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Paulo Finuras
Universidade Lusófona de Humanidades e Tecnologias
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All content following this page was uploaded by Paulo Finuras on 27 February 2018.
Recentemente, numa das leituras de investigação que efetuava, o autor perguntava a certa altura:
como é que pessoas normais são capazes de matar-se, em nome de uma qualquer causa, por
exemplo, através do suicídio terrorista, matando outras pessoas inocentes. Esta questão
entronca noutra mais geral que á de saber, no fundo, como é que pessoas "normais" são capazes
de praticar atrocidades sobre outras pessoas?
A minha primeira resposta, não refletida, foi: não são! Porque pessoas “normais” não são
capazes disso. Mas enganei-me. De facto, são.
Na verdade, há todo um corpo de investigação sobre o comportamento humano que mostra
como pessoas ditas “normais” são capazes de cometer as coisas mais “anormais”, e entre elas,
verdadeiras barbaridades sobre outros indivíduos. E são-no, simplesmente alegando ou
invocando que estão a obedecer a ordens de alguém, ou de algo, despersonalizando os outros,
vendo-os e tratando-os como coisas ou, mais simplesmente, não estando sequer face a face com
aqueles que magoam.
Por incrível que pareça, sempre que se cria um “ambiente permissivo” tudo o que possa
acontecer, havendo tempo e oportunidade, acabará por acontecer. De resto já o sabíamos a
partir da “teoria das janelas partidas”, no âmbito da criminologia. Esta teoria, várias vezes
comprovada, propõe que quando algo é abandonado e maltratado tende a ser ainda mais
maltratado e destruído. Essa é uma das ideias por trás das quais o pequeno crime deve logo ser
combatido “à nascença”. Quando uma janela é partida numa casa e não é logo reposta, chamará
rapidamente por outra partida, e assim sucessivamente até assim estarem todas.
Efetivamente, o que a investigação científica nos diz, e há bastante tempo, desde as investigações
de Solom Asch, até Albert Bandura, passando por Stanley Milgram e Philip Zimbardo, é que
pessoas ditas “normais” são capazes das maiores “anormalidades” nas condições certas.
Solomon Asch mostrou, por exemplo, o efeito da pressão dos grupos na modificação e na
distorção do julgamento dos indivíduos, através de experiências clássicas e que continuam a ser
replicadas e confirmadas ainda hoje.
Stanley Milgram, por seu turno, mostrou-nos como as pessoas “normais” são capazes de
obedecer a “figuras de autoridade” e, assim, aplicar choques elétricos a pessoas que não
conhecem. Isto agrava-se quando colocadas em situações em que, não vendo nem ouvindo a
sua vítima, executam as maiores crueldades.
Mais tarde, Bandura (2015) avançou com o conceito de “desprendimento moral” mostrando
como as tais pessoas “boas” e outras “não tão boas” são capazes dos crimes mais hediondos e
são capazes de viver com isso, reconstruindo e justificando a sua conduta de diversas formas.
Entre elas, utilizam mecanismos vários de defesa que vão desde a justificação moral à difusão
ou deslocação de responsabilidades, distorção das consequências ou à simples desumanização.
Mas é com Phill Zimbardo (1997), através de uma experiência que ficou notável por várias
razões (algumas de má memória), que surgiu o conceito de “Efeito Lúcifer”.
A ideia base deste conceito, em síntese, é a seguinte: qualquer indivíduo, dito normal, em geral,
é capaz de praticar o mal ou ter comportamentos antissociais e este é, em grande parte (repito,
em grande parte), o resultado ou consequência de situações que facilitam esses mesmos
comportamentos. Por outras palavras, nas “condições certas” qualquer pessoa “normal” é capaz
de cometer uma “anormalidade”.
Sei que a simplicidade disto pode chocar alguns leitores, mas a questão é que é exatamente tão
simples quanto isto, nem mais, nem menos.
Pessoas boas, e outras não tão boas, são capazes de coisas más, e mesmo muito más. Pessoas
normais são capazes de comportamentos anormais. Basta que surjam as circunstâncias, as
situações, ou se criem os ambientes que o propiciem. Ponto.
No fundo, a linha entre o bem e o mal é não só móvel como situacional e, ao que parece, mais
facilmente transponível do que julgamos. E assim, aqueles que parecem “bons” podem tornar-
se “maus”.