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Introdução
1
Thomas Hobbes, após descrever o Estado da Natureza como uma guerra “as if of every man, against
every man” (sendo que “the nature of War consisteth not in actuall fighting; but in the known
disposition thereto, during all the time there is no assurance to the contrary”), afirma: “But though there
had never been any time, where in a condition of warre against another; yet in all times, Kings, and
Persons of Soveraine authority, because of their Independency, are in continuall jealusies, and in the
state and posture of Gladiators; having their weapons pointing, and their eyes fixed on one another,
(…) which is a posture of War. But because they uphold thereby, the Industry of their subjects; there
does not follow from it, that misery, which accompanies the Liberty of particular men”. Thomas
HOBBES, Leviathan, 1651, cap. XIII. Ver Ernst-Ulrich PETERSMANN, “From the Hobbesian
International Law of Coexistence to Modern Integration Law: The WTO Dispute Settlement System”,
Journal of International Economic Law, 1998, vol. 1, n.º 2, p. 175: “As Hobbes expected sovereign
rulers no to act in unnecessarily aggressive manner, he focused on well-ordered internal sovereignty of
states without envisaging international covenants among sovereign rulers and international legal
restraints on their foreign policy powers”.
2
Ver Ian BROWNLIE, Principles of Public International Law, 5ª ed., Oxford Univ. Press, Oxford,
1998, p. 289: “The sovereignty and equality of states represent the basic constitutional doctrine of the
law of nations …”. Ver ainda Karl MEESSEN, “Zu den Grundlagen des Internationalen
Wirtschaftsrechts”, ArchÖffR, vol. 110, 1985, p. 398, a p. 399: “Die grundlegende Norm des
Völkerrechts gewährleistet freilich nicht Inter-Dependenz, sondern In-Dependenz: Unabhängigkeit im
Sinne staatlicher Souveränität”.
3
Ver Ignaz SEIDL-HOHENVELDERN, International Economic Law, 3ª ed., Kluwer Law
International, Haia, 1999, pp. 19 e seguintes.
4
Num sentido próximo, ver Dominique CARREAU e Patrick JUILLARD, Droit international
économique, 4ª ed., L.G.D.C., Paris, 1998, p. 7, e Nguyen Quoc DINH, Patrick DAILLIER, Alain
PELLET, Droit international public, 6ª ed., L.G.D.J., Paris, 1999, p. 991 e ss..
9
Sobre a internacionalização de contratos ou os quase-tratados ver, entre nós, André GONÇALVES
PEREIRA e FAUSTO DE QUADROS, Manual de Direito Internacional Público, 3ª ed., Almedina,
Coimbra, 1993, pp. 176 e seguintes; Luís de LIMA PINHEIRO, “Joint Venture” – Contrato de
empreendimento comum em Direito Internacional Privado, Edições Cosmos, Lisboa, 1998, pp. 507 e
seguintes; e ainda FAUSTO DE QUADROS, op.cit., p. 273 e seguintes. Para uma visão
particularmente crítica desta jurisprudência, protagonizada por um autor proveniente de um país em
desenvolvimento (ainda que um dos mais avançados deste grupo), ver M. SORNARAJAH, The
International Law of Foreign Investment, Cambridge Univ. Press, Cambridge, 1994 e M.
SORNARAJAH, The Settlement of Foreign Investment Disputes, Kluwer Law International, Haia,
2000.
10
A Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa criou uma nova menção no curso de Direito –
Ciências Comunitárias e Internacionais, que agrupa cadeiras que são da responsabilidade dos diferentes
grupos, combinando assim as valências próprias de cada um na formação de juristas com especial
apetência pelos temas internacionais e comunitários.
11
Ver Philip JESSUP, Transnational Law, Yale Univ. Press, New Haven, 1956. No sentido da nossa
crítica, ver António Luciano SOUSA FRANCO, Noções de Direito da Economia, 1º vol., AAFDL,
Lisboa, 1982-1983, p. 49.
que corresponde ao conceito descrito no texto. Ver John H. JACKSON, “Global Economics and
International Economic Law”, Journal of International Economic Law, vol. 1, nº 1, 1998, p. 1, na p. 9.
17
Ver também Patrick JUILLARD, “Les Nations Unies et l’élaboration du Droit international
économique”, in SFDI, Les Nations Unies et le Droit international économique, Colóquio de Nice da
Société Française pour le Droit International, A. Pedone, Paris, 1986, p. 101, a p. 104, para quem o
Direito Internacional Económico deve ser um verdadeiro Direito da Economia Internacional, que
compreende simultaneamente o Direito (internacional) da Economia e os direitos internos da economia
internacional.
18
Paulo de PITTA E CUNHA, op. cit., pp. 56-57.
13. Esta definição peca, no entanto, por ser demasiado formal e aparentemente
ignorar o conceito de relações económicas internacionais que deve estar na base da
nossa disciplina. Com efeito, ao atermo-nos às “trocas económicas entre sujeitos de
direito internacional”, deixamos de lado domínios que claramente se inserem na nossa
disciplina mas que não respeitam a trocas em sentido próprio (e.g. protecção de
investimentos). Por outro lado, o grosso das trocas internacionais ocorre entre
operadores económicos que não são geralmente considerados sujeitos de direito
internacional. SEIDL-HOHENVELDERN ultrapassa este problema postulando uma
noção ampla de sujeitos de direito internacional por forma a nele incluir os
“operadores económicos (traders) como sujeitos, pelo menos, de direito internacional
económico”.
