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Nº 35/2017
O controle de terras
por estrangeiros no Brasil:
Panorama geopolítico, aspectos
legais e macro-tendências
OUTUBRO DE 2017
Introdução 3
Perspectivas e macrotendências 21
Especialistas entrevistados 23
Referências bibliográficas 25
Alceu Luis Castilho, Bruno S. Bassi, Fábio Vendrame | O CONTROLE DE TERRAS POR ESTRANGEIROS NO BRASIL
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Alceu Luis Castilho, Bruno S. Bassi, Fábio Vendrame | O CONTROLE DE TERRAS POR ESTRANGEIROS NO BRASIL
O Brasil é o país com maior área agricultu- tos sociais, ambientais e fundiários do con-
rável do mundo, estimada em 61 milhões de trole de terras por estrangeiros; e (6) quais as
hectares passíveis de receber o desenvolvi- tendências apontadas por especialistas para a
mento de agricultura irrigada, o equivalente próxima década.
a dez vezes a atual área cultivada (ESALQ/
USP, 2015). A atual expansão da frontei- O fenômeno do land grabbing
ra agrícola rumo à zona de transição entre e o controle de terras por
Cerrado e Amazônia – área comumente co- estrangeiros
nhecida como Arco do Desmatamento – e
ao enclave geográfico que engloba o sul do Desde o início dos anos 2000, em meio ao
Piauí e do Maranhão, o norte do Tocantins e crescimento frenético no consumo de pro-
o Oeste da Bahia (MATOPIBA) reafirmam dutos primários pela China e à sombra de
a posição do Brasil como figura central no consecutivas crises alimentares em países
fenômeno mundial do land grabbing. Neste subdesenvolvidos, o debate em torno da
sentido, torna-se primordial analisar como disponibilidade de recursos naturais para
as decisões políticas tomadas pelo Estado atender a uma população mundial crescente
brasileiro, sobretudo após o impeachment – terras agriculturáveis, água, energia e mi-
da presidente Dilma Rousseff, em 2016, afe- nérios – tornou-se tema prioritário na agen-
tam a inserção do país no mercado mundial da internacional (FLEXOR e LEITE, 2017).
de terras; e identificar os impactos sociais e
ambientais sobre nosso território. Ao mesmo tempo, a elevação galopante nos
preços das commodities agrícolas entre 2004
Tendo em vista a diversidade de abordagens e 2011 possibilitou a consolidação de um
e a profusão de trabalhos acadêmicos sobre o mercado a preços futuros, garantindo lucros
fenômeno do controle de terras por estran- imediatos na cadeia de comercialização das
geiros no Brasil, a metodologia adotada foi a safras, o que levou os países produtores a
de entrevistar alguns dos principais especia- ampliar significativamente suas áreas de mo-
listas no tema para o cruzamento de infor- nocultivos.
mações e perspectivas sobre a faceta brasilei-
ra do fenômeno. A Figura 1 demonstra como o cultivo de
soja no Brasil, que até 1990 concentrava-se
O material gerado pelas entrevistas – depoi- na porção sul do país, expandiu-se para o
mentos, citações, infográficos e mapas – foi norte em direção à zona de transição entre
sistematizado para responder a seis pergun- Cerrado e Amazônia e, a partir da década de
tas essenciais, refletidas ao longo dos seis ca- 2010, consolidou sua presença na região do
pítulos seguintes: (1) o que é land grabbing, MATOPIBA.
(2) quais são as áreas prioritárias de territo-
rialização do capital transnacional no Brasil, Também em relação à cana-de-açúcar hou-
(3) quem são e de onde vêm as corporações ve significativa expansão na área produtiva,
estrangeiras que adquirem terras no país, (4) estendendo-se do noroeste de São Paulo ao
quais as restrições impostas pela legislação Mato Grosso do Sul, englobando Minas Ge-
brasileira e quais medidas referentes ao tema rais, sul de Goiás e norte do Paraná, conforme
tramitam no Congresso; (5) quais os impac- mostra a Figura 2.
