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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE

CENTRO DE CIÊNCIAS SOCIAIS APLICADAS


PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM DIREITO
CURSO DE ESPECIALIZAÇÃO EM DIREITO ADMINISTRATIVO

LORENA NOGUEIRA RÊGO

A uniformização dos julgados administrativos sob a ótica do Novo Código de Processo Civil

NATAL / RN
2017
LORENA NOGUEIRA RÊGO

A uniformização dos julgados administrativos sob a ótica do Novo Código de Processo Civil

Monografia apresentada ao Curso de Pós-Graduação lato


sensu em Direito Administrativo da Universidade Federal do
Rio Grande do Norte sob a orientação da Professora Me. Dra.
Mariana de Siqueira como requisito parcial para obtenção do
título de especialista em Direito Administrativo, do Centro
de Ciências Sociais Aplicadas, da Universidade Federal do
Rio Grande do Norte.

Orientadora: Me. Dra. Mariana de Siqueira

NATAL / RN
2017
Universidade Federal do Rio Grande do Norte - UFRN
Sistema de Bibliotecas - SISBI
Catalogação da Publicação na Fonte. UFRN - Biblioteca Setorial do CCSA
Rêgo, Lorena Nogueira.

A uniformização dos julgados administrativos sob a ótica do Novo Código


de Processo Civil/ Lorena Nogueira Rêgo. - 2017.

56f.: il.

Monografia (Especialização em Direito Administrativo) - Universidade


Federal do Rio Grande do Norte, Centro de Ciências Sociais Aplicadas,
Programa de Pós-Graduação em Direito. Natal, RN, 2017.
Orientadora: Profa. Dra. Mariana de Siqueira.

1. Direito administrativo - Monografia. 2. Uniformização - Monografia. 3.


Jurisprudência - Monografia. 4. Segurança jurídica - Monografia. I. Siqueira,
Mariana de. II. Título.

RN/BS/CCSA CDU 35: 347.2


RESUMO

O precedente judicial teve seu disciplinamento tratado pelo Código de Processo Civil de 2015,
sob a influência do sistema jurídico da common law. O mesmo diploma legal aplica-se
imediatamente aos processos administrativos, mesmo que regidos por quaisquer outras leis.
Assim, esse novo disciplinamento deve ser aplicado por todos os órgãos administrativos. Para
isso, a compreensão ampla do princípio da legalidade, exteriorizado como juridicidade. Nesses
termos, o precedente administrativo ainda é rodeado de diversos questionamentos, mas, cabe a
Administração Pública, baseada pelo novo perfil da jurisdição brasileira, adotar os precedentes
vinculante, com o escopo de assegurar o tratamento igualitário entre os cidadãos, a segurança
jurídica, a eficiência no agir administrativo e a coerência nas decisões administrativas
proferidas para a uniformização jurisprudencial. Destarte, o presente trabalho tem por escopo
analisar de forma sistemática e crítica o papel e influência do precedente no ordenamento
jurídico brasileiro, sob a justificativa de garantir maior isonomia e segurança jurídica aos
administrados. Além de buscar, em apertada síntese, demonstrar a melhor forma de
sistematização dos julgados administrativos.

Palavras-chave: Precedente administrativo. Uniformização. Jurisprudência. Segurança


jurídica.
ABSTRACT

The judicial precedent was subject to disciplinary action under the Civil Procedure Code of
2015, under the influence of the common law legal system. The same law applies immediately
to administrative proceedings, even if governed by any other laws. Thus, this new discipline
must be applied by all administrative bodies. For this, the broad understanding of the principle
of legality, externalized as juridicity. In these terms, the administrative precedent is still
surrounded by several questions, but it is up to the Public Administration, based on the new
profile of Brazilian jurisdiction, to adopt binding precedents, with the scope of ensuring equal
treatment among citizens, legal certainty, efficiency in administrative action and the
consistency in administrative decisions made for the uniformity of case law. The purpose of
this paper is to systematically and critically analyze the role and influence of the precedent in
the Brazilian legal system, under the justification of guaranteeing greater isonomy and legal
security to the administered ones. In addition to seeking, in a tight synthesis, to demonstrate the
best way of systematizing administrative judgments.

Keywords: Administrative precedente. Uniformization. Jurisprudence. Legal certainty.


SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO ..................................................................................................................... 7

2 UNIFORMIZAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA E SEGURANÇA JURÍDICA ................ 9

2.1 O PRECEDENTE E SEU USO NO CONTEXTO DA TRADIÇÃO JURÍDICA DO


CIVIL LAW NO BRASIL ........................................................................................................... 9
2.2 FORÇA NORMATIVA DO PRECEDENTE E A UNIFORMIZAÇÃO DE
JURISPRUDÊNCIA NO ÂMBITO DO NOVO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL .............. 17
3 O PRECEDENTE NA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA E A UNIFORMIZAÇÃO DOS
JULGADOS NO ÂMBITO DO PROCESSO ADMINISTRATIVO ................................. 25

3.1 O PROCESSO ADMINISTRATIVO SOB O INFLUXO DO NOVO CÓDIGO DE


PROCESSO CIVIL .................................................................................................................. 25
3.2 A ATUAÇÃO ADMINISTRATIVA POR MEIO DE PRECEDENTES E A
UNIFORMIZAÇÃO DOS JULGADOS .................................................................................. 34
4 A IMPRESCINDIBILIDADE DE PUBLICIDADE E DA SISTEMATIZAÇÃO DAS
DECISÕES ADMINISTRATIVAS PARA A OPERACIONALIZAÇÃO COM OS
PRECEDENTES ADMINISTRATIVOS ............................................................................. 43

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS .............................................................................................. 50

REFERÊNCIAS ..................................................................................................................... 52
7

INTRODUÇÃO

A uniformidade das decisões judiciais é ponto chave que assegura a todos a igualdade
perante a lei e o Direito, garante a segurança jurídica e a confiança no Poder Judiciário, já que
aos interessados é factível antever as consequências jurídicas dos casos concretos por conhecer
a forma de interpretação dos tribunais.
Nesse diapasão, o sistema jurídico adotado pelo Brasil, o civil law, costumeiramente
tendo como principal fonte do direito a lei, paulatinamente passa a incorporar alguns elementos
do common law – este trabalho focou unicamente no precedente –, com o intuito de dar maior
unicidade na interpretação do Direito e consequentemente na resolução dos casos concretos,
para prestigiar a igualdade jurídica frente à lei e também às decisões judiciais.
Para isso, a legislação processual vem dando sinais de estímulo à formação da cultura
do precedente. O que ficou ainda mais inequívoco com a promulgação do Novo Código de
Processo Civil, reforçando a importância do precedente nas decisões, mormente para permitir
a uniformização das decisões dos tribunais, tendo em vista que é exigido do julgador um maior
ônus argumentativo quando decide de maneira divergente ao que dispõe o precedente,
permitindo a estabilidade da jurisprudência.
Nesse contexto se insere a Administração Pública, que efetivamente desde a edição da
Lei nº 9.784/1999 vivencia a realidade normativa do processo administrativo que, ao lado do
processo civil, trabalhista e penal, constitui microssistema normativo inserido no Direito
Processual. Embora possua autonomia cognitiva, o processo administrativo também se submete
a aplicação supletiva e subsidiária do CPC (artigo 15), que expressamente prevê a
obrigatoriedade da uniformização dos julgados.
A pesquisa, logo, tem como peça chave essa integração hermenêutica e o seu
desabrochar nos órgãos administrativos, tendo como ponto central da discussão a formação do
precedente administrativo e a sistematização das decisões em busca da uniformidade.
Diante disso, o presente trabalho tem por escopo analisar de forma sistemática e crítica
o papel e influência do precedente no ordenamento jurídico brasileiro, sob a justificativa de
garantir maior isonomia e segurança jurídica aos administrados. Além de buscar, em apertada
síntese, demonstrar a melhor forma de sistematização dos julgados administrativos.
A metodologia apresentada neste trabalho é teórico-descritiva do fenômeno apresentado
e do seu arcabouço legal, apresentando um debate sobre a viabilidade do precedente diante do
Direito Administrativo, por meio de uma análise dialética.
8

Assim, serão três capítulos, além desta introdução e das considerações finais: i) de
início, serão tratadas as nuances dos sistemas jurídicos do civil law e common law, bem como
suas interações com os precedentes e de que maneira o ordenamento jurídico pátrio aborda o
tema; ii) posteriormente, serão analisadas a aplicação do CPC/2015 no âmbito do Direito
Administrativo, o precedente administrativo, os princípios jurídicos envolvidos na formação
deste precedente e sua influência determinante para a uniformização dos julgados
administrativos; iii) por último, serão abordados elementos que poderiam balizar uma atuação
da Administração Pública por meio dos precedentes administrativos, de acordo com o
ordenamento jurídico pátrio, partindo de uma abordagem teórica que busca verificar como se
identifica a legitimidade de um ato que se constitui num precedente administrativo, bem como
os requisitos para a atuação por meio de precedentes de forma vinculada. Ademais, salienta a
importância da publicidade das interpretações dos órgãos administrativos para que haja o
mínimo de sistematização das decisões e, com isso, a operacionalização dos precedentes.
Porquanto, a adoção, por órgãos administrativos, de uma prática de tomada de decisões
com precedentes administrativos não enfrenta somente resistências teóricas, sob o argumento
de que o agir administrativo está subordinado a lei em sentido estrito, a forma de organização
institucional e os óbices operacionais também são obstáculos à utilização de precedentes
administrativos no ordenamento jurídico brasileiro.
Dessa forma, somente a partir de uma compreensão profunda sobre o tema, é possível
estabelecer especificidades dos precedentes administrativos que não entrem de encontro com o
ordenamento jurídico, uma vez que a segurança jurídica, a igualdade e a eficiência são
princípios fundamentais para a estabilidade e coerência das decisões.
9

2 UNIFORMIZAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA E SEGURANÇA JURÍDICA

A historicidade da jurisdição demonstra visível evolução até os dias atuais. Mais


especificamente no Brasil, essa evolução concretizou-se paulatinamente com as modificações
legais realizadas no Código de Processo Civil de 1973, na Emenda Constitucional nº 45/2004
(entrada em vigor das súmulas vinculantes) e na regulamentação dos precedentes judiciais no
Código de Processo Civil de 2015.
Com a entrada em vigor desta novel legislação processual houve a intensificação das
discussões acerca do sistema precedentalista, igualmente sobre os efeitos decorrentes da
uniformização de jurisprudência para o ordenamento jurídico pátrio e na tradição do civil law
instituída no Brasil, em conformidade com o que será explanado a seguir.

2.1 O PRECEDENTE E SEU USO NO CONTEXTO DA TRADIÇÃO JURÍDICA DO


CIVIL LAW NO BRASIL

A priori cumpre delinear que conceituar o precedente é uma atividade complexa, há


dissonância sobre a forma que utilizam o termo “precedente judicial”, uma vez que, em alguns
casos é utilizado como sinônimo de “jurisprudência” e, em outros casos, como sinônimo de
decisão judicial vinculante para subsequentes casos idênticos1. Mesmo nos países que seguem
a tradição do sistema do common law, onde a ideia de precedente é originária, não há
uniformidade no conceito e extensão do instituto2. Assim, não há como transpor a definição de
precedente de um ordenamento jurídico para outro, pois o conceito decorre das características
peculiares de cada ordem jurídica3.
Nos países do common law, os precedentes são desenvolvidos na atividade cotidiana
dos magistrados, de maneira paulatina, e assumem esse status em razão das características da
decisão, que influencia o julgamento dos casos semelhantes posteriores4. Assim, a partir da
lógica indutiva, de situações concretas individuais são extraídas regras gerais que servirão de

1
KELSEN, Hans. Teoria pura do direito. Coimbra: Ed. Armênio Amado, 6ª ed., trad. de João Baptista Machado,
1999, p. 278.
2
BENDZIUS, Frederico. Precedentes no Novo Código de Processo Civil e sua repercussão no contencioso
tributário-fiscal da Procuradoria Geral do Estado de São Paulo. 2017. 93f. Dissertação (Mestrado) – Escola
de Direito de São Paulo da Fundação Getúlio Vargas, 2017. Disponível em:
<http://bibliotecadigital.fgv.br/dspace/handle/10438/18300 >. Acesso em: 19 set. 2017, p. 14.
3
Ibidem, p. 14.
4
ABBOUD, Georges. Precedente judicial versus jurisprudência dotada de efeito vinculante. In WAMBIER,
Teresa Arruda Alvim (coord.). Direito jurisprudencial. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2012, p. 493.
10

substrato para a resolução de casos futuros, sendo, portanto, um “instrumento técnico para a
constituição do próprio direito”5.
Essas regras se concretizaram com o princípio do stare decisis6, que permite a
compreensão da vinculação do precedente em mais de um sentido, porquanto há vinculação no
sentido vertical no que tange à hierarquia entre as Cortes, devendo o precedente de uma corte
superior ser necessariamente seguido pelas cortes inferiores e, no sentido horizontal, no tocante
à vinculação do tribunal às suas próprias decisões, denomina-se de autovinculação7.
Nesse sentido, para que a regra da vinculação dos precedentes seja efetiva, é necessário
que as decisões futuras sigam as rationes decidendi – motivos determinantes – das decisões
anteriores, de modo que a vinculação ocorre nos termos das premissas fundamentais que
levaram o órgão julgador do caso antecessor a chegar naquele resultado final8. Dessa maneira,
o caso sucessor não terá forçosamente o mesmo desfecho do caso anterior (precedente), já que
a solução se encontra na parte dispositiva do decisum e a decisão subsequente levará em
consideração unicamente os princípios e raciocínio para interpretação que nortearam o
precedente, a mesma ratio decidendi9.
Destaca-se, com isso, que no common law o juiz desempenha papel essencial no que
atine à delimitação do que é direito, tendo como elemento basilar o precedente judicial, o qual
é fonte de direito10. Dessa forma, para aplicação de um precedente em uma nova decisão, faz-
se mister que o juiz o analise em várias fases, sendo elas: a) seleção de um precedente que

5
ROSITO, Francisco. Teoria dos precedentes judiciais. Curitiba: Juruá Editora, 2012. p. 76-81.
6
Esclareça-se que a denominação completa da teoria do stare decisis é, na verdade, stare decisis e non quieta
movere, ou seja, estar vinculado ao que está decidido e não perturbar o que está estabelecido, o que está quieto.
7
A doutrina da stare decisis somente se consolidou no século XIX, como decorrência do julgamento do caso
London Tramways Co. versus London County Council na House of Lordes, momento em que esta Corte inglesa
definiu que suas decisões teriam efeito vinculante sobre os demais órgãos jurisdicionais a ela subordinados e a si
própria, partindo da premissa de que é mais sensato assegurar a certeza e a estabilidade do caso precedente, mesmo
que sujeito à injustiça em razão de uma decisão pregressa errada. ROSITO, Francisco. Teoria dos precedentes
judiciais. Curitiba: Juruá Editora, 2012. p. 83-85.
8
Em consonância com o exposto, nos países de common law “que utilizam o sistema precedentalista, a vinculação
às decisões anteriores não se dá pelo dispositivo da decisão, mas sim pela sua ratio decidendi, ou seja, pelas razões
que levaram o órgão julgador a adotar aquela determinada solução para o caso apresentado.” PRESGRAVE, Ana
Beatriz Ferreira Rebello. O novo código de processo civil e os precedentes. Revista Pesquisas Jurídicas, Natal,
v. 3, n. 2, p.10-13, jul./out. 2014. Disponível em:
<http://www.revistapesquisasjuridicas.com.br/ojs/index.php/RPJur/article/view/59>. Acesso em: 20 set. 2017, p.
11.
9
Ibidem, p. 11-12.
10
Nessa toada, MARINONI leciona que “a circunstância de o precedente ser admitido como fonte de direito está
muito longe de constituir um indício de que o juiz cria o direito a partir da sua própria vontade. Nesta perspectiva,
a força obrigatória do precedente ou a admissão do precedente como fonte de direito não significa que o judiciário
tem poder para criar o direito. [...] O que permite dizer que o juiz do common law cria o direito é a comparação do
seu papel com o do juiz da tradição do civil law, cuja função se limitava à mecânica aplicação da lei”. MARINONI,
Luiz Guilherme. Precedentes Obrigatórios. 3. ed. rev. atual. ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2013. p.
36-37.
11

guarde satisfatória similaridade com o atual caso objeto do julgamento e que, se existente, seja
originado de um tribunal superior; b) verificação se a proposição jurídica que se pretende
empregar no caso em análise é parte integrante da ratio decidendi da decisão anterior e se o
precedente tem relevância para a demanda atual; c) por fim, a utilização de técnicas que
permitem afastar o precedente11.
No que diz respeito à essa última fase, não obstante, em regra, o precedente deva ser
observado, compreende-se que é plausível rejeitar sua aplicação nos casos de não se verificar o
raciocínio delineado na decisão do caso anterior no novo caso, ocasião em que se invoca um
outro precedente que possua maior similaridade com o caso em julgamento (distinguishing) ou
se observa a necessidade de superação de um precedente (overruling)12.
De modo diverso, a tradição jurídica do civil law não desenvolveu uma cultura do
precedente judicial, tendo como principal fonte do direito a lei, enquanto a lógica judiciária é
dedutiva, uma vez que tem como ponto de partida a “regra geral (lei) e deduz-se uma regra
particular ao caso concreto”13. Sob influência do direito romano e dos preceitos advindos da
Revolução Francesa, na tradição do civil law o juiz é considerado um operador lógico do direito,
com mínima ou inexistente possibilidade de interpretação da lei; além de rígida separação entre
as funções dos poderes judiciário, legislativo e executivo14.
Essa percepção do magistrado como aplicador das determinações legais, dependente da
vontade do direito15, derivou-se da crença de que a supremacia legal era necessária para garantir
a segurança jurídica dos administrados, bem como a certeza e confiança nas leis e códigos. No
entanto, deve-se mencionar que há pontos de convergência entre os sistemas de common law e
civil law, posto que os conteúdos dos direitos mantêm sua similaridade, diferenciando-se
unicamente nos aspectos formais relacionados às fontes do direito, à metodologia, ao
procedimento e à estrutura16, ou seja, pela maneira de individualização dos direitos.
Diante da evolução histórica, o sistema civil law sofreu alterações, sobretudo com o
desenvolvimento do constitucionalismo e a consolidação da noção de supremacia
constitucional, permitindo a submissão da lei à Constituição, assim como, a ideia de norma