Sublinha-se, a este respeito, que o papel dos particulares, pelo menos na veste
de agentes económicos, tem sido reconhecido no Direito Internacional Económico. É
o caso dos investidores estrangeiros, aos quais a generalidade dos Acordos Bilaterais
sobre Investimento reconhece capacidade para demandar o Estado de acolhimento do
investimento perante tribunais arbitrais constituídos ao abrigo das regras da
UNCITRAL ou, como é mais frequente, mediante o recurso ao mecanismo da
Convenção para a Resolução de Diferendos Relativos a Investimentos entre Estados e
19
Ignaz SEIDL-HOHENVELDERN, op. cit., p. 1.
20
Sobre os Acordos Bilaterais sobre Investimento ver Rudolf DOLZER e Margrete STEVENS,
Bilateral Investment Treaties, Martinus Nijhoff, Haia, 1995; entre nós, ver FAUSTO DE QUADROS,
A protecção da propriedade privada pelo Direito Internacional Público, Almedina, Coimbra, 1998, pp.
48 e seguintes. Relativamente à Convenção de Washington, ver Aron BROCHES, “The Convention on
the Settlement of Investment Disputes Between States and Nationals of Other States”, Recueil des
Cours de l’Académie de Droit International, 1972, vol. 136, p. 330; Heribert GOLSONG, “Dispute
Settlement in Recently Negotiated Bilateral Investment Treaties - The Reference to the ICSID
Additional Facility”, in Adriaan BOS, Hugo SIBLESZ, Realism in Law-Making - Essays on
International Law in Hounour of Willem Riphagen, Martinus Nijhoff, Dordrecht, 1986, p. 35; e o
recente comentário por Christoph H. SCHREUER, The ICSID Convention – A Commentary,
Cambridge Univ. Press, Cambridge, 2001.
21
Parágrafos 7.76 e 7.77 do Relatório do Painel no caso Estados Unidos – Artigos 301º a 310º da Lei
do Comércio Externo de 1974, WT/DS152/R, aprovado pelo Órgão de Resolução de Litígios a 27 de
Janeiro de 2000 (parcialmente reproduzido e traduzido em Miguel MOURA E SILVA, Direito
Internacional Económico – Jurisprudência relativa ao sistema GATT/OMC, AAFDL, Lisboa, 2002).
14. Pela nossa parte, julgamos que há vantagens não negligenciáveis em manter o
Direito Internacional Público como matriz do Direito Internacional Económico, não
sendo a menor delas a coerência que daí advém para esta disciplina e o facto de se
enfatizar a importância de as relações económicas internacionais serem ordenadas por
regras que limitam a soberania dos Estados e não por meras relações de poder
(político, económico, tecnológico ou militar).24 Isto não quer dizer que
desvalorizemos a importância de uma abordagem interdisciplinar ou que ignoremos a
interpenetração do Direito Internacional Económico e do direito da economia dos
diferentes membros da Comunidade Internacional.25 Apenas defendemos que o centro
de gravidade que dita o agrupamento, sistematização e tratamento de matérias que
estudamos no Direito Internacional Económico é constituído pelo Direito
Internacional.26
Tendo, desta forma, caracterizado o Direito Internacional Económico como
um ramo especializado do Direito Internacional, afigura-se-nos que a preocupação
24
Em sentido próximo, ver Asif H. QURESHI, International Economic Law, Sweet & Maxwell,
Londres, 1999, pp. 5 e ss.
25
Como veremos adiante, o conceito de Ordem Económica Internacional é indispensável a uma
adequada compreensão do Direito Internacional Económico. Do mesmo modo, encontraremos
numerosos exemplos da influência dos regimes de direito interno em aspectos fulcrais do Direito
Internacional Económico. Quanto ao papel do direito da economia interno, pensamos que a sua
importância para o Direito Internacional Económico é bem sintetizada por QURESHI, op. cit., pp. 14 e
15: “The national legal system as it pertains to the economic phenomena is germane not only because it
is subject to IEL (International Economic Law), but also because the exigencies of the domestic
economic and legal system have a bearing on the development of IEL. Not only is the domestic system
to ensrhine international concerns, but the international dimension needs to take cognizance of it”.
26
Também definindo o DIE por referência à sua origem internacional, v. SOUSA FRANCO, op. cit.,
pp. 48-50, propondo a seguinte definição de DIE: “conjunto de normas (e/ou relações e situações
sociais juridicamente regidas e/ou a disciplina jurídica que os toma por objecto) oriundas de fontes de
Direito Internacional que regulam com uma disciplina jurídica específica (autónoma, isto é,
próprio, e coerente, isto é, inspirada por princípios comuns), relações económicas internacionais”
(destaque no texto original).
15. Perante esta delimitação, quais são as matérias que integram o Direito
Internacional Económico. Vários autores, a começar por um dos pais fundadores da
disciplina, Georg SCHWARZENBERGER, procuraram elaborar listas de tópicos a
incluir no seu domínio.27 Ponderando esta questão de um ponto de vista actual,
afigura-se que o núcleo duro do Direito Internacional Económico inclui, antes de
mais, um conjunto de matérias que podem ser integradas numa parte geral constituída
pelo aprofundamento de matérias de Direito Internacional Público com particular
relevância para este ramo: os sujeitos; a soberania permanente sobre os recursos
naturais; a aplicação extraterritorial do direito económico interno, maxime o Direito
da Concorrência; os princípios e as fontes de Direito Internacional Económico, entre
outras. Encontramos depois um grupo de temas substantivos, correspondendo aos
regimes substantivos do comércio internacional, das relações monetárias, da
protecção do investimento estrangeiro, da circulação internacional de pessoas e,
arguendo, ao chamado Direito Internacional do Desenvolvimento. 28 Este último tema
merece uma análise mais detalhada a propósito da bondade da sua inclusão no Direito
Internacional Económico.