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Figura 1 Figura 2
Expansão da produção de soja no Brasil Expansão da produção de cana-de-açúcar no
1973-2014 Brasil 1973-2014
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de alta renda, fundos de pensão, private equity te ao processo de acumulação do capital e tem
e hedge funds, cujo objetivo primário é espe- se desdobrado de diversas formas de acordo
cular com o valor da terra e lucrar com seu com as especificidades regionais e históricas.
arrendamento ou venda posterior. Contudo, esses processos se intensificam em
um cenário de convergência de crises: alimen-
Estima-se que, entre 2006 e 2011, no auge da tar, ambiental, climática, energética e, tam-
crise financeira internacional, ambos os gru- bém, financeira.
pos tenham adquirido mais de 200 milhões
de hectares de terra, predominantemente na O controle de terras no Brasil
África, mas também de forma extensiva na
Ásia e América Latina (SASSEN, 2016). No Brasil, o processo de controle de terras
pelo capital estrangeiro ou transnacional se
Assim, o land grabbing se realiza no controle inicia formalmente com a Lei de Terras de
de terras financeirizadas (do inglês territorial 1850, que pela primeira vez institui a terra
funding), tornando-se cada vez mais difícil como mercadoria. O primeiro debate am-
distinguir claramente se a apropriação de plo sobre o tema ocorre na década de 1960,
terras se dá para fins produtivos ou especu- em plena ditadura militar, face ao escândalo
lativos. causado pela descoberta da exploração ilegal
de recursos na Amazônia por multinacio-
Cabe também destacar que o controle de ter- nais estadunidenses e europeias, o que levou
ras, bem como seu elemento de estrangeiriza- à abertura de uma Comissão Parlamentar de
ção, não é um processo recente. A apropria- Inquérito (CPI) que resultaria na publicação,
ção da terra e seus recursos (água, nutrientes, em 1968, do Relatório Velloso, onde se cons-
biodiversidade, minerais) com o objetivo de tatou que 20 milhões de hectares estariam em
transferi-los a determinados agentes é ineren- posse ilegal de estrangeiros.
Tabela 1
Brasil - Participação relativa de registros e áreas por décadas
Décadas % Registros % Acumulado dos % Áreas %Acumulado
registros de área
1900 0.012 0.012 0.0004 0.0004
1910 0.047 0.058 0.064 0.065
1920 0.143 0.202 0.170 0.235
1930 0.415 0.617 0.309 0.544
1940 1.207 1.824 0.971 1.514
1950 4.015 5.839 2.551 4.065
1960 8.773 14.612 6.194 10.259
1970 17.421 32.033 15.040 25.298
1980 29.888 61.921 27.940 53.2338
1990 18.201 30.122 25.995 79.153
2000 18.783 98.904 20.152 99.315
Sem registro de data 1.096 100.000 0.685 100.000
Totais 100.000 100.000
Fonte: Pretto, 2009 (apud SAUER e LEITE, 2012, p. 513).
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Contudo, foi a partir dos anos 1970, com mensurar de forma precisa a real extensão do
o Programa de Cooperação Nipo‑Brasileiro controle de terras por estrangeiros no Brasil.
para o Desenvolvimento dos Cerrados (Pro- Outras bases de informação, como o registro
ceder), que se intensificou a aquisição de ter- de Investimentos Estrangeiros Diretos (IED)
ras por estrangeiros, conforme demonstra a do Banco Central, não contam com o deta-
Tabela 1, extraída do estudo de Pretto (2009) lhamento do local da inversão. Essa quanti-
e reproduzida por Sérgio Sauer e Sérgio Pe- ficação torna-se ainda mais complexa tendo
reira Leite (2012, p. 513). Nela observamos em vista a agilidade com que novos estoques
que as décadas de 1980, 1990 e 2000 con- de terra têm sido incorporados ao mercado
centram, respectivamente, 29,9%, 18,2% e global, sobretudo por meio da atuação de cor-
18,8% do número total de imóveis sob regis- porações especialmente dedicadas à gestão de
tro de indivíduos ou empresas estrangeiras, ativos agrários, os pools de siembra, conforme
respondendo por 27,9%, 25,9% e 20,1% da veremos a seguir.
área total cadastrada.
