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UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO

INSTITUTO DE PSICOLOGIA

CURSO DE PÓS-GRADUAÇÃO EM PSICOLOGIA

BEHAVIORISMO RADICAL, REPRESENTACIONISMO E PRAGMATISMO:

UMA DISCUSSÃO EPISTEMOLÓGICA DO PENSAMENTO DE

B. F. SKINNER

EMMANUEL ZAGURY TOURINHO

SÃO PAULO

1994
UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO
INSTITUTO DE PSICOLOGIA

CURSO DE PÓS-GRADUAÇÃO EM PSICOLOGIA

EMMANUEL ZAGURY TOURINHO

BEHAVIORISMO RADICAL, REPRESENTACIONISMO E PRAGMATISMO:

UMA DISCUSSÃO EPISTEMOLÓGICA DO PENSAMENTO DE

B. F. SKINNER

Tese apresentada ao Instituto de Psicologia da


Universidade de São Paulo, como parte dos
requisitos para obtenção do grau de Doutor em
Psicologia, Área de Concentração Psicologia
Experimental.
Orientador: Prof. Dr. Luís Cláudio de Mendonça
Figueiredo.

SÃO PAULO

1994
Comissão Julgadora:

______________________________

______________________________

______________________________

______________________________

______________________________

São Paulo, de de
1994.
Trabalho parcialmente financiado pela CAPES, através do Programa PICD.
AGRADECIMENTOS

• Ao Prof. Dr. Luís Cláudio Figueiredo, pela orientação valiosa e pela confiança depositada ao longo da
preparação desta Tese.

• À Universidade de São Paulo, pela oportunidade de realizar gratuitamente este Curso de Pós-
Graduação.

• Aos colegas do Departamento de Psicologia Social e Escolar e ao Centro de Filosofia e Ciências


Humanas da Universidade Federal do Pará, pela liberação para a realização deste Curso.

• Aos Profs. Alex Fiuza de Melo e Léa Sales, pela colaboração na solução dos entraves burocráticos
relativos à dispensa das atividades regulares de ensino.

• A Arlene, Nazareno e Miryam, pelas diversas revisões que realizaram em manuscritos preliminares
deste texto.

• Ao Sílvio, Pedro, Denis e Olavo, pela assessoria nos complicados assuntos de informática.

• Ao Rodrigo e ao Alfredo, pela ajuda na impressão do texto final.

• À D. Marita, pelo auxílio na preparação dos Resumos.

• Aos interlocutores com quem tive a oportunidade de trocar idéias, pelas sugestões e pelas críticas.

• Aos amigos e familiares pelo apoio e pelo incentivo.

TOURINHO, Emmanuel Zagury. Behaviorismo Radical, Representacionismo e Pragmatismo: Uma


Discussão Epistemológica do Pensamento de B. F. Skinner. São Paulo, 1994, 302 páginas. Tese de
Doutorado apresentada ao Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo.
RESUMO

O pensamento de B. F. Skinner é discutido à luz da oposição entre representacionismo

(apresentado como a tentativa de fundamentar para a cultura o conhecimento verdadeiro) e pragmatismo

(apresentado como uma postura crítica dos projetos representacionistas). A posição de Skinner é discutida

a partir das noções de conhecimento em geral, conhecimento científico e auto-conhecimento. A proposta

skinneriana de um critério funcional de verdade é considerada indicadora de compromissos pragmatistas,

mas é problematizada a partir do reconhecimento (ou não) do caráter arbitrário e intersubjetivo dos

discursos dos indivíduos sobre o mundo e sobre si mesmos. Argumenta-se que ao abordar a ciência

Skinner faz uma articulação contraditória entre um princípio pragmatista (a funcionalidade) e elementos

representacionistas (preservação de status privilegiado a um dado tipo de enunciado). Com respeito ao

auto-conhecimento, propõe-se que Skinner transita para o campo do representacionismo, ao desqualificar

os relatos que os indivíduos fazem sobre si. A posição de Skinner é interpretada, então, como a tentativa de

legitimar aprioristicamente seu programa de pesquisas e de defendê-lo do que entende ser uma ameaça de

retorno ao cognitivismo. Por outro lado, sugere-se que a noção skinneriana de linguagem permite dela

derivar-se uma visão behaviorista inteiramente pragmatista dos tópicos examinados.

TOURINHO, Emmanuel Zagury. Radical Behaviorism, Representationalism and Pragmatism: An


Epistemological Discussion of B. F. Skinner's Thought. São Paulo, 1994, 302 pages. Doctoral Thesis
presented to the Instituto de Psicologia, Universidade São Paulo.
ABSTRACT

B. F. Skinner's thought is discussed in the light of the opposition between

representationalism (presented as the attempt to ground true knowledge for culture) and pragmatism

(presented as a critical vision of representationalist projects). The concepts of knowledge in general,

scientific knowledge and self-knowledge are used to discuss Skinner's position. Skinner's proposal of a

functional criterion of truth, considered as indicating a pragmatist commitment, is discussed in terms of the

recognition (or not) of the arbitrary and intersubjective character of people's discourses about the world

and about themselves. It is argued that when approaching science Skinner establishes a contradictory link

between a pragmatist principle (functionality) and representationalist elements (maintenance of a

privileged status for a type of assertion). In relation to self-knowledge it is proposed that Skinner moves to

the field of representationalism when rejecting individuals' reports about themselves. Skinner's position is

then interpreted as an attempt to set an a priori legitimacy for his research program and to defend from

what he assumes to be the danger of a return to cognitivism. On the other hand, it is suggested that

Skinner's notion of language enables to derive an entirely pragmatist behaviorist vision of the topics

examined.

TOURINHO, Emmanuel Zagury. Behaviorisme Radical, Représentationnalisme et Pragmatisme: Une


Discussion Epistémologique de la Pensée de B. F. Skinner. São Paulo, 1994, 302 pages. Thèse de Doctorat
présentée a l'Instituto de Psicologia, Universidade de São Paulo.
RÉSUMÉ

La pensée de B. F. Skinner y est discutée à la lumière de l'opposition entre le

représentationnalisme (vu comme la tentative d'établir, pour la culture, la vraie connaissance) et le

pragmatisme (vu comme une position critique des projets représentationnalistes). La position de Skinner y

est discutée à partir de différentes notions de connaissance: la connaissance en générale, la connaissance

scientifique et la connaissance de soi-même. La proposition skinnérienne d'un critère fonctionnel de la

vérité y est considérée comme indicatrice d'engagements pragmatistes. Toutefois, cette proposition est

discutée à partir de la reconnaissance (ou non) du caractère arbitraire et intersubjetif des différents discurs

des individus sur le monde et sur eux-mêmes. On argumente que l'abordage de la science fait par Skinner

établi une articulation contradictoire entre un principe pragmatiste (la fonctionnalité) et des éléments

représentationnalistes (la preservacion à un type donné d'énoncé d'un status privilégié). Dans ce qui respect

la connaissance de soi-même, on argumente que Skinner va vers le champ du représentationnalisme

lorsqu'il nie la valeur des rapports faits par les individus sur eux-mêmes. La position de Skinner est

interpretée, alors, comme la tentative de rendre légitime à priori son programme de recherches ainsi que de

le défendre contre ce qu'il voit comme une menace de retour au cognitivisme. De l'autre côté, on argumente

que la notion skinnérienne de langage permet une vision behavioriste intièrement prgmatiste des sujets

étudiés.

ÍNDICE

Resumo ...........................................................................................................................................................
p. V

Abstract ...........................................................................................................................................................
p. VI

Resumé ............................................................................................................................................................
p.VII
Prefácio ...........................................................................................................................................................
p. X

Introdução .......................................................................................................................................................
p. 1

Considerações de Ordem Metodológica ...................................................................................................... p.


8

PARTE I: REPRESENTACIONISMO E PRAGMATISMO

Capítulo 1: A Construção do Representacionismo: Um Pouco de História ............................................ p. 16

Capítulo 2: A Construção do Pragmatismo: Um Pouco de História ....................................................... p. 57

PARTE II: O BEHAVIORISMO RADICAL SKINNERIANO

Capítulo 3: O Behaviorismo Radical Skinneriano diante das Teses Pragmatistas e Representacionistas:


Aspectos Gerais da Presente Análise .......................................................................................................... p.
93

3.1. Behaviorismo, Pragmatismo e Representacionismo I: Diferentes Interpretações do Pensamento de


Skinner ............................................................................................................................................................
p. 93

3.2. Behaviorismo, Pragmatismo e Representacionismo II: Uma Matriz para a Análise do Pensamento de
Skinner ............................................................................................................................................................
p. 99

Capítulo 4: A Funcionalidade como Critério de Verdade I: O Operacionismo Skinneriano .............. p.110

4.1. Operacionismo e Análise Funcional do Comportamento Verbal .....................................................


p.111

4.2. Operacionismo e o Programa de Pesquisas de Skinner


.....................................................................p.132

4.3. Funcionalidade, Intersubjetividade e Ciência do Comportamento ...................................................


p.139

Capítulo 5: A Funcionalidade como Critério de Verdade II: Conhecimento, Comportamento e Linguagem


..................................................................................................................................................... p.146

5.1. Conhecimento como Comportamento e a Crítica à Teoria da Cópia ...............................................


p.150
5.2. Linguagem e Conhecimento .................................................................................................................
p.158

5.3. Linguagem, Conhecimento e Ciência ..................................................................................................


p.174

5.4. Ciência e Verdade .................................................................................................................................


p.184

5.5. O Positivismo de Ernst Mach ..............................................................................................................


p.192

5.6. Skinner, Mach e a Naturalização da Epistemologia ...........................................................................


p.202

5.7. Atitude Behaviorista e Crítica ao Representacionismo ....................................................................


p.223

Capítulo 6: Behaviorismo Radical, Eventos Privados e Auto-Conhecimento ........................................ p.236

6.1. Behaviorismo Radical, Eventos Públicos e Eventos Privados ..........................................................


p.239

6.2. Wittgenstein e a Impossibilidade de Uma Linguagem Privada .........................................................


p.246

6.3. Dualismo e Representacionismo na Dicotomia Público-Privado .................................................... p.255

6.4. A Ameaça Cognitivista e a Defesa Skinneriana ..................................................................................


p.263

PARTE III: A TÍTULO DE CONCLUSÃO

Capítulo 7: Epistemologia, Psicologia e Prática Política ... .................................................................... p.273

Referências Bibliográficas .........................................................................................................................


p.292

Anexo 1 - Textos de B. F. Skinner Indexados no Psychological Abstracts (1977-1989) ..................... p.300

Anexo 2 - Matriz para Análise do Pensamento de Skinner ..... .................................................................


p.302
PREFÁCIO

Este trabalho trata de psicologia e de filosofia. Mais propriamente, ele constitui-se, como
indicado pelo título, de uma análise epistemológica do pensamento de B. F. Skinner. Como se trata de um
autor cujas idéias têm sido objeto de inúmeras exposições e reflexões, muito do que se apresentará já foi
assinalado por outros comentadores. O caráter original desta investigação reside, então, fundamentalmente,
na abordagem particular que se oferece para as proposições de Skinner sobre o problema do conhecimento,
uma abordagem com a qual se acredita ser possível lançar luz sobre aspectos controversos e polêmicos de
sua obra. Ao caracterizar este estudo como uma discussão "epistemológica", por outro lado, o que se
pretende é evidenciar a questão central do estudo: a problemática do conhecimento humano (o termo
"epistemologia" não indica, aqui, uma versão particular de tratamento daquele problema).
Representacionismo e pragmatismo cumprem, na presente investigação, a função de
prover elementos capazes de gerar categorias conceituais para a análise do pensamento skinneriano. Foi
através de uma consideração da epistemologia a partir do debate pragmatismo-representacionismo que se
tornou possível, ao longo da realização desta pesquisa, conferir inteligibilidade a um conjunto de
problemas que se mostraram relevantes para a compreensão das relações que podiam ser estabelecidas
entre o behaviorismo skinneriano e a reflexão de ordem epistemológica.
O recurso à epistemologia, a necessidade de expor e analisar trabalhos
caracteristicamente pertencentes a este campo, foi razão de preocupação constante ao longo da elaboração
deste estudo. De um lado, porque não se teve uma formação, a nível de gradução, nesta área - uma
limitação que precisava ser vencida. De outro, porque se precisava delimitar o alcance da apresentação de
idéias elaboradas no contexto da disciplina epistemológica, de forma a não conferir-lhe uma centralidade
que se pretendia reservar à discussão do pensamento skinneriano. Com respeito à primeira preocupação,
procurou-se eleger os autores e assuntos a serem estudados no campo da filosofia, a partir de formulações
prévias dos problemas a serem abordados. Quanto à segunda, decidiu-se que a exposição do pensamento
representacionista e pragmatista seria tão extensa quanto necesssário para subsidiar a análise das
proposições de Skinner, tendo-se o cuidado de não omitir informações relevantes sobre os autores citados.
Com o texto resultante, pode-se correr dois riscos: para o leitor com formação limitada à psicologia, o de
ter sido demasiadamente extenso nos capítulos sobre representacionismo e pragmatismo; e para o leitor
familiarizado com leituras filosóficas, o de ter sido pouco abrangente na abordagem daqueles assuntos.
Espera-se, contudo, que estes dois riscos tenham sido afastados. Se o objetivo da análise contida na
primeira parte deste estudo tiver sido alcançado, o leitor-behaviorista concordará com a necessidade de
recorrer à filosofia para compreender aspectos importantes de sua própria prática profissional-científica; e
o leitor-filósofo concordará com a pertinência dos recortes efetuados para a análise desejada.
Como já sugerido acima, esta Tese está dividida em partes, ao todo três. Na Parte I
(Capítulos 1 e 2) apresentam-se as idéias de autores significativos para o desenvolvimento do pensamento
representacionista e da proposta pragmatista, com o intuito de construir categorias conceituais que
subsidiem a análise do pensamento de Skinner. Na Parte II (Capítulos 3, 4, 5 e 6) aquelas categorias são
sistematizadas e aplicadas a uma discussão das propostas de Skinner. Na Parte III (capítulo 7) procura-se
recuperar alguns elementos da oposição representacionismo-pragmatismo e assinalar o papel que o
pensamento behaviorista pode ter no quadro contemporâneo de reflexão sobre as práticas humanas
relativas ao conhecimento do mundo.
Como em toda pesquisa, este trabalho contou com inúmeros colaboradores, muitos deles
assinalados na seção de agradecimentos. No que diz respeito a seu conteúdo, no entanto, merece ser
destacado que a análise a ser apresentada dependeu em larga medida da paciente e indispensável orientação
do Prof. Luís Cláudio Figueiredo, principalmente no que diz respeito à referência a análises
filosóficas/epistemológicas. Suas observações nesta direção foram fundamentais para que se conseguisse
produzir uma interpretação do pensamento de Skinner que é crítica, no sentido de não ser mera
apresentação de suas idéias, e que se articula com um conjunto contemporâneo de reflexões sobre a
problemática do conhecimento. A análise também foi significativamente enriquecida pela interlocução
privilegiada da Profa. Tereza Sério. Ela dificilmente concordará com muitas das afirmações aqui contidas;
mas suas ponderações foram fundamentais para que se percebesse a extensão em que da complexidade do
pensamento skinneriano é possível derivar, não uma arrogância cientificista, infundada e contraditória, mas
uma atitude crítica da auto-imagem e das práticas humanas contemporâneas.

INTRODUÇÃO
O objetivo desta Tese, como indicado pelo título, é discutir as relações que se podem
estabelecer entre a psicologia behaviorista radical de B. F. Skinner e as perspectivas representacionista e
pragmatista de reflexão sobre o problema do conhecimento. O representacionismo será abordado enquanto
a afirmação da superioridade e isenção do saber científico por seu (reivindicado) caráter de representação
da realidade. O pragmatismo será tratado enquanto um projeto crítico das filosofias representacionistas. A
divergência entre as duas posições, segundo Rorty (1982), um pragmatista contemporâneo,
... é entre aqueles que pensam que a nossa cultura, ou o nosso propósito, ou nossas
intuições, não podem se sustentar a não ser através da conversação [pragmatistas], e
pessoas que ainda tem a esperança de alcançar outros tipos de sustentação
[representacionistas] (p.167).

Com respeito ao behaviorismo radical, ao confrontá-lo com as proposições


representacionistas e pragmatistas, o que se estará evidenciando são aspectos da própria concepção
skinneriana sobre conhecimento científico. Por outro lado, como Skinner pretende afirmar a psicologia
enquanto ciência (no seu caso, do comportamento), isto é, enquanto conhecimento científico de um dado
fenômeno psicológico (ou, comportamental), a presente análise permitirá uma reflexão acerca da própria
teoria behaviorista radical à luz da natureza e status que Skinner atribui ao conhecimento científico. Em
outras palavras, poder-se-á confrontar as intenções da ciência skinneriana com aquilo que o próprio

Skinner afirma sobre o alcance e os limites do conhecimento científico1.


A idéia de investigar as relações entre behaviorismo radical e pragmatismo teve origem
com um trabalho de Dissertação de Mestrado (Tourinho, 1988), no qual se discutiu a posição do
behaviorismo skinneriano diante dos problemas relativos à subjetividade, particularmente quanto à questão
do auto-conhecimento. Em termos gerais, o que se colocou no referido estudo foi que, embora Skinner
procure dar uma explicação dos ditos eventos privados em termos compatíveis com sua teoria operante,
alguns problemas emergem da dificuldade em compatibilizar o caráter interpretativo desta explicação com
a direção empírica da ciência do comportamento por ele proposta. Acrescentou-se a isso, a idéia de que o
empirismo skinneriano estaria articulado com um interesse pragmático, alí entendido em termos da busca
de leis que propiciem a previsão e o controle do comportamento. Este tipo de compromisso pragmático de
Skinner foi então exemplificado com a idéia (skinneriana) de que uma ciência do comportamento deve

1. Este problema pode ser colocado em termos da reflexividade inerente a qualquer


projeto de ciência psicológica. Do ponto de vista histórico, a psicologia estrutura-se
enquanto campo de reflexão no contexto do pensamento filosófico (por exemplo, com
Descartes), pela crença de que a possibilidade de se conhecer o mundo está relacionada
com algo fundamentalmente íntimo, privado ou subjetivo (seja isso a alma, a psiqué, o
intelecto ou a consciência). Investigar esta intimidade, ou esta subjetividade, é delimitar o
próprio alcance do conhecimento que o homem pode produzir sobre a natureza que o
cerca. Ao converter-se em uma disciplina científica, a psicologia ver-se-á diante do
paradoxo de que, o que quer que afirme acerca da natureza do fenômeno psicológico (e
de suas implicações para a possibilidade de conhecimento), deve aplicar-se ao próprio
conhecimento que a ciência psicológica estiver produzindo.
erigir as bases para o desenvolvimento de uma tecnologia comportamental, capaz de instrumentalizar o
profissional ou o pesquisador para a solução de problemas relativos ao comportamento. Tal tecnologia
exige, por princípio, que se lide com eventos acessíveis em termos de observação pública. Assim, do ponto
de vista de uma tecnologia comportamental, ou mesmo de uma ciência (e não interpretação) do

comportamento, pouca ou nenhuma atenção poderia ser dada a eventos assumidos como privados2. Quer
dizer, Skinner estaria introduzindo a privacidade em sua filosofia behaviorista radical, ao mesmo tempo em
que a estaria excluindo (por compromissos empiristas ou pragmáticos) de sua ciência do comportamento.
Colocado o problema nestes termos, o princípio pragmático da ciência do comportamento poderia ser
considerado como determinante do conflito. Mostrou-se justificado, então, investigar, de uma forma mais
sistemática, as relações realmente existentes entre behaviorismo radical e pragmatismo.
Este problema original passou por várias reformulações, na medida em que se começou a
examinar mais detidamente as idéias pragmatistas. Embora usualmente pensado em termos de um interesse
científico (ou cientificista) na previsão e no controle de fenômenos, o pragmatismo é, no mínimo, algo
mais do que isso - ele é, sobretudo, uma postura filosófica particular com respeito às intenções humanas de
conhecer a realidade. Nesta direção, o pragmatismo intervém no debate epistemológico contemporâneo
sobre a pertinência de uma filosofia do conhecimento, de uma disciplina que estabeleça fronteiras entre o
saber legítimo e os demais conjuntos de crenças ou juízos humanos sobre a natureza ou a realidade.
Há várias maneiras de se abordar este atual debate no campo da filosofia. Rorty (1988)
caracteriza-o em termos de um confronto entre epistemologia e pragmatismo, considerando a primeira
como a tradição filosófica de tentar fundamentar o conhecimento verdadeiro e constituir-se como instância
de discernimento entre o real e o ilusório e o segundo como a crítica à possibilidade de existência de tal
fórum, neutro e capaz de julgar os diversos conjuntos de proposições humanas. A epistemologia é
abordada por Rorty (1982, 1988 e 1990) enquanto uma teoria geral da representação. Fica claro que o
termo "epistemologia" é utilizado não no sentido de uma reflexão qualquer sobre o conhecimento (no que
se aplicaria ao próprio pragmatismo), mas particularmente em referência a uma tradição filosófica que
considera o processo de produção de conhecimento como a construção de imagens capazes de representar
uma realidade que existe antes e independente do sujeito cognoscente. Sobre esta perspectiva
epistemológica, afirma Rorty (1988) que:
Conhecer é representar cuidadosamente o que é exterior à mente; portanto, compreender
a possibilidade e natureza do conhecimento é compreender o modo pelo qual a mente se
torna apta a construir tais representações. A preocupação central da Filosofia é ser uma

2. No trabalho citado (Tourinho, 1988), analisou-se, também, a idéia de "publicização"


dos eventos privados, como ela é discutida por Skinner. E argumentou-se que, para o
próprio Skinner, esta é uma possibilidade limitada, o que faz com que não só mantenha a
categoria de eventos privados, mas, também, admita que certos eventos jamais poderão
tornar-se públicos. Isso se mostra problemático, fundamentalmente, porque Skinner não
descarta a possibilidade de que certos eventos privados estejam envolvidos em relações
funcionais (ou de controle) com comportamentos públicos.
teoria geral da representação, uma teoria que dividirá a cultura nas áreas que representam
bem a realidade, que a representam menos bem e que não a representam de todo (a
despeito de sua pretensão nesse sentido) (p.15).

Em oposição a esta idéia de conhecimento como representação, Rorty (1982) defende a


adoção de uma teoria pragmática da verdade. Uma tal teoria, não estabelece parâmetros para que o discurso
científico se diferencie em termos de veracidade de sua representação da realidade. Ao contrário, ela
resulta numa caracterização do empreendimento científico como sendo tão relativo quanto a literatura ou as
artes. Afirma Rorty (1982):
Para os pragmatistas, "verdade" é apenas o nome de uma propriedade que todas as
asserções verdadeiras compartilham. Ela é o que há de comum a "Bacon não escreveu
Shakespeare", "Choveu ontem", "E é igual a mc2", "O amor é melhor do que o ódio",
"The Allegory of Painting foi o melhor trabalho de Vermeer", "2 mais 2 é igual 4" e "Há
infinidades inumeráveis". Os pragmatistas duvidam que haja muito a ser dito sobre este
traço comum (p.XIII).
Para o pragmatista, sentenças verdadeiras não são verdadeiras porque correspondem à
realidade e, assim, não há necessidade de se preocupar com o tipo de realidade, se é que
há alguma, ao qual uma dada sentença corresponde - não há necessidade de se preocupar
com o que a "torna" verdadeira (p.XVI).
O pragmatismo ... não erige a ciência como um ídolo para preencher o lugar antes
ocupado por Deus. Ele vê a ciência como um gênero de literatura - ou, colocado de
maneira oposta, ele vê a literatura e as artes como investigações, em condições iguais às
das investigações científicas (p.XLIII).

Bernstein (1983) analisa as filosofias representacionistas e a oposição a elas dirigida pelo


pragmatismo em termos de um conflito entre vertentes, respectivamente, objetivistas e relativistas acerca

do conhecimento3. Alguns dos problemas centrais neste debate podem ser expressos pelos conceitos de
"realidade", "verdade", "necessidade" e "universalidade". Isto é, o cerne da discussão está na
(im)possibilidade de existência de um conhecimento não circunstancial, não contingente, capaz de
apreender uma natureza própria dos fenômenos. Bernstein (1983) resume as duas perspectivas da seguinte
forma:
Por "objetivismo" eu quero dizer a convicção básica de que há ou deve haver alguma
matriz ou sistema permanente, a-histórico, ao qual podemos, em última instância apelar
para determinar a natureza da racionalidade, do conhecimento, da verdade, da realidade,
da bondade ou da correção. Um objetivista reivindica que há ou deve haver uma tal
matriz e que a tarefa básica de um filósofo é descobrir qual ela é e sustentar a sua
reivindicação de ter descoberto esta matriz com as razões mais fortes possíveis. O
objetivismo está estreitamente relacionado com o fundacionalismo e com a busca por um
ponto Arquimediano4. O objetivista sustenta que, a menos que possamos fundamentar a

3. Adiante se observará que, para dar conta de diferentes matrizes representacionais,


Bernstein (1983) não emprega o conceito de "objetivismo" num sentido estreito, de total
independência do sujeito cognoscente para com o objeto cognoscível.

4. Expressão usada por Descartes para indicar a crença na existência de uma primeira
certeza, segura e inquestionável, a partir da qual se poderia chegar ao conhecimento
sobre os diversos fenômenos. Argumenta Descartes (1641/1979a):
filosofia, o conhecimento ou a linguagem de maneira rigorosa, não podemos evitar o
ceticismo radical.
O relativista não só nega as reivindicações positivas do objetivista como vai mais longe.
Em sua forma mais forte, o relativismo é a convicção básica de que, quando nos
voltamos para um exame daqueles conceitos que os filósofos têm assumido como os mais
fundamentais - seja o conceito de racionalidade, verdade, realidade, certo, bom, ou
normas - somos forçados a reconhecer que, numa análise final, todos estes conceitos
devem ser entendidos como relativos a um esquema conceitual, sistema teórico,
paradigma, forma de vida, sociedade ou cultura específicos (p. 8).

Ao examinar-se o desenvolvimento das teses pragmatistas, em seguida, observar-se-á que


a afirmação do caráter relativo das proposições humanas está articulada, antes de tudo, com uma análise
crítica das reivindicações à fundamentação do saber verdadeiro. Nesta perspectiva, o pragmatismo trataria
menos de afirmar que diferentes conjuntos de enunciados têm o mesmo valor relativo, e mais de questionar
a possibilidade de que um conjunto qualquer possa reivindicar valor aprioristicamente superior ao dos
demais. Este problema, será melhor analisado, adiante, à luz daquilo que o pragmatismo efetivamente
afirma acerca da relatividade dos diversos conjuntos de juízos humanos.
A distinção que Bernstein (1983) estabelece entre objetivismo e relativismo evidencia
aspectos do conflito existente entre pragmatismo e filosofias fundacionalistas. Deve-se ter o cuidado,
entretanto, de não confundir relativismo com subjetivismo, em oposição a objetivismo, como pode sugerir
a oposição delineada por Bernstein (1983). Neste ponto, e a fim de evitar interpretações diversas de
conceitos como "epistemologia", "filosofia do conhecimento", ou "objetivismo", parece mais pertinente
caracterizar aquele conflito como uma oposição entre vertentes representacionistas em filosofia e o
pragmatismo como anti-representacionismo, tal como o faz Rorty (1990) mais recentemente. Isto é, o que
se está discutindo é se construir conhecimento é representar uma realidade ou não. As vertentes
representacionistas dirão que sim, e investigarão as bases de uma representação verdadeira. O pragmatismo
dirá que não, e rediscutirá o conceito de verdade. É diante deste debate que se procurará discutir o
behaviorismo skinneriano.

CONSIDERAÇÕES DE ORDEM METODOLÓGICA

O presente estudo foi pautado por um conjunto de decisões que circunscrevem seus
limites e incidem, portanto, sobre seu resultado final. Tais decisões caracterizam-se como metodológicas,
na medida em que esclarecem, de alguma forma, o caminho percorrido na realização da pesquisa; elas

Arquimedes, para tirar o globo terrestre de seu lugar e transportá-


lo para outra parte, não pedia nada mais exceto um ponto que fosse
fixo e seguro. Assim, terei o direito de conceber altas esperanças,
se for bastante feliz para encontrar somente uma coisa que seja
certa e indubitável (p. 91).
remetem às informações buscadas, à análise a partir da qual tais informações se converteram em dados e o
tipo de tratamento a que os dados foram submetidos. Estes passos nem sempre foram cuidadosamente
registrados no decorrer do estudo, mas podem ser razoavelmente reconstituídos. Como se trata de uma
investigação teórico-conceitual, uma maneira de reconstituí-los consiste em recuperar as decisões relativas
à seleção e leitura dos textos que foram examinados, às hipóteses que orientaram o estudo dos textos e às
categorias conceituais que permitiram um tipo particular de organização das informações encontradas nos
textos examinados. A ordem de exposição destes passos atende apenas à necessidade de organizá-los de
alguma maneira; ela nem sempre expressa uma relação cronológica. Isso porque, ao longo da realização
efetiva do trabalho, o que se observou foi um processo dinâmico em que as leituras, as hipóteses e as
categorias conceituais iam se determinando mútua e continuamente.
Como indicado na Introdução, o trabalho começou com uma preocupação em discutir as
relações entre behaviorismo radical e pragmatismo. Um estudo preliminar do pragmatismo demonstrou que
não era possível discuti-lo sem referência a seu contexto histórico e filosófico, o que resultava na
consideração simultânea das filosofias representacionistas. Desde este momento, decidiu-se que o
behaviorismo skinneriano seria examinado à luz do debate pragmatismo-representacionismo. Esta decisão
implicava, de um lado, circunscrever a investigação às proposições de Skinner sobre conhecimento e
ciência e, dada a origem do estudo, também a sua noção de auto-conhecimento. Implicava, por outro lado,
não limitar-se a uma simples exposição e/ou defesa das teses de Skinner, mas problematizá-las no contexto
das referências ao pragmatismo e ao representacionismo.
Na medida em que o estudo se configurou como uma análise epistemológica do
pensamento de Skinner nos termos colocados acima, dois problemas surgiram. Primeiro, quanto à
consideração ou não de análises semelhantes realizadas por outros autores. E segundo quanto à pertinência
ou não de examinar os temas de interesse na perspectiva de seu desenvolvimento histórico na obra de
Skinner.
Com respeito à consideração de outros estudos do pensamento de Skinner, decidiu-se
levar alguns deles em conta, por duas razões: porque já se tinha conhecimento dos mesmos e não faria
sentido ignorá-los; e porque apresentavam informações pertinentes a esta investigação, o que permitia que
certos assuntos fossem abordados a partir de suas contribuições. Além dos textos já conhecidos pelo
contato com a literatura da área, realizou-se um levantamento no Behaviorism (atualmente Behavior and
Philosophy), por considerar-se este periódico como o principal fórum de reflexão crítica acerca do
behaviorismo skinneriano. É importante assinalar, porém, que não se pretendeu realizar uma sistematização
das diversas análises da obra de Skinner. Os artigos consultados foram levados em conta apenas na medida
em que auxiliavam na exposição dos problemas de interesse para a presente investigação.
Quanto a discutir a posição de Skinner na perspectiva de seu desenvolvimento histórico,
um exame preliminar de seus textos demonstrou que, apesar de haver uma mudança de ênfase em suas
proposições, não se pode falar propriamente de transformações significativas em sua concepção de
conhecimento e de ciência ao longo do tempo, pelo menos no que se relacionam com o tipo de discussão a
ser apresentada. Em função desta constatação e do interesse preliminar de examinar e problematizar a
posição de Skinner, preferiu-se não caracterizar esta análise como um estudo histórico, embora certas
informações históricas relevantes sejam eventualmente apresentadas. Por razões que dizem respeito,
fundamentalmente, aos temas tratados, o Capítulo 4 analisa alguns dos primeiros textos de Skinner e o
Capítulo 5, obras mais recentes. Poderá ser observado, porém, que esta divisão não caracteriza uma análise
histórica dos conceitos skinnerianos.
A seleção dos textos de Skinner que deveriam ser examinados foi efetuada a partir de um
levantamento já realizado por Epstein (1977), que relaciona as publicações originais de Skinner até o ano
de 1976. Este levantamento foi complementado com uma pesquisa das publicações de Skinner indexadas
no Psychological Abstracts, Volumes 55 a 79, relativos ao período de janeiro de 1976 a dezembro de

19895. Diante dos dois conjuntos de referências, dois critérios foram adotados para selecionar as leituras:
primeiro, foram selecionados apenas textos teóricos (de um lado, pela impossibilidade de ler, em curto
período, todas as obras e, de outro, pela suposição de que as informações buscadas estariam mais
provavelmente naqueles textos); segundo, dentre os textos teóricos, foram excluídos aqueles que não
tratavam diretamente dos problemas de interesse para esta pesquisa (por exemplo, textos sobre outros
autores).
Como o volume de leituras ainda era bastante elevado, considerando-se que muitas obras
constituiam-se de livros nos quais Skinner tratava de um conjunto variado de problemas, decidiu-se
realizar uma leitura preliminar com o único intuito de identificar os textos (ou trechos de obras) em que as
questões relevantes para esta pesquisa eram abordadas. Identificadas estas obras (que não serão aqui
listadas porque aparecem citadas nos capítulos seguintes), passou-se a uma leitura mais cuidadosa das
mesmas. Vale dizer que diversos textos precisaram ser lidos mais de uma vez, na medida em que as
hipóteses com as quais se trabalhava iam sendo redefinidas.
Intercalando com a leitura dos textos de Skinner, foram realizadas as leituras sobre
pragmatismo e representacionismo. Pela própria natureza do trabalho, como já assinalado, fazia-se
necessário passar constantemente de um conjunto de leituras a outro, até chegar-se a uma proposta de
análise que permitisse dar conta dos aspectos mais importantes da posição epistemológica de Skinner. Ao
final, elaborou-se uma matriz de análise (apresentada no Capítulo 3) e os conceitos de funcionalidade e
intersubjetividade (introduzidos no Capítulo 4) como pertinentes para a organização das informações
oriundas dos textos de Skinner. A partir destes elementos (ou categorias), passou-se à redação da Tese.
Deve-se acrescentar que ficou evidenciado que os recortes efetuados mostravam-se pertinentes para a
discussão de Skinner à luz da problemática representacionismo-pragmatismo, mas não eram capazes de dar
conta de todos os aspectos de suas formulações sobre os temas conhecimento e ciência. Esta limitação, por
outro lado, precisou ser acatada, sob pena de estender o trabalho além do razoável. Apenas não se abdicou
de discutir a posição de Skinner diante da questão da privacidade, por duas razões: primeiro, porque este

5. No Anexo 1, apresenta-se uma lista das referências obtidas através deste levantamento.
era o problema original com o qual se começou a trabalhar e pelo qual se tem um interesse particular em
razão de sua importância para a disciplina psicológica; e, segundo, porque este é claramente um tema que
permeia inúmeras discussões acerca do problema do conhecimento, e constitui-se numa via capaz de
evidenciar as possibilidades e as limitações do sistema teórico skinneriano.
O processo de leitura e de construção de referências conceituais para a análise do
pensamento de Skinner foi orientado, em diferentes etapas, por diferentes conjuntos de hipóteses. Ao
iniciar o estudo, considerava-se o pragmatismo como identificado com o interesse no controle da natureza,
o behaviorismo radical como pragmatista por seu interesse na previsão e controle do comportamento e o
pragmatismo skinneriano como a fonte dos problemas que emergem quando se trata de lidar com os
eventos privados. Em uma etapa posterior, quando se começou a abordar o pragmatismo enquanto projeto
crítico do representacionismo, considerou-se a possibilidade de o behaviorismo radical estar mais próximo
de uma doutrina representacionista, que estaria na base de sua suspeita sobre a validade dos relatos de
eventos privados. A partir de uma primeira leitura dos textos de Skinner, porém, observou-se que havia,
ali, uma noção de funcionalidade do conhecimento muito próxima daquela dos pragmatistas do início do
século, embora não se confundisse com o pragmatismo contemporâneo de Rorty. De qualquer modo, não
parecia razoável colocá-lo no campo do representacionismo. Dada a aparente ambiguidade da posição de
Skinner (uma suspeita que se fortalecia com a leitura das análises de outros autores), partiu-se para um
exame mais sistemático do pragmatismo e do representacionismo. Disso resultou uma diferenciação entre o
pragmatismo do início deste século e o pragmatismo contemporâneo; e, igualmente, uma diferenciação
entre o representacionismo cartesiano e o representacionismo contemporâneo. Passou-se, então a trabalhar
com a hipótese de que Skinner conjugava elementos de um determinado tipo de pragmatismo (ao qual se
associava sua noção de verdade) com elementos de uma dada versão de representacionismo (com a qual se
articulava sua defesa de um dado modelo de ciência). Ao analisar os textos de Skinner segundo esta
hipótese (cujas particularidades serão apresentadas nos capítulos seguintes), observou-se que a relação
entre princípios pragmatistas e representacionistas só se tornava possível no behaviorismo radical a partir
de uma contradição lógica; uma contradição que, aliás, podia ser asseverada no campo da análise das
relações entre pragmatismo e representacionismo, mesmo sem referência ao behaviorismo skinneriano. Por
outro lado, passou-se a considerar a manifestação desta contradição no pensamento de Skinner como
assentada em dois elementos: uma intenção de justificar antecipadamente seu programa de pesquisas e uma
versão particular e naturalizada do conhecimento científico. Esta interpretação foi se mostrando consistente
à exceção de dois problemas particulares, que mereciam consideração e que apontavam em direções
opostas: de um lado, dos elementos pragmatistas da visão skinneriana de conhecimento mostrou-se
possível derivar uma crítica a qualquer versão de representacionismo, o que acaba resultando na
desqualificação de certas reivindicações de Skinner; de outro, quando se trata da questão da privacidade,
mostrou-se possível interpretar a posição de Skinner como de oscilação entre a adoção de uma postura
inteiramente pragmatista, e o abandono de qualquer componente pragmatista associado à admissão de uma
versão inteiramente representacionista de conhecimento (circunstância em que os problemas relativos ao
estudo da privacidade aparecem, e o que significa exatamente o oposto da hipótese com a qual se iniciou o
trabalho).
Ao longo da realização deste estudo, as análises preliminares do pensamento skinneriano
foram deliberadamente tornadas públicas, através da apresentação de trabalhos em congressos e da
submissão de artigos para publicação, com o intuito de avaliar em que medida as hipóteses com as quais se
vinha trabalhando podiam ser consistentemente sustentadas. Este procedimento implicou uma demora
maior na conclusão desta Tese, mas propiciou, em certa medida, o rompimento do isolamento característico
da preparação de um trabalho teórico e resultou numa interlocução valiosa. As críticas e as sugestões
recebidas foram fundamentais para que se chegasse às hipóteses que orientaram a análise final.

PARTE I

REPRESENTACIONISMO E PRAGMATISMO
CAPÍTULO 1

A CONSTRUÇÃO DO REPRESENTACIONISMO: UM POUCO DE HISTÓRIA

O pensamento representacionista desenvolve-se a partir de um conjunto


amplo de problemas filosóficos. Ao discuti-lo neste Capítulo, três dos princípios
usualmente a ele relacionados serão predominantemente examinados: primeiro, a
distinção entre aparência e essência, correspondendo à apreensão da última o caráter de
veracidade, necessidade e universalidade das leis científicas; segundo, a idéia de
correspondência entre linguagem e realidade; e, terceiro, a concepção de mente humana
como responsável pela apreensão da natureza dos fenômenos. Estes princípios não
esgotam a discussão sobre o representacionismo, mas permitem problematizá-lo de
forma razoável. Além disso, são especialmente relevantes para a discussão de teorias
psicológicas, no que se referem ao problema da linguagem e da subjetividade, temas estes
que serão abordados na análise do behaviorismo skinneriano. Por outro lado, a origem
destes princípios coincide com o próprio surgimento da filosofia (pelo menos, literária).
E a maneira como eles serão elaborados marcará de forma significativa o
desenvolvimento da disciplina filosófica.
Pode-se atribuir a Sócrates as primeiras indagações sobre a existência de
juízos que apreendessem a essência das coisas (especialmente de predicados como o
"bem" ou o "justo"), distingüindo-se de opiniões circunstanciais. Em oposição aos
sofistas, apontados como mercadores da fala, e preocupado com os equívocos da
democracia ateniense, Sócrates teria assumido a missão de revelar aos homens como as
palavras os enganavam e os levavam a juízos distantes do conhecimento seguro. Esta
fragilidade poderia ser superada através de uma indagação racional, que se
comprometesse menos com o convencimento interessado e mais com a busca da verdade.
É com Platão, entretanto, que a filosofia assume uma forma literária articulada (cf Colli,
1988, pp.91-93) e instaura a investigação dos fundamentos do conhecimento humano
verdadeiro6. Ao contrário de Sócrates, cuja missão seria mais terapêutica, Platão aspirava
não só ao (re)conhecimento da verdade, mas ainda, consoante com os problemas de sua
época, à uma reorganização da sociedade fundamentada naquele conhecimento (e
dirigida por filósofos).
A teoria platônica das idéias é marcada pelos três princípios citados acima.
Platão faz uma distinção entre o mundo sensível e o mundo inteligível. O mundo das
sensações é o mundo das aparências, onde tudo flui e onde não se encontra a essência dos
fenômenos. Limitados a suas experiências sensíveis, os homens podem apenas alcançar
opiniões, instáveis, variadas e contraditórias. De outro lado, o mundo inteligível é o
mundo da razão, da alma, através da qual pode-se chegar às "idéias", sinônimo de
verdade e de apreensão da essência das coisas. Ao contrário das opiniões, as idéias se
afirmam como eternas e universais. Tem-se, aqui, tanto a afirmação categórica da
distinção entre aparência e essência, quanto a atribuição do conhecimento da realidade a
algo interior e íntimo, diverso das experiências sensíveis, isto é, à alma.
O problema da linguagem aparece principalmente relacionado com a
distinção entre aparência e essência e influenciado pelo desenvolvimento da matemática,
que indicava, segundo Platão, a possibilidade de conhecimento e expressão de realidades
absolutas ideais. Para Platão (como para Sócrates), uma filosofia apropriada não poderia

6. Platão atribui a Sócrates esta iniciativa. Todavia, há divergências sobre a pertinência


de se considerar Sócrates como fundador da filosofia, ou de uma teoria do conhecimento
verdadeiro, como reivindicado por Platão. Jaeger (1989) analisa diversas interpretações
da figura e das intenções de Sócrates e, após discutir o recurso platônico de atribuir a
Sócrates a defesa de sua teoria das idéias, afirma:
"Aristóteles tem razão quando considera substancialmente obra de
Platão, na sua estrutura teórica, a filosofia que este põe na boca do
seu Sócrates" (p.355).
Para Jaeger (1989), Sócrates seria mais propriamente uma figura de transição,
... que de um ou de outro modo parece estar situado na linha
divisória entre a antiga forma grega e um reino desconhecido que
não pisaria, apesar de ter dado o passo mais importante na sua
direção" (p.355).
prescindir de uma reflexão sobre as armadilhas da linguagem. Após apontar a questão da
linguagem (enquanto via de acesso à verdade, em oposição a um uso voltado apenas para
a sedução do interlocutor) como o problema central colocado à filosofia platônica, afirma
Piettre (1989):

A filosofia consiste, antes de tudo, em procurar saber o que se diz, em suprimir as


imprecisões da linguagem e em romper a casca superficial das palavras para ir ao seu
sentido, ao essencial (p.23).
Isto é, a linguagem tem um sentido quando representa uma realidade; este
sentido é dado exatamente pelo seu correspondente real. À filosofia cabe investigar as
condições em que a linguagem representa a realidade e conduz a verdades. Destaca-se,
neste momento do pensamento grego, uma distinção significativa entre a nova visão
filosófica da linguagem e como esta era concebida pelos sofistas, notadamente como
instrumento de ação sobre o grupo, o que implicava pensar seu significado em termos de
efetividade social. Sobre esta distinção, afirma Detienne (1988):

Uma reflexão sobre a linguagem elabora-se em duas grandes direções: por um lado, sobre
o lógos como instrumento das relações sociais; por outro, sobre o lógos como meio de
reconhecimento do real. A Retórica e a Sofística exploram a primeira via forjando
técnicas de persuasão, desenvolvendo a análise gramatical e estilística do novo
instrumento. A outra via é o objeto de uma parte da reflexão filosófica: a palavra é o
real, todo o real? Tal problema se faz urgente, na medida em que o desenvolvimento
do pensamento matemático faz nascer a idéia de que o real é igualmente expresso por
números (p.55).
Os problemas demarcados pela filosofia platônica serão especialmente
influentes no pensamento ocidental que se desenvolve a partir do século XVII em
resposta à crise da filosofia cristã medieval, que culminou, entre outros, com o ceticismo
e com o movimento renascentista7. Delineam-se, no século XVII, duas vertentes
filosóficas que, apesar de divergentes, localizam-se, ambas, no campo do pensamento
representacionista, renovando-o e consolidando-o: o racionalismo e o empirismo.

7. Afirmar a importância da filosofia platônica para o pensamento ocidental moderno não


significa afirmar que o pensamento cristão medieval também não foi influenciado pelo
platonismo. Ao contrário, a despeito de seu conteúdo religioso, a filosofia medieval
aparece enraizada em idéias platônicas (cf Jaeger, 1989, p.401). Um exemplo breve dessa
influência, ligado ao problema da correspondência entre linguagem e realidade, pode ser
encontrado nas afirmações de Santo Agostinho sobre as relações entre palavra e
conhecimento:
Só depois de conhecer as coisas se consegue, portanto, o
conhecimento completo das palavras; ao contrário, ouvindo
somente as palavras, não aprendemos nem sequer estas. Com
efeito, não tivemos conhecimento das palavras que aprendemos
nem podemos declarar ter aprendido as que não conhecemos,
senão depois que lhes percebemos o significado, o que se verifica
não mediante a audição das vozes proferidas, mas pelo
conhecimento das coisas significadas (Santo Agostinho, 1987,
p.318).
A restauração do pensamento racional, no século XVII, deve-se
principalmente a Descartes. Pouco antes dele, contudo, Galileu já havia afirmado a
primazia da razão como caminho para o conhecimento seguro do universo (cf Koyré,
1982, p.193). (A crença no geocentrismo constituía um exemplo, para Galileu, de como
as experiências sensíveis conduziam a equívocos.) A razão de ambos é uma razão
matemática, a única capaz de apreender a realidade dos fenômenos. Tal realidade não se
confunde com o que se apreende em vivências cotidianas, ela transcende este tipo de
experiência, em direção às dimensões próprias da natureza. Esta noção fica evidenciada,
em Galileu, na distinção que estabelece entre propriedades primárias (ou reais) e
secundárias, e, em Descartes, na apologia das idéias claras e distintas.
Galileu refere-se ao calor para exemplificar a distinção entre sensações
que são próprias dos indivíduos (qualidades secundárias) e propriedades que pertencem
aos fenômenos (qualidades primárias). O que esta distinção afirma é a oposição entre o
conhecimento daquilo que constitui a essência dos fenômenos e o que não passa de suas
aparências sensíveis. Afirma Galileu:

... havendo já relatado como muitas sensações, que são reputadas qualidades ínsitas dos
sujeitos externos, não possuem outra existência a não ser em nós, não sendo outra coisa
senão nome fora de nós; afirmo que, [fui] levado a acreditar que o calor seja um
fenômeno deste tipo, e que aquelas matérias que produzem e fazem perceber o calor em
nós, matérias que nós chamamos com o nome geral de fogo, sejam uma multidão de
pequeníssimos corpos, com determinadas figuras, movimentadas com velocidade
enorme. (...) Mas que exista, além de figura, número, movimento, penetração e junção,
outra qualidade no fogo, e que esta qualidade seja o calor, eu não acredito; considero que
o calor seja uma característica tão nossa que, deixado de lado o corpo animado e
sensitivo, o calor torna-se simplesmente um vocábulo (Galilei, 1623/19878, p.121).
Descartes não chega a fazer uma distinção entre aparências e essências
nos mesmos termos de Galileu. Todavia, acredita que o conhecimento alcançado através
de um correto uso da razão será, irremediavelmente, um conhecimento verdadeiro,
necessário e universal. A noção de que o acesso à verdade se dá por uma forma de
intuição racional confere à doutrina cartesiana um caráter dedutivista e uma implicação
inatista para a explicação das idéias verdadeiras. A veracidade destas idéias afirma-se,
porém, por suas qualidades de clareza e distinção. Idéias claras e distintas são aquelas
que por seus atributos impõem-se de tal forma ao intelecto que os homens não podem
deixar de reconhecê-las como verdadeiras. Os fundamentos da física cartesiana, por
exemplo, são "... tão evidentes que basta entendê-los para os aceitar ..." (Descartes,
1637/1979b, p.67). Por outro lado, a certeza das idéias claras e distintas, de sua
verdadeira correspondência com a realidade, apoia-se na suposição de que Deus as
tornou acessíveis ao homem, o que não teria feito se não fossem verdadeiras.

8. A primeira data refere-se ao ano da publicação original do texto; a segunda data refere-
se ao ano da edição consultada. Este mesmo critério será utilizado em citações
posteriores. Quando apenas uma data for apresentada, trata-se da data da edição
consultada e indica que ou o texto é recente, ou a edição consultada foi a original, ou se
desconhece a data de publicação original do texto. Na seção de Referências
Bibliográficas, os textos terão entrada pela data da edição consultada.
... que as coisas que concebemos mui clara e mui distintamente são todas verdadeiras,
não é certo senão porque Deus é ou existe, e é um ser perfeito, e porque tudo o que existe
em nós vem dele. Donde se segue que as nossas idéias ou noções, sendo coisas reais, e
provenientes de Deus em tudo em que são claras e distintas, só podem por isso ser
verdadeiras (Descartes, 1637/1979b, p.50).
Embora se encontre em Descartes a noção de correspondência entre idéias
verdadeiras e realidade, é em Galileu que este problema assume, mais claramente, uma
dimensão lingüística. As leis da natureza, universais e necessárias, só podem ser
apreendidas através de uma linguagem cujos caracteres guardem correspondência com a
natureza dos fenômenos investigados. Esta linguagem é a matemática, a única capaz de
reproduzir a ordem natural e última do universo.

A filosofia encontra-se escrita neste grande livro que continuamente se abre perante
nossos olhos (isto é, o universo), que não se pode compreender antes de entender a língua
e conhecer os caracteres com os quais está escrito. Ele está escrito em língua matemática,
os caracteres são triângulos, circunferências e outras figuras geométricas, sem cujos
meios é impossível entender humanamente as palavras; sem eles, nós vagamos perdidos
dentro de um obscuro labirinto (Galilei, 1623/1987, p.21).
Em Descartes, tal como em Platão, o exercício do pensamento racional,
capaz de levar ao conhecimento verdadeiro, é conduzido por uma instância íntima e
privada, a alma. Se ainda não se tem, aqui, a idéia de mente plenamente elaborada, já se
coloca, de qualquer maneira, em uma substância (no caso, imaterial) interior do homem a
fonte do conhecimento. É acreditando nesta faculdade íntima e pessoal que Descartes
julga ser possível reconstruir, sozinho, o pensamento filosófico. Por outro lado, tanto
Descartes quanto Galileu configuram elementos subjetivos como obstáculos ao
conhecimento seguro. Em Descartes, na forma de uma alusão às paixões e aos
preconceitos, entraves ao exercício pleno da razão. E em Galileu, na caracterização das
qualidades secundárias dos fenômenos, aquelas que não podem se confundir com as
qualidades (primárias) do fenômeno em si, mas são apenas nomes para designar as
vivências dos próprios indivíduos (exemplo do calor).
Contemporâneo de Descartes, mas enfatizando a experiência como fonte
do conhecimento seguro, Bacon foi um dos iniciadores do empirismo. Seu método, tal
como o de Descartes, também recomenda uma espécie de purificação do intelecto. Sua
doutrina dos "ídolos ou falsas noções" remete ao mesmo problema dos obstáculos ao
conhecimento seguro. Em Bacon, já se observa a noção de mente como responsável pelo
conhecimento verdadeiro, mas desde que dirigida pela experiência ordenada e
sistemática.

A verdadeira causa e raiz de todos os males que afetam as ciências é uma única: enquanto
admiramos e exaltamos de modo falso os poderes da mente humana, não lhe buscamos
auxílios adequados" (Bacon, 1620/1979, p.14, af.IX)9.

9. No caso das referências a este texto de Bacon, optou-se por incluir o aforisma no qual
o trecho citado aparece.
Ao dedutivismo racionalista, Bacon opõe métodos indutivos de
investigação. Ao que denomina de "antecipações da mente", opõe uma proposta de
"interpretação da natureza". O conhecimento verdadeiro, capaz de apreender a realidade
dos fenômenos, é aquele elaborado a partir da observação dos fatos, e não como
direcionador desta observação. Isto é, o conhecimento deve ser interpretação (ou
sistematização) de fatos já observados, e não suposta10 antecipação (lógica, filosófica ou
teológica) do que deve ocorrer na natureza. "A interpretação é, com efeito, a obra
verdadeira e natural da mente, depois de liberta de todos os obstáculos" (Bacon,
1620/1979, p.89, af. CXXX)11,12.
A experiência coordenada e sistemática é o que, para Bacon, pode
conduzir ao conhecimento seguro. Sua doutrina dos Ídolos exige, contudo, que a
experiência pertinente seja precedida de uma purificação intelectual. Os Ídolos ou falsas
noções a serem eliminados, como primeiro passo do método baconiano, são de quatro
espécies: Ídolos da Tribo, relativos à natureza humana (como distorções de percepção);
Ídolos da Caverna, relativos aos indivíduos particulares (como história de vida pessoal);
Ídolos do Foro, relativos à convivência social; e Ídolos do Teatro, relativos a conjuntos
de crenças que vêm a se impor ao intelecto humano (como doutrinas filosóficas ou
pseudo-científicas). Convém observar que os Ídolos do Foro são caracterizados como "...

10. As "antecipações da mente", segundo Bacon (1620/1979), não têm origem na própria
mente, mas em experiências precárias e não sistematizadas, das quais o cientista nem
sempre se dá conta. A idéia de que a mente pode, por si só, chegar ao conhecimento é,
portanto, equivocada.

11. É possível traçar certa identidade entre esta oposição de Bacon às teorias
antecipatórias e a crítica skinneriana à teorização. O sentido em que Skinner rejeita
teorias parece ser este mesmo, isto é, teorias enquanto explicações antecipadas
(anteriores à observação e descrição) sobre a natureza dos fenômenos.

12. Observe-se que Bacon atribui algum papel à atividade intelectual na produção do
conhecimento verdadeiro. Ele não acredita, portanto, que a experiência seja o bastante
(ou via suficiente) para construir tal conhecimento. Declara Bacon (1620/1979) sobre a
conciliação entre experiência e razão:
Os que se dedicaram às ciências foram ou empíricos ou
dogmáticos. Os empíricos, à maneira das formigas, acumulam e
usam as provisões; os racionalistas, à maneira das aranhas, de si
mesmos extraem o que lhes serve para a teia. A abelha representa a
posição intermediária: recolhe a matéria prima das flores do jardim
e do campo e com seus próprios recursos a transforma e digere.
Não é diferente o labor da verdadeira filosofia, que se não serve
unicamente das forças da mente, nem tampouco se limita ao
material fornecido pela história natural ou pelas artes mecânicas,
conservado intato na memória. Mas ele deve ser modificado e
elaborado pelo intelecto. Por isso muito se deve esperar da aliança
estreita e sólida (ainda não levada a cabo) entre essas duas
faculdades: a experimental e a racional (p.63).
os mais perturbadores: insinuam-se ao intelecto graças ao pacto de palavras e nomes"
(Bacon, 1620/1979, p.28, af.LIX).
Com a referência aos Ídolos dos Foro, Bacon identifica na linguagem
alguns dos principais obstáculos ao conhecimento da natureza. É importante notar que
tais obstáculos são abordados por Bacon na perspectiva da necessária correspondência
entre palavras e objetos/fenômenos do mundo. Afirma ele:

Os Ídolos que se impõem ao intelecto através das palavras são de duas espécies. Ou são
nomes de coisas que não existem ... ou são nomes de coisas que existem, mas confusos e
mal determinados e abstraídos das coisas de forma temerária e inadequada (Bacon,
1620/1979, p.29).
Isto é, os Ídolos do Foro manifestam-se no uso da linguagem - ou através
do uso de palavras que nada representam (para as quais não há "referentes" no mundo),
ou através do uso de palavras que representam algo (para as quais há algum "referente"
no mundo) mas apenas de forma imprecisa. A ciência exige, assim, também na
perspectiva de Bacon, uma linguagem que guarde correspondência precisa com o mundo
dos fenômenos (neste caso, pensado em termos de experiências sensíveis).
Em Galileu, Descartes e Bacon institui-se, claramente, a noção de método,
enquanto via apropriada para o discernimento entre o real e o ilusório, entre o verdadeiro
e o falso. Esta noção traz consigo a idéia de objetividade do conhecimento, baseada numa
espécie de separação entre sujeito cognoscente e objeto/realidade cognoscível. Obedecer
ao método (capaz de levar ao conhecimento verdadeiro e objetivo) é exercitar
continuamente uma auto-disciplina, um auto-controle, com o intuito de eliminar o que é
pessoal (as experiências cotidianas, as paixões e ilusões, ou os Ídolos) da investigação
científica, deixando que esta se desenvolva segundo princípios (racionais ou empíricos)
que conduzem às leis dos próprios fenômenos. As idéias de objetividade e de método
aparecem, assim, estreitamente relacionadas, tendo como princípio o controle das
inclinações pessoais do cientista (sejam estas devidas à história de vida pessoal ou à
própria cultura com a qual o cientista convive).
Ainda no campo do pensamento empirista, Locke, Berkeley e Hume
podem ser destacados como pensadores que exerceram influência sigificativa na
reflexão sobre os fundamentos do conhecimento. Apesar de enfatizarem a experiência,
estes empiristas consolidam a idéia de mente como responsável pela produção do
conhecimento e discutem principalmente os processos envolvidos na representação
mental do mundo. Suas proposições, por outro lado, significarão, principalmente nos
casos de Berkeley e Hume, uma desqualificação bastante significativa da aspiração
representacionista de chegar a asserções que retratem uma natureza independente dos
sujeitos cognoscentes, dotadas, portanto, de valor diferenciado. Neste sentido, suas
proposições serão sementes para críticas posteriores dos supostos representacionistas.
Locke deu uma das principais contribuições à noção de processos
mentais (ou de "mente como espelho da natureza"). Para ele, conhecer é ter idéias
(imagens ou percepções mentais). A fonte de todas as idéias, porém, está nas
experiências dos indivíduos. As experiências que dão origem às idéias podem ser de
dois tipos: experiências sensíveis (que dão origem a "idéias de sensação", como
"quente" ou "branco") e reflexão - percepções de operações da própria mente (que
dão origem a "idéias de reflexão", como "pensar" ou "duvidar"). Isto é, as
experiências podem ser de um tipo "externo" (no qual a mente é provida com idéias
relativas a objetos externos) ou de um tipo interno (no qual a mente é provida com
idéias relativas a operações subjetivas ou internas). As experiências (externas e
internas) não são, porém, o único requisito para que se tenha idéias. É necessário que a
mente perceba tais experiências; é ao percebê-las que a mente elabora idéias
correspondentes:

Não existe percepção quando quaisquer alterações ocorridas em nosso corpo não
alcançam a mente ou quando quaisquer impressões causadas nas partes externas não
são notadas pelas internas. O fogo pode queimar nossos corpos sem outros efeitos
do que faz uma acha de lenha, a menos que o movimento se transmita ao cérebro,
produzindo na mente a idéia de dor ou o sentimento de calor, que é realmente
percepção (Locke, 1690/1978, p.175).
As idéias podem, também, ser simples ou complexas. Idéias simples
são aquelas correspondentes a sensações particulares; e idéias complexas são aquelas
formadas voluntariamente pela mente humana através da reunião de idéias simples.
Esta distinção coloca em evidência dois pontos importantes da filosofia de Locke:
primeiro, que o material básico da atividade mental envolvida no conhecimento é
constituído de percepções particulares; e, segundo, que o conhecimento é construído
através de uma operação da mente sobre aquele material. Afirma Locke (1690/1978):

Estas idéias simples, os materiais de todo o nosso conhecimento, são sugeridas ou


fornecidas à mente unicamente pelas duas vias acima mencionadas: sensação e reflexão.
Quando o entendimento já está abastecido de idéias simples, tem o poder para repetir,
comparar, e uni-las numa variedade quase infinita, formando à vontade novas idéias
complexas. Mas não tem o poder ... de inventar ou formar uma única idéia simples na
mente, que não tenha sido recebida pelos meios antes mencionados (p.164).
A manipulação (mental) de idéias (simples ou complexas) resume, para
Locke, os processos envolvidos na produção do conhecimento. Conhecer é perceber
o acordo ou desacordo entre idéias. Além de relacionado a uma atividade mental, o
conhecimento envolve, na perspectiva de Locke, dois tipos de correspondência:
primeiro, uma correspondência entre idéias e objetos/fenômenos percebidos; e, segundo,
uma correspondência entre as idéias e sua forma de expressão, a linguagem.
Identifica-se, então, em Locke, a mesma preocupação com respeito ao uso apropriado
das palavras. Tal uso apropriado deve levar em conta o que a palavra representa de
forma direta (em termos da idéia à qual corresponde) e de forma indireta (em termos
do objeto/fenômeno relacionado àquela idéia)13.

13. É interessante observar que Locke atribui uma dimensão arbitrária e convencional ao
uso da linguagem. As palavras devem ser usadas em conexão clara com idéias
particulares apenas como requisito para que a fala seja funcional.
... o uso comum, por um tácito acordo, atribui certos sons a certas
idéias em todas as linguagens, limitando assim o significado deste
som que, a menos que uma pessoa o aplique à mesma idéia, ele
não fala corretamente; e deixe-me acrescentar isto: a menos que as
palavras de uma pessoa estimulem as mesmas idéias em quem as
... alguns [homens], não apenas crianças mas também adultos, falam várias palavras
de maneira não diversa da dos papagaios apenas porque as aprenderam e foram
acostumados a esses sons. Mas, na medida em que as palavras são de uso e significado,
na medida em que há uma conexão constante entre o som e a idéia, e uma designação de
que um significa a outra, sem isto a aplicação delas nada mais seria que ruído sem
significado (Locke, 1690/1978, p.225).
Os dois tipos de concordância, citados acima, constituem, também, os
critérios para atribuição de veracidade às proposições humanas. Locke estabelece,
então, uma distinção entre verdade verbal e verdade real. A verdade verbal é aquela
na qual as palavras respeitam o acordo/desacordo entre idéias. A verdade real envolve a
verdade verbal, mas acrescenta o requisito de que as idéias tenham uma existência na
natureza. Isto é, uma asserção dotada de verdade real é aquela que, além de ser
expressa por palavras ou sentenças que respeitam o acordo/desacordo entre idéias,
faz uso apenas de idéias que correspondem a objetos/fenômenos do mundo.
Por último, se Locke não discorre sobre a tradicional distinção
aparência/essência, ele reafirma o conhecimento verdadeiro como aquele que, mesmo
indiretamente (mediado pelas idéias), representa as coisas do mundo. Por outro
lado, este conhecimento verdadeiro representa as coisas do mundo tal como
percebidas pelo sujeito que conhece, o que já implica certo distanciamento do
empirismo da noção de verdade última ou absoluta.
Este distanciamento assume uma formulação radical com Berkeley,
para quem tudo o que se pode afirmar existir são as sensações. Isto é, para Berkeley,
se todas as idéias são dadas pelos sentidos, não se pode afirmar a existência do mundo
material, mas apenas das próprias percepções dos indivíduos. Todo conhecimento
representaria, então, apenas estas percepções e não o mundo propriamente dito. Daí a
máxima de Berkeley de que "ser é ser precebido". As qualidades primárias, próprias dos
fenômenos na concepção galileana, não passam de suposição cuja comprovação é
impossível. Afirma Berkeley (1710/1980):

... considerando os argumentos aduzidos para provar que sabores e cores só existem
no espírito, achar-se-á que provam o mesmo da extensão, figura e movimento -
embora deva reconhecer-se que este método de argumentar não demonstra tanto a
inexistência de extensão ou cor em um objeto externo quanto o fato de que nós não
conhecemos pelos sentidos a verdadeira extensão e a cor do objeto. Mas os argumentos
ulteriores mostram ser impossível existir a cor ou extensão ou qualquer qualidade
sensível em um sujeito não pensante, fora do espírito, ou que na verdade algo exista
como objeto exterior (p.16).
Se o mundo material não pode ser provado como existente, todo
conhecimento é expressão das sensações dos próprios indivíduos14. Isso implica

escuta, tornando-as significativas no discurso, não fala


inteligivelmente (Locke, 1690/1978, p.225).

