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All content following this page was uploaded by Marta Graça on 30 July 2017.
Correspondência
Marta Graça
Campus Universitário de Santiago, 3810-193. Aveiro, Portugal.
1 Pesquisa financiada pela Feder através do Programa Operacional Fatores de Competitividade (Compete), pela Fundação para a Ciência
e a Tecnologia (FCT), projeto PEst-C/CED/UI0194/2013 e pela bolsa de doutoramento da FCT (SFRH/BD/78139/2011).
DOI 10.1590/S0104-12902017160804 Saúde Soc. São Paulo, v.26, n.2, p.571-583, 2017 571
Abstract Introdução
Health and social education projects for sex work- A educação não formal (ENF), definida como uma
ers are run mainly by nongovernmental organiza- atividade baseada em fundamentos educacionais
tions. These organizations have different perspec- e pedagógicos que se desenvolve em organizações
tives regarding prostitution, seeing it as either educacionais e da comunidade exteriores à escola,
oppression or as work. However, little is known implicando atributos únicos, contextos específi-
about how their ideological stance shapes their cos e metodologia característica (Romi; Schmida,
educational practices. In this qualitative study, we 2009), encontra-se associada a movimentos sociais
aim to identify educational initiatives undertaken que almejam a mudança da sociedade (Finger,
by the 23 agencies that provide services for sex 2005). Caracteriza-se pela flexibilidade, abertura
workers in Portugal, considering their respective à mudança, capacidade de adaptação a populações
stances on the subject. We link their perspectives heterogêneas, com muitas e diversas necessidades
on sex work with the three theoretical paradigms educacionais (Romi; Schmida, 2009), assumindo-
in sex work literature: oppression, empowerment -se como um processo de aquisição e conjunto de
and polymorphous (neutral). We concluded that competências, destrezas e atitudes adquiridas com
educational initiatives are influenced by views on estímulos diretamente educativos em atividades
prostitution. These are focused mainly on health não confirmadas pelo sistema escolar (Touriñán
education; and, in at lesser degree, on developing López, 1996). Essas aquisições contribuem para o
social skills and on empowerment. Despite the exercício pleno de uma cidadania ativa, consciente
importance and relevance of these organizations’ e emancipatória, contemplando as diversas dimen-
work, the findings highlight the need for more sões do desenvolvimento e da satisfação humana.
structured and participatory initiatives, which Enquanto processo de aprendizagem, a ENF parte
should seek to encourage sex workers’ participa- do entendimento dos sujeitos como portadores
tion in the design, implementation and evaluation de capacidade e poder de acrescentar mais e me-
of projects that concern them. lhores competências à sua realização pessoal em
Keywords: Non-formal Education; Sex Work; uma participação ativa na sociedade (Freire, 1972).
Organizations. Desse modo, a educação deve ser entendida como
processo dialógico do aperfeiçoamento humano,
concretizando-se no plano dos direitos humanos e
das liberdades fundamentais (Amado, 2013).
As práticas educativas associadas à ENF são
maioritariamente empreendidas por organizações da
sociedade civil e assumem as mais diversas formas,
muitas vezes ligadas à intervenção comunitária, à
ação social ou à animação sociocultural; e encontram-
-se normalmente integradas em programas com
objetivos sociais mais amplos (Luque, 1997), como é
o caso do trabalho desenvolvido por programas e or-
ganizações não governamentais (ONG) com pessoas
que se prostituem. Essas organizações assumem um
papel preponderante, na medida em que desenvolvem
espaços e tempos educativos mais próximos dos ci-
dadãos e conseguem fornecer respostas imediatas e
adaptadas às necessidades prementes.
