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5 Os relégios de Einstein Materializando 0 tempo podia ser maior, Poincaré era um membro da Academia de Paris, tinha cinquenta € um anos de idade ¢ estava no suge das suas capacidades. Tinha sido professor nas mais ilustrcs institui- es de Franga, ditigido comissbes interministeriais, e publicado livros que encheriam uma estante — volumes sobre mecinica celeste, electricidade © magnetism, telegrafia sem fios ¢ termodinimica. Com mais de duzentos artigos técnicos em seu nome, tinha modifi- cado dteas inteiras da Citncia, O seu livro de ensaios filosoficos, que alcangou ume tiragem enorme, levara as suas abstractas reflexoes sobre o significado da Ciéncia a um imenso piiblico, inclusive Eins tein, Em oposigio, Einstein era, aos vinte e seis anos, um desconhe- «ido funcionaio co registo de parentes, que vivia num apartamento sem elevador, nm bairro modesto de Berna Ao conteario da Franca ou da Inglaterra, a Suga no era uma Poténcia colonial. Ao contrario dos Estados Unidos ou da Riissia, no se estendia por uma large E m Junho de 1905, 0 contraste entre Einstein e Poincaré néo de longitudes, nem tinha sequer 2 (05 RELOGIOS DE EINSTEIN & OS MA>PAS DE TOINCARE uum hectare de terra despovoada pronta a ser colonizada por com: boios, telégrafos ¢ ligacGes de tempo. Na realidade, a Suica tardow a adoptar o telégrafo ¢, relativamente a outros paises curopeus, atrasou-se na construgdo de uma rede de caminhos-de-ferro, Mas quando as vias férreas ¢ os telégrafos chegaram, de facto, a este pais montanhoso, na tilkima fraccio do século xx, © movimento pela sincconizagio dos relégios ganliou impeco rapidamente — o que nao surpreende numa nagio em que a produgia de rel6gios exactos era, pelo final do século, uma questo premente, com significado tanto econdmico como para o orgulho nacional! © famoso, no mundo dos relégios, Matthaus Hipp foi bem aco- Ihido na Suica, Colocado na lista negra no seu Wiirttembery, natal Por volta de 1848, pelo sen apoio & causa republicana ¢ democré- tica, 0 seu negocio eram as miquinas do tempo de todos os tipos. Desenvolveu rel6gios de péndulo, alimentados electricamente, tio exactos que ultrapassavam de longe os mecdnicos: um pesado pén- dulo oscilava livremente, excepto quando necessitava de um empur- Hao electromagnético. Juntamente com esses relogios eléctricos, Hipp aperieigoou relogios registadores que alteraram radicalmente a psi- cologia experimental, Colaborando com fisicos ¢ astrénomos, ele conseguiu descobrir as velocidades de propagacio nos nervos, dos sinais telegraficos e da luz e, a0 fazé-lo, foi inventando, modificanda ¢ criando novas formas de utilizar a electricidade e os reldgios paca materializar © tempo. Embora trabalhasse estreitamente com cien~ tistas (especialmente com o astrOnomo suigo Adolphe Hirsch), Hipp cra mais um empresirio-arteso do que um sdbio-matemético. Fua- dador de fébricas de aparelhos telegrificos ¢ eléctricos em Berna ¢, sais tarde, em Neuchieel e Zurique, Hipp guindou a sua comp. hia, desde o estabelecimento da primeira rede de rel6gios eléctri- cos pitblicos em Genebra |1861), 2 uma posigio sempre cada vez mais destacada. Em 1889 a firma de Hipp tornou-se a A. De Peyer © A. Faverger et Cies de entao até 1908 a empresa estendeu a gama os seus reldgics-mée, para além do dominio dos observatorios € dos caminhos-de-ferro, aos reldgios de campandrios ¢, até, 20s relé= gios de despertar dos hoitis.* Com 2 marcha do tempo em todas 28 ruas, os engenheiros precisavam de métodos para aumentar indefi- nidamente 0 mimero de unidades que podiam cer ligadas conjun- tamente. Isso teve como consequéncia uma enxurrada de patentes, aperfeigoando relés ¢ amplificadores de sinal (GS RELOGIOS DE ERNSTEIN nas Figura 5.1 — Tids reldgias: Torre da lha de Genebra (cerca de 1880). Antes da wnificagio do tempo, una bela worce de relégios como esta mestrava publica meate a multiplicidade de horas, Foxe: Cevr o’lco- NoGRantie Gexevose, RVG NI3x18 14934 Se se pretendia exibir as horas num grande edificio, antes da uni ficagio do tempo precisava-se de mais do que um relégio, A Torre da Ilha, em Genebra, ostentava trés por volta de 1880: um grande mostrador de rel6gio, no centro, exibia o tempo médio de Genebra (aproximadamente 10h13); 0 mostrador da esquerda exibia as horas de Paris para a linha «Paris-Ligo-Mediterrineo», que se haseava em Paris (h58); ¢ 0 relégio da dircita ostentava as horas de Berna, uns bons cinco minutos em avango relativamente as de Genebra (10h18), A sincronizagao de relégios na Suica era piiblica e eminentemente visivel. © cacs do tempo nao coordenado era-o, também. Berna inavgurou a sua propria rede urbana de tempo em 1890; aperfeigoamentos, expansdes € novas redes germinaram por toda a Suiga. Um tempo coordenado exacto ndo era s6 importante para os caminhos-de-ferro de passagciros europeus e para as forcas militares 26 5 RELOGIOS DE SINSTEIN E OS MAPAS DE POINCARE Figura 5.2—Um relogio: Torre da Wha de Genebra (depois de 1886). Depois da unifica «io do tempo, a mesma torre que foi mostrada na figura 5.1 nao precisava senio de um Gnico relogio: « unificagio do tempo era manifesta para que todos a visser, FONTE: CENTRE D'co- Nosasnue Gesevons, RVG NI3x18 1769 prussianas, era igualmente crucial para a dispersa industria de fabri. co de rekigios suica, 2 qual precisava desesperadamente dos recursos para uma calibragem consistente.’ Mas o tempo era sempre uma necessidade pritica e, mais do que prética, era uma necessidade material econdmica e um imaginério cultural. © professor Wilhelm Forster, do Observatorio de Berlim, que punha o relégio-mestre de Rerlim nos pincaros, dizia desdenhosamente que qualquer relégio ucbano que nfo garantisse as horas com erro inferior a um minuto era.uma maquina «que mostrava um desprezo total pelas pessoas». 