11
LUVIZOTTO, Juliana Cristina. Precedentes administrativos e a vinculação da atividade administrativa.
Curitiba: Juruá, 2017. p. 39.
12
Ibidem, p. 40.
13
ROSITO, Francisco. Teoria dos precedentes judiciais. Curitiba: Juruá Editora, 2012. p. 76.
14
MARINONI, Luiz Guilherme. Precedentes Obrigatórios. 3. ed. rev. atual. ampl. São Paulo: Revista dos
Tribunais, 2013. p. 57
15
Ibidem, p. 62.
16
BARREIROS, Lorena Miranda Santos. Estruturação de um sistema de precedentes no Brasil e concretização da
igualdade: desafios no contexto de uma sociedade multicultural. In: DIDIER JR, Fredie; CUNHA, Leonardo
Carneiro da; ATAÍDE JR, Jaldemiro Rodrigues; MACÊDO, Lucas Buril (Coords). Precedentes. Salvador:
JusPodivm, 2015. p. 186.
12

legislativa incompleta e o controle judicial de constitucionalidade, concedendo ao juiz a


capacidade criativa, na omissão legislativa, e o poder de complementar e negar os direitos
previstos pelo poder legislativo17.
Nesse diapasão, observa-se que se formou um contrassenso no sistema do civil law, uma
vez que a lei – passível de interpretação pelo julgador, sob o prisma da Constituição – não
possui a completude pregada pelo sistema e, por isso, não é capaz de absorver e solucionar
todas as demandas a ela impostas. Assim, havendo a necessidade de interpretação da lei pelo
magistrado, o ordenamento passou a ficar suscetível a existência de soluções divergentes para
casos similares, provocando insegurança jurídica ao jurisdicionado e retirando a credibilidade
do Poder Judiciário.
A partir disso, buscando a estabilidade do sistema jurídico e sua previsibilidade, surge
a necessidade de utilização do sistema precedentalista, no qual o precedente tem força
formalmente obrigatória e, se adequadamente utilizado, proporciona segurança jurídica ao
litigante. Por serem decisões proferidas por tribunais, os precedentes exigem uma compreensão
do texto normativo com base no caso concreto sob julgamento, além de ter suas razões e
critérios explicitados pelo juiz, o que justifica decisões subsequentes com base em um
precedente que trate sobre a mesma situação ou similar18.
Nesse contexto, no âmbito do Direito Administrativo, o atuar administrativo e o
conteúdo da legalidade da Administração também se estendeu para além do que circunscreve
as normas jurídicas19. A legalidade administrativa descontruiu a ideia de que representava
unicamente a reprodução literal dos dispositivos legais, devendo-se levar em consideração
também aquilo que a Administração Pública ou os tribunais entendem como sendo o que o

17
MARINONI, Luiz Guilherme. Precedentes Obrigatórios. 3. ed. rev. atual. ampl. São Paulo: Revista dos
Tribunais, 2013. p. 15. Nessa perspectiva, elucida MORETO que “é possível sustentar que, ao julgar, o juiz exerce
poder criador, já que o processo hermenêutico não é mecânico ou estático, tampouco exige subserviência ao texto
literal da lei. Esse poder fica ainda mais evidente nos casos em que a lei é omissa, quando o juiz, por força do
princípio da indeclinabilidade da jurisdição, deve se pautar na analogia, nos costumes e nos princípios gerais de
direito (mecanismos de integração do ordenamento jurídico) para dar sua resposta ao pedido do autor (art. 126,
CPC e 4º, da LINDB). Uma vez que, ao julgar o caso concreto, o magistrado leva em consideração não só os
limites traçados pela legislação, mas também a realidade social em que se enquadra no momento da ocorrência
dos fatos e do julgamento, exercendo, dessa forma, um certo poder criador”. MORETO, Mariana Capela Lombardi.
O precedente judicial no sistema processual brasileiro. 2012. 308f. Tese (Doutorado) – Curso de Direito,
Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, São Paulo, 2012. Disponível em: <
http://www.teses.usp.br/teses/disponiveis/2/2137/tde-15052013-162737/en.php>. Acesso em: 19 set. 2017, p. 32.
18
LUVIZOTTO, Juliana Cristina. Precedentes administrativos e a vinculação da atividade administrativa.
Curitiba: Juruá, 2017, p. 54.
19
SADDY, André. Administração pública e códigos de conduta. Revista de Direito Administrativo, Belo
Horizonte, n. 262, jan./abr. 2013. Disponível em:
<http://bibliotecadigital.fgv.br/ojs/index.php/rda/article/viewFile/8907/7820>. Acesso em: 12 nov. 2017.
13

legislador diz ou permite que digam ser o direito que vincula a atuação da Administração
Pública20.
Isso ocorre porque, tanto no cumprimento da função administrativa, em que a decisão
de ofício deve refletir a garantia e promoção do interesse público, como na função jurisdicional,
na qual o juiz declara o direito sob provocação, todo cidadão tem o direito ao tratamento
igualitário na aplicação do direito diante de situações semelhantes21, nos termos do disposto no
artigo 5º, caput, da Constituição Federal.
Assim, da mesma forma que no âmbito judicial, as decisões administrativas devem
manter significativa coerência, sendo inadmissível que sejam proferidas decisões diversas para
situações semelhantes22. Em razão disso, é necessário delimitar com cautela o que caracteriza
o precedente administrativo e como identifica-lo, conforme será delineado no tópico 3.2 deste
trabalho.
Sem embargo de parcela da doutrina tratar como sinônimos, não se deve confundir
precedente judicial e jurisprudência, sendo esta última constituída por várias decisões com o
mesmo posicionamento proferidas por órgãos judiciários, com o intuito de consolidar um
entendimento e interpretação uniforme para determinada questão judicial23.
No âmbito do ordenamento jurídico brasileiro, precedente judicial é a decisão com
aptidão de servir de paradigma para orientar os juízes e cidadãos com relação a um determinado
entendimento, em razão da sua autoridade e consistência24. A partir do uso reiterado do
precedente pelos julgadores, tem-se a uniformização jurisprudencial. Por conseguinte, não é
qualquer decisão anterior que transcenderá o caso concreto e servirá de paradigma para o caso
subsequente, é forçoso que possua relevante similaridade a ponto de se sobrepor aos limites do

20
LUVIZOTTO, Juliana Cristina. Precedentes administrativos e a vinculação da atividade administrativa.
Curitiba: Juruá, 2017, p. 66.
21
BARROS, Marco Antonio Loschiavo Leme de. Segurança jurídica extrajudicial e precedentes
administrativos: uma investigação sobre a aplicação de precedentes do CADE a partir da análise dos mapas de
citação. Dissertação (Mestrado em Direito), Escola de Direito de São Paulo da Fundação Getúlio Vargas, 2014, p.
37.
22
Ibidem, p. 37.
23
BUZAID, Alfredo. Uniformização de jurisprudência. Revista da AJURIS – Associação dos Juízes do Rio
Grande do Sul, n. 34, jul/1985, p. 190. Com efeito, ressalta MORETO que “o termo “jurisprudência” pressupõe
um mínimo de constância e de uniformização, que se forma a partir da existência de algumas decisões reiteradas
dos tribunais no mesmo sentido. Dessa forma, pode-se afirmar que um conjunto de precedentes judiciais no mesmo
sentido é denominado de jurisprudência, porquanto o precedente judicial não necessariamente expressa orientação
uniforme”. MORETO, Mariana Capela Lombardi. O precedente judicial no sistema processual brasileiro.
2012. 308f. Tese (Doutorado) – Curso de Direito, Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, São Paulo,
2012. Disponível em: <http://www.teses.usp.br/teses/disponiveis/2/2137/tde-15052013-162737/en.php>. Acesso
em: 19 set. 2017, p. 19.
24
ROSITO, Francisco. Teoria dos precedentes judiciais. Curitiba: Juruá Editora, 2012. p. 91.
14

caso concreto, não tratando somente de questões de direito e nem se adstringindo a fazer
referência à norma legal ou a outro precedente judicial25.
Logo, a partir da técnica do distinguishing, advinda do sistema do common law, é
possível demonstrar a existência de diferenças substanciais entre os fatos geradores de um
precedente e os do caso concreto objeto de julgamento. Assim, se diante de um caso concreto,
invoca-se um precedente para desconstruir uma tese arguida durante o processo, porém a
similaridade deste com o caso é apenas aparente, afastar-se-á a aplicação do precedente,
fundamentadamente, de acordo com suas especificidades (distinguishing). Porquanto, a
existência de fatos distintos proporciona um julgamento diverso daquele proposto pelo
precedente invocado.
Explica-se. Um precedente será aplicado em um caso subsequente mesmo que, entre
eles, não haja identidade absoluta, pois não é qualquer distinção que justifica a utilização do
distinguishing, tendo em vista que a exigência de total similitude entre os casos paralisaria a
operacionalização de um sistema de precedentes obrigatórios 26. Contudo, é premente que a ratio
decidendi (motivos determinantes ou fatos decisivos) que justificou a decisão no caso anterior
seja determinante e relevante para o caso sucessivo.
Por isso, o julgador demonstrará, somente após análise detalhada da ratio decidendi, se
o precedente é ou não aplicável ao caso posterior, sempre fundamentando satisfatoriamente a
decisão, para que a justificativa de afastamento do precedente seja adequada. Isso ocorre
primordialmente porque a aplicação desordenada e infundada de um precedente a um caso
subsequente, quando existirem distinções substanciais entre eles, desprestigia o sistema de
precedentes, promove injustiças e julgamentos contraditórios27.
Nessa perspectiva, o Novo Código de Processo Civil também estabeleceu meios que
permitem evolução do sistema de precedentes, consoante o artigo 489, §1º, inciso VI, o qual
dispõe que o juiz não pode deixar de seguir enunciado de súmula, jurisprudência ou precedente
sem demonstrar a existência de distinção no caso em julgamento ou a superação do
entendimento. Nos casos em que existir fundamento satisfatório para distinguir ou afastar a
utilização do entendimento já consolidado, a legislação pátria se espelhou, respectivamente, no
distinguishing e no overruling.

25
ZANETI JR., Hermes. O valor vinculante dos precedentes. Salvador: JusPodivm, 2015. p. 330.
26
FOGAÇA, Mateus Vargas; FOGAÇA, Marcos Vargas. Sistema de precedentes judiciais obrigatórios e a
flexibilidade do direito no novo código de processo civil. Revista Faculdade de Direito UFMG, Belo Horizonte,
n. 66, p.509-533, jul./dez. 2015. Disponível em:
<https://www.direito.ufmg.br/revista/index.php/revista/article/view/1726>. Acesso em: 20 set. 2017, p. 525.
27
RAMIRES, Maurício. Crítica à aplicação de precedentes no direito brasileiro. Porto Alegre: Livraria do
Advogado, 2010. p. 130.
15

Por conseguinte, nada obsta que o tribunal criador do precedente ou outro a ele superior
vá além da distinção dos casos e promova a superação de um precedente – técnica do
overruling28. A superação será exequível quando se constatar um desgaste da coerência do
precedente (não mais se adequa à realidade social ou houve modificação legislativa, por
exemplo) ou se verificar que os motivos determinantes que fundamentaram a formação do
precedente foram equivocados.
O overruling pode ser tanto expresso quanto implícito e, diferentemente do
distinguishing, aquele ocorrerá em relação às questões de direito e não de fato. Entretanto, a
possibilidade de revogação do precedente não pode ser compreendida como sinônimo de
liberdade, para que os magistrados o façam irrestritamente. O sistema de precedentes
obrigatórios demanda estabilidade e confiança, e assim o será se as cortes superiores, além de
respeitarem a hierarquia, garantirem a orientação através dos entendimentos estampados nos
precedentes e os submetam às regras para sua revogação somente se necessária29.
Nesse trilhar, a superação do precedente deverá ser encorajada sempre que dela decorrer
um posicionamento e interpretação mais justos da regra jurídica aplicável ao caso sob análise30,
permitindo a renovação dos preceitos jurídicos. Para tanto, o tribunal deve analisar todas as
implicações de uma mudança de posicionamento, priorizando a preservação da estabilidade do
sistema, sob pena de causar mais injustiças com a revogação do precedente do que com sua
manutenção31.
Veja-se, mormente após a vigência do Novo Código de Processo Civil, o precedente
assumiu um papel essencial no direito processual pátrio, com previsão expressa na Lei nº
13.105/2015 em diversos dispositivos que salientam o dever de fundamentação das decisões
judiciais erigindo especificamente, nos termos do artigo 489, §1º, incisos I a V, que as decisões
não podem se limitar a indicar ou transcrever o texto normativo, sem esclarecer qual a relação
com a questão decidida; que não se deve invocar conceitos jurídicos indeterminados, sem
justificar sua incidência naquele caso concreto; ou, não enfrentar todos os argumentos

28
FOGAÇA, Mateus Vargas; FOGAÇA, Marcos Vargas. Sistema de precedentes judiciais obrigatórios e a
flexibilidade do direito no novo código de processo civil. Revista Faculdade de Direito UFMG, Belo Horizonte,
n. 66, p.509-533, jul./dez. 2015. Disponível em:
<https://www.direito.ufmg.br/revista/index.php/revista/article/view/1726>. Acesso em: 20 set. 2017, p. 526.
29
OLIVEIRA, Pedro Miranda; ANDERLE, Rene José. O sistema de precedentes no CPC projetado: engessamento
do direito. Revista de Processo, n. 232, ano 39, jun/2014, p. 307-324. p. 320
30
FOGAÇA, Mateus Vargas; FOGAÇA, Marcos Vargas. Sistema de precedentes judiciais obrigatórios e a
flexibilidade do direito no novo código de processo civil. Revista Faculdade de Direito UFMG, Belo Horizonte,
n. 66, p.509-533, jul./dez. 2015. Disponível em:
<https://www.direito.ufmg.br/revista/index.php/revista/article/view/1726>. Acesso em: 20 set. 2017, p. 527.
31
MARINONI, Luiz Guilherme. Precedentes Obrigatórios. 3. ed. rev. atual. ampl. São Paulo: Revista dos
Tribunais, 2013. p. 321.
16

elencados no processo e se restringir a invocar precedente ou súmula, sem delinear os motivos


e fundamentos determinantes32.
Nessa direção, a legislação prevê sanções processuais para os casos de inobservância da
regulamentação, não se considerando fundamentada, por exemplo, decisão judicial que deixar
de seguir precedente, súmula ou jurisprudência invocada pela parte, sem que haja demonstrado
a existência de distinção ou superação do entendimento (art. 489, §1º, inciso VI).
Não obstante a previsão legal, a teoria do sistema de precedentes judiciais ainda deve
ser cuidadosamente analisada para que não haja aplicações equivocadas, sob pena de prejudicar
uma coletividade de jurisdicionados e desacreditar a atuação do poder judiciário com a eclosão
de decisões judiciais contraditórias ou lotéricas, nas quais, a depender do julgador, a solução
do caso terá um destino diferente. Porquanto, o que se objetiva com a adoção do sistema de
precedentes obrigatórios é proporcionar desfechos idênticos para casos idênticos e decisões
semelhantes para os casos subsequentes com o mesmo fundamento jurídico, poupando o
judiciário do aumento excessivo na quantidade de recursos e demandas33.
Dessarte, depreende-se que o precedente não deve ser visto como uma fórmula abstrata,
mas sim um caso que possui fundamentos e que não se limita a um enunciado genérico. Por
isso, o juiz deve sempre interpretar a lei e analisar a ratio decidendi com justiça e
imparcialidade, com o escopo de aprimorar a decisão. A obrigação de motivação das decisões
judiciais, nos termos do artigo 93, IX, CRFB/88, é exatamente para que se faça o controle de
legalidade, para que se mantenha a estabilidade e, consequentemente, segurança jurídica no
processo de utilização do sistema precedentalista.
Em vista disso, o Código de Processo Civil reforçou e propôs as ferramentas necessárias
para o estabelecimento do sistema de precedentes obrigatórios no direito processual brasileiro,
com o escopo finalístico de estabelecer a uniformização da jurisprudência. Todavia, é
necessária a compreensão do sistema precedentalista e de sua força normativa, para a correta

32
LUVIZOTTO, Juliana Cristina. Precedentes administrativos e a vinculação da atividade administrativa.
Curitiba: Juruá, 2017, p. 61-62. No mesmo sentido, FOGAÇA evidencia que “não terá mais espaço na prática
judiciária a figura da decisão genérica e desprovida de qualquer significado. O provimento jurisdicional somente
será adequado e válido quando lançado no contexto específico do processo a que ele se destina, em sintonia com
a moderna concepção do princípio do contraditório. Esse esforço argumentativo na fundamentação das decisões
judiciais proferidas em um sistema de precedentes, capaz de conferir legitimidade democrática à função
jurisdicional, foi tratado no art. 489, §1º, do NCPC”. FOGAÇA, Mateus Vargas; FOGAÇA, Marcos Vargas.
Sistema de precedentes judiciais obrigatórios e a flexibilidade do direito no novo código de processo civil. Revista
Faculdade de Direito UFMG, Belo Horizonte, n. 66, p.509-533, jul./dez. 2015. Disponível em:
<https://www.direito.ufmg.br/revista/index.php/revista/article/view/1726>. Acesso em: 20 set. 2017, p. 516.
33
DONIZETTI, Elpídio. A força do precedente no novo código de processo civil. Revista Direito UNIFACS,
Salvador, n. 175, p.01-30, jan. 2015. Disponível em:
<http://www.revistas.unifacs.br/index.php/redu/article/view/3446>. Acesso em: 19 set. 2017. p. 06.
17

aplicação das regras do Novo Código, além da conscientização de que o precedente tem o poder
de vincular o futuro34, de acordo com o que será ponderado no tópico seguinte.

