fora
trabalhado com os alunos ao longo das Oficinas. Afinal, também acreditamos
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que era preciso não isentá-los desse conhecimento também acadêmico, sob
pena de fazer a não-democracia do saber, de continuar permitindo apenas o
acesso restrito ou a entrada em alguns campos da informação que sejam
apenas úteis, para fins utilitários ou ainda condizentes com a prática de
determinados grupos.

3 Resistir e conhecer é preciso: dos textos literários à


escrita do projeto

Em um pequeno artigo publicado em seu livro Contracorrente:


conversas sobre leitura e política (1999), Ana Maria Machado apresenta a
expressão, que é parte emblemática, ou título, da ideia do texto – Tulutatulê,
vinda de “Tu luta, tu lê” –, como uma única, e mais: uma “palavra mágica”.
O enunciado, tal como fora escrito, foi percebido por ela rascunhado por um
aluno de uma turma composta por um grupo de operários em meio a uma
construção em Copacabana, no Rio de Janeiro.

A autora, em recente contato com o método de Paulo Freire à época –


pedagogia da emancipação ou do oprimido –, tinha resolvido aplicar pela
primeira vez a experiência com os novos alunos, sempre preconizando a
importância de se trabalhar com a realidade deles. Foi quando teve a surpresa
– o fato em si não a incomodou. O que a surpreendeu, isso sim, foi a exatidão
de como cada aluno encara a linguagem e o poder que ela assume. Segundo
ela:
De repente, um aluno escreveu uma longa palavra esquisita,
parecendo palavra mágica: Tu luta, tu lê. Levei um susto. Não só com
a emoção de ver como era rápido, como ele era capaz de criar de
imediato um uso impessoal e coletivo para o único pronome capaz de
escrever no momento... mas também pela ordem que deu a seu
pensamento. Não se tratava de ler para poder lutar, como propunha
meu coração de vinte anos, mas de lutar para conseguir ler. A leitura
era o objetivo, a meta. A luta era só um meio de se chegar lá
(MACHADO, 1999, p. 124).

A mesma inquietação pôde ser vivenciada com as resistências, via


linguagem escrita, que insistiam em “se marcar” a cada texto, a cada novo
encontro na UFRRJ. Como expressões “teimosas”, as marcas da
comunicação oral, vivenciadas pelos alunos em suas práticas cotidianas, eram
trazidas – em alguns momentos como que à revelia de qualquer processo
“formal” – para qualquer gênero em que tais escritos eram sugeridos e/ou
solicitados. Só que tal traço, no entanto, não representou, em nenhum
encontro, uma barreira, uma dificuldade ou mesmo uma resistência na
produção.

Eis o ponto. A resistência não estava no ato de escrever, mas na maneira


como se escreve, e independentemente de quem fosse o interlocutor. Sendo
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esse ponto, pois, explorado, iniciamos a discussão com a leitura de um texto


de literatura infantojuvenil: De carta em carta, de Ana Maria Machado, e foi
proposta uma produção no gênero epistolar, em forma argumentativa. A ideia
da argumentação, via carta, trabalharia, mais livremente, a necessidade de
também se pensar – principalmente com vistas ao atendimento de demandas
– um destinatário, um contexto de produção, bem como as características de
um padrão escrita que poderia, e deveria, ser conhecido – ainda que não se
quisesse fazer uso desse mecanismo em outros ambientes. E a opção pela
literatura tende a romper a hierarquia sobre a qual o sistema educacional se
apóia e dá lugar a uma relação mais democrática entre o professor e o aluno.
Para Zilberman, a literatura “revela a possibilidade de ruptura com os laços
ideológicos que convertem a escola em sala de espera da engrenagem
burguesa” (1985, p.22).

Foi possível, com isso, iniciar com os alunos um debate sobre a


importância da comunicação, em suas diversas variantes, para a mobilização
social e do uso da linguagem não apenas para este momento de educação
formal institucionalizada, mas, a partir disso, para o próprio movimento
social. Ademais, a apropriação de escritos, n plural, também era um ponto
fundamental para a legitimação desse grupo de alunos em uma universidade
pública, bem como o uso contextualizado da linguagem – como fim
acadêmico, mas, sobretudo, como empoderamento de um lugar ocupado
também nos movimentos – ferramenta fundamental de comunicação entre
sujeitos sociais.

As estratégias de comunicação, sejam escritas ou orais, puderam ser


apropriadas por cada licenciando de acordo com a realidade de cada grupo
social, sendo, pois, entendidas como ferramenta de comunicação e,
consequentemente, em atendimento àqueles de que deles necessitam. Como
nos lembra Henriques:
Diante dos desafios de mobilizar os sujeitos no cenário
contemporâneo, torna-se cada vez mais evidente a necessidade de que
a comunicação seja tratada de uma maneira estratégica. Isso pode ser
explicado por vários motivos: (a) os meios de comunicação tornaram-
se hoje um complexo de veículos e canais, cada um com suas
peculiaridades técnicas e de linguagem, cujo uso pressupõe algum
conhecimento especializado e uma apreensão de sua lógica de
operação; (b) a posse dos meios de comunicação e o acesso a eles se
dão de forma assimétrica, sujeitos a interesses nem sempre
convergentes e compatíveis com a causa que se deseja defender; (c)
para inúmeros conteúdos especializados que compõem a
problematização de causas sociais torna-se indispensável uma
tradução da fala especializada, de tal maneira que se produza uma
informação qualificada, plenamente acessível aos não-especialistas; e
(d) a necessidade de arregimentar e organizar recursos simbólicos, que
promovam não apenas a visibilidade, mas também as condições
necessárias para vinculação dos atores e para a cooperação
(HENRIQUES, 2009, p. 10).
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Logo, a comunicação para a mobilização social deve ser pensada e


estimulada de forma estratégica pelo grupo e para o próprio grupo, de forma
a viabilizar a linguagem como uma efetiva realização de diálogo e de
colocação de demandas. Afinal, a construção de uma possibilidade de
comunicação real, para a coletividade, é não apenas fundamental naquele
contexto em que os licenciandos se encontram, mas, sobretudo, para seus
assentamentos e contextos de socialização. Aliás, a ideia é justamente essa:
promover, pela exemplaridade, as viabilidades de construção de discursos, no
plural, com argumentações possíveis às reivindicações.

O momento das oficinas vem sendo entendido como essa possibilidade


de construção com esses sujeitos históricos, como forma de se refletir sobre a
necessidade de administrar estrategicamente os meios para gerar
identificação do movimento ou projeto mobilizador, para que seja
reconhecido pelos públicos. A ideia é, pois, não apenas socializar as
informações formais de utilização da linguagem, mas também não prescindir
delas – estabelecendo uma relação necessária entre os suportes padrão e não
padrão de manifestação da comunicação.

Isso porque, se entendemos que é preciso considerar aquilo que os


movimentos já possuem construído como forma de articulação, de
comunicação e de diálogo, também precisamos não negligenciá-los quanto às
estruturais formais de organização de um discurso mais legítimos – não
porque o é, de fato, mas porque fora socialmente construído. E, justamente
em função dessas elaborações específicas de pensamento e de linguagem,
mais ou menos aceitas com facilidade, é que cabe também à universidade a
socialização desses padrões de discurso.
[Outros escritos] traduzem as aspirações de uma população semi-
alfabetizada que disputa com os grandes e os poderosos seus
monopólios sobre a escrita visível. Se as escritas expostas são um dos
instrumentos utilizados pelos poderes e pelas elites para enunciar sua
dominação – e conquistar adesão –, são também uma forma de os
mais fracos manifestarem sua existência ou afirmarem seus protestos
(CHARTIER, 2002, p. 81).

Entendidos os processos e os valores de se conhecer as variantes


escritas – formais e acadêmicas, para além das coloquiais oralizadas – vimos
que as marcas orais ainda assim se mantinham, ratificando, de certa forma, a
tese primeira, ainda que incipientemente, de que o oral poderia ser uma
escolha, uma marca própria de identidade docente que se constituía dentro
dos muros da Universidade.

Importa-nos, portanto, questionar – tal como vimos tentando realizar no


momento – que tipo de memória se quer construir e/ou permitir: se a
(re)produção de uma escrita que é legítima, porque formal para aquele
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contexto ou se uma (neo)produção a partir de simbolismos e representações


outros, que tanto eternizem quanto a marca gráfica forçada do traço no papel.

Os projetos de pesquisa, instrumentos de caracterização, por natureza,


acadêmica, trouxeram consigo ainda essas marcas, embora grafadas, de
sonorização evidente, como uma resistência de voz que não se podia calar;
que não devia, por fim, silenciar. Essas vozes vêm compondo, sem prejuízo
ao texto escrito, uma tessitura de significados de uma memória, de uma
trajetória, de uma história, enfim. Logo, se o oral também se ensina e se é
possível construir discursos dialógicos, há de se encontrar um ponto em
comum entre o verbal da articulação e da grafia para um mesmo fim: o de
formação de uma identidade docente.

CONSIDERAÇÕES FINAIS
Vemos, assim, que a linguagem, antes de se transformar em discurso
legítimo, pode, se utilizada com recursos estéticos, subverter a ordem da
própria língua, tal como elucida Barthes (2007), se alimentando na fonte de
valores de cultura, expressos em padrões de produção que nem sempre são
considerados, mas são saberes. Assim, todo escritor, quando assim se
reconhece, sabe de sua função indiscreta de invasão de um território especial
da língua. É, pois, um fenômeno de ordem social – superior a ele.

Percebemos, também, que os participantes das oficinas consideraram,


em seus escritos, muito mais as marcas orais como um espaço especial da
linguagem. E com tudo o que pudemos discutir no presente trabalho, aliado
ao resultado concreto de construção dos projetos pelos alunos, postula, para
nós, um importante movimento de trabalho conjunto, como forma de
procurar focar no aluno-autor aquilo que de fato pode representar um
diferencial para sua vida em cidadania.

Por fim, o processo de construção das oficinas considerou as recentes


transformações societárias e educacionais, fomentando debates políticos em
torno das orientações históricas, pedagógicas e éticas que deve sempre existir
no processo de ensino-aprendizagem e na relação dialógica entre educador e
educando. Teve como objetivo a efetivação de um momento de produção
coletiva cuja manifestação pôde ser vivenciada nos escritos de cada projeto .

REFERÊNCIAS

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quebradas: trajetórias e tempos de alunos e mestres. Petrópolis: Vozes, 2004.
BARTHES, Rolland. Aula. São Paulo: Cultrix, 2007.
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Acesso: http://www.boaventuradesousasantos.pt/pages/pt/artigos-em-
revistas-cientificas.php, acessado em 28/07/2011.
SANTOS, Milton. O espaço dividido. São Paulo: Editora da Universidade de
SP, 2008.
SCHERER-WARREN, Ilse. Das ações coletivas às redes de movimentos
sociais. Controle social e democracia.Belo Horizonte, UFMG, 2009 (texto
do Programa de Formação de Conselheiros Nacionais, p. 9-35).
SEN, Amartya. Desenvolvimento como Liberdade. São Paulo: Cia. Das
Letras, 2000.
ZILBERMAN, Regina. A Literatura Infantil na Escola. São Paulo: Global,
1985.
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Oralidade e Escrita na Prática Escolar
ISSN: 2177-4072

Avaliação da Linguagem Escrita

Catharine Prata Seixas1

RESUMO

O presente estudo versa sobre as reflexões da avaliação da linguagem escrita sob o


olhar da Fonoaudiologia. Trata-se de um estudo de caso, onde os aspectos
encontrados na avaliação de linguagem serão descritos, relatando as dificuldades, os
anseios e a experiência adquirida no decorrer do processo. Diariamente a temática
acerca da linguagem oral e escrita está presente na prática fonoaudiológica, uma vez
que a alteração nesses âmbitos implica na interferência de vários aspectos da vida do
sujeito. Na sociedade em que vivemos, tanto a leitura como a escrita são vistas como
algo imprescindível. A todo o momento as utilizamos, seja para nos comunicarmos
uns com os outros; na escola, em casa ou em um encontro trivial. Avaliar a linguagem
requer um olhar cuidadoso, uma vez que esta tem um papel central na vida humana,
contribuindo para o desenvolvimento de habilidades cognitivas e sociais.

Palavras-chave: Avaliação, Fonoaudiologia, Linguagem.

1
Contato do(a) autor(a): catharineseixas@hotmail.com. Graduanda em
Fonoaudiologia pela Universidade Federal de Sergipe e membro do Núcleo de
pesquisa em Inclusão Escolar da Pessoa com deficiência
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INTRODUÇÃO

Acosta et al (2003) ressaltam que a linguagem é uma das funções do ser


humano que apresenta uma evolução das mais complexas em sua aquisição e
desenvolvimento, devido à interação de enorme número de variáveis, tais
como maturidade neurológica, afetividade, desenvolvimento cognitivo,
correta maturação dos órgãos periféricos da linguagem ou os contextos nos
quais a criança está inserida.

O objetivo deste artigo é destacar a importância da avaliação da


linguagem, para isso foi utilizado como metodologia um estudo de caso, para
que possamos apresentar os aspectos relevantes. O caso refere-se ao relato de
um aluno da sexta série do ensino fundamental, que será identificado como
L., trata-se da descrição da sua avaliação, esses dados foram colhidos com o
intuito de analisar a sua produção nas atividades solicitadas, não sendo
iniciada a terapia.

O processo de avaliação da linguagem não é fácil, a avaliação clínica é


uma das etapas do processo que envolve a atuação fonoaudiológica,
principalmente a atuação clínica ligada à prevenção e à reabilitação.

A avaliação clínica nos remete ao conhecimento e o uso de uma série de


ferramentas técnicas, especificamente ligadas à Fonoaudiologia e à
comunicação humana, mas também, questões mais abrangentes relativas ao
ser humano e suas relações e sentimentos sobre o meio que o cerca.

Segundo Hage (2001), os procedimentos de avaliação de linguagem


podem ser divididos em quatro categorias básicas: testes padronizados,
protocolos não padronizados, observação comportamental e escalas de
desenvolvimento. Tanto os testes como os protocolos não padronizados de
avaliação de linguagem são estruturados para investigar as diversas
dimensões da linguagem, a saber, fonologia, sintaxe, semântica, pragmática e
implicam em algum nível de oralidade.

1 Anamnese

O aluno avaliado será aqui identificado com a letra L. Inicialmente


aplicou-se a anamnese, com o propósito de investigar a queixa que o sujeito
apresenta, nesse caso, L. 12 anos, apresentou a queixa de dificuldade para ler
e escrever.

Para identificar possíveis causas da queixa, questionou-se a história


pregressa, desenvolvimento motor e aspectos do comportamento geral.
Direcionei as perguntas com o intuito de obter os dados específicos da
queixa, sendo assim, consegui relatos cronológicos da mesma, segundo a
mãe, L. ingressou na creche a partir do primeiro ano e permaneceu até os três
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anos, sendo nesta idade o momento do seu ingresso na escola particular e


quando começaram as dificuldades na escola, a mãe era chamada
frequentemente com reclamações dos professores, estes relatavam que seu
filho era muito desatento e não acompanhava as atividades de sala de aula,
era uma criança hiperativa.

Devido a sua dificuldade no âmbito da linguagem faz parte de um


projeto que tem por objetivo reforçar aquilo que foi visto no horário das
aulas. Fez uso de medicação Ritalina, apenas durante o período letivo, com
dosagem de um comprimido antes de sair para suas atividades, tendo sido
modificado no atual semestre por Gaballon 8/8 horas orientado pela
neurologista, a mãe relata que sem o uso do medicamento ele é muito
relaxado, a medicação o deixa mais atento e o mesmo faz uso da medicação
desde os sete anos de idade.

Segundo a Associação brasileira do déficit de atenção (2011), o TDAH


é um transtorno neurobiológico, com grande participação genética, isto é,
existe chances maiores de ele ser herdado, que tem início na infância e que
pode persistir na vida adulta, comprometendo o funcionamento da pessoa em
vários setores de sua vida, e se caracteriza por três grupos de alterações:
hiperatividade, impulsividade e desatenção. A pessoa com TDAH é
comumente muito desorganizada, graças em primeiro lugar à falha da
atenção, mas também devido à sua hiperatividade. Por isso freqüentemente
perde, ou não sabe onde colocou, objetos tais como canetas, óculos, livros,
chaves, telefone celular, etc..., e não é raro depois achar esses mesmos
objetos nos locais mais estranhos, porque foram inadvertidamente colocados
ali num momento de distração, quando um outro estímulo desviou a atenção
do que a pessoa estava fazendo.

O uso da Ritalina ou Gaballon é descrito na literatura, em específico


pela Revista Brasileira de Psiquiatria (2000), como as medicações
estimulantes de primeira escolha. Existem mais de 150 estudos controlados,
bem conduzidos metodologicamente, demonstrando a eficácia destes
fármacos.

Algumas características do TDAH estão presentes em L. e interferem


diretamente na aquisição e desenvolvimento da linguagem. Cabe ressaltar
que durante todo o processo de avaliação, L. mostrou-se muitas vezes apático
para as atividades (o que segundo a mãe, esse comportamento mudou devido
ao uso da Ritalina).

2 Avaliação da Linguagem

Avaliar remete-nos ao ato de fazer estimativas sobre um objeto ou


evento em particular, de acordo com algum parâmetro. No cotidiano dos
profissionais de saúde e da educação, a ação de avaliar para diagnosticar é
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uma visão ampla, repetindo-se no cotidiano de forma contínua e permeando


todo o fazer clínico.

Utilizou-se para avaliação da linguagem escrita, provas que


envolvessem habilidades de leitura oral, silenciosa, redação e ditado. As
alterações encontradas serão a seguir descritas de acordo com os critérios
linguísticos que caracterizam o sistema alfabético de escrita do português.

Realizou-se o ditado, foram detectados os seguintes erros: substituições


entre grafemas que representam os fonemas surdos e sonoros, omissões,
apoio na oralidade e junção-separação indevida de palavras.

Segundo Zorzi (2001), identificar em uma palavra a presença dos sons


que a compõem , exige da criança a habilidade denominada, ‘’consciência
fonológica’’, assim sendo, sugere-se nesse caso avaliação da consciência
fonológica. Tendo em vista que as alterações da escrita decorrentes das
chamadas trocas surdo-sonoras, quando sistemáticas e duradouras estão em
geral relacionadas a processos de fala (percepção e produção).

Zorzi (1998), diz que a escrita apoiada na oralidade nada mais faz do
que confirmar a existência desse processo e a forte influência que padrões
acústicos e articulatórios, ou seja, os mecanismos da oralidade exercem sobre
a escrita, principalmente em suas etapas iniciais. À medida que a criança
passa a compreender que a escrita alfabética não significa uma escrita do
modo como se fala (fonética), isto é, ela tem que compreender que pode
haver variações ou diferenças entre o modo de falar e o de escrever.

O padrão de construção silábica pode ser relacionado às omissões, uma


vez que para escrever corretamente as palavras, torna-se necessário o
domínio das estruturas menores que a compõem, nesse caso, as sílabas.
Demonstra não dominar a estruturação da palavra, podendo não estar
detectando todos os componentes que a constituem.

Na leitura oral como na leitura silenciosa confirmamos as estratégias:


acompanhou com o dedo, movimentos de cabeça e articulação das palavras
silenciosamente. Sua leitura foi considerada lenta, com nível de
decodificação silábico. Ficou claro a sua compreensão parcial do material
lido, não havendo apreensão do núcleo do texto, dos vínculos temporais e
causais. A leitura não foi fluente, sem respeitar sinais de pontuação, sem
entonação e falha na coordenação pneumofonoarticulatória. Há falha na
decodificação, uma vez que L. faz redução de vocábulos, aglutinação e
substituição.

Ferreiro e Teberosky (1985) definem o nível silábico se delimita quando


a criança percebe que é possível representar graficamente a linguagem oral.
Ela faz então várias tentativas para estabelecer uma relação entre a produção
oral e a produção gráfica, entre o som e a grafia. E começa, com essas
tentativas, a relacionar o que escreve com as sílabas das palavras faladas que
deseja representar. Entretanto, com seu conhecimento prévio sobre o material
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escrito, utiliza-se de letras que podem não representar os respectivos sons.


Ela percebe nessa fase que pode escrever tudo o que deseja, mesmo que
aquilo que expressa graficamente não possa ser decifrado por outras pessoas.
Também nessa fase, pode aceitar relutante o fato de escrever palavras
menores com poucas letras ou ainda pode se usar, ao escrever uma frase, uma
letra somente para uma palavra inteira. A criança passa, então, a conviver
com esses dois tipos de correspondência entre a grafia e o som, adentrando
assim no nível silábico-alfabético.

Na ordenação de vocábulos em sentenças, apresentou dificuldade para


entender a instrução, necessitando visualizar um exemplo, ainda assim, para
realização da prova apresentou-se opções, perceptível a limitação de
vocabulário, apoiando-se sempre no exemplo dado, e utilizando sempre
pronome do caso reto (eu), e artigos. Apesar das poucas variações de
palavras, demonstra a necessidade de coesão entre elas, caracterizando um
estabelecimento de relações sintático-semântico.

Ao complementar e formar as sentenças compreende o conteúdo das


sentenças, evoca elementos que estão presentes no contexto, utiliza artigos,
preposições e raramente verbos. Demonstra dificuldade de concordância
nominal e verbal, os seus desvios acontecem sistematicamente. Ao realizar
essa prova, percebeu-se a mesma dificuldade da prova anterior, dificuldade
no estabelecimento das relações morfossintáticas e/ou semânticas entre os
elementos das sentenças, além da dificuldade de atenção, sendo mais
explícito nessa prova a restrição lexical do paciente.

Na sequencialização de parágrafos, assim como na leitura oral e


silenciosa, não estabeleceu vínculos temporais e causais entre os parágrafos e
sentenças. Foi necessária nesse momento, a repetição da leitura do texto e
apoio visual. Observou-se a compreensão parcial do texto, não entendendo a
ordem que este se apresenta: início, meio e fim.

Solicitou-se que L. realizasse a cópia de palavras e cópia de texto, na


cópia de palavras reproduziu todas corretamente, já na cópia do texto,
observei a insistência de omissões, traçado irregular e ausência de pontuação,
sendo assim, apresenta dificuldade para transferir a recepção de símbolos
gráficos para emissão.

A produção da redação apresenta todos os erros das provas anteriores,


percebe-se que L. não consegue decifrar o que foi escrito quando faz a
leitura, ele percebe o erro de sua escrita, porém no momento de realizá-la não
faz as correções necessárias, errando sistematicamente.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A avaliação da linguagem é essencial, uma vez que a linguagem é uma


das funções do ser humano que apresenta uma evolução das mais complexas
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em sua aquisição e desenvolvimento, devido à interação de enorme número


de variáveis.

A anamnese auxilia inicialmente a avaliação, esclarecendo acerca da


queixa, proporcionando um diagnóstico condizente com o caso. A análise da
avaliação de L. deixa explícita sua dificuldade em diversos parâmetros:
substituições entre grafemas que representam os fonemas surdos e sonoros,
omissões, apoio na oralidade e junção-separação indevida de palavras.

Aplicar testes não padronizados supõe um estreitamento da ligação


entre o diagnóstico inicial e o programa de intervenção. Analisar cada tarefa e
ter uma reflexão crítica de como se desenvolve cada sessão de avaliação são
pilares fundamentais que nos permitem elaborar um bom diagnóstico,
prognóstico preciso e planejamento coerente e estruturado.

REFERÊNCIAS

ACOSTA, Victor M. et al. Avaliação da linguagem: teoria e prática do


processo de avaliação do comportamento lingüístico infantil. São Paulo:
Santos, 2003. p. 17-31.
Associação Brasileira do Déficit de Atenção disponível em
http://www.tdah.org.br/; acesso 10/10/2011.
FERREIRO, E. e TEBEROSKY, A. A psicogênese da língua escrita. Porto
Alegre, Artes Médicas, 1985.
Goulart BNG, Chiari BM. Construção e aplicação de indicadores de saúde na
perspectiva fonoaudiológica: contribuições para reflexão. Rev Soc Bras
Fonoaudiol. 2006;11(3):194-204.
HAGE, S.R.V.; GUERREIRO, M.M. Distúrbio Específico do
Desenvolvimento da Linguagem: subtipos e correlações neuroanatômicas.
PRÓ-FONO – Revista de Atualização Científica. v. 13, n. 2, p. 1-9, 2001.
RODHE, L.; BARBOSA, G.; TRAMONTINA, S. et al. Transtorno de déficit
de atenção/ hiperatividade. Revista Brasileira de Psiquiatria, São Paulo,
v.22 s.2 dez. 2000.
ZORZI, J. L. Diferenciando alterações da fala e da linguagem. Mímeo,
1998.
ZORZI, J. L. A Aprendizagem da Leitura e da Escrita Indo Além dos
Distúrbios. 2001
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Saberes e Práticas de Ciências Naturais nos


Anos Iniciais do Ensino Fundamental:
um estudo em duas escolas do agreste de Itabaiana- SE

Fagner Alves Neris1


Maria Elane Mendonça Santos2
Maria Batista Lima3
Edenilse Batista Lima4

RESUMO
O Ensino de Ciências nos anos iniciais do Ensino Fundamental tem sido apontado
como porta de entrada, ou em outras palavras, uma base para que a criança
desenvolva um olhar situado sobre o lugar da natureza na sociedade. Este campo de
formação contribui para a articulação entre a realidade vivenciada e a formação de
conceitos científicos, mas especificadamente a construção de uma alfabetização
científica. Do entendimento da contextualização dos conteúdos das Ciências Naturais
na sociedade, ou seja, da relação da natureza com a produção social. Fortalecer essa
visão também é função da escola. O presente trabalho objetivou identificar a
concepção de discentes sobre saberes/conhecimentos relacionados às Ciências
Naturais e como esses conhecimentos são abordados (ou não) nas práticas das escolas.
Tratou-se da compreensão acerca do lugar das Ciências Naturais no processo de
ensino e aprendizagem, na perspectiva dos objetivos conceituais, procedimentais e
atitudinais, ou seja, qual a visão de estudantes sobre os conteúdos das Ciências
Naturais e que importâncias estes têm na formação do sujeito e na sociedade e como
esses conteúdos têm sido trabalhados nas aulas e nas práticas das escolas. Para tanto,
foi desenvolvida uma pesquisa com enfoque qualitativo com aplicação de
questionários, desenvolvimento de oficinas e observação dos comportamentos dos/das
alunos/as. Os resultados apontam que os(as) alunos(as) possuem uma concepção de
Ciências Naturais vaga, geral, estereotipada e relacionada a conteúdos e que os
atributos do ser um(a) bom(boa) professor(a) estão relacionados à capacidade de
desenvolver suas atividades profissionais. Dessa forma, percebe-se que o Ensino de
Ciências precisa melhoras nos seus aspectos estruturais e metodológicos.

Palavras-chave: Ensino de Ciências Naturais, Saberes de Ciências Naturais, Anos


Iniciais do Ensino Fundamental.

1
Contato do(a) autor(a): fagnerneris@yahoo.com.br. Graduando em Ciências
Biológicas-licenciatura. UFS - Campus Prof. Alberto Carvalho.
2
Contato do(a) autor(a):elane.ufsquimica@gmail.com. Graduando em Química –
licenciatura. UFS - Campus Prof. Alberto Carvalho.
3
Contato do(a) autor(a):mabalima.ufs@gmail.com. Profª Adjunta do Departamento
de Educação do Campus Prof. Alberto Carvalho – UFS..
4
Contato do(a) autor(a): josefaaju@gmail.com. Doutora em Ciências da Educação
pela Universidad Autónoedenbali2005@yahoo.com.br. Mestranda em Ensino de
Ciências Naturais e Matemática – NPGECIMA /UFS.
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INTRODUÇÃO
Este artigo surgiu a partir do projeto de pesquisa intitulado “Os
Saberes e Práticas de Matemática e Ciências Naturais dos Anos Iniciais do
Ensino Fundamental: Um estudo em diferentes contextos escolares da
Microrregião do Agreste de Itabaiana- SE”. Este projeto, vinculado ao Grupo
de Estudos e Pesquisas Identidades e Alteridades: Diferenças e
Desigualdades na Educação (GEPIADDE), tem como objetivo central
investigar saberes e práticas de Matemática e Ciências Naturais nos Anos
Iniciais do Ensino Fundamental. O presente artigo traz um recorte dos
resultados da pesquisa desenvolvida em duas escolas do agreste sergipano,
sendo uma localizada no Povoado Palmeiras, no município de Moita Bonita -
SE (Escola 1, Turma A) e a outra, no Povoado Carrilho, Itabaiana – SE
(Escola 2 – Turma B).

Buscou-se, assim, identificar a concepção de discentes e docentes


sobre saberes/conhecimentos relacionados às Ciências Naturais e como esses
conhecimentos são abordados (ou não) nas práticas das escolas. Tratou-se da
compreensão acerca do lugar das Ciências Naturais no processo de ensino e
aprendizagem, na perspectiva dos objetivos conceituais, procedimentais e
atitudinais, ou seja, qual a visão de estudantes e docentes sobre os conteúdos
das Ciências Naturais e que importâncias estes têm na formação do sujeito e
na sociedade. E como esses conteúdos têm sido trabalhados nas aulas e nas
práticas das escolas.

O Ensino de Ciências nos anos iniciais tem sido apontado como


porta de entrada, ou em outras palavras, uma base para que a criança
desenvolva um olhar situado sobre o lugar da natureza na sociedade. Este
campo de formação contribui para a articulação entre a realidade vivenciada e
a formação de conceitos científicos, mas especificadamente a construção de
uma alfabetização científica. Do entendimento da contextualização dos
conteúdos das Ciências Naturais na sociedade, ou seja, da relação da natureza
com a produção social. Fortalecer essa visão também é função da escola.

Segundo Lima (2011) o ensino e a aprendizagem das Ciências


Naturais tem sido um dos importantes eixos de discussões sobre educação
brasileira, fato este enfatizado nos dados do Ministério da Educação (MEC),
através de avaliações como o IDEB (Índice de Desenvolvimento da Educação
Básica) e a Prova Brasil, cujos resultados têm mostrado uma defasagem na
aprendizagem de conhecimentos básicos nas diversas áreas de
conhecimentos.

Tornou-se assim importante discutir qual o papel da formação


docente, bem como que conceito de ensino está em processo na educação
básica, de modo especial nos Anos Iniciais, nos quais se forma a base de
formação do ser humano.

Assim, fez-se necessário discutir tanto a questão da concepção que


se tem de Ciência e de Ciências Naturais no âmbito da visão sobre saberes
científicos e saberes cotidianos, como se discutir que lugar ocupam os
aspectos didático-pedagógicos nesse processo.
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1 Metodologia

O estudo que origina este artigo é uma pesquisa de abordagem


qualitativa que articula aspectos da etnografia da prática escolar com a
perspectiva sócio histórica, combinação esta que envolve procedimentos
como aplicação de questionários exploratórios com docentes e estudantes do
quarto e quinto ano do Ensino Fundamental de duas escolas de dois povoados
da Microrregião do Agreste Sergipano, entrevistas semiestruturadas,
aplicação e análise de atividades e observação participante, além de análise
de documentos didático-pedagógicos da escola. Para o recorte que constitui
este artigo foram analisados questionários aplicados em duas turmas do 4º
ano do Ensino Fundamental de duas escolas públicas municipais, sendo uma
localizada no Povoado Palmeiras, no município de Moita Bonita - SE (Escola
1, Turma A) e a outra, no Povoado Carrilho, Itabaiana – SE (Escola 2 –
Turma B).

Buscou-se a identificação das concepções e práticas em torno dos


saberes de Ciências Naturais processadas pelos sujeitos sociais do âmbito do
cotidiano escolar dos anos iniciais dos municípios do Agreste de Itabaiana.

2 Fundamentação Teórica

A educação é um elemento-chave que precisa continuamente ser


aperfeiçoado para garantir o progresso social e econômico do Brasil. Apesar
do enorme avanço educacional realizado nas últimas décadas, quando
finalmente quase todas as crianças vão à escola, é consensual que falta muito
para alcançar uma situação aceitável.

A formação de professores é o elemento pedagógico chave para a


melhoria da educação, embora não seja por si só, suficiente para garantir o
sucesso. Além da falta de professores com formação específica, a qualidade
da formação deixa a desejar, conforme apontam estudos da área. Por outro
lado, a formação continuada, que se torna cada vez mais instrumento
qualificador da dinâmica da formação docente também ainda é bastante
incipiente nas redes de ensino, conforme aponta Gois (2011).

A escola pode ser um espaço aberto, com amplas possibilidades de


favorecer o desenvolvimento crítico das ideias, crenças e valores dos
discentes, a partir de suas relações nos microespaços e relações em que vive
(família, bairro, cidade, de seu grupo de amigos, lazer, diversão do trabalho
dos pais, conhecimentos de suas profissões.), ampliando para uma
macrocontextualização que envolve outros espaços mais amplos e novas
relações. A escola é, desse modo, ao mesmo tempo, um espaço de elaboração
de explicações e formação de atitudes que compõem as relações da
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sociedade. Assim, isso é algo que deverá mobilizar a ação do/a profissional
de educação.

Faz-se necessário que o ensino de Ciências seja trabalhado de


acordo com a visão do dia-dia de cada comunidade escolar e vivenciada pelo
aluno, principalmente as necessidades de cada área e a articulação entre estas.
Uma grande contribuição para o ensino de Ciências e para a educação de
modo geral é a forma como o/a docente situa o conhecimento e sua relação
com os educandos e educandas, tornando essa relação significativa. Esse
aspectos passa pelos fundamentos sócio históricos, filosóficos, políticos e
pedagógicos impressos e expressos na visão e atitudes dos sujeitos da
educação em relação aos conhecimentos, aos discentes e a comunidade
escolar e à próprio conceito e sentido da educação. Essa visão é mediadora da
própria prática pedagógica e suas diretrizes didático-curriculares.

No caso do ensino de Ciências Naturais, outro aspecto apontado por


referenciais da área, é a incipiência do conhecimento sobre a área de Ciências
Naturais, tanto pelos docentes que ensinam Ciências nos anos iniciais do
Ensino Fundamental, em sua maioria, pedagogas e pedagogos, como
professores e professoras que ensinam do 6º ao 9º ano, que muitas vezes
ensinam disciplinas sem ter formação pertinente. A fragilidade se dá tanto em
relação ao conteúdo, como no que refere aos aspectos didático-metodológicos
do ensinar e do aprender.

O professor vem se tornando cada vez mais uma ferramenta


fundamental para a percepção de novos conceitos, um dos maiores
inovadores para as mudanças ou tentativa dessas mudanças é o profissional
de Ensino de Ciências que está diretamente ligado à formação de novos
conceitos. De uma forma ou de outra, os pensamentos do professor influencia
a sua maneira de transmitir o conhecimento e se torna necessário conhecer as
concepções dos professores sobre o ensino, como aponta Garcia (1995).

As orientações para um processo de ensino centrado em objetivos


educacionais conceituais, procedimentais e atitudinais apontam para a
necessidade de uma educação que tenha como horizonte a formação sólida
em torno da própria convivência saudável do ser humano com os outros
elementos do ambiente socioambiental.

Segundo o documento da Academia Brasileira de Ciências (2007, p.


01), denominado “Ensino de Ciências e Educação Básica: propostas para um
sistema em crise”, a necessidade imperiosa de melhorar o Ensino Básico no
Brasil passa pela qualificação do Ensino de Ciências Naturais de forma a
estimular o raciocínio lógico e a curiosidade, o que ajudará a formar cidadãos
mais aptos a enfrentar os desafios da sociedade contemporânea e fortalecerá a
democracia, dando à população em geral melhores condições para participar
dos debates cada vez mais sofisticados sobre temas científicos que afetam
nosso quotidiano.

3 Resultados e Discussões
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Identificando os Sujeitos da Pesquisa

O estudo fonte deste artigo tem como campo duas turmas de duas
escolas situadas em dois municípios do agreste sergipano. A primeira turma,
aqui identificada como Turma A, é uma turma de 4º ano da escola aqui
denominada como Escola 1, que fica localizada no Povoado Palmeiras, em
Malhador – SE. Os 19 (dezenove) estudantes desta turma que responderam os
questionários desta pesquisa, têm idade entre 9 e 14 anos, sendo 9 meninos e
10 meninas, sendo que tem dois alunos na turma acima de 11 anos.

A segunda turma, identificada neste trabalho como Turma B, é uma


turma de 4º ano da escola aqui denominada como Escola 2, que fica
localizada no Povoado Carrilho, em Itabaiana-SE. Vinte cinco (25)
estudantes desta turma responderam os questionários desta pesquisa, sendo
18 meninos e 7 meninas como idade entre 9 e 14 anos, onde três estão acima
da faixa etária da escolaridade.

No que se refere à religião a maioria dos/as estudantes da Turma A


se identificou como católica, com 10 (dez) estudantes, sendo que nove se
identificaram como evangélicos. Já na Turma B, embora o número de
católicos seja predominante, com 16(dezesseis) identificações.

A autoidentificação etnicorracial apontou que na Turma A, 8


estudantes se identificaram como morenos seis (6) como negros, dois (2)
como brancos, dois (2) como claros e um (1) como pardo. Já na Turma B a
maioria se identificou como negro 9 (nove) e moreno 9 (nove) e 7 (sete) se
identificaram como brancos.

Considerando-se tratar-se de comunidades apontadas como


comunidades negras rurais e que apresentam características de ancestralidade
africana significativa, refletimos sobre a significativa frequência da
denominação morena e branca em sujeitos com características afro-brasileiras
tão visíveis. Remete a discussão de Lima (2006) e de Munanga (2000) ao
discutir a ideologia que media a questão da identidade e sua relação com a
mestiçagem no Brasil.

Concepções e Relações com os Saberes em Ciências Naturais

Para a primeira pergunta: Para você o que é Ciências? Os(as)


alunos(as) da Turma A apresentaram respostas relacionadas,
principalmente, aos conteúdos e a atividades seguidas de respostas vagas,
amplas, gerais e estereotipadas.. Já na Turma B há um grande número de
respostas de abordagem geral, ampla ou vaga conforme apontam os gráficos
a seguir.
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Gráfico 1: Concepção de Ciências.

Concepção de Ciências

Outras
Resp. relac. a conteú
respos
dos
Série1; Alegou não tas
37%
saber ; 1; 5% 16%

Resp. relac. a ativida


des
10%

Res. vagas,
amplas, gerais,
estereo
ti
padas
32%

Turma A

Concepção de Ciências

Resp. refer. à
relação afetiva
com o/a
docente e às Não enten
práticas deu
4% 14%

Resp. vagas,
amplas, gerais,
estereoti
padas
Resp. rel. a 54%
conteú
dos
14%

Resp. rel. a
ativida
des
14%

Turma B
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Isso mostra que o Ensino de Ciências Naturais ainda tem muito a


crescer em sentido de produção social e em formação de um ser critico em
seu papel na sociedade, conforme apontam Trivelato e Silva (2011).

A segunda pergunta na sequência foi sobre a afetividade


dos(as)alunos (as) em relação a uma determinada disciplina (Qual a
disciplina (matéria) que você mais gosta?). Levando-se em consideração as
respostas das turmas de ambas as escolas, mostrou-se que o ensino de
Ciências Naturais ainda é pouco aplicado e motivado nos Anos Iniciais. Isso
é demonstrado com a resposta de ambas as escolas, pois como se pode
observar, a referida disciplina não aparece entre as disciplinas preferidas da
Turma A e na Turma B, aparece com um percentual baixo. A Turma A,
mostrou uma relação com o ensino de Matemática e História e com uma
aproximação também da disciplina Português. Na Turma B os alunos
também mostraram gostar de Matemática, mas em maior quantidade,
conforme apontam os gráficos a seguir.

Gráfico 2: Disciplina que mais gosta.

Geo
gra Disciplina que mais gosta
fia
Reda
5%
ção
5%
Histó
ria
32%
Portu
guês
26%

Matemá
tica
32%

Turma A
Grupo de Estudos e Pesquisa
II Seminário Nacional de Alfabetização e Letramento Alfabetização, Discurso e Aprendizagens
Oralidade e Escrita na Prática Escolar
ISSN: 2177-4072

Geogra Ciên
fia cias
4% 4%
Disciplina que mais gosta
Série1;
História ; 1; 4%

Portu
guês
12%

Série1; Artes ; 4;
16% Mate

tica
60%

Turma B

A terceira pergunta também se refere à afetividade do (a) aluno(a)


com as disciplinas (matérias) que ele (a) estuda (a Disciplina que mesmo
gosta). A disciplina Ciências Naturais foi citada em ambas as turmas com um
mesmo percentual. Entretanto, a disciplina que menos os(as) alunos(as) se
identificam são Matemática na Turma A e Português na Turma B. O Ensino
em ambas as escolas,está precisando melhorar, principalmente no que
concerne as disciplinas Matemática, Geografia e Ciências na Turma A e
Português, Geografia e Ciências na Turma B, e para tanto, precisa-se, antes,
fazer uma avaliação diagnóstica dos procedimentos didático-pedagógicos
utilizados pelos(as) professores (as) e da relação afetiva professor(a)-aluno(a)
que estão favorecendo para essa relação afetiva negativa dos(as) alunos(as)
com essas disciplinas. Observem os gráficos a seguir:

Gráfico 3: Disciplina que menos gosta.

Histó
ria
5% Disciplina que menos gosta

Ciên
cias
16%

Geogra Mate
fia mática
21% 58%

Turma A
Grupo de Estudos e Pesquisa
II Seminário Nacional de Alfabetização e Letramento Alfabetização, Discurso e Aprendizagens
Oralidade e Escrita na Prática Escolar
ISSN: 2177-4072

Série1;
História ; 1; Nenhu
Matemá
4% ma
tica
8% 4%

Série1; Redação
; 3; 12% Portu
guês
40%

Geogra
fia
16% Série1;
Ciências; 4;
16%
Disciplina que menos gosta

Turma B

Com relação ao Ensino de Ciências Naturais percebe-se que existe


ainda uma fragilidade nessa área de ensino, pois como aponta Krasilchik
(2000) a historia do Ensino de Ciências nos Anos Iniciais é algo da
modernidade.

Quando perguntados sobre o que se aprende em Ciências Naturais as


respostas mais apresentadas, em ambas as turmas, foram referentes aos
conteúdos conforme apontam os gráficos a seguir.

