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Dissertação de Mestrado
Rio de Janeiro
1999
2
Aprovada por:
___________________________________________________ - Orientador
Prof. Dr. Otávio Guilherme Cardoso Alves Velho
___________________________________________________
Prof. Dr. Luiz Fernando Dias Duarte
___________________________________________________
Profa Dra Regina Novaes
Rio de Janeiro
1999
3
MINHA GRATIDÃO
5
- Ao meu orientador Prof. Otávio Velho, por sua amizade, compreensão e estímulo, e
por ter, com a sua inspiradora sensibilidade à religião, me iniciado nos caminhos da
Antropologia
- Aos professores Pierre Sanchis, Regina Novaes e Leila Amaral Luz, que me
animaram e apoiaram por ocasião da entrada no mestrado
- Ao Prof. Carlos Alberto Afonso, por sua generosidade e pelo precioso auxílio no
momento da conclusão deste texto
- Aos meus professores no curso de mestrado em Antropologia, Luiz Fernando Dias
Duarte, Gilberto Velho, Moacir Palmeira, José Sérgio Leite Lopes, Carlos Fausto,
Luis de Castro Faria e Michael Heckenberger
- À CAPES, que me concedeu a bolsa de estudos para o mestrado
- A Thaïs Martins Echeverria, amiga que me apresentou à União do Vegetal em
Campinas e com carinho vem me acompanhando
- Aos colegas no estudo das religiões ayahuasqueiras Luis Eduardo Luna, Afrânio
Patrocínio de Andrade, Bia Labate, Wladimyr Sena do Araújo, Sandra Goulart,
Edward MacRae e Clodomir Monteiro, Gustavo Pacheco e Benny Shanon
- A Cristina Patriota de Moura, pela sua amizade e valioso apoio
-Laura
Aos meus colegas
Masson, de mestrado
, Valéria Maria
Torres da Macedo
Costa Barroso,
e Silva, JoãoMarcelo
Edmundo Felipe Gonçalves,
Pereira,
Hyppolite Brice Sogbossi, Hernan Gómez, Jorge Fernando Pantaleón, José Gabriel
Corrêa, Pedro Alvim Leite Lopes, Ayrton José Germano e André Luiz Correia
Lourenço
- Aos funcionários da Secretaria e da Biblioteca do PPGAS: Tânia Lúcia Ferreira da
Silva, Aurora Fernandes, Vera Gutierrez, Adilson Moreira Fontenelle, Rosa Maria
Gonçalves Pereira, Isabel Cristina de Souza Mello, Washington Rodrigues da Silva,
Rita de Souza Santos Saraiva, Maria Izabel Wernesbach Moreira, Lourdes Cristina
Araújo Coimbra e Carla Regina Paz de Freitas, pela atenção e disponibilidade em
auxiliar
- Ao P. Aloir Pacini, companheiro na Antropologia e na Companhia de Jesus, pela
força e pelo estímulo na caminhada
- À Companhia de Jesus, que vem me apoiando na realização deste trabalho, na
pessoa do P. Francisco Ivern, Provincial que me confirmou no direcionamento para a
Antropologia, e do P. José Antonio Netto de Oliveira, atual Superior da Província do
Brasil Centro-Leste
- Aos Padres Donizetti Tadeu Venâncio, Luiz Fernando Klein, José Luis Fuentes, Acir
Miranda, Valdeli Costa, Spencer Custódio Filho e ao Ir. Antônio Marques, meus
companheiros de comunidade
- Aos Padres Luiz AntônioMonnerat, Walter Salles e toda a comunidade do Noviciado
de Campinas, que com carinho me acolheu nos três meses do trabalho de campo
- Aos Padres Henrique de Lima Vaz, Ulpiano Vázquez, João Batista Libânio e demais
professores do CES-SJ pela formação filósofico-teológica que recebi
- À União do Vegetal, na pessoa do Mestre José Luiz de Oliveira, Mestre da Origem e
Assistente do Mestre Geral Representante, pelo apoio e amizade
6
RESUMO
ABSTRACT
The field work involved was carried out within an urban context in Campinas, State
of São Paulo, Brazil, in 1998, the Núcleo Alto das Cordilheirasbeing the object of this
study. By this ethnography, it is sought to grasp the matrix structure of the UDV, its
constitutive aspects. These are identified according to a triadic scheme: the organizational
model, the historic narrative and the symbolic experience. The first chapter deals with the
institutional structure of the Centro Espírita Beneficente União do Vegetal(Beneficent
Spiritualist Center União do Vegetal); the second traces the historic itinerary of its
formation, srcinating from the narratives of its participants; and the third exposes the
experience of the urban disciples of the UDV, thereby pointing to the srcinality of the
religious experience with theHoasca tea which moulds the matrix of the UDV.
9
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO ......................................................................................................... p. 1
1. GEOMETRIA DA ESTRELA
1.1. E STRUTURA I NSTITUCIONAL DAU NIÃO DO VEGETAL ........................p. 8
1.2. O NÚCLEO ALTO DAS CORDILHEIRAS EM CAMPINAS .........................p. 23
1.3. O S DISCÍPULOS DO ALTO DAS CORDILHEIRAS ......................................p. 37
2. A ESTRELA DO NORTE
ASVIDA
2.1. O
2.2. DE MESTRE
PRIMEIROS ABRIEL
ANOSGDA U NIÃO...................................................................p.
DO VEGETAL EM PORTO VELHO ...p. 64 50
2.3. A PRESENÇA DA UDV EM SÃO PAULO A PARTIR DOS ANOS70 ........p. 80
3. A ESTRELA ILUMINANDO
3.1. ALGUMAS HISTÓRIAS DE VIDA..................................................................p. 87
3.2. ALCANÇAR O ALTO DAS CORDILHEIRAS ..............................................p. 100
3.3. O ENGLOBAMENTO NA FORÇA DA BURRACHEIRA...............................p.131
INTRODUÇÃO
10
As raízes desta dissertação remontam a 1992. Naquele ano, no dia 4 de julho, tive
meu primeiro contato com o Centro Espírita Beneficente União do Vegetal (CEBUDV),
participando de uma sessão em Campinas, Estado de São Paulo. Trinta e um anos antes, em
1961, a União do Vegetal (UDV) havia sido fundada na floresta amazônica, num seringal
boliviano próximo à fronteira com o Brasil, por José Gabriel da Costa, chamado por seus
discípulos de Mestre Gabriel. Articulando elementos do catolicismo popular, do
xamanismo amazônico, do espiritismo kardecista e dos cultos afro-brasileiros, a União do
Vegetal tem como centro de seu ritual a ingestão de um chá denominadoHoasca ou
Vegetal, preparado com duas espécies vegetais: o cipó mariri ( Banisteriopsis caapi) e o
arbusto chacrona ( Psychotria viridis). Esse chá, de propriedades psicoativas, é utilizado
amplamente na Amazônia ocidental, por populações indígenas ou não, em áreas do Brasil,
Peru, Bolívia, Equador, Colômbia, Venezuela, recebendo diversos nomes, entre os quais,
ayahuasca, yajé, Daime. Além da União do Vegetal, há no Brasil várias instituições
religiosas que fazem uso ritual da mesma bebida. Essas outras correntes podem ser
classificadas esquematicamente em duas vertentes: a do Santo Daime e a da Barquinha. Na
11
1
UDV, o uso do chá é “para efeito de concentração mental” , segundo o seu Regimento
Interno.
Alguns meses antes, no dia 7 de março de 1992, conheci pela primeira vez um
grupo usuário do chá Hoasca. Nesse tempo, morava na Cidade de São Paulo e trabalhava
como professor em um colégio. Fizera graduação em Filosofia e pensava em um mestrado
futuro em Antropologia Social, possivelmente acerca das religiões afro-brasileiras. Assim,
tinha querido conhecer aquele grupo, de aproximadamente sete pessoas, que bebia o chá
1
Artigo 1o , Parágrafo Único, do Capítulo I do Regimento Interno do CEBUDV. (CENTRO ESPÍRITA
2BENEFICENTE
Vide no anexo 1UNIÃO
o quadroDO
dasVEGETAL,
dissidências1994, p. 92).
da UDV, com informações que obtive sobre as mesmas.
12
Este breve recorrido de minha trajetória é apenas para propiciar ao leitor alguma
noção das implicações deste percurso na construção da dissertação. Observo que a minha
condição específica, enquanto ministro ordenado de outra religião, evidentemente teve o
seu impacto neste trabalho. A primeira reação das pessoas - inclusive dos discípulos da
UDV - costumava ser de perplexidade: “Você é padre? Estudando a União do Vegetal?”
Desse espanto inicial, ia-se às vezes para uma atitude de desconfiança: “Quem será esse aí?
Um espião da Igreja?” Igualmente em alguns de meus companheiros jesuítas pude constatar
uma certa estranheza diante desse tema “insólito”.
Felizmente, com a grande maioria das pessoas da União do Vegetal com quem
mantive contato essas fases foram superadas com o estabelecimento de uma relação de
mútuo conhecimento e confiança. E com muitas pessoas essa relação intensificou-se, na
contexto urbano sob o impacto da modernidade. Ora, constata-se a tendência de que essa
estrutura matricial vem se reproduzindo cada vez mais nas grandes cidades brasileiras.
Assim, a escolha desse local apresenta-se como procedente não só em termos de
compreensão do momento presente da UDV no Brasil, mas também num enfoque
prospectivo. Além do trabalho de campo nesse núcleo, desde 1992 tive a oportunidade de
conhecer quinze outras unidades do CEBUDV, situadas principalmente em áreas urbanas
da Região Sudeste4. A observação desses núcleos me foi valiosa para que eu pudesse
3
Segundo o IBGE, Campinas contava em 1996 com 908.906 habitantes. Dados da
contagem populacional de 1996. Disponível na INTERNET via
http://www.ibge.org/informacoes/estat1.htm.
4
Vide, no anexo 4, a lista das unidades do CEBUDVArquivo
já visitadasconsultado
por mim. em 1999.
14
discernir melhor que aspectos do Núcleo Alto das Cordilheiras deviam ser considerados
como peculiaridades suas e quais poderiam ser vistos como indicativos de uma tendência
mais ampla da UDV em contexto urbano. Também foi de suma importância para esta
dissertação o acesso a fontes históricas orais diretas e indiretas, através de entrevistas de
mestres que conviveram com o Mestre Gabriel e da pesquisa nos arquivos do Departamento
de Memória e Documentação do CEBUDV, em sua Sede Geral, em Brasília.
O que entendo aqui por estrutura matricial? Trata-se dos aspectos constitutivos da
União do Vegetal, que podem ser identificados segundo um esquema triádico: o modelo
organizacional, a narrativa histórica e a experiência simbólica. O objetivo não é fazer um
mapeamento completo da organização matricial da UDV, mas colocar a ênfase sobre estes
aspectos: institucional, histórico esimbólico, reconhecendo, todavia, que a matriz é mais
vasta do que esses três aspectos.
CEBUDV:
“A União do Vegetal professa os fundamentos do Cristianismo, resgatando-os em sua
pureza e integridade srcinais, livres das distorções que lhes imprimiu, ao longo dos
séculos, a mão humana. [...] A conseqüência mais grave desse fenômeno [fim da
transmissão oral da doutrina] - um subproduto da institucionalização do Cristianismo -
foi o desvio doutrinário, que resultou na exclusão de pelo menos uma Verdade de Fé da
doutrina de Jesus Cristo, fundamental para a perfeita compreensão do conceito de
Justiça Divina: a reencarnação. [...] A doutrina da União do Vegetal é cristã porque
sustenta que Jesus Cristo, Filho de Deus, é a expressão da Divindade e Sua Palavra
aponta o caminho da Salvação para a humanidade. A União do Vegetal crê na Virgem
Maria, Nossa Senhora Imaculada, mãe de Jesus. [...] A União do Vegetal considera o
15
chá Hoasca uma dádiva de Deus, um instrumento para acelerar a caminhada evolutiva
do homem, devolvendo espiritualidade a uma civilização inebriada pela lógica
cientificista. Mesmo assim, não vê o chá como um fim em si mesmo, mas como um
veículo para uma caminhada que exige sacrifícios e renúncias e cuja base é a doutrina
de fundamentação cristã, aprofundada pelos ensinamentos transmitidos por Mestre
Gabriel. [...] Trata-se de religião que já existira na Terra, muitos séculos antes de
Cristo. Sua srcem data do século X A.C., no reinado de Salomão, rei de Israel. Por
razões diretamente ligadas ao baixo grau de evolução espiritual da humanidade na
época, a União do Vegetal desapareceria por longo período. Ressurge entre os séculos
V e VI, no Peru, na civilização Inca (cujo advento e apogeu a historiografia oficial
registra apenas entre os séculos XIII e XIV).” ( CENTRO ESPÍRITA
BENEFICENTE UNIÃO DO VEGETAL, 1989, p. 22.23.26.34.35).
srcinários do céu, alcançam e clareiam a terra, pareceu-me bela metáfora para falar de uma
16
Ao longo dos sete anos de meu contato com a UDV, este foi o trabalho que resultou
de um comprometimento entre pesquisa e ética etnográfica. Desta forma, foram os aspectos
da organização institucional, a importância da narrativa histórica como processo de auto-
representação fundacional e o acesso à experiência simbólica dos participantes que
determinaram o percurso etnográfico desta dissertação, na busca de um delineamento da
matriz da “Estrela do Norte”.
4. A GEOMETRIA DA ESTRELA
17
Certa vez, encontrei no mural de um núcleo da UDV na Cidade de São Paulo, o São
João Batista, este verso de Fernando Pessoa que escolhi como epígrafe. O mural
apresentava as atividades dos membros do núcleo na construção de seu templo definitivo. O
verso de Mensagem servia de mote e estímulo para o comprometimento das pessoas com
aquela obra, que eles apontavam comoquerida por Deus e sonhada pelo homem. E mais do
que a obra de tijolos e cimento daquele templo, percebo que há entre a maioria dos
discípulos da UDV o sentimento de participarem de umaobra mais ampla: a implantação e
solidificação no Brasil e, na seqüência, pelo mundo afora, de uma instituição denominada
Centro Espírita Beneficente União do Vegetal. Portanto, ainda que o objeto central desta
Essas “classes de discípulos” podem ser compreendidas de dois modos: num sentido
estrito, referindo-se apenas ao segmento que designam, ou num sentido abrangente,
incluindo também os segmentos superiores na hierarquia. Assim, num sentido estrito, os
discípulos do Quadro de Sócios são aqueles sócios que não são do CI, nem do CDC, nem
do QM. Já segundo um sentido abrangente, até mesmo os mestres fazem parte do QS6. Este
5
Recentemente, houve uma mudança das diretrizes da Diretoria Geral acerca desse processo. O procedimento
mais comum agora tem sido de manter o novo grupo reunido por um tempo no núcleo srcinal. Somente
quando esse grupo se torna mais numeroso e já tem adquirido um terreno para sede definitiva, é que ele sai ,
formando um pré-núcleo, sem passar pela fase dedistribuição-autorizada.
6
De acordo com o Estatuto da UDV, “o quadro de filiados do Centro, entre fundadores e efetivos,
compreende três classes de sócios: Mestres, Conselheiros e Discípulos”. Artigo 39 do Estatuto. (CENTRO
ESPÍRITA BENEFICENTE
estrutura hierárquica da UDV,UNIÃO DOGENTIL,
consultar: VEGETAL, 1994,
Lucia p. 86).
Regina Para mais
Brocanello informações
e GENTIL, a respeito
Henrique Salles.daO
19
duplo sentido pode ser expresso num diagrama de círculos concêntricos, no qual as cores
distintas indicam o sentido estrito e o desenho dos círculos, os maiores englobando os
menores, indicam o sentido abrangente:
QUADRO
DE
MESTRES
CORPO DO
CONSELHO
CORPO
INSTRUTIVO
QUADRO
DE
SÓCIOS
material do núcleo, tais como: obras de construção do templo, casa de preparo do Vegetal,
cantina, banheiros, berçário; plantio de mariri e chacrona; eventos para a arrecadação de
7
fundos para as obras; organização do pagamento da mensalidade dos sócios. Há ainda a
uso de psicoativos em um contexto religioso: a União do Vegetal. In: LABATE, Beatriz, ARAÚJO,
Wladimyr Sena, no prelo.
7
O valor médio da mensalidade, por todo o Brasil, é de 10 % do salário mínimo. Mas não há necessariamente
o mesmo valor para todos os núcleos, podendo haver algumas variações, de acordo com as necessidades e
condições do grupo. No Núcleo Alto das Cordilheiras o valor atual da mensalidade é de R$ 15,00. Há também
o Fundo de Participação, que se remete mensalmente para a Sede Geral, atualmente no valor de R$ 5,00 por
pessoa. Além disso, há a Taxa de Preparo, na ocasião em que se faz preparo (a cada 4 meses
aproximadamente). O valor é bem variável, para cobrir os gastos de transporte do mariri e da chacrona e
preparo
valor do chá. éQuanto
completo, possívela essas três taxas,
a ele falar com osimporta observar
responsáveis e sóque nosocasos
pagar em queaooseu
que estiver sócio não pode pagar o
alcance.
20
função da Ogan8, mulher responsável por coordenar a arrumação do templo e sua limpeza,
assim como o que se refere à alimentação. Essa função é ocupada pelas Conselheiras, em
rodízio com duração de dois meses. O nome desta função é uma reminescência do tempo
em que Mestre Gabriel participava de cultos afro-brasileiros, nos quais, entre os ogãs,
auxiliares de confiança do chefe do terreiro, há aqueles que têm a responsabilidade de zelar
pela ordem, limpeza e conservação do terreiro.
Até 1982, a Sede Geral do Centro Espírita Beneficente União do Vegetal localizava-
se na cidade de Porto Velho, Rondônia. Naquele ano, houve a transferência da Sede Geral
para Brasília, Distrito Federal. Na Sede Geral fica oMestre Geral Representante,
autoridade máxima do CEBUDV. Ele é eleito para um mandato de três anos peloConselho
de Administração, formado pelos mestres representantes de todos os núcleos, osmestres da
srcem (aqueles que receberam do Mestre Gabriel a estrela de mestre) e mais alguns
mestres da Sede Geral, reunidos em sessão. No seu “aspecto material”, o CEBUDV é
administrado por uma Diretoria Geral, eleita para um mandato de três anos pelo mesmo
Conselho de Administração. A Diretoria Geral tem seus trabalhos dirigidos por seu
Presidente, ao qual “compete representar a sociedade”9.
8
Palavra grafada com an no Boletim da Consciência em Organização, ª7 Parte. (CENTRO ESPÍRITA
9BENEFICENTE UNIÃO DOBeneficente
VEGETAL,União
1994, do
p. 67).
Estatuto do Centro Espírita Vegetal. Artigo 11.Id(., p. 81).
21
10
O Dr. Domingos
consciência Bernardo
da expansão Gialuisi
, que me da Silva Sá
foi gentilmente narroupelo
cedido as atividades
autor. Ayahuasca, a
do GT no artigo inédito
22
No entanto, esse parecer tinha ainda um caráter provisório, até que fossem completados os
estudos dos “múltiplos aspectos envolvidos no uso ritual de substâncias derivadas de
espécies vegetais, por comunidades religiosas ou indígenas, tais como os sociológicos,
antropológicos, químicos, médicos e da saúde, em geral.”11 Assim, o mesmo jurista
continuou presidindo o GT que em 1992 emitiu o parecer final sobre a questão da
legalização do uso ritual da ayahuasca, parecer que foi aprovado por unanimidade pelo
CONFEN, determinando que
“a ayahuasca, cujos principais nomes brasileiros são “Santo Daime” e “Vegetal”, e as
espécies vegetais que a integram, o “Banisteriopsis Caapi”, vulgarmente chamado de
cipó, jagube ou mariri e a “Psychotria Viridis”, conhecida como folha, rainha ou
chacrona, devem permanecer excluídos das listas do DIMED ou do órgão que tenha a
responsabilidade de cumprir o que determina o art. 36 da Lei 6.368, de 21/10/1976,
atendida, assim, a análise multidisciplinar constante no Relatório Final de setembro de
1987 e do presente parecer.”12
herdadas e aceitas, sem jamais terem sido submetidas a qualquer análise crítica. Um
deles é o que se refere a alucinógeno e alucinação. Ao se definir, por exemplo, que
alucinação é percepção sem objeto, penetra-se em campo conceitual de extrema
dificuldade.”
Assim, depois de citar Mircea Eliade, que indica a falibilidade dos conceitos para expressar
as experiências extáticas, transcendentes ou metafísicas, ele conclui que é
“difícil o exame desapaixonado da questão, considerada a carga emocional que envolve
o termo alucinação, cujo verdadeiro significado é, praticamente, impossível de traduzir
conceptualmente.”
11
12 Resolução n. do
Parecer final 6 do
GTCONFEN, de 4 de
do CONFEN, fevereiro
presidido pordeDomingos
1986, publicada no de
Bernardo D.O.U.
Sá, dede2 5dedejunho
fevereiro de 1986.
de 1992.
23
degradação é que causa a sua inativação. A ação da DMT é explicada pela semelhança
estrutural que mantém com a serotonina, importante neurotransmissor do sistema
nervoso central.” (MCKENNA, 1991, p. 15)
Na seqüência, é descrita a ação das beta-carbolinas provenientes doBanisteriopsis:
“O outro grupo de alcalóides é o das Beta-Carbolinas, das quais encontramos, no chá, a
Harmina, a Harmalina e a Tetrahidroharmina, como componentes principais. Sua ação
no sistema nervoso se verifica somente em dosagens muitas vezes mais altas do que as
encontradas normalmente na Hoasca. Sua ação principal, porém, é a de anular as
monoaminoxidases (MAO) do organismo. São encontradas principalmente no Mariri.”
