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A REFORMA DO PAPEL DO ESTADO BRASILEIRO NA DÉCADA

DE 1990: NOVAS CONFIGURAÇÕES PARA AS POLÍTICAS DE


EDUCAÇÃO INFANTIL

MORGADO, Suzana Pinguello – UEM


suzana_morgado@yahoo.com.br

LARA, Ângela Mara de Barros – UEM


angelalara@ymail.com

Eixo Temático: Políticas Públicas e Gestão da Educação


Agência Financiadora: Bolsa de Mestrado do Programa de Demanda Social da Capes

Resumo

O objetivo deste texto é analisar como a reforma do aparelho de Estado tem influencia na
determinação das políticas para a educação infantil no Brasil na década de 1990. E nesta
mesma perspectiva a influência dos acordos internacionais na consolidação das políticas
para a educação infantil. A partir da compreensão das múltiplas determinações, abordado
pelo pressuposto metodológico materialista-histórico, considerou-se a reforma como um
processo neoliberal de alinhamento do Estado brasileiro aos preceitos financeiros
defendidos internacionalmente pelas organizações internacionais. O contexto de crise da
década de 1970 e democratização do Estado no final da década de 1980 permitiram uma
abertura da política brasileira ao neoliberalismo, principalmente pelos processos de
focalização, descentralização e privatização das ações do Estado. Nesta mesma perspectiva
a educação a partir desse período passa a representar algumas das características assumidas
pelo Estado brasileiro, como os processos descentralizatórios, focalizatórios e com a
efetivação das políticas enquanto programas de ação que tem tempo de finalização que são
desenvolvidas e financiadas pela sociedade civil, o que antes era assumido pelo Estado.
Verifica-se, pois, um alinhamento da educação infantil aos preceitos defendidos na reforma
do Estado brasileiro e assumidos pelas organizações internacionais e, que se vincula mais
às medidas compensatórias de alivio à pobreza do que às ações pedagógicas, se consolidam
enquanto programas de atendimento às famílias para o cuidado das necessidades primárias
das crianças, por exemplo. Para a discussão será apresentado a formulação do papel do
Estado brasileiro e, a constituição da educação infantil a partir da reforma de Estado da
década de 1990.

Palavras-chave: Ideário neoliberal. Reforma do aparelho de Estado brasileiro. Políticas de


educação infantil.

Introdução
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O Estado nacional brasileiro, a partir do final da ditadura militar em 1985 e da


consolidação da Constituição da República Federativa do Brasil em 1988, passou a ter
nova configuração tornando-se uma república democrática representativa com eleições
diretas, sufrágio universal e garantia dos direitos fundamentais do homem. A realidade
nacional, longe de ser autônoma em suas definições, recebeu influências das múltiplas
determinações que se desenvolviam em âmbito mundial como as crises econômicas da
década de 1970, após o fim da década de ouro do capitalismo – período entre 1950 e 1960
em que houve o auge do capitalismo, Anderson (2000). Os embates políticos que ocorriam
nacionalmente e internacionalmente, a luta por direitos sociais e outros movimentos
circundavam o que delineava o Estado brasileiro.
Peroni (2003) destaca que, o jogo político desempenhado pelos sujeitos que
compunham o Estado definiam as estratégias a serem assumidas ao se tratar das políticas
sociais. Nesta perspectiva, cabe considerar que a nova organização do estado brasileiro e o
embate político configuraram as políticas públicas do país e, bem como, as políticas para a
educação. Este estudo propõe-se analisar como a reforma do estado brasileiro passou a
configurar as políticas educacionais no país e, dessa forma, as implicações dos acordos
internacionais nas ações específicas em educação infantil. Não se trata de uma ligação
direta, há uma mediação entre os aspectos mais amplos e os mais específicos, esta
mediação é desempenhada, primeiramente, pela reformulação do papel do Estado.
A partir da década de 1990 cresce a influência das relações econômicas
fundamentadas no capital financeiro que passam a garantir uma nova forma de gerir as
ações do Estado. É a partir dessa nova forma de administrar o Estado que se entenderão as
articulações que passaram a conduzir as políticas nacionais para a educação e, em
particular, à educação infantil.