2.2 FORÇA NORMATIVA DO PRECEDENTE E A UNIFORMIZAÇÃO DE


JURISPRUDÊNCIA NO ÂMBITO DO NOVO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL

Como já elucidado, o sistema de precedentes, no ordenamento jurídico pátrio, delimita


quais partes da decisão anterior terão o condão de servir de precedente vinculante para o
aplicador no caso subsequente. Dessa forma, nos termos da Lei nº 13.105/2015 35, na solução
do caso sucessivo deve se observar a ratio decidendi – as razões pelas quais o órgão julgador
chegou a determinada solução na decisão pregressa, o mesmo raciocínio e princípios
norteadores, ou seja, o motivo determinante, que se encontra na fundamentação da decisão e
não em sua parte dispositiva, uma vez que a concretização da decisão e sua parte dispositiva
importam aos litigantes do caso, mas somente a ratio decidendi terá a aptidão de vincular todos
os demais cidadãos36 e órgãos julgadores.
Com isso, afasta-se a compreensão prevalente na tradição do civil law de que a parte
dispositiva da decisão transitada em julgado é o que vincularia as decisões posteriores. E, é por
essa razão que o julgador deve exercer sua função com cautela, pois, na sistemática
precedentalista, o entendimento de que a solução para o caso adotada hoje que já trata de um
problema passado – delimitado pelas partes no processo –, será utilizada no futuro, para resolver
situações que ainda não ocorreram37, é uma das percepções mais importantes dessa teoria e dela
deriva a responsabilidade do magistrado, tendo em vista que ele passa a ser responsável pelos
precedentes que suas decisões virão a criar38.

34
SCHAUER, Frederick. Precedent. Stanford Law Review, 39 Stan. L.Rev. 571, February, 1987 apud
PRESGRAVE, Ana Beatriz Ferreira Rebello. O novo código de processo civil e os precedentes. Revista Pesquisas
Jurídicas, Natal, v. 3, n. 2, p.10-13, jul./out. 2014. Disponível em:
<http://www.revistapesquisasjuridicas.com.br/ojs/index.php/RPJur/article/view/59>. Acesso em: 20 set. 2017, p.
12.
35
A ratio decidendi é primordial para a formação do precedente e, por isso, assume lugar de destaque no sistema
de precedentes instituído pelo NCPC, consoante se observa nos artigos 926, §2º, 927, §2º e 489, §1º, inciso V, na
Lei nº 13.105/2015.
36
MARINONI, Luiz Guilherme. Precedentes Obrigatórios. 3. ed. rev. atual. ampl. São Paulo: Revista dos
Tribunais, 2013. p. 222.
37
PRESGRAVE, Ana Beatriz Ferreira Rebello. O novo código de processo civil e os precedentes. Revista
Pesquisas Jurídicas, Natal, v. 3, n. 2, p.10-13, jul./out. 2014. Disponível em:
<http://www.revistapesquisasjuridicas.com.br/ojs/index.php/RPJur/article/view/59>. Acesso em: 20 set. 2017, p.
12.
38
Ibidem, p. 12.
18

Ressalte-se, nesse ponto, que os argumentos acessórios da decisão (obter dictum) não
têm força vinculante e, em razão disso, não são determinantes para a solução do caso
subsequente, como também não o são os argumentos do voto vencido e os argumentos que não
foram referendados pela maioria do colegiado da corte superior39. Por isso, passa-se a exigir
mais do que simples reprodução ou transcrição do precedente para fundamentar a decisão, é
necessário o sopesamento da ratio decidendi e de sua compatibilidade com o caso sucessor,
para realizar ou afastar a aplicação do precedente invocado pelas partes.
Assim, a regra de observância obrigatória dos precedentes pressupõe duas facetas: a
atividade constitutiva – de quem cria a norma e elabora os precedentes – e a atividade
declaratória – àqueles que executam a norma e invocam os precedentes nas decisões 40. Nesse
aspecto, destaca-se o papel do Supremo Tribunal Federal e do Superior Tribunal de Justiça na
consecução da norma, e os juízos de 1º e 2º graus com o dever de respeitar os precedentes
elaborados por essas Cortes41.
Envolta nesse entendimento, a compreensão da definição do precedente depende da
observação da realidade judiciária das decisões dos tribunais e dos órgãos, para se constatar a
força gravitacional de uma decisão – e, com isso, propõe-se o poder de atração que determinada
decisão tem de influenciar e orientar julgados posteriores.
Essa ideia de força gravitacional será determinada a partir da teoria interpretativista do
precedente42, na qual a força do precedente, seja vinculante ou persuasiva, decorre das razões
elucidadas na decisão do caso concreto. Em outras palavras, é a partir da ratio decidendi que
um julgado se torna um precedente, pois, percebe-se, em conformidade com o que foi analisado
anteriormente, que nem toda decisão é em si um precedente a ser seguido, bem como nem todas
as razões expostas têm força vinculante ou persuasiva 43.
Com efeito, o Código de Processo Civil expressamente sistematiza as decisões que têm
força vinculante para juízes e tribunais, e exigem o respeito a norma dela extraída, na

39
DONIZETTI, Elpídio. A força do precedente no novo código de processo civil. Revista Direito UNIFACS,
Salvador, n. 175, p.01-30, jan. 2015. Disponível em:
<http://www.revistas.unifacs.br/index.php/redu/article/view/3446>. Acesso em: 19 set. 2017. p. 07.
40
Ibidem, p. 08.
41
Nesse sentido, DONIZETTE leciona que “ao juiz não se dá opção para escolher outro parâmetro de apreciação
do Direito. Somente lhe será lícito recorrer à lei ou ao arcabouço principiológico para valorar os fatos na ausência
de precedentes. Pode até utilizar de tais espécies normativas para construir a fundamentação do ato decisório, mas
jamais poderá renegar o precedente que contemple julgamento de caso idêntico ou similar”. Ibidem, p. 09.
42
Analisada sob o ponto de vista de DWORKIN e MACCORMICK. DWORKIN, Ronald. O império do direito.
Tradução de Jefferson Luiz Camargo. São Paulo: Martins Fontes, 2003. MACCORMICK, Neil. Retórica e o
Estado de Direito. Tradução Conrado Hubner Mendes. Rio de Janeiro: Elsevier, 2008.
43
BARROS, Marco Antonio Loschiavo Leme de. Processo, precedentes e as novas formas de justificação da
Administração Pública Brasileira. In Revista Digital de Direito Administrativo da Faculdade de Direito de
Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo, vol. 3, n. 1, 2016, p. 139.
19

conformidade do que expõe o artigo 927, são elas: decisões do Supremo Tribunal Federal em
controle concentrado de constitucionalidade; enunciados de súmula vinculante; acórdãos em
incidente de assunção de competência ou de resolução de demandas repetitivas e em julgamento
de recursos extraordinário e especial repetitivos; os enunciados das súmulas do Supremo
Tribunal Federal em matéria constitucional e do Superior Tribunal de Justiça em matéria
infraconstitucional; a orientação do plenário ou do órgão especial aos quais estiverem
vinculados44.
Essa obrigatoriedade é expoente da força normativa do precedente, tendo em vista que,
ontologicamente, no âmbito judicial, não há diferença entre a aplicação da lei ou do precedente,
com exceção de que este possui mais elementos de concretude que aquela. E, para viabilizar a
observância exigida, o §5º, do mesmo dispositivo legal, preceitua que os “tribunais darão
publicidade a seus precedentes, organizando-os por questão jurídica decidida e divulgando-os,
preferencialmente, na rede mundial de computadores”.
Todavia, com o fito de impedir o engessamento do direito e garantir sua constante
renovação seguindo a dinâmica das evoluções sociais e as alterações legislativas, em
consonância com o disposto no tópico anterior, o julgador pode adotar, fundamentando, a
técnica do distinguishing, para afastar a aplicação de um precedente, ou do overruling, para
revogação do precedente utilizando como critério a modificação da sociedade (economia,
política, moral, social e legislativa), segundo dispõe o artigo 489, §1º, inciso VI, do CPC.
Assim sendo, diante da vinculação que obriga os particulares e instituições, e,
consequentemente, do poder normativo, o precedente, que se origina da interpretação da lei e
princípios, constitui direitos e pode ser caracterizado como norma geral, sempre que em
conformidade com as determinações legais45. Essa característica de fonte do direito vinculante
não só para a jurisdição, como também para administração e indivíduos, deriva do texto
constitucional (art. 102, §2º e 103-A) a partir das decisões em controle concentrado de
constitucionalidade e das súmulas vinculantes. Compreende-se, portanto, que a “força

44
Deve-se ressaltar, no entanto, que a obrigatoriedade do precedente “ganhou corpo no Brasil no final do século
passado e início deste, com a alteração do art. 557 pela Lei Federal n. 9.756, de 17 de dezembro de 1988 e a
introdução da súmula vinculante pela Emenda Constitucional n. 45/2004 e demais alterações no Código de
Processo Civil de 1973”. OLIVEIRA, Weber Luiz de. Precedentes judiciais na Administração Pública: limites
e possibilidade de aplicação. 2016. 231f. Dissertação (Mestrado) – Universidade Federal de Santa Catarina,
Florianópolis, 2016. Disponível em: <https://repositorio.ufsc.br/handle/123456789/168081>. Acesso em: 19 set.
2017, p. 59.
45
Nessa perspectiva, MARINONI explana que precedente vinculante, detentor de normatividade, dado que
interpreta as leis, princípios e valores, delimita a atuação das pessoas e instituições, ou seja, pode ser caracterizado
como fonte do direito. MARINONI, Luiz Guilherme. Precedentes Obrigatórios. 3. ed. rev. atual. ampl. São
Paulo: Revista dos Tribunais, 2013. p. 36.
20

vinculante erga omnes, supra referida, acentua o caráter de fonte de direito dos precedentes
judiciais do STF”46.
Para além disso, os outros precedentes dispostos no artigo 927, da Lei nº 13.105/2015,
aplicam-se somente à jurisdição e, por isso, não podem ser considerados fontes do direito. A
aplicabilidade de precedentes pela Administração Pública, por conseguinte, dependeria de
obrigatoriedade legal, extraída da Constituição Federal, como é o caso das súmulas vinculantes
e das decisões em controle concentrado de constitucionalidade, que transcendem o âmbito da
jurisdição e passam a vincular as relações particulares e públicas na sociedade 47.
No entanto, essa delimitação jurisdicional dos precedentes deve ser bem analisada,
levando-se em consideração a sua transcendência e aplicabilidade, com base na importância das
Cortes Supremas e nos precedentes estabelecidos através dos mecanismos de uniformização 48.
Porquanto, os precedentes também são vistos, pelos tribunais, como técnica de julgamento na
busca da uniformização da jurisprudência, nos termos do artigo 927, do Código de Processo
Civil, que exige a obrigatoriedade da técnica – observância dos precedentes – nas decisões
judiciais49.
Compreende-se, com isso, que o conceito de precedente no Brasil tem adquirido
características singulares decorrentes da mistura de “técnicas de aplicação e a operacionalidade
precedentes e jurisprudência, que se compõe de disciplinamento constitucional e de legislação
processual”50, em contraponto à tradição da common law, na qual o precedente reflete uma
evolução cultural e histórica.
O protagonismo da atividade judiciária no país e, intrinsecamente a atividade
interpretativa, demonstra a importância da invocação do precedente no sistema do civil law,
pois é a partir dele que o julgador passa a dar concretude à lei e à Constituição. Tendo em vista
que o precedente permite um encadeamento lógico e fundamentado no âmbito interno e externo
à decisão (em relação às decisões já proferidas sobre o assunto), com o intuito de proporcionar
igualdade na aplicação da lei e coerência ao sistema jurídico51.

46
CRUZ E TUCCI, José Rogério. Parâmetros de eficácia e critérios de interpretação do precedente judicial,
In: Direito jurisprudencial, coord. Teresa Arruada Alvim Wambier, São Paulo: Revista dos Tribunais, 2012, p. 97-
131. p. 122.
47
OLIVEIRA, Weber Luiz de. Precedentes judiciais na Administração Pública: limites e possibilidade de
aplicação. 2016. 231f. Dissertação (Mestrado) – Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis, 2016.
Disponível em: <https://repositorio.ufsc.br/handle/123456789/168081>. Acesso em: 19 set. 2017, p. 56.
48
Ibidem, p. 62.
49
Ibidem, p. 63.
50
Ibidem, p. 62.
51
LUVIZOTTO, Juliana Cristina. Precedentes administrativos e a vinculação da atividade administrativa.
Curitiba: Juruá, 2017, p. 54.
21

Logo, como já explanado, o propósito no uso do precedente está diretamente


relacionado a um sistema jurídico imparcial, no qual as situações idênticas recebem a mesma
justiça, independentemente das partes do caso e de quem julgará o litígio, evitando
arbitrariedades. Com base nisso, a formação da jurisprudência e sua uniformização são
primordiais para evitar desvios no padrão decisório jurisdicional e ratificar a viabilidade de uma
interpretação, uma vez que os precedentes são indicativo de que a resposta estatal está coerente
com o ordenamento jurídico em sua completude, superando entendimentos antagônicos52.
Nesse sentido, o Código de Processo Civil emana o comando aos tribunais de
“uniformizar sua jurisprudência e mantê-la estável, íntegra e coerente” (art. 926), sendo esses
deveres decorrentes de comandos constitucionais derivados do dever de motivação, do
princípio do contraditório, da igualdade e segurança jurídica53.
Deve-se, assim, esclarecer que a coerência e a integridade são pressupostos
determinantes para a universalização da jurisprudência54, sendo a coerência compreendida
como o dever da não-contradição, bem como o de justificação nos casos de mudança de
entendimento em relação a atuação anterior, com o escopo de assegurar a igualdade perante os
casos semelhantes que são submetidos a julgamento.
Já o cumprimento do dever de integridade reflete a necessidade de que os juízes
construam argumentos jurídicos de forma integrada ao conjunto do direito 55, assim como
propõe a assunção de diversas regras pelos tribunais, algumas delas: decidir em conformidade
com o ordenamento jurídico, respeitando a Constituição Federal como fundamento de todas as
normas jurídicas; e, enfrentar, na formação dos precedentes, todos os argumentos e teses
contrárias e favoráveis à consolidação do entendimento jurídico56.

