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Nº9 | Junho l 18

O que você quer saber?


Renata Dias
Larissa Fulana de Tal
O fazer cinematográfico

Fotografia Ritual
Adeloyá Magnoni
Editorial Quem faz?

Já segue
Conselho Editorial: Jaqueline
Elesbão, Anderson Gavião e Nai
Foram tantas idas e vindas, participando da Meneses
gestação desse projeto e de outros momen- Projeto Gráfico e Design Editorial
Mel Campos
tos importantes dentro do Coletivo Ponto
Diagramação: Nai Meneses
Art, apoiando, colaborando, nutrindo afetos Revisão Fotográfica: Ives Padilha
e se apaixonando cada vez mais pelo traba- Revisão de texto: Cazzo Fontoura
lho desenvolvido... Imerso no trânsito que e Alana Falcão

a gente
Colunistas: Alana Falcão, Daniel
a vida nos impõe, se ontem eu não pude Arcades, Felipe Ferreira e José
estar integralmente, hoje eu abraço de cor- Augusto
po e alma esse projeto e coletivo que tanto Foto da capa: André Frutuôso
Arte na foto: André Preto
me representam, que também têm a minha
Editor do site Coletivo Ponto Art:
cara e sempre me acolheram. Essa edição
da Revista Digital Ponto Art vem com todo
o Asè das fotografias de Adeloya Magnoni,

nas redes
uma super matéria reverenciando o legado
ancestral de Mestre King e outros conteúdos Agradecimentos
que desenvolvemos sempre pensando em Gratidão a tod@s @s parceir@s
trazer para vocês o nosso cenário artístico que colaram com a Ponto Art
(mais uma vez) para fazer essa
de forma variada e com a marca já registra- edição linda! Sem vocês seria um
da do Coletivo Ponto Art! Não poderia existir perrengue só (rs).
edição melhor para celebrar o meu retorno; Renata Dias, obrigada pela con-
fiança e por aceitar esse desafio.
boa leitura! A soma do nosso sonhar, torna
Produtor Ponto Art
George Ian
possível a Revista Digital Ponto
Art. Sigamos! acesse

Contato COLETIVO PONTO ART


pontoartelesbao@gmail.com

Coletivo Ponto Art


www.coletivopontoart.com.br
Foto divulgação
artes visuais
06
Que “Agá” é esse?

Índice
Cores, diversidade e identidade

ponto de vista
A fotografia ritual
de Adeloyá Magnoni 10

teatro
20
O teatro e seu público: Cenário teatral

cinema
Larissa Fulana de Tal: O fazer
cinematográfico da mulher negra 24

Dança
32
Mestre King: Mais que dançar

nas raízes do subúrbio


Nas raízes da inspiração: do Rio
à Salvador
48

Cultura
56
“O que você quer saber?”
Renata Dias respondeu.

43
literatura
Organismo: Edição
como processo criativo e polílito 64
QUe É ESSE?
7

6 7
artes visuais

O “AGÁ” (@atelieaga) é teve início em dezembro


um laboratório artístico- de 2016. Desde então
criativo, um estúdio de já colorimos 06 lojas co-
produção artesanal, ge- laborativas: Guapa, Ele-
nuinamente baiano, cria- mentuá, Gambiarra, O
do pelos companheiros @ Pardieiro – Divina Arte – A
ostrafelipe (escritor, po- Feira; e participamos de
eta e jornalista) e @hori- aproximadamente 20 fei-
leal (administrador, social ras de economia criativa:
media, ilustrador, artista Fuzarca - Mercado Iaô -
visual), respectivamente. Feira do Coreto - Café &
O processo de criação é Prosa - Barabazar - Feira
leve (as coisas acontecem Livre - Feira do CAB e Flow
de forma natural e fluída Salvador.
– eles não forçam a bar- O AGÁ foi criado com o
ra); plural (estão atentos objetivo de unificar arte,
à diversidade, procuran- design, política e os con-
do formas de representar ceitos da produção ma-
pessoas diferentes); e co- nual. Nosso negócio é
lorido (usam muitos tons, transformar matéria-prima
“cores do arco-íris”, princi- comum/reciclável em arti-
palmente)! Eles dialogam go de valor – único – sob o
com a diversidade dos prisma da sustentabilida-
clientes, sem negligenciar de e da economia criativa.
as raízes e referências lo- As palavras falam por si
cais que os inspiram. só, não precisam da língua
Nossa vertente caminha para pronunciar! Falamos
pelo viés da exclusivida- com os olhos! Falamos
de, pela vontade de fa- através das cores, fala-
zer diferente, pela virtude mos por signos e sinais...
de não ser comum, pela É assim que nos expressa-
liberdade de criar qual- mos diariamente. Nossas
quer coisa, pela ousadia placas surgiram de uma
da subversão. O projeto enorme vontade de falar
nossas verdades. Assim exploradores. Entretanto, nos provoca, nos inspira... cioso, cuidadoso, autoral
podemos desabafar, in- acarreta certos prejuízos É uma fonte viva (as pes- e que preza pela exclusi-
cluir, debater e influenciar! quando se camufla o real soas, os monumentos, a vidade de cada traço, de
8 paisagem, os ângulos, os cada palavra, de cada 9
Nós entendemos a econo- mecanismo e desvia o fa-
mia criativa soteropolitana tor principal, comprar di- dizeres). Como réplica, ilustração. Nós temos um
por dois primas distintos e retamente de quem faz. tentamos agregar toda comprometimento em
artes visuais

incongruentes. Uma fatia – pequena – do essa identidade para ou- levar aos nossos clientes

foto: Adalton Silva (@adalton_silva)


O primeiro se refere à mercado soteropolitano tros mundos. produtos de qualidade,
economia criativa em seu já entendeu que os velhos Queremos estimular ou- com preço justo, que dia-
estado inato, cujo cerne engenhos comerciais pre- tras pessoas! Gente que, logam com as práticas
estruturante está fincado cisam mudar. A coisa toda como nós, precisou de in- sustentáveis e ajuízam o
em negócios baseados no só acontece com muita centivo para começar. Co- engajamento social, polí-
capital intelectual, cultu- grana ou com muita co- nhecimento é pra ser com- tico e cultural, com muita
ral e na criatividade – que laboração. Muita gente já partilhado! Bem por isso, consciência e honestida-
conseguiu remodelar o tentou ou continua tentan- em breve vamos promover de. Ah, e temos um aten-
velho modelo de comer- do se manter nessa pers- oficinas para multiplicar as dimento massa!
cialização – dando opor- pectiva de coparticipação, cores, as palavras de afeto Um recado: a cidade e
tunidade aos micros e pe- não é fácil. O comparti- e de protesto que calam nós, seus habitantes, pre-
quenos empreendedores, lhamento do conhecimen- por aí. Entendemos que cisamos ficar “atentos e
democratizando as produ- to, do espaço e dos recur- propagar o nosso conhe- fortes” (na voz de Gal).
ções, distribuindo melhor sos é o caminho. cimento não cria concor- Estar abertos às novas for-
bens e serviços, valorizan- Sobre nossa relação com rência, e ainda que haja, mas de pensar: a arte, a
do, assim, os atores envol- a cidade, ela se inicia pelo ela precisa ser saudável e mobilidade, a ocupação,
vidos nessa modelagem: nome da marca “AGÁ”, honesta pois tem sua fun- a troca, o fazer, o consu-
os criativos/as criativas. A que não expressa mera- ção provocativa. Faz com mir e o retornar. Repensar
outra perspectiva compre- mente a pronúncia por que o artista saia do au- a forma de ver, de ser e es-
ende os efeitos negativos escrito da letra /h/, trata- tomático, de sua zona de tar, de uma maneira mais
dessa mudança econômi- se de um linguajar popu- conforto, descentraliza o coletiva, mais consciente e
ca e a inclusão do mode- larmente usado no estado seu universo. Ver a marca mais crítica.
lo colaborativo de forma da Bahia. Alguns significa- concorrente como um ini-
maquiada, abusiva. Esse dos mais aplicados: histó- migo é pensar muito pe-
“desvio de finalidade” pro- ria fictícia; malandragem queno, é se colocar num

foto: Marcelo Moraes (@alemdoter) – Editorial Elementuá (@elementua)


vocou uma mudança na (molequeira); safadeza de lugar mesquinho de ego
essência do caráter criativo menino; traquejo de uma e isolamento, afinal nin-
e de colaboração, na im- pessoa em iludir, malícia guém detém a criatividade
plantação e multiplicação do bem. Coisa nossa, de do outro. O AGÁ é uma
das redes autointituladas baiano (a)! Em um ano soma contínua. Olhamos
como “colaborativas”. A de vida buscamos - dia- por uma perspectiva de
massificação da proposta riamente - entender nossa afeto, de colaboração e
colaborativa traz ganhos arte, nosso propósito, nos- crescimento coletivo.
ao oportunizar “os peque- so público e nossa função O que as pessoas en- texto: Felipe Ferreira
nos”, bem como de des- social. Salvador é pura contram no nosso ateliê? Escritor, poeta e jornalista
Contatos do AGÁ:
viar o consumo dos trilhos inspiração, é muito diver- Cores, autenticidade, um Instagram: @atelieaga
dos grandes mercados sa e colorida! A metrópole trabalho de criação minu- E-mail: atelieaga@gmail.com
A foto-ativista Adeloyá Magnoni
usa o trabalho fotográfico sob um
olhar antropológico de forma a dar
10 voz e visibilidade às diversidades 11
sexuais, de gênero, afro-religio-
sas, sociais e étnicas . É instrutora
ponto de vista

de fotografia e atua no segmento


de coberturas de eventos artísticos,
já tendo fotografado para a maior
parte dos grandes diretores de Sal-

