Вы находитесь на странице: 1из 466

1

Maria Amalia Pie Abib Andery

UMA TENTATIVA DE (RE)CONSTRUÇÃO DO MUNDO: A CIÊNCIA DO


COMPORTAMENTO COMO FERRAMENTA DE INTERVENÇÃO

Tese apresentada como requisito


parcial para obtenção do titulo de
Doutor em Psicologia ao Pro- grama
de estudos Pós—Graduados em
Psicologia Social da Pontif í c i a
Universidade Católica de Paulo.

Trabalho parcialmente financiado pela FAPESP e CNPQ

São Paulo – 1990


2

COMISSÃO JULGADORA

_______________________________________

__________________________________

__________________________________

__________________________________

___________________________________
3

Em Skinner descobri a genialidade, o otimismo, a confiança e a


tenacidade de um homem que crê na ciência e no seu trabalho como
caminhos para dar aos homens fartura, dignidade e felicidade. Nele redescobri o
otimismo e a confiança que tanto admirei em meu pai e a tenacidade que
sempre admirei em minha mãe. A eles dedico este trabalho.

Ao Victor, e Analu, Cristina, Rafael, Diego porque deles poderia ser um


mundo melhor, também por eles vale a pena tentar construi-lo.
4

Agradecimentos

Ao Wolf por me incentivar e ajudar de tantas maneiras, tornando o trabalho


menos árduo.

A Loira por ter acreditado no trabalho e por ter me conduzido,


tornando-o real.

A Nilza por tantas vezes ter me ouvido

A Bâri, Denize, Dinha, Marcia, Mare, Melania, Monica, Ziza, Roberto e


Regina pelo apoio e pelo afeto.

A Titi , Luzia e Marinalva por terem cuidado da casa e do Victor,


permitindo que eu cuidasse da Tese.

A Téia não posso agradecer. Por compartilhar o trabalho, dela também seus
resultados. Com ela divido seus frutos.
5

Resumo

A partir de uma análise de todos os textos publicados de B.


F. S k i n n e r , d e 1 9 3 0 a 1 9 5 3 , d i s c u t e - s e o d e s e n v o l v i m e n t o d o
sistema skinneriano em relação à sua concepção e ás suas
p r o p o s t a s p a r a o homem e a sociedade.
A Parte I do trabalho apresenta uma análise do
desenvolvimento do s i s t e m a e m d i r e ç ã o a u m a e x p l i c a ç ã o d o
comportamento humano. A Parte II apresenta uma análise das
p r o p o s t a s d e S k i n n e r p a r a o h o m e m e a sociedade, embasadas
em uma concepção de ciência, corno explicitadas em Walden II e
Science and Human Behavior.
Argumenta—se que o sistema skinneriano se
desenvolveu, desde 1 9 3 0 , c o m v i s t a s a u m a e x p l i c a ç ã o
d o c o m p o r t a m e n t o h u m a n o q u e finalmente se explicita
n o p e r í o d o e n t r e 1 9 4 7 e 1 9 5 3 . Q u e a p r o p o s t a de ciência do
comportamento envolve uma relação especial entre ciência
básica e aplicada de modo que esta é teste e fonte de problemas
para a primeira. Afirma-se ainda que, para
Skinner, a ciência do comportamento deverá
necessariamente substituir, com vantagens, outras fo rm a s d e
intervenção na sociedade tais como a política e a ética»
A s s u m i n d o o h o m e m c o m o s e u o b j e t o d e e s t u d o , a p a r ti r d e u m a
concepção d e t e r m i n i s t a e a m b i e n t a l i s t a , S k i n n e r t o m a a
soci e d a de c o m o m et a d e sua possível e necessária
int e rv e n çã o . A ci ê nci a d o c o m p o rt a m e nt o , através da análise,
planejamento, experimentação e controle, garantirá a
sobrevivência da cultura e, por extensão, da espécie, que se
torna u m m e t a - v a l o r c o n t r a o q u a l s e a v a l i a m a s
p r á t i c a s s o c i a i s . A sociedade cientificamente gerida
p e r m i t i r a q u e o s h o m e n s , e n q u a n t o i n di v í d u os , o bt e n h a m a -
fel i c i d a d e, n u m m u n d o i g u al i t á ri o, s e nti n d o - s e l i v r e s e c a p a z e s
de construir o seu futuro. Para que se atinja estes v a l o r e s
a ciência do comportamento interferiria no
comportamento humano, através das agências
controladoras. A discussão das agências econômica e
governamental revela alguns dos limites de uma proposta
metodológica analítica e da proposição de uma
sociedade técnico—científica.
6

Abstract

Th is wo rk d is cus se s the de ve lopmen t of Sk in ner's


s ys tem re lat ed t o h is c o n c e p t io n s a n d p rop o sa ls f o r m e n an d
s o c ie t y, b a s e d on a n analysis of his publications from 1930 to
1953.
Part I presente an analysis of the evolution of
S k i n n e r ' s explanation of human behavior, as it developed since 1931. Part
II p r e s e n t s a n a n a l y s i s o f h i s p r o p o s a l s f o r m e n a n d s o c i e t y ,
a s discussed im Walden II and Science and Human Behavior,
It is argued that Skinner's system developed since 1930
toward an explanation of human behavior that becomes explicit
between 1947 and 1953. It is also argued that Skinner's conception
of the relation between basic and applied science is a very special
one: it takes both to be necessary, and it conceives of applied
science as the test and the source for basic science's laws.
Furthermore, it is afirmed that, in S k i n n e r' S v ie w, o t h e r f o rm s o f
s o c ia l in t e r ve n t io n , s u c h a s polit ics and ethics, should be
necessarily substit uted by a science of b e h a v i o r . A s s u m i n g
t h e i n d i v i d u a l t o b e h i s s u b j e c t , w i t h a deterministic
a n d e n v i r o n m e n t a l i s t c o n c e p t i o n , S k i n n e r t a k e s s o c i e t y to be
his science's goal. A science of behavior, through analysis,
experimentation, planning and control, will garante the culture's
survival and, by extension, the survival of the species which
becomes a meta-value. A scientifically governed society will lead men,
as individuais, to happiness, a igualitarian life, a feeling of freedom, and a
c apab ilit y t o bu ild t he ir o wn f ut ure. To rea ch suc h va lue s, a
science of behavior should control the behavior of the
individual through the manipulation of the controlling
a g e n c i e s . T h e d i s c u s s i o n of the economic and governmental
control reveals some of the limits of a analytical method and a
technological proposal for society.
7

ÍNDICE

Introdução
Metodologia e Estrutura do Trabalho ................................................................. 1
Supostos e Hipóteses de Trabalho .................................................................. 12
Contexto dos Supostos e das Hipóteses de Trabalho...................................... 21

PARTE I ..... O DESENVOLVIMENTO DE UMA PROPOSTA SISTEMÁTICA DE


CIÊNCIA E DE SEU COMPROMISSO COM O HOMEM ................................. 35
Capitulo 1 ....... 1930 a 1938: O Comportamento Humano no Horizonte de uma
Proposta De Ciência ....................................................................................... 38
A proposta de uma ciência do comportamento genérico - 1931 ................ 41
A acumulação de dados e as primeiras descobertas preparando um
sistema 1931 a 1938 .................................................................................. 50
Uma proposta sistemática também para o homem – 1938. ....................... 85

Capítulo 2 ..............1938 a 1948: Um Momento de Transição de uma Ciência do


Comportamento Genérico para uma Ciência do Comportamento Humano ... 102

Capítulo 3 ...... 1947 - 1953: O Comportamento Humano como Cerne de uma


Proposta De Ciência ..................................................................................... 126
A proposta de um programa de investigação para uma ciência do
comportamento humano – 1947............................................................... 131
O desenvolvimento e a sistematização de uma ciência do comportamento
humano - 1948 a 1953 ............................................................................. 150

PARTE II ............... CIÊNCIA DO COMPORTAMENTO: CIÊNCIA DA CULTURA


....................................................................................................................... 166
Capitulo 4 . A Ciência como Ferramenta de Intervenção e Transformação Social
....................................................................................................................... 173
O papel da ciência do comportamento na cultura .................................... 173
Os supostos da ciência do comportamento e sua relação com a cultura:
análise, experimentação, planejamento, controle .................................... 193
A ciência do comportamento em oposição à política, à história ............... 230
Ciência do comportamentos uma ética experimental ............................... 244
8

Capitulo 5 ...................... O Homem como Objeto da Ciência do Comportamento


....................................................................................................................... 257
A determinação do comportamento ......................................................... 260
O controle pelo ambiente ......................................................................... 277

Capitulo 6 .......................... A Cultura como Meta da Ciência do Comportamento


....................................................................................................................... 299
O indivíduo e o grupos oposição dissolvida por uma ciência voltada para
a sobrevivência ........................................................................................ 299
Os valores da cultura cientifica: igualdade, felicidade, liberdade e um
impulso para o futuro ................................................................................ 328

Capítulo 7 ........ A Estrutura da Cultura: 'Locus' de Intervenção da Ciência do


Comportamento.............................................................................................. 351
A análise e intervenção nas agências controladoras como limite e
possibilidade de transformação da cultura ............................................... 351
Agência econômica: os limites de uma proposta analítica ....................... 360
Agência governamental: as dificuldades de uma proposta de gestão
têcnico-cientifica da cultura ...................................................................... 395

Notas .............................................................................................................. 437


Posfácio ......................................................................................................... 446
Referências Bibliográficas .............................................................................. 450
1

Metodologia e Estrutura do Trabalho

A intenção inicial deste trabalho era desvendar as propostas de

Skinner de e para a problemática social, a partir do estudo de sua obra

publicada, entendido como caminho para a compreensão destas propostas em

sua relação com a abordagem metodológica, epistemológica, ontológica e seu

conceituai teórico.

No decorrer do trabalho, o projeto tornou-se mais humilde de vá- rios

pontos de vista. Passou a abarcar apenas o período de 1931 a 1953, centrou-

se na análise de coroo a obra de Skinner desenvolveu-se até explicitar uma

visão de homem e de cultura e de como estas propos-tas se articulam com sua

concepção de ciência do comportamento.

O titulo chama a atenção para dois aspectos importantes na

concepção de mundo e de ciência de Skinner: a crença na necessidade de

transformar o mundo, e na ciência, mais especificamente a ciência do

comportamento, como meio para esta transformação. Se esta é uma

possibilidade exaustivamente defendida por Skinner, e exaustivamente

criticada, certamente é possibilidade que se origina tanto do desenvolvimento

teórico-conceitual de seu trabalho, como de alguns dos pressupostos de que

parte 0 que se pretende aqui é discutir como estas condições se relacionam

para originar e modelar a proposta skinneriana para a sociedade, que

propostas são estas, quais as suas consequências para o próprio sistema e,

espera-se, quais são suas reais potencialidades em relação á transformação

da sociedadeE possível classificar os autores que escreveram sobre as

propostas sociais de Skinner em vários grupos. Há os que afirmam que


2

suaobra, no que se refere à sociedade, tem certa independência, ou certa

inferioridade (ou mesmo que não é capaz de explicar certos fenômenos

fundamentais) se comparada com sua obra conceituai e que, por isto, pode ser

apenas marginalmente enfocada quando se trata de estudar o autor (Neal,

1973; Vorsteg, 1974; Elms, 1981). Há, muito mais frequentemente, aqueles que

a tomam como absolutamente importante porque revela todo o terror que uma

proposta totalitarista de sociedade pode trazer (Black, 1973; Ritchie-Calder,

1973; Freedman, 1976; Bakan, 1980). São poucos, e mais recentes, os autores

que buscam discutir suas propostas para a sociedade, em sua totalidade ou

parcialmente, como intrinsecamente relacionadas com a ciência do

comportamento (Platt, 1973; Rottschaefer, 1980; Richelle, 1981; Malagodi,

1986). Entretanto, no mais das vezes, estes autores se referem a aspectos

muito gerais do trabalho de Skinner, ou a obras especificas. Aqui se pretendeu

apresentar uma análise mais abrangente deste tema de Skinner, uma análise

que focalize as múltiplas relações entre suas propostas para a sociedade e

suas concepções e propostas para a ciência do comportamento, no período

estudado.

O caminho metodológico utilizado foi o de leituras e análises dos

textos do próprio autor- Isto implica que, certamente, algumas das análises e

interpretações aqui propostas podem ter sido abordadas por outros autores (cf.

Malagodi, 1986; Segai, 1987; Richelle, 1981). Entretanto, a novidade estaria

em que se apresenta a tentativa de percorrer o próprio desenvolvimento do

sistema skinneriano, buscando as raízes que foram sendo plantadas e

estendidas e que levaram a uma concepção de homem e de sociedade que

não poderia ser avaliada como isolada ou mesmo como parcialmente


3

independente do restante de sua contribuição.

O primeiro passo nesta direção foi o de não excluir nenhum texto da

análise. Para tanto, recolheram-se os textos publicados de Skinner desde

1930, a partir da listagem fornecida por Epstein (1977), e se passou á sua

leitura De toda a lista, apenas dois artigos não foram localizados (Thirst as an

Arbitrary Prive, 1936 e The Psycholoqy of Desiqn, 1941). Com exceção de

Walden II, não localizado em inqlês, todos os textos foram lidos no original. Ao

lado disto, tomou—se a decisão de abordá-los por ordem de publicação,

mesmo quando havia uma clara indicação de que um texto tivesse sido

redigido em data anterior. A decisão se baseou na convicção de que a ordem

de publicação — embora em alguns casos possa ter sofrido os azares de

problemas com editores - na maioria das vezes não deveria interferir

negativamente sobre a interpretação do desenvolvimento do sistema, seja

porque não parece haver grande disparidade entre este critério e o de

produção do texto, seja porque em alguns casos seria quase impossível

descobrir esta cronologia.

Também se decidiu, num primeiro momento, pela leitura da obra

publicada até 1953, mais especificamente até Science and Human Behavior,

por ser esta a primeira obra de Skinner a abordar sistematicamente o

comportamento humano e a sociedade. Isto significou a leitura e análise de 47

artigos e três livros. Nas Referências Bibliográficas se apresenta a lista

completa das publicações até 1953. Os dados que originaram este trabalho

foram, portanto, produtos desta e de leituras sucessivas deste material.

A partir da primeira leitura, procedeu-se a uma seleção e categorização

de trechos que apontam as posições de Skinner em relação á sua concepção


4

de mundo, de homem, de sociedade, de ciência, de conhecimento, de método,

e em relação aos conceitos que formula- Porque se partiu do suposto que as

afirmações e as propostas de Skinner para o homem e a sociedade não seriam

independentes de seu conceituai teórico, que até mesmo fariam parte dele, não

se buscou nesta primeira categorização selecionar textos, ou mesmo eliminar

trechos. Porque se partiu do suposto que as concepções teóricas do autor

mantinham relações com sua concepção de ciência, de método e de

conhecimento também não se selecionou trechos ou textos, no sentido de usar

qualquer critério que pudesse eliminá-los. Seleção significava apenas salientar

estes aspectos, recortá-los, para posterior reordenação.

Do exame desta primeira categorização - da sua reorganização -

surgiram algumas hipóteses que foram então analisadas a partir de nova leitura

dos textos e de nova seleção, ou checagem daquela já existente, de trechos

que poderiam justificar, fortalecer ou refutar estas hipóteses. Esta nova

categorização, e consequente seleção de trechos, foi utilizada na redação

final, embora aí certamente tenham sido eliminadas passagens que foram

consideradas por demais redundantes, o que não fossem suficientemente

explicitas, além, é claro, daquelas que, por muito importantes, não se referiam

diretamente àqueles aspectos escolhidos para análise neste trabalho. Também

destas hipóteses e destas cateqorizações surqiu a decisão de encerrar com a

análise dos textos publicados até 1953, por tornar—se claro que nesta data

já existia uma proposta ampla e sistemática sobre o homem e a sociedade.

Optou-se, também, por não discutir exaustivamente ou mesmo por

não se abordar alguns temas que poderiam certamente enriquecer a análise

feita. Por exemplo, não se discute exaustivamente o sistema conceituai que


5

embasa tanto a primeira como a segunda sistematização de Skinner. Isto não é

feito porque outros comentadores o fazem. Ou não é feito porque poderia

encompridar demasiadamente a presença abordagem. Entretanto, parte-se do

suposto que o modelo de análise aqui apresentado pode servir exatamente

como isto: um modelo para futuras investigações. Assim, por exemplo, poder-

se-ia analisar todas as agencias controladoras. No entanto, a análise do

governo e da economia, supõe-se, são o modelo e a base para as demais.

A redação da Tese, que na verdade foi mais um momento de

reordenação dos textos e de análise, seguiu-se a estes passos. Os textos

foram então sendo relidos e mais uma vez foram sendo retirados deles

aspectos que pareciam merecer análise por se relacionarem às hipóteses

formuladas e que eram checados em relação á categorização já existente. Ha

Parte I foram enfatizados aqueles aspectos que pareciam se referir ao

desenvolvimento do sistema no sentido de facilitar o surgimento de uma

proposta para o homem e a sociedade. Na Parte II foram abordados os

aspectos referentes ás relações entre uma proposta de ciência e de

conhecimento, de homem e de sociedade. Na Parte I acabou-se por privilegiar,

assim, a análise de alguns aspectos metodológicos e conceituais que parecem

importantes quando da constituição do sistema porque levariam a uma

proposta de ciência para o homem e Parte II buscou-se enfatizar que

concepção de homem e de sociedade surge, a partir da formulação de uma

ciência do comportamento.

A partir dai, originaram-se dois grandes núcleos de análise da

produção de Skinner. 0 primeiro buscou desvendar as características básicas

que assume o sistema nos anos anteriores a propostas explícitas e


6

sistemáticas para o homem e que poderiam marcar as possibilidades e os

limites desta proposta. O segundo, se caracteriza como uma tentativa de

análise destas propostas, de sua relação consciência do comportamento que

as informa e de uma descrição de seus pressupostos e das alternativas que

apresenta a compreensão do homem e da sociedade. Cada um destes núcleos

é apresentado em uma parte do trabalho.

As hipóteses referentes ao processo de constituição e

desenvolvimento do sistema skinneriano levaram ainda a uma divisão

cronológica posterior da obra de Skinner. Nesta divisão separou-se os textos

em três grandes períodos: de 1930 a 1938, de 1938 a 1948 e de 1948 a 1953.

Isto implicou uma diferença de ênfase nos tentos de cada sub-periodo,

dependendo não apenas do tipo de material que se encontra em cada um

deles, mas também do papel que desempenham no desenvolvimento de seu

sistema. Diferenciou-se especialmente Walden II e Science and Human

Behavior que, além de uma análise em relação ao seu papel no

desenvolvimento da obra de Skinner em direção a uma proposta para o homem

e a sociedade, foram analisados do ponto de vista de explicitar qual é esta

proposta e de sua articulação com algumas características que marcam a

ciência do comportamento.

A Parte I deste trabalho apresenta um acompanhamento da obra de

Skinner de 1930 a 1953, buscando caracterizar as marcas que mostram; a) que

Skinner sempre buscou construir uma ciência do comportamento humano, ou

melhor, uma ciência do comportamento capaz de descrever o homem; b) que o

processo de construção desta ciência culmina com uma postura metodológica

onde a ciência aplicada -- a tecnologia — mais do que simples sub-produto da


7

ciência básica cumpre um duplo papel metodológicos o de servir de teste da

teoria e de originador de relevantes problemas de investigação; c)que no

período abrangido por esta análise se encontram pelo menos dois grandes

momentos de construção da ciência do comportamento, cada um deles

representando um movimento triplo de proposição de um programa de

investigação, de execução deste programa e a sua síntese, sendo que entre

estes dois momentos se encontra o que aqui se considera uma fase de

transição. 0 primeiro momento se marcaria pela apresentação de uma primeira

proposta sistemática de descrição do comportamento dos organismos e o

segundo pela primeira proposta sistemática de uma ciência do comportamento

humano.

A Parte II apresenta uma análise da proposta skinneriana para o

homem e a sociedade, tal como se constituiu no período de 1947 a 1953 e que

se marca por: a) propor a ciência do comportamento corno ferramenta de

transformação da sociedade; b) propor a ciência do comportamento como

alternativa a todas as outras formas de intervenção social; c) enfatizar a

sobrevivência do grupo, da sociedade, como meta da intervenção da ciência do

comportamento; d) que deveria intervir diretamente sobre o comportamento

individual em todos os seus níveis e sobre a estrutura da sociedade; e)

construindo uma sociedade igualitária, onde os homens sintam-se livres,

felizes e sejam produtores de seu próprio futuro.

Cada uma destas partes parece ser independente, entretanto

assume-se que há entre elas a mais estreita ligação possível: aquela que diz

respeito ao fato de que a segunda é produto da primeira, no sentido de que se

assume que Skinner só pôde construir tal perspectiva a partir do momento


8

anterior. Assim, por exemplo, apenas a proposição de que a ciência do

comportamento, tal como compreendida por Skinner, sempre teve em seu

horizonte o comportamento humano fortalece a interpretação que aqui se faz

do texto de 1948, Walden II Por seu turno, as conclusões a que aqui se chega

seriam outras, se este texto fosse interpretado de uma outra perspectiva. De

maneira semelhante se assume que Skinner pode, no final da década de 4O e

começo dos anos 50, propor a ciência como alternativa única para urgentes e

necessárias transformações sociais, apenas por conceber e enfatizar, já na

década de 3O, o comportamento como fenômeno natural genérico, sujeito a

leis naturais universais,. A aparente descontinuidade entre as duas partes

deste trabalho é, assim, claramente relativizada e talvez só exista do ponto de

vista formal, ou melhor, como produto formal, não como processo de sua

elaboração.

Todo o trajeto percorrido no corpo da Tese usa como referencial o

próprio Skinner, ou melhor aquilo que ele afirmou. O que se pretende é,

respeitando a obra do autor e o seu desenvolvimento, identificar, em seus

textos, trechos que indicam certas posições, compreendê-las a partir da

contextualização em sua obra, e relacioná—las com outros aspectos que

possam esclarecê-las ou completá-las, retirando as implicações em termos das

possibilidades e dos limites do pensamento de Skinner em relação ao tema

estudado. É um esforço de garimpagem e de aquilatação. A garimpagem é a

tentativa de selecionar os trechos que esclarecem a posição de Skinner em

relação direta ou não com sua proposta para o homem e a sociedade (e que

não aparecem exaustivamente na Tese frequentemente apenas por razões de

espaço e redundância). A aquilatação é a tentativa de interpretar estas


9

posições, de relacioná-las entre si buscando sua unidade e coerência,

derivando as implicações para o sistema; jamais no sentido de supor que são

possíveis infinitas leituras, mas no sentido de desvendar as variáveis que

controlaram e as que não controlaram o comportamento do autor.

Por entender que há legitimidade em tal modo de proceder é que se

manteve, na estrutura do trabalho, as citações do autor – praticamente

esclusivas – como suporte para as afirmações feitas, sem se buscar outras

fontes de apoio, por exemplo em comentadores e estudiosos de Skinner. Esta

decisão, que torna mais direta a interpretação do autor, certamente acarretou

uma preocupação em demonstrar as fontes para as afirmações feitas o que

levou, talvez, a uma dimensão maior do trabalho e, possívelmente, uma certa

repetição, consideradas, no geral necessárias, uma vez que as citações são os

dados sobre os quais se construiu uma análise do sistema skinneriano.

Há certamente uma dose de arbitrariedade na seleção da hipótese, na

interpretação do autor, bem como nos argumentos escolhidos e nas passagens

selecionadas para ilustrá-las, ou para fortelecê-las – pelo menos a

arbitrariedade necessariamente envolvida em qualquer seleção. Entretanto, o

que se defende aqui é que embora talvez outras interpretações de Skinner

sejam legítimas, a que se apresenta, embora possa ser questionada em termos

da ênfase, ou mesmo da completude da demonstração de sua correção, não é

arbitrária no sentido de ser uma impossibilidade lógica de interpretação do

autor.

Todas as citações, com exceção daquelas referentes a Walden II foram

traduzidas a partir do original, mantendo-se, a não ser quando explicitado, os

grifos do autor. As expressões em negrito no corpo da tese são ênfases que se


10

quer explicitar, as palavras e expressões com aspas simples são termos em

outra língua, as expressões com aspas duplas referência a citações.

É possivel, parece, fazer uma tentativa de reconstruir a metodologia

como se esta se utilizasse do comportamento verbal para produzir outro

comportamento verbal, ou melhor, é possível interpretar a metodologia como a

emissão de comportamento verbal muito específico. O que pareceestar em

questão, ou em gestação, é a produção de tatos. As primeira leituras e a

primeira categorização, a partir de uma certa perspectiva, seria apenas uma

etapa em que se botanizaria (classificaria segundo algumas características

externas comuns) as várias emissões verbais de Skinner, num processo que só

teria sentido se pudesse levar a alguma análise funcional: à descrição das

variáveis controladoras de tais episódios. Os pssos seguintes, ou ainda, os

comportamentos emitidos daí em diante, são comportamentos que deveriam

levar à discriminação de quais são os tatos mais relevantes emitidos por

Skinner, de quais são as variáveis que controlaram sua emissão, de como

podem ser relacionados entre si de modo a compor classes mais amplas, de

que possibilidade de controle sobre a realidade acarretam e de que

consequências controlaram sua emissão e possivelmente continuam a

controlá-la quando de sua repetição.

Mas estes tatos precisam ser organizados de modo a que possam ser

tornar abstrações, possam ser identificados a partir de algumas poucas

variáveis controladoras mais relevantes, de modo que possam então passar a

ser eles mesmos alvo de manipulação e de controle. Interpretar o autor –

discernir falhas, propor alternativas, ou perceber implicações que pareciam até

emtão obscuras, parece ser simples questão de identificar outras possíveis e


11

pertinentes variáveis controladoras, ou outras consequências além daquelas já

existentes e já incorporadas no comportamento verbal emitido.

Tudo retomado parece se tratar de um trabalho de construção de um

repertório verbal, modelado pelo comportamento verbal de Skinner, por ele

controlado, de modo que, ao final, se é devedor de tatos que ele emitiu e que

são o material básico – a ocasião e o evento sendo discriminados – sobre o

qual se constrói um dado repertório. No final do processo o que se espera obter

é apenas uma reordenação, que, no entanto, torna aparentes as variáveis que

controlaram ou não a emissão do comportaento verbal do Skinner, e assim

permitiriam o estabelecimento de critérios para que se possa analisar sua

procedência e sua relevância, que permitiriam, enfim, que se operassesobre os

fatos a que se referem estes comportamentos verbais, o que, parece, é o que a

ciência pode pretender ser capaz de produzir.

Se esta interpretação da metodologia, ou melhor do comportamento do

investigador, parece torna-lo pelo menos parcialmente não responsável pelo

produto, não deve reduzir os méritos da fonte de emissão destes tatos, que

através de uma história particular pôde discriminar certas variáveis que outros

não puderam. Além disto, é preciso considerar que o produto final, o relato

verbal que aqui é apresentado não é, de modo algum, imune a uma outra

história de vida anterior – fato, muito significativo – que indiscutivelmente torna

certas variáveis mais poderosas em termos de controle do que outras, que

certamente facilita algumas discriminações e generalizações e deve dificultar

ou até mesmo impedir outras, o que, em certo sentido, restitui a

responsabilidade do produto do comportamento ao investigador e a retira do

autor.
12

Supostos e Hipóteses de Trabalho


Nos primeiros anos de sua obre Skinner desenvolve, como afirmam

tantos autores, não apenas uma tecnologia de investigação mas também uma

proposta conceitual e metodológica de ciência (Coleman, 1981; Natalício, 1985;

Smith, 1986; Dinsmoor, 1988). Certamente, este trabalho sofre de variadas e

múltiplas influências e a sua identificação, bem como a interpretação de sua

força e de sua importância na obra do autor, são múltiplos e muitas vezes

antogônicas. Assim embora muitos o afirmem um positivista. (Mackenzie, 1975;

Leary, 1980; Abib, 1985; Smith, 1986) o matiz desse termo não é questão

menor quando se trata de Skinner. Pode significar desde a afirmação de que

ele não faz afirmações ontológicas sobre o mundo, até que é um materialista

monista, que é um operacionista, um anti-teoricista, um autor que só construiu

uma proposta metodológica, um determinista por petição de princípio, um

fenomenalista, um autor que nega os eventos privados, ou até mesmo um

behaviorista metodológico disfarçado. Tal afirmação pode significar até mesmo

que sua proposta não passa de uma tentativa de reconstruir uma sociedade

totalitária sob o disfarce de uma tecnocracia, ou que não poderia conter uma

proposta para o homem que não fosse apenas uma porção menor de sua obra,

jamais se constituindo em parcela essencial de seu trabalho uma vez que,

como positivista, não poderia discutir questões de valor ou de natureza

subjetiva.

A opção que aqui se fez foi a de tentar encontrar as características

epistemológico-ontológicas, metodológicas, conceituais, que parecem marcar

seu trabalho e, acompanhando seu desenvolvimento, desvendar como estas

características se articulam na proposta de Skinner para o homem e a

sociedade. Não se partiu, portanto, de análises já efetuadas sobre Skinner-


13

Certamente se buscou amparar os resultados em outras interpretações, mas

muito mais para referendar, para aprimorar, o que o próprio trabalho de Skinner

parecia mostrar.

Assim, se enfatiza como supostos de que partiria Skinner, a crença

no conhecimento cientifico objetivo, na regularidade dos fenômenos naturais,

na universalidade da lei natural, na possibilidade metodológica de investigação

de seu objeto de estudo - o comportamento-, as raízes para muitas das

decisões e descobertas de Skinner e, deste modo, a fonte para muitas de suas

conclusões.

A partir destes supostos, surgiriam como características marcantes

do trabalho de Skinner a busca da conquista da variabilidade aparente dos

fenômenos investigados, a busca da generalidade das leis do comportamento,

e a busca da especificidade de sua ciência, de sua legitimidade enquanto

empreendimento que aborda um objeto de investigação legitimo e que pode ser

descrito - previsto e controlado. Deles se derivaria, também, uma proposta de

metodologia de investigação que, embora analítica, pretende ser capaz de

abordar molarmente e na sua totalidade o comportamento, inclusive o

comportamento humano. São estes supostos que levariam ainda, assume-se,

ao compromisso com a ciência como modo de construção de conhecimento

que permite manipulação dos fenômenos naturais e, portanto, da ciência como

ferramenta de transformação social.

Estes mesmos supostos e estas mesmas características orientariam

as propostas de Skinner para toda a ciência do comportamento e são

apresentados como fundamento para as suas propostas para a sociedade e,

ao mesmo tempo, como critério de avaliação de sua ciência, como


14

necessidade metodológica de sua concepção mais geral- A partir deles é que

se interpreta suas propostas para o homem e a sociedade- Enfatiza-se assim a

vocação de reforma social da ciência do comportamento, como consequência

de uma concepção de ciência e de método que assume a possibilidade de

controle e que levaria a proposição do método cientifico como ferramenta de

transformação social. A ciência substituiria a história, a política, a ética,

tornando-se meio de transformação e de manutenção da espécie e do

indivíduo, da vida individual e da sociedade por força dos supostos que

dirigiram a primeira etapa de sua construção.

Ao tentar desvendar os pressupostos que estariam na origem e no

horizonte das propostas para o homem e a sociedade se descortina a

possibilidade de que alguns dos mais antigos conceitos e ideais de humanos -

apenas que agora revestidos de uma nova coloração porque seriam mais

prováveis e porque seriam objetivamente embasados - seriam garantidos por

uma ciência do comportamento. Deste modo – como consequência de um

certo sistema conceituai - Skinner afirmaria o reforçamento positivo e o auto-

controle, para garantir a felicidade, a igualdade e a liberdade. Defenderia a

gestão técnica da sociedade - como consequência do suposto da

universalidade das leis que regem os fenômenos e da objetividade da ciência

que a conhece - para impedir a manipulação indesejável, para garantir a ética

no controle. Assumiria o determinismo e o ambientalismo - coerentemente com

sua proposta para uma ciência natural, experimental e descritiva - para garantir

o não dogmatismo e a transformação da sociedade como caracetrísticas

necessárias. Afirmaria o grupo como meta da ciência e como meta de

intervenção social — em compasso com a proposta de uma ciência genérica e


15

que é efetiva no controle de seu objeto — para garantir o indivíduo como ser. A

objetividade da ciência seria, assim, transformada por Skinner em possibilidade

concreta de se garantir a sobrevivência humana, seria tornada possibilidade de

garantir a satisfação subjetiva, o que, mais uma vez, parece depender de

concepções que foram sendo construídas desde muito cedo em seu trabalho.

O próprio caminho percorrido por Skinner satisfaria os mais importantes

critérios de avaliação de sua ciência e, assim, o desenvolvimento de sua obra é

ele mesmo interpretado do ponto de vista dos princípios e das características

do seu trabalho. Sem a proposta, e uma proposta factível, de uma ciência que

permitisse e exigisse a transformação da sociedade não se poderia afirmar o

sucesso da conceituação teórica, não se poderia prosseguir no aprimoramento

desta conceituação, não se poderia resolver os problemas humanos e atingir o

objetivo maior da ciências tornar-se ferramenta de ação efetiva, tornar-se

conhecimento útil, tornar-se descrição do mundo.

Estes aspectos do sistema skinneriano, ora apresentados como

supostos, certamente tornaram-se fulcro de análise no decorrer do trabalho.

Nesta medida são, eles mesmos, hipóteses, marcos utilizados na interpretação

do autor. Entretanto, foram tornados marcos a partir dos quais foram sendo

derivadas outras hipóteses. O que se entende por hipótese aqui, são as

interpretações que foram sendo construídas a partir da obra de Skinner, e que

foram sendo cotejadas com estes supostos, na tentativa de se construir uma

análise do sistema skinneriano. Certamente são muitas e diversas as hipóteses

que se constrói em uma tentativa deste tipo, algumas delas, no entanto,

parecem ter servido de fio condutor na análise que se apresenta.

A primeira hipótese é a de que Skinner sempre teria tido em seu


16

horizonte a pretensão de construir uma ciência do comportamento humano, o

que se não conduziu explicitamente suas pesquisas e sua obra, parece ter

influenciado seu próprio desenvolvimento, decisões e argumentações, no

decorrer de sua formulação.

E dela que decorre a decisão de, na Parte I da Tese, abordar este

desenvolvimento e enfatizar os movimentos mais amplos que parecem

caracterizar sua produção — dividida em três grandes momentos — bem como

a decisão de enfatizar as decisões metodológicas que parecem facilitar ou

dificultar esta perspectiva e ainda o desenvolvimento conceituai em relação a

este aspecto.

O primeiro momento no desenvolvimento do sistema skinneriano é

identificado nos anos entre 1931 e 1938 e culminaria com uma proposta

sistemática de uma ciência descritiva do comportamento dos organismos em

geral. O segundo momento, entre os anos de 1938 e 1948, ê visto como um

momento de transição, que prepararia uma proposta sistemática e explicita de

uma ciência do comportamento humano, concretizada no terceiro momento,

entre os anos de 1947 e 1953.

A segunda hipótese que marcou o trabalho é a de que a proposta de

uma ciência que trata especificamente do comportamento humano e a proposta

de uma ciência aplicada, de desenvolvimento de uma tecnologia para a

solução dos problemas humanos, também sempre esteve no horizonte de

Skinner não apenas como um sub-produto desejável do desenvolvimento de

uma ciência, mas como produto necessário inclusive em termos metodológicos.

Neste sentido, a tecnologia seria o critério de validação da ciência, portanto

parte dela, e não um seu apêndice e, portanto, a tecnologia é ao mesmo tempo


17

critério de eficiência — critério de verdade — e sujeita às mesmas restrições e

normas da ciência; o que significa dizer, sujeita às mesmas concepções

metodológicas, epistemológicas e ontológicas.

A terceira hipótese, ainda diz respeito ao desenvolvimento da obra

de Skinner- E a de que há, em cada momento da obra skinneriana, um

movimento triplo que, partindo de uma proposição, de um esboço programático

que refletiria uma proposta conceituai e também uma preocupação

metodológica e epistemológica, passaria por um esforça de acumulação de

dados, de contato empírico com a realidade (frequentemente experimental),

para se constituir em uma proposta de sistematização, onde a ciência

preencheria o seu papel maior de fornecer uma descrição da realidade-

Descrever a realidade significaria, para Skinner, poder nela intervir. Preencher

o papel maior da ciência significaria, portanto, ser capaz de afirmar as relações

entre os fatos e seus controles: decrever a realidade é prever, planejar e

controlar a realidade. Este movimento ê o que permitiria a Skinner, dando

passos aparentemente tão enormes, manter uma certa unidade de propostas e

de supostos, ou seja, manter o projeto de constituição de uma ciência que se

pretende solução para os problemas humanos.

Cada um destes ciclos é interpretado, assim, como um momento em

que se reproduziria, enquanto plano geral para a ciência, o plano específico de

um experimento: a colocação de um problema, a sua investigação e a sua

análise. Certamente, assim como em cada experimento, há, em cada

momento, aspectos do problema que determinam especificidades - na ação

tomada para sua descrição e na resposta encontrada. A solução de um

problema se apresenta frequentemente como pré-requisito para a possibilidade


18

de solução do próximo e, mesmo quando este não é exatamente o caso, a

solução de um problema anterior certamente interfere na solução encontrada

para o seguinte. Deste modo, não se interpreta os movimentos da obra

skinneriana como um continuo sem quaisquer rupturas, e não se os interpreta

como mutuamente independentes. Pelo contrário, o que se tentou foi ver cada

momento como a recuperado do anterior, e ao mesmo tempo como uma

superação, do que se propõe investigar, dos supostos que dirigem a

invesitigação - metodológicos e conceituais - das soluções que são

encontradas

A afirmação deste processo na obra de Skinner certamente tem

consequências outras que são importantes para o que se discute em relação à

sua concepção de homem e de sociedade. A mais óbvia delas é o papel que se

atribui aos textos no período em que sistematicamente Skinner analisa o

comportamento humano e a cultura. Em primeiro lugar, se afirma que os textos

de 1947 a 1953 compõem uma certa unidade e uma proposta sistemática

importante desta parte da obra de Skinner, que inclusive seria relevante na

avaliação do restante de seu trabalho. Em segundo lugar, se propõe que o livro

de 1948, Walden II, seja lido como parte integrante da obra cientifica do autor,

como texto que serviria como teste e como experimento de uma dada hipótese

e que, neste sentido, guarda ainda estreita relação com Science and Human

Behavior. Há indiscutivelmente autores que, pelo menos em certo sentido,

corroboram esta interpretação do texto de 1948, como Segai (1987). E autores

que discordam desta proposição, como Elms (1981), que o vê como produto de

um processo terapêutico (entretanto, mesmo as afirmações de Skinner de que

a redação de Walden II funcionou como uma auto-terapia deveriam ser


19

mediadas por sua concepção do que é terapia e por outras afirmações que

faz sobre o papel deste livro em sua produção, por exemplo em 1979. Ou há

autores como Freedman (1.976), que o toma como uma utopia, ou como livro

que compõe, em conjunto com outros, uma proposta ideológica, sem valor

científico- Apesar destas interpretações, em terceiro lugar, se propõe que estes

livros não são uma parte estranha ou impredizível em termos do

desenvolvimento do trabalho de Skinner (e aqui não se faz referencia à forma),

mas, pelo contrário, comporiam quase que um desenvolvimento natural de seu

trabalho, mais ainda um desenvolvimento necessário, dada a perspectiva de

Skinner desde o inicio de sua carreira.

Em relação à segunda parte da Tese também várias hipóteses são

colocadas e defendidas em relação à interpretação que aqui se faz do trabalho

de Skinner no que diz respeito à sua análise da sociedade. A primeira delas se

refere ao papel da ciência e como este papel é recuperado na análise da

sociedade, de forma a aparentemente extrapolar o que seria legítimo e a ser

incorporada como única via de solução dos problemas humanos. Isto é visto

como desenvolvimento natural de uma dada visão de conhecimento cientifico e

de seus objetivos, de forma que os próprios supostos metodológicos de

ciência, que dirigiram a investigação com animais no primeiro momento da obra

de Skinner, seriam necessarriamente recuperados e transformados em modo

de ação sobre a sociedade.

A segunda hipótese defendida e que a ciência tornar-se-ia, para

Skinner, alternativa para a transformação social, não apenas em termos

conceituais e metodológicos, mas também no plano ideológico e, até

mesmo, substituindo a ética, cabendo a ela desvendar os valores morais que


20

deveriam conduzir a vida social, implementá-los e mantê-los.

A terceira hipótese diz respeito a quem seriam os legítimos objetos

de investigação e de intervenção de uma ciência do comportamento, como

Skinner a vê. Afirma-se que a proposta de uma ciência do comportamento ê a

proposta de uma ciência da sociedade, de modo que o indivíduo seria tornado

alvo da manipulação direta, apenas para que atinja a meta maior do

empreedimento científico, a sobrevivência da cultura.

A quarta hipótese apresenta a ciência do comportamento como

ciência comprometida com a sobrevivência da cultura, porém também

comprometida com a realização de certos valores individuais, que seriam

consequências de princípios dela mesma derivados- Assim,a felicidade, a

liberdade e a igualdade, bem como um impulso para a mudança, tornar-se-iam

critérios de avaliação da sociedade, valores culturais, que só poderiam se

realizar através de sua obtenção pelos indivíduos. Porém, dado que esta

satisfação deveria ser universalmente atendida por uma sociedade gerida pela

ciência do comportamento, tornar-se-iam critérios tão genéricos como o dia

sobrevivência que, por sua vez, adquiriria uma qualidade que empresta

especificidade a como Skinner o vês não se trataria de sobrevivência entendida

como subsistência, mas de sobrevivência entendida como uma nova qualidade

de vida, como contingências ambientais que produzirão indivíduos e uma

espécie completamente diferente da existente.

Em quinto lugar, defende-se que, embora através de uma postura

analítica que acaba interferindo em sua proposta, Skinner afirmaria a

transformação da sociedade como transformação de suas estruturas.

Mesmo que pareça estranho ao seu conceituai e a suas concepções, esta


21

proposição adquiriria força de argumento, uma vez que Skinner diferencia

várias formas de controle social e, através desta diferenciação, reconhece em

alguns controles - aqueles exercidos pelas agencias controladoras - eficiência e

poder que justificariam e exigiriam a intervenção na sociedade a nível

estrutural. Esta intervenção levaria á proposta de que a ciência do

comportamento deveria substituir outras formas de interpretação e de

intervenção na realidade social, especialmente a economia e o governo, que se

tornam assim importantes focos de análise da ciência do comportamento.

Finalmente todo o trabalho pretende apontar que esta caracterização

da obra skinneriana não é estranha a seu projeto ou mesmo ás suas

proposições de ciência e que, na verdade, expressaria em toda a plenitude a

força da proposta de ciência como Skinner a concebe, seja enquanto limites

que não pode superar, seja enquanto possibilidades que parece promover. O

que se defende, em suma, é que, para Skinner, a ciência do comportamento,

deve se tornar ciência da sociedade, deve se tornar ferramenta de sua

transformação, deve se tornar corpo ideológico que informa a ação e o

comportamento de seus membros, deve se tornar critério de balisamento da

cultura e de si mesma. Apenas este múltiplo papel cumpriria com sua

formulação.

Contexto dos Supostos e das Hipóteses de Trabalho

Há muitos indícios, a partir de trabalhos de outros autores que, se

não confirmam, certamente poderiam emprestar alguma consistência externa

às teses aqui defendidas.


22

Iniciando pela tentativa que aqui se faz de datar já no período inicial

da produção de Skinner uma preocupação de construir uma ciência do

comportamento humano, é interessante recuperar a argumentação de Coleman

(1985) que afirma que a própria decisão de Skinner de fazer doutorado em

psicologia seria determinada também por uma vocação de reformador social

que a psicologia atenderia, ou melhor, pelas preocupações de um jovem que

tinha críticas aos padrões vigentes e a preocupação de transformá-los.

A decisão de se tornar um behaviorista pode também indicar uma

preocupação nesta direção, obviamente que somada a outras extremamente

importantes. A proposta watsoniana de ciência, que era tudo que Skinner

conhecia em termos de behaviorismo, caracteriza-se também pela confiança

de Watson, e mesmo por sua insistência, de que a psicologia, ou melhor, o

behaviorismo deveria ser ciência que permitisse o controle do comportamento

humano com vistas à melhoria da vida humana (Buckley, 1982; Segai, 1986).

Mesmo as condições que levaram Skinner a percorrer um caminho

que aparentemente se enquadra no que Bakan (1980) chama de uma

"perspectiva científica de dois passos" (desenvolvimento da ciência básica

seguido, como sub—produto, de uma ciência aplicada) apontam, ainda que

não exclusivamente, para condições externas como um dos fatores que teria

levado a esta aparente ênfase. Assim, a escolha - ao acaso - de Harvard como

universidade onde fazer o doutorado inadvertidamente coloca Skinner na

cena de um departamento de psicologia comandado por Boring, que seria

um ferrenho adepto da psicologia como ciência experimental, que nada deveria

ter a ver com aplicação tecnológica (0'Donnell, 1979).

As próprias influências mais propriamente filosóficas de Skinner,


23

entretanto, também apontam para a interpretação, de um lado, de que não se

trataria de uma típica posição de "ciência de dois passos" e, de outro, do

importante papel que deveria desempenhar em sua formulação da ciência, não

apenas a preocupação com o homem, mas também com a sociedade, e mais,

com a ciência aplicada como parte integrante da ciência básica- Conforme

Hernstein (1972), Day (1980) e Smith (1986) salientam, a filiação de Skinner

a Mach exige que se analise o que significaria assumir como critério de

correção da lei cientifica sua funcionalidade, sua possibilidade de operar sobre

o mundo. No caso de Skinner, isto parece ter sido traduzido pela afirmação de

que a ciência do comportamento é a ciência da cultura, a ciência que se aplica

à solução dos problemas humanos, em todos os níveis. De qualquer modo,

esta concepção de ciência não excluiria, mas, pelo contrário, enfatizaria, as

possibilidades de intervenção no mundo a partir do conhecimento cientifico.

Mesmo a mais remota, e talvez menos segura, filiação a Bacon

(Skinner, 1979, Smith, 1986) parece indicar este mesmo caminho; de Bacon,

Skinner poderia ter extraído mais do que o respeito ao dado experimental, à

indução; poderia, e possivelmente o fez, ter extraído a fé na ciência como via

de solução dos problemas humanos.

Do mesmo modo, o reconhecimento das especificidades do

operacionismo de Skinner parece fortalecer esta interpretação. Como afirmam

Day (1980), ou mesmo Flanagan (1980) , não se trataria, no seu caso, de

subscrever a um operacionismo típico do behaviorismo metodológico que

entende importante a definição de termos enquanto operações experimentais,

mas sim a um operacionismo que enfatiza as relações funcionais que

condicionam os fenômenos naturais. A própria hipótese aventada por Catania


24

(1988) de que há, em Skinner, a mudança de um operacionismo clássico para

esta forma de operacionismo, em algum momento durante a década de 30 ou

40, pode ser balanceada pela sugestão de que tal mudança, além de coerente

com suas proposições outras a respeito da ciência, obedeceria a exigências

que se iam tornando mais claras e prementes à medida desenvolvia seu

referencial teórico e que se aproximava concretamente a possibilidade de

descrever o comportamento humano.

Certamente estes compromissos se refletem, ou melhor, tomam

forma em muitos outros. O primeiro deles diz respeito a uma postura afirmada

por muitos de um materialismo monista (Keat, 1972; Flanagan, 1980; Creel,

1980). Seria importante para Skinner esta postulação ontológica para garantir a

possibilidade de interpretar os dados de sua experimentação como

genericamente válidos, quase que uma pré-condição para a ênfase que se

tornaria explicita na obra de Skinner, de que todos os fenômenos são naturais,

traduzíveis pelas leis que descrevem o comportamento e que podem ser

previstos e controlados por uma ciência efetiva.

De maneira semelhante, a postulação de um determismo que

abrangeria a totalidade dos fenômenos (Vorsteg, 1974; McConnell, 1985) e de

um ambientalismo (Allen, 1980; McConnell, 1985) que matizaria este

determinismo, enquanto posturas epistemológica e ontológica teriam sido

necessárias. Este determinismo e este ambientalismo teriam consequências

em relação ao fortalecimento de uma posição metodológica que defende a

análise e a experimentação, o sujeito único e a conquista da variabilidade como

suposto e como metas da investigação (Coleman, 1981, Coleman, 1984). E

teriam consequências teóricas, por exemplo, com a postulação do


25

comportamento operante que traz á tona não apenas a possibilidade de

explicar o comportamento proposital, o comportamento dos organismos

complexos, como de lhes atribuir causas que, porque ambientais, permitem a

manutenção de uma proposta de ciência genérica, materialista, conprometida

com a possibilidade de previsão e de controle. Também é consequência

metodológica esperada, dentro deste quadro, a ênfase no estudo do organismo

como um todo e dos processos comportamentais como bem salientam Day

(1980) e Smith (1986), aspectos metodológicos quase que indispensáveis se

Skinner pretendia descrever o comportamento dos organismos de modo a

abarcar o complexo e sempre variável comportamento humano.

Estes importantes aspectos metodológicos, que marcam o trabalho

de Skinner na década de 30, certamente foram influenciados também por

outras fontes. As relações com Crozier e o contato com uma proposta que, na

fisiologia, afirmava o estudo do comportamento como objeto legítimo de

investigação, a variabilidade como sujeita a leis que deveriam ser descobertas

pela manipulação e observação do comportamento a partir de rígido

controle experimental, como bem salienta Day (1980), teriam propiciado a

Skinner as bases para a formulação de sua metodologia que foi frutífera não

apenas enquanto metodologia hoje empregada por outras áreas do

conhecimento, mas também, e isto é mais importante aqui, como geradora de

dados que permitiram a formulação teórica construída Skinner, e mesmo a sua

ampliação - mais tarde - para outros problemas de investigação e para o

estudo e a análise do comportamento humano.

A própria escolha do reflexo, sem ser um ref1exologista, como

unidade de estudo em 1931, como salienta Coleman (1981), mais que uma
26

tentativa de desvendar as leis do comportamento, seria uma tentativa que se

caracteriza pela molaridade em relação à pesquisa reflexológica clássica, ou

mesmo em relação aos tropismos estudados por Crozier. E uma tentativa, que

também se caracteriza pela ênfase nos processos, uma vez que Skinner opta

pelo estudo das leis secundárias do reflexo, ou seja, claramente, por estudar

aquilo que e aparentemente necessariamente variável no reflexo e não aquilo

que é aparentemente imutável- Esta decisão emprestaria ao trabalho de

Skinner, desde o seu início, uma especificidade que o torna indiscutivelmente

único no período, mas ao mesmo tempo permitiria, com muito maior facilidade,

generalidade aos seus dados, quando da aplicação das leis dai derivadas, para

o comportamento complexo e irrestrito característico dos seres humanos.

Certamente a questão genética, a questão de quais são as origens

desta ou daquela característica metodológica ou opção conceituai é uma

questão dificilmente demonstrável, entretanto, a busca do desenvolvimento

destas características e opções no decorrer da investigação de Skinner parece

certamente ser um caminho importante se se pretende vincular este

desenvolvimento inicial ás suas propostas explícitas para o homem e a

sociedade.

O processo de desenvolvimento do sistema skinneriano tem sido

alvo de discussão de alquns autores - certamente o livro de 1938 – The

Behavior of Orqanisms — tem sido visto como marco importante em sua obra.

Entretanto, há autores que marcam esta data como início da proposta

skinneriana, e há outros que atribuem peso menor ao livro e ao período que o

antecedeu, por suporem que este é um sistema superado pelo próprio Skinner-

Neste trabalho se supôs que os marcos da obra de Skinner, as fronteiras de


27

suas várias formulações só poderiam ser descobertas a partir de uma análise

que nada excluísse por princípio.

A afirmação de que o primeiro momento de sua obra culminaria com

a publicação de The Behavior of Orqanisms é em certa medida partilhada por

Coleman (1984) e por Catania (1988) que vêem ai não apenas a proposição de

um sistema explicativo, mas também o germe para aquilo que mais tarde se

apresentaria como um segundo momento de sistema. De maneira

semelhante, alguns autores (Richelle, 1981; Malagodi, 1986; Segai, 1987)

identificam as obras de 1948 e 1953 como referência para um momento de

sitematização de uma ciência do comportamento humano. O que se pretende

salientar aqui é que o processo de desenvolvimento que se atribui a Skinner,

mesmo que por outras vias, é em certa medida referendado por outros autores.

As origens do projeto skinneriano certamente determinam muitas

das afirmações e propostas que surgirão quando da proposta de uma

ciência do comportamento humano. Até mesmo o momento desta proposição

parece estar vinculado a estas origens e ao desenvolvimento de seu projeto.

O que se quer dizer é que nos anos iniciais da produção de Skinner, além dos

dados biográficos que revelam uma continua e intensa preocupação com o

desenvolvimento de uma explicação do comportamento humano - como é o

caso da. afirmação do próprio Skinner (1979) de que desde a década de 30

esteve tentando escrever um livro sobre o comportamento verbal -, as próprias

publicações de Skinner revelam muitas facetas desta mesma preocupação com

o comportamento humano.

Trata-se primeiramente da preocupação com o desenvolvimento de um

conceituai que permitiria abarcar mais fenômenos, e aqueles aparentemente


28

mais distantes de explicação do ponto de vista de uma postura determinista e

narturalizada de mundo, que se expressaria, mais claramente segundo

Coleman (1981), por exemplo, na postulação do comportamento operante em

1937.

A publicação de artigos de variados tipos, como artigos sobre

comportamento verbal também parece expressar esta mesma tendência de

caminhar para a postulação de uma ciência do comportamento humano. Tratar-

se-ia da tentativa de explicar comportamentos tipicamente humanos com o

material teórico que vinha sendo produzido, expressa primeiramente na

utilização de exemplos em seus textos, mais tarde na publicação de

experimentos sobre comportamento verbal e, até mesmo, na publicação de

experimentos que originariam conceitos necessários â compreensão do

comportamento humano.

Na mesma direção apontaria a tentativa de construir uma metodologia

que, como afirma Dinsmoor (1988) - com a publicação de Behavior ofof

Orqanisms — se estabeleceu como metodologia que ignoraria barreiras entre

espécies, laboratório e ambientes naturais, ambientes diferentes no mundo e

topografias diferentes. Isto levaria à possibilidade conceituai de se extrapolar

as explicações para o comportamento humano e social.

O próprio desenvolvimento, ou talvez, o aprofundamento e a

explicitação de certas concepções epistemológicas e ontológicas que

afirmariam de público o compromisso com a construção de uma ciência do

comportamento humano, e que se expressa de maneira clara e inequívoca, por

exemplo, no artigo de 1945 - The Operational Analysis of Psychological Terms -

também revelariam este mesmo processo. Neste processo, como afirmam


29

Flanagan (1980), Malagodi (1986) e Schneider e Morris (1987), Skinner

introduz o termo behaviorismo radical para descrever sua concepção de

conhecimento de forma que necessariamente o compromete com a construção

de uma ciência do comportamento humano. Incidentalmente parece que, não

por acaso, isto ocorre durante a década de 40, num momento que aqui se

interpreta como de transição, o que fortaleceria a hipótese de que Skinner

estava tornando irreversível, de público agora, e neste sentido se preparando e

preparando a comunidade cientifica, para o que viria a seguir - uma proposta

para o comportamento humano.

Isto não é facilmente executado entretanto, e certamente foram

necessários alguns anos, mais alguns passos decisivos para que Skinner

pudesse propor uma abordagem sistemática do comportamento humano

através da ciência do comportamento. Estes passos, são, como se

apontou, muitos deles conceituais, outros metodológicos, ontológicos e

epistemolóqicos. Skinner reafirma nos anos 40, para alguns, um monista que

permite a incorporação dos eventos privados em seu sistema, afirma a

necessidade de se identificar a ciência como metodologia que permite um

conhecimento que se torna ação efetiva sobre o mundo, afirma um conceitual

que permite mais adequadamente a manipulação do comportamento sem

outras pressuposições necessárias além de que o comportamento é objeto

manipulável e controlável, reafirma a regularidade e a sujeição a lei natural de

todo e qualquer comportamento, reafirma o ambiente como determinante do

comportamento e das mudanças comportamentais. Deste modo, prepara-se

para dar o passo seguinte, que é a proposição de uma ciência do

comportamento humano.
30

A análise das propostas de Skinner para o homem e a sociedade

têm se baseado em diferentes perspectivas, a partir da aceitação, ou não, dos

comentadores, do behaviorismo de Skinner e a partir do papel que se atribui à

sua obra não propriamente experimental. Especialmente, tem se discutido

exaustivamente o estatuto de dois de seus livros: Walden II e Science and

Human Behavior. Corno já se apontou, aqui estes livros são interpretados

como parte da obra científica de Skinner, uma vez que se interpreta o

behaviorismo radical como necessariamente compondo uma proposta

abrangente para a sociedade e uma proposta de reforma social, conforme

Malaqodi (1986). E mais, são interpretados como marcos importantes por

colocar a nu muitos dos supostos desta proposta e por mostrarem as

possibilidades reais e os compromissos concretos que, como Skinner parece

crer, são indispensáveis em sua visão de mundo e de ciência, bem como em

sua visão especifica de ciência do comportamentos explicitam definitivamente

a posição de Skinner a respeito do papel de intervenção social da ciência,

como ressalta Moore (1984).

Certamente este papel se articula com o que pode ser considerado

mais uma expressão das tendências positivistas de Skinner, se se toma

positivismo no sentido amplo de uma visão de ciência que afirma sua função de

controle da vida social, mas também poderia se articular no que alguns autores

supõe ser uma concepção de ciência que se aproxima de uma concepção

marxista, que também propõe a reforma social como tarefa humana, o

ambiente como determinante da conduta e a ciência como uma fonte legitima,

mesmo que não única, de intervenção sobre a realidade (Ulman, 1986; Ardila,

1980).
31

O que é mais importante, entretanto, e que também salientam

Richelle (1981), Malagodi (1986) e Segai (1987), é que Skinner - e não poderia

ser de outro modo, a não ser sacrificando sua coerência — não atribui á ciência

um papel apenas remediativo ou parcial na solução dos problemas humanos,

mas sim o papel mais importante na reforma total da sociedade. Esta torna-se

forma de intervenção que pretende e deve abarcar todos os fenômenos

naturais, dentre eles todos os fenômenos sociais.

Assim, a noção, por exemplo, de que valores não são alheios ao

campo da ciência (Rottschaefer, 1980; Malagodi, 1986; Segai, 1987) e que

deveriam ser dela derivados, se coaduna perfeitamente com a convicção de

que todos os fenômenos são submetidos às mesmas leis, e, assim como o

anti-mentalismo, tornar-se-ia posição ontológica mais que metodológica,

quando da proposta de Skinner de uma ciência do comportamento

humano- E igualmente coerente a noção skinneriana de que os valores

humanos são valores socialmente determinados e só poderão tornar-se

universais — a históricos e genéricos — quando da sua constituição a partir do

conhecimento objetivo das condições de vida humana. Isto leva Skinner de

volta à influência machiana e darwiniana e permite, ao mesmo tempo, sua

superação, porque permite a articulação entre a satisfação de necessidades

individuais e de grupo, necessidades imediatas e mediatas, sobrevivência

imediata do indivíduo e sobrevivência a longo prazo da espécie. Entretanto,

mais uma vez, isto exige uma proposta para toda a sociedade e para todas as

esferas da vida humana.

De modo semelhante, a proposição de que a ciência do

comportamento pode substituir com vantagens outras formas de intervenção


32

como a política, o senso comum, ou mesmo aquilo que é fruto da experiência

cotidiana, também é coerente com uma proposta de ciência que se pretende

capaz de descrever a aparente variabilidade do comportamento a partir de

suas relações como o ambiente e que, nesta medida, se torna capaz de prever

e de controlar as consequências menos imediatas do comportamento,

individual ou social.

A concepção de que a ciência descreve a totalidade dos fenômenos,

que são todos naturais - que permite e exige uma ciência toda poderosa — e a

noção de que o comportamento dos organismos em geral é essencialmente

adaptado e fruto das condições ambientais, certamente, implica a afirmação de

que a sobrevivência é o critério e a meta da ciência, do mesmo modo que exige

a afirmação de que não pode se tratar da mesma sobrevivência que tantas

vezes significou simples subsistência. A afirmação de uma ciência da

sociedade é interpretada nesta mesma direção: é mais consequência do que

premissa das convicções de Skinner sobre o mundo e o conhecimento: a

adaptação biológica é processo natural e geral, medido pela sobrevivência de

uma espécie biológica e não pela sobrevivência de um seu indivíduo, a

adaptação humana só pode ser medida pela adaptação da sociedade que só

se corporifica na sua sobrevivência,. Entretanto, assim como a ciência permite

o controle dos outros fenômenos naturais, deveria permitir o controle do

fenômeno que causa uma oposição entre indivíduo e grupo. E o faz, como

salientam Richelle (19S1), Malagodi (1986) e Segai (1987), afirmando a

possibilidade de se tomar em conta, com seu auxílio, as consequências mais

remotas do comportamento, e não apenas as consequências mais imediatas.

Mais uma vez, a funcionalidade torna-se critério de avaliação do conhecimento


33

porque se a funcionalidade de uma contingência for avaliada apenas em

termos de sua consequência imediata não se terá feito uma avaliação correta

das razões de sua manutenção (Moore, 1984). E esta aparente naturalização

dos valores e das metas da sociedade permite a Skinner trazer agora para o

campo das relações humanas mais complexas aquilo que a formulação do

comportamento operante permitiu, num primeiro momento, em relação aos

comportamentos simples: a inclusão do comportamento proposital

aparentemente teologicamente determinado em uma formulação que lhe atribui

determinações que estão na história dos homem e que são manipuláveis

porque se reproduzem em seu presente.

E certo que tudo isto torna coerente com seu próprio

desenvolvimento e com suas filiações, a proposta de Skinner para o homem e

a sociedade, mas certamente não a torna despida de problemas, ou

incompleta de muitos pontos de vista. Indiscutivelmente, a análise do

comportamento humano e da cultura exige de Skinner enormes e complexas

adaptações em seu sistema que são efetuadas sem pejo e que, uma vez feitas,

tendem a confirmar o papel que atribui à ciência. E preciso reconhecer o papel

dos eventos privados, das relações sociais, do comportamento verbal, das

regras, do controle aversivo. E preciso reconhecer o papel de contingências

não mecânicas, do grupo, de estruturas de controle que são despersonalizadas

na sociedade. Tudo isto é feito. Entretanto mantem-se o problema de que

Skinner não pode reconhecer na história de constituição da cultura seus

determinantes, dado mais uma vez antigos compromissos: o compromisso de

estudar as variáveis controladoras de um fenômeno pela sua direta

manipulação e observação de seus efeitos, o compromisso de não atribuir


34

qualquer papel a qualquer evento que sequer lembre uma determinação não

física. Aí estão, acredita-se, alguns dos sérios problemas da proposta

skinneriana para o homem e a sociedade (e não, como muitos críticos de

Skinner afirmam, no determinismo, no ambientalismo, ou na sua crítica à

democracia). Suas origens, entretanto, mais frequentemente estão nos

supostos que dirigem esta análise e só a sua exposição parece permitir que se

identifique os problemas, que se proponha alternativas.

A identificação destes aspectos, entretanto, como talvez dissesse

Skinner, só pode ser feita se for possível experimentar, se for possível aplicar o

método científico à própria proposta. O que se pretendeu é que este trabalho

pudesse se constituir numa das legítimas formas de aplicação do método

científico, ainda que modesta, pela qual novas variáveis sendo identificadas,

abrir-se-ia o caminho para a sua descrição e o seu controle.


35

PARTE I

O DESENVOLVIMENTO DE UMA PROPOSTA SISTEMÁTICA DE CIÊNCIA E

DE SEU COMPROMISSO COM O HOMEM

De 1930 a 1953 encontram-se 53 publicações de Skinner entre

artigos e livros (1). Este período, analisado neste trabalho, foi dividido em dois

momentos e uma fase de transição. O primeiro, que se poderia chamar de

constituição do sistema, abrangeria os anos de 1930 a 1938 e o segundo, que

se poderia intitular de uma proposta sistemática para o homem, abrangeria os

anos de 1947 a 1953 e o momento de transição englobaria as publicações

entre os anos de 1938 e 1948- Cada momento é encarado, por sua vez, como

um processo que contém três movimentos: de proposição de um programa, de

investigação e de síntese.

Entre 1930 a 1938, considerado como o primeiro momento, Skinner

publicou 30 artigos e um livro — The Behavior of Orqanisms — e pode—se

perceber claramente o movimento interno no desenvolvimento de seu trabalhos

um de seus primeiros artigos do período (The Concept of the Reflex in the

Description of Behavior, de 1931 - e que se constitui em parte de sua tese de

doutorado) pode ser analisado como um primeiro movimento, como um quase

manifesto de uma nova ciência, que inclui uma proposta de trabalho para o

desenvolvimento desta ciência, no sentido de uma ampla proposta

metodológica e de um programa de pesquisas a ser desenvolvido. Os artigos

publicados entre 1931 e 1938 constituiriam o segundo movimento,

representando o desenvolvimento do trabalho de pesquisa anunciado em 1931,

num esforço de acumulação de dados e de construção de formulações

teóricas que levariam à publicação de The Behavior of Orqanisms, que, como


36

um terceiro movimento, fecharia este periodo apresentando uma síntese, um

sistema explicativo do comportamento, representando, assim, sua primeira

proposta sistemática da ciência do comportamento.

De 1938 a 1948, Skinner publicou 16 artigos que podem ser vistos

como representando uma fase de transição. A variedade de temas analisados,

de problemas investigados, a lenta emergência do comportamento humano nos

seus textos, durante estes anos, é a grande característica desta fase,

apontando, parece, para uma preparação pra o que se cons- tituiria no

segundo grande período do trabalho de Skinner.

Este se iniciaria, em 1947, com a publicação do artigo Current

Trends in Experimental Analysis - e, reproduzindo num outro patamar o

movimento da obra entre 1930 e 1938, se constituiria num manifesto sobre a

necessidade de que sua ciência não só descreva o homem, como a ele se

aplique. O livro de 1948 - Walden II - e os artigos dos anos entre 1948 e 1953

constituiriam o segundo movimento, de acumulação de dados e de hipóteses, e

o livro de 1953 - Science and Human Behavior - seria um novo movimento de

síntese; síntese que apresenta, agora, uma ciência do comportamento

humano, um sistema explicativo capaz de solucionar os problemas humanos.

Do ponto de vista desta interpretação, percorre-se a obra de

Skinner, de 1930 a 1953, como se fosse um movimento em espiral, de certa

forma prenunciado desde o inicio da década de 30, portanto, de certo modo,

previsível. Neste processo, é como se Skinner fizesse duas grandes voltas -

em níveis diferentes - percorrendo um caminho que lhe permite, ao final de

mais de 20 anos de ativa produção científica, apresentar uma ciência própria

que teria atingido sua principal metas constituir-se em metodologia capaz de


37

descrever o comportamento humano da perspectiva de uma ciência natural e

constituir-se em ciência que, no seu essencial, contém um arcabouço teórico

que lhe possibilitará resolver os mais urgentes e complexos problemas

humanos.
38

Capitulo 1

1930 a 1938: 0 COMPORTAMENTO HUMANO NO HORIZONTE DE UMA

PROPOSTA DE CIÊNCIA

A importância de uma ciência do comporta- mento


deriva, em grande parte, da possibilidade de uma
consequente extensão aos problemas humanos.
(Skinner)

A hipótese que conduz este trabalho é a de que Skinner sempre teve

presente em seu programa de pesquisas, sempre perseguiu, a construção de

uma ciência que permitisse prever e controlar o comportamento em geral, e

mais especificamente o comportamento humano. Deste ponto de vista, o fato

de Skinner ter explicitamente assumido o homem como seu objeto de estudo

apenas após a metade da década de 40 (mais de quinze anos depois de sua

aparição como cientista preocupado em desenvolver uma ciência do

comportamento), não tornaria este fato deslocado de sua produção e poderia

auxiliar a compreensão não apenas de porque isto ocorre em tal momento,

mas também a compreensão da importância que, a partir de então, passa a ser

explicitamente atribuída ao homem, e auxiliaria até a compreensão de quais

são, porque e como são as propostas que tem para a solução dos problemas

humanos.

Além do próprio desenvolvimento de seu trabalho poder ser

interpretado nesta direção, alguns dados históricos permitiriam que se

argumentasse em favor da hipótese de que Skinner - enquanto psicólogo

sempre esteve interessado em produzir uma explicação, um sistema, para o

homem e para a solução dos problemas humanos próprio Skinner afirma em


39

sua autobiografia (1976) que sua escolha da psicologia foi determinada, entre

outros fatores, pela leitura de um livro de Russel - Philosophy, de 1927 — em

que este discutia e afirmava a importância de Watson e da descoberta do

reflexo condicionado. Leitura que foi seguida da leitura do livro de Watson.

Watson, como se sabe, mesmo correndo o risco de simplificar

demasiadamente e de generalizar indevidamente, como behaviorista, estava

francamente preocupado especialmente com a explicação do comportamento

humano e com a aplicação da ciência aos problemas humanos. Assim, se a

influência de Watson sobre Skinner está claramente assentada na sua opção

por uma psicologia behaviorista, por uma psicologia de cunho objetivista, não é

improvável que este tivesse assumido - como Watson - o compromisso da

construção de uma ciência capaz de compreender o homem, como forma de

previsão e controle e, portanto, como via de solução dos problemas humanos.

Outro artigo que teria contribuído para a opção de Skinner pela

psicologia teria sido de autoria de Wells, também de 1927, em que este afirma

a importância da descoberta do reflexo condicionado por Pavlov nos seguintes

termos:

(...) "Pavlov é uma estrela que ilumina o mundo, brilhando sobre


uma vista até aqui inexplorada" (...) (Wells in Skinner, 1976,
p.306).

E difícil acreditar que tamanha importância fosse atriubuída por

Wells a Pavlov e que fosse assim interpretada por Skinner se este não

supusesse que aí estaria uma possibilidade concreta de explicar, não o

comportamento reflexo simples de organismos inferiores, mas o

comportamento complexo do próprio homem.

Ainda mais, segundo Coleman (1981), a escolha da psicologia


40

como carreira, feita por Skinner após um ano de frustrações e de tentativas mal

sucedidas de trabalho (2), representaria a escolha de um campo de estudo que

atenderia aos seus anseios de transformação social, anseios surgidos de suas

próprias frustrações, de sua experiência pessoal, e indicados pelas leituras que

vinha fazendo até então» Deste ponto de vista, poder-se-ia afirmar que o

compromisso com a explicação do comportamento de forma a englobar o

homem estaria presente já na própria escolha da psicologia e, sem dúvida, não

poderia deixar de estar em sua proposta científica.

Antes de discutir o desenvolvimento interno de sua obra, cabe

destacar alguns aspectos que já dão indícios, desde o inicio de seu trabalho,

do compromisso de Skinner - pelo menos a longo prazo - com o

comportamento humano. Dos 30 artigos publicados entre 1930 a 1938, os dois

primeiros podem ser vistos como anteriores ao inicio propriamente dito de seu

trabalhos um deles trata do tropismo em formigas (1930a) numa clara ligação

com Crozier, e o outro é uma crítica a um estudo com ratos em labirintos

(1930b). O terceiro artigo já trata do 'drive' e do comportamento de comer em

ratos brancos (Skinner, 1930c) e o quarto — The Concept of the Reflex in

the Description of Behavior (1931) — apresenta a parte teórica de sua tese

de doutorado e é considerado aqui como o artigo que propriamente abre o

período.

Neste artigo, bastante conhecido e discutido, Skinner propõe um

objeto de estudo para a ciência do comportamento e seu programa de

pesquisas. Dos 26 artigos que se seguem, a maior parte relata experimentos

que investigam o reflexo, suas leis e suas variáveis controladoras, constituindo

o material básico que será retomado em The Behavior of Organisms (1938).


41

Nestes artigos ê apresentado e desenvolvido o que se tornará a metodologia e

o equipamento básico da análise experimental e são investigados e postulados

os conceitos fundamentais da abordagem. As exceções a este modelo (artigos

que são relatos de pesquisa sobre o reflexo) são poucas, durante o períodos

uma nota de 1932 sobre um efeito ótico (1932d), um artigo de 1933, de

fisiologia, escrito em co-autoria com dois estudantes de Crozier (Lambert,

Skinner e Forbes, 1933e) e um artigo de 1934 publicado numa revista de critica

literária sobre Gertrude Stein (1934a) (3) . O que se poderia considerar como

exceções de um segundo tipo e que são muito importantes para o que aqui se

defende são dois artigos de 1936 e 1937, respectivamente, The Verbal

Summator and a Method for the Studv of Latent Speech (1936f) e The

Distribution of Associated Words (1937c) e que serão analisados no final do

capitulo.

O que se depreende desta simples listagem é que Skinner realmente

parecia ter um projeto a ser desenvolvido a partir de pesquisas empíricas, com

o intuito de descrever de modo acurado e amplo o comportamento dos

organismos, ou melhor, que durante a maior parte dos anos 30 Skinner

empenhou-se em executar o que propôs em sua tese de doutorado, com vistas

à construção de uma ciência do comportamento dos organismos.

