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Editorial

Conselho Regional de Medicina Veterinária do Estado de Minas Gerais Caros colegas,


Novamente temos a satisfação de encaminhar à co-
PROJETO DE EDUCAÇÃO CONTINUADA munidade veterinária e zootécnica mineira o volume 75
do Cadernos Técnicos de Veterinária e Zootecnia.
A Escola de Veterinária e o Conselho Regional de
É o CRMV-MG participando do processo de atualização Medicina Veterinária de Minas Gerais, com satisfação
técnica dos profissionais e levando informações da veem consolidando a parceria e compromisso entre as
melhor qualidade a todos os colegas. duas instituições com relação à educação continuada da
comunidade dos Médicos Veterinários e Zootecnistas de
Minas Gerais.
O presente número aborda, de forma objetiva, a te-
mática sobre Animais Peçonhentos, abordando os aspec-
tos relacionados as espécies venenosas e peçonhentas,
características do veneno e o tratamento específico e pa-
liativo para cada tipo de acidente. O tema apresenta alta
relevância uma vez que há um aumento na incidência de
acidentes com animais peçonhentos na medicina veteri-
nária, além da sua importância para a saúde pública. Deste
modo, este volume irá contribuir para o melhor entendi-
mento destas questões pelos profissionais da área.
Com este número do Caderno Técnico esperamos
contribuir tanto para a conscientização quanto para a in-
Universidade Federal
de Minas Gerais formação aos colegas, auxiliando para que possam cons-
Escola de Veterinária truir as melhores opções de atendimento aos animais no
Fundação de Estudo e Pesquisa em contexto que estão inseridos.
Medicina Veterinária e Zootecnia
- FEPMVZ Editora Portanto, parabéns à comunidade de leitores que uti-
Conselho Regional de lizam o Caderno Técnico para aprofundar seu conheci-
Medicina Veterinária do
Estado de Minas Gerais mento e entendimento sobre a oncologia veterinária, em
- CRMV-MG benefício dos animais e da sociedade.
www.vet.ufmg.br/editora
VALORIZAÇÃO PROFISSIONAL
Correspondência: Prof Antonio de Pinho Marques Junior - CRMV-MG 0918
compromisso com você Editor-Chefe da FEMVZ-Editora
FEPMVZ Editora
Caixa Postal 567 Prof Renato de Lima Santos - CRMV-MG 4577
30161-970 - Belo Horizonte - MG Diretor da Escola de Veterinária da UFMG
Telefone: (31) 3409-2042 Prof Marcos Bryan Heinemann - CRMV-MG 8451
www.crmvmg.org.br Editor Cadernos Técnicos de Veterinária e Zootecnia
E-mail:
editora.vet.ufmg@gmail.com Prof Nivaldo da Silva - CRMV 0747
Presidente do CRMV-MG
Conselho Regional de Medicina Veterinária do Estado de Minas Gerais
- CRMV-MG
Prefácio
Presidente: Benito Soto Blanco - CRMV-MG 14.513
Marília Martins Melo - CRMV-MG 2.432
Prof. Nivaldo da Silva Professores de Toxicologia Clínica Animal e Plantas Tóxicas da
E-mail: crmvmg@crmvmg.org.br Escola de Veterinária da Universidade Federal de Minas Gerais

CADERNOS TÉCNICOS DE
VETERINÁRIA E ZOOTECNIA
Edição da FEPMVZ Editora em convênio com o CRMV-MG Os animais venenosos, dos quais
Fundação de Estudo e Pesquisa em Medicina Veterinária e fazem parte serpentes, escorpiões, ara-
Zootecnia - FEPMVZ
nhas, sapos e abelhas, produzem ve-
Editor da FEPMVZ Editora:
nenos de variados níveis de toxicidade
Prof. Antônio de Pinho Marques Junior
com as finalidades principais de caça e
Editor do Cadernos Técnicos de Veterinária e Zootecnia:
defesa contra predadores. Serpentes,
Prof. Marcos Bryan Heinemann
escorpiões, aranhas e abelhas são con-
Editor convidado para esta edição:
siderados animais peçonhentos, pois
Prof. Benito Soto Blanco
possuem estrutura para inoculação do
Revisora autônoma:
veneno. Por outro lado, os sapos pro-
Angela Mara Leite Drumond
duzem o veneno, mas sem apresentar
Tiragem desta edição:
alguma estrutura capaz de inocular, por
10.100 exemplares
isso são considerados venenosos e não
Layout e editoração:
peçonhentos. Os acidentes nos animais
Soluções Criativas em Comunicação Ldta.
domésticos ocorrem principalmente
Impressão:
porque foram introduziram no habitat
O Lutador
destes animais venenosos ou porque es-
tes se adaptaram às condições oferecidas
pela ocupação humana. A frequência
dos acidentes em animais domésticos
Permite-se a reprodução total ou parcial, tem apresentado tendência crescente,
sem consulta prévia, desde que seja citada a fonte.
apesar da importância relativa de cada
Cadernos Técnicos de Veterinária e Zootecnia. (Cadernos Técnicos da Escola de Veterinária da
espécie de animal peçonhento ser vari-
UFMG) ável de acordo com a localização geo-
N.1- 1986 - Belo Horizonte, Centro de Extensão da Escola deVeterinária da UFMG, 1986-1998. gráfica. A gravidade dos acidentes pode
N.24-28 1998-1999 - Belo Horizonte, Fundação de Ensino e Pesquisa em Medicina Veterinária e variar desde efeitos leves e espontanea-
Zootecnia, FEP MVZ Editora, 1998-1999
mente reversíveis até o óbito. O correto
v. ilustr. 23cm
diagnóstico dos acidentes é essencial
N.29- 1999- Belo Horizonte, Fundação de Ensino e Pesquisa em Medicina Veterinária e
Zootecnia, FEP MVZ Editora, 1999¬Periodicidade irregular. para o adequado estabelecimento do
1. Medicina Veterinária - Periódicos. 2. Produção Animal - Periódicos. 3. Produtos de Origem tratamento específico. A forma específi-
Animal, Tecnologia e Inspeção - Periódicos. 4. Extensão Rural - Periódicos. ca para o tratamento dos acidentes pela
I. FEP MVZ Editora, ed. maioria dos acidentes por animais vene-
nosos é a soroterapia com o soro especí-
fico, o que muitas vezes não está dispo-
nível para uso em animais. Infelizmente,
a Medicina Veterinária não tem acom-
panhado no mesmo ritmo os avanços Sumário
obtidos no tratamento dos acidentes
em humanos. Este volume do Caderno
Técnico vem preencher a lacuna forma-
da pelo pouca disponibilidade dados 1. Ofidismo......................................................................................................9
sobre o tema. Desta forma, esperamos Benito Soto Blanco - CRMV-MG 14.513
que as informações aqui contidas sejam Marília Martins Melo - CRMV-MG 2.432
úteis para os profissionais e os estudan- Define de uma forma geral os acidentes com serpentes e suas características
tes da medicina veterinária, zootecnia e gerais
áreas de saúde.
2. Acidente Botrópico...................................................................................15
Benito Soto Blanco - CRMV-MG 14.513
Marília Martins Melo - CRMV-MG 2.432
Aborda as características do acidente com serpentes do gênero Bothrops
(jararacas e urutus)

3. Acidente Crotálico....................................................................................27
Benito Soto Blanco - CRMV-MG 14.513
Marília Martins Melo - CRMV-MG 2.432
Traz as características do acidente com serpentes do gênero Crotalus
(cascavel)

4. Acidente Laquético...................................................................................36
Benito Soto Blanco - CRMV-MG 14.513
Marília Martins Melo - CRMV-MG 2.432
Estabelece as características do acidente com serpentes do gênero Lachesis
(surucuru, pico-de-jaca)

5. Acidente Elapídico....................................................................................39
Benito Soto Blanco - CRMV-MG 14.513
Marília Martins Melo - CRMV-MG 2.432
Aborda as características do acidente com serpentes do gênero Micrurus
(cobra-coral e coral-verdadeira)

6. Acidentes por Sapos..................................................................................42


Benito Soto Blanco - CRMV-MG 14.513
Marília Martins Melo - CRMV-MG 2.432
Apresenta as principais características dos acidentes causados por sapos
7. Escorpionismo..........................................................................................51
Benito Soto Blanco - CRMV-MG 14.513
Marília Martins Melo - CRMV-MG 2.432
Aborda as características dos acidentes causados por escorpião

8. Araneísmo.................................................................................................63
Guilherme de Caro Martins - CRMV-MG 10.970
Marília Martins Melo - CRMV-MG 2.432
Benito Soto Blanco - CRMV-MG 14.513
Descreve as principais espécies de aranhas que causam acidentes no Brasil

9. Apidismo...................................................................................................73
Benito Soto Blanco - CRMV-MG 14.513
Marília Martins Melo - CRMV-MG 2.432
Apresenta as principais características dos acidentes causados por abelhas
1. Ofidismo

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Marília Martins Melo - CRMV-MG 2.432
Laboratório de Toxicologia, Departamento de Clínica e Cirurgia Veterinárias, Escola de Veterinária, Universidade Federal de Minas Gerais
E-mail para contato: benito.blanco@pq.cnpq.br

As serpentes são répteis carnívoros com finalidade pejorativa ou elogiosa.


que despertam uma grande variedade Estes répteis estão amplamente
de sentimentos nos humanos, como distribuídos pelo mundo, exceto na
fascinação, medo, pavor e adoração. Antártida, com maior concentração em
Histórias envolvendo as serpentes são regiões tropicais e subtropicais. Já foram
inúmeras e variadas, como a expulsão descritas cerca de 2.900 espécies de ser-
de Adão e Eva do Paraíso ou a morte pentes, de 465 gêneros e 20 famílias. No
de Cleópatra. Elas são utilizadas como Brasil há 321 espécies catalogadas, per-
símbolos variados, desde tencentes a 75 gêneros e
o mal e perverso, como As serpentes nove famílias1.
em alguns cultos de ma- peçonhentas no As serpentes peço-
gia negra, até a sabedo- Brasil são de gêneros nhentas no Brasil perten-
ria, como no símbolo da Bothrops, Bothriopsis, cem às famílias Viperidae
medicina veterinária e Bothrocophias, e Elapidae. Na família
outras profissões da saú- Rhinocerophis, Viperidae no Brasil, es-
de. Termos associados a Crotalus, Lachesis, tão incluídos os gêneros
serpentes são utilizados Micrurus e Bothrops, Bothriopsis,
para qualificar pessoas Leptomicrurus Bothrocophias,
1. Ofidismo 9
Rhinocerophis (jararacas, racterística importante,
Exceto pelas corais-
jararacuçu, urutu), res-
verdadeiras, as demais pois a inoculação do ve-
ponsáveis pelos aciden- neno depende de presas
serpentes peçonhentas
tes botrópicos; o gênero
do Brasil apresentam a apropriadas para esta
Crotalus (cascavel, boi- fosseta loreal. função. As serpentes
cininga, maracamboia), são divididas em quatro
responsável pelo aciden- grupos, de acordo com
te crotálico, e o gênero Lachesis (suru- a dentição e a capacidade de injetar ve-
cucu, jacutinga, pico-de-jaca), respon- neno: áglifa, opistóglifa, proteróglifa e
sável pelo acidente laquético. A família solenóglifa2,3. As características de cada
Elapidae possui no Brasil os gêneros tipo de dentição são:
Micrurus e Leptomicrurus, conhecidas a. áglifa: não apresenta presas capazes
como corais-verdadeiras e responsáveis de inocular o veneno, pois os dentes
pelos acidentes elapídicos .2
são maciços, sem canal central nem
As serpentes apresentam corpo sulco externo; esta dentição está pre-
alongado e recoberto por escamas e sente nas serpentes consideradas não
não possuem apêndices locomotores peçonhentas, como as jiboias e as
nem ouvidos externos. A respiração é sucuris;
pulmonar e a língua é delgada e bífida, b. opistóglifa: possui duas ou mais
relacionada com o sentido do olfato. presas com sulco externo, pelo qual
São animais exotérmicos (sangue frio), o veneno é injetado, localizadas na
dependendo de fonte posição posterior do
Figura 1 - Fosseta loreal (seta) em uma cascavel.
externa de calor para a maxilar superior; fa-
manutenção da tempera- As serpentes são zem parte deste gru- d. solenóglifa: possui um par de presas ção dos venenos é bastante complexa,
tura corporal .
2,3 divididas em quatro po diversas serpentes inoculadoras, com um canal central, contendo toxinas com diversas ativi-
A fosseta loreal (Fig.
grupos, de acordo com a da família Colubridae, grandes, pontiagudas dades. Algumas ações
1) é um orifício encon-
dentição e a capacidade como as falsas-corais
e retráteis, localizadas que os venenos podem
trado entre os olhos e as
de injetar veneno: áglifa, (Erythrolamprus aes- Algumas ações que os
na porção anterior ter são:
opistóglifa, proteróglifa venenos podem ter são:
narinas. Trata-se de um culapii e Oxyrrhopus do maxilar superior; • ação proteolítica:
e solenóglifa. proteolítica, coagulante
órgão do sentido usado trigeminus); está presente nas ja- presente nos venenos
para a caça, que funciona c. proteróglifa: raracas, cascavéis e e anticoagulante, botrópico e laquético;
como sensor do calor irradiado por or- dotada de um par de presas fixas com surucucus . 2,3 hemorrágica, promove a desnaturação
ganismos de sangue quente. Exceto pe- um canal central, localizadas na po- O veneno é produ- neurotóxica, miotóxica, de proteínas, resultando
las corais-verdadeiras, as demais serpen- sição anterior do maxilar superior; zido pelas glândulas de nefrotóxica. em necrose no local da
tes peçonhentas do Brasil apresentam a esta dentição é característica das co- veneno supralabiais, picada;
fosseta loreal2,3. rais-verdadeiras (gêneros Micrurus e presentes nos dois lados da cabeça, • ação coagulante e anticoagulante:
A dentição das serpentes é uma ca- Leptomicrurus); ao longo dos maxilares. A constitui- presente nos venenos botrópico, cro-

10 Cadernos Técnicos de Veterinária e Zootecnia, nº 75 - dezembro de 2014 1. Ofidismo 11


tálico e laquético; há possível afirmar precisa- centração de anticorpos A quantidade de
As serpentes são A soroterapia deve
ativação da cascata da
caçadoras; alimentam- mente qual a quantida- antiveneno circulantes
ser feita com o soro soro a ser administrada
coagulação, gerando de de veneno inoculado estiver em níveis de-
se principalmente específico para o gênero deverá ser a suficiente
consumo do fibrino- em uma picada, prin- sejados, são realizadas
de roedores, sendo da serpente responsável para neutralizar pelo me-
gênio circulante e for- encontradas próximas cipalmente porque, na coletas de sangue para pelo acidente, pois não nos 100mg de veneno
mação de fibrina intra- às fontes de alimentos. maioria dos acidentes, obtenção do soro que, há proteção cruzada no acidente botrópico e
vascular; inativação de as serpentes não injetam posteriormente, será entre os grupos de 50mg no acidente cro-
fatores da coagulação, a totalidade do veneno concentrado. Entretanto, serpentes. tálico, que é a quantida-
como o fator XIII e o fator de von presente nas glândulas. De modo geral, a ação tóxica do veneno de estimada de veneno
Willebrand; hipoagregação plaquetá- as serpentes recém-nascidas produzem é responsável por pre- inoculado independen-
ria e trombocitopenia; quantidades similares de veneno, mas, juízos à qualidade de vida dos animais temente do tamanho da vítima. Como
• ação hemorrágica (enzimas metalo- devido ao tamanho reduzido, inoculam imunizados, motivo pelo qual diversos os soros comerciais estão padronizados
proteinases): presente nos venenos volume menor2,3. estudos estão em andamento, com o para que 1mL neutralize 2mg de veneno
botrópico e laquético; atua de forma As serpentes são caçadoras; alimen- objetivo de procurar reduzir os efeitos botrópico ou 1mg de veneno crotálico,
combinada com a ação coagulante e tam-se principalmente de roedores, tóxicos dos venenos, mas sem interferir o volume mínimo de soro a ser adminis-
incoagulante, resultando em hemor- sendo encontradas próximas às fontes na imunogenicidade3,4. trado é de 50mL. A administração do
ragias locais e sistêmicas; rompe a in- de alimentos. O homem e os animais A soroterapia deve ser feita com o soro deverá ser feita preferencialmente
tegridade do endotélio vascular e tem de grande porte não fazem parte do car- soro específico para o gênero da ser- pela via intravenosa, diluído em solução
atividade de desintegrina; dápio das serpentes peçonhentas; no pente responsável pelo acidente, pois salina a 5% ou glicose. A administra-
• ação neurotóxica: presente nos ve- entanto, quando se sentem provocadas não há proteção cruzada entre os gru- ção intraperitoneal pode ser realizada
nenos crotálico e elapídico; é causada ou ameaçadas, irão se defender por ins- pos de serpentes3,5,6. No Brasil, os soros quando não for possível a administra-
pelo bloqueio da placa neuromuscular; tinto. Assim, os acidentes ocorrem so- produzidos são o soro antibotrópico, o ção intravenosa. As vias intramuscular e
• ação miotóxica: presente no veneno bretudo por aproximação inadvertida .
2,3
soro anticrotálico, o soro antilaquético, subcutânea devem ser evitadas, e no seu
crotálico; promove lise e necrose das o soro antielapídico, o soro antibotrópi- eventual uso não se deve diluir o soro
fibras musculares; Soroterapia co-anticrotálico e o soro antibotrópico- com solução glicosada6.
• ação nefrotóxica: presente nos vene- Vital Brazil, com seus estudos sobre -antilaquético. Os soros A soroterapia é um
nos crotálico e botrópico; promove os ofídios e os acidentes que causavam, antilaquético e antiela- A quantidade de soro a procedimento que pode
lesões tubulares e no endotélio dos criou em 1897 o soro antiofídico. Foi pídico são destinados ser administrada deverá provocar reações de
vasos, que podem culminar em insu- uma grande revolução, e este produ- exclusivamente para uso ser a suficiente para hipersensibilidade, in-
ficiência renal aguda3. to continua sendo o único tratamen- humano . Existe comer-
3 neutralizar pelo menos dependentemente de
Há variação na constituição dos ve- to específico utilizado em humanos e cialmente soro para uso 100mg de veneno no sensibilização prévia4,5,7.
nenos produzidos por animais acidentados. veterinário com indica- acidente botrópico Estas reações podem ser
serpentes do mesmo O soro antiofídico O soro é produzido em ção antibotrópica, anti- e 50mg no acidente de anafilaxia (hipersen-
gênero em decorrência continua sendo o único equinos, que são imuni- crotálica e antilaquética, crotálico. sibilidade do tipo I) ou
da espécie, idade, distri- tratamento específico zados pela administra- mas sua eficiência para O volume mínimo de anafilactoide (de Arthus,
buição geográfica, sexo utilizado em humanos e ção de diversas doses do o acidente laquético não soro a ser administrado hipersensibilidade do
e época do ano. Não é animais acidentados. veneno. Quando a con- está comprovada. é de 50mL. tipo III). A anafilaxia
12 Cadernos Técnicos de Veterinária e Zootecnia, nº 75 - dezembro de 2014 1. Ofidismo 13
está relacionada com a presença de anti- Referências
corpos reagentes contra o soro, enquan- 1. FRANCO, F.L. Origem e diversidade das serpen-
to a anafilactoide também é produzida tes. In: CARDOSO, J.L.C.; FRANÇA, F.O.S.;
WEN, F.H.; MÁLAQUE, C.M.S.; HADDAD JR,
por anafilotoxinas, mas sem a participa- V. (Ed). Animais Peçonhentos no Brasil – biologia,
ção de anticorpos reagentes8. Os sinais clínica e terapêutica dos acidentes. 2.ed. São Paulo:
Sarvier, 2008. p.22-41.
clínicos mais frequentemente observa-
dos nas fases iniciais destas reações são 2. MELGAREJO, A.R. Serpentes peçonhentas do
Brasil. In: CARDOSO, J.L.C.; FRANÇA, F.O.S.;
urticária, prurido, tremores muscula- WEN, F.H.; MÁLAQUE, C.M.S.; HADDAD JR,
res, dispneia, tosse e náuseas. Os sinais V. (Ed). Animais Peçonhentos no Brasil – biologia,
clínica e terapêutica dos acidentes. 2.ed. São Paulo:
avançados incluem taquicardia, edema Sarvier, 2008. p.42-70.
dos órgãos, coagulação intravascular 3. OLIVEIRA, M.M.V. Serpentes venenosas.
disseminada, hipotermia e falência múl- Cadernos Técnicos de Veterinária e Zootecnia, n.44,
p.11-58, 2004.
tipla dos órgãos4.
4. SAKATE, M. Zootoxinas. In: SPINOSA, H.S.;
Na soroterapia, a manutenção do GÓRNIAK, S.L.; PALERMO NETO, J. (Ed).
acesso venoso deve ser mantida pela Toxicologia Aplicada à Medicina Veterinária.
Barueri: Manole, 2008. p.209-251.
administração de solução fisiológica
5. MELO, M.M.; SILVA, P.G.P.; LAGO, L.A.;
ou de Ringer, para facilitar a adminis- HABERMEHL, G.G. Diagnóstico e tratamen-
tração de medicamentos por via intra- to dos acidentes ofídicos. Cadernos Técnicos de
Veterinária e Zootecnia, n.28, p.53-66, 1999.
venosa. As reações precoces podem ser
tratadas com adrenalina (0,1 a 0,5mL 6. FERREIRA JÚNIOR, R.S.; BARRAVIERA, B.
Management of venomous snakebites in dogs and
de solução a 0,1%, IV), hidrocortiso- cats in Brazil. J. Venom. Anim. Toxins Incl. Trop. Dis.,
na (50mg/kg IV) e prometazina (0,2 a v.10, n.2, p.112-132, 2004.