Adeloyá
vador, tem um portfólio consisten-
te em cobertura de espetáculos e
material de divulgação para reno-
madas companhias, mas é junto à
fotografia afro-diaspórica, enfati-

Magnoni
zando a importância da represen-
tatividade da população negra, a
beleza da ancestralidade dos ritos
afro-brasileiros e também junto aos
movimentos feministas e LGBTs que
seus projetos autorais vem se des-
tacando.
A fotografia ritual que a fotógrafa
e pesquisadora Adeloyá Magnoni
desenvolve junto aos terreiros de
Candomblé na Bahia, mostram a
importância da foto como registro
histórico em uma cultura de tradi-
ção oral, do respeito à religião dos
Orixás e também sobre a importân-
cia da representatividade positiva
que essas fotos trazem aos adep-
tos, exaltando toda beleza estética,
cultural e ritual dos povos tradicio-
nais de terreiro, sendo a fotografia
mais uma ferramenta na luta contra
Participação via “Provocatória” Ponto de vista a intolerância religiosa e o racismo
Facebook: Adeloyá Magnoni - Fotos com Alma
foto: Ted Ferreira
estrutural.
12
13
ponto de vista

Ensaio: “Encantos do
Candomblé da Bahia”

Orís
Ilê Axé Ogunjá
14
15
ponto de vista

Ensaio: “Encantos do
Candomblé da Bahia”

Obá Kawô
Casa de Pai Ubaldo de
Yansã
16
17
ponto de vista

Ensaio: “Encantos do
Candomblé da Bahia”

Renascimento das Águas


Casa do Mensageiro
18
ponto de vista

Ensaio: “Encantos do
Candomblé da Bahia”

Atotô Omolu
Ilê Axé Ibá Ajunkesy
Desejo, sim, pensar que aceita o jogo (o rede, 30% das pes-
na complexidade que público) e o espaço soas estão elencadas
é o pensamento artís- do jogo (seja ele cai- como sujeitos que tra-
20 21
tico – de rompimento, xa, rua, alternativo e balham com teatro.
subversão, criativo, suas inúmeras possi- Oba, tenho quase três
questionador – aliado bilidades). mil pessoas como um
teatro

Nas rodas de con- para nos mantermos balhos que pudessem à lógica de mercado – Quem está jogando público em potencial
versas entre artistas, sem público. E, por ganhar um título pa- sustentável, rentável, atualmente e onde (esperando que os ar-
produtores e gesto- mais que defenda- rodiando os estudos propícia ao consumo estão jogando? Em tistas estejam em tra-
res que trabalharam mos nossos discursos, de Artaud: o teatro e e ‘agradável’, e dese- uma rápida posta- balho constante). Na
no cenário teatral em estéticas, experimen- seu público. Ao lon- jo também dialogar gem no meu perfil do postagem sobre tea-
2017, o assunto pas- tos, qualidades, téc- go das publicações, com três eixos norte- Facebook, pergun- tro dentro do tempo
seava, passeava e, nicas e produções em citarei os trabalhos adores para pensar- tei por duas horas que determinei obtive
enfim, chegava: os cena; é por ele, o pú- encontrados acerca o mos em ocupação ‘Qual a última coisa 25 respostas, 21 per-
teatros estão sem o blico, para ele e sobre consumo e aprecia- teatral: o proponente que você assistiu de tencentes ao grupo
público massivo de ele que faz sentido ção do teatro no Bra- do jogo (ator, perfor- teatro?’ e pedi para Teatro da minha rede
outrora. Relutei por manter-se em pé na sil, mas hoje quero mer, artista, produtor, conversar inbox com e quatro pessoas de
muito tempo sobre estrutura teatral. Esta pensar tipo facebook, diretor e as inúmeras eles. Tenho hoje cer- outros grupos respon-
essa afirmativa. Eu, coluna será um ex- com os caracteres funções que cabem ca de 4300 pessoas deram. Vou me ater a
um jovem artista, perimento para pen- de um twitter, come- no fazer teatral), o adicionadas a minha resposta destes qua-
queria pensar positi- sarmos nos alcances çar com o superficial
vamente: “Não, esta- de espaços de teatro e assim irmos juntos
mos mais pulveriza- (inclusive, fora deles), discutir uma possibili-
dos”, até que existe nas obras teatrais e na dade de devir teatral,
uma verdade nisso; frequência de público de subjetividades de
“Não, o teatro está aos diversos modelos recepção e de quais-
saindo dos circui- de teatro. quer outros termos
tos elitistas centrais Óbvio que algumas que artistas e acadê-
e indo para onde o laudas numa pági- micos discorrem como
povo está”, queria na virtual não darão se estivesse na boca
muito acreditar nis- conta de produzir um do senso comum.
so, mas era pequena pensamento e uma Uma simples pergun-
nossa participação nas tese para encontrar ta pode ser a máxima
comunidades; “Não, causas e propor saí- do pensamento filo-
sempre foi uma arte das a este conflito tão sófico, como também
que atingia uma pe- complexo. Se temos a polêmica da sema-
quena parcela da po- inúmeros especialis- na nas redes sociais,
pulação desde que tas teorizando sobre o basta que se descu-
entrou na caixa”, se duplo do fazer teatral, bra os desejos de des-
for, não é justificativa encontrei poucos tra- membramentos dela.
tro para a primeira tradição de pesqui- UFBA; A persistência pessoas, promover di-
22 23
coluna, mas comen- sa de público. Ela das últimas coisas, álogos e propor a fuga
tarei sobre as outras existe? Como existe? direção de Celso Jr do número de carac-
respostas. Quem faz? Quais os no Teatro Vila Vela e teres que nos limitam
teatro

É dessa efemeridade parâmetros e os tipos Conexão Babel, di- a expor opiniões na


das duas horas em de perguntas que de- reção de João Lima internet para a con-
que decidi propor vem ser feitas para no Teatro Martim sistência de um diá-
um jogo dentro de que isso, a pesquisa, Gonçalves foram os logo constante, pro-
um perfil de uma aconteça? Confesso mais citados do mês gressivo e de corpo
rede social para as que recebi respos- de março). Na boca presente. COMO O
pessoas que assis- tas de pelo menos dos outros grupos, TEATRO É! COMO
tem/vivenciam/inte- 21 sujeitos envolvi- os seguintes dados: A MAIORIA DAS AR-
ragem com o teatro dos no trabalho com um espetáculo visto TES SÃO! MATÉRIA
que parto para um arte e deste peque- em novembro do ano COM MATÉRIA! Um
desejo de fazer uma no número confirmo passado propiciado jogo com possibilida-
pesquisa maior e de minha observação de pelo Sesc no interior des da interferência
definir encaminha- que nos encontra- do estado; 50% dos do virtual, mas que
mentos que podem mos a todo momen- interessados em res- tem como regra bási-
se tornar uma pes- to nas plateias do te- ponder citaram comé- ca, a proposta do jogo
quisa futura séria atro soteropolitano. dias stand-ups (duas e sua aceitação como
diante disso. Claro Atrizes, atores e di- pessoas) e 25% assis- resposta para o acon-
que diversos ques- retores responderam tiu a um espetáculo tecimento.
tionamentos podem sobre o que assisti- produzido em um tea-
ser feitos a partir de ram. Que bom que tro em parceria a uni-
um diagnóstico tão pelo menos nós nos versidade. Seria pos-
pequeno. Se fosse assistimos. Minha jo- sível fazermos uma
uma pesquisa tipo vialidade me leva a progressão geomé-
censo como a televi- pensar positivamen- trica a partir destes
são, as empresas, o te sobre este fato. pequenos dados ad-
IBGE e as instituições Espetáculos diversos quiridos rapidamen-
fazem, teríamos um apareceram nas bo- te no Facebook? Só o
resultado com maior cas dos artistas (Dis- fato desta postagem
possibilidade de con- topias, direção de não ter interessado a
fiabilidade, com um Zeca de Abreu no Te- maioria das pessoas
diagnóstico entendi- atro Vila Velha; Zuc- da minha rede pode
do como eficaz e hi- co, direção de Gil ser considerado um
póteses levantadas. Vicente Tavares na sintoma?
texto: Daniel Arcades
Pensemos na nossa Escola de Teatro da A coluna quer ouvir Ator
24
Larissa 25