0S RELOCIOS DE EINSTEIN, A janela do servigo de registo de patentes de Einstein sobre este mundo electrocronométtico abrin um periodo crucial na sincroni- zagio das horas sufgas. Porque, apesar do retumbante apoio do general von Moltke a uma unificacdo do tempo pan-germinica e do entusiasmo munca esmorecido dos norte-americanos advogados do tempo mundial tnico, Albert Favarger, um dos engenheiros-cheles de Hipp ¢ 0 homem que efectivamente Ihe sucedea ao leme da sua companhia, nao estava absolutamente nada satisfeito com 0 ritmo de avanco. Tencionava dizé-lo, muito oficialmente, na Exposition Universelle de 1900 em Paris. Aqui reuniu-se Congreso Ineerna- ional sobre Cronomettia para fazer, inter alia, o ponto da situaca0 das medidas tomadas no sentido da eoordenasio de celégios.' Logo no inicio do seu discurso 20 congresso, Favarger comegou por per- guntar como que era possivel que a distribuigdo do tempo eléctrico estivesse tao desoladocamente atrasada em relacio as tecnologias dos telégrafos e dos telefones, com ela relacionadas. Em primeizo lugar, sugeriu cle, havia dificuldades técnicas; os relogios coordena- dos 4 distancia néo podiam contar com qualquer amigo prestivel (ami complaisant) para supervisionar e corrigit a mais pequena iculdade, enquanto « méquina a vapor, o dinamo ou o telegraio pareciam funcionar com companhia humana constante. Em segundo lugar, havia um vazio técnico — os melhores técnicos estavam a dedicar-se aos sistemas de energia e de comunicagdes, ido aos relé- ios. E por éltimo, lamentava ele, 0 pablico nao estava a investir na distribuigao do tempo como devia, Este impulso t3o arrastado des- concertava Favarger: de radiagao como uma onda no éter material e estético. Suponhamos — recordava-se ele, mais tarde, de ter pesado — que uma pessoa se podia agarrar a uma onda luminosa ¢ cavalgé-la, por assim dizer, como a Fisica clissica podia sugerit. Entao ver-se-ia a onda eleciromagnética a desdobrar-se 3 nossa frente, com o campo a ondular no espago, mas congelado no tempo, Mas auinca se tinha observado nada que s€ parecesse com uma tal onda congelada.” Havia alguma coisa de cerrado nesta forma de pensar, mas Einstein ndo sabia o qué. Depois de uma primeira candidatura mal sucedida, Finstein c0- mecou a sua formacgo na maior universidade téenica da Suiga (€ ima das maiores da Europa): a Eidgendssische ‘Technische Hochs- cule (ETH)*, fundada em 1855. A ETH de 1896 eta por certo um lugar muito diferente da Ecole Polytechnique onde Poincaré tinha centrado nos principios da década de 1870. E-certo que ambas punham 6 acento ténico na engenharia. Mas a fama da Ecole Polytechnique tinha-se baseado, durante muito tempo, no seu método de formacao da clite numa mistura concentrada de matemética pura e preparagio cientifica, uns alicerces sobre os quais 0s seus licenciados edificariam, depois, a sua formagio, em lugares como a Escola de Minas. Desde Napoledo que, para os franceses, a ambisio tinha sido sempre edu car uma elite em mateméticas supertores, a qual (na altura devida) seria capaz de satisfazer as exigéncias do mundo pratico que cles controlariam. Fundada nos meados do século xx numa Sufca pobre de recursos naturais e ha muito tempo desejosa de se pér a par da ripida industrializacio da Franca, da Inglaterra e da Alemanha, a ETH eta muito diferente. A ETH queria uma ligacdo directa entre Thaiwuco Superice Técnico da Conledecagio (heléics). (N. do T) 0 RELOGIOS DE EINSTEIN 21 a teoria e a pritica, Nao se perdiam de vista por um instante gue fosse, nem cram sequer postas em segundo plano, as exigéncias da construgio de estradas, de caminhos-de-ferro e de pontes, ¢ a8 do abastecimento de agua e de energia eléctrica,"* Consideremos « Mecit nica. Na Ecole Polytechnique, Poincaré enaltecia este tema desig nando-o por o «telo de fibricay de todos os estudantes, desde 0s que se esforcavam a0 maximo por se tornarem matemdtivos abstrac: {05 aqueles cujas ambigdes os levariam a uma carreira administra- tiva ou militar. A Matemitica era a rainha da universidade, esteu- turando 0 ensino da Meciniea de tal forma gue as suas abstracgdes fossem apenas gradualmence especificadas ate a0 ponto em que encontrassem aplicacio. Pelo contrario, em Zurique fora um enge- nheiro de minas ponco interessado em matematicas abstractas que, em 1855, tinha estabelecido o espitito do curso de Mecinica. Cons- truido mais de acordo com as linhas pedagégicas alemas do que com as francesas, 0s suigos insistiam que 0 eventual casamento do abstracto com o aplicado nio devia esperar por uma fase posterior da formagao. Os industriais suigos precisavam de ajuda para cons- truir tudo, desde os telégrafos e comboios aos sistemas de distribui- gio de dgua e pontes, Desde o inicio (¢ a0 longo de toda a sua his- toria) o aplicado e 0 abscracto cntraram juntos na ETH. Assim, enquanto Poincaré e os seus contemporaneos aprenderam a realizar experiéncias observando demonstragies a frente do anfi- teatro, Einstein passou muito tempo a aprender, com as mios na massa, n0 bem equipado laboratério de Fisica da, ETH. Manciras formais de versar os principios dos dispositives eram tipicas do trabalho na Polytechnique; quando Corn quis estudar os rel6gios sincronizados, reduziu a escrito uma elegante teoria da Fisica que Thes subjazia. Inversamente, quando 0 professor de Fisica de Einstein, Heinrich Friedrich Weber, ensinava, falava sobre as condutibilidades térmicas exactas do granito, do grés e do vidio. A Termodinamica na ETH oscilava para a frente e para tris entre as equagdes bisicas e cilculos numéricos pormenorizados € combinagoes laboratorials de objectos de vidro, hombas ¢ termémetros, como Einstein cuida- dosamente registou nos scus livros de apontamentos.!" Na realidade, as diferencas entre as duas instituigdes reflectiam os seus pontos de vista sobre 0 que as teorias diziam acerca do mundo. Na Ecole Polytechnique de Poincaré, ele teria encontrado um agnosticismo orgulhoso felativamente aos dtomos (ou a muitos outros objects 2m (05 RELOGIOS DE EINSTEIN E OS MAPAS DE POINCARE fisicos hipotéticos), Na ETH, Weber e 0s seus colegas nao tinham tempo para tais fantasias, no tinham qualquer interesse em explo- ‘ar, 36 por explorar, a miriade de formas pelas quais se podia expli- car uma coleccao de fenomenos. Depois de apresentar 0 «calor» sem preocupacées com a sua «verdadeira naturezas, Weber defendia que as ligagdes entre grandezas fisicas levavam direcramente a um qua- dro mecinico no qual 0 calor n30 era mais do que movimento molecular. Depois calculou nimeros de moléculas e estabeleceu as suas propriedades. Nada de realismos merafisicos, apenas uma constatagao terra a terra, de engenheito, de que os dtomos permi- tam que fosse efecruado trabalho.!