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EDITORA UFMG
Diretor: Wander Melo Miranda
Vice-Diretor: Roberto Alexandre do Carmo Said
CONSELHO EDITORIAL
Wander Melo Miranda (presidente)
Ana Maria Caetano de Faria
Flavio de Lemos Carsalade
Heloisa Maria Murgel Starling
Márcio Gomes Soares
Maria Helena Damasceno e Silva Megale
Roberto Alexandre do Carmo Said
AS NAÇÕES DESUNIDAS
Práticas da ONU e a estruturação do
Estado em Timor-Leste
Belo Horizonte
Editora UFMG
2012
Prefácio 13
Apresentação 19
A construção da administração pública timorense:
elenco e cenário 21
Inspirações analíticas 29
Sobre a pesquisa 35
O Estado e a nação em Timor-Leste 38
O livro 50
Capítulo 1
A REUNIÃO DE TIMOR-LESTE COM
OS PARCEIROS DO DESENVOLVIMENTO 57
construção do Estado timorense e as políticas de doação:
A
aproximações à teoria da dádiva 60
A produção 63
A Reunião 67
Formas, conteúdos e funções da RTilPD 102
Capítulo 2
A FEIRA DO LIVRO LUSÓFONO 107
A Feira 110
Os dias de Timor-Leste 135
Registros coloniais 151
Capítulo 3
AS NAÇÕES UNIDAS E A
CONSTRUÇÃO DE CAPACIDADES 155
Das missões de elaboração de projetos 167
Agentes de um campo 186
Induction Training 191
NOTAS 419
BIBLIOGRAFIA 453
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Inspirações Analíticas
Como um estudo de vocação antropológica, o desenvolvimento
da pesquisa, bem como sua sistematização, seguiu um estilo etno-
gráfico e histórico. Partiu-se da premissa de que o Estado-Nação
é uma comunidade moral e política sempre em devir cuja existên-
cia é fruto de processos sócio-históricos particulares. Descarto,
portanto, a ideia de que a organização de sociedades políticas,
no modelo de Estados-Nações, seja inexorável e universal. Se a
maior parte da população mundial hoje se relaciona mediada
por um Estado nos moldes que conhecemos como um Estado
nacional, isso se deve menos a um suposto caráter inevitável
desse modelo do que a relações de poder entre diferentes agen-
tes sociais, coletivos e individuais, cujas interações, ao longo do
tempo, forjaram unidades políticas inspiradas nesse paradigma.9
Por serem plurais os números e os tipos de agentes envolvidos
na formação dessas comunidades morais e políticas, bem como
os contextos em que vieram a interagir, supõe-se que as insti-
tuições sociais engendradas por eles são também diversas. Isso
nos obriga a observar cada processo de formação de Estados e
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Sobre a pesquisa
Os dados discutidos ao longo do livro foram produzidos
entre novembro de 2002 e outubro de 2003, período em que
realizei trabalho de campo em Díli. Observei o que denomino
construção do Estado de perspectivas bastante delimitadas, a
partir dos espaços de investigação que fui galgando durante
a pesquisa. Antes de minha chegada a Timor-Leste, estive sete
meses em Lisboa, onde pude me familiarizar com bibliografias a
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O livro
Vimos sociedades em estado dinâmico ou fisiológico. Não
as estudamos como se estivessem fixas, em um estado
estático ou antes cadavérico, e menos ainda as decom-
pusemos em regras de direito, em mitos, em valores e em
preço. Foi considerando o todo em conjunto que pudemos
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A PRODUÇÃO
Analisa-se a seguir a RTiLPD, ocorrida em junho de 2003,
aproximadamente um ano após a restauração da independência.13
A RTiLPD é um ritual periódico – acontece uma vez por ano – no
qual, através de um jogo fino de questionamentos, prestação de
contas, cobranças e súplicas, doadores e o governo consolidam e
negociam sua parceria para o processo de construção do Estado.
Como componentes de um mesmo sistema, as relações entre esses
atores são marcadas por uma etiqueta própria, cujos termos
serão apresentados ao longo do texto.
Participam da reunião todos os parceiros do desenvolvimento
de Timor-Leste, além de membros do governo e convidados espe-
ciais – organizações não governamentais, parlamentares, entre
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A REUNIÃO
Sebastião: – Agora que os outros países viram o que o
governo da Malásia fez, vão todos querer correr atrás.
Maria: – Vocês viram a cara do Embaixador de Portugal?
Estava com cara de criança, com o dedo na boca.
Sebastião: – Ah, agora Portugal vai querer doar caminhões
também.
Maria: – Aqueles, aqueles não têm nem para eles que dirá
para doar para Timor-Leste.
(Diálogo entre dois funcionários do governo timorense,
após participarem da cerimônia de entrega oficial de
equipamentos bélicos doados pela Malásia ao Estado
da RDTL em outubro de 2003.)