Fulana de Tal
cinema

Há três meses o questionamento acerca


da arte da interpretação norteou uma
entrevista que fiz com o ator e cineasta
Felipe Bond, na simbologia do título
do seu documentário, Como Você Me
Vê?
Nessa entrevista com a cineasta baiana
Larissa Fulana de Tal conduzo a bate
-papo sob a forte – e urgente – ressonân-
cia de uma releitura oblíqua do símbolo
do questionamento da entrevista anterior:
Como você se VÊ?
Tal provocação, inserida na legenda
de uma das publicações da página
do “Tela Preta”, movimento cine-
clubista da qual a Larissa atua e é VISTA,
me fez refletir novamente sobre o que
eu vejo projetado no nosso cinema,
como eu me vejo nesse emaranhado de
representações e, principalmente, qual
o lugar ocupado pela mulher negra e
periférica nesse contexto cheio de rasuras
e variáveis.
A Larissa nos conta como se vê no re-
flexo do seu fazer cinematográfico,
fala sobre a luta do movimento negro

foto: Léo Conceição


e quais suas referências femininas no
cinema e na vida.
1.) Por que o uso da expres- E esse ritmo... Sinceramente é di-
26 são popular “Fulana de Tal” fícil assistir o filme passivamente 27
para compor seu nome artís- hoje. É um exercício difícil se per-
tico? Há a intenção de pro- mitir. A não ser quando o filme
amarra você e te puxa sem pedir
cinema

vocar algum questionamento


acerca do nosso papel na so- permissão como “Moonlight” e
ciedade? “A Separação”.

Fulana, Cicrana, Beltrana, Zé Po- 3.) Qual sua relação com o


vinho, João Ninguém... expressões cinema? Como a Larissa Fu-
não faltam para invisibilizar as lana de Tal se viu (ou não)
pessoas em um Brasil escravocrata. nas produções cinemato-
Em documentos diversos aparecia gráficas e a partir daí teve
o primeiro nome seguido dessas a certeza de que queria ser
expressões como se fosse sobre- diretora de cinema, narrar
nomes. Esses termos serviam para suas histórias e representar
demarcar e objetificar a popula- as pessoas e suas raízes?
ção negra ou para sinalizar que a
pessoa citada não era ninguém de Não fui cinéfila. Nem sonhei ser
prestígio. Desta forma, assim como diretora de cinema. Afinal, fazer
escritor Luís Fulano de Tal, autor da cinema é uma atividade distante
“Noite dos Cristais”, Larissa tam- da população negra. Nem ima-
bém se decidiu pelo pseudônimo ginava que existia algo ou al-
artístico “Fulana de Tal” em refe- guém que produzia aquelas ima-
rência aos inúmeros sujeitos ditos gens em movimento perante aos
“comuns” da História. Sim. É uma meus olhos. Fui a primeira vez a
provocação! sala de cinema aos 13 anos as-
sistir “Os Trapalhões”, bem tar-
2.) Como a Larissa Fulana de dio. Minha bagagem cultural é
Tal – cineasta e público – se vê a indústria cultural. “Sessão da
no cinema? Qual a diferença Tarde” e tudo que chegou nos
entre estar por trás da câmera anos 1990 e 2000 ao grande
e diante a projeção cinemato- público. E mesmo dentro do cur-
gráfica? Há um diálogo e um so de cinema ainda tive inquie-
contraponto sociocultural en- tações, e ao fazer parte do movi-
tre os papéis? mento negro na universidade fui
questionando o meu não querer
Hoje é uma diferença enorme, às assumir papéis de destaque.
foto: Wendel Assis

vezes, sou a pessoa chata que fala o


filme todo: Espia esse plano! Porra! 4.) Em agosto de 2015, en-
Quebra de eixo. Que foto é essa? trevistei a cineasta Sabrina
Fidalgo pra “Rochas do nessa questão maioria das obras sendo uma sujeita ne- al pela UFRB, você 6. Quais “rainhas”
– O filme por trás do pós-colonial, de ou fortalece a luta gra... O apontamento é sócia da Reben- da negritude inspi-
28 roteiro”, minha colu- uma representa- por espaço, visibi- dela nos evidencia isso to Filmes e cria- ram sua luta como 29
na no site “Cinema- ção eurocêntrica. lidade e reconheci- muito bem. Eu carrego dora/realizadora mulher, preta e
ção” . Uma declara- O audiovisual bra- mento? no meu cinema o ter- do Movimento Tela periférica e oxige-
cinema

ção dela me chamou sileiro é comple- mo CINEMA NEGRO, Preta (que atual- nam sua criação
atenção e fez apro- tamente branco, Compreendo profun- por uma postura po- mente realizada um fílmica? O encon-
fundar minha pes- branco com todas damente as questões lítica. Não só no tem- cineclube de nome tro geracional das
quisa acadêmica: as aspas”. Qual colocadas por Sabrina. po, mas na busca do homônimo). Qual a lutas das mulheres
“...a gente não faz sua opinião sobre Inclusive, por pouquís- modus operandi do importância desse negras e a cons-
cinema negro, faze- essa classificação simo tempo, tive o pra- fazer cinematográfico, movimento para a ciência do legado
mos o cinema brasi- étnico-cinemato- zer de ouvir ela falar bem como a RUPTURA construção de um deixado por nossa
leiro. O cinema con- gráfica? Demarcar as questões e reflexões desse CINEASTA INAL- cinema baiano/na- ancestralidade é
vencional é que faz a etnicidade de um sobre seu processo. CANÇÁVEL. cional democrático terra fértil pra cria-
o cinema branco. O filme endossa a ra- E é importante com- e representativo? ção das narrativas
cinema brasileiro de sura representati- preender a complexi- 5.) Formada em Ci- Ao longo da sua da Larissa Fulana
hoje tá muito centra- va que é feita pela dade de fazer cinema nema e Audiovisu- trajetória no audio- de Tal?
visual você recebeu
feedbacks de mui- Creio que potencia-
tas mulheres ne- lizaram a minha re
gras e periféricas -existência para o DI-
que veem no Cine- REITO de CRIAR. Por
ma – e no seu tra- que acesso a cultura
balho –, uma inspi- também está no ato
ração e uma forma de CRIAR. Mainha,
de terem suas vo- minhas irmãs, Viviane
zes ouvidas e suas Ferreira, Vilma Reis,
vivências represen- Bell Hooks e Menina
tadas? de Ouro.

Referente a minha tra-


jetória... Gosto muito
de refletir o pensa-
mento que tive quan-
do conheci a Viviane
Ferreira. Olhei para
ela e pensei: eu tam-
bém posso! Creio que
a representatividade é texto: Felipe Ferreira

foto: Juh Almeida


isso. E ela cria redes. Escritor, poeta e jornalista
Entrevistas
P O N T O D E R E F E R Ê N C I A
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COLETIVO PONTO ART
32
dança

33
Dia
obra. Dona Jacira, riar o patrimônio do-
agora recém viúva, cumental lá disposto.
34 sorriu-nos o sorriso Isso tudo porque a 35
dos bem educados, casa do dia seguinte
31/03/18. Dez horas porém, atarefados, em diante seria es-
dança

da manhã. Eu e An- e seguiu limpando vaziada e todo esse


derson Gavião à pro- os troféus, as mol- acervo seria doado
cura do endereço do duras dispostas na ao MAFRO. Conver-
Mestre King, setenta sala (e eram muitas) samos por mais de
e sete dias após seu e os inúmeros porta duas horas sobre
falecimento. Chega- -retratos. Havia até recordações, fatos
mos à Rua Rômulo um busto esculpi- e pessoas, tentando
Almeida, Acupe de do. Na parede, inú- minimante traçar um
Brotas, “Onde é a meros certificados, quebra cabeça ge-
casa de King?” e in- prêmios e menções, racional do legado
terlocutores disper- sobretudo de univer- e do impacto da tra-
sos apontaram sem sidades estrangeiras jetória de Raimundo
erro. Fábio, seu filho .Sankofa Award – King Bispo dos San-
músico, diretor mu- Pioneer e Legend in tos e seus mais de
sical e parceiro ar- Black Dance. Florida 50 anos de história
tístico do pai– como -EUA, 2002; Agra- na dança na Bahia.
o outro irmão tam- decimento da Uni- Pessoalmente falan-
bém era, o Felipe – versity of California. do, eu sou um exem-
abriu-nos a porta e Los Angeles- EUA, plo, entre centenas,
esboçou um sorriso 1994; Agradeci- de artista que se pro-
um tanto cansado, mento da New York fissionalizou graças
solicitando que en- University. NY-EUA, ao contato com King
trássemos. O am- 1993; Cheremoya na idade em que nos
biente que conheci e Avenue Elementary solicitam uma esco-
frequentei treze anos School. EUA, 1993; lha vocacional. Ele,
atrás, privilégio de Recomendação do inclusive, foi meu
boa parte dos alunos Ministério da Edu- padrinho de forma-
que conviveram com cação por Aptidão tura. Esse material é
King, já que ele era para Lecionar. Bra- só uma gotinha de
o acolhimento em sil,1993,entre vários meu imenso agra-
pessoa, vivia suas outros. Dona Jacira decimento por tudo
últimas horas como e Fábio aguardavam que você representa
“A casa do Mestre”. o fotógrafo, e tam- para a Dança, e para
Aquele era o últi- bém bailarino, An- mim em especial. E
mo dia sob o status dré Frutuôso, para a ti dedico, Mestre,
de memorial de sua registrar e inventa- com carinho.
A partir de King, a gente
36
começou a vislumbrar 37
do ano de 1943. Mudou-se a arte negra no mundo.
para Santo Antonio de Je-
Aprendi com King que
dança