* No Verio de 1899, Einstein ainda andava as voltas com o éter, corpos em movimento ¢ Electrodinamica. Numa carta a sua querida Mileva Maric, cle recordava que ja em Aarau (na escola secundiria) tinhe inventado uma forma de medir, ¢ talvez explicar, como € que a luz se propagava nos corpos transparentes qusndo estes corpos transparentes cram arcastados através do éter!” Nessa mesma carta transmitia-Jhe a sua impressio de que as teorias pouco elaboradas de um éter material, teorias que sugeriam pedagos de éter aqui e ali movendo-se desta forma ou daquela, teriam pura ¢ simplesmente de desapacecer. Indubitavelmente ele tinha absorvido alguma desta se- vera atitude para coma teoria através da énfase que na ETH se dava is medigSes. Contudo, a escola frustrava Einstein nitidamente por 1ndo dar mais sobre as relativamente novas teorias de Maxwell acerca da electricidade e do magnetismo, Assim, comegou 2 ensiné-las a si mesmo, e uma fonte manifestamente impostante foi o trabalho de Heinrich Hertz. Herez tinha descascado a complicada teoria da elec- tticidade € do magnetismo de Maxwell até 20 esqueleto das suas equacées , para espanto geral, demonstrara experimentalmente a existéncia de ondas eléctricas (de radio) no éter. Ao longo da sua curta vida, Hertz presiou uma atengdo extraordindria 20s diferentes modos de formular teorias sobre a electricidade e o magnetismo, ppondo francamente em clivida alto e bom som que 0 «nome> de lec- tricidade ou o «nome de magnetismo correspondessem por diveito proprio a qualquer coisa material, Einstein virou entao a espada critica de Hertz contra o ainda vibrante éter Devolvi o livro de Helmholtz ¢ estou agora a reler a propagagzo da fora electrica de Herz com muito cuidado, porque a0 percebi 0 (08 RELOGIOS DE EINSTEIN 233 tratado de Helmholtz sobre o principio da uilizagao da minima energia em Electrodinamica. Estou cada ver mais convencido de que a electro: dindmica dos carpos em movimento, tal como € hoje apresentada, no ‘corresponds 4 realidade, ¢ de que seed possivel apresenté-la de forms mais simples. A incrodugio do nome «éter» nas tcorias da clectricidade levou & concepsio de um meio cujo movimento pode ser descrito sem se The poder, julgo eu, atribuir significado tisico."* ‘A electricidade, o magnetismo e as correntes, conclufa Einstein, deveriam ser possiveis de definir no como alteragées de um éter material, mas como o movimento de «verdadeiras» massas eléctricas, ‘com tealidade fisica, através do espaco vatio. Um conceito de éer material e sem movimentos poderia dar melhores resultados do que ‘um éter material, € muitos fisicos destacados (na soquéncia da ex- tremamente aclamada teoria de Lorentz) tinham em mente precisa~ mente um conceito desse tipo. Posto perante a incapacidade dos experimentalistas de fazer des- locar o éter ou de detectar 0 movimento através dele, Einstein, numa ‘qualquer por volta de 1901, foi até ao ponto de abendonar esta nao-substincia estitica, O éter, essa pedra angular das teorias da Fisica do século »1x, tinha desaparecido, Para Einstcin, cle new cera 0 constituinte fundamental das particulas eléctricas nem meio, que tudo impregnava, necessario para que a lur se propagasse. Ain- dda antes de Einstein ter passado a porta do departamento de registo de parentes, as pegas cruciais do quebra-cabecas ja estavam no seu ugar; pode bem ser que ele até jd tivesse comecado a invocar 0 principio da relatividade.”” Decerto estava a examinar novamente 6 significado das equagdes de Maxwell enquanto sc ia aferrando & elaboracao de uma imagem realista das cargas cléctricas em movi- mento. Ele tinha posto o éver de parte. Contudo, nenhuma destas consideragdes se apoiava directamente no tempo. De 1900 até ao fim de 1902, Einstein trabalhou a margem da ciéncia instirucionalizada. Apesar de ter recebido da ETH o sew iploma de ensino de Matemética em Julho de 1900, nao Ihe foi possivel obter um emprego na universidade. Dedicow-se @ dar aulas particulares e comecon a meter-se, fora da universidade, em dois dominios da fisica teérica. Por um lado, explorou a natureza da “ermodinammica (a cigncia do calor) juntamente com oF seus funda- rmentos ea sua continuacao através da Mecénica estatistica (a teoria alt 24 (0S RELOGIOS DE EINSTEIN E OS MAPAS DE POINCARE de que 0 calor nao era mais do que o movimento de particulas). Por outro lado, procurou arduamente compreender, ainda néo em escri tos publicados, a natureza da luz € a sua interacgio com @ matéria, ‘Acima de tudo o mais, ele queria saber como é que a Electrodinémice consieraria os corpos em movimento. 0 optimismo ¢ a auto-cstima de Einstein, que nunca esmoreciam, combinados com um desprezo mordaz. pele autoridade cientifice contente consigo mesma, sao evidenciados numa miriade de cartas. Em Maio de 1901, confiava a Mileva que «infelizmente, ninguém aqui no Técnico [a ETH] esta actualizado em Fisica Moderna, € eu jd 0s sondei a todos sem sucesso, Seri que eu também me torna- ria tio preguigoso intelecualmente, se alguma ver estivesse em boa situagio financeica? Acho que ndo, mas parece que 0 perigo é grande, de factor.” Ou, no més seguinte, tendo descrito pormeno- rizadamente uma eritica de Paul Drude (uma figura de proa na tcoria da condugdo eléctrica) feita por encomenda, dizia Einstein a Mileva: «O que € que julgas que esté sobre a mesa, 2 minha frente? Uma longa carta dirigida a Drude com duas objecgdes @ sua teoria do electro. £ dificil que ele tenha qualquer coisa de razoavel com que me possa refutay porque as coisas sio muito simples. Estou com imensa curiosidade de ver se ele vai responder © 0 qué. Fvidentemente, nem é preciso dizer que também Ihe faco saber que no tenho emprege.» Se Einstein no cedia um milime- tro na Fisica, ainda menos fazia tengoes de alterar a sua vide par lar para dar satisfago aos olhares reprovadores dos seus mais intimos e mais queridos. Quando amigos criticavam manifestamente © seu comportamento pessoal, ele rejeitava imediatamente as suas opinides: «Imagina que os Wintelers se queixaram de mim... ¢ disseram que ew tenho andado a Ievar uma vida de estroina em Zurique>* Desde 0 inicio do seu tempo na Polytechnique, Poincaré tinha estabelecido com os seus professores lagos que duraram toda a sua vida. Admirava 08 mais velhos que ele, dando os seus nomes, como ‘um filho, a muitas das suas prOprias criagGes matcmaticas. Einstein, pelo contrario, parece nao ter sido absolutamente nada desencora- jado pelo abanar de cabesa dos seus velhos professores, pelas inces: santes recusas a darem-Ihe um emprego, ou, ainda, pela ofensiva opiniéo desfavordvel de sua mie quanto a Mileva Marié. Assim, ‘quando Drude, em Julho de 1901, rejeitou as objecydes de Einstein, (06 RELOGIOS DE EINSTEIN as © cientista mais novo relegou-o pura e simplesmente para o montao das autoridades com pis de barro: Nao hi qualquer exagero no que disseste sobre as professores ale mies. Fui obrigado a conhecer outro triste exemplar desta espécie — ‘um dos fisicos mais destacados da Alemanha. A duas percinentes objec- se que levaniei contra uma das suas teorias e que demonstram uma clara imperfeigao as suas conclasdes, ele responde chamsando a atencao Para que um outro seu (infalivel)colega partilha a sua opiniaa. Vou tor narlhe a vida dificil, em breve, com uma publicasio magistral. A auto- Fidade que subit& cabesa de alguém é @ maior immiga da verdade.”