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DOI: 10.5433/1679-0367.2017v38n2p193
Resumo
Este estudo teve como objetivo conhecer as percepções de mulheres que utilizaram substâncias
psicoativas durante a gestação quanto ao atendimento do profissional. Seguiu-se o método descritivo-
exploratório e com abordagem qualitativa. Participaram da pesquisa onze mulheres que utilizaram
álcool e/ou outras substâncias psicoativas durante a gestação. A coleta de dados foi realizada entre
março e maio de 2017 através de entrevista semiestruturada gravada. Utilizou-se a análise de conteúdo,
à luz da Teoria de Peplau. A partir das narrativas, emergiram duas categorias: descoberta da condição
de adicta pelo profissional e pontos positivos e negativos nos atendimentos. As participantes do estudo
demonstraram satisfação pelas consultas de pré-natal, mas sinalizaram como ponto negativo a demora
nos atendimentos, a comunicação difícil de médicos e formas desrespeitosas no cuidado hospitalar,
passando por situações de violência. Diante disso, é importante rever a assistência ofertada às gestantes,
em especial na condição de usuárias de drogas, para atenuar prognósticos materno-fetais desfavoráveis
e não prejudicar a construção e manutenção das relações interpessoais entre clientes e profissionais.
Palavras chave: Assistência integral à saúde. Gestantes. Alcoolismo. Drogas ilícitas. Violência.
Abstract
This study aimed to know the perceptions of women who used psychoactive substances during
pregnancy regarding the care of the professional. The descriptive-exploratory method followed with a
qualitative approach. Eleven women who used alcohol and / or other psychoactive substances during
pregnancy participated in the study. Data collection was carried out between March and May 2017
through a semi-structured recorded interview. Content analysis was used, in light of the Peplau Theory.
From the narratives, two categories emerged: discovery of the addict’s condition by the professional and
positive and negative points in the consultations. The study participants demonstrated satisfaction with
the prenatal consultations, but indicated as negative the delay in attendance, the difficult communication
of doctors and disrespectful forms in the hospital care, through situations of violence. Therefore, it is
important to review the assistance offered to pregnant women, especially as drug users, in order to
mitigate unfavorable maternal-fetal prognoses and not to prejudice the construction and maintenance of
interpersonal relationships between clients and professionals.
Keyword: Comprehensive health care. Pregnant women. Alcoholism. Street drugs. Violence.
1
Doutorando em Bioética pelo Centro Universitário São Camilo, Brasil. E-mail: vagnerschon@hotmail.com
2
Enfermeira pela Universidade do Estado de Mato Grosso; Campus Universitário de Tangará da Serra, Departamento de Enfermagem, Tangará da Serra, Mato Grosso,
Brasil.
3
Doutorado em Medicina Tropical pela Fundação Oswaldo Cruz; Docente Adjunta da Universidade do Estado de Mato Grosso, Campus Universitário de Tangará da
Serra, Departamento de Enfermagem; Tangará da Serra, Mato Grosso, Brasil.
4
Doutoranda em Enfermagem Psiquiátrica pela Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo; Docente Assistente da Universidade Federal de
Mato Grosso, Campus Universitário do Araguaia, Departamento de Enfermagem; Araguaia, Mato Grosso, Brasil.
5
Doutorado em Enfermagem pela Universidade de São Paulo. Docente Titular no Departamento de Enfermagem Psiquiátrica e Ciências Humanas da Escola de
Enfermagem de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo; Ribeirão Preto, São Paulo, Brasil.
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Percepções de mulheres que utilizaram substâncias psicoativas durante a gestação quanto ao atendimento do profissional
pelo profissional de saúde). Foi durante o processo de fazem ou fizeram uso de alguma(s) substância(s)
coleta dos dados que definiu-se o quantitativo total de psicoativa(s) durante a vida, e vivenciaram momentos
participantes do estudo, com base na exaustividade de violência.
das informações de interesse, tal como proposto pela Todas eram multíparas, sem históricos de aborto
saturação amostral. Assim, a amostra final do estudou e com gestações não planejadas. Todas realizaram
foi de onze mulheres. pré-natal em uma USF, iniciando as consultas com
As entrevistas foram transcritas na mesma enfermeiro e as posteriores somente com o médico
semana da coleta e identificadas mediante códigos da unidade. Afirmaram em sua totalidade não terem
alfanuméricos (M1, M2, etc). Esse material foi recebido nenhuma orientação sobre parto e pós-parto
organizado e sistematizado conforme os itens durante a gestação, bem como atividades educativas
abordados no roteiro. O agrupamento inicial ocorreu sobre substâncias psicoativas e seus impactos na
por entrevista e em seguida as informações do gestação. Muitas não realizaram todos os exames
conjunto (todas as entrevistas) foram agrupadas por solicitados pelo profissional, alegando falta de
semelhanças e diferenças. interesse, problemas familiares ou descoberta tardia
Para análise foi utilizada a técnica de análise de da gestação.