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ENTREGA DE
TRADUTORES
IMPRENSA INTÉRPRETES
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I D 12 I
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I B 14 I
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Tabela 1
Tabela síntese de registro da assistência externa recebida
por Timor-Leste de 1999 a 2003
(continua)
Total Disbursements
Total
Donor Countries Budget Payments to Bilateral
Total Approved
& Agencies Support TFET Assistance
Australia 11,467,877 12,430,000 82,005,775 105,903,652 161,891,417
Japan 9,310,000 27,904,000 89,166,325 126,380,325 142,616,377
Portugal 3,000,000 30,000,000 46,308,862 79,308,862 140,392,697
European Union 8,947,000 51,642,700 65,422,365 126,012,065 133,761,776
United States 8,500,000 500,000 55,530,841 64,530,841 80,776,487
United Kingdom 13,445,755 10,182,000 18,188,683 41,816,438 53,479,902
United Nations 33,106,712 33,106,712 33,106,712
Norway 3,868,766 2,400,000 17,208,058 23,476,824 29,526,040
WFP 25,695,792 25,695,792 25,695,792
UNDP 18,756,317 18,756,317 24,882,461
UNICEF 17,639,164 17,639,164 23,865,567
UNHCR 21,880,234 21,880,234 21,880,234
World Bank 5,000,000 10,400,000 3,251,000 18,651,000 19,221,220
Finland 967,613 3,719,000 6,005,403 10,692,016 15,845,333
Canada 9,766,770 9,766,770 12,908,038
China 6,176,504 6,176,504 9,800,504
Asian Development
8,600,900 8,600,900 8,600,900
Bank
Ireland 1,903,515 470,000 3,743,408 6,116,923 8,354,256
New Zealand 673,269 699,440 4,074,827 5,447,536 7,637,565
TFET(investiment
7,138,000 7,138,000 7,138,000
income)
Netherlands 1,997,188 3,204,991 5,202,179 5,202,179
Sweden 4,083,137 755,138 4,838,275 4,838,275
Germany 3,339,711 3,339,711 4,673,044
Brazil 2,969,000 2,969,000 2,969,000
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A Feira
A I Feira do Livro Lusófono ocorreu entre 1º e 12 de março de
2003 em Díli. Uma iniciativa do Instituto Camões (IC), o evento
tinha como objetivo “consolidar e difundir a língua portuguesa
não só naquele País, mas em todo o espaço lusófono (sic)”.5
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Para mim, ser lusófona é mexer em um espaço que fala uma língua
comum, mas não é só a questão da língua, eu acho que ser lusófona é
sentir-me bem em qualquer sítio onde se fala a língua portuguesa. (...)
Eu vou, por exemplo, a Angola, eu me sinto bem em Angola. Não é só a
língua, são os costumes, a comida. Há uma tradição comum no espaço
da lusofonia. Para mim ser lusófona é ir ao Brasil e sentir-me em casa.
(...) E, quando vou a Espanha, que está mesmo ao lado de Portugal,
eu não me sinto nem espanhola nem ibérica. Deveria sentir-me ibérica,
somos quase de uma mesma formação histórica e cultural, mas eu não
me sinto ibérica. Eu vou à França e não me sinto europeia. (...) Ser
lusófona, para mim, também é estar no sol, no calor, não ter medo de
mosquitos, é gostar de frutas tropicais, é um estar diferente. (...) Aqui
em Timor tem muita lusofonia...
[O que tem de lusofonia em Timor?]
(...) Eu vim para cá o ano passado, pela primeira vez, em uma con-
ferência e senti-me logo em casa. Tem o cheiro, tem a confusão que
fica nos trópicos, tem os gostos, muitos até culinários e também tem
muita influência, obviamente, de marca indonésia. Nota-se que eles
não têm garra, como os africanos ou como os brasileiros. Nota-se uma
certa lentidão de pensamento, de estar e de fazer as coisas. Foi uma
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O mundo é uma grande lição, Sr. Miguel. Imagine então esse campo
de algodão tão grande, que se perdia de vista, onde as plantas já estavam
secas e só se via umas pontas brancas nos fios e aqueles tufos ao longo
do planalto de Monapo e Namialo, perto de onde eu nasci. E imagine-se
então nesse campo de algodão a procurar mangas, mangas doces ou
mangas verdes. Era impossível. O meu pai mandara-me então apanhar
mangas num campo de algodão. Eu voltava de mãos vazias. É para
saberes. Isto é o que acontece a si, é como procurar Maria de Lourdes,
porque o que procura não é deste mundo. Este mundo não tem nada
a ver com seus sonhos. Lourenço Marques acabou há muito tempo.
Esta cidade, as acácias, a pérola do Índico, as lagoas, as enseadas, as
baías, as caçadas que levavam uma semana inteira, as pastelarias com
ar-condicionado, este mundo já acabou há muito tempo. Acredite em
mim, porque eu seria um grande fotógrafo. (...) Lourenço Marques
não mudou de sítio. Acabou simplesmente. Como muitas vezes aca-
bam as tempestades de repente, sem aviso. Só que o fim de Lourenço
Marques estava escrito há muito tempo. O seu paraíso, o seu paraíso,
Sr. Miguel, afundou-se. Os quatro rios do paraíso provocaram essa
cheia que abalou a cidade. Foi isso. Tudo acabou no meio dos mortos.
Eu conheci miúdos que mataram os próprios pais durante a guerra. E
havia bandos da RENAMO... que vinham do norte e deitavam fogo
nas aldeias e queimavam gente viva e obrigavam os filhos a matar os
pais e os irmãos a entregarem as irmãs. Sim, o Sr. não tem culpa, eu
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Os dias de Timor-Leste
Timor-Leste foi o país homenageado nos quatro últimos dias
da Feira. Durante esse período, foi relançado um conjunto de
livros sobre o território, todos em língua portuguesa e escritos,
em sua maioria, por pessoas e instituições dessa nacionalidade.