A proposta de uma ciência do comportamento genérico - 1931

A proposta inicial de Skinner - a proposta de um programa de pesquisas

para o desenvolvimento de uma ciência do comportamento - na própria escolha

de sua unidade de estudo - o reflexo - já indicaria, mesmo que não


42

explicitamente, a possibilidade de englobar eventualmente em seu sistema

explicativo o homem. Afirma Skinner:

(...) "podemos definir um reflexo como uma correlação observada entre


estimulo e resposta". (...)
(...) "a afirmação expressa, assim, a corrrelação observada entre dois eventos,
mas ao descrever estes eventos descreve também as condições especiais da
correlação." (...)
(...) "Falta-nos agora lidar mais especificamente com o reflexo na descrição do
comportamento. O que é a descrição do comportamento e como o reflexo,
como uma correlação, entra nela? (...)
(...) "Na falta de alguma distinção arbitrária o termo comportamento deve incluir
a atividade total do organismo - o funcionamento de todas as suas partes." (...)
"Nós estamos interessados primariamente no movimento de um organismo em
algum quadro de referência. Estamos interessados em qualquer mudança
interna que tenha um efeito observável e significativo sobre seu movimento."
(...) A unidade e consistência interna deste objeto de estudo é históricas
estamos interessados, por assim dizer, naquilo que o organismo faz". (1931,
pp.442, 443)

Como se depreende deste trecho, a escolha do reflexo como unidade de

estudo parece conter a preocupação com uma formulação que permita uma

descrição dos organismos em geral. Importa "o que o organismo faz", o

"funcionamento de todas as suas partes", e qualquer mudança que possa ser

observada. Skinner não parece escolher uma definição que limite seu objeto de

estudo; ao contrário, parece querer deixar claras as possibilidades de

compreender a complexidade, abertas por sua escolha do objeto. A

preocupação com os organismos complexos, incluindo-se ai o homem, e a

afirmação da possibilidade de explicar seu comportamento a partir do reflexo,

se expressa ainda na seguinte passagem:

"Podemos supor a validade última do conceito de volição (tanto


quanto, na verdade, do de reflexo) como além de qualquer estimativa. Estamos
preocupados com o reflexo como um conceito de trabalho. Qual é sua
natureza e como poderá ser definido? Em particular, nos empenhamos em
resolver certas dificuldades de definição impostas pela extensão ao
comportamento total, onde a volição (ou a prática que a representa) é
importante por seus efeitos." (1931, p,441)

Aquilo que parece indicar a preocupação com a pesquisa básica e o

estudo de organismos inferiores - a simplicidade e o controle que podem ser


43

obtidos na investigação - no caso de Skinner, já mesmo em 1931, se revestiria

de um outro caráter: a proposta por ele delineada diz respeito ao reflexo dos

organismos inatos e aparentemente dos organismos complexos, aqueles onde

o problema da vontade, da intencionalidade, se faz presente. Numa clara

complexificação em relação á pesquisa reflexológica até então em andamento

Skinner parece manter o mesmo objeto de estudo, mas abordando-o através

de uma metodologia que, pelo menos, não elimina a possibilidade de estender

seus resul- tados aos organismos complexos através de uma preocupação

(declarada) com a manipulação dos organismos como um todo, e não da

simples busca de relações estabelecidas em laboratórios controlados e que

não po- deriam, ou mereceriam, ser generalizadas. Skinner não abandonaria o

modelo da investigação controlada, experimental, que se inicia pelo estudo de

variáveis simples, mas parece preocupado em executar tal investigação de

modo a poder ampliá-la na medida em que os seus resultados permitam; e

mais: parece querer manter esta meta.

A isto se soma, também já em 1931, a preocupação em delimitar as

diferenças entre a fisiologia e a ciência do comportamento no estudo do

reflexo. Skinner afirma:

<A fisiologia do reflexo> (...) "busca a descrição do reflexo em termos de


eventos físico-quimicos, enquanto que a ciência especial da descrição do
comportamento <busca> uma descrição do comportamento em termos do
reflexo." (1931, p.447)

Com isto, Skinner afirma sua ciência como ciência genérica, capaz de

descobrir leis de validade geral, ao mesmo tempo em que a define como

ciência que não se confunde com outras ciências. Não se qualifica um tipo de

comportamento, de reflexo, ou de organismo a ser estudado por tal ciência; o

que se qualifica é uma forma de abordar os fenômenos que são seu objeto. A
44

proposta de uma ciência do comportamento que não seria um mero campo da

fisiologia, e que não se limitaria a apenas um aspecto da psicologia, a

proposição de uma ciência voltada para a descrição do comportamento é,

assim, um aspecto importante na proposta inicial de Skinner, que indicaria a

preocupação com um programa de pesquisas que pudesse levar à formulação

de um sistema explicativo, inclusive do homem, a partir do estudo do

comportamento. A especificidade da ciência do comportamento não seria

delimitada pelos organismos que são usados como sujeitos experimentais, ou

mesmo pelos reflexos que são manipulados, mas pelas leis que são reveladas

por um dado enfoque do objeto de estudo e que são genéricas para os

organismos. Nesta mesma direção o comportamento ê assim definidos

"Ha falta de alguma distinção arbitrária, o termo comportamento deve incluir a


atividade total do organismo: o funcionamento de todas as suas partes." (...) "A
definição do objeto de estudo de qualquer ciência, no entanto, é determinada
em grande parte pelo interesse do cientista e esta será nossa regra mais
segura aqui. Estamos interessados primariamente no movimento de um
organismo em algum quadro de referência. Estamos interessados em qualquer
mudança interna que tenha um efeito observável e significativo sobre este
movimento." (1931, p448)

Apesar de afirmar o "interesse do cientista" como critério para

escolha e definição de um objeto de estudo, adiantando, pelo menos neste

momento, uma postura que parece convencionalista (4), Skinner, ao afirmar o

comportamento como objeto de estudo de sua ciência e ao defini-lo como

movimento, parece estar se referindo a um organismo genérico, o que deixaria

brechas para incluir um organismo tão complexo como o homem, numa

situação genérica, ou seja, "em algum quadro de referencia", o que poderia

levar a incluir situacões tão complexas como a sociedade. O comportamento,

que acaba por ser aparentemente reduzido ao reflexo, neste mesmo momento

é definido de maneira ampla, indicando que uma ciência que se disponha a


45

desvendá-lo terá necessariamente que estudar as relações entre o organismo

e o ambiente, pois seriam estas as relações definidoras do próprio

comportamento. Mais uma vez, Skinner aborda de modo amplo o seu objeto e,

ao mesmo tempo, o faz de modo que parece facilitar a inclusão, mesmo que

apenas no tempo devido, do homem como organismo que tem sido

caracterizado exatamente pela sua relação com o mundo.

"o comportamento de um organismo é uma função exata, mesmo que


complexa, das forças atuando sobre o organismo, <o que> afirma a correlação
de um estimulo e de uma resposta" (...) " neste sentido, a mais ampla
afirmação possível de um reflexo" (...) (1931, p.449)

O comportamento e o reflexo assim definidos passam a ser

considerados do ponto de vista da manipulação científica e, mais uma vez,

aparece aqui a preocupação com a generalidade dos dados, agora a partir da

explicitação de sua metodologia. Também começa a surgir mais claramente,

não apenas como Skinner enfoca o que há de específico em sua abordagem

do comportamento, em sua ciência - e que lhe garante identidade como

explicação -, mas aparece também outra das preocupações centrais de Skinner

em relação ao seu projeto, a conquista da variabilidade, ou seja, a

possibilidade de tornar lei científica, relação ordenada, aquilo que até então

esteve alheio do escopo da ciência pela aparente incontrolabilidade, entendida

como não sujeição, por principio, a qualquer lei:

"Resta considerar como um reflexo como uma correlação é trabalhado


experimentalmente. O primeiro passo, como vimos, é o isolamento de uma
resposta e a identificação de um estímulo correlacionado. Na prática, a
demonstração da correlação é usualmente deixada num nível elementar. E
baseada no aparecimento conjunto de dois eventos e no seu não aparecimento
separadamente. Como um dado experimental deste tipo, ao reflexo pode ser
aplicada a seguinte expressão:

R= f(S) <1>”

(...)
46

"Limiar, latência, pós-descarga e a ordem de variação de S e R são, portanto,


descrições da correlação que chamamos reflexo." (...) "No entanto, há um
segundo campo de investigação que se ocupa com variações em qualquer
aspecto de uma correlação na medida em que elas podem surgir na
comparação de eliciações sucessivas." (...) "Aqui, são significativas variações
no valor dos termos da Equação <1>. Elas não desafiam a necessidade da
relação ali expressa (como poderiam fazê-lo se fossem menos ordenadas),
mas elas requerem que, na descrição de um reflexo, sejam levadas em conta
terceiras variáveis. Podemos indicar a mudança necessária reescrevendo
nossa equação:

R= f(S, A)

onde A é uma variável delineada para explicar qualquer mudança observada


no valor de R." (...) "Uma lei que descreva o curso daquela mudança onde a
variável independente é o tempo, ou o número de eliciações, ou qualquer outra
condição do experimento é, peculiarmente, uma lei do comportamento."
(...)
"O estudo do reflexo, assim, leva á formulação de dois tipos de leis. As
primeiras são leis que descrevem correlações entre esti- mulo e resposta." (...)
"Em segundo lugar, há leis que descrevem mudanças em qualquer aspecto
destas relações primárias como fun- ções de terceiras variáveis, onde a
terceira variável, em qualquer caso dado, é uma condição do experimento." (...)
"no comportamento de orqanismos intatos a aparente variabilidade de relações
específicas estimulo—resposta enfatiza a importância de leis do segundo tipo."
(...)
“E difícil descobrir qualquer aspecto do comportamento dos organismos que
não possa ser descrito com uma lei de uma ou outra destas formas. Pelo
menos do ponto de vista do método cientifico a descrição do comportamento é
adequadamente abarcada pelo princípio do reflexo." (1931, pp.453 a 456)

A defesa da. natureza reflexa de todo comportamento associada à

postulação de dois conjuntos de leis do reflexo, à valorização das leis

secundárias, e à ênfase nas "terceiras variáveis" de que o reflexo (este já uma

correlação) é função emprestam à proposta Skinneriana a um só tempo

especificidade - no sentido de que se descortina um campo de trabalho

independente -, generalidade - no sentido de que estas leis permitirão abarcar

relações que até então não foram exploradas e que, sem dúvida, são

constitutivas dos organismos -, e a possibilidade da conquista da variabilidade -

no sentido de que a mudança poderá ser trazida para o campo da ciência uma

vez que se descubra a ordem a ela subjacente, tornando assim a aparente

variabilidade do comportamento em lei invariável. Mais ainda, a insistência no


47

estudo de organismos intatos, ao invés das tradicionais preparações

fisiológicas do campo do reflexo (5), caracteriza uma certa opção pela

molaridade que (embora ofuscada por uma metodologia francamente analítica)

também é facilitadora de uma futura extensão aos organismos complexos,

como no caso do ser humano. Estas são condições fundamentais para a

construção de uma ciência, nos moldes das ciências naturais, capaz de

descrever não só alguns organismos, mas todo e qualquer organismo. Tratar-

se-ia, assim, para Skinner, não de eliminar os organismos complexos do

escopo de sua ciência, mas sim de construir um sistema que desse conta

deles - e que, neste momento, Skinner parece acreditar possível via estudo do

reflexo.

Definido seu objeto e o escopo de sua ciência, é necessário esclarecer

algumas das marcas mais propriamente metodológicas de seu trabalho, como

apresentado em 1931, e que certamente permitirão a Skinner abordar seu

objeto e ao mesmo tempo caracterizarão seu fazer e seu produto.

(...) "a descrição do comportamento, para ser cientifica ou satisfatória deve ir


além. Como uma disciplina cientifica ela deve descrever o evento não apenas
por si mesmo, mas em sua relação com outros eventos, e para ser satisfatória,
ela deve explicar. Estas são atividades essencialmente idênticas." (...) "mas
devemos agora assumir aquela visão mais humilde de explicação e causacão
que parece ter sido primeiramente sugerida por Mach e é hoje uma
característica comum do pensamento científico, onde, numa palavra,
explicação é reduzida á descrição e a noção de função substitui a de de
causação. A descrição completa de um evento deve incluir uma descrição de
sua relação funcional com eventos antecedentes. Na descrição do
comportamento estamos interessados nas relações com uma série de eventos
regressivos estendendo-se do próprio comportamento para aquelas mudanças
de energia na periferia que designamos estímulos. Paramos aqui na regressão
porque passos posteriores estão além do campo do comportamento. Os dois
eventos terminais, comportamento e estimulo, têm, além do mais, importância
especial porque apenas eles são diretamente observáveis no organismo intato
e porque limitam a série. E com a relação entre estes dois termos que se
preocupa principalmente a descrição do comportamento. (1931, pp.448, 449)

O projeto de uma abordagem científica do comportamento dos

organismos é explicitado de modo a delimitar o que Skinner entende por


48

científico. O produto do empreendimento cientifico é claramente identificado

com a explicação enquanto descrição, ou seja, enquanto descoberta e quase

transcrição de leis naturais que regem os fenômenos. As relações ordenadas

entre eles são entendidas como relações funcionais, como relações

correlacionais, cuja descoberta depende da escolha adequada do objeto, de

uma escolha que permita, através da observação, a sua descoberta. Nada se

afirma sobre estas relações além do fato de que aparecem sistematicamente

entre dois eventos. O objeto de estudo aparece, assim, não como uma escolha

arbitrárias a identificação do estímulo e da. resposta (6) como os eventos

privilegiados de sua ciência surge como escolha determinada pela própria

natureza destes eventos, que por necessidade se constituem em objeto de sua

ciência. Mais ainda, são suas características de observabilidade e

reprodutibilidade que lhes garantem esta qualificação. Skinner está aqui

caracterizando o seu fazer como cientifico e sua ciência começa a tomar forma

como empreendimento que é objetivo, porque descritivo, baseado em eventos

e relações observáveis, e cujo limite é dado pelo próprio objeto de estudo; cuja

especificidade, portanto, não pode ser questionada.

A generalidade de sua ciência é reassegurada logo a seguir, no

mesmo texto, na interpretação de que o comportamento de um organismo "é

função das forças que sobre ele atuam" como a afirmação do reflexo em seus

termos mais amplos possíveis. Mais uma vez, surge a possibilidade de se

interpretar esta asserção como um suposto que não limitará os resultados de

suas descobertas a um organismo especifico. Fortalece esta hipótese o próprio

argumento de Skinner em defesa da análise na pesquisas

"No entanto não é apenas por falta de nosso método que não podemos lidar
diretamente com esta única correlação entre comportamento como um todo e
49

todas as forças atuando sobre o organismo, como afirmado na hipótese.


Afirmações quantitativas de ambos, estimulo e resposta, e uma demonstração
estatística da correlação são teoricamente possíveis, mas seriam
completamente não manipuláveis. Somos levados, por falta de uma abordagem
melhor a investigar a correlação de partes do estimulo com partes da resposta.
Em nome de uma maior facilidade (e neste caso, da própria possibilidade) de
descrição, voltamo-nos para a análise." (1931, p.449)

Aqui outra das importantes características do trabalho skinneriano - a

análise - é abordada como uma necessidade metodológica. Não se poderia

experimentar sobre o comportamento de outro modo, e, ainda mais, a análise

não desfiguraria o objeto de estudo. Uma vez que se supõe que este existe, é

parte da natureza, mas sempre é abordado a partir de, e de acordo com, o

interesse do cientista, Skinner a um só tempo toma uma posição em que afirma

a objetividade de seus resultados e a arbitrariedade das decisões

metodológicas que irá tomando. E como se, embora assumindo que os

resultados de uma ciência sejam uma construção dos sujeitos que a produzem,

fosse possível tornar esta construção de tal modo embasada na própria

realidade de forma que seus resultados acabam por ser fiéis reproduções do

evento natural. Do ponto de vista do que aqui se defende este traço é muito

importante, uma vez que, se fosse de outro modo, seria difícil argumentar em

favor da tese de uma preocupação com o homem a partir de um programa de

investigações tão aparentemente distante da realidade humana. Isto, mais uma

vez, parece indicar que as características metodológicas a serem assumidas

por Skinner não excluem a possibilidade - e talvez o objetivo - de construção de

um sistema que explique o comportamento humano que é mutável e complexo,

por excelência.

Poder-se-ia, portanto, supor já em 1931, a preocupação de Skinner

com o comportamento humano. Não se está afirmando que cada decisão

tomada por ele supunha uma extensão ao homem, mas apenas que, como dirá
50

sobre seu livro de 1938, nunca esteve interessado no comportamento do

rato pelo rato em si mesmo. Obviamente esta preocupação é mediada por

pressupostos metodológicos que o levarão a defender a pesquisa de variáveis

simples, em situações controladas, com animais, e sob um rígido controle

experimental. Mas nada disto, ou mesmo a proposta de fazer de sua ciência

(de seu projeto) uma ciência natural, excluiria a preocupação com o homem.

Ao contrário, estes aspectos poderiam ser indicativos da força desta

preocupação, já que apenas porque Skinner acreditaria que o comportamento

humano é sujeito a leis genéricas e naturais é que o objeto de estudo da

psicologia seria definido como sendo o comportamento. Também seria por isto

que Skinner podia defender a via experimental, analítica e (pelo menos à

primeira vista) indutiva, que postula e aparentemente pratica.

A acumulação de dados e as primeiras descobertas preparando um

sistema 1931 a 1938

A partir de 1931 (7), e até 1938, Skinner estaria colocando em prática o

que anuncia em sua tese de doutorado e estaria preparando sua primeira

grande sistematização. O que não parece explicitamente, no entanto, é que

este trabalho vai se encaminhando de forma a tornar possível que também o

homem sea descrito por este sistema em construção. Durante estes anos

pode-se perceber de várias formas o caminho percorrido nesta direção. Os

artigos publicados a partir de 1931 são, na sua maioria, pesquisas cujo

programa, pode-se supor, é anunciado n artigo de 1931 – representariam o

desenvolvimento de um programa de pesquisas que culminaria com a

descrição das leis do reflexo e, assim, com a descrição cientifica do


51

comportamento dos organismos intatos e complexos.

Obviamente, os dados e resultados de seu programa de pesquisas

levaram a transformações em relação ao que Skinner propôs em 1931 - como

a postulação de dois tipos de reflexos e do operante, por exemplo - mas são

transformações que parecem ter favorecido, mais que dificultado, a tarefa que

havia se imposto tanto explícita como implicitamente. É questionável que todas

estas mudanças tenham sido facilitadoras desta extensão do sistema ao

comportamento dos organismos complexos (e mesmo que todas elas tenham

sido decorrência de dados experimentais), mas o importante é que, de um

modo geral, o acompanhamento das transformações e da construção do

sistema conceituai skinneriano, neste período, parece corroborar a hipótese de

que vinha sendo construído, passo a passo, e de forma organizada, um

sistema que envolveria a explicação do comportamento humano, pelo menos

enquanto meta.

Um dos passos, e talvez dos mais importantes, que também é indicado

por Coleman (1981), na construção de um sistema descritivo – explicativo do

comportamento e na sua extensão ao homem seria a conquista da

variabilidade e da especificidade. Seria necessário descobrir leis nos

organismos intatos (e porque não nos organismos complexos?) que

transformassem em regularidade, em estabilidade, aquilo que, até então, não

parecia passível de estudo científico. Também seria necessário que estas leis

abarcassem comportamentos, algo mais molar que os reflexos – ao menos,

reflexos tal como vinham sendo definidos até então -; uma vez que estes estão

próximos de descrições fisiológicas que dificilmente se poderia justificar, de um

lado, uma outra ciência que os estudasse, de outro, que suas leis pudessem se
52

referir a outras atividades dos organismos que não se assemelhassem de

muito perto àquelas estudadas. Sem isto não se poderia, mesmo mais tarde,

generalizar para o homem.

A tendência a uma certa molarização do reflexo e à busca de uma certa

especificidade, de diferenciação em relação a outros campos da investigação

cientifica, já é sentida em 1930, no artigo On the Conditions of Elicitation of

Certain Eatinq Reflexes. Skinner afirma:

"O comportamento de um organismo intato difere da atividade reflexa de uma


'preparação' principalmente no número de variáveis independentes." (...) "A
série de reflexos que atua, por meio da qual um animal agarra, mastiga e
engole sua comida, servirá como um exemplo. Num rato adulto este
comportamento é eliciado por certos estímulos olfatórios, auditivos e visuais.
Mas estes estímulos nem sempre evocam o comportamento característico
deles e dizemos, entre outras coisas, que o rato come apenas quando está
faminto.
A resultante variabilidade do comportamento é típica do tipo que tem levado a
protestos sobre a inadequação do conceito de reflexo. Mas variabilidade
observada em relação à predita não questiona a validade de uma lei se a
própria variabilidade for sujeita a lei."
(...)
(...) "nos experimentos que se seguem é assumido que em condições
constantes a quantidade de comida ingerida por unidade de tempo é
proporcional a força da serie de reflexos de comer." (1930c, pp.433, 434)

Neste primeiro experimento de Skinner (que embora tenha sido

publicado antes de sua tese é considerado como parte de seu programa de

investigações) aparece com clareza a decisão de investigar reflexos, mas

tomá-los num nível de análise que embora acentuado, é muito mais molar do

que vinha sendo praticado. Também é límpida a preocupação com o

comportamento que é, na verdade, o seu verdadeiro objeto de estudo e que

parece ser tomado aí como uma “série de reflexos”, em que pese a vaguidade

desta definição. O comportamento torna-se ainda mais importante quando

Skinner explicita sua característica maior: a sua aparente variabilidade. E seu

objetivo torna—se, enteio, a descoberta da lei que rege, que empresta


53

regularidade, a tal variabilidade. Estes mesmos princípios, associados às

suposições de que a diferença de complexidade do que está sob investigação

e do que vinha sendo estudado é apenas de grau - aqui expressa no "número

de variáveis independentes" - e de que, garantido o controle experimental

adequado - aqui expresso na manutenção de condições experimentais

constantes - é possível descobrir estas leis, não apenas embasarão sua

metodologia e a construção de seu conceituai teórico nos anos que se

seguirão, mas também fortalecem a possibilidade de que, no devido tempo,

seja viável generalizar para o homem.

Em 1932 Skinner reafirma estes supostos e dá mais alguns passos

importantes:

"O problema central da fome, então, é explicar o aparecimento ou não de um


dado tipo de comportamento num dado tempo. Para este fim podemos tentar
mostrar que o aparecimento de uma dada parcela de comportamento é uma
função de alguma variável designada, por exemplo tempo." (...)
(...)
"O isolamento experimental de qualquer uma destas mudanças ê difícil e, em
alguns casos, aparentemente impossível. Uma medida combinada a partir de
várias, no entanto, está disponível na taxa com que o rato come. Esta taxa
obviamente é determinada por alguns dos fatores que listamos" (...) (1932a,
pp.22, 23)

Skinner mais uma vez enfoca seu problema, aqui o 'drive', a partir da

questão da variabilidade, e busca uma solução na descrição da lei que rege

esta variabilidade. Mas Skinner vai além e postula a taxa de eliciação do

comportamento de comer como a medida privilegiada do comportamento e

como medida que permitirá descobrir a regularidade do comportamento. Esta

escolha é fundamental porque permitirá quantificar não este, mas todos os

comportamentos, ou reflexos, que porventura queira abordar. Também porque

possibilita o estudo de organismos intatos, do organismo total, e porque torna

possível pensar como reprodutíveis para um outro comportamento, ou um outro


54

organismo, seus resultados, uma vez que estes se resumirão a curvas que

medem taxa – número de respostas em relação a uma unidade de tempo. A

arbitrariedade da escolha de seu sujeito experimental e da resposta (ou

comportamento, ou reflexo) a ser investigada experimentalmente ficam, assim,

pelo menos abrandadas, e a validade de seus resultados adquire uma

generalidade muito maior.

Já na discussão dos resultados, neste mesmo artigo, Skinner corrobora

esta interpretação:

"O problema da fome apresenta-se, então, como uma variação na força de


certos reflexos, uma variação que comumente parece aleatória. A solução do
problema está na descrição da variação. De acordo com isto, no presente
experimento, se tomarmos a taxa de comer como uma medida da força destes
reflexos" (...) "descobrimos que a força é uma medida exata do tempo a partir
do inicio de um período de comer. Naturalmente, isto é demonstrado em
apenas um de um número indefinido de casos" (...). "Mas o exemplo é típico e
parece uma suposição razoável que em outras condições a força também seja
semelhantemente determinada." (1932a, p.33)

Assim Skinner, já em 1932, afirma que o que está medindo é o

comportamento através da taxa e, pelo menos, acena com a possibilidade de

que seus resultados não são específicos para o organismo, o comportamento,

ou mesmo o 'drive' que foi investigado. Ainda em outro artigo de 1932, Skinner

já apresenta a barra como um "elo arbitrário" introduzido para se estudar o

reflexo, inaugurando a caixa de Skinner que aqui é cuidadosamente descrita. A

este respeito é interessante que em seus primeiros experimentos Skinner

descreve com grande precisão e cuidado o equipamento que utiliza: a caixa, o

quimógrafo, o alimento etc. Fica a impressão de que isto ocorreria não apenas

porque e da praxe cientifica dar condições de reprodutibilidade dos dados, e

porque seguidamente afirma que o tipo de controle experimental efetuado - as

variáveis manipuladas e controladas, a medida que delas se faz - é a única

realidade com que o cientista opera. Isto também ocorreria porque Skinner
55

acreditaria que estava construindo não apenas um sistema teórico, mas que a

construção de uma ciência dependeria de que o empreendimento se tornasse

coletivo.

O que ele parece buscar, a primeira vista, é uma medida mais adequada

do reflexo, por simples razão de operacionalidade. Entretanto, dois outros

importantes supostos são fortalecidos: o da sujeição do comportamento á lei

natural e o da generalidade das leis descobertas. O problema experimental a

ser investigado, ainda em relação ao 'drive' e à força do reflexo, é assim

colocado:

"A lei expressa na equação N=Ktn é independente do reflexo particular que


inicia o comportamento de comer? A utilidade da lei dependerá em grande
parte da resposta, uma vez que, enquanto os últimos passos no processo de
ingestão (mastigar, engolir etc) variam muito pouco entre organismos
comparáveis, os primeiros passos (que são reflexos condicionados) podem
mostrar uma variedade infinita."
(...) "0 plano do presente experimento é adicionar um elo arbitrário a esta
sequência. A bandeja de comida é substituída por uma 'caixa problema'
repetidora que libera uma pelota de comida numa abertura cada vez que uma
barra horizontal é pressionada. A resposta à barra é, assim, adicionada á
sequência."(1932b, p.40)

E os resultados são discutidos, comparando-se os resultados do

experimento anterior - em que a taxa de comer era medida a partir da

resposta de agarrar o alimento - com os resultados deste - em que a resposta

medida é a de pressionar a barras

"Nos dois casos que comparamos, então, a validade da equação N=Ktn é


independente da natureza do reflexo inicial. E isto parece ser verdade a
despeito do fato de que ê a eliciação deste reflexo no fim de sua fase refratária
que determina a taxa de comer. As duas respostas presentes, além do mais,
são bastante diferentes e parece se confirmar a conclusão mais ampla de que
a taxa de mudança da taxa é independente, em geral, de qualquer que seja o
reflexo que inicia o comportamento." (1930b, p.46)

Skinner afirma, assim, em primeiro lugar, que a aparente variabilidade ê

descrita através de uma lei expressa aqui pela equação mencionada e, em

segundo lugar, que a validade desta lei independe do reflexo especifico. Mais
56

ainda, pode ser afirmada para reflexos incondicionados e condicionados o que

garante uma maior generalidade - entendida como a possibilidade de usar seus

dados para outros reflexos, organismos e comportamentos e para o tipo de

comportamento que mais interessaria numa descrição dos organismos

complexos. A regularidade - entendida como a possibilidade de reproduzir seus

resultados e como a possibilidade de extrair uma lei deles -, a estabilidade de

seus dados - entendida como a regularidade de seus próprios dados - e uma

tendência de análise mais molar - que é fortalecida pelo fato de que Skinner

mede uma resposta e a generaliza para toda a cadeia de reflexos envolvidos

no comer (muito embora reafirme a noção de que se trata de uma cadeia de

reflexos) - também se fortalecem, de modo que a possibilidade de extrapolação

para outros organismos, inclusive o homem, mais uma vez permanece.

Skinner, já nesta data, parece tão seguro de que sua ciência, embasada

nesta metodologia, pode vencer os desafios de uma ciência natural - mais

claramente, que poderá prever e controlar os comportamentos dos organismos

em geral - que não se furta a tentar reafirmar a especificidade de sua ciência

em relação a outras, especialmente á fisiologia. Já em 1932, referindo—se a

um problema tão complexo como a noção de 'drive', afirma:

"O que dissemos para a fome se mantêm igualmente para outros 'drives',

guardadas as diferenças no tipo de comportamento en- volvido. Se definirmos

qualquer 'drive' totalmente em termos de nossas observações, descobriremos

que este é um problema de se uma resposta é eliciável ou não, ou de certos

aspectos quantitativos de uma resposta eliciada. Em qualquer caso ele ê

expressável em termos da força do reflexo." (...)

"Tivemos pouco a nada a dizer sobre algo chamado 'drive'. Esta é uma
omissão real? A primeira forma provável de uma objeção é de que não
57

tocamos no lado fisiológico do objeto." (...) "Agora, que há condições


fisiológicas correlacionadas com todos os aspectos do comportamento
ninguém provavelmente questionará. Mas é igualmente verdade que o
comportamento pode ser adequadamente descrito sem referência constante a
seus correlatos fisiológicos. No caso presente, o conceito de 'drive' surgiu na
descrição do comportamento e é aí constantemente usado quando não se
dispõe, ou não se supõe necessário, qualquer conhecimento das condições
fisiológicas." (...) "Sem dúvida o resultado experimental que obtivemos tem uma
significação fisiológica, mas sua influência na presente discussão é
negligenciável.
Embora seja óbvio que a palavra 'drive' se refere a uma coisa isto é, deste
ponto de vista, um acidente verbal. Do ponto de vista de nossas observações,
é suficiente dizer que um animal está faminto, nada acrescenta dizer que ele
possui uma certa quantidade de fome." (...) "O 'drive' nunca se apresenta para
investigação ou medida; o material experimental imediato é o comportamento.
(1932a, pp.33, 34)

Como se depreende, muitas das características futuras do sistema

skinnneriano já estão, desde então, delineadas: a recusa de dissolver o estudo

do comportamento no estudo fisiológico do organismo, o reconhecimento de

uma base biológica para o comportamento que em nenhum momento substitui

uma ciência do comportamento, a recusa de supor entidades internas - seja de

que ordem forem - controlando aquilo que é passível de ser observado e a

reafirmação do comportamento como o único objeto de estudo válido para

uma ciência como a que propõe

Também é reafirmada a suposição de que o comportamento e as

variáveis que o controlam se mantém em relações ordenadas, passíveis de

serem trazidas à luz. Mas, se explicita mais uma característica importante do

sistema skinneriano, a noção de que um mesmo e um só conjunto de leis rege

o comportamento dos organismos. Não há uma lei, uma equação, uma

formulação para cada 'drive'; a mesma lei descreveria todos os 'drives'. A força

desta crença se expressa no fato de que Skinner faz esta afirmação tendo

estudado só um organismo, apenas uns poucos sujeitos, sob as mesmas

condiçòes experimentais e comum só tipo de privação. Na mesma direção,

Skinner estenderá, ainda em 1932, no artigo seguinte a este, a afirmação que


58

aqui faz em relação ao reflexo incondicionado para o reflexo condicionado. Isto

é especialmente significativo quando se considera a importância da

aprendizagem para os organismos vivos e como esta relevância cresce na

medida em que se complexifica o organismo enfocado. A cada pequeno

experimento Skinner parece estar reafirmando e estendendo a generalidade de

seus dados.

Ainda em 1932, Skinner avança ao propor que a mesma metodologia

desenvolvida para o estudo do 'drive' seja utilizada no estudo do

condicionamento:

(...) "no que se refere à resposta de pressão à barra, é impossível distinguir


entre um rato não-faminto condicionado e um rato faminto incondicionado. A
resposta está simplesmente ausente em ambos os casos. Além do mais, entre
estes dois extremos é impossível dizer, a partir de uma única observação, se
um dado estado do reflexo (uma força observada) deve ser atribuída a um
certo grau de fome ou de condicionamento. Ao lidar com uma mudança no
estado, por outro lado, há pouca chance de confusão se forem conhecidas as
condições da mudança. Isto quer dizer que 'condicionamento' e 'uma mudança
na fome' diferem como processos apenas com relação às condições em que
são observados. A coisa em mudança (o aspecto observado do
comportamento) é a mesma em ambos os casos. Segue-se dai que um único
método pode ser usado na medida dos dois efeitos." (1932c, p.276)

Neste momento, Skinner passa a investigar o condicionamento, no que

se poderia considerar como mais uma etapa no cumprimento do programa

anunciado em 1930. Então, Skinner afirmava que condicionamento, 'drive' e

emoção poderiam ser vistos como "mudanças na força do reflexo", cuja

investigação levaria ao conhecimento das leis que descreveriam o processo, as

"leis do segundo tipo". Descrito o 'drive' - a despeito de se considerar que

talvez não de maneira tão exaustiva e profunda como se gostaria - no sentido

de se desvendar uma certa ordem nas mudanças da força do reflexo em

relação á manipulação desta variável, Skinner dá um segundo passo.

Mantém-se a tentativa de desvendar a lei que confere ordem,


59

possibilidade de previsão, ao fenômeno investigado. Mantém-se também a

perspectiva de que os dois fenômenos podem ser investigados com a mesma

metodologia porque são de uma mesma natureza, e a noção de que é a partir

do comportamento observável e do controle das variáveis responsáveis que se

encontra a regularidade. Entrementes, pode-se depreender uma característica

importante, ainda que muitas vezes negligenciadas Skinner busca a lei da

mudança, busca desvendar em processos uma certa sujeição à lei.

A busca de generalidade das leis se fortalece, ainda, com a postulação,

neste mesmo artigo, de dois tipos de reflexos. Skinner assim distingui os dois:

"O estabelecimento de um reflexo condicionado é frequentemente


representado do seguinte modos:
S ------------------- R

S’------------------ R’

Suponha S -- R e S' -- R' como reflexos observáveis no organismo antes do


processo de condicionamento, e que não há relação observável entre o
estímulo S' e a resposta R. Se os dois reflexos forem agora eliciados
simultaneamente, ou quase simultaneamente (neste caso, S' precedendo S),
passa a ser observada uma correlação entre S' e R- Um reflexo novo e
'condicionado', S' — R, é estabelecido.
Um segundo tipo de condicionamento, no qual o reflexo desenvolvido está
originalmente presente e é apenas fortalecido durante o processo de
condicionamento requer uma outra fórmulas:

S’ --- R’ ----- S --- R”

(...) “Ambos os reflexos são observáveis antes do condicionamento, mas S’ –


R’ aparece apenas como um fraco reflexo ‘investigatório’ que, se eliciado
sozinho, normalmente desapareceria através daadaptação. Se a resposta R’
for seguida imediatamente pelo estímulo S, pode ser observada uma mudança
na força do reflexo S’ – R’.” (...)
“Nas ocorrências do Tipo I um novo estímulo é substituído na eliciação de uma
resposta, e um novo reflexo é formado.” (...)
“No Tipo II, pelo contrário, todos os quatro termos são mantidos; os dois
reflexos são encadeados experimentalmente e permanecem nesta relação. Os
tipos I e II são, entretanto, semelhantes por requererem como uma condição
essencial para o aparecimento do fenômeno a eliciação aparoximadamente
simultânea de dois reflexos.” (1932c, pp. 274, 275)

São inúmeros os comentários que se poderia fazer a partir desta


60

formulação. No entanto, alguns são aqui mais relevantes. Em primeiro lugar, a

fecundidade da abordagem skinneriana, da metodologia desenvolvida,

aparece: alguns experimentos são suficientes para originar uma distinção que

se contituirá em importantíssima formulação teórica.

Em segundo lugar, as amarras da formaulação teórica que antecede sta

transformação são tão fortes que apenas alguns anos mais tarde poderão ser

rompidos, e mesmo então com conseqüências para a nova formulação: Skinner

não é capaz aqui de pensar o que chama de reflexo do Tipo II, a não ser como

encadeamento de dois reflexos, numa clara alusão à formulação que tinha

construído nos experimentos anteriores para justificar seu aparato e a resposta

escolhida. Já avança no sentido de perceber que há diferenças entre o que

está realmente investigando e o que vinha sendo objeto da pesquisa

reflexológica, mas ainda pensa esta diferença como simples diferença na

conexão temporal entre reflexos, quase que uma diferença secundária.

Em terceiro lugar, apesar dos limites que seu compromisso com o

reflexo lhe impõe, Skinner pode agora, começar a explorar as possibilidades

abertas por sua metodologia, sem um constante retorno às formulações da

pesquisa tradicional sobre o reflexo.

Em quarto lugar, fica claro que Skinner tem diante de si um novo campo,

uma vez que é possível que já então percebesse que o reflexo do Tipo II se

aproximava mais dos comportamentos aprendidos dos organismos complexos.

E bem verdade que a concepção de organismo por trás desta formulação ê por

demais passiva - supondo que todo comportamento é reflexo, simples resposta

necessária a uma dada estimulação, e que os reflexos já existem no organismo

como "reflexos investigatórios" - e simplista - todo comportamento do Tipo II


61

seria fruto de uma associação temporal acidental entre dois reflexos existentes

e o condicionamento não passaria de fortalecimento do reflexo. No entanto, já

se descortina a possibilidade de um real rompimento com a noção do reflexo

(mais tarde, o respondente) , que indiscutivelmente não seria suficiente para

explicar todo o comportamento, de todos os organismos.

E o reflexo do Tipo II e, mais especificamente, o seu condicionamento

que passa a interessar Skinner- No estudo do processo se depara mais uma

vez com o problema da variabilidade do comportamento, expressa no súbito

aumento na taxa de respostas uma vez que se parei em os dois reflexos, e nas

pequenas alterações na taxa que pareamentos sucessivos parecem originar. O

problema é resolvido com a postulação da instantaneidade do

condicionamento, pelo menos na situação experimental:

"Nada se ganha ao se estabelecer um ponto arbitrário no qual se considere o


condicionamento completo, já que não estamos interessados numa afirmação
qualitativa deste tipo. Além do mais, é possível que o condicionamento
completo só seja obtido como um limite-" (...) "a maior parte da mudança com a
qual nos preocupamos ocorre praticamente instantaneamente após a
ocorrência da sequência S' -- R' --- S -- R."
(...)
"Se isto for verdade, levanta um interessante problema de método. Podemos
medir a força de um reflexo apenas eliciando-o. No caso do condicionamento
estamos, portanto, limitados a duas medidas - uma feita antes e uma no
momento ou depois do evento- E, portanto, impossível determinar o curso do
processo." (1932c, pp.28l,284)

O condicionamento, assim, apresenta problemas - aparentemente

encarados como desafios que, uma vez vencidos, fortalecem tanto a

metodologia como a formulação teórica dos dados obtidos - desde o inicio de

sua investigação: o primeiro deles, obviamente, parece ser resolvido com a

asserção de dois tipos de condicionamento que aparentemente estão na base

da formulação de dois tipos de reflexo. Ao lado disto, a suposição de que uma

ciência do comportamento deveria investigar os processos subjacentes que


62

seriam descritos pelas leis secundárias do reflexo enfrenta aqui o problema da

mudança brusca na taxa de respostas (na força do reflexo) decorrente de um

único pareamento de reflexos - o que empresta a aparência de uma mudança

qualitativa no repertório do organismo. Este problema é resolvido pela

postulação do condicionamento instantâneo. Deste modo, o que

aparentemente tornaria necessária não apenas uma nova metodologia, mas

também novos supostos - no sentido de que mudanças qualitativas tornariam

pelo menos mais difícil a suposição de que as leis derivadas de um dado

conjunto de dados pudessem ser generalizadas para outros comportamentos e

organismos - acaba fortalecendo a explicação, uma vez que o que se

apresenta à primeira vista como anormalidade é transformado em lei. Resta a

Skinner apenas um problema metodológico, que será resolvido com a noção de

extinção.

A extinção como método de estudo do condicionamento será proposta

em 1933.

“Um método de investigação da taxa de formação de um reflexo condicionado


foi descrito num artigo anterior. Sem qualquer modificação essencial ele
também é adequado para o estudo da extinção experiemental, que difere do
condicionamento apaenas na direção da mudança observada.” (1933a, p. 114)

Apresentando a mesma metodologia como adequada ao estudo dos dois

processos comportamentais, Skinner resolve vários problemas

simultaneamente; considera comparáveis, portanto sujeitos aos mesmos tipos

de leis, dois processos e resolve o problema metodológico no estudo do

condicionamento. Entretanto, assim como fizera o que se considera uma

concessão no caso do condicionamento, faz aqui uma outra:afirma apenas

uma diferença de direção em ambos os processos, o que equivale a afirmar

quase que o mesmo processo, quando até mesmo os seus dados mais crus
63

parecem indicar muitas outras diferenças, como por exemplo o fato de que a

extinção não é instantânea, ou que a taxa de respostas não é uniforme,

originando curvas em "forma de ondas".

(...) "é aparente que a curva típica para a extinção tem um caráter ondulatório."
(...) As transições algumas vezes são executadas suavemente, mas mais
frequentemente são abruptas. Uma vez que um efeito deste tipo é
presumivelmente continuo, podemos interpretar a transição suave como
representativa da mudança real na. força, e podemos, então, explicar as
transições abruptas apelando para alguns fatores perturbadores" (...)
(...)
"Uma descrição teórica simples da flutuação cíclica pode ser derivada da
suposição de que uma interrupção na cadeia normal de reflexos de ingestão
estabelece um efeito depressor que baixa a taxa de eliciação." (...)
"Um tal efeito depressor e tradicionalmente descrito como 'emocional'. Ele
aparece experimentalmente simplesmente como um decréscimo na força do
reflexo e pode ser definido como tal. Uma característica é que ele rapidamente
se adapta. Como já notamos acima, podem ser obtidas curvas de extinção que
não tem este efeito cíclico. A condição essencial é simplesmente que seja
provido um tempo para a adaptação." (1933a, pp.123, 125, 126)

A explicação de Skinner das curvas de extinção, interpretando como

desvios os trechos que não se adequam a uma curva uniforme teoricamente

derivada, origina pelo menos dois problemas. Por um lado, fortalece uma

suposição, que mais tarde se tornará ainda mais problemática, de que os

processos comportamentais mais do que sujeitos a leis, são submetidos a leis

quantitativas e são processos tão uniformes que quase perdem esta

característica. Os processos comportamentais acabam sempre por dar lugar a

uma ênfase nos estados estáveis: no caso da extinção, além de explicar cada

desvio, Skinner busca as condições que tornarão a curva uniforme, quase

linear. Por outro lado, trata como simples efeitos de processos mais

importantes (no caso a extinção) alguns processos comportamentais que talvez

sejam de fundamental importância, como é o caso do que chama de "efeito

emocional". Mais grave, sua formulação deste efeito - simples depressão na

força do reflexo que rapidamente se adapta - parece eliminar, ou pelo menos

enfraquecer, a necessidade de que se investigue tal fenômeno mais


64

sistemática e profundamente. Este aparece como desvio que pode ser corrigido

com a passagem do tempo, pode ser assim quase que eliminados algo que

está ali para atrapalhar e que por isto tem muito mais que ser deixado fora do

caminho do que ser compreendido.

De outro ponto de vista, entretanto, Skinner mais uma vez caminha na

direção de uma descrição genérica do comportamento, uma vez que inclui mais

um processo no seu referencial, e o inclui nos mesmos moldes que havia

proposto. Mais uma aparente variabilidade é explicada, descrita, tornada lei e,

muito importante, subsumida ao mesmo conjunto de leis do reflexo.

Em 1933, no primeiro experimento publicado sobre discriminação, a

mesma tentativa de ampliação do sistema, incluindo no referencial teórico uma

nova noção, aparece na definição da discriminação como um processo que

envolve condicionamento e extinção. Mais importante talvez, do ponto de vista

do que se defende neste trabalho, é o fato da discriminação ser estudada

como um processo. A discriminação é abordada “a partir de seu

desenvolvimento e de suas propriedade”, eliminando, deste modo, o problema

da “capacidade” e, por consequência, da especificaidade do organismo,

garantindo assim a generalidade do dado obtido; a capacidade discriminativa

de organismos diferentes, de espécies diferentes, é certamente diferente, mas

isso não é necessariamente verdade para o processo da discriminação. O que

não fora explicitamente afirmado para o condicionamento, para a extinção o é

agora, em relação a discriminação.

"A maioria dos experimentos que envolvem discriminação estão preocupados


em localizar o limite superior de uma série de estímulos num dado campo
sensorial." (...) "Eles são dirigidos para a medida de uma espécie de
capacidade que pode ser sensorial ou central. O processo de discriminação
entra em tais experimentos apenas como parte de seu método e não é feita
qualquer investigação posterior sobre o próprio processo" (...) No presente
artigo, entretanto, não nos preocuparemos com a capacidade do organismo
65

formar uma discriminação." (...) "Nosso principal objetivo é, ao invés disso,


seguir o curso do desenvolvimento de uma discriminação e determinar, tão
precisamente quanto possível, as propriedades do processo." (1933c, p.303)

Skinner parece aprofundar mais a tentativa de fazer de sua ciência uma

ciência capaz de descrever processos comportamentais que são assumidos

como comuns a todo e qualquer organismo. Procura descrever a lei geral que

permitirá prever e controlar os casos individuais com o simples conhecimento

das condições específicas em que ocorrem. Para desvendar esta lei geral é

necessário agora, no caso da discriminação, inseri-la no seu referencial teórico:

"Numa discriminação estamos interessados em pelo menos dois estímulos, S1


e S2, que possuem propriedades em comum, mas também diferem um do
outro de algum modo significativo. " (...) "No estabelecimento de uma
discriminação ambos os estímulos são primeiro condicionados para eliciar uma
resposta comum (R). Subsequentemente a resposta é reforçada quando
eliciada por S1, mas não é reforçada quando eliciada por S2, de modo que o
reflexo S1 — R permanece condicionado, enquanto que o reflexo S2 — R
declina em força e acaba por desaparecer. Tecnicamente o processo de
discriminação consiste, assim, no condicionamento continuado de um reflexo e
na concomitante extinção de um outro, com os dois reflexos relacionados
através de propriedades de seus estímulos (e através de uma resposta
comum). O fenômeno como observado é, portanto, apenas um caso especial
de extinção e não seria requerido um tratamento separado se a extinção e o
condicionamento continuado pudessem proceder independentemente. Mas não
é este o caso. O reforçamento de S1 — R também afeta a força de S2 — R e
existe um compartilhar inverso da extinção." (1933c, pp.302, 303)
(...)
"Dentro destes limites, as curvas que obtivemos representam o
desenvolvimento de uma discriminação e o processo pode, portanto, ser
descrito tentativamente com uma equação que é logarítmica e contém três
constantes. Já relatamos que a curva tipicamente obtida na extinção original
de um tal reflexo é também logarítmica. Isto é significativo. Indica que os dois
processos são, como dissemos, relacionados, e que na discriminação estamos,
de fato, lidando com o reforçamento continuado de um reflexo e a concomitante
extinção de um outro." (1933c, pp. 331, 332)

A discriminação é portanto definida como processo composto de dois

outros e cujo estudo leva à descrição de seu desenvolvimento nos mesmos

termos da extinção. Mais uma importante "capacidade" dos organismos, de seu

repertório, passa, assim, a ser incorporada ao sistema skinneriano e de modo

que não exclui a possibilidade de que o que é descrito como resultado seja

estendido para outros organismos, em outras situações.


66

Ressalta desta definição, no entanto, uma noção que aparece

explicitamente pela primeira vez: a de reforçamento. Embora Skinner ainda

defina o comportamento como reflexo, começa a apresentá-lo como resposta

(que é eliciada) seguida de reforçamento. A noção de reforçamento parece

quase confundir-se com a de condicionamento - o que é inclusive coerente com

a noção de que o reflexo do Tipo I é apenas fortalecido, já existe no organismo

como reflexo investigatório – no entanto, já prepara novas e importantes

mudanças no sistema. A ênfase na consequenciação do comportamento que

inevitavelmente acompanha a noção de reforçamento permitirá não apenas

que Skinner se liberte da noção de eliciação da resposta, mas também que

possa considerar os organismos como em relação mais dinâmica com o mundo

ao seu redor. A própria noção de estímulo reforçador que virá a seguir é

importante porque alarga a concepção de estímulo, mas também porque

permitirá pensar em estímulos, ou no ambiente, de uma forma mais maleável,

(diferente da noção de um estimulo isolado e especifico como

frequentemente é definido um estímulo eliciador) e que possibilita com mais

facilidade incorporar as complexas situações de estimulação a que estão

submetidos os organismos em geral e especialmente os organismos

complexos. No artigo seguinte, esta ampliação é mais explicitamente afirmada:

"Um estimulo reforçador tem, portanto, dois efeitos distintos. O experimento de


condicionamento tradicional, no entanto, aparentemente sempre se confina a
um deles - o aumento na força - provavelmente porque é a mudança
imediatamente observável. Mas o desenvolvimento da resistência à extinção é
igualmente importante. Na verdade, poder-se-ia argumentar que a extinção é a
única medida adequada do condicionamento, uma vez que se ocupa da
propriedade definidora critica do processo, i.e., a presença ou ausência de um
estimulo reforçador." (1933d, p.420)

A característica mais marcante do condicionamento é agora entendida

como o reforçamento, a consequenciação do comportamento. A extinção passa


67

de simples metodologia que permite abordar o processo de condicionamento

porque é o seu inverso, para metodologia indispensável, uma vez que permite

a manipulação da variável mais importante do processo de condicionamento - o

reforçamento. Este já não mais parece um simples sinônimo de

condicionamento e passa a ser visto como a operação que permitirá o estudo

de um processo comportamental e não de um só momento deste. De outro

ponto de vista, poderíamos interpretar esta ênfase no estimulo reforçador como

também facilitadora da extensão do sistema skinneriano ao comportamento

humano. Ela prepara mais facilmente a noção de operante, mas também, já

aqui, permite entrever que ê mais adequada a um comportamento que

certamente é moldado, na sua maior parte, pelo ambiente.

O estudo de processos como Skinner os vê, no entanto, tende a

privilegiar a tentativa de descobrir nestes a regularidade ou, muitas outras

vezes, de torná-los estados estáveis- No estudo do processo de discriminação

o uso do recondicionamento periódico como meio de obtenção de uma "-força

constante do reflexo", mais especificamente, como meio de obtenção de uma

taxa de eliciação constante, parece confirmar esta preocupação com a

estabilidade, aqui afirmada como simples necessidade metodológica, mas que

mais tarde se tornará, parece, marca do sistema e dos pressupostos,

"Se o recondicionamento é periodicamente repetido em algum intervalo mais


curto do que o comprimento efetivo da curva de ex- tinção para a quantidade
de recondicionamento empregado, as curvas sucessivas continuam a se
somar, até que ocorra uma completa fusão e a força do reflexo permaneça num
valor constante desde que o recondicionamento seja mantido." (1933c, pp.307,
308)
“A medida que o experiemto progride o efeito local de cada recondicionamento
é perdido e o único resultado a ser observado é a manutenção continuada da
taxa constante. E como se o recondicionamento repetido tivesse estabelecido
uma grande reserva que se tornou o principal fator na determinação da taxa e
contra a qual um único reforçamento tivesse pouco efeito. (1933c, p. 322)

A busca de estabilidade e a ênfase na regularidade tornam a técnica do


68

recondicionamento periódico (que mais tarde se desenvolverá no estudo dos

esquemas de reforçamento) relevante no estudo dos processos

comportamentais. Por seu turno, se originam daí interpretações para esta

regularidade, uma vez que Skinner busca a descrição do comportamento como

possibilidade de descrever também as ocorrências futuras e, especialmente,

como possibilidade de descrever quantitativamente estes processos (o que lhe

garantiria mais facilidade na postulação de que tais processos não são

específicos para uma dada resposta, organismo ou situação experimental).

Surge assim uma noção que será utilizada no período: a noção de

reserva. O reforçamento é visto como tendo um efeito quantificável, em termos

de respostas a serem eliciadas no organismo, numa relação estreita com a

noção de um organismo que ainda não é capaz, do ponto de vista de Skinner,

de modelar um novo repertório, um organismo que ainda é compreendido em

termos de reflexo, de simples resposta a um ambiente. Por outro lado, a noção

de reserva permite que se trabalhe com o fato de que respostas de um

organismo que não são mais vistas como eliciadas, do modo como o são no

reflexo do Tipo I, e que não são reforçadas, podem ainda assim ser explicadas.

0 estudo da discriminação, da extinção, do condicionamento, dos efeitos

do reforçamento prosseguirá neste período numa série de outros artigos

durante os anos de 1934, 1935 e 1936. Reaparecem nos anos de 1936 e 1937

dois experimentos sobre 'drive' (Skinner, 1936e; Heron e Skinner, 1937b) e é

publicado um artigo sobre o efeito de drogas no condicionamento e extinção

(Skinner e Heron, 1937d). No artigo de 1936 intitulado Conditioning and

Extinction and their Relation to Drive, Skinner afirma estar dando mais um

passo na construção da ciência do comportamento:


69

“Foi salientado que na descrição do comportamento duas atividades precisam


ser diferenciadas: a demonstração de certas correlações entre partes do
comportamento e partes do ambiente estimulador (que podem ser chamadas
reflexos) e a descoberta das leis que governam seus estados. A segunda
atividade é frequentemente necessária para a primeira, particularmente com
reflexos peculiares ao organismo intato, cujos estados dependem de fatores
relativamente instáveis tais como o ‘drive’, o grau de condicionamento, o
estado de várias ‘emoções’, e assim por diante. A demonstração de uma
correlação válida entre um estímulo e uma resposta implica a disponibilidade
de leis que descrevem mudanças na correlação devidas a tais fatores.” (...)
“Uma vez que é possível expressar a força de um reflexo em qualquer
momento dado como uma função de um conjunto destas variáveis, a descrição
do comportamento deveria se preocupar especialmente com a determinação
do número mínimo a considerar e com suas propriedades. Isto já foi feito num
conjunto de casos simples."
(...)
"Estas investigações iniciais, por razões óbvias, foram confinadas, até onde foi
possível, ao estudo de uma variável por vez. No entanto, ê desejável proceder
a manipulação de duas variáveis assim que isto possa ser feito com razoável
rigor. No presente momento isto poderia ser possível no caso de 'drive',
condicionamento e extinção, uma vez que as propriedades elementares destas
variáveis estão suficientemente bem estabelecidas." (1936d,pp.296, 297)

O programa de investigação anunciado em 1931 é retomado e

reafirmado juntamente com a possibilidade de que a descrição do

comportamento seja aprofundada com o estudo de variáveis em interação. Não

é por acaso que as variáveis escolhidas são estas e, ao lado da. razão

explicitada, é possível que também o que fora anunciado em 1931 esteja sendo

levado em consideração por Skinner. 0 percurso que se iniciou no começo da

década com o estudo do 'drive', para dai se afastar, com um custo que terá

consequências na formulação do sistema skinneriano, é retomado, mas agora

num outro nível. E algumas das conclusões do experimento, que parecem uma

pequena síntese deste sistema são, logo a seguir formuladas:

"Já foi salientado que a curva de extinção é a medida adequada do efeito do


condicionamento. Condicionamento pode ser descrito como a criação de um
certo número de respostas potenciais que mais tarde são observadas sem
reforçamento adicional. 0 número com que um reforçamento contribui para a
reserva total é a razão de extinção, que varia com o tipo ou condição de
reforçamento. Uma suposição que pode ser feita sobre a taxa de eliciação
durante a extinção é que ela é proporcional ao, ou alguma função simples do,
número de respostas ainda por eliciar. Agora, o efeito de uma mudança no
'drive' pode ser modificar, ou a relação entre a taxa e o número de respostas
ainda por eliciar, ou o efeito da falta de reforçamento." (...) "a suposição de que
70

a relação da taxa com o número de respostas ainda por eliciar é modificada por
mudanças no 'drive' está de acordo com os presentes resultados. De acordo
com esta visão, um certo número de respostas, determinado por
condicionamento anterior, será observado na curva de extinção, não importa
qual seja o 'drive'." (...) "quanto menor o 'drive', menor a taxa inicial na
extinção, mas mais lento o declínio na taxa." (1936d, pp.308, 309)

Nesta data Skinner define o condicionamento em termos de

reforçamento e de criação de uma reservas a extinção transformou-se em

medida privilegiada do condicionamento no sentido de que só assim é possível

medir a reserva. O reforçamento é medido por seus efeitos sobre a mesma

reserva e a motivação do organismo assume o que se poderia considerar uma

função realmente secundária considerando que a razão de extinção não é

afetada pelo 'drive'. Skinner elaborou uma concepção de comportamento (ou

seria de resposta?) em que o organismo parece se preparar para o futuro: o

condicionamento entendido como pareamento de reflexos deu lugar a uma

concepção de condicionamento como construção de um estoque de respostas.

Nesta concepção certamente o papel do estimulo eliciador foi modificado e o

papel do estimulo reforçador parece ser deslocado para um momento que não

é aquele observado durante a emissão do comportamento. Os organismos se

comportariam de modo quase que inexorável, pelo menos por um determinado

período (enquanto perdurar a reserva), quase que independentemente das

condições imediata, pelo menos no que é essencial.

Tal concepção, se aqui ê corretamente interpretada, abre espaço para a

possibilidade de previsão do comportamento; por outro lado, dificulta uma

concepção de organismo em que as variáveis ambientais efetivamente em

operação (a não ser no condicioanamento) num dado momento são realmente

relevantes. Talvez isto pudesse se constituir numa aparente vantagem quando

da descrição dos organismos complexos em situações também complexas


71

mas, na verdade, acaba por pelo menos atrasar a análise de algumas

variáveis importantes na determinação do comportamento, como a emoção e

a motivação.

Outro desenvolvimento importantíssimo do sistema skinneriano deste

período pode ser acompanhado em alguns dos artigos publicados nos anos de

1935 e 1937. Trata-se do desenvolvimento da concepção de comportamento

operante. 0 primeiro passo nesta direção já fora dado quando da distinção dos

reflexos do Tipo I e II. A postulação do comportamento operante, entretanto,

marcará profundamente o sistema e ampliará enormemente a possibilidade de

extensão ao comportamento humano.

A noção de classes é fundamental para esta concepção. Mas, a defesa,

em 1935(a) , de certa forma já anunciada em 1933 (d) , do reflexo como

correlação de classes de resposta e classes de estimulo, também pode ser

interpretada (além, segundo Coleman em 1984, de uma possível mudança

epistemológica do nominalismo para o realismo) como facilitadora da inclusão,

na ciência, de comportamentos sujeitos a variabilidade tal, que até então não

tinham podido ser abarcados pela ciência, e que não principalmente os

comportamentos mais característicos de organismo complexos – inclusive o

homem.

Ao optar, em 1935, pela noção de reflexo como correlação de classes,

Skinner está claramente garantindo a sua aplicabilidade aos organismos intatos

e aos organismos complexos – está eliminando a aparente variabilidade, que

neles se encontra, e transformando-a em leis.

(...) “o reflexo é um termo genérico. Isto quer dizer que o ‘estímulo’ e a


‘resposta’ que entram numa dada correlação não são idetificados com
isntâncias particulares que aparecem em alguma determinada ocasião,
mascom classes de tais instâncias.” (...)
“Esta é talvez a característica mais importante da definição. liberdade do
72

requisito de completa reprodutibilidade alarga imensamente nosso campo de


operação." (...) "Em particular, o comportamento do organismo intato é tornado
passível de estudo com uma precisão comparável a da preparação espinhal
clássica," (1935a, p.473)

Deste modo, não apenas é possível descobrir a lei que rege instâncias

aparentemente díspares e independentes da atividade do organismos Skinner

afirma que estas leis serão do mesmo tipo daquelas encontradas pela

fisiologia, no sentido de serem leis naturais, leis que descrevem precisamente o

fenômeno. 0 projeto de uma ciência do comportamento capaz de descrever

todos os comportamentos ê assim fortalecido. Mais que isto, ao defender a

natureza genérica de estímulos e respostas, Skinner afirma:

"Por razões que serão brevemente notadas, a existência de um termo popular


cria alguma suposição em favor da existência de um conceito
experimentalmente real correspondente. Mas isto não nos libera da
necessidade de definir a classe e de demonstrar a realidade, se o termo for
usado para propósitos científicos.
(...) "Esta restrição ao uso do vocabulário popular pelo behaviorismo
frequentemente não é sentida porque a legitimidade parcial do termo popular
usualmente resulta em alguma consistência experimental." (...)
"Estamos aqui muito próximos de um problema de epistemologia que é
inevitável numa campo deste tipo. Já que a relação do organismo com o
ambiente, que ê nossa preocupação primeira, deve, supostamente, incluir o
caso especial da relação do cientista com seu objeto de estudo. Se, com o
tempo, observamos uma extensão geral bem sucedida de nossos métodos,
devemos supor estarmos descrevendo uma atividade da qual o próprio
descrever é uma manifestação. E necessário levantar este ponto
epistemológico para explicar porque os termos populares tão frequentemente
referem-se ao que mais tarde se descobre serem entidades experimentais
reais. A razão é que tais termos são eles mesmos respostas de um tipo
genéricos são respostas da população da qual o experimentador é um
membro. Consequentemente, quando o organismo investigado lembra de perto
o homem (por exemplo, quando é um cachorro) o termo popular pode ser muito
próximo da entidade experimentalmente real." (Grifo meu) (1935a, pp.474,
475).

Não apenas a extensão ao próprio homem é claramente assumida no

que diz respeito á possibilidade da ciência do comportamento solucionar os

problemas humanos. Mais que isto, Skinner assume claramente a função

epistemológica que defenderá para sua ciência - ela tende a se transformar em

ciência das ciências, em ciência que permite a compreensão do próprio


73

processo de produção de conhecimento, da própria atividade cientifica;

característica que será tão relevante em 1948 e 1953, quando explicitamente

discute o homem, a sociedade e o papel da ciência do comportamento em sua

transformação.

Também relevante é o fato de que Skinner afirma claramente a

concepção de que as leis que regem as interações dos organismos com o

ambiente ao seu redor não são qualitativamente diferentes para organismos ou

situações específicas; pelo contrário, essencialmente as mesmas leis

explicariam a complexa interação do cientista com seu objeto de estudo, ou as

relações estudadas em laboratório. De maneira contundente, se confirma,

assim, mais uma vez, a hipótese da preocupação de Skinner com a construção

de um sistema explicativo que englobe o comportamento humano - em toda

sua extensão.

Outro passo fundamental no desenvolvimento do sistema skinneriano e

na sua extensão ao comportamento humano é dado pela postulação de dois

tipos de reflexo em 1935(b) e do operante em 1937 (a). Embora com diferenças

importantes, nestes momentos se amplia a possibilidade de uma ciência do

comportamento para os organismos complexos — e o homem. Nestes dois

momentos de formulação de seu sistema, Skinner estaria (ou efetivamente

estava) revolucionando a ciência do comportamento, não apenas porque

descobriu um novo princípio, mas porque agora seria plenamente possível

subsumir todo e qualquer comportamento a leis científicas. Em 1935(b)

(artigo que, segundo Coleman, 1984, é concomitante a 1935(a)), Skinner

propõe dois tipos de reflexos e dentre as suas diferenças salienta:

"No Tipo I" (...) "o reflexo-a-ser-condicionado deve ser eliciado ao menos uma
vez como reflexo 'investigatório' incondicionado." (...) "No Tipo I o estado do
74

reflexo é 'condicionado' pela ocorrência da sequência reforçadora, mas sua


existência não é". (...) "não é um mecanismo para aumentar o repertório de
reflexos" (1935b, pp.481, 482)

Quando em 1932 Skinner propôs pela primeira vez dois tipos de reflexo

afirmava que no reflexo do Tipo II (agora Tipo I) "dois reflexos eram

encadeados experimentalmente, mantendo-se nesta relação". Agora seu

condicionamento se dá pelo reforçamento. Embora ainda suponha a pré-

existência do reflexo no organismo incondicionado, este é visto como uma

unidade - e não mais como uma cadeia de dois reflexos – e como sendo

fortalecido por uma consequência que está no ambiente — e não como simples

construção experimental. E como se uma relação mais dinâmica entre o

organismo e o ambiente fosse agora assumida. E embora neste momento

Skinner ainda assuma o organismo como um conjunto de reflexos num certo

sentido já pronto, com a postulação do reflexo de Tipo I assume, já, o estímulo

incondicionado como parte da situação geral de estimulação — e não mais

como um estimulo eliciador específico -, preparando, não apenas a noção de

operante – comportamento emitido - mas também, preparando, talvez, a noção

de que o ambiente e suas influências sobre o organismo complexo mantêm

uma relação que não é simples com o organismo: pelo menos três diferentes

funções de estímulo são implicitamente assumidas; estimulo eliciador, estímulo

discriminativo e estimulo reforçador. Ainda neste momento, Skinner discute a

possibilidade, e nega-a, de reduzir os dois tipos de reflexo a um (ao Tipo I), e

apresenta mais uma distinção importante entre eles, que também indica a

complexificação por que vem passando sua concepção de organismo e de sua

relação com o ambiente:

"A essência do Tipo II é substituição de um estímulo por outro, ou, como Pavlov
afirmou, sinalização. Ele prepara o organismo, obtendo a eliciação de uma
resposta antes que o estímulo original tenha começado a atuar, e o faz
75

deixando que qualquer estímulo que tenha acidentalmente acompanhado ou


antecipado o estímulo original atue em seu lugar. No Tipo I não há substituição
de estímulos e consequentemente não há sinalização. O Tipo I atua de outra
forma: o organismo seleciona de um grande repertório de reflexos
incondicionados aqueles cuja repetição é importante em relação a certas
funções elementares e descarta os não importan- tes. A resposta condicionada
do Tipo I não prepara para o estimulo refoçador, ela o produz. O estimulo-a-
ser-condicionado nunca é, em qualquer sentido, acidental.
O Tipo I desempenha o papel mais importante. Quando um organismo se
depara acidentalmente com um novo tipo de comida (isto é, como resultado de
fracos reflexos investigatórios) que ele ingere presumivelmente ocorrem os
dois tipos de condicionamento. Quando, da próxima vez, a radiação visível da
comida estimular o organismo, a salivação será evocada de acordo com o
paradignma II. Esta secreção permanece inútil até que a comida seja
realmente agarrada e ingerida. Mas agarrar e comer dependerão dos mesmos
fatores acidentais de antes, a não ser que o condicionamento do Tipo I
também tenha ocorrido" (...) "assim, enquanto que um reflexo do Tipo II
prepara o organismo, um reflexo do Tipo I obtém a comida para a qual a
preparação é feita. E esta é, em geral, uma caracterização correta da
importância relativa dos dois tipos" (1935b, pp.487, 488)

Percebe-se claramente como a diferenciação entre os dois tipos de

reflexos poderia permitir explicar mais facilmente o comportamento dos

organismos complexos: apesar de Skinner ainda considerar o organismo como

mais ou menos pronto, um organismo que apenas escolhe de um reservatório

de reflexos, já pressupõe e, mais importante talvez, valoriza, a produção do

estimulo reforçador - ou seja, a transformação do ambiente - como forma de

garantir a sobrevivência necessária especialmente para os organismos não

especializados biologicamente. Se o organismo ainda é simples e passivo - do

ponto de vista de não criar reflexos — se ainda é simples reflexo — no sentido

de responder reflexivamente - já é um organismo ativo no sentido de produzir

seu ambiente, produzir para satisfazer suas necessidades; um dado inegável

nos organismos complexos, especialmente no homem.

A noção de reforçamento, de consequenciação do comportamento,

como relação definidora do comportamento é fundamental para que se

desenvolva a concepção de operante e em 1936, ao criticar o conceito de

inibição, percebe-se que Skinner mais uma vez enfatiza o reforçamento:


76

(...) "um reflexo, originalmente de baixa força, é fortalecido pelo reforçamento e"
(...) "através da falta de reforçamento, sua força retorna ao valor original." (...)
"Obviamente, não é uma concepção econômica ver todos os possíveis reflexos
condicionados como pré-existentes no organismo, num estado de estabilidade
reprimida." (1936a, p.129)

Dois aspectos chamam a atenção aqui: mais uma vez, o reforçamento

pode ser visto como o fortalecimento da noção de que o ambiente, como

consequência do comportamento do organismo, também interfere neste

organismo. Em segundo lugar, a crítica à noção de que os reflexos

condicionados pré-existem prontos prepara para mais um salto; não apaenas

para uma nova formulação do comportamento, mas também para uma nova

concepção de organismo que é muito mais compatível organismo complexos.

Assim, este trecho parece fortalecer a hipótese de que as leis que Skinner

vinha formulando seriam aplicavéis aos organismos complexos: estes

dificilmente poderiam exibir tamanha variabilidade, individualidade e tamanho

repertório, caso já tivessem seus comportamentos aprendidos, num certo

sentido dados, na forma de reflexos incondicionados.

Em 1937, Skinner finalmente identifica o comportamento operante e o

respondente. Define o condicionamento como a apresentação de um estimulo

reforçador numa dada relação temporal (contingência) com o comportamento.

"Suponha o condicionamento definido como uma espécie de mudança na força


do reflexo, onde a operação executada sobre o organismo para induzir a
mudança é a apresentação de um estimulo reforçador numa certa relação
temporal com o comportamento." (...) "Surgem diferentes tipos de reflexos
condicionados porque um estimulo reforçador pode ser apresentado em
diferentes tipos de relações temporais. Há dois casos fundamentais: em um o
estimulo reforçador é correlacionado temporal mente com uma resposta e em
outro com um estimulo. No lugar de 'correlacionado com', podemos escrever
'contingente a'." (1937a, p-49O)

Sua formulação parece, aqui, mais molar e mais ampla, embora

permaneça apenas a relação temporal como importante (denotando o

problema do reflexo como modelo?), e embora Skinner defina o


77

condicionamento ainda em termos de uma correlação entre resposta e

estimulo. No entanto, esta correlação exige termos menos específicos agora. A

contingência - do estimulo reforçador com uma resposta, ou com outro estimulo

- que define os dois tipos de reflexos condicionados e o fato de não mais se

exigir uma correlação entre reflexos (no caso do operante), ou um estimulo

especifico antecedendo o comportamento permitem a Skinner afirmar:

"E necessário o reconhecimento do fato de que no organismo incondicionado


podem ser distinguidos dois tipos de comportamento. Primeiro, há o tipo de
resposta que é dada à estimulação especifica, onde a correlação entre
resposta e estimulo é um reflexo no sentido tradicional. Eu me referirei a tal
reflexo como um respondente e usarei o termo também como um adjetivo ao
referir-me ao comportamento. Mas há também um tipo de resposta que ocorre
espontaneamente, na ausência de qualquer estimulação com a qual possa
ser especificamente correlacionada. Não precisamos ter uma ausência
completa de estimulação para demonstrar isto. Não significa que não
possamos encontrar um estimulo que eliciará tal comportamento, mas sim, que
nenhum está operando no momento em que o comportamento é observado. E
da natureza deste tipo de comportamento que ele poderia ocorrer sem um
estimulo eliciador, embora estímulos discriminativos sejam praticamente
inevitáveis após o condicionamento Não é necessário assumir unidades
identificáveis especificas anteriores ao condicionamento, mas através do
condicionamento elas podem ser estabelecidas. Eu chamarei tal unidade um
operante e o comportamento em geral, comportamento operante" (...) "Todos
os reflexos condicionados do Tipo R são, por definição, operantes, e todos do
Tipo S, respondentes; mas a distinção operante - respondente é mais geral já
que se estende também ao comportamento incondicionado." (1937a, pp-491,
492)

Como Coleman (1981) ressalta, chama a atenção que o operante seja

caracterizado aqui pela espontaneidade aparente da resposta. Isto, no entanto,

não significa que não se reconheça a importância da estimulação antecedente,

ou mesmo a possibilidade de se descobrir regularidade e unidade no operante.

Significa apenas que se reconhece que mesmo o comportamento que não é

eliciado, que não depende de um estimulo antecedente especifico é submetido

a lei e tem, portanto, uma regularidade que pode ser descoberta e expressa - e

isto é fundamental porque este tipo de comportamento é o comportamento

típico dos organismos complexos.


78

Também é extremamente relevante que Skinner reconheça que os dois

tipos de comportamento não são simples fruto de diferentes operações

experimentais que poderiam ser aplicadas a qualquer reflexo incondicionado,

gerando assim diferentes reflexos condicionados. E como se aqui, finalmente,

Skinner reconhecesse duas naturezas diferentes de comportamento, dois tipos

de repertórios nos organismos- Ambos sujeitos a leis naturais e passíveis de

serem estudados, mas cada um deles, não apenas com diferentes papéis em

relação à sobrevivência dos organismos, mas também sujeitos a leis próprias.

(...) "o tratamento da barra como eliciando uma resposta incondicionada


demonstrou-se inconveniente e impraticável" (...) "e a introdução da noção de
operante esclarece muitas dificuldades"
(...) "ela elimina a suposição implausível de que todos os reflexos em última
instância condicionados de acordo com o Tipo R possam ser ditos como
existindo como unidades identificáveis no comportamento incondicionado, e a
substitui pela noção mais simples de que todas as respostas operantes são
geradas de material indiferenciado." (1937a, p.492)

Nestes trechos, além de assumir a produção do ambiente, a

transformação do ambiente sobre o organismo, pela consequência à resposta,

a não necessidade de um estímulo eliciador, Skinner parece estar avançando

no sentido de não mais defender a simples escolha (como que de um baú) dos

reflexos incondicionados já existentes no organismo para gerar comportamento

condicionado. Este passo pode parecer pequeno, mas é um passo imenso

supor, agora, a existência de reflexos condicionados operantes a partir de

material indiferenciado porque aumentam enormemente as possibilidades de

repertório de um organismo. Mais uma vez, abrem-se caminhos na direção da

explicação do comportamento dos organismo cmplexos – já que agora suas

diferenças individuais, sua sofisticação, também podem ser explicadas com a

possibilidade de se criar, gerar, reflexos condicionados operantes, que não são

apenas escolhidos de material já dado.


79

Com a tese de que os operantes são gerados a partir de material

indiferenciado, mais uma vez se introduz no campo da ciência natural – e da

ciência do comportamento – algo até então praticamente fora dele: o

comportamento claramente aprendido, complexo, individual, espontâneo, típico

dos homenspode ser explicado. Associada à noção de consequenciação, as

complexas atividades humanas poderão se despir de sua aparente finalidade;

a produção humana não mais precisará ser vista como originada pela vontade,

espontaneidade, ou criatividade. O ambiente pode deixar de ser tão

molecularizado a fim de que se descubra o que detona comportamentos -

reflexos - específicos. Tudo isto exigiria uma nova metodologia de investigação,

e Skinner afirma:

"O comportamento operante não pode ser tratado com a técnica desenvolvida
para respondentes (Sherrington e Pavlov) porque na ausência de um estimulo
eliciador muitas das medidas da força do reflexo desenvolvidas para
respondentes são sem significado." (...) "Alguma outra medida deve ser usada
e da definição de operante é fácil chegar á taxa de ocorrência da resposta-
Esta medida mostrou-se significativa num grande número de mudanças
características na força." (1937a, p.493)

Assim, Skinner transforma o que havia proposto como a medida do

reflexo quando ainda o identificava com o que aqui chama de respondente,

como a medida privilegiada do operante. Deste modo, os dados que acumulou

podem ser reinterpretados à luz desta nova formulação teórica, o que Skinner

fará em 1938- Por seu turno, pelo menos tão importantes como os dados -

tomados como medidas plenamente objetivas por Skinner - que acumulou, são

as formulações teóricas que foram sendo produzidas. Nesta direção, parece

que a postulação de que todo comportamento é reflexo, seguida da

diferenciação do operante e do respondente, e aprofundada pela noção de que

reflexos são condicionados a partir de material indiferenciado, não apenas

permitirão a Skinner seguir em seu programa de pesquisas como proceder a


80

uma sistematização. Neste programa e na consequente sistematização –

diferentemente da pesquisa reflexológica – a topografia da resposta não será

tão importante; fundamental será a investigação da resposta em sua relação

com o ambiente a sua volta - mesmo que seja apenas a consequência

imediata - e a investigação do que é aprendido, e não a investigação do que é

inato. Deste modo, Skinner abre caminho para concretizar uma ciência do

comportamento que é genérica e aplicável também aos organismos mais

complexos, como é o caso do homem.

