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E
PROCESSO
CRiATiV
PSICOPATOLOGIA NA EXPRESSÃO E DA
CRIATIVIDADE
MANUAL DE FORMAÇÃO
NÍVEL I
1
2014
1. DEFINIÇÕES DE CRIATIVIDADE
2
Jung
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A Doutora Betty Edwards, no seu livro “Desenhando com o lado direito do cérebro”,
anuncia as funções mentais específicas dos hemisférios esquerdo e direito do cérebro,
relacionando-as com a criatividade.
A partir das suas investigações conclui que, não sendo a única, o desenho é uma das
atividades mais eficazes para o desenvolvimento das aptidões do hemisfério direito do
cérebro como a intuição, a criatividade, a sensibilidade estética, a noção espacial, a
perceção holística, a focagem, nitidez, precisão e profundidade da visão, o pensamento
analógico, e o estabelecimento de relações. Assim, para ela desenhar é uma das
atividades mais eficazes para o desenvolvimento da inteligência não formal ou criativa.
Nessa medida as artes são essenciais para promover o raciocínio específico visual e
percetivo, tanto quanto ler, escrever e contar são imprescindíveis para o
desenvolvimento do raciocínio analítico, próprio ao hemisfério esquerdo. Acerca desta
diferenciação referiu Edwards (2003): “Creio que ambos os tipos de raciocínio – um
para a compreensão dos detalhes e o outro para “enxergar” o quadro inteiro, por
exemplo, sejam cruciais para a formação de um pensamento crítico, extrapolações de
significados e resolução de problemas.”
As Neurociências confirmam actualmente que o hemisfério esquerdo processa as
informações principalmente de forma verbal, sendo responsável pela fala, pela escrita,
pela nominação, usando as palavras para designar, escrever e definir. São da sua esfera
uma série de competências:
- Digital – responsável pelos cálculos matemáticos, o uso de números em geral, como
no ato de contar;
- Racional – permite que se tirem conclusões baseadas na razão e nos fatos, colocando-
se pois, a enfase no concreto e no fatual;
- Lógica – processa conclusões baseadas na perspetiva cartesiana de causa-efeito,
como, por exemplo, num teorema matemático ou num argumento bem-enunciado;
- Abstrata – seleciona uma pequena parte das informações e usa-a para representar o
todo;
- Simbólica – usa signos e símbolos para representar mentalmente a ligação entre
coisas e ideias, envolvendo também a abstracção e a condensação parta agregar
múltiplos significados;
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- Linear – ordena os pensamentos em termos de ideias concatenadas, um pensamento
seguindo-se diretamente a outro e quase sempre levando a uma conclusão
convergente;
- Analítica – concebe as coisas passo a passo, componente por componente;
- Temporal – marca o tempo, colocando as coisas em sequência e planeando a
experiência;
- Concreta – permite uma visão realística de cada coisa como ela é no momento e em
relação com a realidade interna.
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2.1 - O Processo Criativo de acordo com Carl Rogers
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Percebe-se então que o processo criativo implica a manifestação de um novo produto,
a edificação de algo diferente. Este processo deverá traduzir-se em aspetos
observáveis, pela construção de algo percetível, seja através da escrita, da tecnologia,
de ação, obras de arte ou invenções.
É importante destacar ainda a questão da aceitação social. Se há, por um lado, a
necessidade do indivíduo criativo ser aceite por um grupo ou pela sociedade vigente,
muitas vezes incorre no risco de uma rutura e exclusão. Às vezes só à posteriori é que
alguns criadores são reconhecidos. No entanto, mesmo que fora da época o criador
com valor universal terá a capacidade de mudar a maneira como as pessoas
consideram a realidade produzindo ideias importantes e ao mesmo tempo inusitadas,
tornando possível ver além do contexto imediato, redefinindo-se problemas ou
perspetivas.
A definição rogeriana de processo criativo inclui aspetos como a qualidade criativa
(existem resultados criativos construtivos, e produtos criativos contraproducentes), e
o nível de criatividade (a criatividade pode surgir pelas mãos duma criança que cria um
novo jogo, pela ação da dona de casa que cria uma nova receita, pelo virtuosismo de
um artista que gera uma obra de arte, ou pela perspicácia do cientista que faz uma
importante descoberta).
Rogers, nas suas reflexões em torno desta temática, acrescenta a ideia da existência de
uma profunda inapetência e escassez criativa nas malhas da nossa sociedade, ou seja
nos indivíduos comuns. Desde cedo é-se educado no sentido de castrar esta
capacidade, fato este que se vai repetindo pela vida fora, sejam em circunstâncias
laborais, pessoais, familiares, doméstica, ou outras. É muito mais frequente a vigência
de uma atitude preferencial pelo conformismo e passividade, do que pela fertilidade da
imaginação, edificação e criatividade. Para ele é urgente a restruturação, e a mudança
dos preconceitos para com a criatividade, caminhando-se em direção à construção e
revisão de novas formas de estabelecer complexas transformações. A motivação para a
criatividade fornece um dos motores que promove a destruição da inércia. Rogers
afirma que a tendência para o Homem se realizar a si próprio, para se tornar no que em
si é potencial, fá-lo expandir-se, desenvolver-se, pondo em exercício todas as suas
potencialidades, mesmo que estejam profundamente recalcadas. Aquelas, irão emergir
no momento em que aparecem as condições certas.
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2.2 - Definição de Produto Criativo
A mais importante qualidade que marca um produto como “criativo” é que expressa
uma necessidade e preocupação do homem por significado. Não é apenas uma
novidade ou fazer algo diferente. O que dá a algo conotação de criativo é o reflectir a
própria vivência, recursos internos e se é genuíno.
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Terceiro grupo: - Impulsos intelectuais. “Impulsos a aprender e dar-se a uma existência
que se manifesta em valores sentidos como absolutamente válidos, sejam religiosos,
éticos, filosóficos ou estéticos”. (Jaspers)
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interno harmonioso e à experiência da sua destruição – isto é, à posição depressiva. O
impulso é o de recuperar e recriar esse mundo perdido”. Complementa o pensamento,
enfatizando o valor da elaboração e da integração dos estados mentais anteriores (de
caos e perseguição e a perda de um estado ideal) como essenciais para que a posição
depressiva possa ser alcançada, encetando-se o processo de reparação.
Debatendo a fundo a questão das finalidades do processo criativo com certeza que
encontraríamos ainda outros tópicos.
Maslow, 1959
Criatividade Primária: espontânea; de carácter lúdico.
Criatividade Secundária: controlada; disciplinada, não lúdica.
Taylor, 1959
OS CINCO NÍVEIS DE CRIATIVIDADE
Criatividade Expressiva – A mais original do indivíduo. Não
importa a qualidade mas sim a manifestação de si mesmo no
produto criativo.
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Criatividade Inventiva – Perceção de relações novas, permitindo
a utilização original de experiências já adquiridas, levando à
invenção de algo com uma formulação nova.
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FUNDAMENTOS PSÍQUICOS DO APARELHO PSÍQUICO CRIATIVO, DETERMINANTES DO
PROCESSO MENTAL CRIATIVO
- Formalismo.
- Fisionomia.
- Simbolização.
- Funções criativas - Abstração.
- Extrapolação.
- Síntese.
- Discriminação.
- Diferir.
- Generalização.
- Personificação.
- Manejo Espacial.
- Antecipação.
- Intuição.
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3. APARELHO MENTAL E PROCESSO CRIATIVO
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A - PERCEPÇÃO
A perceção corresponde à função de captação de informação dos acontecimentos do
meio exterior, ou do meio interno, pela via dos mecanismos sensoriais. A informação
veiculada pelos receptores visuais, auditivos, olfativos, gustativos, cutâneo-sensitivos e
propriocetivos, é submetida a processos conceptuais superiores e à integração das
experiências do sujeito. Se bem que aprendizagem no ser humano se efetue
essencialmente pela perceção visual e auditiva, os outros recetores também estão
envolvidos. Há uma qualidade intermodal na partilha de informações entre os
diferentes recetores de modo que uma informação ou aprendizagem processada a
partir de um qualquer pode ser integrada na perspetiva de outra esfera percetiva.
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C - IMAGINÁRIO
“Conjunto das imagens e das relações de imagens que constitui o capital pensado
do homo sapiens… Grande denominador fundamental onde se vêm encontrar
todas as criações do pensamento humano” …
Gilbert Durant
“Sobrepõe (-se) ao peso da própria realidade directamente percepcionada.”
“Necessidade… que terá a ver com a nossa própria inserção no mundo”…
Pedro Barbosa
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Para Lacan o imaginário é um dos três registos essenciais do campo psicanalítico (o
real, o simbólico e o imaginário), sendo este caracterizado pela preponderância da
relação com a imagem semelhante (Eu especular), a partir do qual se constitui o Eu da
criança (para a formação do qual têm especial importância o investimento narcísico do
Eu e a relação dual baseada na imagem dum semelhante, a imagem em espelho).
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O indivíduo pode ser levado a acreditar, por vezes quase indubitavelmente, no que é
fantasia. O que é simbólico é fornecedor de um sentido ou significação plausível de ser
submetido à dúvida optativa.
Face a alguma confusão na utilização das designações de imaginário e fantasia,
encontradas na literatura em geral proponho a seguinte nomenclatura:
- Imaginário – Património imagético do indivíduo, próprio ao processo primário do
pensamento, contemplando as dimensões de imaginação consciente e fantasia
inconsciente.
- Imaginação – Registo consciente de produção de imagens com efeito no curso do
pensamento, com carater mais ou menos automático. Pode ser activada pelo indivíduo
que pode influir em termos volitivos na sua evolução ou deixar-se seguir o seu fluxo.
Submetido ao processo criativo pode ganhar cunho de imaginação criativa resultando
num produto criativo.
- Fantasia – Com caráter automático e inconsciente tem efeito determinante sobre
toda a atividade psíquica como a perceção, a volição, o livre arbítrio ou tomadas de
opções e o pensamento em geral ganhando expressão quer pela imaginação
consciente, quer no sonho, quer através dos símbolos. Pode ainda manifestar-se nas
fobias, nos delírios e nas alucinações, entre outros.
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encontrar em Platão uma teoria sistemática da fantasia, são numerosas as passagens
literárias que trata do conceito de fantasia.
Segundo Aristóteles, a fantasia não pode ser equiparada nem com a perceção nem com
o pensamento discursivo, embora não haja fantasia sem sensação, nem juízo sem
fantasia. A fantasia tem a sua origem no nosso poder de suscitar imagens, mesmo
quando não se encontram imediatamente presentes os objetos ou fontes de
sensações. Por isso a fantasia não equivale à “mera opinião”. Nesta última há crença e
convicção, ao passo que na fantasia não as há. Os produtos da fantasia permanecem
nos órgãos dos sentidos e parecem-se com as sensações, mas não se equiparam
simplesmente com estas. Por outro lado, a fantasia não é um mero substituto da
sensação, sendo menos substitutiva que antecipadora. Cada fantasia é uma
representação em potência ou ideia atualizável por intermédio da perceção.