Gráfico 4: O que se aprende se aprende em Ciências Naturais

O que se aprende em Ciências Naturais

Resp. rel. a Não


atividade respon
10% deu
11%

Resp.
vagas, amplas, Resp. rel.
gerais, a conteú
estereotipa dos
das 58%
21%

Turma A
Grupo de Estudos e Pesquisa
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Oralidade e Escrita na Prática Escolar
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Série1; Ilegível Não enten


deu
Resp.; 1; 4% 8%
vagas, amplas,
gerais,
estereotipadas
4%

Resp. rel. ao
conteúdo
44%

Resp.
rel. a ativida
des
40%

O que se aprende em Ciências Naturais

Turma B

Relação com as Práticas em Ciências Naturais

Quando perguntados sobre o que se precisa para aprender Ciências


Naturais a maioria dos(as) alunos(as) da Turma A apontou o aspecto
didático-pedagógico como motivador da aprendizagem, representado na
categoria atividades, conforme o gráfico que se segue:

Gráfico 5: Do que é preciso para aprender Ciências Naturais.

Série1; Resposta Série1; Não


relativa ao esforço entendeu ; 1; 5%
pessoal,
concentração ; 1;
Série1; Resposta 5%
vaga, ampla, geral,
estereotipada; 1;
6%

Série1;
Respostas
relativa a
atividades ;
16; 84%

O que é preciso para aprender Ciências Naturais

Turma A
Grupo de Estudos e Pesquisa
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Oralidade e Escrita na Prática Escolar
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A Turma B apresentou uma semelhança com a Turma A por


ambas apresentarem em sua maioria respostas relativas a atividades, mas a
Turma B apresentou um dado significativo sobre respostas relativo ao esforço
pessoal, concentração. Isso mostra a relevância do desempenho
comportamental sobre o entendimento dos(as) alunos(as) para que seja
preciso aprender Ciências Naturais.Observe o gráfico a seguir:

Série1; Não
Respo. rel. à entendeu ; 2; 8%
prática didático-
pedagógico
4%

Resp. ref. ao
desenvolvi
mento pessoal
4%
Série1;
Resp. rel. a Respostas
conteúdos relativas a
12% atividades;
14; 56%
Resp. rel. ao
esforço pessoal,
concentração
16% O que é preciso para aprender Ciências Naturais

Gráfico 5: Do que é preciso para aprender Ciências Naturais. Turma B

Quando perguntados sobre os atributos necessários que o(a)


professor(a) precisa ter para ensinar bem Ciências Naturais a grande maioria
da Turma A apresentou respostas relacionadas a atividades enquanto quase
metade da Turma B deu respostas vagas, gerais, amplas, estereotipadas
seguida da categoria respostas relacionadas a atividades. Dessa forma,
percebe-se que os atributos do ser um(a) bom(boa) professor(a) estão
relacionados à capacidade de desenvolver suas atividades profissionais.
Observe os gráficos a seguir:

Não enten Série1;


deu Ilegível ; 1;
Outras 8% 4%
respos
tas
8%

Resp. vagas,
amplas,
gerais,
estereo
tipadas
Resp. rel. a 44%
ativida
des
36%

Atributos do bom Ensino de Ciências


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Gráfico 6: Atributos para o/a professor/a ensinar bem Ciências Naturais. Turma A

Resp. rel. ao
conteú
do
5%

Resp. rel. a
ativida
des
95%

Atributos do bom Ensino de Ciências

Turma B

Quando perguntados sobre como são as aulas de Ciências Naturais


a maioria dos(as) alunos(as) da Turma A forneceu respostas vagas, amplas,
gerais e estereotipadas, conforme mostra o gráfico a seguir:

Série1; Série1; Não


Respostas entendeu ; 2;
referentes à 11%
relação afetiva
com o/a docente
e às práticas ; 1;
5%
Série1;
Respostas
relativas ao
comportamento Série1;
da turma ; 3; Respostas
16% vagas,
amplas,
gerais,
estereotipad
as; 13; 68%

Como são as aulas de Ciências Naturais na turma

Gráfico7: Procedimentos didático-pedagógicos das aulas de Ciências Naturais.


Turma A

A Turma B apresentou respostas relacionadas à relação afetiva


com a docência e as práticas de ensino mostrando assim, a relevância da
relação professor(a)-aluno(a), conforme mostra o gráfico a seguir:
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Como são as aulas de Ciências Naturais na turma

Série1; Não
respondeu ; 1;
4%

Série1; Série1;
Respostas Respostas
relativas a vagas, amplas,
atividades ; 1; gerais, Série1;
4% estereotipadas Respostas
; 7; 27% referentes à
relação afetiva
com a docente
e às práticas ;
17; 65%

Gráfico 7: Procedimentos didático-pedagógicos das aulas de Ciências Naturais.


Turma B

CONCLUSÕES
Diante dos resultados apontados na pesquisa pode-se perceber que
o ensino de Ciências Naturais não está favorecendo para uma boa aceitação
por uma boa parcela dos estudantes de ambas as turmas que afirmaram não
gostar da disciplina. Provavelmente esse fato está associado aos
procedimentos didático-pedagógicos utilizados pelo(a) docente, pois, nas
duas turmas foi foram encontradas, de forma recorrentes, respostas
relacionadas a uma metodologia livresca e expositivista com muita leitura do
livro didático e apontamentos no quadro demonstrando que as aulas de
Ciências Naturais precisam de algumas melhorias.

O ensino de Ciências Naturais da forma como está sendo


apresentada não contribui para a formação da cidadania uma vez que não
consegue relacionar o conteúdo apresentado na sala de aula com o que os(as)
jovens vivenciam no seu cotidiano. Cabe lembrar que os Parâmetros
Curriculares Nacionais pregam que o ensino precisa ser contextualizado
levando-se em consideração a realidade na qual os(as) alunos(as) estão
inseridos(as). O ensino de Ciências precisa melhorar nos aspectos estruturais
e metodológicos para uma aula mais ampla e diversificada, de modo que seja
interativa e proporcional para a realidade da escola que está inclusa no meio
social.

REFERÊNCIAS

BRASIL. Ministério da Educação. Parâmetros Curriculares Nacionais.


Apresentação dos Temas Transversais e Ética. Brasília: MEC/SEF, 1998.
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II Seminário Nacional de Alfabetização e Letramento Alfabetização, Discurso e Aprendizagens
Oralidade e Escrita na Prática Escolar
ISSN: 2177-4072

CHASSOT, Attico. Alfabetização Científica: uma possibilidade para a


inclusão social. Revista Brasileira de Educação, nº 22. Jan/Fev/Mar/Abr,
2003.
CHASSOT, Attico. A Ciência é masculina? É sim, Senhora!São Leopoldo-
RS: Editora UNISINOS, 2009.
FURLAN, Melina; BRASIL, Sangari. O Ensino de Ciências no Ensino
Fundamental: colocando as pedras fundacionais do pensamento científico.
Out./2009. Disponível em:
http://www.sangari.com/visualizar/institucional/pdfs/Colocando_as_pedras_f
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GATTI, B. Avaliação de sistemas educacionais no Brasil. Sísifo. Revista
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HAMBURGUER, Ernest. Apontamentos sobre o Ensino de Ciências nas
Séries Iniciais. 2007.
LIMA, Maria Batista. Relação com o Saber das Ciências Naturais nos
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Itabaiana-SE: UFS, 2011. No prelo.
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Projeto de Pesquisa. Itabaiana-SE: UFS, 2011.
MARCO, B. La alfabetización científica. Em Perales, F. y Cañal, P.
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MALAFAIA, Guilherme; RODRIGUES, Aline Sueli de Lima. Uma reflexão
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MATOS, I. C. R. A Formação Permanente de Professores. Campinas-Sp:
2007.
MOREIRA, S.M.E.; SILVA, I. J. Saber cotidiano e saber escolar: uma
análise epistemológica e didática. R. EDUC. PÚBL. 2010
TRIVELATO, F. S.; SILVA, F. L. R. Ensino de Ciências. São Paulo:
Cengage Learning, 2011.
ZANON, V. D.; FREITAS, D. A aula de Ciências nas Séries Iniciais do
Ensino Fundamental: ações que favorecem a sua aprendizagem. Ciência &
Cognição, 2007.
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A Linguagem Docente como um Elemento


Mediador no Processo de Ensino-
Aprendizagem em Sala de Aula

Dhienes Charla Ferreira1


Gelson Caetano Paes Junior2
Eliana Crispim França Luquetti3

RESUMO
Este artigo tem como objetivo principal evidenciar a importância discursiva docente
numa perspectiva do ensino-aprendizagem do discente. Para tanto, as entrevistas com
professores e alunos dos anos iniciais do Ensino Fundamental foram extraídas dum
banco de fala escrita e oral de falantes escolarizados ou, em “escolarização” do norte
fluminense. Estes foram constituídos de sete (7) docentes que assistem a Educação
Infantil e Ensino Básico de escolas municipais e estaduais do munícípio de Campos
dos Goytacazes e de treze (13) estudantes dos ensinos infantil e fundamental. A
aplicação de perguntas seguiu-se a um itinerário próprio que buscou averiguar, de
modo geral, aspectos de ensino-aprendizagem e, em relação direta com o discurso
docente. Além, é claro, da pesquisa bibliográfica conforme a temática proposta.
Abordarmos os processos de aquisição de conhecimento e da linguagem no aluno.
Entendemos que a linguagem assumida pelo professorado é decisiva para a produção
do saber a ser aprendido pelos estudantes. Para tanto, estes conseguem ‘compreender’
o discurso docente quando sentados nos bancos escolares, ouvem atentamente a fala
do mestre e, demonstram o que adquiriram ao participar efetivamente da aula. Assim,
o presente trabalho visou propiciar a uma reflexão sobre uma outra forma de se
conceber as relações discursivas dos docentes em sala de aula

Palavras-chave: Discurso docente, Ensino-aprendizagem e Sala de Aula.

1
Contato do(a) autor(a):dhienesch@hotmail.com. UENF, Licencianda em Pedagogia.
2
Contato do(a) autor(a):gelcapaior@yahoo.com.br. UENF Licenciando em
Pedagogia.
3
Contato do(a) autor(a): elinafff@gmail.com. UENF, Professora Associada.
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INTRODUÇÃO

O presente artigo objetivou evidenciar a importância da linguagem do


professor no processo de ensino e aprendizagem na sala de aula. Ele foi
resultado de uma longa discussão acerca dos problemas de linguagem que se
tem valido o professorado do ensino básico e, em relação com o baixo
rendimento escolar de boa parte de estudantes da educação infantil e do
ensino fundamental. Bem se sabe que a linguagem está presente em todos os
momentos da vida humana. E, que ela é a principal ferramenta pelo qual o ser
humano se relaciona diretamente com o mundo externo, pratica a interação
social com os pares e, ainda, é capaz de se relacionar com o mundo que ele
carrega dentro de si como significação e sistema de conceitos e valores.

Conhecendo-se, ele expressa aquilo que sabe construindo ou


desconstruindo-o e, bem como, o de armazenar tudo aquilo que aprendeu e a
refazer novos conhecimentos numa contínua produção de saberes e
significados. Quer por meio de sinais, quer pelo sentido que dá a tudo aquilo
que produz. Tanto significado quanto a palavra criadora estão relacionados à
intencionalidade que garante o diálogo de quem fala e escreve tendo em vista
que haja uma interação relativa entre o enunciador que cria um sentido e ao
significado que o texto pode conferir ao processo comunicativo. Consoante, a
linguagem que o professorado tem se valido na prática docente merece total
atenção pelo fato dela ser o principal canal de comunicação que se faz jus em
sala de aula.

E o aluno aprende o que pertence ao educativo que o professor lhe


confere na aula diretamente e sem ressalvas. Mas porque nem todos
conseguem aprender o conteúdo através da linguagem docente? Se a
linguagem é clara, porque o alunado tem enfrentado tantos problemas em
aprender os conteúdos que a prática docente lhe confere? A compreensão
óbvia é que parece haver uma não acessibilidade na linguagem usada pelo
professor quando o conteúdo é ensinado ao aluno. Ora, o discurso também é
texto e este se vale da linguagem para veicular o que se deseja transmitir.
Assim, entendido, esse processo se completa e se justifica na compreensão
atribuída ao interlocutor, uma vez que, um fenômeno intersubjetivo ancora o
discurso naquilo que o texto necessariamente tem de imprescindível: o
significado. E isso faz com que os homens se sobressaiam às demais
espécies, mesmo àquelas mais próximas devido ao poder que ele tem de
delimitar ao mundo, os significados a tudo aquilo que produz.

Assim, a cada ação, a cada atitude, o homem manifesta aos outros


homens, tudo aquilo que pensa e sente, justamente porque se relaciona com
os outros. E nesse sentido, o professorado se relaciona com o alunado. Mas,
onde estão os significados conferidos à linguagem? Pode-se afirmar
categoricamente, que eles estão no mundo, mas não se limita a ele, pois, na
colaboração do docente a prática pedagógica se (re) faz no sujeito aprendiz e
o saber é produzido. E este se apropria do significado conferindo sentido e
expressividade a tudo aquilo que pensa e sente. Assim, tudo isso acontece
pelo fato deles serem sociáveis.
Grupo de Estudos e Pesquisa
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Neste sentido, o artigo pretende evidenciar a importância e a eficácia da


linguagem na prática docente, no processo de ensino e, por último, na
aprendizagem estudantil. Conforme considerou FERREIRA (2008) acerca do
conceito de significado entendido como um produto social que acontece
implicitamente nos sujeitos falantes. A contextualização dos significados
ocorre por meio do relacionamento do falante com o ouvinte. E, nas trocas
discursivas intercalando posições entre emissor e receptor. Assim, o discurso
se manifesta no procedimento dialético que se completa na razão do processo
comunicativo.

1 A linguagem nos processos de ensino-aprendizagem

As indagações suscitadas levaram-nos a investigar os problemas


pertinentes ao ensino-aprendizagem do alunado em geral. Relativos à prática
pedagógica do professorado que se utiliza do discurso para retificar a sua
principal função: que é o ato do ensinar. E, nesse sentido, a prática docente se
serve do discurso, que é um subproduto da linguagem segundo AUROUX
(1998). Essa opção pela linguagem, intrinsecamente reproduzida na oralidade
e, concretizada do discurso está tão viva na prática pedagógica do
professorado hoje como o fora nos “passeios pelos jardins” da antiga Grécia
conforme ensinou CAMBI (1999). Assim, o discurso que se valeu a docência
foi de suma importância porque se configurou num veículo real da prática
pedagógica assumida pelo professorado no sentido do ensinar. Para tanto,
devido à carência de abordagens em educação que revelem o itinerário da
problemática da inacessibilidade de boa parte estudantil frente ao discurso
docente no sentido da relação linguagem e aprendizagem em sala de aula. A
referida problemática contida neste artigo veio buscar refletir em pesquisas
que propiciassem instrumentalizar uma investigação justamente a não se
perder o foco naquilo que se considerou imprescindível à relação linguagem
e aprendizagem: o de se buscar numa averiguação reflexiva, um esboço
acerca da relação entre linguagem docente com o aprendizado estudantil.

Assim, as concepções em psicologia, particularmente, aquelas que


tratam da gênese e desenvolvimento do pensamento e da linguagem
VIGOTSKI (1998). Conforme essas concepções num e noutro termo e
tratando-os em relação com a fala num processo puramente cognitivo. E,
destes com a aprendizagem segundo compreendeu LURIA (1987) acerca dos
processos que configuraram a linguagem humana e a sua relação com a
aprendizagem. Se buscou também na reflexão sociolinguística de Uriel
WEINREICH, William LABOV e Marvin HERZOG alguns aportes
necessários porque eles e, em particular, o segundo. Foi estudar a oralidade
como prática social do uso da fala, capaz de enriquecer o discurso nos falares
urbanos de falantes nativos de uma cidade. Isso implica afirmar a importância
da linguagem no cotidiano das pessoas. Diante desses aspectos, este projeto
justifica-se pela relevância da linguagem no processo comunicativo dentro e
fora da sala de aula. Estamos nos valendo dessas pesquisas para traçar um
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perfil do discurso do professorado, mas é preciso lembrar que estamos numa


abordagem reflexiva da linguagem. Consequentemente, nossa pesquisa tem
caráter exclusivamente, de pesquisa qualitativa. Dito e feito, LABOV
considerou no caput quarto dos Padrões Sociolinguísticos, os usos da fala
como fonte inesgotável de significados, de oportunidades infindáveis para o
entendimento dos falares urbanos, bem como, da competência linguística do
falante que faz uso diário do discurso. Assim, a linguagem tem para ele uma
característica fundamental: que é o de criar oportunidades discursivas para o
uso efetivo da língua, e no caso, a materna.

Destarte, o autor parte do pressuposto de que cada discurso tem o seu


valor, assim o falante e qualquer falante tem o seu valor! Todo discurso não é
neutro, evidentemente, ele implica ideologia, valores estéticos e morais, de
senso comum, científico, político e educativo. Cada falante é observado
como alguém que tem um jeito de se comunicar diferenciado e, em língua
materna ele discursa para uma comunidade em que a sua fala é entendida. Só
que LABOV (2011) não consegue explicar satisfatoriamente o porquê do
fracasso escolar de boa parte do alunado, amontoados nas nossas salas de
aula. Entender a competência linguística de cada um parece não ser coisa
muito difícil para ele. Mas, quando se pensa nas causas do fraco desempenho
estudantil, se entende que só a compreensão das carências materiais e
culturais da boa parte do contingente discente de nossas salas de aula não se
faz totalmente contundente. Ou seja, a velha ideia de que o aluno originário
das classes populares não aprende porque ele é, exatamente, pertencente a
essa classe. Está muito em moda hoje em nossos centros de pesquisa e
também nos materiais acadêmicos publicados cujo teor aponta um alunado
carente de tudo, principalmente dos bens ditos culturais a justificativa para tal
fato.

Contudo, o perfil do alunado brasileiro do ensino público de nível


básico oriundo das classes populares é na atualidade muito multifacetada e
correspondem a uma representação dos vários níveis culturais e educativos
quando se pensa em desempenho escolar. Visto que, parece não alcançar os
significados do discurso docente, fortemente demonstrados pelo baixo
rendimento escolar e comportamental dos estudantes. As experiências e
pressões da condição social contemporânea parecem corresponder a uma
intensidade de novos requisitos oriundos de novas condições, da natureza e
da organização do ensino que incidem diretamente no trabalho docente.
Entendemos que o processo de mudança educativa sofre variações contínuas,
pontuais e refletem uma busca pela reestruturação do ensino, bem como, a da
adoção de novas práticas pedagógicas que deveriam ser assumidas pelo
trabalho docente.

Considerar essas novas perspectivas é de fundamental importância


porque a pergunta que não quer calar é a de que infere na posição do
professor frente às mudanças linguísticas e educacionais que estão ocorrendo
na realidade social brasileira e, em particular, na escola pública. Assim, qual
o lugar que o professorado deve ocupar num processo de mudança educativa?
Tal mudança implica nos usos da linguagem que o docente assume em sala
de aula. Dessa maneira, se considerou a complexidade de se redefinir o papel
educativo do trabalho docente. É inegável viabilizar a ciência, os critérios de
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cientificidade e as concepções teóricas como apontou POPPER (2010). Tanto


quanto negar a possibilidade de conhecimento do ponto de vista prático. Na
contemporaneidade o momento é de valorização das concepções de
aprendizagem que enfatizam o processo. E nele, o individuo é exaltado.
Consequentemente, o reflexo que se tem observado no trabalho docente é a
dificuldade de maximizar as possibilidades do saber através da práxis
pedagógica. Essa reflexão incidente no discurso docente veio apresentar o
uso da linguagem que o professorado tem se valido em aula. É desafiante
para o professor invocar o desenvolvimento da racionalidade criativa no
alunado. Mas, é preciso alertar aos educadores de que, tal paradoxo é rico em
oportunidades tanto no âmbito das mudanças na ação educativa quanto a
reafirmação do papel social pertinente à identidade docente cujo espaço
decisivo de atuação é a escola.

Conforme a proposta de MORIN (2001: 128), o sujeito não pode ser


entendido como mera “ilusão”. Isso implica dizer que o reconhecimento dele
como personagem social pressupõe potencialidades de reorganização
conceitual. E, nesse patamar, o trabalho docente se concretiza.

2 Estruturação temática

O presente artigo objetiva evidenciar a importância da linguagem do


professor no processo de ensino e aprendizagem. Segundo, a demonstrar a
existência de necessidades de se levar em consideração a diversidade
linguística demandadas no espaço escolar. Uma vez que, esse ambiente é
extensão da sociedade e os usos linguísticos são diversos. E por último, a
identificar o papel mediador do professorado no processo de aquisição do
conhecimento. Para tanto, as entrevistas com professores e alunos dos anos
iniciais do Ensino Fundamental foram extraídas dum banco de fala escrita e
oral de falantes escolarizados ou, em “escolarização” do norte fluminense.
Estes foram constituídos de sete (7) docentes que assistem a Educação
Infantil e Ensino Básico de escolas municipais e estaduais do munícípio de
Campos dos Goytacazes e de treze (13) estudantes dos ensinos infantil e
fundamental. A aplicação de perguntas seguiu-se a um itinerário próprio que
buscou averiguar, de modo geral, aspectos de ensino-aprendizagem e, em
relação direta com o discurso docente. Além, é claro, da pesquisa
bibliográfica conforme a temática proposta.

A análise de anotações acumuladas nas aulas presenciais e reunidas


durante quase quatro anos na Licenciatura em Pedagogia também foi
apreciada, uma vez que, foi de fundamental importância na investigação
problematizada nas hipóteses acerca da substancialidade da linguagem do
professor como fator de suma importância para o ensino e aprendizagem na
sala de aula. Ou, na inconsideração feita por muitos docentes acerca da
heterogeneidade das turmas porque se visa à padronização da linguagem de
modo geral e dificultando, bem como, possibilitando a exclusão das intenções
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comunicativas do alunado e suas adequações. E, por último, o professor


desempenhando o papel mediador no processo de ensino e aprendizagem.

E, na comparação destes com outros apontamentos levantados


doravante observação em estágio supervisionado no ensino básico (educação
infantil e ensino básico: fundamental e médio). E que esse estudo servirá de
fonte de enriquecimento para todos que desejarem se atualizar na perspectiva
da Educação. Assim, buscou-se apontar as condições da reprodução cultural
no interior do ambiente escolar. Particularmente, nas que trataram das
condições oportunizadas em sala de aula. Pois, é aqui onde o papel do
professor pode na maioria das vezes, ser de suma importância para uma
efetiva transformação na vida do alunado, bem como, da instituição escolar.

ALGUMAS CONSIDERAÇÕES

A reflexão caminhou no sentido de indicar também as condições de


formação e trabalho docentes. Entendendo-se que a escola hoje é um espaço
social privilegiado para a prática pedagógica da docência onde ela se faz
valer do discurso que demanda por uma nova clientela estudantil. Nesse
sentido, justifica-se a necessidade de se refletir “sobre os estudos da
linguagem e da aprendizagem” (MATENCIO, p. 65).

Consoante, ficou entendido também que a linguagem e a aprendizagem,


bem como, a relação recíproca que ambas pareçam manter, não é
definitivamente unívoca, muito menos, de igual sentido porque se tem
confundido a significação de um e outro termo. E, essas concepções
entendidas paradoxalmente, orientaram por muitos anos abordagens de
ensino em sala de aula equivocadas, justamente por se tratar de campos
conceituais muito distintos e que muitas vezes podem confundir devido a
aproximação que pareçam manter. E, por se tratar de usos linguísticos
reproduzidos no âmbito da escrita obrigam o alunado a reproduzir fielmente
na escrita e no discurso tal como se escrevem no papel.

É claro que na medida em que pesquisas no campo da Linguagem e da


Pedagogia avancem melhores concepções poderão ser suscitadas em estudos
mais sistematizados acerca dos fenômenos que configuram a linguagem, a
aprendizagem e a educação. E esta, propriamente fazendo referência à
pedagogia que se atem na investigação do educativo. Mesmo que ela seja
considerada conforme LIBÂNEO (2000), um campo do saber sem um objeto
específico. Pois, todos os processos de ensino-aprendizagem produzidos e
absorvidos pelo ser humano têm a, grosso modo, um caráter pedagógico e,
por isso, educativo.

E no que toca à linguagem foi fundamental que se assumisse a proposta


saussuriana quanto à abordagem linguística e ao sistema linguístico que lhe é
pertinente. Dessa maneira, a prática pedagógica da docência, sem dúvida
alguma, exigiu para si uma atenção toda particular ao que é inerente ao
linguístico que se percebeu individualizado numa comunidade de falantes.
Porque “o fato social se impõe ao sujeito, no estudo da aprendizagem
coexistem diferentes perspectivas na abordagem da relação entre o social e o
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individual” MATENCIO (2007: 67). Mas, poder-se-ia pensar numa escola


pública que deveria dar a devida atenção à questão de estudos em linguagem
e aos relativos às teorias da aprendizagem na sala de aula?

Respostas a essas questões são muito necessárias quando se pensa em


buscar fundamentações teóricas que se façam condizentes ao interesse deste
artigo. Por essa razão, será preciso entender a necessidade de se fazer uma
“intersecção” entre diferentes concepções referenciadas nos estudos em
linguagem, bem como, em teorias atinentes a aprendizagem e as práticas
pedagógicas. Isso implica compreender que os estudos em ensino-
aprendizagem envolvem o descompasso de diferentes trajetórias abordadas
em educação e linguagem. Tem-se as universidades incumbidas de preparar o
futuro docente à formação, à pesquisa e aos processos de aprendizagem que
englobam a aquisição do conhecimento e as práticas que efetivam o ensino.

E o discurso que se vale os docentes é o principal veículo entre aquilo


que se pretende ensinar com a intenção do ensinar. Ferdinand de Saussure é
bem-vindo neste momento, pois, para revigorar essas reflexões, sobretudo,
quando para se estudar a questão dos “usos da língua” no contexto escolar
onde a linguagem assume papel relevante. Assim, ele fez questão de
contemplar a língua, ela mesma, como um fato social porque embora
estruturada neste. Ela é algo pertinente à razão do uso de práticas que são
organizadas conforme regularidade e ordem demandas no social. De certo
modo, foi uma maneira de se dizer a favor da padronização da linguagem.
Em que se apontou o interesse pela língua e não pela fala, porque buscou-se
entender como é reproduzida a questão do “fracasso escolar” pelo ponto de
vista do uso que o professor se faz dela dentro da sala de aula. Também foi
compreendido que a língua não pode ser somente a única requisitada, pois
segundo esclareceu MATENCIO (2007), a fala é algo mais particular e que
está referida ao sujeito falante, que toma o lugar no discurso e, como em
Saussure, ela entendeu a fala como uma estrutura linguística concebida a
partir de “uma representação coletiva que tem poder coercitivo sobre o
falante” (IDEM, p. 69).

Entender a apropriação da linguagem conforme ROJO (2010) no


contexto da sala de aula é assumir que o discurso docente envolveu o alunado
em mundos repletos de significações. O discurso a que se tem valido o
professorado na sua função de ensinar foi tido como um grande possibilitador
e mediador na construção das capacidades de linguagem, de significados e de
saberes. Um diálogo possível poderá ocorrer se houver um entendimento
claro acerca da abordagem “das funções psicológicas superiores”
vigotskiana. E esta, em relação com a intencionalidade tanto da prática
pedagógica quanto da prática docente porque foram ao encontro do estudante
buscando compreender a “internalização” dos conceitos que via de regra o
professor não conseguiu alcançar. Isso quer dizer que ninguém pode ver a
consciência do outro no momento em que o conhecimento está sendo
produzido no discurso docente. A menos que se indague. E também, a que
grau de entendimento foi o discurso interpretado ou apreendido. Estamos
num espaço de “... multiplicidade e simultaneidade de ações e interações
presentes em sala de aula...” (IDEM, p. 215).
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Assim, o presente trabalho visou propiciar a uma reflexão sobre uma


outra forma de se conceber as relações discursivas dos docentes em sala de
aula.

REFERÊNCIAS

AUROUX, Sylvain. A Filosofia da Linguagem. Trad., [de] José Horta


Nunes. Ed. Unicamp, Campinas, SP, 1998.
AZEREDO, José Carlos de. Gramática Houaiss da Língua Portuguesa. 2ª
Edição, Editora Publifolha, São Paulo, SP, 2008.
CAMBI, Franco. História da Pedagogia. Ed. Loyola/UNESP, São Paulo,
SP, 1999.
LABOV, William. Padrões Sociolinguísticos. (1ª edição, 1ª reimpressão:
abril de 2011) Ed. Parábola, São Paulo, SP, 2008.
LIBÂNEO, José Carlos. Pedagogia e Pedagogos, para quê? 3ª edição, Ed.
Cortez, São Paulo, SP, 2000.
LURIA, Alexandr Romanovich. Pensamento e linguagem: as últimas
conferências de Luria. Trad. [de] Diana Myrian Lichtenstein [e] Mário
Corso. Ed. Artes Médicas, Porto Alegre, RS, 1987.
MATENCIO, Maria de Lourdes Meirelles. Leitura, Produção de Textos e a
Escola: reflexões sobre o processo de letramento. 4ª reimpressão, Ed.
Mercado de Letras, Campinas/SP, 2007.
MORIN, Edgard. Os sete saberes necessários à educação do futuro. Ed.
UNESCO, Brasília, DF, 2001.
POPPER, Karl Raimund. A lógica da pesquisa científica. 17ª ed. Ed.
Cultrix, São Paulo, SP, 2010.
ROJO, Roxane Helena Rodrigues. Falando ao pé da letra: a constituição
da narrativa e do letramento. Ed. Parábola, São Paulo, SP, 2010.
VIGOTSKI, Lev Semenovich, Pensamento e Linguagem. Ed. Martins
Fontes, São Paulo, SP, 2008.
WEINREINCH, Uriel; LABOV, William; HERZOG, Marvin. Fundamentos
empíricos para uma teoria da mudança linguística. (1ª edição, 2ª
reimpressão: março de 2012) Ed. Parábola, São Paulo, SP, 2006.
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Novas Tecnologias na Educação

Dean Lima Carregosa1

RESUMO

Acreditamos que a parceria entre a educação e as tecnologias da informação e


comunicação – TICs compõe um cenário coerente com a atual dinâmica que estrutura
a vida do homem moderno. A introdução das tecnologias da informação na educação
está associada não apenas a mudanças tecnológicas, mas também sociais e
educacionais. É preciso também criar ambientes especialmente destinados à
aprendizagem, nos quais os alunos possam construir os seus conhecimentos de forma
cooperativa e interativa, não esquecendo os estilos individuais de aprendizagem. As
múltiplas interfaces e metodologias utilizadas neste contexto são capazes de estimular
a capacidade cognitiva dos alunos de maneira significativa. Dessa percepção, surgiu o
interesse em realizar o presente estudo, que procurou compreender como ocorrem as
situações educacionais de ensino e de aprendizagem nas escolas com a inserção de
novas tecnologias no currículo escolar. Abordou-se também conceitos de
alfabetização e letramento digital, expondo sua singularidades. Foram realizados
levantamento e análise de estudiosos que focam a utilização de TICs na educação.
Como resultado dessas leituras, análises e discussões, surgiu o presente artigo, que
explicita aspectos que tangenciam o uso de tecnologias como alternativa de
enriquecimento das relações entre o ensinar e o aprender. Nas considerações finais,
são registrados alguns comentários sobre o uso das TICs no contexto educacional. Ao
final, são citados livros, textos, leis e demais instrumentos utilizados na elaboração
deste artigo.

Palavras-Chave: TICs na Educação, Mídias Escolares, Informática Educativa

1
Contato do(a) autor(a): dlcarregosa@hotmail.com. Licenciatura em Matemática –
UNIT.
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INTRODUÇÃO

Com o crescimento do uso da informática e sua disseminação, o


computador chegou também às escolas. Foi inserido, inicialmente, pelo setor
burocrático e, mais tarde, na sala de aula, potencializando o processo de
ensino-aprendizagem.

Revestidas de modernidade, essas ferramentas exercem grande fascínio


sobre os alunos por virem acompanhadas das variadas possibilidades da
multimídia, dos programas que integram ludicidade e informações, das
enciclopédias virtuais, da informação em tempo real, da comunicação
instantânea e outras oportunidades.

Considerando-se que as tecnologias possibilitam formas diferentes de


acesso à informação e à construção do conhecimento, pode-se afirmar que a
presença da informática dentro da Educação interfere diretamente na
aprendizagem dos alunos.

É dessa observação que parte o presente estudo, o qual busca


compreender como a inserção das novas tecnologias de informação e
comunicação – TICs no currículo escolar afeta o cenário educacional de
ensino-aprendizagem nas unidades de ensino. Foram realizados levantamento
e análise de autores que se debruçam sobre o emprego de TICs na educação.
Como resultado, o artigo expõe aspectos relevantes do uso dessas tecnologias
como estratégia de enriquecimento das relações entre o ensinar e o aprender.

1 Tecnologias de Informação e Comunicação na Educação

Na atualidade, é crescente a demanda pelo uso de tecnologias de


informação e comunicação no meio educacional. Este processo de
incrementação do currículo escolar vem provocar educadores e gestores,
conduzindo-os à reflexão acerca das transformações ocorridas no cenário
socioeducacional após a introdução das TICs na relação ensino-
aprendizagem.

O percurso histórico da humanidade sempre registrou tentativas de o ser


humano construir aparatos que lhe auxiliassem na execução de tarefas e na
solução de problemas do cotidiano. Hoje, pode se afirmar que a evolução e
popularização da informática e da eletrônica inauguram uma nova fase da
História, proporcionando ao homem contemporâneo a realização de uma
experiência que outrora povoava apenas as mentes visionárias de seus
antepassados.

Os avanços tecnológicos ocorridos na sociedade nas últimas décadas


têm fomentado intensas alterações nos setores da economia, da política, das
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relações de trabalho, entre outros. A presença das tecnologias no campo


educacional traz à tona questões relativas à concepção de escola, de ensino,
de aprendizagem, de perfil do professor, do aluno, do ‘novo’ cidadão que está
em formação. Instala-se aqui mais um paradigma pedagógico, no qual as
formas de ensinar/aprender passaram a ser revistas e remodeladas. Segundo
Carvalho:

A acessibilidade mudou nossa forma de lidar com a informação, com


novos padrões de velocidade e armazenamento. Para termos uma ideia
basta pensar em como eram realizadas as pesquisas escolares
antigamente. Era preciso consultar uma enciclopédia pesada e
empoeirada procurando o verbete necessário. Depois, esse material era
copiado cuidadosamente em uma folha de papel e entregue ao
professor (CARVALHO, 2006, p.49).

As tecnologias assumiram um papel fundamental na revisão de


conceitos antes inquestionáveis, ao se fazerem presentes em todas as esferas
sociais, inclusive na educação. O mundo, agora visitável/navegável pela tela
do computador e pela televisão, se reconstrói numa outra dimensão, onde
barreiras geográficas e distanciamento espaço-temporal já não constituem
contratempos na relação ensino-aprendizagem. Surge, então, uma nova
possibilidade de aprender, sem necessariamente se estar no ambiente formal
da sala de aula.

Estimulada pelas multipossibilidades da informática, a sociedade vive o


chamado boom das TICs. Cada vez mais a educação tem sido permeada por
elas, onde todos esses meios aplicam interatividade e sentido mais amplo a
outros canais de fluxo de conhecimento, como livros, almanaques, revistas e
até mesmo o quadro e o giz. Segundo Carregosa:

Do popular computador pessoal aos portáteis celulares e tabletes, são


muitos os suportes que, integrados em rede, asseguram a realização de
teleconferências, aulas digitais e versões on line de fóruns e debates,
além do já tradicional e-mail (CARREGOSA, 2011, p.08).

Além de produzir e disseminar saberes, é função atribuída à escola (em


todos os níveis de ensino) preparar cidadãos críticos, participantes,
autônomos e dominadores das tecnologias. Dessa forma, torna-se importante
que a mesma utilize as tecnologias da informação e do conhecimento em seu
cotidiano. Porém, essa mesma humanidade que demanda conhecimento com
agilidade, vive um dilema frente ao uso desses equipamentos na educação,
pois essa nova proposta exige certo domínio tecnológico. Neste sentido, Silva
e Nunes afirmam que:

A introdução das TICs na educação causa, a princípio, um impacto,


um desconforto em grande parte das pessoas não porque as
ferramentas tecnológicas sejam abomináveis, mas principalmente
porque o ser humano se vê diante de novos desafios e de outras
formas de aprender (SILVA e NUNES, 2005, p.5).
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Assim, além de ‘digitalmente alfabetizado’ (consulta de saldos e saques


em bancos, retirada da bolsa-família em lotéricas, votação em eleições
oficiais, por exemplo), para atuar de forma mais dinâmica na sociedade
moderna, é preciso que o sujeito seja também ‘digitalmente letrado’.

O sujeito alfabetizado sabe decodificar os sinais gráficos do seu


idioma, porém de modo superficial. Ele lê com dificuldade e é capaz
de escrever textos simples como listas de compras e bilhetes. Já o
sujeito letrado não só adquiriu a capacidade de ler e escrever, como
também é capaz de usar esse conhecimento em práticas sociais de
leitura e escrita (VALENTE, 2008, p.13).

Ainda segundo Valente:

Embora o termo letramento apresente o prefixo "letra" e tenha sido


cunhado no contexto do processo de leitura e escrita, ele tem sido
utilizado para designar o processo de aquisição de outros
conhecimentos, como, por exemplo, o digital. Por isso, é comum
encontrarmos a expressão letramento digital designando o domínio
das tecnologias digitais, no sentido de alguém não ser um mero
apertador de botões (alfabetizado digital), mas sim ser capaz de usar
essas tecnologias em práticas sociais. (VALENTE, 2008, p.13).

Dentro desse cenário, o uso do computador e da internet passaram a


definir outro olhar no ambiente informacional, que contribuiu para uma nova
forma de comunicação que intervém em todo o contexto social e educacional.
Surge uma nova ordem na relação ensino-aprendizagem, na qual, segundo
Azevedo et al:

É preciso estabelecer um conjunto de elementos que precisam ser


priorizados, tanto na arquitetura e no uso dos sistemas, quanto na
elaboração e na utilização do material didático, para oferecer
experiências de aprendizagem colaborativas que se traduzam como
avanço cognitivo para os alunos (AZEVEDO et al, 2011, p.1)

A partir do momento em que assume o papel de facilitador da vida


contemporânea, o computador potencializa, enriquece e diversifica a
experiência educativa e, assim, oportuniza a aprendizagem sob diferentes
óticas. De acordo com Villardi e Oliveira:

As novas tecnologias de informação e de comunicação fizeram


ingressar nos ambientes tecnológicos de treinamento e ensino um
poderoso instrumental interacional, capaz de alterar,
substantivamente, as possibilidades de relação entre os sujeitos
envolvidos e, assim, viabilizar que, nesses ambientes, se criem as
condições indispensáveis ao caráter dialógico da educação
(VILLARDI e OLIVEIRA, 2005, p.36).

A presença de tecnologias digitais na relação ensino-aprendizagem cria


variadas possibilidades de comunicação e expressão. No cotidiano escolar
elas se fazem presentes e, assim como a tecnologia da escrita, também devem
ser adquiridas. Através delas, novos modos de comunicação e expressão são
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evidenciados como a criação e uso de sons, imagens, animação e a


combinação dessas modalidades.

Tais facilidades passam a exigir o desenvolvimento de diferentes


habilidades, de acordo com as diferentes modalidades utilizadas,
criando uma nova área de estudo, relacionada com os diferentes tipos
de letramento - digital (uso das tecnologias digitais), visual (uso das
imagens), sonoro (uso de sons), informacional (busca crítica da
informação) - ou os múltiplos letramentos, como têm sido tratados na
literatura (VALENTE, 2008, 15).

Como se percebe, a introdução de TICs na Educação está associada não


apenas a mudanças tecnológicas, mas também sociais e educacionais. Dessa
forma, não basta inserir novas tecnologias no processo educativo.
Concomitantemente, faz-se necessário criar também ambientes especialmente
destinados à aprendizagem, onde os alunos possam construir os seus
conhecimentos interativamente. Nesse viés, não se pode esquecer os estilos
individuais de aprendizagem nem negligenciar que é preciso capacitar os
professores para que orientem a sociedade no convívio com a informática,
participando de suas decisões como seu principal agente.

Apesar da disseminação dos computadores em ambientes escolares, há o


risco desta sociedade informatizada não ter acesso a um uso adequado e
produtivo do computador, visto que o processo de implementação e
utilização deste instrumento no ensino ultrapassa a montagem de laboratórios
de informática ou mesmo a distribuição de computadores para cada aluno,
como é feito através de alguns projetos de governo.

Nesse processo de inserção dos computadores nas escolas, o antigo


paradigma educacional – que se estrutura num amontoado de conhecimentos
e ignora a capacidade cognitiva e criativa dos educandos (e professores!) –
torna-se insuficiente por ser incapaz de lidar com as constantes mudanças que
ocorrem na sociedade atual. Nesse contexto, se atribui fundamental
importância à formação continuada dos professores para uso dos recursos
tecnológicos na escola.

Torna-se relevante investir na formação desses professores, para que


haja uma consolidação do uso da informática na escola. Tal
importância é reconhecida pelos idealizadores desses programas
governamentais, tanto que a formação é uma de suas principais ações,
e considerada por eles, condição de sucesso dos mesmos (BOVO,
2004, p. 4).

Por outro lado, sabe-se que os computadores têm sido pouco utilizados
na prática pedagógica dos professores, os quais se sentem despreparados para
usufruir os recursos computacionais na sala de aula. Muitos até conseguem
planejar suas aulas, elaborar planos, boletins e resenhas sobre o que querem
trabalhar. Todavia, há um impasse em como converter em uma linguagem
gráfica as informações e ideias que possuem, de forma a revitalizar a
importância do cálculo, valorizando-se as possibilidades de realização de
projetos de exploração, investigação e modelagem.
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A maioria dos candidatos a professores entra em fase da sua


preparação profissional com um contato anterior com essas
tecnologias muito reduzido. De modo geral, esses jovens olham com
desconfiança o uso das TICs na educação e sentem-se pouco à
vontade em lidar com elas, mesmo para seu uso pessoal (PONTE,
2003, p.161).

Para Flemming et al (2005), o computador é como uma ponte entre os


dois lados dos muros da escola, capaz de promover o intercâmbio entre os
conteúdos acadêmicos, potencializando o ensinar e o aprender.

Considera-se que o uso de computadores e calculadoras pode levar às


escolas anseios de uma nova geração, já acostumada com estas
tecnologias. Com a presença do computador, a aula ganha um novo
cenário que reflete diretamente na relação professor-aluno. O
computador pode funcionar como uma ponte de ligação entre o que
acontece na sala de aula e o que está fora da escola (FLEMMING et
al, 2005, p.17).

Dede (2011) afirma ser possível, através do uso de tecnologias, unir de


maneira tão integrada os mundos dentro e fora da escola. O pesquisador,
porém, faz ressalvas quanto ao direcionamento do projeto pedagógico.