No percurso feito até aqui se tentou desvendar no corpo central da obra

de Skinner, entre 1930 e 1937, alguns dos passos que são indicativos de uma

preocupação com o homem, no sentido da construção de um sistema que

fosse genérico e que pudesse ser aplicado a todo comportamento, de todos os

organismos. Mas também é indicativo de que no período entre 1931 e 1938

Skinner estaria se preparando, ou mesmo construindo, um sistema que teria

como objetivo a descrição - entendida como previsão e controle — do

comportamento humano, o fato de que em dois de seus mais importantes

artigos do período - 1935 (a) e 1937(a) - o autor exemplifica com o homem

teses que defende. Ressalta como possivelmente relevante que os exemplos

de que se utiliza são do cotidiano e não de laboratório, e que um deles diz

respeito a comportamento verbal - que além de sua complexidade é

caracteristicamente humano, o que o torna um exemplo que não poderia ser

senão sobre o homem. Também digno de nota nestes exemplos é a ênfase de

Skinner no fato de que a topografia da resposta não é importante para

diferenciar o operante de um respondentes com isto, mais uma vez, Skinner

deixa clara sua compreensão do comportamento como mutável e mais


81

complexo do que a forma como aparece, sua concepção de que cabe à ciência

desvendar, através de seu método, as leis que regem os fenômenos.

Mais ainda, a afirmação de 1935 (a) de que a relação do cientista com

seu objeto de estudo faz parte do campo de investigação de uma ciência do

comportamento prenuncia a tese de que a ciência do comportamento

esclarecerá, inclusive, os aspectos epistemológicos e lógicos do fazer ciência.

E pode-se, talvez mais facilmente, concluir que indubitavelmente Skinner já

acreditava que uma ciência do comportamento teria que descrever, não apenas

o comportamento humano nos seus aspectos mais obviamente simples ou

mecânicos, mas também o comportamento humano naquilo que tem de

aparentemente mais complexo, sofisticado e único.

Três artigos de Skinner pouco conhecidos, publicados neste período,

merecem comentário. O primeiro deles, de 1934, sobre a obra literária de

Gertrudes Stein, poderia ser assumido como trabalho de crítica literária à parte

da obra de Skinner. Entretanto, não por acaso, foi republicado em Cumulative

Record. No artigo, Skinner critica parte da obra de Stein argumentando que se

trata de trabalho que carece de sentido e que é produto de uma tentativa

experimental de produzir escrita automática. Embora distante do referencial

teórico em que vinha trabalhando, parece importante que Skinner tenha

publicado o trabalho, no que poderia ser uma demonstração de seu interesse

pelo comportamento humano, mesmo que fosse um interesse herdado do

tempo em que pretendia tornar-se escritor.

Mais importante para aquilo que aqui se defende são os artigos de 1936

e 1937, respectivamente, The Verbal Summator and a Method for the Study of

Latent Speech e The Distribution of Associated Words. Em sua auto-biografia


82

Skinner afirma que desde a década de 30 estivera interessado no

comportamento verbal e se dedicava a escrever um livro sobre o tema que

acabou por ser publicado apenas no final da década de 50. Não fica claro,

entretanto, quão profundo era seu envolvimento com o tema. Mas, a simples

existência destes artigos (acompanhados de mais alguns que aparecerão

depois de 1938) já indica que a preocupação de Skinner com o homem existia,

inclusive como preocupação de explicar aquilo que de mais característico tem

seu comportamento: a linguagem.

Dentre os artigos deste período, The Verbal Summator and a Method for

the Study of Latent Speech parece especialmente relevante. Nele Skinner

descreve um equipamento que reproduz sons e que é usado como estimulação

para que indivíduos emitam respostas verbais, enfatizando que poderia

funcionar como uma espécie de teste projetivo. O que é importante são alguns

dos argumentos que Skinner usa para justificar o equipamento. Logo no inicio

do artigo, numa nota, afirma:

“Parece aconselhável fazer a maior parte dadescrição <do equipamento e


resultados> nos termos vagos, mas familiares, comumente usados na
discussão da linguagem. Uma formulação muito mais rigorosa está disponível
na terminologia do reflexo, mas seria praticamente inacessível para muitos que
podem considerar útil o material. Gostaria de dizer, entretanto, que o aparato e
procedimento foram planejados para testar o ‘summator’ depois de se chegar
teoricamente ao estabelecimento de um sistema para lidar com a linguagem
puramente como comportamento” (...) (1936f, p. 71)

O que Skinner parece estar afirmando em 1936 é que: entende a

linguagem como comportamento, que dispõe de um sistema para explicá-la, e

que o equipamento apresentado é tecnologia derivada deste sistema teórico. É

possível argumentar que neste momento Skinner ainda não dispunha de uma

explicação sistemática do comportamento humano, e do comportamento

verbal, entretanto não mais é possível argumentar que não considerasse esta
83

uma tarefa de sua ciência, ou que não tivesse em vista esta perspectiva, ou

ainda que não supusesse que, no seu essencial, a explicação de que

dispunha para o comportamento até então se aplicava ao comportamento

humano e ao comportamento verbal. No decorrer do artigo isto se confirma de

várias maneiras. Skinner afirma sobre a linguagem:

"Um 'vocabulário' não existe num estado uniforme de força <num indivíduo>.
Uma resposta verbal pode ser tão fraca de modo a ser evocada por seu
estimulo adequado apenas depois de um considerável intervalo de tempo,
como quando temos dificuldade de lembrar um nome." (...) " Uma ciência do
comportamento verbal deve lidar com as condições da fala latente" (...) (1936f,
p.72)

E surpreendente: Skinner parece não apenas afirmar a necessidade de

uma ciência do comportamento verbal, como explica o comportamento verbal

em termos do reflexo, a variabilidade em termos de força e assume inclusive o

comportamento encoberto (a fala latente) como fenômeno que faz parte de seu

campo de estudo e que é descrito pelo mesmo conjunto de leis do

comportamento manifesto. Entretanto, prosseguindo na argumentação que

justifica o 'summator' (8), talvez se esclareça, em parte, porque Skinner

demorou tantos anos para publicar seu livro sobre comportamento verbal:

"O 'summator' é baseado em dois princípios familiares do comportamento não


verbal, que podem ser estendidos sem problema ao campo verbal. (a) Seja
como mecanismo inerente, seja como resultado de uma forma muito comum de
condicionamento anterior, possuímos reflexos imitativos." (...) "certos tipos de
estímulos (e o principio não é aplicável a todos) frequentemente evocam
respostas que tem formas semelhantes." (...) "(b) 0 segundo princípio é o da
somação. Duas respostas com a mesma forma somam-se; e, se cada uma é
sub-liminar em força, a somação pode resultar na evocação de uma resposta."
(1936f, pp.72, 73)

A explicação do comportamento verbal parece atrasada em relação ao

resto de seu sistema. Parece muito mais fundada numa concepção de

comportamento respondente e naquilo que o próprio Skinner chamou de leis

primárias do reflexo. Por outro lado, isto pode ser uma indicação adicional de

que quando Skinner propôs, no inicio da década, o estudo do reflexo como


84

objeto de estudo de uma ciência do comportamento, realmente supunha que

um sistema dai desenvolvido seria capaz de explicar o comportamento

humano. O fato de que agora, ao analisar o comportamento verbal, pareça não

poder acompanhar as modificações que foram sendo produzidas em sua

explicação do comportamento possivelmente é, muito mais, fruto da

metodologia que privilegiou, da falta de experimentação com sujeitos humanos,

do que uma impossibilidade real de suas pretensões. O que o artigo parece

mostrar é que, mesmo as dificuldades enfrentadas na explicação do

comportamento verbal em termos de reflexo, revelariam a importância que

Skinner atribuía, já então, a este tipo de comportamento. Possivelmente estas

dificuldades, à medida que surgiram, e talvez só pudessen se expressar se

fosse tentada a análise do comportamento verbal como reflexo, tenham

atrasado a publicação do livro Verbal Behavior. A pergunta que se pode

formular é se este não teria se atrasado ainda mais, caso este esforço não

tivesse sido feito desde tão cedo. De qualquer ponto de vista que se analise,

entretanto, este artigo e o de 1937 são importantes na direção da hipótese que

aqui se levantou.

Considerado tudo que aqui se argumentou, a impressão que se tem é

que ao final destes anos Skinner, embasado em uma proposta de trabalho, em

um conjunto de dados experimentalmente obtidos e em algumas importantes

noções teóricas, estava pronto para apresentar uma síntese, para sistematizar

sua produção, e para propor que tal sistema se constituísse numa descrição

do comportamento dos organismos, cumprindo a etapa final do projeto qie se

propusera em 1931
85

Uma proposta sistemática também para o homem – 1938.

Com a publicação de The Behavior of Orqanisms., em 1938, Skinner dá

um passo definitivo na constituição de sua ciência - realiza uma sistematização

que lhe permite explicar o comportamento de organismos como um todo. Se

esta sistematização veio sendo construída ao longo dos anos 30,

indiscutivelmente, neste momento, assume contornos que lhe são próprios,

tanto do ponto de vista de se tratar de um conjunto agora articulado de

princípios, pressupostos e leis, como do ponto de vista de se tratar de uma

proposta que se aplicaria aos organismos. Como já tem sido amplamente

discutido, Skinner intitula seu livro, não por acasos teria pretendido deixar claro

que se tratava de um sistema genérico não aplicável apenas á espécie - o rato

branco - que lhe havia servido de sujeito (9) .

Uma vez que os dados apresentados no livro são, na sua imensa

maioria, uma reprodução dos artigos até aqui analisados e as formulações

teóricas não diferem, no seu essencial, do que foi sendo proposto no decorrer

dos anos anteriores, trata-se, então, de discutir se esta pretendida

generalidade se aplicaria ao mais complexo dos organismos - o homem, a

partir de uma análise mais geral do livro. Ao final de seu texto, já nas

Conclusões, o autor afirmas

"O livro representa nada mais que uma análise experimental de uma amostra
representativa do comportamento. Extrapole quem quiser extra- polar. Se, ou
não, a extrapolação se justifica não pode ser decidido no momento." (1938,
p.442)

Esta parece ser uma declaração que deixa em suspenso a questão,

que só poderia ser respondida no futuro. No entanto, além de em outros

momentos (1948c, 1977) ter afirmado que estava, já aqui, fazendo suposições
86

e generalizações, talvez mais relevante é que no próprio texto encontram-se

pistas que confirmam não apenas a possibilidade concreta de se "extrapolar"

para o comportamento humano com razoável segurança, mas também a

possibilidade de se entrever que a preocupação última do sistema apresentado

era de ser um sistema adequado para explicar o comportamento inclusive do

homem.

Assim, imediatamente antes de afirmar que não lhe cabe generalizar

para o homem, Skinner afirma:

“A importância de uma ciência do comportamento deriva, em grande medida,


da possibilidade de uma consequente extensão aos problemas humanos.”
(1938, p. 441)

E embora prossiga dizendo que tal questão não deveria atropelar a

investigação sistemática e cuidadosa de uma ciência experimental, parece

estaria sinalizando seu compromisso mais importante – o de construir uma

ciência que revele as leis que regem o comportamento humano e permita,

assim, resolver os problemas humanos. Esclarecedora desta interpretação é a

afirmação, logo no ínicio do livro:

“A necessidade de uma ciência do comportamento deveria ser clara para


qualquer um que olhe à sua volta para o papel do comportamento nos
problemas humanos. Na verdade, a necessidade é tão óbvia e tão grande que
agiu para desencorajar, ao invés de estimular, o estabelecimento desta ciência.
Em grande parte, é por causa de suas tremendas consequências que um
tratamento rigoroso do comportamento ainda é visto, em muitos lugares, como
impossível.” (1938, p.5)

Skinner afirma a necessidade de uma ciência que descreva o

comportamento humano, mas afirma também algo que se tornará marcante em

sua perspectiva: afirma-a também como via de solução dos problemas

humanos. Tal ciência, especial e específica, - uma ciência do comportamento -

não por acaso, é a que escolheu desenvolver. Tratar-se-ia de propor e

desenvolver uma ciência que abarcasse fenômenos que jamais puderam ser
87

abordados pela ciência e esta possibilidade é identificada com um "rigoroso

tratamento do comportamento", nada além do que Skinner estivera buscando.

Também deste ponto de vista é que o livro de 1938 poderia ser visto como um

momento de sistematização. O que se iniciara em 1931, com uma proposta

para (um programa de pesquisas) uma ciência cujo objeto de estudo era o

reflexo, apresenta-se alguns anos mais tarde como uma ciência já constituída,

baseada em algumas das leis fundamentais do comportamento. Certamente

esta síntese traz mudanças em relação à proposta original, mas também

certamente estas diferenças podem ser interpretadas como o corolário

necessário da ciência - para Skinner, baseada sempre nos dados e não em

hipóteses - e são, neste sentido, a demonstração de seu vigor.

No entanto, caberia levantar outros aspectos que parecem referendar a

suposição de que, se Skinner ainda não afirma explicitamente que o sistema

que apresenta neste momento é explicativo também do homem, pelo menos

deixa implícita a possibilidade de que assim se o considere.

A amplitude e a generalidade que porventura são atribuídas à proposta

feita (aspectos já considerados importantes na análise do desenvolvimento

anterior do sistema skinneriano), poderiam fortalecer esta suposição e, deste

ponto de vista, chama a atenção a estrutura que Skinner dá ao livro e o titulo

de seu primeiro capítulo.

Quanto à estrutura, não se poderia pensar como irrelevante a discussão,

nos dois primeiros capítulos do livro, da concepção de ciência, de método e de

metodologia que nortearam as pesquisas e que norteiam as conclusões; a

importância de uma ciência do comportamento, suas características básicas e

sua estrutura conceituai e metodológica são afirmadas de modo contundente.


88

Skinner não se furta, e parece querer mesmo enfatizar, que está construindo

uma ciência de um certo locus filosófico - epistemológico. Parece saber, e

assumir, as consequências metodológicas que isto traz, e entende que são

estas características que lhe permitirão explicar seu objeto de estudo. Pelo

menos deste ponto de vista, parece que Skinner realmente pretende

apresentar a ciência do comportamento não apenas como um conjunto de

dados esparsos, mas como uma proposta que envolve, além de um conjunto

de conceitos e dados empíricos, uma concepção geral de mundo e de

conhecimento, como ê próprio de uma ciência.

O título do primeiro capitulo do livro também pode ser interpretado a luz

da suposição de que se trata de uma tentativa de propor mais que relatos de

pesquisas e conclusões parciais e iniciais que le- variam eventualmente a uma

ciência do comportamento. Skinner o chama "Um Sistema de Comportamento".

Segundo o dicionário Webster, há vários significados da palavra sistema.

Dentre eles ressalta-se: "A estrutura ou todo formado pelos princípios ou fatos

essenciais de uma ciência ou ramo do conhecimento ou pensamento; um

conjunto de ideias, teorias, ou especulações arranjados de forma metódica ou

organizada". Se, e esta é uma suposição plausível dada a sofisticação de

Skinner como escritor e sua crença na importância de que em ciência se utilize

um vocabulário preciso, a escolha da expressão "sistema de comportamento"

foi uma escolha deliberada, ela tem, então, um peso considerável. Skinner

estaria apresentando e explicitando desde o inicio de seu livro "a estrutura", "os

princípios", "os fatos essenciais" de uma ciência- Teria a oferecer, já nesta

data, um corpo de conhecimentos, de tal forma organizado e coerente, que já

poderia ser chamado um sistema, que se constituiria num todo articulado,


89

numa explicação abrangente de seu objeto - o comportamento.

Depois de apresentar seu sistema e seu método (capítulos 1 e 2),

Skinner passa a apresentar os conceitos que compõem o sistema. Discute

condicionamento, extinção, recondicionamento periódico, discriminação,

funções de estimulo, diferenciação e drive, percorrendo os experimen- tos que

realizou neste período; com a diferença que agora apresenta-os tendo em vista

a tentativa de uma descrição global do comportamento e das variáveis de que

é função.

A descrição do comportamento, que seria feita através deste conceitual,

tem como objetivo explicar, o que não se confunde com um mero compreender.

Skinner não busca descrever no sentido mais lato da palavra, mas descrever,

no sentido de descobrir leis, de prever e de controlar seu objeto - o

comportamento. Já desde 1931 afirmava que a tarefa da ciência é a descrição

do fenômeno; o que aqui se tornará mais explícito, entretanto, é que descrição

passa a ser mais explicitamente associada a previsão e controle. Deste modo,

Skinner não apenas deixa claros seus pressupostos, como nos permite

entrever que sua preocupação realmente diz respeito á possibilidade, aberta

por sua investigação, de se manipular o comportamento – todo

comportamento.

Quase como complemento desta suposição (e possivelmente não por

coincidência sendo apresentado logo no inicio do capitulo 1) o leitor se depara

com a definição de comportamento:

"Comportamento é, apenas, parte da atividade total de um organismo" (...)


"Comportamento é o que um organismo está fazendo - ou, mais precisamente,
o que é observado por um outro organismo como o que está fazendo" (...) "é
mais preciso dizer que o comportamento é a parte do funcionamento do
organismo que está engajado na ação sobre, ou tendo comércio com, o mundo
exterior" (...) "Por comportamento, então, quero simplesmente dizer o
movimento de um organismo, ou de suas partes, num quadro de referências
90

dado pelo próprio organismo ou por vários objetos externos ou campos de


força. E conveniente falar disto como a ação do organismo sobre o mundo
externo" (...) (1938, p.6)

A definição de comportamento não o restringe a este ou aquele

organismo; comportamento é definido de forma tal que pode ser aplicado a

qualquer organismo — do mais simples ao mais complexo — e, desta forma, o

sistema de que trata o livro se refere a um objeto que não é necessariamente

característico de apenas um ou de alguns organismos.

Certamente esta definição de comportamento é diferente de pelo menos

algumas formauladas nos anos anteriores. No período entre 1931 e 1938,

Skinner manteve a preocupação com o comportamento como seu objeto de

estudo. No entanto, parece ter mudado tanto no sentido epistemológico (ou

será ontológico?), como no sentido conceitual. O comportamento, que em 1931

era visto como atividade do organismo, era também qualificado como

dependente do interesse do cientista e parecia, assim, ser simplesmente uma

entidade experimentalmente construída. Nos anos seguintes o comportamento,

que de início era pareado com o conceito de reflexo e, portanto, com uma

correlação entre estímulo e resposta, passa a tomar um estatuto mais parecido

com o de resposta. Se isto, por um lado, torna-o mais molecular (de uma

correlação se transforma em um lado dela), de outro, este é um movimento que

parece acompanhar o que virá a ser a definição do operantes o comportamento

se identifica com a resposta. Em compensação adquire um estatuto de

entidade real e não mera criação experimental, e, como resposta entendida

dentro do modelo operante, passa a ter importância redobrada a sua relação

com o ambiente, com o mundo externo. Também, como resposta que é

associada á sua consequência, torna-se cada vez mais relevante a

funcionalidade do comportamento e cada vez menos importante sua topografia.


91

Deste modo, Skinner pode realmente ter impresso ao conceito de

comportamento uma redução; mas ao mesmo tempo parece ter ampliado este

conceito, no sentido de que agora seria possível uma maior liberdade no que

se considera comportamento, tornando mais fácil a inclusão de atividades mais

complexas, mais individualizadas (fato facilitado pela noção de classes de

resposta) e mais molares (fato dificultado pela noção de comportamento igual a

reflexo, como o demonstraria a discussão sobre cadeias de reflexos).

Além disto, esta mudança, que é concretizada em 1938, admite na

definição de comportamento, muito mais explicitamente (o que pode ser

necessidade derivada desta conceituação de comportamento igual a resposta),

a relação ativa deste com o ambiente; ou melhor, uma íntima relação de

transformação mútua do organismo com o ambiente. Este passa a fazer parte

da definição de comportamento, explicitando-se a noção de que o organismo, e

o comportamento, só existe em sua relação, "em comércio com", o mundo a

sua volta. Esta definição permitiria abranger mais facilmente os organismos

complexos e o homem, e certamente foi facilitada pela descoberta do

operante. O importante ê que Skinner reconhece e incorpora na definição do

que é seu objeto de estudo esta relação, permitindo, assim, que se reconheça

como objeto de sua ciência também aquele organismo que só sobrevive

porque "comercia com o mundo exterior".

A noção de operante, tão fundamental ao sistema no momento de sua

descoberta e durante todo seu desenvolvimento, neste momento tem uma

relevância especial. Embora não haja mudanças essenciais entre a

caracterização que é feita aqui e aquela de 1937, o contexto para o qual é

trazida torna-a muito mais relevante. Não apenas o comportamento operante é


92

diferenciado do respondente porque não é eliciado, mas sim comportamento

emitido, que se aplica a todo comportamento aparentemente espontâneos

"O tipo de comportamento que é correlacionado com estímulos eliciadores


específicos pode ser chamado de respondente" (...) "Aquele comportamento
que não está sob este tipo de controle eu chamarei de operante" (...) (1938, p.
20)

O comportamento operante também e relacionado, mais uma vez,

intrinsecamente, com o mundo exterior, com a produção de estímulos

reforçadores e, portanto, com a produção do próprio mundo, abrindo a

possibilidade de se pensar a produção e transformação mútua do homem e do

mundo e de concebê—la como ação que não e completamente determinada a

priori:

"O operante" (...) "torna—se significante para o comportamento e toma forma


identificável, quando atua sobre o ambiente de modo tal que um estimulo
reforçador é produzido." (1938, p.22)

Além disto, aqui é assumido que a noção de reflexo é inadequada á

noção de operante, e que o termo só é mantido por conveniência. Embora fique

claro que Skinner realmente transformou a noção de comportamento em

resposta e não mais uma correlação, ele a associa, agora, à sua consequência

- sua relação com o mundo externo, com estímulos que são exteriores ao

sujeito, que o transformam, tornando esta relação muito mais maleável, muito

mais sutil:

“O termo reflexo será usado para ambos, operante e respondente, mesmo que
seu significado original seja aplicado apenas ao respondente.” (...) “O
condicionamento de um operante difere do de um respondente por envolver a
correlação de um estímulo reforçador com uma resposta.” (1938, p. 21)

Será esta noção de operante, e será este tipo de comportamento que

Skinner explicitamente elegerá como seu objeto de estudo privilegiado, deste

momento em diante. Passa até mesmo, num certo sentido, a reinterpretar, sem
93

ser explicíto a este respeito, seus dados de pesquisa; coletados a partir da

noção de reflexo, são agora utilizados para descrever as leis do

comportamento operante. Se com isto Skinner pode ter incorrido em alguns

problemas conceituais, ou se avança menos do que se poderia esperar caso

estivesse atentado mais para este fato, o importante é que, a partir desse

ponto, Skinner definitivamente tornou sua ciência mais ampla, mais

representativa do comportamento dos organismos complexos e demonstra,

agora, a possibilidade concreta de explicá-lo sistematicamente, e não mais

isoladamente, de desvendar as leis gerais, e não apenas específicas, e de

fazê-lo respeitando os processos a que se submetem tais organismos,

respeitando, nestes processos, sua ordem e sua lei intrínseca.

Como já salientado na discussão do desenvolvimento do sistema até

1938, as posições de Skinner a respeito dos objetivos da ciência do

comportamento e de seu método podem ser interpretadas à luz de uma

proposta para uma ciência do comportamento humano também, talvez até

preferencialmente. Neste momento, estas posições não se transformam no

essencial, apenas se explicitam trazendo mais força ao argumento. Assim é

que Skinner defende uma ciência descritiva, mas não narrativa, uma ciência

que busca descobrir relações funcionais e leis gerais e não classificações, uma

ciência que busca previsão e controle e não simples compreensão. Estes

objetivos carregam a marca de uma ciência que, ao descobrir leis e relações

funcionais, que se supõe são genéricas (até universais), possibilita a aplicação

destes princípios a toda e qualquer instância que envolva seu objeto.

"Precisamos estabelecer leis através das quais possamos predizer o


comportamento e podemos fazer isto apenas se descobrirmos as variáveis das
quais o comportamento é uma função." (1938, p.8)

Na medida em que o comportamento também é definido de maneira


94

genérica, estas leis se aplicariam genericamente a todo organismo, inclusive o

homem. E, na medida em que se postula que todo comportamento é predizível

segundo o mesmo tipo de lei, não mais é necessário recorrer a categorias ou a

metodologias (como a classificação, a narração) que são especificas de um ou

outro tipo de comportamento ou organismo:

"Uma vez postulado que todo comportamento é reflexo, não há mais interesse
teórico na mera listagem de reflexos." (1938, p.11)

Mais que isto, as leis que uma ciência do comportamento visa descobrir

são leis também genéricas por natureza, são leis estabelecidas segundo os

cânones das ciências naturais, leis quantitativas e universais:

(...) <O> "tipo de predição a que uma ciência do comportamento deve se voltar
> a predição de propriedades quantitativas de reflexos representativos." (1938,
p.12)

Parecem ser estas, embora não sejam necessariamente as únicas,

algumas das características que poderiam confirmar a afirmação de Skinner de

que o seu é um sistema “positivista”:

(...) <O sistema, do ponto de vista do método> "é positivista. Limita-se à


descrição, ao invés da explicação. Seus conceitos são definidos em termos de
observações imediatas e não lhes são atribuídos propriedades fisiológicas ou
locais.” (...) “Termos deste tipo são usados, meramente, para juntar grupos de
observações, para afirmar uniformidades e para expressar unidades de
comportamento que transcendem instâncias particulares." (1938, p.44)

Ao se declarar defensor de um sistema positivista, Skinner não apenas

estaria explicitando algo que parece ter entendido como sua posição há quase

uma década, mas também está tornando explícita sua crença na generalidade

de suas descobertas científicas. Por trás desta declaração estaria a crença na

unidade da ciência enquanto método, na busca da simplicidade e redução do

número de leis científicas, na universalidade da lei capaz de abarcar todos os

fenômenos, no padrão de ciência natural aplicável a seu objeto de estudo. Uma

ciência positivista, indubitavelmente, não é uma ciência – do ponto de vista de


95

Skinner – que se aplicaria a apenas este ou aquele organismo, nesta ou

naquela situação. É uma ciência que, capaz de descobrir a lei que rege os

fenômenos, descreve-os em sua generalidade. E, no caso específico, é uma

ciência que descobre a regularidade e a ordem subjacentes ao comportamento

– entendido como fenômeno genérico. Mais ainda, embora isto não seja

explicitado por Skinner neste momento, por que não seria positivista também

no sentido em que cabe a ciência a manipulação dos fenômenos, cabe à

ciência uma função social na solução das relações do homem com a natureza?

São pressupostos que, se não são idênticos, se assemelham muito a

estes, que levam Skinner a afirmar, já nas Conclusões, que além de positivista

seu sistema é “mecanicista e analítico” –

“<Este> trabalho é ‘mecanicista’ no sentido de supor uma ordem e uma


sujeição a leis fundamentais no comportamento dos organismos, e é
francamente analítico. Não é necessariamente mecanicista no sentido de
reduzir o comportamento ao movimento de particulas, já que nenhuma redução
é feita ou considerada essencial; mas se assume que o comportamento é
predisível a partir do conhecimento de variáveis relevantes, e que é livre da
intervenção de qualquer agente caprichoso. O uso da análise parece
absolutamente essencial numa ciência deste tipo e eu não conheço caso algum
em que esta prática tenha realmente sido evitada. A maneira de ‘pressionar a
barra’ é definida e como unidade é válida, então, eu espero, fora do alcance
das críticas atuais de fórmulas estímulo – resposta super simplificadas.” (1938,
p. 433)

Mais uma vez, Skinner afirma sua crença na generalidade de seu

sistema, generalidade que só pôde ser obtida, de um lado, pelo pressuposto da

sujeição dos eventos a uma lei natural e, de outro, por um método que, através

da análise, desvenda estas leis, tornando os eventos regulares, submetidos a

lei, predizíveis plenamente, "livres de agentes caprichosos”, enfim, que permite

tornar o fenômeno descrito cientificamente tudo aquilo que até então esteve

fora do escopo da ciência - vale lembrar mais uma vez, o homem.

O que Skinner denomina sistema mecanicista e analítico parece, assim,


96

a complementação do que vinha defendendo e fazendo a alguns anos - é a

afirmação de uma concepção de mundo e de uma concepção de método que

permite tomar como objetivo da ciência do comportamento a predição e o

controle. Estes supostos permitirão a generalização da lei para todos os outros

fenômenos da mesma classe, e permitirão a afirmação de leis gerais aos

fenômenos aparentemente dispares que compõem o objeto de estudo de uma

ciência do comportamento, condição para previsão e controle.

Se estas características e afirmações permitem a interpretação de que,

com The Behavior of Orqanisms, Skinner estaria apresentando um sistema que

se pretendia também passível de ser extrapolado ao comportamento humano,

outros aspectos do livro também sugerem esta possibilidade.

Um destes aspectos é o uso que Skinner faz de exemplos que se

referem ao comportamento humano. Até 1938 (exceção feita aos artigos sobre

comportamento verbal), havia feito apenas três referências, a título de exemplo,

ao comportamento humano, em seus quase trista artigos. No livro de 1938,

apesar da afirmação de que, enquanto cientista, não ousava extrapolar para o

homem, quase todos os capítulos conceituais contêm pelo menos um exemplo

que diz respeito ao homem (a única exceção é o capitulo 10 - Drive and

Conditioning: the Interaction of Two Variables). Pode ser esclarecedor do fato

de que isto não se deve ao acaso a seguinte afirmação:

"O leitor terá notado que quase nenhuma extensão ao comportamento humano
é feita ou sugerida. Isto não significa que se espera que ele esteja interessado
no comportamento do rato por seu próprio mérito. A importância de uma
ciência do comportamento deriva, em grande medida, da possibilidade de uma
eventual extensão aos problemas humanos." (...) "Penso que é verdade que a
direção da atual investigação foi determinada apenas pelas exigências do
próprio sistema. Ainda assim, teria, naturalmente, sido possível sugerir
aplicações ao comportamento humano, de maneira limitada, a cada passo.
Isto provavelmente teria tornado mais fácil a leitura, mas teria encompriidado
desnecessariamente o livro. Além disso, o leitor cuidadoso deveria ser capaz
de fazer aplicações como o autor." (1938, pp.441, 442)
97

Ao fazer esse comentário, Skinner parece não deixar dúvida quanto as

possibilidades abertas por seu sistema, mas também parece assumir que estas

são, já em 1938, realidades – embora ainda sejam iniciais e, principalmente,

sejam ainda “aplicações”, generalizações mais ou menos cuidadosas de

princípios que foram afirmados em relação a outros organismos.

A questão a responder torna-se, então, a de se estas

generalizações são corretas em princípio, ou, posto de outra forma, se é

realmente possível fazê-las; ou seja, é necessário responder se o homem,

como organismo, é sujeito às mesmas leis que os outros organismos, portanto,

se os exemplos apresentados, além de corretos, podem ser considerados uma

amostra representativa daquilo que o sistema permite, ou se são tudo que o

sistema permite, se esgotam suas possibilidades. A resposta de Skinner

parece ser em duas direções: a primeira (já razoavelmente discutida), é de

ordem metodológica, a segunda é de ordem epistemológica-ontológica.

Metodologicamente – assim como seus pressupostos permitem defender

que uma ciência do comportamento pode e deve ser construída com base em

uma metodologia do sujeito único, sendo absolutamente desnecessários (e até

inconvenientes) os métodos estatísticos, dada a generalidade dos processos e

das leis que tal ciência estuda e a regularidade de seu objeto de estudo - os

pressupostos que Skinner assume também lhe permite supor que a escolha de

seu sujeito experimental – o rato branco – não exclui a possibilidade de

generalização dos fenômenos estudados, e das leis descobertas, para outros

organismos — especialmente o homem. Skinner afirma:

“No sentido mais amplo, uma ciência do comportamento deveria se ocupar de


todos os tipos de organismos, mas é razoável limitar-se, pelo menos no início,
a um único exemplo representativo. Através de um certo antropocentrismo de
interesses, há a possibilidade de que escolhamos um organismo que tanto é
similar so homem, como é conveniente para a consistência e o controle
98

experimentais. O organismo aqui utilizado é o rato branco. Ele difere do homem


em seu equipamento sensorial (especialmente em sua visão mais pobre), em
suas capacidades reativas (tais como mãos, laringe, etc) e nas limitações em
certas outras capacidades, tais como a de formar discriminações. Tem, sobre o
homem, a vantagem de se submeter ao controle experimental de seus 'drives'
e rotina de vida." (1938, pp.47, 48)

De um outro ponto de vista, que se poderia chamar epistemológico-

ontológico, Skinner afirma:

“É possível que haja propriedades do comportamento humano que requererão


um tipo de tratamento diferente. Mas isto só pode ser decidido abordando-se o
problema de maneira ordenada e seguindo os procedimentos usuais de uma
ciência experimental. Não podemos afirmar ou negar descontinuidade entre os
comportamentos humanos e sub-humanos, dado qie sabemos tão pouco sobre
ambos. Se, no entanto, se espera do autor de um livro deste tipo que faça
publicamente uma ‘adivinhação’, eu diria que as únicas diferenças que espero
ver reveladas entre o comportamento humano e do rato (ao lado das enormes
diferenças de complexidade) estão no campo do comportamento verbal."
(1938, pp.442, 443)

Apesar de não ser completamente positivo a esse respeito, o que se

conclui desse trecho (principalmente quando se associado ao anterior, aos

seus pressupostos metodológicos e epistemológicos mais gerais e ao próprio

desenvolvimento de seu sistema) é que Skinner, pelo menos em 1938, parece

ter acreditado na possibilidade concreta, não apenas de aplicar, como sub-

produtos, os princípios de sua ciência ao homem, mas de torná-los princípios

explicativos do comportamento humano. Esta possibilidade está contida na

noção de que a continuidade entre as espécies não é algo incompátivel, muito

pelo contrário, com seu sistema e na concepção, a ela associada, de que as

diferenças entre as espécies são do grau, muito mais do que de qualidade.

Uma análise dos exemplos usados em The Behavior of Organisms

também revela aspectos interessantes na direção de confirmação da hipótese

de que Skinner tinha, já então, um sistema que acreditava ser aplicável a, e

explicativo do, comportamento humano. Dos quinze exemplos do livro que

envolvem análise do comportamento humano, pelo menos oito envolvem a


99

análise de comportamento verbal (incluindo-se aí comportamentos relativos à

arte, como pintar um quadro). Na análise de um destes exemplos é que

Skinner, pela primeira vez, define o comportamento verbal:

“Isto é particularmente verdadeiro no campo verbal, que pode ser definido


como aquela parte do comportamento que é reforçada apenas através da
mediação de um outro organismo." (1938, p.117)

Estes episódios confirmariam a hipótese de que ao mesmo tempo que Skinner

tinha, então, consciência da necessidade de uma análise especial do

comportamento humano (e até mesmo já o definia essencialmente da mesma

maneira que o faria em 1958); também pensava, e dava indicações disto, que

os princípios que se aplicavam aos comportamentos mecanicamente

reforçados, no que é fundamental, seriam os mesmos utilizados para a

descrição deste outro tipo de comportamento. O importante, aqui , é que este é

o comportamento que, até mesmo o próprio Skinner, considerava

especificamente humano, e que a possibilidade de sua análise, segundo a

ciência do comportamento como até então estabelecida, demonstraria a

aplicabilidade desta ciência ao homem, e o demonstraria, talvez, mais

cabalmente que qualquer outro aspecto.

Vários dos outros exemplos (e mesmo alguns relativos ao comportamento

verbal), usados no livro de 1938, caracterizam-se por ser bastante específicos,

quase que particulares. São situações ou episódios comportamentais bastante

molecularizados, bastante analíticos - como o comportamento de pedir água,

numa dada situação; ou de procurar a caneta no próprio bolso. Isto, à primeira

vista, pode parecer apenas o desdobramento necessário de uma metodologia

analítica e atomizadora, mas também pode significar o oposto: a

confiança do autor na generalidade e abrangência dos princípios e leis que

descrevem tais episódios. Deste ponto de vista, seria apenas porque as leis
100

descobertas, a precisão da descrição e da predição do comportamento, são

altamente confiáveis que se poderia generalizar a ponto de utilizá-las na

descrição de episódios tão aparentemente simples — e por isto únicos — e

tão aparentemente comuns – e por isto relevantes; seria esta confiança que

garantiria a possibilidade de utiIizar os princípios e leis demonstradas em

situações tão controladas, que permitiria sua generalização

para a explicação de eventos tão diferentes na sua aparência.

Também na direção de confirmar a confiança que Skinner teria na

generalidade de sua ciência, são interessantes as análises que faz da

sublimação e da histeria, relacionando-as à noção de reserva, e a análise que

faz do problema da emoção, criticando a visão de que seriam respostas. Aqui

não interessa procedência ou não das análises propostas; o relevante é que o

autor - não importa o que diga - não só “extrapolou” seu sistema para o

comportamento humano, como o fez em campos, ou falando de temas,

humanos por excelência, e tidos como dos mais complexos pelos psicólogos

tradicionais.

Tanto esta preocupação com a explicação do comportamento humano

estava presente em 1938, que Skinner afirma, referindo-se a “termos

conceituais”, “mentalistas” (como “intelecto”, “cognição”, “vontade”):

“A objeção a tais termos não é que eles são conceituais, mas que a análise a
eles subjacente é fraca (...)
A descrição e a organização tradicionais do comportamento, representadas
pelos conceitos de ‘vontade’, ‘cognição’, ‘intelecto’ etc não pode ser aceita na
medida em que se pretenda estar lidando com um mundo mental. Mas o
comportamento a que estes termos se aplicam é naturalmente parte do objeto
de uma ciência do comportamento." (1938, p.441)

Torna-se difícil não referendar a hipótese de que Skinner vinha tentando

construir uma ciência do comportamento, inclusive humano. Mais ainda, sequer

deveria ser surpreendente o fato de, anos mais tarde, afirmar que os
101

comportamentos encobertos são parte legítima de uma ciência do

comportamento. Parece perceber e indicar, já em 1938, a relevância naõ

apaeas do comportamento verbal, mas também dos eventos privados e parece

já que ter tal confiança em sua ciência e nas possibilidades que ela traz que

explicita a necessidade de que se os considere numa ciência do

comportamento. Skinner parece estar fazendo uma afirmação ontológica e

epistemológica de grandes proporções: asssegura eventos privados como

passíveis de estudo e de descrição segundo as mesmas leis dos eventos

públicos; uma afirmação que é semelhante àquela que caracterizará, alguns

anos mais tarde, o behaviorismo radical.

Tudo considerado, parece que Skinner apresenta em 1938 não apenas

um sistema de comportamento, mas uma síntese que aqui torna necessário o

passo seguinte a ser dado - a inclusão explicita e privilegiada do homem em

seu sistema.
102

Capítulo 2

1938 a 1948: UM MOMENTO DE TRANSIÇÃO DE UMA CIÊNCIA DO


COMPORTAMENTO GENERICO PARA UMA CIÊNCIA DO
COMPORTAMENTO HUMANO

O critério último para a avaliação de um


conceito não é se duas pessoas
concordam, mas se o cientista que o usa
pode operar com sucesso sobre o seu
material – sozinho se preciso. O que
importa para Robson Crusoé não é se lê
concorda consigo mesmo, mas se está
chegando a algum lugar com seu controle
sobre a natureza.
(Skinner)

A partir de 1938, Skinner parece começar a preparar uma nova etapa no

desenvolvimento do seu sistema – etapa que culminará com uma explicação e

uma proposta explícita para o homem, baseadas na ciência do comportamento.

Claramente, ist só ocorrerá em 1948 (ou 1953, dependendo do critério que

utilize), mas o período entre a publicação de The Behavior of Organisms e o

artigo de 1947, Current Trends in Experimental Psychology, pode sr encarado

como a transição, em vários sentidos, para esta nova etapa – de uma proposta

de sociedade, tomando-se Walden II como base, ou de uma explicação

sistemática e científica do comportameto humano, admitindo-se Science and

Human Behavior como marco.

Talvez se possa afirmar que este também foi um período de transição

para o próprio Skinner, assim como o foi para o mundo. Nestes dez anos ele

mudaria de universidade uma vez – de Minnesota para Indiana, onde

acumularia funções administrativas com a chefia do departamento – e ao final


103

do período se praparava para voltar a Havard. No íncio da década de 40

passaria pela experiência, ainda, de trabalhar no “Projeto Pigeon”, participando,

nem certo sentido, do esforço de guerra. Além das desilusões em relação à

aceitação deste trabalho, este certamente propiciou a oportunidade de entrever

algumas aplicações tecnológicas derivadas de sua ciência e de acumular

dados e metodologia que seriam muito importantes como desenvolvimento

futuro (1).

Foi também um período de afirmação, e talvez de amadrecimento, como

cientista: nestes anos Skinner publica em diferentes revistas, participa de

cnferências, simpósios e seminários, opina sobre muitos temas e parece se

posicionar mais firmemente como um cientista da psicologia, discutindo, desde

seu ponto de vista, outras alternativas (2). Tem-se a impressão de que a

diversidade do material publicado expressa este duplo movimento de transição

e amadurecimento.

Na direção de fortalecer a hipótese de que, feitaa primeira

sistematização, tratava-se de preparar um segundo momento que incluísse

explicitamente a explicação do comportamento humano, o primeiro aspecto a

considerar é o tipo de artigo que Skinner publicou nos anos que antecederam a

publicação de Walden II.

São 16 os artigos publicados no período: oito tratam, de um modo ou de

outro, do comportamento verbal (3) – incluindo um importante artigo sobre

operacionalismo e sua relação com a análise experimental e no que diz

respeito a eventos privados. Três descrevem aparatos ou técnicas de coleta de

dados. Três são relatos de pesquisa – sendo dois deles relativos a aspectos

que claramente se relacionam com comportamento humano. Um pode ser


104

considerado como artigo que é tentativa de aplicação tecnológica. O último

deles (que é o último cronologicamente) – Current Trends in Experimental

Psychology – é um artigo de avaliação da psicologia e da análise experimental

e, na verdade, é considerado como artigo que introduz um novo momento na

obra de Skinner.

Esta listagem já parece revelar uma nova direção nas preocupações de

Skinner: parece tratar-se, agora, de discutir o comportamento verbal –

comportamento eminentemente humano -, de discutir a inserção mais geral de

sua ciência em relação à psicologia – e suas possibilidades como alternativa à

própria psicologia –, e de apresentar ampliações dos conceitos e noções até

aqui descobertos, ou mesmo de desvendar, de traduzir, aspectos que são tidos

como típicos do homem (como ansiedade) a partir de sua ciência do

comportamento.

O artigo considerado de aplicação tecnológica descreve o famoso berço

planejado ara sua filha. Na descrição aparesentada por Skinner já se pressente

algumas das críticas que fará à organização social em termos da família em

Walden II, e já se apresenta claramente a noção de que a ciência –

transformada em tecnologia – é ferramenta para a solução de problemas.

“Naquele admirável mundo novo que a ciência está preparando para a dona de
casa do futuro a jovem mãe aparentemente foi esquecida. Quase nada foi feito
para aliviar sua carga, simplificando e melhorando o cuidado dos bebês.”
(1945, p. 567)

Certamente é preciso relativizar estas afirmações neste momento, uma

vez que se trata de um artigo de divulgação, numa revista não científica.

Também pelo fato de que não se trata da aplicação de princípios da psicologia

comportamental, mas sim de uma tentativa bem sucedida de construção de um

equipamento (uma utilidade doméstica) bem de acordo com a conhecida


105

habilidade de Skinner como construtor de aparatos mecânicos. Entretanto, (e

pode ser sinal disto o fato de Skinner ter publicado este artigo em Cumulative

Record), a crítica à publicação do trabalho, a preocupação com a sua

racionalização e o tipo de solução apresentada são plenamente coerentes com

o que defenderá em Walden II (na verdade, no capítulo em que descreve o

cuiddo com os bebês este mesmo berço reaparece). E mesmo o fato de que

não se trata de uma aplicação tecnológica derivada dps princípios da psicologia

comportamental poderia expressar a crença maior de Skinner na ciência como

caminho para a solução dos problemas cotidianos da vida humana.

Os três artigos que descrevem euipamento ou metodologias de

investigação foram publicados em 1939, 1940 e 1947. Em An Apparatus for the

Study of Animal Behavior – em co-autoria com W. T. Heron – é descrito um

equipamento que permite experimentos simultâneos com 24 sujeitos. Os

arugumentos em favor do equipamento, de um lado, parecem coerentes com o

que Skinner até aqui defendeu, como é o cado da possibilidade de que o

registro imediato permita a alteração de condições experimentais, ou de pouca

interferência do experimentador em relação aos sujeitos. De outro, parecem

estranhos à sua abordagem, como quando defende o fato do equipamento

propiciar curvas que médias do desempenho do sujeito. É interessante,

entretanto, que são poucos os experimentos relatados com este equipamento e

que na apresentação do experimento sobre ansiedade Skinner critique o

equipamento exatamente no que diz respeito a este aspecto (4).

A publicação do artigo em 1939 poderia indicar a busca de ais uma

alternativa metodológica pra o desenvolvimento da ciência do comportamento,

mesmo implicando o compromisso com alguns supostos, mas seu abandono


106

acaba por fortalecer a caoncepção de que os registros quantitativos de sujeitos

únicos e a utilização de poucos sujeitos experimentais constituem sua

metodologia privilegiada.

Os dois outros artigos relativos a este tema parecem ser mais

claramente voltados para o aprimoramento de uma metodologia que precisava

se tornar mais complexa em face dos novos problemas de investigação com

que se deparava. Em 1947, Skinner descreve um equipamento que permite o

estudo, em condições mais adequadas, do controle aversivo do

comportamento porque se controlam as condições que permitiriam as sujeitos

escapar dos choques. Ao final do artigo apresenta uma curva obtida com o seu

equipamento e uma obtida com equipamento tradicional em experimentos

sobre fuga, demonstrando, no primeiro caso, um repertório estável e regular e,

no segundo, um repertório errático.

A descrição do equipamento no artigo sugere, em primeiro lugar, a

recente preocupação com o controle aversivo do coportamento; uma área

quase que intocada até então, mas sem dúvida fundamental de ser

compreendida por uma ciência do comportamento abrangente. Em segundo

lugar, fortalece os argumentos sobre a importância do controle de estados

estáveis, de regularidade e de reprodutibilidade dos dados, sem os quais os

princípios derivados por uma ciência não poderiam ser confiáveis.

Já que o artigo de 1940 trata do problema da obtenção de um ‘drive’

constante e igual para diferentes sujeitos, quando da investigação de outras

variáveis. O artigo traz uma interessante discussão sobre a definição de ‘drive’,

especificamente da fome:

“Podemos definir fome de diversas maneiras – em termos (a) da recente


história de ingestão de alimento” (...) (b) “Da condição nutricional do organismo”
107

(...) “ou, (c) da força do comportamento que leva à ingestão de alimento” (...)
“Estas várias ‘fomes’ são relacionadas, embora não necesariamente de um
moo simples.” (...)
“Foi feita a afirmação de que numa ciência do comportamento um estado de
‘drive’ é mais convenientemente definido em termos da força do
comportamento adequado ao ‘drive’. Fome, neste sentido, é uma prontidão
para comer ou para executar qualquer resposta que leve a ingestão de
alimento.” (1940b, pp. 144, 145)

Skinner esclarece ao leitor que uma das variáveis que supostamente

têm sido mantidas constantes em seus experimentos através do controle da

ingestão de alimento talvez não venha sendo adequadamente controlada. Isto,

no entanto, acaba sendo dirimido pela conceituação que agora oferece de

‘drive’: este passa a ser definido, mesmo que admitindo-se que tal suposição é

feita por conveniência, em termos da medida da resposta operante; sua

ocorrência. O ‘drive’, enquanto conceito parece sofrer um deslocamento

tornando-se apenas uma variável a ser controlada a fim de manter a

estabilidade da resposta operante, e não mais é tratado como uma das

variáveis controladoras privilegiadas deste comportamento. Este deslocamento

do conceito de ‘drive’, já iniciado no período anterior, será reafirmado de certo

modo em 1953 quando passa a ser definido como simples operação de

privação.

O que parece compor o padrão comum em relação a estes artigos

é que Skinner parece estar reeditando, em outro nível, uma preocupação que

estava presente em seus primeiros artigos. No início da década de 30, ele

descrevia minuciosamente seu aparato experimental, no que poder-se-ia

pensar ser uma preocupação de permitir a replicabilidade de seus dados, e

uma preocupação com a expansão de seu método, com sua adoção por outros

pesquisadores. Neste período, este fato, de certa forma, se repete. A diferença

é que aqui tais indicações de aparato são elas mesmas artigos e relatos -
108

reforçando a hipótese de que se trata de uma preocupação com a adoção de

sua metodologia - e surgem no bojo de um conjunto muito diferenciado de

publicações.

Isto para não citar o fato de que é neste período que Skinner começa a

utilizar como sujeito experimental o pombo. Bua confiança em que esta e uma

ampliação natural de seu sistema parece tamanha que em nenhum momento o

leitor dos seus trabalhos publicados encontra uma descrição do equipamento

utilizado com o pombo, ou uma discussão dos resultados aqui encontrados.

Repentinamente se encontra um experimento com pombos e os dados são

apresentados como perfeitamente compatíveis com os até então encontrados.

A defesa de que a escolha da resposta de pressão à barra e do rato branco

eram arbitrárias, e que por este motivo alargariam a generalidade dos dados

assim obtidos, e mesmo a concepção de que Skinner buscava descrições de

processos regulares, sem uma preocupação com as quantidades especificas

que poderiam revelar especificidades mais que generalidade, são fortalecidas

neste momento. Tanto a utilização do pombo e da resposta de bicar, como a

despreocupação com a demonstração de que se continuava a trabalhar com as

mesmas leis reforçam a hipótese de que Skinner realmente partia destes

princípios.

Estes artigos, além do mais, claramente apontam para diferentes

possibilidades de expansão do sistema, pelo menos em termos de linhas de

investigação, de problemas de pesquisa que a ciência do comportamento deve

enfrentar. Tem, assim, papel metodológico, conceituai e talvez, até mesmo,

epistemológico.

Os artigos propriamente experimentais do período investigam os


109

desempenhos de ratos de diferentes linhagens genéticas, os efeitos da

ansiedade e o comportamento "supersticioso".

O experimento The Rate of Extinction in Maze-briqht and Maze-dull Rats

investiga o desempenho de ratos descendentes de pais com altos e baixos

'scores' em labirinto, na extinção. Skinner e Heron identificam a causa das

diferenças de desempenho numa possível diferença no nível de 'drive', apesar

de todos os sujeitos serem submetidos a uma mesma privação:

"Onde ocorre uma diferença, ela é provavelmente devida a um maior grau de


fome desenvolvido pelos ratos 'espertos' sob a rotina de alimentação utilizada.
Na medida em que se aceite a extinção de respostas 'erradas' como uma parte
importante da aprendizagem em labirinto, o experimento indica que linhagens
de ratos selecionadas a partir do desempenho em labirintos não são
necessariamente separadas com base em um processo central." (1940a, p.17)

O tema do experimento lembra uma preocupação de Skinner nos seus

primeiros anos. Então, cada experimento continha uma descrição dos ratos em

termos de sua linhagem genética, como se Skinner pensasse que esta

pudesse ser uma variável relevante para o desempenho. Com o decorrer dos

anos este tipo de descrição foi abandonado. O tema volta agora revestido de

um outro caráter. Em primeiro lugar, parece haver uma inversão no sentido de

que o desempenho do sujeito na extinção de uma resposta operante é

tomado como medida de uma possível outra variável, responsável pela

aprendizagem de um outro comportamento operante. Em segundo lugar, o

experimento busca encontrar uma outra explicação para possíveis diferenças

de desempenho, deslocando-as, de uma provável causa relativa a estruturas

do sistema nervoso central, para o tipo de variável que Skinner privilegia. As

diferenças encontradas são explicadas em termos de 'drive' e este é medido, é

afirmado, a partir da taxa de respostas. E a taxa que acaba por servir de

variável independente e, num certo sentido, de variável dependente, e afasta o


110

fantasma de um estado interno ou mesmo de uma estrutura interna

controladora do comportamento.

De qualquer modo, fica evidente que Skinner não descarta, muito pelo

contrário, a possibilidade de que certas variações individuais em padrões

comportamentais são devidas a fatores genéticos. Por outro lado, fica patente

sua recusa de aceitar tais fatores como causa privilegiada do comportamento.

Duas características que não são incompatíveis com o desenvolvimento de seu

sistema até aqui e que o marcarão fortemente no próximo período.

Os outros artigos propriamente experimentais deste período também

parecem ter uma marca própria. Eles já chamam atenção pelo títulos Some

Quantitative Properties of Anxiety (1941) e "Superstition" in the Pigeon (1948).

O que se destaca nestes títulos é o uso dos termos ansiedade e superstição.

Parece impensável que nos anos 30, mesmo que estabelecesse relações entre

os padrões comportamentais que estudava e os padrões comportamentais

que se observa no cotidiano, Skinner tivesse ousado, ou mesmo admitido,

explicitar tais relações. Agora não só o faz, como o faz em dois de três artigos.

Também é relevante que no próprio texto dos artigos são feitas relações,

ou pelo menos referências, ao homem. Em 1941, Skinner afirma:

"Ansiedade tem pelo menos duas características definidoras" (...) "Ambas as


características precisam ser esclarecidas, sejam aplicadas ao
comportamento de um homem, ou de um organismo inferior." (1941c , p.
513)

O que aparece aqui é a clara referência ao fato de que o que está em

estudo é um fenómeno que é semelhante no homem e em outros organismos.

Se isto não é surpreendente, no sentido de que parece coerente com a noção

de que a ciência do comportamento é uma ciência dos organismos em geral;

sem dúvida é importante que Skinner admita estar fazendo uma generalização
111

de outros organismos para o homem.

Em 1948, ao definir o comportamento supersticioso, Skinner afirma:

"Pode-se dizer que o experimento demonstra um tipo de superstição. O


pássaro se comporta como se houvesse uma relação causal entre seu
comportamento e a apresentação de comida, embora tal relação não exista.
Há muitas analogias com o comportamento humano. Rituais para mudar a
sorte em jogos de cartas são bons exemplos." (...) "O jogador de boliche
que jogou a bola, mas continua a se comportar como se a estivesse
controlando através de movimentos de seu braço e ombro é um outro caso."
(1948a, p.527)

Em seguida, analisa este padrão de comportamento e um outro padrão

de comportamento supersticioso humano para concluir por dois "tipos de

comportamento supersticioso", e que aquele estudado no pombo é de um tipo

específico. Já neste artigo, além de cabíveis os comentários sobre o artigo de

1941, há um fato novo. Aqui, Skinner parece estar claramente caminhando no

sentido inverso ao habitual - trata-se de analisar um padrão comportamental no

homem, e dele generalizar para seu sujeito experimental — o pombo. O que

chama a atenção, não é o fato de que isto pudesse ser feito — já que não é

incompatível com a noção de que os processos comportamentais não são

qualitativamente diferentes em organismos de diferente complexidade - mas o

fato de que o homem está servindo de fundamento a uma conclusão

experimental, pela primeira vez, e que a análise de uma situação não

controlada é fundamento de uma conclusão experimental (quando, até aqui, o

que ocorreu foi, no máximo, o inverso).

Ao lado destas características, estes experimentos são importantes em

termos do referencial teórico em desenvolvimento. 0 experimento sobre

ansiedade apresenta pela primeira vez o paradigma da fuga. Um som é

pareado com um choque inevitável e a taxa de respostas de pressão à barra

sob "reforçamento periódico" e extinção é medida e analisada. A supressão


112

condicionada na presença do estimulo aversivo condicionado é o principal

resultado encontrado. Mais importante, do ponto de vista deste trabalho, são

algumas das suposições que embasam, neste momento, o experimento.

Assim, ansiedade ê definida corno:

"A ansiedade tem pelo menos duas características definidoras; (1) é um estado
emocional, que de algum modo lembra o medo, e (2) o estimulo pertubador
que é o principal responsável [pelo estado] não precede ou acompanha o
estado, mas é 'antecipado' no futuro. Ambas as características precisam ser
clarificadas, sejam aplicadas ao comportamento do homem ou, como no
presente estudo, a um organismo inferior. Uma dificuldade reside na explicação
de comportamento que surge em 'antecipação' a um evento futuro. Uma vez
que um estímulo que ainda não ocorreu não pode atuar como causa, devemos
buscar uma variável presente." (...)
(...) "Num sentido mais amplo, então, antecipação deve ser definida como uma
reação a um estimulo presente S1 [som], a qual surge do fato de que S1 foi
seguido no passado por S2 [choque],onde a reação não é necessariamente
aquela originalmente obtida com S2."(1941c, p.313)

Como já foi salientado, neste trecho mais uma vez se percebe que

Skinner propõe explicitamente a sujeição do comportamento humano e de

outros organismos a uma mesma lei; propõe os princípios experimentalmente

derivados em laboratório, com animais, como princípios explicativos do

comportamento humano. Entretanto, é muito importante que aqui Skinner se

depara com um problema tipicamente humano, e oferece uma alternativa

compatível com seu sistema para a explicação tradicional do fenômeno. Trata-

se da antecipação. Os homens são frequentemente caracterizados por sua

capacidade de planejar, de antecipar os eventos futuros e de se comportar de

acordo com esta antecipação. Skinner aqui, pela primeira vez explicitamente,

enfoca o problema e, recorrendo ao paradigma respondente oferece uma

explicação. Importante também é que esta explicação permanecerá

essencialmente a mesma, pelo menos até o final do período discutido neste

trabalho. E de especial relevância que Skinner se propõe a investigar um


113

problema tão tipicamente humano usando da. mesma metodologia que

propugnou até aqui, demonstrando a vitalidade de sua proposta, fortalecendo e

ampliando seus pressupostos e método.

Este experimento também traz á luz mais uma das marcas futuras de

seu sistema. Defrontado com um fenômeno que certamente envolve respostas

emocionais - que supõe eventos internos, e possivelmente descritos segundo

um paradigma respondente - e eventos comportamentais tipicamente

operantes, Skinner privilegia o comportamento operante. E o faz de tal forma

que quase reduz a ansiedade a este aspecto, ou melhor, que acaba, na prática,

por reduzi-la.

"Um estimulo que origina, por exemplo, o 'medo' pode levar ações musculares"
(...) "e a uma generalizada reação autonômica do tipo comumente enfatizado
no estudo da emoção; mas de maior importância, em certos aspectos, é a
considerável mudança nas tendências do organismo de reagir de determinados
modos-" (...) "Nossa preocupação é mais frequentemente com a ansiedade
observada desta forma, como um efeito sobre o comportamento normal do
organismo, ao invés de uma suplementar e específica resposta do organismo,
no sentido estrito do termo." (1941c, p.314)

Esta ênfase - nos chamados "efeitos sobre o comportamento normal" —

indiscutivelmente é importante no sentido de valorizar o repertório mais amplo

do organismo, e pode até mesmo ser interpretada como uma visão mais geral,

mais molar dos organismos e do comportamento- Ela permitiria um controle

mais efetivo do comportamento, uma vez que a análise se dirige para o

repertório futuro do organismo, para as transformações deste repertório e para

as possíveis soluções aos problemas dai originados. O que certamente é algo

que uma ciência que busca a descrição do comportamento para efeito de

previsão e controle deveria privilegiar.

Entretanto, isto é feito a despeito de uma análise de como o "aspecto

emocional", propriamente dito, de uma determinada contingência pode intervir


114

no comportamento futuro de um organismos na verdade, este é transformado

em simples conjunto de respostas, de respondentes, e é tratado como tendo

pouca relevância real na explicação, e possivelmente no controle, do

comportamento. A consequência maior é que a ansiedade acaba, na prática,

por ser tratada a partir de apenas uma das suas "características definidoras", e

a emoção acaba reduzida a um conjunto de "respostas" condicionadas,

segundo o paradigma do "condi-cionamento clássico".

Talvez a base de algumas das mais contundentes críticas ao

behaviorismo esteja nesta tendência de Skinner de, se não abandonar

explicitamente, pelo menos atribuir um papel menor a variáveis que em 1931

afirmava como fundamentais para o estudo do comportamento; como a

emoção e a motivação. No decorrer dos anos, o programa de pesquisas

cumprido e o arcabouço teórico construído transformam o conceito de 'drive'

várias vezes, acabando por praticamente reduzi-lo à taxa de respostas, e o

conceito de emoção, depois de praticamente abandonado por vários anos,

acaba reduzido ao paradigma respondente, de importância apenas secundária

no estudo do comportamento operante. E bem verdade que este percurso

permite o aumento da generalidade e da aplicabilidade do conceituai ao

comportamento complexo, no entanto, talvez esta mesma generalidade e

aplicabilidade fosse possível, e até mais adequada, se estes conceitos

tivessem merecido a mesma atenção que o condicionamento ou a extinção, por

exemplo.

Assim como o artigo sobre a ansiedade, o artigo sobre superstição

apresenta algumas importantes formulações teóricas de grandes

consequências para o desenvolvimento do sistema skinneriano. Trata-se aqui,


115

obviamente, da noção de contingência:

"Dizer que um reforçamento é contingente a uma resposta pode significar nada


mais do que ele segue a resposta. Ele pode seguir por causa de alguma
conexão mecânica ou por causa da mediação de um outro organismo; mas o
condicionamento presumivelmente ocorre apenas por causa da relação
temporal, expressa em termos da ordem e da proximidade entre resposta e
reforçamento." (...) "Um experimento simples demonstra que este ê o caso."
(1948a, p.524)
A contingência de reforçamento responsável pelo comportamento

condicionado é claramente expressa aqui em termos de temporalidade

apenas, em detrimento da funcionalidade da resposta como produtora do

estimulo reforçador. A noção de operante aqui expressa é qualitativamente

diferente daquela afirmada em 1937, quando a resposta era definida como

produtora da consequência. Certamente a postulação do condicionamento

instantâneo permitiu esta nova formulação, mas talvez o tratamento que

acabou por ser dado ao conceito de 'drive' – na tentativa de despir o

comportamento de intencionalidade, de direção, na tentativa de transformar

uma ação baseada no futuro em ação determinada apenas por forças

presentes, e na tentativa de traduzir eventos internos por eventos medidos

através de fenômenos observáveis - facilitou esta formulação.

De acordo com esta interpretação do desenvolvimento do sistema

skinneriano, não deveria causar surpresa o fato de que esta formulação da

contingência como simples relação temporal entre resposta e consequência -

em detrimento da funcionalidade - ocorresse num momento em que o

comportamento humano era claramente alvo de análise. Pois é no

comportamento humano que a questão da intencionalidade e dos eventos

internos como controladores aparece tradicionalmente com toda clareza; neste

momento, Skinner busca uma posição que se diferencia completamente das

vistes tradicionais, mesmo pagando um preço alto em relação ao seu sistema.


116

Talvez o custo desta interpretação tenha se tornado tão alto que Skinner

várias vezes oscilará, nos próximos anos, entre uma interpretação da

contingência como simples temporalidade ou como relação funcional. O que

permanece, entretanto, é o fato de que neste momento opta pela contingência

como correlação temporal, permitindo assim que esta interpretação apareça e

ganhe força.

Da perspectiva deste trabalho, assim, os poucos artigos experimentais

que utilizam animais publicados durante estes anos são muito relevantes.

Expressam mudanças no sistema no sentido dos problemas de investigação

colocados e no sentido das formulações teóricas que são produzidas;

ampliando a generalidade e a possibilidade de aplicação ao homem. Por outro

lado, expressam uma continuidade da metodologia empregada e expressam

continuidade teórica, já que quaisquer formulações aqui são fundadas nos

conceitos básicos construídos nos anos anteriores; aprofundando algumas das

características metodológicas do sistema skinneriano, como a busca de

estados estáveis, a preocupação com a uniformidade dos dados, a afirmação

de que as leis do comportamento independem, em certo sentido, do tipo de

organismo investigado.

Talvez o preço desta ampliação do sistema, relativo aos aspectos

teóricos, mas especialmente em relação à demonstração de sua aplicabilidade

aos organismos complexos e ao homem, fosse a necessidade cada vez mais

premente de lidar com alguns aspectos do comportamento humano que

parecem ser típicos da espécie. 0 análise do comportamento verbal, sem

dúvida, parece surgir neste contexto.

Em 1938, Skinner definiu comportamento verbal como o comportamento


117

reforçado pela mediação de outro organismo; também admitiu que

possivelmente este era o único comportamento tipicamente humano. Na sua

autobiografia afirma que desde o inicio da década de 30 planejava e trabalhava

num livro sobre comportamento verbal. Talvez uma das características mais

importantes do período entre 1938 e 1948 seja a publicação de artigos sobre

comportamento verbal. Estes podem ser divididos em três conjuntos: os

artigos sobre fortalecimento formal, os artigos sobre adivinhação e percepção

extra—sensorial e o artigo de 1945, The Operational Analysis of Psycholoqical

Terms, sem dúvida o mais importante deles.

Os artigos sobre adivinhação e percepção extra-sensorial (1943, 1948b)

são artigos em resposta a experimentos conduzidos por pesquisadores ou

meios de comunicação (5) sobre o tema, em que Skinner critica o fenômeno

que se diz investigar e as metodologias empregadas em seu estudo. O que

trazem de especial, parece, é o fato de Skinner preocupar-se principalmente

com a aparência de cientificidade que era dada a tais investigações. Percebe-

se nele a tentativa de combater exatamente este fato.

Já os artigos sobre fortalecimento formal merecem um comentário mais

cuidadoso. Parecem fazer parte de um trabalho iniciado no período anterior

com a publicação do artigo sobre o 'summator' e a distribuição de palavras

associadas (respectivamente 1936 e 1937), o que se confirma tanto pelos

problemas aqui investigados — aliteração, assonância, distribuição de palavras

associadas e padrões de sons – como pelas datas de publicação: de 1939 a

1941.

O fenômeno mais geral de que tratam estes artigos é o mesmo de que

tratavam os dois anteriores: fortalecimento formal, que é assim definido:


118

"Estudos de associação de palavras, fala latente etc, têm indicado que o


aparecimento de um som na fala aumenta a probabilidade de aparecimento
daquele som por um certo período de tempo. Colocado de um modo diferentes
a emissão de uma resposta verbal aumenta temporariamente a força de todas
as respostas com forma semelhante. " (1940a , p. 385)

Diferentes manifestações do fenômeno serão estudadas nos quatro

artigos deste período (1939b, 1939c, 1941b, 1942). A própria definição de

fortalecimento formal mostra uma característica importante destes artigos. 0

aspecto do comportamento verbal investigado é praticamente definido em

termos do paradigma do comportamento respondente, o que fica mais explicito

por Skinner só analisar estes eventos a partir de material frio e estáticos

material literário (poemas), ou listas de palavras obtidas em experimentos de

associação por outros investigadores. A leitura destes artigos deixa a

impressão de que Skinner estivesse buscando "as leis primárias" deste tipo de

"comportamento reflexo". Assim, diferentemente do que poderia ser indicado

pela definição de 1938, o comportamento verbal, pelo menos aquela parte sob

investigação aqui, não é encarado do ponto de vista da relação do ouvinte e

falante, mas sim como emissão (ou talvez eliciação) de respostas relacionadas

determinadas por um estimulo específico.

Este enfoque certamente exige uma metodologia que é completamente

diferente daquela usada para o estudo do comportamento operante e aqui

Skinner está muito próximo de fazer o que criticou em 38 em relação ao

comportamento em gerais parece buscar uma botanização das respostas,

interessam as frequências de certos sons, de certos padrões e estes

interessam somente do ponto de vista da forma, da topografia da resposta.

Para isto são feitos enormes levantamentos de padrões, incontáveis listagens e

testes estatísticos. Como já foi afirmado, tem-se a impressão de um retrocesso,

em termos de análise do comportamento, para uma psicologia reflexológica


119

da linguagem. Entretanto, permanece o fato de que Skinner tenta fazer uma

análise do comportamento verbal, ainda que segundo um padrão

aparentemente respondente, e pode-se perceber, já aí, as primeiras

inquietações relativas à relação entre falante e ouvinte, ou mesmo à

funcionalidade do comportamento verbal:

"Argumentar a partir da estrutura de um poema para o comportamento do


poeta é difícil. 0 padrão de um poema (na medida em que haja um padrão)
possivelmente é devido a algo mais que um processo de fortalecimento formal.
Padrões contemporâneos ou verbalizações pessoais a respeito da função ou
estrutura da poesia terão seus efeitos." (...) "Nenhuma análise estatística de um
poema fornecerá informação direta sobre estas atividades" (...) "Não podemos
confiar no próprio poeta a respeito destas práticas. Ele pode não ter
consciência de seu próprio comportamento no encorajamento ou eliminação de
palavras alternativas." (...) (1941b, p.400)

Skinner parece introduzir ai a preocupação com outras variáveis

possivelmente responsáveis pela emissão do comportamento verbal. Padrões

comportamentais culturalmente estabelecidos são mencionados como tendo

relevância, no que pode ser o embrião de uma análise que leve em conta o

papel da comunidade verbal no estabelecimento e manutenção do

comportamento verbal- A crítica ao poeta como fonte de informação faz

lembrar o que mais tarde se tornará a discussão sobre o auto-conhecimento

entendido como a possibilidade de discriminação das variáveis que controlam o

próprio comportamento do falante.

Resta, então, tentar compreender as razões que levaram Skinner a se dedicar

a tais assuntos neste período, na tentativa de compreender a relevância destes

trabalhos no bojo de sua obra. Há pelo menos quatro possíveis interpretações

para a publicação dos artigos sobre adivinhação e fortalecimento formal.

A primeira delas se fundamenta na preocupação de Skinner com uma

descrição cientifica do comportamento, que seria obscurecida por tentativas

como as dos experimentos sobre telepatia, que critica. Deste modo, a


120

publicação destes artigos quase constituiria as primeiras obras de combate do

autor, que mais tarde tanto marcariam sua produção dentro da psicologia.

A segunda interpretação pode ser buscada no antigo compromisso de

Skinner com a literatura. 0 comportamento literário só havia sido analisado do

ponto de vista da teoria literária, sem nenhum cuidado objetivo e sem ganhos

no que se refere à possibilidade de compreensão de outras parcelas do

comportamento humano, ou mesmo, sem uma compreensão real dos

processos envolvidos na criação literária. (Nesta direção poder-se-ia

argumentar que o artigo sobre Gertrude Stein teria sido já uma tentativa deste

tipo).

A terceira interpretação enfoca a preocupação de Skinner de traduzir, ou

melhor, de utilizar dados e metodologias de investigação que partiam de

diferentes abordagens em favor de uma abordagem mais objetiva do

comportamento. Tais artigos fariam parte de uma tentativa de ampliar a ciência

do comportamento, a um só tempo mostrando as possibilidades de análise da

abordagem e economizando o esforço de produção de dados empíricos que

poderiam, com ganhos, ser interpretados segundo esta perspectiva.

A quarta interpretação apresenta a noção de que, se para o comportamento

mecanicamente reforçado fora possível iniciar um programa de pesquisas

sobre as leis secundárias do reflexo, para o comportamento reforçado pela

intermediação de outros organismos - como o comportamento verbal isto não

seria possível, pela falta de conhecimento acumulado na área- Isto levaria è

necessidade de iniciar, de um ponto inferior, a investigação desta importante

parte do repertório comportamental humano.

Qualquer uma ou um conjunto destas hipóteses pode ter tido, e


121

provavelmente teve, influencia na publicação destes artigos e, sem dúvida,

poderiam ser importantes, tanto na direção de demonstrar a confiança de

Skinner na possibilidade de que todo e qualquer comportamento poderia ser

cientificamente descrito através das leis do comportamento, como na direção

de que Skinner procurava construir tal explicação.

A análise do que Skinner publicou e do que pensava — sobre o

comportamento verbal não seria completa sem a discussão de um dos

artigos mais importantes do período - The Operational Analysis of

Psycholoqical Terms. No artigo, em 1945, Skinner discute as relações de sua

ciência do comportamento (e daquilo que aqui já chama de um behaviorismo

radical) com outras formas de behaviorismo; também discute, critica e se

posiciona em relação ao operacionalismo como filosofia que orientaria a

investigação científica, e apresenta uma análise de alguns aspectos

fundamentais dos eventos privados e do comportamento verbal.

Sobre o comportamento verbal, se percebe neste artigo uma nova

abordagem do problema se comparada com os outros artigos do período, mas

que é compatível com a menção de 1938. Esta abordagem se desenvolverá

nos anos seguintes, de modo que o artigo parece inaugurar definitivamente a

maneira de interpretar o comportamento verbal que Skinner adotará. Em

1945, além de ratificar sua importância para a psicologia, Skinner afirma:

(...) "uma classe de respostas verbais não é definida por sua força fonética
apenas, mas por suas relações funcionais." (...) "O que queremos saber, no
caso de muitos termos psicológicos tradicionais são, (lo) as condições
estimuladoras especificas sob as quais eles são emitidos (isto corresponde a
'encontrar os referentes') e (2o) (e esta é uma questão sistemática muito
importante), porque cada resposta é controlada por sua condição
correspondente. Esta última não é, necessariamente, uma questão genética. O
indivíduo adquire a língua da sociedade, mas a ação reforçadora da
comunidade verbal continua a desempenhar um papel importante na
manutenção das relações especificas entre estímulos e respostas que são
essenciais ao funcionamento adequado do comportamento verbal." (1945a,
122

p.373)

Estes e outros trechos não apenas esclarecem que Skinner está se

referindo especificamente ao homem, mas que está analisando o

comportamento verbal de maneira coerente com a noção de comportamento

operante, e, pela primeira vez, explicitamente, está incorporando a sociedade,

em toda a sua complexidade, na análise que faz- A comunidade verbal - o

ambiente entendido de uma maneira muito mais ampla do que simples

estímulos antecedentes — é tornada componente essencial na análise do

comportamento verbal, uma vez que é da interação do ouvinte e falante que se

modela e mantém comportamento verbal, e mais, tanto o comportamento

verbal controlado por estimulação observável, como o controlado por eventos

privados.