Resumindo, nesta perspectiva a fantasia é a faculdade de suscitar e combinar
representações e de dirigir deste modo uma parte da vida do ser orgânico possuidor de
apetites.
Os estóicos desenvolveram o conceito de fantasia sob o aspeto da distinção entre
aparências (ou representações) verdadeiras e falsas. Há dois tipos de representações
verdadeiras: as causadas por objetos inexistentes, que produzem uma imagem
correspondente ao objeto, e as causadas por objetos de um mundo externo e fortuito.
As primeiras representações contêm em si o sinal da verdade e o critério de verdade,
dando origem às fantasias a que chamaram compreensivas. As segundas
representações não contêm em si tal sinal nem constituem tal critério e dão origem às
fantasias não compreensivas. As primeiras são a base do assentimento reflexivo e do
conhecimento relativamente ao sentido próprio. As segundas não desembocam em
conhecimento, mas sim apenas em opinião.
Alguns autores posteriores influenciados pela opinião da tradição neoplatónica
consideraram que a fantasia era uma atividade de natureza intelectual, ao passo que
outros, como é o caso de Santo Agostinho, apontaram que a fantasia era uma potência
anímica de caráter inferior, mais vinculada à sensibilidade que ao entendimento. “Os
escolásticos, especialmente os de tendência tomista discutiram uma questão que
ocupou largamente muitos autores modernos: a de saber se a fantasia é meramente
recetiva ou reprodutora ou se é, nalgum sentido, produtiva.” [Ferrater]
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Vemos pois que na antiguidade e na idade média a fantasia ganha tendencialmente um
sentido idêntico ao que se definiu atrás, o de actividade da mente que produz imagens.
Para S. Tomás de Aquino, a imaginação alojava-se na alma e seria o “ato pelo qual a
potência sensitiva interna apreende, forma, associa e utiliza a imagem que lhe chega
proveniente da sensação produzida por cada um dos sentidos externos”. O santo
complementa que a potência sensitiva interna não é relativa a um órgão corporal
específico, através do qual se apreende e retém a imagem do objeto sensível.
«A partir do século XVIII procurou delimitar-se o uso dos termos fantasia e imaginação
o que favoreceu a distinção dos significados. Na “Lógica” de Port-Royal diz-se que a
imaginação é “a maneira de conceber as coisas mediante a aplicação do nosso espírito
às imagens que estão pintadas no nosso cérebro” (conceito cartesiano exposto na
Regula XVII). Essas imagens, que são as ideias das coisas, distinguem-se das imagens
“pintadas na fantasia”. Em outros termos, contrapõem-se as imagens que são ideias,
próprias da imaginação, às imagens fictícias, próprias da fantasia. Analogamente, Kant
dizia que a fantasia é “a imaginação que produz imagens sem querer”, donde
“fantasista” é a pessoa que se habituou a julgar tais imagens como experiências tanto
internas como externas. E observava: “Muitas vezes gostamos de brincar com a
imaginação, mas a imaginação, que é fantasia, frequentemente também brinca
connosco, e às vezes com mau gosto”. Nesse sentido, a fantasia é a imaginação
desregrada e desenfreada. Este é um dos significados dessa palavra que perdurou até
hoje, sobretudo na linguagem comum.
Ao lado desse significado, o romantismo elaborou um outro, segundo o qual a fantasia
é entendida como a imaginação criadora, diferente, em qualidade mais do que em grau,
da imaginação automática comum. Nesse sentido, Hegel via a fantasia como
“imaginação simbolizadora, alegorizadora e poetante”, logo “criadora”. Os românticos
exaltaram a fantasia assim entendida. Para Novalis, ela é “o máximo bem” (Fragmente,
pag. 535). “A fantasia”, dizia ele, “…é o sentido maravilhoso que em nós pode
substituir todos os sentidos. Se os sentidos externos parecem submeter-se a leis
mecânicas, a fantasia evidentemente não está ligada ao presente nem ao contato de
estímulos anteriores (Ibid, 537). Desse modo, o caráter desordenado ou rebelde da
imaginação fantasiosa, em virtude do qual essa forma de imaginação parecia inferior às
outras no séc. XVIII, no séc. XIX passa a ser um elemento positivo, um mérito, uma
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caraterística de liberdade criadora. A estética romântica atreve-se a essa valorização da
fantasia. Croce diz: “- A estética do séc. XIX forjou a distinção, encontrada em não
poucos dos seus filósofos, entre fantasia (que seria a faculdade artística peculiar) e
imaginação (que seria faculdade extra-artística). Acumular imagens, selecioná-las,
esmiuçá-las, combiná-las, pressupõe a posse de cada uma das imagens pelo espírito. A
fantasia é o organismo e a vida” (“Breviario di Estética”, 1913, pp.35-36). Em sentido
análogo, Gentile chamava de fantasia a atividade artística como puro sentimento ou
“forma subjetiva inata” do espírito (Fil. Dell’arte, 5). Mas, nesse significado romântico,
a fantasia deixa de ser uma atividade ou uma operação humana, definível ou descritível
nas suas possibilidades e nos seus limites, para, como manifestação de atividade
infinita, tornar-se ela também infinita, situando-se portanto além de qualquer
possibilidade de análise e de verificação. Trata-se, em outros termos, de conceito
mágico-metafísico que não pode ser utilizado fora do clima romântico que o criou ou
privilegiou.» (Abbagnamo).
Castoriadis, preconiza que o conceito de imaginação, enquanto função do psiquismo,
ainda, não fora claramente estabelecida, embora já se tivesse iniciado com Aristóteles.
Para o autor, a imaginação é a capacidade de fazer aparecer o que não é real, e
imaginário é a criação perene e, principalmente, incerta (social, histórica e psíquica) de
figuras, formas e imagens, através das quais é possível falar-se de “alguma coisa”.
Alude a Sócrates para quem a imaginação seria o poder de representar o que não é.
Citando Kant, o filósofo vê a “imaginação como a capacidade de representar um objeto
na intuição, mesmo sem a sua presença”, ou “capacidade de fazer aparecer
representações, procedam ou não de uma incitação externa”, ou seja, a imaginação é
fazer existir o que não existe na realidade.
Qual ilusionista em noite de circo, na feira, Sartre concede ao ato de imaginar algo de
mágico, fascinante e poderoso. Isto porque constata na imaginação “a capacidade que
tem a consciência de modificar o real, de desligar-se da plenitude do dado e romper
com o mundo”.
Já Gaston Bachelard não defende a capacidade da imaginação de formar imagens, mas
sim de deformar as imagens fornecidas pela perceção sensorial: - “É a faculdade que
nos liberta das imagens primeiras, que muda as imagens. Se não há imagens, união
inesperada de imagens, não há imaginação, não há ação imaginante”. Acrescenta que o
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melhor referencial da imaginação é o termo imaginário. Na sua perspetiva é devido ao
imaginário que a imaginação se ativa, propiciando a experiência de abertura e da
novidade, sendo especifica ao psiquismo humano. Se a imaginação é equivalente a
imagens em ação, o imaginário corresponde ao substrato ou património de
representações de imagens de cada indivíduo.
Vimos pois que em paralelo ao conceito de imaginação coexiste o de fantasia, que à
semelhança do primeiro, apresenta diversas definições de autores variados. É genérica
a perspectiva de que fantasia é aquilo que não corresponde à realidade do mundo
externo, mas que é fruto do imaginário. No entanto, fantasiar aparece na literatura da
filosofia e psicologia com conotações diferentes de espírito, pensamento imagético,
vontade passageira, ficção e gosto extravagante. Pode ser entendida como
determinante da imaginação, sem se ficar sujeito à verdade ou às regras. É, ainda,
utilizada para explicar uma situação imaginada por um sujeito ou grupo, que não tem
qualquer base na realidade, mas expressa certos desejos ou objetivos por parte do
imaginativo.
Se fantasia é uma noção que encontra as mais diversas conceptualizações na
psicologia, Sigmund Freud nos primórdios do século XX, utiliza o termo, primeiro, no
sentido corrente que a língua alemã lhe confere, isto é, fantasia ou imaginação, e
depois como um conceito.
Segundo Maria G.A. Hora, o conceito de fantasia em psicanálise é um elemento
fundamental na estruturação do psiquismo humano e constitui um fator
preponderante na etiologia das neuroses. Freud (carta a Fliss em 1897) afirma a
importância das fantasias reveladas nas histórias de sedução precoce e traumática
contadas pelas suas pacientes histéricas que as tratavam como acontecimentos reais.
Ao abandonar a teoria da sedução, o conceito de fantasia passa a ser reconhecido pelo
seu efeito inconsciente, por exemplo, na crise histérica, sintoma que simboliza a
fantasia. Confere-lhe maior enfase quando constrói as noções de princípios de
realidade e do prazer, bem como de consciente e inconsciente, inerentes à perspetiva
metapsicológica, onde as pulsões são determinantes. Coloca então a enfase na vida
imaginária do indivíduo, e na maneira como as fantasias se manifestam em
representações mentais. Os primórdios do indivíduo são profícuos em fantasias
originárias ou protofantasias como as fantasias do nascimento, da cena primitiva, da
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sedução, do Complexo de Édipo e da castração. A teoria de Freud situa a fantasia na
oposição entre o subjetivo e o objetivo, associando-a a um mecanismo de defesa em
conexão com o princípio do prazer e distanciado do mundo externo, que a pessoa
utiliza como procura da satisfação por meio da ilusão. Tal designou de realização
alucinatória do desejo.
Para Carl Gustav Jung, a fantasia expressa o fluxo ou agregado de imagens e ideias
oriundo do inconsciente, que produz uma atividade imaginativa e espontânea da
psique. Considerando-a, como uma espécie de união entre os conteúdos inconscientes
e conscientes, a fantasia é, ainda, o resultado imediato de operação das estruturas
arquetípicas. Às fantasias que reclamam a ajuda do Eu para emergirem na consciência,
o psicanalista denominou-as de “fantasias ativas”. Às que emergem diretamente do
inconsciente, mas que no entanto se socorrem dos conteúdos conscientes, designou-as
de “fantasias passivas”. Apesar das fantasias ativas serem elevadamente criativas e as
passivas serem de natureza patológica, ambas podem ser interpretadas. O conteúdo
das fantasias está intimamente ligado à criação artística, servindo de suporte à mesma,
mas sendo sujeitas à transformação própria do processo criativo.