1mg/kg SC), além da fluidoterapia. Se 7. CONCEIÇÃO, L.G.; ARGÔLO NETO, N.M.;


CASTRO, A.P. et al. Anaphylatic reaction after
houver insuficiência respiratória, deve- Crotalus envenomation treatment in a dog: case re-
-se fazer uso de sondas endotraqueais, port. J. Venom. Anim. Toxins Incl. Trop. Dis., v.13,
n.2, p.549-557, 2007.
para facilitar a respiração, e de bronco-
8. ABBAS, A.K. Doenças da imunidade. In: KUMAR,
dilatadores, como a aminofilina (10mg/ V.; ABBAS, A.K.; FAUSTO, N. (Ed). Robbins &
kg IM ou IV)4. A fim de evitar a reação Cotran, Patologia, Bases Patológicas das Doenças.
7.ed. Rio de Janeiro: Elsevier, 2005. p.203-280.
de hipersensibilidade, pode ser feita a
prova intradérmica para determinar a
sensibilidade do paciente3,7, mas este
procedimento pode resultar em atraso
no tratamento específico.

14 Cadernos Técnicos de Veterinária e Zootecnia, nº 75 - dezembro de 2014


2. Acidente Botrópico
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O gênero Bothrops continha mais • Bothrops alternatus – urutu, urutu-


de 60 espécies, distribuídas desde o -cruzeiro, cruzeira;
norte do México até o sul da Argentina, • Bothrops atrox – jararaca, jararaca-do-
mas várias espécies foram redistribu- -norte, jararaca-do-Amazonas;
ídas em outros sete gêneros. O Brasil • Bothrops cotiara – cotiara;
possui a maioria das espécies remanes- • Bothrops erythromelas – jararaca-da-
centes do gênero Bothrops, mas apenas -seca, jararaca-do-sertão;
duas espécies do gênero Bothriopsis • Bothrops jararaca – jararaca,
(B. bilineata e B. taeniata) e duas de jararaca-preguiçosa;
Bothrocophias (B. hyoprora e B. micro- • Bothrops jararacussu – jararacuçu;
phtalmus)1. As espécies de maior im- • Bothrops leucurus – jararaca;
portância no Brasil são (Fig. 1): • Bothrops moojeni – caiçara;
2. Acidente botrópico 15
• Bothrops neuwiedi – namento ainda não estão
Estas serpentes
jararaca-pintada, jara- totalmente esclarecidas3.
possuem final da cauda
raca-de-rabo-branco1. Além da importância to-
lisa, fosseta loreal,
Estas serpentes pos- xicológica, o estudo do
dentição solenóglifa
suem final da cauda lisa, veneno de B. jararaca
e comportamento
fosseta loreal e dentição agressivo. promoveu um grande
solenóglifa. De modo avanço no conhecimen-
geral, o comportamento to da fisiologia cardio-
é agressivo1; foi descrito o caso de uma vascular ao permitir o descobrimento
Bothrops pauloensis (espécie derivada do da bradicinina4. Além disso, foi isolado
complexo B. neuwiedi) que picou três deste veneno o fator de potenciação da
equinos2. Algumas espécies apresentam bradicinina, que, por meio da adição de
características curiosas, como Bothrops uma prolina, deu origem ao captopril,
insularis (jararaca-ilhoa), espécie restri- um fármaco inibidor da enzima conver-
ta à Ilha de Queimada Grande, locali- sora da angiotensina, amplamente uti-
zada a 35km do litoral de Itanhaém, SP. lizada terapeuticamente no tratamento
Esta espécie produz um veneno mais de diversas doenças cardiovasculares5.
potente que as demais do gênero, com O veneno possui quatro grupos de
aparência bastante diferente da Bothrops atividades fisiopatológicas: proteolítica,
alcatraz (jararaca-de-alcatrazes), endê- coagulante/anticoagulante, vasculotó-
mica das Ilhas de Alcatrazes, localizada xica e nefrotóxica. A atividade proteo-
próximo à Ilha de Queimada Grande1. lítica, também conhecida como necró-
tica ou inflamatória aguda, é causada
Veneno botrópico por diversos componentes, incluindo
O veneno botrópico possui mais aminas biogênicas pré-formadas do
de 20 componentes diferentes, e mais tipo histamina, pequenos peptídeos ou
de 90% do peso seco do veneno são proteínas, como fosfolipase A2, estera-
constituídos por proteínas, incluindo ses, proteases, enzimas liberadoras de
enzimas, toxinas não enzimáticas e pro- cininas e lectinas. O veneno botrópico
teínas não tóxicas. Os apresenta elevadas con-
outros componentes são O veneno possui quatro centrações de enzimas
carboidratos, lipídeos, grupos de atividades proteolíticas, mas muitas
metais, aminas biogêni- fisiopatológicas: vezes a ação ocorre indi-
cas, nucleotídeos e ami- proteolítica, coagulante/ retamente pela indução
noácidos livres. A função anticoagulante, ou liberação de autacoi-
de cada componente e vasculotóxica e des (bradicinina, pros-
Figura 1 - A: Bothrops jararaca, B: Bothrops jararacussu, C: Bothrops moojeni, D: Bothrops neuwiedi,
E: Bothrops alternatus. sua interação no envene- nefrotóxica. taglandinas, leucotrie-
16 Cadernos Técnicos de Veterinária e Zootecnia, nº 75 - dezembro de 2014 2. Acidente botrópico 17
nos, prostaciclinas)3,6,7, raracussu, B. moojeni e B. O veneno botrópico são afetadas pelo veneno
O processo inflamatório O veneno botrópico
produção óxido nítrico neuwiedi3,10,11. também é nefrotóxico, botrópico, mas a sensi-
local agudo é também é nefrotóxico,
e de citocinas (IL-1, IL- A atividade coagulan- sendo a insuficiência re- bilidade varia entre as
potencializado pela sendo a insuficiência
6, IL-8, IFN-γ, TNF-α) te é produzida por diver- nal aguda uma sequela espécies. Os mais sensí-
atividade coagulante renal aguda uma
e ativação do sistema sos compostos, como, por que pode acometer o veis ao veneno botrópico
do veneno, pois ocorre sequela que pode
complemento (C5a, C3 exemplo, botrojararacina, paciente. Um dos meca- são os equinos, seguidos
formação de trombos acometer o paciente.
e C4) . O processo in-
8
botrombina e jararagina nismos é a ação direta do pelos ovinos, bovinos,
na microvasculatura,
flamatório local agudo C. Conhecida como tipo veneno sobre os túbulos caprinos, caninos, suínos
responsáveis por
é potencializado pela “trombina”, a ação coagu- renais e o endotélio vascular. Também e felinos7,19. A gravidade do quadro vai
hipóxia.
atividade coagulante do lante se dá pela ativação pode ocorrer em consequência de hipo- depender da espécie da serpente, volume
veneno, pois ocorre for- de fatores da coagulação tensão/hipovolemia, ou por isquemia de veneno inoculado, espécie e tamanho
mação de trombos na microvasculatura, sanguínea (fibrinogênio, protrombina causada por obstrução da microcircula- do animal acidentado, tempo decorrido
responsáveis por hipóxia, agravamento e fator X), isoladamente ou simultane- ção renal pelos microcoágulos6,17. entre o acidente e o tratamento adequa-
do edema e necrose tecidual. As hemor- amente, convertendo fibrinogênio em Pelo menos três fatores interferem na do, e local da picada6,19.
raginas também devem contribuir para fibrina. Mas deve ser ressaltado que a composição dos venenos: Os sinais clínicos locais se instalam
a inflamação aguda por meio da ação fibrina formada é instável (não ocorre a a. idade: as serpentes jovens (B. jararaca em pouco tempo após a picada e são ca-
sobre o fator de necrose tumoral pré- formação dos dímeros de fibrina) e rapi- e B. moojeni) possuem maior ativida- racterizados por dor intensa, edema (Fig.
-formado, liberando a citosina ativa. No damente degradada, além do veneno ina- de pró-coagulante e menor atividade 2) e hemorragia. Após seis a 12 horas da
local da picada, há formação de necrose tivar o fator XIII, resultando no aumento inflamatória aguda local em compara- picada, são evidenciadas equimoses, bo-
tecidual de aspecto gelatinoso pela ação do tempo de coagulação ou tornando-o ção às adultas; lhas e necrose7. Podem ser identificados
de enzimas proteolíticas, principalmen- incoagulável12–15. Também foram descri- b. distribuição geográfica: ainda que dois pequenos pontos hemorrágicos re-
te as fosfolipases A2. Estas enzimas libe- tos efeitos de hipoagregação plaquetária de mesma idade e espécie, serpentes ferentes ao local da picada, apesar de que
ram substâncias vasoativas, provocando e inativação do fator de von Willebrand16. coletadas de regiões
o local da picada pode
dor intensa, edema, eritema e hemorra- Em alguns casos, pode haver coagulação diferentes podem Todas as espécies de não ser identificado6,19. É
gias, que precedem a necrose. Além dis- intravascular disseminada (CID), com apresentar variações animais domésticos comum os animais pica-
so, o veneno botrópico contém a enzima formação de microcoágulos6. na composição do são afetadas pelo dos em algum membro
veneno, provavelmen- veneno botrópico.
hialuronidase, responsável pela rápida A atividade vasculotóxica sistêmica o manter flexionado, pro-
te por diferenças na Os mais sensíveis ao
absorção e dispersão do veneno entre os é promovida pelas hemorraginas, um curando não apoiá-lo no
dieta; veneno botrópico são
tecidos animais6,7,9. A necrose tecidual é grupo de enzimas que contêm zinco em solo7,9,20.
c. individual: variações os equinos, seguidos
promovida por miotoxinas que apre- sua estrutura (metaloproteinases). Elas Quando a picada
em serpentes de mes- pelos ovinos, bovinos,
sentam estrutura química de fosfolipase rompem a integridade vascular por de- ocorre na cabeça, prin-
ma espécie, idade e caprinos, caninos,
A2 e afetam a integridade da membrana gradação de vários componentes da ma- cipalmente na região do
procedência3,18. suínos e felinos. Sinais
das fibras musculares. As triz extracelular, como focinho, o edema inten-
miotoxinas foram iden- A atividade o colágeno tipo 4, a fi- Manifestações clínicos locais são so formado na região da
tificadas no veneno de vasculotóxica sistêmica bronectina e a laminina, clínicas caracterizados por picada pode causar disp-
algumas espécies, como é promovida pelas além de inibirem a agre- dor intensa, edema e neia e insuficiência respi-
Todas as espécies
B. asper, B. brazili, B. ja- hemorraginas. gação plaquetária3. hemorragia.
de animais domésticos ratória (Fig. 3)7,9. Caso
18 Cadernos Técnicos de Veterinária e Zootecnia, nº 75 - dezembro de 2014 2. Acidente botrópico 19
o edema seja acentuado, leucocitose com neu-
Sinais sistêmicos
com perda de patência trofilia7,20,23–25, que, em
incluem hemorragias
das vias aéreas e disp- cães, estão acompanha-
em mucosas ou
neia acentuada, será ne- das por linfopenia, eo-
subcutâneas prostração,
cessária a realização de sinopenia, monocitose
inapetência, apatia,
traqueostomia, que deve e trombocitopenia23.
taquicardia, taquipneia,
ser feita com cautela por Outros achados são au-
hipertermia e melena.
causa da coagulopatia . 2,6,9
mento no tempo de co-
Os sinais sistêmicos agulação (TC), tempo
do acidente botrópico incluem hemor- de protrombina (TP), tempo de trom-
ragias em mucosas (Fig. 4) ou subcutâ- bina (TT) e tempo de tromboplastina
neas (Fig. 5), prostração, inapetência, parcial ativada (TTPa), redução das
apatia, taquicardia, taquipneia, hiper- concentrações plasmáticas de fibrino-
termia e melena6,7,19,21. Em casos graves, gênio, proteínas plasmáticas totais e al-
os animais podem apresentar hipoten- bumina. Também pode haver aumento
são, hipotermia, choque hipovolêmico, dos níveis de ureia, creatinina, produtos
oligúria ou anúria, sudorese, êmese e da degradação da fibrina e das ativida-
decúbito lateral por vários dias. A re- des séricas de alanina aminotransferase
Figura 2 - Edema no membro anterior de bovino picado por Bothrops. cuperação poderá ser lenta9. A morte (ALT), fosfatase alcalina (FA) e creati-
pode ocorrer por choque hipovolêmico, noquinase (CK)7,23–25.
hemorragias extensas ou insuficiência
renal7. Achados patológicos
Como sequela, pode haver extensa À necropsia, o local da picada apre-
necrose da pele (Fig. 6) e musculatura senta edema sero-hemorrágico, gelati-
(Fig. 7) na região da picada22. É comum noso, espesso e amarelado. Em casos
a contaminação bacteriana no local da com evolução de alguns
picada, com formação de dias, o local apresenta ne-
abscessos. As bactérias ge- Os achados
crose e secreção purulen-
ralmente são provenientes hematológicos são
ta; a avaliação microscópi-
da microbiota bucal das anemia, leucocitose
ca deste local pode revelar
serpentes, mas podem ser com neutrofilia.
a presença de infiltrado
introduzidas pelo contato inflamatório, inicialmente
da ferida com material contaminado9,19. com predominância de polimorfonu-
cleares e, posteriormente, de mononu-
Achados laboratoriais cleares. Há congestão e hemorragias
Os achados hematológicos nas di- intensas no coração, pulmões, trato
ferentes espécies animais são anemia, gastrintestinal, vesícula urinária e rins,
Figura 3 - Cão picado no focinho por Bothrops apresentando intenso edema e dificuldade respiratória.

20 Cadernos Técnicos de Veterinária e Zootecnia, nº 75 - dezembro de 2014 2. Acidente botrópico 21


Figura 4 - Cão picado por Bothrops apresentando mucosa oral hemorrágica.

Figura 6 - Necrose da pele de cão picado por Bothrops.

e enfisema pulmonar generalizado. Nos


rins, pode haver necrose tubular renal;
outros achados são glomerulonefrite
aguda, nefrite intersticial e necrose cor-
tical renal6,20,24–26.

Diagnóstico
O diagnóstico é feito pela presença
de serpentes no ambiente, ocorrência
de acidentes anteriores, manifestações
clínicas, com destaque para o edema no
local da picada, e os achados laborato-
riais, principalmente o aumento do tem-
po de coagulação ou incoagulabilidade
Figura 5 - Hemorragia subcutânea na região torácica ventral e no membro anterior esquerdo de cão Figura 7 - Necrose muscular como sequela de pi- do sangue, além de aumento de TP e
picado por Bothrops. cadura por Bothrops.

22 Cadernos Técnicos de Veterinária e Zootecnia, nº 75 - dezembro de 2014 2. Acidente botrópico 23


TTPa9. Frequentemente seis horas da administra- acidente botrópico28, a avaliação das le- ations by Bothrops snakes. J. Venom. Anim. Toxins
O tratamento Incl. Trop. Dis., v.17, n.2, p.130-141, 2011.
não ocorre a visualização ção do soro antibotrópico, sões experimentais tratadas revelou que
específico é feito com 9. SAKATE, M. Zootoxinas. In: SPINOSA, H.S.;
do ataque, o que pode o sangue permanecer inco- a recuperação era retardada com o uso
o soro antibotrópico GÓRNIAK, S.L.; PALERMO NETO, J. (Ed).
dificultar o diagnósti- agulável, é indicada nova deste produto29,30. Da mesma forma, a Toxicologia Aplicada à Medicina Veterinária.
ou antibotrópico- Barueri: Manole, 2008. p.209-251.
co. A confirmação do administração do soro na administração do anti-inflamatório de-
crotálico. 10. FERNANDES, C.A.H.; COMPARETTI, E.J.;
diagnóstico é feita pela metade da dose inicial. É flazacort, um derivado da prednisona, BORGES, R.J. et al. Structural bases for a com-
resposta à soroterapia importante ressaltar que a em camundongos inoculados com ve- plete myotoxic mechanism: crystal structures of
neno de B. jararacussu, provocou piora two non-catalytic phospholipases A2-like from
antibotrópica6. soroterapia, mesmo quando instituída Bothrops brazili venom. Biochim Biophys Acta,
precocemente, tem pouca eficácia con- na degeneração muscular31. v.1834, n.12, p.2772-2781, 2013.
Tratamento tra os efeitos locais produzidos pelo ve- 11. SALVADOR, G.H.M.; CAVALCANTE,
Referências W.L.G.; SANTOS, J.I. et al. Structural and
O tratamento específico é feito com neno botrópico .
7
functional studies with mytoxin II from
O tratamento de suporte também 1. MELGAREJO, A.R. Serpentes peçonhentas do Bothrops moojeni reveal remarkable similarities
o soro antibotrópico ou antibotrópico- Brasil. In: CARDOSO, J.L.C.; FRANÇA, F.O.S.; and differences compared to other catalytically
-crotálico, em quantidade suficiente é importante. A fluidoterapia deve ser WEN, F.H.; MÁLAQUE, C.M.S.; HADDAD JR, inactive phospholipases A₂-like. Toxicon, v.72,
V. (Ed). Animais Peçonhentos no Brasil – biolo-
para neutralizar pelo menos 100mg do instituída com solução fisiológica ou de gia, clínica e terapêutica dos acidentes. 2.ed. São
p.52-63, 2013.
veneno, administrado de preferência Ringer enquanto o animal não puder Paulo: Sarvier, 2009. p.42-70. 12. ZINGALI, R.B.; FERREIRAM M.S.; ASSAFIM,
M. et al. Bothrojaracin, a Bothrops jararaca snake
por via intravenosa, de forma lenta6,7,9. ingerir água . As infecções secundárias
9
2. CHIACCHIO, S.B.; MARTINS, G.T.B.; venom-derived (pro)thrombin inhibitor, as an
AMORIM, R.M. et al. Triple bothropic enven-
Em casos graves, a quantidade do soro devem ser tratadas com antimicrobia- omation in horses caused by a single snake. J.
anti-thrombotic molecule. Pathophysiol. Haemost.
Thromb., v.34, n.4-5, p.160-163, 2005.
pode ser aumentada para o suficien- nos de amplo espectro . Um composto
6
Venom. Anim. Toxins Incl. Trop. Dis., v.17, n.11,
p.111-117, 2011. 13. OLIVEIRA-CARVALHO, A.L.; GUIMARÃES,
te para neutralizar 200mg ou mesmo que apresenta excelente potencial para P.R.; ABREU, P.A. et al. Identification and char-
300mg de veneno. A administração do uso no tratamento do acidente botró- 3. FRANÇA, F.O.S.; MÁLAQUE, C.M.S. Acidente
botrópico. In: CARDOSO, J.L.C.; FRANÇA,
acterization of a new member of snake venom
pico é a ar-turmerona, um thrombin inhibitors from Bothrops insularis using
soro por outra via é menos F.O.S.; WEN, F.H.; MÁLAQUE, C.M.S.; a proteomic approach. Toxicon, v.51, n.4, p.659-
efetiva que a via intrave- A avaliação sesquiterpeno isolado da HADDAD JR, V. (Ed). Animais Peçonhentos no
671, 2008.
Brasil – biologia, clínica e terapêutica dos aciden-
nosa, pois há uma demora da eficácia da curcuma (Curcuma longa tes. 2.ed. São Paulo: Sarvier, 2009. p.81-95. 14. SANT’ANA, C.D.; BERNARDES, C.P.;
de até quatro horas para soroterapia deve ser L.)27. 4. ROCHA E SILVA, M.; BERALDO, W.T.;
IZIDORO, L.F.M. et al. Molecular characteriza-
tion of BjussuSP-I, a new thrombin-like enzyme
que os anticorpos atinjam feita por meio de Foi observado expe- ROSENFELD, G. Bradykinin, a hypotensive and
with procoagulant and kallikrein-like activity
a smooth muscle stimulating factor released from
a circulação sanguínea. testes para avaliação rimentalmente que o uso plasma globulin by snake venom and by trypsin.
isolated from Bothrops jararacussu snake venom.
Biochimie, v.90, n.3, p.500-507, 2008.
A avaliação da eficácia da da coagulação de fármacos anti-inflama- Am. J. Physiol., v.156, n.2, p.261-273, 1949.