(Id.)
de Janeiro, ºem junho de 1992. O texto do tratado, já assinado por 175 países, afirma em
seu artigo 1 que:
“Os objetivos desta Convenção, a serem cumpridos de acordo com as disposições
pertinentes, são a conservação da diversidade biológica, a utilização sustentável de
seus componentes e a repartição justa e eqüitativa dos benefícios derivados da
utilização dos recursos genéticos [...].”
14
Um episódio recente de “pirataria genética”, quando um cidadão norte-americano
patenteou uma variedade deBanisteriopsis, suscitando um protesto maciço de comunidades
indígenas de diversos países, aponta para a necessidade de se salvaguardar os direitos
relativos aos conhecimentos tradicionais, associados a recursos genéticos, de comunidades
locais e populações indígenas.
13
Cf. Decreto Legislativo n. 2, de 3 de fevereiro de 1994, que ratificou a Convenção noBrasil. Disponível na
INTERNET, via http://www.mma.gov.br/port/CGMI/aviso/frame.html, no site do Ministério do Meio
Ambiente. Arquivo consultado em 1999.
14
No dia 17 de janeiro de 1986, Loren Miller recebeu uma U.S. patent de planta n. 5751,
com base na alegação de que descobrira uma nova variedade diferente deBanisteriopsis no
Equador, o que foi amplamente questionado. Esta patente, válida somente no território
norte-americano,
foi nãoprecedente
considerado um resultou em nenhum(José
perigoso. efeitoAugusto
prático relativo ao uso da ayahuasca
Pádua, comunicação pessoal)., mas
26
As dimensões do CEBUDV
15
O número
anos, total de asócios
que freqüentam UDV.de cada região inclui os filhos de sócios, adolescentes com idade entre 12 e 18
27
Esta distribuição regional pode ser representada pelo seguinte gráfico, que indica as
proporções de cada região brasileira no total de associados do CEBUDV:
Nordeste 1298
18%
Centro-Oeste 979
16
comVide , no Anexodo3,respectivo
a população as tabelasmunicípio.
completas com o número de associados por município brasileiro, comparado
29
100 mil habitantes. Nessas cidades, havia 1.388 sóciosda UDV, isto é, 20 % do total
17
nacional. Ainda que esta metodologia suscite dificuldades , penso que ela pode ser útil
como simples recurso expressivo, que aponta diretamente para a constatação, por exemplo,
de que 80% dos discípulos da UDV no Brasil são habitantes de cidades de mais de 100 mil
habitantes. Eis os quadros com os dados:
REGIÃO NORTE:
DIMENSÃO N. de NÚCLEOS ASSOCIADOS PORCENT.
Metrópoles 6 799 29%
Cidades médias 8 955 35%
Cidades pequenas 16 985 36%
REGIÃO SUDESTE:
DIMENSÃO N. de ASSOCIADO PORCENT.
NÚCLEOS S
Metrópoles 8 932 54%
Cidades médias 6 471 28%
Cidadespequenas 4 314 18%
REGIÃO NORDESTE:
DIMENSÃO N. de NÚCLEOS ASSOCIADOS PORCENT.
Metrópoles 8 829 64%
Cidades médias 5 469 36%
Cidadespequenas 0 0 0%
REGIÃO CENTRO-OESTE:
DIMENSÃ N. de ASSOCIADOS PORCENT.
O NÚCLEOS
Metrópoles 6 593 60%
Cidades Médias 2 352 36%
cidadespequenas 1 34 4%
REGIÃO SUL:
DIMENSÃO N. de ASSOCIADO PORCENT.
NÚCLEOS S
Metrópoles 2 202 57%
Cidades médias 2 96 27%
Cidades pequenas 1 55 16%
DISTRIBUIÇÃO GEOGRÁFICA DA UDV NO BRASIL:
17
Na medida
município em que,
é menos por exemplo,
urbanizado não se pode dizer que pelo simples fato de ter uma população menor um
que outro.
30
20%
Metrópoles
47% Cidades médias
Cidades pequenas
33%
31
O Núcleo Alto das Cordilheiras foi o que escolhi para o trabalho de campo desta
dissertação. Para situar o leitor noambiente que encontrei, cito a seguir as anotações que fiz
em meu diário de campo, no dia em que estive pela primeira vez no núcleo:
Ao meio-dia de hoje [16 de agosto de 1998] cheguei ao Núcleo Alto das
Cordilheiras, acompanhado pela Conselheira Inês 18, esposa do Mestre Daniel, e pela
Bete, que já foi do Núcleo São João Batista de São Paulo e do Núcleo Serenita, de
Salvador. No caminho, esclareci a elas que vim a Campinas apenas para estar na
Sessão de Escala de hoje. Falei que escolhi realizar meu trabalho de campo no núcleo
Alto das Cordilheiras e lhes disse as motivações.
Quando chegamos, a Inês me mostrou o Núcleo, as obras da grande estrutura
de pedra que será Casa de Preparo em cima e um salão embaixo, a antiga Casa de
Preparo, o chacronal e os laguinhos, um brejo que foi drenado, no qual se fez um belo
recanto, cheio de flores, com dois lagos em planos sucessivos, por onde a água passa,
produzindo sons suaves e doces. E há aí banquinhos para se sentar, onde, conforme
disseram, se pode ficar a meditar, ouvindo os murmúrios das águas. O Conselheiro
Nelson estava fazendo um pequeno terraço de pedra, onde será colocado um canteiro
de flores. Inês me mostrou também a mina d’água, onde se pensa fazer uma piscina
para lazer das crianças. Ao lado, há uma área onde MestreDaniel pensa fazer um
carramanchão de mariris - que Inês já imaginou todo coberto de flores rosadas, um
belo cenário para encontros da irmandade. Depois sentamos nos banquinhos junto ao
lago e ficamos conversando.
Em seguida, subimos para junto do Salão e sentamos num jardim à sua frente,
onde fiquei conversando com oLourenço, senhor com aproximadamente 55 anos, que
me disse que já trabalhou muito no terreno do Núcleo Lupunamanta e hoje trabalha
apenas “dando apoio moral”. Logo veio oFelipe, parente do Mestre Daniel (primo?),
se sentou no banco e começou a tocar violão, composições suas e de autores clássicos.
Seu professor foi nada menos que Paulinho Nogueira, seu parente também. Depois
entrei no Salão e encontrei o Mestre Francisco, PhD. em Engenharia, professor da
Unicamp. Eu já o conhecia de 1992.
18
Pseudônimo. Adotei o critério de mudar os nomes dos participantes do Núcleo Alto das Cordilheiras,
escolhendo aleatoriamente nomes que não figuram na lista dos membros do núcleo, tendo em vista
salvaguardar
mais interno. mais a sua privacidade,
Os pseudônimos já que
aparecerão nas entrevistas
grafados emitálico.muitas vezes foram abordados asssuntos de foro
32
Considero que estas notas são bem evocadoras de vários aspectos de meu trabalho
de campo. Algo que logo salta aos olhos é a acolhida que recebi dos participantes do
núcleo. Em pouco tempo me senti à vontade com o grupo, com liberdade para me fazer
presente nas diversas atividades da “irmandade” e para perguntar nas entrevistas acerca de
tudo o que me parecesse relevante. Outro aspecto que esse trecho do diário já indica é o
estilo cultivado dos participantes do núcleo, indivíduos das camadas médias da cidade de
Campinas (ou da Cidade de São Paulo), a grande maioria com formação universitária e
muitos pós-graduados. Essa característica será exposta de maneira mais detalhada e
quantitativa no tópico seguinte,Os discípulos do Alto das Cordilheiras. Relacionado a isto,
está o que se poderia qualificar de um certo refinamento na sensibilidade dos membros,
perceptível naquele dia, no cuidado com os jardins do sítio, nos gostos musicais, na refeição
bem preparada, nos assuntos das conversas, e na própria delicadeza com que me receberam.
Estes aspectos que aponto permitem que se tenha uma idéia de uma característica do
trabalho de campo: foi uma experiência agradável. É relevante esse elemento subjetivo: a
interação prazeirosa com os participantes do Alto das Cordilheiras gerou em mim uma
empatia com o grupo estudado, da qual estou consciente e que não desejo ocultar ao leitor.
E não somente houve o prazer da convivência em ocasiões mais ou menos superficiais,
como o evocado no trecho acima, mas também momentos de entranhada comunhão de
sentimentos, por exemplo, quando nas entrevistas eram compartilhadas comigo vivências
de forte densidade e significado para a vida dos meus interlocutores. Se esta proximidade
afetiva abriu-me muitas portas e permitiu-me acesso a informações que outros não teriam,
por outro lado, certamente influenciou o meu enfoque. O tempo posterior ao trabalho de
campo, a reflexão antropológica sobre o amplo material coletado propiciaram-me um
distanciamento. Mas reconheço-me livre da ilusão de uma neutralidade do etnógrafo, e sei
que esta dissertação é umolhar interpretativo, entre tantos possíveis, sobre esse objeto.
33
Permaneci quase três meses em Campinas, morando numa residência dos jesuítas,
enquanto realizava o trabalho de campo. Estive presente em várias sessões, em um preparo
de Vegetal, dias de trabalho no sítio, promoções para a obtenção de recursos para a
construção do núcleo, encontros informais de membros do núcleo, ensaios do grupo
musical... Busquei aproveitar todos os momentos de encontro dos participantes para me
fazer presente. E tive uma agenda densa de entrevistas durante toda a semana. A cada dia
tinha ao menos uma entrevista, às vezes duas, ou até três. As entrevistas duravam em média
duas ou três horas. Algumas vezes prolongaram-se por até seis horas. Realizei um total de
50 entrevistas. Colhi dados quantitativos de 59 membros.
O Núcleo Alto das Cordilheiras situa-se em Joaquim Egídio, área rural do município
de Campinas, a aproximadamente 45 minutos de carro do centro da cidade. Os núcleos
costumam estar localizados em áreas distantes das cidades, onde não haja muito barulho ao
redor e se possa ter um terreno amplo. O Núcleo tem uma edificação central, que é
chamada de Templo, cujo espaço principal é o Salão do Vegetal. Na mesma edificação
principal há também uma cozinha, uma despensa, o banheiro feminino e o masculino. Ao
lado do Templo há um espaço para estacionamento de automóveis. Como o terreno tem um
declive, num platô abaixo doTemplo está a Casa de Preparo, uma espécie de barracão de
madeira com uma fornalha, onde o chá hoasca é preparado ritualmente. Quase ao lado,
encontra-se o Chacronal, uma área cercada e coberta de tela na qual estão plantados os pés
de chacrona. Mais abaixo, próximo ao pequeno lago e ao córrego que passa no fundo do
terreno, está o plantio principal de mariri, ainda que haja pés do cipó em vários pontos do
sítio. Na parte mais alta do terreno, junto à entrada, situa-se a casa do caseiro, tendo ao lado
a casa das crianças ou berçário.
um discípulo que na sessão fará uma explanação após a leitura dos estatutos. Os demais
lugares à mesa são ocupados por sócios dos vários graus hierárquicos. O lugar em frente à
cabeceira é o do Mestre Auxiliar, alguém - não necessariamente mestre - a quem se pede
licença para sair do Salão durante a sessão. Na maioria dos núcleos que conheço o pedido
de licença é feito ao Mestre Dirigente, mas a opção do Núcleo Alto das Cordilheiras de
designar outra pessoa para esta função visa evitar as interrupções freqüentes para
simplesmente se pedir licença para ir ao banheiro. Desse modo, o pedido de licença é feito
em voz baixa para quem se encontra sentado nesse lugar.
35
Em frente à mesa e nos seus dois lados, distribuem-se os assentos dos demais
participantes, bancos de madeira anatômicos e cadeiras de metal e fio plástico verde, que
possibilitam uma postura corporal mais relaxada durante as quatro horas e quinze minutos
de ritual. Atrás da mesa, fica apenas uma fila de cadeiras, reservadas para os mestres. Os
conselheiros e conselheiras ficam nas primeiras filas laterais. Em frente à mesa está a maior
parte das cadeiras, dispostas em várias fileiras. Quanto a estas, não há critério especial para
a sua ocupação, exceto que as cadeiras da primeira fila destinam-se prioritariamente para
visitantes ou pessoas que bebem o Vegetal pela primeira vez. É muito enfatizada a
necessidade de as pessoas andarem no salão, durante a sessão, no sentido anti-horário. Esse
é o sentido da força, a maneira como a força do vegetal circula no salão e nas pessoas. É o
mesmo sentido em que o cipó mariri sobe nas árvores da floresta. Assim, é preciso seguir
esse sentido ao caminhar durante a sessão, para se estar em harmonia com essa força,
possibilitando assim que ela flua do melhor modo entre todos. Para maior clareza quanto à
distribuição do espaço, veja-se a seguir o desenho da planta baixado salão.
O espaço ritual é bem sóbrio, com poucos símbolos. As paredes são pintadas na cor
creme. Sobre a mesa, acima do lugar de quem dirige a sessão, há um arco de madeira
pintado de verde, com as seguintes inscrições em amarelo: ESTRELA DIVINA
UNIVERSAL UDV. E no arco estão desenhadas, também em amarelo, algumas estrelas de
cinco pontas e duas estrelas com cauda de cometa. Na parede atrás da mesa, há um quadro
com a foto do Mestre Gabriel, de pé sob um arco semelhante, tendo junto a si um copo de
Vegetal. Na parede em frente ao lugar do Mestre Dirigente há um relógio. Na mesa, à
direita do lugar do Mestre Dirigente, há um recipiente de cerâmica no qual se põe o
Vegetal. Ficam na mesa também jarras de água e copos para os participantes. O copo de
água do Mestre Dirigente é mantido cheio durante toda a sessão.
36
LEGENDA:
Corpo Instrutivo e aqueles que não são sócios. Na medida em que o Núcleo Alto das
38
Os dois pedidos mais presentes nas chamadas sãoluz e força. A luz, que está relacionada à
chacrona, é o princípio feminino presente no chá, a dimensão do conhecimento espiritual. A
força, atribuída ao mariri, é o princípio masculino.
A sessão segue com ampla participação dos presentes. São feitas ao Mestre
Dirigente perguntas bem diversificadas, desde questões a respeito da doutrina da UDV,
passando por outras acerca do significado de determinada palavra numa chamada, até
perguntas a respeito do modo de agir dos discípulos no cotidiano, além de questões mais
filosóficas do tipo “o que é a verdade?”. Às perguntas vão se intercalando chamadas e
músicas. As canções brasileiras que se ouvem na sessão tocam temas relativos ao agir
humano, como o valor da amizade, da retidão, do amor, da harmonia, temas relativos à
natureza, ou temas mais propriamente religiosos: Deus, Jesus Cristo, Nossa Senhora.
quem foi convocado para ser conselheiro(a) ou mestre, assim como anunciando as pessoas
40
Quando faltam por volta de cinco minutos para a meia-noite, todos voltam ao salão
e fazem silêncio. É feito o Ponto da Meia-Noite, chamada que salienta a importância do
tempo, voltando a atenção dos participantes para os ponteiros do relógio e marcando o
início de um novo dia com a renovação trazida por uma sessão de Vegetal. São dados mais
alguns avisos e em seguida, faz-se a chamada de fechamento. À 0 hora e 15 minutos
necessariamente conclui-se a sessão. E o Mestre Dirigente anuncia que"por hoje a sessão
está fechada".
Atividades da irmandade
Além das sessões de escala, realizadas nas noites dos primeiros e terceiros sábados
trabalho nos sábados de escala. Nos dias em que se tem sessão de escala à noite, desde a
manhã os discípulos costumam ir para o terreno, ou ir para o sítio, para realizar os
trabalhos necessários para a sua manutenção: cuidar do plantio de mariri e chacrona, dos
jardins e das dependências do núcleo. Como as pessoas vão de manhã, é preciso que
algumas se dediquem a preparar as refeições: o café, o almoço, a sopa antes da sessão eo
lanche da madrugada. Em outros núcleos que visitei, há uma claríssima divisão do trabalho
segundo o gênero: as atividades na cozinha são tarefa das mulheres. No Núcleo Alto das
Cordilheiras, ainda que para o almoço eu tenha visto mais o trabalho feminino, há uma
tendência de mais partilha desse trabalho com os homens. Assim, o lanche posterior à
sessão é trazido e preparado por grupos previamente escalados, que incluem homens e
mulheres.
Mas o trabalho nos dias de escala não se limita ao exposto acima, porque o núcleo
está em construção. No dia da comemoração dos sete anos do Alto das Cordilheiras estive
presente e foi distribuído a todos um cartão com os dizeres: “...estamos construindo um
templo...” Assim, todos os discípulos são motivados pela direção e por aqueles que se
colocam mais à frente das atividades a estarem em mobilização para a construção. Isso
significa disponibilidade para uma série de atividades: desde mutirões para fazer
diretamente alguma etapa da obra até a idealização e execução de eventos para a
arrecadação de fundos para a construção. Em algumas sessões ouvi o Mestre Representante
e o Presidente falarem da pouca participação dos discípulos nos trabalhos concretos. O
Núcleo Alto das Cordilheiras seria um dos núcleos da UDV “que mais precisaria mellhorar
nesse aspecto”. Não é de se surpreender que hajam algumas dificuldades nesse sentido, na
medida em que o perfil dos participantes, como será exposto a seguir, é de indivíduos que
em sua maioria se dedicam a um trabalho intelectual. Mas tem-se buscado soluções
criativas para essa questão. Assim, por exemplo, no período de trabalho de campo,
presenciei as atividades de um dia de sábado em que todos foram convocados para um
trabalho artístico com argila. Foram transmitidos ao grupo noções básicas de confecção de
peças de cerâmica por um “irmão” que trabalha profissionalmente na área e, em seguida,
um dos mestres, arquiteto e artista plástico, motivou as pessoas a deixarem seu impulso
criativo agir. Assim, todos se dedicaram a esta agradável atividade, fazendo esculturas e
vasos que depois foram vendidos em um bazar.
42
No momento, a direção do núcleo tem como meta a conclusão das obras da nova
Casa de Preparo, que será integrada ao atual Salão do Vegetal. A presença de arquitetos e
de um administrador de construções entre os sócios do núcleo facilita a consecução do
empreendimento. Há um Departamento de Eventos, e constantemente tem-se realizado
almoços, bazares, festas, abertos para a participação de não-sócios, tendo em vista a
arrecadação de recursos. Dessa maneira, o núcleo toma quase as feições de uma central
promotora de eventos: são dezenas de pessoas, de nível acadêmico superior, organizadas e
empenhando-se na criação e realização de atividades geradoras de renda. Muitas delas são
de cunho cultural ou artístico. Nos últimos meses, tem havido, por exemplo: uma palestra
de um conhecido escritor de Campinas, filósofo e teólogo, um workshop de Programação
Neuro-Linguística, um seminário dedesign e oficinas de arte, além de um jantar japonês e
uma festa junina. Para a discussão, planejamento e avaliação desses eventos, assim como
para decidir tudo o que toca à organização material do núcleo, os discípulos realizam uma
atividade presente em todas as unidades da UDV: aReunião de Diretoria. Todos os sócios
são convidados para participar dessa reunião, coordenada pelo Presidente do Núcleo, que
no caso do Alto das Cordilheiras costuma ser realizada a cada dois meses. A Diretoria tem
um boletim informativo mensal, o Comunidade, que começou a ser publicado quando
iniciei o trabalho de campo. Jornal impresso, de quatro páginas, além de trazer as
comunicações da Diretoria, está aberto à colaboração dos sócios, que participam com
artigos, crônicas, poesias.
Mas a agenda dos sócios não se limita ao descrito até aqui. Há também as atividades
propriamente religiosas, que não se restringem às sessões de escala. A mais significativa
delas é o Preparo de Vegetal. Periodicamente, aproximadamente a cada três meses, é
necessário preparar ritualmente o chá Hoasca. É uma atividade exigente, que demanda por
43
volta de três dias de trabalho contínuo e um preciso conhecimento prático, para colheita do
mariri (o que na maioria das vezes se dá em outro local), colheita da chacrona, “bateção”
(maceração) do cipó, lavagem das folhas de chacrona, disposição dos dois vegetais em
camadas dentro de grandes tachos acrescidos de água, acompanhamento da fervura do
líquido durante horas e horas, coleta e armazenagem do chá preparado, que será bebido nas
sessões dos meses seguintes. O Preparo é o grande acontecimento da UDV, momento em
que se reforçam os laços de solidariedade entre os participantes através da partilha do
trabalho comum e da convivência informal e continuada. É também um momento que
muitos discípulos apontam como de aprofundamento da experiência religiosa de estado
alterado de consciência propiciada pela Hoasca, que é bebida várias vezes ao longo do
Preparo. E alguns apontam para uma dimensão alquímica do ritual: prepara-se um chá e
simultaneamente o discípulo prepara-se interiormente. Esse aspecto pode ser observado no
editorial do InformativoComUnidade de setembro de 1999:
“Nos dias 28 e 29 do mês de agosto, realizamos um preparo de vegetal aqui no Núcleo
Todo esse conjunto de atividades exige dos participantes do Alto das Cordilheiras
uma considerável parcela de seu tempo. Essa pessoas, na medida em que conheceram a
UDV e se deixaram cativar por sua proposta, foram solicitadas pela própria dinâmica da
interação dos membros do núcleo a realizar mudanças em suas vidas que lhes permitissem
responder a essa demanda de participação. Mas, quem são esses sujeitos urbanos das
camadas médias da cidade de Campinas, que vem experimentando essa “conversão” do
individualismo da sociedade contemporânea para uma ética religiosa específica que
44
Local de Nascimento
Cam pinas ( 8)
5%
1 8%
São Paulo (13)
2 9% Interior de SP
(14)
23 % Outros estados
(16)
Exterior (3)
25%
2%
16%
Campinas (46)
São Paulo (9)
Interior de SP (1)
82%
manhã até tarde da madrugada, sem contar os demais compromissos que surgem por
ocasião de eventos para angariar recursos, certamente não é algo fácil para os casados que
não são acompanhados por seu cônjuge. Além desse elemento prático, a insistência com
que na doutrina da UDV se elogia a constituição da família cria um ambiente favorável à
participação dos casais, havendo inclusive “sessões de casal” umas três vezes por ano, nos
meses em que há cinco sábados. De modo geral, na UDV os solteiros são de certo modo
estimulados ao casamento, mas no Núcleo Alto das Cordilheiras essa tendência é bem mais
discreta do que em outros núcleos. De qualquer modo, há entre os casados do núcleo uns
poucos que vieram a se conhecer no âmbito da UDV. No núcleo é significativa a presença
dos separados/as, desquitados/as ou divorciados/as, perfazendo no total 22%. Ao que
parece este percentual está acima da média da UDV. Pude observar que as pessoas desse
núcleo lidam com mais naturalidade com essa presença de “descasados/as” que outros
núcleos da UDV, ainda que algumas pessoas, principalmente mulheres, falem de algumas
manifestações de preconceito.