Para a psicóloga Gina Strozzi, no mundo da fantasia, sempre que imaginamos o que
não temos e não somos, e gostaríamos de ter e ser, as fantasias adquirem a função de
um mecanismo de defesa, permitindo uma satisfação ilusória para os desejos que não
podem ser realizados (realização imaginativa ou alucinatória do desejo). Tais fantasias
são criadas pelo inconsciente para possibilitar uma de satisfação alternativa, a qual
substitui a satisfação real. Na sua perspetiva a fantasia não é mais do que uma sinopse
de ideias, sentimentos, interpretações e memórias, em que predominam elementos
instintivos e afetivos. Embora, através da satisfação substituta e da omissão da
realidade, a fantasia possa auxiliar na solução de conflitos e na prevenção da angústia,
uma dose ininterrupta e profunda de fantasia e devaneio pode fazer com que a pessoa
se desvie da realidade, habituando-se a um mundo irreal, dificultando o confronto com
os problemas concretos. Para além disso, a satisfação única pela fantasia acaba por
redundar em frustração.
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c - Phantasia
As nossas cabeças estão cheias de PHANTASIAS
- Na literatura psicanalítica anglo-saxónica encontramos “phantasy”, distante de
fantasy, como referência a fantasias inconscientes que controlam os nossos
pressupostos, pensamentos, emoções ou comportamentos.
- Quando uma criança aprende o conceito de “fazer de conta” (o que está sujeito às
diferentes leis do que é real), a criança adquire uma liberdade para brincar e
experimentar que não teria se não fizesse a distinção.
- Assim as phantasias podem ser mais ou menos realísticas e por vezes são tratadas
como se fossem reais.
- Aquilo que se vê depende não só daquilo que se quer ver (“não há ninguém tão cego
como o que não quer ver”) , mas também da forma como aprendemos a interpretar de
determinado modo.
Um exemplo de tal é a contratranferência na intervenção psicoterapêutica, onde a
fantasia inconsciente do psicoterapeuta determina a sua perceção da experiência do
paciente.
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muito da nossa capacidade de avaliação em adulto, bem como a nossa capacidade de
amar.
- Certas Phantasias são sentidas através do corpo, como sintomas físicos com “vícios
posturais” tiques, e outros:
“suportar a cruz”; “parece que engoli um garfo”; “carregado pela cruz”; “nem quero
ver”…; “partir-se o coração”; “dar o coração”; “sem tomates”; etc…
Phantasias e Arquétipos
O arquétipo corresponde a modalidades inconscientes inatas de compreensão que
regulam a percepção e a intuição. Deste modo são um equivalente das fantasias na
psicologia junguiana.
Os arquétipos apenas se revelam através de imagens, presentes nos símbolos
universais, próprios à mente coletiva.
No campo da psicologia analítica de C. Jung, este termo designa um número limitado
de imagos, características não do inconsciente pessoal mas do coletivo: a persona, a
sombra, a anima, o animo, a Grande Mãe, o Velho Sábio, o Herói, etc. Por esse motivo o
significado destes conteúdos não pode ser encontrado a partir das associações livres
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do sujeito mas a partir do conhecimento do inconsciente coletivo. As figuras
arquetípicas apresentam a qualidade de serem absolutamente universais: encontram-
se tanto nos produtos individuais normais e patológicos (sonhos, alucinações, delírios),
como nos produtos coletivos da psique (mitos, religiões). Esta universalidade só pode
ser explicada pela natureza inata dos arquétipos.
(Baseado em I. M. Petot)
(Joseph Zinker)
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criatividade é sempre componente activo de um problema, verdadeira razão de ser de
tudo o que se compreende como solução de problemas.
VERIFICAÇÃO – Põe-se à prova aquilo que foi criado mentalmente, criticando a ideia
nova.
É o momento de anti-tese no qual que se aprecia mentalmente o objeto de criação.
Mentalmente avalia-se a formulação originária da solução criativa levando a que a
mente mergulhe literalmente nela. Falta agora executar a criação, enquanto prova
final, havendo a possibilidade de poder ser rejeitada.
A - FISIONOMIA
Os pintores do expressionismo serviram-se preferencialmente da fisionomia para
fornecer o cunho emocional às suas pinturas. O seu expoente é encontrado em Chagall.
O “Auto-retrato com Máscaras” (1899), de J. Ensor é um bom exemplo.
Relaciona-se com a representação mental das perceções, nomeadamente a capacidade
cerebral de identificar rostos a partir das mais diversas formas, generalizando-se essa
forma básica às demais identificações de formas.
B – FORMALISMO
No cubismo, construtivismo e arte concetual a ênfase é colocada no formalismo.
Picasso, Braque e Léger são bons exemplos.
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Tem a ver com a tendência para geometrizar bem como outros modos de redução a
padrões das formas.
C - SIMBOLISMO
Entre a década de 80 e 90 do século XIX surge uma tendência artística expressionista
designada por “simbolismo”. Tal perspetiva implicou “uma acentuada visão do mundo,
orientada para a perceção e valorização da realidade interior, isto é, uma realidade
misteriosa, indistinta, profunda e sugestiva, que se presta mais à evocação do que à
descrição. Tal compreende a tentativa de «traduzir a extraordinária complexidade do
espírito do homem»… «que necessita, forçosamente, da mediação de símbolos, signos
com propriedades “evocativas” carregados de mistério e de indeterminação, que se
prestam a múltiplos significados e interpretações». Entre os seus percursores,
apontamos Beardslay, Gauguin e Munch.
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A semiologia constitui-se enquanto teoria do signo ou sinal, próprio à linguagem
científica.
- SÍMBOLO – esta palavra tem a sua origem etimológica em Symballein, do grego.
Representa algo que através da sua natureza ou aparência reflete ou remete para algo
mais profundo que o próprio símbolo.
“O símbolo deve ser entendido como a expressão de uma ideia intuitiva que não pode
ainda ser formulada de outra ou melhor forma”.
- MITO – Os mitos e lendas são histórias fundamentadas em tradições que servem para
explicar o universo, a criação do mundo, os fenómenos naturais e qualquer outro
aspeto para o que explicações simples não são plausíveis. Contudo, nem todos os mitos
possuem essa finalidade explicativa, sendo que o que têm em comum é a força
sobrenatural ou a divindade que a sua maioria abarca.
No entanto, temos de considerar uma dimensão mental do mito,cujos princípios se
definem por:
- Implica uma rede de relações analógicas na sua organização, própria à lógica
do imaginário.
- Instaura mecanismos de leitura simbólica do real, (opondo-se ao sistema
cognitivo orgânico).
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- Define-se pela equação: Mito= lógica da analogia + pensamento simbólico +
principio do terceiro incluído.
A lógica da analogia define-se como “uma semelhança de relações entre dois objetos,
semelhança que não se baseia em propriedades particulares ou em partes desses
objetos, mas em relações recíprocas entres estas propriedades ou estas partes”. A
leitura significativa da realidade, própria ao pensamento simbólico, corresponde a um
processo de representação mental na qual o indivíduo analisa um determinado modelo
concreto da realidade e a partir dele formula significações optativas face a um
problema ou incógnita. O princípio do terceiro incluído implica que há um terceiro
significativo entre coisas, significados e eventos com conotação oposta.
O discurso narrativo simbólico próprio do mito é de caráter “mitopoiético”, ou seja
gerador de mitos.
Tal processo religa-nos com os arquétipos primitivos, ou seja, com os repertórios
míticos da humanidade criadora – a poieticidade, fenómeno que pode, por exemplo,
ser vivenciado na criação artística, em contexto terapêutico. Citando Fernando Pessoa,
“o mito é o nada que é tudo”, se aceitarmos uma definição mais poética.
Federico González, a propósito do mito, refere que o rito dramatiza através dos
símbolos, pois é o mito em ação e os elementos (sonoros, visuais ou gestuais) que
utiliza são simbólicos. Assim, acontece uma unidade entre símbolo, mito e rito. Não se
pode deixar de referenciar as seguintes observações do dito autor: tanto o mito quanto
o rito transportam o símbolo como um componente emocional; na mitologia, o
assombro é uma presença; nos ritos parecidos com as cerimónias religiosas o aspeto
emotivo é basilar e apesar de se poder reconhecê-los, pois ambos apresentam
expressões distintas de uma mesma realidade, pode-se declarar que o mito é o que dá
vida ao símbolo e os dois conciliam a posterior representação prototípica e sagrada do
rito, da cerimónia e da Arte.
B. b –O Pensamento Simbólico
“Explosão do uno (significado) no múltiplo (sentidos)” (Pedro Barbosa)
“O símbolo deve ser entendido como a expressão de uma ideia intuitiva que não pode
ainda ser formulada de outra ou melhor forma”.
“…Tenta expressar algo para o qual ainda não existem conceitos verbais.”
(Carl Gustav Jung)
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“Do conhecer simbólico resulta a manifestação simbólica, a qual consiste em que o
sujeito manifestante propõe ao conhecimento de outro sujeito, não imediatamente essa
realidade por ele conhecida, mas certos objectos que lhe servem de símbolos. É esta
manifestação que constitui a linguagem metafórica ou alegórica…”
José Herculano de Carvalho “Conhecer poético e símbolo”
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Mediante o pensamento simbólico (ou mito) a noite do inconsciente emerge para a
linguagem divina da arte.
C. c - O Simbolismo em Psicanálise
“É por meio do simbolismo que a fantasia inconsciente se expressa quer em sintomas, em
relacionamentos ou em esforços humanos comuns.”
A. Segal
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“A Teoria do Simbolismo”, foi desenvolvida por E. Jones, psicanalista britânico.
Biógrafo de Freud e responsável pela retirada de Freud da Alemanha nazi, considera
que:
1. Um símbolo representa o que foi reprimido da consciência, pelo que todo o processo
da simbolização é “carregado de inconsciência”.
3. O símbolo tem um significado constante. Vários símbolos podem ser usados para
representar a mesma ideia reprimida, mas um dado símbolo tem um significado
constante e universal.
Quanto a Melanie Klein, viu o jogo da criança como expressão simbólica de conflitos,
desejos e fantasias inconscientes.
Para ela a ansiedade e a culpa seriam os motores primordiais da formação de símbolos.
O mundo torna-se investido de significado simbólico quando as necessidades
epistemofílicas (pulsões libidinais e agressivas, originando desejos e fantasias de
exploração do corpo da mãe) são deslocadas para outros objetos. Se a ansiedade for
excessiva todo o processo é inibido.
A inibição da formação do símbolo torna-se catastrófica para todo o desenvolvimento
do Eu.
38
Melanie Klein também estabeleceu a relação entre Simbolismo, Projeção e
Identificação:
39
A criatividade nas artes é fazer símbolos para o sentimento e a criatividade na
ciência é fazer símbolos para o acto de conhecer.
D – ABSTRAÇÃO
40
- Formas superiores – tendo a ver com a linguagem acompanhada ou não de
perceção ou imagem.
Segundo aquele autor ocorre na abstração uma “limitação voluntária ou espontânea da
consciência”.
