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INSTITUTO DE ARTES
CAMPINAS
2015
MILENA LEITE PAIVA
CAMPINAS
2015
AGRADECIMENTOS
Aos meus pais, Maria Nivaldina Nascimento Leite e Aroldo Araújo Leite, pelo amor e
incentivo aos estudos.
À Cilene Canda e Anderson Paiva, por despertarem o meu interesse pela pesquisa
acadêmica.
À Fundação de Amparo À Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP), por financiar e
acompanhar o desenvolvimento desta pesquisa.
À CAPES, pela Bolsa Emergencial de Pesquisa obtida no perìodo inicial do curso.
Ao Professor Doutor Gilberto Alexandre Sobrinho, pela orientação dedicada e precisa.
Aos Professores Doutores Esther Império Hamburger e Március César Soares Freire
pela gentileza e disponibilidade em participar da minha Banca de Defesa e por toda a atenção
dispensada a esta dissertação.
Ao Programa de Pós-Graduação em Multimeios, por acreditar no potencial deste estudo.
À Rede Globo de Televisão e ao Globo Universidade, em especial a Juan Crisafulli,
pelo apoio a esta pesquisa.
Ao professor e diretor de arte Luiz Fernando Pereira, pelo depoimento instigante e
valioso a esta investigação.
À minha querida amiga Thaìs Vanessa Lara, por compor comigo uma dupla de “ratas de
biblioteca” e pelas nossas infindáveis conversas “acadêmicas”.
Aos demais colegas do Instituto de Artes, Felipe Bonfim, Álvaro André Zeini Cruz,
Regiane Ishii, Renan Chaves, Carol Manabe, Janaìna Welle, Viviana Echávez Molina, Lilian
Bento, Letizia Nicoli, Jennifer Jane Serra, entre outros nomes, pelos momentos vividos e
conhecimentos compartilhados.
Aos bibliotecários do Instituto de Artes, Carlos Eduardo Gianetti e Silvia Shiroma, pelo
atendimento sempre eficiente e gentil.
Aos amigos Renato Kuteken, Rayane Floriano e Sabrina Areco, e aos demais vizinhos
da Casa do Sol, pelo acolhimento e apoio mútuo e, principalmente, pelas inesquecìveis rodas
de conversa nas tardes e noites de Barão Geraldo.
E, por fim, agradeço ao universo, pela oportunidade de realizar o que amo: pesquisar;
pelos caminhos percorridos através desta pesquisa de mestrado e pelas pessoas especiais que
conheci nesta fase da minha vida tão fecunda e especial.
RESUMO
Esta dissertação apresenta uma sistematização dos conceitos e das práticas da direção de arte
na produção audiovisual brasileira, com especificidade na teledramaturgia, tendo como
corpus a minissérie Suburbia (2012), dirigida por Luiz Fernando Carvalho para a Rede Globo
de Televisão. A abordagem apresentada contempla um levantamento de dados teóricos e
empìricos oriundos do universo produtivo da direção de arte, assim como um mapeamento de
produções acadêmicas focadas nesta temática, para posteriormente traçar um entendimento
dos processos da função na cadeia produtiva de uma emissora de televisão, em especial no
contexto institucional da Rede Globo. Com base neste repertório, a pesquisa então se
direciona a uma definição do “lugar” da direção de arte no processo criativo do diretor Luiz
Fernando Carvalho, em cuja obra os principais elementos estruturantes do projeto de arte – a
cenografia, o figurino e a maquiagem – são potencializados pela experimentação visual de
linguagens. Para corroborar as constatações alcançadas, o estudo é finalizado com a análise da
visualidade construìda em Suburbia, considerando as relações conceituais entre narrativa,
encenação e direção de arte, e as suas projeções visuais nas imagens da minissérie. Este
trabalho traz uma compreensão da direção de arte como um campo de pesquisa autônomo, por
se tratar de uma das principais instâncias estéticas da imagem audiovisual, responsável pela
concepção material dos espaços da diegese e atuante na construção de camadas de
significação nos quadros fìlmicos e televisivos.
This thesis presents a systematization of the art direction concepts and practices in the
Brazilian audiovisual production, with specificity in television drama works, with the research
corpus the miniseries Suburbia (2012), directed by Luiz Fernando Carvalho for Globo
Network TV. The presented approach includes a survey of theoretical and empirical data
derived from the production universe of art direction, as well as a mapping of focused
academic productions on this theme, to subsequently draw an understanding of the role's
processes in the supply chain of a television station, particularly in the institutional context of
Globo Network. Based on this repertoire, the research is directed towards a definition of the
'place' of art direction in the director Luiz Fernando Carvalho's creative process, whose work
on the main structural elements of the art project - the scenery, the costumes and the makeup -
are enhanced by the visual experimentation of languages. To corroborate the findings reached,
the study ends with an analysis of the visuals built in Suburbia, considering the conceptual
relations between narrative, staging and art direction, and its visual projections in the
miniseries images. This work brings an understanding of the art direction as a research field
by itself, since it is one of the main aesthetic instances of audiovisual image, being
responsible for the material design of the spaces of diegesis, and being active in the building
of layers of meaning in filmic and television pictures.
Key Words: Art direction; Audiovisual; Cinema and television; Luiz Fernando Carvalho.
SUMÁRIO
Introdução ................................................................................................................................. 1
1. A direção de arte: conceitos e práticas ............................................................................... 5
1.1. Direção de arte e encenação ......................................................................................... 15
1.2. Direção de arte: conceito e projeto ............................................................................... 21
1.3. Paleta de Cores ............................................................................................................. 25
1.4. Cenografia..................................................................................................................... 30
1.5. Figurino......................................................................................................................... 36
1.6. Maquiagem ................................................................................................................... 38
1.7. Efeitos Especiais ........................................................................................................... 40
1.8. Premissas teóricas da análise visual ............................................................................. 42
2. O “lugar” da direção de arte na direção autoral de Luiz Fernando Carvalho ............ 50
2.1. A direção de arte na teledramaturgia da Rede Globo ................................................... 54
2.2. O atual panorama da direção de arte na Rede Globo.................................................... 63
2.3. A direção de arte e o percurso criativo de Luiz Fernando Carvalho ............................ 74
3. A direção de arte da minissérie Suburbia ...................................................................... 105
3.1 Considerações sobre a narrativa de Suburbia ............................................................. 108
3.2 O projeto de arte da minissérie ................................................................................... 118
3.2.1 Pesquisa e Referências visuais............................................................................. 119
3.2.2 Paleta de Cores .................................................................................................... 123
3.2.3 Cenografia, Figurino e Caracterização ................................................................ 123
3.3. Direção de arte e visualidade em Suburbia ................................................................. 124
Considerações Finais ............................................................................................................ 137
REFERÊNCIAS ............................................................................................................... 139
APÊNDICE ....................................................................................................................... 143
1
Introdução
Esta pesquisa nasce de um fascìnio pessoal pela matéria das visualidades. Construìda a
partir de bases teóricas e empìricas, representa uma tentativa de compreensão das criações
visuais humanas que, através de uma apropriação sensorial das luzes, cores, formas e texturas
do mundo tangìvel, se propõem a representá-lo, deformá-lo ou simplesmente reinventá-lo em
recortes espaciais particularizados. A imagem audiovisual pertence a esta linhagem criativa.
As imagens sonoras em movimento e os seus “efeitos de realidade” capturam violentamente
“as cores do mundo”, iludem e rendem os sentidos humanos de tal forma que hoje, podemos
constatar, somos seres audiovisuais, completamente cativos destas linguagens.
Desta conjuntura deriva o fato de vivermos em contextos sociais, concretos ou virtuais,
imageticamente saturados, onde observamos uma acelerada banalização da produção e da
reprodução de imagens, sejam estas privadas, publicitárias, televisivas ou cinematográficas.
Isto não impede, entretanto, que o poder da imagem de transcender o cotidiano e tecer novas
leituras sobre a subjetividade humana ainda se mantenha, sobretudo nas obras artìsticas. Não
seria este, então, o papel da arte? O de fragmentar, deslocar e reorganizar os sentidos da nossa
trajetória existencial, construindo narrativas e visualidades que delineiam novos olhares sobre
a realidade sensìvel e sobre nós mesmos?
Uma das principais instâncias estéticas das imagens cinematográficas e televisivas, a
direção de arte se alinha a esta assertiva ao cooperar na criação de pontos de vista particulares
sobre histórias, seres e espaços. Atuando no processo de configuração de formas audiovisuais
singulares, a função, uma das bases criativas do fluxograma profissional da produção
audiovisual, é a responsável pela transcriação de diretrizes textuais em conceitos,
materialidades e visualidades, sendo a sua matéria-prima principal o mundo concreto
acessado e manipulado pelas sistemáticas da pesquisa e do projeto e reconfigurado pelos
elementos compositivos do espaço diegético: cenário, figurino e maquiagem. A direção de
arte pode ser definida como o principal alicerce plástico da imagem, já que o posterior
registro fotográfico de uma cena está direcionado de certa forma pelas suas bases visuais.
O reconhecimento da importância da função na feitura audiovisual, associado à
constatação da quase inexistência de um campo de pesquisa acerca da direção de arte, nos
estimulou a empreender um estudo que contribuìsse para a ampliação de um repertório de
dados sobre este universo produtivo, tanto em suas questões conceituais quanto práticas. A
estruturação de uma abordagem da função no contexto da produção audiovisual brasileira
mostrou-se, assim, fundamental. Para Aumont (2003, p. 25), o termo audiovisual “(...) designa
2
(...) as obras que mobilizam, a um só tempo, imagens e sons, seus meios de produção, e as
indústrias ou artesanatos que as produzem”. Esta definição contempla uma gama de produtos
midiáticos produzidos para serem veiculados não somente pelas telas tradicionais, mas
também por aparelhos celulares, webcams, internet etc. A abordagem aqui apresentada se
restringe às narrativas ficcionais concebidas nos contextos produtivos do cinema e da
televisão, interessando-nos os seus dispositivos, processos padrões de produção e exibição.
Entende-se que as particularidades da linguagem cinematográfica são referenciais aos demais
formatos, e que, por isso, as obras televisivas mantem um estreito diálogo com os seus
procedimentos, tanto estéticos quanto produtivos.
É preciso não perder de vista, contudo, que a televisão brasileira, por conta do seu
alcance geográfico, social e ideológico, teve durante muito tempo um papel destacado em um
processo de “formação audiovisual” das massas. E que apesar do aumento no consumo de
produtos narrativos para a web, somos um paìs ainda marcado pela influência estética de uma
intensa carga de narrativas televisuais. Entender a construção das visualidades televisivas em
seus pormenores processuais e estéticos mostra-se assim uma investigação premente, tanto
quanto uma abordagem da direção de arte neste contexto produtivo.
A minha formação no campo das artes visuais e das artes aplicadas, propiciada por uma
graduação em Design Visual teve um papel fundamental no desenvolvimento desta pesquisa.
Os estudos da História da Arte, da Estética e da Linguagem Visual e o aperfeiçoamento
técnico nas áreas do desenho, da composição plástica e do projeto gráfico contribuìram para a
apreensão de um repertório teórico e prático essencial na construção de um olhar especìfico
sobre as imagens audiovisuais, deslocado de uma decodificação restritiva somente às
narrativas textuais e imersivo na estrutura visual dos quadros. A este estudo da estética da
imagem se articulou ainda um interesse profissional pelas práticas produtivas na área do
cinema e da televisão, em especial pelos processos criativos da direção de arte, um
conhecimento que é então adquirido em cursos, inicialmente na Academia Internacional de
Cinema e posteriormente em aulas com a diretora de arte Vera Hamburger em São Paulo.
Todo este aprendizado será reiterado pela experiência na realização de curtas.
Daì, então, decorre a ideia de uma investigação sobre o “lugar” da direção de arte no
processo criativo do diretor Luiz Fernando Carvalho. Partindo da concepção de que o
conjunto da sua obra evidencia um forte investimento em visualidades que agregam densidade
estética aos discursos propostos, objetivamos traçar um entendimento do espaço ocupado pela
direção de arte no seu percurso como diretor, em especial nos seus trabalhos na produção de
teledramaturgia da Rede Globo de Televisão. Nas suas minisséries em particular, a percepção
3
de uma direção de arte que aflora na superfìcie da imagem nos arrebata intuitivamente para a
relevância de uma leitura dramática e simbólica dos elementos materiais estruturantes da
espacialidade cênica. São trabalhos que evidenciam uma aposta em projetos de arte
conceitualmente coesos que junto a uma forte estrutura de encenação corroboram a
construção de atmosferas únicas. Todas essas obras mantem ainda traços estéticos recorrentes
que ressaltam um processo criativo de contornos autorais.
Nos resultados finais alcançados nestas produções, observa-se um respeito tanto à
essência dramática do texto quanto aos processos e às demandas das suas equipes técnicas do
departamento de arte, de fotografia, elenco, preparação de atores, montagem, e etc. Sem
preconceitos midiáticos, o diretor demonstra entender e acreditar no potencial estético da
televisão, não somente em termos comunicacionais, mas principalmente educativos. Pelas
suas mãos a produção televisiva toma contornos de obras de arte e promove importantes
reflexões que passam tanto por questões existenciais e ideológicas, quanto por estéticas,
sociais e ambientais.
Assim, escolhemos como objeto de pesquisa a minissérie Suburbia. Com tendências
realistas, em negação ao artificialismo e aos grafismos das produções anteriores de Luiz
Fernando Carvalho, o projeto de arte da minissérie é construìdo por outra chave conceitual. A
direção de arte ainda se instaura na superfìcie da imagem, mas a sua expressividade resulta do
forte investimento em um elemento cênico em especial: a cor. E não à toa. Suburbia de certa
forma traz “novas cores” ideológicas à programação televisiva. A obra não somente aposta no
protagonismo de personagens negros como propõe uma representação ìmpar do subúrbio
carioca, marcado pela violência e pela desigualdade, mas também pelo colorido e riqueza das
manifestações culturais e religiosas afrodescendentes.
Nesta dissertação todos esses conhecimentos e percepções se entrelaçam. O texto final
está estruturado em três capìtulos concebidos de forma a permitir uma ordenação lógica e
objetiva do conjunto de ideias sistematizadas e dos resultados alcançados durante o percurso
de desenvolvimento da pesquisa. Inicialmente apresentamos uma sistematização dos dados
conceituais, teóricos e empìricos que envolvem o tema e o campo de pesquisa abordado, e a
partir disso traçamos as premissas da análise a ser realizada. Já em um segundo momento,
discorremos sobre as particularidades do contexto especìfico onde se localiza o nosso objeto
de estudo, as implicações decorrentes desta inserção nos moldes formais próprios à sua
linhagem criativa para, por fim, realizarmos a análise proposta.
No primeiro capìtulo, apresentamos uma exposição didática dos conceitos e das práticas
que norteiam o universo da direção de arte na produção audiovisual brasileira, tendo como
4
base uma revisão bibliográfica realizada sobre o tema, tanto de abordagens teóricas quanto
empìricas, e um mapeamento de produções acadêmicas que contemplam este campo de
pesquisa. Todo este repertório é então correlacionado ao conceito de encenação
cinematográfica proposto por Aumont (2005), considerando a sua relação estrutural com os
elementos da direção de arte. Por fim, somamos a esta estruturação teórica um apanhado de
conceitos da teoria da imagem, acessados nos trabalhos de Butruce (2005), Aumont (1993;
2004), Block (2010), Dondis (2007) e Arnheim (2004), que serão aplicados na análise visual.
O segundo capìtulo traz uma abordagem histórica concisa da direção de arte no contexto
da teledramaturgia brasileira, em especial na Rede Globo de Televisão. Considerando que a
busca por uma compreensão do “lugar” da direção de arte no processo criativo de Luiz
Fernando Carvalho demandou um entendimento consistente das particularidades processuais e
técnicas da função na televisão, traçamos um panorama do seu desenvolvimento desde os
primeiros anos das transmissões televisivas no paìs até a sua atual configuração na cadeia
produtiva da referida emissora. Por conta dos poucos tìtulos bibliográficos disponìveis sobre o
tema, parte dos dados sistematizados é resultante também de observações e de registros
fotográficos realizados em uma pesquisa de campo na Central Globo de Produção (Projac),
quando visitamos as instalações e os departamentos da emissora ligados à área de arte.
A partir daì, traçamos então o percurso do diretor na teledramaturgia da Rede Globo,
focando em um diagnóstico da relação do seu processo criativo com os elementos da direção
de arte, em suas particularidades formais e potencialidades narrativas. Construìmos, assim,
um painel analìtico das suas principais produções a partir das projeções conceituais e técnicas
da direção de arte nas visualidades construìdas. Toda a discussão proposta foi alicerçada ainda
por relatos pessoais do diretor acerca dos seus processos de criação nas obras, cujos dados
foram acessados nos livros e nos making of‟s dos produtos, e por pesquisas acadêmicas já
realizadas sobre o trabalho do diretor, como a de Collaço (2013), que é dedicada a uma
compreensão do seu processo criativo.
E por fim, no terceiro capìtulo apresentamos a análise da visualidade de Suburbia, que
se sustenta na sistematização de dados e de teorias realizada nos capìtulos anteriores, e em
uma investigação dos processos criativos de Luiz Fernando Carvalho e da equipe de arte na
produção, além de ser substanciada por uma pesquisa de campo realizada no bairro de
Madureira. A abordagem será focada na relação conceitual entre a narrativa e o projeto de arte
da minissérie e na sua expressividade nos espaços pictóricos das imagens.
5
Nos domìnios das narrativas audiovisuais, a direção de arte é uma das instâncias
criativas do projeto estético que define a visualidade de uma obra cinematográfica ou
televisiva1. Responsável pela transcriação de diretrizes textuais em materialidade cênica, a
função atua em conjunto com a direção de fotografia para definir as bases da linguagem visual
da obra - a criação de atmosferas, climas, texturas e cores - que delineadas espacialmente nas
imagens corroboram, assim, a construção de universos diegéticos verossìmeis e a
caracterização das personagens que ocupam e interagem nestes espaços. No contexto das
práticas produtivas, os processos e técnicas envolvidos na função apontam para a elaboração
de um conceito visual adequado à proposta de encenação indicada pelo roteiro (ou outra fonte
textual) e pela direção, e a sua expressão na plasticidade da imagem fìlmica ou televisiva. Em
sìntese: “A direção de arte é a regente maior de toda a estética do filme, da “arte”, do visual. É
ela quem dá a linguagem plástica de determinado filme.” (PEREIRA, 1993, p. 34).
Segundo Hamburger (2014), a primeira creditação da direção de arte no cinema
brasileiro se deu no filme O Beijo da Mulher Aranha (1985), de Hector Babenco, no qual a
função foi assinada pelo diretor de arte Clóvis Bueno, a cenografia por Felippe Crescentti e o
figurino por Patrìcio Bisso. Anteriormente, as demandas relacionadas à concepção da
materialidade e visualidade fìlmicas eram exercidas e creditadas principalmente aos
cenógrafos, que podiam atuar tanto na criação de cenários, quanto na produção de figurino e
de maquiagem. Um dos principais profissionais deste perìodo anterior, citado pela autora, é
Pierino Massenzi, reconhecido pelos seus projetos cenográficos para filmes da Companhia
Cinematográfica Vera Cruz2, entre eles Tico-tico do fubá (1952) e Ângela (1952).
Segundo pode-se apurar, a adoção da função deu-se, pela primeira vez, em 1985,
quando Clóvis Bueno, contando com Felippe Crescentti na cenografia e Patrìcio
Bisso nos figurinos, assinou a direção de arte do filme O beijo da mulher aranha,
dirigido por Hector Babenco. No mesmo ano, Adrian Cooper figurou com o mesmo
tìtulo nos créditos de A marvada carne, de André Klotzel, tendo como colaboradores
Beto Mainieri e Marisa Guimarães, respectivamente, cenógrafo e figurinista.
Atualmente, a formação do departamento de arte, sob a coordenação desse
profissional, tornou-se constante na estrutura da produção cinematográfica
brasileira. (HAMBURGER, 2014, p. 19)
1
A direção de arte está presente em gêneros diversos da programação televisiva, nas diferentes categorias de
informação, entretenimento e educação. Trata-se de uma área de amplo alcance para o audiovisual, no
entanto, vamos nos limitar ao estudo da Direção de Arte em narrativas ficcionais em que há uma produtiva
interface entre cinema e televisão.
2
“Um dos mais importantes profissionais do perìodo anterior à direção de arte, Pierino atravessou diferentes
momentos e escolas do cinema brasileiro entre as décadas de 1950 e 1960. Influenciou com seu trabalho
gerações de cineastas pelo primor técnico embasado no sólido conceito de uma cenografia intrinsecamente
ligada à dramaturgia.” (HAMBURGER, 2014, p. 57)
6
Na televisão, apesar de até hoje a instituição da direção de arte nas produções não ser
uma constante, já há um registro de creditação à função na novela Os Imigrantes de 1981,
produzida e veiculada pela Rede Bandeirantes. Na obra, os trabalhos de direção de arte,
cenografia e figurino são assinados conjuntamente por Gianni Ratto, Augusto Francisco e
Luiz Fernando Pereira3. Contudo, acreditamos que o maior desenvolvimento da função se deu
de fato nas produções cinematográficas, cujos processos têm fortes influências na indústria
televisiva, conforme nos deteremos no próximo capìtulo.