48
Estado Civil
9%
2%
Solteiro/a (13)
11% 23%
Casado/a (30)
2% Viúvo/a (1)
Divorciado/a (6)
Desquitado/a (1)
Separado/a (5)
53%
Escolaridade
Doutorado (10)
100%
10
Mestrado (4)
80% 4
Superior completo
60%
25 (25)
Superior
40%
incompleto (5)
5 Secundário (10)
20%
10
2 Primário (2)
0%
49
Áreas Profissionais
15 Artes e Arquitetura
15 14 - 15
11 Educação - 14
10
10
8 Saúde - 11
5 4 Ciência e Técnica -
10
0 Relações Humanas
-8
1 Estudantes - 4
19
Emprego aqui esta expressão no sentido apontado por Becker: “I have been using the term ‘outsiders’ to
refer
of thetogroup.”
those who are judged
(BECKER, by p.
1966, others
15). to be deviant and thus to stand outside the circle of ‘normal’ members
50
No momento empregado?
Sim - 38
4%6% Não - 5
6%
10%
Aposentado/a - 3
Somente
74 % estudante - 2
Som ente do na
de casa - 3
A grande maioria dos membros do núcleo encontrava-se empregada no tempo
da pesquisa. São 74% com emprego, os quais, somados aos aposentados (6%), donas de
casa (6%) e estudantes (2), perfazem 90% do total de membros. Há somente 5 pessoas
(10%) que se afirmaram desempregados.
Participação Partidária
Simpatizantes de Partidos
Filiado (1)
14%
Não, nem simpat.
60% 38% (34) Simpatizante PT
Simpatizante (21) 14% (15)
Simpatizante PV
2% (3)
72% Simpatizante
PSDB (3)
familiar mensal acima dos 30 salários mínimos (30%), ninguém se considera da classe alta,
mas 16% se vêem como integrantes da classe média alta. Se somarmos aos que ganham
mais de 30 salários mínimos os que recebem de 20 a 30 salários (18%), chegaremos aos
48%, ou seja, poder-se-ia dizer que quase a metade dos sócios do núcleo tem um padrão de
vida confortável. Enquanto isso, os que têm renda entre 10 a 20 salários são 30%, os quais,
somados aos que recebem de 5 a 10 salários (13%), perfazem 43% nesse nível mediano. E
apenas 5 pessoas (9%) estão na faixa inferior, com renda de 0 a 5 salários mínimos.
0 a 5 salários
Faixa de renda familiar mensal mínimos -5
5 a 10 salários
9% mínimos - 7
30% 13%
10 a 20 salários
mínimos - 17
20 a 30 salários
mínimos - 10
30%
18%
mais de 30
salários mínimos
- 17
52
Classe social
0% 14%
16%
trabalhadora - 8
14% média inferior - 8
média média - 31
média alta - 9
alta - 0
56%
Bens possuídos
total pesquisado -
60 56 56
49 casa própria - 39
50 46
39 42
37 telefone - 49
40
30 automóvel - 46
20 computador - 42
9
10 conexão Internet -
37
0 casa de
1 praia/campo - 9
53
Lugar na Hierarquia
9%
30%
18%
Quadro de Sócios - 17
Corpo Instrutivo - 24
Corpo do Conselho - 10
43%
Quadro de Mestres - 5
54
5 Quadro de
10 Mestres - 5
Corpo do
24
Conselho - 10
Corpo Instrutivo -
24
17
Quadro de Sócios
- 17
Religiões Anteriores
"Ecumênica"
1
Haja Yoga 1
Meditação Transcendental 1
Quimbanda 1
Taoísmo 1
Sufismo 1
Xamanismo 1
Islamismo 1
Mórmons 1
Igreja Ortodoxa 1
Igrejas Evangélicas Pentecostais 1
Judaísmo 2
Igrejas Evangélicas
2
Budismo
3
3
Candomblé
Umbanda 3
Ordens Esotéricas
6
Espiritismo Kardecista
9
Sem religião
10
Catolicismo
37
0 20 40
O catolicismo também é o mais numeroso no gráfico das religiões das mães dos
membros do núcleo, 38 pessoas o mencionaram. A seguir se encontra a UDV, o Espiritismo
Kardecista e Igrejas Evangélicas, cada um dos três com 4 menções. Quanto às religiões dos
pais, o catolicismo também é o primeiro, mas com um decréscimo em relação às mães,
apenas 29 mencionaram esta como a religião de seus pais. Aqui é significativo o número de
pais sem religião: 8. Esse grupo sem religião é bem mais reduzido entre as mães: apenas 2.
56
Igrej a Ortodoxa
1
1 Judaísmo
2 Mórmons
3
Igrej as Eva ngélicas
4
4 Espiriti smo Kardecista
5
UDV
8
29 Sem religião
Catolicismo
0 10 20 30
Igreja Ortodoxa
1
Mórmons
1
1 Sei-cho-noie
2 Sem religião
2
Igrejas Evangélicas
4
4 Espiritismo Kardecista
4 UDV
38
Catolicismo
0 10 20 30 40
57
Estes breves traços aqui expostos podem possibilitar ao leitor alguma idéia da
inserção sócio-econômico-cultural dos participantes do núcleo. No entanto, estou
consciente das limitações deste quadro, como por exemplo a ausência de dados a respeito
dos participantes da UDV como um todo, para efeitos comparativos. Além disso, é
importante perceber que não se trata de “dados brutos”. Há certamente, dados objetivos,
como a idade das pessoas. Mas, a todo momento manifesta-se o filtro da percepção
individual, seja a dos informantes, seja a minha própria. Por exemplo, ao responder acerca
de sua inserção em determinada classe social, cada qual se enquadrou segundo os seus
próprios critérios a respeito do que vem a ser “classe média média” ou “classe média alta”.
Ou, quando perguntei acerca da religião dos pais, a maioria das pessoas respondeu
apontando para apenas uma, ainda que seus pais possam ter múltiplas pertenças religiosas
simultâneas, sem falar na diversidade de pertenças diacronicamente. Portanto, este capítulo
expressa, de certo modo, a representação que os próprios participantes fazem de si, a partir
do recorte traçado por mim. Assim, este “perfil” tem algo de “impressionista” - trata-se
simplesmente de um olhar para alguns aspectos selecionados por mim e informados pelos
próprios discípulos do Núcleo Alto das Cordilheiras.
58
2. A ESTRELA DO NORTE
2.1. A VIDA DE MESTRE GABRIEL
20
Depoimento de Antônio da Costa, irmão de José Gabriel da Costa, em 4 de novembro de 1995.
59
De acordo com seus parentes, desde pequeno, José já se destacava como alguém
especial. Contam que ainda criança, ele auxiliou uma mulher com dificuldades de parto. O
bebê se encontrava mal posicionado e a parteira temia que morressem mãe e filho. José
entra no quarto, manda todos saírem, tranca a porta e logo em seguida a destranca. Quando
o menino abre a porta, simultaneamente nasce a criança.
Na década de 20, o menino José cresce em um meio rural fortemente marcado pelo
catolicismo popular. Uma recordação que narram de sua infância é que o “garoto ia aos
domingos à igreja de sua cidade e levava com ele um barbante. Durante a missa, amarrava
as pessoas umas às outras, pelos passantes das roupas, sem que elas percebessem”
(CENTRO DE ESTUDOS MÉDICOS DA UDV, 1993, p. 1)21. Também conta o seu irmão
Alfredo:
“Minha mãe era muito devota e zeladora da igreja onde a gente congregava e ía à
missa. E ela tinha o capricho de levar os filhos pra fazer a primeira, segunda e terceira
21
O texto continua: “José Gabriel da Costa - Mestre Gabriel - era esse menino. Fundou a União do Vegetal
para continuar unindo as pessoas.”
22
Entrevista de Alfredo Gabriel da Costa a Edson Lodi, em 17 de abril de 1987, na Estância Centro-Oeste. In:
Memórias, Volume I. Centro de Memória e Documentação do CEBUDV. p. 59.
60
davam pra gente se preparar. Pois aquele catecismo ele lia de cor. E sabia aquela
ladainha, Salve Rainha. Ele rezava cantando. O pessoal vinha sempre chamar pras
novenas de Santo Antônio e as do mês de Maria, que eram dois meses de festa. Ele
acompanhava tudo. Então, era uma pessoa devota. Lá em casa tinha uma grande festa,
que meu pai comemorava mesmo. Era aquela chegança. Era o 6 de janeiro. Chamava-
se marujada. E José era um dos marujos. Eles representavam aqueles tempos de Reis
Magos.”23
Nas chamadas, hinos entoados durante o ritual da União do Vegetal, há referências
constantes a Jesus e a santos católicos: a Virgem da Conceição, São João Batista, a Senhora
Santana, São Cosme e São Damião. E até hoje o dia 6 de janeiro, Dia de Reis, é celebrado
na UDV.
23
Id., p. 65.
24
Depoimento de Antônio da Costa,id.
25
Depoimento de Hilton Pereira de Pinho, s.d., p. 2.
26
27 Entrevista de Alfredo Gabriel
Cf. tb. KLOPENBURG, 25. Id. p. 49.
1960,dap.Costa.
61
eixos fundamentais da visão de mundo da UDV. Assim como o lema “Luz, Paz e Amor”,
denominado o “símbolo da União”, poderia provir dos temas espíritas da “luz interior”, da
“paz de espírito” e do “amor ao próximo” (ou caridade). A própria ênfase na “União” é
freqüente entre os espíritas no Brasil. (ANDRADE,Id.)
O capoeirista
Segundo um mestre que conviveu com ele, José “foi considerado pelos prosadores
populares um dos melhores poetas da região; como cantador repentista teve sucesso
inclusive em Alagoas e Sergipe”28. Também se destacou na capoeira, chegando a ser
considerado um dos melhores capoeiristas do Nordeste. O livro de Ruth Landes, A cidade
das mulheres, nos auxilia a traçar um panorama dos ares soteropolitanos da década de 30,
que José tantas vezes respirou. A autora é levada por Edison Carneiro para assistir uma
capoeira. Ela descreve detalhadamente a seqüência do jogo, e em certo momento, observa:
“silenciados os ecos do desafio, terminada a rodada, os dois homens andavam e corriam
sem descanso em sentido contrário aos ponteiros do relógio, um atrás do outro, o campeão
à frente com os braços levantados” (LANDES, 1967, p. 117. Grifo meu). É interessante
notar que no ritual da UDV a circulação das pessoas no salão se faz também no sentido
anti-horário, pois este é o “sentido da força”. Na capoeira, José cultiva uma série de
habilidades postas em prática posteriormente, em suas experiências de incorporação nos
toques de caboclo como Sultão das Matas. Do mesmo modo, tais habilidades também
foram exercitadas como Mestre da UDV.
Tudo indica que Mário era companheiro decapoeira de José Gabriel. No mundo da
29
Cf. outra cantiga semelhante, recolhida por Edison Carneiro:
“Minino, quem foi teu mestre?
quem te ensinô a jogá?
- Sô discip’o que aprendo
Meu mestre foi Mangangá
Na roda que ele esteve,
outro
30
Id.,mestre
p. 201.lá não há.” (CARNEIRO, 1974, p. 138).
63
Chegando a Manaus, José Gabriel e Mário embarcam no navio Rio Mar, com
destino a Porto Velho, onde chegam “em 13 de setembro de 1943, às 20 horas; neste
31
mesmo dia estava sendo festejada a criação do Território do Guaporé” . Os dois vão juntos
para o trabalho na seringa e fazem um “pacto de amigo”, de só se separarem pela morte.
Como narra Carmiro:
“Quando ele veio da Bahia, ele veio com um amigo dele chamado Mário. E eles
fizeram um pacto de amigo de se separar só com a morte. E vieram lá pra aquela
região, a região do Alto Guaporé. E lá naquela época os patrões de seringal levavam os
seringueiros lá pra cortar a borracha e na hora de tirar o soldo, que é o valor que a
pessoa tem a receber do patrão, eles mandavam os capangas pra tirar o soldo. [...] Mas
não era bem isso, não, ele ia lá, matava o seringueiro e contratava outro. O cara
trabalhava e pagava com a vida. [...]
Aí ele [Gabriel] disse: ‘- Mano nós vamos se embora’.
‘- Se embora?’
‘- Nós vamos se embora porque amanhã os capanga do gerente vai vir aqui e vai matar
nós dois. E contou a história pra ele’.
‘- Gabriel, tu vai, que eu não posso andar’.
Ele disse: ‘- Eu lhe carrego!’
‘- Mas rapaz, tu vai te atrasar.’
‘- O pacto que nós temos é nos separar com a morte. Tu ainda está vivo. Quando tu
morrer eu te enterro.’ ”32
José Gabriel cumpre até o fim esse pacto, chegando a carregar Mário nas costas por vários
quilômetros. Quando o doente morre, seu amigo sozinho o enterra na floresta.
acordos com os Estados Unidos, o Governo Vargas iniciou uma ampla campanha de
recrutamento de trabalhadores, principalmente nordestinos, para a extração gomífera no
Norte. Em 30 de novembro de 1942, foi criado o Serviço Especial de Mobilização de
Trabalhadores para a Amazônia, SEMTA, que, no período de menos de um ano durante o
34
qual funcionou, teria encaminhado 13 mil pessoas, segundo um depoimento de seu chefe .
Essa agência foi substituída pela Comissão Administrativa de Encaminhamento
Trabalhadores para a Amazônia, CAETA, que funcionou até 1945 e teria enviado à
Amazônia, de acordo com um relatório, 24.300 nordestinos. Assim, ainda que haja outras
estimativas numéricas, segundo esses dados oficiais, teriam sido levadas para o Norte pelo
SEMTA e pela CAETA um total de aproximadamente 40 mil pessoas (MORALES, 1999,
p. 88-92).
No ano de 1943, José Gabriel integra essa massa de trabalhadores nordestinos que
se lançam como “brabos” nos seringais amazônicos. “Brabo é gente que nunca cortou
seringa, nunca andou na floresta. Sofremos muito, como brabo” - declara Pequenina, esposa
de José Gabriel35. O sofrimento daqueles homens, submetidos a condições de vida e
trabalho extremamente penosas, em um ambiente desconhecido, sem o auxílio
governamental prometido pela propaganda oficial, ficou bem marcado na memória dos
sobreviventes da “batalha da borracha”. A antropóloga Lúcia Arrais Morales, em sua tese
doutoral a respeito dos soldados da borracha, recolheu o seguinte depoimento, de um Sr.
Chico, ex-integrante do Exército da Borracha, que bem se assemelha ao da esposa de José
Gabriel:
“Saímo de Manaus de noite. [...] Nós cheguemo lá, aí o cabo disse: ‘aqui veio 35
homens para você, pra seu pai’. [...] Aí a casa dele era bem pequenininha. Num tinha
onde a gente dormir. Dormimo no teto mermo. Carapanã! Carapanã, e agora, a
comida? Tudo brabo, tudo! A gente já tinha deixado a Companhia [SEMTA]. Aí
fiquemo sofrendo. Fiquemo jogado que nem cachorro na beira do rio. [Qual?] era o
Solimões acima de Tefé. Aí eu disse: ‘ombora pessoal! vamo meu povo!, bora cuidar!,
bora se virar’. Aí embarquemo numa canoa veia [velha], jogada por ali, furada.
Arremendamo com pano, com vara. Outros pegaram pau, pedaço de tauba e fumo
procurar colocação pra cortar seringa.” (MORALES, 1999, p. 236).
34
Depoimento de Paulo de Assis Ribeiro, Chefe do SEMTA, à CPI acerca dossoldados da borracha em 13
de agosto de 1946. (MORALES, 1999, p. 89, nota 6).
35
Entrevista dedaMestre
Documentação UDV. Pequenina e Mestre
Brasília: ago-out Jair.
1995, In:Alto Falante, Jornal do Departamento de Memória e
p. 6.
65
Morales observa que aqueles que conseguiram sobreviver a condições tão adversas
foram homens de significativa inteligência e iniciativa, que conseguiram adaptar seus
esquemas de percepção e recursos cognitivos à nova realidade em que se encontravam:
“Era a questão da sobrevivência mesma que estava em jogo e, por isso, precisavam agir
de forma conseqüente. Não ficaram à mercê dos acontecimentos, esperando uma ajuda
externa. [...] É frente a isso que o Sr. Chico diz: ‘ombora pessoal! bora se virar!’.
Adotam, então, uma linha de ação onde predominam a iniciativa e a coragem. Onde
prevalecem a concentração dos recursos da percepção, da memória e da atenção para
dirigir esforços na descoberta de meios capazes de resolver a questão.” (Id., p. 243)
José Gabriel foi um desses homens de aguda inteligência e destreza, que não somente
conseguiu sobreviver como chegou a ser considerado pelos seus companheiros como o
36
“Tuchaua”, o seringueiro que coletava maior quantidade de seringa na região . Tais êxitos
eram acompanhados de dureza e sofrimento, como quando José Gabriel pisou em uma
37
arraia, e teve de passar “um ano e dez meses sem poder andar, de muleta”.
Depois de trabalhar um tempo no seringal, José Gabriel muda-se para Porto Velho,
onde fica trabalhando como servidor público, enfermeiro no Hospital São José. Conhece,
em 1946, Raimunda Ferreira, chamada Pequenina, com quem se casa no ano seguinte. Do
casamento nasceram os seguintes filhos: Getúlio, Jair, Jandira, Salomão, Benvindo,
Carmiro, Abomir e José Gabriel Filho. Em Porto Velho, “Seu” Gabriel atendia pessoas em
sua casa, pois jogava búzios. Mais tarde, se torna Ogã e Pai do Terreiro de São Benedito, de
Mãe Chica Macaxeira38. Esse terreiro foi citado por Nunes Pereira (PEREIRA, 1979, p.
121-143. 223-225), que o visitou, possivelmente em meados da década de 60 ou no início
dos anos 70. O pesquisador maranhense reconhece o terreiro de Porto Velho como sendo da
tradição mina-jeje, oriundo da Casa das Minas. “Os toques, inegavelmente, tinham a
rítmica que me era familiar não só da Casa das Minas, de São Luís do Maranhão, como do
Bogum de Mãe Valentina, em Salvador, Estado da Bahia.” Id.
( , p. 223).
36
Entrevista de Mestre Florêncio. In:Alto Falante. Brasília: fev-set 1996, p. 8.
37
38 Entrevista
Entrevista de
do Mestre Pequenina
Conselheiro e Alto
Paixão. Mestre Jair.Id.Brasília:
Falante. , p. 6. abr-jun 1995, p. 8-9.
66
Até 1950, José Gabriel morava com Pequenina em Porto Velho. O casal já tivera
dois filhos: Getúlio e Jair. Além de trabalhar como enfermeiro, ele tinha também uma
“taberna de bebidas”. E gostava de política. Os dois partidos que disputavam o governo do
Território do Guaporé eram liderados pelo Major Aluizio Ferreira, ex-diretor da Estrada de
Mais tarde, quando estão no Seringal Porto Luís, Pequenina fica sabendo de um
39
chá: “o pessoal vê isso, vê aquilo, o cara falou até com o filho depois de morto” . Ela fala a
José Gabriel e ele vai pedir o cháayahuasca a quem o distribuía no lugar, o Mestre Bahia.
Mas o homem disse que “não dava o Vegetal praquele baiano que sabe aonde as andorinhas
39
Entrevista de Mestre Pequenina e Mestre Jair.Id. p. 7.
67
dormem”40. Aí ele volta mais uma vez para Porto Velho e monta o comércio de novo.
Assim, na década de 50, a família de José Gabriel e Pequenina esteve indo e voltando para
o seringal e Porto Velho.