Le droit international du développement, 2ª ed., PUF, Que sais-je, nº 1731, Paris, 1987; G. BLANC,
“Peut-on encore parler d’un droit du développement?”, Journal de Droit International, 1991, p. 903; F.
SNYDER, P. SLINN, (orgs.), International Law of Development (Comparative Perspectives),
Professional Books, Abingdon, 1987; Philip ALSTON, “The Right to Development at the International
Level ”, in Frederick E. SNYDER, Surakiart SATHIRATHAI, (orgs.), Third World Attitudes Toward
International Law , Martinus Nijhoff, Haia, 1987, p. 811; W.D. Verwey, “The New International
Economic Order and the Realization of the Right to Development and Welfare - A Legal Survey ”, in
Frederick E. SNYDER, Surakiart SATHIRATHAI, (orgs.), op. cit., p. 825; R.-J. DUPUY,
“Communauté internationale et disparités de développement”, Recueil des Cours de l’Académie de
Droit International, 1979-VI, vol. 165, p. 9; M. FLORY, Droit international du développement, P.U.F.,
Thémis, Paris, 1977; M. VIRALLY, “Vers un droit international du développment”, Annuaire Français
de Droit International, 1965, p. 3. Entre nós, ver SOUSA FRANCO, op. cit., pp. 29 a 32; Eduardo Paz
FERREIRA, “Desenvolvimento e direitos humanos”, Revista da Faculdade de Direito da
Universidade de Lisboa, vol. XLI, nº 1, p. 23; Maria Manuela Dias Marques Magalhães SILVA,
Direito Internacional do Desenvolvimento - Breve Abordagem, Univ. Portucalense, Porto, 1996.
30
Ver SOUSA FRANCO, op. cit., p. 29.
31
Michel BÉLANGER, Institutions Économiques Internationales, 6ª ed., Economica, Paris, 1997, p. 4.
32
Id., p. 5.
33
GARCIA-AMADOR, op. cit., p. 64.
34
Embora se trate de uma mera referência preambular, este conceito de desenvolvimento sustentável
forneceu um importante esteio hermenêutico para a interpretação do artigo XX, alínea g) do GATT, a
qual permite justificar medidas que violam as disposições materiais do Acordo Geral, desde que
relativas à conservação de recursos naturais esgotáveis. Ver Estados Unidos – Restrições à importação
de certos camarões e produtos à base de camarão, WT/DS58/AB/R, Relatório do Órgão de Recurso
aprovado pelo ORL a 6 de Novembro de 1998, parágrafos 129 a 131 (parcialmente reproduzido e
traduzido em Miguel MOURA E SILVA, Direito Internacional Económico – Jurisprudência relativa
ao sistema GATT/OMC, AAFDL, Lisboa, 2002).
35
V. Jean TOUSCOZ, “Rapport introductif”, in SFDI, Les Nations Unies et le Droit international
économique, Colóquio de Nice da Société Française pour le Droit International, A. Pedone, Paris,
1986, p. 3, a p. 5: “(...) le droit international du développement a un domaine plus large que celui du
droit international économique (car le développement est aussi un phénomène politique, social, culturel
etc.) (...).
36
Ver Friedl WEISS e Paul De WAART, “International Economic Law with a Human Face: An
Introductory View”, in Friedl WEISS, Erik DENTERS e Paul de WAART (orgs.), International
Economic Law with a Human Face, Kluwer, Haia, 1999, p. 1, a 8 a 10.
37
O que não significa que os países em desenvolvimento não tenham razões de queixa no âmbito do
sistema GATT/OMC. Ver Friedl WEISS, “Laissez-faire Be Fair!”, Legal Issues of Economic
Integration, vol. 29, nº 1, 2002, p. 1: “There is little doubt that certain trade rules are unfairly stacked
against the interests of poor countries”.
38
Na expressão feliz do título da obra de Friedl WEISS, Erik DENTERS e Paul de WAART (orgs.),
International Economic Law with a Human Face, Kluwer, Haia, 1999.
39
Ver Walter EUCKEN, Die Grundlagen der Nationalökonomie, 1969 (trad. portuguesa, Os
fundamentos da economia política, Fundação Calouste Gulbenkian, Lisboa, 1998). Para uma aplicação
à economia internacional, sob uma perspectiva liberal, ver Wilhelm RÖPCKE, “Economic Order and
International Law”, RCADI, 1954-II, vol. 86, p. 203 (adiante RÖPCKE, “Economic Order...”) e
Razeen SALLY, “Classical Liberalism and International Economic Order: An Advanced Sketch”,
Constitutional Political Economy, vol. 9, 1998, p. 19. V. ainda SOUSA FRANCO, op. cit., pp. 49-50,
para quem a função do DIE “consistirá em assegurar a organização e o funcionamento da economia
internacional, segundo uma regulação normativa global, ditada por fins de bem comum/interesse
público internacional. Neste sentido, que se julga preferível, o DIE tende a ser o Direito próprio da
‘Ordem Económica Internacional’ (talvez melhor: da Ordem Jurídica Internacional da Economia”).
40
CARREAU e JUILLARD, op. cit., p. 40. Definição próxima desta é dada por BÉLANGER, op. cit.,
p. 9.
É fácil compreender que são estas duas últimas acepções as que mais nos
interessam. A acepção jurídica marca o estudo das regras do Direito Internacional
Económico. Mas primeiro é necessário identificar a OEI na acepção normativa, o que
exige uma análise, mesmo que sumária, da evolução histórica dos sistemas de
relações internacionais.42
41
Ver E.-U. PETERSMANN, “International Economic Order”, in Encyclopedia of Public
International Law, p.1129 (adiante PETERSMANN, “International Economic Order”); E.-U.
