Вы находитесь на странице: 1из 5

UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM FILOSOFIA

Disciplina: Seminário de Ética e Filosofia Política 1


Professor: Marcos Fanton

“A mutilação genital feminina como uma norma social nociva”


Antonio de Odilon Madureira

Introdução e objetivo principal


Para analisar corretamente o que são normas sociais é insuficiente recorrer à teoria da
escolha racional hobbesiana (GAUS): com seu conceito de indivíduo maximizador de benefícios
próprios, e portanto extremamente centrado em seus próprios interesses, as ferramentas teóricas do
hobbesianismo tendem a falhar quando confrontadas com várias situações reais da vida social
humana. Frequentemente indivíduos tendem a agir de determinadas maneiras prejudiciais a eles
próprios, inclusive pessoalmente desaprovando determinadas práticas, e no entanto se submetendo a
elas mesmo assim: é o caso, por exemplo, da mutilação genital feminina.
Este texto tem como objetivo principal brevemente expôr como se dá a prática da mutilação
genital feminina apesar da desaprovação por parte das mulheres que a ela foram submetidas 1.
Partindo de uma conceituação de norma social que tem sua base em determinada bibliografia, será
exposto posteriormente por que a mutilação genital é uma norma social em si nociva, por último
apontando caminhos para a mudança desse tipo de comportamento.

A mutilação genital feminina como uma norma social


A prática de remoção física de partes da vagina da mulher, que recebe o nome de “mutilação
genital feminina”, não é uma norma muitas das vezes prescrita em lei, cujo não cumprimento leva a
sanções sobre as mulheres transgressoras por parte do Estado. Pelo contrário: é uma prática feita no
dia a dia de determinados povos, e cujo valor social é incutido nas pessoas a partir de determinado
conjunto de regras e crenças sobre o que é esse ente chamado mulher. Ou seja, partindo de uma
noção do que é e como devem ser e se comportar as mulheres, cria-se assim um conjunto de
expectativas sociais sobre esse grupo; as que seguem essas expectativas são tidas em mais alta conta
em comparação às que não seguem, sendo que estas muitas das vezes sofrem sanções sociais. Por
exemplo: dado que é mais mulher aquela que se submeteu à mutilação, aquela que não tiver se
1 Aqui foram utilizados os dados analisados por BICCHIERI, MARINI (2015) sobre a mutilação genital feminina
nos seguintes países do continente africano: Egito, Senegal, Nigéria e Etiópia.
submetido muitas das vezes terá muito mais dificuldade de arranjar um marido 2 por não ser
considerada mulher o suficiente.
Percebamos que do ponto de vista legal uma mulher não genitalmente mutilada é tão cidadã,
igual nos seus direitos e deveres quanto uma nessa condição, visto que essa prática não está
prescrita em lei. Do ponto de vista das relações sociais, entretanto, tudo muda: a vida social diária
de cada uma dessas mulheres é muito diferente, e até mesmo antagônica. E é esse tipo de norma o
nosso objeto de interesse.
Mas de onde vêm as normas sociais? Melhor dizendo: qual seu fundamento primeiro?
Pensando de maneira não-metafísica, Gaus nos afirma 3 que durante o processo de socialização os
seres humanos não sabem exatamente por que devem obedecer àquele conjunto de regras, ou seja:
seu fundamento primeiro. Obviamente que é preciso considerar aqui que no caso de um humano
ainda não adulto (uma criança), pela sua própria natureza, não tem condições intelectivas de
apreender esse fundamento em si filosófico, se é que consideramos que ele existe. Porém o
interessante aqui é que a leitura de Gaus nos dá a possibilidade de pensar que esse fundamento
primeiro e absolutamente universal para as normais sociais – quaisquer que sejam – simplesmente
não existe: em vez disso, aquelas práticas sociais que posteriormente são internalizadas como
normas são fruto da cópia e da repetição (GAUS). Ou seja, as normas sociais existem porque
historicamente tem existido determinadas relações de poder dentro das sociedades que põem a
existência de determinadas práticas, e não de outras, fazendo com que aquelas e não estas se tornem
normativas. A norma social, assim, é historicamente construída e instituída no dia a dia por aqueles
que detém poder; alterando-se as relações de poder, é bem possível que vejamos a alteração dessas
normas e a substituição dessas por outras.