Tendo se mudado para o seringal Orion, José Gabriel abriu o terreiro no qual
“recebia” o caboclo Sultão das Matas. Como recorda Mestre Pequenina, “vinha gente de
tudo quanto era seringal”41 consultar o Sultão das Matas. E ele curava as pessoas, assim
como indicava o lugar certo onde se encontrava caça. Adaptando-se a um novo contexto
sócio-ecológico-cultural, José Gabriel dirige um rito sincrético afro-indígena, no qual o
valor simbólico da floresta, que perpassa toda a vida dos seringueiros, fica evidente. Tal
42
rito, designado pelo filho de José Gabriel simplesmente como “macumba” , parece
assemelhar-se à pajelança cabocla amazônica43, uma forma de xamanismo não-indígena na
qual tem importância fundamental a noção de incorporação do curador por entidades
espirituais que agem através dele para a cura dos doentes. No entanto, certamente
permaneciam marcantes nos toques do Seringal Orion os elementos religiosos afros
vivenciados anteriormente por José Gabriel, seja na Bahia, seja em sua participação no
Terreiro de São Benedito de Porto Velho.
Posteriormente, a família volta para Porto Velho. Depois de um tempo, ele decide
vender tudo e ir novamente para o seringal. As crianças estavam em idade escolar. Sua
mulher, então, discorda:
“Eu disse: ‘Não, o que é isso? Eu não nasci no seringal, em mato. Não quero criar
meus filhos sem saber ler e escrever.’ Ele disse: ‘É porque eu vou atrás de um tesouro.’
Mas eu era uma pessoa de cabeça cheia de muitas coisas e achei que era riqueza
material que ele ia achar, e nós ia enricar, ter uma vida de rosa. Então, quando ele disse
que ia, eu disse: ‘Então, vamos.’ Então eu digo que esse tesouro que ele encontrou
junto comigo e os dois filhos, pra mim, é um tesouro tão maravilhoso que dinheiro
nenhum não paga essa felicidade. (...) Então, esse tesouro, que é a União do Vegetal,
tem me amparado.”44
40
Id., p. 7.
41
Entrevista de Mestre Pequenina e Mestre Jair.Id., p. 7.
42
Id., p. 9.
43
Cf. MAUÉS, Raymundo Heraldo. Padres, Pajés, Santos e Festas: Catolicismo popular e controle
eclesiástico.
44
EntrevistaBelém: CEJUP.
de Mestre Pequenina e Mestre Jair.Alto Falante . Brasília: ago-out 1995, p. 7.
68
José Gabriel bebe três vezes o chá com Chico Lourenço e, logo depois, viaja por um
mês para levar um filho doente a Vila Plácido, no Acre. Quando retorna traz um balde com
45
Artigo: Convicção do Mestre. In: Jornal O Alto Madeira. Porto Velho, 7 de outubro de 1967.
46
Haveria muito a observar acerca da tradição “vegetalista” amazônica, o que transbordaria o âmbito desta
breve exposição da trajetória de José Gabriel da Costa. Remeto aos textos de Luis Eduardo Luna e Edward
MacRae citados na bibliografia.
47
48
Id. p. 9. de Mestre Pequenina e Mestre Jair.Id. p. 8.
Entrevista
69
Somente em 1961 ele reuniu as pessoas e disse: “Eu quero falar pra vocês que tudo
que o Sultão das Matas fez eu sei: Sultão das Matas sou eu.”49 Este é um dos momentos
mais importantes de ruptura de José Gabriel com a tradição religiosa à qual estava ligado
anteriormente. Ao postular para si mesmo o poder antes atribuído à entidade Sultão das
Matas, o agora Mestre Gabriel nega a incorporação dos cultos de caboclo e configura o
transe que será típico da União do Vegetal: aburracheira. A burracheira, que segundo
Mestre Gabriel significa “força estranha”, é a presença da força e da luz do Vegetal na
consciência daquele que bebeu o chá. Assim, trata-se de um transe diverso, no qual não há
perda da consciência, mas sim iluminação e percepção de uma força desconhecida.
Em seguida, Mestre Gabriel e sua família se mudam para o seringal Sunta. No dia
22 de julho de 1961, ele reúne as pessoas para um preparo de Vegetal. Nesse dia, o Mestre
Gabriel declara criada a União do Vegetal. Ou melhor, afirma que a UDV foi recriada, já
que ela teria existido no passado, quando ele mesmo teria vivido em outra encarnação. No
dia 6 de janeiro do ano seguinte, Mestre Gabriel se reúne com doze Mestres de Curiosidade
no Acre, em Vila Plácido. Numa sessão, eles reconhecem Gabriel como o Mestre Superior.
Finalmente, no dia 1° de novembro de 1964, no seringal Sunta, é realizada uma sessão na
qual o Mestre Gabriel afirma que fez a Confirmação da União do Vegetal no Astral
Superior. Logo depois, em 1965, ele se muda para Porto Velho, para lá consolidar a
nascente instituição. Apenas seis anos depois, se deu o falecimento de José Gabriel da
Costa, no dia 24 de setembro de 1971.
Descrevendo-se em largos traços a vida de José Gabriel da Costa, fica patente a sua
49
Id. p. 9.
70
a esta, mas com virtualidades para se expandir por todo o Brasil, exatamente por ser
constituído por uma invenção vigorosa que se apropriou de configurações provenientes de
diversas regiões brasileiras.
Comparemos essa trajetória do fundador da UDV com o que Gilberto Freyre aponta
acerca da maleabilidade da formação religiosa brasileira:
“Verificou-se entre nós uma profunda confraternização de valores e de sentimentos.
Predominantemente coletivistas, os vindos das senzalas; puxando para o
individualismo e para o privatismo, os das casas-grandes. Confraternização que
dificilmente se teria realizado se outro tipo de cristianismo tivesse dominado a
formação social do Brasil; um tipo mais clerical, mais ascético, mais ortodoxo;
calvinista ou rigidamente católico; diverso da religião doce, doméstica, de relações
quase de família entre os santos e os homens, que das capelas patriarcais das casas-
grandes, das igrejas sempre em festas - batizados, casamentos, ‘festas de bandeira’ de
santos, crismas, novenas - presidiu o desenvolvimento social brasileiro.” (FREYRE,
1992, p. 355).
“Por que é que todos não se reúnem, para sofrer e vencer juntos, de uma vez?”
João Guimarães Rosa, Grande Sertão - Veredas
A descrição dos inícios da União do Vegetal em Porto Velho, depois que José
Gabriel da Costa decide mudar-se definitivamente para a capital do Território, não é
meramente a continuação lógica de um relato histórico acerca das srcens da UDV.
Considero que a observação do processo de solidificação e institucionalização da nova
religião em Porto Velho possibilitar-nos-á uma compreensão mais ampla do movimento em
direção aos meios urbanos que mais tarde se verificou na “ida da UDV até o Sul”. Perceber
como a “ida à cidade” já aconteceu nos inícios, ou melhor dizendo, ver como a UDV veio a
ser criada em meio a um movimento de ir e vir da família de José Gabriel do seringal a
Porto Velho, nos servirá para desnaturalizar a “ida até o Sul dessa religião da floresta
amazônica”. Assim, o diálogo cultural da “floresta” (focalizada no tópico anterior) com a
“cidade” (objeto deste tópico) é constitutivo da criação do próprio Centro Espírita
Beneficente União do Vegetal.
50
Publicação édopublicada
e atualmente CEBUDV, que durante alguns
eletronicamente, anos Vide
circulou
na Internet. impressa, com
na bibliografia tiragem consultados.
os números de até 4.000 exemplares,
72
Segundo vários relatos, é no ano de 1965 que José Gabriel da Costa transfere-se
com a sua família para Porto Velho, capital do então Território Federal de Rondônia. Antes
dessa mudança definitiva, desde 1951 a 1959, segundo sua esposa Pequenina, o casal esteve
em constantes idas e vindas de Porto Velho para os seringais e vice-versa. Mas agora, em
1965, Gabriel não vai à capital simplesmente motivado pelas dificuldades dos seringais,
tentando vida melhor na cidade. Ele, conforme declarações suas gravadas em fita cassette,
tem a auto-consciência de ser o portador de uma missão: plantar a União do Vegetal na
Terra, para que um dia a UDV chegue a “fazer a paz no mundo”.
Quando chegou em Porto Velho, José Gabriel da Costa ficou morando com sua
família na Rua Abunã, no 1.215. Sua casa era muito pequena, sem espaço para se realizarem
sessões. No mesmo ano de 1965, bebeu o Vegetal com o Mestre Gabriel o Sr. Raimundo
Carneiro Braga, segundo ele mesmo afirmou em entrevista. Ele contou que o grupo que
participava das sessões era pequeno:
“Eram bem poucas [pessoas], não lembro bem. Só sei é que quando começamos havia
16 sócios; posso comprovar porque tenho lá em casa o primeiro livro. Eu lidava
naquela época com a tesouraria, por isso tenho esse primeiro livro guardado.”
51
52 Depoimento
Idem. p. 4. de Hilton Pereira de Pinho, s.d. p. 2.
73
Velho. Dentre os “mestres da srcem”, o M. Raimundo Carneiro Braga chegou a ser sócio
desse Tattwa. Durante o tempo de meu trabalho de campo, em Campinas, participei de
duas sessões do Círculo Esotérico da Comunhão do Pensamento (CECP). Há interessantes
similaridades na estrutura do ritual das sessões do CECP e da UDV. O antropólogo
Wladimyr Sena do Araújo, em sua dissertação de mestrado acerca da Barquinha (ARAÚJO,
1999, p. 116-122), indica a influência que ela recebeu do CECP. Essa influência
certamente bem maior do que a recebida pela UDV, já que na Barquinha há elementos
propriamente doutrinários que advêm do CECP. Não encontrei tais elementos em meu
trabalho etnográfico na UDV. O máximo que posso supor é que tenha havido um certo
influxo do CECP na forma da sessão.
Quanto à Ordem Rosacruz, M. José Luiz de Oliveira comenta ao narrar seu primeiro
encontro com José Gabriel da Costa: “Eu vinha seguindo a Rosacruz há alguns anos,
74
inclusive já portava o título de Mestre Rosacruz, por isso quando ele falou de evolução
espiritual , a Rosacruz tem todo um trabalho nesse sentido, me chamou a atenção – é atrás
disso que eu ando.”53 A sua vivência no Rosacrucianismo não foi apenas no período
anterior à sua participação na UDV. Em entrevista a mim, M. José Luiz declarou:
“Fiquei 27 anos na Ordem Rosacruz, dos quais uns 15 anos paralelos entre a Ordem
Rosacruz e a União do Vegetal, sabendo que um dia eu ia ter que fazer uma opção. [...]
O Mestre Gabriel nunca exigiu que eu tomasse nenhuma posição, fizesse uma opção,
ou se eu quisesse seguir na União do Vegetal deixasse a Ordem Rosacruz. Não. Ele
nunca exigiu isso de mim. E isso pra mim foi muito bom. Eu entendi que ele achava
que seguir a Deus é uma opção. Porque Deus deu a nós o livre-arbítrio e a gente não é
toda hora que pode ter a opção. Chega o momento da opção. Quando você chega na
encruzilhada da sua vida, que você tem na bifurcação das veredas da vida, que você
tem que tomar uma opção, você vai pra esquerda ou vai pra direita ou vai em frente.
Pra onde tiver o seguimento, e qual dos seguimentos, às vezes não é só uma nem duas,
tem mais, três, quatro, cinco e você vai ter que ter uma opção. Enquanto não chegou o
momento da opção não adianta você querer tomar a opção que ainda não é o momento
da opção. Não pode precipitar as coisas. Quando chega o momento, você sente. Se é
opção é da própria pessoa. Não pode ser uma opção direcionada por quem quer que
seja. [...] Então, meu amigo, chegou o momento de minha vida em que eu tive de fazer
54
a opção, mas pela minha livre e espontânea vontade.”
É significativa a atitude de Mestre Gabriel, não impondo a José Luiz, nem mesmo após este
ser convocado por ele ao Quadro de Mestres, o seu afastamento da Ordem Rosacruz. Desse
modo, o criador da UDV reafirma sua opção de estimular os discípulos para que eles
mesmos “examinem”, decidam segundo a sua consciência e exerçam o seu livre-arbítrio.
Em última análise, essa atitude pode ser relacionada à característica da experiência com o
chá Hoasca na União do Vegetal, de propiciar um englobamento de múltiplas vivências
espirituais e religiosas do indivíduo, como veremos adiante. Além disso, tal modo de agir
certamente respondia aos anseios daqueles que chegavam na UDV com uma longa história
de busca, como o mesmo M. José Luiz conta, fazendo uma leituraex post de suas
experiências anteriores, à luz de seu percurso esotérico posterior:
“E assim eu me dediquei ao catolicismo até uma determinada idade, quando chegou o
momento em que eu senti que não tava mais encontrando resposta pra algumas coisas
53
Entrevista de M. José Luiz de Oliveira. Por Edson Lodi, em dezembro de 1990.In: Memórias, Volume II,
p.
54 3.
Entrevista de M. José Luiz de Oliveira. Rio de Janeiro, 25 de abril de 1999.
75
no catolicismo, porque devido a eu ser uma pessoa que naquela época só tinha o
primário incompleto, não tinha tanto estudo assim, então os padres naturalmente
seguraram algumas coisas que eles não iam revelar pra quem não tava preparado, de
acordo com as normas da Igreja Católica, pra se aprofundar mais. Mas, como eu não
via resposta, e eu sou um buscador das coisas divinas, tive de procurar outros meios. E
No mesmo lote da Rua Abunã, no 1.215, em que residia José Gabriel da Costa, havia
uma segunda casa, que tinha outro morador. Depois de alguns meses, este se mudou, e
55
Id.
76
então Mestre Gabriel passou a distribuir o Vegetal nessa casa, no ano de 1966. Narra o M.
Hilton:
“De início não tínhamos sede organizada para realizar nossas sessões, tínhamos que
solicitar a vizinhos lugar em seus quintais a fim de realizar as nossas sessões semanais,
visto que a residência do Mestre era pequena e uma sala que dispunha, residia o mestre
galego. Tivemos dessa forma, que pedir ao Sr. Macdonald em sua fazenda na Estrada
dos Tanques 1 sala para a realização de nossas sessões. Neste local ficamos 6 a 8
meses, ocasião em que o Mestre Galego seguiu para a Bolívia (Mamo), desse dia em
diante passamos a ocupar a sala, a qual era forrada com palhas. Em atividade todos os
irmãos fizemos o piso com cimento, sendo encarregado da obra o Sr. José Luiz de
Oliveira. Adquirimos tábuas e fizemos novas paredes de cujo serviço encarregou-se o
Sr. Antonio Cavalcante de Deus (Gia). Antonio de Deus ainda se encarregou da
confecção de duas grandes mesas e bancos a serem colocados ao redor dessas, servindo
56
ao grande número de irmãos que chegavam em busca de tratamento pelo vegetal.”
seringueiro “doutrinando centenas de pessoas” em um casebre lotado. Tudo indica que não
houve um movimento tão espetacular quantitativamente, tendo sido bem modesto o número
de seguidores da UDV, até o falecimento de José Gabriel da Costa. Uma estimativa
plausível seria supor que eram, em 1965, ano da chegada de Mestre Gabriel a Porto Velho,
em torno de 16; em 196757, por ocasião da prisão de José Gabriel da Costa, por volta de 50;
e em 1971, ano do falecimento do fundador da UDV, uns 70 em Porto Velho, 30 em
Manaus e mais alguns em Jaru e Jaci-Paraná, totalizando menos de 150 participantes. Mas,
voltando à questão da saúde, é interessante indicar que, posteriormente, o CEBUDV
procurou distanciar-se de qualquer prática passívelde ser taxada como curandeirismo:
“Há grupos religiosos que apregoam as virtudes curativas do chá. A União do Vegetal,
nesse particular, tem postura sóbria. Sabe que a Deus nada é impossível, mas não
pratica ou difunde ações curandeiristas. Usamos o chá, como já foi dito, como veículo
de concentração mental, para buscar o acesso a um estado de consciência em que a
compreensão dos fenômenos espirituais e metafísicos é mais nítida. O que se busca,
através dos ensinos e da doutrinação reta, é a cura espiritual - isto é, a evolução.”
(CENTRO ESPÍRITA BENEFICENTE UNIÃO DO VEGETAL, 1989, p. 34)
aquisitivo era o Mestre Ramos, que era um forte comerciante, e dessas pessoas era só
ele mesmo. Mestre Braga trabalhava na praça [era taxista], lutava com sacrifício e
outras pessoas também lutavam com sacrifício. Quantas vezes o Mestre Ramos
custeou as despesas para buscar o vegetal. Naquele tempo era pouco, nem era em
grande quantidade. O irmão Modesto ia buscar o vegetal de trem num lugar chamado
Pau Grande, na Estrada de Ferro Madeira-Mamoré, era onde o Modesto ia buscar o
vegetal. A gente preparava em lata de querosene, comprava aquelas latas de
querosene, às vezes trazia, ou doava. Eu abria, batia com o martelo a beira da lata,
57
No artigo Convicção do Mestre, publicado no jornalAlto Madeira, de 1967, fala-se de “198 discípulos que
vêm lhe acompanhando [o Mestre]”. Porém, segundo M. José Luiz, esse número foi tirado do Livro de
Adventícios, apontando
então permaneciam então para o conjunto dos que já haviam bebido o Vegetal e não para aqueles que
participando.
78
abria direitinho, enchia de jornal e tacava fogo para largar o gosto do querosene.
Quantas vezes nós bebemos ovegetal com gosto de querosene ou de gasolina. Quantas
vezes aconteceu isso. Nós tinha uma fornalha, na olaria botava tijolos, botava umas
trempes, e ali botava duas latas em cima. Quando bebia o vegetal, cada um pegava um
sebo de pau ou dois tijolos e se sentava. Tinha alguns que levavam rede e se sentavam
para ficar perto do Mestre, mas não dava para ficar todo mundo ali, pegavam um
pedaço de pau e sentavam ali perto.”58
No mesmo sentido, afirmaM. Braga: “Quando cheguei, no ni ício, as coisas eram como em
todo início; tinha pouca coisa, eu digo que tinha tudo porque tinha o Mestre Gabriel, mas
59
em bens materiais e em organização era bem pouco. Estávamos iniciando.”
A pobreza foi bem marcante nesses começos. Assim como a carência de instrução
escolar formal da maioria, a começar do próprio José Gabriel da Costa, que freqüentou
poucos dias a escola quando criança e era apenas semi-alfabetizado. Por volta de 1970, D.
Francisca e D. Josefa davam aula de alfabetização no templo da UDV. Mas havia os
“intelectuais” do grupo. Além de M. Hilton Pereira Pinho, que havia sido presidente de
sindicato, de M. Raimundo Monteiro de Souza, professor primário, de M. José Luiz de
Oliveira, que, segundo ele mesmo, “já tinha sido secretário, tesoureiro, membro de diversas
entidades e diretorias, inclusive da Federação de Desportos de Guaporé”, havia também o
M. Rubens. Segundo o M. José Luiz, “o M. Rubens chegou na União assim meio
intelectual. A profissão dele era dentista, mas estudava medicinana Faculdade de Goiânia.
Mestre Gabriel queria muito bem a ele [...]. Falava muito mais intelectualmente do que
dentro dos mistérios das coisas da UDV.” Em 1971, pouco antes do falecimento de Mestre
Gabriel, o então Conselheiro Rubens fez uma explanação na sessão inaugural do Núcleo de
Manaus. Cito aqui um pequeno trecho, que bem exemplifica esse falar “intelectual”:
“Muitas vezes se vê no mundo moderno, tanto progresso, cheio de albores de uma
civilização extraordinária, o homem se deslocando pra Lua, o homem em busca de
Marte, e essa tecnologia, e esse aperfeiçoamento, será que isso está a serviço realmente
de algo útil? Nós nos perguntamos muitas vezes. Será que existe uma coesão fraterna
entre os homens? Será que todo este amparo da tecnologia e da ciência moderna está
servindo para uma coesão, para um amparo, para uma sistemática, para uma irmandade
em si universal? Lá no Vietnã se mata, lá no Cambodja se mata, lá no Laos se mata.
58
Entrevista de M. Raimundo Pereira da Paixão. Em Campinas, por Lúcia Gentil, em 3 de junho de 1993.
59
Entrevista
1991. de M. Raimundo
In: Memórias, Volume II, Carneiro
p. 79. Braga.Por Edson Lodi, Ruy Fabiano e João Bosco, em junho de
79
Por que é que se mata? Por que é que se é mesquinho? Por que é que se persegue? Por
que é que se vilipendia o ser humano? [...] Sem o amor, meus caros irmãos, muito
dificilmente a sociedade será uma sistematização, uma coesão [...] Por falta de amor é
que se mata, conforme eu disse agora.”60
Este discurso, ainda que seja a fala daquele membro com maior formação acadêmica, indica
que o grupo dos primeiros anos da UDV não era formado por seringueiros recém-chegados
da floresta, mas sim por indivíduos urbanos, e que ao menos alguns deles tinham
informação dos meios de comunicação acerca da política internacional e das
transformações do “mundo moderno”. A presença de pessoas letradas já suscitava uma
indagação acerca do futuro, quando a UDV viesse a crescer. Então, o próprio Mestre
Gabriel, segundo M. Braga, dava uma orientação aos discípulos:
“A recomendação é a seguinte: quando a União do Vegetal chegar nas pessoas letradas,
formadas, elas podem querer fazer modificação emfunção do modo de ser delas, e que
nós tivéssemos muito cuidado quando o vegetal chegasse nos grandes centros. Ele
dizia: ‘Nós não podemos ir ao povo.’ Não é propriamente o vegetal, mas nós. E ainda,
‘O povo é que tem de vir a nós. Temos que falar assim, pela linguagem do caboclo,
uma linguagem que desse para todos entender, o mais e o menos letrado.’ Essa foi uma
das recomendações que ele nos deu, que nós não fôssemos ao povo, o povo viesse a
nós. Se nós fôssemos ao povo, ficávamos com o povo, mas se o povo viesse a nós,
ficava conosco.”61
Primeiramente, o conflito político do Brasil na década de 60 e no início dos anos 70. Mestre
Gabriel chegara a Porto Velho em plena época da ditadura militar. Um momento
emblemático de conflito foi a prisão de José Gabriel da Costa em 6 de outubro de 1967.