52
LUVIZOTTO, Juliana Cristina. Precedentes administrativos e a vinculação da atividade administrativa.
Curitiba: Juruá, 2017, p. 63. Nesse sentido, LUVIZOTTO esclarece que “a adoção e seguimento dos precedentes
por parte dos órgãos de decisão liga-se à noção de um Estado que se pretende não arbitrário, coerente e que trata
de modo igualitário os cidadãos que a eles estão submetidos, enfim, liga-se à noção de um Estado de Direito”.
Ibidem, p. 63.
53
SOUZA JÚNIOR, Fredie Didier. Sistema brasileiro de precedentes judiciais obrigatórios e os deveres
institucionais dos tribunais: uniformidade, estabilidade, integridade e coerência da jurisprudência. Revista da
Faculdade Mineira de Direito, Belo Horizonte, v. 18, n. 36, p.114-132, 2015. Disponível em:
<http://periodicos.pucminas.br/index.php/Direito/article/view/P.2318-7999.2015v18n36p114>. Acesso em: 20
set. 2017, p. 116.
54
Já que é da essência do sistema de precedentes que eles sejam universalizáveis. Ibidem, p. 122.
55
LUVIZOTTO, Juliana Cristina. Precedentes administrativos e a vinculação da atividade administrativa.
Curitiba: Juruá, 2017, p. 62.
56
SOUZA JÚNIOR, Fredie Didier. Sistema brasileiro de precedentes judiciais obrigatórios e os deveres
institucionais dos tribunais: uniformidade, estabilidade, integridade e coerência da jurisprudência. Revista da
Faculdade Mineira de Direito, Belo Horizonte, v. 18, n. 36, p.114-132, 2015. Disponível em:
<http://periodicos.pucminas.br/index.php/Direito/article/view/P.2318-7999.2015v18n36p114>. Acesso em: 20
set. 2017, p. 128-129.
22

Outrossim, como premissa e como reflexo, a aplicação do precedente garante um


tratamento igualitário a todos, configurando a igualdade material, em consonância com o que
dispõe o artigo 5º, inciso II, da Constituição Federal, de sorte que o princípio da igualdade se
concretiza tanto no momento da criação da norma – direcionando o legislador para um
tratamento diferenciado entre as pessoas –, quanto no momento da aplicação – limitando a
atuação do julgador ou da Administração no reconhecimento de direitos, imposição de deveres
ou, de uma forma geral, soluciona situações de incerteza relevantes juridicamente57.
De certa forma, a compreensão da igualdade na aplicação da lei leva necessariamente à
comparação entre o caso anterior e o que está sob julgamento, contrapondo elementos, direitos,
obrigações e pessoas. O princípio da igualdade, com isso, impõe ao juiz do caso subsequente
que leve em consideração os motivos determinantes do precedente sempre que, diante da
comparação entre eles, se verificar a semelhança.
Perceba-se, ainda, que essa observância da vinculação dos precedentes também tem
como objetivo, além da materialização do princípio da igualdade, a concreção da coerência
jurídica, da previsibilidade e da estabilidade das relações58, convergindo em caminhos que
buscam que a jurisprudência se uniformize, postulados que estão propositadamente elencados
na Exposição de Motivos do Novo Código de Processo Civil 59.
Ora, a tradição da civil law sobreleva a segurança jurídica conferida pelo ordenamento
previamente estabelecido60, ou seja, derivada da observância pura e simples da lei. Impõe-se
com o princípio da segurança jurídica, portanto, um agir estatal no sentido de manter a
perspectiva de certeza das normas jurídicas – com o estabelecimento de critérios de vigência,

57
LUVIZOTTO, Juliana Cristina. Precedentes administrativos e a vinculação da atividade administrativa.
Curitiba: Juruá, 2017, p. 64.
58
OLIVEIRA, Weber Luiz de. Precedentes judiciais na Administração Pública: limites e possibilidade de
aplicação. 2016. 231f. Dissertação (Mestrado) – Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis, 2016.
Disponível em: <https://repositorio.ufsc.br/handle/123456789/168081>. Acesso em: 19 set. 2017, p. 63.
59
“Por outro lado, haver, indefinidamente, posicionamentos diferentes e incompatíveis, nos Tribunais, a respeito
da mesma norma jurídica, leva a que jurisdicionados que estejam em situações idênticas, tenham de submeter-se
a regras de conduta diferentes, ditadas por decisões judiciais emanadas de tribunais diversos. Esse fenômeno
fragmenta o sistema, gera intranquilidade e, por vezes, verdadeira perplexidade na sociedade. Prestigiou-se,
seguindo-se direção já abertamente seguida pelo ordenamento jurídico brasileiro, expressado na criação da Súmula
Vinculante do Supremo Tribunal Federal (STF) e do regime de julgamento conjunto de recursos especiais e
extraordinários repetitivos (que foi mantido e aperfeiçoado) tendência a criar estímulos para que a jurisprudência
se uniformize, à luz do que venham a decidir tribunais superiores e até de segundo grau, e se estabilize. Essa é a
função e a razão de ser dos tribunais superiores: proferir decisões que moldem o ordenamento jurídico,
objetivamente considerado. A função paradigmática que devem desempenhar é inerente ao sistema”. Exposição
de Motivos Código de Processo Civil 2015.
60
DONIZETTI, Elpídio. A força do precedente no novo código de processo civil. Revista Direito UNIFACS,
Salvador, n. 175, p.01-30, jan. 2015. Disponível em:
<http://www.revistas.unifacs.br/index.php/redu/article/view/3446>. Acesso em: 19 set. 2017. p. 04.
23

eficácia temporal e conteúdo das normas61 –, no intuito de promover a estabilidade,


continuidade do ordenamento jurídico e assegurar a previsibilidade da atuação jurisdicional 62.
A vinculação do juiz à lei, no entanto, não impediu que esta fosse interpretada de vários modos,
inclusive a partir de convicções do próprio julgador63.
A noção de segurança jurídica no sistema de precedentes, por sua vez, também tem
como elementos integrantes a previsibilidade e a estabilidade. De modo que se presume um
funcionamento interligado do sistema de decisões, já que não há somente um órgão julgador,
devendo os responsáveis pela interpretação e invocação dos precedentes – no âmbito judicial e
extrajudicial – observarem cautelosamente a produção das decisões, com a prevalência da
impessoalidade. Aquela faz referência à certeza dos jurisdicionados quanto aos efeitos das
decisões e garante a confiança dos cidadãos, ou seja, previne a mudança abrupta de
entendimento, com a clareza e detalhamento (da argumentação jurídica) das decisões que
orientarão a conduta dos jurisdicionados, para prévio conhecimento de seus direitos e deveres64,
assegurando a modulação dos efeitos, na hipótese de alteração da jurisprudência, em
conformidade com o que dispõe o artigo 927, §§ 3º e 4º, do CPC.
Destarte, depreende-se que o dever de uniformizar impele que o tribunal atue
desconstituindo divergências internas, entre órgãos fracionários, sobre a mesma questão
jurídica. Assim como, impõe o dever de sintetizar a jurisprudência dominante em súmulas, na
forma estabelecida pelo regimento interno (art. 926, §1º, CPC), que derivará unicamente do
correto exercício de fidelização do tribunal à sua base fática dando concretude ao direito judicial
que se constrói. É a produção de uma norma geral, a partir da solução de casos concretos.
Sendo assim, ao precedente cabe adaptar o preceito legal à realidade social e às
transformações da vida cotidiana, com elementos de reelaboração constante do sistema jurídico,
sem que, dessa forma, desestabilize ou retire a credibilidade do Poder Judiciário, na medida que
a consequente formação da jurisprudência e sua uniformização proporciona o tratamento

61
“A utilização dos precedentes cumpre, sem dúvida, uma exigência de determinabilidade das normas jurídicas,
conferindo-lhes densidade e clareza normativa. O conhecimento dos precedentes exige da autoridade o
conhecimento de uma cadeia de argumentos que justificam detalhadamente como resolver o caso”. BARROS,
Marco Antonio Loschiavo Leme de. Segurança jurídica extrajudicial e precedentes administrativos: uma
investigação sobre a aplicação de precedentes do CADE a partir da análise dos mapas de citação. Dissertação
(Mestrado em Direito), Escola de Direito de São Paulo da Fundação Getúlio Vargas, 2014. p. 57.
62
Ibidem, p. 24.
63
DONIZETTI, Elpídio. A força do precedente no novo código de processo civil. Revista Direito UNIFACS,
Salvador, n. 175, p.01-30, jan. 2015. Disponível em:
<http://www.revistas.unifacs.br/index.php/redu/article/view/3446>. Acesso em: 19 set. 2017. p. 06.
64
BARROS, Marco Antonio Loschiavo Leme de. Segurança jurídica extrajudicial e precedentes
administrativos: uma investigação sobre a aplicação de precedentes do CADE a partir da análise dos mapas de
citação. Dissertação (Mestrado em Direito), Escola de Direito de São Paulo da Fundação Getúlio Vargas, 2014. p.
26.
24

isonômico entre os jurisdicionados e a manutenção da segurança jurídica (característica tão


almejada pela tradição do civil law, que também é objetivo do sistema precedentalista),
concretizando a estabilidade e previsibilidade das decisões com a delimitação do alcance do
texto legal. Como consequência, e não como propósito finalístico, a uniformização
jurisprudencial permite reduzir a carga de recursos e acelerar a prestação jurisdicional.
Sem embargo do exposto, a atividade interpretativa dos textos legais não se restringe
aos tribunais judiciais. No domínio da Administração Pública, a outra dimensão da segurança
jurídica, a segurança jurídica extrajudicial também reivindica a observância da previsibilidade
de resultados65, tendo em vista que permitir a existência de um ordenamento no qual não haja
a preocupação com a presciência da sociedade sobre as decisões que estão por vir, é atestar o
fracasso do ordenamento jurídico pátrio66.
Com isso, delineia-se que a segurança jurídica também deve ser observada na atividade
administrativa, como garantia de certeza e previsibilidade na atuação da Administração Pública,
bem como garantia de que os administrados não sofrerão abusos decorrentes de atos arbitrários
ou incompatíveis com as disposições legais. Nesse sentido, a Lei de Processo Administrativo
Federal (Lei Federal nº 9.784/1999) ratifica a geração de segurança jurídica nas atividades
administrativas quando¸ verbi gratia, determina que os atos administrativos deverão ser
motivados, com indicação dos fatos e dos fundamentos jurídicos sempre que deixem de aplicar
jurisprudência administrativa firmada sobre a questão (artigo 50, inciso VII).
Veja-se, a propósito, que a Administração Pública também está sob o manto do sistema
de precedentes, entretanto ainda é carente a estruturação para sua adequada utilização em prol
dos administrados, sendo indispensável nessa atuação a segurança jurídica, sobretudo em razão
do desempenho da função judicante pela Administração.
Decerto, o sistema precedentalista no Brasil não restringe sua vinculação ao Poder
Judiciário, sendo nítidos os benefícios para sua invocação na esfera administrativa67, conforme
será demonstrado no decorrer deste trabalho.

65
BARROS, Marco Antonio Loschiavo Leme de. Segurança jurídica extrajudicial e precedentes
administrativos: uma investigação sobre a aplicação de precedentes do CADE a partir da análise dos mapas de
citação. Dissertação (Mestrado em Direito), Escola de Direito de São Paulo da Fundação Getúlio Vargas, 2014, p.
33.
66
Ibidem, p. 34.
67
BARROS, Marco Antonio Loschiavo Leme de. Processo, precedentes e as novas formas de justificação da
Administração Pública Brasileira. In Revista Digital de Direito Administrativo da Faculdade de Direito de
Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo, vol. 3, n. 1, 2016, p. 133-149.
25

3 O PRECEDENTE NA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA E A UNIFORMIZAÇÃO DOS


JULGADOS NO ÂMBITO DO PROCESSO ADMINISTRATIVO

Desde a edição da Lei Federal nº 9.784/1999 que se concretizou harmoniosamente a


normativa que pode ser denominada de lei de processo administrativo, sendo este a relação
jurídica que vincula duas ou mais pessoas em razão de ônus, direitos ou deveres processuais,
com o intento de efetivar direitos por meio de um ato administrativo. Dentro do sistema do
Direito Processual, o processo administrativo é microssistema normativo autônomo, porquanto
possui regras e princípios específicos que os diferenciam dos demais microssistemas.
Sem embargo das especificidades de cada microssistema processual, deve-se mencionar
que as características peculiares do processo administrativo não o afastam do processo civil,
por exemplo. A atividade administrativa contemporânea é construída por meio de um processo
administrativo prévio que favorece para uma maior legitimidade, controle e eficiência das
decisões estatais. Por essas razões, as repercussões do Novo Código de Processo Civil sobre os
contenciosos administrativos atingem a própria forma de administrar de cada ente federativo
do país.
Depreende-se disso o processo administrativo estar suscetível a aplicação subsidiária,
supletiva e a interpretação extensiva de normas processuais codificadas, além da Lei Federal nº
9.784/1999, mormente o Novo Código de Processo Civil, em conformidade com o que será
analisado.

3.1 O PROCESSO ADMINISTRATIVO SOB O INFLUXO DO NOVO CÓDIGO DE


PROCESSO CIVIL

A Constituição Federal de 1988 inovou ao dispor no artigo 5º, inciso LV, no Título II
(Dos Direitos e Garantias Fundamentais): “aos litigantes, seja em processo judicial ou
administrativo, são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela
inerentes”. Uma vez que, os textos constitucionais anteriores introduziram o processo
administrativo unicamente no contexto do regime processual disciplinar da perda de cargo dos
servidores públicos, inclusive previsto na Constituição de 1988, nos termos do que dispõe o
artigo 41.
Sob o prisma da incidência das duas disposições, apreende-se que o artigo 41 possui
uma abrangência mais restrita quando comparado ao artigo 5º, inciso LV, tendo em vista que
neste último o constituinte assegura o direito ao processo administrativo com contraditório e
26

ampla defesa com todos os recursos e meios a ela inerentes para todos os administrados,
situando o processo administrativo no patamar de garantia constitucional68; já aquele garante
singularmente ao servidor público diante da perda do cargo o direito ao processo administrativo
com ampla defesa.
Partindo desse ponto de vista, as garantias constitucionais devem ser analisadas com
base na sua dupla funcionalidade, ou seja, na sua função subjetiva de garantia a partir da tutela
de direitos dos administrados; e, de sua atuação objetiva na garantia da legalidade, com o intento
de prevenir violações do direito em vigência69.
Dessa forma, o processo administrativo, como materialização de garantia constitucional,
permite a regulação do exercício da competência pela administração, além de funcionar como
instrumento para resguardar os direitos dos indivíduos diante do exercício da competência
administrativa70.
Outrossim, ao dispor sobre garantias e direitos fundamentais, cláusulas pétreas
balizadoras do ordenamento jurídico, a Constituição Federal preceitua, no artigo 5º, incisos
XXXV que a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça de direito.
Consagrou-se, assim, o princípio da inafastabilidade da jurisdição, que analisado sob a ótica
dos contenciosos administrativos, permite a compreensão de que o processo administrativo,
embora valoroso, é opcional e facultativo, pois, preferindo, pode-se buscar diretamente o Poder
Judiciário71. Isso ocorre em razão do sistema de jurisdição una adotado pelo ordenamento
jurídico pátrio, no qual a decisão definitiva, que transita em julgado, é aquela emanada pelo
Poder Judiciário.
Nesse panorama, a noção de processualidade ampla se desenvolveu encontrando
oposição direta no posicionamento limitado de que a expressão “processo” 72 está diretamente

68
Nessa perspectiva, mediante a análise dessa previsão constitucional, MEDAUAR argumenta no sentido da
elevação constitucional do processo administrativo ao status de garantia constitucional, com o escopo de “tutelar
direitos, porque representa meio para que sejam preservados, reconhecidos ou cumpridos direitos dos indivíduos
na atuação administrativa”. MEDAUAR, Odete. A processualidade no direito administrativo. São Paulo:
Revista dos Tribunais, 1993. p. 76-77.
69
BACELLAR FILHO, ROMEU FELIPE. Processo administrativo disciplinar. São Paulo: Saraiva, 2012. p. 61.
70
Com efeito, leciona BACELLAR FILHO, ao destacar a importância do processo administrativo no que tange à
relação entre administração e cidadãos, que as “técnicas processuais tutelam competências para aquela e direitos
e liberdades para estes”. BACELLAR FILHO, ROMEU FELIPE. Processo administrativo disciplinar. São
Paulo: Saraiva, 2012. p. 62.
71
SENA, Roberto Miglio. A importância do precedente administrativo na resolução de conflitos pelo fisco.
Revista Faculdade de Direito UFMG, Belo Horizonte, n. 68, p. 657-684, 2016. Disponível em:
<https://www.direito.ufmg.br/revista/index.php/revista/article/view/1769>. Acesso em: 19 out. 2017, p. 668.
72
Cumpre destacar que a origem do “termo processo é de origem relativamente recente, sendo que substitui a
expressão juízo (do latim iudicium), porque esta última expressão não abrange a totalidade do fenômeno que
pretende exprimir. Com efeito, juízo abarca apenas as operações intelectuais cognoscitivas, ou seja, o julgamento,
olvidando as operações volitivas: comando pelo qual se impõe o cumprimento do Direito”. MESQUITA, Rogério
27

relacionada com à função jurisdicional. Com isso, iniciou-se a sistemática de aceitação de que
o processo vai além da jurisdição e representa um instrumento constitucionalmente previsto de
atuação dos poderes estatais (executivo, legislativo e judiciário), tendo como resultado um
“núcleo constitucional comum de processualidade ao lado do diferenciado” 73.
Processo em sentido amplo, portanto, se concretiza sempre que a elaboração de um
efeito jurídico depende de uma sucessão coordenada de atos para determinado fim, o qual pode
ser a emissão de um ato legislativo ou administrativo, por exemplo, já que não se reduz ao
processo judicial. Em outras palavras, o procedimento administrativo é uma das espécies do
gênero do qual também fazem parte os procedimentos legislativo e judicial74.
No entanto, a Constituição Federal, quando de sua promulgação não visa findar toda a
análise do processo administrativo, mas propor o disciplinamento mínimo de legalidade, sendo
relevante o potencial de regulamentação. Tendo em vista que o processo administrativo não se
restringe ao que está legalmente disposto, mas também o que não está, por força de imposição
constitucional.
Contudo, a racionalização do processo administrativo se deu somente com a Emenda
Constitucional 19/1998 sob os imperativos do princípio da eficiência e da boa administração
nos órgãos decisórios. E, corroborando com o entendimento explanado, foi com a promulgação
da Lei Federal nº 9.784/1999 que se estabeleceram as normas básicas sobre o processo
administrativo e novos limites para a atuação da Administração Pública, especialmente no
âmbito decisório.
Importante salientar que, nesse aspecto, o legislador não é livre na configuração do
disciplinamento legal sobre o tema. Sendo assim, os dispositivos legais devem respeitar e
concretizar os princípios constitucionais, além de ser sinônimo da forma institucional de
resolução de conflitos75.