* Einstein podia «fazer a vida dificil»; mas estas autoridades esta- vam longe de reagir & pressio das suas dificuldades com uma chuva de ofertas de emprego. Uma apés outra, chegavam as recusas, in- luindo uma recusa do lugar de professor efectivo do Departamento Técnico Mecanico, no Técnico Cantonal, em Burgdorf.® Quando 0 matematico Marcel Grossmann, seu amigo, conseguiu uma posigao nna Escola Cantonal de Frauenield, Einstein felicicou-o cordialmente, acrescentando que a seguranca eo bom trabalho que aquela propor- cionava teriam sido certamente hem-vindos. Einstein também tinha tentado concorret. «$6 0 fiz para no ter de dizer a mim mesmo que era demasiado timido para concorrer: porque estava fortemente convencido de que no tenho quaisquer hipéteses de ganhar este Ingar ou outro semelhante.» Nessa altura chegou uma hip6vese genuina de emprego. O De- Partamento de Registo de Patentes, em Berna, tinha posto um amin- cio para uma vaga. Einstein esereven imediatamente: «Eu, abaixo assinado, tomo a liberdade de concorrer ao lugar de engeahciro da Classe IT no Departamento Federal da Propriedade Intelectual, que foi anunciado na Bundesblatt (Gazeta Federal] de 11 de Dezembro de 1901.» Assegurando 20 departamento de registo de patentes que tinha estudado Fisica ¢ Engenharia Electorécnica na Escola para Professores Especialistas de Matematica e Fisica da ETH, garan- tiu que todos os documentos estavam prontas ¢ & espera. A 19 de Dezembro de 1901, comunicou alegremente a Mileva: «Mas agora uve e deixa-ine Leijat-te ¢ abracar-te com alegria! [Friedcich] Haller (director do departamento de segisto de patentes} escreveu-me, pelo seu préprio punko, uma amével carta, na qual solicitava que cu 236 (05 RELOGIOS DE EINSTEIN OS MAPAS DE POINCARE concorresse a um lugar recentemente criado no departamento de registo de patentes! Agora jé nio ha qualquer divida sobre isso. [0 antigo colega de curma da ETH, Marcel] Grossmann jé me feli- citou. Vou dedicar-lhe a minha tese de doutoramento, para de certo modo Ihe exprimir 2 minha gratido.» Com 0 emprego na mao, ou quase, ele Mileva podiam casarse. Até a sua atitude para com o avaliador da sua velha tese, Kleiner, se desanuviou. A 17 de Dezembro ele tinha contado a Mileva que se stinha atirado... Aquele chato do Kleiner». Einstein queria autorizagio para trabalhar durante as férias do Natal. «Pensar em todos os obs- taculos que estes velhos burgueses botas-de-eléstico* poem no cari niko de uma pessoa que nao é da sua laia, é realmente um horror! Esta espécie considera instintivamente todos os jovens inteligentes como uma ameaca a sua fragil dignidade, isto € que me parece, por agora. Mas se ele tiver o descaramento de rejeitar 2 minha rese de douroramento, entio publico a sua rejeigio numa revista imparcial juntamente com a tese ¢ ele ir fazer ma figura. Mas se a aceitar, entdo vamos ver que posi¢ao € que o bom do St. Drude iré tomar... tum belo grupo, todos eles. Se Didgenes vivesse hoje, andaria com a sua lanterna a procura de uma pessoa honesta, mas em vao.»"” Dois dias depois, a pequena lanterna de Didgenes lancava uma luz mais calorosa sobre a humanidade: «Hoje passei toda a tarde com Kleines, em Zurique, ¢ falei com cle de forma diferente sobre toda a espécie de problemas de fisica. Ele néo é tao estapido quanto en julgava e, além disso, € um bom tipo.» E certo que Kleiner ainda rio tins lido a sua tese, mas Einstein ndo estava preocupado, A saa atengao ja fora desviada para outro lado: «{Kleiner] aconselhou-me a publicar as minhas ideias sobre a teoria electtomagnética da luz, ‘nos corpos em movimento, em conjunto com © método experimen- tal, Ele achou gue 0 método experimental por mim proposto € © iis simples ¢ 0 mais adequado que se possa imaginar»® Encorajado, indubitavelmente, por este apoio inesperado, Einstein aprofundow mais as teorias do éter e do movimento no interior deste. Decidiu-se a estudar os trabalhos de Lorentz ¢ Druds sobre a sPhilisines, no original americano (ccrrespondeade a «Philster na cart losginal, em alemio), 6 3 letra, «flewuns, Mas & wsada, em calfo univers slemio, pars designar deprecistivamente or velhae académione por «burgueses borardeclistcoe. (N. do Ty 05 RELOGIOS DE EINSTEIN electrodinamica dos compos em movimento (o facto de ainda o née ter feito talvez seja um indicador de quanto estava afastado das tendéncias gerais) e pedi emprestado a0 seu amigo Michele Besso um livro de Fisica. Poincaré acentuara continuamente, nas suas li Ges de 1899, quio valiosas cram as anteriores abordagens da Fisi- ca. Maxwell, Lorentz, Hertz ¢ muitos outros, valia a pena estudar todos em pormenor porque, mesmo quando algumas partes falha- vam o alvo, cada uma delas caprurava «relagdes verdadciras» entre grandezas fisicas. Esse tipo de resignagao aao era pata Einstein, Um texto da teoria do éter impressionou-0 apenas pela sua obsolescéncia, como disse a Mileva nos fins de 1901: «Michele dew-me um livro sobre a tworia do éter, escrito em 1885, Podia pensarse que era proveniente dda Antiguidade, tao obsoletos sio os seus pontos de vista. Faz-nos ver como conhecimento se desenvolve rapicamente hoje em dia.» Pouco, tempo antes dissera-the que ele © Besso tinham estado a estudar cui- dadosamemte, cin conjunto, +a definigao de repouso absoluto».” Nas primeiras semanas de 1902, Einstein fez a mudanca da sua madesta coleccio de utensilios domésticos de Schaffhausen (onde tivera um emprego tempordsio numa escola particular) para Berna, © aS de Fevereiro de 1902 comecou mais uma ver a procura de estudantes a quem dar aulas particulates: Ligdes pasticulares em MATEMATICA E FISICA para estudantes universitétios ¢ aprendizes dadas de modo muito completo por ALBERT EINSTEIN, possuider do diploma de Professor do Politécnico Federal GERECHTIGKEITSGASSE, 32, 1 ANDAR Ligdes gratuitas para experiéncia.” Poucos dias depois, a sua situago parecia boa. © anincio do jovem professor particular cagara dois estudantes. Einstein estava a planear escrever ao grande perito em Mecanica Estatistica, Ludwig Boltzmann, ¢ os seus estudos para além de uma banda estreita da Fisica estavam a prosseguir a bom ritmo: «Estou guase a acabar de ler © livro de [Ernst] Mach com imenso interesse, ¢ fé-lo-ti esta noite.»