A consolidação do papel do Estado brasileiro

A (re)formulação do papel do estado nacional brasileiro deve ser compreendida no


bojo das relações políticas, econômicas, sociais, culturais, educacionais. Esta afirmação
considerará que existe uma totalidade de relações, mas que a localidade e a correlação de
força existente farão com que os aspectos mais amplos sejam resignificados e consolidem
contextos distintos. Assim, embora exista um documento único para determinada região,
como a América Latina, cada especificidade atribuirá significados distintos e encaminhará
ações particulares, o caso brasileiro, é distinto do caso argentino, mesmo fazendo parte da
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mesma região atendida pelas formulações das organizações multilaterais. Na década de


1970, no período da crise do capital, houve uma mudança na forma de gestão da economia
o que possibilitou uma mudança conjuntural na organização da política, do Estado e das
próprias relações de produção da vida.
Antes, porém de entender o Estado, cabe considerar o que ele é, partimos do
pressuposto de que se trata de um Estado capitalista e, conforme Poulantzas (1971), tem
como características fundamentais o modo de produção capitalista que configura a forma
de expropriação do sujeito do seu próprio trabalho; o papel de coesão social na medida em
que estabelece relações econômicas, políticas e ideológicas e, ainda, compreende as lutas
de classe empreendidas contra às estruturas do Estado.
Fator a ser considerado nas articulações estabelecidas entre Estado e sociedade
civil, no que tange a luta de classes é a relação entre classe dominante e classe dominada,
que o modelo de Estado capitalista tenta neutralizar, retirar a contradição:

[...] Tudo se passa nas suas instituições, como se a <<luta>> de classe não
existisse. Esse Estado apresenta-se organizado como unidade política duma
sociedade com interesses económicos divergentes – não interesses de classes,
mas interesses de <<indivíduos privados>>, sujeitos económicos. Isto se reporta
à relação do Estado com o isolamento das relações sociais económicas, o qual é,
em parte o seu próprio efeito. A partir desse isolamento, a função política do
Estado apresenta uma ambivalência característica, constante diga respeito às
classes dominantes ou às classes dominadas (POULANTZAS, 1971, p. 8).

O poder ideológico exercido pelo Estado, no que se refere especificamente às


políticas sociais, é verificado no desempenho das ações em prol da classe dominada de
maneira a permitir uma amenização da situação social, Poulantzas (1971). Os programas
focalizados de amenização da pobreza são exemplos de ações que possibilitam a
sistematização da hegemonia e reprodução do sistema vigente. São consideradas, as
relações do Estado como múltiplos fatores que devem ser compreendidos em um todo
articulado, assim:

[...] o Estado apresenta uma ossatura material própria que não pode de maneira
alguma ser reduzida a simples dominação política. O aparelho de Estado, essa
coisa de especial e por conseqüência temível, não se esgota no poder do Estado.
Mas a dominação política está ela própria inscrita na materialidade institucional
do Estado. Se o Estado não é integralmente produzido pelas classes dominantes,
não o é também por elas monopolizado: o poder do Estado (o da burguesia no
caso do Estado capitalista) está inscrito nesta materialidade. Nem todas as ações
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do Estado se reduzem à dominação política, mas nem por isso são


constitutivamente menos marcadas (POULANTZAS, 1985p. 17).