Vale notar que, durante o evento, o espaço concedido à Secretaria
de Estado do Turismo, Investimento e Ambiente de Timor-Leste
permaneceu vazio. Não houve representação institucional con-
tinuada do Estado timorense na Feira.
Abordo os livros que foram apresentados durante a Feira nos
dias de Timor, tal como os eventos discutidos acima, como veí-
culos reveladores de algumas das ideias que orientavam e davam
sentido a certas práticas de projetos da cooperação portuguesa no
país. Convido o leitor a uma leitura dirigida de dois deles: Timor,
terra sentida (2001), do jornalista António Veladas, e Atlas de
Timor-Leste, de autoria do Grupo de Estudos de Reconstrução
de Timor-Leste.17 Destaco a forma pela qual os autores retratam
Timor-Leste e sua população do ponto de vista identitário, po-
lítico e histórico. Como veremos, tal empreendimento implica
situar Timor-Leste e suas populações, como uma comunidade
imaginada, diante de Portugal, Austrália e Indonésia.
Cada uma dessas publicações tem caráter distinto: o livro
de Veladas é um relato jornalístico e confessional dos aconte-
cimentos que antecederam e sucederam o referendo de 1999.
Já o Atlas é apresentado como um documento técnico, um
“elemento complementar dos manuais escolares e de consulta
genérica para um melhor conhecimento do território”.18 Ambos
os livros foram produzidos com recursos humanos e financeiros
de origem portuguesa.
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Período Português
1511 – tomada de Malaca pelos Portugueses
1515 – chegada dos primeiros navios mercantes portugueses
a Timor
1556 – chegada do primeiro missionário, frei António Taveira
1562 – fundação de um convento dominicano em Solor
1597 – criação do Seminário de Solor
1633 – fundação de um convento dominicano em Timor
1641 – ataque macassar a Timor e protectorado português sobre
alguns reinos
1642 – 1ª expedição ao interior e destruição do reino pró-macassar
de Bé-Háli
1653 – estabelecimento dos holandeses no Cupão
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Período Indonésio
1987 – criação do CNRM (Conselho Nacional da Resistência
Maubere)
1991 – massacre de Santa Cruz
1996 – atribuição do Prêmio Nobel da Paz ao Bispo D. Ximenes
Belo e a Ramos Horta
1999 – queda de Suharto, governo de Habibi e referendo em Timor
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AS NAÇÕES UNIDAS
E A CONSTRUÇÃO DE CAPACIDADES
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Fonte: UNDP, Timor-Leste. Strategy for Strengthening the Civil Service (draft copy),
[S.l.], mimeografado, 2003.
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AGENTES DE UM CAMPO
(…) temos que aprender com eles [funcionários estran-
geiros]. Se eles fazem qualquer coisa, é tudo escrito. Eles
falam qualquer coisa e já está escrito. Agora nós não...
(Geraldo, servidor do Estado timorense)
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Induction Training
Os funcionários contratados pelo Sistema das Nações Unidas
para atuar em Timor-Leste eram convidados, dias depois do
desembarque, a participar de treinamentos de indução. Nessa
atividade, eram iniciados na natureza dos programas e/ou insti-
tuições sob os quais desenvolveriam suas atividades, recebendo
diretivas a respeito dos comportamentos a serem adotados no
território diante do que era apresentado como a realidade do país.
A maioria dos staffs da ONU em Timor-Leste, com alguma exce-
ção entre os portugueses, chegava ao território sem qualquer
conhecimento a respeito do universo histórico e institucional
existente. Nesse sentido, os treinamentos de indução cumpriam
o papel de um pequeno ritual de iniciação.36 Apresentavam aos
sujeitos submetidos a eles a cosmologia que informava a atuação
das Nações Unidas no território, disponibilizando as categorias
por meio das quais a sociabilidade entre internacionais e locais
seria organizada. O treinamento definia qual deveria ser o lugar
do técnico internacional em seu contexto de trabalho, de acordo
com a visão que as Nações Unidas tinham a respeito de Timor-
-Leste. Como consequência, instigavam os sujeitos a determina-
dos tipos de ação,37 as quais serão devidamente abordadas nos
próximos capítulos.
Discuto a seguir uma sessão do treinamento de indução ofere-
cida pelo Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento
aos assessores internacionais contratados para trabalhar sob o
programa dos 200 postos. Parte do material didático utilizado
nesse curso era também usado na indução dada pela UNMISET,
em sua célula de treinamento, a todos os staffs da missão, pelo
que podemos considerá-lo bastante expressivo da forma como a
ONU, em ação, elabora o país e a estrutura social na qual atua.
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Prezados,
Bom dia a todos!
Houve dois incidentes reportados nas últimas 24h.
