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ECONOMIA, MERCADO E

GESTÃO

autor
ANDRE LUIS DA CUNHA MARTINS

1ª edição
SESES
rio de janeiro  2016
Conselho editorial  jose dario menezes, roberto paes e paola gil de almeida

Autor do original  andre luis da cunha martins

Projeto editorial  roberto paes

Coordenação de produção  paola gil de almeida, paula r. de a. machado e aline


karina rabello

Projeto gráfico  paulo vitor bastos

Diagramação  bfs media

Revisão linguística  bfs media

Revisão de conteúdo  josé machado carregosa

Imagem de capa  violetkaipa | shutterstock.com

Todos os direitos reservados. Nenhuma parte desta obra pode ser reproduzida ou transmitida
por quaisquer meios (eletrônico ou mecânico, incluindo fotocópia e gravação) ou arquivada em
qualquer sistema ou banco de dados sem permissão escrita da Editora. Copyright seses, 2016.

Diretoria de Ensino — Fábrica de Conhecimento


Rua do Bispo, 83, bloco F, Campus João Uchôa
Rio Comprido — Rio de Janeiro — rj — cep 20261-063
Sumário

Prefácio 7

1. Estado, Sociedade e Economia 9


1.1  As ciências sociais e os conceitos de Estado 10
1.1.1  Organizações Econômicas, uma perspectiva 10
1.1.2  Organizações e as Pessoas 13
1.1.3  Stakeholders 15
1.2  As Funções do Estado 16
1.2.1  Conceito de Estado 16
1.2.2  Conceito de Nação 17
1.2.3  Composição do Estado 17
1.2.4 Poderes 18
1.2.5 Organização 19
1.2.6  Governo 21
1.2.7  Administração Pública 22
1.3  Política de Estado e Política de Governo 23
1.4  Estado e Sociedade Civil 25

2. A Teoria das Finanças Públicas 29

2.1  A Teoria Econômica e o Setor Público 30


2.1.1  Economia do Setor Público 30
2.1.2  Bem-estar Social 31
2.2  Falhas de mercado 31
2.3  Funções do setor público 33
2.4  Bens públicos, semi-públicos e privados 34
2.5  Políticas Macroeconômicas 35
2.5.1 Introdução 35
2.5.2  Taxa de Juros, câmbio e Inflação 35
2.5.3  Crescimento Econômico 41
2.5.4  Distribuição de renda 45
2.5.5  Mercado Externo 46
2.5.6  Políticas Alternativas 47

3. Gastos Públicos 51
3.1  Teoria da Tributação 52
3.1.1 Introdução 52
3.1.2  Neutralidade e Eficiência 53
3.1.3 Equidade 54
3.2  Gastos Públicos 58
3.2.1 Introdução 58
3.2.2  Despesas conforme a categoria econômica 60
3.3  Curva de Laffer 61
3.3.1  Gestão Tributária 63
3.4  Déficit e Dívida Pública 64
3.5  Instrumentos de Política Fiscal 72
3.5.1  Gastos do Governo 73
3.5.2  Arrecadação Tributária 75
3.5.3  Sistema Tributário Brasileiro 77
3.6  Política Fiscal e Objetivos de Política Econômica 78

4. Finanças Públicas no Brasil 81

4.1  O período anterior a 1980 82


4.1.1  As reformas de 1964/67: 82
4.1.2  O comportamento das contas públicas nos anos 70: 83
4.2  As Finanças Públicas no regime de Alta Inflação: 1981/1994 84
4.2.1  Panorama das Contas Públicas 85
4.2.2  As NFSP: 1981/1994 86
4.2.3  Medição do Déficit: 1981/1984 87
4.2.4  A Redemocratização e o Aumento de Déficit Público:
1985/1989 88
4.2.5  O Problema da análise fiscal 89
4.2.6  Política Governamental 90
4.2.7  Efeitos Institucionais 92
4.2.8  Situação Fiscal entre 1984 e 1989 93
4.2.9  Política Econômica de 1990 a 1994 94
4.2.10  A Indexação da Receita 95
4.2.11  Inflação e Gasto Público 96
4.2.12  Qualificações Necessárias 97
4.3  Plano Real 98
4.4  Finanças Públicas após 1999 103

5. A Reforma do Estado 109

5.1  O processo de privatização no Brasil 110


5.1.1 Introdução 110
5.1.2  Avaliação das Privatizações no Brasil 111
5.1.3  Resultados Obtidos 113
5.1.4  Impactos da Privatização Sobre a Dívida Pública 114
5.1.5  Alterações no Programa 116
5.1.6  Privatizações após 1994 119
5.2  O papel regulador do Estado 124
5.2.1  Intervenção do Estado na Economia 124
5.2.2  Órgãos Administrativos Econômicos 124
5.2.3  O Estado como explorador da atividade econômica 125
5.2.4  O Estado como agente normativo e regulador da atividade
econômica 126
5.2.5  Conselho Administrativo de Defesa Econômica - CADE. 127
5.2.6  Secretaria de Direito Econômico - SDE. 128
5.2.7  Agência Nacional de Telecomunicação - ANATEL. 128
5.2.8  Agência Nacional de Energia Elétrica - ANEEL. 129
5.2.9  Agência Nacional de Águas - ANA. 130
5.2.10  AGÊNCIA Nacional de Vigilância Sanitária - ANVISA. 131
5.2.11  Agência Nacional de Saúde Suplementar - ANS. 131
5.2.12  A Agência Nacional de Petróleo - ANP 132
5.2.13  Agência Nacional de Transportes Terrestres - ANTT 133
5.2.14  Agência de Desenvolvimento da Amazônia - ADA 133
5.3  A parceria público-privada 134
5.3.1 Introdução 134
5.3.2  Regulamentação da Lei de PPP 135
5.3.3  Premissas de uma PPP 135
Prefácio
Prezados(as) alunos(as),

Este livro denominado Economia, Mercado e Gestão trata de possibilitar


aos leitores uma noção geral sobre a economia desde sua concepção, passando
pela evolução da ciência econômica e chegando a sua aplicação em uma econo-
mia de mercado.
Desta forma, o objetivo deste trabalho é desenvolver o conhecimento dos
fundamentos da economia e das finanças públicas aplicada a realidade brasilei-
ra de uma forma ampla. No início do texto procuramos relacionar tópicos fun-
damentais como a visão do Estado, da Sociedade, do Governo e da Economia,
com o propósito de solidificar conhecimentos importantes para a compreen-
são das teorias e exemplos abordados nos capítulos seguintes.
O texto apresenta em seguida uma evolução da economia e das finanças no
Brasil, segundo as mais importantes fontes disponíveis, passando pelas passa-
gens mais importantes de nossa história econômica recente, sempre procuran-
do abordar a teoria econômica necessária para a compreensão dos fenômenos
observados. Tivemos a preocupação de mostrar os fracassos e as conquistas da
série de tentativas da economia brasileira para vencer a inflação gigantesca que
existia no país. As inúmeras dificuldades e complexidades da economia brasi-
leira é mostrada neste trabalho de uma forma realista, visando a compreensão
dos importantes avanços obtidos por nossos economistas desde os anos 60/70
até o início do século XXI.
Por fim, apresentamos outros aspectos econômicos presentes em inúmeras
discussões econômicas que continuam em evidencia como a privatização, o pa-
pel regulador do estado na economia e as parcerias público-privadas.
Sabemos que este trabalho, está longe de conter todo o assunto relativo a
economia e mercado, todavia esperamos que este seja uma importante ponte
para o desenvolvimento dos conhecimentos a serem adquiridos por vocês ao
longo desta jornada de estudos e aprendizagem.

Bons estudos!

7
1
Estado, Sociedade e
Economia
1.  Estado, Sociedade e Economia
1.1  As ciências sociais e os conceitos de Estado

1.1.1  Organizações Econômicas, uma perspectiva

O sistema econômico consiste de uma rede de pessoas e organizações, e suas


inter-relações. A principal característica das clássicas formas de organização é
sua identidade legal independente, que a torna apta a formar contratos, e em
seu próprio nome, separa-lo dos indivíduos que pertencem às mesmas. Esta
habilidade de formar contratos é um dos mais importantes aspectos da análi-
se econômica das organizações. Desse modo, uma organização é considerada
como um conjunto de contratos, relacionamentos e entendimentos sobre os
membros individuais da organização, sendo uma empresa uma entidade legal
capaz de formar, de modo relativamente simples, contratos bilaterais com seus
fornecedores, funcionários, investidores, executivos e clientes.
Embora os aspectos legais de uma organização sejam importantes, uma
descrição completa da arquitetura organizacional envolve muitos elementos,
que devem ser reunidos com o objetivo de formar um padrão coerente. Tais
elementos podem ser compostos por diversos itens como:
•  Padrões de recursos e fluxos de informação,
•  Relações entre pessoas,
•  Alocação de responsabilidades e poderes de decisão,
•  Rotinas organizacionais e processos de tomadas de decisão,
•  Métodos para obter e reter pessoas e recursos,
•  Métodos pelos quais novas ideias e conhecimento são gerados
e difundidos,
•  Adaptações das rotinas da organização para refletir e implementar o
aprendizado organizacional,
•  Objetivos da organização, suas estratégias e táticas,
•  Comportamento de seus membros individuais.

Definir a organização simplesmente pela capacidade de formar contratos,


pode se tornar bastante inapropriada pois pode negligenciar a identidade dos
contornos e fronteiras da organização. Dentro de uma empresa, por exemplo,
aqueles que possuem poderes de decisão, geralmente os executivos, adquirem

10 • capítulo 1
poderes legais para solicitar que atividades sejam conduzidas da forma dese-
jada, e que suas diretrizes sejam seguidas. Esta característica faz com que as
empresas possuam uma única identidade, mesmo que sejam separadas por
diversas filiais.
A mais importante unidade de análise na teoria econômica das organiza-
ções é a transação, em outras palavras, a transferência de bens ou serviços de
um indivíduo para outro. Como os principais participantes destas transações
são pessoas, seus comportamentos e interesses são de fundamental importân-
cia para o entendimento das organizações. Desta forma, as ações dos indivíduos
determinam o comportamento e a performance das organizações. Analisando
como as organizações emergem, como são estruturadas, como funcionam, e
como a atividade econômica é dividida, concluímos que as pessoas que fazem
parte destas organizações procuram alcançar eficiência na condução de suas
atividades. Eficiência também deve existir em um nível sistêmico, na organiza-
ção das atividades das pessoas e na estrutura, gestão e direção das instituições
que elas criam.
Uma organização é um conjunto de indivíduos que atuam juntos em uma
criteriosa partição de trabalho para alcançar um propósito comum. As orga-
nizações são ferramentas sociais por meio das quais muitos seres combinam
seus esforços e trabalham juntos para atingir intenções que isoladamente ja-
mais poderiam fazê-lo. No fundo as organizações são um sistema cooperativo
racional. As pessoas se dispõem a apoiar entre si de maneira racional e propo-
sital, para alcançar objetivos e proporcionar soluções que individualmente não
teriam nenhuma condição de realizar. Essa razão permite que os empenhos
individuais e grupais sejam conjugados e integrados no sentido de produzir
resultados ampliados e expandidos. Daí o mérito do papel das pessoas e gru-
pos no comportamento das organizações, que invadem e atravessam tanto a
sociedade como a vida particular de cada indivíduo. Diariamente estamos em
contato com organizações. Se não participamos delas como membros, somos
afetados como clientes, clientela, consumidores ou cidadãos. Nossos experi-
mentos nas organizações podem ser bons ou maus. Algumas vezes, as organi-
zações podem parecer adequadas ou ajustadas às nossas demandas e, outras
vezes, nosso tato com elas pode provocar irritação e desilusão. Elas podem até
tornar-se um martírio para nós. Mas são imprescindíveis para a qualidade de
nossas vidas e para o nosso triunfo pessoal.

capítulo 1 • 11
As organizações dependem das atividades e cuidados de muitas pessoas que
colaboram para o sucesso corporativo. Desse modo, as pessoas são os chama-
dos recursos humanos das organizações e fazem contribuições que tornam a
organização habilitada de servir um propósito particular. Mas, para que as pes-
soas possam gerar resultados e proporcionar sucesso e bonança às organiza-
ções, elas também requerem fundos físicos e materiais, que são operados e pro-
cessados por meio do serviço das pessoas. Todos esses meios, são obrigatórios
para a produção de bens ou de serviços e, assim, para o sucesso organizacional.
As organizações constituem o recurso do desenvolvimento econômico e so-
cial. Os atos que ocorrem na sociedade moderna são somente possíveis dado
ao fato de que as pessoas agrupadas em organizações se envolvem em planos
comuns. Realmente, a sociedade moderna desenvolveu-se graças a formação
de organizações especializadas que fornecem os bens e serviços de que ela ne-
cessita. É duvidoso que o empenho de uma pessoa isolada pudesse fazer mui-
ta coisa dentro de nossa sociedade. Na verdade, vivemos em uma comunidade
organizacional, na qual as organizações são as primordiais realizadoras e im-
pulsionadoras da revolução e progresso. A sociedade moderna desenvolveu-se
através da geração de organizações especializadas aptas a fornecer os bens e
serviços que ela necessita. O estágio de desenvolvimento de uma nação, e a qua-
lidade de vida de seu habitante dependem fundamentalmente da qualidade e
hegemonia de suas organizações. Além da importância para as nações, não de-
vemos esquecer o valor das organizações para as pessoas. São nelas que as pes-
soas passam a maior parte de suas vidas cotidianas.
A primeira explicação para a reprodução de organizações é de que certas
finalidades somente podem ser alcançadas mediante a ação concorrente de
grupos de pessoas. Qualquer que seja a meta - obtenção de benefício, educa-
ção, religião, saúde, diversão, resultaram em enormes aumentos do padrão de
vida da sociedade. No entanto, as organizações são muito mais do que meros
utensílios para a produção de bens e serviços. Elas também criam o ecossiste-
ma em que a maioria das pessoas passa a vida e, nesse significado, tem uma
grande influência sobre o comportamento humano. A clareza do comporta-
mento das pessoas nas organizações é o objeto básico do conceito de organi-
zação. O estudo do conceito de organização deve iniciar com as organizações,
pois estas representam a situação em que ele se desenrola. As organizações
funcionam como sistemas abertos, ou seja, em contínua comunicação com seu
ambiente externo, fazendo trocas e intercâmbios. Como sistemas abertos, as

12 • capítulo 1
organizações, não são métodos determinísticos do tipo de causa e efeito linear.
Pelo contrário, as organizações, são sistemas probabilísticos cuja conduta não
pode ser explicada apenas por ângulos separados ou relações casuais simples
e diretas. A diversidade organizacional não pode ser explicada simplesmente
por blocos de construção, mas por uma visão sistêmica e holística.
Além disso as organizações não são estáticas, nem inertes. Elas têm vida
própria. Nascem, crescem, vivem e morrem. Na verdade, as organizações não
são simplesmente prédios ou conjuntos de salas e de maquinários. A infraes-
trutura física serve apenas para que a organização tenha um palco para fun-
cionar, ou seja, para transformar em resultados, como produtos ou serviços.
Em outras palavras, as organizações são organismos vivos e inteligentes que se
ajustam e se adaptam continua e constantemente ao contexto ambiental em
que vivem. Porém, não são as organizações que são inteligentes, mas sim os
indivíduos que nelas trabalham.

1.1.2  Organizações e as Pessoas

Uma organização é um conjunto de pessoas trabalhando juntas em uma se-


paração de trabalho para alcançar um propósito comum. As organizações são
entidades por meio dos quais muitas pessoas combinam seus empenhos e tra-
balham juntas para alcançar objetivos que sozinhas jamais conseguiriam al-
cançar. É essa ampliação de esforços conjugados e coordenados que permite
a construção de edifícios, fabricação de automóveis, prestação de serviços etc.,
além de um indeterminado número de produtos e atividades especializadas.
As organizações constituem a invenção mais complexa e sofisticada do ser hu-
mano. As organizações se baseiam na colaboração e solidariedade das pessoas.
Na verdade, elas surgiram em função das deficiências individuais das pessoas.
Juntando esforços, as pessoas conseguem ultrapassar suas deficiências indi-
viduais e alcançar resultados que sozinhas jamais poderiam alcançar. Assim
o motivo das organizações é a colaboração e a cooperação das pessoas envolvi-
das no sentido de alcançar metas comuns. Na verdade, o resultado desse efeito
coletivo não é uma soma, mas a multiplicação dos empenhos individuais. Por
essa razão, o instrumento de comando hierárquico e regras burocráticas para
chegar ao compromisso pessoal e à responsabilidade solidária através do tra-
balho em equipe. Desta forma, a logística de pessoas, hoje, se faz em toda a or-
ganização. As unidades de RH funcionam como consultores internos, criando

capítulo 1 • 13
e oferecendo recursos e condições para um definitivo gerenciamento do talen-
to, conhecimento e do capital humano por meio dos gerentes que trabalham
como gestores de pessoas.
As organizações necessitam de capital para funcionar. Na verdade, elas fun-
cionam como métodos abertos que apresentam uma incrível reiteração de eta-
pas: importam recursos, fazem o processamento ao longo de seus processos
produtivos e exportam capital, na forma de produtos, atividades ou informa-
ção. As organizações são instituições sociais que visam para alcançar metas co-
muns. Assim poderíamos dizer que as organizações são geradas de edificações,
tecnologias, sistemas, processos de trabalho, recursos como dinheiro e maté-
rias primas etc. Todas essas coisas formam a infraestrutura das organizações,
ou seja, os meios físicos e reais que elas contam para poderem funcionar. Na
realidade, essas coisas físicas e tocáveis são as que mais marcam a existência
das organizações habituais, mas não são elas que as formam. A essência das
organizações está nos indivíduos.
As organizações são formadas por uma globalização de diferentes recursos.
Elas são dotadas de bens materiais (prédios, edifícios, instalações, equipamen-
tos, aparelhos, matérias primas), e caracterizam-se como sistemas fechados,
parados e sujeitos a decomposição, deterioração, perdas e desvalorização. As
organizações também são dotadas de meios financeiros - como capital, finan-
ciamento, empréstimos, investimentos etc. O capital sob a forma desses recur-
sos fazendários está sujeito a inflação, deflação, mercado de capitais e pode va-
riar em função desses fenômenos. Os recursos materiais e financeiros formam
a essência da contabilidade tradicional. São avaliados quantitativamente e em
moeda corrente, referindo-se aos ativos concretos da organização. Durante o
período Industrial, as organizações tinham o seu valor de mercado por causa
desses recursos organizacionais palpáveis. Além disso, no período industrial,
indivíduos que constituíam uma organização eram chamados de recursos hu-
manos. Na Era da Informação, estes foram alçados à categoria de aliados da or-
ganização. Eles não são mais "domínio" da organização, mas sim colaboradores
internos ou externos que contribuem para o êxito organizacional. Atualmente,
não se fala em controlar as pessoas, mas sim em administrar com elas. As pes-
soas são as responsáveis em conduzir os recursos organizacionais.

14 • capítulo 1
1.1.3  Stakeholders

Antigamente, eram considerados como componente das organizações apenas


os acionistas ou donos, administradores - diretores e gerentes - e os emprega-
dos. Os primeiros contribuíam com o recurso financeiro, créditos e ativos da or-
ganização, enquanto os segundos tinham a tarefa de dirigi-la, e os terceiros de
executar as funções e operações por meio de seu trabalho. Esse antigo e restrito
ponto de vista foi trocado por uma visão mais contemporânea e abrangente, ou
seja, a visão dos stakeholders. Stakeholders são pessoas ou um grupo, que legi-
tima as ações de uma organização e que tem um papel direto ou indireto na ges-
tão e resultados dessa mesma organização. É formado pelos funcionários da
empresa, gestores, gerentes, proprietários, fornecedores, concorrentes, ONGs,
clientes, o Estado, credores, sindicatos e diversas outras pessoas ou empresas
que estejam relacionadas com uma determinada ação ou projeto.
Apurou-se que, para poderem funcionar e atingir o triunfo em suas opera-
ções, as organizações precisam da ajuda conjugada e conjuntamente de vários
parceiros. Para obter e melhorar essa contribuição, as organizações necessitam
fazer com que ela valha a pena: a organização precisa premiar adequadamente
cada contribuição com numerário igual ou maior. Nem todos esses componen-
tes atuam necessariamente dentro da organização. Alguns membros podem es-
tar fora da organização (acionistas, os abastecedores e os consumidores), ou es-
tar dentro da organização (diretores, gerentes, empregados e cooperadores). Em
algumas circunstâncias, alguns desses componentes podem assumir um papel
dominante para a estabilidade da organização, mas todos eles mantêm relações
de proporções com a mesma: proporcionam contribuições em troca de estímu-
los, enquanto a organização proporciona estímulos em troca de subsídio.
Entre os membros e a organização existe uma forte relação de mutualidade:
a organização espera que os membros tragam contribuições e concede-lhes es-
tímulos e recompensas para incentivá-los a aumentar suas contribuições. Do
lado contrário, os membros proporcionam contribuições e esperam estímulos
e recompensas em troca. Cada parte faz aplicações na outra com a esperança de
obter retornos mediatos ou rápidos. Cada parte toma decisões sobre a ininter-
rupção de seus investimentos na dependência dos resultados alcançados. Se os

capítulo 1 • 15
resultados forem satisfatórios, a resolução final será manter e continuar os in-
vestimentos. Esse processo de mutualidade é importante para o entendimento
das permutas que ocorrem dentro e fora da organização
De um lado, as organizações estão colocadas a dar estímulos e incentivos
para seus membros, desde que estes deem um resultado satisfatório em termo
de contribuições, trabalho, conquistas de objetivos e resultados. Em contrapar-
tida, as pessoas estão dispostas a fazer contribuições logo que estas produzam
um resultado em termos de estímulos e incentivos, trabalho, remuneração, be-
nefícios, incentivos, possibilidades e qualidade de vida. Essas relações de troca
entre organizações e pessoas devem ser relativamente estabilizadas, indicando
que ambas as partes devem ter algum resultado satisfatório nesse relaciona-
mento. O denominado equilíbrio organizacional decorre exatamente disso.
Assim, indivíduos e organizações estão envolvidos em um particular e prolon-
gado inter-relacionamento, uma espécie de acordo. Os indivíduos necessitam
das organizações para labutar, colaborar, participar e ganhar a vida ou para
conseguir produtos, atividades, diversão e comodidades. Entretanto, as organi-
zações precisam de pessoas para poderem atuar e funcionar satisfatoriamente
e comercializar seus produtos e serviços.

1.2  As Funções do Estado

1.2.1  Conceito de Estado

A definição de Estado surgiu do conceito antigo de cidade, da cidade-estado da


Grécia antiga e da cidadania romana. No século XVI a expressão Estado passou
a ser usado com o significado moderno de força, poder e direito, sendo um dos
assuntos tratados pela literatura científica. Duguit interpretou o Estado como
a força a serviço do Direito e citou não haver Direito Público sem demarcação
do poder de Estado. Atualmente o Estado é definido como um grupamento de
pessoas que convivem em um mesmo território com divisas definidas, organi-
zada de maneira que apenas algumas pessoas são escolhidas para controlar,
direta ou indiretamente, uma série de serviços do grupo, com suporte em va-
lores reais ou socialmente identificados e, quando necessário, com suporte na
força. Em resumo, por Estado entende-se um grupamento de pessoas definidas
ou fixadas em um determinado território expostas à autoridade de um poder
soberano. Na linguagem jurídica, o Estado é uma sociedade, pessoa jurídica de

16 • capítulo 1
Direito Público interno, civilmente consciente por ações dos seus representan-
tes que nessa qualidade não causem prejuízos a terceiros, procedendo de modo
inverso ao Direito ou faltando o dever ditado por lei.

1.2.2  Conceito de Nação

Por nação compreende-se a mais ampla sociedade de pessoas, unidas por um


pensamento e cultura comuns. Mesmo que esta sociedade de pessoas ocupe
uma mesma área, levando seus componentes a terem uma identidade de pro-
veitos sobre a terra e o lugar, sua unidade essencial é procedente de um envol-
vimento profundo de sua história, de sua religião ou de sua cultura. Por essa
razão, uma nação pode existir como população histórica e cultural, livre de au-
tonomia política ou soberania estatal. Desta forma, a nação é um grupamento
de pessoas unidas por uma compatibilidade de tradição, idioma, costumes e
religião, fundamentado na consciência de uma nacionalidade. A definição de
nação não pode ser confundida com a definição de Estado. Enquanto Estado é
a nação politicamente disciplinada, Nação nada mais é do que um grupamento
humano preso por vínculos culturais, históricos, linguísticos e religiosos. Vale
a pena mencionar que um Estado pode ser formado por mais de uma nação.

1.2.3  Composição do Estado

A definição de Estado anteriormente citada aponta para a existência de três ele-


mentos típicos: povo, território e poder. Estes componentes caracterizam os
pressupostos ou condições para a existência do Estado. Porém, alguns autores
não os consideram como componentes essenciais, preferindo a nomenclatura
“condições necessárias”. Isto, contudo, é apenas uma questão de pensamento
e de palavras, pois componentes e condições são acontecimentos inseparáveis
do Estado e a ele essenciais. Assim, os componentes constitutivos do Estado são:
•  Povo: Conjunto de indivíduos que se unem para criar o Estado, firmando
com este um vínculo jurídico de caráter perpétuo, atuando na criação da von-
tade do Estado e na função do poder soberano. População é o componente hu-
mano do Estado e assim como o mesmo é uma sociedade que se faz essencial a
presença de pessoas; não existe Estado sem população.
•  Território: Sustentação física do Estado à qual se estabelece limite de sua
jurisdição. Não temos Estado sem território, uma vez que este determina os

capítulo 1 • 17
limites físicos da ação da autoridade do Estado. O território é, em diferentes pa-
lavras, o componente geográfico do Estado, ou seja, a parte do globo terrestre
por ele ocupada, que define o espaço da sua jurisdição.
•  Poder: Consiste na chance de o Estado impor os indivíduos a fazer ou não
alguma coisa conforme o seu motivo, que é o bem habitual, o bem da coletivida-
de, nas divisas do seu território. Dessa maneira, o poder do Estado não depende
de qualquer outro tipo de poder social no campo da sua jurisdição territorial.

O poder do Estado se faz existir através do governo, que é a autoridade má-


xima ou o órgão político do Estado, favorecido de poder soberano. O Estado,
enquanto grupo de pessoas politicamente coordenado e geograficamente de-
marcado que possui o direito de utilizar o poder para designar os seus valores,
tem de contar com ferramentas através das quais possa executar. O governo
faz parte do rol dessas ferramentas e é formado de pessoas e órgãos nomeados
para executar os objetivos do Estado. Todas as pessoas de um Estado não fa-
zem parte do governo, embora, frequentemente, têm o direito de escolher ou
de serem escutadas na decisão sobre como o Estado será comandado e sobre
quem irá comandá-lo. Os trabalhos prioritários do Estado contemporâneo são
a gerência, a direção, o exercício, a execução e a prestação de serviços públi-
cos. Podemos até atestar, a grosso modo, que o Estado é uma verdadeira fábri-
ca de serviços de caráter público e que governar é, antes de tudo, administrar
estes serviços.

1.2.4  Poderes

A tese da separação dos poderes do Estado, igualmente conhecida como teoria


das funções do Estado, causou divergências entre os escritores de direito pú-
blico. O poder do estado é uno e indivisível. Feita esta colocação a respeito da
indivisibilidade do poder do Estado, é necessário distinguir as três formas ou
espécies de funções que se percebe no Estado moderno.
A primeira é aquela em que o poder se mostra sob a forma de condutas ge-
rais e compulsórias para os cidadãos. Em outras palavras, é a função ou poder
legislativo. Da mesma maneira como nos organismos vivos em que cada ativi-
dade é praticada por um órgão, no Estado a função própria de fazer as leis é pra-
ticada por um órgão peculiar, o órgão legislativo: é o Parlamento, Assembleia
Nacional, Congresso. Esta designação varia segundo as várias Constituições. A

18 • capítulo 1
segunda não diz respeito à publicação da lei que regula a vida social, mas sim
as ações individuais, visando objetivos reais, particulares, como a nomeação de
funcionários, a realização de serviços públicos, cobrança de impostos. A esta
função estatal dá-se a denominação de Poder Executivo ou, mesmo, função
administrativa, e é executada pelo órgão executivo. A terceira surge quando o
Estado anula as discórdias surgidas entre os cidadãos por motivo do cumpri-
mento das leis, quando julga e fere os infratores destas leis, quando, em sínte-
se, ele utiliza o Direito, utiliza as leis nos casos particulares, faz imperar a justi-
ça nas relações sociais, garante os direitos privativos. Esta é a função judiciária,
constituída pelos tribunais e juízes, o Poder Judiciário.
A versão mais antiga da teoria da separação dos poderes do Estado é encon-
trada em Aristóteles, ao mostrar a sua apreensão em atribuir a um só indivíduo a
execução do poder e, acima de tudo, com a falta de capacidade prática de que um
só homem antevisse tudo o que nem a lei pode classificar. Segundo Aristóteles, na
composição do Estado há três divisões, que devem ser dignas de especial cuida-
do: a assembleia dos cidadãos, que é o corpo deliberante, o autêntico soberano;
a magistratura, que são os funcionários nomeados pela assembleia para desem-
penhar certas funções, e corpo judiciário. Porém, a criação moderna da separa-
ção dos poderes não tem como estímulo os escritos de Aristóteles, sendo, pois,
formada com o crescimento histórico do Estado até o aparecimento da obra de
L’esprit des lois, publicada por Montesquieu, em 1748. Segundo Montesquieu, o
habitual seria que o Estado se estruturasse com três poderes: um Legislativo, um
Executivo e um Judiciário. A imposição da separação dos poderes fica incontes-
tada na Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, aprovada na França
em 1789. A teoria da separação dos poderes, seguida nas constituições da quase
todos os países, está coligada à ideia de estado democrático, sendo uma embara-
çada construção doutrinária chamada sistema de freios e contrapesos.

1.2.5  Organização

O Estado federal surgiu em 1787, nos Estados Unidos da América, com o acordo
da cidade de Filadélfia, momento em que houve a transformação da Confedera-
ção dos Estados Americanos planejada com a declaração de independência de
1776. No que se refere a ideologia, este sempre apresentou dificuldades quanto
ao argumento de Estado federal, e mesmo quanto ao regime federativo. Contu-
do, hoje temos que o Estado federal é consequência de um acordo regulamen-

capítulo 1 • 19
tar, abandonando-se a ideia de uma globalização de Estados sob um contrato.
Na organização do Estado brasileiro temos que ressaltar:
•  Forma de Estado (federação): Ideia que se compara a Estado Unitário. A
definição da forma de Estado está relacionada à ideia de distribuição física de
território.
•  Forma de Governo: No Brasil é a República. Está comparada com a ideia
de entidade do Poder e a ligação entre governantes e governados. A forma con-
trária à República é a Monarquia.
•  Regime de Governo (presidencialista): No presidencialismo o Presidente
da República é o líder do Estado e do Governo. Outro modo de governo é o
Parlamentarismo onde o líder de Governo é o 1º Ministro e o líder de Estado é
o Presidente da República ou o Monarca. Vê-se, pois, que o Parlamentarismo é
permitido nos modelos de governo República e Monarquia.
•  Regime político democrático: Podemos conceituar democracia pela fra-
se mais renomável: O poder emana do povo, exercido pelo povo e em proveito
do próprio povo. A democracia pode ser direta, inviável diante da grande inte-
gração populacional; indireta, também nomeada representativa, onde o povo
elege aqueles que vão representá-lo e semidireta, formada de três institutos:
plebiscito, referendum e iniciativa popular.

Podemos salientar alguns aspectos vantajosos à forma de Estado federal,


tais como:
•  Proibir ou ao menos dificultar a criação de governos totalitários uma vez
que defende o acúmulo do poder em somente um órgão, isto é, torna difícil a
concentração do poder.
•  Permitir a proteção da democracia. Ao aproximar os governantes e gover-
nados pela cooperação do povo nos órgãos do poder territorial e, por meio de-
les, influenciar no Governo central.
•  Proteger as particularidades locais e regionais. Ao passo que provoca a
globalização, reserva uma esfera de ação independente a cada Estado elemen-
to, ou seja, o Estado que incorpora a federação preserva os seus valores e suas
características suis generis.
•  Crescer o poder dos Estados. A união de esforços fomentada pela socieda-
de propicia a globalização dos estados em elementos que são espontaneamen-
te mais fortes. Estas perspectivas do Estado federal têm determinado o rumo
vigente para a organização federativa.

20 • capítulo 1
O Estado, como hoje entendido, constitui-se dos seguintes elementos: ter-
ritório, povo organizado, poder e objetivos. O território é o limite espacial onde
o povo se arruma determinando poderes e objetivos. Da ideia de território, de
organização política e objetivos surgem as definições de forma de Estado, for-
ma de Governo, modo de Governo e regime político. É de se ressaltar que as
definições de soberania, cidadania e pluralismo político são os que mais tecni-
camente podem ser compreendidos como princípios do Estado, já a grandeza
e os valores criam as finalidades que o Estado busca atingir. Os três primeiros
(soberania, cidadania e pluralismo político) se equiparam com a ideia de or-
ganização do Estado sob sua forma política, os outros (dignidade e os valores)
implicam na ideia de metas morais e éticas a alcançar. A Administração Pública
é o mecanismo de que dispõe o Estado para alcançar os seus objetivos. E são
objetivos do Estado nutrir o desenvolvimento econômico-social do país e a se-
gurança nacional.
As tarefas da Administração Federal e, sobretudo, a realização dos planos
e programas de governo serão objeto de infinita coordenação. A coordenação
será empregada em todos os registros da administração mediante o desempe-
nho das chefias individuais, a realização de reuniões e o andamento de comis-
sões de coordenação em cada setor administrativo. Quando subordinados ao
Presidente da República, os temas deverão ter sido antecipadamente coordena-
dos com todos os setores neles motivados. Os órgãos que atuam na mesma área
geográfica devem sujeitar-se à coordenação de maneira a assegurar programa-
ção e realização integrada dos serviços federais.

1.2.6  Governo

Governo pode ser entendido como o grupo passageiro de pessoas conscientes


pela realização do contrato social, isto é, simboliza o projeto de Estado, em suas
convicções nacionais. Nesse significado, levando-se em consideração a varieda-
de de aspectos, pode existir dois tipos essenciais de regimes de governo: os regi-
mes liberais e autoritários. É necessário destacar que inúmeras vezes se utiliza
a expressão totalitário como sinônimo de autoritário, o que não é certo. O tota-
litarismo dá a entender uma unidade de pensamento, um pensamento tomado
como verdade plena e derradeira. Não ocorre totalitarismo sem autoritarismo,
mas a recíproca não é verdadeira.

capítulo 1 • 21
A composição do Governo está ligada à ideia de organização da
Administração Pública que engloba: Administração Direta, Administração
Indireta e a Fundacional. A intenção do Governo é o fornecimento dos servi-
ços públicos com competência, visando à satisfação das carências coletivas. O
Governo desempenha uma função política que resulta uma atividade de ordem
elevada divulgada à direção máxima e completa do Estado em seu conjunto e
em sua unidade, voltada a determinar os motivos da ação do Estado, a indicar as
orientações para as outras funções, procurando a unidade da soberania estatal.

1.2.7  Administração Pública

Administração Pública é a ação que o Estado progride por meio de atos reais
e confeccionados, para a aquisição, direta, ininterrupta e imediata dos bene-
fícios públicos. Nem todas ações praticadas pelos poderes são características
de administração pública. É o fato da atividade jurisdicional, ou seja, o uso do
Direito pelo Poder Judiciário. O gerenciamento público pode ser direto ou indi-
reto. Ele é direto quando a ação administrativa é feita diretamente pelo próprio
Estado, pelos órgãos hierarquizados do Poder Executivo. Ela é indireta quando
a ação administrativa é feita por meio de outras organizações ou pessoas, que
tanto pode ser de mando público, como de mando privado. Sob esse ponto de
vista é que se costuma diferenciar a prestação direta ou indireta da atividade.
Os elementos da Administração Pública são os indivíduos jurídicos de direito
público e de direito privado por comissão, órgãos e fatores públicos que fazem
a função administrativa. São poderes da Administração Pública: ligado ou me-
tódico, ilimitado, hierárquico, disciplinar, presidir e o de polícia. A organização
da Administração Pública está focada para a estrutura da Administração Públi-
ca: Direta, Indireta e Fundacional.
A Administração Pública tem como natureza cumprir fielmente as instru-
ções do Direito e da ideologia administrativa que conduzem o seu desempe-
nho. Ao ser adotada em função ou cargo público, todo encarregado atribui-se
para a coletividade a palavra de bem servi-la, porque outra não é a vontade da
população, como legítima destinatária dos bens, serviços e interesses governa-
dos pelo Estado. As intenções da Administração Pública são permanentemente
o interesse público ou o bem da sociedade. A prática administrativa obedecerá
aos outros princípios: legalidade, impessoalidade, moralidade e probidade, pu-
blicidade, eficiência, licitação pública, razoabilidade, igualdade e motivação.