Os educadores pensam em tecnologia como mágica e acreditam que


apenas usando o computador ou a internet coisas boas vão acontecer.
Na educação as coisas não funcionam dessa forma. Ao adotar novos
aparatos, as escolas devem estar munidas de um projeto pedagógico
consistente, ou os aparelhos perdem sentido. Fazer dessas tecnologias
ferramentas pedagógicas é, portanto, o grande desafio da escola do
século XXI (DEDE, 2011, p. 1).

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Com frequência, se diz que as tecnologias de informação e comunicação


estão transformando a educação. Isso ocorre porque as TICs desafiam
definições existentes de conhecimento, oferecendo novas maneiras de
motivar aprendizagens relutantes, além de prometer oportunidades variadas
de criação e execução.

Depreende-se, então, que a inserção de tecnologias na educação


contribui para que seja estruturado um novo cenário educacional, dentro do
qual as formas e conceitos de ensino-aprendizagem, de aluno e de professor
passam a ser revistos.

O atual interesse em inserir computadores e mídias na sala de aula é


motivado, sobretudo, pelo vasto potencial de ensino que estas ferramentas
possuem, pois o uso de TICs associado a práticas educativas agrega valores
ao ensino e colaboram na construção de um modelo pedagógico em que o
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foco da aprendizagem esteja na auto-formação do aluno, mediado pela


orientação do ‘novo’ professor.

É válido destacar que a utilização de tecnologias como recurso didático


não resolve todos os problemas de formação profissional e de ensino-
aprendizagem, principalmente se o professor e o aluno não utilizarem
adequadamente estas ferramentas. Além disso, pode-se ressaltar que, mesmo
com todo o cuidado que envolve a preparação das aulas e atividades, o
sucesso não é garantido, pois para haver aprendizado efetivo, é necessário
que o aluno sinta-se motivado e interaja nas situações propostas.

Finalmente, entende-se que a procura de estratégias diferenciadas na


educação, em especial com a introdução de TICs e o fomento para seu uso
interativo/colaborativo, está ancorada na convicção de que é possível ensinar
e aprender de forma significativa.

REFERÊNCIAS

AZEVEDO, Viviane Leite Lucas, et al. Educação à Distância: novos


paradigmas da pratica docente. Disponível em:
<http://www.aedb.br/anais_simped
/arquivos/EDUCACAO_A_DISTANCIA.pdf>. Acesso em: 12 out. 2011.
BOVO, Audria Alessandra. Formação Continuada de Professores de
Matemática para o Uso da Informática na Escola: tensões entre proposta e
implementação. Dissertação (Mestrado em Educação Matemática) – Instituto
de Geociências e Ciências Exatas. Universidade Estadual Paulista, Rio Claro,
2004. Disponível em:
<http://www.rc.unesp.br/gpimem/downloads/dissetacoes/bovo_aa_me_rcla.p
df> Acesso em: 06 mar. 2011.
CARREGOSA, Dean Lima. O Ensino à Distância Através das Tecnologias
da Informação e da Comunicação: uma virtualidade real. In ENCONTRO
ESTADUAL DE EAD, 1., 2011, Anais, Estância: UFS, 2011. p. 07-12.
CARVALHO, Beatriz. A Educacão à Distância e a Democratização do
Conhecimento. In: CARVALHO, Beatriz (org.). Educação à Distância.
Campina Grande: UEPB, 2006. v. 1, p. 47-58.
DEDE, Christopher. Dispositivos Móveis podem Revolucionar a
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<http://proucase.wordpress.com/2011/08/15/entrevista-com-christopher-
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set. 2011.
FLEMMING, Diva Marília; LUZ, Elisa Flemming; MELLO, Ana Claúdia
Collaço de. Tendências em Educação Matemática. 2. ed., Palhoça: Unisul
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PONTE, João Pedro da; OLIVEIRA, Hélia; VARANDAS, José Manuel. O
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Desenvolvimento do Conhecimento e da Identidade Profissional. In:
FIORENTINI, Dario (org.). Formação de Professores de Matemática:
explorando novos caminhos com outros olhares. Campinas: Mercado da
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SILVA, Gilvanda Maria Dias. NUNES, Andréa Karla Ferreira. Educação à
Distância. Aracaju: UNIT, 2005.
VALENTE, José Armando. As Tecnologias Digitais e os Diferentes
Letramentos. Pátio, Porto Alegre, n. 44, p. 13-15, nov. 2007/jan. 2008.
VILLARDI, Raquel; OLIVEIRA, Eloiza. Tecnologia na Educação: uma
perspectiva sociointeracionista .Rio de Janeiro: Dunya, 2005.
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Facebook:
limite de caracteres e texto curto, elemento estimulante de
criatividade e expressividade na produção de textos

Emelson José Silva dos Santos1

José Batista de Souza2

RESUMO

Com a revolução tecnológica, possibilitando o desenvolvimento dos meios de


comunicação e, por consequência, a Internet, este último, grande responsável pelo
aparecimento de Redes Sociais, importantes no aumento da frequência de troca de
informações entre pessoas de diversos lugares. É diante dessa realidade que se
destaca o Facebook como ferramenta em que não somente impera o diálogo
interpessoal, mas uma ampla discussão acerca de diversos assuntos de interesse da
sociedade. O trabalho, assim, traz análises referentes à textos produzidos,
possibilitando a abertura para diversas discursões acerca da produções textuais no
Facebook. Enfim, uma discussão reveladora que destaca a integração do usuário não
somente como internauta, mas como coprodutor de conteúdo, produzindo textos
semanticamente ricos, sempre utilizando muita criatividade.

Palavras- chave: revolução tecnológica, facebook, criatividade.

1
Contato do(a) autor(a): emelsonjose@hotmail.com. Formado em Letras vernáculas
pela Faculdade Ages, especialista em Língua Portuguesa pela Pio X e Professor da
Rede Municipal de Coronel João Sá-Ba.
2
Contato do(a) autor(a): jbdesouza@bol.com.br. Formado em Pedagogia pela
Faculdade Estadual do Vale do Acaraú-UVA , especialista em Gestão Pedagógica
pela Faculdade FANESE, Tutor da UNEB e Professor da Rede Municipal de Coronel
João Sá..
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INTRODUÇÃO

Desde a popularização da internet o fenômeno das redes sociais vem


sendo protagonista no novo universo midiático que emergiu na última
década. Possibilitando a inserção, principalmente, dos jovens em um universo
de recepção produção e interação, isto, em um volume jamais visto. Diante
desse contexto este artigo traz em sua primeira parte uma discussão acerca de
teorias de figuras do mundo intelectual que já pregavam há muito tempo o
surgimento desse mundo interligado por redes interativas a exemplo de
autores como Pierre Lévy e Marshall Mcluhan.

Na segunda parte o foco está em discutir o conceito de gênero para


assim entender a importância, principalmente, da relação texto escrito
imagem como modalidade escrita predominante em redes sociais como
Facebook. E, por fim, o texto é finalizado com análise de produções postadas
e compartilhadas nessa rede social que se tornou ícone no mundo das novas
mídias, contribuindo para transpor os limites da comunicação e mexendo
definitivamente com conceitos que até então tinham supremacia. Para isso, na
última parte do texto há predomina análises acerca de produções que
estimulam a criatividade, o censo crítico e a interação.

1 Pensadores da comunicação: visionários de um mundo


fantástico.

Conceitos de um mundo em rede, de um planeta interconectado por


tecnologias avançadas já foi ficção científica. Mas em meio a toda utopia
sempre existiram aqueles que acreditaram na possibilidade do mundo ser
realmente o que é hoje. Tal realidade demonstra plenamente que a sociedade
não se curva diante de desafios quando se tem metas, e que a palavra limite
não é o termo mais adequado neste caso. Já que nos últimos tempos estes
foram superados, o que retira de cogitação qualquer possibilidade de se
duvidar da capacidade de superação humana até mesmo na realização de
conquistas mais extraordinárias.

O interessante dessa realidade é que a humanidade sempre foi capaz de


superar desafios e transformar o mundo ao seu favor, provendo revoluções e
mudanças extraordinárias, seja a partir do desenvolvimento da técnica de
produção do fogo em períodos mais remotos de sua existência até a a
revolução industrial com surgimento da maquina a combustão, conquista do
espaço e proezas que faz do humano um ser singular nesse universo. Essas
realizações citadas foram realmente conquistas revolucionárias e importantes
para o desenvolvimento da humanidade, todavia, ou foram conquistas
individuais ou de pequenos grupos. Faltava ainda trabalhar a possibilidade de
produzir em escala maior, envolvendo mais pessoas e criando um espaço da
amplitude planetária. Entre pensadores o primeiro a vislumbrar essa
possibilidade foi o Jesuíta filósofo Teilhard de Chardin que já na metade do
século passado defendeu a tese de que o mundo viveria uma revolução
universal, a primeira visão filosófica de um mundo moderno e cooperativo.
Atente-se ao pensamento de Chardin.
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Ninguém pode negar que uma rede […] de filiações econômicas e


psíquicas está sendo tecida numa velocidade que aumenta sempre, que
abraça e constantemente penetra cada vez mais fundo em nós. A cada
dia que passa, torna-se um pouco mais impossível para nós agir ou
pensar de forma que não seja coletiva […] Nós chegaremos ao
princípio de uma nova era. A Terra ganha uma nova pele. Melhor
ainda, encontra sua alma (CHARDIN, 1947, apud: ZWARG, 2005,
p.12).

Se tratando do período em que esse extraordinário pensador divulgou


esse pensamento, ou seja, ainda na metade do século passado, período em
que o mundo ainda não vivenciava a evolução tecnológica no campo da
informática as suas ideias já apontavam para o surgimento do
compartilhamento de pensamentos. Deixando claro que essa era uma
tendência irreversível no longo percurso da humanidade em busca do
conhecimento. Esse pensamento fora a base para o desenvolvimento da tese
de um outro pensador contemporâneo Pierre Lévy (1999) que cunhou dois
dos conceitos básicos que norteiam este trabalho. Para ele o desenvolvimento
da tecnologia e dos meios de comunicação possibilitaria com rapidez e
eficiência o compartilhamento de ideias e pensamentos possibilitando uma
interação rápida e com isso permitir a construção coletiva do conhecimento,
daí denominar esse processo de “inteligência coletiva”. Ou seja, um processo
de troca de ideias ocorridas em rede que para Pierre (1999), com o
surgimento da Internet, seria denominado de ciberespaço, sendo este um
conceito revolucionário e totalmente concretizado nos dias atuais se for
levado em conta o fato de que em paralelo à vida física se vive uma relação
virtual.

A intensa relação humana no “ciberespaço” já rende conquistas


importantes para humanidade, seja no plano científico a partir do
mapeamento genético, realizado em tempo recorde pelo fato da possibilidade
de cooperação de diversos grupos que utilizaram a comunicação em rede.
Sendo este um dos primeiros exemplos de desenvolvimento de conhecimento
através do conceito de inteligência coletiva. Já no que concerne ao
desenvolvimento de softwares e aplicativos a troca de informações em rede
possibilitou que até mesmo sistemas operacionais fossem desenvolvidos a
partir do compartilhamento de informações, a exemplo do Linux que é
bastante utilizado no mundo e os usuários não precisam gastar um centavo
para utilizá-lo. No que se refere à política o papel de redes sociais tem sido
preponderantes na atualidade como meio de expressão acerca de atuações
políticas em todo o mundo, servindo de canal aberto para emissão coletiva de
opiniões acerca da atuação política dos governantes. Esse fenômeno,
ultimamente, vem sendo tão recorrente que ditaduras derrubadas no Oriente
Médio tiveram nas redes sociais a base para que fosse deflagrado o
movimento de revolta popular importante para a queda de Governos
autoritário em países como Líbia e Egito. Observa-se então que as redes
sociais disposta como o mais importante instrumento comunicativo existente,
até pelo fato de possibilitar a todas as pessoas que tenham acesso ao direito
de expor ideias com liberdade e autonomia. Algo muito diferente, por
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exemplo, da televisão que restringe à opinião a grupos minoritários


geralmente detentores do poder. O pensamento visionário de Pierre Lévy de
inteligência coletiva no ciberespaço deixa claro que a revolução tecnológica
possibilitou o surgimento de uma redefinição do conceito de fronteira. Ou
seja, enquanto o mapa geopolítico demarca espaços em que os governos
defendem até mesmo com derramamento de sangue, se possível, o
ciberespaço é de todos, tornando o que para Marshall Mclohan (1967) é
apenas uma “Aldeia global” em que as pessoas trocam informações,
comercializam e vivenciam sentimentos comuns a todo tempo em grande
escala. Constata-se, dessa forma, que a importância das ciências humanas,
marginalizada no mundo científico foi e é primordial para entendimento de
tais fenômenos que, de certa forma, tenta compreender impactos positivos e
negativos desse fenômeno que vem mudando a vida contemporânea e
refletirá certamente nas futuras gerações.

É, mais do que nunca, importante compreender que as redes sociais


despontam como protagonista desse processo por ser o canal mais eficiente
no que se refere à interatividade, possibilitando que pessoas de diversas
partes do mundo possam trocar informações e se confraternizarem sem
estarem preocupadas com determinadas diferenças. Ou seja, o advento da
Internet ajudou a romper o conceito que se tinha a respeito da relação espaço-
tempo, isto, pelo fato da possibilidade, até então inexistente, de haver uma
interação grupal em espaços e tempos diferentes de forma simultânea como
as que vêm ocorrendo em salas de aula virtuais, conferências, salas de bate
papo virtuais que congregam pessoas de diversas culturas e pensamentos.
Fisicamente em múltiplos espaços e lugares, mas presentes no mesmo espaço
virtual. Tal possibilidade congrega perfeitamente com o conceito de Aldeia
Global cunhando por Marshall Mclohan quando visiona um mundo sem
fronteiras, globalizado e cada vez mais integrado, possibilitando a
comunicação e que todos sejam mais produtivos e estimulados a pensar o
mundo. A ser, assim, seres mais ativos no proveitoso e indispensável
processo de construção e reconstrução de ideias, visando a existência de um
mundo melhor.

2 Um novo gênero, um velho gênero adaptado a um novo


formato ou diversos gêneros em só veículo de
comunicação?

A utilização da linguagem é algo fundamental para sobrevivência


humana, visto que a comunicação através da utilização desse instrumento ser
fundamental até mesmo para a existência humana. Tal situação coloca os
indivíduos humanos na condição de espécie singular no que concerne à forma
de estabelecer contato, utilizando-se de uma diversidade de práticas de
exercício da linguagem. Este processo que se iniciou nos primórdios e que
vivenciou uma evolução sem precedentes no período do surgimento da
escrita e mais outra quando emergiu a imprensa, passa, na atualidade, por
mais uma fase, denominada de revolução tecnológica que culminou nos
últimos tempos com o ápice da Internet surgida inicialmente com fins
bélicos. Mas que vem se transformado, nós últimos tempos, em dos mais
extraordinários instrumentos de comunicação desenvolvidos pela sociedade.
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Fenômenos este que possibilitou o surgimento de redes sociais a exemplo do


Orkut, MSN, Twitter, Facebook e outros veículos de comunicação surgidos a
partir do advento da internet.

É interessante e óbvio que o surgimento de novos veículos para a


disseminação da linguagem provoca o surgimento de novos gêneros a
exemplo da carta que certamente surgiu com o advento da escrita e do jornal
com o da imprensa. É nítido que a internet iria trazer diante de sua grandeza
e complexidade o surgimento de novos gêneros, destacando o fato da do uso
da Língua no processo contínuo de troca de informações ser capaz de
transitar perfeitamente em meio a essa multiplicidade. Para isso é interessante
ler Mikhail Bakhtin:

Todos os diversos campos da atividade humana estão ligados ao uso


da linguagem. Compreende-se perfeitamente que o caráter e as
formas desse uso sejam tão multiformes quanto os campos de
atividade humana, o que, é claro, não contradiz a unidade nacional de
uma língua. ( Backtin, p. 261)

De acordo com o pensamento de Bakhtin no trecho acima o caráter


múltiplo de modalidades de gêneros demonstra o quão é diversificado a
quantidade de gêneros textuais em uso. Essa multiplicidade permite que
exista uma modalidade específica para cada ferramenta comucacional e esse
processo sempre esteve em constante adequação nos diferentes períodos e
contextos vividos pela civilização humana em sua história. Mas a constância
das mudanças vem bem mais frequente e é particularmente singular nas
últimas décadas com o surgimento do advento da internet. Nesse curto
período de tempo se for levado em conta toda história esse processo nunca
foi tão acelerado quanto nos últimos anos, principalmente após o surgimento
de serviços de e-mail em substituição a carta, dos serviços de mensagem
instantânea a exemplo das redes sociais – facebook, Orkut- além de outros
responsáveis por uma transformação sem precedentes na formação entre as
pessoas no mundo inteiro. Nunca na história as pessoas se comunicaram
tanto, permitindo que no processo de adaptação essa multiplicidade de
gêneros aumente consideravelmente, mas deixe na mão dos especialistas em
comunicação e linguagem o desafio de estabelecer critérios que definam o
que são realmente essas novas modalidades de textos produzidos para esses
veículos revolucionários. O que se sabe é que a maioria dos textos são curtos
e escritos com base na ortografia normal ou utilizando “ internetês” para
assim facilitar o processo de digitação. Mas no que se refere às postagens
expostas no Facebook um dos pontos de destaque é a expressividade dos
textos que em grande parte das vezes desencadeiam reflexão no internauta
que de imediato dá o retorno acerca do texto publicado. Ou seja, é possível
vislumbrar no Facebook como um dos meios de comunicação mais
extraordinários que já se conheceu, já que democratiza a opinião e, além
disso, permite às pessoas comuns o exercício da criatividade, isto é,
enquanto na grade mídia a criatividade e inspiração está a favor de grupos
fechados do setor de comunicação. Ferramentas como o Facebook abre
espaço para a difusão dos pensamentos e ideias provindos do coletivo. Com
isso é possível compreender que cada gênero textual exerce função
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específica, isto, de acordo com a finalidade de cada, e apesar da diversidade


de textos postados nessa Rede social ambos se assemelham na sua finalidade.
Leia-se Bakhtin mais uma vez.

O conteúdo temático, o estilo, a construção composicional estão


indissoluvelmente ligados no todo do enunciado e são igualmente
determinados pela especificidade de um determinado campo da
comunicação. Evidentemente, cada enunciado particular é individual,
mas cada campo de utilização elabora seus tipos relativamente
estáveis de enunciados, os quais denominamos gêneros do discurso[...]
A riqueza e a diversidade dos gêneros do discurso são infinitas por
que são inesgotáveis as possibilidades da multiforme atividade
humana e porque em cada campo dessa atividade é integral o
repertório de gêneros do discurso, que cresce e se diferencia à
medida que se desenvolve e se complexifica em um determinado
campo. (Bakhtin, p.263)

Seria possível então dizer que os textos postados no não se tratariam de


um mesmo gênero, já que a construção composicional é diversa e textos de
diferentes formas são postados. Mas ao mesmo tempo que o autor cita
elementos estruturais não deixa de destacar a importância do veículo e da
finalidade do texto. Cabendo então destacar o fenômeno ocorrido atualmente
em redes sociais como o Facebook que independente de ser texto
relacionado com imagem ou só texto procura ser expressivo o suficiente para
despertar o interesse de todos pelo o compartilhamento. Ou seja, são textos
ora imagéticos, ora apenas escritos e na maioria das vezes unem os dois,
mas tem como enfoque principal despertar a curiosidade e o a reflexão de
quem o ler, isso em poucas palavras ou às vezes com uma só imagem, porém
não com menos importância e impacto do que um editorial de um grande
jornal escrito ou televisivo. Dessa forma, pode se destacar que o Facebook
vem sendo um ícone da comunicação por demonstrar que pessoas comum são
capazes de compreenderem a complexidade do mundo, compartilharem e o
melhor serem coprodutoras dessa grandiosa mídia coletiva aberta para o
mundo.

3 Análise de textos postados no Facebook

A afirmação de que quem faz o texto é o contexto é mais que verdadeira


e essa realidade vem transformando ferramentas como o Facebook em um
instrumento importante na difusão de ideias e pensamentos em âmbito local e
regional, já que o compartilhamento se dá entre amigos, isso não exclui
pessoas mais distantes, todavia o contato é mais intenso por pessoas mais
próximas e que vivenciam um mesmo contexto. Tudo isso sem excluir a
participação em questões que envolvam o interesse nacional e até mesmo
internacional. Fator que transforma o Facebook não somente em um
instrumento para a troca de mensagens bobas, mas em um meio de
comunicação mais importante que a televisão, o rádio e o jornal impresso
pelo fato de permitir uma intensa interação. É bom destacar que além de
haver uma intensa troca os indivíduos têm o retorno imediato do pensamento
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que produziu ou somente compartilhou, pois a aceitação torna-se um


elemento de incentivo para a produção de outros.

É com base na realidade do que é hoje o Facebook, um gênero que além


de ser mais um elemento produzido na Internet, seus textos, causam impacto
na sociedade, sendo então o ponto crucial. E com base nessa realidade, serão
analisados textos a seguir que são exemplos de assuntos levantados no
Facebook e tiveram significativa repercussão no meio em que circularam.

Texto I

Compartilhado em 5 de agosto de 2012 por


http://www.facebook.com/#!/emelson33

O fator criatividade é realmente fenomenal quando se trata de postagens


no Facebook e os internautas se mostram bastante habilidosos neste sentido e
produzem textos com maestria, mesmo sendo, neste caso amadores.
Ferramentas como o Facebook e recursos tecnológicos auxiliam e
possibilitam o exercício da criatividade. O texto acima une a imagem ao
escrito e com isso provoca humor. Obviamente o humor, no caso dessa
produção, só é desencadeado se for levado em conta o contexto em que é
produzido. Neste caso, o internauta se utilizou da coincidência de encontrar
um jacaré com gatos dentro da imensa boca e precisou apenas acrescentar o
texto escrito para assim relacioná-lo com o atual momento de disputa política
de Coronel João Sá- Ba, cujos candidatos têm como símbolo o gato e o
jacaré. Com isso a intencionalidade do autor perpassa por dois dos
significados, no primeiro ele relaciona a imagem a disposição de devorar os
adversários, simbolicamente, é claro, o que é pretendido nas próximas
eleições e também um segundo, acrescentado a partir da inserção do texto
“vamos para o PMDB” ou seja, um convite para que os adversário integrem o
grupo do PMDB, cujo símbolo, no contexto local, é o jacaré.

Observa-se, então, que esse é um exemplo de texto criado na rede que


abrange um contexto local em que o sentido está atrelado a um contexto que
foi produzido a partir do estímulo desencadeado devido a ocorrência de
eleições. Um outro fator interessante é que a captura da imagem se deu de
uma pesquisa na própria rede, fator este comprovado já que a imagem traz o
endereço eletrônico que comprova a tese de que o grande diferencial dos
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textos postados em ferramentas como o Facebook são frutos do


compartilhamento de ideias. Obviamente que isso só é possível graças à
disponibilidade de recursos existentes na atualidade, mas o interessante é que
se dado o estímulos e o recursos necessários, pessoas comuns são capazes de
produzirem textos nitidamente caseiros, mas que são ricos de expressividade
e criatividade.

Texto II

Compartilhado em 13 de agosto de 2012 por


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O fator intertextualidade é um dos pontos fortes dos textos produzidos e


postado no Facebook, ou seja, um gênero único com múltiplas faces, pois
para o internauta não há limite para a criatividade. Neste caso, o texto está
atrelado a um contexto local, porém de maior abrangência que o anterior já
que envolve a figura de um político local. E, apesar da montagem muito bem
feita, neste caso, a visão crítica está na relação do nome do político a forma
do personagem “Mussun” do extinto programa Os trapalhões que falava
utilizando sempre o diminutivo. Ou seja, texto aberto a interpretações, mas
que seguramente destaca às críticas que o atual vem recebendo por parte da
sociedade acerca do seu governo.

Textos III, IV e V

Compartilhado em 9 de agosto de 2012 por


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Compartilhado em 11 de julho de 2012 por


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Compartilhado em 5 de agosto de 2012 por


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Os últimos três textos têm como destaque a reflexão acerca do atual


panorama da educação no Brasil. No primeiro o compartilhamento de ideias
se dá em dois ângulos. Em um primeiro momento o texto é apenas um
cartaz, que caso não fosse publicado no Facebook, apesar da criatividade,
não passaria de um simples cartaz criativo e cômico acerca da educação
brasileira e da atual realidade em que a falta de qualidade no ensino é
inerente. Mas o fato de ser fotografado passa a ser um texto cuja amplitude
de disseminação das ideias ganha um alcance Nacional. Ou seja, há uma
mudança de gênero, tanto por causa da mudança de veículo como pelo fato
de adequação do texto a ferramentas de comunicação como o Facebook. Pois,
mais do que nunca, é imprescindível destacar que prolixos, que não sejam
sintéticos e expressivos não são os mais adequados para postagem em Rede
Sociais como o Facebook. Constata-se, dessa forma, que ferramentas de
interação como o facebook são abertas, mas dificilmente textos que não
contornem a falta de espaço com criatividade e concisão e expressividade
têm Espaço.

No segundo texto o espaço para a reflexão continua e o enfoque é a


conturbada Copa que será realizada na Brasil em 2014, mas que não deixa de
enfocar crítica semelhante ao anterior, ou seja, prováveis motivos da má
qualidade da educação brasileira. Porém no primeiro aparece a má
remuneração estimuladora de greves e no segundo texto a má aplicação do
dinheiro público que em muitos momentos priorizam o supérfluo. Enfim,
verdadeiras dissertações que clamam à sociedade a discutir a realidade da
educação barasileira, e, tentando explicar com argumentos bem
fundamentados a causa de muitos dos fracassos. Uma demonstração de que
com poucas palavras e imagens acertadas “o gênero postagem para o
Facebook” é uma ferramenta que impressiona na difusão de pontos de vistas,
sendo obviamente bem mais acessíveis que os tradicionais textos de opinião,
sendo então um gênero singular no que que concerne à relação leitor
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produtor e reprodutor. Sendo então fruto da inteligência coletiva tão


difundida por Pierre Lévy, autor de pensamentos discutidos neste trabalho .
São característica desse tipo que faz desse gênero, nascido do coletivo, um
dos mais fenomenais instrumentos de comunicação até então criados pelo
homem.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

As reflexões aqui feitas deixa claro que o a revolução tecnológica


dos últimos tempos possibilitou que transformações extraordinárias
ocorressem. Neste cenário do mundo virtual. Este trabalho traz como
destaque o protagonismo do Facebook, uma rede social de ampla e
responsável por uma grande transformação na forma de se comunicar. Fator
este, preponderante para o surgimento de um processo de linguagem
expressiva e criativa, alcançando o público com a utilização mínima de
palavras com grande poder persuasivo. Ou seja, um instrumento de difusão
de informações que permite a interatividade, possibilitando, dessa forma,
que o conhecimento seja produzido em cooperação. Ou seja, sínteses de
antíteses geradas em Rede e importantes para a construção do conhecimento.

Portanto é necessário destacar que nos últimos tempos a Rede vem


sendo fonte de estímulo a criação e a expressão popular, demonstrando, dessa
forma, que na maioria das vezes a falta de espaço e incentivo pode ser
determinante no processo de produção textual. Daí destacar o protagonismo
do Facebook como uma espaço de integração das pessoas que compartilham
e criam, imbuídas do objetivo de expressar através de textos escritos, mistos
ou apenas imagéticos opiniões acerca dos diversos assuntos que envolvem a
vida das pessoas dos mais diversos lugares. Enfim, postar no facebook não é
só produzir por produzir, mas como foi observado nos textos analisados
neste trabalho, é produzir de forma sintética assuntos inerentes a
complexidade do mundo.

REFERÊNCIAS

BAKHTIN, Mikhail Mikhailovich. Estética da Criação Verbal; introdução e


tradução do russo Paulo Bezerra. – 5ª ed-São Paulo: Editora WMF Martins
Fontes, 2010.
MCLUHAN, Marshall. A Galáxia de Gutenberg. São Paulo: Cultrix, 1967.
PIERRE LEVY. A inteligência coletiva: por uma antropologia do
ciberespaço. 2. ed.
Tradução de Luiz Paulo Rouanet. São Paulo: Loyola, 1999.
______________.As tecnologias da inteligência: o futuro do pensamento
na era da
informática. Tradução de Carlos Irineu da Costa. São Paulo: Editora 34,
1993.
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ZWARG. Cláudia Durand. 2005. O virtual e o humano no pensamento de


pierre Lévy. 0.90 f. Dissertação( Mestrado em comunicação)-Coordenação
de Pós-Graduação em Arquitetura, Artes e Comunicação da Universidade
Estadual Paulista, Bauru, 2005.
Site: WWW. Facebook.com.br
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Ensino e Aprendizagem da Matemática no


Curso Técnico em Edificações de Nível
Médio do Instituto Federal de Sergipe IFS:
estudo de caso

Herbet Alves de Oliveira1

Carlos Menezes de Souza Junior2

RESUMO

O ensino da matemática para o Ensino Médio no Instituto Federal de Sergipe – IFS


tem sido um grande desafio, uma vez quando observada a enorme dificuldade inicial
dos nossos alunos egressos do Ensino Fundamental. No IFS é utilizado como modelo
de ensino o chamado sistema tradicional: o professor transfere a matéria na lousa e em
seguida distribui listas de exercícios para que os alunos possam resolvê-las em sua
casa. No entanto, foi observado que a maior parte dos estudantes não resolvia os
exercícios propostos para casa em consequência da falta de acompanhamento do
raciocínio das aulas. Como o volume de assuntos a serem abordados em uma ou duas
aulas eram enormes, os alunos acabavam acumulando os estudos, e assim em épocas
de prova, raramente conseguiam atingir a média das avaliações, e tão pouco
alcançavam bons resultados no processo de recuperação. Deste modo, o índice de
reprovação mesmo utilizando aulas de recuperação chegava até 40%. Com a
finalidade de minimizar este índice de reprovação, foi proposta uma nova
metodologia em que o professor ministraria suas aulas, e preservaria um tempo até o
término da mesma, para a distribuição de listas de exercícios a fim de serem
resolvidas por pequenos grupos na própria sala. Foi observada que a nova
metodologia permitiu uma maior aproximação do professor com os alunos, sobretudo
com aqueles que apresentavam maior dificuldade. Foi possível conhecer as diferenças
individuais e tratar cada aluno de forma diferenciada. O resultado mostrou que o
índice de reprovação na disciplina matemática reduziu de 40% para 10% em média.

Palavras-chave: ensino de matemática, avaliação, metodologia de ensino.

1
Contato do(a) autor(a): herbetalves148@hotmail.com. Instituto Federal de Sergipe,
IFS.
2
Contato do(a) autor(a): carlosmenezesjr@hotmail.com. Instituto Federal de Sergipe
IFS.
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INTRODUÇÃO

Segundo Boeri e Vione (2009) o ensino e a aprendizagem da


Matemática estão passando por um profundo processo de renovação. A
aprendizagem hoje não é vista mais como a simples transmissão e recepção
de informações, mas sim como um processo de construção de conhecimentos,
que é favorecido mediante a estimulação da investigação e participação dos
alunos.

Neste contexto, a escola não pode ficar indiferente aos novos


métodos e técnicas que podem ser introduzidos no ensino decorrentes do
aparecimento de novas tecnologias.

Quando se discute o papel da matemática no processo de ensino-


aprendizagem, é pertinente analisar a forma como ele se apresenta em nossas
escolas. É fundamental ter sempre presente que o aluno aprende mais quando
lhe é permitido criar relações, experiências e conseguir contato com material
concreto. Porém, infelizmente, muitas vezes a escola trabalha de modo que
bloqueia os estudiosos da matemática apesar destas, realizarem
sistematicamente fóruns, mesa redonda a respeito das necessidades de
renovações das metodologias a fim de atender satisfatoriamente o processo
de ensino e aprendizagem da disciplina matemática, seja no ensino
fundamental ou médio.

Haja vista que os alunos ingressantes no ensino médio apresentam


enorme dificuldade para aprender matemática, questiona-se a atual concepção
de como se aprende tal disciplina. Sabe-se que a típica aula de matemática
empregada no ensino fundamental e médio ainda é uma aula expositiva, em
que o professor passa, através da lousa, para o aluno aquilo que ele julga
como importante. O aluno, por sua vez, copia da lousa para o seu caderno e
em seguida procura fazer exercícios de aplicação, que nada mais são do que
uma réplica da solução modelo apresentada pelo professor. Devido a esta
repetição de modelo, torna-se comum ver os estudantes desistirem de
resolver problemas matemáticos mais sofisticados, afirmando não terem
aprendido como resolver tais tipos de questão. Assim, a típica aula de
matemática tem proporcionado uma carência nos momentos em que se exige
um maior raciocínio nas soluções problemas.

Para Tardif (2002) as pesquisas sobre a educação hoje, muitíssimas


vezes não tem, infelizmente, nenhuma relação com o ensino e nenhum
impacto sobre ele, pois é produzido de acordo com práticas, discursos e
atores que agem em espaços institucionais e simbólicos completamente
separados da realidade. No caso do IFS, está se fazendo com que a pesquisa
ou a observação seja fruto de um trabalho diretamente ligado ao que os
alunos estão aprendendo em sala de aula. É muito comum ouvirmos fala de
alunos, como:
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[...] para que temos que estudar isso? [...] onde vamos utilizar esse
assunto?[...] por que é tão difícil?

Atualmente, o professor também possui uma série de crenças sobre o


ensino e a aprendizagem de matemática que reforçam a prática educacional
por ele exercida. Essa prática revela a concepção de que é possível aprender
matemática através de um processo de transmissão de conhecimento. Mais
ainda, de que a resolução de problemas reduz-se a procedimentos
determinados pelo professor. Alguns alunos acreditam que a aprendizagem
de matemática se dá através de um acúmulo de fórmulas, outros acreditam
que, aprender matemática é seguir e aplicar regras. Regras essas que foram
transmitidas pelo professor.

Segundo Witter (2010), deve haver um consenso em que, para se


obter um bom resultado no ensino da matemática é necessário que o
professor tenha competência para estabelecer relações entre o assunto em que
está trabalhando e o mundo ou contexto de vida de seus alunos.

Para Muniz (2005), o professor deve ser criterioso, investigativo da


prática da aprendizagem. Ele deve estar atento ao contexto do processo
ensino aprendizagem, deve avaliar os resultados do seu trabalho. O valor
dado à disciplina ou tema, é fundamental para que o aluno se interesse pelo
assunto de fato e não apenas estude para obter uma nota de aprovação. A
relação dos conceitos de matemática com o mundo real, sobretudo em curso
de formação profissional Técnico como o de Edificações, é fundamental para
que o aluno realmente esteja motivado para aprender.

Qualquer que seja o assunto a ser abordado em matemática é


fundamental que o professor faça um prefácio, uma discussão a respeito do
tema a ser estudado. O educador deve levar o aluno a viajar no tempo e
espaço de forma que ele possa se empenhar nos assuntos ministrados e
entender de forma clara o objetivo dos assuntos propostos. Os resultados
mostram que os alunos quando inseridos em grupos ficam mais a vontade
para tirar suas dúvidas. No entanto, a avaliação do processo do ensino-
aprendizagem deve ser rigorosa, ou seja, o aluno deve mostrar resultados.

Segundo Luckesi (2005) o ato de avaliar não se encerra na configuração


do valor ou qualidade atribuído ao objeto em questão, exigindo uma tomada
de posição favorável ou desfavorável ao objeto de avaliação, com uma
consequente decisão de ação.

A avaliação, diferentemente da verificação, envolve um ato que


ultrapassa a obtenção de configuração do objeto, exigindo decisão do que
fazer ante ou com ele. A verificação é uma ação que "congela" o objeto; a
avaliação, por sua vez, direciona o objeto numa trilha dinâmica de ação.

No geral, a escola brasileira opera com a verificação e não com a


avaliação da aprendizagem. Este fato fica patente ao observarmos que os
resultados da aprendizagem usualmente têm a função de estabelecer uma
classificação do educando, expressa em sua aprovação ou reprovação. O uso
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dos resultados encerra-se na obtenção e registro da configuração da


aprendizagem do educando, nada decorrendo daí, só em situações reduzidas e
específicas, encontramos professores que fogem a esse padrão usual, fazendo
da aferição da aprendizagem um efetivo ato de avaliação. Para estes raros
professores, a aferição da aprendizagem manifesta-se como um processo de
compreensão dos avanços, limites e dificuldades que os educandos estão
encontrando para atingir os objetivos do curso, disciplina ou atividade.

No IFS os professores em geral mostram para os alunos a matemática


como um corpo de conhecimentos já prontos. A esses não é dada uma
oportunidade para a criação de soluções mais sofisticadas, o aluno passa a
acreditar que na aula de matemática o seu papel é passivo e desinteressante,
gerando assim, uma desmotivação no estudo da disciplina. Mas o que motiva
o aluno? O professor deve realizar uma abordagem logo no primeiro dia de
aula com a finalidade de conhecer o aluno, fazer questionamentos que
possam despontar o perfil e a motivação que o trouxeram para a Instituição,
e, sobretudo qual o grau de satisfação do mesmo com relação à disciplina
anteriormente. De posse do perfil de cada aluno o professor poderá dar
prosseguimento ao seu trabalho.

Para instruir-se depende da estratégia de ensino e, sobretudo do nível


do aluno, que pode estar motivado independente de gostar ou não da
disciplina. No entanto os anseios e sonhos podem estar depositados na sala de
aula. Cabe ao professor estabelecer estratégias para manter a motivação do
aluno em alta, e garantir o sucesso do processo de ensino e aprendizagem.

Diversas são as atuais linhas de propostas de trabalho lidando com a


pergunta: como ensinar matemática hoje? Uma das preocupações dos
educadores é com relação ao ensino está no fator quantidade de conteúdo
trabalhado. Para eles o conteúdo trabalhado é a prioridade de sua ação
pedagógica, ao invés da aprendizagem. Em nenhum momento no processo
escolar, em uma aula de matemática geram-se situações em que o aluno deva
ser criativo. Na matemática do ensino fundamental raramente o aluno
vivencia situações de investigação, exploração e descobrimento. O processo
de pesquisa matemática é reservado a poucos indivíduos que assumem a
matemática como seu objeto de pesquisa. É esse processo de pesquisa que
permite e incentiva a criatividade ao se trabalhar com situações problemas.
Assim, é fundamental que todo assunto estudado deva ser correlacionado
com a realidade em que o aluno irá vivenciar.

Parece haver um consenso em que, para se obter um bom resultado no


ensino de Matemática é necessário que o professor tenha competência para
estabelecer relações entre o assunto que está trabalhando e o mundo ou
contexto de vida de seus alunos. São as interpretações dos alunos que
constituem o se saber matemática "de fato". Muitas vezes o aluno demonstra,
através de respostas a exercícios, que aparentemente compreendeu algum
conceito matemático; porém, uma vez mudado o capítulo de estudo ou algum
aspecto do exercício, o aluno nos surpreende com erros inesperados. É a
partir do estudo dos erros cometidos pelos alunos que poderemos
compreender as interpretações por eles desenvolvidas
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Neste trabalho foi realizado um estudo comparativo em sala de aula,


com alunos do 1º período do Curso Técnico em Edificações do Instituto
Federal de Sergipe - IFS, na disciplina Ciência Aplicada (matemática) na
cidade de Estância em Sergipe. No primeiro caso, foram ministrados os
assuntos de matemática utilizando a lousa e foi entregue uma lista de
exercícios para que os alunos resolvessem em casa. Antes da realização da
prova, foram tiradas as dúvidas relacionadas à lista. No segundo caso, após
passar o assunto no quadro e elaborar listas de exercícios para os alunos
resolverem em casa, foram distribuídas outras listas para que os alunos
pudessem resolver em grupo na sala de aula. Assim, foi possível assistir a
cada grupo e tirar as dúvidas individualmente.

Os resultados mostraram que os alunos na primeira prova sem o auxilio


do grupo e de acompanhamento individualizado, 40% tiraram notas abaixo
da média que é seis (6,0). Já no segundo caso, adotando o apoio ao aluno,
tirando suas dúvidas in loco o índice de alunos que tiraram notas abaixo da
média, caiu para 10%. Assim, este modelo de ensino passou a ser padrão na
Instituição a fim de garantir o direito do aluno de aprender.

1 METODOLOGIA

O estudo de caso se deu na turma do 1º período do Curso Técnico


em Edificações do Instituto Federal de Sergipe, composta por 40 alunos do
turno da tarde no 1º e 2º semestre de 2010. Para a realização do trabalho,
foram utilizados dois métodos de ensino a fim de comparar sua eficiência no
aprendizado dos alunos com a matemática.

No primeiro caso, o método consistiu na ministração dos conteúdos de


matemática na lousa e recomendado uma lista de exercícios para que os
alunos resolvessem em casa. A lista foi posteriormente corrigida e em
seguida aplicou-se uma prova.

Na segunda metodologia aplicada, consistiu na ministração dos mesmos


conteúdos do primeiro caso, porém foram formados grupos de estudo que
resolviam os exercícios em sala. Neste momento os alunos eram
acompanhados em grupos e estabeleceu-se um líder de cada grupo para
facilitar a interação com o professor, e posteriormente foi aplicada uma
prova.

2 RESULTADOS E DISCUSSÃO

Os dados obtidos dos resultados das provas referentes aos conteúdos


aplicados em ambos modelos propostos, então dispostos na Tabela 1.
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Tabela 1: Notas obtidas nas provas nos métodos de ensino

Nota < 6,0 Nota ≥ 6,0


(menor) (maior ou igual)

Sem a formação de 40% 60%


grupo

Estudo em grupos 10% 90%

Fonte: dados da pesquisa

Foi observado que os alunos quando são assistidos em grupo


apresentam melhor rendimento. Existem alunos que são tímidos,
introvertidos que não se expõem na frente da classe para tirar dúvidas. Assim,
a assistência de um professor, tutor ou ainda um líder do grupo é fundamental
para garantir o processo ensino aprendizagem.