Territorialização por grupos
De acordo com a base cadastral do Instituto estrangeiros no Brasil
Nacional de Colonização e Reforma Agrária
(INCRA), no ano de 2010 existiam 34.371 Uma das repercussões mais notórias da cor-
imóveis rurais sob a propriedade de estrangei- rida mundial pelo controle de terras é o au-
ros, abarcando um total de 4.349.074 hecta- mento contínuo do preço da terra. No Brasil,
res, equivalentes a 0,79% das terras cultivadas mesmo com o fim do ciclo das commodities a
no Brasil ou, em outras palavras, a uma área partir de 2011, que derrubou os preços futu-
do tamanho da Dinamarca (WILKINSON, ros e levou à quebra de diversas empresas no
REYDON e DI SABBATO, 2012). setor sucroalcooleiro e à redução drástica nos
índices de produtividade da soja, o preço da
No que se refere à quantidade, os imóveis terra não parou de crescer.
pertencentes a estrangeiros concentram-se
nos estados de São Paulo (35,7% do total), De acordo com a consultoria Economics
Paraná (14,9%), Minas Gerais (7,7%) e Bah- FNP, o preço médio da terra no Brasil saltou
ia (6,4%), havendo, portanto, um maior nú- de R$ 4.756,00 por hectare, em 2010, para
mero de propriedades em zonas de produção R$ 10.083,00 em 2015, um crescimento de
de cana-de-açúcar. Em relação ao volume por 112%. Como base de comparação, no mes-
hectares, quem lidera a lista é o Mato Grosso, mo período o aumento no Índice de Preços
com 19,4% da área total, seguido por Minas ao Consumidor-IPCA foi de 48,9% (FLE-
Gerais e São Paulo, com 11,3% cada, e Mato XOR e LEITE, 2017).
Grosso do Sul, com 10,9% (SAUER e LEI-
TE, 2012). Isso significa, em primeiro lugar, o achaca-
mento de pequenos proprietários pelo agro-
Há de se observar tais dados com cautela, negócio face a uma maior dificuldade em
uma vez que os registros do INCRA são au- manter os custos operacionais de produção.
todeclaratórios e não identificam a data de Paralelamente, o aumento no valor da terra
aquisição desses imóveis, tornando impossível estimula a incorporação de novas áreas ao
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mercado que, geralmente por falta de in- colza e sorgo), a cana-de-açúcar, o monocul-
fraestrutura prévia de irrigação e escoamen- tivo de árvores (eucalipto e pinus), a palma-
to, ainda tenham uma correlação vantajosa -azeiteira e o algodão.
no preço por hectare.
Em 2016, o DATALUTA-Banco de Dados
Esse movimento é particularmente visível na da Luta pela Terra, projeto coordenado pelo
região compreendida ao sul dos estados do Núcleo de Estudos, Pesquisas e Projetos de
Piauí e Maranhão e no norte do Tocantins, Reforma Agrária (NERA/UNESP), divul-
onde os preços ainda são relativamente bai- gou um levantamento inédito sobre o con-
xos quando comparados a outros centros de trole de terras por estrangeiros, identifican-
produção e cujo lobby encabeçado pela ex- do 108 empresas e fundos de investimento
-Ministra da Agricultura no governo Dilma transnacionais atuantes no Brasil. Os resul-
Rousseff, senadora Kátia Abreu (PMDB- tados evidenciam a predileção dos investido-
-TO), estimulou a entrada de novos grupos res internacionais pelos flex crops, conforme
empresariais, nacionais e internacionais, podemos ver na Figura 3.
