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apresentadas pela autora no segundo capítulo da primeira parte da obra (investigação e
educação da expressividade).
Carolina Bonastre Vallés estruturou o capítulo analisado em três partes. Em primeiro
lugar debruça-se sobre a seguinte questão: a expressividade musical é inata? Em segundo
lugar relaciona a problemática investigada com diferentes modelos educativos. Por
último, apresenta o resultado de algumas investigações para melhorar a expressividade.
Relativamente ao primeiro ponto analisado – é a expressividade musical inata? – a
autora afirma que existe uma certa controvérsia sobre este assunto. Bonastre Vallés
formula a seguinte questão - até que ponto a capacidade para comunicar através de uma
interpretação musical expressiva depende: 1) da herança genética; 2) do contexto
ambiental, sobretudo durante a infância; 3) da aprendizagem; 4) da educação; 5) da
interação de todos estes elementos. E até que ponto a capacidade – inata ou não - para
comunicar através de uma interpretação musical expressiva é possível de ser modificada
ou treinada?
Citando Petri Laukka (2004), a autora refere que, de acordo com os dados estatísticos
observados, existe uma tendência assinalável no sentido de os professores de música
afirmarem a convicção de que a capacidade expressiva resulta da combinação de uma
capacidade inata do aluno com o desenvolvimento desta competência através da
aprendizagem. Esta convicção pode afetar profundamente a forma como os professores
ensinam a expressividade. Se esta for vista, essencialmente, como um talento inato, o
professor pode assumir que o seu treino e desenvolvimento não fazem qualquer sentido.
Parte-se, então, do princípio que o aluno ou tem o “dom” da expressividade ou não o tem
e, consequentemente, neste último caso nada haverá a fazer. Ao invés, se o professor
considerar a expressividade como uma competência adquirida, fará todo o sentido o
investimento de tempo no treino, na reflexão, na compreensão e no estudo pormenorizado
desta competência.
Bonastre Vallés desenvolve a questão da expressividade comparando esta
problemática com o clássico debate entre a genética versus o ambiente, relativamente aos
conceitos de aptidão musical e de “talento”. A autora aborda este assunto alicerçando o
seu texto nas posições de vários autores. Segundo Howe, Davidson e Sloboda (1998)
através da autora, a aceitação do conceito de “talento” implica necessariamente os
seguintes pressupostos: 1) é algo de origem genética; 2) apenas pode ser detetado por
especialistas, mesmo antes do seu desenvolvimento no suposto indivíduo “talentoso”; 3)
prevê níveis futuros de excelência; e 4) é apenas atribuível a um grupo minoritário de
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pessoas (o conceito de “talento” não faria sentido se fosse algo de comum). Deste modo,
a aceitação do conceito de “talento” implica sempre a convicção de que existe uma
capacidade inata, ao contrário da visão alternativa que considera a capacidade musical
resultado sobretudo da prática, do treino e da educação.
