Conhecer a língua portuguesa pressupõe saber que ela derivou da
evolução do latim falado na península Ibérica. Num dado momento, esses falares ibéricos já estavam tão distantes do latim (já se usava um latim popular), que deram origem a novas línguas, dentre elas, o galaico-português, nosso protoidioma, cujas formas hoje são pouco reconhecíveis para a maioria dos usuários do português padrão. Logo, existe um desenvolvimento da língua que passa por estágios, cada um com suas regras, o que de imediato nos afasta da noção de um português único, “natural”, permanente, distante de quaisquer transformações. Ainda hoje, muito do que se considera errado em variações dialetais da fala dos habitantes do meio rural, por exemplo, é sobrevivência de um português arcaico. Quando o caipira fala “preguntar” ou “escuitar”, no lugar de “perguntar” e “escutar”, está empregando formas cultas do português dos séculos XV e XVI: são heranças linguísticas de um período histórico do uso da língua. Conhecer a língua portuguesa pressupõe também saber que existem diferenças lexicais (de vocabulário) e sintáticas (construção de frase) entre o português de Portugal e o do Brasil. Um exemplo de diferença lexical: celular em Portugal e telemóvel. Uma diferença sintática: os portugueses preferem o infinitivo ─ “estou a estudar” ─ e nós, brasileiros, preferimos o gerúndio ─ “estou estudando”. E só para lembrar: o cobrador de ônibus em Pernambuco é o trocador no Rio de Janeiro. Da mesma forma, conhecer a língua portuguesa é saber que não me dirijo aos meus amigos da mesma forma com que me dirijo a uma autoridade. É saber que não falamos da mesma forma que escrevemos. É reconhecer que a fala é espontânea, não planejada e, por isso, muitas vezes repetitiva e circular, e que a língua escrita é o contrário: planejada, formal, obrigatoriamente coesa e coerente. Mas nem sempre: um discurso formal pode ser naturalmente organizado na fala, dependendo dos conhecimentos linguísticos do falante, de como adequar a linguagem a situações formais. Por outro lado, um falante pode adequar muito bem a língua a situações informais ou coloquiais. Tudo depende do interlocutor, do destinatário com quem o enunciador se comunica. Conhecer a língua portuguesa é também distinguir os diversos jargões presentes na mídia e em ambientes profissionais. Um advogado emprega expressões próprias de seu meio, assim como um economista pode abusar do que se convencionou chamar de “economês”. Cada campo de atividade humana produz um vocabulário próprio para sua formação e atuação na sociedade. Em síntese: conhecer a língua portuguesa é compreender que ela é múltipla e variável, o que não significa que sejam admitidos “erros” ou desvios em situações que exigem o uso da norma padrão. Trata-se simplesmente de reconhecer o fato de que as formulações da linguagem têm um contexto social de produção e de recepção. Ignorá-lo é ignorar ─ ou desconhecer ─ o próprio idioma.