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Relações de gênero e violência

Larissa Pelúcio

Pedro Henrique, casado com a socióloga Malu, exalta-se durante uma discussão
com a esposa e defere-lhe um tapa. Malu, ao se recuperar, ergue-se e o desafia a bater
mais. “Bate, bate bastante! Mata! Porque é a última vez que você coloca a mão em mim”.
A cena se desloca do casal para o quarto da filha adolescente, que se encolhe na cama,
amedrontada. Este pequeno fragmento da minissérie Malu Mulher, que foi ao ar entre
1979 e 1980, diz muito sobre as mudanças sociais que a sociedade brasileira passava
naquele momento. A postura de Malu diante da agressão, o posterior “desquite”, sua vida
profissional sendo tematizadas em uma minissérie veiculada pela Rede Globo, era,
certamente, um indicador inconteste destas mudanças.
Em 1977, apesar da influência da igreja Católica naquele momento, o divórcio foi
aprovado no Congresso Nacional com grande repercussão midiática.
Academicamente assistíamos uma crescente produção dos estudos sobre violência
contra mulheres, contemporâneos à discussão travada durante à Constituinte de 1987,
culminando com a Constituição de 1988. Com a abertura politica, iniciada em meados da
década de 1970, a censura tornava-se mais branda, o que possibilitou a veiculação de
produtos culturais como a citada série da TV Globo, na qual se falava em violência contra
a mulher e era retratado o dia a dia de Malu. O sucesso da série leva à criação do Programa
matutino diário TV Mulher, que estreou em 1980, com quadros sobre diretos, saúde,
sexualidade, este último apresentado por Marta Suplicy, conhecida à época como
sexóloga. Ainda nos anos de 1980, são criadas as Delegacias da Mulher e, no mesmo ano,
1985, surge “o Conselho Nacional dos Direitos da Mulher (CNDM), subordinado ao
Ministério da Justiça, com objetivo de eliminar a discriminação e aumentar a participação
feminina nas atividades políticas, econômicas e culturais” (Portal Brasil, 2017).
Cecília Macdowell e Wânia Izumino (2005, p. 148), situam aquele momento de
produção acadêmica elencando, esquematicamente, três vertentes teóricas de abordagem
do tema que relaciona violência e gênero, de fato, o termo mais usado então era “mulher”.
A primeira delas seria a chamada de dominação
masculina, a qual

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define violência contra as mulheres como expressão de dominação da
mulher pelo homem, resultando na anulação da autonomia da mulher,
concebida tanto como “vítima” quanto como “cúmplice” da dominação
masculina; a segunda corrente, que chamamos de dominação patriarcal,
é influenciada pela perspectiva feminista e marxista, compreendendo
violência como expressão do patriarcado, em que a mulher é vista como
sujeito social autônomo, porém historicamente vitimada pelo controle
social masculino; a terceira corrente, que nomeamos de relacional,
relativiza as noções de dominação masculina e vitimização feminina,
concebendo violência como uma forma de comunicação e um jogo do
qual a mulher não é “vítima” senão “cúmplice”.

Macdowell e Izumino identificam na produção analisada uma maior tendência a


tratar mulheres como vítimas, seja por serem sujeitas e sujeitadas por um sistema que
polariza opressores e oprimidas, cúmplices da própria opressão ideologicamente
constituinte da relação; seja porque o patriarcado as fez não-sujeitos, despotencializando-
as para a ação ou reação contra as iniquidades e violências das quais são alvo. Fato é que,
na análise de dados empíricos que se avolumam, algumas questões conceituais se
impuseram, exigindo maior refino conceitual. Nas palavras das autoras

embora esses trabalhos desenvolvam conceitos sobre violência contra as


mulheres, pecam por uma imprecisão terminológica, não fazendo nítida
distinção entre os termos “violência contra as mulheres”, “violência
doméstica” e “violência familiar”, os quais acabam sendo utilizados
como sinônimos. (Idem, p. 150).

Estas questões conceituais não são menores, nem se trata de caprichos


acadêmicos. Ao contrário, derivam de intensas reflexões teóricas que atravessam
diferentes campos discursivos. Naquele primeiro momento, violência doméstica e
violência contra a mulher são expressões estreitamente associadas, correndo-se o risco de
vincular “a defesa das mulheres na defesa da família” (DEBERT; GREGORI, 2008, p.
166).
Miriam Grossi (2000) defende a expressão “violência contra a mulher” justamente
por esta ter tido alcance para além dos debates acadêmicos, bem como por alargar o
espectro das agressões para além do casal heterossexual, bem como do âmbito do lar.

