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(1932-1961)
Bruno Borges*
A passagem do século XIX para o século XX foi marcada, no Brasil, por grandes
transformações: a implantação do regime republicano, a transição do trabalho escravo
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Ver TORRES, Rosa Maria. Melhorar a qualidade da educação básica? As estratégias do Banco Mundial.
In: TOMMASI, L. D.; WARDE, M. J.; HADDAD, S. (Orgs). O Banco Mundial e as Políticas
Educacionais. São Paulo: Cortez, 2000.
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Para mais ver CARVALHO (2015).
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O autor (idem) indica ainda que “o conflito emergiu no apagar das luzes de 1931,
na IV Conferência Nacional de Educação, vindo a consumar-se a ruptura com a
publicação do ‘Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova’, no início de 1932” (idem, p.
197). De fato, a publicação do Manifesto4 pode ser considerada como o marco para o
início do conflito. A Educação Nova assumia-se como uma reação categórica, intencional
e sistemática contra a velha estrutura do serviço educacional, artificial e verbalista,
montada para uma concepção vencida. Os signatários do Manifesto afirmavam que a
concepção tradicional privilegiava os interesses de classe e que a nova concepção
permitiria a cada indivíduo o direito de se educar até onde o permitam as suas aptidões
naturais, independente de razões de ordem econômica e social. No item denominado O
Estado em face da educação os escolanovistas preconizaram a noção de que é dever do
Estado a garantia de educação; que o Estado deve garantir a educação a todos os cidadãos
independente de suas condições sociais e econômicas – não podendo impedir, no entanto,
que as camadas sociais mais abastadas pudessem optar por escolas particulares para a
educação de seus filhos; a laicidade evitaria a influência de crenças e disputas religiosas
na escola; a gratuidade garantiria o acesso de todos; a obrigatoriedade contribuiria para
que as crianças e jovens não fossem prejudicados pelas resistências dos pais ou por outros
fatores de ordem econômica; e a coeducação que, ao reunir crianças do mesmo sexo,
tornaria mais econômica a organização da obra escolar e mais fácil a sua graduação.
O Manifesto é considerado um importante documento de política educacional.
Está em causa no ‘Manifesto’ a defesa da escola pública. Nesse sentido o texto emerge
como uma proposta de construção de um amplo e abrangente sistema nacional de
educação pública abarcando desde a escola infantil até a formação dos grandes
intelectuais pelo ensino universitário (Idem, p. 253).
A reação da Igreja Católica e daqueles que eram alinhados com ela foi imediata.
Para os católicos a religião e a educação eram inseparáveis, daí a crítica à laicidade. O
processo educativo, para eles, deveria caber em primeiro lugar à família e à Igreja e,
depois, ao Estado, e daí a crítica ao, como diziam, monopólio estatal proposto pelos
escolanovistas. Os católicos defendiam ainda que a decisão sobre a educação dos filhos
deveria ser dos pais, daí a crítica à gratuidade e à obrigatoriedade. Segundo eles, esses
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Documento disponível em Revista HISTEDBR On-line, Campinas, n. especial, p.188–204, ago. 2006.
(http://ojs.fe.unicamp.br/ged/histedbr Acesso em 25.07.2016).
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dois últimos pontos, significavam a intromissão do Estado numa questão que deveria ser
uma prerrogativa da família e da Igreja.
A questão educacional foi se constituindo, portanto, num campo de acerbas
disputas, um lugar de uma verdadeira batalha pedagógica que, grosso modo, poderíamos
dizer que comportava, de um lado, aqueles que aspiravam a uma escola mais adequada
aos tempos modernos nos quais se inseria o país, uma escola pública estatal, promotora
da democracia, laica e acessível a todos os cidadãos em condições de igualdade; e, de
outro, os que propunham uma educação sob a preponderância da família e da religião,
instâncias que claramente remetem às dimensões do privado e às forças mais tradicionais
e conservadoras da sociedade.
A década de 1930, no plano político, foi marcada no Brasil pela crescente
polarização entre o internacionalismo de linha soviética propugnado pela Aliança
Nacional Libertadora (ANL) e os ideais do nacionalismo de inspiração nazifascista –
representado pela Ação Integralista Brasileira (AIB) fundada em 1932. Em 1937 o
governo Vargas, por meio de um golpe, instituiu a ditadura do Estado Novo (FAUSTO,
2001). Saviani (2007, p.265) alerta que havia afinidades claras entre os católicos e o grupo
dirigente que ascendeu ao governo federal em consequência da Revolução de 1930 e que,
em 1937, implantou a ditadura.
A visão comum compartilhava conceitos como o primado da autoridade; a concepção
verticalizada da sociedade em que cabia a uma elite moralizante conduzir o povo
dócil; a rejeição da democracia liberal, diagnosticada como enferma; a aliança entre a
conservação tradicionalista dos católicos e a modernização conservadora dos
governantes; (...) o anticomunismo exacerbado; a defesa da ordem e da segurança; a
defesa do corporativismo como antídoto ao bolchevismo.
II
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A Campanha Nacional de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (atual Coordenação de
Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior) foi criada em 11 de julho de 1951, pelo Decreto nº 29.741.
http://www.capes.gov.br/historia-e-missao acesso em 27.07.2016.