*® Maurice Solovine, que viera da Roménia para estudar na Universi- dade de Berna, era um novo estudante, juntamente com outio amigo 0S RELOGICS DE EINSTEIN E OS MAPAS DE POINCARE de Einstein, Conrad Habicht, que estava a procurar obter 0 seu dow- toramento em Matematica, Os trés, em conjumto, fundaram a sua *Akademie Olympia», um clube informal para discutirem Filosofia ou 0 que quer que suscitasse a sua curiosidace. Solovine: «Liamos uma pigina ou meis pagina — por vezes, apenas uma frase — € a discussio continuava durante varios dias quando o problema era importante. Encontrava-me muitas vezes com Einstein a0 meio-dia, quando ele deixava a sua secretiria, e recomesivamos a discussio da neite anterior: ‘Disseste.. mas no achas que..2” Ou: ‘Gostava de acrescentar aquilo que disse ontem....»?* Mach estava na ordem do dia. Mach, o fildsofo-fisico-psicélogo, «ra partidrio de uma atitade implacavelmente evitica para com aquilo que ndo se pudesse tornar acessivel aos sentidos. Embora Einstein nunca tivesse concordado inteiramente com aquilo que ele conside- rava a excessiva @nfase de Mach no sensorial, ele extrain realmente dos textos de Mach um varapau critico para ser brandido contra a tagarelice metafisica inétil, do mesmo género das nogbes de «tempo absolato» e «distincia absolnta».* Na obra de Mach favorita de Eins- tein (A Citncia da Mecénica, 1883) ele terd encontrado uma polémica ‘contra o tempo ¢ a distancia absolutos de Newton, que comecava citando o mestte: «O tempo absoluto, verdadeiro e matematico, ‘espontaneamente, e pela sua propria natuzeza, vaise escoando uni. formemente, sem cer em conta qualquer coisa externa... 0 tempo relativo, aparente ¢ valgar é uma medida, sensivel € externa, do tempo absoluto.» Tais pensamentos revelavam, segundo Mach, no «© Newton dos factos rigorosos, mas o Newton da filosofia medieval. Para Mach, o tempo nao era qualquer coisa priméria em comparaco com 2 qual se mediam os fenémenas. Bem pela contririo: 0 prdprio tempo derivava do movimento das coisas —a Terra & medica que vai girando, 0 péndulo a medida que vai oscilando. Tentar chegar a0 absoluto que esté por trés dos fenémenos era inatil. A condenacao de Mach era clara: «Este tempo absoluto nao pode ser medido por comparagio com nenhum movimento; portanto nao tem valor pré- tico nem valor cientifico; e ninguém tem razbes para dizer que sabe qualquer coisa sobre ele. F um conceito metafisico inti. ‘Ao longo dos anos seguintes, Einstein acentuou muitas vezes a importincia que esta andlise do tempo, de Mach, tinha tido para si Por exemplo, num artigo de 1916 em meméria de Mach, Einstein insistia: «Estas citagBes [de A Ciéncia da Mecdica] mostam que 5 RELOGIOS DE EINSTEIN 239 Mach reconhecia claramente os pontos fracos da mecanica clissica, € assim andou proximo da exigéacia de uma teoria geral da relati- vidade —e isto quase ha meio século! No improvavel que Mach tivesse descoberto a teoria da relatividade se no seu tempo... 0s fisicos tivessem sido estimulados pela questao do significado da constancia dda velocidade da luz. Na falta deste esti, que deriva da eectrodina mica de Maxwell-Lorentz, nem mesmo impeto critico de Mach foi saficiente para suscitar um sentimento de necessidade de uma del ‘0 de simultaneidade para acontecimentos distantes no espaco.» Tal como sucedera com Poincaré, para Tissicin simuleaneidade fazia o crazamento da Electrodinamica com a Filosofia. Para discussao pela Academia Olimpia estava tambem Karl Pea son, 0 fisico-matemtico vitoriano conhecido pelos seus contributos para a Estatistica, Filosofia e Biologia. Mas curiosamente Pearson, servindo-se de Mach bem como da tradicio filoséfica alema, tam- bém sujeitou a pouco elaborada leitura do «tempo absoluto» a0 microscépio critico. Einstein e os seus académicos terio encontrado na Gramética da Ciéncia de Pearson, de 1892, outta apreciag3o vivamente critica da telagao de todos os relogios observaveis com 0 tempo absoluto de Newton: «[As] horas do relégio astronémico de Greenwich ¢, em tltima anslise, de todos 0s relégios de pulso © de parede vulgares, por cle regulados, corresponderao a rotacao da ‘Terra, em torno do seu eixo, de Angulos iguais.» Assim, todas as horas indicadas pelos relogios sio, em tiltima anilise, tempo asteo. némico. Mas muitos factores podiam contribuir para aleeragdes da rotagdo do grande relégio que € a Terra — as marés, por exemplo. «0 tempo absoluto, verdadeiro e matemético», como Newton Ihe chamava, é uma coisa que utilizamos para descrever as impressies dos nossos sentidos (uma vestrutura», como dizia Pearson). «Mas, no proprio mundo das impressies dos sentidos, no existem linter valos de tempo de tempo absoluto].» Observando as ectrelas a atra- vessarem 05 retfculos dos nossos instrumentos de trinsito de uma meia-noite para a seguinte em duas ocasioes diferentes, verificamos que a pessoa média regista aproximadamente a mesma sequéncia de impressdes sensorizis. Bem, diz Pearson. Atribua-se a esses dois in tervalos de mcia-noite a meia-noite a designago «igual». Mas nao nos iludamos; isto nao tem nada que ver com o tempo absoluto: «Os espacos vazios nas zonas superior e inferior da nossa ampulheta conceptual do tempo nao justificam poesias sobre as passadlas Ou 240 (05 RELOGIOS DE EINSTEIN E OS MAPAS DE POINCARE futuras eternidades do tempo, poesias que, confundindo concepcio € percepeao, reivindicam para estas eternidades um significado real no mundo dos fendmenos, no campo das impressbes sensoriais.»