Ainda a propósito da questão ‘é a expressividade musical inata?’, Bonastre Vallés
cita: 1) as perspetivas sobre a conceção e enquadramento românticos do conceito de
“génio”, segundo Gembris e Davidson (2002); 2) a teoria da modulação e do
desenvolvimento infantil condicionados por determinados fatores genéticos, segundo
Plomin e DeFries (1998); 3) a teoria do ouvido absoluto como reflexo de um treino
musical intensivo, segundo Ward (1999) e Saffran (2003); 4) a teoria da correlação não
necessária entre o ouvido absoluto e o desenvolvimento global das competências
musicais, segundo Parncutt e Levitin (2000); 5) a teoria, segundo Krampe e Ericsson
(1996), da diminuição da relevância de algumas diferenças genéticas eventualmente
importantes para o desenvolvimento das competências musicais perante o incremento da
prática e da experiência; 6) a teoria das dez mil horas, segundo Ericsson e Charness
(1994), argumentando que esta é a quantidade de tempo suficiente para desenvolver
competências musicais de excelência em qualquer indivíduo; 7) a convicção, segundo
Trehub (2003), de que as crianças são intrinsecamente musicais e que, segundo Tafuri
(2006), apenas a interação positiva e estimulante com o ambiente, com a educação e com
outros fatores pode catalisar decisivamente a aquisição e o desenvolvimento de
competências musicais,; 8) a capacidade de qualquer ser humano, segundo Howe,
Davidson e Sloboda (1998) e também segundo Levitin (2006), para adquirir e
desenvolver naturalmente as competências musicais da mesma forma que adquire e
desenvolve naturalmente as competências linguísticas; 9) a teoria, segundo Chaffin e
Lemieux (2005) e também segundo Howe, Davidson e Sloboda (1998), de que o sucesso
ou o insucesso musical pode ser atribuído à combinação complexa de um conjunto de
vários fatores, nomeadamente, disposições prévias herdadas geneticamente, influências
ambientais, oportunidades educativas, personalidade, oportunidade, sorte, capacidade de
esforço, capacidade de concentração, fatores estes que determinam a quantidade e a
qualidade da prática, do desenvolvimento de hábitos, das preferências musicais e do
desenvolvimento de capacidades metacognitivas; 10) a teoria, segundo Lewis (2008), de
que todos os seres humanos estão aptos a adquirir a capacidade de reconhecer e de
comunicar emoções; 11) a perspetiva de Laukka (2004), argumentando que se
professores, pais e alunos partem do princípio que o eventual “talento” é absolutamente
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determinante na aquisição e no desenvolvimento das competências musicais, então esta
convicção pode afetar a forma como os professores decidem ensinar a expressividade: se
esta é vista sobretudo como um “talento” inato, então não fará qualquer sentido estimular
a sua prática, sendo que, deste modo, a tarefa do professor será, tão somente, a de
selecionar aqueles alunos que são considerados portadores deste “talento” natural.
Relativamente ao segundo ponto abordado – relação com os modelos educativos –
Bonastre Vallés salienta que, apesar de existir uma tendência para abandonar os currículos
musicais centrados no virtuosismo e na acumulação de conhecimentos, substituindo-os
alternativamente por uma conceção construtivista, na qual estas habilidades e
conhecimentos seriam apenas meios para alcançar os propósitos máximos da educação
artística - facilitar a reflexão e o metaconhecimento – continua a persistir junto dos
professores um enorme apego aos modelos tradicionais de ensino musical focados,
sobretudo, na apresentação de resultados. Ou seja, continua-se a considerar que a
aprendizagem do instrumento é um fim em vez de ser um meio.
Ainda relativamente à relação entre o ensino da expressividade na sua relação com
os modelos educativos, a autora refere que a este respeito é detetável a predominância de
quatro estratégias didáticas: 1) a estratégia do modelamento musical; 2) o uso de
metáforas ou de imagens; 3) a consciencialização do aluno das suas próprias emoções; e
4) o fornecimento de instruções musicais e comentários com o propósito de modificar
alguns aspetos relativos à sonoridade.
Por último, Bonastre Vallés apresenta um conjunto de investigações com o propósito
de melhorar as capacidades expressivas durante a interpretação musical: 1) o projeto
“Feeling Sound” de Sloboda, Gayford e Minassian (2003); 2) o programa “Feel-ME” de
Juslin, Karlsson, Lindström, Friberg e Schoonderwaldt (2006); 3) a análise da efetividade
de três condições experimentais variando as instruções para preparar uma peça de Woody
(2006); e 4) um estudo sobre a aprendizagem da expressividade através de distintos tipos
de feedback visual em estudantes de percussão de Brandmeyer, Timmers, Sadakata e
Desain (2011).
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variado de trabalhos e de teorias provenientes de áreas científicas tão diversas como, por
exemplo, a psicologia da música (autores como John Anthony Sloboda, por exemplo) ou
as neurociências (autores como Daniel Levitin, por exemplo).