soroterapia deve ser feita sanguínea. Se após tórios é capaz de reduzir 5. FERREIRA, SH. Do fator de potenciação da bra-
15. VIVAS-RUIZ, D.E.; SANDOVAL, G.A.;
MENDOZA, J. et al. Coagulant thrombin-like
por meio de testes para quatro a seis horas o edema provocado pelo
dicinina (BPF) aos inibidores da ECA. HiperAtivo,
v.5, n.1, p. 6-8, 1998.
enzyme (barnettobin) from Bothrops barnetti
avaliação da coagulação da administração do veneno botrópico em ra-
venom: molecular sequence analysis of its cDNA
and biochemical properties. Biochimie, 95, n.7,
6. FERREIRA JÚNIOR, R.S.; BARRAVIERA, B.
sanguínea . Apesar de ser
7 soro antibotrópico, o tos, o que não ocorre em Management of venomous snakebites in dogs and p.1476-1486, 2013.
mais eficiente se for ins- sangue permanecer outras espécies animais7.
cats in Brazil. J. Venom. Anim. Toxins Incl. Trop.
16. FRANCISCHETTI, I.M.; CASTRO, H.C.;
Dis., v.10, n.2, p.112-132, 2004.
tituída o mais precoce- incoagulável, é Apesar de o anti-inflama- ZINGALI, R.B. et al. Bothrops sp. snake venoms:
7. MELO, M.M.; SILVA JÚNIOR, P.G.P.; LAGO, comparison of some biochemical and physico-
mente possível, também indicada nova tório não esteroidal fluni- L.A. et al. Envenenamento botrópico. Cadernos chemical properties and interference in platelet
é indicada para casos com administração do xinameglumina ter sido Técnicos de Veterinária e Zootecnia, n.44, p.59-79, functions. Comp. Biochem. Physiol. C, v.119, n.1,
2004. p.21-29, 1998.
evolução de mais de 24 soro na metade da recomendado como op-
dose inicial. 8. LUNA, K.P.O.; SILVA, M.B.; PEREIRA, V.R.A. 17. AMARAL, C.F.S.; SILVA, O.A.; GODOY, P.;
horas. Se após quatro a ção para o tratamento do Clinical and immunological aspects of envenom- MIRANDA, D. Renal cortical necrosis following

24 Cadernos Técnicos de Veterinária e Zootecnia, nº 75 - dezembro de 2014 2. Acidente botrópico 25


Bothrops jararaca and B. jararacussu snake bite. 28. NOVAES, A.P.; LUCAS, S.; ABE, A.S. et al.
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mento opcional. Vet News. 1999;30:9–12.
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Continuada do CRMV-SP, v.4, n.3, p.102-111, botrópico após envenenamento botrópico expe-
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26 Cadernos Técnicos de Veterinária e Zootecnia, nº 75 - dezembro de 2014


3. Acidente Crotálico

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Benito Soto Blanco - CRMV-MG 14.513


Marília Martins Melo - CRMV-MG 2.432
Laboratório de Toxicologia, Departamento de Clínica e Cirurgia Veterinárias, Escola de Veterinária, Universidade Federal de Minas Gerais
E-mail para contato: benito.blanco@pq.cnpq.br

As serpentes do pla distribuição geo-


gênero Crotalus, co- As serpentes do gênero gráfica, que possui as
nhecidas popular- Crotalus, conhecidas subespécies:
mente como cascavel, popularmente como • Crotalus durissus ter-
boicininga e mara-
cascavel, boicininga rificus (cascavel, boi-
e maracamboia, são
camboia (Fig. 1), são quira) – presente no
robustas, não agressivas e
robustas, não agres- Rio Grande do Sul,
pouco ágeis.
sivas e pouco ágeis. Santa Catarina, Paraná,
Possuem fosseta lore- São Paulo, Minas
al, dentição solenóglifa e um choca- Gerais, Mato Grosso do Sul e áreas es-
lho ou guizo na extremidade da cauda parsas no Amazonas e Pará;
(Fig. 2) . No Brasil, há apenas uma • Crotalus durissus collilineatus (cascavel,
1,2

espécie Crotalus durissus*, com am- maracaboia) – encontrada nos esta-


* Recentemente esta espécie havia sido reclassificada como Caudisona durissa, mas esta nomeclatura logo deixou
de ser aceita.

3. Acidente crotálico 27
torâneas. Os acidentes A ação coagulante
Os acidentes crotálicos
crotálicos geralmente ocorre por ação de al-
geralmente ocorrem nas
ocorrem nas primeiras
primeiras horas da noite, guns compostos com
horas da noite, pois es- atividade similar à
pois estas serpentes saem
tas serpentes saem para
para caçar nesse período. trombina, com trans-
caçar nesse período. formação do fibrinogê-
Por este motivo, é fre- nio sérico em fibrina,
quente que o acidente seja identificado principalmente a giroxina5,6, prolongan-
apenas no dia seguinte1. do o tempo de coagulação ou mesmo
tornando o sangue incoagulável1,4. Além
Veneno crotálico disto, foi verificado que a convulxina au-
O veneno crotálico é uma mistura menta a agregação plaquetária . A ação
7

miotóxica deve ser produzida pelas toxi-


complexa de proteínas e polipeptídeos
nas crotoxina e crotamina4, produzindo
com ações neurotóxica,
ruptura de organelas.
miotóxica e coagulante. O veneno crotálico é uma Sistemicamente, são
A ação neurotóxica é mistura complexa de observados focos de
promovida principal- proteínas e polipeptídeos fibras necróticas espar-
mente por uma subs- com ações neurotóxica, sas misturadas a fibras
tância denominada miotóxica e coagulante. aparentemente nor-
Figura 1 - Crotalus durissus terrificus (cascavel). crotoxina, uma neuro-
mais, podendo evoluir
toxina pré-sináptica. A
dos de São Paulo, Minas Gerais, Mato para rabdomiólise e miosite necrótica
crotoxina atua nas terminações nervo-
Grosso, Goiás, no Distrito Federal e focal. A ação hemolítica foi descrita
sas motoras, de modo a inibir a libe-
na região Sul; apenas em ensaios in vitro, em pacientes
ração de acetilcolina pelos impulsos
• Crotalus durissus cascavella (cascavel, acidentados; diferentemente do que se
nervosos, provavelmente por interfe-
cascavel-quatro-ventas) – habitante pensava antigamente4, não se observa
rência em canais iônicos. Assim, há
da caatinga; hemólise in vivo.
bloqueio neuromuscular, resultando
• Crotalus durissus ruruima (boicininga, em paralisias motoras e respiratórias. Manifestações clínicas
boiçununga, maracá) – presente nas Outras neurotoxinas isoladas do ve-
savanas de Roraima; neno crotálico são a As espécies ani-
• Crotalus durissus marajoensis (boici- Figura 2 - Guizos da extremidade da cauda de crotamina, a girotoxi- As espécies animais mais mais mais sensíveis
ninga, boiçununga, maracá) – habi- Crotalus durissus terrificus. na e a convulxina, que sensíveis são bovina, são bovina, equina e
tante da ilha de Marajó2,3; apresentam efeitos equina e ovina, e a ovina, e a sensibilida-
São encontradas em campos abertos
• Crotalus durissus dryinus – presente no neurotóxicos em mo- sensibilidade em sequência de em sequência de-
Amapá; (áreas secas, arenosas e pedregosas), en- delos experimentais decrescente é: caprina, crescente é: caprina,
• Crotalus durissus trigonicus – encontra- costas de morros e cerrados, mas pouco não observados em canina, leporina, suína e canina, leporina, suí-
da em Roraima3. frequentes em matas úmidas e faixas li- casos clínicos4. felina. na e felina8.

28 Cadernos Técnicos de Veterinária e Zootecnia, nº 75 - dezembro de 2014 3. Acidente crotálico 29


Os sinais clínicos musculares, incoorde-
Sinais clínicos do acidente
do acidente crotálico nação motora, decúbito,
crotálico em cães incluem
em cães incluem ata- movimentos de pedala-
ataxia, paralisia flácida
xia, paralisia flácida da gem e paralisia flácida.
da musculatura, sedação,
musculatura (Fig. 3), Na fase avançada do en-
midríase, paralisia do
sedação, midríase, pa- venenamento, há disp-
globo ocular, mialgia,
ralisia do globo ocular neia, sialorreia12,13 e pa-
sialorreia, perda dos
(oftalmoplegia), mial- ralisia do globo ocular14.
reflexos superficiais e
gia, sialorreia (Fig. 4), As alterações clínicas
profundos, vômitos,
perda dos reflexos su- em bubalinos são simi-
dispneia e insuficiência
perficiais e profundos, lares às descritas em bo-
respiratória.
vômitos, dispneia e vinos, exceto a paralisia
insuficiência respirató- do globo ocular14. Os
ria8–10. Frequentemente não há alteração sinais clínicos do acidente crotálico em
no local da picada, o que impossibilita equinos incluem aumento de volume no
sua localização1. Casos graves podem local de inoculação do veneno, apatia e
apresentar depressão neurológica gra- cabeça baixa, mioclonias, dificuldade de
ve8. A presença de mioglobina na urina movimentação com arrastar das pinças Figura 3 - Cão picado por C. durissus apresentando paralisia flácida.
(mioglobinúria) se torna evidente pela no solo, decúbito e dificuldade para le-
coloração da urina, variando de aver- vantar, redução da sensibilidade cutânea,
melhada a marrom escura11. Pode haver redução dos reflexos auricular, palatal do
opacidade de córnea como sequela da lábio superior e de ameaça, aumento das
oftalmoplegia (Fig. 5). frequências cardíaca e respiratória e re-
Em bovinos, os sinais clínicos ob- dução na temperatura retal15.
servados são inquietação e desconforto, A gravidade do acidente em ani-
seguidos por apatia, letargia, edemacia- mais domésticos pode ser classificada
ção discreta no local da picada, tremores como leve, moderada ou grave (Tab. 1).

Tabela 1. Classificação clínica da gravidade do acidente crotálico8.


Gravidade do envenenamento
Manifestações clínicas
Leve Moderada Grave
Fácies miastênicas Ausentes ou tardias Discretas ou evidentes Evidentes
Mialgia Ausente ou discreta Discreta Intensa
Figura 4 - Cadela picada por C. durissus apresen- Figura 5 - Opacidade de córnea como sequela da
Mioglobinúria Ausente Ausente ou pouco evidente Presente tando flacidez da musculatura da face, midríase oftalmoplegia em cadela picada por C. durissus.
Oligúria ou anúria Ausente Ausente ou presente Presente bilateral, oftalmoplegia, boca sempre aberta
com dificuldade de respiração e sialorreia.
Normal ou Aumentado ou
Tempo de coagulação Normal ou aumentado
aumentado incoagulável

30 Cadernos Técnicos de Veterinária e Zootecnia, nº 75 - dezembro de 2014 3. Acidente crotálico 31


Vários fatores afetam a
O acidente crotálico pode
à liberação de cateco- de cloreto de amônio. Na urinálise, um Tratamento
gravidade do aciden- laminas, mediadores achado frequente é a proteinúria10,11,
ter como complicações a O tratamento específico é feito com
te, como idade, peso e mas poderá haver a presença de cilin-
insuficiência renal aguda e celulares e humorais o soro anticrotálico ou antibotrópico-
estado geral da vítima, dros de mioglobina se a urina for áci-
a insuficiência respiratória da inflamação e fato- -crotálico (antiofídico), administrado
quantidade de veneno res quimiotáticos sé- da10. O aumento nas concentrações séri-
aguda. por via IV. A quantidade de soro a ser
inoculada, número de ricos8,9. Também foi cas de ureia e creatinina com oligúria ou
picadas, local da pica- descrita em cães experi- anúria ocorre nos casos em que há lesão administrada deverá ser suficiente para
da e tempo até o início do tratamento . mentalmente envenenados a ocorrência
8
renal8. neutralizar pelo menos
O acidente crotálico pode ter de anemia e trombocitopenia associa- O tratamento específico 100mg de veneno1,8,21.
como complicações a insuficiência das à hipoplasia da medula óssea9. As al- Alterações é feito com o soro O paciente deverá ser
monitorado após a so-
renal aguda e a insu- terações hemostáticas patológicas anticrotálico ou
ficiência respiratória As alterações são aumento no tempo antibotrópico-crotálico roterapia por meio do
À necropsia, o local
aguda. A insuficiência hematológicas em cães de coagulação ou não suficiente para neutralizar tempo de coagulação e
da picada pode apre- da concentração plas-
renal aguda é a prin- são leucocitose por coagulação do sangue, pelo menos 100mg de
sentar discreto edema
cipal causa de morte neutrofilia, podendo esta aumento no tempo de veneno. O paciente deverá mática de fibrinogê-
subcutâneo, com raras nio1,8
, além da avaliação
dos pacientes picados, vir acompanhada por protrombina (PT) e ser monitorado após a
petéquias e sufusões da depressão neuroló-
geralmente ocorrendo linfocitose em bovinos e no tempo de trombo- soroterapia por meio do
na musculatura cardía-
nos casos graves ou equinos ou por linfopenia e plastina parcial ativado tempo de coagulação e da gica. Se o animal não
ca. Histologicamente, apresentar melhora do
tratados tardiamen- eosinopenia em cães. (TTPA), redução na concentração plasmática
as lesões descritas in- quadro após oito a 12
te4. A dispneia com concentração plasmá- de fibrinogênio.
cluem degeneração horas do início do tra-
insuficiência respira- tica de fibrinogênio1,9,10
hialina nas fibras mus- tamento, é necessária
tória é atribuída à paralisia muscular e redução da velocidade de hemossedi-
culares, degeneração de células de al- a administração de metade da dose ini-
transitória16. mentação8. O aumento acentuado das
guns túbulos uriníferos no córtex renal cial do soro8. A eficiência da soroterapia
atividades séricas de creatinoquinase
e discreta vacuolização de hepatócitos depende do tempo decorrido desde a
Achados laboratoriais (CK)8,10,14,15,18,19, lactato desidrogenase
das zonas centrais e intermediárias do picada, da quantidade de veneno ino-
Os achados de patologia clínica (LDH) e aspartato aminotransferase lóbulo hepático13–15,20. culado e da sensibilidade individual1.
podem ser muito úteis. As alterações (AST) e a ocorrência de mioglo-
4,10,15

binúria são consequência da rabdomi- Além disso, o soro anticrotálico parece


hematológicas descritas em cães são Diagnóstico não neutralizar o veneno de C. durissus
leucocitose por neutro- ólise8,18. A mioglobina
O diagnóstico clínico dever ser feito ruruima2.
filia9,10,14,15,17, podendo As alterações hemostáticas no sangue ou na urina
pode ser detectada por pelo histórico, quadro clínico apresen- Diversas medidas de suporte deve-
esta vir acompanha- são aumento no tempo tado e achados de patologia clínica . rão ser empregadas. A sondagem vesical
1,4
da por linfocitose em de coagulação ou não técnicas de imunoele-
troforese ou por imu- Em bovinos, o diagnóstico diferencial é indicada para evitar a retenção uriná-
bovinos e equinos15,17, coagulação do sangue, deve ser feito principalmente com bo- ria em decorrência da atonia vesical. É
ou por linfopenia e aumento no tempo de nodifusão. Na urina, a
mioglobinúria pode ser tulismo1. A confirmação do diagnósti- importante a fluidoterapia (solução fi-
eosinopenia em cães9. protrombina (PT) e no co pode ser realizada pela detecção do siológica ou de Ringer) associada à ad-
Estas alterações hema- tempo de tromboplastina diferenciada de hemo- veneno circulante por meio de teste ministração de diuréticos para induzir a
tológicas são atribuídas parcial ativado. globinúria pela adição
ELISA1,4. diurese. A solução de manitol a 20% (1 a
32 Cadernos Técnicos de Veterinária e Zootecnia, nº 75 - dezembro de 2014 3. Acidente crotálico 33
2g/kg, a cada seis horas, IV) é o diuréti- graves com insuficiência renal aguda Anim. Toxins Incl. Trop. Dis., v.13, n.4, p.800-810, 19. LAGO, L.A.; MARQUES JÚNIOR, A.P.; MELO,
2007. M.M. et al. Perfil bioquímico sorológico de bovi-
co de escolha, mas se a oligúria persistir, por necrose tubular aguda, o prognósti- nos inoculados experimentalmente com veneno
10. SANTOS, W.G.; BEIER, S.L.; SOTO-BLANCO,
é recomendado o uso da furosemida (2 co é reservado à desfavorável8. B.; MELO, M.M. Envenenamento crotálico em
crotálico iodado livre e iodado incorporado em
lipossomas. Arq. Bras. Med. Vet. Zootec., v.56, n.5,
a 6mg/kg, a cada oito-12 horas, IV). Em cães. Revista de Ciências Agroveterinárias, v.13, supl., p.653-657, 2004.
cães e gatos, que possuem urina ácida, a Referências p.5-6, 2013.
20. SANGIORGIO, F.; SAKATE, M.; NOGUEIRA,
alcalinização da urina com bicarbonato 1. LAGO, L.A.; MELO, M.M.; LAGO, E.P. et al. 11. NOGUEIRA, R.M.B.; SAKATE, M.; R.M.B.; TOSTES, R.A. Histopathological evalu-
Envenenamento crotálico. Cadernos Técnicos de SANGIORGIO, F. et al. Experimental envenom- ation in experimental envenomation of dogs with
de sódio (1 a 2mEq/kg/h) é recomen- Veterinária e Zootecnia, n.44, p.80-89, 2004. ation with Crotalus durissus terrificus venom in dogs Crotalus durissus terrificus venom. J. Venom. Anim.
dada para evitar a formação de cilindros treated with antiophidic serum - part II: laboratory Toxins Incl. Trop. Dis., v.14, n.1, p.82-99, 2008.
2. MELGAREJO, A.R. Serpentes peçonhentas do aspects, electrocardiogram and histopathology. J.
de mioglobina nos néfrons, pois estes Brasil. In: CARDOSO, J.L.C.; FRANÇA, F.O.S.; Venom. Anim. Toxins Incl. Trop. Dis., v.13, n.4, p.811- 21. FERREIRA JÚNIOR, R.S.; BARRAVIERA, B.
WEN, F.H.; MÁLAQUE, C.M.S.; HADDAD JR, Management of venomous snakebites in dogs and
cilindros podem agravar a lesão renal V. (Ed). Animais Peçonhentos no Brasil – biologia,
820, 2007.
cats in Brazil. J. Venom. Anim. Toxins Incl. Trop. Dis.,
promovida pelo veneno. A fluidotera- clínica e terapêutica dos acidentes. 2.ed. São Paulo: 12. LAGO, L.A.; FERREIRA, P.M.; FACURY FILHO, v.10, n.2, p.112-132, 2004.
Sarvier, 2009. p.42-70. E.J. et al. Quadro clínico do envenenamento crotá-
pia deverá ser mantida até o término da lico experimental em bovinos (Crotalus durissus
mioglobinúria8. 3. GRANTSAU, R. As Serpentes Peçonhentas do Brasil. terrificus, crotamina positivo). Braz. J. Vet. Res.
São Carlos: Vento Verde, 2013. 320p. Anim. Sci., v.3, n.4, p.312-315, 2000.
A alimentação enteral ou parenteral
4. AZEVEDO-MARQUES, M.M.; HERING, S.E.; 13. LAGO, L.A.; MELO, M.M.; HENEINE, L.G.D. et
e a administração de água (com serin- CUPO, P. Acidente crotálico. In: CARDOSO, al. Avaliação clínica de bovinos inoculados com ve-
gas) poderão ser necessárias por causa J.L.C.; FRANÇA, F.O.S.; WEN, F.H.; MÁLAQUE, neno de Crotalus durissus terrificus detoxificado por
C.M.S.; HADDAD JR, V. (Ed). Animais
da depressão neurológica grave. Se ne- iodação e iodação com encapsulação em liposso-
Peçonhentos no Brasil – biologia, clínica e terapêu-
mas. Ciência Animal Brasileira, v.13, n.2, p.234-239,
cessário, a mialgia poderá ser aliviada tica dos acidentes. 2.ed. São Paulo: Sarvier, 2009.
2012.
p.108-115.
com a administração de analgésicos 14. BARBOSA, J.D.; SOUSA, M.G.S.; TOKARNIA,
5. ALEXANDER, G.; GROTHUSEN, J.; ZEPEDA,
opioides. Nos casos de decúbito pro- H.; SCHWARTZMAN, R.J. Gyroxin, a toxin
C.H. et al. Quadro clínico-patológico do enve-
nenamento crotálico experimental em bubalinos
longado, o animal deverá ser periodi- from the venom of Crotalus durissus terrificus, is a
comparado com o de bovinos. Pesq. Vet. Bras., v.31,
thrombin-like enzyme. Toxicon, v.26, n.10, p.953-
camente trocado de posição para evitar 960, 1988. n.11, p.967-973, 2011.
a formação de escaras e problemas sis- 6. YONAMINE, C.M.; KONDO, M.Y.; NERING, 15. LOPES, C.T.A.; TOKARNIA, C.H.; BRITO, M.F.
têmicos, como respiratórios. O uso de M.B. et al. Enzyme specificity and effects of gyrox- et al. Aspectos clínico-patológicos e laboratoriais
in, a serine protease from the venom of the South do envenenamento crotálico experimental em
colírios ou pomadas oftálmicas evita o American rattlesnake Crotalus durissus terrificus, on equinos. Pesq. Vet. Bras., v.32, n.9, p.843-849, 2012.
ressecamento da córnea em decorrência protease-activated receptors. Toxicon, v.79, p.64-71, 16. AMARAL, C.F.S.; MAGALHÃES, R.A.;
da paralisia ocular8. 2014. REZENDE, N.A. Comprometimento respiratório
7. FRANCISCHETTI, I.M.B.; SALIOU, B.; LEDUC, secundário a acidente ofídico crotálico (Crotalus
durissus). Rev. Inst. Med. Trop. São Paulo, v.33, n.4,
Prognóstico M. et al. Convulxin, a potent platelet-aggregating
protein from Crotalus durissus terrificus venom, p.251-255, 1991.
specifically binds to platelets. Toxicon, v.35, n.8, 17. LAGO, L.A.; MELO, M.M.; FERREIRA, P.M.;
A recuperação completa pode tar- p.1217-1228, 1997. FACURY FILHO, E.J. Alterações hematológicas
dar uma semana ou mais, podendo ha- 8. SAKATE, M. Zootoxinas. In: SPINOSA, H.S.; em bovinos submetidos ao envenenamento crotá-
ver complicações durante este período. GÓRNIAK, S.L.; PALERMO NETO, J. (Ed). lico. Rev. Bras. Saúde Prod. Anim., v.1, n.1, p.7-13,
Toxicologia Aplicada à Medicina Veterinária. 2001.
Desta forma, o ideal é o internamento Barueri: Manole, 2008. p.209-251.
18. AZEVEDO-MARQUES, M.M.; CUPO, P.;
do paciente. O prognóstico dos aciden- 9. NOGUEIRA, R.M.B.; SAKATE, M.; COIMBRA, T.M. et al. Myonecrosis, myoglo-
tes leves e moderados pode ser favorável SANGIORGIO, F. et al. Experimental envenom- binuria and acute renal failure induced by South
ation with Crotalus durissus terrificus venom in dogs American rattlesnake (Crotalus durissus terrificus)
se o paciente for atendido nas primeiras treated with antiophidic serum - part I: clinical envenomation in Brazil. Toxicon, v.23, n.4, p.631-
seis horas após a picada. Nos acidentes evaluation, hematology and myelogram. J. Venom. 636, 1985.