22 • capítulo 1
Existe uma ótica de que a administração pública se considera como uma
profissão, semelhante ao direito ou à medicina, se valendo de múltiplas pers-
pectivas teóricas. Desse modo, poder-se-ia argumentar que a formação para as
áreas na administração pública deveria seguir uma estratégia semelhante, com
os profissionais de educação se preocupando menos com o fundamento disci-
plinar de certas técnicas e ideias do que com sua aplicabilidade aos problemas
que os profissionais de administração enfrentam na realidade.
A afirmação de que os profissionais da administração pública devam se va-
ler apenas de perspectivas teóricas criadas no contexto de uma disciplina aca-
dêmica tradicional, como a análise das organizações ou a ciência política, se
propõe a dizer que os administradores públicos devem buscar orientação em
teorias não diretamente ajustadas aos seus propósitos. Para que seja possível
continuar a examinar o contexto das teorias das organizações públicas, é fun-
damental observar duas outras tendências, na teoria da administração pública,
que restringiram o alcance das questões tratadas no campo. Em primeiro lugar,
em sua maioria, os teóricos da administração pública priorizaram as organiza-
ções complexas e grandes, as definições dadas ao termo organização giraram
em torno de características claramente relacionadas às estruturas burocráti-
cas tradicionais.
Embora a maior parte das teorias se refiram a organizações grandes e com-
plexas, a vasta gama de órgãos públicos recomenda que permaneçamos abertos
a uma definição menos restritiva de nosso objeto. Adicionalmente, devemos
estar cientes de que, se assumirmos ou tomarmos as características das gran-
des empresas para definir as características das organizações públicas, podere-
mos, inconscientemente, estar mantendo a continuação dessas estruturas. Na
maior parte dos casos, os teóricos de administração pública compararam, de
forma ampla, a administração pública à administração governamental, ou seja,
à realização de mandatos de governo. Os principais autores da administração
pública se concentraram sobre as organizações que normalmente fazem parte
do governo: repartições, conselhos e comissões de nível local.

1.3  Política de Estado e Política de Governo

Políticas de governo são aquelas em que o Poder Executivo determina num pro-
cesso bem mais básico de formulação e implantação de determinadas medidas
para responder às demandas posicionadas na própria agenda política interna,

capítulo 1 • 23
ou vindos de fora, como consequência de eventos internacionais com algum
abalo doméstico. Tais políticas podem até envolver escolhas complicadas, mas
pode-se dizer que o caminho entre a exposição do problema e a definição de
uma política de governo estipulada é bem mais curto e simples, ficando fre-
quentemente no plano administrativo, ou no poder dos próprios ministérios
setoriais. Políticas de Estado, são aquelas que abrangem as burocracias de mais
de uma agência do estado, e acabam passando pelo parlamento ou por diferen-
tes instâncias de discussão, depois que sua tramitação dentro de um âmbito da
máquina do estado envolveu análises técnicas, simulações, estudos de impacto
horizontal e vertical, resultados econômicos ou orçamentários, quando não um
cálculo de custo-benefício levando em conta o curso completo da política que
se pretende implantar. O trabalho da burocracia pode levar meses, bem como o
casual exame e debate no Parlamento, pois políticas de estado, que respondem
de fato a essa designação, frequentemente envolvem mudanças de outras nor-
mas ou distribuições pré-existentes, com incidência em setores mais extensos
da sociedade. Em outras palavras, Política de Estado é a decisão de lutar por um
método de integração regional, a assinatura de um tratado de livre comércio,
a conclusão de um acordo de colaboração científica e tecnológica num deter-
minado setor e coisas do gênero. Política de governo seria a determinação de
alíquotas tarifárias para uma área definida, a eliminação de produtos ou ramos
econômicos da conquista do tratado de livre comércio, ou a assinatura de um
protocolo complementar, estabelecendo modalidades para a colaboração cien-
tífica e tecnológica no setor já contemplado no acordo.
Por isso, não se pode planejar que as políticas de Estado possam ser usadas
somente pelo ministro da área, ou mesmo pelo presidente, ao sabor de uma
ideia de um assessor, pois esporadicamente o trabalho técnico terá sido exaus-
tivo ou aprofundado o bastante para justificar legitimamente essa designação.
Isso se reproduz, ou seja, na própria estrutura do estado, quando se pensa em
como são formuladas e implantadas essas políticas de estado. Pense se por
exemplo, em políticas de defesa, de relações exteriores, de economia e finan-
ças, em seus aspectos mais teóricos do que operacionais, de meio ambiente ou
de educação e tecnologia. Estas frequentemente envolvem um corpo de funcio-
nários qualificados, dedicados profissionalmente ao estudo, acompanhamen-
to e organização das grandes orientações das políticas ligadas às suas respec-
tivas áreas. Ou opina-se, então, medidas de natureza conjuntural, ou voltadas
para uma clientela mais limitada, quando não ações de caráter mais reativo ou

24 • capítulo 1
operacional do que propriamente sistêmicas ou estruturais: estas podem ser
ditas de governo, aquelas não. Logo, quando alguém disser que está seguindo
políticas de estado, pare um pouco e analise os procedimentos, a cadeia de-
cisória, as consequências para o país e certifique se isso é verdade, ou se a tal
política corresponde somente a uma iniciativa individual do chefe de estado ou
do ministro que assim se manifestou. Nem todo presidente se dedica somente
à políticas de estado, e nem toda política de estado é indispensavelmente for-
mulada pelo presidente ou decidida somente na esfera do Executivo.

1.4  Estado e Sociedade Civil

Durante formação social própria e relativamente autônoma, o Brasil emerge


no período do predomínio do capital mercantil, acontecendo, na época, uma
subordinação formal da nossa economia, que mantinha basicamente intocado
o modo de produção do povo colonizado, ao capital metropolitano. Marca de-
terminante do início da nossa formação histórica é o escravismo, com resulta-
dos tanto para a economia, quanto para a estrutura de classes. A passagem da
subordinação formal ao de subordinação real ao capitalismo, que aconteceu
tardiamente, seguiu a chamada “via prussiana”. Esta associação, da “moder-
nização” tardia com a marca de dependência da nossa economia, fez com que
o desenvolvimento veloz da economia não viesse seguido pelo desenvolvimen-
to da sociedade civil, o que apurou as contradições sociais, próprias do capi-
talismo, e, ao mesmo tempo, tornou a burguesia sem força para lançar mão
de recursos, usados nas economias mais desenvolvidas, que tornassem menos
intensos tais conflitos.
A burguesia nacional não consegue fazer as reformas sociais que o próprio
desenvolvimento capitalista geralmente impõe. Em decorrência disso, esta
prepara um aparato bastante modernizado, em que as forças policiais e mili-
tares são fundamentais para a garantia da lei e da ordem. Desta forma o estado
e a economia apresentam evolução, enquanto as questões sociais e as conquis-
tas políticas revelam-se defasados. Ou seja, é necessário que a sociedade não
se civilize, para que não questione a distribuição das riquezas adquiridas pelo
desenvolvimento econômico acelerado. O máximo que se permite é a relação
entre partes da burguesia. Ao mesmo tempo, teme-se a explosão social, a viola-
ção das tensões represadas por meio de um regime que regula os conflitos fora
e acima dos meios oficiais de relações civis entre as classes. A burguesia tem o

capítulo 1 • 25
receio de que as classes populares, ao não se sentirem privilegiadas nesta “de-
mocracia de vitrine”, demostrem profunda insatisfação levando a sociedade ao
desequilíbrio, como já acontecera no passado em alguns países. Por isso, reage
até mesmo contra as reformas e só as efetua se arrastada a praticá-las, tentando
sempre uma maneira de refreá-las. Esta falta de capacidade não é específica à
burguesia, mas nasce das suas relações com o caráter subordinado do desen-
volvimento capitalista, em decorrência de que a classe predominante brasileira
não construiu um projeto de cunho predominante, porque não interpreta as
vantagens das outras classes e muito menos da sociedade como um todo.
Desta maneira, a elite relaciona-se com as frações de sua classe a base de
acordos pontuais e de arranjos restritos e, ao mesmo tempo, teme a força polí-
tica das classes subordinadas, procurando mantê-las fora do jogo democrático.
Esta conciliação por cima é certa nos países mais capitalistas pela administra-
ção do estado, que se torna a ferramenta para garantir a coesão das classes do-
minantes. O governo decorrente desta conjunção de fatores, ao mesmo tempo
que precisa se consolidar para impedir que a sociedade civil ponha em risco o
desenvolvimento capitalista, se abate devido ao choque de interesses políticos
das frações de uma burguesia sem aderência.
Verifica-se um fortalecimento da sociedade política em detrimento da so-
ciedade civil. O estado se relaciona com os trabalhadores da mesma maneira
como o senhor se relaciona com o escravo, e com as camadas médias por meio
das políticas de favor. Em outras palavras, o relacionamento político, seguin-
do a lógica do pluralismo atomista liberal, ocorria entre o estado e os indiví-
duos isolados e não com as organizações da sociedade civil, colaborando para
a maior importância do estado em relação a sociedade civil. Some-se a isso, o
acontecimento de que, no plano econômico, o Brasil quase não conheceu uma
fase de capitalismo concorrencial, como todos os países de industrialização hi-
pertardia e, ao contrário, restou um processo de monopolização precoce, com
o método a mecanismos de acumulação forçada sob a proteção da intervenção
estatal, o que colaborou ainda mais para reforçar decisivamente o Estado e re-
duzir a ação controladora da sociedade civil sobre ele. Fica claro assim que a
coexistência livre das classes se impõe como uma realidade cada vez mais forte
e inegável.
As classes oprimidas reivindicam a sua participação na sociedade civil e no
estado. Assim a conciliação entre os semelhantes se vê intimidada pela clas-
se trabalhadora que, lentamente, torna-se um parceiro com o qual é preciso

26 • capítulo 1
dividir, ainda que desigualmente, as honras da civilização. Resta para as clas-
ses mais elevadas recorrer para outros recursos de autoproteção, procurando
retardar as políticas igualitárias. O desafio a seguir é o de levar adiante o méto-
do de socialização da política, fazendo com que a sociedade civil assuma peso
crescente no controle da vida nacional a partir da conquista da supremacia das
forças democráticas, baseada prioritariamente no acordo. Esse processo já ha-
via iniciado no início dos anos de 1960, com o progresso de uma sociedade civil
mais rica e articulada.
É necessário que o processo de fortalecimento democrático proceda de bai-
xo para cima, estabelecendo e ampliando suas conquistas através da crescente
incorporação dos novos sujeitos políticos coletivos, a fim de que possa adquirir
o consenso majoritário fundamental à sua realização consequente e colaborar
para transformar as camadas trabalhadoras em sujeitos ativos da administra-
ção pública da sociedade. A extensa incorporação organizada das enormes mas-
sas à vida política nacional, além da socialização crescente da política, é o único
antídoto de êxito duradouro para o alcance do equilíbrio social. E essa sociali-
zação, no Brasil, já não é mais uma mera vontade subjetiva. Embora duramente
sufocada, a sociedade civil brasileira tem evoluído e se tornado mais complexa.
Multiplicaram-se, principalmente a partir dos anos 80, organismos da demo-
cracia direta, sujeitos políticos coletivos de novo tipo (comissões de empresa,
associação de moradores, comunidades religiosas de base etc.), juntando-se a
antigos organismos de massa, como alguns dos principais sindicatos do país,
ou influentes aparelhos privados de supremacia como a OAB, CNBB, a ABI, e a
significativos movimentos setoriais contra opressões específicas (em particu-
lar o movimento feminista) , ou em defesa da ecologia e da qualidade de vida,
cujos protestos - de caráter basicamente democrático – são hoje parte integran-
te da luta pela renovação política e cultural.

capítulo 1 • 27
28 • capítulo 1
2
A Teoria das
Finanças Públicas
2.  A teoria das finanças públicas
2.1  A Teoria Econômica e o Setor Público

2.1.1  Economia do Setor Público

O setor público compreende as instituições governamentais propriamente ditas


como, por exemplo, os Ministérios e Secretarias da União, Estados e Municípios,
os Tribunais e o Congresso Nacional (Executivo, Legislativo e Judiciário) e as fir-
mas públicas tais como o Banco do Brasil, Caixa Econômica Federal, Petrobrás,
Correios, o INSS etc. Atualmente, é muito difícil entender o andamento da eco-
nomia sem considerar o papel do domínio público. As funcionalidades do setor
público na atividade econômica cresceram basicamente no século XX, devido à
evolução da respectiva sociedade. Em épocas anteriores bastava o exercício do
Estado, assegurando Justiça e Segurança, para potencializar o bem-estar social,
cabendo ao setor privado a oferta dos excessivos bens e serviços necessitados pela
sociedade. Após a Grande Depressão, principalmente, surgiram novas funções
para o Estado, não exclusivamente no que diz respeito à normalização da eco-
nomia, ofertando recursos públicos, como educação, saúde e segurança, como
também recursos privados, como produtos siderúrgicos, energia, transportes e
telecomunicação. Nos anos posteriores, a economia do setor público continuou
sofrendo modificações, principalmente após a Segunda Guerra Mundial, com
novas serventias atribuídas ao Estado. Com a urgência de reconstrução da Euro-
pa acabada pela Guerra, o Estado aparece como o grande responsável de fomento
do desenvolvimento econômico, elaborando ideias de desenvolvimento, plane-
jando investimentos em ramos estratégicos e criando empresas estatais.
Na visão da economia clássica, o Estado deveria fazer um mínimo de funções,
restringindo-se às mais básicas, como educação, saúde e segurança. Pertencia
aos indivíduos a busca do agrado de suas necessidades particulares, de forma
que, cada um, atue segundo seus próprios interesses, acabaria oferecendo o inte-
resse geral, mediante o livre funcionamento do mercado. Dessa maneira, quando
o empresário busca o seu benefício próprio, que é o lucro supremo, ele mobiliza
capitais, adquire edifícios, máquinas e matérias-primas, contrata serviços de di-
ferentes agentes econômicos, aos quais paga proventos, juros, aluguéis e rendas.
Os trabalhadores buscam os melhores salários e procuram melhorar em suas ati-
vidades, de sorte a aperfeiçoar seu rendimento e atingir seus objetivos. Quando

30 • capítulo 2
todos os fatores agem do mesmo modo, o produto global aumenta, produzindo
maior riqueza para todos, de modo que a procura do bem-estar individual acaba
gerando o bem-estar coletivo. Pela ótica clássica, ao Estado cabe apenas regular
o livre funcionamento dos mercados e possibilitar a segurança nos negócios ao
garantir o respeito às leis e à ordem.

2.1.2  Bem-estar Social

A economia clássica prevê um mundo de concorrência ideal, com os mercados


apresentando um enorme número de compradores e vendedores, que determi-
nam preços de equilíbrio seguro. Os produtos finais eram homogêneos, sem
distinção. Imperava a suposição da livre entrada e saída de empresas nas indús-
trias e os preços e práticas eram bem conhecidos. Desse modo, a estabilidade
nos mercados assegurava a alocação eficaz dos recursos. Assim, havia aplicação
ótima de recursos: a estabilidade com maximização de lucro equivale à agre-
gação dos equilíbrios incompletos das firmas; existia perfeita mobilidade de
motivos produtivos e de bens no ambiente, sempre que houvesse alterações no
preço de equilíbrio na indústria. Contudo, na presença de uma falha de merca-
do que ameace a livre concorrência mercadológica, a sociedade não consegue
o máximo bem-estar. A disputa imperfeita resulta em preços mais avantajados,
com menores quantidades dos produtos sendo oferecidos e demandados no
mercado. Os mecanismos de mercado frustraram em elevar a produção ao nível
formidável de equilíbrio e o Estado precisa interferir para evitar maiores perdas
do bem-estar social e erguer o equilíbrio macroeconômico.

2.2  Falhas de mercado

A incapacidade de atingir os objetivos de produção, por imperfeições da con-


corrência, é chamada de falha de mercado, resultante de indivisibilidade do
produto, externalidades, despesas resultantes de queda de produção, merca-
dos imperfeitos e ameaças e indefinições na oferta dos bens. Para bens únicos,
não se pode estabelecer preços por meio do mercado. É o caso da defesa nacio-
nal: as pessoas necessitam de segurança contra iniciativas militares de países
estrangeiros e sofrem por isso, indiretamente, por meio de impostos. Porém,
não se sabe quanto cada um pagará e qual a quantidade do tesouro da seguran-
ça nacional que cada indivíduo irá utilizar. Assim, um bem coletivo só pode ser

capítulo 2 • 31
concedido pelo setor público, pelo impedimento de serem fixados os preços e
as quantidades desmedidas. Cada cidadão paga pela segurança nacional, pela
totalidade de sua contribuição tributária, e irá favorecer-se da oferta pública
desse bem, da quantidade de sua contribuição financeira. Esses bens únicos
ou bens públicos são bens não rivais, causando que o consumo de uma pessoa
não implicará em menor consumo de outra; da mesma maneira, o aumento da
população não implicará na diminuição das quantidades ofertadas desse bem,
já que não exigirá necessariamente crescimento dos gastos militares. Os efeitos
ajudam quando os privilégios e custos privados, medidos pelos custos de mer-
cado, diferem dos privilégios e custos públicos. Os efeitos podem ser negativos
ou positivos. Os efeitos são negativos quando os custos sociais são maiores do
que os custos particulares. Por exemplo, quando um curtume suja um rio, ele
causa um efeito negativo. Para obter ganhos maiores, a empresa não realiza
gastos para impedir a poluição. Como resultado da poluição, o poder público
desembolsará mais com o tratamento da água, o rio terá bem menos peixe e a
população não poderá usar suas águas com objetivo de lazer. Outros exemplos
de efeitos negativos: produção de fumo e seus resultantes; o tráfico de drogas;
poluição e engarrafamento de rodovias provocadas pela indústria automobilís-
tica; indústria de papel e celulose; fábricas petroquímicas etc. Como exemplo
de efeitos positivos, pode ser citado o caso da ação de reflorestamento. A com-
panhia de reflorestamento tem suas despesas e benefícios privados, que se tor-
nam inferior do que as despesas e benefícios sociais que gera ao concederem
um número maior de árvores em sua localidade. As árvores até este momento
produzem flores, que podem ser proveitosas pelas abelhas dos apicultores lo-
cais, que terão suas vantagens aumentadas sem a necessidade de replantio. Da
mesma maneira, há uma vantagem para a fauna, a qualidade do ar, ao sistema
de chuvas etc. Outro exemplo de efeitos positivos são a atividade educacional e
as despesas em pesquisas e desenvolvimento de novos produtos e novos prin-
cípios de produção. Investimentos particulares nessas áreas produzem vanta-
gens sociais maiores do que os gastos. Outros fatos de falhas de mercado são os
do consumo de produção descendente e mercados incorretos.
Esse é o caso de amplas unidades lucrativas que o setor privado não é ca-
paz de produzir. Como exemplo, no Brasil, temos as siderurgias no começo dos
anos 50, as usinas hidrelétricas até os anos 80. Se o Estado não entrasse nesse
setor, as unidades permaneceriam com pequena dimensão, por ausência de ca-
pital; os gastos médios e marginais seriam mais altos, assim como os preços de

32 • capítulo 2
mercado, causando também em oferta menor da mercadoria. Mais um exem-
plo: telecomunicações; distribuição de combustíveis etc. Por último, pode ha-
ver erro de mercado pelas ameaças e indefinições na oferta de certos bens. Os
fatores econômicos não possuem uma confiança absoluta sobre o equilíbrio
dos preços e custos, o que lhes faz botar uma gratificação de risco (ou sobre
preço) aos preços que desenvolvem reduzindo-se as quantidades ofertadas e
demandadas. De outra parte, pela dúvida e risco, muitos bens deixaram de ser
feitos, ficando a responsabilidade do setor público. Por exemplo, devido aos
perigos de nacionalização de firmas estrangeiras em países subdesenvolvidos,
as aplicações privadas estrangeiras deixam de ser efetuadas em setores de ren-
tabilidade mais desvalorizada. Outro exemplo: Petróleo no Brasil (monopólio
da Petrobrás).

2.3  Funções do setor público

O dever do Estado na economia tem se mudado no passar do tempo. Moderna-


mente, destacam-se os seguintes encargos do Estado, além dos serviços públi-
cos “específicos" ou clássicos referente à segurança e à justiça:
a. Função alocativa: engloba a oferta competente de bens públicos, atra-
vés de produção pessoal ou por empresas privadas. A dinâmica de preços as-
segura a oferta da larga maioria de bens e serviços de que a comunidade ne-
cessita. Todavia, se em razão de erros de mercado ou por outra razão alguns
bens e serviços deixarem de ser cedidos, o governo intervém estabelece “o quê
e quanto produzir”, livre do mercado.
b. Função redistributiva: engloba a realização de adaptações na distribui-
ção da renda e do patrimônio entre as pessoas. Ela comprova pelo fato de que
o mercado nem sempre atua na rota socialmente desejada. As ferramentas que
o governo possui para isso são os impostos de renda progressivo, estímulos fis-
cais para as regiões menos favorecidas, transferência direta de renda para os
indivíduos e para Estados ou municípios mais pobres etc.
c. Função estabilizadora: engloba a intervenção do governo para erguer o
nível de emprego, manutenção dos preços e da moeda, diminuir a taxa de infla-
ção, estabilidade no balanço de pagamentos, aumentar a taxa de crescimento
econômico etc. As ferramentas que se dispõe são os seguintes: políticas tribu-
tárias, políticas monetárias, execução de gastos e de tributação etc.

capítulo 2 • 33
Para fazer frente às novas atribuições do setor público, tem prosperado o
número de cobranças e taxas a serem pagos pela população. Com o aumento do
número de companhias estatais, especialmente nos países subdesenvolvidos,
tem-se agigantado o tamanho do Estado, com a ampliação das despesas públi-
cas. A maior cooperação do governo na economia também, deve-se ao aumento
demográfico, ao crescimento dos serviços administrativos do setor público, ao
maior estágio de urbanização do país, à necessidade de oferecer bens públicos
para o progresso etc.

2.4  Bens públicos, semi-públicos e privados

Bens públicos são aqueles ofertados pelo governo; o custo desse bem por uma
pessoa não afeta seu acesso a outro ser. O bem público é aproveitado por todos,
razão da não-exclusão. A imperfeição de mercado acontece diretamente por-
que, como todos desfrutam do bem, não há como o governo calcular o quanto
cada indivíduo usa o bem e dessa maneira, taxá-lo. Mas todos usam, até quem
não é taxado. Bem privado é aquele que não pode ser público por todos. Há ad-
versários entre os indivíduos e o direito de posse não permite que todos tenham
permissão ao bem.
Bem semi público é aquele que pode ser ofertado tanto pelo governo quanto
pelo domínio privado. O governo o oferece para tentar diminuir as desigual-
dades de possibilidade. E, em alguns casos, há uma opção para possibilitar o
alcance ao bem. Bens semi públicos (saúde, educação etc.) atendem ao começo
da exclusão porque podem ser concedidos por particulares. Estes na prestação,
acertadamente eliminam aqueles que não pagam, isto e só quem paga usa. Os
investimentos semi públicos, como as atividades de educação e saúde, apre-
sentam gasto rival e exclusivo, mas apresentam também efeitos. Ou seja, o be-
nefício social é maior que o benefício privado, o que da mesma forma justifica
a interferência governamental.
Temos vocação a pensar que recursos públicos podem ser fornecidos unica-
mente pelo setor público. Essa avaliação é oriunda da aceitação pelo público do
abastecimento desses bens pelo estado, junto com o desconhecimento de per-
missíveis alternativas para esses bens. No significado amplo bens públicos são
todas as economias, corpóreas ou incorpóreas, imóveis, móveis e que se move
por si mesmo, créditos, direitos e ações, que cumpram, a qualquer título, às
empresas estatais, autônomas, fundacionais e empresas governamentais. De

34 • capítulo 2
acordo com a ótica do direito, o abastecimento de bens públicos pelo mercado
é irreal.
Todos os bens têm diversas peculiaridades, mas vou me ater as essenciais
para nossa discussão. Bens podem ser excluíveis, não excluíveis, concorrente no
consumo e não-concorrente no consumo. Um bem é excluível quando o abaste-
cedor deste bem pode prejudicar o seu gasto caso as pessoas não o paguem. Um
bem não excluível é um bem que o abastecedor não pode impedir seu gasto por
não pagadores ou devedores. Um bem concorrente no consumo é um bem com
aspecto de não poder ser usado ao mesmo tempo por mais de um indivíduo, já
um bem não concorrente pode ser usado por mais de um indivíduo ao mesmo
tempo, como um programa de TV. Combinando esses aspectos temos os bens
privados, que são excluíveis e concorrente no consumo; bens públicos, que são
não-excluíveis e não-concorrentes no consumo; e os bens artificialmente raros,
que são excluíveis, mas não concorrentes no consumo. Na veracidade, os bens
privados e os bens artificialmente raros podem ser facilmente abastecidos pelo
mercado. A adversidade primordial alegada pelos defensores do impedimen-
to de o mercado abastecer os bens públicos é o aspecto desses bens de serem
não-excluíveis.

2.5  Políticas Macroeconômicas

2.5.1  Introdução

A estrutura da política macroeconômica no Brasil é praticamente a mesma há


cerca de 15 anos. Tal estrutura se baseia em uma política de metas claras de in-
flação, um regime de câmbio variável e metas específicas para a relação superávit
primário sobre o PIB. Todavia, a despeito dos elementos de continuidade da es-
trutura da política macroeconômica, a performance da economia brasileira entre
2000 e 2005 não foi muito elevada, mas teve uma melhora significativa após 2006.

2.5.2  Taxa de Juros, câmbio e Inflação

O Sistema de Metas de Inflação no Brasil foi estabelecido em meados de 1999 e


determina que a Autoridade Monetária deva perseguir uma única meta, o con-
trole da inflação, que deve durar dentro de um período pré-definido no ano ca-
lendário. No Brasil, o objetivo de inflação não foi alcançado nos anos de 2001

capítulo 2 • 35
a 2003, e foi culminada em 1999 e 2004 somente depois de haver uma quebra
da meta no decurso do ano. Mas desde de 2004 o governo tem sustentado a
inflação dentro da meta com êxito, mesmo no ano agitado de 2008, quando a
inflação atingiu bem próxima do limite superior do rumo aceitável.
Para entender o funcionamento do Sistema de Metas Inflacionarias brasi-
leiro é imprescindível entender que, por uma sucessão de motivos, a taxa de
inflação no Brasil não configura ter uma relação regular e definida com imposi-
ções da demanda agregada e a inclinação da inflação parece estar unida a fato-
res de custo. Iremos mostrar quatro motivos adicionais para tal.
Primeiro, existe um número de preços "monitorados" enorme para traba-
lhos públicos e trabalhos privados de utilidade pública, muitos dos quais, in-
dependentemente de serem não negociáveis, são indexados contratualmente
por um índice de valores em particular que é fortemente contaminado pela taxa
de câmbio. Conforme, no caso dos bens negociáveis, o Brasil é uma economia
cada vez mais aberta onde os produtores são, na grande, superioridade “toma-
dores de preço" em associação ao preço mundial em dólares, que são exógenos
em associação ao nível do funcionamento da economia brasileira. Terceiro, a
taxa de desenvolvimento dos salários nominais médios e dos funcionários da
indústria foi bem limitada desde 1999 e configura ser levemente pró-cíclica, en-
quanto o desenvolvimento da produtividade configura ser vigorosamente pró-
cíclico. Isso indica que o custo unitário da atividade tende a não ser pró-cíclico
e sua inclinação geralmente tem aumentado menos que a inflação, pelo menos
na área industrial. O quarto e último motivo é que ocorre certeza de “mark-ups”
anticíclicos que crescem quando a taxa de juros sobe, uma vez que crescem os
custos financeiros e de ocasião favorável do capital. Por todas essas causas a
taxa de inflação não é muito atingida pelo grau de utilização da eficiência esta-
belecida ou pela taxa de desemprego, pelo menos de forma sistemática.
Isso indica, portanto, o desapontamento do tipo de teoria que os comenta-
ristas ou mesmo os “policy makers” creem, e mesmo que haja um contestável
sucesso em predizer e fiscalizar o crescimento da demanda agregada associado
ao da eficácia produtiva, no fim das contas a inclinação efetiva da inflação no
Brasil depende muito das pressões de custos dos valores dos bens importados e
exportáveis em dólares e da taxa de câmbio nominal, das oscilações nas regras
dos preços controlados, do impacto do veloz crescimento do salário mínimo
em medidas nominais e concretos sobre alguns setores não negociáveis e in-
tensos em atividades e não muito mais do que isso.

36 • capítulo 2
Quando olhamos para a transformação da taxa de câmbio nominal no
Brasil, notamos que existe uma inclinação de baixa para os anos de 1999 a 2003
e desde então uma inclinação para uma análise quase contínua até 2011. Essa
tendência foi inesperadamente interrompida pela impressionante desvaloriza-
ção no ano turbulento de 2008, contudo, foi logo apressadamente e mais do
que revertida prontamente em seguida.
Os níveis de valores dos produtos brasileiros importados e exportáveis em
dólares são suficientemente afetados pelo crescimento dos valores internacio-
nais das commodities em dólares, visto que o Brasil é um enorme importador e
exportador de commodities. Desse modo, valores dos produtos brasileiros im-
portados e dos exportáveis em dólares despencaram de 1999 a 2003, quando
passaram a aumentar de maneira rápida até atingirem o pico de 2008. Esses
preços caíram rapidamente até início de 2009, quando voltaram a crescer no-
vamente. Parece que a queda acentuada dos preços internacionais das com-
modities após a metade de 2008 segurou a elevação dos preços em Reais das
exportações e importações, fazendo a inflação ficar dentro do intervalo da meta
estabelecida para aquele ano.
Durante todo o período de rápida elevação dos preços das commodities no
mercado internacional, após 2003, parece evidente que a tendência de manu-
tenção da taxa de câmbio nominal foi fundamental para o sucesso do Sistema
de Metas de Inflação no país. A evolução da inflação dos bens exportados e im-
portados, medidos em dólares e reais, e a apreciação nominal do Real trans-
formaram uma série de impactos negativos de oferta depois de 2003 em uma
sequência de impactos positivos em moeda local até 2008. É importante obser-
var que os choques de custos negativos, em virtude de uma desvalorização ou
aumento dos preços em dólares dos produtos exportados e importados, ocor-
reram justamente nos anos em que o objetivo de inflação não foi realmente
atingido, como em 1999 e 2008.
Desde o início de 1999 é possível observar a evolução do nível de três índices
de preços: o IGP-M, que é usado na maior parte dos contratos de reajuste dos
preços, o IPCA, que é o Índice de preço usado para a meta inflacionária impor-
tunada pelo BC; o Índice de Preços Monitorados. Até meios de 2005, o Índice
de Preços Monitorados parecia, no agregado, seguir bem de perto o IGP-M.
Esse índice é contaminado pelos valores do atacado e dos produtores, e des-
sa maneira por preços negociáveis no mercado. Este é mais veloz que o IPCA,

capítulo 2 • 37
ampliando os resultados inflacionários das oscilações dos valores internacio-
nais das commodities em dólares e da cotação do dólar.
Depois de meados de 2005, existe uma locomoção entre os dois últimos ín-
dices e o primeiro. Além do que, o Índice de Preços Monitorados desenvolve
mais rápido que o IGP-M. Por um instante, até meios de 2006 e logo depois, o
Índice de Preços dos Monitorados passa crescer, em completo, mais lento que o
IGP-M. Essa tendência configura ser a consequência de uma série de mudanças
ocasionadas em 2005 e 2006 nos instrumentos de indexação de alguns valores
administrados ou monitorados. Em contrapartida, a Petrobras garantiu uma
política de preservação de valores nominais domésticos seguro da Gasolina e
do Diesel a princípio por conta própria, mas após quando não era mais permi-
tido manter os preços seguro em razão ao acelerado aumento do preço interna-
cional do petróleo. Em 2008 o Tesouro cooperou a moderar o aumento do preço
doméstico ao minimizar temporariamente os impostos indiretos em relação
aos combustíveis. Houve também uma enorme mudança na estrutura regula-
tória na área de geração e distribuição de energia elétrica em 2004. Os impactos
de longo prazo destas alterações foram de desvalorizar o mark-up de agentes e
distribuidores de energia elétrica e uma transformação, desde o final de 2004,
para mudança da indexação dos reajustes do IGP-M para o IPCA. Ambas as os-
cilações contribuíram para diminuir o compasso dos aumentos nos valores de
energia elétrica. Em 2006, novos acordos que regulavam o preço dos telefone-
mas de companhias privadas que davam início a serem indexadas por um ín-
dice relativo ao preço do setor, com uma variável "x por cento" de fator de ate-
nuação para levar em conta os rendimentos com aumentos da produtividade.
Todas essas mudanças de início levaram infortunadamente ao resultado
temporário de evitar uma queda ainda maior dos preços controlados junto com o
IGP-M, quando a taxa de câmbio iniciou a considerar rapidamente, contudo, ao
longo prazo, isso deve ser mais do que recuperado pelo menor crescimento dos
preços controlados durante o ano agitado de 2008, que planejou um aumento
dos preços internacionais dos importados em dólar no primeiro semestre com
uma baixa massiva da taxa de câmbio nominal no segundo semestre do ano.
Desse modo, é nítido que após 2006, o grau de indexação dos preços controlados
em geral, e com ligação aos preços controlados, em particular, minimizaram, e
as margens de ganho de monopólio desses setores parecem ter diminuído, ou
pelo menos, interromperam o crescimento. A conduta tanto dos preços em dó-
lar dos importados e exportáveis e da taxa de câmbio nominal no Brasil foram

38 • capítulo 2
suficientemente atingidos pela volta do rápido aumento da economia mundial
após 2003. A rápida ampliação do comércio internacional subsequente, ao resta-
belecimento do preço internacional das commodities em dólares, o crescimento
dos fluxos de capitais para os países emergentes e uma redução dos spreads das
taxas de juros de déficit soberano dos países emergentes colaboraram para uma
considerável melhora no Balanço de Pagamentos de um amplo número de países
em progresso, sobretudo, em associação aos períodos difíceis das repetidas cri-
ses e desequilíbrio dos meados dos 90 até 2002.
No Brasil, em 2002, as políticas internas estabeleceram comunicação com a
situação internacional na indicação da taxa de câmbio nominal. Em 2002, logo
depois do default argentino, que diminuiu as linhas de crédito e ampliou os
spreads para todos os países emergentes que tinham dívidas externas em soma
relevante, o Brasil foi mais atingido proporcionalmente, em que a maior parte
dos analistas responsabilizou exclusivamente ao pavor do mercado de defaults
externos e internos no caso do candidato lula vencer as eleições em outubro,
independentemente da repetida alegação do contrário. Mas o BCB precisaria
receber algum crédito para a possibilidade de instabilidade e por levar a uma
fuga de capitais quando colocou uma "mark to market rule" para recursos que
tratavam antecipadamente dívida pública como "capital certo", ocasionando
perda aos investidores. O BC também de forma surpreendente não tentou im-
pedir a fuga de capitais e a brusca desvalorização da moeda ampliando a taxa de
juros nominal até que o segundo turno das eleições tivesse acabado.
De qualquer forma, o efeito acordado da restauração de uma diferença de ju-
ros positivos e significante e uma forte redução fiscal, que levou uma depressão
no início de 2003, e o efeito ultrapassado positivo desta baixa sobre as exporta-
ções líquidas favoreceram rapidamente as contas externas brasileiras, mesmo
que com um enorme custo em formas de produtos e salários. Essas políticas
em grupo com a aceleração do desenvolvimento da economia mundial, do co-
mércio mundial e da redução das taxas de juros internacionais e dos spreads
dos países emergentes aprimorou consideravelmente as possibilidades de
solvência e liquidez das atribuições externas da economia brasileira. O saldo
devedor em conta corrente que atingiu um pico de quase 100% das maneiras
de exportações no começo da crise cambial de 1999, rapidamente se modifica-
ram em superávits em conta corrente no final de 2003 e esses superávits foram
se desgastando apenas depois de alguns anos, pelo efeito combinado do veloz
crescimento doméstico com uma avaliação continua do Real. As excelentes

capítulo 2 • 39
condições da conta corrente e o retorno dos fluxos de capitais concederam com
que o governo apressadamente pagasse em sua totalidade e tornasse livre dos
empréstimos junto do FMI e suas imposições no fim de 2005, que diminuísse a
dívida externa Total e ampliasse uma quantidade incontável de reservas inter-
nacionais logo depois.
A política de acúmulo de reservas autorizou que as autoridades, semelhante
em um contexto de atração de influxos de capital abstrato de curto prazo em
enorme montante, aprimorassem a posição de liquidez internacional do país.
Na verdade, houve uma redução drástica da ligação entre dívida externa de re-
duzido prazo e as reservas internacionais, que tinha atingido a marca de mais
de 90% na crise cambial de 1999, e que despencou para cerca de 20% em 2008.
Apesar de oficialmente o Brasil operar em um sistema de câmbio oscilante,
é mais que evidente ao olhar para o acúmulo massivo de reservas internacio-
nais e da mesma forma para a política de juros do Banco Central que a oscila-
ção cambial é excessivamente "sujo" e que o processo de análise cambial quase
constante foi afetado demasiadamente pelos altos diferenciais de juros aplica-
dos pelo Banco Central do Brasil. Dessa maneira, o SMI (Sistema de Metas de
Inflação) no Brasil funciona do seguinte modo: se a inflação é prevista subir
além do limite superior da meta devida, existe um aumento dos preços inter-
nacionais das commodities que possibilite uma pressão de custo nos preços
domésticos, o BC amplia a taxa de juros declarando haver evidências "excesso
de procura" e / ou "degradação das expectativas inflacionárias". Se de fato o BC
está de fato vendo isso ou crer nisso, ou não, é algo abstrato. O que interessa é
que o BC amplia a taxa de juros nominal. A taxa de juros nominal mais alta am-
plia o diferencial de juros e amplia a velocidade de análise da taxa de câmbio, e
nesse caso transforma o que era um impacto negativo em dólares americanos
em um impacto positivo em reais. De modo ainda mais geral, qualquer que seja
a motivação do crescimento inicial da inflação, como péssimas colheitas do-
mésticas ou algum crescimento em impostos indiretos, um crescimento nos
juros levará apressadamente a uma análise cambial, compensando com uma
colisão anti-inflacionária.
É importante perceber que, ao invés de certeza empírica, existe um amplo
consenso no Brasil que crer que o que de fato acontece é que um acréscimo
dos juros após um impacto de oferta inflacionário, doméstico ou internacional,
provoca um choque de demanda negativo que evite as firmas de repassarem o
acréscimo nos custos para seus preços. Esta análise comum não pode ser certa

40 • capítulo 2
por três razões. Primeiro, no caso de um impacto externo, o choque da taxa de
juros sobre o câmbio frequentemente reverte o choque, então no fim das con-
tas não há nenhum impacto negativo para ser repassado para os preços. Em
segundo lugar, no caso de um impacto doméstico, como uma péssima colheita
ou acréscimo de impostos indiretos, de novo a análise cambial após o aumento
na taxa de juros produzindo um choque positivo ao mesmo tempo e reduzirá o
preço dos bens negociáveis na moeda doméstica. De novo, não haverá nenhum
impacto líquido para ser comedido pelo encolhimento da demanda. Por fim,
mesmo quando por alguma causa que cresce para fora, a taxa de juros mais
alta não provoque uma análise cambial, a ideia de amenizar o “atravessar” dos
choques de oferta requer o andamento de um canal fundamental. Para que o
repasse dos custos seja controlado, é claro que o custo unitário do trabalho e /
ou os limites de lucro devem ser suficiente pró-cíclicas, de modo que a condi-
ção que nós não achamos nos dados brasileiros. Eventualmente não seja uma
eventualidade que quando, em virtude, por exemplo, a uma forte diminuição
no fluxo internacional de recursos para os países emergentes, o acréscimo na
taxa de juros brasileira não vem unido com uma análise nominal do câmbio,
não é possível alcançar a meta estabelecida de inflação.
Dessa maneira, o SMI (Sistema de Metas de Inflação) brasileiro, em que a
taxa de juros é utilizada para monitorar a inflação, funciona realmente indire-
tamente pela via do canal de custo da taxa de câmbio.