conteúdo, à luz da Teoria das Relações Interpessoais A maioria fez uso de drogas durante todos os dias
de Peplau. Essa teoria propõe melhor adequação do ao longo da gestação, e aquelas que suspenderam o
processo terapêutico entre enfermeiro e o paciente, uso foi em razão de enjoos causados pelo cigarro,
uma vez que passam a manter uma relação horizontal, porém continuaram o consumo de álcool. Todas
onde ambos aprendem e crescem juntos como relataram manter o uso de substâncias psicoativas
resultado dessa interação. Peplau identifica quatro por não acreditar que faria mal ao bebê, uma vez que,
fases sequenciais no relacionamento interpessoal: alguns familiares e amigas se comportaram da mesma
orientação, identificação, exploração e resolução. forma em suas gestações e seus bebes haviam nascido
Cada fase é caracterizada por papéis ou funções do saudáveis. Entretanto, sabiam que o cansaço excessivo
enfermeiro ou cliente, à medida que ambos aprendem e indisposição percebidos durante a gestação eram
a trabalhar, conjuntamente, de forma a resolver as efeitos das substâncias que utilizavam. Algumas
dificuldades por eles enfrentadas e variam de acordo conseguiram diminuir a frequência ou quantidade
com as necessidades que surgem no decorrer do de drogas por conta própria após a gestação, mas
processo, até que passem a elaborar soluções para as ainda se consideram dependentes de alguma droga
demandas existentes (PEPLAU, 1990). psicoativa (pasta base, cigarro de maconha, cigarro
Foram respeitados todos os padrões éticos em de palha, cigarro comum e/ou álcool), e não têm
pesquisa de acordo com a Resolução 466/2012 do acompanhamento da unidade de saúde.
Conselho Nacional de Saúde (CNS), iniciando o estudo A partir das narrativas dessas mulheres, emergiram
somente após a aprovação do Comitê de Ética em duas categorias de análise: “Descoberta da condição
Pesquisa com Seres Humanos (CEP) da Universidade de adicta pelo profissional” e “Pontos positivos e
do Estado de Mato Grosso (UNEMAT), sob número de negativos nos atendimentos”.
CAAE: 61625316.0.0000.5166, parecer n. 1.889.354.
Descoberta da condição de adicta pelo
profissional
Resultados e Discussão
A descoberta da condição de usuária de substâncias
As participantes tinham idade entre 19 e 35 anos,
psicoativas pelo profissional deve acontecer o mais
em sua maioria em união estável, autodeclaradas
precocemente possível, visando estabelecer projetos
pardas, protestantes evangélicas, com ensino
terapêuticos eficazes e que conduzam a desfechos
fundamental incompleto, desempregadas, com renda
gestacionais mais favoráveis. No entanto, pela própria
familiar entre R$70,00 a R$2.640,00 reais, residindo
característica da mulher usuária/dependente que sofre
em casa própria com filhos e companheiro. Iniciaram o
pelas consequências sociais impostas por esse uso/
uso de substâncias psicoativas entre 9 e 16 anos, tendo
abuso, muitas vezes esconde por entender/temer que
seu primeiro contato em ambientes familiares ou por
punições ou julgamentos possam ser feitos.
influências de amigos. Sobre o histórico familiar, os
pais de ambas não concluíram o ensino fundamental,
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Percepções de mulheres que utilizaram substâncias psicoativas durante a gestação quanto ao atendimento do profissional
Eles já sabiam, porque eu tinha contado pra Deste modo, o foco do acolhimento baseado na
eles. E quando fiquei gravida da última vez portaria nº 121, de 25 de janeiro de 2012 se faz através
eles chegavam em mim e falavam: você fuma, da escuta, incentivando um processo de socialização,
né?!. (M3) por meio de atividades terapêuticas, visando à redução
de danos e interrupção ou redução do uso da substância
[...] se você não deixar de usar, você sabe as
psicoativa. Como suporte, enfatizam-se os programas
consequências para o bebê ne?! (M5)
culturais, educacionais e profissionalizantes, de
Eu não falei. Eu tinha medo de contar e eles acordo com as demandas de cada cliente, para geração
chamar o conselho [tutelar] pra mim. E nas de trabalho, renda e condições de moradia (LIMA et
primeiras gestações eu era “de menor”. al., 2015).