Esse momento é relembrado em cada sessão de escala, na hora da leitura dos documentos
da UDV, logo no início da sessão, quando se lê o artigoConvicção do Mestre, publicado no
jornal Alto Madeira, de Porto Velho, logo após o incidente. Paradoxalmente, lembrar em
todas as sessões de escala da prisão do Mestre Gabriel cumpre um papel de sinalizar que o
60
Rubens Rodrigues, Explanação na sessão inaugural do núcleo de Manaus, 1971. In:
Memórias,
61 Volume
Entrevista M. I, p.Carneiro
Raimundo 97. Braga.Loc. cit., p. 103.
80
uso do chá hoasca pela UDV é plenamente legal, além de propor ao discípulo da UDV que
viva em sua própria vida atitudes semelhantes à do Mestre Gabriel, que disse:
“Prestem atenção os que quiserem me acompanhar na missão: podemos ser censurados
por todos, mas não podemos censurar a ninguém; podemos ter inimigos, mas não
podemos ser inimigos de ninguém; podemos ser ofendidos por todos, mas não
podemos ofender a ninguém; podemos até ser julgados por todos, mas não podemos
julgar a ninguém; podemos ser revoltados por todos, mas não podemos revoltar e nem
ser revoltados por ninguém.”62
64
Id., p. 6.
65
66 Entrevista
Depoimento M.deRaimundo Carneiro
Hilton Pereira IdLoc.cit.,
Braga.
de Pinho, . p. 7. p. 89.
82
dizendo’ e disse ao Comandante, ‘se o senhor quiser conhecer, eu levo o senhor lá’. O
Comandante quis conhecer.”67
Depois desses fatos, houve novamente, em 1969, uma ação da polícia contra a
UDV. Esta teve de permanecer, durante um período, sem receber novatos. M. Raimundo
para mudar o nome. Foi então feita a junção e surgiu o Centro Espírita Beneficente União
do Vegetal.”68
67
Entrevista M. Raimundo Pereira da Paixão. Em São Paulo, por Edson Lodi, em junho de 1989. In:
Memórias,
68 Volumeum
Mestre Adamir, II, pioneiro
p. 121. do Vegetal. JornalAlto Falante, Brasília,Sede Geral, nov-dez 1990. p. 4-6.
83
boas e ‘muito bonitas’. Diante disto, teria ele instruído os fiéis a seguirem o conselho
do apóstolo Paulo, ‘examinar todas as coisas e reter o que é bom’. Em seguida,
designou um de seus assessores episcopais, o já falecido Padre Carlos, para dialogar
com o mestre Gabriel a respeito do assunto. Infelizmente o resultado de tal diálogo não
nos foi acessível, pois, segundo alguns dos adeptos da União do Vegetal, houve um
desentendimento entre o mestre Gabriel e o Bispo, o que não é confirmado por este
último. A ‘prova’ de tal desentendimento é um artigo publicado num dos jornais da
cidade e mantido por essa, intitulado ‘Velando enquanto dorme’. Uma leitura do texto
não indica propriamente uma controvérsia. Procurado para nos dar mais informações
sobre o seu contexto, o autor do texto não se lembrou absolutamente nada a respeito.
Por outro lado, o referido padre, designado para tal diálogo, faleceu no decurso do
processo. Segundo o bispo, é possível que existam anotações dele na Igreja em que era
pároco, em Porto Velho, o que ainda não confirmamos. Diante disto, nossa
ponderação ainda continua sendo a de que, embora desconhecesse o assunto, a Igreja
Católica não chegou a se posicionar objetivamente sobre ele.” (ANDRADE, 1985, p.
185).
No entanto, outras narrativas indicam que a situação foi mais conflituosa: as
entrevistas dos Mestres Braga e José Luiz de Oliveira, respectivamente ao Jornal Alto
Falante e a mim. As declarações do bispo a Patrocínio de Andrade vão na direção de uma
diluição do conflito. A aplicação pelo bispo do conselho paulino de ‘examinar todas as
coisas e reter o que é bom’, quando da pergunta de ‘gente de fé’ sobre sua opinião acerca
do chá, parece expressão de uma mentalidade extremamente aberta. Porém, as lembranças
dos mestres da srcem apontam para uma situação diversa. Conta o M. Braga:
“É que uma pessoa foi à casa do bispo e transmitiu informações que não eram
verdadeiras sobre a União do Vegetal. Essa pessoa não conhecia a União, por isso deu
aquelas informações. Aí, o bispo num sermão da igreja falou da União do Vegetal da
mesma maneira; maltratou a União, disse um bocado de coisas. Quando eu soube, pedi
ao Mestre Gabriel para conversar com o bispo e o Mestre Gabriel me autorizou. E eu
fui. Expliquei pro bispo o que era o vegetal e o que era que aquele senhor, que era o
Mestre Gabriel estava fazendo pelas pessoas. Depois contei toda a história sobre o
pensamento da União do Vegetal. Depois que contei toda a história sobre o
pensamento da União do Vegetal, o bispo disse o seguinte: ‘Se a União do Vegetal e o
chá estão produzindo esse efeito, e se esse senhor está fazendo esse trabalho, o senhor
pode continuar bebendo.’ Aí, pedi para ele autorizar um padre que era muito meu
amigo a beber o vegetal. Ele me pediu que eu não fizesse isso; pra mim mesmo, ele
84
disse que eu continuasse, mas pro padre não. [...] Acho que foi a primeira vez que uma
69
autoridade, pesando mais as palavras, se manifestou favoravelmente.”
69
Entrevista de M. Raimundo Carneiro Braga.Loc. cit., p. 93.
70
Velando enquanto dorme. In: Jornal Alto Madeira. Porto Velho: julho de 1971. Conforme consulta nos
arquivos
71
Id. do Departamento de Memória e Documentação do CEBUDV.
85
UDV indicam que houve uma significativa mudança no posicionamento depois que os
discípulos da UDV o procuraram para conversar.
conseguiram obter recursos junto ao Poder Público para solidificar a obra começada:
“No início, a gente usava uma casinha que não era propriamente a casa do Mestre
Gabriel, era uma casinha pegada à dele. O ambiente físico não era tão agradável, mas
fomos nos organizando, crescendo e aumentando a casa. Com o tempo, foi enchendo
de pessoas. Certa vez ele disse que era bom que a gente encontrasse um lugar onde
pudesse construir nossa sede. Naquele tempo, a gente falava em sede, depois passamos
a falar em templo, porque sede ficou sendo a casa do Mestre, porque ele nos cedia.
Um dia a gente se dispôs a ir à Prefeitura; fomos eu e o Mestre Ramos, e a Prefeitura
doou um terreno de 100 metros por 100 metros. Aí começamos a construção do
templo, com Mestre Gabriel ainda em matéria, mais ou menos em 69, e chegamos a
concluir a obra.”72
Desse modo, com grande habilidade, mesmo em meio a um contexto político extremamente
desfavorável ao surgimento de uma instituição que faz uso ritual de uma substância
psicoativa, gradualmente conseguiram, do mesmo modo como construíram um templo,
plantar os alicerces do CEBUDV na cidade.
72
Id., p. 89.
86
na área de música, cinema e teatro”. O mestre lhes chamou para conhecerem “um chá que
nos fazia ver coisas bonitas [...] e que era também uma viagem para dentro de nós
mesmos.” Para Ivone, a primeira experiência trouxe “uma alegria muito grande, a alegria de
ter reencontrado minha casa, que parecia que há anos eu procurava”. É significativo que os
dois aspectos apontados pelo convite se refiram à fruição estética (“um chá que nos fazia
73
Caupuri é o nome de uma das duas variedades principais de cipó mariri. Há o mariri tucunacá, mais
presente na região próxima a Porto Velho e o mariri caupuri, que é nativo da região circunvizinha de Manaus.
74
Entrevista de Inês, Campinas, 6 de novembro de 1998.
75
Samaúma, os 20 anos do segundo Núcleo da UDV. Jornal Alto Falante. Brasília: dez 1992 -jan 1993, p.
6-9.
76
Neste capítulo, mantive os verdadeiros nomes de participantes do Núcleo Samaúma, ou dos mestres da
srcem , jáemque
grafados tais. nomes foram publicados no jornal Alto Falante. Os pseudônimos continuarão sendo
itálico
87
ver coisas bonitas”) e ao auto-conhecimento (“uma viagem para dentro de nós mesmos”). A
partir dessas duas motivações pode-se refletir a respeito dos participantes que estavam
chegando à UDV.
Em julho de 1972, Ivone e Nielson se mudaram para São Paulo, levando um litro de
Vegetal que o Mestre Representante do Núcleo de Manaus hes
l havia entregue. Na semana
seguinte, eles já fizeram a primeira sessão em São Paulo. Ainda no mesmo ano, Marinho
Piacentini, um paulista que também trabalhava com teatro, irmão de Else Angélica, bebeu
pela primeira vez o chá em Manaus. E quando voltou para São Paulo, integrou-se ao
primeiro grupo. Logo eles passaram a beber o Vegetal num sítio em Cotia, de propriedade
do pai de Marinho, o Sr. Mário Piacentini, que iniciou na UDV no mesmo ano de 1972 e
hoje é mestre. Nas primeiras sessões, dirigidas por Nielson, ele ainda não sabia as
77
profissional eram tão diferentes do tipo de participante que predominava na UDV em seus
inícios no Norte do país.
Mas antes dessa suspensão, beberam o Vegetal em abril de 1976, pela primeira vez,
Inês e Daniel, atualmente no Quadro de Mestres do Núcleo Alto das Cordilheiras. Eles
participaram de uma sessão de adventícios no Samaúma.Daniel, então com 37 anos, de
78
Sessão de adventícios é uma sessão especial feita com o objetivo de receber pessoas que vão beber pela
primeira vez o Vegetal.
79
O uniforme
“receber do mestre
a estrela” na UDV épara
é ser designado composto
o lugar de
de camisa
mestre, com uma aestrela
e “perder bordada
estrela” na altura dessa
é ser destituído do peito, assim,
função.
89
virei comunista e daí o Partido Comunista perdeu, pra quem era do Partido foi um
choque, no Mackenzie tinha Comando de Caça aos Comunistas. [...] Até que me
formei. Aí também começou, trabalhava, continuava meio hippie à noite, não dava
certo, ia dormir 3 h da manhã, levantava 6 h, trabalhava na Shell, casei e daí foi.
Mudei, fiquei meio teosofista, fui, passei uns tempos em São Tomé das Letras, também
aprontei por lá [...]. Nessa época eu cheguei a ser internado duas vezes no sanatório por
droga. Mas droga era maconha e ácido lisérgico, as outras eu não tomava. E cerveja
toda noite. [...] Quem me integrou a cabeça foi o Pietro Ubaldi, através do monismo.”
80
80
Entrevista de Daniel, em Campinas, 2 de outubro de 1998.
81
Pouco depois, Joaquim de Andrade Neto começa a distribuir o Vegetal por conta própria e em 1981 funda
uma dissidência da UDV, o CentroEspiritual Beneficente União do Vegetal, com sede em Campinas. Esta
entidade, que conta com apenas um núcleo, em Campinas, e uma fazenda com plantação de mariri e chacrona
no Mato-Grosso, tem ocupado significativo espaço na mídia e se apresenta comoa União do Vegetal. No
entanto, no momento de seu desligamento do CentroEspírita Beneficente União do Vegetal (CEBUDV),
Andrade Neto não era mestre ou conselheiro, nem ao menos havia recebido os ensinamentos do Corpo
Instrutivo. Assim, a doutrina exposta nos livros de sua entidade distingue-se sobremaneira dos ensinamentos
de José Gabriel da Costa tal como o CEBUDV os transmite. O CEBUDV tem reagido com a instauração de
um processo registrada
do Vegetal”, contra a entidade
no INPI.dirigida
Vide no por Joaquim
anexo 1 a listadedas
Andrade Neto, do
dissidências porCEBUDV
uso indevido da expressão
de que “União
pude ter notícia.
90
o proprietário do sítio de Cotia no qual eram realizadas as sessões. Na época já com uma
certa idade, Mário tinha sido pastor protestante. Assim, depois de ter sido iniciado por
pessoas ligadas ao teatro, “meio hippies”, o Núcleo Samaúma passa a ser dirigido por um
ex-pastor, o que talvez seja emblemático de um certo esforço por parte da direção da UDV
de se organizar no Sudeste segundo um perfil que se distiguisse daquele oferecido pela
contra-cultura.
82
Lupunamanta é o nome dado pela UDV à Estrela Matutina, e há uma Chamada de Lupanamanta.
91
mesmo ano havia sido adquirido um terreno na zona rural do Distrito de Joaquim Egídio,
Campinas. Imediatamente é começado o plantio de mariri e se constrói o salão, que é
inaugurado no dia 5 de junho de 1993.
Letícia continua sua narrativa:
“A 4 de dezembro de 1993, a Distribuição é elevada a Pré-Núcleo, tendo sido
escolhido o nome de ‘Alto das Cordilheiras’. A seguir foi construída a Casa de Preparo
provisória, a Casa de Ferramentas e Almoxarifado, e a Casa do Caseiro. O plantio foi
melhorado e construído um canteiro para Chacrona, com capacidade para 220 pés.
Nesse momento para Representante do Pré-Núcleo foi designado o M. Paulo, pelo
Mestre Central da 9ª Região. A 1º de outubro de 1994, assume a Representação do Pré-
Núcleo o M. Otávio. Havia então 55 sócios, sendo 4 mestres. A 13 de setembro de
1996, o Pré-Núcleo Alto das Cordilheiras é elevado a Núcleo Alto das Cordilheiras. A
seguir, é designado, para Representante do Núcleo, o M. Spencer de Morais Pupo
Nogueira, que assume a Representação em 6 de janeiro de 1997. Eram, naquele
momento, 57 sócios.”
83
Depoimento escrito deLetícia: Alguns Dados Históricos do Núcleo Alto das Cordilheiras.
84
A Distribuição
chega a Pré-Núcleonão tinha umrecebe
a unidade nomeum
próprio. Segundo
nome, que o modo
permanece de proceder
quando doa CEBUDV,
é elevada Núcleo. somente quando
92
do Vegetal no seringal, até aqui, passando pelas recordações dos “mestres da srcem”
acerca dos árduos inícios em Porto Velho, acompanhamos o movimento da Estrela do
Norte, iluminando até o sul. Busquemos agora observar como a claridade dessa Estrela é
experienciada pelos “discípulos do sul”.
93
3. A ESTRELA ILUMINANDO
3.1. A LGUMAS HISTÓRIAS DE VIDA
“Um homem na campina olhava o céu. As estrelas
pareciam aumentadas, de ta manho brilho.
Estrela, ó estrela, estrelas,
Ele suplicou como se injuriasse. [...]
Ó homem, ó filho meu,
convoca-me a voz do amor,
até que eu responda
ó Deus, ó Pai.”
Adélia Prado, Genesíaco, In: O Pelicano
Inicio com a trajetória de Rubem, um dos membros do núcleo que tem menos tempo
de participação na UDV, somente dois anos e meio, na ocasião da entrevista. Assim, em
comparação à media de tempo na UDV das pessoas do núcleo, Rubem está ainda
“entrando” por aquela que ele chamou de “porta que se abre para os mistérios”.
Rubem tem 43 anos de idade. Sua família é de srcem judaica. Ele fez sua
graduação em ciências sociais e em história. Fez o mestrado e o doutorado na área de
educação. Seu pai era imigrante judeu, proveniente da Europa Oriental, “apesar de
agnóstico, tinha conhecimento muito profundo de religião judaica, das questões éticas, do
94
Talmud, da Mishná”85. Assim, Rubem foi educado para uma atitude de procura do
conhecimento no estudo, de “culto ao saber”. No que toca à religião, ele narra:
“tive uma formação escolar judaica, mas eu nunca me sentia muito à vontade com a
religiosidade, pois em casa, como não havia um culto religioso, em termos de credo,
era uma situação um pouco paradoxal. Ao mesmo tempo que havia um valor
dado pelo conhecimento da religião, não havia essa fé. [...] Achava interessante a
religião, fazia um esforço, mas não conseguia entrar naquele mistério.”
talvez induzida a isso, cogumelos também... Coisas que dão uma certa
sensibilidade pra se entrar em contato com outras dimensões que a gente talvez
não saiba como utilizar pra si, ainda.”
A UDV surge na vida de Rubem em um momento em que ele havia vivido situações
que o abalaram: seu primeiro filho não sobreviveu, três anos depois seu pai faleceu de
derrame fulminante, no final de uma conferência que proferiu no Clube Hebraica. Depois
nasceu o seu segundo filho e ele se perguntava sobre como falar de Deus ao menino.
96
Segundo Rubem, desde o nascimento desse filho “desperto para a aceitação da existência de
algo além do mundo lógico cartesiano”. Após a defesa de sua tese de doutorado, Rubem
decide acompanhar a esposa, que pouco tempo antes começara a freqüentar a UDV. Assim,
tem a sua primeira burracheira em 1996, da qual ele conta:
“A primeira burracheira a gente nunca esquece... Foi algo inesperado, nunca tinha tido
essa sensação de harmonização, de um caminho de harmonia, perceber que é possível
acertar as contas consigo, com as coisas do passado. Tanto que eu perguntei na sessão
o que é o passado, se o passado continua existindo... Vinha de um raciocínio a respeito
do lugar do passado e do futuro. A luz de uma estrela, depois que ela é emitida, se
torna atemporal, porque ela vai se expandir por todo o espaço que existe, mesmo
depois que a estrela que a emitiu tenha se extinguido. Então, o que a gente observa,
quando olha o céu, seria um passado de algo que não existe mais, mas que vai existir
eternamente ao mesmo tempo - um aparente paradoxo. [...] E também eu consegui a
partir dessa primeira sessão, foi um momento assim bem forte de chegar a uma
conciliação com o meu pai, passar a tolerar, a suportar melhor a ausência dele, que até
então era algo que eu ainda não havia trabalhado... assim como do nosso filho, ainda
não havia me conformado, estava pendente por anos, fazia quase cinco anos que meu
pai havia morrido, e eu ainda estava remoendo. Foi muito bom porque pela primeira
vez eu consegui entrar em contato com ele e fazer uns acertos que tava precisando. Nas
quatro primeiras sessões eu consegui ficar numa plena tranqüilidade, plena luz com ele.
Mas, era bem ele mesmo, da forma como ele era em vida, presença material. Foi uma
coisa bem boa, logo as primeiras sessões nesse sentido.”
Rubem passa a freqüentar a UDV, sua esposa associa-se primeiro e, seis meses após
aquela primeira sessão, ele se associa. Pouco mais de um ano depois ele é convocado para o
Corpo Instrutivo. Na semana da entrevista ele havia tido a sua primeira Sessão Instrutiva.
pensava em ser médica pra descobrir o que que era a morte. Eu tive experiências fortes com
dois anos de idade, de morte de bichinho, que eu me lembrei com muito detalhe já, e com
criancinha que morreu que era vizinha. Então tudo aquilo me marcou muito. Então essa
questão da morte era algo desdea infância muito forte. Mas aínessa época eu dissociei da
questão da religiosidade e aí parece que nunca mais pensei em Deus na minha adolescência.
Era uma coisa que foi abolida. Eu fui distanciada da Igreja, parei de participar dos rituais e
comecei a entrar numa linha mais filosófica, de querer conhecer o que que era o homem, o
que era a morte, aí lia sobre filósofos, lia sobre pessoas que investigavam estados de
consciência.”86
grau 2, grau 3 de profundidade. Mas não tinha nada que mostrasse que as pessoas estavam
mais acordadas ou menos acordadas, acordadas. Isso foi uma coisa que me chamou muito a
atenção desde o princípio. Tinha pessoas que pra mim era óbvio que elas não estavam
acordadas, embora trabalhassem, andassem. Aí então eu comecei a me interessar a estudar
uma área mais psicológica, pra ver se eu tinha mais respostas nessa linha, de querer saber o
que era o comportamento.”
86
Entrevista
mesma de Soraia, em São Paulo, 22 de outubro de 1998. As citações seguintes, neste item, são da
entrevista.