PETERSMANN, “International Economic Theory and International Economic Law: On the Tasks of a
Legal Theory of International Economic Order”, in St.J.McDONALD, D.M. JOHNSTON, The
Structure and Process of International Law, Haia, 1983, p. 258; E.-U. PETERSMANN, Constitutional
Functions and Constitutional Problems of International Economic Law, Friburgo, 1991.
42
Seguimos neste ponto PETERSMANN, “International Economic Order”. Ver ainda JACKSON,
“International Economic Law”, Michael J. TREBILCOCK e Robert HOWSE, The Regulation of
International Trade, 2ª ed., Routledge, Londres, 1999, pp. 17 e ss.; a obra fundamental de Pieter
VerLoren van THEMAAT, op. cit., pp. 14 a 16; Stephen NEFF, Friends but no Allies: Economic
Liberalism and the Law of Nations, Columbia Univ. Press, Nova Iorque, 1990; e Francis N.N.
BOTCHWAY, “Historical Perspectives on International Economic Law”, in Asif H. QURESHI (org.),
Perspectives in International Economic Law, Kluwer Law International, Haia, 2002, p. 309. Entre nós,
ver SOUSA FRANCO, op. cit., pp. 23-31.
43
Como relembram TREBILCOCK e HOWSE, op. cit., p. 18, o processo de afirmação da soberania do
Estado fez-se, em parte, pela integração económica e criação de mercados nacionais. Por outras
palavras, a liberalização das trocas internacionais seguiu-se à liberalização das trocas internas e à
adopção de um conjunto de regulamentações comerciais de carácter territorial, representando a vertente
externa do controlo político-económico dos governos centrais emergentes sobre as transacções
ocorridas no seu território.
44
PETERSMANN, op. cit., p. 1131. Após o desarmamento pautal unilateral do Reino Unido, iniciado
com a revogação das Corn Laws em 1846, foi também este Estado que iniciou um processo de
internacionalização das medidas de liberalização, ainda que a nível bilateral, com o Tratado Cobden-
Chevalier de 1860, celebrado entre aquele reino e a França.
45
Sobre a história do Direito Internacional Público ver, entre nós, André Gonçalves PEREIRA e
FAUSTO DE QUADROS, Manual de Direito Internacional Público, 3ª ed., Almedina, Coimbra, 1997,
pp. 19 e seguintes.
46
Isto apesar de, sob a égide da Sociedade das Nações, terem decorrido diversas conferências
económicas tendentes a estimular o desenvolvimento de regras de enquadramento da economia
mundial.
47
O conceito liberal de ordem espontânea é desenvolvido por Friederich A. HAYEK; ver
Individualism and Economic Order, Univ. of Chicago Press, 1948 e Law, Legislation and Liberty, 3
vols., Univ. of Chicago Press, 1973-1979 (em particular o cap. 10, no vol. II, quanto à caracterização
da ordem do mercado). Ver ainda RÖPCKE, op. cit..
25. Os dois traços mais marcantes desta fase parecem ser o recurso a
instrumentos multilaterais e a criação de uma complexa rede de organizações
internacionais económicas, coordenadas, formal ou informalmente, pelas Nações
Unidas. Em consonância com a ortodoxia da época, para a qual a cooperação
económica e o reconhecimento do interesse comum num sistema de trocas
internacionais era uma pré-condição para a paz, esta organização foi dotada de
poderes no domínio económico, dispondo mesmo de um órgão específico para servir
de fórum a essa cooperação, o Conselho Económico e Social.48
48
A Carta das Nações Unidas refere, entre os seus objectivos, o de “realizar a cooperação
internacional, resolvendo os problemas internacionais de carácter económico, social ...” e dedica ainda
o Capítulo IX à cooperação económica e social internacional (artigos 55º a 60º). Ver SFDI, Les
Nations Unies et le Droit international économique, Colóquio de Nice da Société Française pour le
Droit International, A. Pedone, Paris, 1986.
27. Com o fim da Guerra Fria e a nova orientação económica de grande parte dos
países em vias de desenvolvimento, i.e., desaparecidas as perspectivas de uma OEI
alternativa, a OEI de cariz liberal instituída após a 2ª Guerra Mundial (ou na sua fase
final) aparece assim isolada enquanto conjunto de regras e princípios reguladores da
economia internacional. O que não significa que o modelo inicial tenha permanecido
intacto (já que incorporou, ainda que de forma mais mitigada, muitas das
reivindicações dos países em vias de desenvolvimento) ou que não tenha perspectivas
de evolução.
49
Ver a Declaração e Programa de Acção para uma NOEI aprovadas na 6ª Sessão Extraordinária da
Assembleia Geral sobre os problemas das matérias-primas e do desenvolvimento: Resolução 3201 (S-
VI) da ONU – Declaração respeitante à instauração de uma NOEI e Resolução 3202 (S-VI) da ONU –
Programa de acção respeitante à instauração de uma NOEI, ambas de 1 de Maio de 1974.
