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4 a 7 de outubro de 2010
Florianópolis - SC – Brasil
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Palavras-chave
INTRODUÇÃO
Nesse sentido, busca-se primeiramente saber, a partir dos estudos mais pormenorizados acerca
dos quilombolas, quem são esses sujeitos e qual o seu papel dentro de uma sociedade que, de
forma oculta, tenta disseminar a idéia de uma cultura universal, pautada, principalmente, nos
paradigmas liberais ocidentais.
Dessa forma, o artigo tem como objetivo analisar os discursos presentes no julgamento da ADI
3239/04, no que diz respeito à concessão de terras aos povos tradicionais, bem como
compreender a tolerância do Estado brasileiro frente à diversidade de regras ambientais, que se
consolidam em diferentes maneiras de ver e explorar a natureza.
Ocorre que em face do supracitado artigo, a expressão ocupação das terras, em conjunto com
uma interpretação liberal, leva ao entendimento do conceito de remanescentes das comunidades
de quilombo vinculados a ordem natural, como na ADI 3239/04 que requisita a habitação e
permanência nas terras a data de 05 de outubro de 1988, para a aquisição de titularidade das
mesmas.
A Convenção 169 da OIT é destinada conforme o seu artigo 1º: “aos povos tribais em países
independentes, cujas condições sociais, culturais e econômicas os distingam de outros setores da
coletividade nacional, e que estejam regidos, total ou parcialmente, por seus próprios costumes ou
tradições ou por legislação especial”. O Decreto presidencial 4.887/2003 que regulamenta os
procedimentos administrativos para a identificação, o reconhecimento, a delimitação, a
demarcação e a titulação da propriedade definitiva das terras ocupadas por remanescentes das
comunidades dos quilombos, de que trata o art. 68 do Ato das Disposições Constitucionais
Transitórias, identifica como remanescentes de quilombos, segundo seu artigo 2º; “os grupos
étnico-raciais, segundo critérios de auto-atribuição, com trajetória histórica própria, dotados de
relações territoriais específicas, com presunção de ancestralidade negra relacionada com a
resistência à opressão histórica sofrida”.
No contexto da ADI 3236/04, a visão liberal advoga contra o critério da autodeterminação para a
definição dos remanescentes de quilombolas, estabelecido pela Convenção 169/89 da
Organização Internacional do Trabalho e pelo decreto presidencial 4.887/03. Logo a discussão
perpassa a concepção de auto-atribuição e a de permanência, esta última invocada pela ADI, que
pretende arrolar a concessão de terras pela comprovação da “remanescência e não da
descendência”, ainda que esta última não seja determinante como frisa a Antropologia na
determinação de grupos étnicos (BARTH,1997,p.27 ). O reconhecimento então é pautado na idéia
de tolerância sem ressalvar aos povos tradicionais subsídios para a propagação da diversidade.
A partir da ruptura das pré-concepções da definição das terras tradicionais, iniciamos o pensar
essas identidades coletivas dentro das suas diversidades, cultura e costumes. E nesse aspecto o
território faz parte da identidade coletiva devendo ser estudado os processos de territorialização e
relação social com a terra, mais uma vez desmistificando o envolvimento do reconhecimento das
terras tradicionais com a concepção de reserva extrativista, uma vez que no âmbito pluralista
enfatiza-se a sustentação da diversidade social, como veremos no decorrer do trabalho.
2 QUILOMBO E IDENTIDADE
Mas o que vem ser quilombo? Tal conceito encontra-se inserido num mar de “fontes secundárias
compulsadas” (ALMEIDA, 1996a, P.11), que repetem compulsoriamente características reputadas
juridicamente como sendo as mais evidentes, ou seja, estão contaminadas pelos marcos jurídicos
do século XVIII, que impõe um suposto significado original. (conforme ALMEIDA, 1996b, p.11)
Para que se possa alcançar um novo significado de quilombo e redefinir seus instrumentos
interpretativos deve-se “depurar o mito em torno da definição jurídica congelada e tomar como
objeto os elementos que configuram um significado de quilombo para além da etimologia e das
disposições legais felipinas ou manuelinas.” (ALMEIDA, 1996c, p. 11)
Dessa forma, deve-se buscar o que os agentes e os movimentos sociais hoje caracterizam como
quilombo, o que adquire para eles o “sentido de viabilizar o reconhecimento de suas formas
próprias de apropriação dos recursos naturais e de sua territorialidade”. (ALMEIDA, 1996f, p.12)
A conceituação de quilombo, enquanto categoria histórica, passa pelo que estaria fora do mundo
de trabalho legalmente instituído, ou seja, o quilombo não se coaduna com o sistema escravocrata
característico do modelo de plantation 1, existiria na periferia dos grandes latifúndios. Assim, “os
elementos constitutivos da conceituação de quilombo abrangeriam ações em grupo, que
deliberadamente negariam a disciplina do trabalho, localizadas à margem dos circuitos de
mercado” (ALMEIDA, 1996g, p12-13). Enumera ALMEIDA (1996h,p.13), cinco características que
sempre aparecem de maneira combinada numa definição de quilombo:
a) Fuga;
b) Quantidade mínima de “fugidos” definida com exatidão;
c) Localização marcada por isolamento relativo, isto é, em „parte despovoado‟;
d) Moradia consolidada ou não;
e) Capacidade de consenso traduzida pelos „pilões‟ ou pela reprodução simples que explicitaria
uma condição de marginal aos circuitos de mercado.
