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DISCURSOS DE GÊNERO NA PUBLICIDADE: ANÁLISE CRÍTICA DE


TEXTOS PUBLICITÁRIOS EM REVISTAS1

GENDER DISCOURSES IN ADVERTISING: CRITICAL ANALYSIS


OF ADVERTISING TEXTS IN MAGAZINES

Graziela Frainer Knoll2


Recebido em: 15/04/2011
Aprovado em: 03/02/2012

RESUMO ABSTRACT

Este trabalho aborda a construção discursiva do This work explores the discursive construction
gênero na publicidade. Nosso objetivo será ana- of gender in advertising. Our aim will be to
lisar as relações de gênero em anúncios publica- analyze gender relations in advertisements pub-
dos em revistas, verificando as feminilidades em lished in magazines in order to examine fem-
relação às masculinidades. Assim, os fundamen- inineness in relation to masculineness. Thus,
tos teóricos e metodológicos da pesquisa envol- the theoretical and methodological foundations
vem os conceitos de gênero propostos por Scott involve the concepts of gender proposed by
(1995) e Bourdieu (2005), o modelo de análise Scott (1995) and Bourdieu (2005), the critical
crítica de discurso em três níveis (prática social, discourse analysis model in three levels (social
prática discursiva e texto) segundo Fairclough practice discursive practice and text) according
(2001) e o signo ideológico segundo Bakhtin/ to Fairclough (2001) and the ideological sign
Voloshinov (1979). O estudo da linguagem de- according to Bakhtin/Voloshinov (1979). The
monstra assimetrias de gênero e ocorrência de study of language demonstrates gender asym-
estereótipos que ainda persistem no contexto metries and the occurrence of stereotypes that
social. still persist in social context.
Palavras-chave: Gênero; Publicidade; Análise Keywords: Gender; Advertising; Critical dis-
crítica do discurso. course analysis.

1 Introdução os gêneros feminino e masculino. As-


sim, o objetivo do trabalho consiste na
Com sua origem situada a partir análise das construções de gênero na
dos movimentos sociais dos anos 60 e publicidade impressa através da análise
70, os estudos de gênero têm atraído crítica do discurso (ACD), descrevendo
frequentemente a atenção de pesquisas significações linguísticas e imagéticas
de múltiplas áreas. Considerando que o que favoreçam a reflexão de seus efei-
discurso é um “local” privilegiado para tos sobre os discursos de gênero e sobre
a disputa hegemônica, e que as relações a sociedade.
sociais estão cada vez mais mediadas e Atualmente, muitas pesquisas no
midiatizadas, é importante analisarmos campo dos estudos de identidade têm
os discursos de gênero que circulam na se focado nas relações intragênero, em
mídia, especificamente na publicidade. que são analisadas as marcas identitá-
A motivação desta pesquisa ad- rias (como diferenças relacionadas à
vém da constatação prévia de que a cor, à classe e à idade) somente de re-
publicidade utiliza diferentes recursos presentações femininas ou somente de
de linguagem nas identificações com representações masculinas, verificando

1
Esta pesquisa integra dissertação de mestrado da autora, intitulada Relações de Gênero na Publicidade: palavras e imagens constituindo identidades, já
defendida. Pesquisa com apoio CAPES.
² Graduada em Comunicação Social, Publicidade e Propaganda pela Universidade Federal de Santa Maria (UFSM). Mestre em Letras, Estudos Linguís-
ticos e doutoranda na mesma área pela UFSM, Brasil. E-mail: grazifk@yahoo.com.br.

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as formas hegemônicas que se manifes- 2 O conceito de gênero


