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Mídia e deliberação pública: mediações possíveis

Rousiley C. M. Maia*, Ph.D


Universidade Federal de Minas Gerais
Rousiley@fafich.ufmg.br

Resumo:
Este artigo tem por objetivo examinar o papel que a mídia desempenha na deliberação pública, com foco
na luta entre as fronteiras de visibilidade/invisibilidade pública. Algumas tensões e contradições presentes
no campo dos mídia são reexaminadas, a fim de discutir as funções normativas da mídia (como vigilante;
como fórum para o debate pluralista e como mobilizadora da ação política) para a pré-estruturação da
esfera pública política nas democracias constitucionas. Indaga-se acerca da possibilidade de
interpenetração de fluxos comunicativos no espaço de visibilidade midiático, criando espaços
generalizados de discussão e gerando múltiplos foci de opinião que se afetam uns aos outros de forma
relativamente livre.

Democracia deliberativa: complexidade e públicos fortes e fracos

Discussões recentes acerca da democracia deliberativa abriram novas perspectivas para


que se examinem as estruturas simbólicas e discursivas que acompanham a luta entre as
fronteiras da visibilidade/segredo no chamado campo dos mídia. O espaço de
visibilidade midiática promove uma complexa relação entre os atores das instâncias
formais do sistema político e aqueles da sociedade civil, bem como entre a política e a
cultura. Existem diversas definições sobre democracia deliberativa. Para nossos
propósitos, podemos entendê -la como:

um modelo para a organização do coletivo e do exercício público do poder nas principais


instituições de uma sociedade, baseado no princípio de que as decisões afetando o bem-
estar de uma coletividade devem ser o resultado de um procedimento de deliberação livre
e razoável entre cidadãos considerados iguais moral e politicamente (Benhabib, 1996:69)

É condição necessária para a obtenção de legitimidade e racionalidade para o processo


de tomada de decisão na política que as instituições sociais sejam organizadas de tal
modo que aquilo que será considerado como o “interesse comum” resulte de um
processo de deliberação coletiva. A amplitude das instituições modernas, no entanto, faz
com que seja extremamente difícil imaginar a coordenação das decisões políticas,
através das práticas do debate. Os ideais da democracia deliberativa parecem “viáveis”
apenas em pequenas escalas espaciais e temporais.

A fim de solucionar as dificuldades da democracia radical, a qual pressupõe que a


soberania popular deva ser exercida ativamente pelo conjunto dos cidadãos, alguns
autores têm promovido a distinção entre a deliberação pública 1 e o poder de tomada de

* Rousiley C. M. Maia é professora adjunta no Departamento de Comunicação Social da UFMG e


doutora em ciência política pela University of Nottingham. Este trabalho apresenta resultados parciais do
projeto de pesquisa Modernidade e Mídia: a reabilitação da experiência, financiado pelo CNPq e
FAPEMIG.
1
decisão nas instituições complexas. Habermas (1997) distingue entre a “constituição da
opinião” na esfera pública informal e a “formação da vontade” formal das instituições
políticas como uma característica central do Estado Constitucional. De maneira
semelhante, Nancy Fraser (1992) elabora uma distinção entre “públicos fortes” e
“públicos fracos”, segundo o poder de decisão dos mesmos. Tal demarcação tem o
intuito de preservar a dimensão crítica do público, como a contestação sobre o modo
pelo qual os representantes exercem o poder, a formulação de demandas e a
reivindicação de direitos para abrir novos espaços de participação política. Tal
perspectiva tem sido também ampliada pelos teóricos dos movimentos sociais, os quais
buscam entender as associações difusas presentes na sociedade civil como atores
particularmente críticos e ativos politicamente. Isto é, as associações voluntárias e os
movimentos sociais são vistos como efetivamente capazes de articular projetos políticos
alternativos, e de propagar, em outros grupos da população, o interesse em suas causas
ou questões, e, assim, exercer uma pressão relevante naqueles que detêm o poder de
decisão.

Nas sociedades complexas, o sistema de mídia passou a desempenhar um papel central


na disseminação de informações a uma audiência cada vez mais ampla. Entender a
realização das discussões públicas ampliadas exige que se preste atenção à estrutura e à
organização dos meios de comunicação. Como notou Wolton:

Uma sociedade que, no plano econômico, político e cultural, se baseia no grande


número (…) pressupõe a existência de um espaço público alargado mediatizado
(Wolton, 1995: 168).

Minha proposta neste artigo é rever as contribuições dos estudos que visam inserir os
meios de comunicação na estrutura da sociedade de maneira ampla, a fim de examinar o
papel que eles exercem na pré-estruturação da esfera pública política. Em primeiro
lugar, reexamino a noção de “campo dos mídia” e as tensões que perpassam os
processos de mediação dos atores sociais e das esferas diversas. Em segundo lugar,
discuto, a partir de algumas funções políticas da mídia, o modo pelo qual o chamado
espaço de “visibilidade midiática” promove uma interação horizontal entre os vários
grupos representantes do centro do sistema político e, verticalmente, entre os
representantes e os representados e ainda desses últimos entre si. Argumento que o
espaço de visibilidade criado pela mídia contribui para a promoção de um diálogo
público generalizado, que informa e reconstitui os espaços de discussão não midiáticos
e as esferas públicas locais, mais restritas. Procuro evidenciar, de tal modo, a maneira
pela qual a mídia contribui para criar uma base reflexiva para a promoção da
deliberação pública nas sociedades complexas.