2.5.3  Crescimento Econômico

Quando notamos o desenvolvimento econômico dos anos de 2000, observamos


nitidamente que englobando o ano de 2003 as taxas de crescimento eram muito
enfraquecidas, e logo após estas taxas começaram a crescer. A expansão foi con-
duzida pelo boom de exportações e as taxas de crescimento do PIB não subiram
tanto, mas a partir de 2006 o crescimento das exportações sofre interferência e
o mercado interno inicia o crescimento mais rápido, em virtude de uma política
macroeconômica com objetivos expansionistas. A economia é atingida pela crise
mundial de 2008 e passa três trimestres com aumento negativo, mas se restabe-
lece rapidamente no fim de 2009, o que leva a uma queda modesta de 0,65% do
PIB nesse ano. O rápido aumento do PIB em 2010 tende a ficar em torno de 7,6%.
Isso dá um resultado em média de crescimento do PIB em 4,4% entre os anos
de 2004 - 2010, mais do que o dobro dos 1,9% para os anos de 1999 - 2003. Desse

capítulo 2 • 41
modo, nota-se que não somente as metas de inflação foram alcançadas em todos
os anos a partir de 2004, mas também o PIB aumentou muito no segundo perío-
do. Em 2005, muitos analisadores dentro e fora do governo protegiam a ideia de
que o produto em potencial, ou a habilidade produtiva brasileira, era basicamen-
te formada para fora e não poderia aumentar mais do que 3 - 3,5% por ano. Dado
essa convicção, alguns “policy makers” e analisadores sugeriram que a condição
externa mais apropriada deveria ser utilizada não para acelerar o desenvolvimen-
to, mas sim para diminuir progressivamente as metas inflacionárias.
Alegava-se que era imprescindível para um crescimento mais rápido no lon-
go prazo, um aumento radical da associação superávit primário sobre o PIB de
no mínimo 3 pontos percentuais. Isso acarretaria presumivelmente, ao abaixar
especialmente a relação Dívida / PIB, a uma diminuição constante dos spreads
da dívida externa e das taxas de juros menores no longo prazo, o que induziria
a um aumento imponente do investimento privado. Em relação a contra alega-
ção imediata de que era fundamental aumentar o nível de investimento públi-
co, que tinha caído para o constrangedor nível de 0,3% do PIB. Em 2003 para os
investimentos do governo federal, alegava-se que a única maneira de alcançar
isso seria via cortes significativos no gasto do governo e nas mudanças sociais,
incluindo aposentadorias.
Desta forma, em virtude ao aumento no compasso de crescimento dos pre-
ços internacionais das commodities e dólares, o acréscimo na taxa de juros mi-
nimizou a inflação ao contemplar a taxa de câmbio de modo mais rápido do
que antes. A taxa de juros mais elevada também diminui o aumento do crédito
ao cliente e do PIB, mas por sorte os argumentos mais radicais de acerto fis-
cal não conseguiram ser implementadas. Desse modo, a visão de que alguma
coisa deveria ser feita para consertar o crescimento do mercado doméstico afi-
nal prevaleceu.
Devido ao efeito estável de graus de aplicação da capacidade e crescimento
atual da demanda sobre o investimento privado, somente uma expansão man-
tida do mercado interno brasileiro pode somar tanto as taxas de desenvolvi-
mento do produto efetivo e do produto potencial. Com ligação ao investimento
público, uma diminuição progressiva das metas de superávit primário termi-
nou por acontecer e conseguiram abrir espaço no orçamento para uma recu-
peração inicialmente modesta do investimento público pelo governo e pelas
empresas estatais, sobretudo a Petrobras, após 2007. Essa nova prioridade em
promover o crescimento econômico estava obviamente em contradição com a

42 • capítulo 2
manutenção de um regime de metas de inflação em um período de rápido cres-
cimento dos preços internacionais das commodities, entretanto as melhores
condições externas resolveram as contradições para o governo.
A melhora nas condições externas após 2003, em termos tanto de fluxos
comerciais quando de capitais, veio juntamente com uma taxa de juros mui-
to menor nos EUA e spreads significativamente menores para os "mercados
emergentes" em geral, e também para o Brasil. Dessa maneira, podemos veri-
ficar que um diferencial de juros extremamente alto foi mantido mesmo com
a queda progressiva da taxa real de juros ao longo do tempo, especialmente
após 2006.
Além da menor taxa básica de juros, diversas medidas foram tomadas para
aumentar a disponibilidade de crédito para o consumo e mais tarde para a
compra de residências. Deve-se mencionar também o importante papel dos
bancos públicos aumentando a disponibilidade de crédito para consumo, para
o setor imobiliário e também para o investimento em geral e especialmente por
evitar uma contração de crédito mais séria e uma possível crise bancária após o
final de 2008. Em termo de política fiscal, o governo perseguiu altos superávits
primários para a maior parte do período. Após 2007 houve uma redução das
metas com o objetivo de permitir uma recuperação do investimento do gover-
no federal e das empresas estatais, porém o rápido crescimento da economia
e das receitas de impostos nos três primeiros trimestres de 2008, fez com que
o superávit primário voltasse a crescer. Os efeitos da crise internacional final-
mente fizeram com que o governo mudasse uma política fortemente anticíclica
e permitisse o aumento do superávit primário nos trimestres subsequentes, até
que se recuperasse no final de 2009.
Por outro lado, o superávit primário efetivo não é um bom indicador da po-
lítica fiscal em termos de impacto dos gastos e impostos do governo sobre a
demanda agregada. Ainda que muitos economistas acreditem que uma relação
positiva do superávit primário / PIB reduza necessariamente a demanda agre-
gada, o efeito sobre a demanda agregada e produto, pode ser positivo se o nível
dos gastos do governo crescesse suficientemente e o superávit primário não
fosse muito alto. Isso ocorre porque qualquer aumento do gasto do governo
tem um impacto direto e total sobre a demanda agregada e aumenta a renda
agregada. O aumento nos impostos, por sua vez, simplesmente previne uma
nova expansão via efeito multiplicador privado. Se houve um superávit primá-
rio positivo, isso significa que os impostos foram maiores que o aumento inicial

capítulo 2 • 43
da renda causado pelo gasto extra do governo. Isso então reduzirá a renda dis-
ponível do setor privado e o consumo privado em um montante que será maior
quanto mais alta for a propensão marginal a consumir e o superávit primário.
O impacto total na demanda agregada dependerá da medida em que o efeito ex-
pansionista do aumento primário dos gastos seja maior ou menor que a queda
do consumo privado. Estimativas recentes para o caso brasileiro mostram que
o choque do setor público sobre a demanda agregada foi frequentemente ne-
gativo ou zero até 2005, quando se torna positivo depois de 2006. Um elemento
chave para o rápido crescimento dos gastos e das mudanças governamentais
foi o acréscimo na taxa de aumento dos salários mínimos reais, que teve um for-
te efeito nos honorários do setor público e fundamentalmente nos benefícios
de pensões para aposentados no sistema de repartição brasileiro.
O monitoramento desses altos superávits primários com a inclinação de di-
minuição da taxa real de juros e um aumento mais rápido do PIB no decorrer
do tempo, levou a uma diminuição contínua da relação dívida liquida do setor
público, interna mais externa sobre o PIB. É interessante notar que a diminui-
ção aconteceu mesmo com o acúmulo de reservas com um elevado custo fiscal
devido a significante diferença de juros praticados no Brasil e nos EUA, pois a
maior parte das reservas é em dólares e tem rendimentos baixos. Outro fator
importante a ser notado é que na metade de 2006 o Brasil passou a ter uma dí-
vida externa pública liquida negativa, na proporção em que as reservas interna-
cionais acumuladas passaram a ultrapassar a soma de dívida externa pública.
Então, podemos ver dois resultados diferentes e fortes de uma baixa cambial:
em 2001-2003, a baixa cambial leva a um crescimento na relação dívida pública
líquida / PIB; mas em 2008 uma baixa cambial leva a uma diminuição na rela-
ção Dívida / PIB. Desse modo, o rápido crescimento da relação dívida / PIB em
2009 é em parte devido à próxima análise do câmbio.
Além do choque do acréscimo nos gastos governamentais e das transferên-
cias sobre a demanda agregada, houve um restabelecimento simples, porém
excessivamente necessário do investimento público, especialmente em in-
fraestrutura, tanto pelo governo federal como também pelas empresas estatais,
especialmente pela Petrobras, desde de 2007.
Essas alterações moderadas na política macroeconômica mostram porque
a taxa de crescimento da economia brasileira, afinal começou a crescer du-
rante o meio do ano 2000 depois de quase duas décadas de desenvolvimento.
Primeiramente, a taxa de crescimento cresceu em 2004, conduzido pelo veloz

44 • capítulo 2
crescimento das exportações, que com algum atraso levou a uma recuperação
do gasto induzido e posteriormente do investimento privado solicitado, a maior
parte ligada ao setor exportador. Após alguma dúvida, o governo enfim decidiu
elaborar uma política fiscal mais expansionista a partir de 2006. Isso liberou um
rápido crescimento da demanda em um todo e do gasto privado em particular,
que depois de um tempo conduziu um boom do investimento privado mais ve-
loz e sustentável. Essa nova direção também surgiu como uma resposta tardia à
crise mundial no final do ano de 2008. Essa direção da política ajudou o Brasil a
reduzir a economia relativamente, menos em 2009, e se restabelecer mais rapi-
damente que vários países que seguiram rigorosamente o mesmo regime geral
de política. Vale a pena notar que a ampliação não foi abolida pelo Banco Central
do Brasil, não por mudança de direção política, mas especialmente devido ao
acontecimento que uma queda nas taxas de juros internacionais e nos spreads
concederam ao BC alcançar a meta da inflação anual com uma desvalorização
da taxa de juros nominal e real, visto que a taxa de juros em queda foi adaptável
com, e a maior responsável, da continua análise do Real brasileiro em relação ao
dólar. Na mesmo tipo, ao longo do período de crise do ano 2008, a política fiscal
anticíclica somente foi possível devido à forte desvalorização cambial que acon-
teceu no meio da crise, que foi primeiramente compensada em termos de infla-
ção doméstica pela crise simultânea dos preços internacionais em dólares dos
commodities. A queda em seguida foi rapidamente revertida quando os spreads
dos mercados emergentes retornaram a cair aos seus níveis antes da crise.

2.5.4  Distribuição de renda

O coeficiente de Gini (ou índice de Gini) é um cálculo usado para medir a desi-
gualdade social, desenvolvido pelo estatístico italiano Corrado Gini, em 1912.
Apresenta dados entre o número 0 e o número 1, onde zero corresponde a uma
completa igualdade na renda (onde todos detêm a mesma renda per capta) e
um que corresponde a uma completa desigualdade entre as rendas (onde um
indivíduo, ou uma pequena parcela de uma população, detêm toda a renda e os
demais nada têm).
Em termos de distribuição de renda, notamos uma redução contínua do índi-
ce de Gini durante todo o período. Essa visível redução da desigualdade, porém,
até 2004 deve ser distinguida do que aconteceu no período subsequente. Em pri-
meiro lugar, durante o tempo que o índice de Gini caía constantemente, a parcela

capítulo 2 • 45
salarial na renda despencou até 2004 e se recuperou vagarosamente a partir de
2005. Para compreender essa aparente incoerência, notamos que o índice de Gini
é estimado por pesquisas familiares que capturam exclusivamente as rendas do
trabalho (tanto formal quanto informal), menosprezando drasticamente a renda
ganha da propriedade e desprezando a renda retida dentro do setor empresarial.
Dessa maneira, uma parte da diminuição do índice de Gini até 2004 deve
ser esclarecida pelo fato que, em virtude ao baixo crescimento da economia e
das chances de emprego e da redução da parcela salarial, a renda média total
do trabalho medida pela renda familiar estava despencando, em contrapartida,
o salário mínimo real estava aumentando. Desta forma, parece que até 2004 a
diminuição da desigualdade vinha em ampla medida de uma caída dos salários
mais elevados do que do aumento dos honorários dos trabalhadores mais po-
bres. Depois de 2005 a renda familiar média inicia o crescimento em virtude de
salários reais médios mais altos, desenvolvimento mais rápido da economia e
crescimento dos empregos formais, e o salário mínimo real aumenta de modo
ainda mais rápido, com crescimento da mesma maneira da parcela salarial na
renda. O índice de Gini continua despencando, mas não é de se admirar que a
taxa de pobreza tenha tido uma queda mais brusca no segundo período. Vemos
também o papel essencial da evolução nas condições financeiras e de comércio
internacional para o restabelecimento dos salários reais e da parcela salarial
nos rendimentos, que parecem ser bastante persuadidos pela análise da taxa
real de câmbio e pelas taxas reais de juros mais baixos.
Em suma, o resultado em termos de diminuição, nos mostra que tanto a
parcela dos pobres quanto dos excessivamente pobres na população eram es-
táveis, também crescendo um pouco na crise de 2003. A partir do ano 2004 as
duas parcelas iniciam a queda, mesmo na crise de 2009.

2.5.5  Mercado Externo

Independentemente dos resultados muito favoráveis em termos de crescimen-


to do produto e da distribuição da renda desde 2006, a estrutura da política
econômica moderna parece enfrentar-se com problemas estruturais. A me-
lhoria na execução da economia brasileira foi consequência da união de uma
boa melhora nas circunstâncias externas com que a economia enfrentava, com
uma alteração pequena, contudo, útil, na direção de uma orientação de política
macroeconômica expansionista mais funcional. Agora ambos os aspectos es-

46 • capítulo 2
tão em perigo. Com relação à limitação externa, o principal problema consiste
no fato de que a taxa de câmbio é a única ferramenta de controle inflacionário,
via análise sistemática, e isso começa a atingir a conta corrente e a concorrên-
cia da indústria, principalmente nos setores de tecnologia mais requintados.
A análise real da taxa de câmbio, que desde 2007 está aquém do nível de meados
de 1994, quando o plano Real foi realizado e a alta inflação foi enfim controlada.
Com relação à concorrência externa, cálculos mostram que o coeficiente im-
portado cresceu na indústria manufatureira em 8.1 pontos percentuais de 1996
a 2008. O caso ainda mais violento é o das indústrias tecnologicamente mais
investidas, como os setores "Equipamentos de Comunicação e Eletrônicos" e
"Equipamentos Médicos e de Hospital, Automação Industrial e Precisão", os
quais tiveram um acréscimo no coeficiente importado no mesmo intervalo de
32.7 % e 35.1 % respectivamente. O último, por exemplo, atingiu um coeficiente
importado de 65% em 2008. Isso demonstra que a indústria brasileira está tro-
cando a produção doméstica de trabalho por importados de maneira rápida.
Apesar destas inclinações, a indústria brasileira não enfrentou efeitos ain-
da mais severos porque o mercado interno subiu muito rápido, igualmente
como as exportações de bens manufaturados, também bens de capital, para
mercados emergentes como os países participantes do Mercosul e de bens da
indústria extrativa e mineração, que diminuíram o coeficiente importado, para
o mercado mundial.
Alguns críticos minimizam os riscos do acréscimo do déficit em conta cor-
rente devido à prévia concentração de reservas internacionais e a esperança
que o Brasil em poucos anos se tornará um enorme exportador de petróleo,
estudando as reservas recentemente achadas das camadas profundas do "Pré
Sal". Mas o fato é que desde o fim de 2009, o influxo de investimento estrangei-
ro direto não tem sido suficiente para equilibrar o déficit em conta corrente, e
a continua concentração de reservas vem dependendo do ingresso de fluxos de
capitais de curto prazo.

2.5.6  Políticas Alternativas

Poucos, mas certamente nem todos, desses problemas de concorrência po-


deriam ser suavizados por uma forte desvalorização cambial. Isso certamente
traria um choque inflacionário, pelo menos de curto prazo, e conseguiria levar
a um declínio permanente no salário real. Esse resultado distributivo negati-

capítulo 2 • 47
vo traria ainda efeitos ruins para o crescimento do gasto e da demanda efetiva
como um todo, apesar de seus prováveis efeitos em reduzir consideravelmente
o ritmo das importações, assim como conduzir a uma melhora na atuação do
exportador de alguns setores.
As exigências objetivas da piora da posição externa são sobrecarregadas
pelo estado corrente da polêmica de políticas públicas no Brasil, tanto dentro
quanto fora do governo. A pluralidade dos economistas brasileiros, abrangen-
do a maioria daqueles que se dizem heterodoxos, Keynesianos, ou até "progres-
sistas", não somente estão prescrevendo uma grande depreciação cambial sem
preocupação com os choques distributivos como também martelam no cami-
nho de baixar a taxa de juros real doméstica, que é essencial para pelo menos
frear a inclinação de contínua análise cambial, novamente, com uma grande
redução fiscal. Isso possivelmente poderia permitir o comando do governo so-
bre a taxa de evolução da demanda agregada apesar de conservar uma taxa real
de juros mais baixa e comandar a inflação. Um problema com essa impressão
popular é que, a inflação brasileira é ocasionada essencialmente pelos motivos
de pressão de custo e, em particular, pelo acréscimo de preço das commodities
importadas e exportáveis. Uma diminuição fiscal certamente minimiza o ritmo
de crescimento da demanda agregada, mas exatamente porque isso não gera
uma análise cambial não devemos repetir nenhum choque direto e metódico
na tendência inflacionária.
Apesar disso, para monitorar o crescimento da demanda agregada seria mui-
to mais eficaz e socialmente mais cobiçado controlar o crescimento dos gastos
privados, ao contrário dos públicos. Afinal, não é difícil trocar rapidamente o
desimpedimento do crédito ao consumidor no Brasil ao alterar os spreads dos
bancos estatais comerciais, ampliando os depósitos compulsórios de reserva,
que atuem como um imposto sobre os bancos e ampliem seus spreads e suas
taxas de empréstimos, e principalmente diminua o número de prestações de
certos tipos de operação de crédito, como o financiamento de bens duráveis.
Essas normas são socialmente mais coerentes do que o corte de investimen-
to público, de pensões de aposentadoria, outras transições sociais ou salário
mínimo, ou salários dos servidores públicos em geral. E o monitoramento do
crédito de fato é muito mais imediato e verdadeiro em termos de controle do
crescimento da demanda do que o acréscimo da taxa básica de juros, embora a
última seja muito mais eficaz no controle da inflação em razão dos seus efeitos
sobre o câmbio nominal. O modo mais seguro de tentar minimizar a tendência

48 • capítulo 2
de análise da taxa de câmbio é reduzindo a taxa básica de juros e / ou taxando o
acesso de fluxos de capitais, sendo que a primeira é muito mais modesta e efi-
ciente que a última, embora um diferencial de juros igual a zero anularia tam-
bém o custo fiscal de aglomerar uma grande quantidade de reservas.
Se o governo quiser também não depender tanto da taxa de câmbio para
monitorar a inflação, poderia ser mais empático em fazer mais progressos re-
duzindo o grau de indexação e / ou margens de lucros essenciais dos serviços
de utilidade pública privatizados, assim como fazer mais uso de ferramentas
fiscais para encarar a inflação de custo das commodities importadas e expor-
táveis. Essa última oferta poderia ser feita ao reduzir temporariamente os im-
postos de importações dos bens essenciais cujos preços são muito volúveis e
que estejam visualmente crescendo excessivamente, como o Brasil já fez com a
gasolina, o óleo diesel e com os preços do trigo em 2008. Simultaneamente, as
exportações de alguns bens essenciais poderiam ser taxadas quando seu pre-
ço em dólares crescesse muito em um intervalo curto de tempo, para precaver
com que esses acréscimos fossem repassados para os produtos domésticos.
Se for essencial uma forte desvalorização cambial para restaurar a concorrên-
cia externa, a redução seletiva de impostos de importação e acréscimos nos de ex-
portação, devem ser elevados. Isso teria a consequência positiva de tranquilizar
o impacto negativo do prejuízo cambial sobre os salários reais. De modo ideal,
poderia ocorrer junto com uma diminuição das margens de lucros e da indexa-
ção dos preços controlados, assim mesmo que os salários reais diminuam um
pouco em termos dos bens negociáveis, isso poderia ser reembolsado com um
crescimento em relação a alguns serviços não negociáveis. Um imposto elevado
para a exportação de alguns commodities da mesma forma poderia prevenir a
baixa cambial de aumentar ainda mais os lucros relativo ao setor exportador de
commodities. Isso poderia ajudar na alteração na pauta de exportações para dis-
tante da dependência excessiva das commodities e simultaneamente proteger o
setor industrial das importações demasiadamente baratas.
Uma baixa real da taxa de câmbio, porém, ainda que útil, sem dúvida não
é suficiente para recuperar a concorrência industrial. O Brasil precisa de mais
investimento público em infraestrutura para recuperar sua logística e diminuir
os custos de exportação e praticar uma política industrial de evolução tecno-
lógica em alguns setores, preferencialmente usando o poder de compra do
governo para garantir esses resultados, uma vez que a indústria brasileira ne-
cessita bastante fazer alguma mudança de importações nos setores industriais

capítulo 2 • 49
tecnologicamente mais desenvolvidos de maneira a diminuir a tendência de
crescimento do coeficiente de penetração. Essas políticas parecem ter mais ex-
ternalidades positivas em medidas de melhora da concorrência e da produtivi-
dade da economia do que um simples incentivo fiscal ou diminuição da carga
tributária para firmas que são beneficiadas por aqueles que propõem enormes
cortes fiscais.
Essas questões de políticas indiscutivelmente são duvidosas e complica-
das na prática, mas uma referência simples de alternativas aqui tem apenas o
propósito limitado de mostrar que são obscuras nas diferentes propostas de
política econômica existem não apenas óticas diferentes de como a economia
funciona, mas também claras discordâncias em questões que dizem respeito a
distribuição da renda.
As exigências externas com que a economia brasileira estava se defrontan-
do melhorou repentinamente e consideravelmente desde 2004. As autoridades
brasileiras foram um pouco morosas para perceber isso e iniciar a usar o gran-
de espaço político que foi aberto para o desenvolvimento por essas mudanças
até mesmo nos países em que o governo não estava pronto para mudar o livre
movimento dos fluxos de capitais de curto prazo e desejava manter o suporte
convencional de política macroeconômica de metas de inflação, câmbio in-
constante e elevadas metas de superávit primário. Mas afinal o pragmatismo
predominou e, após 2006, a economia se moveu para uma inclinação mais alta
de crescimento econômico.
A manutenção desse compasso mais rápido de crescimento dentro do âm-
bito de uma rápida piora da conta corrente demandará um rumo da política
ainda mais pragmática. O regresso ao debate brasileiro atual de propostas de
políticas de forte redução fiscal, sugerido originalmente em 2005 e cuja a der-
rota afinal permitiu ao Brasil regressar ao crescimento após 2006, é provavel-
mente um mal prenúncio.

50 • capítulo 2
3
Gastos Públicos
3.  Gastos Públicos
3.1  Teoria da Tributação

3.1.1  Introdução

A teoria da tributação tem como base duas doutrinas fundamentais: Neutrali-


dade e Equidade. O princípio da Neutralidade é alusivo a não intervenção sobre
as decisões de destinos de recursos tomados com base no instrumento de mer-
cado. Se as sentenças se baseiam nos preços relativos decididos pelo mercado, a
neutralidade do sistema tributário seria alcançada quando a maneira de capta-
ção de recursos pelo governo não alterasse esses preços. Qualquer modificação
nos preços relativos, provocada por mudanças na tributação, contribuiria para
tornar menos competentes as decisões econômicas, implicando uma diminui-
ção no nível comum de bem-estar, que poderia ser atingido com tais recursos. A
neutralidade, sob a perspectiva da alocação de recursos, deveria ser acrescenta-
da pela equidade na divisão da carga tributária. Isto é, além de neutro, o impos-
to deveria ainda ser justo na orientação de garantir uma distribuição equitativa
do ônus tributário pelas pessoas. A equidade, no caso, poderia ser examinada
sob duas óticas principais: uma recomenda que o ônus seja dividido entre os
indivíduos, a outra aconselha que essa divisão seja feita com base na aptidão
individual de contribuição. A primeira opção é conhecida como o Princípio do
Benefício, e a segunda, como o Princípio da Capacidade de Contribuição.
Além desses, outras referências importantes devem fazer parte de análise
tributária. Um é relativo ao rendimento do tributo da perspectiva de sua contri-
buição para a receita federal. Essa pode ser estimada com base no reconheci-
mento de coeficientes de elasticidade da receita em relação à renda para diver-
sas alternativas de tributação. O desenvolvimento dos gastos públicos tem-se
mostrado, em regra geral, num ritmo de expansão mais marcante do que o
crescimento da Renda Nacional, estabelecendo um crescimento harmonizável
nos recursos mobilizados para seu financiamento. Tributos com declínio da
produtividade da receita seriam, nesse fato, incompatíveis com as condições
de financiamento das obrigações governamentais. Por outro lado, o emprego
do princípio da neutralidade imagina que a situação atual no instante anterior
à exigência do tributo configure uma solução competente do ponto de vista

52 • capítulo 3
do critério de eficiência de Pareto (Uma situação econômica é ótima no sen-
tido de Pareto se não for possível melhorar a situação, ou, mais genericamen-
te, a utilidade de um agente, sem degradar a situação ou utilidade de qualquer
outro agente econômico). Um dos motivos para a crescente interferência go-
vernamental da economia é a ocorrência dos defeitos na alocação de recursos
acarretadas por defeitos de mercado, sobretudo se levar em conta o intuito de
promoção do crescimento. Nessa situação, os tributos teriam que ser anali-
sados da mesma forma de sua adaptação aos objetivos mais abrangentes da
política fiscal, principalmente no que diz respeito ao acerto de desequilíbrios
conjunturais e à aquisição de taxas satisfatórias de crescimento.

3.1.2  Neutralidade e Eficiência

Segundo o critério de eficiência de Pareto, consideramos que dada alocação de


recursos na economia é eficaz quando é impossível modificá-la, de maneira a
melhorar o nível de bem-estar de uma pessoa, sem piorar a situação de outra
qualquer. Na nomenclatura da análise microeconômica, uma solução eficaz é
representada pelo tópico em que a taxa marginal de substituição no consumo
iguala a mesma taxa referente a possibilidades de produção. Considere-se ago-
ra a obrigação alternativa de diversos tipos de tributos. Primeiro, um impos-
to constante per capita, isto é, aquele que o ônus da tributação fosse dividido
igualmente pelo número de consumidores, livremente de suas características
socioeconômicas. Sob a visão individual, um imposto dessa característica re-
presentaria uma diminuição na renda, que seria da mesma forma que a linha
de orçamento para o consumidor. Do lado da produção, a transição de recursos
financeiros da área privada para a área pública via tributação implica diminuir
a quantidade de recursos para gerar os produtos em questão. No caso de um
imposto sobre a renda, a diminuição na renda disponível do consumidor di-
minuiria igualmente suas expectativas de consumo sem prejudicar a escala de
preferências. Da mesma maneira, um imposto geral e idêntico sobre o consu-
mo diminuiria na mesma proporção as expectativas do consumidor quanto ao
consumo dos produtos, dadas suas limitações de receita. A competência nas
definições sobre alocações de recursos para produção e consumo de mercado-
rias e serviços não seria prejudicado por impostos desse tipo a mesma conclu-
são, porém, não se usa ao caso de impostos seletivos sobre consumo.

capítulo 3 • 53
3.1.3  Equidade

O segundo princípio essencial da tributação é o da equidade. A apreensão, no


fato, consiste em dar um mesmo tratamento, em maneiras de contribuição, aos
indivíduos classificados iguais - um critério de "equidade horizontal" - garan-
tindo, simultaneamente, que os desiguais são diferenciados segundo algum
modo a ser estabelecido, uma apreensão com a "equidade vertical". Uma pri-
meira questão, na observação da equidade é, portanto, qual a regra a ser utiliza-
da para a classificação dos que são conceituados iguais e para o estabelecimen-
to de diretrizes adequadas de distinção. Dois critérios têm sido colocados com
essa finalidade: o Critério do Benefício, que sugere atribuir a cada indivíduo
um ônus semelhante aos benefícios que ele desfruta dos programas governa-
mentais; e o Critério da Capacidade de Contribuição, que defende a divisão do
ônus tributário em função das respectivas competências individuais de contri-
buição. O primeiro determina um critério de igualdade com sustentação nas
preferências individuais pelo consumo de bens e serviços gerados pelo gover-
no, enquanto o segundo se refere às expectativas de pagamento. Ambas as táti-
cas apresentam obstáculos de ordem prática com relação a intenção de identi-
ficar os iguais, identificando e quantificando benefícios, num acontecimento,
ou capacidade de contribuição, no outro. Se bem que a experiência mais atual
tenha atribuído maior destaque ao uso da capacidade de contribuição, o crité-
rio do benefício pode ser uma maneira mais apropriada de tributação, quando
aumenta o grau de interferência do governo na produção de bens e serviços de
características equivalentes aos produzidos pelo setor privado.
O critério do benefício determina que cada indivíduo deve contribuir para
a realização de serviços governamentais, de forma a empatar o preço unitário
do serviço ao benefício marginal que ele ganha com sua produção. A análise do
benefício marginal para cada indivíduo consiste na identificação de curvas de
demanda para as distintas espécies de bens produzidos pelo governo. Vimos a
preferência de diversos indivíduos por um bem público qualquer, seria permi-
tido determinar ao mesmo tempo a quantidade a ser produzida, a totalidade de
recursos indispensáveis ao financiamento da produção e a distribuição desse
ônus pelas pessoas, de acordo com as respectivas escolhas. O preço unitário
que cada indivíduo pagaria seria idêntico ao correspondente benefício margi-
nal, satisfazendo, portanto, à exigência a que ser refere o denominado critério
de benefício.