Em uma produção audiovisual, o diretor de arte é o profissional responsável por
coordenar toda a equipe do Departamento de Arte e principalmente por conceber e executar o
projeto de arte: uma sistematização dos conceitos e determinações técnicas que vão orientar
todo o processo de criação da visualidade de uma narrativa fìlmica ou televisiva, em
alinhamento aos prazos estabelecidos no cronograma e às limitações de ordem orçamentária;
e que compreende desde a definição da paleta de cores, alinhada ao desenho da luz, até o
planejamento técnico da cenografia, do figurino, da maquiagem - conceitualmente ampliada
pelo termo visagismo4 (maquiagem, cabelo e gestualidade) - e dos efeitos especiais. Como
define Vera Hamburger (2014, p.18):
3
Informação concedida em depoimento pelo diretor de arte, professor e pesquisador Luiz Fernando Pereira,
podendo ser constatada no seguinte endereço eletrônico http://novelaosimigrantes.blogspot.com.br/.
4
Termo adotado recentemente nas produções cinematográficas brasileiras, originado da palavra francesa
visage/visagism que significa rosto.
7
conceito é “(...) o princìpio unificador que cria coerência na identidade visual do filme. [...]
Esses conceitos adicionam profundidade ao filme e operam em um nìvel metafórico e visual”.
Nas etapas da realização de um filme ou de um produto televisivo, o trabalho do
diretor de arte se inicia no perìodo da pré-produção, quando a leitura e a decupagem do roteiro
e as reuniões com a direção e a direção de fotografia vão determinar as primeiras impressões e
orientações sobre a visualidade da obra (na televisão, este processo frequentemente conta com
a interferência conceitual do autor: o escritor da novela ou série). A partir da definição das
referências visuais e dos dados coletados nas pesquisas, a direção de arte tem, então, subsìdios
para elaborar o conceito visual e construir o projeto de arte. Finalizado o perìodo de
planejamento e conceituação, objetiva-se que durante a produção todas as ideias e indicações
do projeto de arte sejam concretizadas. O storyboard5, os mood boards6, as maquetes, esboços
e desenhos criados segundo as determinações projetuais articulam conceitualmente a
linguagem visual pretendida e orientam o trabalho de toda a equipe do Departamento de Arte.
5
O storyboard pode ou não ser criado pela Arte, sendo normalmente realizado por um desenhista especializado a
partir das orientações do diretor, do diretor de arte e do diretor de fotografia.
6
“Os mood boards (quadros de referência) são montados usando esboços e páginas retiradas de revistas; tudo
isso ajuda a ilustrar o conceito e o clima geral. Isso geralmente inclui indicações de aspectos estilìsticos do
design e comunica ao restante da equipe de que maneira o designer gostaria que fosse a aparência do filme”.
(BARNWELL, 2013, p. 117)
8
A pelìcula irá registrar e fixar o trabalho de Direção de Arte. Portanto, é aqui que
mais se faz necessário sua constante atuação, sua presença ativa em todos os
detalhes, o acompanhamento e a atenção deverão ser redobrados, pois tudo ficará
registrado. Um bom Diretor de Arte não se faz notar somente por seus projetos e
desenhos, mas também pela sua presença no “set” de filmagens, por seu apoio à
direção e por sua participação direta nas soluções de problemas que, com certeza,
aparecerão nessa etapa. (PEREIRA, 1993, p. 64)
7
Na televisão, a função do produtor de arte corresponde ao do produtor de objetos.
9
No entanto, numa situação a ser revista, a participação do diretor de arte nessa etapa
ainda não é uma prática adotada pelas produções nacionais. Coloristas, modelistas
de 3D e especialistas em efeitos digitais seguem as orientações do diretor e do
fotógrafo, muitas vezes com forte interferência no trabalho anteriormente concebido.
(HAMBURGER, 2014, p. 24)
8
Como clichês cinematográficos, entendemos as fórmulas ou estereótipos visuais consagrados principalmente
por produções audiovisuais estritamente comerciais, de fácil absorção pelos diversos públicos.
10
(...) pode-se estabelecer caminhos a serem seguidos que irão caracterizar o desenho
geral do filme, dando subsìdios tanto para o diretor, o fotógrafo e o montador,
resultando um trabalho de conjunção, de união que se traduzirá em mais uma das
texturas do filme. Cada filme, um universo em si, é elaborado e pensado como uma
única peça: o diretor de arte cria e traduz, através do trabalho visual, as concepções
do diretor sobre determinado roteiro.
É importante pontuar que o cinema industrial dos Estados Unidos traz um avanço na
área quando cria e formaliza a função de Production Designer9, um profissional que
corresponderia conceitualmente ao diretor de arte no sistema de produção audiovisual
brasileiro, mas que no âmbito das etapas práticas e projetuais da produção americana tem uma
interferência criativa ampliada. O termo Production Design foi criado pelo produtor David O.
Selznick para o filme “... E o vento levou” (1939), de forma a enfatizar a importância do
projeto de arte construìdo por William Cameron Menzies, que segundo Selznick, extrapola a
sua função de diretor de arte ao conceber a visualidade do filme plano a plano e ao participar
ativamente de todo o processo de construção da imagem audiovisual. O projeto de arte de “...
E o vento levou” é até hoje considerado um dos mais complexos e relevantes da
cinematografia mundial.
9
Traduzido para a lìngua portuguesa como Design de Produção.
11
emprega o termo design de produção em sua abordagem e apresenta uma investigação sobre a
aplicação do conceito de design no cinema e nas suas relações com a tecnologia; Design e
linguagem cinematográfica: narrativa visual e projeto (MACHADO, 2011), um trabalho que
aponta na prática projetual do production design uma aproximação entre o design e a
linguagem cinematográfica; e Um lugar para ser visto: a Direção de arte e a construção da
paisagem no cinema (JACOB, 2006) que não sistematiza conceitos de design, mas considera
a direção de arte como “base estruturante do trabalho fotográfico” a partir da análise dos
filmes Dogville (2003) e A Vila (2004), obras na realidade construìdas sob as perspectivas
projetuais do production design.
Esta dissertação considera que o estudo da direção de arte abrange um amplo campo
de pesquisa que relaciona diversos elementos do universo das artes visuais, da comunicação,
da moda, do design, do teatro, da arquitetura e do cinema para contemplar as especificidades
envolvidas na construção de visualidades e estéticas audiovisuais. Embora acreditemos que
alguns princìpios do design estejam presentes nas perspectivas teórica e empìrica da função,
principalmente nas ideias de conceito e projeto, este trabalho não pretende aprofundar esta
relação, pois isto demandaria tempo e espaço não disponìveis. Iremos considerar aqui o
12
10
Entre outras publicações, destacam-se os tìtulos: Le décor du film (BARSACQ, 1970), Décors du Cinéma: les
studios français de Méliès a nous jours (DOUY, 1993); What an Art Director Does. An introduction to
Motion Picture Production Design (PRESTON, 1994); The Filmaker’s Guide to Production Design
(LOBRUTTO, 2002); e Production Design: Architects of the screen (BARNWELL, 2004). Dessa última
autora, foi recentemente lançado no Brasil o livro Fundamentos da Produção Cinematográfica
(BARNWELL, 2013), que dedica um capìtulo a uma abordagem empìrica sobre a função Production Design.
11
Sobre o livro Arte em Cena: a direção de arte no cinema brasileiro, ver resenha da minha autoria publicada
em: http://www.asaeca.org/imagofagia/index.php?option=com_content&view=article&id=460%3Aarte-em-
cena-a-direcao-de-arte-no-cinema-brasileiro&catid=56%3Anumero-10&Itemid=174 .
13
No que concerne à produção televisiva, uma das referencias desta pesquisa é o livro
Cenário televisivo: linguagens múltiplas fragmentadas (2009) de João Batista Freitas
Cardoso, resultante da pesquisa do autor acerca das particularidades históricas e técnicas da
cenografia na televisão. Além desta, outra publicação fundamental para a abordagem aqui
proposta é o livro Entre tramas, rendas e fuxicos (MEMÓRIA GLOBO, 2007) que embora
não acadêmico apresenta dados empìricos relevantes sobre os processos e práticas da criação
de figurinos na Rede Globo.
Constatamos que há, portanto, uma limitação de fontes de pesquisa sobre a direção de
arte no contexto brasileiro e uma premência acadêmica na estruturação de investigações
teóricas e empìricas convergentes à temática. Por isso, além das referências citadas, para o
direcionamento teórico deste trabalho consideramos também o livro Production Design:
Architects of the screen (BARNWELL, 2004) e Fundamentos da Produção Cinematográfica
(BARNWELL, 2013), que embora estejam focados nas práticas projetuais do Production
Design, traz um arranjo conceitual alinhado aos objetivos deste estudo.
E é neste sentido que tomando como ponto de partida o domìnio dos conceitos
pertinentes a uma compreensão da direção de arte em produtos narrativos ficcionais
cinematográficos e televisivos, onde se verificam fortes pontos de contato, que a presente
dissertação estrutura uma investigação sobre o papel da direção de arte no processo de
realização de obras da teledramaturgia brasileira, focando especificamente na minissérie
Suburbia (2012), dirigida por Luiz Fernando Carvalho para a Rede Globo de Televisão.
Diretor de cinema e televisão, Carvalho tem um longo percurso na direção de produtos
de teledramaturgia e é reconhecido por construir narrativas visuais que rompem com os
padrões tradicionais, destacando-se do conjunto de suas produções, as novelas: Renascer
(1993), O Rei do Gado (1996), Esperança (2002) e Meu pedacinho de chão (2014); e as
minisséries, Os Maias (2001), Hoje é dia de Maria (2005), primeira e segunda jornadas, A
Pedra do Reino (2007), Capitu (2008) e Afinal, o que querem as mulheres? (2010). No
cinema, assina a direção do curta-metragem A Espera (1986), o longa-metragem Lavoura
Arcaica (2001), além do documentário Que teus olhos sejam atendidos (1997).
A partir dos conceitos e práticas da direção de arte, propomos uma análise da
visualidade construìda em Suburbia, com o intuito de demonstrarmos a relevância criativa e
qualitativa da função na construção de narrativas audiovisuais e, consequentemente, como
campo de estudo autônomo. A escolha desta obra como objeto de estudo se fundamenta na
perspectiva autoral das produções realizadas por Luiz Fernando Carvalho e nos processos
criativos investidos na construção do estilo do diretor, compreendendo que um forte
14
Os primeiros contornos desse projeto estético podem ser ilustrados mediante a opção
por uma metodologia de extensão e intensificação do perìodo laboratorial de suas
obras. Essa prática facultativa de pré-produção de um produto audiovisual consiste
em um pontapé inicial do processo, uma imersão do elenco e equipe envolvida no
roteiro e na temática que será trabalhada. O laboratório fornece inicialmente aos
envolvidos um panorama amplo sobre o universo da narrativa, buscando abordar
aspectos históricos, sociais e polìticos que tocam a trama, além das múltiplas
referências com os quais se pretende dialogar no decorrer do processo. A visão geral
sobre a produção serve como um guia de criação para os diferentes núcleos da
produção.
Este estudo considera que a construção de visualidades nas minisséries dirigidas por
Luiz Fernando Carvalho está estritamente vinculada a sua percepção estética, e entende a
criação dos conceitos visuais das suas obras como um processo autoral com total ressonância
na atuação das equipes de arte e nos projetos de arte desenvolvidos, o que constitui um traço
convergente da sua produção audiovisual. Portanto, o conjunto das minisséries dirigidas por
Carvalho para a Rede Globo será considerado também como referência ao estudo, assim
como serão relevantes, os estudos sobre a especificidade da direção de Luiz Fernando
Carvalho, como o desenvolvido por Collaço (2013) que analisa o processo criativo do diretor
na minissérie Capitu (2008), e por Pucci Jr (2011, p.98), estudioso da televisão brasileira, que
afirma: “Pode-se ver Luiz Fernando Carvalho como um autor, com recorrências temáticas ou
estéticas de um produto para o outro, autorrevelando a própria essência, em confronto com as
pressões da indústria televisiva”.
15
Este primeiro capìtulo da dissertação é dedicado a uma sistemática dos conceitos e dos
processos da direção de arte. Dividido em subitens, inicialmente apresentamos uma discussão
sobre as relações estruturais entre direção de arte e encenação na construção de visualidades
fìlmicas e televisivas, tendo como base teórica as ideias desenvolvidas por Jacques Aumont
no livro A encenação cinematográfica (2005). Nos próximos subitens, apresentamos uma
descrição das principais etapas criativas de um projeto de arte, base estruturante das práticas
da direção de arte. No último subitem, traçamos as premissas teóricas que irão sustentar a
análise visual do nosso objeto de estudo a ser apresentada no terceiro capìtulo.
Com o intuito de exemplificar esta abordagem, realizaremos ainda análises pontuais de
visualidades construìdas em minisséries do diretor Luiz Fernando Carvalho. Estas produções
não são o objeto de estudo direto desta pesquisa, mas consideramos pertinentes estas
anotações por entendermos que a inserção de questões especìficas sobre o seu processo de
criação contribui para um entendimento das etapas de construção de um projeto de arte.
Destas inserções analìticas, pretendemos estruturar um conteúdo de considerável relevância
para o encaminhamento desta abordagem, o que não seria alcançado caso optássemos por
utilizar exemplos externos ao presente estudo.
12
É recorrente nos estudos audiovisuais brasileiros, a opção pelo uso da palavra mise-en-scène (termo originário
da tradição cinematográfica francesa) ao invés de encenação.
16
A encenação é, pois, nem mais nem menos, o instrumento que permite construir, a
partir dos elementos do mundo (mesmo que totalmente teatrais), a apresentação
convincente de uma história, que nos permite recebê-la com prazer, compreendê-la e
atribuir-lhe um estatuto ontológico muito particular (o da simulação lúdica, ou
ficção). Definição enganadora? Sim e não. Tem contra si a sua evidência aparente;
mas insiste, justamente, no logro que pode constituir essa evidência, e o necessário e
permanente regresso à consciência do fabrico, como parte do contrato que o
espectador deve celebrar com o filme (AUMONT, 2005, p.163)
Este estudo traz um entendimento da encenação como a base estruturante dos conceitos
e práticas da direção de arte, considerando esta uma relação fundamentada em aspectos
conceituais e empìricos da feitura fìlmica, com importantes desdobramentos na composição
da imagem e da visualidade audiovisual. Na medida em que os processos circunstanciados na
construção da materialidade cênica estão estritamente ligados às definições do diretor acerca
da proposta cênica de transcrição do texto ficcional em realidade sensìvel, a direção de arte
pode ser interpretada como a função que alimenta as premissas materiais da encenação, pois,
se o roteirista e o realizador idealizam universos diegéticos, cabe ao Departamento de Arte
materializá-los. Como base teórica-chave desta investigação, determinamos o alicerce
conceitual estruturado nas discussões de Jacques Aumont (2005) acerca da encenação
cinematográfica13, para, a partir das suas considerações, alcançarmos uma instrumentalização
para a análise do corpus desta pesquisa.
13
AUMONT, Jacques. O cinema e a encenação. Lisboa: Edições Texto & Grafia, 2005.
17
Oriundo das tradições pictórica e teatral, o cinema ficcional herdou, desde as suas
origens, esta estrutura de encenação como sustentáculo narrativo, concebendo a disposição
dos planos como quadros. Mas, se no primeiro cinema a encenação fìlmica era essencialmente
teatral, caracterizada pelo enquadramento fixo e por uma atuação caricata do elenco, com a
estruturação da linguagem cinematográfica e as transformações formais advindas de novas
concepções da feitura fìlmica alcançadas pelo desenvolvimento dos dispositivos técnicos de
produção, pela experimentação de realizadores engajados e pelo surgimento de estilos
particulares de encenação, o cinema desenvolveu e conquistou uma encenação com feições
próprias, adaptada às suas especificidades.
Desde A saída dos operários da fábrica (1895), contudo, explica Aumont, quando os
Lumière decidiram pelo ângulo do qual iriam filmar os operários saindo da fábrica, o cinema
já dava indicações de possuir uma perspectiva cênica própria, pois se a estrutura do palco
teatral condiciona a um ponto de vista fixo sobre a encenação, no registro fìlmico o realizador
cinematográfico tem liberdade de escolher onde montar a câmera para capturar o ponto de
vista que melhor convém na sua representação da narrativa.
A encenação pode ser entendida, assim, como um ponto de vista. O ponto de vista de
um realizador sobre um determinado recorte de mundo, estruturado, segundo Aumont, a partir
de três pontos de sustentação: o espaço, o tempo e o acaso, cabendo ao cineasta gerir estas
unidades no seu percurso criativo. O espaço seria, assim, o espaço cênico que abriga a
encenação; o tempo, o “molde de ponto de vista-duração” 14; e o acaso, os acontecimentos ou
ações inesperadas que poderiam vir a surgir no momento da filmagem, sendo normalmente
associado ao desempenho dos atores.
A direção de arte manipula essencialmente dois dos pontos acima descritos: o espaço e
o tempo. A concepção do espaço cênico, em todas as suas nuances, é de inteira
responsabilidade do Departamento de Arte, cabendo diretamente ao cenógrafo e à sua equipe
projetar materialmente as representações espaciais definidas no roteiro através da construção
de estruturas tridimensionais concretas e da seleção de objetos cênicos, sempre em
14
AUMONT, 2005, p. 158
18
Para a direção de arte, a perspectiva industrial do cinema representou uma maior rigidez
e controle dos processos criativos, e o estabelecimento de regras e sistemas de atuação
profissionais. O formato exigiu a organização produtiva e funcional das equipes e dos ofìcios
que favoreceu o surgimento de nomenclaturas e termos apropriados para as práticas da
função. Além disso, com o desenvolvimento do studio system, observou-se um
aprimoramento tanto nos métodos de construção de cenários quanto no desenho e na
confecção de figurinos e nas técnicas de maquiagem. Neste esquema de produção, o trabalho
da equipe da arte tendia a ser condicionado ao ponto do vista do texto e da direção.
15
Ibid, p. 52
16
Ibid, p.52
19
No inicio, o cinema não tinha qualquer termo para designar o homem responsável
pelo carácter do filme. Com o crescimento das ambições artìsticas e da
especialização das tarefas, o vocabulário desenvolveu-se e diversificou-se, segundo
dois eixos – o do oficio e o da arte: havia, de um lado, o realizador e encenador; do
outro, cineasta e, depois, autor. (AUMONT, 2005, p. 20)
20
A encenação, nos anos 30, era uma disciplina de ferro, que decorria do respeito total
exigido por um texto; em certas circunstâncias, podia-se retocar o texto, mas a
encenação continuava a ser secundária. Nos anos 50, o advento de formas
cinematográficas nas quais se fazia a economia do tempo da encenação
propriamente dita, a evolução para uma leveza cada vez maior, por um lado, e cada
vez mais sofisticação dos meios técnicos, por outro, transformaram profundamente o
caráter daquilo a que se continua a chamar de “encenação”. (AUMONT, 2005,
p.173)
como uma sistematização dos conceitos e determinações técnicas que vão orientar todo o
processo de criação da visualidade de uma narrativa fìlmica ou televisiva, em alinhamento aos
prazos estabelecidos no cronograma e às limitações de ordem orçamentária; compreendendo
desde a definição da paleta de cores, alinhada ao desenho da luz, até o planejamento técnico e
conceitual da cenografia, do figurino, da maquiagem e dos efeitos especiais. A partir dessas
diretrizes, e com base na proposta da encenação, a direção de arte concebe visualidades de
mundos ficcionais, mas totalmente crìveis.
A composição da imagem ficcional, seja estática ou em movimento, sempre carrega
em si o registro de um processo de criação pautado na manipulação de materialidades
especìficas para expressar uma ideia ou sentido, que aqui definimos como conceito visual. Em
uma obra audiovisual, o conceito visual norteia todo o processo de construção da
materialidade cênica, tornando-se essencial para a estruturação da encenação, e agregando
novas camadas de significação à composição imagética. Operando no nìvel subjetivo e
metafórico das obras, a força conceitual das imagens de um filme ou produto televisivo é
expressiva nos seus planos, concebendo a obra como um produto de linguagem visual única.
Como explica Barnwell (2004, p.52, tradução nossa): “Sem conceito não há um projeto total,
apenas elementos de configurações distintas. Portanto, uma função do designer é evocar a
ideia que vai unir todos os elementos em um todo compositivo”. Assim, a criação conceitual é
uma etapa essencial do projeto de arte, pois uma visualidade construìda sob um forte conceito
promove a imersão do espectador na diegese, estruturando a narrativa por um sentido abstrato
que permeia a atmosfera das cenas.
imagem audiovisual. A escolha da paleta de cores deve estar relacionada ao conceito visual
que se pretende expressar e é uma das etapas mais importantes da criação do projeto de arte,
já que definir as cores de um filme ou minissérie é definir o elemento visual que perpassa toda
a construção da direção de arte, desde a cenografia e a luz, até a maquiagem e efeitos
especiais. Para a análise a ser apresentada nesta dissertação, iremos considerar, sobretudo, as
particularidades plásticas da cor e a sua potencialidade em estimular sensações especìficas no
espectador, considerando a sua inserção nos processos criativos da direção de arte e os
princìpios que regem a veiculação da cor pelos meios audiovisuais.