Outro aspecto marcante do trecho é que aqui se indica a preocupação

de Skinner com a manutenção do comportamento, mais uma das

características que* tão fortemente marcarão seu sistema» No entanto, aqui,

esta preocupação com a manutenção não deve ser entendida como ênfase que

impede que Skinner aborde a difícil questão da aquisição do comportamento

verbal. Não só Skinner faz isto neste artigo, como enfoca a questão do

ponto de vista das respostas verbais a eventos privados.

A inclusão de eventos privados no sistema explicativo skinneriano já

havia sido anunciada em 1938 (quando afirmava que termos como intelecto

deveriam ser parte do objeto de estudo de uma ciência do comportamento),

mas aqui, não apenas esta posição é reafirmada – em contraposição ao

behaviorismo metodológico - como é apresentada uma explicação de como os

indivíduos passariam a responder a tais eventos:


123

(...) "as condições responsáveis pela relação 'semântica' padrão entre uma
resposta verbal e um estimulo particular" (...) " <envolvem> três termos
importantes: um estimulo, uma resposta e um reforçamento fornecido pela
comunidade verbal" (...) " As inter-relações significativas entre estes três termos
podem ser expressas dizendo-se que a comunidade reforça a resposta apenas
na presença do estimulo." (...)
Este esquema pressupõe que o estímulo atua sobre ambos, o falante e a
comunidade reforçadora; de outra forma a contingência não pode ser
adequadamente mantida pela comunidade- Mas esta condição está ausente no
caso de muitos termos 'subjetivos', que parecem ser resposta a estímulos
privados."
(...)
"Há pelo menos quatro maneiras pelas quais uma comunidade verbal, que não
tem acesso ao estimulo privado, pode gerar comportamento verbal em
resposta a eles."
(...)
(...) "Se estas são as várias possibilidades <e a lista é aqui oferecida como
exaustiva), então, podemos entender porque termos que se referem a eventos
privados nunca formaram um vocabulário estável e aceitável, de uso
razoavelmente uniforme" (...) (1945a, pp. 373, 374 e 376)
Em 1945, portanto, Skinner não só assumia a possibilidade de explicar o

comportamento humano, como efetivamente apresentava uma explicação (que

no seu essencial se manterá, por bastante tempo, pelo menos) de aspectos

sumamente complexos deste comportamento. Mais que isto, o fazia de

maneira coerente com o sistema explicativo que abraçava. 0 comportamento

verbal é interpretado como fruto da interação de pelo menos dois organismos,

uma interação explicada em termos do comportamento operante - superando

a formulação anterior já mencionada. Mais ainda, o comportamento verbal

referente a eventos privados também é enfocado do mesmo ponto de vista e, a

um só tempo, Skinner oferece uma explicação de como é adquirido e justifica

as características "semânticas" deste vocabulário» Desta análise não apenas

resulta a extensão do referencial operante ao comportamento verbal, resulta

também uma afirmação categórica a respeito da existência de eventos internos

e da sua inclusão no escopo de uma ciência do comportamento — uma ciência

capaz de descrever, agora, todo o comportamento, do organismo como um

todo.
124

O problema epistemológico que esta interpretação implica também não é

evitado no artigo de 1945. Skinner se posiciona como um behaviorista e traça a

diferença que estabelece entre o seu behaviorismo - o behaviorismo radical - e

o que chama de behaviorismo metodológicos:

"A distinção entre público e privado não é, de modo algum, a mesma que entre
físico e mental. Ai está porque o behaviorismo metodológico (que adota a
primeira) é muito diferente do behaviorismo radical" (...) "O resultado é que,
enquanto que o behaviorista radical pode, em alguns casos, considerar eventos
privados (inferencialmente talvez, mas nem por isto com menos significação), o
operacionalista metodológico manobrou para uma posição onde não pode."
(1945a, p.383)

Além de admitir uma concepção claramente materialista monista de

mundo, Skinner admite que fazem parte deste mundo eventos privados. Mais

que isto, estabelece uma diferença clara, não apenas com outros sistemas

explicativos (científicos) - como fizera em 1938 em relação a Tolman, Hull etc -

mas o faz também em relação a sistemas mais próximos de sistemas

filosóficos. Parece, com isto, estar enfatizando que seu sistema é um sistema

cientifico, mas é também, como dirá mais tarde, uma filosofia da ciência. A

generalidade de sua ciência, deste modo, é afirmada não apenas do ponto de

vista do objeto de estudo que é capaz de enfocar, mas também do ponto de

vista metodológico e epistemológico. A ciência do comportamento é claramente

afirmada como tendo uma concepção de mundo e uma concepção de método,

que é caminho para a sua descrição.

Mais uma vez, parece se fortalecer a hipótese de que Skinner não

apenas estava assumindo claramente a possibilidade de extensão de seu

sistema ao comportamento humano, como também preparava esta extensão

de uma forma sistemática: mais do que uma simples aplicação das leis e

princípios já descobertos, Skinner pretenderia propor, e se preparava para isto,

a uma explicação sistemática do comportamento humano. Uma explicação


125

capaz de permitir a previsão e o controle, capaz de permitir, portanto, o

desenvolvimento de uma tecnologia. Isto se apresentaria pela primeira vez em

1947, com a publicação do artigo Current Trends in Experimental Psycholoqy.


126

Capítulo 3

1947 - 1953: O COMPORTAMENTO HUMANO COMO CERNE DE UMA


PROPOSTA DE CIÊNCIA

Compreender o comportamento humano no


sentido em que qualquer parte da natureza é
compreendida pela ciência é um objetivo
verdadeiramente excitante e satisfatorio. (Skinner)

As mudanças políticas, sociais e económicas trazidas pela ascensão do

fascismo e pela Segunda Guerra, na segunda metade da década de 30 e

primeira metade da década de 40, certamente tiveram muitas consequências e,

indiscutivelmente, a ciência em geral, a psicologia, e mais especificamente

Skinner, não passaram incólumes pelo período.

A segunda metade da década de 40 é marcada, e aqui o que está sendo

discutido são os EUA, por uma concepção otimista de mundo, em que os

imensos problemas econômicos, sociais e políticos parecem estar para ser

resolvidos, apesar do agravamento trazido pela Guerra. A possibilidade de

melhorar o mundo, de transformá-lo é, além do mais, admitida como uma tarefa

do povo americanos uma sociedade que certamente se tornou muito mais rica

e poderosa, que sai da guerra com seu modelo social e econômico fortalecido

e que pretende agora ser capaz de resolver os problemas sociais e políticos

remanescentes. A ciência que foi capaz de, com a bomba atômica, acabar com

a guerra, mas foi capaz também de curar com o antibiótico, é, então,

frequentemente assumida como o caminho mais adequado para a solução de

tais problemas Skinner, de muitos pontos de vista um critico da sociedade, não


127

deixa de se inserir neste quadro mais geral- Para ele também, a ciência se

apresenta como caminho de solução dos problemas humanos, em todos os

níveis, e assume como sua tarefa construir uma ciência capaz de resolver os

problemas que envolvem o comportamento humano.

A preocupação com o comportamento humano e com a sociedade é,

sem dúvida, também um reflexo desta nova realidade. Entretanto,

indubitavelmente, não seria correto supor que as características do trabalho de

Skinner neste período são completamente atribuíveis a estes fatores. Se um

dos determinantes de suas características pode ser buscado em fatores

externos ao desenvolvimento de seu sistema, certamente o próprio

desenvolvimento do sistema é também responsável por tais marcas.

A proposta delineada em 1931, sistematizada em 1938 e, de certo

modo, amadurecida até 1947, naturalmente deveria desembocar na proposta

de uma ciência do comportamento humano. Aliás, confirmação de que desde o

inicio de seu trabalho esta seria a sua maior meta: se Skinner sempre teve uma

concepção que afirmava os fenômenos como naturais, sujeitos a leis, se

afirmava a ciência como o caminho para a descrição destas leis, se pretendia

construir uma ciência genérica, que fosse capaz de descrever o

comportamento de todos os organismos e se seu trabalho foi capaz de originar

uma sistematização teórica que formulava uma explicação abrangemte do

comportamento, a consequência natural disto seria uma nova formulação;

agora envolvendo seu objeto de estudo privilegiado, que apenas por questões

metodológicas não estava explicitado.

Possivelmente estas duas ordens de fatores foram relevantes para o

trabalho de Skinner neste período, marcado por uma preocupação com o


128

homem e a sociedade.

Entre 1947 e 1953 Skinner publica dois livros - Walden II (1948) e

Science and Human Behavior (1953) e quatro artigos (não se contam os artigos

de 1948 já citados no capítulo anterior e que são interpretados como

pertencentes a um outro período da obra). Dos quatro artigos, três se referem a

problemas amplos da análise experimental do comportamento, no que parece

indicar uma visão mais oceânica de sua ciência- Tem-se a impressão de que

Skinner estava interessado em traçar os limites de sua ciência, em delinear sua

relação com a psicologia, em delimitar as características mais gerais de sua

concepção de conhecimento. Certamente no bojo destas questões aparecem

algumas mudanças conceituais, mas isto fortalece a noção de que se trataria

de uma tentativa de uma nova e sistemática elaboração - seriam os ajustes

necessários para a execução desta etapa.

Os dois livros do período quase dispensam apresentação. Ambos têm

como enfoque o homem e, mais importante, o homem como indivíduo

socialmente inserido; de modo que a ciência do comportamento é apresentada

como ciência capas de transformar, não indivíduos no recôndito de sua

privacidade, mas toda a sociedade humana. A meta da ciência do

comportamento tal como apresentada nestes livros é a sociedade, a cultura(l),

o indivíduo torna-se o caminho para o atingimento desta meta

Estes livros são precedidos do já citado artigo de 1947 — Current

Trends in Experimental Psychology - onde as linhas mestras do que está


129

Falta a 137
130

matização desta ciência, além de uma tentativa de divulgar uma concepção

científica de homem e de mundo- Pode parecer estranho considerar Walden II

como um experimento, no entanto, é possível toma-lo como tal no sentido de

se tratar de um modelo para experimentação, no sentido de apresentar uma

situação que poderia ser transformada numa situação experimental, e de

apresentar os resultados como se fossem hipóteses experimentais a serem

confirmadas pela obtenção do dado empírico. 0 fato de ser uma novela e de

não conter dados obtidos empiricamente não retiraria da obra seu caráter

experimental em sentido quase figurado do termo.

A publicação, em 1953, de Science and Human Behavior se constituiria

na síntese que então Skinner propõe para explicar e controlar o

comportamento humano. No texto são apresentados sistematicamente os

pressupostos de uma ciência do comportamento humano, os princípios teóricos

que fundamentam a explicação do comportamento, a extensão destes

conceitos a diferentes aspectos do comportamento humano e, finalmente, a

interpretação da ciência do comportamento para a sociedade, a cultura. Como

en Walden II, uma visão geral da sociedade é apresentada em oposição à

sociedade tradicional. Como não poderia deixar de ser, enquanto que em

Walden II claramente Skinner delineia as suas alternativas, em Science and

Human Behavior o autor, mais contidamente, apenas analisa os dados que

estão á sua disposição. A estrutura social existente é que é discutida. Tudo isto

só pode ser feito porque em ambos os momentos Skinner apresenta os

pressupostos de sua ciência encaminhando o leitor para uma proposta

embasada numa visão de mundo e do papel que nele a ciência

desempenharia.
131

A obra de Skinner, no período de 1947 a 1953, parece representar mais

do que um conjunto que trata explicitamente do comportamento humano.

Representa, de um lado, um rompimento com o momento anterior, exatamente

pela explícita preocupação com o homem e a sociedade e pela exígua

quantidade de dados empíricos do período; de outro, uma continuidade com o

que até então fora produzido, quase o seu coroamento, no sentido de

apresentar sistematicamente as possibilidades de uma ciência do

comportamento humano. Mas representa, acima de tudo, o processo da

elaboração desta primeira proposta sistemática para o homem e a sociedade.

E, como aqui se interpreta o período, o processo é de muitos modos

semelhante ao processo do período de 1931 a 1938, iniciando-se pela

explicitacão de princípios metodológicos e pela proposição de um programa de

investigação, seguido da busca e acumulação de dados e encerrado por uma

síntese que se traduz numa proposta compreensiva - aqui de uma ciência do

comportamento humano e da sociedade.

A proposta de um programa de investigação para uma ciência do

comportamento humano – 1947

Após quase duas décadas de muitos experimentos com animais, de

desenvolvimento de uma metodologia de investigação que originou um corpo

teórico explicativo do comportamento, em 1947 Skinner quase que surpreende

o seu leitor com um longo artigo sobre a psicologia experimental, onde defende

que esta tem como objeto o comportamento, como método o controle de

variáveis pela manipulação de variáveis independentes, e como finalidade o

controle do comportamento humano para solução de seus problemas. Quase


132

surpreende porque, na verdade, este é um passo que parecia há muito tempo

em preparação. A direção dada ao artigo, além de fortalecer a tese até aqui

defendida, abre uma nova perspectivas qual exatamente será o escopo que

Skinner atribuirá a sua ciência daqui para a frente?

De modo semelhante ao artigo de 1931 - The Concept of the Reflex in

the Description of Behavior - parece traçar as grandes linhas do trabalho que

Skinner proporá para a ciência do comportamento nos próximos anos. Deste

ponto de vista, apresentaria um novo programa de investigações, preparando

uma nova sistematização. Em um novo patamar, Skinner parece reproduzir o

mesmo caminho trilhado nos anos 30. Trata-se agora de formular uma

proposta sistemática para o homem e a sociedade a partir da ciência do

comportamento. No final do artigo afirma:

"Precisamos chegar a uma teoria do comportamento humano não apenas


plausível, não apenas suficientemente convincente para ser 'vendida' ao
público em geral, mas uma teoria que tenha provado seu valor em
produtividade cientifica. Ela nos deve permitir, não apenas falar sobre os
problemas do mundo, mas fazer algo sobre eles, obter o tipo de controle que
uma ciência do comportamento investiga. A superioridade de uma tal teoria
será então clara e não precisaremos nos preocupar com sua aceitação. "
(1947b, p.312)

Skinner propõe claramente, como tarefa para a ciência do

comportamento a solução dos problemas humanos, o que significa o controle

destes problemas, sua manipulação, a partir de uma teoria do comportamento.

A ciência do comportamento se define a partir daqui como descrição do

comportamento entendida como previsão e controle. E se define como ciência

que se constitui em via de solução de problemas reais do mundo e não apenas

como ciência que busca compreensão teórica das leis que regem o

comportamento.

O artigo, que se inicia com o tom de avaliação da psicologia


133

experimental — subentendida como toda psicologia que utiliza de metodologias

experimentais — torna-se, em exame mais detalhado, um programa de

investigação, uma proposta para o desenvolvimento de uma ciência do

comportamento e uma critica à psicologia. Desta forma, pode ser interpretado

como o marco de um período que se caracterizará, pelo menos a nível das

publicações de Skinner, por uma preocupação mais constante e mais explicita

com o desenvolvimento de uma proposta científico-tecnológica para o homem

e a sociedade.

Esta proposta abrange uma proposição metodológica. Assim como na

década de 30 Skinner propôs o estudo das leis secundárias do reflexo, dos

processos comportamentais, através do estudo dos organismos intatos com um

certo nível de análise, como meio para a descrição dos organismos em termos

do reflexo, agora enfatizará o estudo do comportamento pela via experimental

como meio para a solução dos problemas humanos:

"Na psicologia, como em qualquer ciência, o cerne do método experimental é o


controle direto da coisa estudada." (...) "Em termos mais formais, nós
manipulamos certas 'variáveis independentes' e observamos o efeito sobre
uma 'variável dependente'. Ha psicologia, a variável dependente na qual
buscamos um efeito é o comportamento. Adquirimos controle sobre ele através
das variáveis independentes. As últimas, as variáveis que manipulamos, são
encontradas no ambiente." (...)
Esta é uma definição estrita de uma ciência experimental. Ela não identifica
'experimental' com 'científico'." (...) "Estamos simplesmente classificando-as
<as ciências> de acordo com a metodologia." (...)
"Uma consequência interessante de definir a psicologia experimental como um
ramo da ciência no qual controlamos as variáveis que governam o
comportamento é que assim excluímos a maioria das investigações que
utilizam métodos correlacionais." (1947b, pp.297, 298)

A psicologia, deste modo, é reduzida a uma ciência experimental; uma

ciência definida pelo método. E, assim como em 1931 Skinner não propunha

um método independente de seu objeto de estudo, agora afirma como seu

objeto o comportamento - a psicologia é tornada uma ciência experimental do


134

comportamento- Experimental significa a possibilidade de manipulação de

variáveis que estão no ambiente e que são responsáveis pelo comportamento

e por sua variabilidade. A descrição do comportamento proposta em 1931

como uma correlação entre estimulo e resposta - como reflexo - foi

transformada no estudo das relações entre ambiente e comportamento.

De um lado, parece ter havido uma redução no conceito de

comportamento - de uma correlação foi transformado em um lado dela -

fortalecendo uma tendência já existente no período anterior e que terá

consequências para o sistema skinneriano, uma vez que os processos

comportamentais passam a ser vistos como variáveis dependentes, como uma

face apenas das relações funcionais estudadas pela ciência do

comportamento. Estes tornam-se, portanto, menos dinâmicos do que se

poderia pensá-los a partir de sua formulação como uma relação. Esta

formulação, entretanto, possivelmente permitiu que Skinner ampliasse com

mais facilidade seu modelo experimental de laboratório para as situações mais

complexas que envolvem o comportamento humano.

De outro lado, e de modo aparentemente contraditório, o conceito de

estímulo e resposta torna—se mais molar com a formulação da relação

comportamento e ambiente como fulcro da ciência do comportamento. Num

certo sentido, esta tendência também já é encontrada no período anterior -

especialmente quando da formulação de classes de estímulo e resposta e do

operante - mas aqui adquire uma relevância maior, tendo em vista a

especificidade do organismo que agora é privilegiado.

A caracterização de sua ciência como experimental permite a Skinner ir

além na busca de uma especificidade para sua ciência e critica a outras


135

abordagens em psicologia. Experimental é oposto ás metodologias

correlacionais com o argumento de que as últimas não permitem o controle

direto dos fenômenos estudados e são construções 'a posteriori'. Experimental

também é oposto a um empirismo estreito que rejeita qualquer tipo de teoria.

Skinner pretende a construção de uma ciência que, baseada na coleta empírica

de fatos, permita a sua sistematização em um conjunto de leis, em uma teoria

que organize o conhecimento produzido e direcione a investigação. Deste

ponto de vista, a palavra experimental tem muito mais do que o sentido de uma

metodologia que manipula variáveis, é também a afirmação de uma

metodologia que se pretende diretamente capaz de prever e controlar sua

variável dependente pela manipulação direta das variáveis independentes e

uma metodologia que pretende levar a uma sistematização teórica. Deste

modo, além de definir seu campo de atuação e sua visão de ciência, Skinner

critica outras metodologias e outras concepções de conhecimento cientifico.

Mais ainda, a concepção de ciência experimental que Skinner aqui apresenta

possibilita a afirmação de uma relação entre ciência básica e aplicada que é

muito especial.

A ênfase na experimentação — que nada tem de novo em termos da

metodologia até aqui desenvolvida por Skinner — adquire, por seu turno um

novo caráter quando se atenta para o fato de que agora permite-lhe excluir da

psicologia outras abordagens, as correlacionais; fortalece a noção da

determinação do comportamento segundo leis naturais universais - variáveis

independentes manipuladas causam certos efeitos predizíveis em variáveis

dependentes -; e assegura o papel de previsão e controle atribuído á ciência, a

possibilidade de manipular, de dirigir o comportamento.


136

Pode ser interpretado nesta direção um dos argumentos centrais do

artigo, de que uma ciência rigorosamente experimental — baseada no rígido

controle de variáveis, no delineamento experimental que não é correlacional - é

a única que levará á solução dos problemas humanos; e de que a ciência do

comportamento torna-se a única capaz de produzir tais soluções, uma vez que

é a única cujo método se adequa a estes padrões:

"Técnicas correlacionais têm sido amplamente usadas na pesquisa pura, e a


razão pela qual dominaram a ciência da psicologia em sua aplicação à
educação, indústria, negócios públicos etc, não é que os processos com que se
lida nestes campos são de uma natureza especial, mas que tem sido em geral
impossível descrever os fatores relevantes de um outro modo.
O problema especial do psicólogo aplicado é prático. Ele deve obter controle de
certo material relativamente complexo – senão diretamente, como no
laboratório, então indiretamente, e frequentemente pós—fato, através de
procedimentos estatísticos. Ele não se confronta com qualquer tipo especial de
fato psicológico para o qual é necessário um método especial- A preferência
por técnicas correlacionais na psicologia aplicada pode portanto mudar. Tem
sido verdade na tecnologia em geral que à medida que o problema de
engenharia básica é resolvido, á medida que o cientista aplicado adquire
controle sobre seu material, a conexão com a ciência pura ou o laboratório é
fortalecida. Métodos e termos comuns podem ser adotados. Algo deste tipo
deve ser esperado da psicologia na medida em que o controle de engenharia
seja melhorado. (1947b, pp298, 299)

Baseado numa concepção epistemológica, de que as leis que regem os

fenômenos são naturais e universais, Skinner pode propor apenas um método

como adequado á ciência do comportamento e à psicologia. Como

consequência de uma proposta de ciência experimental, por oposição a outras

metodologias, surge uma particular concepção de relação entre ciência básica

e aplicada. Na proposição de um método único, da forma como Skinner o

compreende, se insere a concepção de que, ao abordar adequadamente seu

objeto, o cientista aplicado não apenas resolverá mais satisfatoriamente seus

problemas - construindo uma tecnologia mais eficiente - mas também

estabelecerá uma relação entre ciência básica e aplicada muito mais produtiva.

Estas deixam de ser separadas, quase que isoladas e às vezes até


137

aparentemente incompatíveis, para se tornar como que dois lados de uma

mesma moeda: duas visões perspectivas de um mesmo objeto, unidade

indispensável para a ciência que necessita das duas abordagens para se

construir plenamente; uma ciência que propõe a predição e o controle deve

necessariamente privilegiar também a possibilidade de tornar-se prática, de

tornar-se tecnologia, o que só pode ser obtido pela descrição plena de seu

objeto.

Entretanto, para Skinner, a descrição do comportamento não pode ser


obtida pela simples coleta de fatos. As leis que Skinner sempre buscou
descobrir eram entendidas como afirmações sobre fatos que, embora se
apresentem como isolados e variáveis, são transformados em leis pela
descoberta da regularidade que os une em grandes conjuntos. Esta mesma
concepção se apresenta aqui em outro patamar. Skinner assume a ciência
como capaz de acumular fatos e teorias, sobre o comportamento humano, que
levem à sua predição e controle
"Não há figura mais patética na psicologia, hoje, do que o mero coletador de
fatos, que opera, ou pensa que opera, sem base para escolher um fato contra o
outro. Ao final, ele geralmente se encontra fazendo algo mais, ou talvez nada.
Comportamento só pode ser satisfatoriamente compreendido indo além dos
próprios fatos, 0 que é necessário é uma teoria do comportamento" (...).
Uma teoria, como usarei o termo aqui, nada tem a ver com a ausência ou a
presença de confirmação experimental. Fatos e teorias não se opõem uns aos
outros. Ao invés disto, a relação entre eles é: teorias são baseadas em fatos,
são declarações, são organização de fatos." (...)
"Queiram ou não os psicólogos experimentais, a psicologia experimental está
adequada e inevitavelmente comprometida com a construção de uma teoria do
comportamento- Uma teoria é essencial para a compreensão científica do
comportamento como objeto de estudo." (1947b, pp.301, 302)

A busca de regularidade, a conquista da variabilidade aparente dos fatos

do mundo é obtida pela afirmação da necessidade de teorias, entendidas como

a reorganização dos fatos, o que pode ser traduzido pelo estabelecimento de

afirmações gerais e genéricas, leis gerais capazes de subsumir amplos

conjuntos de fatos em uma só declaração. São estas declarações gerais que

reduzem a imensa multiplicidade aparente dos fenômenos a alguns poucos


138

conjuntos ordenados e que, em última instância, permitirão à ciência, uma vez

descoberta a simplicidade última de eventos tão complexos quando se

desconhece sua lei, tornar possível a sua manipulação. Para a psicologia,

como Bkinner a compreende, esta é a única alternativa real de atuação.

apenas o conhecimento das leis do comportamento permitirá sua

compreensão, apenas uma teoria do comportamento possibilitará este

entendimento.

"O psicólogo experimental está interessado, fundamentalmente, em descrever


o comportamento, ou explicar o comportamento, num sentido muito amplo,
compreender o comportamento." (1947b, p.301)

Com isto, é como se toda psicologia que se pretenda psicologia científica -

experimental - se desqualifique enquanto tal, se não assumir o

comportamento como objeto de estudo e o método experimental como via

para sua explicação. Mais uma vez, parece haver um paralelo entre o que

Skinner afirma neste artigo e a proposta de 1931. Define - se uma proposta de

ciência - no objeto, método, produto, objetivo: em 1931 o reflexo e as leis

secundárias, a experimentação controlada de organismos intatos, as leis do

reflexo e a descrição; em 1947, o comportamento, a experimentação, as leis do

comportamento, a previsão e o controle- Mas quando se atenta para os dois

conjuntos percebe-se que o segundo é quase uma extensão do primeiro, sem

qualquer contradição entre eles, revelando mais uma vez a possibilidade de

que se trata aqui de um novo momento de um mesmo projeto.

Ainda sugerindo um percurso semelhante ao de 1931, no artigo de 1947,

Skinner também busca diferenciar a ciência do comportamento demarcando-a

em relação às explicações cientificas. A diferença entre os dois momentos está

nos alvos desta demarcação. No primeiro artigo a proposta skinneriana era

mais ampla e buscava assim demonstrar sua especificidade em relação á


139

fisiologia; agora trata-se de traçar as diferenças entre distintas explicações

dentro da psicologia. Assim, a necessidade afirmada de teoria em psicologia

vem acompanhada da crítica às teorias existentes:

(...) "os dois grandes sistemas explicativos que mantiveram o campo


psicológico por mais de cem anos não mais estão valendo a pena. Eles
perderam seu poder de integrar e iluminar os fatos da ciência e de inspirar e
motivar o cientista. A única pesquisa que agora originam ê um tipo de remendo
desesperado para manter as teorias intatas e isto é insatisfatório.
Uma destas teorias explicativas ê a noção de uma mente controladora." (...)
A outra teoria explicativa corrente floresce com prestigio maior e
presumivelmente com saúde melhor- E a teoria fisiológica do comportamento.
Ao homem interno são atribuídas propriedades fisiológicas, com um ganho em
respeitabilidade científica." (...)
(...)
"O apelo ao que chamamos de um fisiologizar ingênuo, como o apelo a
determinantes psíquicos, é feito numa tentativa de explicar o comportamento
mudando para um nível diferente de observação." (...) "O que está emergindo
na psicologia, como aconteceu em algum momento da história da maioria das
ciências, é uma teoria que se refere a fatos num único nível de observação. "
(1947b, 303 a 305)

Fundado em sua concepção de teoria Skinner critica a psicologia

enquanto conjunto de teorias. Daqui em diante identificará dois grandes

opositores, que julga incapazes de integrar o conhecimento existente sobre o

comportamento humano e como incorrendo em erro metodológico que acabará

por destruir suas próprias teorias. E interessante que aqui Skinner aborda o

problema do ponto de vista da teoria em si, partindo do suposto de que o objeto

de estudo da psicologia está estabelecido e é indiscutível. Diferentemente de

outros momentos em que sua critica enfatizará a escolha incorreta do objeto de

estudo de outras propostas para a psicologia, aqui apenas enfatiza os

problemas metodológicos de outras abordagens do comportamento humano.

Também é baseado em sua concepção de ciência e de teoria que

Skinner apresenta sua proposta como um desenvolvimento natural e

necessário do conhecimento até aqui produzido. A mesma concepção de

história da ciência de 1931 permanece: lá a história do reflexo mostrava a


140

inexorabilidade de sua proposta e a sua correção indiscutível, aqui a história

das teorias psicológicas aponta o mesmo caminho de exaustão natural de um

conhecimento que é quase pré-científico e cujo próprio desenvolvimento leva

necessariamente a uma concepção de ciência natural e descritiva» Aqui está

um dos argumentos que fundamentam sua crença na necessidade de uma

ciência do comportamento e na sua objetividade — duas das condições que,

do ponto de vista de Skinner, garantirão sua adoção tanto pelos cientistas

como pelo público em geral.

Restaria ainda, para Skinner, para que se pudesse tornar

completamente sinônimos a psicologia e a ciência do comportamento

demonstrar a possibilidade de generalizar seus resultados - obtidos em

laboratório com outros organismos que não o homem — aos problemas

humanos. Esta também parece uma preocupação importante de Skinner neste

artigo. Duas ordens de questões são levantadas. A primeira diz respeito à

possibilidade de extensão dos resultados do laboratório a situações

complexas. A segunda se refere à aplicabilidade da metodologia desenvolvida

para o laboratório á situação natural e complexa.

Quanto à primeira, Skinner afirma:

"E uma reclamação usual que o tipo de controle possível no laboratório é


impossível no mundo" (...) "A reclamação é especialmente grande com relação
ao estudo de laboratório do comportamento animal." (...) "Mesmo que os
processos comportamentais possam ser essencialmente semelhantes em
homens e ratos, argumenta-se que o homem não pode ser similarmente
controlado e que os resultados do laboratório animal são, portanto, inúteis
quando aplicados aos problemas maiores do comportamento humano. Esta
posição está destinada a tornar-se mais fraca à medida em que as ciências
aplicadas se fortalecerem. Não é verdade que o comportamento humano não é
controlado." (...) "Para ter uma ciência da psicologia devemos adotar o
postulado fundamental de que o comportamento humano é submetido a leis,
que não é perturbado por atos caprichosos de algum agente livre - em outras
palavras, que é completamente determinado." (1947b, p.299)

A afirmação da aplicabilidade dos resultados do laboratório ao mundo


141

traz consigo várias suposições que marcarão profundamente a proposta

skinneriana. A primeira delas se refere à continuidade entre as espécies. Esta

suposição, apenas indicada em 1938, agora é tomada como pressuposto,

como principio necessário para que se efetive a ciência do comportamento. A

segunda se refere ao determinismo. Este, desde sempre assumido para os

comportamentos dos organismos inferiores, é estendido para o homem e

explicitamente declarado. O determinismo também é condição necessária para

a proposta de ciência skinneriana, só realizável supondo-se que seu objeto é

plenamente predizível , portanto, plenamente sujeito a lei. Estes são supostos

necessários para que se afirme a possibilidade de extensão dos resultados de

laboratório, obtidos com organismos diferentes do homem, ao comportamento

humano em situações naturais - uma condição essencial para a proposta

skinneriana de uma ciência experimental do comportamento humano.

Uma coisa é afirmar a possibilidade de estender princípios e conceitos

derivados de pesquisa básica a situações naturais, outra, a possibilidade de se

aplicar esta mesma metodologia a estas situações e Skinner faz também esta

asserção, tornando a sua ciência e o seu método universalizáveis também

neste sentido- Para isto, entretanto, é necessário reafirmar alguns outros

pressupostos: o do determinismo e da universalidade das leis a que se

submetem todos os processos comportamentais, com sua consequente

controlabilidade plena:

"A constituição genética do indivíduo e sua história pessoal desempenham uma


parte na determinação <do comportamento>. Além dai o controle está no
ambiente. Alem do mais as forças mais importantes estão no ambiente social
que é feito pelo homem. O comportamento humano está, portanto, em grande
parte sob controle humano.
Exceto pelo caso trivial da restrição física ou coerção, o controle é, obviamente,
indireto. Ele segue o padrão geral de alteração de uma variável dependente
pela manipulação de uma variável
142

independente. Ora, ha muitos casos em que as variáveis independentes são


livremente manipuláveis com relação ao comportamento humano. Na creche,
em certos tipos de escolas, nas instituições correcionais e penais o grau de
controle pode ser muito grande. Embora haja certas restrições legais e éticas, o
tipo de manipulação característico do laboratório é bastante viável. Nos outros
lugares — na educação, indústria, lei, negócios públicos e governo - o controle
não é tão provável de ser localizado numa única pessoa ou agência. Aqui o
problema básico de engenharia é adquirir o controle. Mas devemos lembrar
que o problema tem sido frequentemente resolvido." (...)
"Já que o comportamento humano é controlado - e além do mais, controlado
por homens - o padrão de uma ciência experimental não é, de maneira alguma,
restrito. Não é um problema de trazer o mundo para o laboratório, mas de
estender as práticas de uma ciência experimental ao mundo em geral. Nós
podemos fazer isto assim que quisermos." (1947b, pp.299, 300)

Estes pressupostos são aqui permeados de algumas das concepções

mais marcantes que o sistema skinneriano assumirá. O determinismo é

acompanhado da afirmação de que não é possível negar uma base genética

indivíduo, ou mesmo determinações que são marcadamente individuais.

Entretanto, Skinner reafirma a noção de que as variáveis controladoras

relevantes do comportamento estão no ambiente, e é dai que se segue a

ênfase que será atribuída ao ambiente externo.

Mas Skinner faz uma outra afirmação, frequentemente esquecida, é de

fundamental importâncias reconhece que o controle do comportamento

exercido pela ambiente é um controle social; ou seja, afirma que o controle

comportamentai relevante a que é submetido o ser humano - embora seguindo

o mesmo padrão de alterações de variáveis independentes produzindo

mudanças em variáveis dependentes - é exercido por outros seres humanos: é

um controle, neste sentido, indireto e não mecânico. Esta afirmação traz pelo

menos duas ordens de consequências importantes: a de que é possível

descrever e manipular o comportamento, qualquer comportamento, uma vez

que o processo de causação é fundamentalmente o mesmo para qualquer

evento; e a de que no caso do comportamento humano é necessário que a


143

análise desta causação leve em conta a natureza social do controle. A ciência

do comportamento, deste ponto de vista, torna-se ainda mais importante, uma

vez que permitirá compreender os processos comportamentais como resultado,

essencialmente, das interações entre os homens.

Esta afirmação da determinação do comportamento é permeada da

afirmação de sua plena controlabilidade. Isto significa que além de Skinner

assumir que todo comportamento humano é determinado, assume que é

passível de ser manipulado numa direção pré-determinada por aquele que

conhece suas determinações. Esta segunda suposição também é muito

importante para a proposta skinneriana. A possibilidade de uma ciência do

comportamento que seja capaz de descrever suas leis só será plenamente

demonstrada se for possível manipular o comportamento, todo comportamento.

Dai a discussão de que o problema da controlabilidade do comportamento não

é o mesmo em qualquer situação concreta, mas não é impossível em qualquer

situação concreta.

Esta especificidade dos processos comportamentais humanos se, de um

lado, exige, possivelmente, uma análise em separado do caso humano

(embora mantendo o mesmo padrão e seguindo os mesmos princípios

explicativos), de outro, torna esta tarefa mais urgente» Isto significa a

possibilidade de interpretar a proposta skinneriana de desenvolvimento de uma

ciência do comportamento humano como uma condição necessária para o

desenvolvimento de uma ciência do comportamento genérico, inclusive no

sentido teórico. Só se poderia demonstrar a real fecundidade de seu plano

conceitual uma vez que fosse possível demonstrar suaaplicabilidade ao caso

humano. Mais ainda, esta demonstração só seria aceitável, deste ponto de


144

vista, se fosse feita para o comportamento humano socialmente controlado, o

que vale dizer, para o homem em suas reais condições de vida.

Todas estes supostos embasam a conclusão de Skinner de que "é

preciso estender as práticas de laboratório ao mundo em geral". Esta

representaria não apenas a possibilidade de solução dos problemas humanos,

mas também a possibilidade de demonstrar a fecundidade de sua ciência, e o

teste — quase um experimento crucial - de seu método e de seus resultados.

Deste ponto de vista, uma ciência do comportamento humano, capaz de

desenvolver uma tecnologia que resolva os seus problemas, que se assuma

como uma continua interação de pesquisa básica e aplicada e na qual os

métodos e critérios da pesquisa básica e aplicada sejam os mesmos é mais

que um desenvolvimento natural do que Skinner vinha propondo a partir de

1931: ê condição necessária, inclusive, para o fortalecimento de seu trabalho

até aqui.

Deste modo, a ciência aplicada, a tecnologia, passa a ser não apenas

um desdobramento eventual da ciência básica, não apenas um

desenvolvimento desejável da ciência que solucionará problemas humanos,

mas se constitui em necessidade metodológica, em teste de leis e princípios

descobertos em laboratório. A relação que Skinner parece estabelecer entre

teoria e prática, portanto, é muito peculiar e atribui à ciência aplicada, á

tecnologia, um papel crucial no desenvolvimento da ciência. Seu pragmatismo

assumiria assim uma função muito mais importante do que se poderia supor á

primeira vistas a necessidade de uma ciência aplicada seria uma necessidade

metodológica, enquanto teste dos princípios experimentalmente testados, e

contribuiria significativamente para o avanço da ciência; mais que isto, não


145

poderia ser tomada senão como parte integrante e necessária desta.

O desenvolvimento desta proposta científico-tecnológica aplicada ao

homem e á sociedade exigirá, assim, que Skinner aborde mais especificamente

o comportamento humano. Skinner defende a aplicabilidade das leis

comportamentais ao homem quando defende sua submissão a leis e ao

controle de variáveis, mas também dá um outro passo de suma importância ao

defender a especificidade do comportamento e do ambiente humanos (suas VD

e VI). Esta especificidade é ainda explicitada na noção de que o homem é o

construtor do ambiente que o determina, é agente e produto de seu

comportamento, e de que o controle exercido sobre ele, na maioria das vezes

indireto, torna-o um produto social, não menos determinado, ou submetido a

leis essencialmente diferentes das que vinha descobrindo, mas, sem dúvida,

mais complexo. Isto significa que o comportamento humano e suas

determinações não se resumem a interações particulares e individuais, mas

que suas relações mais relevantes estão no ambiente social, na formação e

transformação da cultura e da sociedade.

É como se Skinner não pudesse, a partir dai, tornar outro caminho senão

o de tentar desvendar e compreender a sociedade humana, tornando sua

psicologia uma psicologia voltada para a compreensão e transformação da

sociedade. Isto abre caminho para que se adeque, se complete, se

complexifique seu sistema explicativo, a fim de poder abarcar o homem, a

sociedade e suas especificidades. Ao reconhecer isto, Skinner torna possível

ampliar, ou mesmo transformar, seu sistema explicativo — mesmo que seja de

forma apenas parcial, ou mesmo marginal — para poder explicar não apenas o

homem, mas para poder explicá-lo no complexo ambiente que é a sociedade


146

em que vive, e para poder propor as mudanças que uma tecnologia do

comportamento julgar necessárias.

Resta ainda, e Skinner não se furta a isto, definir claramente o papel e

as tarefas de tal ciência do comportamento --• ou aqui, uma psicologia

experimental - aplicada ao homem. Pela primeira vez de maneira clara e

inequívoca, Skinner defende a psicologia como via de solução de problemas

"na educação, lei, indústria, negócios públicos, e governo". Ou seja, a

psicologia que se refere a indivíduos e não a médias estatísticas abstraías não

é uma psicologia de leis individuais e especificas; é uma ciência capaz de

resolver — pelo menos em tese — problemas que são de grupos inteiros,

problemas que são genéricos no sentido de serem gerais, mas que são

individuais no sentido de a todos afetarem. E uma psicologia da sociedade a

que se apresenta aqui, mas não é uma sociologia porque os supostos em que

se baseia e os conceitos de que se utiliza são os mesmos descobertos em

relação ao comportamento individual e porque seus resultados devem, em

princípio, ser satisfatórios para o grupo, mas também para todo e qualquer

indivíduo envolvido.

Se o objeto de tal ciência está presente nas mais variadas esferas da

vida humana, seu objetivo é o mesmo que desde sempre Skinner defendeu -

a previsão e o controle. 0 que parece se explicitar aqui é a necessidade de que

este controle, que sempre existiu, passe a ser exercido pela ciência. Skinner

passa a defender, a partir daqui explicitamente, a ciência como único caminho

efetivo e eficiente para o controle da vida social humana. O que era objetivo

da ciência, e foi tornado critério de sua efetividade, ê agora afirmado como

necessidade ética, único caminho real de solução dos problemas humanos, de


147

minoração da infelicidade, de desenvolvimento da sociedade.

"Usualmente não há necessidade de justificar uma teoria do comportamento


quando suas potencialidades são tornadas claras, já que elas são imensas. "
(...)
"Qualquer que seja seu campo, o cientista social atualmente não encontra na
ciência da psicologia um esquema conceituai com o qual possa falar sobre o
comportamento humano consistente e eficientemente." (...)
"Há uma necessidade maior ainda de tal teoria naqueles campos do empenho
humano em que práticas cientificas rigorosas não são ainda viáveis. Por
exemplo, um amplo exame critico de nossas práticas educacionais está
atualmente em andamento. Isto é basicamente um programa de engenharia
psicológica. Ainda assim, está sendo projetado e levado adiante com uma
concepção bastante irrealista do comportamento humano." (...)
"Nosso sistema legal, para dar outro exemplo, é baseado numa forma de teoria
tradicional ainda mais antiga. Está se tornando cada vez mais difícil reconciliar
nossa moderna concepção de homem e sociedade com a noção legal de
responsabilidade pessoal" (...)
"A falta de uma compreensão adequada do comportamento humano é mais
cruamente sentida no governo e nos negócios humanos." (1947b, pp.310, 311)

A psicologia como ciência passa a ser defendida, portanto, como

possibilidade tecnológica de resolver problemas nos mais variados campos da

vida humana. Aqui está, mais uma vez, a demonstração da confiança de

Skinner na generalidade de seus dados (pelo menos potencialmente), e da sua

confiança na generalidade e uniformidade das leis da natureza — estas não só

podem ser generalizadas de outros, organismos para o homem, do laboratório

para a vida cotidiana, mas também para fenômenos que muitos vêem como

particulares, específicos e sujeitos a leis próprias (como a política, o governo

etc). Mais importante ainda, aqui está explicitada a confiança de Skinner na

necessidade da ciência como forma principal de intervenção no mundo.

Delineia-se também o programa de ação de sua ciência. A ciência cabe

construir uma concepção de comportamento humano que lhe permite servir

de ferramenta para outras áreas do conhecimento, e para as principais

esferas da vida social humana. A ciência do comportamento cabe a tarefa de

descrever os controles pré-científicos utilizados na educação, indústria, leis e

governo e permitir sua substituição por outros princípios, possibilitando um


148

controle do comportamento mais eficiente e gerando uma tecnologia que

permita tal controle.

Mas Skinner afirma ainda um outro papel para a ciência do

comportamento:

"Um papel importante de uma teoria científica do comportamento humano é,


então, substituir as teorias que povoam nosso pensamento, que são parte de
nosso discurso cotidiano, que influenciam todo nosso trato com os homens e
que estão no caminho, impedindo de aplicar os métodos da ciência aos
problemas humanos. Como todos sabem, muitos procedimentos técnicos que
melhorariam nossa prática na educação, leis, política etc estão disponíveis. A
contribuição que a ciência da psicologia pode dar a estes problemas é imensa."
(...) "A contribuição mais importante que a psicologia pode dar hoje é uma
teoria do comportamento trabalhável, no sentido presente - uma concepção de
homem que esteja de acordo com todos os fatos do comportamento humano e
que tenha sido crucialmente testada no laboratório experimental. Somente uma
teoria do comportamento efetiva e progressista pode trazer á tona uma
mudança adequada de atitude, que tornará possível aplicar os métodos da
ciência aos problemas humanos em todos os campos." (1947b, pp.310 a 312)

A ciência do comportamento é defendida como ciência que deve ter

valor ideológico — como conjunto de idéias que podem dirigir a ação dos

homens na construção do mundo em que vivem. Cabe á ciência construir uma

concepção de mundo e de homem, uma concepção que permita a todos os

homens olharem para si mesmos e para a sociedade a partir da perspectiva da

ciência, o que é condição primeira, do ponto de vista de Skinner, para que se

possa dar o passo seguinte, que é gerir cientificamente a sociedade e, mais

ainda, aprofundar o conhecimento científico dos homens e do mundo a partir

desta gestão. E, dado relevante, a este papel Skinner atribui, aqui pelo menos,

prioridade. Caberia, assim, â ciência e ao cientista um papel como formador de

consciência, um papel que indicaria caminhos de construção do mundo, a partir

de idéias extraídas de princípios e leis cientificamente descobertos, portanto,

elas também científicas — neutras e objetivas. Apenas estas idéias, apenas um

programa que se constituísse de princípios cientificamente estabelecidos


149

poderia sustentar a construção de uma sociedade cientificamente planejada;

uma sociedade que não poderá ser transformada a não ser por novas

descobertas científicas, e que neste processo não só resolverá seus problemas

mais candentes, como os resolverá sem a interferência de critérios de valor ou

de concepções atrasadas. Este papel, inclusive o de convencimento da

sociedade, caberia ao cientista.

Não parece que é algo muito diferente disto que será defendido em

Walden II em Science and Human Behavior, e é possivelmente, pelo menos em

parte, este o papel que estes dois livros desempenham na obra skinneriana.

Seriam obras que pretendem explorar as possibilidades metodológicas,

conceituais, tecnológicas e ideológicas da ciência do comportamento, do modo

como é aqui apresentada. Deste ponto de vista, ganha relevância a

interpretação de que aqui Skinner estaria anunciando, por assim dizer, um

novo programa - um programa de explicitação e de desenvolvimento de sua

proposta para o homem e a sociedade, e, neste sentido, o programa maior de

sua atividade como cientista.

Este artigo é interpretado aqui como preparando o leitor para o que

Skinner defenderá nos seus próximos trabalhos, demarcando o papel e as

principais características de sua ciência do comportamento humano, e também

como que colocando em perspectiva os livros de 1948 e 1953, emprestando-

lhes um lugar em sua obra, localizando-os num determinado contexto, num

dado momento de construção de seu sistema. A proposta de Walden II pode

ser um mero exercício literário, mas pode também ser um exercício

preparatório de teorização sobre uma tecnologia do comportamento; e Science

and Human Behavior pode ser o momento máximo de teorização sobre fatos já
150

acumulados e agora aplicados ao comportamento humano, ao mesmo tempo

em que se constitui em exercício de interpretação. O conjunto dos três

trabalhos parece se constituir na proposta e na tentativa de demonstrar a

viabilidade concreta de uma ciência do comportamento humano voltada para

solução dos problemas do homem pela via da transformação da sociedades

uma ciência com método e objeto próprios, com um conceituai teórico que no

seu essencial é suficiente para descrever o comportamento humano e a

sociedade, e que pode tornar-se tecnologia eficiente.

O desenvolvimento e a sistematização de uma ciência do

comportamento humano - 1948 a 1953

Ao analisar o artigo de 1947 - Current Trends in Experimental

Psychology - se afirmou um papel especial para o texto, no sentido de

representar o inicio de um novo período no trabalho de Skinner. Uma das

características que marcariam este novo trabalho seria a busca de

sistematização de uma ciência do comportamento humano. Na sua auto-

biografia, ao se referir a este artigo, Skinner afirma:

"Eu defendi sua importância <trabalho experimental com animais e homens>


numa conferencia na Universidade de Pittsburgh, em marco de 1947, sobre
'Tendências Atuais na Psicologia'. Muito tinha acontecido às tendências desde
que eu entrara no campo. A conferência tornava claro que a psicologia era
agora importante na vida cotidiana." (...) "Eu estudara nada, exceto 'psicologia
experimental ', e este foi o tema que me solicitaram discutir. Eu reconheci a
importância relativa diminuída de uma ciência de laboratório, mas defendi sua
relevância geral. Sua tarefa era desenvolver uma teoria que seria útil em todos
os campos do comportamento humano. Teorias eram simplesmente afirmações
sobre organizações de fatos, e 'gostassem ou não os psicólogos experimentais,
a psicologia experimental está adequada e inevitavelmente comprometida com
a construção de uma teoria do comportamento'." (1979, pp.342, 343)

Skinner parece assim referendar a interpretação aqui adiantada, no

sentido de reconhecer a relevância da psicologia como descrição do


151

comportamento humano em situações não controladas e a urgência em tornar

a psicologia experimental - sua forma de fazer psicologia – uma teoria

sistemática capaz de abordar "todos os campos do comportamento". Mais

ainda, indica a importância de uma relação entre ciência básica e aplicada na

construção deste conhecimento, ao reconhecer o compromisso da psicologia

com a vida cotidiana dos homens.

A questão que se coloca é se seus próximos trabalhos publicados se

distanciariam muito deste projeto. A resposta que aqui é dada à questão é que

não. Entretanto é preciso esclarecer os argumentos para esta afirmação.

Ao publicar Walden II, Skinner certamente se afasta de seu estilo. Ao

invés de artigos teóricos ou de relatos de experimentos, faz uma incursão na

literatura de ficção, construindo seu texto como uma novela. Muito se

especulou sobre o fatos já se afirmou tratar-se de uma tentativa de superar

uma crise existencial, ou de ser reconhecido como escritor — um velho sonho

de juventude - ou de um cientista com pretensões de ditador. Os mais

simpáticos a Skinner frequentemente interpretam o livro como apenas um

exercício, quase uma brincadeira, que não faria parte de sua obra propriamente

científica.

O próprio Skinner, entretanto, seguidas vezes reafirmou – embora

reconhecendo uma motivação pessoal quando o escrevia — que o conteúdo do

livro não apenas expressava sua crença na possibilidade de uma ciência do

comportamento, como também que muitos anos depois ainda não o mudaria

em seus aspectos essenciais.

"Eu estava convencido de que tinha resolvido os principais problemas inerentes


ao controle do comportamento humano e quando recebi minha primeira cópia
de Walden II fiquei satisfeito- Ele parecia demonstrar o sucesso de um conjunto
de princípios subjacentes á construção da 'boa vida'. Como eu diria mais tarde
no prefácio de uma nova edição:
152

Cinco deles são encontrados também em Walden (Um) de Henry David


Thoreau: (1) Nenhum modo de vida é inevitável. Examine de perto o seu
próprio. (2) Se você não gosta dele, mude-o- (3) Mas não tente mudá-lo pela
ação política. Mesmo que você tenha sucesso em obter poder, você não será
capaz de usá—lo mais sabiamente que seus antecessores. (4) Peça apenas
para ser deixado em paz para resolver seus problemas à sua própria
maneira. (5) Simplifique suas necessidades. Aprenda a ser feliz com menos
posses.
Estes princípios poderiam ser enunciados sem o auxilio de uma ciência do
comportamento. Mas Walden descrevia apenas um Walden para Um. Thoreau
pedia apenas para ser deixado em paz como um individualista. 0 problema da
sociedade exigia algo mais, e era ai que uma tecnologia comportamental
poderia dar sua contribuição. Cinco outros princípios eram necessários:
(6) Construa um modo de vida em que as pessoas vivam juntas sem brigar,
num clima social de confiança, ao invés de suspeita, de amor ao invés de
ciúmes, de cooperação ao invés de competição. (7) Mantenha o mundo com
sanções éticas suaves mas persuasivas, ao invés de uma força policial ou
militar. (8) Transmita efetivamente a cultura para novos membros através de
um cuidado profissional com as crianças e de uma tecnologia educacional
poderosa. (9) Reduza o trabalho compulsório a um mínimo, arranjando os tipos
de incentivos sob os quais as pessoas gostam de trabalhar. (10) Não suponha
qualquer prática como imutável. Mude e esteja pronto para mudar
novamente. Não aceite qualquer verdade eterna. Experimente. Sobre estes
dez princípios 'Walden II' foi fundada e Walden II foi escrito, e quando o livro foi
publicado, mais do que nunca, eu estava convencido de sua validade. (1979,
pp.345, 346)

Além de convencido da procedência do que era defendido em Walden II

em termos teóricos, e em termos dos princípios e da estrutura de Walden,

Skinner parece reconhecer que o livro demonstraria as possibilidades de uma

aplicação tecnológica cientificamente embasada. E a reconhece tendo como

fulcro não a solução de problemas individuais, mas de toda a sociedade; mais

ainda, reconhece esta tecnologia como possível apenas a partir de uma ciência

específicas a ciência do comportamento. O próprio autor, mesmo muitos anos

mais tarde, parece manter sua posição sobre o papel da obra de 1948,

fortalecendo a hipótese aqui aventada de que se trataria da tentativa de

experimentar num sentido muito amplo - sobre as possibilidades, que então

entrevia, de sua ciência. Talvez mais importante, Skinner parecia reconhecer

este papel da ciência do comportamento - o de resolver os principais

problemas inerentes ao controle do comportamento humano - como dos mais


153

urgentes.

De outro ponto de vista, a aceitação do livro, a frequência com que é

citado como obra de Skinner, demonstram um reconhecimento público de que,

não importa se corretamente ou não, a obra é utilizada, lida e discutida como

parte substantiva da obra skinneriana.

Aqui se analisa o livro como parte integrante e importante da obra de

Skinner. O formato literário em que é apresentado pode ser devido às razões

pessoais assumidas por Skinner - ou a ele imputadas por outros - ou não, e isto

não importa muito, mas o conteúdo trazido pelo livro expressaria uma tentativa

de propor um experimento de cultura, embasado na metodologia e no

conceituai teórico da ciência do comportamento. O livro assumiria assim o

papel de se constituir em um experimento grandioso, não substituível por

pequenos experimentos. Ai as possibilidades de aplicação da ciência do

comportamento seriam demonstradas e se apresentariam novos problemas

para a pesquisa básica, ao mesmo tempo em que se desenvolveria uma

tecnologia que preencheria todas as melhores expectativas de uma ciência do

comportamento.

O livro teria uma função metodológica - a de servir de teste para um

corpo teórico estabelecido; teria uma função técnica — desenvolver e

implementar as soluções aos problemas humanos pela via de uma solução

cientifica; e teria uma função ideológica — demonstrar as possibilidades de

uma ciência do comportamento na solução destes problemas, especialmente

ao público em geral, gerando uma nova visão de mundo que permitiria a real

implementação destas soluções. Seria, assim, uma obra não apenas coerente

com Skinner, mas até mesmo fundamental. Mais ainda, poderia permitir, pela
154

própria tentativa, que se desvendasse novos problemas a serem investigados

pela ciência do comportamento, adquirindo não apenas a função de fortalecer

um sistema teórico existente, mas também a função de fazer avançar esta

ciência - uma outra faceta importante de sua função metodológica.

A forma literária talvez se explique, assim, muito mais pela possibilidade

de uma maior divulgação da obra, permitindo sua penetração em setores

maiores do público, tendência que já vinha se fazendo sentir em Skinner no

período anterior e que também aparece no artigo de 1951, How to Teach

Animais. Skinner estaria difundindo não apenas seu conceituai teórico, mas

tentando fortalecer, ou mesmo estabelecer, uma concepção de mundo que

tornasse mais viável a aceitação de sua ciência e de sua tecnologia: uma tarefa

importante para um projeto cientifico que agora almejava o controle do

comportamento humano em termos da cultura e não apenas do

comportamento individual.

A questão que se coloca é como é possível interpretar deste modo uma

obra em que, através de um diálogo, algumas figuras bastante caricatas

apresentam suas posições e soluções a respeito dos maiores problemas

humanos e das mais arraigadas concepções de mundo. Parece que o

problema que Skinner tinha ao escrever o livro era também um problema

metodológico: o de apresentar uma crítica e uma proposta ampla de sociedade,

embasada em uma ciência do comportamento que se propunha estritamente

experimental e que até então tinha apenas trabalhado com organismos

inferiores, em situações bastante controladas. Este problema é resolvido

exatamente pela proposta de um experimento de escrivaninha. As condições

controladoras são delineadas, o sujeito é escollhido, as variáveis


155

independentes e dependentes são definidas, manipuladas e medidas, e uma

discussão dos supostos e resultados e apresentada, através de um passeio por

uma comunidade imaginada.

"Eu adotei uma estratégia utópica padrão: um grupo de pessoas visitaria uma
comunidade e a ouviria descrita e defendida por um membro. Haveria um
capitulo sobre trabalho" (...). "Haveria capítulos sobre alimentação ~ cultivo,
armazenagem, preparo e distribuição" (...) "e sobre suprimentos e serviços,
incluindo medicina e odontologia. Haveria capítulos sobre o cuidado de
crianças, educação, treino ético e a família (mínima). Haveria lampejos
esparsos de diversões - música, teatro, arte, esporte - e uma vida diária no
estilo da casa de campo inglesa do século XIX, sem o problema de criados. Um
ou dois capítulos tratariam de religião e política, ou sua ausência."
(...) "Eu não sabia até terminar o livro que eu era ambos, Burris e Frazier." (...)
(...)
"Eu não precisei de muita imaginação. Muito da vida em 'Walden II' era a minha
própria, então." (...)
"Os temas que Frazier discute com Castle eu discutira com um grupo de
filósofos e críticos literários" (...) "Ao discutir as implicações de uma ciência e
uma tecnologia do comportamento com estes amigos, eu tomara uma posição
bastante extremada - que nem sempre gostaria de defender publicamente -
mas no livro eu poderia ir muito além." (1979, pp.296, 297)

A forma utópica não seria importante porque Skinner acreditava que

Walden II não poderia ser tornado realidade, ou porque os princípios de

uma ciência do comportamento não seriam aplicáveis a tal situação, mas

porque permitiria experimentar utopicamente. E um experimento desta

magnitude que era inviável, não os resultados que tal experimento teria. E,

mesmo a impossibilidade de experimentar, não significaria uma impossibilidade

lógica ou ontológica, apenas uma impossibilidade histórica conjuntural.

Assim, como Skinner mesmo indica, a própria estrutura do livro

possibilitaria esta interpretação. Capitulo a capítulo, todas as facetas relevantes

envolvidas na proposta de uma ciência e uma tecnologia do comportamento

dirigindo uma sociedade são apresentadas. Skinner discute a estrutura da

sociedades a economia e o trabalho, o governo e a organização social, a

educação, a organização familiar, a saúde, o lazer, a produção cientifica etc.

Mas discute também os supostos que regem esta estruturas a igualdade, o


156

controle positivo, a contingência de reforçamento - o pareamento da

consequência ao comportamento - , a sobrevivência como parâmetro e a

experimentação. Discute a concepção de ciência e de método que embasam

esta culturas uma ciência experimental do comportamento, voltada para as

necessidades do grupo, fundada em princípios teóricos empiricamente

estabelecidos. Discute também as consequências desta escolhas uma

sociedade planejada, organizada, sem desperdício, sem problemas sociais e

de ajustamento individual, com grandes chances de sobrevivência, explicitadas

por sua tendência de crescimento. Mais ainda, discute e contrapõe esta

alternativa a outras que pressupõem diferentes visões de mundo, de homem e

de conhecimento. Apresenta enfim algumas das bases conceituais desta

sociedade: o controle operante e respondente do comportamento, o

reforçamento positivo em oposição ao controle aversivo, o controle do

comportamento pela consequenciação e pela regra, a modelagem e a

manutenção do comportamento adequado, o controle de estímulos como

facilitador da manipulação do comportamento.

O que tal esforço teria permitido a Skinner seria a possibilidade de

apontar os limites e de fortalecer a viabilidade de uma sistematização

conceituai, metodológica e técnica de sua ciência, quando aplicada ao caso

humano: descortinar os resultados da aplicação de uma tecnologia

comportamental à sociedade e descobrir algumas das áreas e problemas de

investigação que se fariam mais urgentes, além de alguns dos aspectos de

aplicação mais problemáticos. Esta interpretação mais uma vez é fortalecida

pela seguinte passagem da auto—biografia de Skinner:

(...) "em uma nota intitulada 'O que eu tenho a dizer em 13 de janeiro de 1947',
eu listei quatro itens, dois dos quais como se segue:
157

Comportamento Verbal - mais alto nível — uma construção rigorosa de uma


ciência do CV. O elo perdido entre comportamento animal e comportamento
humano. Parte de uma grande construção de uma rigorosa ciência do
comportamento.
Conferências sobre Comportamento Verbal - Uma interpretação de uma
análise causal do CV. Sem detalhes. Exemplos de rigor, mas não análise
completa.
(...)
"O quarto item de 32,a 'descrição experimental do comportamento', tinha se
tornado em 47:
Trabalho Experimental com Animais e Homens — Avanço rigoroso de
uma ciência do comportamento.
Questão da unidade, por exemplo, vem aqui. Probabilidade de
Resposta = taxa
Atos Complexos."
Eu defendi sua importância numa conferência na Universidade de Pittsburgh
em Março de 1947, sobre 'Tendências Atuais na Psicologia'" (...)
(...)
"Meu plano de campanha <em 1932> naturalmente não tinha previsto outros
produtos do tempo e do acaso. Eu não poderia ter previsto os acidentes que
levaram ao 'Verbal Summator', Projeto Pombo e Walden II, (. . . )
Também não havia nada em meu plano de campanha como o quarto e final
item da nota de 47:
Controle do Comportamento Humano - Um livro para o leigo culto sobre as
implicações de uma ciência do comportamento - com o suficiente sobre esta
ciência para servir como texto introdutório. Titulo?: O controle do Homem.
(1979, pp. 342, 344)

Vários comentários parecem cabíveis aqui. Embora Skinner atribua

quase um caráter de acaso á produção de Walden II (2), certamente reconhece

que o livro não é deslocado em relação ao que considerava, em 1947, como os

aspectos mais importantes a que deveria se dedicar como cientista, e

reconhece a sua importância neste contexto.

Em segundo lugar, é interessante que esta nota -- que Skinner chama

de um "plano de campanha" - tenha sido feita em 1947, data que aqui se

considera como marcando um novo período, novas prioridades, em seu

trabalho. Isto também fortalece a interpretação que aqui se defende.

Especialmente considerando—se os itens da nota, iniciando pela ênfase no

comportamento verbal, já discutida e reconhecida como fundamental para a

formulação de uma ciência do comportamento humano e aqui afirmada como

parte de uma "ciência do comportamento rigorosa". Soma-se a isto o item que


158

enfatiza a experimentação, não apenas com animais, mais uma vez indicando

uma nova marca no desenvolvimento do sistema skinneriano: seu

compromisso com o comportamento humano. Skinner afirma ainda como

prioritário o controle do comportamento humano e uma análise de suas

implicações, numa alusão a outra marca de seu trabalho no período: a

preocupação com uma tecnologia que permita a manipulação do

comportamento para solução dos problemas humanos. A importância atribuída

á divulgação de uma análise do comportamento verbal e do controle do

comportamento corroboram a noção de que Skinner considerava como

fundamental, pelo menos neste período, a divulgação de seu trabalho como

meio de desenvolver uma concepção cientifica de mundo nas pessoas em

geral, uma vez que ele se refere explicitamente a este tipo de divulgação e não

simplesmente á divulgação em moldes estritamente acadêmicos; o que parece

reafirmar o papel ideológico que atribui à ciência, e mais especialmente, ao

cientista, no artigo de 1947 (3).

Ao se atentar para o item que afirma a importância do trabalho

experimental com animais e homens, a referencia à discussão de qual é a

unidade de resposta de uma ciência do comportamento - "probabilidade de

resposta = taxa" - e a afirmação da necessidade de experimentar sobre atos

complexos servem como parâmetro interessante para se avaliar os dois artigos

destes anos, em que Skinner apresenta dados empíricos.

Em Are Theories of Learning Necessary?, de 1950, além de uma

recorrente discussão sobre o papel da teoria na construção de uma ciência,

que parece muito mais pretexto para uma discussão teórica, Skinner apresenta

as possibilidades de uma ciência do comportamento descrever alguns dos


159

chamados processos superiores de aprendizagem como escolha, matching

etc. No artigo, Skinner afirma que esta possibilidade é dada pela noção de que

o comportamento operante — dado seu caráter emissivo — é adequadamente

estudado a partir da noção de probabilidade de resposta, medida pela

frequência. A probabilidade parece substituir a noção de reserva e serve

perfeitamente ao objetivo expresso no binômio previsão e controle; é quase

que consequência deste suposto, pelo menos no sentido de que é a

preocupação com a previsão do comportamento que leva à priorização de sua

probabilidade futura como medida da ciência (4)-

"Não é por acidente que a taxa de resposta é bem sucedida como um dado,
porque ela é particularmente adequada à tarefa fundamental de uma ciência do
comportamento- Se vamos predizer comportamento (e possivelmente controlá-
lo), devemos lidar com probabilidade de resposta. (1950, p.76)

No artigo Some Contributions of an Experimental Analysis of Behavior

to Psycholoqy as a Whole (1953a). Skinner reafirma a probabilidade como

dado básico da ciência do comportamento e discute pela primeira vez

sistematicamente os esquemas de reforçamento com uma clara ênfase á

manutenção do comportamento e uma abordagem analítica do

comportamento- Os esquemas de reforçamento são apresentados a partir de

dados de laboratório com animais, mas uma extensão á análise do

comportamento humano é adiantadas muitos atos complexos, como o padrão

comportamental de um trabalhador, ou o de um jogador compulsivo são

interpretados á luz dos esquemas de reforçamento. Há aqui mais do que uma

extensão dos resultados com animais para o comportamento humano, há

também uma indicação do poder de controle do comportamento que uma

compreensão científica destes processos permitirias mesmo que isto não

implique o mesmo tipo de quantificação, por principio Skinner assume que as


160

leis descobertas no laboratório são relevantes para a compreensão e o

controle do comportamento (5).

"A extensão de tais resultados ao mundo em geral frequentemente encontra


certas objeções. No laboratório escolhemos uma resposta arbitrária e
mantemos o ambiente tão constante como possível. Os nossos resultados
podem se aplicar ao comportamento de variedade muito maior, emitido em
condições que estão constantemente mudando?" (...) "A resposta aqui é aquela
que deve ser dada por qualquer ciência experimental. A experimentação de
laboratório é delineada para tornar óbvio um processo, para separar um
processo de outro e para obter medidas quantitativas." (...) "A história da
ciência mostra que tais resultados podem ser efetivamente estendidos ao
mundo em geral." (...) "O que estendemos do laboratório para o mundo casual,
onde uma quantificação satisfatória é impossível, é o conhecimento de que
certos processos básicos existem, são sujeitos à lei e de que eles
provavelmente explicam os fatos desagradável mente caóticos com que nos
defrontamos. 0 ganho prático em efetividade que é derivado de tal
transferência de conhecimento pode ser, como as ciências naturais têm
mostrado, enorme." (1953a, p.78)

Estas mesmas afirmações parecem estar na base do que Skinner

propõe em Science and Human Behavior que se considera como talvez um dos

mais importantes trabalhos de toda a obra de Skinner, sobretudo por seu

significado histórico: trata-se de primeiro livro que aborda sistematicamente -

de forma ampla e genérica — o comportamento humano na linguagem da

ciência do comportamento e trata—se de uma tentativa de analisar o

comportamento humano individual e social, o homem e a sociedade.

Representaria, assim, não apenas a síntese de um período iniciado em 1947,

mas também a síntese que estava apenas implicitamente prometida em

1931, e também apresentaria um Skinner que declaradamente não busca

apenas descobrir, em laboratório, princípios conceituais, mas que se

caracteriza como autor preocupado com a ciência em geral, com o homem e a

sociedade; algumas de suas mais louvadas e criticadas características. Em

1953 (b), as possibilidades de uma ciência do comportamento humano são

analisadas e, mais importante ainda, é feita uma sistematização teórica que

talvez não tivesse sido possível sem o trabalho de 1948- Science and Human
161

Behavior representa para alguns um refrescante retorno a um estilo mais

acadêmico de Skinner, para muitos uma de suas obras mais importantes. A

primeira coisa a ressaltar, entretanto, é que aqui também Skinner, num certo

sentido muito importante, não está seguindo a regra que ele mesmo parece ter

se imposto de construção de uma ciência em pequenos passos experimentais,

em que a teoria quase que se resume numa síntese, sem grandes saltos, de

dados empiricamente obtidos. Em 1983, referindo-se ao curso que ministrava

em Harvard na década de 50 e que originou o livro de 1953, afirma:

"Meu tratamento do comportamento humano era em grande parte uma


interpretação, não um relato de dados experimentais. Interpretação era uma
prática cientifica comum, mas os metodológos haviam dado pouca atenção a
ela." (1983, p.27)

Science and Human Behavior indiscutivelmente vai muito além disto,

mas talvez este fato não tenha sido frequentemente apontado pelo aparente

formato empírico do livro. Entretanto, ê apenas nos capítulos conceituais que

se poderia dizer que Skinner está teorizando no sentido que admite e mesmo

assim com alguma liberalidade. As extensões feitas ao comportamento

humano, a análise das relações de controle entre os homens e das agencias

controladoras certamente são mais do que simples interpretação, mais do que

meras extrapolações; São proposições que, mesmo fundadas numa dada

interpretação do comportamento humano e num conjunto de leis

comportamentais, certamente poderiam ser referidas como um novo corpo

teórico uma vez que organizam os dados e o campo conceituai existente em

relação a um determinado objeto; o que, em certo sentido, ê exatamente o que

Skinner afirma, ainda se referindo ao curso do qual se originou o livro, em uma

passagem que também auxilia a aparentemente difícil tarefa de traçar um

paralelo mais estreito entre Walden II e Science and Human Behavior:


162

"A despeito dos problemas práticos, eu planejei um curso que, até onde eu
sabia, era completamente novo. Seus temas principais haviam sido concebidos
em discussões com meus colegas no Projeto Pombo e com os filósofos de
Minnesota e tinham sido gestados durante meu ano <com uma bolsa>
Guggenheim. Eu toquei em muitos deles em Walden II. Afirmei um ponto
central na conferência sobre Tendências Atuais na Psicologia na Universidade
de Pittsburgh, em 1947- Havia muitas disciplinas trabalhando com o
comportamento humano, mas cada uma tinha sua própria teoria; nós
precisávamos de uma única teoria adequada para ser usada quando quer que
o comportamento humano fosse discutido, ou quando quer que algo fosse feito
sobre isto- Tal teoria viria de uma análise experimental." (1983, p.17)

E o próprio Skinner quem traça este paralelo ao afirmar a necessidade

de uma teoria do comportamento e o caráter quase cumulativo do processo de

sua construção a partir da segunda metade da década de 40, expresso nas

publicações do período, nas suas discussões e reflexões. E também o próprio

Skinner quem afirma que a explicação e manipulação do comportamento

humano, qualquer comportamento, exigia uma única teoria, uma teoria

baseada em supostos empiricamente derivados, capaz de substituir todas as

demais abordagens do comportamento humano, em todas as suas esferas;

exatamente o objetivo maior proposto no artigo de 1947.

Mas um outro paralelo se estabelece- Em 1953, como em 1948, são

apresentados os supostos da ciência do comportamento e, especialmente, a

necessidade de tal ciência para a solução dos problemas humanos. O caráter

de ciência natural atribuído a uma ciência do comportamento humano é

enfatizado a partir de suas possibilidades preditivas e manipuladas e de sua

continuidade em termos explicativos com uma ciência do comportamento dos

organismos em geral. O referencial teórico, empiricamente derivado, é

discutido enquanto uma descrição abrangente do comportamento e de suas

possíveis extensões ao comportamento humano. As noções de

comportamento, de comportamento operante, as leis de sua aquisição,

manutenção, fortalecimento e enfraquecimento, as possibilidades de controle


163

pela manipulação de variáveis ambientais são sistematizadas e logo em

seguida ampliadas quando da discussão de temas tradicionais no campo do

comportamento humano como o pensamento, a solução de problemas, as

respostas a eventos privados, a consciência etc. A peculiaridade do

comportamento social humano é analisada de modo a se demonstrar a

possibilidade de sua inclusão no referencial de uma análise experimental do

comportamento. As várias formas de controle entre os homens são então

discutidas e uma análise da estrutura social, das relações que a mantêm, de

suas consequências para a sobrevivência da cultura também é apresentada-

As possibilidades e limites de um novo tipo de controle a partir de uma gestão

científica da cultura é avaliada em relação á sobrevivência da cultura, da

felicidade e do ajustamento de seus membros. Em suma, o livro contém uma

proposta - metodológica, conceituai e tecnológica - de uma ciência do

comportamento humano.

Ambos os textos constituem tentativas de descrição ampla do

comportamento humano na sociedade. Sua diferença estaria no grau de

sistematização e de base empírica. Science and Human Behavior

representaria uma tentativa mais formalizada, mas também mais organizada e

ampla no sentido de percorrer todos os passos de uma descrição do homem e

da sociedade, enquanto que Walden II representaria uma tentativa de abordar

alguns dos problemas humanos mais urgentes, explorando especialmente as

possibilidades tecnológicas de uma ciência do comportamento, além de ser

uma tentativa mais modesta no sentido de n&o pretender, pelo menos

explicitamente, ser uma resposta nos moldes científicos.

Também parece se fortalecer a hipótese de que nestes anos Skinner usou das
164

idéias avançadas em Walden II corno material para seu trabalho posterior e,

neste sentido, Walden II adquire realmente o caráter de um experimento cujos

dados serviriam para posterior reflexão e sistematização. Os dois textos no seu

conjunto, entretanto, fortaleceriam a hipótese já referida de que Skinner

buscava construir agora uma ciência do comportamento que pudesse originar

uma teoria: uma descrição ampla das condições controladoras do

comportamento humano. E esta análise fortaleceria também a interpretação do

texto de 1947 de que, então, se tratava de, além de abordar o comportamento

humano, desenvolver uma ciência que pudesse tornar-se tecnologia a serviço

do homem, ciência pura e aplicadas Walden II constituindo-se num

experimento de ciência aplicada e Science and Human Behavior numa

teorização do comportamento humano a partir de experimentos inclusive como

o de Walden II.

Fortalece-se ainda a hipótese de que, para Skinner, há uma estreita

relação entre ciência básica e tecnologia, relação em que de uma se derivam

técnicas desenvolvidas na outra que, uma vez postas em prática, confirmam a

teoria e permitem o seu avanço. Também se fortalece a noção de que a

ciência do comportamento é tida como via privilegiada de transformação social,

substituindo outras formas de interferência e até mesmo outras ciências. E se

fortalece, além do mais, a hipótese de que, enquanto em 1931 Skinner

afirmava apenas buscar uma descrição do comportamento, agora assume

como objetivo privilegiado de sua ciência uma descrição que se traduz pelo

binômio previsão e controle.