Numa OEI liberal, que depende do mecanismo informal dos mercados para a
tomada de grande parte das decisões económicas, a sua tarefa reguladora fulcral será
“estabelecer incentivos e desincentivos que orientem o comportamento baseado na
prossecução de interesses próprios adoptado por indivíduos, empresas e Estados de
modo a prosseguir aqueles três objectivos económicos”.50 As finalidades da OEI
podem assim reconduzir-se a três valores fundamentais:
a) Eficiência: valor que inspira grande parte das regras do DIE, em especial
aquelas tendentes a permitir o funcionamento do princípio da vantagem
comparada;
b) Equidade (“fairness”): exigência decorrente da própria viabilidade do sistema,
na medida que os ganhos de eficiência decorrentes do modelo da vantagem
comparada tendem a ser repartidos, a nível nacional e a nível internacional, de
forma desigual;51
c) Estabilidade: valor ligado aos dois anteriores e que traduz uma necessidade de
previsibilidade nas decisões dos agentes económicos que reduza ou pelo
menos atenue as incertezas inerentes a um sistema assente na coordenação
pelos mercados.
50
PETERSMANN, “International Economic Order”, p. 1133.
51
À visão igualitária radical que caracterizava algumas reivindicações da NOEI (visando a correcção
das desigualdades de desenvolvimento alegadamente justificada por uma espécie de enriquecimento
sem causa dos países industrializados enquanto antigas potências coloniais) contrapõe-se hoje em dia
uma perspectiva inspirada na Teoria da Justiça de John RAWLS [A Theory of Justice, Belknap Press,
Cambridge-Massachussetts, 1971, trad. portuguesa, Uma Teoria da Justiça, Presença, Lisboa, 1993
(com edição inglesa revista em 1999)], que defende a correcção de algumas desigualdades aceitando
aquelas que levam à melhoria do bem-estar geral. Ver Thomas M. FRANCK, Fairness in International
Law and Institutions, Oxford Univ. Press, Oxford, 1995. Para uma perspectiva crítica da obra de
FRANCK ver Robert CRYER, “Franckian Fairness and International Economic Law”, in Asif H.
QURESHI (org.), Perspectives in International Economic Law, Kluwer Law International, Haia, 2002,
p. 211. O próprio RAWLS desenvolveu esta questão numa obra recente, v. John RAWLS, The Law of
Peoples, Harvard University Press, Cambridge – Massachusetts, 1999.
52
Conflitos esses que tendem a ocorrer mesmo entre Estados que partilham ideologias económicas de
matriz liberal. Ver NEFF, op. cit.
Economic Law”, in Asif H. QURESHI (org.), Perspectives in International Economic Law, Kluwer
Law International, Haia, 2002, p. 235.
55
Alan V. DEARDORFF, “The Economics of Government Market Intervention, and Its International
Dimension”, in Marco BRONCKERS, Reinhard QUICK (orgs.), New Directions in International
Economic Law – Essays in Honour of John H. Jackson, Kluwer Law International, Haia, 2000, p. 71, a
p. 73.
56
Id. p. 72.
57
Esta é uma preocupação recorrente na obra recente deste autor. Ver, a título exemplificativo, John H.
JACKSON, “International Economic Law in Times that are Interesting”, Journal of International
Economic Law, vol. 3, nº 1, 2000, p. 1, em particular a pp. 11-12.
58
V. artigo 5º, nº 2, do Tratado de Roma: “Nos domínios que não sejam das suas atribuições
exclusivas, a Comunidade intervém apenas, de acordo com o princípio da subsidiariedade, se e na
medida em que os objectivos da acção encarada não possam ser suficientemente realizados pelos
Estados-membros, e possam, pois, devido à dimensão ou aos efeitos da acção prevista, ser melhor
alcançados ao nível comunitário”. Para um primeiro ensaio sobre a aplicação deste princípio ao sistema
GATT/OMC, v. Jacques H.J. BOURGEOIS, “ ‘Subsidiarity’ in the WTO Context from a Legal
Perspective”, in Marco BRONCKERS, Reinhard QUICK (orgs.), New Directions in International
Economic Law – Essays in Honour of John H. Jackson, Kluwer Law International, Haia, 2000, p. 35.
59
Antes de mais importa ter presente que, ao contrário da irredutibilidade das preferências dos
índividuos, os “interesses” dos Estados são o resultado de um processo de ajustamento de preferências
individuais e colectivas por mecanismos definidos constitucionalmente. Ver, numa perspectiva
comunitária, Francis SNYDER, New Directions in European Community Law, Weidenfeld and
Nicolson, Londres, 1990.
60
O que corresponde, nas teorias económicas da integração, à distinção entre integração positiva e
integração negativa.
61
Ver Carlos Pinto CORREIA, A Teoria da Escolha Pública: Sentido, limites e Implicações, Separata
do Boletim de Ciências Económicas, Coimbra, 1998.
62
Ver Frieder ROESSLER, “La portée, les limites et la fonction du sistème juridique du GATT” ”, in
SFDI, Les Nations Unies et le Droit international économique, Colóquio de Nice da Société Française
pour le Droit International, A. Pedone, Paris, 1986, p. 169, a p. 181.
35. Mas o problema colocado pelo poder dos Estados não se apresenta apenas
desta forma negativa. As forças da economia internacional desafiam frequentemente
os poderes de regulação de qualquer Estado (ou espaço economicamente integrado)
individualmente considerado, mesmo no caso das maiores potências económicas
mundiais: os Estados Unidos, a União Europeia e o Japão. As instituições de Bretton
Woods são a actualização desta percepção de que os problemas económicos mundiais
exigem uma resposta internacional que não se limite a proibir determinado tipo de
actuações dos Estados lesivas da economia internacional, antes exigindo uma certa
internacionalização das políticas económicas.