É importante pontuar, contudo, que enquanto fenômeno óptico a cor não tem
existência material17. A cor ou matiz é uma sensação visual resultante do estìmulo fìsico da
luz (radiação eletromagnética) sobre o olho humano e corresponde a comprimentos de onda
do espectro luminoso, sendo sete os matizes principais identificados na decomposição da luz
branca: vermelho, laranja, amarelo, verde, azul, anil e violeta; as cores do arco-ìris. Como
explica Guimarães18 (2000, p. 12):
17
O que se percebe como a cor de uma coisa ou objeto é a reflexão da luz sobre a quìmica da matéria.
18
Ver: GUIMARÃES, Luciano. A cor como Informação. A construção biofísica, lingüística e cultural da
simbologia das cores. São Paulo: Annablume, 2000.
19
GUIMARÃES, 2000, p. 54.
27
A cor-luz (luz colorida) é a radiação luminosa visível que tem como síntese aditiva a
luz branca. Sua melhor expressão é a luz solar, por reunir de forma equilibrada todos
os matizes existentes na natureza. [...] A cor-pigmento é a substância material que,
conforme sua natureza, absorve, refrata e reflete os raios luminosos componentes da
luz que se difunde sobre ela. É a qualidade da luz refletida que determina a sua
denominação. O que nos leva a chamar um corpo de verde é a sua capacidade de
absorver quase todos os raios da luz branca incidente, refletindo para nossos olhos
apenas a totalidade dos verdes. (PEDROSA, 2010, p.20)
Mas independente de qual tipo de cor está sendo manipulada, para uma concepção
eficiente da linguagem visual de uma obra é essencial que se invista na harmonização das
cores que compõem os elementos visuais da materialidade cênica. Em um arranjo cromático,
a interação entre as cores pode acarretar diferentes e inesperados sentidos na visualidade
construìda, como intensos contrastes entre figura-fundo, e diferentes sensações, como as de
temperatura, proporcionadas pelo uso de cores quentes (matizes da faixa amarelo-laranja-
vermelho) ou cores frias (matizes da faixa verde-azul). Cabe a Direção de arte saber explorar
a potencialidade expressiva das cores, sem limitações criativas e ideológicas pré-concebidas.
Embora tenha-se feito muitos testes de cores e luz, precisa-se ficar muito atento
neste momento, pois vai acontecer aqui a mescla de todos os elementos visuais,
cenário, figurino, representados pelas cores-pigmento, e iluminação, representada
pela cor-luz. O Diretor de Arte e o Diretor de Fotografia devem estar em grande
afinidade para resolverem quaisquer problemas que envolvam tal formalização.
Muitas vezes será necessário trocar alguma roupa ou mudar alguma gelatina para se
chegar à harmonia entre cores e iluminação. (PEREIRA, 1993, p. 72)
Entretanto, é fundamental salientar que a construção social das cores e dos seus
significados não pode ser entendida como algo pré-definido ou padronizado. Longe dos
28
clichês e das fórmulas prontas veiculadas por manuais de uso ou sites focados na temática, o
significado de uma cor pode variar drasticamente a depender do contexto visual. No processo
de pré-produção, as pesquisas da direção de arte devem dar conta de aprofundar estas
questões conforme o contexto social e temporal a ser abordado na narrativa, e a escolha da
paleta de cores deve estar alinhada a estas informações e ao conceito visual proposto.
A paleta de cores da minissérie Hoje é dia de Maria, por exemplo, traz uma associação
cromática direta da obra com a visualidade do sertão brasileiro, contexto sociocultural da
narrativa. O uso da cor remete a terra, sol e calor, e ao colorido das festas, das feiras regionais
e da arte populares. Há uma predominância dos tons terrosos, de amarelos e laranjas, com
fortes pinceladas de vermelhos saturados. As cores são essenciais para a concepção do
universo narrativo construìdo a partir de elementos visuais oriundos do imaginário nacional
da cultura popular, construindo camadas de significação ligadas subjetivamente aos
sentimentos e emoções das personagens.
A direção de arte, por meio dos seus esquemas conceituais e processuais, extrai desta
contingência ideológica toda a riqueza visual para a concepção de universos ficcionais. Tintas,
tecidos, fitas, corantes naturais, resinas, madeiras e maquiagens são algumas das matérias-
primas multicores que nas mãos da equipe de arte são transformadas em visualidade. Na
atualidade, o desenvolvimento cientìfico e os avanços tecnológicos só favoreceram o
surgimento de novos processos e ferramentas que potencializam o emprego das cores nas
artes e nos meios de comunicação, cabe ao audiovisual tomar partido destas inovações.
Por fim, após a leitura e a decupagem do roteiro e da definição das principais
referências visuais, do conceito visual e da paleta de cores a equipe de arte já terá o alicerce
fundamental para a construção da visualidade De uma obra fìlmica ou televisiva. Inicia-se
então a etapa da concepção da materialidade cênica propriamente dita, em que a direção de
arte deverá dar conta de compor o set de filmagem com os elementos que darão suporte
material à encenação. Aqui que se encaixam os trabalhos de cenografia, figurino, maquiagem
e efeitos especiais.
30
1.4. Cenografia
por profissionais freelancers da área, enquanto que nas emissoras de televisão costuma-se ter
um quadro fixo de funcionários para atuar nas produções.
Nas etapas iniciais da concepção e projeção cenográfica a leitura e a decupagem do
roteiro são procedimentos fundamentais, pois é a partir da observação das principais questões
e indicações espaciais do texto que o cenógrafo irá formatar as suas primeiras impressões do
projeto. A atenção à descrição formal do roteiro para as cenas, seja em uma produção de
cinema ou de televisão, permite apreender as principais unidades dramáticas normalmente
articuladas na narrativa: o desenvolvimento da ação por uma ou mais personagens no contexto
de um espaço em particular de uma determinada época. Além disso, é possìvel se observar
nesta fase as principais indicações referentes às particularidades da linguagem audiovisual
(como movimento de câmera, ângulos e enquadramento), também importantes para o
entendimento da espacialidade proposta pelo texto.
As informações extraìdas são então compiladas em listagens técnicas que abarcam um
levantamento das principais necessidades materiais da cenografia. Com base nestes dados, e a
partir das definições do conceito visual e da paleta de cores propostas pelo diretor de arte, o
cenógrafo tem então subsìdios para criar o projeto cenográfico. Independente se a cena ocorre
em um ambiente natural ou arquitetônico, interno ou externo, cabe à cenografia encontrar as
soluções ideais para atender às determinações espaciais descritas no roteiro.
Inicialmente, é preciso entender o(s) perfil(s) da(s) personagem (s): a sua condição
socioeconômica, descrição fìsica, personalidade e profissão, e o que a motivou a participar de
tal ação, além da época em que se passa a narrativa, para que destes pontos possamos
entender a sua relação emocional e funcional com o espaço descrito. Esta relação
personagem-espaço-tempo definirá conceitualmente a materialidade cenográfica, desde o uso
da paleta de cores e texturas no espaço, até os aspectos formais e visuais dos objetos cênicos.
Se bem produzido, cada elemento da composição cênica irá expressar o tipo de relação
proposta entre personagem e espaço e colaborar na construção da atmosfera para a encenação.
Cada unidade cenográfica carregará em si um significado próprio, e toda a composição em
conjunto determinará novas camadas de significação na superfìcie da imagem audiovisual.
32
Um designer deve criar sets, prédios, cidades ou até mesmo mundos inteiros,
conectando-os à narrativa do filme. Em um sentido prático, ele constrói um lugar
para que a ação aconteça e, em um sentido criativo, ele torna esse lugar apropriado
para o filme e as personagens que vivem lá. (BARNWELL, 2013, p. 101)
A partir das indicações projetuais e sob a supervisão do cenógrafo, uma variada equipe
de profissionais atua na construção do cenário propriamente dito. Deste quadro de atuação
prática destacam-se duas funções: o cenotécnico e o pintor de arte. O cenotécnico é quem
realmente põe “a mão na massa”, manipulando madeiras, pregos e tintas. O pintor de arte,
34
como o nome já diz, é o responsável pelas pinturas de superfìcies com efeitos, como o de
texturização e de envelhecimento, por exemplo. Além dos especialistas na construção do
cenário, também atua na composição do espaço cênico outra equipe de profissionais: a de
produção de objetos, conduzida pelo produtor de objetos e seus assistentes. A partir das
definições conceituais do diretor de arte e do cenógrafo, estes profissionais tem a tarefa de
preencher todo o cenário com objetos e mobiliário.
No contexto da narrativa, o objeto cênico deve expressar a relação da(s) personagem (s)
com o espaço da encenação, podendo dar indicações sobre a sua personalidade e experiências
pessoais, além de transmitir sentimentos que cooperam na criação da atmosfera e do clima da
narrativa. A valorização destes itens como elementos materiais que trazem significados para a
visualidade da obra só contribui para criar novos sentidos narrativos e para promover a
imersão do espectador na obra, aprofundando o conceito visual proposto.
Portanto, demonstra-se ser inevitável e essencial a interferência material-metafórica do
objeto nos processos da encenação, cabendo à direção de arte, a partir das pesquisas de
referências realizadas, selecionar e compor os objetos cênicos que melhor dialogam com a
narrativa. Assim uma das primeiras ações do produtor de objetos será estruturar, a partir da
leitura e da decupagem do roteiro, uma listagem de objetos de cena segundo as indicações
descritivas de cenários e ações; um levantamento que abrange desde os props20, o mobiliário,
os objetos gerais até os adereços21. Definido o perfil das personagens, da ação, do espaço e da
época, a equipe fará então uma pesquisa visual e estética para compor esses objetos e
apresentará ao cenógrafo e ao diretor de arte. Se aprovados, esses itens poderão ser
comprados, alugados ou emprestados em brechós ou lojas especializadas. Adquiridas as
peças, inicia-se a etapa do dressing, momento em que é realizada a composição e a decoração
do espaço cênico para as filmagens. Após, segue-se a etapa da desprodução, perìodo em que
todos os cenários e objetos cênicos são desmontados e retirados do set.
No projeto cenográfico concebido para a minissérie Hoje é Dia de Maria, sempre
citado pelo seu caráter experimental e por romper com os moldes naturalistas das produções
televisivas contemporâneas, a potencialização cênica de objetos e adereços contribui para a
estruturação de uma encenação inovadora, fundamentada no que Collaço (2013) denomina de
artificialismo explícito, um procedimento recorrente no estilo de Luiz Fernando Carvalho.
20
Pertences das personagens
21
Os adereços são objetos cênicos com caracterìsticas especìficas, imaginados e concebidos especialmente para
uma narrativa em particular.
35
Figura 04. Adereço cênico de Hoje é Dia de Maria: novas camadas de significação.
Fonte: Hoje é Dia de Maria, 2005. (Foto Still)
personagens como seres reais: os cavalos são “cavalgados” pelos atores em cena e os patos
“brincam” com a menina Maria; e assim ganham força expressiva, contribuindo para a
opacidade do discurso construìdo e para o distanciamento do telespectador da narrativa.
Nos processos de composição da imagem audiovisual, a cenografia pode ser então
definida como o espaço que abriga a encenação, que formado por estruturas arquitetônicas ou
ambientes naturais articula objetos e adereços que trazem uma estreita relação com a
narrativa, com as ações e com a construção psicológica das personagens, interferindo
diretamente na encenação e no registro imagético. Concluìmos, portanto, que a partir do
intenso trabalho de composição da cenografia é possìvel alcançar a materialização do mundo
imaginário concebido pelo roteiro e dos mundos particulares de cada personagem, um
processo conceptivo que articula visualmente cenário, figurino e caracterização, sempre em
alinhamento ao desenho da luz e à paleta de cores.
1.5. Figurino
Figura 05. Figurino da minissérie Capitu: veìculo das metáforas visuais da obra.
Fonte: Capitu, 2008. (Frame)
A criação de figurinos articula uma composição visual de linhas, cores, texturas, volume
e movimento, a partir de uma perspectiva conceitual que sublinha e aprofunda a construção da
personagem. A sua expressividade na obra se dá no arranjo formal com os demais elementos
da materialidade cênica, estabelecendo uma relação de figura-fundo com o cenário e objetos
que pode ser de contraste ou harmonização. A sua relação com a maquiagem é crucial, pois se
define em um diálogo essencial para a elaboração da caracterização das personagens, como
veremos no subitem a seguir.
1.6. Maquiagem
O frame apresentado na figura 05 retrata umas das cenas finais da minissérie Capitu,
selecionada para a análise por evidenciar um arranjo material composto por figurino,
39
procedimentos narrativos trará questões cruciais na caracterização das personagens, além das
determinações de orçamento e de cronograma. O visagista juntamente com o diretor de arte, e
com base nas diretrizes conceituais do projeto de arte, deverá optar pelos procedimentos que
melhor convém à proposta cênica da obra. Todos os visuais criados para as personagens
deverão ser aprovados a partir de prova de maquiagem nos atores, seguido por testes do seu
arranjo visual com os figurinos.
Na indústria cinematográfica dos Estados Unidos, a atuação destes profissionais é bem
fomentada e valorizada. A equipe de caracterização é responsável por construir
transformações incrìveis nos atores, tornando-os, por vezes, irreconhecìveis quando
caracterizados como as personagens. Além de contar com materiais e técnicas mais
avançadas, atualmente, com o desenvolvimento da computação gráfica e dos efeitos visuais
da pós-produção, o trabalho destes profissionais se expandiu para a etapa da pós-produção,
momento em que os retoques nas imagens permitem alcançar transformações ainda mais
radicais. Estas experiências ainda são restritas a produções de imensas estruturas e
orçamentos, e cuja construção da visualidade é norteada pela perspectiva projetual do
production design, que abrange desde a etapa da pré-produção até a pós-produção. Na
produção audiovisual brasileira, mais artesanal, ainda estamos em um estágio anterior, embora
seja possìvel se atingir ótimos resultados com a criatividade e o recurso disponìveis.
Neste subitem iremos apresentar um breve apontamento acerca de outro elemento que
consideramos relevante na concepção do projeto de direção de arte: os efeitos especiais
mecânicos, que embora não seja compreendido por Aumont (2005) como uma das bases
estruturantes da encenação, ao serem inseridos nos processos técnicos da feitura audiovisual
se configuram como importantes atributos de sentidos visuais.
Os efeitos especiais mecânicos abrangem as técnicas de produção de ações e estruturas
cênicas das filmagens, que podem envolver riscos, como explosões e tiros, ou representações
fantásticas, como a confecção e articulação dos corpos de seres imaginários, além de situações
“extraordinárias”, como uma chuva de sapos, por exemplo. O técnico em efeitos especiais é o
profissional responsável pela função, e a depender da produção, pode atuar junto ao visagista.
Seus processos estão condicionados ao roteiro, à estrutura da encenação e ao conceito visual,
além de se alinhar ao orçamento e ao cronograma.
41
Um efeito especial é uma imagem criada por meio de meios técnicos. Há dois tipos
diferentes de efeito especial: os efeitos visuais, que usam processos fotográficos
especiais (criados pela câmera), e os efeitos mecânicos ou ópticos, que são criados
na frente da câmera. [...] Os efeitos especiais têm sido usados nas telas desde os
primórdios do cinema. Os tradicionais incluem fundos pintados, maquetes, planos de
efeito com vidro, planos de efeito com máscara, projeção frontal e retroprojeção.
(BARNWELL, 2013, p.122)
Figura 06. Efeitos especiais mecânicos em A Pedra do Reino: cavalos esguicham fogo e fumaça em cena.
Fonte: A Pedra do Reino, 2007. (Foto Still)
22
O colorista é o profissional responsável pela correção da cor das imagens no perìodo da pós-produção.
42
Após a sistematização dos conceitos e das práticas que norteiam o universo da direção
de arte no audiovisual brasileiro, neste subitem apresentamos as premissas teóricas que
sustentam uma concepção desta função, não somente como o planejamento técnico de
processos produtivos profissionais, mas como uma das principais instâncias estéticas da
imagem audiovisual. Na feitura cinematográfica e televisiva, a direção de arte se caracteriza
como uma atividade de caráter multidisciplinar que articula um amplo repertório material e
visual do cinema e do teatro, mas também de áreas criativas correlatas, tais como as artes
visuais, a arquitetura, o design, as artes gráficas, a moda e a história da arte; incorporando
nessa articulação noções técnicas como o desenho, a pintura, o artesanato e a costura, além de
parâmetros teóricos e processuais. Trata-se de uma ampla gama de referências e de aplicações
que empregada sob as diretrizes do projeto de arte materializa o universo narrativo de uma
obra audiovisual, contextualizando, dimensionando e “vestindo” espaços e personagens para
compor visualmente os quadros, e, por fim, imprimir significados na imagem.
Com base nisso, e seguindo o propósito deste capìtulo de traçar uma base teórica
pertinente à análise a ser desenvolvida, estruturamos uma abordagem das diretrizes visuais
que regem este amplo campo de pesquisa ainda em construção e dos pontos de contato entre a
direção de arte audiovisual e o universo formal da comunicação visual e das artes visuais (de
onde inclusive se origina a terminologia aplicada à função). É importante enfatizar, porém,
que se trata de uma introdução à referida discussão, pois não temos tempo e nem espaço para
aprofundarmos tais questões, cabendo aqui somente a estruturação concisa de um quadro
teórico relevante a uma projeção conceitual da direção de arte de uma função empìrica do
fazer audiovisual a uma instância estética da imagem.
Inicialmente constatamos, com base no levantamento bibliográfico realizado, que
poucos são os teóricos e os trabalhos acadêmicos no campo do cinema e da televisão que se
propõem a traçar paralelos formais entre o audiovisual e as demais artes visuais, o que
inclusive explica a quase inexistência de pesquisas ou a superficialidade das abordagens que
tocam nestas temáticas ou em temáticas relacionadas, tal como a direção de arte. Diante deste
panorama, consideramos então necessário um levantamento de obras que já trazem um
direcionamento nesta discussão. A essência teórica do presente estudo deriva, assim, das
ideias desenvolvidas por Jacques Aumont acerca das relações formais entre o cinema e a
pintura (2004) e das especificidades das imagens visuais (1993); das orientações didáticas de
Bruce Block (2010) sobre as estruturas expressivas da narrativa visual; no repertório
43
conceitual construìdo por Rudolf Arnheim (2004) e por Donis A. Dondis (2007) acerca da
linguagem visual; e ainda na pesquisa desenvolvida por Butruce (2005) acerca do papel da
direção de arte na criação da imagem cinematográfica.
Ao traçar um paralelismo histórico e plástico entre o cinema e a tradição pictórica,
Aumont (2004) define Lumière23 como “o último pintor impressionista”, pois, para o autor, ao
inventar o cinema, mais especificamente o dispositivo cinematográfico, e ressaltar os seus
efeitos de realidade, tal personalidade traz a resolução de um problema pictórico, pois
computa o real de forma impecável, enquanto os pintores mais virtuosos se esmeravam tanto
em termos de tempo quanto de técnica para alcançar este objetivo. Segundo o teórico, a
pintura, especialmente a pintura acadêmica do século XIX, tinha como principais questões de
representação: o impalpável, como a luz atmosférica, por exemplo; o irrepresentável, tal
como as nuvens; e o fugidio “(...) enfim, o infinitamente lábil, e portanto, em profundidade, a
irritante questão do tempo.”24. O cinematógrafo resolve visualmente estes problemas. Os
efeitos de realidade são alcançados principalmente por conta da natureza técnica do cinema de
registro e reprodução automática da realidade, uma possibilidade inicialmente viabilizada com
a invenção da fotografia, mas ampliada com as imagens cinematográficas, tanto que após a
sua popularização, os pintores vanguardistas, do inicio do século XX, não mais se dedicarão a
pintar realisticamente os elementos e fenômenos da natureza, mas passam a ironizá-los ou
parodiá-los em suas obras, vide as pinturas de Salvador Dalì e Magritte.
É tudo isso que o cinematógrafo vira de cabeça para baixo, que ele ultrapassa
definitivamente com seus efeitos de realidade, inocentes, e inocentemente perfeitos.
A atmosfera continua aì impalpável, e, se se quiser, irrepresentável; mas não deixa
de estar presente no cintilar das folhas (agitadas pelo vento, pelo ar, concluem
infalivelmente os crìticos: é mesmo o vento que eles querem ver). Mas sobretudo, é
claro, o fugidio é enfim fixado, e sem labor. É de acordo com o trabalho pictórico
que se mede o melhor do milagre do cinematógrafo: ele substitui, com efeito, as
centenas de folhas duramente pintadas, uma por uma, em um Théodore Rousseau,
pelo aparecimento imediato de todas as folhas. E além do mais, elas se mexem...