muitas vezes em associação com notórios
grileiros da região, como demonstra o caso No que se refere ao número de empresas,
do fundo de pensão dos professores norte-a- o setor de grãos é o principal vetor de atra-
mericanos TIAA-CREF, do qual trataremos ção do capital estrangeiro, com 35 das em-
mais adiante. presas analisadas no relatório, seguido pela
cana (29), monocultura de árvores (20), café
Além disso, a desvalorização cambial sofrida
(16) e algodão (14). No entanto, ao consi-
pela moeda brasileira a partir de 2014 tem
derarmos o número de imóveis adquiridos,
gerado uma reconfiguração expressiva do
o setor mais importante passa a ser o mo-
agronegócio brasileiro, ao conferir uma sig-
nocultivo de árvores, com 1.392 proprie-
nificativa vantagem às corporações interna-
dades registradas. Isso se dá em função do
cionais tanto na compra de terras quanto na
controle da indústria de celulose por grupos
aquisição de unidades produtoras de commo-
internacionais, tais como Fibria Celulose
dities, como exemplifica a compra integral
da Noble Agri pela estatal chinesa COFCO S.A./Stora Enso (capital sueco-finlandês),
International Ltd, que passou a ter em seu Klabin/Arauco (capital chileno), Internatio-
portfólio 145 mil hectares de produção de nal Paper (capital estadunidense), Celulose
cana-de-açúcar na região de São José do Rio Nipo-Brasileira S.A. (capital japonês), entre
Preto/SP (GRAIN, 2016). outros.
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Figura 3
Empresas do agronegócio com capital internacional de acordo com a atividade agrícola
Monocultivo
de árvores Café
Outras
Cana-de-açúcar commodities
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Tabela 2
Territorialização de empresas do agronegócio com capital internacional - 2015
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SOLAZYME EUA SP
(Bunge; Chevron Technology; National Bureau of
Standards)
SOLLUS CAPITAL Argentina BA | MA | PI | TO
(Los Grobo; Touradji Capital Management; Vinci
Partners)
STORA ENSO BRASIL LTDA. Finlandia; Suécia RS
(Derflin Agropecuária LTDA; Agroflorestal Verde Sul
S.A.; Azenglever Agropecuária)
STRAUSS GROUP LTD. Israel MG
(Santa Clara; Três Corações)
SUCAFINA S.A. Suíça MG
(Finacafé Comércio de Alimentos Ltda.)
SYNGENTA Suíça CE
THE FOREST COMPANY TFC Ilhas Guernsey Indisponível
(Frondosa Participações Ltda.)
THE LANCASHIRE GENERAL INVESTMENT COMPANY Reino Unido MS | SP
LIMITED
(Frigorifico Anglo)
THE SOLAE COMPANY EUA RS
(Bunge; DuPont)
TIBA AGRO S.A. EUA BA | MT | PI
(Grupo Golin; Vision Brazil Investments; Irmãos
Francioni)
TOMEN CORPORATION Japão SP
(Oléo Menu; Toyota Tshuho Coporation; Nova Agri)
UMOE BIOENERGY S.A. Noruega SP
TERRA SANTA AGRO França MT
(Vanguarda Agro; Buriti Agrícola; Maeda
Agroindustrial; Zartman Services; Boardlock
Holdings LLC; Gávea Investimentos; EWZ
Investments LLC; Eco Green Solutions LLC; entre
outros)
VERACEL CELULOSE S.A. Brasil; Finlândia; BA | MG
(Stora Enso; Fibria) Suécia
VITAL RENEWABLE ENERGY CO. EUA GO
(Bom Sucesso Agroindústria-BSA; Clean ¬¬Energy
& Tecnology Fund; Leaf Clean Energy Co.; Paladin
Capital Group; Petercam)
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com as empresas Vanguarda e Maeda Agrone- tendo firmado em 2012 parceria com a segu-
gócios. Na época da fusão, a BED era a maior radora estadunidense Met Life para captação
produtora de biodiesel do Brasil com capaci- de recursos.
dade de produção superior a 700.000 m³ por
ano. A empresa, porém, removeu todos os in- Em 2012, o Grupo Golin foi acusado de
vestimentos da área de combustíveis e passou cooptar policiais militares e pistoleiros para
a controlar 224 mil hectares de soja no Piauí, impedir que oficiais de Justiça cumprissem
Bahia e Mato Grosso. reintegração de posse em terras griladas pelo
grupo nos municípios de Gilbués e Bom Je-
Inicialmente financiada por BMG (Arábia sus/PI (PORTAL AZ, 2012). Suspeita-se que
Saudita) e Deutsche Bank (Alemanha), a essas terras seriam incorporadas ao portfólio
Vanguarda Agro conta hoje entre seus acio- da Tiba Agro.