34 Cadernos Técnicos de Veterinária e Zootecnia, nº 75 - dezembro de 2014 3. Acidente crotálico 35


primento. Apresentam acentuada, eritema, ede-
Apresentam fosseta
fosseta loreal e a cauda ma equimose, que po-
loreal e a cauda com
com as últimas fileiras de dem progredir para todo
as últimas fileiras de
subcaudais modificadas
subcaudais modificadas o membro. Podem surgir
e eriçadas, terminando e eriçadas, terminando bolhas de conteúdo se-
em forma de “espinho”. em forma de espinho. ro-hemorrágico e com-
O bote pode ultrapassar plicações, tais como sín-
50% do seu comprimen- drome compartimental,
to total. Apesar de popularmente ser necrose e déficit funcional do membro2.
considerada agressiva, isto não parece Os sinais da neurotoxicidade, resul-
ser real . O acidente laquético é pouco tantes de estimulação vagal e variáveis
1

frequente (1,4% do total de acidentes segundo a gravidade do quadro, são


humanos por serpentes peçonhentas), hipotensão, bradicardia, cólicas abdo-
mas deve ser sempre considerado grave2. minais, vômitos, diarreia e tontura. É
O veneno laquéti- comum a ocorrência de
co apresenta atividades O veneno laquético infecção bacteriana no

4. Acidente Laquético fisiopatológicas seme-


lhantes às do veneno
botrópico. O veneno
possui atividades
coagulante,
hemorrágica,
local da picada2. Como
a sintomatologia clínica
é muito parecida com a
Benito Soto Blanco - CRMV-MG 14.513
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laquético possui ativida- inflamatória e do acidente botrópico,
Marília Martins Melo - CRMV-MG 2.432 des coagulante (do tipo necrosante. foram desenvolvidos
Laboratório de Toxicologia, Departamento de Clínica e Cirurgia Veterinárias, Escola de Veterinária, Universidade Federal de Minas Gerais
E-mail para contato: benito.blanco@pq.cnpq.br trombina), hemorrágica testes de imunoensaio
(metaloproteinases), inflamatória e ne- (ELISA) para a confir-
crosante (proteolítica). É relatada uma mação do diagnóstico5,6, mas infeliz-
O acidente laquético é causado trada na mata atlântica. São descritas atividade cininogenase no veneno, que mente este teste não está disponível
em parte poderia explicar as alterações para uso rotineiro.
por serpente peçonhenta do gêne- outras duas espécies, Lachesis stenophrys
neurotóxicas. Foi isolada também uma As manifestações hemorrágicas li-
ro Lachesis, conhecida popularmente e Lachesis melanocephala, presentes na
fosfolipase A2 com atividade miotóxica mitam-se ao local da picada na maioria
como surucuru, pico-de-jaca, surucu- costa atlântica da Costa Rica, Panamá e
e com atividade inibidora de ativação dos casos. Entretanto, sangramento no
ru-pico-de-jaca, surucutinga e malha- noroeste da América do Sul. Por redu-
plaquetária2. Comparado ao veneno de local de venopunção, equimoses, epista-
-de-fogo. No Brasil, a ção no seu habitat natu- Bothrops atrox, o veneno de L. muta pos- xes, gengivorragia e hematúria têm sido
espécie Lachesis pos- O acidente laquético ral, Lachesis muta rhom- sui maior atividade coagulante e menor descritos2.
sui duas subespécies: é causado por beata está em risco de ação hemorrágica3,4. Antes de se iniciar o tratamento es-
Lachesis muta muta, surucuru, pico-de-jaca, extinção1. A sintomatologia clínica do aciden- pecífico, deve-se avaliar a gravidade de
presente na floresta surucuru-pico-de- São serpentes ovípa- te laquético ainda não está descrita em acordo com os sinais locais e a inten-
amazônica, e Lachesis jaca, surucutinga e ras e grandes, que podem animais domésticos. Em humanos, os sidade das manifestações vagais (bra-
muta rhombeata, encon- malha-de-fogo. chegar a 3,5m de com- sinais clínicos locais frequentes são dor dicardia, hipotensão e diarreia). O tra-
36 Cadernos Técnicos de Veterinária e Zootecnia, nº 75 - dezembro de 2014 4. Acidente laquético 37
tamento deve ser feito Sarvier, 2009. p.42-70.
O tratamento deve
com soro antilaquético 2. SOUZA, R.C.G. Aspectos clí-
ser feito com soro nicos do acidente laquético. In:
ou soro antibotrópico-
antilaquético ou CARDOSO, J.L.C.; FRANÇA,
-laquético, em quan- F.O.S.; WEN, F.H.; MÁLAQUE,
soro antibotrópico- C.M.S.; HADDAD JR, V. (Ed).
tidade suficiente para
laquético, em Animais Peçonhentos no Brasil –
neutralizar 250 a 400mg biologia, clínica e terapêutica dos
quantidade suficiente acidentes. 2.ed. São Paulo: Sarvier,
de veneno laquético7. O
para neutralizar 250 2009. p.96-107.
soro antibotrópico não é
a 400mg de veneno 3. SANCHEZ, E.F.; FREITAS,
eficaz para o tratamento
laquético. T.V.; FERREIRA-ALVES, D.L. et
do acidente laquético, al. Biological activities of venoms
from South American snakes.
principalmente por não Toxicon, v.30, n.1, p.95-103,1992.
reverter a ação coagulante do vene- 4. BARD, R.; LIMA, J.C.R.; SÁ NETO, R.P. et al.
no4,8,9. Na veterinária, algumas empresas Ineficácia do antiveneno botrópico na neutraliza-
produzem o soro polivalente veteriná- ção da atividade coagulante do veneno de Lachesis
muta muta. Relato de caso e comprovação expe-
rio, que contém anticorpos antiveneno rimental. Rev. Inst. Med. Trop. Sao Paulo, v.36, n.1,
laquético. p.77-81, 1994.
Como tratamento complementar, 5. CHAVEZ-OLORTEGUI, C.; LOPES, C.S.;
CORDEIRO, F.D. et al. An enzyme linked immu-
para pacientes com bradicardia com ins- nosorbent assay (ELISA) that discriminates be-
tabilidade hemodinâmi- tween Bothrops atrox and Lachesis
muta muta venoms. Toxicon, v.31,
ca, está indicado o sulfa- O tratamento local n.4, p.417-426, 1993.
to de atropina. Pacientes deve ser feito com 6. NÚÑEZ RANGEL, V.;
com hipotensão e/ou antissépticos e FERNÁNDEZ CULMA, M.;
REY-SUÁREZ, P.; PEREAÑEZ,
choque devem ser tra- deve-se proceder à J.A. Development of a sensitive
tados com fluidoterapia antibioticoterapia. enzyme immunoassay (ELISA)
e, se necessário, drogas for specific identification of
Lachesis acrochorda venom. J.
vasoativas2. Venom. Anim. Toxins Incl. Trop. Dis., v.18, n.2, p.173-
O tratamento local (feridas) deve ser 179, 2012.
feito com antissépticos e deve-se pro- 7. SAKATE, M. Zootoxinas. In: SPINOSA, H.S.;
GÓRNIAK, S.L.; PALERMO NETO, J. (Ed).
ceder à antibioticoterapia. Também se Toxicologia Aplicada à Medicina Veterinária.
devem administrar analgésicos opioides Barueri: Manole, 2008. p.209-251.
e, para redução do edema, anti-inflama- 8. JORGE, M.T.; SANO-MARTINS, I.S.; TOMY,
tório esteroidal como a dexametasona2. S.C. et al. Snakebite by the bushmaster (Lachesis
muta) in Brazil: case report and review of the litera-
ture. Toxicon, v.35, n.4, p.545-554, 1997.
Referências 9. COLOMBINI, M.; FERNANDES, I.;
1. MELGAREJO, A.R. Serpentes peçonhentas do CARDOSO, D.F.; MOURA-DA-SILVA, A.M.
Brasil. In: CARDOSO, J.L.C.; FRANÇA, F.O.S.; Lachesis muta muta venom: immunological differ-
WEN, F.H.; MÁLAQUE, C.M.S.; HADDAD JR, ences compared with Bothrops atrox venom and
V. (Ed). Animais Peçonhentos no Brasil – biologia, importance of specific antivenom therapy. Toxicon,
clínica e terapêutica dos acidentes. 2.ed. São Paulo: v.39, n.5, p.711-719, 2001.

38 Cadernos Técnicos de Veterinária e Zootecnia, nº 75 - dezembro de 2014


5. Acidente Elapídico bigstockphoto.com

Benito Soto Blanco - CRMV-MG 14.513


Marília Martins Melo - CRMV-MG 2.432
Laboratório de Toxicologia, Departamento de Clínica e Cirurgia Veterinárias, Escola de Veterinária, Universidade Federal de Minas Gerais
E-mail para contato: benito.blanco@pq.cnpq.br

O acidente elapídico diano (300-1.200mm),


O acidente elapídico é
é causado por serpen- que apresentam anéis
causado por serpentes
tes da família Elapidae, da família Elapidae. corporais de colorações
gêneros Micrurus e pretas, amarelas, brancas
Leptomicrurus. No e vermelhas. Os olhos
Brasil, há 19 espécies de Micrurus e três são pequenos com pupilas arredonda-
de Leptomicrurus (Quadro 1). As es- das. Possuem dentição proteróglifa, e
pécies mais importantes são Micrurus não têm fosseta loreal. Uma caracterís-
frontalis (cobra-coral, tica marcante é o com-
coral), Micrurus coralli- O acidente elapídico é portamento de levanta-
nus (cobra-coral, coral- raro no Brasil, pois estas rem a cauda, de forma
-verdadeira, boicorá) serpentes apresentam semienrolada (engodo
e Micrurus ibiboboca comportamento caudal), quando se sen-
(coral-venenosa, coral- não agressivo e tem ameaçadas1.
-verdadeira). São ser- são de habitat O acidente elapídi-
pentes de tamanho me- semissubterrâneo. co é raro no Brasil, pois
5. Acidente Elapídico 39
Quadro 1: Espécies de serpentes da hemorrágica, sendo que apenas as duas cais são a parestesia e a dor; o local da Como a morte pode ocorrer por parada
família Elapidae no Brasil. primeiras têm importância clínica2,5,6. O picada pode não ser encontrado. Os si- respiratória, pode ser feita a ventilação
Espécies veneno de algumas espécies de Micrurus nais sistêmicos observados são vômitos, artificial do paciente2.
Micrurus albicinctus também apresenta ação anticoagulante5. face miastênica com ptose palpebral bi-
Micrurus altirostris A principal ação do veneno é neuro- lateral simétrica ou assimétrica, flacidez Referências
Micrurus averyi tóxica. Há dois grupos de neurotoxinas, dos músculos da face, turvação visual, 1. MELGAREJO, A.R. Serpentes peçonhentas do
Micrurus brasiliensis Brasil. In: CARDOSO, J.L.C.; FRANÇA, F.O.S.;
as pré-sinápticas e as pós-sinápticas. As diplopia, oftalmoplegia, anisocoria, di- WEN, F.H.; MÁLAQUE, C.M.S.; HADDAD JR,
Micrurus corallinus neurotoxinas pré-sinápticas, proteínas de ficuldade para deglutição e mastigação, V. (Ed). Animais Peçonhentos no Brasil – biologia,
Micrurus decoratus clínica e terapêutica dos acidentes. 2.ed. São Paulo:
massa molecular entre 12 e 60Kd, pos- sialorreia, ptose mandibular, mialgia ge- Sarvier, 2008. p.42-70.
Micrurus filiformis
Micrurus frontalis suem atividade fosfolipásica que atuam neralizada e dispneia restritiva e obstru- 2. JORGE DA SILVA JR, N.; BUCARETCHI, F.
Micrurus hemprichii nas terminações axonais impedindo a tiva2. A morte pode ocorrer por falência Mecanismo de ação do veneno elapídico e aspec-
Micrurus ibiboboca liberação da acetilcolina na fenda sináp- respiratória, em decorrência da parali- tos clínicos dos acidentes. In: CARDOSO, J.L.C.;
FRANÇA, F.O.S.; WEN, F.H.; MÁLAQUE,
Micrurus lemniscatus tica da junção neuromuscular de nervos sia da musculatura torácica intercostal C.M.S.; HADDAD JR, V. (Ed). Animais
Micrurus mipartitus motores. As neurotoxinas pós-sinápticas e por acúmulo de secreções, evoluindo Peçonhentos no Brasil – biologia, clínica e terapêu-
Micrurus ornatissimus tica dos acidentes. 2.ed. São Paulo: Sarvier, 2008.
são proteínas de peso molecular entre 6 para paralisia difragmática2,7. p.116-124.
Micrurus paraenses
Micrurus putumayensis
e 14Kd, desprovidas de ação enzimáti- Como o veneno de algumas corais 3. MOREIRA, M.A.P.; PONTUAL, K.A.Q.;
Micrurus spixii ca, que se fixam competitivamente aos é capaz de causar um quadro de rabdo- PEREIRA, M.F. et al. Acidente oficdico por co-
bra coral (Micrurus lemniscatus) em cão (Canis
Micrurus surinamensis receptores colinérgicos na junção neuro- miólise, é importante avaliar o perfil das familiaris) - relato de caso. In: CONGRESSO
Micrurus tricolor muscular, efeito descrito como similar ao enzimas musculares por meio de ava- BRASILEIRO DA ANCLIVEPA, 25., 2004.
Micrurus waehnerorum Anais... Gramado: [s.n.] 2004. p.93. (Resumo).
curare. Assim, é bloqueada a deflagração liações seriadas da creatina fosfoquina-
Leptomicrurus collaris 4. FERREIRA, R.R.; COLOMÉ, L.M.; FERREIRA,
do potencial de ação. A morte ocorre por se, aspartato aminotransferase e lactato M.P. et al. Acidente elapídico (Micrurus altirostris)
Leptomicrurus narduccii
falência respiratória por paralisia muscu- desidrogenase. em um felino doméstico (Felis catus) - relato de caso.
Leptomicrurus scutiventris In: ENCONTRO NACIONAL DE ACIDENTES
lar. Como o veneno possui neurotoxinas O tratamento específico é feito com COM ANIMAIS PEÇONHENTOS, 3., 2004.
de baixo peso molecular, os sinais ini- o soro antielapídico2,7, entretanto, como Anais... Porto Alegre: [s.n.] 2004. (Resumo).
estas serpentes apresentam comporta- ciam precocemente. este soro é difícil de ser encontrado para 5. AIRD, S.D.; SILVA JR, N.J. Comparative enzymat-
mento não agressivo e são de habitat se- Outra ação do veneno é a mione- uso veterinário, é usual apenas o trata- ic composition of Brazilian coral snake (Micrurus)
venoms. Comp. Biochem. Physiol. B, v.99, n.2, p.287-
missubterrâneo. No entanto, os aciden- crose, provocada por influxo de Ca++, mento de suporte7. A utilização de an- 294, 1991.
tes elapídicos podem ser graves 1,2. No causando hipercontração dos microfila- ticolinesterásicos, como a neostigmina 6. TANAKA, G.D.; FURTADO, M.D.F.D.;
Brasil, o acidente elapídico foi relatado mentos, danos mitocondriais e ativação ou a piridostigmina, é indicada para re- PORTARO, F.C.V. et al. Diversity of Micrurus
snake species related to their venom toxic effects
apenas em um cão3 e um gato4. de fosfolipases dependentes de Ca++2,6. verter o bloqueio colinérgico na junção and the prospective of antivenom neutralization.
Há uma importante Nos envenenamentos neuromuscular promovido pelo vene- PLoS Negl. Trop. Dis., v.4, n.3, artigo e622, 2010.
variação na composição O veneno elapídico em humanos com co- no de M. frontalis e M. lemnicatus, mas 7. SAKATE, M. Zootoxinas. In: SPINOSA, H.S.;
do veneno entre as espé- possui ações rais, um quadro de mial- deve ser feita após prévia atropinização
GÓRNIAK, S.L.; PALERMO NETO, J. (Ed).
Toxicologia Aplicada à Medicina Veterinária.
cies de coral . O veneno
5,6 neurotóxica, gia pode se instalar, mas para evitar estimulação muscarínica2,7,8. Barueri: Manole, 2008. p.209-251.
elapídico possui ações mionecrótica, sem um indicativo claro Também é recomendado um teste pré- 8. VITAL BRAZIL, O.; VIEIRA, R.J. Neostigmine
neurotóxica, mionecró-
edematogênica e de mionecrose. vio com a neostigmina antes da sua uti- in the treatment of snake accidents caused by

tica, edematogênica e
hemorrágica. Os sinais clínicos lo- lização, para comprovar sua eficácia7.
Micrurus frontalis: report of two cases. Rev. Inst.
Med. Trop. Sao Paulo, v.38, n.1, p.61-67, 1996.