(AUMONT, 2004, p.36)
23
No seu livro, o autor se refere aos pioneiros do cinema apenas como Lumière e não define no texto se é uma
referência a Auguste ou a Louis Lumière, ou a ambos.
24
AUMONT. O olho interminável: cinema e pintura. Cosac e Naify: São Paulo, 2004, p. 35.
44
25
uma história da representação, em uma história, portanto, do visìvel” . E é neste ponto que
inserimos aqui a direção de arte. Como este campo estético atua na construção de
visibilidades? Em quais domìnios os seus elementos - a paleta de cores, a cenografia, o
figurino e a maquiagem - se inserem expressivamente na representação e na estruturação da
imagem audiovisual?
A imagem é definida neste contexto teórico como um objeto visual que carrega em si
uma representação de espaço e tempo a partir das intenções dramáticas de uma narrativa. Este
espaço e tempo são de natureza diegética e o trabalho de representação atua na transformação
destes elementos diegéticos em imagem26. Para Aumont (1993), a “(...) diegese é uma
construção imaginária, um mundo fictìcio que tem leis próprias mais ou menos parecidas com
27
as leis do mundo natural, ou pelo menos com a concepção, variável, que dele se tem” .
Consideramos aqui que a visualidade é uma expressão da diegese construìda na obra, e se
alinha a uma determinada opção estética de manipulação dos componentes visuais básicos da
imagem, com vistas à construção de uma plasticidade particular. Esses componentes visuais
básicos seriam: espaço, linha, forma, tonalidade, cor, movimento e ritmo28, que
essencialmente constituem ou se articulam aos elementos da direção de arte.
Esses componentes visuais são encontrados em todas as imagens que vemos, sejam
elas fixas ou em movimento. Os atores, as locações, os acessórios, os figurinos e os
cenários são formados por esses componentes visuais. Um componente visual
transmite estados de ânimo, emoções, ideias e, mais importante ainda, proporciona
estrutura visual às imagens. (BLOCK, 2010, p.01)
25
Ibid, p. 45.
26
AUMONT, Jacques. A imagem. Campinas, SP: Papirus, 1993, p. 259.
27
Idem.
28
BLOCK, Bruce. A narrativa visual: criando a estrutura visual para o cinema, TV e mídias digitais;
tradução Cláudia Mello Belhassof. São Paulo: Elsevier, 2010.
45
29
AUMONT, 2004, p. 142.
30
Ibid, p. 159.
31
Ibid, p. 36.
46
realidade, já que ambos os espaços são realmente percebidos, e, até certo ponto,
percebidos como reais. (AUMONT, 2004, p.144)
Para Aumont (1993), “A representação do espaço nas imagens planas (pintura, foto,
filme) só pode reproduzir alguns (...) traços da visão do espaço, em particular, (...) os relativos
à profundidade”. A perspectiva, técnica de projeção oriunda da pintura, é uma forma
simbólica da experiência espacial humana e é empregada na concepção das imagens no intuito
de se criar a ilusão de profundidade. Mas, ainda segundo o autor, nem a profundidade e nem a
perspectiva são o espaço “(...) Primeiro porque este se dirige de modo coordenado a nossas
sensações visuais e táteis; depois porque, mesmo no interior do visìvel, a expressão icônica do
espaço mobiliza muitos outros fatores além da perspectiva (em particular todos os efeitos de
luz e de cores)” 32.
Para Arnheim (2004), a luz cria o espaço, pois “Todos os gradientes têm a capacidade
de criar profundidade e os gradientes de claridade se encontram entre os mais eficientes. Isto é
válido para os conjuntos espaciais, tais como interiores e paisagens, mas também para objetos
isolados” 33. A luz é a responsável por definir a composição tonal da imagem, ou seja, o brilho
dos seus elementos estruturantes, delineando, expondo formas e contornos, aplainando ou
ressaltando volumes e texturas, e, sobretudo, definindo a atmosfera geral. Manipulada pela
produção, através dos recursos técnicos e artifìcios da iluminação, a depender do seu desenho
esta interfere tanto visualmente na concepção do espaço da representação, quanto pode definir
significados e sentidos na narrativa visual da obra.
(...) este espaço estruturado primeiramente pela direção de arte, ou seja, o espaço
cenográfico, sofre a ação de um elemento durante seu registro que atua de maneira
significativa nesta operação: a luz. A luz que incide sobre este espaço e seus objetos
constituintes determinará uma relação de consonância com a direção de arte ou não.
A direção de arte visa uma intenção plástica, de certa forma inerente dado seus
elementos de trabalho, essencialmente visuais, que pode ser desestruturada ou não
de acordo a uma determinada atuação da iluminação. (BUTRUCE, 2005, p.32)
Para Aumont (2004), a luz pode apresentar três funções na representação: a função
simbólica, que relaciona a concepção de luz da imagem a um sentido subjetivo; a função
dramática, ligada a uma estruturação formal do espaço como cênico; e a função atmosférica
“(...) que não passa, talvez, de um longìnquo bastardo da função simbólica, lá onde esta se
32
AUMONT, 1993, p.228.
33
ARNHEIM, Rudolf. Arte & percepção visual. Uma Psicologia da Visão Criadora. Tradução de Ivonne
Terezinha de Faria. São Paulo: Pioneira Thomson Learning, 2004.
47
torna fraca demais, já não responde a uma codificação forte, facilmente compreensìvel”34.
Essas três funções podem, contudo, coexistir na estruturação de um mesmo quadro.
Segundo Block (2010), nos processos produtivos a tonalidade pode ser controlada por
três maneiras: pelo controle da reflexão dos valores tonais reais dos objetos, aspecto que
compreende o campo da direção de arte; pelo controle de incidência pela iluminação; e pela
exposição, através dos ajustes de câmera e lente. No caso especìfico do controle tonal ser de
total responsabilidade da direção de arte durante todo o perìodo da produção, a iluminação
deve ser plana, evitando-se sombras. “Deve haver a mesma quantidade de luz em toda parte,
porque a escala de cinza será controlada pelo valor real de brilho dos objetos e não pela
35
iluminação” . A estruturação da composição tonal de uma imagem está relacionada,
portanto, às escolhas da paleta de cores.
Se uma produção requer um visual escuro, pinte sua cena com tons escuros, vista
roupas de cores escuras, use apenas objetos de cores escuras e remova todos os
objetos claros da tomada. A escuridão das imagens será determinada pela escuridão
dos objetos existentes na tomada. A produção será escura, porque tudo que será
filmado é escuro. Um ator não pode usar uma camisa branca; ela deve ser cinza ou
preta. Em contraposição, para criar um visual claro, remova todos os objetos escuros
e substitua-os por objetos claros. Para dar a uma produção um visual contrastante,
use apenas objetos muito escuros e muito claros nas tomadas. (BLOCK, 2010,
p.129)
34
AUMONT, 2004, p. 175
35
BLOCK, 2010, p. 129.
36
ARNHEIM, 2004, p.323.
48
Neste primeiro capìtulo, apresentamos uma sistematização dos conceitos e das práticas
que norteiam os processos criativos da direção de arte, além de uma abordagem teórica das
premissas que regem este campo de pesquisa, com o intuito de construir um repertório
conceitual imprescindìvel à análise da visualidade do objeto de estudo desta pesquisa. O
nosso objetivo especìfico foi discorrer sobre papel do projeto de arte na estruturação da
encenação e da imagem audiovisual, considerando a proposição estética de obras de
teledramaturgia dirigidas Luiz Fernando Carvalho.
No próximo capìtulo, partiremos para a contextualização midiática desta pesquisa no
universo da televisão brasileira, mais especificamente no da Rede Globo de Televisão,
estabelecendo uma relação do meio com os processos da direção de arte e buscando entender
como esta conjuntura se expressa no estilo do referido diretor.
50
Hoje onipresente, a televisão era uma incógnita quando sua primeira transmissão foi
ao ar, em setembro de 1950. Ao longo de sua existência, foi se firmando como a
mìdia de maior impacto na sociedade brasileira. Ela é a principal opção de
entretenimento e de informação da grande maioria da população do paìs. Para
muitos, é o único. Suas imagens pontuam – mobilizam em muitas formas – a vida e
as ações de milhares de pessoas. A televisão faz parte, enfim, da vida nacional. Ela
está presente na estruturação da polìtica, da economia e da cultura brasileiras.
(RIBEIRO; SACRAMENTO; ROXO, 2010, p. 07)
[...] não há dúvidas de que o teleteatro, nas duas primeiras décadas de instalação da
TV brasileira, foi o desbravador do desconhecido terreno da linguagem televisiva.
Os pioneiros traziam técnicas oriundas do rádio e do cinema para aplicá-las à TV.
Foi um lento aprendizado atrás das câmeras, no qual mergulharam profissionais
oriundos de várias áreas da comunicação. Atuavam como bandeirantes que
experimentaram diversas linguagens estéticas até descobrirem como fazer televisão
[...] O teleteatro, de certa forma, carregou consigo uma tendência que ainda persiste
na nossa televisão, qual seja, a de fazer a simbiose entre as obras-primas da literatura
ou do teatro à comoção de maiores e heterogêneas plateias. (RIBEIRO;
SACRAMENTO; ROXO, 2010, p. 38)
37
RIBEIRO; SACRAMENTO; ROXO, 2010, p. 60
53
se tornam diárias, e mais populares. Com a chegada do videoteipe, os programas passam a ser
gravados; o que permite um maior planejamento das filmagens e diminui a margem de
imprevistos. A TV começa a se popularizar e as pesquisas conseguem traçar o perfil do seu
público-alvo, tornando possìvel medir o ìndice de audiência da sua programação. A televisão
se consolida, nesta década, como um veìculo de comunicação de massa.
A TV Excelsior de São Paulo, fundada em 1960, é, neste ponto, a pioneira entre as
outras emissoras em transformar o modo de se fazer televisão no paìs, quando, a partir de uma
visão empresarial inovadora, cria um slogan e logotipo institucional, reestrutura a sua grade
de programação, estabelecendo dias e horários fixos dos programas, e exibe a primeira novela
diária da televisão brasileira. Além disso, oferece melhores salários para os atores e equipe
técnica e implanta os departamentos especializados em cenografia e figurino. A criação destes
departamentos é a primeira iniciativa até então de profissionalizar a área de direção de arte no
meio televisivo brasileiro. Antes, as produções televisivas, marcadas pelo improviso,
buscavam nas práticas do teatro as suas principais referências para a construção dos cenários e
para o desenho de figurinos, concepções nem sempre adequadas ao novo meio. A partir da TV
Excelsior, todos os processos passam a ser pensados exclusivamente para a linguagem
televisiva e os profissionais passam a se especializar na área. “Finalmente, a TV Excelsior
implantou na televisão brasileira uma mentalidade profissional que pressupunha o
rompimento com o tipo de produção artesanal”38.
Ao mesmo tempo, o rompimento com as antigas formas de produção trouxe renovações
de linguagem para a teledramaturgia. A telenovela Beto Rockfeller (1968), escrita por
Cassiano Gabus Mendes e exibida pela TV Tupi, representou, neste sentido, uma ruptura na
linguagem televisiva da época, por investir no realismo e em diálogos coloquiais, e em uma
narrativa próxima ao cotidiano do público, em um contexto em que os padrões tradicionais da
dramaturgia eram definidos por enredos artificiais e fantásticos. O sucesso da produção levou
a que as outras emissoras seguissem na mesma direção.
A ideia de que a dramaturgia de televisão havia chegado ao ridìculo, nos anos 1960,
só faz sentido se levarmos em conta que a referência utilizada para pensa-la era o
teatro consagrado. Esse é o momento, então, que a ficção – aquela feita pelos
profissionais vindos do rádio – começa a, deliberadamente, se distanciar do teatro,
em especial aquele consagrado, e a se aproximar do “povo” e da “realidade”.
(RIBEIRO; SACRAMENTO; ROXO, 2010, p. 70)
38
Ibid, p. 54
54
Inaugurada na década de 1960, a Rede Globo investiu nos seus primeiros anos de
transmissão em um modelo de produção tradicional e na reprodução de fórmulas televisuais
consagradas à audiência popular – e ao mercado de consumo que esta representava -, tais
como programas de auditório, de variedades e jornalìsticos pautados no sensacionalismo e na
39
„A televisão brasileira, e principalmente a do Rio de Janeiro, se consolida com base na ideia de que o “fazer
televisão” é fazer programas “ajustados à rotina de horários de trabalho e de lazer de uma casa”. Daì que o
“público” por excelência da televisão é a “famìlia”. Esse é um detalhe da maior importância. Quando a TV
Globo, nos anos 1970, se consolida como a maior emissora no Brasil, graças ao projeto de integração
nacional promovido pelo regime militar, ela estende a ideia de que a televisão é um “produto familiar” em
nìvel nacional‟. (RIBEIRO; SACRAMENTO; ROXO, 2010, p. 64).
55
exploração do chamado “mundo cão”, e nas cada vez mais populares telenovelas e seriados;
dando inicio à sua produção de teledramaturgia já em 1965, quando veiculara os seus
primeiros produtos: o seriado Rua da Matriz, dirigido por Otávio da Graça Mello e inspirado
na novela inglesa Coronation Street (1960); e a novela Ilusões Perdidas, com texto de Enia
Petri e direção de Lìbero Miguel e Sérgio Brito.
Entre as produções desta fase inicial predominou o gênero conhecido como “capa e
espada”: tramas de forte apelo melodramático adaptadas de clássicos da literatura universal
por Glória Magadan, a então diretora de dramaturgia da emissora. Essas obras apresentavam
narrativas fantásticas e fantasiosas, contextualizadas em espaços e épocas distantes da
realidade dos telespectadores brasileiros, e que, embora ainda fossem veiculadas em preto-e-
branco, se caracterizavam por uma visualidade luxuosa e extravagante, expressiva nos
aspectos formais dos desenhos do figurino, da cenografia e da maquiagem. Entre as principais
produções do perìodo, podemos citar as novelas Eu compro esta mulher (1966), O Sheik de
Agadir (1967) e A Última Valsa (1969).
A partir desse momento, a emissora passou a investir a cada ano na produção de uma
dramaturgia televisiva, concentrando, consequentemente, grande parte dos esforços
na pesquisa dos elementos cenográficos. O gênero passou a ser, na TV Globo, o
grande laboratório de experiências cenográficas (CARDOSO, 2009, p. 41).
40
MEMÓRIA GLOBO. Entre tramas, rendas e fuxicos: o figurino na teledramaturgia da TV Globo. São
Paulo: Globo, 2007.
57
Na área de figurino, Arlindo Rodrigues foi o principal responsável por vestir as mais
importantes estrelas da época, como Glória Menezes, Leila Diniz e Yoná Magalhães. “Arlindo
é quem ditava o estilo das roupas, maquiagens e penteados dos atores da teledramaturgia da
TV Globo em seus primórdios [...] assinou os figurinos – e muitas vezes os cenários – da
maioria das novelas produzidas na emissora nessa época”41. Neste perìodo inicial os
profissionais ainda não contavam com instalações e estruturas de guarda-roupas e de acervo
adequadas, mas “[...] cerca de 90% dos figurinos eram confeccionados na própria emissora, e
raramente as roupas eram alugadas ou compradas. Excepcionalmente, faziam-se encomendas
a algum ateliê de costura”42.
por utilizar, como pano de fundo para a trama, referência do cotidiano das pessoas e
ambientações cenográficas naturais. A telenovela começou a ter, então, uma linguagem
própria”. As equipes de arte da emissora necessitaram acompanhar o novo conceito.
Seguindo essas novas diretrizes, a figurinista Marìlia Carneiro, que chegou à Rede
Globo em 1973, cria um conceito de figurino inovador. As roupas das personagens, além de
serem confeccionadas na emissora, passam também a ser acessadas no mercado da moda, o
que contribui para uma projeção ainda maior de realismo na teledramaturgia. „Calcados na
realidade, nos anos 1970 os figurinistas foram aprendendo a trabalhar com o que se costuma
chamar de “vivência”, tentando aproximar os figurinos do cotidiano vivido fora da tela. A
estética urbana e naturalista tomou conta de novelas e seriados‟44.
A figurinista achava que se perdia muito tempo com a confecção de roupas e teve
carta branca para fazer um garimpo pelo mercado da moda. [...] “Tive oportunidade
de fazer o link da moda com o figurino, porque eu vinha desse universo, e as pessoas
que estavam na emissora tinha outra formação. Era tudo mais enfeitado, talvez
porque eles lidassem mais com a época do que com o cotidiano”, afirma Marìlia,
que lançou na TV Globo uma nova função: a de caçadora de tendências. Na época, a
novidade provocou resistência, mas acabou sendo adotada na produção de histórias
contemporâneas. (MEMÓRIA GLOBO, 2007, p. 54)
44
MEMÓRIA GLOBO, 2007, p. 54
59
O figurinista Carlos Gil e o diretor de arte e artista plástico Carlos Haraldo Sörensen,
profissionais considerados fundamentais na criação dos figurinos da TV Globo, chegaram à
emissora no inicio destas mudanças, que implicaram também na valorização de uma maior
simplicidade na caracterização das personagens. “Com um colete de couro, compus o João
Coragem” 45, relata Sörensen se referindo ao figurino da novela Irmãos Coragem, escrita por
Janete Clair e dirigida por Daniel Filho e exibida em 1970.
Essa produção se destaca também por apresentar a primeira cidade cenográfica da
Rede Globo46, construìda numa área de 5.000 m² 47
na Barra da Tijuca, Zona Oeste do Rio.
Era o inìcio da implantação deste tipo de projeto cenográfico nas suas produções. Apesar dos
problemas técnicos iniciais, após a experiência, os cenógrafos e cenotécnicos tornaram-se
mais instrumentados na concepção e execução dos projetos, e outras cidades cenográficas
foram construìdas para produções posteriores, configurando-se atualmente como uma forte
tradição da teledramaturgia da emissora.
Para Daniel Filho (2001: 255-260) os cenógrafos, nesse momento, ainda não
dominavam completamente as técnicas necessárias para construções desse porte.
Como resultado disso, a cidade desabava semanalmente, e os acabamentos não eram
feitos de forma adequada, gerando uma série de problemas na captação de imagem e
som. (CARDOSO, 2009, p. 44)
45
MEMÓRIA GLOBO, 2007, p. 49
46
A primeira cidade cenográfica do Brasil, e da América do Sul, foi construìda pelo cenógrafo Pierino Massenzi
(1925 -2009) nos estúdios da Companhia Cinematográfica Vera Cruz para as gravações do filme Tico-tico no
fubá (1952). (HAMBURGER, 2014)
47
CARDOSO, João Batista Freitas. Cenário televisivo: linguagens múltiplas fragmentadas. São Paulo:
Annablume; Fapesp, 2009.
60
48
MEMÓRIA GLOBO, 2007, p. 81.
61
As minisséries são uma das grandes novidades da década de 1980, a começar por
Lampião e Maria Bonita, a pioneira. Os figurinistas passam a trabalhar com
produções requintadas e mergulham em pesquisas históricas para a caracterização
dos personagens, saìdos da literatura ou representativos de momentos marcantes da
história do Brasil. Um dos destaques é Grande Sertão: Veredas, cujos figurinos
foram idealizados pelo próprio diretor Walter Avancini. (MEMÓRIA GLOBO, 2007,
p.39)
49
MEMÓRIA GLOBO. Guia ilustrado TV Globo: novelas e minisséries. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed.,
2010.
50
MEMÓRIA GLOBO, 2010, p.249.
62
51
Pesquisa de campo realizada no PROJAC, a Central Globo de Produção, no dia 27.10.14, com visita guiada a
estúdios de gravações, cidades cenográficas, acervo de figurinos e departamento de efeitos especiais.
52
É importante destacar que a Direção de Arte representa um dos principais incrementos da experimentação de
linguagem nas narrativas seriadas televisivas.
64
53
MEMÓRIA GLOBO. Guia Ilustrado TV Globo: novelas e minisséries. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2010.
65
Atualmente pode-se entrever, contudo, uma ampliação de espaço para o diretor de arte
na TV, na medida em que o surgimento da imagem em alta definição demanda um
aprimoramento das equipes televisivas e requer maiores cuidados com a concepção imagética.
Já é possìvel inclusive vislumbrar em uma gama de produções recentes a nomeação de
diretores de arte, tanto em obras oriundas do contexto experimental das minisséries - este é o
caso de Hoje é Dia de Maria, que tem a direção de arte creditada a Lia Renha, e de Suburbia,
com direção de arte de Mário Monteiro - quanto em produções irrestritas a este campo – nas
novelas Lado a lado (2012), de Dennis Carvalho, e Império (2014), de Aguinaldo Silva,
ambas também assinadas pelo diretor de arte Mário Monteiro. Assim, a direção de arte
televisiva parece estar se estruturando e se encaixando na hierarquia de funções da Rede
Globo, e embora se organize, na maioria das obras, por uma cadeia de produção industrial,
cumpre premissas conceituais análogas às do cinema, atuando inclusive na construção de
visualidades instigantes, catalizadoras de significados extratextuais.