A palavra 'controle' começara a aparecer em minhas notas em Minnesota, e o


quase absoluto controle do organismo obtido no Projeto Pombo tinha deixado
sua marca." (...)
Eu sabia que a palavra era problemática. Porque não suavizá-la para 'afetar'
ou 'influenciar'? Mas eu era um determinista e controle significava controle, e
165

nenhuma outra palavra serviria. Pelo contrário, eu pensava que tinha


demonstrado alternativas efetivas a seus modos objetáveis," (...)
Controle sem dúvida era o coração da engenharia comportamental de Frazier,
mas Frazier não 'estava tratando as pessoas como se elas fossem pombos'."
(...) "Como a humanidade de um rim artificial, a humanidade da engenharia
comportamental não está em sua origem, mas em seu uso," (1979, p.345)

Aqui o próprio desenvolvimento de sua metodologia e de seu referencial

teórico parece ter exercido uma influência importantes embora não se possa

afirmar que sua posição em relação ao papel da ciência tenha mudado - uma

vez que a afirmação da descrição do comportamento como objetivo da ciência

poderia ser traduzida, mesmo na década de 30, pelo de previsão e controle –

pode-se afirmar que a ênfase certamente é outra agora. Por outro lado, a

possibilidade de abordar o comportamento humano, que Skinner parece ter

assumido como viável nesta época, parece ser a maior responsável por esta

nova ênfases assim como o comportamento humano talvez sempre tenha

estado no horizonte de sua ciência, o controle pode ter sempre sido seu

parceiro, uma vez que uma ciência natural do comportamento humano só faria

sentido se pudesse servir como ferramenta de transformação para o próprio

homem. O que teria mudado seria apenas a possibilidade de expressar mais

claramente este compromisso.


166

PARTE II

CIÊNCIA DO COMPORTAMENTOS CIÊNCIA DA CULTURA

A proposta de Skinner para o homem - e a sociedade - pode ser

caracterizada antes de tudo como científico-tecnológica. E consequência,

certamente, de sua concepção de ciência. Walden II e Science and Human

Behavior parecem ser consequência da crença da urgência em resolver os

problemas humanos, e de que a ciência do comportamento poderia fornecer

estas soluções.

A proposta de Walden II é de uma sociedade fundada na valorização do

grupo, no trabalho cooperativo, no reforçamento positivo. E uma sociedade

pequena, eficiente, sem conflitos, baseada na noção de equilíbrio. Uma cultura

altamente produtiva do ponto de vista econômico, cientifico e artístico. Dizer

que Walden II é a proposta de uma sociedade cientifico — tecnológica, significa

dizer que é uma sociedade em que todos os objetivos, padrões, leis, práticas

são derivados dia ciência e da tecnologia. Significa dizer que tais práticas são

derivadas de princípios objetivos e que permitem o controle do comportamento

para a garantia da sobrevivência e manutenção do grupo e de seu

desenvolvimento. Significa dizer, ainda, que tais práticas são assumidas como

as mais eficientes e como objetivas, no sentido de que são derivadas de leis

objetivas, portanto, que as decisões tomadas em relação è sociedade são de

caráter técnico, devem estar nas mãos de técnicos e são criticáveis apenas a

partir de critérios também técnicos.

Science and Human Behavior é síntese que demonstraria a


167

possibilidade e as vantagens de tais práticas. Em Science and Human Behavior

o leitor descobre que a ciência do comportamento é ciência compreensiva,

capas de explicar os fenômenos comportamentais - individuais e grupais - de

prever e de propor alternativas para o homem e a sociedade.

No seu conjunto, os livros apresentam a concepção skinneriana de

sociedade, e a proposta de uma ciência capaz de analisar e cultura e

implementar transformações. Nada de novo no sentido do papel que Skinner

sempre parece ter atribuído ao conhecimento científico, absolutamente

inusitado no sentido de que se esclarece o alvo maior desta ciência. Skinner

parece representar um exemplo privilegiado de uma visão cientificista de

inundo, que pretende tornar plenamente objetivas todas as esferas da vida, e

que arrima tal pretensões sobre uma concepção de mundo muito especial.

Embasado em sua visão de ciência e de mundo, recusa a política e a

ética como mecanismos de transformação e manutenção da cultura. Edesta

recusa derivam, pelo menos em parte, a facilidade com que supõe que se

constituiria uma nova sociedade, a possibilidade de convivência entre duas

sociedades tão diferentes, como por exemplo 'Walden II' e a sociedade

americana -, a quase ingenuidade com que avalia as decisões e práticas

políticas da sociedade em que vive, a ênfase que atribui á manutenção da

sociedade cientificamente gerida e das práticas culturais dai decorrentes.

Alguns princípios parecem marcar especialmente a análise skinneriana

do homem e da sociedade. Em primeiro lugar, a valorização do grupo em

detrimento, num certo sentido, do indivíduo. Tal valorização do grupo, como

critério, é decorrência de uma posição anterior de uma oposição indissolúvel

entre indivíduo e sociedade e de uma primazia também indestrutível da última.


168

No entanto, esta oposição quase que se desvaneceria numa sociedade

cientificamente gerida. Isto porque a sociedade organizada pela ciência do

comportamento permitiria que finalmente os homens trabalhassem e

convivessem em bases estritamente cooperativas - uma impossibilidade

filogenética, de sobrevivência, até o advento da ciência do comportamento -,

transformando as relações interpessoais e possivelmente a relação com o

grupo- Além disto, uma sociedade planejada, como a defendida em Walden II,

tem muito mais condições de prover as necessidades de todos, de forma que a

oposição, se não desaparece, se dilui, pelo menos na medida em que os

indivíduos têm suas necessidades satisfeitas e com o tempo, controladas na

extensão, inclusive, de seu surgimento.

As dificuldades de se transformar uma cultura, para que se torne

cientificamente gerida, são tema importante na proposta skinneriana. Se são

resolvidas com razoável facilidade do ponto de vista, teórico para aqueles que

já nascidos numa comunidade como a descrita em Walden II, isto não se

reproduz para aqueles que vivem em um mundo competitivo.

De uma perspectiva teórica desenvolvida por Skinner nos anos que

precederam a publicação de Walden II, e reafirmada neste momento, tudo isto

parece possível e viável, já que a base de toda a argumentação é que o

ambiente é a variável responsável pelos repertórios comportamentais de um

indivíduos quando se planeja e controla adequadamente este ambiente obtém

se o repertório comportamentai que se previra e quanto mais amplo,

abrangente e preciso for este controle mais eficientes serão os resultados. No

entanto, do ponto de vista de como seria possível transformar estas condições,

no caso de grupos de indivíduos submetidos a um outro controle ambiental, a


169

questão é mais complexa. Skinner, antes de tudo, parece escapar, ou pelo

menos apenas passar de raspão, ao problema que é central a qualquer

proposta de transformando social: quais os fatores que determinam, de um

lado, a 'vontade' de mudança de alguns indivíduos em uma dada sociedade, e

de outro, as vias concretas desta mudança. A solução destes problemas tem

sido o fulcro do debate cientifico e político travado por todos aqueles que

propõem mudanças sociais. Skinner escapa ao problema, parece, ao

apresentar uma sociedade já pronta, em certo sentido já constituída, assim

como parece escapar do problema ao defender, como o faz seguidamente, que

importante é a manutenção do comportamento e não a sua formação. Isto se

agrava aparentemente, quando se atenta para o fato de que esta ênfase na

manutenção do comportamento é algo que se torna maior a partir de 1947 ou

1948 Está presente na proposta de 'Walden', está presente na importância

atribuída aos esquemas de reforçamento, na análise que faz da sobrevivência

enquanto critério de avaliação de uma cultura em 1953.

Assim, embora Skinner afirme técnicas de auto—controle e a obediência

a um conjunto de regras existentes como solução para o problema da

transformação de um homem competitivo em cooperativo, tudo isto é menor do

que a ênfase nas muitas técnicas que visam manter o comportamento ou

repertório, uma vez instalados, além do que, do ponto de vista teórico, são

discutíveis as técnicas que apresenta como solução para o problema da

instalação do comportamento (por exemplo, como explicar o assentimento de

que se seguirá um conjunto de regras ao se entrar numa comunidade como

'Walden', e que ê pré—requisito para que o indivíduo passe a se comportar de

acordo com os parâmetros ali vigentes?).


170

Também marca a proposta de Skinner para a sociedade a ênfase na

utilização exclusiva do reforçamento positivo, e o abandono das técnicas de

controle aversivo. Tem sido muito enfatizado que Skinner, obviamente,

reconhece que todo comportamento é determinado e que nega o livre arbítrio.

Embora tal aspecto seja associado, frequentemente, a uma possível postura

retrógrada e reacionária de Skinner, isto parece ser um engano: a afirmação do

determinismo, não se confunde com a afirmação do totalitarismo, seja histórica

ou logicamente, do mesmo modo que não se confunde com elitismo ou com

conservadorismo, Skinner, por seu turno, enfatiza que o uso do reforçamento

positivo como forma de controle do comportamento humano numa sociedade

planejada é o caminho para a liberdade real <a sensação de liberdade), para a

produtividade e o crescimento, para a felicidade e para a igualdade, que

acabam por se tornar valores defendidos, especialmente em Walden II

Toda a defesa do controle positivo do comportamento se baseia no

argumento de que este ê mais eficiente que o controle aversivo, porque não

gera contra-controle, e de que o comportamento assim gerado é mais

facilmente mantido. Apesar de vários sub~produtos desejáveis (como a

sensação de liberdade, a felicidade), a razão apresentada explicitamente para

o uso do reforçamento positivo é afirmada como técnica, isto é, científica e

neutra. Tudo isto tornaria o seu uso uma necessidade objetiva e sua

viabilização - as formas como é organizado e efetivado o controle da vida dos

indivíduos e da comunidade - também seria um problema técnico cujas

decisões são, mais uma vez, objetivas e neutras.

O controle positivo do comportamento, a cooperação como base das

ações sociais, a valorização do grupo, como padrões de uma sociedade


171

cientificamente planejada, levariam, como afirma Skinner, a uma sociedade

eficiente e altamente produtiva, tanto do ponto de vista econômico, como do

ponto de vista da produção intelectual. Tal sociedade se manteria e se

desenvolveria tanto qualitativa como quantitativamente, o que coloca mais um

importante ponto de discussão sobre a proposta skinneriana de cultura. Ao

mesmo tempo em que prega que o critério de avaliação final de uma cultura é

sua sobrevivência, que o que importa é o planejamento das condições

presentes que garantam a manutenção do grupo e o conhecimento e controle

das forças presentes que atuam sobre a sociedade, Skinner tem os olhos

voltados para o futuro e para o desenvolvimento que é mais qualitativo do que

quantitativo.

Pretende que sua ciência torne possível algo que parece negar do ponto

de vista metodológico - um salto qualitativo na evolução do homem - e

pretende que a sociedade planejada segundo sua ciência permita este salto,

tanto do ponto de vista do grupo, como do indivíduo. Pretende ainda, que a

transformação seja a característica maior da cultura cientifica, outro

pressuposto que aparentemente contradiz o pressuposto da manutenção das

leis comportamentais que são vistas como universais e ahistóricas, e que

reintroduz a questão do valor na proposta skinneriana. Talvez estas aparentes

contradições se resolvam no pressuposto de que mesmo se transformando a

sociedade, as trocas sociais e todos os processos comportamentais são

baseados na noção de equilíbrio, e não de oposição, de conflito. Assim, mesmo

as mudanças qualitativas seriam, em última instância, consequência da

manutenção do equilíbrio, e não consequência de uma nova ordem de coisas,

de leis. As transformações não se constituiriam em solução de conflitos, mas


172

na manutenção do próprio equilíbrio, e deste modo, não se alterariam as leis

que regem dois estados de coisas aparentemente diferentes. Este pressuposto

é tão importante que marcará profundamente suas análises e propostas das

agências controladoras da cultura.


173

Capitulo 4

A CIÊNCIA COMO FERRAMENTA DE INTERVENÇÃO E


TRANSFORMAÇÃO SOCIAL
Podemos nos consolar com a reflexão de que a
ciência é, ao final de contas, um progresso
cumulativo no conhecimento que é devido apenas
ao homem e que a maior dignidade humana pode
ser aceitar os fatos do comportamento humano a
despeito de suas implicações momentâneas.
(Skinner)

O papel da ciência do comportamento na cultura

Desde as primeiras páginas, em Walden II, a pesquisa e a ciência como

caminho de solução para os problemas humanos e, mais, para os problemas

sociais, são opostas à política e ao ensino e Skinner <1> afirma:

"A política realmente não nos daria a oportunidade que nós queremos" (...) "na
pesquisa talvez" <esteja a possibilidade de solução de problemas> (...) "no
ensino não" (1948c, p.8).

Deste modo, já desde seu início, se estabelece, em Walden II – o

pressuposto de que mesmo aquelas esferas da vida que vêm sendo

tradicionalmente entendidas como alheias às ciências naturais só poderiam,

para Skinner, ser transformadas segundo outros pressupostos: os da ciência.

Em Science and Human Behavior a ciência também, desde as primeiras

páginas, é apresentada como parte da solução e não, necessariamente, como

parte dos problemas do mundo moderno. A solução cientifica se fundamentaria

no desenvolvimento de uma ciência comprometida com o conhecimento do

homem - da "natureza humana". Só este conhecimento é que pemitiria a

adequada aplicação dos conhecimentos científicos aos problemas


174

enfrentados pelo mundo modernos

"Pode não ser a ciência que é errada, mas apenas sua aplicação. Os métodos
da ciência têm sido enormemente bem sucedidos onde quer que tenham sido
tentados. Não precisamos nos retirar naqueles campos em que a ciência já
avançou. E necessário apenas trazer nossa compreensão da natureza humana
ao mesmo nível. Na verdade, esta pode ser nossa única esperança. Se nós
pudermos observar o comportamento humano cuidadosamente de um ponto de
vista objetivo, e pudermos vir a entendê-lo pelo que ele é, poderemos ser
capazes de adotar um curso de ação mais sensato. A necessidade de se
estabelecer tal equilíbrio é hoje largamente sentida, e aqueles que são capazes
de controlar a direção da ciência estão agindo de acordo com isto. Entende-se
que não há vantagem em aprofundar uma ciência da natureza a não ser que
ela inclua uma ciência similar da natureza humana, porque apenas assim os
resultados serão sabiamente utilizados. E possível que a ciência tenha vindo
em socorro e que a ordem será finalmente atingida no campo dos assuntos
humanos." (1953b, p.5)

A ciência, enquanto possibilidade de solução de problemas, abrange a

ciência que se ocupa de aspectos propriamente materiais da vida, as ciências

exatas; mas é também a ciência que se transforma em engenharia

comportamental, a tecnologia que se ocupa de solucionar os problemas

psicológicos e os problemas da vida grupais as ciências humanas. Além de

incluir como objeto desta ciência os problemas afetos tradicionalmente a

modelos de ciência que nem sempre são preditivos para seus padrões, Skinner

também estabelece para estes aspectos da vida, e para a ciência que deles se

ocupa, um caráter coletivo e genérico - sua ciência pretende resolver

problemas da vida grupal; trata do grupo, da sociedade, da cultura e não de

indivíduos isolados; trata de problemas sociais e não de problemas que se

restringem à subjetividade de cada um. Sua ciência não ê psicologia entendida

como ciência do sujeito isolado, individual, mas do indivíduo parte do grupo, da

sociedade como coleção indissociável de indivíduos, do grupo como um todo.

Neste sentido, sua Ciência realmente poderia substituir não apenas a

psicologia tradicional, mas as ciências humanas tradicionais, a sociologia, a

política, a história, e mesmo outras alternativas de solução de problemas, como


175

a ética, ou a religião, por exemplo.

Quanto ao desenvolvimento da tecnologia para tal propósito, o próprio

texto de 1948 como um todo é a tentativa de demonstração de sua

possibilidade. Mas há passagens em que a possível relação ciência -

tecnologia se explicita. Assim, ao discutir a atividade de pesquisa cientifica em

Walden II, após enumerar várias áreas de pesquisa, que vão do controle do

comportamento do recém nascido ao estudo de novas matérias primas - e sem

fazer qualquer distinção entre estas áreas, quanto ao método ou qualquer outro

aspecto, fortalecendo uma perspectiva de naturalização das ciências —

Skinner responde á pergunta de porque não se desenvolve institucionalmente a

pesquisa básica em Walden II, afirmando:

"Só em nosso tempo de lazer" (...) "Nosso programa de ação é melhor do que o
das suas instituições educacionais onde aquele que seria cientista se sustenta
lecionando" (...) (quanto à pesquisa básica> "Se você quer dizer
desinteressada e sem finalidade, eu o desafio a citar cinco. Ao invés disto é um
trabalho pago pelos resultados." (1948c, p.58)

Não se deve esquecer que Skinner faz este tipo de afirmação em

Walden II também por causa de sua confiança de que em uma sociedade

planejada como a que retrata, não apenas o interesse e a fecundidade da. arte

se expandiriam, mas também da ciência» Ainda assim, embora estas

afirmações devam ser contextualizadas pela noção que permeia o livro de que

a ciência do comportamento, como ali retratada, já descobriu os princípios

básicos do comportamento e que pode, portanto, servir de base a uma

tecnologia comportamental, estes argumentos também podem indicar a

posição skinneriana a respeito da relação ciência-tecnologia. Ao defender a

pesquisa de problemas práticos, concretos, como a que é fundamental â

comunidade, Skinner faz mais do que valorizar a ciência aplicada e a

tecnologia, está colocando-as no mesmo nível que a ciência básica, pelo


176

menos no sentido metodológico e epistemológico, e parece estar confirmando

a tese de que para ele ambas são atividades sujeitas aos mesmos princípios

metodológicos e que serão avaliadas segundo os mesmos critérios.

Em Science and Human Behavior este mesmo argumento está presente.

A afirmação de que há suficiente conhecimento cientifico acumulado é

explicitamente vinculada à de que tais conhecimentos podem e devem ser

usados para fins inclusive práticos- Deste modo a posição defendida em

Walden II não parece dissonante da posição que é afirmada em 1953.

"Não podemos evitar os problemas levantados por uma ciência do


comportamento simplesmente negando que as condições necessárias podem
ser controladas. Ha verdade já existe um considerável grau de controle de
muitas condições relevantes." (...) "Esses controles, que são frequentemente
mais que evidentes em sua aplicação prática, são mais que suficientes para
nos permitir estender os resultados de uma ciência de laboratório para a
interpretação do comportamento humano em seus assuntos cotidianos - para
propósitos práticos ou teóricos." (1953b, pp.21, 22)

Poder-se-ia interpretar a afirmação feita em Walden II de que toda

pesquisa serviria a algum interesse ou finalidade, como a afirmação de que não

apenas a ciência é atividade que tem seu próprio desenvolvimento vinculado às

exigências sociais, mas também como a afirmação de que toda ciência - e no

caso, a do comportamento — almeja, em última instância, a intervenção

concreta no mundo, a aplicação de seus princípios a problemas concretos,

almeja, enfim, tornar-se tecnologia. E esta interpretação parece ser fortalecida

se se recorda que a concepção skinneriana de ciência, desde seus primeiros

anos, quando ainda associada primordialmente à pesquisa básica, sempre foi a

de que a ciência busca a descrição de fenômenos, descrição que mais tarde

passa a ser explicitada no binômio previsão e controle, que pode ser facilmente

traduzido por manipulação e por tecnologia. Nada disto, entretanto, parece

retirar da ciência aplicada, da tecnologia, a exigência de que esta esteja


177

comprometida com o mesmo rigor e os mesmos pressupostos da chamada

ciência básica porque a causalidade é a mesma, Ainda em Science and Human

Behavior Skinner afirma:

"A predição adequada em qualquer ciência requer informação sobre todas as


variáveis relevantes, e o controle de um objeto de estudo para propósitos
práticos faz as mesmas demandas»" (1953b, pp. 32, 33)

Sobre as motivações, as finalidades da ciência, Skinner adota uma

postura que parece, à primeira vista, contraditória com esta concepção de

ciência entendida como controle, como manipulação planejada do mundo.

Afirma, de um lado, a motivação para o fazer ciência como natural:

"Nós apelamos para a curiosidade que é característica da criança não limitada


tanto quanto do adulto alerta e inquisitivo. Apelamos para este impulso para
controlar o ambiente que faz o bebê continuar a amassar um pedaço de papel
barulhento e o cientista continuar a progredir em sua análise preditiva da
natureza. Não precisamos motivar alguém criando necessidades espúrias.”
(1948c, pp. 125, 126)

Se neste trecho Skinner afirma uma crença na natureza curiosa do ser

humano, como motivação básica da ciência, esta curiosidade é identificada

com "um impulso para controlar o ambiente", ou seja, com a necessidadde de

manipulação controlada do mundo e, mais que isto, esta motivação ganha

valor filogenético; adquire sentido porque satisfaria uma condição que garante

a sobrevivência da espécie sendo, portanto, necessária e universal, mola que

impulsiona a própria existência humana. Em Science and Human Behavior,

ao discutir os reforçadores primários, Skinner sugere que a manipulação do

mundo tão característica dos bebês talvez se constitua num reformador

primário. Poder-se-ia tomar esta afirmação como fortalecendo a interpretação

que se acaba de fazer. A manipulação controlada de variáveis, característica

básica da ciência natural, garantia de conhecimento descritivo torna-se, assim,

indissociada da espécie, torna-se característica da própria espécie,


178

filogeneticamente selecionada por seu valor de sobrevivência, e adquire, como

argumento, uma nova força.

Se a tendência de manipular o mundo é característica da espécie, as

diferentes formas desta manipulação certamente não foram filogeneticamente

selecionadas; pelo contrário, evoluíram historicamente e foram transmitidas

socialmente, fortalecendo-se ou perecendo, a partir de sua maior ou menor

eficiência. Cabe, assim, discutir as diferentes alternativas que agora se

colocam. Skinner não tem dúvidas de que apenas uma forma de manipulação

é plenamente adequada:

<uma análise funcional do comportamento> (...) "deve ser feita dentro dos
limites de uma ciência natural. Não podemos assumir que o comportamento
tem quaisquer propriedades peculiares que requerem métodos únicos ou tipos
especiais de conhecimento." (1953b, pp.35, 36)

A ciência, genérica e universal - ciência natural como toda boa ciência -

é análise preditiva da natureza no sentido de ser conhecimento de leis que

permitem a previsão e o controle. A ciência é entendida, assim, como ciência

da natureza, como ciência comprometida com o controle, como ciência que

implica manipulação de fenômenos na busca de identificação de relações

funcionais, e como atividade que permite a sobrevivência da espécie.

"E o que menos precisamos temer é que as satisfações simples diminuam a


conquista cientifica do mundo." (...) "Ele <o cientista> pode estar pensando na
satisfação das necessidades básicas dos outros, mas seus próprios motivos
são claramente culturais. Não pode haver dúvidas sobre o valor de
sobrevivência do espirito investigador - da curiosidade, da exploração, da
necessidade de dominar os meios, da exigência de controlar as forças da
natureza. 0 mundo nunca será totalmente conhecido e o homem não pode ser
impedido de saber cada vez mais a respeito dele." (1948c, pp.127, 128)

Além de referendar a noção de que a ciência, enquanto atividade que

leva ao conhecimento, entendido como capacidade de controle, tem valor

filogenético de sobrevivência e é, portanto, uma atividade, pelo menos em certo

sentido, natural e necessária, pré-requisito para a sobrevivência da espécie,


179

Skinner estabelece aqui uma distinção importante: ao afirmar a motivação do

cientista como cultural, parece estar falando da motivação individual, particular,

imediata e conjuntural apenas. Esta, sim, depende da cultura e da sociedade

na qual está inserida, das condições materiais nas quais a ciência é produzida

e, num certo sentido, é não neutra, já que afeta pelo menos o ritmo de

desenvolvimento da ciência em geral e das várias ciências especificas em

particular.

"A manipulação deliberada de uma cultura é, portanto, ela mesma uma


característica de muitas culturas - um fato a ser explicado numa análise
científica do comportamento humano. Propor uma mudança numa prática
cultural, fazer tal mudança e aceitar tal mudança são, todas elas, partes do
nosso objeto de estudo. Embora esta seja uma das atividades humanas mais
complexas, o padrão básico parece claro. Uma vez que uma característica do
ambiente tenha mostrado um efeito sobre o comportamento humano que é
reforçador, seja em si mesmo, ou como fuga de uma condição mais aversiva, a
construção de tal ambiente é tão facilmente explicável como acender um fogo
ou fechar uma janela quando o quarto está ficando frio." (1953b, p. 427)

Mas o impulso maior, mais básico e profundo, do fazer ciência não está

sujeito, como se pode depreender, a tais condicionamentos e a ciência no seu

essencial é, por isto, objetiva, neutra, e em certo sentido ahistórica. A tentativa

de dominar o mundo pela ciência e a própria ciência, se transmutam, assim,

em forma natural e objetiva de manipular os fenômenos, o mundo e a

sociedade e em atividade que á inquestionável; e mais, é a ciência que tem

como objetivo a previsão e o controle, a manipulação, que assume este

estatuto.

"A noção de controle está implícita numa análise funcional. Quando


descobrimos uma variável independente que pode ser controlada, descobrimos
um meio de controlar o comportamento que ê uma função dela. Este fato é
importante para propósitos teóricos. Provar a validade de uma relação
funcional através de uma demonstração real do efeito de uma variável sobre
outra é o cerne da ciência experimental." (...)
"As implicações práticas possivelmente são maiores ainda. Uma análise das
técnicas através das quais o comportamento pode ser manipulado mostra o
tipo de tecnologia que está emergindo á medida que a ciência avança, e
aponta o considerável grau de controle que é atualmente exercido. Os
problemas levantados pelo controle do comportamento humano obviamente
180

não podem mais ser evitados pela recusa em reconhecer a possibilidade do


controle." (1953b, p.227)

Não se trata, seja em Walden II, seja em Science and Human Behavior,

da defesa de um modelo de ciência que gera conhecimento meramente

compreensivo, ou mesmo contemplativo; não se trata de compreender os

fenômenos para mera satisfação de curiosidade ou para engrandecimento do

espirito; trata-se de produzir conhecimento que permita a transformação

objetiva e concreta do mundo. Apenas este modelo de ciência é avaliado e

apenas ele parece ser reconhecido como cientifico. Neste modelo, a ciência

aplicada, a tecnologia, tem papel essencial, e neste modelo a ciência é

solução técnica porque gera a tecnologia que acaba servindo de teste que

comprova sua eficiência, ou seja, seu poder preditivo, emprestando-lhe

objetividade também ao demonstrar sua efetividade. Deste ponto de vista,

confirma-se a noção de que se ciência pura e aplicada não são a mesma coisa

para Skinner, estão subsumidas aos mesmos critérios e a tecnologia é, em

última instância, critério e teste da ciência básica; é, portanto, parte desta, na

medida em que ê, pelo menos, uma das formas de demonstração do poder de

"análise preditiva da natureza" que a ciência tem. E Skinner afirma:

"O cientista pode não estar seguro sobre qual será a solução, mas, geralmente,
está seguro que encontrará uma resposta- E é um privilégio que certamente
não é partilhado pela filosofia." (1948c, p.132)

Afirma, portanto, não apenas a objetividade da resposta encontrada pela

ciência, mas também a sua universalidade em relação ao seu campo de

aplicação: não há fenômeno que não possa, pelo menos potencialmente, ser

desvendado pela ciência; não há, assim, fenómeno que não possa ser descrito,

previsto e controlado nos moldes da ciência natural. Esta universalização da

ciência natural, ou esta naturalização das ciências, é defendida em função da


181

possibilidade de manipulação que este modelo de ciência permite. Isto quer

dizer que os critérios para a naturalização da ciência estariam, de um lado, no

pressuposto ontológico/epistemológico de que os fenômenos do mundo são

constituídos de um só tipo de material e seguem a apenas um conjunto de leis,

de outro, no pressuposto de que a ciência tem um compromisso prático, um

compromisso com a intervenção no mundo, com a sua transformação, e

que para honrá-lo necessita então pautar-se no modelo das ciências naturais,

no modelo que garante a previsão com precisão.

Embora tal modelo não afaste de maneira intransigente a possibilidade

de que a ciência trabalhe com leis em diferentes níveis (leis do comportamento

individual e do comportamento social, por exemplo), certamente supõe que tais

níveis podem ter algum valor apenas pragmático, mas não são essenciais para

o avanço do conhecimento e para a aplicação prática realmente relevante

"Estamos preocupados aqui simplesmente com a extensão em que uma


análise do comportamento do indivíduo, que recebeu validação substancial nas
condições favoráveis de uma ciência natural, pode contribuir para a
compreensão dos fenômenos sociais- Aplicar nossa análise aos fenômenos do
grupo é um modo excelente de testar sua adequação, e se formos capazes de
explicar o comportamento das pessoas em grupo sem usar quaisquer termos
novos ou sem pressupor quaisquer processos ou princípios novos, teremos
revelado uma simplicidade promissora nos dados. Isto não significa que, então,
as ciências sociais afirmarão suas generalizações em ter- mos de
comportamento individual, já que um outro nível de descrição também pode ser
válido e pode até ser mais conveniente." (1953b, p.298)

(...) "a previsão no campo das ciências sociais é muito duvidosa, mesmo
quando sabemos de que estamos falando." (1948c, p.139)

Poder-se-ia argumentar que esta quase equiparação da ciência com a

tecnologia não se caracteriza como sendo a postura propriamente cientifica de

Skinner, caso em que seria apenas encontrada na publicação para leigos de

1948. No entanto, em Science and Human Behavior (e também no artigo de

1947) não parece que Skinner adota uma postura tão diferente. A mesma
182

exortação dos benefícios da ciência quando aplicada aos problemas práticos

do homem já foi apontada. Mas este argumento é ainda fortalecido pela

exortação da própria tecnologia.

"Situações práticas quase sempre são mais complexas que as de laboratório,


já que contêm muito mais variáveis e muitas que são frequentemente
desconhecidas. Este é o problema especial da tecnologia se comparada com a
ciência pura- No campo do comportamento humano, particularmente no
planejamento da cultura, devemos reconhecer uma espécie de complexidade
em face da qual não é possível manter o rigor de uma ciência de laboratório.
Mas isto não significa que a ciência não pode contribuir para a solução de
problemas cruciais. Está no espirito da ciência insistir na observação
cuidadosa, na coleta de informações adequadas, e na formulação de
conclusões que contêm um mínimo de vontade. Tudo isto é tão aplicável a
situções complexas» quanto a simples." (1953b, pp.434, 435)

Cabe assim ao cientista transformar o mundo - mundo mecânico e

cultura, que são, afinal, igualmente físicos - transmutando em problemas afetos

a ciência natural aquilo que vem sendo abordado como filosofia, ou mesmo

como fenômeno das ciências sociais. Esta naturalização e consequente

universalização da ciência traz consigo um conjunto de supostos: a ciência,

para Skinner, deve se basear em fatos, deve ser experimental no seu método,

e necessariamente envolve planejamento das condições a serem investigadas,

supõe a análise como metodologia que leva à obtenção da regularidade, deve

se ocupar das forças presentes da natureza como meio de obter o controle

desejável e necessário ao seu sucesso. Os mesmos supostos que dirigiram

sua formulação teórica, a formação conceituai da ciência do comportamento,

dirigirão agora sua análise da sociedade e sua defesa da aplicabilidade da

ciência a cultura; tornar-se-ão critério de avaliação da cultura e da intervenção

sobre a cultura. Estes supostos separam a ciência, desde o inicio e de maneira

irreconciliável, tanto da filosofia

(...) "o filósofo em busca de uma base racional para decidir o que é bom,
sempre me lembrou uma centopéia decidindo como andar. Simplesmente vai
em frente e anda! Todos nós sabemos o que é bom até que paremos para
pensar a respeito." (1948c, p.162)
183

Como da história, além das já citadas ciências sociais:

"Não, a história não lhe dará a resposta. A história nunca conduziu


experimentos de forma correta. Você poderá extrair uma conclusão oposta com
a mesma evidencia." (1948c, p.93)

No entanto, é preciso qualificar esta noção de que as leis presentes

são universais e num certo sentido imutáveis para Skinner, que afirma:

"Eu não vou falar sobre o destino mais do que falei sobre História. O passado
e o futuro são ambos irrelevantes. Nós não agimos por causa de um futuro
nem porque sabemos que haverá algum. Mas o homem muda. E característico
dele descobrir e controlar, e o mundo não permanece o mesmo, desde que
ele começa a trabalhar. (...) E esta característica sobreviverá numa
comunidade bem sucedida. Deve sobreviver ou então culturas menos
eficientes de alguma forma irão se sobrepor." (1948c, p.211)

Ou seja, para Skinner, o que permanece imutável são os processos

pelos quais o homem transforma o mundo, e são as necessidades de

manipulação e controle deste mundo — que como já foi apontado, têm valor

filogenético, são parte da natureza do homem. (E como se a natureza humana

fosse a capacidade de compreender a 'natureza humana' a partir de leis

naturais imutáveis, tornando—se ela mesma imutável). Não se trata, portanto,

de defender uma dada sociedade, um padrão específico de comportamento,

trata-se isto sim, de defender a possibilidade de que se possa manipular as leis

que regem quaisquer padrões comportamentais, as quais são universais, para

que se possa alterar os padrões presentes. Desde a década de 30 Skinner

apresentava esta característica preocupação com os processos

comportamentais que, então, traziam generalidade a seus dados empíricos de

laboratório; agora esta mesma preocupação com os processos e não com

características específicas pretende trazer generalidade e objetividade a suas

propostas para o homem e a sociedade.

"Frequentemente ê dito que 'a natureza humana é a mesma em qualquer


parte'. Isto pode significar que os processos comportamentais são os mesmos
onde quer que sejam encontrados" (...) "Tal afirmação pode ser tão correia
184

como a de que a respiração, digestão e reprodução são as mesmas em


qualquer parte. Sem dúvida há diferenças pessoais nas taxas em que várias
mudanças nestas áreas acontecem, mas os processos básicos podem ter
propriedades relativamente constantes. A afirmação também pode significar
que as variáveis independentes que determinam o comportamento são as
mesmas em qualquer parte, e este é um outro problema. 0 aparato genético
difere grandemente e é provável que os ambientes tenham mais diferenças que
semelhanças, que em grande parte podem ser atribuídas a variáveis culturais.
Naturalmente, o resultado é um alto grau de individualidade." (1953b, pp. 421,
422)

É deste ponto de vista que Skinner desconsidera a história – que

apontaria as diferenças em padrões comportamentais explícitos sem, no

entanto, poder apontar diferenças nas leis que regem os padrões – e que

afirma que o destino também não tem importância - pelas mesmas razões,

acrescidas do fato de que, no futuro, os próprios padrões comportamentais

serão ou poderão ser determinados pela ciência. Assim Skinner pretende

escapar não apenas de uma visão historicista, mas também de um postura

teleológica. Para isto, utiliza a noção de que o futuro não é o alvo primeiro da

ciência ou do planejamento cientifico da sociedade, mas sim o estabelecimento

de padrões comportamentais presentes. 0 futuro, traduzido na sobrevivência de

um dado modelo de sociedade, ou mesmo em sua supremacia sobre qualquer

outro, ê visto, num primeiro momento, como apenas um efeito colateral, cuja

probabilidade é aumentada pela ciência. Mais ainda, ao defender que os

próprios padrões culturais a serem implementados são decorrência de uma

decisão científica, Skinner, mais uma vez, escapa do que se convencionou

chamar de uma postura teleológica, uma vez que os padrões são escolhidos

por sua eficiência em relação aos problemas atuais e por seu resultado em

relação a eles, e já que o objeto de sua ciência continua a ser a manipulação

dos padrões comportamentais presentes.

"Quando falamos do planejamento 'deliberado' de uma cultura, queremos dizer


a introdução de uma prática cultural 'por causa de suas consequências'." (...)
185

"nunca é uma consequência futura que é efetiva. Uma mudança na prática é


feita porque mudanças semelhantes tiveram certas consequências no
passado." (...) "Podemos entender melhor o planejador cultural, não
adivinhando os seus objetivos ou lhe pedindo que os adivinhe para nós, mas
sim estu- dando os eventos ambientais anteriores que o levaram a defender
uma mudança cultural." (1953b, p.428)

Não se pode acusar Skinner de defender dogmaticamente um dado

padrão ou cultura específica - e mesmo Walden II poderia ser visto como uma

alternativa entre outras no seu detalhe. O que Skinner defende é um dado

padrão de formação, um fundamento cultural. Isto poderia ser interpretado

como uma vantagem de seu modelo, que seria adaptável a diferentes

condições anteriores á formação de uma comunidade, ou mesmo a mudanças

de condições ambientais quando de uma cultura já formada. No entanto, pelo

menos neste sentido - o de que a cultura deve necessariamente ser

cientificamente gerida - se justifica a identificação de Skinner com uma visão

cientificista. Esta está presente não apenas na confiança de que a ciência é

solução para os problemas humanos, mas também na crença na

universalidade e unidade do método científico e na objetividade e neutralidade

do conhecimento e das soluções nele baseadas.

A ciência, como defendida em Walden II, parece ser a única garantia

para uma sociedade planejada segundo bases seguras e com alguma chance

de sucesso. Isto porque é uma ciência capaz de prever e controlar qualquer

fenômeno, segundo um só conjunto de critérios de avaliação e é uma ciência

que permite que critérios objetivos sejam utilizados No planejamento e na

implementação e avaliação da vida social. Isto porque, uma vez descobertos os

princípios que regem os fenômenos sob sua tutela, então é possível

desenvolver tecnologia que a um só tempo confirma e permite avançar a

ciência teórica, e possibilita desenvolver soluções plenamente objetivas para os


186

problemas existentes - seja qual for sua complexidade ou origem - escapando

assim de qualquer componente subjetivo, de qualquer componente que traga a

ilusão das decisões político-éticas:

"Nada me irritava mais rapidamente do que a sugestão de que


abandonássemos a ciência ao lidar com os problemas da sociedade. Eu não
poderia defender a contento nem nove décimos do que passava por ciência
social - mas era melhor ver que alguma coisa era obviamente absurda do que
se perder no nevoeiro da filosofia social, que tudo compreende." (1948c, p.305)

Deste modo, por uma lado, a ciência e a tecnologia, como forma objetiva

de solução de problemas humanos, não podem ser substituídas por outras

formas de conhecimento que são tidas como inferiores:

"Eu podia entender a satisfação que homens como Castle podiam achar em
passar de problemas atuais para tratados antigos. Um livro antigo é um alivio
benvindo para a incerteza e desapontamento que são inevitáveis no estudo
científico de um campo novo. A pesquisa histórica pode substituir a
investigação cientifica e nos dar tempo para um cochilo honorável, enquanto
fingimos continuar." (1948c, pp.305, 306)

Por outro lado, a ciência estará sempre inacabada, enfrentará sempre

novos desafios, não apenas no sentido de que tenderá a aumentar sempre seu

poder descritivo e manipulador dos fenômenos, como no sentido de que de

seu próprio desenvolvimento deverá surgir novos problemas e desafios:

"Você pode citar um único exemplo na história da ciência para confirmar o que
você disse <que o grande trabalho estava feito>? Quando foi que uma
descoberta cientifica tornou as coisas fáceis? Pode esclarecer alguns pontos
obscuros de antes ou simplificar uma dificuldade anterior, mas sempre revela
problemas que são mais obscuros e mais difíceis - e mais interessantes!"
(1948c, p.286).

Ao caracterizar desta maneira a atividade cientifica, em oposição, mais

ou menos explicita, a outras formas de conhecimento, Skinner como que usa

do mesmo argumento que pode ser dirigido contra ele: torna a ciência natural e

não as outras formas de conhecimento, o único caminho que se opõe ao

pensamento dogmático; uma vez que esta ciência é que está aberta para

receber e incorporar como conhecimento qualquer resultado, dada sua base


187

estritamente experimental; e uma vez que esta ciência é vista como a única

forma de conhecimento disposta a perguntar, a enfrentar como problema,

qualquer fato, qualquer fenômeno do mundo.

"A ciência é, em primeiro lugar, um conjunto de atitudes. E uma disposição


para lidar com fatos ao invés de com o que alguém disse sobre eles." (...) "A
ciência rejeita até mesmo suas próprias autoridades quando elas interferem na
observação da natureza. A ciência é uma disposição para aceitar fatos mesmo
quando eles são opostos aos desejos." (...) "Cientistas não são por natureza
mais honestos que outros homens, mas, como Bridgman ressaltou, a prática da
ciência paga um prêmio excepcionalmente alto pela honestidade. E
característico da ciência que qualquer falta de honestidade rapidamente traz
desastre." (...) "Cientistas simplesmente descobriram que ser honesto - tanto
consigo mesmos como com outros - ê essencial para o progresso." (...) "O
objeto, não o cientista, sabe melhor. As mesmas consequências práticas
criaram a atmosfera cientifica na qual afirmações são constantemente
submetidas a verificação, onde nada é colocado acima de uma descrição
precisa dos fatos, e onde fatos são aceitos não importa quão desagradáveis
sejam suas consequências momentâneas. Os cientistas também descobriram o
valor de manter-se sem uma resposta até que uma satisfatória tenha sido
encontrada. Esta é uma lição difícil." (...) "Mas a história da ciência tem
repetidamente demonstrado a vantagem destas práticas." (1953b, pp.13, 14)

Por não ter pressupostos limitadores, no sentido de não assumir de antemão

hipóteses, e por não descartar por principio quaisquer dados, a ciência se

converte em força progressista no sentido de estar pronta a receber e utilizar

novas informações e de estar preparada para enfrentar qualquer novo

problema. O que está implícito nesta concepção ê a suposição de que apenas

os fatos controlam o cientista, de que a ciência é atividade que reproduz, na

forma de conhecimento, as leis da natureza. Fundado nesta concepção é que

Skinner poderá propor, então, a sua ciência como grande força renovadora e

progressista na solução dos problemas humanos. Assim discutirá a ciência do

comportamento em Walden II. Ali a ciência do comportamento é, ao lado de

outras ciências naturais, antes de tudo, a única via possível, ferramenta

privilegiada, para a construção de uma sociedade que resolva os problemas

sociais;

"A ação política era inútil na construção de um mundo melhor e os homens


188

interessados nisso fariam melhor voltando-se para outros meios tão logo
quanto possível. Qualquer grupo poderá ter auto-suficiência econômica se
contar com os recursos da tecnologia moderna e os problemas psicológicos da
vida grupai poderão ser resolvidos pela aplicação dos princípios da 'engenharia
comportamental.'" (1948c, p.15)

A tecnologia do comportamento baseada em (em alguns momentos

sinônimo de) uma ciência do comportamento é vista como mais do que um

mero conjunto de técnicas capazes de resolver pequenos problemas

conjunturais ou específicos.

"A ciência do comportamento (...) ê a ciência da ciência – uma disciplina


especial relacionada com falar sobre o falar e saber sobre o saber. (...) A
ciência em geral emerge de uma cultura competitiva. A maioria dos cientistas
ainda ê inspirada pela competição ou, pelo menos, sustentada pelos que o são.
Mas, quando você chega a aplicar os métodos da ciência ao estudo especial
do comportamento humano, o espirito competitivo comete suicídio. Descobre o
fato extraordinário de que para sobreviver devemos, em última análise, não
competir." (1948c, p.295)

Nesta afirmação Skinner confirma o que já defendia alguns anos atrás

(1936), quando caracterizava a ciência do comportamento como ciência das

ciências, ou seja, reafirma seu papel de conhecimento capaz de explicar o

próprio conhecer, de ciência que pode, finalmente, descrever - prever e

controlar - a própria atividade científica. A ciência adquire um novo estatutos

passa a poder operar em áreas até então alheias à investigação científica, e

isto ocorre através de uma ciência particular, a ciência do comportamento. Não

é qualquer outra ciência especifica que pode tomar para si esta tarefa, é

apenas a ciência capaz de explicar os processos comportamentais,

especialmente os processos comportamentais humanos. Esta explicação é que

permite o desenvolvimento de uma tecnologia comportamental (2) que, tal

como os princípios teóricos que a informam, é engenharia que pode e deve ser

aplicada em áreas até então impensadas pela ciência e de maneira tão ampla

que substitui outras formas de intervenção sobre o comportamento humano e a


189

sociedade. Ao fazê-lo, a ciência - e a tecnologia - permitem mais que a solução

dos problemas enfrentados pelo homem, possibilitam uma mudança qualitativa,

não apenas na vida social, mas na própria maneira de ser, num certo sentido,

na própria "natureza humana" que, de competitiva, torna-se cooperativa. Aqui a

ciência passa a ter um conteúdo formativo, cultural.

"Mostrando como práticas governamentais modelam o comportamento dos


governados, a ciência pode nos levar mais rapidamente ao planejamento de
um governo, no sentido mais amplo possível, que necessariamente
promoverá o bem-estar daqueles que são governados." (...) "E fácil para um
governante, ou para o planejador de uma cultura, usar qualquer poder
disponível para atingir certos efeitos imediatos. E muito mais difícil usar o
poder para atingir certas consequências últimas. Mas cada avanço cientifico
que aponta para tais consequências torna mais provável alguma medida de
auto-controle no planejamento da cultura." (1953b, p.443, 444)

Mais uma vez pode-se considerar Skinner um progressista - ou, como

alguns preferem, um utópico -, já que através da ciência do comportamento

supõe a possibilidade de se transformar qualitativamente a vida social. Além

disto, esta posição em relação á ciência do comportamento e a seu papel

parece confirmar a noção de que Skinner sempre teve tal preocupação, já que

não é preciso mudar o caráter metodológico da ciência que propõe para que

esta desempenhe um papel transformador na vida humana; muito pelo

contrário, seria o exato caráter que sempre supôs como próprio de sua ciência

que propiciaria este papel. 0 argumento que se iniciou com a defesa de um

dado modelo amplo de investigação e intervenção no mundo se encerra com a

defesa de que este modelo pode e deve ser reduzido a uma forma especifica

de produção de conhecimento e também a um objeto especifico de intervenção

- o comportamento humanos individual, grupal e cultural.

"Não causa surpresa encontrar a proposta de que a ciência deveria ser


abandonada, pelo menos por enquanto." (...) "Não há virtude na ignorância
pela ignorância. Desafortunadamente não podemos manter-nos parados:
acabar com a pesquisa científica significaria um retorno á fome e á peste e aos
trabalhos exaustivos de uma cultura escravista." (1953b, p.5)
190

A ciência do comportamento, além disso, é apresentada já em Walden II,

não apenas como solução dos problemas humanos, e como solução que

permitiria uma nova qualidade de vida, mas também como solução urgente e

necessária. Assim como a ciência em geral é vista por Skinner como

absolutamente necessária para o desenvolvimento humano, apesar do "mau

uso" que dela o homem tem feito - no que o autor confirma sua concepção de

que a ciência é em si neutra e objetiva - a ciência do comportamento é

apresentada como única solução, não apenas de problemas comportamentais

até então insolúveis, mas também do próprio problema do uso da ciência em

geral. Deste modo, a "ciência das ciências" possibilita, aqui também, um novo

patamar para a ação humana, que deixaria de ser guiada por critérios

subjetivos e ou espúrios, até mesmo na determinação de sua política e de sua

política cientifica. Para Skinner, apenas através do desenvolvimento e da

aplicação da ciência do comportamento é que o homem poderá gerar uma

cultura onde os seus mais sérios problemas - os problemas de sua

sobrevivência – serão resolvidos. A ciência torna-se, assim, compromisso com

a humanidade - necessidade ética.

"A ciência nos ajuda a decidir entre alternativas de ação ao tornar as


consequências passadas efetivas na determinação de conduta futura." (...) "A
experiência formalizada da ciência, adicionada à experiência prática do
indivíduo num complexo conjunto de circunstâncias, oferece a melhor base
para a ação efetiva. 0 que é deixado não é o campo do julgamento de valor, é o
campo da adivinhação. Quando não sabemos, adivinhamos. A ciência não
elimina a adivinhação, mas ao restringir as aternativas de ação nos ajuda a
adivinhar mais efetivamente." (1953b, p.436)

Mais uma vez se explicita o que Skinner quer dizer quando afirma a sua

ciência como "ciência das ciências": esta não apenas explica o fazer ciência, já

que explica o comportamento humano, mas possibilita que os próprios critérios

de utilização da ciência sejam descritos e controlados por ela, e deste modo


191

permite, finalmente, que o homem utilize em toda sua potencialidade sua

capacidade de controlar o mundo a seu redor em favor de sua sobrevivência. A

ciência do comportamento passa a ser assim a alternativa para a humanidade,

alternativa que substitui a política, a filosofia e outras formas de conhecimento

e intervenção; mas alternativa que as substitui em outro patamar, de modo que

não se coloca no mesmo nível das demais formas de conhecimento, tornando-

se necessidade por se constituir em única possibi- lidade de garantia da

sobrevivência tia espécie. A ciência do comportamento ê vista, portanto, e aqui

explicitamente, como uma ciência capaz de transformar não indivíduos

isolados, mas culturas, sociedades inteiras. Este caminho, que parece ter sido

preparado desde a década de 30 quando Skinner buscava uma ciência que

estudava organismos, buscando descrever processos genéricos, é explicitado

em Walden II e reafirmado em Science and Human Behavior. Skinner afirma:

"Há trabalho a ser feito, se pretendemos sobreviver. Ficar parado significaria


perecer. A discrepância entre o poder técnico do homem e a sabedoria com
que ele o usa vem crescendo notavelmente de ano para ano. Tornamo-nos
conscientes disto quando uma explosão atômica aumenta a brecha, mas a
separação vem aumentando progressivamente há muito tempo. Não é solução
colocar freios na ciência até que a sabedoria e a responsabilidade do homem
se nivelem. Tão assustador quanto isto possa parecer - tão louco como possa
parecer a uma alma contemplativa - a ciência precisa continuar. Não podemos
colocar os nossos foguetes e pilhas atômicas em museus — como as
locomotivas em 'Erehwon'. Mas devemos elevar os homens ao mesmo nível.
Não podemos recuar, mas devemos endireitar as linhas. Devemos reforçar os
setores fracos - as ciências comportamental e cultural. Necessitamos de uma
poderosa ciência do comportamento."
(...)
"Qualquer homem sensível deve saber porque a ciência é mal usada (...) "Veja
a educação moderna e o apoio financeiro e moral ridículo que recebe! Veja a
cultura média da comunidade americana! Veja a maquinaria do governo! Onde,
entre eles, você pode esperar encontrar os transmissores da sabedoria? lias
espere até que desenvolvamos uma ciência do comportamento tão poderosa
como a ciência do átomo e você verá a diferença." (1948c, pp.287, 288)

Ao tornar viável que novas bases e novos métodos sejam utilizados no

controle do comportamento humano, a ciência do comportamento acaba por

tornar possível uma ciência da cultura, uma ciência capaz de gerar culturas
192

novas (das quais Walden II seria um exemplo) e de gerar uma cultura que

além de ser construída em bases completamente novas, transformaria os

próprios critérios de sua avaliação:

"Você acha que eu me contentaria com um conjunto de condições culturais


dentro das quais a humanidade estivesse em equilíbrio? Uma cultura bem
sucedida nesse sentido é apenas o começo - o fruto mínimo de uma
tecnologia comportamental."
(...)
"0 mundo é um padrão pobre. Qualquer sociedade sem fome e sem violência
parecerá esplendida contra este fundo." (1948c, pp.286, 287)

A ciência do comportamento se apresenta, portanto, como única

alternativa para os problemas enfrentados pelo homem, a começar do uso que

este faz da ciência. Seu desenvolvimento e aplicação são vistos como

absolutamente necessários por duas ordens de razões: a primeira é corretiva -

solucionar problemas sociais e culturais humanos até aqui sem remédio

aparente - a segunda é de uma qualidade nova para a ciência e para a

humanidade, pois permitirá ao homem atingir um patamar novo em sua cultura

e, deste modo, permitirá que um homem novo se forme. Esta afirmação implica

ainda que a escolha da ciência como alternativa para a solução dos problemas

humanos é uma escolha que exige uma concepção de homem e de mundo que

além de nova (por isto ingenuamente vista como assustadora) é indispensável.

Skinner afirma em Science and Human Behavior:

"A aplicação da ciência ao comportamento humano não é tão simples como


parece. A maioria daqueles que a defendem estão simplesmente procurando
'os fatos'. Para eles ciência é pouco mais que observação cuidadosa." (...) "Mas
a maneira pela qual a ciência tem sido aplicada em outros campos mostra que
isto envolve algo mais. A ciência não está preocupada apenas com 'obter os
fatos', após o que pode-se agir com mais sabedoria de uma maneira não
científica. A ciência supre sua própria sabedoria. Ela leva a uma nova
concepção do objeto de estudo, uma nova maneira de pensar sobre aquela
parte do mundo da qual se ocupou. Se formos aproveitar as vantagens da
ciência no campo dos problemas humanos devemos estar preparados para
adotar o modelo de trabalho do comportamento a que a ciência inevitavelmente
conduzirá. Mas muito poucos dentre aqueles que defendem a aplicação do
método cientifico aos problemas atuais estão desejosos de ir tão longe." (
1953b, p. 6)
193

Os supostos da ciência do comportamento e sua relação com a cultura:

análise, experimentação, planejamento, controle

"Naturalmente ciência é mais que um conjunto de atitudes- E uma busca de


ordem, de uniformidades, de relações ordenadas entre os fenômenos da
natureza. Ela começa, como todos começamos, observando episódios
singulares, mas ela passa rapidamente para a regra geral, para a lei científica."
(...) "A ciência aguça e suplementa esta experiência <experiência cotidiana de
ordem do mundo> demonstrando mais e mais relações entre eventos e
demonstrando-as mais e mais precisamente." (...)
"Num estágio posterior a ciência avança da coleta de regras e leis para
arranjos sistemáticos maiores. Ela não apenas faz afirmações sobre o mundo,
faz afirmações sobre afirmações. Ela estabelece um 'modelo' de seu objeto,
que ajuda a gerar novas regras, de modo muito semelhante a como as próprias
regras auxiliam a gerar novas práticas ao lidar com casos particulares." (1953b,
pp.13, 14)

A ciência do comportamento, do modo como Skinner a propõe neste

momento, e como já foi afirmado, pretenderia se constituir em corpo teórico e

em tecnologia a serviço da transformação da cultura. Este objetivo só será

atingido se uma dada forma de trabalho for seguida. Por trás desta prática se

encontram supostos de ordem metodológica e epistemológica dos quais não

apenas derivam uma metodologia e critérios de avaliação dos resultados, mas

também critérios e propostas para a cultura.

Quando Skinner intitula sua ciência uma análise experimental já indica

dois dos mais importantes supostos metodológicos de sua ciência, análise e

experimentação. Quando afirma como objetivo de sua Ciência descrever os

fenômenos e desenvolver uma tecnologia compor tamental indica mais dois

supostos, quase que de ordem ontológicas previsão e controle.

A afirmação da necessidade de uma ciência do comportamento para

gerir a sociedade envolve, assim, algumas pré-condições, alguns requi- sitos

que definem esta ciência e que, por consequência, caracterizariam uma

sociedade assim gerida. Estes requisitos operam num paralelo aos supostos
194

que dirigiram (e dirigem) a produção de seu conceituai teórico, agora aplicados

não apenas à ciência, mas também à própria avaliação e construção da

cultura. São eles: (a) que o objeto de estudo e intervenção do cientista do

comportamento (ou do planejador cultural) exigem a análise - entendida como

a necessidade de que se proceda do simples ao complexo e de que se

desmembre as muitas inter - relações entre os fenômenos e suas causas para

que se possa descrevê- los; (b) que a experimentação ê critério de avaliação

dos resultados da ciência e dos próprios objetivos a serem atingidos pela sua

utilização, bem como mecanismo de descoberta de novos padrões e de novas

estratégias culturais; (c) que seu objeto de estudo pode e deve ser descrito em

termos de leis gerais, como consequência que pode ser controlado, isto é,

pode-se prever e manipular o ambiente de forma a transformar o homem e a

cultura; (d) que há necessidade de planejamento, o que quer dizer que deve se

desenvolver uma tecnologia que permita que se planeje antecipadamente os

padrões culturais desejáveis e os meios de obtê-los.

Análise (4) . A tentativa de 'analisar' significou nos primeiros anos de

formulação do sistema skinneriano que seu projeto de investigação se

desenvolveria a partir de situações controladas de laboratório, manipulando

uma variável independente de cada vez, e que seu objeto também seria

tornado simples - uma resposta padrão, em um organismo simples- Mesmo

então, entretanto, Skinner parecia supor esta 'análise' apenas como passo

necessário para se obter descrições que já seriam genéricas, mas que

poderiam ir se tornando mais complexas com a acumulação de conhecimento.

Skinner sempre parece ter defendido a 'análise' como caminho para a

compreensão abrangente do comportamento, e não como uma meta. A


195

'análise' é muito mais uma estratégia necessária do que um objetivo de

pesquisa. O fato da própria palavra aparecer como estratégia de investigação e

como uma característica que dá nome á sua ciência corrobora, nem certo

sentido, esta visão. A "análise funcional" é um modo de agir para se obter a

descrição do objeto de investigação de uma dada ciência, é meio para que se

descubra a regularidade da lei que rege o fenômeno, que se constitui, então,

em outro tipo de análises análise que é resultado do método cientifico,

portanto, conhecimento descritivo das variáveis que controlam um dado

fenômeno:

"Numa análise cientifica raramente é possível proceder diretamente a casos


complexos. Começamos com o simples e construímos o complexo, passo a
passo. Nos seus primeiros anos qualquer ciência é vulnerável á acusação de
que negligencia instâncias importantes." (...) "Não há nada de errado com este
tipo de trabalho de remendos; é a forma como cresce o conhecimento
cientifico. Numa ciência do comportamento começamos do modo mais simples.
Estudamos organismos relativamente simples, com histórias relativamente
simples e em condições ambientais relativamente simples. Desta maneira,
obtemos o grau de rigor necessário para uma análise cientifica. Nossos dados
são tão uniformes e reprodutíveis como, p.ex., os dados da biologia moderna,
E verdade que a simplicidade é, numa certa medida, artificial." (...) "Como
resultado, aqueles impacientes de chegar a temas maiores estão inclinados a
objetar às formulações ' super-simplificadas ' do laboratório." (...) "Tal critica é
útil se aponta fatos que foram ignorados ou não foram vistos. Mas muito
frequentemente as exceções são apenas aparentes; a formulação existente é
capaz de dar uma boa descrição delas, quando corretamente aplicada."
(1953b, pp.204, 205)

Este mesmo padrão é transferido para a discussão do homem e da

sociedade. Aqui a 'análise' está presente na noção de que a própria sociedade

pode ser descrita pela leis da ciência do comportamento; na noção de que é

possível se percorrer o caminho do laboratório à situação cotidiana sem

problemas; ou no sentido de que quem se comporta é o indivíduo, objeto de

'análise', de estudo de uma ciência do comportamento, mesmo quando esta se

ocupa da sociedade; está presente na própria concepção de indivíduo e está

presente na noção de que a estrutura da sociedade pode ser recortada em


196

suas várias agências quando se discute a cultura. Assim, por exemplo, ao

discutir o plano de Science and Human Behavior, Skinner apresenta as várias

partes do livro como num crescendo de complexidade e afirma:

"O plano é obviamente um exemplo de extrapolação do simples ao complexo.


Nenhum principio é usado, em qualquer parte do livro, que não seja discutido
na parte II <uma classificação das variáveis de que o comportamento é uma
função e uma investigação dos processos pelos quais o comportamento muda
quando uma destas variáveis é mudada>." (...) "Na parte V exemplos
complexos de comportamento humano, retirados de certos campos do
conhecimento já estabelecidos, são analisados em termos destes processos e
relações mais simples. 0 procedimento é frequentemente referido como
reducionismo. Se nosso interesse é principalmente o processo básico, nos
voltamos para material deste tipo como um teste da adequação de nossa
análise. Se, por outro lado, nosso interesse é principalmente o caso complexo
ainda temos muito a ganhar por utilizar uma formulação que foi desenvolvida
em condições mais favoráveis." (1953b, pp.33, 39)

A 'análise' é aqui referida como procedimento para a compreensão de

fenômenos complexos e carrega a concepção de que os fenômenos complexos

são subsumidos às mesmas leis que os fenômenos simples de laboratório que

lhes serviram de base- Pelo menos tão importante quanto a argumentação de

que este procedimento - de caminhar do simples ao complexo como que num

'continuum' — deve ser seguido quando da análise dos fenômenos sociais, é a

argumentação de que tal procedimento, além de garantir a correção da análise

do caso complexo, serve de teste para a análise do caso simples do qual se

originou o conceituai teórico, portanto de teste da própria teoria — deste modo

a análise é vista como metodologia que permite a formulação teórica, como

teste da teoria, e como ferramenta de intervenção.

Quando o homem e a cultura estão sob enfoque a relação entre

indivíduo e grupo pode ser interpretada como mais um exemplo de sua

tendência para 'analisar':

"E comum falar de famílias, clãs, nações e outros grupos como se eles fossem
indivíduos." (...) No entanto, é sempre um indivíduo que se comporta. O
problema apresentado pelo grupo maior é explicar porque indivíduos se
comportam juntos." (...) "Podemos responder questões deste tipo, examinando
197

as variáveis geradas pelo grupo que encorajam o comportamento de se juntar


e se adaptar." (...) "Devemos apontar para as variáveis especificas que afetam
o comportamento de cada um deles <membros do grupo>. De um ponto de
vista prático, como no estabelecimento de comportamento cooperativo no
experimento com pombos, uma análise das variáveis relevantes também ê
essencial. As contingências particulares que controlam o comportamento dos
cooperadores devem ser cuidadosamente mantidas."
(...)
"A este principio devemos adicionar um outro, talvez de importância maior. Se
é sempre o indivíduo que se comporta, no entanto, é o grupo que tem um efeito
mais poderoso. Juntando-se a um grupo o indivíduo aumenta seu poder de
obter reforçamento." (...) "As consequências reforçadoras geradas pelo grupo,
facilmente excedem as somas das consequências que poderiam ser obtidas
pelos membros atuando separadamente, 0 efeito reforçador total é
enormemente aumentado." (1953b, p.312)

Ao pretender a 'análise', no sentido de que cada uma das variáveis

controladoras de um fenômeno deve ser conhecida, e ao estender este

principio para a análise da sociedade, Skinner acaba por defender como seu

objeto de estudo o indivíduo "que se comporta" e não a sociedade como um

todo. Seu objeto de estudo ê o indivíduo e as leis que regem o comportamento

individual, mesmo quando se pretende descrever ou intervir na sociedade-

Skinner, mais uma vez, parece nâo reconhecer qualquer especificidade aos

fenômenos ditos grupais, sociais ou culturais, pelo menos do ponto de vista das

leis a que estão submetidos. Sua maior complexidade é mais uma vez

conquistada a partir de um processo de 'análise' em que se caminha do mais

simples ao mais complexo: aqui, do indivíduo para o grupo.

No entanto, e isto é muito importante, esta mesma concepção permite a

Skinner não reduzir sua ciência a uma ciência do indivíduo, mas propô-la como

ciência que tem como objeto último todo o grupo, a sociedade. Apenas porque

preconiza a 'análise' pode defender que através do estudo de situações

simples, ou através da manipulação de cada indivíduo, pode-se atingir um

objeto mais complexos a sociedade.

Mas, mesmo supondo a via analítica para a construção do conhecimento


198

Skinner, pelo menos em alguns momentos, reconhece que nem sempre o

fenômeno que se investiga pode ser interpretado como sendo apenas de

magnitude maior, como no caso do controle grupai: quando define

comportamento social, por exemplo, reconhece peculiaridades que emprestam

um caráter especial aos fenômenos sociais. Depreende-se a partir disto a

possibilidade de que a ciência do comportamento precisa, senão de uma

metodologia especial, pelo menos de uma atenção especial na análise de

certos fenômenos comportamentais. Entretanto, Skinner acaba recorrendo ao

mesmo tipo de proposta que informava seu trabalho de laboratório, tanto do

ponto de vista metodológico como conceituai. E, embora assumindo

particularidades nos processos comportamentais tipicamente humanos,

derivadas da intermediação do comportamento, Skinner reafirma a 'análise'

como forma de investigar e compreender estes fenômenos.

"Podemos analisar um episódio social considerando um organismo de cada


vez. Entre as variáveis a serem consideradas estão aquelas geradas por um
segundo organismo. Então consideramos o segundo organismo, assumindo o
primeiro como uma fonte de variáveis. Juntando as análises reconstruímos o
episódio. A descrição é completa se abarca todas as variáveis necessárias
para explicar o comportamento dos indivíduos." (1953b, p.304)

Do mesmo modo que se pode 'analisar' o objeto de estudo, a 'análise'

inclui as variáveis controladoras, as variáveis que são manipuladas

experimentalmente. Estas variáveis também são tornadas simples, tanto no

sentido de que são tomadas uma a uma, como no sentido de que são

reduzidas a condições ambientais presentes que podem ser manipuladas e

medidas.

No caso da discussão da sociedade isto traz a vantagem de que a

ciência pode considerar mesmo aqueles aspectos da vida aparentemente tão

complexos que escapariam ao discurso científico, e garante, ainda, a


199

possibilidade de que se possa construir a ciência, o conhecimento, passo a

passo de modo que mesmo aqueles aspectos da vida social que num dado

momento são impossíveis de serem submetidos á descrição científica não o

são por princípios o paciente trabalho de acumulação típico das ciências

garante, com o suposto da 'análise', que todos os fenômenos serão

cientificamente descritos» Não deveria, assim, causar espanto que, já em

meados da década de 40, Skinner propusesse uma discussão e uma proposta

da sociedade- Por estranho que pareça, o pressuposto da 'análise', da

tentativa de recortar a realidade em suas menores partes, da tentativa de

estudá-la simplificadamente, á a chancela para a proposta de uma ampla

descrição do mundo.

"Uma demonstração dos processos comportamentais básicos em condições


simplificadas nos permite ver o funcionamento destes processos nos casos
complexos, mesmo que não possam ser rigorosamente tratados ali." (...) "E
tarefa da ciência tornar claras as consequências de várias operações
realizadas sobre um sistema. Só quando tivermos visto estas consequências
claramente estabelecidas, é provável que sejamos influenciados por sua
contrapartida em situações complexas." (1953b, p.435)

A 'análise' também não impede - e talvez até facilite - a preocupação não

apenas com sistemas complexos, por exemplo o homem, mas também com

sistemas amplos e abrangentes, no caso a sociedade. A suposição de que os

fenômenos podem ser 'analisados' e de que ainda assim a apreensão dos

fenómenos complexos não é prejudicada, e o argumento de que a 'análise' é

até mesmo fundamental para a descrição destes eventos complexos, permite a

Skinner não temer a discussão da culturas a descrição do comportamento, ou

melhor das leis fundamentais que o regem, é o primeiro e o mais fundamental

passo para a descrição dos padrões comportamentais de grupo e para os

padrões culturais, uma vez que estes são assumidos como sendo

essencialmente semelhantes á soma de seus componentes.


200

"Uma análise funcional do comportamento nos fornece uma concepção básica


com a qual podemos abordar cada um destes campos por vez. Podemos estar
primariamente interessados em testar tal análise, descobrindo se ela conduz
a uma descrição plausível do comportamento do indivíduo em cada caso,
mas se pudermos atingir tal descrição, então pode ser defendido que tem uma
vantagem considerável sobre as formulações tradicionais. Nossa análise em
cada caso, não apenas terá a sustentação do estudo científico do indivíduo em
condições ótimas de observação, mas será comum a todos os campos. Então,
será possível considerar o efeito da cultura total sobre o indivíduo, na qual
todas as nossas agências controladoras e todas as outras características do
ambiente social trabalham juntas simultanamente e com um efeito único."
(1953b, p.334)

Mesmo o reconhecimento de que um padrão complexo é

qualitativamente diferente de um padrão mais simples, não significa o

abandono da 'análise' como estratégia para a obtenção da descrição científica

ou para a aplicação prática da ciência; muito pelo contrário, é garantia desta

possibilidade. A tecnologia mais uma vez se torna indissociável da ciência: no

sentido de que sua prática segue uma metodologia semelhante; de que esta

prática só é possibilitada pela ciência básica, e neste caso pela 'análise' como

método daí derivado e pelo campo conceituai teórico ai produzido; de que esta

prática permite até mesmo o avanço da própria ciência. A afirmação de que a

ciência de laboratório pode contribuir para a solução de problemas cruciais que

enfrenta uma tecnologia ocupada com o planejamento da cultura, feita em

Science and Human Behavior, é a afirmação da vocação totalizadora de uma

ciência do comportamento e o referendo de que a preocupação de Walden II

não discrepa do pensamento skinneriano. A 'análise' - como a experimentação,

o planejamento e o controle - é tornada, de uma metodologia especifica da

ciência do comportamento, em uma ferramenta para a transformação da

sociedade.

"Situações práticas quase sempre são mais complexas que as de la-boratório,


já que contêm muito mais variáveis e muitas que são frequentemente
desconhecidas. Este é o problema especial da tecnologia se comparada com a
ciência pura. No campo do comportamento humano, particularmente no
planejamento da cultura, devemos reconhecer uma espécie de complexidade
201

em face da qual não é possível manter o rigor de uma ciência de laboratório.


Mas isto não significa que a ciência não pode contribuir para a solução de
problemas cruciais. Está no espírito da ciência insistir na observação
cuidadosa, na coleta de informações adequadas, e na formulação de
conclusões que contêm um mínimo de vontade. Tudo isto é tão aplicável a
situações complexas quanto a simples." (1953b, pp.434, 435)

A discussão da sociedade se pauta, portanto, pela 'análise' não apenas

de sua estrutura — pela sub-divisão em agências controladoras e pela

discussão de cada agência — mas também pela descrição de cada uma das

variáveis que controlam o padrão de cada agência e pela descrição dos efeitos

de cada uma delas, sobre o indivíduo controlado, a própria agência e o grupo

social como um todo. Este parece ser o programa de ação que parece ter

originado a proposta de Walden II e o programa de ação que norteia a análise

da sociedade feita em Science and Human Behavior:

"Ao discutir agências controladoras estamos preocupados especificamente com


certos tipos de poder sobre variáveis que afetam o comportamento humano e
com as práticas controladoras que podem ser empregadas por causa deste
poder-" (...) "Uma agência controladora juntamente com os indivíduos que são
controlados por ela compõem um sistema social <-.-) e nossa tarefa é explicar
o comportamento de todos os participantes. Devemos identificar os indivíduos
que competem a agência, e explicar porque eles têm o poder de manipular as
variáveis que a agência usa. Também devemos analisar o efeito geral sobre o
controlado, e mostrar como isto leva a um reforçamento retroativo que explica a
existência continuada da agência. Toda a análise precedente é necessária para
fazer isto- A classificação das variáveis controladoras, o estudo dos processos
básicos, e a análise dos arranjos complexos de variáveis e da interação de dois
ou mais indivíduos num sistema social, são todos indispensáveis." (1953b, pp.
334, 335)

Deste modo, o projeto skinneriano, tão criticado por ser 'analítico' e,

portanto, desinteressado de certos fenômenos, precisaria ser problematizado

de um outro ponto de vista. 0 problema não estaria em que Skinner

desconsidera, por causa desta marca, este ou aquele aspecto da vida humana

e da vida social. Pelo contrário, esta postura parece contribuir para uma

proposta que é totalizadora no sentido de pretender ser capas de dar conta de

todos os fenômenos da vida social e é totalizadora por pretender usar de


202

apenas um referencial teórico e metodológico. 0 problema estaria muito mais

no fato de que Skinner se nega a assumir, por principio, que talvez tal

empreendimento necessite também de um outro referencial que reconheça em

toda sua plenitude o fato de que as situações complexas nem sempre são

redutíveis a um conjunto de situações simples e facilmente analisáveis, sob

pena de se perder aspectos que são constitutivos do próprio fato de serem

situações complexas.

A recusa, mesmo velada, de assumir como relevantes variáveis que não

possam ser diretamente manipuladas, ou porque não estão presentes no

momento de ocorrência de um dado comportamento, ou porque não são

fisicamente manipuláveis, encontra suporte nesta postura 'analítica' - que

fortalece um modelo causal VI-VD - e talvez aponte para uma das maiores

dificuldades do sistema skinneriano: a dificuldade de realmente explicar e

intervir na constituição dos fenômenos e a consequente ênfase na sua

manutenção. Assim, ao discutir a cultura são privilegiadas as situações

imediatas de cada fenómeno, o que acaba por levar a que se despreze um

certo tipo de causalidade que certamente é importante na discussão dos

problemas sociais: por exemplo, os problemas do trabalho são reduzidos ás

condições de consequenciação imediata do comportamento, desprezando-se

sua inserção no quadro mais geral da sociedade; a educação é criticada por

não ser capaz de gerar uma tecnologia Eficiente, muitas vezes às custas de

uma análise do papel desta agencia para a manutenção de certos padrões

culturais de interesse a determinadas parcelas ou grupos sociais.

Experimentação. A ciência do comportamento como

desenvolvida e seguidamente defendida por Skinner se constitui em ciência


203

experimental, ciência que busca através da manipulação controlada de

variáveis desvendar as relações funcionais, as leis que regem os fenômenos

que estudas

"O método experimental inclui o uso de instrumentos que melhoram nosso


contato com o comportamento e com as variáveis das quais ele é uma função.
Equipamentos de registro nos permitem observar o comportamento por longos
períodos de tempo, e o registro e medida precisos tornam a análise quantitativa
efetiva possível. A característica mais importante do método de laboratório é a
manipulação deliberada de variáveis: a importância de uma dada condição é
determinada pela sua mudança de uma forma controlada e pela observação de
seu resultado." (1953b, p.37)

Os fatos de que a ciência se ocupa são primordialmente os fatos

manipuláveis experimentalmente, ou seja, os fatos que podem ser

presentemente trabalhados; neste sentido, apenas as "forças vigentes"

importam. Não é possível para uma ciência experimental ocupar-se, pelo

menos preferencialmente, de variáveis, de "forças" que não possam ser

manipuladas. Variáveis que não permitem tal enfoque são na maioria dos

casos variáveis levadas em conta, mas do ponto de vista experimental apenas

como variáveis que são mantidas mais ou menos constantes, são apenas

"outras variáveis". No caso do comportamento humano e da sociedade isto só

é possível porque Skinner supõe que as leis que regem os fenômenos, mesmo

se tratando de fenômenos complexos, são em sua essência sempre iguais. 0

que, aliás, lhe permite ter tanta confiança na possibilidade de previsão e de

controle, a partir da experimentação controlada da ciência do comportamento.