nistas com Otaviano Pivetta, ex-prefeito de
Lucas do Rio Verde/MT, Gávea Investimen- GENAGRO
tos, EWZ Holding LLC, Bonsucex Holding
e Salo Davi Seibel, presidente da rede Leroy Anteriormente denominada Agrifirma Bahia
Merlin. Agropecuária, a GENAGRO possui 60 mil
hectares no oeste de Bahia, fruto dos investi-
AGREX DO BRASIL/MITSUBISHI mentos da brasileira BRZ Investimentos com
a RIT Capital Partners, pertencente ao Lor-
Inicialmente operando no Brasil pelo pool ar- de Jacob Rothschild e seus amigos de Hong
gentino Los Grobo em parceria com a em- Kong, Jim Slater e Adrian Fu. A empresa
presa Vinci Partners, a empresa teve 80% de também já contou com aportes da GP Inves-
suas ações repassadas em 2013 para o grupo timentos, do bilionário brasileiro Jorge Paulo
Mitsubishi (Japão), a um valor de US$ 450 Lemann (TUBINO, 2016).
milhões. Os 20% restantes pertencem ao bra-
sileiro Paulo Fachin. Hoje a empresa admi- ***
nistra 70 mil hectares de terras na região do
MATOPIBA através da Sollus Capital. Existem outros grupos citados na base de da-
dos do DATALUTA que não necessariamen-
TIBA AGRO te adotam o formato de pools de siembra, mas
que também vêm servindo de veículo para o
Pouco conhecida em comparação com as de- fluxo de capital transnacional no campo bra-
mais empresas, a Tiba Agro surgiu a partir sileiro, como a multinacional Cargill, que
da união entre a gestora de recursos Vision converteu seu fundo de cobertura Black Ri-
Brazil Investments, fundada por dois ex-exe- ver Asset Management para a compra de duas
cutivos do Bank of America, Fabio Greco e usinas sucroalcooleiras anteriormente perten-
Amauri Fonseca Junior, e oligarquias fami- centes ao Grupo Ruette do Brasil.
liares da Bahia e Piauí, respectivamente, os
irmãos Francioni e o Grupo Golin. A Tiba Temos também o fundo canadense Brook-
Agro comercializou mais de 300 mil hecta- field Asset Management, com 97.127 hecta-
res de terras no MATOPIBA e Mato Grosso, res para produção de soja e cana de açúcar; a
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trading francesa Louis Dreyfus Commodities, nacionalista ainda arranhada pelo escândalo
com 430 mil hectares próprios e outros 500 da exploração ilegal de terras por transnacio-
mil arrendados em 12 estados brasileiros; e a nais na Amazônia, sancionou a Lei nº 5.709,
indiana Shree Renuka Sugars que, em parce- que visava regular a aquisição de imóveis
ria com o grupo Equipav, possui 139 mil hec- rurais por estrangeiros. Com o objetivo de
tares de cana-de-açúcar. garantir a soberania nacional, a lei estabe-
lecia, entre outras medidas: o limite para a
Apesar de não estar diretamente vinculado ao compra de terras por indivíduos ou empresas
controle de terras por estrangeiros, mencio- estrangeiros em 50 módulos fiscais, em áreas
namos o Grupo Amaggi/Bom Futuro, per- contíguas ou não; o impedimento de que
tencente ao ex-governador do Mato Grosso e um município tenha mais de 25% de sua
atual Ministro da Agricultura, senador Blairo área rural como propriedade de indivíduos
Maggi (PP-MT). Maior produtor privado de
ou entidades estrangeiras; a obrigatoriedade
soja no mundo, o grupo tem expandido sua
de que sociedades anônimas formadas por
atuação para a produção de sementes e fer-
capital estrangeiro registrassem ações nomi-
tilizantes, armazenamento e comercialização,
nais para a compra de terras; e a proibição
em joint ventures com Bunge e Louis Dreyfus,
para aquisições em zona de fronteira sem a
além de possuir operações na Argentina, Pa-
anuência prévia do governo (WILKINSON,
raguai, Noruega, Suíça e Holanda.
REYDON e DI SABBATO, 2010).