14. Apesar da inexistência do mundo material, o homem tem sensações e, portanto,


conhece. Isso é possível, porém, e segundo Berkeley, porque Deus, de acordo com sua
vontade e decisão, permite aos homens terem sensações.
afirmar que as chamadas "leis da natureza" não expressam relações causais entre
fenômenos do mundo material, mas apenas associações de sensações ou idéias
humanas. "Conhecemos por experiência que tais ou tais idéias são acompanhadas de
tais ou tais outras no curso ordinário das coisas" (Berkeley, 1710/1980, p.19). Estas
associações mostram-se úteis ao regular as ações dos indivíduos e levam-no a pensar
"ser uma coisa causa de outra, embora nada seja mais absurdo e ininteligível"
(Berkeley, 1710/1980, p.19). Se as associações dizem respeito apenas às experiências
humanas, elas não são, portanto, uma representação da realidade. E se o sentido destas
asserções está em sua utilidade para o homem, nenhuma condição formal apriorística
pode ser estabelecida com respeito a sua validação. Tem-se, aqui, uma forte oposição a
algumas das teses fundamentais do representacionismo.
Conclusão semelhante é alcançada por Hume, mesmo sem compartilhar
do imaterialismo de Berkeley, ao analisar a noção de causalidade. Antes de expô-la,
contudo, cabe examinar alguns princípios que norteiam a filosofia deste autor. Tal como
o de Locke, o empirismo de Hume busca uma compreensão de como a mente humana
opera no processo de construção de conhecimento e quais os materiais de que ela se
serve para tal.
Hume considera que a fonte de todo conhecimento está nas percepções
da mente. A mente percebe dois tipos de materiais: primeiro as impressões ou
sensações, que podem ser internas (como a percepção de felicidade) ou externas (como
a visualização de um objeto); segundo, as idéias, que são cópias das sensações (por
reconstituição, como acontece na memória de algo, ou por antecipação, como
acontece com a imaginação de algo) e, por serem apenas cópias, são menos vivazes.
As idéias podem, também, ser simples ou complexas. Idéias simples são idéias que
correspondem a objetos/eventos singulares; as idéias complexas são construídas pelo
raciocínio, ao fazer conexões entre idéias simples a partir de princípios universais. A
atividade de raciocínio da mente envolvida na elaboração de idéias complexas é
denominada por Hume de "associação de idéias"; e os princípios universais a partir
dos quais esta associação é realizada resumem-se a três: semelhança, contigüidade (de
espaço ou tempo) e causa e efeito.
A associação de idéias, segundo Hume, pode se apoiar em princípios
lógicos ou na própria experiência. No primeiro caso, o conhecimento resultante
expressa apenas "relações de idéias", que nada afirmam a respeito da existência real de
algo. No segundo caso, tem-se o conhecimento das "questões de fato", que remetem
aos fenômenos existentes no mundo. A referência às "relações de idéias" implica, por
um lado, a aceitação de que é possível conhecer através de uma intuição lógico-
racional e, por outro, a afirmação de que este conhecimento nada esclarece sobre a
existência real dos objetos/fenômenos do mundo. O conhecimento desta existência
depende, para Hume, da experiência e não pode, portanto, ser dado por uma via
apriorística, como pretendia o racionalismo cartesiano. Hume acrescenta, também,
que as "questões de fato" fundamentam-se sempre nas relações de causa e efeito. Ao
tratar da distinção entre "questões de fato" e "relações de idéias", declara Hume
(1748/1980):
À primeira espécie [relações de idéias] pertencem as ciências da Geometria, Álgebra e
Aritmética; e, numa palavra, toda afirmação que seja intuitivamente ou
demonstrativamente certa. (...) As proposições desta espécie podem ser descobertas
pela simples operação do pensamento, sem dependerem do que possa existir em
qualquer parte do universo (p.143).
As questões de fato, que formam os segundos objetos da razão humana, não são
verificadas da mesma forma (p.143).
Todos os raciocínios sobre questões de fato parecem fundar-se na relação de causa e
efeito. Só por meio dessa relação podemos ultrapassar a evidência de nossa memória e
de nossos sentidos (p.144).
Aventurar-me-ei a afirmar, como uma proposição geral que não admite exceção, que o
conhecimento dessa relação [de causa e efeito] não é, em caso algum, alcançado por
meio de raciocínios a priori, mas origina-se inteiramente da experiência, quando
verificamos que certos objetos particulares estão constantemente ligados uns aos
outros. (...) Adão, ainda que suponhamos perfeitamente desenvolvidas desde o primeiro
instante as suas faculdades racionais, não poderia ter inferido da fluidez e
transparência da água que esta o afogaria, nem da luz e do calor do fogo que este o
consumiria. Nenhum objeto jamais revela, pelas qualidades que se manifestam aos
sentidos, nem as causas que o produziram, nem os efeitos que dele decorrerão; e
tampouco a nossa razão, sem o socorro da experiência, é capaz de inferir o que quer
que seja em questões de fato e de existência real (p.144).
Observe-se que, nestas afirmações, Hume estabelece uma fronteira entre
o que expressa apenas uma manipulação de idéias e o que se refere às relações entre
objetos/fenômenos do mundo. Estes últimos só são apreendidos através da experiência
e na forma de uma associação de idéias do tipo de causa e efeito. Esta distinção já
estabelece limites acerca dos enunciados que podem ser tomados como expressão das
chamadas "leis da natureza" (apenas aqueles relativos a questões de fato). Hume,
entretanto, vai mais longe, ao questionar o caráter de universalidade e necessidade
das relações de causa e efeito apreendidas através da experiência. Observa ele:

Quanto à experiência passada, pode-se admitir que fornece informações diretas e


certas apenas sobre aqueles objetos precisos e aquele período preciso de tempo de que
teve conhecimento: mas por que estender essa experiência aos tempos futuros e a
outros objetos que, tanto quanto nos é dado saber, podem ser semelhantes apenas na
aparência? Esta é a questão fundamental em que desejo insistir. O pão que
anteriormente comi, alimentou-me ... mas segue-se daí que um outro pão deva também
alimentar-me noutra ocasião ...? A consequência não parece ser em absoluto necessária.
Pelo menos, deve-se reconhecer que se trata aqui de uma consequência deduzida pela
mente; que há uma certa decisão tomada, um processo do pensamento, uma inferência
que exige explicação (Hume, 1748/1980, p.147).
Isto é, a experiência passada nada afirma sobre a experiência futura; a
observação de uma relação repetidas vezes nada estabelece acerca de sua ocorrência no
futuro. Ao presumir que o futuro será semelhante ao passado, o sujeito faz algum tipo
de inferência que não encontra fundamento na experiência (embora nela tenha
origem). Hume também não acredita que tal inferência se fundamente em alguma
intuição, nem que se possa identificar uma premissa racional envolvida na sua
dedução. A explicação, então, está na natureza do homem, numa tendência natural da
mente humana para acreditar que o futuro será semelhante ao passado. A isto Hume
chama de costume ou hábito. É como decorrência de um hábito que um indivíduo
estabelece relações de causa e efeito entre objetos/fenômenos por ele experienciados.
Entretanto, se as relações de causalidade são formuladas apenas como decorrência de um
hábito da mente, não se pode afirmar que representem leis próprias dos fenômenos da
natureza. Com efeito, Hume afasta-se da noção de correspondência entre
conhecimento e realidade ao considerar que os juízos formados por força de um hábito
da mente expressam apenas crenças humanas, sem que necessariamente
correspondam às coisas do mundo tal como elas são em si mesmas.
A idéia de que os juízos humanos acerca de relações entre
objetos/fenômenos são apenas crenças, úteis aos próprios indivíduos que as acolhem,
caracteriza grande distanciamento entre o pensamento de Hume e a tradição
representacionista. Isso porque, com o conceito de crença, Hume opõe à reflexão sobre
os fundamentos normativos do conhecimento uma investigação mais propriamente
psicológica, a qual revela, em última instância, que aquilo assentido como verdadeiro não
está dotado de nenhuma qualidade de correspondência com a realidade capaz de permitir
diferenciá-lo de crenças alternativas. É apenas a experiência humana e sua natureza
psicológica que confere a determinadas crenças condições para seu assentimento. A este
respeito, Moura (1993) argumenta que na perspectiva de Hume apenas o grau de força e
de vivacidade das idéias poderia ser invocado como aquilo de que se lança mão para
assentir ou não a uma dada proposição. Ora, isso significa eliminar qualquer condição
apriorística de discernimento entre verdade e falsidade e colocar toda forma de
assentimento no campo da persuasão (eliminando-se, portanto, a separação cartesiana
entre convicção e persuasão, e ainda, entre representação e opinião). Ao analisar Hume
deste ponto de vista, Moura (1993) coloca-o no campo oposto das pretensões
epistemológicas/representacionistas15. De qualquer modo, há alguns aspectos do
pensamento de Hume que influenciarão a filosofia representacionista posterior a seus
escritos: primeiro, a idéia de mente como espelho (da natureza ou das vivências do
indivíduo diante dela); segundo, a intenção de investigar as condicões através das
quais se chega ao conhecimento, ou os processos mentais (ou psicológicos) envolvidos
em sua construção; e, terceiro, sua afirmação de que só se pode atribuir significação a
juízos que expressem "questões de fato" ou "relações de idéias" (isto é, sua crítica à
metafísica). Este terceiro aspecto fica evidenciado na conclusão do texto de Hume
(1748/1980):

15. Afirma Moura (1993) sobre a posição de Hume:


Ficção e convicção são do mesmo gênero, elas só diferem em
graus. E se posso situar-me neste degradé que vai da menor à
maior "força e vivacidade", será inútil pensar em reinstalar, em
nome desta diferença de graus, uma diferença entre as crenças
"racionais" e as "outras". Nada poderá oferecer um "critério" que
decida onde termina a convicção e começa a ficção. Afinal, como
determinar os graus de "força"? Como determinar os graus de uma
qualidade? Hume já indicava, ao leitor epistemólogo, o quanto de
tolice haveria para ele em tal discussão ... (p.108).
Se tomamos nas mãos um volume qualquer de Teologia ou de Metafísica
escolástica, por exemplo, perguntemos: Este livro contém algum raciocínio abstrato
sobre quantidade ou número? Não. Contém algum raciocínio experimental sobre
questões de fato ou de existência? Não. Para o fogo com ele, pois outra coisa não
pode encerrar senão sofismas e ilusões (p.204).
Isto é, apenas enunciados que tratam de "relações de idéias" ou de
"questões de fato" têm significação. Ou, de outra forma, o que confere significação a
um enunciado é sua estrutura lógico-matemática, ou sua correspondência com objetos
da experiência. Outros tipos de proposições nada de significativo representam. Esta
idéia será bastante influente na concepção de linguagem que os positivistas lógicos do
Círculo de Viena desenvolverão na primeira metade deste século, como se verá adiante.
As filosofias empiristas parecem ter sepultado a idéia de que a razão
humana pudesse, por si só, pura e intuitivamente, como pensava Descartes, levar ao
conhecimento. Não sepultaram, porém, a idéia de que os fundamentos do conhecimento
deveriam ser buscados na razão ou entendimento humano; ao contrário, contribuíram
significativamente para tal, apesar do papel atribuído à experiência naquela
fundamentação. Isso fica claro na influência que as idéias de Hume exerceram no
pensamento Kantiano. Kant restaura a investigação sobre a razão, desta vez não mais
da razão que pretende conhecer a realidade pura e intuitivamente, mas da razão que
se realiza no campo da experiência. Ele reconstrói, de certa forma, o problema da
representação, estabelecendo uma nova concepção de objetividade e universalidade dos
juízos humanos.
A filosofia de Kant parte de duas distinções importantes para discutir o
problema do conhecimento. A primeira delas entre campo fenomenal, espaço de
construção do conhecimento, e campo transcendental, das condições necessárias para o
conhecimento. Ao contrário do campo fenomenal, o campo transcendental se presta
apenas à reflexão e não ao conhecimento propriamente dito. A segunda distinção
kantiana diferencia sensibilidade de entendimento.
Ao tratar da primeira distinção, Kant assinala que o conhecimento está
limitado a circunstâncias empíricas. Isto é, aquilo que não pode ser experienciado não
pode, também, ser conhecido. (O problema da metafísica tradicional teria sido o de
pretender conhecer o que não se presta ao conhecimento, por transcender o campo da
experiência possível). Por outro lado, o que é cognoscível é conhecido enquanto objeto
de uma experiência, e não tal como é em si mesmo. Apesar disso, segundo Kant, a
experiência pressupõe a existência das coisas em si mesmas e do sujeito
cognoscente (transcendental, não empírico) enquanto condições para sua ocorrência. É
possível pensar sobre ambos, embora não se possa conhecê-los. Esta é a reflexão
de que se ocupa a filosofia crítica (ou transcendental).
A investigação das condições para o conhecimento representa, na
filosofia kantiana, uma investigação sobre os limites e as possibilidades da razão
humana. Influenciado por Hume, Kant admite que a experiência não confere
objetividade a conceitos como o de causalidade. Todavia, ao contrário de Hume,
acredita que os juízos de causalidade contém objetividade e denotam relações
universais e necessárias. O que fundamenta esta crença de Kant é a idéia de que
aquelas relações são apreendidas a partir de princípios apriorísticos e universais da
razão. Tais princípios "... possuem exatidão objetiva acima de qualquer dúvida, se bem
que apenas no que diz respeito à experiência" (Kant, 1783/1980a, p.47). Quer dizer, o
conhecimento tem um caráter de representação objetiva, não da realidade em si
mesma, mas da realidade enquanto experiência possível. A objetividade surge na
medida em que toda experiência é regulada por princípios universais que existem
apioristicamente. Por outro lado, estes princípios operam apenas com respeito a
objetos da experiência, daí não ser pertinente falar no conhecimento de algo que
transcenda a este campo. Assinala Kant (1783/1980a) sobre os princípios
apriorísticos:

... eles contém apenas as condições de uma experiência possível em geral, enquanto
subordinada a leis a priori. Não afirmo que as coisas em si mesmas tenham uma
grandeza ... pois isto ninguém pode provar ... Portanto, a limitação essencial dos
conceitos nestes princípios é a de que todas as coisas estão sujeitas necessariamente e
a priori, como objetos da experiência, às condições mencionadas (p.45).
Havendo afirmado que a forma como os fenômenos são experienciados
é regulada por princípios apriorísticos, deve-se recuperar a segunda distinção
importante estabelecida por Kant, qual seja, a diferença entre sensibilidade e
entendimento. Afirma Kant (1781/1980b) que a sensibilidade refere-se à "capacidade
(receptividade) de obter representações mediante o modo como somos afetados por
objetos" (p.39). O conhecimento, entretanto, envolve mais do que a sensibilidade; ele
implica, também, o entendimento, aquilo que dá forma e regularidade ao material
diverso das sensações.

... pela sensibilidade nos são dados objetos e apenas ela nos fornece intuições; pelo
entendimento, ao invés, os objetos são pensados e dele se originam conceitos (Kant,
1781/1980b, p.39).
Após distinguir a sensibilidade do entendimento, Kant discute as
condições apriorísticas presentes em cada uma destas faculdades humanas. Do ponto
de vista da sensibilidade, Kant fala em duas formas apriorísticas: espaço e tempo.
Espaço e tempo não representam, assim, propriedades das coisas em si, mas condições
subjetivas inatas que antecedem e regulam toda experiência sensível; daí Kant falar
em termos de intuição sensível. Quanto à segunda faculdade, Kant refere-se a
categorias apriorísticas do entendimento, dentre as quais se identifica o princípio de
causalidade. Isto é, o conceito de causa e efeito de fato não se fundamenta na
experiência (como pensava Hume), mas existe aprioristicamente e regula o
entendimento dos fenômenos16.

16. Kant estabelece, também, uma distinção entre "percepção" e "experiência" e seus
correspondentes "juízos de percepção" e "juízos de experiência". Os juízos de
experiência propriamente ditos são aqueles nos quais as intuições sensíveis estão
organizadas segundo conceitos universais do entendimento puro, o que lhes confere
objetividade. Os juízos de percepção, ao contrário, limitam-se a organizar representações
segundo conexões lógicas do próprio sujeito, num dado momento (por exemplo, o juízo
"esta pedra me parece pesada"), o que lhes confere apenas valor subjetivo. Observa Kant
(1783/1980a):
Ao falar de "categorias apriorísticas do entendimento", Kant aponta
para as condições em que é possível à razão humana chegar ao conhecimento
universalmente válido. Embora todo conhecimento possível esteja limitado ao campo da
experiência, a objetividade é conferida a um conhecimento a partir de uma atuação da
razão humana, que subsume toda intuição sensível a juízos antecipadamente
existentes no entendimento17.
Observe-se que a investigação de Kant transfere do mundo para o
próprio sujeito a reflexão sobre a objetividade do conhecimento. Conhecer é
construir representações (a partir da intuição sensível) e submetê-las a princípios
apriorísticos (do entendimento) que lhes conferem universalidade e objetividade.
Investigar as condições do conhecimento universalmente válido, então, é investigar
condições subjetivas (no sentido de internas) dos sujeitos cognoscentes. Isto é, tais
condições são condições do próprio sujeito e existem aprioristicamente a toda
experiência. Por outro lado, se as condições de objetividade são condições do próprio
sujeito, disso resulta que as chamadas "leis da natureza", tal como pensava Hume,
não expressam relações dos fenômenos em si mesmos; elas remetem a condições do
sujeito cognoscente, que se impõem a qualquer experiência possível.

... que a legislação suprema da natureza deve estar em nós mesmos, isto é, em nosso
entendimento, e que não devemos buscar as leis gerais da natureza na própria natureza
por meio da experiência, mas, ao contrário, devemos derivar a natureza, em sua
regularidade universal, unicamente das condições de possibilidade da experiência

Os últimos [juízos de percepção] não necessitam de nenhum


conceito do entendimento puro, mas apenas da conexão lógica de
percepções num sujeito pensante. Os primeiros [juízos de
experiência] exigem, entretanto, a qualquer tempo, além das
representações da intuição sensível, ainda conceitos especiais
produzidos originariamente no entendimento, os quais permitem
justamente que o juízo de experiência seja válido objetivamente
(p.37).

17. Sobre estes juízos, deve-se citar as distinções entre juízos a priori e a posteriori e
entre analíticos e sintéticos. Juízos a priori são juízos independentes de qualquer
experiência; existem aprioristicamente e têm valor necessário e universal. Juízos a
posteriori são juízos de instâncias de experiências e têm apenas valor contingente (são
juízos particulares, como "este livro é azul", ou gerais mas logicamente dependentes de
instâncias de experiência, como "um corpo desprovido de suporte cai" - cf Korner, 1987,
p.20). Um juízo analítico é aquele que não acrescenta conhecimento, mas apenas
esclarece o sentido das palavras, apoiando-se na lógica (por exemplo, "um dia chuvoso é
um dia úmido"). Juízos analíticos, assim, são sempre juízos a priori. Juízos sintéticos, ao
contrário de juízos analíticos, acrescentam conhecimento. Até aqui, pode-se afirmar que
todo juízo a posteriori é necessáriamente sintético, não-analítico. Os juízos sintéticos,
entretanto, e segundo Kant, podem também ser juízos a priori. Exemplos de juízos
sintéticos a priori são os juízos matemáticos como "2+2=4" ou princípios como "toda
mudança tem uma causa". A investigação dos juízos sintéticos a priori constitui, assim, o
centro da filosofia kantiana. Como afirma Korner (1987) "a filosofia crítica é, em
essência, um estudo da natureza e função dos juízos sintéticos a priori" (p.22).
inerentes à nossa sensibilidade e ao nosso entendimento. (...) O entendimento não
cria suas leis (a priori) a partir da natureza; mas as prescreve à mesma (Kant,
1783/1980a, p.53).
Ao transferir para o próprio sujeito as condições do conhecimento
válido, Kant, por um lado, reafirma a possibilidade do conhecimento objetivo. Por
outro, entretanto, constrói um conceito de objetividade bastante diverso daquele dos
filósofos que o antecederam. Não se trata mais de asseverar uma independência
entre objeto cognoscível e sujeito cognoscente; o conhecimento objetivo não é mais
aquele que reproduz a realidade tal como ela é em si mesma, depurada de
propriedades que são próprias dos sujeitos. Ao contrário, conhecer as coisas tal como
elas são em si mesmas é, para Kant, impossível. Mas o objetivismo kantiano traz em
comum com outras vertentes representacionistas a idéia de que é possível identificar
condições para discernimento entre crenças contingentes e conhecimento universal e
objetivamente válido. É por isso que Bernstein (1983), ao falar de relativismo e
objetivismo não aborda o último do ponto de vista estrito da independência entre
sujeito e objeto. Para ele, mesmo sem aceitar tal independência, Kant é tão objetivista
quanto Descartes ou Locke.

... da minha perspectiva, Kant não é menos objetivista ou fundacionalista do que os


empiristas e os racionalistas que ele estava criticando. Kant não questiona a
necessidade de uma matriz ou de um esquema categorial a-histórico permanente para
fundamentar o conhecimento; ele insiste nisso mais rigorosamente do que muitos de seus
antecessores. Ele sustenta que sua investigação crítica revela e justifica, de uma vez por
todas, as condições universais e necessárias para a possibilidade da experiência e do
conhecimento. Kant identifica a virada transcendental18 como o "caminho correto"19
da filosofia. Questionar a possibilidade e sucesso de tal projeto crítico seria questionar a
própria filosofia. Todos aqueles que compartilham deste compromisso - todos aqueles
que acham que somente assumindo a virada transcendental e que reivindicam que
existe uma estrutura a priori universal e necessária do conhecimento humano -
compartilham da inclinação objetivista (Bernstein, 1983, p.10).
Apesar de objetivista segundo as condições apontadas por Bernstein
(1983), Kant assinala que a objetividade do conhecimento científico, ou as
regularidades atribuídas aos fenômenos da natureza, dependem, ainda, quando se
passa da reflexão transcendental para o campo da investigação empírica, da faculdade de
juízo do homem, a qual regula a apreensão de leis segundo um princípio de subsunção
da diversidade de experiências particulares a conceitos universais (juízo
determinante), e também de busca de um universal para o particular (juízo
reflexionante). Cabe, neste ponto, fazer uma distinção entre o "idealismo
transcendental" kantiano e seu "realismo empírico". É claro que do ponto de vista das
condições apriorísticas de todo conhecimento possível pode-se falar em
universalidade e objetividade do conhecimento. Mas a universalidade e objetividade

18. No original, "transcendental turn".

19. No original, "proper way".


do conhecimento segundo leis transcendentais não implica a universalidade dos
fenômenos segundo leis empíricas. Enquanto o idealismo transcendental pressupõe que
os objetos externos não passam de representações dos próprios indivíduos, o
realismo empírico precisará pressupor que tais objetos existem externa e
independentemente dos indivíduos. Além disso, faz-se necessário, no campo das leis
empíricas, a suposição de que a natureza, apesar de sua diversidade, pode ser agrupada
segundo leis gerais. A faculdade de juízo é, então,

... uma pressuposição transcendental subjetivamente necessária que aquela inquietante


disparidade sem limite de leis empíricas e aquela heterogeneidade de formas naturais
não convêm à natureza, mas, pelo contrário, que esta, pela afinidade das leis
particulares sob as mais universais, se qualifique a uma experiência como sistema
empírico (Kant, 1790/1980c, p.175).
Observe-se que, na perspectiva de Kant, a faculdade de juízo, converte-
se num requisito para a própria atividade científica; é ela que, segundo um
princípio transcendental, permite a subsunção da diversidade a leis gerais dos
fenômenos da natureza. Isso implica, de um lado, afirmar que o conhecimento
científico está limitado por aquela faculdade humana. Por outro, implica o
reconhecimento da legitimidade daquela pressuposição como condição para o
próprio exercício da atividade científica (e mesmo para a organização não-científica
da experiência cotidiana).
A partir das idéias de Kant, o pensamento representacionista apresenta-
se renovado e reafirmado. Acentuando a tendência de psicologização do problema do
conhecimento, afasta-se da pretensão de apreender a realidade em si mesma, ao
mesmo tempo em que preserva e legitima a filosofia do conhecimento como
disciplina pertinente e capaz de estabelecer os fundamentos do conhecimento válido.
Ao mesmo tempo em que descaracteriza as pretensões cartesianas de conhecer
através de uma intuição racional pura, pretensões estas duramente questionadas pelas
filosofias empiristas, a filosofia kantiana é capaz de preservar a idéia de
conhecimento objetivo e universal. Ela inaugura, com seus postulados, uma
perspectiva de análise do fenômeno do conhecimento que será profundamente
influente no pensamento moderno: a perspectiva de buscar no sujeito cognoscente as
condições de universalidade do conhecimento. Por outro lado, cabe assinalar também,
que as afirmações de Kant sobre a atividade científica, relacionando-a com a
faculdade de juízo enquanto recurso que a torna possível, constituem-se em embriões
para o próprio surgimento das teses relativistas, na medida em que diferenciam a
natureza em si mesma da natureza enquanto objeto de conhecimento, demarcando a
extensão da legitimidade do saber científico.
Tendo examinado algumas idéias de alguns dos autores mais importantes
na constituição do pensamento representacionista, cabe, ainda, fazer referência a duas
correntes filosóficas mais recentes: o positivismo lógico, por sua influência no
behaviorismo metodológico, a partir do qual Skinner procura diferenciar sua
abordagem; e o refutabilismo de Popper, por caracterizar uma filosofia herdeira do
pensamento representacionista, mas que não assume a tradicional distinção entre
aparência e essência e, portanto, não pensa mais o conhecimento em termos de
verdades últimas ou absolutas.
As idéias de que o discurso cientificamente válido está fundamentado
em (a) determinadas formas lógico-sintáticas, e (b) em uma correspondência com o
mundo empírico, podem ser apontadas como as teses centrais da filosofia positivista
lógica, desenvolvida pelo chamado Círculo de Viena, um grupo de filósofos,
matemáticos e cientistas que se reuniu em torno de Moritz Schlick, a partir da
segunda metade da década de vinte deste século. No positivismo lógico, encontra-se
uma das tentativas de renovação do pensamento representacionista que maior influência
exerceu sobre o pensamento psicológico, especialmente sobre a emergente ciência do
comportamento. No que diz respeito a sua busca pelas formas lógico-sintáticas do
discurso válido, observa-se uma influência do pensamento kantiano sobre a filosofia do
positivismo lógico (susbtitui-se, apenas, "categorias apriorísticas do entendimento" por
algo do tipo "formas lingüísticas apriorísticas - ainda que não definitivas ou necessárias
- de todo enunciado válido").
Dentre os chamados positivistas lógicos (Schlick, Carnap, Neurath,
Hahn, Feigl, para citar alguns dos mais proeminentes), não se identifica uma obra
filosófica única, mas uma convergência de idéias em torno de alguns princípios sobre
a natureza e as fronteiras do conhecimento válido. Interessava-os, particularmente,
demarcar a distinção entre o discurso científico e o discurso metafísico,
desqualificando o último como conhecimento por estar baseado, entre outros, num
uso vulgar e descuidado da linguagem ordinária. É a partir de uma crítica lingüística
aos postulados metafísicos que os membros do Círculo de Viena procurarão, então,
delimitar os aspectos formais do discurso válido.
Para os positivistas lógicos, ao decompor-se qualquer discurso
distingüem-se três tipos de asserções: asserções empíricas, asserções lógico-
matemáticas e asserções sem sentido. Isto é, tal como em Hume, atribui-se
significação apenas àquelas proposições que atendem a princípios lógico-formais (em
geral, derivados das ciências matemáticas) e/ou remetem a fatos empíricos20. Tudo o
mais é simples palavreado sem sentido, ou "apenas expressão de algo como um
sentimento perante a vida" (Hahn, Neurath e Carnap, 1929/1986, p.10). O que não tem
sentido não deve, também, sequer ser elaborado conceitualmente. Embora aquela
expressão de sentimento possa ser importante, ela deve fazer uso dos meios
apropriados para tal, como a música e a poesia.

20. Ao lançarem mão das proposições de Hume para argumentar em favor de suas teses,
entretanto, os positivistas lógicos necessitarão ignorar ou desqualificar a noção humeana
de crença, capaz de dissolver suas pretensões representacionistas. Esta tarefa será em
parte possibilitada pela diferenciação entre descoberta e justificação, através da qual os
chamados "fatos psicológicos" podem ser apartados do problema da fundamentação do
conhecimento. Sobre esta relação dos positivistas lógicos com a filosofia de Hume,
afirma Moura (1993):
... o neopositivista vai elogiar Hume enquanto crítico da noção
"metafísica" de causalidade, para logo depois recusar qualquer
valor à teoria da crença; ela representaria o momento em que a
análise filosófica se perde no "psicológico" ... o que está fora de
lugar em uma investigação filosófica. É o lado "ruim" [para os
neopositivistas] da filosofia de Hume ... (p.100).
Se um místico afirma ter vivências que se situam sobre ou para além de todos os
conceitos, não se pode contestá-lo, mas ele não pode falar sobre isso, pois falar
significa apreender em conceitos, reduzir a fatos ... cientificamente articuláveis (Hahn,
Neurath e Carnap, 1929/1986, p.11).
Ao desvelar os equívocos lingüísticos do discurso metafísico e ao
estabelecer como dizível apenas aquilo que remete a fatos verificáveis, os positivistas
lógicos revelam a influência do pensamento de Wittgenstein, tal como ele aparece na
obra Tractatus Logico-Philosophicus (Wittgenstein, 1921/1987). De um lado,
assumindo como tarefa da filosofia o esclarecimento das proposições - "o objetivo da
filosofia é a clarificação lógica dos pensamentos" (Wittgenstein, 1921/1987, p.62,
parag.4.112)21. De outro, assumindo uma teoria referencial do significado, segundo a
qual toda proposição dotada de sentido representa um estado de coisas verificável
empiricamente22. "A proposição mais simples, a proposição elementar, afirma
assertoricamente a existência de um estado de coisas" (Wittgenstein, 1921/1987,
p.71, parag.4.21). A proposição tem sentido em termos de que ela possui um valor de
verdade; ela afirma um estado de coisas que pode ser confirmado como falso ou
verdadeiro. Adiante, conclui Wittgenstein (1921/1987) que "acerca daquilo de que não
se pode falar, tem-se que ficar em silêncio" (p.142, parag.6.54).
A interpretação verificacionista das teses de Wittgenstein aproxima o
positivismo lógico do empirismo do século XVIII. O que distingue o positivismo lógico
do empirismo é sua ênfase nos aspectos lingüísticos e lógicos do conhecimento. Isto
é, para o positivismo lógico, investigar os fundamentos do conhecimento válido é
investigar, antes de tudo, as formas lógicas e as estruturas sintáticas subjacentes ao
discurso científico. Por outro lado, ao voltar-se para estes aspectos, o positivismo
lógico sustenta haver algum tipo de correspondência entre asserções lógicas e asserções
empíricas, ou entre as formas lógicas do discurso científico e sua possibilidade de
verificação empírica. As primeiras, quando decompostas em suas "proposições
elementares" corresponderiam a asserções empíricas, relativas a fatos particulares,
portanto verificáveis, atendendo a critérios intersubjetivos. Nesta linha de raciocínio,
o positivismo lógico, tende a afirmar uma versão fisicalista do conhecimento23. Este

21. Inclui-se, aqui, a referência ao parágrafo no qual o trecho citado aparece.

22. Neste caso, trata-se de uma interpretação verificacionista das teses de Wittgenstein,
não necessariamente assumidas como tal por este autor.

23. As idéias fisicalistas e verificacionistas dos positivistas lógicos, em especial de


Carnap, alteraram-se substancialmente com o decorrer dos anos. Uma análise destas
mudanças e de seu contexto, bem como sua articulação com a lógica são apresentadas por
Bouveresse (1974), para quem as teses de Carnap têm sido prejudicadas por uma atitude
preconceituosa para com os membros do Círculo de Viena. Ainda sobre este tópico,
Smith (1989) argumenta que a distinção entre asserções lógicas e asserções empíricas,
assim como a possibilidade de redução das primeiras às últimas, constituem problemas
não resolvidos pelos positivistas lógicos. Salienta Smith (1989):
Foi como se, tendo uma vez dicotomizado o lógico e o empírico,
os positivistas lógicos nunca fossem capazes de reuni-los numa
imagem plausível do conhecimento científico. As suas tentativas
fisicalismo se expressa na suposição de que a análise lógica fundamentará o discurso
científico, articulando sua dimensão lingüística com a possibilidade de verificação
empírica, conferindo-lhe valor objetivo. Expressa-se, ainda, no ideal de ciência
unificada, que pressupõe, entre outros, a redução dos quadros conceituais das diversas
ciências à linguagem da física, garantindo-lhes, assim, significação empírica (cf
Carnap, 1938/1955; Smith, 1989, pp.62-64).
Ao dirigir sua atenção para as formas lógicas do discurso científico24, o
positivismo lógico torna aparentemente secundária a preocupação dos empiristas com
problemas relativos à "percepção" da realidade. Longe de resolver o problema do
mentalismo, entretanto, dá margem a uma visão dualista do homem, na qual, por um
lado, se admitem aspectos mentais envolvidos na construção do conhecimento, e, por
outro, restringe-se a possibilidade de conhecer ou falar significativamente sobre estes
eventos, dados os limites de redução dos postulados a seu respeito a asserções de
natureza empírica.
Já no Manifesto Positivista (Hahn, Neurath e Carnap, 1929/1986)
aparece uma distinção entre sentimentos ou vivências íntimas e fatos empíricos. À
objetividade dos últimos, opõe-se o caráter subjetivo dos primeiros. A epistemologia,
entretanto, ocupando-se das formas lógicas do discurso científico, pode prescindir da
investigação dos fatos psicológicos, deixando-os a cargo da ciência psicológica. A
redução da epistemologia à lógica apoia-se, entre outros, na distinção entre
"descoberta" e "justificação" (cf. Smith, 1989, pp.43-46). Os fatos psicológicos
certamente manifestam-se, ou estão envolvidos, nos processos de descoberta de
soluções para problemas científicos ou filosóficos. Mas não cabe à epistemologia
investigar como os indivíduos vêm a conhecer algo, ou como se dá a "descoberta", e
sim examinar as bases de fundamentação e validação do conhecimento, isto é, sua
"justificação".
O que se observa no positivismo lógico é uma tentativa de renovação do
pensamento representacionista que, sem recorrer a processos mentais, intuições ou leis
de uma razão pura, (re)constrói parâmetros para aferição de objetividade e
universalidade do conhecimento cientificamente válido, e elabora nova versão para o
problema da correspondência entre linguagem científica e realidade empírica (mesmo
sem assumir o discurso do "realismo"). O recurso às formas lógicas, entretanto, bem

para fazer isso constituem muito da estória de seu movimento


filosófico (p.28).

24. Vale assinalar que os positivistas lógicos não pensam estas formas lógicas no sentido
kantiano de juízos sintéticos a priori.
A possibilidade de conhecimento não mais se baseia em que a
razão humana imprima sua forma ao material, mas em que o
material seja ordenado de um determinado modo. Nada se pode
saber de antemão sobre a espécie e o grau desta ordem. O mundo
poderia ser muito mais ou muito menos ordenado do que é, sem
que se perdesse a cognoscibilidade. Apenas a pesquisa da ciência
empírica, penetrando gradativamente, pode-nos ensinar em que
medida o mundo é regular (Hahn, Neurath e Carnap, 1929/1986,
p.15) .
como sua articulação com as dimensões lingüísticas do conhecimento mantém a idéia
de uma instância subjetiva envolvida na construção do conhecimento. Isso porque a
elaboração de uma proposição científica pode ser entendida em termos de uma
manipulação mental de conceitos (segundo certas formas lógicas), cujos significados
são pensados em termos de conteúdos conscientes. Este tipo de leitura das teses do
positivismo lógico aparece, especialmente, na interpretação que os chamados
behavioristas metodológicos farão dos princípios operacionistas, na qual predomina
uma concepção dualista de homem e mentalista da linguagem (cf Moore, 1981;
Stevens, 1935). Ao mesmo tempo, os behavioristas metodológicos eliminarão a vida
psíquica da psicologia científica, já que o psíquico ou mental não atende aos critérios
de verificação empírica e acordo intersubjetivo.
Dos princípios relativos ao pensamento representacionista enumerados
no início desta seção, o positivismo lógico afirma claramente (embora de modo
particular) apenas a relação entre linguagem e realidade, esta última pensada em
termos daquilo que constitui o objeto da investigação científica. Indiretamente, o
positivismo lógico preserva, também, como examinado acima, a idéia de mente como
instância na qual ocorrem fenômenos importantes relativos à construção do
conhecimento. Já não se identifica, contudo, uma afirmação da dicotomia aparência-
essência, tal como inaugurada por Platão e reafirmada, entre outros, por Galileu e
Descartes. Com efeito, a tradição representacionista tende a abandonar gradativamente
a pretensão de conhecer a realidade em si mesma (e para isso as críticas de Kant
foram de fundamental importância), mantendo intocável, basicamente, a idéia de que
há, como diz Rorty (1988) "representações privilegiadas". Nesta direção, o
representacionismo possibilita uma compatibilidade entre o abandono da dicotomia
aparência-essência e a legitimação de uma disciplina (lógica, filosófica ou
psicológica) que estabeleça parâmetros para distinção entre o conhecimento válido e as
ilusões ou crenças infundadas. Um autor contemporâneo cujas idéias são
especialmente representativas desta articulação é Popper.
Popper (1972/1980) aborda o que caracteriza algumas divergências entre
teses representacionistas e pragmatistas a partir de uma oposição entre a tradição
filosófica galileana e a crítica a ela dirigida pelos instrumentalistas (para quem os
juízos humanos não representam a realidade, mas apenas funcionam como
instrumentos para nela intervir). Para Popper, não há dúvidas de que as teorias
científicas são instrumentos para lidar-se com os fenômenos do mundo, mas reduzi-las
a isto constitui grande equívoco. O engano teria como ponto de partida a rejeição da
idéia de que conhecer é apreender a essência das coisas do mundo. Ao rejeitar esta
idéia, os instrumentalistas abandonam, também, a noção de que o empreendimento
científico busca teorias verdadeiras acerca do mundo. A rejeição do essencialismo não
implica, segundo Popper, abdicar da intenção de construir teorias verdadeiras. Para
desenvolver esta tese, Popper parte daquilo que entende por "filosofia galileana de
ciência".
A filosofia galileana é abordada por Popper (1972/1980) sob o ponto de
vista de três doutrinas que a constituem: primeiro, a aspiração científica de construção
de teorias verdadeiras sobre o mundo; segundo, a crença de que tais teorias podem
ser asseguradas como verdadeiras além de toda dúvida razoável; e, terceiro, a crença
de que tais teorias apreendem a essência dos fenômenos, qualidades estas que estão
ocultas por trás de suas aparências. Popper critica as duas últimas doutrinas. Com
respeito à segunda (qual seja, a crença de que as teorias científicas podem ser
sustentadas como verdadeiras além da dúvida razoável), afirma que toda teoria
permanece sempre uma hipótese, uma conjectura que nunca pode ser conclusivamente
sustentada como verdadeira. A despeito de todos os testes a que tenha submetido uma
teoria, um cientista nunca pode ter a certeza de que novos testes não a refutarão. A
terceira doutrina (a do essencialismo) é também considerada imprópria porque
remete, necessariamente, à ideia de "explicações últimas", o que não pode ser
estabelecido com respeito a nenhuma teoria. Isto é, se não é possível ter certeza de que
uma teoria não será refutada no futuro, também não cabe supor que ela seja a última
explicação possível, apreendendo, assim, a essência dos fenômenos. Popper abandona
então um dos pilares do pensamento representacionista, a distinção aparência-essência.
Mas o abandono do essencialismo não implica, para Popper, a rejeição da primeira
doutrina enumerada acima, ou seja, a de que as teorias científicas (mais do que
instrumentos) aspiram o caráter de descrições verdadeiras do mundo, diferenciando-se,
assim, de outros conjuntos de enunciados humanos.
Para dar conta daquela aspiração científica, Popper a associa a uma tese
(por ele apontada como não-galileana) que expressa o fundamento da crítica ao
essencialismo: a idéia de que o cientista nunca pode ter certeza sobre a veracidade de sua
teoria (mesmo que a isso aspire), mas pode ter razoável certeza sobre sua falsidade.
Assim, do ponto de vista da lógica popperiana, ao elaborar uma teoria, a atividade
do cientista está dirigida para uma descrição verdadeira do mundo. Tal descrição é então
submetida a um teste cujo resultado só será conclusivo se se tratar de um
falseamento. As teorias que subsistem aos testes são então concebidas como
"conjeturas genuínas", isto é,

... suposições altamente informativas acerca do mundo que, embora não sejam
verificáveis (isto é, embora não seja possível mostrar que são verdadeiras), podem ser
submetidas a severos testes críticos. Elas são tentativas sérias de descobrir a verdade. A
este respeito as hipóteses científicas são exatamente como a famosa conjetura de
Goldbach na teoria dos números. Goldbach pensava que ela poderia ser verdadeira; e
de fato pode perfeitamente ser verdadeira ainda que não saibamos, e que talvez
nunca possamos saber, se ela é verdadeira ou não (Popper, 1972/1980, p.146).
A investigação científica a partir da qual as teorias são testadas não é
dirigida para a confirmação de um dado estado de coisas. Na lógica popperiana,
testar uma teoria é submetê-la a "experimentos críticos", a partir dos quais pode-se ou
não falseá-la. Apenas o falseamento acrescenta alguma certeza sobre a realidade.
Quando, num experimento crítico, uma teoria não é falseada diz-se apenas que ela foi
corroborada (e não confirmada como verdadeira), o que significa afirmar que ela se
sustenta diante de uma avaliação crucial, na qual algumas predições nela contidas foram
testadas. Por outro lado, o falseamento implica uma afirmação sobre a realidade, na
medida em que se estabelece com razoável certeza que a realidade não corresponde a
determinada suposição sobre sua natureza. Se, de um lado, o falseamento revela
algo sobre a realidade, de outro, deve-se reconhecer que as teorias que inspiram
novos experimentos, ao incorporar os falseamentos anteriores, buscam descrições
verdadeiras sobre esta realidade.
Popper aceita a concepção segundo a qual o verdadeiro é o que
descreve o real (cf Popper, 1972/1980, pp.147-148). Mas a investigação de uma teoria
que se pretende verdadeira, quando resulta num falseamento, afirma algo sobre a
realidade. A concepção resultante é, então, em alguma medida, verdadeira. Os
falseamentos indicam, segundo Popper (1972/1980), "... os pontos em que tocamos a
realidade, por assim dizer" (p.148). Desse modo, uma teoria assumida como a melhor
(ou mais atual) descrição de um conjunto de fenômenos é aquela que tenta incorporar
todos os falseamentos já estabelecidos com respeito àqueles fenômenos. Desta
posição resulta, por um lado, que há graus de veracidade de uma teoria, ou graus de
correspondência com a realidade, e, de outro, que tais atributos dependem
necessariamente da testabilidade de uma teoria, da possibilidade de submetê-la a
experimentos cruciais. Relaciona-se assim, uma noção de verdade como
correspondência à realidade com a afirmação de uma lógica que reconhece o
conhecimento científico como aquele dirigido para a construção de representações
verdadeiras. Além disso, a verdade de que fala Popper incorpora, necessariamente,
uma forma de historicidade; não se trata mais de uma verdade última, mas sim de uma
verdade relativa ao estágio em que determinada investigação se encontra.
A crítica de Popper ao essencialismo e sua análise acerca da possibilidade
de estabelecer-se a veracidade de um enunciado podem parecer próximas às teses
relativistas. Ao contrário disso, porém, já se observou que suas concepções de verdade e
de ciência estão mais próximas do representacionismo. Por outro lado, talvez o mais
importante a este respeito seja apontar que a filosofia de Popper justifica a existência de
uma disciplina que investigue as fronteiras entre o conhecimento voltado para a
apreensão da realidade e outros conjuntos de crenças humanas. Neste caso particular, tal
disciplina configura-se como uma investigação da lógica da ciência, ou mais
propriamente como defesa da lógica da refutação, uma versão renovada de princípios
empiristas, na medida em que resulta na atribuição de cientificidade apenas a juízos
empiricamente (ou experimentalmente) refutáveis. Nesta lógica, encontram-se os
fundamentos que dirigem (ou devem dirigir) a busca de um conhecimento verdadeiro,
não circunstancial, mesmo que a ele nunca se possa ter a certeza de ter chegado. Mais do
que os "princípios" enumerados no início desta seção, que vão sendo reelaborados ao
longo da história, a existência daquela disciplina lógica parece incorporar o que é o
"espírito" próprio do pensamento representacionista: a idéia de que a filosofia deve
oferecer à cultura, e à ciência em particular, um quadro referencial a partir do qual as
diversas reivindicações a conhecimento possam ser julgadas ou avaliadas e, em certa
medida, hierarquizadas segundo sua possibilidade de conter um valor de verdade.

CAPÍTULO 2

A CONSTRUÇÃO DO PRAGMATISMO: UM POUCO DE HISTÓRIA.

Para falar de pragmatismo enquanto uma vertente do pensamento


filosófico que se opõe ao representacionismo, faz-se necessário partir de alguns
esclarecimentos. Em primeiro lugar, nem toda crítica ao representacionismo é
necessariamente pragmatista. Pode-se negar valor de objetividade ou veracidade aos
diversos conjuntos de enunciados sobre a natureza sem que necessariamente se tenha
uma postura pragmatista sobre o problema. Ao falar de pragmatismo, portanto, não se
estará examinando o amplo conjunto de críticas já formuladas às filosofias
representacionistas. Em segundo lugar, o próprio pragmatismo não se apresenta, desde
seu surgimento, como uma atitude claramente anti-representacionista; ele vai tomando
esta forma à medida que algumas teses vão sendo elaboradas por diferentes filósofos.
Alguns destes filósofos tiveram papel destacado na construção do pensamento
pragmatista e serão aqui examinados. São eles: Peirce, James, Dewey, Wittgenstein (que
não foi um pragmatista, mas cujas reflexões sobre a linguagem foram importantes para o
pragmatismo contemporâneo), e Rorty. Por outro lado, considerando-se o pragmatismo
em termos de uma postura que apenas gradativamente vai se construindo como anti-
representacionista, mostra-se pertinente demarcar pelo menos dois momentos
significativamente distintos neste processo: primeiro, o pragmatismo americano do
século XIX e início deste século, exemplificado pelo pensamento de Peirce, James e
Dewey; segundo o pragmatismo contemporâneo, influenciado por Wittgenstein e por
filósofos da linguagem e do qual as posições de Rorty citadas no início deste trabalho são
exemplares.
Por último, cabe desfazer a idéia mais comum acerca do pragmatismo,
aquela que o confunde com utilitarismo. O utilitarismo sem dúvida aparecerá nas obras
de alguns filósofos pragmatistas, especialmente nas dos primeiros pragmatistas. Ele não
é, todavia, algo próprio da doutrina pragmatista. Talvez se possa considerar o interesse
utilitarista uma marca própria da filosofia que se desenvolve a partir do século XVII,
distingüindo-se da filosofia especulativa exatamente por pretender criar as bases para um
conhecimento que permita ao homem subjugar a natureza a seus interesses ou
necessidades. Já dizia Bacon (1620/1979) que "Ciência e poder no homem coincidem ... "
(p.13, af.III). Descartes professava igualmente o interesse numa filosofia que
instrumentalizasse o homem para agir sobre a natureza. Afirmava ele que:

... é possível chegar a conhecimentos que sejam muito úteis à vida, e que, em vez dessa
Filosofia especulativa que se ensina nas escolas, se pode encontrar uma outra prática,
pela qual, conhecendo a força e as ações do fogo, da água, do ar, dos astros, dos céus e de
todos os outros corpos que nos cercam, tão distintamente como conhecemos os diversos
misteres de nossos artífices, poderíamos empregá-los da mesma maneira em todos os
usos para os quais são próprios, e assim nos tornar como que senhores e possuidores da
natureza (Descartes, 1637/1979b, p.63).
Se o interesse utilitarista não caracteriza algo especial do pragmatismo, e
se muito menos é seu traço principal enquanto crítica ao representacionismo, o que se
deve tomar como as teses centrais desta filosofia?25. Algumas considerações podem ser
feitas a este respeito.

25. Rorty (1990), por exemplo, argumenta que o pragmatismo gradualmente afastou-se
de seus laços com o utilitarismo em direção a uma postura anti-representacionista, que
também não elege o "saber utilitário" como privilegiado.
De um modo geral, o pragmatismo surge e se desenvolve bastante
influenciado pelo desenvolvimento das ciências experimentais e pela idéia de que o
conhecimento resulta de uma manipulação intencional de fenômenos, cujos resultados
jamais podem ser interpretados em termos de uma explicação última e definitiva (ou,
verdadeira, no sentido cartesiano). É possível, contudo, traçar uma distinção entre os
argumentos centrais do pragmatismo americano do início do século XX e do
pragmatismo contemporâneo, tal como sugerido acima. No primeiro caso (do
pragmatismo do início deste século), enfatiza-se a funcionalidade dos juízos sobre a
natureza e da própria atividade de construção daqueles juízos. Isto é, de um lado, aponta-
se para o valor funcional de uma asserção científica como aquilo que lhe confere sentido
e, de outro, aborda-se a própria atividade de produção de conhecimento enquanto dirigida
para interações mais efetivas do cientista com o fenômeno de que se ocupa (no que se
observa a influência das teses darwinianas sobre seleção natural e o caráter adaptativo
dos processos biológicos, aqui aplicadas à análise das atividades intelectuais)26.
Conhecer a realidade, nesta linha de raciocínio, não é representá-la, mas produzir regras
de ação que propiciem interações efetivas com a mesma.
No caso do pragmatismo contemporâneo, observa-se que a ênfase da
argumentação recai sobre o relativismo lingüístico e cultural imputável a qualquer
conjunto de proposições27. Parte-se, aqui, da natureza convencional e arbitrária de um
sistema lingüístico e questiona-se a possibilidade de construção de um juízo qualquer que
transcenda os limites impostos por aquele sistema. Esta posição implica uma concepção
funcional da linguagem, que se oponha, inclusive, às teorias referenciais do significado.
Mas a argumentação não se esgota na funcionalidade da linguagem; ela estende-se ao
relativismo resultante da idéia de construção de um universo lingüístico demarcado pelas
vivências de um dado grupo social. Conceitos como "verdade" ou "ciência" serão, então,
interpretados em termos daqueles critérios (convencionais e arbitrários) de que um dado
grupo social se serve para chamar algo de "verdeiro" ou "científico". Nenhum enunciado,
neste caso, pode transcender aqueles limites; nem pode, portanto, espelhar uma realidade
de forma independente dos mesmos.
Ao falar-se em eixos diferentes de argumentação entre o pragmatismo do
início do século e o pragmatismo contemporâneo, deve-se notar que em ambos os casos
os dois tipos de argumentação são desenvolvidos. Isto é, tanto o pragmatismo do início
do século toca no problema da linguagem (ainda que timidamente), quanto o
pragmatismo contemporâneo parte dos argumentos funcionalistas dos primeiros
pragmatistas. Talvez a melhor forma de ressaltar a distinção seja chamar a atenção para o

26. Murphy (1990), por exemplo, reporta-se ao interesse de Peirce pelo estudo do
pensamento darwiniano, o qual o teria "estimulado grandemente" (cf. Murphy, 1990,
p.8). As relações entre o pensamento de James e o darwinismo são também analisadas
naquele texto.

27. A expressão "relativismo" deve ser entendida, neste contexto, em termos da


referência às condições em que os discursos humanos são construídos, e não em termos
da suposição de um de que há discursos de valor absoluto, que apreendem uma realidade
última, e a partir do contraste com os quais se imputa um valor "relativo" às proposições
sob exame.
fato de que, na virada do século, a linguagem não havia ainda assumido um papel central
no âmbito da discussão filosófica, o que vai ocorrer ao longo do século XX,
principalmente a partir das obras de Wittgenstein. O pragmatismo contemporâneo
aparecerá diferenciado do pragmatismo do início do século principalmente por
incorporar, com bastante vigor, a reflexão sobre a linguagem e as consequências
derivadas desta reflexão.
Na sua versão contemporânea, na qual vai aparecendo mais claramente
como um projeto anti-representacionista, o pragmatismo será levado, também, a dissolver
aqueles princípios apontados na seção anterior como bastante presentes na história da
filosofia representacionista (isto é, a distinção entre aparência e essência, correspondendo
à apreensão da última o caráter de veracidade de um juízo; a idéia de correspondência
entre linguagem e realidade; e, a concepção de mente como espelho da natureza). Na
seção anterior, observou-se que estes princípios vão sendo gradativamente reformulados
no âmbito do pensamento representacionista; isto é, assumi-los integralmente ou não,
deixa de ser requisito para o desenvolvimento de uma filosofia representacionista. Já para
o pragmatismo, negá-los (ou dissolvê-los) é fundamental; não há como sustentar as teses
pragmatistas sem antes abdicar da idéia de que o conhecimento contém uma
representação lingüística ou mental do que é a essência da realidade.
Nos parágrafos seguintes, procurar-se-á dar um panorama do
desenvolvimento do pensamento pragmatista a partir das idéias de funcionalidade do
conhecimento e de relativismo lingüístico e cultural. Tal como na seção anterior, os
princípios aqui enfatizados não esgotam a reflexão sobre o pragmatismo, mas permitem
problematizá-lo de forma razoável, demonstrando em que medida se constitui como anti-
representacionismo. Por outro lado, a distinção estabelecida com respeito ao
pragmatismo do início do século e o pragmatismo contemporâneo será especialmente
relevante para a análise do behaviorismo skinneriano, como se verá nos capítulos
seguintes.
Peirce foi o fundador do pragmatismo, ainda no século XIX, mas
notadamente o menos anti-representacionista (se é que em alguma medida o era) dos
filósofos a serem aqui citados. Já no século XX (Peirce, 1905/1977), passou a designar
suas idéias por "pragmaticismo" por discordar da interpretação que James dava ao
pragmatismo, e por supor que "pragmaticismo" era um termo suficientemente feio para
evitar que outros filósofos dele se apropriassem indevidamente. O ponto de partida do
pragmatismo de Peirce está em sua crítica à concepção cartesiana acerca da atividade
mental humana na produção de conhecimento. Peirce reporta-se ao "pensamento"
humano e procura explicá-lo a partir dos conceitos de dúvida, crença e hábito.
Todo pensamento tem origem, segundo Peirce, num estado de dúvida do
intelecto humano. Não se trata aqui de uma dúvida "fingida", como a cartesiana, mas de
uma dúvida concreta a respeito de uma situação na qual se deve agir. A dúvida é
concebida por Peirce como uma espécie de inquietação que excita o intelecto e o coloca
no curso de uma investigação. Esta inquietação resistirá até que o pensamento produza
uma crença. O pensamento é então entendido como uma investigação, cujo único
objetivo é dar fim a um estado de dúvida. Isto é, "... o chegar à crença é a única função do
pensamento" (Peirce, 1878/1975a, p.53). Tendo produzido uma crença que aplaca a
dúvida o pensamento entra num estado de repouso momentâneo, só interrompido quando
nova dúvida o coloca no curso de nova investigação.
Uma crença constitui um juízo que prescreve uma dada regra de ação, um
hábito, ao indivíduo. Esta é sua "essência", é o critério, portanto, para atribuir-lhe sentido
e, também, para diferenciar uma crença da outra.

A essência da crença é a criação de um hábito e diferentes crenças se distinguem pelos


diferentes tipos de ação a que dão lugar. Se duas crenças não diferem quanto a este
aspecto, se aplacam a mesma dúvida, levando à mesma regra de agir, não serão
diferenças miúdas na maneira de tomar delas consciência que as fará diferentes (Peirce,
1878/1975a, p.56).
Chega-se, assim, ao que Peirce argumenta ser o pragmatismo: um método
de esclarecimento dos significados28. Havendo entendido a construção de conhecimento
como a elaboração de crenças que aplacam dúvidas e encerram regras de ação, Peirce
defenderá a idéia de que buscar o significado de um juízo é indagar acerca do hábito a
que ele dá origem. Isto é, se a função básica do conhecimento é dirigir a ação dos
indivíduos, e não representar algo que transcenda suas experiências, seu significado deve
ser buscado, não numa dimensão transcendente, mas na ação por ele ditada.
É inevitável que uma tal concepção acerca do conhecimento resulte na
problematização da noção de verdade, até então pensada pela filosofia representacionista
em termos de uma correspondência com a realidade. Para Peirce, não faz sentido falar de
verdade e falsidade dos enunciados humanos se com isso se pretende estar tratando de
instâncias que independem das experiências dos indivíduos.

Se os termos "verdade" e "falsidade" usados por você forem tomados em acepções que
sejam definíveis em termos de dúvida e crença e de curso da experiência ... muito bem;
nesse caso, você só estaria falando de dúvida e crença. Contudo, se por verdade e
falsidade você entender algo que não seja de modo algum definível em termos de dúvida
e crença, neste caso estará falando de entidades cuja existência você nada pode saber, e
que a navalha de Ocam eliminaria de imediato. Os problemas seriam muito simplificados
se, em vez de dizer que deseja conhecer a "Verdade", você dissesse simplesmente que
deseja alcançar um estado de crença inatacável pela dúvida (Peirce, 1905/1977, pp.288-
289).
Na concepção funcionalista do conhecimento esboçada por Peirce, a
questão da veracidade dos juízos seria reduzida, em princípio, a um julgamento sobre o
valor funcional de uma dada asserção. Um juízo verdadeiro seria simplesmente aquele
que propiciasse uma interação efetiva com um dado fenômeno sem produzir novo estado

28. Não o significado de qualquer tipo de signo, mas apenas o significado de que chama
de "símbolos intelectuais", dos quais a linguagem humana é representativa. A este
respeito, Peirce (1908/1975b) classifica os signos, entre outras coisas, como ícones,
índices e símbolos intelectuais. Ícones são signos que guardam semelhança de caracteres
com o objeto significado (por exemplo, o desenho de um objeto). Índices são signos que
guardam uma relação com o objeto significado por força de uma contigüidade entre os
dois (por exemplo, fumaça é índice de fogo). Já os símbolos intelectuais são signos que
denotam um objeto por força de uma convenção, sem que haja qualquer relação
naturalmente necessária entre os dois. A importância dos símbolos intelectuais reside no
fato de serem estes os signos manipulados na investigação racional.
de dúvida ou incerteza. Esta idéia aparentemente anti-representacionista assume,
entretanto, outra face quando se examina a influência do pensamento experimentalista
sobre a obra de Peirce.
Antes de tudo, Peirce enfatiza as experiências sensíveis como aquelas que
conferem sentido a uma crença. Ou seja, só é dotada de significação uma asserção que
resulte em alguma experiência sensível. Tanto assim que, ao investigar as diferenças ou
similaridades entre crenças, deve-se observar, de um lado, se levam a agir na mesma
situação sensível, e, de outro, se produzem o mesmo resultado sensível naquela situação
(cf. Murphy, 1990, Cap.3). A distinção para com o empirismo dos séculos XVII e XVIII
está apenas no fato de que o que confere significação às palavras ou proposições não é o
objeto experienciado (experiência passada), mas a vivência (ou, a qualidade) da
experiência em si (ainda que enquanto possibilidade apenas imaginada - experiência
futura). Quer dizer, por um lado, enquanto método de esclarecimento dos significados, o
pragmatismo não se ocupa da correspondência entre palavras e objetos particulares ...

O pragmatismo não pretende definir os equivalentes fenomenais das palavras e das idéias
gerais, mas, pelo contrário, elimina o elemento sensório destas e tenta definir o propósito
racional, e isto ele descobre na conduta utilitária da palavra ou proposição em questão
(Peirce, 1905/1977, p.294).
Por outro lado, o pragmatismo resgata a experiência sensível como fonte
de significação e organização da atividade intelectual, assinalando uma "conexão
inseparável entre cognição racional e propósito racional" (cf. Peirce, 1905/1977) - a
experiência sensível possível enquanto critério para atribuição de significação às crenças.

Meu único desejo é o de acentuar a impossibilidade de abrigarmos uma idéia relacionada


com alguma coisa que não sejam imagináveis efeitos sensíveis das coisas. Nossa idéia a
respeito de algo é nossa idéia acerca de seus efeitos sensíveis (Peirce, 1878/1975a, p.59).
A fim de contrapor esta posição ao representacionismo, o que importa é
observar se, para Peirce, existe algum conjunto de experiências sensíveis privilegiadas,
isto é, algum método que, quando aplicado resultaria na construção de uma crença
inabalável pela dúvida, ou objetiva no sentido de não dizer respeito às experiências
particulares de cada indivíduo, mas à experiência necessária de todos os indivíduos. Este
método existe, para Peirce. Trata-se do método das ciências experimentais.

... o pensamento controlado por uma lógica experimental racional tende à fixação de
certas opiniões ... cuja natureza será a mesma ao final, por mais que a perversidade de
pensamento de gerações inteiras possa provocar o adiamento da fixação última. Se for
assim, ... o estado de coisas em que se acreditará naquela opinião última é real (Peirce,
1905/1977, p.295).
Observe-se que a concepção funcionalista acerca da produção de
conhecimento aparece agora associada a uma idéia de que a realidade pode ser
apreendida através da investigação científica, ainda que esta noção tenha um caráter
teleológico e aparência de apenas reguladora do empreendimento científico. Igualmente
importante é que a possibilidade de apreensão da realidade implicará a possibilidade de
chegar-se a uma verdade última e definitiva, tal como no pensamento representacionista.
Tal possibilidade é claramente apontada por Peirce (1877/1975c):
Há coisas Reais, cujos caracteres independem por completo de nossas opiniões a respeito
delas; esses Reais afetam nossos sentidos segundo leis regulares e conquanto nossas
sensações sejam tão diversas quanto nossas relações com os objetos, poderemos,
valendo-nos das leis da percepção, averiguar, através do raciocínio, como efetiva e
verdadeiramente as coisas são; e todo homem, desde que tenha experiência bastante e
raciocine suficientemente acerca do assunto, será levado à conclusão única e Verdadeira
(p.85).
Em outro momento, Peirce (1878/1975a) chega a reduzir o problema da
verdade a uma questão pertinente apenas à ciência. Neste caso, o empreendimento
científico é concebido como aquele capaz de traçar a fronteira entre o real e o ilusório,
entre verdade e falsidade. Afirma Peirce (1878/1975a):

O problema reside ... em saber como a crença verdadeira (ou crença no real) se distingue
de crença falsa (ou crença na ficção). Ora, ... as idéias de verdade e falsidade em seu
alcance pleno dizem exclusivo respeito ao método experimental de assentar opinião
(p.65).
Murphy (1990) fala de um "idealismo comunitário" ao referir-se ao caráter
teleológico da concepção peirceana de ciência. Este idealismo, expresso na idéia de uma
condição futura de crenças inatacáveis pela dúvida, a respeito das quais a comunidade
científica como um todo concordará, distingue o pragmatismo de Peirce daquele de seus
seguidores. Hacking (1984) aponta, por exemplo, que esta idéia de fixação de uma crença
final parecia, para James e Dewey, uma quimera. Esta seria, inclusive, uma das razões
pelas quais Peirce resistia ao pragmatismo de James que, como se verá a seguir, tem uma
versão bastante diversa do problema da verdade.
O que se revela nesta noção de um acordo final de investigadores
científicos é uma clara expressão do representacionismo na filosofia de Peirce, expressão
esta assinalada por Rorty (1990). Ao tratar deste problema, no entanto, Hacking (1984)
aponta para uma "proposta de substituição de verdade por método - que ainda garantiria a
objetividade científica" (p.60). Isto é, Peirce trataria menos de afirmar a natureza de um
juízo verdadeiro (a verdade é o que quer que resulte do acordo final), e mais de eleger o
método experimental como o único capaz de colocar os cientistas no curso de uma
investigação que pode resultar em juízos finais e definitivos acerca dos fenômenos.
Parece apenas uma outra forma de afirmar a mesma coisa, mas tem a vantagem de
chamar a atenção para o fato de que a apologia do método experimental, em Peirce,
expressa, mais do que afirmações sobre verdade e falsidade, sua crença no que se
concluiu na seção anterior ser uma caracterísitica central do pensamento
representacionista: a idéia de que a filosofia deve assumir um quadro referencial a partir
do qual se julguem as condições para asserções não contingentes às experiências
particulares de indivíduos ou culturas29.