tam em uma ou em outra. Entretanto, no
Brasil, apesar de os estudos de gênero Trazendo à luz as distinções e
se desenvolverem já há algumas déca- desigualdades que compõem as femi-
das e do constante esforço, por parte nilidades e masculinidades e revelando
dos grupos acadêmicos, em acompa- toda a complexidade das relações so-
nhar as tendências em voga, ainda é ne- ciais, o conceito de gênero surgiu como
cessário e pertinente que estudemos as produto das teorias feministas. Os mo-
relações intergênero, pois os debates so- vimentos feministas remontam a várias
bre a questão não chegaram a transpor épocas e lugares: à França do século
os bancos acadêmicos como poderiam, XVIII, durante a Revolução Francesa,
a ponto de se concretizarem transforma- em que Olympe de Gouges escreveu a
ções realmente significativas nas práti- Declaração dos Direitos das Mulheres
cas sociodiscursivas. e da Cidadã (1791), argumentando que
Tendo isso em vista, seleciona- os direitos dos homens também perten-
mos, para o presente artigo, dois anún- ciam às mulheres; aos Estados Unidos
cios veiculados em revista. Como cri- do século XIX, com o primeiro movi-
térios de seleção, buscamos examinar mento oficialmente organizado; à Ingla-
duas peças veiculadas na mesma mídia, terra de 1919, com a grande mobiliza-
a revista Veja, cujo público é misto, ou ção das sufragistas inglesas. Contudo,
seja, composto por mulheres e homens, foi nos anos 60 e 70 que eclodiram os
e cujas imagens compõem representa- movimentos mais expressivos nos Es-
ções humanas. Dessa forma, selecio- tados Unidos, na Inglaterra e na Fran-
namos anúncios referentes à mesma ça, que, mais tarde, espalharam-se pelo
campanha e ao mesmo produto, porém, mundo4.
um contendo representação feminina e Para tanto, foi fundamental a pre-
outro contendo representação masculi- sença de jornalistas e escritoras a favor
na, ambos veiculados em diferentes edi- da causa nos meios de comunicação. Li-
ções da revista semanal3. vros como O Segundo Sexo (1947), da
O embasamento teórico-meto- francesa Simone de Beauvoir, Um teto
dológico abrange as teorias de gêne- todo seu (1929), de Virginia Woolf, e a
ro de Scott (1995) e Bourdieu (2005), Mística Feminina (1963), da norte-ame-
bem como o conceito tridimensional de ricana Betty Friedan, além de revistas
discurso da ACD segundo Fairclough como Ms Magazine (1972), serviram de
(2001) e o signo ideológico de Bakhtin/ inspiração e referência, ajudando a con-
Voloshinov (1979). gregar mulheres ao movimento.
Partimos do pressuposto de que O movimento segmentou-se em
o gênero deriva de práticas de signifi- várias vertentes e com as mais diversas
cação, sendo a linguagem constitutiva reivindicações: desde grupos que lutam
das identidades e dos sujeitos. Trata-se, pelo fim da hierarquização entre os se-
então, de um estudo cuja relevância é xos, até grupos que defendem a supre-
transdisciplinar, pois agrega assuntos macia feminina como forma de igualda-
que interessam à Publicidade, à Lin- de, ou que lutam pelo direito ao aborto
guística e às Ciências Sociais e Huma- e pelos direitos homossexuais. Contudo,
nas em geral, considerando-se que seu a unidade central do feminismo pode ser
foco centra-se no gênero e no papel definida como a proposta política de dis-
exercido pelo discurso na produção, re- 4
Os debates feministas foram extremamente intensos entre 1968 e 1969,
produção ou transformação social. quando surgiu o feminismo radical de Nova York. No Brasil, o movi-
mento feminista difundiu-se principalmente a partir de 1975. Apesar de
ter alcançado muitas partes do mundo, em maior ou menor intensidade,
o movimento pouco atingiu os países orientais islâmicos ou parte do
continente africano (localidades em que prevalecem costumes tribais).
3
A pesquisa foi realizada com um corpus de dez anúncios. No presente Nesses locais, a opressão às mulheres ainda é mais forte que a garantia
artigo, abordamos a análise de duas dessas peças. de seus direitos.

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cussão da condição feminina e, sobretu- que diz respeito à divisão das atividades
do, a contestação ao patriarcalismo. humanas em geral, não pode ser justi-
O que está em jogo é uma ten- ficada pelo argumento das especificida-
tativa de reconstrução da identidade des biológicas.
feminina, o que é corroborado por Cas- Como explica Colling:
tells (1999, p. 237), segundo o qual o
objetivo subjacente a todo o movimento A história do gender das norte-ame-
consiste em “desconstruir a identidade ricanas, do genre francês, do genere
feminina, destituindo as instituições so- italiano, do geschlecht alemão, e do
ciais das marcas de gênero”. gênero português, tem um só obje-
Durante esse processo de repen- tivo: introduzir na história global a
sar as condições sociais das mulheres, dimensão da relação entre os sexos,
foram geradas muitas elaborações teóri- com a certeza de que esta relação não
é um fato natural, mas uma relação
cas, dentre elas, a concepção de gênero social construída e incessantemente
como categoria de análise sócio-histó- remodelada, efeito e motor da dinâ-
rica. A partir do trabalho fundador de mica social (COLLING, 2004, p. 28).
Scott (1995) – publicado nos Estados
Unidos em 1986, na França em 1988, e
Então, a categoria gênero surgiu
pela primeira vez no Brasil em 1990 –,
para se contrapor ao apelo biológico do
a teoria dos gêneros privilegiou o enfo-
sexo devido à necessidade de um outro
que da condição de mulheres e homens
conceito que englobasse os fatores so-
no contexto de relações de poder, apro-
ciais que compunham a questão. No de-
ximando-nos, assim, da realidade da or-
bate sobre as disparidades entre homens
dem social. Desse modo, foi destacado
e mulheres, o argumento biológico fun-
que gênero é categoria relacional, ou
ciona como uma armadilha, pois é algo
seja, abrange as relações sociais entre o
que não podemos mudar, colaborando
feminino e o masculino, de forma que
para a naturalização das desigualdades
um gênero só adquire sentido em rela-
e fazendo a questão parecer irreversível.
ção ao outro.
De acordo com Paulson (2002, p.
Seguindo a mesma linha, Bour-
32), o conceito provocou o questiona-
dieu (2005, p.34) afirma que “tendo
mento da “ideologia do determinismo
apenas uma existência relacional, cada
biológico que vê uma relação de cau-
um dos dois gêneros é produto do traba-
salidade direta entre sexo e gênero, e
lho de construção diacrítica, ao mesmo
também ultrapassar a negação de toda
tempo teórica e prática que é necessário
relação entre esses fatores tão comuns
à sua produção como corpo socialmente
no discurso acadêmico sobre o gênero”.
diferenciado do gênero oposto”.
Pereira (2004, p. 195) considera
A utilização do gênero como
que o gênero trouxe importantes con-
referência às diferenças socialmente
tribuições à produção do conhecimento,
construídas levou ao entendimento de
iniciando pela ruptura com o determi-
que as distinções entre o feminino e o
nismo biológico e instituindo uma defi-
masculino não são fatos naturais, pelo
nição sociocultural, conforme explica-
contrário, são forjadas pelos indivíduos
mos anteriormente. Além disso, outras
em sociedade e perpassadas pela cultu-
contribuições são apontadas pela autora:
ra. São naturais as diferenças corporais
- O gênero pode ser utilizado
ou biológicas, por exemplo, é natural o
como categoria analítica sob diversas
fato de que as mulheres tenham os fi-
perspectivas disciplinares;
lhos, mas é sociocultural o fato de que
- O gênero reforça a corrente não
elas e somente elas sejam encarregadas
essencialista dos estudos de identidade;
de cuidá-los ou educá-los. Isso significa
- O gênero redefiniu processos de
que a desigualdade entre os sexos, no