“Abstrair a qualidade comum de um conjunto de objetos exige um trabalho de
relacionamento cujo fim é o reconhecimento da qualidade ou regularidade”.
(J. J. Ducret, in: “Dicionário de Psicologia”, Doron, R. e Parot, F.; Climepsi Editores;
Lisboa, 2001)
Assim, através da abstração torna-se possível retirar de um ou vários contextos dados
de informação que se compõem entre si de forma a tornar viável uma nova visão ou
perspetiva. Um exemplo na arte relaciona-se com a “transdução” de uma imagem
interna para uma outra configuração imagética numa pintura que representa
indiretamente, através de um código próprio, a perspetiva interna.
E – EXTRAPOLAÇÃO
“Estimativa, a partir dos valores observados, dos valores que poderia verosimilmente
tomar uma variável dependente se fossem exploradas as suas variações para lá dos
limites efetivamente adotados na observação”. (Richelle, M; Ibidem)
A qualidade da extrapolação que nos importa em relação à criatividade artística
relaciona-se com a qualidade mais ou menos espontânea de retirar uma imagem
interna ou externa de um contexto, ou uma informação e configurá-la num outro
contexto, mantendo a sua validade, mas dando-lhe outro sentido no conjunto. Um
exemplo de tal mecanismo ocorre quando numa colagem se recortam imagens de
revistas, sem relação entre si, para as colar combinando-as e fornecendo-lhes uma nova
significação. Apesar disso elas mantem individualmente os significados simbólicos
originais, mas ganham uma nova significação no conjunto configurativo.
F – SÍNTESE
G – DISCRIMINAÇÃO
H – GENERALIZAÇÃO
I – DIFERIR
43
J – PERSONIFICAÇÃO
K – MANEJO ESPACIAL
L – ANTECIPAÇÃO
Torna-se possível, através da antecipação, obter uma resposta antes do estímulo, que
em geral a suscita. “No entanto, a noção de antecipação ultrapassa em muito estes
casos específicos, engloba os múltiplos fenómenos que dão provas da organização das
condutas relativamente ao seu resultado, objetivo, finalidade ou, mais simplesmente,
relativamente à sua orientação temporal… No estudo dos mecanismos percetivos e
cognitivos, a atenção seletiva, que predispõe o sujeito para registar e tratar
determinadas informações pertinentes e para ignorar outras, as atitudes pré-percetivas
(perceptual set), os fenómenos de espera e de expetativa inscrevem-se no quadro
geral da antecipação.”
(Richelle, M; Ibidem)
A antecipação própria à criatividade, podendo ou não assentar em condicionamentos
operantes, em aprendizagens ou modelos de expetativa e previsão, opera através do
corte com o contínuo espaço-temporal, tornando possível uma perspetiva
antecipatória de um resultado ou de uma realidade, sem que seja possível estabelecer
44
concretamente as premissas em que tal se baseou. Em certos momentos criativos há
um prenúncio do resultado que antecede a sua conceção consciente. Dados de
investigação atuais das neurociências mostram que na tomada de opções há sempre
um prelúdio antecipatório inconsciente que é ativado a nível cerebral, antes da
consciência da decisão.
M - INTUIÇÃO
45
Aspetos do mundo externo
46
As projeções terão um efeito frequentemente decisivo e dependerá do que o
criador projeta de si na obra: aspetos benevolentes, realizativos e admirativos
ou ao contrário, aspetos persecutórios, críticas, rejeição e inveja.
São descritas por Freud como pulsões inconscientes, inatas ao ser humano:
- Eros, incluindo a pulsão sexual ou líbido, com tendência à preservação da vida;
- Tanatos, a pulsão da morte que representa desejos de agressividade, destruição,
inanição e morte. O equilíbrio psíquico depende de uma fusão harmoniosa entre
estas duas pulsões.
O ato criativo implica na sua essência a síntese das pulsões construtivas – pulsões
sexuais de auto-preservação (Eros ou pulsão da vida) e destrutivas – pulsões ligadas
à compulsão de repetição, à inadaptação e à inércia (Tanatos ou pulsão da morte).
Assim, para criar algo é sempre preciso destruir algo, como uma perspetiva ou
significação, para construir uma nova organização que permita a síntese dos
opostos.
No ato criativo, em particular o artístico, também entram em jogo outras
polaridades, para as quais é necessário alcançar um equilíbrio, em função do grau
de conflito que possam apresentar no indivíduo em processo de criação. Entre as
polaridades descritas atrás, quando se referenciaram os impulsos vitais existenciais
descritos por Jaspers, há que reforçar a importância para o processo criativo das
polaridades descritas por Freud: amor e ódio; passividade e atividade; atração e
aversão; prazer e desprazer.
48
3.2.4 . Área do aparelho psíquico responsável pelo processo criativo
49
Quando observamos os bebés levarem à boca o polegar ou o punho, podemos
depreender que tal tem como finalidade a obtenção de prazer pela estimulação da
zona oral, mas também permite a descriminação entre o que faz parte do próprio
corpo e o que não faz. Meses mais tarde a mesma criança pode-se tornar “viciada” em
determinado brinquedo ou objecto, como o cobertor do Charlie Brown. Tal objecto
precisa de suportar a prova tanto do amor como do ódio da criança, sobrevivendo
incólume, tal como uma mãe suficientemente boa precisa de ser recetora quer do
amor, quer do ódio do bebé, suportando-os, permanecendo intacta correspondendo
afetuosamente.
Winnicott relaciona ambos os fenómenos, do espaço de ilusão e do objecto
transicional. Enquanto o primeiro faz parte do mundo interno, o segundo representa
uma espécie de ponte entre o mundo externo e interno da criança pequena, tendo um
carácter de intermediação, e compreendendo três características essenciais:
a) – Corresponde á primeira posse Eu – não Eu.
b) – Serve para enfrentar a angústia de separação da mãe, tendo um papel
relevante na elaboração dos sentimentos de perda inerentes áquela.
c) – É parte do espaço da ilusão.
Espaço Potencial:
Correspondendo no adulto a uma zona psíquica intermediária, matriz da experiência
cultural e criativa, o espaço potencial ocupa o lugar da área de ilusão da criança, onde
se originou a apetência para brincar. Winnicott referiu que tal como no brincar a criança
seria livre para imaginar, ser, também só no sonhar criativo o adulto seria livre para
verdadeiramente sonhar ser.
Assim, o espaço potencial é o lugar onde ocorreu o jogo criativo e o brincar dos
primórdios da existência, onde se iniciou o processo de simbolização, a mediação pela
linguagem e tudo o que constitui a vida cultural. O vazio originado pelo sentimento de
separação foi e será preenchido continuamente pela actividade criativa.
A “percepção criativa” permite ao indivíduo alcançar a independência para “se
envolver num intercâmbio significativo com o mundo, um processo de duas mãos no
qual o auto-enriquecimento alterna com a descoberta do significado no mundo das
coisas vivas”. (Winnicott)
50
Tal experiência pertence à vida diária, podendo qualquer actividade vir a pertencer a
esta área desde que colorida pela criatividade do sujeito, o seu sentimento de estar
pessoalmente presente e em conexão com a profundidade da vivência do si mesmo.
Winnicott concetualizou acerca da relação mãe-bebé a partir da teoria kleiniana,
privilegiando o “vínculo” precoce com a mãe, que ama, mas também frustra.
Desenvolveu o conceito de “preocupação materna primária” – o estado de rêverie que
a mãe tem para com o seu bebé, antes e durante os primeiros meses de vida. Para
Winnicott, não obstante as crianças nascerem com a dádiva do desenvolvimento,
nascem também indefesas, o que as torna seres desintegrados e possuidores de uma
perceção desorganizada dos estímulos externos. Tal, requer que a mãe brinde o seu
bebé com um suporte adequado (holding), de modo a que as condições inatas atinjam
um bom desenvolvimento com os cuidados vários da sua função maternal (handling).
Assim, a “mãe suficientemente boa”, fornecendo o ambiente ideal precoce para o seu
bebé , auxilia o filho a descodificar a realidade externa.
A interação entre a originalidade e a aceitação da tradição são as bases da
inventividade, cuja origem foram as experiências de separação e união com a mãe. Este
processo marca o Ser Humano, permanecendo na sua mente um espaço que, é
intermediário entre o interno e o externo, o espaço potencial, onde se situa na psique a
apetência para a cultura humana.
“Brincar é fazer”, uma máxima de Winnicott, significa que enquanto a criança age
imaginativamente tem a ilusão de poder controlar o mundo exterior. Assim as fantasias
internas são aferidas e aprende-se com a experiência. Mais tarde, o espaço interno
onde acontece o brincar, constituirá também a base da aprendizagem, da linguagem
plena de simbolização, da comunicação significativa, da diversão, da criatividade e da
psicoterapia. Uma das funções essenciais do psicoterapeuta, seria para Winnicott,
transportar o paciente “para um estado de ser capaz de brincar”. Tanto na criatividade
como na criação artística, coloca-se em ação toda a personalidade, podendo emergir e
revelar-se o verdadeiro Self, sem qualquer sombra de ameaça. O fazer artístico é
equivalente do brincar, propiciando ao sujeito situar-se no espaço potencial, o que lhe
permite contatar com o sentimento de verdade e genuidade reativando a sua ligação à
vida e ao seu sentido existencial pleno de significado, aproximando-se do estado de
confiança original. O adulto, para além de brincar, pode criar, expressando o seu
51
verdadeiro Self e vivenciando aspetos precoces e regressivos da sua existência. A
experiência cultural consolida-se, pois com a vivência criativa exteriorizada no brincar.
A criatividade ou o brincar, além de serem uma caraterística da vida e da vivência plena,
são o código de acesso para tocar em aspetos não integrados da personalidade, os
quais aflorados se podem tornar disponíveis para ser analisados pelo psicoterapeuta.
Em suma, o espaço potencial é entendido como a zona psíquica intermediária, que
“não se encontrando no interior nem no exterior (…) é uma área intermediária entre a
realidade psíquica interna e a realidade real ou exterior”, é a matriz da experiência
cultural e criativa.
De acordo com o pensamento de Arundhati Roi: - “…pequenos acontecimentos,
coisas vulgares, destruídas e reconstituídas, investidas de novo significado,
subitamente tornam-se os ossos descorados de uma história”. Assim, pela ação do
processo criativo produz-se uma mudança na perspetiva subjetiva das representações
dos objetos internos, e através de tal muda-se a perspetiva subjetiva da realidade
interna bem como se constrói necessariamente algo de novo: uma neo-realidade com
objetos renovados ou, mais corretamente, os mesmos reparados e transformados. Tais
acontecimentos necessariamente têm de se suportar no espaço potencial.
52
premissa surge a noção de confiança. A confiança básica traduz uma qualidade
particular das relações de objeto, e é decisiva para a experiência de criatividade.