29. Após assinalar que as contribuições de Peirce ao pragmatismo resumem-se a ter dado
um nome a esta filosofia e a ter estimulado James, declara Rorty (1982):
Peirce ... permaneceu o mais kantiano dos pensadores - o mais
convencido de que a filosofia nos deu um contexto a-histórico que
abarca tudo, no qual todas as outras espécies de discurso poderiam
ter seu lugar e posição próprios designados (p.161).
O pragmatismo deixará de ser apenas um método para esclarecimento de
significados, convertendo-se numa teoria anti-representacionista da verdade, com James.
Tal como Peirce, James advoga que o sentido de uma crença é dado pela ação por ela
ditada. Entretanto, toda crença que prescreve uma interação efetiva (ou, proveitosa) com
um fenômeno, ou parte do mundo, é verdadeira, pois seu caráter de veracidade advém
exatamente de seu valor funcional. O pragmatismo como filosofia, significa, neste caso,
uma investigação sobre a natureza da verdade encerrada em diferentes crenças.

Toda a função da filosofia deve ser a de encontrar que diferença definitiva fará para você
e para mim, em instantes definidos de nossa vida, se esta ou aquela fórmula do mundo for
a verdadeira (James, 1907/1949a, p.50).
Observe-se que James não pretende, com esta máxima, demarcar os
limites entre o verdadeiro e o falso, mas assinalar as condições de diferenciação entre
uma e outra crença que podem ser, ambas, verdadeiras. As crenças porém, só serão
distintas se, ao serem assumidas como verdadeiras, ditarem regras de ação diversas. A
este respeito, James reproduz a regra de Peirce para estabelecer os significados, apenas
substituindo "consequências práticas" por "veracidade", assumidas como equivalentes de
forma particular30.

Se não faz nenhuma diferença prática qual de duas asserções é verdadeira, então elas são
realmente uma asserção em duas formas verbais; se não faz nenhuma diferença prática se
uma dada asserção é verdadeira ou falsa, então a asserção não tem nenhum significado
real (James, 1909/1949b, p.370).
Mas o que vem a ser exatamente uma asserção verdadeira? Antes de tudo,
é "o que seria melhor para nós acreditar" (James, 1907/1949a, p.77). E, tal como pensa o
representacionismo, uma asserção verdadeira é aquela que concorda com a realidade (que
James entende existir de forma independente dos sujeitos - cf. James, 1909/1949b). Tal
concordância, porém, é pensada no sentido de propiciar aos indivíduos que as tomam
como verdadeiras - que são por elas guiados - interações efetivas.

30. Murphy (1990) trata da interpretação de James para a máxima pragmatista de Peirce
assinalando que onde o segundo se referia a um método para esclarecimento de
significados de termos abstratos (como "dureza"), o primeiro o utiliza para determinar a
"credibilidade" de proposições filosóficas. Uma outra maneira de abordar esta diferença é
salientar que a máxima pragmatista pode reduzir-se ao esclarecimento de significados ou
estender-se à investigação das condições de verdade de uma asserção - no que se afirma
que certas consequências práticas previstas em uma asserção, quando realizadas,
conferem-lhe o caráter de veracidade. Como diz Murphy (1990):
Para [um experimentalista como Peirce] o significado de um
conceito reside na sua predição de que, se um certo experimento
fosse realizado, haveria um certo resultado experimental. Por outro
lado, quando o pragmatista (como James emprega o termo)
considera a aplicação de um conceito, o significado do conceito
reside na sua implicação de que se um certo mundo possível - no
qual esta aplicação do conceito é verdadeira - fosse concretizado,
haveria certas consequências práticas (pp.48-49).
Concordar, no sentido mais amplo, com uma realidade só pode significar ser guiado
diretamente a ela ou a seus arredores, ou ser colocado em tal condição de trabalho com
ela de modo a manipulá-la ou a alguma coisa a ela conectada melhor do que se
discordássemos. Melhor intelectualmente ou praticamente (James, 1907/1949a, pp.212-
213).

Qualquer idéia que nos ajude a lidar, de forma prática ou intelectual, com a realidade ou
seus pertences, que não envolve nosso progresso em frustrações, que se ajusta, de fato, e
adapta nossa vida ao cenário todo da realidade, concordará suficientemente para atender
o requisito. Ela será verdadeira daquela realidade (James, 1909/1949b, pp.304-305).
Na filosofia de James, ao contrário do que ocorre com Peirce, a
interpretação funcional da noção de verdade é levada às últimas consequências, do ponto
de vista de que o critério apontado acima é interpretado em termos da impossibilidade de
estabelecer-se uma verdade última ou um conjunto de condições para alcançá-la. Esta
concepção de James pode ser entendida a partir da noção de que a "verdade de uma idéia
não é uma propriedade estagnada inerente a ela [idéia]" (James, 1907/1949a, p.201). Isto
é, um juízo não é simplesmente verdadeiro ou falso, ele se faz verdadeiro ou falso. Falar
de verdade é falar, portanto, de um processo, de um "processo-verdade", no qual uma
idéia é colocada sob o teste de validação intelectual e empírico. Uma idéia "... torna-se
verdadeira, é feita verdadeira pelos acontecimentos ... Sua validade é o processo de sua
validação" (James, 1907/1949a, p.201). Além disso, o processo envolve o contraste de
uma nova idéia com aquelas já assumidas como verdadeiras, aquelas já dotadas de um
valor funcional, que devem ser preservadas sob pena de produzir-se uma desorientação
em situações diversas. "Em outras palavras, o maior inimigo de qualquer das nossas
verdades pode ser o resto das nossas verdades" (James, 1907/1949a, p.78). Ou, de outra
forma, para que uma idéia venha a ser tomada como verdadeira, é necessário que ela
organize uma experiência particular de forma proveitosa, sem que implique a
desorganização de outro conjunto de experiências já regulado favoravelmente ao
indivíduo por outras verdades31.
James não ignora a noção de verdade absoluta (ou final), mas aborda-a,
antes de tudo, aplicando-lhe o método pragmático e observando as consequências que tal
crença produz (por exemplo, uma espécie de conforto). Por outro lado, chega a tratá-la
como uma possibilidade, "... aquele ponto de desaparecimento ideal em direção ao qual
imaginamos que todas as nossas verdades temporárias um dia convergirão" (James,
1907/1949a, p.223). James, entretanto, já tendo afirmado que o desenvolvimento das
ciências não sustentava esta crença32, invoca a atualidade para argumentar que não se

31. Este tipo de interpretação para o problema da verdade permitirá a James falar de
"graus" de veracidade".

32. Observe-se, aqui, o que foi afirmado no início desta seção acerca da influência do
desenvolvimento das ciências experimentais na formulação da filosofia pragmatista.
James (1907/1949a) expressa esta influência ao afirmar:
À medida, porém, que as ciências se desenvolveram, ganhou corpo
a noção de que a maioria, talvez todas, as nossas leis [científicas]
são somente aproximações. Além disso, as próprias leis tornaram-
pode simplesmente aguardar o futuro para orientar as ações presentes. Enquanto as
verdades finais não se realizam (se é que o farão) "... temos que viver hoje com a verdade
que pudermos conseguir hoje, e estar preparados amanhã para chamá-la de falsa" (James,
1907/1949a, p.223). O "estar preparado para chamá-la de falsa" remete ao fato de que a
continuidade do fluxo de experiências de um indivíduo mantém as verdades sob
constante processo de validação. Verdade e falsidade remetem, então, a algo pensado ou
sentido pelos indivíduos, a partir de um dado conjunto de experiências vividas.
Neste ponto, cabe observar que a teoria de James sobre a verdade contém,
antes de tudo, uma preocupação de ordem psicológica, em oposição à orientação
epistemológica. Afirma James (1907/1949a) que "... 'o verdadeiro' ... é somente o
expediente da nossa maneira de pensar ..." (p.222). O problema da verdade refere-se a
uma necessidade psicológica dos indivíduos - necessidade de assumir certas crenças
como "verdadeiras", a fim de orientar sua conduta. Para James, o pragmatismo não vem
satisfazer esta necessidade, mas mostrar como ela determina o que é "experienciado"
como verdadeiro, em oposição ao que "deve ser pensado como verdadeiro"33. O
representacionismo, ao ignorar aquelas necessidades ou partes da natureza humana
simplesmente transforma as verdades de que trata o pragmatismo num artigo de segunda
classe, e reafirma seu caráter legislador capaz de prover uma verdade de classe superior,
incondicionada. Nas palavras de James (1907/1949a), "Abaixo a psicologia, para cima
com a lógica, em toda esta questão!" (p.67).
A idéia de verdade como recurso para interação com o mundo e para
organização da experiência, associada a uma crítica ao monismo e ao determinismo das
filosofias representacionistas, levarão James a dar ao pragmatismo uma dimensão anti-
representacionista do ponto de vista da rejeição da idéia de "representações
privilegiadas". James será o primeiro pragmatista a atribuir igual legitimidade aos
diversos conjuntos de asserções humanas (científicas ou não) e a afirmar a funcionalidade
como o único critério para a aceitação daquelas asserções, critérios estes não fixados pela
filosofia pragmatista, mas inerentes, segundo James, ao próprio processo de interação do
homem com seu meio circundante. A expressão maior desta postura de James aparece em
sua defesa da legitimidade das crenças religiosas. Para compreendê-la cabe acrescentar
que ao monismo, James opõe o que denomina de pluralismo: a tese de que o mundo não é
um sistema fechado ou acabado, mas um sistema de possibilidades de experiências
concebivelmente infinitas. A aceitação desta tese implica reconhecer que nenhum

se tão numerosas que não há como contá-las; e tantas formulações


rivais são propostas em todos os ramos da ciência que os
investigadores se acostumaram à noção de que nenhuma teoria é
absolutamente uma transcrição da realidade, mas que qualquer
delas pode, de algum ponto de vista, ser útil (pp.56-57).

33. O psicologismo presente no pragmatismo de James está associado a suas convicções


humanistas, as quais o levam a rejeitar o determinismo e acatar a idéia de livre arbítrio.
Esta posição leva Murphy (1990) a declarar que a distinção entre Peirce e James fica
melhor colocada em termos de uma distinção entre experimentalismo e humanismo. A
questão do livre arbítrio evidencia-se nos argumentos de James a favor da legitimidade
da crença religiosa. As relações entre pragmatismo e humanismo são discutidas em
James, 1907/1949a, Cap.7.
conjunto de crenças atuais pode encerrar as possibilidades de experiência humana -
nenhum conjunto de crenças, portanto, é superior ou final. Volta-se, assim, à
funcionalidade como princípio de validação atual e contingente a determinadas
experiências. E, quanto a este critério, os juízos religiosos podem ser verdadeiros.

Se as idéias teológicas provarem ter um valor para a vida concreta, elas serão
verdadeiras, para o pragmatismo, no sentido de serem boas para tanto. Pois, o quanto
mais são verdadeiras, dependerá inteiramente de suas relações com as outras verdades
que também têm que ser reconhecidas (James, 1907/1949a, p.73).
Ao reconhecer juízos religiosos como legítimos, James apresenta outra
face de seu pragmatismo, absolutamente diversa do espírito experimentalista de Peirce: a
idéia de que há circunstâncias em que a ação humana se regula a partir de uma opção
deliberada por determinada crença - a noção de livre arbítrio. Neste caso, os sentimentos
humanos intervêm, como o que ocorre quando se crê na existência da própria verdade. O
que é esta crença, indaga James (1897/1967), "senão uma apaixonada afirmação de
desejo, em que nosso sistema social nos escora? Queremos ter uma verdade ..." (p.237).
As questões morais constituem outro exemplo, sugere James (1897/1967), de questões

... cuja solução não pode esperar por prova sensível ... A questão de ter crenças morais,
afinal, ou de não tê-las, é decidida por nossa vontade (p.246).
Em situações desta natureza, as filosofias representacionistas abdicariam
de acatar uma crença religiosa, por exemplo, mas esta é uma deliberação igualmente
arbitrária. As opções reduziriam-se, então, a acatar a crença religiosa correndo-se o risco
de que não seja verdadeira (mas tentando esta possibilidade) ou abdicar de tentar a
verdade. Segundo James (1897/1967):

É melhor arriscar a perda da verdade do que a possibilidade do êrro; essa é a posição


exata de quem veta a fé (p.249).
Ao contrário desta atitude, o pragmatismo de James, por não demarcar
fronteiras apriorísticas entre juízos legítimos e ilegítimos, argumentará que

... nossa natureza passional não somente pode, mas deve legalmente decidir quanto a
optar entre proposições, sempre quando é uma opção genuína que não pode, por sua
natureza, ser decidida em bases intelectuais; pois dizer, sob essas circunstâncias, "Não
decida, mas deixe a questão em suspenso", é, em si mesmo, uma decisão passional -
exatamente como decidindo sim ou não - e é atendida com o mesmo risco de perder a
verdade (James, 1897/1967, p.238).
A defesa que James faz de juízos religiosos, e de sua pertinência em
questões relativas à moral, apoia-se numa forma de radicalização da noção de
funcionalidade na discussão sobre a natureza do conhecimento válido e do processo de
produção deste conhecimento. A inspiração nas ciências experimentais, curiosamente,
converte-se na legitimação de juízos que não se apoiam (ou, pelo menos, não tem
origem) numa lógica empírico-racional. O funcionalismo de James toma, assim, a forma
de um relativismo associado à renúncia a critérios modernos de racionalidade para
aceitação de determinados juízos como legítimos. Para tanto, contribui, sobretudo, a
forma particular com que elabora princípios psicológicos e valores humanistas na análise
do conhecimento.
Dewey (s/d) resume a posição de James e a distingue de seu
"instrumentalismo" afirmando o seguinte:

[James] considerava as concepções e as teorias puramente como instrumentos que podem


servir para constituir os fatos futuros de uma maneira específica. Mas James se devotava
primariamente aos aspectos morais desta teoria, ao suporte que ela dava ao "meliorismo"
e ao idealismo moral ... Ele nunca tentou desenvolver uma teoria completa das formas ou
"estruturas" e das operações lógicas que estão fundamentadas nesta concepção. O
instrumentalismo é uma tentativa de constituir uma teoria lógica precisa dos conceitos,
dos julgamentos e das inferências em suas várias formas, considerando primariamente
como o pensamento funciona nas determinações experimentais de consequências futuras
(pp.410-411).
Observe-se que o instrumentalismo de Dewey34 parte da mesma
concepção funcionalista acerca do conhecimento, mas pretende, além de reafirmá-la,
investigar as condições em que se realiza. Tal preocupação conduz Dewey a uma
investigação sobre a lógica subjacente à construção de proposições em geral e à prática
das ciências experimentais. Esta investigação não pretende, contudo, afirmar
determinadas formas lógicas como revestidas de um caráter normativo, no sentido em
que as filosofias representacionistas o faziam. Ela pretende sistematizar as formas de
pensar que se têm mostrado bem sucedidas na produção de conhecimento. Isto é, sua
investigação resulta na apresentação de formas lógicas que "mudam ... com as mudanças
nas transações habituais nas quais os indivíduos e os grupos se engajam" (Dewey,
1938/1960, p. 102). Ao tratar desta lógica em diferentes trabalhos, duas proposições são
apresentadas: de um lado, a interdependência entre o pensamento e a experiência na
produção de conhecimento; de outro, a busca de conhecimento, tal como nos problemas
científicos, para a solução dos problemas éticos e morais, com o consequente abandono
das teorias "pré-científicas" sobre estes assuntos.
Com respeito à construção do conhecimento, Dewey parte do
funcionalismo de James e a aborda como um processo dinâmico, mediado pela
experiência (no que exclui a possibilidade de existência de intuições puras ou originais).
O pensamento é então entendido segundo um princípio teleológico, isto é, como dirigido
à organização de uma experiência futura. Afirma ele que:

As adaptações realizadas pelos organismos inferiores ... tornam-se teleológicas no


homem e, assim, dão origem ao pensamento. A reflexão é uma resposta indireta ao
ambiente ... Mas ela tem sua origem no comportamento biológico adaptativo e sua função
última, em seu aspecto cognitivo, é um controle prospectivo das condições de seu
ambiente. A função da inteligência, então, não é a de copiar os objetos do ambiente, mas

34. Sobre o uso do termo "instrumentalismo", cabe observar que no Prefácio de seu livro
sobre lógica Dewey (1938/1960) informa que sua análise é efetivamente pragmatista e
que não utilizará a palavra "pragmatismo" apenas para evitar controvérsias então
existentes acerca deste termo. Em particular, Dewey não concordava com o uso que
James fazia do pragmatismo para legitimar a crença religiosa.
a de considerar a maneira pela qual pode-se estabelecer relações mais efetivas e mais
proveitosas com estes objetos no futuro ... (Dewey, s/d, p.414).
O conceito de "experiência", para Dewey, comporta muito mais do que
apenas impressões sobre o organismo através dos orgãos de sentido. Ele remete à
totalidade do episódio de interação do homem com seu meio (o que pode incluir aspectos
cognitivos, estéticos, emocionais, etc.). Ao falar de reflexão como "resposta indireta ao
ambiente", Dewey remete à interdependência entre o que é experienciado sensorialmente
e o que é pensado logicamente numa situação de investigação, ou numa experiência da
qual se pode falar em "conhecimento". A reflexão aparece como uma forma de
experiência indireta no sentido de que ela parte do que é experienciado sensorialmente
(experiência primária) e é dotada de um propósito relativo a este mesmo conjunto de
experiências.

A investigação é a transformação direta ou controlada de uma situação indeterminada em


uma situação determinadamente unificada. A transição é alcançada através de operações
de dois tipos que estão em correspondência funcional um com o outro. Um tipo de
operação lida com objeto de estudo ideacional ou conceitual ... O outro tipo de operação
é feito de atividades envolvendo as técnicas e os orgãos de observação. Uma vez que
estas operações são existenciais, elas modificam a situação existencial anterior ...
(Dewey, 1938/1960, p.117).
Ao falar de produção de conhecimento como transformação de uma
situação, Dewey aproxima-se da concepção de Peirce sobre a dúvida como motor do
pensamento humano, e postula que a reflexão ou o raciocínio são desencadeados por
"situações problemáticas" (as "dúvidas" de Peirce). Mas a investigação, para Dewey, não
apenas remove uma dúvida reproduzindo uma situação adaptada anterior. "Ela institui
novas condições ambientais que ocasionam novos problemas" (Dewey, 1938/1960, p.
35). O caráter relativo de um juízo remete, assim, às condições (situações) de sua
funcionalidade. Nenhum juízo, pode ser tomado como último ou definitivo. Se um juízo
remove um problema, ele é bom ou verdadeiro. Seu valor funcional é que lhe confere
estes atributos. Mas este mesmo juízo conduz a novas condições que podem conter
problemas ou dificuldades. Dewey (1938/1960) atribuirá, então, a Peirce "a melhor
definição de verdade do ponto de vista lógico" (p.345, nota 6), isto é, aquela que fala de
uma opinião acerca da qual todos os investigadores concordam. Apesar de fazer esta
afirmação sobre Peirce, entretanto, Dewey parece mais próximo da concepção de James
sobre verdade ("o que é melhor para alguém acreditar"), na medida em que propõe que a
verdade ou falsidade de um juízo reside na "qualidade da atividade por ele induzida"
(Dewey, 1920/1950, p.129). Também não se encontra em Dewey qualquer preocupação
com aquela verdade final de que Peirce se ocupava.
O instrumentalismo de Dewey mostra-se parceiro do pragmatismo de
James ao configurar-se como crítica às filosofias representacionistas. Dewey se afastará
de James, entretanto, no que diz respeito ao enfrentamento do problema da moral.
Enquanto James defende a legitimidade da fé religiosa, Dewey critica a sobrevivência
dos sistemas apriorísticos (religiosos ou filosóficos), fundamentados, segundo ele, numa
depreciação das experiências dos homens.
A filosofia surge, segundo Dewey, com a incubência de preservar a
tradição e os costumes, num mundo onde o conhecimento (empírico) dos fatos ameaçava
valores e privilégios de certos segmentos sociais35. Sustentar a legitimidade dos sistemas
filosóficos tradicionais significa, para Dewey, ignorar a importância e a natureza das
experiências e da inteligência humanas e, de alguma forma, preservar aqueles mesmos
valores e interesses. Nesta mesma linha de raciocínio, a religião abraçada por James não
encontra sustentação na filosofia de Dewey. Não que este pregue o ateísmo; uma nova
religião é pensada como possível após a reconstrução filosófica por ele proposta. Mas
alguns princípios inerentes à filosofia tradicional e à religião não se sustentam à luz do
instrumentalismo de Dewey. Em particular, pensar na apreensão do "absoluto", do
"último", do "eterno" é ignorar os processos através dos quais os indivíduos vêm a
interagir e conhecer o mundo que os cerca; é preservar uma distância injustificada entre
ciência e moral, entre assuntos da natureza e assuntos humanos. A moral, segundo
Dewey, precisa ser abordada com os instrumentos que o conhecimento da natureza
mostrou serem eficazes, entre eles a idéia de que o que confere sentido a uma crença é
aquilo que é experienciado pelos indivíduos, ou melhor, a idéia de que os juízos
funcionais são juízos que têm origem no que é experienciado e são dotados de uma
capacidade de organizar aquelas experiências. Juízos morais, neste caso, não devem ser
tomados como definitivos, mas considerados em termos experimentais; devem ser
pensados como instrumentos para interação com determinada situação problemática.
Nestes termos, a solução de problemas morais exigirá uma atitude semelhante à atitude
científica, uma "atitude inteligente".

O que é necessário é encontrar o correto curso de ação, o bem correto. Por esta razão, a
investigação é exigida: observação da composição detalhada da situação; análise de seus
diversos fatores; clarificação do que está obscuro; dedução dos traços mais insistentes e
vívidos; traçar as consequências dos vários modos de ação que se sugerem; considerar a
decisão alcançada como hipotética e experimental até que as consequências antecipadas
ou supostas que levaram a sua adoção tenham sido correspondidas com consequências
atuais. Esta investigação é inteligência. Os nossos fracassos morais têm origem em

35. Sobre esta desqualificação da experiência e legitimação filosófica de valores e


interesses sociais, afirma Dewey (1920/1950) em tom crítico:
Enquanto que o artesão é perito até onde limitadas questões
técnicas estão em jogo, ele está desamparado quanto às únicas
questões realmente importantes, as questões morais referentes aos
valores. Consequentemente, seu tipo de conhecimento é
inerentemente inferior e precisa ser controlado por um tipo de
conhecimento mais elevado, que revelará fins e propósitos
fundamentais, e dessa forma colocará e conservará o conhecimento
técnico e mecânico em seu devido lugar (p.38).

Que se havia de fazer? Desenvolver um método de investigação e


de prova racional que colocasse os elementos essenciais das
crenças tradicionais numa base sólida; desenvolver um método de
pensar e de conhecer que, ao mesmo tempo que purificasse a
tradição, preservasse inalterados seus valores morais e sociais;
mais ainda, ao purificá-la, acrescentasse-lhe autoridade e poder.
(...) A metafísica é um substituto do costume como fonte fiadora de
valores morais e sociais mais elevados ... (p.39).
alguma fraqueza de disposição, alguma ausência de simpatia, alguma inclinação
unilateral que nos faz chegar ao julgamento do caso concreto de forma descuidada ou
perversa (Dewey, 1920/1950, p.133).
O pragmatismo que se desenvolve após Dewey, como assinalado
anteriormente transfere a ênfase da argumentação da funcionalidade do conhecimento
para o relativismo lingüístico e cultural. O deslocamento da argumentação é evidente, a
ponto de Murphy (1990) afirmar que, em termos da centralidade do problema da
linguagem na filosofia e no pragmatismo contemporâneos, Dewey pode ser considerado
um filósofo do século XIX, embora fosse claramente um cidadão do século XX (e apesar
de ter feito afirmações importantes sobre linguagem, mesmo sem tornar este um tópico
central, em seu pensamento). Hacking (1984) assinala a virada no argumento pragmatista
a partir de Dewey, afirmando o seguinte:

... o caminho correto em Dewey é a tentativa de destruir a concepção de conhecimento e


realidade como uma questão de pensamento e representação. Ele deveria ter virado a
mente dos filósofos para a ciência experimental, mas, em vez disso, seus novos
seguidores louvam a conversa (p.63).
O "louvar a conversa" aqui remete à idéia de que diversos problemas
historicamente constituídos pela filosofia podem ser de alguma forma reduzidos a algo do
tipo "uma questão de conversação", ou uma questão daquilo que os indivíduos falam.
Antes, porém, de abordar o que o pragmatismo contemporâneo de Rorty afirma nesta
direção, cabe aprensentar algumas idéias de Wittgenstein, cujas reflexões sobre a
linguagem foram de fundamental importância para o desenvolvimento das teses
pragmatistas.
Wittgenstein não foi um filósofo pragmatista ou representacionista, mas
um pensador que a partir de suas reflexões sobre a linguagem colocou em discussão
algumas das tradicionais crenças filosóficas. No capítulo anterior, citou-se que algumas
teses do positivismo lógico sustentavam-se em argumentos de Wittgenstein, tal como
aparecem em seu Tractatus Logico-Philosophicus (Wittgenstein, 1921/1987). Além de
discordar daquela interpretação para seu texto, Wittgenstein desenvolve, em obras
posteriores, uma abordagem para o problema da linguagem que, se não é pragmatista, é
claramente crítica da noção de conhecimento e linguagem como sistemas de
representação do mundo. A existência ou não de uma continuidade entre o Tractatus e os
textos posteriores de Wittgenstein pode ser objeto de inúmeras análises, mas não será
aqui abordada por transcender os propósitos deste trabalho. Os parágrafos seguintes
estarão limitados a uma breve exposição do que vem a ser a maneira particular com que
Wittgenstein lida com o problema da linguagem em suas últimas obras, particularmente
em suas Investigagações Filosóficas (Wittgenstein, 1953/1988).
Segundo Wittgenstein (1953/1988), a linguagem, para ser compreendida,
não requer uma teoria, e sim uma descrição de como é usada. Ele, então, aborda a
linguagem a partir de seu uso ordinário, isto é, a partir de uma análise do que de fato
ocorre (e não do que uma "filosofia da linguagem" pode prescrever) quando os
indivíduos, em sua vida concreta, fazem uso de um sistema lingüístico. A preocupação
com o uso, leva Wittgenstein a uma consideração funcional da atividade lingüística. A
linguagem é entendida como uma forma de vida, como uma forma de ação dos
indivíduos sobre seu meio social (diretamente) ou físico (indiretamente), e não como
sistema de representação do mundo (o que caracteriza as posturas tradicionais da filosofia
diante da linguagem). Ao considerar a linguagem nestes termos, Wittgenstein assinala a
multiplicidade e diversidade dos usos possíveis da linguagem. A estas instâncias ele
denomina de jogos de linguagem. De acordo com Wittgenstein (1953/1988), o termo

jogo de linguagem pretende colocar em evidência que falar uma língua é parte de uma
atividade ou de uma forma de vida" (p.11).
A expressão "jogos" serve ainda para ilustrar que os diversos usos
possíveis parecem-se em diversos aspectos e diferenciam-se em outros tantos (como as
diferentes atividades a que usualmente se denomina "jogos"). Um ponto fundamental
nesta análise é que os usos da linguagem, os diferentes jogos de linguagem, não se
limitam à descrição de "objetos" ou "coisas". Eles atendem a funções as mais diversas na
vida dos indivíduos, ainda que sob a mesma forma fonética.

... qual é a diferença entre o relato ou asserção "Cinco placas" e a ordem "Cinco placas!"
- Bem, é o papel que pronunciar estas palavras desempenha no jogo de linguagem
(Wittgenstein, 1953/1988, p.10).
A linguagem assume uma dimensão funcional, na perspectiva de
Wittgenstein, a partir de convenções estabelecidas no seio de uma comunidade
lingüística, convenções que regulam os usos das palavras e que são arbitrárias, atendendo
aos interesses ou necessidades daquela comunidade em sua interação com o mundo. Ao
tratar daquelas convenções, Wittgenstein faz uso dos termos regras gramaticais e
critérios. O que vêm a ser as regras gramaticais para o uso de uma palavra? Nada mais do
que a descrição das condições que determinam seu uso, das situações em que seu
emprego é considerado legítimo (a partir daquelas convenções arbitrariamente
construídas). As regras constituem, então, uma norma para o uso da palavra, mas uma
norma arbitrária e que determina o campo de um uso funcional da palavra. Lampreia
(1992) resume esta noção de regras, citando que nela reside a concepção wittgensteiniana
de significado, afirmando:

Dar o significado de uma palavra é descrever as regras do jogo de linguagem dentro do


qual a palavra é usada; é justificar o jogo de linguagem. As regras da linguagem ...
prescrevem o uso correto e incorreto; dão as normas de correção de seu uso. Elas não são
logicamente necessárias, mas têm um caráter prescritivo, normativo, o que permite
desvios que não invalidam a regra. As regras têm uma natureza convencional,
consensual, i.e., tem um uso comum que pode ser alterado. Portanto, elas não são nem
pré-determinadas, nem fixas; elas constituem o próprio jogo de linguagem. Elas se
revelam na própria prática, no jogo, no uso (pp.286-287).
As regras não são algo, portanto, que um falante possui, mas as condições
(partilhadas por todos) que normatizam o uso das palavras. O mesmo vale, então, para a
noção de significado. O significado de um termo não consiste de uma "imagem mental"
ou qualquer outra coisa de posse de um falante, mas das condições públicas e partilhadas
diante das quais uma palavra é empregada. Neste sentido, o significado não é uma
representação da realidade. A realidade sequer determina o uso das palavras. Ao
contrário, as regras é que determinam os conceitos que temos da realidade. Isto não
implica uma visão idealista dos conceitos, na medida em que se admite que a realidade
circunscreve os limites da linguagem (afinal, ela é uma forma de ação no mundo). Como
diz Hacker (1986), "a gramática não pode entrar em conflito com a realidade, não mais
do que as regras de um jogo" (p.190). Mas não é a realidade que determina a gramática
das palavras; a gramática é arbitrária, no sentido de que delimita um campo de interação
com a realidade, e, assim, ela não é falsa ou verdadeira enquanto representação daquela
realidade. A gramática dos conceitos de verdade e falsidade certamente remete às
regularidades do mundo, mas do ponto de vista das ações dos homens no mundo. Nas
palavras de Wittgenstein (1953/1988),

Verdadeiro e falso é o que os seres humanos dizem; e eles concordam na linguagem que
usam. Isso não é concordância de opiniões, mas de formas de vida (p.88).
Lampreia (1992) refere-se à relação que Wittgenstein estabelece entre
linguagem e realidade a partir da noção de "constrangimento" (que remete aos limites que
a realidade impõe à construção de conceitos). Afirma ela que pode parecer ao leitor

que a 'realidade' e a 'natureza humana' não têm um papel em nossa linguagem. Mas
Wittgenstein não vai tão longe, nem faria sentido pensar assim. Existem
constrangimentos impostos pela realidade e nossa natureza biológica que não podem ser
desconsiderados. Por exemplo, dado o caráter multicolorido do mundo e nossas
capacidades perceptuais, a nossa gramática atual das cores nos é útil. Mas se o mundo
apresentasse apenas objetos de diferentes tons do que é hoje, para nós, uma única cor,
então a gramática das cores discriminaria novos conceitos, permitindo às pessoas
perceber diferenças e semelhanças que hoje, dado nosso vocabulário para as cores, nem
notamos ... No entanto, estes constrangimentos não são elementos componentes de
nossos conceitos, i.e., não são parte de suas explicações ... Os constrangimentos são parte
do quadro de referência dos nossos jogos de linguagem, mas não são parte do próprio
jogo. Se fizermos uma analogia com o jogo de tênis, podemos dizer que a lei da
gravidade possibilita este jogo; entretanto, ela não faz parte das regras do jogo. O que dá
significado ou 'define' o que é um jogo de tênis são suas regras ... (Lampreia, 1992,
pp.292-293).
Observou-se acima que a linguagem nem sempre tem a função de
representar um estado de coisas (seu uso serve a múltiplas funções, que podem ser
elucidadas a partir de uma análise da gramática das palavras). Já a posição de
Wittgenstein com respeito à relação entre linguagem e realidade sugere, por outro lado,
que mesmo quando a linguagem tem uma função de "representar" ou "descrever", ela não
representa uma realidade que existe independentemente da linguagem. O que vem a ser
representado ou descrito é constituído pela própria linguagem, pela maneira arbitrária e
convencional como os indivíduos vem a interagir com o mundo. A correspondência que
pode haver, subjacente ao uso das palavras, não é uma correspondência entre linguagem e
realidade, mas entre uso e regras (ou condições contidas nas regras). A impossibilidade
de a linguagem representar algo é colocada por Lampreia (1992) nos seguintes termos:

[Para Wittgenstein,] a 'representação'já se dá em um contexto que é lingüístico e que


envolve uma mitologia e as crenças de determinada cultura. E são essa mitologia e essas
crenças que, em última análise, determinam o significado das representações. Ou seja,
não é a realidade que se impõe à linguagem mas, ao contrário, é a linguagem que se
impõe à realidade e determina a forma como ela será representada (p.281).
Uma outra maneira de colocar este problema é assinalar que os usos da
linguagem impõem determinadas configurações à realidade. Assim, mesmo quando a
linguagem é usada com uma função descritiva, ela representa uma realidade não em si
mesma, mas de acordo com a configuração a ela imposta pelos jogos de linguagem
praticados pelos indivíduos que partilham de uma comunidade lingüística. Isto significa
dizer que da crítica à noção de linguagem como sistema de representação não resulta a
negação de uma função (dentre outras) descritiva da linguagem, mas a negação de que a
realidade possa se impor e ser representada em si mesma.
Wittgenstein fala ainda de "critérios", ao referir-se ao problema do
significado. Os critérios são as condições contidas nas regras gramaticais para o uso das
palavras. Por exemplo, diz-se que o choro é um critério para atribuição de dor a alguém.
Uma mesma condição, entretanto, em contextos diferenciados, pode ser critério para o
uso de termos diferentes. O choro, então, pode, em um contexto, ser critério para a
atribuição de "dor" e, em outro contexto, ser critério para atribuição de "felicidade". Estas
possibilidades estão contidas na gramática da palavra choro e indicam que em qualquer
circunstância são as condições partilhadas pelos membros de uma comunidade lingüística
que constituem a base para os usos da palavra.
A noção wittgensteiniana de critérios, ao enfatizar as condições públicas e
partilhadas que regulam os usos das palavras, indica que as palavras de uma linguagem
não podem ter como base para seu uso algo a que apenas indivíduos particulares tenham
acesso. Este aspecto articula-se com o tradicional problema da "privacidade" ou
"subjetividade", que ocupa o centro das reflexões psicológicas. A posição de
Wittgenstein a este respeito, no entanto, não será desenvolvida já; será citada adiante
(Capítulo 6), quando se discutir a posição de Skinner diante do problema da
"privacidade".
As questões relativas ao problema do conhecimento que são evidenciadas
com a reflexão sobre a linguagem assumem importância especial no pragmatismo
contemporâneo de Rorty. Além de citar Wittgenstein como um pensador que contribuiu
para a crítica à idéia de fundamentação filosófica do conhecimento verdadeiro, a
argumentação de Rorty (1988) parte em grande medida da contribuição da filosofia
analítica para as teses pragmatistas, em especial sua contestação das idéias de significado
como algo que se possui na mente e de conhecimento como representação mental da
realidade. Neste ponto, Rorty refere-se com frequência ao pensamento de Quine e
Davidson (cf. Murphy, 1990; Rorty, 1988), que abordam a linguagem em uma
perspectiva naturalista36. A filosofia analítica, entretanto, teria realizado, segundo Rorty

36. As contribuições de Quine e Davidson para o pensamento pragmatista são


apresentadas por Murphy (1990). De um modo geral, Murphy (1990) sustenta que Quine
foi um "pragmatista relutante" (p.95), mas que desenvolveu uma concepção de
significado que remete ao comportamento dos indivíduos (crítica, portanto, das teorias
mentalistas e referenciais do significado) e uma noção de verdade enquanto algo
construído (e não descoberto) pelo homem. Davidson estaria mais próximo do
pragmatismo de Rorty ao aderir a quatro teses:
1) A 'verdade' não tem usos explanatórios', 2) Entendemos tudo
que há para saber sobre a relação das crenças com o mundo
(1990), apenas parte da tarefa de crítica às filosofias representacionistas, preservando um
de seus aspectos fundamentais, a idéia de uma matriz contra a qual as diversas
reivindicações a conhecimento pudessem ser julgadas. Afirma Rorty (1988):

A filosofia 'analítica' é mais uma variante da filosofia kantiana, uma variante marcada
principalmente pela consideração da representação como mais lingüística do que mental,
e da filosofia da linguagem em detrimento da 'crítica transcendental', ou da psicologia,
como a disciplina que exibe os 'fundamentos do conhecimento'. Esta tônica da linguagem
... não altera a essência da problemática cartesiana-kantiana, e não confere
verdadeiramente uma nova imagem de si mesma à filosofia. Porque a filosofia analítica
ainda está empenhada na construção de um quadro permanente e neutro para o inquérito
e, por conseguinte, para o resto da cultura (pp.18-19).
Ao criticar qualquer tentativa de construção de uma matriz contra a qual
todo tipo de discurso devesse ser julgado, o pragmatismo de Rorty assume a forma de
uma crítica à noção de "discursos privilegiados". Isso significa a tese de que nenhum tipo
de discurso tem valor superior diante dos demais em razão de incorporar princípios
epistemológicos, lógicos ou lingüísticos. Ou seja, nenhum discurso é superior em razão
de sua própria natureza. Não se justifica, então, a existência de uma disciplina que se
ocupe da determinação das condições em que um discurso pode vir a ter valor superior.
As asserções científicas, a título de exemplo, não constituem, por si mesmas ou por
incorporarem preceitos epistemológicos ou metodológicos tidos por ahistóricos, um
discurso de tipo superior. Não cabe, portanto, a existência de uma disciplina que se
julgue independente e capaz de ditar as condições da superioridade da ciência. O discurso
científico, para usar uma expressão de Wittgenstein, é nada mais do que um jogo de
linguagem, que atende a propósitos determinados e que obedece a determinadas regras
arbitrária e convencionalmente constituídas.
A crítica de Rorty à noção de discursos privilegiados não significa que a
cultura atribua ou deva atribuir o mesmo valor a diferentes tipos de discurso (por
exemplo, científico e teológico). Ela reconhece que a cultura efetua uma valorização
diferenciada dos diferentes tipos de enunciados e que esta valorização atende às
necessidades humanas. O que Rorty sustenta é que tal valorização se pauta por critérios
historicamente determinados e que pertencem ao campo do diálogo, da conversação, e
não a instâncias transcendentais. Neste sentido, aqueles critérios não deveriam (ou não
precisariam) assumir a forma de uma "matriz epistemológica", permanente e ahistórica.
Ao citar a argumentação de um trecho de seu livro, Rorty (1988) refere-se aos projetos
epistemológicos como tentativas de eternizar um conjunto atual de critérios diante do
qual os indivíduos julgam suas crenças. Afirma ele:

quando entendemos suas relações causais com o mundo ...; 3) Não


há relações de 'tornar-se verdadeiro' que fiquem entre as crenças e
o mundo; 4) Não cabe o debate entre realismo e anti-realismo, pois
tal debate pressupõe a idéia vazia e enganosa de idéias 'tornando-se
verdadeiras'" (Murphy, 1990, p.112).
Ambos os autores (Quine e Davidson) exigiriam uma análise cuidadosa para que suas
contribuições à crítica às filosofias representacionistas ficassem evidenciadas. Porém,
dados os limites deste trabalho, esta tarefa não será aqui desenvolvida.
... a tradicional distinção entre a busca do 'conhecimento objetivo' e outras áreas, menos
privilegiadas, da atividade humana [será interpretada] como uma mera distinção entre
'discurso normal' e 'discurso anormal'. O discurso normal (uma generalização da noção
kuhniana de 'ciência normal') é todo discurso (científico, político, teológico, ou outro)
que incorpore os critérios aceites em geral para alcançar um acordo; o discurso anormal é
todo discurso de que tais critérios estejam ausentes. Sustento que a tentativa (que definiu
a filosofia tradicional) para explicar 'racionalidade' e 'objetividade' nos termos das
condições para uma representação exata é um esforço auto-ilusório para eternizar o
discurso normal do momento ... (Rorty, 1988, pp.20-21).
As tentativas para eternizar um determinado conjunto de critérios, por
outro lado, perde sentido quando se assume a atitude pragmatista de olhar para o
problema do conhecimento como algo relativo às práticas humanas e à interação dos
homens com o mundo.

Se encararmos o conhecimento mais como uma questão de conversação e de prática


social do que como uma tentativa de espelhar a natureza, é pouco provável que venhamos
a considerar uma metaprática que seja a crítica de todas as formas possíveis de prática
social (Rorty, 1988, p.139).
Outro aspecto importante do pragmatismo de Rorty é que seu relativismo
não pretende ser recurso para a legitimação de discursos irracionalistas. Isto é, apontar
para o caráter relativo de qualquer tipo de discurso e para a condição histórica dos
critérios atualmente assumidos como pertinentes para os julgamentos dos diferentes tipos
de crenças, não significa abdicar da exigência de que cada crença atenda a requisitos
práticos e intelectuais. A possibilidade de abdicar daquelas exigências só faz sentido,
segundo Rorty, no contexto de uma visão representacionista de conhecimento.

... somente a imagem de uma disciplina - a filosofia - que considera um dado conjunto de
pontos de vista científicos ou morais como mais 'racionais' do que os alternativos, por
apelo a algo que constitui uma matriz neutra permanente para todo o inquérito e toda a
história, torna possível pensar que tal relativismo deva excluir automaticamente as teorias
da coerência da justificação prática e intelectual (Rorty, 1988, p.145).
A posição de Rorty é fundamentalmente a tese de que a validação do
conhecimento não pertence ao campo de uma disciplina (filosófica) particular, mas
pertence ao campo do diálogo, às condições atuais (ou futuras) em que os homens vêm a
concordar acerca de suas asserções sobre o mundo. Por isso defende o que denomina de
"filosofia edificante", uma atitude de preservação do diálogo, de reação a qualquer
tentativa de encerrar a conversação através do apelo a algo que transcende as práticas
dialógicas.

... o motivo da filosofia edificante é mais fazer prosseguir a conversação do que encontrar
a verdade objetiva. Essa verdade, do ponto de vista que advogo, é o resultado normal do
discurso normal. A filosofia edificante não é somente anormal, mas reativa, apenas tendo
sentido como um protesto contra as tentativas de encerrar a conversação mediante
propostas de comensuração universal através da hipostasiação de um conjunto qualquer
privilegiado de descrições (Rorty, 1988, p.291).
Ver a manutenção da conversação como um objetivo suficiente para a filosofia, ver a
sabedoria como consistindo da capacidade de sustentar uma conversação, é ver os seres
humanos mais como geradores de novas descrições do que como seres que esperamos ser
capazes de descrever exatamente (Rorty, 1988, p.292).

PARTE II

O BEHAVIORISMO RADICAL SKINNERIANO


CAPÍTULO 3

O BEHAVIORISMO RADICAL SKINNERIANO DIANTE DAS

TESES PRAGMATISTAS E REPRESENTACIONISTAS: ASPECTOS

GERAIS DA PRESENTE ANÁLISE.

3.1. Behaviorismo, Pragmatismo e Representacionismo I: Diferentes


Interpretações do Pensamento de Skinner.
O behaviorismo radical já foi objeto de diversas análises
"epistemológicas", estudos que discutem sua concepção de conhecimento e de ciência,
inclusive relacionando-a com a oposição que Rorty estabelece entre pragmatismo e
representacionismo. Alguns destes estudos serão citados brevemente, com o intuito de
evidenciar a (aparente) contradição das diferentes interpretações oferecidas para o
pensamento de Skinner.
Em um artigo intitulado "Radical Behaviorist Epistemology", Zuriff
(1980) discute a posição de Skinner contrastando-a com duas concepções de verdade, por
ele denominadas de "teoria pragmatista de verdade" e "teoria de correspondência da
verdade". Estas duas "teorias" correspondem, em certa medida, à oposição estabelecida
anteriormente entre pragmatismo e representacionismo, e Zuriff (1980) inicia alertando
para a existência de "certos problemas e ambiguidades" (p.337) na posição
epistemológica do behaviorismo radical. Ao longo do texto, Zuriff (1980) defende a tese
de que

uma teoria mais proeminente no trabalho [de Skinner], e mais congruente com sua
filosofia da ciência é, na essência, uma versão behaviorista da teoria pragmatista de
verdade promovida por James" (p.344).
Ao defender esta tese, no entanto, Zuriff (1980) assinala que "rasgos de
uma teoria de correspondência [da verdade] são encontrados nos trabalhos de Skinner"
(p.343). Isto significa dizer que haveria, nos textos de Skinner, circunstâncias em que o
problema da verdade é abordado segundo princípios representacionistas. E Zuriff (1980)
apresenta algumas citações de Skinner para em seguida afirmar: "Todas essas passagens
... remetem a uma versão moderna da teoria de correspondência da verdade" (p.343). O
que justifica, para Zuriff (1980), a afirmação de que uma concepção pragmatista de
verdade está mais próxima do pensamento skinneriano é o fato de que ela aparece com
maior frequência em seus escritos e estaria mais coerente com sua concepção de
conhecimento. Apesar de Skinner eventualmente tratar do problema em termos próximos
aos de uma teoria de correspondência da verdade, esta não seria sua posição, até porque
"a versão de Skinner da teoria [de correspondência da verdade] é inconsistente com a
filosofia básica de seu behaviorismo radical" (Zuriff, 1980, p.343).
Na mesma direção da análise de Zuriff (1980), que coloca o behaviorismo
radical mais próximo de uma concepção pragmatista de verdade, Burton (1980) situa o
pensamento de Skinner no campo das concepções relativistas acerca do empreendimento
científico e afirma que "como os pragmatistas ... Skinner invoca um critério de utilidade
para a avaliação do conhecimento científico" (p.119).
Em contradição com a interpretação de Skinner como pragmatista, há
trabalhos que o colocam no campo do pensamento representacionista. Por exemplo, Abib
(1985), após análise sistemática dos princípios que norteiam o behaviorismo skinneriano,
caracteriza Skinner como naturalista e positivista. Smith (1989) e Lampreia (1992)
igualmente referem-se a Skinner como positivista. Malone Jr. (1975), assinala a
persistência, em Skinner, de um dualismo que é próprio das filosofias representacionistas.
Ao argumentar que tanto Skinner quanto James têm posição contrária às teorias
mentalistas acerca do conhecimento, Malone Jr. (1975) faz o seguinte comentário (na
forma de uma "ressalva"):

Devo assinalar que Skinner nunca abandonou inteiramente e com clareza o dualismo,
embora não haja razão para que ele não o faça. Por exemplo, no "The Phylogeny and
Ontogeny of Behavior" ... ele repetidamente refere-se ao ambiente como algo "real" e
anterior à experiência, e em 1964 ele escreveu que "o mundo em que nós vivemos é o
mundo da física". Sua inconsistência neste ponto já foi observada por outros ... (p.142).
Problema semelhante, na interpretação do behaviorismo skinneriano, é
encontrado nos artigos de Lamal (1983, 1984) e Woolfolk (1983), que partem exatamente
do trabalho de Rorty (1988). Lamal (1983) examina a crítica de Rorty (1988) ao
representacionismo, colocando-a em termos de uma proposta de "abandono da
epistemologia". Sua análise (de Lamal, 1983) enfatiza dois aspectos da crítica de Rorty
(1988): a rejeição da metáfora da mente como espelho da natureza e a crítica à noção de
verdade como correspondência com a realidade. Partindo destes dois problemas, Lamal
(1983) advoga a existência de uma compatibilidade entre o pensamento de Skinner e o
pragmatismo de Rorty (1988).
A rejeição da teoria da cópia e a adoção de uma concepção (pelo menos
aparentemente) pragmatista de verdade não parecem suficientes para afirmar-se uma
compatibilidade entre Rorty e Skinner, segundo Woolfolk (1983). Para ele, Lamal (1983)
busca em Rorty (1988) uma confirmação para as teses skinnerianas, o que constitui
atitude incoerente com a idéia de desconstrução da filosofia como disciplina legitimadora
de determinadas práticas científicas. A compatibilidade encontrada entre Skinner e Rorty
resume-se, segundo Woolfolk (1983), à descoberta de que os dois têm muitos inimigos
comuns (como os mentalistas). Mas para Woolfolk (1983) as objeções pragmatistas ao
mentalismo podem não ser maiores que as objeções pragmatistas ao behaviorismo
skinneriano. Woolfolk (1983) aponta, então, na filosofia empiricista a tradição intelectual
à qual o behaviorismo skinneriano estaria afiliado, e da qual, entre outras, as idéias
pragmatistas pretendem ser críticas. A análise de Woolfolk (1983) contém algumas
imprecisões na caracterização do behaviorismo skinneriano, particularmente ao não
diferenciá-lo do chamado "behaviorismo metodológico". Disso resulta, por exemplo, a
afirmação incorreta de uma relação entre o behaviorismo skinneriano e a filosofia do
positivismo lógico, que, na verdade, é refutada por Skinner. De qualquer modo, as
afirmações de Woolfolk (1983) têm o mérito de chamar a atenção para o fato de que uma
discussão epistemológica do behaviorismo skinneriano exige que se examine o modelo
de ciência skinneriano em suas relações com as doutrinas empiristas.
Lamal (1984) refuta as críticas de Woolfolk (1983), afirmando, de um
lado, que não atribui às idéias de Rorty (1988) uma confirmação das idéias skinnerianas
e, de outro, que algumas afirmações de Woolfolk (1983) aplicam-se ao behaviorismo
metodológico, e não ao behaviorismo skinneriano. Lamal (1984), porém, ignora a
questão relativa aos compromissos empiristas da ciência de Skinner. E esta é uma
questão claramente pertinente ao debate sobre a concepção skinneriana de ciência e de
conhecimento; ela merece, portanto, ser levada em conta. Ao fazê-lo, também não se trata
apenas de afirmar a existência de uma relação entre o behaviorismo skinneriano e
concepções empiristas ou positivistas sobre o conhecimento. O empirismo skinneriano
não pode simplesmente ser confundido com o de Bacon ou Hume e, aliás, sequer pode
ser confundido com o empirismo de outras abordagens psicológicas (inclusive,
comportamentais) contemporâneas. Mostra-se necessário compreender o que são as bases
a partir das quais Skinner constrói seu modelo de ciência e como se configura esta
concepção de ciência, isto é, que princípios estão presentes na sua formulação e na
regulação de seu desenvolvimento.
Um outro conjunto de análises do pensamento de Skinner igualmente
significativo é aquele que relaciona sua concepção de linguagem com a de Wittgenstein.
Por razões examinadas no capítulo anterior, a noção wittgensteiniana de linguagem pode
ser, em alguma medida, relacionada ao pensamento pragmatista (no sentido de que o
pragmatismo contemporâneo lança mão de aspectos importantes daquela formulação). E
há diversos estudos que demonstram a existência de similaridades entre as posições de
Skinner e Wittgenstein com respeito à linguagem (por exemplo, Bloor, 1987; Costall,
1980; Day, 1969; Lampreia, 1992; Waller, 1977). Alguns destes mesmos estudos (em
particular, Bloor, 1987; Lampreia, 1992), entretanto, assinalam divergências importantes
entre os dois autores. Eles sugerem, então, que é no mínimo recomendável uma certa
cautela antes de caracterizar Skinner como pragmatista a partir de sua concepção de
linguagem.
As colocações acima sugerem que um simples contraste entre
determinadas proposições de Skinner e as teses pragmatistas ou representacionistas pode
não ser suficiente para que se entenda a posição skinneriana. Esta dificuldade, aliás, fica
evidenciada quando se observa que os trabalhos citados partem de análises consistentes e
se apoiam nos próprios textos de Skinner. A contradição que eles sugerem não parece ser
o resultado, portanto, de um erro comum a todas as interpretações que colocam Skinner
em um ou outro lado do debate pragmatismo-representacionismo. O que se pode
constatar é simplesmente que as diferentes caracterizações do pensamento de Skinner
partem de uma consideração de problemas ou textos diferentes. Isto é, os estudos
mencionados não lidam com a posição de Skinner em uma mesma obra e diante de um
mesmo problema particular, chegando a conclusões diferentes; as conclusões são de fato
diferentes e aparentemente contraditórias, mas derivam da consideração de aspectos
diversificados da obra de Skinner. Isto alerta para o fato de que não se pode considerar
Skinner um pragmatista apenas em razão do que afirma sobre o que vem a ser uma
asserção "verdadeira". Como também não se pode considerar Skinner um
representacionista apenas por advogar uma ciência amparada no método experimental. A
análise que se segue leva em consideração as questões levantadas nos parágrafos
anteriores, embora sem pretender rediscutir os trabalhos citados. Ela estará
fundamentalmente dirigida para uma interpretação do behaviorismo skinneriano que não
se limite a simplesmente identificá-lo como pragmatista ou representacionista, mas que
dê conta da peculiaridade do conjunto de princípios que norteiam sua concepção de
conhecimento e de ciência. Ela buscará, nesta direção, um recurso capaz de conferir
inteligibilidade e coerência às interpretações possíveis para as idéias de Skinner.

3.2. Behaviorismo, Pragmatismo e Representacionismo II: Uma Matriz para


Análise do Pensamento de Skinner:
A fim de proceder a um estudo que dê conta dos problemas apontados
acima, em especial da ambigüidade ou contradição das diferentes caracterizações do
pensamento de Skinner, faz-se necessário retornar ao que foi exposto nos capítulos
anteriores e operar, sobre aquele material, uma análise que propicie uma matriz capaz de
conferir inteligibilidade à posição epistemológica de Skinner. Isto é, se as diferentes
abordagens do pensamento de Skinner citadas acima têm alguma consistência (e parecem
ter), então deve haver algo mais do que uma simples oposição pragmatismo-
representacionismo a partir do que se possa compreender o behaviorismo skinneriano.
A análise que se segue é uma tentativa de organizar as referências ao
pragmatismo e ao representacionismo. A matriz proposta não recupera todos os aspectos
importantes das diferentes posições examinadas nos capítulos anteriores. Ela parece dar
conta, entretanto, dos aspectos mais relevantes para o estudo da posição skinneriana. De
qualquer modo, também no que diz respeito ao estudo do behaviorismo, a matriz a ser
apresentada não é a única forma possível de organizar aspectos do pragmatismo e do
representacionismo que são relevantes para um estudo do behaviorismo radical. Ela é
simplesmente uma tentativa razoável nesta direção; uma tentativa que não foi derivada
apenas de uma análise daquelas posições filosóficas, mas que se mostrou pertinente a
partir de uma análise preliminar das colocações de Skinner.
No capítulo sobre pragmatismo (Capítulo 2), observou-se que há uma
distinção significativa entre o pragmatismo de Peirce, James e Dewey e aquele advogado
por Rorty, que se sustenta em grande parte no pensamento de Wittgenstein. Parece mais
razoável, portanto, em vez de falar-se apenas em "pragmatismo", tornar evidente aquela
distinção. Ter-se-ia, então, algo do tipo:

_____________________________________

1 ----->

PA PB

<----- 2
____________________________________

Onde:
PA significa o pragmatismo de Peirce, James e Dewey, cujo traço distintivo, para fins
desta análise, é a ênfase no caráter funcional (e não representacional) das asserções
que os homens constroem sobre o mundo, e da própria atividade de construí-las.
PB significa o pragmatismo contemporâneo, do qual Rorty é representante, e cujo traço
distintivo é a crítica a toda tentativa de fundamentação do conhecimento verdadeiro e,
principalmente, a crítica à idéia de discursos privilegiados (aprioristicamente, em
função de sua própria natureza, que se supõe estar fundamentada em elementos que
garantem um tipo qualquer de relação com a realidade, portanto independentes de
constrangimentos culturais. A noção de discursos privilegiados será doravante
empregada neste sentido).
É importante observar que a posição PA, ao assinalar que os diferentes
tipos de enunciados são construídos pelos homens a partir de (e circunscritos por) uma
forma particular de interação com o mundo, implica, do ponto de vista lógico, a posição
PB. Quer dizer, se se considera aqueles enunciados a partir de sua dimensão funcional e
de sua relação com formas concretas de interação com o mundo (formas estas que
impõem configurações determinadas ao que é experienciado), então deve-se exercer a
crítica a qualquer tentativa de julgamento apriorístico sobre a validade dos enunciados
em razão de incorporarem ou não preceitos pré-estabelecidos. Uma outra maneira de
afirmar isso, é salientar que assumir a posição PA sem a crítica característica de PB
implica cair em contradição lógica. De certa forma, é isto o que ocorre com o
pragmatismo de Peirce que, ao fazer a apologia do experimentalismo, não abandona
inteiramente a noção de correspondência. Neste sentido pode-se fazer as seguintes
considerações sobre as setas da figura acima:
A seta 1 indica uma relação logicamente necessária, onde PA está associado a PB, e isso
parece ser especialmente válido para o pragmatismo de James e, mais explicitamente,
para o pragmatismo de Rorty. Mas esta coerência nem sempre é encontrada nos autores
que assumem a noção de funcionalidade do conhecimento. Peirce pode servir de exemplo
para a possibilidade de PA não estar associado a PB. O exemplo de Peirce evidencia que
a posição "PA não associado a PB" é historicamente possível, embora logicamente
contraditória.
A seta 2 indica que PB pode também conter PA, isto é, a crítica aos discursos
privilegiados (PB) pode estar associada a uma concepção funcional de conhecimento
(PA) - e esta parece ser a posição de Rorty, mas isto também nem sempre ocorre. Como
se disse anteriormente, nem toda crítica ao representacionismo é pragmatista. Neste caso,
deve-se observar que não há uma necessidade lógica na relação PB-PA (já que "PB não
associado a PA" nem sempre implica uma contradição). Trata-se, aqui, de uma relação
simplesmente possível, tanto do ponto de vista histórico quanto do ponto de vista lógico.
A possibilidade de PB não implicar PA não será relevante para a presente análise, mas
fica aqui assinalada.
Uma distinção semelhante pode ser traçada com respeito às doutrinas
representacionistas, tal como discutidas anteriormente (Capítulo 1), onde se observou que
o representacionismo tende a afastar-se da idéia cartesiana de representações últimas e
perfeitas. Neste caso, a análise possível seria a seguinte:

_____________________________________

3 ----->

RA RB

<----- 4
____________________________________

Onde:
RA significa um representacionismo do tipo cartesiano, que se pauta pela noção de
conhecimento enquanto representação exata da realidade.
RB significa uma versão de representacionismo cujo caráter distintivo é a crença na
noção de discursos privilegiados, alcançáveis a partir de condições demarcadas por uma
doutrina epistemológica.
A posição RA, a idéia de que conhecer é representar e de que certo tipo de
proposição representa com perfeição a realidade, implica logicamente a posição RB (isto
é, RA-RB é uma relação logicamente necessária). Assumir RA sem incorporar a noção
de discursos privilegiados característica de RB (supondo, por exemplo que diferentes
tipos de enunciado têm o mesmo valor relativo de conhecimento) resulta numa
contradição lógica. Por outro lado, RB não implica necessariamente RA, já que não se
pode afastar a possibilidade de uma defesa da idéia de discursos privilegiados que não se
paute pelo princípio da representação. Neste sentido pode-se considerar as setas 3 e 4 do
seguinte modo:
A seta 3 indica que RA implica logicamente RB e é isto que usualmente ocorre; ou seja
filosofias que pensam o conhecimento enquanto sistema de representação da realidade
(RA) assumem também a noção de discursos privilegiados (RB). Descartes é um
exemplo disso.
A seta 4 indica que RB pode conter RA, mas esta relação não é necessária. Quer dizer,
nem sempre a crença no valor superior de um tipo de discurso (RA) - por exemplo,
científico - está articulada com a noção de conhecimento como representação exata da
realidade. A posição "RB não associado a RA" deve ser considerada como possível, tanto
do ponto de vista lógico, quanto em termos históricos.
Quando se une os dois quadros acima numa única matriz, obtém-se o
seguinte:

_____________________________________

1 ----->

PA PB

<----- 2
____________________________________

3 ----->

RA RB

<----- 4
____________________________________

Ao expor as relações deste quadro, entretanto, deve-se considerar a


possibilidade de que PA e RA não apareçam respectivamente associados a PB e RB,
embora esta seja uma necessidade lógica. Relações verticais (PA-->RA; PB-->RB), por
outro lado, podem até ser consideradas (no caso de PA-->RA, se assumiria, ainda que
correndo o risco de cair em contradição, o caráter funcional de um conjunto de asserções,
ao mesmo tempo em que se atribuiria um caráter representacional a tal conjunto; já no
caso de PB-->RB, trata-se de uma relação impossível, pois uma é a negação da outra),
mas não explicitam o que parece mais relevante: a relação entre a natureza que se atribui
ao conhecimento e o status reivindicado para o próprio. Cabe examinar, então, a
possibilidade de um cruzamento nesta matriz, a partir do que seria possível obter37:

_____________________________________

1 ----->
<----- 2

37. No Anexo 2, apresenta-se uma cópia desta matriz, em folha dupla, de forma a facilitar
sua consulta no decorrer da leitura dos capítulos seguintes.
5

PA PB

____________________________________

RA RB

3 ----->
<----- 4
____________________________________

Onde:
A seta 5 apresenta uma associação entre a noção de funcionalidade do conhecimento e a
preservação da noção de discursos (que pela sua própria natureza ou origem são)
privilegiados.
A seta 6 apresenta uma associação entre uma concepção de conhecimento enquanto
sistema de representação da realidade e a crítica à noção de discursos privilegiados.
Ambas as setas revelam relações logicamente contraditórias, mas que
precisam ser consideradas como historicamente possíveis. A relação sugerida pela seta 6
parece bastante inusitada, e particularmente inapropriada para uma análise do
behaviorismo radical, já que Skinner rejeita (como mencionado acima e como será
demonstrado nos capítulos posteriores) a idéia de conhecimento como representação. O
mesmo não pode ser dito com respeito à relação indicada pela seta 5. Embora a relação
entre PA (funcionalidade do conhecimento) e RB (aceitação da noção de discursos
privilegiados) possa parecer, à primeira vista, improvável, em razão de seu caráter
contraditório, ela vem a mostrar-se não apenas historicamente possível (Peirce
exemplifica esta possibilidade), como também adequada para uma análise do pensamento
skinneriano, ou pelo menos de algumas afirmações de Skinner. Isto quer dizer que a
aparente ambigüidade do pensamento skinneriano pode ser interpretada em termos da
associação, em alguns momentos, de uma concepção funcional de conhecimento com a
suposição de que certo tipo de discurso, por sua própria natureza, está dotado de um valor
superior para a cultura. Esta relação, portanto, pode servir de recurso para tornar
inteligíveis as diferentes interpretações da obra de Skinner. Isso significa dizer que se
esta proposta de análise se mostrar justificada, então aqueles que colocam Skinner no
campo do pensamento pragmatista provavelmente o fazem a partir de sua concepção de
funcionalidade do conhecimento (PA). E aqueles que o colocam no campo do
representacionismo provavelmente partem da sua postulação de que a incorporação de
certos preceitos (metodológicos) são capazes de justificar um status superior para o
discurso científico (RB). Neste caso, todos estariam corretos, mas atentando apenas para
parte do problema e, por isso, não poderiam superar a aparente contradição de suas
análises.
Apesar desta referência às caracterizações de Skinner como pragmatista
ou representacionista, deve-se esclarecer que não será objetivo deste trabalho testar a
adequação da matriz proposta acima para a análise do behaviorismo de Skinner
contrastando-a com as análises de outros autores citadas na seção anterior. Em vez disso,
esta Tese se ocupará de duas tarefas preliminares: primeiro, examinar como Skinner
concebe o conhecimento, do ponto de vista de sua natureza e da atribuição de valor aos
diferentes tipos de asserções que pretendem expressar conhecimento; e, segundo, avaliar
em que medida a relação PA-RB (funcionalidade do conhecimento - preservação da
noção de discursos privilegiados) pode ser de fato adequada para a compreensão do
pensamento skinneriano. Day (1992) fornece um indicador da possibilidade de que o
behaviorismo radical revele, em sua concepção de conhecimento, aspectos pragmatistas e
representacionistas, tal como sugerido naquela relação, ao afirmar:

... a coisa mais importante que um(a) estudioso(a) do behaviorismo contemporâneo pode
fazer atualmente é estar certo de que compreende a relação entre a epistemologia contida
no Verbal Behavior de Skinner e as epistemologias funcionais de James e Mach (p.38).
Neste trecho, Day (1992) coloca Skinner lado a lado com um pragmatista
(James) e um positivista (Mach). Como explicar esta relação? E como relacioná-la com a
matriz proposta acima? Responder a estas perguntas corresponde à segunda das duas
tarefas a serem desenvolvidas neste trabalho, citadas acima. A resposta, a ser apresentada
nos capítulos seguintes (em especial, no Capítulo 5), fica sugerida na própria citação de
Day (1992): a relação entre Skinner e Mach, ou pelo menos a leitura que Skinner faz das
proposições de Mach. A partir desta relação, procurar-se-á evidenciar como se realiza, no
behaviorismo skinneriano, a articulação entre um princípio pragmatista (funcionalidade
do conhecimento) e um princípio representacionista (noção de discursos privilegiados).
Embora sem pretender contrastar a matriz sugerida acima com as análises
de outros autores, não se pôde deixar de observar que quando Skinner é apontado como
positivista a partir de uma discussão da questão da privacidade (por exemplo, Lampreia,
1992), a relação PA-RB tende a se dissolver. O mesmo ocorre quando se trata de apontar
os distanciamentos entre Skinner e Wittgenstein (por exemplo, Bloor, 1987; Lampreia,
1992). O próprio estudo que se procurou desenvolver sobre o tema da privaciadade
(tema, aliás, que deu origem à presente investigação) foi evidenciando que, no que diz
respeito ao problema do "auto-conhecimento", a posição de Skinner assume contornos
particulares que justificam uma consideração cuidadosa. Tanto no caso
das concepções de conhecimento em geral e de conhecimento científico, quanto no que
diz respeito à noção de auto-conhecimento, o leitor familiarizado com a concepção
skinneriana de linguagem será tentado a afirmar a estranheza de atribuir-se uma
dimensão representacionista ao behaviorismo radical. Esta atitude é compreensível, mas
ela significa apenas que Skinner nem sempre leva sua concepção de linguagem às últimas
consequências ao tratar dos problemas mencionados. Significa, por outro lado, que no
contexto de certas (su)posições behavioristas radicais, é possível superar resquícios de
representacionismo porventura persistentes nas formulações de Skinner. Estas
possibilidades serão citadas adiante, mas a análise priorizará as afirmações do próprio
Skinner, a fim de elucidar como ele próprio articula o seu sistema teórico e suas
suposições epistemológicas.
Ao utilizar a matriz acima para a análise do pensamento skinneriano, faz-
se necessário, ainda, reafirmar de que maneira as relações nela contidas devem ser
examinadas. Historicamente, pode-se identificar exemplos de quase todas aquelas
relações, mas apenas no sentido histórico elas são todas possíveis. Do ponto de vista
lógico, como observado, há certas restrições e algumas das relações indicadas assumem o
caráter de contraditórias2.
As observações acima são importantes para a análise do pensamento
skinneriano na medida em que sugerem que se Skinner de fato associa uma noção
funcional de conhecimento à preservação da noção de discursos privilegiados, então a
contradição de seu argumento para tal associação deve ficar evidenciada. Por outro lado,
se Skinner de fato desenvolve uma noção funcional de conhecimento, então é possível
derivar de suas proposições uma crítica às pretensões representacionistas do tipo RB. De
certa forma, o que a análise seguinte procurará demonstrar são estas duas questões: de um
lado, que apenas lançando mão de recursos contraditórios Skinner pode assumir um
representacionismo do tipo RB; e de outro, que levado às últimas consequências, seu
aparato conceitual permite uma postura do tipo PA-PB (o que significa relativizar o
próprio conhecimento construído no âmbito de sua ciência experimental).
Os problemas e argumentos referidos acima serão desenvolvidos, a seguir,
em três capítulos de análise do pensamento de Skinner. Inicialmente (Capítulo 4),
procurar-se-á introduzir os aspectos centrais da presente investigação, a partir do tema
"operacionismo", a fim de demarcar as condições apropriadas para uma discussão do
behaviorismo skinneriano. Em seguida (Capítulo 5), procurar-se-á desenvolver as duas
tarefas centrais sugeridas nas considerações acima: primeiro, examinar a concepção
skinneriana de conhecimento e a pertinência desta ser abordada a partir da relação PA
(funcionalidade do conhecimento) - RB (ciência enquanto discurso de valor superior); e
segundo, demonstrar de que recursos Skinner lança mão para tornar aquela relação
possível, no contexto de seu behaviorismo radical. O capítulo posterior (Capítulo 6) será
dedicado ao tema da privacidade e nele se examinará, em especial, a concepção de
conhecimento envolvida nas considerações de Skinner e a relação entre tal concepção e a
matriz de análise aqui proposta.