%” Juntamente com Mach ¢ Pearson, Richard Avenarius, com a sua Critica da Experiéncia Pura, encontrou o seu caminho para a lista de leituras dos olimpicoss também ali se manifestava uma atitude eéptica pare com tudo aquilo que ficava fora do alcance da expe- rigacia, Na lista para discussao englobavam-se outras obras, como a Légica, de John Stuart Mill, na qual se alertava contra «a hipdtese predominante de um éter que deixa passac a hizw; a perspicar ani- lise do conceito de nimero, de Dedekind; ¢ 2 desmontagem éa incucao, por David Hume, no Tratado sobre a Natureza Humana:* Mas de todos estes trabalhos, que faziam o enquadramento das nogdes bésicas da Cigncia pesante um fundo exitico daquilo a que © entendimento hamano tina acesso, Solovine seleccionow um livro para comentéria especial, uma obra gue tinha acabado de aparecer ‘em Alemio em 1904: «...a Gigncia ¢ Hipdtese, de Poincaré, que nos absorveu inteiramente e nos manteve enfeitigados durante sema- nas».” Nele puderam Einstein e os seus olimpicos encontrar forte apoio para os pontos de vista de Mach e de Pearion. Poincaré alude ainda ao seu crucial artigo, «A Medigdo do Tempo». Pode ser cue Einstein ¢ 2 sua academia se tenham precipitado numa corrida & procusa de «A Medico do Tempo» na sua forma original (publicada numa revista de Filosofia francesa), Mas isso afiguca-se pouco provével. Contudo, ha uma peculiaridade curiosa, ‘Ao contrario das verses inglesa ou francesa, os ediores alemies de Ciéncia ¢ Hipdtese taduziram um excerto bastante grande da con- clusao de «A Medico do Tempo» e incluicam-no, como nota de rodapé, naquela outra obra. Assim, em 1904, em bor Alemao, a Academia Olimpia teré tido perante sia explicita negagio, por Poincaré, de qualquer «incaigdo directa» sobre a simultancidade, a sua insisténcia em que as regras de definicao da simultaneidade eram escolhidas pela conveniéncia, nao pela verdade, ¢ a sua decla- ragio final: «Todas estas rogras ¢ definigées sio apenas o fruto de uum oportunismo inconsciente.» Na verdade, os tradutores de Fran- «és para Aledo foram mais longe. fazendo referéncias & longa série de filésolos, fisicos e mateméticos que tiaham fulminado 0 tempo absoluto a favor do tempo rela Locke € ¢’Alembert & cabera, ¢ com um dos criadores da geometria nao-euclidiana, (05 RELOGIOS DE EINSTEIN at Lobaschewski, ali a informar que o tempo era apenas «movimento destinado a medir outros movimentos». Relégio de péndulo, relégio de mola, Terra cm rotagao: op tradutores alemaes de Poincaré insis- ‘am que nés podiamos escolher 0 movimento a utilizar como uni- dade de tempo para definir 0 tempo ut» da Fisica. Mas essa escolha nao tinha absolutamente nada que ver com o tempo absolute. Pclo contrério, a escolha sublinhava mais uma vez a tese de Poincare de «oportunismo» na definicéo fisica de simultancidade ¢ duragio.” Se seria um erco supor que os pormenores mais delicados co pensamento de um filésofo singular qualquer salcaram integralmen- te para o trabalho de Einstein, nao ha davida absolutamente nenhu- ma de que ele saiu destes anos iniciais em Berna com um poderoso sentido da distingao entre aquilo que era acessivel & nossa experié cia c aquilo que estava, por assim dizer, escondido e sem possibili- dade de acesso por trés da cortina do pecceptivel. Uma sal énfase no que se pode conhecer, especialmente no que se pode conhecer atra- vvés do que se pode apreender do mundo natural por meio dos sen- tidos, foi essencial para a doutrina do positivismo enunciada por Auguste Comte ¢ seguida pelos seus muitos partidérios. Como Einstein dizia ao filésofo Moritz Schlick em 1917; «As suas alega- ‘sbes de que a teoria da relfatividade] se inspira no positivismo, sem contudo 0 exigir, estio... muito certas, Também nisto vocé viu cor- rectamente que esta linha de pensamento teve uma grande influéncia hos meus trabalhos, € mais especificamente E. Mach, € mais ainda Hume, cujo Tratado da Natureza Humana en tinha estudado avida- mente ¢ com admiracao pouco antes de descobrir a teoria da rela tividade. E bem possivel que sem estes estudos filosdficos eu aio tivesse chegado a solusao.> A Filosofia tinha importancia, Longe de estar dessintonizado de uum Zeitgeist cultural*, 0 facto de Einstein advogar a favor de uma nogio ce simultancidade procedimental ¢ contra o tempo ebsoluto metafisico adaptava-se inteiramente a esta sérit de jogadas para saster a bast do conhecimento da Fisica, de Mach, Pearson, Mill € Poincaré. Um a um, Finstein ¢ 0 seu pequeno circulo procuaram obter 0s seus livros para discussao, Os primeitos artigos cientificos importantes de Einstein sobre Fisica (1902-04) tinham por objectivo 2 Termodinamica ea subja- * Espitito cultural da época (em slemio, no orginal. (N. do T) 2 5 RELOGIOS DE EINSTEIN E 05 MAPAS DE POINCARE cente consideragio do calor como o produto da agitacio molecular {mecinics estatistica). Algures entre as suas exploragdes da Filose. sua imersio em Termodinamica na ETH, ¢ a sua investigagto independemte pés-ETH, Einstcin comegou a forjar uma abordasem da Fisica que dava énfase aos principios e evitava 2 construsao Pormenorizada de modelos. A Termodinamica podia scr formulade Optimamente com duas afirmagées fcilmente expressas, ¢ no entanto importantes, sobre os sistemas isolados: a quantidade de energin Permanece sempre a mesma, ea entropia (a cesordem de um sistcina} nunca diminui. A simplicidade e o alcance desta teoria mantiveram. se como win ideal da Cigncia, para Einstein, ao longo de toda a say carrcira. Na Giéncia e Hipotese, de Poincaré, ele ter’ enconerado tuma vigorosa exposicao do ponto de vista de que a Fisica se inte, ressava pela anilise de tais prinefpios. ¥ contude os termos «convencoes» e «princ{pios» no tinham para Einstein (¢, na realidade, para muitos fisicos alemies da alsural o ‘mesmo significado que tinham para Poincaré. Em Francés, 0 tiple significado da palavea francesa convention (tratado legal, conde cect. ficoy Convention do Ano Il) estava vividamente presente para Poin caté 0 seu circulo de amigos, que giravam em torno da Convention du Métre ow da proposta convention para 0 tempo reduzido 20 fisseme decimal. Passar 0 texto para Alemao significava quebsar «ssa cacleia especifica de associagies. Em boa verdade, os tradutones alemiies de Ciéncia ¢ Hipétese interpretacam de varias maneitas a Pelavra convention, propondo umas vezes um substantivo alemso comm © sentido de acordo legal (Ubereinkommen), outras vezes uim scordo convencional estabeleco socialmente (Konventionelle Fesierzung) = Importa ainda salientar que em vio procurariamos nas obras de Einstein uma insisténcia, semelhante a de Poincaré, em que os prin. ‘iplos fossem definigSes que sobrevivessem exclusivamente devido & sua «conveniéncia». Para Einstein, eram os principios que sustents- vam a Fisica até talvez mais do que essa ciéncia, especialmente em anos mais recentes. Num contexto diferente, Einstein reflectia: © mew interesse pela Ciéncia limitou-se sempre esioncialmente a0 estado dos prinipios,o que é a melhor explicagio para o meu compor, famento sa sun globilidade. © facio de eu ter publicado tio poaco ode ser atribuido 3 mesma circunstinea, pois que o desio ardent de apreender os princfpios feame gastar a maior parte do meu tempo em ulgencias infrunteras.