Fiquei só pra mim mesmo. (M2) Alguns profissionais já apresentam relações
[...] depois que contei eles ficaram falando interpessoais mais favoráveis com esse público e
que não podia por causa do bebe, eu falei talvez por este motivo ao descobrirem o uso/abuso
pra eles que ia parar, mas não parei não, foi de substâncias psicoativas reagem de modo mais
mentira. Falei isso só pra eles não ficar no compreensivo e respeitoso.
meu pé. (M4)
Ah reagiram normal, davam conselho pra eu
O ato de assumir a condição de usuárias de parar de fumar né?! Só conversou normal,
substâncias psicoativas parece ser difícil para não acharam ruim e nem brigaram. O médico
essas mulheres, em razão da resposta ou formas que falou que eu tinha que parar ou pelo
de acolhimento do profissional. Notadamente, menos diminuir por causa do neném. Porque
gestantes que utilizam álcool e/ou outras drogas, é isso podia prejudicar muito ele. (M3)
comum sentirem-se marginalizadas e julgadas pelos
Mesmo após descobrirem, o atendimento
profissionais que as atendem. Em consequência,
deles foi bom. Foi um atendimento
apresentam baixa adesão ao pré-natal e acabam
profissional mesmo. Eles me incentivaram a
escondendo sua condição, mesmo estando propensas
ir no CAPS [...]. (M1)
a complicações fetais (MARANGONI, OLIVEIRA,
2013; YABUUTI, BERNARDY, 2014). Eles me trataram igual estava tratando antes
É comum ver profissionais realizando atendimentos de contar pra eles que eu fumava. Só ficavam
com postura autoritária e estigmatizante, deixando de perguntando se eu tinha parado, que era pra
atender as demandas reais dos usuários do serviço e “mim” tomar cuidado [...]. (M4)
conduzindo atendimentos pobres e coercivos (PAULA
Falou pra ‘mim’ diminuir ou parar porque
et al., 2014). Outro aspecto é o pouco suporte teórico-
podia afetar a criança, podia nascer com má
científico por parte destes profissionais, o que torna
formação. Mas ele não me julgou, nem fez
o atendimento deficiente na abordagem e na detecção
cara feia quando eu contei. (M5)
de transtornos relacionados ao uso nocivo dessas
substâncias. Não raro, esses profissionais demonstram Ah! Eles orientavam. Explicavam que não
desinteresse pela problemática e atitudes negativas era bom por causa no bebê e tudo. Eles
frente aos clientes, o que leva a um acolhimento hostil cobravam bastante. Mas não me tratavam
e indiferente (KASSADA; MARCON; WAIDMAN, mal. Dava pra ver que eles queriam o melhor
2014; VARGAS, BICUDO, 2011). pro bebê. (M6)
As lembranças desses atendimentos potencializa
Como observado nas narrativas, fica evidente que
nas mulheres perturbações que prejudicam as relações
quando o acolhimento e o vínculo entre profissionais
interpessoais, já que o indivíduo se comporta de
e clientes são construídos, a qualidade do atendimento
acordo com a situação a que é exposto. Da mesma
se amplia e qualifica. Pois, essa relação terapêutica se
forma que Peplau reconhece que o crescimento mútuo
torna fortalecida e permite atenção individualizada e
e pessoal compartilhado entre o profissional de saúde
direcionada, com escuta ativa, diálogo, confiança e
e o cliente forma uma relação interpessoal importante
maior possibilidade de adesão às orientações (LIMA
para o pleno desenvolvimento do processo de cuidar
et al., 2015).
(FRANZOI et al., 2016).
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Ainda assim, o atendimento coletivo envolvendo a pontos positivos que qualificam os atendimentos. Para
família deve ser priorizado. Dentro deste atendimento a comunidade, os profissionais são valorizados por
deve-se levar em conta as intervenções psicossociais, se mostrarem mais atenciosos, em especial quando
que precisam ser realizadas de acordo com as participam na elaboração de seus planos de cuidados e
necessidades particulares de cada gestante. Este na tomada de decisões frente ao seu estado de saúde.
suporte psicossocial é um conjunto de intervenções Entre as várias possibilidades de encontros como nas
mais resolutivas, pois incentivam essas mulheres a consultas de pré-natal, as falhas na comunicação do
participarem de terapêuticas específicas, estimulando profissional e o mau gerenciamento do tempo dos
o convívio social, através de terapia motivacional atendimentos remetem a pontos negativos que tendem
e grupos de apoio (MARANGONI, OLIVEIRA, a diminuir a adesão ao pré-natal.