CAPÍTULO 4

A FUNCIONALIDADE COMO CRITÉRIO DE VERDADE I:

O OPERACIONISMO SKINNERIANO.

O operacionismo tem sido um tema bastante recorrente na caracterização


epistemológica do behaviorismo skinneriano e de outras versões de psicologia
behaviorista. Em parte, isso se deve à grande repercussão que as idéias de Bridgman

2. Analisando deste ponto de vista, as relações indicadas podem ser resumidas da


seguinte maneira: São relações logicamente necessárias: PA-PB e RA-RB. São relações
logicamente possíveis: PB-PA e RB-RA. São relações logicamente contraditórias: PA-
RA, PA-RB, PB-RB, RA-PA, RA-PB e RB-PB.
(1928) tiveram sobre a ciência e a prática psicológica que se desenvolveu a partir da
década de 30 deste século (cf. Rogers, 1989) - uma influência mediada pela esperança de
superação dos impasses conceituais e metodológicos que marcavam a trajetória de
constituição da psicologia como disciplina científica (cf. Israel e Goldstein, 1944). Por
outro lado, o próprio Skinner admite, desde o princípio de sua carreira (cf. Skinner,
1931/1961a) a importância do pensamento de Bridgman para sua proposta inicial de
psicologia como ciência do comportamento (embora em período posterior o
operacionismo de Bridgman deixe de ter, para ele, tamanha relevância) e, principalmente,
procura diferenciar sua ciência de outras versões do behaviorismo a partir de uma
interpretação particular das teses operacionistas (cf. Skinner, 1945). A maneira como o
operacionismo aparece nos primeiros textos de Skinner (em particular, nos textos de
1931/1961a e 1935/1961b), bem como a versão apresentada no Simpósio sobre
Operacionismo de 1945 (Skinner, 1945) serão as fontes da análise a ser desenvolvida
neste capítulo. Por razões que dizem respeito ao tipo de problematização que se pretende
fazer do operacionismo skinneriano, entretanto, a análise começa com o texto de 1945,
para então recuperar os textos de 1931 e 1935.
A apresentação sistemática e minuciosa das idéias contidas naqueles
artigos não será aqui buscada, até porque já há inúmeros trabalhos que realizaram esta
tarefa (cf. Anderey, 1990 e Sério, 1990 acerca dos primeiros artigos de Skinner, e Moore,
1975, 1981, sobre o artigo de 1945). Assim, a referência àqueles textos estará delimitada
pelo objetivo de examinar algumas idéias alí expostas que podem ser relacionadas ao
debate pragmatismo-representacionismo. Além disso, procurar-se-á, com o exame
daqueles artigos, introduzir algumas questões que podem orientar a análise de textos
posteriores de Skinner, nos quais o problema epistemológico é mais sistematicamente
abordado.

4.1. Operacionismo e Análise Funcional do Comportamento Verbal.


O texto em que apresenta sua versão da doutrina operacionista (Skinner,
1945), contrastando-a, em especial, com uma interpretação neopositivista característica
das proposições de Boring e Stevens, constitui-se na primeira ocasião em que Skinner
caracteriza seu behaviorismo como "radical" por oposição ao que denomina de
behaviorismo (meramente) "metodológico". Ao analisar este artigo, o que se procurará
argumentar é que, ao definir seu modelo operacionista por oposição ao operacionismo do
behaviorismo metodológico, Skinner já assume uma postura ambígüa com respeito aos
problemas que vêm sendo discutidos, isto é, ele oscila entre indicadores de um
compromisso objetivista/representacionista e concepções que apontam para uma postura
relativista/pragmatista. Esta ambigüidade será, aqui, discutida em termos da falta de uma
diferenciação entre "acordo intersubjetivo" e "determinação intersubjetiva".
O operacionismo de Bridgman pode ser caracterizado como uma proposta
de procedimento para esclarecimento dos significados dos conceitos empregados na
prática científica. Este procedimento consiste, basicamente, na definição de um conceito
em termos das operações realizadas pelo cientista. Um conceito científico, na palavras de
Bridgman (1928), "é sinônimo do conjunto correspondente de operações" (p.5). Nesta
perspectiva, o operacionismo resume-se à prescrição de que a ciência, para evitar
revoluções conceituais, deve trabalhar com conceitos cuja significação possa ser limitada
ao âmbito das operações experimentais38. Mas a vocação experimental do operacionismo
de Bridgman o coloca no âmbito da tradição das filosofias positivistas, e permite,
também, uma interpretação em termos de um princípio demarcador da fronteira entre o
discurso cientificamente válido e o discurso sem sentido. Estas duas possibilidades
(considerar o operacionismo enquanto proposta de procedimento para esclarecimento do
significado dos conceitos científicos e considerá-lo como princípio demarcador da
fronteira entre discursos válidos e discursos sem sentido) constituem a base das versões
diferenciadas do operacionismo que se manifestarão, respectivamente, no behaviorismo
radical de Skinner e no behaviorismo metodológico de Boring e Stevens. Observe-se que
a proposta de definição dos conceitos científicos em termos das operações executadas
pelo cientista, mesmo considerada pertinente, não confere a si mesma a condição de
critério de legitimação (ou não) dos diferentes tipos de discurso (científicos ou não). Isto
é, a argumentação de Bridgman necessitará de suporte adicional para converter-se em
algo do tipo de uma "matriz epistemológica". Este suporte será encontrado pelos
behavioristas metodológicos no positivismo lógico do Círculo de Viena. Ou melhor, é no
contexto das proposições do positivismo lógico que o operacionismo deixa de ser uma
proposta de abordagem para a linguagem científica e transforma-se em critério de
cientificidade39.
No Capítulo 1, observou-se que o pensamento neopositivista desenvolve-
se relacionado à tese de que o conhecimento cientificamente válido está fundamentado
em determinadas formas lógico-sintáticas e em uma correspondência com o mundo
empírico. Tal concepção dá origem a um conjunto de regras lógicas e metodológicas que
devem orientar a prática científica cotidiana. O fisicalismo e a testabilidade são aspectos
que vêm a assumir relevância particular no contexto daquelas regras. Eles sugerem que a
natureza científica de uma proposição depende de sua capacidade de ser reduzida a
operações elementares a respeito das quais se mostre possível alcançar um acordo
intersubjetivo. Quando o princípio de Bridgman é interpretado à luz destes preceitos (o
que tem sido denominado de "interpretação convencional" do operacionismo - cf. Moore,

38. A análise de Bridgman pretende esclarecer a inovação das teorias de Einstein (o


caráter operacional de seus conceitos, do qual nem o próprio Einstein teria consciência -
cf. Bridgman, 1928, p.7) e estabelecer um procedimento que não mais deixasse as
ciências sujeitas a revoluções como aquela representada pelo abandono dos conceitos de
Newton (em especial "tempo absoluto", "espaço absoluto" e "comprimento absoluto") a
partir da física de Einstein.

39. O próprio Boring (1950) assinala que o "operacionismo é mais um princípio do que
uma escola" (p.653, itálico acrescentado). Em sua interpretação, porém, ele também é
"uma maneira ... de distingüir entre metafísica e ciência (p.563). De certa forma,
Bridgman (1928) permite tal interpretação, na medida em que sugere seu procedimento
como recurso apropriado para identificar asserções "sem sentido", ou quando afirma que
não devemos mais permitir-nos usar como ferramentas de nosso
pensamento conceitos para os quais não possamos dar uma
explicação adequada em termos de operações (Bridgman, 1928,
p.31).
É importante notar, entretanto, que esta última afirmação de Bridgman não se sustenta
sem justificação adicional.
1975, 1981), as definições em termos operacionais convertem-se em critério para
atribuição de significação científica a um conceito ou proposição. Isto é, trata-se de
interpretar a proposta de Bridgman enquanto um esclarecimento da natureza das
proposições elementares que devem caracterizar o discurso científico: elas devem
remeter a operações executadas pelo cientista e às quais qualquer observador tem acesso.
O que atender a este critério tem validade e confere legitimidade empírica à ciência.
Observe-se que na versão metodológica do operacionismo sustenta-se que
o conhecimento científico é dependente de um acordo intersubjetivo. Entretanto, supõe-
se que tal acordo deve ser relativo às dimensões físicas dos fenômenos estudados e,
ainda, que só pode ser alcançado com respeito aquilo que pode ser publicamente
observado. Isto é, o acordo intersubjetivo confere objetividade ao conhecimento
científico, mas "intersubjetividade" reduz-se a "observação pública". No âmbito deste
modelo de ciência não se pode falar de eventos aos quais um único indivíduo tem acesso,
pois estes remetem a fenômenos a respeito dos quais os cientistas não podem alcançar um
acordo público. A psicologia enquanto ciência, neste caso, reduz-se ao estudo do que é
publicamente observável. Definições operacionais privadas, segundo Boring (1945),
podem até existir, mas são mentais e, portanto, carecem do que é essencial para a ciência:
uma expressão fisicalista. Os chamados "eventos privados" não podem, então, ser objeto
de uma ciência psicológica. Como afirma Boring (1945) "a ciência não considera dados
privados" (p.244).
Opondo-se a esta versão do operacionismo, Skinner (1945) interpreta o
problema levantado por Bridgman em termos da necessidade de uma análise funcional
para o comportamento verbal. Isto significa abandonar as chamadas "teorias referenciais
do significado" (que se apoiam na noção de linguagem como sistema de representação do
mundo) e considerar o uso de conceitos, termos, e proposições enquanto respostas
verbais, que são, tanto quanto as respostas não-verbais, função de contingências de
reforçamento (neste caso, providas por uma comunidade verbal). A concepção
skinneriana de linguagem, bem como sua relação com o problema do conhecimento
científico, serão melhor examinadas no capítulo seguinte. A fim de esclarecer e
problematizar o operacionismo skinneriano, entretanto, é necesssário antecipar alguns
aspectos gerais daquelas posições. Skinner (1945) introduz sua proposta de análise
funcional para o comportamento verbal afirmando:

Há três termos importantes: um estímulo, uma resposta e um reforçamento provido pela


comunidade verbal (...) As interrelações significativas entre estes termos podem ser
expressas dizendo-se que a comunidade reforça a resposta somente quando ela é emitida
na presença do estímulo. O reforçamento da resposta 'vermelho', por exemplo, é
contingente à presença de um objeto vermelho. (A contingência não precisa ser
invariável.) Um objeto vermelho torna-se, então, um estímulo discriminativo, uma
'ocasião', para a emissão bem sucedida da resposta 'vermelho' (p.272).
Para Skinner (1945), então, uma resposta verbal deve ser explicada, não
como a apreensão mental de um significado, mas como o resultado da exposição a um
conjunto de contingências providas por uma comunidade verbal. Por ser o
comportamento verbal um comportamento operante, aquelas contingências remetem às
condições antecedentes à resposta verbal, à resposta verbal em si e às consequências
produzidas pela resposta, as quais determinarão a probabilidade de ocorrência futura da
resposta sob as mesmas condições. No contexto desta abordagem, então, uma
comunidade verbal ensina a um indivíduo uma resposta verbal (ou, ensina-o a "expressar
um termo") provendo estímulos reforçadores quando a resposta ocorre na presença de um
dado estímulo discriminativo (ou, da "coisa" da qual o termo será tomado como
"referente"). Assim, um indivíduo aprende a dizer "livro" na presença de um livro, não
por ter apreendido um significado mental de "livro" (ou por ter construído uma imagem
mental de "livro"), mas porque esta resposta, na presença de um livro, tem uma história
de reforçamento provido por uma comunidade verbal. À objeção de que uma mesma
palavra é pronunciada em situações diversas (por exemplo, uma resposta "livro", pode
ocorrer em uma ocasião diferente daquela em que há a presença de um livro), Skinner
(1945) lembra que se trata de respostas com a mesma forma, mas que são diferentes, pois
"uma classe de resposta verbal não é definida apenas pela forma fonética, mas por suas
relações funcionais" (pp.271-272). Isto é, respostas foneticamente idênticas não
constituem necessariamente o mesmo operante, pois podem estar sob controle de
conjuntos diferenciados de contingências; o que define um operante verbal não é sua
forma fonética, mas a resposta e suas relações com as contingências de reforçamento.
A análise funcional do comportamento verbal vale, também, segundo
Skinner (1945), para o comportamento verbal do cientista, em especial do psicólogo.

Para ser consistente, o psicólogo deve lidar com suas próprias práticas verbais
desenvolvendo uma ciência empírica do comportamento verbal (...) Ele deve se voltar ...
para as contingências de reforçamento que explicam a relação funcional entre um termo,
como uma resposta verbal, e um dado estímulo. Esta é a 'base operacional' para seu uso
de termos ... (Skinner, 1945, p.277).
Neste sentido, as asserções científicas (ou que pretendem-se centíficas)
devem ser entendidas enquanto função de contingências de reforçamento providas por
uma comunidade verbal científica . O que pode diferenciar o comportamento verbal
científico do comportamento verbal do leigo é, entre outros, o fato de que a
funcionalidade do primeiro se expressa em termos do que propicia de previsão e controle
dos fenômenos dos quais se ocupa. Definir conceitos científicos, no entanto, tanto quanto
definir as respostas verbais de um leigo, é especificar as contingências de reforçamento
das quais são função.
A funcionalidade é, também, apresentada por Skinner (1945) como um
critério de verdade, que se distingue do que denomina de "critério de verdade por
consenso público", advogado por Boring e Stevens. Opondo-se ao representacionismo
verificacionista-consensualista do behaviorismo metodológico, Skinner aproxima-se de
um critério pragmatista de verdade. Afirma ele:

O critério último para a boa qualidade de um conceito não é se duas pessoas são levadas
à concordância, mas se o cientista que usa o conceito pode operar com sucesso sobre seu
material - sozinho se precisar. O que importa para o Robinson Crusoé não é se ele está
concordando consigo mesmo, mas se está chegando a algum lugar com seu controle sobre
a natureza (Skinner, 1945, p.293).
Tal como colocado por Skinner, o que importa para o behaviorismo
radical não é a precisão de descrições fisicalistas da topografia do comportamento (que
têm importância especial para o behaviorismo metodológico), mas a descoberta de leis
que expressem relações dinâmicas entre o comportamento dos organismos e mudanças
ambientais (cf. Skinner, 1938). Neste sentido, Skinner permitia-se, desde cedo, falar em
condições internas dos organismos; por exemplo, quando referia-se ao "drive" (cf.
Skinner, 1932a, 1932b; Sério, 1990). A proposição da funcionalidade como critério já
sugere, também, que o pensamento de Skinner está no âmbito da noção pragmatista de
conhecimento identificada pelo campo PA da matriz exposta no capítulo anterior
(enquanto o critério verificacionista do behaviorismo metodológico está claramente no
campo do representacionismo indicado por RA).
Já no artigo de 1945, Skinner rejeita, também, a dicotomia físico-mental,
sustentando que os eventos privados também são dotados de dimensões físicas. "A minha
dor de dente é simplesmente tão física quanto minha máquina de escrever" (Skinner,
1945, p.294). A única distinção válida, segundo Skinner, é aquela entre eventos públicos
e privados, e o problema que se coloca para a psicologia, neste terreno, é o de examinar
como (e os limites) a comunidade verbal pode vir a ensinar os indivíduos a emitirem
respostas verbais sob controle de seus eventos internos. Mas a psicologia pode (e deve),
segundo Skinner, dar conta da privacidade. Em um trecho final de seu artigo, Skinner
(1945) ironiza a posição do behaviorismo metodológico, afirmando:

... enquanto Boring deve confinar-se a uma explicação de meu comportamento externo,
eu ainda estou razoavelmente interessado no que poderia ser chamado de Boring-por-
dentro (p.294).
Este tema da privacidade parece particularmente importante para discutir a
concepção skinneriana de conhecimento, sobretudo considerando-se que se está
examinando uma abordagem psicológica. Ele será desenvolvido, contudo, em um
capítulo posterior (Capítulo 6), no qual se abordará não apenas a possibilidade de uma
ciência do comportamento lidar com a privacidade, mas, também, a concepção de "auto-
conhecimento" envolvida nas formulações de Skinner.
Retomando a noção de operacionismo enquanto simples proposição de
uma análise funcional para o comportamento verbal (inclusive científico) e a
funcionalidade como critério de verdade, dois problemas podem ser levantados com
respeito à possibilidade de interpretar as propostas de Skinner como pragmatistas ou
representacionistas:
1. Há, pelo menos, duas maneiras de se examinar os compromissos epistemológicos de
uma proposta de ciência do comportamento. A primeira simplesmente considera o que
um cientista comportamental reivindica acerca do valor da teoria com a qual trabalha (o
campo B da matriz exposta, que inclui PB e RB). A segunda refere-se ao que sua teoria
afirma sobre o próprio comportamento do cientista, ou sobre a natureza do conhecimento
científico (o campo A, que inclui PA e RA). Poder-se-ia supor que PA está sempre
associado a PB (isto é, que uma concepção funcional de conhecimento está sempre
associada a uma crítica à noção de discursos privilegiados), e esta é de fato uma
necessidade lógica, mas nem sempre é o que acontece. Claro que se esta relação não
existir, justifica-se considerar o conjunto teórico sob análise como ambíguo ou
contraditório. No capítulo seguinte se examinará como uma relação diferente se torna
possível; por ora pode-se já assinalar "PA não implicando PB" como uma possibilidade
histórica, porém contraditória. O que se procurará argumentar é que, do ponto de vista da
maneira como Skinner apresenta seu operacionismo em 1945, esta possibilidade de
contradição não pode, de fato, ser afastada. Em parte, isso se deve ao que pode ser
apontado como o segundo problema a ser levado em conta;
2. A interpretação convencional do operacionismo apresenta uma concepção de "acordo
intersubjetivo" capaz de levar à suposição de que quando este acordo existe a proposição
é "objetiva", e, quando não existe, a proposição é "relativa" ou "subjetiva". É importante,
entretanto, observar que "acordo intersubjetivo" está, aqui, sendo identificado com
"observação pública". Neste caso, convém diferenciar "acordo intersubjetivo" de
"determinação intersubjetiva". Esta última remete à idéia de que todo uso da linguagem
contém uma determinação social, a qual pode assumir a forma de um acordo, mas não
necessariamente baseado numa observação pública de um fenômeno (muito menos
baseado numa noção epistemológica particular de "o que é observação"). Quando se fala
de uma determinação lingüística de qualquer proposição (científica ou não), está-se
apontando para a dependência social da mesma, ou para sua determinação intersubjetiva,
uma afirmação que pertence ao campo do relativismo. De acordo com esta posição, é
apenas porque os cientistas partilham um sistema lingüístico, que eles podem vir a
concordar sobre algo. Por outro lado, a negação desta determinação, supondo-se que um
cientista pode chegar a leis científicas por si mesmo (como um agente independente),
pode ser tão representacionista quanto as teses do positivismo lógico.
É necessário esclarecer estes dois problemas, antes de prosseguir com a
análise do texto de Skinner. Quando se fala na possibilidade de uma contradição entre o
que uma teoria afirma acerca da natureza do conhecimento e o status reivindicado para
sua ciência pelo cientista que opera com esta teoria, está-se contextualizando a
contradição PA-RB citada no capítulo anterior em termos das proposições de uma
abordagem psicológica do problema do conhecimento. Ou seja, o que se está assinalando
é que a proposição de uma concepção pragmatista acerca da natureza do conhecimento
em termos de uma ênfase na funcionalidade deste pode ser interpretada como
incompatível com a atribuição de um status privilegiado para a ciência amparada nesta
concepção, ou para as asserções ou leis construídas no âmbito desta ciência. Isto é, a
relação PA-RB pode ser considerada contraditória, mesmo quando elaborada segundo os
termos de uma versão psicológica (ou behaviorista) de seus elementos.
Com respeito à distinção entre "acordo intersubjetivo" e "determinação
intersubjetiva" o que se procura assinalar é que o tema da "intersubjetividade" em suas
diferentes versões, de afirmação e de negação, pode servir tanto a posições
representacionistas quanto a argumentos pragmatistas. Isto quer dizer que embora a
afirmação da intersubjetividade apareça na versão representacionista do operacionismo
(na forma do critério de verdade por consenso público), ela pode, também aparecer na
forma de sustentação de uma concepção pragmatista de conhecimento (o campo PB da
matriz implica necessariamente a intersubjetividade, só que em termos da noção de
relativismo lingüístico e cultural). Por outro lado, a negação de qualquer dimensão
intersubjetiva a um discurso (científico ou não) só faz sentido no contexto de uma visão
representacionista de conhecimento e de linguagem. Isto significa dizer que, se, ao
rejeitar o critério verificacionista do behaviorismo metodológico, contestar-se, também,
qualquer dimensão intersubjetiva das asserções científicas, estar-se-á elaborando
simplesmente uma nova versão de objetividade (isto é, uma versão de RB que é apenas
diferente do verificacionismo fisicalista do behaviorismo metodológico). Neste sentido,
enquanto o conceito de funcionalidade auxilia na reflexão sobre a posição PA, o conceito
de intersubjetividade servirá a uma melhor compreensão dos elementos envolvidos no
campo PB. Através deste conceito (intersubjetividade), o que se coloca em evidência é o
caráter intersubjetivo e arbitrário dos critérios a partir dos quais os indivíduos vêm a
atribuir validade (e, mesmo, a construir) diferentes tipos de enunciados sobre o mundo
com o qual interagem. Dessa forma, um possível compromisso pragmatista de Skinner
deve ser analisado não apenas à luz do conceito de funcionalidade, mas, também, diante
do conceito de intersubjetividade.
A possibilidade de o operacionismo skinneriano mostrar-se simplesmente
uma nova versão do discurso representacionista no campo da disciplina psicológica em
termos do status reivindicado para as asserções elaboradas em seu âmbito, fica
evidentemente sugerida nas considerações acima. Mas o que se tentará argumentar, por
ora, é simplesmente que a noção de funcionalidade, tal como apresentada no artigo de
1945, não é em si suficiente para diferenciar o behaviorismo radical do caráter
representacionista do operacionismo lógico em termos da reivindicação de valor para a
ciência do comportamento; em outras palavras, ela só caracteriza uma posição com
respeito ao campo A da matriz. Isto ocorre porque a noção de funcionalidade não é
empregada para advogar que diferentes tipos de enunciados sobre o mundo orientam
diferentes formas de interação com o mesmo, mas para argumentar que há um tipo de
enunciado cuja dimensão funcional tem valor apriorísticamente superior, isto é, um valor
instrumental independente do assentimento intersubjetivo.
Considerando-se o problema da (in)compatibilidade entre o que Skinner
afirma sobre a funcionalidade como critério de verdade e o status do conhecimento que
pode ser construído no campo de uma ciência do comportamento, a possível contradição
sugerida acima pode ser colocada em termos da associação do critério de funcionalidade
à crença de que o conhecimento produzido no âmbito de uma ciência pautada por aquele
critério alcançará a condição de objetivo. E, de fato, o que se observa é que Skinner não
deixa de acatar o projeto behaviorista metodológico de construção de uma ciência
objetiva do comportamento humano. Ele caracteriza sua versão do operacionismo, menos
como um abandono da noção de objetividade, e mais como a via apropriada para a
realização daquele propósito. Esta é, pelo menos, uma interpretação possível de suas
colocações, como se verá a seguir.
No início de seu artigo, Skinner (1945) argumenta que a proposta
operacionista ainda não avançou suficientemente, na direção de uma superação das
teorias referenciais de significado. A relação entre a linguagem científica e as operações
executadas pelos cientistas teria sido apenas sugerida, mas não esclarecida em sua
natureza. Como exemplo, Skinner (1945) lembra que o conceito de definição "é um
termo chave, mas não é rigorosamente definido" (p.270). Isto é, o operacionismo sugere
como definir conceitos (recorrendo às operações executadas), mas não esclarece o que
vem a ser uma "definição". O que falta, segundo Skinner, é uma teoria consistente da
linguagem. Seu diagnóstico, entretanto, é colocado nos seguintes termos:

A fragilidade das atuais teorias da linguagem pode ser relacionada ao fato de que uma
concepção objetiva do comportamento humano ainda está incompleta (Skinner, 1945,
p.270, itálico acrescentado).
Uma ciência do comportamento objetiva, então, é o que Skinner entende
ser capaz de prover a superação dos impasses operacionistas e das dificuldades relativas
ao uso dos chamados "termos subjetivos", tema em cuja análise se detém naquele artigo.
Colocando este propósito em termos do problema da linguagem, Skinner espera com sua
análise funcional do comportamento verbal esclarecer os processos envolvidos na
aquisição e manutenção de repertórios verbais, em especial daqueles repertórios
assumidos como descritivos de eventos internos. O tema da privacidade, reconhece
Skinner, suscita inúmeros problemas, mas ele não vê

... nenhuma razão por que uma ciência objetiva e operacional não pode considerar os
processos através dos quais um vocabulário descritivo de uma dor de dente é adquirido e
mantido (Skinner, 1945, p.294, itálico acrescentado)3.
Como o problema da privacidade será tratado em outro capítulo, o que
interessa salientar, aqui, é a manutenção do tema da objetividade, isto é, a ênfase de
Skinner na idéia de ciência objetiva como via de superação dos problemas colocados
para a disciplina psicológica. A questão que persiste é a de examinar em que medida a
noção de objetividade a que Skinner se refere pode ser tomada como não-
representacionista, diferenciando-se da noção de objetividade amparada no requisito de
observação pública. O que vem a ser a ciência objetiva com a qual Skinner espera prover
a superação do mentalismo e do dualismo na psicologia?
Do ponto de vista dos temas tratados por Skinner em 1945, só se mostra
razoável falar em objetividade a partir da noção de funcionalidade da linguagem
científica, já que este é o critério apresentado como pertinente para a caracterização da
natureza do discurso científico. Isto é, se proposições científicas são proposições
simplesmente funcionais, que propiciam um determinado tipo de interação (efetiva) com
um conjunto de fenômenos, não se pode pensar, pelo menos em princípio, o discurso
científico como objetivo entendendo-se objetividade como representação exata do
fenômeno. Por outro lado, em que medida faz sentido falar em objetividade, quando se
trabalha com uma noção funcional de discurso científico?
No artigo de 1945, Skinner só emprega o termo "objetiva" (para
caracterizar sua proposta de ciência) nos dois trechos citados acima. De qualquer modo,
aquelas citações não parecem ser gratuitas e podem ganhar sentido quando relacionadas
com o segundo problema citado acima, o da intersubjetividade. A questão fundamental a
ser considerada com respeito a este problema é se a rejeição do critério de verdade por
consenso público, em favor de um critério funcional, preserva a atribuição de uma
dimensão intersubjetiva ao discurso científico (caso em que pode implicar um

3. A objetividade, tal como colocada por Skinner ao tratar do tema da privacidade, não é
mais um problema de observação pública (do privado em si), mas de compreensão dos
processos através dos quais certas respostas verbais são adquiridas, ainda que sejam
respostas supostamente descritivas de estados internos. A subjetividade pode, então, ser
incluída em sua ciência do comportamento, mas apenas enquanto investigação das
condições em que o indivíduo vem a falar de sua interioridade. Afirma Skinner (1945):
O único problema que uma ciência do comportamento pode
resolver em conexão com o subjetivismo é no campo verbal. Como
podemos explicar o comportamento de falar sobre eventos
mentais? (p.294, itálico acrescentado).
compromisso pragmatista ou representacionista) ou não (circunstância em que implicaria
apenas em nova versão do representacionismo).
Quando se fala em comportamento verbal como um comportamento cujas
consequências são necessariamente mediadas por outros indivíduos, ou quando se aponta
para o papel da comunidade verbal na instalação e manutenção de repertórios verbais,
está-se atribuindo, inevitavelmente, uma dimensão social a toda atividade lingüística,
inclusive a científica. Mas do ponto de vista do que se postula acerca da natureza do
discurso científico, a intersubjetividade só pode ser considerada reconhecida (pelo menos
numa perpectiva relativista) quando se admite que o discurso científico está limitado pelo
aparato ou conjunto de recursos lingüísticos de que uma comunidade científica dispõe e
faz uso. Neste caso, uma proposição científica não retrata um fenômeno ou aspectos de
um fenômeno (e não pode fazê-lo), muito menos de forma naturalmente superior a outros
empreendimentos de uma cultura; ela é simplesmente uma maneira particular,
determinada social e historicamente, de falar sobre o objeto da investigação.
A maneira como Skinner apresenta, em 1945, a funcionalidade enquanto
critério de verdade não enfatiza o caráter relativo do discurso científico. Ao contrário, a
funcionalidade é defendida enquanto critério por orientar a prática científica para a
apreensão de relações regulares entre comportamentos e eventos ambientais. É apenas
porque o fisicalismo topográfico se mostra dispensável para a apreensão daquelas
relações (leis) entre eventos que ele é considerado impróprio para a ciência skinneriana.
Por outro lado, ao considerar uma asserção científica como verdadeira quando ela atende
ao critério de funcionalidade, Skinner abdica de qualquer requisito de acordo
intersubjetivo. Isto é, a funcionalidade é apresentada como um critério que pode, de
alguma forma, prescindir do acordo entre interlocutores. Considere-se, a este respeito, a
seguinte afirmação de Skinner (1945):

A distinção público-privado enfatiza a filosofia árida da "verdade por acordo". O público,


na verdade, torna-se simplesmente aquilo acerca do que se pode concordar porque é
comum a dois ou mais concordantes. Esta não é uma parte essencial do operacionismo;
ao contrário, o operacionismo permite-nos dispensar esta solução tão insatisfatória do
problema da verdade (p.293).
Neste trecho, Skinner vem contestando o critério de verdade do
behaviorismo metodológico. Não é porque uma asserção remete a algo que não pode ser
publicamente observado que ela deixa de ser verdadeira, sugere Skinner. O "acordo
intersubjetivo", portanto, não serve como critério. Mas Skinner não descarta apenas o
"acordo intersubjetivo" entendido a partir do requisito de "observação pública". Ele
desqualifica como relevante para o discurso científico qualquer dimensão intersubjetiva.
É como se o critério de funcionalidade atendesse ao interesse instrumental da ciência de
forma independente dos próprios interlocutores na comunidade científica. A asserção
funcional é verdadeira, (ou válida) independentemente do que qualquer um pense a
respeito dela. Este aspecto fica mais evidente no trecho sobre funcionalidade citado
anteriormente, no qual Skinner dispensa a concordância e afirma que o critério de
validade de um conceito é "se o cientista que usa o conceito pode operar com sucesso
sobre seu material - sozinho se precisar" (Skinner, 1945, p. 293, itálico acrescentado).
Aqui Skinner sugere que o critério de validade (ou veracidade) de um conceito não é
determinado por qualquer instância intersubjetiva, mas por sua correspondência (em
termos manipulativos) com o fenômeno a que diz respeito. É neste sentido que se
apontou, no início deste capítulo, para a falta de diferenciação entre "acordo
intersubjetivo" e "determinação intersubjetiva". A maneira como o "acordo" é rejeitado
enquanto critério implica a rejeição de qualquer determinação intersubjetiva no processo
de (construção e) validação do discurso científico. Apesar de já trabalhar com uma
concepção funcional de linguagem, que poderia, à primeira vista, ser suficiente para
colocá-lo no campo do pensamento pragmatista contemporâneo, Skinner preserva
elementos representacionistas, que aparecem sob a forma de uma concepção do critério
de funcionalidade4 como simples dimensão do discurso científico que não está sujeito a
determinações históricas e sociais.
Pode-se argumentar que o próprio Skinner, no artigo de 1945, percebe a
possibilidade de sua análise funcional do comportamento verbal contrariar as
reivindicações de sua ciência do comportamento, mas se limita a apontar que tal
possibilidade também invalidaria as reivindicações da lógica (remetendo-se, neste caso,
ao operacionismo lógico do behaviorismo metodológico). Ao propor que o discurso
científico seja examinado à luz de sua análise, e não de preceitos lógicos (como era
próprio do behaviorismo metodológico), ele afirma:

O filósofo chamará a isso de circular. Ele argumentará que devemos adotar as regras da
lógica a fim de fazermos e interpretarmos os experimentos requeridos por uma ciência
empírica do comportamento verbal. Mas falar sobre falar não é mais circular do que
pensar sobre pensar ou saber sobre saber. Estejamos ou não nos levantando por nossos
próprios esforços, o fato simples é que nós podemos fazer progresso numa análise
científica do comportamento verbal. Eventualmente, seremos capazes de incluir, e talvez
entender, nosso próprio comportamento verbal como cientistas. Se resultar que nossa
visão final do comportamento verbal invalida nossa estrutura científica do ponto de vista
lógico e de valor de verdade, então tanto pior para a lógica, que também terá sido
embaraçada por nossa análise (Skinner, 1945, p.277).
A referência de Skinner a Robinson Crusoé é igualmente ilustrativa do
status atribuído ao discurso funcional. Em primeiro lugar, Skinner considera o fato de
que Crusoé vive isolado e só poderia concordar consigo mesmo. O problema da
concordância, entretanto, deveria ser precedido pela questão acerca de como alguém que
vive isolado pode chegar a alguma asserção sobre os fenômenos a sua volta. A resposta a
esta questão é sugerida na referência de Skinner à análise que Boring faz da possibilidade
de uma descrição operacional privada (que para ele, Boring, não teria valor científico).
Boring (1945) afirma:

Pode haver, é claro, definições operacionais privadas. Um homem surdo e mudo em uma
ilha inabitada poderia elaborá-las e utilizá-las. Seria ainda provável que elas tivessem a
forma de auto-comunicação, mas seus termos poderiam não ser sempre "fisicalistas"
(p.244).
A referência de Skinner a esta colocação de Boring é a seguinte:

4. Adiante, será observado que para dar este passo Skinner lança mão de uma noção
particular de funcionalidade.
Como Boring admite, o habitante solitário de uma ilha deserta poderia chegar a
definições operacionais (desde que tivesse sido previamente equipado com um repertório
verbal adequado), e eu não consigo ver por que estas não seriam fisicalistas (Skinner,
1945, p.293, itálico acrescentado).
Sem entrar no mérito do fisicalismo (a respeito do que a referência de
Skinner permite interpretações diferenciadas)5, importa assinalar que Skinner reconhece
que a possibilidade de um indivíduo isolado chegar a construir asserções sobre si ou
sobre o mundo depende da existência prévia de um repertório verbal e, como este é
adquirido e mantido por contingências providas por uma comunidade verbal, depende de
o isolamento ter sido precedido por uma interação com uma comunidade verbal. Neste
caso, suas asserções são inevitavelmente dependentes daquela interação; elas não podem
ser alcançadas pelo indivíduo isoladamente. E esta dependência social circunscreve,
também, os limites de suas asserções, as quais não poderão ser consideradas,
simplesmente, como funcionais. Quando Robinson Crusoé constrói uma asserção, então,
ele não está concordando consigo mesmo, e nem esta é a única possibilidade de
concordância existente. Para que ele chegue a construir uma asserção qualquer, é
necessário que tenha interagido com uma comunidade verbal e, neste caso, há, sim, uma
concordância: aquela ditada pela própria linguagem com a qual o indivíduo opera6. Há,
portanto, uma determinação intersubjetiva (social e histórica) de qualquer asserção
construída. Tal dimensão, entretanto, é desprezada por Skinner (1945) quando afirma que
o que importa para o Robinson Crusoé é "se ele está chegando a algum lugar com seu
controle sobre a natureza" (p.293).
Se é possível afirmar que Skinner não considera (ou, pelo menos, não
enfatiza) a determinação intersubjetiva do discurso tido por funcional, então a
funcionalidade pode de fato ser interpretada em termos de uma apreensão de dimensões
próprias do fenômeno sob estudo. Trata-se, aqui, de uma versão da noção de
funcionalidade certamente compatível com a noção de objetividade. As referências de
Skinner ao projeto de uma ciência objetiva não seriam, então, gratuitas. Parece mais
razoável, entretanto, considerar o problema a partir da hipótese de que há uma
contradição entre o que Skinner postula acerca do processo de construção do
conhecimento científico (como dependente de contingências verbais e não verbais de
uma comunidade científica) e da natureza atribuída a tal conhecimento (objetivo, etc.)7.

5. Isto é, a afirmação de que aquelas descrições são fisicalistas pode ser interpretada ou
como uma referência ao controle de estímulos no comportamento operante verbal, ou
como a aceitação de que o discurso científico só faz uso de termos aos quais
correspondem objetos fisicamente identificáveis no mundo.

6. A este respeito, vale recuperar uma afirmação de Wittgenstein sobre concordância.


Afirma ele:
É o que os seres humanos dizem que é verdadeiro e falso; e eles
concordam na linguagem que usam. Isto não é concordância de
opiniões, mas de formas de vida (Wittgenstein, 1953/1988, p.88).

7. Este parece não ser o único problema do texto de Skinner de 1945. Embora sem
colocar o problema da relação entre funcionalidade e intersubjetividade, outros autores já
destacaram a dificuldade em interpretar aquele artigo. Flanagan Jr. (1980) afirma que
A discussão da funcionalidade de forma dissociada do problema da intersubjetividade é
que pode ser tomada como propiciadora desta contradição. Por outro lado, é importante
compreender que, ao falar em funcionalidade, Skinner está mais preocupado em sinalizar
a pertinência de um determinado programa de pesquisa para sua ciência do
comportamento. Este aspecto fica mais evidente quando se retorna a alguns dos primeiros
textos de Skinner, onde, aliás, a influência do pensamento operacionista é mais
enfaticamente reconhecida8.

4.2. Operacionismo e o Programa de Pesquisas de Skinner.


No artigo publicado em 1931 (Skinner, 1931/1961a), Skinner apresenta,
pela primeira vez, a proposta de um programa de pesquisas para a psicologia enquanto
ciência do comportamento. O tema do artigo é o reflexo, a respeito do qual Skinner
produz uma análise histórica (do uso do conceito) e operacional (em termos da
explicitação das operações experimentais a que o conceito remete segundo sua proposta
de investigação). O reflexo, até então objeto de investigação sobretudo fisiológica, na
qual predominava a preocupação com processos sinápticos, converte-se em objeto de
estudo para uma ciência do comportamento na medida em que diz respeito ao
comportamento do organismo como um todo, sem as intervenções próprias da pesquisa
fisiológica. O que importa para a ciência do comportamento, então, não são alterações
físico-químicas do organismo, mas o reflexo enquanto descrição do comportamento do
organismo.
Duas questões são fundamentais para compreender-se a proposta de
Skinner neste trabalho: a) o que é o reflexo?; e b) o que é descrição do comportamento?
Um reflexo, segundo Skinner (1931/1961a) "é definido como uma
correlação observada de dois eventos, um estímulo e uma resposta" (p.337, itálico
acrescentado). Isto é, o conceito de reflexo envolve um evento do ambiente (um
estímulo) e um evento do organismo (uma resposta), mas apenas enquanto
correlacionados, e enquanto esta correlação puder ser ordenada e sistematicamente
observada. Tal conceito de reflexo está intrinsecamente articulado com os propósitos de
uma ciência descritiva do comportamento. Ele não pode ser entendido, portanto, sem uma
análise daquilo que vem a ser a descrição que caracterizará esta ciência. De um modo
geral, Skinner (1931/1961a) considera que descrição e explicação são "atividades

"este artigo é confuso" (p.5) e, adiante, que parece haver uma "inconsistência genuína no
artigo" (p.7). Smith (1989) fala em "obliquidade das observações críticas de Skinner"
(p.286) no mesmo trabalho. Vale acrescentar que a inconsistência a que Flanagan Jr.
(1980) se refere diz respeito à dificuldade em compatibilizar o que Skinner afirma ser o
operacionismo e a intenção skinneriana de falar da privacidade, mesmo que
inferencialmente. A superação desta dificuldade, (pelo próprio Skinner) está assentada,
segundo Flanagan Jr. (1980), na atribuição ao operacionismo de uma tese metafísica: a
tese de que o privado tem dimensões físicas.

8. Em um trabalho relativamente recente, Skinner (1984a) afirma que por ocasião do


Simpósio sobre Operacionismo (para o qual o artigo de 1945 foi elaborado) "havia
perdido o interesse pelo operacionismo dos anos 30" (p.572). A influência do livro de
Bridgman (1928), entretanto, é claramente reconhecida na introdução e no corpo de sua
primeira proposta para uma ciência do comportamento (Skinner, 1931/1961a).
essencialmente idênticas" (p.337). Dessa forma o problema da explicação do fenômeno
comportamental se reduz a sua descrição. Isto é possível porque a descrição envolve o
que tradicionalmente vinha sendo tratado pelo conceito de "causação", mas que pode
agora ser substituído pela noção de "função"; trata-se, então da descrição de uma relação
(funcional). Afirma Skinner (1931/1961a):

... podemos agora assumir o ponto de vista mais modesto de explicação e causação que
parece ter sido primeiramente sugerido por Mach e que agora é uma carcterística comum
do pensamento científico, segundo o qual, em uma palavra, a explicação é reduzida à
descrição e a noção de causação é substituída pela de função. A descrição completa de
um evento deve incluir uma descrição de sua relação funcional com eventos
antecedentes. Na descrição do comportamento, estamos interessados nas relações dentro
de uma série regressiva de eventos que se estendem do comportamento em si àquelas
mudanças de energia na periferia que designamos de estímulos (pp.337-338).
Observe-se que não se trata, para Skinner, de discutir qual a natureza
"última" do reflexo, mas de considerar o reflexo apenas nos limites de correlações
observáveis. Skinner (1931/1961a) chega a afirmar que o reflexo "é por definição uma
afirmação da necessidade desta relação [entre estímulo e resposta]" (p.338), mas
acrescenta em seguida:

A demonstração da necessidade é, em última instância, uma questão de observação:


observa-se que uma dada resposta se segue invariavelmente a um dado estímulo, ou
exceções a esta regra podem ser descritas independentemente9 (Skinner, 1931/1961a,
p.338).
A definição do reflexo se limita, assim, pelas operações experimentais
(vale dizer, pela atividade do cientista), perdendo sentido fora disso. E, no âmbito das
operações experimentais, nem mesmo os eventos "estímulo" e "resposta" são
considerados em sua possível totalidade. Para que o estudo das correlações se mostre
viável, é necessário deter-se naqueles aspectos que o tornam possível; é necessário,
portanto, submeter estes eventos a um processo de análise e falar em correlação de partes
do estímulo com partes da resposta. Esta análise é necessária, como diz Skinner
(1931/1961a) "para preservar uma maior facilidade (e, neste caso, a própria
possibilidade) da descrição" (p.338)10. O reflexo se resume, então, ao que pode ser (ou é

9. Neste sentido, o programa proposto por Skinner envolve dois conjuntos de


investigações. De um lado, as correlações básicas entre estímulo e resposta. De outro, as
variações possíveis naquelas correlações, decorrentes da ação de outras (terceiras)
variáveis na determinação do reflexo. Disso resulta a formulação de dois tipos de lei:
As primeiras são leis que descrevem correlações de estímulo e
resposta. Um reflexo, como o definimos, é ele mesmo uma lei, e
deste tipo (...) Em segundo lugar, há leis que descrevem mudanças
em qualquer aspecto destas relações primárias como funções de
terceiras variáveis, onde a terceira variável em qualquer caso dado
é uma condição do experimento (Skinner, 1931/1961a, p.344).

10. Esta necessidade é exemplificada com o conceito de reflexo de flexão:


... o que é o reflexo de flexão? Se tentarmos responder descrevendo
em detalhes um estímulo e uma resposta, encontramos dificuldades
atualmente) observado acerca de uma relação entre aspectos de um estímulo e aspectos
de uma resposta. Ele conduz, simplesmente, a um conjunto ordenado de operações
executadas pelo cientista e a aspectos observados de mudanças no comportamento do
organismo, produzidas por aquelas operações. Questões relativas à "essência" do reflexo
colocam-se além dos limites desta proposta de ciência. Skinner (1931/1961a) exemplifica
este tipo de questão nos seguintes termos:

O reflexo é um mecanismo unitário? O comportamento é a soma de tais mecanismos?


Então, se por reflexo quisermos dizer uma entidade hipotética que existe separada de
nossas observações mas da qual se assume que nossas observações se aproximam, as
questões são acadêmicas e não precisam nos deter; se, por outro lado, definirmos o
reflexo como uma dada correlação observada, ou como um tratamento estatístico de
correlações observadas, as questões não tem sentido, pois ignoram o processo de análise
implicado pela definição. Um reflexo ... não tem significado científico separado de sua
definição em termos de operações experimentais como examinamos e, assim definido, ele
não pode ser submetido a questões deste tipo (p.341, itálico acrescentado).
Se o reflexo se reduz a relações funcionais entre eventos observáveis, tal
como colocado por Skinner, as leis relativas ao comportamento são simplesmente
asserções que ditam um comportamento (as operações a serem executadas) ao cientista e
prevêem a consequência deste comportamento (a relação que pode ser produzida). Esta
posição pode ser considerada não apenas operacional, no sentido original do termo
(definição de conceitos em termos de operações executadas), mas também pragmatista no
sentido do pensamento dos pragmatistas do início deste século. Não aparece, aqui, a
noção de relativismo lingüístico e cultural, mas, também, ainda não se está diante da
sugestão de ausência de uma dimensão intersubjetiva no discurso científico. Trata-se
simplesmente de propor um programa de investigações empíricas que propiciem a
descoberta de leis que expressem relações funcionais entre eventos observáveis. É contra
esta proposta de programa de pesquisas que várias das reivindicações de Skinner
precisam ser contrastadas.
Em 1935, entretanto, Skinner sugere a necessidade de justificar os recortes
operados experimentalmente, indo além da argumentação acerca de seu caráter funcional.
Afirma Skinner (1935/1961b):

A análise do comportamento não é um ato de subdivisão arbitrária, e não podemos


definir os conceitos de estímulo e resposta de forma tão simples quanto como "partes do
comportamento e do ambiente", sem levar em conta as linhas naturais de fratura ao
longo das quais o comportamento e o ambiente de fato se fracionam (p.347, itálico
acrescentado).
A referência a "linhas naturais de fratura" sugere que as dimensões dos
eventos "estímulo" e "resposta" selecionadas pelo cientista por razões que dizem respeito
ao tipo de investigação e descrição desejadas não são, elas mesmas, dimensões

embaraçadoras. Descobrimos que o grau e direção exatas da flexão


podem variar com muitos fatores ... Mas nós não podemos
especificar estas condições incidentais na nossa descrição sem
destruir sua generalidade (Skinner, 1931/1961a, p.340).
selecionadas arbitrariamente. Elas seriam as dimensões "naturalmente" justificáveis para
aquela investigação. De outro modo, elas referem-se à natureza própria das relações
existentes entre ambiente e comportamento. É importante observar, entretanto, que
Skinner (1935/1961b) procura, ao longo do artigo, demonstrar o fundamento
experimental das "linhas de fratura" por ele assumidas como adequadas para a
investigação do reflexo. O estabelecimento das propriedades (dimensões) definidoras e
das propriedades não definidoras (de uma classe de estímulo e de uma classe de resposta)
está circunscrito ao projeto de elucidar relações ordenadas (entre estímulos e respostas)
que se abrigam sob o conceito de reflexo (agora definido não mais como uma correlação
observada entre um estímulo e uma resposta, mas em termos de correlações entre classes
de estímulos e classes de resposta - cf. Sério, 1990, p.145).
Ao apresentar o artigo de 1935 em seu Cumulative Record, Skinner
(1935/1961b) já indica o critério experimental de sua definição de reflexo. Afirma ele:

A especificação de estímulo e resposta tornou-se uma questão crucial. Este artigo ... foi
um esforço para resolvê-la, apelando para a regularidade das mudanças na força do
reflexo como um critério para a especificação das propriedades (Skinner, 1935/1961b,
p.347).
Também ao longo do texto, Skinner (1935/1961b) refere-se a uma regra,
segundo a qual "o termo genérico11 ["estímulo" ou "resposta"] só pode ser usado
quando sua realidade experimental tiver sido verificada" (p.364). Pode-se, então, admitir
que a referência de Skinner a "linhas naturais de fratura" não implica necessariamente
uma naturalização de seu objeto de estudo (o reflexo), embora possa assim ser
interpretada. A este respeito, vale observar que Skinner não volta a empregar aquela
expressão ("linhas naturais de fratura") em trabalhos posteriores.
As chamadas linhas de fratura (sejam elas entendidas como naturais ou
não) remetem, fundamentalmente, ao recorte necessário para a investigação projetada por
Skinner. Neste sentido, o problema se desloca para o programa de pesquisas indicado em
1931 e para o modelo de ciência alí contido. A recusa de Skinner em discutir, em 1931, a
possível correspondência entre seu emprego do conceito "reflexo" e uma "realidade
última" do reflexo já contém (ainda que de forma diferenciada) o mesmo apelo à
"realidade experimental", com o qual procura evitar o problema da correspondência entre
conhecimento e realidade. Mas o apelo a uma realidade experimental pode, também,
assumir a forma de negação do caráter arbitrário da atividade científica e, neste caso, a
noção de "linhas naturais" não seria gratuita. A avaliação de Sério (1990) a respeito da
proposta de Skinner em 1931 exemplifica esta possibilidade com clareza. Ao discutir a
análise proposta por Skinner, afirma ela:

... mesmo reconhecendo a existência da análise e, mais que isso, reconhecendo-a como
transformadora, como produtora de um fenômeno, descaracteriza-a como tal, já que a sua

11. "Genérico" refere-se à definição de "estímulo" e "resposta" em termos de classes de


eventos. Afirma Skinner (1979):
Por "estímulo" e "resposta" só podemos querer dizer classes de
eventos. Isto é o que eu queria dizer com sua "natureza genérica"
(p.146).
legitimidade e as características de seu produto são dadas não por ela, mas sim por
características do conhecimento científico, ou por uma dada maneira de conceber o
conhecimento científico (...) Em sua extensão ao comportamento total, o conceito de
reflexo, que até então tinha uma história e trazia as marcas dela, parece passar a ser
ahistórico: a história é utilizada para identificar o que de científico o conceito sempre
teve - o que era dado pelos dados - e atendo-se, ao defini-lo, só a estes traços, liberta-se o
conceito de sua história, dos compromissos que a marcaram, e ele passa, agora, a ser só
dado, científico, e imune a questões consideradas como não pertinentes à ciência (Sério,
1990, p.76).
Se a admissão do processo de análise pode ser associada à postulação de
que os conceitos daí derivados não têm um conteúdo histórico-social, então a expressão
"linhas naturais de fratura" está coerente com a proposta de um programa de pesquisa (tal
como aparece no artigo de 1931), pois indica uma justificação para o recorte efetuado
pelo cientista que transcende os propósitos daquele programa. Cabe indagar, então, como
isso é possível. Parece haver uma única resposta possível: a que salienta a maneira
particular de conceber o conhecimento científico a que a citação de Sério (1990) se
refere. Isto é, se os conceitos só tem uma realidade experimental, se dizem respeito
exclusivamente a operações particulares executadas pelo cientista, atendendo a objetivos
delimitados por seu projeto de investigação, só há uma maneira de elevar as leis
científicas à condição de discursos privilegiados, conferindo ao recorte executado uma
legitimidade apriorística: reconhecendo a realização do recorte, mas justificando o
próprio programa de investigações (e o método adotado) com recursos que se estendem
para além das contingências atualmente providas por uma comunidade verbal científica.
Neste caso a expressão "linhas naturais de fratura" faz sentido, não como naturalização
do objeto de estudo, mas enquanto legitimação apriorística da natureza do recorte
executado. Este tipo de legitimação aparece, de fato, na obra de Skinner, e será
examinado no capítulo seguinte.

4.3. Funcionalidade, Intersubjetividade e Ciência do Comportamento.


A análise apresentada até aqui sugere que nos artigos de 1931 e 1935 o
mesmo tipo de ambigüidade apontado no artigo de 1945 pode ser encontrada.
Dependendo dos trechos focalizados, pode-se argumentar a favor de uma interpretação
menos representacionista (no sentido de que o caráter intersubjetivo e arbitrário do
discurso científico não é claramente negado), ou mais representacionista das proposições
de Skinner. O que os artigos examinados propiciam é um recurso para buscar a
compreensão das diversas reivindicações de Skinner: seu projeto de investigação
empírica e experimental de relações funcionais entre aspectos observáveis do ambiente e
do comportamento. Enquanto este programa é apresentado como delimitado por seus
interesses e propósitos (circunstância em que seus preceitos não podem ser tomados
como demarcadores das condições de uma verdade "última" ou "privilegiada"), Skinner
aparece como um pragmatista, tanto no sentido de PA quanto no sentido de PB. Por outro
lado, quando os requisitos e preceitos deste programa convertem-se em critério para
atribuição de validade a um conhecimento, e quando os recortes efetuados pelo cientista
assumem uma legitimação apriorística, Skinner é claramente um representacionista no
sentido de RB.
Pode-se, agora, considerar novamente o problema da relação entre
funcionalidade e intersubjetividade. A noção de funcionalidade do conhecimento
caracteriza uma posição do tipo PA e a noção de intersubjetividade conduz ao campo de
PB e RB. O discurso funcional (PA) é admitido como dotado de uma dimensão
intersubjetiva (como implicando PB) quando reconhecida a arbitrariedade do recorte
efetuado pelo cientista (recorte este, pode-se acrescentar, que tem dimensões lingüísticas,
na medida em que é na linguagem que se encontram determinantes importantes da
atividade científica, o que pode ser formulado em termos do entendimento da atividade
científica enquanto função de contingências providas por uma comunidade verbal
científica). Neste caso, a intersubjetividade está contida no discurso científico (numa
perspectiva pragmatista). Por outro lado, quando o recorte operado pelo cientista é tido
como determinado pela natureza própria do fenômeno, ou por preceitos (científicos) que
ditam as condições necessárias e universais para a elaboração do conhecimento
(cientificamente) válido, a funcionalidade aparece associada à noção de objetividade
(RB). Neste caso, o funcional é o que, atendendo aos preceitos da ciência, apreende as
dimensões próprias do fenômeno (embora esta noção de apreensão não possa ser aqui
interpretada em termos de representação) ao dotar o cientista das condições para a
previsão e o controle dos fenômenos de que se ocupa. (É apenas nesta perspectiva que o
conceito de reflexo e, de resto, qualquer conceito científico, pode ser tido por ahistórico.)
A instrumentalidade tem, aqui, um sentido quase cartesiano. Ela é consequência
necessária do discurso válido; e o discurso é válido não apenas no sentido de ser
instrumental, mas também no sentido de atender aos requisitos ditados por uma disciplina
epistemológica, que garante o controle das condições pessoais, históricas e sociais do
cientista em proveito da apreensão das dimensões próprias de seu objeto de estudo.
Skinner, entretanto, provavelmente refutaria esta afirmação, argumentando que sua
posição é exatamente o oposto: o princípio de funcionalidade é que dita o modelo de
ciência. Todavia, quem elege a funcionalidade (enquanto previsão e controle, testáveis
experimentalmente) como critério? A circularidade é inevitável quando se segue esta
linha de raciocínio. Mas ela pode ser quebrada quando se examina a concepção de
conhecimento e de ciência subjacentes tanto à escolha do método, quanto à valorização
da funcionalidade. Isto é, método e critério de verdade não se determinam um ao outro
(em uma direção ou outra) ou mutuamente. Ambos são o resultado de uma maneira
particular de conceber o conhecimento humano e a natureza do empreendimento
científico.
Antes de prosseguir, convém elaborar resumidamente os pontos principais
já examinados:
1. A noção de funcionalidade permite colocar Skinner na tradição do pragmatismo de
Peirce, James e Dewey (em termos de PA). Deste ponto de vista não cabe indagação
adicional acerca do caráter pramatista do pensamento skinneriano (e os tópicos do
capítulo seguinte apenas confirmarão esta interpretação), o que significa, também, dizer
que Skinner não pode ser interpretado como representacionista a partir da noção de
conhecimento como "representação" (mental) de uma realidade (isto é, não se pode
atribuir a Skinner um representacionismo do tipo RA).
2. A noção de funcionalidade do conhecimento (PA), inclusive como apresentada nos
textos examinados, não implica necessariamente a atribuição de um relativismo
lingüístico (PB) - a que diz respeito o conceito de "intersubjetividade", às asserções
(científicas ou não). Ela pode, ao contrário, ser associada a princípios representacionistas,
em termos da reivindicação de status privilegiado para determinado tipo (por exemplo,
científico) de asserções (RB). Os textos examinados sugerem ser esta a posição de
Skinner.
3. Uma abordagem funcional para o problema da linguagem pode implicar a atribuição de
uma dimensão intersubjetiva (o reconhecimento de um relativismo lingüístico e cultural)
a todo discurso (científico ou não). No capítulo seguinte, observar-se-á que a análise
funcional do comportamento verbal proposta por Skinner contém esta possibilidade.
4. Pode-se considerar contraditório assumir uma concepção funcional de linguagem que
aponta para o caráter relativo das asserções científicas e reivindicar valor privilegiado
para o discurso científico. Esta contradição aparece nos textos examinados, quando
Skinner mantém a categoria de "objetividade" (1945) ou "não arbitrariedade" (1935) da
investigação científica, ao mesmo tempo em que propõe uma abordagem funcional para a
linguagem.
5. O que o behaviorismo skinneriano propõe é a realização de um programa de pesquisas
acerca das relações funcionais entre ambiente e comportamento. O método e o tipo de
explicação (descrição) buscada para os fenômenos de que se ocupa pretendem-se
objetivos com base em uma concepção particular de conhecimento e de ciência a serem
examinados em seguida.
6. O programa de pesquisas proposto por Skinner não é em si pragmatista ou
representacionista. Apenas a conversão dele (ou de seus preceitos) em critério para
atribuição de validade a um conhecimento é que pode ser classificado como tal. Quando
isto ocorre, é necessário compreender o programa e seu método para elucidar aquele
critério. E deste ponto de vista, ele envolve, fundamentalmente, um tipo de investigação
empírica e experimental.
Partindo-se destas considerações, um exame do behaviorismo skinneriano
impõe a necessidade de consideração dos seguintes problemas:
1) Como Skinner elabora a noção de conhecimento a partir do princípio de
funcionalidade? Esta questão aponta, não apenas para o problema da atribuição de valor
funcional às asserções científicas, mas para a necessidade de examinar o que vem a ser
"conhecer" e qual a relação entre conhecimento e "realidade".
2) Está a noção skinneriana de funcionalidade (que neste sentido é pragmatista) de fato
associada com um princípio representacionista? Esta possibilidade remeteria não à idéia
de conhecimento como representação de uma realidade última (a qual fica prejudicada
com a noção de funcionalidade), mas à manutenção do princípio de discursos
privilegiados (neste caso, o discurso científico). Caso esta associação exista, como torná-
la inteligível?
3) Caso o funcionalismo de Skinner esteja associado ao princípio representacionista de
discursos privilegiados, como compatibilizar esta associação com sua concepção de
linguagem (considerando-se que o princípio funcionalista se estende à consideração da
própria linguagem)? Se tal compatibilização não for possível, então a própria concepção
skinneriana de linguagem desautoriza as reivindicações de valor privilegiado para o
discurso derivado de uma ciência do comportamento.
O capítulo seguinte terá como objetivo elucidar estas questões. De um
modo geral, procurar-se-á argumentar que:
a) o funcionalismo skinneriano (PA) pode ser de fato associado a um princípio
representacionista, nos termos sugeridos acima (RB);
b) quando esta associação aparece nos textos de Skinner, ela pode se tornar inteligível à
luz do princípio de naturalização do problema do conhecimento; e
c) esta associação (PA-RB) não se mostra necessária no contexto de uma interpretação
behaviorista radical para o problema do conhecimento. Ao contrário, ela evidencia-se
como contraditória quando confrontada com uma concepção funcional de linguagem.