Conforme Saes (1998) este Estado, chamado por ele de burguês, pode ser
identificado ao passo em que cria condições de reproduzir a ideologia que mantém o
sistema capitalista ao desenvolver dois aspectos a ele intrínsecos; o de individualizar os
sujeitos que produzem, os tornando indivíduos de vontades subjetivas e direitos que não se
relacionam com os dos demais, alcançado pela “[...] troca desigual entre o uso da força de
trabalho e o salário a forma de um ato de vontade realizado por iguais[...]” (SAES, 1998, p.
30). E o de neutralizar a ação coletiva dos indivíduos que são considerados individuais
com vontades antagônicas e, distante do coletivo de classe social.
A organização do estado capitalista passou por transformações na conjuntura das
relações econômicas mundiais. O momento de pós-guerra no final da década de 1930 foi
propício para as políticas keynesianas de John M. Keynes (1883-1946) que visavam o
governo das ações do Estado e do mercado de maneira a permitir um domínio sobre a
oscilação dos investimentos e empregos, moderando as crises e controlando as flutuações
do mercado, Moraes (2001). Paulani (2006) destaca que, naquele estado de Bem-Estar
Social, a forte intervenção estatal conduziu a economia e o estado capitalista ao que hoje se
considera ‘as décadas de ouro do capitalismo’ com alta taxa de emprego, baixa inflação e
crescimento acelerado da economia.
A partir da década de 1970 foi configurado o âmbito para que se desenvolvesse a
regulamentação do Estado e da economia por meio da ideologia neoliberal, conforme
Paulani (2006), a partir das crises do petróleo de 1973 e 1979, o aumento de juros, as crises
fiscais. E, o retorno da inflação, o fim da paridade entre as moedas e a globalização
financeira, de acordo com Peroni (2003). A formulação do pensamento neoliberal tem três
escolas como representantes: a escola austríaca que tem Friedrich August Von Hayek
(1899-1992) como principal teórico e que se tornou a base do neoliberalismo difundido nas
sociedades ocidentais; a escola de Chicago representada por Theodore Willian Schultz
(1902-1998), Milton Friedman (1912-2006) e Gari Becker(1930-); e a escola da Virgínia
representada por James M. Buchanan (1919-) e também conhecida como public choice – é
a teoria da escolha pública e consiste na intervenção do Estado na economia e as análises
dos aspectos ligados à ciência política, como os partido políticos, o processo eleitoral, a
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análise constitucional e o fracasso do governo, pelo método da ciência econômica –


Moraes (2001).
Dentre as determinações neoliberais o controle dos gastos do Estado representava a
diminuição da inflação, para o tal seriam necessárias as privatizações das empresas
estatais, não deveria mais existir regulamentação do Estado ao funcionamento do mercado,
a força de trabalho deveria ser flexibilizada, deveria ser reduzidos os gastos com os
trabalhadores e ainda reduzir a ação do Estado na promoção de serviços públicos em
apenas justiça e segurança, segundo Paulani (2006, p. 77).
Nos países do sul, ou ainda, nos países em desenvolvimento, esse processo e crise
da década de 1970 traz:

[...] como conseqüência de medidas do banco central norte-americano, a taxa de


juros aplicada à divida triplica-se e torna esses países absolutamente
inadimplentes. A renegociação da dívida é casa vez mais submetida a
“programas de ajuste” com suas “condicionalidades”: mudanças estruturais
dirigidas e vigiadas pelo Banco Mundial e pelo FMI. Some-se a isso um amplo
processo internacional de desregulamentação e liberalização dos fluxos
comerciais e financeiros impulsionado e imposto a partir dos governos Thatcher
e Reagan. Alguns dão a esse novo cenário um nome elegante: globalização. Aos
países subdesenvolvidos, caberia o destino da “integração competitiva” na nova
divisão internacional do trabalho. Esses elementos descrevem a primeira
tendência, a lógica dos mercados e da eficiência (MORAES, 2001, p. 64 e 65).

O alinhamento à lógica neoliberal se desenvolveu ao que, Silva (2003) chama de,


transição democrática no Brasil ocorrida com o fim da ditadura militar e representada pela
eleição dos governos de Fernando Collor de Mello de 1989 e Fernando Henrique Cardoso
de 1994. Aquele período além de possibilitar o alinhamento das ações do Estado ao
neoliberalismo, permitiu o desenvolvimento da reforma do estado brasileiro empreendida
pelo governo de Fernando Henrique Cardoso ao criar o Ministério da Administração e
Reforma do Estado – MARE. O ministro Luiz Carlos Bresser Pereira ficou com a
responsabilidade de apresentar o Plano Diretor da Reforma do Aparelho de Estado em
1995, com argumenta Peroni (2003).
Antes de tratar da reforma do aparelho de Estado faz-se necessário entender o que
foi o ajuste estrutural, como apresentado por Moraes (2001) e, que, conforme Toussaint
(2002) trata-se de medidas de consenso que são destinados aos países que necessitam de
financiamento internacional. Concedido o empréstimo, as políticas são acompanhadas
pelas agências financiadoras e, por ser feito parceladamente o desembolso do
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financiamento, o mesmo pode ser interrompido caso alguma medida seja tomada sem que
esteja designada pela instituição financiadora. Dessa forma as ações relacionadas aos
ajustes estruturais devem seguir as determinações dos acordos estabelecidos
internacionalmente, sejam eles vinculados à educação, à saúde ou às medidas de
saneamento básico.
Ao articular a nova realidade das relações econômicas, políticas e sociais que a
sociedade brasileira passava pós-ditadura militar, com as crises fiscais não se fazia mais
necessário um Estado burocrático, como destacado por Peroni (2003), se tornava
fundamental uma reforma que tinha suas bases no modelo gerencial neoliberal.