Em Portugal, a intervenção educativa desen-
volvida com os(as) trabalhadores(as) do sexo (TS)
Educação em saúde: a saúde como um direito fun- não discriminação e do não julgamento são essen-
damental ciais para pessoas estigmatizadas que raramente
A Organização Mundial de Saúde estabelece a se sentem confiantes para procurar ajuda nos
saúde como um direito fundamental (WHO, 1978), serviços de saúde e sociais formais.
pelo que, em todas as categorias, a saúde é aponta-
da como um aspecto prioritário, no entanto, difere Os próprios serviços de saúde ainda não estão mui-
a forma como é abordada Os(as) entrevistados(as) to, ainda há muito a fazer para mudar mentalidades
da categoria opressão consideram que é e deve ser e acabar com preconceitos e ideias pré-formadas
assegurada pelos serviços formais, e justificam a (E1 – polimorfo).
pouca iniciativa nessa área com a inclusão, empo-
deramento e rentabilização dos recursos. a questão dos transexuais, por exemplo, […] há
muitos serviços onde são discriminados, onde são
Tem a ver também com a nossa pedagogia, é impor- olhados, e aqui, as administrativas, toda a gente
tante ensinar as pessoas, não criar guetos, porque está habituada, podem vir mais espampanantes,
em guetos elas já vivem. Vamos criar outro gueto menos espampanantes (E11 – polimorfo).
com o médico, com o enfermeiro? (E12 – opressão).
No campo da educação em saúde, as organizações
Ao contrário dos(as) entrevistados(as) da cate- adotam uma abordagem educativa (Ewles; Simnett,
goria opressão, os(as) entrevistados(as) da catego- 2003; Feio; Oliveira, 2015), na prestação de informa-
ria empoderamento e polimorfo consideram que os ção genérica sobre saúde sexual e reprodutiva; sobre
serviços formais de saúde nem sempre respondem o uso correto e consistente do preservativo, bem
de forma adequada, o que justifica seu papel no como sobre os diferentes preservativos, incluindo o
âmbito da educação em saúde e a necessidade iden- feminino; sobre cuidados de higiene; sensibilizam
tificada de sensibilização nos serviços formais, de para a importância da realização do Plano Nacional
forma a diminuir o preconceito, os julgamentos de Vacinação (PNV) e rastreios a DST; prestam acon-
morais e a promover o respeito pelas pessoas. selhamento e esclarecem dúvidas. Com a exceção de
O estigma associado ao trabalho sexual tem sido uma instituição da categoria opressão, todas dispo-
apontado como uma barreira de acesso aos serviços nibilizam material preventivo, como preservativos
(Lazarus et al., 2012), pelo que os pressupostos da e lubrificantes, e algumas facultam folhetos com
Também existe aqui um grande movimento no sen- Apesar das divergências mencionadas foi possível
tido de desmistificar estes tabus e tentar colocar verificar a prevalência de pontos comuns relativamen-
mais estas questões mesmo em termos de debate, te às características da relação educativa. Essa rela-
em termos de intervenção para ver se conseguimos ção, dita de confiança e de proximidade, parece reger-
que em termos de mentalidade também umas coisas -se por princípios enunciados por autores como Carl
se modifiquem (E16 – empoderamento). Rogers (1985) ou Paulo Freire (1972), e materializam-se
no estabelecimento de horizontalidade, empatia e
O interesse que nós temos em lutar contra os tabus, suporte, associadas à promoção do empoderamento.
contra os mitos e contra a estigmatização das pes- Como princípios rogerianos (Rogers, 1985)
soas (E20 – polimorfo). entendemos, para esta análise, exemplos como a
atitude de não julgamento, não discriminação:
Acresce ainda a preocupação de informar o po-
der político, centrada em dois polos antagónicos: Nós, profissionais de saúde, não temos que fazer
legalização do TS (categoria empoderamento) e juízos de valor, temos que cuidar (E1 – polimorfo).
erradicação da prostituição (categoria opressão).
A aceitação, o respeito pelas opções e o apoio
O Estado tem responsabilidade perante esta classe. incondicional:
E como responsabilidade que tem, deve tomar todas
as medidas para a que a legalização seja efetuada a pessoa perceber que a equipa estará aqui, indepen-
nos trâmites da lei. Como é lógico, uma sociedade dentemente das decisões que ela tomar (E5 – opressão).
tem direitos e para que haja esses direitos tem de
haver deveres, sobretudo claramente a legalização Na linha de Freire (1972), as relações estabele-
do trabalho sexual (E6 – empoderamento). cidas com os(as) TS são descritas como sendo de
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Recebido: 07/03/2016
Reapresentado: 17/04/2017
Aprovado: 19/04/2017