Com as instituições de Bretton Woods (juntando, para este efeito, ao Banco
Mundial e ao FMI o GATT de 1947), os países participantes procuraram, num pacto
faustiano, aceitar a sujeição das suas políticas económicas externas a certas regras
(por vezes muito apertadas, como era o caso dos sistema cambial, pelo menos na
versão original e anterior à crise de pagamentos do Reino Unido de 1946, a qual
inviabilizou a divisão do fardo da convertibilidade entre as zonas do Esterelino e do
Dólar), de forma a isolar os efeitos da economia internacional na prossecução dos
objectivos de política interna.64 Hoje em dia sabemos que a fronteira entre as
dimensões nacional e internacional da economia é, quando muito, marcada por uma
ténue linha de demarcação. O que se constata é, cada vez mais, a hetero-determinação
das estruturas internas de regulação económica, seja por força de normas de Direito
Internacional Económico que adquiriram uma nova dinâmica e que colocam limites à
63
Sobre os problemas da chamada “collective action”, ver Mancur OLSON, The Logic of Collective
Action, Harvard University Press, Cambridge – Massachusetts, 1974.
64
Esta visão muito difundida da história da criação do sistema de Bretton Woods tem uma
interpretação diferente desenvolvida pelo historiador Alan MILWARD, para quem a integração
económica do pós-guerra serviu, acima de tudo, como um instrumento para permitir aos Estados-nação
prosseguirem os seus objectivos internos de política económica. Assim, de forma algo paradoxal, a
subordinação a normas internacionais de boa conduta económica e mesmo a participação em processos
de fronteiras indefinidas, como é o caso da integração europeia, vieram “salvar” o Estado-nação e não
diminuir a sua força. Ver Alan S. MILWARD, The European Rescue of the Nation-State, Routledge,
Londres, 1992 e Alan S. MILWARD, et al., The Frontier of National Sovereignty – History and
theory, 1945-1992, Routledge, Londres, 1993.
65
É o caso do princípio do tratamento nacional, previsto, por exemplo, no artigo III do GATT, que
aparentemente estabelece um tertium comparationis determinado pelo Estado de importação (o
tratamento concedido aos produtos nacionais), mas que, ao ser interpretado de forma a probir o recurso
a discriminações de modo a proteger a produção nacional, sujeita as medidas fiscais e regulamentações
comerciais internas a um controlo de compatibilidade à luz de critérios desenvolvidos
internacionalmente.
66
Caso dos acordos GATS e TRIPS, ver Christopher ARUP, The New World Trade Organization
Agreements, Cambridge Univ. Press, Cambridge, 2000.
67
De que constitui certamente o exemplo mais claro a tendência internacional para a privatização de
certas actividades até há pouco consideradas como reservadas ao Estado e a substituição da intervenção
deste como produtor/prestador por um novo Estado-regulador. Ver G. MAJONE, La Communauté
européenne: un État régulateur, Montchrestien, Paris, 1996.
68
Ver Grahame F. THOMPSON, “Perspectives on Governing Globalization”, in Asif H. QURESHI
(org.), Perspectives in International Economic Law, Kluwer Law International, Haia, 2002, p. 31, que
afirma a p. 37: “(...) the degree of real productive integration in the international economy remains
suprisingly low (...) The imagery of a disembedded productive capital roaming the globe for the lowest
wage cost, lowest risk and more profitable site to locate is na exaggerated one”.
69
Oscar SCHACHTER, “The Erosion of State Authority and its Implications for Equitable
Development”, in F. WEISS, E. DENTERS, P. DE WAART (orgs.), International Economic Law with
a Human Face, Kluwer Law International, Haia, 1999, p. 31, a pp. 43-44. Ver, em sentido próximo,
Peter MALANZUK, “Globalization and the Future Role of Sovereign States”, in F. WEISS, E.
DENTERS, P. DE WAART, op. cit., p. 45
72
Sobre as dificuldades colocadas pela relativa desactualização dos objectivos das principais
organizações económicas internacionais e a resistência à sua revisão, ver Asif H. QURESHI,
“Perspectives in International Economic Law – An Eclectic Approach”, in Asif H. QURESHI (org.),
Perspectives in International Economic Law, Kluwer Law International, Haia, 2002, p. 9, a p. 27;
Edward KWAKWA, “Institutional Perspectives of International Economic Law”, in Asif H. QURESHI
(org.), op. cit., p. 45, a p. 49.
73
Ronald A. CASS, “Introduction: Economics and international law”, in Jagdeep S. BHANDARI, Alan
O. SYKES, Economic dimensions in international law – Comparative and empirical perspectives,
Cambridge Univ. Press, Cambridge, 1997, p. 1; Jeffrey L. DUNOFF, Joel P. TRACHTMAN,
“Economic Analysis of International Law”, Yale Journal of International Law, vol. 24, nº 1, 1999, p. 1;
Ronald A. CASS, “Economic Perspectives on International Economic Law”, in Asif H. QURESHI
(org.), Perspectives in International Economic Law, Kluwer Law International, Haia, 2002, p. 279.
74
Ver Andreas LOWENFELD, International Economic Law, Oxford Univ. Press, Oxford, 2002, p. 3.
39. Outra das actuais correntes procura criar um novo Direito da Integração
Económica, tendo com principal defensor Joseph WEILER.77 As bases para esta tese
são: em primeiro lugar, a sujeição de medidas regulatórias a diversas ordens jurídicas
e a possibilidade de ela ser controlada através de diversos mecanismos de resolução
de litígios;78 em segundo lugar a convergência em termos do direito material dos
diferentes regimes do comércio internacional; terceiro, o reforço do papel dos
particulares naqueles regimes, com destaque para a União Europeia.