Assim, referindo-se ao comportamento humano, afirma:

"Mesmo quando pode ser mostrado que algum aspecto do comportamento é


devido à estação do nascimento, tipo físico geral, ou constituição genética, o
fato é de uso limitado» Pode ajudar-nos a predizer comportamento, mas é de
pouco valor numa análise experimental ou no controle prático porque tal
condição não pode ser manipulada depois que o indivíduo foi concebido. 0
melhor que pode ser dito é que o conhecimento do fator genético pode nos
capacitar a fazer melhor uso de outras causas." (1953b, p.26)

A defesa dia experimentando como procedimento para obtenção de


204

conhecimento sobre a sociedade e como marca da cultura cientifica necessita

da suposição de que os fenômenos sob investigação - quaisquer que sejam —

podem ser submetidos a ela e de que o são porque são controlados por

variáveis que podem ser identificadas e manipuladas. Skinner afirma não

apenas a possibilidade de que todas as variáveis relevantes para a descrição

dos fenômenos sociais podem ser abordadas do ponto de vista da

experimentação, mas também que assim surgirá uma concepção unitária e

totalizadora do homem e da sociedade;

"Uma análise funcional básica, no entanto, nos fornece uma formulação única
<em oposição ás múltiplas formulações de diferentes campos> com a qual
podemos discutir problemas em todas estas áreas e chegar a considerar o
efeito do sistema social como um todo sobre o indivíduo." (1953b, p.40)

Expressa-se, assim, a confiança de Skinner neste modelo científico

como meio para a descrição, o controle de todos os fenómenos – aí incluídos a

relação do indivíduo com o grupo, a sociedade em todos os seus níveis. Mas

ele vai além e argumenta que este modelo - inclusive independentemente da

vontade individual - necessariamente deveria se constituir em fundamento

da vida social. Esta confiança na inexorabilidade da aplicação da ciência à

sociedade, transmutada em modo necessário de gerir a sociedade, é marca

importante do pensamento skinneriano. Deste ponto de vista, o fato da ciência

do comportamento ser ciência experimental, geradora de uma "atitude

experimental" - o que significa dizer, uma abertura de todos os indivíduos para

avaliar os resultados de qualquer ação - seria razâo para que esta passe a

gerenciar a cultura, uma vez que a atitude dai derivada seria exatamente o que

tornaria a sociedade não dogmática.

(...) "uma vez que a ciência do comportamento foi alcançada, não há alternativa
alguma, senão uma sociedade planejada. Não podemos deixar a humanidade
sob um controle acidental ou enviesado." (1948c, pp.260, 261)
205

Utilizando a experimentação como metodologia para a identificação e

busca de solução dos problemas sociais, a ciência se torna ferramenta do

"planejador cultural" porque é possível de ser aplicada a fenômenos em todos

os níveis e de servir como instrumento para identificação dos problemas, bem

como instrumento de obtenção de técnicas que os solucionem. Deste ponto de

vista, mesmo aqueles problemas até então intocados pela ciência experimental

passam a ser afetos a ela e a experimentação, por isto também, passa a ser

uma "atitude" a ser generalizadamente importante para a vida social. A atitude

experimental torna-se característica relevante tanto da ciência como da

tecnologia, tanto das tentativas de responder questões éticas, filosóficas, como

das tentativas de resolver problemas concretos e cotidianos da vida social:

"Eu queria poder convencê-lo da simplicidade e propriedade do ponto de vista


experimental. Os problemas são suficientemente claros. Qual é a 'natureza
humana'? Quero dizer, quais são as características herdadas, se existem, e
as possibilidades de modificá-las e de criar outras? Esta é certamente uma
questão experimental - a ser respondida por uma ciência do comportamento. E
quais são as técnicas e as práticas de engenharia que irão modelar o
comportamento dos membros de um grupo de maneira que ele funcione
harmoniosamente para o bem de todos? Essa também é uma questão
experimental" (...) "a ser respondida por uma tecnologia comportamental,
Requer todas as técnicas da psicologia aplicada, desde as várias maneiras de
manter contato com opiniões e atitudes até as práticas educacionais e
persuasivas que modelarão o indivíduo do berço ao túmulo. Experimentação"
(...) "não razão. Experimentação com a vida - poderá haver algo mais
fascinante?" (1948c, p. 177)

A experimentação é método de obtenção de conhecimento e também

critério de avaliação do conhecimento. Como defendida em Walden II, é

ferramenta necessária para o planejamento das condições culturais que

modelarão o comportamento do grupo e é o critério de avaliação destas

técnicas. Por isto se sobrepõe a qualquer outro modo de intervenção na

cultura, incluídas metodologias que levariam á produção de conhecimento

como a história, e práticas de intervenção que também permitiriam a


206

manipulação do comportamento, como a política e a ética. De característica do

método cientifico de investigação torna-se, na análise Skinneriana da

sociedade, critério de avaliação da cultura e objetivo do próprio planejamento

da cultura. Torna-se traço que garante a sobrevivência da cultura, torna-se

traço a ser implementado no cotidiano - um modo de vida de todos os

indivíduos - desde que se deseje a continuidade da cultura e da espécie:

"Talvez a maior contribuição que uma ciência do comportamento pode fazer


para a avaliação das práticas culturais é uma insistência sobre a
experimentação. Não temos razão para supor que qualquer prática cultural está
sempre certa ou errada de acordo com algum principio ou valor a despeito das
circunstâncias, ou que em qualquer momento pode-se fazer uma avaliação
absoluta de seu valor de sobrevivência." (1953b, p.436)

A experimentação, como apresentada em 1948, também ê oposta a uma

base "racional" para a produção de conhecimento. O dado experimental é

defendido como único dado que pode ser usado no planejamento da sociedade

por ser objetivo, e em alternativa que descarta outras possibilidades que, além

da subjetivas, não são capazes de gerar conhecimento acumulados a

maleabilidade tão necessária á cultura e a seus padrões só pode ser atingida,

para Skinner, a partir de conhecimento cumulativo, portanto, a partir de

conhecimento gerado experimentalmente.

"Em ciência, os experimentos são planejados, verificados, alterados, repetidos -


mas não em política. Daí o nosso extraordinariamente lento progresso da
ciência de governar. Não temos conhecimento cumulativo real. A história não
nos diz nada. Essa é a tragédia do reformador político. Não tem nada com que
trabalhar, além de uma espúria ciência da história. Não tem fatos reais - leis
reais." (1948c, p.197)

A concepção de que os dados da realidade são plenamente e

objetivamente apreendidos pela ciência está na base da defesa da

experimentação como única via para o conhecimento, e mais, oposta a uma

base “racional". Skinner defende, assim, um empirismo que não se fundamen


207

taria em hipóteses "racionais" apriorísticas, ou seja, hipóteses ou supostos

que são desenvolvidos uti1izando—se simplesmente a "razão", o "raciocínio",

afirmando que a descrição das leis que regem os fenômenos emerge apenas

da experimentação e que apenas assim se produz conhecimento científico. Da

mesma maneira Skinner entende as práticas culturais: estas não poderiam

continuar derivadas de uma "base racional", mas deveriam ser fundamentadas

na experiência de sua aplicação e na avaliação cuidadosa de seus resultados.

Esta defesa da experimentação como traço da cultura (a própria cultura é

definida como "um experimento de comportamento") implica o fazer ciência

na sociedade. 0 cotidiano tornar-se-ia um experimento em andamento e nada -

princípios, valores, normas - estaria além das fronteiras da

experimentação ou da ciência do comportamento.

Por seu turno, a experimentação excluiria todas as práticas de

intervenção na cultura que são historicamente construídas e dogmaticamente

seguidas, já que uma generalizada "atitude experimental" assumida perante o

mundo garantiria uma maleabilidade até aqui desconhecida e uma constante

revisão das práticas culturais» Por principio, a prática social deveria derivar

apenas de conjuntos de dados experimentalmente obtidos, único modo

entendido como não dogmático de se construir a cultura. Mas este não

dogmatismo leva Skinner ao risco decair em outra forma de dogmatismo: uma

postura anti-historicista também por principio. Este risco pode ser contornado

pela noção de que as próprias regras historicamente construídas são passíveis

de serem submetidas à experimentação; entretanto, permanecem o só

enquanto não houver algo que as substitua. O problema desta concepção está

em que, pelo desprezo a outros modos de interpretação da realidade, pode se


208

tornar mais penosos e longos os processos de avaliação destas práticas, ou

mesmo, deixar de levar em conta práticas, processos e resultados

historicamente construídos. Embora isto não pareça ser um problema para

Skinner, a consequência desta postura deveria sê-lo, já que tal concepção

dificulta a possibilidade de se avaliar corretamente inúmeras práticas sociais,

pelo menos em oposição a outras.

"Tem-se modelado o comportamento do indivíduo de acordo com os padrões


de 'boa—conduta', e nunca como resultado de um estudo experimental. Mas
por que não experimentar? As perguntas são bem simples: qual é a melhor
conduta para o indivíduo em suas relações com o grupo? E como se pode
induzir o indivíduo a se comportar dessa forma? Por que não explorar essas
questões com espírito científico? Exatamente isso poderia ser feito em 'Walden
II'." (...) "Mas não se pode esperar que as pessoas cumpram um código útil
transformando-as em polichinelos de caixa-surpresa. Não se pode prever todas
as circunstâncias futuras e não se pode especificar a conduta futura mais
adequada. Desconhece-se o que será exigido. Ao invés disso, tem-se que
estabelecer certos processos comportamentais que levarão o indivíduo a
moldar seu próprio 'bom' comportamento no momento propício." (1948c, p.108)

Skinner afirma, assim, a experimentação como fundamento para a

escolha das metas e dos padrões a se atingir em Walden II e a afirma também

como base para a descoberta e a avaliação das técnicas de intervenção.

Entretanto, associando este suposto com o de determinação do

comportamento, não supõe que da experimentação deverão surgir, em detalhe

e de uma só vez, todos os padrões comportamentais a modelar, ou todas as

técnicas de intervenção a implementar. Ao contrário, é a atitude experimental

que o autor supõe ser a garantia da possibilidade de se modelarão, no devido

tempo, as condições que permitem a escolha dos padrões e das técnicas de

maneira contínua e sempre inovadora, e é a experimentação que permite que

se conhecerão novas técnicas e que aumentará o poder de descrição, portanto

de previsão e de intervenção, do homem sobre seus próprios padrões

comportamentais e, no caso, sociais e culturais. 0 que não é possível de


209

esclarecer é a origem dos critérios utilizados para os primeiros passos, as

primeiras decisões tomadas e implementadas no planejamento da cultura - por

exemplo, para a formulação de um "Código de Conduta" como em Walden II.

Parece que pelo menos neste estágio seria impossível escapar a decisões não

plenamente fundadas em resultados experimentais.

É exatamente da experimentação com a cultura e do suposto de que os

determinantes do comportamento estão fora dos sujeitos, no ambiente externo,

que decorre, como consequência, a possibilidade de que o controle volte

para as mãos do sujeito, pelo menos em certo sentido. A experimentação

permite que os sujeitos tomem posse de si mesmos e das variáveis que os

controlam e que exerçam, então, não apenas o controle deliberado da cultura,

mas também o "auto-controle". Skinner acaba por percorrer um caminho que

se inicia tornando o sujeito separado de si mesmo, no sentido de ser objeto do

controle, mas que no seu percurso permite que o próprio sujeito se reencontre

com o que o determina e se aposse destas determinações podendo tornar—se

ele mesmo produtor consciente das contingências que o controlam.

Uma medida da relevância do suposto da experimentação para a

proposta de cultura skinneriana parece ser dada em Walden II especificamente

no fato de que é suposto defendido pelos dois personagens "skinnerianos":

pela "academia" (representando a ciência básica) na figura de Burrus, e pelo

"planejador cultural" (representando a tecnologia) na figura de Frazier. Skinner

(Burrus) afirma:

(...)"<Frazier> Admitiu que tudo era experimental. Se for realmente capas de


se conservar livre para mudar as práticas - e puder evitar agarrar-se
teimosamente a uma teoria - creio que terá êxito."
(...)
"O cientista poderá não estar seguro sobre qual será a solução, mas,
geralmente, está seguro que encontrará uma resposta. E é um privilégio que
certamente não é partilhado pela filosofia." (1948c, p.132)
210

Explicita-se aqui a concepção de que a experimentação como

fundamento da produção de conhecimento se opõe à teoria, ou pelo menos a

algumas de suas formas. Skinner parece defender uma concepção de ciência e

de método científico anti-teórica, como vinha fazendo explicitamente há

algum tempo, mas apenas no sentido de que uma teoria anterior e superior

á coleta de dados dirija o trabalho científico. Nesta direção, a passaqem já

citada de Science and Human Behavior do que compõe a atitude cientifica

também ê esclarecedora: ali Skinner afirma apenas que o cientista não teoriza

até que tenha acumulado dados suficientes para tal» Com isto, argumenta por

uma ciência em que os princípios surjam do trabalho experimental e que sejam

testados por esta mesma via e a teoria é encarada como sistematização de

princípios e leis e não produção real de leis e de princípios. Esta postura é

coerente com uma proposta como Walden II, que se constitui, deste ponto de

vista, em laboratório privilegiado para experimentos a partir de um

determinado e necessário estágio de desenvolvimento de sua ciência.

"A objeção mais comum a uma completa análise funcional é , simplesmente,


que ela não pode ser feita, mas a única evidência para isto é que ela ainda não
foi feita. (...) O comportamento humano é talvez o mais difícil objeto ao qual os
métodos da ciência jamais foram aplicados, e é apenas natural que o
progresso seja lento." (...) "O progresso é algumas vezes retardado por um
longo período apenas porque o aspecto particular de um objeto que é
enfatizado se comprova improdutivo e irrelevante. Uma pequena mudança no
ataque pode trazer um progresso rápido." (...) "Muitas propriedades ou
aspectos do comportamento têm sido estudados por muitos anos com graus de
sucesso variados. Uma análise funcional que especifica o comportamento
como uma variável dependente e se propõe a explicá-lo em termos de
condições físicas manipuláveis e obseváveis é recente. Ela já se mostrou como
uma formulação promissora e até que tenha sido testada não temos razão para
professar o fracasso." (1953b, pp.41, 42)

Esta oposição, portanto, precisa ser qualificada. A teoria á qual Skinner

se opõe é a teoria que ele entende como uma viseira que impede a percepção

dos fatos do mundo; não a teoria no sentido de um sistema compreensivo, uma


211

organização das leis que regem os fenômenos. A experimentação mais uma

vez ocupa um importante papel nesta concepção. E característica que impede

o cientista de se tornar dogmático e cego perante novos dados porque se julga

de posse de uma explicação já dadas caminho seguro para a construção de

um tal sistema, e que pode tornar-se critério de avaliação das teorias existentes

e conflitantes. Pela via da experimentação Skinner não apenas constrói

sistemas descritivos das leis gerais que regem o comportamento, mas pretende

construir sistemas que substituam os sistemas explicativos "pré-científicos"

inclusive os que orientam a ação sobre a cultura; pela experimentação é que se

dá a prática de construir e de transformar a cultura, num paralelo estreito com

seu papel na construção da ciência;

"0 relato de um evento singular não gera problemas teóricos e não entra em
conflito com filosofias do comportamento humano. As leis ou sistemas
científicos que expressam uniformidades são prováveis de conflitar com teorias
porque reclamam o mesmo território. Quando uma ciência do comportamento
alcança o ponto de lidar com relações ordenadas encontra a resistência
daqueles que são aliados de concepções pré ou extra—científicas." (1953b,
p.17)

O fato de que a ciência do comportamento teria atingido um estágio em

que é possível transferir os princípios de laboratório para a vida social, para a

cultura, ê o que se defende em Walden II e, em outro sentido, em Science and

Human Behavior. Para Skinner não importa que na aplicação tecnológica não

se possa exercer, num primeiro momento, os mesmos controles rígidos que da

ciência no laboratório. A pergunta que precisa ser feita é se isto não é

incompatível com a tese aqui defendida de que ciência pura e aplicada são

sujeitas aos mesmos critérios. Mas, analisando mais de perto, é exatamente o

suposto de que a experimentação é a base da produção de conhecimento que

permite a Skinner fazer esta distinção e, ainda assim, defender padrões

semelhantes para ciência básica e aplicada. Antes de tudo, porque a ciência


212

básica também passaria por estágios em que seu controle experimental é

bastante simples; este se complexifica e se sofistica á medida em que avança

a própria ciência. Se isto é verdade num caso, também o é no outro.

Perguntado porque não mantinha um controle estrito em seus experimentos em

'Walden II', responde que, além do fato de não estar preocupado com os

requisitos "acadêmicos",

"Além disso, não funcionaria. Haveria muitas influências cruzadas. 'Walden II' é
muito pequeno para manter dois grupos de crianças separados. Algum dia
poderá ser possível" (...) "E, nesse dia, poderá ser necessário também, porque
nesse dia teremos alcançado o ponto em que teremos que lidar com diferenças
muito sutis. No presente momento, não é necessário. Enfrentar todos os
problemas dos controles seria fetichizar o método cientifico. Mesmo nas
ciências exatas, nós frequentemente não pedimos controles. Se eu encosto um
fósforo numa mistura química e ocorre uma explosão, eu não preparo uma
segunda mistura para verificar se ela se incendiará sem o fósforo. 0 efeito do
fósforo é óbvio." (1948c, p.177)

Ao propor Walden II, e ao defender um controle menos rígido Skinner,

não está abrindo mão do suposto de que o controle experimental é essencial,

mas justifica o nível de controle existente tendo como parâmetro, inclusive, a

própria ciência básica que informa a tecnologia empregada. Além disto, justifica

o menor nível de controle tecnológico tendo em vista que todo ele é sustentado

por uma base experimental o que garante que a tendência a ser seguida como

de aumento no controle experimental no que, aliás, em nada difere da ciência

básica. Esta base experimental é tão importante na concepção de cultura de

Skinner que ele afirma:

"0 ponto principal é que nós estimulamos nossa gente a olhar cada hábito e
costume tendo em vista um possível aperfeiçoamento. Uma atitude
constantemente experimental em relação a tudo -- é disso que precisamos.
Soluções para problemas de todo o tipo se seguem quase milagrosamente."
(1948c, p,32).

Mas talvez a maior relevância da experimentação e de uma "atitude

experimental" na cultura seja dada pelo argumento de que pela

experrimentação se pretende garantir a própria cultura, isto é, sua


213

sobrevivência. O suposto da experimentação é assim convertido em

necessidade, tornando-se quase que um valor a ser defendido por aquelas

culturas que buscam a sobrevivência e que só a garantirão por sua própria

capacidade de transformação. Enquanto valor, a experimentação se torna

medida contra a qual se avalia não apenas as práticas culturais vigentes, mas

também a própria prática de transformação da cultura. No entanto, como valor

defendido pelo sistema skinneriano, a experimentação é prática a ser, ela

mesma, implementada de forma planejada e de modo experimental.

"A força última de um controlador depende da força daqueles a quem controla"


(...) "Uma cultura que se contenta com o 'status quo' - que afirma saber que
práticas controladoras são as melhores e que, portanto, não experimenta -
pode atingir uma estabilidade temporária, mas apenas pagando o preço de
uma eventual extinção." (1953b, p.443)

Ou seja, Walden II, enquanto proposta de sociedade planejada, é

científica exatamente por sua base experimental. O controle experimental não

é relaxado quando aplicado a uma situação concreta e complexa como uma

cultura, mas, ao contrário, é, pelo menos em certa medida, aumentado, já que

é generalizado para todos os membros do grupo e para todas as situações.

Esta atitude experimental está na base da construção da ciência e da

tecnologia: ela garante o atributo de científico, portanto de mais eficiente, de

neutro e de objetivo às propostas de transformação da sociedade feitas por

uma ciência do comportamento. Também é pela experimentação como

"ideologia" de uma cultura que se garantirá seu objetivo maior: sua própria

transformação e sobrevivência. Deste modo, além de requisito para o

desenvolvimento de uma tecnologia eficiente na solução dos problemas

humanos, a experimentação torna-se requisito para a obtenção do valor maior

da cultura - a sobrevivência da espécie.

Planejamento. Essencial para a prática científica, e também


214

para o desenvolvimento de uma sociedade científico-tecnológica, é o

pressuposto da necessidade de planejar, tornado explícito em Walden II. Uma

vez assumido o comportamento humano e a sociedade como objeto de estudo

e como meta de sua ciência, consequentemente, como objetos de manipulação

de sua tecnologia, Skinner passa a defender o planejamento dos padrões

comportamentais e da cultura como parcela essencial não só da atividade

cientifica, mas da própria sociedade.

(...) "uma vez que a ciência do comportamento foi alcançada, não há alternativa
alguma, senão uma sociedade planejada. Não podemos deixar a humanidade
sob um controle acidental ou enviezado. Mas, usando os princípios do
reforçamento positivo – evitando cuidadosamente a força ou a ameaça de força
- podemos preservar uma sensação pessoal de liberdade." (1948c, pp.260,
261)

O planejamento científico, como planejamento de experimentos, passa,

assim, a ser defendido em um novo nível como o planejamento da cultura, ou

seja, Skinner defende não apenas que a ciência permite que se planeje, mas

que a ciência do comportamento exige que se planeje a cultura sobre novas

bases. Mais uma vez, se opera um movimento interessante na proposta de

Skinner: o planejamento, parte da atividade de investigação cientifica, é

defendido como pressuposto desta atividade. A própria atividade científica, seu

necessário desenvolvimento, entretanto, conduz a uma nova necessidades a

defesa do planejamento, não de experimentos de laboratório, mas de

experimentos na "cultura viva", que se tornam exigência metodológica da

ciência, de modo a se tornar uma necessidade da ciência e uma necessidade

que vai além dela e por isto mesmo a demonstra em toda a sua força <o que

lembra mais uma vez a tese de que para Skinner a ciência aplicada é mais que

subproduto da. ciência básica):

(...) "tornar possível uma ciência genuína do comportamento humano!


Essas coisas não são para o laboratório" (...) "Não são ‘questões acadêmicas'."
215

(...) "São questões que dizem respeito às nossas próprias vidas! Nós só
podemos estudá-las numa cultura viva e, ainda, numa cultura sob controle
experimental." (1948c, p. 288) .

Como critério metodológico, o planejamento passa a fazer parte da

avaliação da atividade cientifica e o planejamento da cultura adquire significado

semelhante. Deste modo, planejar a cultura torna-se necessidade, e não mais

possibilidade, e transmuta-se em critério de avaliação da própria cultura. Esta

passa a ser melhor ou pior dependendo de ser submetida ou não a

planejamento; este é entendido como aquele que segue os cânones da ciência,

ou seja, é o planejamento que envolve a manipulação de variáveis

controladoras para a transformação do comportamento, planejamento que ê

previsão e que permite e envolve manipulação deliberada - e experimental - do

comportamento. Qualquer outra forma de planejamento passará, então, a ser

avaliada como inadequada; além disto, qualquer plano para uma sociedade

que supuser outro objeto de estudo e intervenção que não o comportamento

dos indivíduos também será avaliado como incorreto por assumir como seu

objeto o único que é reconhecido pela ciência do comportamento.

Planejamento significa, portanto, realizar condições que farão emergir certos

padrões culturais, ou melhor, comportamentais:

"Eu não tenho absolutamente nenhuma" <fé ilimitada na natureza humana> (...)
"Se você quer dizer que os homens são naturalmente bons ou naturalmente
preparados para se relacionarem bem. Não temos nada a ver com a filosofia da
bondade inata — ou mesmo do mal, se vem ao caso. Mas temos fé no nosso
poder de mudar o comportamento humano. Nós podemos construir o homem
adequado para a vivência de grupo - para a satisfação de todo o mundo. Essa
era a nossa crença, mas agora é um fato." (1948c, p.199)

O planejamento da cultura, nos moldes do planejamento de um

experimento, torna—se meio indispensável de se desenvolver uma cultura

desejável. Tanto o "laissez-faire" - a falta de planejamento como suposto -

como planos que seguem outros supostos que não o de sua ciência — por
216

exemplo planos fundados em concepções religiosas de homem - são

descartados como ineficientes, tanto no sentido de que sequer permitem

adequada avaliação da intervenção na cultura, como no de que podem não

permitir o seu desenvolvimento e sobrevivência e impossibilitar a felicidade de

seus membros, especialmente porque são fundados em concepções que não

os caracterizam como auto—corretivos. E neste sentido que Skinner afirma:

"Não é o planejamento que restringe a liberdade, mas o planejamento que usa


a força." (1948c, p.260).

Ora, apenas a ciência do comportamento tem a tecnologia que permite

planejar toda uma cultura sem o uso da força ou da ameaça de força.

Tão importante como a defesa do planejamento da sociedade (e a

defesa de que esta sociedade não seja baseada no uso da força) ê a noção

de que o planejamento cultural, que decorre da ciência do comportamento, é

a única forma de planejamento que permite que se planeje para que o cidadão

seja capaz de encontrar sempre as respostas de que necessitas isto é, o

planejamento de condições que permitem ao homem aprender a habilidade de

solucionar problemas e não o planejamento de meras soluções específicas,

(...) "planejei 'Walden II' - não como um arquiteto planeja uma construção, mas
como um cientista planeja um experimento de longa duração, incerto das
condições que irá encontrar, mas sabendo como lidar com elas, quando as
encontrar. Num certo sentido 'Walden II' é predeterminada, mas não como é
determinado o comportamento de uma colméia. A inteligência, não importa
quanto seja modelada e ampliada por nosso sistema educacional, ainda
funcionará como inteligência. Será usada para descobrir soluções para
problemas, aos quais uma colméia rapidamente sucumbiria. O que o plano faz
ê manter a inteligência no caminho certo, antes para o bem da sociedade do
que para o indivíduo inteligente – ou antes para o bem possível do que para o
bem imediato do indivíduo." (1948c, p.252)

Mais uma vez, Skinner dá um salto. Não defende sua ciência como um

conjunto de soluções prontas, mas exatamente como o opostos sua ciência e

sua forma de planejar são as únicas que garantem que o homem terá sua
217

"inteligência" preservada, já que são as únicas que têm como objetivo

exatamente isto: planejar para que o homem saiba descobrir soluções e não

planejar as soluções. Isto teria se tornado possível, mais uma vez, pela

concepção mais geral de Skinner sobre ciência; concepção que a defende

como possibilidade de aumentar o controle sobre fenômenos a partir do

conhecimento de suas leis e que, portanto, se ocupa dos processos que regem

os fenómenos enquanto classe e não dos fenômenos enquanto ocorrências

individuais. Também é do planejamento experimental que decorre a

característica do planejamento cultural de se aceitar o dado tal como ele

aparece, de não refutar dados de antemão, de não teorizar sem os dados.

Apenas a ciência do comportamento pemitiria, assim, escapar ao

dogmatismo — tanto o do planejamento entendido como conjunto de regras

rígidas, como o da defesa do não planejamento, que acaba por se converter

em ditadura da natureza ou do mais forte.

0 planejamento cultural - ou cientifico - torna-se, assim, garantia da

sobrevivência da cultura. E mais, apenas através dele é possível escapar da

ditadura da seleção natural e prever a seleção, transformando os rumos da

sociedade, e da própria evolução, aumentando a probabilidade de

sobrevivência da cultura e por consequência da espécie. Esta noção, sempre

presente em Walden II, é fortalecida em Science and Human Behavior:

"A evolução das culturas parece seguir o padrão da evolução das espécies. As
muitas formas diferentes de cultura que surgem correspondem ás 'mutações'
da teoria genética." (...) "Quando nos engajamos no planejamento deliberado
de uma cultura estamos, por assim dizer, gerando 'mutações' que podem
acelerar o processo evolucionário. 0 efeito poderia ser aleatório, mas também
há a possibilidade de que tais mutações possam ser especialmente adaptadas
á sobrevivência." (1953b, p.434)

No entanto, o planejamento cultural não pode ser confundido com a

introdução de uma nova teleologia na ciência do comportamento. Exatamente


218

na recuperação da sobrevivência da cultura como objetivo - transformado

quase em objeto de estudo - é que Skinner encontra a saída para esta sua

preocupação. A seleção, assim como o modelo da consequenciação do

comportamento, está na dependência do que já ocorreu, é resultado mais do

que condição para, é consequência. Tanto o método, quanto alguns dos

pressupostos mais caros à proposta skinneriana, são assim mantidos intatos e

em certa medida fortalecidos; porque é possível propor o planejamento, propor

mudanças deliberadas, propor critérios de avaliação destas mudanças e,

ainda assim, permanecer no campo da ciência natural:

"Quando falamos do planejamento 'deliberado' de uma cultura, queremos dizer


a introdução de uma prática cultural 'por causa de' suas consequências. Mas"
(...) "nunca é uma consequência futura que é efetiva. Uma mudança na. prática
é efetuada porque mudanças semelhantes tiveram certas consequências no
passado." (...) "Podemos entender melhor o planejador cultural, não
adivinhando seus objetivos, ou pedindo-lhe que os adivinhe para nós, mas
estudando os eventos ambientais anteriores que o levaram a defender uma
mudança cultural. Se ele está baseando uma dada proposta em experimentos
científicos queremos saber quão de perto se correspondem as situações
prática e experimental. Também podemos querer examinar outras 'razões para
fazer uma mudança' que serão encontradas em sua história pessoal e na
história registrada daqueles que investigaram áreas semelhantes." (1953b,
p.428)

É possível para Skinner, mesmo negando qualquer teleologia, manter

uma distinção entre práticas cientificamente estabelecidas e práticas extra-

científicas, que se resumem em "outras razões" e que acabam tendo o sabor

de meras reprodutoras do já acontecido. Deste modo, o planejamento cientifico

adquire um novo papel: torna-se caminho privilegiado para mudanças que são

qualitativas, que permitem descobrir não apenas novas estratégias, mas que

também possibilitam novos resultados e, até mesmo, uma nova capacidade de

avaliar e rever a prática cultural. Nada disto exclui o reconhecimento de que a

cultura pode independer da prática cientifica, já que a ciência ensina que todas

as práticas são ambiental mente determinadas. 0 que a ciência transforma é o


219

penoso caminho de uma cultura que evolui – subsistindo ou perecendo - por

acidente, de modo não planejado.

"0 comportamento social de qualquer grupo de pessoas ê o produto de uma


complexa série de eventos na qual o acidente ás vezes desempenha um papel
importante." (...) "Uma prática cultural não é menos efetiva na determinação do
comportamento característico de um grupo porque suas origens são culturais."
(1953b, p.426)

Por possibilitar que a cultura se estabeleça e se transforme pela via do

planejamento, a ciência do comportamento permite um novo salto na evolução

da espécies que a própria evolução seja considerada quando do seu

desenvolvimento. 0 acaso, eliminado, pode ser ele mesmo controlado e o

planejamento científico pode, finalmente, ser estendido a campos até então

considerados alheios â ciência ou mesmo impossíveis de serem controlados.

Os valores transmutados em linguagem cientifica passam a ser incorporados

na proposta skinneriana, agora (como no caso da experimentação) submetidos

a um princípio maior - a sobrevivência da cultura - que, no entanto, não tem as

mesmas conotações dos princípios morais ou éticos. Do mesmo modo, este

novo padrão de planejamento exclui o problema da subjetividade ou dos

anseios do próprio planejador cultural, cujo comportamento pode ser

examinado a luz das determinações ambientais e pode assim ser transformado

pelo conhecimento científico destas determinações. Skinner propõe assim não

apenas a transformação da cultura através do planejamento, mas o

planejamento como modo de planejar o planejador, de eliminar, ai também,

qualquer teleologia, de substitui-la por conhecimento objetivo e por uma prática

neutra e necessária.

"Nosso problema não é determinar o valor ou os objetivos que operam no


comportamento do planejador cultural, mas sim examinar as complexas
condições em que o planejamento ocorre." (...) "O fato de que uma dada
prática é relacionada com a sobrevivência se torna efetivo como condição
220

anterior do planejamento cultural. A sobrevivência chega tarde aos assim


chamados valores porque o efeito de uma cultura sobre o comportamento
humano e, por sua vez, sobre a perpetuação da própria cultura, só pode ser
demonstrado quando uma ciência do comportamento foi bem desenvolvida."
(1953b, pp.433, 434)

Pela via do planejamento das condições relevantes e dos padrões

comportamentais adaptados á sobrevivência do grupo não apenas se

constituiriam sociedades com maior chance de sobreviver e em que se

adquirisse controle sem coerção, mas também seria possível, pela primeira vez

na história, construir uma sociedade em que aqueles que detêm o controle são

por sua vez controlados pela possibilidade de sobrevivência do grupo. Mais

uma vez o problema da proposta Skinneriana parece estar no momento da

formação desta cultura, uma vez que é preciso que os homens, especialmente

aqueles que detém o controle, concordem em se submeter a tal proposta e em

abrir mão do controle que detêm para seu benefício.

Controle . De posse de uma ciência que permite a descrição

do comportamento de maneira objetiva e neutra, porque é uma ciência que se

funda nos supostos da experimentação, do planejamento e da submissão a leis

naturais de seu objeto de estudo, que surje, como consequência, a proposta de

uma tecnologia que permita o desenvolvimento de uma cultura em outras

bases que não as até o momento existentes. O desenvolvimento desta cultura

— que supõe o desenvolvimento de uma engenharia comportamental

adequada, paralelamente ao da ciência que a informa - torna-se, para Skinner,

necessidade e não mera possibilidade. E como se o papel atribuído à ciência

só se concretizasse nesta tarefa. Uma ciência que busca a previsão e

manipulação dos fenômenos que estuda só pode constituir-se plenamente se

for capaz de, na prática, demonstrar esta possibilidade; e esta se faz


221

absolutamente necessária quando acompanhada, como no caso de Skinner,

da noção de que não há outra alternativa existente que a substitua, não há

outra possibilidade de planejamento e de desenvolvimento da cultura para a

solução de seus problemas. Skinner afirma:

"O que ê que você faria se se encontrasse na posse de uma ciência do


comportamento? Suponha que você de repente descobrisse que é possível
controlar o comportamento dos homens como quisesse."
(...)
(...) "Eu considero isso um fato."
<Negar-se a utilizá—la> "E negar aos homens toda a ajuda que, de outro
modo, poderia lhes dar?"
(...)
<Ao recusar-se a controlá-los, para lhes dar liberdade> "você estaria apenas
deixando o controle em outras mãos." (1948c, p.253)

A proposta de Walden II, de uma sociedade planejada segundo os

princípios de uma ciência do comportamento, torna-se, assim, não apenas uma

necessidade técnica e metodológica advinda do sucesso preditivo dos

princípios científicos, mas se impõe como necessidade ética, como solução

possível e necessária dos problemas humanos:

"O que estamos tentando conseguir, através de nossos experimentos culturais


em 'Walden II', ê um modo de vida que seja satisfatório sem propaganda e pelo
qual, entretanto, não tenhamos que pagar o preço da estupidificação pessoal.
A felicidade é o nosso primeiro objetivo, mas um impulso vivo e ativo em
direção ao futuro é o segundo." (1948c, p.210)

É bem verdade que, do ponto de vista de Skinner, esta necessidade

ética não tem a conotação de que as decisões tomadas usarão qualquer outro

critério que não os objetivos critérios científicos, mas pode ser adjetivada assim

pelo menos no sentido de que é imperioso que se constitua tal cultura, que é

papel do cientista lutar por isto, que sua tarefa não se completa até que o faça,

e que sua ciência avançará tão mais rapidamente quanto mais rapidamente e

firmemente ele tome para si também este trabalho - o de se dedicar á

solução dos problemas práticos enfrentados pelo homem e pela cultura, o

de construir uma nova sociedade.


222

Ao lado destas características há que ressaltar a noção de que o objeto

de estudo da ciência do comportamento é ordenado, submetido a lei. Esta

concepção, intimamente associada á noção de controle, como será

desenvolvida na análise da cultura, se explicita também em Science and

Human Behavior, de modo a fortalecer não apenas a tese de que Skinner

estaria preocupado com a sociedade, e com um dado modo de compreendê-la

e nela intervir, mas também a tese de que Walden II e Science and Human

Behavior seriam duas abordagens de um mesmo problema e se

complementariam. Sobre a possibilidade de uma ciência do comportamento

humano e do seu consequente controle, Skinner afirma em 1953:

<A noção de controle> (...)"é ofensiva para muitos. E oposta a uma longa
tradição que vê o homem como agente livre, cujo comportamento é o produto
não de condições antecedentes especificáveis, mas de mudanças internas
espontâneas. Filosofias prevalecentes da natureza humana reconhecem uma
'vontade' interna que tem o poder de interferir em relações causais e que
tornam a predição e controle do comportamento impossíveis." (...) "O ponto de
vista alternativo insiste em reconhecer forças na conduta humana que nós
preferimos não reconhecer." (...) "A despeito de quanto esperemos ganhar da
suposição de que o comportamento humano é o objeto de estudo adequado de
uma ciência, ninguém que seja um produto da civilização ocidental pode fazê-lo
sem uma luta. Nós simplesmente não queremos tal ciência." (1953b, p.7)

É interessante que, ao discutir o pressuposto da determinação do

comportamento, que pode ser num certo sentido traduzido pela noção de

controle, sempre implícito em sua ciência e agora estendido à sua proposta de

sociedade, Skinner reconhece na tradição do pensamento ocidental algumas

das dificuldades de aceitação de sua propostas a história explica alguma

coisa enfim. Nesta explicação talvez se perceba uma das razões porque a

desconsidera. Ele a toma como narração, a despeito de outras possibilidades.

Não busca as variáveis que são responsáveis pelos fatos narrados e deste

modo a considera apenas como ilustração de algo.

Mas, mais importante, é a explicitaça*o de que a concepção de controle


223

é essencial a seu sistema. A possibilidade de que o comportamento seja

controlável está no cerne de sua proposta e muito da energia de Skinner, tanto

neste período, como daqui em diante, será gasta na tentativa de convencer o

público - leigo e profissional - de sua concepção. Ao fazê-lo estaria cumprindo

com um dos compromissos derivados de sua proposta de que a ciência do

comportamento teria como uma de suas tareias tornar—se uma visão de

mundo, uma ideologia compatível com as propostas que dela são derivadas, e

que substitua a ideologia dominante do homem como agente livre; uma pré-

condição para que a ciência do comportamento possa se tornar tecnologia a

serviço do homem e da cultura.

Para Skinner não apenas é fundamental que se assuma a concepção da

controlabilidade do comportamento humano, como é vital que se a assuma

como verdadeira para todo comportamento humano; individual e social, privado

ou manifesto, em situações simples ou complexas, controladas ou não. A

universalidade da possibilidade de controle do comportamento humano é

condição para uma proposta de sociedade gerida por uma ciência do

comportamento, uma vez que Skinner a propõe como alternativa inclusive a

outras ciências que tratam de fenômenos comportamentais.

"Pode-se insistir que uma ciência do comportamento humano é impossível ,


que o comportamento tem certas características essenciais que o mantêm para
sempre além da ciência." (...) "Uma outra objeção frequentemente feita é que a
ciência é apropriada até certo ponto, mas que deve sempre restar uma área. na
qual pode-se agir apenas baseado na fé ou com relação a algum 'julgamento
de valor': a ciência pode dizer-nos como lidar com o comportamento humano,
mas exatamente o que deve ser feito precisa ser decidi- do de maneira
essencialmente não cientifica. Ou pode-se argumentar que existe um outro tipo
de ciência que é compatível com doutrinas de liberdade pessoal. Por exemplo,
as ciências sociais são algumas vezes vistas como fundamentalmente
diferentes das ciências naturais, e não ocupadas com o mesmo tipo de leis.
Predição e controle podem ser abandonados em favor da 'interpretação ' ou
algum outro tipo de compreensão."
(...)
"Nossas práticas atuais não representam uma posição teórica bem definida."
(...) "As vezes parecemos ver o comportamento humano como espontâneo e
224

responsável. Outras vezes reconhecemos que a determinação interna é pelo


menos incompleta, que o indivíduo nem sempre é responsável." (...)
"Mas não fomos até o fim. Vemos o homem comum como produto de seu
ambiente, ainda que nos reservemos o direito de atribuir crédito pessoal aos
grandes homens por suas conquistas." (...) "Queremos acreditar que homens
bons são movidos por princípios válidos, mesmo que estejamos desejosos de
acreditar que homens errados são vítimas de propaganda errada." (...)
"Tudo isto sugere que estamos em transição. Não abandonamos totalmente a
filosofia tradicional da natureza humana, ao mesmo tempo que estamos longe
de adotar um ponto de vista cientifico sem reservas. Aceitamos o pressuposto
do determinismo em parte, mas permitimos que nossa simpatia, nosso primeiro
compromisso e nossas aspirações pessoais se levantem em defesa da visão
tradicional." (...)
"Se isto fosse apenas um problema teórico não teríamos razão para alarme,
mas teorias afetam práticas. Uma concepção cientifica do comportamento
humano dita uma prática, uma filosofia de liberdade pessoal uma outra.
Confusão na teoria significa confusão na prática. As infelizes condições atuais
do mundo podem em grande parte ser devidas a nossa vacilação." (1953b,
pp.8, 9)

Pelo menos três aspectos merecem ser destacados nesta passagem.

Em primeiro lugar, a tentativa de Skinner de enumerar, para descartar, as

críticas que pretendem que uma ciência natural, descritiva e preditiva, não se

aplica ao comportamento humano complexo; em segundo lugar, a critica da

critica de que a ciência não pode ou não deve ditar as metas, os objetivos,

aos quais seus métodos serão aplicados, e, em terceiro, a noção de que os

supostos teóricos e filosóficos que existem e são predominantes numa dada

sociedade, pelo menos em parte, determinam as práticas sociais que são

aceitas e implementadas por aquele grupo. Pelo menos de modo indireto se

confirma a convicção skinneriana na universalidade de sua ciência enquanto

método, enquanto resultado e enquanto objeto de que se ocupa. Também se

confirma a convicção de que, em última instância, sua ciência é neutra, ou seja,

de que de seu produto se deriva inclusive o estabelecimento dos objetivos a

que uma cultura deve almejar. Se o cientista não é responsável pelo uso que

se faz da ciência, uma ciência adequada deve ser capaz de evitar até mesmo a

possibilidade de um uso inadequado de seus resultados ou de seus métodos.


225

Finalmente, se confirma a convicção de que a ciência abrange mais que uma

metodologia e uma tecnologia, ela pode e deve também ser capaz de prover

uma visão de mundo, que dirija a ação humana. Como resultado, a ciência do

comportamento é universalizada em toda a sua extensão.

Esta universalização pressupõe a noção ontológica de que todo

comportamento é controlável por principio e supõe a necessidade de que esta

concepção seja aceita pela sociedade para que se possa implementar as

soluções que são tão urgentes face aos problemas com que se defronta o

homem.

Em Science and Human Behavior, de maneira só diferente de Walden II

na forma, Skinner preconiza o mesmo papel para a ciência. Para tudo isto é

essencial a noção de controles entendido como resultado da suposição de que

os fenômenos de que se ocupa são ordenados e estendido para a

suposição de que a cultura só pode persistir se assumir a si mesma e a cada

um de seus participantes como sujeitos ao mesmo tipo de ordenação e

portanto ás mesmas possibilidades de manipulação planejada.

"Um 'sistema' científico, como a lei, é planejado para capacitar-nos a manipular


um objeto de estudo mais eficientemente. O que chamamos de a concepção
cientifica de algo não é conhecimento passivo. A ciência não se ocupa com
contemplação. Quando tivermos descoberto as leis que governam uma parte
do mundo à nossa volta, e quando tivermos organizado estas leis em um
sistema, então estaremos prontos para lidar efetivamente com aquela parte do
mundo. Pela predição da ocorrência de um evento somos capazes de nos
preparar para ele. Pelo arranjo das condições de modos que são especificados
pelas leis de um sistema, nós não apenas predizemos, nós controlamos: nós
'causamos' a ocorrência, ou o assumir de certas características de um evento."
(1953b, p.14)

O controle é assumido como parte do fazer ciência, como característica

integrante de uma dada forma de agir no mundo. Para Skinner, tal controle

envolve, ainda, a noção de que as variáveis controladoras de seu objeto de

estudo, pelo menos as que são realmente relevantes, estão no mundo externo
226

- no ambiente. Assumidos o controle como possibilidade universal e o ambiente

como fonte privilegiada do controle do comportamento, Skinner pode

prosseguir em sua proposta de gestão científica e técnica da sociedade, uma

vez que o ambiente externo como variável relevante é passível de

manipulação. Deste modo, sua ciência não só deixaria de ser meramente

"contemplativa", como adquiriria realmente a capacidade de trabalhar com

todas as áreas relevantes da vida humana. E uma vez que, para Skinner, esta

ê a meta de qualquer ciência, esta só se constituirá realmente no momento em

que puder controlar globalmente seu objeto - o homem na sociedade. A ciência

aplicada e a tecnologia tornam-se assim, também por esta via, parte

integrante do projeto de ciência de Skinner, não meros sub-produtos da ciência

básica. A importância dos problemas práticos do homem é a própria razão da

ciência que, constituída a partir do laboratório, se torna instrumento a serviço

da sociedade exatamente pela possibilidade de controle que oferece.

"A noção de controle está implícita numa análise funcional. Quando


descobrimos uma variável independente que pode ser controlada, descobrimos
um meio de controlar o comportamento que é uma função dela. Este fato é
importante para propósitos teóricos» Provar a validade de uma relação
funcional através de uma demonstração real do efeito de uma variável sobre
outra é o cerne da ciência experimental." (...)
"As implicações práticas possivelmente são maiores ainda. Uma análise das
técnicas através das quais o comportamento pode ser manipulado mostra o
tipo de tecnologia que está emergindo à medida que a ciência avança, e
aponta o considerável grau de controle que é atualmente exercido. Os
problemas levantados pelo controle do comportamento humano obviamente
não podem mais ser evitados pela recusa em reconhecer a possibilidade do
controle." (1953b, p.227)

No entanto, Skinner tem clareza, tanto em Walden II como em Science

and Human Behavior, de que sua proposta de ciência, acompanhada

necessariamente de uma dada visão de mundo, é de difícil aceitação. A

discussão do controle que sua ciência preconiza é feita em pelo menos duas

vias na tentativa de esclarecer sua posição: de um lado, Skinner defende a


227

inevitabilidade do controle sobre o comportamento ao caracterizar as trocas

entre organismo e ambiente - o comportamento operante - como aquilo que

realmente ê relevante na vida humana; aquela parte do repertório do indivíduo

que transforma o mundo e transforma a si mesmo nesta troca. E desta

concepção que deriva o tipo de controle social que a ciência torna possível.

Porque o homem "comercia" com o mundo, e neste processo altera a

probabilidade de seu próprio comportamento futuro, é que o controle

ambiental e, por consequência, o controle do próprio homem, se torna

possível. Aquilo que parecia indicado já na década de 30, quando da

descoberta do operante, é tornado explícito não apenas na proposta de uma

sociedade como Walden II, mas também na discussão feita em Science and

Human Behavior:

"Mais frequentemente estamos interessados no comportamento que tem


efeitos no mundo ao seu redor- Tal comportamento levanta a maior parte dos
problemas práticos nos negócios humanos e é também de particular interesse
teórico por causa de suas características especiais. As consequências do
comportamento podem retroagir sobre o organismo- Quando o fazem, podem
mudar a probabilidade de que o comportamento que as produziu venha a
ocorrer de novo." (1953b, p.59)

De outro lado, Skinner procura demonstrar que o controle social, se não

pode ser evitado - não importa quão ardorosamente seja repudiado por aqueles

que pregam a liberdade do homem - pode, indiscutivelmente, ser

qualitativamente diferente numa sociedade onde é assumido como principio e

como consequência de uma proposta cientifica. Só este tipo de controle pode

fugir aos problemas até hoje enfrentados pelo homem, tanto em relação ao

poder e ao abuso que dele tem sido feito, como no sentido muito mais

importante, para Skinner, de que o controle cientifico pode transformar o que

até hoje não pôde ser resolvido pelo homem; só o controle cientifico do

comportamento permitirá que se elimine toda forma de controle aversivo,


228

garantindo a sobrevivência da cultura, a sobrevivência da espécie:

"Uma ciência do comportamento rigorosa torna efetivo um tipo de


consequência remota, quando nos leva a reconhecer a sobrevivência como um
critério na avaliação de uma prática controladora." (...) "pode nos levar a resistir
a exigências mais imediatas de liberdade, justiça, conhecimento, ou felicidade,
ao considerar as consequências a longo prazo da sobrevivência." (1953b,
pp.435, 436)

O que Skinner parece defender é que o controle cientifico, fundado na

noção de que o comportamento humano é controlado por suas consequências

imediatas, finalmente, permitirá que o homem se desvencilhe do imediatismo.

Pela primeira vez na história da humanidade seria possível criar um mundo em

que consequências mais remotas do comportamento fossem levadas em

conta- Isto garantiria uma liberdade muito maior do que aquela pregada

falsamente até então: a possibilidade de, exercendo o controle cientifico,

construir um mundo em que se garanta a sobrevivência pode se converter na

liberdade muito maior de discutir o próprio controle imediato do comportamento

em novas bases. Em vez de negar o controle como tentativa de escapar de

seus abusos, o homem pode discutir uma nova forma de controle em que os

abusos são impossíveis; em vez de negar o controle na tentativa de fugir a um

controle que sempre foi assimétrico, é possível democratizar o próprio controle

tornando-o posse de todo o grupos

"A maior vantagem da diversificação não ê relacionada de perto com o


problema do controle. A diversificação permite uma experimentação mais
segura e flexível no planejamento da cultura. (...) "Com diversificação, novas
técnicas de controle podem ser testadas localmente sem uma ameaça séria a
toda a estrutura.
"Para aqueles que temem o mau uso de uma ciência do comportamento esta
solução dita um passo óbvio. Distribuindo tão amplamente quanto possível o
conhecimento cientifico, ganhamos alguma segurança de que ele não será
imposto por uma só agência para seu próprio engrandecimento." (1953b,
p.442)

A democracia skinneriana não é a democracia política é a democracia

do conhecimento para todos, que permitiria um controle democrático dos


229

cidadãos sobre si mesmos e sobre os outros. Alguns dos limites de tal

concepção talvez sejam indicados pelo próprio Skinner. Por exemplo em

Walden II, parece não assumir claramente tal pressuposto: o conhecimento

cientifico continua nas mãos de uns poucos e não há uma preocupação

explicita com o ensino dos princípios científicos a todos os membros. Talvez

isto indique uma impossibilidade real de que se partilhe igualmente o

conhecimento e a tecnologia dele derivada na cultura, ou pode até mesmo

indicar que tal partilha não teria os resultados pregados em Science and

Human Behavior. Por outro lado, há que se considerar que também em Walden

II o controle é diversificado, na forma de grupos que se ocupam de diferentes

aspectos da vida comunitária e de uma preocupação constante com a

experimentação tornada uma característica da comunidade como um todo.

Mais provavelmente a resposta para esta pouca preocupação explicita em

Walden II é baseada em duas razões. A primeira delas, a crença skinneriana

de que uma sociedade planejada inevitavelmente trará como um de seus

sub-produtos um interesse muito maior de seus membros pelo

conhecimento e pela ciência. A segunda, e talvez mais importante, é que o

controle cientifico supõe a exclusividade do controle positivo; garantia de que

não haverá abuso de controle e, por conseguinte, necessidade de contra-

controle numa sociedade planejada.

O contra-controle que é a única arma de que dispõem os indivíduos

aversivamente controlados nas sociedades politicamente geridas, tornar-se-á

obsoleto em uma sociedade organizada segundo os princípios e métodos de

uma ciência do comportamento, onde apenas o controle positivo do

comportamento é utilizado e onde não apenas as técnicas de controle derivam


230

da ciência, mas também as próprias metas a serem atingidas por sua via.

Mais uma vez, Skinner percorre uma trilha interessantes o controle

cientifico e técnico do comportamento, que é inicialmente apresentado como

possibilidade de solução de problemas humanos, torna-se uma necessidade

ética uma vez que passa a ser defendido como única alternativa de

transformação da cultura, para finalmente transformar—se em garantia contra o

abuso do controle, ou melhor, contra todo o controle que tem sido repudiado

por aqueles que defendem os ideais de liberdade.

A ciência do comportamento em oposição à política, à história

Logo no inicio de Science and Human Behavior Skinner afirma a ciência,

apesar do uso quase fatal que dela o homem tem feito e que é atestado pela

história, como única alternativa capaz de impedir que a espécie humana

pereça. A história é utilizada para atestar um dado estado de coisas — o mau

uso da ciência — mas é desconsiderada como critério ou como parâmetro para

se propor o futuro da. Cultura. A história é usada e entendida como mera

narração. Ao mesmo tempo, a ciência é apresentada como caminho

indispensável à civilização também, pelo menos aparentemente, apesar dos

dados da história. Uma oposição entre ciência e história já se delineias os

dados da última não servem como justificativa (ou como negação) da primeira.

Além disto, se percebe a oposição também presente em Skinner entre ciência

e políticas uma é responsável pelo mau uso da outra, e a solução para esta

questão só poderá ser encontrada no abandono da política, uma vez que esta

não foi jamais capaz de resolver os urgentes e emergentes problemas


231

sociais, enquanto que a ciência só foi impedida de fazê-lo por causa da

gestão política dos negócios humanos.

"A história enfatiza a irresponsabilidade com a qual a ciência e seus produtos


têm sido usados. O poder do homem parece ter crescido além da proporção de
sua sabedoria- Ele nunca esteve em melhor posição para construir um mundo
sadio, feliz e produtivo; mesmo assim as coisas parecem nunca ter sido tão
negras." (...) "O pior pode ainda estar por vir. Cientistas podem não iniciar a
reação em cadeia para explodir o mundo para a eternidade, mas algumas das
possibilidades mais plausíveis não são menos desconcertantes."
(...)
"Não causa surpresa encontrar a proposta de que a ciência deveria ser
abandonada, pelo menos por enquanto." (...) "Não há virtude na ignorância
pela ignorância. Desafortunadamente não podemos manter-nos parados:
acabar com a pesquisa científica significaria um retorno a fome e à peste e aos
trabalhos exaustivos de uma cultura escravista." (1953b, pp.4, 5)

A ciência do comportamento, tal como é proposta em Walden II, também

é caminho de solução para os problemas humanos e é marcada por uma clara

distinção em relação â política (ai incluído o governo) e à ética. Ao criticar a

política e o governo por não usarem da experimentação, por não serem formas

cientificas de gestão dos negócios humanos, Skinner, além de afirmar a

necessidade premente de uma ciência e uma tecnologia do comportamento

para a busca de soluções dos problemas humanos, afirma que a política, e o

governo nela fundado - não importa sua cor ideológica - são, por princípio,

modos pré-científicos, e portanto ineficientes, de agir sobre a sociedade.

Enquanto maneira de manipular o ambiente, Skinner afirma que são

impossíveis para a política a experimentação e a descoberta de maneiras

científicas de intervenção; ou seja, supõe uma impossibilidade metodológica,

que acaba por implicar uma séria deficiência técnica para a política. 0 que

resta como questão a responder é por que Skinner afirma isto como

principio, ou, por que são impossíveis aos governos e á política?

Uma das respostas está na constatação de que Skinner afirma a política

como fundada em outro princípio metodológicos em vez da experimentação, a


232

história. 0 critério para a escolha de alternativas de solução dos problemas

humanos estaria baseado na análise do passado e não do presente, na análise

de fatos e de modelos já vividos e não das leis naturais da ciência. A ciência do

comportamento afirma uma relação indissociável entre organismo e ambiente,

mas uma relação fundada na consequenciação imediata do comportamento; a

sociedade, por consequência, é muito mais um conjunto de contingências que

são naturalmente selecionadas e que se mantêm através das contingências

presentes. A história, ou melhor, o que Skinner considera uma visão historicista

da cultura, afirma a cultura como produto de padrões produzidos

teleologicamente e mantidos pelas mesmas razões; neste sentido as práticas

sociais não seriam naturalmente selecionadas, mas sim implementadas a partir

de um 'organismo originador' com vistas a um determinado fim, seja ele a

reprodução de uma prática, ou o estabelecimento de uma nova.

Para Skinner, por paradoxal que pareça, a história, como metodologia de

transformação social, ou como critério e parâmetro para a escolha e avaliação

de uma prática qualquer, funciona muito mais como uma amarra, uma vez que

se descola das relações contingências entre homem e ambiente para substituí-

las por uma relação que busca descobrir leis sociais ou leis históricas. Do

ponto de vista skinneriano, portanto, através da história o homem busca

reconhecer e descobrir meios e metas para a reprodução e produção de sua

cultura presente, tornando-se incapaz de perceber os problemas reais e

presentes colocados pelo ambiente.

"Eu não vou falar sobre o destino, mais do que falei sobre História. O passado
e o futuro são ambos irrelevantes. Nós não agimos por causa de um futuro nem
porque sabemos que haverá algum. Mas o homem muda. E característico dele
descobrir e controlar, e o mundo não permanece o mesmo, desde que começa
a trabalhar. " (...) "E esta característica sobreviverá numa comunidade bem
sucedida. Deve sobreviver, ou então culturas menos eficientes de alguma
forma irão se sobrepor." (1948c, p.211)
233

A história, seja como modelo que fornece um padrão comportamental,

seja como metodologia para que se possa descobrir as técnicas e os objectivos

de uma sociedade é, portanto, completamente abandonada na concepção

skinneriana e serve, ainda, como base para sua critica da sociedade. Enquanto

metodologia, a história não permite a manipulação, tão cara à proposta

skinneriana, não permite sequer o conhecimento real das variáveis

controladoras de um dado padrão cultural. Como modelo, a história está fadada

ao -fracassos sequer seria possível conhecer realmente o padrão cultural uma

vez que tenha sido superado. Restaria, assim, a uma perspectiva histórica lidar

com os relatos sobre os fatos e não com os fatos em si. Tal abordagem

conteria, portanto, necessariamente um falseamento da realidade, devido à

impossibilidade de se conhecer, por seu intermédio, as variáveis controladoras

de uma dada realidade.

"História dá perspectiva? (...) E quem garante que os eventos distantes


sejam vistos com maior clareza?"
(...)
<0 tempo só permite um julgamento mais equilibrado> "Falsificando os fatos!
Qualquer evento histórico mais singular é muito complexo para ser
adequadamente conhecido por alguém. Transcende todas as capacidades
intelectuais do homem. Nossa prática é esperar até que um número suficiente
de pormenores tenha sido esquecido. E claro que as coisas ficam então mais
simples. Nossas lembranças funcionam assim; retemos os fatos sobre os
quais ê mais fácil pensar."
(...)
"O herói" (...) "é um expediente que o historiador recebeu do leigo e que usa,
porque não tem vocabulário técnico ou científico para lidar com os fatos reais
da história - as opiniões, emoções, atitudes; os desejos, planos, esquemas, os
hábitos dos homens. Como não pode falar sobre eles, fala de heróis. Mas
como isso engana! Quão inevitável é que características pessoais e negócios
privados sejam misturados! Misturados com a figura do herói!"
(...) "Eu não me importo com quanto suficientemente bem os fatos históricos
possam ser conhecidos de longe. E tão importante assim conhecê-los?
Sustento que a História nem chega perto de se repetir. Mesmo se tivéssemos
informações fidedignas sobre o passado, não encontraríamos um caso
suficientemente similar para justificar inferências sobre presente e futuro
imediato. Não podemos fazer uso real da História como padrão corrente.
Fazemos dela um uso falso, um uso emotivo - com bastante frequência."
(...)
234

"Nada se confunde mais com a nossa avaliação do presente do que o senso


histórico - a menos que seja um senso de destino. Seus Hitlers são homens
que usaram a História para obter uma vantagem real. E exatamente o que
precisam. Ofusca toda a tentativa de se ter uma apreciação clara do presente."
(...)
"O que damos aos jovens de 'Walden II' é a compreensão das forças vigentes
com as quais a cultura deve lidar. Nenhum de seus mitos, nenhum de seus
heróis - nada de História, nada de Destino - simplesmente o Agora! O presente
é o que importa. E a única coisa que podemos manipular, pelo menos de
maneira cientifica." (1948c, pp.238, 239)

A história, tão prestigiada nas sociedades e nos governos, tão básica á

política é, assim, descartada também enquanto arma ideológica perigosa. Além

de ineficiente é tida como enganadora, como fabricadora de uma falsa visão de

mundo que frequentemente é utilizada "contra o povo". E exatamente o

desconhecimento das leis que regem os fenômenos presentes, a falta de uma

ciência do comportamento, de uma engenharia cultural, que permitiria, para

Skinner, o uso ideológico da política, transformando-a em forma pré-científica

de abordar o mundo. Isto só pode ser solucionado por uma abordagem

cientifica do mundo, a única que, sendo neutra e objetiva, impediria o uso

ideológico do poder ou do conhecimento.

Esta concepção skinneriana, entretanto, não é estranha à sua con-

cepção mais geral de mundo e de ciência: partindo do suposto que a

descoberta das leis naturais que regem os fenômenos é a base de sua possível

manipulação, é necessário propor que se descubra as leis gerais dos

fenômenos presentes; se estas leis se transformam, de nada serve o

conhecimento do que já não existe; se não se transformam, não há porque

defender uma metodologia tão pouco precisa como a do estudo histórico,

quando há metodologias mais eficientes e mais acessíveis pela via da

experimentação.

Em segundo lugar, uma questão essenciais quando Skinner afirma que


235

a história não se repete, e quando destaca as dificuldades metodológicas de se

descobrir exatamente o ocorrido no passado, está dizendo que a história,

enquanto método, enfrenta uma impossibilidade ontológicas não ê possível

desvendar os processos que são responsáveis pelos fenômenos particulares.

Ou seja: ou se afirma a repetição do evento entendido incorretamente como a

ocorrência particular e não como o processo que o determina, ou se supõe

processos que não podem ser experimentalmente testados por absoluta

impossibilidade metodológica de sequer conhecer os dados relevantes para

sua descrição. Deste modo, ao discutir a história, Skinner não lhe atribui o

estatuto de ciência e, na sua critica, confirma sua concepção de ciência como o

conhecimento da lei natural e ahistórica:

"E não prestamos muita atenção ao aparente sucesso de um princí- pio no


curso da história. A História é prestigiada em 'Walden II' apenas como
entretenimento; não é levada a sério como material de reflexão." (1948c, p.117)

Problema tão sério quanto a impossibilidade, imprecisão, ou ineficiência

que a história acarretaria no que se refere à manipulação da. cultura, seria o

fato de que ela acaba, necessariamente, por ser manipulada pelos governos e

pela política - que se utilizam de argumentos e de critérios baseados na história

para implementar sua ação. Uma suposta acumulação de conhecimento, de

formas de organização política, seria usada pelos governantes, e pelos

postulantes aos governos, como demonstração da correção de suas propostas.

No entanto, para Skinner, na melhor das hipóteses, os governos assim

fundados podem acertar por acidente, uma vez que enfatizam as variáveis

erradas; ao invés da análise do ambiente que esta agindo sobre o

comportamento dos indivíduos, se pretende descobrir as variáveis que agiram

sobre os indivíduos. Como consequência, a própria política e todas as formas

existentes de gestão política doa negócios humanos - entendidas como


236

historicamente fundadas - todas as alternativas de governo conhecidas, são

descartadas. Quanto às tentativas de reforma política, Skinner afirmas

"Mas sabem eles como conseguir o que querem? Sabem eles que tipo de
mundo satisfará 'os homens em geral'? Não. Mais uma vez estão novamente
adivinhando. Qualquer um pode sugerir mudanças que quase certamente
serão melhorias mas isto é remendo. Uma cultura conveniente só pode ser
descoberta por experimentação."
(...)
"Eu não estou argumentando por não haver governo, mas somente por
nenhuma das formas existentes. Queremos um governo baseado na ciência do
comportamento humano. Nada menos que isso produzirá uma estrutura social
permanente. Pela primeira vez na história estamos prontos para isso, porque
podemos agora lidar com comportamento humano segundo princípios
científicos simples." (1948c, p.198)

É interessante que o argumento skinneriano de que a lei natural é

ahistórica, portanto, em certo sentido imutável, é usado como se fosse o

argumento historicista, mas para desqualificar a histórias esta não tem uso

porque as leis genéricas que regem os comportamentos são as mesmas e

muito melhor apreendidas em sua relação atual com o comportamento. Ou

então o argumento historicista é usado contra o próprio historicismo: se o

padrão cultural muda não ê possível de ser recuperado por uma metodologia

que não pode manipular as variáveis vigentes em cada momento; e a história

não pode ser usada porque no melhor dos casos pode dizer o que já não

existe, o que não mais opera para controlar o comportamento.

"Em qualquer momento de sua vida, um indivíduo mostra certo comportamento


com certos estados de probabilidade. Este é o 'back-ground' contra o qual
estudamos operantes selecionados e exploramos os efeitos de variáveis
independentes. Estas variáveis raramente são relevantes na explicação da
existência do comportamento escolhido para estudo; elas simplesmente afetam
sua probabilidade. Sua existência é tida como ponto de partida." (1953b,
pp.156, 157)

Explicar o comportamento significa, em Walden II, controlar as variáveis

das quais ele, no presente, é uma função. Em Science and Human Behavior,

significa descobrir as variáveis que interferem na probabilidade do

comportamento. A diferença nos dois casos, se é que existe, não altera a


237

postura skinneriana em relação à história (e á política): permanece o descaso

com as "causas da existência" do comportamento. Pode-se inferir que, ao falar

das variáveis que "explicam a existência", Skinner esteja se referindo àqueles

fatores que interferiram na formação do padrão cultural, ás forças que

produzem um dado padrão e que na maioria das vezes necessitam de uma

análise histórica para que se as desvende, já que não são necessariamente

as mesmas as variáveis que interferem na gestação e na manutenção de um

dado padrão, como o próprio Skinner reconhece ao discutir o controle

filogenêtico do comportamento. No entanto, estas variáveis, que são pelo

menos em parte a história, para Skinner, no melhor dos casos, permitem uma

narração, mas nunca uma descrição no sentido que defende para a ciência.

Mais uma vez, parece intervir nesta análise a tendência skinneriana de

privilegiar "o que é", de dar preferência à manutenção dos comportamentos»

Esta tendência se expressa na sua análise de con- tingências e

comportamentos específicos, mas também encontra local privilegiado na

análise da culturas Skinner usa a sobrevivência como critério e, ao fazê-lo, não

importa que isto seja contradito por sua preocupação com a experimentação,

está enfatizando o que foi selecionado e esta presente hoje. Uma vez que não

é possível alterar o que foi selecionado, parece que o que resta é a

compreensão do que existe no presente:

"Vários tipos de afirmação sobre o comportamento são comumente feitas.


Quando contamos um episódio ou passamos adiante uma fofoca, relatamos
um evento singular - o que alguém fez em tal ocasião." (...) "Nosso relato é uma
pequena porção de história. A própria história frequentemente nada mais é que
um relato semelhante numa escala mais ampla."
(...)
"Estes relatos têm seus usos. Eles alargam a experiência daqueles que não
tiveram acesso em primeira mão a dados semelhantes. Mas eles são apenas
os inícios de uma ciência. Não importa quão acurado ou quantitativo ele possa
ser, o relato de um caso singular é apenas um passo preliminar. 0 próximo
passo é a descoberta de algum tipo de uniformidade. Quando" (...) "relatamos
238

um história de caso para exemplificar um principio, temos implícita uma regra


geral, não importa quão vagamente ela possa ser expressa. O historiador
raramente se contenta com a mera narração. Ele relata seus fatos para
sustentar um teoria - de ciclos, tendências, ou padrões na história. Ao fazê-lo
ele passa da instância singular á regra." (...) (1953b, pp.15, 16)

A história, mesmo quando encarada mais benevolamente por Skinner,

como em Science and Human Behavior, não passa de uma tentativa incipiente

de descobrir aquilo que só a ciência natural, com seus métodos, pode

descobrir. É uma tentativa pré-científica de descobrir uniformidades porque,

embora possa supor como pressuposto ontológico-epistemológico que o

comportamento humano é submetido á regularidade, não pode realmente

descobrir as leis que descrevem esta uniformidade; não é capaz de produzir o

restante do arcabouço epistemológico-ontológico necessário e não pode

derivar a metodologia adequada para tal. Se a história carece destes requisitos,

seu corolário prático, a política e as ciências sociais, carecem da tecnologia

adequada para transformar seu objeto - a sociedade. Se a ciência não pode

descrever adequadamente seu objeto de estudo, a tecnologia dela derivada

não o poderá controlar. A política e a história são, assim, substituídas por

Skinner pela ciência do comportamento e pela experimentação. Ao invés de

formas pré-científicas de governo e de metodologias não científicas, Skinner

propõe uma sociedade planejada segundo a ciência - ciência natural - capaz

de prever e controlar os fenômenos com precisão. 0 que falta para que os

homens dêem tão importante passo é a próxima questão que se coloca para

Skinner

"Muitos dos métodos e técnicas <da tecnologia comportamentais> são


realmente tão antigos quanto as montanhas. Veja o seu terrível uso nas mãos
dos nazistas. E o que me diz das técnicas de psicologia clinica? Da educação?
Ou da religião? Ou da prática política? Ou da propaganda e venda? Junte tudo
e terá uma espécie de tecnologia de regras práticas de um enorme poder." (...)
"a ciência está ali para quem pedir. Mas suas técnicas e métodos estão nas
mãos erradas — são usadas para o engrandecimento pessoal num mundo
239

competitivo ou, no caso dos psicólogos e educadores, para propósitos


futilmente corretivos." (1948c, p.254)

Mas a utilização deste arsenal só foi inadequada ou incompleta, e

Skinner o reconhece, por certas determinações culturais que têm impedido que

a concepção científica de mundo fosse universalizada para todos os -

fenômenos da natureza, ou que têm impedido que se reconheça que todo

evento é um evento natural» A história só ê empregada por Skinner no sentido

de que se reconheça no desenvolvimento dos indivíduos e da cultura certas

características, no mais das vezes prejudiciais à sua proposta- Entretanto, não

justifica que se a utilize como metodologia para transformar ou realmente

explicar estes padrões. E como se a história fosse usada para justificar o que a

ciência não pôde ainda fazer, mas jamais para explicar aquilo que o homem,

auxiliado pela ciência, pode vir a fazer. Mais uma vez a história é empregada

no máximo como narração, como passo até dispensável para uma real

descrição do homem e da cultura. Mas a insistência skinneriana neste uso da

história acaba por fazer com que ele aparentemente confunda o uso que faz da

história com as mazelas da sociedade humana; é como se a história

funcionasse como um bode-expiatório: serve apenas para explicar o que o

homem não fez e, deste ponto de vista, só pode ser usada para reproduzir os

erros humanos, as tentativas que já se demonstraram fracassadas.

"Afortunadamente o problema raramente é crucial no controle prático do


comportamento humano." (...) "No entanto, o problema é importante e deve ser
enfrentado. A ciência moderna tem tentado formar uma concepção de natureza
ordenada e integrada." (...) "O quadro que emerge é quase sempre dualista. O
cientista humildemente admite que está descrevendo apenas metade do
universo e se submete a um outro mundo - um mundo da mente ou consciência
— para o qual a exigência de um outro modo de investigação é assumida. Tal
ponto de vista não é inevitável, mas sim parte da herança cultural da qual a
ciência emergiu. Obviamente fica no caminho de uma descrição unificada da
natureza." (1953b, p.258)

Trata-se, então, de descobrir como se pode dar o salto qualitativo e


240

passar de uma sociedade cheia de problemas insolúveis, politicamente gerida,

para uma cultura cientificamente planejada e em que os problemas sejam

todos solucionáveis. Esta questão, segundo o próprio Skinner, é que tem

dirigido as utopias escritas no curso da história. A impossibilidade de resolver

este problema, no entanto, é atribuída à inexistência de uma ciência do

comportamento e de uma engenharia comportamental, até há bem pouco

tempo. O advento de uma ciência capaz de trabalhar com os problemas da

sociedade humana é condição necessária e suficiente para a transformação da

culturas a própria história é, assim, naturalizada; a existência de um

conhecimento <a emergência de um novo fenômeno) adquire a força de uma

lei da natureza, no sentido de tornar inexorável o seu curso e porque, de

alguma forma, prescinde da intervenção humana, pelo menos se

teleologicamente pensada. A recorrência das utopias seria a consequência

natural do fato de não haver uma tecnologia disponível para uma nova forma

de se fazer a sociedade, da não existência, portanto, de uma ciência do

comportamento:

(...) "'Utopia' em grego quer dizer 'lugar nenhum' (...) Bacon escolheu uma
Atlântida perdida e Shangri—La está isolada pelas mais altas montanhas do
mundo. Bellamy e Morris acharam necessário se afastar um ou dois séculos no
tempo. Fora da realidade, de fato! E a primeira regra de um romance utópico."
(...)
"0 único fato que eu poderia anunciar a plenos pulmões é que a Boa Vida
espera vocês - aqui e agora! (...) Não depende de mudança de governo ou das
maquinações do mundo da política. Não está aguardando uma melhoria da
natureza humana. Nesse preciso momento, temos as técnicas necessárias,
tanto materiais como psicológicas, para criar uma vida plena e satisfatória para
qualquer um." (1948c, p.196)

A construção de uma nova cultura, consequentemente, dependeria

unicamente de se ter os conhecimentos científicos necessários. Desde que

estes princípios já existissem, na forma de uma ciência do comportamento

(como em Walden II), ou assim que viessem a se constituir, estariam dadas


241

toda© as condições para esta nova sociedade. A cultura dai emergente teria,

em primeiro lugar, a vantagem de se pautar por uma única concepção de

homem e de sociedade, garantindo uma real implementação e avaliação de

técnicas eficazes de controle social. Em segundo lugar, em tal sociedade, os

responsáveis por seu encaminhamento não poderiam escorar-se em pseudo-

escusas, tendo que assumir toda sua responsabilidade, garantindo, assim, que

apenas técnicas de controle eficiente fossem utilizadas — técnicas tão mais

eficientes quanto mais amplamente atendessem às necessidades de todos:

"Esse é o ponto. A sociedade já possui as técnicas psicológicas para obter a


observância universal de um código - um código que garantiria o sucesso de
uma comunidade ou Estado. A dificuldade está em que essas técnicas estão
nas mãos de pessoas erradas — ou melhor, não existem as pessoas certas.
Nosso governo não quer aceitar a responsabilidade de construir o tipo de
comportamento necessário para um Estado feliz. Em 'Walden II', apenas
criamos uma agencia que fizesse isso." (1948c, p. 168)

Aqui se afirma, mais do que a possibilidade de se construir uma cultura

sobre novas bases e sem a tutela da política. Também se defende que a

possibilidade desta ocorrência depende apenas de que se constitua uma

agência para isto. Substitui-se a agência governamental por uma outra, uma

agência científica. Em lugar da política, uma ciência natural, em lugar dos

políticos, o cientista comportamental, o planejador cultural. A ciência do

comportamento, com seus princípios, constituiria os supostos de uma nova

sociedade e proveria as técnicas necessárias para o seu gerenciamento;

para isto bastaria que o controle da cultura passasse a novas mãos,

caminho natural, uma vez desenvolvida a ciência. No entanto, há que se

perguntar como isto é possível.