2013; WORLD HEALTH ORGANIZATION, 2014).
Contudo, tal perspectiva não se observa nas narrativas O que eu mais gostava era isso mesmo
das participantes, pois os profissionais centralizam sua que eu falei da própria consulta né?! Do
atenção e preocupações na saúde do bebê, quando o atendimento em si, sempre me tirando todas
foco, deveria voltar-se para o desenvolvimento da mãe minhas dúvidas e via como estava meu bebê,
e do filho. agora o que menos gostava era da espera,
Porém, as decisões sobre o tratamento e terapêutica ter que ficar lá na sala esperando, então era
devem se basear nos princípios da bioética, respeitando só isso mesmo não tenho que reclamar. (M1)
a autonomia da mulher e seu direito à privacidade e
Eu gostava de escutar o coraçãozinho do
confidencialidade. Para tanto, é essencial fornecer
neném. Saber como ele estava. O que eu não
informações claras e consistentes, alertando sobre
gostava era do médico, eu não entendia o que
os riscos que o consumo de álcool e outras drogas
ele falava, era muito rápido eu não entendia
podem causar durante a gestação (GORDINHO, 2013;
nada. Ele era cubano, preferia quando era
WORLD HEALTH ORGANIZATION, 2014), dando
brasileiro atendendo. (M2)
ênfase também aos danos à saúde da mulher durante e
após a gestação. Eu gostava de ir lá, eles eram atenciosos, mas
O profissional deve demonstrar respeito, cuidado e às vezes demorava para me atender. O que
preocupação à gestante. E ao incentivá-la e participar eu não gostava muito é que eu não entendia
em conjunto da busca por escolhas saudáveis, pode-se muito bem que o médico falava, ele falava,
sensibilizá-la quanto aos danos da manutenção do uso falava, de dez palavras que dizia eu entendia
da substância psicoativa para o desenvolvimento do três. Ele era cubano, falava e eu entendia
bebê e para a sua saúde. Esse processo terapêutico pode pouca coisa. (M4)
ajudá-la a preparar o seu grupo familiar para receber Eu gostava de ouvir o coraçãozinho, a batida
o filho em um ambiente mais receptivo (POGETTO, do coraçãozinho do neném. O que eu não
2016). gostava era da demora do atendimento. Onde
Os pressupostos teóricos de Peplau recomendam eu fazia o pré-natal atendia muita gente,
que em novos espaços de cuidado sejam criadas novas então demorava muito o atendimento, as
formas de relacionamento com os clientes. O foco vezes era uma manhã inteira. (M5)
da assistência consiste na prática de identificação
do problema e no atendimento das necessidades Ah! nas consultas que a gente fica muito
encontradas, construindo relações mútuas e interativas, exposta né?! Erguer blusa e tudo. Isso eu
sem preconceitos e obrigações pré-estabelecidas não gostava, me incomodava. E agora o que
(D’ANTONIO et al., 2014), ajudando o cliente a eu gostava era de conversar com as outras
reconhecer, reelaborar seus sofrimentos e enfrentar gestantes. Porque tem o dia das consultas
seus problemas (FRANZOI et al., 2016). das gestantes, ai eu ouvia um pouco de tudo,
cada uma contava uma história. (M6)
Pontos positivos e negativos nos atendimentos Fica claro nas narrativas que a forma como ocorria
a condução das consultas de pré-natal foi determinante
Para o trabalho na USF é exigido dos profissionais para (in)satisfação da gestante. E ainda que durante
contato íntimo, ético e próximo com a comunidade, as consultas o profissional, de forma positiva, tenha
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de cesárea, e eu não queria cesárea, queria JUNIOR, 2017; GARRETT; OSELAME; NEVES,
normal. Foi aí que elas me amarraram. (M2) 2016). No entanto, o termo “violência institucional”
não é conhecido e nem considerado pela maioria das
Na minha primeira gestação quando eu fui
mulheres, pois associam esta situação, a agressão
ganhar eu achei que elas não tinham muita
física ou sexual e embora reconheçam os tratamentos
paciência. A forma de tratar, o jeito de
negligentes, desrespeitosos e grosseiros, não adotam o
tratar, como eu era mãe de primeira viagem,
termo violência (TERÁN et al., 2013).