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subjetividade e identidade e favoreceu o deixarem de ser donas-de-casa ou prin-


estudo de outras construções sociais a ele cipais educadoras dos filhos. Sobre esse
vinculadas, como etnia, idade e classe. aspecto, Confortin (2003) considera
Denominam-se discursos de gê- que, ao mesmo tempo em que há uma
nero os discursos que instituem as rela- multiplicidade de funções passíveis de
ções sociais e as diferenças entre os se- serem realizadas pelas mulheres (donas-
xos, o que é feito através de construções de-casa, esposas e profissionais remune-
simbólicas que determinam e mantêm o radas), há a desvalorização dos papéis
status quo, atribuindo papéis a um ou desempenhados e da própria mulher.
outro gênero, ou seja, envolve o conjun- Bourdieu (2005) estabelece três
to de expectativas sociais e padrões de princípios práticos sobre a divisão do
comportamento. Portanto, os discursos trabalho que asseguram a permanência
de gênero variam de acordo com o con- de antigas estruturas de dominação. Em
texto social, cultural e histórico. primeiro lugar, as profissões pelas quais
Segundo Marodin: as mulheres, geralmente, optam estão
relacionadas ao cuidado de crianças,
O papel do gênero é, então, o con- doentes, casas ou pessoas, ou seja, si-
junto de expectativa em relação aos tuam-se no prolongamento das funções
comportamentos sociais que se espe- domésticas, como ensino (professoras,
ram das pessoas de determinado sexo. educadoras, babás), saúde (enfermei-
A estrutura social é que prescreve ras, nutricionistas, médicas) e serviços
uma série de funções para o homem e (faxineiras, cozinheiras). Em segundo,
para a mulher, como próprias ou “na- há o pensamento conforme o qual uma
turais” de seus respectivos gêneros.
Essas diferem de acordo com as cul-
mulher “não pode” exercer autoridade
turas, as classes sociais e os períodos sobre homens, de maneira que ainda é
da história (MARODIN, 1997, p. 10). raro vê-la na posição de comando de um
grupo de trabalho, é mais frequente que
ela preencha um cargo subordinado ou
Atualmente, se tomarmos como
auxiliar a um homem ou grupo de tra-
exemplo a sociedade ocidental, ainda
balho (assistente; secretária). E, em ter-
que um número cada vez maior de mu-
ceiro, o monopólio da manutenção das
lheres estude e exerça trabalho remu-
máquinas e dos objetos técnicos de tra-
nerado, as diferenças e desigualdades
balho permanece, majoritariamente, nas
entre os gêneros se refletem nos cargos
mãos dos homens, mantendo, assim, a
e hierarquias no ambiente de traba-
produção de bens em seu poder.
lho. Isso é comprovado por Cortazzo e
Salientamos que tudo isso é pro-
Schettini (2004, p. 83), que constataram
duto de criações sociais enraizadas nas
que, frequentemente na América Lati-
práticas culturais. Nada impede mulhe-
na5, a maioria das mulheres que trabalha
res de exercerem qualquer atividade
fora de casa ocupa posições inferiores
braçal ou intelectual, nem homens de
aos homens ou cargos temporários.
exercerem trabalho doméstico, exceto
Os discursos de gênero evoluí-
padrões de comportamento cultural-
ram ao longo dos anos, de forma que
mente produzidos e transmitidos na
pelo menos parte dos antigos modelos
esfera social. E esses padrões de con-
de comportamento passou a coexistir
duta distintos para homens e mulheres
com as transformações sociais e os no-
começam a se formar na menor unidade
vos modelos emergentes. Desse modo,
social, a família, e continuam sendo re-
é comum observarmos um acúmulo de
produzidos, reafirmados e/ou subverti-
papéis e funções, como mulheres que se
dos em outros meios, como a mídia e a
dedicam a suas carreiras sem, contudo,
publicidade.
5
As pesquisadoras utilizaram dados de pesquisas públicas de Brasil, Ar-
gentina e México.