A vitória da plataforma neoliberal no Brasil deve-se a uma conjuntura histórica


complexa que articula a situação internacional à história brasileira. Nessa
conjuntura interferem fatores de ordem econômica (alternância de recessões com
períodos de crescimento moderado, desemprego), de política internacional
(reunificação do campo imperialista, desagregação da União Soviética), de
política interna, fatores ideológicos (crise do movimento socialista) e outros.
Alguns desses fatores são de longa duração, outros circunstanciais – como as
peculiaridades da eleição presidencial brasileira de 1989. Não é possível,
portanto, explicar a vitória do neoliberalismo recorrendo a uma explicação
estritamente econômica [...] Tampouco nos parece correto o determinismo que
recorre desse economicismo. É certo que a situação do início dos anos 90
impelia o Estado Brasileiro para a política neoliberal. Mas para o neoliberalismo
chegar ao poder foi preciso vencer, a duras penas, a eleição de 1989 e, menos de
três anos depois, reerguer-se na conjuntura difícil da crise do impeachment
(BOITO JR, 1999, p. 122).

O jogo ideológico pôde ser observado no processo de tramitação das legislações


que dizem respeito à educação, como o caso da LBD n.º 9.394/96, como observado por
Peroni (2003). Neste processo o jogo de interesses clientelistas ficou marcado no centro
das discussões a partir da representação dos vários grupos que procuravam garantir a
representação de seus interesses, da mesma forma como obtido na Constituição de 1988
com a garantia da oferta de educação pelo setor privado.
No documento da Reforma do Aparelho de Estado (1995) as bases para que ela
acontecesse ficaram estabelecidas a partir da situação econômica, política e social em que
o Estado brasileiro se encontrava já na década de 1980. A reforma se desenvolveria nos
três poderes: Executivo, Legislativo e Judiciário, e partiu do pressuposto que:

A reforma do Estado deve ser entendida dentro do contexto da redefinição do


papel do Estado, que deixa de ser o responsável direto pelo desenvolvimento
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econômico e social pela via da produção de bens e serviços, para fortalecer-se na


função de promotor e regulador desse desenvolvimento. No plano econômico o
Estado é essencialmente um instrumento de transferências de renda, que se torna
necessário dada a existência de bens públicos e de economias externas, que
limitam a capacidade de alocação de recursos do mercado. (BRASIL, MARE,
1995, p.12).

O papel assumido pelo Estado destina a execução dos direitos sociais garantidos
constitucionalmente para o terceiro setor – para a sociedade civil organizada – e para as
esferas estaduais e municipais, o Estado passa a ser o determinador e avaliador de políticas.
O documento da reforma apresenta enquanto processo de publicização aspectos
considerados importantes da reforma, como as privatizações generalizadas das empresas
públicas e a transferência dos serviços como a cultura, a educação a saúde e a pesquisa
científica Brasil, Mare (1995, p. 12 e 13). O vínculo aos pressupostos neoliberais é
caracterizado ao promover o processo de minimização das ações que oneram o Estado, a
partir da reforma caberá ao Estado: a definição de políticas públicas por meio do ajuste
fiscal; descarta seu papel protecionista com a liberalização comercial; se conscientiza que é
necessário a privatização das empresas estatais ao passo que estas acirram a crise fiscal e
dificultam a capacidade de o Estado promover a poupança; destina os serviços ao setor
privado em nome da maior eficiência; estabelecimento de uma parceria entre Estado e
sociedade para que provessem os serviços não-exclusivos do Estado, como a educação, a
saúde, a habitação.
A proposta de um Estado mínimo deve ser compreendida, como exposto por Peroni
(2003), apenas enquanto mínimo para as políticas sociais e máximo para o capital. É
verificado pela autora que a ênfase no documento da reforma consiste no processo de
descentralização e centralização das definições de políticas:

A tensão descentralização/centralização constitui, também, as bases da política


educacional dos anos 1990. No levantamento das políticas educacionais dessa
década, verificamos que o Estado está centralizando o controle, principalmente
através dos Parâmetros Curriculares Nacionais, e descentralizando o
financiamento da educação, sobretudo através do Fundef e do repasse de
dinheiro direto para as escolas (PERONI, 2003, p. 71).