1) Em torno das 11h 30min de 1º de agosto, um PKF [designação
para os membros da força militar de manutenção de paz, boina azul]
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AS NAÇÕES DESUNIDAS
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Manuel Gomes tem uma casa onde mora com a família e possui
também um grande armazém dividido em dois compartimentos. Fez
sociedade com a empresa Tora Bora Ltda., entrando com 50% do capi-
tal. Porque o seu armazém passou a ser utilizado pela nova sociedade,
combinou que mensalmente a Tora Bora Ltda. tinha que pagar-lhe a
quantia de 100 USD. A nova sociedade arrendou o compartimento
mais pequeno do armazém a uma outra empresa, a Camilo e Nunes
Lda. Manuel Gomes saiu agora da sociedade e quer o seu armazém de
volta. O gerente da Tora Bora recusa-se a devolver o armazém e não
paga mais os 100 USD por mês. Manuel diz que, uma vez que já não
é mais sócio da sociedade, tem que receber mais de 100 USD por mês,
se a Tora Bora quiser continuar com o armazém, já que um armazém
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O desenvolvimento de capacidades
e a construção do outro
Os assessores internacionais contratados pela ONU e agências
bilaterais estavam distribuídos em várias repartições do Estado
da RDTL. Havia muitos deles no Ministério do Plano e Finanças,
outros tantos no Ministério da Justiça, outros ainda no gabinete
do primeiro-ministro, para citar poucos exemplos. Era de cada
uma dessas instituições que os conselheiros deveriam capacitar
suas contrapartes, propiciando a transferência de habilidades para
que, em um futuro próximo, pudessem os próprios leste-timo-
renses administrar o Estado da RDTL. Dessa forma, advisors,
lotados nos departamentos de orçamento, tesouro, impostos etc.,
deveriam capacitar os timorenses em técnicas de contabilidade,
por exemplo. Já os lotados no sistema judiciário treinavam suas
contrapartes em temas relacionados com a administração da
Justiça.
Para além da diversidade das técnicas a serem transmitidas,
estou em busca da metalinguagem do capacity building, de seus
significados implícitos. É, pois, com esse interesse que me debruço
na análise do evento anteriormente descrito e dos dados que trago
à discussão a seguir. Embora os vínculos dos diversos assessores
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Eu decido por mim mesmo o que eu irei e não irei fazer; eu sou o
meu próprio juiz; eu não tenho que me justificar para os outros e os
outros não têm que se justificar a mim; as pessoas podem me perguntar
qualquer coisa que elas queiram; minha vida é somente minha e eu
posso declinar demandas feitas pelos outros se eu quiser; as pessoas
mudam de opinião; todo mundo erra; isso não dá aos outros o direito
de controlar suas vidas; eu não tenho que ser lógico; nem os outros;
eu tenho o direito de ficar sozinho.13
Ele nos permite nos relacionar com os outros com muito menos
conflito, ansiedade e ressentimento; permite-nos relaxar diante dos
outros porque estaremos habilitados a lidar melhor com as situações;
ele nos ajuda a focar na situação presente sem ressentimentos passados;
permite-nos manter autorrespeito. Ele aumenta a autoconfiança pela
redução da nossa necessidade de aprovação; ele reconhece o direito
das outras pessoas a viver suas próprias vidas, sem ressentimento em
relação a nós; dá-nos controle sobre nossas próprias vidas permitindo-
-nos colocarmo-nos por interior na relação.14
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Não é porque eu não gosto de uma pessoa que não vou me rela-
cionar profissionalmente com ela. Se em algum momento eles têm um
problema com uma pessoa, mesmo depois que o problema é resolvido,
dificilmente voltam a ter a relação que tinham antes.
(...) Precisamos engendrar uma consciência de servidor público. É
preciso que as pessoas tenham consciência da estrutura na qual estão
envolvidas, com instruções claras a respeito de suas funções. É preciso
deixar claro quais são os outputs que se espera deles. Eles precisam
saber aplicar as técnicas de Performance Preview ao longo do tempo
com relação a determinadas atividades. Além disso, precisam saber
gerenciar as atividades de dia a dia.16
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Eu acho que todo mundo, pelo menos no Brasil, não sei nos outros
países, mas todos nós achamos que as Nações Unidas reúnem pessoas
que ultrapassaram... você fez tudo que tinha para ser feito ali no Brasil,
você atingiu sucesso na sua carreira, e então você está passando para
outra etapa, que seria uma organização internacional. As Nações
Unidas encarnam o máximo que você poderia fazer em termos de
trabalho. Não sei se foi bem assim, mas... e acho que todo mundo no
Brasil, quando você fala que vai trabalhar com as Nações Unidas todo
mundo... nossa... a gente chega aqui e você vê que não é bem assim...
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(...) na altura [da UNTAET] estava aqui gente de toda parte. Juízes
da Civil Law [sistema civilista], da Common Law. Era gente de vários
países e, portanto, havia uma mistura de pessoas e de sistemas legais,
de sistemas jurídicos, que eram muito diversificados. O que, por um
lado, dificultava nosso trabalho. Não era fácil trabalhar um juiz de
Civil Law com um juiz da Common Law, sobretudo em uma situação
na qual as leis não estavam claras, as regras não estavam claras. Existiam
muitas lacunas na legislação. (...) A participação no sistema de justiça
de pessoas de diversas nacionalidades acabou por dificultar o funcio-
namento e a própria formação dos timorenses. (...) O problema foi
principalmente com os colegas timorenses, que precisavam aprender.
Quer dizer, havia, às vezes, coisas completamente contraditórias e [os
timorenses] viam, portanto, formas de fazer as coisas completamente
diferentes (...) e ficavam embaralhados e não sabiam muito bem o que
iam fazer.