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Argumenta que a expressão se popularizou a partir da visibilização de casos de agressões
físicas e, mesmo, assassinatos de mulheres, de maneira a provocar debates públicos que
tiram a violência justificada por “amor” do âmbito privado. Foi emblemático, neste
sentido, o caso Ângela Diniz, mulher jovem, considerada bonita, proveniente da elite
mineira que foi assassinada por seu namorado, Doca Street, em 1976. O caso repercutiu
grandemente, dividindo opiniões, fomentando campanhas como “quem ama não mata”,
levando à quase inédita condenação do réu confesso.
Os refinos conceituais virão da reflexão crítica dos feminismos, bem como a
adesão terminológica passará a marcar filiações teóricas específicas. O conceito de
gênero, com seu potencial relacional e construcionista, torna-se uma categoria de análise
fundamental para se pensar as relações assimétricas entre homens e mulheres. “O uso da
categoria gênero introduz nos estudos sobre violência contra as mulheres uma nova
terminologia para se discutir tal fenômeno social, qual seja, a expressão ‘violência de
gênero’” (SANTOS; IZUMINO, 2005, p. 148).
Eliete Safiotti, talvez, tenha sido a primeira feminista brasileira a empregar a
expressão violência de gênero, porém, trabalhou o conceito dentro dos marcos
“patriarcado”, tratado como sistema de opressão que socializa homens para opressão de
mulheres. Ainda que Safiotti considere raça e classe nessa definição, afirmando que os
homens brancos e ricos são os principais beneficiados pelo patriarcado, a forma como
opera o conceito sugere e pressupõe “papéis sociais” rígidos, condicionados
culturalmente pelas diferenças biológicas entre o homem e a mulher. Sendo o primeiro
agente da dominação que sujeita mulheres, deixando pouco ou nenhum espaço para
considerar que estas também têm agência. O poder aqui é percebido como força vertical
e não como elemento estruturador de relações, as resistências não são consideradas como
ações que compõem o poder.
Os dados empíricos recolhidos por diversas pesquisadoras mostram que há uma
dinâmica de negociações articulada por posições hierárquicas de gênero que estão para
além das cenas domésticas, uma vez que organizam as relações sociais, coletivas,
portanto, a partir de referentes generificados. Como teorizou Joan Scott (1995, p. 11)
“gênero é uma forma primeira de significar as relações de poder”.
Discutir gênero e violência nos obriga a pensar como micro e macro se
interpenetram e se condicionam mutuamente. Na relação entre Estado e família; o jurídico
e o doméstico o pessoal e o político se implicam, e têm levado muitas pesquisadoras e
pesquisadores a pensar como certas práticas discursivas operam na naturalização dos

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lugares de gênero, na biologização das relações atribuindo-se, por exemplo, à testosterona
os impulsos sexuais e violentos dos homens e à maternidade o cuidado e o zelo das
mulheres em relação aos filhos e ao próprio companheiro. O que significa em termos de
representações de gênero, que nos anos posteriores à instalação de Delegacias de Defesa
das Mulheres as queixosas não mobilizassem a categoria violência na articulação das
queixas como mostram estudos etnográficos realizados à época?
Quais são os nexos entre amor e violência? Intimidade e agressão? Perguntas que
ecoam quando nos deparamos com dados sobre assassinatos de mulheres na América
Latina e no Brasil. Quando dados internacionais (1999) mostram que “mais da metade de
todas as mulheres assassinadas no Brasil foi morta por seus parceiros íntimos (HEISE
apud MEDRADO; MÉLLO, 2008, p. 80).
Apesar das inegáveis contribuições das pesquisadoras que trabalharam a partir do
paradigma do patriarcado, é com a influência do conceito de gênero entre acadêmicas
feministas brasileiras, no início dos anos de 1990, que a expressão “violência de gênero”
passa a ser operacionalizada de forma mais heurística. A categoria “mulher” é
problematizada, pois tendia a cristalizar posições binárias como a de “vítima” e
“agressor”, além de nublar outros marcadores como pertencimento de classe, geracional
e singularidades relativas à raça, etnia e regionalidades.
Considerando que gênero é um modo de regulação social e produção de diferenças
e hierarquias adoto a expressão “violência de gênero” por considerar que o ato violento
tem por motivação as representações coletivas de gênero, atingindo mulheres assignadas
como tal ao nascimento, bem como homens tidos como femininos, homens transexuais,
mulheres transexuais e travestis. Em todos esses casos, no entanto, é a associação dessas
pessoas com atributos tidos como femininos que tende a motivar e, até mesmo, justificar
a agressão e/ou o ato violento. Desta forma, seria produtivo alargar as noções de
feminilidade e corpo. Bem como tratar o problema para além do espaço doméstico.
Antes de caminhar nesta proposta, deter-me-ei na apresentação e
discussões/disputas em torno destas discussões a partir do início deste milênio, tomando
como marco temporal a sanção da Lei Maria da Penha.