A partir das análises da conjuntura mundial em que se abriu espaço para as políticas
neoliberais e o contexto nacional de alinhamento a essas políticas, verifica-se que as
políticas educacionais sofreram influência direta da reforma do aparelho de Estado e, dessa
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forma, passou a ser alinhada aos preceitos neoliberais. Assim, cabe considerar, em que
medida é verificada nas ações propostas pelas legislações nacionais desenvolvidas pelo
Ministério da Educação em educação infantil, a interferência da reforma do estado
brasileiro de cunho neoliberal.

A educação infantil no Brasil no contexto da reforma do aparelho de Estado

A vinculação da educação infantil no Brasil ao setor de educação é recente, foi


institucionalizada pela Constituição Federal de 1988, antes deste marco as discussões e as
ações efetivadas para as crianças desta faixa etária foram fortemente marcadas pela área de
assistência social. Essa mudança possibilitou o desenvolvimento de saberes com bases
científicas e a sistematização de práticas pedagógicas, além de possibilitar que os direitos
fundamentais das crianças pudessem ser assegurados em forma de lei. No início da década
de 1990 consta ainda a consolidação do Estatuto da Criança e do Adolescente – ECA que
reafirma os direitos da infância.
Em âmbito internacional se constituía a Declaração Mundial sobre Educação para
Todos em 1990 que teve como formuladores a Organização das Nações Unidas para a
Educação, a Ciência e a Cultura – UNESCO, o Banco Mundial – BM, o Fundo Monetário
Internacional – FMI, o Fundo das Nações Unidas para a Infância – UNICEF, o Programa
das Nações Unidas para o Desenvolvimento – PNUD e todos os seus países signatários.
Este documento, no início da década de 1990 teve mais influência na consolidação de
políticas para a educação do que o próprio ECA, pois, foi base para o Plano Decenal de
Educação para Todos (1993) e as metas de educação para todos que continuam a embasar
as políticas de educação.
No Plano (1993), a ênfase à educação infantil se consolidava na expansão do
atendimento às famílias pobres na medida em que uma boa educação infantil tinha bons
impactos no ensino fundamental. Já se verificava o processo de focalização das políticas
destinando grupos sociais a serem atendidos pelas políticas de educação. Neste mesmo
período, fica marcada a negociação da LDB n° 9.394/96 cujo caráter clientelista foi,
disseminado e aprovado em 1996, segundo Peroni (2003), embora o documento da
Reforma do Aparelho de Estado se posicionasse contra tal caráter.
No ano de 1994 foi institucionalizada a primeira Política Nacional de Educação
Infantil que teve por base o processo de descentralização político-administrativa do Estado.
Nesta se considerou que os processos de cuidado e educação devem ser desenvolvidos
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concomitantemente nas instituições que ofertam educação infantil, que o profissional desse
nível deve ser respeitado, ter formação adequada e plano de carreira, no entanto, não diz
respeito como essas metas devem ser atingidas. A característica que a definiu como
descentralizadora, foi observada, num período posterior quando da proposta da Política
Nacional de Educação Infantil: pelo direito de crianças de 0 a 6 anos à educação em 2006.
Processo semelhante ocorre na LDB n° 9.394/96 que institui o direito e o dever de
cada esfera da União no que tange à educação, mas não esclarece procedimentos ou
mesmo o plano de carreira, o que deixa a cargo de cada esfera responsável. Esse processo
de consolidação desta LDB se finalizou com a oposição ao projeto aprovado,
considerando-o por algumas das instituições que participaram da tramitação – como o
Fórum Nacional em Defesa da Escola Pública –, como ilegítimo, acresceu-se a este fator, a
aprovação do projeto educacional do governo FHC, por meio das medidas provisórias –
MPs. É destacado por Peroni (2003), no bojo desse processo, a efetivação do
financiamento da educação, não pela legislação, mas pela Emenda Constitucional n° 14
que instituiu do Fundo de Desenvolvimento do Ensino Fundamental e Valorização do
Magistério – Fundef.
Fator relevante a se considerar na década de 1990 são os documentos produzidos
internacionalmente que chegaram ao Brasil e influenciaram as decisões em educação,
afinal, conforme Peroni (2003), já existiam avaliações desenvolvidas pelas agências
internacionais da educação brasileira. Dentre os documentos que mais influencia tiverem
deve-se destacar três: o Prioridades y estrategias para la educación: Exame del Banco
Mundial (1996) – Banco Mundial; Educação um tesouro a descobrir: Relatório para a
UNESCO da Comissão Internacional sobre educação para o Século XXI (1996) –
UNESCO; e Educação e conhecimento: eixo da transformação produtiva com equidade
(1995) – CEPAL.
Estes documentos fazem uma análise da conjuntura educacional, bem como
concebem as bases para se pensar a educação nos países em desenvolvimento. Isto é,
utilizam de casos específicos e localizados como exemplos e a partir destes tentam uma
generalização. Neste sentido, cabe retomar a idéia de que não se podem retirar
particularidades de determinado contexto e inseri-los em outro sem que haja uma
resignificação pelos sujeitos envolvidos.
Conforme Soares (1998), o interesse pelo financiamento social, das instituições
financiadoras apenas cresce após o aumento do número de pessoas pobres, devido às crises
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e os programas de desregulamentação e liberalização patrocinados pelo FMI e