54 • capítulo 3
Algumas restrições de ordem prática ao uso genérico do critério do benefí-
cio na tributação são frequentemente mencionadas. A primeira atribui-se à di-
ficuldade de conseguir versões quantitativas de curvas de demanda individual
por bens públicos para seguinte identificação dos benefícios que cada indiví-
duo concedeu ao consumo de diferentes quantidades do bem em questão. A
segunda consiste em chamar a atenção para o caso de que, mesmo que se pu-
desse adquirir curvas de demanda com apoio na identificação de predileções
individuais, não é possível unir essas preferências, as quais representem pa-
drões essencialmente abstratos de avaliação. De acordo com a terceira, se o gas-
to é coletivo, não haveria qualquer estímulo para que os indivíduos revelassem
acertadamente suas preferências, se isso, mais tarde, fosse servir de base para
especificar o montante individual de contribuição. Tais problemas sugerem
que, se o uso do critério do benefício é praticamente inverossímil no caso do
financiamento de bens públicos, o mesmo não seria autêntico quanto a bens
privados realizado pelo governo.
Como já deve ter sido notado, o uso do critério do benefício determina ao
mesmo tempo a totalidade da tributação e a distribuição da carga tributária,
discordando basicamente do critério da capacidade de contribuição, que trata
as duas coisas à parte. Esse aspecto do critério do benefício é algumas vezes
voltado como um dos proveitos do método que imporia como que um artifício
automático de verificação da expansão dos gastos governamentais, principal-
mente no que diz respeito à produção de bens que hipoteticamente poderiam
ter um preço decidido pelo mercado. O uso parcial do critério do benefício en-
contra um terreno mais fértil nos setores de serviços públicos, onde se regis-
tram um uso contínuo de taxas específicas para seu financiamento. Sob essa
temática, a prática de estabelecer tributos especialmente ligados a determina-
dos programas pode ser uma importante forma indireta de coletar do usuário
o financiamento do programa. Os modelos mais comuns a esse respeito são a
arrecadação de um imposto sobre combustíveis, para financiar a construção de
rodovias, e o recebimento de um imposto sobre o gasto de energia elétrica, para
financiar os investimentos no setor.
Segundo o critério da capacidade de contribuição, os indivíduos deveriam,
no grau de suas capacidades, cooperar para o financiamento dos custos go-
vernamentais. Dessa maneira, se a capacidade de contribuição é medida em
termos de renda, a "equidade horizontal", seria conquistada quando indi-
víduos com um idêntico nível de renda anual contribuíssem com a idêntica

capítulo 3 • 55
quantidade. Conforme o caso, os efeitos obtidos são absolutamente opostos.
Se o aumento na contribuição for mais baixo que o proporcional ao ocorrido
na renda, a relação entre o imposto a pagar e a renda diminui com o aumento
no nível de renda, representando uma distribuição retroativa da carga tributá-
ria. Por outro lado, se o aumento na contribuição é proporcional ao aumento
na renda, a relação imposto / renda continuará constante para, seja qual for,
o nível de renda, caso em que a distribuição da carga tributária é conceituada
proporcional. Finalmente, se o aumento na contribuição for mais que o propor-
cional ao aumento na renda, a relação imposto / renda aumenta com o nível de
renda, gerando uma distribuição progressiva da carga tributária.
Claramente, a inclinação seria concluir que a distribuição progressiva da
carga tributária é aquela que mais bem se ajusta aos conceitos da equidade
vertical. De um ponto de vista hipotético, entretanto, há algumas ressalvas que
podem ser feitas a essa conclusão. Da visão dos indivíduos, o pagamento de
tributos ao governo é visto como um sacrifício, a equidade na tributação seria
conquistada quando esse sacrifício fosse idêntico para todos os contribuintes.
A análise da capacidade de contribuição passa, dessa maneira, subordinar-se a
um conceito abstrato de igual sacrifício.
Em contrapartida, a opinião individual do sacrifício tributário depende, do
que parece, do respectivo nível de renda, e de uma opinião, também subjetiva,
de seu uso. Quanto maior o contentamento que o consumidor derivasse de um
complemento no consumo, que resulta de um aumento em sua renda, seria
superior o sacrifício dos deveres do governo. Se, de acordo com a dedução tra-
dicional, o uso marginal da renda diminui à medida que a renda aumenta, a
análise do sacrifício tributário deveria, portanto, relacionar-se contrariamente
com o nível de renda individual. Nessas situações, o princípio de "igual sacrifí-
cio", seria satisfatório à medida que a contribuição individual fosse maior para
níveis de renda mais altos. O correto significado da frase "igual sacrifício" ne-
cessita, ainda, ser devidamente explícito. Existem três formas de analisar essa
igualdade: absoluta, proporcional ou marginal. Imaginando que os indivíduos
têm gostos iguais, de tal forma que uma mesma curva de utilidade (total e mar-
ginal) pode ser usada a todos os contribuintes. Admitindo, portanto, que o uso
marginal de renda é decrescente, o uso de um critério de idêntico sacrifício
marginal resulta numa progressão máxima, ou seja, iguala a renda disponível
dos contribuintes. Se a igualdade de sacrifício é completa, o resultado é uma

56 • capítulo 3
distribuição proporcional da carga tributária, contanto que a taxa de decrés-
cimo no uso marginal seja igual à taxa de acréscimo na renda. Afinal, o crité-
rio de proporcionalidade na aferição de um idêntico nível de sacrifício propõe
um imposto progressivo, à medida que o uso marginal da renda decresce mais
rapidamente que a utilidade média, alternando o grau de progressividade de
acordo com a diferença entre as respectivas taxas.
A alegação de que a equidade na tributação se relaciona a uma distribui-
ção progressiva da carga tributária pressupõe, portanto, não só aceitar que o
uso marginal da renda é decrescente, assim como a respectiva taxa de decrés-
cimo se comporta de acordo com as exigências referentes a diferentes fatores
de igualdade de sacrifício. Na realidade ambas as conjecturas são difíceis de
serem expostas à comprovação. Como a definição de utilidade refere-se a uma
avaliação individual e abstrata, um idêntico nível de renda deve equiparar-se a
diferentes medidas de utilidade para diversas categorias de indivíduos, da mes-
ma maneira que um igual sacrifício seria conquistado com diferentes níveis de
contribuição. Deve se evitar a discussão a respeito das dificuldades por desi-
gualdades individuais na análise subjetiva de utilidade, mediante a modifica-
ção do conceito subjetivo do uso em um conceito mais completo de utilidade
social da renda. Tal alteração pode eliminar um ponto de polêmicas, mas não
soma muita coisa em termos de um critério em funcionamento, uma vez que a
utilidade social deveria ser o resultado de algum critério de conjunto das prefe-
rências individuais.
Desse modo vale a pena ressaltar duas observações adicionais. A primei-
ra atribui-se à origem da proposta de que a utilidade marginal da renda é de-
crescente. Como a ideia de utilidade marginal vincula-se ao contentamento
provocado por um acréscimo no gasto em virtude de aumento na renda, uma
análise social tende naturalmente a dar ênfase aos limites físicos, ao aumen-
to do consumo de produtos fundamentais, de modo a justificar um aumento
progressivo na tributação. Superada a etapa em que o complemento de renda
seria totalmente usado para aumento no gasto de produtos essenciais, a defini-
ção de hipóteses a respeito da conduta da utilidade da renda já não é tão clara,
tendo em vista principalmente que o próprio conhecimento de essencialidade
dos produtos altera-se ao longo do tempo. O próprio processo de crescimento
econômico encarrega-se de englobar novas necessidades à medida que altera
padrões de habitação, alimentação, recreação etc. A junção de novos bens na

capítulo 3 • 57
categoria de produtos fundamentais durante o processo de desenvolvimento
causaria um deslocamento das curvas de utilidade da renda, no decorrer do
tempo, de maneira que um aumento de renda que possibilitasse ao indivíduo
aumentar seus padrões de consumo de acordo com sua nova posição relativa
na sociedade o estabeleceria em uma nova posição em termos de análise da
utilidade marginal da renda. A longo prazo, a utilidade marginal da renda se-
ria capaz então apresentar-se constante, se considerássemos os pontos médios
das diversas curvas que se referem a análise das preferências individuais em di-
ferentes pontos do tempo. É necessário observar que a análise da essencialida-
de dos produtos seria identicamente afetada pela posição relativa do indivíduo
na sociedade. Nessa lógica, a utilidade da renda não seria livre de comparações
interpessoais de modelos de consumo.
A suposição de que a utilidade marginal da renda seja decrescente, even-
tualmente, se ajusta com mais propriedade a um contexto de imobilidade, no
qual a característica dos bens essenciais e as preferências individuais e cole-
tivas não sofrem mudanças importantes. Em situação definida por sucessivas
mudanças econômicas e sociais, como aquela formada por um rápido processo
de desenvolvimento, tal suposição já não pode ser aceita com o mesmo nível
de confiança. É importante notar, também, se o método de desenvolvimento
se caracteriza não só por um aumento no nível de renda, mas também por um
melhoramento cultural e intelectual, a própria possibilidade trabalho / lazer as-
sume nova grandeza, isto é, a satisfação ligada ao lazer não é conseguida gratui-
tamente, mas envolve também progressivas necessidades de gasto sob forma
de participação em atividades recreativas, culturais etc.

3.2  Gastos Públicos

3.2.1  Introdução

Os gastos públicos podem ser denominados sob três visões principais: Da utili-
dade do gasto, da natureza do custo e do responsável encarregado da execução
do gasto. Quanto à utilidade, os gastos são normalmente denominados em fun-
ções, programas e subprogramas, dependendo do estágio adotado. Vale a pena
notar que a denominação das despesas por funções é essencial para a efetiva
implantação da experiência do orçamento, que objetiva ampliar a eficiência e

58 • capítulo 3
o êxito na programação dos gastos governamentais. Quanto a natureza do cus-
to, costuma-se reconhecer quatro principais categorias econômicas de custos:
Custeio, Investimento, Transferências e Inversões Financeiras. A denomina-
ção das despesas por ordem econômica inspira-se no esquema especificado na
Contabilidade Nacional e objetiva mensurar a participação do gasto governa-
mental nos princípios associados da análise macroeconômica.
Vale a pena ver que a distribuição dos custos por categoria já fica parcial-
mente classificada pela finalidade da despesa. Cada forma de programa re-
quer maior destaque em determinada modalidade de custo. Programas de
Segurança Pública, por exemplo, sujeitam-se basicamente do uso de mão de
obra, apresentando uma alta de custos com pessoal, no total dos custos do pro-
grama, por seu turno. Planos ligados à melhoria da infraestrutura de transpor-
tes, consistem essencialmente na realização de custos de aplicação, enquanto
as transferências assumem papel preponderante em projetos de previdência
social. A distribuição por categoria de custo, depende, assim, da divisão funcio-
nal das despesas. Em princípio, quanto mais alta a parcela das despesas públi-
cas, mais alta é a participação de despesas com pessoal no total do orçamento,
enquanto uma participação mais alta das aplicações fica associada a um desta-
que em programas de melhoria e ampliação da infraestrutura econômica.
Vale a pena constatar, porém, que esse resultado pode ser alterado pelo
modo de concretização dos programas e pela organização administrativa do
governo. As sociedades governamentais acumulam-se em dois tipos básicos. O
primeiro é a Administração Direta, ou Central que é a que e estabelece os ser-
viços incorporados na estrutura administrativa da Presidência da República e
dos Ministérios. O segundo é a Administração Indireta ou Descentralizada que
é a que engloba empresas dotadas de personalidade jurídica próprias e organi-
zadas sob a forma de Autarquias, Fundações, Empresas Públicas e Sociedades
de Economia Mista.
Dessa maneira, na falta de largo trabalho de consolidação, é possível, ocor-
rer algumas falhas de dados a respeito da distribuição dos fundos públicos por
classe econômica de despesas. Considere-se, por exemplo, a sentença de criar
uma Autarquia ou Empresa, para praticar um programa que vinha sendo execu-
tado pela Administração Direta. No orçamento da mesma, a parcela de riqueza
anteriormente alocada a esse planejamento, passaria a constar como custos
de transferência, diminuindo as despesas com pessoal, consumo e aplicações.

capítulo 3 • 59
Assim, uma análise parcial da melhoria da despesa da Administração Direta
poderia mostrar alterações em sua composição, devidas puramente a oscila-
ções na estrutura administrativa, sem nenhuma modificação real na estrutura
do gasto governamental.
Outras oscilações podem ser devidas a variações na forma de executar dado
plano: se direta ou indiretamente, devido a admissão de empresas privadas.
Cita-se, como exemplo, o caso da Saúde. A estrutura dos gastos na assistência
médica da previdência social depende principalmente da maneira utilizada
para prestação de trabalho. Se a preferência recair sobre a prestação direta dos
trabalhos, isto é, a preservação de ambulatórios e hospitais próprios, o resul-
tado será a alta participação de despesas de pessoal, e a compra de material
de compra no total do orçamento do programa. Se a escolha for a de prestar o
trabalho indiretamente via contratação ou credenciamento de empresas par-
ticulares, a maior fração do custo será representada pelo pagamento de traba-
lhos prestados por terceiros, mudando radicalmente a estrutura dos gastos em
medidas de participação percentual de cada item no total do orçamento.

3.2.2  Despesas conforme a categoria econômica

A análise da composição dos custos, segundo as principais classes econômi-


cas, permite qualificar a conquista das metas governamentais de promoção do
desenvolvimento econômico e de redistribuição da Renda Nacional. Essa deno-
minação tem suas restrições, pois muitos custos que são denominados como
custeio nos orçamentos, dizem respeito a funções às vezes mais importantes
para o desenvolvimento econômico e para a divisão da renda do que outras
despesas de aplicação ou transferências. Tal seria a ocorrência, por exemplo,
do custo associado à preservação dos serviços de Educação e Saúde, que tem,
significativas repercussões tanto no que se cita ao crescimento econômico,
quanto no que se cita à divisão de renda. A Portaria número 42/99 do Ministério
do Orçamento e Gestão, extinguiu a denominação funcional programática da
despesa. Essa portaria teve a meta de possibilitar à União, aos estados e aos
Municípios a aplicação de um programa mais ajustado aos verdadeiros princí-
pios de orçamento e gestão, direcionando a administração pública do "padrão
burocrático" para o "padrão gerencial"

60 • capítulo 3
O reconhecimento do governo é que a denominação funcional programática,
tornava inviável uma estimativa com resultados aferíveis e dirigido à população.
Havia a junção de duas denominações, a funcional e a programática, em que a
primeira teria como meta definir as áreas privilegiadas pelo gasto público e a se-
gunda, a meta do gasto. Como metas não são facilmente igualáveis, a tarefa de
denominação caberia à classificação funcional. Na execução da funcional progra-
mática, entretanto, dominou o caráter meramente classificatório, perdendo-se a
razão do orçamento do programa, em que a preferência é a necessidade dos ob-
jetivos estarem muito bem determinados. Na ótica do Ministério do Orçamento
e Gestão, a denominação funcional programática passou a representar um aglo-
merado de caixas onde as ações são juntadas, sem maiores preocupações com o
modo de transação que está sendo denominado. Ao mesmo tempo que extinguiu
a denominação funcional programática a denominação funcional foi mudada,
se subdividindo em sub funções. Os planos perdem as características de classifi-
cadores, com cada setor de governo tendo sua própria denominação, de acordo
com suas metas de política. Outras duas alterações foram a apresentação do con-
ceito de produto na classe programática "atividade" e a criação da classe "opera-
ções especiais", que são os custos que não ajudam para a continuidade das ações
de governo, das quais não resulta um produto e não concebem contraprestação
direta sob a figura de bens ou serviços.

3.3  Curva de Laffer

A curva de Laffer é, em economia, uma exibição teórica, como podemos ver pelo
gráfico da figura 1, da associação entre o valor conseguido em impostos pelo
governo e todas as suas suposições de taxação. Esta definição é usada para es-
tampar a definição de “elasticidade da receita taxável”. Para se construir a cur-
va, calcula-se o valor alcançado com as taxas de 0% a 100%. É evidente que uma
taxa de 0% não traz receita tributária, mas a suposição desta curva também diz
que para uma taxa de 100% não traz receita alguma. Se ambas estas taxas não
criam receitas tributáveis, podemos deduzir que haverá uma taxa que permita
alcançar um valor máximo. A dificuldade de cada economia, segundo Laffer, é
achar o ponto de equilíbrio, a tal taxa que maximiza as receitas tributárias, sem
atingir o bom funcionamento da economia.

capítulo 3 • 61
Curva de Laffer
O que o governo
arrecada

R1
R1
R2

t1 t2 t3 O que a população
paga

Figura 3.1  –  Curva de Laffer

O economista Arthur Laffer desenvolveu este gráfico para apresentar


como os níveis das alíquotas prejudicam a receita tributária (Fig.1). Segundo
o economista, as alíquotas dos EUA eram tão altas que, se houvesse uma di-
minuição, poder-se-ia obter um aumento na arrecadação. A Curva de Laffer
provoca um pensamento sobre as deficiências e a perda de estímulos que as
alíquotas dos impostos acarretam na economia, podendo essas alíquotas, à
medida que são aumentadas, diminuir a receita tributária. De acordo com
esta teoria, em um primeiro instante, uma pequena alta da carga tributária
gera um aumento no total do recolhimento de tributos por parte do setor
público. Porém, depois de atingir um ponto mais alto de arrecadação, a cur-
va sofre uma inclinação e a relação passa a ser contrária. Se o governo ten-
ta aumentar ainda mais essa carga tributária já muito elevada, ele começa a
perder recebimentos, ao invés de aumentar sua receita. Laffer destaca como
justificativa central para esclarecer o episódio de tal fenômeno o fato de que
uma carga tributária, quando muito alta, provoca a evasão fiscal e incentiva
as atividades informais e ilegais. Isso acarreta, por sua vez, desencorajamento
sobre os negócios em geral da economia formal, reduzindo assim a base de
incidência da tributação. Os resultados da diminuição de alíquotas promovi-
da nos EUA por Ronald Reagan não corroboraram com o conceito de Laffer,
ocorrendo diminuição da receita tributária. Embora uma diminuição geral
nas alíquotas favoreça uma diminuição de receita, há certezas de que alguns
contribuintes estavam do lado incorreto da curva de Laffer. A receita tributá-
ria recolhida na década de 80 com os americanos mais abastados, aumentou
quando essas alíquotas foram diminuídas.

62 • capítulo 3
As alegações de Laffer, além de ocasionar o debate sobre a carga tributária,
podem ser mais aprovados quando usados em países onde a carga tributária
e mais alta do que nos EUA. Na Suécia, por exemplo, no começo da década de
80, o trabalhador era tributado em 80% sobre os seus rendimentos, mostrando
um desestímulo ao trabalho. Estudos mostram que, caso a Suécia promovesse
diminuição na alíquota dos trabalhadores, poderia atingir aumento na arreca-
dação. No caso do Brasil, por conta da sonegação, com dificuldade o governo
estaria operando no lado decrescente da Curva de Laffer e uma diminuição de
alíquota causaria aumento da receita.

3.3.1  Gestão Tributária

Nos últimos tempos a administração tributária tornou-se uma ferramenta cada


vez mais imprescindível às instituições em geral. Os administradores buscam im-
plantar a administração tributária nas organizações como forma de diminuição
de custos e ganho de competitividade. A palavra gestão, do latim gestione, signifi-
ca gerir, gerência, administração. Nesse sentido, faz-se indispensável buscar um
entendimento sobre as ferramentas de gestão. A fim de alcançar seus objetivos
e potencializar os resultados, as instituições devem gerenciar seus processos de
maneira eficiente e racional. Sobre essa questão, destacam-se três pontos fun-
damentais para o gestor que busca um gerenciamento administrativo arrojado;
respostas rápidas, serviços eficientes e desburocratização dos processos. Todos
esses sob o alicerce de dados e números eficientes para as tomadas de decisão
de cunho empresarial. Dentre as metas da contabilidade está o de oferecer infor-
mações proveitosas para a tomada de decisões. A área financeira de uma empre-
sa deve oferecer informações sobre os bens econômicos, os direitos sobre esses
bens, bem como os efeitos de transações, acontecimentos e circunstâncias que
mudem seus recursos e os direitos sobre estes. O sistema de informações contá-
beis “é o subsistema de informações dentro de uma organização que acumula
informações de vários subsistemas da empresa e comunica-as ao subsistema de
processamento de informações”. O sistema contábil deve interagir com todos os
departamentos da instituição, procurando atender às necessidades de cada de-
partamento da empresa, para fins de planejamento, realização e controle.
A presença do planejamento no funcionamento empresarial pode, muitas
vezes, impossibilitar ou reduzir a ocorrência de situações indesejadas. O obje-
tivo não é excluir o perigo da decisão, mas sim lidar com o perigo na tomada de

capítulo 3 • 63
decisão. O cumprimento é realizado à parte do processo no qual as ações ocor-
rem, sendo que as ações devem a todo momento estar em acordo com o pla-
nejamento. A etapa do controle analisa os processos e confronta o planejado
com o realizado, estuda os desvios, procura reconhecer as causas e conduzir as
ações corretivas. Por isso, a gestão tributária inclui as etapas de planejamento,
execução e monitoramento das obrigações tributárias. Podemos afirmar que o
conjunto de problemas envolvidos na questão dos tributos no Brasil vai além do
fato elementar do encargo causado às empresas. Os tributos, sejam eles quais
forem, incidem na vida das empresas como um limitador de crescimento, um
obstáculo aos novos investimentos, além de diminuir a geração de lucros nas
instituições. Também prejudicam a vida das pessoas físicas, que acabam por
resistir a todo ônus tributário, através do pagamento de tributos diretamente
ou indiretamente, por causa de efeitos nos preços finais das mercadorias e ser-
viços instigados pelos valores dos vários tributos embutidos no faturamento
final. O mercado ordena tanto produtos e serviços de qualidade, quanto preços
menores, forçando as empresas a utilizar estratégias para melhorar sua lucrati-
vidade, manter a concorrência e assim assegurar a continuidade.
Portanto a gestão tributária é uma das muitas ferramentas que podem con-
tribuir para as instituições atingirem seus objetivos, obtendo melhores resul-
tados. Para serem competentes, as organizações deverão identificar e julgar as
alternativas disponíveis e agirem rapidamente nas escolhas de decisões. Em
tal circunstâncias, a contabilidade apresenta-se como uma forte ferramenta,
auxiliando os gestores na escolha de decisão e contribuindo, dessa maneira,
para a escolha daquela opção que lhe ofereça o melhor resultado econômico,
considerando os aspectos legais.

3.4  Déficit e Dívida Pública

O crescimento da dívida pública ao longo do tempo, em função de níveis de-


siguais de superávit ou déficit primário, pode ser mais bem entendida com o
auxílio de algumas equações muito simples. Estabelecida a dívida líquida do
setor público - externa e interna - como B, neste caso sem apoio monetário, e
deixando de lado, para facilitar, certas tecnicalidades resultantes do fato de que
a dívida por completo se refere ao final do período, enquanto o PIB é apresenta-
do em preços médios do período, o valor de B no período s é

64 • capítulo 3
Bs = Bs – 1 + Ps – RAs – Rs (1)

P é a despesa de juros nominais, RA é o valor do superávit primário, R é a


coleta de senhoriagem e (s – 1) expressa defasagem de um período.
A taxa de juros é igual a:

Pt = Bs – 1 · i (2)

em que i é uma taxa nominal média ponderada, incidente sobre a dívida.


Trocando a equação (1) pela equação (2) e dividindo B pelo PIB nominal, esta-
belecido em função das taxas de crescimento real (n) e da taxa de inflação (Z) -
ambas, por suposição, permanentes, para qualquer período de tempo - conclui-
se que a relação dívida pública / PIB (b), a cada período de tempo, é dada por

bs = bs – 1 · (1 + i) / [(1 + n) · (1 + Z)] – x – r

em que x e r significam as relações superávit primário / PIB e senhoriagem /


PIB, respectivamente, ambas, também por suposição, constantes.
A equação permite compreender claramente porque postergar o ajusta-
mento tende a torná-lo cada vez mais difícil, pois o adiamento das medidas des-
tinadas a conseguir esse ajuste implica a insistência de déficits, que por sua vez
produzem um aumento da dívida pública, que inclina a realimentar, por meio
da conta de juros os déficits em períodos seguintes, tornando o ajustamento
solicitado progressivamente maior.
Podemos, portanto, ter melhores condições de alegar para questionar a tese
alusiva ao "caráter financeiro do déficit". O que significa isso? Em geral costu-
ma se equiparar o valor da taxa de juros com o déficit e deduzir que, sendo a
razão entre àquela e este alta, "o déficit é financeiro", no sentido de que, se não
tivesse dívida, o déficit poderia, no limite, sumir. O argumento parece ter fun-
damento e tem constantemente convencido parte dos meios de comunicação
e do setor governamental e político, mas deve ser devidamente classificado. Há
três pontos que é indispensável considerar.
Primeiro, em uma execução orçamentária na qual há diversos itens impor-
tantes, qualquer uma dessas despesas próprias, se comparada com o déficit,
tende a estabelecer um coeficiente que pode ser próximo ou até maior do que
um. Da mesma maneira que o fato de o déficit ser de por exemplo, 5% do PIB,

capítulo 3 • 65
quando a taxa de juros tem esse destaque, pode se dizer que o déficit é "finan-
ceiro", por semelhança, se o custo previdenciário ou a conta de transferência a
estados e municípios forem da mesma ordem.
Segundo, a dívida existe. De pouco adianta comprovar que, se não existis-
se uma dívida, não haveria déficit, se a suposição não faz sentido. Além disso,
esse é uma maneira de discurso que tende em geral a estar relacionada à de-
núncia do sistema financeiro como o maior beneficiário desses pagamentos. A
rigor, contudo, o sistema financeiro é um representante entre administradores
com posições credoras e devedoras. Nessa lógica, o que nas contas públicas é
uma taxa de juros, tem como compensação uma receita de quem tem títulos
públicos na sua carteira. Diversas vezes, portanto, a pessoa que abre um jornal
e lê uma manchete como "Juros voltam a agravar o déficit", pode gostar, como
leigo, com qualquer forma de moratória da dívida interna, "para acabar com a
ganância dos bancos". Porém, se isso acontecesse, provavelmente ele seria um
dos prejudicados, se tiver investimentos financeiros, já que estes podem estar
lastreadas em títulos públicos.
Finalmente, a taxa de juros é uma expressão de variações primárias ante-
riores, que originaram a dívida inicial. A culpa da existência de uma taxa de ju-
ros deverá ser o agravamento do resultado primário. O que queremos enfatizar
com isso é que existe uma ligação entre a taxa de juros e o resultado primário
e que uma melhora - ou piora - deste tende a se repercutir, mais cedo ou mais
tarde, num sentido ou no outro, na conta de juros, mesmo que a taxa de juros
seja constante. A inexistência dos ajustes indispensáveis no lado primário, para
não ter que assumir com os ônus disso decorrentes, tende a fazer com que os
sacrifícios que estão por vir, sejam maiores, já que, em algum momento, o go-
verno é obrigado a se acertar, com uma dívida maior do que a inicial e, contudo,
tendo que alcançar um resultado primário maior, para uma dada taxa de juros.
O setor público como algum outro agente econômico, uma empresa ou um
empregado assalariado se depara com uma restrição orçamentária. Para man-
ter-se em estabilidade ao longo do tempo, o fluxo de gastos deve ser igual ao de
entrada de capital. Caso contrário, estará originando um superávit ou um défi-
cit no orçamento. No primeiro caso, o governo aumentará a poupança e poderá
ceder recursos para o setor privado. No segundo caso, ocorre o contrário, com o
governo gastando mais do que recebe e originando uma necessidade de finan-
ciamento ligado ao setor privado e / ou Banco Central. Dessa maneira obtém-se
a primeira grandeza de déficit:

66 • capítulo 3
As = Co – Do (1)

onde A é o déficit público


Co são os gastos públicos em determinado período o
Do são as receitas públicas em determinado período o
Há dois importantes comentários a serem feitos no que diz respeito a essa
medida. Em primeiro lugar, sua dimensão. Como não se qualificou a questão
do déficit público, este é compreendido como todos os gastos ou custos menos
todas as receitas (financeiras e não financeiras). Logo, essa medida atribui-se
ao déficit em conta corrente da gestão pública. Em segundo lugar, o déficit pú-
blico é uma medida de fluxo, em outras palavras, a medição deve ser realizada
em determinado período de tempo (mês, trimestre e ano). Logo, quando os jor-
nais anunciam os resultados do déficit público, estes vão sempre estar ligados
a uma referência temporal.
A medida que mais fica perto da equação 1 é a apresentada pelo Banco
Central. São as Necessidades de Financiamento do Setor Público (NFSP), que
começaram a ser apresentadas no início da década de 80, em razão do trato
com o FMI que objetivava acompanhar o funcionamento global do setor pú-
blico. Hoje em dia, as NFSP englobam a área pública não financeira e o Banco
Central. Estas são medidas pela visão do financiamento, ou como chamam os
profissionais da área, pelo método "abaixo da linha".
Para uma melhor compreensão de como são apuradas as NFSP, temos que
desenvolver a equação 1 mostrando de um lado a origem do déficit público, e de
outro lado suas formas de financiamento:

(Jhc – Qhc) + to Fo + t* o so Mo + th No = ∆Fo + s∆Mo + ∆No (2)

No lado esquerdo estão as fontes de origem do déficit público. O primeiro


termo entre parênteses indica a diferença entre gastos não financeiros (Jhc) e re-
ceitas não financeiras (Qhc). Os outros termos referem-se aos custos financeiros
líquidos que recaem sobre os estoques de dívida pública: a dívida interna obti-
da em moeda nacional (Fo), a dívida contratada em moeda externa (Mo) e a dívi-
da adquirida no Banco Central (No), com suas devidas taxas de juros (to, t* o e th).
A variável s simboliza a taxa de câmbio, que por suas mudanças afeta o estoque
da dívida em moeda estrangeira. Logo, aumentar as despesas públicas acima
das receitas irão levar os depósitos acima da dívida pública (representada no

capítulo 3 • 67
lado direito da equação 2). Isso, pode acontecer por motivos exclusivamente fis-
cais ou por alterações na condução da política monetária e cambial, que podem
modificar as taxas de juros e câmbios.
No lado direito da equação 2, estão as fontes de financiamento que dispõe
a área pública, a emissão de títulos públicos domésticos, externos, e ligados ao
Banco Central. Este último é o mutuante da última instância do Tesouro e do
sistema financeiro. Para o primeiro, o Banco Central cobre eventuais carências
de financiamento, em geral, aumentando a base monetária. Para o segundo, os
empréstimos visam evitar crises de liquidez e problemas no sistema bancário.
As operações de empréstimos do Banco Central para o Tesouro Nacional que
equivalem a aumentos da base monetária podem acontecer também de manei-
ra indireta por meio das compras em mercado aberto de títulos da dívida em
posse do setor privado. Logo, para captar as NFSP do setor público é preciso
agregar as operações fiscais deste setor às mudanças que ocorreram no âmbi-
to do balanço do Banco Central. Em geral, são conceituadas como operações
"quase-fiscais". As mais comuns podem ser assim representadas:

No = Ao + soLo – χo (3)

onde: N é a base monetária


L é o estoque de reservas estrangeiras
χ representa os lucros ou prejuízos resultantes das operações do
Banco Central.
No lado esquerdo da equação 3 temos o importante passivo do Banco
Central, que é o estoque do suporte monetário (papel-moeda em poder do
público mais os encaixes dos bancos comerciais no Banco Central). Os funda-
mentais ativos estão do lado direito da equação 3: títulos públicos e as reser-
vas internacionais. Diferentes tipos de ativos podem ingressar nessa equação,
como os créditos do Banco Central com as entidades financeiras. É o caso dos
créditos do Programa de Reestruturação do Sistema Financeiro (PROER) ela-
borado após o Plano Real com propósito de estimular fusões, incorporações
e saneamento de entidades financeiras. χ irá determinar os ganhos ou perdas
provenientes das operações do Banco Central. Se as operações de seus ativos
rendem um honorário acima daqueles dos passivos, o Banco Central estará au-
mentando seu patrimônio líquido e colaborando, assim, para diminuir a dívida
do setor público consolidado. Essa variação pode ser dada por:

68 • capítulo 3
Dχo = t* osoLo + thNo + ∆soLo (4)

A equação (4) indica que a variação patrimonial do Banco Central é uma


função direta das reservas internacionais em seu poder (que para simplificar
possui a mesma taxa de juros da dívida em moeda externa), do rendimento de
juros dos títulos públicos e da incerteza da taxa de câmbio. Um exemplo das
operações "quase-fiscais" no Brasil sobre a dívida pública foi o processo ocorri-
do no país entre 1995 e 1997. A fusão de uma política cambial do tipo “crawlin-
g-peg”, em que o câmbio real fixo era mantido inalterável ou em suave declínio
com uma política monetária de juros altos, atraíram capitais externos e força-
ram o Banco Central a concentrar reservas internacionais em trocas de envio de
títulos públicos. Porém, o diferencial de remuneração era prejudicial ao setor
público, já que os juros pagos pelo envio da dívida mobiliária eram bem maio-
res que os recebidos pelo investimento das reservas internacionais.
Para acrescentar a restrição orçamentária do setor público, diminui-se do
seu passivo (lado direito da equação 2) a variação patrimonial do Banco Central:

(Jhc – Qhc) + toFo + t* oso (Mo – Lo) + ∆soLo = ∆Fo + s∆Mo + ∆No –∆χo (5)

A variação dos títulos públicos da dívida interna na equação 5 é dada por:

∆No = ∆Vo – s∆Lo – ∆sLo + ∆χo (6)

Trocando a equação (6) pela equação (5) e rearrumando os termos locali-


za-se a restrição orçamentária do setor público não financeiro mais o Banco
Central. Esta equação demonstra como são calculadas as NFSP; o resultado das
oscilações da base monetária e das dívidas interna e externa. Esta última líqui-
da do aumento das reservas internacionais:

(Jhc – Qhc) + to Fo + t* o so (Mo - Lo) + ∆soLo = ∆Vo + ∆Fo + s(∆Mo – ∆No) (7)

O lado direito da equação (7) mostra a oscilação do estoque de dívida líqui-


da do setor público (DLSP) no meio de dois períodos de tempo. O termo líqui-
do aparece com propriedade para mostrar que representa uma diferença entre
passivos e ativos:

capítulo 3 • 69
NFSP = ∆ALSP = ∆Vo + ∆Fo + s(∆Mo – ∆No) (8)

Em circunstâncias normais a equação (8) representaria o cálculo das NFSP


verificadas pelo Banco Central sob a visão do financiamento. Porém, a intensi-
ficação do processo de privatização acontecido a partir de meados da década de
90, unido com o reconhecimento de dívidas passadas não contabilizadas está
levando a um ajuste patrimonial considerável nas contas públicas. O cálculo
das NFSP fica distorcido à medida que inclui os valores do ajuste patrimonial.
Suponha uma estabilidade nas contas públicas durante um período determi-
nado. Na suposição de uma privatização nesse período, o Banco Central calcu-
la seu valor diminuindo a DLSP e causando uma NFSP negativa, equivalente a
um superávit. Então este estaria anunciando um superávit quando na verdade
ocorreu uma situação de equilíbrio. Com objetivo de impedir este tipo de dis-
torção é que o Banco Central passou a livrar os efeitos do ajuste patrimonial
(AP) no cálculo das NFSP e introduziu a definição de Dívida fiscal líquida (DFL):

DFL = DLSP – APo = DLSP – ("Esqueletos" - Privatizações) (9)

Vale notar que as privatizações e os "esqueletos são libertados da DLSP com


os sinais inversos à sua entrada no cálculo. Logo, compõe-se a Dívida Fiscal
Líquida e sua variação acarreta as NFSP ajustadas, que aproveita os movimen-
tos exclusivamente fiscais:

NFSP = ∆DFL (10)

É evidente que, quando termina o processo de privatização e de reconheci-


mento de "esqueletos", a DFL irá igualar com a DLSP, passando a ser dispensá-
vel o cálculo da primeira. Outra definição importante para se medir o funcio-
namento fiscal é o déficit primário, que é dado pela diferença entre custos e
receitas não financeiras. Na equação 7 da restrição orçamentária da área públi-
ca, o déficit primário é oferecido pelo primeiro termo entre parênteses:

DPo = (Jhc – Qhc) (11)

Essa medida é fundamental por duas razões principais. Primeiro, porque


este retrata a origem e a fonte de alimentação dos déficits totais e da dívida

70 • capítulo 3
pública, por isso o termo primário. Suponha um município com uma dívida
nula, que iniciou suas atividades em 1998. Essa esfera de governo somente po-
derá gerar uma dívida no ano seguinte a partir de um desequilíbrio das suas
contas primárias. Até então esse município não tinha compromisso com pa-
gamentos de juros e passará a ter se precisar rolar sua dívida. Por outro lado,
o acúmulo de superávits primários garante a solvência intertemporal do setor
público. Por isso, a exigência do cumprimento da meta de superávit primário
em torno de 3% do PIB no acordo com o FMI. Assim, corta-se o principal elo de
realimentação da dívida pública, já que há reduções nas necessidades de finan-
ciamento e nas taxas de juros associadas à captação desses recursos.
O segundo motivo é a identificação dos focos de desequilíbrio, por meio
da discriminação dos fluxos de receitas e despesas. Essa metodologia é deno-
minada "acima da linha". Com isso pode-se responder às seguintes questões:
Quais os itens da despesa que crescem inercialmente? Quais as despesas que
são mais suscetíveis a cortes, na hipótese de um ajuste fiscal? Qual a situação
das contas previdenciárias? Quais os impostos mais sensíveis a variações na
atividade econômica? Para implementar um programa de ajuste fiscal é fun-
damental conhecer o comportamento e a lei de formação das despesas e recei-
tas primárias, que em última instância irão determinar a trajetória da relação
dívida / PIB. O déficit total ou nominal é calculado quando se agrega ao déficit
primário o pagamento de juros. É importante ressaltar que se pode calcular o
déficit total pelos dois métodos: "acima e abaixo da linha", que correspondem
aos dois lados da restrição orçamentária do setor público (equação 7). Eles re-
presentam a origem e o financiamento do déficit público. O primeiro tem a
vantagem de identificação dos eventuais focos de desequilíbrios e o espaço de
manobra reservado ao ajuste fiscal. O segundo mostra o impacto do setor pú-
blico sobre a disponibilidade de recursos. O déficit público exige a mobilização
de poupanças interna e externa para financiá-lo. Essas poupanças poderiam
ser direcionadas para outros fins, como aumento dos investimentos privados.
Além disso, há uma pressão sobre a taxa de juros, quando o setor público dis-
puta recursos limitados com o setor privado. Esse impacto é tão mais elevado
quanto maior for a restrição de liquidez. Países com mercado de capitais pouco
desenvolvido e elevados spreads bancários tornam a disputa por recursos mais
acirrada. O déficit operacional é uma medida bastante requisitada em períodos
de inflação alta. Este é calculado retirando-se das NFSP nominais a parte refe-
rente à atualização monetária. Com isso conserta-se os efeitos inflacionários

capítulo 3 • 71
que incidem sobre o déficit público. De fato, perde-se a consciência de que em
determinadas situações a remuneração dos títulos públicos em termos reais
pode ser negativa em função da velocidade inflacionária. Nesse caso, a inflação
estará contribuindo para diminuir a dívida pública. Com a diminuição da infla-
ção, a tendência é de proximidade das medidas, já que se espera que haja baque
na volatilidade da taxa de inflação. Com a execução do Plano Real e a queda da
inflação, os déficits nominal e operacional dirigiram-se a um ponto comum.
Existem dois tipos de conceitos relativos ao déficit público: o de caixa e o de
competência. O primeiro calcula o déficit com base nos fluxos de pagamentos
e recebimentos acontecidos no caixa do governo. As receitas são contabilizadas
no momento de seu recolhimento à rede bancária ou diretamente aos órgãos.
Nos dois casos os recursos são registrados na conta única do Tesouro. O critério
de competência apura os custos no momento da sua liquidação, isto é, quan-
do se efetuou um direito adquirido pelo credor, livre de o pagamento ocorrer
naquela data. O critério de caixa tem o privilégio de medir com maior exatidão
o impacto monetário do desempenho do governo. Esse critério, todavia, pode
gerar distorções na mensuração da real situação das contas públicas. Por exem-
plo, no momento que o governo posterga a data de pagamento dos servidores
de um mês para o outro, o critério de caixa não estará contabilizando essa des-
pesa devido à ausência de um desembolso financeiro. Isso pode originar um
superávit artificial naquele mês e um enorme déficit no mês seguinte. Pelo cri-
tério de competência este problema não ocorre. No Brasil, as NFSP e a DLSP são
verificadas pelo critério de competência com objetivo de impedir grandes flu-
tuações nos indicadores. A contabilização de novos envios é registrada na data
em que acontecem, apesar de não haver o pagamento efetivo. Com isso pode-
se amenizar os efeitos dos pagamentos de juros e casuais prejuízos cambiais,
por meio de um fundo de provisões. Pelo critério de caixa, o agrupamento de
um pagamento de juros e do principal associado a uma desvalorização cambial
poderia originar um crescimento excepcional da dívida pública em reduzido
espaço de tempo. Já o resultado primário do governo central medido "acima da
linha" pela Secretaria do Tesouro Nacional é verificado pelo critério de caixa.