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educação pública versus educação privada. Além do discurso, o padre e deputado também
enviou ao Ministério da Educação um memorial no qual fazia um alerta “contra as
repetidas restrições assacadas contra o patrimônio moral e espiritual da Igreja Católica no
setor do ensino, (...) escondidas no valor dos postos que ‘esses pioneiros’ ocupam” (Idem,
p. 22). Fonseca e Silva denunciava uma suposta campanha oculta que se estaria
desenvolvendo no Ministério da Educação contra o ensino particular no Brasil. Anísio
Teixeira procurava se defender afirmando a sua convicção democrática e recusando a
pecha de comunista. Numa de suas principais obras, na seção sobre a escola pública,
universal e gratuita, Teixeira (1994, p.99) explicita suas posições.
Não advogamos o monopólio da educação pelo Estado, mas julgamos que todos têm
direito à educação pública, e somente os que quiserem é que poderão procurar a
educação privada. Numa sociedade como a nossa, tradicionalmente marcada de
profundo espírito de classe e de privilégio, somente a escola pública será
verdadeiramente democrática e somente ela poderá ter um programa de formação
comum, sem os preconceitos contra certas formas de trabalho essenciais à democracia.
(...) A escola pública não é invenção socialista nem comunista, mas um daqueles
singelos e esquecidos postulados da sociedade capitalista e democrática do século
dezenove.
Percebe-se que na defesa de seus interesses a Igreja Católica, com o apoio dos
proprietários de escolas particulares, procurava não só distorcer como vincular as ideias
e propostas de Teixeira aos ideais marxistas no sentido de desqualificá-las e, ao mesmo
tempo, de comprometê-lo6. No final de 1958 o deputado Carlos Lacerda apresentou um
novo substitutivo ao projeto de diretrizes e bases da educação nacional. O chamado
Substitutivo Lacerda representava expressamente os interesses das escolas privadas. De
acordo com Saviani (2007, p.288) “a partir daí o conflito que se encontrava circunscrito
à figura de Anísio Teixeira se desloca para o centro do debate sobre as diretrizes e bases
da educação nacional”.
O conflito se acirrava, de fato, em torno do projeto de Lei para as Diretrizes e
Bases da Educação Nacional que continuava seu trâmite no Congresso Nacional. De um
lado se alinhavam os defensores da escola privada: a Igreja Católica – que se pautava
doutrinariamente na defesa da liberdade de ensino sob o controle apriorístico da família
e da Igreja – e os donos de escolas particulares que, mesmo sem uma definição
confessional e por motivos óbvios, rejeitavam a educação pública ou o controle estatal.
Esses grupos argumentavam que a família deveria ter o direito de escolher o tipo de escola
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O clima político da Guerra Fria e o alinhamento do Brasil com os Estados Unidos reforçavam a
intolerância com os simpatizantes do socialismo ou do comunismo, tanto que organizações de orientação
marxista, bem como vários de seus membros, sofreram várias perseguições e foram colocadas na
ilegalidade em 1947.
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que desejasse para seus filhos cabendo ao Estado, no caso dessa família não poder custear
a sua escolha, ainda a obrigação de subsidiá-la. De outro lado estavam os defensores da
escola pública divididos em três correntes: a liberal-idealista – que atribuía à educação o
papel de formar o indivíduo autônomo, sem considerar as condições sociais em que vive;
a liberal-pragmatista – que entendia ser o papel da educação ajustar os indivíduos à
realidade social em mudança (nessa estavam os escolanovistas como Anísio Teixeira,
Fernando de Azevedo, Almeida Júnior e Lourenço Filho); e a tendência socialista – que
procurava compreender a educação a partir de seus determinantes sociais, considerando-
a um fator de transformação social provocada (SAVIANI, 2007, p. 289-290).
Em meados de 1959 surgia na imprensa um novo manifesto. Intitulado Mais uma
vez Convocados: Manifesto ao povo e ao governo, o novo manifesto foi redigido por
Fernando de Azevedo – como o de 1932 – e subscrito por mais de cento e sessenta
educadores. Em termos gerais o texto fazia a
denúncia dos interesses ‘ideológicos e econômicos’ que movem os grupos
empenhados na luta contra a escola pública, pois o que ‘disputam afinal, em nome e
sob a capa da liberdade, é a reconquista da direção ideológica da sociedade, uma
espécie de retorno à Idade Média, e os recursos do erário público para manterem
instituições privadas (BUFFA, 1979, p. 41).
CONSIDERAÇÕES FINAIS
REFERÊNCIAS:
BUFFA, Ester. Ideologias em conflito: escola pública e escola privada. São Paulo-SP:
Cortez & Moraes, 1979.
CARVALHO, J.M. Os bestializados: o Rio de Janeiro e a República que não foi. São
Paulo: Companhia das Letras, 1990.
CARVALHO, Marta Maria Chagas. Reformas da Instrução Pública. In: LOPES, E.M.T.;
FARIA FILHO, L.M.; VEIGA, C.G. 500 anos de educação no Brasil. Belo Horizonte:
Autêntica, 5ª edição, 2015, p.225-251.
FAUSTO, Boris. História concisa do Brasil. São Paulo: Edusp; Imprensa Oficial do
Estado, 2001.
VIDAL, D. G. Escola nova e processo educativo. In: LOPES, E.M.T.; FARIA FILHO,
L.M.; VEIGA, C.G. 500 anos de educação no Brasil. Belo Horizonte: Autêntica, 5ª
edição, 2015, p. 497-496.