Outro caso icônico é o da empresa Univer-
Essa lógica restritiva mudaria somente em
so Verde Agronegócios, operador brasileiro
da maior estatal chinesa do setor de grãos: 1995, com a promulgação da Emenda Cons-
Chongqing Grain Group. Em 2010, o con- titucional nº 06, que revogou o artigo 171 da
glomerado chinês anunciou investimentos Constituição Federal de 1988, abolindo qual-
de US$ 300 milhões na criação de um com- quer benefício ou tratamento preferencial
plexo sojeiro na Bahia. À época, as autorida- concedido a “empresas brasileiras” ou “em-
des brasileiras negaram publicamente que o presas brasileiras de capital nacional”. Esse
projeto resultaria na transferência de terras à novo entendimento deu origem ao Parecer
estatal, mas foram desmentidas pela própria AGU GQ – 181/1998, que considerou in-
empresa: ela anunciou que as terras já haviam constitucional o artigo 1º da Lei nº 5.709/71,
sido entregues. Após atrasos consecutivos, o pelo fato de a lei ordinária não ser capaz de
projeto da planta processadora foi paralisa- distinguir entre empresa brasileira de capital
do, restando à Chongqing administrar suas estrangeiro e empresa brasileira de capital na-
três fazendas brasileiras, que somam 100 mil cional.
hectares. Em 2015, uma dessas proprieda-
des, localizada em Porto Alegre, foi ocupada Em 2007, contudo, já em meio à efervescên-
pelo MST, que a considerou improdutiva cia no debate sobre o processo de land grab-
(GRAIN, 2016). bing e controle de terras pelo capital finan-
ceiro, deu-se início a uma série de audiências
Aspectos políticos e legais públicas que resultaram na aprovação do Pa-
recer AGU LA-01/2010, que reinstaurou a
Em 1971, o governo militar, com sua imagem constitucionalidade da Lei nº 5.709/71.
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Houve quatro grandes agentes que concorre- PMDB a necessidade de fazer concessões a se-
ram para este desfecho. O primeiro, e mais tores particularmente ligados aos governos do
óbvio, foi a mobilização encabeçada por mo- PT, como a indústria sucroalcooleira. E eco-
vimentos sociais do campo, sobretudo MST nomicamente, com o prolongamento da crise
e Via Campesina, apoiados por diversos espe- econômica que se arrasta desde 2014, setores
cialistas na temática agrária. Um segundo ve- que antes se beneficiaram com as restrições
tor de pressão pela aprovação do parecer, mais hoje passam a ver com outros olhos a libe-
inesperado, veio de federações industriais que ração da compra de terras por estrangeiros.
buscavam barrar a entrada de novos compe- Dessa forma, há um certo grau de consenso
tidores no mercado. Também sob a lógica de no governo de Michel Temer sobre a necessi-
impor restrições a novos grupos concorrentes, dade política de se remover as restrições.
representantes do próprio agronegócio inter-
nacional reforçaram o lobby pela restauração No momento, existem oito projetos de lei na
da Lei nº 5.709/71, destacando-se a Cargill. Câmara dos Deputados e quatro no Senado
Por fim, o quarto agente que se alinhou a Federal que tratam da liberalização interna-
essa frente pouco ortodoxa foi o próprio se- cional do mercado doméstico de terras, apre-
tor latifundiário. Ele considerava que o atual sentando diferentes graus de permissividade
quadro jurídico, ao restringir a entrada direta ao capital estrangeiro. Aquele com tramitação
de grupos estrangeiros, forçava-os a se alinhar mais avançada é o PL 4.059/2012, que man-
com empresas brasileiras para poder operar tém alguns dos dispositivos restritivos presen-
no país, reforçando assim o poder econômico tes na Lei nº 5.709/71, como o impedimento
das principais oligarquias nacionais. para que estrangeiros não detenham, juntos,
mais que 25% do território de um municí-
Dessa forma, a restauração das restrições ao pio e a proibição de que empresas brasileiras
capital estrangeiro, após um hiato de 12 anos de capital estrangeiro adquiram propriedades
entre os dois pareceres, pouco alterou a dinâ- rurais na Amazônia ou em áreas com 80% ou
mica de apropriação de terras, uma vez que mais de Reserva Legal. O registro no Sistema
ela se baseia em uma aliança mais ampla entre Nacional de Cadastro Rural continua sendo
os agentes do agronegócio, independente do autodeclaratório, permitindo, portanto, a
país de origem. omissão de dados. O PL 4.059/2012 recebeu
apoio nominal do Ministro da Agricultura,
As contradições internas existem. Em 2010, os Blairo Maggi (PP-MT), com a condição de
grandes perdedores com a aprovação do parecer que se restrinja o investimento internacional
foram os setores sucroalcooleiro e de celulose: o para o setor de grãos em rotação, sob a justi-
primeiro, extremamente dependente de novos ficativa de evitar volatilidades na cadeia pro-
fluxos de investimento estrangeiro direto para dutiva, ainda que claramente atendendo aos
resgatar a combalida indústria da cana; o se- próprios interesses do Grupo Amaggi/Bom
gundo, altamente internacionalizado, impedi- Futuro (PEREIRA, 2017).