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3 Gênero na publicidade texto entre anunciante e leitor através


de representações discursivas e imagé-
Dentre as diversas práticas so- ticas.
ciais, a comunicação midiática, espe- A mídia tem o poder de represen-
cificamente a publicidade, atua sobre tar, e, conforme observa Silva (2000, p.
a produção, manutenção e/ou transfor- 91), “quem tem o poder de representar
mação dos discursos de gênero. Para tem o poder de definir e determinar a
compreendermos isso, precisamos con- identidade”. À medida que associam
siderar que a publicidade atua entre significados, imagens, características,
dois pólos: a produção e o consumo. condutas e estilos de vida a um ou ou-
Do ponto de vista do consumidor, o tro gênero, as representações midiáticas
produto a ser consumido possui não só ajudam a configurar identidades e rela-
um valor de troca ou uso, mas um valor ções de poder na sociedade.
simbólico. Devido a esse valor simbó- Entretanto, apesar do poder exer-
lico, as pessoas buscam, no consumo, cido pelos discursos da mídia na so-
o suprimento de demandas psicosso- ciedade contemporânea, a produção de
ciais que envolvem sentimentos como sentidos não garante a assimilação6 de
autoestima, status, evolução pessoal e modelos de comportamento e papéis de
conquista (MASLOW, 1984). gênero pelos sujeitos interpelados. A
São essas motivações psicossociais subjetividade é inerente à linguagem e,
que explicam por que certos anúncios e com isso, existe o potencial de aceita-
representações atraem a atenção de deter- ção ou de rompimento dos sentidos arti-
minada pessoa e não de outra. Isso ocorre culados no discurso, em um contexto de
devido ao fato de as pessoas buscarem, comunicação.
no consumo, muito mais do que apenas
a supressão da carência de um produto. 4 Linguagem e sociedade no foco da
Elas buscam a supressão de carências de ACD
projeção social, estilo de vida, realização Levar em consideração o poten-
pessoal e, sobretudo, de identidade. cial de transformação lado a lado com
Conforme Vestergaard e SchrØder: a produção ou reprodução das relações
sociais é um dos diferencias da análise
os anúncios devem preencher a ca- crítica do discurso (ACD). A partir da
rência de identidade de cada leitor, a dialética entre estrutura e ação, ao mes-
necessidade que cada pessoa tem de mo tempo em que há uma estrutura de
aderir a valores e estilos de vida que perpetuação da ideologia dominante, há
confirmem seus próprios valores e também uma relativa liberdade do su-
estilos de vida e lhe permitam com- jeito que, mesmo engajado em práticas
preender o mundo e seu lugar nele sociais que operam na manutenção da
(Vestergaard e SchrØder, ordem vigente, tem a possibilidade de
2000, p. 74). transformação social.
Os indivíduos tornam-se sujeitos
Dessa forma, como afirmam os e constroem o mundo social por meio
autores, a publicidade constitui um pro- de práticas de significação, ou seja, por
cesso de significação em que a carência meio da linguagem. Isso significa que
de identidade se transforma na carência questões de linguagem são questões
do produto. O que faz com que uma sociais, e vice-versa, pois linguagem e
pessoa opte por consumir um produto sociedade estão em uma relação cons-
de determinada marca e não outro equi- titutiva infindável, o que corresponde
valente de outra marca é toda a carga
simbólica que o acompanha, ou seja, 6
Entendemos por assimilação o “processo social em virtude do qual
indivíduos e grupos diferentes aceitam e adquirem padrões comporta-
depende da relação estabelecida pelo mentais, tradição, sentimentos, e atitudes da outra parte” (LAKATOS e
MARCONI, 1999, p. 343).

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ao foco primordial da análise crítica Com base na proposta do autor