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(...) Eu me dei muito bem na missão, fui bem aceita no meu trabalho,
talvez porque o Brasil tem muito a ver com o Timor. Nós somos mais
desenvolvidos, não somos um país tão pobre, mas nós temos ainda
muitas deficiências, o sistema judicial no Brasil está sendo praticamente
criado. No Brasil, era comum (...) para mim participar de mutirões
do Judiciário. (...) Nós estamos acostumados com Comarcas que não
têm equipamentos, não têm funcionários. Eu trabalhei naquela área
dos entornos de Brasília, Luziânia mais especificamente; eles eram oito
juízes com trezentos mil processos, então existe muita dificuldade lá,
nós estamos acostumados com improvisar, nós sabemos que as coisas
não são assim. Agora os portugueses estão acostumados com o sistema
europeu: já está tudo pronto, tudo definido e eles se assustam muito
com a situação aqui, muito mesmo; às vezes, você vê que eles não têm
muita facilidade pra se adaptar, porque eles chegam aqui e nossa... Os
europeus, principalmente, eles se assustam muito com a situação aqui,
eles têm medo de tudo o que acontece. Lembra o fato de dezembro [os
distúrbios de 4 de dezembro, quando parte da comunidade internacional
foi conduzida ao aquartelamento português por precaução], que nós
estávamos no quartel, (…) tinham portugueses apavorados porque eles
não estão acostumados com esse tipo de coisa. Eu acho que isso se reflete
em uma missão de uma forma geral, pra nós que viemos do Terceiro
Mundo, como eles gostam de dizer muito, é totalmente diferente: a
visão que nós temos de uma missão é totalmente diferente da deles.
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Fonte: UNMISET, Recruitment Cell. 100 posts semi-monthly summary – 02 July 2003.
Mensagem recebida por kellysa@uol.com.br em 30 de julho de 2003, tradução livre
do original em língua inglesa.
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(...) por ser português tenho boas relações com instituições portu-
guesas e procuro potencializar essa abertura à ajuda a Timor em
benefício da qualificação de pessoal. Obviamente, sei também que
depois essas instituições capitalizam simbolicamente a cooperação que
prestam a Timor. O grande montante de ajuda a Timor se explica,
inclusive, pela frustração com relação aos resultados obtidos em pro-
jetos de cooperação com os PALOP.
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Considerações Finais
As discussões precedentes evidenciaram como a nacionalidade
e as redes profissionais pelas quais os assessores internacionais
circularam são elementos determinantes nas ações da ONU
em Timor-Leste: elas condicionam a construção institucional e
dos recursos humanos do Estado e a forma como os advisors
classificam o mundo e as relações que têm entre si. No entanto,
tais fenômenos nunca são reconhecidos como tais em público:
prescrevem as regras de boa etiqueta entre os internacionais
que todos são absolutamente iguais, pelo que é pecado capital
sugerir a existência de algum tipo de diferença entre eles que não
sejam aquelas permitidas pela Organização: culinárias, musicais,
vestuários etc. Mesmo discussões sobre diferenças linguísticas
são evitadas.
Tamanha ambiguidade em torno da ideia de nação sugere
não ser ela mesma um tabu, senão as diferenças de poder e
as disputas de interesse que são expressas por intermédio dos
Estados-Nações. O reconhecimento da diferença de poder entre
essas entidades – e dos processos históricos que o tornaram
possível –, bem como dos interesses que orientam suas inter-
venções na construção do Estado em Timor-Leste, coloca em
perigo a sacralidade da ideia de igualdade, valor que sustenta a
intervenção da ONU em Timor-Leste, assim como em diferentes
partes do mundo.
Contudo, é essa mesma ideia de igualdade tomada como
imperativo de homogeneidade. É esse movimento interpretativo,
associado à atitude de tomar o indivíduo e o Estado moderno
como medida de todas as coisas, que, paradoxalmente, alimenta
práticas e discursos de exclusão no campo de discussão sobre a
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FESTAS LATINAS
Doze de outubro é, na América Latina, o Dia da Raça. Data
originalmente criada para celebrar a chegada de Colombo às
Antilhas, seu significado tem sido objeto de controvérsias.18 Entre
os funcionários latino-americanos do sistema ONU em Timor-
-Leste em 2003, a data não passou despercebida. Ela foi tomada
como motivo para festas, eventos que deixam entrever algumas
das disputas e ressentimentos existentes nos bastidores da missão.
Analiso, a seguir, duas festas latinas ocorridas em Díli em 2003:
uma promovida por um mexicano, em sua própria casa, e outra
organizada por um grupo de internacionais latino-americanos,
funcionários da UNMISET, para comemorar o 12 de outubro.
Ambas serão discutidas em conjunto a fim de apontar alguns de
seus elementos estruturais.