3.5  Instrumentos de Política Fiscal

Em muitos estudos econômicos, é comum a utilização do termo "tripé fiscal-


monetário cambial", que nada mais é do que a forma como o governo está con-

72 • capítulo 3
duzindo a política econômica. Um dos integrantes desse "tripé" é exatamente
a política fiscal, que, como já se viu, relata as ações do governo tanto do lado
das despesas públicas, como do lado da arrecadação tributária. O conjunto de
gastos e arrecadação leva a definição de déficit público. Os tópicos abaixo dis-
cutem esses conceitos.
A política fiscal pode ser separada em duas grandes partes: a política tribu-
tária e a política de gastos públicos. Como sabemos, o governo efetua despesas
na economia com salário de funcionários, construção e conservação de escolas,
hospitais, pagamento de juros da dívida interna etc. Quando o governo aumen-
ta essas despesas, diz-se que a política fiscal é expansionista; caso contrário,
tem-se uma política fiscal contracionista. A política fiscal será expansionista
ou contracionista dependendo do que o governo está desejando atingir com a
política de gastos. No outro lado da política fiscal, o governo pode agir sobre o
sistema tributário de forma a modificar as despesas do setor privado, a estimu-
lar determinados segmentos produtivos, e assim por diante. A união de despe-
sas e receitas encaminha ao conceito do déficit público, um dos temas de maior
discussão na economia brasileira nos últimos anos.

3.5.1  Gastos do Governo

Os gastos do governo podem ser repartidos em dois grandes grupos: as des-


pesas correntes e as de investimento. Conforme o próprio nome, as despesas
correntes dizem respeito às despesas realizadas com o objetivo de sustentar a
máquina governamental funcionando, bem como às despesas exigidas pela le-
gislação. As despesas correntes, por sua vez, podem ser repartidas em quatro
outros grupos, a saber:
•  Consumo do governo: tem a ver com o pagamento dos funcionários pú-
blicos, e outras despesas fundamentais à manutenção do instrumento público
(energia elétrica, materiais etc.);
•  Transferências: refere-se às despesas que são realizadas pelo setor públi-
co e destinadas ao setor privado, sem a contraprestação de tarefas ou abasteci-
mento de bens, como é o caso da Assistência e Previdência Social;
•  Juros: englobam tanto pagamento de juros da dívida interna como exter-
na; vale notar, porém, que, embora se faça menção à "dívida externa brasileira",
grande parcela dessa dívida refere-se ao setor privado; os juros de compromisso

capítulo 3 • 73
do governo referem-se somente àqueles cabidos pelo endividamento do setor
público;
•  Subsídios: correspondem as despesas do governo com o objetivo de asse-
gurar ao consumidor preços inferiores ao preço de produção; na verdade, o pro-
dutor recebe o valor total, sendo uma parcela desse valor paga pelo governo e o
resto, pelo consumidor; um subsídio muito significativo no passado foi dirigi-
do ao trigo, para que alguns bens primordiais (como pão, macarrão e outros de-
rivados do trigo) não apertassem os orçamentos das famílias de menor renda,
mesmo que todos os consumidores (independentemente da classe de renda)
fossem beneficiados. Os gastos de investimento referem-se aos investimentos
que o governo realiza para incrementar a capacidade de produção de bens e
serviços no país (investimento em energia, transporte, saúde, educação etc.).
A tabela 3.1 mostra a composição dos gastos públicos no Brasil em 2003
(como porcentagem do PIB), em que se pode notar: a reduzida participação dos
lentos (1%), o alto percentual dos juros da dívida (5%) e a grande pressão utili-
zada pelas despesas com pessoal (consumo) e previdência (transferências). É
importante ressaltar que nesse total não estão incorporadas as despesas com a
monetária e cambial da dívida.

ITEM PARTICIPAÇÃO
1. Despesas correntes 36,0
• Pessoal 12,0
• Assistência e previdência 13,0
• Juros reais 5,0
• Subsídios 0,5
• Outros 5,5
2. Despesas de investimento 37,0
3. Total (1 + 2) 37,0

Tabela 3.1  –  Participação do gasto público no PIB (2003) - Fonte: Banco Central, FGV.

Uma análise mais minuciosa acerca da evolução do gasto público no Brasil


retrata uma série de aspectos interessantes. Em primeiro lugar, analisa-se que
o gasto público tem sido progressivo ao longo dos últimos anos; na década de
70, o total do gasto público foi de 23% do PIB, passando a 27,1% na década de
80,33,0%, no início dos anos 90, para alcançar 36,0% do PIB no período de 1998-
2003 (ver tabela abaixo).

74 • capítulo 3
PERÍODOS
ITENS
1970-1979 1980-1989 1990-1994 1995-1998 1998-2003
1. Despesas correntes 19,5 24,5 29,7 30,8 35,0
• Pessoal 7,3 7,5 9,8 10,7 12,0
• Assistência e previdência 7,2 8,2 9,9 10,2 11,0
• Juros reais 0,6 2,9 2,0 4,3 6,0
• Subsídios 1,5 2,2 1,4 1,0 0,5
• Outros 2,9 3,7 6,6 4,6 5,0
2. Despesas de investimento 3,5 2,6 3,3 2,3 1,0
3. Total (1 + 2) 23,0 27,1 33,0 33,1 36,0

Tabela 3.2  – 

Como se pode notar, a pressão para o crescimento das despesas públicas


advém de três fontes. A primeira é o item individual e encargos, que passou
de 7,3% do PIB no período 1970-1979 para 12,0% no período 1998-2003. Esse
crescimento pode ser esclarecido pela junção de dois fatores: de um a presença
de promoções automáticas no setor público, que arrocham a folha dos servido-
res, e, de outro, a própria consolidação, que não permite consumir esses ren-
dimentos mediante a inflação. A segunda fonte de aperto são as despesas com
auxílio e previdência, as quais passaram de 7,2% do PIB no período 1970-1979
para 11,0% no período 1998-2003. Entre os motivos explicativos desse cresci-
mento, pode-se ressaltar a própria Constituição de 1988, que elaborou maiores
facilidades para a aposentadoria; e o aumento da expectativa de vida do povo
brasileiro. Por fim, vale destacar os gastos com juros, que saíram de 0,6% do
PIB (1970-1979) para alcançar 6,0% no período 1998-2003. Como se verá, essa
conduta é explicada pela própria estratégia do Plano Real, definido pela prática
de juros reais extremamente elevados.
Uma análise mais minuciosa acerca do gasto público no Brasil mostra al-
guns aspectos importantes: a exagerada rigidez do gasto público federal, a par-
cela não insignificante do gasto na área social e a inutilidade desse mesmo gas-
to social. O gasto público gerou uma importante ferramenta à disposição dos
governos para monitorar a atividade econômica. É comum, em diversos países,
notar-se períodos de expansão e redução dos gastos públicos, em face das rei-
vindicações da política econômica, fato esse que não acontece no Brasil. Da ar-
recadação que precisa ser dirigida a programas de alimentação etc.

3.5.2  Arrecadação Tributária

capítulo 3 • 75
Antes de se passar a analisar a política tributária no Brasil, convém debater al-
gumas divisões fundamentais dos impostos. A primeira delas menciona-se à
forma de ocorrência, a partir da qual os impostos podem ser diretos ou indire-
tos. Os diretos são aqueles que refletem diretamente sobre a renda e a proprie-
dade, como é o caso do Imposto de Renda (IR), do Imposto sobre a Propriedade
de Veículos Automotores (IPVA), do Imposto sobre a Propriedade Territorial e
Urbana (IPTU) e do Imposto sobre a Propriedade Rural (ITR). Já os impostos
indiretos estão embutidos na produção, vendas e consumo de mercadorias,
acrescentando-se aí o Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI), o Impos-
to sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS), a Contribuição para o
Financiamento da Seguridade Social (Finsocial), o Programa de Integração So-
cial (PIS) etc.
Outra divisão fundamental, ainda em termos de base de incidência, men-
ciona-se aos impostos sobre valor adicional e aos impostos em sequência. Os
iniciais (entre os quais se incluem o IPI e o ICMS) são impostos cuja base de
incidência é o valor adicional, ou seja, o que cada etapa soma ao valor do produ-
to. Logo, quando uma empresa adquire matéria-prima e paga o ICMS, esse va-
lor será usado como um crédito para ser reduzido do ICMS que a empresa terá
que arrecadar sobre o faturamento referente a venda de seu produto. Por outro
lado, encontram-se os chamados impostos em sequência, que recaem sobre
o faturamento, não existindo, logo, o crédito. Se, de um lado, os impostos em
sequência mostram simplicidade de arrecadação, de outro lado, retiram riva-
lidade da produção nacional. Sabemos que, os países não exportam impostos,
dado que os mesmos são tirados na exportação; no Brasil, a exportação perde
concorrência, porque não há como tirar todos os impostos em sequência das
vendas externas, até mesmo pela incapacidade de sua quantificação. A produ-
ção nacional também é prejudicada na disputa com produtos importados, que
chegam ao Brasil totalmente livre de impostos, ocasionando a incidência dos
impostos em sequência somente na última etapa de comercialização. Diferente
do que ocorre com a da produção nacional, que é sujeita a tributação em todas
as fases do processo produtivo.
Os impostos também podem ser classificados de acordo com seu efeito so-
bre a renda da população. Esta classificação pode ser dividida em impostos pro-
gressivos, regressivos ou proporcionais. Os impostos são conceituados como
progressivos quando as pessoas com um maior nível de renda pagam propor-
cionalmente mais impostos, como é o caso do Imposto de Renda, que aumenta

76 • capítulo 3
proporcionalmente mais que o nível de renda. Os impostos regressivos são
aqueles em que as famílias com um menor nível de renda pagam proporcional-
mente mais. Frequentemente, os impostos indiretos mostram essa caracterís-
tica regressiva, dado que, como a alíquota é a mesma (IPI, por exemplo), a soma
de imposto por produto consumido será a mesma, proporcionalmente maior
para as classes de menor poder aquisitivo.

3.5.3  Sistema Tributário Brasileiro

Muitos analistas visam o sistema tributário exclusivamente como uma ma-


neira de gerar a arrecadação pretendida pelo governo, compreendendo que,
quanto mais eficaz em termos de arrecadação, melhor será o sistema utili-
zado. Essa é uma visão excessivamente limitada do papel de um sistema
tributário, dado que, contudo, a arrecadação seja uma de suas metas, o sis-
tema tributário tem que ser olhado como um instrumento considerável de
desenvolvimento econômico e de redistribuição de renda no país. No que se
relaciona à questão distributiva, nota-se que a estrutura tributária brasilei-
ra é fortemente retrógrada, em função do predomínio de impostos indiretos,
ao contrário do que acontece em outros países. A distorção notada no Brasil
é típica de países onde a competência de arrecadação é frágil, fazendo com
que o sistema se torne repleto de impostos indiretos, que não são declara-
dos. Somente países com vigilância mais rígida conseguem tirar do contri-
buinte uma porcentagem maior de arrecadação através impostos declarató-
rios, como é o caso do Imposto de Renda, por exemplo. Outra deficiência do
sistema tributário brasileiro cita a sua limitação como ferramenta do desen-
volvimento econômico, limitação, essa, reforçada com a chegada do Plano
Real. Vale lembrar que o sistema tributário em vigor foi "esboçado" em 1968,
período no qual o Brasil era um país excessivamente fechado à comunidade
internacional. Em mercados altamente protegidos, a inutilidade do sistema
tributário é levada para o consumidor sob a forma de aumento de preços.
Numa economia mais aberta ao mundo, a situação é diferente, uma vez que a
existência de impostos em sequência tira a concorrência da produção nacio-
nal, tanto na exportação como na competitividade com o produto importado.
Além do mais, os impostos em sequência acabam sobretaxando os bens de
capital, na medida que não é possível livrar tais produtos na cadeia produtiva
de máquinas e equipamentos. Além disso, a diversidade do sistema impõe

capítulo 3 • 77
excessiva carga tributária para as empresas que precisam dispor de estrutu-
ra apropriada para atender a todas as necessidades impostas pelo fisco. Essa
mesma diversidade, aliada à abundante concentração da base de incidência,
acaba por se constituir em um fundamental incentivo à sonegação.

3.6  Política Fiscal e Objetivos de Política Econômica

Como se analisou, os objetivos de política econômica são principalmente qua-


tro: crescimento do PIB, controle da inflação, equilíbrio externo e distribuição
de renda. A política fiscal é uma ferramenta importante que tem a tendência de
afetar esses quatro objetivos.
•  Crescimento da produção e do emprego:
A curto prazo, a política fiscal afeta o nível de produção da economia tanto
através da ação direta da despesa pública, como indiretamente, via tributação.
Aceitando a presença de ociosidade, o nível de produção será definido pela
demanda total da economia. Um dos elementos dessa demanda é o gasto do
governo, visto que o setor público compra bens e serviços na economia. Dessa
maneira, todas as vezes que o governo amplia suas despesas, estará aumentan-
do a demanda, e, por decorrência, a produção. A longo prazo, a política fiscal
é fundamental no sentido de liberar recursos para investimentos, que tanto
podem ser públicos como privados. Na realidade, o governo é um dos gerado-
res que podem dispor de patrimônios, que nada mais é do que uma poupança,
para a realização de investimentos; os outros geradores são famílias, as empre-
sas e o setor externo. Quanto maior for a soma de poupança originada no setor
público, maior será a eficiência do o país investir e, desta forma, maior será o
crescimento produtivo.

•  Controle da inflação:
A política fiscal também pode se compor em elemento fundamental na es-
tratégia anti-inflacionária de um país. Quando há exagero de demanda na eco-
nomia, essa mesma demanda pode ser encolhida com redução de despesas pú-
blicas e/ou aumento da carga tributária, a qual contribuiria indiretamente para
reduzir o consumo através da diminuição da renda disponível.

•  Equilíbrio externo:
Na proporção que as importações de um país são estipuladas pelo nível de
demanda interna, a política fiscal intromete-se no equilíbrio externo, atuando

78 • capítulo 3
diretamente sobre o nível de demanda. Ou seja, quanto maior a despesa públi-
ca e menor a tributação, maior será a demanda da economia, e, logo, maior o
volume de importações. Ainda em relação a estabilidade externa, não se pode
deixar de ressaltar o papel do sistema tributário em termos de criação de resul-
tados na balança comercial. Isso porque alguns sistemas tributários tendem a
castigar as exportações, à medida que "carregam" a arrecadação em impostos
em sequência.
•  Distribuição de renda
A política fiscal pode prejudicar a distribuição de renda do país de duas
maneiras. Do lado do gasto público, dirigindo-o principalmente às classes
de menor renda e do lado da arrecadação, por meio de um sistema tributário
crescente.

capítulo 3 • 79
80 • capítulo 3
4
Finanças Públicas
no Brasil
4.  Finanças Públicas no Brasil
4.1  O período anterior a 1980

4.1.1  As reformas de 1964/67:

No princípio da década de 60 contávamos com elevados déficits públicos, con-


sideráveis níveis de inflação, e um sistema que dificultava a intermediação fi-
nanceira a ponto de reprimir práticas de correção monetária e de taxas de ju-
rossuperiores a 12% ao ano. Nessa esfera, o governo foi imposto a realizar um
conjunto de transformações a partir da metade da década, onde damos desta-
que ao Programa de Ação Econômica do Governo lançado no fim de 1964. O
programa buscava a estabilidade e o desenvolvimento econômico entre outros
diversos objetivos. As metas mais voltadas às finanças públicas referiam-se, es-
pecialmente, à política de redução do déficit fiscal, às alterações na política tri-
butária, ao sistema bancário e creditício, aos investimentos públicos e à restau-
ração do crédito externo. Nota-se que, ao impor limites nas taxas de juros e não
consentir a correção monetária, o sistema financeiro estabelecia o fascínio dos
títulos lançados pelo governo, as Obrigações Reajustáveis do Tesouro Nacio-
nal (ORTN). Esses títulos foram colocados no começo de modo compulsório,
passando a serem demandados voluntariamente em um segundo momento. O
lançamento das ORTN tornou possível a aquisição de recursos adicionais para
a garantia do déficit além de estimular a poupança, por ter executado a corre-
ção monetária. Eles reproduziram também um novo modo de endividamento
do Estado, e um caminho à indexação da economia.
Em dez/94 foi promulgada a lei 4595 que fechou a Superintendência da
Moeda e do Crédito (SUMOC), e originou o Conselho Monetário Nacional
(CMN), como órgão criador de políticas econômicas, além do Banco Central
do Brasil como o órgão cumpridor e fiscalizador dessas políticas. Contudo, a
manutenção do Banco do Brasil (BB) como proprietário das reservas volun-
tárias dos bancos comerciais, prestador de serviços de compensação de che-
ques e titular da "conta movimento" para equilíbrio das reservas com o Banco
Central, acabou gerando a coexistência de duas autoridades monetárias. Desse
modo, o governo não tinha um perfeito controle da política monetária. Nota-
se ainda que foram inseridas ao Banco Central algumas funções incomuns de
uma autoridade monetária como a colaboração agrícola, de comércio exterior,

82 • capítulo 4
habitação, levando-o inclusive a tornar-se algoz da política da dívida do tesou-
ro nacional.
Na verdade, a "conta movimento" apresentada no parágrafo anterior era um
passivo do Banco do Brasil em associação ao Banco Central, que foi elaborado
em virtude da ausência de infraestrutura da nova autoridade monetária para
ser capaz de desempenhar seu papel. A Constituição de 1967 previa uma políti-
ca de emissão de títulos públicos a ser oficializada em lei própria. Na ausência
da regulamentação o governo usou de Decretos Leis até 1971, quando foi final-
mente promulgada a Lei Complementar número 12. Por meio dessa lei, criou-
se o endividamento via envio de títulos, tirando o poder do Congresso Nacional
de determinar sobre questões financeiras. A lei dava pleno poder ao Conselho
Monetário Nacional para governar a dívida mobiliária, sem que as negociações
circulassem pelo Orçamento Geral da União (OGU). Desse modo, deu início a
uma nova fase da política da dívida pública no Brasil.

4.1.2  O comportamento das contas públicas nos anos 70:

No transcorrer da década de 70 as finanças do setor público eram conduzidas


por uma grande disparidade orçamentária. Existia o Orçamento Geral da União,
o orçamento das empresas estatais, o orçamento monetário e a conta da dívi-
da. Até o final da década as receitas e gastos das empresas estatais não tinham
sido reunidas em um orçamento estável. Na verdade, apenas com a criação da
Secretaria de Controle das Empresas Estatais, em 1979, é que o governo pôde
ter um conceito preciso do número total de empresas estatais e fazer um orça-
mento global para o ano seguinte. O orçamento monetário funcionava como
uma ferramenta de controle do passivo monetário e não monetário que era uti-
lizado para política cambial, subsídios, linhas de crédito, entre outros progra-
mas. Cada orçamento era permitido por uma autoridade pública distinta e em
oportunidades também diferentes, o que causava a total desarticulação entre
as políticas econômicas exercidas pelo governo. Como se não bastasse, havia
da mesma forma, a conta da dívida que funcionou de modo autônomo, assegu-
rando a garantia dos juros e amortizações (serviço da dívida), sempre por meio
do envio de novos títulos. Esse procedimento ficou conhecido como o "giro da
dívida interna". Era impraticável realizar um controle eficaz da política mone-
tária e do endividamento público sem que antes fosse exercida uma reforma
que fortalecesse o Banco Central a arrumar o controle financeiro do governo.

capítulo 4 • 83
A dívida foi crescendo em função de diversos fatores, também, em função de si
mesma e do financiamento de despesas extra orçamentária. Obviamente não
se soube o quanto do crescimento da dívida foi adequado a cada fator.
Por fim, nota-se que a tática usada pelo governo, ao longo da década de 70,
foi de utilização das autoridades monetárias como bancos de auxílio, no méto-
do de desenvolvimento econômico, como modo de atender o objetivo de "cres-
cimento com endividamento". Volumes significativos de recursos eram ele-
vados sem aumentos na carga tributária, ou seja, sem desestabilizar o regime
militar corrente. A contrapartida era sempre o aumento monetário ou elevação
da dívida mobiliária. Com a segunda queda do petróleo em 1979, nos defron-
tamos com uma crise que forçou um acerto na economia brasileira e, logo, nas
finanças públicas.

4.2  As Finanças Públicas no regime de Alta Inflação: 1981/1994

De fato, quando surgiu a crise da dívida externa, em 1982, o crédito externo vir-
tualmente sumiu e o Brasil teve que pedir auxílio financeiro ao Fundo Monetá-
rio Internacional, envolvendo uma série de condicionalidades características
das negociações em torno de um empréstimo dessa instituição. O painel fiscal
encontrado pelos negociadores do FMI era muito desolador, incluindo, entre
outros problemas: (I) um déficit público extremamente alto, (II) uma grande
indefinição acerca do valor exato desse déficit, em virtude das dificuldades de
medidas e à ausência de estatísticas fiscais compatíveis com as boas práticas
internacionais, (III) um debate local no qual nem mesmo a própria necessida-
de de atacar o déficit era consensual, (IV) a falta de instrumentos efetivos de
controle da despesa pública, que dessem o consentimento de ter uma pronta
resposta às iniciativas da política econômica.
Mesmo assim, houve muitos progressos. Vimos que a política fiscal dos
anos de 1970 se deu um contexto institucional em que as ferramentas utiliza-
das estavam longe de serem cobiçadas, tanto em termos de eficácia como de
clareza. Ao longo da segunda metade dos anos de 1980, um encadeamento de
mudanças institucionais fundamentais poderia ter permitido uma maior fisca-
lização das dívidas públicas. Por outro lado, os problemas de suporte político
do governo da época e a aprovação da Constituição de 1988 representaram um
agravo das condições que a política fiscal era adotada, principalmente da pers-
pectiva das autoridades federais.

84 • capítulo 4
4.2.1  Panorama das Contas Públicas

No começo dos anos de 1980, o debate econômico no Brasil se dava entre os


economistas chamados "ortodoxos" e os seguidores da escola estruturalista, os
"heterodoxos". A posição ortodoxa a respeito da política fiscal e a ligação desta
com a política econômica era evidente. Esta afirmava que o declínio do déficit
público era condição fundamental e suficiente para a fiscalização da inflação.
A inflação era vista como um acontecimento associado ao tamanho da instabi-
lidade fiscal e causada pelo envio monetário solicitado pelo financiamento des-
se déficit. O posicionamento dos estruturalistas era a princípio pouco claro em
relação às causas da inflação, em geral exposta por eles como fruto de pontos
de estreitamento do processo produtivo ou da política cambial. Com o decorrer
do tempo, o debate fundamental na discussão econômica passou a se dar entre
a ortodoxa e os que defendiam a teoria chamada "inercialista" da inflação. Mas,
no que tange à política fiscal e à sua associação com o crescimento econômico,
os estruturalistas opunham-se aos cortes de consumos, mostrando dois pontos.
Primeiro, que a chave para o progresso fiscal era a reconquista do crescimento,
base para o aumento do rendimento. E segundo, que cortes casuais da despe-
sa pública poderiam ser extintos pela redução da arrecadação alavancada pela
contração da demanda resultante desses cortes. No início dos anos de 1980,
houve uma vitória inicial da ortodoxia, cujos temas predominaram, originan-
do uma queda das NFSP (Necessidades de Financiamento do Setor Público). O
acontecimento dessa queda, foi visto em seguida como um fracasso das teorias
ortodoxas. Foi nesse contexto que a heterodoxia se tornou predominante nos
círculos decisivos da economia brasileira, em meios da década, o que se equi-
parou com o fim do período militar. Foi nesse conjunto de circunstâncias que a
política de estabilização do governo inaugurado em 1985 foi voltada no sentido
de atacar a inflação por meio de uma interferência no sistema de preços, sem
maior preocupação com a redução das NFSP. A posterior decepção nos esforços
de fiscalização de inflação da nova equipe resultou então uma nova inversão de
papéis, chegando a vez de a heterodoxia perder o seu fascínio. Em função do co-
nhecimento originado por esse conjunto de experiências inúteis de combate a
inflação, com o tempo, iniciou a progredir entre os economistas a teoria de que
um plano anti-inflacionário teria que agregar elementos tanto ortodoxos como
heterodoxos. Essa tese, amadurecida ao longo de anos, levou, já na década de

capítulo 4 • 85
1990, à elaboração do Plano Real, inicialmente anunciado como um programa
baseado na conciliação de uma âncora cambial.
Há quase duas décadas do começo daquele debate, que remonta ao início
dos anos de 1980 e com o benefício da passagem do tempo, é autorizado a rea-
lização de um balanço daquelas posições. Os ortodoxos estavam certos na ne-
cessidade de monitorar o déficit público, se o que almejavam era sustentar o
endividamento público controlado. Isto porque ocorrendo um enquadramento
para a elevação da dívida, um déficit alto tenderia a ser não compatível com
a estabilidade de preços. Por outro lado, a análise ortodoxa do processo infla-
cionário era um tanto quanto ingênua, por não levar em consideração os re-
sultados da indexação sobre a rigidez do método inflacionário brasileiro. Os
heterodoxos, por sua vez, reconheceram como uma grande ideia, ao destacar a
importância da estagnação para a explicação da inflação e, logo a necessidade
de excluir esse componente, como condição fundamental do sucesso de uma
política anti-inflacionária, nas condições do Brasil da época.

4.2.2  As NFSP: 1981 / 1994

Os resultados fiscais da fase de inflação elevada da economia brasileira, de


1980 a 1994, podem ser agrupados em dois períodos. O primeiro, definido pela
existência de consideráveis déficits operacionais, referindo-se a toda década
de 1980, enquanto o segundo vai de 1990 a 1994, com uma instabilidade fiscal
muito inferior ao período preliminar, a ponto de, na média, as NFSP operacio-
nais terem sido virtualmente nulas.
Nos anos de 1980, podem ser reconhecidos dois subperíodos marcadamente
desiguais entre si: 1981 / 1984, nos quais houve uma propensão a um certo ajus-
tamento; e 1985 / 1989, nos quais a tendência foi exatamente oposta, deixando o
resultado pior no final do subperíodo em relação ao início do mesmo. As razões
dessa redução dos juros foram duas: Em primeiro lugar, a queda da dívida pú-
blica no decorrer de praticamente todo o período 1985 / 1994, levando a redução
da taxa de juros. E, em segundo lugar, até 1988 a metodologia de contagem das
NFSP "inchava" a conta de juros reais, por uma inconveniência técnica só corri-
gida em 1989. Essa inconveniência resultava do fato de que, ao tirar o elemento
inflacionário do aumento da dívida pública, o Banco Central considerava como
juros "reais" a parcela dos juros nominais que ultrapassasse a correção monetá-
ria institucionalmente determinada pelo governo. Como a correção monetária

86 • capítulo 4
era inferior à inflação, parte do salário dito "real" dos títulos nada mais era do
que uma vantagem pela modificação do real valor da dívida. Portanto, a cada ano,
uma fração da dívida herdada do passado era "comida", sem que isso tivesse uma
compensação na forma de superávits correspondentes "acima da linha". A partir
de 1989, o Banco Central mudou a técnica de cálculo dos juros e passou a consi-
derar o cálculo da correção monetária de forma correta.

4.2.3  Medição do Déficit: 1981 / 1984

O primeiro trabalho conjunto dos técnicos do FMI e dos ministérios da Fa-


zenda e Planejamento, foi a de aparelhar o Banco Central para estar em con-
dições de registrar as operações de endividamento do setor público estabi-
lizado. Isto porque, com base no critério tradicional do FMI, a variação da
posição de endividamento simbolizava o desequilíbrio fiscal. A segunda ta-
refa foi a de adaptar os critérios de apuração do déficit entre o FMI de um
lado e o governo brasileiro de outro. O FMI era favorável a escolher o critério
tradicional de medição do déficit, que era o cálculo das NFSP no conceito no-
minal. As autoridades brasileiras alegavam que uma vez que a inflação estava
em aceleração, quaisquer que fossem os empenhos realisticamente possí-
veis, não conseguiram impedir um aumento do déficit nominal, associado às
imposições altistas sobre a inflação.
A adoção da definição operacional não conseguiu resolver todos os proble-
mas práticos associados à necessidade de ter uma boa forma de medir a cola-
boração da política fiscal para a política anti-inflacionária do governo. Havia,
ainda, quatro problemas metodológicos: a desigualdade das informações, a
inconstância dos dados, a falta de confiança na precisão das estatísticas e a
continuidade da interferência da inflação sobre o resultado fiscal. Com relação
aos primeiros três aspectos, os dados eram divulgados com grande diferença,
motivo pelo qual era árduo para as autoridades reagirem a tempo de tomar as
medidas compensadoras eventualmente necessárias para encarar alguma si-
tuação fiscal indesejável. Nos anos de 1990 o Banco Central passou a publicar
os dados do déficit de maneira mais confiável, sem que acontecessem revisões
significativas, depois da publicação do dado inicial.
Deixando de lado essas carências, os indicadores fiscais a disposição para o
período de 1981 / 1984 indicaram uma diminuição importante do déficit ope-
racional, depois que o acordo com o FMI passou a estar válido, durante 1983 /

capítulo 4 • 87
1984. Na verdade, neste último biênio as NFSP operacionais foram de 3,2% do
PIB, em média, contra 6,8% do PIB no biênio anterior, 1981 / 1982. Essa evolu-
ção esteve relacionada a um outro contexto, caracterizado de "tensão fiscal",
entendida como uma condição na qual o déficit é "reprimido" por meio de
expedientes ad hoc de duração limitada no tempo, e que pendem a ser rever-
tidos posteriormente, na falta de reformas estruturais que excluem a raiz do
problema. Nesse caso, estaria a diminuição da despesa real com pessoal dos
dois anos de duração do acordo com o FMI - 1983 e 1984 -, que, não tendo sido
acompanhada de uma drenagem do quadro do funcionalismo, terminou sendo
inválida pelo "efeito-mola" dos aumentos salariais compensatórios posteriores
a 1984.

4.2.4  A Redemocratização e o Aumento de Déficit Público: 1985 / 1989

Em meados de 1982, o governo brasileiro anunciou seus objetivos de ajusta-


mento externo, estes foram recebidos com grande dúvida, pela originalidade
dos valores propostos para serem alcançados pela balança comercial. A trans-
ferência de recursos reais ao exterior foi viabilizada por meio da combinação
de ajuste dos preços relativos e do amadurecimento dos programas de substi-
tuição de importações iniciados na segunda metade dos anos de 1970. O fato
de o país ter se ajustado, praticamente estabilizando sua conta corrente, não
resolvia todos os problemas dispostos pela nova situação de carência de recur-
sos externos. Isso porque o integrante externo era somente uma das faces do
"problema de transferência", sendo as outras duas o item macroeconômico e o
item monetário /fiscal.
O integrante externo da transferência estava relacionado ao equilíbrio do
balanço de pagamentos, compreendido como o ajuste a uma situação na qual,
à frente das ausências de financiamento externo, o Brasil tinha que passar a
atuar com um resultado da conta corrente próximo de zero, em comparação
com os elevados déficits verificados até então. No momento em que a fonte de
recursos externos esgotou-se, após a moratória mexicana, o Brasil essencial-
mente passou a ter que pagar os juros da dívida externa por meio de superávits
comerciais, ao invés de fazê-lo simplesmente por meio da aquisição de novos
empréstimos. O superávit da balança comercial, que foi somente de US$1 bi-
lhão em 1982, subiu então para U$6 bilhões em 1983, alcançando US$13 bi-
lhões em 1984 e uma média de também de US$13 bilhões, nos cinco anos 1985

88 • capítulo 4
/ 1989. Era a época dos chamados "mega superávits" comerciais. O integrante
monetário / fiscal da solução da crise externa era representado pelo choque
monetário e pela consequente necessidade de enviar títulos, que resultava da
maneira em que o ajustamento externo tinha se dado no Brasil. Ao contrário de
outros países endividados nos quais o Estado era simultaneamente produtor
e exportador, o Brasil encarava-se com o fato de que a dívida externa era domi-
nantemente pública, mas o superávit era privado.
Em somente cinco anos, entre 1982 e 1987, a dívida externa líquida do setor
público foi de US$48 para US$91 bilhões, passando de 61% da dívida externa
líquida do país, em 1982, para 80% desse total em 1987. Cabe ressaltar que este
aumento da dívida externa pública não se deveu somente ao déficit público re-
gistrado no período e sim ao fato de que o governo arcou com uma parte im-
portante da dívida externa, que originalmente tinha sido privada, processo esse
renomado no debate da época como "estatização da dívida externa".
O Brasil tornara-se capaz de adquirir as divisas necessárias para assumir os
seus compromissos financeiros com o exterior. Porém, a estabilidade em conta
corrente do balanço de pagamentos era seguida de um desequilíbrio interno,
uma vez que o setor público não produzia os recursos fiscais para nivelar a inje-
ção monetária relacionada ao equilíbrio externo. Essa injeção monetária decor-
ria da situação de que o Banco Central pagava aos exportadores em moeda do-
méstica, para adquirir as divisas com as quais poderia assumir com o ônus dos
juros da dívida externa. Se esta fosse privada, outros encarregados pagariam ao
Banco Central em moeda, de maneira que a este enviasse o pagamento de juros
ao exterior em divisas. Na prática, essa compensação monetária não existia, já
que a dívida externa era, em sua maior parte, do próprio governo.

4.2.5  O Problema da análise fiscal

A adoção de uma política fiscal mais negativa por parte do governo que assu-
miu em 1985, no período denominado de "Nova República", enfrentou dois ti-
pos de obstáculos. Por um lado, o resultado fiscal anterior a 1984 fora muito
bom, o que contribuiu para tirar qualquer sentido de urgência no plano fiscal
de 1985. Em contrapartida, o governo, por meio de algumas das suas princi-
pais autoridades, dava mostras de que a gravidade do problema fiscal não de-
veria ser maximizada. Em outras palavras, uma das maiores dificuldades para
reduzir o déficit fiscal, era que, segundo a análise oficial da situação, o déficit

capítulo 4 • 89
público não era um problema significativo a ser atacado. Essa postura estava
apoiada em dois tipos de justificativas. A primeira, de que mais relevante que
o tamanho do déficit, eram as suas condições de financiamento; e a segunda,
de que era fundamental diferenciar entre os componentes do déficit, antes de
determinar prescrições concretas para a solução do mesmo.
A primeira justificativa, a respeito das condições de financiamento, citada
pela voz de algumas autoridades, informava ao fato de que, se há possibilida-
des de o setor público se financiar, um inesperado desequilíbrio entre oferta e
despesa não teria por que provocar um aumento dos preços, uma vez que não
haveria obrigação de aumentar a oferta monetária, diante da viabilidade de am-
pliar a colocação de títulos. A alegação baseava-se no exemplo de muitos paí-
ses industrializados, que na época tinham déficits relativamente altos para os
específicos padrões históricos e que apesar disso tinham uma inflação baixa.
O fato, porém, é que na prática essas idealizações não se mostraram válidas.
Primeiro, porque a consequência própria de um déficit elevado, na falta de fi-
nanciamento monetário, é o aumento da relação dívida / PIB, com ameaças de
gerar um processo de tipo "bola de neve" de endividamento público, semelhan-
te ao que tinha acontecido nos anos de 1970 com a dívida externa. E segundo,
porque mesmo que fosse verdade que determinados países industrializados
tinham déficits relativamente altos, o fato é que déficits como aqueles que o
Brasil exercia na época seriam apontados como altos, e seriam combatidos se-
veramente em qualquer país do mundo.
A segunda justificativa, ganhou um caráter oficial por meio do documento
"Livro branco do déficit público", anunciado pela Secretaria de Planejamento
da Presidência da República em 1986. Nesse documento, assegurava-se que era
necessária cautela com as análises que incluíam o investimento público no cál-
culo do déficit público, que seria considerado o déficit corrente. Este então as-
sumiria um valor, classificado como pequeno no documento, de cerca de 0,5%
do PIB. Como o somatório do investimento das estatais com o investimento
das excessivas esferas de governo, o raciocínio originava admitir que um nível
de NFSP operacionais de 5% a 6% do PIB seria suportável e compatível com a
estabilidade de preços.