Segundo consta no Guia da TV Globo54, o processo de concepção de um produto de
teledramaturgia da emissora segue como etapas produtivas a elaboração de sinopse, a pré-
produção, a produção, a pós-produção e o lançamento. O recorrente é que no perìodo da pré-
produção, após a escrita da sinopse e dos primeiros capìtulos ou episódios (ou de todo o texto
no caso de minisséries, unitários e especiais), o autor (denominação que aqui se refere à
autoria do texto narrativo) e o diretor da obra determinem juntos a forma como a história será
contada através das imagens, definindo os conceitos que irão nortear a sua estética e que serão
repassados para o restante da equipe.
[...] vem a fase de pré-produção. Autor e diretor, juntos, definem como aquela
história será contada através das imagens. Quanto maior é a afinidade artìstica dessa
dupla, maiores são as chances de o projeto ser bem-sucedido. A partir daì, as
escolhas conceituais – por exemplo, que estética terá a obra – são transmitidas às
equipes de cenografia, produção de arte, figurino, caracterização, fotografia e efeitos
visuais, que começam a fazer as pesquisas especìficas de suas áreas. Paralelamente,
ocorre a escalação do elenco e a seleção de locações externas. (MEMÓRIA
GLOBO, 2010, p. 8)
54
MEMÓRIA GLOBO, 2010, p. 8
55
MEMÓRIA GLOBO, 2010, p. 11
66
forma geral, pode dar indicações estéticas no texto, porém não interfere diretamente nos
processos de concretização da obra. No cinema, o diretor é o autor da obra e a sua estética
resulta da parceria entre a direção, a direção de fotografia e a direção de arte, um tripé
profissional que conceitua e direciona a criação da visualidade fìlmica; cabendo aqui, no
entanto, uma relativização destes processos de acordo com o perfil da produção.
Assim, é na etapa de pré-produção de uma novela ou minissérie, que a equipe de arte
tem acesso aos conceitos e ideias definidas pelo autor e diretor, e sob estas orientações segue
para a pesquisa de referências visuais, de iconografia, de técnicas e de materiais, e para a
construção de esboços, maquetes e protótipos, sempre em alinhamento com a estética
proposta. Após este perìodo de reuniões, de conceituação e de pesquisa, parte-se então para a
etapa de produção, que ocorre de dois a três meses antes da estreia da obra e se caracteriza
como o momento da montagem dos cenários e de seleção de objetos de cena, confecção ou
compra de figurinos, de definição da maquiagem e penteados das personagens e de
planejamento dos efeitos especiais, além das gravações propriamente ditas, com o
envolvimento dos demais profissionais atuantes no set. Neste perìodo é prevista ainda a
realização dos ensaios e provas com o elenco e equipes, e de testes com os elementos cênicos
construìdos ou adquiridos, considerando a sua relação expressiva no conjunto, com a paleta de
cores e com a iluminação.
É importante destacar que a produção de teledramaturgia atual demanda um intenso
rigor estético na concepção formal de cenários, figurinos e maquiagens, na medida em que a
influência visual destes elementos na composição imagética foi intensificada com a alteração
do padrão televisivo do analógico para o digital e com o inìcio da veiculação das imagens em
alta definição, que favorecem uma maior percepção dos detalhes, texturas e acabamentos do
quadro televisual, e determina assim novos parâmetros técnicos e processuais para as equipes.
Logo após as gravações das cenas, o material capturado segue para a pós-produção,
etapa que contempla a edição e sonorização das imagens, os ajustes e tratamentos de cor e de
textura, e da produção de efeitos visuais, além da criação das aberturas dos programas. Com
os avanços tecnológicos das ferramentas digitais da computação gráfica, as técnicas da pós-
produção tem interferido cada vez mais nos processos da equipe de arte televisiva,
principalmente no que concerne a concepção da paleta de cores e da iluminação, e nos
procedimentos das áreas de cenografia, caracterização e efeitos especiais, pontos que
voltaremos a discutir no decorrer deste texto.
A Rede Globo produziu e veiculou nos últimos anos uma série de produções marcadas
por uma intensa estetização da imagem, promovida principalmente pelo uso de modernas
67
Finalizado o produto, contando um mês para a sua estreia tem inìcio a etapa das
campanhas de lançamento, que contempla a criação de peças publicitárias impressas e
digitais, a realização de eventos promocionais e a divulgação do produto nas mìdias sociais,
em reportagens e nas chamadas na própria emissora. “Por fim, essa roda continua a girar
durante todo o perìodo de exibição das produções, que varia de seis a oito meses para as
novelas e de uma semana a três meses para as minisséries, aproximadamente”56. As
minisséries são um caso especifico de produções que vão ao ar após o produto estar
completamente acabado, com todas as etapas de criação finalizadas, sem intervenções
posteriores por questões de conteúdo ou audiência.
Neste processo de produção, as equipes atuam convencionadas às particularidades da
linguagem televisiva, ao chamado padrão globo de qualidade e sob as diretrizes dos
departamentos e acervos da Central Globo de Produção. Com infraestrutura e tecnologia para
56
MEMÓRIA GLOBO, 2010, p. 9
68
Além das cidades cenográficas, são construìdos, por novela, de 40 a 80 cenários que
reproduzem os interiores dos espaços.
69
Nos últimos anos, o uso das ferramentas da computação gráfica permitiu inovações na
área de cenografia. A utilização do digital backlot, recurso tecnológico que possibilita a
criação de cenários virtuais para compor visualmente as cenas, solucionou os transtornos
logìsticos e os custos de deslocamento decorrentes da necessidade de gravação de cenas em
lugares ou paìses distantes do Projac. A técnica consiste na captação de imagens em locações
reais, com profundidade de campo e textura análogos ao ambiente real, e na sua inserção nas
imagens, artificialismo praticamente imperceptìvel para o público. “Essas técnicas aplicadas
na pós-produção dependem do uso do cromaqui nas gravações, um painel geralmente na cor
verde ou azul que permite a posterior inserção de imagens pela computação”57. Há, portanto, a
coexistência na televisão de dois tipos de cenários, a que Cardoso (2009, p. 54) define como
cenários corpóreos, construìdo com recursos materiais como madeira, ferro, tecidos e etc,, e
cenários virtuais construìdos digitalmente por computação gráfica.
Em termos conceituais e funcionais, o cenário televisivo, mesmo submetido às
convenções das representações televisuais, apresenta ainda uma configuração que remonta às
suas origens teatrais e cinematográficas: conceitualmente alinhada às premissas do texto
narrativo e à encenação. Nas práticas televisivas os espaços cênicos são construìdos de forma
a permitir o deslocamento de duas ou mais câmeras grandes e pesadas, além dos seus
adicionais técnicos, como fios, cabos e monitores (uma realidade em processo de
transformação com a introdução de câmeras digitais avançadas na rotina da emissora). Esses
espaços têm ainda o seu alcance comunicacional minorado na maior parte das produções,
devido principalmente a composição do quadro televisivo, no qual prevalecem os primeiros
planos de rostos dos atores ou detalhes dos seus corpos, com foco essencialmente nas suas
expressões, nos seus gestos e nas suas falas. Segundo Cardoso (2009, p. 18):
57
MEMÓRIA GLOBO, 2010, p. 18
70
58
MEMÓRIA GLOBO, 2010, p. 139
71
gravatas, óculos e bengalas”59, e uma fábrica de costura, onde são confeccionados os trajes e
são realizados o tingimento e desgastes das peças, dando-lhes vivência. “A média é de 1.340
peças por mês. Tramas de época são freguesas assìduas [...] Nos últimos anos, são as
minisséries que lideram os pedidos de confecção: cerca de 80% de seus figurinos são
confeccionados na fábrica”60.
59
Ibid, p. 159
60
Ibid, p. 152
61
Ibid, p. 82
72
62
MEMÓRIA GLOBO, 2010, p.12
73
Rede Globo, consideramos então termos alcançado neste estudo um repertório teórico e
empìrico fundamental para construirmos um entendimento das condições da inserção do
diretor Luiz Fernando Carvalho neste contexto industrial e analisarmos o quanto a direção de
arte das suas produções refletem estas variáveis produtivas. Assim, neste subitem iremos
também discorrer sobre os projetos de arte desenvolvidos nas suas obras, mas com um foco
principal no conjunto das minisséries que dirigiu.
É importante pontuarmos que o conteúdo sistematizado está estruturado a partir de uma
descrição das escolhas do diretor e das equipes de arte nas produções e na definição do
conceito visual desenvolvido em cada uma delas, priorizando, nesta análise, os dados
empìricos referentes aos processos de concepção e fabrico dos elementos da cenografia, do
figurino e da caracterização, além das suas reverberações na encenação e na visualidade das
obras. Não pretendemos aqui apresentar uma análise visual ampliada de cada uma dessas
produções, principalmente por conta do tempo e do espaço disponìvel; com exceção
obviamente de Suburbia, objeto de análise desta pesquisa, cuja narrativa, processos criativos
da direção e da equipe de arte, e visualidade serão pormenorizados no terceiro capìtulo.
Considerando ainda os objetivos propostos para esta pesquisa, o intuito de lançarmos
um olhar sobre a direção de arte destas minisséries está não somente em uma busca do
entendimento da relação conceitual da função com a estruturação da encenação e das
visualidades, mas também em pontuarmos de qual modo cada uma dessas obras isoladamente
representa uma postura estética diferenciada no percurso da construção do estilo do diretor
Luiz Fernando Carvalho, e como a relação do diretor com a direção de arte se articula neste
processo. Não podemos afirmar, no entanto, que estas obras foram produzidas dentro de uma
lógica evolutiva, em que a estética da produção mais recente nega a da anterior ou que há um
crescimento qualitativo a cada nova produção. As minisséries simplesmente dialogam,
podendo, por vezes, se referenciar, se opor ou se complementar. Mas cada uma delas detém o
seu espaço e valor neste conjunto de estéticas diversas.
Ao defendermos neste estudo o diretor Luiz Fernando Carvalho como um autor no
âmbito da produção industrial televisiva, se faz necessário definir como os projetos de arte das
suas obras expressam essa perspectiva autoral. Assim, se a autoria se revela na forma singular
e, por vezes inovadora, de como o realizador estrutura a encenação, os elementos da direção
de arte alimentam essas premissas conceituais, refletindo as suas opções visuais e estéticas ao
manipular criativamente ou mesmo subverter linguagens. Nesse sentido, Carvalho é um
diretor que visualiza a potencialidade criativa de todas as matérias que ocupam o espaço da
encenação. Sejam a atuação e a coreografia dos corpos dos atores, a fotografia ou os
76
63
Afirmativa do diretor em palestra proferida no dia 12/11/14 sobre a novela Meu Pedacinho de Chão dentro da
programação do Festival Internacional de Televisão 2014, realizada na FAAP (Fundação Alves Penteado) em
São Paulo.
77
A trajetória de Luiz Fernando Carvalho na Rede Globo teve inìcio na década de 1980,
época em que a crise na produção cinematográfica nacional e a escassez de novas produções,
o levaram a migrar do cinema para a televisão. Integrando a equipe do projeto Usina de
Teledramaturgia da Rede Globo de Televisão, estreou na emissora como assistente de direção
das minisséries O Tempo e o Vento (1985), de autoria de Doc Comparato e direção de Paulo
José, e Grande Sertão: Veredas (1985), uma adaptação da obra homônima de Guimarães
Rosa, dirigida por Walter Avancini. Sobre esta fase inicial, assim declara o diretor:
Então chegou o dia em que esses trabalhos foram rareando, rareando, e caìmos
naquela crise conhecida, onde uma grande quantidade de cineastas migrou para a
televisão ou para a propaganda. Eu fui parar naquele núcleo da Globo Usina, que era
um núcleo, digamos assim, da nata do que poderia se chamar de televisão. Não era
um núcleo formado apenas por técnicos da televisão, era composto também por um
número grande de profissionais vindos do cinema: Zé Medeiros, Dib Lutfi, Walter
Carvalho [...] Entrei como assistente de direção das minisséries e Quartas Nobres.
(CARVALHO, 2001, p. 16)
64
Luiz Fernando Carvalho também realizou trabalhos de direção para a extinta Rede Manchete, as novelas
Helena (1987) e Carmen (1987/88), esta última em direção conjunta com José Wilker e Denise Saraceni.
65
CARVALHO, Luiz Fernando. Sobre Lavoura Arcaica, Ateliê Editorial, SP, 2001, p.18.
78
Suburbia (2012). Em 2013, dirige para o Fantástico o especial Correio Feminino e após, o
especial de final de ano Alexandre e outros heróis. Em 2014, o diretor retorna à produção de
telenovelas realizando Meu Pedacinho de Chão, com texto de Benedito Ruy Barbosa. No
perìodo de finalização desta pesquisa, a minissérie Dois Irmãos, baseada na obra de Milton
Hatoum, se encontrava em processo de produção.
A partir dos interesses deste estudo, cuja análise está centrada nos processos de
construção de visualidades, selecionamos aqui, deste conjunto de produções, as obras que
consideramos representativas na formação profissional do diretor e na construção do seu
estilo na televisão, apontando, em cada uma delas, as nuances de uma fase especial na
trajetória de Luiz Fernando Carvalho e, principalmente, uma postura diferenciada do diretor
acerca da concepção visual de produtos de teledramaturgia. Para fins de embasamento desta
abordagem, convém incluir ainda, junto à listagem realizada anteriormente, o longa-metragem
Lavoura Arcaica (2000), que embora seja um produto oriundo de processos estritamente
cinematográficos, tem grande relevância no quadro de produções artìsticas do diretor, por
exercer uma forte influência nas suas produções televisivas realizadas posteriormente, tanto
em termos estéticos quanto produtivos.
A minissérie Grande Sertão: Veredas, dirigida por Walter Avancini, um dos primeiros
trabalhos de assistência de direção de Luiz Fernando Carvalho na tevê é uma obra
determinante na sua formação televisiva, justamente por proporcionar a sua primeira
experiência na direção de um programa. „Num determinado dia, lá no meio do sertãozão, ele
(Avancini) tinha acabado de dar o almoço, reuniu toda a equipe e o elenco: “Olhem, estou
indo embora, o Luiz Fernando vai fazer o resto” [...]‟66. Para além da sua formação prática na
concepção e produção de imagens audiovisuais, os frutos positivos desta experiência inicial
de Carvalho na tevê se evidenciam, sobretudo, na sólida influência de Avancini na perspectiva
criativa e profissional do diretor frente ao exercìcio televisivo e, possivelmente, nas suas
reflexões acerca do papel social da televisão.
Avancini foi uma figura importante também na minha formação prática, porque veio
nesse momento em que eu buscava fazer essa transfusão entre cinema e televisão, o
que eu poderia receber como ensinamento de uma linguagem e de outra, sem ser
preconceituoso: “Ah, televisão é ruim, cinema é bom...” Eu não acredito nisso. No
caso especìfico da dramaturgia, eu percebo que existem coisas boas tanto num
veìculo quanto no outro, e coisas ruins num quanto noutro. (CARVALHO, 2001, p.
18)
66
CARVALHO, 2001, p. 17
79
Realmente, eu me preparei muito para realizar Grande sertão, e esse trabalho foi,
sem dúvida, o meu grande momento, um momento em que consegui sintetizar toda a
minha experiência como diretor e realizador de televisão.
[...] Para perceber o grande sertão do Guimarães era preciso ter o olhar mágico que
ele teve. [...] descobrir toda a magia do Grande sertão no fragmento de uma luz
filtrada através das folhas das árvores, no ruìdo cantante de um riacho, no voo de um
pássaro sobre os campos, enfim, numa série de fragmentos que refletem todo o
encantamento do Grande sertão [...] (AVANCINI, 2004, p. 170)
No que se refere aos processos da direção de arte, é possìvel apontar nas produções
dirigidas por Avancini, uma preocupação do diretor com a dimensão prática e criativa do
projeto de arte e, neste sentido, com a linguagem visual construìda nas obras. A criação do
projeto de arte resultava da realização de minuciosas pesquisas sobre o universo a ser
retratado na narrativa, para, a partir destas referências, investir-se na construção de projetos de
cenografia, figurino e caracterização calcados na vivência sobre a temática abordada, ou seja,
concebidos a partir de um forte laço conceitual entre texto, realidade e imaginário social, sem
distorções ou exageros visuais supérfluos.
Sobre o seu processo criativo, assim relata a figurinista Marilia Carneiro, se referindo
ao processo de criação do figurino da novela Gabriela (1975): “[...] Walter Avancini não
67
Disponível em: http://memoriaglobo.globo.com/perfis/talentos/walter-avancini/trajetoria.htm. Acessado em:
20de janeiro de 2015.
80
suportava muitos enfeites, gostava de representar a vida como ela é. Ele queria vivência.” 68.
Na minissérie Rabo de Saia, é a paleta de cores dos trajes das personagens que ganha
destaque na narrativa, ganhando autenticidade e protagonismo em determinadas cenas: “As
cores do figurino de Quequé (Ney Latorraca), sempre de terno de linho e chapéu-panamá,
mudavam de acordo com o perfil de cada esposa”69. Já em Grande Sertão: Veredas, a
preocupação com a visualidade da obra era tamanha, que o próprio diretor foi o responsável
pela idealização e escolha dos materiais para a confecção dos figurinos.
Figura 16. Grande Sertão Veredas: figurinos idealizados por Walter Avancini.
Fonte: Memória Globo
Assim como Avancini, Luiz Fernando Carvalho extrai da pesquisa e da vivência das
suas equipes sobre o roteiro e o universo temático da obra, tal como da experimentação da
linguagem televisual e da direção de arte, a chave para a construção narrativa e visual das suas
produções, o que reflete não somente as particularidades do processo criativo do diretor, mas,
sobretudo, a sua visão particular sobre a teledramaturgia. Carvalho demonstra estar totalmente
comprometido com a ideia de qualidade, por acreditar ser a televisão um importante
instrumento educacional, cabendo aos profissionais da tevê conceber produtos de relevância
sociocultural. Um dos principais traços dos seus trabalhos é, inclusive, a adaptação de textos
literários, cujas narrativas e imagens são construìdas de forma a instigar no público o valor
68
MEMÓRIA GLOBO, 2007, p. 56
69
Id., 2010, p. 256
81
artìstico da literatura. “Sinto que se faz necessário aos artistas e aos especialistas que
70
trabalham na televisão pensarem numa nova missão para a televisão” e que “Esta nova
missão estaria, no meu modo de sentir, diretamente ligada à educação, a uma reeducação a
partir das imagens e dos conteúdos” 71.
A visualidade de Renascer, o seu primeiro trabalho na direção geral de uma telenovela
já é, neste sentido, um resultado das indagações do diretor sobre a função e a qualidade das
representações concebidas e veiculadas pela televisão. Sobre o seu processo criativo na obra,
Carvalho explica que estava “... mergulhado na questão da brasilidade, da necessidade de
colocar na televisão alguma coisa menos estereotipada, mais humanizada, com mais verdade,
72
privilegiando o rosto local...” . As escolhas formais das equipes de fotografia e de arte da
novela refletem esta premissa conceitual, além de se alinharem à proposta da direção de
investimento no refino e na experimentação da linguagem televisiva, o que se evidencia na
concepção fotográfica das imagens e dos movimentos de câmera. Já a estruturação do projeto
de arte é pautada essencialmente pela pesquisa, definindo, deste modo, a vivência sobre o
universo temático do texto como o conceito que direciona todo o processo de concepção da
visualidade, e que confere densidade à narrativa.
Esta trama tinha como cenário a região cacaueira de Ilhéus, no sul da Bahia, e um
protagonista cujo visual lembrava a velha imagem dos coronéis baianos, vestido
com roupas de linho claro e botas de couro. [...] Os trabalhadores das lavouras de
cacau, por sua vez, traziam estampada a rudeza da vida no campo, com uma
caracterização que valorizava o tom curtido da pele e roupas carregadas de vivência,
como jeans e chapéus de couro surrados. Assim se vestia o jovem herói João Pedro
(Marcos Palmeira), o filho mais novo e rejeitado de José Inocêncio. (MEMÓRIA
GLOBO, 2007, p. 244)
70
CARVALHO, 2001, p. 31
71
Ibid, p.31
72
Ibid, p. 29
82
Carvalho seguiu a opção por uma extensão e intensificação das etapas de pesquisa e do
período laboratorial, que são estruturados segundo dois momentos: inicialmente o diretor
realizou, juntamente com a sua produtora e com o próprio Nassar, uma viagem ao Oriente
Médio, especificamente ao Lìbano e à Sìria, com o objetivo de empreender uma imersão no
universo cultural sugerido no texto literário e desse modo coletar referências para a produção
do filme. O registro audiovisual da viagem resultou no documentário Que teus olhos sejam
atendidos (1997), exibido pelo canal de televisão GNT.