® 08 RELOGIOS DE EINSTEIN 23 Ums Fisica baseada em principios era importante para Einstela, fambém o era a reflexdo filosoiea critica, que reduzia os conceives 0s 20s seus elementes bisicos. Mas havia mais. Ao longo dos seus anos cm Berna, 0 trabalho € o pensamento de Einstein teva fotalinente impregnados pelos principios matcrializados das magu, 1s. Deseo principio, Einstein considerou o departamento de repers de Patentes nao como uma carga interferindo com 6 seu waleike gical», mas em vez disso como um prazer lucrativo. Nos meados de Fevereiro de 1902 ele reatou como tinha encontrada win antion cstuclaute da ETH que estava entdo a trabalhar no departamenre ie registo de patentes. «Ble acha que aquilo ali é muito aborrecile Fosnutts Pessoas acham tudo aborrecido—, tenho a certeza de que Vou achar aquilo agradavel e de que ficarei grato a Haller tod minha vida.» Ou como Binstein mais tarde declarou: «Trabalher ns formulagio definitiva de patentes tecnolégieas foi uma verdadens béngio para mim. Obrigava a considerar uma iultipcidade de aspectos ¢ fornecia também estimulos importantes para a rellexto sobre a Fisica»! E quanto a0 tempo? Por alturas de 1902 Lorentz jé vinta ha muito a faver experiéneias com variagdes matematicas ficticias na forms como a varidvel cempo f deveria ser definida para um objecto om movimento no éter. Com as contribniges posterioves de Poincaté ¢ Ge outros fisicos, a nogio de um éiex fixo tinka ganho tetreno, Come sabemos, Poincaré tinha interpretado a simultaneidade através de sslogios coordenados por sinais luminosos (de inicio, ignovando totalmente 0 éter, ¢ depois, para sistemas explicitamente em movi, mento através dele). Embora o seu modo de utilizar o étes tivesse mudado, Poincaré nunca hesitou na sua conviccao de que o éter em snormemente valioso como uma fecramenta para o pensamento, ua condigdo para a aplicacdo da intuigdo criadora. Ele mca equips. Fou o «tempo aparente» (tempo medido num referencial em movi, ‘mento) 20 «tempo verdadeiro> (tempo medido em repouso no éeer),* Poincaré, Lorentz ¢ Abraham estavam determinados comecar a elaboracio das suas teorias com uma andlise da dindmica, day forgas que mantinkam unidos, achatavam e juntavam oe elecesSes enquanto estes iam abrindo caminho através do étez As forgas von. traiam os bragos do interferémetro de Michelson e Morley: as fon §as impediam a totalidade da carga negativa de am electrso de sstilhagar aquela particula carregada. De tais teosias comstrutives da 4 5 RELOGIOS DE EINSTEIN E O$ MAPAS DE POINCARE matéria, gradualmente edificadas, eles queriam dedwzir a cinemé- tica—o comportamento da matéria comum na auséncia de forgas externas. © objective de Einstein era completamente diferente: 0 tempo do comeyaria pela dinamica, Em meados de 1905, apresentow uma nova interpretacio do tempo e do espaco que faria a fisica dos cor Pos em movimento comesar por principios simples, da mesma forma gue a Termodinamica comecava pela conservacdo da energia ¢ pela proibicio do decréscimo da entropia. Lorentz estava disposto a admitir como postulado uma nogo artificial de tempo (f,.,) DOr causa da uilidade desta nogao para o calculo de solugdes para as ‘suas equacbes. Poincaré viu as consequéncias fisicas do «tempo locals para os referenciais em movimento uniforme, Antes de Einstein, porém, nem Poincaré nem Lorentz se aperceberam de que a coorde- nagio de cel6gios era o passo crucial que reconciliaria alguns dos ‘grandes principios da Fisica, Nenhum deles calculava que a reformu- lagio da concepgio do tempo iria fazer avangar o fim do seu modo de conceberem 0 éter, os electrdes e 0s corpos em movimento. ‘Nethum deles esperava que a propria contraccao de Lorentz pudesse ser vista como uma mera consequéncia de ume redefinigao do tempo. Por seu lado, ances de Maio de 1905 Einstein reconhecia validade apenas as caracteristicas basicas da fisica de 1895 de Lorentz, ¢ no a reconhecia a um tinico sequer dos trabalho: de Poincaré sobre electrodinémica. Em altemativa, Einstein estava a ler textos filos6: ficos sobre os fundamentos da Ciéncia (incluindo os textos de Poin- caré), a publicar artigos sobre a teoria estatistico-molecular do calor ea explorar a electrodindmica dos corpos em movimento. Antes de ter entrado no departamento de registo de patentes, ndo deixou 2 ‘mais ligeira pista de que tivesse qualquer interesse por relégios, tempo on simultaneidade Verdades patentes Ese era o estado das coisas para Einstein quando chegou ao Departamento de Registo de Patentes de Berna em Junho de 1902.* Este lugar represenrava (e nio s6 para Einstein) ndo um emprego apenas mas também um local de formacio — uma escola rigorosa para maquinas pensadoras. A frente do departamento de registo de (05 RELOGIOS DE EINSTEIN as patentes, durante todo 0 tempo que Einstein ocupou esse cargo, esteve Friedrich Haller, um severo capataz para com os seus subor dinados, que deu ao jovem inspector instrugSes para ser critico em todas as fases da sua avaliacao das propostas: «Quando pegar num requerimento, pense que tudo © que o inventor diz esta etrado.» Ele foi avisado para que, acima de tudo, evitasse a credulidede facil: a temiagao sera alinhar com +a forma de pensar do inventor, ¢ isso ira influencis-lo. Tem de se manter criticamence vigilantey.*” Para Einstein, jé grandemente inclinado a tratar como obsoleto, estipido € ocioso tudo aquilo que considerasse autoridade arbitraria, a or- dem formal para se entregar ao seu cepticismo até a saciedade deve ter sido gratificante. A sua inelinagio para submeter & prova hips teses complacentes quanto 2 atilizagdo de engrenagens ¢ conducores dléctricos era o cco de uma atitude igualmente iconociasta em do- rminios menos tangiveis da Fisica. Porque Einstein tinha escolhido, ra cleetrodinmics dos corpos em movimento, um problema que © tinha desafiado de quando em quando durante uns bons sete anos € estava a preocupar, com cada vez maior forca, os fisicos mais importantes da Spoca. (O trabalho de Einstein em electrodinamica, em 1902, ado englo- bava uma investigacdo sobre a natureza do tempo. Mas ele estava literalmente rodeada por uma fascinagio, que comegava a lancar os scus rebentos, pela simultancidade electrocoordenada. Todos os dias Einstein saia da sua casa, virava a esquerda, ¢ dirigla-se para o departamento de registo de patentes — uma caminhada que o levava 2 um local de trabalho do qual, dizia ele a um amigo, «eu gosto. muito, porque € invulgarmente diversificado © h muico trabalho intelectual para fazer».