desenvolvidos no Brasil na década de 1980. Concomitante ao processo de interesse pela
questão social inicia no país, a articulação dos programas de renda mínima “[...] com uma
estreita vinculação com os programas educacionais e voltados para os estratos mais pobres
da população [...]”, de acordo com Oliveira e Duarte (2005, p. 280). Nestes termos, há uma
aproximação das políticas educacionais aos programas compensatórios e a
desresponsabilização em se cumprir as políticas. No governo FHC há uma tentativa de
aproximação entre público e privado, representado principalmente pelos documentos
normativos da época.

Essa aproximação do privado com o público traduziu-se na transformação das


necessidades sociais e coletivas dos trabalhadores em demandas mercantis,
devendo, estas, serem supridas pelo setor privado, ampliando, ao máximo a
margem de atuação das empresas particulares em um espaço antes coberto pelo
setor público (OLIVEIRA; DUARTE, 2005, p. 286).

Considera-se, dessa forma, que após a desobrigação do Estado, como apresentado


no documento de reforma do aparelho de Estado das funções sociais como educação e
saúde, há uma tendência em assegurar as políticas sociais por meio de programas
focalizados. A Política Nacional de Educação Infantil de 2006 é exemplo desse
encaminhamento, pois dentre suas estratégias consta o desenvolvimentos de programas
educacionais para a compensação de carências, de cuidado e até mesmo de educação,
porém falta em proposições de políticas públicas extensíveis à população de forma geral.
Fala-se em políticas sociais, ao passo que verifica uma cisão social, os que ainda
são considerados classe média deixam o serviço público e partem para a iniciativa privada,
de tal maneira os que serão atendidos será apenas a classe pobre que não tem subsídios
para pagar por educação, saúde, previdência, por exemplo. O atendimento desenvolvido
pela União é, nessa perspectiva, considerado enquanto política social na medida em que
estas: são orientadas para os mais vulneráveis – os mais pobres ou aqueles que se
encontram em risco social; são transformadas em benfeitorias e desenvolvidas não mais
pelo Estado, mas financiadas por ele; e são vinculadas à participação social representadas
pelo terceiro setor, no momento em que se apela para a caridade com o próximo, para que
a sociedade se responsabilize pelas políticas que eram desenvolvidas pelo Estado. Verifica-
se, nessa proposição:
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[...] a firme orientação de redução dos gastos públicos destinados à proteção


social, principalmente dos pobres, e a priorização da assistência social aos mais
pobres, em geral, com fundos públicos criados para este fim, com existência
provisória. O Estado passa a se relacionar com os cidadãos dividindo-os em dois
tipos: os contribuintes/consumidores e os destituídos/assistidos (OLIVEIRA;
DUARTE, 2005 p. 288).