do discurso. Ao contrário de teorias elaborada em Language and Power
lingüísticas com foco restrito na aná- (1989) e, posteriormente, desenvol-
lise textual ou nos aspectos cognitivos vida em Discurso e Mudança Social
da linguagem, a ACD visa a integrar o (1992; 2001), identificamos dois tipos
estudo da linguagem com uma teoria de efeitos: efeitos do discurso sobre a
sociológica, propondo um modelo de sociedade e efeitos da sociedade sobre
análise dos processos sociais e culturais o discurso.
atrelados ao discurso. No primeiro grupo, dos efeitos
Com isso, consideramos o papel construtivos do discurso, temos o seguinte:
da linguagem na produção, manutenção
e/ou transformação de aspectos socio- - O discurso contribui para a constru-
culturais, de modo que a linguagem não ção de identidades sociais e posições de
é de forma alguma transparente ou mero sujeito, pois é no discurso que percebe-
reflexo da sociedade. Fairclough (2001) mos o mundo e nossa existência nele;
- O discurso contribui para a cons-
define a relação entre linguagem e so-
trução das relações sociais, que são
ciedade como interna e dialética, o que representadas e negociadas no discur-
significa que, ao mesmo tempo em que é so, processo de interação social;
moldado pela estrutura social, o discur- - O discurso contribui para a cons-
so é constitutivo dessa mesma estrutura. trução de sistemas de conhecimento,
Não existe linguagem fora do pois é um modo de significação do
mundo, tampouco mundo fora da lin- mundo e de seus processos, entidades
guagem, uma vez que esta se faz presen- e relações.
te em todas as ações humanas. Portanto,
fenômenos linguísticos são sociais, bem No segundo grupo, dos efeitos da
como fenômenos sociais são lingüísti- sociedade sobre o discurso, temos que
cos (FAIRCLOUGH, 1989; 2001). o discurso é investido de ideologias,
Entender o discurso como prática moldado por orientações econômicas,
social significa concebê-lo como todo o políticas e culturais, determinado pelo
processo de interação do qual o texto é so- contexto que o constitui, moldado pe-
mente uma parte, desse modo, o discurso las relações sociais (contribui para a
é um processo, e o texto é o produto dessa sua construção, mas, ao mesmo tempo,
interação, a materialidade linguística ou é constituído por tais relações) e deter-
imagética decorrente desse processo. O minado por redes de poder que levam
discurso é simultaneamente um modo de à legitimação de certos discursos, em
representação, significação e ação: repre- detrimento de outros.
sentação de mundo, construção do mundo Falando em estruturas sociais que
em significado e ação das pessoas sobre o moldam, condicionam e determinam o
mundo e sobre outras pessoas. discurso, é importante ressalvarmos que
a prática discursiva é constitutiva tanto
O discurso contribui para a consti- de maneira convencional como criativa,
tuição de todas as dimensões da es- ou seja, contribui para reproduzir a socie-
trutura social que, direta ou indireta- dade, como também para transformá-la
mente, o moldam e o restringem: suas (FAIRCLOUGH, 2001). Por esse moti-
próprias normas e convenções, como vo, o autor relaciona discurso e mudança
também relações, identidades e ins- social, devido à capacidade de criação e
tituições que lhe são subjacentes. O transformação de estruturas sociais por
discurso é uma prática, não apenas de meio da linguagem ou do discurso.
representação do mundo, mas de sig- Ao defender uma dialética entre
nificação do mundo, constituindo e
construindo o mundo em significado
sociedade e linguagem que prevê uma
(FAIRCLOUGH, 2001, p. 91). dupla via entre estrutura e ação, a ACD

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diverge do ponto de vista de Althusser mos as palavras e somente reagimos


(1991), segundo o qual as condições àquelas que despertam em nós resso-
reais de existência e a liberdade dos nâncias ideológicas ou concernentes
sujeitos seriam restringidas por insti- à vida (BAKHTIN/VOLOSHINOV,
tuições que assegurariam a reprodução 1979, p. 95).
da ideologia dominante das relações de
produção e dominação existentes na so- Devido ao fato de o discurso ser
ciedade. Para a ACD, ao invés de indi- visto por um ângulo de contextualiza-
víduos “assujeitados”, existem agentes ção histórica, em que as ideologias e as
sociais dotados de potencial criativo, e o práticas sociais que o constituem são
poder de transformação encontra-se no trazidas à discussão, a análise crítica
discurso e nas demais práticas sociais. propicia o entendimento de fenômenos
No estudo do vínculo entre ideo- socioculturais e assimetrias de poder,
logia e linguagem, a ACD recorre a desnaturalizando estruturas de domina-
Bakhtin/Voloshinov (1979), que situa a ção e evidenciando que os dados são, na
ideologia no nível do signo linguístico: verdade, construídos. Wodak (2004, p.
todo signo é ideológico, de forma que a 226) explica que os estudos nesse cam-
língua não pode ser dissociada dos con- po “se voltam especificamente para os
teúdos ideológicos que veicula. discursos institucional, político, de gê-
nero social, e da mídia (no sentido mais
Um produto ideológico faz parte de amplo), que materializam relações mais
uma realidade (natural ou social) ou menos explícitas de luta e conflito”.
como todo corpo físico, instrumento Conforme Fairclough:
de produção ou produto de consumo;
mas, ao contrário destes, ele também A análise de um discurso particular
reflete e refrata uma outra realidade, como exemplo de prática discursi-
que lhe é exterior. Tudo que é ideoló- va focaliza os processos de produ-
gico possui um significado e remete ção, distribuição e consumo textual.
a algo situado fora de si mesmo. Em Todos esses processos são sociais7
outros termos, tudo que é ideológico e exigem referência aos ambientes
é um signo. Sem signos não existe econômicos, políticos e institucionais
ideologia (BAKHTIN/VOLOSHI- particulares nos quais o discurso é ge-
NOV, 1979, p. 17). rado (FAIRCLOUGH, 2001, p. 99).

Na perspectiva dialógica de Ba- Em diferentes contextos, sob for-


khtin (1979), a ideologia está inserida mas de produção e consumo específi-
no quadro da constituição dos signos e cas, discursos distintos se materializam.
da subjetividade. Dessa forma, o signo Assim, considerando a dupla via entre
linguístico constitui-se por uma dupla discurso e estruturas sociais, o contexto
materialidade (é uma unidade físico torna-se parte integrante do texto. O con-
-material e uma unidade sócio-históri- texto abrange as situações em que ocor-
ca) e por um conteúdo ideológico, isto rem os eventos discursivos, o meio de
é, uma interpretação da realidade social. circulação e consumo dos textos, a forma
em que se dá a interação, os papéis dos
Na realidade, não são palavras o que interlocutores na comunicação, além de
pronunciamos ou escutamos, mas orientações culturais mais amplas.
verdades ou mentiras, coisas boas ou Por isso, consideramos a concep-
más, importantes ou triviais, agradá- ção de discurso como tridimensional:
veis ou desagradáveis, etc. A palavra os discursos são constituídos por três
está sempre carregada de um conteú-
do ou de um sentido ideológico ou 7
O autor ressalva que a prática discursiva tem natureza parcialmente so-
vivencial. É assim que compreende- ciocognitiva, pois produção e interpretação resultam de processos cogni-
tivos e são baseadas em convenções sociais internalizadas.