40 Cadernos Técnicos de Veterinária e Zootecnia, nº 75 - dezembro de 2014 5. Acidente Elapídico 41


6. Acidentes por Sapos xamânicos, incluindo de
caça, de índios amazô-
nicos empregam a pere-
As glândulas mucosas
são produtoras de
controlam esta prolife-
ração6. Deste modo, di-
secreção pouco viscosa, versos componentes das
reca-verde Phyllomedusa
com funções de prevenir secreções estão sendo
bicolor; a secreção seca o ressecamento, auxiliar estudados com a finali-
desta é aplicada em pe- nas trocas gasosas, dade de se obterem no-
quenas queimaduras no controlar o crescimento vos fármacos .
7,8

peito ou no braço, pro- de microrganismos As glândulas paro-


cesso conhecido como e defender contra toides, localizadas bilate-
vacina-do-sapo .1
predadores. ralmente na região pós-
As espécies de sa- -orbital, são compostas
pos de maior interesse por acúmulos de deze-
veterinário no Brasil pertencem à famí- nas de glândulas semelhantes às granu-
lia Bufonidae, composta por cerca de losas, mas de dimensões superiores às
46 gêneros e 528 espécies. As espécies do restante do corpo9. A secreção des-
implicadas nas intoxicações incluem tas glândulas fica contida nas vesículas
Rhinella marina Linnaeus, 1758 (Bufo e somente é excretada quando o sapo é
marinus), Rhinella icterica Spix, 1824 ameaçado ou irritado, ou quando o ata-
(Bufo ictericus), Rhinella (Bufo) schnei- cante morde ou comprime as vesículas.
bigstockphoto.com deri Werner, 1894, Rhinella jimi Stevaux, No entanto, os sapos não são capazes de
Benito Soto Blanco - CRMV-MG 14.513 2002 e Anaxyrus terrestris Bonnaterre, inocular ou espirrar seu veneno1. Apesar
Marília Martins Melo - CRMV-MG 2.432 1789 (Bufo rufus)4–6. de saltarem e poderem bufar, as secre-
Laboratório de Toxicologia, Departamento de Clínica e Cirurgia Veterinárias, Escola de Veterinária, Universidade Federal de Minas Gerais
E-mail para contato: benito.blanco@pq.cnpq.br Os sapos apresentam glândulas mu- ções de veneno dos sapos são importan-
cosas e granulosas em toda a superfície tes para sua defesa, pois vários preda-
A classe Amphibia é composta pelas utilizados com finalidades terapêuticas
corpórea. As glândulas mucosas são pro- dores que tivessem contato com algum
ordens Anura (sapos, rãs e pererecas), ou em rituais pelo homem. Por exem-
dutoras de secreção pouco viscosa, com sapo deixariam de atacar os demais da
Caudata (salamandras) e Gymnophiona plo, na medicina tradicional chinesa, o
funções de prevenir o ressecamento, au- espécie. Serpentes como as jararacas
(cobras-cegas). A ordem Anura é forma- Ch’an Su ou Senso, veneno seco de Bufo
xiliar nas trocas gasosas, (Bothrops spp.) e as cas-
da por 5.602 espécies, sendo 804 per- gargarizans e Bufo melanostictus, é ainda controlar o crescimento cavéis (Crotalus spp.)
tencentes à fauna brasi- usado principalmente A secreção destas
de microrganismos e de- glândulas fica contida são muito sensíveis ao
leira. Todos os anfíbios Todos os anfíbios como cardiotônico, anti- fender contra predadores.
produzem veneno, com produzem veneno, com -inflamatório, cicatrizan- nas vesículas e somente veneno dos sapos. Por
Como a pele fica perma- é excretada quando o outro lado, algumas
grande variabilidade de grande variabilidade te e antitumoral. No en- nentemente umedecida, espécies de serpentes,
de toxicidade, sendo sapo é ameaçado ou
toxicidade, sendo as es- tanto, diversos acidentes torna-se um local que como, por exemplo, a
as espécies mais letais irritado, ou quando
pécies mais letais aquelas têm sido registrados, favorece o crescimento o atacante morde ou boipeva (Waglerophis
do gênero Phyllobates .
1 aquelas do gênero inclusive com fatalida-
Phyllobates.
de microrganismos, mas comprime as vesículas. merremii), são resisten-
Alguns anuros são des1–3. Alguns rituais as substâncias secretadas tes a estes venenos1.
42 Cadernos Técnicos de Veterinária e Zootecnia, nº 75 - dezembro de 2014 6. Acidentes por sapos 43
Os acidentes com os rinário no Brasil, há dois veneno, e as bufotoxinas Quando os cães mordem
Os acidentes com A ocorrência dos
sapos ocorrem princi- grupos de compostos e os bufadienolídeos, os sapos e recebem o jato
os sapos ocorrem sinais clínicos tem
palmente em cães, que de veneno, normalmen-
principalmente em cães, químicos: as aminas bio- que possuem ação simi-
rápido início e pode se
tentam brincar ou inge- gênicas e os derivados lar aos digitálicos e tam- te tentam limpar a boca,
que tentam brincar restringir ao local do
rir o sapo, abocanhando
ou ingerir o sapo, esteroides5,6. bém promovem alucina- contato ou chegar a um ferindo-a com as patas, o
o anfíbio, ou quando abocanhando o anfíbio, As principais aminas ções. Estes compostos envolvimento sistêmico. que deve contribuir ain-
fazem a limpeza das pa- ou quando fazem a biogênicas são adrenali- inibem a bomba de Na / + da mais para o envene-
tas após o contato. Isto limpeza das patas após na, noradrenalina, bufo- K das fibras cardíacas,
+ namento. Também pode
ocorre porque os sapos o contato. teninas, di-hidrobufote- aumentando a concentração intracelu- haver absorção por ferimentos na pele,
possuem movimento ninas e bufotioninas2,11. A lar de Na+, o que inibe a entrada deste mas não é absorvido pela pele íntegra6.
lento, tornando-se pre- adrenalina é um agonista em troca da saída de Ca2+, que tem sua
sas fáceis para os cães. Geralmente os do sistema nervoso autônomo simpáti- concentração intracelular aumentada. Manifestações clínicas
acidentes acontecem com animais que co; a ação em receptores α1 resulta em Assim, há aumento da força de contra- A ocorrência dos sinais clínicos tem
não tinham contato anterior com sapos, vasoconstrição na pele e nas vísceras, ção cardíaca, mas com diminuição da rápido início e pode se restringir ao local
ou que tiveram pouco contato anterior. em β1 tem efeitos inotrópico e cronotró- frequência cardíaca por ação vagal refle- do contato ou chegar a um envolvimento
A maior frequência dos acidentes ocor- pico no coração, e em β2 causa bronco- xa; nos animais intoxicados pelo veneno sistêmico, que pode evoluir para a morte
re no período noturno, que é o de maior dilatação e vasodilatação na musculatu- dos sapos, geralmente há do animal. A variação no
atividade dos sapos. A permanência de ra. A noradrenalina atua nos receptores este efeito suplantado quadro clínico se deve a
luzes acesas à noite nas áreas onde são α e β , com os mesmos efeitos descritos pelas ações da adrenali- Cães de raças
fatores ligados ao sapo,
1 1
mantidos os cães atrai insetos e, conse- para a adrenalina. A serotonina, uma in- na e da noradrenalina em braquicefálicas
como espécie e diferen-
quentemente, os sapos, aumentando a dolalquilamina, é um potente vasocons- receptores β1. Também
apresentam maior
ças intraespecíficas (dieta
chance de acidentes. A ingestão de sa- tritor e atua como neurotransmissor em há redução na velocida-
sensibilidade.
e clima), e ao animal aco-
pos mortos, secos, também pode levar a centros específicos do cérebro e, possi- de de condução do im- metido, como quantida-
quadros de envenenamento5,6. velmente, de alguns nervos periféricos; pulso elétrico cardíaco do nodo sinusal de de veneno absorvida, espécie, porte
seus efeitos afetam a termorregulação, ao nodo atrioventricular, com disparos e susceptibilidade individual. Em cães,
Veneno dos sapos os ciclos do sono e o controle motor de focos ectópicos ventriculares e con- foi verificado que os de raças braquicefá-
Há uma grande diversidade na com- dos músculos periféricos. A bufotenina, trações ventriculares prematuras, po- licas apresentam maior sensibilidade. A
posição do veneno entre as espécies de a di-hidrobufotenina e a bufotionina, dendo levar à fibrilação ventricular6,12. ocorrência de vômitos e sialorreia ajuda
sapos10, inclusive havendo uma propos- em grande quantidade, produzem aluci- O veneno é liberado na mucosa oral a reduzir a toxicidade do veneno por au-
ta de classificação das espécies de sapo nações, apreensão, depressão, tremores, do predador, podendo ser absorvido mentar sua eliminação.
segundo a composição hiperestesia, hiperter- pelas mucosas do trato gastrintestinal A sintomatologia depende da gravi-
química do veneno. Nas espécies de sapos de mia, vômitos e diarreia6. superior. Como as mu- dade do envenenamento,
Também há variação na interesse veterinário no Os derivados es- cosas são desprovidas de Quadros leves: que pode ser classificado
composição do veneno Brasil, há dois grupos teroides são o coles- estrato córneo e manti- irritação da mucosa, como leve, moderado e
de acordo com o habitat de compostos químicos: terol, o ergosterol e o das úmidas, a passagem salivação abundante, grave. Nos quadros leves,
do sapo. Nas espécies de as aminas biogênicas e γ-sisteosterol, que cons- das toxinas para a circula- incontinência fecal e há irritação da mucosa,
sapos de interesse vete- os derivados esteroides. tituem a fração neutra do ção sanguínea é rápida . 13 inapetência. salivação bastante abun-
44 Cadernos Técnicos de Veterinária e Zootecnia, nº 75 - dezembro de 2014 6. Acidentes por sapos 45
dante, com formação de
Casos graves: diarreia,
da fração MB da crea- Diagnóstico nica analítica para detecção do veneno
espuma branca ou aver- tinoquinase (CK-MB) de sapo é baseada no método Stas-Otto,
dor abdominal, O diagnóstico clínico da intoxicação
melhada, incontinência e da concentração de utilizando-se cromatografia em camada
decúbito esternal, é feito com base na anamnese, na qual
fecal e inapetência por delgada, líquida e gasosa6,10.
pupilas não responsivas troponina Ic, que são pode haver o relato de contato entre o
algumas horas. Nos qua- marcadores de lesão
à luz, agravamento paciente e um sapo, a ocorrência de sa- Tratamento
dros moderados, além das anormalidades no miocárdica16, e discreto pos no local do acidente ou mesmo a
dos sintomas anteriores, ritmo cardíaco, edema aumento da atividade O tratamento da intoxicação pelos
presença de algum sapo morto em suas
também podem ocor- pulmonar, cianose, sérica de alanina ami- sapos deve ser iniciado o mais pronta-
proximidades. A hora em que ocorreu
rer vômitos, depressão, convulsões, nistagmo, notransferase (ALT) e o início da sintomatologia é uma in- mente possível, pois a evolução clínica
fraqueza, ataxia ou in- opistótono, estupor e aspartato aminotransfe- formação relevante, pois a maioria dos pode ser muito rápida e pode haver ris-
coordenação motora, colapso. rase (AST)17. A hiperca- acidentes acontecem à noite por causa co de vida. Devem ser feitos remoção
midríase, prostração, si- lemia é frequente, mas do veneno, fluidoterapia,
dos hábitos noturnos
nais neurológicos, anor- a hipocalemia também dos sapos. O diagnósti- O diagnóstico clínico da controle das alterações
malidades do ritmo cardíaco, diarreia e é relatada16. Foi observada uma corre- intoxicação é feito com cardiovasculares e res-
co diferencial deve ser
micção espontânea. Nos casos graves, base na anamnese. piratórias, analgesia ou
lação positiva significativa entre o nível feito com intoxicações
também podem estar presentes diarreia, anestesia6,21,22.
sérico de potássio e a taxa de mortalida- por substâncias cáus-
dor abdominal, decúbito esternal, pupi- Como medida ini-
de em pacientes humanos intoxicados ticas, metaldeídos, inseticidas antico-
las não responsivas à luz, agravamento
por veneno de sapo; assim, os indivídu- linesterásicos, piretroides, estricnina, cial, a boca ou mucosa afetada do pacien-
das anormalidades no ritmo cardíaco, presença de corpo estranho no trato di- te deve ser lavada com água em abun-
os com severa hipercalemia têm prog-
edema pulmonar, cianose, convulsões, gestório superior e outras causas de ar- dância para promover a remoção do
nóstico mais pobre e necessitaram de
nistagmo, opistótono, estupor e colap- ritmias cardíacas, como medicamentos veneno que ainda esteja no local. Deve-
tratamento mais agressivo18.
so, podendo ocorrer fibrilação ventri- simpatomiméticos e plantas como aza- se tomar cuidado para que o animal não
cular e óbito4–6. Outros sinais relatados
com menor frequência são excitação,
Achados patológicos leia (Rhododendron spp.), espirradeira ingira a água de lavagem por conter o
(Nerium oleander) e dedaleira (Digitalis veneno, assim como evitar a aspiração
cifose, paralisia muscular progressi- À necropsia, são observadas lesões purpurea)5,6. desta água. Lavar com solução diluída
va e cegueira . Em gatos pode haver ulcerativas na mucosa do trato gastrin-
14 15
A detecção de toxinas do veneno de de bicarbonato de sódio pode ajudar a
hipertermia. testinal e podem ser encontrados frag- sapo é raramente empregada na clínica eliminar o veneno. Alternativamente,
mentos do sapo. Outros achados que veterinária, mas pode ser realizada para pode ser tentada a remoção do veneno
Exames complementares podem estar presentes são congestão confirmação da intoxi- com uma gaze umede-
Ao eletrocardiograma, os achados hepática e renal, congestão, edema e cação. Como a bufoto- O tratamento da cida em solução salina.
mais comuns em cães são arritmia sinu- hemorragia pulmonar decorrentes da xina apresenta reação intoxicação pelos sapos Alguns autores reco-
sal, taquicardia sinusal e ritmo sinusal falência cardíaca e discreta esplenome- cruzada coma digoxina deve ser iniciado o mais mendam a administra-
normal, que podem evoluir para taqui- galia. A avaliação histopatológica pode nas reações de imuno- prontamente possível, ção de carvão ativado
cardia ventricular multiforme e fibrila- revelar hepatócitos com degeneração fluorescência, o teste pois a evolução clínica para reduzir a absorção
ção ventricular potencialmente fatal6. gordurosa e necrose de coagulação na para a mensuração da pode ser muito rápida do veneno que por ven-
Os achados de patologia clínica in- zona centro-lobular e nefrite tóxica com digoxina sérica poderá e pode haver risco de tura tenha sido ingeri-
cluem o aumento da atividade sérica infiltração linfocitária19,20. ser utilizado . Outra téc-
6 vida. do22. Se houver lesões na
46 Cadernos Técnicos de Veterinária e Zootecnia, nº 75 - dezembro de 2014 6. Acidentes por sapos 47
mucosa oral, pode ser utilizado algum vezes a cada 20 minutos). O verapa- fato de haver poucos relatos de uso em Referências
antisséptico oral5. mil parece ser mais eficaz, por requerer veterinária6. 1. JARED, C.; ANTONIAZZI, M.M. Anfíbios: bio-
Como a sialorreia é importante para menor número de reaplicações e não Em camundongos, o tratamento logia e venenos. In: CARDOSO, J.L.C.; FRANÇA,
F.O.S.; WEN, F.H.; MÁLAQUE, C.M.S.;
a eliminação do veneno, a administra- induzir bradicardia tão grave quanto prévio com cálculos de vesícula biliar HADDAD JR, V. (Eds). Animais Peçonhentos no
ção de atropina é contraindicada por a induzida pelo propranolol25. Não se de bovinos (120-480 mg/kg, VO) re- Brasil – biologia, clínica e terapêutica dos aciden-
tes. 2. ed. São Paulo: Sarvier, 2009. p.317-330.
diversos autores, além de agravar os deve associar o propranolol ao verapa- duziu os efeitos cardiotóxicos produzi-
quadros de taquicardia ou potenciali- mil, em razão de essa associação resul- dos pelo veneno de Bufo bufo gargari- 2. CHEN, K.K.; KOVAŘÍKOVÁ, A. Pharmacology
and toxicology of toad venom. J. Pharm. Sci., v.56,
zar a taquicardia ventricular. Assim, a tar em efeito aditivo das ações inotró- zans (90 mg/kg, VO)29. Em trabalhos n.2, p.1535-1541, 1967.
administração da atropina é indicada picas, cronotrópicas e dromotrópicas conduzidos com cobaias, as arritmias 3. CHEN, L.; HUANG, G. Poisoning by toxic ani-
cardíacas e outros efeitos cardiotóxicos mals in China--18 autopsy case studies and a com-
por alguns autores apenas para o trata- negativas26. A eficácia do controle das prehensive literature review. Forensic Sci. Int., v.232,
mento da bradicardia21. Por outro lado, alterações cardíacas deve ser monito- produzidos por bufadienolídeos (8mg/ n.1-3, p.e12-23, 2013.
outros autores indicam o uso da atropi- rada por meio do eletrocardiograma5,6. kg) isolados de Bufo bufo gargarizans 4. MELO, M.M.; SILVA JÚNIOR, P.G.P.; VERÇOSA
na (0,02-0,04mg/kg, IV), para redução O controle das convulsões pode ser foram reduzidos pela administração de JÚNIOR, D.; LAGO, L.A. Acidentes causados por
sapos (intoxicação por bufodienolídeos). Cadernos
das secreções pulmonares e mesmo da feito com a administração de diazepam bilirrubina (75 e 150mg/kg) ou de tau- Técnicos de Veterinária e Zootecnia, n.44, p.108-112,
sialorreia, além do bloqueio da ação va- (0,5 a 2,0mg/kg IV), que possui ação rina (150 e 300mg/kg) . O provável
30,31 2004.

gal sobre o coração23,24. sedativa, ansiolítica e como relaxan- mecanismo de ação da 5. SAKATE, M. Zootoxinas. In:
SPINOSA, H.S.; GÓRNIAK,
Anti-histamínicos e corticoides po- te muscular21. O pentobarbital sódi- bilirrubina é a redução Geralmente a S.L.; PALERMO NETO, J.
dem ser administrados por reduzirem co (30mg/kg IV) também é utilizado no influxo excessivo de mortalidade dos cães (Eds). Toxicologia Aplicada
à Medicina Veterinária.
o edema perivascular cerebral e os efei- como anticonvulsivante e para facilitar Na+. Por outro lado, o intoxicados por veneno Barueri: Manole, 2008.
tos lesivos da bufotoxina na mucosa a intubação orotraqueal em casos gra- mecanismo protetor da de sapo e tratados p.209-251.

oral. Os corticoides utilizados são a de- ves13. Foi verificado que a utilização do taurina é desconhecido. adequadamente é 6. GADELHA, I.C.N.; SOTO-
BLANCO, B. Intoxicação
xametasona, na dose de 0,5 a 1,0mg/kg pentobarbital aumenta a taxa de so- Entretanto, ainda não é baixa. de cães por sapos do gênero
IV, e a metilprednisolona, na dose de brevivência de cães intoxicados pelos possível afirmar se estas Rhinella (Bufo) - revisão de
literatura. Clínica Veterinária
15 a 30mg/kg IV5,6. A furosemida (1 a sapos. substâncias seriam efica- (São Paulo), v.XVII, n.100,
2mg/kg IV) ou o manitol (0,25 a 1,0g/ O fragmento de anticorpo Fab con- zes contra o veneno de espécies de sapo p.46-54, 2012.
kg por via IV lenta) podem ser utiliza- tra digoxina apresenta potencial para presentes no Brasil nem se haveria eficá- 7. DALY, J.W.; NOIMAI, N.; KONGKATHIP, B. et
cia em animais domésticos. al. Biologically activesubstances from amphibians:
dos para aumentar a excreção urinária uso terapêutico na intoxicação por sa- preliminary studies onanurans from twenty-one
das toxinas, mas são essenciais para o pos. Já foi utilizado com excelentes re- genera of Thailand. Toxicon, v.44, n.8, p.805-815,
tratamento de animais que apresenta- sultados em pacientes humanos27 e ex- Prognóstico 2004.
8. GOMES, A.; GIRI, B.; SAHA, A. et al. Bioactive
rem sinais de colapso ou coma21,22. perimentalmente em camundongos28. Geralmente a mortalidade dos cães molecules from amphibian skin: their biological
A taquicardia ventricular multifor- Após a administração intravenosa, o intoxicados por veneno de sapo e tratados activities with reference to therapeutic potentials
for possible drug development. Indian J. Exp. Biol.,
me e as arritmias cardíacas podem ser fragmento Fab se liga aos bufadienolí- adequadamente é baixa, embora existam v.45, n.7, p.579-593, 2007.
controladas com a administração de deos e às bufotoxinas livres na circula- relatos de até 100% de mortalidade para 9. JARED, C.; ANTONIAZZI, M.M.; JORDÃO,
propranolol (0,5mg/kg IV e, se neces- ção sanguínea, promovendo a neutra- animais não tratados6. Muitos casos leves A.E.C. et al. Parotoid macroglands in toad (Rhinella
jimi): Their structure and functioning in passive
sário, com repetição a cada 20 minutos lização destes derivados esteroides. No são autolimitantes, e os animais deixam defence. Toxicon, v.54, n.3, p.197-207, 2009.
por até quatro vezes) ou de cloridrato entanto, a administração do Fab é bas- de atacar os sapos (condicionamento 10. GAO, H.; ZEHL, M.; LEITNER, A. et al.
de verapamil (8mg/kg IV, duas a três tante limitada pelo elevado custo e pelo aversivo naturalmente induzido). Comparison of toad venoms from different Bufo

48 Cadernos Técnicos de Veterinária e Zootecnia, nº 75 - dezembro de 2014 6. Acidentes por sapos 49


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tidote Bezoar Bovis prevents the cardiotoxicity of
18. CHI, H.-T.; HUNG, D.-Z.; HU, W.-H.; YANG, D.- toad (Bufo bufo gargarizans Canto) venom in mice.
Y. Prognostic implications of hyperkalemia in toad Exp. Toxicol. Pathol., v.64, n.5, p.417-423, 2012.
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30. MA, H.; JIANG, J.; ZHANG, J. et al. Protective
p.343-346, 1998. effect of taurine on cardiotoxicity of the bufadi-
19. CAMPLESI, A.C. Intoxicação experimental por ve- enolides derived from toad (Bufo bufo gargarizans
neno de sapo: estudos clínico, laboratorial, eletrocar- Canto) venom in guinea-pigs in vivo and in vitro.
diográfico e da resposta ao tratamento com proprano- Toxicol. Mech. Methods, v.22, n.1, p.1-8, 2011.
lol em cães. 2006. 103f. Dissertação (Mestrado em 31. MA, H.; ZHANG, J.; JIANG, J. et al. Bilirubin
Medicina Veterinária) – Faculdade de Medicina attenuates bufadienolide-induced ventricular
Veterinária e Zootecnia, Universidade Estadual arrhythmias and cardiac dysfunction in guinea-
Paulista, Botucatu. pigs by reducing elevated intracellular Na+ levels.
20. SONNE, L.; ROZZA, D.B.; MEIRELLES, Cardiovasc. Toxicol., v.12, n.1, p.83-89, 2012.
A.E.W.B. et al. Intoxicação por veneno de sapo em
um canino. Ciência Rural, v.38, n.6, p.1787-1789,
2008.