Pessoal, político e violento

De qualquer modo, mesmo com conotação universal e um tanto


essencialista, o movimento feminista tornou pública uma abordagem

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sobre conflitos e violência na relação entre homens e mulheres como
resultante de uma estrutura de dominação. Tal interpretação não estava
presente na retórica tampouco nas práticas jurídicas e judiciárias no
enfrentamento de crimes até a promulgação, em 2006, Lei n. 11.340.
(DEBERT; GREGORI, 2008, p. 168).

A Lei 11.340/06, conhecida popularmente como Lei Maria da Penha, tornou-se


um marco na luta contra a violência doméstica e contra mulheres no Brasil. Legislação
específica para violência doméstica e familiar contra as mulheres, a referida lei foi
resultado de décadas de lutas pelos direitos e construções de formas de pensar em que os
pactos entre os estados e nações, de que o país participou, desempenharam papel
importante (AQUINO, 2009). O país já vinha como signatário de documentos
importantes neste sentido, mas a implantação de políticas de promoção da igualdade de
gênero e raça se intensifica no início dos anos 2000, “juntamente com um conjunto de
diretrizes que deveriam orientar as práticas de gestão, em especial as noções de
transversalidade e intersetorialidade” (AGUIÃO, 2017, p. ?), por meio da qual o Estado
pretende reconhecer que diferenças têm gerado desigualdade em diversas esferas
(trabalho, saúde, lazer, educação) alijando alguns sujeitos do campo dos direitos. Daí a
produção de programas e políticas direcionadas ao combate às desigualdades e à
promoção de direitos ocorridas nos dois governos Lula. O que não ocorre sem pressão de
grupos políticos específicos. No caso das mulheres, enquanto sujeitos políticos, trata-se
de luta que vem sendo empreendida desde o final dos anos de 1970, como brevemente
discutido mais acima. O que assistimos desde o final dos anos de 1990 e início do novo
século foi a tentativa de se consolidar um projeto democratizante no país, a partir da
aliança – e não tanto pelo confronto – entre setores da sociedade civil comprometidos
com o projeto participativo democratizante e o Estado (DAGNINO, 2004).
No que toca a discussão empreendida aqui, vale assinalar que entre 2003 e 2015
foram criados pelo Estado conselhos e secretarias específicas para tratar de temas
relativos às chamadas minorias, envolvendo questões de raça, gênero e sexualidade.
Tríade política que costuma ser percebida pelo senso comum como pertencente à esfera
íntima, mais afeitas a abordagens biologizantes do que como tema de políticas públicas.
Quer dizer, assistimos com esse movimento mais do que um projeto de governo ou
transformações no Estado brasileiro, mas reflexos de mudanças políticas que, por sua vez,
moldarão transformações sociais e culturais, ao longo dos primeiros 15 anos do século

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XXI. As quais acabaram por provocar ansiedades em alguns setores sociais, o que
alimentou pânicos sociais, nutridos por discursos conservadores que tomaram o “gênero”
como vetor político, que revela o medo de mudanças na ordem das relações entre homens
e mulheres e, sobretudo, da extensão de direitos a homossexuais, iniciada no início dos
anos 2000. Fala-se em ameaça à família (sem nunca ficar especificado de que modelo de
família se trata); na necessidade de proteger crianças das seduções à homossexualidade;
da importância dos “papéis” instituídos de gênero, mas pouco ou nada se diz sobre a
manutenção dos crimes contra mulheres, as agressões domésticas, o incentivo à violência
em meninos, levando a resultados estatísticos que associam mortes violentas ao gênero
masculino. Menos se fala, dos atos criminosos (nem sempre tratados como tal) contra
aqueles e aquelas que ousam caminhar pela linha fronteiriça dos binários de gênero.
Retomo, aqui, a discussão iniciada mais acima sobre as conexões entre o feminino
e a autorização, ainda que velada, à violação. Berenice Bento (2010) elenca questões que
sugerem, se não respostas, algumas reflexões sobre essa relação que se traduz em
estatísticas assustadoras e em um grande imbróglio para escaparmos de binarismos
reducionistas. Interroga-nos:

Qual a relação que estou tentando estabelecer entre a produção do


feminino e a questão das mulheres? Sugiro que ao se falar da mulher não
estamos esgotando a complexa questão feminina. As mulheres fazem
parte de um campo construído como inferior, mas não se pode derivar daí
o feminino como sinônimo de mulher, ou que a mulher engloba e esgota
o feminino. Esse lugar é parcialmente ocupado pelas mulheres
cromossomas XX. A violência contra os seres abjetos, frágeis,
identificados como femininos, não se limita à mulher. (Bento, 2010, p.
102).
Os dados estatísticos são expressivos nesse sentido. Segundo uma pesquisa da
organização não governamental ‘Transgender Europe’ (TGEU), rede europeia de
organizações que apoiam os direitos da população trans, o Brasil é o país onde mais se
mata travestis e transexuais no mundo. Entre janeiro de 2008 e março de 2014, foram
registradas 604 mortes no país. Muitas destas mortes, subnotificadas por certo, não
suscitam grande comoção, são corpos pelos quais não aprendemos chorar.
Apesar dos mais de 10 anos de Lei Maria da Penha e da farta discussão que os
estudos feministas vêm realizando sobre seus efeitos e, digamos, “defeitos”, a violência

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de motivada por gênero persiste. Evidentemente, não nos mesmos marcos. Cunhou-se
todo um novo vocabulário não só para fomentar as denúncias, mas também para
identificar e nomear comportamentos abusivos e violentos que foram por séculos
naturalizados como questões menores, “coisas de homem”.
Mesmo o crescimento de dados estatísticos que revelam violências sexuais contra
mulheres em todas as expressões dos femininos para além do sexo genital, são frutos
destas mudanças, uma vez que há canais institucionais para o registro de queixas e a
possibilidade democrática de visibilização e denúncia das mesmas.
Frente à inflexão conservadora que assistimos no momento, vale a pena revisitar
o longo caminho que os feminismos vêm construindo como teoria crítica, combativa e
que pretendeu desde de suas origens sufragistas e liberais promover a simetria entre os
gêneros e a igualdade de direitos. As injustas acusações à ativistas e militantes do campo
dos estudos de gênero e sexualidade de que ameaçam a ordem social visa minar o terreno
das recentes conquistas de políticas de existências, atingindo àqueles e àquelas que
ajudaram a criar um vocabulário de direitos mais prismático e, por isso, inclusivo.
Como escreveu Margareth Rago (2004, p. 13)

O feminismo, tanto enquanto teoria, como enquanto prática, teve e tem


uma função social eminentemente política, por seu potencial
profundamente subversivo, desestabilizador, crítico, intempestivo, assim
como pela vontade que manifesta de tornar o mundo mais humano, livre
e solidário, seguramente não apenas para as mulheres.

Garantindo ontologia a sujeitos historicamente alijados do direito de ser, bem


como lograram mostrar que a negação e/ou a violação de direitos à grande parcela da
humanidade, baseada em premissas biológicas, é perversa.

Referências Bibliográficas

AQUINO, S. Violência de gênero e masculinidades: conquistas e desafios da Lei


Maria da Penha. In: TORNQUIST, C. S.; COELHO, C. C.; LAGO, M. C. S.; LISBOA,
T. K. Leituras de resistência: corpo, violência e poder. Vol. II. Florianópolis: Ed.
Mulheres, 2009.

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DAGNINO, Evelina. Sociedade civil, participação e cidadania: de que estamos falando?.
In: MATO, Daniel (org.). Políticas de ciudadania y sociedade civil en tiempos de
globalización. Caracas, FACES, Universidad Central de Venezuela, 2004, pp. 95-110.

DEBERT, Guita G.; GREGORI, Maria Filomena. Violência e gênero: novas propostas,
velhos dilemas. Revista Brasileira de Ciências Sociais. 2008, vol.23, n.66, pp.165-185.

GREGORI, Maria Filomena. Cenas e Queixas: Um Estudo sobre Mulheres, Relações


Violentas e a Prática Feminista. Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1993.

GROSSI, Miriam. P. (1998), "Rimando amor e dor: reflexões sobre a violência no vínculo
afetivo conjugal", in J. Pedro e M. P. Grossi (orgs.), Masculino, feminino, plural.
Florianópolis, Ed. Mulheres.

MEDRADO, B.; MÉLLO, R. P. “Posicionamentos críticos e éticos sobre a violência


contra as mulheres”.

RAGO, Margareth. “Feminismo e Subjetividade em Tempos Pós-Modernos”. In:


LIMA, Claudia Costa. Poéticas e Políticas Feministas. Florianópolis: Editora das
Mulheres, 2004.

SANTOS, Cecília Mac Dowell; IZUMINO, Wânia P. "Violência contra as mulheres e


violência de gênero: notas sobre estudos feministas no Brasil." Revista Estudos
Interdisciplinarios de América Latina y el Caribe, Universidade de Tel Aviv, v. 16, n. 1,
p. 147-164, 2005

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