1
A “deliberação pública”, seguindo a definição de Bohman, é “um processo dialógico de troca de razões
com o objetivo de solucionar situações problemáticas que não podem ser estabelecidas sem a
coordenação e cooperação interpessoal” (Bohman, 2000: 27). Nesse sentido a deliberação política não
possui um domínio singular; “inclui atividades tão diversas quanto a formulação e a obtenção de metas
coletivas, a tomada de decisões da política sobre meios e fins, o esclarecimento de conflitos entre
princípios e interesses, a resolução de problemas tais como emergem na vida social” (Bohman, 2000: 53).
2
Revendo o Campo dos mídia

A noção de “campo dos mídia”, tendo como origem a teoria geral de Bourdieu (1989)
sobre os campos sociais, torna -se particularmente relevante para examinar o papel que a
mídia desempenha na pré-estruturação da esfera pública política. Podemos chamar de
campo dos mídia um campo relativamente autônomo, organizado por instituições
específicas, contendo uma ordem axiológica própria e um sistema de especialistas, com
a função básica de produzir a mediação entre os demais campos sociais. Neste sentido, a
especificação do termo “mídia”, proposta por Adriano Rodrigues, implica num sentido
mais lato do que a expressão anglo-saxônica “mass media”.

Enquanto a expressão ‘mass media’ designa habitualmente o conjunto dos meios de


comunicação social (imprensa escrita, radio-difusão sonora e televisiva, publicidade
e cinema), campo dos midia 2 é a designação para dar conta da instituição que se
instaura na modernidade, abarcando, portanto, todos os dispositivos, formal ou
informalmente organizados, que têm como função compor os valores legítimos
divergentes das instituições que adquiriram nas sociedades modernas o direito a
mobilizarem autonomamente o espaço público, em ordem à prossecução dos seus
objetivos e ao respeito dos seus interesses (Rodrigues, 1990: 152)

Evidentemente não se pode tratar as diversas modalidades de mídia como categorias


uniformes, internamente homogêneas. Há diferenças irredutíveis entre diferentes tipos
de mídia, tais como a internet, jornais impressos, estações de rádio, canais de televisão,
todos com formatos distintos de organização e regulamentação. Não obstante a
variedade e pluralidade dos meios e de sua estruturação, é possível falar em “campo dos
mídia” como um campo de instituição social, assim como o religioso, o militar, o
político, o científico, o econômico. Segundo Adriano Rodrigues, a função básica deste
campo seria conferir visibilidade pública às questões coletivas da vida social, mediar e
dar expressão aos atores provenientes dos demais campos, promovendo a inserção da
fala desses na cena pública.

Este quadro teórico tem a vantagem de inserir os meios de comunicação, de maneira


ampla, na estrutura e nos processos da sociedade, ao entendê -los como um conjunto
institucional, com regras próprias e um corpo de profissionais especializados. Nesse
quadro, a noção de “mediação” oferece um modelo que supera a visão reducionista de
uma única modalidade de mídia e chama a atenção para as diferentes ordens de tensão
existentes nesse campo, tais como as regras mercadológicas e a lógica das organizações
empresariais; os preceitos e as normas éticas da corporação profissional e as relações,
ora de colaboração, ora de hostilidade que se estabelecem entre os agentes da mídia e os
demais atores sociais. Para a aplicação política, tal modelo permite conceber os “efeitos
da mídia” como um resultado agregado e, assim, contribui para relativizar as
abordagens que tendem a conceder uma atenção exclusiva na chamada “manipulação da
mídia”, seja como porta-vozes de elites, seja como instrumentos de banalização da vida
pública, como discutirei adiante.

2
Adriano Rodrigues utiliza o termo “campo dos media” e “media”; estarei utilizando “campo dos
mídia” e “mídia”
3
Contudo, a afirmação de Rodrigues de que a função básica do campo dos mídia estaria
associada à necessidade de composição de diferentes valores, objetivos e interesses dos
diversos campos mostra-se problemática. Qual seria a função de telenovelas e
programas de auditório, desenhos animados, missas televisionadas, ou programas
educativos? Se por um lado esses programas podem trazer à tona temas políticos
relevantes, por outro, não podemos atribuir a eles apenas esta função. Os princípios de
publicidade e transparência, visando promover a “composição de diferentes valores,
objetivos e interesses”, dizem respeito a uma função essencialmente política, que não
exaure outras possíveis. Especificar e qualificar as “funções” da mídia diante da
organização dos diferentes campos sociais demanda estudos específicos.

A fim de qualificar melhor o papel que a mídia exerce na mediação política, podemos
identificar três funções políticas do sistema midiático, mais especificamente associados
ao jornalismo, nas sociedades democráticas 3 , como sendo a) aparelho de “vigilância”
para as liberdades políticas e civis; b) fórum para o debate pluralista; c) agente de
mobilização para a participação cívica. Certamente, outros critérios podem mostrar-se
disponíveis para examinar o desempenho da mídia no campo político. Não obstante,
esses critérios mostram-se afinados com os princípios e ideais da política moderna e a
correlata constituição da esfera pública política.

Há muito se reconhece que o jornalismo, em sua função de vigilante, deve escrutinar as


autoridades políticas e as instituições públicas, a fim de fazer com que os dirigentes
sejam responsáveis por suas ações. Desde Edmund Burke, o “quarto estado” tem
tradicionalmente sido visto como um dos meios clássicos de promover os “checks and
balances” na divisão dos Poderes. Como fórum para o debate pluralista, a noção de
Habermas de “esfera pública” permanece altamente influente, seja como arena de
debate mediando o Estado e os cidadãos, seja como espaço da comunicação orientada
ao entendimento (facilitando a deliberação informada sobre as questões mais amplas da
agenda política). Nesta dimensão, o sistema jornalístico deve funcionar, de maneira
mais geral, como o “canal” que proporciona aos governantes e aos governados as
oportunidades para a efetiva comunicação uns com os outros. A concepção do
jornalismo como agente de mobilização diz respeito à possibilidade, deste, de gerar

