Norberto Bobbio, na obra "Liberalismo e Democracia", examina as relações que se
estabelecem entre o liberalismo e a democracia, suas interligações e diferenças, analisando a atuação dessas duas formas de sistema através de governos passados, relacionando-as com o socialismo e refletindo sobre a eficiência de ambos quando aplicados na prática. Para Bobbio, a democracia e o liberalismo foram antagônicos durante certo período da história, mas, por, em diversos pontos, serem compatíveis um com o outro, permitiram a união e aperfeiçoamento, passando, então, a criar uma relação de interdependência e complementaridade entre si. Por um lado, a democracia possui, por essência, a ideia de atribuir à todos o poder. O liberalismo, por sua vez, tem a essência em defender os direitos intrínsecos de cada indivíduos, bem como a capacidade e intenção de fazer com que todos os cidadãos tenham o direito participar direta ou indiretamente das decisões coletivas, assim, engloba uma extensa liberdade de direito político. Nota-se, portanto, a semelhança entre os dois. Entretanto, neste mesmo diapasão, percebe-se que o voto, acima referido, é apenas eficaz se o individuo "se dirige às urnas para expressar o próprio voto, goza das liberdades de opinião, de imprensa, de reunião, de associação, de todas as liberdades que constituem a essência do Estado liberal". Ainda, no capítulo 9, "Individualismo e organicismo", autor trata o individuo como o ponto de partida dessa relação entre liberalismo e democracia, ao mesmo tempo que demonstra que o indivíduo não é tratado da mesma maneira pelas duas forças, justamente o contrário, considerando que são formas bastante diversas de se enxergar o cidadão. Pelo liberalismo, o indivíduo é voltado para o interior, reivindicando a liberdade individual em todos os vários âmbitos sociais, de realização pessoal, de progresso e de prosperidade interna. Enquanto, para o lado da democracia, o individuo tende para o externo, sendo direcionado para o funcionamento da sociedade, bem como para as relações em favor do contrato entre os indivíduos. Na distinção de tratamento mencionada acima, Nobbio afirma que a noção de liberalismo é incompatível com a teoria de organicismo, já que esta é a ideia de que o Estado é um grande corpo superior, formado anteriormente às partes, e que estas deveriam trabalhar em prol do funcionamento da coisa toda. Sendo assim, não faz distinção entre esfera pública e privada, entre indivíduo e organismo. Uma faceta da democracia é exposta através da visão e do pensamento de Tocqueville, que "foi antes liberal que democrata". Tocqueville expõe o perigo que existe na democracia em seu potencial total, descrevendo-a como uma "revolução irresistível". De modo que a democracia seria a forma de governo em que todos teriam participação política, considerando que na sua natureza existe a ideia de igualdade, esta que, segundo Tocqueville, atua também fora da estrutura política, incorporando e valorizando a igualdade na esfera social. Defende que a democracia, de forma degenerada, pode se transformar em uma tirania da maioria, trabalhando em detrimento do liberalismo, que preza pela independência e caráter pessoal do indivíduo. Ainda, o autor teme pela "instabilidade do Legislativo, a conduta frequentemente arbitraria dos funcionários, o conformismo das opiniões, a redução do número de homens ilustres na cena política". Afirma temer pela "sobrevivência" do liberalismo na sociedade democrática e pelo momento em que a democracia se tornaria no seu contrário, transformando-se em um governo autoritário, porque "porta em si os germes do novo despotismo, sob a forma de um governo centralizado e onipresente". Por fim, Tocqueville diz que o remédio para essa possibilidade democrática é a tradição liberal, a defesa de liberdade individual, dos diretos do indivíduo, e a descentralização. Quando o adversário em questão era o socialismo, sempre defendeu a democracia, dispondo que ambos tem a igualdade em comum, "mas estejam atentos à diferença, conclui: a democracia deseja a igualdade na liberdade e o socialismo deseja a igualdade na moléstia e na servidão." Esse contraste entre liberalismo e democracia jamais nunca diminuiu, ainda que hoje sejam interdependentes. Para seguir pelo caminho da dicotomia entre essas relações complexas, entra em cena na política o movimento operário baseado nas doutrinas socialistas, que são contrárias às liberais, conforme exposto acima, sem, no entanto, que sejam de antítese total. Após um longo tempo de contrastes e desavenças, houve uma integração entre democracia e socialismo. Essa relação surgiu tendenciando para a complementaridade, sustentando-se em duas teses fundamentais, quais sejam, (i) o fato de o processo de democratização produzir advento de uma sociedade socialista; e (ii) pelo fato de reforçar e alargar a participação na política. No entanto, essa relação entre liberalismo e socialismo nem sempre foi pacífica, em alguns aspectos houve polêmicas envolvendo as duas partes, mas sempre restou nítido que uma reforçava a outra de uma maneira circular. A questão basilar era: de que ponto do círculo se deveria começar? A partir de então, começa o contraste, já que, de um lado, aliaram-se contra o socialismo, negadores do liberalismo e da democracia, e os socialistas democráticos e não democráticos, e de outro, os defensores da liberal-democracia. O método democrático, no entanto, não aboliu a inspiração democrática dos partidos socialistas, que acreditavam que o avanço da democracia consistia numa sociedade socialista e que tal sociedade seria muito mais democrática do que liberal. Por fim, em favor da democracia socialista, podem-se encontrar três argumentos fundamentais, quais sejam, (a) democracia liberal, capitalista e do ponto de vista do sujeito histórico que a promoveu, burguesa; (b) apenas a democracia socialista permitirá a participação popular também nas tomadas de decisões econômicas, que em uma sociedade capitalista são tomadas autocraticamente, reforçando, assim, não só a participação em intensidade, mas também uma extensão quantitativa; e (c) e o mais importante, na democracia socialista essa mais imparcial distribuição, tornando-se um dos objetos primários da mudança do regime econômico, transforma o poder formal de participação em poder substancial, e ao mesmo tempo, realiza democracia inclusive no seu último ideal, que é o de igualdade maior aos homens.