A nocividade da mutilação genital feminina como norma social


Assim, visto que não estamos trabalhando aqui com um ponto de apoio primeiro e absoluto
a partir do qual podemos identificar a emergência dessas normas, nos resta então colocar em seu
lugar a construção histórica de determinadas relações de poder. A saber, façamos como a literatura
aqui trabalhada e observemos empiricamente a realidade social, identifiquemos que relações de
poder existem nela e que normas sociais dela derivam, e ajamos de tal modo que busquemos
modificar determinadas normas (e, portanto, as relações de poder) para potencializar aquela vida em
sociedade. Aqui estamos trabalhando com a tese utilitarista segundo a qual o bem-estar de um está

2 “For example, if FGM/C is related to the importance of virginity and fidelity, an uncut girl may be seen as a worse
marriage prospect, with serious negative consequences for her and her family.” BICCHIERI, MARINI, 2015, 5.
3 “We tend to copy those who strike us especially successful or who have high prestige: seeing the way they do
things, most of us easily imitate their actions ¾ without much causal understanding of what is going on. Henrich
(2016: 165) echoes Hayek: ‘in many cases people don’t understand how or why their norms work or that their
norms are even ‘doing’ anything.’” GAUS, 23.
diretamente relacionado com o bem-estar do outro e da sociedade em geral; na prática isso significa
que o aumento do bem-estar de um indivíduo é o aumento do bem-estar dos outros, mesmo que a
curto prazo uma das partes perca alguns privilégios4.
Partimos da premissa utilitarista de busca da promoção da felicidade através do seguinte
cálculo: a boa vida humana, ou o que é o mesmo, a conquista do bem-estar para todos, apenas pode
ser conseguida através da maximização do prazer e diminuição da dor. Nesse sentido, é preciso
considerar que há uma diversidade de maneiras de ser humano, e que as sociedades humanas muitas
das vezes estão divididas em diversos grupos menores, e portanto assim o sendo é preciso perguntar
a essas pessoas o que para elas é bom e o que é ruim. É dessa maneira que chegamos em uma
constatação muito importante: a maior parte das mulheres que sofreram mutilação genital na
literatura explorada não gostariam de ter sido mutiladas e acham aquilo ruim, porém o fizeram
porque há uma expectativa social mais forte que seus desejos individual e socialmente
compartilhado por outras mulheres que também foram submetidas à mesma prática. Os motivos são
diversos: desde a percepção que as mulheres submetidas a esse procedimento são socialmente
consideradas mais bonitas, até crenças religiosas em determinados padrões de pureza exclusivos
para as mulheres. Ou seja, o que estamos falando aqui no fim das contas está relacionado com a
inserção da mulher em sociedades patriarcais onde, portanto, as relações de poder são desfavoráveis
a esse grupo social. Percebamos que os motivos elencados são todos produto da dominação da
mulher pelo patriarcado, e que na prática significa o exercício de poder da masculinidade
hegemônica sobre as feminilidades.
Dessa maneira, já tendo constatado que a mutilação genital feminina é sentida pela mulher
como sendo algo para ela nocivo, afirmamos, apoiados na tese utilitarista da maximização do bem-
estar social através da potencialização do bem-estar de todos os grupos e indivíduos (o bem-estar de
um diz respeito não apenas a esse um, mas a todos os outros), que essa norma social é nociva
porque a abolição dela levaria ao ganho de bem-estar de toda a coletividade, visto que beneficiaria
imediatamente um grupo pertencente a ela (TORRES, 2016). Assim o sendo, é evidente que as
sociedades estudadas por Bicchieri e Marini (2015) estariam bem melhor sem ela do que
continuando a praticá-la.

Para a possibilidade de abolição da mutilação genital feminina como norma social


Agora que está clara a nocividade da norma social aqui trabalhada, discutamos sobre como
ela pode ser abolida. Primeiramente é preciso afastar a noção segundo a qual existiria uma relação
de dependência entre a persistência desse tipo de prática e condições socioeconômicas dos países
onde a mutilação genital feminina é praticada. Pois muito embora se pudesse pensar que o nível de