CAPÍTULO 5

A FUNCIONALIDADE COMO CRITÉRIO DE VERDADE II:

CONHECIMENTO, COMPORTAMENTO E LINGUAGEM

O problema do conhecimento humano fez parte das preocupações de


Skinner desde o momento em que decidiu se dedicar à disciplina psicológica. A própria
decisão de voltar-se para a psicologia (e em particular, para uma psicologia do
comportamento), foi influenciada, entre outros, pela leitura de um artigo do filósofo
Bertrand Russel (uma revisão do livro The Meaning of Meaning, de Ogden e Richards)
no qual o autor refere-se a Watson40. Sobre este episódio, Skinner (1979) relata em uma
autobiografia:

Eu fui convertido à posição behaviorista por Bertrand Russell. Naquela ótima revista, o
Dial, ... Bertrand Russell revisou The Meaning of Meaning, de C. K. Ogden e I. A.
Richards. Ele referia-se a Watson e suas teorias, e ao final dizia "Será observado que as
considerações acima são fortemente influenciadas pelo Dr. Watson, cujo livro mais
recente, Behaviorism, considero massivamente impressivo". Após ler a revisão, comprei
o Behaviorism [de Watson], e cerca de um ano depois, o livro Philosophy, de Russell
(p.10).
Skinner refere-se àqueles dois livros (de Russell e de Watson) e a um livro
de Pavlov sobre reflexos condicionados como as obras com as quais começou a formar
sua biblioteca de psicologia, pois aqueles eram "os livros que tinham ... me preparado
para uma carreira na psicologia" (Skinner, 1979, p.4). Em outro trecho de sua
autobiografia, Skinner (1979) relata uma conversa com outro filósofo, Alfred North

40. O interesse de Skinner pela psicologia, vale assinalar, não surgiu com a leitura do
artigo de Russell; ele era anterior a este episódio e foi em certa medida fortalecido por
seu fracasso na carreira literária (cf. Skinner, 1970).
Whitehead, durante seu tempo de estudante em Harvard. Nesta conversa, Skinner já
indicava a relação que via entre filosofia e psicologia.

Ele [Whitehead] me disse que um psicólogo jovem deveria ficar atento à filosofia e,
lembrando Bertrand Russel, eu disse a ele que era exatamente o contrário - precisávamos
de uma epistemologia psicológica (Skinner, 1979, p.29).
Apesar de seu interesse pelo problema do conhecimento (ou exatamente
por este interesse e pela maneira como pretendia abordar aquele problema), Skinner não
via com satisfação qualquer tipo de discussão filosófica. Sua primeira experiência nos
colóquios sobre temas filosóficos promovidos em Harvard é relatada nos seguintes
termos:

... a questão em discussão era se um perfeito infinito poderia criar um imperfeito finito.
Eu sabia o que Russell diria sobre aquilo e saí mais cedo e nunca voltei (Skinner, 1979,
p.29).
O que Russell diria provavelmente corresponde ao que Skinner entendia
ser a relação pertinente entre psicologia e epistemologia: uma explicação
comportamental para o problema do conhecimento e a desqualificação dos problemas
levantados no campo da filosofia metafísica - um projeto persistente na psicologia de
Skinner e que foi inspirado em Russell. Como assinala Smith (1989),

A aplicação de Russell da psicologia comportamental ao problema do conhecimento


propiciava um modelo que Skinner seguiu desde então. Os detalhes da explicação de
Russell foram rapidamente dali em diante rejeitados por Skinner, mas a noção geral de
desenvolver uma epistemologia empírica a partir de uma base behaviorista tem sido um
tema constante ao longo da carreira de Skinner (p.263).
Talvez o indicador mais significativo do interesse de Skinner pelo
problema do conhecimento seja o projeto de um livro a que Skinner se refere em 1932,
denominado de Sketch for an Epistemology e no qual ele já vinha trabalhando desde
período anterior (cf. Skinner, 1979, p.115). Ao falar deste e de outros projetos que havia
elaborado para os anos seguintes de sua carreira, Skinner (1979) assinala:

Behaviorismo e epistemologia estavam estreitamente relacionados. O behaviorismo era


uma teoria do conhecimento e conhecer e pensar eram formas de comportamento (p.115).
Do projeto original do Sketch, apenas o artigo de 1935 (Skinner,
1935/1961b) foi publicado (cf. Skinner, 1979, p.146). O projeto, entretanto, previa uma

... descrição da atividade da ciência inteiramente em termos do comportamento dos


cientistas ... Examinar algumas das proposições de Whitehead sobre o que a ciência fazia
e abordá-las em termos do comportamento não da Ciência, mas dos cientistas (Skinner,
1979, p.117).
Como Skinner pretendia desenvolver uma concepção de conhecimento
estritamente baseada em sua ciência do comportamento, o Sketch também já se referia à
distinção entre behaviorismo meramente metodológico e behaviorismo radical, que
Skinner apresenta apenas em 1945. A este respeito, o projeto previa uma crítica aos
termos e concepções mentalistas tradicionais sobre o homem e uma proposta de
...considerar termos subjetivos 'como construtos verbais, como armadilhas gramaticais
nas quais a raça humana caiu ao longo do desenvolvimento da linguagem'" (Skinner,
1979, p.117).
O tema da linguagem assume importância especial no contexto deste
projeto de uma epistemologia psicológica comportamental. Em uma das notas apostas ao
manuscrito do projeto, Skinner (1979) assinalava:

A linguagem, no sentido mais amplo, é pensamento. 'Nós entendemos um ao outro'


significa somente que usamos a linguagem da mesma maneira. Isto é tudo que é
verificável (p.117).
Uma das obras mais importantes de Skinner sobre o problema da
linguagem (se não a mais importante), seu livro Verbal Behavior, também revela o
quanto Skinner se preocupava, desde cedo, com o problema do conhecimento. O livro foi
publicado apenas em 1957, mas nele Skinner relata que uma primeira versão da Parte II,
na qual apresenta uma classificação das respostas verbais, havia sido concluída em 1934
(cf. Skinner, 1957, p.VII). É possível, inclusive, que o trabalho no Verbal Behavior tenha
sido iniciado bem antes do ano de 1934. E relacionando-o ou não ao projeto do Sketch, o
fato é que esta obra de Skinner tem importância fundamental para seu objetivo de prover
um tratamento behaviorista para o problema do conhecimento.
O que se examinará nos parágrafos seguintes são alguns dos aspectos mais
importantes da proposta skinneriana de abandono das concepções mentalistas e da
elaboração de uma abordagem comportamental para o problema do conhecimento,
abordagem esta que quando se refere à questão do conhecimento científico articula-se
fundamentalmente com uma concepção particular de linguagem, como asssinalado no
capítulo anterior. Deve-se salientar que, como indicado acima, o livro Sketch for an
Epistemology, projetado por Skinner, nunca foi publicado. Seu projeto de prover uma
explicação behaviorista para o problema do conhecimento, entretanto, realiza-se em
obras diversas. Dentre as obras consideradas mais importantes para a presente análise
destacam-se: Science and Human Behavior (Skinner, 1953/1965), Verbal Behavior
(Skinner, 1957), Contingencies of Reinforcement (Skinner, 1969) e About Behaviorism
(1974). Nas seções seguintes, procurar-se-á examinar como a proposta de Skinner
aparece naquelas (e eventualmente em outras) obras. Em seguida, após a exposição de
aspectos importantes do pensamento skinneriano, serão recuperados os problemas
enumerados no capítulo anterior e será rediscutida a possibilidade de interpretar o
pensamento skinneriano a partir da matriz proposta no Capítulo 3. Neste percurso, a
tentativa de conferir inteligibilidade à posição de Skinner levará a uma consideração da
filosofia de Mach e da relação existente entre as propostas deste autor e o behaviorismo
skinneriano.

5.1. Conhecimento como Comportamento e a Crítica à Teoria da Cópia.


Conhecer, para Skinner, é comportar-se discriminativamente diante de
estímulos; é agir, em uma situação particular, de forma tal que propicie um determinado
tipo de interação com o ambiente circundante. Isto significa eliminar qualquer referência
a "conteúdos" ou "processos" mentais na explicação do conhecimento. Um indivíduo,
segundo Skinner, não conhece algo no sentido de dispor de elementos mentais com
respeito ao que é conhecido, mas sim no sentido de ser capaz de interagir de forma eficaz
com o ambiente a sua volta. Falar de conhecimento, nesta perspectiva, é falar de
repertório comportamental, da probabilidade de um organismo comportar-se de uma dada
maneira em certas situações. É apenas neste sentido, também, que se pode falar na
"posse" de conhecimento; um indivíduo possui conhecimento acerca de algo se está
dotado de determinado repertório comportamental com respeito a uma dada situação.
Skinner (1974) ilustra esta idéia fazendo um paralelo com o repertório de um músico:

É frequentemente útil falar de um repertório de comportamento que, como o repertório


de um músico ou de um grupo de músicos, é o que uma pessoa ou grupo é capaz de fazer
dadas as circunstâncias certas. O conhecimento é possuído como um repertório
[comportamental] neste sentido. (p.138).
Se conhecimento é comportamento, então deve-se voltar para as variáveis
das quais o comportamento é função para dar-se conta do processo de aquisição do
conhecimento (o que tem implicações especiais para a atividade educacional - cf.
Skinner, 1968)2. Deve-se voltar, portanto, às contingências de reforçamento. O
conhecimento, enquanto comportamento, é função de contingências de reforçamento
dispostas no ambiente com o qual um organismo interage. Skinner exemplifica este
processo com a aprendizagem da nomeação de cores, a partir da qual se diz que uma
criança "conhece" as cores. Afirma ele:

Um organismo aprende a reagir discriminativamente ao mundo ao seu redor sob certas


contingências de reforçamento. Assim, uma criança aprende a nomear uma cor
corretamente quando uma dada resposta é reforçada na presença da cor e extinta na sua
ausência (Skinner, 1969, p.229).
O processo de aquisição de um conhecimento/repertório comportamental,
tal como exemplificado acima, ressalta outro aspecto da divergência de Skinner para com
os mentalistas: o que ocorre com o indivíduo quando ele aprende algo. Os mentalista
dirão que ele armazena o que foi aprendido. Mas se a aprendizagem se resume ao
condicionamento de respostas a partir da exposição a um determinado arranjo de
contingências de reforçamento, então o que poderia ser armazenado? As contingências de
reforçamento? As respostas? Skinner argumenta que não se trata de introduzir as
contingências no organismo, mas de alterá-lo. Isto é, o resultado da exposição de um
organismo a dado conjunto de contingências de reforçamento nada mais é do que a
mudança deste organismo, mudança em termos de probabilidade de resposta. Afirma
Skinner:

[Pensar] que alguma cópia das contingências é introduzida no organismo para ser usada
numa data posterior é um erro "cognitivo" fundamental. Os organismos não armazenam

2. A atividade de ensino, neste caso, deveria abandonar as concepções mentalistas sobre


conhecimento e voltar-se para o planejamento de contingências capazes de propiciar a
aquisição de repertórios comportamentais particulares. Diz Skinner (1968): "'Transmitir
conhecimento' é colocar o comportamento com uma dada topografia sob controle de
determinadas variáveis" (p.203).
as contingências filogenéticas e ontogenéticas às quais são expostos; eles são mudados
por elas (Skinner, 1984b, p.656, itálico acrescentado).

Um organismo é mudado quando exposto às contingências de reforçamento e sobrevive


como um organismo mudado. Ele responde de maneiras diferentes e sob diferentes
circunstâncias ... (Skinner, 1968, p.205).

Se alguma coisa é "armazenada", isso é o comportamento. Falamos da "aquisição" de


comportamento, mas de que forma ele é possuído? Onde está o comportamento quando
um organismo não está se comportando? ... Os fatos observados são suficientemente
simples: eu adquiri um repertório de comportamento, partes do qual eu manifesto em
ocasiões apropriadas. A metáfora do armazenamento e recuperação vai muito além
daqueles fatos (Skinner, 1977, p.7).

... dizer que uma resposta é emitida não implica [dizer] que ela estava dentro do
organismo. O comportamento só existe quando está sendo executado. Sua execução
requer um sistema fisiológico, incluindo efetores e receptores, nervos e um cérebro. O
sistema foi mudado quando o comportamento foi adquirido e é o sistema mudado que é
"possuído" (Skinner, 1974, p.137).
Skinner dedica grande parte de sua discussão acerca da natureza do
conhecimento à crítica do que intitula "teoria da cópia", a idéia de que aprender é
construir cópias do mundo e a suposição de que um organismo, quando aprende algo,
armazena as cópias do mundo em sua mente e as recupera a cada vez em que aquele
conhecimento é necessário. A crítica de Skinner a esta posição é bastante elaborada e
começa com a exposição do argumento dualista (refutado por Skinner) nos seguintes
termos:

Não conhecemos o mundo como ele é, mas apenas como parece ser. Não podemos
conhecer o mundo real porque ele está fora de nossos corpos, em grande parte à distância.
Só conhecemos cópias dele [que estão] dentro de nossos corpos (Skinner, 1969, p.247).
Uma das primeiras restrições de Skinner à teoria da cópia parte da
indagação do valor funcional de tais cópias. Isto é, admitindo-se que o organismo
construa cópias mentais do mundo a sua volta, mas considerando-se que conhecimento é
a capacidade de interagir de forma eficaz com uma dada situação, de que valeriam as
cópias? Skinner (1977) afirma:

Não há nenhuma evidência da construção mental de imagens para serem visualizadas ou


de mapas para serem seguidos. O corpo responde ao mundo no ponto [momento] de
contato; fazer cópias seria desperdício de tempo (p.6).
Suponha-se, agora, que mesmo sem evidência factual, e mesmo sem poder
atribuir um valor funcional às cópias mentais, se admitisse que os organismos constroem
estas cópias. Seriam elas suficientes para dar conta do problema do conhecimento?
Skinner (1977) indaga:
Um outro significado possível é que conhecer é o exato processo de construir cópias
mentais de coisas reais, mas se isto for o caso, como conhecemos as cópias? Será que
fazemos cópias delas? E esta regressão é infinita? (p.5).
O argumento mais interessante que Skinner levanta contra a teoria da
cópia parte do reconhecimento de que se trata de uma metáfora compreensível, já que é
comum os homens elaborarem cópias, sobretudo visuais, dos estímulos com os quais
entram em contato. Mas o organismo humano interage com o mundo não apenas a partir
de estímulos visuais. Ele interage, entre outros, com estímulos táteis, olfativos,
gustativos, e em todos os casos pode-se pensar na aquisição de respostas que também
seriam interpretadas em termos de "conhecimento". E como pensar na existência (na
produção e na armazenagem) de cópias mentais de odores, sabores e estímulos táteis? A
dificuldade em argumentar a favor da existência de cópias daquele tipo é uma evidência,
segundo Skinner, da fragilidade da teoria da cópia.

A teoria da percepção da cópia é mais convincente com respeito a estímulos visuais. Eles
são freqüentemente copiados em trabalhos de arte, assim como em sistemas óticos de
espelhos e lentes, e, por isso, não é difícil imaginar algum sistema plausível de
armazenamento. É muito menos convincente dizer que não ouvimos o som produzido por
uma orquestra, mas sim alguma reprodução interna ... O argumento é totalmente
inconvincente no campo do sabor e do odor, onde não é fácil imaginar-se cópias
distingüíveis da coisa real ... (Skinner, 1974, pp.80-81).

Sabores e odores seriam particularmente difíceis de serem copiados, mas podem ser
considerados como estímulos de contato e, portanto, suscetíveis de serem conhecidos sem
que se copie (Skinner, 1969, p.250).
Mesmo criticando a teoria da cópia, Skinner assinala que todo
conhecimento, enquanto comportamento, pode ser interpretado como pessoal, na medida
em se refere ao repertório comportamental de um indivíduo. Isso não significa,
entretanto, afirmar que o conhecimento se circunscreve ao que é próprio de cada
indivíduo, pois conhecimento é comportamento diante de um conjunto de contingências
de reforçamento, e estas não dizem respeito a nenhum indivíduo particular, mas ao
mundo que é partilhado por outros. Nas palavras de Skinner (1974):

O conhecimento é subjetivo no sentido trivial de ser o comportamento de um sujeito, mas


o ambiente, passado ou presente, que determina o comportamento está fora da pessoa
que se comporta (p.144, itálico acrescentado).
A idéia de que o conhecimento é adquirido a partir da interação com um
ambiente também diferencia Skinner dos empiristas britânicos, na medida em que não se
trata de uma relação passiva, de simples contato entre indivíduo e ambiente. Da parte do
indivíduo, observa-se que ele opera sobre o mundo e não apenas o contempla. E da parte
do ambiente, observa-se que ele seleciona ou modela os comportamentos do indivíduo a
partir das contingências de reforçamento nele dispostas. Skinner procura também
argumentar que não há distinção possível entre o mundo que dispõe contingências de
reforçamento com as quais os organismos interagem e um suposto mundo real diferente
daquele. Ele, de um lado, afirma que o problema do conhecimento se circunscreve às
contingências de reforçamento dispostas no mundo e ao comportamento humano diante
das mesmas. Afirma ele:

O mundo que estabelece contingências de reforçamento do tipo estudado em uma análise


operante é presumivelmente "aquilo de que trata o conhecimento". Uma pessoa vem a
conhecer aquele mundo e como comportar-se nele no sentido de que ela adquire
comportamento que satisfaz às contingências por ele mantidas (Skinner, 1969, p.156).
Em outro momento, Skinner afirma que aquele mundo é o mundo da
física. O contexto em que faz esta afirmação é o de uma discussão sobre respostas
diferentes diante de um mesmo conjunto de estímulos, e sugere que este é o único mundo
de que se poderia falar. Diz Skinner (1953/1965):

Um outro problema no controle de estímulos tem atraído mais atenção do que merece
devido a especulações metafísicas sobre o que "realmente existe" no mundo fora [do
organismo]. O que acontece quando um organismo responde "como se" um estímulo
tivesse outras propriedades? Tal comportamento parece indicar que o mundo
"perceptivo" - o mundo tal como o organismo o experiencia - é diferente do mundo real.
Mas a diferença é na verdade entre respostas, entre as respostas de dois organismos ou
entre as respostas de um organismo sob diferentes modos de estimulação de um único
estado de coisas (p.138).

Nós operamos em um mundo - o mundo da física. Os organismos são partes deste mundo
e reagem a ele de muitas maneiras. As respostas podem ser consistentes ou inconsistentes
umas com as outras, mas geralmente há pouca dificuldade para explicar cada caso
(p.139).
O problema se resume, para Skinner, na suposição de que o mundo que
existe é o mundo que dispõe contingências de reforçamento e conhecê-lo é operar com
eficácia diante do mesmo. Esta suposição tem implicações especiais, uma vez que sugere
a possibilidade de hierarquizar-se o conhecimento segundo a capacidade de propiciar
interação efetiva com as contingências de reforçamento dispostas em dada situação. Se a
ciência atinge esta condição, então ela tem, por sua natureza, valor superior para a
cultura. Este problema, no entanto, será examinado nas seções posteriores deste capítulo.
Antes disso, é necessário retornar ao que Skinner postula acerca da natureza do
conhecimento humano, a fim de considerar outros aspectos de sua análise. Já se observou
que Skinner trata do conhecimento enquanto comportamento, mas há outro tipo de
conhecimento, além daquele adquirido através da exposição às contingências de
reforçamento: o comportamento sob controle de regras que descrevem as contingências
dispostas em uma dada situação. Neste caso, "nosso conhecimento é ação, ou pelo menos
regras para a ação" (Skinner, 1974, p.139). Vale, aqui, a distinção que Skinner estabelece
entre comportamento modelado por exposição às contingências e comportamento
governado por regras.
A distinção regras-contingências não implica a admissão de processos
diferentes no controle do comportamento humano, mas simplesmente o fato de que, em
certas situações, os indivíuos agem sob controle não das contingências originais da
situação, mas de regras que explicitam as contingências em vigor. Também este caso
sugere a necessidade de se olhar para o comportamento buscando identificar as variáveis
das quais é função. Respostas com uma mesma topografia (e até que produzam as
mesmas consequências) podem ser diferentes com respeito às variáveis das quais são
função e constituem, portanto, operantes diferentes. Por outro lado, o conhecimento
adquirido através da exposição às contingências não implica necessariamente a
capacidade de descrever, na forma de uma regra, as próprias contingências. Além disso,
diz Skinner (1974):

O conhecimento que permite a uma pessoa descrever as contingências é bastante


diferente do conhecimento identificado com o comportamento modelado pelas
contingências. Nenhuma forma implica a outra (p.139).
É no contexto da noção de comportamento governado por regras que
Skinner aborda o problema do conhecimento científico. Uma asserção científica é uma
descrição de contingências de reforçamento dispostas em dada situação, e expressa
conhecimento no sentido de que um indivíduo que age sob controle dela comporta-se
eficazmente naquela situação - mesmo que nunca tenha sido exposto às contingências
nela existentes. Afirma Skinner (1974):

A questão central do conhecimento científico não é "O que é conhecido pelos


cientistas?", mas "O que significa conhecer?". Os fatos e as leis da ciência são descrições
do mundo - isto é, das contingências de reforçamento prevalecentes. Elas tornam possível
a uma pessoa agir com maior sucesso do que poderia aprender a fazer ao longo de um
curto período de vida ou jamais através da exposição direta a muitos tipos de
contingências (p.144).
A abordagem do problema do conhecimento a partir da noção de
comportamento governado por regras aponta para outro aspecto importante do
behaviorismo skinneriano: sua concepção de linguagem. Se as asserções científicas são
regras que controlam o comportamento de determinada maneira em determinadas
situações, então elas não "representam" uma realidade, elas são simplesmente estímulos
(verbais) construídos pelos cientistas a partir da interação com contingências de
reforçamento (verbais, providas por uma comunidade verbal; e não-verbais, própias da
situação estudada), e cujo valor reside na capacidade de prover uma interação efetiva
com um conjunto de fenômenos. As asserções científicas "expressam" conhecimento,
então, apenas no sentido do comportamento que propiciam. Esta posição fica mais clara a
partir de uma consideração da concepção de linguagem de Skinner.

5.2. Linguagem e Conhecimento.


Skinner inicia seu Verbal Behavior afirmando que "os homens agem sobre
o mundo e o transformam; e são mudados, por seu turno, pelas consequências de suas
ações" (Skinner, 1957, p.1). Esta passagem já sugere em que termos o problema da
linguagem humana será tratado: enquanto forma de ação no mundo. Tal como
Wittgenstein, Skinner opõe-se a qualquer tentativa de abordar o problema da linguagem
enquanto sistema de representação do mundo, operado por elementos mentais. Para evitar
estes e outros "equívocos" das abordagens cognitivas, ele prefere, inclusive, falar em
comportamento verbal, e não em linguagem. O termo linguagem é preterido, entre outros
motivos, por não enfatizar a ação de indivíduos particulares, e por sugerir a idéia de
"posse" de algo. Afirma Skinner:

[O termo] "linguagem" ... passou a referir-se às práticas de uma comunidade lingüística,


em vez de referir-se ao comportamento de qualquer membro em particular (Skinner,
1957, p.2).

A linguagem tem o caráter de uma coisa, algo que uma pessoa adquire e possui. Os
psicólogos falam da aquisição da linguagem pela criança. Diz-se que as palavras e
sentenças das quais uma linguagem é composta são ferramentas utilizadas para expressar
significados, pensamentos, idéias, proposições, emoções, necessidades, desejos e muitas
outras coisas dentro ou sobre a mente do falante. Um ponto de vista muito mais produtivo
é o de que o comportamento verbal é comportamento (Skinner, 1974, p.88)41.
O comportamento verbal é abordado por Skinner em termos de respostas
operantes, e, como tal, respostas que são função de contingências de reforçamento. O que
diferencia o comportamento verbal do não verbal é fundamentalmente o fato de que o
primeiro não opera diretamente sobre o ambiente, mas apenas indiretamente. Isto é, uma
resposta verbal opera primariamente sobre outro membro da comunidade verbal e apenas
a partir desta mediação sobre o ambiente em si. Nesta perspectiva, a linguagem (ou
comportamento verbal) refere-se a um modo de ação no mundo só possibilitado pela
mediação de outras pesssoas. Skinner (1957) exemplifica esta idéia afirmando:

Muitas vezes, ... um homem age apenas indiretamente sobre o ambiente do qual emergem
as consequências últimas de seu comportamento. Seu primeiro efeito é sobre outros
homens. Em vez de ir a uma fonte de água, um homem com sede pode simplesmente
"pedir um copo com água" - isto é, ele pode se engajar em um comportamento que
produz um certo padrão de sons que por seu turno induzem alguém a trazer-lhe um copo
com água. Os sons em si podem facilmente ser descritos em termos físicos; mas o copo
com água chega ao falante apenas como resultado de uma série complexa de eventos que
incluem o comportamento de um ouvinte (p.1, itálico acrescentado).
Três aspectos importantes (e interdependentes) da noção skinneriana de
comportamento verbal serão destacados no contexto da presente análise. Primeiro, a idéia
citada acima de comportamento verbal como forma de ação. Segundo, o verbal enquanto
estímulo sob controle do qual um indivíduo se comporta. E terceiro, as práticas da

41. A crítica à idéia de palavras e sentenças como ferramentas que são usadas pelo
homem sugere uma diferença da análise de Skinner em relação à concepção
wittgensteiniana de linguagem. Para Skinner, deve-se ter o cuidado de distinguir o
comportamento verbal de seus registros. O comportamento verbal em si existe enquanto
está ocorrendo, e sua ocorrência não é uma forma de manipulação de algo (sentenças,
palavras, significados ou referentes) que existe de forma independente do falante. Falar
de palavras como ferramentas implica, na visão de Skinner, assumir a linguagem como
algo relativo à manipulação mental de elementos, e de forma tal que independe da ação
dos indivíduos. Significa, portanto, cair nas armadilhas do cognitivismo (cf. Skinner,
1957, Cap. 1). A posição de Wittgenstein, entretanto, mesmo lançando mão da idéia de
linguagem como ferramenta, não implica a adoção do princípio cognitivista de
manipulação mental de significados.
comunidade verbal e seu status42. O primeiro aspecto permite reafirmar a crítica de
Skinner às psicologias cognitivistas. O segundo, permite abordar a noção de "regra", que
é importante para a discussão (posterior) acerca do conhecimento científico. E o terceiro,
permite indicar alguns limites da proposta de análise de Skinner.
Ao considerar a linguagem enquanto comportamento, Skinner novamente
se opõe às psicologias mentalistas e cognitivistas. Esta oposição fica evidenciada a partir
da crítica de Skinner à idéia de significado. Enquanto comportamento, uma resposta
verbal é função de contingências de reforçamento dispostas por uma comunidade verbal.
Aprender uma resposta verbal é tornar-se capaz de emitir esta resposta sob controle
daquelas contingências, e não elaborar correspondentes mentais para as palavras. De
outro lado, emitir uma resposta verbal é operar sobre o ambiente (um ambiente, neste
caso, que inclui o "ouvinte", que pode, inclusive, ser o próprio falante, no caso de
determinados tipos de operantes verbais), e não "expressar" ou "transmitir" conteúdos de
natureza mental. No contexo deste tipo de análise só seria possível falar de "significado"
de respostas verbais se com isso se pretendesse indicar as variáveis das quais aquelas
respostas são função. Isto é, o significado nada mais seria do que o conjunto de
contingências de reforçameto responsáveis pela aquisição e manutenção das respostas
verbais. Skinner indica, assim, a possibilidade de uma interpretação comportamental para
o conceito de significado. Diz ele:

Tecnicamente, os significados devem ser encontrados entre as variáveis independentes


em uma explicação funcional, e não como propriedades da variável dependente. Quando
alguém diz que pode ver o significado de uma resposta, quer dizer que pode inferir
algumas das variáveis das quais a resposta usualmente é função. A questão é
particularmente importante no campo do comportamento verbal, onde o conceito de
significado desfruta de prestígio especial (Skinner, 1957, p.14)43.

Uma resposta verbal "significa" algo no sentido de que o falante está sob controle de
circunstâncias particulares ... (Skinner, 1977, p.8).
Recorde-se, agora, o que Skinner entendia ser o operacionismo: uma
proposta de definição dos significados dos conceitos científicos, mas se por isso se
entendesse a especificação das condições diante das quais aqueles conceitos, enquanto
respostas verbais, são empregados. No artigo de 1945, esta noção de significado já é
apresentada com respeito ao conceito de "comprimento", um conceito do qual Bridgman
(1928) lança mão ao apresentar seu operacionismo. Argumenta Skinner (1945):

42. Estes problemas delimitam o escopo desta exposição sobre o tratamento skinneriano
do problema da linguagem. Deve-se salientar, no entanto, que a análise de Skinner no
Verbal Behavior (Skinner, 1957), em particular sua exposição sobre os diferentes tipos de
operantes verbais, é extremamente sofisticada e evidencia a complexidade dos princípios
aqui considerados.

43. Observe-se que esta proposta de Skinner vale para a determinação do


significado tanto de respostas verbais, como de respostas não verbais.
Os significados, conteúdos e referências devem ser encontrados entre os determinantes da
resposta [verbal], não entre suas propriedades. A questão "O que é comprimento?"
pareceria estar satisfatoriamente respondida ao listar-se as circunstâncias diante das quais
a resposta "comprimento" é emitida (ou melhor, ao fornecer-se alguma descrição geral
destas circunstâncias) (p.271).
A interpretação alternativa para o problema do significado elimina
qualquer possibilidade de considerá-lo em termos de referência. Skinner cita, então, um
dos argumentos usados em defesa das teorias referenciais e responde a este argumento
reafirmando sua posição. O argumento é o de que os dicionários comprovam que há
coisas ou elementos que "correspondem" às palavras, por isso os indivíduos os consultam
- para conhecer os referentes das palavras. Em resposta, Skinner (1957) assinala que "...
os dicionários não fornecem significados; no máximo, fornecem palavras que têm o
mesmo significado" (p.9). Ou seja, admitindo-se como válida a interpretação que Skinner
oferece para o conceito de significado, deve-se reconhecer que os dicionários não
fornecem os significados das palavras, na medida em que não especificam as condições
responsáveis por seu "uso", pela emissão de respostas verbais das quais aquelas palavras
são registro; eles simplesmente citam outras respostas (foneticamente diferentes) que são
emitidas sob controle de contingências iguais ou similares. Ainda no campo dos supostos
cognitivistas, Skinner contesta também a idéia de que a linguagem é um sistema operado
mentalmente segundo regras aprendidas e ditadas por uma "gramática". Para ele, a
gramática não estabelece antecipadamente as regras para os usos das palavras, ela
simplesmente descreve práticas, ou contingências de reforçamento, comuns a uma
comunidade verbal; ela é posterior, portanto, ao uso efetivo das palavras. Afirma Skinner
(1977):

Até o tempo dos gregos, ninguém parece ter sabido que havia regras de gramática,
embora as pessoas falassem gramaticalmente no sentido de que se comportavam
eficazmente sob contingências mantidas por comunidades verbais, assim como as
crianças atualmente aprendem a falar sem que lhes sejam dadas regras para serem
seguidas (p.8).
Mesmo mostrando ser possível uma interpretação coerente com sua
posição para conceitos tradicionalmente pertencentes ao campo do pensamento
cognitivista, Skinner não considera ser o caso de preservar tais conceitos sob nova
roupagem. O mais apropriado seria abandoná-los, em favor de um aparato conceitual que
se mostre delimitado pela alternativa de abordar funcionalmente o problema do
comportamento verbal. Nesta sentido, Skinner (1957) assinala:

Nós poderíamos, sem dúvida, definir idéias, significados e assim por diante, de forma que
se tornassem cientificamente aceitáveis e até úteis para a descrição do comportamento
verbal. Mas este esforço para manter termos tradicionais teria um custo alto. É a
formulação geral que está errada. Nós procuramos "causas" do comportamento que
tenham um status científico aceitável e que, com alguma sorte, serão sucestíveis de
mensuração e de manipulação. Dizer que estas ["causas"] são "tudo que se quer dizer"
com idéias e significados é deturpar a prática tradicional. Devemos encontrar as relações
funcionais que governam o comportamento verbal a ser explicado; chamar estas relações
de "expressão" ou "comunicação" é correr o perigo de introduzir propriedades e eventos
alheios e enganadores. A única solução é rejeitar a formulação tradicional de
comportamento verbal em termos de significado (p.10)44.
Se uma análie funcional do comportamento verbal desautoriza qualquer
interpretação da linguagem em termos de representação do mundo, como abordar a
relação entre as respostas verbais que os indivíduos emitem e o mundo (ou o ambiente
não social) a sua volta? Em que sentido respostas verbais podem ser interpretadas como
reveladoras de conhecimento de algo? A resposta de Skinner vai na mesma direção de
sua noção de conhecimento em geral:

Os falantes não introduzem o mundo [em si] e o colocam em palavras; eles respondem a
ele em maneiras que foram modeladas e mantidas por contingências de reforçamento
especiais (Skinner, 1988/1989a, p.35).
Tal como no caso de respostas não verbais, o comportamento verbal pode
expressar conhecimento simplesmente no sentido de que respostas verbais particulares
ocorrem em situações particulares promovendo determinada interação do indivíduo com
o ambiente circundante. Disso resulta que, também no campo verbal, não se possui um
conhecimento enquanto algo armazenado. O conhecimento a que a noção de
comportamento verbal diz respeito é possuído apenas no sentido de haver um repertório
verbal, uma probabilidade de ocorrência de respostas verbais particulares em
circunstâncias particulares. Ele não existe, portanto, enquanto algo guardado, seja na
mente, seja em qualquer outro local. Acerca deste problema, Skinner assinala (1957):

Observamos que um falante possui um repertório verbal no sentido de que respostas de


várias formas aparecem em seu comportamento de tempo em tempo em relação a
condições identificáveis. Um repertório, como uma coleção de operantes verbais,
descreve o comportamento potencial do falante. Perguntar onde um operante verbal está
quando uma resposta não está no curso de ser emitida é como perguntar onde está o
reflexo patelar de alguém quando o médico não está batendo levemente no tendão patelar
(p.21).
A citação acima refere-se ao problema do conhecimento sob o ponto de
vista das respostas verbais emitidas por um indivíduo. Mas uma interpretação semelhante
da relação entre linguagem e conhecimento é fornecida por Skinner ao considerar o
verbal enquanto estímulo. Neste terreno, a questão relevante pode ser colocada nos
seguintes termos: em que medida um indivíduo vem a conhecer algo quando colocado
diante de estímulos verbais? Por exemplo, em que medida um indivíduo vem a conhecer
um país quando lê um livro sobre o mesmo? A resposta de Skinner mantém a coerência
de sua crítica aos cognitivistas e da defesa de uma abordagem comportamental para o
problema. No exemplo acima, o indivíduo vem a conhecer o país simplesmente no
sentido de que passa a se comportar de maneira particular com relação ao país, após a
leitura do livro. Esta interpretação só se torna possível quando o estímulo verbal deixa de

44. Note-se que este argumento de Skinner para rejeitar as noções de significado, idéia e
termos correlatos exemplifica a delimitação conceitual de sua ciência ao que atende ao
propósito de buscar relações funcionais entre eventos. Apenas o que conduz àquelas
relações tem "um status científico aceitável" e instrumentaliza para a "mensuração" e
"manipulação".
ser considerado enquanto um "signo" destinado à veiculação de significados mentais.
Para Skinner (1977) "... um estímulo verbal "significa" algo no sentido de que o ouvinte
responde a ele de maneiras particulares (p.8).
Isto é, para Skinner, um estímulo verbal não "expressa", "transmite", ou
"veicula", "informações", "idéias", "pensamentos" ou "significados". Ele é simplesmente
um estímulo diante do qual, em virtude de uma história de reforçamento provida por uma
comunidade verbal, o indivíduo se comporta de maneira particular. Quer dizer, também
no campo do verbal enquanto estímulo, falar de conhecimento é falar de comportamento.
Por outro lado, é falar de um comportamento tornado possível diante daquele estímulo
verbal a partir de uma exposição prévia às práticas de uma comunidade verbal. Em
outras palavras, como diz Skinner (1988/1989a):

Os ouvintes não extraem informações ou conhecimento das palavras e compõem cópias


do mundo de segunda mão; eles respondem a estímulos verbais em maneiras que foram
modeladas e mantidas por outras contingências de reforçamento (p.35).
As maneiras como o indivíduo se comporta diante de estímulos verbais
são referidas por Skinner (1957) nos seguintes termos:

... por um lado, evocam respostas de glândulas e músculos lisos, mediadas pelo sistema
nervoso autônomo, especialmente respostas emocionais [por exemplo, salivar ao ouvir
"torta de maçã"]. Estes casos exemplificam os clássicos reflexos condicionados. Por
outro lado, os estímulos verbais controlam grande parte do complexo comportamento do
esqueleto, com o qual o indivíduo opera sobre seu ambiente ... Em nenhum caso, o
estímulo verbal difere em nenhum particular de outras formas de estimulação. O
comportamento de um homem como ouvinte não deve ser diferenciado de outras formas
de seu comportamento (p.34).
Algumas considerações devem ser feitas com respeito a esta citação. Em
primeiro lugar, deve-se atentar para o fato de que as respostas reflexas a que Skinner se
refere são respostas condicionadas. Tal condicionamento surge a partir de uma exposição
a contingências de reforçamento dispostas por uma comunidade verbal e a expressão
"torta de maçã", introduzida como exemplo na citação, não guarda nenhuma relação
formal com qualquer estímulo capaz de eliciar, por si mesmo, a resposta de salivação. É
apenas por força daquele condicionamento (das práticas da comunidade verbal) que o
estímulo verbal assume a condição de eliciador da resposta reflexa. Outra consideração
diz respeito à constatação de que Skinner considera que grande parte do comportamento
("do esqueleto") humano que caracteriza sua operação sobre o ambiente a sua volta (isto
é, grande parte do comportamento operante) está sob controle de estímulos verbais. Isto,
no entanto, não parece constituir problema adicional, em razão de que, segundo Skinner,
nenhuma diferença significativa deve ser buscada entre o comportamento sob controle de
estímulos verbais e o comportamento sob controle de estímulos não verbais, o que
significa dizer que o estímulo verbal não tem nenhuma condição diferenciada com
respeito ao controle do comportamento humano. Por isso é possível falar do
conhecimento a que a noção de comportamento sob controle de estímulos verbais diz
respeito nos mesmos termos (ou, referindo-se ao mesmo processo) em que se fala de um
conhecimento que diz respeito ao comportamento sob controle de estímulos não
verbais45.
Se nenhuma diferença significativa do ponto de vista do controle do
comportamento humano deve ser assinalada entre estímulos verbais e estímulos não
verbais, então os estímulos verbais nada mais são do que elementos de uma relação
(funcional, de tríplice contingência), que por força das práticas de uma comunidade
verbal assumem a condição de estímulos discriminativos naquela relação, e cujo valor
reside no que propicia de interação do indivíduo com o ambiente a sua volta.
Considerando-se a noção de comportamento governado por regra neste contexto, será
possível interpretar uma regra simplesmente como um estímulo verbal que assume a
função de estímulo discriminativo por força das práticas de uma comunidade verbal, e
numa relação que propicia a interação do indivíduo com partes de seu ambiente sem que
seja necessário sua exposição prévia às contingências originais da situação. Nesta
perspectiva, uma regra não contém nenhuma relação formal com o "mundo que dispõe
contingências de reforçamento"; em outras palavras, ela não o representa. É certo que
Skinner fala de regras como estímulos especificadores de contingências (Skinner, 1969,
Cap. 6) e como estímulos que descrevem contingências (Skinner, 1974, Cap. 8), e estes
termos, tomados fora do contexto maior de seu pensamento, podem ser interpretados
como indicando uma relação de representação entre regra e realidade. A correspondência
sugerida por estes termos, no entanto, está limitada pela noção de controle de estímulos;
uma regra corresponde a uma dada situação apenas no sentido de que compreende
respostas verbais adquiridas e mantidas por contingências de reforçamento que envolvem
estímulos particulares característicos daquela situação, assim como a resposta "livro"
corresponde ao objeto livro apenas no sentido de que é adquirida e mantida
contingentemente à presença de estímulos relacionados ao objeto livro. Esta maneira de
abordar o problema evita que se caia numa teoria referencial do significado, isto é, que se
transite para uma concepção de linguagem enquanto sistema de representação. Ainda
com respeito à noção de controle de estímulos no caso de respostas verbais, é importante
insistir no papel desempenhado pela comunidade verbal. Como diz Skinner (1974),

um referente poderia ser definido como aquele aspecto do ambiente que exerce controle
sobre a resposta da qual se diz que ele é um referente. Ele exerce este controle devido às
práticas reforçadoras de uma comunidade verbal (p.92, itálico acrescentado).
Como as práticas reforçadoras de uma comunidade verbal é que são
responsáveis pelas relações que se estabelecem entre estímulos ambientais e respostas
verbais, é neste terreno que se pode discutir a natureza da relação entre linguagem e
realidade. De certa forma, o que se precisa indagar é se as práticas de uma comunidade
verbal são arbitrárias e atendem a interesses histórico-culturais, ou se são
determinadas, de algum modo, pela própria natureza do processo humano de interação

45. As diferenças que persistem são aquelas assinaladas pela distinção entre
comportamento modelado por contingências e comportamento governado por regras. Os
vários aspectos em que estas duas instâncias se diferenciam, entretanto, não caracterizam
princípios diversos acerca das relações de controle do comportamento humano, mas a
maneira particular como aquelas relações (de tríplice contingência) vêm a se configurar
(cf. Skinner, 1969).
com o mundo. Estas duas possiblidades podem não ser de todo incompatíveis. Isto é,
pode-se admitir o processo de construção de sistemas lingüísticos como biologicamente
sustentado46, mas configurado a partir de elementos histório-culturais. De qualquer
modo, as duas possibilidades salientam o que pode ser colocado em evidência na análise
do problema da linguagem. Se aquelas práticas forem consideradas primariamente a
partir de seus componentes arbitrários, então a relação entre linguagem e realidade será
reconhecida como limitada pelos interesses histórico-culturais da comunidade verbal. Por
outro lado, se aquelas práticas forem interpretadas primariamente a partir de elementos
que dizem respeito à própria natureza humana, então a análise da linguagem permanecerá
naturalizada, sem dar conta da dimensão histórico-cultural dos sistemas lingüísticos,
ainda que se preserve uma concepção funcional da linguagem. Do ponto de vista das
proposições skinnerianas, a questão acima assume contornos bastante singulares. De um
lado, Skinner evita tratar da linguagem enquanto fenômeno de natureza biológica, o que
propicia a consideração dos elementos histórico-culturais próprios das práticas de uma
comunidade verbal. De outro lado, a concepção skinneriana de conhecimento e o método
de investigação por ela sugerido acabam por reduzir o estudo da linguagem a uma
perspectiva naturalizada. Considere-se, inicialmente, a proposta skinneriana de uma
análise funcional para o comportamento verbal, resumidamente apresentada nos
seguintes termos:

Nossa primeira responsabilidade é a simples descrição: o que é a topografia desta


subdivisão do comportamento humano? Uma vez respondida esta pergunta pelo menos
de uma maneira preliminar, podemos avançar para o estágio chamado explanação: que
condições são relevantes para a ocorrência do comportamento - quais são as variáveis das
quais é função? Uma vez identificadas estas variáveis, podemos explicar as
características dinâmicas do comportamento verbal dentro de um sistema apropriado ao
comportamento humano como um todo. Ao mesmo tempo, é claro, devemos considerar o
comportamento do ouvinte. Ao relacionar o comportamento do ouvinte com o
comportamento do falante, completamos nossa explicação do episódio verbal (Skinner,
1957, p.10).
Esta citação resume o que é o comportamento verbal enquanto objeto de
estudo da análise experimental do comportamento. Ele é um comportamento com
determinada característica topográfica (vocal, escrita, gestual, etc.), funcionalmente
relacionado a contingências de reforçamento providas por uma comunidade verbal. Estas
contingências agem sobre o indivíduo de acordo com os mesmos princípios relativos ao
comportamento humano em geral. Isto é, o papel da comunidade verbal na instalação de
respostas verbais assemelha-se ao papel do ambiente não verbal no condicionameno
operante. A linguagem enquanto elemento da cultura diferencia-se do condicionamento
operante (e da filogênese), porém, por permitir que "indivíduos tirem proveito do

46. No sentido de que a evolução filogenética resultou na seleção de condições orgânicas


que permitiram a emergência da linguagem. Recorde-se, a este respeito, a noção de
constrangimento, a que se referiu no trecho sobre Wittgenstein (Capítulo 2), para
salientar que a realidade e a própria natureza humana constituem os limites dentro dos
quais se configuram as práticas lingüísticas, embora não sejam determinantes dos usos
particulares que os indivíduos fazem das palavras, ou da consequência de tais usos.
comportamento já aquirido por outros" (Skinner, 1990, p.1206). E mesmo interpretando a
"evolução da cultura" como um dos três tipos de variação e seleção (os outros dois são a
seleção natural e o condicionamento operante) dos quais "o comportamento do
organismo como um todo é produto" (Skinner, 1990, p.1206), Skinner afirma que "a
evolução da cultura não é um processo biológico" (Skinner, 1990, p.1207, itálico
acrescentado). No campo da linguagem, Skinner insiste na idéia de que respostas verbais
não evoluíram simplesmente de respostas reflexas incondicionadas (inatas), embora se
possa dizer que a evolução da espécie tornou possível a emergência da linguagem.
Afirma ele:

... o comportamento verbal adquirido pelo indivíduo sob as práticas reforçadoras de uma
comunidade verbal não parece ser a modificação de vocalizações adquiridas pela espécie
em função de consequências específicas que tenham valor de sobrevivência. O balbuciar
relativamente indiferenciado da criança humana, a partir do qual o comportamento verbal
vocal se desenvolve é sem dúvida um produto evolutivo, mas ele não é o tipo de
comportamento que é evocado (ou "liberado") em formas específicas em situações
específicas. O mesmo pode ser dito do comportamento não verbal. Em geral, o
comportamento operante emerge de movimentos indiferenciados, não organizados
previamente e indiretos (Skinner, 1957, p.464).
Se a evolução da cultura não é um processo biológico e se a linguagem se
insere no campo das práticas culturais, como interpretar a relação entre as práticas de
uma comunidade verbal e o mundo a sua volta? Skinner esclarece que por não operar
diretamente sobre o meio físico, o comportamento verbal pode prescindir dos
componentes deste meio e das propriedades espaciais e temporais dos mesmos.
Argumenta Skinner (1974):

[O comportamento verbal] ... está livre de relações espaciais, temporais e mecânicas que
prevalecem entre o comportamento operante [não verbal] e consequências não sociais.
(...) À parte de uma audiência ocasionalmente relevante, o comportamento verbal não
requer nenhum suporte ambiental. Uma pessoa precisa de uma bicicleta para andar de
bicicleta, mas não para dizer "bicicleta" (p.89).
Esta citação de Skinner mostra-se pertinente enquanto uma explicitação
das condições diante das quais uma resposta verbal é emitida. Ela não faria sentido,
entretanto, se interpretada em termos da possibilidade de as práticas de uma comunidade
verbal poderem prescindir em todo e qualquer instante do mundo a sua volta. O problema
relevante é como uma comunidade verbal vem a se constituir e quais as relações que,
neste processo de constituição (e de evolução), as suas práticas guardam com o mundo
com o qual interage. Ao endereçar questões que se aproximam deste problema, Skinner
evidencia as limitações de sua própria análise. Afirma Skinner (1957):

O homem primitivo provavelmente não era muito diferente de seus descendentes


modernos com respeito a processos comportamentais. Se trazido para uma comunidade
verbal atual, ele provavelmente desenvolveria comportamento verbal elaborado. O que
faltava não era nenhuma capacidade especial para a fala, mas certas circunstâncias
ambientais. A origem da linguagem é a origem destas circunstâncias. Como um ambiente
verbal poderia ter surgido de fontes não verbais? ... Como uma comunidade verbal é
perpetuada, e por quê e como ela muda? Como novas formas de resposta e novas relações
de controle evoluem, de forma que uma linguagem se torna mais complexa, mais
sensível, mais abrangente e mais efetiva?
Como o primeiro ambiente verbal surgiu provavelmente permanecerá sempre uma
questão para especulação (p.461).

... um ambiente verbal poderia ter surgido de fontes não verbais e, na sua transmissão de
geração para geração, teria sido sujeito a influências que poderiam explicar a
multiplicação de formas e relações de controle e a eficácia crescente do comportamento
verbal como um todo (p.470).
Alguns dos problemas colocados por Skinner nesta citação são relevantes
no contexto de uma análise que procure dar conta dos aspectos histórico-culturais da
constituição e evolução de sistemas lingüísticos (ou de práticas de uma comunidade
verbal). Tais problemas, no entanto, não podem ser respondidos pela ciência skinneriana,
que se limita às relações de controle envolvidas na aquisição e manutenção de respostas
verbais. Este nível, o nível das relações de controle, circunscreve as possibilidades de
uma ciência empírica e experimental do comportamento humano. E permanecer neste
nível representa naturalizar o problema da linguagem. Esta naturalização fica evidenciada
com a análise possível da noção de significado; falar do significado de uma resposta
verbal é especificar estímulos discriminativos e reforçadores aos quais a resposta está
funcionalmente relacionada - e nada mais. Em outras palavras, ao evitar as armadilhas
cognitivistas e mentalistas, Skinner concebe a linguagem de uma forma tal que quando
subordinada à investigação experimental não pode dar conta da significação histórico-
social daquilo que os homens falam. Este tipo de significação (histórico-social), por outro
lado, é que pode evidenciar a natureza arbitrária de um sistema lingüístico, mas ele
transcende os limites da especificação de estímulos e repostas, em direção a uma
consideração do sistema de valores, crenças e interesses que orientam um padrão de
interação dos indivíduos com o mundo a sua volta. Ressalte-se, aqui, que a concepção
skinneriana da linguagem restringe o que pode ser levado em conta na análise das
práticas de uma comunidade verbal, mas apenas em sua relação com a própria noção
skinneriana de conhecimento e com o método por ela ditado. Conforme já foi observado,
a maneira como aquelas práticas são concebidas não exclui, por si mesma, a possibilidade
de consideração de seus aspectos histórico-culturais.

5.3. Linguagem, Conhecimento e Ciência.


A maneira como o conhecimento científico é concebido por Skinner está
associada com as noções de conhecimento e de linguagem examinadas anteriormente.
Isto significa dizer que o conjunto de asserções de uma ciência não constitui, para
Skinner, um quadro que reproduz a natureza última do mundo. Tal como no
conhecimento em geral, os produtos da ciência caracterizam conhecimento no sentido de
que propiciam um determinado tipo de interação com uma situação particular (que diz
respeito ao objeto de estudo da ciência). E como assinalado pela noção de regra enquanto
estímulo verbal, a ciência propicia aquela interação sem que os indivíduos que se servem
de seu produto precisem expor-se às contingências originais da situação. As asserções
científicas valem, portanto, por sua funcionalidade; a relação com o mundo nelas
indicada é uma relação que envolve o comportamento do homem diante do ambiente a
que elas dizem respeito. Uma lei científica, em outras palavras, é simplesmente uma
regra; uma regra que governa não o ambiente em si, mas o comportamento do cientista
que opera de forma eficaz sobre este ambiente. Assinala Skinner (1969):

As leis científicas também especificam ou implicam respostas e suas consequências. Elas


não são, é claro, obedecidas pela natureza, mas por homens que lidam de forma eficaz
com a natureza. A fórmula s=1/2gt2 não governa o comportamento de corpos em queda,
ela governa aqueles que predizem corretamente a posição de corpos em queda em
momentos dados (p.141).
Quando se interpreta o produto da ciência a partir do conceito de regra,
sugere-se que a atividade científica é função de contingências de reforçamento dispostas
por uma comunidade verbal. Mas no caso da ciência, trata-se de uma comunidade verbal
científica, que é uma fração de uma comunidade verbal maior, e que dispõe contingências
peculiares no controle do comportamento verbal científico de seus membros. A
peculiaridade das contingências dispostas por uma comunidade verbal científica diz
respeito à busca da objetividade, o que significa, neste contexto, evitar que o
comportamento verbal científico ocorra sob controle de condições ou interesses pessoais
do cientista. Quando estas condições entram no controle do comportamento verbal, a
resposta pode até ser funcional (como no caso da mentira), mas trata-se de uma
funcionalidade limitada a circunstâncias particulares do sujeito que emite a resposta;
enquanto estímulo verbal, ela não será capaz de prover um comportamento eficaz a todo
e qualquer membro da comunidade na interação com um ambiente particular. Neste
sentido, as contingências dispostas por uma comunidade verbal científica "funcionam
para prevenir o exagero ou a subestimação, a deturpação, a mentira e a ficção (Skinner,
1957, p.420). O tema da objetividade, portanto, entra de fato na abordagem skinneriana
do empreendimento científico, mas não através da noção de representação; ele está
associado à possibilidade e à amplitude com que uma asserção científica pode propiciar
um comportamento efetivo. Em outras palavras, a objetividade está associada à noção de
funcionalidade. De certa forma, sabe-se que ela é alcançada quando diferentes cientistas
chegam às mesmas conclusões. Como diz Skinner (1974), "quando muitos outros
cientistas chegam aos mesmos fatos ou leis, qualquer contribuição ou participação
pessoal é reduzida a um mínimo" (p.145). A concordância, contudo, é apenas um
indicador da objetividade do conhecimento. A objetividade em si é alcançada através de
recursos que pertencem ao campo do método da ciência; e estes também se relacionam
com o propósito da funcionalidade. Assinala Skinner (1974) a este respeito:

A objetividade que distingue o comportamento governado por regras do comportamento


gerado pela exposição direta às contingências é provida por testes de validade, prova,
práticas que minimizam as influências pessoais, e outras partes do método científico. De
qualquer modo, o conjunto de informações da ciência - suas tabelas de [relações]
constantes, os gráficos, as equações, as leis, não tem nenhum poder por si mesmo. Ele
existe somente por causa de seus efeitos sobre as pessoas (p.144, itálico acrescentado).
A objetividade pode ser pensada a partir da noção de funcionalidade
porque é no campo da funcionalidade que Skinner pensa o conhecimento em geral e
particularmente o conhecimento científico. Recorde-se que ao dissertar sobre o que vem a
ser o conhecimento científico do mundo Skinner fala do "mundo que dispõe
contingências de reforçamento". Este é um mundo natural e é aquilo de que a ciência se
ocupa. Ao ocupar-se deste objeto cuja natureza é dispor contingências de reforçamento, o
conhecimento a ser buscado pela ciência deve ser a descrição daquelas contingências, de
forma a propiciar um comportamento eficiente diante das mesmas. A idéia de um mundo
natural caracterizado por dispor contingências de reforçamento é colocada por Skinner na
comparação entre as leis científicas e as leis do Estado e da religião.

As leis das nações e as religiões têm existido por muitos séculos, e o que significava ser
bem governado deve ter sido debatido por um tempo igualmente longo, antes que Francis
Bacon sugerisse que o mundo natural deveria também ser governado. Suas leis eram,
devemos dizer agora, as contingências de reforçamento mantidas pelo ambiente. As leis
da ciência descrevem aquelas contingências, assim como as leis dos governos ou as
religiões descrevem algumas das normas ou regras das sociedades. (Skinner, 1988/1989a,
p.43, itálico acrescentado).
A tarefa reservada à ciência diante daquela noção naturalizada de mundo é
afirmada por Skinner da seguinte maneira:

A questão da ciência ... é analisar as contingências de reforçamento encontradas na


natureza e formular regras ou leis que tornam desnecessário expor-se a elas a fim de
comportar-se apropriadamente (Skinner, 1969, p.166, itálico acrescentado).
Ao analisar as contingências de reforçamento dispostas na natureza,
tendo-se como objetivo propiciar o comportamento eficaz diante das mesmas, não se trata
apenas de descrever as contingências no sentido de enunciá-las, mas de descrevê-las
segundo o que Skinner entende por descrição científica: uma descrição de relações
funcionais (entre eventos da natureza). Isto é, para Skinner, "a ciência ... é uma procura
por ordem, por uniformidades, por relações regulares entre os eventos na natureza
(Skinner, 1953/1965, p.13). A busca por relações ordenadas justifica-se pelo fato de
apenas elas poderem propiciar o comportamento eficaz a que a noção de conhecimento
diz respeito. Por outro lado, tendo em vista a própria natureza do mundo (contingências
de reforçamento) e a própria natureza do conhecimento (comportamento eficaz) é que se
chega à funcionalidade como critério para validação do conhecimento. Da mesma
maneira, se determina o método a ser empregado no âmbito de uma ciência: o método
que propicie a descrição das contingências de reforçamento e a previsão e o controle de
fenômenos. Inspirado em Bacon, Skinner (1988/1989a) sugere os princípios deste
método afirmando:"Descobrimos as leis da ciência a partir da experiência ... Os
cientistas progridem sobre a experiência através da experimentação ..." (p.43, itálico
acrescentado). Isto é, diante de uma tal concepção de mundo e de conhecimento, o
método apropriado à ciência é aquele que prescreve a observação cuidadosa e a
experimentação planejada (de forma a elucidar as relações de controle).
Tendo proposto a psicologia enquanto ciência do comportamento,
adotando como princípios aquelas noções sobre a natureza do conhecimento e a natureza
do objeto de estudo das ciências, Skinner é levado a colocar a psicologia no campo das
ciências naturais. Ao comentar a possibilidade de um planejamento da cultura segundo os
princípios da análise do comportamento, Skinner (1989b) partilha da definição de
Watson para a psicologia: "um ramo experimental puramente objetivo da ciência natural"
(p.135). Afirmação semelhante aparece na apresentação do artigo de 1931 no livro
Cumulative Record. Alí, Skinner (1931/1961a) sustenta que "os fatos psicológicos
permanecem no plano do físico e do biológico" (p.320). Em seu Contingencies of
Reinforcement (Skinner, 1969), Skinner chega a sugerir que apenas duas alternativas são
colocadas à psicologia: ou admitir-se como ciência da mente (no que ela ainda precisaria
afirmar-se como ciência), ou assumir-se como ciência natural do comportamento. Afirma
ele:

Se a psicologia é uma ciência da vida mental ... então ela deve desenvolver e defender
uma metodologia especial, o que ainda não fez com sucesso. Se, por outro lado, ela é
uma ciência do comportamento dos organismos, humanos ou diferentes, então ela é parte
da biologia, uma ciência natural para a qual estão disponíveis métodos testados e
altamente bem sucedidos (Skinner, 1969, p.221).
Assumindo a psicologia como uma ciência natural, onde natural diz
respeito tanto às condições de seu objeto de estudo quanto ao que vem a ser o
conhecimento deste objeto, Skinner não vê necessidade de supor que sua ciência (ou
qualquer outra ciência) apreende alguma essência dos fenômenos de que se ocupa, muito
menos uma essência inacessível a outras formas de conhecimento que se diferenciem do
conhecimento científico. Afirma ele que:

É um erro ... dizer que o mundo descrito pela ciência é, de alguma forma, mais próximo
"do que realmente existe", mas também é um erro dizer que a experiência pessoal do
artista, compositor, ou poeta está mais próxima "do que realmente existe". Todo
comportamento é determinado, direta ou indiretamente, por consequências, e os
comportamentos de ambos, o cientista e o não cientista, são modelados pelo que
realmente existe, mas de maneiras diferentes (Skinner, 1974, p.127).
Isto é, a ciência, ao contrário do que supunham as filosofias
representacionistas tradicionais, não entra em contato com nenhuma essência do mundo,
inacessível ao homem comum. Ela lida com o único mundo existente, que determina
tanto o comportamento do leigo como o comportamento do poeta, do artista, ou do
cientista: o mundo que dispõe contingências de reforçamento. É necessário ter o cuidado,
porém, de não interpretar esta citação de Skinner como a afirmação de que todo tipo de
conhecimento, por ter origem na interação com o mesmo mundo, tem o mesmo valor ou o
mesmo status. Uma coisa é afirmar que o conhecimento do leigo e o conhecimento do
cientista têm origem na interação com o mesmo conjunto de elementos; outra coisa é
afirmar que o conhecimento resultante de ambos tem o mesmo valor relativo. A posição
de Skinner é a de sustentar que o conhecimento científico tem um valor diferenciado.
Afirma Skinner (1957):

O comportamento verbal lógico e científico difere do comportamento verbal do leigo (e


particularmente do comportamento literário) por causa da ênfase em consequências
práticas (p.429).
Se o comportamento verbal científico difere do comportamento verbal do
leigo ao atribuir maior ênfase às consequências práticas, isso significa afirmar que ele
atende de forma mais eficiente ao princípio de busca de interação eficiente com o
ambiente circundante. Em outras palavras, a ciência atende de forma mais eficaz ao
princípio pertinente para a validação do conhecimento: sua funcionalidade. Este valor
diferenciado do conhecimento científico é admitido por Skinner ao afirmar:

O "sistema" científico, como a lei, é planejado para permitir-nos manipular um objeto de


estudo mais eficientemente. O que nós chamamos de a concepção científica de uma coisa
não é conhecimento passivo. A ciência não está preocupada com a contemplação.
Quando descobrimos as leis que governam uma parte do mundo a nossa volta, e quando
organizamos estas leis em um sistema, estamos então prontos para lidar com eficácia com
aquela parte do mundo. Ao prever a ocorrência de um evento, estamos prontos para
preparar-nos para ele. Ao arranjar condições, em maneiras especificadas pelas leis de um
sistema, nós não apenas prevemos, nós controlamos: nós "causamos" a ocorrência de um
evento ou o fazemos assumir certas características (Skinner, 1953/1965, p.14).
No contexto da análise de Skinner, a superioridade do conhecimento
científico é resultante não de um contato com a essência dos fenômenos, mas do princípio
de objetividade, das contingências de reforçamento dispostas pela comunidade verbal
científica, que propiciam que o comportamento do cientista fique sob controle não de
condições pessoais, mas de aspectos do ambiente, de forma tal que as contingências de
reforçamento nele presentes possam ser descritas e desta descrição resulte a possibilidade
de previsão e controle dos fenômenos de que se ocupa a ciência. Afirma Skinner sobre a
prática científica e seu resultado:

A comunidade científica encoraja o controle de estímulo preciso sob o qual um objeto ou


propriedade de um objeto é identificado ou caracterizado, de forma tal que a ação
prática será mais efetiva. Ela condiciona respostas sob circunstâncias favoráveis, nas
quais as propriedades relevantes e irrelevantes dos estímulos geralmente podem ser
manipuladas (Skinner, 1957, p.419, itálico acrescentado).