sus aos quatro anos de ida-


de, mas aos sete, na vin- minha erudição é africa-
da para Salvador, acabou na e essa erudição pas-
dado à adoção para um
sa pelos atabaques [...]
casal de árabes, os Sarquis,
cuja condição financeira
confortável permitiu que ti-
vesse uma boa educação Depoimento de José Carlos Arandiba, o Zebrinha, diretor artís-
e acesso à cultura. Aos vin- tico do Balé Folclórico da Bahia no documentário “Raimundos:
te anos, saído do serviço Mestre King e as figuras masculinas da dança na Bahia” do core-
militar e da Marinha, já era ógrafo Bruno de Jesus, com roteiro de Gabriel Ormuz Machado
praticante de artes mar- e produção de Inah Irenam.
ciais e capoeira, membro
do Coral do Mosteiro de
São Bento por dez anos. Foi Entender o que foram surá-la, compreendê Morgan, com o Do-
as cinco décadas de -la em seu impacto e mingos Campos, por
descoberto pela etnomu- intensa atividade ar- alcance. exemplo” afirmou ao
sicóloga e folclorista Emília tística e formativa em- Para muitos estudio- receber a Comenda
Biancardi, que o ensinou a preendida por King é sos da cultura, bem Dois de Julho, na As-
dançar maculelê na cozi- uma tarefa longa que como historiadores sembleia Legislativa
nha de casa, além do sam- apenas começou com da Dança Afro-Bra- da Bahia, em 2015.
sua partida. Na ver- sileira, Mestre King é Embora possamos
O primeiro homem da Améri- ba de roda, a puxada de dade, iniciou-se um compreendido como discutir as alcunhas,
ca Latina a ingressar (1972) no rede e o candomblé. Ele pouco antes, desde “pai” ou mesmo de fato, o mestre foi
curso de licenciatura em Dan- contava que acompanha- as homenagens, ex- “criador” da Dança um dos precursores
ça pela Universidade Federal va a pesquisadora em suas posições, documentá- Afro, títulos que ele no uso do termo “dan-
rios e comendas que rejeita, porque nun- ça afro” ou “dança
da Bahia (UFBA), especialista viagens para fazer pesqui- recebera ainda em ca considerou ter fei- afrocontemporânea”
em Coreografia em 1989 tam- sas na área de dança e foi vida. Houve nos últi- to algo novo, “[...] para nominar o que
bém pela UFBA, nasceu em com ela que surgiu o dese- mos anos um movi- aprendi muito com ele fazia. E é inegável
Santa Inês (BA), numa família jo de aprofundar o conhe- mento de coroar sua outras pessoas tam- a contribuição parti-
existência, celebrar bém, aprendi muito cular dele na pesqui-
humilde de seis irmãos, ao dé- cimento na área. O resto é sua importância e ao com a Emília [Bian- sa de arranjos como
cimo segundo dia de outubro história. mesmo tempo men- cardi], com Clyde a Dança Afro passou
a ser compreendida trabalho.”, afirmou tando indiretamente
estética e pedagogi- King em entrevista sua influência para a
38
camente. Ele misturou concedida a emissora formação, por exem- 39
elementos de danças local. Ao considerar plo, do Balé Folclóri-
folclóricas e popula- as linhagens da dan- co da Bahia e do Balé
res brasileiras com as
dança

ça na Bahia, o coreó- Teatro Castro Alves.


dos orixás, além de grafo Bruno de Jesus King deu intenso mo-
elementos técnicos e dispara “Eu me consi- vimento à cena de
formatações cênicas dero neto do cara no dança nas escolas pú-
próprias da dança sentido de ser uma blicas desde a década
moderna americana. nova geração, uma de 1970, tornando lu-
Diante das polêmi- geração que se inspi- gares como o colégio
cas teóricas, que po- rou toda nele”. Bruno Duque de Caxias em
dem muito bem ficar dirigiu o documentá- espaços privilegia-
a cargo dos estu- rio Raimundos: Mes- dos (e concorridos)
diosos, o que pode tre King e as figuras do ensino e fomen-
mesmo ser dito sem masculinas da dança to à Dança e à Arte.
medo de errar é: King na Bahia. Para ele, é Ele declarou publica-
formou gerações in- possível enxergar o mente mais de uma
teiras de artistas na legado do artista nos vez que um dos seus
cidade de Salvador e corpos dos seus alu- principais objetivos
suas sementes estão nos, formando ge- nas escolas públicas
espalhadas por todo rações de bailarinos era descobrir talentos
o mundo. Zebrinha, que se dedicaram à da periferia, que bro-
Paco Gomes, Arman- dança afro e são re- tava uma vontade,
do Pequeno, Augusto presentantes desta uma garra ali. Con-
Omolu, Flecha, Gil- arte mundo afora. O comitantemente, este-
berto Bahia, Rosân- documentário surge ve à frente do ensino
gela Silvestre, Tânia durante o processo de dança do Serviço
Bispo, Leonardo Luz e de realização do es- Social do Comércio
Nildinha Fonseca são petáculo Raimundos – SESC – por mais de
alguns nomes da li- e foi pensado como trinta anos e do show
nhagem iniciada com homenagem coreo- folclórico da casa, so-
o Mestre. “Na época gráfica ao meio sé- bre a importância da
não tinha muitos pro- culo de King em de- cena afro no SESC
fessores de dança. dicação à Dança. Há como um espaço de
Logo, meus alunos quem vá mais longe, resistência e valoriza-
fizeram faculdade de endossando que ele ção, o amigo pessoal
dança e se tornaram tenha sido fundamen- e coreógrafo Jorge
meus colegas de tra- tal para engrenagens Silva coloca “Muito
balho. Foi de propó- institucionais da Dan- categórico, muito im-
sito que eu fiz esse ça no estado, credi- portante. King foi um
dos pilares no disse-
minar, propagar, de-
40 senvolver, valorizar. 41
Ele fez essa cultura da
dança Afro ser muito
dança

mais valorizada, no
sentido de visibilida-
de, e fez isso, a exem-
plo da Arena do Sesc,
da forma mais respei-
tosa possível”.

GENEROSIDADE

lotadas desde sem-


Os alunos, amigos pre, ministradas até
e parceiros profis- sua doença renal se
sionais falam muito agravar, eram descri-
da generosidade de tas por ele como “au-
King como sua virtu- las pra quem quer Mestre King ganhou soa ainda está viva. É
de cardinal. Eu pos- começar a dançar”. uma sala com seu um reconhecimento”,
so endossá-la, como Muito heterogêneas, nome na sede da Mestre King também
alguém que lhe foi essas classes conti- Fundação Cultural, inaugurou, junto à
muito próxima duran- nham entre os pre- onde ocorreu toda a Escola de Dança da
te pelo menos quatro sentes muitos jovens programação come- Funceb, o AGÔ - Nú-
anos. O Mestre era de baixa renda, de- morativa do novem- cleo de Pesquisa em
um agregador nato, sejosos de formação bro negro de 2017. Dança Afro, pioneiro
tinha curiosidade pe- gratuita de qualida- Nessa ocasião, quan- no gênero, como tam-
las pessoas, interes- de e acima de tudo, do perguntado sobre bém podemos definir
se em conhecê-las. de alguma referência o que achava das ho- aquilo que o Mestre
Um item em que esse na vida; artistas da menagens todas que fez pela Dança Afro-
traço pode ser obser- dança já profissiona- estava recebendo – já brasileira. Abaixo,
vável: na sua entre- lizados em busca de perto do fim de sua para endossar o coro
ga sabática semanal, aperfeiçoamento e vida – declarou: “Fico de homenagens, três
anos a fio. As aulas contato com o Mes- muito feliz com estas depoimentos de artis-
de dança afro-mo- tre, além de sempre lembranças. E, para tas da dança de dife-
derna aos sábados muitos estrangeiros ser bem sincero, acho rentes gerações sobre
na Fundação Cultural que viajavam para que mereço. É muito o contato, o afeto e o
(FUNCEB), abertas ao Salvador para beber bom este tipo de ati- legado que esse gran-
público e gratuitas, de sua fonte. tude quando a pes- de Mestre nos deixa:
LEONARDO LUZ disso. Muito além do trabalho que nunca declarou estar lutan- Na relação com os alunos ti-
estético que tenha sido desen- do por isso. O talento e o bri- nha toda uma relação maior
O legado do mestre deixa mar- volvido exclusivamente por ele. lho que lhe era peculiar e a ca- com a conduta, a ensinar a
42 cas na maneira de como a dan- Eu nem sei se vai ser o caso pacidade de agregar, de ver as olhar para sua própria famí- 43
ça se desenvolve na cidade, que de alguém se encarregar des- pessoas, de refletir-se nelas... lia, a cultivar e buscar me-
são marcas da maneira como se legado porque tem algo em Não é só por onde ele passou, recimentos adquiridos pela
dança

