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Torcida ganha jogo, mas não qualquer torcida

Comentários sobre as músicas do Brasil na Copa


Rodrigo Abreu Pinto
12/06/2018

A torcida brasileira protagonizou um comportamento incomum na Rússia. Se o futebol brasileiro


está cada vez menos vibrante, com o acesso às arenas cada vez mais difí$il e restritivo às faixas e
instrumentos das torcidas (não é à toa que os treinos antes da decisões se tornaram os principais
momentos de festa), este comportamento medíocre sempre foi regra nos jogos a da seleção, em
que se inclui o impertinente “eu sou brasileiro, com muito orgulho, com muito amor”.

Na Rússia, no entanto, não há brasileiro que não tenha se surpreendido e empolgado com as
imagens da torcida brasileira, muito embora esmagada pelos padrões Fifa (proibição de
instrumentos de grande portes, tamanho máximo para as bandeiras somente, assento marcado,
nenhum lugar do estádio para torcer em pé). A surpresa era tanta que as emissoras de televisão
não cansaram de reprisar as cenas e músicas dos torcedores brasileiros, e é provável que todos
nós ainda tenhamos em mente as canções que fizeram sucesso na Copa1.

Uma vez passada a euforia, é também preciso realizar uma revisão crítica dessas músicas. Para
muitos, é provável que este gesto seja visto como elitista, afinal, a música no Brasil sempre foi
compreendida como a mais legítima expressão da espontaneidade popular, estando para além da
raia de análises críticas. Não por outra razão, no meio cultural (até mesmo de esquerda) impera
uma covardia crítica diante da miséria musical do funk ou sertanejo universitário (com suas letras
ridículas e arranjos estereotipados). O que se torna ainda mais verdadeiro no caso do futebol, meio
que sempre se viu apartado de críticas culturais já que prevalece o mito da irracionalidade dos
torcedores “doentes” pelo seu clube, portanto também situados para além de qualquer possibilidade
de análise crítica. Na ausência dessa, nossos clubes de futebol permanecem com um repertório
medondo de músicas estúpidas, homofóbicas, caricatas, etc.

Outros vão dizer que basta cantar, como se não importasse o que a canção veicula e transmite.
Contra um argumento dessa estirpe, basta lembrar como o primeiro grande filme do cinema
brasileiro se singularizou justamente porque a trilha sonora de Deus e o Diabo na Terra do Sol era
definidora para a compreensão da narrativa. Ou seja, não era possível compreender a história sem
realmente ouvi-las e interpretar suas letras, pois as canções não eram um mero acompanhamento.
Assim também ocorre nos estádios de futebol: as músicas entoadas pelas torcidas não são neutras
como “música ambiente”, mas impelem os jogadores de acordo com o sentido das letras.

Não quero subestimar a dificuldade que é criar uma canção em que a letra seja facilmente decorável
e que possua a dicção própria a grudar no ouvido e mente dos torcedores. Principalmente porque,
diferente dos argentinos e uruguaios, nossos clubes de futebol não compartilham irrestritamente os
mesmos modelos de músicas2 - se fosse assim, precisaríamos apenas modificar a letra ao pôr o

1
Não vou falar aqui das músicas que artistas gravaram em vista da Copa, dentre os quais se
inclui Rincon Sapiência, Neguinho da Beija-Flor, Wesley Safadão, Timbalada, Mc Loma, etc. Para
uma análise minimamente divertida destas músicas: https://www.vice.com/pt_br/article/vbqq53/re-
senhas-musicas-brasileiras-copa-do-mundo-2018
2
Embora não façamos isso de modo tão extensivo como as demais torcidas latinas, o próprio
ritmo do Brasil Olê Olê Olê é utilizada por diferentes torcidas como a do Vasco
(https://www.youtube.com/watch?v=mmmBKSV0uyg).
nome do Brasil, já que o ritmo todos já saberíamos. A despeito desta dificuldade, não podemos
simplesmente olhar ingenuamente para as canções.

“58 foi Pelé


62 foi o Mané
Em 70 o esquadrão
Primeiro a ser tri-campeão

94 Romário
2002 Fenômeno
Primeiro tetra-campeão
Único pentacampeão

Ô Brasil olê olê olê


(…)”

É valioso que a nossa principal música na Copa esteja preocupada em resgatar o passado e assim
historicizar o presente. O problema é o personalismo que a música privilegia, elegendo um nome
individual para representar uma conquista coletiva, assim duplicando nosso constante apego às
figuras que ocupam o poder e nas quais confiamos o rumo nacional. Sobretudo, o que o que devem
pensar os jogadores? Caso seja campeões, que a próxima música certamente afirmará que 2018
foi Neymar, algo tão desmedido quanto os próprios jogadores que usaram um boné com a inscrição
“Força Neymar” antes da partida da Alemanha, o que não ocorreria caso fosse qualquer outro
jogador lesionado. De modo mais acertado, na Copa de 2002 foram os próprios jogadores que
tentaram impedir a centralização da conquista em poucas figuras. Antes da partida final contra a
Alemanha, os jogadores reservas quebraram o protocolo e também se enfileiraram para a foto oficial
junto ao times.

Nas demais músicas, sobressai uma preocupação quase exclusiva em atingir os rivais
(principalmente a Argentina):

“Mil gols, mil gols, mil gols, mil gols, mil gols,
só Pelé, só Pelé, Maradona cheirador.”

“Não dá pra esconder o que eu sinto por você Rússia


Não dá, não dá, não dá, não dá…
Só sei que a Alemanha estremece
Que a Argentina só tem o Messi
Inevitavelmente a Itália dança
O Zidane não nasceu na França
O Iniesta nem joga mais
Só sei que ser brasileiro é bom demais!
Ê ô, ê ô, sou brasileiro!”

“O Di María, o Mascherano, o Messi, tchau


Messi, tchau; Messi, tchau, tchau, tchau.
E os argentinos estão chorando,
porque esta Copa eu vou ganha.”
Não que tais músicas não sejam divertidas, mas o futebol é assim infantilizado e tornado uma
comédia ininterrupta, o lugar próprio de fazer gracinhas com os povos alheios em imenso concurso
de quem faz as musiquinhas mais “criativas” contra os rivais). Talvez se tivéssemos mais músicas
explicitando nós mesmos, provavelmente enrijeceríamos nossas convicções antes de olhar para o
rival de maneira tão boba (Zidane não nasceu na França… e daí?) ou moralista (Maradona
cheirador… e daí?). Todo torcedor de clube sabe a diferença entre cantar uma música contra o rival
e cantar uma música enaltecendo o próprio clube, sobretudo nos momentos de tristeza em que
cantar uma música tradicional do clube renova o orgulho ao assinalar a certeza de que a grandeza
do clube é maior que aquela derrota.

Próximo ano, a Copa América acontecerá no Brasil, Será uma boa oportunidade de acertarmos os
rumos e reinventarmos de maneira ainda mais assinta a torcida pela seleção.

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