Implícito em uma análise funcional está a noção de controle. Quando descobrimos uma
variável independente que pode ser controlada, descobrimos uma maneira de controlar o
comportamento que é uma função dela. Este fato é importante por propósitos teóricos.
Provar a validade de uma relação funcional através de uma demonstração atual do efeito
de uma variável sobre outra é o coração da ciência experimental. Esta prática permite-nos
dispensar muitas técnicas estatísticas problemáticas ao testarmos a importância das
variáveis (Skinner, 1953/1965, p.227).
Ao considerar o papel da comunidade verbal científica no controle do
comportamento verbal científico, Skinner dirige sua atenção para a relação entre as
contingências colocadas pela comunidade verbal e o controle das inclinações pessoais do
cientista. Não há, aqui, nada de novo. A idéia de controle das inclinações pessoais pode
ser tida como a "essência" da noção de método, desde que esta foi inaugurada por
Galileu, Bacon e Descartes; e a própria ciência não pode ser discutida fora de sua relação
com aquela noção de método. Também não parece fazer sentido argumentar contra
Skinner, recorrendo ao apelo tradicional de que "a ciência não é neutra", se por isso se
pretender enfatizar o quanto das inclinações pessoais determinam a atividade do cientista
a despeito das contingências dispostas pela comunidade científica. É óbvio que a própria
escolha de um objeto de estudo já atende a interesses pessoais de um cientista, mas
também é evidente que o método e as contingências dispostas pela comunidade científica
funcionam na limitação da interferência das inclinações pessoais na prática de produção
de conhecimento. De qualquer modo, não é ao nível das condições pessoais que se deve
colocar a discussão da objetividade, pelo menos não apenas a este nível. Interessa atentar
para as condições histórico-sociais responsáveis pelas próprias contingências de que uma
comunidade científica lança mão e para as concepções acerca do que vem a ser o objeto
de estudo da ciência e do que vem a ser conhecê-lo. Volta-se, neste caso, para o problema
levantado na seção anterior acerca de como abordar a linguagem; neste caso, trata-se de
como abordar as práticas de uma comunidade verbal científica. As limitações da análise
skinneriana da linguagem, mencionadas anteriormente, aparecerão em sua consideração
sobre a prática científica e sobre a noção de objetividade. Skinner reconhece que fatores
histórico-sociais são determinantes de um conjunto de práticas científicas (e tais fatores
podem ser vislumbrados, no caso particular do próprio Skinner, através de suas
autobiografias - por exemplo, Skinner, 1979), mas a possibilidade de estas condições
serem levadas em conta limita-se à alternativa de considerá-las de forma naturalizada,
enquanto estímulos e respostas. Observe-se como isso ocorre na seguinte citação, na qual
Skinner se ocupa primariamente de negar que a ciência diz respeito a algo pessoal do
cientista:

É um absurdo supor que a ciência é o que um cientista sente ou observa


introspectivamente. Ninguém pode responder a mais do que uma parte minúscula das
contingências prevalecentes no mundo a sua volta. Se em vez disso se diz que a ciência é
um tipo de consciência de grupo, então devemos observar como isto é mantido unificado,
e encontraremos que o que é comunicado entre cientistas são asserções de fato, regras e
leis, não sentimentos (Skinner, 1974, p.145).
Na citação seguinte, a posição de Skinner aparece de forma mais explícita,
na medida em que ele se reporta a diferentes conjuntos de crenças (que atendem a
interesses e/ou visões de mundo particulares) e reduz cada uma a contingências de
reforçamento. Afirma Skinner (1974):

Uma filosofia, um clima moral, uma consciência de classe e um espírito dos tempos são
outras posses intelectuais que caem no campo do conhecimento e explicam alguns dos
padrões amplos de comportamento que são característicos de um povo, uma classe, um
período ou uma cultura. Diz-se que uma pessoa age ou fala como o faz porque é um
pragmatista, um membro do proletariado, um praticante da ética do trabalho ou um
behaviorista. Termos deste tipo classificam o comportamento que tem consequências
identificáveis sob certas circunstâncias (pp.145-146).
Quer dizer, compreender as práticas de uma comunidade de pragmatistas
ou behavioristas reduz-se a explicitar relações de controle ali identificáveis, e não refletir
sobre concepções de homem e de mundo nelas envolvidas. Fica difícil (se não
impossível), nesta perspectiva, discutir criticamente a configuração que cada conjunto de
práticas impõe à realidade e à experiência humana, e os interesses e propósitos nela
contidos.
Se tudo se reduz a contingências de reforçamento, uma ciência deve de
fato se ocupar das mesmas nos limites de seu campo de investigação; e não poderá haver
outro critério para validação do conhecimento que não seja o critério da funcionalidade,
também entendido em termos da interação com aquelas contingências. A análise de
Skinner não permite, portanto, que se questione o próprio interesse pela manipulação dos
fenômenos47, enquanto direcionador da prática científica; ao contrário, para Skinner,
qualquer limitação da ciência só será superada com uma realização mais efetiva daquele
propósito. Diz Skinner (1974):

Diz-se que o Ocidente fez um fetiche do controle da natureza. Certamente, não é difícil
apontar as consequências infelizes de muitos avanços na ciência, mas não está claro
como isso pode ser corrigido a não ser através de um exercício maior do poder da ciência
(p.140)48.
Na discussão final deste capítulo, algumas outras questões relativas à
maneira como Skinner concebe o conhecimento cientíico serão colocadas. Antes disso,
porém, cabe examinar brevemente como o problema da verdade pode ser elaborado no
contexto do pensamento skinneriano. Em seguida à exposição do problema da verdade, e
antes de partir para uma discussão final, algumas considerações sobre a filosofia de Ernst
Mach serão apresentadas com o intuito de lançar luz sobre alguns aspectos do
pensamento de Skinner.

5.4. Ciência e Verdade.


Se conhecimento não é representação da realidade (seja uma realidade
"última" ou não), então a noção de verdade enquanto representação (perfeita ou exata)
não faz sentido. A posição de Skinner é exatamente a de descaracterizar a idéia de
verdade como representação e de procurar pensá-la em termos coerentes com uma visão
funcionalista do conhecimento.
Como examinado no Capítulo 4, Skinner procura diferenciar seu
behaviorismo, entre outros, pela maneira particular como lida com o problema da
verdade (recorde-se sua crítica ao critério de verdade por consenso público dos
behavioristas metodológicos). Deve-se assinalar que apesar da importância atribuída ao
problema da verdade no artigo de 1945, Skinner não dispensa uma atenção maior a este
tópico em obras posteriores. De qualquer modo, no contexto da proposta skinneriana de
ciência, a noção de verdade ou de validade, quando formulada, só adquire sentido em
termos da funcionalidade das asserções científicas. É avaliando o aspecto funcional de
uma asserção que se torna possível falar de sua veracidade; e a ciência dispõe de recursos
para tal, como afirma Skinner (1957):

Uma parte importante da prática científica é a avaliação da probabilidade de que uma


resposta seja "certa" ou "verdadeira" - de que se possa agir com base nela com sucesso
(p.428).

47. Ou determinada concepção de "descrição" e controle dos fenômenos.

48. Quer dizer, para Skinner, eventos indesejáveis resultantes (ou relacionados) de uma
ciência experimental não devem ser debitados à ciência em si; a solução dos problemas,
entretanto, não está em nenhum outro campo, mas no avanço da própria ciência.
Quer dizer, as práticas de uma comunidade verbal científica sugerem que
a noção de verdade torna-se pertinente no contexto da avaliação do que uma asserção
científica propicia em termos da interação com o fenômeno a que diz respeito. Se ela
propicia uma interação efetiva, então pode-se considerá-la uma asserção verdadeira; se,
por outro lado, ela não propicia uma interação efetiva, então pode-se qualificá-la como
falsa. Esta posição também indica qual a interpretação pertinente para o que os cientistas
(inclusive psicólogos mentalistas) chamam de "falso" e "verdadeiro". Isto é, mesmo
aqueles que acreditam estar tentando representar o mundo, estão na realidade falando da
eficácia de suas leis, ao qualificarem as mesmas como falsas ou verdadeiras.
Os limites das práticas de uma comunidade científica demarcam, por outro
lado, até onde se pode falar de uma asserção ou lei científica como "verdadeira". Ao
indicar estes limites, Skinner, de um lado, descarta qualquer possibilidade de chegar-se a
uma verdade "última" ou "absoluta"; e, de outro, reconhece nas práticas da comunidade
científica uma via para se chegar a asserçÕes mais "objetivas/funcionais" e, de certa
forma, mais "verdadeiras". Estes aspectos podem ser evidenciados a partir das seguintes
citações de Skinner:

A veracidade de uma asserção de fato está limitada pelas fontes do comportamento do


falante, o controle exercido pelo ambiente atual, os efeitos de ambientes similares no
passado, os efeitos sobre o ouvinte, levando à precisão, ao exagero ou à falsificação, e
assim por diante. Não há nenhuma maneira pela qual uma descrição verbal de um
ambiente possa ser absolutamente verdadeira. Uma lei científica é derivada
possivelmente de muitos episódios deste tipo, mas ela esta similarmente limitada pelos
repertórios dos cientistas envolvidos. A comunidade verbal do cientista mantém sanções
especiais, num esforço para garantir validade e objetividade, mas novamente não pode
haver nada absoluto. Nenhuma dedução de uma regra ou de uma lei pode, então, ser
absolutamente verdadeira. A verdade absoluta pode ser encontrada, se é que pode em
alguma medida, somente em regras derivadas de regras, e aqui ela é mera tautologia
(Skinner, 1974, p.136, itálico acrescentado).

O conhecimento científico é comportamento verbal, embora não necessariamente


lingüístico. Ele é um conjunto de regras para a ação efetiva e há um sentido especial no
qual ele poderia ser "verdadeiro", se ele propicia a ação mais efetiva possível. Mas as
regras nunca são as contingências por elas descritas; elas permanecem sendo descrições e
sofrem das limitações inerentes ao comportamento verbal ... uma proposição é
"verdadeira" tanto quanto com a sua ajuda o ouvinte responde de forma efetiva na
situação que ela descreve. A explicação dada pelo falante funciona em lugar do controle
direto [exercido] pelo ambiente que a gerou, e o comportamento do ouvinte nunca pode
exceder o comportamento controlado pela situação descrita. A verdade tautológica do
lógico ou matemático pode ser provada; ela é absoluta. Os cânones dos métodos
científicos são planejados para maximizar o controle exercido pelo estímulo e para
suprimir outras condições, tais como os efeitos incidentais sobre o ouvinte que levam o
falante a exagerar ou mentir (Skinner, 1974, p.235, itálico acrescentado).
Estas citações indicam que só seria possível falar-se de uma verdade
última em uma circunstância em que se pudesse asseverar que a lei científica propicia a
ação mais efetiva possível; a efetividade é, portanto, o critério, mas a origem do
comportamento verbal científico, aliás, as variáveis das quais este comportamento é
função tornam impossível afirmar que uma condição última de efetividade foi alcançada.
As contingências dispostas pela comunidade verbal são, de um lado, dirigidas para a
construção de asserções verdadeiras (considerando-se o que se entende por "verdadeiro"
neste contexto) e, de outro, insuficientes para a realização plena deste propósito. Note-se
que, embora de maneira bastante diversa das filosofias representacionistas, também no
behaviorismo skinneriano as noções de objetividade e verdade se articulam; a diferença
reside no fato de que ambas remetem não à representação, mas à funcionalidade. A
ciência, por outro lado, continua sendo tida como o empreendimento planejado para
atender o ideal de objetividade, ainda que não possa realizá-lo plenamente e não possa,
portanto, prover verdades absolutas.
Quando se interpreta a noção de verdade em termos de efetividade, torna-
se possível contrastar diferentes reinvidicações à verdade a partir de seu caráter
funcional. É certo que Skinner em nenhum momento faz uso da idéia de graus de
veracidade, mas sua abordagem permite considerar-se a possibilidade de hierarquização
de diferentes descrições segundo seus respectivos conteúdos funcionais. Se este for o
caso, então tem-se, aqui, uma noção própria das doutrinas representacionistas: a noção de
uma matriz ou de um critério diante do qual todas as reinvidicações a conhecimento
elaboradas por uma cultura podem ser avaliadas e hierarquizadas. Deve-se reconhecer
que Skinner nunca propõe uma tal hierarquização, mas ela fica sugerida em suas
concepções de conhecimento, objetividade e verdade. A citação seguinte exemplifica esta
possibilidade. Diz Skinner (1953/1965):

Usualmente, os objetos são capazes de gerar muitos tipos diferentes de estímulos que se
relacionam de certas maneiras. Respostas a algumas formas de estimulação são mais
prováveis de serem "certas" do que respostas a outras formas, no sentido de que são
mais prováveis de levar ao comportamento efetivo. Naturalmente estes modos são
favorecidos, mas qualquer sugestão de que nos colocam mais próximos do mundo "real"
está fora de lugar aqui (p.139, itálico acrescentado).
Há um sentido em que a concepção skinneriana de verdade e objetividade
não atende ao propósito de simples avaliação e hierarquização dos diferentes tipos de
asserção: ela não é tão plástica quanto a noção de verdade em James. Isto é, enquanto
para James uma asserção religiosa pode ser tão verdadeira quanto uma asserção
científica, no sentido de que uma pode ser tão útil quanto a outra ao prover uma interação
efetiva com o mundo circundante, para Skinner esta possibilidade não faria sentido. Isto
porque no behaviorismo skinneriano a noção de funcionalidade (a que a noção de
verdade diz respeito) não tem apenas o sentido genérico de "interação efetiva". A noção
de funcionalidade implica o controle do comportamento do falante pelas contingências de
reforçamento dispostas na situação original (há, também, as contingências dipostas pela
comunidade verbal científica, mas estas, como examinado, funcionam para garantir que o
comportamento verbal científico fique sob controle daquelas contingências relativas a seu
objeto de estudo, e não de contingências externas àquela situação). Neste caso, Skinner
estaria mais próximo da posição de Peirce, da crença de que o método (experimental)
científico é a via apropriada para falar-se em verdade ou funcionalidade. Isto porque, no
contexto de algumas colocações de Skinner sobre o problema do conhecimento, apenas
uma ciência empírico-experimental estaria aparelhada para descobrir as contingências de
reforçamento relativas a um dado objeto de estudo; em outras palavras, a ciência
(experimental) estaria melhor preparada do que outros conjuntos de práticas da cultura
para prover uma interação efetiva com o mundo. Esta perspectiva evidencia que a noção
skinneriana de funcionalidade nem sempre é suficiente para colocá-lo no campo PA do
pensamento pragmatista, já que se trataria menos de reconhecer os diferentes tipos de
enunciados como dotados de valor funcional para os indivíduos e para a cultura, e mais
de circunscrever tal valor a asserções originadas da investigação experimental e capazes
de propiciar a previsão e o controle.
À propósito da referência aos pragmatistas, vale citar um trecho no qual
Skinner se refere a Peirce, James e Dewey, tocando exatamente na questão da verdade,
mas de uma maneira no mínimo original. Afirma Skinner (1969), ao tratar de regras e
contingências:

A distinção entre comportamento governado por regra e comportamento modelado por


contingências resolve uma questão primeiramente levantada em sua forma moderna por
C. S. Peirce, William James e John Dewey: a distinção entre verdade e crença. A verdade
se ocupa de regras e regras para a transformação de regras. E ela tem a objetividade
associada com análises das contingências de reforçamento. A crença é uma questão de
probabilidade de ação e a probabilidade é função das contingências, sejam as
contingências não analisadas encontradas no ambiente, sejam as contingências planejadas
por uma cultura ao ensinar a verdade (pp.170-171, itálico acrescentado).
Segundo a distinção estabelecida por Skinner nesta citação, "verdade" é
algo que diz respeito ao verbal (ao comportamento verbal ou ao estímulo verbal) e à
relação entre o verbal e as contingências de reforçamento a ele associadas. Por outro
lado, "crença" é algo que diz respeito ao comportamento do indivíduo diante daquelas
contingências. Em outras palavras, "verdade" diz respeito ao que os indivíduos falam e
crença diz respeito a como os indivíduos agem. O que esta distinção indica é que uma
asserção pode ser verdadeira/funcional, mas não é apenas do contato com ela que o
comportamento efetivo é função. Além disso, o comportamento efetivo a que a noção de
crença aparece associada pode ocorrer independentemente da existência da descrição
verdadeira. A distinção de Skinner em si mostra-se pertinente e coerente com seu sistema
teórico. Relacioná-la com as noções de verdade e de crença dos pragmatistas, porém,
parece um equívoco. Isto porque a noção de crença é por eles colocada como indicando
enunciados, dos quais "verdadeiro" e "falso" são atributos. Usando os conceitos
skinnerianos, "crença" diz respeito a regras; isto é, uma crença é um estímulo verbal que
entra no controle do comportamento humano de forma particular. E ela será falsa ou
verdadeira, dependendo do que propicia em termos da interação com uma dada situação,
e do que preserva de outras crenças/regras provadas úteis aos indivíduos. O aspecto
importante da noção de crença dos pragmatistas para o qual Skinner deixa de atentar, e
que se dissolve na distinção por ele proposta, é que as asserções (regras) que os homens
constroem sobre o mundo são denominadas de "crenças" para indicar que elas não
guardam qualquer relação necessária com os eventos a que dizem respeito; elas são
apenas recursos (verbais) de que os indivíduos lançam mão para orientar uma
determinada forma de ação no mundo, e que poderiam ser diversas se voltadas para
interesses também diversos.
Neste ponto, é importante salientar que a idéia de Skinner de que é
impossível (ou improvável) chegar-se a uma verdade absoluta, se de um lado o coloca em
posição contrária ao pensamento representacionista, de outro não implica o
reconhecimento da arbitrariedade dos critérios com os quais os indivíduos operam no
julgamento dos diferentes tipos de discurso com os quais são confrontados. Isto é, a
verdade absoluta é inalcançável, para Skinner, não porque os critérios atuais a partir dos
quais as asserções são julgadas são critérios determinados sócio-historicamente, mas
porque não podem ser plenamente atendidos. A ciência, ou melhor, as práticas de uma
comunidade verbal científica não são suficientes para garantir que o comportamento do
cientista fique inteiramente sobre controle das contingências de reforçamento relativas a
seu objeto de estudo, mas são dirigidas para tal. A dificuldade reside no fato de que
outras variáveis entram, em alguma medida, no controle do comportamento do cientista e
a objetividade plena não pode ser garantida.
O critério da funcionalidade (e nos termos em que a "funcionalidade" é
pensada) que norteia as contingências dispostas pela comunidade científica é considerado
como naturalmente dado, como o único possível diante da natureza do mundo e do que
significa conhecê-lo. Isto é, não se trata de um critério que atenda a interesses ou visões
de mundo próprios de uma cultura, em um determinado momento de sua história. O que
os indivíduos julgam como verdadeiro a partir deste critério pode ser pensado, portanto,
como naturalmente justificado, e não historicamente determinado. Trata-se, aqui, do que
Rorty se refere ao falar de uma eternização do discurso normal.
Neste ponto, interrompe-se a análise de Skinner para recuperar algumas
idéias de Ernst Mach, que possibilitam lançar luz sobre alguns aspectos da teoria
skinneriana.

5.5. O Positivismo de Ernst Mach.


Uma abordagem funcional para o problema do conhecimento (de
inspiração evolucionista), bem como o reconhecimento do caráter relativo e provisório de
toda asserção científica conjugam-se, no positivismo de Mach (1838-1916), com uma
visão representacionista do conhecimento, considerando-se esta última, não a partir do
conceito de "representação exata", mas em termos da noção de "discursos privilegiados".
Todo conhecimento, segundo Mach, tem uma função adaptativa para o
organismo. Isto vale tanto para o conhecimento "instintivo" de um operário, ou de uma
civilização primitiva, isto é, para a prática humana em geral, como para a ciência. Ambos
são regulados pelo princípio de sobrevivência e, assim, dizem respeito à interação do
homem com seu ambiente. Enquanto processo adapativo, biologicamente determinado, a
possibilidade do conhecimento envolve condições relativas à filogênese do homem.
Afirma Mach (1883/1949):

O conhecimento instintivo, involuntário, dos procesos naturais ... nasce das relações entre
os processos naturais e a satisfação de nossas necessidades. A aquisição dos
conhecimentos mais elementares não compete, sem dúvida, só ao indivíduo, ela é
preparada pelo desenvolvimento da espécie (p.13).
Mach oferece, então, uma visão naturalizada do problema do
conhecimento, já que o entende enquanto determinado pela natureza (biológica) humana
(e não construído historicamente pelo homem). Esta naturalização significa não apenas a
caracterização do conhecimento como processo biológico adaptativo, mas também, a
justificação de aspectos definidores do conhecimento a partir de necessidades
biologicamente determinadas do homem. Conhecer, para Mach, é estabelecer relações
entre fenômenos experienciados, e de forma tal que propiciem interações que sejam mais
favoráveis à adaptação. Neste caso, não "representamos" fatos em sua totalidade, mas em
termos dos aspectos relevantes para nossos interesses práticos (adaptativos).

A representação mental que formamos dos fatos nunca é uma representação do fato total,
mas só daquele aspecto do mesmo que para nós é importante; perseguimos um objeto
surgido mediata ou imediatamente de um interesse prático. Nossas representações são
sempre abstrações (Mach, 1883/1949, p.400).
Nesta visão naturalizada do conhecimento, na qual o que importa são as
relações que se podem identificar entre os fenômenos e de forma tal que facilite a
interação com os mesmos, a ciência converte-se simplesmente num "caso particular no
processo biológico total de adaptação" (Kolakowski, 1972, p.145). Ela se ocupará,
portanto, também das relações identificáveis entre os fenômenos experienciados. Não
existe, assim, uma quebra de continuidade entre o conhecimento prático e o
conhecimento teórico.
Para Mach (1883/1949), "parece ... natural admitir que a agrupação
instintiva das experiências precedeu a sua ordenação científica" (p.15). O fato de o
conhecimento primitivo preceder o conhecimento científico não implica que se está
diante de processos diferentes, nem simplesmente que se relacionam cronologicamente
nesta ordem. Ao contrário, indica uma continuidade de práticas humanas orientadas pelo
mesmo princípio adaptativo. A ciência, tal como as formas primitivas de conhecimento,
está limitada pelo conjunto das experiências humanas e se regula pelo processo
adaptativo da espécie, diante do conjunto de suas experiências. Ela se ocupa, assim, da
ordenação das experiências humanas e está limitada por estas; ela é "uma simples
continuação da mesma sistematização simbólica, resumidamente escrita, da experiência
que as pessoas buscaram espontaneamente através da história" (Kolakowski, 1972,
p.142).
A continuidade existente entre o conhecimento prático pré-científico e o
conhecimento teórico científico, entretanto, não os coloca no mesmo nível de satisfação
das necessidades biológicas do organismo humano. Estas duas instâncias de
conhecimento atendem àquelas necessidades de forma diferenciada quanto à extensão e
eficiência. Este aspecto fica evidenciado com o conceito de "economia" que Mach
introduz em sua discussão acerca do conhecimento científico.
Ainda sob influência do pensamento darwinista, Mach considera a função
adaptativa da atividade de conhecimento como orientada por um princípio econômico, o
que indica a existência de "um regulador inconscientemente proposital das atividades de
auto-preservação do organismo" (Kolakowski, 1972, p.143). Este princípio, entretanto, é
elaborado no contexto da reflexão sobre a natureza do conhecimento científico, daí Mach
empregá-lo como "economia do pensamento"49. Ele se traduz, na ciência, com a prática

49. Considerando-se a continuidade existente entre conhecimento pré-científico e


conhecimento científico, pode-se admitir que este princípio se manifesta, em alguma
de submeter a experiência a um processo de organização, através do qual as partes
importantes são selecionadas e ordenadas de forma a prover leis gerais que envolvam um
campo cada vez maior da experiência, propiciando uma interação a cada momento mais
efetiva com os fenômenos, e com recursos teóricos de simplicidade crescente. A
economia do pensamento fica também caracterizada pela produção de asserções que se
distanciam da satisfação de necessidades corporais imediatas em direção à satisfação de
uma compreensão intelectual (superior) dos fenômenos.

A economia ... pertence à essência da ciência; nela reside o momento estabilizador,


explicativo e estético da mesma e ela se reflete evidentemente na origem histórica da
ciência. No princípio, toda economia só tendia à satisfação das necessidades corporais.
Para o trabalhador, e ainda mais para o investigador, o conhecimento de uma determinada
classe de fenômenos naturais, que se alcance da maneira mais breve, mais simples e exija
o menor número de esforços intelectuais, se converte, por si mesmo, em um objetivo
econômico, no qual ... as exigências corporais ficam quase totalmente de lado, enquanto
as correspondentes exigências intelectuais despertam e exigem ser satisfeitas (Mach,
1883/1949, p.17).
Um aspecto fundamental do empreendimento teórico, contido no conceito
de "economia do pensamento", é que apenas ele preserva e generaliza experiências
individuais. Uma asserção científica, então, é não apenas um recurso mais eficaz para a
interação com o ambiente de forma a prover a sobrevivência, e que abarca partes maiores
da experiência humana; ela apesar de limitada ao que é ou pode ser experienciado, se
estende para além das experiências de qualquer indivíduo particular e permite a cada
indivíduo usufruir deste recurso para sua sobrevivência, sem o requisito de ter
experienciado o que permitiu (e delimita o campo de) aquele conhecimento.
O princípio da "economia do pensamento" permite que, sob um argumento
biológico, justifique-se um determinado modelo de ciência, e eleja-se esta como uma
instância de conhecimento de valor superior. Do ponto de vista do modelo de ciência,
este princípio prescreve a busca de relações regulares e ordenadas entre eventos que são
objeto da experiência humana. Afirma Mach (1883/1949) que

A ciência natural se propõe a investigar o que há de constante nos fenômenos, quais são
seus elementos e qual é a vinculação e dependência entre eles (p.17).
É neste sentido que Mach abandona a noção de "causa" em favor da noção
de "função"; e que reduz o problema da "explicação" a uma questão de "descrição", neste
caso descrição de relações. A busca de relações funcionais entre eventos, por outro lado,
implica a identificação de relações estáveis, não acidentais e, neste contexto, a
investigação científica está limitada ao que atende ao critério de replicabilidade. Mach é
explicito a respeito deste critério. Afirma ele:

extensão, nas tentativas pré-científicas de compreensão do mundo (e esta possibilidade


aparece na análise histórica da física mecânica que Mach elabora - cf. Mach,
1883/1949). É apenas com o advento da ciência, porém, que este princípio é plenamente
realizado.
... a descrição só é possível quando se trata de fenômenos que se repetem constantemente,
ou que, pelo menos, se compõem de partes que se reproduzem continuamente. (...) Só é
possível descrever e representar abstratamente no pensamento o que é uniforme e segue
uma lei, pois a descrição supõe a aplicação de nomes para os elementos, nomes que só
são inteligíveis quando os elementos se reproduzem (Mach, 1883/1949, p.16).
A replicabilidade enquanto critério sugere, por outro lado, o uso do
método experimental enquanto via para identificação de relações entre eventos. Mesmo
admitindo que a experimentação é precedida de conjecturas, suposições iniciais acerca
das relações entre eventos (que são, de qualquer maneira, segundo Mach, baseadas em
"experiências instintivas"), Mach (1883/1949) enfatiza a importância do método
experimental para o estabelecimento daquelas relações e, como decorrência, para a
validação da análise nelas envolvidas. Diz ele:

... para o uso científico, as representações mentais das vivências sensíveis devem tomar a
forma de conceitos. Só assim podem ser utilizadas na busca de uma propriedade
dependente de um fato ou completar uma propriedade parcialmente dada, mediante uma
construção quantitativa abstrata, baseada em uma apreciação abstrata da propriedade
caracterizada. Estas formas são obtidas destacando-se o que se considera mais importante
e prescindindo do que é acessório, por abstração, por idealização. A experiência decide
se tal conformação satisfaz. Sem uma idéia qualquer pré-concebida, é fundamentalmente
impossível toda experiência, pois a forma desta é dada por aquela. O quê e como
devemos experimentar, se não fizermos de antemão alguma conjectura? Das experiências
prévias [base das conjecturas] depende o modo de completar os experimentos. Os
experimentos confirmam, modificam ou refutam as conjecturas. O investigador moderno,
de modo análogo, se colocará as questões: "V é função de que?" "T é que função de V?"
(Mach, 1883/1949, p.113).
Observação e experimentação garantem, para Mach, a apreensão de
relações ordenadas, capazes de prover a adaptação e sobrevivência de forma mais eficaz
do que o conhecimento pré-científico. Isto porque abrangem um campo maior da
experiência humana, preservando-a e ordenando-a economicamente. "A ciência ...
consiste da representação mais completa dos fatos, com o menor esforço mental" (Mach,
1883/1949, p.406). A superioridade da ciência, então,

... consiste primariamente de uma maior habilidade para diferenciar e de uma maior
riqueza de qualidades observadas no mundo, algumas das quais são úteis, outras
prejudiciais (Kolakowski, 1972, p.147).
Na ciência, a experiência humana é "meramente mais efetivamente
organizada" (Kolakowski, 1972, p.147). O valor superior das asserções científicas, por
outro lado, não se pretende, para Mach, fundamentado numa suposição filosófica
apriorística; ele está assentado na natureza biológica do homem e no processo evolutivo
da espécie. Nas palavras de Lubbe (1978), "Mach é darwinista ao considerar a habilidade
teórica como o meio supremo de realização na vida" (p.92).
O problema da correspondência entre asserções científicas e uma realidade
última é considerado sem sentido para Mach, já que a ciência lida exclusivamente com o
campo da experiência humana e apenas a nível de descrições de relações entre eventos. E
é no campo da experiência humana, por outro lado, que está circunscrita a atividade de
conhecimento em seu aspecto biológico e adaptativo. Os conceitos da física, por
exemplo, "... não têm outra missão além de recordar experiências economicamente
ordenadas" (Mach, 1883/1949, p.422). Uma lei científica, para Mach, segundo Lubbe
(1978)

... não tem nenhuma possível realidade ontológica ou transcendental sui generis, que
precise de uma explicação filosófica prévia em termos das condições de sua possibilidade
(p.94).
Uma lei científica é simplesmente "a experiência economicamente
ordenada de forma a estar pronta para uso" (Mach, In Lubbe, 1978, p.94). Preservar a
discussão acerca de uma realidade última do mundo representa, para Mach, transcender
os limites da natureza humana e cair no campo da mera especulação. Esta posição de
Mach é resumidamente caracterizada por Kolakowski (1972) como "uma visão natural do
mundo, sem ingredientes metafísicos especulativos" (p.145). É como se Mach, tendo
naturalizado o problema do conhecimento numa perspectiva evolucionista, pudesse evitar
a necessidade de argumentar a favor de seu modelo de ciência para reivindicar um status
privilegiado para as asserções elaboradas segundo os critérios alí prescritos.
Um outro aspecto importante da posição assumida por Mach é que ela
afirma tanto a relatividade de todo conhecimento, quanto a superioridade da ciência. A
compreensão deste aspecto é fundamental para lançar luz sobre a possibilidade de
compatibilização de um pragmatismo funcionalista com um representacionismo que
afirma a existência de discursos privilegiados.
Segundo Mach, todo conhecimento, por estar circunscrito às experiências
humanas, encontra-se sujeito a críticas ou revisões. Não há, portanto, um conhecimento
último ou definitivo acerca de algo, nem mesmo o discurso científico é dotado desta
condição. As leis científicas, para Mach, "... não descrevem nenhuma parte necessária da
natureza ..." (Arens, 1985, p.164); elas são simples instrumentos econômicos de interação
com a mesma. Como afirma Kolakowski (1972), Mach era um anti-dogmatista radical e,
como tal "era profundamente convencido do caráter provisório de todo estágio da ciência
e de todas as asserções científicas" (p.142). Observe-se, contudo, que o anti-dogmatismo
de Mach não está assentado na constatação dos limites sócio-históricos da ciência, mas
em sua concepção de conhecimento como atividade adaptativa do organismo humano e
que, como tal, limita-se ao campo da experiência humana. O relativismo de Mach incide,
coerentemente, em sua concepção de verdade. Para ele, "verdade era uma questão de
promoção da adaptação de um indivíduo ou da espécie ao ambiente circundante" (Smith,
1989, p.272). A semelhança para com o pragmatismo de James parece evidente, e Smith
(1989) coloca esta relação com toda clareza. Afirma ele:

Mach sustentava uma visão [de verdade] estreitamente relacionada com o que mais tarde
se tornou conhecido como a concepção pragmatista de verdade, uma concepção para a
qual ele pode de fato ter contribuído através de sua influência sobre William James"
(Smith, 1989, p.272).
O positivismo de Mach mostra-se, assim, alinhado com alguns supostos
importantes do pragmatismo de Peirce, James e Dewey. Isto é possível porque Mach
parte de uma perspectiva darwinista para discutir a questão do conhecimento e chega a
uma concepção funcionalista de caráter biológico. Conceber o conhecimento enquanto
atividade adaptativa, determinada biologicamente, parece suficiente para abordar as
asserções que os homens constroem sobre o mundo como instrumentos para interação
com os fenômenos experienciados (e, no caso de Mach, para a promoção da
sobrevivência). Esta versão pragmatista de conhecimento vem a se mostrar compatível
com uma posição representacionista tanto quanto naturaliza o problema do conhecimento
e pressupõe haver um processo (natural) de sofisticação e refinamento das asserções que
os homens elaboram sobre o mundo a sua volta, que por força da natureza humana
buscam estabelecer relações funcionais entre eventos. A ciência (não qualquer ciência,
mas um modelo particular de ciência, que justifica a observação e a experimentação
como recursos apropriados) é tida como o ponto máximo desta realização da natureza
humana e, por isso, merece legitimamente a condição de "discurso privilegiado". É ela,
afinal, que de forma mais eficiente e mais econômica, concretiza o impulso adaptativo da
espécie e provê as condições mais favoráveis à sobrevivência. Para Mach, a ciência é
superior porque a evolução da espécie humana assim determinou. O princípio de
economia do pensamento, expressão da evolução humana no campo do conhecimento,
não passa de "uma descrição contingente, empírica, da adaptação biológica" (Smith,
1989, p.275).
Nem mesmo a análise histórica é suficiente para afastar Mach de uma
visão biologicista do conhecimento humano. Suas referências ao conhecimento instintivo
e ao conhecimento científico assemelham-se bastante aos estágios comtianos do
conhecimento (teológico, metafísico e positivo). Tal como em Comte, sua investigação
histórica do conhecimento sobre fenômenos físicos supõe um processo natural de
sofisticação das explicações (ou descrições) humanas, que culmina com a ciência, forma
superior (ou positiva) de explicação do mundo, regulada pelos princípios (interesses
práticos) que de fato atendem às necessidades adaptativas da espécie. Na explicação de
Kolakowski (1972) para a posição de Mach,

A ciência é uma continuação do processo que produziu a linguagem, através da qual


(ciência) a espécie humana, contrastando com espécies inferiores, acumula e preserva
conhecimento empiricamente adquirido (p.147).
A análise histórica de Mach não pode, portanto, ser confundida com um
historicismo culturalista (este sim, capaz de decompor a crença na existência de discursos
de natureza superior). Como diz Kolakowski (1972), Mach "preocupou-se com questões
históricas ... porque esperava descobrir o sentido biológico dos objetivos científicos e
livrar-se de 'fantasmas metafísicos'" (p.147, itálico acrescentado). E acredita que eliminou
a metafísica de sua concepção de conhecimento porque entende não estar afirmando nada
além de uma descrição do que é a própria natureza humana.
A crença de Mach de que sua concepção de conhecimento está isenta de
qualquer fundamento filosófico ou metafísico não será aqui discutida. Para os propósitos
deste trabalho, o fundamental é ressaltar que Mach associa uma concepção funcional de
conhecimento (do tipo PA) à suposição representacionista (do tipo RB) de que a ciência,
em função da natureza (descritiva e econômica) de suas explicações do mundo, provê
asserções de valor superior para a espécie humana. Tal associação se mostra possível,
como argumentado acima, a partir de uma naturalização da epistemologia, com a qual
Mach espera ter superado o discurso metafísico.
5.6. Skinner, Mach e a Naturalização da Epistemologia.
Ao contrário do que o título desta seção pode sugerir, não se pretende
reduzir a análise das proposições de Skinner à afirmação de que sua atitude
epistemológica é simplesmente aquela de Mach. O pensamento de Skinner apresenta-se
de forma muito mais complexa e sofisticada, exigindo um exame mais cuidadoso. O que
se procurará argumentar nesta seção é que apenas lançando mão de um recurso de
naturalização da epistemologia, como o faz Mach, Skinner pode sugerir uma concepção
de conhecimento (que implica uma noção particular de funcionalidade e a
experimentação como método) como sendo capaz de garantir condição privilegiada a um
dado tipo de asserções sobre o mundo. Na seção seguinte, será argumentado que esta não
é uma interpretação necessária do problema do conhecimento no contexto de uma
abordagem behaviorista; e, de outro lado, que as próprias proposições de Skinner
permitem uma atitude diferenciada e crítica desta posição. Além disso, será argumentado
que ao estender o princípio da funcionalidade para o campo da linguagem o behaviorismo
de Skinner não poderá preservar uma visão machiana de ciência, sob pena de cair em
contradição.
Para examinar a posição de Skinner, é necessário reafirmar alguns pontos
da discussão elaborada nas seções anteriores. Em alguns trechos sugeriu-se que com a
noção de funcionalidade Skinner aproximava-se de uma posição representacionista.
Deve-se esclarecer que em uma perspectiva pragmatista todo conhecimento é recurso
para interação com o mundo circundante; ele é, portanto, funcional. Argumentar a
funcionalidade do conhecimento não pode ser tomado, portanto, como uma atitude
representacionista. O caráter representacionista só aparece quando se supõe que por força
da natureza do mundo apenas um dado tipo de asserções é dotado de funcionalidade, é
dotado da capacidade de propiciar uma interação efetiva com o mundo, e de forma tal
que não se admite a possibilidade de outros tipos de asserção emergirem e propiciarem
também (ou de forma mais ampla - e mesmo diferenciada) aquela interação. De certa
forma, este era o problema em foco no Capítulo 4, ao falar-se de uma dissociação entre
funcionalidade e intersubjetividade. A noção de intersubjetividade remete ao campo B da
matriz apresentada no Capítulo 3; ela coloca em discussão a aceitação ou não do caráter
arbitrário, não necessário, dos critérios a partir dos quais um tipo de discurso é
considerado funcional ou válido. Ao afirmar que no artigo de 1945 Skinner dissocia a
noção de funcionalidade da noção de intersubjetividade, o que se procurou assinalar é
que Skinner apresenta a funcionalidade como critério de uma forma tal, que as condições
admitidas para atribuição de valor funcional a uma asserção podem ser interpretados
como necessárias, não contingentes a determinadas práticas culturais. Esta possibilidade
fica fortalecida com a insistência de Skinner no tema da objetividade, sem esclarecer que
está tratando do controle das inclinações pessoais, mas sem pretender colocar a ciência
acima de determinantes histórico-culturais.
Com respeito à noção de verdade, partindo-se de uma perspectiva
pragmatista, não cabe questionar a idéia de que os homens elaboram critérios para
avaliação e hierarquização de suas asserções sobre o mundo. Também não se mostra
razoável negar que os critérios para avaliação e hierarquização dizem respeito à interação
do homem com o mundo. Quer dizer, Skinner não pode ser colocado no campo do
pensamento representacionista simplesmente por invocar um critério funcional de
validação do conhecimento e por sustentar que tais critérios servem de base para o
julgamento e hierarquização de reivindicações a conhecimento. A questão fundamental
diz respeito ao reconhecimento ou não de que os critérios atualmente empregados são
arbitrários e resultantes de (e dirigidos para) um tipo particular de interação com o
mundo; critérios que podem se mostrar, com respeito a objetivos particulares, mais
produtivos para o homem do que alternativas anteriormente elaboradas, mas que não são
eles mesmos necessários e definitivos.
Esclarecimento semelhante se faz necessário com respeito ao problema do
método admitido como válido no contexto de uma dada visão de conhecimento científico.
A defesa de um método empírico-experimental não caracteriza em si uma atitude
representacionista, a menos que tal defesa pretenda ir além dos critérios arbitrariamente
elaborados por uma cultura, em direção a uma justificação apriorística do mesmo, de
forma tal que o conhecimento construído por outras vias fique simplesmente
desqualificado.
À parte da questão do método, a defesa das asserções científicas, em
contraste com outras realizações da cultura, também não caracteriza em si uma postura
representacionista. Proposições científicas podem ser consideradas como dotadas de
maior valor para uma cultura, se com elas se torna possível uma interação que atende aos
interesses do grupo social. Sua superioridade, no entanto, está circunscrita àqueles
interesses a que o empreendimento científico atende. Considerar esta superioridade como
inquestionável significa colocar os interesses a que a ciência atende acima de qualquer
visão crítica; significa, por outro lado, pretender eternizar uma forma de discurso.
Por último, a noção de contingências de reforçamento precisa ser
devidamente considerada. A idéia de relações contingentes entre eventos é necessária
para a própria existência da ciência, e até para a noção geral de conhecimento. Todavia,
há diversas maneiras de concebê-las e a esta diversidade corresponde um conjunto de
alternativas sobre o que significa conhecê-las. Por exemplo, as relações estudadas por
uma ciência particular podem ser concebidas como naturais ou históricas; como
redutíveis a enunciados simples ou como complexas a um ponto em que qualquer
tentativa de conhecê-las é tida como apenas aproximativa; como acessíveis à previsão e
controle ou como passíveis apenas de uma compreensão que as tornem inteligíveis. A
concepção skinneriana de contingências de reforçamento, neste contexto, é, antes de
tudo, uma maneira particular de olhar para um conjunto de eventos com o intuito de
conhecê-los; uma maneira que delimita o próprio campo (e a própria extensão) do
conhecimento científico e que dita um método particular como via para auferi-lo. Ela não
é em si representacionista, mas passa a sê-lo tanto quanto é elevada à condição de
alternativa naturalmente superior de tentar abordar as relações identificáveis entre os
eventos com os quais os homens interagem.
Feitas estas considerações pode-se passar à tentativa de sistematizar a
posição skinneriana diante do debate pragmatismo-representacionismo. O que se
apresentou até aqui sugere não ser problemática a localização de Skinner com respeito ao
campo A da matriz proposta. Skinner claramente assume uma posição do tipo PA,
enfatizando o caráter funcional de todas as asserções científicas, e criticando de forma
eficiente e sistemática as noções de representação características de RA. O problema
fundamental reside em saber como localizar Skinner no campo B da matriz.
Entende-se que Skinner permite, com suas próprias afirmações, nem sempre coerentes,
tanto uma interpretação em termos de PB, quanto uma interpretação do tipo RB. O que se
procurará argumentar a seguir é que quando transita para a posição RB, Skinner o faz
lançando mão do mesmo recurso característico do positivismo de Mach: a naturalização
do problema epistemológico. Este passo será apontado a partir da enumeração de seis
aspectos envolvidos na adoção, por Skinner, da posição RB: abordagem evolucionista
para o problema do conhecimento, naturalização do objeto de estudo, observação e
experimentação como as únicas vias apropriadas para o conhecimento do mundo,
preservação da noção de correspondência, naturalização do valor da ciência e análise do
empreendimento científico a partir dos elementos a que remete seu programa
experimental de pesquisas.
a) Abordagem evolucionista para o problema do conhecimento:
Diversos autores (por exemplo, Day, 1992; Marr, 1985; Smith, 1989;
Zuriff, 1980) já mencionaram a influência da obra de Mach na psicologia de Skinner.
Estas análises indicam, fundamentalmente, a importância do pensamento de Mach para a
noção skinneriana de funcionalidade do conhecimento. A análise de Smith (1989),
porém, aproxima-se do tema da naturalização da epistemologia. Ao enumerar
semelhanças entre o pensamento de Skinner e o de Mach, Smith (1989) refere-se a uma
"epistemologia psicologista"50 comum a ambos e assinala:

Os diversos pontos de vista específicos, comuns às abordagens de Mach e Skinner,


correspondem todos a pouco mais do que aperfeiçoamentos de uma concepção biológico-
econômica do conhecimento. Para ambos, a parcimônia intelectual que constitui seu
positivismo é o resultado das exigências de adaptação eficiente. Teorias especulativas e
conceitos reificados são evitados na crença de que interfeririam no estudo direto do
objeto de estudo à mão e levariam, consequentemente, ao comportamento inefetivo
(p.274).
O próprio Skinner, em diversas ocasiões (por exemplo, Skinner,
1931/1961a, 1938, 1989b), reconhece a influência de Mach sobre sua proposta de
ciência. Suas referências a Mach usualmente remetem à noção de descrição de relações
funcionais, ao estudo histórico de conceitos científicos e à idéia de considerar o
comportamento como objeto de estudo em si mesmo (sem referências a condições
internas dos organismos, sejam elas consideradas fisiológicas/neurológicas ou mentais).
À propósito da análise histórica de conceitos científicos, Skinner assume uma visão
semelhante à de Mach, no que diz respeito a uma consideração de caráter evolucionista
dos diferentes tipos de asserção sobre o mundo, embora não afirme que se trata de um
evolucionismo de tipo biológico. Diz Skinner (1953/1965):

50. Smith (1989) enumera ao todo seis pontos de convergência entre Skinner e Mach:
suas concepções sobre a origem da ciência (continuidade entre conhecimento não
científico e conhecimento científico); a noção de economia biológica na ciência (relação
entre conhecimento científico e preservação e adaptação); as idéias de causa como
função e descrição como explicação (conhecimento como descrição de relações
funcionais); a rejeição de hipóteses e teorias (precedência da observação e da
experimentação); a noção de verdade (concepção funcionalista); e epistemologia
psicologista (abordagem empírica comportamental para o problema do conhecimento).
Como Ernst Mach demonstrou ao traçar a história da ciência da mecânica, as primeiras
leis da ciência foram provavelmente as regras usadas por artífices e artesãos no
treinamento de aprendizes. As regras poupavam tempo porque o artífice experiente podia
ensinar ao aprendiz uma variedade de detalhes em uma única fórmula. Ao aprender a
regra, o aprendiz podia lidar com casos particulares à medida que surgiam.
Em um estágio posterior, a ciência avança da coleção de regras ou leis para arranjos
sistemáticos mais amplos. Ela não apenas faz afirmações sobre o mundo; ela faz
afirmações sobre afirmações. Ela estabelece um "modelo" de seu objeto de estudo, que
ajuda a gerar novas regras, tanto quanto as regras próprias geram novas práticas de lidar
com casos particulares (p.14).
Ao entender o desenvolvimento da ciência nestes termos, a investigação histórica
dos conceitos científicos converte-se, para Skinner, num recurso para identificação das
condições de objetividade do conceito e depuração de aspectos que transcendem este
nível. É neste sentido que, como mencionado no Capítulo 4, os conceitos científicos
perdem sua historicidade; isto é, eles deixam de ser conceitos históricos quando
delimitados ao que se acredita serem as condições de objetividade da ciência. No próprio
artigo de 1931 (Skinner, 1931/1961a), Skinner indica os limites de sua análise histórica
do conceito de reflexo. Afirma ele que

Certos fatos históricos são considerados por duas razões: para descobrir a natureza das
observações que têm sido a base do conceito e para indicar a fonte das interpretações
incidentais com as quais estamos preocupados (Skinner, 1931/1961a, p.321).
Isto é, a análise histórica permite diferenciar o que se fundamenta na
observação (e constitui os limites do emprego legítimo do conceito) de interpretações que
se colocam em outro nível, especulativo e inapropriado para a ciência. No caso particular
do conceito de reflexo, os únicos fatos observados e que configuram a legitimidade do
conceito são as correlações entre estímulos e respostas.

Um reflexo é definido como uma correlação observada de dois eventos, um estímulo e


uma resposta. Uma revisão da história não revela nenhuma outra característica sobre a
qual uma definição possa ser legitimamente baseada (Skinner, 1931/1961a, p.337,
itálico acrescentado).

A história do reflexo só conheceu uma característica positiva através da qual o


conceito pode ser definido: a correlação observada de dois eventos, um estímulo e uma
resposta (Skinner, 1931/1961a, p.346).
Outras características atribuídas ao conceito de reflexo, como
involuntário, inconsciente, são consideradas negativas, e derivadas de suposições não
científicas. Estas últimas caracterizam-se por nada revelarem das relações identificáveis
entre os eventos observados e experimentalmente confirmadas.
b) Naturalização do objeto de estudo:
A possibilidade de tratar um determinado tipo de asserção (científica)
como ahistórica só se torna possível quando se supõe haver uma natureza do que é
conhecido que justifica antecipadamente aspectos definidores do que pode ser tido por
conhecimento e do que é o método apropriado para alcançá-lo. Assim como Mach fala de
necessidades biológicas que definem, por si mesmas, as condições em que se pode falar
em conhecimento, Skinner fala da natureza de um único mundo existente como sendo
caracterizada pela disposição de contingências de reforçamento, e de conhecimento como
nada mais podendo ser do que a interação com (ou descrição de) aquelas contingências.
Seu conceito de contingências de reforçamento já foi advogado como não dotado de um
fisicalismo ontológico. Nas palavras de Marr (1985):

... as variáveis que entram nas contingências controladoras do comportamento são


"expressas" em termos físicos, como acontece em todas as ciências. Quaisquer que sejam
as relações de controle do termo "físico", o efeito é, como diria Wittgenstein, "permitir-
nos ir adiante" - isto é, lidar com o mundo de alguma maneira efetiva. Para alcançar isto,
Mach falava de "elementos"; Skinner fala de contingências (p.134).
Esta afirmação de Marr (1985) pode ser válida como uma interpretação
possível para as afirmações de Skinner, mas implica duas outras possibilidades: ou o
conceito (contingências de reforçamento) e as noções de conhecimento e de método nele
implicados devem ser relativizados (o que incide em várias das reivindicações de
Skinner), ou Skinner realmente trabalha com princípios ontológicos acerca da natureza de
seu objeto de estudo. Parece no mínimo um exagero admitir-se, seguindo o que sugere a
citação de Marr (1985), que a primeira possibilidade é a única identificável nas
afirmações de Skinner.
c) Observação e experimentação como as únicas vias apropriadas para o
conhecimento do mundo:
Skinner fala de conhecimento como ação ou regras para a ação, mas no
caso das leis científicas, como observado anteriormente, está-se no campo das regras, e
não do comportamento que opera propriamente sobre o meio. Considerado o mundo em
termos de contingências de reforçamento, as regras científicas caracterizam-se pela
descrição daquelas contingências, descrições precisas de relações de controle
identificáveis e reprodutíveis experimentalmente (uma posição que Skinner deriva da
proposta de Mach de identificação de relações funcionais; em Mach, entretanto, a
proposição do método experimental não se sobrepõe à idéia de considerar diferentes tipos
de asserções como tentativas legítimas de organização da experiência e igualmente
dotadas de valor funcional). Para chegar a tais descrições, o método científico não pode
ser outro se não a observação e a experimentação, única via para identificação e
confirmação das relações ordenadas entre os eventos. Olhar para o mundo como um
sistema que dispõe contingências de reforçamento não implica, nesta perspectiva,
nenhum grau de arbitrariedade do cientista ou da cultura, pois aquela é a natureza própria
do mundo. Dizer que se conhece (cientificamente) este mundo, por outro lado, é ser
capaz de descrevê-lo de forma tal que a descrição propicia uma interação eficaz com
aquelas contingências. Interação eficaz significa tomar a funcionalidade como critério;
mas observe-se que a funcionalidade não tem aqui um sentido que se estenda além da
previsão e controle dos fenômenos, baseados na descrição precisa de relações
contingentes. Isto é, funcionalidade diz respeito à possibilidade de previsão e controle.
Alcançá-la, por outro lado, só é possível através da observação e da experimentação.
Asserções derivadas da aplicação daquele método são então reconhecidas como dotadas
de valor privilegiado; são, de outro modo, as únicas dotadas de legitimidade científica.
Asserções que não se submetem a este método carecem de legitimidade e não expressam
conhecimento (pelo menos, científico). Colocadas estas suposições em termos do
comportamento como objeto de estudo, chega-se à descrição precisa de relações
contingentes entre eventos ambientais e eventos comportamentais como o tipo de
enunciado pertinente e legítimo para uma ciência psicológica. Um tipo de enunciado ao
qual só se pode chegar através da observação e da experimentação.
Se olhar para o mundo como um sistema que dispõe contingências de
reforçamento é atender à própria natureza do mundo, falar de conhecimento como
descrição de relações funcionais empírica e experimentalmente investigadas é, também,
falar da natureza própria do conhecimento. Descrições do mundo que propiciam previsão
e controle são as que legitimamente podem ser consideradas expressões de
conhecimento, em contraste com outras reivindicações a conhecimento elaboradas por
uma cultura. E como a experimentação é a única via capaz de propiciar aquelas
descrições, ela está naturalmente justificada. Nem concepção de mundo, nem critério de
validade, nem método de investigação são aqui reconhecidos como arbitrários. Eles
atendem à natureza própria do fenômeno conhecimento. O conhecimento a que dizem
respeito (as leis naturais do comportamento, por exemplo), por outro lado, tem
naturalmente valor privilegiado para a cultura. Esta é exatamente a posição a que RB
diz respeito. Ao assumi-la, ou pelo menos sugeri-la como sendo compatível com sua
noção funcional de conhecimento, Skinner assume a posição PA-RB.
d) Preservação da noção de correspondência:
A sustentação de uma condição aprioristicamente privilegiada para um
determinado tipo de enunciado só se torna possível lançando-se mão da noção de
correspondência. Mesmo sem trabalhar com o paradigma da representação, Skinner
estaria inconsistentemente reivindicando um tipo de correspondência entre os enunciados
de sua ciência e seu objeto de estudo. Pode-se indagar, então, se, ao dar o passo citado
acima, Skinner de fato mantém-se no campo PA (associando-o a RB). Do ponto de vista
desta análise, é possível dizer que sim, por duas razões. Em primeiro lugar, porque para
chegar àquela noção de conhecimento científico, Skinner não abandona a idéia de que
todos os tipos de asserção são dotados de funcionalidade. Ele não abandona, por
exemplo, sua concepção funcional de linguagem e não deixa de examinar o discurso
científico segundo aquela ótica. Em segundo lugar, embora aquela interpretação
possibilite considerar o conhecimento científico como dotado de alguma correspondência
com o mundo natural, em nenhum momento Skinner transita para o campo RA, isto é, ele
em momento algum passa a admitir a noção de conhecimento como representação exata
da realidade. A relação PA-RB é de fato contraditória, mas Skinner não supera a
contradição transitando de PA para RA e, segundo o que foi argumentado anteriormente,
há circunstâncias em que ele realmente assume RB.
e) Naturalização do valor da ciência:
Já se assinalou anterioriormente que, por abordar o conhecimento
científico a partir de sua noção de linguagem, Skinner não o concebe como
biologicamente determinado. Ao compará-lo com Mach, no entanto, não se pode deixar
de assinalar que também para Skinner o conhecimento tem um valor biológico, já que
propicia a interação necessária para garantir a sobrevivência da espécie e/ou da cultura. E
para Skinner um conhecimento será capaz de propiciar tal interação, e, portanto, a
sobrevivência da cultura, tanto quanto ele instrumentalizar para a previsão e o controle
dos fenômenos. Há, aqui, um fundamento biologicista para a legitimação de determinada
concepção de conhecimento e de método. Quer dizer, é recorrendo a um modelo
biológico que Skinner pretende defender o princípio de sobrevivência da cultura como
um princípio que incide no campo dos valores, mas que pretende-se pertencer ao campo
dos fatos e, portanto, fundamentar uma ciência que estaria acima de valores particulares.
Este princípio de sobrevivência da cultura talvez devesse ter sido mais amplamente
discutido aqui, na medida em que é articulado a ele que algumas das reivindicações de
Skinner acerca de seu modelo de ciência são colocadas acima da necessidade de
convencimento. No entanto, a análise dos argumentos relativos à defesa deste princípio
exigiria uma discussão adicional acerca das noções de cultura e de sobrevivência com as
quais Skinner opera (o que apenas em certa medida, aparece nas considerações acima).
Além disso, a inconsistência de Skinner na argumentação daquele princípio já foi
eficientemente assinalada por Abib (1987) e Zuriff (1980). Preferiu-se, então, não
estender a discussão sobre a (im)possibilidade de aquele princípio fundamentar uma
ciência (e uma ética) não arbitrárias. Mas algumas observações podem ser acrescentadas.
É no sentido da legitimação apriorística de um dado modelo de ciência
que o programa de pesquisas proposto por Skinner no início de sua carreira pode ser
pensado como independente do assentimento intersubjetivo, para converter-se no tipo de
investigação necessária para a psicologia. (As restrições a este programa são
frequentemente consideradas por Skinner como a tentativa de restauração do
mentalismo.). As dimensões do fenômeno comportamental que se tornam objeto de
investigação (a que a noção de linhas de fratura diz respeito) não são o fenômeno tal
como ele naturalmente se apresenta (em todas as suas dimensões), mas são naturalmente
justificadas porque a análise operada pelo cientista é tida por necessária. O tema do
operacionismo, por outro lado, aponta para a necessidade de a ciência fazer uso de uma
linguagem particular, uma linguagem apropriada à descrição de relações regularmente
observáveis entre eventos. Em virtude da natureza do empreendimento científico,
conceitos científicos não podem envolver nada mais do que aquelas relações, sob pena de
perderem sua própria funcionalidade (o que significa perder sua cientificidade), de serem
incapazes de propiciar a previsão e o controle dos fenômenos de que se ocupam.
Aquela mesma legitimação de conteúdo biológico tende a colocar a
superioridade da ciência, suas leis e seus métodos, como acima de qualquer exame
crítico. O produto da ciência é o que pode atender ao interesse da cultura por sua própria
sobrevivência. É como se os interesses de uma cultura correspondessem aos interesses
de todo e qualquer membro da mesma, como se não houvesse conflito de interesses entre
os diferentes grupos sociais que a compõem e como se houvesse uma única noção
possível sobre o que significa sua própria sobrevivência. Skinner, se não chega a tanto,
faz afirmações contraditórias acerca do papel da ciência. Ele reconhece a determinação
social do comportamento do cientista; antes, porém, levanta a possibilidade de a ciência
chegar a fatos que transcendam os intereses particulares de diferentes grupos sociais, sem
rejeitar, de qualquer modo, esta possibilidade. Diz ele ao tratar de questões éticas e
morais51:

51. A crença de Skinner na possibilidade de uma ciência do comportamento, por


conhecer os fatos comportamentais, isto é as leis naturais a eles correspondentes, ter
condição privilegiada no planejamento da cultura fica mais evidenciada no livro Walden
Two (Skinner, 1948/1971a), como demonstra a análise de Andery (1990).
Muito tem sido escrito recentemente acerca da necessidade de voltar-se para a "lei moral"
nas deliberações relativas aos assuntos humanos. Mas a questão "Lei moral de quem?"
frequentemente se mostra embaraçadora. Colocados diante do problema de encontrar
uma lei moral aceitável para todos os povos do mundo, tornamo-nos mais
acentuadamente conscientes das deficiências dos princípios propostos por qualquer grupo
ou agência particular. A possibilidade de promover estes princípios através da educação
ou da conquista militar não é promissora. Se uma ciência do comportamento puder
descobrir aquelas condições de vida que resultam no fortalecimento dos homens, ela
poderá prover um conjunto de "valores morais" que, por serem independentes da
história e da cultura de qualquer grupo particular, poderá ser amplamente aceito
(Skinner, 1953/1965, p.445, itálico acrescentado).

Isto não significa, entretanto, que os cientistas estão se tornando governantes auto-
indicados. Não significa que qualquer um de posse dos métodos e resultados da ciência
pode dar um passo para fora da corrente da história e tomar a evolução do governo em
suas próprias mãos. A ciência também não está livre. Ela não pode interferir no curso dos
eventos; ela é simplesmente parte deste curso. Seria bastante inconsistente que nós
eximíssemos os cientistas da explicação que a ciência dá do comportamento humano em
geral (Skinner, 1953/1965, p.446).
f) Análise do empreendimento científico a partir dos elementos a que remete o
programa experimental de pesquisa:
Compreender em que extensão as práticas científicas correspondem a
interesses de grupos sociais particulares depende, de qualquer modo, como apontado
anteriormente, de se transcender o modelo de ciência que recomenda olhar para os
determinantes do comportamento verbal científico apenas enquanto contingências às
quais aquele comportamento está funcionalmente relacionado, em direção a uma
discussão crítica daquelas próprias contingências. A análise histórica (não experimental),
ao prover informações sobre a gênese de determinados projetos de investigação, pode ser
especialmente relevante para esta tarefa (e, diga-se, Skinner de fato lança mão dela em
inúmeros textos que caracterizam investigações não experimentais), mas novamente,
Skinner permite uma interpretação em termos da interdição desta possibilidade. Como
salientado na seção 5.3., há momentos em que a análise do comportamento científico,
assim como a análise da linguagem, reduz-se à simples enumeração de variáveis às quais
aquele comportamento estaria funcionalmente relacionado. Em outra circunstância, ao
defender a prioridade de uma ciência experimental do comportamento no planejamento
da cultura (da qual o empreendimento científico faz parte), Skinner (1948/1971a) enfatiza
que o que importa para tal planejamento é o conhecimento das relações de controle
relativas ao comportamento humano. Ele então caracteriza o estudo histórico como
irrelevante e fadado à incapacidade de lançar luz sobre os fatos comportamentais. Diz
ele:

Qualquer evento histórico singular é muito complexo para ser adequadamente conhecido
por qualquer pessoa. Ele transcende todas as capacidades intelectuais dos homens. Nossa
prática é a de esperar até que um número suficiente de detalhes tenham sido esquecidos.
É claro que as coisas parecem mais simples então! As nossas memórias trabalham dessa
maneira; nós retemos os fatos a respeito dos quais é mais fácil pensar (Skinner,
1948/1971a, p.238).