98
É significativo que Soraia releia essa sua “busca racional de compreensão do que
que é a vida” ou “busca de entender a máquina homem” como uma busca religiosa. A
experiência posterior com o chá Hoasca propiciou-lhe uma reinterpretação de toda a sua
trajetória, como busca que chegou a um encontro. Ela narra esse encontro, que se deu na
primeira vez que ela bebeu o Vegetal, em 1982, quando uma amiga sua, médica da
Unicamp, lhe fala de “um chá que vinha da Amazônia” que lhe tinha proporcionado uma
experiência que ela compreendeu como visão de uma vivência acontecida em outra
encarnação. Soraia se interessou e foi conhecer o chá:
“Aí eu resolvi ir e a primeira vez que eu bebi o chá foi como se tivesse
resgatado o contato com a espiritualidade, como se eu tivesse sentido outra vez que eu sou
espírito. E foi uma coisa, uma experiência muito forte, muito interessante. Porque eu me
senti completamente conectada com o céu, com a terra, com os seres do planeta. Eu senti o
meu corpo como sendo a terra, sabe? Uma conexão do meu corpo com a terra, com o meu
ser... A primeira experiência eu posso definir como uma experiência de integração com o
todo, de unificação; a minha percepção é que eu era o todo, o todo era contido em mim, que
o meu universo interno era algo sem limite, uma sensação de ter Deus em mim e eu ser
Deus, mas não era uma sensação de um eu restrito, era aquele eu... que eu acho que depois
pelas descrições que eu vi, uma sensação de êxtase místico.”
eu tive essa experiência de êxtase místico e depois na seqüência eu tive uma experiência
muito forte com a floresta amazônica, eu tive uma experiência de estar no meio da floresta
e de repente senti que eu era uma árvore. A percepção minha de que eu era árvore! Foi algo
que chamou muito minha atenção também. Até um animal eu acho que era uma coisa que
cabia dentro do meu conhecimento, mas algo do reino vegetal! Era uma percepção nítida,
era como se fosse perfeitamente cabível dentro da minha sensibilidade saber o que era uma
árvore, o que que sentia, como era, como era o fluir, como era a raiz, a folha, o vento, a
semente... um negócio assim muito difícil de descrever. Mas uma vivência de percepção
mesmo, uma percepção muito forte. [...] E imediatamente parece que eu resgatei a
99
religiosidade nesse primeiro copo de vegetal, foi como se de repente eu tivesse resgatado a
lembrança da religiosidade.”
Após essa experiência tão intensa, ela começou a ir em todas as sessões possíveis:
“Eu fui pro norte do país atrás da srcem, eu fui pra outros núcleos, aonde
tivesse a oportunidade de beber o chá. E nessa época tinha aqui em São Paulo um mestre,
que era o Mestre Paixão, que era um mestre lá da floresta mesmo, então tinha uma
freqüência maior de rituais também. Então eu bebia em Campinas, era filiada em
Campinas, mas ia nas sessões aqui em São Paulo, nos preparos, porque eu queria saber o
que que era aquilo que eu tinha encontrado.”
Ao longo de quatro anos ela teve burracheiras fortíssimas, com muitas
mirações, nas quais freqüentemente se via em outros lugares, participando de rituais com o
uso do Vegetal:
“Era como se eu tivesse recuperando um conhecimento de um poder [...]. Na
medida que lia descobria coisas que eu já sabia. Reencarnação, não tinha dúvida alguma.
Muita coisa... [...]Nos meus primeiros quatro anos de vegetal isso foi muito forte. Aí passei
a ler tudo o que via pela frente a respeito de alquimia, ocultismo.”
Durou uns seis anos. Eu fazia psicanálise e o psicanalista, bem ortodoxo, queria saber o que
eu bebia. Acelerou muito meu processo de auto-conhecimento. Essa época foi muito fértil.”
Na leitura que ela faz de sua trajetória,Soraia identifica uma terceira fase, atual, que
ela caracteriza como centramento “no aqui e no agora”:
“Depois disso foi uma experiência de presença, de me centrar, no aqui e no
agora, algo que é mais possível atingir numa meditação sem o uso do chá. Diminuiu o
conteúdo visual e ficou o sentimento de presença. Enquanto estou crescendo a burracheira é
fértil, quando estou estagnada a burracheira é vazia. [...]
minha vida. Todo o meu trabalho gira em torno disso. O que flui de uma geração pra outra:
quanto mais me adentro mais reforça que a espiritualidade é o centro. Tem pacientes que
me dizem: ‘Ah, eu estou buscando a luz!’ A vida existe pra se conhecer o que é o espírito.
Conhecer o que existe. Quanto mais eu bebo o vegetal, mais eu tenho interesse em conhecer
tudo o que está relacionado com a espiritualidade.”
família era um espanto: ao mesmo tempo em que eles sabiam do meu conhecimento pra não
101
tar ali de bobeira, era difícil. Foi criado o Centro de Estudos Médicos e eu era a vice-
diretora. A pesquisa concomitante me levava a não pensar que eu estava equivocada.
Pesquisei no mundo inteiro quem já tinha estudado, tudo que podia estar relacionado com a
Hoasca eu pesquisei. No começo, houve uma postura fanática. De querer experimentar mais
e mais. A dificuldade maior foi continuar dentro dos esquemas que eu tinha: o tipo de
pessoas com quem eu convivia se alterou rapidamente. Na medida em que eu pude
conhecer a UDV, eu priorizei isso acima de qualquer outra coisa. E acho que foi
importante. Não acho que esse mergulho era fundamental. Hoje, estou em outro momento,
eu não preciso ir aonde tem, eu levo aonde eu vou. Hoje entrar em contato com vários
segmentos da sociedade, eu levo muito.”
87
Aqui não recorro à utilização de pseudônimo para designar Spencer, com a autorização do mesmo, para
poder citar sua tese doutoral e indicar a autoria de seus desenhos, apresentados nesta dissertação.
88
Entrevista
seguintes, deitem,
neste Spencer
são dademesma
Moraisentrevista,
Pupo Nogueira, em Campinas,
salvo quando indicado o 3contrário.
de outubro de 1998. As citações
102
Na sua tese doutoral, Spencer expôs a sua experiência com a Hoasca como caminho
de acesso ao “processo de conhecimento pelo sentir”, que lhe possibilitou idealizar seu
“Núcleo Urbano Florestal”. Em sua obra, o arquiteto dedica um tópico a “O tempo de
borracheira”,
“com o intuito de transmitir a transformação no siginificado da substância dos
objetos materiais, escolhemos duas experiências relativas à Madeira, por se tratar do
material com que será realizada, praticamente, a totalidade do núcleo urbano projetado, e
também, por ser antigo conhecido dos arquitetos.” Id
( ., p. 54)
103
que, exigindo um espaço na consciência humana, em que fosse reconhecida sua virtude de
estar aí, firme e quieta cumprindo sua missão de sustentar o abrigo do homem. A visão se
enriquecera com o pulsar em nós, de um agradecimento desconhecido, por toda aquela vida
materializada em madeira. Um estalo na lareira chamou nossa atenção para uma lenha em
chamas, que parecia dizer: ‘também estou aqui, há muitos milênios!’ Lembramos de nossa
pós-graduação em ‘Madeiras e suas características’ em que o Prof. João dissera: ‘a madeira
é puro raio de sol, com um pouco da poeira da terra’. Nesse instante, por estranha
sincronicidade muito comum nas sessões do Vegetal, um dos presentes começou a ‘fazer
uma chamada’ (música evocativa de forças da natureza, cantada durante uma sessão por um
discípulo que ‘sentiu’ que o deveria fazer), era a ‘Chamada da Samaúma’ [...], a maior
árvore da Floresta Amazônica.” (Id., p. 56-57).
Assim, Spencer apresenta a primeira tese acadêmica no Brasil com uma reflexão
acerca da União do Vegetal. Além de arquiteto e professor, Spencer é artista plástico. Os
longos anos de seu “processo de conhecimento pelo sentir”, mediado pelo chá Hoasca na
UDV, refletem-se em seus desenhos e pinturas, dos quais exponho aqui algumas
reproduções. Alguma idéia acerca da conexão entre sua experiência estética e sua vivência
espiritual-religiosa pode ser proporcionada pela sua narrativa de um exercício imaginativo
orante, que ele tem feito diariamente, sem o uso do Vegetal:
“De uns meses pra cá meu relacionamento com Deus vem melhorando muito
graças à Virgem Maria. Por ser homem, a minha parte afetiva de relacionamento com o
Superior, sendo com mulher facilitou, mas agora tá bom com Deus também. Faço umas
alquimias... num livro, eu li que a Virgem Maria disse que tem uma casa branca dentro de
cada um de nós. Então aquela imagem da Igreja Católica, muito no altar - ah eu pequeno! -
diminuiu aquilo por uma palavra que ela fala: ‘Vem, entra, vem aqui nessa casa, acaba de
fazer o projeto do jeito que você achar melhor, eu tô aqui dentro, te quero bem, pode me
chamar de mãe se você quiser’. E daí foi uma palavra que pra mim foi mágica: ‘Porque
aqui dentro a camaradagem de mãe e filho é natural’. Vai ter oito meses, mais ou menos,
que faço uma alquimia imaginativa nessa casa, nesse jardim que eu tô inventando: uma rosa
por dia, todos os dias, enquanto toca três ave-marias, na primeira invento a rosa, na segunda
busco a Virgem Maria na casa dela e na terceira mostro a rosa pra ela acabar de fazer a
rosa, tudo isso na imaginação. “
“E daí resolvi fazer a Chamada do Amor Vivíssimo que poucos mestres têm
coragem de fazer. Aí fiz um preparo aqui, que todo mundo reconhece que foi um Vegetal
105
ponto grau. Senti no momento do preparo com a Virgem Maria dum lado e com a Senhora
Santana do outro. De pé uma do lado e outra do outro, eu de pé também. [...] Um preparo
interessante, mudou o núcleo aí. E a parte mais forte da chamada é aquela: “alcançai a dor
profunda de meus pecados”. Essa que é a parte. Porque você com essa frase tem que se
abrir, não tem coisa escondida. Nessas alquimias mentais aí... Jesus fala: ‘a pessoa pra
entrar no Reino do Céu tem que ser como um menino’. Então nas minhas alquimias o que é
que eu fiz? Eu fiquei como um menino.”
O título deste tópico, além de evocar o nome do núcleo no qual realizei meu
trabalho de campo, faz uma referência ao uso pelos participantes da UDV da expressão
“Alto das Cordilheiras” para designar o lugar mais elevado no “Astral”, o lugar da
divindade, para onde os discípulos esforçam-se em chegar. Como na narrativa fundante da
União do Vegetal, a História da Hoasca, há uma referência ao Império Inca, faz sentido que
o “Alto das Cordilheiras” tenha sido o símbolo escolhido para falar do mais alto lugar
espiritual. E assim como para a escalada de uma alta montanha, faz-se necessário um
grande empenho, firmeza, fôlego, para alcançar as alturas do “Astral” divino. Os termos
apresentados a seguir podem ser considerados como balizas que orientam o percurso do
Burracheira
27.Cf. LUNA, 1996, p. 25. SCHULTES, RAFFAUF, 1990, p. 419-422. SCHULTES, HOFMANN, 1992, p.
107
motivada por bebida alcoólica, mas também num sentido específico de estado alterado
causado por planta psicoativa. No entanto, o significado da palavra burracheira para os
discípulos da UDV, segundo palavras do Mestre Gabriel, é “força estranha”. O efeito do
chá Hoasca é algo de difícil caracterização, dada a pluralidade de possíveis vivências
suscitadas por seu uso. De modo geral, pode-se falar de uma alteração intensa das
sensações, sentimentos e percepções durante o período de efeito da Hoasca, que costuma
durar aproximadamente quatro horas, que é o tempo de duração de uma sessão da UDV.
São freqüentes as experiências de percepções visuais denominadas mirações.
burracheira:
“Ah, esse sentimento de gratidão, mesmo! Gratidão por ser um cara, tô vivo, isso é
uma realidade. Tem outras coisas da vida pós-morte que eu acredito, mas tem aqueles
caras que são céticos, então não dá pra provar. Mas uma coisa que dá pra provar é
assim: eu tô vivo, aqui, pensando, com a minha consciência, o mundo inteiro, um
monte de cabecinha pensando... mas eu sei que eu tô aqui, de repente eu sou Roberto
o ,
tenho a minha vida, meus amigos, as coisas que acontecem, tal, toco violão, toco
guitarra, posso fazer umas coisas assim... Então quando tô lá assim, uma coisa que fica
91
sempre presente muito pra mim é a gratidão, a gratidão acho que é mais marcante.”
90
91 Entrevista
Id. de Roberto, em Campinas, 26 de outubro de 1998.
108
Mestre e discípulo
uma escola na qual se aprendem osensinos do Mestre. E o Mestre tem seus mensageiros
que trazem os seus ensinos. José Gabriel da Costa é um deles, como Salomão, Jesus... O
fundador da UDV é, portanto, chamado igualmente de Mestre. Segundo um conselheiro,
José Gabriel da Costa “é um mestre que conhece o caminho que um espírito precisa
percorrer para encontrar o significado de sua própria existência; e conhece porque
92
percorreu o seu próprio caminho; e é mestre porque se dispôs a auxiliar”.
92
40Entrevista
anos. de Nelson, em Campinas, 30 de setembro de 1998. Grifos meus. Produtor cultural, na faixa dos
109
A todas as pessoas que entrevistei fiz a pergunta: “Quem é, para você, José Gabriel
da Costa?”. Houve uma grande variedade de respostas.Denise, que está no Quadro de
Sócios, respondeu: “Mestre Gabriel pra mim é um mistério. Eu ainda não sei o que sinto,
ele é um velhinho interessante, [...] é difícil achar que ele é mestre, um mestre pouco
convencional. É mais fácil pensar num lama tibetano.”93 Aparece talvez aí a dificuldade de
alguém de formação universitária aceitar como mestre um seringueiro semi-analfabeto.
Realmente, um lama tibetano seria certamente mais palatável num primeiro contato. Mas à
medida que as pessoas permanecem mais tempo na UDV o mistério dessa pessoa as
envolve cada vez mais. Renato, que já participa da UDV há 18 anos, diz a respeito de José
Gabriel da Costa: “É um mistério, ele é fascinante, ele é a luz. É como ter de descrever o
que é a humildade. Precisa sentir.”94 Respostas como essa, que fazem recurso a palavras
muito utilizadas na UDV, como luz e mistério, são recorrentes. Assim como a indicação do
caminho do sentir como possibilidade de acesso à percepção de quem ele é. Um outro
aspecto, apontado por Alice, que conhece a UDV há 10 anos, é a proximidade de José
Gabriel da Costa:
“Um grande amigo, alguém que mesmo que eu não conheci pessoalmente é alguém
muito próximo. E mais, é um amigo que se faz presente nos momentos importantes de
minha vida. Eu até penso em desistir mas ele sempre de uma maneira inteligente me
traz de volta. Até porque tem uma característica: eu não conheço outro mestre que se
coloque de forma tão humana. ‘Andei no mau caminho’, coloca-se num plano como o
95
nosso. Mostra que a transformação é possível de verdade.”
Esse sentimento de proximidade é também apontado porClarice, uma senhora simples,
com pouco estudo acadêmico, que já passou por muitas situações de sofrimento e percebe
essas dificuldades na vida de José Gabriel da Costa:
“É uma pessoa assim que não teve estudo [...] Mas, por que ele foi tão sofrido? Viveu
num lugar pobre, seringueiro, teve um filho excepcional. [...] Por que não veio numa
vida melhor, sem tantos problemas financeiros? [...] O Mestre Gabriel é um
recordado.”96
Esse olhar de empatia, que vê no “Mestre” um espelho de si mesmo e, simultaneamente,
alguém que tem um “grau” espiritual alto, também se verifica na entrevista de Mestre
93
Entrevista de Denise, em Campinas, 19 de outubro de 1998. Médica, na faixa dos 30 anos.
94
Entrevista de Renato, em São Paulo, 21 de outubro de 1998.
95
Entrevista de Alice, em Campinas, 17 de setembro de 1998. Advogada, na faixa dos 30
anos.
96
Entrevista de Clarice, em Campinas, 15 de setembro de 1998. Dona de casa, na faixa dos 70 anos.
110
Décio, psicoterapeuta: “ele é um terapeuta interno. Pra mim hoje o Mestre Gabriel é uma
luz, que permite o desvelamento do meu eu verdadeiro; quando o meu eu verdadeiro estiver
97
plenamente lapidado, a missão dele comigo estará concluída.”
97
Entrevista de Décio, em Campinas, 15 de outubro de 1998. Psiquiatra e psicoterapeuta, na faixa dos 50
anos.
111
dirigente da sessão” será um representante dele. Na maioria dos núcleos onde já estive, nas
ocasiões em que uma mulher dirige uma sessão, quando é feita uma pergunta a ela se usa a
fórmula: “Mestre, o senhor dá licença de fazer uma pergunta?” Mas no Núcleo Alto das
Cordilheiras presenciei uma sessão em que uma conselheira que ocupava o lugar de mestre
dirigente respondeu a alguém que usou essa fórmula: “O senhor pode me chamar de
senhora mesmo...” De qualquer modo, busca-se enfatizar que o dirigente está no lugar do
Mestre Gabriel. Esse aspecto do lugar é ressaltado, no sentido de que “Mestre da União do
Vegetal” realmente é o Mestre Gabriel, os demais “mestres” são também discípulos, que
têm uma tarefa: transmitir a doutrina da União e, junto com os conselheiros e conselheiras,
dirigir o núcleo da UDV.
precisão, na medida em que não se pode usar qualquer palavra de qualquer modo. Há toda
uma série de prescrições que visam excluir das sessões palavras inadequadas, já que a
burracheira é percebida como algo que é moldado plasticamente pela palavra, o que suscita
cuidados para que as pessoas não sejam conduzidas por palavras inadvertidamente
pronunciadas a situações difíceis. Deste modo, há toda uma preocupação com a forma, com
a escolha dos vocábulos, que faz desse exercício da palavra algo exigente. E ainda mais,
muitos mestres costumam corrigir os discípulos quando estes empregam uma palavra ou
expressão inadequada. Quando, por exemplo, o que pergunta diz: “Eu queria saber...”, ele
pode ouvir do mestre: “O senhor queria, agora não quer mais?” Assim, faz-se necessária
uma certa docilidade do discípulo, para se deixar corrigir pelo mestre... A disponibilidade
112
Conhecimento
Essa relação com a gnose pode ser inferida a partir da afirmação deLuísa,
Conselheira, na faixa dos 50 anos, psicóloga: “a linha do Vegetal, essa linha mais direta,
pros herdeiros de São Tomé; a fé deles precisa das colunas do sentimento e do
98
Entrevista do MestrePaulo, em Campinas, 16 de outubro de 1998.
113
conhecimento.”99 Nesse aspecto, é possível pensar uma analogia com a crença dos antigos
romanos, que não acolhiam afirmações teológicas e metafísicas sem antes submetê-las à
crítica. Linder e Scheid afirmam que “de ce point de vue, les Romains étaient des Saint-
Thomas, mais de Saint-Thomas modèles de la bonne foi, et non de l’incroyance” (LINDER,
Id.,
SCHEID, 1993, p. 55). E na nota relativa: “La meilleur preuve étant celle des yeux”(
nota 46, p. 60). Ora, o exercício da crença na UDV talvez possa ser definido como aquele
dos “herdeiros de São Tomé”, como disseLuísa, na medida em que a fé não é exigida a
priori, mas se configura como o resultado de uma vivência - na qual, aliás, a visão tem um
papel de substancial importância - das faculdades do sentir e do conhecer. Como aponta
Otávio Velho:
“Agora, é como se São Tomé fosse o apóstolo do novo tempo. Um tempo que exigiria
uma religiosidade da experiência direta, onde o conhecimento subsume a afetividade e
é posto no lugar da transmissão exclusivamente por via da tradição, a qual não tem
valor senão na medida em que é reinventada convincentemente.” (VELHO, 1998, p.
38).
Assim, o próprio Mestre Gabriel disse: “não acreditem no que eu digo; examinem!
... pra ver que eu estou certo.” Esta frase é muitas vezes recordada nas sessões e fora delas,
e traz para a União do Vegetal uma flexibilidade quanto aos graus de aceitação da doutrina,
na medida em que esse exame permanece aberto. Luís, professor, na faixa dos 50 anos,
afirmou:
“As religiões exigem uma conformidade e um consenso, mas a UDV não. Embora ela
aparentemente exija, ela abriga muitas pessoas como eu. A gente aprende o que a gente
pode falar e o que não pode. É interessante você olhar o Rajneesh. Ele dizia: ‘a única
coisa que eu exijo de vocês é que façam as meditações’. A UDV diz: ‘bebe o Vegetal e
paga a mensalidade’. Não tem nenhum credo.” 100
No entanto, essa afirmação deve ser matizada, levando-se em conta que quem a faz é do
Quadro de Sócios, apesar de já beber o Vegetal há mais de 4 anos. Como ele mesmo
reconhece: “Eu não sou da instrutiva. Você tem que mostrar que é da UDV, que faz as
perguntas certas... Eu até gostaria, mas tem de passar por tudo isso. De certa forma eu não
sou da UDV.”101 Luís percebe que a convocação para o Corpo Instrutivo manifesta um grau
de adesão que ele ainda não tem, o que faz com que de certo modo ele se sintafora. Por
99
Entrevista da ConselheiraLuísa, em Campinas, 20 de outubro de 1998.
100
101 Entrevista de Luís, em Campinas, 6 de novembro de 1998.
Id.
114
Sentir
“Em muitos casos é muito perceptível essa intencionalidade, essa forma como as coisas
vão acontecendo, e que se acontecesse diferente o resultado seria outro. [...] Quando eu
digo uma força inteligente é algo que eu sinto que tem um propósito, uma razão, não é
uma força como a força de uma tempestade, uma força que a gente sente que é uma
força mas não dá pra perceber a direção. Mas no caso da União do Vegetal existe esse
aspecto inteligente e na minha vivência pessoal, e nessa conversa você pôde ver
exemplos, como na minha primeira miração, que eu vejo como se fosse uma estratégia,
uma estratégia de como chegar até a mim. [...] Então, pra mim, esse José Gabriel da
Costa, além de ser o homem que foi, com o exemplo, que acho que é um exemplo
102
Boletim da Consciência Conservando a Tranqüilidade dos Filiados do Centro, a 4parte. CENTRO
ESPÍRITA BENEFICENTE UNIÃO DO VEGETAL, 1994, p. 58.