3
Segundo Gurevitch, os meios de comunicação devem desempenhar normativamente os seguintes papeis
nas democracias constitucionais:
1 Vigiar o ambiente sócio-político, trazendo a público desenvolvimentos capazes de interferir,
positiva ou negativamente, no bem-estar dos cidadãos.
2 Definir as questões significativas da agenda política, identificando as questões -chave, bem como as
forças que as conceberam e que podem trazer uma solução.
3 Estabelecer as plataformas que permitem aos políticos, aos porta-vozes de outras causas e de outros
grupos de interesses, defender suas opiniões de modo inteligível e esclarecedor.
4 Permitir o diálogo entre diferentes pontos de vista e entre detentores de poder (atuais e futuros) e
público de massa.
5 Criar mecanismos que permitam acionar os responsáveis para prestar contas sobre o modo como
exercem o poder.
6 Incentivar os cidadãos a aprender, a escolher e a se envolver com o processo político, abandonando a
função de meros espectadores.
7 Resistir, em nome de princípios bem definidos, aos esforços exteriores à mídia que visam subverter
sua independência, sua integridade e sua capacidade de servir ao público.
8 Respeitar os membros do público espectator e leitor como virtuais envolvidos e capazes de entender
seu ambiente político. (M Gurevitch e G. Blumer Democracy and the mass media citado em
Habermas, 1997:112).
4
conhecimento político e engajamento cívico. Por este critério, podemos considerá-lo
bem sucedido se encoraja a aprendizagem sobre a política e as questões públicas, se
estimula o interesse e a discussão dos cidadãos, motivando o público a participar através
dos canais disponíveis para o ação cívica.

Tensões e contradições do campo midiático

Diversos autores têm indagado a respeito do papel que a mídia exerce na organização da
esfera pública no contexto da política moderna (Habermas, 1984, 1997; Calhoun 1992,
Garham 1992; Fraser, 1993; Dalgreen, 1995; Gomes, 1997, 1999a). Entre os teóricos
críticos, coloca-se em dúvida a possibilidade de a mídia massiva funcionar como uma
esfera para um debate crítico racional, por causa de seu caráter comercial e das relações
de interesse que estabelece com as elites e os grupos dominantes na sociedade. O meu
argumento é o de que, embora a mídia não esteja organizada inteiramente em torno de
linhas democráticas, e apresente inúmeros deficits e patologias em suas funções
políticas, somente ela pode preencher algumas funções cruciais para o exercício
ampliado da deliberação pública, nas sociedades complexas.

Trabalhar com a noção de campo dos mídia permite pensar as condições institucionais
gerais em que as práticas de mediação operam, no que diz respeito ao modo pelo qual as
estruturas e instituições midiáticas são organizadas e se reproduzem para a produção e
circulação da informação. Por certo, o campo jornalístico constitui um alvo prioritário
da ação estratégica dos diversos agentes sociais, sobretudo dos atores do campo
político. Contudo, é preciso salientar a autonomia relativa própria do campo dos mídia,
a qual se expressa a partir da interpenetração de diferentes ordens de tensão aí
presentes. São elas:

1) Tensões de ordem organizacional/econômica e relações de interesse que se


estabelecem entre as empresas de comunicação e as elites políticas, grupos de
pressão ou membros da sociedade civil.

As teorias pluralistas da democracia enfatizam que, como um fórum para debate, o


sistema de mídia deve refletir a diversidade política e cultural dentro da sociedade,
proporcionando um balanço justo e imparcial, de tal modo que todas as vozes possam
ser ouvidas nos processos de deliberação política. A estruturação policêntrica dos meios
de comunicação e de sua interação competitiva deve favorecer a diversidade e a
concorrência das perspectivas existentes numa dada sociedade. O balanço pode ser
definido em termos de diversidade externa e interna (Norris, 2000: 27). A noção de
diversidade externa diz respeito à competição entre diferentes outlets de mídia,
oferecendo aos cidadãos uma escolha variada de perspectivas políticas alternativas
necessárias para preservar o pluralismo 4 . A noção de diversidade interna enfatiza a
diversidade no âmbito da reportagem. Nesse sentido, o jornalismo deve apresentar
perspectivas múltiplas e contrastantes dentro de suas colunas, um balanceamento entre
visões diferentes, comentários conservadores e liberais. A diversidade interna preserva
4
Como modelo da diversidade externa, Norris toma como exemplo os jornais impressos ingleses, muitos
fortemente ligados aos partidos políticos. No caso da diversidade externa, a autora ressalta que o modelo
típico de coberturas favorecendo um tipo de balanceamento “expressando de maneira justa a posição de
ambos os lados da disputa” é um dos modos mais comuns dos jornalistas entenderem a objetividade
(Norris, 2000: 27-28)
5
o pluralismo, mesmo com uma escolha restrita de jornalismo impresso ou televisivo,
dentro de um mercado particular.

A necessidade da diversidade para um debate pluralista eficaz tem alimentado boa parte
da crítica ao sistema dos mídia. O monopólio de grandes conglomerados torna
evidentemente precária a competição entre os veículos e compromete a oferta de
perspectivas políticas alternativas. Se a maioria dos outputs dos jornais favorece apenas
um ator político, partido, ou ponto de vista ou, ainda, se exclui os partidos menores e as
perspectivas minoritárias, reduz-se o ambiente informativo. A oferta ampla e
diversificada de canais de acesso ao campo de discursos públicos e a distribuição
relativamente equânime do poder de agenda entre os veículos são elementos
imprescindíveis para a efetivação das premissas de participação e de competição no
processo democrático.

Não obstante, se entendemos o sistema político como uma “estrutura global de centros
de influência e informação plurais e diversas” (Sartori, 1989: 139), o próprio sistema
político torna possível que as instituições da mídia possuam graus distintos de
autonomia política frente às instâncias do centro do sistema político. O Executivo, o
Judiciário e o Legislativo, por exemplo, possuem relacionamentos distintos com a
mídia. Como discute Lattman-Weltman, isso varia em função do grau em que um
Poder esteja mais ou menos sujeito ao escrutínio público, mais ou menos sujeito a
sanções afetadas por mecanismos dependentes de Publicidade.