"Esse é o primeiro ponto na plataforma de 'Walden II'. Você não pode progredir
em direção à Boa Vida pela ação política! Sob nenhuma forma corrente de
governo. Você deve operar sobre um nível inteiramente distinto. O que você
precisa é de uma espécie de Comitê de Ação Apolítica: mantenha-se fora da
política e longe do governo, exceto para fins práticos e temporários. Não é
242

lugar para homens de boa vontade ou visão." (1948c, pp.196, 197)

Skinner defende a constituição de uma nova agência, em bases

científicas, como responsável pela construção de uma nova sociedade,

também em bases científicas. A sociedade cientificamente gerida só pode

assumir um tipo de fenômeno, passível, pelo menos enquanto possibilidade

ontológica, de descrição e de controle pela agência científica. A suposição de

níveis de fenômenos que não seriam subsumidos à lei natural impediria a

postulação de uma agência capaz de planejadamente gerir a cultura. Skinner

recusa a política e as alternativas de governo que têm sido assumidas como

políticas e que têm sido estudadas pelas ciências sociais com base neste

supostos o de que tais formas de atuação sobre a cultura postulam eventos

que não podem ser reduzidos a leis cientificas nos moldes das ciências

naturais. A isto opõe um monismo que se aproxima do fisicalismo. A política

que, na sua tentativa de controlar e moldar a cultura, assume forças que não

podem ser traduzidas em fenômenos físicos, não pode ser aceita como forma

de gerência exatamente por sua incapacidade de controlar, de manipular

fenômenos que são essenciais á vida social.

"As variáveis independentes devem também ser descritas em termos físicos."


(...) "Os eventos que afetam um organismo devem ser passíveis de descrição
na linguagem da ciência física. Algumas vezes se argumenta que certas 'forças
sociais' ou 'influências' de cultura ou tradição são exceções. Mas não podemos
apelar para entidades deste tipo sem explicar como elas podem afetar ambos,
o cientista e o indivíduo sob observação. Os eventos físicos aos quais se deve
apelar em tal explicação nos fornecerão um material alternativo adequado a
uma análise física."
"Restringindo-nos a estes eventos observáveis, adquirimos uma considerável
vantagem, não apenas em teoria, mas também na prática." (...) "Assim como
devemos rastrear esses eventos internos até as variáveis manipuláveis das
quais se diz serem uma função, antes que os usemos para fins práticos, assim
também devemos identificar os eventos físicos pelos quais uma 'força social'
afeta o organismo antes que possamos manipulá-la para propósitos de
controle. Ao lidar com dados diretamente observáveis não precisamos nos
referir, seja a estados internos, seja a forças externas." (1953b, p. 36)

O que sua proposta não consegue eliminar, no entanto, é que o primeiro


243

passo para a transformação da sociedade numa cultura técnico-científica é a

"boa vontade" de um grupo de indivíduos, no caso, tanto dos que abririam mão

do poder, quanto dos que o assumiriam. Parece que a subjetividade e o apelo

a critérios não científicos não podem ser eliminados neste momento. Mas, com

isto, Skinner acaba afirmando o que vinha negando até aqui, e propondo

critérios "pré—científicos"; pelo menos para que aconteça a primeira mudança

na sociedade. A grande característica proposta para os "novos governantes" é

uma preocupação com a experimentação, como se esta atitude, enquanto

característica diferenciadora, fosse condição necessária e suficiente para a

construção de uma nova cultura. Skinner afirma que na sociedade em geral

não se pode fazer muito no sentido de planejar cientificamente uma cultura

porque:

(...) "há centenas de forças que impedem você e todos os homens de boa
vontade de até mesmo começarem um caminho em direção aos seus objetivos.
O que seu jovem amigo tem <o aluno brilhante>, eu aposto, é um verdadeiro
espírito de experimentação, mas como centenas de outros ele não tem
laboratório e técnicas." (1948c, p.170)

Uma nova sociedade propiciaria que os "talentos experimentais" fossem

os dirigentes de seu destino- Como momento seguinte à "boa vontade", que

permitiria a tais indivíduos o acesso ao governo e coletividade, se instalaria,

pela experimentação cientifica, um conjunto de normas e padrões que levariam

não apenas á solução de problemas correntes, mas também à obtenção de

novos padrões comportamentais, culturais.

O percurso, iniciado pela proposta de uma engenharia comportamental

como base de uma sociedade científica, parece se esgotar no momento de

discutir como começá-la ou transformá-la, já que Skinner não dispõe de um

referencial que permita a discussão da transformação social, que inclua o

momento negativo exigido por tal mudança. A recusa da política como meio
244

não impede Skinner de defender o que é ainda anterior ao pré-científico, já que

esta é substituída, pelo menos no momento da formação de uma nova cultura,

pela simples "boa vontade", ou seja, por algo que está ainda aquém da política.

Talvez a consciência, embora não confessa, deste problema levasse Skinner a

apresentar sua proposta de sociedade como já constituída, ou a apresentá-la

como uma comunidade paralela á sociedade que critica. Se fosse possível,

dentro do sistema skinneriano, descobrir outra pré-condição para a

transformação da sociedade, talvez Skinner tivesse escrito um livro sobre a

transformação da sociedade americana numa sociedade semelhante a Walden

II e não um livro que apresenta a sua proposta de cultura já em andamento.

Ciência do comportamentos uma ética experimental

Ao lado da proposta de uma ciência do comportamento como base para

a construção de uma cultura e da recusa da política e da história entendidas

como formas pré-científicas de descrição e controle da sociedade, Skinner

discute a ética como forma de explicar o comportamento e os padrões sociais e

a propõe sobre novas bases. Se a ciência é baseada no método experimental,

se a cultura se caracteriza por sua atitude constantemente experimental,

também a ética deve ser experimentalmente fundada. A ética, entendida como

tentativa pré-científica de justificar, determinar e dirigir certas práticas sociais e

de assim as manter, é criticada:

"0 que queremos dizer com o Bem? Como podemos encorajar as pessoas a
praticar a Boa Vida? E assim por diante. Nossa explicação não responde
perguntas deste tipo no sentido em que são usualmente feitas. Na abordagem
de uma ciência natural certos tipos de comportamento são observados quando
as pessoas vivem em grupo - tipos de comportamento que são dirigidos para o
controle do indivíduo e que operam para o beneficio de outros membros do
grupo. Definimos 'bem' e 'mal', 'certo' e 'errado' em relação a um conjunto de
práticas determinadas. Explicamos as práticas pela observação dos efeitos que
245

têm sobre o indivíduo e, por seu turno, sobre os membros do grupo, de acordo
com os processos básicos de comportamento.
A ética geralmente se preocupa em justificar práticas controladoras em lugar de
simplesmente descrevê-las." (1953b, p.328)

A ciência do comportamento, pelo menos como apresentada em Science

and Human Behavior, substitui a ética, não porque substitui ponto a ponto seu

papel, mas porque o substitui por um outro muito mais eficiente junto ao grupo

sociais ao invés de rotular de maneira ambígua e vaga práticas controladoras e

de assim tentar perpetuá-las, a ciência permite que se avalie as práticas,

descrevendo as variáveis que as controlam, permitindo assim que o grupo

social não mais se perca no emaranhado da discussão verbal, mas que possa

efetivamente controlar e manipular suas práticas tendo o grupo como

parâmetro. A justificação de uma prática é oposta â sua descrição: a ética

deixa de ser um conjunto de prescrições inócuas para se converter num

conjunto de princípios que permitem a manipulação efetiva do comportamento

dos indivíduos em relação ao grupo. O diálogo travado entre o filósofo e

Frazier, em Walden II, é esclarecedor desta posição. Castle, indignado

com a ética de 'Walden II', pergunta:

"Deixou o indivíduo sem responsabilidade e sem escolha, A culpa é da


sociedade. E da lei natural- Mas o que acontece ao indivíduo numa tal visão?
Onde está a iniciativa pessoal? 'Certo' e 'Errado' já não tem qualquer
significado?
- "Estou certo de que não sei - disse Frazier. - Você sabe? Mas o que me
espanta, Sr. Castle, é a sua má-vontade em submeter à experimentação esses
conceitos tão caros. Não lhe parece, de alguma forma, relevante perguntar qual
visão será mais valiosa na eliminação das 'faltas' morais? Seguramente não se
pode dizer muita coisa a favor da velha noção de responsabilidade pessoal,
pelo menos, levou a muito pouco progresso."
(...)
"Eu lhe mostro uma comunidade" (...) "na qual não há crime e pouquíssimas
pequenas falhas e você a condena, porque nenhum de seus membros ouviu
falar ou se preocupa com a lei moral."
(...)
"Mas você não é capaz de conceber uma ética experimental? Você não quer
aproveitar-se da experiência para obter um consenso para o bem comum?"
(...)
"Mesmo que você deva contemplá-la de um mundo de caos moral? (1948c,
246

pp.175, 176)

0 que se propõe em Walden II é um conjunto de regulamentações que

são eficientes no controle do comportamento que tem importância para o

grupo. Uma codificação e uma implementação de práticas comportamentais

que são definidas cientificamente (em termos da sobrevivência do grupo) e que

são tornadas realidade também cientificamente, com o uso de tecnologia que

leva em conta as leis que regem os processos comportamentais. Deste ponto

de vista, é uma ética apenas porque provê um código de conduta, de normas

para o sujeito, mas, ao mesmo tempo, não é ética porque deriva seus

princípios e seus meios de implementação da ciência natural e não de decisões

"racionais".

A ética proposta em Walden II, ao ser afirmada como experimentalmente

construída, deixa, para Skinner, de ter o caráter de regra geral e convencional

a ser seguida, para se tornar conjunto de padrões comportamentais

experimentalmente testados, por isto comprovadamente eficientes, e

necessários ao bom andamento da sociedade, e por isto implementados. Ao

fazer esta inversão, Skinner passa a valorizar as condições oferecidas pela

comunidade para que os padrões comportamentais sejam instalados. O critério

maior de avaliação da ética proposta é o beneficio que traz para o grupo o seu

cumprimento. A ética se torna, também, questão técnica, afeta aos

planejadores culturais. Seu não cumprimento também é uma questão técnica,

de modo que o fracasso de uma ética experimental só pode ser atribuído a

condições (técnicas) incorretamente planejadas. A partir dai, deixa de ter

significado, a ética liberal que atribui responsabilidade ao indivíduo. Não só a

responsabilidade - de planejar, testar e avaliar - passa a ser da comunidade;


247

ela se torna um problema especificamente técnico, portanto, daqueles

detentores da tecnologia. Os padrões a serem estabelecidos passam a ser

vistos como determinados pelas mesmas vias - do planejamento e da

experimentação. Ou seja, a ética torna-se conjunto de padrões objetivamente

obtido pela via científica, considerado necessário ao bem comum. A

implementação destes padrões torna-se também um problema científico-

técnico. 0 adjetivo de experimental para a ética proposta de Walden II tem,

assim, a conotação de objetivo, neutro, universal e eficiente.

"Com o tempo, uma ciência do comportamento humano pode ser capaz de


dizer ao planejador que tipo de cultura deve ser estabelecida para que produza
um dado resultado, mas, poderá ele dizer que tipo de resultado ele deveria
produzir? A palavra 'deveria' nos traz ao campo familiar do julgamento de valor.
Comumente se argumenta que há dois tipos de conhecimento, um de fato e
outro de valor, e que a ciência necessariamente se restringe ao primeiro. 0
planejamento de uma cultura exige o segundo?"
(...)
"Não é verdade que afirmações que contêm 'poderia' ou 'deveria' não têm lugar
no conhecimento científico. Há pelo menos um uso para o qual uma tradução
aceitável pode ser feita. Uma sentença que começa com 'Você deve' é
frequentemente uma predição de consequências reforçadoras." (...) "Além disto
a palavra 'deve', naturalmente, desempenha um grande papel no controle
exercido pelo grupo ético e por agências governamentais e religiosas." (...) "
Este uso exortatório pode ser explicado da maneira usual. Ele nada mais é que
um comando encoberto e não tem mais conexão com um julgamento de valor
do que com uma afirmação cientifica de fato."
"A mesma interpretação é possível quando as consequências reforçadoras são
de natureza ética." <Como> 'Você deve amar seu próximo'". (...)
"Quando é proposta uma mudança no plano cultural principalmente para induzir
pessoas a fazer a mudança, podemos explicá-la como no exemplo de
exortação. A proposta também pode ser uma predição de consequências." (...)
"Algumas vezes as consequências implícitas são menos óbvias" (...) Neste
ponto é que usualmente se apela para os valores clássicos de segurança,
liberdade, felicidade, conhecimento etc. Nós vimos que estes frequentemente
se referem indiretamente a certas consequências imediatas de práticas
culturais. Mas o problema crucial a respeito de valores está em um outro
significado da palavra 'deve', no qual está implícita uma consequência mais
remota. <o valor de sobrevivência>". (1953b, pp.428, 429, 430)

Para Skinner, pelo menos como se explicita em Science and Human

Behavior, não se trata, portanto, de abandonar a ética no sentido de abandonar

aquele campo de ação que se ocupa com o controle de certo tipo de padrão

comportamental; trata-se, isto sim, de abandonar a abordagem que comumente


248

se faz deste tipo de problema. Os homens continuarão comportando-se uns

em relação aos outros de formas que interferem em seus repertórios e que

podem ser mais ou menos benéficas para si e para o grupo. Além disto,

deverão continuar a codificar suas práticas de modo a prever contingências e

torná-las mais prováveis de afetar o comportamento dos outros, mas tornando

estas previsões explícitas. O que uma ciência do comportamento deve permitir

que se abandone são as formas pré—científicas de abordar estes problemas-

(Assim como Skinner, em 1945, não abandonou os comportamentos

encobertos e se diferenciou do que chamava de behavioristas metodológicos

por isto, parece agora querer afirmar que sua ciência contém aqueles aspectos

da vida até aqui considerados alheios a seu campo, e não que sua ciência

considera estes aspectos como inexistentes). O que se obteria com esta

concepção é, em primeiro lugar, uma maior clareza das consequências destas

práticas e uma maior eficiência em sua implementação. Como produto quase

secundário obter-se-ia uma nova concepção de homem que permitiria o

abandono de concepções pré-científicas que acabam operando como

condições que impedem o avanço da cultura, ou mesmo que colocam em risco

sua sobrevivência.

Em Science and Human Behavior, Skinner reconhece ainda a

necessidade e o poder do controle ético tal como vem sendo exercido pela

cultura. E mais, reconhece neste tipo de controle o responsável pela

conformidade do indivíduo ao padrão do grupo; o que implica dizer que a ética,

além de formadora, no sentido de ser um conjunto de normas ou de

contingências que expressam os padrões comportamentais desenvolvidos e

mantidos pela cultura, adquire papel de controle sobre o indivíduo em relação


249

ao grupo, controle que garante a 'ordem' no grupo através da codificação de

padrões de comportamento individual, mesmo que tais padrões só existam por

causa do beneficio que trazem ao grupo como um todo e em detrimento do

indivíduo.

"Talvez a explicação mais simples para o reforçamento diferencial do


comportamento adequado seja o processo de indução. As forças que modelam
comportamento ético aos padrões do grupo são poderosas. 0 grupo atua para
suprimir o mentir, roubar, assaltar etc., por causa das consequências imediatas
para seus membros. Seu comportamento <do grupo> ao fazê-lo,
eventualmente é uma função de certos traços característicos do 'bom' e 'mau'
comportamento do indivíduo. Há, assim, uma frequente associação de
propriedades aversivas do comportamento com a propriedade de não
conformidade a um padrão. Comportamento não conforme nem sempre é
aversivo, mas comportamento aversivo sempre é não conforme. Se estas
propriedades são suficientemente pareadas, a propriedade de não
conformidade se torna aversiva. 'Certo' e 'errado' adquirem com o decorrer do
tempo a força de 'conforme' e 'não conforme'. (1953b, p.418)

Valor, de maneira semelhante, pelo menos no que Skinner considera

seu sentido tradicional, inexistiria - como algo em si. Os princípios de conduta,

as normas que deveriam reger o comportamento do grupo e do indivíduo são

afirmados como princípios científicos que poderiam ser objetivamente

justificados, sem a necessidade de se apelar para qualquer critério subjetivo;

por isto não seria possível discutir, deste ponto de vista, os padrões

comportamentais implementados em Walden II, por exemplo. Do mesmo

modo, numa sociedade técnico—científica, não haveria pareamentos

espúrios entre padrões comportamentais e certas normas éticas, de modo que

não se obteriam como um sub-produto deste tipo de controle comportamental

padrões mantidos sem necessidade ou a um custo indevido, seja para o grupo,

seja para o indivíduo. Uma ética experimental não apenas escaparia do apelo a

entidades subjetivas que nada explicam e em nada controlam realmente os

indivíduos e o grupo, mas também possibilitaria — como no caso das demais

características da sociedade técnico-científica - o desenvolvimento e a


250

manutenção de padrões comportamentais que seriam realmente adequados

para a cultura e os indivíduos nela inseridos:

"Eu não posso reduzi-los a qualquer principio de 'maior bem' nem dar-lhe uma
justificação racional para qualquer ponto. Essa é a Boa Vida. Nós sabemos
disso. E um fato e não uma teoria. Tem uma justificação experimental, e não
racional. Quanto a seus conflitos de princípios, essa também é uma questão
experimental. Nós não gastamos nossas mentes quanto ao resultado da
disputa entre a Devoção e a Obrigação. Simplesmente arranjamos um mundo
no qual conflitos sérios ocorrem tão raramente quanto possível ou, com um
pouco de sorte, simplesmente não ocorrem." (1948c, p. 164)

Ao propor uma nova cultura, Skinner não apenas pretende criar um novo

padrão ético, mas assim como rejeitou a política e a história, rejeita agora a

ética e os valores. Há, no entanto, uma diferença: não afirma que não há uma

ética em 'Walden', mas sim, que esta é construída experimentalmente e

fundada em uma concepção cientifica de homem, o que lhe emprestaria uma

qualidade completamente nova. Com isto, diferentemente do que acontece

com a política e a história, pode-se ainda argumentar que, num certo sentido,

há valores que regem as decisões tomadas e os padrões seguidos em

'Walden'; apenas estes são de um tipo totalmente diferente e deveriam ser

avaliados deste ponto de vista- A avaliação de algo que se diz cientifico tem

que seguir os mesmos critérios da ciência, no caso a correção e a fidelidade

com que um princípio descreve um dado fenômeno. Deste modo, uma ética

experimental, fundada numa concepção científica de homem, só pode ser

avaliada a partir de testes de suas previsões, e esta é também a única

avaliação que se admitiria dos princípios de Walden II. Isto quer dizer que só se

admitiria avaliar ou discutir os princípios propostos ali a partir dos resultados

obtidos quando implementados; ou melhor, que os princípios seriam avaliados

através da eficácia das técnicas usadas para que se alcance os objetivos

estabelecidos. A ética experimental transforma-se assim na discussão das


251

técnicas de engenharia comportamental usadas na implementação de padrões

culturais. Por isto Walden II privilegia muito mais a discussão das técnicas e

dos resultados obtidos do que dos pressupostos que dirigem aquele padrão.

Os princípios éticos, os padrões comportamentais esperados não estão em

discussão; estes, só incorretamente são vistos como parte da ética pela cultura

ético- política. Na realidade, como padrões comportamentais úteis á cultura, e

por extensão ao indivíduo, devem ser tecnicamente elaborados e

objetivamente estabelecidos – a partir dos princípios comportamentais

cientificamente descobertos. Apenas a sua implementação, por ser já uma

derivação de princípios científicos puros, pode ser de algum modo discutida.

No entanto, mesmo tal implementação só pode ser avaliada a partir do

referencial de que se origina e no qual se movimenta: como técnica ou como

tecnologia mais ou menos eficiente, mais ou menos sofisticada.

"Treinamento ético pertence à comunidade. Como para as técnicas, coletamos


todas as sugestões que pudemos encontrar, sem prejuízo da fonte, mas não
baseados na fé. Desconsideramos todas as declarações de revelação da
verdade e subtemos todos os princípios a testes experimentais. E, a propósito,
eu representei muito mal todo o sistema se você supõe que qualquer das
práticas que descrevi são fixas. Tentamos muitas técnicas diferentes.
Gradualmente, trabalhamos para atingir o melhor conjunto possível." (1948c,
p.117)

A ciência do comportamento não somente pode transformar a ética,

produzindo um conjunto de condições muito mais eficiente para a comunidade,

como pode finalmente tornar possível que o homem leve em consideração o

que até o momento foi impossíveis a sobrevivência do grupo. Esta se torna

(como se verá adiante) um valor, pelo menos no sentido de se tornar meta a

ser atingida pelo planejador cultural. Além disto, a aplicação da ciência ao

planejamento da cultura pode permitir um salto inesperados os homens podem

finalmente chegar a um conjunto de prescrições, de padrões a serem atingidos,


252

que são imunes á história e a peculiaridades grupais ou culturais. Os valores

realmente tornar-se-iam universalizáveis porque se refeririam a toda a espécie,

e assim tornar-se-iam muito mais próximos de uma definição biológica,

tornando-se assim naturalizados. Finalmente a cultura humana poderia adquirir

uma só faceta, tanto no sentido de que os homens todos fariam parte de uma

só cultura, de que estariam submetidos a um só padrão, como no sentido de

que teriam um horizonte único e objetivo sobre o qual pautariam sua ação

social. Mais ainda, é da prática cientifica que decorre a possibilidade de que

finalmente os homens pautem sua ação não por causa das vantagens dos

reforçamentos individuais que dela obtêm, mas sim tendo em vista a

sobrevivência a longo prazo. Também deste ponto de vista a ética experimental

é qualitativamente diferente porque, se reconhece algum valor, este é de uma

natureza tão completamente nova que dificilmente poderia ser identificado com

o que historicamente tem sido reconhecido como tal.

(...) "defendemos um modo de vida que acreditamos ser superior a outro,


listando aquelas características que nos são imediatamente reforçadoras e que
chamamos de eticamente ou moralmente boas; mas ao avaliar um experimento
cultural particular devemos, ao invés disto, nos perguntar se aquele modo de
vida é o mais efetivo no desenvolvimento daqueles que o seguem.
Princípios morais e éticos indiscutivelmente têm sido valiosos no planejamento
de práticas culturais" (...) "No entanto, o valor de sobrevivência de qualquer
conjunto dado não é garantido desta forma. O que a ciência pode nos dizer
sobre o efeito de uma dada prática sobre o comportamento, e sobre o efeito
daquele comportamento sobre a sobrevivência do grupo, pode levar mais
diretamente ao reconhecimento da força ultima do governo no sentido mais
amplo Eventualmente a pergunta deve ser feita em relação à humanidade em
geral." (...) "Se uma ciência do comportamento pode descobrir aquelas
condições de vida que trazem a força última dos homens, ela pode prover um
conjunto de 'valores morais' que, porque são independentes da história e
cultura de qualquer grupo dado, pode ser geralmente aceito." (1953b, p.445)

Ainda em Science and Human Behavior, Skinner reafirma esta

possibilidade aberta pela ciência do comportamentos ela mesma é a garantia

de que não se utilizará de práticas que são benéficas para individuos

particulares, mas perigosas ou inadequadas para o grupo todos simplesmente


253

porque é resultado da ciência a possibilidade de se descobrir os mecanismos

de controle que operam na afirmação de certos valores, e é privilégio da prática

cientifica ser capaz de avaliar exatamente quais são esta© variáveis e como

substituí-las por outras. A própria aplicação da ciência opera, assim, também

como um aval de que finalmente os homens podem deixar de gastar sua

energia com discursos sobre a moral e a ética para substitui-los por uma

prática que é moral e ética no sentido de garantir a sobrevivência da espécie,

mas que está muito distante delas no sentido de ser completamente diversa,

tanto nas consequências que propicia, como nos meios de que se utiliza para

torná-las possíveis.

"Uma ciência do comportamento pode ser capaz de especificar


comportamentos que poderiam ou não levar à felicidade, mas permanece a
questão de se ela pode decidir que a felicidade é 'melhor' no sentido ético.
Aqui, mais uma vez, podemos ser capazes de mostrar que práticas que são
justificadas em termos de felicidade têm consequências que são reforçadoras
aos proponentes de uma tal justificativa. E a sua felicidade que é
primariamente afetada. Mas isto também é irrelevante para o efeito último da
classificação." (1953b, p.329)

O que a ciência rejeita, e pode fazê—Io, é a prática de classificar o

comportamento como ético a partir de entidades que não são Definíveis

comportamental mente, tanto em relação ao comportamento a ser produzido

para que o indivíduo receba reforçamento, como em relação às reais

vantagens daquele padrão para o grupo: o problema está em buscar em

princípios, como o de 'o maior bem', os padrões adequados a um dado grupo-

Enquanto critério, estes princípios não podem ser traduzidos comportamental

mente e por isto não podem ser utilizados por uma abordagem científica e

sequer podem ser adequadamente seguidos por uma abordagem pré-científica.

Ainda como critério, operam muito mais como justificativa para o controle

desigual que frequentemente é exercido na cultura. Justificam as diferenças de


254

possibilidade de obtenção de reforçadores e as diferenças de controle que são

exercidas na cultura. Com a ciência do comportamento este aspecto ideológico

da lei moral ou dos julgamentos de valor são desvendados.

"Um critério tal como 'o maior bem para o maior número' representa um tipo de
explicação baseado no principio de máximos e mínimos, que tem
frequentemente se provado útil nas ciências físicas. No campo do
comportamento, entretanto, a definição do que está sendo maximizado e
minimizado é insatisfatória, como podemos suspeitar a partir da enorme
quantidade de discussão que termos como 'o maior bem' têm provocado.
Mesmo que estes termos pudessem ser definidos, a prática de classificar uma
prática controladora como maximizando ou minimizando uma tal entidade é
muito diferente de uma análise em termos de variáveis relevantes." (1953b,
pp.328, 329)

0 que Skinner afinal propõe é que a ciência do comportamento não pode

compactuar, também no campo habitualmente chamado de ético, com um

visão de mundo que é dualista. A proposta de uma ciência do comportamento

preciso ser feita em toda sua extensão: isto significa afirmar que qualquer

campo da atividade humana é e deve ser visto como passível de ser abordado

pela ciência e de ser manipulado de acordo com critérios que se referem a

ganhos para a espécie - ganhos que aqui se revelam na cultura - que são

essenciais para sua própria sobrevivência; porque permitirão não apenas a

sobrevivência, mas uma sobrevivência planejada para fortalecer a espécie e

para trazer-lhe benefícios que transformarão qualitativamente a vida humana.

Tudo isto com a garantia, ainda, de que a ciência impossibilita um uso

inadequado - anti-ético - de seus resultados e de sua metodologia, desde que

se garanta a universalização e generalização de seu uso para todas as esferas

da vida humana.

"A mensuração de aspectos do comportamento é provável de ser associada à


crença de que o objetivo da ciência é principalmente fornecer informação que,
então, é usada para aprimorar a arte de lidar com as pessoas, não apenas na
clinica, mas em vendas, educação, família, aconselhamento, problemas de
trabalho, diplomacia etc. Mas a sabeodria especial que esta arte pressupõe, o
'insight' especial sobre o comportamento humano que ê necessário para tornar
efetivo o uso de tal informação, é precisamente aquilo que uma análise
255

funcional fornece." (1953b, p.201)

Ao fazer tais afirmações Skinner parece não atentar para a que as

próprias técnicas comportamentais não são neutras, que sua escolha já indica

opções que são até mesmo éticas. Possivelmente a dificuldade que significa

para a concepção de ciência skinneriana assumir qualquer grau de

subjetividade, seja no que se refere a procedimento, seja no que se refere à

escolha dos objetivos referentes a seu trabalho, aproxima-o, muitas vezes, de

uma postura pragmatista. Skinner parece se recusar a discutir se realmente os

padrões culturais e comportamentais estabelecidos em Walden II e, de certa

forma, indicados em Science and Human Behavior, são neutros e

experimentalmente construídos, ou se o que poderia justificar como sendo

experimental, neutro e objetivo, não são apenas os meios de se estabelecer

estes padrões. Qualquer escolha relativa a um padrão, uma norma, deveria

ser vista exatamente como uma escolha. No entanto, ele afirmará não se tratar

de uma escolha subjetiva porque os objetivos da sociedade são garantir sua

sobrevivência e um impulso para o futuro, para o que seria necessário uma

atitude experimental. Seriam estes os determinantes de todos os outros

critérios, como a preponderância do grupo, por exemplo, e isto não parece ser

passível de discussão,

O que surpreende é exatamente isto: mesmo que se assuma a

sobrevivência do grupo como ponto de partida sobre o qual não cabe

discussão, ainda assim pode-se argumentar que há muitas diferentes

alternativas de se obtê-la. Skinner parece responder a esta crítica apontando

para o que já foi obtido em seu experimento de cultura; ou seja, afirmando que

a sua maneira é mais adequada tendo em vista os resultados obtidos. Mas se


256

isto poderia fortalecer a concepção de que sua proposta é eficaz, isto não a

justifica como objetiva, como a mais eficaz possível e, portanto, como

indiscutível.

"Nossa concepção de homem não é extraída da Teologia, mas do exame


cientifico do próprio homem. E não reconhecemos verdades reveladas sobre o
bem e o mal nem as leis ou os códigos de uma sociedade bem sucedida."
(1948b, p.201)

Obviamente Skinner tem uma certa consciência disto, tanto é assim que

em Science and Human Behavior encontra alguma utilidade para a ética, pelo

menos na sociedade politicamente gerida, e em Walden II afirma a

possibilidade de uma ética experimental. Por isto também se pode afirmar que

há valores sociais propostos por Skinner. É certo que o autor dirá que estes

não passam de previsões de contingências ou de mecanismos de controle de

comportamento que visam aumentar a probabilidade de certas ocorrências

comportamentais. No entanto, é preciso lembrar que estas contingências e

estes padrões se fundamentam em razões tidas como as mais adequadas para

o grupo. Não se trata aqui de criticar Skinner por propor uma nova maneira de

tentar avaliar e justificar certos padrões em lugar de outros (tentativa que além

do mais parece ser o que todos os filósofos ocupados com o homem tem

tentado fazer desde Platão). Trata-se, isto sim, de reconhecer os limites desta

proposta e, principalmente, de discutir a afirmação de que estas, finalmente,

são incontestáveis.
257

Capitulo 5

O HOMEM COMO OBJETO DA CIÊNCIA DO COMPORTAMENTO

Se o homem ê livre, então uma tecnologia do


comportamento é impossível- (Skinner)

Em Walden II e em Science and Human Behavior a preocupação com a

solução de problemas da cultura fica bastante clara, entretanto, isto não esgota

a proposta skinneriana. Também se apresenta uma concepção de homem

compatível com uma ciência natural, portanto, como organismo sujeito a leis

gerais, naturais e, em certo sentido, invariáveis. Tal abordagem poderia levar, à

primeira vista, a que se argumentasse que Skinner não se ocupa do indivíduo,

que sua ciência não poderia e não pretenderia tomar como seu objeto o

indivíduo, tornado por demais genérico e apenas '1ocus' onde se expressariam

leis naturais. Entretanto, este enfoque não é coerente com sua proposta- Seu

objeto de estudo, e portanto de intervenção, continua sendo o indivíduo. O

comportamento é ação do indivíduo e é um fluxo interminável e o indivíduo é

visto não apenas como objeto privilegiado de sua ciência em alguns momentos,

mas como o único objeto de uma ciência do comportamento humano. E através

dele que se faz a cultura, porque é ele que se comporta, que interfere no

ambiente e se transforma por esta via, e é o objeto de estudo e intervenção

para transformar todo o grupo.

As leis descritas pela ciência do comportamento são leis do

comportamento individual, inclusive no sentido de que o grupo nada mais é do

que a soma das partes, dos indivíduos que o compõem (mesmo que ao discutir
258

as várias formas de controle Skinner postule diferenças entre o controle

pessoal, grupaL e daS agências, em termos de eficiência, a partir da maior

organização possível entre os grupos). A metodologia desenvolvida por sua

ciência é uma metodologia que estuda organismos individuais (mesmo

supondo que cada indivíduo reproduz, inclusive na sua variabilidade, a lei

geral). As leis descritas pela ciência do comportamento referem-se, assim, ao

comportamento de indivíduos: os processos básicos são processos que

existem em cada e em todos os indivíduos, seu objeto de estudo é, pois, o

indivíduo. No entanto, este indivíduo não interessa a Skinner por si só, mas

porque enquanto ser humano é representante de uma espécie que se reproduz

através de indivíduos, mas que se produz socialmente, culturalmente. Os

indivíduos reproduzem a espécie e mantêm-na, no entanto, é na cultura, é

atravês da sociedade, que é possível transformar indivíduos e grupos, é

através da cultura que se transforma o mundo, que se garante, no sentido mais

amplo, a sobrevivência da espécie e é a cultura, portanto, a meta maior da

ciência do comportamento. Esta é seu alvo privilegiado, porém só atingido

através do indivíduo como objeto de estudo e de manipulação. Skinner constrói

uma ciência do indivíduo para poder ir além do indivíduo- Parece desconsiderar

leis de ordem cultural apenas para propor a cultura como meta de sua ciência e

de sua tecnologia.

Walden II é o exemplo maior desta preocupação: como afirma o próprio

Skinner, sua diferença com Thoreau está na preocupação em construir um

mundo para dois e não para um- Entretanto, só pode construí-lo a partir de

sujeitos individuais e do controle do comportamento de cada e de todos os

membros do grupo. Science and Human Behavior reproduz esta mesma


259

preocupação. Mesmo na. análise das agências controladoras, Skinner enfatiza

seu papel sobre o comportamento individual para daí derivar as consequências

para o grupo, e a própria agência acaba por ser analisada do ponto de vista de

seus agentes individuais.

A concepção skinneriana de homem, neste momento pelo menos, é

marcada por seu referencial de ciência, por seu conceituai teórico, mas

especialmente pela relação que estabelece entre indivíduo e cultura.

Entretanto, esta relação é marcada por uma concepção determinista e

ambientalista de homem, ou melhor, pela noção de que o objeto de estudo da

ciência do comportamento humano se resume ao estudo das relações do

comportamento com o ambiente, relações que determinam completamente o

próprio homem. E principalmente no desenvolvimento destas duas noções que

se estabelecem os parâmetros sobre os quais Skinner construirá sua proposta

para a sociedade.

O homem é transformado em objeto de intervenção da ciência do

comportamento exatamente porque ê concebido como agente da cultura,

mas especificamente como organismo que se comporta segundo leis

naturais, portanto determinado, determinado pelo ambiente e, passível de ser

controlado através da manipulação das variáveis ambientais. Todas as

demais características tipicamente humanas, ou o que mais Skinner atribui

ao homem, dependem desta concepção que, no seu caso, adquire certas

especificidades tendo em vista o projeto de ciência da qual se deriva e as

possibilidades que permite entrever.


260

A determinação do comportamento

O determinismo, e muito especialmente, a noção de que o

comportamento - como objeto de estudo da ciência - é regulado por leis que lhe

emprestam ordem, é pressuposto fundamental que Skinner utiliza na análise e

nas propostas que faz da e para a cultura. Tal suposto está enraizado em algo

que precede sua análise e suas propostas para o homem e a sociedade. E

suposto de sua concepção de ciência: da mesma concepção que lhe permite

assumir que o homem é objeto de estudo científico. Deste modo, se

argumentou que, já na sua primeira proposta de ciência, estariam contidas as

possibilidades de que o homem poderia vir a se constituir em seu objeto e é,

em certo sentido, consequência deste antigo compromisso que agora o homem

seja assumido como sujeito determinado por variáveis controladoras de

dimensões tais que possam ser conhecidas e manipuladas.

Estaria implícito, ainda, já em sua primeira proposta, a noção de que, ao

abordar homem e cultura, a ciência o faria com vistas a intervenções

tecnológicas e não apenas com uma atitude contemplativa de compreensão do

objeto. A noção de que o comportamento, e todo comportamento, é

determinado torna-se, por consequência, suposto de trabalho de que Skinner

não pode abrir mãos tanto porque garantirá a aplicação do conhecimento

científico aos problemas humanos em toda sua plenitude, como porque é

derivada de seu compromisso com a própria construção de uma ciência do

comportamento. Como outros pressupostos, o da determinação do

comportamento adquire uma faceta duplas é princípio que norteia o trabalho,

caracteriza seu objeto e que até mesmo garante a possibilidade de sua

transformação e tornar-se-á critério de avaliação do conhecimento e do uso


261

que dele se fará - quanto mais se souber sobre o comportamento humano mais

se afastará o pré—conceito que defende sua indeterminação e mais se poderá

intervir deliberadamente em seu curso.

"A ciência é mais que a mera descrição de eventos na medida em que eles
ocorrem- E uma tentativa de descobrir ordem, de mostrar que certos eventos
mantêm-se em relações ordenadas com outros eventos. Nenhuma tecnologia
prática pode ser baseada em uma ciência até que tais relações tenham sido
descobertas. Mas ordem não é apenas um produto final possível, é um
pressuposto de trabalho que deve ser adotado desde o inicio. Não podemos
aplicar os métodos da ciência a um objeto que se assume mover-se
caprichosamente. A ciência não apenas descreve, ela prediz. Lida não apenas
com o passado, mas com o futuro. Nem a predição é a última palavras na
medida em que condições relevantes podem ser alteradas, ou de outra forma,
controladas, o futuro pode ser controlado. Se vamos usar os métodos da
ciência no campo dos problemas humanos devemos assumir que o
comportamento é submetido a leis e determinado. Devemos esperar descobrir
que o que o homem faz ê o resultado de condições especificáveis e que, uma
vez que estas condições tenham sido descobertas, podemos antecipar e
nalguma medida determinar suas ações." (1953b, p.6)

O determinismo é, portanto, necessário ao esquema skinneriano não

apenas como suposto que torna passível de estudo compreensivo seu objeto,

mas também como pressuposto de uma ciência que pretende a manipulação

deliberada deste objeto. Uma ciência que pretende ser capaz de moldar o

comportamento tem que assumir a possibilidade de fazê-lo baseada no

suposto ontológico de que seu objeto de estudo é controlado, segundo leis

gerais, por variáveis especificáveis. Em Walden II e em Science and Human

Behavior esta mesma noção está implícita na ampla gama de problemas

humanos que são vistos como passíveis de análise e de intervenção a partir de

um só conjunto de conceitos. Skinner não apenas afirma a determinação do

comportamento, mas afirma uma nova qualidade na solução dos problemas,

possível de ser obtida pela aplicação da ciência do comportamento: esta nova

qualidade depende de se assumir como principio que todos os fenômenos

referentes ao comportamento humano são passíveis de ser abordados

segundo o pressuposto de que todo comportamento humano é igualmente


262

determinado,

"Os principais temas em debate entre as nações, tanto em assembléias


pacíficas como nos campos de batalha, estão intimamente relacionados com o
problema da liberdade e do controle humanos. Totalitarismo ou democracia, o
Estado ou o indivíduo, sociedade planejada ou 'laissez-faire', a influencia de
culturas sobre outros povos, determinismo econômico, iniciativa individual,
propaganda, educação, guerra ideológica — tudo isto diz respeito á natureza
fundamental do comportamento humano. Quase certamente continuaremos
sendo ineficazes na solução destes problemas até que adotemos um ponto de
vista consistente."
(...) "A concepção de indivíduo livre, responsável está incorpo- rada em nossa
linguagem e permeia nossas práticas, códigos e crenças," (,,,) "A prática é tão
natural que raramente é examinada. Uma fomulação científica, por outro lado,
é nova e estranha. Muito poucas pessoas tem qualquer noção da extensão na
qual uma ciência do comportamento é realmente possível." (1953b, pp,9, 10)

A concepção determinista é ampliada para abarcar todos os aspectos do

comportamento humano; o que significa dizer que todos os campos da vida

humana podem ser adequadamente tratados caso se generalize o modelo e os

pressupostos da ciência para todos os setores da vida social. Esta

universalização pressupõe a submissão do objeto de estudo, em todos os

casos, a uma determinação e ordenação naturais, o reconhecimento de que

todo comportamento é simplesmente comportamento determinado por leis

naturais. Implica que se assuma o mesmo tipo de determinação para todos os

comportamentos, uma universalização, portanto, das condições determinantes

do fenômeno.

Para Skinner, supor a determinação do comportamento humano e sua

submissão à lei natural, em toda sua extensão, bem como supor a

possibilidade de controlá-la, é indispensável para que se possa assumir uma

ciência do homem como via de transformação da cultura e de solução dos

problemas humanos em todos os seus níveis. Apenas a aplicação dos cânones

científicos em todos os recantos da vida humana será capaz de resolver seus

problemas e tal universalização da, ciência necessariamente implica uma só


263

concepção de homem: uma concepção determinista.

"No entanto, quando nos voltamos ao que a ciência tem a oferecer não
encontramos muita sustentação para o ponto de vista ocidental. A hipótese de
que o homem não é livre é essencial para a aplicação do método cientifico ao
estudo do comportamento humano." (...) "Todas estas causas alternativas
estão fora do indivíduo. O próprio substrato biológico é determinado por
eventos anteriores num processo genético. Outros eventos importantes são
encontrados no ambiente não social e na cultura do indivíduo em seu sentido
mais amplo. Estas são a& coisas que fazem com que o indivíduo se comporte
como o faz. Ele não é responsável por elas e é inútil elogiá-lo ou culpá-lo por
elas. Não importa que o in- divíduo possa tomar para si o controle das variáveis
das quais seu próprio comportamento é uma função, ou, num sentido mais
amplo, que se engaje no planejamento de sua própria cultura. Ele faz isto
apenas porque é o produto de uma cultura que gera auto-controle ou o
planejamento cultural como modos de comportamento. O ambiente determina o
indivíduo, mesmo quando ele altera o ambiente." (1953b, p.448)

Mas ao discutir este pressuposto, em Walden II e em Science and

Human Behavior, Skinner não afirma que todo comportamento especifico, em

qualquer momento dado, é plenamente predizível, mas apenas que todo

comportamento é, no seu sentido amplo, submetido a leis naturais, e é

determinado e passível de ser predito e controlado. Numa primeira

aproximação parece se tratar de um retrocesso na afirmação de uma

determinação absoluta do comportamento, entretanto, quando se examina

mais de perto este tipo de argumento percebe-se se tratar exatamente do

oposto. Em primeiro lugar, porque assim afirma que mesmo a impossibilidade

de predizer no detalhe um dado evento comportamental não é sinônimo de

impossibilidade real de previsão; em segundo lugar, porque afirma a aparente

especificidade e singularidade que não pode ser prevista apenas como mais

uma manifestação de uma classe maior que, esta sim, é passível de ser

determinada, compreendida e manipulada- Outro aspecto do sistema

conceituai skinneriano, desenvolvido nas décadas de 30 e 40, fortalece esta

interpretação do determimismo: a concepção de classes de estimulo e

resposta. Uma ciência capaz de trabalhar com classes de eventos, no caso,


264

comportamentos, não precisa prever cada caso particular. O comportamento

humano pode ser entendido (e é) como um repertório composto de classes, de

modo que mesmo o que aparentemente não foi previsto é, ainda assim,

determinado, na medida em que compõe uma classe de comportamentos- A

descoberta da classe permite a manutenção do pressuposto da determinação

até mesmo para o que aparentemente está livre da lei geral estabelecida pela

ciência e, no caso de organismos complexos, com muito mais força.

O determinismo, como Skinner o compreende, é, assim, a afirmação da

possibilidade de uma ciência do comportamento humano. No entanto, se por

uma lado, implica a negação da liberdade como suposto da natureza humana ~

necessário perante sua concepção de ciência - , por outro, implica a

possibilidade do homem transformar a si mesmo e ao mundo para garantir sua

sobrevivência e garanti-la com uma nova qualidade. Mesmo que a ciência do

comportamento não fosse ciência a ser transformada em tecnologia, ainda

assim a suposição de que seu objeto é necessariamente submetido a leis

gerais e naturais é condição primeira para que se possa comprendê-lo; ou seja,

desvendar as leis que o regem. Mais ainda, o limite desta possibilidade é

dado apenas pelo modelo das ciências naturais. Skinner não aceitará, sob

qualquer hipótese, outros padrões ou outras concepções de "ordem" – de

determinação - mesmo que correntes nas ciências humanas.

"Um vago senso de ordem emerge de qualquer observação continuada do


comportamento humano." (...) "Se uma ordem razoável não pudesse ser
descoberta, nós dificilmente poderíamos ser efetivos ao lidar com o
comportamento humano. Os métodos da ciência são planejados para clarificar
estas uniformidades e para torná-las explicitas. As técnicas de estudo de
campo do antropólogo e do psicólogo social, os procedimentos da clínica
psicológica e os métodos experimentais controlados de laboratório são todos
dirigidos para este fim, assim como o são as ferramentas matemáticas e
lógicas da ciência.
Muitas pessoas interessadas no comportamento humano não sentem
necessidade dos padrões de prova característicos de uma ciência exata; as
265

uniformidades do comportamento são 'óbvias' sem eles. Ao mesmo tempo


relutam em aceitar as conclusões em cuja direção as provas apontam se não
'sentirem' eles mesmos a uniformidade. Mas estas idiossincrasias são um
luxo caro. Não precisamos defender os métodos da ciência em sua aplicação
ao comportamento. As técnicas experimentais e matemáticas usadas na
descoberta e na expressão de uniformidades são a propriedade comum da
ciência em geral. Quase qualquer disciplina contribuiu para este conjunto de
recursos e todas as disciplinas dele emprestam. As vantagens são bem
estabelecidas" (1953b, p.16)

Característico da defesa skinneriana do determinismo é sua insistência

em contrapô-lo à noção de liberdade ou de livre arbítrio. Esta marca está de

acordo com a postura de Skinner quanto á generalidade do suposto

determinista e a seu papel em relação àquilo que defende como sendo os

objetivos maiores da ciência do comportamento. Poder-se-ia pensar num

determinismo que incluísse algum grau de liberdade, de indeterminação. Mas

não no caso de Skinner: sua posição exige que se contraponha a concepções

consideradas mentalistas, que, por entender certos fenômenos como especiais,

associariam tal postura à impossibilidade de que se pudesse descrever à

maneira das ciências naturais pelo menos parte do repertório humano.

Skinner supõe que a ciência deve descrever todos os fenômenos e, portanto,

é necessário que todos eles sejam submetidos ao mesmo conjunto de leis. Não

se trata de negar que certos eventos existam, mas sim de afirmá-los como

idênticos a todos os demais. Qualquer suposição de liberdade, entendida como

comportamento não determinado, implicaria a afirmação de partes do mundo

não passíveis de uma análise experimental ou de uma explicação segundo os

moldes e as leis do comportamento humano. Por seu turno, a completa

negação da plena liberdade permite que ele explique porque é tantas vezes

invocada para caracterizar o comportamento humano e qual ê o seu papel,

tornando assim o discurso da liberdade fenômeno a ser investigado

cientificamente. Permite, inclusive, que se planeje um mundo onde tal


266

fenômeno existe, pelo menos como sensação o que, afinal, é tudo que é. Por

estranho que pareça, pode-se considerar Skinner como um homem que tem

que negar que "liberadde sequer exista" por almejar um mundo em que todos

compartilhem dela.

Como objeto de estudo de uma ciência, o homem é sempre pré-

determinado, o que quer dizer que os homens são sujeitos a leis naturais, que

podem ser descritas e previstas, e a questão de liberdade torna-se uma

questão linguistica - como quando se confunde a "sensação de liberdade" com

um fenômeno que seria a própria liberdade — ou, na melhor das hipóteses,

uma questão técnica.

"Se o homem é livre, então uma tecnologia do comportamento é impossível."


(...) "Eu nego que liberdade sequer exista. Devo negá-lo, ou meu programa
seria absurdo. Não se pode ter uma ciência sobre um assunto que salte
caprichosamente. Talvez não possamos nunca provar que o homem não é
livre; é uma suposição, Mas o sucesso crescente de uma ciência do
comportamento torna isso cada vez mais plausível." (1948c, pp.254, 255)

A liberdade, como sensação que os homens tem quando não

submetidos ao controle aversivo, torna-se um problema técnico do planejador

cultural ou cientista de não usarem, no planejamento da sociedade, o controle

aversivo do comportamento. Com isto Skinner parece operar aqui uma

interessante inversão: a liberdade, negada como pressuposto ontológico pela

ciência do comportamento, só pode ser garantida — na prática concreta, na

experiência pessoal e na sensação cotidiana de cada indivíduo — pela

aplicação da própria ciência do comportamento, já que apenas ela permite que

se use, na cultura, exclusivamente o controle positivo do comportamento.

Como consequência, apenas a sociedade planejada segundo os princípios

desta ciência garantirá a seus membros a liberdade, mesmo que esta se

resuma a uma mera sensação advinda da não existência do controle aversivo


267

em sua vida» Por seu turno, este tipo de planejamento, que exige a intervenção

com vistas á transformação da cultura, só poderá ser implementado através do

controle de cada indivíduos a concepção determinista do comportamento

humano supõe a determinação do comportamento individual, para que se

viabilize seu controle com vistas à transformação de todo o corpo

Este determinismo não pode ser disssociado da concepção de que o

conhecimento cientifico caminha do simples ao complexo, de que as leis que

regem os comportamentos de organismos de diferentes espécies são

essencialmente semelhantes e de que, portanto, o conhecimento acumulado

em laboratório pode ser generalizado para o homem, assim como o

conhecimento acumulado em situação controlada pode ser generalizado para

situações complexas- E este tipo de argumento que permite que se possa

afirmar o planejamento da cultura a partir do planejamento vida de cada

indivíduo, e que se possa controlar até mesmo as esferas mais complexas do

repertório humano a partir do controle de pequenas parcelas de

comportamentos mais simples. E desta posição que decorre a afirmação de

que é possível atacar os problemas humanos, em qualquer nível, partindo das

circunstâncias imediatas que determinam o comportamento, de modo a que se

possa obter uma cultura onde o controle é tão diluído e ao mesmo tempo tão

presente nos menores padrões comportamentais que nem mesmo é mais visto

como controle- Apenas este tipo de determinismo, portanto, parece ser

coerente com a proposição de que um completo planejamento da cultura e da

vida humana é tão somente uma tarefa da ciência natural.

"Nosso amigo Castle está preocupado com o conflito entre a ditadura a longo
prazo e a liberdade. Não sabe que está simplesmente levantando a velha
questão de determinismo e livre-arbítrio? Tudo o que acontece está contido
num plano original, ainda que, a cada estágio, o indivíduo pareça estar fazendo
escolhas e determinando a saída. 0 mesmo se aplica a 'Walden II'. Nossos
268

membros estão praticamente sempre fazendo o que querem fazer - o que eles
escolhem fazer ~ mas nós cuidamos para que eles queiram fazer precisamente
as coisas que são melhores para eles e para a comunidade- Seu
comportamento é determinado, ainda que eles sejam livres.
Ditadura e liberdade - determinismo e livre arbítrio" (.-.) "O que é isso senão
pseudo-questões de origem linguistica? Quando perguntamos o que o Homem
pode fazer do Homem, nós não queremos dizer a mesma coisa por 'homem'
em ambos os casos. Queremos perguntar o que alguns homens podem fazer
da humanidade. E esta é a questão central do século XX. Que tipo de mundo
podemos construir - nós que entendemos a ciência do comportamento?"
(1948c, pp. 293, 294)

0 determinismo skinneriano é marcado pelo reconhecimento de que as

relações entre o comportamento e o ambiente não são simples relações

biunívocas e não são simplesmente desvendadas- Deste ponto de vista, é

importante reconhecer não apenas as dificuldades metodológicas de

demonstrar a determinação, mas também as dificuldades metodológicas e

conceituais de a cada momento ser capaz de, com certeza, descrever o

comportamento e as suas variáveis controladoras. Por isto, talvez, este

determinismo seja coerente com a busca de leis gerais, de processos

genéricos e não de respostas e padrões específicos — aquilo que Skinner

parece buscar desde a década de 30- Na pesquisa básica já se afastava de

uma constante preocupação com a topografia de respostas, ou mesmo com a

classificação pura e simples de comportamentos; na análise e no planejamento

da cultura Skinner escapa com maestria da possibilidade que tinha perante si:

de propor uma sociedade completamente rígida e padronizada- A sociedade,

como Skinner a concebe, não apenas não é composta de um conjunto de

indivíduos que agem padronizada e estereotipadamente, mas é uma sociedade

onde a própria transformação é determinada.

"Num certo sentido 'Walden II' é predeterminada, mas não como é determinado
o comportamento de uma colmeia. A inteligência, não importa quanto seja
modelada e moldada por nosso sistema educacional, ainda funcionará como
inteligência. Será usada para descobrir soluções para problemas, aos quais
uma colméia rapidamente sucumbiria." (1948c, p.252)
269

O determinismo skinneriano, no que se refere ao comportamento

humano, pressupõe a multi-determinação de seu objeto de estudo, no caso o

comportamento humano. O reconhecimento desta multi-determinação também

implica o reconhecimento da impossibilidade de se poder prever detalhada e

acuradamemnte todo evento comportamental em qualquer situação dada. Isto

não pode ser confundido, nem de longe, entretanto, com um relativismo; é

muito mais, aparentemente, o reconhecimento dos estágios ainda iniciais em

que se encontra sua ciência. Embora Skinner reconheça a complexidade do

comportamento e das variáveis que nele interferem e a dificuldade de se

prever exatamente cada instância, isto parece ser muito mais uma dificuldade

conjuntural que deverá ser superada pelo próprio desenvolvimento da ciência.

O mesmo modelo foi utilizado quando da primeira construção de seu

conceituai teóricos a busca de leis para descrever o reflexo deveria partir do

estudo de variáveis simples e ir se complexificando pela soma dos resultados

do estudo de cada variável e finalmente pelo estudo de interações entre

variáveis. Deste modo, obviamente associando esta concepção com a

concepção analítica, Skinner supunha que não estaria descrevendo seu objeto

em toda sua complexidade, desde o inicio de suas investigações, mas

argumentava que o conhecimento de cada determinação do fenômeno, á

medida que fosse se ampliando, permitiria sua descrição completa- Com o

comportamento humano Skinner não parece estar assumindo uma postura

distinta; muito pelo contrário, está aplicando o mesmo modelo, que considera

bem sucedido, utilizado na sua investigação do que foi originalmente o reflexo

e se tornou o estudo do comportamento operante. A própria passagem do

estudo de comportamentos simples em animais mais simples e em situações


270

controladas, para o estudo e a proposição de transformações no

comportamento humano parece seguir este mesmo percurso.

"Eu não disse que o comportamento é sempre predizível, nem diria que o
tempo é sempre predizível- Há, com frequência, fatores demais a serem
considerados- Não podemos medir todos acuradamente e não poderíamos
realizar as operações matemáticas necessárias para a predição se tivéssemos
as medidas. O determinismo cientifico é, geralmente, uma suposição - mas,
não obstante, importante na avaliação do evento em questão." (1948c, p. 256)

Skinner parece afirmar que a mesma metodologia, que por pequenos

passos desvendou as inúmeras variáveis responsáveis pelo comportamento

animal, possibilitará o mesmo resultado no caso do comportamento humano.

Deste modo a asserção da multi-determinação do comportamento humano não

implica a suposição de uma determinação diferenciada em relação aos outros

organsimos, e não exige, assim, uma nova metodologia, um novo conceituai

teórico, ou um novo critério de excelência para sua ciência. Do mesmo modo,

não exigirá, para a compreensão da cultura, uma abordagem diferente daquela

utilizada para se descrever o indivíduo.

Em Science and Human Behavior, Skinner compara o seu determinismo

com o principio do indeterminismo nas ciências naturais: como não poderia

deixar de ser, se identifica com a proposta das ciências naturais e ao fazê-lo

confirma esta noção: para fins práticos, de pesquisa ou aplicação, pode-se e

deve-se assumir o comportamento como determinado. Mais ainda, o limite de

sua determinação não é tido como provavelmente fixo e, ainda, mesmo o limite

que hoje se assume como o do indeterminismo, ou seja, o limite estabelecido

nas ciências naturais para um conhecimento pleno de todas as variáveis

relevantes para um dado fenômeno, é um limite muito mais que aceitável para

a ciência do comportamento. De um lado, Skinner parece estar defendendo

que talvez haja níveis da realidade não alcançáveis por uma proposta de
271

ciência determinista, o que não seria tão sério porque estes níveis não

interfeririam no controle prático do comportamento. Mas, de outro, parece estar

convencido de que estes níveis existem por causa das condições em que está

a ciência e que não são necessariamente limites ontológicos ou

epistemológicos. Skinner parece estar associando um pragmatismo - o que

se sabe é suficiente porque permite o controle em situações práticas — com

uma postura que afirma o indeterminismo como um limite que é meramente

histórico. Ou seja, sua aceitação do principio do indeterminismo parece ser

apenas aparente.

"Em nosso estágio do conhecimento atual, certos eventos parecem ser


impredizíveis. Não se segue que estes eventos são livres ou caprichosos. Já
que o comportamento humano é tremendamente complexo e o organismo
humano é de dimensões limitadas, muitos atos podem envolver processos para
os quais o Principio do Indeterminismo se aplica. Não se segue que o
comportamento humano é livre, mas apenas que pode estar além do campo de
uma ciência preditiva ou controladora. A maior parte dos estudiosos do
comportamento, no entanto, estaria desejosa de se contentar com o grau de
predição e controle atingido pelas ciências físicas, a despeito desta limitação.
Uma resposta final ao problema da sujeição á lei deve ser buscada, não nos
limites de qualquer mecanismo hipotético dentro do organismo, mas em nossa
habilidade para demonstrar a sujeição à lei no comportamento do organismo
como um todo." (1953b, p.17)

O determinismo que implica a posibilidade de prever com precisão o

comportamento de indivíduos — ou pelo menos classes de comportamentos -

e, por extensão, de grupos inteiros, é encarado tanto em Walden II como em

Science and Human Behavior como um pressuposto de tra- balho, mais do que

como um estágio já atingido plenamente pela ciência do comportamento. Se

hoje não é possível esta precisão, a crença na sua viabilidade, no entanto,

serve até mesmo de critério de avaliação de cada técnica. Por outro lado,

Skinner defende em Walden II, e já havia defendido antes (1947), que o

conhecimento já acumulado por sua ciência garante uma possibilidade de

previsão do comportamento que é plenamente suficiente para as aplicações


272

práticas, e que só será aumentada com o conhecimento advindo desta prática,

tornando-se mais que principio ontológico, tornando-se uma ferramenta de

trabalho. Mais uma vez, a relação que Skinner estabelece entre teoria a

prática, entre ciência básica e aplicada, torna-se uma relação de inter-

dependência, em que o desenvolvimento de uma depende de e faz avançar a

outra. Como pressuposto, o determinismo exige, assim, outro critério que

demonstre sua correção. Este critério é dado exatamente pelos resultados da

aplicação prática das leis cientificas - no caso, o controle efetivo do

comportamentos a ciência aplicada (ou tecnologia). torna-se critério para

avaliação dos resultados da ciência básica e, mais ainda, para os próprios

supostos que regem a produção cientifica.

Ao ocupar-se dos processos gerais, Skinner não apenas viabiliza sua

ciência, mas também reconhece especificidades no comportamento humano

que qualificam sua posição. Não se trata de defender que o homem é incapaz

de mudar porque seu comportamento é determinado; pelo contrário, trata-se de

reconhecer nesta capacidade uma característica - que, para Skinner, só pode

ser percebida pela ciência, que o permite por seus supostos, seu método e

seus resultados - e de assim provocar seu desenvolvimento. A posição

determinista de Skinner poderia, portanto, ser reconhecida como posição que

se só admite o homem como submetido plenamente às leis naturais, negando-

lhe a possibilidade de ser livre, num certo sentido muito mais importante, lhe

restitui esta liberdade ao reconhece-lo capaz, não apenas de compreender

estas determinações, como também de controlá-las e de, assim, tornar-se de

agente passivo perante as leis da natureza em agente de sua própria

submissão à lei, tirando dela o maior beneficio possível. De certo modo, aquilo
273

que uma posição determinista parece negar, que é a possibilidade de que o

homem tome para si a sua transformação, é recuperado na noção de que a

própria mudança pode ser determinada. Assumindo-a como processo

genérico, passível de ser ele mesmo abordado a partir das leis que o regem,

Skinner pode supor a própria transformação como processo que faz parte das

características humanas e que, deste ponto de vista, poderia ser manipulada a

partir de uma abordagem cientifica do problema.

Há, ainda, mais um desdobramento importante deste suposto: o de que

o meio para agir sobre a natureza e transformar a si mesmo só pode ser dado

pela ciência que é plenamente objetiva e neutra. Os caminhos e os meios da

transformação do homem se convertem em problema técnico, no sentido de

que admitem pouca ou nenhuma subjetividade e muito pouca participação ativa

da maioria dos homens (não qualificada para tais tarefas), e o indivíduo parece

tornar-se assim, mais uma vez, relegado ao papel de mero sujeito da

intervenção cientifica:

"A maioria das pessoas vive no dia-a-dia, ou se tiver algum plano a longo prazo
é pouco mais do que a antecipação de algum curso natural - pretendem ter
filhos, ver as crianças crescerem e assim por diante. A maioria das pessoas
não quer planejar. Elas querem ser livres da responsabilidade de planejar. 0
que pedem é simplesmente alguma segurança de que serão decentemente
satisfeitas. O resto é um desfrutar do dia-a-dia da vida." (1948c, pp.169, 170)

O determinismo skinneriano parece portanto discutível, não porque —

como é muito comum aos críticos de Skinner - existe como suposto, muito

menos porque impediria toda a ação humana, convertendo todos os homens

em meros espectadores da lei natural; mas porque não cumpriria o que parece

conter quando de sua afirmação, uma vez que não amplia para todos os

homens a possibilidade de transformação que implica, e, principalmente,

porque não admite, na prática, como necessidade humana universal, a


274

possibilidade de intervenção na natureza e de transformação do destino dos

homens- Como consequência de sua postura anti-historicista, associada á

concepção de lei natural como genérica, universal e imutável, Skinner

transforma em lei o que pode perfeitamente ser resultado de uma dada

estrutura social historicamente determinadas a apatia da maioria dos homens,

sua impossibilidade de pensar o próprio destino, é atribuída a algum processo

ou lei natural e não a um conjunto de condições historicamente determinadas.

Esta noção, além de dividir os homens atribuindo-lhes por princípio papéis

diferentes na produção de suas próprias vidas, perpetua este estado de coisas

e atribui, efetivamente, a maioria da espécie a condição de pacientes, sujeitos

passivos, de sua história, no caso, sujeitos passivos da ciência.

0 determinismo, uma das facetas mais discutidas e conhecidas do

sistema skinneriano, tem, assim, enorme importância na sua proposta para a

ciência e especificamente para a ciência do comportamento humanos é

assumido como suposto ontológico atribuído a seu objeto de estudo. O homem

é organismo que se comporta, seu comportamento é determinado nos mesmos

moldes que qualquer outro fenômeno estudado pelas ciências naturais e, por

isto, a ciência do comportamento é capaz de se tornar tecnologia que controla

os indivíduos com vistas à transformação da cultura.

Consequência desta suposição é a necessidade e a força com que

Skinner passará a discutir as noções de responsabilidade pessoal, liberdade e

1ivre-arbítrio a partir do momento em que se dispõe a tratar explicitamente do

homem e da cultura em seu sistema. Em Walden, assim como em Science

and Human Behavior, e como o fará seguidamente (por exemplo, 1969,

1974) , Skinner afirma que a noção de responsabilidade pessoal é, no mínimo,


275

antiquada, pré-científica e ineficiente, e que está na base de um dos sérios

problemas da organização legal e política da sociedade contemporânea- Esta é

uma das pedras de toque de seu argumento de que não é possível fundar uma

sociedade em valores ou em um sistema ético, já que uma sociedade só será

capaz de resolver seus problemas e prover todos os seus membros igualmente

e eficientemente quando for capaz de abrir mão de tais princípios e,

principalmente, de basear-se na ciência — única via eficaz para modelar e

manter o comportamento de modo a atender amplamente as necessidades do

grupo social e de constituir uma cultura plenamente satisfatória para todos.

Esta interpretação tem como fundamento o pressuposto da determinação do

comportamento.

Entretanto, a manipulação cientifica da sociedade é efetuada pelo

controle do comportamento dos indivíduos que compõem a cultura e isto exige

que se assuma como principio da possibilidade de controle que o homem, ou

melhor, seu comportamento é totalmente determinado. 0 reino da liberdade,

entendido como ser do homem deve ser necessariamente abandonado na

concepção skinneriana.

Ao invés de liberdade e de sua contra partida - a responsabilida- de

pessoal - Skinner propõe a determinação do comportamento, que carrega

como seu complemento a possibilidade e necessidade de manipulação técnica

do comportamento humano. O homem deixa de ser encarado, como até agora

o foi, como agente livre na escolha de suas ações, para ser visto como agente

que responde a determinações que dirigem sua ação. Por seu turno, o

homem deixará de ser responsabilizado por seus atos - bons ou maus - e

passará a ser visto como ser que simplesmente se adequa ás variáveis


276

controladoras de seu comportamento.

Isentos de responsabilidade pessoal, amparados por uma ciência

capaz de identificar e solucionar probemas, os homens finalmente poderiam

organizar-se de modo a satisfazer suas necessidades e para obter uma vida

mais satisfatória. Isto não quer dizer que não mais exista certo e errado,

apenas que não mais se atribui responsabilidade moral ao erro e, sim, que este

deve ser tratado como mais um problema técnico, para o qual há, ai sim,

sempre uma resposta correta, objetiva e possível que, além do mais, não

envolve punição:

"Nós não condenamos um homem por um trabalho mal feito. Afinal de contas,
se nós não louvamos, não seria justo culpá-lo." (...) <No caso de um trabalho
mal feito:> "Nós lhe daríamos um outro trabalho e traríamos um homem
competente para o seu lugar. Mas ele não seria censurado."
"Não jogamos um homem na prisão por doença." (...) "Um lapso moral ou
ético, quer em violação explícita do Código ou não, necessita de tratamento
e não de punição." (1948c, pp. 173, 174)

Por outro lado, o determinismo que poderia levar a uma postura

passiva perante os fenômenos acaba por permitir o argumento de que

exatamente porque o comportamento sofre de determinações naturais pode e

deve ser manipulado, e exatamente porque todas as determinações são

naturais, o comportamento pode e deve ser manipulado em toda a sua

extensão, tornando viável a transformação da própria cultura e, mais

importante que tudo, permitindo a auto-determinação nos rumos desta

transformação. 0 reconhecimento e o conhecimento das determinações do

comportamento humano é que permitiriam manipular estas variáveis com vistas

inclusive a alterar os rumos desta determinação. Assim, por exemplo, só o

reconhecimento de como o ambiente tem agido para criar indivíduos e

culturas competitivas permitirá o desenvolvimento de uma cultura cooperativa e

só esta possibilidade é que poderá se tornar garantia da sobrevivência da


277

espécie, hoje ameaçada pela sua competitividade.

Por seu turno, esta possibilidade acarreta um novo problemas como

garantir determinações compatíveis com o bem estar do grupo, para aqueles

com poder de manipular o comportamento dos indivíduos. Este é um problema

que está na origem de toda a proposta de transformação de Skinner. Não se

apresenta uma vez que um dado tipo de cultura esteja em andamento, mas se

torna sumamente importante quando da proposta de transformação; mais uma

vez a única alternativa parece ser apostar, senão no indeterminado, pelo

menos no acasos no sentido de que de uma cultura competitiva poderão

emergir, por situações muito particulares, indivíduos que tenham sido

modelados segundo padrões que são estranhos à maioria do grupo, e que

poderão se tornar os planejadores culturais de uma nova sociedade, como

acontece com Frazier em Walden II. Aqui, mais uma vez, a ciência do

comportamento terá que esperar pela seleção natural.

O controle pelo ambiente

A afirmação de uma posição determinista, que não é exclusiva de uma

ciência do comportamento, possibilitaria diversas alternativas de determinação

do comportamento, ou seja, possibilitaria encontrar em diferentes tipos de

variáveis estes determinantes. Deste ponto de vista o determinismo

skinneriano carrega consigo uma especificidade, uma vez que associa o

determinismo ao controle do comportamento pelo ambiente. Também se torna

um traço especial da concepção de Skinner pela insistência com que retoma

este aspecto ao tratar do homem e da cultura. Esta insistência é importante

porque é coerente com a noção de que uma ciência do comportamento pode e


278

deve tornar-se o meio de transformação da cultura como um todo, dos

indivíduos em geral e em cada caso específico. Assim, é preciso não apenas

afirmá-lo, mas também afirmar suas características peculiares e assegurar que

estas serão respeitadas não apenas na formulação teórica da ciência, mas na

manipulação cotidiana do homem e da sociedade. E é preciso assegurar que

esta afirmação não se desviará de seu rumo inicial - ou seja, que as

determinações dos padrões culturais ou do comportamento individual não

sejam buscadas dentro dos organismos, em estruturas impalpáveis, ou em

conjuntos de leis que não são próprios de uma ciência natural.

"Não importa qual seja nossa filosofia do comportamento, não tendemos a


negar que o mundo a nossa volta ê importante. Podemos discordar em relação
à natureza ou extensão do controle que ele exerce sobre nós, mas algum
controle é óbvio. Comportamento deve ser adequado à ocasião." (...)
"No entanto, muitas teorias do comportamento humano, negligenciam ou
ignoram a ação do ambiente. 0 contato entre o organismo e o ambiente
circundante ê totalmente desconsiderado, ou no melhor dos casos,
casualmente descrito." (1953b, p.129)

A afirmação do ambiente como variável controladora do comportamento

dos indivíduos torna-se assim uma necessidade metodológica, além de

ontológica. Não seria possível o desenvolvimento pleno de uma ciência do

comportamento se não fosse assumido que este é controlado por variáveis que

podem ser dele separadas e que podem deste modo ser, além de medidas,

diretamente manipuladas. A redução do conceito de comportamento quando

da postulação do operante em 1937 – definido como resposta e não mais como

correlação - possibilita esta concepção. Esta redução permite agora tratar do

homem como um sistema de respostas que se relaciona com o ambiente,

porém de modo tal que é possível separá-las e manipulá-las, sem abrir mão de

uma proposta de causalidade embasada em uma concepção de ciência natural

e que seria mais complexa no caso de se pensar o comportamento como


279

relação do organismo com o ambiente.

"As variáveis externas das quais o comportamento é uma função provêm aquilo
que pode ser chamado de uma análise causal ou funcional. Pretendemos
predizer e controlar o comportamento de organismos individuais. Esta é nossa
'variável dependente' – o efeito para o qual devemos encontrar a causa.
Nossas 'variáveis independentes' - as causas do comportamento - são as
condições externas das quais o comportamento é uma função. Relações entre
as duas - a 'relação de causa-efeito' no comportamento - são as leis de uma
ciência. Uma síntese destas leis expressa em termos quantitativos conduz a
um quadro compreensivo do organismo como um sistema que se comporta."
(1953b, p.35)

Ao afirmar o ambiente como o controlador do comportamento Skinner

discute as várias alternativas que teria à sua disposição em termos teóricos e

critica as alternativas encontradas por outras abordagens do homem. Discute

as razões que levariam cientistas e leigos a optarem por determinações

internas e por determinações espúria© do comportamento. E importante notar

que Skinner não admite realmente a possibilidade de que qualquer abordagem

que se pretenda cientifica seja não determinista. Parece localizar o problema

nos tipos de variáveis que são escolhidas como relevantes. O caminho que

parece assumir como o da ciência é necessariamente o de uma visão

determinista de seu objeto de estudo. Nesta direção, num certo sentido, parece

querer apoiar sua escolha no que seria um fato comum a todo

empreendimento cientifico. Mais ainda, da forma como postula o

desenvolvimento da ciência parece afirmar que sua escolha é apenas o

caminho natural determinado pela acumulação de conhecimento.

"Estender o principio do reflexo para o comportamento envolvendo mais e mais


do organismo, só foi feito contra uma oposição vigorosa." (...) "Mas os
argumentos em favor da espontaneidade e de entidades explicativas que a
espontaneidade parece demandar são de tal tipo que precisam retirar-se ante a
acumulação de fatos. Espontaneidade é evidência negativa; aponta para a
fraqueza de uma explicação cientifica presente, mas não se prova como uma
versão alternativa. Por sua própria natureza a espontaneidade deve perder
terreno na medida em que uma análise cientifica é capaz de avançar. Na
medida em que mais e mais do comportamento do organismo veio a ser
explicado em termos de estimulo, o território mantido pelas explicações
internas foi reduzido." (...) "A cada estágio, alguma parcela do controle do
280

organismo passou de uma entidade hipotética interna para o ambiente


externo." (1953b, pp.48, 49)

Isto não quer dizer que Skinner não atribua papel algum a interferências

outras sobre o comportamento, como o aparato genético, mas apenas que lhes

atribui um papel secundário. Tais variáveis não são afetas à manipulação direta

e esta parece ser a principal razão para que sejam assumidas apenas como

secundárias em relação ao ambiente. Aqui estaria um primeiro critério para se

compreender a importância atribuída ao ambientes este seria mais passível de

permitir que a ciência atinja seus objetivos, uma vez que permitiria a

manipulação e controle do comportamento através da simples manipulação do

ambiente (1) .

"Mesmo quando pode ser mostrado que algum aspecto do comportamento é


devido á estação do nascimento, tipo físico geral, ou constituição genética, o
fato é de uso limitado. Pode ajudar-nos a predizer comportamento, mas é de
pouco valor numa análise experimental, ou no controle prático porque tal
condição não pode ser manipulada depois que o indivíduo foi concebido. 0
melhor que pode ser dito é que o conhecimento do fator genético pode nos
capacitar a fazer melhor uso de outras causas." (1953b, p.26)

Ao abordar estas outras possíveis determinações do comportamento

Skinner esclarece que a verdadeira ciência necessariamente tenderá a

percorrer o caminho inverso aquele que numa primeira aproximação ao

conhecimento sempre é tentado: o caminho que busca determinações para o

comportamento que o tornem, do ponto de vista metodológico, manipulável.