CONCLUSÕES

A prática do estudo em grupo ajuda de forma expressiva o aluno a


entender e aprender matemática. Além do mais, o professor poderá assistir a
cada aluno individualmente. Existem alunos que são por motivos diversos
introvertidos e não se expõe em sala de aula quando tem dúvida de um dado
assunto. Assim, somente mediante realização das atividades em grupo o
mesmo poderá expor suas dúvidas. É fundamental que o professor fique
alerta para verificar se os alunos estão se adaptando aos seus grupos, quando
necessário, o mesmo deverá ser transferido para outro. O professor deve
procurar formar os grupos conforme o grau de dificuldades dos alunos e,
sobretudo reunir pessoas que possuem maior afinidade. De antemão pode-se
dizer que o aluno em um primeiro momento deve ser inserido em um grupo
de sua preferência. A redução do índice de alunos que não atingiram a média
de 40 para 10% mostram que podemos reduzir o índice de evasão ou
reprovação quando o aluno é assistido de forma individualizada em sala de
aula. Casos extremos de falha no processo ensino aprendizagem, o professor
pode encaminhar o aluno para aulas extras com o grupo fora da sala ou com
monitor.

REFERÊNCIAS
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BOERI, Camila e VIONE, Márcio Tadeu. Abordagens em Educação


Matemática. São Paulo 2009. Disponível em
http://www.dominiopublico.gov.br/ download/texto
/ea000661.pdf. Acessado em 28 de agosto de 2012

LUCKESI, Cipriano Carlos. Avaliação da aprendizagem escolar, São


Paulo: Cortez, 2005.

MUNIZ, C.A. Transição didática: o professor como construtor de


conhecimentos. In: MUNIZ E BERTORNI (Org.). Matemática na
alimentação e nos impostos. Brasília: FUNDESCOLA/DIPRO/FNDE/MEC,
2005.

TARDIF, M. Saberes Docentes e formação profissional. Rio de Janeiro:


vozes, 2002.

WITTER, Geraldina Porto. Matemática e problemas do cotidiano:


estratégias para o ensino. Psico-USF (Impr.) [online]. 2010, vol.15, n.2, pp.
271-272. ISSN 1413-8271. Disponível em: http://dx.doi.org/10.1590/S1413-
827120100002000014. Acessado em: 08 de julho de 2012
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A Forma que os Alunos estão sendo


Avaliados em Cálculo Diferencial Integral no
Campus Professor Alberto Carvalho,
Itabaiana - SE

Welânia Santos Souza1

Lívia de Souza Dantas Santana2

Karly Barbosa Alvarenga3

RESUMO
O índice de reprovações ocorridas na Universidade Federal de Sergipe de Itabaiana
nos despertou o interesse de procurar saber se um dos fatores que contribui para tal
fato tem alguma relação com a forma como os alunos estão sendo avaliados. Para isso
desenvolvemos essa pesquisa aplicando questionários a alunos e professores dessa
universidade. Por meio das respostas obtidas podemos inferir que a forma avaliativa
que prevalece ainda é somativa e classificatória. Quanto ao índice de reprovação,
deve-se a imaturidade matemática apresentada pelos alunos principalmente aqueles
advindos de escolas públicas.

Palavras-chave: Cálculo Diferencial Integral, Avaliação, Reprovação.

1
Contato do(a) autor(a): welania.matematica@hotmail.com. Graduanda.
Universidade Federal de Sergipe.
2
Contato do(a) autor(a): liviasouza.ufs@hotmail.com. Graduanda. Universidade
Federal de Sergipe.
3
Contato do(a) autor(a): karlyba@yahoo.com.br. Doutoranda. Universidade Federal
de Sergipe.
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INTRODUÇÃO

Nosso trabalho visa, principalmente, conhecer a prática pedagógica


adotada pelos professores para avaliar seus alunos em Cálculo Diferencial
Integral no Campus Professor Alberto Carvalho-Itabaiana. Como resultado
esperamos subsidiar reflexões sobre o ensino e aprendizagem de Cálculo
Diferencial Integral; Descobrir novos métodos para a prática avaliativa;
Induzir os docentes a melhorar suas ações pedagógicas; Conhecer o motivo
que desencadeia tantas reprovações em Cálculo Diferencial Integral; Induzir
uma compreensão do processo de avaliar como prática de investigação e não
de classificação.

Mediante as dificuldades dos alunos e o alto índice de reprovação em


Cálculo Diferencial Integral procuramos elaborar uma pesquisa com o intuito
de entender e refletir sobre as práticas avaliativas mais comuns usadas por
professores que lecionam o Cálculo Diferencial Integral, e como os alunos
aceitam essas práticas. Se nos perguntarmos hoje de que forma se dá a prática
avaliativa do professor, segundo MENDES (2005), a resposta de um modo
geral seria

Apresentamos um conteúdo novo por meio da exposição, às vezes


dialogada; aplicamos exercício para fixação; tiramos as dúvidas
durante a correção dos exercícios; logo em seguida avaliamos o aluno,
geralmente através de provas e testes; realizamos a correção contando
os acertos obtidos; e depois desse processo reiniciamos uma nova
unidade com um novo conteúdo. Durante todo esse processo,
dificilmente nos detemos nos erros, embora sejam eles que
possibilitam detectar as não aprendizagens e, muito menos paramos
para pensar sobre o que fazer para que as dificuldades sejam
superadas. Essa prática é comum tanto nos professores quanto nos
alunos. (MENDES, 2005, p. 1)

Através de experiências próprias, podemos afirmar que grande parte das


dificuldades encontradas no ensino superior são conseqüências das advindas
do ensino médio, uma vez que nos tornamos mais uma vítima do ensino
tradicional que ocorre basicamente através de definição, exercício e aplicação
de fórmulas, fazendo com que a matemática torne-se insignificante. Por não
compreendermos o real significado da matemática, ingressamos na
universidade sendo meros acumuladores de informações. Mesmo que ajam
meios que apresentam propostas, para que ocorram mudanças significativas,
várias delas são trazidas pelos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN),
cujo objetivo principal é preparar o estudante para a profissão e assegurar a
cidadania e aprofundar o conhecimento adquirido. A Secretaria de Educação
Superior (SESU), (antigo DAU-MEC) criou o Programa de Apoio ao
Desenvolvimento de Ensino do Ensino Superior (PADES), com o objetivo de
melhorar a qualidade do ensino de 3º grau.

“Embora nossa admiração pela matemática fosse muita”, a qual nos


levou a escolher tal curso, a dificuldade encontrada na disciplina de Cálculo
Diferencial Integral foi enorme, pois para fazermos esta disciplina
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deveríamos ter ao menos uma noção do que ela é, e dos pré-requisitos que
necessitávamos, mas a realidade é outra, nós alunos, principalmente
procedentes de escolas públicas ingressamos imaturos para um bom
desenvolvimento no curso.

Ainda que estejamos em busca de analisar e melhorar esse problema,


temos plena consciência que não é tão fácil, pois este problema envolve
vários outros e centra-se em deficiências acumuladas desde o primeiro ano de
estudo, mas se o ensino a partir de então mudar de rumo, fazendo com que o
aluno se torne o centro do processo educacional e o professor passe a ter o
papel de orientador e monitor das atividades propostas aos alunos, o ensino
se tornará mais significativo.

O maior intuito desse trabalho é mostrar como os alunos de Cálculo


Diferencial e Integral estão sendo avaliados, de que forma os professores
agem quando se trata de avaliar o aluno. Esta forma de avaliação está bem
explícita na parte de análises dos dados, opinião esta, afirmada tanto pelos
alunos como pelos próprios professores. Esta é uma questão bastante
discutida entre grandes autores, na revisão bibliográfica e na justificativa é
possível notar vários relatos de quem defende a avaliação formativa e não
apenas a classificatória. Nossas análises foram feitas de forma qualitativa,
procurando interligar respostas obtidas por professores e alunos,
principalmente perceber onde suas respostas coincidem.

1 Revisão bibliográfica
A avaliação faz parte do processo da educação, podendo ser um reflexo
da aprendizagem dependendo de como o professor faz esta avaliação. A
mesma é utilizada hoje, na maioria das vezes, como método de repreensão,
para que os professores obtenham controle sobre a turma. Segundo Barros e
Camargo (2009), a avaliação no ensino superior é muito mais do que aplicar
meros testes, levantar medidas, selecionar e classificar alunos. “Avaliar, para
muitos de nós, professores da educação superior, é uma das atividades
pedagógicas mais difíceis de realizar...” ABREU e MASETTO (apud
BARROS CAMARGO, 2009, p. 4).

A verdadeira avaliação acontece pelo ato de observar e analisar um


problema, porém para isso é necessário que o educador esteja pronto para
tomar posições em busca da melhor forma de transmitir para o aluno o
conteúdo desejado. Segundo Luckesi (apud BARROS e CAMARGO, p. 3,
2009).

A avaliação educacional escolar se traduz em prática pedagógica. A


respeito da avaliação educacional a conceitua como avaliação da
culpa, na qual notas são usadas para classificar os alunos comparando
desempenhos sem se preocupar em se atingir metas pré-estabelecidas.
Luckesi (1986, 1994, apud BARROS e CAMARGO, p. 3, 2009)
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Mendes (2005) ressalta em seu texto que a avaliação está centrada na


verificação, uma vez que são verificados os acertos obtidos e não dedica
quase nenhuma atenção aos erros, fazendo com que o ensino se baseie em
padrões de aprendizagem desejáveis e se prendam na avaliação somativa.

Para construirmos a avaliação formativa o nosso trabalho não pode se


reduzir a uma verificação como produto final da aprendizagem, ela
precisa acontecer durante todo o processo de ensino-aprendizagem e
não somente em dias previamente estabelecidos. Não podemos
acreditar que só avaliamos quando acontece a verificação formal
somativa, ou seja, quando escolhemos os instrumentos (na maioria das
vezes provas), os aplicamos e lhes atribuímos pontos. Geralmente
esses momentos estanques causam uma ruptura com o processo de
ensino e de aprendizagem e dificilmente favorecem o
desenvolvimento da avaliação formativa. (MENDES, 2005, p. 2)

Para o mesmo autor (2005, p. 3), “A avaliação formativa é toda prática


de avaliação continuada que pretenda contribuir para melhorar as
aprendizagens em curso, qualquer que seja o quadro e extensão da
diferenciação do ensino”. Assumindo este papel o educador desempenha a
função de orientar e facilitar o ensino aprendizagem, deixando de centrar-se
em se próprio e abrindo espaço para o aluno, fazendo com que o indivíduo
seja em ser crítico, capaz de interagir com o mundo e apto para buscar
soluções em meio a um problema.

Quando o educador age desta forma desenvolve o que Moretto (2002)


define como o real sucesso, onde o professor além de estar preocupado com o
assunto a ser ministrado, preocupa-se como trabalhar este assunto, se ele é
adequado ao tipo de aluno, em relação a sua cultura e seu desenvolvimento.

Faz-se necessário também avaliar a opinião do aluno, pois para um bom


processo de ensino aprendizagem exige um bom relacionamento entre
professor e aluno.

Segundo Azambuja, Muller e Gonçalves (2001), um aspecto


fundamental é que a aprendizagem se dá em uma elaboração contínua do
conhecimento em novas sínteses cada vez mais complexas. Os mesmos
desenvolveram uma pesquisa no curso de engenharia civil da Faculdade de
Engenharia UNESP/BAURU na disciplina de Cálculo Diferencial Integral І
com essa pesquisa ele afirma que o procedimento da avaliação em equipe tem
produzido resultados satisfatórios, pois conduz ao amadurecimento dos
conhecimentos específicos adquiridos pelos alunos e desperta neles o censo
de responsabilidade tornando-os mais participantes.

As aulas de Cálculo Diferencial Integral podem-se tornar muito mais


complicadas para o aluno entender, principalmente se não forem trabalhadas
de uma forma mais interativas e interessantes. Uma das alternativas para
tentar mudar isso poderia ser o uso computador, que está cada vez mais
presente na educação matemática.
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2 Metodologia de Pesquisa
Nosso método de pesquisa foi de caráter naturalista, pois os dados em
estudo foram coletados diretamente na Universidade Federal de Sergipe
localizada em Itabaiana, a mesma foi realizada com alunos que já estudaram
o Cálculo Diferencial Integral (CDI). É um artigo de caráter exploratório uma
vez que obtivemos uma visão geral do problema abordado.

Para o desenvolvimento do artigo fizemos aplicações de questionários


caracterizados como mistos, pois os mesmos combinam perguntas fechadas
com perguntas abertas. Elaboramos dois questionários um direcionado aos
alunos, o outro direcionado aos professores, eles eram compostos de quatro
questões cada, os entrevistados tinham liberdade para escolher mais de uma
alternativa, o que pode gerar em alguns resultados uma porcentagem maior
que 100%. A entrevista foi realizada com 10 professores, todos eles são do
departamento de matemática e ministram ou já ministraram algum dos CDI.
Com relação aos alunos optamos por aplicar o questionário a 30 deles, sendo
que 19 são de matemática e 11 são da física. Faz-se importante lembrar que a
pesquisa foi colaborativa onde nós trabalhamos em conjunto durante todo o
artigo.

3 Análises e Resultados
Nesta parte estão os gráficos referentes a todos os alunos entrevistados,
onde faremos uma análise sobre as respostas em comum entre professores e
alunos.

O gráfico 1 aponta as respostas encontradas em relação a questão: Qual


a sua opinião sobre o Cálculo Diferencial Integral?

Qual a sua opinião sobre o Cálculo Diferencial Integral?


130%
90%
40% 50% 50%
10%

Uma disciplina Não consigo Gosto muito. Encontrei pouca Poderia ter sido A avaliação foi
muito uma boa dificuldade. trabalhada de bem variada,
complicada. abstração do uma forma com vários
conteúdo. diferente, mais instrumentos
compreensiva. avaliativos.

Série1

Gráfico 1: Opinião sobre o cálculo


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Neste gráfico podemos notar que a maioria acredita que o CDI poderia
ser trabalhado de uma forma mais compreensiva, apenas um dos trinta
entrevistados afirma que a avaliação teve vários instrumentos avaliativos.

No próximo gráfico (2) os alunos opinam sobre o método de avaliação


do educador.

Qual o método de avaliação utilizado pelo educador?


220%

110%
60% 50%
30%

Somente a prova Resoluções de Considera a Considera A avaliação


somativa (soma exercícios como participação, o trabalho em formativa visando
de pontos) e um dos meios interesse, a grupo. à aprendizagem.
classificatória para avaliar. presença, entre
(melhor outros.
desempenho por
meio da nota).

Série1

Gráfico 2 : Método de avaliação

Apenas 5 dos 30 entrevistados afirma que as avaliações aplicadas pelos


professores visam à aprendizagem. Doze dos respondentes escolheu mais de
uma alternativa, sendo que uma das escolhidas foi à primeira, enquanto dez
deles marcaram somente ela. Isto pode indicar que, o método de avaliação
utilizada pelo educador ainda predominante é a prova somativa e
classificatória.

No terceiro gráfico estão as respostas dos alunos sobre a forma que o


educador faz a correção das provas.

Sobre a correção das provas o educador


170%
130% 120%
80%
30%

Só considera as Observa os erros e Considerava o Ele explicava os Ele explicava o erro


questões totalmente tenta entender o desenvolvimento erros da turma toda. individual a cada
correta e da forma motivo de tê-lo das questões aluno.
que ele ensinou. cometido. mesmo que não
tivesse chegado ao
resultado correto.

Série1

Gráfico 3: Correção de provas


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É notável que grande parte dos educadores considera o desenvolvimento


das questões e explica os erros cometido por toda a turma. Pouco menos da
metade optou por responder apenas uma alternativa, sendo que esses itens
foram bem variados de aluno para aluno.

No gráfico (4) seguinte os alunos responderam questões como: Você já


reprovou em Cálculo Diferencial Integral? Você teve os alguns conteúdos de
Cálculo Diferencial Integral no Ensino Médio? Você gostou como seu
professor ministrou as aulas de Cálculo Diferencial Integral na UFS? Você
acha que teve uma boa base no ensino fundamental e médio?; Você acha
importante utilizar metodologias diferenciadas para o ensino de Cálculo
Diferencial e Integral?; O professor que ministra ou ministrou Cálculo
Diferencial e Integral utilizou alguma metodologia de ensino diferente da
tradicional?; O professor ministrou o curso de forma interdisciplinar inter-
relacionando outras ciências?

Marque um X na opção desejada

30%
160% 120% 180%
250% 280% 240%
270%
140% 180% 120%
50% 20% 60%
Você já reprovou Você teve os Você gostou Você acha que Você acha O professor que O professor
em Cálculo alguns como seu teve uma boa importante ministra ou ministrou o curso
Diferencial conteúdos de professor base no ensino utilizar ministrou Cálculo de forma
Integral? Cálculo ministrou as fundamental e metodologias Diferencial e interdisciplinar
Diferencial aulas de Cálculo médio. diferenciadas Integral utilizou inter-

sim não

Gráfico 4: opiniões sobre a matéria

Podemos notar um desencontro de respostas entre as duas primeiras


alternativas, pois embora a maioria dos respondentes afirma não ter visto
algum assunto de CDI no ensino médio a minoria assumem ter reprovado na
disciplina, talvez isso tenha ocorrido pelo fato de alguns ter receio de afirmar
que já reprovou. Algo notável também é que a maioria dos alunos diz ter
gostado da forma como o professor ministrou as aulas, embora tenham
afirmado que o mesmo não fez uso de metodologias diferenciadas e aulas
interdisciplinares.

4 Análises dos questionários aplicados aos professores


que ministram ou ministraram o Calculo Diferencial
Integral

Nesta parte estão os gráficos referentes às respostas apresentadas pelos


professores entrevistados, onde faremos uma análise detalhada dos mesmos.

No primeiro gráfico os professores apontam sua opinião sobre a


avaliação.
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Para você a avaliação é um meio de


90%
80% 80%
50%
30%

Verificar a Observar os Somar pontos Contribuir para Orientar novas


aprendizagem erros cometidos para atingir a uma boa estratégias
do aluno. pelos alunos e aprovação. aprendizagem e pedagógicas.
tentar corrigi-los. um melhor
desempenho em
disciplinas que
estão por vir.

Série1

Gráfico 5: o que é a avaliação para o professor

Para a maioria dos professores a avaliação é um dos métodos de


verificar a aprendizagem do aluno, e a minoria acredita que é uma soma
pontos para atingir a aprovação. É importante ressaltar que dois dos
entrevistados marcaram todas as alternativas, e três assinalaram todas exceto
a terceira, logo, podemos concluir que eles afirmam que a avaliação é um
meio de verificar a aprendizagem, detectar os erros de seus alunos, além de
abrir caminhos para novas disciplinas.

O gráfico seguinte revela o método de avaliação adotado pelo professor.

Qual o método de avaliação você utiliza ou utilizou no Cálculo


Diferencial Integral?
100%
80%

20% 30% 30%

A prova somativa A resolução de A avaliação A participação, o O trabalho em


e classificatória. exercício, como formativa, interesse, grupo na sala de
complemento da visando à presença entre aula.
prova. aprendizagem. outros.

Série1

Gráfico 6: método de avaliação

Todos os professores afirmam usar a prova somativa e classificatória


como método de avaliação, e grande parte deles relatam usar a resolução de
exercícios como complemento da nota, apenas 20% afirma que usa a
avaliação formativa. Três dos entrevistados marcaram as duas primeiras
alternativas.

O gráfico seguinte (7) traz questões relacionadas aos procedimentos


utilizados pelos professores ao fazer a entrega das avaliações.
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Ao entregar os resultados das avaliações você:


90%
80%
70%
60%

0%

Observa o erro de seus Só considera Considera o Comenta os erros Atende particularmente


alunos e busca meios resultados obtidos, e desenvolvimento das cometidos pela maioria cada aluno para falar
para orientá-los. que estejam questões, mesmo que dos alunos. sobre a prova.
completamente não chegue ao
corretos. resultado correto.

Série1

Gráfico 7: correção de provas

Nenhum dos educadores afirma que só considera os resultados obtidos,


eles dizem observar os erros de seus alunos e buscar meios para orientá-los.
Quatro dos professores marcaram todas as alternativas exceto a segunda, logo
verificamos que todos os respondentes consideram o desenvolvimento das
questões mesmo que não estejam completamente corretos.

Neste último gráfico (8) é exposta a opinião do professor a respeito das


reprovações em Cálculo Diferencial Integral.

Por que há inúmeras reprovações em Cálculo Diferencial Integral?


100%

50%
10% 0% 0%

Os alunos chegam Falta de interesse Falta de tempo para Poucos meios para Desconheço o
muito imaturos, ou dos alunos. trabalhar melhor o auxiliar o professor motivo.
seja, não tem base conteúdo. que leciona a
matemática disciplina.
suficiente.

Série1

Gráfico 8: reprovações em cálculo

Todos os professores concordam que os alunos chegam imaturos,


metade deles acredita que também há falta de interesse dos alunos. Somente
um professor acredita que necessita de mais tempo para o conteúdo ser
trabalhado. Cinco dos professores marcaram os dois primeiros itens, e todos
assinalaram o primeiro.

CONCLUSÕES FINAIS

Podemos verificar através dos dados obtidos, que a prática pedagógica


(a maneira como os professores organizam suas aulas) adotada pelos
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professores como meio de avaliar ainda é a prova somativa e classificatória.


Quanto ao índice de reprovação os professores afirmam que os alunos
chegam imaturos, ou seja, sem conhecimentos suficientes para ingressar bem
na disciplina, o que também é confirmado pelos alunos, quando 28 deles
relatam que não obtiveram uma boa base escolar.

Diante de toda essa realidade, é preciso que os educadores revejam seus


métodos de ensinar e avaliar, uma das alternativas seria o uso de recursos
metodológicos para despertar o interesse do aluno, e não usar somente a
prova somativa e classificatória como método de avaliação, mas buscar a
avaliação formativa visando a verdadeira aprendizagem.

REFERÊNCIAS

AZAMBUJA, C. R. J. , MULLER M. J. , GONÇALVES N. da S. Cálculo


diferencial e integral I: superando barreiras para promover a
aprendizagem. Disponível em:
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27/08/2011
BARROS, T. B. ; e CAMARGO, M. A. B. de. Avaliação na educação
superior: produção da proposta de avaliação da aprendizagem.
Disponível em:
http://www.uftm.edu.br/upload/ensino/AVALIACAO_NA_EDUCACAO_S
UPERIOR__PRODUCAO_DA_PROPOSTA_DE.pdf. 2009. Acessado em
29/08/2011
BERBEL, N. A. N. (UEL); CARVALHO, M. de (UEL); DE SORDI, M. R.
L.(PUCAMP); GIANNASI, M. J. (UEL); GUARIENTE, M. H. D.M.(UEL);
OLIVEIRA, Cláudia C.(UEL); SOUSA, Maria Irene P. de O.(UEL);
RODRIGUES, S. C. (FAEFIJA). Avaliação da aprendizagem no ensino
superior. Um projeto integrado de investigação através da metodologia
da problematização. Disponível em:
http://168.96.200.17/ar/libros/anpend/0405p.pdf. Acessado em 29/08/2011
CARVALHO, J. P. Avaliação e perspectivas da área de ensino de
matemática no Brasil. Brasília, DF, n. 62, p. 74-88, abr/jun. 1994. Acessado
em 25/08/2011
MENDES, O. M. Avaliação formativa no ensino superior: Reflexões e
alternativas possíveis. Disponíveis em:
http://arquivos.unama.br/nead/baixar/metodologia_ensino_superior/pdf/avali
ação_formativa.pdf . Acessado em 22/0/2011
MORETTO, V. P. PROVA um momento privilegiado de estudo não um
acerto de contas. 2º edição 2002. Acessado em 20/08/2011
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Saberes e Práticas de Matemática e Ciências


Naturais nos Anos Iniciais do Ensino
Fundamental: uma reflexão preliminar

Jussiele de Oliveira Mendonça Costa1


Ana Maria Santos Oliveira2
Maria Batista Lima3
Evanilson Tavares de França 4

RESUMO
Este artigo resulta de incursão investigativa, de cunho teórico, desenvolvida a partir
do plano de trabalho Saberes e Práticas de Matemática nos Anos Iniciais do Ensino
Fundamental: um estudo em duas escolas de Sergipe. O referido plano faz parte do
projeto de pesquisa “Saberes e Práticas de Matemática e Ciências Naturais nos Anos
Iniciais do Ensino Fundamental: Um estudo em diferentes contextos escolares da
Microrregião do Agreste de Itabaiana-SE, que faz parte do Programa Especial de
Inclusão em Iniciação Científica – PIIC/POSGRAP/PROEST/UFS, que está
vinculado a PROSGRAP, contribuindo para que os discentes possam aprimorar sua
formação acadêmico-científica tendo uma estreita relação com a área de pesquisa,
extensão e ensino. O projeto está vinculado ao Grupo de Estudos e Pesquisas
Identidades e Alteridades: Diferenças e Desigualdades na Educação
(GEPIADDE/UFS/CNPq). O objetivo que impulsionou a investigação foi
encontrar/identificar concepções teóricas que sustentassem e/ou justificassem
entendimentos, representações e fazeres de professores e professoras nas práticas
quotidianas das salas de aula, em Matemática. Para tanto nos apoiamos em Guimarães
(2008) Soares e Pinto (2001); Charlot e Elisabeth Bautier (1992, 1993); Cruz (2012),
entre outros. O diálogo com os teóricos potencializou o nosso entendimento sobre
saberes e aprendizagens de Matemática nos anos iniciais do Ensino Fundamental,
formação docente e práticas de Matemática nos anos iniciais do Ensino Fundamental,
concepções e aprendizagens de Matemática nos anos iniciais do Ensino Fundamental.

Palavras-Chave: Saberes e práticas; Matemática, Anos Iniciais do Ensino


Fundamental.

1
Contato do(a) autor(a): ussiele_omendonca@yahoo.com.br. Graduanda em
Matemática. UFS - Campus Prof. Alberto Carvalho.
2
Contato do(a) autor(a): anamaria.ufs@hotmail.com. Graduanda em Química. UFS
- Campus Prof. Alberto Carvalho.
3
Contato do(a) autor(a):mabalima.ufs@gmail.com. Profª Adjunta do Departamento
de Educação do Campus Prof. Alberto Carvalho – UFS..
4
Contato do(a) autor(a): evanilsont@gmail.com. SEED- UFS. Mestrando do Núcleo
de Pós-Graduação em Ensino de Ciências Naturais..
Grupo de Estudos e Pesquisa
II Seminário Nacional de Alfabetização e Letramento Alfabetização, Discurso e Aprendizagens
Oralidade e Escrita na Prática Escolar
ISSN: 2177-4072

INTRODUÇÃO

Este artigo resulta de incursão investigativa, de cunho teórico,


desenvolvida a partir do plano de trabalho Saberes e Práticas de Matemática
nos Anos Iniciais do Ensino Fundamental: um estudo em duas escolas de
Sergipe. O referido plano faz parte do projeto de pesquisa “Saberes e Práticas
de Matemática e Ciências Naturais nos Anos Iniciais do Ensino Fundamental:
Um estudo em diferentes contextos escolares da Microrregião do Agreste de
Itabaiana-SE”, que faz parte do Programa Especial de Inclusão em Iniciação
Científica – PIIC/POSGRAP/PROEST/UFS, que está vinculado a
PROSGRAP, contribuindo para que os discentes possam aprimorar sua
formação acadêmico-científica tendo uma estreita relação com a área de
pesquisa, extensão e ensino. O projeto está vinculado ao Grupo de Estudos e
Pesquisas Identidades e Alteridades: Diferenças e Desigualdades na
Educação (GEPIADDE/UFS/CNPq).

Para a fundamentação teórica, utilizamos autores como o professor


D`Ambrósio (2003), que relata a necessidade e o desprendimento de um
grande esforço dos educadores modernos para que a matemática deixe de
parecer tão complexa e elitista e que os professores precisam aproximar a
disciplina do que é espontâneo, deixar a criança à vontade, propor jogos,
distribuir balas, objetos, para que o aluno se sinta bem. A criança adquire
habilidades para a matemática em casa, no meio em que vive. Cada um tem
um modo próprio de aplicá-la. Só que na escola dizem que a matemática não
se faz do jeito de casa. Rechaçam esse conhecimento que o aluno traz e isso
cria conflito.

Assim, para lidar com esta questão faz-se necessário trabalhar o sentido
construído pelas crianças sobre os saberes matemáticos e a própria
Matemática e a inserção de jogos parece salutar ao desenvolvimento de uma
relação positiva. Para uma melhor compreensão desta relação positiva com a
Matemática a partir da intermediação de jogos, buscamos Diniz, Tomaz e
Eleutério (2010) os quais apresentam o jogo como uma metodologia bastante
eficaz nos anos iniciais, para que professores e professoras possam utilizar
nas aulas, principalmente de Matemática. Dessa forma professores e
professoras têm a função de mediar formalmente à transmissão dos
conhecimentos socialmente acumulados e a construção de novos
conhecimentos na relação com seus alunos e alunas no ambiente escolar.

Para isso, é fundamental considerar a perspectiva da prática educativa


como dinâmica politico-pedagógica do compartilhamento, da inovação do
que Delors (1999) chama de “Os Quatro Pilares da Educação” (aprender a
conhecer, aprender a fazer, aprender a viver juntos ou aprender a viver com
os outros e aprender a ser). Para isso, é fundamental uma prática mediada
pela práxis pedagógica no sentido atribuído por Freire (1998), de docente e
discente como sujeitos protagonistas de um processo em que ambos em
relações dialógicas ensinam e aprendem, construindo conhecimentos como
instrumento de sua formação contínua. Para isso, é preciso superar a prática
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bancária da educação, em que em uma relação dualista e mecânica de


educação as crianças são vistas como depósitos do saber reificado dos/as
docentes. E a partir daí consolidar uma prática contextualizada ou pedagogia
situada (FREIRE, 2011) em que aprender a aprender abre as perspectivas de
novas e inesperadas aprendizagens cotidianamente.

1 Saberes e Aprendizagem de Matemática nos Anos


Iniciais do Ensino Fundamental

Pesquisas e estudos de caráter interdisciplinar demostram que alunos


após cursarem as quatro primeiras séries do Ensino Fundamental e terem
supostamente vivenciado situações relacionadas às figuras não planas e
planas, continuavam confundindo seus nomes, chamando, por exemplo, o
cubo de quadrado, o paralelepípedo de retângulo, bem como não
reconhecendo as mesmas figuras em diferentes posições. Situações como
essas requerem muita atenção por parte dos profissionais da educação,
principalmente os professores que devem fazer uma reflexão sobre como
estão lecionando este conteúdo para seus alunos e alunas.

Vasconcellos (2005) acredita que é necessário empreender novos


estudos na área de Matemática com ênfase no conteúdo de geometria e que
tais estudos devem compreender as interações entre alunos/as e
professores/as, diante do ensino e da aprendizagem da geometria. Tais
estudos realizados em sala de aula devem estar ligados com o dia a dia,
voltados para o ensino, à aprendizagem ou para a formação dos
professores/as que atuam nos anos iniciais do Ensino Fundamental, com o
intuito de propiciar tanto a elaboração de propostas curriculares, como a
atuação docente condizente com as recomendações mais recentes.

Uma estratégia que pode ser utilizada pelos/as professores/as é o uso do


jogo na sala de aula, ajudando aos alunos a participarem ativamente no
processo de ensino aprendizagem, assimilando conteúdos e interagindo com
os colegas. Eleutério, Tomaz, Andrade (2010, p.4) afirmam que:

A situação escolar é bastante estruturada na promoção do aprendizado,


mas é conveniente lembrar que um domínio da atividade infantil que
tem relações com o desenvolvimento é o jogo. Nesse sentido a escola,
se destaca como local onde os saberes entre sujeitos devem ser
trocados, comprovados, questionados e renovados e tem o papel a
exercer: o de cuidar para que o aprendizado seja uma conquistada. E
como instrumento indispensável, a utilização do jogo nas mais
diferentes situações e conteúdos. Para a criança jogar e brincar são
compromissos sérios. Cabe à escola facilitar o aprender brincando.

Os jogos e as brincadeiras aparecem como importantes aliados no


ensino da matemática uma vez que atos lúdicos como esse permeiam toda a
infância e possibilitam a construção das interações, inter-relações pessoais e
análises espaciais. O educador e/ou educadora são nesse momento agentes
facilitadores na (re) construção das relações e das interações contribuindo
com argumentos baseados nos saberes construído ao longo de sua formação e
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nas experiências obtidas. A escola é por excelência um espaço de troca,


divergências, interações e de sistematização das relações pessoais e
interpessoais. È nela que se assenta a luta por espaços e domínio de território.

Convém ressaltar a importância do uso de jogos principalmente nos


anos iniciais, já que é nesses anos em que alunos e alunas estão construindo
sua identidade e relação prazerosa com o saber poderá favorecer a
potencialização se sua socialização. Essas estratégias metodológicas podem
contribuir também para tornar a Matemática é uma disciplina interessante na
visão dos discentes, desde que seja compreendida da maneira
contextualizada, e não apenas de forma mecânica, através de “decorebas” de
algoritmos. Segundo os PCN do Ensino Fundamental:

As coisas que as crianças observam (a mãe fazendo compras, a


numeração das casas, os horários das atividades da família), os
cálculos que elas próprias fazem (soma de pontos de um jogo, controle
de quantidade de figurinhas que possuem) e as referências que
conseguem estabelecer (estar distante de, estar próximo de) serão
transformadas em objeto de reflexão e se integrarão às suas primeiras
atividades Matemática s escolares. (BRASIL, 1997, p.45)

Também é importante, ainda conforme os PCN (BRASIL, 1997), que se


considere antes da elaboração de situações de aprendizagem, “o domínio que
cada criança tem sobre o assunto que vai explorar, em que situações algumas
concepções são ainda instáveis, quais as possibilidades e as dificuldades de
cada uma para enfrentar este ou aquele desafio”.

Para isso, é fundamental se planejar de forma que se consiga conhecer


as crianças, seu modo de apender, seu modo de se relacionar com os outros
na atividade de aprender. Esse é um procedimento que traz uma concepção
ampla de avaliação como instrumento de reorientação da mediação da
aprendizagem.

Outro aspecto destacado pelos PCN é que “ao explorarem as situações-


problema, os alunos deste ciclo precisam do apoio de recursos como
materiais de contagem (fichas, palitos, reprodução de cédulas e moedas),
instrumentos de medida, calendários, embalagens, figuras tridimensionais e
bidimensionais, etc.”.

As discussões apontadas anteriormente sobre a necessidade de uma


formação pedagógica mais consistente e a construção de um conhecimento
matemático em que crianças compreendam de fato a determinar o uso das
formas, das medidas e das operações matemáticas são apontados através de
dados da Prova Brasil, nos anos 2005, 2007 e 2009, apontam resultados
muito negativos em Matemática, seja nos anos/séries iniciais ou anos/séries
finais do Ensino Fundamental. Essa questão é constantemente vinculada à
problemática da formação docente e à forma de estruturação didático-
curricular.

Para entender essa problemática, faz-se necessário discutir a relação


docente e discente com o saber matemático. Bernard Charlot e Elisabeth
Bautier (1992, 1993) trazem grandes contribuições a esse campo em suas
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pesquisas sobre as relações do saber matemático e a escola. Também


D'Ambrosio e Halmenschlager (2001), ao discutirem a relação da Matemática
com a cultura e sociedade, a partir do conceito de etnomatemática trazem
contribuições importantes para pensar o contexto em questão. Para estes
pesquisadores, não se deve analisar o fracasso de determinada disciplina
apenas sob o ponto de vista da disciplina em questão. Deve-se analisar de
forma mais ampla e abrangente a relação que os/as alunos/as mantêm com o
saber e a escola de forma geral.

No caminhar desse processo é fundamental entender que a Matemática


tem uma linguagem que dialoga continuamente com as outras linguagens, a
exemplo da situação de interpretação de situações-problema com a língua
materna ou ao lidar com tratamento da informação em articulação com as
áreas de ciências humanas.

2 Formação Docente e Práticas de Matemática nos Anos


Iniciais do Ensino Fundamental
Os estudos sobre este tema apontam que a formação docente deixa
muito a desejar, no que se refere ao conhecimento de conteúdo, de
concepções didático-metodológicas no ensino dos diversos níveis e
modalidades de ensino. Muitos profissionais vão para a sala de aula
transcrever aquilo que já está no livro didático, tornando assim as aulas
cansativas, monótonas e repetitivas. Nesse sentido Guimarães (2008, p.1) nos
diz que:

O ensino da Matemática no início do século XX era voltado para a


repetição, sendo a memorização considerada um aspecto importante.
O aluno recebia a informação, escrevia, memorizava e repetia. Repetia
e treinava em casa os exercícios feitos em sala de aula. O
conhecimento do aluno era medido por meio da aplicação de testes em
que ele deveria repetir, mesmo sem compreensão, tudo que o
professor havia feito. Descartando esta forma de trabalho buscou-se
desenvolver uma Matemática com compreensão, influenciada por um
movimento de renovação denominado Matemática Moderna. Nessa
época começou-se a falar em resolver problemas como um meio de
aprender Matemática. Entretanto, as investigações sistemáticas sobre
resolução de problemas e suas implicações curriculares tiveram início
a partir da década de 1970.

Nota-se que alunos/as de várias escolas possuem diferentes formas de


aprendizagens. Cabe ao/à professor/a organizar seu trabalho, de modo que os
alunos desenvolvam a própria capacidade para construírem conhecimentos
matemáticos e interagirem de forma cooperativa, tanto com o/a professor/a, e
com os colegas, na busca de solucionar problemas, respeitando o modo de
pensar dos/as colegas e aprendendo com eles/as. É importante que os/as
professores/as conheçam os diversos tipos de problemas, estimule a interação
entre as crianças, fazendo perguntas, explorando as diferentes estratégias de
soluções que eles utilizam, seja mediante o uso de calculo mental, da
contagem nos dedos, nos materiais concretos ou mediante registros no papel.
Repensar o modelo de formação do/a professor/professora é um passo
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indispensável para a melhoria da qualidade do ensino de forma geral, e para o


ensino de Matemática.

De acordo com Soares e Pinto (2001), há uma grande necessidade de


professores buscarem uma formação continuada, levando para a sala de aula
metodologias que estimulem o raciocínio dos alunos, fazendo com que eles
possam construir os conceitos matemáticos, e também que haja mais
interação entre professor/a-aluno/a e aluno/a-aluno/a, tornando o ambiente
interativo. Segundo Santos (2012, p.147):

(...) a matemática escolar a ser ensinada nos anos iniciais do e Ensino


Fundamental, bem como suas metodologias e recursos, devem estar
presente no curso de pedagogia; deve preocupar-se com as
características próprias do nível de ensino em que irão atuar essas
profissionais formadas a partir dele, buscando trabalhar a Metodologia
de ensino aliada ao conteúdo de Matemática a ser ensinado. Isso
proporcionará à futura professora experiências reais de associação da
teoria com a prática, de modo que o seu conhecimento teórico não
venha a ser confrontado com a realidade, apenas quando já estiver no
exercício da profissão.
Para que esses professores e professoras adquiram conhecimentos
matemáticos não é tarefa fácil, precisam de esforço e dedicação para
melhorar cada vez mais suas metodologias de ensino. E precisam,
principalmente, que seja efetivamente conquistado e exercido o direito à
formação continuada de qualidade em todas as áreas de conhecimentos em
que atua e com as quais interage.

Ao tratar sobre a formação docente Lima (2004, p. 15) coloca que:

Em suma, a situação da instituição escolar se torna mais complexa,


ampliando a complexidade para a esfera da profissão docente, que já
não pode mais ser vista como reduzida ao domínio dos conteúdos das
disciplinas e à técnica para transmiti-los. É agora exigido do professor
que lide com um conhecimento em construção – e não mais imutável
– e que analise a educação como um compromisso político, carregado
de valores éticos e morais, que considere o desenvolvimento da pessoa
e a colaboração entre iguais e que seja capaz de conviver com a
mudança e com a incerteza.

Essa realidade da dinâmica social coloca a urgência de se rever


continuamente o processo de formação docente inicial e continuada, pois
tanto o conhecimento é cada vez mais mutável como a forma de se aprender
em relação com as diversas linguagens, códigos e tecnologias. Assim, a
mudança na forma de aprender implica no desafio docente de continuamente
reaprender a ensinar ou como dizia Paulo Freire. A mediar essa
aprendizagem.

Ao de se tratar do ensino e aprendizagem de Matemática isso não é


diferente. Saímos, pelo menos em tese, da era da “decoreba” da tabuada para
o uso da calculadora e atualmente para a era do tablete, dos jogos eletrônicos.
Embora isso não seja universal em todos os espaços nem na mesma condição,
já que a educação traz em sua realidade a desigualdade que apresenta
condições diferentes de acesso ao conhecimento para as pessoas de classes,
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etnias e outros pertencimentos diferentes não podem negar que o avanço das
tecnologias impõe ao processo escolar a necessidade de rever seus conceitos
e suas práticas.

Desse modo, considera-se conforme Soares e Pinto (2001, p.5) que:

É importante que os cursos de formação, inicial ou continuada,


proporcionem aos professores, que ensinarão Matemática, clareza a
respeito da metodologia da resolução de problemas e ofereçam
condições para que compreenda seu papel incentivador, facilitador,
mediador das ideias apresentadas pelos alunos, de modo que estas
sejam produtivas, levando os alunos a pensarem e a gerarem seus
próprios conhecimentos.

Portanto, como forma de buscar novas soluções para esse problema nos
anos iniciais do ensino fundamental, pesquisadores/as vêm discutindo novas
aprendizagens, tais como a resolução de problemas, a contar de histórias nas
aulas de Matemática s e a utilização de brincadeiras.

Um exemplo da dificuldade do ensino de Matemática nos é dado por


Lamonato e Passos (2009, p. 4) no que se refere ao ensino de conteúdos
relacionados à geometria, especialmente nos anos iniciais, pois segundo os
referidos autores “o ensino de geometria, por sua natureza para a percepção
do espaço, dos deslocamentos, do desenvolvimento de habilidades de
percepção e orientação espacial, é fundamental para a compreensão,
adaptação e exploração do indivíduo no mundo em que vive. Disso decorre a
sua relevância em todos os níveis de escolaridade”.

Ferreira (2003, p. 31) apud Santos (2012) ao concluir suas pesquisas


sobre a formação de professores de Matemática coloca que:

O processo de formação acadêmica de professores que ensinam


Matemática tem sido um dos principais temas das pesquisas
relacionadas à formação e ao desenvolvimento profissional de
professores de Matemática realizadas no Brasil. Esse interesse tem
passado por alterações ao longo das últimas décadas.

Do mesmo modo Santos (2011), aponta que essas pesquisas, além de


timidamente incluir temas relacionados à formação dos professores que
ensinam Matemática nos anos iniciais do Ensino Fundamental também
apontam novas abordagens que visam melhor entender a identidade desse
professor ou professora de Matemática, suas concepções, e a relação dessas
concepções com suas práticas.