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dimensões interligadas, a saber, tex- como política, economia, ciência, cultu-


to, prática discursiva e prática social. ra, artes, esportes. Todos os textos cons-
O texto é a materialidade discursiva e tituintes da revista, inclusive os publi-
compreende textos linguísticos e ima- citários, são elaborados tendo em vista
géticos; a prática discursiva envolve o perfil geral do público leitor. Isso sig-
a interação entre as condições de pro- nifica que os anúncios são produzidos
dução, a distribuição e o consumo dos com foco no público que lê a revista.
textos; e a prática social corresponde ao De acordo com dados da edito-
contexto que circunda a realização dis- ra Abril8, a revista tem público misto
cursiva, ou seja, aos aspectos extralin- (53% dos leitores são mulheres, 47%,
guísticos, como orientações políticas, homens), com idade predominante nas
econômicas, culturais e ideológicas. To- faixas de 25 a 34 anos (22%), 35 a 44
davia, Chouliaraki e Fairclough (1999) (21%) e acima de 50 anos (22%), per-
explicam que não é necessário seguir, tencente às classes sócio-econômicas A
rigorosamente, uma sequência ou sepa- (28%), B (46%), C (23%) e D (3%). Os
ração em três níveis. As três dimensões anunciantes principais são marcas ban-
podem estar dispersas ou pulverizadas cárias, telefônicas, marcas de automó-
na análise. veis, jóias, cigarros, bebidas, etc.
Na publicidade, a linguagem tem
5 Os anúncios analisados papel constitutivo, ou seja, é o que es-
tabelece a comunicação entre o anun-
As análises seguem o modelo ciante e o leitor/consumidor potencial.
proposto por Fairclough (2001), se- Nesse caso, como se trata de publicida-
gundo o qual o discurso possui uma de veiculada em mídia impressa, pode-
dimensão social (a prática social) e mos considerar a situação de comuni-
uma dimensão material (o texto), sendo cação nos termos de Thompson (2005),
ambas as dimensões mediadas por uma como uma “quase-interação mediada”.
terceira, a prática discursiva. Confor- Nessa situação, a mensagem se destina
me dissemos anteriormente, a análise de um autor para um grande número de
não segue uma sequência ou separação leitores não identificáveis, e o contato
rigorosa em três níveis, de forma que se estabelece exclusivamente por meio
as partes que integram o discurso po- do texto. Devido ao fato de a lingua-
dem estar dispersas, desde que sejam gem ser persuasiva, Fairclough (2001,
contempladas. Em resumo, o texto é a p. 259) define o discurso publicitário
materialidade discursiva, a prática dis- como “estratégico”.
cursiva são as condições de produção, a Dessa forma, os modos de repre-
distribuição e o consumo dos textos, e a sentação de mundo na publicidade são
prática social corresponde ao contexto construídos levando-se em conta o ob-
que circunda a realização discursiva, as jetivo principal da prática: fazer vender,
orientações culturais e ideológicas que estimular o consumo. Isso significa que
constituem o contexto. as pessoas e as situações representadas
A análise abrange dois anúncios nas peças visam estabelecer uma identi-
publicitários impressos, veiculados na ficação com o leitor, fazendo com que a
revista Veja, publicação semanal de busca por uma identidade se traduza no
maior circulação do Brasil, composta consumo.
por textos, como reportagens, entrevis- Ambos os anúncios do celular
tas, artigos de opinião, além de anún- Siemens Mobile foram veiculados
cios publicitários. Os assuntos aborda- em página dupla na revista Veja,
dos na revista consistem em atualidades edições 1.805 e 1.806, de 04 e 11 de
do país e do mundo em áreas variadas, 8
Informações disponibilizadas pela editora em 2010, no site:
http://publiabril.com.br/. Pesquisa Marplan com base no ano 2009.

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junho de 2003, respectivamente. O culino (a julgar pela expressão “do meu