A PREPARAÇÃO
José e Alberto, respectivamente mexicano e brasileiro, pro-
moveram uma badalada festa latina em Díli em meados de maio
de 2003. Fizeram a festa para marcar uma despedida temporária
de José – entre os internacionais é comum a promoção de festas
para chegadas e despedidas –, que sairia de férias para o México
por um mês. Ambos fizeram questão de convidar latinos das
mais diferentes origens, começando por um italiano de origem
romana. Convidaram muitos portugueses, brasileiros, espanhóis,
latino-americanos e africanos, cuidando para que estivessem no
evento representantes das várias nações latinas com presença
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A POLÍTICA DA CULTURA
E O PODER DAS FESTAS
As festas narradas aqui expressam a existência de princípios
ambivalentes operando no interior da sociabilidade interna-
cional em Díli, mais ou menos controlados pelas políticas oficiais
da missão. A estruturação da festa promovida pela missão por
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RETORNADOS E
PROJETOS DISCIPLINARES
PARA A FUNÇÃO PÚBLICA
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Nós lutamos para quê? Para ter mais qualidade de vida, mais saúde
e educação. Ter uma bandeira, um hino nacional, isto não é desenvol-
vimento. Estamos tentando mudar a mentalidade do povo. Não vai
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(…) Eu penso que não foi uma boa escolha, mas eu sei que essa
é uma opinião egoísta, porque eu me sinto mais confortável com o
inglês do que com o português. Em um mundo ideal eu acho que o
português seria a língua mais adequada para Timor. (...) E eu penso
que há razões sérias para isso: uma é a razão histórica; o inglês é uma
língua que elimina facilmente outras línguas. Mas eu acho que se o
inglês se tornasse a língua oficial de Timor, seria apenas isso, sabe (...) é
também mais fácil aprender inglês do que português. (...) Eu penso que
o inglês é uma língua atraente, não iria demorar muito para o tétum
morrer. Eu penso que isto está claro, (…) isso tem sido provado por
várias populações em várias partes do mundo; é uma tendência. (…)
Mas é um pouco assustador quando você pensa; nossos líderes, nós
teremos uma língua oficial com a qual nossos líderes não podem lidar,
com a qual não se sentem confortáveis, mas parece que a maior parte
das pessoas mais velhas se sentem mais confortáveis com o português
do que com o inglês; (...) Então, para mim, em minhas razões egoístas,
eu tenho o desejo de ver o que é melhor para Timor. Então, novamente,
economicamente, o melhor para Timor seria o inglês. Mas há muitos
argumentos em consideração.30
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OS DE FORA E OS DE DENTRO
Novas fontes de conflito e ressentimento
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Nós temos que ser pragmáticos; não podemos ser idealistas. Agora
muitas pessoas são idealistas; as pessoas da oposição querem que a lei
subsidiária seja a legislação portuguesa. Mas eu pergunto primeiro:
“nós temos recursos humanos?” As pessoas que podem, que têm
condições de operar o sistema de justiça, quantas delas são formadas
em Portugal? Se a lei portuguesa for colocada como lei subsidiária,
com certeza não bastará somente um estágio em Portugal, eu vou ter
que voltar para a universidade, para estudar mais a lei de Portugal.
Essa é a primeira desvantagem. Segundo: Eu vou ter de aprender as
leis promulgadas pelo Parlamento de Portugal. Vou ter que fazer um
acompanhamento. Senão, não podemos colocar esta lei aqui, porque
o Parlamento (português) faz mudanças frequentemente. Além disso,
o Parlamento timorense também faz continuamente isso. Então, isso é
um problema. Então, minha proposta é esta: eu penso que nós temos
que usar um princípio de concordância que não é da lei indonésia, mas
que a lei da UNTAET já criou. Nós usamos agora isso [a lei indonésia],
depois, amanhã, no futuro, se nosso parlamento tiver a possibilidade
de fazer uma lei própria para Timor, nós podemos fazer. (...) Eles fize-
ram, por exemplo, a lei da imigração, mas que ainda não está boa, mas
pode-se fazer uma emenda, podemos fazer... Mas na lei de Portugal
não podemos fazer emenda. Para implementar uma lei para o povo, o
povo tem que ser consultado; essa lei é feita para quem? É feita para
o povo. O povo tem que tomar conhecimento. Eu sou a favor de algo
mais pragmático, de algo que o povo possa compreender, por exemplo,
eu sou um advogado, o que eu digo aqui para o meu suspeito, para que
o meu cliente possa compreender? Os advogados podem compreender
a lei, mas como fazer para que ela chegue ao povo? Isso é o que tem
mais importância, a implementação. Você pode ter a lei escrita, mas
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No tempo indonésio havia muitas leis, mas era só para inglês ver. As
pessoas decidiam de acordo com o que achavam. Havia corrupção em
todos os setores. As licenças, por exemplo, funcionavam por corrupção.
Lei era aplicável para os pobres, para aqueles que não tinham dinheiro.
Os ricos passavam impunes.
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Eu, como chefe, tenho que ter uma maneira de atender ao telefone.
Não é: Ei! E com qualquer um. Não é porque é meu subordinado
que não devo respeitar. Devo falar com respeito também. E depois
eu aprendi também. Uma repartição é como uma igreja. Se vai a uma
repartição, tem que ir bem vestido. Vai a uma repartição e não a uma
festa. Não pode vir a uma repartição com o corpo aberto. Tem que se
vestir bem. Tem que respeitar a repartição.
Eu sou um homem, não posso negar. Então se tem uma menina
vestida de forma a que me obrigue a pensar em maldades...
Por exemplo, eu tenho que falar: “alô, bom dia, com quem vai
falar?” Tem que aprender a falar “por favor”. (...) Eu recebi educação
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Nós temos que ser pragmáticos. Nós temos que ver o interior. As
pessoas falam português? As pessoas no interior não falam português
cotidianamente. Falam tétum. Ba nebe’e? Eles compreendem. Onde
que vai? Eles não entendem.
P – Na opinião do sr., qual é a melhor língua para Timor?
A melhor língua é aquela que promove a nossa identidade; então
essa língua tem que ser o tétum. Porque você não pode obrigar... por
exemplo, minha geração, a maioria sabe tétum e indonésio. Agora a
geração dos mais velhos gosta do português. Mas qual é o português
que eles sabem? O que significa [ou para que serve] o português deles?