ele empreendeu isso ao lon- mim, algo em muitas das pes- e foram muitos lugares, mas as sua própria capacidade e
go de sua vida. Muitas atitudes soas que trabalharam com ele pessoas que ele trouxe com ele competência. O legado for-
de outros grandes coreógra- que é indissociável do que ele ao longo dos anos. Todas as mativo dele é um dos mais
fos - pessoas que trabalha- era. O principal legado dele tá portas que ele abriu, muito dis- importantes. Não era só en-
ram com ele, que lhe oferece- na nossa carne, na nossa ma- cretamente, sem jamais dizer a tender o orixá, só dançar
ram reverência, que também neira de dançar, de pensar, de ninguém de maneira arrogante Dança Afro. Era essa possi-
foram educados ou fizeram desdobrar o que aprendeu com ou orgulhosa – sobre todas as bilidade de olhar para famí-
parte da formação - encontram ele. Então, eu acho que muito pessoas que iniciaram os traba- lia [...] King foi parceiro de
maneira de lidar com os jovens do legado que ele deixa é qua- lhos artísticos com ele... Havia praticamente todos os alu-
aprendizes com muitas caracte- se como um legado de sangue, uma serenidade muito grande nos que ele orientou. E isso
rísticas da maneira como King um DNA artístico, pedagógico, em ser tudo aquilo que ele era. vai muito além do trabalho
fazia isso. Principalmente no uma espécie de mapa, de gene, É difícil de contabilizar, contar o de aprendizado sobre a téc-
aspecto relacional, na maneira algo que a gente não precisa prestígio que ele teve em tantos nica ou sobre a dança afro
de se relacionar com a dança e necessariamente ver para po- lugares e em quão desprestigia- de uma forma geral. Acho
com as pessoas, a mesma ne- der tocar ou ser tocado. Quan- do ele foi no nosso “mainstre- que essa formação aliada
cessidade de oportunizar. Isso é do eu penso no que ele deixa e am” de dança em Salvador em e linkada com a história da
um dos aspectos mais fortes do no que ele deixou, no que ele alguns momentos, mesmo ten- vida. Foi uma pessoa que
legado dele como homem ne- construiu efetivamente, eu só do ocupado todos esses espa- deu muito, chegou a pagar
gro, dançarino e educador. Es- consigo pensar em outras pes- ços. Mas isso também se deve faculdade de alunos. Lega-
ses são alguns aspectos de sua soas. Muito se fala de represen- por estabelecer essa relação tão do de king é abrangente, ele
maneira de lidar, de educar, de tatividade, mas para mim não familiar. Por ele ser tão pai de pega a vida e a dança na
se doar que enxergo muitas ca- é muito fácil. É como falar de todos nós, existia uma certa re- verdade.
racterísticas em grandes artistas um pai. Muito do que ele re- sistência em reverenciá-lo. Tínhamos uma relação pes-
e educadores. E enxergo isso presenta é difícil de alcançar, soal muito forte, ele me deu
como atitude muito reflexa da olhando de tão perto. Todos os essa possibilidade por con-
atitude que King tinha ao logo marcos, todas as barreiras, esse fiança. Me deu oportuni-
desses anos todos. Grandes jeito majestoso mesmo que ele JORGE SILVA dade de conhecer família,
formadores com grande nume- tinha de levar a vida... Todos os filhos, possibilidade de con-
ro de alunos, projetos, traba- espaços que ele galgou, todas KING É UMA MESA SEMPRE viver com ele, na casa dele,
lhos e grande doação por parte as barreiras que ele quebrou POSTA, sempre aberta. Sobre ele na minha. Muito direta e
de Augusto Omolu, Jorge Silva, sem proclamar intenção de fa- o seu legado, eu acho que se muito respeitosa. Eu era mui-
Paco Gomes. [...] O legado tá zê-lo simplesmente porque era a gente não disseminar esse le- to amigo de King apesar de
muito, muito além de suas cria- seu desejo fazê-lo e ele buscou gado ao mundo isto vai morrer. ter sido aluno também. Ami-
ções, da estética que ele cons- os meios de fazê-lo. Enfim, uma [...] Ensinamentos de King eram gos de trocar idéias, contar
truiu e defendeu, tá muito alem trajetória incrível para alguém para vida, não só para dança. segredos, de contar dramas,
sofrimentos, infortúnios, feli-
cidades. King me toca muito, ram milhares de voadores.
quando falo no documentário, Eu era cheia de dúvida
eu tentei fazer o que eu mais quando entrei pela primeira
44 queria: aquilo que não sabia 45
vez na aula dele. Meu ten-
sobre ele. dão é curto e por isso meu
dança

plié é ruim, meus pés são


tortos e minha flexibilidade
quase inexistente. Mesmo
assim meu impulso de circu-
NEFERTITI CHARLENE lar, mergulhar, pular, cortar,
galopar e ondular qualquer
Entrar na sala de aula dele era parte do corpo possível era
entrar num barco. Ele te na- exigente porque eram as
vegava pelo seu próprio cor- frases que as mais sagradas
po para descobrir seus pon- entendiam. O mestre nos
tos mais fracos, mais fortes, ensinava como falar a lín-
e como equilibra-lo todo. Um gua dos 400 para que pu-
olhar aguçado, dedicado a ver déssemos entender o axé na
cada detalhe do seu estar físi- carne. Eram nessas frases
co. “Saiba mais, alcance mais, que eu conseguia, mesmo
abra mais, expanda mais. Seja em poucos instantes, trans-
mais! A vida é agora e a pre- cender os meus limites do
guiça te impede”. Tinha o do- corporismechanica.
mínio de ensinar como ativar Ele viu isso. Ele me viu.
suas próprias asas para poder Um dia depois da aula me
voar. Para poder alcançar os de olhou e falou que eu dança-
antes e depois aqui e agora. va bem. Mestre King falou
E ensinava tudo de bem perto. para mim que eu dançava
Aquele professor que fica do bem. Talvez ele falasse isso
seu lado te empurrando para para todo mundo acreditar
quebrar suas limitações até em si mesmo.Talvez não.
você entender o quão ridículo Naquele momento, o fato
eram essas mesmas limitações, daquelas palavras saírem
e o quanto você conseguia ir da boca daquele mestre me
além. Então na metodologia sinalizou que eu não tinha
era mais como um treinador mais porque não acreditar
de boxe. Só que em vez de um na potência do meu corpo.
boxeador ou uma boxeadora Ele viu todos os detalhes e
por sessão, eram dezenas de ainda assim, achava que eu
corpos híbridos que se torna- tinha algo que valia a pena.
46 47
dança

Ele me convidou a dan-


çar com o Grupo Gene-
sis, ensaiei com eles por
um tempo, mas infeliz-
mente não tive a honra
de dançar uma obra dele
no palco pelas deman-
das de trabalho. Teria
texto: Alana Falcão
Bailarina, professora de dança e dramaturgista
Web
sido bom honrar ele des-
sa forma. De agradecer
Série
ele pelo presente que ele
me deu de reconhecer a
potência da minha dan-
ça, e abrir espaço para
que pudesse sentir o que
era voar entre planos e
matérias e voltar. Fotos: André frutuôso
fotógrafo
E agora ele voa entre
galáxias e átomos. En-
tre horizontes e ondas
ele sopra o que devemos
contar. O oríkì do Mes-
tre que iluminou nossos
corpos com as danças e
cantos dos orixas.
Arte em fotografia: André Preto
Olukoni igbekele ayeraye. Artista visual

Assista todos os episódios


COLETIVO PONTO ART
Nas Raizes
da inspiração:
48 49
nas raízes do s u b ú r b i o

à do Rio

Salvador.
“Antes de tudo”. vindas. Nessa linda iniciativa
que estimula a leitura - num
Livro é um dos melhores pre- país onde se lê pouco, se es-
sentes para se dar a alguém. creve muito e interpretasse
E tal valor qualitativo se es- mal – e a troca de experiên-
tende de quem é agraciado cias literárias, fui presenteado
com ele até quem decidiu es- pela Camila Simor, do Rio
colhê-lo. Presentear com um Grande do Sul. Se ganhar
livro simboliza a oportunida- um livro já é bom. Imagina
de de apresentar um universo três?
até então desconhecido para Dentro os títulos, um deles
alguém e convidá-lo a explo- me chamara atenção de ime-
rá-lo. diato. O design ousado da
No final do ano passado a capa, as cores fortes (azul e
atriz e poetisa carioca Gaby rosa) nas páginas e o título:
Haviaras organizou um “Enraizados: os híbridos
amigo secreto literário com glocais”. Naquele instante
sua rede de contatos e admi- tive plena certeza de que ele
radores. Antes, tive o prazer seria o primeiro a ser desven-
de conhece-la pessoalmente dado. A raiz inserida no título
e dar meu primeiro livro, o me cativou a folheá-lo, a ler o
foto: Hori Leal