primeiro anúncio (Figura 1) contém ‘ex’”, assim como pela denominação do
a ilustração de uma mulher em um “ex” como “Cadu” no visor do celular),
galinheiro, em meio a várias gali- podendo, desse modo, ser compreendi-
nhas, segurando o celular em dire- do como ex-namorado, ex-marido ou
ção ao bico de uma delas. Há tam- ex-companheiro.
bém a foto de um celular em close e Na imagem, verificamos uma
o seguinte texto: mulher que grava o cacarejo de uma ga-
linha no galinheiro, e, no visor do celu-
1. Fui gravar o toque do meu “ex” e já lar, o ícone de duas galinhas associadas
volto. ao nome “Cadu”. Detectamos assim a
2. Novo Siemens C55 metáfora implícita de que “Cadu é ga-
3. Só ele grava qualquer som para persona- linha”, ou o “’ex’ é galinha”. No sen-
lizar o toque de quem ligar. E mais: sons tido conotativo, é chamada de galinha
polifônicos, troca de mensagens com a pessoa volúvel, que não se contenta
sons e figuras, Internet em alta veloci- com um único parceiro, podendo tam-
dade e capinhas que brilham no escuro. bém significar pessoa medrosa, covarde
Siemens C55. Grave esse modelo. ou fraca (FERREIRA 1999, p. 964). O
4. Viva a inspiração. significado de galinha nesse uso lin-
guístico específico tem sentido pejora-
O sujeito de “fui gravar” e “já tivo, tom de crítica, ofensa, deboche,
volto” é o pronome pessoal “eu” im- brincadeira ou de uma pequena vingan-
plícito, que, pela combinação ente os ça: cada vez que Cadu ligar, ela ouvirá o
códigos semióticos, corresponde a um cacarejo que associou ao “ex” no toque
sujeito feminino. No texto verbal, sele- e no ícone do celular.
cionamos, para fins de análise, a palavra Portanto, a mulher está repre-
“ex”. Esse “ex” que o enunciador men- sentada desempenhando uma ação que
ciona consiste em um participante mas- faz alusão ao mexerico, culturalmen-

Figura 1 – Anúncio 1, representação feminina.

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248 Graziela Frainer Knoll

te entendido como uma solidariedade como se estivesse rugindo (com a onoma-


feminina de falar mal do “ex” para as topéia “GRRRR”). À esquerda da peça,
amigas, de compartilhar com elas os há a foto de celular em close e o texto:
defeitos do “ex”. Conforme afirmam
Vertergaard e Schroeder (2000, p. 99), 1. Fui gravar o toque do meu chefe e já
“é muito comum pensar que o mexerico volto.
é coisa de mulheres”, e isso é reforçado 2. Novo Siemens C55
nessa peça publicitária. 3. Só ele grava qualquer som para perso-
O segundo anúncio (Figura 2) tem nalizar o toque de quem ligar. E mais:
como ilustração um homem em um cená- sons polifônicos, troca de mensagens
rio que parece ser uma selva, deitado so- com sons e figuras, Internet em alta ve-
bre um tronco de árvore, esticando a mão locidade e capinhas que brilham no es-
em direção a um tigre, o qual está deitado curo. Siemens C55. Grave esse modelo.
com a boca aberta em direção ao homem 4. Viva a inspiração.

Figura 2 – Anúncio 2, representação masculina.

Verificamos que há um “eu” mas- chefe na selva, e que esse toque corres-
culino, sujeito implícito de “fui gravar” ponde ao rugido de um tigre, o que é
e “já volto”. Isso significa que existem, reafirmado na imagem do visor do ce-
no texto, dois participantes masculinos: lular, onde há um tigre como ícone e
o “eu” implícito, que sabemos ser um a identificação “chefe”. Consideramos
homem devido à imagem presente no que essa combinação do texto verbal
anúncio, e o “chefe”, que percebemos com a imagem também produz uma
ser homem pelo uso do pronome pos- metáfora implícita, pois o sujeito da
sessivo masculino “meu”. oração afirma, através da ação represen-
Analisamos a palavra “chefe”, tada, que seu chefe é um tigre.
cujo sentido no contexto de uso somen- No sentido figurado, é chamado
te pode ser compreendido ao lermos a de tigre o homem sanguinário, bárbaro
imagem em conjunto com o enunciado e cruel, conforme a definição encontra-
verbal. Na imagem, observamos que o da no dicionário (FERREIRA, 1999,
sujeito masculino foi gravar o toque do p.1958). Sendo assim, compreendemos