4.2.6  Política Governamental

Os anos de 1985 / 1989 podem ser definidos como um período sem rupturas,
já que, a partir de março de 1985, o período se refere a um só mandato pre-

90 • capítulo 4
sidencial. Embora, podemos diferenciar três fases no que diz observação à
orientação das autoridades econômicas, a primeira em 1985, caracterizou-se
pela concorrência interna entre aqueles propensos a uma postura nitidamente
contencionista do ponto de vista fiscal, juntos em torno do ministro da Fazen-
da, Francisco Dornelles; e aqueles mais inclinados a enfrentar o caráter inercial
da inflação, que resistiam aos cortes apresentados e se juntavam em torno do
ministro de Planejamento, João Sayad. A segunda fase que abrangeu parte de
1985, todo o ano de 1986 e o início de 1987, iniciou com a demissão do minis-
tro Dornelles e sua troca por Dílson Funaro, dando começo a uma clara pre-
dominância dos economistas até então ligados à Secretaria de Planejamento,
sob cuja proteção foi implantando o Plano Cruzado. Emfim, a terceira fase, que
tomou o resto do governo e foi mostrada pela primeira vez ao público, foi com
a demissão do ministro Funaro, marcou uma certa reconquista da intenção ofi-
cial - pelo menos retórica - de derrotar o déficit público, sob a gestão dos minis-
tros Bresser Pereira (1987) e Maílson da Nóbrega (1988 / 1989).
Ao problema da análise de algumas das próprias autoridades, somou-se,
como causa do agravamento fiscal notada no período em relação a 1984, a
vulnerabilidade política do governo da época. Cabe recordar que, na eleição
indireta para presidente da República, no Colégio Eleitoral então corrente, a
oposição, encabeçada pelo Partido do Movimento Democrático Brasileiro, foi
apoiada por uma cisão do partido que até então defendia o governo militar, ci-
são essa que criou a denominada Frente Liberal, dando à origem à candidatura
Tancredo Neves (PMDB) / Sarney (Frente Liberal), aquele para a presidência e
este para a vice-presidência da República. Três dias antes de assumir, contudo,
o primeiro adoeceu gravemente, não chegando a nem mesmo tomar posse e
vindo a falecer um mês depois. Isso criou uma situação rara, pois o partido, do-
minante na aliança eleitoral formada para pôr um fim ao governo militar, viu-se
de repente privado do comando soberano da Nação e sem vínculos estreitos de
solidariedade com o novo líder do Executivo. Tais acontecimentos motivaram
uma série de disputas entre o presidente Sarney e o PMDB, que se estenderam
por todo o seu governo. Portanto, mesmo quando houve o firme propósito de
se ter uma política fiscal mais reduzida, as intenções terminaram quase sem-
pre por se decepcionar, seja pela ausência de suporte do próprio presidente da
República à sua equipe, ou pela ausência de condições políticas para adquirir o
apoio fundamental do legislativo para a aprovação das medidas de ajuste. Esses
argumentos explicam, por exemplo, porque o efeito primário de 1989 foi signi-
ficativamente pior do que o de 1986, ano do plano Cruzado.

capítulo 4 • 91
O fim do período militar no Brasil foi um caso típico de redemocratização,
ligada ao aumento das demandas sociais, sem obstáculos suficientes coloca-
dos por parte das autoridades políticas. A troca de um governo militar por um
civil foi compreendida pelas lideranças da época como estando relacionada à
necessidade de trocar a política econômica em curso até então. É interessante
apontar o contraste, por exemplo, com o que aconteceria alguns anos depois
no Chile, onde a equipe econômica do governo, que sucedeu ao Pinochet, teve
o zelo de preservar as linhas gerais da política econômica do governo anterior.
No Brasil, as circunstâncias se agravaram devido às demandas naturais ante-
riormente sufocadas que tendiam a surgir com o fim de um governo de força.
Além disso, a economia vinha de dois anos de ajuste fiscal, nos quais a despesa
corrente do governo e o déficit público tinham se encolhido em relação a 1982,
dano início a pressões em favor das notáveis "recomposições de gastos".

4.2.7  Efeitos Institucionais

Nos períodos de 1985 a 1989, o marco institucional em que se efetuou a política


fiscal esteve sujeito a duas alterações contraditórias. A primeira foi referente a
avanços importantes do panorama gerencial, caracterizados pela exclusão de
uma série de problemas e deformações herdadas dos anos de 1970 e que ainda
existiam nos primeiros anos da década de 1980. A segunda foi referente a nova
Constituição sancionada pela Assembleia Constituinte de 1988, que limitou de
modo considerável a margem de artifício das autoridades econômicas.
No que tange aos avanços obtidos, cabe ressaltar, os seguintes itens: (i) a
junção sucessiva, a partir de 1985, das contas do orçamento monetário, votada
pelo Congresso Nacional; (ii) a eliminação da conta movimento do Banco do
Brasil, em 1986; (iii) a extinção das funções de ajuda do Banco Central; (iv) a
criação da Secretaria do Tesouro Nacional, também em 1986, com objetivo de
aglomerar a contabilização de pagamentos e recebimentos do governo federal;
(v) a imposição de que, a partir do orçamento de 1988, todas os gastos públicos
federais contassem com prévia aprovação legislativa; (vi) a mudança da admi-
nistração da dívida pública para o Ministério da Fazenda e a inclusão ao OGU
das despesas com o pagamento de juros da dívida pública. De uma maneira ge-
ral, com exceção do último item, que teve exclusivamente o efeito de aumentar
o grau de clareza da contabilidade pública, esses indicadores, além de aumen-
tar a clareza da política fiscal, tiveram o mérito de eliminar focos fundamentais

92 • capítulo 4
de desperdício dos recursos públicos, seja pelo fim de certas brechas de finan-
ciamento da despesa, ou pelo aperfeiçoamento dos instrumentos de controle,
por meio de uma centralização da gestão do caixa. O fato de que, além desses
avanços, o desequilíbrio das contas públicas tenha piorado, deve-se aos fatores
antes citados e as consequências da aprovação da nova Constituição, em 1988.
Isso não tira, contudo, a importância das novidades introduzidas, representan-
do um "painel de controle" da situação, por meio da criação de "botões que,
devidamente apertados, poderiam originar uma melhora do resultado fiscal.
Em oposição a esses empenhos das autoridades federais, a nova Constituição
criou uma série de obstáculos para a gestão da política econômica, como a alta
das alíquotas das transferências de receita para estados e municípios, a sobre-
carga exigida ao sistema previdenciário, e o acréscimo da proporção dos recur-
sos da União obrigatoriamente designada a certas assinaturas de gasto, tipica-
mente sociais.
Em decorrência, a parcela de recursos livremente disponíveis do governo fe-
deral, reduziram drasticamente, por causa do aumento de gastos definidos pela
nova Constituição e à maior importância relativa obtida pelas chamadas "re-
ceitas vinculadas". Essa limitação restringiu a capacidade do poder Executivo
de alocar as despesas de uma maneira mais racional. Além disso, surgiu uma
fonte adicional de pressão sobre o déficit público. Com isso, o governo federal
foi forçado à criação de novos impostos, tecnicamente questionáveis, mais que
tinham para ele o privilégio de não serem objeto de divisão com outras esferas
da federação.

4.2.8  Situação Fiscal entre 1984 e 1989

A combinação de diferentes questões como o impacto da crise externa, a falta


de esforço das autoridades em combater o déficit, em alguns períodos, a vulne-
rabilidade da política do governo e os resultados da nova Constituição, geraram
uma significativa piora da situação fiscal entre 1984 e 1989, tendo o déficit ope-
rante passado de 3,2% do PIB, no decorrer de 1983 / 1984, para uma média de
5,9% do PIB, em 1988 / 1989. A análise das causas desse efeito foi afetada pela
ausência de elementos "acima da linha" da execução fiscal para os primeiros
meados da década e pelas diferenças metodológicas entre os dados das contas
nacionais e a apuração do déficit feita pelo Banco Central.

capítulo 4 • 93
Na segunda metade da década houve um ajuste dos baixos níveis de arreca-
dação, com um aumento relevante do gasto público. A receita tributária se man-
teve relativamente constante quando a analogia é feita entre os dados de 1981
/ 1985 e os de 1986 / 1990, devido aos elevados níveis de receita fornecidos pelo
plano Collor I em 1990. Quando se equiparam os dados de receita das contas
nacionais de 1983 / 1984 com os de 1988 / 1989, nota-se que tivemos uma que-
da da carga tributária, de 25,6% do PIB para 23,6% do PIB. Simultaneamente,
o consumo corrente do governo, inclusive pelas contas nacionais, passou de
9,8% do PIB para 14,5% no mesmo espaço de tempo. Esse processo foi seguido
de uma pequena queda no total das transferências de assistência e previdência
e das despesas de recursos - que não formam parte do consumo do governo - de
11,1% do PIB para 9,6% do PIB, inclusive entre 1983 / 1984 e 1988 / 1989.
Como resultados desse aglomerado de fatores, houve uma nítida tendência
de agravamento de resultado primário do setor público consolidado, no decor-
rer da segunda metade da década. Após de ter sido superavitário em 2,2% do
PIB em 1985 / 1986, nos três últimos anos do governo Sarney (1987 / 1989), hou-
ve um déficit primário médio de 0,4% do PIB. Isso aumentou o déficit exercido
pelas NFSP operacionais, de 4,2% em 1985 / 1986 para 5,8% do PIB em 1987 /
1989, apesar do baque da despesa de juros reais de 6,3% para 5,4% do PIB no
mesmo período.

4.2.9  Política Econômica de 1990 a 1994

O ano de 1990, que se começou a administração Collor de Mello, traduziu em um


divisor de águas na história econômica brasileira da segunda metade do século.
A partir de então começaram a ser oficialmente discutidos alguns dos pilares do
modelo de desenvolvimento apoiado na combinação de alteração de importa-
ções, protecionismo e forte intervenção do Estado na economia, o que estabe-
leceu uma mudança de modelo, que acabou tendo seguimento sob a gestão do
presidente Fernando Henrique Cardoso, na segunda metade da década. Regis-
tramos que a partir de 1990, aconteceu um processo marcante de abertura da eco-
nomia, com extinção das barreiras não tarifárias e queda considerável das tarifas
de importação, seguido de um programa de desestatização que se modificou em
uma política de governo, sucedendo às simples privatizações dos anos 1980.
Nesse contexto, a guerra ao déficit público ganhou um destaque fundamen-
tal na agenda governamental e no discurso presidencial, em contraste com a

94 • capítulo 4
conduta comparativa e mais ou menos tímida do governo anterior a esse respei-
to. Eliminar o déficit público, voltou a ser uma palavra de ordem na oratória ofi-
cial, relacionada ao propósito de lutar frontalmente contra a elevada inflação.
Os efeitos dessa política, somados a uma considerável subindexação da dívida
interna em 1990, permitiram por sua vez reduzir consideravelmente os gastos
com juros da dívida pública.
O governo Collor foi interrompido no fim de 1992, quando da aprovação
do impeachment do presidente da República pelo Congresso Nacional. A pre-
dominância das políticas, então, em curso, não sofreu maior interrupção no
mandato de Itamar Franco, que assumiu a presidência no decorrer do restante
do mandato, até o final de 1994. No meio de 1994, por sua vez, foi anunciado o
Plano Real de estabilização da economia.

4.2.10  A Indexação da Receita

Já tivemos a oportunidade de debater a influência que um déficit alto pode ter


sobre a inflação, quando financiado por maio da senhoriagem. Existe, também,
uma relação contrária, isto é, da inflação sobre a dimensão do déficit. A litera-
tura, em geral, determina que essa relação costuma ser direta, isto é, quanto
mais inflação, maior seria o déficit, em razão à queda no valor da receita. Esse
baque se dá pela defasagem de tempo entre o fato fornecedor de tributos e o
seu permanente recolhimento aos cofres públicos, o que, em caso de elevação
dos preços, implica em um desgaste do valor real correspondente. Um exemplo
disso é o de recolhimento do imposto sobre o valor reunido de um produto,
que é obtido por um indivíduo em um determinado mês, mas só é recolhido
ao órgão encarregado pela arrecadação nos meses seguintes. Esse fenômeno
é famoso no linguajar técnico como " efeito-Tanzi", em honra àquele que exe-
cutou os estudos pioneiros sobre o tema. A perda de valor do faturamento, em
termos de moeda permanente, é uma função direta do prazo de recolhimento
dos impostos e da taxa de inflação.
No nosso caso, contudo, esse efeito não assumiu dimensões tão significati-
vas como em demais países de inflação elevada, devido ao requinte do sistema
de indexação dos tributos. As unidades arrecadadoras enfrentaram a elevada
inflação de duas maneiras. A primeira, reduzindo o intervalo de recolhimento
dos impostos, para o mínimo tecnicamente possível. E a segunda, manifestan-
do o valor a ser cobrado dos contribuintes não mais na moeda nacional e sim

capítulo 4 • 95
em itens de referência, cujo valor se alterava de acordo com a inflação. Isto sua-
vizava significativamente as perdas recorrentes da alta dos preços.

4.2.11  Inflação e Gasto Público

No debate brasileiro a respeito da relação entre a inflação e a política fiscal,


alegava -se, em torno de 1993 / 1994, que essa ligação seria diferente em con-
fronto com a maioria dos países, por dois motivos. Primeiro porque as particu-
laridades do sistema tributário do Brasil estariam em boa medida defendendo
a receita da existência do "efeito Tanzi". E segundo, porque muito mais funda-
mental do que a perda de valor real dos tributos, seria a "ajuda" proporcionada
pela inflação ao governo para diminuir o valor real do gasto em relação aos va-
lores envolvidos no orçamento. Quando pressionado por um governador ou por
algum colega de ministério a disponibilizar uma verba, bastava ao ministro da
Fazenda "empurrar" a disponibilização por um mês, para ocasionar uma perda
real do valor disponibilizado. Com a despesa determinada em termos nomi-
nais e a receita indexada, a técnica de controlar o gasto público "na boca do cai-
xa", revelou-se excessivamente eficaz para controlar a evolução do gasto. Isto
foi denominado de "efeito Tanzi da despesa", ou "efeito Tanzi ao contrário" ou
também "efeito-Bacha", pelo fato de o economista Edmar Bacha ter sido quem
primeiro teorizou a respeito do assunto.
Esse raciocínio tinha a vantagem de permitir a compreensão da queda das
NFSP operacionais notadas no início dos anos de 1990 em comparação à década
anterior e, simultaneamente, explicar a continuidade da elevadíssima inflação
da época e justificar a imposição de novas medidas fiscais de caráter conten-
cionista. A alegação era que o controle do déficit que o governo estaria adqui-
rindo seria artificial e que, à medida que o déficit "potencial" continuasse alto,
a queda do déficit não seria "crível", ou seja, não seria vista como permanente.
Isto originaria expectativas negativas que esclareceriam, no campo teórico das
expectativas racionais, a tendência sistematicamente crescente da inflação no
período, em que pese a diminuição das NFSP. Um plano de consolidação teria,
então, que estar baseado na acolhida de um ajuste fiscal que não mais depen-
desse da inflação para preservar a despesa real contida e que consentir ao setor
público ter um déficit fiscal reduzido, com apoio em medidas de caráter funda-
mental, que implicassem uma solução definitiva do déficit público.

96 • capítulo 4
4.2.12  Qualificações Necessárias

Há três pontos que se cabem ressaltar que são importantes para qualificar o
que aconteceu com a política fiscal depois de 1994, uma vez que a inflação caiu.
Em primeiro lugar, o relevante para estes era a quantidade de recursos reais
repassados pelo governo. Então, o governo deveria ter condições de uma vez
realizada a estabilização, preservar o valor real do gasto. Observa-se que isto
não envolveria um dano real, já que o gasto seguinte à queda da inflação não te-
ria que ser reduzido, e sim apenas preservado em termos nominais. É claro, de
qualquer maneira, que com o fim da inflação os problemas tornar-se-iam mais
claros. Isso porque a inflação escondia o conflito entre as demandas sociais e a
eficiência do governo de satisfazer a elas, já que quase todas as demandas eram
atendidas, nominalmente. Logo, o custo político de dizer "não" às exigências
orçamentárias, obviamente, aumentaria com a inflação baixa. Em segundo lu-
gar, oferecida a regra de conversão dos salários usada no Plano Real, não have-
ria nenhum equipamento legal que obrigatoriamente levasse o governo a ter
que elevar o valor real de suas despesas, como aconteceria, por exemplo, se a
inflação caísse e se houvesse uma indexação de tipo “backward looking”. Logo,
como as despesas não eram indexadas, o valor real das próprias dependeria
fundamentalmente do acordo político do governo com o ajuste fiscal. Ou seja,
o aumento real da despesa após a consolidação estava longe de ser inevitável.
E em terceiro lugar, por melhor que fosse a indexação da receita, o valor real
desta não poderia ficar absolutamente imune a uma inflação muito elevada.
Não é difícil compreender o porquê. Toma-se o caso do imposto sobre produtos
industrializados. Ainda que fosse feito mais de um recolhimento por mês à Re-
ceita Federal, não era permitido, por questões administrativas, fazer isso todos
os dias. Portanto, no instante em que um produto era vendido, o valor, real do
IPI nele embutido era de x, mas o recolhimento do mesmo, em termos reais,
sendo feito com alguns dias inferior a esse x. Nessa lógica, o prejuízo de receita
do governo, com 50% de inflação ao mês, como se chegou a ter antes do Plano
Real, podia ser até mais elevado, em termos reais e apesar de toda a indexação
dos impostos, do que a que se tinha no começo dos anos de 1970, quando a
receita não era indexada e a diferença no recolhimento era considerável, mas a
inflação era da ordem de 1% ao mês. Isso sugere que, quando a inflação caísse,
a receita em termos reais aumentaria, como já havia ocorrido em 1986 com o
Plano Cruzado e como, de fato, aconteceu com o Plano Real em 1994.

capítulo 4 • 97
4.3  Plano Real

No Brasil, desde o final da década de 70 até meados dos anos 90, conviveu-se
com altas taxas inflacionárias. No decorrer desse período, o País foi submetido
a diversos planos econômicos, ortodoxos e heterodoxos, mas nenhum teve su-
cesso real no combate à inflação e na recuperação do crescimento econômico.
A análise da economia brasileira na segunda metade da década de 80 indica
que todos os esforços para terminar com a inflação foram abandonados pouco
tempo depois de apresentados. O Plano Bresser durou somente seis meses, de
julho a dezembro de1987, ao mesmo tempo que os Planos Cruzado, Verão e Col-
lor duraram cerca de12 meses. Além da pequena duração, outros três pontos
podem ser destacados. Primeiro, quando da realização das medidas propostas
pelo Plano, o que se notava era uma imediata diminuição no crescimento das
taxas inflacionárias. Segundo, dado o insucesso de um plano de ajustamento,
este era imediatamente trocado por outro, gerando uma sequência de tentati-
vas de consolidação. Terceiro, em cada plano novo, o Governo tentava forçar
medidas mais severas, num empenho de convencer o público de sua promessa.
Todos esses fatos podem ser julgados como uma indicação de falta de confiabi-
lidade ou incapacidade de compromisso das autoridades econômicas brasilei-
ras com uma política anti-inflacionária efetiva e consistente.
No período entre janeiro de 1994 e julho de 1998, identifica -se nitidamente
que a meta principal da política governamental foi a estabilização de preços,
com a conservação das taxas de inflação em níveis reduzidos. Nesse sentido,
o Governo usou uma política monetária altamente negativa, associada a uma
regra de não depreciações cambiais. A concepção e a condução da política ma-
croeconômica, mirando a esse objetivo, tornaram-se visíveis antes mesmo do
anúncio do Plano Real, em julho de1994. Após o processo de impedimento
do Presidente Fernando Collor e a resultante posse do Vice-Presidente Itamar
Franco, algumas mudanças foram feitas na política econômica. Tais medidas
beneficiaram a implantação do Plano Real, levando à criação de perspectivas
favoráveis no que diz respeito ao controle da inflação.
O Plano Real foi implementado em três etapas. A primeira delas é reconhe-
cida pela criação do Fundo Social de Emergência em março de 1994. Numa
segunda fase a equipe econômica, motivada pela semelhança que o processo
inflacionário brasileiro apresentava com o processo alemão dos anos 20, deter-
minou indexar todos os preços da economia por meio da criação da Unidade

98 • capítulo 4
Real de Valor (URV). O resultado foi uma contração drástica do patamar infla-
cionário. Com a execução da terceira fase do Plano Real, em junho de 1994, de-
terminou-se a transformação dos valores monetários da URV para reais. A polí-
tica monetária utilizada implicou a prática de altas taxas de juros reais, além de
outras atitudes pontuais de contenção ao crédito e ao consumo. Nesse período
o Governo teve forte apoio popular, preocupando-se mais com a inflação do que
com o desemprego. O fato de divulgar inflação baixa e adquirir esse resultado
conferiu confiança às medidas e ao plano econômico do Governo.
Com relação à política cambial, a mudança primordial foi a adoção do sis-
tema de bandas cambiais, acertando limites inferior e superior, dentro dos
quais a taxa de câmbio poderia alternar livremente. A vantagem desse sistema
foi autorizar uma flexibilidade na taxa de câmbio nominal, para responder
às alterações nas condições internas e externas do País, sendo, simultanea-
mente, capaz de consolidar as expectativas dos agentes, contribuindo positi-
vamente para a confiança das políticas governamentais. As medidas usadas
no âmbito das políticas monetária e cambial contribuíram para a conquista
e a consolidação, por alguns anos, da principal meta do Plano Real, qual seja,
a consolidação de preços. Porém a ocorrência de dois importantes aconteci-
mentos no cenário internacional evidenciou sensibilidade da economia bra-
sileira aos fatos externos, que, por sua vez, complicaram a conduta posterior
da política macroeconômica. O primeiro fato, iniciado no segundo semestre
de 1997 com a crise asiática, tomou proporções monstruosas, atingindo com
maior relevância os países emergentes. Como consequência, a economia bra-
sileira provou uma elevada fuga de capitais, acrescida de uma diminuição de
suas reservas internacionais. O segundo episódio diz respeito a moratória da
Rússia que, sem dúvida, piorou ainda mais a situação da economia brasileira
no que diz respeito à progressiva fuga de capitais e à consequente redução
constante das reservas . A crise financeira, que começou na Rússia, atingiu
outra vez as Bolsas de Valores do resto do mundo, inclusive as brasileiras.
Causando prejuízos em outros países, os investidores internacionais dimi-
nuíram suas aplicações em papéis brasileiros, num sucessivo processo de re-
messas de divisas para o Exterior.
Desse modo como no segundo semestre de 1997, também em 1998, as re-
servas internacionais encolheram-se sensivelmente, como mostra o Gráfico 1.
No período de julho a setembro de 1998, o País perdeu mais de US$20 bilhões
em reservas internacionais.

capítulo 4 • 99
(US $ bilhões)
80 000
70 000
60 000
50 000
40 000
30 000
20 000
10 000
Jan Abr Jul Out Jan Abr Jul Out Jan Abr Jul Out Jan Abr Jul Out Jan Abr Jul Out Jan Abr Jul
1993 1994 1995 1996 1997 1998

Figura 4.1  –  Reservas Internacionais Brasileiras - Jan./93 - jul. /98 (Fonte Bacen)

A crise financeira internacional também impactou os papéis da dívida ex-


terna brasileira, que sofreram fortes quedas no período. A sensibilidade da
economia brasileira aos acontecimentos externos levou a uma desvalorização
acentuada dos preços desses papéis, abaixando ao nível de 49% do valor de
face no auge da crise. A falta de credibilidade dos investidores estrangeiros na
eficiência do Governo de se defender contra possíveis ataques especulativos,
bem como uma associação, talvez errada, entre a situação da economia bra-
sileira e a dos demais países, fez com que os próprios buscassem aplicações
mais seguras que os títulos dos países emergentes. Perda de confiança gera-
da por esse cenário levou o Governo a, novamente, usar a política monetária
negativa com a forma de cativar o público, interno e externo, do seu compro-
misso com a consolidação macroeconômica. Mesmo em circunstâncias con-
trárias, não foram usadas medidas na área cambial, sustentando-se a regra de
não desvalorizações. O Governo escolheu por uma elevação brutal da taxa de
juros, não mudando a condução da política cambial. A contínua utilização de
ferramentas monetárias altamente negativas, desgastou a convicção do pú-
blico a respeito da sustentabilidade da estabilização de preços e da obtenção
do equilíbrio macroeconômico, diante ao agravamento da crise externa.
Apesar da enorme fraqueza da economia brasileira face a esfera interna-
cional, nota-se, no gráfico 2, que os investimentos externos diretos mostram
uma tendência progressiva desde janeiro de 1993, sugerindo um cenário oti-
mista de longo prazo, por parte dos investidores estrangeiros, para a econo-
mia brasileira. A abertura econômica, junto ao processo de privatização, tem
autorizado a entrada de recursos para o uso em infraestrutura, telecomunica-
ções, energia elétrica, siderurgia, petroquímica, dentre outros segmentos de
atividades. Além disso, esses fluxos de capitais externos têm ajudado, ainda
que de forma simples, para equilibrar os déficits no balanço de pagamentos

100 • capítulo 4
em transações correntes e os movimentos de capitais de curto prazo. Ainda
com relação às contas externas, ressalta-se a condição deficitária da balan-
ça comercial brasileira. As exportações perderam disputa tanto em função
dos custos internos de produção, como também pela política econômica de
sobrevalorização cambial. Em contrapartida, a sobrevalorização favoreceu
especialmente as importações, aumentando, portanto, disponibilidade de
produtos para consumo, fora o fato de ter ajudado para a queda dos preços
praticados internamente.

(US $ bilhões)

7000

6000

5000

4000

3000

2000

1000

0
Jan Abr Jul Out Jan Abr Jul Out Jan Abr Jul Out Jan Abr Jul Out Jan Abr Jul Out Jan Abr Jul
1993 1994 1995 1996 1997 1998

Figura 4.2  –  Investimentos externos brasileiros – jan/93 a jul/98 (Fonte: BACEN)

(US $ bilhões)

300 000

250 000

200 000

150 000

100 000

50 000

200
Jan Abr Jul Out Jan Abr Jul Out Jan Abr Jul Out Jan Abr Jul Out Jan Abr
1994 1995 1996 1997 1998

Figura 4.3  –  Dívida mobiliária interna federal fora do Banco Central, jan/94 a mai/98 (Fon-
te: BACEN)

capítulo 4 • 101
Com o temporário avanço do cenário externo, muitas das medidas divul-
gadas não foram realizadas. O agravamento da crise no segundo semestre
de1998 fez com que o Governo tomasse medidas mais severas, tais como a
alta das taxas de juros a um patamar recorde de 49% ao mês e um corte orça-
mentário de R$4 bilhões. Os resultados adquiridos pelo Governo ainda são
acanhados. O fato de ter anunciado, mas não ter executado, o pacote de 51
medidas no final de 1997 levou a uma perda confiança de por parte dos agen-
tes privados, fazendo com que os próprios não creditassem que o Governo
executaria as medidas mais rígidas anunciadas posteriormente. Fora essas
consequências negativas do Plano Real, evidencia-se também o desemprego,
que, relacionado ao baixo crescimento econômico, é o principal problema da
economia brasileira atual. Após o lançamento do Plano Real, vê -se no Gráfico
4, uma queda gradual nessa taxa, que atinge 4% em fins de 1994, o que pode
ser justificado pela melhoria inicial da atividade econômica, pela remoneti-
zação e pelo aumento do poder aquisitivo dos salários. Porém a manutenção
da política monetária contracionista obrigada pelo Plano Real fez com que a
taxa de desemprego voltasse a se elevar, alcançando 6% no começo de 1996 e
8% no primeiro semestre de 1998.
(%)
9

3
Jan Abr Jul Out Jan Abr Jul Out Jan Abr Jul Out Jan Abr Jul Out Jan Abr Jul Out Jan Abr
1993 1994 1995 1996 1997 1998

Figura 4.4  –  Taxa de desemprego mensal brasileira – jan/93 a Jun/94 (Fonte: IBGE)

O gráfico 4.5 mostra o crescimento da produção industrial com o proxy do


crescimento da economia entre jan/93 a mar/98, exibindo que o nível de ativida-
de econômica no primeiro trimestre do ano corrente foi compatível com o nível
que prevaleceu no terceiro trimestre de 1993. Em suma, passados quatro anos
da execução do Plano Real, nota-se que o Governo conseguiu atingir e manter
a estabilização de preços e elaborar algumas medidas pontuais fundamentais,

102 • capítulo 4
como as privatizações. No entanto, para assegurar uma consolidação de preços
sustentável e alcançar um cenário de verdadeira estabilidade macroeconômi-
ca, há ainda muito por se fazer. Salvo a necessidade inevitável de uma enorme e
eficaz reforma fiscal, acompanhada de reformas da Previdência e administrati-
va, há que se buscarem soluções definitivas para o desemprego e o crescimen-
to econômico.

140.0

130.0

120.0

110.0

100.0

90.0

80.0
Jan Abr Jul Out Jan Abr Jul Out Jan Abr Jul Out Jan Abr Jul Out Jan Abr Jul Out Jan
1993 1994 1995 1996 1997 1998

Figura 4.5  –  Índices da produção industrial no Brasil – Jan/93 a Mar/98 (Fonte: Bacen)

Apesar de a estabilização de preços ter sido atingida como Plano Real, de


políticas monetária e cambial rígidas, o mesmo não se pode dizer sobre a cons-
tância macroeconômica. A estabilidade macroeconômica e a própria credibi-
lidade do Plano, primeiramente elevada, ficaram comprometidas por proble-
mas específicos à conduta do plano, dando ênfase a ausência de uma enorme e
eficaz reforma fiscal, intensificados recentemente pela situação internacional
desfavorável. O aumento considerável do custo de curto e médio prazos, em
medidas de desemprego e queda de produção, é, sem dúvidas, o principal desa-
fio enfrentado hoje pelo Plano Real.

4.4  Finanças Públicas após 1999

O Brasil não se manteve resistente a este processo, as alterações no papel da po-


lítica fiscal também foram integradas pelo regime macroeconômico brasileiro.
Vários planos de rigor foram introduzidos ao longo das décadas de 1980 e 1990,
mas o símbolo da integração dessa “nova” gestão fiscal à política econômica
brasileira ocorreu em 1999. A consagração do Regime de Metas de Inflação e o
começo do regime de metas de superávit primário, nesse ano, bloquearam a polí-

capítulo 4 • 103
tica fiscal e restringiram o poder arbitrário das autoridades. A proposta brasileira
também deu preferência ao corte dos espaços da atuação do setor público e das
políticas de defesa do crescimento econômico. Adaptar os altos superávits pri-
mários, os elevados gastos financeiros do governo e a austeridade no tratamento
dos gastos com o aumento dos investimentos tornou-se a enorme dificuldade da
gestão da política fiscal nos primeiros anos do começo do novo regime. Portanto,
a despeito do sucesso incontestável do controle inflacionário no governo FHC
ante a situação anterior, as taxas de crescimento econômico não foram promis-
soras, entre 1999 e 2002 a média de crescimento foi de 2,1% a.a.
Em 2003, o Governo Lula escolheu por dar continuidade à lógica do regime
de superávit primário e reiterou o comprometimento do governo anterior com
a conservação de uma determinada trajetória da dívida pública, compassada,
que exigia ainda uma austeridade considerável, dada a alta carga de juros incor-
rida em função da política tradicionalista de controle inflacionário implantada
pelo Banco Central. Entre 2003 e 2006, o superávit primário médio mensal em
relação ao PIB foi de 3,6% (conceito abaixo da linha). A dívida pública, por sua
vez, caiu meros 7,6 pontos percentuais entre 2003 e 2006, de 54,8% para 47,3%.
Em paralelo, o investimento público, introduzindo estatais, ficou praticamente
constante (em torno de 1,3% PIB entre 2003 e 2006, segundo dados do Ipea),
bem como as despesas com o funcionalismo público e com os gastos correntes
das gestões públicas com bens e serviços (escolas, hospitais etc.). Em paralelo,
no período, a média da taxa de crescimento trimestral do PIB, em termos anua-
lizados, foi de 3,6%, um pouco superior às taxas do período anterior, mas com
uma trajetória de significativa irregularidade.
Foi somente a partir da segunda metade da década de 2000, mais especifica-
mente a partir de 2006, que a política fiscal se tornou mais flexível, gerando impac-
tos sobre o consumo privado que, em última instância, induziram o investimento
privado de forma mais relevante. Devido principalmente ao cenário externo muito
favorável (valorização das commodities, crescimento na China e capital abundan-
te no mundo), o crescimento real do PIB alcançou 6,1% em 2007 e 5,2% em 2008.
Em que pese a apreensão de alguns economistas e de outros segmentos da socie-
dade com o desequilíbrio dos gastos públicos, o que se verificou foi a conserva-
ção, como proporção do PIB, das despesas com a remuneração de funcionários
públicos e com a desvalorização do capital das administrações (em torno de 13%
de 1995 a 2008). As despesas com a compra de bens e serviços públicos, essenciais
a uma sociedade em desenvolvimento, como saúde, escola e educação, da mesma
forma se mantiveram estáveis (em torno de 7% no mesmo período).

104 • capítulo 4
O aumento das despesas públicas concentrou-se nas transferências de re-
curso e previdência (de 12 para 15% do PIB entre 1995 e 2006), que introduzem os
gastos com o RGPS (Regime Geral de Previdência Privada), os benefícios pagos
aos idosos protegidos pela Loas (Lei Orgânica de Assistência Social), seguro-de-
semprego, programas assistenciais (como o Bolsa Família) e as transferências
a organizações sem fins lucrativos. Este elemento de gastos teve crescimento
significativo, vale lembrar, pela política de valorização dos salários mínimos
reais que impactaram diretamente a soma dos benefícios. Suas impressões no
fortalecimento do mercado doméstico e na melhora da distribuição pessoal e
funcional da renda, com o aumento da parcela salarial da renda do país, são
incontestáveis. Além das despesas sociais, a ampliação fiscal foi também tra-
çada numa expansão, ainda que simples, do investimento público, tanto pelo
governo federal como pelas empresas estatais. Depois da preservação em torno
de 1,3% do PIB entre 2003 e 2006, o investimento público alcançou 2,3% do PIB
em 2008 e cresceu 17% a.a. de 2008 a 2010.
Os resultados do crescimento econômico sobre as receitas do governo pos-
sibilitaram, a despeito da política fiscal mais versátil, a continuidade do cur-
so de redução da dívida líquida do setor público estabilizado, que passou de
60,4% do PIB em dezembro de 2002 para o patamar de 45-50% entre 2006 e
2007. Portanto, de um modo geral, a política fiscal no período foi apta de assu-
mir posição mais ativa na administração macroeconômica, sem, no entanto,
desistir das metas de superávit primário. Foi possível concordar certa elevação
da despesa com a perseguição dos objetivos justamente em função dos resul-
tados positivos do gasto sobre o produto e a arrecadação. Porém, o predomínio
desse método de geração do superávit criou vínculos para uma expansão mais
ousada do investimento público, o que teria de fato garantido um progresso
mais sustentado da economia brasileira e com mais espaço para a ocorrência
de mudanças fundamentais.
A crise financeira deflagrada a partir da falência do banco Lehman Brothers
em setembro de 2008 teve impactos expressivos sobre a economia mundial, ori-
ginando uma forte reversão do curso de crescimento econômico anteriormente
corrente e, consequentemente, uma perda considerável de empregos e renda
da população. O Brasil foi fortemente afetado, a respeito das declarações ofi-
ciais de seu governo. No quarto trimestre de 2008 o PIB apresentou uma queda
de 14,7% na comparação trimestral anualizada. Nessas circunstâncias, criou-
se, em nível mundial, um espaço para o uso de políticas não-convencionais em
diferentes áreas. Enquanto nos países centrais esse espaço acabou usado pelos

capítulo 4 • 105
bancos centrais, que implantaram programas de compra de ativos, no Brasil foi
a política fiscal que foi ligada de forma mais ajustável ao que vinha sendo posta
em exercício. A reorientação da política fiscal no período e a flexibilização dos
vínculos que a estrutura da política econômica usada desde 1999 lhe impunha
foi flagrante. Do ponto de vista da administração fiscal, o governo retardou o
recolhimento de impostos, como o Imposto sobre Produtos Industrializados
(IPI), PIS/COFINS e imposto de renda retido na fonte, e apressou o processo
de devolução de créditos tributários para as empresas. As despesas com o PAC
e programas sociais foram sustentados e reforçados e se capitalizaram de ma-
neira significativa, por meios de empréstimos do Tesouro, dos bancos públicos
(em especial, BB e Caixa) e do BNDES.
Nessas circunstâncias, como ilustrado no gráfico 6, o resultado primário do
governo central caiu violentamente no decorrer de 2009, saindo de 4,1% em ou-
tubro de 2008 para 1,0% em outubro de 2009 – uma queda de 3,1 % num interva-
lo de 12 meses. Vale observar que, em nenhum momento, esse valor atravessou
o marco zero e avançou para valores negativos; em nenhum instante houve um
déficit primário do governo brasileiro, esteve-se longe desse cenário. De qual-
quer maneira, a reversão cíclica do curso da gestão fiscal teve resultado direto
no restabelecimento da economia brasileira, que ocorreu de maneira relativa-
mente rápida. Já no segundo trimestre de 2009 a economia retomava um ritmo
de crescimento parecido ao analisado no primeiro/segundo trimestres de 2008,
da ordem de 6% (valores trimestrais anualizados).