“Griphos Meus”, de boas- texto de introdução, da apre-


sentação, o prefácio, movimentos culturais quem estranheza, hos-
e enfim, o capítulo 1: marginalizados e geo- tilidade e destoem do
50 “Antes de tudo”. graficamente distantes mesmo corpo no qual 51
Fui avançando na lei- da zona central da as raízes estão finca-
tura, como se o Dudu produção artística. das.
de Morro Agudo, Desse enraizamento sur-
nas raízes do s u b ú r b i o

seu autor, me con- giu o “Nas Raízes do


tasse a história en- “As raízes e suas Subúrbio”. A coluna
quanto passeávamos propõe uma vivência jor-
pela comunidade. O ramificações”. nalística que me levará
rapper carioca, natu- a bairros do subúrbio de
ral de Morro Agudo Salvador para entrevistar
(bairro pobre da Bai- A reboque da bio- artistas e moradores en-
xada Fluminense-RJ), grafia do autor vem volvidos e beneficiados
de nome de registro a história de todo um com movimentos artísticos
composto igual ao movimento criado, or- e culturais realizados na
artístico (Flávio Edu- ganizado e defendido região.
ardo) é rapper e re- por ele. A história do Passarei um dia no bairro
solveu escrever esse criador e da criatu- visitando os lugares onde
livro para contar de ra parecem trilhar a as atividades dos projetos
maneira cronológica e mesma linha. são executadas e pontos
documental a histó- Sem os atuais recur- turísticos do local.
ria do Movimento sos da internet, apoio Cada entrevista será pu-
Enraizados, ação governamental ou pa- blicada aqui nas edições
cultural fundada por trocínio de alguma liar a relação restritiva nhecida. de nos apresentar. No bimestrais da Revista Di-
ele que dá nome a empresa privada, o que nós temos com a Grande parte dos sote- tabuleiro da vida cos- gital Ponto Art.
publicação e sua pró- discurso de inclusão nossa cidade. ropolitanos e dos mora- mopolita nos determi- A coluna tem como obje-
pria história. A cada e representatividade Nessa reflexão fui men- dores de outras grandes nam onde e quando tivos principais: quebrar
página virada uma do movimento “Enrai- talmente refazendo cada metrópoles brasileiras, devemos ir e vir. as barreiras que isolam
semente ia sendo zados” ganhou coro trajeto diário. A cada ainda cultivam um olhar Somos refém do medo o subúrbio das regiões
plantada (ainda que e aderência dos mo- caminho revivido e re- forasteiro sob um terri- da violência e da falsa mais centrais da cidade
inconsciente) na mi- radores, de artistas petido fui me dando tório pertencente a nos- sensação de vigilân- de Salvador; promover a
nha cachola. Fui co- locais, rappers e inte- conta das limitações sa própria origem, e cia dos locais seguros, descentralização e demo-
nhecendo o cotidiano grantes do movimen- que nos são impostas volta e meia nos vemos monitorados e fiscali- cratização das ações cul-
da comunidade de to hip hop de diversas por uma série de fato- na condição de desco- zados para manuten- turais soteropolitanas; dar
Morro Agudo, o mo- regiões do Brasil e do res atrelados ao fun- bridores de um bairro, ção da ordem e da visibilidade a mobilização
vimento local do rap e mundo. cionamento organiza- uma comunidade, uma paz. cultural que é realizada
do hip hop – do qual O poder de ruptura cional e adestrado da rua, um novo caminho Esse cerceio de ordem nesses bairros e nos reco-
nunca tive muito con- territorial e o alcance cidade onde vivemos e um projeto cultural pública e midiática, nectar como parte atuante
tato – e as dificulda- do exitoso projeto me mas que ainda se re- poderoso e transforma- faz com que partes da e afetiva à zona periférica
des enfrentadas pelos despertou para ava- vela uma terra desco- dor que “esqueceram” nossa cidade provo- da nossa cidade.
“A entrevista”. projeto da Heloisa Bu- cultural criado no
arque de Holanda, cha- interior da expres-
52
mado Tramas Urbanas, são do Rap e do Hi- 53
| “Nas Raízes” de Dudu onde contavam as histó- p-Hop na comuni-
de Morro Agudo | rias de seus projetos. En- dade de Morro do
tretanto, eu não conhe- Agudo (RJ). Por um
nas raízes do s u b ú r b i o

1.) Entre altos e bai- cia a Heloisa, então não processo de cons-
xos, conquistas e di- depositei muita espe- cientização e valo-
ficuldades, as histó- rança, contudo a vonta- rização o movimen-
rias do Flávio Eduardo de continuava. to mudou a forma
(Dudu) e do “Movi- No começo de 2010 da comunidade se
mento Enraizados” se fui fazer uma turnê pela enxergar dentro
entrelaçam e se con- França e na volta, por do seu próprio ter-
fundem. O livro “En- incrível que pareça, a ritório local e fora
raizados: os híbridos Heloisa me ligou e me dele, com a ocu-
glocais”, publicado em convidou pra escrever pação de espaços

foto: Paula Giolito


2010, narra de ma- um livro contando a antes desconheci-
neira intrínseca a sua história do Enraizados. dos e distanciados.
trajetória de vida e a Aceitei instantaneamen- Esse discurso de
do movimento criado te. inclusão, reconhe-
por você em 1999. A Quando comecei a es- cimento social e
obra chama atenção crever o livro, tinha a identidade cultural
por sua narrativa co- convicção que deveria ecoou em outras
loquial e pela lingua- começar contando a mi- comunidades ca- prática efetiva.
gem intimista que nha história e num dado poucos, de forma muito ção das minorias” (que
riocas e em movi- lenta. O entendimento na verdade são maio-
aproximam protago- momento separar da do mentos culturais da 3.) Hoje, quase 20
nista e leitores. Pro- Enraizados, e foi o que de pertencimento e as rias). anos depois a “Rede
periferia de todo estratégias de sobrevi- No início de tudo havia
por esse vínculo iden- fiz. Um outro ponto é Brasil. Qual a im- Enraizados” conti-
titário foi uma escolha que sempre escrevi pen- vência e mobilização uma grande preocupa- nua seu trabalho de
portância de tirar de outros fatores foram ção com representativi-
literária intencional? sando em quem leria o o discurso do Rap, comunicação, forta-
Como surgiu a ideia livro, pensando no meu acontecendo de forma dade e principalmente lecimento e afirma-
do Hip Hop e dos orgânica, até que per- com intermediação, por
de registrar em livro público alvo. Parece que movimentos cultu- ção da cultura Rap,
suas vivências dentro deu super certo, porque cebemos estar madu- isso compreendemos do Hip Hop e das
rais que as favelas ros para a formação que era fundamental
e fora do projeto? recebi muitos feedbacks constroem e cada múltiplas expressões
positivos, inclusive de de novos “enraizados”, entendermos o nosso artísticas invisíveis ao
vez mais fortale- com a nossa filosofia. papel na sociedade e
Eu nunca havia pensan- muitos acadêmicos que cem da condição eixo elitista e segre-
do escrever um livro, mas utilizam o livro em suas Existe uma discussão a partir daí buscarmos gador da cena cul-
de silenciamento e muito forte de “em- praticar cada um dos
a vontade surgiu a partir teses. marginalização? tural brasileira. Qual
do momento que percebi poderamento das mi- processos emancipató- balanço você faz da
que muitos amigos esta- 2.) O “Enraizados” norias”, mas nós do rios, que é justamente semente plantada
A minha identidade po- Enraizados sempre de- levar os discursos das
vam participando de um é um movimento lítica se construiu aos em 1999 e dessa re-
batemos a “emancipa- letras de rap para a sistência contínua -
54 55
nas raízes do s u b ú r b i o

que simboliza a luta titucionalmente não se do corpo.


mantém na luta, não se
de muitos - ao lon-
go dos anos? O que renova, você perde es- Agradecimentos Especiais: www.coletivopontoart.com.br
o Dudu aprendeu, paço, sua imagem fica Ateliê Agá, Use Mira, La
amadureceu e re- opaca e seus gritos não Firma Barbearia, Use Ira,
descobriu nas raízes ecoam mais. Movimento Enraizados,
do “Enraizados”? Vinte anos depois e es- Adalton Silva, Hori Leal,
tamos “novos em folha”, Dudu de Morro Agudo,
Sua arte faz parte!
Uma das coisas que totalmente reinventados Gaby Haviaras, Camila
aprendi foi que o indiví- para essa nova fase que Simor e toda equipe Ponto
duo acumula experiên- o Brasil vive, para as mu- Art.
cia e nesses quase vinte tações que o Brasil vem
anos que se passaram passando, são coisas
puder viver muita coisa que impactam violenta-
e aumentar o meu re- mente a comunidade,
pertório de estratégias que é o nosso microcos-
de luta, mas foram mui- mos. Então hoje esta-
tas cicatrizes. Contudo, mos institucionalmente
institucionalmente esse mais espertos que há
acumulo não tem o vinte anos, com mais
mesmo peso, o mundo conhecimento, mais po-
se renova em ciclos de der político, mais gente texto: Felipe Ferreira
dois anos, e se você ins- influente fazendo parte Escritor, poeta e jornalista
56

O que você 57

quer saber?
CULTURA

Vocês perguntaram e ela respondeu.