Para Balint a Área de Criatividade corresponde àquela onde na ausência de objetos, o
sujeito está só e a sua principal motivação é a de criar qualquer coisa a partir dele.
O âmbito da criação distingue-se pois pela ausência de objeto externo, no que
encontramos ligação com a área descrita por Winnicott.
Nela ficam situados os processos de génese das ideias ou do pensamento, a criação
artística e segundo Balint a possibilidade de curas espontâneas, em situações de
doença física.
De acordo com Balint, a base da experiência de criatividade constitui-se tanto pelo
sentimento da confiança nos objectos reais, como da autoconfiança nos recursos
próprios ao Eu. Opondo-se a Freud, que defende a necessidade da representação
recalcada do objeto como matriz da sublimação ou das formações substitutivas
sintomáticas, o psicanalista britânico, crê que a atividade psíquica do sujeito, normal ou
patológica, não se traduz na demanda de um objeto ideal fornecedor da satisfação
plena e permanente, para sempre perdido. Ao invés disso procura um “estado mental”
suscetível de ser alcançado, ainda que de modo parcial, pontual ou fugaz. A operação
psíquica da qual resulta esse estado é o que ele chama de criatividade. Assim, esta
corresponde ao conjunto de elementos afetivos, ativos e representacionais que
possibilitam o sujeito de recuperar a situação “unipessoal”, anterior à introjeção de
objetos externos. Nessa área de criatividade, a pessoa pode experimentar a fusão com
os objetos externos própria do amor primário ou mistura harmoniosa, apesar do
contexto interno ser “objetal” como sinónimo de “anobjetal”, ou apenas povoado por
objectos parciais.
O estádio de amor primário não confina o indivíduo a nenhum estado de solidão. Na
mistura harmoniosa, ele está sempre acompanhado, ainda que “por sua própria
conta”, através da operação criativa, que de início era originada de forma espontânea.
Para o autor, a retirada para a área da criatividade pode ser inerente a um “…
retraimento regressivo dos aspectos dos objetos considerados muito desagradáveis e
frustrantes, para a mistura harmoniosa dos estados anteriores, seguida por uma
tentativa de criar algo melhor, mais amistoso, mais compreensível e, acima de tudo,
mais consciente e harmonioso do que demonstraram ser os objetos reais”. Deste
53
modo, a área de criatividade de Balint, que é povoada por pré-projetos e é anterior ao
uso da linguagem, envolve um primeiro momento de retirada do investimento dos
objetos para que o interesse por eles possa, mais tarde, ressurgir como produtos de
atividade criadora do Self.
Criatividade Construtiva
Condições internas:
Abertura à experiência
Refere-se à capacidade do indivíduo ir para além das categorias pré-
determinadas, tornando-se recetivo a novas experiências. Esta abertura
torná-lo-á permeável aos conceitos, opiniões e, perceções, fazendo-o
aceitar toda a informação ainda que contraditória. Refere-se, então, à
expansão da consciência para tudo o que existe em determinado
momento e quanto mais consciente e seguro o sujeito estiver deste
processo, maior e mais construtiva será a sua criatividade.
Tal abertura à experiência implica uma condição que contraria a defesa
psicológica e que preceitua uma perda de rigidez, uma maior
permeabilidade nos conceitos, perceções, opiniões e hipóteses e uma
melhor recetividade a novas experiências.
Ainda outro aspeto a salientar é a capacidade recetiva, consciente e aberta que
poderá caraterizar o indivíduo, conduzindo-o a comportamentos socializados,
mais próximos de uma aptência construtiva.
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Diz respeito à capacidade do sujeito possuir uma capacidade própria de
avaliação e análise em relação à sua criatividade e produção. Desta
forma, não será importante o apreço ou crítica externa mas sim os
conceitos e julgamentos do próprio sujeito. A base da avaliação reside
dentro do próprio indivíduo.
Implica que o valor do resultado criativo seja determinado, não a partir
do apreço ou crítica dos outros, mas do interior do indivíduo criador,
revelando este uma capacidade própria de avaliação e análise face à sua
criatividade e produção.
Capacidade de lidar com elementos e conceitos
É relativa à capacidade de agir com habilidade em relação a todos os
aspetos inerentes a uma questão, manejando-os e articulando-os em
vários sentidos e de várias formas. A partir daqui poderão surgir
inúmeras possibilidades, várias criações e inovações.
Significa capacidade de agir com habilidade perante todos os aspetos
inerentes a um assunto, sabendo articulá-los, ou seja, uma certa
agilidade em manejar ideias, palavras, materiais, cores e formas, gerando
novas criações.
Liberdade psicológica
Liberdade de expressão simbólica.
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A liberdade de expressão simbólica, promotora da associação
espontânea de perceções, conceitos e significações, dentro de
um ambiente de limites seguros, concede a liberdade psicológica,
admitindo-se que o indivíduo seja ele próprio, tornando-se
propício o desenvolvimento da sua criatividade construtiva.
Ato criativo construtivo
No ato criativo construtivo, o indivíduo está ‘aberto’ a toda a experiência e,
consequentemente, o seu comportamento será empreendedor e criativo. Na
criatividade construtiva existem motivação e condições internas a essa própria
criatividade. O bem, o bom e o sublime, enquanto valores comuns à
humanidade, servem de referência ao indivíduo envolvido numa acção criativa
construtiva.
Criatividade destrutiva
Na criatividade destrutiva, a pessoa já não é capaz de tomar consciência dos
seus impulsos hostis, tal como dos seus desejos e sentimentos destrutivos, nem
de manter a perspetiva do que a sociedade espera de si, sendo os seus objetivos
pessoais alienados e pouco ligados ao bem comum da humanidade. O seu
propósito criativo será então desarmonioso, agressivo ou potencialmente
danoso.
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3 – Flexibilidade – Tem a ver com a capacidade para transformar pontos de vista,
imprimindo mudanças no significado, na interpretação ou uso de algo. Tal
conduzirá a modificações nas estratégias ou na direção do pensamento.
4 – Originalidade – Diz respeito à apresentação de respostas incomuns e
remotas.
5 – Redefinição – Implica transformação, revisões ou outras modalidades de
mudança.
6 – Elaboração – Consiste na facilidade em acrescentar uma variedade de
detalhes a uma informação, produção ou esquema, resultando na produção de algo
partindo de um tema ou esboço vago até chegar a uma estrutura ou sistema
organizado.
6 – ESTRATÉGIAS PROMOTORAS DE
DESENVOLVIMENTO DA CRIATIVIDADE EM ARTE-
TERAPIA
Algumas estratégias baseadas nos princípios próprios ao processo criativo têm sido
apontados como favoráveis ao desbloquear da criatividade dos pacientes em arte-
terapia:
- A criação pelo vazio.
- A criação “à mínima”.
- Reenquadramento.
- Introdução dum ponto de vista.
- Amplificação.
- Aportes metafóricos e metonímicos.
- Intermodalidade ou método de associações de universos diferentes e construção de
cadeias de sentidos entre eles.
- Técnica da perda de sentido.
- Introdução do humor.
- Momentos de pausa, distanciamento, esvaziamento e mudança de perspetiva.
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- Desdramatização do processo de criação.
- Organização do tempo e do espaço de forma a que se torne possível um tempo e um
espaço adequados para a criação.
- Identificação dos fatores desencadeadores da motivação intrínseca de cada um.
- Estimulação da mestria das técnicas.
- Partilha do conhecimento, deixando que o indivíduo tenha total liberdade de escolha.
- Identificação das etapas no interior do processo criativo.
- Colocação de limites da realidade como o tempo de realização.
- Intervenção limitada do Arte-Psicoterapeuta aos casos de bloqueio.
- No domínio da psiquiatria, os sintomas da patologia podem eles próprios servir de
motor à criação (Artand).
- Alargamento do sentido dado à criatividade.
7 – PSICOPATOLOGIA NA EXPRESSÃO E DA
CRIATIVIDADE
“Às vezes pergunto-me como aqueles que não escrevem, compõe ou pintam,
conseguem escapar à loucura, à melancolia, ou à ansiedade que se encontram
associados à existência humana”.
Graham Greene
A relação entre o génio e a loucura tem sido bastante discutida quando se aborda o
tema da criatividade. Existe, efetivamente, uma predisposição do senso comum para
relacionar a doença mental à criatividade, sobretudo pelo conhecimento que se tem do
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comportamento estranho ou excêntrico, para não dizer de loucura, dos grandes
criativos.
Para autores como Moreau de Tours, Francis Galton, Langue-Eichbaum e Cesar
Lombroso (citados por Fernandes da Fonseca, A., 1990), existe algo em comum entre
doença mental e o artista. Em ambas as personalidades se encontra uma exarcebada
excitabilidade, que na personalidade genial levaria à produção artística e no doente
mental ao aparecimento de sintomas produtivos de natureza mórbida.
Langue-Eichbaum justificava essa relação baseado no fato de ter encontrado 13% de
manifestações psicóticas entre outras perturbações nas pessoas geniais que estudara.
Para o autor a psicopatia atuaria como fermento para a genealidade.
Por seu lado Lombroso no seu livro “Génio e Loucura” (1864) conclui que em ambas as
personalidades (artística e psicopatológica) se podiam encontrar estigmas psíquicos e
físicos de degenerescência)
Um exemplo disto é Van Gogh que após crises violentas de agitação, confusão e perda
de consciência conseguia pintar com mais vigor. Muitas das suas pinturas adquiriam
então um aspeto “turbilhado”. Tais crises pareciam ter um efeito altamente
sublimatório e catártico, onde a violência reprimida fazia a sua aparição sob a forma de
belo artístico.
Manuel de Assunção(1926-1969) referia que era no auge das suas crises depressivas
que atingia a sua maior força abstracionista.
Navratil (cit por Fernandes da Fonseca, A., pp43, 1990) em meados do século XX
afirmou, em contraponto, que… “ a dinâmica do ato criativo é idêntica no louco e no
homem criativo. Em ambos existe a mesma maneira de se exprimirem, com tendência
para o formalismo e uma certa expressão fisionómica”.
Deste modo, se por um outro lado são muitos os casos de grandes artistas ou génios
com antecedentes pessoais psicóticos, assim como são imensas as personalidades
talentosas que caem em comportamentos desregrados envolvendo o abuso de álcool e
drogas com Jimi Hendrix, Jim Morrison e Kurt Cobain, por outro, são igualmente
numerosos os artistas aparentemente sem perturbação psíquica.
60
museus com coleções de pacientes. Refiro como referências, citando Jean Luc Sudres
(2009):
- 1905 – Joseph Rogues de Fursac publica – “Les écrtis et les dessins dans les maladies
mentales ».