Desse modo, o desafio que se coloca é entender que qualquer mudança


de contexto na qualidade da educação passa pelo entendimento da realidade
das diferentes áreas em articulação, na tentativa de se pensar
interdisciplinarmente.
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A formação docente é uma responsabilidade pública que passa pela ação


de todos/as. É preciso que se perceba isso e que essa formação tenha como
protagonista na formulação e nas práticas os/as profissionais da educação.

3 Concepções sobre o Ensino e Aprendizagem de


Matemática nos Anos Iniciais do Ensino Fundamental

Os PCN de Matemática apontam o caráter interdisciplinar e social do


ensino dessa disciplina ao colocar que entre os objetivos desse documento
(PCN) está:

Utilizar as diferentes linguagens — verbal, Matemática,


gráfica, plástica e corporal — como meio para produzir,
expressar e comunicar suas ideias, interpretar e usufruir das
produções culturais, em contextos públicos e privados,
atendendo a diferentes intenções e situações de comunicação;
(BRASIL, 1997, p.06)

Por outro, este mesmo documento aponta uma realidade confirmada


pelas produções e dados estatísticos mais recentes, sobre duas constatações
contraditórias em relação ao ensino e aprendizagem de Matemática. A
primeira trata da valorização da Matemática, disciplina vista como muito
importante no currículo, levando inclusive a um antagonismo em relação a
outras áreas, sendo vista como indicativo de inteligência; e por outro lado a
realidade dos resultados negativos em todos os níveis de ensino.

Segundo o item introdutório dos PCN (BRASIL, 1997) essa importância


se deve ao fato da Matemática desempenhar papel decisivo na resolução de
problemas da vida cotidiana, ter muita aplicabilidade no mundo do trabalho e
ser base para construção de conhecimentos em outras áreas, especialmente
nas demais áreas relacionadas a uma concepção muito vinculada à tecnologia
e as Ciências da Natureza.

Embora seja necessário relativizar ao considerar que outras disciplinas


da área de Ciências Humanas também estão na vida cotidiana e se entenda
que essa hierarquia na área dos campos do conhecimento escolar se relaciona
com a forma como o conhecimento foi sendo estabelecido nas sociedades,
inclusive considerando os aspectos de disputa de poder, de dominação social
e de aspectos culturais, não podemos deixar de considerar a importância da
Matemática para o desenvolvimento do potencial intelectual, para o a
estruturação do pensamento, bem como para o desenvolvimento do raciocínio
dedutivo dos sujeitos em formação.
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Em meio à problemática da formação docente se encontra a questão das


concepções sobre o que seja a Matemática, da sua função na escola e na
sociedade, da sua relação com a vida do/da estudante e sobre quais as formas
mais indicadas para seu ensino. Nessa direção os PCN (BRASIL, 1997, p.
12) apontam que:

Há problemas a serem enfrentados, tais como a necessidade de


reverter um ensino centrado em procedimentos mecânicos,
desprovidos de significados para o aluno. Há urgência em reformular
objetivos, rever conteúdos e buscar metodologias compatíveis com a
formação que hoje a sociedade reclama.

Nesse sentido compreendemos que a melhoria do ensino de Matemática


nos anos iniciais do Ensino Fundamental se faz necessário para a qualificação
da educação básica. E essa melhoria passa pela própria compreensão dos
Saberes Matemáticos como conhecimentos entrelaçados no viver e conviver
na sociedade; saberes estes que são construídos nas relações sociais que se
dão no processo escolar.

Seguindo esse pensamento no referendamos em Charlot (2000, p.79),


apud Lima (2011, p. 2) para quem “analisar a relação com o saber é estudar o
sujeito confrontado à obrigação de aprender, em um mundo que ele partilha
com outros: a relação com o saber é relação com o mundo, relação consigo
mesmo, relação com os outros”.

Essa ideia aponta que o/a docente em formação possui então vários
momentos dessa relação em sua formação inicial e desta relação depende o
sentido do saber a ser construído pelos alunos e alunas no processo de
aprendizagem.

Assim, a concepção de Matemática e de saber matemático a ser


desenvolvido pelos/as discentes é mediado pelo sentido atribuído pelos
docentes a este saber e a forma como este profissional enxerga a
potencialidade dos/as discentes.

Desse modo, conforme Lima (2011), docentes tem papel fundamental


no processo curricular, pois os currículos que se materializam nas escolas e
nas salas de aula têm no profissional seu principal construtor.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

É preciso que professore/as discutam na sala de aula e busquem


alternativas de melhorar as concepções que os alunos têm dos Saberes
Matemáticos. Para isso faz-se necessário que professore/as busquem
estratégias para ajudarem os alunos/as na sua forma de pensar os Saberes
Matemáticos, que são utilizados de diversas formas no cotidiano dos
mesmos.

Dentre outras coisas, a pesquisa revelou que os alunos/as como foco


precisam de novas estratégias de ensino para melhor desenvolver seu
pensamento matemático, como também de construir espaços/tempos para que
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essas questões venham a ser expostas, reconhecidas e respeitadas de forma


significativa, já que estas são muitas vezes esquecidas pelos alunos/as e
professores/as.

Entretanto, faz-se necessário sublinhar que a definição/implementação


de espaços/tempos destinados à formação dos/as professores/as precisa ser
meta prioritária daqueles e daquelas que conquistam do povo o mandato para
imprimir políticas de desenvolvimento social. A educação não pode (e nem
deve) ser compreendida como gasto, mas como investimento imprescindível
ao desenvolvimento e melhoria de vida das pessoas e, como consequência, da
sociedade humana.

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O Ensino de Ciências Naturais nos Anos


Iniciais do Ensino Fundamental:
um estudo no Agreste Sergipano

Elaine de Oliveira1
Roberta Brito dos Santos2
Maria Batista Lima3
João Rogério Menezes de Santana4

RESUMO
O Ensino de Ciências Naturais é essencial para desenvolvimento intelectual do
individuo, pois contribui para formação do cidadão. O ensino de Ciências Naturais
nos anos iniciais do Ensino Fundamental possui particularidades em relação às outras
etapas da Educação Básica, pelo fato de contar com único professor ou professora,
geralmente graduado em pedagogia para lecionar todas as áreas. Assim, o estudo
objeto deste trabalho tem como foco de estudo “Os Saberes e Práticas de Ciências
Naturais em processo nos anos iniciais do Ensino Fundamental”, um estudo
qualitativo, com base nas visões dos discentes de duas escolas da Microrregião do
Agreste de Itabaiana -SE. O universo que compõe nossos estudos são estudantes com
predominância afrodescendente. Mediante dados empíricos em nossa pesquisa
algumas considerações podemos elencar: Torna-se necessário uma maior contribuição
do Ensino Fundamental para a formação científica dos/as estudantes, tornando o
Ensino Ciências Naturais uma realidade não apenas em perspectiva futura. Através de
tantas questões que constituíram-se ao longo desses estudos exploratórios, fica uma
reflexão: Quais as concepções de saberes e práticas dos/as professores/professoras do
Ensino de Ciências Naturais nos Anos Inicias do Ensino Fundamental? A esse
respeito, faz-se necessário propostas dessa natureza voltada aos professores e
professoras que lecionam nessa etapa de formação humanística. Nesse sentido,
entendemos o direito a um ensino qualificado e contextualizado dos conhecimentos de
Ciências Naturais como parte dessa formação.

Palavras-Chave: Saberes e Práticas, Ensino de Ciências Naturais, Anos Iniciais do


Ensino Fundamental.

1
Contato do(a) autor(a): laneoliveira.girl@hotmail.com. Graduanda em Química-
licenciatura Bolsista do Programa Especial de Inclusão em Iniciação Científica
(PIIC)-POSGRAP/PROEST/UFS. Membro do Grupo de Pesquisa
GEPIADDE/UFS/Campus Prof. Alberto Carvalho.
2
Contato do(a) autor(a): robertabs-07@hotmail.com. Graduanda em Química –
licenciatura. Voluntária do Programa de Educação Tutorial (PET-Conexão de
Saberes-Educação/MEC-CAPES). Membro do Grupo de Pesquisa
GEPIADDE/UFS/Campus Prof. Alberto Carvalho. .
3
Contato do(a) autor(a): mabalima.ufs@gmail.com. Profª Adjunta do Departamento
de Educação do Campus Prof. Alberto Carvalho e do Núcleo de Pós-Graduação em
Ensino de Ciências Naturais e Matemática – NPGECIMA. Pesquisadora dos Grupos
de Pesquisa GEPIADDE, EDUCON e NEAB (UFS). Orientadora do Programa
Especial de Inclusão em Iniciação Científica (PIIC)-POSGRAP/PROEST/UFS.
4
Contato do(a) autor(a): santana.menezes@hotmail.com. Mestrando em Ensino de
Ciências Naturais e Matemática – NPGECIMA. Membro dos Grupos de Pesquisa
GEPIADDE e EDUCON/UFS.
Grupo de Estudos e Pesquisa
II Seminário Nacional de Alfabetização e Letramento Alfabetização, Discurso e Aprendizagens
Oralidade e Escrita na Prática Escolar
ISSN: 2177-4072

INTRODUÇÃO

Este trabalho tem com base o projeto de pesquisa denominado: Saberes


e Práticas de Matemática e Ciências Naturais nos Anos Iniciais do Ensino
Fundamental, que tem como objetivo investigar saberes e práticas de
Matemática e Ciências Naturais em processo nos anos iniciais do Ensino
Fundamental. O referido projeto está vinculado ao Grupo de Pesquisas
identidades e Alteridades: Diferenças e Desigualdades na Educação
(GEPIADDE).

Parte de um projeto mais amplo, o estudo que originou este trabalho, de


natureza qualitativa, envolve procedimentos como a) Aplicação de
questionários a docentes, discentes e gestores das secretarias de educação e
das escolas selecionadas; b) entrevistas a docentes, discentes e gestores das
secretarias de educação e das escolas selecionadas; c) Observação
participante em turmas das escolas selecionadas; d)
sistematização/categorização e análise dos dados coletados. Para este
trabalho focalizamos os questionários aplicados em duas turmas de duas
escolas publicas do agreste sergipano, sendo uma na zona do campo
(Povoado Palmeira) em Malhador e outra na zona do campo de Moita Bonita.

Entende-se que os conhecimentos de Ciências Naturais não devem ser


transmitidos através de regras e memorização, pois isso não ajuda os alunos
a compreenderem e reelaborarem os conhecimentos, articulando-os com
realidade. O ensino na escola deve ser voltado para formar cidadãos críticos e
exigentes em decisões para seu bem estar e o bem estar coletivo. Isso envolve
todas as áreas de formação do ser humano, inclusive das Ciências Naturais,
pelas quais estudantes em formação podem aprender a se situar e
compreender melhor o mundo em que vivem. Existe a necessidade do
reconhecendo de que a criança tem o direito de estudar as Ciências Naturais
através de argumentos de aproximação entre a Ciência dos cientistas e as
experiências cotidianas.

Quanto à avaliação, em particular na área de Ciências Naturais, deve ser


olhada de maneira cautelosa na orientação do ensino necessário e
procedimento centrado em objetivos educacionais em uma formação que
priorize elementos do convivo social e ambiental. Assim, os conhecimentos
das Ciências Naturais devem se transmitidos em consonância com
compromissos com a educação transformadora.

Nesse sentido, a formação dos professores e professoras deve


possibilitar subsídios fundamentais, alguns dos quais são citados nas
Diretrizes Curriculares Nacionais para Formação de Professores/as da
Educação Básica em Nível Superior, Curso de Licenciatura, de Graduação
Plena (BRASIL, 2002). Este em seu artigo 5° se refere coloca que o Projeto
Politico-Pedagógico (PPP), de cada curso deve garantir a constituição das
competências objetivas na educação básica, exigindo que formação
contemple diferentes âmbitos do conhecimento profissional do/a
professor/professora.
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.Desse modo, neste trabalho abordamos a problemática do Ensino de


Ciências Naturais nos anos iniciais do Ensino Fundamental e trazemos
algumas das concepções dos estudantes sobre as Ciências Naturais e seu
lugar na escola e na sociedade.

1 Ciências naturais e ensino


O Ensino de Ciências Naturais nos anos iniciais do Ensino Fundamental
vem sendo alvo de discussões constantes. Discute-se o papel desse
conhecimento na relação com o ambiente e na proposição de uma educação
que contribua para a percepção ambiental e para a preservação da própria
sociedade. O desafio é fazer do ensino e da aprendizagem dos conhecimentos
das Ciências Naturais um instrumento de práticas pedagógicas que favoreçam
uma aprendizagem significativa no mundo. Uma prática reflexiva é um ponto
importante no que se refere à conduta educacional nas Diretrizes Curriculares
Nacionais para Formação de Professores/as da Educação Básica (BRASIL,
2002, p. 32 ). “Sem a mediação da transposição didática, a aprendizagem e a
aplicação de estratégias e procedimentos de ensino tornam-se abstratas,
dissociando teoria e prática”, sendo assim a educação escolar deverá garantir
a constituição das competências objetivadas na educação básica a fim de
garantir o conhecimento na construção da formação intelectual de cada
indivíduo. .

Apontado como porta de entrada, ou em outras palavras, uma base para


que a criança desenvolva um olhar situado sobre o lugar da natureza na
sociedade. O Ensino de Ciências deve contribui para a articulação entre a
realidade vivenciada e a formação de conceitos científicos, mas
especificadamente a construção de uma alfabetização científica conforme
enfatiza Lima (2011) quando aponta o Ensino e a aprendizagem das Ciências
Naturais tendo sido um dos importantes eixos de discussões sobre educação
brasileira, fato este destacado nos dados do Ministério da Educação (MEC),
através de avaliações como o IDEB (Índice de Desenvolvimento da Educação
Básica) e Prova Brasil, cujos resultados têm mostrado uma defasagem na
aprendizagem de conhecimentos básicos nas diversas áreas de
conhecimentos.

Assim, faz-se necessário discutir tanto a questão da concepção que se


tem de Ciência e de Ciências Naturais no âmbito da visão sobre saberes
científicos e saberes cotidianos, como se discutir que lugar ocupam os
aspectos didático-pedagógicos nesse processo.

Conforme Lima (2011) a Resolução do Conselho Nacional de Educação


(Conselho Pleno), nº 1, de 2006, que institui Diretrizes Curriculares
Nacionais para o Curso de Graduação em Pedagogia, aponta o lugar das
Ciências Naturais na formação do /a docente da educação infantil e anos
iniciais do Ensino Fundamental, ao colocar, em seu art. 2º, § 2º que

[...] o curso de Pedagogia, por meio de estudos teórico-práticos,


investigação e reflexão crítica, propiciará ao educando a aplicação ao
campo da educação, de contribuições, entre outras, de conhecimentos
como o filosófico, o histórico, o antropológico, o ambiental-ecológico,
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o psicológico, o linguístico, o sociológico, o político, o econômico, o


cultural. (BRASIL, 2006).

Desse modo Lima (2011) aponta que o documento coloca a necessidade


de uma formação que oriente para uma prática multidisciplinar e
contextualizada. De modo similar as Diretrizes Curriculares Nacionais para a
Educação Básica apontam o mesmo, enfatizando a importância dessas
práticas para “um projeto de nação, em que aspectos da Vida Cidadã,
expressando as questões relacionadas com a Saúde, a Sexualidade, a Vida
Familiar e Social, o Meio Ambiente, o Trabalho, a Ciência e a Tecnologia, a
Cultura e as Linguagens, se articulem com os conteúdos mínimos das Áreas
de Conhecimento” (BRASIL, 1998, p.09 - PARECER CEB, 04/98, apud
LIMA, 2011).

Entende-se, a partir do contexto apresentado que as Ciências Naturais


devem ser pensadas, problematizadas e compreendidas no processo de ensino
e aprendizagem como parte da relação do ser humano com o mundo, ou seja,
no contexto do ser no mundo como relação construída na relação do ser
humano com a natureza e a produção cultural que se dá nessa relação.

Outro documento que aborda a importância de se trabalhar o Ensino de


Ciências Naturais de forma a possibilitar uma compreensão acerca do mundo
em que vive o educando é o documento da Academia Brasileira de Ciências
(2007, p.01), denominado “Ensino de Ciências e educação básica: propostas
para um sistema em crise”, a necessidade imperiosa de melhorar o ensino
básico no Brasil passa pela qualificação do Ensino de Ciências Naturais, de
forma a estimular o raciocínio lógico e a curiosidade, o que ajudará a formar
cidadãos com maior capacidade de enfrentar os desafios da sociedade
contemporânea. Corrobora com esse pensar o pesquisador Charlot (2000,
p.79), quando faz sua análise a respeito da relação do sujeito com o saber.
Para ele, “analisar a relação com o saber é estudar o sujeito confrontado à
obrigação de aprender, em um mundo que ele partilha com outros: a relação
com o saber é relação com o mundo, relação consigo mesmo, relação com os
outros”.

Assim, é importante entender a importância das Ciências Naturais na


base do Ensino Fundamental, pois estas tornam significativa a base
educacional das crianças, pois considerando essa formação escolar como
espaço de contextualização da realidade social e da formação de atitudes das
novas gerações, entendemos que as Ciências Naturais proporcionam as
condições do sujeito se colocar no mundo como sujeito ambiental.

2 O ensino de ciências nos anos iniciais do ensino


fundamental

No contexto social essa pesquisa tem como objetivo o público alvo


alunos/as de escolas municipais do interior do Estado de Sergipe com
predominância afrodescendente. Vale ressaltar que o Ensino de Ciência deve
ser voltado para construção intelectual, além de proporcionar mudança na
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concepção de vida do aluno/a, mas também assegurar seus direitos como


construtor de uma sociedade igualitária.

Fortalecendo essa necessidade pelas características políticas sociais em


nosso país e, buscando responder a alguns pressupostos teóricos sobre o
acesso a escola e suas diferentes ações. Temos como norte os seguintes
resultados a respeito da etnia: A autoidentificação etnicorracial apontou que
na Turma A (escola 1) oito estudantes se identificaram como sendo moreno e
seis, como negros, dois se denominaram branco, e chamo atenção para dois
alunos que se identificaram como claro e somente um se identificou como
pardo. Um dos fatores importante a destacar em relação à etnia/raça é que
alguns/mas alunos/alunas não discernem se identificam de forma erronia.
Segundo Lima (2008 p. 49), “nesse sentido, me pergunto qual o papel da
educação escolar na constituição da identidade dessa criança, considerando-
se que é também no contexto escolar que esta sistematiza seus
conhecimentos, estabelece relações, está em interação com diferentes sujeitos
e materiais, e em processo de formação.”

No que se refere à autoidentificação etnicorracial na Turma B, escola 2,


percebeu-se que dos 12 (doze) alunos, 7(sete) se identificaram como branco,
2 (dois) como moreno e apenas 2 dois alunos disseram serem negras e 1 (um)
não se identificou. Outra questão comparada com a escola 1 pode ser alvo de
estudo futuramente para investigar quais os fatores predominantes que se
destacam entre a relação da etnia/raça entre essas duas comunidades.
Segundo Oliveira (1999, p. 11), “partindo desta perspectiva e focalizando um
trabalho na área das Ciências Naturais, poderíamos investigar quantas e quais
seriam as visões de Natureza em uma sala de aula, e a partir daí trabalharmos
com suas origens, suas incoerências, seus limites, seus problemas éticos”.

Faz-se necessário que o Ensino de Ciências Naturais seja voltado para


proporcionar a todos o desenvolvimento da escrita, raciocínio lógico e do
conhecimento contextualizado do ambiente, para que se torne uma pessoa
competente, capaz de tomar decisões em prol do bem da humanidade. Como
disse Ovigli (2009, p. 1608): “Enquanto cidadãos e cidadãs pertencentes a
uma sociedade democrática, todos/as somos convidados/as a discutir e opinar
em assuntos que envolvem a Ciência e a Tecnologia”. Para confirmar essa
lógica, segundo Chassot (2003, p. 6 ). “A alfabetização científica pode ser
considerada como uma das dimensões para potencializar alternativas que
privilegiam uma educação mais comprometida”. Essa afirmação traz a
necessidade de investimento na formação de professores e professoras,
conforme apontada nas Diretrizes Curriculares Nacionais (DCN) para as
licenciaturas, que apontam entre outras coisas, a necessidade do perfil
docente dar conta da relação do ensino com a ciência e o papel social dessa
ciência e desse ensino.

Ao discutir a questão sobre “Por que ensinar Ciências na escola


fundamental?”, Malafaia e Rodrigues (2008) dizem que de acordo com
Fumagalli (1993), várias linhas de pensamento possibilitam responder este
questionamento e que não obstante essas possibilidades, três considerações
merecem ser destacadas ao se definir essas respostas, a saber: “ (i) o direito
das crianças de aprender Ciências; (ii) o dever social e obrigatório da escola
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fundamental como sistema escolar de distribuir conhecimentos científicos ao


conjunto da população e (iii) o valor social do conhecimento científico”
(MALAFAIA e RODRIGUES, 2008, p. 03).

Nesse contexto a criança é vista como sujeito de direito e de autonomia,


conquistando, inclusive do campo da educação escolar, o direito de ser
considerada como sujeito que possui modos específicos de significar o
mundo, portanto modos particulares de adquirir conhecimentos. São sujeitos
do presente em construção e não miniaturas de adultos.

Nessa perspectiva, Malafaia e Rodrigues (2008) apontam que não


ensinar Ciências Naturais para as crianças é uma forma de discriminá-las, de
trata-las como incapazes de aprender de fato. É lhes negar o protagonismo
histórico de serem cidadãs do presente e não sujeitos do futuro. Apresenta
com esta posição equivocada uma ignorância sobre o processo de
desenvolvimento da criança. Segundo os autores,

[...] Nesse sentido, parece esquecido que as crianças não são somente
“o futuro” e sim que são “hoje” sujeitos integrantes do corpo social e
que, portanto têm o mesmo direito que os adultos de apropriar-se da
cultura elaborada pelo conjunto da sociedade para utilizá-la na
explicação e compreensão do mundo atual. Não ensinar Ciências nas
primeiras idades invocando uma suposta incapacidade intelectual das
crianças é uma forma de discriminá-las como sujeitos sociais. Este é
um forte argumento para sustentar o dever inevitável da escola de
Ensino Fundamental de divulgar e trabalhar conhecimento científico
(MALAFAIA E RODRIGUES, 2008, p. 03).

Este pensamento se aproxima do pensamento de Chassot (2003) sobre o


direito das crianças aprenderem Ciências Naturais, na perspectiva da
alfabetização científica, já que para este autor,

A alfabetização científica pode ser considerada como uma das


dimensões para potencializar alternativas que privilegiam uma
educação mais comprometida. É recomendável enfatizar que essa
deve ser uma preocupação muito significativa no Ensino
Fundamental, mesmo que se advogue a necessidade de atenções quase
idênticas também para o ensino médio (p. 97).

O autor aponta assim a importância de se trabalhar a relação saberes


cotidianos com o caráter científico, pois esta relação traz para o ensino uma
linguagem importante na formação humana, que é a linguagem científica,
importante expressão da humanidade que ao não ser trabalhada nega a uma
grande parcela da sociedade o acesso a uma importante produção humana,
levando a exclusão de possibilidades por parte dos/as educandos e educandas.

Desse modo, o pensamento dos autores aponta para o fato de que o


Ensino de Ciências precisa ser pensado tanto no âmbito qualitativo como
quantitativo, em articulação com outras questões como a função social do e
ensino e a própria discussão sobre a função da ciência na sociedade e da
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relação conhecimento cotidiano e conhecimento cientifico na formação do


ser humano e na realimentação da produção cultural humana.

Em relação a um terceiro argumento trazido por Malafaia e Rodrigues


(2008, p. 4-5) sobre o valor social do conhecimento cientifico, “Fumagalli
(1993) já enfatizava o valor do conhecimento científico na prática social
presente no cotidiano das crianças e considerava que esse era um aspecto
tristemente esquecido no momento de justificar o Ensino de Ciências na
infância”.

Assim, tais ideias nos permite perceber a importância dos estudos sobre
o Ensino de Ciências Naturais e a relação desse ensino com as próprias
concepções de Ciência vigente na sociedade contemporânea. Os autores e
autoras lidos nos mostram que esta é uma questão significativa para a
educação escolar, como uma contribuição para uma educação significativa,
transformadora, que permita aos seus sujeitos se perceberem como agentes
do ambiente, sujeitos da natureza e cidadãos do universo.

3 Resultados e discussões
O Ensino de Ciências Naturais nos últimos anos vem sendo alvo de
pesquisa em torno das suas praticas pedagógica desenvolvia na sala de alua,
no decorre das relações dos sabres com as práticas, será necessário rigor ao
julgar os métodos de ensino que os alunos que faz parte dessa pesquisa estão
em inseridos. De acordo com Marandino (2003, p. 171), “diferentes
tendências pedagógicas predominaram ao longo dos anos, contudo, a
Didática continua até hoje centrando a formação prática do educador e as
demais disciplinas não têm contribuído para a articulação com o contexto da
prática pedagógica desenvolvida nas escolas”.

Além de toda discussão referente às práticas desenvolvida Marandino


(2003), aponta que apesar da crescente produção da pesquisa em Ensino de
Ciências Naturais, a prática dos educadores área tem suas raízes ligadas ao
tradicionalismo de ensino e de-aprendizagem, são vários os obstáculos para
aceitação de novas formas que não e somente no campo a formação dos
professores.

Na análise da primeira questão para verifica o que os alunos da Escola 1


entendem por Ciência fez a seguinte pergunta: O que é Ciências? No gráfico
1 a seguir, pode-se observar que 37% responderam relacionado ao conteúdo,
32% responderam com respostas vagas, amplas, gerais e estereotipadas, em
contexto que pretendia esclarecer a concepções dos estudantes ficou evidente
os desvios de significados ao conceitua a pergunta a cima. De acordo com os
PCN (BRASIL, 1998, p.28), “dizer que o aluno é sujeito de sua
aprendizagem significa afirmar que é dele o movimento de ressignificar o
mundo, isto é, de construir explicações, mediado pela interação com o
professor e outros estudantes e pelos instrumentos culturais próprios do
conhecimento científico”.

O esclarecimento acima deixa evidente a responsabilidade do professor


como mediador entre o conhecimento científico e as concepções prévias dos
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alunos/os na desconstrução e formação de conceito mais elaborado com rigor


científico.

Gráfico 1: Concepção de Ciências. Turma A Turma B

Ao verificar a resposta dos alunos da Turma A os resultados não foram


diferentes em relação às respostas dos alunos do 4° Ano da Turma B, pois
46% dos estudantes classificaram a ciência com respostas vagas, amplas,
gerais e estereotipadas. No caso da Turma B surgiram questionamentos
relacionados à quais as metodologias precisam ser adotadas para que os/as
alunos/alunas entendam as Ciências Naturais não somente como uma matéria
que deve estudar para passar de ano, mas como uma disciplina que tem seu
papel na formação e construção da base de uma sociedade. Na concepção de
Filho et all (2011, p. 5) “O Ensino de Ciências nas Séries Iniciais deverá
propiciar a todos os cidadãos os conhecimentos e oportunidades de
desenvolvimento de capacidades necessárias para se orientarem nesta
sociedade complexa, compreendendo o que se passa à sua volta, tomando
posição e intervindo na sua realidade”.

Como aconteceu com os alunos da Escola 1 (Turma A), que 37% dos
alunos/as responderam relacionado ao conteúdo, 38% dos alunos da Escola 2
(Turma B), também responderam com diferença de apenas 1%. Percebemos
que nossos alunos tem um ensino padrão no contexto dessas escolas
localizadas em povoados de cidades diferentes.

O gráficos a seguir, correspondem aos resultados referente à questão em


que os estudantes responderam sobre a importância de se aprender Ciências
Naturais. Como já se esperava os alunos, em sua maioria, relacionaram as
respostas a atividades e ao conteúdo.
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Gráfico 02: Importância de aprender Ciências Naturais Turma A. Turma B

Na Turma B, pode-se observar que os alunos responderam em sua


maioria em relação a conteúdo com diferença em termos de resposta com a
Turma A, pois enquanto na Turma A foram 42%, na B foram 50%.

Ao perguntar aos/às alunos/alunas o que eles poderiam fazer com o que


aprenderam em Ciências Naturais muitos responderam citando atividades
desenvolvidas no âmbito da disciplina tais como, estudar, ler e escrever, fazer
exercícios; e conteúdos. Com relação à primeira categoria, a Turma A obteve
um percentual de 42% e a Turma B, 58%. Já com relação à segunda
categoria, a Turma A obteve 16% e a Turma B, 25%. Interessante notar que
na Turma A obtivemos um percentual significativo com relação à progressão
no estudo/futuro (16%) sendo que esta categoria não está presente na Turma
B. Esse fato nos suscita diversos questionamentos. Vejamos, então, os dados
nos gráficos a seguir:

Alegou
O que se pode fazer com o que se não
aprende em Ciências saber
Resposta 5%
vaga,
ampla,
geral,
estereotipa Respostas
Respostas relativas a
da à
relativa
11% atividades
aprendizage 42%
m, leitura e
escrita Respostas
10% relativa à Respostas
progressão relativa ao
no conteúdo
estudo/futu 16%
ro
16%
Gráfico 03: O que se pode fazer com o que se aprende em Ciências Naturais. Turma A.
Turma B
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Ao analisar os dados a Turma A, 42% dos alunos/as responderam em


relação à atividade desenvolvida em sala como: ler, escrever, e aprender em
quanto na Turma B, o percentual foi 58% também responderam que podia
ensinar; ler, abrir sapos. É interessante notar que os/as alunos/alunas
conseguem relacionar Ciências Naturais ao estudo anatômico dos animais
assim como, a experiências. A partir disso, trazemos a importância de no
ensino fundamental trabalhar como experiências simples que possa despertar
o interesse dos alunos para estudar Ciências Naturais e despertando o
raciocino dos/as aluno/as para a construção do conhecimento científico e
aproxima a linguagem científica da realidade do aluno.

Segundo Lira (2010, p. 2). “A escola é um desses espaços, onde


acontecem formas particulares de comunicação com uma linguagem
específica. Esta forma de linguagem torna-se importante na construção da
ciência e necessita ser veiculada aos alunos, como um fator importante no
processo de ensino e aprendizagem”. Partindo dessa teoria a experimentação
é outra prática que deve ser trabalhar vinculada construção da linguagem
científica pelo seu papel investigativa. De acordo com as concepções de
Prigol e Giannotti (2008, p. 4) “A disciplina de Ciências Naturais é uma
disciplina na qual a prática não deveria ser desvinculada da teoria. Por isso,
acredita-se que o reconhecimento por parte dos alunos na construção do
pensamento científico, atesta o caráter investigativo das aulas práticas”.

ALGUMAS CONCLUSÕES
O Ensino de Ciência Naturais nos anos do Ensino Fundamental de
acordo com PCN, (1997, p. 28), “Ao professor cabe selecionar, organizar e
problematizar conteúdos de modo a promover um avanço no
desenvolvimento intelectual do aluno, na sua construção como ser social”. A
partir desse parâmetro parece haver certo distanciamento entre o Ensino de
Ciências Naturais e o objetivo educacional aconselhado pelos PCN nas duas
escolas pesquisadas, o que nos leva a várias hipóteses sobre os fatores que
contribuem para isso, desde o contexto histórico nacional e local da formação
docente inicial até a realidade da ausência de uma política efetiva de
formação continuada. Ao estudar a fundo o entendimento dos alunos das
turmas A e B; podemos considerar que as práticas metodológicas
desenvolvidas nessa área não parecem favorecer a problematização dos
conteúdos e articulação como os conhecimentos prévios dos/as discentes,
condições para uma prática contextualizada significativa.

Assim, como o Ensino de Ciências Naturais deve contribuir para


formação intelectual dos estudantes, tendência não observada na pesquisa,
nos fortalece levantar o questionamento o porquê de se estudar Ciência
Naturais? Além disso, a busca por respostas traz vários outros levantamentos
principalmente, no tocante a formação dos professores de Ciências Naturais.

Quando se refere às novas maneiras inovadoras de transmitir


conhecimentos muitos professores/professoras, buscam justificar não ter
conhecimentos para outras metodologias.

Segundo Andrade et all (2011, p.5),


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a resistência do professor quanto à implementação de um novo


currículo pode ser justificada pelo fato de o mesmo estar acostumado
a utilizar um modelo de ensino linear, que faz uso de modelos prontos
e acabados para o desenvolvimento dos conteúdos. Esse “ensino
tradicional” imposto desde a formação inicial até a formação
acadêmica por muitos, é o único modelo conhecido então, como
ensinar de forma diversificada quando não se têm o conhecimento de
outras metodologias?

São essas resistências, que impedem às novas metodologias


contribuírem para a formação intelectual dos/as alunos/alunas. Torna-se
necessário uma maior contribuição do Ensino Fundamental para a formação
científica dos/as estudantes, tornando o Ensino Ciências Naturais uma
realidade não apenas em perspectiva futura. Através de tantas questões fica
uma reflexão: Quais as concepções de saberes e práticas dos/as
professores/professoras do Ensino de Ciências Naturais nos Anos Inicias do
Ensino Fundamental?

REFERÊNCIAS

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Análise do Discurso e o Ensino de


Língua Portuguesa

Carlos Alexandre N. Aragão1

RESUMO

O presente texto faz uma abordagem acerca da visão que o docente de língua
portuguesa faz do ensino de língua no espaço escolar. Pelo que se tem examinado,
percebe-se que o professor de Língua Portuguesa e a sociedade em geral ainda estão
pautados em práticas tradicionais de ensino, mais precisamente, no ensino da
Gramática Normativa, corroborando a perspectiva do “certo” versus o “errado”. Tal
abordagem, por seu turno, advém de uma visão de norma postulada desde os gregos
que adentrou no universo escolar e social como um poder que jamais poderá ser
questionado. Com efeito, tem provocado um grande quantitativo de desistência por
parte do estudante, no âmbito da Escola Pública, haja vista a repetição de exercícios
estruturais, fazendo com que ele não perceba a língua como dinâmica, histórica e
dialógica. Esse olhar é reflexo de uma pesquisa maior intitulada “O professor de
língua portuguesa e as imagens de si no município de Monte Alegre de Sergipe”,
desenvolvida durante o mestrado em Letras. Além desses aspectos, analisamos alguns
corpora extraídos das entrevistas realizadas com os professores de língua portuguesa
com o intuito de investigarmos qual a imagem que esse professor faz de si, do ensino
de língua e do seu estudante. Os professores foram submetidos a duas perguntas: a)
para você, o que é ensinar língua portuguesa? b) para você, o que é ser professor de
língua portuguesa? Depois de gravadas, as entrevistas foram transcritas. A transcrição
foi realizada à luz dos postulados de Marcuschi (1986). A partir das transcrições,
procedemos à análise discursiva das suas falas, tentando compreendê-las, porque é
essa perspectiva que interessa ao analista do discurso, e assim, fizemos a relação com
as teorias que nos servem de base.

Palavras-Chave: ensino – língua portuguesa – análise do discurso

1
Contato do(a) autor(a): cana_aragao@yahoo.com.br. Mestre em Letras (UFS e
UNIT) .
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II Seminário Nacional de Alfabetização e Letramento Alfabetização, Discurso e Aprendizagens
Oralidade e Escrita na Prática Escolar
ISSN: 2177-4072

1 Um olhar sobre a Análise do Discurso

A Análise do Discurso (doravante AD) surge na França nos anos de


1960 com os estudos de Jean Dubois (lexicólogo, envolvido com as tentativas
da linguística de sua época) e de Michel Pêcheux (filósofo e debatedor do
marxismo, da psicanálise e da epistemologia), com o objetivo de trabalhar o
discurso, mas para isso faz uso da Linguística sem excluir o objeto desta que
é a Língua. A AD propõe uma não dicotomia entre língua e discurso. A
Linguística, instaurada por Saussure, não dá o suporte necessário para tal
estudo, portanto, esses estudiosos criaram uma teoria do discurso formada
por elementos linguísticos e socioideológicos, capazes de acolher esse novo
projeto. Segundo Orlandi (2007), explicando o objeto de estudo da AD, a
língua não pode ser concebida como um sistema, mas como movimento,
porque é através desse movimento que o discurso surge, logo, a língua deve
ser vista na perspectiva do uso: a língua no mundo, na fala do homem,
produzindo sentido no contexto. De acordo com Possenti (2009), por sua vez,
a língua é o lugar apropriado para o discurso se mostrar e se dissimular,
exigindo alguns protocolos específicos de leitura.

Nesse sentido, o discurso é concebido por Pêcheux (1988) como um


efeito de sentido. Isto se deve ao fato das formações discursivas (FDs) serem
interpeladas pelas formações ideológicas (FIs) e, consequentemente, refletem
no discurso. Pêcheux (1988, p. 163), postula que o efeito-sujeito é constituído
e produzido pelo interdiscurso. Desse modo, este efeito revela o
funcionamento da ideologia a partir da materialidade linguística, o texto seja
ele verbal/não-verbal. Este não é trabalhado como na análise de conteúdo, à
procura de um sentido dentro dele, mas da discursividade, a partir da sua
materialidade. Assim, o texto é pensado em relação às suas condições de
produção, ligando-se a sua exterioridade, pois não interessa ao analista o que
o autor quis dizer, a interpretação como a reprodução, mas os efeitos de
sentido, a realização dos processos de constituição dos sujeitos envolvidos
numa determinada situação de comunicação.

O texto, portanto, não é concebido como unidade fechada porque se


relaciona com outros discursos, com as condições de produção do discurso e
com o que Orlandi (2010) chama de exterioridade constitutiva, haja vista ser
atravessado por diferentes formações discursivas e afetado por diferentes
posições de sujeito. É nessa perspectiva que procuramos trabalhar o discurso
neste trabalho. Segundo Pêcheux (1988, p. 143) o discurso é o lugar
destinado à prática da reprodução e transformação das relações de produção,
devido às diversas posições assumidas pelo sujeito em um determinado lugar.
Este, por sua vez, é interpelado pela ideologia, mas ela não é o único
processo de efetivação da reprodução/transformação das relações de
produção de uma formação social. Nesse sentido, o discurso sempre acontece
em uma arena de embates ideológicos.
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A condição de produção do discurso é realizada através da inserção dos


sujeitos, da situação, da memória discursiva e do interdiscurso. Sem esses
mecanismos não se pode analisar o texto discursivamente, pois ele está
inserido em um aqui e agora do dizer, atravessado por um contexto sócio-
histórico e ideológico mais amplo. Desse modo, reiteramos a afirmação de
Bakhtin (2003) de que não existe um enunciado original, mas um enunciado
formado por vários enunciados. A isso Pêcheux (1988) denomina de
interdiscurso, o já-dito que está na base do dizível e o considera como “todo
complexo com dominante” das formações discursivas (doravante FDs).
Nesse caso, o interdiscurso subsidia a memória discursiva (social e não
individual), porque “[...] toda formação discursiva dissimula [...] sua
dependência com respeito ao ‘todo complexo com dominante’
(interdiscurso)2 das formações discursivas, intrincado no complexo das
formações ideológicas definido mais acima” (PÊCHEUX 1988, p. 162). As
FDs, por sua vez, determinam o que pode e deve ser dito pelo sujeito em uma
conjuntura/posição dada. Dessa forma, a palavra não veicula um único
sentido, mas diversos, a depender da formação discursiva em que é utilizada.
As formações discursivas, por seu turno, são interpeladas pelas formações
ideológicas, as quais têm relação com a ideologia. Esta para Pêcheux (2008)
é entendida como uma formação de práticas sociais que são construídas e
modificadas dependendo da posição ocupada pelo sujeito.

Nesse caminho, compreendemos que seria um erro pensarmos na


contribuição igualitária dos aparelhos ideológicos de Estado tanto para a
reprodução das relações de produção quanto para sua transformação em uma
determinada conjuntura. Desse modo, a ideologia interpela os indivíduos em
sujeito, criando assim o efeito do pré-construído, cuja formação se dá através
de diversos discursos que vieram de outro lugar. Portanto, o discurso sempre
está demarcado por uma formação discursiva em que o sujeito está inserido.
Assim, seu sentido é estabelecido pela própria identidade das FDs colocadas
em relação no espaço interdiscursivo. Mesmo existindo a demarcação no
discurso do sujeito, este não a percebe e o produz como sendo seu, isto é,
como se a origem deste estivesse no próprio sujeito. Dessa maneira, esquece
que o seu discurso está assujeitado a uma formação discursiva (esquecimento
n° 1), no entanto, a sua produção discursiva não pode ser considerada
original, porque está atravessada por outros discursos já-ditos em algum
outro momento. À medida que concebe o discurso como sendo a sua origem,
o sujeito só consegue produzi-lo de uma única forma, esquecendo a
existência de outros sentidos possíveis, produzindo a impressão de que existe
uma ligação direta entre linguagem-pensamento-mundo. Esse processo
Pêcheux (1988) chama de esquecimento nº2.

O intradiscurso, por sua vez, diz respeito ao eixo da atualidade. Com


efeito, o interdiscurso sempre está presente no intradiscurso, porque faz parte
da memória discursiva. Esta é definida por Fernandes (2008) como sendo um
espaço de memória do funcionamento discursivo que constitui um corpo-
sócio-histórico-social. Nesse caminho, podemos compreender que a

2
Acréscimo nosso.
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constituição do sujeito só é realizada pelo esquecimento, pelo interdiscurso,


pelo intradiscurso, pela memória discursiva, ao se identificar com uma
formação discursiva que o domina.

Diante desse pensamento, vale mencionar Orlandi (2002), quando


enfatiza que o sujeito para se constituir deve-se submeter à língua, ao
simbólico, porque é através do jogo: língua/história que o sujeito é afetado
enquanto tal. Nessa trajetória, a forma-sujeito é constituída pela existência
histórica de qualquer indivíduo agente das práticas sociais presentes nas FDs.
O sujeito do discurso ocupa um lugar social e a partir dele enuncia; o seu
discurso será sempre controlado pela formação discursiva a qual está
inserido, portanto não é livre para dizer o que quer. Este sujeito é um sujeito
clivado, por está dividido entre o consciente e o inconsciente.

Além disso, a produção do discurso faz com que o sujeito crie uma
representação imaginária da interação entre o EU e o OUTRO. A esse
processo (PÊCHEUX apud MUSSALIM, 2009), denomina de jogo de
imagem de um discurso, pois à medida que um sujeito ocupa uma posição ele
constrói uma imagem ao pronunciar seu discurso: do lugar que ocupa; do
lugar que ocupa seu interlocutor; do próprio discurso. Do mesmo modo é a
imagem construída desse sujeito com relação à imagem feita do seu
interlocutor. Dessa forma, percebemos que as diferentes posições do sujeito
determinam as imagens que são constituídas dele. Mas a formação desse jogo
e imagens só se constitui através da constituição do discurso, sendo vedado,
assim, o preestabelecimento desse jogo de imagem antes que o sujeito
enuncie o discurso.