Para ir ao mercado, para poder fazer o quê? Então eu penso assim,
eu apresento uma proposta: normatize o tétum para que ele saia
como uma língua oficial timorense; não se pode ser idealista para ser
egoísta. Então, qual seria a última solução: um referendo. Façamos
um referendo para poder mostrar a escolha do povo. Isso teria, agora,
um grande impacto para os jovens. Por exemplo, eles se candidatam
para uma divisão e perguntam: “você sabe português?” Eles dizem
“eu não sei português”, mas têm capacidade. (...) Eu penso que se eles
tomaram essa decisão na Constituição da República, foi só por uma
motivação política. É ambição política que existe. Ainda não existe
uma boa pesquisa, eles observaram seus interesses pessoais e não os
interesses do povo.38
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PARADOXOS DA AUTODETERMINAÇÃO
Algumas perspectivas
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PREFÁCIO
1
Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA) e Agência Brasileira de Coo-
peração (ABC), Cooperação brasileira para o desenvolvimento internacional:
2005-2009, Brasília, IPEA, ABC, 2010, 78 p., disponível em <http://www.ipea.
gov.br/portal/images/stories/PDFs/Book_Cooperao_Brasileira.pdf>, acesso em
26 mar. 2012.
2
“Moçambique oferece ao Brasil área de 3 Sergipes”, Folha de S.Paulo, disponível
em <http://www1.folha.uol.com.br/fsp/mercado/me1408201102.htm>, acesso
em 23 ago. 2011.
APRESENTAÇÃO
1
Em 2006, conflitos que se iniciaram no interior das forças de segurança leste-
-timorenses (Exército e Polícia), e que, explorados politicamente pelas forças de
oposição ao governo, mobilizaram diferentes atores da sociedade civil, levaram
a uma crise política que acarretou a dissolução do primeiro governo constitu-
cional do país e a emergência de aproximadamente 120.000 deslocados internos
em Díli. A desestabilização política do país e a crise humanitária dela advinda
fizeram com que Timor-Leste deixasse de ser considerado um caso de gestão de
transição política exemplar no cenário internacional. Para uma análise sobre a
crise de 2006 e suas motivações e impactos políticos, ver Kelly C. Silva, Processes
of regionalization in East Timor social conflicts, Anthropological Forum, v. 20,
n. 2, p. 105-123, 2010.
2
World Bank, Joint Assessement Mission Report, 1999, mimeografado.
3
Marcel Mauss, Ensaio sobre a dádiva, em Sociologia e antropologia, São Paulo,
Editora Pedagógica e Universitária Ltda., 1974.
4
Peter Carey, Third-World Colonialism, the geração foun, and the birth of a new
nation: Indonesian through East Timorese Eyes, 1975-99, Indonesia, v. 76, p.
41, 2003.
5
World Bank.
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Capítulo 1
A REUNIÃO DE TIMOR-LESTE COM OS
PARCEIROS DO DESENVOLVIMENTO
1
La’o Hamutuk e Guteriano Nicolau S. Neves, O paradoxo da cooperação em
Timor-Leste, em Kelly C. Silva e Daniel S. Simião (org.), Timor-Leste por trás
do palco: cooperação internacional e a dialética da formação do Estado, Belo
Horizonte, Editora UFMG, 2007.
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Capítulo 2
A FEIRA DO LIVRO LUSÓFONO
1
O termo maubere é contemporaneamente utilizado como sinônimo de timorense.
Originalmente utilizado pela FRETiLIN entre 1974 e 1975, ele fazia referência
aos timorenses não mestiços, agricultores em geral, que não tinham lugar no
Estado colonial português.
2
Instituto Camões, Sobre o Instituto Camões, disponível em <http://www.instituto-
-camoes.pt/oinstituto.htm. www.instituto-camoes.pt/oinstituto.htm>, acesso em
jun. 2003.
3
Em O mundo que o português criou, Gilberto Freyre sistematiza os elementos que
caracterizariam o que ele chama de uma forma portuguesa de estar no mundo –
definida pela mobilidade, pela apetência à miscigenação e pela aclimatabilidade
– indicadora, na opinião do autor, da vocação colonizadora da nação ibérica
(Gilberto Freyre, O mundo que o português criou, Rio de Janeiro, Livraria
José Olympio Editora, 1940). Para uma análise sobre a recepção e evolução do
lusotropicalismo em Portugal, ver Cláudia Castelo, O modo português de estar
no mundo. O lusotropicalismo e a ideologia colonial portuguesa. (1933-1961),
Porto, Edições Afrontamento, 1998.
4
Wilson Trajano Filho, Pequenos mas honrados: um jeito português de ser na
metrópole e nas colônias, Brasília, CESPE, UnB, 2003, (Série Antropologia n.
339).
5
Diário de Notícias, 2003.
6
Maria José Stock, presidente do Instituto Camões.
7
Mari Alkatiri, primeiro-ministro da RDTL.
8
A EXPO’98 foi uma exposição internacional, conforme eventos desse perfil são
definidos pelo Bureau International des Expositions (BIE). Foi realizada em Lis-
boa, em 1998, no Parque das Nações, figurando na agenda de comemoração do
V Centenário dos Descobrimentos Portugueses. Teve como tema “Os oceanos,
um património para o futuro”. A EXPO’98 integra-se na tradição de exposições
internacionais, cujo início é comumente identificado com a Exposição de Londres
de 1851. (Disponível em <http://www.parquedasnacoes.pt/pt/expo98>).