** Todos os dias tinha de passar a pé pelas grandes torres com reldgios que, com as suas horas coordenadas, controlam Bema. Todos os dias passava pela miriade de relégios cléctricos das ruas, ligados recentemente, e com orgulho, ao servico central de telégrafo. Fazendo a sua volta desde a sua rua, a Kram- gasse, aré ao deparramento de registo de patentes, Finstein tinha de passar por baixo de um dos mais famosos relégios da cidade (ver figuras 5.3 € 5.4) Sob muitos aspectos, Friedrich Haller era tanto um professor de Einstein, no depastamento de registo de patentes, quanto Weber ou Kleiner 0 tinham sido ns ETH. Sob a sua égide 0 departamento de registo de patentes era verdadeiramente uma escola da mais recente 6 (0$ RELOGIOS DE EINSTEIN E OS MAPAS DE POINCARE Figura 5.3— Torre de selégio coordenados Krangasie. Quando 5: na Keamgasse e vira do seu apartamento 4 esquerda para 0 De- partamento de Rexisto de Patenres de Becna, Einstein via um dos grandes (e, por altares de 1905, j8 coordenado) reldgios de cidade. Fonre: Boncenssimiorarx Bray, vec. 10379 tecnologia, um local cujo objective eca exercitar uma selecgdio muito especifica e disciplinada de propostas tecnologicas. Logo no inicio Halle: repreendeu Einstein: «Sendo um fisico, vocé nao percebe nada de desenhos. Tem de aprender a compreender desenhos téenicos & rmemérias descritivas antes de eu © poder passar a efectivo.»” Em Setembro de 1903 Einstein, aparentemente, ja dominava suficiente- mente 2 linguagem visual do mundo das patentes; recebeu uma notificagao de que a sua nomeagio tinha sido tornada definitiva. Contudo, Haller ainda nao estava disposto a promové-lo, comen- tando numa avaliacio que Einstein «devia esperar até dominar 08 RELOGIOS DE EINSTEIN 27 5.4 — Rede de religios eléctricos de Berna (cerca de 1905), Os relégios os coordenados eam um assunt> de importincia pritica ¢ de orgulho |. Por aleuras de 1905, erarn “um componente notsvei ds paisagers ‘moderna por toda a cidade de Bema. Fen: Mar 9” CADE be a CousccKo ok Maras ve Haka; & LOCALIZAGAO DE RELOGIOS APRE- | RASHA-SE EM DADOS 0 LVKO HE DE MESSERLL, GLEICIHMASIC (1995) mente a tecnologia das maquinas; a avaliar pelo seu cuzri- le € um fisico». Esse dominio foi sendo adquirido a medida nstein se ia embrenhando na avaliagio evitica da parada de ts que lhe aparecia pela frente. Em breve estava cin condigies (at @ Mileva que estava «a dar-se com Haller melhor do que +. Quando um agente comercial de patentes protestou contra ta decisao, citando até um deparramento de registo de paten mao em apoio da sua queixa, [Haller] tomou © meu partido los os pontos». Depois de trés anos e meio no lugar de juiz tentes, Einstein persuadira os seus superiores de que, apesar a, tinha aprendido uma nova forma de descobrir, através da agio dos diagramas ¢ das memdrias descritivas, 0 amago da »gia inovadora. Em Abril de 1906, Haller promoveu-o a pe- onico de segunda classe, considerando que Einstein «pertence 248 (05 RELOGIOS DE EINSTEIN FOS MAPAS DE RORVCARE 440s peritos mais considerados do departamento»‘! onde, cada veo mais, as patentes respeitantes ao tempo eléctrico faziam crescer 0 nnimero de requerimentos, As teenologias do tempo originavam patentes destinadas a todos os sectores da rede: patentes relativas a geradores de baixa tensio, Datentes celatvas a receptores clectromagnéticos com 0s seus escapos ¢ semacluras, patentes relativas a interruprores de contacto. Bastante tipico do tipo de trabalho electcocronométrica que estava a florescer na década posterior a 1900 foi o original rezeptor do eoronel David Perret, 0 qual detectava um sinal cronométrico de corrente continua « uillzava-o para accionar uma armadura oscilante. Foi-lhe atribuida 4 patente suica mimero 30 351 a 12 de Margo de 1904. O receptor do préprio Favarger fazia o contrésio: recebia uma corrente alterna do relogio-mae e transformava-a no movimento unidireccional de uma roda centada. O requerimento desea patente —que viria a ser Posteriormente amplamente utilizada— foi carimbado com «rece- bido» em 25 de Novembro de 1902 ¢ a patente foi registada em 2 de Maio de 1905, apés um longo, mas nao totalmente invulgar, periodo de avaliacgao. Havia patentes que especificavam sistemas Para rel6gios activarem alarmes colocades muito longe, enquanto euwas hipéreses de patente submetidas a apreciagao tinham por objective a regulacdo eleciramagnétiea & distancia de relégios de Péndulo. Havia propostas para pir o tempo a viajar pelas linhas de telefoncs —c até sistemas que enviavam o tempo por telegeafia sem fios. Outras patemtes apresentavam projectas para controlar as par tidas © chegadas das cominhos-de-ferro ou para exibir as horas que eram em diferentes zonas horsrias, Ainda outcas especificayam como € que se podiam proteger da electricidade atmosférica relogios eléctricos comandados 4 distancia on como é que se podiam receber silenciosamente sinais horérios electromagnéticos. Uma cascata de tempo coordenado, Algumas destas patentes visavam sistematicamente 0 problema de distribuir a simukaneidade. A patente 277555 de Perret entrou as 5h30 da tarde de 7 de Novembro de 1902 (fot registada em 193}, oferecendo «Uma Instalacao Eléctrica para a Transmissio do Tem om; Perret lancou uma proposta semelhante em 1904. O seahor L. Agostinelli, fazendo o seu sequerimento a partir de Terni (patente 29073, registada em 1904), propunha uma «lnstalacio com Rel6- ‘gio Central para Indicar as Horas Simultaneamente em Varios Lu- 0S RELOGIOS DE EINSTEIN 249 gares Separados Uns dos Outros, e com Campainhas para Tocarem Automaticamente a Horas Pré-Determinadas.» Havia patentes requerides por consércios enormes, como a Siemens {«Relé para relogio-mae», niimero 29 980, registada em 1904), e patentes sub- aetidas por empresas snigas mais pequenas mas, ainda assim, im- al Figura 5.5—Patenteando 0 tonpo coordnado. As patents rates & coordensio eleomagaétia do capo fain ol de 190, A o apenas alguna: patente sue 3 700 fem ema esque) mona Se ae ee de 1905) A patnte ougn 29 429 (de 1900) em cna, 3 ct, lata uma propor part wassnin clica do tonpo, Os elon dane ue fava de ser contoladoa to vate na fone lfelr do eaquern de gases, A patente mga 37912 (1906) rercetada na zona ifr fa figura, € um dos requerimentos inteiramente dedicados & transmissio do tempo por radio, aprovados mais cedo. Esquemas como estes tém datas que ‘s.08 sine 69) pein Ue a dhs © ase smplameare donut 1905. Fowr: 33 700 Jats Basan Jacon Stun 29 832 [Conon ‘Dan Pena}; ©37 912 (ax Reriorn F asx Monser2)

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