O papel da mídia neste quadro tem de se fazer sob condições dadas pela estruturação
institucional “prévia” do sistema, o qual poderá fazer – e freqüentemente fará – com que
a intervenção midiática possua pesos estratégicos diferenciados para o (des)equilíbrio
do sistema, em função mesmo do peso igualmente diferenciado que a variável
publicidade guardar para cada Poder. Assim, dadas estas prováveis desigualdades de
situação frente à Publicidade, os Poderes oficiais também deverão contar com diferentes
competências específicas – mais ou menos estruturais – para transacionar com a mídia
(Lattman-Weltman, 2001)

Ademais, se adotamos uma visão ampliada de política, não apenas restrita às


instituições políticas formais e ao contexto eleitoral, mas, também, abrangendo
polêmicas que se desdobram na sociedade civil e na vida cotidiana, é preciso valorizar o
papel da mídia de dar visibilidade a questões controversas, revitalizando as discussões
políticas e as práticas democráticas. Nessa perspectiva, se as sociedades
contemporâneas são concebidas como altamente complexas, diferenciadas em sub-
sistemas funcionais, e com sistemas valorativos plurais, não podemos adotar uma visão
linear das relações que os agentes da mídia estabelecem com os atores sociais. Há na
sociedade funcionalmente diferenciada, altamente complexa, um grande potencial para
conflito, uma distribuição policêntrica de poder e uma dispersão de influência, de
autoridade e de controle em direção a uma diversidade de instituições, associações e
grupos políticos. Assim sendo, a relação que os agentes da mídia estabelecem com
diversos atores, particularmente as elites, quer prossiga através de modalidades de
cooperação, visando o fortalecimento de sua legitimidade, quer se desenvolva através de
modalidades conflituais, de exacerbação das divergências e dos antagonismos, não se
pode estabelecer uma causalidade direta na relação. É mais plausível entender tal

6
relação a partir de um padrão complexo de interações, ao invés de considerá-la como
qualquer relação singular.

Por fim, para se examinar se os fluxos da mídia massiva podem efetivar-se de maneira
ampla, diversificada e contraditória, é preciso estar atento também para a crescente
variedade de mídias especializadas, rádios comunitárias e utilização da internet. Nesses
termos, o sistema contemporâneo de mídia encampa uma rica proliferação alternativa de
formatos, segmentados por nichos de consumo sócio-cultural, conforme categorias de
gênero, classe, etnia e geração; rádios comunitárias e grupos de discussão na internet.
Tais mídias, sejam especializadas, comunitárias ou alternativas, não possuem
evidentemente o poder de alcance dos meios massivos. No entanto, estudos diversos
vêm sendo desenvolvidos acerca das tensões criadas entre os focos e enquadramentos
da mídia massiva e aqueles construídos pela mídia especializada e as possibilidades de
re-elaboração discursiva dentro de grupos específicos (Sreberny-Mohammadi et all
1997; Castells, 1996)

2) Tensões de ordem normativa/ética do campo profissional.

Os princípios que “orientam” a organização da imprensa livre e o código profissional


dos jornalistas encontram-se baseados nos ideais da transparência e da independência
frente aos atores políticos. Neste aspecto, não se trata propriamente de examinar o
desempenho “real” dos meios de comunicação de massa, de elucidar o quão “eficiente”
é a mídia para escrutinar o ambiente sócio-político, de quão “imparcial” é para
estabelecer uma plataforma para o debate público, ou de quão “capaz” é de promover o
diálogo entre diferentes pontos de vista, entre os detentores do poder e o público
ampliado. Trata-se, também, da própria definição do papel político dos meios de
comunicação e de suas formas legítimas de ação nas democracias contemporâneas – daí
o poder do componente normativo, caracterizado como um conjunto de expectativas.
Como propõe Habermas,

mesmo que pudéssemos opinar sobre quem dispõe do poder dos meios, não teríamos
clareza sobre o modo pelo qual os meios de massa afetam os fluxos intransparentes da
comunicação da esfera pública política. No entanto, são mais claras as reações
normativas dos complexos dos mídia” (Habermas, 1997:111).

Ainda que a imprensa livre fique muito aquém de seu ideário liberal, as funções
normativas de vigilância e de atuação como fórum cívico para o debate pluralista
continuam amplamente aceitas. Neste papel, os jornalistas investigativos se vêm no
dever de expor a corrupção oficial, os escândalos e as falhas do governo e de outras
organizações sociais. Em grande parte, permanece no imaginário popular a noção de
que a imprensa deve “defender as pessoas”, salvaguardando o interesse público e
desafiando as autoridades.

É sempre uma tarefa empírica examinar se o jornalismo age efetivamente de maneira


independente, de modo crítico e imparcial diante dos interesses dos poderosos ou se
abusa de padrões públicos, de maneira não pública. Não obstante, os princípios
reguladores da imprensa livre e a auto-compreensão ética da corporação concorrem pa ra
impedir que os atores políticos e sociais meramente utilizem os meios de comunicação

7
como porta-vozes de seus próprios interesses ou transformem tranqüilamente seus
investimentos discursivos em influência publicitária.

Da mediação

Cabe aos agentes da mídia transformar um conjunto de ocorrências em acontecimentos


públicos, através da publicação ou difusão pelas mídias eletrônicas e digitais. A
constituição de um acontecimento ou questão em notícia significa dar existência pública
a esse acontecimento. Como os estudos sobre os news making ou aqueles do
enquadramento no jornalismo há muito vêm apontando, os eventos são construídos
pelos discursos que os apresentam, e são, assim, dependentes da percepção do
enunciador e de suas estratégias enunciativas. Os agentes da mídia são sempre co-
enunciadores e, enquanto membros de corporação profissional, dispõem de recursos
técnicos e certos esquemas peculiares de codificação, tais como, a pretensão de
apagamento da intervenção inevitável nos processos de seleção e edição, a averiguação
de fatos e a imputação ou não de credibilidade ao testemunho de um conjunto de
enunciadores. A visão de mundo dos jornalistas e as estratégias para a elaboração da
notícia pré-estrutura aquilo que deverá ser tomado como importante ou relevante, uma
vez que é através da mídia, em suas diversas modalidades, que temos acesso à maioria
dos eventos.