Já em um segundo momento, após reunir uma série de referências materiais, visuais e
gestuais conforme as indicações da narrativa, o diretor investiu na intensificação da
preparação conceitual e técnica do elenco e da equipe de produção, conduzindo todos os
profissionais envolvidos no projeto a um confinamento na fazenda/ locação do filme por três
meses. Nesse perìodo, os atores executaram todas as tarefas atribuìdas às suas personagens, de
forma a promover uma apropriação dos tipos pelas relações estabelecidas no cotidiano: a
rotina diária do elenco envolvia a lida com a terra, com as plantações e com os animais, além
do uso de trajes, objetos e utensìlios da época retratada e da participação em oficinas teóricas
de temáticas relevantes à composição das cenas e de aptidões especìficas.
Toda a filmagem foi realizada ainda sem roteiro prévio e as cenas foram construìdas a
partir de uma leitura direta do texto do livro e da experimentação cênica coletiva. “Eu ficava
com eles, trabalhando junto com eles, ora observando, anotando as movimentações, ora
estimulando fisicamente os acontecimentos, criando situações... porque as improvisações, elas
eram muito ricas enquanto mise-en-scène, os atores não paravam de criar imagens.”73, explica
o diretor. Neste processo de criação, subjetivo e colaborativo, esquematizado por Luiz
Fernando Carvalho, o diretor de fotografia Walter Carvalho, a diretora de arte e cenógrafa
Yurika Yamasaki e a figurinista Beth Filipecki se dedicaram à criação de uma visualidade
fìlmica que avança o nìvel expressivo recorrente na maior parte das produções
cinematográficas nacionais.
Em diálogo com o desenho da fotografia, caracterizado por intensos contrastes de luz e
sombra, o projeto de arte, um retrato dos hábitos e costumes de imigrantes libaneses no
contexto rural, cristão e patriarcal do Brasil da década de 1940, não se atem apenas a uma
reconstituição de época, mas atua ainda na concepção visual e material da atmosfera lìrica do
livro, enfatizando a opção estética por uma linguagem extremamente sensorial, sobretudo na
composição dos espaços, das texturas e do figurino. Todos os processos técnicos de seleção,
73
CARVALHO, 2001, p.111-12
83
A questão da visualidade e tal tem a ver com essa necessidade de criar uma
fabulação [...] E essa fabulação tornará também invisìvel o aparato técnico da
captação das imagens, tornando a “costura do terno” invisìvel, o que, em outras
palavras, significa que você precisa encontrar uma alma pra imagem, pra que ela se
sustente, senão ela fica ali, didática, explicativa, não se sustentará enquanto vida,
não ficará de pé sozinha, tomba, cai. Esta é a questão mais difìcil para mim. Como
pôr uma imagem de pé, e ela ficar ali, viva! (CARVALHO, 2001, p. 104)
Agora, o que isso talvez represente na minha trajetória como diretor... talvez uma
estafa em relação à televisão. Chegou um momento em que realmente eu não
consegui sair de uma certa convenção que eu havia proposto.
[...] O que eu propunha dava o tal retorno pra TV, o Ibope, mas eu parei por aì. Não
consegui mais me renovar dentro disso. Me senti repetindo, me copiando.
(CARVALHO, 2001, p. 30)
74
Declaração extraìda do Making of do filme acessado no DVD de Lavoura Arcaica.
75
CARVALHO, 2001, p.101.
76
O diretor assina não somente a direção, mas também o trabalho de montagem do longa-metragem.
84
78
Disponível em: http://memoriaglobo.globo.com/programas/entretenimento/minisseries/os-maias/producao.htm
Acessado em: 21de março de 2015.
79
Para conhecer o trabalho da maquiadora Joan Hills, acessar: http://www.imdb.com/name/nm0385130/
80
Disponível em http://memoriaglobo.globo.com/programas/entretenimento/minisseries/os-maias/figurino-e-
caracterizacao.htm Acessado em: 21de março de 2015.
86
Toda a linguagem visual desta obra resultou de um sensìvel trabalho de conjunção entre
a plasticidade realista concebida pela direção de arte e a fotografia definida por um intenso
contraste de luz e sombra (de aproximação à estética de Lavoura Arcaica). A visualidade de
Os Maias foi concebida de forma a construir uma atmosfera cênica de contornos operìsticos,
potencializada principalmente pela paleta de cores, figurinos e desenhos espaciais, em
conjunto com a atuação dos atores. Esta particularidade conceitual aponta para uma tendência
estética que será ainda mais radicalizada nos trabalhos posteriores do diretor Luiz Fernando
Carvalho: o investimento cênico em elementos da representação teatral.
linguagem dos sonhos, para traçar a trajetória mágica de Maria: a menina que migra do sertão
em busca das “franjas do mar”. Na primeira jornada, a protagonista vivencia as mais diversas
experiências e provações, é guiada pela Virgem Maria, enfrenta o Diabo, se torna mulher e
conhece o amor verdadeiro. Já na segunda jornada, a menina Maria encontra o mar, mas se
perde na cidade grande, onde conhece as grandes mazelas da humanidade.
A partir de uma imersão conceitual neste universo simbólico, Luiz Fernando Carvalho
propõe uma minissérie de perfil totalmente experimental, que vai além das convenções
televisivas e extrapola os padrões visuais até então construìdos na televisão e nas suas
produções anteriores. Substanciada por elementos estéticos da linguagem teatral e pela
concepção de uma materialidade cênica composta por elementos originais para uma
encenação televisiva, pautados no artificialismo e por um intenso diálogo criativo com
diferentes linguagens artìsticas, como o artesanato, o circo, os folguedos, as artes plásticas e a
animação, Hoje é Dia de Maria inova em termos de teledramaturgia. E, no que concerne a
visualidade da obra, o diferencial da minissérie de Luiz Fernando Carvalho está
essencialmente na densidade do conceito visual proposto.
A opção por uma estruturação não-realista da encenação e, para tanto, dos elementos da
direção de arte, cenários, figurinos e caracterização, está inteiramente alinhada à concepção
cênica do diretor, que definiu a linguagem visual da obra a partir de um mergulho vivencial no
texto e nas atmosferas e repertórios ideológicos que este articula. „“A infância me interessa
pelo primeiro olhar, o que me leva para o plano dos mitos, dos arquétipos” [...] “Não poderia
abordar esse tema de forma naturalista. E estou propondo ao espectador um jogo, um
exercìcio com as visibilidades.”81. Toda a configuração cênica de base artificialista, desde a
atuação e gestos dos atores até a fotografia e a materialidade concebidas, extrai do improviso
do teatro mambembe os elementos para a construção de um grande palco improvisado de
teatro no espaço midiático da tevê, o que impulsiona a construção de uma visualidade
original. “Eu digo que Hoje é Dia de Maria é o teatro mais antigo do mundo. A questão é
como esse teatro mais antigo, como esse circo, dialoga com algo novo que é a linguagem
eletrônica, a linguagem da televisão”. 82
No processo de criação da minissérie, o ritmo da produção se distanciou da lógica
industrial da televisão e se caracterizou por uma perspectiva artesanal dos processos
produtivos. No período laboratorial da pré-produção, uma etapa de peso na concepção da
81
PIZA, D. Um cineasta no paìs da infância. In: O Estado de São Paulo, 15.11.04.
Disponìvel em: http://www.danielpiza.com.br/interna. asp?texto=1764. Acessado em 05 de abril de 2011.
82
Depoimento extraìdo do Making of da minissérie acessado no DVD de Hoje é dia de Maria.
88
83
Depoimento extraìdo do Making of da minissérie acessado no DVD de Hoje é dia de Maria.
84
PIZA, D. Um cineasta no paìs da infância. In: O Estado de São Paulo, 15.11.04.
Disponìvel em: http://www.danielpiza.com.br/interna. asp?texto=1764 Acessado em 05 de abril de 2011
89
85
Depoimento extraìdo do Making of da produção acessado no DVD de Hoje é dia de Maria.
86
Sobre o artista, acessar: http://enciclopedia.itaucultural.org.br/pessoa10811/arthur-bispo-do-rosario.
90
Figura 19. Hoje é dia de Maria, segunda jornada: figurino confeccionado com papeis de bala.
Frame: Hoje é Dia de Maria, 2005. (Still)
Por fim, consideramos neste estudo que o diferencial de Hoje é dia de Maria está
principalmente na linguagem visual estruturada pela composição de planos e esquemas da
encenação criada por Luiz Fernando Carvalho, que não resulta de um simples esteticismo,
mas do seu processo criativo, responsável por não somente adaptar de forma original o texto,
como articular todos os elementos sob um conceito visual unificador, rico em simbologias e
significados que envolvem e tocam o imaginário social e cultural dos telespectadores. A
minissérie obteve sucesso de crìtica e de público, e abriu portas para a realização de outros
trabalhos inovadores do diretor no âmbito da Rede Globo de Televisão.
O direcionamento estético construìdo em Hoje é Dia de Maria será o cerne da nova fase
criativa do diretor na televisão. A partir desta produção, Luiz Fernando Carvalho se dedicará a
projetos cuja essência narrativa visual se fundamentará no diálogo entre o teatro e a
linguagem televisiva, sob as premissas conceituais do artificialismo explícito. Este é o caso
das minisséries A Pedra do Reino e Capitu, obras pertencentes ao Projeto Quadrante, que
idealizado e coordenado por Luiz Fernando Carvalho, tinha por objetivo a realização de
adaptações de obras literárias de diferentes regiões do Brasil, buscando a construção de uma
reflexão sobre a cultura brasileira através da teledramaturgia.
O projeto contemplava a realização de quatro minisséries, a partir dos seguintes textos
literários: Romance D'A Pedra do Reino e do Príncipe do Sangue do Vai-e-Volta, de Ariano
Suassuna (Paraíba); Dom Casmurro, de Machado de Assis (Rio de Janeiro); Dois Irmãos, de
91
Milton Hautom (Amazonas); e Dançar Tango em Porto Alegre, de Sérgio Faraco (Rio Grande
do Sul). Suspenso devido aos baixos ìndices de audiência, somente as duas primeiras
minisséries foram produzidas em um primeiro momento. Luiz Fernando Carvalho retomou o
Projeto Quadrante em 2014, com a produção da minissérie Dois Irmãos.
A minissérie A Pedra do Reino, veiculada pela emissora em 2007, foi gravada na cidade
de Taperoá, interior da Paraìba. Seguindo os princìpios produtivos estabelecidos pelo Projeto
Quadrante, a base de produção da minissérie foi toda montada na cidade e mobilizou a
economia e a mão-de-obra local e da região: artesãos, costureiras, bordadeiras, músicos,
marceneiros, pedreiros, mamulengueiros, artistas plásticos, entre outros profissionais; além de
contar com um elenco composto, em sua grande parte, por atores nordestinos. Estruturada por
uma narrativa circular, a minissérie se caracterizou ainda por uma estética marcada pelo uso
excessivo de grafismos, texturas e sonoridades, sob as diretrizes cênicas do artificialismo
explícito e da experimentação formal da linguagem televisiva. O projeto de arte da obra, cuja
direção de arte foi assinada por Raimundo Rodriguez (que já havia trabalhado com o diretor
Luiz Fernando Carvalho em Hoje é dia de Maria), teve as suas principais referências visuais
extraìdas do universo sertanejo e da essência ibérica/medieval da obra de Ariano Suassuna.
A partir desta perspectiva estética, o projeto cenográfico, assinado por João Irênio,
resultou do conceito criado por Luiz Fernando Carvalho de construção de uma cidade- lápide,
que assimilou referências visuais de cemitérios da região para conceber uma atmosfera de
morte e eternidade, se alinhando, desta forma, ao imaginário do texto de Suassuna. Concebida
como um espaço desenterrado por uma escavação, na montagem da cidade, a pavimentação
original de Taperoá foi coberta por areia e as fachadas originais das casas ocultadas por
tapadeiras que articulavam visualmente o conceito proposto pela direção. “[...] é como se
tivéssemos transformado em fachada aqueles pequenos oratórios que toda casa simples do
terceiro mundo traz em algum canto mágico da casa”87, explica Carvalho. Toda a cidade
cenográfica demorou em torno de 25 dias para ser erguido.
87
Relato extraìdo do Making of integrado ao DVD da minissérie.
92
mantem a sua aposta em uma configuração cênica não realista e artificialista, substanciada
pela sua pesquisa acerca da linguagem teatral - iniciada em Os Maias e evidenciada aqui,
sobretudo, pela concepção de um espaço único de encenação e de uma materialidade cênica
de contornos operìsticos -, e define este direcionamento estético como uma homenagem à
seguinte frase de Machado de Assis: “A realidade é boa, o realismo é que não presta para
88
nada.” . Para Luiz Fernando Carvalho, a minissérie não é uma adaptação do livro Dom
Casmurro, de Assis, mas uma aproximação ao referido texto literário e ao conjunto da obra do
escritor. “Costumo dizer que não acredito em adaptações, acho que as adaptações sempre são,
de certa forma, um achatamento da obra, um assassinato do texto original.” 89.
As principais diretrizes conceituais da produção se originam, assim, de uma crença na
essência atemporal da obra do escritor que, enfatizada esteticamente, se torna expressiva nos
anacronismos que permeiam os planos de Capitu, desde os elementos materiais até a atuação
do elenco (além de se evidenciar na sua sonoridade), e no forte investimento do diretor no
caráter existencial e trágico da dúvida e da transitoriedade do tempo, ou seja, aspectos
narrativos presentes no livro que definem todo o esquema de encenação da minissérie. Neste
processo criativo, as principais referências visuais são os comportamentos e os costumes
sociais do século XIX e o advento da modernidade no Rio de Janeiro - abordado em
construções imagéticas que remetem ao surgimento do trem e do cinema, e à popularização da
ópera -, junto a uma evocação estética de movimentos artìsticos do inìcio do século XX, o
surrealismo e o dadaìsmo, que, segundo o diretor, têm forte diálogo com o texto de Machado
de Assis e o inspiram na sua opção pelo emprego de “[...] assemblages, colagens, repetições,
afiches, cartazes, cartelas e com a proposta de distanciamento entre obra e espectador” 90.
Este conjunto de elementos visuais é então articulado cenicamente a dispositivos
deslocados da contemporaneidade, que determinam novos sentidos narrativos na obra e
contribuem para a concepção de uma visualidade de pleno diálogo com o século XXI. Assim,
dentre as cenas construìdas na minissérie, é possìvel ao telespectador assistir a um suntuoso
baile do século XIX, cujo estranhamento estético se dá pelo fato dos convidados acessarem a
música através de modernos fones de ouvidos; e já em outras sequências, vislumbrar planos
que assumem a tatuagem (contemporânea) da atriz que interpreta Capitu adolescente (Leticia
Persiles), em total conflito cronológico com o traje da personagem com inspiração na
indumentária de época. Tais direcionamentos definem implicações estéticas no trabalho de
88
CARVALHO, Luiz Fernando. O processo de Capitu. Rio de Janeiro: Casa da Palavra, 2008, p. 76
89
CARVALHO, 2008, p. 75
90
Ibid, p. 80
94
91
Disponível em: http://memoriaglobo.globo.com/programas/entretenimento/minisseries/capitu/figurino-e-
caracterizacao.htm. Acessado em: 25de março de 2015.
96
Figura 22. Afinal, o que querem as mulheres?: cenário com referências ao universo kitsch.
Fonte: Afinal, o que querem as mulheres?, 2010. (Frame)
92
Disponível em: http://memoriaglobo.globo.com/programas/entretenimento/seriados/afinal-o-que-querem-as-
mulheres-/cenografia-e-arte.htm Acessado em: 20de abril de 2015.
97
Se eu for fazer uma reflexão sobre os meus últimos dez anos, encontro ali uma
tendência muito forte, uma pesquisa com o teatro, com a ideia da representação, do
mundo como representação: Hoje é Dia de Maria, A Pedra do Reino, até mesmo
Capitu, que foi encenada em um só lugar, e ainda Os Maias, em que já havia uma
busca de um espaço operìstico com os pés-direitos dos cenários, a forma como eu
98
Todavia, em 2013, com a montagem do teveliê, ocorre uma reorganização dos processos
produtivos do Núcleo de Teledramaturgia de Luiz Fernando Carvalho. Neste novo contexto
espacial, os resultados finais alcançados nas obras se particularizam como decorrentes de um
processo em que toda a equipe - figurinistas, cenógrafos, produtores, animadores, músicos,
atores, costureiras, maquiadores, e etc. - atuaram de forma conjunta e colaborativa na criação
da sua narrativa, do primeiro ao último capìtulo. O ateliê, projetado sem paredes, foi
concebido sob o conceito de eliminação de hierarquias e de imposições criativas, no qual os
processos de criação, ensaios e reuniões são abertos a toda equipe, permitindo e estimulando
que todos os profissionais envolvidos no projeto opinassem criativamente em todas as áreas
da feitura audiovisual. “Aqui no galpão sou apenas um alquimista, um sujeito que recolhe
tudo isso e busca um sentido estético”93, declara o diretor.
[...] Aprendendo uns com os outros, todos atuam como coautores da obra a ser
realizada, tornando assim o aprendizado um momento lúdico e rigoroso que seguiu
até o último capìtulo da novela. Ao estimular profissionais de diferentes áreas a
trabalharem num mesmo espaço, o diretor potencializou a criação de ideias e
soluções para dar forma nova à Meu pedacinho de chão, incentivando sempre o
cruzamento dos conhecimentos e da criatividade de cada integrante da equipe.
(CARVALHO, 2014, p. 3-4)
93
CARVALHO, Luiz Fernando. Meu pedacinho de chão. Rio de Janeiro: Casa da Palavra, 2014, p.4.
100
de seu „maestro‟ conceitos que passavam pela fábula, pela memória da infância de cada um da
equipe, pelos brinquedos antigos e pela atemporalidade dos contos de fadas”94.
A estruturação da encenação se articula, assim, a esta premissa conceitual para
materializar o universo narrativo construìdo pelo texto: uma pequena vila rural situada no
interior do Brasil, na qual os acontecimentos são narrados pelo ponto de vista de uma criança.
Na obra, este contexto espaço-temporal é estilizado e a cidade cenográfica da novela toma as
feições de um mundo “de brinquedo”, cujas peças teriam sido criadas e montadas pelo
menino/protagonista. Toda a materialidade cênica é então pensada de forma a expressar a
ideia de artificialidade, definindo-se o plástico e a sucata como as principais matérias-primas
da produção. A maior parte dos elementos compositivos de cenários, objetos de cena e
figurinos resultam do reaproveitamento de lixo e artefatos em desuso, por vezes da própria
emissora, reciclados pela equipe de arte dentro do teveliê. Os espaços da cidade cenográfica
montada no Projac são compostos, entre outros elementos, por árvores forradas de crochês
multicoloridos, jardins de flores de plásticos e construções revestidas por latas de alumìnio,
recortadas com diferentes formas e cores a depender do perfil do morador/ personagem. Para
Meu pedacinho de chão o diretor mantem dois cenários montados nos estúdios da emissora do
inicio ao final da novela, o que em si representa uma situação inusitada, já que estes tipos de
cenários são normalmente montados e desmontados diariamente.
Já o trabalho de figurino e caracterização cooperou intensamente na composição das
cenas e das personagens. Os trajes, concebidos pela estilista e figurinista Thanara Schönardie,
foram um dos principais destaques da produção. Os desenhos e cortes inovadores foram
pensados a partir de um forte conceito de design que seguiu uma opção pelo uso de materiais
originais à encenação televisiva, tal como o plástico, em suas diversas variedades. O processo
de criação das peças determinou ainda a necessidade da execução de procedimentos técnicos
incomuns a costureiras e bordadeiras, que precisaram costurar e alinhavar não apenas tecidos,
mas também canudos, papéis de bala, papel celofane, entre outros materiais. O resultado final
visto na tela encanta e deslumbra os telespectadores, refletindo uma concepção de figurino
ousada e criativa, que revela o empenho de toda a equipe.
94
CARVALHO, 2014, p.5
103
Diante da trajetória de Luiz Fernando Carvalho na Rede Globo, entendemos, por fim,
que as linguagens visuais concebidas nas suas obras resultam de uma intensa parceria entre o
diretor e a suas equipes de arte, pouco diversificadas no panorama das suas produções. Assim
como, os nìveis estéticos alcançados resultam de seus questionamentos sobre a essência da
produção teledramatúrgica e de uma notável subversão da estrutura industrial televisiva, que o
leva a expandir os limites de recursos, espaços e formatos da representação. Trabalhando com
diretores de arte ou exercendo ele próprio indiretamente a função em simultaneidade com a
direção geral, o fato é que é perceptìvel uma valorização estética e um empoderamento da
materialidade cênica nas suas obras: os cenários não são simples panos de fundo, e sim
coadjuvantes das cenas, assim como os figurinos e as maquiagens deixam de ilustrar e passam
a significar, corroborando a construção de atmosferas únicas. A direção de arte é, assim, um
dos principais instrumentos nas mãos criativas deste autor, que inquieto e em busca de novos
pontos-de-vista narrativos, brinda os telespectadores a cada nova produção com visualidades
que acolhem e estimulam a sensibilidade, e que o refletem como um artista atuante na
construção de marcos estéticos da televisão brasileira.
