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125-129
Ponto de Vista
Mauro Betti
Universidade Estadual Paulista
125
M. Betti
te, não instaurando portanto um verdadeiro processo de co- cialmente, um impacto emocional, que comove, envolve to-
municação. dos os nossos sentidos, arrepia, faz rir ou chorar. Nesta fase,
Na era do computador e da televisão, a escola deverá não adianta apelar à razão, porque a imagem não se dirige ao
subsistir como lugar de reagrupamento e comunicação, no intelecto. Apenas numa segunda fase é possível ao
qual a individualização e o parcelamento dos conhecimen- telespectador refletir criticamente, racionalizar. Como na maior
tos vão poder corrigir-se e unificar-se. Porque a multiplica- parte das vezes não se chega a essa segunda fase, os edu-
ção dos meios de informação não leva a um aumento da cadores tendem a rejeitar a televisão. Educar para este “se-
comunicação entre as pessoas, mas a um aumento das re- gundo tempo” deve ser uma tarefa da escola.
cepções individuais de mensagens: “cada indivíduo se tor-
na uma esfera receptora auto-suficiente (...) o mundo torna-
se um vasto self-service” (Babin & Kouloumdjian, 1989, p. A forma das mensagens das mídias: A
149). espetacularização
Ferrés (1996), discorrendo sobre a televisão, propõe que
a escola eduque para a reflexão crítica: levar o aluno a com- Como in-formar é dar forma, formalizar, construir uma re-
preender o sentido explícito e implícito das informações e alidade a partir de alguns códigos; é uma forma de ordenar o
estabelecer relações coerentes e críticas entre o que apare- caos, organizar ou estruturar elementos dispersos proce-
ce na tela e a realidade do mundo. Ele propõe que a escola dentes do meio ambiente, segundo certos critérios (Ferrés,
eduque no meio, quer dizer, eduque na linguagem audivisual 1996), é preciso compreender a forma das mensagens com
característica da televisão, ensine os mecanismos técnicos que as mídias nos bombardeiam no campo da cultura corpo-
e econômicos de funcionamento do meio, ofereça orienta- ral de movimento. A forma predominante é a da espeta-
ção e recursos para a análise crítica dos programas, e que cularização.
eduque com o meio, incorporando audiovisual à sala de aula No caso do esporte, a mediação efetuada pela câmara
para otimizar o processo ensino-aprendizagem. televisiva construiu uma nova modalidade de consumo para
Nesse contexto, para Babin e Kouloumdjian (1989) a es- o grande público: o esporte telespetáculo (Betti, 1998), rea-
cola deveria ser, primeiro, o lugar da “mesa do saber”— não lidade textual relativamente autônoma face à prática “real”
tanto onde se aprendem coisas, o que poderia ser feito sozi- do esporte, construída pela codificação e mediação dos even-
nho com uma máquina, mas o lugar da comunicação entre tos esportivos efetuados pelo enquadramento das câmaras
homens que armazenaram conhecimentos com base na televisivas, a edição das imagens e os comentários que se
multiplicidade de seus receptores individuais. Essa “escola- acrescentam a elas, que interpretam para o espectador o que
mesa” é lugar de conexões, sobre a qual aluno e professores ele está vendo.
colocam junto o que aprenderam, a fim de ligar, isto é, com- O esporte telespetáculo tende a valorizar a forma em rela-
pletar, relativizar, confrontar o aprendido com a sociedade e ção ao conteúdo (quer dizer, o como se apresenta o esporte
a ação. O que se pretende é desenvolver nos alunos a capa- é mais importante do que o que se apresenta), e para tal faz
cidade de associar informações desconexas, analisá-las e uso privilegiado da linguagem audiovisual com ênfase na
aprofundá-las. Porque a escola deve ser um lugar de cone- imagem cujas possibilidades são levadas cada vez mais adi-
xões, de comunicação entre os homens, enfim, lugar de re- ante, em decorrência dos avanços tecnológicos associados
flexão crítica coletiva. à informática (mini-câmaras, closes, slow-motion, recursos
Para tal, o professor, pela sua experiência e sabedoria, gráficos etc.). Do outro lado da moeda, a “falação esporti-
deve exercer um papel de mediador entre as mídias e os alu- va” (Eco, 1984) propõe uma concepção hegemônica de es-
nos. Não pode, portanto, ter uma posição de negação ou porte: esporte é esforço máximo, busca da vitória, dinheiro,
preconceito com relação a elas; pelo contrário, deve expor- campeões, sucesso na vida...