Observa-se que a idéia de isolamento se apresenta como sendo umas das principais
características, no entanto, como sublinha ALMEIDA, 1996i, p. 14, ao fazer uma leitura de
Malheiro, que a busca por mantimentos nas proximidades de praças era regular, contrariando
essa idéia, pois existiam articulações quilombolas de abastecimento com produtos agrícolas e
gêneros alimentícios. Mesmo assim, tal núcleo conceitual se manteve nas legislações provinciais
após a independência 2. Na República, presumiu-se que os quilombos teriam sido extintos com a
abolição da escravatura.
Em suma, não houve, paralelamente á ação abolicionista, uma produção sistemática de conhecimentos
críticos capaz de desfazer o império do consenso histórico das categorias que organizavam o
pensamento escravocrata. No caso dos chamados quilombos o consenso repousou no inconsciente
coletivo e nele fez-se verdade, senão dogma. Inexistiram relativizações ou incorporação do repertório
de observações empíricas encontráveis em inúmeros autores dos séculos XVIII e XIX. (ALMEIDA,
1996j, p.16)
1
“imobilização da força de trabalho e sistema de monocultura agrário-exportador” (ALMEIDA,1996l, p.12)
2
“As variações, quando existentes, são de ordem numérica e se referem à redução da quantidade mínima de „fugidos‟ necessária p ara
caracteriz ar o que se denominava quilombo”.(ALMEIDA ,1996m, p.14)
Após um século e cinco meses de esquecimento jurídico a figura do quilombo volta à esfera
jurídica na Constituição da República Federativa do Brasil, promulgada em 05 de outubro de 1988,
em seu art. 68 do Ato das Disposições Transitórias, versando:
Aos remanescentes das comunidades dos quilombos que estejam ocupando suas terras é reconhecida
a propriedade definitiva, devendo o Estado emitir-lhes os títulos respectiv os.
“De categoria de atribuição formal, através da qual se classificava um crime, quilombo passa a ser
considerado como categoria de auto-definição, provocada para reparar um dano” (ALMEIDA,
1996p, p. 16). Há que se falar, portanto, numa resignificação do quilombo, a conceituação colonial
de outrora passa a ser desfeita quando se busca atualizar o significado de quilombo.
Para que isso ocorra, deve-se primeiro reinterpretar o pensamento jurídico, ou seja, passar por
uma transformação, o quilombo não sendo mais sinônimo de desordem, periferia e crime, mas “o
quilombo como possibilidade de ser, constitui numa forma mais simbólica de negar o sistema
escravocrata. É um ritual de passagem para a cidadania, para que se possa usufruir das
liberdades civis” (ALMEIDA,1996q, p.17). Assim, tal pensamento deve ser assimilado pelos
movimentos políticos buscando sua positivação.
O art. 68, bem como o Decreto nº 4.887/2003, exige que alguém se proclame “remanescente”,
utilizando-se do critério de auto-atribuição, “só que o processo de afirmação étnica historicamente
não passa pelo resíduo, pela sobra ou „pelo que foi e não é mais‟, senão pelo que de fato é pelo
que efetivamente é e é vivido como tal”. (ALMEIDA, 1996s, p.17)
3 PROCESSO DE TERRITORIALIZAÇÃO
Em termos analíticos, pode-se adiantar, que tais formas de uso comum designam situações nas quais
o controle dos recursos básicos não é exercido livre e indiv idualmente por um determinado grupos
doméstico de pequenos produtores diretos ou por um de seus membros. Tal controle se dá através de
normas específic as, cominando uso comum de recursos e apropriação privada de bens, que são
acatadas, de maneira consensual, nos meandros das relações sociais estabelecidas entre vários
grupos familiares, que compõem uma unidade social.