Garcia. A processualidade do direito administrativo contemporâneo. Revista PGE, Porto Alegre, v. 33, n. 69,
p.203-230, 2012. p. 210-211.
73
Artigo Processualidade direito Adm Mesquita, p. 212. Ademais, o autor destaca que “invariavelmente questiona-
se a expressão jurisdicionalização do processo administrativo, eis que parte do pressuposto de que processo é
inerente à atividade jurisdicional, mas cabe salientar que a processualidade ampla abarca as três funções estatais”.
Ibidem, p. 215. No mesmo seguimento, DINAMARCO leciona que “processo é todo procedimento realizado em
contraditório e isso tem o mérito de permitir que se rompa com o preconceituoso vício metodológico consistente
em confiná-lo nos quadrantes do ‘instrumento da jurisdição’; a abertura do conceito de processo para os campos
da jurisdição voluntária e da própria administração ou mesmo para fora da área estatal constitui fator de
enriquecimento da ciência ao permitir a visão teleológica dos seus institutos além dos horizontes acanhados que
as tradicionais posturas introspectivas impunham”. DINAMARCO, Cândido Rangel. A instrumentalidade do
processo. São Paulo: Malheiros, 1993.
74
MESQUITA, Rogério Garcia. A processualidade do direito administrativo contemporâneo. Revista PGE, Porto
Alegre, v. 33, n. 69, p.203-230, 2012. p. 214-215.
75
BACELLAR FILHO, ROMEU FELIPE. Processo administrativo disciplinar. São Paulo: Saraiva, 2012. p. 63.
28

Deve-se ressaltar que os balizamentos da Lei Federal foram diretamente influenciados


pelo Supremo Tribunal Federal, uma vez que, em momento anterior à edição da lei, esta Corte
já havia firmado entendimento no sentido de ser premente a existência e instauração de prévio
processo administrativo76, fato que repercute a relevância dedicada à jurisprudência desde a
época da elaboração da citada Lei.
Diante desse panorama de mudanças, com a propagação dos centros autônomos de
decisão administrativa e a criação das agências reguladoras, a concretização das normas de
processo administrativo passou a suprir lacunas que deslegitimavam a atuação administrativa –
vista, naquela época, como uma atuação pessoalizada e ineficiente77.
Até porque, ao contrário do que ocorria no auge do Estado Liberal, quando era mínima
a ingerência do Estado na sociedade, a realidade social e econômica passou a ser regida com
forte interferência estatal, de forma que o novo papel do Estado demandou a expansão de suas
intervenções na esfera de liberdade e propriedade dos administrados 78.
Com essa ampliação da atividade estatal, originou-se a necessidade de um maior
controle nos aspectos procedimentais para garantir a fiscalização dos atos administrativos, por
isso a processualidade representa a alteração no enfoque do direito administrativo saindo da
primazia da autoridade para o consenso79. Assim, era inevitável que novas disposições
normativas fossem postas em prática, para aprimorar e instrumentalizar novos institutos, como
ocorreu com os processos decisórios dos contenciosos administrativos80.
Tendo como ponto de partida o pressuposto de que processo, em sentido amplo, deve
ser compreendido como uma série de atos coordenados para a concretização de um fim estatal,
pode-se, assim, fazer a primeira distinção: o processo legislativo é o responsável pela
elaboração das leis e, noutra banda estão os processos judicial e administrativo responsáveis

76
BARROS, Marco Antonio Loschiavo Leme de. Processo, precedentes e as novas formas de justificação da
Administração Pública Brasileira. In Revista Digital de Direito Administrativo da Faculdade de Direito de
Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo, vol. 3, n. 1, 2016, p. 137.
77
Ibidem, p.136. Nessa mesma perspectiva, BAPTISTA ressalta que o déficit de legitimação da atuação
administrativa era consequência do fracasso do modelo liberal, que tinha como único fundamento o cumprimento
literal da letra da lei. Isso dificultava, pois o cerne da questão era também a insuficiência do conteúdo da lei, para
alcançar os resultados almejados, além do risco de beneficiamento de grupos em detrimento das verdadeiras
demandas sociais. BAPTISTA, Patrícia. Transformações do direito administrativo. Rio de Janeiro: Renovar,
2003. p. 179.
78
MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. São Paulo: Malheiros, 2014. p. 502.
79
BARRETO, Carolina Pereira. O princípio do contraditório e da ampla defesa no processo administrativo
disciplinar. 2013. 140f. Dissertação (Mestrado) – Universidade Federal de Sergipe, 2013. Disponível em:
<https://ri.ufs.br/bitstream/riufs/4357/1/CAROLINA_PEREIRA_BARRETO.pdf>. Acesso em: 17 nov. 2017. p.
24.
80
Em outras palavras, a essencialidade do procedimento administrativo “decorre do fato de ser um meio apto a
controlar o ‘iter’ de formação das decisões estatais, o que passou a ser um recurso extremamente necessário a partir
da multiplicação e do aprofundamento das ingerências do Poder Público sobre a Sociedade”. MELLO, Celso
Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. São Paulo: Malheiros, 2014. p. 502.
29

pela aplicação das disposições legais. É inatacável a afirmação de que existem inúmeras
diferenças entre os processos administrativo e judicial, mas ambos fazem parte de um gênero
sob a designação de processo. Porém, cada um dos processos estatais possui suas peculiaridades
e está sujeito a princípios específicos que são adequados à função que exercem.
No que diz respeito aos processos incumbidos da aplicação da lei, cumpre destacar, em
apertada síntese, as suas particularidades. O processo administrativo pode ter início de ofício
pela própria Administração ou ser instaurado mediante provocação do administrado
interessado, iniciando-se uma relação bilateral em que a Administração decide, sendo parte que
atua em interesse próprio sob o manto das imposições legais, sobre as pretensões elencadas pelo
particular.
No âmbito administrativo, a possibilidade de instaurar e impulsionar o processo por
iniciativa estatal decorre do princípio da oficialidade 81. Assim, essa executoriedade do Estado
é plausível mesmo sem expressa determinação legal, haja vista ser responsabilidade da
Administração a consecução do interesse público, no cumprimento da lei, independente da
iniciativa do particular. Ou seja, a Administração sempre atua em interesse próprio,
independentemente de ter sido provocada ou não pelo administrado82.
E, é dessa posição de parte interessada da Administração que decorre a gratuidade83 do
processo administrativo já que, nesse caso, o Estado atua, mesmo quando provocado, na busca
de efetivar fins que lhe são específicos. Partindo da premissa de que ninguém pode ser juiz da
própria causa, as decisões administrativas também não possuem força de coisa julgada; em
contraponto com o que ocorre no processo judicial, pois sua onerosidade decorre da
movimentação da máquina estatal, com o escopo de atender interesses particulares das partes
de forma imparcial, por isso há a aplicação do princípio da sucumbência, bem como a formação
de coisa julgada ante o respeito ao devido processo legal 84.
Em vista disso, parte da doutrina85 ressalta que as especificidades do processo judicial
têm início na instauração, porquanto se instaura mediante provocação de uma das partes (autor)
que, por ser o titular do interesse sob conflito com a outra parte (réu), precisa da intervenção de

81
Com efeito, de acordo com a Lei de Processo Administrativo (Lei nº 9.784/99), alguns critérios devem ser
observados nos processos administrativos, entre eles: a impulsão, de ofício, do processo, sem prejuízo da atuação
dos particulares interessados (artigo 2º, inciso XII); a possibilidade de se iniciar o processo de ofício ou a pedido
de interessado (artigo 5º); a previsão de que as atividades de instrução com o fito de averiguar e atestar os dados
necessários à tomada de decisão realizam-se de ofício ou mediante impulsão do órgão responsável pelo processo,
sem danos ao direito do particular de propor atuações probatórias.
82
DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito administrativo. 28. ed. São Paulo: Atlas, 2015. p. 765.
83
Conforme prevê o artigo 2º, parágrafo único, inciso XI, da Lei Federal nº 9.784/99, que proíbe a cobrança de
despesas processuais, com exceção das descritas em lei, é o princípio da gratuidade do processo administrativo.
84
Ibidem, p. 765.
85
Nesse sentido, Maria Sylvia Zanella Di Pietro e Celso Antônio Bandeira de Mello.
30

um terceiro imparcial (juiz), o qual aplica e interpreta a lei a partir do caso concreto. A relação
no processo judicial é trilateral com a participação do autor, réu e juiz.
No entanto, na realidade brasileira, esse terceiro neutro no contencioso também está
presente nos órgãos administrativos imparciais (Tribunal de Contas e o Cade, por exemplo)
detentores de prerrogativas semelhantes aos magistrados, com independência do Judiciário,
conquanto não possam expedir provimentos definitivos já que não têm eficácia de coisa
julgada86, a qual é atributo determinante para diferenciar as atividades administrativas e
jurisdicionais. Desse modo, verifica-se que a substitutividade, típica da atividade jurisdicional,
também está presente na atividade administrativa.
Com base nas semelhanças existentes entre a atividade administrativa e judicial, pode-
se afirmar que ao lado do processo trabalhista, penal, ambiental e civil, o processo
administrativo também constitui microssistema processual que se sujeita à incidência de outras
leis. Ocorre que, recentemente, essa integração hermenêutica passou a ser mais aprofundada
com a Lei nº 13.105/2015 que, a partir de sua promulgação, passou a incidir em todos os
processos administrativos87. Todavia, é necessário ter em mente que essa incidência não causou
a revogação da Lei Federal nº 9.784/1999 e nem dos demais diplomas processuais-
administrativos, já que o que há é a compatibilização desses últimos com o CPC/201588.
Em breve apanhado, as normas da novel legislação são aplicadas de forma supletiva
(atua como suplemento, omissão parcial) ou subsidiária (que ajuda ou reforça, preenche uma
lacuna, ou seja, omissão total) nos processos administrativos¸ em curso 89 e nos futuros, regidos
por leis pretéritas; “a lei processual geral incidirá em todos os processos regidos por leis
processuais-administrativas especiais”90.
Não obstante o artigo 15, da Lei nº 13.105/2015, prever a aplicação das disposições do
Código na ausência de normas que regulem os processos administrativos, esse raciocínio não
pode ser utilizado para justificar o afastamento da aplicação do Código de Processo Civil nos

86
SOUZA, Rafael Soares. Justiça administrativa: o sistema brasileiro. Dissertação (Mestrado em Direito),
Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, 2014. p. 16.
87
Entre os processos administrativos sob a incidência do CPC/2015, encontram-se, por exemplo: a Lei nº
8.112/1990 (regime jurídico dos servidores públicos federais), Lei nº 8.666/1993 (licitações e contratos
administrativos) e Lei nº 12.529/2011 (Sistema Brasileiro de Defesa da Concorrência).
88
Logo, a contrario sensu, pode-se concluir que: não é possível a aplicação subsidiária do CPC/2015, se houver
lei processual específica (Código Eleitoral, Lei de Processo Administrativo e etc.) disciplinando a matéria de
maneira diversa (já que não há omissão absoluta) ou se o CPC/2015 mantiver plena incompatibilidade com a
sistemática jurídica daquele tema no processo eleitoral ou administrativo, por exemplo.
89
Consoante dispõe o artigo 14, o CPC/2015 será aplicado imediatamente aos processos em curso.
90
MOREIRA, Egon Bockmann. O novo Código de Processo Civil e sua aplicação no processo administrativo.
Revista de Direito Administrativo, Rio de Janeiro, v. 273, p. 313-334, set./dez. 2016. Disponível em: <
http://bibliotecadigital.fgv.br/ojs/index.php/rda/article/view/66665>. Acesso em: 19 out. 2017, p. 316.
31

contenciosos administrativos, sob o argumento de que, além de outras, a Lei Federal nº


9.784/1999 permanece vigente. Posto que, presume-se que o legislador detém o conhecimento
da existência de outras leis que regem os processos administrativo, além de não ser requisito de
aplicabilidade deste dispositivo a ausência de leis, mas sim de normas jurídicas, ou seja, de
preceitos jurídicos formulados pelo aplicador caso a caso91.
Dessa forma, nos termos do artigo 15, o Código de Processo Civil se designa a suprir as
lacunas das leis processuais-administrativas especiais, de modo a instaurar novas hipóteses de
incidência ou, até mesmo, criar novas compreensões no sistema processual. Com isso, esse
dispositivo legal positivou a incidência da legislação processual civil a processos
administrativos nos casos de omissão legislativa e naqueles em que a aplicação do CPC/2015
intensifique ou aprimore a norma.
Essa disposição do novo Código de Processo Civil proporcionou alterações
significativas no ordenamento jurídico no que atine aos institutos processuais civis aplicáveis
aos contenciosos administrativos. Por ser recente, enfrenta-se ainda um período de dúvidas e
discussões doutrinárias sobre o tema.
Nesse panorama, entende-se, no âmbito deste trabalho, que nos assuntos em que houver
a harmonização recíproca dos diplomas, as disposições do CPC/2015 terão plena aplicabilidade
nos processos administrativos. Em outras palavras, compreende-se que se deve exigir para a
incidência de norma processual civil que esta seja suscetível de concomitar com o que dispõe a
Lei Federal nº 9.784/1999 e as outras normas do processo administrativo92.
Infere-se, ainda, que não há a necessidade de expedição de um regulamento
administrativo que aborde a incidência do CPC/2015 nos processos administrativos, pois a
aplicação independe de iniciativa regulamentar da Administração Pública já que se dá por força
de lei (art. 15, CPC/2015). E, na hipótese de haver a expedição de um regulamento, este terá
como escopo unicamente facilitar e dar estabilidade à aplicação do Código de Processo Civil
nos respectivos contenciosos administrativos, sem poder para limitar os efeitos.
Dúvida não pode haver, definida a imperiosidade da aplicação imediata do CPC/2015,
que as normas fundamentais do processo civil (arts. 1º-12) têm imediata repercussão no
processo administrativo e são eixos normativos com base nos quais o contencioso

91
Ibidem, p. 316. Nesse sentido, acrescenta-se que “a norma é produzida, pelo intérprete, não apenas a partir de
elementos colhidos no texto normativo (mundo do dever-ser), mas também a partir de elementos do caso ao qual
será ela aplicada, isto é, a partir de dados da realidade (mundo do ser)”. GRAU, Eros Roberto. Ensaio e Discurso
sobre a Interpretação/Aplicação do Direito. 4. ed. São Paulo: Malheiros, 2006. p. 119.
92
Ibidem, p. 317. Com isso, “exige-se que as normas do CPC/2015 cuja aplicação se pretenda sejam passíveis de
coexistir e se conciliar com a plausabilidade lógica da Lei nº 9.784/1999 (e/ou demais normas do processo
administrativo), sendo capazes de funcionar conjuntamente”. Ibidem, p. 317.
32

administrativo deve ser interpretado, estruturado e aplicado93. Possuem importância, por


exemplo, os artigos 1º (incidência dos preceitos constitucionais no processo), 8º (dever de
observância pelo aplicador do ordenamento jurídico da proporcionalidade, razoabilidade,
legalidade, publicidade e eficiência), e 11 (a exigência de publicidade e fundamentação de todos
os julgados, sob pena de nulidade).
Com base no que se expôs, verifica-se as citadas normas fundamentais são o ponto de
partida para nortear a aplicação de outras disposições do estatuto civil no âmbito administrativo.
É nesse contexto de processualização e, hodiernamente, com os novos contornos da Lei nº
13.105/2015 que surgiu e se consolida o instituto do precedente no direito administrativo
brasileiro. Essa compreensão culmina na constatação de que não se deve restringir ao
entendimento de que o legislador é fonte singular do direito, pois a norma jurídica é criada
também pelo aplicador que, a depender do caso concreto e a partir do texto normativo, elabora
norma específica94, de modo a se estabelecer o precedente.
Veja-se que a imprescindibilidade da produção do precedente se originou com o
esgotamento do positivismo95 e a consolidação da supremacia constitucional, a partir da
integração entre as cláusulas gerais e os conceitos jurídicos indeterminados realizada pela ação
de autoridades, as quais, em conformidade com os preceitos legais, obtêm uma solução jurídica
para o caso concreto se valendo, inclusive, de decisões ulteriores na fundamentação, tendo em
vista que as disposições legais não possuem a amplitude universalizante de prever todas as
situações possíveis.
Com esse suposto aumento do poder das autoridades, foi necessária a criação de critérios
que limitassem o poder de atuação do julgador e garantissem o controle das decisões judicias
e, com isso, desenvolve-se o sistema de precedentes, sendo indispensável o respeito aos critérios
que assegurem a uniformização dos julgados no âmbito administrativo e judicial.
Nos processos administrativos, a obrigatoriedade de que sejam especificados tanto o
fundamento normativo quanto o fundamento fático da decisão decorre do princípio da
motivação, elencando-se, quando necessário, as razões técnicas, lógicas e jurídicas que levaram