acho que não tinha aquele dialogo, aquela
Por outro lado, algumas experiências brasileiras
tranquilidade, aquela paciência. Eu acho
já demonstram ser exitosas na redução da violência
que faltou profissional adequado pra ter essa
em maternidades públicas, especialmente com a
parte desse tratamento. Me senti ofendida,
estruturação e organização da atenção materno‐
porque elas não tinham uma forma adequada
infantil proposto pela Rede Cegonha, onde 82,9% de
de tratar, elas eram muito bruta. (M5)
parturientes já demonstram certa satisfação e 89,4%
Foi assim, você sabe que no SUS encontra se sentem seguras durante o processo de parto e pós
o que está de plantão lá né?! Até hoje eu parto (RODRIGUES et al., 2017). Mas, como ainda
não gosto do médico. Mas enfim, era final esses progressos são pontuais e isolados, o quadro
de semana. E quem estava atendendo era o de violência nacional sinaliza para a importância da
Dr.***, já ouviu falar?! Fora que ele tem a humanização durante os atendimentos, de modo a
fama né?! Eu morria de medo dele. Aquele garantir os direitos às mulheres desde a descoberta da
homem é um grosso. No exame de toque, ele gestação ao nascimento do bebê (TOPA; NOGUEIRA;
me machucou. Depois disso não fez mais NEVES, 2016).
nada. Mal me avaliou. Me lembro que uma Assim, a autonomia reprodutiva da mulher,
técnica, eu acho, achou ruim comigo porque bem como a autonomia do seu corpo deve ser
eu estava rindo. Mas eu estava feliz porque ia respeitada (BARBOZA; ALMEIDA JUNIOR,
conhecer minha filha. O povo era muito mal 2017), com ou sem identificação da presença de uso
humorado. (M6) de substâncias psicoativas. A partir disso, torna-se
possível relações interpessoais fundamentadas na
Todas as narrativas remetem a violações do corpo,
solidariedade e compaixão, podendo influenciar nas
dos desejos e das expectativas frente ao acolhimento
recorrências de violências (AGUIAR; D’OLIVEIRA;
e parto. A própria dinâmica desse tipo de serviço
SCHRAIBER, 2013). Não esquecendo que contextos
desfavorece relações interpessoais mais sólidas,
violentos contribuem para perpetuação dos mesmos
porém não impedem que haja formas de acolhimento
comportamentos (PIRES et al., 2017).
humanizado.
Esses fatores predeterminam uma maior
A violência em ambiente hospitalar se torna cada
sensibilidade e conduta ética do profissional de
dia mais comum, pois até quando as maternidades
enfermagem para novas formas de atender e relacionar-
dispõem de infraestrutura adequada pecam por recursos
se com a mulher durante a gestação, parto e puerpério,
humanos falhos. As mulheres que dependem do serviço
bem como dos demais integrantes da equipe de saúde.
público de saúde, em sua maioria são descriminadas por
O repensar dos comportamentos e posturas atualmente
conta da sua classe social e etnia (TOPA; NOGUEIRA;
exibidas nos contextos em saúde permite, conforme
NEVES, 2016). Violência que também é violência de
Peplau, a diminuição de situações de violência ou
gênero, pois ocorre desvalorização da mulher, tendo
violações (PEPLAU, 1990).
seu corpo e sexualidade como elementos de domínio
As dinâmicas interpessoais no processo de
médico (BANDEIRA, 2014).
cuidar são como chaves para a compreensão do
Alguns estudos apontam que a falta de conhecimento
comportamento humano, porém vemos constantemente
e o desrespeito relacionados aos direitos reprodutivos e
a desconsideração do poder transformador dessas
sexuais das gestantes, por parte de alguns profissionais,
relações. A substituição do contato direto e diálogo
e a imposição de regras e estigmas morais, são
compreensivo por formas particulares de assistência
reconhecidos como fatores que desencadeiam os atos de
prejudica a construção coletiva do projeto terapêutico
violência contra as gestantes. Deste modo, as clientes
e o atendimento do profissional perde seu valor junto
se sentem sem valor, maltratadas física e moralmente,
aos clientes. Assim, seguindo Peplau, o cuidado é,
com sua intimidade exposta (BARBOZA; ALMEIDA
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