40. Com efeito, importa ter presente que os acordos de integração económica têm,
regra geral, uma matriz comum: o GATT de 1947. Mesmo um exame superficial
permite identificar a influência do Acordo Geral no Tratado de Roma (e.g., o artigo
30º do Tratado de Roma é decalcado do artigo XX do GATT; o artigo 90º do mesmo
tratado corresponde ao nº 2 do artigo III do GATT).79
75
Ver Alan O. SYKES, “Comparative Advantage and the Normative Economics of International Trade
Policy”, Journal of International Economic Law, vol. 1, nº 1, 1998, p. 49. Como afirma Ronald CASS,
algumas normas do GATT não encontram qualquer justificação com base em questões de eficiência,
antes servindo para a protecção de interesses de grupos específicos a nível nacional, como é o caso da
norma que autoriza os membros a aplicarem direitos antidumping; ver R. CASS, “Introduction:
Economics and international law”, in Jagdeep S. BHANDARI, Alan O. SYKES, Economic dimensions
in international law – Comparative and empirical perspectives, Cambridge Univ. Press, Cambridge,
1997, p. 1, a p. 27.
76
Neste aspecto, o estudo de CASS, op. cit., é particularmente útil porque expõe os contributos de
diferentes metodologias da análise económica do direito.
77
Ver J.H.H. WEILER (org.), The EU, the WTO and the NAFTA – Towards a Common Law of
International Trade, Oxford Univ. Press, Oxford, 2000, e os dois contributos desse Autor reunidos
naquela obra: J.H.H. WEILER, “Cain and Abel – Convergence and Divergence in International Trade
Law”, loc. cit., p. 1, afirmando a p. 4: “I am claiming that there is enough convergence to justify a
redefinition of the field – international economic law as a single field comprising its various siblings
and families and sharing a common doctrinal core – as close, perhaps, as the Common Law doctrines in
the Old British Commonwealth”; e ainda J.H.H. WEILER, “Epilogue: Towards a Common Law of
International Trade”, loc. cit., p. 201.
78
O exemplo mais claro é, provavelmente, o regime comunitário das bananas, que não só deu origem a
processos junto do GATT/OMC como suscitou inúmeros casos perante os tribunais nacionais dos
Estados-membros da Comunidade, especialmente a Alemanha.
79
A razão de ser da semelhança entre estas disposições (que não esconde as diferenças patentes, por
exemplo, ao nível da aplicação da norma sobre medidas de efeito equivalente a restrições quantitativas,
o artigo 28º do Tratado de Roma, a medidas que relevam no GATT ou do nº 4 do artigo III ou do nº 1
do artigo XI) tem que ver com a relação entre o GATT, um acordo multilateral de que eram partes
contratantes os membros fundadores das Comunidades Europeias, e os tratados institutivos dessas
comunidades. Com efeito, ao derrogarem a cláusula da nação mais favorecida, esses tratados carecem
de justificação com base no artigo XXIV do GATT (ou uma derrogação nos termos do artigo XXV, nº
5 do mesmo Acordo e, actualmente, do artigo IX, nº 3, do Acordo OMC), sob pena de os membros das
Comunidades violarem as disposições do Acordo Geral. Sobre esta questão ver Pedro Infante MOTA,
“Os Blocos Económicos Regionais e o Sistema Comercial Multilateral. O Caso da Comunidade
Europeia”, Revista da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, vol. XL, nºs 1 e 2, 1999, p. 71.
Para uma aplicação do artigo XXIV do GATT de 1994 a um acordo de integração económica ver o
caso Turquia – Restrições às importações de têxteis e vestuário, WT/DS34/AB/R, Relatório do Órgão
de Recurso aprovado pelo ORL a 19 de Novembro de 1999 (parcialmente reproduzido e traduzido em
Miguel MOURA E SILVA, Direito Internacional Económico – Jurisprudência relativa ao sistema
GATT/OMC, AAFDL, Lisboa, 2002).
80
Ver Marco M. SLOTBOOM, “Do Different Treaty Purposes Matter for Treaty Interpretation? The
Elimination of Discriminatory Internal Taxes in EC and WTO Law”, Journal of International
Economic Law, vol. 4, nº 3, 2001, p. 557.
81
Caso Coreia – Imposições sobre bebidas alcoólicas, Relatório do Painel, WT/DS75 e 84/R, 1998,
parágrafo 10.81. Ver, em igual sentido, o caso Chile – Imposições sobre as bebidas alcoólicas,
Relatório do Painel, WT/DS87 e 110//R, 1999, parágrafo 7.87.
41. Qual a viabilidade desta metodologia? Como vimos, ela tem um amplo campo
de aplicação, tanto mais que os problemas a que atrás aludimos de repartição de
competências se fazem sentir não só entre Estados ou entre estes e organizações
internacionais por eles criadas, como também no interior dos próprios Estados. Resta
saber se ela nos pode oferecer mais do que uma simples visão comparativa da
aplicação de regras semelhantes em sistemas com finalidades distintas.
82
Para uma aplicação destes mesmos princípios num caso nacional de Direito da Concorrência em que
a empresa arguida alegava que a definição do mercado relevante deveria ser mais ampla do que a
contemplada pelas autoridades de concorrência, invocando jurisprudência do Tribunal de Justiça das
Comunidades ao abrigo do artigo 90º e ignorando a prática da mesma instância com base nas normas
comunitárias da concorrência, ver Decisão do Conselho da Concorrência no Processo nº 2/99, Práticas
anticoncorrenciais no mercado da cerveja, ponto 75, Relatório de Actividades, 2000, p. 127.
83
Laurent COHEN-TANUGI, Le Droit sans l’État, PUF, Paris, 1992.