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Capítulo 4
AS NAÇÕES DESUNIDAS
1
Norbert Elias, Processes of State formation and nation building, em Transactions
of the Seventh World Congress of Sociology, Geneva, International Sociological
Association, 1972, v. III.
2
Metodologia, “Treinamento para defensores públicos da RDTL”, nota explica-
tiva, 2003, p. 1, mimeografado.
3
Em 2004 foi instituído um grupo de trabalho para formulação de uma proposta
de código penal timorense, em um projeto de cooperação com o Estado português.
O Código Penal foi aprovado em 2010 pelo Parlamento leste-timorense. Até o
momento de revisão final do livro (março de 2012), tinham sido aprovadados
também o Código de Processo Civil e o Código de Processo Penal leste-timorenses.
4
Os únicos defensores que compreendiam parcialmente o português haviam
aprendido o idioma em viagens a Portugal, oferecidas pelo Estado português
para capacitação deles.
5
Era comum, tanto nas representações que os internacionais faziam dos timorenses,
quanto nas que estes faziam de si mesmos, a imagem de que um timorense nunca
explicitava suas dúvidas ou discordâncias diante de um estrangeiro. Em um dos
documentos que constituíam o kit de orientações gerais dadas pela ONU a seus
funcionários recém-chegados a Timor, já mencionado no capítulo anterior, isso
é dito explicitamente. Assim, não é de espantar o silêncio dos defensores, o que
tampouco significa anuência em relação à proposta apresentada.
6
É expressivo que o defensor timorense tenha proposto como alternativa à resolu-
ção do caso apresentado pelo conselheiro internacional justamente a confecção
de um acordo. Essa é a maneira privilegiada de gestão dos processos de justiça
nas mediações de conflitos locais, cujos procedimentos são nominados por, entre
outros termos, tesi lia ou biit boot. Para uma análise sobre esses processos, ver
Daniel S. Simião, As donas da palavra: gênero, justiça e a invenção da violência
doméstica em Timor-Leste, tese (doutorado), Departamento de Antropologia
da Universidade de Brasília, Brasília, 2005.
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Capítulo 5
DÍLI EM FESTA E FESTAS EM DÍLI
1
Os bairros de Díli são denominados suku, designação atribuída a um agrupamen-
to de aldeias na estrutura administrativa local desde a colonização portuguesa.
2
As opções mais “populares” de restaurantes para internacionais em Díli, confor-
me classificados pela UNMISET (UNMISET, Mai ho Ksolok iha Timor-Leste,
[S.l.], 2003, p. 119-120, mimeografado) eram as seguintes: 1) Cozinha Ocidental:
Hotel Turismo; Metro Café, City Café, Atauro View, Esplanada e Fatima’s; 2)
Cozinha Asiática: Beach Café, Superwok, Thai Kitchen, Shima, Gion; Sea Horse
e Bangkok Jam Restaurant; 3) Cozinha do Sudeste da Ásia: Queen Restaurant
& Hotel, Indian Megha Bar e Taj Mahal; 4) Cozinha tradicional Portuguesa e
Timorense: Maubere, Olandina’s, Vasco da Gama, Vitória e Sagres; 5) Cozinha
Indonésia: Little Padang, Alian Asian Food etc.; 5) Cafés: Café Hotel Timor e
Tropical Bakery.
3
Grande parte da frota de veículos do governo era composta por TATTAS, de
fabricação indiana. Em alguns casos, o governo disponibilizava carros de sua frota
para os assessores contratados pelas Nações Unidas. Isso porque, à medida que a
UNMISET foi sofrendo o processo de enxugamento o número de equipamentos
disponibilizados para a missão – entre eles os carros – foi diminuindo, levando
alguns assessores a ter de compartilhar carros com os colegas. Para evitar esse
tipo de partilha, alguns conselheiros conseguiam do governo o empréstimo de
veículos.
4
Padangs são restaurantes típicos da Indonésia nos quais a comida é servida da
seguinte maneira: o cliente dirige-se a uma vitrine, onde estão expostos diversos
quitutes já prontos, em travessas dispostas umas sobre as outras, protegidas das
moscas por vidros, véus e velas. Ele escolhe duas ou três delas, as quais lhes serão
servidas acompanhadas com um prato de arroz branco. Em geral, as comidas
são servidas frias.
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Capítulo 7
OS DE FORA E OS DE DENTRO:
NOVAS FONTES DE CONFLITO E RESSENTIMENTO
1
Enquanto internacionais, os retornados contratados através das estruturas das
Nações Unidas recebiam, como os demais, um cartão de identidade que lhes dava
acesso às instalações da instituição, bem como aos serviços de saúde e comércio
disponibilizados para os estrangeiros. Diferentemente dos demais internacionais,
contudo, era comum os retornados dispensarem o uso desse cartão. A maioria
deles não fazia uso da identificação nem nos espaços de trabalho, nem fora deles.
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Conclusão
PARADOXOS DA AUTODETERMINAÇÃO:
ALGUMAS PERSPECTIVAS
1
PNUD: Ukun rasik a’an. O caminho à nossa frente, [S.l., s.n.], 2002.
2
James Ferguson (1990), The anti-politics machine. “Development”: depoliti-
cization, and bureaucratic power in Lesotho, Minneapolis, The University of
Minnesota Press, 2007
3
Peter Uvin, Aiding violence. The development enterprise in Rwanda, West Hartford,
Kumarian Press, 1998.
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