Seguindo a nossa reflexão, faremos no próximo tópico um apanhado


da institucionalização da gramática no espaço escolar. Para isso faremos uso
dos postulados de Kristeva (2007) e Silva (2000).

2 A gramática: da tradição à imposição


Seguindo a linha de nossa abordagem, é importante também
observarmos como a Gramática se consolidou na humanidade, no sentido de
ser instituída como uma disciplina e, portanto, um conjunto de verdades a ser
ensinado. Além disso, atentamos também para o valor da escrita na
humanidade.

Sabemos que, após os fenícios fazerem uso da escrita alfabética, a outra


civilização que se ateve a tal mecanismo foi a grega. Para isso fez adaptações
do alfabeto fenício às características da língua grega, como bem argumenta
Kristeva (2007). Dessa forma, percebemos que o estudo da linguagem ganha
uma atenção especial desde a escrita alfabética até a criação da gramática.
Isso já era possível ser observado na obra “Crátilo” de Platão (429-347 a.C),
quando este filósofo discute a respeito dos problemas da linguagem.
Podemos também dizer que os gregos entendiam a linguagem como um
sistema formal, distinto de um exterior significado por ela (o real),
constituindo em si mesma um domínio próprio (KRISTEVA, 2007). Por ser
um sistema formal, torna-se, na visão de Platão, uma obrigação, isto é, uma
lei para toda a sociedade.
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A linguagem passa a ser vista, então, como um instrumento do


conhecimento, por representar uma função didática. Essa representação deve-
se ao fato de constituir uma obrigação universal: todos os cidadãos deveriam
adquiri-la e, ao mesmo tempo, saber usá-la. Mas é na Alexandria que se
assiste ao desenvolvimento de uma gramática especializada, diferente dos
postulados teóricos dos estóicos, baseados na filosofia e na lógica.

O modelo de gramática lançado pelos alexandrinos torna-se o exemplo


da gramática ocidental tradicional. Nesse caminho, é Dionísio da Trácia
(170-90 a.C.) o responsável pelo modelo ainda hoje reconhecido nas obras
gramaticais do ocidente. Ele via a gramática como uma arte, por defini-la
como o saber empírico da linguagem dos poetas e dos prosadores. A
gramática deste filósofo, por sua vez, estava voltada para a Morfologia. Os
alexandrinos, por seu turno, são seguidores históricos dos estóicos e, de
acordo com Silva (2000, p. 17), “[...] fixaram na tradição gramatical o ‘erro
clássico’, como batizou John Lyons [...]”. Isso ocorre na medida em que
aqueles filósofos tomam como base de uma escrita certa a dos escritores
reconhecidos, instaurando a tão propalada discussão acerca do certo versus o
errado. É nesse caminho que se reconhece a Grécia como o berço dos
gramáticos do Ocidente, cuja função é ensinar o difícil idioma de Homero.
Para o estudo da sintaxe, volta-se o olhar para o gramático Apolônio Díscolo
(Séc. II, a.C.), criador da primeira sintaxe, voltada mais para a filosofia do
que a linguística.

Ao adquirir o saber grego sobre a língua, os gramáticos alexandrinos


chegaram a Roma, transmitindo para este povo todo o conhecimento
adquirido, desde a filosofia até a gramática. Com efeito, essa civilização
obtém o modelo de gramática que tanto se tornou popular no ocidente. Entre
os estudos dos gramáticos latinos o que ganhou mais destaque foi o de
Varrão, “De Língua Latina”. Nesta, ele propõe uma gramática do latim
padrão, opondo-se ao latim vulgar. Nessa perspectiva, a gramática consiste
na arte de escrever e falar corretamente, de compreender os poetas (SILVA,
2000). O pensamento dos romanos, quanto à teoria da linguagem, assemelha-
se ao dos gregos, pois a concebem como um jogo de normas. Por
conseguinte, a gramática é o instrumento regulamentador de todas as regras
seguidas pelos cidadãos falantes do Latim. Dessa forma, a gramática passa a
ser definida como a base de qualquer ciência, por expressar uma verdade que
jamais pode ser questionada, ocupando um lugar de prestígio nas sociedades,
conforme o pensamento de Varrão. Mas é com a publicação da obra
“Institutiones Grammaticae”, de Prisciano, que a gramática latina atinge o
seu apogeu. É nela que se encontra a primeira sintaxe da língua latina. Esta se
torna modelo para todos os gramáticos da Idade Média.

Não gozando do prestígio de outrora, o Latim ainda continua sendo, no


Renascimento, o padrão para todos os outros idiomas estudados/criados.
Apesar da utilização dos cânones latinos, a sua teoria sofre modificações no
ato de adaptação às línguas vulgares. Isso leva ao desprestígio dessa língua.
Entretanto, é importante enfatizar que, nesta época, tal língua foi usada como
objeto de ensino. Tal atitude corrobora o pensamento dos romanos quanto à
função da gramática de expressar uma verdade, a correta. Nesse sentido, a
gramática passa a ser um instrumento regulador das normas aceitáveis pela
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sociedade culta, repassadas, através do ensino, para todos os falantes


frequentadores dos bancos escolares.

A partir desse momento, a gramática é concebida como uma disciplina,


estudada e ministrada como a filosofia, no espaço escolar.
Consequentemente, ganha um lugar de prestígio nessa instituição. Portanto, a
gramática passa a ser uma disciplina autônoma e obrigatória. Não se
despreza, porém, que tal prática é igualmente advinda dos gregos
(KRISTEVA, 2007).

Observando o estudo da língua numa abordagem particular, a gramática


da Língua Portuguesa (LP) começa a ser produzida pelos estudiosos da
linguagem, tais como: Fernão de Oliveira, João de Barros, Pêro de Magalhães
de Gândavo e Duarte Nunes de Leão, cada um, ao seu estilo, deu sua
contribuição para o desenvolvimento dos estudos da LP. Mas é a gramática
de João de Barros que apresenta uma completude quanto às reflexões sobre a
LP (SILVA, 2000). São seguidores conscientes do estilo da gramática latina.

Observamos que desde o séc. XVI a gramática desfruta de alguns


privilégios no que se refere ao ensino de língua. Isso se deve ao fato de o seu
surgimento ser a partir da Retórica e da Poética. Um outro ponto é a
valorização dada ao pensamento do falar e escrever corretamente. Alguns
estudiosos não concordam com o ensino da gramática como é o caso de
Ferreira França. Para ele, não seria necessário dizer o que é nome, verbo e
nem tampouco quais as partes da oração são essenciais ou acessórias, mas
mostrar, através de exemplos, que é a partir do uso que podemos descobrir
tais conceitos/normas (OLIVEIRA 2010, p. 89).

Seguindo ainda uma perspectiva histórica acerca do ensino de língua,


abordamos no tópico seguinte o ensino de LP no Brasil, procurando historiá-
lo a partir dos postulados de Guimarães (2005), Soares (1996), Cereja (2002),
Lara (2003) e Barros (2008).

3 Ensino de Língua Portuguesa no Brasil


O processo de colonização no séc. XVI traz consigo diversas
transformações sejam elas econômicas, políticas, culturais, educacionais etc,
para as terras e povos colonizados. Esse foi o caso do Brasil. Devemos
destacar ainda que, ao conquistar um território, o povo dominante impõe a
sua língua ao dominado. Assim ocorreu com os colonizadores portugueses,
por ocasião do decreto do Marquês de Pombal, anos 50 do Séc. XVIII. Ele
proibiu o uso de quaisquer línguas que não fosse a portuguesa. A língua
portuguesa torna-se a língua oficial e nacional desta terra, mas isso não nos
leva a pensar que antes ou intermediariamente não existiram/existam outras
línguas no território brasileiro.

Essa língua só adentra o universo escolar, fazendo parte do currículo,


nas últimas décadas do séc. XIX. Até então, a língua utilizada nos bancos
escolares era o Latim. O ensino dessa língua deve-se aos jesuítas que vieram
com o objetivo de catequizar e moralizar os nativos (índios). Assim, eles
implantaram um programa educacional denominado “Ratio Studiorum” que
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logo se expandiu por vários países. Esse programa tinha a seguinte estrutura:
os alunos que frequentavam as escolas menores praticavam a alfabetização e,
em seguida, no ensino secundário, passavam para o latim; depois, no ensino
superior, estudavam a gramática latina e retórica (SOARES 1996, p. 04).

Somente em 1837 é que o Colégio Pedro II inclui em seu currículo o


estudo da LP sob a forma das disciplinas Retórica e Poética. Em 1838 o
regulamento do colégio faz referência à gramática nacional como objeto de
estudo. Logo em seguida, ocorre uma fusão da Retórica, Poética e da
Gramática na disciplina Português que culmina com a criação do decreto
imperial, criando o cargo de professor de Português, em 1871 (SOARES
1996, p. 08).

De acordo com Soares (1996), o professor de Português era um


intelectual e estudioso da língua e de sua literatura. Sendo assim, só era
preciso que o manual didático lhe disponibilizasse um texto para ele
comentar, discutir, analisar, propor questões e exercícios para os estudantes.
Isso só era possível porque os discentes eram oriundos de uma classe
privilegiada e dominavam o latim. Além disso, ainda não existiam cursos de
formação de professores de LP. Esses só surgem no início dos anos 30 do
séc. XX; os formadores desses profissionais são seguidores do ensino
tradicional, isto é, do ensino da gramática, passando-a assim para os seus
discípulos.

Diante do crescente ingresso de estudantes na Rede Pública de ensino,


houve a necessidade de se recrutarem mais professores através de seleção.
Em contrapartida, esta não seguiu o rigor antes praticado, culminando com a
contratação de profissionais desqualificados e com baixa escolaridade para os
cursos de Letras. Em decorrência de tal situação, os manuais didáticos
começaram a trazer, em seu conteúdo, exercícios já respondidos,
proporcionando uma acomodação do professor, refletido no modelo de
preparação de aula. Nesse sentido, Soares (2001) expõe que, nessa época, os
formadores de professores desconheciam as novas condições de letramento
de seus alunos e a nova realidade da escola e do alunado à espera desses
futuros professores. Dessa maneira, não tinham como objetivo formar
professores, mas estudiosos da língua e da literatura.

Nos anos 60, do séc. XX, chega aos cursos de Letras a Linguística,
trazendo em si as teorias estruturalistas (língua como um sistema de regras)
que são perpassadas para as gramáticas pedagógicas. Reforça-se, assim, o
pensamento tradicionalista existente quanto ao ensino de língua, conforme já
mencionado. Nessa mesma época, o ensino de língua sofre influência das
teorias de Comunicação; consequentemente, a disciplina de Português sofre
alteração em sua nomenclatura, passando a se chamar Comunicação e
Expressão. Neste sentido, de acordo com Soares (1996), a concepção da
língua como comunicação substitui as concepções de língua como um
sistema. Há uma suposta nova direção de ensino, entretanto, da mesma forma
que a anterior, traz em seu bojo a perspectiva de aquisição de um código.
Aprender a ler, então, consiste em decodificar o código escrito. Consoante tal
perspectiva de língua, há um continuísmo relacionado ao seu ensino. Apesar
de existir um direcionamento linguístico, no que diz respeito ao ensino de
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língua, ainda é perpetuada a forma, segundo a qual os sujeitos aprendizes têm


que adquirir a norma.

Segundo Cereja (2002), esse fato deve-se à forte força da tradição de


ensino de língua fincado na cristalização do ensino de gramática, por ser
consagrado, devido à ligação com a antiguidade greco-latina. Diante desse
acontecimento, alguns linguistas questionam o rigor da gramática normativa,
culminando com a formulação de propostas renovadoras para o ensino de
língua. Tais propostas são aceitas pelos professores de LP, mas eles não
conseguem desenvolvê-las em sala de aula por não seguirem uma sequência
didática, como bem faz o livro didático. Sabemos que não é esse o objetivo
dos pesquisadores, mas mostrar aos docentes que a língua é dinâmica,
pluriforme e multifacetada (LARA 2003, p. 85).

Mesmo com a presença da Linguística, há quase 50 anos, nos cursos de


Letras, e de várias pesquisas no campo da linguagem, muitos professores de
LP de hoje insistem em permanecer no ensino canônico de língua,
privilegiando o uso da metalinguagem e da obediência às regras da gramática
normativa. Nem a publicação dos PCNs, em 1998, consegue mudar tal
realidade. De acordo com Lara (2003), apesar de esse instrumento enfatizar o
uso do texto como ponto de partida para as atividades de leitura, escrita e
prática de análise linguística, dando ao aluno a possibilidade de explorar a
língua em diferentes contextos de usos, o que se observa no dia-a-dia da sala
de aula é um cenário muito diferente que privilegia o modelo clássico de
ensinar a língua portuguesa, centrado na gramática normativa.

No próximo item, procuramos analisar as falas dos sujeitos professores


de LP, relacionando-as com as teorias estudadas.

4 A fala dos sujeitos professores


Como foi explanado na Introdução, para constituir os corpora deste
trabalho, entrevistamos professores de Língua Portuguesa, Ensinos
Fundamental e Médio, entre o 6º e 3º anos, das escolas municipais e estaduais
do município de Monte Alegre de Sergipe. Tal prática foi efetivada a fim de
analisarmos a sua voz, principalmente no que diz respeito à imagem que eles
constroem em relação a o que representa (para eles) ser professor de LP. No
âmbito deste trabalho, tentamos estabelecer a ponte entre as teorias estudadas
e as vozes aqui recortadas. Com efeito, detectamos que a gramática, até hoje,
é vista por alguns professores de LP como o instrumento primordial do
ensino de língua. Para transcrevermos essas falas, seguimos os ensinamentos
de Marcuschi, tal como explicitado na introdução deste trabalho.

Abaixo expomos alguns exemplos relacionados às percepções desses


sujeitos. Para efeitos de facilitação dessa análise, dividimos essas falas em
itens. São eles:

a) O que significa ensinar Língua Portuguesa para


os sujeitos
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 S1 “/.../ é (+) é ensinar as pessoas a (+)


falar bem, a conhecer o idioma da sua terra. Ensinar os
seres humanos como falar é um prazer muito grande.
Eu gosto de trabalhar com a Língua Portuguesa”.
(grifos nossos)

 S2 “Bom, ensinar Língua Portuguesa, a


princípio, é um pouco (+) é complicado, né? /.../ S2 “A
escola vem voltada pra as regras gramaticais (+),
né?”(grifos nossos) /.../ mas quando voltamos um
pouco para a parte gramatical é bem perceptível assim
a a a dificuldade deles em relação ao conteúdo, mas
quando se dedicam e vai praticando é fácil (+) de (+),
né? (+) Assim, tem ambiguidade, né? Ora é fácil ora é
complicado (+), né? Pra o professor é fácil, né? Mas
para os alunos (+), né? Então, assim, é uma das
disciplinas que os alunos têm mais dificuldade de
aprender, né? (grifos nossos)

 S7 “(...) Então, na minha opinião, é é,


ensinar a Língua Portuguesa pra mim é um motivo de
muita é é de muita alegria e também de
responsabilidade, porque é uma língua que eu gosto,
apesar das dificuldades que a gramática traz, é é das
coisas, é é um pouco parecidas quando você acha que
em um determinado assunto você já sabe tudo
(incompreensível) de repente descobre algo diferente
ou uma normas diferentes (sic.), algumas normas
diferentes. (...) de entender as regras do Português.
(grifos nossos)

A partir de tais falas, observamos que a visão postulada por Dionísio de


Trácia (depois, perpetuada na Tradição Gramatical do Ocidente), “a
gramática é a arte de falar e escrever corretamente”, ainda permanece
presente no espaço escolar destinado ao ensino de língua. Esse é um indício
de que o interdiscurso (PÊCHEUX, 1988) está presente no discurso dos
sujeitos do ensino, haja vista a sua repetição fundamentar o ensino canônico
de língua. Tal perspectiva revela que esses sujeitos estão de tal maneira
afetados pelo já-dito que não permitem a transformação do ensino de acordo
com os postulados da Linguística, perpassados durante a sua formação nos
cursos de Letras. Isso é evidenciado no discurso dos S1, S2 e S7.
Consequentemente, há um processo de desvalorização das normas
socioeconomicamente desprestigiadas, manifestado na fala do S2, quando ele
revela a dificuldade dos estudantes ao serem expostos a essa norma. Enfatiza
ainda o mecanismo de domesticação à norma, na medida em que ele
argumenta que há uma adaptação a ela, pois afirma que a sua aquisição ora é
fácil ora é difícil.

Assim como o S2, o S7 faz referência quanto à dificuldade de se


aprender a gramática, devido às exceções existentes no uso de sua aplicação.
Dessa forma, percebemos que a norma gramatical é imposta em nossas salas
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de aula como uma verdade absoluta que não pode ser questionada e ocupa,
assim, um lugar privilegiado, conforme o pensamento de Varrão. Nesse
caminho, a gramática passa a ser uma disciplina que faz parte do currículo
escolar e como tal traz em seu bojo um conjunto de métodos e propostas
consideradas verdadeiras, como bem afirma Foucault (2009).

O discurso acerca da dificuldade de “aprendizagem da língua” (S 2 e S7)


remete a um discurso advindo de todas as classes sociais, haja vista a crença
de que é difícil “aprender o Português”. Consideramos também um indício de
polifonia, caracterizado pela relação com o interdiscurso, uma vez que essa
“dificuldade” ecoa de vozes do passado remoto e está presente na memória
do povo. Esse discurso é reiterado múltiplas vezes pelos sujeitos dessa
pesquisa. Nesse caminho, o professor de LP traz a imagem de que a Língua
Portuguesa, isto é, o referente (R) 3 só pode ser aprendido no espaço escolar,
desconsiderando, assim, todas as demais formas de comunicação presentes
no cotidiano dos estudantes. Como bem revela o S 2 “ensinar Língua
Portuguesa a princípio é um pouco (+) é complicado, né? ¨. Retomamos,
então, o postulado de Orlandi (2009), segundo o qual o conhecimento
adquirido pelo estudante já está predeterminado no discurso escolar, e este
não aceita um outro que não se apresente dessa maneira.

Ademais, podemos dizer que o ensino de língua ainda está centrado no


pensamento da concepção de linguagem enquanto representação do
pensamento e do mundo, cuja ação do indivíduo é seguir as regras impostas
sem questioná-las, pois não é visto como um ser ativo, mas passivo diante da
língua (KOCH, 1995).

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Ao procedermos à relação entre a teoria e a prática, constatamos que no


espaço escolar, a limitação de muitos educadores ao livro didático, ao ensino
tradicional de língua (uso da gramática normativa) como sendo a única
verdade existente traz conseqüências que jamais serão reparadas. Tal
pensamento deve-se ao fato de que o processo de ensino de LP, por vários
séculos até a atualidade, limita-se ao repasse de regras gramaticais,
provocando uma visão de que a língua é uma estrutura dividida em partes,
sem que haja uma ligação entre elas. É preciso que a língua seja vista como
um espaço de interação, capaz de se modificar a partir do envolvimento dos
sujeitos e não como algo estático e fechado em regras/normas que devem ser
usadas em espaços isolados. Essa referência de ensino de língua por parte dos
professores não pode continuar no espaço escolar, porque assim
continuaremos presenciando momentos de exclusão daqueles estudantes que
não conseguem adquirir essa norma dita padrão que tanto a escola procura
inserir no seio social. Além disso, a escola não pode servir apenas para

3
Segundo Orlandi (2009) o discurso do referente (R) é autoritário e
representa o poder.
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sistematizar o ensino, mas torná-lo mais acessível ao seu aprendiz, que, por
sua vez, conseguirá ressignificar a língua.

REFERÊNCIAS

ALTHUSSER, L. Aparelhos ideológicos de estado: nota sobre os Aparelhos


Ideológicos do Estado. Rio de Janeiro: Graal Editora, 1985.
BAGNO, M. Preconceito linguistico: o que é, como se faz. 34ª Ed. São
Paulo: Loyola, 2004.
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fundamentais do método sociológico da linguagem. 13ª ed. São Paulo:
Hucitec, 2009.
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perspectiva. In: Revista Interdisciplinar. V.6. 2008.
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enunciação. In: Língua e transdisciplinaridade: rumos, conexões, sentidos.
São Paulo: Contexto, 2002.
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numa perspectiva discursiva. São Cristovão – SE, 2011. Dissertação
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(Orgs.). Introdução à linguística: domínios e fronteiras. 6ª ed. São Paulo:
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OLIVEIRA, L. E. Gramaticalização e escolarização: contribuições para


uma história do ensino das línguas no Brasil (1757-1827). São Cristovão:
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O Senhor dos Anéis “A Sociedade Do Anel”:


nas entrelinhas do percurso gerativo de sentido

Nicaelle Viturino dos Santos1

RESUMO

Tendo em conta as várias formas de definição do significado e, consequentemente, o


desenvolvimento de várias semânticas, propomo-nos neste trabalho analisar e discutir
de que forma se dá a construção de sentido no filme “O Senhor dos Anéis - A
sociedade do Anel”, na perspectiva da Semântica do discurso. Este filme faz parte da
trilogia composta por mais dois títulos, quais sejam: As duas Torres e o Retorno do
Rei, respectivamente. Traçaremos nossa análise à luz das perspectivas de Fiorin
(1997) acerca da Semântica discursiva e do percurso gerativo de sentido, por
entendermos que este se dá em níveis diferentes, e pode se manifestar em diversos
planos de expressão; e de Foucault (1970), por tratar de aspectos relevantes sobre o
poder exercido pelos discursos na sociedade e nas relações sociais. Assim, buscamos
aqui, estabelecer uma conexão entre essas duas proposições a partir do filme em
questão, posto que segundo Fiorin, (1997), o percurso gerativo de sentido pode ser
evidenciado enquanto uma série de patamares que podem ser descritos, evidenciando
como se dá e se interpreta a significação, percorrendo um caminho que vai do mais
simples ao mais complexo. E, segundo Foucault (1970), em toda sociedade a
produção do discurso é controlada, organizada e redistribuída por procedimentos que
cumprem a função de desviar a pesada e ameaçadora materialidade do discurso, pois
as interdições que as cercam revelam logo suas ligações com o desejo e com o poder.
Na interface dessas perspectivas, entendemos que tal trabalho pode alcançar níveis
mais amplos no que se refere às redes de sentido.

Palavras-chaves: Semântica Discursiva, O Senhor dos Anéis – A Sociedade do Anel,


poder.

1
Contato do(a) autor(a): nicaelleviturino@yahoo.com.br. Graduanda. Universidade
Federal de Sergipe. Este artigo foi realizado durante a disciplina de Semântica e
Pragmática, ministrada pela professora Drª Maria Emília Barreto Barros, durante o
período de 2011.1.
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Introdução

“Tudo começou com a forjadura dos grandes anéis. Pois esses anéis
continham a força e a vontade de governar cada raça, mas todos eles
foram enganados. Pois outro anel foi feito. Um anel mestre para
controlar todos os outros. Um anel para dominar a todos (...) o poder
do anel não podia ser destruído”.

A trilogia O Senhor dos Anéis é composta pelas seguintes partes: A


sociedade do Anel, As duas Torres e o Retorno do Rei. Essas produções
audiovisuais foram elaboradas a partir de uma adaptação intersemiótica, isto
é, são traduções de signos verbais (livro) para signos não verbais, podendo
ser considerada, portanto, uma releitura da obra original. A tríade escrita por
J.R. R Tolkien, nos anos 1930, foi trazida para as telas pelo diretor Peter
Jackson entre 2001 e 2003 obtendo uma boa aceitação pelo público e pela
crítica. Neste trabalho trataremos da primeira parte, O Senhor dos Anéis- A
Sociedade do Anel.

O filme tem início com o contar do surgimento dos Grandes Anéis,


que foram forjados e distribuídos por Sauron – personificação do mal e das
trevas- entre três povos: os Elfos (seres sábios com poderes mágicos e com o
dom da imortalidade), os Anões (seres leais que habitavam as cavernas), e os
Homens (seres extremamente vulneráveis e sujeitos à morte, mas cheios de
amor e efervescência pela vida). Estes anéis possuíam poderes que incitavam
seus usuários a quererem dominar os outros povos. Contanto, um em
especial, o Um Anel, continha um poder de sedução superior aos demais,
capaz de despertar os sentimentos mais sórdidos de cobiça e descontrole a
quem se aproximasse dele. Além de tais manifestações, quem o utilizasse
detinha faculdades especiais, como a capacidade de desaparecer e a
permanência da juventude. Todavia, neste anel pode-se notar uma dupla
simbologia. Ao passo que representa o poder como algo que domina e
ultrapassa a dimensão moral e ética, ele também une e isola os seres que o
circundam. Características essas, oriundas de sua composição maléfica de
unicidade com o seu criador. Isso pode ser exemplificado nas cenas em que
Frodo e Boromir se afastam dos demais componentes da Sociedade do Anel.
Após Boromir tentar tomar o anel de Frodo, este decide afastar-se dos seus
companheiros. De forma semelhante, o isolamento acontece também com
Gandalf, quando este é aprisionado na torre de Saruman. Em sentido inverso,
o anel serve como meio de união entre os componentes da Sociedade do
Anel, posto que, é em virtude da necessidade da sua destruição que a
Sociedade é formada. É a partir dessa vontade de poder que trazemos à baila
os argumentos de Foucault (1970) sobre o poder do discurso.
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“o discurso – como a psicanálise nos mostrou - não é simplesmente


aquilo que manifesta (ou oculta) o desejo; é, também, aquilo que é o
objeto do desejo; e visto que – isto a história não cessa de nos ensinar-
o discurso não é simplesmente aquilo que traduz as lutas ou os
sistemas de dominação, mas aquilo por que, pelo que se luta, o poder
do qual nos queremos apoderar” (FOUCAULT, 1970, p. 10)”.

Nesse sentido, Foucault apresenta a hipótese de que, em toda


sociedade, a produção do discurso é controlada, organizada e redistribuída
por procedimentos que cumprem a função de desviar a pesada e ameaçadora
materialidade do discurso, pois as interdições que as cercam revelam logo
suas ligações com o desejo e com o poder. Nesse jogo de poder encontra-se a
relação de alguns personagens da história com o anel.

Com a possibilidade de retorno de Sauron e o desejo do Anel de


reencontrar seu dono, os povos da Terra Média se organizam com o intuito de
destruí-los, dado o perigo de domínio que esse exercia sobre o outro. Para sua
destruição, formam uma sociedade composta por nove seres e iniciam a
viagem para a Montanha da Perdição, lugar onde o anel deveria ser lançado
às chamas e assim, ser destruído. Tal demanda se dá em meio a muitas
aventuras em que os personagens: seres mágicos, homens e monstros se
enfrentam em batalhas clássicas entre o bem e o mal.

Nas seções que seguem fazemos recortes que ilustraram a forma


como se dá a construção de sentido no filme O Senhor dos Anéis – A
Sociedade do Anel, levando em consideração os níveis propostos por Fiorin
(1997). Este concebe o percurso gerativo de sentido enquanto uma série de
patamares que podem ser descritos, evidenciando como se dá e se interpreta a
significação, percorrendo um caminho que vai do mais simples ao mais
complexo (FIORIN, p.17). Assim, percorreremos os três níveis gerativos de
sentido, quais sejam nível profundo ou fundamental, narrativo e discursivo.

1 Nível fundamental ou profundo


Neste nível, descreve-se a questão que embasa o decorrer do filme,
isto é, neste nível estão situadas as categorias semânticas que constituem a
base do texto/filme. Essas categorias baseiam-se em situações de oposição,
mas que entre as partes exista um traço comum.

No que se refere a O Senhor dos Anéis - A Sociedade do Anel, esta


oposição acontece entre o Bem, que tem um valor positivo e, portanto,
eufórico e o Mal, que assume um caráter negativo e, consequentemente, um
valor disfórico. O traço comum estaria caracterizado pelo interesse de ambos
pelo Anel, que adquire um papel de extrema importância, pois é por conta
dele que surgem divergências e impasses no decorrer da trama. A relação de
contrariedade que existe entre os termos opostos pode ser exemplificada pelo
personagem Boromir, componente da Sociedade do Anel. Aquele é
facilmente influenciado pelo Anel. Ele revela-se desconfiado com os outros
componentes da Sociedade, com exceção dos Hobbits. Tal comportamento de
Boromir se constitui por conta de sua experiência prévia enquanto herdeiro
do regente do reino de Gondor. Essa herança enfatiza a necessidade de se
defender o reino e de dar proteção e continuidade a seu povo. Assim, da
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influência exercida pelo meio em que vive e do peso da história, provém à


pressão sofrida por ele.

Nesse aspecto, pode-se dizer que a relação estabelecida entre


Boromir e o reino do qual faz parte está incluída, no que Foucault denomina
de Sociedade do discurso. Pois, o reino, assim como essas “sociedades” têm
por função conservar ou produzir discursos, mas conservando-os em um
espaço fechado, em que há uma detenção de ‘segredo’ por parte de alguns e
uma não permutabilidade. É necessário somente o reconhecimento das
mesmas verdades e o consentimento de certas regras embasadas nos
discursos legitimados (FOUCAULT, 1970, p.39). Assim, o discurso
produzido por Boromir visa convencer os outros integrantes da Sociedade a
utilizar o anel em benefício próprio, mas tal, discurso por não ser ouvido por
membros que compartilham dos mesmos valores e ideais que ele, acaba por
não obter êxito.

Assim, estabelece-se a negação dos contrários, o que caracteriza a


relação de contraditoriedade. Ele é o não bem, o que implica que ele seja mal,
evidenciando a vulnerabilidade do homem. Segundo Fiorin (1997), “os
termos opostos de uma categoria semântica mantêm entre si uma relação de
contrariedade (...). Cada um dos contraditórios implica o termo contrário
daquele de que é o contraditório (FIORIN, p.19)”. Nesse sentido,
evidenciam-se os contrários Bem e Mal, sendo que o não bem implica em
mal e vice-versa, constituindo as relações de contrários e contraditórios da
trama.

Para darmos continuidade à análise do filme, apresentamos a seguir


o nível narrativo.

2 Nível narrativo
Nesta seção é necessário que façamos uma observação acerca do que
vem a ser narratividade. Fiorin (1997) traz à baila a distinção entre esta e a
narração, pois, segundo ele, a narratividade faz-se presente em qualquer tipo
de texto, enquanto que a narração é um tipo específico de textos. Nesse
sentido, a narratividade é parte da teoria do discurso e acontece como uma
narrativa mínima, com uma transformação de estado dos personagens que
percorrem uma mudança entre dois estados sucessivos diferentes (FIORIN,
p.21).

Nesse sentido, há transformações que intervêm no curso das


personagens. Isso pode ser exemplificado pelo comportamento, antes de um
sábio bom e generoso, adotado por Saruman e que posteriormente,
corrompido pelo desejo de poder, torna-se tirano, impiedoso e cruel, aliando-
se a Sauron. Tal mudança de conduta pode ser percebida também, no que
concerne a Aragorn, antes sem interesse pelo reino do qual é herdeiro e, no
decorrer da trama, torna-se empenhado em protegê-lo e garantir a paz e a sua
conservação.

Com isso, observamos as narrativas mínimas de privação. E, que no


caso de Saruman, este passa de um estado de junção para um estado de
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disjunção com o bem (Saruman era bom e tornou-se mal ou não bom), o que
caracteriza um enunciado de fazer. No que concerne a Aragorn, trata-se de
um enunciado de estado, em que ele passa a ter interesse pelo retorno ao seu
reino.

Ao tratar de Frodo, a relação de transformação de enunciados se


desenvolve de maneira indireta, em que durante a trama, ele é tentado a aderir
ao poder de Um Anel, mas resiste a esta junção, entrando, assim, em um
conflito entre a junção e a disjunção com o mal. Em outro plano, passa de um
estado passivo e sossegado, enquanto vivia no Condado, para um ativo com o
intento da demanda, em que seu estado passivo se modifica, na medida em
que as necessidades vão surgindo. Inicialmente, com a incumbência de levar
o Anel até a estalagem dos Pôneis Saltitantes e, posteriormente com a
formação da Sociedade do Anel, em que ele se sente compelido a dar
continuidade à missão de destruí-lo. Ao passo que, as incumbências vão
surgindo, Frodo torna-se cada vez mais corajoso e heroico, deixando de ser
um hobbit complacente, tornando-se a esperança de salvação para a Terra
Média.

Esse conflito torna-se ainda mais evidente no caso da criatura


Gollun, pois a batalha entre a ambição pelo precioso e o desejo de livrar-se
dele é intrínseca à sua própria sobrevivência. Dessa forma, ele pode ser
caracterizado como um ser complexo que conjuga os dois contrários – bem e
mal.

Nesse sentido, o Anel desempenha um papel narrativo que vai além


do seu caráter enquanto coisa, pois podemos afirmar que ele apresenta de
forma um valor disfórico, no sentido de que tem uma dimensão negativa e
provoca a discórdia entre os povos. Subtendemos, assim, que está em jogo,
a partir de sua detenção, a continuidade da espécie humana e da terra ou o seu
assolamento pelas trevas.

Nesse contexto, Fiorin (1997) defende que Sujeito e objeto são


papéis narrativos que não podem ser confundidos com pessoas e coisas,
podendo aqueles serem representados por coisas, pessoas ou animais em um
nível mais superficial ( FIORIN, 1997, p.22).

Ao tratarmos das fases de construção da narrativa, é perceptível que


a manipulação se dá na medida em que Frodo se sente na condição de “ter
que fazer” – objeto modal, sendo impulsionado por Gandalf, quando este diz:
“Mas, você tem muita força meu caro hobbit” / “Bilbo estava destinado a
encontrar o anel e assim, você também estava designado a possuí-lo. Isso é
um pensamento encorajador”; e por Galadriel – Senhora da Floresta, quando
diz: “Mesmo a menor das criaturas pode mudar o rumo do futuro”. Daí
podemos perceber que, em vários momentos, Frodo é seduzido a continuar a
demanda do anel, sendo encorajado e estimulado a continuar a viagem até a
Montanha da Perdição. Com isso, o Anel assume a condição de objeto-valor,
pois sua aquisição é necessária para que a performance principal seja
concretizada.
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Outro papel narrativo é desempenhado pela ambição que age sobre


boa parte dos personagens. Podemos percebê-la em atuação em Bilbo, em
Boromir, em Saruman, em Galadriel (que a toma enquanto um teste e que se
considera aprovada, por não tomar o Anel de Frodo), nos nove cavaleiros que
eram reis e foram se destruindo, terminando por serem Espectros,
manuseados por Sauron.

Outros sentimentos também desempenham papéis narrativos


importantes, como o companheirismo e a lealdade entre os componentes da
Sociedade do Anel e a amizade. Esta, entre os primos Pippin e Merry,
Gandalf e os outros seres da Terra Média, mas principalmente, entre
Samwise e Frodo.

Mais uma vez torna-se relevante mencionar a influência do meio e


da situação sobre os personagens, pois, a necessidade de pôr um fim
definitivo à tentativa de Sauron de dominar a Terra Média faz com que os
seres se unam, visando um único objetivo. E, no que se refere mais
especificamente a Pippin e Merry; Frodo e Sam, o contexto em que viviam
no Condado sempre foi de amizade e companheirismo, o que lhes
proporcionou o crescimento e fortalecimento de tais sentimentos durante a
demanda do Anel.

Na fase da competência, em que o personagem incumbido do fazer


recebe elementos para concretizar a ação, o Portador do Anel recebe objetos
mágicos em momentos diferentes da trama. De Bilbo ele aufere a Espada
Ferroada, cuja lâmina fica azul com a aproximação dos Orc’s e Mithril,
espécie de camisa que o protege do golpe de um Troll das cavernas, que caso
o atingisse, provavelmente, o levaria à morte.

Posteriormente, Galariel lhe entrega a Luz de Eärendil, a estrela


mais amada, desejando que fosse uma luz nos lugares de sombra quando as
outras luzes se apagassem. Aragorn também recebe um objeto mágico que
era guardado pelos Elfos, para desempenhar sua função. É Narsil, a lâmina
usada por Isildor para cortar o anel da mão de Sauron num passado muito
distante, em que o exército dos mortos foi convocado, mas não compareceu
para a guerra. Isso implicou em uma espécie de maldição que só poderia ser
quebrada pela absolvição desses homens mortos por um descendente de
Isildor. Após essa batalha o Homem evidenciou sua fraqueza e
vulnerabilidade perante a ambição e desejo de poder proporcionados pelo
Anel.

Neste primeiro filme da trilogia Senhor dos Anéis, as fases da


construção narrativa não são completadas, elas serão efetivadas no decorrer
dos outros filmes.

3 Nível discursivo
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O filme “O Senhor dos Anéis - A Sociedade do Anel” é revestido por


figuras que criam um universo visual ligado aos valores éticos e morais
expressos pelos personagens no decorrer do filme, o que configura a isotopia.
Em outras palavras, é por meio da reiteração das características dessas figuras
dramáticas que há a possibilidade de correlação entre a imagem configurada e
o que subjaz a elas.

Este nível, então, trata da concretude das formas abstratas


abordadas nas seções anteriores. Nesse caminho, entendemos que os
personagens, o ambiente e as cores utilizadas para ilustrar as cenas compõem
um percurso figurativo que sugere o antagonismo entre bem e mal e que, se
observado no âmbito discursivo, significam temas mais abrangentes e
complexos, tais como a ambição e o desejo de poder; a lealdade e a amizade;
a destruição da natureza, dentre outros.

Nesse sentido, o estágio de disjunção com o bem desenvolvido por


Saruman, quando adere aos preceitos de Sauron, os desconcertos de Boromir,
Bilbo, Galadriel e a complexidade comportamental da criatura Gollun
tematizam a ambição e o deslumbramento dos homens ao se depararem com
a possibilidade de se tornarem poderosos dominadores. Nessas cenas do
filme, em que se evidenciam os sentimentos negativos de desejo de
dominação, o ambiente é revestido por uma atmosfera sobrecarregada de
cores escuras, tristes que remetem a um lugar obscuro. Fazendo-se uma
analogia com o discurso bíblico, pode-se associar à imagem que este faz do
inferno.

No entanto, quando as cenas estão relacionadas aos personagens


coadjuvantes defensores do bem, o cenário é revestido por um clima mais
ameno, ilustrado por cores mais claras, que se relacionadas, neste caso, ao
discurso bíblico; estão ligadas a seres benévolos como anjos da guarda (San,
Pippin, Merry, os Elfos). Podemos exemplificar essas cenas com as ações que
acontecem no Condado, na Terra dos Elfos e com a proteção que é dada por
estes seres ao portador do anel. Este, por sua vez, está em um patamar mais
elevado, pois é tido como o possível Salvador da Terra Média. Com efeito, é
divinizado, por ser o único ser capaz de resistir ao poder do Anel.

A terra de Valfenda, a dos Elfos, nos remete a um ambiente de luz,


beleza, serenidade e sabedoria. Podem ser associadas ao lugar que é
prometido àqueles que desempenham funções benévolas, equiparando-se ao
Céu na memória discursiva do catolicismo. No âmbito discursivo, pode-se
considerar que tais atributos de beleza corroboram o discurso de que o Bem
está intrinsecamente ligado ao Belo, enquanto que a dissociação com este
corresponde ao que é negativo.

Ao tratar de Gandalf à luz de tal discurso, percebemos que ele


desempenha o importante papel de orientar os componentes da Sociedade do
Anel, para que estes sirvam de suporte e a expedição seja concluída com
sucesso. Assim, remete-nos à função dos Santos, que é a de orientar os
cristãos para o caminho do bem e prepará-los para a vinda do Cristo. Após o
desaparecimento de Gandalf, essa função passa a ser desempenhada por
Aragorn.
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Outro aspecto relevante faz referência à destruição da floresta


ordenada por Saruman. Essa passagem faz alusão ao desmatamento que vem
acontecendo constantemente e de maneira desenfreada na Terra. Em
substituição às árvores, passam a investir na reprodução dos orc’s, que pode
ser associada a uma fábrica de armas de guerra. O verde das matas é
associado à esperança. E, com a destruição das árvores, ele vai diminuindo
pouco a pouco.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Em vista do que foi exposto, entendemos que os aspectos de construção


de sentido no filme “O Senhor dos Anéis – A Sociedade do Anel” puderam
ser distribuídos em níveis da Semântica Discursiva, na perspectiva proposta
por Fiorin (1997); discutidos na interface das proposições de Foucault
(1970), acerca das manifestações do discurso frente a organização social.
Assim, vale considerar que, a partir das divisões em níveis do percurso
gerativo de sentido, quais sejam, nível profundo ou fundamental, narrativo e
discursivo, trabalhadas por Fiorin (1997), e das considerações de Foucault
(1970), pudemos observar e discutir alguns aspectos referentes tanto à
construção de sentido, quanto à relação de desejo e poder, estabelecidos a
partir dos discursos que circulam em determinada sociedade. É possível
também fazer uma inter-relação entre o filme e as sociedades reais do
discurso, mesmo sendo o filme uma produção ficcional.

Vale destacar ainda que, a análise realizada nesse trabalho é apenas uma
possibilidade interpretativa e que qualquer obra desse âmbito é
plurissignificativa. Sendo assim, é passível de interpretações distintas e, por
vezes, pode dar margens a análises que não sejam interligadas, a depender da
teoria utilizada para a discussão.

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FIORIN, José Luiz. Elementos de Análise do Discurso. 6a ed. São Paulo:


Contexto, 1997.
FOUCAULT, Michel. A ordem do discurso. Aula inaugural no Collège de
France pronunciada em 2 de dezembro de 1970. Edições Loyola, São Paulo,
1996.
www.adorocinema.com: Acesso em: 26/11/11
www.cineclick.com.br: Acesso em 26/11/11

Ficha Técnica do Filme

Diretor: Peter Jackson


Grupo de Estudos e Pesquisa
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Elenco: Elijah Wood, Ian McKellen, Sean Astin, Sean Bean, Cate Blanchett,
Orlando Bloom, Billy Boyd, Kevin Conway, Ian Holm, Christopher Lee,
Viggo Mortensen, John Rhys-Davies, Liv Tyler, Dominic Monaghan.
Produção: Peter Jackson, Barrie M. Osborne, Tim Sanders
Roteiro: Peter Jackson, Frances Walsh, Philippa Boyens, Stephen Sinclair,
baseado em obra de J.R.R. Tolkien
Fotografia: Andrew Lesnie
Trilha Sonora: Howard Shore
Duração: 178 min.
Ano: 2001
País: Nova Zelândia/ EUA
Gênero: Aventura
Cor: Colorido
Distribuidora: Warner Bros.
Estúdio: New Line Cinema / The Saul Zaentz Company
Classificação: 12 anos
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O Estudo da Gramática e suas Implicações


para o Ensino de Língua:
um breve olhar arqueológico

Agnaldo Almeida de Jesus1

RESUMO
O presente trabalho tem como objetivo averiguar a importância da Gramática
Tradicional nos estudos linguísticos desde a Antiguidade greco-latina. Dessa forma,
por um viés arqueológico, demonstramos que os estudos gramaticais daquela época
ecoam até os dias atuais, principalmente no que diz respeito ao ensino-aprendizado de
língua materna. Partindo dessa constatação, percorremos toda a trajetória da Língua
Portuguesa aqui no Brasil, desde a colonização dos portugueses aos nossos dias,
verificando a instauração do português como língua oficial até sua disciplinarização e
suas relações conflituosas com as demais línguas (línguas gerais, de imigrantes etc.)
no espaço de enunciação brasileiro (GUIMARÃES, 2002, 2006). Vale ressalvar que
este trabalho é parte integrante do capítulo teórico do Trabalho de Conclusão de Curso
em Letras – Português intitulado A construção de imagens da Língua Portuguesa na
mídia: um olhar discursivo, apresentado ao Departamento de Letras de Itabaiana –
DLI, da Universidade Federal de Sergipe, sob orientação da Professora Dra. Maria
Emília de Rodat de Aguiar Barreto Barros.