4,5 %
4,0 %
3,5 %
3,0 %
2,5 %
2,0 %

1,5 %
1,0 %

0,5 %

0,0 %
Jan/13
Jan/11

Jan/12
Jan/08

Jan/09

Jan/10

Mai/13
Mai/11

Mai/12
Mai/08

Mai/09

Mai/10

Set/11

Set/12
Set/08

Set/09

Set/10

Figura 4.6  –  Resultado Primário do Setor Público Consolidado (% PIB) – Fonte: BCB

106 • capítulo 4
A conduta fiscal usada na crise apontava para uma possível transição para
uma administração fiscal mais alinhada com as determinações efetivamente
keynesianas, a partir da gestão anticíclica do orçamento corrente e da conser-
vação, e possível ajuda dos investimentos públicos. Porém, essa perspectiva foi
frustrada a partir das ações implantadas desde então. A reversão do curso fiscal
expansionista aconteceu já ao final do ano de 2009. Iniciou -se uma política de ex-
pansão do superávit primário, reforçada ao longo de 2010 e acentuada em 2011.
No final do primeiro semestre deste último ano, o esforço fiscal praticado pelo
governo foi suficiente para que se voltasse a atingir a meta “cheia” de superávit
primário (Gráfico 6). Também, os anúncios do Ministério da Fazenda ao longo do
período sinalizaram nitidamente para esse objetivo, reafirmado em 2012.
Deve-se recordar que a Lei de Diretrizes Orçamentárias de cada ano, des-
de 2009, proporciona o abatimento dos investimentos efetuados no âmbito
do PAC e, mais recentemente, desonerações da meta de superávit primário. O
objetivo “líquido”, que desconta esses valores, exige um estímulo fiscal muito
menor do ponto de vista de contingenciamento de gastos e, portanto, auxilia o
crescimento da demanda agregada a partir dos investimentos públicos. Mas, a
despeito dessas possibilidades, a instrução do governo foi de elaborar um es-
forço fiscal extra e perseguir os objetivos de superávit primário para o biênio
2011-12. O agravamento da crise europeia e do ambiente da incerteza em nível
internacional foi então seguido por uma desaceleração do consumo, induzida
pela redução fiscal e do investimento, fruto da indefinição em nível local, das
influências negativas externas, além da redução fiscal propriamente dita (o in-
vestimento público real se reduziu de 4,7% para 4,0% do PIB entre 2010 e 2011).
Essa reversão da política fiscal afetou consideravelmente o crescimento econô-
mico: a média de alteração trimestral anualizada do PIB caiu de 5,4% no biênio
2009-10 para 1,4%, tanto em 2011, como em 2012. A vagarosidade da economia
brasileira entre 2010 e 2012 relaciona-se à forte “correção” da política fiscal ao
longo do período 2010-11. Somando-se o panorama externo negativo, incluin-
do as pressões sobre os preços internacionais das commodities e a menor de-
manda externa sobre as exportações, o método de lentidão econômica tornou-
se irremediável, e seus desdobramentos são sentidos ainda em 2013.
A relação essencial positiva entre a política fiscal e a dinâmica das econo-
mias monetárias, desordenada pela teoria e prescrição de política neoclássicas,
representa encontrar no caso da economia brasileira uma importante imagem.
Por um lado, a política rígida, de perseguição de superávits primários elevados,

capítulo 4 • 107
configura ter um papel expressivo no comprometimento da inclinação do cres-
cimento da economia brasileira, como ilustrado por boa parte dos anos 2000
e, fundamentalmente, pelo período mais recente. Por outro lado, no período
súbito após a crise, quando houve um desleixo do esforço fiscal, a economia
reagiu apressadamente aos incentivos originados, o que também retrata a li-
gação proposta pela teoria keynesiana. Porém, a política fiscal brasileira no
momento mais difícil da crise financeira internacional de 2008-9 nos parece
ser exceção em relação à administração que vem sendo praticada desde o co-
meço da década de 2000. A perspectiva de conservação de expedientes fiscais
anticíclicos e, principalmente, do sustento do investimento público, durante
a crise, foi dissipada de maneira quase imediata após sinais de recuperação da
economia e houve a reabilitação da estrutura de rigidez que vigora desde 1999.
Nesse contexto, é crucial recuperar a discussão a respeito do dever da política
fiscal na determinação da dinâmica da demanda incorporada presente no de-
bate keynesiano, que perdeu força e centralidade no debate econômico. E essa
visão é importante não só para o Brasil, mas para outros países, em especial, os
componentes da União Europeia. Lá, porém, ganha espaço o questionamento
sobre a eficiência do ajuste fiscal em período de crise, enquanto aqui a perspec-
tiva prevalecente parece ainda desprezar os resultados endógenos do próprio
ajuste fiscal sobre o curso da dívida/PIB, uma vez que o ajuste colide diretamen-
te com a demanda agregada e o crescimento econômico (o denominador desta
relação). São muito importantes os impactos do consumo do governo, que en-
globa a manutenção de serviços fundamentais a uma sociedade em desenvol-
vimento como a brasileira. Igualmente fundamental é o efeito multiplicador
do investimento público sobre o consumo e investimento privado e, portanto,
sobre o crescimento econômico. A política fiscal deve ser baseada numa admi-
nistração coerente do orçamento corrente e de capital. Especialmente, a políti-
ca fiscal deve estar assentada no aumento do gasto e investimento público, que
impulsionam o consumo e investimento privados e, simultaneamente, contri-
bua para a introdução de mudanças fundamentais na economia. É fundamen-
tal, portanto, a revisão da estrutura de política fiscal posto em prática no Brasil
para garantir o crescimento sustentado de nossa economia.

108 • capítulo 4
5
A Reforma do
Estado
5.  A Reforma do Estado
5.1  O processo de privatização no Brasil

5.1.1  Introdução

Entre 1991 e 2001, o governo brasileiro encaminhou ao setor privado a admi-


nistração de mais de cem empresas estatais e participações inferiores em diver-
sas companhias. Estes leilões produziram US$67,9 bilhões em recursos, mais
US$18,1 bilhões em dívidas transferidas aos compradores, estabelecendo um
dos maiores programas de privatização do mundo. O governo vendeu US$6
bilhões em ações de companhias que ficaram como estatais, adquiriu US$10
bilhões em novas concessões de sistemas públicos ao setor privado, e US$1,1
bilhão por meio da venda de participações acionárias do Banco Nacional de De-
senvolvimento Econômico e Social (BNDES) em empresas privadas. Apesar das
suas proporções, o programa brasileiro de privatizações tem recebido pouca
consideração da literatura acadêmica. Um levantamento recente, considerou
que o programa brasileiro “deverá permanecer muito influente”, em virtude da
sua escala e ao tamanho do país. Porém esse levantamento não faz menção a
nenhum estudo exclusivo sobre o programa brasileiro de privatização. Na lite-
ratura nacional sobre privatização e funcionamento das estatais, ressaltamos
três estudos. O primeiro mostrou uma avaliação total do desempenho das es-
tatais federais no período 1981-94, antes da privatização. Esta análise mostra
números decepcionantes, tanto em termos de lucratividade quanto de dividen-
dos recebidos pelo Tesouro. No decorrer de todo o período, a taxa de lucros em
referência ao patrimônio líquido foi negativa, −2, 5%, em média. Além do que,
de 1988 a 1994, anos para os quais os dados estavam acessíveis, os dividendos
foram de somente 0,4% do valor das ações de propriedade do governo federal. O
segundo estudo destacou que uma das causas para o desempenho precário foi
a política salarial das estatais. Seus dados incorporavam salários e outras parti-
cularidades individuais dos trabalhadores, conquistados de formulários preen-
chidos anualmente pelas firmas, conforme imposição legal. O autor comparou
as remunerações dos trabalhadores em pares de empresas privadas e estatais,
de tamanho aproximado e dentro de uma mesma área. Depois de eliminar os
diferenciais o resultado das diferenças em educação, idade, gênero, experiên-
cia, encontrou desigualdades significantes em interesse dos trabalhadores das

110 • capítulo 5
estatais. O terceiro estudo compara o funcionamento de 50 estatais antes e de-
pois da privatização, utilizando dados até 1994. Os elementos de demonstra-
ções financeiras foram complementados por questionários preenchidos pelas
empresas a pedido do BNDES. O estudo envolveu oito variáveis: vendas líquidas,
lucro líquido, patrimônio líquido, investimento, investimento fixo, número de
empregados, endividamento e um índice de liquidez. Dessas variáveis, foram
derivadas outras seis para medir competência: vendas e lucro por empregado,
a taxa de retorno na forma de lucro sobre vendas e sobre patrimônio líquido, e
a propensão ao a investir, tanto em associação às vendas como ao patrimônio.
Nenhum monitoramento foi feito para as flutuações macroeconômicas, resul-
tados de agências regulatórias e listagem em bolsa. A dedução é que a privatiza-
ção amplia a produção, a competência, a lucratividade, a tendência a investir, e
melhora os indicadores financeiros das firmas.

5.1.2  Avaliação das Privatizações no Brasil

O método de privatização no Brasil, embora só tenha ganhado impulso real a


partir do governo Collor, tem suas raízes no começo dos anos 80, com a ela-
boração, em 1981, da Comissão Especial de Desestatização. A era Pré-Collor
(1981-89) foi marcada essencialmente pela "reprivatização" de empresas esta-
tizadas involuntariamente, por causa da inadimplência do setor privado unido
às instituições financeiras públicas. Para se restituir de parte dos recursos in-
vestidos no setor privado, na situação da política de fomento da década de 70,
o Estado foi obrigado a contrair o controle de empresas dos mais diversos seto-
res da economia. Assim, a privatização que se começou nos anos 80 objetivava
retornar à iniciativa privada, firmas que passaram para as "mãos" do Estado
de maneira quase que compulsória, em diferentes setores. A partir do Governo
Sarney, observa-se uma tentativa de dilatar o propósito do Programa Nacional
de Desestatização (PND), em especial com a criação do Programa Federal de
Desestatização, em 1988. Foram realizadas mudanças no programa em nível
operacional, como a transmissão do controle estatal por meios de leilões em
bolsa e com possibilidade de financiamento do BNDES. Em contrapartida, o
processo de privatização não foi para frente, principalmente em função da au-
sência de suporte político para tanto. Na verdade, não houve um conflito mí-
nimo por parte da sociedade civil, nem um engajamento mais decisivo, tanto
por parte do Executivo quanto do Legislativo. Dessa forma, no período 1981-89,

capítulo 5 • 111
foram vendidas 38 empresas, na sua maior parte de pequeno porte, tendo sido
arrecadados fundos somando pouco mais de US$ 700milhões.
Mesmo que o Governo Collor tenha herdado o modelo institucional de
privatização dos anos 80, a nova etapa que se iniciou difere suficientemente
da anterior. O Programa Nacional de Desestatização (PND) foi lançado como
uma peça primordial de ajuste fiscal, num contexto mais extenso de reformas
do Estado. Nessa lógica, o Programa passou a assumir particularidades mui-
to mais extensas e a ter como mira a privatização de empresas tradicionais do
setor produtivo estatal. Uma discussão no Congresso começou como emissão
de medida provisória (MP) convertida na Lei n:8.031, de 12 de abril de 1990,
que elaborou o PND, seguida de posteriores modificações através de projetos
de lei e outras medidas provisórias emitidas ao Legislativo. A operacionalização
do programa ficou ao encargo do BNDES, enquanto o administrador do mes-
mo ficou sob responsabilidade de uma comissão diretora. Diferente da fase
anterior, os ministérios aos quais as empresas estatais contidas no Programa
eram vinculadas ficaram fora do processo. Apoiado na venda bem-sucedida da
USIMINAS, em outubro de 1991, o Programa passou a ter uma dinâmica par-
ticular, embora em ritmo muito mais demorado do que o esperado. As priva-
tizações centralizaram-se nos setores livres de obstáculos de ordem legal e de
menor força política, como siderurgia, petroquímica e fertilizantes. Com a che-
gada do Governo Itamar, o Programa passou por uma fase de questionamento
e de incertezas, ficando praticamente estático entre outubro de 1992 e março
de 1993. Algumas questões do Programa foram corrigidas através da edição de
novos decretos de normalização da legislação e por medidas provisórias, embo-
ra as alterações não tenham sido profundas. O compasso das privatizações no
Governo Itamar na realidade continuou o mesmo do Governo Collor, seguindo
o método anterior.
Dessa maneira, o Programa Nacional de Desestatização (PND) abreviou-se,
basicamente, à privatização de empresas por meios de leilões públicos, ten-
do como apreensão básica o saneamento financeiro do domínio público. Na
sua estratégia, o Programa não cogitou qualquer orientação de política indus-
trial, reestruturação do parque situado e / ou incentivo aos investimentos pro-
dutivos. Partiu-se do começo de que a gestão privada seria mais competente
e de que a venda das empresas ao setor privado, segundo a lei da oferta e da
procura em leilões, se responsabilizaria de obter os resultados positivos es-
perados. Destaca-se que em nenhum momento houve um esclarecimento de

112 • capítulo 5
justificativas de ordem econômica para a escolha de determinado setor ou em-
presa a ser privatizada. Na realidade, a linha de desempenho seguiu a lógica
de acrescentar no Programa as empresas estatais de áreas em que não havia
qualquer obstáculo legal para sua privatização, como siderurgia, petroquímica
e fertilizantes. A estratégia utilizada de privatização de empresas e setores com
menor carga de impedimentos jurídicos institucionais explica a preferência do
setor siderúrgico para se deslanchar o Programa. A escolha pelo início da pri-
vatização do setor pela USIMINAS teve como motivação essencial criar um fato
político fundamental com a privatização de uma empresa estatal competente
e de grande porte, de maneira a romper com os programas de desestatização
dos anos 80.
Em resumo, a preocupação fundamental dos gestores do Programa (BNDES
e Comissão Diretora) prendeu-se ás questões relacionadas à fixação do preço
mínimo de venda das empresas e da cesta de moedas de privatização, planejan-
do ao maior abatimento possível da dívida pública federal. Ao mesmo tempo, a
maior parte das críticas ao Programa acabaram da mesma forma por se centra-
lizarem nesses mesmos aspectos.

5.1.3  Resultados Obtidos

Até março de 1994, foram incorporadas 66 empresas estatais no Programa Na-


cional de Desestatização, sendo que 25 destas foram privatizadas. A maioria
das empresas incluídas pertenciam às áreas de siderurgia, petroquímica e fer-
tilizantes. As outras empresas eram de vários outros setores, ressaltando-se o
Lloyd (transporte marítimo), a EMBRAER (aeronaves), Cobra (computadores),
bem como outros empreendimentos industriais, cujo administração foi assu-
mido pelo BNDES. Foram também incorporadas à lista de empresas a serem
privatizadas algumas do setor de serviço público, como a Light, a Escelsa (dis-
tribuição de energia elétrica) e a RFFSA (transporte ferroviário).
Das empresas privatizadas, oito faziam parte da área de siderurgia, nove da pe-
troquímica, quatro de fertilizantes e quatro de outras áreas. O número de empre-
sas privatizadas e os valores recebidos ficaram muito abaixo das perspectivas ini-
ciais (previsão de US$17 bilhões em 1990-91). A totalidade das vendas situou-se em
US$7 bilhões no período 1991-94, metade desses fundos arrecadados no Governo
Collor e metade no Governo Itamar. O resultado inferior ao esperado inicialmente
pode ser creditado a uma série de problemas enfrentadas pelo Programa, dentre

capítulo 5 • 113
elas: ações judiciais, presença de acordos de acionistas taxativos à alienação das
empresas, obrigação de saneamento adiantado das empresas, bem como relutân-
cias políticas à privatização. O Programa foi também agravado pela demanda por
ações das estatais menor do que se previa, em função do panorama de recessão e
da retomada da inflação, decorrentes do fracasso do Plano Collor I.

5.1.4  Impactos da Privatização Sobre a Dívida Pública

Com a Lei n: 8018, de 11 de abril de 1990, foram desenvolvidos os Certificados


de Privatização (CPs), títulos de emissão do Tesouro Nacional, que se tornaram
a principal ferramenta para a compra de empresas privatizadas na esfera do
PND. As organizações financeiras e entidades de previdência privada, segurado-
ras e sociedades de capitalização passaram a ser forçadas a obter esses títulos,
considerados "biodegradáveis", pois seu valor de faces só era corrigido comple-
tamente até a primeira oferta de ações de empresa pública. Dessa maneira, os
CPs tinham a função de encaminhar recurso sem moeda corrente para o Tesouro
Nacional e, ao mesmo tempo, de realizar uma transferência compulsória para
a União de recursos originários das instituições financeiras, dentro da visão de
que esse setor poderia colaborar para o Programa, pois era o que mais havia se
favorecido do processo inflacionário da economia brasileira. Forçava, também,
a geração de uma "demanda cativa" para os leilões de privatização, o que autori-
zava a venda das empresas além do preço mínimo fixado. Porém, com a pressão
política da área financeira, em setembro de 1991, o Governo articulou, passando
a aceitar que a obtenção de GPs fosse totalmente realizada por intervenção de
créditos vencidos ligado à União e aos órgãos da Administração Pública Federal.
Essa decisão, tomada precisamente quando o sistema financeiro resgatava seu
entusiasmo e rentabilidade, até pela volta da inflação, simulou, em verdade, uma
contradição com o próprio objetivo de geração dos CPs, já que impossibilitou,
na prática, a arrecadação de recurso sem moeda corrente e diminuiu a demanda
potencial pelas ações das firmas ofertadas em leilão.
Paralelamente, o Governo abraçou uma estratégia de formação e expansão
de uma cesta de moedas, constituída de dívidas vencidas securitizadas, para
ser usada nos leilões de privatizações. Segundo informações da Secretaria
do Tesouro Nacional, o estoque de moedas para a privatização totalizou US$
47,8 bilhões, em março de 1994, dos quais US$ 7 bilhões foram usados no
PND. As moedas mais usadas nas vendas de empresas foram as seguintes:

114 • capítulo 5
debêntures da SIDERBRÁS, 20,2%, GPs, 18,4%, Obrigações do Fundo Nacional
de Desenvolvimento, 8,5%, dívidas securitizadas da União, 34,7% e Títulos da
Dívida Agrária (TDAs), 7,5%. Observa-se que, atualmente, existe um saldo dis-
ponível de moedas de privatização de cerca de US$ 40 bilhões. Como US$ 37,5
bilhões são referentes aos títulos da dívida externa, sobram somente US$ 3,3
bilhões de moedas domésticas livres, soma extremamente reduzida frente ao
valor das empresas incorporadas no Programa. Essa realidade levou ao desafio
para o Governo de aumentarem as moedas de privatização e, também, de atrair
o capital externo, que teve participação ridícula no processo, principalmente
em função da desvalorização de 25 %, imposto aos títulos da dívida externa para
a participação nos leilões. O uso de títulos da dívida pública no PND e a bai-
xa arrecadação de recursos monetários retrataram um dos principais pontos
de desaprovação ao Programa. Porém o certo é que a autorização para o uso
das moedas de privatização teve a sua utilidade, possibilitando a venda de uma
série de empresas que, de outra maneira, estaria envolvida. Em contrapartida,
o instrumento dos CPs, tal como criado originalmente, era bastante compe-
tente para arrecadar recursos financeiros sem dinheiro. Segundo notícias da
Secretaria do Tesouro Nacional, a parcela arrecadada em moeda corrente pela
venda de Certificados de Privatização, até setembro de 1990, atingiu US$ 366
milhões, montante próximo ao arrecadado em cruzeiros até hoje, mesmo con-
siderando as alterações promovidas no Programa pelo Governo Itamar, tendo
como objetivo ao aumento da arrecadação de recursos em moeda corrente.
Uma das maiores censuras ao Programa centrava-se na utilização extensa
de títulos do Tesouro, que estavam com uma desvalorização muito grande no
mercado, como os TDAs, e na sua utilização ao par nos leilões de privatização.
O visto de tais moedas pelo seu valor de face foi incentivado pela dificuldade de
o Tesouro Nacional anunciar sua situação de mau pagador e de arbitrar perdas.
De forma a deter parte do deságio das moedas, o Governo passou a estabilizar
um preço mínimo acima do valor de mercado. Se, por um lado, essa artimanha
resolveu parte do problema, de outro, prejudicou a transparência do processo,
em função da complexidade do público de identificar nitidamente os deságios
implícitos de cada título o valor de mercado da empresa e o diferencial emprega-
do no preço mínimo por conta do deságio. Com relação à variação das moedas
de privatização, é óbvio que, quanto mais títulos fossem passíveis de serem usa-
dos no Programa, maior seria a porção de moedas disponíveis e, em consequên-
cia, maior a rivalidade nos leilões e a possibilidade de atingir preços acima do

capítulo 5 • 115
mínimo fixado. Logo, a crítica de que a utilização de diferentes moedas impedia
os resultados do Programa não procede.
Convém destacar, entretanto, que o abatimento da dívida pública, objetivo
central do Programa, ficou muito aquém do esperado. Por outro lado, logo ficou
claro que a utilização de títulos do Governo não significava, na prática, o resgate
automático da dívida do Tesouro. Isto porque na maior parte dos casos o alienan-
te não era a União, mas, sim, empresas controladas por ela, como a Petroquisa,
a Petrofértil e o Banco do Brasil. Nesses casos, o que ocorria era a simples tro-
ca de participações acionárias do acionista controlador por títulos do Governo,
criando um problema sério no balanço daquelas empresas. Posteriormente, o
Governo editou medida provisória para viabilizar a troca desses títulos por outros
do Tesouro Nacional, com prazos de pagamento mais alongados.

5.1.5  Alterações no Programa

Com a mudança de Governo em outubro de 1992, o Programa Nacional de Deses-


tatização passou por um período de questionamentos e indefinições. O Governo
Itamar planejava fazer alterações no Programa, de modo a contornar as críticas
feitas e a torná-lo mais nítido. O Decreto n: 724, de 19 de janeiro de 1993, alterou
e estabilizou a regulamentação da Lei n: 8.031/90, que gerou o PND. Como não
foi modificada a legislação básica, as mudanças não representaram uma modifi-
cação essencial no Programa, mas, sim, na operacionalização de alguns de seus
mecanismos. Cabe notar que foi preservada a sistemática de utilização de títulos
e créditos vencidos como meio de pagamento nos leilões pelo valor de face, ape-
sar de desempenhar um dos pontos de maior controvérsia do Programa.
Em resumo, o Governo pretendeu apontar mudanças no sentido de refinar
os recursos arrecadados em moeda corrente, crescer o poder do Presidente da
República nas resoluções da Comissão e oferecer a canalização de recursos arre-
cadados para o setor social. Note-se, porém, que, a rigor, tais decisões poderiam
ser tomadas administrativamente, não precisando de decreto presidencial. O
aumento da intervenção presidencial estava assegurado na legislação pelo fato
de que a Comissão constantemente foi subordinada diretamente a ele, a defi-
nição de setores para a transferência de recursos da privatização pode e deve
ser feita no Orçamento da União, e o percentual de recurso sem dinheiro já era
determinado pela Comissão Diretora subordinada diretamente ao Presidente.
A medida mais enérgica de vedação à participação dos fundos de pensão foi

116 • capítulo 5
logo invalidada pelo Decreto n: 786, de março de 1993, dada a conclusão de que
o corte dos fundos de pensão das privatizações iria, na verdade, comprometer o
êxito dos leilões, por eliminar um comprador potencial importante.
O problema da realização da transferência de recursos continuou havendo,
pois ampla parte das vendas foi feita por empresas monitoradas pela União, e
não diretamente pela União, como já ressaltado. Para solucionar essa questão
e ainda realizar outras mudanças na legislação, o Governo publicou a Medida
Provisória n: 327, de 24 de junho de 1993, sucessivamente repetida até junho de
1994. A Medida Provisória aumentou a influência sobre o Programa Nacional de
Desestatização do Ministério da Fazenda, que passou a coordenar, supervisionar
e fiscalizar a sua realização, apesar de a Comissão Diretora permanecer subor-
dinada ao Presidente da República. Além disso, foi prevista a obrigação de con-
cordância prévia do Ministro da Fazenda, para que a Comissão Diretora pudesse
autorizar ajustes de caráter operacional, imprescindíveis aos processos de ven-
da. Na verdade, essas modificações evidenciaram a manutenção da mesma visão
adotada anteriormente, de contração do endividamento do setor público como
meta prioritária do Programa, apresentando o fato de que o Tesouro Nacional era
um dos principais responsáveis do processo de privatização. Outra modificação
importante referia-se à chance de o Presidente da República determinar as moe-
das de privatização por meios de decreto, isto é, sem a necessidade de consen-
timento legislativo, desde que atendidas certas convicções. Essa medida visava
permitir maior agilidade na definição dos meios de pagamento para privatização
e impedir as discussões na Justiça, que atrapalhavam o andamento do Programa.
Adicionalmente, a MP elevou o percentual para alienação de ações na esfera do
Programa a pessoas físicas ou a empresas estrangeiras de 40 para 100%, de ma-
neira a atrair o capital estrangeiro. Além disso a MP defendia o emprego da Nota
do Tesouro Nacional (NTN) para compra pelo alienante, com recursos obtidos
em moeda corrente, e permuta pelos títulos e créditos.
Dessa maneira, pretendia-se solucionar o antigo problema de recebimento
de títulos de privatização por alienantes, que não o Tesouro Nacional, que se
viam na eventualidade de manter tais ativos de baixíssima liquidez em carteira.
Tentou-se, igualmente, criar uma organização para possibilitar a transferên-
cia de recursos arrecadados com a privatização para programas prioritários do
Governo, por meios da aquisição da NTN pelo alienante com os recursos re-
cebidos em moeda vigente. Observou-se que, na prática, a obtenção da NTN
pelos alienantes seria compulsória. Se o mecanismo produzido proporcionava

capítulo 5 • 117
a transferência de recursos da privatização para outros programas, por outro
lado impossibilitava a utilização de tais recursos para consolidar o setor pro-
dutivo estatal. Foi modificada, ainda, a formação da Comissão Diretora, que
passou a ter 15 componentes, somente quatro representantes de órgãos da
Administração Federal de livre nomeação do Presidente da República, e os
outros aprovados, ou até mesmo escolhidos, pelo Senado Federal. Foi manti-
da, assim, uma estrutura bastante inchada e uma atuação de representantes
do Governo pouco significativa em termos relativos, o que poderia configurar
como um excesso de "democratismo", tendo em vista que o Governo era o maior
interessado, já que era o acionista majoritário das empresas a serem alienadas.
Tempos depois, o Governo anunciou a colocação, no PND, de participações so-
cietárias minoritárias, detidas pelas empresas da Administração Federal. O Decreto
no 1.068, de 2 de março de 1994, obrigava que as empresas monitoradas direta ou
indiretamente pela União depositassem no Fundo Nacional de Desestatização
tais participações minoritárias, à exclusão da BNDESPAR, do Banco do Brasil, do
Instituto de Resseguros do Brasil (IRB), de ações objeto de demanda judicial, até o
seu trânsito em julgado, e de participações minoritárias que forem consideradas
fundamentais à consecução do objeto social da empresa participante. Os fundos
arrecadados com a venda das participações minoritárias deveriam ser utilizados
na compra de Notas do Tesouro Nacional, série P, próprias para a troca de recursos
oriundos da privatização de empresas. A medida foi positiva, uma vez que propor-
cionava a centralização das resoluções sobre a venda das participações acionárias
da União, viabilizando a melhor administração da carteira de investimentos da
União. Nota-se, entretanto, que o Decreto coloca que, à exceção do IRB, as em-
presas poderíamos manter suas ações pelo período máximo de seis anos. Se essa
determinação fosse usada, as participações minoritárias em poder dos órgãos da
administração pública com esse período estourado teriam que ser vendidas de
imediato, o que causaria uma enxurrada de oferta de ações, diminuição de seu va-
lor de venda e consequente perda patrimonial para a União. Então, essa sentença
deveria ter sido tomada a nível administrativo, mas nunca explicitada por meio de
decreto. Complementarmente, o Governo publicou o Decreto no 1.092, de 21 de
março de1994, regulando o estabelecimento de acordos de acionistas ou a aprova-
ção de compromissos de característica societária das empresas públicas monito-
radas pela União à anuência preliminar do Ministério da Fazenda. A medida tam-
bém visava concentrar as decisões da União sobre suas participações acionárias e
havia concedido execução de uma política total para a administração da carteira

118 • capítulo 5
de investimentos da União. Foi tentado pelo Governo a inclusão de outras moedas
como instrumentos de pagamento para a privatização, em especial as dívidas so-
ciais. Porém o Congresso ofereceu enorme resistência, não aprovando o projeto de
lei que transformava as dívidas de empresas públicas com o Fundo de Garantia por
Tempo de Serviço (FGTS) em crédito com o mesmo fundo.

5.1.6  Privatizações após 1994

No ano de 1995, com base na MP n: 841 (19/01/95), foram introduzidas algumas


alterações significativas no controle do Programa Nacional de Desestatização
(PND). As decisões do programa que previamente eram tomadas pela Comissão
Diretora (CD), passaram a ficar sob o cuidado do Conselho Nacional de Deses-
tatização (CND), composto por ministros de Estado relacionados com o PND,
planejando agilizar a implantação das decisões. Além disso, as autorizações da
lei geral de concessões (Lei 8.987/95) e da lei que estabeleceu o novo regime de
concessões de serviços públicos (Lei 9.074/95) tornaram possível a inclusão dos
setores de infraestrutura e de serviços de utilidade pública no PND.
A partir de 1995, iniciou no Brasil a privatização dos serviços públicos com
foco para os setores de telecomunicações e energia elétrica. Ao inverso das priva-
tizações anteriores, no caso desses setores era fundamental que a venda dessas
empresas fosse acompanhada pelo esboço de um esquema apropriado de regu-
lação, sob pena de trocar uma situação de monopólio público por outra de mo-
nopólio privado. É fácil compreender a diferença entre as novas privatizações e as
efetuadas até 1995. Se o consumidor não estivesse contente com a qualidade ou
com o preço dos produtos de uma instituição siderúrgica, ele poderia obter os de
uma concorrente ou, no limite, importar aço. Já um consumidor residencial que
não estivesse contente com o serviço do fornecedor de energia elétrica não teria
a alternativa de mudança de provedor nem de apelar para a aquisição de energia
do exterior. Por sensibilizar o grande público e pela própria grandeza das empre-
sas, trataram-se de princípios, de um modo geral, mais demorados e sujeitos a
um estudo maior por parte da imprensa e da opinião pública em geral.
Esse período de privatização iniciou com o setor elétrico. Inicialmente, o
governo pôs à venda as duas empresas distribuidoras de energia de proprie-
dade do governo federal, pertencentes à holding Eletrobrás: Escelsa e Light. A
partir desse momento, passou para a investida de venda das quatro empresas
geradoras da mesmas Eletrobrás: Furnas, Eletrosul, Eletronorte e Companhia

capítulo 5 • 119
Hidroelétrica do rio São Francisco (CHESF). A dificuldade com o qual o governo
federal defrontou-se foi que essas instituições vendiam a energia para as com-
panhias de distribuição, de propriedade dos governos estaduais. A saída foi
privatizar inclusive as companhias de distribuição. No final, a quase totalidade
das empresas de distribuição foi privatizada, abrindo-se, dessa maneira, espa-
ço para a venda das unidades do grupo Eletrobrás. As dificuldades surgidas no
processo de privatização do setor elétrico fizeram com que a privatização das te-
lecomunicações, apesar de ter começado depois, acabasse antes do término do
setor elétrico, tendo sido concluída a privatização do setor no primeiro governo
do presidente Fernando Henrique Cardoso. Nas telecomunicações, o processo
começou pela venda das concessões da chamada "banda B" de telefonia celu-
lar, jornalisticamente denominada como "venda de vento", pela circunstância
de se estar leiloando apenas o direito de competição com as empresas públicas
que já atavam com telefonia celular. Em seguida, as mais de 25 empresas de do-
mínio estadual subsidiárias da holding Telebrás foram divididas em empresas
de telefonia básica e celular ("banda A"). Além disso, houve um reagrupamen-
to, com a criação de grandes empresas regionais de telefonia básica e celular.
Todas essas empresas, juntamente com a Embratel, foram vendidas em 1998.
A alegação de que as empresas privadas são mais lucrativas do que as esta-
tais, deve ser estudado com cautela. As empresas privadas expostas às forças do
mercado podem, de fato, usar o nível de lucros, como um sinal de eficiência, à
medida que a aquisição de lucros, efetivamente é o seu principal objetivo. No
que diz respeito à uma estatal, entretanto, outras finalidades também são im-
portantes e, muitas vezes, ultrapassam em importância as metas de lucro. No
caso brasileiro, por exemplo, ao longo do sistema de industrialização foi co-
mum a venda de produtos das estatais a preços subsidiados com a finalidade
de incentivar o desenvolvimento do setor industrial. Sendo assim, os possíveis
prejuízos mostrados pelas empresas estatais não mostrariam, necessariamen-
te, sua incompetência, mas sim uma opção política do governo. De qualquer
maneira, é uma questão em aberto se essa escolha política é a melhor do ponto
de vista da sociedade como um todo, indagação essa que tem sido feita pelos
defensores da privatização, com a alegação de que esta tem como objetivo, jus-
tamente, entre outras coisas, diminuir esse grau de arbítrio do governo.
Vários estudos acadêmicos tentaram mensurar comparativamente a eficiência
das empresas estatal e privada. O predomínio, porém, não autorizou uma opinião
conclusiva quanto à maior competência da empresa privada quando comparada à

120 • capítulo 5
estatal. Ainda que algumas análises tenham apontado uma ligeira superioridade
das empresas privadas sobre as estatais, o fato é que, de maneira geral, não há dife-
renças consideráveis de comportamento entre empresas públicas, privadas e priva-
tizadas quando expostas ao mesmo conjunto de regras e regulações. Acreditava-se
que empresas estatais de setores como transporte ferroviário, energia, metalur-
gia, telecomunicações e petroquímica poderiam ser eficientes, apesar de contro-
vérsias, colaborando de forma expressiva para o desenvolvimento econômico.
Empresas deste setor, contribuíram de forma significativa para o desenvolvimento
econômico no período de 1965/1970, por terem promovido a transformação da es-
trutura econômica depois de 1950. Estas aceleraram o processo de industrialização
elevando o nível de sofisticação técnica na economia gerando oportunidades de
investimento para a iniciativa privada. No que diz respeito a lucratividade, as esta-
tais estiveram sujeitas a controles de preços, da mesma maneira tiveram que atuar
nas áreas de capital mais intensivos da economia, o que poderia explicar o fato
de suas taxas de atratividade sobre o investimento terem sido mais baixas do que
as adquiridas pelos setores privados em outras indústrias. É importante destacar
que nos casos em que a privatização parece ter levado ao aumento da competência
das empresas, houve dificuldade em distinguir entre as alterações decorrentes da
desestatização, daquelas resultantes dos sistemas paralelos de liberalização das
importações e desregulamentação do mercado interno, e do avanço do panorama
macroeconômico. Ou seja, se indagou se essas mudanças positivas nas firmas não
teriam acontecido mesmo que as firmas não tivessem sido privatizadas.
Estudos práticos podem mostrar que em áreas competitivas as empresas pri-
vadas são frequentemente mais eficientes que as estatais, enquanto em áreas oli-
gopolizadas a desigualdade é mínima. Essa conclusão é essencial, principalmen-
te, no que diz respeito, às áreas de utilidade pública marcadas por monopólios
naturais. Como não há garantia de que, sem disputa, a simples transferência de
propriedade para a área privada resulte em um aumento da competência, é pri-
mordial o estabelecimento de mecanismos eficientes de ajuste por parte do go-
verno. Quanto aos resultados notados após a privatização no Brasil, algumas aná-
lises apontam para melhorias nos principais indicadores empresariais. Segundo
um trabalho interno criado no âmbito do BNDES, que tratou das empresas nas
áreas de siderurgia, petroquímica e fertilizantes após a privatização, os resulta-
dos demonstraram para um aumento da produção, do faturamento, do investi-
mento, do lucro e da produtividade, com a contração do número de empregados.
Em relação especialmente ao setor siderúrgico, porém, o trabalho destaca o fato

capítulo 5 • 121
de que além da privatização, certamente outras causas contribuíram para a pro-
gresso do setor, como a liberalização dos preços e os acertos feitos nas empresas
anteriormente ao sistema de venda das mesmas.
Estudos tiveram por objetivo testar se houve ou não alteração de desempe-
nho nas estatais privatizadas. Sete variáveis foram escolhidas: o lucro líquido,
o patrimônio líquido, o investimento, o imobilizado, o número de funcioná-
rios, o endividamento e a liquidez corrente. Com base nestas variáveis, deriva-
ram-se outras seis, com a meta de medir a competência das empresas (vendas
e lucro por funcionário), sua rentabilidade (lucro sobre vendas e lucro sobre
patrimônio líquido) e a tendência em investir (investimento sobre vendas e in-
vestimento sobre o imobilizado). Quando possível, o conceito foi de confrontar
o desempenho das variáveis nos quatro anos seguintes à privatização com os
quatro anos anteriores à mesma. Geralmente, os resultados mostraram para
uma evolução do desempenho das empresas após a privatização. Os resultados
do sistema de privatização no período de 1991/2000 foram muito significati-
vos, atingindo mais de US$100 bilhões. A soma das receitas pelas vendas das
estatais foi de US$82 bilhões no período de 1991/00. Inclusive foi significativo
a soma total de dívidas transferidas, que no período, foi em torno de US$18 bi-
lhões. Vale destacar também o crescimento da entrada de investimentos exter-
nos diretos para a privatização, o que colaborou para o financiamento parcial
do déficit em transações correntes do Brasil durante alguns anos (figura 5.).
Em associação à participação setorial, os setores de energia elétrica e teleco-
municações mostraram a maior participação na totalização dos resultados da
privatização acumulados no período de 1991/2000 (figura 5.2).