50 Cadernos Técnicos de Veterinária e Zootecnia, nº 75 - dezembro de 2014


7. Escorpionismo

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Benito Soto Blanco - CRMV-MG 14.513
Marília Martins Melo - CRMV-MG 2.432
Laboratório de Toxicologia, Departamento de Clínica e Cirurgia Veterinárias, Escola de Veterinária, Universidade Federal de Minas Gerais
E-mail para contato: benito.blanco@pq.cnpq.br

Os escorpiões são artrópodes que- ma). Contam com quatro pares de patas
licerados da ordem Scorpiones, sendo torácicas e um par de palpos, mas não
conhecidos aproximadamente 1.500 possuem antena. Os palpos funcionam
espécies agrupadas em 20 famílias e como pinças, usadas para segurar e do-
165 gêneros, sendo a família Buthidae minar as presas. A parte posterior do
a de maior importância toxicológica. abdômen (metassoma) é a falsa cauda,
Estão distribuídos por todos os conti- terminando no télson, que contém um
nentes, exceto a Antártida, mas a maior par de glândulas de veneno e o aguilhão
concentração está nas regiões tropi- ou acúleo (estrutura oca e muito fina
cais e subtropicais. Habitam diversifi- que inocula a peçonha). A produção
cados ambientes, incluindo desertos, da peçonha pelos escorpiões tem por
cavernas profundas e altitudes supe- objetivo a alimentação (imobilização
riores a 4.200m, como nos Andes e no da presa e início da digestão) e a defe-
Himalaia1. sa. A maioria das espécies
O corpo dos escor- A produção da peçonha possui hábito noturno,
piões é dividido em ce- pelos escorpiões tem por passando o dia escondida
falotórax (prossoma) objetivo a alimentação e em locais escuros1,2.
e abdômen (opistosso- a defesa. As espécies de escor-
7. Escorpionismo 51
piões encontradas no seguido por T. bahiensis e Goiás; T bahiensis, na região Sul e nos Composição e mecanismo
As espécies de interesse
Brasil pertencem a cin- (escorpião-marrom) e T. estados de São Paulo, Minas Gerais, de ação do veneno
toxicológico do país
co gêneros: Isometrus, stigmurus (escorpião-do- Mato Grosso do Sul e Goiás, enquanto
Ananteris, Microtityus,
pertencem ao gênero
-Nordeste)1,2. A maior
escorpiônico
Tityus. T. stigmurus está distribuído pela região
Rhopalurus e Tityus. No frequência dos aciden- Nordeste1. A espécie T. serrulatus tem O número total de diferentes com-
entanto, as espécies de tes ocorre nos estados apresentado expansão na sua distribui- postos presentes no veneno dos escor-
interesse toxicológico do país perten- de Minas Gerais e São Paulo, mas tem ção. Um fator que propicia isto é sua piões foi estimado em 100.000, mas
cem ao gênero Tityus, sendo as de maior sido registrado aumento das notifica- elevada prolificidade pela capacidade apenas 1% é conhecido. Após a cen-
importância T. serrulatus, T. bahien- ções em outros estados. A cidade de
de realizar partenogênese. Assim, uma trifugação, a peçonha apresenta duas
sis, T. costatus, T. fasciolatus (Fig. 1), T. Belo Horizonte está localizada em local
fêmea pode gerar sozinha uma popula- porções, uma insolúvel e outra solúvel.
metuendus, T. silvestris, T. stigmurus, T. definido como “solo escorpionífero”, em
ção4. Nos habitats onde aparece T. ser- A porção insolúvel é considerada não
paraensis e T. trivittatus. A maior gravi- especial por causa de T. serrulatus3.
rulatus, há redução das demais espécies tóxica, composta por mucoproteínas
dade e frequência de acidentes ocorrem T. serrulatus é encontrado na região e restos de membranas. A porção so-
com T. serrulatus (escorpião-amarelo), Sudeste e nos estados do Paraná, Bahia por causa da prolificidade e do caniba-
lúvel é composta por proteínas básicas
lismo. Os indivíduos
neurotóxicas, enzimas,
desta espécie geralmen-
te não são encontrados
Os escorpiões se outras substâncias or-
adaptaram muito bem gânicas (lipídeos, car-
sozinhos; há vários em
às condições oferecidas boidratos, nucleosídeos,
locais muito próximos,
pela presença humana. nucleotídeos, peptídeos,
ou até indivíduos com as
aminoácidos livres) e
costas cheias de filhotes.
íons diversos. A composição da peço-
Já a densidade de T. bahiensis é menor nha dos escorpiões é variável entre as
do que a de T. serrulatus2. espécies e também entre os indivíduos
Os escorpiões se adaptaram muito e regiões geográficas, em decorrência
bem às condições oferecidas pela pre- das condições ambientais e do tipo de
sença humana. Neste sentido, lixo, entu- alimentação2,6.
lho, pilhas de tijolos e telhas, e sujeira, A espécie presente no Brasil que
somados à alimentação farta (baratas e teve sua peçonha mais estudada é a T.
outros insetos) e à umidade, criam um serrulatus. Várias toxinas foram isoladas
ambiente perfeito para a fixação dos es- e identificadas. A neurotoxina Ts1, tam-
corpiões. A falta de competidores e de bém conhecida como TsTX-1 ou toxina
predadores, como macacos, quatis, se- γ, é a toxina majoritária da peçonha de
riemas, sapos e rãs, também permite a T. tityus (cerca de 15%). Sua ação ocorre
rápida proliferação dos escorpiões, uma pela ligação da toxina em canais de Na+
vez que esses fatores contribuem deci- pós-ganglionares, promovendo a despo-
sivamente para o controle populacional larização das membranas por influxo do
Figura 1 - Tityus fasciolatus (escorpião-do-cerrado). das espécies2,5. sódio. Outras toxinas que atuam nestes
52 Cadernos Técnicos de Veterinária e Zootecnia, nº 75 - dezembro de 2014 7. Escorpionismo 53
canais são Ts2 (TsTX-
A toxina Ts4 ou Toxicocinética arterial, arritmias car-
A adrenalina e
serrulatus induz a libe-
III ou III-8), Ts3 (TsTX díacas, vasoconstrição ração de acetilcolina e
TsTX-VI produz Alguns estudos de a noradrenalina
ou tityustoxina) e Ts5 periférica e, eventual- histamina, aumentan-
reação alérgica, toxicocinética foram são responsáveis
(TsTX-V)2,6. mente, insuficiência do o volume gástrico,
lacrimejamento conduzidos com a Ts3 por aumento da
Outras toxinas es- e liberação dose- cardíaca, edema pul- pressão arterial, a secreção de pepsina
ou tityustoxina. A absor-
corpiônicas atuam em dependente de GABA e ção da toxina do veneno monar agudo e choque. arritmias cardíacas, e a produção de ácidos
canais de K+ pós-gan- ácido glutâmico. A acetilcolina promove vasoconstrição com a consequente re-
após a inoculação é rápi-
glionares, mas com fun- aumento das secreções periférica. dução no pH gástrico.
da. A distribuição da to-
ção bloqueadora, não lacrimal, nasal, salivar, A cimetidina e a atro-
xina do sangue para os tecidos também
permitindo o retorno do K+ para a célu- é rápida, mas não foi detectada no SNC. brônquica, sudorípara pina revertem esses
la, que se acumula no meio extracelular. A excreção é lenta, provavelmente pela e gástrica, tremores, espasmos mus- efeitos . 2,6

Assim, a principal importância destas alta afinidade pelos tecidos. Há impor- culares, mioses e redução da frequên- O veneno dos escorpiões do gêne-
toxinas está em sua ação de forma sinér- tantes diferenças na toxicocinética entre cia cardíaca2,6. ro Tityus deve ser considerado como
gica com toxinas que atuam em canais jovens e adultos: nos jovens a absorção Toxinas do veneno dos escorpiões responsável por moderada toxicidade
também promovem ativação de re- reprodutiva. O veneno de T. serru-
de Na+. Estas toxinas são Ts6 (TsTX- e a distribuição são mais rápidas e a eli-
ceptores de taquicinina NK1. Há ati- latus promoveu contração do útero
IV), Ts7 (TsTX-Kα ou TsII-9), Ts8 minação é mais lenta7.
vação de nervos sensitivos por ação de ratas não prenhas, provavelmente
(TsTX-Kβ ou TsK2), Ts9 (Ts κ), Ts15
em canais para Na+, com liberação por meio de liberação de acetilcolina
e Ts162,6. Fisiopatologia do
de neuropeptídeos, especialmente a e estimulação de receptores musca-
A toxina Ts4 ou TsTX-VI produz escorpionismo
substância P, agente sensibilizador de rínicos9. Assim, é possível que este
reação alérgica, lacrimejamento e li- A peçonha dos escorpiões promo- outras terminações nervosas afasta- veneno possa favorecer a ocorrência
beração dose-dependente de GABA e ve a despolarização da membrana e a
das do local lesionado. A ativação dos de abortamentos. Também foram re-
ácido glutâmico. Foram liberação de catecola- receptores NK1 resulta em contração alizados diversos estudos avaliando a
isolados peptídeos que A peçonha dos minas (noradrenalina da musculatura lisa intestinal e infla- embriotoxicidade do veneno dos es-
potencializam a ação da escorpiões promove e adrenalina) e ace- mação. Os receptores NK1 presen- corpiões. Em ratos, foi verificado que
bradicinina. O peptí- a despolarização da tilcolina pelas termi- tes em mastócitos, quando ativados, a aplicação do veneno de T. serrulatus
deo Ts10 (ou peptídeo membrana e a liberação nações neuronais nas promovem liberação de mediadores no décimo dia de gestação produziu
T) inibe a hidrólise da de catecolaminas sinapses pós-ganglio- do processo inflamatório, incluindo efeitos embriotóxicos, evidenciados
bradicinina pela enzima (noradrenalina nares por ativação de o fator ativador de plaquetas (PAF), por aumento da perda pós-implanta-
conversora da angioten- e adrenalina) e canais de Na+ no siste- interleucinas IL-1, IL-2, IL-6 e IL-10 ção e fetos com ossificação incomple-
sina e a conversão da acetilcolina. ma nervoso periférico. e leucotrienos. Estes mediadores po- ta do crânio e maior peso hepático,
angiotensina I em an- Dependendo do neu- dem ser responsáveis por edema pul- mas nenhuma alteração foi encon-
giotensina II pela cinase II tecidual. As rotransmissor liberado monar, em decorrência do aumento trada quando a aplicação ocorreu no
hipotensinas 1, 2, 3 e 4 potencializam e da fibra nervosa, os efeitos podem da permeabilidade capilar pulmonar, quinto dia de gestação10. Por outro
os efeitos hipotensores da bradicinina e ser adrenérgicos ou colinérgicos. A além das alterações hemodinâmicas lado, nenhum efeito teratogênico foi
induzem a vasodilatação, mas sem inibir adrenalina e a noradrenalina são res- produzidas pela hipertensão2,6,8. observado em outro estudo similar,
a enzima conversora da angiotensina2,6. ponsáveis por aumento da pressão No estômago, a peçonha de T. apenas maior peso dos fetos e pla-
54 Cadernos Técnicos de Veterinária e Zootecnia, nº 75 - dezembro de 2014 7. Escorpionismo 55
centas. O veneno de T. minância dos efeitos moderada apenas de o local da picada,
Uma característica Além da dor local intensa,
bahiensis administrado (simpáticos ou paras- no local, ou muito que pode apresentar
comum do outros sinais clínicos nos
no quinto ou no déci- simpáticos), peso e intensa, irradiando discreto edema local;
escorpionismo é o casos moderados incluem
mo dias de gestação de para todo o mem- mesmo assim, o pon-
rápido início dos sinais idade da vítima, jovens náuseas, vômitos, sialorreia,
ratas resultou em maior e idosos são mais sen- bro acometido to exato da picada ge-
clínicos após a picada. agitação ou sonolência,
peso dos fetos e das pla- síveis, e variação indi- (Fig. 2). O animal ralmente não pode ser
taquicardia, taquipneia e
centas no dia 21 da ges- vidual2,12,13. Em ratos, geralmente lambe visualizado. Por cau-
picos hipertensivos.
tação, e a aplicação apenas no quinto foi observada maior sensibilidade nos ou mesmo mor- sa da dor, o animal se
dia promoveu aumento da perda pré- machos do que nas fêmeas, mas não se locomove sem apoiar
-implantação11. Como estes estudos sabe se isto ocorre em outras espécies. o membro afetado,
foram realizados pelos mesmos gru- Os casos podem ser classificados em que se torna hiper-
pos de pesquisadores, empregando leves, moderados e graves (Quadro sensível, e pode apre-
a mesma metodologia experimental, 1)12–15. Uma característica comum do sentar vocalizações,
a variação na composição do veneno escorpionismo é o rápido início dos inquietação ou até
devem ter sido a responsável pela va- sinais clínicos após a picada, por causa agressividade12–14,16,17.
riação nos resultados. da rápida distribuição dos componen- Além da dor local
tes do veneno inoculado, e a gravidade intensa, outros sinais
Sinais clínicos pode ser determinada em uma a duas clínicos nos casos
A gravidade do acidente varia de horas após o acidente12. A maioria moderados incluem
acordo com a quantidade de peçonha dos acidentes escorpiônicos no Brasil náuseas, vômitos, sia-
aplicada, espécie do escorpião, sendo apresenta gravidade leve12,13. lorreia, agitação ou
que é o T. serrulatus que promove os Há dor no local da picada, a qual sonolência, taquicar-
quadros mais graves, condições do inicia imediatamente após a picada, dia, taquipneia e pi-
télson, número de ferroadas, predo- e essa dor pode ser de intensidade cos hipertensivos. Nos
casos graves, também
Quadro 1: Classificação da gravidade do acidente podem ser observados
escorpiônico de acordo com os sinais clínicos observados.
vômitos profusos, hi-
potermia hipermotili-
Classificação Sinais clínicos
dade gastrintestinal,
Leve Dor e parestesia locais desorientação, hipera-
tividade, taquicardia
Dor local intensa, náuseas, vômitos, sialorreia, agitação, taquicardia, sinusal ou bradicardia,
Moderado
taquipneia arritmias cardíacas,
extrassístoles, taquip-
Sinais da forma moderada associados a algum dos seguintes sinais: vômitos
neia, hiperpneia, ou
Grave profusos, prostração, convulsões, bradicardia, insuficiência cardíaca con-
gestiva, arritmias cardíacas, edema pulmonar, choque, coma Figura 2 - Cão picado por T. serrulatus apresentando dor no membro bradipneia, hiperten-
picado. são ou hipotensão
56 Cadernos Técnicos de Veterinária e Zootecnia, nº 75 - dezembro de 2014 7. Escorpionismo 57
arterial, insuficiência cardíaca, rinor- comprometimento da perfusão coro- proteinúria e cetonúria. A trombose in- Diagnóstico
reia (Fig. 3), choque e, às vezes, con- nariana miocárdica. travascular e a coagulação intravascular
vulsões12-14,16,17. A morte geralmente disseminada (CID) também podem Foi desenvolvido teste ELISA para
Podem-se encontrar hiperglicemia,
ocorre por colapso cardiovascular, hipocalemia, aumento das atividades estar presentes, provavelmente por detectar antígenos circulantes do vene-
mas também pode ocorrer em decor- ação das catecolaminas. no em pacientes picados
séricas de amilase, creatinoquina-
rência do edema pulmonar16. Pode-se achar alcalose O tratamento por T. serrulatus22, mas
se (CK), creatinoquinase fração MB
(CK-MB), aspartato aminotransferase metabólica compensa- específico é com o soro atualmente esse teste
Exames complementares (AST) e lactato desidrogenase (LDH), tória à liberação de HCl antiescorpiônico ou não é utilizado rotinei-
e aumento sérico de troponina I, corti- estomacal ou acidose o soro antiaracnídeo ramente em veterinária.
O exame eletrocardiográfico pode polivalente, que é Ele é eficaz apenas em
revelar taquicardia sinusal com com- sol e insulina18. Por outro lado, não há respiratória promovida
alterações significantes nos níveis séri- pelo edema pulmonar. ideal para os casos casos moderados e gra-
plexos ventriculares prematuros, mar- moderados a graves. ves, pois possui sensibi-
ca-passo migratório, depressão do seg- cos de proteínas totais, albumina e fra-
Lesões lidade insuficiente para
mento ST e bloqueio atrioventricular. ções de globulinas19. No hemograma,
detectar os antígenos em
Ao exame ecocardiográfico, podem se podem ser observados aumento no he- patológicas casos leves, com apenas dor no local da
verificar alterações da função ventri- matócrito, concentração de hemoglo- Os achados macroscópicos in- picada.
cular e da fração de ejeção, hipocinesia bina e número de eritrócitos, mas sem cluem áreas de petéquias e equi-
ventricular (graus variáveis), seme- alteração nos índices hematimétricos, moses difusamente distribuídas Tratamento
lhante ao que ocorre na cardiomiopa- o que caracteriza policitemia relativa. pela superfície dos
tia dilatada. Pode haver vasoconstrição Essa policitemia provavelmente é cau- O tratamento espe-
pulmões e coração
coronariana por ação das catecolami- sada por contração esplênica por ação A dor local provocada cífico é com o soro an-
com área de colora-
nas (liberação maciça), propiciando o das catecolaminas, mas a desidratação pela picada é combatida tiescorpiônico ou o soro
ção mais clara, em
pode contribuir. com anestésicos locais antiaracnídeo poliva-
formato de cunha no
Outro achado he- sem vasoconstritor, lente (possui uma parte
ápice, sugestiva de in-
matológico é a
como a lidocaína. de anticorpos contra a
farto. As lesões histo-
peçonha de escorpiões),
leucocitose por patológicas descritas
que é ideal para os casos
neutrofilia, atribu- incluem alterações degenerativas
moderados a graves12,13. No entanto,
ída à recirculação das fibras musculares cardíacas,
estes soros não estão disponíveis para
dos neutrófilos do áreas necróticas com infiltração
uso em animais. Atualmente, há uma
compar timento de polimorfonucleares, lesões he-
grande dificuldade na produção do soro
marginal para o cir- morrágicas em subendocárdio, su-
antiescorpiônico porque é necessário
culante, por ação bepicárdio e pulmonares, e micro-
um grande número de escorpiões para
das catecolaminas trombos em capilares decorrentes
a obtenção da peçonha em quantidade
e de citocinas pró- da CID. Nos pulmões, pode haver
suficiente para depois se produzir o soro
-inf lamatór ias 20 . edema; no pâncreas, degeneração
em equino ou caprino. Assim, é neces-
Também pode citoplasmática em células acinares
sária uma grande estrutura para pro-
haver, em casos e pancreatite hemorrágica
duções dos escorpiões, o que inclui a
Figura 3 - Rinorreia em cão picado por T. serrulatus. graves, glicosúria, aguda 12,16,21.
58 Cadernos Técnicos de Veterinária e Zootecnia, nº 75 - dezembro de 2014 7. Escorpionismo 59
produção de seu alimen- queio atrioventricular tando seu contato com o produto5. No 5. ALBUQUERQUE, C.M.R.; BARBOSA, M.O.;
O prognóstico do IANNUZZI, L. Tityus stigmurus (Thorell,
to, baratas. No entanto, total. Não é recomenda- entanto, alguns cuidados podem ajudar
envenenamento 1876) (Scorpiones; Buthidae): response to
há a expectativa futura da a administração de di- a combater os escorpiões e, consequen- chemical control and understanding of scor-
escorpiônico quase pionism among the population. Rev. Soc. Bras.
para produção do soro gitálicos ou betabloquea- temente, prevenir a ocorrência de aci-
sempre é bom, exceto Med. Trop., v.42, n.3, p.255-259, 2009.
utilizando-se proteínas dores, pois o uso desses dentes, incluindo:
nos quadros de 6. COLOGNA, C.T.; MARCUSSI, S.; GIGLIO,
recombinantes deriva- medicamentos pode • manter limpos os jardins, quintais e
intoxicações graves, J.R. et al. Tityus serrulatus scorpion venom and
das do veneno, com ca- resultar em insuficiên- terrenos baldios;
principalmente em toxins: an overview. Protein Pept. Lett., v.16,
pacidade imunogênica cia cardíaca e bloqueio • eliminar baratas e cupins (alimentos n.8, p.920-932, 2009.
filhotes.
mas com baixa toxici- atrioventricular12,13. dos escorpiões); 7. NUNAN, E.A.; ARYA, V.; HOCHHAUS, G. et
dade. A administração Va s o d i l a t a d o r e s , • manter plantas distantes das paredes al. Age effects on the pharmacokinetics of tity-
anticolinérgicos, antieméticos, corti- ustoxin from Tityus serrulatus scorpion venom
do soro antiescorpiônico deve ser por e, de preferência, em suportes de ferro in rats. Braz. J. Med. Biol. Res., v.37, n.3, p.385-
via intravenosa. Deve ser feita o mais costeroides e anticonvulsivantes são que elevem os vasos do chão; 390, 2004.
precocemente possível, pois a presença indicados de acordo com o quadro clí- • preservar os inimigos naturais dos es- 8. PETRICEVICH, V.L.; REYNAUD, E.; CRUZ,
de hialuronidases na peçonha torna a nico apresentado pelo animal. Todos corpiões, como lagartos, galinhas, se- A.H.; POSSANI, L.D. Macrophage activation,
absorção das toxinas bastante rápida. O os casos considerados graves requerem riemas, corujas e lagartixas. Os sapos phagocytosis and intracellular calcium oscilla-
tions induced by scorpion toxins from Tityus
uso do soro antiescorpiônico é seguro, monitoração do paciente quanto às fre- se alimentam de escorpiões e também serrulatus. Clin. Exp. Immunol., v.154, n.3,
sendo pequena a frequência e a gravi- quências cardíaca e respiratória, pressão apresentam hábitos noturnos, mas p.415-423, 2008.
dade das reações de hipersensibilidade arterial, oxigenação, estado de hidrata- podem causar acidentes, principal- 9. MENDONÇA, M.; DA LUZ, M.M.P.;
precoce2. ção e equilíbrio hidroeletrolítico. O ele- mente em cães. FREIRE-MAIA, L.; CUNHA-MELO, J.R.
A dor local provocada pela pica- trocardiograma é uma importante ferra- Effect of scorpion toxin from tityus serrulatus
on the contraction of the isolated rat uterus.
da é combatida com anestésicos locais menta para o monitoramento cardíaco Referências Toxicon, v.33, n.3, v.355-361, 1995.
sem vasoconstritor, como a lidocaína a do paciente .
12,13