se às mídias, possuir uma atitude de presença e não de dis- O preço que se paga pela espetacularização do esporte é
tância no mundo das mídias, mas sem abrir mão da exigência a fragmentação e descontextualização do fenômeno esporti-
de qualidade, recusando o que é muito superficial ou vo. Os eventos e fatos são retirados do seu contexto histó-
manipulador. rico, sociológico, antropológico. A experiência global do ser-
Babin e Kouloumdjian (1989) lembram também que a atleta é fragmentada: a sociabilização no confronto com ou-
cultura jovem é cada vez mais uma “cultura audiovisual,” trem, o prazer, a ludicidade, não são vivências privilegiadas
que vem modelando nas novas gerações outros comporta- no enfoque das mídias, mas as eventuais manifestações de
mentos intelectuais e afetivos, novos modos de ver e com- violência, em partidas de futebol, por exemplo, são exibidas
preender o mundo. A linguagem audiovisual da televisão e reexibidas por todo o mundo, fazendo-nos acreditar que o
está em consonância com tal cultura—um exemplo muito futebol é um esporte violento.
claro é o video-clip: sucessão alucinante de imagens, sem
aparente lógica narrativa, com estrutura de “mosaico.” Con-
jugar tal linguagem, que mobiliza a afetividade e a intuição, A educação física e as mídias
com a racionalidade e a reflexão crítica etc. é desafio que se
impõe aos educadores. A dificuldade que aparece aos edu- As crianças e adolescentes, hoje, e cada vez mais, to-
cadores é o fato de que a imagem da televisão provoca, ini- mam contato com os conteúdos da cultura corporal de movi-
mento como telespectadores, e não como praticantes; pela to melhor equipadas para alcançar aqueles objetivos, e ain-
imagem, e não pela vivência. Particularmente no campo es- da, por outro lado, tais objetivos poderiam também ser atin-
portivo, o esporte telespetáculo é o novo modelo de socia- gidos em contextos recreativos e informais, muitas vezes de
lização. Se nas gerações mais velhas a assistência pela tele- modo auto-gerenciado, o que dispensaria a existência de
visão não substituia a prática do futebol, por exemplo, nas uma disciplina formal no âmbito da escola. Quanto à ótica da
ruas e terrenos baldios, com predominância do caráter lúdico, esportivização, é óbvio o retrocesso que ela aponta, após
nas novas gerações, que já nasceram com a televisão em todo o debate e produção pedagógica da última metade da
casa e convivem com a ascensão do esporte telespetáculo, década de 1980 e anos seguintes, e que levou à superação
a assistência tende a substituir ou anteceder a prática. Tal do “modelo piramidal” (Betti, 1991) na educação física.
fato, além de distanciar cada vez mais a experiência de prati- Portanto, em nosso entendimento, apenas uma educa-
car esportes da de assistir, influencia a forma e o significado ção física concebida como articulação pedagógica entre
da prática esportiva das crianças e jovens, que querem imi- vivência corporal/conhecimento/ reflexão, referenciando-se
tar o que vêem na TV, que sonham em serem Ronaldinhos e à cultura corporal de movimento, poderá ser frutífera e rela-
Romários... Assim, crianças que chutam uma bola estão cionar-se criticamente com as mídias. Derivada das “teorias
“brincando” ou “praticando esporte?” Houve, na cultura críticas” da educação física, tal opção é a que melhor funda-
corporal de movimento infantil, um deslocamento histórico menta a educação física enquanto prática pedagógica na
entre o lúdico e o esporte; se antes o primeiro antecedia o escola, porque melhor explicita sua contribuição na forma-
segundo, agora eles se superpõem. ção da personalidade dos alunos, integrando as dimensões
Do ponto de vista que mais nos importa aqui, é funda- físico-motora, afetiva-social e cognitiva, e vislumbrando a
mental perceber que o esporte telespetáculo—e possivel- formação do cidadão capaz de usufruir criticamente da cul-
mente no futuro outras formas da cultura corporal de movi- tura corporal de movimento. Contudo, muitos professores
mento que progressivamente vão se tornando objeto das de educação física hesitam em optar clara e decisivamente
mídias—faz parte da cultura corporal de movimento contem- por esse modelo, temendo descaracterizar a educação física
porânea, e tal exige da educação física escolar uma nova enquanto disciplina “prática,” diferenciada das demais, ou
tarefa pedagógica: contribuir para a formação do receptor porque antecipam um possível desinteresse dos alunos, já
crítico, inteligente e sensível frente às produções das mídias que eles querem mesmo é “jogar bola...”