10
8,8
9
8 7,1
7 6,1
6 5,2
5
4
3 2,6
2
1
0
1996 1997 1998 1999 2000

Figura 5.1  –  Elaboração própria a partir de dados do Banco Central.

122 • capítulo 5
Outros

Petroquímica
Energia Elétrica
Financeiro

Telecomunicações
Siderurgia

Mineração

Figura 5.2  –  Elaboração própria a partir de dados do BNDES.

O dever do programa de privatização e sua relação com a situação macroe-


conômica foram se alterando ao longo do tempo. Do começo dos anos de 1990,
quando, de fato, passou a ser uma das prioridades da política econômica, até
1996, o sistema de privatização funcionou sobretudo como um sinalizador de
um compromisso do Estado com as denominadas "reformas de mercado" que
isso representava. Em um contexto internacional de grande quantidade de ca-
pitais, isto significou um posicionamento vantajoso do país no universo dos
países emergentes, o que se repercutiu, na atração de um fluxo importante de
capitais, na forma de empréstimos. A partir de meados de 1997, contudo, a rea-
lidade se modificou. Em primeiro lugar, porque as somas arrecadadas com a
privatização, pela primeira vez, tornaram-se expressivas, em termos macroeco-
nômicos. Em segundo, porque com a crise asiática, a privatização obteve uma
"funcionalidade", conduzindo o governo a tentar ser diferente em relação a di-
versos países que tinham sido objeto de ataques abstratos ou eram potencial-
mente candidatos a isso. A privatização, nessa circunstância, passou a repre-
sentar uma espécie de "ponte para a estabilidade", autorizando ao país ganhar
tempo para tentar resolver seus dois enormes desequilíbrios, o déficit externo
e o fiscal. Ao reduzir a necessidade de obter recursos no exterior na forma de
empréstimos para o financiamento do déficit em conta corrente, a privatização
ajudaria, conforme o desejo do governo, para que o país passasse pela fase crí-
tica de fechamento parcial de mercado de capitais, após a redução de liquidez
internacional iniciada em 1997.

capítulo 5 • 123
5.2  O papel regulador do Estado

5.2.1  Intervenção do Estado na Economia

Conforme a Constituição da República, em seu artigo 173 e 174, existem dois


modos de intervenção do Estado na atividade econômica, na primeira, direta-
mente competindo com o mercado privado, nas ocorrências de expressivo inte-
resse público, e no segundo, o Estado somente administra as condutas relacio-
nadas à área econômica. A distinção entre intervencionismo direito e indireto
é importante para fixarmos uma primeira mensagem: a retirada do Estado do
exercício de uma atividade econômica não significa uma redução do interven-
cionismo estatal. Muito pelo contrário, tanto entre nós como em vários outros
exemplos podemos ver na experiência europeia, pode-se observar que a retira-
da do Estado do exercício direto da atividade correspondeu a um crescimento
da intervenção indireta do estado sobre a atividade privada. Numa outra manei-
ra de atuação do Estado na atividade econômica, visa-se estimular ou desesti-
mular alguns segmentos de atividades focadas à área econômica.
Os métodos intervencionistas se dividem em atuação na economia ou sobre
a economia. Na primeira hipótese, verificada quando a organização estatal se
assenhora da condição de sujeito da atividade econômica, tem-se:
a) atuação por absorção, retratada pelo controle, em regime de monopó-
lio, dos meios de produção quanto a determinado setor da economia;
b) atuação por participação, na qual aquela assume parcialmente, em con-
corrência com os demais agentes do setor privado, ou mediante a titularidade de
parcela do capital, o exercício de atividade empresarial. No particular da ação so-
bre a economia, podemos notar em primeiro lugar a atuação por direção, verificá-
vel quando o Estado passa a desempenhar pressão sobre a economia, estatuindo
normas de comportamento compulsório para os agentes econômicos. Em se-
gundo lugar a atuação por indução, a sobrevir quando o Poder Público dinamiza
instrumentos de ingerência em consonância com as leis diretoras do mercado.

5.2.2  Órgãos Administrativos Econômicos

O Banco Central do Brasil – BACEN é uma entidade administrativa reguladora


da economia de mercado e dono exclusivo do poder de enviar a moeda nacional
(artigo 164 da Constituição da República). Este banco que imprime as regras do

124 • capítulo 5
jogo econômico, decidindo a taxa dos juros aplicáveis ao mercado, motivando
a economia, fazendo-a reagir nos momentos de crise. O Conselho Monetário
Nacional –CMN é um órgão regulamentar do sistema financeiro nacional, gera-
do na reformulação do sistema pela lei 4.595/64. É presidido pelo Ministro da
Fazenda, sendo o Ministro do Planejamento o vice. O Comitê de Política Mone-
tária -COPOM que se reúne todo dia 21 para estudar as condições do mercado,
usando critérios para a política de juros praticada pelo país. Combina-se a taxa
Selic, que abrange o valor percentual que o governo paga por seus papéis, sejam
os juros quanto aos créditos e aos débitos. Os créditos são os juros que ele cobra
por seus empréstimos, e os débitos os juros que paga ao emprestar.
O Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social –BNDES, cuja
função é apoiar a nova estratégia nacional no desenvolvimento de maneira que
resulte maior integração social e contração das desigualdades, a sustentabili-
dade do crescimento econômico e o fortalecimento da autoridade nacional e
da integração regional, é outro órgão de enorme responsabilidade na política
econômica e social do país.

5.2.3  O Estado como explorador da atividade econômica

Autorizar que a livre iniciativa retarde algumas atividades vitais para o Estado,
sem controle, atrapalharia os princípios do bem comum. Instalaria uma inse-
gurança face as infraestruturas de serviços como saúde, educação, previdência,
enfim, pois cada um prestaria a seu modo, sem limites. Desta forma o Estado,
não permitiria que tais serviços pudessem ficar simplesmente relegados à livre
iniciativa, a fim de satisfazer necessidades ou comodidades do todo social, re-
putadas como fundamentais em dado tempo e lugar. O Serviço público pode
ser compreendido como uma atividade adotada pelo Estado onde são ofereci-
das utilidades materiais designadas à satisfação da coletividade em geral. Com
o passar dos tempos, o Estado percebeu que não dispunha de organização ade-
quada para a realização destas atividades tidas por essenciais. A partir daí co-
meçou a haver gestão na área reservada aos serviços públicos por particulares,
mediante contratos de concessão, permissão e autorização.
Compreende-se que em relação à enorme maioria dos serviços públicos,
não há obrigação do Estado de prestar tais serviços diretamente, podendo este
simplesmente patrocinar a prestação dos serviços pela concessão de seu exer-
cício a terceiros, através de concessão ou permissão. A exploração da atividade

capítulo 5 • 125
econômica realizada pelo Estado se dará através das empresas públicas ou pelas
sociedades de economia mista. A empresa pública é uma pessoa jurídica de di-
reito privado. Quando se fala que a empresa é pública não se refere ao seu regime
jurídico, mas sim ao caráter estatal da empresa (capital). Deve ser criada por lei
e é esta que deve indicar sua área de atuação. Estas empresas podem destinar-se
prestação de serviços públicos ou de atividade econômica. Desse modo, o Estado
pode atuar diretamente na economia, produzindo e comercializando tais bens,
como se fosse uma empresa particular. As sociedades de economia mista tam-
bém são pessoas jurídicas de direito privado, onde, no capital social da empresa,
figura como sócia uma organização dotada de personalidade de direito público.
A característica fundamental nestas empresas é o poder de controle junto ao
Estado, dono do maior número de ações ou cotas que dão direito de comando.
Conforme o artigo 3º do Código Tributário Nacional, um tributo é qualquer
prestação pecuniária compulsória, que não constitua sanção de ato ilícito, ins-
tituída em lei e cobrada mediante uma atividade administrativa plenamente
vinculada. A função primordial do tributo é carrear recursos financeiros para o
Estado. Porém, atualmente o tributo é amplamente utilizado com o propósito
de interferir na economia privada, estimulando atividades, setores econômicos
ou regiões, desestimulando o consumo de certos bens e produzindo, finalmen-
te, os efeitos mais diversos na economia. Esta é a função extrafiscal do tributo,
onde o Estado o utiliza como mecanismo de controle normativo de certas ativi-
dades econômicas.

5.2.4  O Estado como agente normativo e regulador da atividade econômica

Vale destacar o papel adotado pelo CADE (Conselho Administrativo de Defesa


Econômica), pela SDE (Secretária de Direito Econômica), pela ANATEL (Agência
Nacional de Telecomunicação), pela ANEEL (Agência Nacional de Energia Elé-
trica), pela ANA (Agência Nacional de Águas), pela ANVISA (Agência Nacional de
Vigilância Sanitária), pela ANS (Agência Nacional de Saúde), pela ANP (Agência
Nacional do Petróleo), pela ANTT (Agência Nacional de Transportes Terrestres),
pela ADA (Agência de Desenvolvimento da Amazônia), entre outros que poderão
ser empregados nos âmbitos Federal, Estaduais e Municipais. A função básica
das agências reguladoras é a intervenção do Estado no domínio econômico, ou

126 • capítulo 5
ainda, a promoção do desenvolvimento econômico sob o prisma do fortaleci-
mento da competição no setor privado da economia e da criação de procedimen-
tos de controle absolutamente claros e racionais. A função regulatória do Estado,
em frente das reformas realizadas nas estruturas administrativas, viabiliza maior
agilidade diante às atividades do setor privado, capacitando o Estado de se co-
mandar as atividades com fins econômicos ou que de certa maneira atingem a
economia de acordo com seu interesse - lê-se interesse coletivo e social.

5.2.5  Conselho Administrativo de Defesa Econômica - CADE.

O Conselho Administrativo de Defesa Econômica –CADE é uma agência ju-


dicante (dizer o direito nos casos de interesse econômico), criado pela Lei nº
4.137, de 1962. O CADE foi alterado pela Lei nº 8.884, de 1994, em autonomia
federal vinculada ao Ministério da Justiça, com sede e foro no Distrito Federal.
Nos termos do Artigo 7º da Lei 8.884/94 diz respeito ao Conselho, as seguintes
funções: (I) decidir sobre a existência de violação à ordem econômica e apli-
car as punições previstas em lei; (II) decidir os processos estabelecidos pela
Secretaria de Direito Econômico do Ministério da Justiça; (III) ordenar medi-
das que conduzam à interrupção de infração à ordem econômica, dentro do
prazo que determinar; (IV) validar os termos do acordo de cessação de prática
e do compromisso de desempenho, bem como indicar à Secretaria de Direito
Econômico (SDE) que fiscalize seu cumprimento; (V) solicitar dos órgãos do
Poder Executivo Federal e requisitar das autoridades dos Estados, Municípios,
Distrito Federal e Territórios as medidas básicas ao cumprimento desta lei; (VI)
solicitar ao Poder Judiciário a execução de suas resoluções, nos termos desta lei.
Importante autuação do CADE aconteceu na fusão das fábricas de cervejas
detentoras das marcas Brahma, Skol e Antártica, gerando a empresa AmBev
(American Beverage Corporate) em meados do ano de 2000. Com a união destas
empresas na AmBev (American Beverage Corporate), muito se discutiu sobre
um possível monopólio instaurado no país, tendo em vista que as três cervejas
referidas detinham cerca de 70% do mercado nacional. Assim sendo, é mais ou
menos por aqui que o Conselho e demais órgãos dedicados na função de fis-
calizar as práticas inclinadas a romper com o princípio constitucional da livre
concorrência devem agir.

capítulo 5 • 127
5.2.6  Secretaria de Direito Econômico - SDE.

A Secretaria de Direito Econômica – SDE é um órgão ligado ao Ministério da


Justiça, competindo-lhe dar cumprimento ao disposto nas Leis 8.884/94 e
9.021/95, atuando em coordenação com o CADE (Conselho Administrativo
de Defesa Econômica) na repressão das diretrizes aos princípios ligados a or-
dem econômica, esboçados na Constituição da República. Nos termos da Lei
8.884/94, em seu artigo 14, diz respeito à Secretaria de Direito Econômico –
SDE, as seguintes funções: (I) cuidar pelo cumprimento desta lei, fiscalizando
e acompanhando as práticas de mercado; (II) acompanhar, continuamente, as
atividades e práticas comerciais de pessoas físicas ou jurídicas que detiverem
posição predominante em mercado considerável de bens ou serviços, para pre-
venir violações da ordem econômica, podendo, para tanto, solicitar as informa-
ções e documentos necessários, sustentando o sigilo legal, quando for o caso;
(III) instalar processo administrativo para apuração e contenção de infrações
da ordem econômica; (IV) escolher medidas preventivas que conduzam à inter-
rupção de prática que constitua violação da ordem econômica, fixando prazo
para seu implemento e o valor da multa diária a ser adotada, no caso de des-
cumprimento; (V) melhorar estudos e pesquisas visando orientar a política de
prevenção de infrações da ordem econômica; (VI) ensinar o público sobre as
diversas maneiras de infração da ordem econômica, e as maneiras de sua pre-
venção e repressão.
No mais, a criação contínua de atos normativos completando as cláusulas
abusivas relacionadas no artigo 51 do Código de Defesa do Consumidor, ade-
quando a com a realidade presente, é um dos pontos de ênfase da atuação desta
Secretaria, nos termos dos artigos 9º e seguintes do Decreto nº 2.181/97.

5.2.7  Agência Nacional de Telecomunicação - ANATEL.

Esta agência é uma instituição integrante da Administração Pública Federal in-


direta, exposta a regime autárquico especial e ligada ao Ministério das Comu-
nicações, com a função de instituição reguladora das telecomunicações, com
sede no Distrito Federal, podendo indicar unidades regionais (artigo 8º da Lei
nº 9.472/97). Sua atividade consiste em impulsionar o desenvolvimento das te-
lecomunicações no País, de maneira a dotá-lo de uma moderna e eficiente in-
fraestrutura de telecomunicações, capaz de disponibilizar à sociedade serviços

128 • capítulo 5
adequados, variados e a preços justos, em todo o território nacional. Nos ter-
mos do artigo 19 da Lei 9.472/97, à agência compete utilizar as medidas essen-
ciais para o atendimento do interesse público e para o progresso das telecomu-
nicações brasileiras, agindo com independência, imparcialidade, legalidade,
impessoalidade e publicidade, e especialmente: (I) implantar, em sua esfera
de encargos, a política nacional de telecomunicações; (II) realizar e propor ao
Presidente da República, por intermédio do Ministro de Estado das Comunica-
ções, a utilização de certas medidas, submetendo antecipadamente a consulta
pública; (III) enviar normas quanto à permissão, prestação e uso fruto dos ser-
viços de telecomunicações no regime público; (IV) publicar atos de permissão
e extinção de direito de exploração do serviço no regime público; (V) praticar e
gerenciar contratos de concessão e supervisionar a prestação do serviço no re-
gime público, utilizando sanções e concretizando intervenções; dentre outras.
Muito se viu na evolução dos serviços de telefonia, segundo uma pesqui-
sa publicada em um importante jornal televisivo, datada de 11 de outubro de
2003, no corrente ano de 1992, próximo de 19% da população brasileira possuía
linha telefônica fixa. Nos dias de hoje, após a privatização desta área, o número
elevou para aproximadamente 68% da população, exceto os proprietários de te-
lefonia móvel - aparelhos de telefone celular. De fato, houve uma evolução com
a saída do Estado do setor telefônico, promovendo de maneira eficaz a justiça
social. A disputa entre as prestadoras fez com que as tarifas fossem diminuídas,
as tecnologias fossem trazidas e usadas e a qualidade do serviço melhorasse.

5.2.8  Agência Nacional de Energia Elétrica - ANEEL.

Estabelecida pela lei nº 9.427/96, autarquia de natureza jurídica especial, liga-


da ao Ministério de Minas e Energia, tendo por objetivo regular e supervisionar
a produção, transmissão, distribuição e comercialização de energia elétrica,
em acordo com as políticas e orientações do governo federal (artigos 1º e 2º da
supracitada lei). Nos termos do artigo 3º da lei nº 9.427/96, diz respeito à Agên-
cia Nacional de Energia Elétrica - ANEEL, as seguintes funções: (I) implantar as
políticas e orientações do governo federal para a exploração da energia elétrica
e a utilidade dos potenciais hidráulicos, expedindo os atos regulamentares es-
senciais ao cumprimento das normas determinadas pela Lei no 9.074, de 7 de
julho de 1995; (II) impulsionar as licitações designadas à contratação de con-
cessionárias de serviço público para produção, transmissão e distribuição de

capítulo 5 • 129
energia elétrica e para a autonomia de concessão para utilização de potenciais
hidráulicos; (III) realizar e conduzir os contratos de concessão ou de permissão
de serviços públicos de energia elétrica, de concessão de uso de bem público,
enviar as autorizações, bem como supervisionar, diretamente ou através de
convênios com órgãos estaduais, as concessões e a prestação dos serviços de
energia elétrica; (IV) impedir, no âmbito administrativo, as discordâncias entre
concessionárias, permissionárias, habilitadas, produtores livres e autoprodu-
tores, bem como entre esses agentes e seus consumidores.
Qualquer erro no setor energético nacional pode comprometer o equilíbrio
econômico do país, provocando o caos total, seja pela demissão em massa, seja
pela ausência de produtos industrializados no mercado para municiar os con-
sumidores que irão buscá-los lá fora, importando-os. Essencial uma política
eficiente para este setor, apto de conduzi-lo a modernidade, permitindo ao país
disputar de igual para igual com os países desenvolvidos.

5.2.9  Agência Nacional de Águas - ANA.

A Agência Nacional de Águas - ANA, autarquia sob regime especial, com liber-
dade administrativa e financeira, ligada ao Ministério do Meio Ambiente, com
a finalidade de implantar, em seu âmbito de atribuições, a Política Nacional de
Recursos Hídricos, incluindo o Sistema Nacional de Gerenciamento de Recur-
sos Hídricos, foi estabelecida pela lei nº 9.984/2000 (artigo 3º, desta lei). Nos
termos do artigo 4º da lei que gerou a agência das águas, o desempenho desta
agência seguirá aos fundamentos, objetivos, diretrizes e ferramentas da Políti-
ca Nacional de Recursos Hídricos e será desenvolvida em acordo com órgãos e
instituições públicas e privadas componentes do Sistema Nacional de Geren-
ciamento de Recursos Hídricos, cabendo-lhe: (I) fiscalizar, controlar e avaliar as
ações e atividades resultantes do cumprimento da legislação federal adequada
aos recursos hídricos; (II) formar, em caráter normativo, a implantação, a ope-
racionalização, o controle e a avaliação das ferramentas da Política Nacional de
Recursos Hídricos; (III) outorgar, por meio de autorização, o direito de poder de
recursos hídricos em corpos de água de domínio da União; ente outras.
A preocupação com a administração dos recursos hídricos é uma matéria
que ilustra na ordem do dia. Sabe-se que 70% da superfície do planeta Terra é
composta de água, porém somente 0,3% é potável, apta ao consumo. Tem-se
feito várias análises acerca do recurso hídrico mundial, mostrando que num

130 • capítulo 5
futuro próximo haverá falta de água em todas as regiões. Logo, toda e qualquer
interferência do Estado para controlar a má utilização da água, bem como edu-
cando as pessoas a respeito das medidas necessárias para a proteção do am-
biente, que, diga-se de passagem, vem mostrando os reflexos da péssima admi-
nistração dos recursos hídricos.

5.2.10  AGÊNCIA Nacional de Vigilância Sanitária - ANVISA.

Agência Nacional de Vigilância Sanitária -ANVISA foi gerada pela Lei nº 9.782,
de 26 de janeiro de 1999. É uma autarquia sob gestão especial, caracterizada
também pela independência administrativa, equilíbrio de seus dirigentes du-
rante a época de mandato e soberania financeira. A administração da ANVISA
é responsabilidade de uma Diretoria Colegiada, formada por cinco membros
(artigos 3º, parágrafo único, 4º e 9º a Lei nº 9.782/99). Na elaboração da admi-
nistração pública federal, a Agência está ligada ao Ministério da Saúde, sendo
que este relacionamento é ajustado por Contrato de Gestão. O objetivo insti-
tucional da Agência é motivar a proteção da saúde da população por meio do
controle sanitário da produção e da comercialização de produtos e serviços
submetidos à vigilância sanitária, também dos ambientes, dos processos, dos
insumos e das tecnologias a eles referentes. Além disso, a Agência desempenha
o controle de portos, aeroportos e fronteiras e a comunicação junto ao Minis-
tério das Relações Exteriores e instituições estrangeiras para tratar de assuntos
internacionais no setor de vigilância sanitária.

5.2.11  Agência Nacional de Saúde Suplementar - ANS.

Estabelecida pela lei nº 9.961/2000, a Agência Nacional de Saúde Suplemen-


tar - ANS, autarquia sob o regime especial, ligada ao Ministério da Saúde, com
sede e foro na cidade do Rio de Janeiro - Estado do Rio de Janeiro, com prazo
de duração ilimitado e com atividade em todo o território nacional, como ór-
gão de ajuste, normatização, controle e supervisão das funções que garantam
a assistência complementar à saúde. (Artigo 1º e parágrafo único, da supraci-
tada lei). Nos termos do artigo 4º da lei nº 9.961/2000, compete à ANS, dentre
outras atividades: (I) sugerir políticas e diretrizes gerais ao Conselho Nacional
de Saúde Suplementar - CONSU para o acerto do setor de saúde suplementar;
(II) determinar as características gerais das ferramentas contratuais usadas na

capítulo 5 • 131
atividade das operadoras (planos de seguro de saúde); (III) criar o rol de méto-
dos e eventos em saúde, que constituirão referência fundamental para os fins
do disposto na Lei no 9.656, de 3 de junho de 1998, e suas excepcionalidades;
(IV) fixar regras para as instruções de credenciamento e descredenciamento de
prestadores de serviço às operadoras; (V) determinar padrões e indicadores de
qualidade e de cobertura em auxílio à saúde para os serviços próprios e de ter-
ceiros ofertados pelas operadoras; (VI) determinar normas para reembolso ao
Sistema Único de Saúde – SUS.
Porém, o Estado não consegue, por si só, atender toda a população.
Consciente disso, permitiu-se ao particular, em caráter complementar, abaste-
cer os mesmos serviços, desde que considerados os princípios próprios à segu-
ridade social, bem como aos ligados à ordem econômica. Desta maneira, urge-
se na presença desta instituição no sistema de saúde nacional, que contempla
poucos detentores de poder econômico e elimina a grande maioria dos neces-
sitados, tornando possível não só o serviço público prestado por instituições
estatais como os prestados pelos particulares.

5.2.12  A Agência Nacional de Petróleo - ANP

A Agência Nacional do Petróleo - ANP é uma autarquia integrante da Adminis-


tração Pública Federal, ligada ao Ministério de Minas e Energia. Tem por objeti-
vo promover a regulação, a contratação e o controle das atividades econômicas
integrantes da indústria do petróleo, de acordo com o definido na Lei nº 9.478,
de 06/08/97, regulamentada pelo Decreto nº 2.455, de 14/01/98, nas orientações
emanadas do Conselho Nacional de Política Energética (CNPE) e em conformi-
dade com os interesses do País. Sua competência engloba, dentre outras: (I) im-
plementar, em seu âmbito de competências, a política nacional de petróleo e gás
natural, contida na política energética nacional, com foco na garantia do supri-
mento de derivados de petróleo em todo o território nacional e na segurança dos
interesses dos consumidores quanto a preço, qualidade e oferta dos produtos;
(II) estimular estudos tendo como objetivo à delimitação de blocos, para efeito de
concessão das funções de exploração, desenvolvimento e produção; (III) permitir
a prática das atividades de refinação, processamento, transporte, importação e
exportação, na maneira estabelecida nesta Lei e sua regulamentação. Importante
agência indicada a regular o setor energético petrolífero do país!

132 • capítulo 5
5.2.13  Agência Nacional de Transportes Terrestres - ANTT

A Agência Nacional de Transportes Terrestres - ANTT, instituição integrante da


Administração Federal indireta, expostas ao regime autárquico especial e liga-
das ao Ministério dos Transportes, tem sede e foro no Distrito Federal, podendo
colocar unidades administrativas regionais. (Artigo 21 da Lei nº 10.233/2001).
Nos termos do artigo 24 da Lei n.º 10.233 de 5 de junho de 2001, diz respeito
à esta agência, dentre outras: (I) estimular pesquisas e estudos característicos
de tráfego e de demanda de serviços de transporte; (II) proporcionar estudos
aplicados às definições de tarifas, preços e fretes, em confronto com os cus-
tos e os benefícios econômicos transferidos aos clientes pelos investimentos
realizados; (III) sugerir ao Ministério dos Transportes os planos de concessão,
instruídos por estudos próprios de possibilidade técnica e econômica, para ex-
ploração da infraestrutura e o fornecimento de serviços de transporte terrestre.
Importante aspecto de desempenho desta agência poderia ser na área dos
pedágios, que oneram o custo das viagens, do escoamento das produções, atra-
palha o crescimento de áreas da economia, causam ilhas econômicas, tendo
em vista a impossibilidade financeira de tentar encontrar outros mercados,
pois o preço do pedágio desencoraja a ida dos consumidores a outros cen-
tros comerciais.

5.2.14  Agência de Desenvolvimento da Amazônia - ADA

A Agência de Desenvolvimento de Amazônia - ADA, Autarquia Federal, ligada


ao Ministério da Integração Nacional, foi gerada pela Medida Provisória n°
2.157-5, de 24.08.2001, simultaneamente em que foi abolida a Superinten-
dência de Desenvolvimento da Amazônia – SUDAM (artigo 21 da supracitada
Medida Provisória). Agência tem sede e foro na cidade de Belém, estado do
Pará, com desempenho em toda a Amazônia Legal, integrada pelos Estados
do Acre, Amapá, Amazonas, Mato Grosso, Pará, Rondônia, Roraima, Tocan-
tins e a parcela do Estado do Maranhão que se situa a Oeste do Meridiano
44° de Longitude Oeste (artigo 2º da Medida Provisória 2.157-5/2001). O de-
sempenho da ADA obedecerá aos motivos, objetivos, diretrizes e ferramentas
da Política de Desenvolvimento Nacional Integrada e do Plano de Desenvolvi-
mento da Amazônia e será realizada em articulação com o Conselho Delibera-

capítulo 5 • 133
tivo para o desenvolvimento da Amazônia, órgãos e instituições públicas dos
governos federal, estaduais e municipais que trabalham na região e a socie-
dade civil organizada.
A missão desta agência é esboçar e promover ações estruturadas que in-
centivam o desenvolvimento justo e sustentável da Amazônia, bem como a
sua integração competitiva nos contextos nacional e internacional, plane-
jando à emancipação econômica e social do Amazônia. O ambiente é, sem
sombra de dúvida, o objetivo de maior cuidado das nações desenvolvidas. De
agora em diante, sabe-se da necessidade de um ambiente estabilizado, sadio,
voltado ao desenvolvimento sustentável da natureza. Em face disto, todos os
povos do mundo devem colaborar para um meio ambiente melhor, acessível a
todos, devendo todos tomar conta para que o desenvolvimento seja de forma
tal que possa assegurar o equilíbrio e a vida natural (fauna e flora).

5.3  A parceria público-privada

5.3.1  Introdução

Lei 11.079, de 30.12.04, decidiu juridicamente parceria público-privada (PPP) no


Brasil como um modelo de contrato de concessão. Sempre houve PPP no Brasil,
em particular em projetos assistenciais, no sentido da atuação privada sustenta-
da com recursos públicos. Possivelmente a denominação PPP devesse ter sido
preservada para todo o gênero, procurando-se nomes próprios para cada uma de
suas espécies, o que obrigará sempre um autor a esclarecer sobre que conceito
pretende tratar. Para as operações de cooperação financeira dos agentes finan-
ceiros públicos, a PPP será somente mais um dos muitos modelos de apoio, não
devendo modificar profundamente seu desempenho, a partir das experiências
com a concessão tradicional e com as ferramentas de “Project Finance”.
Combinando os dispositivos das Leis 8.987/95 (Concessões) e 11.079/04
(PPP), pode-se falar que, quanto a serviços contratados a particulares pelo
Estado (antecedidos ou não de obra pública), existem agora quatro modelos de
contratos de concessão: (I) a concessão habitual ou tradicional calcada em re-
ceitas auto suficientes e sem contrapartida do Estado; (II) a concessão habitual
ou tradicional com contrapartida do Estado complementar à receita; (III) a con-
cessão patrocinada com contrapartida do Estado, complementar à receita; (IV)
a concessão administrativa sem outra receita que não a do Estado.

134 • capítulo 5
A matéria sobre concessões, seja a habitual ou a PPP, deveria ser consolidada,
pelo menos do ponto de vista da ameaça de crédito e da elaboração das operações
financeiras. O ideal seria que uma mesma instituição estatal tratasse de conces-
sões habituais, patrocinadas ou administrativas, tirando proveito em todas o co-
nhecimento obtido caso a caso. Uma concessão patrocinada pode prever seu cres-
cimento para uma situação em que seja desobrigada a contrapartida do Estado,
sem deixar de estar regulada pela lei de PPP, ainda que passe a ser autossustentável.

5.3.2  Regulamentação da Lei de PPP

O que aconteceu no primeiro quadrimestre de 2005 permite supor que


um pequeno número de estados sejam os primeiros a divulgar seus editais de
PPP, criando os suportes das disputas judiciais e das estruturações financei-
ras a serem notadas no futuro. Essas primeiras propostas terão toda a atenção
da sociedade e não têm muito espaço político para erros, ainda que a lógica
seja que tenham os menores alívios, que só serão desenvolvidas com a expe-
riência. O Decreto 5.385/05 regulou a instituição responsável pela PPP federal.
O Comitê Gestor (CGP) guarda igualdade com outros órgãos de administração
colegiada existentes no Executivo brasileiro. É formado por representantes do
Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão, do Ministério da Fazenda
e da Casa Civil da Presidência da República, podendo ter convite a instituição
da área competente. As decisões serão por unanimidade e devem proporcionar
que não haja contestações nos patamares inferiores do serviço público. O CGP
deverá enviar resoluções sobre várias matérias, como a definição dos serviços
prioritários em regime de PPP, validar o Plano de Parcerias Público-Privadas
(PLP), disciplinar os métodos para contratação de PPP, consentir a abertura do
processo licitatório e autorizar o edital, bem como apreciar os relatórios de exe-
cução dos contratos e prestar contas ao Congresso Nacional e ao Tribunal de
Contas da União. O acompanhamento e o controle de cada licitação ficarão a
cargo dos ministérios e agências reguladoras pertinentes.

5.3.3  Premissas de uma PPP

A PPP em infraestrutura aplica-se a contratos de prestação de serviços asso-


ciados a projetos de investimento que atendam a vantagens da administração
pública, predefinidos como objeto de licitação de concessão. Nas publicações

capítulo 5 • 135
e contratos serão identificados os seus objetivos e as formas de medir sua rea-
lização. Esses projetos apenas serão especificados como PPP se não forem au-
tossustentáveis e exigirem, de modo necessário, o auxílio total ou parcial de
recursos orçamentários públicos, cujos pagamentos serão feitos de modo ex-
clusivo em função do atendimento de critérios acordados e contratados entre
as partes. Essa redação da lei de PPP no Brasil excluiu o medo de que todas
as concessões de serviços públicos só seduziriam interessados privados nessas
novas bases, esvaziando as formas sem garantias do Estado. Inclusive definiu o
tamanho das operações ao estabelecer limites a PPP, no alcance da lei, a proje-
tos idênticos ou maiores que R$ 20 milhões.
A Lei 11.079/04 identificou a PPP em dois tipos: concessões patrocinadas
(estradas, por exemplo), para projetos em que exista contrapartida do poder
público, e concessões administrativas (centros administrativos e presídios,
por exemplo), para projetos em que o Estado seja o cliente direto ou indireto
da concessão e responda de modo exclusivo pelo fluxo de pagamentos. A lei
eliminou do regime de PPP os contratos de obras públicas, que continuam
administrados pela Lei 8.666/93, e os contratos de concessão habitual (autos-
sustentáveis), que continuam administrados pelas Leis 8.987/95 e 9.047/95, as
quais, contudo, terão aplicação subsidiária nas operações de PPP. No Brasil, a
enorme necessidade de realização de investimentos em infraestrutura choca-
se com a pequena disponibilidade de recursos públicos para realizar desem-
bolsos e as limitações fiscais e orçamentárias, como demonstra a exigência
federal de integração do projeto de PPP no Plano Plurianual (PPA) de 2004/07.
Essa necessidade explica as novidades da legislação e os cuidados para que não
haja retrocessos.
Outra premissa, que vem sendo abandonada a um segundo plano no deba-
te público é a fundamental revisão econômico-financeira dos projetos. Todos os
projetos obrigam um colchão de fontes para cobrir esse acréscimo e uma tolerân-
cia nos prazos para cobrir indefinições e imprevistos. Essa premissa pode presu-
mir que haverá uma política de gestão dos contratos, dividida de preferência para
a tomada de decisões e respostas rápidas a pedidos de excepcionalidade. Outro
ponto que necessita de explicação é o emprego por alguns do conceito de “Private
Finance Initiatives” (PFI). Trata-se da nomenclatura oficial na Grã-Bretanha, que
incorpora não só a PPP, como inclusive as parcerias autossustentáveis.

136 • capítulo 5
Também vem sendo divulgada como vantagem da PPP o value for money
(VFM), que, grande rigor, é a medida da diferença verificada entre o que seria
fazer a mesma obra por meio do Estado ou de um particular contratado para
assumir suas ameaças e custos. É provável que possa existir um conjunto de va-
lor mensurável nos projetos, mas isso tem de ser feito de maneira quantitativa,
como, por exemplo, comparando-se os custos entre concessionárias públicas e
privadas. Observa-se que isso não sugere que a tarifa cobrada do usuário sairá
automaticamente mais barata pela utilização de uma PPP. Tomar como princí-
pio que todas as obras do setor público são mais caras que as do setor privado
não é uma verdade, principalmente com os inúmeros exemplos de obras entre-
gues a concessionários privados paradas ou com superfaturamento citado em
tribunais de contas. Assim, o eventual VFM terá de ser analisado empiricamen-
te caso a caso, pois depende da existência de real disputa entre os construtores
e da competência de fiscalização do Estado para não possibilitar uma sobreva-
lorização possível nesse tipo de obra.
Outro aspecto de economias emergentes é a insegurança quanto ao mar-
co regulatório e a fiscalização de custos, sujeitos as crises nos câmbios com
desvalorização da moeda nacional. Nesses dois casos a iniciativa privada tem
ferramentas tanto de pressão parlamentar como financeiros de hedge de que
o setor público não possui. Além disso, é preciso também relacionar algumas
premissas aceitas como verdadeiras na literatura estrangeira sobre economias
como a nossa.

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