93
MARINONI, Luiz Guilherme; ARENHART, Sérgio Cruz; MITIDIERO, Daniel. Novo Código de Processo
Civil comentado. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2016. p. 142.
94
MOREIRA, Egon Bockmann. O novo Código de Processo Civil e sua aplicação no processo administrativo.
Revista de Direito Administrativo, Rio de Janeiro, v. 273, p. 313-334, set./dez. 2016. Disponível em:
<http://bibliotecadigital.fgv.br/ojs/index.php/rda/article/view/66665>. Acesso em: 19 out. 2017, p. 317.
95
Nesse trilhar, SIQUEIRA leciona que “o paradigma da adequação ao texto da lei, ou seja, da legalidade, passa
a ser gradualmente visto como insuficiente para oferecer legitimidade à Administração, sendo necessária a
compatibilização de seu agir com um universo jurídico mais amplo do que aquele consubstanciado no texto da lei
infraconstitucional”. SIQUEIRA, Mariana de. Interesse público no direito administrativo brasileiro: da
construção da moldura à composição da pintura. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2016. p. 132.
33

àquela decisão em determinado caso concreto96. Contudo, faz-se mister a diferenciação precisa
entre motivo e motivação, tendo em vista que esta é, conforme descrito, a indicação dos
fundamentos de fato e de direito da Administração Pública e já aquele é a situação de fato ou
de direito que serve de fundamento para a prática do ato, sob pena de ser considerado nulo.
O que se observa é que o reconhecimento dos precedentes, no âmbito administrativo,
encaminha a autoridade à necessidade de motivação das decisões, como forma de justificar a
solução indicada para o caso concreto, sobretudo quando se tratar de casos sobre os quais já
existem decisões, vez que as autoridades devem recorrer aos precedentes em respeito à
segurança jurídica.
Nesse pórtico, a obrigatoriedade da motivação se justifica em qualquer ato
administrativo, porque é vista como uma formalidade necessária para assegurar o controle de
legalidade na atuação estatal, com o fito de proteger os interesses do administrado e deixar
claras as razões da decisão. É direito do particular, sob o manto do princípio da revisibilidade97,
recorrer de decisão administrativa que lhe seja desfavorável, desde que a partir da motivação
da decisão seja possível abstrair razões inconvenientes, injurídicas ou desarrazoadas98.
Nessa perspectiva, é válido ressaltar que a própria lei de processo administrativo possui
dispositivo que versa acerca de institutos próprios do sistema de precedentes, como ocorre no
caso análogo à figura do distinguishing, também prevista no estatuto de processo civil. Esse
regramento está disposto no artigo 50, inciso VII, da Lei 9.784/1999, que reforça a
imprescindibilidade da motivação dos atos administrativos, com a indicação dos fatos e
fundamentos jurídicos, nos casos em que a autoridade deixe de aplicar a jurisprudência firmada
sobre a questão ou discrepem de pareceres, laudos, propostas e relatórios oficiais, deve ser
interpretada como prévia exigência de respeito à jurisprudência, porquanto prescreve que a
autoridade se reporte aos julgados anteriores. Todavia, se for o caso de não fazer incidir a
jurisprudência em determinada situação, expressa a regra de que a autoridade deve explicar o
porquê da rejeição.

96
MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. São Paulo: Malheiros, 2014. p. 511.
97
O Supremo Tribunal Federal reconheceu, no tocante ao processo administrativo, o direito ao duplo grau de
jurisdição e afastou a necessidade de depósito prévio ou caução para a interposição de recursos administrativos
(REs 388.359, 389.383, 390.513; e, ADI 1.976).
98
MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. São Paulo: Malheiros, 2014. p. 511.
Ademais, é importante salientar que, no caso da valorização do precedente administrativo, não há óbice a respeito
da revisão judicial das decisões administrativas. BARROS, Marco Antonio Loschiavo Leme de. Processo,
precedentes e as novas formas de justificação da Administração Pública Brasileira. In Revista Digital de
Direito Administrativo da Faculdade de Direito de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo, vol. 3, n. 1, 2016,
p. 143.
34

Nesses termos, o artigo 50, inciso VII, da Lei 9.784/1999, já fazia referência ao que se
pode mencionar, verbi gratia¸ do dever de respeito à jurisprudência – reforçado, inclusive, pelos
artigos 489, §1º, incisos V e VI, 926, §1º e 927 – que depende da ampliação do conceito de
norma jurídica e de seus criadores para ser assimilado em toda sua completude, como uma
norma geral99. De modo que, não é suficiente a mera transcrição das decisões anteriores, sem
que, nesse interregno, se demonstre a relação lógica estabelecida com a decisão que se pretende
fundamentar, sendo a motivação ainda mais premente quando usada para justificar a não
aplicação da jurisprudência.
Do exposto, extrai-se que são pressupostos necessários à aplicação subsidiária e
supletiva do Código de Processo Civil, portanto, a omissão (total ou parcial) normativa e a
harmonização entre a norma omissa e a norma que será aplicada. O que notadamente ocorre em
relação ao regime processual do precedente em geral disposto pelo CPC/2015, o qual é aplicado
aos precedentes administrativos que encontram sua base legal na Lei federal de processo
administrativo – em sintonia com os princípios gerais de eficiência e de boa administração.
Portanto, observa-se que tais pontos ganharam novos contornos com a assunção do
CPC/2015 e, por isso, faz-se mister compreender os efeitos jurídicos da aplicação do sistema
precedentalista no âmbito administrativo.

3.2 A ATUAÇÃO ADMINISTRATIVA POR MEIO DE PRECEDENTES E A


UNIFORMIZAÇÃO DOS JULGADOS

Daí que por estar tanto a atividade judicial quanto a atividade administrativa decisória
submetidas ao mesmo ordenamento, como visto no tópico anterior, devem esquivar-se de
interpretações arbitrárias geradoras de abusos, que não se confundem com a livre interpretação
jurídica, bem como devem sujeitar-se aos mesmos princípios constitucionais que impõem a
igualdade de tratamento das partes, motivação, previsibilidade das decisões, eficiência e
segurança jurídica100. Nessa perspectiva, todo órgão decisório deve empenhar-se em assegurar
a uniformidade das suas decisões, com o intento de saber o que já foi decidido anteriormente
para evitar contradições e, consequentemente, tratar desigualmente os interessados gerando
incertezas.

99
Ibidem, p. 325.
100
LUVIZOTTO, Juliana Cristina. Precedentes administrativos e a vinculação da atividade administrativa.
Curitiba: Juruá, 2017. p. 70.
35

Noutra via, há no Direito Administrativo normas escritas que se cruzam e conceitos


jurídicos indeterminados, os quais não asseguram uma regulação substanciosa das atividades
administrativas. Dessa forma, o emprego do princípio da reserva legal no Direito
Administrativo não impede a possibilidade e premente necessidade da prática de novas formas
de apreciação e discrição administrativa 101.
Diante da ampla margem de interpretação proporcionada pelos enunciados normativos
e a conseguinte insegurança jurídica gerada, muitos países de tradição romano-germânica102,
semelhantes ao Brasil, têm analisado a inserção da teoria de precedentes no âmbito da atividade
administrativa. Nesse contexto, nos países que possuem uma jurisdição administrativa, são as
decisões proferidas pelos tribunais administrativos que ditam o Direito Administrativo para o
caso em contenda e para as situações futuras semelhantes.
Os precedentes administrativos, portanto, são os atos decorrentes do comportamento
fundamentado da Administração Pública que evidenciam a potencialidade de regular a
Administração, sempre que em conformidade com o ordenamento jurídico103. Mesmo que o
país não possua especificamente uma justiça administrativa, como ocorre no Brasil, a atuação
a partir dos precedentes pode ocorrer amplamente em qualquer órgão estatal que atue nos
contenciosos administrativos.
Sendo assim, a relação de complementariedade entre os dispositivos legais e as decisões
é estabelecida a partir da observação do princípio da legalidade administrativa 104. Sobre isso, é
substancial esclarecer que o princípio da legalidade evoluiu do agir assujeitado à legalidade
estrita no qual a Administração estava restrita a uma atuação nos termos em que a lei permitia,
sendo a primazia da lei tanto a fonte limitadora como legitimadora da atividade estatal, para a
desvinculação da atuação administrativa desvinculada da lei em sentido estrito. Ou seja,
hodiernamente, com a Constituição como centro do ordenamento jurídico por ser dotada de

101
Ibidem, p. 70.
102
Entre eles a Espanha, Peru, Argentina, Colômbia e Chile.
103
LUVIZOTTO, Juliana Cristina. Precedentes administrativos e a vinculação da atividade administrativa.
Curitiba: Juruá, 2017. p. 71.
104
Sobre o princípio, SIQUEIRA lembra que é “elemento tradicional do Direito Administrativo, a ele se direcionou
com maior especificidade no âmbito da estruturação do Estado de Direito, visando tutelar a liberdade dos sujeitos
e evitar a prática de arbitrariedades por parte do Poder Público”. SIQUEIRA, Mariana de. Interesse público no
direito administrativo brasileiro: da construção da moldura à composição da pintura. Rio de Janeiro: Lumen
Juris, 2016. p. 126.
36

supremacia, tem-se que as normas jurídicas105 (princípios e regras) são resultado de uma
pluralidade de textos jurídicos que vão além da lei pura e estrita 106.
Assim surge a juridicidade, acepção contemporânea da legalidade, com o intuito de
vincular a atividade da Administração à lei, mas também ao Direito, levando em consideração
a existência de uma pluralidade normativa, na qual muitos são os agentes criadores das normas
jurídicas vinculantes e variadas são as expressões dessas normas 107. Sob o mesmo ponto de
vista, o artigo 2º, parágrafo único, inciso I, da Lei de Processo Administrativo Federal, propõe
que o agir administrativo seja baseado na lei e no Direito, ampliando a base normativa sobre a
qual a Administração deve fundamentar suas atuações e abstenções108.
Contudo, isso não determina imediatamente que a prática decisória está em
conformidade com a juridicidade do ordenamento pátrio e nem sua permissão para aplicação
em caso concreto posterior. O que se busca é afastar o posicionamento restritivo da lei como
única fonte norteadora da atuação administrativa, para reconhecer o precedente como fonte
autônoma a influir na atividade administrativa, não de forma a substituir a legalidade, mas de
maneira complementá-la autonomamente com regras, princípios e conceitos viabilizando a
segurança jurídica, a imparcialidade, a igualdade e o princípio da legalidade109.
Evidencia-se, preliminarmente, que o Brasil não possui um conceito legislativo para
definir precedentes administrativos ou os seus efeitos, a Lei de Processo Administrativo Federal
não dispôs sobre os precedentes administrativos ou sobre as fontes do processo administrativo,
nos termos do que se verifica no teor da legislação peruana110.
Sem embargo da inexistência de previsão na legislação brasileira de uma definição de
precedente administrativo, um Projeto de Lei do Senado (PLS nº 349/2015), que propõe
alterações na Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro, prevê o conceito do que
nomeou de “orientações gerais”, sendo elas decorrentes de atuações anteriores da
Administração Pública. Embora o Projeto de Lei não disponha de forma explícita sobre a

105
Podem decorrer de variados documentos jurídicos: lei em sentido estrito, Constituição e Tratados
Internacionais.
106
SIQUEIRA, Mariana de. Interesse público no direito administrativo brasileiro: da construção da moldura à
composição da pintura. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2016. p. 126-136.
107
Ibidem, p. 131-132.
108
Ibidem, p. 135.
109
LUVIZOTTO, Juliana Cristina. Precedentes administrativos e a vinculação da atividade administrativa.
Curitiba: Juruá, 2017. p. 71.
110
No Peru, a Ley del Procedimiento Administrativo General 27.444 – Lei Geral de Processo Administrativo do
Peru estabeleceu, expressamente, em seu artigo V, como uma das fontes do processo administrativo, as decisões
emitidas por tribunais ou conselhos da Administração Pública, as quais devem estabelecer critérios interpretativos
de alcance geral e serem publicadas, gerando precedentes administrativos e esgotando a via administrativa.
Ademais, o artigo VI, do mesmo diploma legal peruano, desenvolve o tema dos precedentes administrativos
apresentando suas características e funções autônomas.
37

definição de precedente administrativo, já demonstra uma preocupação em regular a atividade


administrativa reiterada e pública, e os reflexos futuros que estas podem gerar111. Notabiliza-se
a importância dessa alteração legislativa, porquanto representa a inclusão da atuação
administrativa concreta em uma norma de caráter geral para o Direito, além de dar margem para
posterior desenvolvimento e pormenorização da atividade administrativa, inclusive com o a
previsão e elaboração legislativa de um conceito de precedente administrativo.
Por outro lado, no ordenamento jurídico pátrio, existem normas que preveem decisões
de uniformização jurisprudencial administrativa, as quais não possuem uma regra expressa de
força vinculante, mas exercem uma forte influência sobre as decisões sucessivas da
Administração, em razão de serem originárias, em regra, de órgãos administrativos superiores
e buscarem a unificação do entendimento sobre determinado tema jurídico112. Essas decisões,
a depender das disposições específicas na Lei Orgânica e no Regimento Interno que regem a
atuação do órgão, podem vincular a atuação administrativa futuramente 113.
Nesse trilhar, em que pese a ausência de previsão legislativa explícita sobre a definição
dos precedentes administrativos, como viu-se, existem várias normativas espalhadas que
preconizam sobre decisões administrativas fundamentadas que tem a potencialidade de projetar
efeitos para o futuro, além de disposições específicas que se assemelham a noção de precedente,
nos termos do que propõe a citada legislação estrangeira.
No tocante ao conceito de precedente elaborado pela doutrina administrativa brasileira
e quais atos são englobados pelo termo, salienta-se que o tratamento do tema ainda é parco
pelas obras nacionais certamente pela preponderância de um Direito Administrativo ainda
circunscrito à legalidade ou pela inexistente jurisdição administrativa, o que dificulta a
consolidação de uma doutrina de precedentes no Direito Administrativo brasileiro. Entretanto,

111
O conceito de orientações gerais difere do que se denomina de precedente administrativo, tendo em vista que
aquele é mais amplo e não tem a previsão explícita da obrigatoriedade de motivação das decisões, consoante o que
se observa no artigo 24 do Projeto de Lei nº 349/2015, in verbis: “Art. 24. A revisão, na esfera administrativa,
controladora ou judicial, quanto à validade de ato, contrato, ajuste, processo ou norma administrativa cuja produção
já se houver completado levará em conta as orientações gerais da época, sendo vedado que, com base em mudança
posterior de orientação geral, se declarem inválidas situações plenamente constituídas. Parágrafo único.
Consideram-se orientações gerais as interpretações e especificações contidas em atos públicos de caráter geral ou
em jurisprudência judicial ou administrativa majoritária, e ainda as adotadas por prática administrativa reiterada e
de amplo conhecimento público”.
112
LUVIZOTTO, Juliana Cristina. Precedentes administrativos e a vinculação da atividade administrativa.
Curitiba: Juruá, 2017. p. 80. Outrossim, o incidente de uniformização de jurisprudência administrativa está
expressamente previsto nas seguintes normas: Regimento Interno do Tribunal de Contas de União (artigo 91, §3º),
Regimento Interno do CARF (artigo 10), Regimento Interno do CADE (artigo 105), Regimento Interno do CRPS
(artigo 15).
113
De acordo com o artigo 40, §1º, da LCP nº 73/1993, possuem força vinculante as decisões que aprovam
pareceres administrativos emitidos pela Advocacia-Geral de União, quando aprovados pelo Presidente da
República.
38

algumas obras destacam o assunto, mesmo que o fazendo em referência à jurisprudência


administrativa, como aquela proveniente dos órgãos judiciais decisórios114.
Mesmo com abordagens doutrinárias distintas sobre o tema e uma noção pouco
elaborada do conceito de precedente administrativo, este trabalho buscou se filiar à definição
de precedente administrativo como norma jurídica retirada por indução de um ato
administrativo decisório, individual e concreto, seja ele “ampliativo ou restritivo da esfera
jurídica dos administrados” 115, que vincula a atuação da Administração Pública nos casos
sucessivos semelhantes116. Ou seja, a ideia de precedente assimilada pelo Direito
Administrativo em pouco difere com o precedente dos países da common law, em consonância
com o que se expôs no capítulo 02 deste trabalho, uma vez que será a ratio decidendi das
decisões administrativas que definem de maneira consistente o alcance e forma de aplicação
das normas a que se sujeita a Administração em relação a determinada evento, o que gerará a
ideia de vinculação.
Em outras palavras, é certo que precedente administrativo faz referência à
transcendência que pode ter uma decisão da Administração em um caso concreto anterior para
decisões em casos similares posteriores. Assim, alude para os efeitos vinculantes que um ato
administrativo pode gerar à Administração para além da situação objeto da decisão. Não
obstante, deve-se ressaltar que a vinculação do precedente administrativo nem sempre se
estende para outros órgãos administrativos dada a autonomia de cada um deles, pertencentes a
entidades federativas distintas, o que também não impede a possibilidade de que haja influência
ou vinculação moral destes precedentes perante os demais órgãos117.
Dessa forma, a visualização do precedente é mais clara nos casos de decisões dos
“tribunais de contencioso administrativo” 118, os quais são órgãos administrativos com