no campo da cultura corporal de movimento (Betti, 1998). De fato, não se trata de transformar as aulas de educação
Mas tal proposição só tem sentido numa determinada física em aulas “teóricas,” pois a garantia da especificidade
concepção de educação física. Sem adentrar no debate so- da educação física no currículo escolar exige o “corpo em
bre as “abordagens de ensino” na educação física (Brasil, movimento.” Como já advertiu Betti (1994), a educação físi-
1998; Darido, 1998), mas considerando as justificativas que ca escolar não deve transformar-se num discurso sobre a
se têm apresentado recentemente no debate político para a cultura corporal de movimento, mas numa ação pedagógica
manutenção da educação física no currículo do ensino bási- com ela, que estará sempre impregnada da corporeidade do
co após a promulgação da nova Lei de Diretrizes e Bases da sentir (dimensão biológica-psicológica) e do relacionar-se
Educação Nacional, não caberia falar em educação nas mídias com o outro (dimensão psico-social), sendo que a dimensão
e com a mídias quando se vê a educação física escolar por cognitiva (crítico-reflexiva) far-se-á sempre com base nesse
estas duas primeiras óticas: substrato corporal.
1. Compensatória/terapêutica: a educação física é vista
como uma disciplina que visa compensar o sedentarismo
presente na vida moderna e mesmo o intelectualismo pre-
sente nas atividades escolares, e que portanto deve voltar- O uso da televisão e do vídeo na
se para objetivos ligados à sáude, estilo de vida ativo etc.; educação física
em alguns discursos de caráter mais psicologizante, apare-
cerem intenções de atingir o psiquismo através do trabalho A incorporação das produções das mídias, em especial
corporal, visando o desenvolvimento da afetividade, auto- da televisão (mediante o uso do video-cassete), ao ensino
conhecimento etc. da educação física na perspectiva da vivência/conhecimen-
2. esportivização: perspectiva que ressurgiu em função to/reflexão, traria muitas vantagens: (1) motiva ao debate e à
do desempenho do Brasil nos Jogos Olímpicos de Sidney/ reflexão, por tratar de assuntos atuais e polêmicos, sobre os
2000, considerado insatisfatório pelas próprias mídias; tal quais em geral os alunos já possuem informações; (2) a lin-
qual na década de 1970, a educação física é vista como base guagem jornalística é atraente para os alunos, é mais sintéti-
para a formação de atletas, e a coloca em posição subalterna ca e muitas vezes conjugada com imagens e recursos gráfi-
ao esporte espetáculo. cos; (3) as produções audiovisuais conseguem dar desta-
Sem questionar as bases científicas e filosóficas (ou a que e importância para informações que às vezes o próprio
falta delas...) nessas duas perspectivas, diríamos apenas que, professor transmite mas não obtém repercussão satisfatória;
se limitada à primeira, a educação física escolar corre o risco (4) os vídeos podem sintetizar muito conteúdo em pouco
de extinguir-se, porque não poderia e não conseguiria con- tempo, e substituir com vantagem aulas expositivas ou tex-
correr com outras agências sociais (clubes, academias) mui- tos escritos; (5) no caso da televisão, a imagem nos atinge
primeiro pela emoção, e a partir deste primeiro impacto, que - evitar matérias televisivas nas quais predomine a narra-
co-move o aluno, o professor pode mediar uma interpreta- ção em off (quando há um locutor falando enquanto se su-
ção mais racionalizada e crítica. cedem imagens, direta ou indiretamente relacionadas ao que
Com base em Morán (1995), sugerimos que o uso da TV/ se fala);
vídeo no ensino da educação física poderia atender a um ou - assistir atentamente as matérias antes de apresentá-las
mais dos seguintes objetivos: aos alunos. Atentar para a correção e veracidade das infor-
1. Vídeo como sensibilização: quando se quer introduzir mações factuais presentes.
um novo assunto, para despertar a curiosidade, a motivação - conjugar assistência ao vídeo com vivências corporais
para novos temas e práticas. Por exemplo, a matéria intitulada sempre que possível; quer dizer, o vídeo deve estar integra-
“O nome do jogo,” documentário com duração de apenas do ao conteúdo que está desenvolvendo naquele momento;
três minutos, que foi exibido na “Sportv” (canal por assina- - instaurar sempre, durante e/ou após a exibição do vídeo,
tura). Apresenta o handebol como modalidade esportiva, um processo de discussão, debate, reflexão, buscando rela-
comparando-a com o futebol. Descreve os principais funda- cionar o conteúdo do vídeo com a vivência do alunos, com
mentos técnicos e regras do handebol, ilustrados com ima- outros aspectos da cultura corporal de movimento, com con-
gens de partidas reais. textos históricos passados e presente, com dados científi-
2. Vídeo como ilustração: para ajudar a mostrar o que se cos.
fala em aula, a compor cenários desconhecidos para os alu- Todavia, é evidente a dificuldade em localizar e obter
nos, trazer realidades distantes. Por exemplo, a primeira par- vídeos adequados para um programa de educação física
te do documentário histórico sobre a história dos Jogos Olím- concebido como vivência/conhecimento/reflexão; matérias
picos re-exibida pela Globo News, e anteriormente apresen- com tais características estão presentes em pequeno núme-
tada na TV aberta, com duração de cerca de 16 minutos. ro na TV aberta, e são mais freqüentes na TV por assinatura.