115
Esse status legitimador do conhecimento que tem o sentir na UDV também apareceu
claramente em uma sessão no Rio de Janeiro, no Núcleo Pupuramanta. Falava-se acerca da
verdade. Quando um discípulo perguntou como se pode ter a certeza de que algo que se vê
na burracheira é verdadeiro e não uma ilusão, o mestre dirigente da sessão respondeu:
“quando algo que o senhor vê é, realmente, verdade, o senhor sente; o sentimento mostra
pro senhor que éverdade”. Afrânio Patrocínio deAndrade, que participou do Núcleo São
João Batista, de São Paulo, também aponta para a dimensão dosentir, afirmando em seu
último capítulo: “Essa Religião, uma vez abandonando muitas das falácias da razão e se
apegando a uma experiência em que se congeminamsentimentos e emoções, traz para o ser
103
Mistérios do Vegetal, texto lido no início de toda sessão de escala.
116
aqueles que receberam a “estrela de mestre” das mãos do Mestre Gabriel. Assim, segundo o
Mestre Manoel Nogueira, Mestre Geral Representante em 1996 e 1997, já falecido, “todos
nós, unidos, somos o Mestre Gabriel. Agora, para se chegar a essa união, não é fácil. Até
hoje, não se chegou. [...] Há ainda muita coisa pra acertar, pra esclarecer.”104 Pelo contexto,
pode-se perceber que aí a palavra “nós” refere-se aos mestres do Conselho da Recordação.
De qualquer modo, ainda que em controvérsias específicas esse órgão tenha autoridade
suprema para definir em consenso a doutrina legítima, no quotidiano da vida dos discípulos
da UDV, um critério básico é aquele referido acima, dado pelo Mestre Gabriel:
“examinem!” Tal exame, para um discípulo da UDV, certamente não deve ser guiado pelas
“falácias da razão”, como dizia Afrânio Andrade, mas sim pelosentimento iluminado pela
“luz da Hoasca”, isto é, o sentimento aguçado e aprofundado pela experiência da
burracheira.
Em 1981, foi publicada uma reportagem de capa, na revista Planeta, com o título: A
Oasca e a religião do sentir105 (ARARIPE, jun 81, p. 34-41. Grifos meus). O autor,
Flamínio de Alencar Araripe, até hoje é discípulo da UDV, do Núcleo Tucunacá, em
Fortaleza, Ceará. No artigo, ele afirma que “é uma experiência inesquecívelsentir a energia
deste chá em ação no organismo humano” (p. 36). Descrevendo o efeito do chá, escreve
que “no interior da pessoa ele age como desobstrutor dasensibilidade real do organismo”
(Id.); “é como se a sensação da matéria física entrasse em outro referencial onde o espírito
comanda a sensibilidade” (p. 37). Falando do “poder de transformação” do Vegetal, afirma
que “verdadeiras mudanças se operam entre as pessoas que continuam comungando este
chá”: “a sensibilidade aumentae com ela o discernimento” (p. 40). Essa reportagem teve
ampla repercussão entre os discípulos da UDV, de modo que até hoje freqüentemente são
feitas referências à União do Vegetal como “a religião do sentir”. Indagando a Flamínio a
respeito da srcem dessa expressão, ele me respondeu por e-mail:
“Na sessão do dia 22 de julho, em São Paulo, conversei no Núcleo Samaúma com o
autor desta expressão, o mestre Mario Piacentini, sobre o assunto da sua indagação.
Falei pra ele que sempre quando comentam pra mim esta definição da UDV que deu
título à reportagem da Planeta, digo que ele é o autor. O velhinho com 83 anos,
continua a transmitir a mesma alegria e lucidez de quando o conheci. Se você ainda
104
Mestre Manoel Nogueira fala das srcens da UDV. Entrevista a Cristina da Luz. JornalAlto Falante,
Brasília: nov– dez 94–jan 95, p. 9.
105
A grafia já
publicação, dasepalavra
havia if“Oasca”, sem
xado, entre os “H” no início,
membros foi um
da UDV, lapso“Hoasca”
a grafia do autorcom
do artigo, pois bem antes de sua
“H” inicial.
117
não o conhece, é uma experiência gratificante. [...] O segundo crédito nesta história
deve ser dado ao então editor da Planeta, que soube pinçar do texto a expressão que
define o todo, o Ednilton Lampião, que já desencarnou.”
É relevante que essa expressão tenha sido cunhada pelo M. Mario Piacentini, um mestre de
São Paulo, que inclusive foi pastor protestante antes de conhecer a UDV.
Instrutivo, “os conhecimentos que a gente tem na burracheira vêm de uma forma direta. É
como se o conhecimento fosse uma esfera, o sentimento e a intuição formam o volume
dessa esfera. É o poder que a burracheira te dá do conhecimento direto pelo coração.” 107
Também a Conselheira Luísa usou uma imagem geométrica, que citamos acima: as duas
colunas, do conhecimento e do sentimento, sobre as quais repousa a trave do crer. Essas
duas colunas, encimadas pela trave da fé, formam um arco, figura um tanto recorrente no
imaginário da União do Vegetal. Mais adiante, voltarei a pensar no simbolismo dessa
figura. Por ora, basta ter presente a idéia do arco como vínculo de união entre duas
realidades, no caso, o conhecer e o sentir.
106
Entrevista do ConselheiroWaldir, em São Paulo, 22 de outubro de 1998. Designer, na faixa dos 70 anos.
Para ele, a UDV é “a religião da consciência”.Vide declaração semelhante da ConselheiraLídia, p. 108.
107
108 Entrevista de Augusto
Entrevista de , emCampinas,
Cleide, em Campinas,9 19
de de outubro de
novembro de 1998.
1998.
118
mais o meu lado racional. Na burracheira tem essesentir, mas tem o pensar também. Há a
coisa de estudar, isso é mais do que o sentir.”109
Consciência
109
Entrevista de Antônio, em Campinas, 7 de setembro de 1998.
110
Entrevista de Cláudia, em Campinas, 16 de outubro de 1998.
111
Entrevista de Lídia, em Campinas, 28 de outubro de 1998.
112
“As pessoas falam no meu trabalho que eu sou meio diferente das outras
pessoas. Eu já perguntei, ‘por quê?’ Parece que eu presto mais atenção nas coisas que
tão acontecendo e levo em consideração aspectos que as pessoas não tão enxergando.
Procurei saber melhor o que era isso, várias pessoas já tinham me falado isso, mas não
coonsegui ainda descobrir não. Mas acho que tem um jeito diferente de enxergar as
pessoas. Por exemplo, eu sou psicóloga e numa época convivi com uma pessoa,
assistente social, que trabalhava junto comigo. No próprio trabalho, ela falava muita
coisa pra mim de casos que a gente tinha em conjunto. E ela era a rainha do detalhe.
Então ela era uma pessoa famosa, como uma das pessoas mais chatas que as pessoas
conhecem! Certo? Aí, vi que a minha relação com ela um tempo começou a ficar
difícil, eu tava meio irritada. Daí, numa sessão me veio essa assistente social, me veio
uma dimensão dela e parecia que ela era muito próxima, parecia até que era minha
parente. Daí eu passei a conviver com ela de uma maneira diferente. Eu fiquei
estudando como é que funcionava a cabeça dela, como é que ela era... Então ela deixou
de me irritar. Quando ela falava e ia longe, contava dez vezes o mesmo caso. Então na
décima vez que ela contava o mesmo caso eu perguntava: ‘Por que que você tá
contando outra vez?’ Eu ficava de observadora da situação. E foi uma coisa que me
auxiliou bastante na convivência. Eu consegui ter um apreço por ela, gostar dela, é uma
coisa que me fez bem, fez bem pra ela. As pessoas geralmente não davam a mínima
120
atenção pra ela, fugiam dela. Uma coisa que eu aprendi e foi assim com o Vegetal.
Coisas que eu aprendo no Vegetal, que mexeram com a minha emoção, em termos de
ter mais
paciência, mais tolerância com o outro... Ficar de observadora e aprender do
comportamento da pessoa: ‘Gente é assim!’ Então fiquei assim, meio científica. Foi
jóia! Convivi quatro anos com ela... Uma construção em termos de relação, que o
Vegetal me deu de presente.”113
Memória
113
Entrevista da ConselheiraLuísa, em Campinas, 20 de outubro de 1998. Psicóloga, na faixa dos 50 anos.
114
Boletim
1994, p. 71). da Consciência em Reforma. (CENTRO ESPÍRITA BENEFICENTE UNIÃO DO VEGETAL,
121
referência é esta. Então não acho assim instantâneo nem fácil acreditar na
reencarnação. Mas é uma coisa que eu tenho hoje motivos suficientes pra ter isso como
uma referência na minha vida. Isso muda a forma de ver as coisas. Eu não considero
assim, não acho que chega no ponto de cair num fatalismo cármico: ‘o mundo é assim
mesmo’, ‘eu tô aqui passando por coisas que são o resultado’.... O fato de que na União
do Vegetal é muito interessante que a responsabilidade maior é nesta encarnação.
Segundo a palavra do Mestre Gabriel, muito pouco passa de uma encarnação para
outra. Isso é uma coisa que é muito diferente de uma visão de carma, de que tudo agora
é uma conseqüência diretamente de todo o passado. Não é exatamente assim que é
colocado na União do Vegetal. O enfoque da União do Vegetal. Existe, é claro, o que
vem antes, a sua história, a memória, o passado. Mas o seu processo de recordação tem
que começar por esta encarnação, pra você chegar nas outras. É um aspecto
reencarnacionista mas que não coloca a responsabilidade no passado. A
responsabilidade continua aqui. O foco é esta encarnação. O responsável por 99% do
que te acontece é o que você tá fazendo, não é o que você já fez em vidas anteriores. É
um reencarnacionismo temperado com esse enfoque na responsabilidade presente.
Tanto que, embora a gente saiba que tem a possibilidade de recordação na União do
Vegetal e tal, não é necessariamente como as pessoas que ficam buscando na
burracheira se lembrar o que eram em vidas anteriores. Não é bem por aí que a coisa
funciona. Importa muito mais o que a gente é hoje, como a gente é agora e como a
gente pode ser pra frente. Não é tão importante assim saber se o que eu sou agora é
fruto desta encarnação ou de outra, mas o que eu tô fazendo agora, a conseqüência eu
tô vivendo essa conseqüência, eu tô colhendo essa conseqüência. Vamos dizer, o foco é
esta encarnação. Isso dá uma visão que eu acho mais equilibrada, do mundo, das
coisas, do que seja a justiça. A questão do enfoque é no presente. Não é explicar as
coisas pelas outras encarnações. Isso chega a ser quase uma pretensão. Porque você
tem que ter um nível de desenvolvimento espiritual considerável pra conseguir ter essa
percepção. Uma das coisas que a gente aprende é não ser supersticioso. Teve uma
época, há muitos anos aí, que tinha um pessoal em São Paulo que tava com uma moda
122
de recordar. Aí acho que foi o Mestre Braga que falou: ‘eu acho que vou pro Sul, vou
pra São Paulo, beber o Vegetal lá, porque o pessoal tá recordando, eu vou pra lá’ ”115.
Essa ironia atribuída ao ex-Mestre Geral Representante mostra a reação de uma pessoa com
muitos anos de experiência na UDV, alguém “do Norte”, diante de novatos “do Sul” que
logo se acharam em condições de “recordar suas encarnações passadas”. No entanto, ainda
que se enfatize a dificuldade de acessar essa memória, tal recordação permanece para os
discípulos da UDV como um ideal a ser atingido. Mas, desde já, nas sessões os discípulos
são chamados a “exercitar a memória” principalmente através de uma vivência ética
quotidiana.
Ordem
sessão. Do mesmo modo para fazer uma chamada ou para falar e perguntar. E ao falar, tem-
se de prestar atenção às palavras utilizadas, para que não se pronuncie alguma inadequada.
Há certas fórmulas fixas que costumam ser usadas pelas pessoas em suas falas. Ao terminar
sua fala, é comum dizer: “que a sessão prossiga nesse clima de luz, paz e amor”, ou então,
“que a sessão prossiga em harmonia”. Dada a força que é atribuída à palavra, o seu uso
ordenado é pré-condição para a ordem e a harmonia durante a sessão.
115
Entrevista do MestrePaulo, em Campinas, 16 de outubro de 1998.
116
Boletim da UNIÃO
BENEFICENTE Consciência Recomendando
DO VEGETAL, 1994, p.o69).
Fiel Cumprimento da Lei. (CENTRO ESPÍRITA
123
presente nas suas atribuições de responsabilidade, nas coisas que tem que fazer, no seu
lugar como pai, seu lugar dentro de uma casa, seu lugar de trabalho, perante as pessoas,
perante sua palavra, não é?”
“Agora, eu vejo que tem uma coisa na União do Vegetal, quando falo União do
Vegetal é a instituição, são as pessoas, a maneira como as pessoas fazem o que tem na
mão. Com relação a essa questão da espiritualidade, pra mim às vezes me soa assim no
plano mais do ideal do que do real. Uma espiritualidade mas que a pessoa idealiza.
Uma pessoa acha, por exemplo, que fazendo uma chamada pode ficar isento de
qualquer coisa negativa que possa acontecer com ele. E na realidade, se ele não tiver
cuidado, o principal é o cuidado, é a atenção. Não adianta fazer chamada se ele não
tem cuidado. Então religião tem isso, às vezes a pessoa acredita que exercendo
determinado ritual, ou indo pra sessão, ou ficar bem comportado na sessão, por ir
trabalhar quando é solicitado, obedecendo o que as pessoas pedem, porque a hierarquia
tem lá suas determinações, que a pessoa vai evoluir na vida, vai conquistar as coisas
positivas, as coisas que precisa, dinheiro, afetividade, confiança. Então é um perigo
também que existe, né? Então eu acho que tem muita gente encalhada na União do
Vegetal. Não só na União, na religiosidade em si, ela tem esse perigo, porque não
estabelece um vínculo muito forte com a vida prática. [...] A ordem material é a base de
todo o processo.”117
Peia
Mas nem tudo é harmonia nesse universo. As pessoas, individualmente, e por vezes
o grupo reunido numa sessão são vez por outra envolvidos por uma onda de dificuldades
denominada “peia”. A experiência da peia pode ser extremamente intensa: um profundo
mal-estar físico após a ingestão do chá, caracterizado por náuseas, vômitos, vertigens.
Certas vezes, esse mal-estar não é somente físico: a pessoa pode sentir-se interiormente
oprimida pelo remorso, pelo medo ou pela culpa, ou então se encontrar assombrada diante
de visões temerosas, perturbadoras. O conjunto de sensações sugere, às vezes, a quem as
vivencia, que se está chegando ao limiar da morte. A propósito, o Mestre Gabriel teria dito:
“Vocês sabem pra que é que a gente bebe esse chá? É pra aprender a morrer!” Por outro
lado, ele tranqüilizava os seus discípulos, garantindo que “ninguém morre de burracheira”.
Luiz Eduardo Soares observa, numa “breve descrição de paisagens mentais”, a partir de sua
experiência ao beber a Hoasca: “A viagem é suficientemente intensa, imprevisível e
117
Entrevista com Felipe, na faixa dos 40 anos, em Campinas, 27 de outubro de 1998
125
incontrolável (pelo menos para os neófitos), para representar uma aposta de alto risco. Cada
um daqueles homens e mulheres sabia disso. O pasto daquele rebanho é a morte, Nem mais,
nem menos.” (SOARES, 1994, p. 226).
Toda essa “provação” física, psíquica e espirital costuma ser interpretada pelos
discípulos como “pagamento” por alguma conduta moral errônea. Assim, a peia é
compreendida dentro de uma visão que afirma que o ser humano recebe na vida o que
merece, segundo os atos que praticou. O “merecimento” é um dos pilares da doutrina da
UDV. Essa compreensão da peia aparece bem clara na narrativa deGustavo, do Corpo
Instrutivo, na faixa dos 40 anos:
“Depois de uns 5, 6 meses [de que havia começado a beber o chá] eu comecei a tomar
umas peias daquelas que eu não conseguia beber o Vegetal. Bebia e vomitava e parei.
Encanei que tinha tido taquicardia numa sessão, que tava passando mal, vomitei 18
vezes... [risos]. Mas era porque já tava começando a fazer efeito coisas assim: tava
tendo consciência, mas no dia a dia eu, né? Eu não conseguia manter, voltava ao dia a
dia. Aí fiquei mais ou menos uns 6 meses sem beber. Até que um dia eu resolvi
conversar com o Mestre Ney, aí eu coloquei algumas coisas que eu tava sentindo,
sentindo na burracheira, umas revoltas e tal com a injustiça e aí ele me deu uns
118
conselhos, falou pra eu voltar, começar a beber aos poucos e eu fui voltando.”
118
Entrevista de Gustavo, em Campinas, 7 de setembro de 1998.
126
da UDV tem também elementos desse outro tipo ideal, na medida em que seu
reencarnacionismo distancia-se do hinduísta, o qual não é necessariamente ascendente na
seqüência de encarnações, e se aproxima mais da visão kardecista, a qual traz em seu bojo a
expectativa, própria do século XIX (enraizada no século anterior), de contínua superação de
limites pela irresistível evolução da humanidade. Assim, o reencarnacionismo da UDV tem
um caráter evolucionista e otimista. E a “peia” é encarada como um momento necessário
desse processo de purificação, que conduz à salvação. Essa visão, de um aspecto
pedagógico na peia, pode ser observada nas declarações deGustavo - ele compreendeu que
já começava a ter consciência de seus erros nas sessões mas não estava praticando as
transformações necessárias em seu cotidiano. E assim a peia teve o papel de um “lembrete”
educativo.
cita o exemplo dos derviches giradores sufis, que buscam o êxtase rodando sobre si
mesmos. Ora, essa busca do êxtase, da vertigem, da queda ou da projeção no espaço, nos
faz lembrar a vertigem provocada pelo uso da Hoasca. A burracheira, a força estranha do
vegetal, pode se apresentar também comojogo de vertigem. Quanto a este, Caillois detecta
como suas indubitáveis características lúdicas: “liberté d’accepter ou de refuser l’épreuve,
limites strictes et immuables, séparation d’avec le reste de la réalité”Id( ., p.172). O efeito
da Hoasca é sempre surpreendente: antes do início da sessão não se pode dizer se será
assustador ou maravilhoso. Essa imprevisibilidade da burracheira dota o ritual da UDV de
um caráter acentuadamente lúdico. Em oposição a outros rituais, perfeitamente previsíveis e
A “peia”, essa vivência complexa, que pode ser lida como fruto da lei do
merecimento, catarse terapêutica, ensinamento e caminho para a humildade, é, com certeza,
uma experiência emocional intensa que é vivida (ou padecida) numa perspectiva otimista.
Proponho que nos fixemos nestes dois aspectos –intensidade de sentimentose otimismo – e
passemos a compará-los com outra vivência nuclear da União do Vegetal: as mirações.
Mirações
Se um membro da UDV sabe que está sujeito a ter de enfrentar uma “peia”, por
outro lado, sabe também que é possível que a“ sessão prossiga plena de luz, paz e amor ”,
como é dito freqüentemente pelos discípulos na conclusão de suas falas durante as sessões.
128
Roberto, o jovem de quem citamos uma declaração acima, contou-me uma miração
marcante que teve:
“O Mestre apareceu pra mim, na casa dele, sentado de cócoras. Essa foi marcante. De
repente ele falou: ‘olha, aqui é minha casa’. De repente eu vi uma casa de madeira,
amarrada com corda e sapé, assim, que ficava no alto de um morro; atrás da casa dele
tinha a floresta e na frente tinha uma vista que dava pra você enxergar todas as coisas:
desde o mar, as pirâmides e... tudo o que tinha na terra assim, sabe? De repente, você
ollhava um golfinho lá no mar, lá longe, assim, só que você conseguia enxergar o olho
do golfinho. Então, de repente era uma questão assim que você enxergava tudo assim...
E ele me falou pra mim assim: ‘Ah, aqui da minha casa dá pra ver todas as belezas da
terra!’ E era uma casa bem legal assim, sabe? E eu falei: ‘Pô, que legal!’ E ele deu uns
toques pra mim. [...] Então isso aí é uma das coisas bem marcadas na minha mente, a
casa do Mestre Gabriel que dava pra ver todas as belezas da terra, ele sentado de
cócoras. E depois meu pai me fala que ele realmente ficava sempre tradicionalmente
sentado de cócoras e eu não sabia disso.”120
É bem significativo que, na miração deRoberto, da casa de Mestre Gabriel se pudesse ver
“todas as belezas da terra”. Essa dimensão estética, da beleza que se apresenta
inesperadamente, como um dom, muitas vezes me foi narrada pelas pessoas que entrevistei.
119
As mirações, experiências visuais internas sob o efeito da Hoasca, podem ser de conteúdo “negativo” em
momentos de “peia”. No entanto, quando me refiro a mirações aqui, tenho em vista as agradáveis, elegendo-as
como
120 um “tipodeideal”
Entrevista em, em
Roberto contraste com 26
Campinas, a “peia”.
de outubro de 1998.
129
A beleza pode estar relacionada a outras percepções, não somente as visuais. Além
das chamadas, faz parte do ritual da UDV a audição de músicas durante as sessões. Esse
costume vem do tempo do Mestre Gabriel, que autorizou os primeiros discípulos de
Manaus a colocarem discos a tocar nas sessões. A razão da introdução da música, segundo
o Mestre Geraldo Carvalho, um discípulo dos primeiros tempos da UDV em Manaus, que
121
presenciou a primeira vez em que se escutou música numa sessão , é a beleza da mirações
que ela propicia. Atualmente, faz parte do ritual da UDV a audição de música instrumental
no início das sessões, no estilo New Age, andina ou clássica. Na seqüência da sessão, são
ouvidas canções da Música Popular Brasileira, com letra, cuidadosamente escolhidas, de
acordo com o assunto abordado pelo mestre dirigente. São freqüentes as que tocam temas
ligados à natureza, à amizade e outras virtudes enfatizadas pela doutrina. É interessante
perceber, sobretudo, a importância do sentimento estéticonessa valorização ritual de
músicas que não foram compostas para uma utilização sacra.