Nada confunde mais nossa avaliação do presente do que um senso de história (Skinner,
1948/1971a, p.239).
A incapacidade do estudo histórico em especificar relações precisas
envolvidas em eventos humanos passados resulta, para Skinner, na desqualificação,
também, da política e das ciências sociais, em virtude destas apoiarem-se
sistematicamente naquele tipo de investigação. Esta posição fica evidenciada na análise
realizada por Andery (1990). Afirma ela sobre as considerações de Skinner:

A história, mesmo quando encarada mais benevolamente por Skinner, como em Science
and Human Behavior, não passa de uma tentativa incipiente de descobrir aquilo que só a
ciência natural, com seus métodos, pode descobrir. É uma tentativa pré-científica de
descobrir uniformidades porque, embora possa supor como pressuposto ontológico-
epistemológico que o comportamento humano é submetido à regularidade, não pode
realmente descobrir as leis que descrevem esta uniformidade; não é capaz de produzir o
restante do arcabouço epistemológico-ontológico necessário e não pode derivar a
metodologia adequada para tal. Se a história carece desses requisitos, seu corolário
prático, a política e as ciências sociais, carecem da tecnologia adequada para transformar
seu objeto - a sociedade. Se a ciência não pode descrever adequadamente seu objeto de
estudo, a tecnologia dela derivada não o poderá controlar. A política e a história são,
assim, substituídas por Skinner pela ciência do comportamento e pela experimentação.
Ao invés de formas pré-científicas de governo e de metodologias não científicas, Skinner
propõe uma sociedade planejada segundo a ciência - ciência natural - capaz de prever e
controlar os fenômenos com precisão (Andery, 1990, p.256).
Ainda quanto à possibilidade de considerar a ciência do ponto de vista de
sua historicidade, Marr (1985) observa que

... há um tema comum que atravessa o trabalho de Mach de forma harmônica com a
"epistemologia empírica" de Skinner; [a idéia de] que a ciência não é um domínio
elevado, incorrigível e Platônico da Verdade, mas uma atividade humana, afinal,
controlada pela história, pelas circunstâncias e pelas consequências (p.137).
A sugestão de Marr (1985) de que a perspectiva histórica está contida na
noção de ciência de Skinner assume contornos particulares quando se refere à posição de
Mach. Isto é, quando inspirada na filosofia de Mach, a abordagem histórica reservada à
ciência é uma análise positivista, que restringe-se à consideração do desenvolvimento
científico como um processo progressivo e ordenado de acumulação de fatos. Também
aqui, Skinner expressa uma atitude representacionista diante da prática científica - uma
atitude que se articula com a idéia de valorização daquela prática como inerente a sua
própria natureza. Este tipo de valorização fica sugerido em sua afirmação de que a
ciência é a única instância que garante progresso em nossas formas de interação com o
mundo. Este progresso, por outro lado, é pensado como um processo cumulativo, mais ao
estilo da concepção popperiana de ciência do que da noção de revoluções paradigmáticas
a que Kuhn (1978) se refere no contexto de uma análise que busca considerar os
elementos sociais inerentes à prática científica. Afirma Skinner (1953/1965):
Os resultados tangíveis imediatos da ciência tornam mais fácil avaliar do que a filosofia,
a poesia, a arte, ou a teologia. Como indicou George Sarton, a ciência é a única a
mostrar um progresso cumulativo. Newton explicou suas enormes realizações
dizendo que se levantava sobre os ombros de gigantes. Todos os cientistas, gigantes ou
não, permitem àqueles que os seguem começar de um ponto um pouco mais adiantado.
Isto não é necessariamente verdadeiro em outras partes. Nossos escritores, artistas
e filósofos contemporâneos não são apreciavelmente mais efetivos do que aqueles da
idade de ouro da Grécia; enquanto isso, o estudante mediano de segundo grau entende
muito mais da natureza do que os maiores dos cientistas gregos. Uma comparação da
efetividade da ciência grega e da ciência moderna mal vale à pena ser feita (p.11, itálico
acrescentado).
O que se colocou acima acerca do status privilegiado de um dado tipo de
asserção provoca estranheza diante do volume de textos teóricos elaborados por Skinner,
que em pouca ou nenhuma medida atendem aos critérios experimentais de seu modelo de
ciência. Aqueles textos indicam, de um lado, que Skinner não reduz a validade de toda e
qualquer asserção a seu componente experimental. De certa forma, ele torna isso possível
ao diferenciar o behaviorismo radical da análise experimental do comportamento,
indicando o primeiro como uma filosofia que reflete sobre o objeto de estudo e os
métodos da segunda (cf. Skinner, 1969). Mas também neste terreno, Skinner por vezes
invoca aquele mesmo critério de validade para diferenciar suas asserções. Nestes casos,
ele fala de seus textos teóricos como interpretações, como se devessem ser tomados
como diferentes de seus textos científicos; e sugere que a validade dos mesmos também
deve ser auferida com base no que propiciam de previsão e controle dos eventos a que se
referem (é neste sentido que a funcionalidade pode prescindir do consenso público). Em
seu Verbal Behavior, por exemplo, explica a análise apresentada nos seguintes termos:

A ênfase é sobre um arranjo ordenado de fatos bastante conhecidos, em acordo com uma
formulação do comportamento derivada de uma análise experimental de tipo mais
rigoroso. A presente extensão ao comportamento verbal é, portanto, um exercício de
interpretação, e não uma extrapolação quantitativa de resultados experimentais rigorosos
(...) O objetivo último [do livro] é a previsão e o controle do comportamento verbal
(Skinner, 1957, pp.11-12, itálico acrescentado).
Se se ignora esta caracterização de seus escritos "teóricos", porém,
vislumbra-se em Skinner a possibilidade de uma interpretação muito mais interessante do
problema do conhecimento; uma interpretação que pode efetivamente eliminar qualquer
indicador de compromissos representacionistas em uma atitude comportamentalista
diante dos fenômenos humanos, inclusive a prática científica. Antes de considerar esta
possibilidade, no entanto, pode-se já indagar: se o caráter representacionista não é
necessário às formulações teóricas de Skinner (e, ao contrário, leva à contradição), o que
o sustenta? Já se salientou que os aspectos representacionistas que aparecem nas
formulações de Skinner assumem a forma de uma naturalização do problema
epistemológico em termos próximos aos da formulação de Mach, mas não se trata, neste
ponto, de entender como aqueles elementos são formulados, mas o que os motiva. Isto é,
em termos skinnerianos, sob controle do que Skinner se comporta ao enveredar por
supostos representacionistas?
Os aspectos enumerados acima (abordagem evolucionista para o problema
do conhecimento; naturalização do objeto de estudo; observação e experimentação como
as únicas vias apropriadas para o conhecimento do mundo; preservação da noção de
correspondência; naturalização do valor da ciência; e análise do empreendimento
científico a partir dos elementos a que remete o programa experimental de pesquisa) só
fazem sentido no contexto de uma defesa exagerada de um determinado programa de
pesquisa. Segundo o entendimento a que se chegou com a presente análise, é ao tentar
conferir legitimidade a seu programa de investigações experimentais que Skinner apela a
supostos representacionistas, incompatíveis com uma concepção funcional de
conhecimento. Abandonada esta preocupação, nenhum sentido faria buscar na evolução
da espécie ou da cultura uma justificação para o tipo de enunciado a que um modelo de
ciência permite chegar (item a). Também não seria necessário entrar em um debate
metafísico sobre a natureza última do mundo ou de um dado objeto de estudo (item b).
Não se precisaria, ainda, invocar a natureza última do mundo para justificar um método
de investigação (item c) ou reintroduzir a idéia de correspondência (item d). O valor de
um dado discurso científico, por outro lado, poderia ser reconhecido como culturalmente
contingente, em vez de naturalmente determinado (item e) e a própria prática científica
poderia ser admitida como legitimamente abordada em discursos que transcendam o nível
da especificação experimental (item f). Apenas uma preocupação exagerada em defender
um modelo de pesquisa pode explicar o apelo àqueles elementos. Um retorno às citações
de Skinner apresentadas neste capítulo, por outro lado, evidencia que aqueles elementos
sempre aparecem em momentos em que Skinner ou está justificando seu programa, ou
está tentando interpretar um problema particular (por exemplo, linguagem ou
comportamento verbal científico) de uma maneira tal que sugira se tratar de algo
acessível (ainda que precariamente) a seu programa de investigações. É isto, também, que
aparece nos textos examinados no Capítulo 4. É apenas quando pretende justificar
antecipadamente os recortes efetuados para propiciar a investigação experimental do
reflexo que Skinner invoca critérios de objetividade, obscurecendo o caráter
intersubjetivo de sua prática científica. A inconsistência dos elementos citados acima,
bem como a possibilidade de uma interpretação alternativa segundo a própria ótica de
Skinner (principalmente quando levada às últimas consequências sua própria proposta de
considerar a linguagem como um sistema não-representacional, mas funcional, de
interação com o mundo) são considerados a seguir.

5.7. Atitude Behaviorista e Crítica ao Representacionismo.


Grande parte das eventuais pretensões representacionistas de Skinner
dissolvem-se a partir de suas próprias formulações conceituais. O que se apresentará a
seguir é uma argumentação baseada em conceitos do próprio Skinner, mas que é
pragmatista no sentido de PB, como também crítica de qualquer tentativa de elevar a
análise do comportamento (e, de resto, qualquer discurso científico) à condição de RB.
Skinner considera o conhecimento (científico ou não) a partir da noção de
contingências de reforçamento. Esta noção, contudo, implica a relação do homem com o
mundo, isto é, ela implica interação. Há duas possibilidades de interpretação para a
noção de contingências de reforçamento, tal como ela é empregada em diferentes
momentos por Skinner: uma primeira possibilidade diz respeito a considerar-se o objeto
do conhecimento enquanto um conjunto de estímulos discriminativos e estímulos
reforçadores; uma segunda possibilidade consiste em considerar a relação de tríplice
contingência como um todo, o que significa incluir o comportamento humano na relação
com aquelas condições. Pode parecer estranho, mas quando Skinner fala de um mundo
cuja natureza é dispor contingências de reforçamento, ele parece considerar esta última
apenas do ponto de vista da primeira possibilidade citada; o comportamento do indivíduo
entraria nesta noção apenas quando se pudesse afirmar ter ele o conhecimento daquelas
contingências. As contingências em si existiriam antes e independentemente da ação
humana. Acontece que no contexto do próprio aparato conceitual skinneriano, aquela
primeira possibilidade não faz sentido, pois nenhum evento é em si mesmo um estímulo
discriminativo ou reforçador; qualquer evento só assume esta condição, só passa a existir
enquanto tal, na relação com o comportamento de um organismo. Um evento qualquer
pode, inclusive, vir a assumir, na relação com o comportamento de um organismo, tanto a
condição de estímulo discriminativo quanto a condição de estímulo reforçador, ou até
nenhuma condição. O que define uma condição qualquer é a relação entre o evento e o
comportamento do organismo.
Seguindo esta linha de análise, pode-se até admitir que a ciência vêm a
conhecer contingências de reforçamento (no sentido de que o cientista interage de
determinada maneira com um conjunto de eventos), mas estas não existem
aprioristicamente; elas vem a se constituir na interação do indivíduo (ou da cultura) que
conhece com o mundo. Se os eventos vêm a se constituir como contingências, então não
se pode falar do que é conhecido como algo natural; tem-se que considerar como uma
realidade construída a partir de condições sociais e históricas determinadas.
Este tipo de interpretação pode suscitar a idéia de que se está assumindo
uma noção idealista do mundo, mas esta suposição só se torna pertinente no contexto de
uma atitude representacionista. Nos parágrafos acima, falou-se em eventos, que assumem
ou não a condição de contingências de reforçamento, dependendo do tipo de interação
que se provê com os mesmos. Poder-se-ia, seguindo a linha dos supostos
representacionistas, indagar o que, afinal, são tais eventos em si mesmos e em que
sentido o conhecimento os apreende ou não. Numa perspectiva pragmatista, entretanto,
pode-se assumir, seguindo Skinner, que o mundo existente é um só, um mundo com o
qual se pode interagir de maneiras diversas (cientistas, artistas e cidadãos comuns
interagem com uma mesma realidade, apenas de maneiras diferenciadas). Embora o
mundo com o qual cientistas e não cientistas interagem seja um mundo natural, nenhum
tipo de asserção sobre o mesmo apreende uma essência desta natureza (se é que existe
alguma), já que qualquer interação é determinada por fatores que são externos a esta
própria natureza. Neste caso, não faria sentido argumentar uma distinção entre a natureza
última do mundo e o mundo tal qual é conhecido; o mundo existente é o mundo que é
conhecido, mas o conhecimento deste mundo pode assumir formas variadas, dependendo
do tipo de interação que se busca com o mesmo. Supor a existência de uma realidade
última (o que é próprio do representacionismo) significa simplesmente sustentar, em
bases frequentemente metafísicas, o status privilegiado de um dado tipo de interação com
a realidade e das asserções daí decorrentes. Ao contrário desta pretensão, no entanto,
pode-se admitir que os diversos tipos de interação possíveis não são eles mesmos
impostos ou selecionados pela natureza do mundo (embora estejam por ela limitados),
mas são determinados por condições histórico-sociais52, que tornam relevante uma
determinada abordagem para um conjunto de problemas e um determinado critério para
validação das asserções a serem construídas neste âmbito.
Assinalou-se anteriormente que a própria noção skinneriana de
comportamento verbal e de comportamento verbal científico, apontam na direção desta
perspectiva relativista acerca do conhecimento. Sendo a linguagem função de
contingências de reforçamento providas por uma comunidade verbal, ela pertence ao
campo das práticas culturais, não podendo ser interpretada, então, em termos de
condições que se supõe impostas pela natureza do mundo. Esta mesma noção evidencia a
arbitrariedade da linguagem científica diante da realidade que constitui seu objeto de
estudo. As práticas de uma comunidade científica são função de contingências de
reforçamento providas por uma comunidade verbal científica, e não determinadas por
uma natureza última da realidade. As contingências providas pela comunidade verbal
científica, por outro lado, por pertencerem ao campo das práticas de uma cultura
expressam, de alguma forma, seus valores e interesses. Esta condição inerente a todo
discurso científico foi muito bem afirmada por Burton (1980); e observe-se que este autor
entende estar chegando a tais conclusões a partir da própria exposição de Skinner no
Verbal Behavior (Skinner, 1957). Afirma ele:

O comportamento científico não ocorre em isolamento: ele tem seus antecedentes e seus
consequentes. A discussão de Skinner (1957) talvez nos dê maneiras de ligar a análise do
comportamento científico dos indivíduos com a análise sociológica da prática científica.
Há uma comunidade verbal que exerce controle sobre o comportamento de cientistas
individuais, mas aquela comunidade é um produto histórico, resultante da interação
complexa de fatores econômicos e políticos, junto com influências relativamente não
sociais. Segue-se que a probabilidade de um programa de pesquisas vir a existir está
relacionada à formação social da sociedade na qual o cientista vive. Uma vez afirmado o
núcleo do programa, ele só será adotado por um número significativo de trabalhadores
sob certas condições sociais. Estes dois requisitos para a origem de um programa de
pesquisas dependem dos antecedentes (em grande parte ideológicos) do comportamento
dos cientistas (Burton, 1980, p.119).
A idéia de arbitrariedade do discurso científico diante da realidade é
exatamente o que está implicado na posição pragmatista a que o campo PB diz respeito.
Se se retorna, agora, ao problema da análise operada pelo cientista, a que se referiu no
Capítulo 4, observa-se que só faz sentido (pelo menos logicamente), no contexto da
concepção skinneriana de linguagem, interpretar a análise como contingente a propósitos
histórica e culturalmente determinados. Ou seja, a fim de possibilitar um determinado
programa de investigações, faz-se necessário selecionar aspectos ou propriedades dos
eventos sob estudo; porém, tal recorte da realidade sustenta-se não na natureza última das
coisas, mas em fatores sociais que justificam e tornam pertinente uma maneira particular
de interagir com a realidade, à qual se relaciona aquele programa de investigações.

52. Recorde-se, a respeito, a idéia de "constrangimento", citada para exemplificar a


relação entre linguagem e realidade na perspectiva de Wittgenstein (Capítulo 2).
Consequência semelhante pode ser derivada para o problema da
funcionalidade enquanto critério e para a experimentação como método. A proposta de
olhar para o conhecimento enquanto recurso para interação com o mundo (PA) implica
logicamente que todo discurso está dotado de uma funcionalidade. Por outro lado,
implica admitir que a opção entre discursos concorrentes é arbitrária e determinada
socialmente (PB). Burton (1980), ao discutir o behaviorismo skinneriano, assinalou este
problema da seguinte maneira:

... se tivermos que rejeitar qualquer reivindicação absolutista para a ciência e usar, em
vez disso, um critério de utilidade, a nossa posição também implicará um relativismo
social. Isto não significa dizer que qualquer teoria é tão boa quanto uma outra, mas que [a
decisão sobre] qual teoria é mais útil depende do contexto em que é usada. Idéias, regras
e teorias são úteis por diferentes razões e para diferentes pessoas (p.119).
No contexto daquela noção de funcionalidade, eleger a previsão e o
controle como aspectos definidores do conhecimento válido implica cair em contradição.
Para manter a coerência, faz-se necessário admitir que o status conferido ao discurso que
propicia a previsão e o controle está limitado ao (e/ou é determinado pelo) contexto em
que sua validade é argumentada, vale dizer, pelos propósitos e interesses a que atende
(ou, se se preferir, pelas contingências de reforçamento das quais é função). Tais
interesses e propósitos, além de circunscreverem o âmbito da validade do critério, não
são os únicos admissíveis como legítimos para um grupo social. Numa perspectiva
behaviorista radical, pode-se dizer que as comunidades verbais dispõem diferentes
conjuntos de contingências de reforçamento relacionadas à produção de diferentes tipos
de interação com o mundo. A compatibilização e/ou hierarquização dos produtos
resultantes é função, não de uma natureza última das coisas, mas do que efetivamente
propiciam em termos de uma interação, que será reforçadora tanto quanto atenda às
necessidades e propósitos do grupo social. É neste sentido que tanto o estudo histórico,
como as "interpretações" de Skinner podem ser considerados legítimos e válidos, mesmo
numa perspectiva behaviorista radical. Ambos valem tanto quanto, com sua ajuda, pode-
se lidar, prática ou intelectualmente, como dizia James, com um determinado conjunto de
problemas. Este valor, por outro lado, não pode ser sustentado aprioristicamente, mas
apenas no debate, no confronto com discursos alternativos. Neste contexto, pode-se
argumentar a favor das "interpretações" de Skinner, por exemplo, não por estarem
assentadas em conceitos supostamente derivados da pesquisa experimental (o que pode
até ocorrer e contribuir para a consistência de sua argumentação), mas por permitirem
revelar o caráter ilusório e contraditório da concepção de homem predominante na
sociedade. O estudo histórico, por outro lado, pode ser defendido, não através da
tentativa de avaliá-lo segundo sua capacidade de gerar previsão e controle de fenômenos
humanos e sociais, mas a partir de sua capacidade em revelar valores e interesses
subjacentes àquela concepção da qual o behaviorismo pretende ser crítico (ou explicitar
as contingências sociais das quais aqueles discursos são função). É interessante
exemplificar este argumento com a oposição dirigida por Skinner aos cognitivistas.
Skinner foi provavelmente um dos mais consistentes e insistentes críticos
do mentalismo e do cognitivismo. Dentre as inúmeras ocasiões em que expôs suas
restrições a psicologias deste tipo, uma merece ser destacada pela veemência de suas
críticas e, ao mesmo tempo, pela originalidade na exposição de seu ponto de vista. Tendo
assinalado a persistência (improdutiva) das teorias cognitivas, Skinner (1985) afirma:

A situação é séria e talvez um toque de retórica seja perdoado. Modelarei minha


conclusão pela famosa acusação de Émile Zola no Dreyfus Affair: 'Eu acuso ...'
Eu acuso os cientistas cognitivos de usarem incorretamente a metáfora do
armazenamento. O cérebro não é uma enciclopédia, uma biblioteca, ou um museu. As
pessoas são mudadas por suas experiências; elas não armazenam cópias delas como
representações ou regras.
Eu acuso os cientistas cognitivos de especularem sobre processos internos, com respeito
aos quais eles não têm nenhum meio apropriado de observação. A ciência cognitiva é
frequentemente apenas neurologia prematura.
Eu acuso os cientistas cognitivos de emascularem a análise experimental do
comportamento, ao sustituírem os ambientes em si por descrições dos ambientes, e o
comportamento por relatos de intenções e expectativas.
Eu acuso os cientistas cognitivos de restaurarem uma teoria na qual os sentimentos e
estados da mente observados através da introspecção são assumidos como as causas do
comportamento, e não como efeitos colaterais das causas.
Eu acuso os cientistas cognitivos, como acusaria os psicanalistas, de reivindicarem
explorar as profundezas do comportamento humano, de inventarem sistemas
explanatórios que são admirados por uma profundidade que é mais propriamente
denominada de inacessibilidade.
Eu acuso os cientistas cognitivos de relaxarem padrões de definição e de pensamento
lógico, e de permitirem um fluxo de especulação característico da metafísica, da literatura
e da comunicação cotidiana, talvez bastante adequado a tais propósitos, mas prejudicial à
ciência.
Devemos trazer o behaviorismo de volta da Ilha do Demônio, para a qual foi transportado
por um crime que nunca cometeu, e deixar a psicologia tornar-se, mais uma vez, uma
ciência comportamental (p.300).
À despeito da argumentação de Skinner contra os sistemas explanatórios
cognitivistas, e apesar de a análise comportamental dispor de dados experimentais que
conferem sustentação a sua proposta conceitual, o fato é que o cognitivismo nunca
deixou de desfrutar de prestígio e valorização. Skinner parece não se conformar com a
situação, mas trata o problema como se a persistência das abordagens cognitivistas fosse
função do desconhecimento dos recursos da análise do comportamento. A análise
histórica, entretanto, pode permitir uma compreensão em outro nível, o nível das práticas
e valores sociais que sustentam uma determinada concepção de homem na qual o
cognitivismo se fundamenta.
Em um trabalho elaborado ao longo da preparação desta Tese (Tourinho,
1992), argumentou-se que o individualismo constitui uma categoria pertinente para a
consideração da concepção de homem predominante na sociedade ocidental moderna,
caracterizada, entre outros, pela noção de liberdade e independência. Esta concepção
incide não apenas na maneira como o problema do conhecimento passou a ser visto, mas
também, como outros campos da atividade humana (como a realização econômica,
religiosa, artística, etc.) passaram a ser considerados. De acordo com aquela análise, o
cognitivismo precisaria ser abordado não como um caso particular, mas como um
exemplo a mais (no campo particular do problema do conhecimento) de incidência
daquela maneira de conceber o homem. O que a análise histórica revela é que é possível
interpretar a emergência de tal concepção como associada a certos fatores sociais,
políticos e econômicos, dos quais terá a função de ser legitimadora. Sem pretender
introduzir, aqui, uma análise histórica, deve-se salientar que ao identificar as práticas
sociais, políticas e econômicas no contexto das quais emergem concepções
individualistas de homem, torna-se possível refletir sobre os valores e interesses sociais a
que tais discursos (como os discursos cognitivistas) atendem, bem como compreender
sua longevidade.
Se "interpretações" conceituais e análises históricas são recursos legítimos
no contexto de uma atitude behaviorista, que sugere olhar-se para as práticas humanas,
inclusive científicas, enquanto determinadas pelas condições físicas e sociais com as
quais os homens interagem, e se aqueles tipos de estudo devem ser reconhecidos como
conhecimento se permitem lidar de forma efetiva com um conjunto de problemas de
interesse para um grupo social, então o método experimental não pode ocupar lugar
privilegiado na avaliação das tentativas de interação com um conjunto qualquer de
problemas. Elevá-lo a tal condição significa, no mínimo, entrar em contradição, e mais
propriamente, abandonar o que se vem chamando de atitude behaviorista. Por outro lado,
transformá-lo em critério único para atribuição de validade a uma asserção significa
abandonar uma abordagem funcional para as práticas e discursos humanos.
O que parece impedir Skinner de assumir um pragmatismo do tipo PB, o
que parece retê-lo a supostos representacionistas é simplesmente sua convicção de que o
programa de pesquisas por ele proposto deve se sustentar acima da necessidade de
qualquer convencimento. Nesta perspectiva, Skinner assume uma postura do tipo
cartesiano, no sentido de que sugere que sua análise é auto-evidentemente pertinente e
necessária. Grande parte de suas afirmações confusas e contraditórias parece não ter
outra função, se não a de sustentar que qualquer leitor lúcido e inteligente será capaz de
assentir a sua proposta de ciência. Aqueles que divergem são frequentmente tomados ou
por mentalistas ou por leitores incautos. Dois fatos podem exemplificar esta atitude.
Primeiro, a recusa de Skinner em responder às críticas que Chomsky (1959) dirigiu a seu
Verbal Behavior (Skinner, 1957). E segundo seu pronunciamento em um livro destinado
à discussão crítica de suas propostas. O livro intitula-se B. F. Skinner: Consensus and
Controversy (Modgil e Modgil, 1987). O título do texto de Skinner nele incluído é
"Controversy?" (Controvérsia?) (Skinner, 1987). Neste texto, Skinner recusa-se a
considerar seu trabalho como controverso e, principalmente, a dialogar com propostas
alternativas a sua. Afirma ele:

Em que sentido o meu trabalho é controverso? Quando sou perguntado sobre o que
considero minha contribuição mais importante, sempre digo: "a original análise
experimental do comportamenmto operante e sua extensão subsequente a casos mais e
mais complexos". Não vejo nada de controverso nisso. Ou os meus resultados foram
confirmados ou não ...

Não estou tentando colocar o meu trabalho acima de críticas. Ao contrário, como em toda
ciência, tanto as práticas de laboratório como os conceitos e princípios precisam ser
constantemente examinados, mas não vejo nenhuma razão para argumentar com aqueles
que querem fazer as coisas de uma maneira diferente (Skinner, 1987, pp.11-12)53.
Há, ainda, um outro trecho de Skinner, no qual ele coloca, com todas as
letras, sua convicção de que seu programa está acima de qualquer necessidade de
argumentação. Diz ele:

O behaviorismo é uma formulação que torna possível uma abordagem experimental


efetiva para o comportamento humano. Ele é uma hipótese de trabalho sobre a natureza
de um objeto de estudo. Ele pode precisar ser esclarecido, mas não precisa ser
argumentado. Eu não tenho nenhuma dúvida acerca do eventual triunfo da posição - não
que ele será eventualmente provado ser correto, mas que ele proverá o caminho mais
direto para uma ciência bem sucedida do homem (Skinner, 1970, p.18)54.
Apesar dos receios ou pretensões de Skinner, entretanto, é possível
argumentar a favor de seu programa de pesquisas; não como o programa, pertinente ou
necessário, mas como um programa que, em certos contextos, e para certos propósitos,
mostra-se pertinente e atende a determinados interesses de determinada cultura. Burton
(1980) assinala esta possibilidade com bastante propriedade. Diz ele:

Não podemos rejeitar um programa de pesquisas com base em seus antecedentes, como
alguns tentaram fazer no caso do behaviorismo ... Fazer isso significaria rejeitar qualquer
avanço científico surgido em sociedades que não aprovamos (i.e. a maior parte da
ciência?). Os testes cruciais de uma teoria são "O que podemos fazer com ela?" e "O que
é provável de ser feito com ela?". Esta última pergunta pode incluir questões como o uso
de uma teoria para legitimar uma prática social ruim (por exemplo, o Darwinismo social).
No caso do programa de pesquisas de Skinner, os benefícios potenciais parecem
enormes, os perigos políticos consideráveis, e a utilidade atual parece, até o momento, ser
bastante boa, se não irretocável. O próprio Skinner enfatiza a utilidade prática de seu
programa. O que se precisa acrescentar a isso é um reconhecimento do relativismo social
da utilidade de um programa (Burton, 1980, p.121).
Além disso, pode-se argumentar a favor, não de uma filosofia behaviorista
radical, que sugere um fundacionalismo representacionista, desnecessário e inconsistente,
mas de uma atitude behaviorista radical que proponha a crítica da idéia de auto-
determinação e aponte, sem as restrições do experimentalismo, para os condicionantes
sociais dos diversos conjuntos de práticas e discursos humanos. Pode-se questionar se
isso continuaria sendo behaviorismo skinneriano, mas esta seria uma indagação
irrelevante. Por outo lado trata-se, sem dúvida, de uma perspectiva que vem sendo
construída no interior da própria comunidade científica identificada com a psicologia
operante de Skinner. As manifestações de Day (1992) e Czubaroff (1993) exemplificam
este fato. Dizem eles:

53. É interessante observar que, nesta citação, o próprio Skinner coloca em destaque a
palavra "argumentar".

54. Este trecho é precedido de uma referência a P. Bridgman, na qual Skinner afirma que
não poderia convencê-lo acerca do behaviorismo porque não se tratava de uma "questão
de convicção".
... tenho a expectativa de que os behavioristas radicais se tornem mais interessados em
tornar explícito o que eles entendem que Skinner está afirmando em aspectos obscuros e
controversos de seus escritos. Associado a isso, há um interesse crescente,
particularmente por parte dos membros mais jovens da profissão, pelo exame da natureza
dos passos conceituais empregados na análise behaviorista radical (...) Se este interesse
continuar a desenvolver-se, muito mais behavioristas estarão lendo muito mais livros, e
de uma abrangência consideravelmente maior do que é sugerido pela imagem de um
compromisso estreito ao experimentalismo com a qual o behaviorismo é usualmente
associado (Day, 1992, p.53).

... o que especificamente os analistas do comportamento podem fazer para construir laços
mais produtivos com outras tradições de pesquisa? Certamente uma visão pluralista da
psicologia e da ciência precisa ser cultivada na profissão. O pluralismo reconhece a
diversidade inevitável de paradigmas e tradições de pesquisa e insiste que nenhuma
tradição, por si mesma, é completamente suficiente para a compreensão da complexa
realidade humana. O pluralismo também reconhece a importância de uma interação
crítica entre tradições de pesquisa como um meio de testar e aperfeiçoar idéias.
... o pluralismo não apenas rejeita a posição dogmática e censura qualquer tradição de
pesquisa que se considere privilegiada; ele também prescreve um diálogo crítico ...
(Czubaroff, 1993, p.3).
Seguindo-se a proposta de Czubaroff (1993), pode-se defender a atitude
behaviorista, admitindo-a como delimitada por interesses e propósitos particulares e
aberta ao diálogo ou confronto com discursos psicológicos alternativos. Pode-se fazer
isso de uma forma tal em que o diálogo seja reconhecido como via de assentimento, que
abdica de fundamentos apriorísticos, mas que nem por isso resvala para o irracionalismo;
ao contrário, fornece a perspectiva de desconstrução dos discursos irracionalistas que têm
florescido às margens do precário desenvolvimento das ciências psicológicas.

CAPÍTULO 6

BEHAVIORISMO RADICAL, EVENTOS PRIVADOS

E AUTO-CONHECIMENTO

No Capítulo anterior, procurou-se mostrar que a abordagem de Skinner


para o problema do conhecimento em geral, sobretudo com sua crítica à teoria da cópia e
sua análise da linguagem, pode assumir a forma de uma atitude pragmatista, tanto no
sentido do pragmatismo de James e Dewey, quanto no sentido do pragmatismo
contemporâneo de Rorty. Quando se trata do problema do conhecimento científico,
entretanto, a posição de Skinner pode ser interpretada, ora como pragmatista, no sentido
da relação PA-PB, ora como uma articulação contraditória do tipo PA-RB. Neste caso,
salientou-se, ainda, que suposições representacionistas só aparecem quando Skinner ou
está preocupado em defender seu programa de pesquisas, ou reduz a análise de um
problema particular aos elementos de que sua proposta de investigação experimental
pode dar conta. Nos parágrafos seguintes, o que se estará examinando são as proposições
de Skinner acerca da privacidade e a noção de conhecimento de si mesmo alí envolvidas.
O problema dos eventos privados remete ao que tradicionalmente se
constituiu como o terreno próprio da disciplina psicológica: a subjetividade. Neste
sentido, ele pode ser interpretado como um tema de importância especial para qualquer
proposta de ciência que se pretenda psicológica. Por outro lado, ele coloca em evidência
uma preocupação com a interioridade do homem, usualmente associada à idéia de que
nesta interioridade residem os determinantes de suas ações. Tanto a valorização da
interioridade, quanto a atribuição de uma condição determinante à mesma, constituem-se
em obstáculos a serem superados por uma proposta de investigação que pretenda ater-se
às relações entre condições ambientais e comportamentos; principalmente, quando esta
proposta pretende caracterizar-se como a ciência psicológica (possível ou pertinente55).
Não parece exagero, portanto, sugerir que aquela noção de interioridade constitui-se em
desafio permanente à aceitação do programa de pesquisas skinneriano como o campo
próprio para uma ciência psicológica. Não parece ser por acaso que Skinner vê na
persistência do cognitivismo um obstáculo a sua ciência, e nos princípios do
behaviorismo (meramente) metodológico uma atitude limitada demais para afirmar a
psicologia como ciência do comportamento.
Se estiver correta a análise apresentada no capítulo anterior, segundo a
qual é a preocupação de Skinner em defender seu programa de pesquisas que o leva a cair
em contradição com sua concepção de linguagem e a fazer afirmações de cunho
representacionista sobre o status de sua ciência, então o tema da privacidade, por
caracterizar-se como um obstáculo permanente à validação daquele programa enquanto o
campo próprio da ciência psicológica, deve possibilitar uma evidenciação dos limites das
proposições skinnerianas. O que se apresentará a seguir parece indicar nesta direção, mas
com uma particularidade que talvez se justifique pela relevância do próprio tema. Ao
tratar da questão dos chamados eventos subjetivos, ou dos eventos privados, como
prefere denominá-los, Skinner demonstra ser possível tanto uma abordagem pragmatista,
no sentido de PA-PB para a noção de auto-conhecimento, quanto, entrando em
contradição com aquela possibilidade, uma consideração representacionista das
afirmações que os indivíduos fazem sobre si mesmos. A particularidade está no fato de
que a contradição só aparece em termos do confronto das suas possibilidades, mas não
internamente em cada uma. Isto significa dizer que, quando assume um discurso
representacionista acerca de enunciados sobre si mesmo, Skinner tende a abandonar a
própria noção funcional de conhecimento (PA), permitindo uma interpretação de sua
posição em termos de RA-RB. Não será exagero repetir que isso só pode ser feito com o
abandono de sua concepção funcional de linguagem. Por outro lado, se esta concepção
for levada em conta, várias das afirmações representacionistas de Skinner perdem

55. No caso do behaviorismo watsoniano e do que Skinner denomina de behaviorismo


metodológico, a limitação à investigação experimental de relações entre ambiente e
comportamento é mais propriamente caracterizada em termos da argumentação de que
esta é a psicologia possível, preservando-se a suposição da existência de fenômenos
subjetivos inacessíveis a este tipo de investigação. Skinner, no entanto, pretende ir mais
longe; sua tese é a de que esta é a psicologia pertinente, além de ser capaz de dar conta
de tudo que há de relevante para a psicologia no terreno da chamada subjetividade.
sentido, mas não cabe deixar de referi-las. Sendo assim, as seções seguintes estarão
primariamente dirigidas para a demonstração das circunstâncias em que Skinner assume
aquela postura representacionista. A possibilidade de superação, e mesmo de negação,
deste representacionismo no contexto de princípios do próprio Skinner ficará
evidenciada, de qualquer modo, ao
longo da análise56.

6.1. Behaviorismo Radical, Eventos Públicos e Eventos Privados.


No Capítulo 4, ao abordar-se o tema do operacionismo, mostrou-se que
Skinner entende que seu behaviorismo radical diferencia-se de alternativas diversas de
behaviorismo, entre outras coisas, por reintroduzir o tema da privacidade, no campo de
investigações de uma ciência do comportamento. É possível afirmar que tanto em obras
anteriores ao texto de 1945, quanto em trabalhos posteriores, Skinner manifesta
explicitamente o interesse de sua ciência pelo que ocorre de forma privada aos
indivíduos, sem que a observação pública direta esteja acessível, mas também cabe
assinalar uma mudança na maneira como se refere àquele problema. No artigo de 1931,
Skinner (1931/1961a) afirmava:

Estamos primariamente interessados no movimento do organismo dentro de um quadro


de referência. Estamos interessados em qualquer mudança interna que tenha um efeito
observável e significativo sobre este movimento (p.337, itálico acrescentado)57.
É interessante observar que, neste trecho, Skinner sugere que o programa
que estava propondo, embora se voltasse para as relações entre ambiente e
comportamento, levaria em conta condições internas produzidas ao longo desta interação.
Tais mudanças, pode-se dizer, cumpriam, inclusive, uma função conceitual importante:
elas assinalavam a maneira como as condições ambientais agiam sobre o organismo,
tornando provável que ele emitisse dada resposta em determinada circunstância. (Isto é,
sem pressupor uma alteração do organismo, o paradigma da aprendizagem teria que ser
reelaborado, uma vez que alguma explicação precisaria ser dada para o fato de que uma
condição atual qualquer é capaz de propiciar a ocorrência de uma resposta particular.)
Além do conceito de drive, citado anteriormente, Skinner fez uso de outros conceitos
semelhantes na direção de uma consideração das mudanças internas do organismo, no
período inicial de suas pesquisas. Em um texto recente (Skinner, 1989b), ele descreve,
por exemplo, o uso que fazia do conceito de reserva do reflexo. Diz ele:

O condicionamento colocava respostas dentro da reserva e elas saíam durante a extinção.


Eu planejei experimentos para descobrir quantas respostas um único reforçamento

56. Em função do objetivo particular desta análise, e dado o fato de que diversos aspectos
da noção skinneriana de privacidade já foram abordados em um trabalho anterior
(Tourinho, 1988), as seções seguintes estarão, na medida do possível, limitadas à
discussão da dicotomia público-privado e da noção de imprecisão dos "relatos privados".

57. Este tipo de interesse, associado à versão skinneriana de funcionalidade como critério
de verdade, é que permitia a Skinner, como ressaltado no Capítulo 4, operar com
conceitos, como o de drive, que reportavam a condições internas do organismo.
colocava para dentro e argumentei que qualquer coisa que mudasse a força de um
operante deveria mudar ou o tamanho da reserva ou a relação entre ela e a taxa de
resposta (Skinner, 1989b, p.131).
No artigo de 1945 (Skinner, 1945), como assinalado, Skinner afirmava
que, ao contrário do behaviorismo metodológico, seu behaviorismo podia dar conta do
(ou, pelo menos, podia se voltar para o) que ocorria de forma privada aos indivíduos.
Dizia ele que:

... enquanto o behaviorista radical pode, em alguns casos, considerar os eventos privados
(inferencialmente, talvez, mas ainda assim de forma significativa), o operacionista [do
tipo] Boring-Stevens se colocou em uma posição na qual não pode fazer o mesmo
(Skinner, 1945, p.294).
Aqui, Skinner já introduz o advérbio inferencialmente para designar o tipo
de consideração possível da privacidade no contexto do behaviorismo radical. Este
advérbio ainda é, neste artigo, seguido do termo talvez, o que não ocorre em textos
posteriores.
No artigo de 1945, Skinner reduz o problema da privacidade a um
problema de acesso e não de natureza, contrapondo-se aos behavioristas metodológicos
que operavam com a dicotomia físico-mental. Para Skinner, todo evento, seja público ou
privado, tem dimensões físicas. A atribuição de uma natureza igualmente física aos
eventos privados cumpre, no behaviorismo skinneriano uma função fundamental, que é a
de colocar este assunto no campo dos fenômenos a respeito dos quais a análise do
comportamento tem algo a dizer. Mas é no campo da linguagem que se situa o cerne do
argumento skinneriano acerca da privacidade58. Para Skinner, um indivíduo só vem a
conhecer o que lhe ocorre de forma privada (no sentido de ser capaz de relatar aqueles
acontecimentos, ou de agir discriminativamente sob controle dos mesmos) a partir de
contingências providas por uma comunidade verbal. A noção de comportamento verbal,
no entanto, evidencia que uma resposta só pode ser colocada sob controle de um estímulo
particular quando falante e comunidade verbal têm acesso àquela condição59. A partir
deste aspecto, Skinner salienta que todo auto-conhecimento tem uma origem social e está
circunscrito ao que está acessível aos membros da comunidade verbal. Afirma ele:

... estar consciente, como uma forma de reagir ao próprio comportamento, é um produto
social. O comportamento verbal pode ser discernido, e convenientemente definido, pelo

58. Como referido no Capítulo 4, Skinner afirma, no artigo de 1945, que o único domínio
dentro do qual uma ciência do comportamento pode examinar o problema da
subjetividade é no campo verbal.

59. A este respeito, afirma Skinner (1945):


Aparentemente não há nenhuma maneira de basear uma resposta
inteiramente na parte privada de um complexo de estímulos. Um
reforçamento diferencial não pode ser feito contingente à
propriedade da privacidade. Este fato tem importância
extraordinária na avaliação dos termos psicológicos tradicionais
(p.275).
fato de que as contingências de reforçamento são providas por outros organismos, em vez
de por uma ação mecânica sobre o ambiente. A hipótese é equivalente a dizer que é
apenas porque o comportamento do indivíduo é importante para a sociedade que a
sociedade, por seu turno, o torna importante para o indivíduo. O indivíduo se torna
consciente do que está fazendo somente após a sociedade ter reforçado respostas verbais
com respeito a seu comportamento como fonte de estímulos discriminativos (Skinner,
1945, p.277, itálico acrescentado).
Até aqui, pode-se interpretar a versão skinneriana do auto-conhecimento
(à exceção da diferenciação entre público e privado, a ser considerada em seguida) como
pragmatista. Isto porque os chamados relatos privados (e a própria privacidade) podem
ser interpretados como determinados pela interação com os outros, e julgados segundo
seu valor funcional60. Por outro lado, a construção deste conhecimento de si, bem como
a constituição mesma do que vem a ser conhecido é admitida por Skinner como derivada
de um conjunto de práticas sociais. Tanto assim que, para Skinner, o tipo e a quantidade
de auto-conhecimento depende da comunidade verbal com a qual se interage. Diz ele:

Diferentes comunidades geram diferentes tipos e quantidades de auto-conhecimento, bem


como diferentes maneiras através das quais as pessoas se explicam a si mesmas e aos
outros (Skinner, 1974, p.169).
Já no artigo de 1945, no entanto, Skinner vai mais longe, supondo que a
comunidade verbal ao ensinar as respostas caracterizadas como "relatos privados"61 está
preocupada em ensinar os indivíduos a descreverem o que ocorre de forma privada a eles.
Ele enumera, então, estratégias, através das quais supõe que a comunidade verbal infere o
que ocorre de forma privada ao indivíduo (a partir de eventos públicos supostamente
relacionados àquelas condições) e ensina a resposta que será tomada como descritiva
daquele evento. Isto é, segundo Skinner, a comunidade verbal instala respostas daquele
tipo agindo sob controle de estímulos discriminativos aos quais ela (comunidade) tem
acesso, mas inferindo uma correlação entre tal estímulo e o estímulo privado do próprio
indivíduo, de forma que a resposta possa ficar, para o indivíduo, sob controle de sua
estimulação privada (a resposta seria, então, "descritiva" daquela condição interna).
Como a ação da comunidade verbal se pauta por um passo inferencial, os relatos privados
nunca podem ser tomados como descrições precisas dos eventos privados. E se os relatos
privados podem sempre ser "imprecisos" não se pode afirmar de quem os emite que tem

60. A funcionalidade de uma asserção "sobre si mesmo", pode ser abordada não apenas
em termos da interação do indivíduo consigo mesmo (por exemplo, se dela se deriva a
possibilidade de auto-controle), mas, também, em termos da interação do indivíduo com
o mundo, sob controle de algo que diz respeito ao próprio indivíduo (por exemplo,
quando um indivíduo "relata uma dor" e é socorrido) ainda que supostamente inacessível
a outros.

61. A expressão "relatos privados" será utilizada aqui apenas para referir-se às respostas
verbais tradicionalmente assumidas como descritivas de eventos aos quais apenas o
próprio indivíduo tem acesso. Por referir-se apenas ao tipo de resposta em exame, a
expressão será mantida (doravante sem aspas), mesmo quando se sugerir que tais relatos
podem não descrever algo de natureza privada.
conhecimento preciso sobre si mesmo. O caráter impreciso daquele tipo de asserção é
afirmado da seguinte maneira no artigo de 1945:

Asserções sobre eventos privados podem ficar sob controle dos drives, associados com
suas consequências, em vez de associados com estímulos antecedentes. A comunidade é
cética sobre asserções deste tipo e qualquer tentativa, por parte do falante, de falar
consigo mesmo sobre seu mundo privado ... está repleta de auto-decepção (Skinner,
1945, p.275).
Em textos posteriores ao artigo de 1945, as circunstâncias em que Skinner
se refere ao tema da privacidade são marcadas pela tentativa de explicar que seu
behaviorismo não questiona a possibilidade da "introspecção", mas indica a origem social
desta atividade e para as limitações daí resultantes. Novamente, entretanto, a análise de
Skinner caminha na direção da desqualificação dos relatos privados enquanto asserções
que expressem auto-conhecimento e da suspeita acerca da atribuição de alguma validade
aos mesmos (em ambos os casos por serem imprecisos). A recorrência deste tipo de
argumento pode ser vislumbrada nas seguintes citações:

Aqui, novamente, a comunidade não pode garantir um repertório verbal preciso porque a
resposta pode ser transferida de um evento público para um evento privado com base em
propriedades irrelevantes.
As técnicas que garantem a confiabilidade de um relato verbal não podem ser produzidas
para sustentar uma descrição privada (Skinner, 1953/1965, pp.259-260).

Embora a comunidade resolva o problema da privacidade desta maneira e seja bem


sucedida em ensinar uma pessoa a descrever muitos estados de seu corpo, as descrições
nunca são completamente precisas ... as funções biológicas originais responsáveis pela
evolução do sistema nervoso não produziram o sistema de que a comunidade verbal
necessita. Como resultado, somos particularmente inclinados a desconfiar dos relatos de
estimulação privada, especialmente quando a descrição tem outras conseqüências -
como, por exemplo, no fingimento (Skinner, 1974, p.25, itálico acrescentado).

... o mundo privado dentro da pele não é claramente observado ou conhecido (Skinner,
1974, p.31).

... os behavioristas radicais podiam lidar com descrições de eventos privados, com a
ressalva de que as descrições eram imprecisas e talvez não devessem nunca ser confiadas,
e de que os eventos descritos eram físicos (Skinner, 1979, p.295).

[Meu behaviorismo] é "objetivo" ao considerar um organismo que se comporta como


nada mais do que um sistema biológico, mas não no sentido de eliminar a introspecção.
Ele lida com a introspecção como uma forma de comportamento perceptual. No entanto,
em razão de defeitos nas contingências que colocam a introspecção sob controle de
estímulos privados, pouco uso pode ser feito do que é então observado ... (Skinner, 1986,
p.716).
Os positivistas lógicos, como alguns behavioristas metodológicos (e Boring e Stevens),
reconheciam a existência de uma mente, mas excluiam da ciência referências a ela
porque não podiam ser confirmadas por uma segunda pessoa. Eu preferi o behaviorismo
radical, que aceitava a existência de estados privados, mas como estados do corpo, cujo
estudo deveria ser deixado para a fisiologia. Dados obtidos através da introspecção não
seriam suficientes para uma ciência porque a privacidade tornava impossível aprender a
observá-los introspectivamente com precisão (Skinner, 1987/1989c, p.110, itálico
acrescentado).
Em outros momentos Skinner reconhece o caráter informativo, ou
funcional, dos relatos privados, colocando a questão de sua precisão em segundo plano.
Mas isso não é suficiente para que estes relatos sejam admitidos como dados relevantes
para uma ciência do comportamento. Como ele diz em um de seus últimos artigos,

As contingências de reforçamento verbais explicam porque relatamos o que sentimos ou


observamos introspectivamente. A cultura verbal que arranja tais contingências não teria
evoluído se isso não tivesse sido útil. As condições corporais não são as causas do
comportamento, mas são efeitos colaterais das causas. As respostas das pessoas a
questões sobre como se sentem ou o que estão pensando frequentemente nos dizem algo
sobre o que aconteceu a elas ou o que fizeram. Nós podemos então compreendê-las
melhor e temos mais condições de antecipar o que farão. As palavras que elas usam são
parte de uma linguagem viva, que pode ser usada sem embaraço por psicólogos
cognitivos e, da mesma maneira, por analistas do comportamento em suas vidas
cotidianas.
Mas estas palavras não podem ser usadas em sua ciência! Uns poucos termos
tradicionais podem sobreviver na linguagem técnica de uma ciência, mas eles são
cuidadosamente definidos e esvaziados do uso com suas velhas conotações. A ciência
requer uma linguagem (Skinner, 1989d, p.18).
Se um relato privado é informativo e funcional, abdicar deles como dados
para uma ciência que se ocupa do comportamento humano, em nome de uma tecnicidade
da linguagem científica, só faz sentido com a reintrodução da noção de correspondência e
abandono da funcionalidade como critério para validação das asserções que os indíduos
vêm a construir sobre si mesmos. Estes problemas, no entanto, ficam melhor
evidenciados a partir de uma consideração acerca de como a privacidade pode ser
abordada no contexto de uma abordagem funcional para o problema da linguagem. Isso
será feito, a seguir, recorrendo-se a algumas proposições de Wittgenstein. Como poderá
ser observado, várias destas proposições podem ser interpretadas em termos skinnerianos.
Em seguida, porém, se argumentará que, novamente, Skinner abandona sua concepção
funcional da linguagem ao fazer as afirmações apresentadas acima sobre o tema da
privacidade.

6.2. Wittgenstein e a Impossibilidade de uma Linguagem Privada.


Ao discutir-se a noção wittgensteiniana de linguagem (Capítulo 2),
argumentou-se que ela enfatiza o aspecto funcional e as condições sociais, públicas e
arbitrárias, subjacentes aos usos das palavras. O aspecto funcional fica evidenciado com a
caracterização do uso da linguagem como uma forma de vida, isto é, como uma forma de
ação no mundo. Isso significa olhar para as falas humanas, não como tentativas de
representar o meio circundante, mas como uma forma de ação sobre outros indivíduos. A
funcionalidade desta ação, entretanto, é dependente do uso das palavras em acordo com
as regras gramaticais a elas correspondentes, regras estas construídas socialmente. O
caráter social, partilhado, das regras que prescrevem as condições para o uso das palavras
coloca em evidência dois aspectos importantes da linguagem: primeiro, a natureza
pública das condições que regulam o uso das palavras (é a tais condições públicas que diz
respeito a idéia de significado, e não a eventos interiores dos indivíduos, como supõem as
teorias mentalistas); segundo, a natureza arbitrária das próprias regras (as condições para
o uso das palavras não são, portanto, determinadas pela realidade, embora sejam por ela
limitadas). Ao considerar as falas sobre os chamados eventos subjetivos neste contexto, a
análise de Wittgenstein leva a duas observações. De um lado, deve-se considerar que a
funcionalidade daquelas falas nem sempre repousa em seu caráter descritivo de algo (a
descrição é apenas uma das funções da linguagem); de outro, mesmo quando uma fala é
descritiva, ela só pode ser descritiva de algo partilhado pelos membros de uma
comunidade lingüística. Wittgenstein desenvolve estes problemas a partir do argumento
da impossibilidade de uma linguagem privada.
A noção de linguagem privada sugere que um indivíduo faz uso de
palavras com base em elementos acessíveis apenas a si mesmo (que constituiriam o
significado das palavras). O exemplo clássico empregado para explicar esta noção é o do
relato de dor; alguém diz que tem dor, com base em sua própria dor, inacessível a outros.
Na abordagem de Wittgenstein isso implicaria afirmar que a gramática da palavra dor
remete a condições particulares do próprio indivíduo que relata uma dor. Esta, entretanto,
é uma suposição equivocada, na perspectiva wittgensteiniana. Para Wittgenstein, a
aprendizagem de uma linguagem exige a exposição a um conjunto de práticas que não
podem ser providas pelo próprio indivíduo, mas apenas pela interação deste com
outros62. Por outro lado, ainda que uma linguagem deste tipo fosse possível, ela não teria
nenhum valor funcional na interação com os outros, uma vez que a funcionalidade da
linguagem está assentada no caráter partilhado das condições para seu uso. Isso também
significa dizer que as falas dotadas de funcionalidade estão necessariamente assentadas
em condições públicas. Observe-se, aqui, que o argumento da impossibilidade de uma
linguagem privada implica tanto a afirmação da origem social de todo sistema lingüístico,
quanto a suposição de que tudo aquilo que é dito (pelo menos, com alguma
funcionalidade) remete a condições publicamente acessíveis a todos (em nenhuma
circunstância, portanto, uma linguagem diz respeito a algo que é particular do próprio

62. Em particular, apenas o contexto social pode prover uma fonte de corrigibilidade para
o uso das palavras. Um indivíduo sozinho poderia tentar atribuir palavras às suas
sensações, mas não disporia de nenhum recurso para certificar-se de que está empregando
a palavra correta sob controle do evento correto. Em termos skinnerianos, poder-se-ia
colocar que a aquisição de uma resposta verbal sob controle de um estímulo
discriminativo particular só se torna possível a partir de contingências de reforçamento
que o indivíduo não pode prover para si mesmo, mas apenas a comunidade verbal pode
fazê-lo. E sendo toda linguagem função de contingências providas por uma comunidade
verbal, toda linguagem é pública e assentada em eventos públicos, acessíveis a todos.
indivíduo). Quer dizer, não se trata de argumentar apenas que a chamada "linguagem da
experiência privada" tem uma origem pública, mas, também, que ela não é uma
linguagem de algo peculiar do próprio indivíduo que a usa. Wittgenstein (1953/1988)
introduz o seguinte exemplo para elucidar sua posição:

Suponha que todo mundo tivesse uma caixa com alguma coisa dentro; nós chamamos a
isso de um "besouro". Ninguém pode olhar dentro da caixa do outro, e todos dizem que
sabem o que é um besouro só por olhar o seu besouro. Aqui seria um tanto possível cada
um ter uma coisa diferente em sua caixa. Alguém poderia até imaginar uma coisa tal,
constantemente mudando. Mas suponha que a palavra "besouro" tivesse um uso na
linguagem das pessoas. Se tal acontecesse, a palavra não seria usada como o nome de
uma coisa. A coisa dentro da caixa não tem nenhum lugar no jogo de linguagem; nem
mesmo como algo, pois a caixa pode até estar vazia (p.100).
Quando se substitui a palavra "besouro" por "dor", chega-se ao aspecto
central do argumento de Wittgenstein. Se cada um sabe o que é dor apenas por conhecer
sua própria dor, então a palavra "dor" não pode ter nenhum uso nos jogos de linguagem,
o que significa dizer que seu uso eventual não seria funcional. Por outro lado, se o uso da
palavra "dor" tem alguma função nos jogos de linguagem, então a gramática da palavra
"dor" envolve condições partilhadas por todos aqueles que fazem uso (funcional) desta
palavra. Note-se que a análise de Wittgenstein não implica afirmar que nada acontece no
interior dos indivíduos que fazem uso da linguagem; ela também não implica que os
indivíduos não pretendem estar falando de si mesmos quando relatam, por exemplo, uma
"dor". O que ela sustenta, fundamentalmente, é que, admitidas a origem e a função social
da linguagem, é um equívoco supor que uma palavra qualquer possa designar algo a que
apenas o falante tem acesso63.
Wittgenstein não ignora a possibilidade de que em certas circunstâncias,
por exemplo após uma queda, os indivíduos falem de "dor" sob controle de uma
estimulação interna. Esta possibilidade, entretanto, precisa ser considerada no contexto
dos diferentes usos possíveis da palavra. Antes de tudo, pode-se assinalar que apenas em
algumas circunstâncias, em particular naquelas em que a fala tem uma função de
descrição, uma estimulação interna do indivíduo pode ter alguma importância. Isto é, em
muitas outras situações falas daquele tipo podem também ser funcionais de outras
maneiras (independentemente do que eventualmente esteja ocorrendo no interior do
indivíduo), o que significa dizer que a palavra pode ser empregada em diferentes jogos de
linguagem. Por exemplo, um indivíduo pode dizer "estou com dor" para fugir de uma

63. A este respeito, afirma Lampreia (1992):


Wittgenstein não nega a existência dos processos internos ou
experiências mentais. O que ele contesta é que uma palavra como
"pensamento", por exemplo, seja utilizada para designar uma
experiência ou processo psicológico, porque não é isto que
chamamos de pensamento ...
Palavras como sentir, pensar, acreditar, por exemplo, só têm
sentido em função dos jogos de linguagem públicos que jogamos
com elas. Não é porque pensamos, e que podemos nos "observar"
pensando, que sabemos o que é pensamento (p.295).
situação ameaçadora (ou aversiva). De outro modo, um indivíduo pode atribuir dor a
outro ao observá-lo após a queda. Trata-se de instâncias igualmente funcionais, mas onde
o que ocorre no interior do indivíduo pode não ter nenhuma importância. Isto quer dizer
que a gramática da palavra "dor" envolve diferentes usos que remetem a diferentes
critérios ou condições diante das quais se admite seu emprego. E são estes diferentes
critérios que conferem, nas situações diversas (ou nos diferentes jogos de linguagem),
significações igualmente diversas à palavra.
Mesmo nas circunstâncias em que um relato de dor tem uma função
descritiva, e mesmo que a descrição ocorra de alguma forma relacionada ao que acontece
no interior do indivíduo, não se trata de uma descrição daquele evento interno, e nem é
aquele evento que lhe confere significação (como se pode deduzir do que foi exposto
sobre a impossibilidade de uma linguagem privada). Para dar conta deste problema,
Wittgenstein recorre aos conceitos de "critérios" e "sintomas". Como assinalado por
Hacker (1986), a maneira como estes conceitos foram empregados por Wittgenstein varia
significativamente ao longo de sua obra. De qualquer modo, parece haver consistência na
interpretação de critérios como as condições públicas arbitrariamente estabelecidas com
respeito à gramática das palavras. Isto é, os critérios para uso de determinada palavra são
aquelas condições precritas na regra gramatical para uso da palavra, condições
necessariamente partilhadas por todos. Neste sentido, o critério para atribuição de dor a
alguém (ou a si mesmo) é um conjunto de condições observáveis por qualquer um (e
neste sentido, "dor" não pode significar algo interior de alguém). Bloor (1987) caracteriza
esta noção nos seguintes termos:

Um critério ... é uma dica identificável, cuja presença é tomada como justificação para o
uso de uma palavra ou classificação. Ele é geralmente o tipo de coisa que é usada no
treino (p.41).
A noção de sintoma é a que remete ao que eventualmente ocorre no
interior do indivíduo em condições em que relata, por exemplo, uma dor. Ela indica que
um indivíduo pode observar, ao longo de sua própria experiência, uma correlação entre
as condições públicas diante das quais se admite o emprego de uma palavra (os critérios)
e uma estimulação interna à qual só ele mesmo tem acesso direto (o sintoma). O uso da
palavra sob controle de um sintoma depende, portanto, de um processo indutivo, mas
pode de fato ocorrer. Como assinalado por Bloor (1987),

Um sintoma também é uma dica para a aplicação de uma palavra, mas é uma dica que é
usada porque tem sido observada como correlacionada com um critério (p.43).
Deve-se salientar que o uso de uma palavra sob controle de um sintoma
(por exemplo, de um evento interno) implica o conhecimento dos critérios, o que
significa dizer que exige o conhecimento da gramática das palavras. A este respeito,
afirma Hacker (1986):

É evidente que Wittgenstein concebia os critérios como determinados pela convenção, e


não como descobertos na experiência através da correlação indutiva. Nós fixamos os
critérios ao estabelecermos as regras gramaticais. Consequentemente, a proposição de
que p é um critério para q é uma verdade gramatical, ou uma proposição gramatical que
expressa uma regra para o uso das palavras. Este é o ponto de contraste entre critérios e
sintomas. Nós descobrimos os sintomas de X na experiência e estas descobertas
pressupõem um entendimento de X e a possibilidade de sua identificação não indutiva
(p.310).
Se a distinção entre critérios e sintomas permite falar no uso de palavras
sob controle de eventos inacessíveis à observação pública, ela, por outro lado, coloca em
evidência as limitações destas instâncias. Ela salienta, novamente, que a funcionalidade
de uma fala depende de critérios públicos (são estes que constituem a base de seu uso e
que tornam este uso pertinente num contexto lingüístico qualquer). Isso significa dizer
que, do ponto de vista da funcionalidade de uma fala qualquer, os sintomas
eventualmente identificados são irrelevantes. Recorde-se, a este respeito, o exemplo do
besouro, citado acima. O que quer exista na caixa de cada um é irrelevante para o uso
funcional da palavra. Por outro lado, não é ao conteúdo da caixa de cada um que a
palavra "besouro" diz respeito, mas a algo que todos partilham. Asserções sobre esta
caixa, portanto, não tem nenhuma condição diferenciada; por outro lado, se "besouro"
tem a ver com o que é partilhado, ninguém tem acesso privilegiado ao seu próprio
"besouro". Retornando ao exemplo da dor, asserções relativas a um estado de dor,
próprio ou de terceiro, não têm nenhum status diferenciado, nem implicam nenhum passo
inferencial64. Para Wittgenstein, as diferenças entre asserções denominadas de
"descrições de eventos públicos" e "descrições de eventos privados" são simplesmente
diferenças de jogos de linguagem. Tais diferenças podem envolver o tipo de certeza
relativo ao jogo de linguagem, mas para Wittgenstein isso não se confunde com grau de
certeza. Diz ele:

Eu posso ter tanta certeza das sensações de alguém, quanto de qualquer fato. Mas isto
não torna instrumentos similares as proposições "Ele está muito deprimido",
"25x25=625" e "Eu tenho sessenta anos de idade". A explicação sugere que a certeza é de
um tipo diferente.
(...) O tipo de certeza é o tipo do jogo de linguagem (Wittgenstein, 1953/1988, p.224).
Há um aspecto adicional da concepção wittgensteiniana de linguagem que
incide de forma significativa sobre o problema dos eventos privados. Trata-se da idéia de
construção lingüística da realidade com a qual se interage. Se a linguagem impõe uma
configuração particular à realidade com a qual os homens interagem, então aquilo de que
os indivíduos falam não existe em si mesmo, antes e independentemente de sua
formulação lingüística. A separação entre as coisas em si mesmas e a linguagem relativa
a elas só faz sentido no contexto de uma abordagem referencial para o problema do
significado e de uma postura dualista tipicamente cartesiana, atitudes das quais uma
versão funcional do problema da linguagem é eminentemente crítica. Sendo assim, não
faz sentido falar de uma cadeira em si mesma, que a linguagem deve descrever, mas
também não faz sentido falar de uma "dor" em si mesma que existe antes e
independentemente da linguagem da dor. A "dor" vem a se constituir com os jogos de
linguagem que a ela dizem respeito, os quais encerram os critérios ou condições para a

64. Afirmar que um indivíduo infere o estado de dor do outro a partir de seu
comportamento implicaria dizer do próprio indivíduo que é objeto da descrição, não que
ele tem uma dor, mas que ele infere ter uma dor.
existência da própria dor, pelo menos enquanto a maneira particular de os homens
interagirem com uma parte do mundo que os cerca. Nesta perspectiva, perde sentido a
separação entre público e privado; perde sentido a idéia de que existem "sentimentos",
"pensamentos", etc., enquanto eventos interiores dos homens, cuja existência independe
do que eles falam65. Lampreia (1992) refere-se a este aspecto da posição de Wittgenstein
nos seguintes termos:

A separação entre um sujeito psicológico e o mundo externo deixa de fazer sentido por
não haver mais a oposição entre o privado e o público. Tanto a constituição do privado
como o conhecimento que temos dele, seja o nosso ou o do outro, têm uma origem
pública, dada por uma linguagem também pública que é a única linguagem possível. Não
há um privado independente da linguagem, assim como também não temos um acesso
privilegiado ao "nosso privado" (p.298, itálico acrescentado).
Se não há um privado diferenciado do mundo público, e se as asserções
denominadas de "relatos privados" não descrevem algo acessível apenas ao próprio
indivíduo que fala, então a atribuição de status diferenciado a este tipo de jogo de
linguagem está equivocada. Por outro lado, se a supressão da dicotomia público-privado
e da idéia de correspondência são resultados necessários de uma concepção funcional de
linguagem, então a reintrodução destes tópicos representa um abandono daquela própria
noção de funcionalidade. Representa, assim, a restauração de problemas que só adquirem
sentido, no campo da psicologia, no contexto das teorias mentalistas e dualistas das quais
uma abordagem comportamental pretende-se crítica.

6.3. Dualismo e Representacionismo na Dicotomia Público-Privado.


As críticas wittgensteinianas à dicotomia público-privado não devem ser
interpretadas em termos da negação de que eventos ocorrem no interior do corpo do
indivíduo. Admitir a existência destes eventos, portanto, não implica necessariamente a
restauração do dualismo. Mas Skinner não apenas reconhece a existência de eventos no
interior do corpo dos indivíduos; ele supõe que são a estes eventos que os relatos
privados correspondem ou tentam corresponder. Ao dar este passo, ele assume que
eventos como pensamentos e emoções existem em si mesmos, antes e independentemente
da interação dos indivíduos com uma comunidade lingüística. Neste sentido, reintroduz
na psicologia, sob nova roupagem, o dualismo próprio das psicologias cognitivistas. A
diferença está no fato de que Skinner não opera com um dualismo do tipo metafísico,
atribuindo uma natureza especial aos fenômenos "privados". Ao contrário, insiste em que
todos os fenômenos humanos têm dimensões físicas. Mas preserva a idéia de que há
eventos aos quais o próprio indivíduo tem acesso privilegiado diante da comunidade, e
que constituem (ou deveriam constituir) a base (ou a significação) de seus relatos. O

65. Observe-se, novamente, que isto não significa dizer que nada existe/ocorre no interior
dos corpos dos indivíduos, ou que o mundo vêm a existir apenas quando se fala dele.
Trata-se apenas de afirmar que à despeito da existência de um mundo real independente
da linguagem, as coisas de que os indivíduos falam vêm a existir a partir de uma
configuração imposta pela linguagem à realidade.
próprio Skinner reconhece haver, aí, um dualismo, mas lhe parece suficiente assinalar
que não se trata de um dualismo do tipo físico-mental66.
É recuperando a perspectiva da funcionalidade da linguagem que o
dualismo skinneriano fica evidenciado. Como observado acerca da análise de
Wittgenstein, se se considera a linguagem a partir de seu caráter social e de sua natureza
funcional, não faz sentido considerar nada do que é dito como descrição de algo a que
apenas indivíduos particulares têm acesso. De um lado, porque é através da própria
linguagem (e, portanto, da interação social) que se dá a construção do mundo com o qual
o indivíduo interage lingüisticamente. (Pensamentos e sentimentos não existem, então,
em si mesmos.) De outro, porque aquela produção, em virtude de sua natureza social, só
pode dizer respeito ao que a comunidade como um todo tem acesso. (Neste caso,
pensamentos e sentimentos constituem algo partilhado por todos.) Se sentimentos e
pensamentos são lingüisticamente constituídos e dizem respeito a algo partilhado, em que
sentido um relato de uma emoção, por exemplo, pode ser impreciso? E em que sentido
pode expressar ou não conhecimento de si? Do ponto de vista de uma concepção
funcional de linguagem e de conhecimento, nenhuma das respostas recorreria a uma
suposta correspondência entre o que é dito e algo acessível apenas ao próprio indivíduo.
A precisão de uma resposta diria respeito ao uso de palavras em acordo com as regras
socialmente instituídas, o que garantiria sua funcionalidade social. E é esta própria
funcionalidade que conferiria uma condição de conhecimento a qualquer asserção sobre
si mesmo. Isto é, o que é próprio do indivíduo não pode ser determinante nem da precisão
de seu uso da linguagem, nem da condição de conhecimento aí envolvida. A preocupação
de Skinner com uma correspondência, porém, o afasta desta visão funcional da
linguagem. Ou seja, é apenas abandonando sua abordagem funcional que Skinner pode
fazer da correspondência uma condição para atribuição de precisão e conhecimento aos
relatos privados.
O distanciamento que aparece entre Skinner e Wittgenstein quando se
trata de examinar a maneira como lidam com o problema do relato privado já foi
assinalado por Bloor (1987) e Costall (1980) nos seguintes termos:

Só há um giro no argumento de Wittgenstein que o leva além de Skinner. Se não


podemos condicionar nenhuma resposta pública [contingentemente] a algo que é
necessariamente privado, então não temos nenhuma base para chamar o que é privado de
uma "sensação" ou mesmo de "algo". Estas são, afinal, palavras cujo significado vem de
seu papel nos nossos jogos de linguagem ordinários, públicos (Bloor, 1987, p.64).