Raio X
Nascida em Salvador, Renata Dias Oliveira é filha de funcionários
públicos federais. Integrou o grupo de profissionais do segmento de
responsabilidade social da Refinaria Landulfo Alves e participou da
implantação do Núcleo de Relacionamento Institucional, no Se-
brae Nacional, sediado em Brasília.
Como uma boa filha à casa torna, de volta à capital soteropolita-
na, ela criou a Junbai Comunicação Estratégica, consultoria que
atendeu empresas focadas em Responsabilidade Social e na Se-
cretaria de Promoção da Igualdade (Sepromi), além de trabalhar
na Coordenação de Políticas para Povos e Comunidades Tradicio-
nais.
Em 2017, aceitou a missão de assumir a direção geral da Fundação
Cultural do Estado da Bahia, tendo como pauta principal a apro-
ximação da instituição com os segmentos artísticos e instâncias de
escuta as demandas destas áreas.
de Cultura, totalizando 25 projetos apoiados. A sus-
tentabilidade das companhias de Dança, no entanto,
está também associada ao estímulo aos demais elos
58
da cadeia produtiva da cultura: criação, pesquisa, 59
formação, produção, difusão, circulação e memória.
No âmbito da criação, promovemos nos territórios
culturais os Seminários de Criação em Dança, espa-
CULTURA

ço destinado ao compartilhamento de metodologias,


processos de criação, estratégias de sustentabilidade
e consultoria para formalização de grupos, compa-
nhias e coletivos. No campo da formação, entende-
mos a necessidade de visibilizar a trajetória de 34
anos da Escola de Dança da Funceb, mecanismo dos
mais positivos quando se analisa a política pública
para o segmento de dança no nosso Estado. Vou dar
alguns exemplos atuais. A partir de 2018, a Escola de
Dança aumentou sua capacidade de recepção de no-
vos alunos, abrindo novas vagas nos cursos prepara-
tórios (iniciação em Dança), distribuídos entre a sede
e os seus três núcleos de extensão, contribuindo com
a descentralização e acesso aos bens e serviços da
instituição, passando de uma média anual de 1.500
atendimentos para 2.000 beneficiários por ano. Am-
pliamos a oferta de cursos livres em Dança, passando
de 26 para 35 cursos, de diversas modalidades, en-
tendendo a importância da articulação com demais
artistas, coreógrafos e professores para promover
ações de formação inicial e continuada em dança,
1.) Existem algumas cias de dança que estão se despontando no estado e alcançando as ação que atende a um universo de aproximadamente
comunidades, treinando e profissionalizando jovens para o mercado. Além dos editais 600 alunos. Compreendendo a importância do apoio
convencionais é possível criar uma ferramenta de apoio aos grupos com mais de 5 anos à manutenção das atividades de grupos, companhias
de existência e /ou algo que selecione entre os grupos residentes da escola de dança e coletivos de dança, o Centro de Formação em Ar-
para receberem algum apoio financeiro? tes da Funceb formalizou - através de convocatória
pública - o seu Programa de Residência, ação que
Por: Denys Silva. Bailarino, coreógrafo, diretor artístico e produtor cultural concedeu aos selecionados, cessão de espaço e equi-
pamentos, além de suporte técnico, pedagógico e ins-
O Estado da Bahia marca, historicamente, a área da dança no Brasil em diversos aspectos mas, prin- titucional para potencializar as construções propostas
cipalmente, por se constituir como um estado de muita efervescência cultural e rico na sua diversidade por 13 grupos e coletivos da Região Metropolitana de
artística. Atualmente os mecanismos de fomento para a dança geridos pela Secretaria de Cultura - que Salvador e Recôncavo Baiano. Retomamos as oficinas
tenham como objetivo principal o apoio financeiro - são os editais, instrumentos de descentralização de qualificação em Dança com cursos de balé clássi-
de recursos do Estado em alinhamento com os princípios estabelecidos na Lei Orgânica de Cultura da co e pilates, destinados à atualização e manutenção
Bahia (12.365/2011). No ano de 2017, o Governo do Estado investiu cerca de R$ 3.800.000,00 (três técnica de profissionais da dança. Também neste ano,
milhões e oitocentos mil reais) no setor da Dança na Bahia, por meio dos Editais apoiados pelo Fundo
pretendemos ampliar os ao processo de auto-conhecimento, ou
Núcleos de Extensão - que seja, à capacidade do indivíduo de dar
operam hoje nos bairros respostas às suas próprias angústias e
60 do Nordeste de Amara- inquietações. Nesse sentido, acredi- 61
lina e Engenho Velho de to que o ponto de partida é questionar
Brotas, além do Núcleo nossos hábitos e costumes enquanto so-
de Lauro de Freitas - para ciedade, compreender as bases de tudo
CULTURA

outros territórios de iden- que é instituído como tradicional, apren-


tidade. Para isso estamos dendo História. O Brasil é um país ex-
em franco diálogo com tremamente colonial, da arquitetura à
agentes culturais no Re- prestação de serviços, existe toda uma
côncavo, na Bacia do Rio estrutura colonial arraigada nesse país.
Grande e no Velho Chico, E essa leitura não cabe somente na es-
ajustando uma proposta fera macropolítica. É importante que
metodológica para fazer eu tenha a dimensão precisa de que o
frente às grandes distân- meu bem-estar individual é influencia-
cias da capital, sem pre- do pelas expressões de racismo que se
juízo na proposta políti- evidenciam no mais ordinário cotidiano.
co-pedagógica. Destaco Perceber-se como centro dessa proble-
ainda outra iniciativa im- mática às vezes não é tão simples, por-
portante firmada no âm- que a identidade cultural brasileira foi
bito da Escola de Dança (é!) construída por narrativas que difun-
da Funceb, em novembro diram a idéia de que somos um país ra-
de 2017: a implemen- cialmente democrático. Hoje é comum
tação do AGÔ - Núcleo reconhecer que este discurso é uma fa-
de Estudos em Danças lácia construída para dar passagem à li- vação dos integran- los participativos de grantes dos Colegia-
Afrobrasileiras. O proje- vre atuação do colonizador, mas até que tes do colegiado para governança. Na or- dos Setoriais das Artes
to pretende, dentre outros o indivíduo tenha a compreensão disso, o novo biênio dessa ganização do sistema é um objetivo impres-
desafios relativos ao es- muita violência já incidiu sobre ele. E sa- instância deliberativa setorial de Cultura da cindível no Planeja-
tudo da linguagem, pro- bemos que não há nada de prazeroso tão importante para Bahia atuam quase mento Estratégico da
blematizar a importância em fazer esta viagem pra dentro, mas nós agentes culturais 20 Colegiados Seto- Funceb, iniciado em
atribuída à contribuição não acredito em outro caminho para se do Estado? riais, que para além novembro de 2017.
africana para o desenvol- construir uma nova sociedade. da Fundação Cultu- Os Planos Setoriais
vimento da dança. Por: Guilherme Hunder. ral, são vinculados das Artes, embora ain-
Diretor Teatral e Produ- também à Fundação da aguardem publica-
2.) Como descolonizar 3.) A falta de recursos, certamen- tor Cultural Pedro Calmon, ao Ins- ção oficial, já foram
o saber? te, é um obstáculo para execução tituto do Patrimônio aprovados no âmbito
do processo eleitoral dos colegia- Tenho formação em re- Artístico e Cultural, ao do Conselho Estadual
Por: Roberta Roldão, Dan- dos setoriais das artes. Diante do lações públicas, e atuo Centro de Culturas Po- de Cultura e são, por-
çarina longo contingenciamento que vi- como tal há 15 anos. pulares e Identitárias e tanto, instrumentos
vemos, como a Fundação Cultural Meu caminhar profissio- à Superintendência de que guiam o plane-
Para mim, a descoloniza- do Estado da Bahia pretende lidar nal sempre foi estreita- Promoção da Cultura. jamento de todas as
ção do saber está ligada com isso a fim de garantir a reno- mente vinculado a mode- A renovação dos inte- nossas ações. Enten-
demos que as instân- 4.) Sei que a auto- e re-adequado à real citação de concurso
cias de participação rização de concur- demanda de traba- público aos órgãos
social devem ser vis- so não depende da lho da instituição. Há competentes de for-
62 tas como mecanismos Diretoria da Fun- uma distância entre a ma consistente, e que 63
de apoio à gestão e ceb, mas de todo estrutura organizacio- reflita melhor as pos-
que as dificuldades modo, desejo sa- nal estabelecida em sibilidades de atendi-
orçamentárias não ber o porquê de 2003, na última atu- mento às demandas
CULTURA