114
Por esse ângulo, verbi gratia, é o posicionamento de DI PIETRO e GASPARINI, esse último, por sua vez,
afirma que a jurisprudência administrativa gera consequências para a Administração Pública, a qual é capaz, por
ato normativo seu, aplicar seus efeitos em outras situações semelhantes. DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito
administrativo. 28. ed. São Paulo: Atlas, 2015. p. 66-69; GASPARINI, Diógenes. Direito administrativo. 17.
ed. São Paulo: Saraiva, 2012. p. 81. Noutro pórtico, em conformidade com o que pontifica OSWALDO ARANHA,
a jurisprudência administrativa não se limita àquela proveniente dos órgãos judiciais, o precedente administrativo
seria atividade interna, reiterada e uniforme da Administração que dá origem à jurisprudência administrativa.
BANDEIRA DE MELLO, Oswaldo Aranha. Princípios Gerais de Direito Administrativo. São Paulo:
Malheiros, 2010. p. 239.
115
CARVALHO, Gustavo Marinho de. Precedentes Administrativos no Direito Brasileiro. São Paulo:
Contracorrente, 2015. p. 121.
116
No mesmo sentido, para LUVIZOTTO o precedente administrativo é “um ato com conteúdo jurídico, do qual
se pode extrair uma norma jurídica, e pode produzir uma possível situação de autovinculação da Administração à
sua própria conduta”. LUVIZOTTO, Juliana Cristina. Precedentes administrativos e a vinculação da atividade
administrativa. Curitiba: Juruá, 2017. p. 103.
117
LUVIZOTTO, Juliana Cristina. Precedentes administrativos e a vinculação da atividade administrativa.
Curitiba: Juruá, 2017. p. 103.
118
Ibidem, p. 104.
39

significativa semelhança de funções com os judiciais, uma vez que possuem a garantia da
imparcialidade de julgamento, seguem os ritos processuais com forte identidade com os ritos
dispostos no Código de Processo Civil, estabelecem a coisa julgada administrativa (que pode
ser revista em âmbito judicial), possuem órgãos decisórios superiores onde são tomadas
decisões monocráticas e colegiadas, asseguram garantias processuais aos administrados e
cumpre a necessidade de análise jurídica e motivação das decisões.
Com primazia, é facilmente compreensivo que das decisões emanadas por esses órgãos
decorram a atuação pelos precedentes administrativos, especialmente pela exigência jurídica de
motivação para adoção de decisões e a de fundamentação nas atividades realizadas, o que
dificulta a mera reprodução de práticas isentas de conteúdo jurídico. Todavia, com o número
cada vez maior de atribuições assumidas pela Administração Pública, levando em consideração
a ampliação no seu campo de atuação, deve-se apontar neste texto que os precedentes
administrativos também podem abordar os atos administrativos proferidos nas instâncias não
contenciosas.
Nesse espeque, há tantos atos administrativos passíveis de criar precedentes, quanto
atuações administrativas por meio de processos administrativos, vez que, dessa maneira, a
Administração se pronuncia a partir de decisões motivadas119. Como dito acima, os precedentes
administrativos podem se formar a partir de uma série de atos administrativos sejam eles
restritivos do direito do administrado, lhe causando um gravame, ou ampliativos, responsáveis
por criar ou ampliar direitos já existentes, desconstituindo possíveis distinções entre
precedentes originados em razão da forma do ato ou de seu conteúdo jurídico.
Veja-se, os atos administrativos se tornam vinculantes na medida em que representam a
solução jurídica para uma situação concreta, de maneira motivada. Em outras palavras, um ato
de uma autoridade administrativa que possua uma razão de decidir aplicada a fatos concretos e
que essa razão transcenda a esfera do caso individual irá, com isso, constituir um precedente
administrativo que deve ser de observância obrigatória pela Administração (caráter normativo).
Sem embargo, cabe ressaltar que a vinculação da Administração ao precedente não
decorre, diretamente, da aplicação dos princípios da igualdade, segurança jurídica e eficiência,
e sim de uma previsão normativa em lei ou regulamento. Com efeito, a principal função da
vinculação da Administração ao precedente é exatamente garantir a uniformização da
interpretação administrativa, de forma a reduzir demandas repetitivas que exijam novas
manifestações do órgão consultivo, por exemplo, sobre situação já consolidada 120. O objetivo é

119
Ibidem, p. 104.
120
Ibidem, p. 107.
40

justamente certificar de que a atuação administrativa será mais coerente e ágil, além de que as
decisões emanadas estarão em consonância com os princípios elencados.
De acordo com o que se expôs no tópico acima, é a regra do artigo 50, inciso VII, da
Lei 9.784/1999 que permite a distinção aplicativa (em analogia ao artigo 489, §1º, incisos V e
VI, do CPC/2015). O agir administrativo está vinculado ao precedente, porém é possível afastar
a aplicação do precedente naquele caso concreto, com a indicação das diversidades entre as
teses jurídicas do precedente e aquelas que realmente deveriam incidir no caso concreto.
No entanto, a formalização do tratamento dos precedentes ainda é incipiente nos órgãos
administrativos, pois não se tem uma sistematização padrão de como são tomadas as decisões
que têm por base decisões anteriores do mesmo órgão, isto é, a autovinculação. Essa situação
também gera um impasse na definição de quais tipos de atos podem ser denominados de
precedentes administrativos.
É possível vislumbrar algumas iniciativas de organização interna da própria
Administração com o escopo de uniformizar o seu entendimento e, por conseguinte, atribuir
coerência às suas decisões, contudo não possuem a adesão de uma generalidade de órgãos
administrativos. Na verdade, o que ocorre é que essas iniciativas são pontuais no que tange à
uniformização da interpretação administrativa e, por isso, apresentam-se de forma fragmentada
por todo ordenamento jurídico, dificultando uma sistematização121.
Noutra banda, cumpre elucidar que a elaboração de súmulas pelos órgãos
administrativos não se confunde com a formação de precedentes administrativos, uma vez que
as súmulas são, em regra, apenas verbetes de caráter geral e abstrato, que não possuem qualquer
vinculação com os fatos do caso concreto que lhe deu origem. Desse modo, não permitem o
acesso às razões da decisão e nem às circunstâncias fáticas da situação analisada.
Outrossim, não se deve confundir o precedente com outras figuras presentes na atuação
administrativa, como: jurisprudência, costume, praxe administrativa e analogia. Assim, nos
termos do que se explanou no Capítulo 02, precedente e jurisprudência administrativa não
devem ser tratados como sinônimos, tendo em vista que, quantitativamente, o precedente
administrativo costuma fazer referência a uma única decisão sobre caso em particular; ao passo
que a jurisprudência é vista como uma pluralidade de decisões sobre vários casos concretos. Já
qualitativamente, o precedente passa pela comparação entre os fatos do primeiro caso (anterior)
e os fatos do segundo caso (sucessivo) para que se decida da mesma forma que o fez no caso
anterior, em observância aos princípios da igualdade e segurança jurídica; a jurisprudência, por

121
Ibidem, p. 106.
41

outro lado, serve para sinalizar o entendimento majoritário de determinado órgão administrativo
e ser utilizada – mormente os enunciados provenientes das decisões – como reforço
argumentativo de uma tese adotada122.
No que se refere ao costume, é compreensível que se faça uma comparação entre
precedente e costume, vez que ambos são comportamentos anteriores que, inevitavelmente,
surtem efeitos no presente e influenciam acontecimentos futuros. Apesar dessa similaridade, o
costume demanda uma reiteração de atos sem uma justificativa lógica (obrigatoriamente) e certa
antiguidade, necessariamente; enquanto o precedente observa as justificativas utilizadas na
decisão anterior e as utiliza no caso novo de forma racional, não tem o dever da reiteração de
diversas decisões, bem como inexiste a exigência do fator tempo.
Já com relação à praxe administrativa, normas de conduta de eficácia interna da
Administração que costumam reger o comportamento do funcionalismo público. Deve-se
mencionar que, em regra, a prática administrativa não contém normas jurídicas, sendo
constituída por simples e usuais normas técnicas, para uso interno e, por isso, não criam direitos
ou geram obrigações aos administrados; em contraponto com o precedente administrativo que
está diretamente relacionado à resolução de um caso particular.
Por último, nos termos do artigo 4º da Lei de Introdução às Normas do Direito
Brasileiro, a analogia deve ser usada nos casos de omissão legal, ou seja, é utilizada diante da
ausência legal para decidir um caso concreto, em complemento as lacunas legais existentes no
ordenamento jurídico; à medida que o precedente ocorre em momento posterior à analogia legal
(artigo 4º, LINDB) – após definida a norma aplicável, deve-se verificar como ela será aplicada
–, já que analogia utilizada é aquela para estabelecer uma comparação entre as realidades fáticas
dos casos, para ser utilizado ou não o mesmo critério de julgamento. Assim, no caso do
precedente se dá a analogia na aplicação específica da mesma norma jurídica para o caso
concreto novo e não em decorrência da inexistência de dispositivo legal.
Diante do exposto, com o desenvolvimento da obrigatoriedade do precedente, formação
e uniformização da jurisprudência administrativa, intenciona-se obstar a indeterminação
normativa que propicia a existência de mais de uma interpretação de uma norma específica ante
o mesmo caso concreto, o que pode ser resolvido por meio de procedimentos jurídicos
previamente estabelecidos. Já que não basta examinar o caso e proferir julgamentos, é premente
o dever de respeito à jurisprudência e a obrigatoriedade de se manter uma coerência entre as

122
TARUFFO, Michele. Precedente e jurisprudência. Trad. Chiara de Teffé. Civilistica.com. Rio de Janeiro, a. 3,
n. 2, jul.-dez./2014. Disponível em: <http://civilistica.com/precedente-e-jurisprudencia/>. Acesso em: 01 nov.
2017.
42

respectivas decisões, até para que a atuação administrativa seja mais efetiva, em respeito ao
princípio da eficiência123.
Destarte, para garantir a uniformização dos julgados é exigível severa aplicação do
princípio da publicidade, além da motivação das decisões. Isso porque, se os atos da
Administração não forem prévia e publicamente divulgados, de forma adequadamente
fundamentada, acessível e compreensível, conforme propõe a Lei de Acesso à Informação (Lei
nº 12.527/2011), as decisões dos órgãos administrativos não serão conhecidas e, por sua vez,
não poderão ser aplicadas em casos subsequentes em evidente descumprimento da isonomia e
segurança jurídica124. O capítulo seguinte reforçará o entendimento de que os princípios da
publicidade, segurança jurídica, motivação e igualdade são consequência da aplicação do
precedente administrativo, enquanto também são pressupostos do dever de respeito à
jurisprudência.

123
Previsto expressamente no artigo 37, caput, da Constituição Federal de 1988 e no artigo 2º, caput, da Lei nº
9.784/1999, o princípio da eficiência possui duas acepções: a primeira delas é que pode ser analisado a partir do
modo de atuação do agente público, do qual se espera o melhor desempenho possível de suas atribuições e alcançar
bons resultados; e, a segunda é em relação ao modo de organizar, estruturar e disciplinar a Administração, com o
mesmo escopo de alcançar os melhores resultados na prestação do serviço público. Assim, no uso do sistema de
precedentes, o agir administrativo caminha em congruência com o princípio da eficiência, pois reduz as demandas
que chegam aos órgãos administrativos, bem como agiliza o processo decisório a partir da utilização de
interpretações já formalizada pelo órgão administrativo em casos concretos anteriores. DI PIETRO, Maria Sylvia
Zanella. Direito administrativo. 28. ed. São Paulo: Atlas, 2015. p. 117.
124
MOREIRA, Egon Bockmann. O novo Código de Processo Civil e sua aplicação no processo administrativo.
Revista de Direito Administrativo, Rio de Janeiro, v. 273, p. 313-334, set./dez. 2016. Disponível em:
<http://bibliotecadigital.fgv.br/ojs/index.php/rda/article/view/66665>. Acesso em: 19 out. 2017, p.323.
43

4 A IMPRESCINDIBILIDADE DE PUBLICIDADE E DA SISTEMATIZAÇÃO DAS


DECISÕES ADMINISTRATIVAS PARA A OPERACIONALIZAÇÃO COM OS
PRECEDENTES ADMINISTRATIVOS

Consoante evidenciado no capítulo anterior, no que atine aos órgãos administrativos,


não existe uma regra que imponha um formato específico para as decisões, o que há é
unicamente a exigência relativa à necessidade de a decisão descrever os fundamentos de fato e
de direito, para a sua adequada motivação125. No entanto, o que se observa é que existem
práticas diferentes e nem todos os órgãos administrativos proferem suas decisões com o mesmo
nível de publicidade que se vê nas instâncias judiciais. Além disso, alguns órgãos
administrativos nem sequer expõem os fundamentos da decisão, disponibilizando somente o
resultado do indeferimento ou deferimento do recurso126.
Por isso, é essencial ter em vista as disposições normativas do ordenamento jurídico
brasileiro que ratificam a necessidade de fundamentação das decisões, bem como as obrigações
normativas que decorrentes da coerência e unidade do ordenamento que viabilizem considerar
a utilização dos precedentes administrativos.
Nessa toada, deve-se observar quais normas do Direito Administrativo, além do Código
de Processo Civil, permitem essa análise, para, em momento seguinte, analisar quais
mecanismos devem ser utilizados para concretizar o escopo de sistematizar o trabalho com os
precedentes administrativos no ordenamento jurídico pátrio.
No que se refere aos precedentes, vislumbra-se, como já explanado em capítulo anterior,
uma série de dispositivos legais previstos na Lei nº 9.784/1999 e em outros regulamentos 127 que
possibilitam constatar que os atos administrativos motivados podem constituir precedentes
administrativos e que há o dever de observância desses precedentes nas decisões sucessivas,

125
Nos termos do que dispõe o artigo 2º, parágrafo único, inciso VII, da Lei de Processo Administrativo Federal
(Lei nº 9.784/99).
126
Nesse ponto, importante ver a repercussão dessa necessidade de transparência das razões da decisão a nível
estadual, uma vez que tramitava na Assembleia Legislativa do Rio Grande do Norte Projeto de Lei nº 126/2015,
de iniciativa do Deputado Gustavo Fernandes, que tratava sobre a obrigação do DETRAN/RN de fundamentar
suas decisões sobre as multas imputadas, para impedir que apenas fosse divulgado o resultado de deferimento ou
não. Esse Projeto de Lei, embora tenha sido aprovado pelo Parlamento Estadual, sofreu veto do Governador do
Estado sob a justificativa de que o Projeto estava eivado de vício de validade, tendo em vista que afrontava a
Constituição Estadual à medida que buscava definir atribuições para o Poder Executivo, bem como tratava sobre
matéria reservada à disciplina de lei complementar de iniciativa do Chefe do Poder Executivo. Razões de veto
Projeto de Lei nº 126/15. Disponível em:
<http://www.adcon.rn.gov.br/ACERVO/cge/DOC/DOC000000000143144.PDF>. Acesso em: 17 nov. 2017.
127
Como já analisado no capítulo 03, há disposições específicas elaboradas por cada órgão administrativo que
teriam o condão de ajudar a reger uma dinâmica de atuação da Administração a partir dos precedentes de modo
vinculado.
44

mas há também flexibilidade nessa observância (distinguishing e overruling). Dessarte, pode-


se afirmar que a legislação brasileira disciplina a atuação através dos precedentes
administrativos por meio de uma permissão normativa geral, já que o citado diploma legal prevê
disposições genéricas voltadas à atuação administrativa em conformidade com os precedentes
que ela mesmo elabora.
Diante disso, ainda que o reconhecimento da utilização de precedentes de forma
vinculante ocorra de um modo geral pela Lei de Processo Administrativo Federal, salienta-se
que existem requisitos primordiais para a utilização de precedentes administrativos de forma
vinculada, nos termos do ordenamento jurídico brasileiro.
Ressalta-se, preliminarmente, que um dos primeiros requisitos para a utilização do
precedente com efeito vinculante pela Administração Pública é a legalidade. Para isso, o
precedente deve estar em consonância com o princípio da legalidade, porquanto não é
admissível que a Administração possua o dever de obediência a uma atuação contra legem.
Mais uma vez, deve-se recordar que o princípio da legalidade, atualmente, assume uma feição
mais ampla com uma abordagem para além da lei em sentido estrito, a partir da juridicidade,
consoante se expôs no tópico 3.2 deste trabalho.
À vista disso, entende-se que a atividade administrativa normativa (incluindo nessa o
precedente administrativo) é submetida à lei, mas também aos princípios constitucionais, para
ser considerada legítima, tendo como base o ordenamento jurídico brasileiro, e vincular o agir
administrativo.
Outro aspecto crucial para aplicação de um precedente de maneira vinculada é a
similaridade objetiva entre os pressupostos de fato e de direito. Ou seja, verifica-se a identidade
dos elementos objetivos dos casos (anterior e sucessivo), sendo eles os fatos relevantes e as
normas jurídicas superiores incidentes128, conforme ocorre nos ordenamentos jurídico filiados
ao common law explanados no Capítulo 02.
O uso da técnica destacada no Capítulo 02 exige que se façam analogias fáticas entre os
dois casos para que se possa utilizar a mesma ratio decidendi – fatos determinantes ou situação
fática relevante do caso –, o que permite a igualdade de tratamento entre os administrados.
Assim, identifica-se quais foram os fatos relevantes do caso anterior que permitiram chegar a
determinada solução e qual a situação fática relevante do caso posterior, verificando-se em que
aspectos elas se igualam ou se diferenciam, para que seja viável ou não a aplicação da mesma
solução jurídica.