Os quadros (frames) da mídia organizam o mundo tanto para os repórteres que os


enquadram quanto para nós que confiamos em suas reportagens. … E isso acontece de
duas maneiras. Primeiro, a visão de mundo dos jornalistas afetará o caráter e o conteúdo
de quadros (frames) de inferências específicas usadas nos noticiários. Segundo, irá
estabelecer fronteiras gerais sobre a definição do local em que a notícia deve ser buscada,
de quem são os indivíduos importantes, as pessoas “pertinentes” para serem
entrevistadas” (GUMG, 1980: 22)

Os estudos dos news making e dos enquadramentos rompem com as abordagens


realistas do jornalismo e permitem contemplar as complexas relações entre as arenas
onde os problemas são passíveis de se tornar ou não notícias. Tais estudos tomaram
uma base decididamente empírica e, apesar das polêmicas em torno de suas
metodologias, convenceram a muitos pesquisadores e observadores de que a mídia
participa de maneira fundamental na construção social da realidade.

No entanto, os estudos do news making, ao focalizar a atuação dos jornalistas com


grupos de tomada de decisão, ou no impacto de um determinado evento na opinião
pública, tendem a negligenciar fatores contextuais e culturais mais amplos. Diversos
autores 5 vêm recentemente chamando a atenção para a “dinâmica interativa” do
processo de mediação proporcionado pela mídia como um processo circular. Nessa
perspectiva, propõe-se que o “processo geral de interatividade deve ser percebido em
sua amplitude – não se esgotando em uma ou outra instância empiricamente capturável
de interações” (Braga, 2001: 120). Por um lado, as relações entre o produtor e o produto
devem ser vistas fundamentalmente como de interatividade, considerando as demandas

5
Ver Becker et al, 2000:9; Dobkin, 1996: 87; França, 1998, Rubim,2000. Na perspectiva desses autores,
os interesses teórico e empírico na investigação dos processos de produção do sentido relacionados aos
meios de comunicação, de interpretação dos bens simbólicos midiáticos e de práticas concretas de
interação social tornam-se mais sérios e explícitos.
8
(resistências e solicitações) do próprio material em elaboração. Como expressa Braga,
“ainda que uma produção específica possa ser vista como inicial, na verdade, já surge
inscrita em processos mais amplos em andamento. (…) O produtor interage, na sua
produção, com fatos sociais, conforme as expectativas culturais e sociais sobre o
produto que elabora” (Braga, 2001: 120). Por outro lado, os receptores filtram
ativamente as formas simbólicas que circulam na mídia e organizam a própria
interpretação, através de conceitos intersubjetivamente partilhados. Como diz Braga, “O
produto interpela, oferece, solicita, direciona, argumenta, seduz – o usuário, interpreta,
responde, se apropria, contesta, seleciona, recusa: edita o material” (Braga, 2001:120).
A interpretação do produto se dá a partir de um conhecimento interpretativo anterior, à
luz do qual o receptor estabelece o que é relevante ou não, inscreve elementos assim
processados nas rotinas práticas da vida cotidiana, e utiliza tal material simbólico de
maneiras diversas, dentro de comunidades particulares e/ou contextos culturais e
políticos específicos.

É a existência de uma produção objetiva e durável (à diferença do modelo


conversacional), que viabiliza uma comunicação diferida no tempo e no espaço6 . Este
entendimento é particularmente importante para a discussão da esfera pública política.
Em suas formulações recentes, Habermas explicita o modo pelo qual a estrutura geral e
inevitável da comunicação se torna a base do discurso público. O espaço de interação
constituído lingüisticamente pode ser estendido a uma variedade de contextos, através
da escrita e de outras mídias. Em todos os casos, a comunicação é pública na medida em
que abstrai as características espaciais e indiciais da interação face a face. Através dessa
extensão da comunicação, novas dimensões temporais e espaciais da discussão
emergem.

O texto único ‘da’ esfera pública- um texto continuamente extrapolado e estendido


radialmente em todas as direções, está dividido por limitações internas em pequenos
textos para os quais tudo o mais é contexto. Assim, podem-se construir pontes
hermenêuticas de um texto para o outro (Habermas, 1996a, p.374).

A comunicação diferida no tempo e no espaço permite a criação de um tipo diferente de


audiência: um público não simultâneo de ouvintes, leitores e telespectadores. Para
nossos propósitos, interessa apontar que a generalização do contexto tem dois efeitos
práticos. A generalização para além do contexto específico e das características pessoais
dos falantes produz uma abstração e ambigüidades maiores. Por um lado, tal
generalização do contexto reduz a influência de características “privadas” da
comunicação, como a autoridade dos falantes individuais. A comunicação mediada é
difusa com relação aos destinatários e permite a ampliação numérica e a diversificação
dos interlocutores. Por outro lado, a generalização da comunicação pública – no sentido
daquela enviada a um público difuso e ilimitado–, aumenta a necessidade em relação a
uma constante interpretação e explicação. Os próprios atores, ao falar para uma
“audiência indefinida”, são requisitados a reduzir os códigos da linguagem

6
José Luiz Braga propõe a noção de “Interatividade diferida/difusa”, a fim de ultrapassar o recorte
simplista de “ações mútuas entre produtor e receptor”. Diz ele: “a preocupação é em captar o modo pelo
qual a interatividade desenvolve-se em conseqüência ou “em torno de ‘mensagens’ (proposições,
produtos, textos, discursos, etc) e como ela opera – seja nos casos pontuais, específicos, seja como
tendências, em relação a determinados tipos de produtos ou tipos de situação”(Braga, 2001: 120)

9
especializada, a fim de proporcionar maior inteligibilidade dos aspectos essenciais da
comunicação. Os agentes da mídia, por sua vez, cientes de que o material midiático
deve atingir as pessoas leigas em geral, buscam conformar a linguagem dos sistemas
especializados àquela da vida diária, permitindo um meio comum entre os códigos dos
especialistas e a linguagem das pessoas comuns, bem como a disseminação de certos
vocabulários especializados.