Palavras-chave: Estudos linguísticos; Ensino de língua materna; Arqueologia.

1
Contato do(a) autor(a): agnaldoal@hotmail.com . Graduado em Letras – Português,
UFS.
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II Seminário Nacional de Alfabetização e Letramento Alfabetização, Discurso e Aprendizagens
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ISSN: 2177-4072

INTRODUÇÃO

O interesse pelos estudos da linguagem provém desde a Antiguidade


greco-latina, mas é com o surgimento da Linguística, no início do século XX,
que os estudos linguísticos tornam-se uma ciência, pois temos um objeto
empírico e um método de estudo. Dessa maneira, a língua de uma nação pode
ser considerada um patrimônio cultural, já que traz consigo marcas sócio-
históricas que constituem tal comunidade.

Em meio aos estudos linguísticos, a Gramática, em suas diversas


formas, sempre possuiu um lugar relevante. Nessa perspectiva, Possenti
(1984) afirma que podemos compreender a Gramática em diversos âmbitos,
dentre os quais três se sobressaem: no sentido mais corrente, a Gramática
corresponde a um conjunto de normas que devem ser seguidas para o uso
“correto” da língua; em um segundo sentido, a Gramática é o conjunto de leis
que regem os enunciados concretos. Nesse caso, não há a distinção de “certo”
e “errado” e sim a descrição dos fatos linguísticos; já em um terceiro sentido,
a Gramática é entendida como o repertório linguístico que um determinado
sujeito internaliza durante sua vida e utiliza quotidianamente.

Ainda segundo este autor, a Gramática do tipo um é elitista, uma vez


que só considera uma variante como legítima (norma padrão) e as demais
como desvios e “erros”. Por isso, quem fala de modo diferente do padrão fala
“errado”. Além disso, a Gramática Normativa possui caráter político e
excludente, visto que privilegia a escrita (literária) como “correta”, isto é,
apresenta uma língua arcaica ao trabalhar somente com os clássicos. A
Gramática do tipo dois, por sua vez, também é excludente, porque considera
a língua um sistema homogêneo e abstrato, assim, não observa as variações.
A Gramática do tipo três pondera que a língua é permeada de variantes,
utilizadas a depender das circunstâncias. Desse modo, os próprios falantes
determinam o que deve ou não ser utilizado, pois a língua está ligada aos seus
usuários (fatos sociais). Além de variar, as línguas mudam. Sendo assim,
Possenti (1984, p.35) acrescenta:

[...] aquilo que se chama vulgarmente de linguagem correta não passa


de uma variedade da língua que, em determinado momento da
história, por ser a utilizada pelos cidadãos mais influentes da região
mais influente do país, foi a escolhida para servir de expressão do
poder, da cultura deste grupo, transformada em única expressão da
única cultura. Seu domínio passou a ser necessário para ter acesso ao
poder. (p. 35)

Fica evidente que o domínio da norma padrão é uma forma de adquirir


status e poder. Para que isso ocorra, em nossa sociedade, algumas instituições
são incumbidas em transmitir as regras necessárias para que um sujeito fale e
escreva “corretamente”, a mais evidente é a Escola. Nesse sentido,
discutimos a importância da Gramática desde os estudos greco-latinos, assim
como a distribuição e a institucionalização da Língua Portuguesa aqui no
Brasil, observando a importância de tais fatores para o ensino de língua
materna em nesse país.
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1 A Gramática: uma perspectiva arqueológica

Antes de nos determos ao estudo da Gramática pelo viés arqueológico,


cabe elucidarmos o que este tipo de estudo propõe. Tendo como principal
expoente os apontamentos de Michel Foucault 2, a arqueologia não assume o
caráter de ciência, uma vez que não há uma busca por verdades que os
discursos podem revelar, e sim descrever e analisar seus limites, suas
rupturas. Assim, o estudo arqueológico está centrado no saber. Em sua
contramão, temos os estudos epistemológicos, os quais procuram descrever
as ciências e suas verdades. Eis algumas considerações sobre em que consiste
a arqueologia:

[...] A arqueologia, reivindicando sua independência em relação a


qualquer ciência, pretende ser uma crítica da própria ideia de
racionalidade; enquanto a história epistemológica, situada
basicamente no nível dos conceitos científicos, investiga a produção
de verdade pela ciência, que ela considera como processo histórico
que define e aperfeiçoa a própria racionalidade [...]. (MACHADO,
2006, p.9)
Nessa perspectiva, o estudo arqueológico busca analisar as ideias e o
saber da Idade Clássica (séculos XVI, XVII, XVIII) à Modernidade (século
XIX). Tal estudo observou as descontinuidades que possibilitaram ao homem
lidar de formas diferentes com os objetos do saber, tal como a loucura. Sendo
assim, a história do saber não é unitária, ela é dinâmica e descentralizada.
Foucault (2008) propõe o estudo do arquivo, ou seja, o conjunto possível de
discursos institucionalizados sobre determinado objeto do saber, buscando
uma regularidade. Investiga ainda as Formações Discursivas, as práticas
sociais e as condições de funcionamento de tais discursos numa dada época,
possibilitando a formulação de regras capazes de gerir a formação dos
discursos. Como bem postula Foucault (2008, p.188-189):

[...] a arqueologia define as regras de formação de um conjunto de


enunciados. Manifesta, assim, como uma sucessão de acontecimentos
pode, na própria ordem em que se apresenta, se torna objeto de
discurso, ser registrada, descrita, explicada, receber elaboração em
conceitos e dar a oportunidade de uma escolha teórica [...].
Além do interesse pelo estudo dos discursos da medicina, direito,
psiquiatria etc., Foucault (2007) se volta também para o surgimento das
Ciências Humanas. Em As palavras e as coisas, o autor estuda as
descontinuidades que possibilitaram o surgimento da biologia, da filologia e
da economia política, no século XIX. Como já mencionado, trata-se de uma
investigação arqueológica, a qual mostrou duas grandes descontinuidades na
episteme da cultura ocidental: Idade Clássica e Modernidade. Na Idade
Clássica existia uma coerência entre “a teoria da representação e as da
linguagem, das ordens naturais, da riqueza e do valor.” (FOUCAULT, 2007,

2
Os estudos arqueológicos marcaram seus primeiros trabalhos, como:
História da Loucura, O Nascimento da Clinica, As Palavras e as Coisas e A
Arqueologia do saber.
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p. XX). Porém, esta tese foi abalada no século XIX, já que a teoria da
representação desaparece como fundamento universal de todos os possíveis
ordenamentos.

Porém, o interesse pelo estudo da Gramática não se origina na Idade


Clássica, visto que os estudos linguísticos fundam-se na antiguidade,
seguindo as transformações socioculturais e ideológicas. Com base nos
postulados de Weedwood (2002), sabemos que na antiguidade greco-romana
a Gramática e a Filologia constituíram os pilares dos estudos sobre a
linguagem. Conhecidos como pré-linguísticos, os estudos da Gramática
Tradicional, os quais são centrados na dicotomia: certo versus errado, já
preservavam os traços da elite social. Estes eram considerados corretos, em
detrimentos dos adotados pelas classes inferiores. Diferenciavam-se, assim,
dos estudos filológicos, que consistiam na comparação de uma língua em seu
momento presente com a de um momento passado, verificando suas
mudanças.

Nessa época, os homens acreditavam que a linguagem era uma dádiva


divina e que as coisas inspiravam seus nomes, ou seja, o significado
antecedia o significante. Sobretudo, foi no campo da Gramática, focada na
língua escrita, que os gregos se destacaram, já que houve esforços para a
elaboração de um conjunto de classes de palavras (verbos, adjetivos etc.)
aplicável a qualquer língua, do qual poderia ser depreendida sua função
sintática. Ou seja, já existia um princípio de classificação das unidades
linguísticas.

Mesmo deixando a sintaxe à parte, Dionísio de Trácia (cerca de 100 a.


C) elaborou a primeira descrição explícita da língua grega, a Téchinē
Grammatikē. De modo geral, tal autor postulava que o gramático era aquele
que lia e sabia fazer o bom uso da língua, ou seja, a Gramática era vista como
a arte de ler e escrever corretamente. Em Roma, por sua vez, podemos
destacar os estudos de Varrão, um dos primeiros e mais importantes dos
gramáticos latinos, por possuir um grande conhecimento científico e por seu
debate sobre o pensamento linguístico em seus vinte e cinco volumes da De
Língua Latina. Para ele, a Gramática era base de qualquer ciência, e não arte
como defendia Dionísio de Trácia. No entanto, é com Prisciano (cerca de 500
d. C.) que a Gramática latina alcança seu apogeu. Em seus trabalhos são
nítidos os esforços para aplicar ao latim as categorias e as nomenclaturas
gregas, sendo o primeiro a elaborar uma sintaxe na Europa. Institutiones
grammaticae, sua obra prima, representa a passagem entre a erudição
linguística da Antiguidade à Idade Média, pois esta se constituiu a base da
Gramática latina e da filosofia linguística medieval.

Já na Idade Média, com a queda do Império Romano, o então Império


Romano do Ocidente estava dominado por diversas tribos e diversos falares.
Com efeito, os bizantinos retomaram a obra de Dionísio de Trácia e deram
continuidade aos estudos sobre a teoria dos casos gramaticais. Como a Igreja
católica possuía o status de autoridade central, todos os estudos culturais e
intelectuais estavam subordinados ao estudo da fé. Logo, o latim foi
considerado uma língua de erudição, sendo a “Gramática a base da erudição
medieval, uma disciplina indispensável para ler e escrever corretamente o
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latim” (BARROS, 2004, p. 23). Com o passar do tempo, surgem as


Gramáticas Especulativas (ou modistas), as quais consideravam a linguagem
como espelho ou reflexo do mundo. O nome e o verbo se tornam o centro de
tais estudos, uma vez que o nome exprime a estabilidade; o verbo, o
movimento.

Retomando os conceitos de Foucault (2008), sabemos que a arqueologia


está centrada na dispersão dos discursos, por isso não podemos deixar de
levar em conta os discursos de outras positividades que se imbricaram aos
estudos linguísticos. Dessa forma, não podemos esquecer os estudos
paralinguísticos, divididos em: biológicos, uma vez que o estudo da
linguagem encontra-se inter-relacionado com outras ciências, averiguando as
características biológicas que favorecem ao uso da linguagem pelo homem; e
lógicos, com a cientificidade adotada pelos estudos anteriores, os estudos
filosóficos são entrelaçados aos estudos linguísticos, dando origem à lógica.
Ainda segundo Foucault (2007), a teoria da semelhança foi fundamental na
construção do saber da cultura ocidental até o final do século XVI. As
assinalações presentes nas coisas promoviam a visibilidade de similitudes
(semelhanças). Por conseguinte, a linguagem não era vista como algo
arbitrário, como bem pontua o autor:

No século XVI, a linguagem real não é um conjunto de signos


independentes, uniformes e lisos [...]. É antes coisa opaca, misteriosa,
cerrada sobre si mesma, massa fragmentada e ponto por ponto
enigmática, que se mistura aqui e ali com as figuras do mundo e se
imbrica com elas. [...] está depositada no mundo e dele faz parte
porque, ao mesmo tempo, as próprias coisas escondem e manifestam
seu enigma como uma linguagem e porque as palavras se propõem aos
homens como coisas a decifrar. (FOUCAULT, 2007, p. 47)
Até este século, acreditava-se que as coisas sugeriam suas
nomenclaturas, possuindo, dessa forma, fidelidade aos escritos da
Antiguidade, os absorvendo somente. No início do século XVII, a
semelhança deixa de ser o centro do saber, passando a ser sinônimo de erro e
perigo. O conhecimento agora é obtido pela comparação (pautada no
pensamento cartesiano) - jogo das identidades e das diferenças – das partes
visíveis de duas ou mais coisas. Tal comparação era baseada na medida e na
ordem.

Nessa perspectiva, é destituída a crença de que os signos (nomes) eram


depositados sobre as coisas para que os homens pudessem desvendar seus
segredos e suas virtudes. A partir do século XVII, os signos se distribuíam
entre o certo e o provável, não havia signos desconhecidos. Na Idade
Clássica, o signo deixa de ser uma figura do mundo, “deixa de estar ligado
àquilo que ele marca por liames sólidos e secretos da semelhança ou da
afinidade.” (FOUCAULT, 2007, p. 80) Logo, entre o signo e seu conteúdo
não existe opacidade, nem intermediação. O significante e o significado só
podem ser ligados quando existe a representação, em que um represente o
outro.

Dessa forma, temos a emergência das Gramáticas Gerais que eram


marcadas pelo estudo racional da linguagem, a qual era vista como
representação do pensamento. Logo, os signos são considerados meios para a
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representação do pensamento. Estes gramáticos defendiam a clareza e a


precisão do uso da linguagem pelos falantes e a existência de princípios
lógicos que regem todas as línguas, cujo objetivo era atingir uma língua
universal, sem equívocos, sem ambiguidades, isto é, a língua ideal
(ORLANDI, 2007). É nesse contexto que surge a famosa Gramática de Port
Royal, dos franceses Cl. Lancelot e A. Arnauld (1690).

Ainda em As palavras e as coisas, Foucault (2007) traça um estudo


arqueológico da história natural, da teoria da moeda e do valor, e da
Gramática Geral que, no século XIX, ganham status do estudo da vida, do
trabalho e da filologia, respectivamente. Em linhas gerais, a história natural
concebia a distribuição dos seres por suas partes visíveis, isto é, por sua
estrutura. A teoria da moeda e do valor, por seu turno, era centrada na troca,
ou seja, uma coisa poderia ser trocada na medida em que representava uma
moeda. Já a Gramática Geral concebia o entrecruzamento do conhecimento e
da linguagem, por terem a mesma origem e princípio funcional na
representação.

Com o desvanecimento da teoria da representação, o saber no século


XIX não se pautou na ordem das identidades e diferenças, e sim em sua
organização interna entre elementos que, em conjunto, possuem uma função.
Dessa forma, o trabalho gasto na produção determina o preço das coisas
(trabalho); os seres são nomeados a partir da existência de funções essenciais
e por sua importância (vida); já no âmbito da linguagem, as flexões tornam-
se o centro dos estudos, uma vez que foi procedido o estudo das famílias das
línguas (filologia), verificando as possíveis analogias entre os sistemas
gramaticais destas:

As línguas são confrontadas não mais por aquilo que as palavras


designam, mas pelo que as liga umas às outras; elas vão agora
comunicar-se, não por intermédio desse pensamento anônimo e geral
que devem representar, mas diretamente, uma com a outra, graças a
esses finos instrumentos de aparência tão frágil, mas tão constante, tão
irredutíveis, que dispõe as palavras umas em relação às outras.
(FOUCAULT, 2007, p. 325)
Destarte, comparavam-se as línguas em seu estado presente com outro
do passado, com a pretensão de buscar uma língua primeira falada pelo
homem. Segundo Orlandi (2007), este século é marcado pelas Gramáticas
Comparadas (linguística histórica) as quais admitem que as línguas
transformam-se com o tempo, o que importa agora é a mudança e não a
precisão. Defendem que as mudanças da língua não dependem da vontade
dos homens, já que é uma necessidade das próprias línguas. O alemão F.
Bopp, considerado o pai da linguística comparativa, é uma figura de
destaque.

A linguística do século XX, por sua vez, é descritiva. Ferdinand de


Saussure3, precursor do estruturalismo, detém a paternidade da Linguística

3
Ele formaliza, de maneira clara, as duas perspectivas de estudos
linguísticos: sincrônico (descritivo) e diacrônico (histórico); distingue langue
(língua) e parole (fala). Considera o objeto próprio da linguística a langue,
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Moderna e possui grande importância, visto as suas contribuições para os


estudos da língua. Para os estruturalistas, a língua deve ser estudada em si
mesma e por si mesma por ser um objeto unificado e classificável.
Consequentemente, o estudo da língua pela língua encontra-se focado no
sistema, na estrutura, o que podemos chamar de Formalismo. Mesmo com
estudos que levam em consideração o uso da língua em seus diversos
contextos (Funcionalismo), as atuais Gramáticas Normativas, bases do
Formalismo, possuem grande importância e estão ligadas a uma tradição
iniciada em um passado bem distante. Como verificamos ainda hoje, há
resquícios dos primeiros estudos linguísticos, provenientes da Antiguidade
greco-romana.

Até agora, verificamos a importância da Gramática no Ocidente, por


isso, a seguir, centraremos nossas discussões em torno da política linguística
estabelecida aqui no Brasil desde sua colonização, como também
discorremos sobre a importância da Norma para o ensino de Língua
Portuguesa.

2 Norma e Política Linguística no Brasil

Como visto anteriormente, a Gramática sempre deteve um lugar


importante nos estudos linguístico. No Brasil não é diferente, porém,
observar historicamente a política de língua no Brasil implica verificar o
funcionamento entre línguas diferentes, assim como suas subdivisões, já que
vivemos em um país multilíngue, mas que privilegia uma variante em
detrimento das demais.

Dessa forma, observamos como a Língua Portuguesa se historicizou no


Brasil desde a chegada dos portugueses até ser considerada uma disciplina.
Para tanto trabalhamos com a noção de espaço de enunciação, cunhada por
Eduardo Guimarães (2002, 2006), visto que as línguas funcionam de acordo
com a distribuição para seus falantes, pois são objetos históricos ligados
àqueles que as falam, além de serem “[...] elementos fortes no processo de
identificação social dos grupos humanos” (GUIMARÃES, 2006, p. 48).
Consecutivamente, cada espaço de enunciação é político e possui suas
regularidades peculiares, distribuindo as línguas em relação a um

que está no social. Afirma que a langue é um sistema de elementos


gramaticais, lexicais e fonológicos que se inter-relacionam, e não um
aglomerado de elementos autônomos. Essas inter-relações se dão em duas
dimensões do plano sincrônico: o eixo sintagmático (distribuição sequencial
dos elementos no enunciado) e o eixo paradigmático (sistemas de
categorias ou elementos contrastivos). Segundo Weedwood (2002), foi com
a publicação do Curso de Linguística Geral, em 1916, que os estudos
linguísticos passaram a ser referenciados como um estudo científico, pois
tinham um objeto teórico, assim como um método de estudo.
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determinado grupo social. Logo, no Brasil há diversos espaços de enunciação


que recebem uma distribuição hierárquica, desigual.

Guimarães (2005, 2006) diferencia quatros categorias de línguas que


podem ser distribuídas nos espaços de enunciação e são necessárias para
visualizarmos o percurso histórico do português brasileiro, são elas: Língua
materna – língua utilizada pela sociedade de nascimento dos falantes; Língua
franca – a utilizada por falantes de diversas línguas maternas, os quais a
utilizam para um espaço intercomum; Língua nacional – língua de um povo
que dá aos seus falantes um pertencimento a tal nação. Língua oficial –
língua de um Estado, a qual é obrigatória nas ações formais e em atos legais
do Estado.

Como é sabido, o descobrimento do Brasil é datado em 1500, no


entanto, a efetiva colonização só inicia em 1532 com o advento da instalação
dos portugueses nas terras brasileiras. Com efeito, a Língua Portuguesa é
transportada para o Brasil, sendo utilizada, agora, em novas condições
espaços-temporais. Segundo Orlandi e Guimarães (2001) e Guimarães
(2005b), estas condições se modificaram durante todo o processo de
colonização, podendo ser evidenciados quatro períodos distintos.

Em um primeiro momento, que parte do início da colonização até 1654


– expulsão dos Holandeses, a Língua Portuguesa é falada por um pequeno
número de brasileiros. Havia o predomínio das línguas indígenas (línguas
tupi), que constituíam a língua geral, considerada uma língua franca. Porém,
neste período, o português já é considerado uma língua oficial, pois é
ensinado nas escolas católicas e usado em documentos oficiais.

O segundo período, por sua vez, vai de 1654 até a vinda da família real
portuguesa para o Brasil, em 1808. Depois de expulsarem os holandeses, a
colonização portuguesa ganha força, visto que o número de portugueses (com
diversos falares, já que vinham de regiões diferentes de Portugal) e negros
cresce gradativamente, provocando a diminuição do uso da língua geral. É
desta época o Diretório dos Índios, quando o Marquês de Pombal, em 1757,
obrigou o ensino do português nas escolas dos jesuítas, proibindo qualquer
ensinamento e uso da língua geral.

Um terceiro momento decorre de 1808 até 1826, quando a Língua


Portuguesa é oficialmente dada como língua nacional. Com a vinda da
família real portuguesa, as línguas faladas no Rio de Janeiro, até então capital
do Brasil, sofrem mudanças, o que resulta em “um efeito de unidade do
português no Brasil.” (ORLANDI, GUIMARÃES, 2001, p. 23). Neste
contexto, é criada a Imprensa, veículo para a proliferação de textos em
português, e a Biblioteca Nacional, mudando a vida cultural daqueles
sujeitos.

O quarto período inicia em 1826. Nesta ocasião é determinado por lei


que os docentes deveriam utilizar a gramática da língua nacional para ensinar
a ler e escrever. Assim, Orlandi e Guimarães (2001, p. 24) afirmam que “a
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questão da língua nacional está ligada aqui ao processo de gramatização 4


brasileira do português que é posto em curso a partir da segunda metade do
século XIX.”. Ou seja, os instrumentos linguísticos brasileiros irão
diferenciar-se dos portugueses. Isto é, o português no Brasil possui uma
memória europeia (MARIANI, 2004), mas se historicizou de modo diferente,
haja vista as novas condições histórico-sociais, pois “produzem discursos
distintos, significam diferentemente.” (ORLANDI, 2005, p. 30)

A partir do século XIX, a gramática no Brasil passa a ser utilizada com


mais ênfase, cujo propósito é corroborar uma identidade nacional. Assim, há
o distanciamento da gramática de cunho filosófico produzida em Portugal.
Em 1959 temos a instauração da Nomenclatura Gramatical Brasileira (NGB)
a qual determinou que os fatos gramaticais fossem tratados por uma
nomenclatura fixa (partes da gramática).

Nessa perspectiva, a Língua Portuguesa vai de língua oficial à


institucionalização como disciplina nas escolas brasileiras. Mais ainda,
enquanto língua oficial e nacional gera o imaginário de unidade, sendo
transmitida como língua materna. Dessa forma, ela é politicamente
dominante, enquanto as outras línguas (indígenas, dos imigrantes etc.) são
tachadas como inferiores. Logo, todas as práticas que ocorrem no “mercado
linguístico” são medidas por essa língua de Estado, que é uma língua
legítima (BOURDIEU, 1996).

E, como observamos, para se tornar uma língua legítima, ocorreram


imposições generalizadas e condições institucionais necessárias para sua
codificação e reprodução. “Enquanto língua do Estado e língua nacional, o
português dispõe de instrumentos específicos de organização do espaço de
enunciação: a Escola, a gramática e o dicionário. A estas se junta de maneira
decisiva hoje a mídia.” (GUIMARÃES, 2006, p. 49, grifos nossos). Ou seja,
diversas instituições trabalham para definir e manter um padrão linguístico,
as quais definem o que é “certo” ou “errado”. Sendo que tal postura resulta
num ideal de língua pura e homogênea: língua em que não há variações e
mudanças positivas, e quando ocorrem são tachadas como erros e desvios.

ALGUMAS CONSIDERAÇÕES SOBRE O ENSINO DE


LÍNGUA

Muitos são os trabalhos que discutem o ensino de Língua Portuguesa no


Brasil (NEVES, 1990; FARACO, 1984; POSSENTI, 1984, 1996; GERALDI,
1984, 1993), os quais mostram que tal prática é comumente entendida como
ensino da Gramática Normativa. Todavia, esse tipo de ensino acompanha a
propalada crise do ensino brasileiro, já que centraliza suas práticas em
métodos tradicionais e arcaicos (leitura mecânica, uso do texto como pretexto

4
Entendemos por gramatização o processo de descrição de uma língua por
meio da gramática e do dicionário, ou seja, saberes metalinguísticos.
(Auroux, 1992)
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para o ensino de morfologia e sintaxe, exemplos descontextualizados,


excesso de regras etc.). Ou seja, não há um ensino de língua e sim da
metalinguagem. Geraldi (1993) postula a distinção entre atividades
metalinguísticas e atividades epilinguísticas, sendo estas a reflexão sobre a
língua, sobre seus aspectos estruturais ou sobre seus aspectos discursivos; e
aquelas a análise da língua através de conceitos, classificações etc.

Ainda sobre isso, Geraldi (1993) defende que o ensino da língua deveria
estar pautado na ampliação dos conhecimentos dos alunos, fazendo com que
estes sejam sujeitos de seus próprios textos e discursos, e não meros
repetidores das lições propostas pelos docentes. É importante deixar claro
que o que está sendo proposto não é a abolição do ensino da norma padrão,
até mesmo porque “o objetivo da escola é ensinar o português padrão, ou,
talvez mais exatamente, o de criar condições para que ele seja aprendido.”
(POSSENTI, 1996, p. 17). Porém, o modelo tradicional de ensino perpetua a
ideologia dominante de que ensinar língua corresponde ao ensino da
Gramática Normativa. Portanto, observamos que há diversos reflexos dos
estudos greco-latinos nos dias atuais, visto que a gramática ainda se constitui
a maior ferramenta para o ensino de língua materna.

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Bagno. São Paulo: Parábola Editorial, 2002.
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II Seminário Nacional de Alfabetização e Letramento Alfabetização, Discurso e Aprendizagens
Oralidade e Escrita na Prática Escolar
ISSN: 2177-4072

Ensino de Leitura e Escrita a partir de


Gêneros Discursivos Variados:
exemplo de uma prática pedagógica realizada

Giselma Machado1

RESUMO
O ensino tradicional de língua materna tem sido alvo de crítica por se mostrar
deficiente para lidar com as diferenças culturais e linguísticas, pautando-se pela
tradição gramatical como instrumento utilizado para falar e escrever com correção. A
partir desse panorama, muito se tem discutido e afirmado acerca da importância do
desenvolvimento de práticas escolares de leitura e escrita que resgatem práticas
sociais de leitura e escrita, com vistas à formação de um aluno crítico e participativo
no meio social em que vive. A demonstrar o alcance desse objetivo, apresenta-se o
desenvolvimento de uma prática pedagógica a partir do eixo temático Política e
Participação Cidadã e os principais resultados obtidos. É importante ressaltar que esse
viés pedagógico é parte de um instrumento de intervenção pedagógica que compõe a
dissertação de Mestrado em Ciências da Educação intitulada “Gêneros Discursivos e
Compreensão Leitora no Ensino de Língua Materna na EJA: uma Relação de
Proximidade”. Tal dissertação foi desenvolvida com base no modelo quase-
experimental intragrupal, pré e pós-teste. Como referencial teórico, este artigo se
fundamenta em Ensino de Leitura e Escrita, Gêneros Discursivos à luz da teoria
bakthiniana, Compreensão Leitora e Linguística Textual, além de orientações
expressas nos Parâmetros Curriculares Nacionais e na Proposta Curricular para a EJA.

Palavras-chave: Ensino de leitura e escrita, Gêneros discursivos, Domínio discursivo,


Discurso político, Prática pedagógica.

1
Contato do(a) autor(a): giselmaaju@gmail.com. MSc. em Ciências da Educação
pela UAA/PY. Membro do Grupo de Pesquisa CNPq SEPPEJA/CODAP/UFS.
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1 Contextualização
O ensino de língua materna tem sido alvo de preocupação e
discussão de especialistas das mais variadas áreas, como gramáticos,
pedagogos e, de forma especial, linguistas que centraram seus estudos e
críticas segundo pressupostos e pontos de vista pertinentes às suas áreas de
conhecimento. Todos estes desencadearam propostas cuja preocupação maior
está fundamentada no desenvolvimento da leitura e da escrita de forma
privilegiada em sala de aula. Nesse sentido, os linguistas atribuíram um
enfoque maior que deu novo tom a esse cenário, ao destacarem, de forma
crítica, as deficiências do ensino tradicional de língua portuguesa ao lidar
com as diferenças culturais e linguísticas, pautando-se na tradição gramatical
como instrumento utilizado para falar e escrever com correção.
A partir desse panorama, muito se tem discutido e afirmado acerca
da importância do desenvolvimento de práticas escolares de leitura e escrita
que resgatem práticas sociais de leitura e escrita. Em outras palavras,
significa dizer que a leitura e a escrita na escola não devem referendar um
propósito distante do uso que o aluno faz dessas habilidades fora do ambiente
educativo (LERNER, 2002), sob pena de carecer de sentido e de interesse por
parte do aluno. Nesse instante, recordam-se as palavras de Freire (1987, p.
11-12), quando defendia que a leitura:
não se esgota na decodificação pura da palavra escrita ou da
linguagem escrita, mas [...] se antecipa e se alonga na inteligência
posterior do mundo. A leitura do mundo precede a leitura da palavra,
daí que a leitura desta não possa prescindir da continuidade da leitura
daquele. Linguagem e realidade se prendem dinamicamente. A
compreensão do texto a ser alcançada por sua leitura crítica implica a
percepção das relações entre o texto e o contexto.

Nesse contexto de discussões e afirmações, destaca-se, de forma


especial, um dos objetivos do Ensino Fundamental elencados pelos
Parâmetros Curriculares Nacionais (BRASIL, 1998, p. 8) que é tornar o aluno
capaz de
Questionar a realidade, formulando-se problemas e tratando de
resolvê-los, utilizando para isso o pensamento lógico, a criatividade, a
intuição, a capacidade de análise crítica, selecionando procedimentos
e verificando sua adequação.

Em outras palavras, significa fazer do aluno um ser crítico e


participativo no meio social em que vive.
Com o intuito de atingir esse objetivo, apresenta-se a realização de
uma prática pedagógica de leitura e escrita a partir de variados gêneros
discursivos, para o desenvolvimento do eixo temático Política e Participação
Cidadã, tomando como referencial teórico o Ensino de Leitura e Escrita
(FREIRE, 1987; KOCH, 2001, 2003; LERNER, 2002), os Gêneros
Discursivos à luz da teoria bakthiniana (BAKTHIN, 2006; MARCUSCHI ,
2007). Somando-se a esse arcabouço teórico, destaca-se o conceito de
compreensão leitora (AGUILERA, 2007) e leitura a partir da linguística
textual (KOCH, 2001, 2003; ORLANDI, 1998, 2002), além de orientações a
este respeito expressas pelos Parâmetros Curriculares Nacionais (BRASIL,
1998) e pela Proposta Curricular para a EJA (BRASIL, 2002).
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É importante ressaltar que tal experiência encontra-se contemplada


na intervenção pedagógica que compõe a dissertação de Mestrado em
Educação de Machado (2012a), intitulada “Gêneros discursivos e
compreensão leitora no ensino de língua materna na EJA: uma relação de
proximidade”, estudo realizado a partir do modelo quase-experimental
intragrupal, pré e pós-teste, cujos resultados também estão descritos em
Machado (2012b).
Assim, tomando-se como base os resultados alcançados nesse
trabalho científico, acredita-se possível a aplicação desse viés pedagógico em
outros contextos educativos.

2 Ensino de Leitura e Escrita e Gêneros Discursivos:


realidades que se entrecruzam pedagogicamente

O ensino de leitura e escrita aqui abordado deve ser concebido não


como simples decodificação ou reprodução, mas como uma prática discursiva
ou processo de significações desencadeadas por leitor, autor e texto,
inseridos, ambos, num momento sócio-histórico, sendo, portanto,
ideologicamente constituídos (KOCH, 2003). Representa, assim, uma ação
conjunta e interativa de enunciados que se insere na lógica bakhtiniana.
Trata-se, ainda, de um ensino que favoreça ao aluno conciliar as
necessidades escolares com as necessidades da vida social, dando-lhe
condições de contestar, concordar, apresentar novos argumentos ou,
simplesmente, desfrutar de momentos de fruição e de prazer, criando, assim,
uma íntima relação entre a versão escolar e a versão social da leitura.
Significa fazer desse aluno um leitor do texto e do contexto (LERNER,
2002).
Diante desse panorama, o ensino de leitura e escrita deve propiciar o
desenvolvimento da compreensão leitora do aluno. Esta compreensão
acontece quando o leitor consegue estabelecer uma ponte entre o que está
posto no texto e o que já possui de conhecimento acerca do que está lendo,
formando um novo conhecimento ou uma nova informação (AGUILERA,
2007).
Um trabalho dessa natureza, segundo Lerner (2002), visa preservar o
sentido que essa leitura tem especialmente fora da escola, fazendo-a cumprir
o seu papel social.
No tocante ao trabalho com gêneros discursivos, não se pode
esquecer a infinidade deles que povoa o mundo social, uma vez que apresenta
uma estreita relação com tudo que é produzido pelo homem, quer seja
utilizando a linguagem verbal, quer seja utilizando a linguagem não verbal
ou, ainda, mesclando-as ao mesmo tempo.
Dessa forma, endossando e até mesmo justificando tal variedade,
Bakhtin (2006, p. 261) expõe que

Todos os diversos campos da atividade humana estão ligados ao uso


da linguagem e cada campo de utilização da língua elabora seus tipos
relativamente estáveis de enunciados, os quais se denominam gêneros
do discurso.” (Grifos do autor, p.262).
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Vale ressaltar também que esses estudos (BAKHTIN, 2006), ao


abordarem gêneros discursivos, fazem também menção ao domínio
discursivo que diz respeito à instância ou esfera da atividade humana em que
o gênero é produzido, dando origem não a um gênero em particular, mas a
vários deles.
Nesse contexto, sob o prisma dos domínios, fala-se em discursos que
são muitos: discurso político, jurídico, jornalístico, religioso, dentre outros.
Como já se expressou anteriormente, estes discursos propiciam o
aparecimento de uma infinidade de gêneros textuais. O domínio, de certa
forma, impõe determinadas características ao gênero. No discurso político,
por exemplo, surgem os gêneros santinho, panfleto, cartaz e muitos outros
(MARCUSCHI, 2007).
Em consonância com essas ideias, Marcuschi (2007) também
reconhece que novas formas de comunicação utilizam imagens e palavras ou
simplesmente imagens ou palavras e fazem surgir novos gêneros discursivos
ou gêneros textuais, exigindo uma nova postura de abordagem à leitura e à
escrita. A escola, antes habituada apenas a trabalhar o texto verbal, passa a
presenciar a invasão do universo social do aluno por uma infinidade de
gêneros novos e vê-se impelida a inseri-los em sala de aula.
No momento em que se reconhece a importância e a urgência de se
trabalhar leitura e escrita a partir de gêneros variados, com vistas à formação
de um aluno mais consciente e mais participativo no meio em que vive,
tomam-se as palavras de Lerner (2002, p. 18) como um dos elementos
norteadores:
O necessário é fazer da escola um âmbito onde leitura e escrita sejam
práticas vivas e vitais, onde ler e escrever sejam instrumentos
poderosos que permitem repensar o mundo e reorganizar o próprio
pensamento, onde interpretar e produzir textos sejam direitos que é
legítimo exercer e responsabilidades que é necessário assumir. O
necessário é, em suma, preservar o sentido do objeto de ensino para o
sujeito da aprendizagem, o necessário é preservar na escola o sentido
que a leitura e a escrita têm como práticas sociais (...).

Assim, reitera-se a importância da formação de um leitor ativo que


lança mão de estratégias de leitura para estabelecer relação entre texto e
contexto (KOCH, 2001), bem como de um escritor capaz de “re-criar” essa
leitura para atender às suas necessidades educativas e sociais. Dentro desse
contexto, requer-se uma leitura que desenvolva a compreensão leitora do
aluno (AGUILERA, 2007).
Dessa forma, faz-se urgente o desenvolvimento de práticas de leitura
com base nos diferentes gêneros textuais, o que significa entender que há
diferentes modos de ler um texto. Ou seja, cada gênero textual pressupõe uma
leitura e é papel da escola propiciar condições para que os alunos se
constituam leitores de fato e de direito, objetivando prepará-los para o seu
desempenho social, principalmente tendo em vista que “o mesmo leitor não
lê o mesmo texto da mesma maneira em diferentes momentos e em condições
distintas de produção de leitura, e o mesmo texto é lido de maneiras
diferentes em diferentes épocas, por diferentes leitores.” (ORLANDI, 2005,
p.62).
É com o espírito baseado na compreensão de que os gêneros
discursivos devem ser escolhidos considerando-se a época, a cultura e a
finalidade social, que se apresenta o exemplo desta prática pedagógica do
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ensino de leitura e escrita a partir de gêneros discursivos variados, como


santinhos, panfletos, encartes políticos, charges, tirinhas e jornais, todos
inseridos no domínio do discurso político. A escolha desses gêneros teve
como base o desenvolvimento do eixo temático Política e Participação
Cidadã, um tema igualmente peculiar no momento da sua execução à
semelhança da atualidade. Além disso, também serviu de alicerce para essa
escolha o que dizem os PCN (BRASIL, 1998) nesse sentido:
Sem negar a importância dos textos que respondem a exigências das
situações privadas de interlocução, em função dos compromissos de
assegurar ao aluno o exercício pleno da cidadania, é preciso que as
situações escolares de ensino de Língua Portuguesa priorizem os
textos que caracterizam os usos públicos da linguagem. Os textos a
serem selecionados são aqueles que, por suas características e usos,
podem favorecer a reflexão crítica, o exercício de formas de
pensamento mais elaboradas e abstratas, bem como a fruição estética
dos usos artísticos da linguagem, ou seja, os mais vitais para a plena
participação numa sociedade letrada (p. 24).

3 Prática Pedagógica: Procedimentos

a) Contexto de Aplicação: Esta atividade foi aplicada com 24


alunos da EJA, correspondente ao 9º ano do Ensino Fundamental da
Escola Estadual 15 de Agosto, situada em Aracaju/Se. Ela fez parte
da intervenção pedagógica promovida no período de agosto a
outubro de 2010, para que se desenvolvesse a pesquisa da
Dissertação de Mestrado em Ciências da Educação (MACHADO,
2012a).

b) Duração: 6 horas/aula

c) Gêneros discursivos explorados: santinhos, panfletos,


encartes políticos, charges, tirinhas e jornais, todos de teor político.

d) Eixo temático – Política e Participação Cidadã

e) Objetivos pretendidos:

 Geral:

 Desenvolver práticas de leitura e escrita a partir dos gêneros


discursivos santinhos, panfletos, encartes, charges, tirinhas e jornais
com vistas à formação de um ser crítico e participativo em seu meio
social.

 Específicos:

 Reconhecer o discurso político em suportes variados.


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 Reconhecer a leitura como elemento presente em textos


verbais e não verbais.

 Identificar tema, tese ou mensagem dos textos, percebendo


a semelhança entre os que trazem o discurso político, especialmente.

 Reconhecer, sempre que possível, marcas de


intertextualidade.

 Identificar a função da linguagem predominante nos textos.

 Comparar os textos apresentados em sala com outros textos


e com a sua realidade social, identificando semelhanças e diferenças.

 Utilizar conhecimentos prévios para o processo de


construção de sentidos dos textos.

 Identificar a presença de variante(s) linguística(s) nos textos


apresentados.

 Identificar a finalidade dos textos apresentados.

 Associar imagens e palavras ao discurso político nos textos


apresentados.

 Descrever o porquê e o para quê dos textos de cunho


político.

 Criar uma chapa eleitoral para concorrer ao cargo fictício


de representante da modalidade educativa do ano ou série que cursa.

 Construir uma plataforma com propostas de melhoria do


ensino e da aprendizagem do ano ou série que cursa.

 Escolher um representante de cada grupo para expor


oralmente o nome da chapa eleitoral e as propostas definidas.

 Estabelecer comparação, apontando semelhanças e


diferenças, coerências e incoerências entre as propostas
apresentadas.

 Reconhecer dificuldades e/ou facilidades quanto à criação


da chapa eleitoral e quanto à elaboração das propostas.

f) Metodologia Aplicada

 Método

 Aprendizagem colaborativa
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 Formação de grupos de 3 a 4 componentes

 Discussão com enfoque na associação entre


texto/contexto

 Desenvolvimento de comportamentos leitores e escritores

 (Re) Escrita de textos

 Composição de uma chapa eleitoral fictícia

 Escolha de um relator para apresentação das propostas


eleitorais

 Atividades desenvolvidas

 Leitura e escrita

 Recursos utilizados

 Quadro e pincel/giz
 Datashow
 Santinhos, panfletos, encartes políticos, jornais, charges,
tirinhas e livro didático
 Computador
 Papel chumbo

g) Comportamentos leitores alcançados:

 Utilização de conhecimentos prévios ou conhecimentos de


mundo para estabelecer um sentido
 Identificação do tema, da tese ou mensagem
 Indicação, quando necessário, pressupostos necessários à
compreensão leitora
 Percepção de que o não verbal também faz parte da sua
composição
 Identificação do tipo de texto
 Identificação de recursos gráficos, sonoros e semânticos
 Indicação de relação do texto com a realidade social
 Indicação de pistas textuais tais como: inferências e
intertextualidades
 Percepção do discurso injuntivo velado presente em muitos
dos textos de conotação política/eleitoreira

h) Comportamentos escritores alcançados:

 (Re) escrita de textos à semelhança do que se leu

i) Resultados destacados:
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Os alunos, em sua maioria:

 Conseguiram estabelecer relação entre texto e contexto.

 Associaram as linguagens verbal e não verbal à composição


do discurso político.

 Perceberam semelhanças e diferenças entre os textos


apresentados.

 Identificaram intertextos.

 Puderam se colocar no lugar de candidatos que concorrem a


cargos públicos.