128
LUVIZOTTO, Juliana Cristina. Precedentes administrativos e a vinculação da atividade administrativa.
Curitiba: Juruá, 2017. p. 183-184.
45

Ou seja, é premente que haja a semelhança do precedente com o caso atual sob
julgamento tanto nas circunstâncias de fato como nas regras de direito que serão aplicadas na
decisão para solucionar o conflito, tendo em vista que a alteração de um dispositivo legal ou
preceito constitucional pode alterar por completo a interpretação naquele caso. Cabe ao
administrado, que se pauta por determinado precedente, o ônus de demonstrar a autoridade
administrativa essa identidade fática entre os casos com o intuito de garantir o mesmo
tratamento.
Outrossim, também é requisito do precedente para que vincule a Administração é a
relação entre os sujeitos afetados. Em outras palavras, pretende-se, com isso, notabilizar que só
é factível falar em aplicação vinculada do precedente a atividade administrativa quando estes
tenham origem na mesma Administração Pública – leia-se, na mesma pessoa jurídica de direito
público –, seja ela direta ou indireta. Dessa forma, em um mesmo ente federativo, não é
concebível que ocorram divergências entre órgãos administrativos que o compõem sobre a
mesma questão fático-jurídica129.
No que tange aos efeitos vinculantes dos precedentes administrativos no âmbito de uma
mesma pessoa jurídica de direito público, faz-se mister observar a extensão no campo horizontal
e vertical de atuação dos efeitos. O precedente, por conseguinte, deve ser acolhido, em sede de
decisões posteriores, pelo próprio órgão que o emitiu (exteriorização da extensão horizontal dos
efeitos), bem como deve ser observado pelos órgãos inferiores àquele (exteriorização da
extensão vertical dos efeitos), já que “os órgãos inferiores da Administração Pública devem
observar os precedentes emitidos pelos órgãos superiores dessa mesma Administração
Pública”130, de maneira assemelhada ao que ocorre com o precedente em processos judiciais.
Ainda sobre os efeitos vinculantes do precedente, para que possa mensurar uma atuação
administrativa em consonância com a segurança jurídica e a concretização do princípio da
igualdade, o órgão administrativo deve manter a observância nos precedentes emitidos na
relação horizontal. Por outro lado, é possível que o mesmo precedente administrativo exerça,
não efeito vinculante, mas persuasivo sobre órgãos administrativos que não integram a mesma
pessoa jurídica131.
Delineados os requisitos para que o precedente vincule a atuação da Administração
Pública, é forçoso elucidar as nuances decorrentes da operacionalização dos precedentes no

129
Ibidem, p. 186.
130
CARVALHO, Gustavo Marinho de. Precedentes Administrativos no Direito Brasileiro. São Paulo:
Contracorrente, 2015. p. 149-150.
131
LUVIZOTTO, Juliana Cristina. Precedentes administrativos e a vinculação da atividade administrativa.
Curitiba: Juruá, 2017. p. 188.
46

Direito Administrativo e a sistematização da jurisprudência administrativa. Porquanto, a


admissão de uma prática de tomada de decisões com precedentes administrativos não passa
unicamente por resistências teóricas, a forma de organização institucional e as dificuldades
operacionais também são empecilhos à utilização de precedentes administrativos no
ordenamento jurídico brasileiro e se mostram como barreiras para que as decisões
administrativas possam ter uma boa fundamentação.
A publicidade e a transparência em alguns órgãos administrativos ainda são pouco
desenvolvidas, para não dizer inexistentes. Contudo, a transparência no agir da Administração
Pública desperta o interesse daqueles que estão sujeitos à jurisdição administrativa, e também
de toda a coletividade, de acordo com Lei de Acesso à Informação (Lei nº 12.527/2011) 132, por
estar a segurança jurídica e a confiança dos administrados diretamente relacionada com a
atividade administrativa, visto que apenas com a publicidade das informações de maneira clara
para os indivíduos, é que, por tabela, demonstra-se a responsabilidade na atuação dos agentes
públicos133.
Nessa toada, a publicidade das decisões administrativas é imprescindível, já que o
administrado apenas saberá efetivamente como a Administração vem interpretando sobre
determinado tema se lhe for permitido acesso às informações utilizadas como base para a
decisão. Permanece vigente, no âmbito federal, o Decreto nº 4.520/2002 que estabelece a
exigência de publicação integral, em Diário Oficial, dos atos administrativos que possuam
motivação relevante para formação de precedentes134.
Contudo, se no período da promulgação desse Decreto em diante, os atos
administrativos eram levados a público a partir da publicação em diário oficial impresso, hoje,
com a internet e as ferramentas virtuais que aprimoram as consultas, está muito mais fácil e
rápido localizar informações específicas (com a proliferação dos instrumentos de pesquisa), de
modo a permitir um acesso mais amplo às decisões administrativas e suas razões.
É certo que a internet otimizou a publicidade dos atos administrativos e, com isso, ela
foi capaz de reduzir a assimetria de informações existentes entre a Administração e os cidadãos,

132
A Lei nº 12.527/2011 dispõe, no artigo 3º, ser regra a observância da publicidade como preceito geral e o sigilo
como exceção (inciso I); deve ser adotada como diretriz a divulgação de informações de interesse público,
independentemente de solicitações (inciso II); devem ser utilizados meios de comunicação viabilizados pela
tecnologia da informação (inciso III); deve ser fomentado o desenvolvimento da cultura da transparência na
Administração Pública (inciso IV); deve ser desenvolvido o controle social da Administração Pública (inciso V).
133
“É por meio da transparência dos atos de concretização do direito, materializada com ações conduzidas por
redes de atos governamentais e não governamentais que se pode ajudar a superar o déficit de força de concretização
das normas jurídicas”. LUVIZOTTO, Juliana Cristina. Precedentes administrativos e a vinculação da atividade
administrativa. Curitiba: Juruá, 2017. p. 280.
134
Artigo 2º, incisos do I ao VIII¸ Decreto nº 4.520/2002.
47

de forma a permitir um maior controle sobre a atividade administrativa. Essa desigualdade é


ainda menor quando se analisa as informações disponibilizadas no campo jurisdicional,
mormente nos processos judiciais de tribunais de segunda instância e tribunais superiores.
A despeito das recentes adoções da Lei de Acesso à Informação e da tendência de
virtualização do sistema a partir do governo eletrônico135, buscas aleatórias em sítios eletrônicos
de diversos órgãos administrativos revelaram que não existe um padrão no teor das informações
a serem divulgadas sobre os atos e processos administrativos, isto é, há grande disparidade no
nível de publicidade das decisões administrativas e dos elementos que as motivam.
Ademais, existem distinções na forma de apresentação dos mecanismos de pesquisa, no
nível de acesso à motivação e instrução dos processos, constatou-se também que nem todos os
sites permitem a utilização de filtros de busca que facilitem o acesso à informações específicas
sobre determinados temas, enquanto outros limitam as informações fornecidas à tramitação
processual unicamente do processo do interessado.
Tendo como parâmetro os sites dos Tribunais de Contas do país, observou-se nem todos
possuem um sistema que permite a publicidade de suas decisões e a facilidade de acesso às
informações. Veja-se, no sítio eletrônico da Corte de Contas do Estado do Rio Grande do Norte
há dois campos de pesquisa disponibilizados para o usuário, sendo um deles para processos em
específico – para o qual é necessário o número e ano do processo – e o outro para busca de
jurisprudência, neste último é exequível a consulta textual e por palavras-chave, são
disponibilizados também diversos arquivos com informativos136.
Por outro lado, no Tribunal de Contas do Estado da Paraíba, não é factível a realização
da busca ampla utilizando palavras-chave, por exemplo, tendo em vista só é disponibilizada a
pesquisa com os dados do processo ou do interessado137. Já na Corte de Contas do Estado do
Maranhão, só é permitida a busca de informações em prejulgados e com os dados do processo
ou do jurisdicionado138.
Em outros órgãos administrativos, não há disponibilização de informações satisfatórias
que permitam formar uma jurisprudência administrativa, realidade que impede o conhecimento
do histórico de decisões e da forma de interpretação realizada pelo órgão em determinados
casos, tornando obscura a concepção de legalidade, causando insegurança jurídica e,
comumente, desigualdade entre os administrados. É o que ocorre em algumas universidades

135
A expressão governo eletrônico, no Brasil, faz referência à incorporação das tecnologias da informação e da
comunicação nas atividades administrativas, principalmente nas interações com o usuário.
136
Disponível em: <http://www.tce.rn.gov.br/Jurisprudencia/Consulta>. Acesso em: 20 nov. 2017.
137
Disponível em: <https://tramita.tce.pb.gov.br/tramita/pages/main.jsf>. Acesso em: 20 nov. 2017.
138
Disponível em: <http://www.tce.ma.gov.br/scp/>. Acesso em: 20 nov. 2017.
48

federais, como a Universidade Federal do Rio Grande do Norte, na qual o interessado não
consegue ter acesso às recentes decisões da universidade, sendo disponibilizados para o público
somente informações sobre os processos licitatórios realizados. Porém, para a consulta até
mesmo do próprio jurisdicionado ao processo do qual faz parte (em área restrita do site) é
dificultoso o acesso e ainda carece de informações, uma vez que é disponibilizada a tramitação
processual e restritos detalhes sobre as decisões, limitando-se a deferimento e indeferimento.
Ante o exposto, constata-se que existem órgãos administrativos expedindo atos
administrativos em clara dissonância com os princípios da igualdade, publicidade, eficiência e
segurança jurídica, pois não disponibilizam suas decisões para os cidadãos, restringindo o
acesso à decisão ou à fundamentação somente aos diretamente envolvidos; ou, quando
permitem o acesso ao público, apenas cedem os dispositivos das decisões; e, por último,
disponibilizam as decisões e a motivação, contudo não há uma sistematização da jurisprudência
administrativa.
De plano, depreende-se que para uma atuação administrativa a partir de precedentes
administrativos é premente a prévia disponibilização das decisões e de sua fundamentação. Por
isso, é preciso ter a noção de que é imprescindível a publicidade de atos, decisões e seus
fundamentos, de forma a possibilitar uma pesquisa fácil e eficaz pelos usuários. Para tanto, é
necessário que os órgãos administrativos tenham pessoal qualificado para o desenvolvimento
desse serviço, sendo esse o primeiro ponto determinante em busca da solução dos problemas
aqui relatados.
Ainda que com o decorrer do tempo essas questões sejam solucionadas e os órgãos
administrativos passem a tornar públicas as informações adequadamente, o grande número de
decisões pode dificultar a identificação daquelas relevantes a ponto de serem consideradas
precedentes administrativos139.
Por essa razão, para que se promova uma atuação administrativa por meio de
precedentes, é importante que a Administração Pública se preocupe em intensificar a
disponibilização eletrônica das decisões com ferramentas de buscas de uso simples, mas com
uma grande complexidade de formas de pesquisa. Em conformidade com o que ocorre na
Inglaterra, onde é utilizado o sistema de Law reports, cuja característica é a seletividade das
decisões que serão reportadas, ou seja, menos decisões são disponibilizadas, com o escopo de
otimizar as pesquisas. Nesse sentido, a seleção ocorre com base nos seguintes vetores: i) a
inserção de uma nova regra ou novo princípio do direito; ii) a alteração de um princípio ou regra

139
LUVIZOTTO, Juliana Cristina. Precedentes administrativos e a vinculação da atividade administrativa.
Curitiba: Juruá, 2017. p. 285.
49

preexistente de forma considerável; iii) a solução de uma dubiedade presente em uma questão
de direito; iv) realizar uma nova aplicação para princípio já consolidado140.
Na mesma perspectiva, no âmbito da atuação administrativa brasileira, o Tribunal de
Contas da União (TCU), tendo em vista o grande acervo de decisões, já se empenhou em
disponibilizar aos usuários decisões selecionadas para a formação de uma base de dados, bem
como enunciados que asseguram a síntese dos fundamentos substanciais contidos na decisão,
para que, de fato, a sua jurisprudência passe a ser conhecida e utilizada 141. Com esse mesmo
objetivo, ainda permite ao cidadão a busca por temas e subtemas sistematizados, facilitando a
consulta e a compreensão da evolução do entendimento da Corte ao longo do tempo. Mas, é
importante lembrar que essas decisões selecionadas não excluem o campo de pesquisa das
decisões do Tribunal como um todo.
Todavia, não é possível ainda identificar diretamente essa base de dados de
jurisprudência selecionada elaborada pelo TCU com os precedentes administrativos da Corte,
porquanto não há identificação expressa do quanto aquela decisão selecionada influencia
efetivamente as decisões posteriores proferidas pelo Tribunal. Além do que, ainda é obscura a
noção do que verdadeiramente seria uma decisão que se constituiria em precedente
administrativo no TCU.
A ausência tanto no ordenamento jurídico pátrio quanto na doutrina brasileira de
definições e aprofundamento sobre precedente administrativo dificulta a sistematização da
jurisprudência na Administração Pública. Porém, compreende-se que a publicidade das
decisões administrativas é o caminho a ser trilhado para possibilitar uma razoável
operacionalização do precedente administrativo, conjuntura que só será possível com o
empenho dos órgãos administrativos nesse sentido.

140
MOCCIA, Luigi. Comparazione giuridica e Diritto Europeo. Milão: Giuffré, 2005. p. 529-530 apud
LUVIZOTTO, Juliana Cristina. Precedentes administrativos e a vinculação da atividade administrativa.
Curitiba: Juruá, 2017. p. 285.
141
Disponível em: <https://contas.tcu.gov.br/pesquisaJurisprudencia/#/>. Acesso em: 20 nov. 2017.
50

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Do exposto, depreende-se que o precedente é uma inovação no ordenamento jurídico e


está em processo de consolidação, principalmente no que atine ao Direito Administrativo, tendo
em vista que ainda é um tema pouco abordado na doutrina pátria e indiretamente tratado nas
normativas dos órgãos administrativos, porquanto o Brasil não possui um conceito legislativo
em normas gerais do que seria precedente administrativo.
A tradição da lei em sentido estrito como única fonte e a ausência de desenvolvimento
da cultura do precedente, aliadas a má utilização do precedente (apenas com a transcrição das
partes dispositivas das decisões e a inexistência de analogia fática entre os casos), pode não
permitir uma aplicação técnica e adequada dos precedentes no âmbito administrativo.
Além disso, outro fator determinante é o caráter individualista das decisões
administrativas que costumeiramente são compreendidas como únicas, característica reforçada
pelos órgãos administrativos que raramente divulgam suas decisões e fundamentos ou permite
o acesso somente ao interessado, de maneira a não enxergar que a decisão administrativa
interessa à toda sociedade, além de ter importância significativa para outros órgãos e para o
desenvolvimento estável do próprio direito.
Cumpre ressaltar que qualquer centro decisório, mesmo que não pertencente ao Poder
Judiciário, deve preocupar-se com a uniformidade das suas decisões. Isso advém da
preocupação com relação à estabilidade das suas decisões, o comprometimento com a igualdade
de tratamento perante seus jurisdicionados e com a ampliação do conceito de legalidade.
Desse modo, qualquer órgão judicante tem, ao aplicar o direito, o dever de saber o que
já foi decidido anteriormente, para não contradizer seus próprios posicionamentos e para melhor
fundamentar sua decisão. Uma vez que a inconstância decisória leva à fragilização das
instituições, pois não há como manter a confiabilidade quando se tem constantes variações de
comportamento.
Por isso, pode-se afirmar que há sim espaço viável para atuação administrativa por meio
de precedentes administrativos, mesmo em um país essencialmente de civil law, já que os
precedentes têm sua atuação determinada pela aplicação da norma. Todavia, ainda há muito o
que aprimorar na esfera da organização institucional dos órgãos administrativos, para assegurar
a operatividade dos precedentes administrativo e, como consequência, a sistematização da
uniformidade da jurisprudência desses órgãos.
Primeiro ponto crucial a ser trabalhado é a ausência ou restrição a publicidade de
decisões e seus fundamentos em certos órgãos administrativos, e a dificuldade de sistematizar
51

qual entendimento vem sendo elaborado pela instituição no desenvolvimento da atividade


decisória.
Os resultados auferidos a partir da utilização dos precedentes pela Administração
Pública são proveitosos e, em razão disso, devem ser descritos: assegurar um melhor controle
das próprias decisões exaradas pela Administração Pública em razão do desestímulo à
litigância, pois a previsibilidade das decisões pode dissuadir a propositura de demandas, além
de dar mais credibilidade às instituições; desenvolvimento do direito com o enriquecimento das
motivações das decisões pelo uso do precedente administrativo; garantir a legitimidade dos
posicionamentos técnicos dos órgãos administrativos e facilitar a efetivação da decisão
administrativa, assim como assegurar a sua coerência.
Dessarte, ainda que pareça ser simples elencar as vantagens da formação e utilização
dos precedentes administrativos no agir da Administração, é complexo e dificultoso determinar
de maneira precisa a forma como os precedentes devem ser manejados na atuação de todos os
órgãos administrativos, considerando sua identificação, disponibilização e aplicação nos casos
concretos. Esses aspectos ainda demandam o debruçar mais aprofundamento sobre o tema, com
o auxílio de estudos científicos vindouros sobre o tema e, quem sabe, disposições legislativas
específicas.
52

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