Da natureza do espaço de visibilidade midiática

A mídia, ao catalizar e processar fluxos comunicativos de origens distintas, administra


discursos públicos de uma maneira bem peculiar. Aquilo que aparece como uma dada
realidade no “palco da mídia” contribui para colocar em movimento lutas e interações
dentre e entre agentes sociais. Isso freqüentemente interfere, de maneira dinâmica, nos
próprios eventos e situações sociais a que se referem. Por questões de clareza,
examinarei tal processo, tomando como inspiração a discussão de Fernando Lattman-
Weltman (2001) sobre as dimensões horizontal e vertical, numa adaptação do modelo
de poliarquia Dahlsiano7 ao sistema da mídia.

O eixo vertical

Ao criar amplos “espaços de visibilidade”, a mídia permite o entrecruzamento de


informações derivadas do próprio cerne do governo e dos subsistemas funcionais, bem
como de especialistas e de atores vindos da sociedade civil. Como apontado acima, os
princípios de “visibilidade” e “publicidade” proporcionados pelo sistema plural de
mídia contribuem para reforçar o sistema de checks & balances, garantindo a
competição, a limitação e o auto-controle mútuo dos poderes oficiais. As funções de
vigilante e de fórum cívico dos mídia podem ser – e freqüentemente o são – utilizadas
de maneira estratégica por elites políticas em conflito, gerando efeitos agregados
imprevistos também no jogo competitivo da própria política.

A tentativa de políticos e elites de administrar a visibilidade e fazer repercutir discursos


e versões do próprio interesse constituem-se num campo de estratégias e contra-
estratégias. Trata-se de um campo em que uma pluralidade de agentes atuam
conjuntamente. Informações antes ocultas podem ser dadas a ver, atores sociais e
políticos contradizem-se uns aos outros; imagens, discursos e estratégias chocam-se
entre si, gerando pressões e contra-pressões no jogo político. A atividade não está
inteiramente sob o controle de nenhum sujeito singular. Assim, a administração de
imagens ou discursos dos personagens políticos no cenário de visibilidade midiática é
marcada por provisoriedade e alterações contínuas. Da perspectiva de cada ator, mesmo
que determinadas comunicações pretendam realizar certos efeitos, não se pode prever

7
Alertando para o fato de que as relações entre as duas dimensões são muito mais “íntimas, decisivas e
complexas do que a separação analítica em eixos claros e delimitados”, Fernando Lattman-Weltman
esclarece: “enquanto a dimensão vertical atuaria no campo delimitado classicamente pela própria noção
básica de representatividade do sistema – centrada basicamente na questão do processo eleitoral –, a
efetivação da dimensão horizontal é o terreno, igualmente clássico, das teorias de separação de poderes,
de criação de mecanismos de “checks & balances”. Ou dito ainda de outro modo (na linguagem
poliárquica): a dimensão vertical diz respeito mais diretamente ao eixo da participação, enquanto que a
horizontal se relaciona mais de perto com o eixo da competição institucionalizada” (Lattman-Weltman,
2000).
10
seus resultados, quais serão eles, quando ou como serão produzidos. Nesse sentido, a
visibilidade midiática cria uma nova base reflexiva e recursiva para atores específicos.
Tal base é recursiva na medida em o quadro assim produzido pode ser utilizado para
mudar as práticas da apresentação da imagem e do discurso na cena pública, diante de
um público indefinido de cidadãos.

A visibilidade dos mídia e o processo de mediação permitem confrontos diretos ou


virtuais, numa troca de visões/razões num processo de idas e vindas, que também se
ramifica para além da oposição inicial dos enunciados de cada falante. Em debates
específicos, particularmente em situações problemáticas, os atores são instados a se
posicionar publicamente. Nem sempre eles estão interessados em desvelar as suas
intenções – freqüentemente não o estão –, nem em produzir uma discussão
politicamente relevante, nem ainda em atingir algum tipo de equilíbrio, convergindo
interesses e visões. Apesar de todas as restrições à comunicação pública no sentido mais
forte da palavra, a tentativa de coordenar suas atividades, de modo particularmente
estratégico na cena de visibilidade midiática, pode levar alguém a dizer algo, ao ser
requisitado a dar respostas, de modo que não o faria de outra maneira. Diante de pontos
de vista e razões de outros, encampados no campo de visibilidade midiática, as falas e
os argumentos de um determinado ator podem revelar-se precários, parciais, míopes ou,
mesmo, inaceitáveis publicamente. A necessidade de manter a reputação ou o padrão
público de apresentação (de pessoa pública, responsável por seus atos) faz com que
alguns atores incorporem pontos de vista alheios em seus proferimentos e respondam às
críticas em interações subseqüentes. Nesta dimensão, a visibilidade midiática promove
um movimento constante na fronteira entre visibilidade e segredo, promovendo
modificações no conhecimento latente que alimenta as eventuais estratégias privadas
desses atores. Teríamos aí uma versão da máxima “vícios privados, virtudes públicas”.
Esta dinâmica é parte de um processo mais geral de interpretação, como discutirei
adiante.

O eixo horizontal

Os papeis do jornalismo como um fórum de debate e como vigilante asseguram as


condições apropriadas para que seja mantida a competição política no nível das elites.
Igualmente importante, para se ter certeza de que as escolhas refletem as prioridades do
público, é que os cidadãos precisam ser capazes de expressar suas preocupações e
configurar suas preferências de “baixo” para “cima”, a fim de atingir partidos e os
representantes eleitos.