1. CUPO, P.; AZEVEDO-MARQUES, 10. BARÃO, A.A.S.; NENCIONI, A.L.A.;


2% (2 a 4mL, podendo ser repetida até
três vezes em intervalos de 30 minutos)
Prognóstico M.M.; HERING, S.E. Escorpionismo. In:
CARDOSO, J.L.C.; FRANÇA, F.O.S.; WEN,
DORCE, V.A.C. Embriotoxic effects of ma-
ternal exposure to Tityus serrulatus scorpion
F.H.; MÁLAQUE, C.M.S.; HADDAD JR, V. venom. J. Venom. Anim. Toxins Incl. Trop. Dis.,
ou a bupivacaína a 0,5%. Em casos de O prognóstico do envenenamen- (Eds). Animais peçonhentos no Brasil – bio- v.14, n.2, p.322-337, 2008.
dor muito intensa, é recomendado o to escorpiônico quase sempre é bom, logia, clínica e terapêutica dos acidentes. 2 ed.
São Paulo: Savier, 2009. p.490-497. 11. DORCE, A.L.C.; DORCE, V.A.; NENCIONI,
uso de analgésicos potentes, como os exceto nos quadros de intoxicações A.L.A. Mild reproductive effects of the Tityus
opioides12,13. graves, principalmente em filhotes. As 2. MARCUSSI, S.; ARANTES, E.C.; SOARES, bahiensis scorpion venom in rats. J. Venom.
A.M. Escorpiões – biologia, envenenamento e Anim. Toxins Incl. Trop. Dis., v.20, artigo 4,
A prazosina, antagonista de recepto- complicações e os óbitos podem ocor- mecanismos de ação de suas toxinas. Ribeirão 2014.
res α1-adrenérgicos, é utilizada para di- rer nas primeiras 24 horas, consideradas Preto: FUNPEC-Editora, 2011. 140p.
minuir a resistência vascular periférica, críticas e que, portanto, necessitam de 12. MELO, M.M.; SILVA JÚNIOR, P.G.P.;
3. SOARES, M.R.M.; AZEVEDO, C.S.; VERÇOSA JÚNIOR, D.; LAGO, L.A.
promover a melhora do retorno venoso acompanhamento clínico .
12,13
DE MARIA, M. Escorpionismo em Belo Acidentes causados por sapos (intoxicação
e reduzir a pressão de enchimento cardí- Horizonte, MG: um estudo retrospectivo. por bufodienolídeos). Cadernos Técnicos de
aco. Como não atua em receptores α2, a Prevenção dos acidentes Rev. Soc. Bras. Med. Trop., v.35, n.4, p.359-363,
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prazosina não produz taquicardia refle- O combate aos escorpiões com 13. SAKATE, M. Zootoxinas. In: SPINOSA, H.S.;
4. LOURENÇO, W.R. Parthenogenesis in scor- GÓRNIAK, S.L.; PALERMO NETO, J. (Eds).
xa. A atropina deve ser utilizada apenas praguicidas é pouco eficaz, pois eles se pions: some history - new data. J. Venom. Anim. Toxicologia aplicada à medicina veterinária.
em casos de bradicardia grave ou blo- escondem em buracos e frestas, dificul- Toxins Incl. Trop. Dis., v.14, n.1, p.19-44, 2008. Barueri: Manole, 2008. p.209-251.

60 Cadernos Técnicos de Veterinária e Zootecnia, nº 75 - dezembro de 2014 7. Escorpionismo 61


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latus. Arq. Bras. Med. Vet. Zootec., v.63, n.6, nenamento experimental por Tityus serrulatus.
p.1382-1390, 2011. Arq. Bras. Med. Vet. Zootec., v.61, n.1, p.135-
143, 2009.
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Toxins Incl. Trop. Dis., v.10, n.1, p.98-105, 2004. micas e anátomo-histopatológicas causadas
pelo veneno do escorpião Tityus fasciolatus em
17. RIBEIRO, E.L.; MELO, M.M.; SILVA, E.F. camundongos. Rev. Bras. Ciênc. Vet., v.16, n.2,
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62 Cadernos Técnicos de Veterinária e Zootecnia, nº 75 - dezembro de 2014


8. Araneísmo

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Guilherme de Caro Martins - CRMV-MG 10.970


Marília Martins Melo - CRMV-MG 2.432
Benito Soto Blanco - CRMV-MG 14.513
Laboratório de Toxicologia, Departamento de Clínica e Cirurgia Veterinárias, Escola de Veterinária, Universidade Federal de Minas Gerais
E-mail para contato: benito.blanco@pq.cnpq.br

Existem mais de 30 mil espécies de elevada toxicidade1. A síndrome clí-


aranhas descritas no mundo, sendo a nica produzida pela picada dessa ara-
grande maioria peçonhenta. As aranhas nha é denominada de loxoscelismo e
de interesse veterinário no Brasil perten- pode desenvolver-se de duas formas
cem aos gêneros Loxosceles e Phoneutria. distintas: cutânea, caracterizada por
alterações clínicas lo-
Loxosceles spp. Entre os gêneros de cais, com uma ferida
Entre os gêneros interesse médico e dermonecrótica de di-
de interesse médico e médico veterinário, o fícil cicatrização, e a
médico veterinário, o Loxosceles é responsável forma cutâneo-visceral,
Loxosceles é responsável por 40% dos acidentes em que são observadas
por 40% dos aciden- humanos no Brasil e alterações sistêmicas
tes humanos no Brasil apresenta veneno de importantes, como in-
e apresenta veneno de elevada toxicidade. suficiência renal aguda
8. Araneísmo 63
e distúrbios de coagula- Brasil, até o início do ano Quadro 1- Identificação e função das principais enzimas
Aranhas do gênero encontradas no veneno de Loxosceles
ção sanguínea com risco de 2013, já foram identi-
Loxosceles são
de óbito2-4. ficadas 12 espécies, sen-
popularmente ENZIMA FUNÇÃO
do pelo menos três de
Aspectos conhecidas como
importância médica: L. Catalisa a hidrólise da esfingomielina, resultando na formação de ceramida-
aranha-marrom. Fosfolipase D (es-
biológicos intermedia, L. laeta e L.
fingomielinase D)
-fostato e colina, capazes de produzir lesões dermonecróticas, hemólise e
gaucho5. agregação plaquetária e leucocitária
As aranhas do gê-
Segundo dados epidemiológicos do
nero Loxosceles pertencem à família Apresentam atividade fibrinogenolítica e gelatinolítica, resultando em distúr-
Ministério da Saúde, há um aumento Metaloproteases
Sicariidae, composta por dois gêneros bios hemostáticos
expressivo nos acidentes por aranhas
e 122 espécies5. São popularmente co-
em humanos no Brasil. No ano de 2012, Catalisa a hidrólise do tecido conjuntivo e a degradação do ácido hialurônico,
nhecidas como “aranha-marrom”, por
mais de 26.000 acidentes foram notifi- Hialuronidase
facilitando a penetração dos componentes do veneno em vários comparti-
apresentarem coloração que varia da mentos celulares e teciduais e contribuindo para o espalhamento gravitacio-
cados, sendo que mais de 90% ocorre-
marrom-clara à marrom-escura. São ara- nal da lesão
ram nas regiões Sul e Sudeste.
nhas de pequeno porte,
Os dados na medi-
com tamanho corporal Possuem hábito cina veterinária ainda pela formação de micro- sim por outros fatores
médio entre 8 e 15mm noturno e habitam são escassos, porém é
A trombose da
trombos e liberação de intrínsecos do organis-
de comprimento e patas locais intradomiciliares, observado que o núme- microvasculatura é
enzimas pelos polimor-
alongadas que chegam como móveis, porões e ro de casos em animais
provavelmente o evento mo. Os estudos de ativa-
fonucleares4. A trombo- inicial para a formação ção celular pelo veneno
a 30mm. Apresentam despensas. vem acompanhando o
dimorfismo sexual: o se da microvasculatura é da ferida. A ação dos loxoscélico sugerem que
aumento observado na provavelmente o evento
macho tem corpo me- medicina humana, principalmente pelo
polimorfonucleares muitos mediadores pró-
nor e patas mais longas que as fêmeas. hábito intradomiciliar atual da maioria inicial para a formação tem importância -inflamatórios solúveis
Algumas características específicas au- dos animais de estimação6,7. da ferida9. Por sua vez, a fundamental na têm papel importante
xiliam na sua identificação, como o for- ação dos polimorfonu- inflamação e necrose. no desenvolvimento da
mato do cefalotórax semelhante a um Caracterização do veneno cleares tem importância
lesão11.
violino, e a disposição dos seis olhos, fundamental na inflama-
Estudos revelaram a presença de di- Apesar de o veneno de Loxosceles ser
em pares, com um par frontal e outros ção e necrose observadas, uma vez que
versas enzimas no veneno da Loxosceles uma mistura complexa de substâncias,
dois laterais2. Possuem hábito noturno e a depleção de seus componentes em
spp., dentre as quais se destacam fosfo- sabe-se que a enzima
habitam locais intradomiciliares, como cobaias inibiu hemor-
lipase-D, hialuronidase e metaloprotea- ragia, infiltração de leu- com maior importância
móveis, porões e despensas. São consi- A enzima com maior
ses (Quadro 1)2,8. cócitos e reduziu acen- importância na na dermonecrose é a fos-
deradas aranhas pouco agressivas e se-
dentárias, por isso a maioria dos ataques tuadamente o edema no dermonecrose é a folipase D, que interage
ocorre quando acidentalmente compri-
Sinais clínicos local de inoculação do fosfolipase D. com a membrana celular
midas contra o corpo1. As alterações cutâneas e viscerais veneno de Loxosceles10. e, consequentemente,
Os acidentes ocasionados por sua observadas ocorrem devido a múltiplos No entanto, sabe-se que desencadeia reações en-
picada já foram descritos na América, fatores, envolvendo dano tecidual direto a ação dos polimorfonucleares não é volvendo o sistema complemento, pla-
Europa, Ásia, África e Oceania2. No pelo veneno, injúria vascular secundária induzida diretamente pelo veneno e quetas e leucócitos2,8.
64 Cadernos Técnicos de Veterinária e Zootecnia, nº 75 - dezembro de 2014 8. Araneísmo 65
Loxoscelismo cutâneo tica, que pode ocorrer até uma semana Loxoscelismo cutâneo- e dependente do tempo de coleta após
após a injúria. Na literatura humana é visceral o envenenamento, assim como da dose
A apresentação cutânea ocorre em do veneno aplicada4,15. Geralmente,
descrita como uma lesão em “placa mar-
cerca de 80% dos acidentados e, na O loxoscelismo cutâneo-visceral é observa-se leucopenia relacionada à
maior parte das vezes, é caracterizada mórea”, por apresentar centro necrótico menos comum (aproximadamente 15% neutropenia nas primeiras horas após o
por uma lesão dermonecrótica (Fig. 1 circundado por anel isquêmico esbran- dos casos), porém, além da lesão der- acidente. Esse fato ocorre pela migração
e 2). A picada da aranha quiçado em um fundo monecrótica, observam-se alterações massiva de neutrófilos para o tecido ho-
Loxosceles geralmente A apresentação cutânea eritematoso que ocorre que podem levar o paciente a óbito1,4. ras após o acidente, o que ocasiona um
é indolor, porém, nas ocorre em cerca de 80% em até 24 horas após a As alterações clínicas e laboratoriais decréscimo transitório de leucócitos na
primeiras horas após o dos acidentados e, na mais comuns incluem choque, icterícia, circulação sanguínea. A leucocitose é
picada1. Essa descrição,
acidente, no local da pi- maior parte das vezes, é hemólise intravascular associada à he- observada dias após o envenenamento,
caracterizada por uma no entanto, não é ob-
cada, observam-se dor, matúria e hemoglobinúria, trombocito- principalmente pelo aumento da produ-
lesão dermonecrótica. servada com frequência
provavelmente devido penia, leucocitose e insuficiência renal
nos animais, já que difi- ção medular.
à isquemia, prurido, aguda14. As reações hemolíticas são bem
cilmente se forma o anel A insuficiência renal aguda é a causa
edema, eritema, e áreas de hemorragia observadas em eritrócitos de humanos,
mais frequente de óbito no loxoscelis-
que precedem o local da necrose1-3. Há esbranquiçado . A ferida evolui para
2
suínos e ratos, porém, em
mo e ocorre pela ação
um alastramento gravitacional da lesão uma úlcera geralmente dolorida e de di- coelhos, aparentemente
As alterações clínicas direta do veneno, pro-
e evolução para uma lesão dermonecró- fícil cicatrização12,13. nenhuma reação hemo-
lítica ocorre, indicando e laboratoriais mais vocando edema glome-
variação entre espécies comuns incluem rular e nefrose tubular,
na susceptibilidade aos choque, icterícia, bem como pelo depósi-
efeitos sistêmicos do hemólise intravascular to de hemoglobina nos
veneno15. associada à hematúria túbulos renais advin-
A coagulação intra-
e hemoglobinúria, dos da intensa hemóli-
vascular disseminada
trombocitopenia, se intravascular1,3,4. Os
(CID) é um evento in-
leucocitose e efeitos nefrotóxicos do
comum, e sua patogenia
insuficiência renal veneno são demonstra-
ainda não foi bem escla-
aguda. dos com base nas alte-
recida16. O veneno de rações laboratoriais de
Loxosceles é capaz de promover agrega- pacientes acometidos e
ção plaquetária e trombocitopenia ho- geralmente incluem aumento de ureia
ras após o envenenamento, devido ao e creatinina, proteinúria, hematúria e
consumo intenso de plaquetas no local hemoglobinúria.
da ferida, bem como uma possível ação Além disso, já foi observada ligação
direta e transitória do veneno na medula direta do veneno no coração e no fígado,
óssea15-17. associada ao aumento de creatinoquina-
Figura 1 - Lesão dermonecrótica no membro an- Figura 2 - Lesão dermonecrótica no dorso de
terior direito de cão após picada por aranha do coelho após inoculação de veneno de aranha A observação do número de leucó- se (CK) e de fração cardíaca (CK-MB),
gênero Loxosceles. Loxosceles laeta. citos na circulação sanguínea é variável quatro horas após a inoculação de vene-
66 Cadernos Técnicos de Veterinária e Zootecnia, nº 75 - dezembro de 2014 8. Araneísmo 67
no de L. intermedia em camundongos18, incluída no diagnóstico diferencial de é indicada cirurgia reconstrutiva para na clínica, isso geralmente ocorre pelo
e das enzimas hepáticas, seis horas após loxoscelismo7. promover o processo cicatricial1. fato de a maioria dos casos se apresentar
a inoculação19, o que sugere ação tóxica Os corticosteroides fazem parte do após quatro horas do acidente, e a partir
do veneno nesses tecidos. Tratamento protocolo de tratamento do loxoscelis- desse momento o soro antiloxoscélico
Diversas terapias já foram avaliadas mo humano no Brasil20. Não há dados pode não ser mais eficaz12.
Alterações em estudos experimentais, porém os da- suficientes que sustentam a sua utiliza- A dapsona é a droga mais estudada
histopatológicas dos são divergentes e poucas conclusões ção para o tratamento do loxoscelismo em relação às feridas dermonecróticas
cutâneo, já que, mesmo quando forne- ocasionadas pelo loxoscelismo. Possui
Os achados histopatológicos mais podem ser feitas quanto à melhor tera-
cidos de forma precoce, não previnem uma ação de inibir a degranulação po-
importantes dependem do tempo de pia, sobretudo para a melhor resolução
o desenvolvimento e a progressão da limorfonuclear e, consequentemente,
coleta do material após inoculação do da ferida dermonecrótica2,14.
ferida dermonecrótica14,17. No entanto, reduzir a inflamação local e a destruição
veneno. Mas, em geral, Diferentemente da
eles provavelmente têm uma ação bené- ocasionadas por essas células2,21.
observam-se edema, O diagnóstico definitivo medicina humana, em
do loxoscelismo fica, nos casos sistêmicos, em decorrên-
trombose e áreas hemor- que o uso do soro anti-
rágicas iniciais, seguidos dificilmente é baseado loxoscélico é realidade e
cia do seu mecanismo imunossupres- Phoneutria spp.
na identificação da sor e da ação protetora da membrana A aranha Phoneutria nigriventer, co-
por infiltrado inflamató- utilizado com bastante
aranha. das hemácias, diminuindo a hemólise nhecida como armadeira (Fig. 3), pos-
rio predominantemente frequência, de acordo
intensa que ocorre nessa síndrome13. sui comprimento médio do corpo de
neutrofílico e necrose de com protocolo médico
O soro antiloxoscélico é o único
coagulação na epiderme e na derme . 2,9
de cada região, não há tratamento espe-
tratamento especí-
cífico com soro antiloxoscélico disponí-
Diagnóstico fico para neutralizar
vel para uso veterinário6.
a ação do veneno,
O diagnóstico definitivo do loxos- Na medicina veterinária, a terapia é
porém não está dis-
celismo dificilmente é baseado na iden- baseada nos sinais clínicos observados. ponível para uso em
tificação da aranha, já que, de modo A utilização profilática de fluidoterapia medicina veterinária.
geral, a picada é indolor e depende da e diuréticos é indicada para evitar lesão Segundo o Ministério
sua captura2. Portanto, o diagnóstico renal mais grave e aumentar a taxa de da Saúde20, a sua uti-
ante- mortem geralmente é presuntivo, filtração glomerular, a fim de se evitar lização varia de 12 a
baseado na anamnese, na epidemiolo- depósito de hemoglobina nos túbulos 70% de acordo com
gia, nos sinais clínicos e no perfil san- renais. Como há uma ferida dermone- a região do Brasil
guíneo associados. Apesar de alguns crótica importante, é impreterível que analisada. Apesar do
testes imunodiagnósticos já terem sido se realizem limpezas diárias com solu- uso disseminado do
descritos, não há um ções antissépticas associadas à antibio- soro antiloxoscélico,
exame complementar ticoterapia sistêmica de as opiniões são diver-
específico na rotina ve- Não há tratamento amplo espectro, dimi- gentes quanto à sua
terinária. Qualquer do- específico com soro nuindo, assim, o risco de eficácia em neutrali-
ença que leve à altera- antiloxoscélico infecções secundárias. zar os efeitos locais
ção cutânea e à necrose disponível para uso Porém, quando a área de do veneno17. Na roti-
tecidual local deve ser veterinário. necrose é muito extensa, Figura 3 – Aranha-armadeira (Phoneutria nigriventer).

