Академический Документы
Профессиональный Документы
Культура Документы
6) a crise do
neoliberalismo
30/09/2010
Os dirigentes das classes dominantes têm o hábito salutar de admitir a fragilidade das
suas ideologias, e Marx disse mais ou menos o mesmo ao observar que a Igreja
Anglicana preferiria renunciar à maior parte dos seus dogmas do que a uma pequena
parte das suas propriedades. Precisamente, renunciam aos dogmas para conservar a
lucidez que lhes permite manter as propriedades. Aparentemente a extrema-esquerda,
como não tem propriedades nenhumas, agarra-se ao dogma. Lembrei-me disto ao ler
que Mahmoud Mohieldin, professor da Universidade do Cairo e ministro do
Investimento no governo egípcio, declarara que «não se trata só de uma crise da
economia. Trata-se de uma crise do pensamento económico. Trata-se de uma crise que
está a deixar perplexos muitos partidários de reformas». (Devo prevenir os leitores de
que, consoante o uso português, chamo mil milhões ao que os brasileiros chamam
bilhão, ou seja, 109, e bilião ao que no Brasil se chama trilhão, um milhão de milhões, ou
seja, 1012.)
Entretanto, para manter solventes a Fannie Mae e o Freddie Mac, que detêm ou
garantem mais de metade das hipotecas residenciais norte-americanas, o Tesouro já
lhes adiantou 145 milhares de milhões de dólares, e ainda isto se pode considerar um
êxito relativo, porque fora inicialmente autorizado o dispêndio de 400 milhares de
milhões. E para impedir a falência da seguradora American International Group, o
governo norte-americano adiantou 180 milhares de milhões de dólares.
Nada disto seria possível se a Reserva Federal não tivesse expandido muito a base
monetária, de modo que as reservas bancárias, que entre Setembro de 2007 e Setembro
de 2008 se haviam em média mantido em 11 milhares de milhões de dólares, chegaram
a quase 900 milhares de milhões em meados de 2009.
O decoupling faz-se notar porque nos Estados Unidos e na União Europeia o aumento
da intervenção económica estatal não tem ocasionado qualquer hegemonia do Estado
na economia. Bem pelo contrário, são os governos que estão ao serviço das empresas e
os subsídios não levaram a nacionalizações. Um exemplo agrante é o governo norte-
americano, que passou a deter 61% das acções da General Motors mas que, evitada a
falência da empresa, prevê começar a vendê-las no nal de 2010. E como os muitos
milhares de milhões de dólares canalizados para o American International Group pelo
governo norte-americano, que passou assim a deter 80% das acções, permitiram que
esta seguradora regressasse à prosperidade, os seus administradores anunciaram em
Agosto de 2010 que se preparavam para restabelecer a separação entre a rma e o
governo.
O aumento da dívida pública nos Estados Unidos e na União Europeia tem sido
acompanhado pelo aumento do dé ce governamental, destinado a contrariar o declínio
do consumo, com o consequente acréscimo da poupança. E ao mesmo tempo que o
recurso aos estímulos contracíclicos leva os governos a aumentar o dé ce, a diminuição
do rendimento dos impostos, motivada pelo abrandamento da actividade económica,
deixa os governos depauperados e mais ainda os pressiona a agravar o dé ce. Nos
Estados Unidos o dé ce orçamental federal correspondeu a 1% do PIB no ano scal de
2007-2008, mas em meados de 2009 previa-se que no ano scal de 2008-2009
atingisse 12% ou 13% do PIB. Na verdade foi inferior, limitando-se a 10%, mas mesmo
assim foi o maior desde o nal da segunda guerra mundial. E como a economia norte-
americana continua estagnada e se admite a necessidade de recorrer a novos estímulos
económicos, a gura-se possível o aumento do dé ce governamental, ainda que dé ces
persistentes possam elevar as taxas de juro, com efeitos recessivos.
Nota
[1] Chama-se BRICs ao conjunto formado pelo Brasil, Rússia, Índia e China. Ver a este
respeito o segundo artigo desta série.