Esse papel importante da música no ritual – além das chamadas, que conduzem toda
a experiência da burracheira – mostra-nos que a miração não é simplesmente uma
seqüência de visões: é uma vivênciasinestésica, que toca a sensibilidade dos participantes
da sessão em dimensões estéticas e afetivo-sentimentais. Tal experiência totalizante, que
além da visão e da audição pode mobilizar também os sentidos do tato, do olfato e do
121
DA RÓS, Márcio. A srcem da música nas sessões da UDV. JornalAlto Falante. Brasília: ago–set–out 95,
p. 11.
130
Evolução Espiritual
Neste momento, tratarei de um elemento que não aparece muito enquanto “termo
nativo”, palavra pronunciada pelos discípulos, mas sim enquanto imagem, esta sim um
tanto recorrente na União do Vegetal: oArco, o qual citei ao falar da ordem no ritual. Ele
está presente, de modo bem visível, no espaço ritual, no Salão do Vegetal, onde marca o
lugar sagrado por excelência, na cabeceira da mesa, onde fica o filtro de vidro que contém a
Hoasca, e onde se posta o Mestre Dirigente da sessão, que durante a sessão “está no lugar”
do Mestre Gabriel. Por ser verde, pintado com os dizeres: “Estrela Divina Universal UDV”
e com duas estrelas maiores e várias pequenas estrelas amarelas, o arco realmente chama
muito a atenção. E na parede atrás dele, há mais um elemento de suma importância no
espaço ritual: a foto de Mestre Gabriel124 ... sob um arco. Também a Conselheira Luísa usou
a imagem da mesma figura, como já citei acima: as duas colunas, do conhecimento e do
125
sentimento, sobre as quais repousa a trave do crer, formando um arco . Observando-se as
pinturas de Ernesto Boccara e Spencer Pupo Nogueira, é freqüente deparar-se com algum
arco. O cartão comemorativo dos sete anos do Núcleo Alto das Cordilheiras apresenta a
foto de um arco126, da Casa de Preparo em construção, tendo ao fundo um céu colorido pela
aurora.
O arco pode ser interpretado como imagem de um portal, através do qual o discípulo
é convidado a passar. Van Gennep já observara a
“identidade da passagem através das diversas situações sociais com a passagem
material [...]. É por isso que com tanta freqüência passar de uma idade, de uma classe,
etc. a outra exprime-se ritualmente pela passagem por baixo de um pórtico ou pela
‘abertura de portas’ ”. (GENNEP, 1978, p. 159).
O próprio Mestre Gabriel é chamado de “porta, que aberta nos transporta”. Temos aqui a
noção de limiar, ao qual o discípulo se aproxima e, por vezes, chega a ultrapassar. Nos
relatos de mirações, são freqüentes as referências a portais, arcos, soleiras.
A burracheira é muitas vezes sentida como esse ‘limbo de ausências’ que possibilita
a quem a vivencia um contato com o alto e com o baixo, com uma vivência de irmandade e
com uma estrutura hierarquizada, com a miração e com a peia. Luiz Eduardo Soares, ao
narrar uma peia com o chá, aponta nessa direção, de uma articulação paradoxal do alto e do
baixo:
“O coração parecia encher-se de alegria e os olhos de um brilho impróprio, numa exaltação
à fraternidade descoberta sob andrajos, entre espasmos e prefigurações da morte. [...] E há beleza
nesse quadro, meu amigo.” (SOARES, 1994, p. 230).
Para os discípulos, são mutuamente indispensáveis a miração e a peia. A humildade
propiciada pela última é fundamental para que o ultrapassamento oferecido pela primeira
não leve à hybris mas sim à “prática fiel”. E a burracheira é o “arco de ligação” desses
opostos.
com elas articulados. Agora, inquiro a respeito da natureza dessa articulação. Poderia ela
ser considerada um sincretismo? Ou este conceito não dá conta dessa realidade?
“Saber reverenciar a presença de Deus, ter a gratidão por estar vivo, faz com
que eu me sinta feliz. Eu já passei por coisas muito difíceis em minha vida e senti essa
presença do Divino em momentos cruciais. Pra algumas pessoas não dá nem pra
explicar. Eu tive uma vez uma situação, quando a mãe de meus filhos tava grávida do
primeiro filho, que nós perdemos, ela teve uma situação de eclampsia no início do 6 o
mês. E foi um rebu, por que eu era do Corpo do Conselho e ela do Corpo Instrutivo, e a
gente era um casal meio modelo, todo mundo achava uma gracinha, tudo bonitinho,
tudo nos lugares, organizadinho, obedientezinho, aquela coisa assim bem padrão. E
tava tudo muito bem, todo mundo muito feliz com o nosso casamento, a nossa
gestação. E aí, de repente, logo depois de 22 de julho ela começou a passar muito mal,
uma coisa muito difícil e ela não desencarnou por causa do vegetal, com certeza.”
“Foi uma situação muito difícil, foi marcado que ela tinha que fazer uma
cesárea, tinha que fazer um aborto porque o único jeito de salvar a mãe é tirar a criança
e a placenta. E eu bebi o vegetal, tava na sala de espera da maternidade 9 de Julho aqui
em São Paulo, devia ter umas 40 pessoas da União do Vegetal lá comigo, e eu bebi o
vegetal, e fiquei sentado, com uma burracheira muito forte e ela lá dentro fazendo o
aborto, e a chance da criança nascer viva era mínima, era um bebê no início do sexto
mês, não tinha a menor condição. Mas o Mestre Alberto [que é médico] deu pra ela
uma tampa de vegetal [uma quantidade mínima, correspondente ao que caberia em
uma tampa de garrafa], antes da cesárea, dentro da UTI, ela bebeu, tinha uma irmã
nossa que era enfermeira-chefe na maternidade, e eles ficaram com ela durante a
136
cesárea, ele de um lado e ela do outro, e o médico, maravilhoso, era um espírita, uma
pessoa muito bonita, ele fez a cesárea. A criança nasceu viva, por incrível que possa
parecer viveu 13 horas, e a Vera além de não ter morrido não ficou com seqüela
nenhuma, ela não teve convulsão, não teve lesão renal, neurológica ou hepática.”
Criador cria a dor, pra quê? Pra gente se abrir pra ele e aí ele traz o amor e a luz e salva
a dor. Foi uma coisa assim... sabe? É uma dádiva assim, um conhecimento que ele
trouxe pra mim, que é uma coisa assim inestimável, entendeu? Uma coisa maravilhosa,
por que eu via aquela imagem e entendia, tipo assim: “esse sofrimento que você tá
passando tá te abrindo caminho e eu tô entrando em você”; então é um bálsamo aquela
luz na burracheira, eu tava em carne viva, mas eu tava em paz, tava tudo bem, eu não
tava revoltado, tava tudo certo. E quando a situação se apresentou, o que que eu ia
fazer? Dar um soco no ar, no nariz de Deus, dizer que eu não queria aquilo? Eu não
tinha alternativa. Eu baixei minha cabeça e falei “sim, Senhor, seja feita a sua
vontade”, que que eu podia falar? Então, por essa aceitação ele me deu conhecimento
na carne, na pele, no sangue, na víscera, entendeu? Você não tem idéia o que é perder
um filho, você não tem idéia. Eu tenho dois filhos maravilhosos [...], mas aquela filha
que eu perdi é insubstituível, é um pedaço de mim que não tem, entendeu? Eu vi, era
minha filha, cara! Sabe, eu vi a perfeição de Deus ali, a maravilha que é a vida, eu
dentro da UTI, vendo o bebê ser cuidado, como se fosse o bebê mais importante do
universo, com todas as chances, e não tinha nenhuma e a minha mulher na UTI de
adulto, que é o pólo oposto é a escória. Quer dizer, eu tive a oportunidade de transitar
num palco de dor, de miséria da condição humana, em duas vertentes, ao mesmo
tempo, absolutamente em paz com o que estava acontecendo, confortando as pessoas,
perfeitamente equilibrado. Eu fiquei dez dias, eu me sentia como se eu fosse um robô
teleguiado pela Força Superior: eu não dei um pio, eu segurei barra de família, de
137
amigo, de mestre, me segurei, segurei a situação dela, eu vivi uma coisa assim... Isso
pra mim é religião, você entendeu? Religião não é ir lá beber o vegetal, ir lá na missa,
de vez em quando, no culto. Acho que viver a presença de Deus é na vida, o tempo
todo. Eu tive essa graça já diversas vezes, em momentos de dor como esse e em
momentos de alegria também.”
Esta narrativa forte, que mostra a intensidade de determinadas vivências com o chá
Hoasca e o entrelaçamento dessas vivências com aspectos mais amplos da vida de seu ator,
é aqui exposta para a compreensão do que chamarei de englobamento na força da
burracheira. Observo que a antropologia contemporânea tem utilizado o conceito de
englobamento em contextos vários e distintos128, mas aqui utilizarei este termo visando uma
aplicação bem específica, por isso, o determinei:na força da burracheira.
128
Cf., p.deex.,
conceito englobamento doencompassment
o conceito de em Marilyn
contrário em Louis Dumont.Strathern
(DUMONT,(STRATHERN, 1988, P. 259-260), e o
1997, p. 369-375).
138
Assim, considero que este englobamento na força da burracheira pode ser um conceito
139
diálogo com sua esposa: “Pequenina, eu sou Mestre”. E ela responde: “Mas Gabriel, pelo
amor de Deus, o Chico Lourenço é mestre há não sei quanto tempo, nós quase ficamos todo
mundo doido e tu diz que é mestre?” E ele: “Sou Mestre, Pequenina, e vou preparar o
mariri.” A intensidade da experiência de José Gabriel, que logo se reconhece como portador
de uma missão como “Mestre” no Vegetal, e a rapidez com que essa vivência assimila a sua
trajetória religiosa anterior, submetendo-a a uma nova interpretação - quando ele passa a
atribuir a si mesmo o que antes era ação do “caboclo Sultão das Matas” - são dois aspectos
que corroboram a interpretação desse processo como englobamento na força da
burracheira.
129
Entrevista de Mestre Pequenina e Mestre Jair. JornalAlto Falante , Brasília, ago-out 1995, p. 8.
140
Por fim, cumpre mostrar que, na verdade, ainda que tenha a sua singularidade, o
englobamento na força da burracheira tem uma similaridade com o movimento que se
pode observar na experiência mística. O que uma perspectiva mais objetivante poderia
ver como compreensões religiosas distintas e até mesmo conflitantes pode subitamente
passar a ser contemplado como uma nova unidade, que não dilui as diferenças, mas as
integra em algo novo. Algo talvez semelhante ao que Otávio Velho indicou presente na
iluminação zen e na relação dialógica buberiana, ou na superação da oposição entre Apolo e
Dionísio “em favor de umnovo Dionísio, que engloba Apolo” (VELHO, 1995, p. 59). Esse
movimento pode ser compreendido, no eixo da tradição hermenêutica, como as idas e
vindas da pré-compreensão e da compreensão, constituindo o círculo da interpretação. Essa
“decifragem da vida no espelho do texto”, que Ricoeur entende como “leitura do sentido
oculto no texto do sentido aparente” (RICOEUR, 1978, p. 23) pode realmente ser
130
Cf. as palavras do xamã peruano Pablo Amaringo, que utilizava a ayahuasca: “Every tree, every plant, has
a spirit. People may say that a plant has no mind. I tell them that a plant is alive and conscious. A plant may
not talk, what
essence, but there
makesis ita alive.”
spirit in it that AMARINGO,
(LUNA, is conscious, that sees
1991, everything, which is the soul of the plant, its
p. 33).
141
emblematizada pela releitura que Renato faz do quadro do Sagrado Coração de Jesus, na
força da burracheira.
142
O capítulo A Estrela do Norte, por sua vez, tem uma perspectiva diacrônica
.
Segundo um enfoque êmico, a partir das narrativas dos participantes, apresento uma
narrativa histórica da União do Vegetal. Primeiramente, traçando a trajetória de seu
fundador, José Gabriel da Costa, e apontando para a sua participação numa ampla
seqüência de configurações culturais da sociedade brasileira. Em seguida, com as
recordações dos “mestres da srcem”, busquei reconstruir os inícios da UDV na cidade de
Porto Velho. Por último, apresento esquematicamente, com o auxílio de narrativas de
discípulos paulistas, a chegada da UDV em São Paulo, a formação do Núcleo Samaúma e a
143
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JORNAIS
ANEXO 1
DISSIDÊNCIAS DA UNIÃO DO VEGETAL
6. Dirigente: Asplinger
Presente em: Manaus, AM
ANEXO 2
QUESTIONÁRIO
1. Dados Pessoais
Nome:
Idade: anos Data de nascimento: / /
Local de nascimento: Cidade: Estado:
Local atual de moradia: Cidade: Estado:
Estado Civil:
( ) solteiro/a
( ) casado/a
( ) viúvo/a
( ) divorciado/a
( ) desquitado/a
( ) separado/a
Escolaridade:
( ) primário
( ) secundário
( ) superior incompleto - Área:
( ) superior completo - Área:
( ) mestrado - Área:
( ) doutorado - Área:
Profissão:
1.
2.
2. Dados Sócio-Econômicos:
Você possui:
( ) casa própria
( ) telefone
( ) automóvel
( ) computador
( ) conexão com a Internet
( ) casa de praia ou campo
3. Dados Religiosos:
Religiões anteriores:
1.
2.
3.
4.
5.
Grau na UDV:
( ) Não-sócio
( ) Sócio
( ) Corpo Instrutivo
( ) Corpo do Conselho
( ) Quadro de Mestres
ENTREVISTA
OBSERVAÇÕES ÉTICAS:
a) Consentimento livre e esclarecido.
b) Liberdade de responder ou não determinadas questões.
c) Utilizarei as entrevistas em minha reflexão acerca dos discípulos da União do Vegetal na
realidade urbana brasileira, podendo citar trechos do material recolhido, sempre
mudando os nomes das pessoas, para salvaguardar a sua privacidade.
ABORDAGEM DIACRÔNICA:
3. Você antes fazia uso de drogas ou álcool? Com frequência? Isso tem a ver com o uso do
chá hoasca?
8. Quais as maiores dificuldades que você encontrou para seguir na União do Vegetal?
ABORDAGEM SINCRÔNICA:
11. Sua vivência na UDV chega a influenciar sua vida profissional? E esta, por sua vez,
influencia a primeira?
12. E como se relaciona sua participação na UDV e o seu lazer? Você sente que há uma
dimensão lúdica em sua experiência com o chá?
13. A sua vivência na UDV de algum modo repercute na sua relação com a sociedade no
seu sentido mais amplo: a política, o meio-ambiente...?
15. Como é para você participar de uma religião que usa um chá de propriedades
psicoativas? Como você se sente diante das pessoas que não usam o chá?
16. Como é a sua relação com os demais sócios da UDV, nos dias de sessão e nos outros
dias?
18. Como você observa o exercício do poder e a estrutura institucional do Centro Espírita
Beneficente União do Vegetal?
20. Que dificuldades você enfrenta hoje para ser um discípulo da União do Vegetal?
21. Como é para você ser um discípulo urbano dessa religião nascida entre caboclos, na
floresta amazônica?
ABORDAGEM PROFUNDA:
24. Conte algumas vivências significativas que você teve sob o efeito do Vegetal.
[Experiências positivas e negativas].
25. Alguns chamam a União do Vegetal dea religião do sentir. Você considera esta uma
expressão apropriada?
26. O que há de específico no sentir dos participantes da UDV - durante as sessões e fora
delas?
27. Como se relacionam em sua vivência religiosa estes três verbos: SENTIR - CRER -
CONHECER?
ANEXO 3
PRESENÇA DO CEBUDV NO BRASIL
REGIÃO NORTE
CIDADE POPULAÇÃO DIMENSÃO UNIDADES ASSOCIADOS
UDV
Manaus-AM 1.157.357 metrópole 5 680
Envira-AM ***** pequena 1 39
Belém-PA 1.144.312 metrópole 1 113
Macapá-AP 220.962 média 1 54
Boa Vista-RR 165.518 média 1 258
Porto Velho-RO 294.227 média 4 474
Guajará-Mirim-RO 36.542 pequena 1 54
Jaru-RO 48.141 pequena 1 37
Ji-Paraná-RO 95.356 pequena 1 106
Ariquemes-RO 68.503 pequena 1 109
Machadinho D'Oeste- 28.949 pequena 1 70
RO
Presidente Médici-RO 28.490 pequena 1 62
Ouro Preto D'Oeste- 52.261 pequena 1 46
RO
Cacoal-RO 72.922 pequena 1 44
Alta Floresta D'Oeste- 33.471 pequena 1 37
RO
Campo Novo-RO 15.434 pequena 1 54
Rio Branco-AC 228.857 média 2 169
Plácido de Castro-AC 12.101 pequena 1 44
Cruzeiro do Sul-AC
Feijó-AC 56.705
22.142 pequena 1 161
60
Tarauacá-AC 23.715 pequena 1 53
Vila Extrema-AC ***** pequena 1 9
TOTAL 2.733
159
REGIÃO NORDESTE
CIDADE POPULAÇÃO DIMENSÃO UNIDADES ASSOCIADOS
UDV
Recife-PE 1.346.045 metrópole 2 142
Caruaru-PE 231.989 média 1 126
Maceió-AL 723.142 média 1 82
Campina Grande-PB 344.730 média 1 38
Salvador-BA 2.211.539 metrópole 4 416
Ilhéus-BA 242.445 média 1 129
Fortaleza-CE 1.965.513 metrópole 2 271
Sobral-CE 138.565 média 1 94
TOTAL 1.298
REGIÃO SUDESTE
CIDADE POPULAÇÃ DIMENSÃO UNIDADES ASSOCIADO
O UDV S
São Paulo-SP 9.839.066 metrópole 3 358
Campinas-SP 908.906 metrópole 2 188
Mogi das Cruzes 312.685 média 1 103
Rio de Janeiro-RJ 5.551.538 metrópole 2 221
Petrópolis-RJ 269.669 média 1 73
i-RJ Niteró 450.364 média 1 42
Guarapari-ES 73.730 pequena 1 92
Caldas-MG 13.047 pequena 1 73
Belo Horizonte-MG 2.091.371 metrópole 1 165
Lagoa da Prata-MG 34.431 pequena 1 87
Governador Valadares- 231.242 média 1 154
MG
Ubá-MG 77.159 pequena 1 62
Divinópolis-MG 171.565 média 1 53
Uberlândia-MG 438.986 média 1 46
TOTAL 1.717
160
REGIÃO CENTRO-OESTE
CIDADE POPULAÇÃO DIMENSÃ UNIDADES ASSOCIADOS
REGIÃO SUL
CIDADE POPULAÇÃ DIMENSÃO UNIDADES ASSOCIADO
O UDV S
Porto Alegre-RS 1.288.879 Metrópole 1 73
Florianópolis-SC 271.281 média 1 81
Joaçaba-SC 28.346 Pequena 1 55
Criciúma-SC 159.101 média 1 15
Curitiba-PR 1.476.253 Metrópole 1 129
TOTAL 353
161
ANEXO 4
UNIDADES DA UDV VISITADAS:
DISTRITO FEDERAL:
14. Brasília - Sede Geral
15. Brasília - Núcleo Gaspar
ESTADO DO PARANÁ:
16. Curitiba - Núcleo São Cosmo e São Damião
162
ANEXO 5
Assinam:
ANEXO 6
FONTES ORAIS
a) DIRETAS131
1. Depoimento do Cons. Carmiro Gabriel da Costa, filho de José Gabriel da Costa. Rio de Janeiro,
4 de novembro de 1995.
2. Depoimento de M. Antônio da Costa, irmão de José Gabriel da Costa. Rio de Janeiro, 4 de
novembro de 1995.
3. Entrevista de M. Raimundo Carneiro Braga. Rio de Janeiro, agosto de1998.
4. Entrevista de Ivan Marques. Campinas, setembro de 1998.
5. Entrevista de M. José Luiz de Oliveira. Rio de Janeiro, 25 de abril de 1999.
6. Entrevista de M. José Luiz de Oliveira. Brasília, 26 de julho de 1999.
b) PESQUISADAS EM ARQUIVO
7. Entrevista de Alfredo Gabriel da Costa, irmãode José Gabriel da Costa, a Edson Lodi. Na
Estância Centro-Oeste, 17 de abril de 1987. In: Memórias, Volume I. Centro de Memória e
Documentação do CEBUDV.
8. Depoimento de Hilton Pereira de Pinho, s.d.
9. Entrevista de M. José Luiz de Oliveira a Edson Lodi. Dezembro de 1990. In: Memórias,
Volume II.
10. Entrevista de M. Raimundo Pereira da Paixão a Edson Lodi. São Paulo, junho de 1989. In:
Memórias, Volume II.
11. Entrevista de Raimundo Pereira da Paixão a Lúcia Gentil. Campinas, 3 de junho de 1993.
131
Além
e São das no
Paulo, 50 período
entrevistas de discípulos
de agosto do Núcleo
a novembro Alto das Cordilheiras, realizadas em Campinas
de 1998.