Relativamente à importância, pertinência e atualidade do trabalho de investigação
desenvolvido por Carolina Bonastre Vallés, gostaria de terminar esta recensão citando e
subscrevendo o seguinte texto da autoria de Domingos Fernandes, Jorge Ramos do Ó e
Mário Boto Ferreira (Fernandes, D. et al., 2007), salientando que o trabalho da autora
analisado na presente recensão contribui fortemente, na minha opinião, para colmatar o
“manto de silêncio científico” referido no final da seguinte citação:
O debate que nos séculos XIX e XX acompanhou o ensino das artes – e ainda que
somente visto do ângulo do discurso pedagógico ele é de uma pobreza inaudita – mostra com
enorme clareza como os discursos se foram acometendo a ilusões românticas, profundamente
elitistas, e nunca justificadas em investigação original (…). Na verdade, entre pedagogos,
professores, decisores e famílias não se encontra minimamente estruturado um discurso
capaz de dar credibilidade à hipótese alternativa, isto é, a de que as aptidões artísticas podem
desenvolver-se a partir de factores ambientais, familiares ou escolares, propiciados nas
primeiras idades, sendo estes tão ou mais fundamentais que o conceito de aptidão musical.
Este paradigma começa por radicar na crença, estruturada ao longo do processo de
construção da modernidade (…) de uma demarcação entre a figura do “artista” e do “amante
da arte”: o primeiro passou então a ser visto como portador de um conjunto de dons ou
competências inatas, que só excepcional e raramente se encontram no segundo e, por maioria
de razão, entre o conjunto da população (…). Do princípio da especificidade resultam, assim,
duas consequências interligadas em torno da precocidade: que todo o futuro artista deve ter
um acompanhamento desde bastante cedo; que terá de existir um processo de selecção ou
exame à entrada nas várias escolas de ensino vocacional da Música, o qual permite medir e
hierarquizar qualquer tipo de aptidão artística especial (…). Um leitor especialmente atento
ao debate pedagógico, mormente às questões relacionadas com a problemática curricular,
não deixará de descobrir nestas linhas que a defesa da especificidade do ensino artístico se
faz, ainda que de forma talvez pouco consciente, contra o paradigma sobre o qual se construiu
a chamada escola para todos, no contexto de afirmação do Estado-nação (…).
[As Ciências da Educação] construíram uma tecnologia e uma base conceptual-
-experimental – que o século XX viu vulgarizar-se e disseminar-se por todos os continentes
e realidades educativas as mais diversas, mesmo que as suas premissas nos possam parecer
hoje datadas e obsoletas –, mas que permaneceu totalmente estranha a quem mais a invocava
para estruturar um modelo específico de aprendizagem, ou seja, para os responsáveis pelo o
ensino da Música. Esta recusa, e disso se trata, deve ser entendida como correspondendo à
operacionalização da proposição segundo a qual a natureza do artista só pode ser perceptível
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e inteligível por um outro seu equivalente. Um mundo de sujeitos iluminados que se
contemplam e avaliam entre si, permanecendo inteiramente imunes à análise e avaliação dos
profanos. O manto de silêncio científico que cobre esta realidade do exame das aptidões
musicais parece-nos que aponta no sentido de que passem desapercebidas as condições
históricas, sociais – em grande medida arbitrárias – sobre que foi efectivamente construída.
(Fernandes et al., 2007, pp. 237-263).
Referências bibliográficas
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Juslin, P. N., Karlsson, J., Lindström, E. F., Friberg, A. e Schoonderwaldt, E. (2006). Play
it again with feeling: Computer feedback in musical communication of
emotions. Journal of Experimental Psychology: Applied, 12, 79-95.
Levitin, D. J. (2006). This is your brain on music. The science of a human obsession. New
York: Dutton /Penguin.
Parncutt, R. e Levitin, D. (2000). Absolute pitch. In S. Sadie (Ed.), The New Grove
Dictionary of music and musicians (pp. 37-38). Londres: MacMillan.
Saffran, J. R. (2003). Absolute pitch in infancy and adulthood: the role of tonal structure.
Developmental Science, 6, 35-43.
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Tafuri, J. (2006). Processes and teaching strategies in musical improvisation in children.
In I. Deliège y G.A. Wiggins (Eds.), Musical creativity: Multidisciplinary
research in theory and practice (pp. 135-157). Hove: Psychology Press.
Ward, W. D. (1999). Absolute pitch. In D. Deutsch (Ed.), The Psychology of Music (pp.
265-298). San Diego: Academic Press.