4 TORRES, 2016, 76.


precariedade socioeconômica é proporcional à quantidade de mulheres genitalmente mutiladas
(visto que, como Bicchieri e Marini bem apontaram5, os países estudados que possuem esse tipo de
prática são países menos desenvolvidos do ponto de vista material do que aqueles no qual essa
prática é bem menos comum), na verdade descobre-se “ao invés disso que as dinâmicas da
mutilação genital feminina estão fortemente relacionadas às expectativas sociais e ao capital
social.”6
Assim, de pouco adianta recorrer a esse instrumento de organização social chamado
“Estado” e às dinâmicas que dele são próprias para buscar mudar normas sociais nocivas, quaisquer
que elas sejam. Isso porque a norma social não é, pela sua própria natureza, uma norma legal,
formalizada e colocada num documento de tipo constitucional e tornada oficial pelo Estado. Pelo
contrário, ela não apenas é informal, visto que se faz pelos costumes reproduzidos no dia-a-dia,
como por vezes contradiz a norma legal (visto que o Estado é um organismo separado que governa
a sociedade, e não a própria sociedade), e mais do que isso: é o suporte do conjunto das relações
sociais7. Dessa forma, buscar mudar qualquer norma social que seja pelas vias do Estado (por
exemplo, através da criação de leis e implantamento de punições) não apenas é no fim das contas
muitas das vezes ineficiente, como Bicchieri e Marini (2015) corretamente apontaram, como
inclusive pode incorrer no risco de colocar a sociedade contra os próprios indivíduos ou
organizações que estão tentando implantar essa mudança de maneira verticalizada (partindo do
Estado para a sociedade governada por ele).
Em vez disso, as autoras apontam que o caminho mais correto deve partir das bases, através
da inserção de, por exemplo, órgãos não-governamentais, na própria sociedade. Buscar mudar algo
muitas das vezes tão caro à população porque tão fundamentado em crenças e tradições ancestrais,
como é o caso da mutilação genital feminina, é como buscar mudar determinadas regras gramaticais
de determinada língua: é no fim das contas uma busca pela mudança da maneira de ser da própria
sociedade. A diferença crucial aqui é que o tipo de mudança aqui proposto, diferentemente da
anterior, deve ocorrer pela própria sociedade sobre si mesma, de maneira igualitária, e não
autoritária. Na prática isso significa inserir-se no dia a dia da sociedade da seguinte maneira:
apresentar ao social dados empíricos sobre os prejuízos da mutilação genital sobre os corpos das
mulheres; buscar influenciar lideranças comunitárias, religiosas, dentre outras figuras-chave, no
sentido de desencorajar essa prática entre as pessoas; dar maior poder às mulheres (ou seja, mudar
as relações de poder anteriormente citadas) na medida em que há um incentivo para que elas falem
abertamente entre si, com seus familiares e a sociedade como um todo sobre os prejuízos da

5 “The data clearly show that the countries where FGM/C is not practiced are better off
than countries where FGM/C is a common practice.” BICCHIERI, MARINI, 2015, 7.
6 BICCHIERI, MARINI, 2015, 1.
7 BICCHIERI, 2005.
mutilação genital sobre elas; incentivar que as famílias falem abertamente sobre o assunto, bem
como sobre assuntos relacionados (por exemplo: relações de gênero e sexualidade), tanto entre seus
membros como entre as diferentes famílias. Os exemplos de atuação de base no sentido de mudar
essa norma social nociva conhecida por “mutilação genital feminina” podem ser vários porque as
possibilidades são diversas, dada a diversidade cultural do ser humano.

Conclusão
Como conclusão afirma-se ainda dois pontos fundamentais: primeiro, a norma social aqui
trabalhada apenas pode ser erradicada através de uma inserção social de base que busque alertar a
população para a nocividade da mutilação do genital das mulheres, bem como abrir caminho para o
surgimento de normas sociais benéficas porque agem segundo o princípio utilitarista da
maximização do bem-estar comum; segundo, a erradicação desse tipo de prática tem como objetivo
fundante possibilitar a construção de relações sociais em que as mulheres tenham mais poder e,
portanto, mais uma vez maximize o bem-estar comum.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
BICCHIERI, Cristina; MARINI, Annalisa. (2015). Female genital mutilation: fundamentals, social
expectations and change. MPRA Paper.
BICCHIERI, Cristina (2005). The grammar of society: The nature and dynamics of social norms.
Cambridge University Press.
GAUS, Gerald. It can’t be rational choice all the way down: comprehensive Hobbesianism and the
origin of the moral order. Disponível na página do autor.
TORRES, André Castelo Branco Alves. O Utilitarismo é um ascetismo. Recife: Universidade
Federal da Paraíba, Universidade Federal de Pernambuco e Universidade Federal do Rio Grande do
Norte, 2016.

Вам также может понравиться