 Estabeleceram propostas, à semelhança de uma campanha


eleitoral, e perceberam que essa tarefa não é tão simples como
imaginavam.

 Foram bastante participativos e demonstraram gostar das


atividades.

CONSIDERAÇÕES FINAIS
Estudos indicam que o ensino da metalinguística ainda é prioritário no
ensino de língua materna como forma de ler e escrever corretamente. Em
consonância com o que expressa a literatura especializada descrita ao longo
deste texto, rejeita-se esta prioridade e em seu lugar sugere-se o ensino de
leitura e de escrita como fundamental para a melhoria do desempenho social
do aluno nos mais variados contextos. Neste artigo, apresentou-se um
exemplo de uma prática pedagógica a confirmar esta nova orientação para as
aulas de língua portuguesa, baseando-se no estudo “Gêneros Discursivos e
Compreensão Leitora no Ensino de Língua Materna na EJA: uma Relação de
Proximidade” (MACHADO, 2012a).

Dentro desse contexto, vale ressaltar os resultados positivos dessa


prática, como a relação estabelecida entre texto e contexto, bem como a
autoestima expressa pela satisfação estampada no rosto do educando. Isto
demonstra a importância e a necessidade de se incorporar práticas como estas
em aulas de língua materna até que seja comum outra prática de ensino de
leitura e escrita com base em gêneros discursivos. Mais uma vez, salientando
que o desenvolvimento deste processo corroborou o que defendem autores e
documentos curriculares especializados para essa área do conhecimento.

Ao final dessas considerações, apresenta-se como elemento


impulsionador à formação de um aluno capaz de viver e conviver dentro e
fora dos muros da escola, bem como para atender às necessidades educativas
e sociais, a sugestão de que esta atividade, adaptada em parte ou replicada na
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íntegra, seja aplicada em outros contextos educativos para se verificar que


resultados se alcançarão.

REFERÊNCIAS

AGUILERA, N. Comprensión lectora y algo más... Assunção/PY: Serv


Libro, 2007.
BRASIL. Secretaria de Educação Fundamental. Parâmetros curriculares
nacionais: 3º e 4º ciclos do ensino fundamental: língua portuguesa.
Brasília: MEC/SEF, 1998.
BRASIL. Ministério da Educação. Secretaria de Educação Fundamental.
Proposta Curricular para a educação de jovens e adultos: segundo
segmento do ensino fundamental: 5ª a 8ª série. Brasília: MEC/SEF, 2002.
BAKHTIN, M. Gêneros do discurso. In: Estética da criação verbal. São
Paulo: Martins Fontes, 2006.
KOCH, I. G. O texto e a construção dos sentidos. 5. ed. São Paulo:
Contexto, 2001.
________. Desvendando os segredos do texto. 2. ed. São Paulo: Cortez,
2003.
LERNER, D. Leitura e escrita na escola: o real, o possível e o necessário.
Porto Alegre: Artmed, 2002.
MARCHUSCHI, L. A. Gêneros textuais: definição e funcionalidade. In:
DIONÍSIO, Angela P. Gêneros textuais e ensino. 5. ed. Rio de janeiro:
Lucerna, 2007.
MACHADO, G. O Gênero discursivo a história em quadrinhos e a
compreensão leitora no ensino de língua materna na EJA: uma relação
de proximidade. Dissertação de Mestrado. UAA/PY, 2012a.
________. La relación entre género textual y comprensión lectora de
historietas en la modalidad eja: resultados de una investigación cuasi-
experimental. EUREKA, Revista Científica de Psicologia, vol. 9, Nº 1,
2012b. ISSN 2218-0559 (CD R) E-ISSN 2220-9026. Disponível em:
http://www.psicoeureka.com.py/autores/giselma-machado
ORLANDI, E.P. A leitura e os leitores. Campinas: Pontes, 1998.
______. Discurso e Texto: formulação e circulação dos sentidos. 2ª ed.
Campinas/SP: Pontes, 2005.
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Efeitos de Construção da Coerência a partir


de Inferências Indiretas

Isabela Marília Santana 1

Glícia Kelline Santos Andrade2

RESUMO

O artigo em questão trata de questões concernentes à Linguística de Texto que traz a


referenciação como forma de atribuir sentidos. Dessa forma, objetiva-se analisar em
textos opinativos de alunos da Educação de Jovens e Adultos a partir de discussões
realizadas em sala de aula, as ocorrências de várias estratégias referenciais, em
especial das anáforas indiretas, as quais inferem significação em seus modelos
textuais e ampliam a dimensão de conhecimento contribuindo, assim, para a
construção e estabelecimento da coerência. Diante disso, os sujeitos sociais
reconstroem a realidade a partir de atividades cognitivas e interacionais resultando em
objetos de discurso e não do mundo, vão construindo seus referentes à medida que
interagem com seus ambientes sociocomunicativos. Como assinala Koch “o texto
passa a ser considerado resultado de processos mentais: é a abordagem procedural,
segundo a qual os parceiros da comunicação possuem saberes acumulados quanto aos
diversos tipos de atividades da vida social, têm conhecimentos representados na
memória que necessitam ser ativados para que sua atividade seja coroada de sucesso.”
(KOCH, 2004, p. 21). Isso é o que será notado nos textos desses alunos, diversas
inferências, em sua maioria indiretas, presentes na memória cognitiva e que mantém
relação com a entidade central de seus modelos textuais, enriquecendo-os e
confeccionando, ao longo do discurso, a coerência textual responsável pelo
entendimento do discurso como um todo. A partir destes aspectos, foi possível
concluir e considerar como importante a questão de que o professor deve reconhecer a
bagagem internalizada desses alunos, principalmente por se tratar de alunos-
trabalhadores como os da Eja, e julgar seus textos pela significação e entendimento
que possui e não somente por aspectos gramaticais e normativos, os quais devem ser
trabalhados a partir de um contexto escolar linguístico.

Palavras-chave: Coerência; Anáforas indiretas; Inferências; Educação de Jovens e


Adultos.

1
Contato do(a) autor(a): isabelamarilia@hotmail.com. Graduanda. Universidade
Federal de Sergipe.
2
Contato do(a) autor(a): gliciakelline@bol.com.br. Graduanda. Universidade Federal
de Sergipe.
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INTRODUÇÃO

O campo da Linguística Textual (LT) vem evoluindo a cada novo


direcionamento e cada nova descoberta no cenário analítico sobre o texto.
Principalmente no que diz respeito ao processamento textual com suas
estratégias de constituição e estabelecimento dos referentes na dinâmica do
discurso. É nesse sentido que se apresenta a referenciação, (re) elaborando as
palavras e as coisas em função de um querer-dizer dos seus interactantes.
Indo para além da questão de mera referência que apenas retoma termos já
mencionados anteriormente, sendo colocada como representação de mundo e
avaliada em termos de verdade e correspondência com ele.

O presente estudo foca na vertente da referenciação ancorada numa


concepção de linguagem alinhada à língua, texto, sentido e inferenciação
orientando-se sócio-interativamente com o mundo ao seu redor e criando
objetos de discurso a partir de suas concepções cognitivas e discursivas. E
focado também na questão do texto como lugar de interação, onde sua
significação e sentido são construídos a partir da intencionalidade dos seus
produtores, suas crenças, seus desejos, suas opiniões e posicionamentos.

Partindo deste âmbito é que se propõe analisar em textos, de caráter


opinativo, de alunos da Educação de Jovens e Adultos do Centro de
Referência Professor Marcos Ferreira localizado na cidade de Simão Dias
(Sergipe), os processos de referenciação que contribuem para a elaboração
dos sentidos de seus discursos, em especial da contribuição das anáforas
indiretas que como assinala Roncarati (2010) é um relacionamento
cognitivamente determinado, já que elas introduzem novos elementos através
de associações temáticas como dados que estão disponíveis na memória
discursiva. Ou seja, a cada nova roupagem, a cada nova informação e a cada
nova inferência na sequência textual são introduzidos novas significações,
novos entendimentos, novos assuntos, porém todos relacionados e ancorados
no referente central, na entidade a que se refere o texto como um todo.

Esses modelos textuais foram resultado de alguns debates sobre


variados temas em sala de aula, a partir da interação dos alunos, da
professora de língua materna e das pesquisadoras em questão. Resolvemos
trabalhar com a Educação de Jovens e Adultos (EJA) pelo fato de se tratar de
alunos-trabalhadores, que possuem um conhecimento internalizado extenso e
bagagem cultural considerável, fruto de suas experiências nos seus mais
variados estilos de vida. Relacionando-se bastante com este trabalho, pois
como assinala Pinto, o método de ensino da Eja deve centrar-se:

nos elementos que compõe a realidade autêntica do educando, seu


mundo de trabalho, suas relações sociais, suas crenças, valores, gostos
artísticos, gíria, etc. Assim, por exemplo, a aprendizagem dos
elementos originais da leitura tem que partir de palavras motivadoras
que são aquelas dotadas de conteúdo semântico imediatamente
percebido pelo aluno, que se destacam como expressão de sua relação
direta e contínua com a realidade na qual vive (PINTO, 1997, p. 86).
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Leva-se em conta também na presente pesquisa a referenciação como


importante papel na continuidade do tópico discursivo, e, consequentemente,
no estabelecimento da coerência no discurso. À medida que os referentes vão
sendo criados, modificados, reativados e (re) construídos de acordo com a
progressão do texto pelos seus sujeitos sociais, o sentido, a compreensão e a
comunicação vão sendo garantidas concomitantemente com a coerência.

1 Referenciação e construção da coerência (dos sentidos)

Um dos principais processos de estabelecimento e construção da


coerência no texto é a recategorização, a qual acontece quando uma
informação, um conceito ou uma ideia são retomados através do aporte de
novas predicações que podemos chamar de expressões atributivas e que veem
ancoradas no referente central. Segundo Roncarati (2010), a recategorização
não é cossignificativa (identidade de sentidos) e nem é necessariamente
correferencial (identidade do objeto de discurso). “É baseada em inferências
fundadas em algum aspecto co (n) textual antecedente [...]” (RONCARATI,
2010, p. 52).

Uma das estratégias referenciais de produção de texto que mais destaca


a recategorização é a anáfora indireta, pois infere novos referentes que
aumentam a dimensão do conhecimento através de expressões predicativas, e
que são identificáveis no contexto discursivo mantendo uma relação de
sentido com ele. A qual será tratada mais adiante.

Anáforas deste tipo desempenham um papel extremamente importante


na construção da coerência. Muitas vezes, por ocasião do
processamento textual, existem diversas representações tópicas
potenciais e, somente no co-texto subsequente, fica claro, por meio do
encadeamento referencial efetuado, qual delas deve ser selecionada na
interpretação (KOCH, 2006, p. 108).

Nessa perspectiva, uma das formas de estabelecer a coerência é a


construção e manutenção da relação de comunicação/compreensão que
acontece entre o enunciador e seu receptor, que a partir do conhecimento de
mundo internalizado de ambos proveniente dessas inferências realizadas com
o intuito de ampliar a dimensão de significação (recategorização) torna-se
possível um processamento discursivo eficiente e um entendimento conjunto.
Já que as palavras transmitem ideias, transmitem informações de um
indivíduo para o outro como forma de estabelecer a comunicação, a
significação, e consequentemente, a coerência baseadas nas relações
linguísticas, interacionais e discursivas, e ainda, muitas das vezes,
sociocognitivas.
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Esse processo de construção de sentido e da coerência, do


estabelecimento da significação, dá-se por meio de operações de linguagem
que envolve os mais variados processos e estratégias referenciais que operam
e se concretizam através de entidades e/ou referentes linguísticos. Uma
dessas estratégias são as anáforas indiretas que como afirma Koch:

o emprego de elementos anafóricos caracteriza-se como um fenômeno


de retomada informacional relativamente complexa, em que intervém
o saber construído linguisticamente pelo próprio texto e os conteúdos
inferenciais que podem ser calculados a partir de conteúdos
linguísticos tomados por premissas, graças aos conhecimentos
lexicais, aos pré-requisitos enciclopédicos e culturais e aos lugares-
comuns argumentativos de uma dada sociedade (BERRENDONNER
(1986) apud KOCH, 2009 p. 61-62)

2 Anáforas indiretas: estratégias sociocognitivas

O termo anáfora, na retórica clássica, era considerado apenas como


indicação da repetição e retomada de um elemento anteriormente citado no
texto, porém, nas últimas décadas ele designa expressões que se remetem a
um referente, retomando-o ou não. A anáfora indireta é um caso de referência
textual, ela constrói, induz e lança novos referentes ativando uma série de
conhecimentos cognitivos dos interlocutores e do processamento local, não
apenas retomando e sim remetendo. Além de seu estudo envolver cognição,
análises semântica, pragmática e análises de modelos mentais, ela propicia
uma revisão nas noções de língua, categoria, referência, inferência, texto e
coerência (dentre outros).

As AI são consideradas processos mais complexos pelo fato de não


possuir um antecedente explícito, sendo necessária sua identificação a partir
do contexto sociocognitivo e semântico. Ainda de acordo com Marcuschi,
estudos comprovam que esse tipo compreende cerca de 60% das anáforas de
modo geral, daí sua relevância em propor uma abordagem, já que também
são responsáveis pela atividade de textualização. Schwarz (2000) define-a:

No caso da anáfora indireta trata-se de expressões definidas que se


acham na dependência interpretativa em relação a determinadas
expressões da estrutura precedente e que têm duas funções
referenciais textuais: a introdução de novos referentes (até aí não
nomeados explicitamente) e a continuação da relação referencial
global (SCHWARZ (2000) apud MARCUSCHI, 2012, p. 58).

Elas são responsáveis por dois importantes processos de estratégias de


referenciação, pela ativação (prospecção), inserindo novos referentes
ampliando todo o texto, dando-lhe novas informações, e pela reativação
(retroação) que vai fazendo remissão aos mesmos domínios de referência, ao
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contexto. Procedimentos esses, bastante fundamentais para a progressão


textual.

As anáforas indiretas caracterizam-se, assim, pelo fato de não existir


no co-texto um antecedente explícito, mas sim um elemento de
relação [...], que se pode denominar âncora [...] e que é decisivo para a
interpretação; ou seja, trata-se de formas nominais que se encontram
em dependência interpretativa de determinadas expressões da
estrutura textual em desenvolvimento, o que permite que seus
referentes sejam ativados por meio de processos cognitivos
inferenciais, possibilitando, assim, a mobilização de conhecimentos
dos mais diversos tipos armazenados na memória dos interlocutores
(KOCH, 2006, p. 107.)

Esse termo, a que se determina âncora, ativa no léxico representações


mentais dotadas de relações de significado e conceituais evocando o contexto
relevante. O processamento delas depende, como diz a citação acima, da
presença no cotexto anterior de estruturas ou unidades, cujas representações
semânticas e/ou informações são relevantes para o bom entendimento e
significação.

Os novos referentes que equivalem às anáforas indiretas são


reconstituídos através dessas âncoras, sendo condição necessária para se
classificar como anáfora. Para Cavalcante (2004), as indiretas adquirem ora
caráter de puras, ora de encapsuladoras, pois, no tocante a esta última, em
alguns casos elas resumem a proposição precedente.

Esse tipo de processo referencial, ao introduzir um novo referente (ou


até mesmo um novo assunto), faz supor que o interlocutor tenha bagagem
e/ou conhecimentos necessários para que se realize a compreensão e
interpretação referencial. Diante dos pressupostos acima e ainda de acordo
com o proposto por Koch (2006, p.109), “a interpretação das anáforas
indiretas baseia-se [...] em conhecimento semântico (verbal e/ou nominal),
e/ou em conhecimento conceitual, e/ ou, ainda, na inferenciação”.

E essa inserção desse novo elemento ou assunto ou informação nova no


contexto, de acordo com o que vem sendo tratado, sem fugir do tema
proposto, faz com que aumente o desenrolar do texto, assim contribuindo
também para o desenvolvimento da coerência. “As anáforas indiretas,
consideradas do ponto de vista da estrutura informacional, constituem
tematizações remáticas, que acarretam no texto continuidade e progressão no
fluxo informacional” (KOCH, 2006, p. 110).

Como práticas de todas essas definições, análises e reflexões, seguem os


exemplos a seguir, os quais são textos produzidos por alunos do segundo ano
médio (EJAEM) do Centro de Referência de Educação de Jovens e Adultos
Professor Marcos Ferreira.
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3 Análises dos textos de alunos da Educação de Jovens e


Adultos

Texto 1

Legalização do aborto no Brasil.

Eu sou contra o aborto no Brasil, porque nós ser humano


devemos nos amar cada vez mais. uma pessoa que for a favor (de) o
aborto ela não tem deus no coração. Deus não perdoa umas coisa
dessas [...]

Nota-se no texto acima uma estruturação por meio de cadeias anafóricas


diretas com antecedentes, ou âncoras com realização no cotexto. Assim é
que, após ser introduzida uma entidade como “a legalização do aborto no
Brasil”, o referente é reiterado como “o aborto no Brasil”, ou seja, com o
mesmo item lexical; do mesmo modo, acontece com o referente “uma
pessoa” que reaparece, logo em seguida, através do “ela”.

Como vemos, há a presença de expressões que retomam referentes já


mencionados, os quais servem apenas de reforço à questão explanada, como
a repetição do sintagma nominal. Tais ocorrências prototificaram as tão
conhecidas anáforas correferenciais. Alguns autores trazem o fato de que elas
podem aparecer de duas maneiras, uma total, quando referente é retomado
por inteiro e parcial quando essa retomada se dá em partes.

Porém, o que interessa neste estudo são as anáforas indiretas,


responsáveis pela construção e reconstrução de sentidos no texto e pela
progressão textual, já que são elas que trazem novos referentes não
mencionados, até então, no cotexto anterior e considera como fundamental
para a textualização os aspectos cognitivos e inferenciais. Segundo
Marcuschi “trata-se de uma estratégia endofórica de ativação de referentes
novos e não de uma reativação de referentes já conhecidos, o que constitui
um processo de referenciação implícita” (MARCUSCHI, 2012, p. 53).

No texto citado, temos como exemplo disso a expressão “nos amar”,


que nos faz remeter inferencialmente à questão do amor em relação à mãe e
ao feto, ao filho que está em seu ventre, nos levando a uma nova dimensão de
significação que faz com que associemos o amor ao próximo ao contexto e ao
referente central “aborto”. Como também a expressão “deus no coração” traz
ao contexto a relação do aborto com a religião, mostrando o conhecimento de
mundo e a visão crítica do aluno, incorporando ao enunciado um caráter
polêmico. Assim, esse fato evidencia-se para a questão do olhar do professor
diante do texto do aluno, que apesar de acentos mal grafados e palavras mal
escritas (gramaticalmente), o discurso existe, a comunicação e o
entendimento foram estabelecidos e o mais importante, foi perceptível a
bagagem significativa de conhecimento do discente.
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Assim, segundo Schwarz (2000), citada por Koch (2006), muitas


anáforas indiretas se explicam através das inferências, que se dão de duas
formas: por meio da ativação de conhecimentos de mundo armazenados na
memória com a intenção de dar precisão e complementar as estruturas
textuais; e pela construção de informações, de acordo e dependente do
contexto de representações mentais, ambas (re) construindo o texto.

Texto 2

Legalização do aborto no Brasil.

O aborto sem duvida alguma é uma grande polêmica. Um caso


que precisa ainda ser muito bem discutido com consciência e frieza.
Considerando que, uma mulher passou por um estupro ou não tem
condições físicas e psicológicas, para conceder a criança ser levado
em consideração ou uma garota de 10 anos que não está apta a
engravidar por seu corpo ainda não ter uma boa estrutura para ter um
menino. Ao em vez da sociedade brasileira se preocupar em legalizar
ou não deveria se empenhar em ajudar essas mulheres, com um
acompanhamento psicológico.

Nesse quinto exemplo, o aluno aborda o tema “legalização do aborto no


Brasil” de maneira ampla, caracterizando-o ou predicando como “uma grande
polêmica” e demonstra estar inteirado com as informações da mídia e dos
ambientes sociais em que está inserido. Podemos perceber que também traz,
associado ao tema (ou à entidade “legalização do aborto no Brasil”), outros
recursos linguístico-cognitivos de grande relevância para o contexto, como
“um caso”, “um estrupo”, “condições físicas e psicológicas para conceder a
criança”, abuso sexual infantil através da expressão “uma garota de 10 anos
que não está apta a engravidar”, e a preocupação em disponibilizar um
“acompanhamento psicológico” para essas vítimas de estupros.

Percebe-se também que o autor do texto atribuiu à “legalização do


aborto no Brasil” uma questão que deve ser “muito bem discutido com
consciência e frieza”, mostrando que as pessoas que resolverem legalizá-lo
devem ser frias e insensíveis, pois para conseguir aprovar que este seja
permitido não podem se envolver com o assunto, nem se comover com
determinadas situações, as quais eles até cita algumas.

Quanto à referenciação anafórica, há entre os novos referentes inseridos


casos de recategorização anafórica, as informações que vão sendo dadas
trazem um novo sentido para a questão do aborto, eles lançam mão da
legalização ou não do mesmo – que é a entidade em questão – mas trazem
uma nova situação a cada instante, primeiro traz a “consciência e frieza”,
depois o “estupro”, questões físicas e psicológicas, abuso infantil, enfim,
todas essas questões recategorizam e reconstroem o sentido “da legalização
do aborto”, que são entidades de representação argumentativa, muito
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importante para o estabelecimento da coerência, da (re) construção dos


sentidos no modelo textual.

Ao retratar a questão de crianças abusadas, de condições físicas e


psicológicas, de jovens não terem condições de gerar uma criança, o produtor
do texto lança um tema bastante atual, assim como o aborto, mas que não foi
exigido dele, ele incluiu o assunto por escolha própria, por achar que tinha
relação com o referente textual. Diante dessa iniciativa, pode-se perceber que
ele o fez motivado por situações reais existentes em nosso país, em nosso
estado ou até mesmo no município em que reside, por ser palco de frequentes
questões a respeito disso, mostrando-se atualizado com a realidade.

CONCLUSÃO

Diante de tudo o que foi exposto no decorrer deste estudo foi possível
notar, no processamento textual a partir das inferências, em especial das
anáforas indiretas, o conhecimento de mundo acumulado e a bagagem
internalizada dos interactantes do discurso contribuindo assim para o
enriquecimento e construção dos sentidos do texto e, consequentemente, da
coerência. Levando em consideração que a referenciação é um ato remissivo,
um ato de memória que infere significação e sentido ao modelo textual.

Detectou-se, diante das expressões inseridas pelos produtores – alunos


da Educação de Jovens e Adultos – que eles enquadram em seus textos muito
de suas experiências, lições de vida, habilidades e competências adquiridas a
partir de seus trabalhos, opiniões relacionadas com a realidade em que vivem,
enfim, uma gama de elementos discursivos responsáveis pela (re) construção
da coerência e do texto, assinalando marcas argumentativas. E que esse
sentido é estabelecido a partir dos conhecimentos partilhados entre
enunciador e receptor no momento da enunciação. Os alunos/produtores não
possuem a consciência linguística das estratégias que usaram, mas sabem que
essa combinação de elementos contribuem para enriquecer o texto, o
discurso, suas opiniões e pontos de vista dando ênfase ao contexto.

Esse tipo de pesquisa interessa aos estudiosos da língua que consideram


o texto como um processo interativo, dialógico, discursivo e não como algo
pronto e não modificável. E para aqueles que acreditam num trabalho
didático voltado para um contexto escolar linguístico que valorize, além dos
conhecimentos enciclopédicos, os valores sociais, cognitivos e interacionais,
orientando o professor a ter uma visão mais ampla na escrita do aluno.

Assim, reportamos ao que expôs Bronckart (2003), “Os textos são


produtos permanentes nas formações sociais ou sócio-historicamente
construídos.”, ou seja, tantos os textos como a linguagem em si (que mantém
relação um com o outro) são resultados das relações sociais, culturais, reais
que convivem em meio aos domínios sociais de cada ser humano. Nem a
linguagem está fora do indivíduo, nem o indivíduo está fora da linguagem.
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REFERÊNCIAS

BRONCKART, Jean Paul. Atividades de Linguagem, Textos e Discursos:


Por um Interacionismo Sócio-discursivo. São Paulo, EDUC, 2003.
CAVALCANTE, Mônica Magalhães. Expressões referenciais: uma proposta
classificatória. In: CAVALCANTE Mônica Magalhães; BRITO, Mariza
Angélica Paiva (Org.). Gêneros textuais e referenciação. Fortaleza: Quatro
Comunicação, 2004. CD-Rom.
KOCH, Ingedore Grunfeld Villaça. Desvendando os segredos do texto. São
Paulo: Cortez, 2006.
______. Introdução à Lingüística Textual: trajetória e grandes temas. São
Paulo: Martins Fontes, 2004.
_______. O texto e a construção dos sentidos. 9ed. São Paulo: Contexto,
2009.
MARCUSCHI, Luiz Antônio. Anáfora indireta: O barco textual e suas
âncoras. In: Koch, Ingedore Villaça. MORATO, Edwiges Maria. BENTES,
Anna Christina (Orgs). Referenciação e Discurso. São Paulo: Contexto,
2012, p.p. 53-101.
PINTO, Álvaro Vieira. Sete lições sobre educação de adultos. 10ed. São
Paulo: Cortez, 1997.
RONCARATI, Cláudia. As cadeias do texto: construindo sentidos. São
Paulo: Parábola Editorial, 2010.
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Os Processos Referenciais nos Textos de


Alunos do 8º ano

Monique Silva Mendonça Siqueira1

Vivian Araújo Fontes Ribeiro2

Denise Porto Cardoso3

RESUMO
Este trabalho tem por objetivo trazer à tona algumas considerações e reflexões sobre a
Linguística Textual, sobre os conceitos de referência e referenciação, destacando-se as
relações anafóricas indiretas, as formas de valor pronominal, as formas nominais
reiteradas, sinônimicas e meronímicas. Estes termos serão especificados através da
análise de textos de alunos do 8º ano da Escola Municipal de Ensino Fundamental
Professor Alcebíades Melo Vilas Boas, situada na cidade de Aracaju, no Bairro
Industrial. A produção desses textos se deu após a realização de aulas com debates
sobre os temas “Felicidade” e “Beleza”. Escolhemos trabalhar com texto, pois “(...) a
produção linguística (e a produção discursiva em geral) não se dá em unidades
isoladas, tais como fonemas, morfemas ou palavras soltas, mas sim em unidades
maiores, ou seja, através de textos” (MARCUSCHI, 2008, p.71). Tivemos como
embasamento teórico KOCH (2005, 2007, 2008), APOTHÉLOZ (2011), MILNER
(2003), MONDADA (2005), MONDADA e DUBOIS (2003), BENTES (2005) dentre
outros autores. É possível notar que após o incentivo constante da produção de textos
escritos, os alunos conseguem utilizar de forma pertinente os processos de
referenciação. Além disso, neste trabalho o aluno é um sujeito ativo que contribui,
durante suas interações comunicativas, para a construção do texto.

Palavras-chave: referência; referenciação; referentes; processos referenciais.

1
Contato do(a) autor(a): moniquesm_19@yahoo.com.br. Mestranda /UFS.
2
Contato do(a) autor(a): vivian_afr@hotmail.com. Graduanda / UFS.
3
Contato do(a) autor(a):denipoc@uol.com.br. Doutora/UFS.
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INTRODUÇÃO

A Linguística de Texto (LT), surgida em meados da década de 1960,


passou por muitas transformações ao longo dos anos e ampliou seus
interesses e objetivos, quando passa a considerar o texto como unidade básica
comunicativa, ao se preocupar também com os estudos de textos orais e ao
introduzir a pragmática, o cognitivismo e o sociocognitivismo aos seus
estudos.

A LT pertence aos domínios da Linguística, trabalha com fatos da


língua e também leva em consideração a sociedade em que essa língua se
situa. Para a esta área:

(...) a língua não tem autonomia sintática, semântica e cognitiva. O


texto não é simplesmente um artefato linguístico, mas um evento que
ocorre na forma de linguagem inserida em contextos comunicativos.
Assim, [...] a linguística de texto é uma perspectiva de trabalho com a
língua que recusa a noção de autonomia da língua. (MARCUSCHI,
2008, p. 75-76).

No primeiro tópico deste artigo “Considerações sobre a Linguística


Textual” serão apresentadas fases pelas quais a LT passou ao longo dos anos,
abordando desde a fase inicial, que dava importância às relações
interfrásticas, até a fase sociocognitiva, ao destacar a interação entre os
interlocutores que compartilham seus conhecimentos nas situações
comunicativas. O tópico “Referência e referenciação” fará uma abordagem
sobre estes termos, mostrando seus respectivos conceitos e explicando a
substituição do termo referência pelo termo referenciação. O terceiro e último
tópico “Classificação da teoria da referenciação” trará a classificação dos
processos referenciais de forma breve que serão exemplificados através da
análise de dois textos.

Esses textos selecionados para a análise foram resultados das pesquisas


“O ensino da Língua Materna: trabalhando quadrinhos e crônicas na sala de
aula” (2009 -2010) e “O ensino da Língua Materna: propaganda na sala de
aula” (2010-2011), realizadas na Escola Municipal de Ensino Fundamental
Professor Alcebíades Melo Vilas Boas, situada no bairro Industrial da cidade
de Aracaju, com a turma do 8º ano. Os textos escolhidos resultaram do
trabalho de leitura e produção de textos de caráter argumentativo dos gêneros
crônicas e propagandas e abordam os temas “Felicidade” (discutido em sala
após o trabalho com a crônica Caderno Novo) e “Beleza” (discutido ao se
trabalhar uma propaganda das lojas Esplanada).
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1 Considerações sobre a Linguística Textual

Para compreendermos o objeto de estudo da Linguística de Texto,


acreditamos ser de extrema importância relatar, sucintamente, a evolução
dessa disciplina. A Linguística Textual surgiu na Alemanha por volta de
1960, a fim de explicar alguns fenômenos que apareciam nos textos,
inexplicáveis pela linguística tradicional até então.

Durante a sua primeira fase, segundo Marcuschi (2008, p. 73) os


fenômenos linguísticos resumiam-se às “relações interfrásticas”, isto é, “as
propriedades linguísticas de uma frase só eram explicáveis na sua relação
com uma outra frase, o que exigia uma teoria que fosse além da linguística da
frase” . Nessa fase, a gramática apresentava uma visão limitada e normativa
da língua. Porém, com o tempo, sentiu-se uma necessidade de ir além da
frase, uma vez que a unidade de comunição humana é o texto.

Na segunda fase, por sua vez, a pragmática domina as pesquisas sobre o


que se submetem as análises sintática ou semântica para serem considerados
os elementos da realização de intenções comunicativas e sociais dos falantes.
Aí, busca-se uma visão mais ampla, que aborda o texto como uma unidade
mínima de comunicação e interação. Baseado na psicologia da Linguagem,
especificamente na Teoria dos Atos de Fala, um novo modelo surge em
meados de 1970 e a língua passa a ser vista como uma atividade verbal
humana ligada a outras atividades do ser humano.

Posteriormente, em 1980, o texto passa a ser visto como o resultado da


ativação de processos mentais a partir da ideia de que toda ação é
acompanhada de modelos de ordem cognitiva. Essa perspectiva leva em
conta os saberes acumulados a partir das atividades vivenciadas por cada um
e a reativação de conhecimentos guardados na memória. Assim, cada
indivíduo faz uso, numa dada situação comunicativa, de um conhecimento já
dominado, tendo em vista a realização de uma meta, isto é, das intenções
pretendidas.

Ao se introduzir questões cognitivas nos estudos da linguística de texto,


ela entra em uma nova fase. Contudo, segundo Koch (2008), a ciência
cognitiva apresenta um problema que foi questionado: a separação entre
exterioridade e interioridade. O cognitivismo clássico acreditava que existia
uma diferença entre os processos cognitivos que acontecem dentro da mente
de pessoas e os processos cognitivos que acontecem fora dela. O ambiente
apenas fornecia informações para a mente individual e a cultura e a vida
social estariam dentro dele.

Essa visão começa a mudar quando a neurobiologia, a antropologia e a


linguística percebem que os processos cognitivos se baseiam na percepção e
na atuação física no mundo. Constata-se que mente e corpo são entidade não-
separáveis. Koch (2008, p. 18) cita Varela, Thompson & Rosch (1992) para
afirmar que a cognição é resultado das nossas ações e capacidades e está
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diretamente relacionada com o mundo que nos rodeia. Assim, as operações


não ocorrem somente na mente dos indivíduos, mas resulta das ações por eles
praticadas. Não se pode afirmar que a cognição está dentro ou fora da mente,
pois existe uma “inter-relação complexa”.

Deste modo, a interação e a divisão de conhecimentos formam a base da


atividade linguística, ou seja, os eventos linguísticos jamais são possíveis
individualmente, porém em conjunto, com outros interactantes. Essas ações
não se realizam independente de sujeitos livres, mas se desenrolam em
contextos sociais e com papéis distribuídos socialmente.

Nota-se que dentro dessa concepção sociointeracionista, a noção de


contexto é ampliada. Se incialmente, no momento das análises transfrásticas,
o contexto era visto como co-texto, com a introdução da pragmática passou a
englobar a situação comunicativa imediata, e, em seguida, o entorno sócio-
histórico-cultural, representado por meio de modelos cognitivos,
constituindo, assim, a interação e os seus sujeitos.

Isto quer dizer que na concepção interacional da língua, os sujeitos são


atores sociais, o texto é o lugar de interação e os interlocutores (ativos) tanto
se constroem quanto são construídos nele.

2 Referência e referenciação
A questão da referência é muito mais antiga do que se imagina. Desde a
antiguidade, o homem sentia a necessidade de nomear as coisas e compará-
las com o que já existia.

Milner (2003) afirma que a noção de referência vem sendo discutida


desde que se considera a função de “designar” como propriedade da língua.
É comum associar as sequências linguísticas a segmentos da realidade, as
quais elas nomeiam e que são sua referência.

O autor destaca ainda que uma sequência nominal possui uma referência
que está associada ao segmento da realidade. Este não é necessariamente um
“espácio-temporal”; pelo contrário, pode estar associado tanto a um nome
abstrato, quanto a um nome concreto.

Para Apothéloz e Doehler (2011, p. 137) a referência que ocupa o cerne


na história do pensamento ocidental é a entendida como a que interliga a
linguagem com o que é exterior a ela, ou seja, o “mundo, a “realidade” etc.
Mesmo com o passar dos anos as concepções deste domínio seguiram essa
linha.

Segundo os autores acima, os trabalhos a respeito da referência


cresceram nos últimos vinte anos no domínio da linguística, influenciados
pelo desenvolvimento da linguística do discurso e pelo interesse dos modelos
cognitivos e pragmáticos. Inicialmente, a orientação advinha de um ponto de
vista textualizador, fazendo com que o principal objeto a ser observado fosse
a segmentação e a sequência textual – aí, dava-se uma importância extrema a
noção de antecedente. Posteriormente, preferiram-se concepções mais
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“representacionalistas” dos processos referenciais e anafóricos, dando


destaque às informações, inferências e a memórias ligadas a esses processos.

Apothéloz e Doehler (2011, p. 138) consideram que “esta evolução


coincide com uma consideração, hoje mais explícita, da representação mental
construída pelo (e a partir do) discurso, pelas circunstâncias da enunciação e
pelos saberes dos participantes”. Isso tem relação com as críticas feitas às
concepções de “fechamento do texto”, que se liga à vertente do
estruturalismo clássico.

Cabe ressaltar que os processos referenciais não podem reduzir-se à


ocorrência ou co-ocorrência de segmentos linguísticos em um texto, nem às
suas estruturas semânticas; eles estão solidificados nos conhecimentos
compartilhados do remetente e do destinatário, baseando-se no texto, no
contexto e nos conhecimentos socioculturais.

A partir da década de 80, com os estudos da Linguística Textual e da


Semântica Cognitiva, a noção de referência teve sua concepção modificada:
deixa de ser tida como a representação do mundo. Foi justamente por esse
motivo que se preferiu substituir o termo referência por referenciação.

Koch, Morato e Bentes (2005, p.8), explicam a substituição do termo


referência por referenciação. Esta substituição ocorre porque as atividades de
linguagem realizadas por sujeitos históricos e sociais em interação passam a
ser objetos de análise, “sujeitos que constroem mundos textuais cujos objetos
não espelham fielmente o “mundo real”, mas são, isto sim, interativamente e
discursivamente construídos em meio a práticas sociais, ou seja, são objetos-
de-discurso”.

Quando a noção de referenciação introduz algo de novo em relação à


questão da referência é porque ela vem acompanhada de outras noções, até
mesmo não reservadas à Linguística, como a noção de discurso, que empresta
um novo vigor aos estudos da linguagem. Desta forma, a noção de referência
(discurso) conhece uma vertente inovadora na segunda metade do século XX,
com o declínio das tendências estruturalistas, logicistas, internalistas.

Mondada (2005) afirma que a questão da referência passa pela filosofia


da linguagem e pela linguística. Para a primeira, a referência é concebida na
correspondência entre as palavras do discurso e os objetos do mundo. Já para
essa, a referência resulta de um processo dinâmico e intersubjetivo que
acontece nas interações entre locutores.

A referência, portanto, não é mais considerada um problema


estritamente linguístico, mas um fenômeno que diz respeito à cognição e aos
usos da linguagem em contexto e em sociedade. Assim, os objetos de análise
são as práticas referenciais manifestadas na interação social.

Koch (2005, p.34) traz uma citação de Mondada que propõe a


substituição da noção de referência pela de referenciação,
consequentemente, a noção de referente pela de objeto-de-discurso. Para esta
autora, o termo referência é utilizado como representação de mundo, para
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falar de referente em correlação com este. A referenciação, por sua vez, não
dá enfoque à relação entre as palavras e as coisas, mas à relação
intersubjetiva e social, em que se avalia as finalidades práticas e as ações dos
enunciadores. É dentro das ocorrências de referenciação que os objetos de
discurso são elaborados pelos interlocutores. Os objetos de discurso são
“entidades constituídas nas e pelas formulações discursivas dos
participantes”.

Koch e Elias (2007, p. 123) conceituam referenciação como “as diversas


formas de introdução, no texto, de novas entidades ou referentes”; e
consideram a progressão referencial quando estes referentes são retomados
ou servem para introduzir novos referentes. As autoras veem a referenciação
como uma “atividade discursiva”. É na interação verbal que o sujeito “opera
sobre o material linguístico que têm à sua disposição e procede a escolhas
significativas para representar estados de coisas de modo condizente com a
sua proposta de sentido”. Ou seja, os sujeitos escolhem as formas de
referenciação para interagir com outros sujeitos, em função do que se quer
dizer.

Bentes e Rio (2005, p. 266) reiteram que “as atividades de referenciação


consistem na construção e na reconstrução de objetos do discurso”. Ou seja,
os objetos de discurso são produtos da atividade cognitiva e interativa dos
sujeitos falantes. Consequentemente, a atividade de referenciação resulta de
“um processo dinâmico e intersubjetivo” que se estabelece na interação entre
locutores e é passível de transformações ao longo dos desenvolvimentos
discursivos.

Citando Koch, as autoras consideram a referenciação como uma


atividade discursiva que demonstra instabilidade entre as palavras e as coisas,
destacando que “os modelos de mundo não são estáticos”. Para aquela, a
variedade de estratégias de referenciação no discurso depende mais da
pragmática da enunciação e menos da semântica dos objetos. Assim, a
realidade é transformada em referente graças à interpretação humana. Bentes
e Rio (2005) ratificam a ideia de que durante a atividade de referenciação
face a face, os seus participantes compartilham conhecimentos entre si, pois
para se comunicar é preciso ter algo em comum.

Mondada e Dubois (2003, p.20) afirmam que a referenciação não diz


respeito a “uma relação de representação das coisas ou dos estados de coisas,
mas a uma relação entre o texto e a parte não-linguística da prática em que
ele é produzido”. Além disso, ambas as autoras têm como objeto de análise
as práticas referenciais desenvolvidas na interação. Estas práticas englobam
as práticas gestuais, linguageiras, orientação do olhar, movimentos no
espaço. Não se pode, então, afirmar que o referente existe anterior a essas
práticas; eles somente aparecem na realização da atividade referencial.

3 Classificação da teoria da referenciação


Grupo de Estudos e Pesquisa
II Seminário Nacional de Alfabetização e Letramento Alfabetização, Discurso e Aprendizagens
Oralidade e Escrita na Prática Escolar
ISSN: 2177-4072

A progressão referencial pode ser feita de forma retrospectiva


(anaforicamente) ou de forma prospectiva (cataforicamente).

Na escrita, segundo Koch e Elias (2010), podemos recorrer a dois tipos


de introdução de referentes textuais: ativação ancorada e não-ancorada. A
introdução de um texto é não-ancorada quando o escritor introduz no texto
um objeto de discurso totalmente novo. Já uma introdução (ativação)
ancorada é produzida quando um novo objeto de discurso é introduzido no
texto, mas associado com elementos já presentes no contexto ou no contexto
sociocognitivo dos interlocutores. Casos de introdução desta forma
constituem anáforas indiretas.

As anáforas diretas reativam referentes previamente introduzidos no


texto. Estabelecem uma relação de correferência entre o elemento anafórico e
seu antecedente, enquanto as anáforas indiretas ativam referentes novos, e
não reativam referentes já conhecidos. Estas são, geralmente, constituídas por
expressões nominais definidas, indefinidas e pronomes.

O processo de referenciação implícita é constituído com base em


elementos textuais ou modelos mentais e é caracterizado pela ativação de
referentes novos, assim como acontece em anáforas indiretas, as quais
também podem ser constituídas com base em esquemas cognitivos ou
modelos mentais.

Já as retomadas ou remissões de um mesmo referente são chamadas de


progressão referencial. Esta pode ser realizada por uma série de elementos
linguísticos: formas de valor pronominais (os pronomes pessoais de 3ª
pessoa, possessivos, demonstrativos, indefinidos, interrogativos e relativos);
numerais (cardinais, ordinais, multiplicativos e fracionários); certos
advérbios locativos (aqui, lá, ali etc.); elipses (trecho que omite palavras sem
prejudicar a clareza do texto); formas nominais reiteradas (repetição de uma
palavra no texto, mas de maneira renovada); formas nominais sinônimas ou
quase sinônimas (uso de sinônimos, ou quase sinônimos, no texto); formas
nominais meronímicas (uso de palavras que dá ideia de um todo, depois de
várias partes).

Veremos abaixo nos dois textos escritos pelos alunos da turma do 8º ano
da Escola Municipal de Ensino Fundamental Professor Alcebíades Melo
Vilas Boas, as classificações dos processos referenciais mais utilizados pelos
alunos:

Aluno: 2 (Texto: B2)

Felicidade

O que te traz feli

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