No eixo vertical, como Fernando Lattman discute, ao adaptar o modelo de poliarquia


para o sistema da mídia, é importante estabelecer a distinção entre a participação dos
representados como: (a) consumidores de informação, no que toca à disseminação da
informação, a fim de que eles possam tomar conhecimento, interpretar, julgar e
“criticar” o desempenho dos representantes e o exercício do poder; e b) produtores de
informação, no que toca à capacidade dos representados de se fazer ouvir, propagar
interesses e discursos próprios, influenciando os representantes e os demais membros da
comunidade política.

Como discutido acima, o sistema plural dos mídia é valorizado para equilibrar o jogo
das elites com o Estado e os agentes dos meios de comunicação. A suposição que subjaz
11
é a de que o pluralismo e a complexidade das sociedades modernas contribuem para
uma melhor distribuição de custos e riscos entre os poderes oficiais e extra-oficiais do
sistema político, proporcionando também um ambiente informativo policêntrico, plural
e controverso. Além dessa dimensão, pensar a participação dos representados no
sistema político requer que coloquemos em questão o modo pelo qual o público adquire
e utiliza as informações e os conhecimentos da mídia.

De modo geral, o pensamento liberal tem tradicionalmente defendido que há uma


“informação ideal” sobre o governo e a política pública que todos os cidadãos precisam
conhecer: a estruturação do governo, quem (pessoas e partidos) o compõe, a substância
do que o governo faz, as plataformas dos partidos, o funcionamento das regras e normas
gerais, as estatísticas sobre as políticas públicas, etc.. . Nesse sentido, estudos diversos
vêm apontando que há uma grande ignorância do público, em geral, sobre negócios
públicos rotineiros, uma atenção reduzida sobre as ações do governo, sobre os
governantes e sobre as políticas partidárias (Pharr & Putnam, 2000: 7-27; Hardin, 2000:
36-41; Putnam, 1995). Apesar do aumento geral do nível de educação nas últimas
décadas nas sociedades democráticas, tais estudos têm demonstrado que a maioria das
pessoas retêm uma parcela mínima das informações relativas à política factual, expostas
nos noticiários jornalísticos, e que falham nos testes cívicos mais convencionais, tais
como identificar os representantes dos cargos políticos, o papel dos respectivos Poderes,
etc.. .

Para nossos propósitos 8 , interessa assinalar que tal visão tem fomentado um profundo
ceticismo quanto à possibilidade de o público aprender com a mídia, para chegar a uma
atuação política ativa. Se adotamos a perspectiva da democracia deliberativa e
definimos o político de maneira ampla, é preciso considerar também os papeis múltiplos
dos cidadãos, por exemplo, como titulares de benefícios sociais (e as disputas para
ampliação de direitos promovida pelas mulheres e comunidades étnicas, portadores de
deficiência física ou mental, etc..), como consumidores de alimentos transgênicos, como
ativistas preocupados com o aumento da violência urbana ou os riscos do poder nuclear,
além de seus papeis como eleitores.

Assim, faz-se necessário indagar acerca do conhecimento prático que os cidadãos


devem possuir a fim de proceder a julgamentos bem informados sobre a conseqüência
de suas ações. No âmbito do conhecimento prático, a capacidade para fazer escolhas
não requer uma compreensão especializada, gerada metodologicamente, tal como no
campo científico. O conhecimento prático não é da mesma natureza que aquele dos
especialistas. O conhecimento prático, no mundo da política, busca menos a apreensão
dos princípios e mecanismos que explicam os fenômenos, e mais a apreciação de certas
escolhas e subseqüentes linhas de ação. A capacidade dos cidadãos de decidir, por
exemplo, sobre os riscos do poder nuclear tem menos a ver com a apreensão exata do
conhecimento físico acerca de processos de fissão nuclear do que com o julgamento das
dimensões de tal risco e a distribuição deste risco entre os cidadãos.

8
Não caberia discutir, no âmbito desse artigo, as razões diversas que têm levado à apatia generalizada da
população em relação à política formal e processos e práticas democráticas, nas sociedades
contemporâ neas.
12
Ainda que os leigos possam e devam recorrer à perspectiva dos especialistas no intuito
de tornarem-se cidadãos bem-informados, o conhecimento prático engloba uma
racionalidade complexa, interpenetrada pela ação. Isso é fundamental para que os
cidadãos possam se engajar em discussões ético-políticas, transitando entre os reinos da
ciência, da lei e da moralidade, tomando diversas posições frente aos problemas da vida
social. Nessa perspectiva, não há uma definição formal sobre aquilo que deveria ser
considerado o conhecimento político ideal. Ao buscar o conhecimento prático,
assumimos que o tipo de informação mais útil ao cidadão é contextual e
multidimensional, associado às decisões específicas com as quais ele se defronta numa
determinada situação.

Se este é o caso, então, os cidadãos precisam de uma variedade de tipos de informações


políticas práticas – sobre riscos do câncer de pele, cuidados com a saúde física e mental
tanto quanto políticas de educação e segurança; problemas de assédio sexual em locais
de trabalho, entrevistas com membros do aparato governamental, especialistas e grupos
cívicos; avaliação jornalística sobre as estratégias de partidos; ou, ainda, comentários
editoriais e debates em campanha eleitoral. Isso posto, é incorreto assumir, como alguns
críticos o fazem, que a função cívica do jornalismo está limitada à cobertura das ações
governamentais e processos da política pública. Ao invés disso, como Norris defende,
“o ambiente jornalístico mais produtivo para o aprendizado público é aquele que
oferece uma ampla gama de informações políticas, numa acepção ampla, em diferentes
formatos e níveis, de modo que os cidadãos possam selecionar os tipos de informação
prática mais útil a eles” (Norris, 2000:227).