84
Ver deste Autor, “From the Hobbesian International Law of Coexistence to Modern Integration Law:
The WTO Dispute Settlement System”, Journal of International Economic Law, 1998, vol. 1, n.º 2, p.
175; “From ‘Negative’ to ‘Positive’ Integration in the WTO: Time for ‘Mainstreaming Human Rights’
into WTO Law”, Common Market Law Review, vol. 37, 2000, p. 1363; “The WTO Constitution and
Human Rights”, Journal of International Economic Law, vol. 3, nº 1, 2000, p. 19. “Human rights and
international economic law in the 21st century. The need to clarify their interrelationships”, Journal of
International Economic Law, vol. 4, nº 1, 2001, p. 3.
85
PETERSMANN, “From the Hobbesian International Law of Coexistence to Modern Integration
Law: The WTO Dispute Settlement System”, Journal of International Economic Law, 1998, vol. 1, n.º
2, p. 175, a p. 179.
86
Para PETERSMANN, op. cit., p. 178: “If the democratic function of international guarantees of
freedoms (...) is to protect and extend the ‘private sovereignty’ of citizens rather than the regulatory
powers of their governments, precise and unconditional international rules should be ‘directly
applicable’ by the citizens concerned and should be protected by national and international courts,
especially if the international rules have been ratified by national parliaments and enlarge individual
freedom and rule of law across frontiers”. Daí que PETERSMANN proponha, como primeiro passo, a
constituição de um Conselho Económico e Social junto da OMC.
87
É claro que encontramos traços deste tipo de projecto no Tratado da União Europeia, maxime no que
respeita à União Económica e Monetária. Mas se aí ainda é possível invocar algum consenso à volta de
um projecto de integração, não encontramos nada de semelhante a nível da OMC. Além disso, o
progresso da integração económica europeia tem sido levado a cabo num contexto em que há algumas
moedas de troca (reais ou fictícias, é questão de não nos podemos ocupar agora), como é o caso da
harmonização social (uma forma escamoteada de redistribuição de riqueza daqueles que não têm
emprego para os que o têm); a política agrícola comum; os fundos comunitários, etc.
43. Antes de concluir esta exposição, convém ainda mencionar um último aspecto
da evolução recente do Direito Internacional Económico: a vocação hegemónica da
OMC. Ao contrário do que sucedia com a Carta de Havana que visava a criação da
Organização Internacional do Comércio, o Acordo de Marraquexe tem ambições mais
limitadas, não contemplando matérias como o investimento, a protecção social ou as
práticas comerciais restritivas.89 No entanto, a sua construção modular, com um
acordo que institui a OMC e um sistema de anexos que permite a inclusão de novos
temas abre as portas à inclusão de compromissos sobre algumas matérias que até aqui
não encontraram um enquadramento multilateral ou, pelo menos, plurilateral.
A Agenda de Doha veio demonstrar o potencial da OMC como fórum para a
discussão, negociação e aplicação de novos acordos internacionais em matérias como
a concorrência e o investimento. É ainda cedo demais para procurar antecipar o
resultado destes esforços, ou sequer para perspectivar as hipóteses de sucesso destas
iniciativas, questões que exigiriam, em todo o caso, uma análise autónoma. Mas o que
é importante registar é a tendência para que a evolução do Direito Internacional
Económico venha a passar pela OMC e, através dela, pelas metodologias herdadas do
88
Pense-se, por exemplo, na dificuldade de forjar uma “cidadania europeia”.
89
Ver, em geral, John H. JACKSON, The World Trade Organization – Constitution and
Jurisprudence, Pinter, Londres, 1998.
90
A par deste alargamento do âmbito da actuação da OMC regista-se ainda a histórica adesão da China
àquela organização, formalizada precisamente na Conferência Ministerial de Doha, faltando apenas a
adesão da Rússia para afirmar definitivamente a vocação universal daquela organização. A tendência
hegemónica da OMC manifesta-se quer pelo seu maior grau de juridificação, que lhe confere um forte
poder de atracção de matérias até aqui dispersas em instrumentos desprovidos de eficazes vias de
resolução de litígios, quer ainda por permitir um aprofundamento do Direito Internacional Público nas
matérias sob a sua competência. Ver David PALMETER e Petros MAVROIDIS, “The WTO Legal
System: Sources of Law”, American Journal of International Law, vol. 92, 1998, p. 398; Donald
M.McRAE, “The WTO in International Law: Tradition Continued or New Frontier”, Journal of
International Economic Law, vol. 3, nº 1, 2000, p. 27.
91
Ver Francis N.N. BOTCHWAY, “Historical Perspectives on International Economic Law”, in Asif
H. QURESHI (org.), Perspectives in International Economic Law, Kluwer Law International, Haia,
2002, p. 309, que afirma a p. 325, referindo-se ao Direito Internacional Económico como limitado a
regras de Direito Internacional Público: “As an academic discipline, IEL would continue its
fragmentation into various specialisms but also maintain links that would be sufficient to hold the field
together”. A profusão de periódicos surgidos na última década e o número de monografias dedicadas a
temas relativos à regulação jurídica das relações económicas internacionais atestam igualmente a
verdadeira explosão doutrinal em torno destas matérias.
92
J.H.H. WEILER, “The Rule of Lawyers and the Ethos of Diplomats: Reflections on the Internal and
External Legitimacy of WTO Dispute Settlement”, Harvard Jean Monnet Working Paper 09/00,
Harvard Law School, 2000, pp. 1-2.
93
Ver John H. JACKSON, “Global Economics and International Economic Law”, Journal of
International Economic Law, vol. 1, nº 1, 1998, p. 1.