- 1907 – Marcel Réja edita – « L’art chez les fous : le dessin, la prose, la poesie ». Propõe
a ligação entre a passagem da imagem à escrita nos povos primitivos e os desenhos
dos loucos. Tal abre as portas às obras de outros investigadores, como o Dr. Benjamim
Pailhas (“L’art primitiv chez les aliénés”), o sociólogo Lucien Levy-Bruhl (“Les fonctions
mentales das les sociétés inferieures”) ou ainda o etnólogo Arnold Vangennep
(“Dessins d’enfants et dessins pré-historiques”).
- 1911 – Carlo Caro e Umberto Baccioni, promovem uma exposição de arte dos alienados
na Feira Internacional de Milão. Os Dadaistas repetem a experiência alguns anos depois
em Colónia.
- 1921 – Walter Morgenthaler, médico suíço, escreve uma monografia sobre a obra do
doente Adolf Wolffli, com esquizofrenia paranoide.
- 1922 – Hans Prinzhorn publica “As expressões da loucura”, reunindo numa coleção
mais de 5000 obras de cerca de 450 pacientes internados, a maioria esquizofrénicos,
em hospitais psiquiátricos de vários países europeus.
- 1936 – A Exposição Internacional do Surrealismo de Londres conta a presença de
obras de doentes mentais.
- 1939 – Gaston Ferdière apresenta à Societé Médico-Psychologique o projeto para um
“museu – laboratório de obras de alienados”, com fins de investigação.
- Pós Guerra – Jean Dubuffet dá inicio à “Coleção de Arte Bruta”, a partir das criações
de indivíduos adultos com psicose. Progressivamente é enriquecida com obras de
médicos, reformados, sem abrigo, prisioneiros e marginais. Dará origem, mais tarde, à
“Companhia da Arte Bruta”.
- Entre 1947 e 1951, Gaston Ferdière, Françoise Minkowska e Jean Dequeker,
desenvolvem a psicopatologia estrutural visando a apreensão da forma no seu
movimento e dinâmica. Deste modo reforçam o interesse pela Arte Psicopatológica.
- 1950 – Ocorre a Primeira Exposição Internacional de Arte Psicopatológica, no Hospital
Sainte-Anne, em Paris, pela ocasião do Primeiro Congresso Mundial de Psiquiatria. As
61
obras presentes na exposição vêm de 17 países, entre eles, Canadá, Brasil, Índia,
Finlândia e outros.
- 1954 – Criação do Departamento de Arte Psicopatológica na Clínica de Doentes
Mentais, do Hôpital Sainte-Anne, Paris.
- 1952 – É publicado por Robert Volmat o livro “Téchniques et modalités de la
thérapeutique par l’Art à l’Hôpital Psychiatrique ».
- 1956 – Robert Volmat, baseando-se nos trabalhos artísticos presentes na exposição
referida atrás, escreve o livro “Art Psychopathologique”, onde analisa o mundo das
formas, dos símbolos, dos temas plásticos, do pensamento arcaico e da posição da Arte
Moderna, e os mecanismos postos em ação na “terapêutica coletiva pela arte”. Esta
obra serve de referência para os primeiros ateliers de expressão plástica do
Departamento de Arte Psicopatológica do Hôpital Sainte-Anne.
- 1959 – É criada a Sociedade Internacional de Psicopatologia da Expressão (SIPE), cujo
campo de estudo se estende às expressões plásticas, musicais, gestuais, cénicas,
dramáticas e outras num espírito pluri e inter-disciplinar. Robert Volmat é o primeiro
presidente desta sociedade, secundado por Guy Roux e atualmente por Laurent
Shmitt.
“Não se podem diferenciar as tendências patológicas e sãs na história da arte, elas
alteram regularmente” (Lahel, 1929)
64
ao mesmo tempo que ensaia o controle dos seus conteúdos mentais, nomeadamente a
agressividade.
Em a “Viagem de Gulliver” rapidamente nos apercebemos da preocupação de Swif não
só relativamente à urina e defecação mas também em relação ao corpo. Quando
Gulliver regressa da sua viagem não suporta a ideia de ser beijado pela mulher.
Habitualmente o obsessivo tem disfunções a nível sexual, em termos de ejaculação
retardada ou abstinência total. Alguns costumam ser forretas e mesquinhos, pois
gastar livremente é uma forma de deixar-se ir que não previne o futuro.
Outra característica é a sua preocupação com a exatidão, pelo que são muitas vezes
bons colecionadores e perdem-se em rituais de “contar coisas”.
Também costumam preocupar-se com palavras e frases, preocupação essa que em
escritores chega a atingir o absurdo. Doroty Parker disse numa entrevista: - “Leva-me
seis meses a fazer uma estória. Planeio-a antes e então escrevo-a frase por frase – sem
intento prévio posso escrever cinco palavras mas então mudo sete” (citada por Storr,
A.; pp124; 1984).
Uma mulher preocupar-se com o comprimento da saia é legítimo para que mantenha a
sua boa imagem. No entanto se passar horas a fio em busca do comprimento ideal,
pode transformar um comportamento normal num comportamento patológico
obsessivo.
Até que ponto é normal a organização e o método, e quando passa a ser patológico? É
difícil de responder, mas uma compulsão é sentida como absurda, e o cuidado não. Ter
que confirmar dez vezes se a porta está trancada quando já sabemos que sim, é já um
comportamento obsessivo, tal como ter a necessidade de lavar as mãos mais que uma
vez após tocar num objeto ou alguém estranho.
A génese de tal pode por vezes ser encontrada nos comportamentos parentais para
com a criança. Se esta for repetidamente, pressionada, acusada e culpabilizada
relativamente ao asseio pode carregar para a vida adulta uma preocupação excessiva
com esse tipo de pormenores.
No entanto é preciso ter em atenção que rituais infantis, como contar degraus ou
“linhas e quadrados” dos passeios, são comportamentos com função positiva que
representam o princípio de autonomização e independência em relação aos pais, e
construção do sentido de controle sobre o mundo externo. Quando uma criança
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começa a desenvolver este tipo de rituais está a estabelecer e a afirmar a sua
capacidade de agir, reforçando a sua confiança relativamente ao mundo externo e
interno. Os rituais funcionam como facilitadores de transição para a independência da
segunda infância. Assim algum nível de obsessividade e ritualismo da parte das crianças
é saudável e propício ao seu desenvolvimento.
Freud no seu livro “Ações obsessivas e práticas religiosas” (referenciado Por Storr, A.;
1984) compara os rituais religiosos com os rituais neuróticos. Nessa obra refere que a
própria técnica psicanalítica tem elementos rituais. A sala sossegada, a posição do
paciente deitado com o analista por detrás e a omissão das situações convencionais de
consulta, como o pagamento só uma vez por mês, são condições facilitadoras da
entrada para o mundo interno.
No seu escrito de 1913 sobre o princípio do tratamento diz-nos: “Antes de concluir estes
comentários sobre o início do tratamento analítico, devo dizer algo sobre um certo
cerimonial que diz respeito à posição na qual o tratamento é efetuado. Refiro-me ao
plano de fazer o paciente deitar-se no sofá, enquanto me sento por detrás dele, fora da
sua visão”.” (citado por Storr, A.; pp130; 1984) Assim, o ritual pode tornar-se
organizador e próprio ao movimento criativo de acesso ao mundo interno.
Se a criatividade é vista como um substituto de atividades primitivas, é normal que
implique certos rituais, que mais que entendidos como defensivos, são construtivos e
propícios ao ato de criação.
São vários os artistas que não conseguem começar a trabalhar sem antes fazer um
ritual de iniciação. Nicolas Nabrakov no seu estudo demonstra a necessidade que
Stravinsky tinha de um ritual de caráter obsessivo. Segundo Eric Waller White: - “Para
Stravinsky o ato de composição é um ritual organizado pelo que exge uma sala de
trabalho equipada com os instrumentos e ferramentas apropriadas” (citado por Storr,
S. pp132; 1984) Foi apontada a falta de humanidade de Stravinsky que se reflete nas
suas composições, onde é observável a aridez e falta de espontaneidade, tornando
evidente o medo do descontrolo. Reage com severidade ao “Rito da Primavera”,
sentindo que deu livre reino ao impulso de Dionisio, descontrolo este que tem de ser
acalmado. Os primeiros sinais de mudança vêm-se na concentração em pequenas
escalas em vez de grandes orquestras. Para ele, o “Rito da Primavera” foi um marco
psicológico.
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Storr considera que por vezes as restrições e inibições da personalidade obsessiva
passam a agir como estímulo da criatividade. É possível que alguns rituais obsessivos de
pacientes neuróticos “sejam uma espécie embrionária de atividades criativas. Freud
considerava-os simples técnicas de exclusão e rejeição do recalcado, que
frequentemente exprimem impulsos defensivos, nomeadamente em relação à
agressividade. Quando a pessoa obsessiva consegue criar tem a oportunidade de
libertar-se de uma boa dose de hostilidade interior.”
Assim, o ritual simbólico pode ser visto como uma forma de estabelecer a ligação entre
mundo interno e externo do sujeito, uma ponte facilitadora da transferência da energia
emocional. Em Wagner, podemos ver o seu fetichismo como um compartimento entre
a sensibilidade física e a sua transmutação para a música: uma simulação incompleta do
primitivo que é conduzida para a arte.
Com o paciente obsessivo é preciso algum cuidado, em particular no início de uma
intervenção de Arte-Psicoterapia, com o ritual próprio à sessão, que deverá decorrer de
uma forma espectável. A rigidez obsessiva por vezes limita a manifestação criativa
espontânea mediada por recursos técnicos artísticos. Apesar de no decurso do
tratamento poderem vir a ser úteis materiais que sujam as mãos como o barro ou
digitintas, para confrontarem e dessensibilizarem, em relação à obsessão da limpeza,
no início são recursos a evitar. Podem exacerbar a ansiedade do paciente, impelindo-o
para a fuga do tratamento. Assim é preferível , no início, pesquisar o que pode ser mais
confortável para ele, como a utilização de postais ou o desenho com lápis de cor ou
marcadores, sobejamente familiares para o paciente.
No entanto, é preciso que o arte-psicoterapeuta seja paciente e aceite quer o
investimento pobre e rápido da garatuja, quer o detalhe minucioso interminável num
desenho que pode durar várias sessões. Com uma explicação bastante fundamentada
poder-se-á apresentar o Tabuleiro de Areia, destacando-o como uma “instalação” ou
“construção” e não como um jogo ou brincadeira, tornando-o aceitável. A pintura a
acrílico com espátula, efetuada esguichando tinta diretamente das bisnagas e
traçando-a com um número de gestos limitados, poderá, ao fornecer um resultado
visual imediato, aflorar algum sentimento de prazer, reforçado com a associação de um
Aiku ou algumas frases escritas na base de papel da pintura. Será sempre necessária
alguma cultura artística, criatividade e proficiência do arte-psicoterapeuta de modo a
67
contornar o enfado do paciente que facilmente perderá o interesse pelo fazer artístico.