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que, segundo o ponto de vista do sujeito para o espaço urbano, trajada para andar
do enunciado, o chefe é bravo como um em uma cidade. Já o homem represen-
tigre, zanga-se facilmente, é assustador, tado no anúncio seguinte, saiu da nor-
provoca medo. malidade de seu trabalho e se encontra
Apesar de o sentimento de medo, deitado sobre um tronco de árvore, a
aversão ou antipatia de um funcionário fim de alcançar o tigre. A mulher grava
em relação a seu chefe ser comumente o cacarejo de uma galinha, que está po-
manifestado, tanto por homens, quanto sicionada praticamente no seu mesmo
por mulheres, percebemos que o subs- nível de altura, enquanto que o homem
tantivo “chefe” aparece no anúncio cuja inclina-se, deita-se, estica-se para al-
representação é masculina. Isso prova- cançar sua meta, o tigre posicionado no
velmente ocorre porque a identificação nível do chão.
do homem com o campo de atuação pro-
fissional, e a identificação das mulheres 6 Considerações finais
com assuntos afetivos sejam formas que
fazem parte do imaginário coletivo, cul- Conforme visto, anúncios de um
turalmente produzido e reproduzido. Da mesmo produto, que compõem a mes-
mesma forma que o chefe referido tam- ma campanha publicitária, constroem
bém é um homem. discursos de gênero diferentes para
O termo “galinha”, referente representações femininas e representa-
ao anúncio anterior, pode ser aplicado ções masculinas. Isso opera no sentido
como ofensa tanto a homens, quanto a de reafirmar que mulheres e homens
mulheres. No entanto, ele foi utilizado ocupam lugares e papéis diferentes, ou
especificamente no texto cujo sujeito seja, reafirmar as diferenças socialmen-
representado é uma mulher, e cujo indi- te construídas.
víduo considerado “galinha” é homem. O estudo da linguagem nos tex-
Partindo do pressuposto de nosso traba- tos corrobora a afirmação de Marodin
lho, de que o signo é ideológico e de que (1997) de que o gênero abrange as ex-
as construções discursivas estão ligadas pectativas sociais, prescrevendo papéis
a um contexto de produção e recepção, que diferem para os respectivos gêneros
jamais ocorrendo de maneira arbitrária, e de acordo com o momento sociocul-
uma provável justificativa para essas di- tural e histórico. Outro ponto que de-
ferenças observadas em ambos os anún- preendemos das análises é a noção de
cios provém dos discursos de gênero gênero como categoria relacional, ou
circulantes na sociedade. seja, que só adquire sentido nas relações
Ao longo dos tempos, o pensa- sociais, conforme um se constrói em re-
mento racional tem sido associado aos lação ao outro (SCOTT, 1995; BOUR-
homens, enquanto que a emoção é asso- DIEU, 2005).
ciada às mulheres, uma crença cultural A concepção de discurso como
que, mesmo nos dias atuais, persiste. prática social implica que os sujeitos
Assim, ainda que gravar o rugido de um agem por meio da linguagem, e que
tigre seja expressar um sentimento em textos e estruturas sociais interagem
relação ao chefe, chamar de galinha al- dialeticamente. Dessa maneira, consta-
guém com quem se teve um relaciona- tamos que as práticas discursivas e as
mento pessoal é uma atitude muito mais práticas sociais conectam-se à medida
afetiva ou emocional que uma provoca- que as construções ou os discursos de
ção do ambiente de trabalho. gênero são afetados ou atravessados por
Nas imagens de ambos os anún- orientações culturais e ideológicas que
cios, também verificamos distinções. A circulam na esfera social.
mulher representada está em uma pose O vínculo entre linguagem e so-
que pode ser considerada como normal

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250 Graziela Frainer Knoll

ciedade é interno e dialético, portanto, o Referências


discurso faz parte da constituição de to-
das as dimensões da estrutura social que ALTHUSSER, Louis. Aparelhos
o moldam e restringem de uma manei- ideológicos de Estado. 5. ed. Rio de
ra ou de outra (FAIRCLOUGH, 2001). Janeiro: Edições Graal, 1991.
Isso significa que o discurso contribui
para a construção de identidades, para
a edificação das relações sociais e pe- BAKHTIN, Mikhail (VOLOSHINOV).
los modos como percebemos o mundo Marxismo e filosofia da linguagem. São
e como agimos nele, que não são neu- Paulo: Hucitec, 1979.
tros ou desprovidos de valores. Afinal,
“A palavra está sempre carregada de um BOURDIEU, Pierre. A dominação
conteúdo ou de um sentido ideológico masculina. 4. ed. Rio de janeiro:
ou vivencial” (BAKHTIN/VOLOSHI- Bertrand Brasil, 2005.
NOV, 1979, p. 95).
Tendo isso em mente, apesar de CASTELLS, Manuel. O poder da
os padrões estabelecidos se constituí-
identidade. A era da informação:
rem como efeito das relações sociais,
nada impede que manifestemos outros economia, sociedade e cultura. v. 2. 3.
comportamentos: mulheres e homens ed. São Paulo: Paz e Terra, 1999.
podem fugir das expectativas e cons-
truir suas próprias identidades e funções CHOULIARAKI, Lilie; FAIR-
sociais, já que não há um “eu” femini- CLOUGH, Norman. Discourse in late
no ou masculino absoluto ou essencial. modernity – Rethinking critical dis-
Há, porém, a pressão do meio agindo course analysis. Edinburgh: Edinburgh
através dos discursos, das práticas so- University Press, 1999.
cioideológicas, do senso comum e da
própria estrutura social, influenciando
COLLING, Ana. A Construção
os sistemas de crença.
Com base nos dados obtidos Histórica do Feminino e do Masculino.
pela pesquisa, os anúncios contribuem, In: STREY, M. N.; CABEDA, S. T.
predominantemente, para a manutenção L.; PREHN, D. R. (orgs.). Gênero e
de sistemas de crença com relação ao cultura: questões contemporâneas.
gênero já enraizados na sociedade, uma Porto Alegre: EDIPUCRS, 2004.
vez que são constantemente produzidos
e reproduzidos, como a ligação do ho- CONFORTIN, Helena. Discurso
mem com o trabalho e da mulher com e Gênero: a mulher em foco. In:
assuntos afetivos. As marcas identitá- GHILARDI-LUCENA, M. I.
rias construídas nos textos corroboram
Representações do Feminino.
as diferenças socialmente percebidas
entre homens e mulheres, visto que os Campinas, SP: Átomo, 2003.
anúncios contendo representações fe-
mininas possuem elementos verbais e CORTAZZO, Isabel; SCHETTINI,
visuais distintos dos anúncios contendo Patricia. Mujeres Pobres en la Trampa
representações masculinas. Cultural de la Política Social y Local.
In: STREY, M. N.; CABEDA, S. T.
L.; PREHN, D. R. (orgs.). Gênero e
cultura: questões contemporâneas.
Porto Alegre: EDIPUCRS, 2004.

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