68 Cadernos Técnicos de Veterinária e Zootecnia, nº 75 - dezembro de 2014 8. Araneísmo 69


3,5cm e o tamanho máximo da perna de despolarização de membrana, a entra- jamento, sialorreia, arritmias, distúrbios Referências
5,0cm, abdômen preto e corpo coberto da de cálcio e glutamato e a liberação visuais e sudorese. Esses sintomas são 1. MALAQUE, C.M.S., CASTRO-VALENCIA, J.E.,
com pelo curto castanho. O dorso tem de outros neuotransmissores, como a usualmente mais graves em crianças, e, CARDOSO, J.L.C. et al. Clinical and epidemiolog-
ical features of definitive and presumed loxoscelism
padrões formados por pares de pontos acetilcolina23. O veneno também é ca- se este envenenamento não for tratado, in São Paulo, Brazil. Rev. Inst. Med. Trop. S. Paulo,
de luz dispostos em faixas longitudinais paz de causar alterações morfológicas pode levar à morte27. Envenenamentos v.44, n.3, p.139-143, 2002.
e linhas oblíquas de menor ponto para em fibras nervosas, como acúmulo de graves também podem causar bradicar- 2. SILVA, P.H; SILVEIRA, R.B; APPEL, M.H. et
al. Brown spiders and loxoscelism. Toxicon, v.44,
o lado lateral. É extremamente agressi- líquido no espaço periaxonal de fibras dia, hipotensão arterial, insuficiência p.693-709, 2004.
va, com hábitos noturnos e irregulares. mielinizadas24. cardíaca, arritmias cardíacas, choque,
3. TAMBOURGI, D.V; GONÇALVES-DE-
Alimenta-se de uma grande variedade Outro efeito do veneno é sua ação dispneia, depressão neurológica de ANDRADE, R.M; VAN DEN BERG, C.W.
de animais que ela caça, incluindo mui- sobre as diversas classes de canais de cál- vários tipos, convulsões, edema pul- Loxoscelism: from basic research to the proposal
of new therapies. Toxicon, v.56, p.1113-1119, 2010.
tas espécies de insetos, outras aranhas, cio, bloqueando a entrada deste em ter- monar agudo e colapsos cardíacos e
4. MALAQUE, C.M.S; SANTORO, M.L;
pequenos roedores, entre outros22. minais nervosos e inibindo a liberação respiratórios26. CARDOSO, J.L. et al. Clinical picture and labo-
P. nigriventer não de neurotransmissores25. Há apenas um relato de acidente ratorial evaluation in human loxoscelism. Toxicon,
v.58, p.664-671, 2011.
constrói teias, e seu su- A P. nigriventer assume Este bloqueio do influxo por P. nigriventer em animal doméstico
5. PLATNICK, N.I., 2013. The world spider catalog,
cesso como predador é uma posição muito de cálcio é determina- no Brasil, uma cadela da raça Pinscher version 6.0. American Museum of Natural History.
em parte explicado pela característica quando do por várias frações do de dois anos de idade. Poucos minutos Disponível em: <http://research.amnh.org/ento-
mology/spiders/catalog/index.html> acesso em
diversidade de potentes perturbada, ficando veneno, como a PnTx-3 após a picada, o animal estava em de- 08/09/2013
toxinas presentes no seu de pé sobre as patas (toxinas de 1 a 6)22. cúbito lateral, com dispneia, salivação 6. COLLACICO, K; CHANQUETTI, A.M.S;
veneno. Esta aranha as- traseiras, mantendo Apesar de a aranha- e hipotermia. Posteriormente, foram FERRARI, R. Acidente por Loxosceles em cão – re-
sume uma posição mui- as pernas da frente -armadeira possuir com- observados fasciculações muscular, lato de caso. Ensaios e Ciência: Ciências Biológicas,
Agrárias e da Saúde. v.XII, n.2, p.179-195, 2008.
to característica quando levantadas mesmo se portamento noturno, midríase não responsiva, olhos parcial- 7. MACHADO, L.H.A; ANTUNES, M.I.P.P;
perturbada, ficando de seus inimigos são muito muitos dos acidentes mente abertos, moderada desidratação, MAZINI, A.M. et al. Necrotic skin lesion in a dog
pé sobre as patas trasei- maiores que ela. ocorrem principalmente mucosas hiperémicas, claudicação dos attributed to Loxosceles (Brown Spider) Bite: A
Case Report. J. Venom. Anim. Toxins.incl. Trop. Dis.,
ras, mantendo as pernas durante o dia, em am- membros posteriores, agressividade, v.15, n.3, p.572-581, 2009.
da frente levantadas mesmo se seus ini- bientes domésticos, porque elas se es- vômitos, diarreia pastosa e discreta in- 8. BARBARO, K.C; KNYSAK, I; MARTINS, R. et
migos são muito maiores que ela, como condem dentro de casa, em sapatos e coordenação. O hemograma indicou al. Enzymatic characterization, antigenic cross-
reactivity and neutralization of dermonecrotic ac-
os animais domésticos22. roupas. Mãos e pernas são os locais mais linfopenia. O tratamento foi sintomáti- tivity of five Loxosceles spider venoms of medical
O principal efeito neurotóxico do afetados em humanos, e, no caso dos co: hidratação com Ringer, antiemético importance in the Americas. Toxicon, v.45, p.489-
499, 2005.
veneno parece ser da sua ação sobre ca- cães, área do focinho55. A dose subletal (metoclopramida: 0,5 mg/kg IV) e anal-
9. ELSTON, D.M., EGGERS, J.S., SCHMIDT, W.E.
nais de Na+ de voltagem dependente, os subcutânea para cães é estimada para gésico (buprenorfina 0,06mg/kg IM). et al. Histological findings after brown recluse
quais podem induzir a repetidos poten- estar entre 0,18 e 0,2mg/kg de peso do O animal se recuperou completamente spider envenomation. Am. J. Dermatopathol., v.22,
p.242–246, 2000.
ciais de ação nas membranas de nervos corpo26. depois de cinco dias de tratamento28.
10. SMITH, C.W; MICKS, D.W. The role of polymor-
e de fibras musculares. A fração do vene- Em humanos, a picada da Phoneutria O tratamento é sintomático, na phonuclear leukocytes in the lesion caused by the
no chamada de PnTx2 foi capaz de au- causa dor acentuada e irradiante e vá- maioria dos casos com base no bloqueio venom of the brown spider. Lab. Invest., v.22, p.90-
93, 1970.
mentar e facilitar a ativação dos canais rios sintomas graves, caracterizados por anestésico local com lidocaína sem va-
11. PATEL, K.D; MODUR, V; ZIMMERMAN, G.A.
de Na+, o que elevou a entrada de Na+ cãibras, tremores, convulsões tônicas, soconstritor. Não existe soro anti-Pho- et al. The necrotic venom of the brown recluse spi-
em sinaptossomas corticais, induziu a paralisia espástica, priapismo, lacrime- neutria para uso veterinário. der induces dysregulate dendotelial cell-dependent

70 Cadernos Técnicos de Veterinária e Zootecnia, nº 75 - dezembro de 2014 8. Araneísmo 71


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lone, and diphenhydramine therapy for the treat-
ment of brown recluse spider envenomation. Arch.
Dermatol., v.141, p.595-597, 2005.

72 Cadernos Técnicos de Veterinária e Zootecnia, nº 75 - dezembro de 2014


9. Apidismo

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Benito Soto Blanco - CRMV-MG 14.513


Marília Martins Melo - CRMV-MG 2.432
Laboratório de Toxicologia, Departamento de Clínica e Cirurgia Veterinárias, Escola de Veterinária, Universidade Federal de Minas Gerais
E-mail para contato: benito.blanco@pq.cnpq.br

As abelhas Apis mellifera são insetos colônias de abelhas da variedade africa-


sociais utilizados, mas não domestica- na (A. mellifera scutellata), que possuem
dos, pelo homem há centenas de anos. maior agressividade que as variedades
Possuem grande importância econômi- europeias, escaparam de colmeias ex-
ca pela produção de mel, pólen, própolis perimentais da cidade de Rio Claro, SP,
e geleia real e pela polinização de plan- em 1957, e gradativamente se difundi-
tas frutíferas cultivadas. Inicialmente, ram pelo continente americano, cruzan-
foram introduzidas no do com as variedades
Brasil variedades euro- Atualmente, as abelhas europeias. Atualmente,
peias, que se caracte- A. mellifera criadas as abelhas A. mellifera
rizam por baixa agres- no Brasil são híbridas criadas no Brasil são hí-
sividade. No entanto, africanizadas. bridas africanizadas1,2.
9. Apidismo 73
As abelhas realizam por destruição de fosfoli- tídeos secarpina, tertiapina e procamina mitos, diarreia, dispneia4,13, convulsões,
As abelhas realizam a
a ferroada como forma pídeos nela presentes, re- provavelmente não apresentam impor- depressão do sistema nervoso central,
ferroada como forma de
de defesa contra ataques sultando em lise celular. tância toxicológica, e teriam a função de hipertermia e choque4. Um cão atacado
defesa contra ataques
aos indivíduos ou às col- A hialuronidase promo- repelir outros insetos5. por cerca de 300 abelhas apresentou eri-
aos indivíduos ou às
meias. O ferrão é uma ve a difusão do veneno As aminas biogênicas presentes no tema e edema difusos por todo o corpo
colmeias.
modificação do aparelho pelos tecidos por meio veneno das abelhas são a e choque cardiogênico14.
ovipositor e está pre- da hidrólise do ácido histamina, a serotonina, O acidente por abelhas O quadro de síndrome
sente apenas nas fêmeas das abelhas. O hialurônico, afetando as junções celula- a dopamina e a noradre- pode causar três tipos da angústia respiratória
veneno é produzido por células da glân- res3–5. As fosfolipases e a hialuronidase nalina. A quantidade de de reações: local, tóxica aguda foi descrita em
dula do veneno e injetado no momento são os principais compostos responsá- histamina existente no sistêmica e anafilática. um cão picado por cerca
da ferroada. Quando o ferrão é introdu- veis pelos casos de reação anafilática ao veneno é muito menor de 100 abelhas15.
zido, ele fica preso junto veneno das abelhas4,8. do que aquela liberada A reação anafilática
com a glândula do vene- O peptídeo melitina por ação do PDM5, servindo como pro- é própria do sistema imunológico em
Quando o ferrão é
no no local da ferroada é a toxina mais abundan- teção contra outros insetos11. indivíduos sensíveis, que foram ante-
introduzido, ele fica
e permanece liberando te do veneno das abelhas, riormente picados, e pode ser desenca-
preso junto com a Manifestações clínicas
gradualmente o veneno. compondo cerca de me- deada por uma única ferroada4,12. Essa
glândula do veneno
A perda do ferrão e es- tade do peso seco deste O acidente por abelhas pode causar reação foi descrita apenas em cães, que
no local da ferroada e
truturas associadas são veneno. Atua de forma três tipos de reações: local, tóxica sistê- apresentaram letargia, hematúria, ata-
permanece liberando
fatais para a abelha . 3,4
sinérgica com a fosfoli- mica e anafilática12. xia e convulsões4. Outros sinais clínicos
gradualmente o veneno.
Cada abelha pode desfe- pase A2, provocando da- A reação local ocorre quando o ani- associados à reação anafilática incluem
rir apenas uma ferroada, nos nas membranas ce- mal sofre uma ou poucas ferroadas. Os angioedema, prurido e urticária. Nos
mas como são insetos sociais, a aproxi- lulares e mitocondriais de diversos tipos efeitos são restritos ao local do ataque, casos graves, potencialmente fatais, há
mação à colmeia pode resultar no ata- celulares. O ácido araquidônico pode com rápida instalação de dor, eritema e edema de glote e broncoespasmo .
12

que de grande número de abelhas4. ser liberado em consequência do dano edema, que podem persistir por algu-
celular3–5. A apamina, outro peptídeo mas horas ou, eventualmente, dias4,12. Achados laboratoriais
Composição do veneno presente no veneno das abelhas, afeta Os cães e gatos apresentam, em geral, Os achados de patologia clínica de
O veneno das abelhas é composto os sistemas nervosos central e periféri- edema nas regiões facial, periorbital e/ cães com reação tóxica sistêmica in-
pelas enzimas fosfolipase A2 e hialuro- co por meio da ativação dos receptores ou auricular. Foi relata- cluem anemia regenera-
nidase, pelos peptídeos melitina, apami- muscarínicos inibitórios M2 e do blo-
9
do que um cão sensível As alterações clínicas tiva com hemoglobine-
na, pelo peptídeo degranulador de mas- queio dos canais de potássio ativados morreu após a picada de incluem apatia, mia, hemoglobinúria13,16,
tócitos (PDM), entre outros peptídeos, por cálcio , mas sua importância clínica
10
uma única abelha4. anorexia, icterícia, aumento sérico de ureia
e aminas biogênicas3–5. A concentração ainda é incerta .
5
A reação tóxica sis- hemoglobinúria, e de alanina aminotrans-
O PDM atua sobre mastócitos e ba-
dos diferentes componentes do veneno têmica é resultado de vômitos, diarreia, ferase e coagulação intra-
é diretamente influenciada pela idade da sófilos, promovendo a liberação de his- muitas ferroadas. As al- dispneia, convulsões, vascular disseminada4.
tamina, serotonina, produtos da quebra
abelha6,7. terações clínicas incluem depressão do sistema Um cão atacado por cer-
A fosfolipase A2 promove a deses- do ácido araquidônico e fatores com apatia, anorexia, icterí- nervoso central, ca de 300 abelhas desen-
truturação da membrana citoplasmática ação em plaquetas e eosinófilos. Os pep- cia, hemoglobinúria, vô- hipertermia e choque. volveu trombocitopenia

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imunomediada, mas a da pele do animal. Como 3. LANDIM, C.C. Abelhas: morfologia e função de JÚNIOR, D.V.; LAGO, L.A. Acidentes causados
Patologia clínica de sistemas. São Paulo: Editora Unesp, 2009. p.408. por abelhas. Cadernos Técnicos de Veterinária e
contagem plaquetária
cães com reação tóxica a glândula associada ao Zootecnia, n.44, p.113-117, 2004.
voltou à normalidade ferrão que ficou na pele 4. GWALTNEY-BRANT, S.M.; DUNAYER, E.;
sistêmica incluem YOUSSEF, H. Terrestrial zootoxins. In: GUPTA, 13. FIGHERA, R.A.; SOUZA, T.M.; BARROS,
sete dias após o trata- anemia regenerativa do animal pode ainda R.C. (Ed). Veterinary Toxicology. 2.ed. Londres: C.S.L. Acidente provocado por picada de abe-
mento com transfusão com hemoglobinemia, conter veneno, deve-se Academic Press, 2012. p.969-992. lhas como causa de morte de cães. Ciência Rural,
v.37, n.2, p.590-593, 2007.
sanguínea e administra- hemoglobinúria, tomar cuidado para não 5. MEDEIROS, C.R.; FRANÇA, F.O.S. Acidentes
ção de dexametasona . 14
aumento sérico de comprimir a glândula. por abelhas e vespas. In: CARDOSO, J.L.C.; 14. NAKAMURA, R.K.; FENTY, R.K.; BIANCO,
FRANÇA, F.O.S.; WEN, F.H.; MÁLAQUE, D. Presumptive immune-mediated thrombocy-
Em casos de reação ana- ureia e de alanina Assim, a remoção dos C.M.S.; HADDAD JR, V. (Ed). Animais topenia secondary to massive Africanized bee
filática em cães, foram aminotransferase ferrões deverá ser feita Peçonhentos no Brasil – biologia, clínica e tera- envenomation in a dog. J. Vet. Emerg. Crit. Care,
pêutica dos acidentes. 2.ed. São Paulo: Sarvier, v.23, n.6, p.652-656, 2013.
observadas alterações e coagulação por meio de raspagem4,12. 2009. p.259-267.
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6. OWEN, M.D.; PFAFF, L.A.; REISMAN, R.E.; E.A. et al. Imaging diagnosis: acute lung injury
imunomediada, com disseminada. local da picada podem WYPYCH, J. Phospholipase A2 in venom ex- following massive bee envenomation in a dog.
anemia não regenerati- ser amenizados por meio tracts from honey bees (Apis mellifera L.) of dif- Vet. Radiol. Ultrasound, v.46, n.4, p.300-303,
ferent ages. Toxicon, v.28, n.7, p.813-820, 1990. 2005.
va, esferocitose, micro- da aplicação de compres-
-hematúria e resultado positivo para o sas frias . O tratamento de suporte é
4,12
7. OWEN, M.D.; PFAFF, L.A. Melittin synthesis in 16. WYSOKE, J.M.; BLAND VAN-DEN BERG, P.;
feito com fluidoterapia, corticosteroi- the venom system of the honey bee (Apis mel- MARSHALL, C. Bee sting-induced haemolysis,
teste Coomb4. lifera L.). Toxicon, v.33, n.9, p.1181-1188, 1995. spherocytosis and neural dysfunction in three
des e anti-histamínicos. As convulsões dogs. J. S. Afr. Vet. Assoc., v.61, n.1, p.29-32, 1990.
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and peptides for diagnosis and treatment of 17. SANTOS, K.S.; STEPHANO, M.A.;
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os achados necroscópicos incluem hiperimune antiveneno de abelhas que nom against Africanized bees. PLoS One, v.8, n.11,
ferrões encravados na pele, icterícia se mostrou eficaz em camundongos ,
17
9. SILVA, L.F.C.M.; RAMOS, E.R.P.; AMBIEL, artigo e79971, 2013.

generalizada da carcaça, fígado de co- mas ainda não foi testado em animais
C.R. et al. Apamin reduces neuromuscular
transmission by activating inhibitory muscarinic
loração alaranjada e rins escurecidos. domésticos. O tratamento das reações M2 receptors on motor nerve terminals. Eur. J.
Pharmacol., v.626, n.2-3, p.239-243, 2010.
Microscopicamente, podem ser obser- anafiláticas deve ser feito com adrenali-
vadas necrose de hepatócitos centrolo- na, corticosteroides, anti-histamínicos e 10. LAMY, C.; GOODCHILD, S.J.;
bular e nefrose hemoglobinúrica13. suporte cardiorrespiratório .
12 WEATHERALL, K.L. et al. Allosteric block of
KCa2 channels by apamin. J. Biol. Chem., v.285,
n.35, p.27067-27077, 2010.
Diagnóstico Referências
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1. STORT, A.C.; GONÇALVES, L.S. A africaniza- cated by histamine, in honey bee (Apis mellifera)
O diagnóstico geralmente é feito ção das abelhas Apis mellifera nas Américas - I. venom. J. Insect Physiol., v.24, n.5, p.433-437,
com o histórico do paciente12. Podem In: BARRAVIERA, B. (Ed). Venenos: aspectos 1978.
ser encontrados os ferrões e até abelhas clínicos e terapêuticos dos acidentes por ani-
mais peçonhentos. Rio de Janeiro: EPUB, 1999. 12. SILVA JÚNIOR, P.G.P.; MELO, M.M.;
mortas no pelo do animal13. p.33-47.

Tratamento 2. SCOTT SCHNEIDER, S.; DEGRANDI-


HOFFMAN, G.; SMITH, D.R. The African
honey bee: factors contributing to a successful
Em qualquer caso de ferroada por biological invasion. Annu. Rev. Entomol., v.49,
abelhas, o ferrão deverá ser removido n.1, p.351-376. 2003.

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