No entanto, se com a continuidade do processo for possível retirar algumas
significações, que o paciente sinta como válidas ou até valiosas, ocorrerá o seu
comprometimento com o processo de criação em contexto relacional arte-
psicoterapeuta. Mas as mais das vezes será um caminho longo. Por vezes, quando se
estiver perto de poder alcançar resultados, será sabotado pela dificuldade e
culpabilidade do paciente em validar a satisfação obtida, quer com a sua capacidade
criativa, quer com o relacionamento arte-psicoterapêutico. Frequentemente nesta
altura o processo é abandonado. Quando assim não for haverá a possibilidade de a
ativação da criatividade do paciente e de a internalização transmutativa de
representações criativas organizadoras conseguirem operar uma regulação interna
eficaz da ansiedade, pensamentos obsessivos e das ritualizações compulsivas.
70
O indivíduo com perturbação esquizoide da personalidade carateriza-se por um
extremo isolamento. Muitas vezes, mas não invariavelmente, a pessoa com esta
estrutura psíquica dá a impressão de frieza e distanciamento, combinado com um certo
ar de superioridade. Há uma enorme falta de contato humano, as relações sociais são
quase inexistentes e tem poucos ou nenhuns amigos íntimos. Frequentemente o
indivíduo de personalidade esquizoide é acusado de evitar a intimidade, o que se
justifica uma vez que é exatamente o que tal pessoa se sente compelida a fazer. Outras
vezes diz-se que este indivíduo parece ter uma máscara, observação mais uma vez
correta visto que “os indivíduos esquizoides habitualmente jogam papéis nos quais,
intelectualmente, eles acreditam ser adequados, mas que não refletem o que eles
estão habitualmente a sentir”. (Sorr, A; pp72; 1972). Neste tipo de pessoas existe,
efetivamente uma espécie de divórcio entre o pensar e o sentir, isto é, uma forma
embrionária de “incongruência de afeto”. É devido a esta incongruência que se
observa o comportamento imprevisível do paciente associado a uma grande falta de
correspondência entre o que ele diz e as emoções que mostra.
Uma hipótese possível relativamente à perturbação esquizoide de personalidade é a
sua origem remeter para acontecimentos particulares nos primeiros anos de relação
com a mãe. Não há dúvida que os esquizoides têm na vida adulta atitudes e respostas
emocionais que um adulto normal há muito deixou de ter. Uma vez que um bebé nasce
num estado de dependência física e psicológica, se as suas necessidades básicas forem
satisfeitas ele adquire confiança e segurança. Isto é o que Erikson tão bem chamou de
“sentido básico de confiança”. Uma criança está à mercê de quem a tem a seu cargo.
Se as suas necessidades são satisfeitas de um modo razoável ela crescerá a pensar que
o mundo é previsível. Se for amamentada quando tem fome, adormecida quando tem
sono ou cansaço, acordada e limpa quando molhada, parecer-lhe-á haver uma firme
ligação entre o que se passa no mundo exterior e o seu próprio sentir. Mas se no
entanto as suas necessidades não são atendidas ou se fica subitamente privado de
cuidado, a períodos regulares, é provável que desenvolva uma desconfiança em geral,
considerando perigoso o envolvimento emocional com as outras pessoas. Se for
alimentada segundo as conveniências da mãe, mantida acordada quando tem sono,
posta a dormir quando lhe apetece brincar, entre outros, será fácil entender que para
essa criança o mundo parecerá incompreensível e imprevisível. Porque o que acontece
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na realidade nada tem a ver com o seu sentir, com as suas necessidades, o mundo
parecer-lhe-á dirigido por gigantes caprichosos.
Se bem que seja arriscado amar e ser amado, a vida sem envolvimento emocional não
faz sentido. O indivíduo com perturbação esquizoide de personalidade sofre dessa
fatalidade. Como resultado disso tem tendência para procurar sentido nas coisas mais
do que nas pessoas, fato muitíssimo relevante para a criatividade. Outra caraterística já
mencionada é o paradoxo entre sentimentos de extrema fragilidade e vulnerabilidade
relativamente aos outros e o seu oposto, isto é, uma certa superioridade ou mesmo
omnipotência. Esta combinação de opostos parece vir de uma perceção da infância
precoce. O bebé por um lado, enquanto criatura dependente, está intensamente à
mercê do adulto, pelo outro lado, podemos pressupor que, a inexistência da
consciência de uma nítida diferença entre o próprio e os outros objetos, leva a que
todo o mundo pareça ser composto apenas por si próprio. É fácil de entender que as
crianças estejam inicialmente centradas em si próprias. À medida que crescem vão, no
entanto, desenvolvendo, através da sua relação com os outros (pais e pares) um
sentido de realidade. Aos poucos vão-se apercebendo que são mais fortes e capazes
que uns, bem como, mais fracos e incapazes que outros. Por outro lado tomam
consciência que não são o centro do mundo, pois existem outras pessoas também
importantes. Assim, quando numa relação uma pessoa obtém pouca satisfação com as
pessoas e coisas do mundo exterior, sendo intensa a frustração, mais ficará centrada
no seu próprio mundo repleto de fantasias. Tal é caraterístico das pessoas esquizoides,
que como já se disse são essencialmente introvertidas, preocupadas com o seu mundo
interior mais do que com o exterior, ou seja com a realidade. Alguns destes indivíduos
sofrem terrivelmente com o medo de alguém poder exercer poder sobre eles. Outros
colocam a ênfase na arbitrariedade e imprevisão daqueles cujo poder temem. É fácil
ver que tal desconexão entre o mundo interior e exterior devem levar a uma
intensificação da sua preocupação consigo próprio, com a sua fantasia; bem como a
sensação de desespero de quem não é capaz de retirar satisfação do mundo externo
nem compreender porque ele parece totalmente aleatório.
Com uma precisão impensada Kafka descreve este mundo nos seus livros. Em “O
Processo” descreve-nos como Joseph K. é preso e acusado de um crime sem que o
72
personagem alguma vez saiba o porquê da acusação, ou até mesmo qual a acusação
levada a cabo por um tribunal de atividades misteriosas. A visão das crianças acerca dos
governantes (cuidadores) caprichosos assemelha-se ao funcionamento deste tribunal:
ofendem-se com coisas insignificantes, deixam de falar com velhos amigos, de repente
desatam a rir e já são amigos outra vez. Assim, é simultaneamente fácil e difícil lidar
com eles, não existindo princípios para essa relação. Este será o mundo alienado que
uma criança danificada trás para a sua vida de adulto. Para um adulto sem dificuldades
é difícil imaginar um mundo onde sentimentos e mundo externo não têm relação. Mas
quando para uma criança um sorriso dá sinal de tristeza, comer foi tão privado que
nunca ninguém tinha sido visto a fazê-lo e sexo era feito à sua frente, torna-se mais fácil
entender esta alienação.
Kafka, trabalhando num banco descreve a forma como um fabricante o procura para
consultá-lo. Mais tarde passa a conferenciar com o seu superior ignorando-o. Descreve-
nos a forma como se sentia engolido por dois gigantes, quando regateavam sobre a
sua cabeça.
Segundo as investigações de Gregory Bateson e outros, sabemos que as pessoas que
se tornam esquizoides em adultos, foram sujeitas em crianças a um tipo de
comunicação pelas figuras parentais a que ele chama de situação de “dupla via ou
doble bind”. Tal diz respeito a um registo relacional onde os pais (ou seus cuidadores)
dizem uma coisa quando querem exprimir o contrário, criando-se assim uma
desconexão entre o sentido e a expressão, extremamente confusa para uma criança
que “compreende” as pessoas muito mais pelo tom de voz e ação, do que pelo
conteúdo da frase.
De acordo com a biografia escrita por Mark Brad, Kafka toda a vida atribuiu poderes
mágicos ao pai. Esperava o seu reconhecimento que nunca conseguiu obter. Em “O
Julgamento” a sensação de inadequação e de estar constantemente errado torna-se
evidente. Na carta que escreve ao pai aos 36 anos é nítido o sentimento de culpa
irracional que Kafka sente. A propósito No final de “Carta a meu Pai”, este responde ao
filho sobre as suas acusações: - “I admit we fight each other, but there are two kinds of
fight. There is the chivalrous fight, where two independente opponents test their
strengh against each other, each stands on his own, loses for himself, wins for himself,
and there is the fight of the vermin, which not only bite but at the same time suck the
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blood on which they live. They are really the professional soldier, and that is what you
are. You cannot stand up of life, but in order to set yourself up in it comfortably, free
from care, and without self-reproach, you prove that I robbed you of your capacity to
stand up to life, and shoved it in my pocket” (cit. por Storn, A; pp. 78/79; 1984).
Noutra passagem kafka fala-nos da sua incapacidade emocional, mais especificamente
em relação ao casamento: “The chief obstacle to my marriage is the conviction, which I
can no longer eradicate, that to keep a family, particularly to be the head of one, what
is necessary is just what I recognize you have-just everything together, good and bad
just it organically united in you, viz strength and contempt of others, healt and certain
excess, eloquence and standoffishness, self-confidence and dissatisfaction with
everybody else (…) of all qualities I had comparatively nothing”. (Cit. por Storr, 1984)
Envolver-se em atividades criativas facilita que o indivíduo com perturbação esquizoide
se exprima, configurando concretamente o seu mundo interno. São apontados por
Anthony Storr (1972) cinco vantagens para o recurso a atividades criativas artísticas por
parte de pessoas esquizoides:
1 – Por ser algo, que sendo feito sozinho, torna mais fácil a comunicação, mantendo a
sensação de conseguir controlar o que revela sobre si próprio. Assim evitam-se os
problemas da relação direta com os outros.
2 – As atividades criativas permitem à pessoa esquizoide manter, pelo menos em parte,
a sua fantasia de omnipotência.
3 – Para o indivíduo esquizoide , a atividade criatividade reflete o seu próprio padrão de
valores, cuja caraterística principal reside em ser atribuída uma maior importância ao
mundo interno, em detrimento do externo.
4 – Alguns tipos de criatividade são particularmente eficazes para conterem o sentido
de arbitrariedade imprevisível. Storr refere-se a como o estudo da geometria de
Euclides deu a oportunidade a Bertrand Russell, enquanto criança, de contatar com um
sentido e ordem opostos ao caos das emoções que sentia em si.
5– Sem dúvida que a atividade criativa pode funcionar como uma defesa contra a
ameaça que se abate sobre a pessoa com traços esquizoides de sentir o mundo e a
existência sem sentido.