Os laços existentes de ajuda mútua revelam um conjunto de regras sobre uma base física
considerada comum, que incidem sobre os recursos naturais renováveis e mostram um
conhecimento aprofundado e peculiar dos ecossistemas, dessa forma, nos utilizaremos aqui da
mesma expressão trabalhada por ALMEIDA, 2006b, p. 24, “processo de territorialização”.
Assim, temos que ter consciência de que há distintos processos de territorialização, como por
exemplo os babaçuais, seringais e castanhais. Tal expressão “tenta propiciar instrumentos para
compreender como os territórios de pertencimento foram sendo constituídos politicamente através
das mobilizações por livre acesso aos recursos básicos em diferentes regiões e em diferentes
tempos históricos.” ( ALMEIDA, 2006c, p. 88)
A relação comunitária que resulta na politização da identidade coletiva aos povos chamados
tradicionais é caracterizada pela dinâmica cultural do ser tradicional rompendo a invisibilidade em
movimentos, que coadunam em formas discretas de controle estabelecidas pelo estado no
processo de reconhecimento da diversidade. O processo de territorialização envolve o
conhecimento dos agentes sociais na luta por construção autônoma da vida, de acordo com suas
praticas de lazer, religião, cultura, dentre outros, fazendo jus a existência comunitária, com direito
a acesso aos recursos básicos, como hídricos e territoriais, essenciais a existência da sua
identidade coletiva permeada pelo seu modo de vida. É a reivindicação das terras que propiciam o
seu modo de vida. É pelo direito a terras que se perpetua a afirmação da sua identidade. O direito
as terras pelo direito indissociado de ser quem são.
A apropriação da terra voltada, de forma essencial, para o extrativismo tolhe as relações com os
recursos naturais, diferente dos povos tradicionais, que levam em conta a relação espiritual
(ARAÚJO, BELO, 2009, p. 273). O solo, a água e o ar são utilizados da forma mais maximizada
possível para satisfazer as necessidades do mercado, intrinsecamente ligadas às atividades
extrativistas do porte latifundiário e industrial.
Predomina nesta forma de apropriação uma relação espiritual com a natureza. Disto decorre um
sentimento de cuidado com maior precisão em comparação às formas de exploração e
degradação dos recursos naturais presentes no pensamento individualista e imediatista dos
grandes proprietários e industriais.
Diferente dos ditames de uma organização pautada nas relações de produção de riquezas sociais,
os povos tradicionais formam-se de maneira equitativa. Afira-se desta forma que não se tem como
questão a subsunção de indivíduos em detrimento do outro, ou seja, que a utilização dos recursos
naturais são relacionados com a comunidade, não com particulares.
O convívio pautado na simbiose permite que tanto o homem quanto a natureza possam subsistir,
pois representa um reconhecimento mutuo das necessidades e particularidades de ambos,
composto pela dialética e sem os prejuízos advindos de um comportamento pautado na
degradação desta ultima.
Os povos tradicionais, a exemplo dos povos indígenas, buscam táticas de controle territorial “para
reafirmar suas identidades e reclamando sua autonomia como seu direito de ser e seu direito de
território” (LEFF, 2006, p. 299). Tal questão expande-se aos quilombolas na medida em que se
evidencia a noção de tradição e memória em relação à terra, observando-se uma posição de
resguardo do meio ambiente.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Com o exposto ao longo do artigo pode-se chegar a algumas considerações sobre a questão do
critério de auto-atribuição e do instituto das terras tradicionalmente ocupadas. A partir da
Constituição de 88 instaura-se a visão pluralista na atuação do Estado que deve garantir o
reconhecimento da diversidade cultural e social. Com isso observamos a existência de conflitos de
interesses contraditórios de grupos antinômicos, que de acordo com sua movimentação política
culminam em tentativas de delimitar os direitos e garantias uns dos outros, como no caso da ADI
3239/04. Opera-se um debate que na verdade envolve a desapropriação de uma quantidade
maior de terras aos remanescentes de quilombos.
Referências
ALMEIDA, Alfredo Wagner Berno de. FRECHAL Terra de Preto: quilombo reconhecido como
reserva extrativista. São Luís: SMDDH/CCN-PVN, 1996.
________. Conceito de Terras Tradicionalmente Ocupadas. Revista Virtual da AGU
Ano V, nº 46, 2005