Como Skinner, Wittgenstein passou dos conceitos psicológicos para a linguagem, e da


linguagem para a vida. Mas onde Skinner procurou por justificação adicional,

66. Afirma Skinner (1984b):


É verdade que falar de um mundo público e de um mundo privado
"leva a uma interpretação dualista", mas o dualismo é apenas entre
público e privado, e não entre físico e mental, e a distinção de
público e privado é uma distinção de fronteiras, não de natureza
(p.658).
Wittgenstein encontrou não um problema, mas um mistério, bastante distante de qualquer
solução (Costall, 1980, p.130).
Ao considerar o conhecimento enquanto ação ou regra para ação, Skinner
assinala que todo conhecimento, enquanto estímulo verbal, é função de contingências de
reforçamento providas por uma comunidade verbal. Por outro lado, ao analisar o papel da
comunidade verbal na instalação de repertórios verbais auto-descritivos, Skinner chama
atenção para o fato de que a comunidade só pode condicionar respostas contingentemente
a estímulos aos quais ela mesma tem acesso. Em tais circunstâncias, pode-se admitir que
o conhecimento e o auto-conhecimento vêm sendo tratados numa perspectiva coerente
com supostos funcionais e pragmatistas, dos quais Skinner deriva a impossibilidade de
um auto-conhecimento preciso do que é particular de cada um. A partir desta constatação,
no entanto, Skinner entende que os chamados relatos privados não expressam um
conhecimento preciso e não são confiáveis. Deve-se observar, porém, que uma coisa é
afirmar a impossibilidade de conhecimento do que é particular de cada um; outra coisa
é descaracterizar os relatos privados como não expressando conhecimento,
simplesmente porque não correspondem pontualmente ao que pode estar ocorrendo no
corpo do indivíduo. O segundo passo só se torna possível quando se supõe que aqueles
relatos deveriam corresponder a algo a que apenas o próprio indivíduo tem acesso para
que tivessem validade. Isto é, ao afirmar que um relato do tipo "estou triste" deve ser
colocado sob suspeita pela comunidade verbal porque a resposta não foi instalada
contingentemente a um estado interior, Skinner está condicionando a validade do relato a
sua (im)possível correspondência com um estado interior (que não seria "tristeza", pois
esta palavra, por fazer parte dos jogos de linguagem, remete a algo público). Seria
incorreto, portanto, afirmar, que Skinner está avaliando o que aquela resposta expressa de
conhecimento em termos de sua funcionalidade, pois o que está sendo levado em conta
não é o que a resposta propicia em termos de interação com o mundo circundante. Ao
contrário, tem-se, aqui, uma perspectiva referencial de significado (onde o que prevalece
é a correspondência entre palavras e estados a elas correspondentes) e uma visão
representacionista de conhecimento (onde o que prevalece é a idéia de que as asserções
devem representar com exatidão os estados interiores dos indivíduos).
O abandono da perspectiva funcional na consideração dos relatos privados
assume a forma de dois tipos (aparentemente) diferentes de restrição, como se observa
em uma citação apresentada anteriormente, mas que pode ser aqui repetida. Diz Skinner
(1974):

Embora a comunidade resolva o problema da privacidade desta maneira e seja bem


sucedida em ensinar uma pessoa a descrever muitos estados de seu corpo, as descrições
nunca são completamente precisas ... as funções biológicas originais responsáveis pela
evolução do sistema nervoso não produziram o sistema de que a comunidade verbal
necessita. Como resultado, somos particularmente inclinados a desconfiar dos relatos de
estimulação privada, especialmente quando a descrição tem outras conseqüências -
como, por exemplo, no fingimento (p.25, itálico acrescentado).
A primeira restrição é a que diz respeito ao problema da imprecisão. A
segunda, indica que um relato privado pode ser "mentiroso". À primeira restrição, pode-
se responder simplesmente que o problema da precisão só se torna pertinente quando se
supõe que o relato deveria corresponder ao que é particular do próprio indivíduo. À
segunda, que a mentira é um jogo de linguagem como outro qualquer, e não é particular
daquele tipo de asserção. O relato "a porta abriu" pode ser tão mentiroso quanto o relato
"estou com dor", e nem por isso deixam os dois de ser funcionais. Como salienta
Wittgenstein, os usos da linguagem não se limitam à descrição de objetos ou eventos.
Uma das principais contribuições da análise de Wittgenstein para a
linguagem foi ter assinalado que certas questões relativas ao conhecimento são
inventadas como problemas pela filosofia, não existindo enquanto tal no uso ordinário da
linguagem. Este parece ser o caso dos chamados relatos privados, que são ordinariamente
empregados, sem que sejam levantadas dúvidas (pelo menos, especiais) acerca de sua
confiabilidade. Parece pouco verossímil a suposição de Skinner de que a comunidade
verbal preocupa-se em inferir um estado interior do indivíduo ao atribuir-lhe, por
exemplo, uma dor. (Considere-se, por exemplo, como uma criança vem a aprender a
relatar sua própria dor e a atribuir um estado de dor a outro.) Também parece pouco
verossímil que a comunidade verbal partilhe da mesma desconfiança que a ciência
skinneriana, diante daquele relato. Relatos privados não cabem, de fato, na proposta de
uma análise experimental do comportamento, mas disto não resulta que não expressem
conhecimento e que não sejam funcionais do ponto de vista de outras alternativas de
abordagem dos fenômenos humanos.
A crítica à preocupação skinneriana com a correspondência entre relatos
privados e estados interiores parece levar a uma espécie de "esvaziamento" do indivíduo,
deixando-se de reconhecer que cada um experimenta eventos particulares a si. A
distinção wittgensteiniana entre critérios e sintomas, porém, parece restabelecer o
reconhecimento de que certas respostas verbais podem vir a ficar sob controle de algo
particular do indivíduo, sem que com isso se atribua a tais eventos a base para o uso das
palavras da "linguagem privada". Deve-se reconhecer, por outro lado, que a análise de
Wittgenstein não se estende na busca de tornar inteligível os processos através dos quais
a preocupação dos indivíduos com sua interioridade surge e se desenvolve. Neste
aspecto, cabe, novamente, lembrar a pertinência dos estudos históricos e antropológicos
que procuram assinalar o conjunto de transformações e valores sociais com os quais
aquela preocupação se articula. Skinner parece perceber o componente histórico da
problemática da subjetividade, por exemplo, ao apresentar a etimologia de termos
comuns ao cognitivismo, assinalando que em outros momentos diziam respeito a eventos
publicamente acessíveis (cf. Skinner, 1989d). Mas a própria análise de Skinner não se
estende nesta direção, nem lhe parece suficiente para admitir relatos privados em uma
ciência do comportamento.
Grande parte dos argumentos de Skinner contra a validade dos relatos
privados sustenta-se na suposição de que a aceitação de tais relatos tende a desviar a
atenção das variáveis das quais o comportamento humano é função - tende, portanto, a
desviar a atenção da proposta de análise funcional do comportamento humano. As
restrições que Skinner apresenta assumem, entretanto, a forma de elevação do discurso da
análise do comportamento a uma condição privilegiada por sua própria natureza - apenas
ele é capaz de dar conta com precisão da complexidade do comportamento humano. Mas
o representacionismo de Skinner, neste particular, vai além da reivindicação de status
privilegiado para seu programa de pesquisas. Para contestar a validade dos relatos
privados, Skinner lança mão exatamente da noção de conhecimento como representação
exata de uma realidade que existe antes e independentemente da linguagem. Isto é, ele
não apenas assume uma postura do tipo RB; ele desqualifica a validade dos relatos
privados com base em argumentos característicos de RA. A contradição emerge quando
se considera que aqueles argumentos envolvem critérios a que Skinner não atende, ele
mesmo, com seu programa de investigações. Isto é, os relatos privados ficam invalidados
a partir de uma concepção de conhecimento do tipo RA, mas a análise do comportamento
pretende-se validada a partir de uma concepção de conhecimento do tipo PA. O critério
para atribuição de veracidade às leis do comportamento alcançadas a partir de uma
análise experimental deve ser, segundo Skinner, seu conteúdo funcional, sua capacidade
de instrumentalizar o pesquisador ou profissional para interagir eficientemente com uma
dada situação. Os relatos privados, por outro lado, ainda que cumpram a mesma função,
não podem ser reconhecidos como verdadeiros - e simplesmente porque não
correspondem ao que não podem corresponder. O que Skinner está aplicando aqui é o
que Zuriff (1980) denomina de teoria de correspondência da verdade, citada no Capítulo
3, única maneira de colocar antecipadamente sob suspeita os relatos privados, de recusar
de antemão qualquer reivindicação de verdade para os mesmos.
Os parágrafos acima colocaram em evidência (algumas das) circunstâncias
em que as proposições de Skinner sobre o problema da privacidade assumem uma
conotação representacionista. Há diversos momentos, entretanto, em que a atitude de
Skinner se limita à defesa de uma postura teórica e metodológica que lhe parece mais
consistente e funcional, sem que para isso precise invocar critérios representacionistas de
validação do conhecimento. Estes trechos não serão aqui discutidos, em razão de se
pretender recolocar em discussão as condições em que Skinner transita para o campo do
representacionismo. A análise apresentada até aqui, e as próprias críticas dirigidas a
algumas afirmações de Skinner permitem antever a possibilidade de abordar a
privacidade e o problema dos relatos privados em uma perspectiva pragmatista, no
contexto da própria concepção skinneriana de linguagem e de conhecimento. A questão
relevante é: por que isto nem sempre ocorre? Sob controle de que eventos o
comportamento verbal de Skinner descrito acima pode ser interpretado? Já se afirmou em
um estudo anterior (Tourinho, 1988), que Skinner parece assumir todo interlocutor que
insiste no problema dos eventos privados como um mentalista, mas isto não parece ser
suficiente para explicar sua preocupação em desqualificar os relatos privados. A resposta,
novamente, parece estar no campo da defesa de seu programa de pesquisas. O que se
apresenta nos parágrafos seguintes é uma tentativa de tornar inteligível a contradição em
que Skinner envereda ao tratar dos relatos privados, a partir da questão da defesa de seu
programa de investigações.

6.4. A Ameaça Cognitivista e a Defesa Skinneriana:


Das citações enumeradas na seção 6.1. deste Capítulo, nas quais Skinner
coloca em evidência o problema da imprecisão dos relatos privados, observa-se que este
tema aparece com maior frequência em textos mais recentes de Skinner (a partir da
década de 70)67. A afirmação da imprecisão de asserções que dizem respeito a condições
internas dos indivíduos, por outro lado, parece não implicar em si a defesa do programa

67. Recorde-se que no inicío de sua carreira, o próprio Skinner permitia-se operar com
conceitos que se relacionavam a condições internas do organismo.
de pesquisas skinneriano; ela aparenta cumprir mais propriamente a função de
desqualificar aquele tipo de asserção e as propostas teóricas e metodológicas que nela se
apoiam. O que se procurará argumentar, a seguir, é sobretudo que Skinner, ao tentar
desqualificar a validade dos relatos privados (independentemente de sua funcionalidade),
pretende na verdade desqualificar uma proposta de psicologia concorrente à sua; esta
preocupação se intensifica na medida em que cresce a aceitação do cognitivismo e que tal
aceitação se caracteriza, para Skinner, como uma ameaça à sobrevivência de seu próprio
programa.
Em um de seus últimos artigos, Skinner (1987/1989e) invoca as
realizações da análise experimental do comportamento para indagar por que esta
disciplina ainda não foi reconhecida como psicologia. Sua resposta aponta para "três
obstáculos formidáveis que se colocam em seu caminho" (p.64): a psicologia humanista,
a psicoterapia e o cognitivismo. Ao tratar do cognitivismo, localiza historicamente o
crescimento de seu prestígio no ambiente psicológico. Afirma ele:

Um gráfico mostrando a frequência do aparecimento da palavra cognitivo na literatura


psicológica seria interessante. Um aumento na frequência poderia provavelmente ser
visto primeiramente por volta de 1960; a aceleração subsequente seria exponencial.
Existe, hoje, algum campo da psicologia em que não se parece ganhar alguma coisa ao
adicionar o adjetivo [cognitivo] charmoso ao substantivo ocasional? A popularidade pode
não ser difícil de explicar. Quando nos tornamos psicólogos, aprendemos novas maneiras
de falar sobre o comportamento humano. Se as novas maneiras eram "behavioristas", elas
não se pareciam muito com as velhas maneiras. Os termos antigos eram um tabu e as
sobrancelhas subiam quando os usávamos. Mas quando certos avanços pareceram
demonstrar que as velhas maneiras poderiam afinal estar corretas, todos puderam relaxar.
A mente estava de volta (Skinner, 1987/1989e, p.66).
Desta citação pode-se destacar que para Skinner: (a) o cognitivismo
começa a ganhar prestígio a partir da década de 60; (b) a partir deste momento, o
prestígio cresce de forma exponencial; (c) o crecimento deste prestígio pode ser
vislumbrado pela importância atribuída ao adjetivo "cognitivo"; e (d) a ascensão do
cognitivismo representou a restauração da "mente". Mas se o cognitivismo é apenas um
dos obstáculos à análise do comportamento, deve-se indagar acerca da pertinência de
considerá-lo um obstáculo de maior importância. Parece razoável supor que Skinner
atribui relevância especial ao cognitivismo a partir de duas observações. Primeiro,
Skinner afirma que, dos três obstáculos, "somente a psicologia cognitiva se ofereceu
como uma ciência experimental" (Skinner, 1987/1989e, p.68). Isto é, ao contrário dos
outros obstáculos, o cognitivismo se ofereceu como alternativa para a psicologia sem
abdicar do rigor experimental característico da análise do comportamento. Segundo,
dentre os últimos artigos de Skinner, encontram-se dois especificamente sobre o
cognitivismo (Skinner, 1985; 1989d)68 e nenhum sobre a psicologia humanista ou a
psicoterapia. Além disso, o último artigo de Skinner (Skinner, 1990) é exatamente
intitulado "Pode a Psicologia Ser Uma Ciência da Mente?" (recorde-se que para Skinner

68. Além destes, há, na década de 70, o artigo "Por que Não Sou um Psicólogo
Cognitivista" (Skinner, 1977).
o cognitivismo representou a restauração da mente). Neste último artigo, por outro lado,
Skinner fornece indicadores bastante claros dos prejuízos sofridos pela análise do
comportamento com o advento do cognitivismo e da ameaça permanente em que esta
abordagem se constitui. Quanto ao primeiro aspecto, diz ele:

Em razão de sua similaridade com o vernáculo, a psicologia cognitiva foi facilmente


compreendida e a assim chamada revolução cognitiva foi, por um tempo, bem sucedida.
Isto pode ter acelerado a velocidade com a qual os analistas do comportamento se
retiraram do establishment psicológico, fundando suas próprias associações, realizando
seus próprios encontros, publicando seus próprios jornais. Eles foram acusados de
construírem seu próprio gueto, mas estavam simplesmente aceitando o fato de que tinham
pouco a ganhar do estudo de uma mente criativa (Skinner, 1990, p.1210).
Neste trecho, Skinner evidencia que: (a) o sucesso do cognitivismo
resultou no isolamento dos analistas do comportamento; (b) este isolamento, por outro
lado, significava que os analistas do comportamento não consideraram pertinente ou
necessário o diálogo com a psicologia cognitiva; e (c) o cognitivismo não apenas
restaurou a mente, mas restaurou uma mente criativa, o que significa colocar nela a
determinação do comportamento humano. Este último aspecto relaciona-se com a ameaça
em que o cognitivismo veio a se constituir para a análise do comportamento. Skinner
(1990) escreve o seguinte a este respeito:

Os psicólogos cognitivos tentaram restaurar o status quo. O behaviorismo, eles


declararam, estava morto. Eles não poderiam querer dizer que os psicólogos não estavam
mais estudando o comportamento, de animais no laboratório e de professores, alunos,
terapeutas, clientes, e assim por diante. O que eles esperavam que estivesse morto era o
apelo à seleção pelas consequências na explicação do comportamento. A mente, ou se
esta falhasse, o cérebro, deve ser restituída(o) a sua legítima posição (p.1210).
Para Skinner, então, o apelo a uma mente criativa de que se valia o
cognitivismo resultava não propriamente no abandono da experimentação, mas no
abandono do que veio a se constituir o princípio norteador do programa de pesquisas da
análise do comportamento: o princípio da seleção pelas consequências. Como se observa
em seu último artigo (Skinner, 1990), a noção de seleção pelas consequências, fortalecida
pelo seu sucesso no campo da etologia, que se atém ao plano da filogênese, passa a se
consituir para Skinner, quando aplicada ao campo da ontogênese, no princípio
demarcador do projeto científico pertinente à psicologia, e das fronteiras entre esta
ciência e as ciências biológicas, de um lado, e antropológicas, de outro69. Isto é, a este

69. A este respeito, afirma Skinner (1990):


Duas ciências estabelecidas, cada qual com um objeto de estudo
claramente definido, se sustentam no comportamento humano.
Uma delas é a fisiologia do corpo-associado-ao-cerébro - uma
questão de orgãos, tecidos e células e as mudanças elétricas e
químicas que ocorrem neles. A outra é um grupo de três ciências
que se ocupam da variação e seleção que determinam a condição
daquele corpo-associado-ao-cerébro em qualquer momento: a
seleção natural do comportamento das espécies (etologia), o
princípio se articula, para Skinner, a própria identidade da psicologia enquanto ciência
que se ocupa das relações entre ambiente e comportamento. Para que esta identidade seja
preservada, então, e com ela o programa de pesquisas a ela associado, torna-se
imprescindível supor o comportamento humano como função de condições que sobre ele
operam modelando-o e alterando sua probabilidade de ocorrência. Torna-se
imprescindível, assim, o abandono de qualquer idéia de determinação interna do
comportamento. De outra forma, recorrer à noção de uma mente que determina o
comportamento humano significa descaracterizar a pertinência de um programa que se
apoia no princípio da seleção pelas consequências.
As considerações acima basicamente ilustram o que se abordou no
Capítulo 5 acerca da ameaça em que o cognitivismo vem a se constituir para o programa
skinneriano, levando Skinner a um apelo representacionista em favor de seu modelo de
ciência. A questão a ser considerada, a partir deste ponto, é em que extensão a ameaça
cognitivista se relaciona, para Skinner, com a problemática das asserções que os
indivíduos constroem sobre si mesmos. Há pelo menos um momento em que a relação é
claramente colocada por Skinner. Em seguida ao trecho citado no item 6.1., no qual
afirma que os analistas do comportamento não podem usar, em sua ciência, a "linguagem
da experiência privada", Skinner (1989d) afirma:

Nós parecemos estar desistindo do esforço para explicar nosso comportamento ao


relatarmos o que sentimos ou observamos introspectivamente em nossos corpos, mas nós
apenas começamos a construir uma ciência necessária para analisar as interações
complexas entre o ambiente e o corpo e o comportamento ao qual ele [corpo] dá origem
(p.18, itálico acrescentado).
Quer dizer, para Skinner, a análise do comportamento, mesmo estando no
caminho certo, ainda está distante de dar conta da complexidade do comportamento
humano, mas admitir em uma ciência do comportamento asserções que se referem a
condições internas dos indivíduos pode implicar a desistência, ou o abandono daquela
proposta de investigação. Parece razoável, então, supor que a preocupação de Skinner em
descaracterizar a validade de relatos privados se associa a uma preocupação em não
inviabilizar um projeto de investigação das relações sugeridas pelo princípio de seleção
pelas consequências. Isto é, a interdição de Skinner àquele tipo de asserção seria menos o
resultado de uma desconfiança acerca de sua funcionalidade (o que, aliás, é deixado de
lado), e mais propriamente o resultado de uma desconfiança de que sua aceitação
favoreceria o paradigma da mente criativa, em detrimento de uma análise funcional do
comportamento humano.

condicionamento operante do comportamento do indivíduo (a


análise do comportamento) e a evolução dos ambientes sociais que
provêem o comportamento operante e expandem largamente seu
escopo (uma parte da antropologia). Poder-se-ia dizer que as três
se relacionam da seguinte maneira: a fisiologia estuda o produto
do qual as ciências da variação e seleção estudam a produção (...)
A fisiologia nos diz como o corpo funciona; as ciências da
variação e seleção nos dizem por que trata-se de um corpo que
funciona daquela maneira (p.1208, itálico acrescentado).
Há, ainda, um outro indicador que favorece este tipo de interpretação da
posição de Skinner. No Capítulo 4, já se afirmava que Skinner diferenciava seu
behaviorismo do behaviorismo de Boring e Stevens por admitir tratar, em sua ciência,
dos eventos privados. Acrescentou-se a isso a ilustração de conceitos com os quais
Skinner operou na fase inicial de seu programa de pesquisas, conceitos estes que se
referiam a condições internas dos organismos. Isto é, asserções sobre drive e reserva de
reflexo são exatamente asserções sobre a interioridade ou privacidade do organismo, e
Skinner as admitia como válidas em razão de não estar operando com o critério
verificacionista dos behavioristas metodológicos. Invocar estes exemplos para defender a
posição de Skinner, no entanto, deixou de fazer sentido. Em um de seus últimos artigos
(Skinner, 1989b), no qual comenta seu livro de 1938 (Skinner, 1938), Skinner refere-se
criticamente aos conceitos alí empregados. Em um trecho do qual foi retirada a citação
anteriormente apresentada (seção 6.1.) sobre a maneira como concebia a reserva de
reflexo, Skinner (1989b) afirma:

Apesar de minha insistência de que o comportamento deveria ser estudado como uma
função de variáveis externas, à parte de qualquer referência a estados ou processos
mentais ou fisiológicos, eu ainda não estava totalmente livre do ponto de vista
tradicional. Por exemplo, eu falava como se o comportamento estivesse dentro do
organismo antes que saísse. Dizia tradicionalmente que um reflexo era "eliciado" no
sentido etimológico de "extrair". O comportamento operante era diferente e eu tentei
enfatizar a diferença dizendo que ele era "evocado", no sentido de "provocado" ... Eu
também disse que o comportamento operante era "emitido", e mais tarde tentei justificar
aquele uso indicando que a luz emitida de um filamento quente não estava no filamento.
A "reserva de reflexo" carregava a metáfora muito adiante (...) Cerca de um ano após a
publicação do livro, eu abandonei a "reserva de reflexo", mas devia ter feito isso muito
mais rapidamente. Especular sobre processos internos foi uma violação de um princípio
básico. Uma resposta operante não era emitida; ela simplesmente ocorria (p.131, itálico
acrescentado).
Skinner é surpreendentemente claro neste trecho, com respeito a
considerar ter cometido um erro grave ao fazer uso de conceitos que remetiam a
condições internas do organismo. Falar de condições internas representava, diz ele, "uma
violação de um princípio básico". A qual princípio pode Skinner estar referindo, senão o
próprio princípio de seleção pelas consequências (ainda que não operasse, naquele
período, com esta formulação)? Sua proposta de ciência pretendia voltar-se para as
relações funcionais experimentalmente identificáveis entre condições ambientais e o
comportamento dos organismos, e implicava a idéia de que o ambiente operava sobre o
organismo de forma a modelar e alterar a probalibilidade de suas respostas. Tal
como Skinner coloca o problema no trecho citado, aceitar asserções sobre condições
internas consistia em violação do princípio que sustentava seu programa - um princípio
que colocava fora do organismo a determinação de seu comportamento. Este princípio
estava sendo violado porque, no entendimento de Skinner, asserções sobre condições
internas apontavam para uma determinação igualmente interna do comportamento, um
equívoco só explicável pela tradição da qual Skinner não conseguira, até então, se
desvencilhar.
Novamente, Skinner parece não conseguir se justificar sem cair em
contradição. Sua preocupação em descaracterizar asserções acerca de
processos/condições internas o leva a afirmar que uma resposta sequer é emitida; ela
simplesmente ocorre. Ora, se uma resposta simplesmente ocorre, uma análise funcional
deixa de fazer qualquer sentido. Isto é, ou se admite que o organismo foi alterado a partir
de sua interação com o ambiente, tornando-se mais provável que emita determinada
resposta em determinada condição, e neste caso não se pode simplesmente dizer que o
que quer que seja esta alteração ela é irrelevante, ou o paradigma da funcionalidade deve
ser abandonado, e com ele o próprio projeto de psicologia como ciência experimental do
comportamento. Tal como na desqualificação dos relatos privados, às custas do abandono
de uma concepção funcional de conhecimento, esvazia-se, aqui, o indivíduo, ainda que
isso entre em contradição com os princípios que norteiam a proposta de ciência. De
qualquer modo, parte do diagnóstico de Skinner parece estar correta - aquela que diz
respeito a uma tradição da qual ele mesmo não pôde se devencilhar plenamente - ainda
que tenha deixado os instrumentos necessários para tal.

PARTE III
A TÍTULO DE CONCLUSÃO

CAPÍTULO 7

EPISTEMOLOGIA, PSICOLOGIA E PRÁTICA POLÍTICA

A preocupação de ordem epistemológica, a tentativa de fundamentar para


a cultura o conhecimento verdadeiro, assume uma centralidade no pensamento ocidental
com o chamado advento da modernidade, em particular nas obras de Galileu, Bacon e
Descartes. É nestes autores, por outro lado, que primeiro se encontra uma
problematização da interioridade do homem e das relações entre esta interioridade e a
possibilidade de conhecimento do mundo. Se, de um lado, o que é próprio do indivíduo
passa a ser visto como o território do conhecimento verdadeiro (sua alma, sua razão, ou
suas experiências sensíveis), de outro, elabora-se a suspeita acerca da disciplina da
mente e a suposição de que outras dimensões da interioridade humana (suas pulsões,
paixões ou inclinações pessoais) são adversas ao empreendimento cognoscitivo. É no
contexto destas suspeitas ou suposições (que se manifestam na distinção galileana entre
qualidades primárias e qualidades secundárias dos fenômenos, na condenação cartesiana
das crenças não fundamentadas e das paixões e na doutrina baconiana dos Ídolos), que a
psicologia, ou o que mais tarde viria a se caracterizar como o objeto de estudo de uma
ciência psicológica, assume seus primeiros contornos conceituais. Desta origem histórica
resulta que a psicologia, enquanto um campo de reflexão ou investigação, nasce
associada a uma preocupação com a fundamentação do conhecimento verdadeiro, aqui
entendido como algo a que se chega individualmente, e a partir de condições próprias dos
indivíduos cognoscentes. Fica a reflexão psicológica, assim, incunbida de auxiliar a
disciplina epistemológica, ainda que este projeto se apresente de forma contraditória70.
Ao se reconhecer na função de auxiliar a disciplina epistemológica,
investigando as condições em que os indivíduos vêm a conhecer o mundo, a psicologia
frequentemente aprofunda a preocupação fundacionalista da epistemologia, e, o que
talvez seja pior, os discursos subjetivistas e individualistas a ela associados. É trilhando
esta alternativa que a psicologia, ao abordar a problemática do conhecimento, se converte
numa investigação da "mente", dos "processos cognitivos", das "percepções mentais",
das "imagens mentais", etc. Ela reproduz, de outro lado, em várias circunstâncias, o
mesmo apelo fundacionalista, quando se trata de afirmar a validade de suas próprias
teorias. Ela se converte (ou pretende se converter), neste sentido, numa ferramenta de
afirmação do representacionismo e depositária das mesmas condições de verdade ali
estabelecidas. Isto é, ela não apenas pretende auxiliar as pretensões fundacionalistas de
certas doutrinas epistemológicas; ela se pretende validada acima da necessidade de
argumentação exatamente por aquelas doutrinas. É verdade que, ao tentar se converter
em ciência, a psicologia envereda pelo que poderia ser considerado mais propriamente o
terreno de negação dos discursos representacionistas; por exemplo ao enfatizar os
determinantes sociais e ambientais das práticas e discursos humanos (cf, Figueiredo,
1993). Mas este fato parece escapar ao esforço reflexivo da ciência psicológica, que
usualmente preserva as mesmas pretensões fundacionalistas do discurso
representacionista.

70. Sobre este caráter contraditório do projeto de uma disciplina psicológica, afirma
Figueiredo (1991):
Constitui-se e tenta-se colonizar um novo continente: o da natureza
interna, o "íntimo". O projeto, todavia, envolve uma contradição:
justifica-se apenas porque se presume que a natureza interna seja
essencialmente hostil à disciplina imposta pelo método científico e
deva por isso ser neutralizada; por outro lado, o objetivo seria
exatamente o de submeter a natureza interna às mesmas práticas de
pesquisa - e, portanto, de controle - que se desenvolveram na
interação com a natureza externa e, inclusive, definiram seu caráter
(p.19).
A relação histórica entre psicologia e epistemologia permite supor que as
críticas ao fundacionalismo, aqui examinadas no âmbito do discurso pragmatista, devem
incidir na própria demarcação da pertinência de uma ciência psicológica. Poder-se-ia, por
exemplo, indagar: até que ponto uma ciência da "mente" ou dos "processos cognitivos"
pode manter-se justificada diante de uma concepção de conhecimento que transfere da
interioridade dos indivíduos para as relações sociais e políticas o campo da afirmação
do saber? Permanecendo-se no âmbito da problemática epistemológica, parece não
constituir-se em exagero a suposição de que a crítica ao fundacionalismo coloca em
dificuldade a pertinência de uma psicologia da mente (além, é claro, de desqualificar as
reivindicações a verdade das diferentes teorias, que passariam à contingência de
participação em um confronto dialógico como espaço de sua validação)71.
O fato de a psicologia ter surgido, enquanto campo de reflexão, no
contexto de discursos epistemológicos fundacionalistas, todavia, não a condena a uma
sobrevivência precária, condicionada à validade daqueles discursos. Ao contrário, ela
pode se ocupar exatamente da crítica àquelas concepções, a partir de uma desconstrução
da idéia de mente como espelho da natureza, para usar uma expressão de Rorty. Neste
particular, a posição skinneriana parece não apenas razoável, como valiosa enquanto
crítica tanto do representacionismo, quanto de uma concepção de homem (que envolve,
sobretudo, a noção de liberdade) tão cara à cultura ocidental moderna. Mas a crítica
skinneriana, como argumentado, nem sempre se mostra consistente. Em particular, ela
tropeça exatamente quando ignora (ou coloca de lado) que a crítica ao
representacionismo não se esgota na dissolução de uma mente cognitiva, mas se estende
ao questionamento de toda e qualquer tentativa de fundamentação apriorística de uma
reivindicação a conhecimento72. Este tipo de questionamento, por outro lado, ao
recolocar no centro da reflexão epistemológica73 os aspectos sociais da construção e
afirmação de toda proposição reconhecida como válida, sinaliza para o resgate da
dimensão política das atividades humanas dirigidas ao conhecimento da realidade e ao
julgamento de questões éticas e morais. Neste sentido, a discussão acerca do
conhecimento humano não pode deixar de ser examinada sob a ótica de uma práxis, de
uma construção e intervenção particular sobre a realidade, articuladas com as demandas
materiais e intelectuais colocadas aos indivíduos e sociedades. Uma análise nesta direção

71. De qualquer modo, as críticas contemporâneas ao representacionismo não resultaram,


até o momento, na dissolução do que pode ser denominado de cultura representacionista,
uma cultura marcada pela valorização e/ou confiança na autonomia e singularidade de
cada um. À sobrevivência desta cultura se associam, em larga medida, os projetos de
psicologia como ciência da "mente".

72. Usando os parâmetros da análise desenvolvida no Capítulo 1, a noção de mente é


apenas um dos aspectos distintivos das doutrinas representacionistas. A ela se articulam
uma distinção entre aparência e essência e uma idéia de correspondência entre linguagem
e realidade. Se as proposições de Skinner podem ser tomadas como consistentes com
respeito ao primeiro aspecto, o mesmo não pode ser dito com relação aos demais.

73. O termo "epistemológica" obviamente não refere, neste contexto, ao tema do


fundacionalismo, mas a qualquer reflexão sobre a questão do conhecimento.
exigiria, é claro, um esforço adicional no campo da reflexão filosófica, o que não pode
ser aqui contemplado em razão das próprias limitações do trabalho e do autor. Em todo
caso, algumas considerações podem ser feitas nesta direção, as quais indicam, em certa
medida, alguns desdobramentos possíveis ou pertinentes à discussão apresentada nos
capítulos anteriores.
Um dos aspectos fundamentais do pragmatismo advogado por Rorty é sua
insistência no campo do diálogo como espaço para afirmação da validade das diferentes
reivindicações a conhecimento elaboradas por uma cultura. Como argumentado no
Capítulo 2, no entanto, esta postura não resvala para a legitimação do irracionalismo, o
que significa dizer que não se confunde com um pluralismo que admite qualquer tipo de
discurso (inclusive o místico) como dotado da mesma validade, sob o argumento
atualmente comum da "pós-modernidade". O pragmatismo, por outro lado, quando
interpretado sob o conceito de "relativismo" têm sido objeto de uma crítica que o
caracteriza como auto-contraditório74. O que se ignora, neste caso, é que o que está
sendo advogado não é uma nova verdade sobre a natureza do conhecimento, mas uma
atitude diante das proposições reconhecidas como válidas75, uma atitude que coloca os
critérios ora empregados como contingentes a um conjunto de práticas sociais, e não
como ditados por uma natureza última das coisas. Rorty sustenta esta posição inclusive
com respeito às proposições matemáticas, tidas como exemplares pelas doutrinas
representacionistas. Diz ele:

Impressionamo-nos com o caráter especial da verdade matemática, que faz a tal ponto
parte do "pensar filosoficamente", que é difícil repelir o amplexo do Princípio Platônico.
Se, no entanto, pensarmos na "certeza racional" como uma questão de vitória
argumentativa, em vez de como uma relação com um objeto conhecido, atentaremos
mais aos nossos interlocutores do que a nossas faculdades para a explicação do
fenômeno. Se encararmos a nossa certeza acerca do Teorema de Pitágoras como a nossa
confiança, baseada na experiência em debates de tais questões, em que ninguém
encontrará objeção para as premissas das quais o deduzimos, não procuraremos então
explicá-lo pela relação da razão com a triangularidade. A nossa certeza será uma questão
de conversação entre pessoas, mais do que uma matéria de interação com uma realidade
não humana. Não veremos assim, uma diferença de gênero entre as verdades

74. Bernstein (1983) explica esta crítica da seguinte maneira:


... desde Platão, os objetivistas tem argumentado que o relativismo,
quando claramente afirmado, é auto-referencialmente inconsistente
e paradoxal. Pois implícita ou explicitamente o relativista
reivindica que a sua posição é verdadeira; porém o relativista
também insiste que, uma vez que a verdade é relativa, o que é
considerado verdadeiro pode também ser falso.
Consequentemente, o próprio relativismo pode ser verdadeiro e
falso (p.9).

75. Neste caso, a atitude pragmatista não pode ser fundamentada, mas apenas
argumentada.
"necessárias" e "contingentes". Quando muito, veremos diferenças em grau de
dificuldade na objeção às nossas convicções (Rorty, 1988, p.128, itálico acrescentado).
Ao remeter à conversação, ao embate argumentativo, Rorty recupera
exatamente o ponto em que a racionalidade humana deixou de ser pensada como
pertencente ao campo do diálogo e se transformou numa questão relativa ao que era
próprio do indivíduo particular ou de um reino transcendental: a filosofia platônica. Sua
proposta (de Rorty), de algum modo, é uma recuperação da noção pré-socrática de
racionalidade. Diz ele em continuação ao trecho citado acima:

Em suma, encontrar-nos-emos onde estavam os sofistas antes de Platão gerar o seu


princípio e inventar o "pensamento filosófico" ... (Rorty, 1988, p.128).
Ora, o que caracterizava em grande parte o ambiente intelectual dos
sofistas era exatamente a configuração do debate público e permanente como espaço para
a deliberação sobre a validade das proposições que os homens elaboravam sobre a
natureza e a sociedade. Neste sentido, o que salientava na prática dos sofistas e é
recuperado no pensamento de Rorty é uma valorização das experiências concretas
vividas pelos indivíduos; a exata mundanização das vias para o conhecimento e para o
julgamento ético que as doutrinas representacionistas pretendem sepultar com sua noção
de objetividade. No contexto da racionalidade pré-socrática, também a verdade não era
autônoma, mas só existia e só se (re)afirmava no âmbito dos confrontos discursivos. Isso
implicava o que hoje é abordado sob o conceito de relativismo, mas não se tratava, ali, de
um relativismo qualquer. Há uma dimensão fundamental do discurso submetido ao
embate de idéias no mundo grego que é característica indissociável da racionalidade ali
gestada: a dimensão política. Vernant (1989) coloca esta questão com bastante
propriedade, ao afirmar:

Quando Aristóteles define o homem como "animal político", sublinha o que separa a
Razão grega da de hoje. Se o homo sapiens é a seus olhos um homo politicus, é que a
própria Razão, em sua essência, é política.
De fato, é no plano político que a Razão, na Grécia, primeiramente se exprimiu, constuiu-
se e formou-se. A experiência social pôde tornar-se entre os gregos o objeto de uma
reflexão positiva, porque se prestava, na cidade, a um debate público de argumentos
(p.94).
Ao realizar a crítica das doutrinas representacionistas torna-se, do presente
ponto de vista, fundamental compreender não apenas a concepção de conhecimento ali
contida, mas, principalmente, o que foi abandonado com o advento do platonismo e do
representacionismo moderno. Trata-se, neste caso, não somente do abandono da crença
de que o diálogo pode prover as condições para validação das asserções construídas pelos
indivíduos, mas também do abandono de um reconhecimento da construção daquelas
asserções como um processo político, um processo que se configura como um embate
entre concepções de mundo, de homem e de sociedade, que atendem a interesses e
valores tanto mais gerais (e menos particulares) quanto maior a extensão da comunidade
que participa em iguais condições e vem a concordar com uma postura particular
qualquer. Pode-se, acompanhando Sócrates ou Platão, objetar ao resgate desta dimensão
política, alegando que o consensualismo sugerido pela noção de conhecimento como
práxis resulta numa racionalidade interesseira e descompromissada com a verdade. Não
custa obervar, porém, que o objeto da crítica socrático-platônica, não era uma sociedade
de iguais, mas uma democracia decadente. Por outro lado, tentar fugir do conteúdo ético
e político das visões conflitantes de mundo contidas nos diferentes discursos
"restauradores da verdade" corresponde a optar por uma ilusão confortante. Confortante
porque parece garantir o solo seguro da verdade, mas ilusória porque se faz às custas de
uma crença infundada acerca da possibilidade de se transcender os conteúdos humanos e
sociais das crenças.
O aspecto político que pode ser derivado das proposições pragmatistas não
aparece de forma clara e elaborada no discurso de Rorty. Mas talvez este aspecto seja
uma das consequências mais importantes de sua argumentação. Por outro lado, pode-se
observar que, neste terreno, o pragmatismo de Rorty se aproxima de outras reflexões
contemporâneas sobre a problemática epistemológica. Bernstein (1983), por exemplo,
deriva das proposições de Rorty uma concepção de vida comunitária que se assemelha a
algo que pode também ser derivado, de um lado, do pensamento de Habermas e, de outro,
do discurso de Gadamer. Diz ele:

Quando descobrimos ou decodificamos a retórica quase-positivista ou quase-


existencialista de Rorty e exploramos seu neopragmatismo, encontramos suporte
adicional para uma visão de vida comunitária na qual há participação genuína. Habermas
pode ser muito "fundacional" para Rorty, e Gadamer muito ligado à filosofia tradicional.
Mas se aplicarmos o princípio pragmático ao próprio neopragmatismo de Rorty, podemos
perguntar "qual a diferença que faz diferença para a visão de vida comunitária que Rorty
esboça e as visões contidas nos projetos de Gadamer e Habermas?" (Bernstein, 1983,
p.224).
Ainda a este respeito, Bernstein (1983) argumenta que, preservadas as
diferenças significativas no pensamento de cada um, a questão do diálogo e a idéia de
sociedade contida na maneira como é pensada a possibilidade de emergência de uma
verdade assentida por todos os homens constituem um campo comum ao pragmatismo de
Rorty, à hermenêutica de Gadamer, ao pensamento político de Arendt e à teoria da ação
comunicativa de Habermas76. Diz ele:

76. É interessante observar que Rouanet (1992) entende que uma abordagem para a
problemática da ética inspirada no pensamento de Habermas permite revisar a postura
individualista característica da filosofia da Ilustração, em direção a uma atitude que, se de
um lado reconhece o direito à realização pessoal, de outro enfatiza a condição interativa
de sua existência e de seu julgamento da realidade social. Diz ele:
A ética discursiva é uma teoria não individualista, porque ela se
baseia na hipótese de um mundo vivido lingüisticamente
compartilhado. Não obstante, consegue salvar os dois principais
temas do individualismo ético da Ilustração: o direito à felicidade e
o descentramento.
O indivíduo só existe em interação, mas essa interação pressupõe o
reconhecimento da dignidade e integridade de cada participante. O
homem tem direitos como indivíduo, que não podem ser
cancelados pelos direitos da comunidade (...)
Quanto ao descentramento, a ética discursiva o redefine,
expurgando-o de suas características individualistas. O
descentramento se dá quando os indivíduos abandonam o mundo
vivido e entram num processo de argumentação coletiva (...) ... o
Através de minha discussão de Gadamer, Habermas, Rorty e Arendt, procurei trazer à luz
as preocupações comuns que eles partilham, sem negar as diferenças importantes entre
eles. Em todos eles, nós sentimos uma corrente que nos arrasta para os temas centrais do
diálogo, da conversação, da comunicação não distorcida, do julgamento comunal, e do
tipo de persuasão racional que pode ocorrer quando os indivíduos se confrontam como
iguais e participantes. Nos tornamos conscientes das consequências práticas e políticas
destes conceitos, pois na medida em que exploramos suas implicações, eles nos arrastam
em direção ao objetivo de cultivar os tipos de comunidades dialógicas nas quais a
phronésis, o julgamento e o discurso prático se tornam concretamente incorporados em
nossas práticas cotidianas (Bernstein, 1983, p.223)77.
Os autores citados por Bernstein (1983), e suas respectivas obras, não
serão aqui discutidos em razão das limitações já citadas. Isto não impede, contudo, que se
considere a noção de "comunidade dialógica", colocada por Bernstein. Esta noção, que
Bernstein deriva, entre outros, do pragmatismo de Rorty, pode ser colocada sob suspeita
a partir de seu conteúdo utópico. Mas esta seria uma maneira muito primária de
desqualificação do problema por ela levantado. E ela envolve, antes, uma crítica das
aspirações de construção de verdades últimas em um contexto que prescinde do diálogo e
da interlocução. A noção de comunidade dialógica tem, assim, tanto uma função de
tornar possível uma crítica das condições atuais em que se supõe ser possível chegar a
verdades universais e necessárias, quanto uma função de apontar para a direção em que
faria sentido pensar numa verdade que (além de não ser universal e necessária) não
atenderia a interesses circunscritos de determinados grupos sociais. Reconhecida a
construção intersubjetiva da realidade que se torna objeto de investigação e dos critérios
assentidos para o julgamento das crenças, por outro lado, é demarcando a extensão desta
intersubjetividade que se vislumbram os limites em que as proposições são legitimamente
reconhecidas como verdadeiras.
É no momento em que as reflexões críticas (ou mesmo reformadoras) do
ideal representacionista sinalizam a pertinência ou necessidade de uma comunidade
argumentativa de iguais, que elas evidenciam um conteúdo político das concepções de
conhecimento com as quais operam e das práticas a que sinalizam. Do ponto de vista do
pragmatismo de Rorty, isto pode ser contemplado através de sua proposição de uma

descentramento é coletivo, e não individual, como na Ilustração


(Rouanet, 1992, p.160).
Rouanet refere-se igualmente ao cognitivismo característico da Ilustração para
argumentar que, no contexto de uma ética derivada das proposições de Habermas, a
validade de uma norma é fundada
... em seu caráter universalizável, com a diferença de que
[Habermas] reformula discursivamente o imperativo categórico: o
processo de universalização não se dá monologicamente, no
interior de uma consciência transcendental, e sim dialogicamente,
no interior de um discurso (Rouanet, 1992, p.159).

77. Bernstein (1983) não ignora o quanto as condições sociais contemporâneas conspiram
contra uma vida comunal daquele tipo, mas acredita residir nesta perspectiva uma
aspiração (frustrada) "profundamentamente enraizada" (p.230) na vida humana.
cultura "pós epistemológica", na qual a interlocução e a possibilidade de produção de
novos recursos argumentativos se propõem como valores aos quais toda reivindicação a
conhecimento deve ser subjugada. Deste ponto de vista, o behaviorismo skinneriano pode
ser discutido não apenas em termos de sua crítica à noção de mente, mas principalmente
a partir de dois pontos: (a) o reconhecimento do conteúdo social e político de toda
reivindicação a conhecimento e a possibilidade de dele derivar-se o cultivo ao tipo de
comunidade argumentativa assinalada acima; e (b) a própria possibilidade daquele
conteúdo ser vislumbrado no contexto de seu modelo de ciência.
Com respeito ao item (a), a análise desenvolvida nos Capítulos 5 e 6
sugere que o pensamento skinneriano, à exceção da contradição em que envereda ao
defender seu programa de pesquisas78, permite dele derivar-se uma atitude pragmatista
com respeito a diferentes instâncias de conhecimento (conhecimento em geral,
conhecimento científico e auto-conbhecimento). Deste ponto de vista, pode-se dizer que
a postura skinneriana torna possível (ou comporta) uma consideração crítica das
reivindicações a conhecimento. Ao apontar para esta possiblidade, contudo, deve-se
reconhecer que a atitude assumida por Skinner não é exatamente a de colocar em
evidência o problema dos valores e interesses contidos nas práticas das comunidade
verbais das quais as asserções que os indivíduos constroem sobre o mundo são função79.
Em outras palavras, Skinner não reconhece as implicações éticas e políticas como o
campo de aferição da validade dos diferentes discursos com os quais os indivíduos são
confrontados. Em particular, ele pretende elevar seu behaviorismo, em diversas
circunstâncias, à condição de um discurso psicológico expurgado, ou "purificado" de
valores. Seja ao invocar o critério de "sobrevivência da cultura", seja ao enfatizar o valor
tecnológico das leis de sua ciência, Skinner manifesta o aspecto mais destacado da
tradição representacionista: a tentativa de constituir um espaço fora do dialógo como
campo de fundamentação e validação do conhecimento.
Se se assume a posição pragmatista, por outro lado, não se pode pretender
fugir ao diálogo. Os julgamentos acerca de diferentes recortes constitutivos da realidade e
da experiência humana não podem ocorrer senão através de uma explicitação das visões
de mundo neles contidas, dos interesses e propósitos a que atendem, das práticas a que
dão origem e das consequências destas para os indivíduos em particular e para a
sociedade como um todo. Alguns destes elementos podem ser vislumbrados, com
respeito ao pensamento skinneriano, na novela Walden II (Skinner, 1948/1971a), ainda
que Skinner não reconheça esta obra como impregnada de valores e princípios arbitrários
e dependentes de um assentimento intersubjetivo. Ao invocar uma espécie de "gestão
científica da sociedade", por outro lado, dissolve-se, no discurso skinneriano, o elemento
político (no sentido de que as implicações políticas e éticas de seu discurso serão de outra

78.E neste aspecto Skinner não reconhece a necessidade de (e não se dispõe ao) diálogo
argumentativo com os cognitivistas, muito menos aceita haver, aí, um confronto com
dimensões políticas.

79. E isso independe das circunstâncias em que Skinner contraditoriamente transita para
o campo do representacionismo.
ordem) assinalado acima com respeito às noções anti-representacionistas80. Não se faz
mais necessário, nem adquire nenhum sentido, a idéia de uma "comunidade
argumentativa de iguais"81, nem como condição para a emergência de práticas
apropriadas, nem como princípio regulador da noção de verdade (ou da crítica a esta
noção). Estas afirmações sobre Skinner, entretanto, se mostram válidas apenas com
respeito às circunstâncias em que ele transita claramente para o campo de supostos
representacionistas. Mas se afirmou anteriormente que é possível dele derivar uma visão
pragmatista capaz de propiciar uma análise crítica das reivindicações a conhecimento.
Como salientado no Capítulo 5, isso se torna possível quando se leva em conta a noção
de linguagem com a qual Skinner trabalha (e que desautoriza suas reivindicações
representacionistas). Se os enunciados que os indivíduos constroem sobre a realidade são
função de contingências de reforçamento providas por uma comunidade verbal, e se as
práticas de uma comunidade verbal pertencem ao campo das práticas culturais e revelam
os valores e propósitos dos indivíduos na sua interação com o mundo circundante, então
é possível, neste contexto, examinar-se criticamente qualquer reivindicação a
conhecimento, apontando a articulação existente entre o discurso e o conjunto de práticas
sociais das quais é função e no âmbito das quais adquire sentido. Por outro lado, só se
torna possível considerar a possibilidade de emergência de um discurso não contingente a
interesses de grupos sociais particulares na medida em que se possa falar da emergência
de uma comunidade verbal que se estenda para além de grupos sociais particulares, isto é,
na medida em que se possa falar de práticas de uma comunidade verbal partilhadas por
todos os indivíduos. É apenas neste sentido que uma visão crítica das reivindicações a
conhecimento inspirada no behaviorismo skinneriano pode implicar a defesa de uma
comunidade argumentativa do tipo proposto por Rorty.
Passando ao item (b), isto é, à possibilidade de o conteúdo político das
reivindicações a conhecimento ser explicitado a partir de uma análise de inspiração
skinneriana, mostra-se necessário partir do reconhecimento de que não faz sentido exigir
da psicologia skinneriana (como de qualquer outra abordagem psicológica) que dê conta
da complexidade das práticas humanas. Mas parece razoável indagar acerca da
possibilidade de a psicologia interpretar os complexos problemas humanos com o auxílio
de disciplinas que lhe podem prover os recursos indispensáveis para tal.
A proposta de ciência apresentada e desenvolvida por Skinner, concentra-
se no intento de evidenciar a natureza das relações de controle a que o comportamento do
organismo humano (ou não) se mostra suscetível. Talvez por esta razão Skinner fale da
psicologia como "parte da biologia" (Skinner, 1969) e, mais recentemente, delimite o
alcance de sua ciência ao estudo do processo de seleção pelas consequências ao nível
ontogenético - o condicionamento operante (Skinner, 1990), diferenciando-a de um lado
da etologia e de outro da antropologia. Como observado no Capítulo 5, uma ciência deste
tipo reduz a análise das práticas humanas à especificação de contingências de
80. Não se pode deixar de lembrar, a este respeito, a proposta platônica de um Estado
governado por filósofos, exemplo singular de uma cultura representacionista.

81. Ao fazer esta crítica, não se trata de desprezar a importância da ciência para o
enfrentamento dos problemas humanos, mas de desqualificá-la como dotada de isenção e
auto-suficiência.
reforçamento, não havendo nela espaço para uma reflexão crítica sobre valores e
propósitos alí contidos. Por outro lado, observou-se que abandonado o compromisso
experimentalista de Skinner e sua limitação aos processos básicos relativos ao
comportamento dos organismos, é possível buscar aquele tipo de reflexão partindo-se
exatamente de uma atitude behaviorista diante dos fenômenos humanos, caracterizada,
antes de tudo, pela rejeição do princípio de independência e auto-determinação. Em
outras palavras, a preocupação com as relações de controle pode ser de fundamental
importância para uma crítica behaviorista dos princípios representacionistas82 e para a
elaboração de uma concepção pragmatista de conhecimento, mas é apenas transcendendo
este nível que se pode chegar a uma visão crítica das reivindicações a conhecimento
elaboradas por uma cultura. Ao abandonar o experimentalismo em direção àquela
reflexão, torna-se indispensável reconhecer que a defesa de uma atitude behaviorista
diante de teorias ou propostas alternativas se coloca não no campo de uma suposta
cientificidade (o retorno ao apelo representacionista), mas no campo de suas implicações
éticas e políticas.
Um aspecto fundamental da proposta de analisar as práticas das
comunidades verbais (científicas ou não) segundo uma atitude behaviorista radical é que
se estará sempre lidando com o conhecimento enquanto fato social83 e cuja validade se
circunscreve aos limites da comunidade verbal na qual se constrói. Os confrontos entre
discursos alternativos podem ser interpretados como confrontos entre modos de ação
sobre o mundo e de configuração deste à experiência humana (como diz Wittgenstein, os
usos que os indivíduos fazem da linguagem são formas de vida; e a concordância a que
chegam, uma concordância entre formas de vida) só superáveis diante do tipo de
comunidade argumentativa derivada por Bernstein (1983) do pensamento de Rorty.
Talvez seja um exagero pretender chegar a este tipo de interpretação a partir do
pensamento de Skinner, em particular considerando-se as limitações da proposta de
ciência skinneriana assinaladas ao longo deste trabalho. Mas não se trata, aqui, de avaliar
apenas as proposições de Skinner. Trata-se, também, num esforço reflexivo, de
vislumbrar as possibilidades de uma psicologia behaviorista não limitada ao
experimentalismo. O que parece indispensável a esta tarefa parece ser menos o
julgamento do behaviorismo diante de outras abordagens psicológicas e mais uma
avaliação da possibilidade de associar-se os recortes skinnerianos aos recortes de outras
disciplinas, segundo um princípio que preserve uma coerência na abordagem dos
fenômenos humanos e evite um ecletismo frágil.

82. Do ponto de vista da crítica da cultura e, neste contexto, das aspirações


representacionistas, uma das maiores realizações do behaviorismo skinneriano talvez
tenha sido no campo do desvelamento do caráter ilusório da noção de liberdade, em
particular ao assinalar como um sentimento pode dar origem a uma espécie de
acomodação diante do controle por reforçamento positivo e a uma atitude de
desconhecimento deste (cf. Skinner, 1971b).

83. Seria interessante, diante desta afirmação, discutir as implicações (sobretudo com
respeito à capacidade para o julgamento ético) da proposta pedagógica de Skinner
(1968), pautada por procedimentos e recursos de ensino individualizado.
Do presente ponto de vista, não faria sentido criticar Skinner por limitar
sua proposta de investigação às relações de controle a que o comportamento está
submetido. Mas deve-se observar que Skinner pretende lidar, com sua ciência, com
fenômenos humanos complexos e também reconhece que vários problemas importantes
precisam ser abordados em um plano diferenciado da experimentação84.
Em se tratando de fenômenos reconhecidamente complexos, como
deliberações éticas e como a construção de conhecimento humano, caberia à psicologia
reconhecer que tais fenômenos só se tornam razoavelmente inteligíveis quando
submetidos a um exame que envolve os estudos históricos, sociológicos, antropológicos e
mesmo filosóficos. Circunscrever a análise de um problema daquele tipo à investigação
de relações de controle, supondo-se que tal fragmentação é necessária e legítima, sem
procurar integrá-la ao que as demais disciplinas têm investigado, pode significar
preservar uma identidade ao preço do desconhecimento e da limitação, da reprodução
(consciente ou não) de valores nem sempre eticamente sustentáveis. O problema que se
coloca na proposta de tornar a psicologia uma disciplina que em seu esforço investigativo
e reflexivo se articula com a filosofia e as humanidades é o da necessidade de uma
compreensão dos pressupostos ontológicos no contexto dos quais os diferentes discursos
se constituem e adquirem significação, de modo a identificar o que é uma articulação de
recortes complementares da realidade e o que poderia ser considerado uma articulação de
recortes contraditórios. Do ponto de vista da compreensão do behaviorismo aqui
desenvolvida, esta tarefa pode ser iniciada com a proposição de um princípio básico na
compreensão do homem: a crítica à noção de autonomia e independência humana. A
partir deste suposto, mostra-se legítimo lançar mão, por exemplo, no contexto de uma
psicologia behaviorista radical, das reflexões de Wittgenstein sobre a linguagem; ou dos
estudos históricos e antropológicos que vêm evidenciando o processo através do qual se
constituiu na sociedade ocidental moderna uma experiência particular da própria
subjetividade, ou das pulsões humanas (por exemplo, o trabalho de Elias, 1939/1990 e a
análise de Figueiredo, 1992). A proposta de lançar mão destes estudos pode parecer
inusitada para o behaviorista convencido do programa de investigações proposto por
Skinner. Entretanto, a despeito da pertinência que se possa reconhecer com respeito
àquele programa, se se trata de fazer do behaviorismo uma abordagem psicológica não há
como fugir àquela necessidade; não apenas por uma questão de limitação do aparato
teórico e metodológico, mas, sobretudo, pela natureza e complexidade do campo
reservado à constituição da psicologia como ciência independente. Trata-se de um campo
atravessado necessariamente por aquelas outras disciplinas e constituído de tal forma que
a dispersão e a pluralidade parecem inevitáveis (cf. Figueiredo, 1993). Isto confere a
qualquer abordagem psicológica uma fragilidade na constituição de sua identidade
enquanto psicologia, o que parece acentuado quando se fala da necessidade de recurso a
outras disciplinas. Mas, parodiando Rorty, talvez a cultura precise mais de uma
"psicologia edificante" do que de um sólido edifício psicológico (se é que este último é

84. A este repeito a distinção entre análise do comportamento e behaviorismno radical,


afirmando-se que o segundo é a filosofia de uma ciência a que a primeira diz respeito,
nem sempre faz muito sentido. Em várias circunstâncias, a distinção só serve à função de
expressar o receio de Skinner em chamar de ciência a um discurso não derivado
diretamente da experimentação.
possível). Por outro lado, se se abraça sua proposta de construção de uma cultura pós
epistemológica, ou pós representacionista, a unidade metodológica, o experimentalismo
enquanto fio articulador dos discursos válidos, perde sentido. Os critérios para o
reconhecimento ou validação dos discursos humanos, inclusive psicológicos, devem ser
buscados em outro território: o campo das práticas éticas e políticas a eles associadas.

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TOURINHO, E. Z. Sobre a Visão Behaviorista Radical do Auto-Conhecimento. São


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VERNANT, J. P. As Origens do Pensamento Grego. Rio de Janeiro: Bretand Brasil,


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ZURIFF, G. E. Radical behaviorist epistemology. Psychological Bulletin, 1980, 87 (2),


337-350.

ANEXO 1

TEXTOS DE B. F. SKINNER INDEXADOS NO "PSYCHOLOGICAL

ABSTRACTS" (AUTHOR'S INDEX), VOLUMES 57 A 76

(JANEIRO DE 1977 A DEZEMBRO DE 1989)85

SKINNER, B. F. Walden II. New York: MacMillan, 1976 (Reimpressão com nova
Introdução: "Walden Revisited").

SKINNER, B. F. Particulars of My Life. New York: McGraw-Hill, 1976.

SKINNER, B. F. Hernstein and the evolution of behaviorism. American Psychologist,


1977, 32 (12), 1006-1012.

SKINNER, B. F. Why I am not a cognitive psychologist. Behaviorism, 1977, 5 (2), 1-10.

EPSTEIN, R.; LANZA, R. P.; e SKINNER, B. F. Symbolic communication between two


pigeons (columba livia domestica). Science, 1980, 207, 543-545.

85. A ordem de apresentação das referências, bem como os dados relativos às mesmas,
correspondem à ordem e à maneira como são apresentados nos volumes examinados.
EPSTEIN, R.; LANZA, R. P.; e SKINNER, B. F. "Self-awareness" in the pigeon.
Science, 1981, 212, 693-695.

SKINNER, B. F. Selection by consequences. Science, 1981, 213, 501-504.

EPSTEIN, R. e SKINNER, B. F. The spontaneous use of memoranda by pigeons.


Behaviour Analysis Letters, 1981, 1 (5), 241-246.

SKINNER, B. F. Contrived reinforcement. Behavior Analyst, 1982, 5 (1), 3-8.

LANZA, R. P.; STARR, J e SKINNER, B. F. "Lying" in the pigeon. Journal of the


Experimental Analysis of Behavior, 1982, 38 (2), 201-203.

SKINNER, B. F. How to discover what you have to say: a talk to students. Behavior
Analyst, 1981, 4 (1), 1-7.

SKINNER, B. F. An operant analysis of problem solving. Behavioral and Brain Sciences,


1984, 7 (4), 583-613.

SKINNER, B. F. Auto-manejo intelectual en la ancianidad. Avances en Psicología


Clínica Latinoamericana, 1984, 3, 121-131.

SKINNER, B. F. Behaviorism at fifty. Behavioral and Brain Sciences, 1984, 7 (4), 615-
667.

SKINNER, B. F. Methods and theories in the experimental analysis of behavior.


Behavioral and Brain Sciences, 1984, 7 (4), 511-546.

SKINNER, B. F. Selection by consequences. Behavioral and Brain Sciences, 1984, 7 (4),


477-510.

SKINNER, B. F. The evolution of behavior. Journal of the Experimental Analysis of


Behavior, 1984, 41 (2), 217-221.

SKINNER, B. F. The operational analysis of psychological terms. Behavioral and Brain


Sciences, 1984, 7 (4), 547-581.

SKINNER, B. F. The philogeny and ontogeny of behavior. Behavioral and Brain


Sciences, 1984, 7 (4), 669-711.

SKINNER, B. F. The shame of American education. American Psychologist, 1984, 39


(9), 947-954.

SKINNER, B. F. Can the experimental analysis of behavior rescue psychology? Behavior


Analyst, 1983, 6 (11), 9-17.
SKINNER, B. F. Cognitive Science and behaviourism. British Journal of Psychology,
1985, 76 (3), 291-301.

SKINNER, B. F. Reply to Place: "Three senses of the word 'tact'". Behaviorism, 1985, 13
(1), 75-76.

SKINNER, B. F. Toward a cause of peace: What can psychology contribute? Applied


Social Psychology Annual, 1985, 6, 21-25.

SKINNER, B. F. What is wrong with daily life in the western world? American
Psychologist, 1986, 41 (5), 568-574.

SKINNER, B. F. Some thoughts about the future. Journal of the Experimental Analysis
of Behavior, 1986, 45 (2), 229-235.

SKINNER, B. F. The evolution of verbal behavior. Journal of the Experimental Analysis of Behavior,
1986, 45 (1), 115-122.

SKINNER, B. F. Is it behaviorism? Behavioral and Brain Sciences, 1986, 9 (4), 716.

SKINNER, B. F. Whatever happened to psychology as the science of behavior?


American Psychologist, 1987, 42 (8), 780-786.

SKINNER, B. F. Teaching machines. Science, 1989, 243, 1535.

SKINNER, B. F. The operant side of behavior therapy. Journal of Behavior Therapy and
Experimental Psychiatry, 1988, 19 (3), 171-179.

SKINNER, B. F. The origins of cognitive thought. American Psychologist, 1989, 44 (1),


13-18.

ANEXO 2
MATRIZ PARA ANÁLISE DO PENSAMENTO DE SKINNER

_____________________________________

1 ----->
<----- 2

PA PB

____________________________________

RA RB

3 ----->
<----- 4
____________________________________

PA: funcionalidade do conhecimento; PB: crítica à noção de discursos


(aprioristicamente) privilegiados; RA: conhecimento como representação; RB: crença
em discursos privilegiados.

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