Historia os Jogos Olímpicos desde a Grécia Antiga (776 A.C.), Evidentemente não estamos nos referindo aos vídeos mais
e exibe muitas imagens de competições em diversos Jogos tradicionais na educação física, em geral pouco atrativos e
Olímpicos, desde os primeiros Jogos da era moderna, em limitados à apresentação de técnica e táticas de modalida-
Atenas (1896); descreve os Jogos Olímpicos da Antigüida- des esportivas. Mas obter um bom texto também não é difí-
de e exibe gravuras e esculturas da época, bem como ima- cil? É que não estamos acostumados a pensar a imagem como
gens das ruínas de Olímpia; relata o ressurgimento dos Jo- fonte de conhecimento, e nossas escolas e universidades
gos Olímpicos da era moderna, exibindo fotos e imagens possuem bibliotecas, mas não videotecas. Com a dissemina-
cinematográficas da época; historia a participação do Brasil ção dos vídeocassetes nas escolas e lares, a gravação de
nos Jogos Olímpicos desde Antuérpia (1920); destaca acon- programas televisivos para fins educacionais torna-se cada
tecimentos e atletas em diversos Jogos Olímpicos, desde vez mais viável no Brasil. Já há inúmeras experiências em
Berlim (1936) até Moscou (1980). andamento 4
3. Vídeo como conteúdo de ensino: mostra determinado Faria Júnior (1969) já nos advertia, na pioneira obra ”In-
assunto de forma direta, quando informa sobre um tema es- trodução à Didática da Educação Física”, que:
pecífico orientando sua interpretação; ou de forma indireta, (...) o professor de educação física procura (...)
quando permite abordagens múltiplas ou interdisciplinares desenvolver habilidades, proporcionar conhe-
sobre o tema. Por exemplo, parte do documentário cimentos e informações e despertar ideais, ati-
investigativo (15 minutos de duração) sobre o uso de tudes e preferências. Assim sendo, quando
esteróides anabólicos apresentado na série “Dossiê Sportv.” ministrando informações ou conhecimentos,
O programa debate e investiga o uso de esteróides tem ele a necessidade de acelerar cada vez mais
anabólicos e outras substâncias dopantes no esporte e nas o processo de ensino e nada melhor para fazê-
academias de musculação; entrevista atletas, dirigentes es- lo do que a utilização de modernos meios e
portivos, médicos, usuários, ex-usuários e psicóloga; inves- técnicas de comunicação. (p. 220)
tiga o uso dos esteróides nas academias por parte de ado-
lescentes, buscando esclarecer as causas desse uso situa- Muito pouco avançamos até agora. À despeito de todos
das em torno da busca de um corpo escultural, em virtude da os perigos que cercam as mídias no mundo contemporâneo,
valorização social da beleza física; relaciona e caracteriza as a educação física na escola está na privilegiada posição de
principais conseqüências maléficas sobre a saúde causadas poder propiciar aos alunos a oportunidade de contrastar a
pelo uso dos esteróides anabólicos. vivência das práticas da cultura corporal de movimento,
A partir da pesquisa-ação conduzida junto a professo- enquanto experiência carnalmente vivida (Belbenoit, 1976),
res de educação física do ensino básico (Betti, 2000), apre- com a experiência de assistir, ler e ouvir enquanto consumi-
sentamos nossas recomendações para o uso da TV/vídeo dor das mídias. Devemos aproveitar tal privilégio!
nas aulas de educação física:
- deve-se preferencialmente partir de um tema e/ou situ-
ação atual e de interesse dos alunos; 4
Programa da série “Nota 10”, da TV Futura, intitulado “Mídia na
- utilizar matérias curtas, de até quinze a vinte minutos - Escola”, apresentou experiências de uso da TV/Vídeo em diversos
quando mais longas, fragmentar em várias aulas; estados brasileiros.
Referências
Nota do autor
Endereço:
Universidade Estadual Paulista
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Fone: 014-2216082
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