Quando se consegue que um indivíduo com perturbação da personalidade do espectro
esquizoide se comprometa com uma Arte-Psicoterapia deve-se estar preparado para,
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antes de mais, baixar as espectativas, respeitando o distanciamento e suspeição
próprios ao paciente. No início, em geral, a sua postura ou contato é evasivo, sendo
frequentes as desculpas para cancelar consultas. As primeiras criações são as mais das
vezes, muito pouco investidas, reduzidas ao minimalismo de traços quase aleatórios e a
garatujas. A partir do momento que o paciente perceba que as criações poderão ser
um aliado que lhe reforça o controle sobre a situação passarão a ser progressivamente
investidas. Para tal também contribuirá a capacidade criativa e o conhecimento de
recursos técnicos artísticos do arte-psicoterapeuta, postos ao serviço do paciente. Por
vezes, quando estes pacientes se comprometem com a criação artística nas sessões de
Arte-Psicoterapia insistem em manter o enigma que as envolve referindo que não
associam nada a partir delas. Em alternativa procurarão descodificar o desconhecido do
arte-psicoterapeuta pedindo que seja este a dizer o que conclui ou analisa.
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Na perspetiva kleiniana o modo como decorre a mudança de posição esquizo-
paranoide para a posição depressiva é objetivável na observação das caraterísticas
peculiares do modo de relacionamento do indivíduo com pessoas do mundo externo,
ou reais.
Aqueles que se mantêm na posição depressiva e não desenvolveram a confiança básica
necessária, ficam vulneráveis à opinião dos outros, tal como o bebé o é quando é
desmamado. Para eles a opinião dos outros é vital, e a rejeição ou desaprovação é uma
questão de vida ou morte. Assim terão tendência para estabelecer relações de
dependência. Quando desaprovados caem em depressão profunda, alimentando uma
raiva incontrolável que pode levar ao suicídio.
Desde Freud, e do seu estudo sobre a melancolia, generalizou-se a perspetiva de os
depressivos terem dificuldades em lidar com os seus impulsos agressivos. A
agressividade é expressa contra si próprio. Um Supereu persecutório ataca o Eu
recriminando-o pela incompetência que demonstra, manifesta na inapetência,
anedonia e desinvestimento de realizações. A culpabilidade está na base do sentimento
de ruina. Esta maneira masoquista de comportamento leva a uma atitude submissa
relativamente aos outros, reprimindo o indivíduo a sua individualidade para agradar.
Em oposição a isto, na perturbação bipolar, temos o comportamento maníaco em que
os desejos e necessidades dos outros são totalmente negligenciados e a omnipotência
prevalece, sendo a auto-crítica totalmente derrubada. Deste modo surge como defesa
contra a melancolia.
Pensemos agora em quê que a criatividade pode aliviar a depressão: visto que o artista
é altamente respeitado e admirado, tal aceitação funciona como injeções de auto-
estima. Um depressivo sentindo-se mal-amado pelos próximos pode tentar ser
reconhecido publicamente através do trabalho criativo. No entanto esta auto-estima é
geralmente de pouca duração.
Miguel Ângelo recebeu mais aplausos e obteve uma posição mais elevada que qualquer
outro artista antes dele. Reconhecido como era até com o papa podia ser arrogante.
No entanto os seus sonetos estão carregados de depressão e auto-depreciação. No seu
fresco “Ultimo Julgamento” retratava-se no vazio de um mártir. Tal vazio é uma das
caraterísticas depressivas, uma vez que o ataque ao Eu pode destitui-lo de sentido
existencial.
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Aderindo ao ganho de auto-estima consequente ao trabalho criativo o depressivo pode
deixar emergir a agressividade, que tão difícil é de exprimir na realidade. A prática de
uma atividade artística dá à pessoa deprimida a possibilidade de se exprimir sem ter
que encaixar nas opiniões alheias. Na verdade a produção criativa pode exprimir
melhor o Self do que a verbalização comum. O trabalho criativo para o indivíduo
depressivo pode, então, representar uma expressão de rebeldia e hostilidade sem que
o artista tenha que enfrentar os outros.
Muitas das pessoas criativas são extremamente sensíveis relativamente ao que
produzem, recordando mais acerca de um livro ou quadro do que retêm memórias de si
próprios. Isto faz todo o sentido na medida que estes “objetos” contêm mais da
pessoa real do que alguma vez esta mostrou de si no dia-a-dia. Assim, não é
surpreendente que o produtor dessa obra seja hipersensível relativamente a ela.
Um bom exemplo disto é Virginia Woolf que, segundo Storr: - “passava por agonias
cada vez que produzia um novo livro, ficando desesperadamente vulnerável àquilo que
os críticos diziam sobre ele”. O seu temperamento depressivo mostrou-se nas
reincidências depressivas que acabaram no suicídio.
A substituição do Self pelo trabalho artístico, no deprimido, pode atingir qualquer grau.
Se um artista se identifica totalmente com uma produção pode até preferir não
terminar a obra, ou no caso de a terminar não a expor. Em geral, a razão para o
bloqueio da obra que “não se consegue acabar” é inconsciente.
Os depressivos geralmente carregam com eles um ressentimento contra os pais fora
do comum. Segundo eles, em fantasia, e frequentemente na realidade, os pais
privaram-nos do amor que precisavam na infância. Mantendo a idealização dos pais e
desidealizando-se a si próprios tentam preservar a bondade do objeto, de cujo amor
incerto ficaram dependentes. Deste modo reprimindo a hostilidade e não conseguindo
exprimi-la aos outros, submetem-se-lhes. Este tipo de adaptação submissa pode ver-se
muito bem nas personalidades masoquistas. Na depressão evidencia-se o masoquismo
moral, onde a culpabilidade frequentemente se relaciona com a auto-punição.
Os indivíduos bipolares dificilmente se realizam nas suas relações humanas, alternando
entre serem responsáveis e agressivos, ou submissos e insinuantes. Por vezes a
martirização punitiva da depressão reveste-se de uma qualidade perversa de ataque
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indireto e invalidação do outro. Nas personalidades com traço de “depressão perversa”
frequentemente a criação artística em contexto de Arte-Psicoterapia é espúria.
Alguns depressivos alternam entre a agressividade excessiva e a super-simpatia.
Exemplo disto era Winston Churchill, que sendo implacável com os seus inimigos, se
tornava condescendente quando os derrotava.
Outra forma de expressão de impulsos agressivos é a rebeldia contra o passado. Os
génios revolucionários não são a única forma de genialidade, mas são um tipo muito
particular. Um grande inventor como Beethoven teve de cortar com o passado para
criar o seu percurso individual e isto é, na sua essência, um passo agressivo.
O que vem primeiro aquando da criação, a destruição do antigo ou a criação do
moderno?
A reconstrução do mundo interior da criança, implica que esta sofre uma intensa
ansiedade ao descobrir que pode perder ou destruir a mãe, com seus sentimentos de
destruição. Este estádio determina que ao desenvolve-se o sentimento de culpa criam-
se também as condições para que possa ser reparado. Ficamos assim com a ideia que a
compulsão para criar pode ser devida à ideia de reconstrução do que foi destruído.
Adrian Stoker refere acreditar nesse interlúdio entre agressividade, reconstrução e
arte. A reparação do luto é uma forma salutar de lidar com a depressão. As defesas
maníacas são outra, mas neste caso patológica, através da negação da melancolia.
Quando ativadas a pessoa, fica hiperativa, exigente, bruta e agressiva. Alega sentir-se
espetacular e proclama a sua habilidade para ultrapassar os obstáculos que se lhe
deparam, mostrando-se híper auto-confiante e com sentimentos de omnipotência.
Gestos expansivos, logorreia e delírios de grandeza são também caraterísticos deste
tipo de defesa que geralmente não dura muito.
Sabe-se que Balzac sofria de perturbação bipolar. Como era costume na época, em
criança foi deixado aos cuidados de uma ama de leite, sendo raramente visitado por
sua mãe. Balzak nunca perdoou a mãe pelo abandono, chegando mesmo a dizer que
nunca tinha tido uma mãe. Por muita fama e amor que tenha vivido nunca conseguiu
preencher o vazio deixado pela falta da mãe. Considera que nasceu para ser infeliz
tendo admitido pensar no suicídio aos 25 anos. Existe um contraste ente a sua
imaginária crueldade existencial e a sua crença no uso da vontade, para superar os
dramas da vida e a exploração dos outros, privilegiando a generosidade bondosa. Tal
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ilustra o antagonismo bipolar típico deste tipo de perturbação. Para apontarmos a sua
omnipotência basta referir que Balzac tinha uma estatueta de Napoleão com um papel
que dizia: - “Aquilo que ele não conquistou pela espada eu vou conquistar pela caneta”.
Também o fator bipolar marcava a sua rotina. Este escritor alternava orgias de trabalho
com orgias de prazer ambas com intensidade patológica. Balzac ilustra, assim, muito
bem a defesa maníaca. As suas ostentações e extravagâncias eram apenas formas de
tentar evitar a depressão. Tinha um grande conhecimento técnico e social. As suas
personagens convenciam por serem baseadas na realidade e podemos mesmo chegar
a dizer que foi um “feitor de sistemas”. Suicidou-se pela sua hiperatividade, com
complicações cardíacas.
Quando instado para criar, o paciente deprimido em Arte-Psicoterapia, geralmente
resiste, por vezes manifestando a sua contrariedade através da fórmula recorrente: -
“Não sei o que fazer”. As primeiras criações são, muitas vezes, pobremente investidas,
reduzidas a um minimalismo desinvestido de significado. Com a persistência tenaz do
arte-terapeuta, sugerindo formas alternativas de expressão, como o uso de postais ou
os tabuleiros de areia poder-se-á conseguir que o paciente deprimido se comprometa
com o processo criativo. Vão então surgindo enigmáticas manchas de tinta ou camadas
sobrepostas de pastel, bem como formas de conteúdo-continente, em geral
arredondadas e orgânicas, remetendo para o desejo de relação simbiótica de amor,
satisfatória, com a mãe. Aqui ou ali irão surgindo referências figurativas, vislumbrando
um prenúncio de individuação. Com a continuação o movimento de reparação tornar-
se-á mais evidenciável pela emergência da necessidade de procura de sentido estético
nas criações. Os temas ganharão complexidade, sendo viável a manifestação da
agressividade descarregada nas criações. Nestes momentos abrem-se buracos ou
rasgam-se partes das imagens concretas. O retorno da culpabilidade pode levar a
retrocesso a modos já abandonados de expressão, ou a recusa para criar, parecendo
que as criações apenas parecem causar frustração e repúdio, sendo usadas para a auto-
recriminação: - “Isto está uma porcaria”; ou: – “Não presta para nada”. Deste modo a
criação é tratada como o Eu, assombrada pelo reflexo do objeto de frustração.
Já nos episódios maníacos podemos assistir a um afã criativo, com uma minuciosidade
de pormenores a roçar o obsessivo. As criações artísticas terão uma qualidade
grandiosa e totalizante, quase investidas de poderes mágicos. No entanto, se a
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agitação psicomotora se tornar excessiva então as dificuldades de concentração na
tarefa traduzir-se-ão por um desinvestimento e empobrecimento progressivo das
criações.
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