À guisa de conclusão: a interconexão dos eixos

Os meios de comunicação, tomados em seu conjunto, fazem circular materiais de


naturezas diversas: novelas, programas de auditório, documentários, ao lado das
diferentes modalidades de jornalismo. A visibilidade midiática, constitui-se, como diz
Wilson Gomes (1999a: 221), num “mar de sargaços”, um fundo por onde circulam
imagens de toda natureza, fragmentos de discurso sobre qualquer objeto, sem formar
um quadro unificado e coerente. É exatamente o volume informativo altamente denso e
diversificado presente no ambiente midiatizado, por um lado, e a inderterminação do
modo pelo qual os telespectadores, ouvintes e leitores adquirem e utilizam o
conhecimento mediado, por outro lado, que constituem o tremendo potencial da mídia
de pré-estruturar a esfera pública política.

No âmbito do jornalismo da mídia massiva, seria ingênuo supor que a mídia oferece
uma espaço equânime para os atores sociais divulgarem suas causas. Sabe -se bem que a
cobertura jornalística rotineira está fortemente relacionada ao centro do sistema político,
sendo que os grupos representantes têm maiores oportunidades de propor uma “agenda
política governamental” na mídia (Coob, Ross and Ross, 1976:133; Serra, 2001:97).
Diante da necessidade, por exemplo, de adquirir apoio público para implementar certas
políticas públicas ou para alcançar um tratamento formal de determinadas questões
pelos Poderes Legislativo ou Judiciário, personalidades políticas e representantes do
aparato estatal administrativo proc uram mobilizar a esfera pública, freqüentemente
tentando influenciar as manchetes jornalísticas e televisivas, através de realeases,
coletivas ou técnicas de marketing político. Atingem, assim, de cima para baixo, os
cidadãos e o eleitorado. Já aqueles atores, sobretudo da sociedade civil, que não têm
13
acesso regular ao campo jornalístico precisam “fazer notícia”, criando fatos noticiosos,
passeatas e demonstrações públicas. Como diz Traquina, para esses atores romperem
com as barreiras impostas pelo sistema de produção jornalística, eles precisam gerar
“surpresa, choque ou uma qualquer forma latente de ‘agitação’”. “Os menos poderosos
perturbam o mundo social para perturbar as formas habituais de produção de
conhecimento” (Traquina, 1995: 200).

As situações de crise são particularmente frutíferas para que se apreenda o modo pelo
qual os atores da sociedade civil adquirem maiores chances de propagar seus discursos,
influenciando os representantes e os demais membros da comunidade política. Quando
os mecanismos de regulamentação social se mostram deficientes e/ou falham, as formas
rotineiras de solucionar conflitos, a própria mídia tende a encampar as vozes outrora
desconsideradas. A contribuição desses atores se dá mesmo quando os atores políticos
formais não respondem, na cena pública, às objeções específicas. As vozes dissidentes
podem proporcionar um novo quadro dinâmico de interpretações.

O ganho epistêmico é que o movimento de trocar e disputar interpretações no campo de


visibilidade midiática se amplia. Novos problemas podem ser dados a ver, as
perspectivas dos representantes de instituições políticas formalmente organizadas
competem com perspectivas diversas, sobretudo com aquelas do “público informado”
das associações civis. Como discute Bohman:

Nesses casos, os atores deliberadores buscam solucionar os problemas em um nível


mais amplo de articulação de modo que o problema se torna mais aparente ou é
ancorado em contextos sociais mais amplos (Bohman, 2000: 63).

Como vem demostrando uma crescente literatura sobre movimentos sociais, os


membros da sociedade civil, conectados numa teia de relações da vida social e
buscando uma determinação ativa de suas próprias vidas, modificam também as formas
de expressar e entender os problemas, desestabilizando as fronteiras entre as esferas
sociais, redefinindo as linhas entre o domínio público e o privado (Fraser, 1997,
Melucci, 1996; Young, 1996). Os grupos afetados não pensam em termos agregados de
números e estatísticas, como os especialistas tendem a fazer, mas, ao invés disso,
tematizam suas questões em termos de valores considerados fundamentais em suas
comunidades. Isso cria debates ético-morais na esfera pública e reduz a reivindicação de
autoridade dos especialistas para solucionar questões complexas.

Nessas situações problemáticas, o espaço de visibilidade midiático pode ser visto, de


maneira mais vigorosa, como um espaço diante do qual e no qual “vários grupos sociais
e instituições competem entre si e lutas ideológicas se desdobram” (Gurevitch and
Levy, 1985:19). Se o pluralismo é preservado, nos termos da diversidade externa ou
externa da mídia como apontado anteriormente, os fragmentos de falas e discursos, no
espaço de visibilidade midiática, não estão integralmente de acordo com as intenções,
os desejos e as crenças de ninguém em particular. Em debates específicos em torno de
certos temas ou problemas, a visibilidade midiática promove uma comunicação sem
sujeito definido, subjectless, conforme Habermas afirma. A introdução dessa
perspectiva generalizada permite aos atores processar formas mais complexas de
coordenação. Além disso, pode fornecer uma base mais reflexiva para os atores

14
construírem, em seus debates e discursos, justificações mais generalizadas para certos
tipos de políticas e decisões.

O mecanismo de trocar, disputar e negociar interpretações no espaço de visibilidade


pode estender-se, como venho ressaltando, para a audiência abstrata e indefinida da
sociedade. Nesse sentido, a visibilidade midiática é importante não como um fim em si,
mas na medida em que incita um processo de interação e interlocução entre os atores
sociais, contribuindo para a instauração do debate público na sociedade. Desse modo,
são constituídos e reconstituídos os espaços de discussões locais, não-midiatizados, e as
esferas públicas específicas e temáticas. A característica importante do modelo de
“interação diferida, difusa”, como diria Braga, é exatamente buscar capturar o
movimento circular das interações, tomando o debate público como dinâmico e de fim
aberto, indeterminado. Apesar de todas as contradições, dilemas e deficits do espaço de
visibilidade midiática, é difícil pensar a deliberação efetiva que ocorre nas sociedades
plurais e altamente complexas sem tal processo de mediação, igualmente complexo.

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