do de realizar novos investimentos produtivos.
O longo tempo de tramitação dos projetos
A convergência que houve em 2010 já não é que buscam liberar a aquisição de terras por
tão clara em 2017. Politicamente, fica para o estrangeiros no Brasil mostra que ainda não
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A partir destas perspectivas, podemos apon- Ainda que grupos transnacionais montem
tar algumas macrotendências para o fenôme- intrincadas operações financeiras para burlar
no do controle de terras por estrangeiros no as restrições impostas pela Lei nº 5.709/71,
Brasil: ainda vigora um entendimento de que deve
haver algum grau de controle sobre a entra-
Os registros de imóveis rurais de proprie- da de capital internacional no país. Em meio
dade de indivíduos ou entidades estrangeiras a uma agenda generalizada de retrocessos, as
são subdimensionados. Ainda que os 4,3 mi- medidas para liberalização irrestrita da aquisi-
lhões de hectares contabilizados pelo INCRA ção de terras por estrangeiros em tramitação
em 2010 já constituam um volume expres- no Congresso devem ser acompanhadas por
sivo de terras, uma quantidade considerável movimentos sociais, comunidades afetadas,
de dados pode ter sido omitida, uma vez que partidos e acadêmicos, de modo a articular
os registros são autodeclaratórios. A redução resistências.
no orçamento para fiscalização de registros e
propriedades dificultará ainda mais saber com O principal risco existente na intensifi-
precisão qual a real dimensão do fenômeno cação do processo de controle de terras por
no Brasil. estrangeiros está na criação de uma lógica an-
ti-cíclica capaz de compensar os momentos
O controle de recursos se dá primordial- de estagnação do agronegócio brasileiro, por
mente pela terra, mas não se limita a ela. No meio de investimentos diretos. Um mercado
caso das flex crops, um volume considerável de de terras constantemente aquecido represen-
investimentos estrangeiros não se encontra no ta um aumento perene no preço da terra, in-
campo fundiário, mas sim na infraestrutura tensificando a pressão pela incorporação de
pré e pós-colheita, no escoamento, distribui- novas áreas e alimentando o processo de gri-
ção e na comercialização em mercados a pre- lagem e de expulsão de camponeses e povos
ços futuros. Ainda assim, há um movimen- tradicionais de seus lares.
to expressivo de transnacionais de sementes,
agroquímicos e comercializadoras de grãos
para a compra de terras e seu arrendamento.
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Especialistas entrevistados
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Vicente Alves
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Autores Responsável
Friedrich-Ebert-Stiftung (FES)
A Fundação Friedrich Ebert é uma instituição alemã sem fins lucrativos, fundada em 1925. Leva o
nome de Friedrich Ebert, primeiro presidente democraticamente eleito da Alemanha, e está com-
prometida com o ideário da Democracia Social. No Brasil a FES atua desde 1976. Os objetivos de
sua atuação são a consolidação e o aprofundamento da democracia, o fomento de uma economia
ambientalmente e socialmente sustentável, o fortalecimento de políticas orientadas na inclusão e
justiça social e o apoio de políticas de paz e segurança democrática.