devem incorrer na não haver concurso alização do Estatuto concernentes à nossa


desarticulação com público para cargo da Funceb, e as atuais missão institucional.
estes agrupamentos. efetivo na Funceb? necessidades de atua-
Uma das alternati- ção da instituição, que 5.) Como você per-
vas que defendo para Por: Mirela. Estudante foram completamente cebe a visibilidade
fazer frente às restri- de História ressignificadas a par- da MULHER PRETA
ções orçamentárias tir da instituição da Lei nos cargos de che- questão citada é a espaço de poder: a
na retomada da atu- No final do ano pas- Orgânica de Cultura fia no estado da visibilidade. força da dignidade
ação dos Colegiados sado, fizemos o le- da mulher negra. Essa
é a alternância entre vantamento dos pro- Por: Organização Dan- perseverança na re-
encontros presenciais cessos administrativos dara Gusmão- Artistas sistência, essa auto-
e encontros virtuais, que davam conta de negros na escola de te- confiança que temos
mediados por video- evidenciar os enca- atro da UFBA do nosso papel ali,
conferências. Por ou- minhamentos defla- naquele exato lugar.
tro lado, o diálogo do grados para a solici- A visibilidade que a A mulher negra não
nosso corpo técnico tação da realização mulher preta vem desperdiça a chan-
com a sociedade civil de concurso público conquistando no âm- ce de transformar o
é permanentemente para a Funceb. Essas bito da gestão públi- mundo em um lugar
aberto, e isso é o que leituras evidenciaram ca estadual somen- melhor para todos vi-
de mais coerente eu que o quadro de pes- te espelha a enorme verem. De forma mui-
poderia imprimir na soal da Funceb pre- precedência das lutas to direta, percebo este
minha gestão. cisa ser reestruturado feministas e antirracis- valor na atuação das
tas, que sempre bus- mulheres negras que
da Bahia, em 2011. Bahia, tendo em caram pautar a agen- ocupam cargos de
Portanto, é necessá- vista que em boa da política no Brasil. chefia no Governo da
rio, inicialmente, a parte são chefia- Frequentemente verifi- Bahia. Isso para mim
atualização do Estatu- dos por homens camos que a atuação é muito inspirador, so-
to e do Regimento In- brancos, ou muitas destas mulheres qua- bretudo nesse contex-
terno da Funceb - tra- vezes por mulhe- lificam e profissiona- to de enfraquecimento
balho que atualmente res brancas tanto lizam a administração do caráter democráti-
está em andamento em cargos de che- pública. Mas tem uma co e de ruína moral da
e cujo resultado deve fia como de sub- dimensão dessa con- sociedade brasileira.
ser posto à aprova- chefia. Obs.: Arani tribuição que conside-
ção do seu Conselho Santana chefiou o ro muito cara, esteja-
Curador. Daí, o enca- CCPI, agora chefia mos na gestão pública Perguntas enviadas via facebook e
instagram do coletivo ponto art
minhamento de soli- a SEC de Cultura. A ou em qualquer outro Fotos: Catarine Brum
Jorge Augusto. Foto:Divulgação
Edição como processo criativo e político Adum, Alex Simões,
Lívia Natália e Kátia
64 Borges. Sabíamos que 65
haviam mais autores
A Editora Organismo Os dois projetos se- mas também não se contemporâneos iné-
literatura

surge, em 2013, com guem com bastante tratava de manter o li- ditos e de muito talen-
dois propósitos inau- êxito: a coleção impli- vro como mero reposi- to na Bahia, para eles
gurais: a) construir ca um conceito de li- tório textual. foi criada a coleção.
um espaço de diálo- vro que busca encarar Propomos, então, uma Iniciada com a publi-
go entre as diferentes de forma inventiva as espécie de edição que cação do livro Leitu-
linhas ético-estéticas questões contemporâ- fosse ao mesmo tem- ra neon-reciclada, de
na literatura da Bahia neas em torno de sua po crítica e inventiva, Cazzo Fontoura, ins-
e do Brasil, por meio produção, desde a já e que fizesse o livro crito sem ressalvas na
da Revista Organismo; antiga falácia sobre significar, desde a cor dicção das textualida-
b) publicar a coleção o fim do livro, diante da capa, até o número des pós-modernas;
“novos autores”, volta- das novas possibilida- das páginas, nos índi- teve sequência com
da para poetas inéditos des digitais de edição, ces, nas dobras, tudo Amardilha, de Fernan-
e que tivessem propos- até a negação do livro deveria produzir signo, da Querino, trazendo
tas estéticas atualizadas como mero depositó- não apenas recepcio- em uma voz feminina ma, um jogo inventivo ra contemporânea, a
com as diversas linhas rio de conteúdo. Para ná-los. O conceito do leituras contemporâ- de criação rítmico-ver- partir do seu lócus de
de produção textual da nós, nessa coleção, livro deveria aparecer neas sobre o amor, em bal, propondo a no- edição que é a Bahia.
contemporaneidade. não se tratava de acre- no projeto gráfico, e poemas pop-concre- ção de rap-síntese. Já A revista estreou em
Nesta coleção, todos ditar que o livro de ce- assim tem sido duran- tos; posteriormente, o final de 2017, é lan- 2015, e lançou, em 18
os autores devem ser lulose acabaria para te toda a coleção, que livro Alguma poesia çado Palavra de osso de janeiro de 2018, o
radicados na Bahia. caber em um celular, tem como designer alguma, de Geraldo / osso da palavra, de terceiro e quarto volu-
Diego Ribeiro. Figueiredo, é constru- Carlos Arouca – com mes. Cada um desses
Essa proposta de edi- ído a partir de uma uma poesia plastica- números da Orga-
ção não visava apenas poética da precarie- mente bonita, o poeta nismo tem curadoria
intervir na discussão do dade, crônicas de au- discute o amor, a par- diferente, e, a cada
livro, mas antes, e prin- sência, na quais a falta tir de atravessamentos edição, dois poetas e/
cipalmente, estimular, é o signo central, isso de sua masculinidade, ou críticos de literatura
na dimensão local, num apuro formal e nos permitindo pensar organizam a publica-
sobretudo, a própria inventivo refinadíssimo como essa subjetivida- ção. Essa diversidade
de agentes possibilita
Lançamento Organismo 1. Foto:Divulgação

áurea de inventividade bem ao estilo de Ma- de negra e masculina


e criatividade, nos pro- ria Carolina de Jesus; ama nesses tempos de uma cartografia mais
cedimentos literários, a coleção segue com descolonização subje- ampla da poesia con-
dar enfim um aspecto a publicação do livro tiva e epistêmica. temporânea na Bahia
mais marcado de con- de Robson Poeta Du Já por sua vez, a Revista e no Brasil.
temporaneidade ao Rap, Argumentos para Organismo tem o pro- A revista é estruturada
nosso cenário, que já o espanto, no qual o pósito de trançar e es- de forma que todas as
tem poetas contempo- autor desenvolve em timular o diálogo en- páginas sejam destacá-
râneos de grande des- uma linha (des)fron- tre as diferentes cenas veis, assim, cada leitor
taque, como Guellwar teiriça entre rap e poe- da literatura brasilei- pode à sua vontade
reeditar os números, partir do nordeste. Essa nário. Nosso intuito é
ou a coleção inteira. coleção será aberta, fomentar o trânsito e
Esse gesto, de reedi- nesse primeiro semes- o debate entre as di-
ção pelo leitor, visa es- tre, por mais um livro ferentes textualidades,
66 timular e popularizar a de Alex Simões, com pôr a produção local 67
compreensão do leitor posfácio de Alan da em diálogo com a na-
como crítico, atuali- Rosa, e será seguido cional e a diaspórica,
literatura

zando de forma radi- por livros de Guellwar e produzir uma lite-


cal a edição da revista Adun, Katia Borges e ratura antenada com
com as discussões so- Santiago Fontoura, ini- as questões éticas, ét-

Lançamento Revistas. Foto:Divulgação


Foto:Divulgação

bre releituras do câno- cialmente. nicas e estéticas das


ne e formação leitora. O trabalho desenvol- nossas múltiplas con-
Nesse ano de 2018, vido pela editora na temporaneidades. E
além de mais edições produção das duas como dizemos sempre
da revista, a coleção coleções e da revis- em nossos eventos: a
“novos autores” segue ta é uma tentativa de Organismo não é um
com os livros de Raiça somar esforços junto projeto; é um projétil.
Bonfim, Vânia Melo, a diversas outras ini-
Davi Nunes, pelo me- ciativas que vêm bus-
nos. Mas a Editora Or- cando solidificar uma
ganismo empreende cena literária de força
também a abertura de inédita, na Bahia. Re-
uma coleção de litera- vistas virtuais, saraus,
tura contemporânea recitais, outras edi-
brasileira, talvez, a toras como Ogum’s
primeira coleção des- Toques, Paralelo 13S
sa natureza editada a etc. compõem esse ce- Texto: Jorge Augusto

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