Neste sentido, para concluir, recordemos uma frase de autoria do poeta Jorge de Lima
(1893-1953), e sempre citada por Carvalho em seus depoimentos, por ser usada como um
estìmulo poético aos atores no processo de preparação e dos ensaios, mas que parece resumir
bem a essência do processo criativo do diretor tanto em obras televisivas quanto em
cinematográficas: “Como conhecer as coisas, senão sendo-as?”. No conjunto da obra de Luiz
Fernando Carvalho, ser o outro, seja ele, alma ou matéria é essencial. A materialização de uma
fábula resulta de um mergulho vivencial sobre o texto, que é “dissecado” em todas as suas
potencialidades e particularidades estéticas, visuais, sonoras e materiais; para que então seja
materializado a partir de uma criação artìstica compartilhada, alimentada não somente por
suas experiências de vida, mas também as das suas equipes.
Mas então, quando você reúne esse grupo todo, a linguagem fica sendo um conjunto
de coisas que você viveu até então na sua vida, conjunto do que você ouviu, do que
você leu, do que você experimentou – é um conjunto muito vasto e amórfico
mesmo, da sua experiência de vida, orientado pela necessidade de expressar tudo
isso que você viveu até o momento de bater a claquete. Bateu a claquete, você faz de
tudo isso a tua arte e traduz: “Vai! Pula!” (CARVALHO, 2001, p. 18)
104
Lund, baseado no livro homônimo de Paulo Lins, um dos seus principais expoentes.
Em Suburbia, uma obra considerada de ruptura com a linha conceitual das minisséries
anteriores do diretor Luiz Fernando Carvalho, há uma aposta na experimentação de
linguagens a partir da criação de uma estética predominantemente cinematográfica, pautada
pela opacidade no discurso audiovisual e no uso dos meios técnicos de produção, com fortes
traços do cinema moderno, como a câmera na mão e jump cut’s95. O realismo96 proposto se
pauta ainda por uma intensa carga de lirismo que permeia esteticamente os planos e se
circunscreve principalmente na concepção espacial e cromática das cenas, corroborando a
criação de uma atmosfera de contornos sensoriais.
95
Raccord entre dois planos quase idênticos, entre os quais a distância espaço-temporal é muito fraca.
(AUMONT; MARIE 2001)
96
Utilizamos a ideia de realismo, próxima à consideração ao chamado realismo crìtico (XAVIER, 2005, p. 64);
“Em geral, tais propostas combinam-se com a tentativa de romper o mecanismo de identificação,
estabelecendo-se certos procedimentos cujo objetivo é produzir o distanciamento crìtico do espectador. Neste
caso, fica evidente também a inspiração de Brecht, o que não significa uma garantia de realização de um
cinema que se poderia definir como brechtiano. Tal cinema não tem ainda claramente equacionadas suas
próprias condições de possibilidade e, consequentemente permanece extremamente discutìvel a validade
desta qualificação, mesmo quando aplicada a filmes saturados de procedimentos ditos de distanciamento”
97
É importante pontuarmos que, devido, provavelmente, a uma confusão na conceituação e no emprego de
terminologias para a programação televisiva, é recorrente que Suburbia seja definida pela Rede Globo em
produtos associados à obra como um seriado, o que entendemos como o equìvoco, já que a sua estrutura
narrativa linear, dividida em capìtulos inter-relacionados, é bem caracterìstica de uma minissérie.
107
Neste capìtulo, definiremos quais foram as principais referências visuais que orientaram
a estruturação da direção de arte de Suburbia e como estas se expressam no seu projeto de
arte, considerando como principais pontos de investigação: conceito visual, paleta de cores,
cenografia, figurino e caracterização. A partir deste repertório, e com base nas premissas
teóricas definidas no primeiro capìtulo desta dissertação, analisaremos as camadas de
significados construìdas no seu discurso audiovisual, além do nìvel de interação dos
elementos da arte com a estrutura da encenação. Embora a metodologia investida neste estudo
houvesse previsto ainda, para fundamentar as conclusões alcançadas, um mapeamento do
processo criativo da direção e da equipe de arte, e dos desdobramentos destas escolhas
formais na obra a partir não somente da análise fìlmica, mas também da realização de
pesquisas de campo e de entrevistas, infelizmente não foi possìvel obter os depoimentos do
diretor Luiz Fernando Carvalho e dos demais profissionais atuantes no projeto, devido
principalmente às suas agendas comprometidas.
No entanto, para suprir à demanda por estes dados, contamos com as informações
disponibilizadas tanto pelo site Memória Globo, quanto pelo próprio Site Oficial da
Minissérie98, mas principalmente pela edição n.2 do Caderno Globo Universidade99, que com
o tema “Subúrbios e identidades”, estruturou uma discussão sobre a história e a cultura do
subúrbio a partir da sua representação na minissérie Suburbia100. Esta publicação da Rede
Globo traz uma sistematização dos depoimentos do diretor Luiz Fernando Carvalho, do
escritor Paulo Lins e de parte do elenco sobre o processo de concepção e de feitura da
minissérie, e estes relatos, de suma importância para a discussão aqui desenvolvida, foram
essenciais para um entendimento estrutural visual da obra e para a realização da análise
pretendida. A pesquisa de campo realizada no bairro de Madureira, principal contexto espacial
da minissérie, se mostrou também fundamental neste processo analìtico, pois a imersão no
universo social e cultural da narrativa possibilitou a elucidação dos percursos visuais
definidos pelas pesquisas da equipe de arte na criação da visualidade da minissérie.
98
http://gshow.globo.com/programas/suburbia
99
CADERNO GLOBO UNIVERSIDADE. Subúrbios e identidades. Vol.1, n.2. Rio de Janeiro: Globo, 2013.
100
A referida publicação apresenta como tema de capa “Subúrbios e identidades”, que tem como subtìtulo: “Um
olhar multidisciplinar sobre a história e a cultura do subúrbio e sua representação na construção do imaginário
social brasileiro. Uma reflexão com base na minissérie Suburbia”.
108
Escrita por Luiz Fernando Carvalho em coautoria com o escritor Paulo Lins, e a
colaboração de Carla Madeira, Suburbia é originalmente baseada nas memórias afetivas de
Carvalho sobre uma mulher negra, Betânia, com quem conviveu, por muitos anos, no seu
cìrculo familiar, e cuja história de vida inspirou a narrativa da minissérie101. Dessa simbiose,
entre a referência pessoal do diretor e a experiência literária de Lins, surge Conceição, a
menina cuja trajetória é traçada em conformidade com a intenção dos autores de construir
uma representação social da população negra brasileira, e que, não à toa, traz no seu nome,
uma homenagem a Nossa Senhora da Conceição Aparecida, santa padroeira do Brasil que
alimenta forte devoção, historicamente, por parte da população afro-brasileira, e cuja
representação iconográfica é de uma negra.
“[...] grande parte das histórias que Suburbia narra são casos reais de uma mulher
negra que conviveu comigo por praticamente 25 anos e que foi uma espécie de mãe
negra que eu tive. Essa mulher era analfabeta. Foi uma menina que fugiu, assim
como a do seriado, de trabalhos forçados, uma relação quase escravocrata no interior
de Minas Gerais. E aqui no Rio ela foi passando por aquelas agruras todas e foi
vencendo”. (CARVALHO; CADERNO GLOBO UNIVERSIDADE, p.81).
Para Joel Zito Araújo (2004), a origem da ideologia do branqueamento nos finais do
século XIX e, posteriormente, da teoria da miscigenação racial nos anos 1930 do século XX a
partir das ideias perpetradas por Casa-grande & senzala (1933), do antropólogo Gilberto
Freire, de onde se originou ainda o mito da democracia racial brasileira, tem nas suas
consequências ideológicas uma relação direta com a supressão e deturpação da imagem do
negro e do mestiço na publicidade e nas mìdias, principalmente na televisão. A telenovela, em
especial, um dos principais produtos culturais brasileiros, de forte diálogo popular e de
reconhecida influência no cotidiano e na formação dos valores sociais do público, se pauta na
reprodução de fórmulas narrativas alienadas da realidade social do paìs, ao tratar de enredos
baseados nos gostos e modos de vida das elites, com um predomìnio quantitativo de
personagens brancos, oriundos, em sua maioria, da classe média alta, e de personagens negros
concebidos de forma caricaturada ou estereotipada.
Ao ator afrodescendente normalmente são atribuìdos papeis considerados coadjuvantes,
subalternos ou subservientes a personagens brancos, como empregadas domésticas,
motoristas, operários e escravos, ou bem secundários e mesmo marginais, como favelados,
mendigos, assaltantes e prostitutas, por exemplo; o que determina a criação e reprodução de
estereótipos racistas. Para Araújo, esta conjuntura ideológica, que se propaga até os dias
atuais, teve consequências negativas impactantes na construção da identidade racial do povo
negro brasileiro, afetando a autoestima destes indivìduos e suscitando uma postura social de
rejeição à estética, à cultura e à religiosidade de origem afro-brasileira.
De Cidade de Deus (1997) a Desde que o samba é samba (2012), Paulo Lins se
dedica a mesclar observação etnográfica com elaboração narrativa ficcional. Sua
experiência biográfica enriquece a etnografia, transmitindo ao olhar reflexivo um
sabor testemunhal, ao mesmo tempo que confere ao testemunho densidade analìtica.
Por isso, seus escritos são tão ricos e fortes. Por isso, sua linguagem promove
empatia sem perder a acuidade crìtica, jamais. (SOARES; CADERNO GLOBO
UNIVERSIDADE, 2013, p. 41)
No subúrbio, o seu espaço nunca se limita essencialmente à sua casa. Ele se estende
para a rua em frente, a praça, até mesmo para o quintal do vizinho. [...] Em suma, há
um sentimento democrático espontâneo. Isso é uma percepção de um modo de vida
que certamente em alguns pontos pode ter se adulterado. Porque a pressão que existe
hoje do consumo, oferecendo outros significados para a felicidade, que vai desde
comprar determinado carro ou uma bolsa de marca, promove o aparecimento de um
novo suburbano, um sujeito hìbrido, fruto das contradições do progresso econômico.
(CARVALHO; CADERNO GLOBO UNIVERSIDADE, 2013, p.56)
Para Paulo Lins, é neste espaço urbano oprimido pelas contradições sociais que a
cultura afro-brasileira é germinada, preservada e ganha força expressiva, não somente como
entretenimento, mas também como elemento de ascensão, união e resistência racial para a
população negra. “O que querìamos mostrar em Suburbia era isso: que a cultura assegura a
ascensão social do povo negro e a união em si. Foi o que discutimos para criar a trajetória da
102
personagem” . Assim, se em sua superfìcie folhetinesca, a trama de Suburbia beira as
convenções das novelas e dos contos de fadas: a história de uma menina ingênua e virgem,
que sofre com os percalços da vida e com a maldade dos seus inimigos, até conseguir realizar
o seu sonho: casar com o homem que ama e ter filhos (e até mesmo nesta opção narrativa é
possìvel identificar uma reivindicação de espaços na dramaturgia para o protagonismo negro,
já que normalmente os papéis de mocinhas meigas e recatadas são destinados a protagonistas
brancas), uma imersão em sua narrativa evidencia um ponto de vista extremamente crìtico.
Nascida no sertão de Minas Gerais, Conceição passou a infância ao lado do pai, da mãe
e do irmão em um espaço social marcado pela extrema carência material e pela necessidade
102
LINS, Paulo. Cultura como arma de resistência. In: CADERNO GLOBO UNIVERSIDADE. Subúrbios e
identidades. Vol.1, n.2. Rio de Janeiro: Globo, 2013, p. 56.
112
da famìlia de sujeição ao trabalho quase escravo nas carvoarias. “[...] toda famìlia trabalhava
nos carvão, era todo dia, sem descanso, de sol a sol, no meio daquela fuligem toda.”. 103 Neste
recorte narrativo, apresentado no prólogo da minissérie, já é possìvel apontar para um dos
seus temas principais: a escravidão. O perìodo da escravatura, que marca a história dos negros
e que ainda tem reverberações na atualidade social do Brasil, é evocado neste retrato das
estruturas precárias de trabalho no paìs, replicantes de valores racistas e excludentes. Sob os
contornos de uma atmosfera atemporal e onìrica, que evidencia a ancestralidade dos
problemas sociais abordados, a menina, que perde a infância nas extensas horas de trabalho,
vive o peso de uma realidade de opressão e de aflições, embora encontre no afeto e na fé
maternal em Nossa Senhora Aparecida o sustentáculo da sua força e esperança. Com
Rapunzel, a sua égua branca e cega, mas que enxerga no escuro, cria uma parceria de
aventuras fantásticas, exercitando o pouco que lhe resta da sua imaginação infantil.
Certo dia, porém, a morte do filho mais velho, vìtima de um acidente nos fornos, leva a
sua mãe, zelosa pelo futuro da menina, a incentivá-la em uma fuga de trem até a cidade do
Rio de Janeiro, para que tente a sorte na “cidade do pão de açúcar” e deixe para trás esse
mundo de agruras e dificuldades. Ao chegar à cidade, Conceição se descobre em um universo
de novas e intensas cores, mas que, porém, se inscreve na mesma lógica opressiva anterior e
reserva para a protagonista uma série de “provações”: a prisão injusta como “trombadinha”, a
rotina de abandono e violência em uma instituição para menores infratores e, logo após, o
trabalho precário como babá e empregada doméstica para uma famìlia da Zona Sul da cidade,
quando é vìtima de uma tentativa de estupro pelo seu patrão. Situações a que é socialmente
submetida principalmente pela cor da sua pele. O tema da escravidão retorna então à narrativa
nos seus reflexos sociais mais visìveis. Inicialmente no descaso do governo com as crianças
de rua abandonadas à própria sorte, em sua grande maioria negra, e nas condições precárias
das instituições que acolhem jovens infratores, também majoritariamente negros e, em
sequência, na relação patriarcal e desigual entre patrões e empregados domésticos.
103
Texto da personagem extraìda da narrativa da minissérie.
113
desbanca Jéssica, dançarina profissional dos bailes e bicampeã do concurso de Miss Subúrbio.
Convidada pelo empresário Costa para dançar com a dupla musical Lulu e Dudu, Conceição
adota o nome artìstico de “Suburbia”, e passa a ser apontada como a próxima rainha do
subúrbio. A protagonista brilha nos palcos, mas desperta também a inveja e o desejo de
vingança da sua antagonista Jéssica, que com a ajuda do namorado, o traficante Tutuca,
investe na violência para retomar o seu lugar nos bailes. Por este viés narrativo, a minissérie
retrata os esquemas e a massificação de uma nova cultura musical suburbana, ainda nascente
no inìcio da década de 1990, evidenciando a linha tênue que separa a diversão dos bailes funk
da corrupção policial, da prostituição e da violência ligadas ao tráfico; uma problemática
social decorrente principalmente das desigualdades sociais e da luta injusta entre opressores e
oprimidos nestes espaços.
E é, no contexto efusivo do baile funk, que Conceição conhece Cleiton, seu par
romântico na trama. Morador de um morro de Madureira e amigo da Famìlia Santos, Cleiton é
um rapaz honesto, trabalhador e estudioso, mas marcado por uma tragédia familiar.
Abandonado pelo pai ainda na barriga materna, ele perde posteriormente também o irmão,
inocente, em uma troca de tiros entre traficantes, o que acarreta a depressão e a dor da sua
mãe Margarida e a sua completa entrega ao alcoolismo. Com a sua estrutura familiar desfeita,
o rapaz é perturbado por fortes sentimentos de rejeição e de vingança, que se intensificam
com o passar do tempo. E é por conta das suas questões emocionais que o romance com
Conceição toma rumos inesperados.
115
A história de Cleiton representa mais uma das facetas sociais de um subúrbio marcado
pela violência e pelos desvios morais. Assim como Margarida, diversas mães negras, com
baixa escolaridade e precárias condições de trabalho e renda, são abandonadas pelos
companheiros e se vêm sozinhas para manter financeiramente e emocionalmente os seus lares.
Ao enfrentamento diário das necessidades materiais junta ainda o medo e a dor originados da
insegurança instaurada nas comunidades onde vivem, estando seus núcleos familiares sujeitos
a perderem filhos e parentes, direta ou indiretamente, pelo domìnio do tráfico de drogas. A
inserção do tráfico nos morros é retratada, assim, como um problema social que resulta não
somente na violência fìsica, mas também na violência moral e afetiva. Por outro lado, as
circunstâncias que levam um jovem ao tráfico podem passar tanto pela carência material
quanto por questões emocionais, originárias de uma desestruturação familiar.
116
Figura 30. Roda de jongo com o Grupo Cultural Jongo da Serrinha em Suburbia.
Fonte: Suburbia, 2013. (Frame)
Mas se de um lado, o subúrbio antigo reina na casa da Famìlia Santos, do outro, Cleiton,
ao ser alvejado pela polìcia, torna-se vìtima de um espaço urbano que cresce sob o estigma da
opressão, da injustiça e das desigualdades. Recorrendo ao que podemos definir como uma
105
Acessado em: http://jongodaserrinha.org/pontos-de-jongo/
117
106
Suburbia/ texto e ilustrações de Pedro Franz; adaptação da obra de Paulo Lins e Luiz Fernando Carvalho. - -
Rio de Janeiro: Retina 78, Aeroplano Editora, 2012. 64p. : il., color.
120
O escritor Paulo Lins nasceu em 1958, na cidade do Rio de Janeiro, e entre as suas
principais produções literárias se destacam os livros Cidade de Deus (1997) e Desde que o
Samba é Samba (2012). Não somente pela a sua experiência literária acerca das temáticas
abordadas em Suburbia, mas, sobretudo por ser negro e oriundo da comunidade de Cidade de
Deus, tendo vivenciado desde cedo as contradições sociais e a violência do tráfico de drogas,
assim como as manifestações culturais e religiosas presentes neste contexto urbano, a
trajetória e experiências de vida do escritor serviu de referência e orientação, não apenas para
a criação da narrativa da minissérie, mas também para a concepção da sua materialidade
cênica e da sua visualidade. O seu olhar testemunhal serviu, assim, de base para as escolhas
formais e processuais da direção e da equipe de produção da obra.
A história de vida dos atores, em sua maioria de origem nos subúrbios cariocas, serviu
de inspiração para a composição dos comportamentos, atitudes e gostos das personagens, e
ainda para a concepção visual dos espaços da encenação. Destacamos aqui um trecho do
depoimento da atriz Dani Ornellas, que na minissérie interpreta a personagem Vera, a filha
evangélica do Sr. Aloìsio, no qual ela descreve a sua casa de infância localizada no subúrbio
de Duque de Caxias. Acreditamos que o seu relato pessoal serviu de inspiração direta à equipe
de cenografia para a criação da casa da famìlia do Sr. Aloisio.
Nossa casa foi mudando. Porque nossa famìlia foi crescendo e meu pai precisou
construir uma casa, no mesmo quintal, que era um terreno grande. A gente até
brincava, chamava de “quilombo dos Ornellas”, porque morava uma negada, a
famìlia inteira.
Meu quintal tinha galinheiro, horta, árvore frutìfera. Era o nosso refúgio. O portão
ficava aberto e a gente se frequentava, as pessoas se conheciam. A Baixada
Fluminense da minha infância tinha muita poesia. De poder brincar na rua, de
decorar a rua para a Festa Junina, fazer bandeirinha, enfeitar na Copa do Mundo.
(ORNELLAS; CADERNOS GLOBO UNIVERSIDADE, 2013, p. 100).
Durante o perìodo de produção de Suburbia, parte do elenco cedeu relatos pessoais das
suas histórias de vida para o Museu da Pessoa107, instituição virtual e colaborativa, que
mantem um acervo com depoimentos de mais de 15 mil entrevistados.
107
Para acessar ao acervo do Museu da Pessoa: http://www.museudapessoa.net
122
A musicalidade negra
[...] a minha preocupação permanente foi a de fazer uma aproximação com o real de
forma mais epidérmica, menos cenográfica, menos oficial, menos industrializada,
digamos assim. Ao fazer uma aproximação mais documental, você estaria arrastando
com esse olhar uma série de crìticas ao contexto da sociedade em relação a essas
minorias. E, de uma forma muito espontânea, acaba incluindo uma reflexão social
dentro da dramaturgia, trazendo para o texto uma função social importante: um
vìnculo. [...] Suburbia conta uma trajetória folhetinesca, mas ela não se exime de
sublinhar certas passagens, certas condições desse ser humano excluìdo. E aì vem
125
toda a questão dos negros, da famìlia dos negros, de um elenco formado de negros,
de um elenco desconhecido... (CARVALHO; CADERNO GLOBO
UNIVERSIDADE, 2013, p.81)
108
Parte desta análise já resultou na publicação do artigo Cores suburbanas na visualidade televisiva: uma
análise dos processos da Direção de Arte na minissérie Suburbia de Luiz Fernando Carvalho na I Jornada
Internacional Geminis – Entretenimento Transmìdia e na participação no XVIII Encontro da Sociedade
Brasileira de Estudos de Cinema e Audiovisual - SOCINE com a apresentação do trabalho A Suburbia de
Luiz Fernando Carvalho: Direção de Arte e mise-en-scène.