As políticas sociais além de não serem destinadas a todos – focalizadas – e não


serem desenvolvidas pelo Estado – descentralizadas – tem tempo de validade, ou seja, não
tem uma continuidade dificultando avaliações dos programas ou mesmo a articulação de
trabalhos que possam melhorar o atendimento. Coraggio (1996), acrescenta ainda que estas
políticas sociais são utilizadas como instrumentalização das políticas econômicas de
maneira a permitir a introjeção “[...] nas funções públicas os valores e critérios do mercado
[...]” (1996, p. 78), nesta lógica se consolidam muitas das políticas em educação infantil no
Brasil, não como prioridade de desenvolvimento humano, mas como estratégia de
mercado.

Considerações finais

O desenvolvimento do mercado, o movimento político, o jogo ideológico, os


movimentos sociais, as crises do capital, a situação crescente de pobreza, configuraram a
realidade brasileira desde a década de 1980 e proporcionou uma vinculação aos preceitos
defendidos internacionalmente para o ajuste do Estado numa melhor organização. Em
nome de uma gestão gerencial, o Estado deixa de ser burocrático e institucionaliza o
modelo de gestão neoliberal.
As consequencias desse posicionamento se estendem aos setores da sociedade e às
políticas públicas. A partir da reforma do aparelho de Estado, este se desresponsabiliza
pelas políticas ficando a seu cargo a definição e avaliação das mesmas, repassando para as
esferas estaduais, municipais e para a sociedade civil a execução e financiamento das
mesmas. O processo de descentralização foi verificado nas políticas educacionais, como
ocorrido com a LDB e, a focalização quando considerada uma política de prevê sua
efetivação por meio de programas específicos.
Essas realidades, observadas na década de 1990 e nos documentos que a
representaram, são consequencias de um posicionamento assumido na mundialização do
capital e tem como influência as ações das organizações internacionais ou referendar
práticas a serem desenvolvidas em políticas sociais. Embora no documento de reforma do
10871

Estado é apresentado como tentativa de deixar o caráter clientelista dos acordos, os


processos de consolidação de políticas demonstra o contrário. Ao considerar o cidadão pela
sua capacidade de comprar ou não e, dessa forma destinar ou não, a ele, as políticas
sociais, o Estado reafirma a posição clientelista em prol de uma classe em detrimento de
outra.
O ideário neoliberal, nessa conjuntura, não é transposto à realidade das políticas
educacionais de maneira imediata, mas é compreendido a partir a aproximação das ações
em educação com os princípios de descentralização e focalização, assumidos na reforma
do Estado. A educação é ainda aproximada desse ideário, ao que Coraggio (1996),
apresenta enquanto a defesa das práticas educacionais assumidas pelo Banco Mundial, pelo
Brasil, sem ao menos desenvolver análises e discussões sobre o que elas representam.
A preocupação desta discussão foi compreender nas múltiplas relações postas na
sociedade como se articulou a política para a educação infantil com o ideário neoliberal
assumido pelo Brasil, a partir da eleição de Fernando Collor de Mello e, assinado no
governo Fernando Henrique Cardoso. A partir das medidas provisórias, das emendas
constitucionais e da reforma do aparelho de Estado, conclui-se que a educação infantil,
longe de representar o desenvolvimento integral da criança se vincula mais proximamente
aos interesses do capital.
Isto, pois, deve ser considerada como forma de compensar carências, de educar
para sair da situação de pobreza, de exercer cuidado e não práticas pedagógicas; embora os
documentos que legislam sobre a educação infantil tratem da ação articulada entre
educação e cuidado, as práticas efetivas das políticas sociais em forma de programas dizem
respeito apenas ao cuidado, bem como os programas desenvolvidos com as famílias que
dizem respeito à atenção primária para a sobrevivência das crianças ou ainda na
conscientização das famílias dos cuidados elementares para a saúde e desenvolvimento da
criança nos primeiros anos de vida.
Propõe a sociedade um cidadão apto para trabalhar, mas que não tenha condições
para questionar; que seja uma educação ao longo da vida sem a obrigatoriedade de formar
o educando na idade adequada como apresentado pelo relatório Delors da UNESCO. E,
que, esta educação, seja oferecida pela família e pela comunidade, ou pelas organizações
não-governamentais, mas que não sejam de responsabilidade e/ou financiadas pelo Estado.
Este assume cada vez mais, um papel mínimo para as políticas sociais/públicas e, máximo
para o processo financeiro de mundialização do capital.
10872

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