126
Com base na análise das imagens da minissérie, é possìvel afirmar ainda que a cor
adquire um status de personagem na obra, exercendo um protagonismo visual nas cenas e na
composição dos quadros. Com uma paleta de cores composta como já dito: pelo predomìnio
do azul, vermelho, amarelo e verde, que interagem na maior parte das cenas com a incidência
de luz branca difusa; a visualidade da obra evidencia, para além de uma expressividade
cromática, a relação da cor com a narrativa por definir particularidades dramáticas às
sequências e traduzir as emoções e o ritmo dos acontecimentos vividos pela protagonista. O
emprego desses matizes, ou das suas variações tonais, nos elementos materiais é
predominante; pincelando figurinos, cenários e objetos, e se integrando à encenação. O que se
configura como um reflexo do trabalho visual da direção de arte e da direção de fotografia na
composição dos planos109.
Identificamos na estrutura visual de Suburbia, quatro tendências cromáticas que atuam
em conformidade com o conteúdo articulado nas cenas e com a proposta de encenação do
diretor: no prólogo, a representação da infância de Conceição, as sequências intercalam cores
terrosas ao predomìnio luminoso do azul; na chegada da protagonista ao Rio de Janeiro, é
109
É preciso ainda considerar o trabalho de pós-produção digital de correção das cores das imagens.
127
notável uma alteração brusca na paleta de cores, que agora ganha um colorido carnavalesco;
nas cenas que retratam o subúrbio, a profusão de cores se mantem, mas com um predomìnio
dos tons pastéis, ou seja, há uma atenuação cromática ascendente (clareamento); nas demais
cenas, há uma saturação das cores e luzes, intensificada em cenas especìficas.
No prólogo, a pobreza e a exploração vividas pela menina Conceição se expressa nos
planos por uma atmosfera sombria e “queimada”. A paleta é composta por cores terrosas e
cobreadas, que delineia toda a materialidade cênica. A casa pobre nos arredores dos fornos de
carvão e os figurinos são concebidos em tons rústicos que se camuflam na paisagem hostil em
que vive a famìlia. Há, no entanto, uma oscilação cromática marcante, o emprego do azul em
sequências especìficas aliado ao uso da luz difusa e do contraluz que parece sublinhar neste
inìcio da história uma atmosfera atemporal e sobrenatural.
Fig. 37. Paleta de cores do prólogo: predominância do azul e de cores terrosas e cobreadas.
Fonte: Arquivo de Photoshop
Após a sua fuga do sertão, Conceição acorda em um vagão de trem no Rio de Janeiro e
outra fase da história se inicia. A virada no percurso narrativo de Suburbia é então expressa
por uma nova demarcação estética na visualidade da minissérie: a concepção da paleta de
cores e da luz muda em contraste com as imagens anteriores. Nestas sequências os planos são
estruturados por uma profusão cromática que delineia os cenários e os figurinos, enfatizada
pelo carnaval, perìodo em que a cidade está colorida e as pessoas fantasiadas. Estes quadros
evidenciam a interferência da materialidade cênica na composição visual da obra, devido à
expressividade das cores saturadas que definem os trajes das figuras em cena.
128
Fig. 38. Paleta de cores da chegada de Conceição ao Rio de Janeiro: contraste cromático com o prólogo
Fonte: Arquivo de Photoshop
Já a visualidade da maior parte das sequências que retratam o bairro de Madureira segue
a opção conceitual da direção de arte de retratar um subúrbio colorido e iluminado, e, por
vezes, com certo ar bucólico, estruturando, desta forma, uma atmosfera de contornos lìricos.
A composição cromática das cenas é caracterizada por tons “pastéis”, que definem o
tratamento visual dos espaços, figurinos e objetos, ainda mais atenuados pela incidência de
uma luz branca e difusa; o que estrutura uma visualidade arrebatadora, que parece traduzir o
fascìnio da protagonista com o novo lar. Esta opção estética define principalmente as
sequências da rua e da casa da famìlia do Sr. Aloisio, mas também marca as cenas da casa de
Cleiton no morro, podendo se estender a outros espaços de ação destes personagens.
Fig. 39. Paleta de cores composta por tons “pastéis”: concepção de um subúrbio lìrico.
Fonte: Arquivo de Photoshop
129
Fig. 40. Predomìnio da cor rosa nas sequências da procissão de São Benedito em Madureira.
Fonte: Arquivo de Photoshop
Se opondo a esta concepção estética, na maior parte das sequências que se passam em
espaços cênicos diversos aos citados, é possìvel observar uma saturação dos matizes. Em
algumas destas cenas, a intensificação cromática, de cores-pigmento e de cores-luz, parece se
relacionar tanto ao ritmo quanto a carga dramática da narrativa. Assim ocorre, por exemplo,
nas cenas que retratam a efervescência dos bailes funks e do ensaio da escola de samba do
bairro, em especial, na cena da coroação de Conceição como rainha de bateria.
Para uma análise formal dos cenários principais de Suburbia, além das tendências
cromáticas identificadas na visualidade da minissérie, devemos considerar ainda a concepção
da narrativa de um subúrbio marcado pelos contrastes sociais e econômicos, que se expressa
no projeto cenográfico da obra pela representação material e visual de um espaço suburbano
estruturalmente dìspar. De um lado há um subúrbio que ainda mantem aspectos rurais, de
casas espaçosas com calçadas, jardins e quintais, de espaços abertos ao convìvio entre
vizinhos e amigos, por conta da relação de compadrio ainda existente na vizinhança. Em
oposição a esta concepção espacial, há os morros, onde as construções se caracterizam como
habitações precárias, cerradas e dispostas desordenadamente no espaço comunitário, e que
mantêm ainda marcas materiais da insegurança decorrente do domìnio do tráfico de drogas.
Analisaremos aqui os espaços pictóricos de imagens que trazem uma representação de
dois cenários em particular: o da casa do Sr. Aloìsio e o da casa de Cleiton e Margarida.
Inspirada na casa do músico Pinxinguinha, a partir do registro fotográfico de Walter Firmo
(Fig. 35), a casa da Famìlia Santos é antiga e espaçosa, tem muro baixo, jardim com flores e
vasos de plantas, varanda, além de janelas de madeira sem grades. A construção arquitetônica
é sólida e bem planejada. O quintal é amplo, com terra batida, árvores frutìferas e galinheiro,
onde a famìlia se reúne para comemorações e datas festivas.
O interior da casa é simples e amplo, e os cômodos são bem divididos. As paredes são
coloridas, e a pintura de cada cômodo é definida por uma cor especìfica. O tratamento visual
do cenário se alinha à paleta de cores da minissérie e segue a tendência cromática dos tons
“pastéis” e da incidência da luz branca e difusa, que iluminam e ampliam os ambientes, e
132
Fig. 44. Varanda da casa da Família Santos: representação bucólica de um subúrbio antigo.
Fonte: Suburbia, 2012. (Frame)
A produção de arte segue estas mesmas diretrizes. Os ambientes internos da casa são
compostos por uma profusão de objetos e utensìlios, que preenchem de cores e simbolismos
os espaços da encenação. Este repertório material contextualiza a trama espacialmente e
temporalmente, e ainda traz indicações socioculturais das suas personagens. Mas, embora a
minissérie retrate os anos 1990, é possìvel identificar neste conjunto tanto objetos mais
antigos quanto mais contemporâneos; não somente para pontuar o fluxo natural dos desgastes
e das aquisições materiais, mas principalmente para apontar uma percepção especial sobre o
tempo alinhada ao conceito visual construìdo pela direção de arte.
O cenário delineia uma atmosfera que remete a história de vida de Sr. Aloisio e de Mãe
Bia, suas crenças e ideais, com peças marcadas por uma intensa carga de valores e
significados. Outros objetos remetem aos seus antepassados como os retratos de famìlia
emoldurados nos quartos e na sala da casa. Todos esses elementos são sìmbolos de uma
postura ideológica construìda em Suburbia de reconhecimento e valorização da história e da
ancestralidade da população negra brasileira.
133
Representativa deste novo subúrbio, a casa de Cleiton e da sua mãe Margarida já traz
uma concepção espacial totalmente diversa. Não somente a situação financeira da famìlia,
mas também o fato da residência estar situada em um morro dominado pelo tráfico, já
determina a criação de um cenário representativo destas condições materiais e sociais nas
quais as personagens estão inseridas. Internamente, o “barraco” da famìlia tem um espaço
bastante reduzido, com poucos e pequenos cômodos, que apontam para uma falta de
planejamento arquitetônico. As paredes não têm reboco ou pintura, e o chão é de cimento
batido. Os móveis são bem simples, assim como os utensìlios domésticos. Na fachada da casa,
assim como na parte interna, ainda falta acabamento geral. A janela e a porta, ambas de um
material mais moderno, provavelmente de alumìnio e vidro, são gradeadas, o que aponta para
a cultura do medo e da insegurança na qual os moradores estão inseridos. Na janela da casa
estão pendurados pequenos vasos de flores improvisados, feitos com lata de alumìnio e
plástico. Diferente da casa da Famìlia Santos, falta espaço e natureza neste ambiente.
Considerações Finais
midiáticos no qual está inserido, e vai além das restrições ao promover uma invasão de cores
suburbanas na visualidade televisiva.
Este estudo se encaixa em um propósito maior de contribuir para a concepção da
direção de arte como um campo de pesquisa autônomo, cujo repertório de conhecimentos
coopera para o desenvolvimento de teorias, conceitos e percursos metodológicos próprios.
Para Butruce (2005) a direção de arte possui “uma autonomia técnica, estética e conceitual
frente ao todo cinematográfico, que lhes permitem serem tomadas como objeto diferenciado”.
Uma perspectiva que se alinha ainda a um questionamento sobre a desvalorização dos
processos profissionais da direção de arte nas rotinas dos sets e dos estúdios, e,
principalmente, da quase omissão, no âmbito das crìticas e dos trabalhos acadêmicos, das
formas e relações estruturais dessa instância conceptiva da imagem audiovisual,
intrinsecamente relacionada ao campo das artes visuais e das artes aplicadas. Diante deste
cenário, é possìvel pensar, então, na existência de uma “limitação” de olhares, que podem e
devem ser ampliados em novas direções visuais. É essencial na experiência de assistir a um
filme ou o programa televisivo, olhar e realmente ver, ir além das suas indicações textuais e
imergir nas suas matérias visuais, buscando sentidos velados.
A televisão é outro contexto carente de explorações e abordagens. Este perìodo
dedicado ao desenvolvimento da pesquisa evidenciou o número reduzido de trabalhos que são
dedicados a este universo temático, em parte devido a preconceitos estéticos, sociais e
polìticos. Mas, por que não pensar a televisão? Apontar sim os seus problemas, mas também
reconhecer as suas conquistas e papéis sociais? Concordo com Luiz Fernando Carvalho
quando este diz que vê coisas boas sendo produzidas tanto no cinema quanto na televisão.
Sim, as produções estão sendo realizadas e o fluxo nunca é interrompido. Trata-se de um
panorama de grande repercussão social, que não deve ser ignorado ou simplesmente rotulado.
É importante assistir, analisar e de alguma maneira investigar percursos e prerrogativas de
mudanças, tendo a pesquisa acadêmica o seu papel neste território em constante construção.
Esta pesquisa não se esgota aqui. No percurso investigativo realizado foi possìvel
detectar novas possibilidades investigativas acerca da direção de arte no contexto do
audiovisual brasileiro. As inovações tecnológicas impõem a cada época novos desafios a este
campo profissional, assim como a conjuntura produtiva do cinema e da televisão está em
constante transformação, sempre assimilando novas técnicas, processos e perspectivas
projetuais. Demonstra assim ser essencial o estudo da direção de arte, entendendo-a como
uma função centrada não somente na estruturação de visualidades, mas também como uma
das esferas criativas da construção de imaginários sociais no audiovisual.
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REFERÊNCIAS
MONOGRAFIAS
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Editora Senac São Paulo; Edições Sesc São Paulo, 2014.
COUTO, Claudia Stanciole Costa. O design do filme. 2004. 137p. Dissertação (Mestrado em
Artes Visuais), Escola de Belas Artes, Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte,
2004.
140
JACOB, Elizabeth Motta. Um lugar para ser visto: a direção de arte e a construção da
paisagem no cinema. 2006. 170p. Dissertação (Mestrado em Comunicação) – Programa de
Pós-Graduação em Comunicação, Imagem e Informação, Universidade Federal Fluminense,
Niterói, 2006.
BARSACQ, L eon. Les décor du film – 1895-1969. Paris: Henry Veyrier, 1985.
DOUY, Max. Décors du cinema: les studios français de Méliès a nous jours. Paris: Éd. Du
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LO BRUTTO, Vincent. The Filmmaker’s Guide to production design. New York: Allwort
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CARDOSO, João Batista Freitas. Cenário televisivo: linguagens múltiplas fragmentadas. São
Paulo: Annablume; Fapesp, 2009.
BUTRUCE, Débora Lúcia Viera. A Direção de arte como função criativa no filme
brasileiro dos anos 1990. Estudos Socine de Cinema, Ano V, p. 119-126, 2004.
PEDROSA, Israel. Da cor a cor inexistente. Brasìlia: Editora Universidade de Brasìlia, 1982.
RIBEIRO, Ana Paula Goulart; SACRAMENTO, Igor; ROXO, Marco (orgs.). A história da
TV no Brasil: do início aos dias de hoje. São Paulo: Contexto, 2010. 347p.
CARVALHO, Luiz Fernando. Sobre Lavoura Arcaica, Ateliê Editorial, SP, 2001.
CARVALHO, Luiz Fernando. O processo de Capitu. Rio de Janeiro: Casa da Palavra, 2008.
ARAÚJO, Joel Zito Almeida de. A negação do Brasil: o negro na telenovela brasileira. São
Paulo: Editora Senac São Paulo, 2004.
BALOGH, Anna Maria. O Discurso Ficcional na TV. São Paulo: Edusp, 2002.
FIRMO, Walter. Walter Firmo. Rio de Janeiro, RJ: Agil: Dazibao, 1989. 109p.,
principalmente il. col., 19cm. (Antologia fotografica, v.1).
PUBLICAÇÕES SERIADAS
IMAGEM EM MOVIMENTO
HOJE é dia de Maria. Direção de Luiz Fernando Carvalho. Rio de Janeiro: Globo Marcas;
Som Livre, 2004-2006. 3 DVD.
CAPITU. Direção: Luiz Fernando Carvalho. Produção: Projeto Quadrante. Rio de Janeiro:
Globo Marcas; Som Livre, 2008. 2 DVD .
142
AFINAL, o que querem as mulheres?. Direção de Luiz Fernando Carvalho. Rio de Janeiro:
Globo Marcas; Som Livre, 2011. 2 DVD .
A PEDRA do reino. Direção de Luiz Fernando Carvalho. Rio de Janeiro: Globo Marcas; Som
Livre, 2007. 2 DVD.
LAVOURA Arcaica. Direção de Luiz Fernando Carvalho. Rio de Janeiro: Europa Filmes,
2004. 1 DVD.
OS MAIAS. Direção de Luiz Fernando Carvalho. Rio de Janeiro: Globo Marcas; Som Livre,
2001. 4 DVD.
SUBURBIA. Direção: Luiz Fernando Carvalho. Texto: Paulo Lins e Luiz Fernando Carvalho.
Direção de fotografia: Adrian Teijido. Direção de arte: Mário Monteiro. Figurino: Luciana
Buarque. Cenografia: João Irênio, Isabela Urman e Kaka Monteiro. Caracterização: Fabíola
Gomez e Bárbara Santos. Efeitos visuais: Rafael Ambrosio. Efeitos especiais: Marcos Soares.
Produção de arte: Marco Cortez e Laura Tausz. Direção musical: Mariozinho Rocha. Edição:
Marcio Hashimoto. Supervisão executiva de produção: Tatynne Lauria e Willian Barreto.
Núcleo Luiz Fernando Carvalho. Rio de Janeiro: Globo Marcas; Som Livre, 2013. 2 DVD
(360min), widescreen, color.
143
APÊNDICE
1985
Minissérie: O Tempo e o Vento, da obra de Érico Verìssimo.
Assistência de Direção: Luiz Fernando Carvalho.
Direção: Paulo José.
1985
Minissérie: Grande Sertão: Veredas, da obra de Guimarães Rosa.
Assistente de Direção: Luiz Fernando Carvalho.
Direção: Walter Avancini.
1988/89
Telenovela: Vida Nova, de Benedito Ruy Barbosa.
Direção: Luiz Fernando Carvalho e Ronaldo Boury.
1989/90
Telenovela: Tieta, de Aguinaldo Silva, Ana Maria Moretzsohn e Ricardo Linhares.
Direção: Luiz Fernando Carvalho, Reinaldo Boury e Ricardo Waddington.
Diretor Geral: Paulo Ubiratan.
1990
Minissérie: Riacho Doce, de Aguinaldo Silva.
Direção: Luiz Fernando Carvalho e Ronaldo Boury.
Diretor Geral: Paulo Ubiratan.
1990
Telenovela: Gente Fina, de Luìs Carlos Fusco.
Direção: Luiz Fernando Carvalho, Milton Gonçalves e Lucas Bueno.
Direção Geral: Gonzaga Blota.
1991
Unitário: Os Homens Querem Paz, de Péricles Leal.
Direção Geral: Luiz Fernando Carvalho.
1992
Telenovela: Pedra sobre Pedra
De Aguinaldo Silva, Ana Maria Moretzsohn e Ricardo Linhares.
Direção: Luiz Fernando Carvalho, Carlos Magalhães, Gonzaga Blota e Paulo Ubiratan.
Direção Geral: Paulo Ubiratan.
144
1993
Telenovela: Renascer, de Benedito Ruy Barbosa.
Direção: Luiz Fernando Carvalho, Mauro Mendonça e Emìlio di Biasi.
Direção Geral: Luiz Fernando Carvalho.
1994
Unitário: Uma Mulher Vestida de Sol, adaptação da obra de Ariano Suassuna.
Direção Geral: Luiz Fernando Carvalho.
1995
Telenovela: Irmãos Coragem, de Janete Clair.
Direção: Luiz Fernando Carvalho, Carlos Araújo, Ary Coslov e Reynaldo Boury.
Direção Geral: Reynaldo Boury.
1995
Unitário: A Farsa da Boa Preguiça, da obra de Ariano Suassuna.
Direção Geral: Luiz Fernando Carvalho.
1996
Telenovela: O Rei do Gado, de Benedito Ruy Barbosa.
Direção: Luiz Fernando Carvalho, Carlos Araújo, Emìlio di Biasi e José Luìs Villamarin.
Direção Geral: Luiz Fernando Carvalho.
2001
Minissérie: Os maias, de Maria Adelaide do Amaral.
Direção: Emìlio di Biasi e Del Rangel.
Direção Geral: Luiz Fernando Carvalho.
2002
Telenovela: Esperança, de Benedito Ruy Barbosa.
Co-Direção: Luiz Fernando Carvalho, Carlos Araújo, Emilio di Biasi e Marcelo Travesso.
Direção geral: Luiz Fernando Carvalho e Carlos Araújo.
2005
Minissérie: Hoje é Dia de Maria, primeira e segunda jornadas.
Da obra de Carlos Alberto Soffredini.
Autoria: Luiz Fernando Carvalho e Luìs Alberto de Abreu.
Direção: Luiz Fernando Carvalho
2007
Minissérie: A Pedra do Reino, da obra de Ariano Suassuna.
Autoria: Luiz Fernando Carvalho, Luìs Alberto de Abreu e Braulio Tavares.
Direção: Luiz Fernando Carvalho.
2008
Minissérie: Capitu, da obra de Machado de Assis.
Texto: Euclydes Marinho.
Colaboração: Daniel Piza, Luìs Alberto de Abreu e Edna Palatnik.
Texto Final e Direção: Luiz Fernando Carvalho.
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2010
Minissérie: Afinal, o que Querem as Mulheres?
Texto: João Paulo Cuenca, Cecìlia Giannetti e Michel Melamed.
Texto Final e Direção: Luiz Fernando Carvalho.
2012
Minissérie: Suburbia
Texto: Luiz Fernando Carvalho e Paulo Lins.
Colaboração: Carla Madeira.
Direção: Luiz Fernando Carvalho.
2013
Série exibida no Fantástico: Correio Feminino
Da obra de Clarice Lispector.
Texto: Maria Camargo.
Colaboração: Carla Madeira.
Direção: Luiz Fernando Carvalho.
2013
Especial: Alexandre e outros heróis
Das obras de Graciliano Ramos.
Texto: Luiz Fernando Carvalho e Luìs Alberto de Abreu.
Direção: Luiz Fernando Carvalho.
2014
Telenovela: Meu Pedacinho de Chão, de Benedito Ruy Barbosa.
Texto: Luiz Fernando Carvalho e Luìs Alberto de Abreu.
Direção: Luiz Fernando Carvalho, Carlos Araújo, Henrique Sauer e Pedro Freire.
Direção Geral: Luiz Fernando Carvalho.