Deste modo, mais que uma opção epistemológica entre outras, acaba por

apresentar sua opção como a única que tem condições plenas de se tornar

objetiva. A defesa do ambiente como a grande variável independente a ser

manipulada para fins de predição e controle acaba, assim, por ser apresentada

como principio de trabalho. Aliás, principio que vinha sendo desenvolvido

desde 1931 quando definia, então, o reflexo, como "correlação observada de


281

estímulo e resposta" (grifo meu). Skinner propunha estudar algo passível de

observação, o que em principio torna mais provável a manipulação, e já então

propunha o estimulo, num certo sentido o ambiente, como variável controladora

relevante para seu objeto de estudo.

E interessante notar a preocupação de Skinner, em seus primeiros

artigos, com a descrição da história genética de seus sujeitos e como isto vai

sendo abandonado à medida que os anos passam. Pode-se hipotetizar que

Skinner vai gradativamente atribuindo menor relevância a este tipo de variável

á medida que amplia em seu sistema a concepção de ambiente, e á medida

que se torna capaz de aprofundar a descrição das relações de controle entre

ambiente e organismo, expressa, por exemplo, na diferenciação das funções

de estimulo que ocorre durante a década de 30. Em 1953, encontra-se a

mesma perspectiva:

"A prática de olhar dentro do organismo para uma explicação do


comportamento tem obscurecido as variáveis que estão imediatamente
disponíveis para uma análise cientifica. Estas variáveis estão fora do
organismo, em seu ambiente imediato e em sua história ambiental. Elas tem
um status físico ao qual as técnicas usuais da ciência são adaptadas, e elas
tornam possível explicar o comportamento como outros objetos são explicados
em ciência. Estas variáveis são de muitos tipos e suas relações com o
comportamento são geralmente sutis e complexas, mas não podemos esperar
ser capazes de explicar o comportamento sem analisá-las." (1953b, p.31)

Assim como o ambiente foi ampliado no desenvolvimento de sua

primeira formulação sistemática, Skinner estende mais uma vez esta noção ao

apresentar sua proposta para o comportamento humano, e o faz em pelo

menos duas direções: afirmando o "mundo dentro da pele" como parte do

ambiente controlador do comportamento, e afirmando o "ambiente social", com

suas particularidades, como extremamente relevante para a descrição do

comportamento humano. Quanto ao mundo privado afirma:

"Quando dizemos que o comportamento é uma função do ambiente, o termo


282

'ambiente' presumivelmente significa qualquer evento no universo capaz de


afetar o organismo. Mas parte do universo é encapsulado dentro da pele do
próprio organismo. Algumas variáveis independentes podem, portanto, ser
relacionados com o comportamento de um modo único." (...) "Com relação a
cada indivíduo, em outras palavras, uma pequena parte do universo é privada."
(1953b, p.257)

É apenas quando explicitamente passa a tratar do comportamento

humano que Skinner aborda o ambiente como sendo também o ambiente

dentro da pele. Isto parece revelar o reconhecimento de que, se as leis gerais

do comportamento podem ser idênticas para todos os organismos, certamente

algumas relações especiais devem ser consideradas ao se tratar do

comportamento humano. Isto sem dúvida se constitui numa ampliação da

noção de ambiente e possivelmente no reconhecimento de que há

especificidades no caso humano que precisam de uma análise especial por

parte da ciência do comportamento. No entanto, é preciso analisar com

cuidado esta suposição. Em 1953, corno já anunciara em 1945, Skinner não

nega os eventos internos; no entanto atribui-lhes um estatuto muito especial. O

ambiente interno só é diferente do ambiente externo pela acessibilidade

metodológica que permite, ou então parece funcionar muito mais como

correlato de outras variáveis, ou simplesmente como elo intermediário de uma

cadeia causal que invariavelmente se inicia no ambiente externo. Deste modo é

tornado equivalente ao ambiente externo, ou até mesmo menor em termos de

importância na descrição do comportamento. O passo imenso dado por Skinner

ao assumir os eventos privados como fenômenos que fazem parte da ciência

do comportamento é, num certo sentido, perdido por sua recusa em atribuir-

lhes qualquer especificidade real, recusa que talvez seja responsável pela

ausência de pesquisa de que tanto se ressentem hoje os cientistas do

comportamento.
283

"Não precisamos supor que porque ocorrem dentro da pele de um organismo


<os eventos privados> têm propriedades especiais por esta razão. Um evento
privado pode ser diferenciado por sua acessibilidade limitada, mas não por
qualquer estrutura ou natureza especial, até onde sabemos." (1953b, p.258)

Assim como reconhece os eventos privados ao abordar o

comportamento humano, Skinner reconhece, e aqui isto é extremamente

relevante, a importância e especificidade do comportamento social, ampliando

também nesta direção sua concepção de ambiente- Se pode haver dúvidas de

que a afirmação dos eventos internos só tem relevância no caso do

comportamento humano, é indiscutível a especificidade (embora não se trate

de exclusividade) do comportamento social em relação aos seres humanos:

assim, embora Skinner não chegue ao ponto de definir o homem por esta

particularidade, certamente reconhece nela, não apenas sua importância em

termos de descrição teórica do comportamento humano, mas também o

caminho para abordar os problema© humanos mais sérios e urgentes. E o

ambiente social, a cultura, o alvo da ciência que se pretende uma ferramenta

de transformação, uma vez que as relações entre os homens são definidas

em termos de comportamento social. Em Science and Human Behavior, o

comportamento social é definido:

"Comportamento social pode ser definido como o comportamento de duas ou


mais pessoas em relação a uma outra, ou em conjunto com relação a um
ambiente comum."
(...)
"0 comportamento social surge porque um organismo é importante para um
outro como parte de seu ambiente." (1953b, pp.297, 298)

A noção de comportamento social corresponde uma concepção de

estímulo social. Outros homens são considerados estímulos, uma variável que,

embora de dimensões físicas especificáveis, importa muito mais por suas

dimensões não físicas. A análise destas dimensões, ou o seu simples

reconhecimento, de um lado, demonstra a extensão da noção de ambiente, de


284

outro, implicaria a necessidade de considerar mediações na( relação do

organismo com o ambiente que até então Skinner não havia abordado.

Estímulo social é definido:

"Uma outra pessoa é frequentemente uma fonte de estimulação importante.


Como algumas propriedades de tais estímulos parecem desafiar a descrição
física, tem sido tentador assumir que um processo especial de intuição ou
empatia está envolvido, quando reagimos a elas."
(...)
"Um estimulo social, como qualquer outro estimulo, se torna importante no
controle do comportamento por causa das contingências em que entra." (...)
"Qualquer unidade na classe de estímulos segue-se destas contingências. Mas
estas são determinadas pela cultura e por uma história particular." (1953b,
pp.301, 302)

Ao discutir o comportamento social - e ao definir estímulo e reforçamento

social - Skinner não apenas reconhece sua especifidade, reconhece sua

relevância e é interessante que esta relevância repousa em grande parte no

fato de que é no comportamento social que se torna mais clara a importância

da própria cultura no controle do comportamento individual - e no controle tanto

em termos de manutenção, como em termos de aquisição dos comportamentos

mais tipicamente humanos. E através da afirmação da especificidade de certa

parte do ambiente, de suas diferenças para com o ambiente físico-mecânico,

que Skinner reafirma a importância do ambiente em geral para a análise do

comportamento.

"Comportamento reforçado pela mediação de outras pessoas diferirá de muitas


maneiras do comportamento reforçado pelo ambiente mecânico. Reforçamento
social varia de momento para momento, dependendo da condição do agente
reforçador." (...) "Como resultado, comportamento social é mais extenso que
comportamento comparável num ambiente não social. Também é mais flexível,
no sentido de que o organismo pode mudar mais prontamente de uma resposta
para outra quando seu comportamento não é efetivo." (1953b, p.299)

As duas principais características especificas do comportamento social

parecem exigir uma metodologia especial, capaz de acompanhar sua maior

generalidade e sensibilidade, decorrentes de ser um sistema em constante

transformação, e parecem fortalecer a sua relevância para uma ciência que


285

pretenda controlar comportamento, uma vez que ai se encontraria uma fonte de

controle eficaz e eficiente para o comportamento em geral. Entretanto, Skinner

não reconhece esta necessidade, afirmando que um episódio social deveria ser

analisado exatamente como qualquer episódio comportamental, separando-se

estímulo e resposta, demonstrando o controle de cada variável ambiental, para

depois reconstruir o episódio a partir de cada uma de suas determinações.

Com esta posição, de um lado, reafirma a universal idade de sua metodologia

e referencial teórico, de outro, possivelmente desconsidera especificidades que

ele mesmo aponta, o que terá consequências em sua análise do homem e da

cultura.

Mas o reconhecimento da importância do comportamento social e das

contingências sociais e a afirmação de que se trata, no essencial, de

comportamento idêntico a comportamento mecanicamente reforçado, tem

provavelmente mais uma função no sistema skinneriano. Permite que se

atribua às contingências sociais papel prioritário na formação dos indivíduos

sem a necessidade de qualquer mudança essencial em seu sistema teórico,

possibilitando que estas sirvam de base explicativa para a outra parte do

ambiente que necessariamente tem que ser considerada ao discutir

comportamento humano: o mundo privado. O comportamento social, através

do reforçamento social, torna-se causa e consequência da imensa maioria dos

comportamentos encobertos, ou dos comportamentos que se referem a

eventos privados, das discriminações do mundo privado necessárias a muitas

formas de comportamento e do próprio auto-conhecimento, ou seja, daquela

que aparentemente é a mais subjetiva das experiências de um indivíduo.

"Algumas contingências envolvendo estimulação interna naturalmente não


precisam ser arranjadas por uma comunidade reforçadora." <como jogar uma
286

bola> (...) "lias 'conhecimento' é particularmente identificado com o


comportamento verbal que surge do reforçamento social. Aparentemente,
comportamento abstrato e social são impossíveis sem tal reforçamento. O tipo
de auto—conhecimento representado por comportamento verbal discriminativo
- o conhecimento que é expresso quando falamos de nosso próprio
comportamento – é estritamente limitado pelas contingências que a
comunidade pode arranjar. As deficiências que geram desconfiança pública
levam, no caso do próprio indivíduo, a simples ignorância." (1953b, p. 261)

Assim se articulam as duas ampliações operadas em termos de

ambiente quando da formulação de um sistema explicativo do comportamento

humano: o controle do comportamento em última instância continua no

ambiente externo, mesmo que se admita características especiais para tal

ambiente através da formulação do ambiente social. Esta formulação também

permite a Skinner manter o seu referencial teórico e ao mesmo tempo expandi-

lo para a noção de que o mais importante dos controles ambientais do

comportamento é o controle social. Deste modo, a transformação da cultura,

que depende do controle do comportamento do indivíduo, deve forçosamente

se constituir em meta de sua ciência, uma vez que é da sociedade que derivam

as contingências que formarão os indivíduos.

A determinação do ambiente sobre o comportamento, o papel deste no

repertório humano é, assim, levado às últimas consequências por Skinner

exatamente no caso do homem. Em Science and Human Behavior e em

Walden II torna-se mais claro que para Skinner não há qualquer

comportamento que não possa ser reduzido à determinação do ambiente. A

partir do momento em que Skinner advoga a possibilidade de que os

comportamentos encobertos são parte do repertório humano relevante, mas

submetidos às mesmas leis que outros comportamentos, e que se trata de

desvendar o controle social destes, o problema da determinação do

comportamento admite solução mais simples. A consequência maior desta


287

abordagem do problema é a ênfase na cultura, na sociedade, no grupo, como

agentes de mudança e de manutenção do comportamento dos indivíduos,

inclusive daqueles comportamentos que parecem á primeira vista apenas

produto do indivíduo, aspectos do homem que são completamente subjetivos.

Os problemas da consciência, do auto—conhecimento, da subjetividade

são todos resolvidos no mesmo nível da determinação pelo ambiente, da

formação que depende do grupo que convive com o sujeito. Todos estes

comportamentos são, assim, subsumidos á mesma lei geral. Deste ponto de

vista é possível oferecer urna explicação integral do ser humano, tanto porque

a ciência do comportamento pode explicar todos os níveis da vida humana,

como porque todos os aspectos são descritos pelo mesmo conjunto de leis: os

mesmos processos de interação da comunidade com o sujeito — a

consequenciação do comportamento pelo ambiente e o pareamento de

características do ambiente - explicam a modelagem e a manutenção de

comportamentos, a instalação de reforçadores condicionados, ou a instalação

dos aspectos subjetivos que compõem o repertório humano.

Parece haver, assim, um duplo movimento na expansão na

conceituação de ambiente, á medida em que Skinner passa a explicitamente

incorporar o homem em suas análises: este não apenas torna-se mais amplo,

constituído também do ambiente interno (eventos privados) e do ambiente

social; mas também passa a responder por aspectos do comportamento até

então frequentemente defendidos como aquém do controle do ambiente. Este

duplo movimento, como parece já ter sido apontado, é em parte responsável

por muitas das críticas que Skinner tem recebidos esta ampliação fortalece a

possibilidade de se pensar e demonstrar a liberdade como uma pseudo-


288

questão, uma vez que permite que se universalize a concepção de que o

ambiente determina todo e qualquer comportamento. Mas, além de representar

uma ampliação da noção de ambiente, o reconhecimento destes dois aspectos

acaba por passar por uma redução: o mundo privado, pelo menos em termos

de suas determinações, acaba reduzido às determinações sociais, o ambiente

social acaba reduzido, por -força da aplicação da mesma metodologia analítica

usada na descrição das demais relações do organismo com o ambiente, ás

determinações imediatas do ambiente externo- E esta redução que parece

especialmente problemática, uma vez que possibilitaria uma visão

mecânica, imediatista e ahistórica de fenômenos que o próprio Skinner

reconhece como tendo alguma especificidade.

Entretanto, também é deste movimento e da postulação do

comportamento operante que decorre a possibilidade de conceber o homem

como capaz de construir sua própria existência, no sentido de pensá-lo como

construtor de seu próprio ambiente. O problema maior estaria em que Skinner

explora muito pouco, se é que o faz, esta possibilidade que seu sistema deixa

entreaberta, pelo menos até 1953- Ao definir o comportamento operante como

aquele em que o sujeito produz Skinner poderia enfatizar este aspecto - a

produção - como a característica primeira do operante; entretanto esta é

frequentemente abandonada em favor da relação de contiguidade entre o

comportamento e a consequência.

De grande relevância nesta discussão, portanto, é a discussão do

comportamento operante. Ao descobri-lo, e ao afirmá-lo cada vez com mais

ênfase, Skinner necessariamente enfatizou o ambiente como controlador do

comportamento. O comportamento respondente ê entendido como mero reflexo


289

de algo que em certa medida é pré-determinado, a respostado organismo ao

ambiente é muito menos maleável e é sempre meramente uma resposta, uma

consequência necessária, e em certo sentido acabada, a uma estimulação

específica. Já o comportamento operante é definido pela operação que o

organismo faz sobre o ambiente para obter reforçamento. 0 ambiente aparece

de forma múltipla: pelo menos como estimulação discriminativa, motivação,

manipulação do organismo sobre algo e estimulo reforçador. Todos os

componentes do esquema conceitual envolvem, portanto, a sua afirmação.

Mesmo a formação de estímulos reforçadores tem que ser analisada

deste ponto de vista, apesar do paradigma respondente a ela associado. Se os

reforçadores primários encontram a explicação de sua existência no ambiente

que os selecionou, na história de evolução das espécies, os reforçadores

secundários e generalizados, muito mais importantes para o organismo

humano, encontram explicação de sua existência também no pareamento

efetuado pelo ambiente; embora aqui pelo ambiente a que cada indivíduo está

submetido em sua história de vida e que é, portanto, muito mais maleável,

muito mais apto à manipulação.

"O ambiente é construído de tal forma que certas coisas tendem a acontecer
juntas. O organismo é construído de tal forma que seu comportamento muda
quando entra em contato com tal ambiente. São três os casos principais. (1)
Certos eventos - como a cor e o gosto de fruta madura - tendem a ocorrer
juntos. Condicionamento respondente é o efeito correspondente sobre o
comportamento. (2) Certas atividades do organismo efetuam certas mudanças
no ambiente. Condicionamento operante ê o efeito correspondente sobre o
comportamento. (3) Certos eventos são as ocasiões nas quais certas ações
efetuam certas mudanças no ambiente A discriminação operante é o efeito
correspondente sobre o comportamento. Como resultado destes processos o
organismo que se encontra num ambiente novo eventualmente vem a se
comportar de maneira eficiente. 0 resultado não poderia ser obtido por
mecanismos hereditários porque o ambiente não ê suficientemente constante
de uma geração para outra." (1953b, p.125)

A própria noção do que é, no ambiente, relevante para os organismos


290

vivos precisa ser esclarecida- Para Skinner, são as condições de mudança

continua do ambiente e a necessidade de responder a ele que tornam

importante o operante, o qual por sua vez só pode ser pensado em sua relação

de determinação com o próprio ambiente.

"Através do condicionamento operante o ambiente constrói o repertório básico


com o qual mantemos nosso equilíbrio, andamos, jogamos, manipulamos
instrumentos e ferramentas, escrevemos, velejamos um barco, dirigimos um
carro, ou pilotamos um avião. Uma mudança no ambiente - um novo amigo, um
novo carro, um novo interesse, um novo emprego, uma nova casa - pode
encontrar-nos despreparados, mas, geralmente, nosso comportamento se
ajusta rapidamente na medida em que adquirimos novas respostas e
descartamos respostas velhas." (...) "0 reforçamento operante faz mais que
construir um repertório comportamental. Ele melhora a eficiência do
comportamento e o mantém em força muito depois que a eficiência ou a
aquisição tenham deixado de ser de interesse.” (1953b, p. 66)
0 comportamento operante é visto, assim, como comportamento que garante a

sobrevivência do indivíduo e da espécie por causa de uma relação continua e

complexa com o ambiente, entretanto, mais uma vez, Skinner reduz

comportamento a resposta, a efeito - adaptativo – de mudanças ambientais,

quando poderia ter enfatizado o aspecto transformador desta relação, não

apenas como um processo infindável, mas também como processo que

transforma de modo irrevogável tanto o homem como aquilo que o circunda.

Isto não é privilegiado no sistema skinneriano e a possibilidade de encarar o

comportamento como realmente um processo contínuo de interação do homem

como o ambiente acabará reduzida à necessidade de descrever as variáveis

imediatas de que o comportamento é função. Ainda assim é a noção de

comportamento operanteque permitirá a Skinner construir seu referencial

teórico e propô-lo como ferramenta de transformação, como tecnologia para

a solução de problemas humanos, iniciando por uma nova concepção de


291

homem.

Em toda esta discussão ressalta a posição de Skinner em relação à

fisiologia e às concepções que desconsidera porque são mentalistas. Na sua

crítica dia fisiologia está implícito seu pragmatismo; mesmo que se possa

oferecer uma explicação do comportamento em termos de sistema nervoso

esta não seria apta á manipulação e por isto é pelo menos irrelevante para

propósitos práticos. A mesma critica numa certa medida pode ser feita à critica

aos mentalistas; se estiverem corretos não levam à predição e controle e, pior

ainda, muito provavelmente estão errados e neste caso são difíceis de serem

submetidos â critica por razões metodológicas. Portanto, a suposição da

determinação do comportamento pelo ambiente, a afirmação do controle

operante, tem ainda a vantagem de permitir verificações metodológicas,

experimentais, diferentemente de outras abordagens.

"Eventualmente, uma ciência do sistema nervoso baseada em observação


direta, ao invés de inferência, descreverá os eventos e estados neurológicos
que precedem imediatamente instâncias de comportamento." (...) "Estes
eventos, por sua vez, se descobrirá que são precedidos por outros eventos
neurológicos, e estes, por outros. Estas séries nos levarão de volta para
eventos fora do sistema nervoso e, eventualmente, fora do organismo." (...)
"Estaremos, então, melhor capacitados para avaliar o lugar das explicações
neurológicas do comportamento. No entanto, podemos notar aqui, que não
temos e podemos jamais ter este tipo de informação neurológica no momento
em que ela é necessária para predizer uma instância especifica de
comportamento. E mais improvável ainda que seremos capazes de alterar o
sistema nervoso diretamente a fim de estabelecer as condições antecedentes
de uma instância particular. As causas a serem buscadas no sistema nervoso
são, portanto, de utilidade limitada na predição e controle de comportamento
especifico." (1953b, pp.27, 28, 29)

Mas a critica do mentalismo vai mais longe e tem um papel especial na

análise skinneriana da sociedade e da cultura. Porque Skinner não

desconsidera eventos privados, mas apenas nega-lhes um estatuto especial,

toda sua proposta para a sociedade pode ser melhor conduzida. Se supusesse

estados subjetivos de ordem diferente dos observáveis dificilmente poderia


292

propor uma ciência que, sem negar o indivíduo e partindo dele, pretendesse

transformar a cultura como um todo. Ao negar qualquer forma de mentalismo

Skinner pode a um só tempo usar de uma explicação apenas para todo

comportamento humano e pode supor que, alterando o comportamento que ê

expresso, altera também comportamento não manifesto. Torna possível a

suposição de uma ciência do comportamento que explique os fenômenos

observáveis e não observáveis, a nível do indivíduo e da cultura, e uma ciência

capaz de trabalhar com os problemas existentes na cultura, bem como com as

aspirações do indivíduo e da sociedade, uma vez que tudo se submeterá ao

mesmo conjunto de leis comportamentais.

"Naturalmente, esta visão conflita com os tratamentos tradicionais do sujeito,


que são especialmente prováveis de citar o auto-controle como um importante
exemplo da operação da responsabilidade pessoal. Mas uma análise que apela
para variáveis externastorna a suposição de um agente interno originador e
determinador,desnecessária. As vantagens cientificas de tal análise são
muitas, mas as vantagens práticas podem ser ainda mais importantes."(1953b,
p.240)

O anti-mentalismo é mais do que uma critica, deste ponto de vista é

ferramenta metodológica que permite o uso da ciência para a solução dos

problemas humanos nos seus mais variados níveis e nas suas diferentes

formas. Não apenas torna possível um monismo filosófico, torna viável a

proposta de que a cultura seja regida apenas por leis cientificamente derivadas,

e de que seja transformada a partir da manipulação do comportamento

humano, que em nenhuma instância é assumido como se iniciando e

encerrando dentro do indivíduo. Mais ainda, torna a ciência compatível com

uma visão de mundo em que tudo pode ser transformado, até mesmo as

esferas tidas como as mais subjetivas da vida humana. Deste modo, ao

argumentar por uma transformação do mundo e dos homens guiada pela

ciência, Skinner está propondo uma transformação que considera completa;


293

nada escaparia desta mudança e nada deixaria de ser seu objeto de

intervenção. Uma atitude que permitisse conceber algum aspecto da vida como

mental poderia mais facilmente originar uma proposta distinta para tal

problema, uma proposta que exigiria uma outra metodologia ou uma outra

explicação, e a ciência do comportamento perderia assim seu papel de carro

chefe do planejamento da vida cultural.

Também importante é a discussão de que, na determinação do

comportamento, o que importa é o ambiente presente. Mesmo a história

genética e anbiental é tornada apenas o momento presente na maneira como

Skinner assume que interfere no comportamento: é o resultado final desta

história, o resultado tal como se apresenta imediatamente que é relevante para

o modelo skinneriano. Certamente esta concepção está de acordo como o tipo

de determinismo que Skinner advoga, e que busca no ambiente externo as

variáveis relevantes para o controle eficaz, para a manipulação direta do

comportamento» Também está de acordo com uma concepção de operante

que, ao não privilegiar o processo de troca e interação do organismo com o

meio, ao não enfatizar o comportamento como esta relação, acaba por

enfatizar e privilegiar momentos do processo, e por assumir a descrição de um

momento como suficiente para a manipulação do comportamento. Todo o

percurso de sua formação é dispensável de ser conhecido para que se possa

compreender o comportamento. Suas marcas não diferenciam o repertório de

diferentes sujeitos a não ser que estas diferenças sejam diferenças detectáveis

no presente.

"Ao estudar as variáveis independentes extremamente importantes que estão


no ambiente imediato, devemos começar com uma descrição física." (...) "Não
devemos prejulgar estes eventos a partir de seus efeitos sobre o organismo.
Eles devem ser descritos nos termos usuais da física" (...) "da química" (...)
"etc. Naturalmente, estamos interessados apenas nas condições ou eventos
294

que tem um efeito sobre o comportamento." (1953b, pp.130, 131)

Muitas das descrições da psicologia são, assim, reinterpretadas em

termos de características presentes nos repertórios individuais, que teriam sido

construídas pela relação do organismo com o ambiente através das

contingências de reforçamento. Isto não parece ser um problema e pode até

mesmo fortalecer a hipótese de que o explicativo apresentado pretende

abordar a totalidade dos fenômenos comportamentais e contém pelo menos

em germe esta possibilidade. 0 problema aqui não estaria tanto na tentativa de

traduzir deste modo fenômenos como personalidade ou traços de caráter, mas

em que, ao fazer esta tradução, Skinner acaba por desconsiderar, não os

traços, mas as variáveis controladoras que os originaram, pelo menos

enquanto a possibilidade de que estas variáveis que podem agora agir na

forma destes traços talvez não estejam cristalizadas, e que, pelo contrário,

tenham poder de ainda operar sobre o indivíduo, ou no sentido de que o

próprio desenvolvimento destas histórias de reforçamento pode ser variável

importante na determinação de comportamenos atuais.

"Algumas diferenças <de traços> são devidas a diferenças nas variáveis


independentes às quais as pessoas são expostas. Embora possamos nos
impressionar pelo efeito sobre o comportamento, a individualidade original está
fora do organismo. Diferenças na experiência" (...) <o instruído e o sem
instrução> "se referem principalmente a diferenças nas histórias de
reforçamento" (...) <ingênuo e sofisticado são termos que> "descrevem os
efeitos de diferentes esquemas de reforçamento" (...) <interessado,
desencorajado Selo termos que se referem a> "contingências especiais que
envolvem punição" (...) "Diferenças na privação nos levam a diferenciar entre o
'voraz' e o 'sem apetite'" (...) "Diferenças na hereditariedade que são muito
aparentes para serem esquecidas quando comparamos espécies diferentes,
mas que presumivelmente também estão presentes em menor medida entre
membros de uma só espécie, explicam outras diferenças no repertório como as
diferenças de idade <jovem, senil>, ou no desenvolvimento <infantil,
adolescente>." (...)
"Traços deste tipo são simplesmente uma maneira de representar o repertório
de um organismo, com alguma indicação dia força relati- va de suas partes e
com certas inferências sobre as variáveis relevantes." (1953b, pp.195, 196)

Esta redução de certos condicionantes do comportamento humano a


295

uma mera representação de um estado de coisas que parece rígido e não

sujeito à manipulação, e que por isto é relegado a um segundo plano, pode ser

interpretada como característica da proposta skinneriana que não só dificultaria

o reconhecimento da individualidade e totalidade dos sujeitos, como mais tarde

dificultaria o reconhecimento da singularidade de certos fenômenos e padrões

culturais.

Reaparece aqui uma marca importante do sistema skinneriano: sua

ênfase na manutenção do comportamento em detrimento da aquisição. Ao

afirmar a relevância apenas das variáveis imediatas - em termos de estarem no

ambiente externo e em termos da proximidade temporal com a resposta -

Skinner não trabalha com a hipótese de que as variáveis responsáveis pela

aquisição de comportamentos, e especialmente de repertórios complexos,

talvez não sejam exatamente aquelas responsáveis pela manutenção destes

comportamentos. O interessante é que esta hipótese poderia, ou talvez até

mesmo deveria, ser derivada de sua própria caracterização do ambiente

social e do comportamento social, Skinner afirma que o comportamento

socialmente reforçado raramente o é independentemente da resposta, o que o

torna mais mutável e flexível, tendo em vista as exigências crescentes dos

agentes reforçadores- Ai estaria o cerne de uma interpretação que deveria

levar a que se considerasse especialmente os processos de aquisição de

comportamentos e repertórios. Isto acaba por ser relegado a um segundo plano

quando se trata do indivíduo e, no caso da cultura, terá como consequência a

dificuldade de se tratar da sua transformação, ou melhor de sua formação.

Este mesmo ambientalismo tem, no entanto, uma marca progressista

muitas vezes esquecida. A concepção skinneriana de comportamento pode


296

efetivamente levar a que se veja o homem como construtor de seu próprio

ambiente e de si mesmo. E facilitadora de uma concepção que privilegia a

transformação da vida humana, tanto a nível individual, como coletivo. Se o

ambiente social não é visto como qualitativamente diferente do ambiente físico-

mecânico, as possibilidades de manipulação que comporta, aumentam a

probabilidade de uma perspectiva transformadora da vida grupai, e a

transformação da sociedade torna-se possibilidade muito mais concreta em sua

concepção do que em outras concepções da psicologia. Na medida em que os

homens são concebidos como organismos submetidos a leis gerais e naturais,

controlados pelo ambiente externo, com dimensões cognoscíveis e

controláveis, e na medida mesma em que são concebidos, mesmo em seus

traços mais aparentemente rígidos e subjetivos, como frutos desta interação,

há uma possibilidade concreta de que possam ser transformados.

"Esta não é uma época notável nem na arte nem na música. Por que não?
Porque nossa civilização não pode produzir arte tão abundantemente como
produz ciência e tecnologia. Obviamente, porque estão faltando as condições
adequadas. E aqui que entra 'Walden II'. Aqui, as condições podem ser
alcançadas." (1948c, p.90)

Como suposto, o determinismo, associado ao ambientalismo, permite

que se discuta a possibilidade de se transformar integralmente a vida humana,

até mesmo naquelas esferas até hoje intocadas pela cultura e sob tutela

exclusiva da filogênese. Com isto, Skinner afirma uma tal possibilidade de

mudança da vida humana e do homem que é quase como se afirmasse uma

transformação possível da "natureza humana", pelo menos se entendida como

as características humanas que são típicas da espécie, através da intervenção

deliberada viabilizada pela ciência: a ciência do comportamento tornaria

possível que esta manipulação, e consequente transformação, fosse

planejadamente construída.
297

"As emoções produtivas e fortalecedoras, a alegria e o amor <são divertidas>.


Mas a tristeza e o ódio e as excitações de alta tensão como a cólera, o medo e
a raiva - são perigosas- 0 sr. Castle mencionou o ciúme como uma forma
menor de ira. Creio que poderiamos chamá-lo assim. Naturalmente, evitamo-lo.
Já cumpriu seu papel na evolução humana; já não é necessário. Be
permitíssemos a continuidade de sua existência, isso apenas solaparia a nossa
vida. Em uma sociedade cooperativa não há ciúme, porque não há
necessidade dele.
(...) o ciúme não ajudaria <em 'Walden II'>. Num mundo competitivo, talvez sim.
Podem proporcionar energia para enfrentar uma situação frustradora. O
impulso e a energia assim gerados são uma vantagem. Com efeito, num
mundo competitivo, as emoções funcionam ás mil maravilhas. Veja a peculiar
falta de sucesso do homem complacente. Gosta de uma vida mais serena,
mas, por isso mesmo, provavelmente menos frutífera. 0 mundo não está
preparado para o simples pacifismo ou a humildade cristã, para citar dois casos
relevantes. Antes que se possa eliminar sem problemas as emoções
destrutivas e perdulárias, deve-se estar seguro de que não são necessárias."
(1948c, p.105)

0 determinismo, que se introduz como suposto ontológico da ciência, e

se torna suposto metodológico que permite a manipulação do comportamento,

acaba - representado pelo ambiente - por se tornar princípio explicativo do seu

objeto de estudo. A análise do ambiente que se inicia como o estudo de

variáveis experimentalmente controladas em organismos inferiores passa a

incluir o ambiente em toda sua plenitude, em sua forma multi-facética, no

estudo do comportamento humano, de forma a abordar inclusive o "ambiente

social", a cultura. Deste modo, Skinner dá mais um salto, pois o ambiente

antes definido por suas características mecânicas passa a incorporar

aspectos da vida humana que são importantes exatamente pela ausência

destas características. Outro importante passo é dado nesta discussão: ao

supor o ambiente como variável privilegiada, ao supor que deve se considerar

as forçasvigentes do ambiente na determinação do comportamento, ao supor

que, embora com características diferenciadas, o ambiente social, assim

como o físico-mecânico, afeta do mesmo modo o comportamento humano,

Skinner pode afirmar o indivíduo como objeto de seu conhecimento. Por outro
298

lado, ao associar a determinação do comportamento pelo ambiente com a

sobrevivência da espécie, pode afirmar a cultura como a principal meta de sua

ciência e o sujeito individual como objeto de manipulação para a sobrevivência

da cultura. Mais ainda, ao universalizar os fenômenos por atribuir-lhes uma

completa determinação e ao aprofundar esta universalização por afirmar o

ambiente externo e, no caso humano, o ambiente social, como a causa

fundamental dos eventos comportamentais, Skinner justifica sua opção: de

uma ciência do comportamento voltada para a manipulação dos indivíduos

com vistas á transformação e à sobrevivência da espécie, só garantida pela

sobrevivência cultura.

O ambientalismo transmuta-se assim em condição essencial não apenas

para a construção de um conhecimento de caráter preditivo e controlador nos

moldes da ciência natural, mas torna-se suposto que garantirá a própria

existência da espécie; e, quando aplicado ao homem e à sociedade, o

determinismo, que num certo sentido impediria qualquer concepção teleológica

de homem, acaba por facilitar a defesa de certos critérios para avaliação do

indivíduo e cultura que, se são valores no sentido tradicional do termo, quase

poderiam ser considerados meta-valores – pressupostos e guia de ação - do

sistema skinneriano.
299

Capitulo 6

A CULTURA COMO META DA CIÊNCIA DO COMPORTAMENTO


O que era uma Idade de Ouro? O que a distinguia de
qualquer outra? A diferença podia ser fantasticamente
ligeira. Algum matiz extra de estimulação pessoal- Tempo
para pensar. Tempo para agir. Alguma ampliação trivial
de oportunidade. Apreciação. Liberdade. Igualdade. Além
disso, naturalmente, fraternidade. (Skinner)

O indivíduo e o grupos oposição dissolvida por uma ciência voltada

para a sobrevivência

Afirmar a cultura como meta da ciência do comportamento implica a

necessidade de pelo menos explicitar os argumentos para esta interpretação e

suas consequências, uma vez que tal afirmação traz em seu bojo várias outras:

em primeiro lugar, que Skinner enfatizaria uma ciência do comportamento que

não poderia ter como fulcro o indivíduo entendido como organismo que pode

ser compreendido e manipulado apenas através de suas próprias experiências

imediatas. Neste caso, torna-se necessário explicitar como Skinner vê a

relação do indivíduo com a cultura e demonstrar que esta tem precedência

sobre aquele- Em segundo lugar, que não só teria, já no período que aqui se

analisa, uma proposta para o homem, mas que teria uma proposta para toda a

sociedade. Torna-se necessário, então, desvendar esta proposta- Em terceiro

lugar, que dificilmente a proposta skinneriana se esgotaria numa proposta

apenas remediativa, como é típico das mais importantes alternativas da

psicologia

A tarefa que se impõe aqui é mostrar que o real papel que Skinner
300

atribuiria a uma ciência do comportamento, quando transformada em

tecnologia que permite a manipulação de eventos comportamentais, seria a

intervenção e a transformação da própria sociedade. Finalmente, se admite

que a ciência aplicada não é simples sub-produto de importância secundária na

ciência do comportamento como uma tese necessária aos próprios objetivos da

ciência, como Skinner a propõe- neste caso várias alternativas se apresentam

para referendar esta hipótese: que Walden II não é obra alheia ao corpo da

obra cientifica de Skinner, que se pode encontrar, se não continuidade, pelo

menos, coerência entre Walden II e Science and Human Behavior, que as

propostas para a sociedade são realmente relevantes para que se entenda o

sistema skinneriano e contribuem para sua formação, tanto em termos

metodológicos como conceituais.

Todas estas alternativas pressupõem como ponto de partida que

encontra nos trabalhos de Skinner a afirmação de que a cultura pode e deve

ser alvo das tentativas de compreensão científica do mundo. Constitui-se,

portanto, em objeto da ciência. Se não bastassem a própria publicação de

Walden II e toda uma parte do livro Science and Human Behavior dedicados a

discutir a sociedade, seria ainda possível citar inúmeras passagens do autor

para esclaracer esta posição. Skinner parece não se furtar, em hipótese

alguma, a assumir como objeto passível de intervenção da ciência, portanto

objeto submetido a leis naturais, a cultura. A sociedade é entendida como

fenômeno geral e natural, quase como uma classe de fenômenos e, assim

como com o comportamento operante, são as relações que a determinam

que esclarecem o seu funcionamento, tornando-se suas leis, não importando

as formas especificas que tomam estas relações em cada cultura. Skinner


301

parece partir disto como um pré-suposto, o que, de um lado, fortalece a

hipótese de sua importância para seu sistema, e, de outro, é coerente com sua

visão, de há muito anunciada, da universalidade do método científico para a

descrição de qualquer fenômeno. Por que outra razão afirmaria a cultura como

passível de controle, numa passagem que tanto lembra o mesmo tipo de

exortação que faz para outros fenômenos que tradicionalmente têm sido

vistos como difíceis, se não impossíveis, de serem abordados pela ciência

natural?

"Por que o planejamento de uma cultura deveria ser tão grandemente legado
ao acaso? Não é possível mudar o ambiente social deliberadamente de modo
que o produto humano atenderá a especificações mais aceitáveis? (1953b, p.
426)

A partir de uma suposta oposição irreconciliável entre sociedade e

indivíduo, explicitamente assumida em Walden II, Skinner opta pelo grupo

como critério de escolha das metas e das técnicas de intervenção social. Num

certo sentido, isto é plenamente coerente com sua perspectiva para a ciência:

enquanto ciência natural, a ciência do comportamento se ocupa, e esta sempre

foi a proposta de Skinner, do homem genérico, submetido às leis naturais, do

indivíduo membro de uma espécie biológica que tem de ser preservado

enquanto tal e que é, enquanto espécie, semelhante ao outro- Enquanto

espécie, o homem sempre viveu em grupo e dele depende para sua

sobrevivência. O fato de que a oposição indivíduo-grupo seja uma oposição

historicamente construída, e não uma oposição natural, não pode receber o

aval de Skinner, tendo em vista sua posição anti-historicista. Assim, a

justificativa da preponderância do grupo sobre o indivíduo como critério para

as decisões científicas e para os padrões culturais é filogenético, de forma que

a opção pelo grupo constitui-se, pelo menos à primeira vista, em critério


302

natural.

Além disto, ao grupo se associa muito mais facilmente do que ao

indivíduo a noção de manipulação do ambiente, cabendo á ciência do

comportamento principalmente detectar as necessidades do grupo e aferir a

satisfação do grupo e não de cada individuo, quando se trata do planejamento

de culturas como um todo. O fato de Skinner propor a ciência do

comportamento como ciência genérica e a sua tecnologia como tecnologia

cultural induz a uma preocupação primeira com a sobrevivência do grupo, o

que fortalece a proposta de uma ciência voltada para a cultura como meta-

Mesmo que imediata, sua experiência com as oposições entre sociedade e

indivíduo reforça a convicção thoreauiana de que esta oposição é natural e

irreconciliável. O interessante é que esta mesma visão aponta um solução para

esta oposição- Isto se torna especialmente viável tendo em vista a firme

convicção skinneriana de que o homem é ser natural, portanto plenamente

submetido a leis objetivas, e semelhante no que diz respeito a esta submissão.

Ora, no caso de uma ciência que tem como suposto que suas variáveis

independentes relevantes se encontram no ambiente, fora do sujeito, torna-se

mais simples manipulá-las em defesa do grupo como um todo, ou, pelo menos,

é possível assumir que esta é uma possibilidade metodológica, que a um só

tempo garantiria as necessidades do grupo e satisfaria as necessi- dades do

indivíduo. Assim, o que a natureza não foi capaz de solucionar, e muito menos

a história (sempre dirigida de maneira pré-científica), pode ser resolvido pela

ciência.

<Nossa medida ativa para a paz é> (...) "apenas isso: nós não estamos
fazendo guerra! Nós não temos política imperialista - nenhuma intenção de
dominar os outros —, nenhum interesse em comércio exterior, exceto para
encorajar a felicidade e a auto-suficiência. 0 que é 'Walden II' senão um
grandioso experimento numa estrutura de mundo pacifico? Aponte qualquer
303

internacionalista que realmente saiba o que qualquer tipo de sociedade ou de


cultura ou de governo fará para a paz. Ele não sabe. Estará só conjeturando!
Através das maquinações do poder político ele pode, se tiver sorte, fazer, em
surdina, um teste experimental, mas quase certamente de tal forma que o
resultado não provará nada. Poderá, através de algum acidente colossal,
conseguir a paz mundial, talvez permanente, lias a probabilidade ê desprezível.
O mundo político não produz o tipo de dados necessários para a solução
científica dos problemas básicos." (1948c, p.205)

Deste modo, e isto ê o mais relevante aqui, ao afirmar a maior

importância do grupo, além de afirmar a espécie e sua sobrevivência como

objeto e objetivo da ciência do comportamento, Skinner está afirmando que tal

objetivo só poderá ser atingido pela escolha do grupo, da sociedade como

meta da ciência do comportamento. Por si só, isto já justifica a importância

atribuída ao grupo, e coloca a ciência do comportamento em novo patamar -

torna-a ciência mais abrangente e ciência indispensável ao bom andamento da

cultura.

A questão do papel que teria, em seu sistema teórico, a ênfase na

cultura é pelo menos parcialmente respondida pela afirmação de que embora

quem se comporte seja o indivíduo, no caso de seres humanos, o mais

importante dos controles comportamentais ê social e, portanto, a chave para a

solução dos problemas e controle do próprio indivíduo estaria nestes controles

e na sua manipulação. Ao destacar o indivíduo como objeto de sua ciência,

Skinner o afirma como produto de variáveis ambientais (que certamente

retroagem sobre ele transformando-o) e, especialmente relevante, do ambiente

social, assumindo a necessidade de manipulação e controle não apenas do

ambiente imediato de cada indivíduo, ou do ambiente mecânico, mas do

ambiente social. O controle social, por seu turno, é exercido na sua forma mais

potente pelo grupo, tanto no controle grupai, como no controle das agencias

organizadas, o que necessariamente implica a exigência de se manipular estes


304

agentes. Entretanto, tais agentes e o controle que exercem é que compõem a

cultura, que se torna, assim, o alvo maior da ciência do comportamento,

mesmo que se assuma como seu objeto privilegiado o indivíduo.

"E sempre o indivíduo quem se comporta, entretanto, é o grupo que tem o


efeito mais poderoso. Juntando-se ao grupo, o indivíduo aumenta seu poder de
obter reforçamento." (...) "As consequências reformadoras geradas pelo grupo
facilmente excedem a soma das consequências que poderiam ser atingidas
pelos membros agindo separadamente. 0 efeito reforçador total é
enormemente aumentado." (1953b, p.312)

Deste modo, o indivíduo aparentemente tornar-se-ia quase que a

variável independente de uma ciência do comportamento e a sociedade a

grande variável dependente. Se esta interpretação for procedente, segue-se

dela que Skinner teria operado uma inversão em seu sistemas não mais o

organismo individual seria o alvo privilegiado de sua intervenção, mas o grupo,

e apenas por consequência se atingiria o indivíduo. Este teria se tornado

variável a ser manipulada para a transformação da cultura. Obviamente isto se

daria em determinados níveis e não excluiria a necessidade de tomar como

alvo também cada indivíduo a partir das variáveis ambientais que diretamente

controlam seu comportamento. Mas, mais uma vez, mesmo nestes casos, o

objeto que em última instância se buscaria transformar seria a sociedade.

Entretanto, esta inversão, ou demonstraria os problemas inerentes a uma

concepção que aborda os fenômenos a partir de uma metodologia que separa

as variáveis em dependentes e independentes, ou mostraria que Skinner não

tem uma concepção de objeto que é imune aos objetivos que se propõe.

Deste ponto de vista, poder-se-ia supor que as necessidades derivadas

do objeto de estudo seriam parâmetro para decisões também metodológicas:

no caso do comportamento humano, exigiriam uma abordagem metodológica

mais complexa. Isto é o que parece ocorrer quando do enfoque das relaçãoes
305

do indivíduo com a sociedade: torna-se impossível definir de antemão as

variáveis dependentes e independentes de seu sistema e, deste modo,

Skinner, mais que uma inversão, parece fazer uma ampliação. Toma como seu

objeto a sociedade, mas mantém no seu horizonte o indivíduo; reconhece, do

ponto de vista metodológico e conceitual, níveis de interação que não se

adequam estritamente ao padrão que vinha propondo. Assim, por exemplo,

reconhece que o poder de controle do grupo social não pode ser quantificado a

partir da soma de poder de cada indivíduo pertencente ao grupo.

Uma aparente limitação anterior do sistema parece se tornar uma sua

vantagem, uma vez que não é limitação que impede a análise do

comportamento humano, da cultura, ou mesmo, propostas nos dois níveis Sua

concepção de ciência o leva a propor como tarefa da ciência a transformação

da sociedade, e esta mesma concepção implica que se faça os ajustes

necessários para sua realização: se é que Skinner pode ser acusado de uma

concepção mecanicista de causalidade, neste caso isto não é verdade no

sentido estrito do termo, e mais importante, esta concepção parece ser

decorrência das próprias exigências de sua ciência. E como se o

compromisso maior de Skinner fosse com os objetivos que assume e não

com certas características do método que pareceriam, num primeiro

momento, se confundir com estes objetivos. Este compromisso torna

necessário assumir uma concepção de cultura com a qual possa trabalhar,

torna necessário definir a cultura e posicionar-se sobre as variáveis que a

controlariam, bem como sobre e as consequências deste controle.

0 problema de uma definição de cultura é resolvido, também, pela

ênfase no ambiente social que se torna quase sinônimo de culturas esta é


306

definida exatamente como as variáveis sociais que, conjuntamente ou não,

coerentemente ou não, atuam sobre cada indivíduo para modelar, manter,

fortalecer ou enfraquecer seu comportamento, em toda sua extensão. Trata-se

do comportamento manifesto e encoberto. Das variáveis que agem para

modelar a própria concepção de homem e de mundo que prevalecem em cada

indivíduo e no grupo. Trata-se das variáveis que controlam não apenas o

comportamento de cada um em relação a si mesmo, mas também em relação

ao outro; ao outro como indivíduo com quem mantêm relações diretas e ao

outro enquanto instituições que mediam seu comportamento. A ênfase na

cultura torna-se, pois, a ênfase na possibilidade de mudar um e cada um dos

indivíduos que a compõem.

"Um ambiente social é frequentemente dito ser a 'cultura' de um grupo."(...)


"No sentido mais amplo possível a cultura em que nasce um indivíduo é
composta por todas as variáveis que o afetam, que são arranjadas por outras
pessoas. O ambiente social é em parte o resultado daquelas práticas do grupo
que geram comportamento ético e da extensão destas práticas a maneiras e
costumes. Em parte é o resultado de todas as agencias" (..) "e de todas as sub-
agências com as quais o indivíduo pode estar em contato especialmente
próximo. A família do indivíduo, p.ex." (...) "Os grupos especiais a que o
indivíduo pertence - dos amigos, ou gang de rua, às organiganizações zações
sociais do adulto - têm efeitos semelhantes. Indivíduos particulares também
podem exercer formas especiais de controle. Neste sentido amplo, uma
cultura é, assim, enormemente complexa e extraordinariamente poderosa.
No entanto, não é unitária. Em qualquer grande grupo não há contingências de
controle universalmente observadas- Costumes e maneiras divergentes
frequentemente entram em conflito" (...) "Instituições ou agências de controle
diferentes podem operar de modos conflitantes" (...)
"Um dado ambiente social pode mudar amplamente durante a vida de um
indivíduo que, então, está sujeito a culturas conflitantes". (1953b, pp.419, 420)

Apenas esta perspectiva já seria suficiente para fortalecer a

interpretação de que Skinner não aborda o comportamento humano como

estritamente individual, como uni-determinado, ou mesmo como determinado e

não determinante. Mas Skinner sobrepõe a ela uma outra. O fato de assumir o

controle social como essencial o leva a reconhecer que as relações sociais, os

comportamentos sociais, não se estabelecem apenas entre indivíduos, mas se


307

estabelecem entre grupos, ou entre grupos e indivíduos, e que o poder de

controle de grupos é diferenciado da soma do poder de controle de indivíduos.

Este reconhecimento fortalece a perspectiva de uma ciência comprometida

com a cultura e não apenas com o indivíduo, uma vez que apenas a

compreensão do indivíduo, ou mesmo de suas relações com outro igual, não

completaria a descrição das variáveis controladoras sequer do comportamento

individual, quando mais não seja do comportamento social, e jamais

permitiriam uma des- crição abrangente da. cultura.

Ainda mais, Skinner reconhece, a partir dos diversos níveis de

organização de grupos, possibilidades diferenciadas de controle: assim,

quanto mais estruturado um grupo, maior o seu poder de controle e mais

importantes são as características que é capaz de imprimir a toda a

sociedade e a cada indivíduo- Isto o levará a não apenas propor uma ciência

que se ocupo também de desvendar as leis que regem o comportamento dos

indivíduos se comportando conjuntamente, mas a analisar a própria estrutura

social, as agências controladoras. O imenso poder de controle que delas

decorre caracteriza uma cultura, interfere em todos os padrões culturais e,

deste modo, não pode deixar de ser alvo privilegiado de sua ciência. Isto não

quer dizer que Skinner reconheça que um referencial conceitual novo e

diferente do que vinha propondo seja necessário para que se compreenda o

indivíduo socialmente inserido, ou mesmo a sociedade» Mas o simples fato de

reconhecer distintos patamares de controle implica a necessidade de

reconhecer pelo menos interações entre variáveis que são especiais e que

precisam ser consideradas na análise do comportamento humano.

Para Skinner, entretanto, uma vez que a ciência não é atividade


308

contemplativa – trata-se de analisar para intervir, trata-se de compreender para

prever e controlar - torna-se necessário estabelecer metas, a partir da análise,

que permitam a intervenção e transformação da sociedade. Como fazer isto a

partir desta concepção de sociedade? Aplicando os resultados da análise á

intervenção na própria sociedade. Entretanto, a análise revela que não é

possível mudar indivíduos, pelo menos de forma permanente e produtiva, a não

ser que se manipule as variáveis relevantes que determinam sua ação. Isto só

pode ser feito transformando-se, manipulando, toda a estrutura social.

"Todos temos interesses que estão em conflito com os interesses dos outros.
E nosso pecado original e não se pode remediar. Bem, 'os outros' é o que
chamamos 'sociedade'.E um adversário poderoso e sempre vence. Claro, uma
ou outra vez, um indivíduo prevalece momentaneamente e consegue o que
quer. As vezes, arremete contra a cultura de uma sociedade e a altera
ligeiramente em proveito próprio. Mas, a longo prazo, a sociedade acaba
ganhando, pois leva vantagem em número e idade. A quantidade vence a
unidade e o homem, a criança. A sociedade ataca cedo, quando o indivíduo
ainda está indefeso. Escraviza-o quase antes que possa superar a liberdade."
(1948c, p.107)

O reconhecimento de que os homens não interagem entre si e não se

formam no vácuo, mas dentro da cultura, e o reconhecimento de que esta

prevalece sobre o indivíduo, até mesmo apesar do indivíduo, tornam ainda

mais importante que se busque, mesmo que para alterar condições individuais,

transformar a sociedade. Como já se esclareceu, para Skinner, qualquer

transformação efetiva e eficiente do comportamento humano depende de que

seja feita segundo padrões advindos da ciência natural. A ciência do

comportamento torna-se, portanto, uma ferramenta indispensável para a

transformação da sociedade e, uma vez que se reconheça esta condição,

permite o seu estudo e a sua manipulação. O grupo torna-se, assim, meta de

intervenção da ciência não apenas porque detém, em suas várias formas, o

controle mais relevante do comportamento individual, tanto em termos de


309

repertório adquirido como mantido, como também porque é sua sobrevivência

que garante a sobrevivência de cada indivíduo e das suas próprias práticas

controladoras, garantindo assim a sobrevivência da espécie.

"A importância primeira do ambiente vagarosamente vem sendo reconhecida


por aqueles preocupados em mudar o quinhão da humanidade. E mais efetivo
mudar uma cultura do que um indivíduo, porque qualquer efeito sobre o
indivíduo como tal será perdido com sua morte. Desde que as culturas
sobrevivem por períodos muito mais longos, qualquer efeito sobre elas é
mais reforçador." (...) "Presumivelmente, a ênfase na cultura aumentará á
medida que a relevância do ambiente social para o comportamento do
indivíduo tornar-se mais clara. Poderemos, então, achar necessário mudar de
uma filosofia que enfatiza o indivíduo para uma que enfatiza a cultura ou o
grupo. Mas as culturas também mudam e perecem, e não devemos esquecer
que são criadas pela ação individual e só sobrevivem através do
comportamento de indivíduos.
A ciência não coloca o grupo ou o estado acima do indivíduo, ou vice-versa."
(...) "Ao analisar a determinação da conduta humana escolhemos um elo
conspícuo numa cadeia causal mais longa." (...) "No entanto, isto não justifica
que atribuamos a qualquer coisa ou qualquer pessoa o papel de primeiro
motor- Embora seja necessário que a ciência se restrinja a segmentos
selecionados numa série contínua de eventos, é em relação a toda a série que
qualquer interpretação deve ser aplicada." (1953b, pp.448, 449)

Apesar do reconhecimento de que a cultura se faz através do indivíduo e

de que, neste sentido, não é possível assumir uma precedência ontológica da

sociedade sobre o indivíduo, Skinner assume o grupo, ou melhor, a cultura

como o elo mais poderoso e mais importante para intervenção da ciência. E o

faz baseado no suposto de uma maior longevidade desta. A cultura torna-se

alvo da ciência do comportamento não apenas porque as formas de controle

dela derivadas são mais poderosas, mas também porque é nela que um

controle, eficiente ou não, que gera cidadãos produtivos ou não, se perpetua.

Se não é possível atribuir-lhe anterioridade ontológica, Skinner certamente

atribui á cultura uma relevância que tem contornos ontológicos. Ainda assim o

controle do comportamento individual é assegurado como o caminho pelo qual

se erige a cultura. E isto não é pouco: significa que o comportamento individual

será afetado pela ciência do comportamento, deverá se adequar a suas


310

exigências, e, mais ainda, será a base sobre a qual se avaliará, de muitos

pontos de vista, a própria cultura e a prática científica.

Assim, Walden II apenas antecederia uma proposta que está no cerne

das preocupações de Skinner e que reaparece em Science and Human

Behavior: a psicologia, ou melhor, a ciência do comportamento, atuaria sobre o

indivíduo principalmente como meio de agir sobre a cultura. Esta ação garantirá

aquele que deveria ser o objetivo maior de todo empreendimento humano: a

sobrevivência. E esta atuação é a única que trará uma nova qualidade a este

empenho: porque permitirá que se considere a sobrevivência do grupo e não

apenas do indivíduo, que se ultrapasse o limite do acaso na determinação das

práticas culturais, e porque, com isto, possibilitará uma nova qualidade a esta

sobrevivência, aumentando inclusive as probabilidades de sobrevivência

individual.

"A longo prazo, o controle mais efetivo do ponto de vista da sobrevivência


provavelmente será baseado nas estimativas mais confiáveis do valor de
sobrevivência das práticas culturais. Desde que uma ciência do comportamento
se ocupa em demonstrar as consequências das práticas culturais, temos
alguma razão para acreditar que uma tal ciência será uma marca essencial da
cultura ou culturas que sobreviverem. Seguindo apenas este critério, a cultura
atual que é mais provável de sobreviver é, portanto, aquela na qual os métodos
da ciência são mais efetivamente aplicados aos problemas do comportamento
humano.
No entanto, isto não significa que os cientistas estão se tornando governantes
auto-indicados." (...) "A ciência também não é livre. Não pode interferir no curso
dos eventos; ela simplesmente é parte deste curso. Seria bastante
inconsistente que eximíssemos o cientista da descrição da ciência do
comportamento em geral. No entanto, a ciência pode fornecer uma descrição
do tipo de processo do qual ela mesma é um exemplo." (...) "Nos descobrimos
membros de uma cultura na qual a ciência floresceu e na qual os métodos da
ciência passaram a ser aplicados ao comportamento humano. Se, como parece
ser o caso, a cultura deriva força deste fato, é uma predição razoável a de que
uma ciência do comportamento continuará a florescer e a de que a nossa
cultura fará uma contribuição substancial para o ambiente social do futuro."
(1953b, p.446)

A sobrevivência como objetivo para análise e intervenção na cultura

exige que se tome como medida as consequências das práticas que


311

possibilitariam ou não a continuidade da espécie. Trata-se, então, para Skinner,

de apenas trazer para este novo patamar uma prática quE tem caracterizado a

análise do comportamento dos organismos em geral. Apenas aquela forma de

ver o mundo que descobriu e enfatizou que o comportamento é controlado por

suas consequências poderia transferir este conhecimento, agora para os

organismos enquanto espécies. E apenas aquela forma de ver o mundo que

assume que o ambiente é composto de forças naturais, mas não

necessariamente mecânicas, carregaria consigo a possibilidade de transformar

esta descoberta em uma forma de interpretar e intervir no ambiente social para

garantir a própria sobrevivência. Esta, além de objetivo, se torna critério que

daria o aval para a intervenção e que pemitiria uma avaliação dos seus

resultados.

Esta mesma concepção de mundo exige que se mantenham vivas,

tornem-se sobreviventes, antes de tudo os modos de controle, uma vez que

estes é que determinam o comportamento social, individual ou grupai. Trata-se

então de garantir as contingências que constituem a própria cultura, e não

meramente padrões comportamentais. Estes são definidos através da

contingência, portanto, das relações dos organismos com o ambiente. A

identificação das contingências que compõem uma cultura e a sua

manipulação, tornam-se o cerne de uma ciência do comportamento que não

enfatiza os padrões culturais em si, assim como não enfatiza as topografias

das respostas. As contingências sociais são a própria cultura e, assim, o

controle da cultura permitirá a sobrevivência da espécie. Em termos de

funcionalidade, a cultura - as contingências - deveria garantir a satisfação das

necessidades de seus membros e um impulso para tratar dos problemas


312

existentes, permitindo uma nova qualidade de vida.

Tais capacidades, elas mesmas práticas culturais, são o que a ciência

tem a oferecer. Esta, por sua vez, é parte da cultura: seu produto é uma prática

concreta. Isto levanta um problema: se a ciência é uma prática cultural, o que a

tornaria tão especial como ferramenta de transformação do homem e, por

consequência, da própria cultura? Skinner, mais uma vez, apresenta à primeira

vista uma explicação que parece justificar sua existência, seu papel e sua

permanência como prática, mas que não é capaz de justificar seu surgimento.

Ao afirmar o próprio cientista como produto cultural pode justificar a

permanência da prática cientifica em termos de suas consequências. Mas, não

pode escapar da acusação de que atribui á ciência o caráter de neutralidade,

uma vez que apenas a própria historicidade de sua inserção social permitiria

que se ponderasse sobre seus compromissos. Skinner parece preferir lidar

apenas com o fato consumado de que se esta existe e permanece é porque é

ferramenta efetiva que fortalece a possibilidade de sobrevivência e, assim, a

torna despida de qualquer conteúdo passível de avaliação, que não uma

avaliação objetiva de seus resultados. Ao cientista, consequentemente, se

atribui a mesma objetividade.

Permanece, entretanto, a necessidade de justificar as características

desta prática que lhe garantem tamanha eficiência e relevância. Skinner

argumenta em duas direções: a primeira de ordem metodológica e a segunda

de ordem conceitual.

A metodologia desenvolvida por uma ciência do comportamento

permitiria que se abordasse até mesmo os intensamente complexos problemas

culturais. Os fenômenos complexos são vistos como dificilmente


313

compreendidos sem um entendimento anterior dos fenômenos simples que os

compõem. E apenas de uma postura analítica - que supondo que o mesmo

conjunto de leis governa todos os fenômenos — que permitiria, em primeiro

lugar, a descrição de fenômenos simples, que surgiria a possibilidade de

enfrentar eficientemente os fenômenos complexos. Portanto, é a ciência capaz

de pela análise desvendar fenômenos simples, que é afirmada como capaz de

desvendar os complexos fenômenos ditos culturais ou sociais. O método

cientifico garantiria, assim, uma possibilidade que pode não estar contida em

outras formas de interpretação e intervenção.

"Situações práticas quase sempre são mais complexas que as de laboratório,


já que contêm muito mais variáveis e muitas que são frequentemente
desconhecidas. Este é o problema especial da tecnologia se comparada com a
ciência pura. No campo do comportamento humano, particularmente no
planejamento da cultura, devemos reconhecer uma espécie de complexidade
em face da qual não é possível manter o rigor de uma ciência de laboratório.
Mas isto não significa que a ciência não pode contribuir para a solução de
problemas cruciais. Está no espirito da ciência insistir na observação
cuidadosa, na coleta de informações adequadas, e na formulação de
conclusões que contêm um mínimo de vontade. Tudo isto é tão aplicável a
situações complexas quanto a simples." (1953b, pp.434, 435)

Mas há mais um aspecto relativo á concepção metodológica de ciência

que permitiria a afirmação de que esta é ferramenta privilegiada de intervenção

social. Uma metodologia que torna possível revelar objetivamente os fatos e as

leis que os regem é vista como o único meio de se tratar de problemas que são

extremanente complexos. Uma metodologia que vai além de uma avaliação

subjetiva, e no mais das vezes incompleta, dos fenômenos é tida como a única

alternativa para que se possa libertar das amarras dai decorrentes: a única

atividade humana que detém esta metodologia é a ciência, uma vez que esta

se estabelece quase que como uma atitude perante os fatos. A ciência

básica é tornada assim importante, não apenas pelos conceitos que dela se

originam, mas por gerar uma prática, um modo de analisar e de intervir no


314

mundo que garante uma real possibilidade de nele intervir. E uma ciência que

toma por objeto o próprio homem é vista como a única capaz de desvendar as

leis da formação e do controle social.

Esta atitude perante os fenômenos da realidade, construída a partir do

laboratório, associada a uma concepção de objeto que prevê universalidade

nas leis que regem os fenômenos, permitiria que sejam identificados, na

realidade, os processos que não poderiam ser percebidos sem este treino e

esta concepção. A ciência básica é tornada pré-requisito para a ciência

aplicada e para o manejo das condições sociais não apenas do ponto de vista

conceitual, mas também metodológico. Por seu turno, a ciência aplicada e a

transformação da cultura tornam-se claramente critérios de avaliação da prática

científica, agora também num novo patamar: a ciência precisa tornar-se

ferramenta de intervenção na cultura para que possa sobreviver como prática

cultural, e apenas sobrevivendo se demonstra efetiva.

<A ciência também auxilia porque) "Uma demonstração dos processos


comportamentais básicos em condições simplificadas nos permite ver o
funcionamento destes processos nos casos complexos, mesmo que não
possam ser rigorosamente tratados ali." (...) "E tarefa da ciência tornar claras
as consequências de várias operações realizadas sobre um sistema. Só
quando tenhamos visto estas consequências claramente estabelecidas, é
provável que sejamos influenciados por sua contrapartida em situações
complexas." (1953b, p.435)

Conceitualmente, são as possibilidades de análise do comportamento a

partir de suas consequências imediatas que permitirão que se os analise a

partir de suas consequências a longo prazo. A ciência, inicialmente

apresentada como uma limitação para a análise do comportamento em

situação natural, garantiria a possibilidade de que se preveja e controle o

comportamento em toda sua plenitude. O imediato é usado como critério

apenas por aqueles que não podem entender os controles reais a que está
315

subsumido todo comportamento e apenas a ciência, por realmente descrever

as relações do comportamento com o ambiente, poderia permitir que se

considere as determinações, ou melhor, as consequências não imediatas do

comportamento. Apenas porque conceitualmente a ciência do comportamento

expressa como lei o fato de que o comportamento é controlado por suas

consequências, que estas consequências podem ser mediadas por outros

organismos, que as relações entre o que o organismo faz e o ambiente são

determinantes da aquisição e manutenção de padrões comportamentais, é que

tais relações podem ser analisadas e manipuladas objetivamente de modo a

que se considere de antemão seus resultados. O esquema conceitual da

ciência do comportamento permitiria, assim, que se caminhe da mera

constatação do que é para a construção do que poderia ser e, neste percurso,

permitiria que se considere de antemão o que até então esteve aquém do

controle humano: a sobrevivência da espécie.

"As contingências observadas no ambiente social explicam facilmente o


comportamento do indivíduo conforme. O problema é explicar as contingências.
Algumas delas são arranjadas por razões que não têm conexão com os efeitos
dos costumes ou maneiras sobre o grupo. A comunidade funciona como um
ambiente reforçador no qual certos tipos de comportamento são reforçados e
outros punidos, mas é mantida assim por outros benefícios que recebe em
troca." (...) "Assim, quando um costume é perpetuado por uma agência
governamental, religiosa, ou educacional podemos apontar os benefícios
usuais que recebe em troca." (1953b, p.416)

Estes aspectos são importantes para o argumento de Skinner de que

apenas a ciência do comportamento pode construir um referencial teórico que,

apesar de fundado em uma metodologia analítica, permite ao homem

compreender as determinações do comportamento em toda sua extensão. Isto

se tornaria a condição necessária para o planejamento da cultura sobre novas

bases: não mais se trata de criar controles ou estruturas fundados nas

necessidades imediatas daqueles que detêm o controle imediato. Trata-se de


316

superar este limite, gerando a condição para que se planeje controles que são

os mais adequados para a sobrevivência a longo prazo do grupo todo.

Certamente esta possibilidade carrega consigo o pressuposto de que as leis

que regem os fenômenos, os comportamentos, as práticas sociais, mais

diversos são exatamente as mesmas. Trata-se de desvendar, portanto, estas

leis. Assim é possível libertar—se do controle imediato, seja enquanto

interpretação das causas de um fenômeno, seja enquanto possibilidade de

intervenção.

"Uma ciência do comportamento rigorosa torna efetivo um tipo de


consequência remota, quando nos leva a reconhecer a sobrevivência como um
critério na avaliação de uma prática controladora." (...) "pode nos levar a resistir
a exigências mais imediatas de liberdade, justiça, conhecimento, ou felicidade,
ao considerar as consequências a longo prazo da sobrevivência." (1953b,
pp.435, 436)

Isto poderia levar à suposição de que Skinner dissolveria o indivíduo,

tonando-o apenas variável a manipular, e variável que é exatamente idêntica

em qualquer circunstância. Não se trata disto. Até mesmo o reconhecimento de

que, através da intervenção cientifica, a cultura poderia ser levada a preterir as

vantagens imediatas em troca de vantagens a longo prazo, já apontaria para a

concepção de que os indivíduos, se não são autônomos, são organismos

capazes de escolher entre alternativas de ação e que podem, até mesmo,

mudar qualitativamente a si mesmos em função do conhecimento das

consequências de suas ações. Por si só isto demonstraria um certo grau de

liberdade do homem, pelo menos como liberdade da necessidade imediata.

Pode parecer estranho, mas poder-se-ia dizer que Skinner vê na ciência, que

reduz o homem a ser natural, a possibilidade de transformá-lo em algo mais

que mero produto da natureza.

Não seria correta, desta perspectiva, a suposição de que os indivíduos


317

tornam-se seres idênticos, absolutamente difusos no processo social: o que

Skinner parece defender é apenas que a manipulação de certas variáveis —

que são importantes e que tornam os indivíduos iguais do ponto de vista dos

processos comportamentais a que estão submetidos - precisa ser efetuada, até

mesmo como forma de permitir que aquelas condições que garantiriam a

individualidade de cada um pudessem ser exploradas em seu limite máximo.

Esta seria mais uma característica cultural desejável que a abordagem

científica da cultura universalizaria: o reconhecimento de que os indivíduos têm

potencial idades que podem e devem ampliar as chances de sobrevivência do

grupo e que, como tal, devem ser maximizadas na cultura.

"Frequentemente se diz que 'a natureza humana é a mesma em qualquer


parte'. Isto pode significar que os processos comportamentais são os mesmos
onde quer que sejam encontrados" (...) "Tal afirmação pode ser tão correta
como a de que a respiração, digestão e reprodução são as mesmas em
qualquer parte. Sem dúvida há diferenças pessoais nas taxas em que várias
mudanças nestas áreas acontecem, mas os processos básicos podem ter
propriedades relativamente constantes. A afirmação também pode significar
que as variáveis independentes que determinam o comportamento são as
mesmas em qualquer parte, e este é um outro problema. O aparato genético
difere grandemente e é provável que os ambientes tenham mais diferenças que
semelhanças que em grande parte podem ser atribuídas a variáveis culturais.
Naturalmente, o resultado é um alto grau de individualidade." (1953b, pp.421,
422)

Assim, a ciência natural, exatamente por descrever os processos

comportamentais genéricos, permitiria que a cultura, a um só tempo, atendesse

às necessidades do grupo e do indivíduo. Isto, de um lado, tornaria quase que

sem sentido um suposto antagonismo entre visões de mundo que privilegiariam

o indivíduo ou o grupo, sempre em detrimento um do outro, uma vez que, ao se

atender adequadamente as necessidades do grupo, por consequência, se

garantiriam condições muito mais apropriadas ao desenvolvimento individual.

De outro lado, isto traz um novo argumento em defesa, não apenas da

legitimização da ciência do comportamento, como também de sua ênfase na


318

cultura, uma vez que é o critério da sobrevivência, trazido à tona pela ciência,

que torna indissolúveis os laços entre indivíduo e grupos a sobrevivência do

grupo depende da sobrevivência do indivíduo, pelo menos no sentido da

transmissão de certas práticas culturais; ao mesmo tempo, é apenas através

do grupo que o indivíduo pode sobreviver e perpetuar-se.

Mas a afirmação da sobrevivência como parâmetro para a intervenção

na sociedade levanta o problema de que se introduziria assim um valor contra

o qual medir o sucesso da ciência e da cultura. Skinner pretende resolver a

questão afirmando que valores, entendidos como explicitação de

contingências, ou mesmo como instruções, não podem ser assumidos como

alheios a uma ciência do comportamento. Pelo contrário, uma sociedade

tecnicamente gerida possivelmente, não só não os escamotearia, como faria o

melhor uso possível deste tipo de interpretação da questão do valor: torná-los-

ia explícitos e aumentaria a chance de que fossem respeitados pelo grupo

todo.

Não e verdade que afirmações que contêm 'deveria' ou 'deve' não tem lugar no
discurso científico. Há pelo menos um uso para o qual uma tradução aceitável
pode ser feita. Uma sentença que começa com 'Você deve' é frequentemente
uma predição de consequências reforçadoras. " (...) "Naturalmente, além disto,
a palavra 'deve' desempenha um grande papel no controle exercido pelo grupo
ético e pelas agências governamental e religiosa." (...) "Este uso exortatório
pode ser explicado da maneira usual. Nada mais é do que um comando
escondido e não tem mais conexão com um julgamento de valor do que com
uma afirmação de fato. A mesma interpretação é possível quando as
consequências reforçadoras são de natureza ética." (1953b, pp-428, 429)

O que Skinner parece negar é a existência de valores entendidos como

normas que deveriam ser seguidas por um dado grupo por razões de natureza

subjetiva, ou porque conteriam verdades absolutas e que, neste sentido, se

constituiriam em práticas que independeriam das contingências das quais

surgiram e se sustentam. Como ele mesmo afirma, não é o campo da valores


319

que é abandonado pela ciência, uma vez que esta reconheceria a necessidade

de se estabelecer práticas que aumentariam a probabilidade de certos padrões

comportamentais, tendo em vista pelo menos a sobrevivência da espécie. O

que a ciência permite e exige que se abandone são as velhas pré-concepções

de que o homem segue padrões morais ou éticos que em certo sentido seriam

absolutos e por isto deveriam ser respeitados.

Mas há mais uma interpretação do que é valor que parece ser

incorporada à proposta skineriana e que parece ser passível da mesma crítica

desfechada contra as concepções tradicionais. Não são tidos como valores

fatos científicos, mesmo que estes se tornem critérios para decidir cursos de

ação com o objetivo de instalar ou manter padrões comportamentais.

Princípios científicos, mesmo que sejam a base de planejamento e de

avaliação da intervenção na cultura, não seriam valores no sentido de normas

éticas ou morais, uma vez que seriam apenas conjuntos de leis objetivas

aplicadas a situações concretas. O valor da sobrevivência é justificado deste

modos este dirige a ação sobre a cultura não porque esta é uma meta extra-

científica, mas porque é da prática cientifica que se deriva a lei da

consequenciação como modelo de controle dos padrões comportamentais

culturais, assim como da ciência se derivou a noção de que as consequências

tornam sobreviventes certas mutações em detrimento de outras- (Assim, por

exemplo, o valor de que uma sociedade deveria apenas utilizar de controle

positivo também é justificado deste modo.)

(...) "defendemos um modo de vida que acreditamos ser superior a outro,

listando aquelas características que nos são imediatamente reforçadoras e que

chamamos de eticamente ou moralmente boas; mas ao avaliar um experimento


320

cultural particular devemos, ao invés disto, nos perguntar se aquele modo de

vida é o mais efetivo no desenvolvimento daqueles que o seguem.

Princípios morais e éticos indiscutivelmente têm sido valiosos no planejamento


de práticas culturais." (...) "No entanto, o valor de sobrevivência de qualquer
conjunto dado, não é garantido desta forma. O que a ciência pode nos dizer
sobre o efeito de uma dada prática sobre o comportamento, e sobre o efeito
daquele comportamento sobre a sobrevivência do grupo, pode levar mais
diretamente ao reconhecimento da força última do governo no sentido mais
amplo. Eventualmente a pergunta deve ser feita em relação à humanidade em
geral." (...) "Se uma ciência do comportamento pode descobrir aquelas
condições de vida que trazem a forca última dos homens, ela pode prover um
conjunto de 'valores morais' que, por- que são independentes da história e
cultura de qualquer grupo dado, podem ser geralmente aceitos." (1953b, p.445)

Uma vez que se atribui ao empreendimento cientifico a possibilidade e a

capacidade, não apenas de determinar os melhores modos deação para

garantir a sobrevivência, mas também a própria condição parasua observância,

a universalização da ciência como modo de controle da cultura parece se

tornar um valor exatamente no sentido em que Skinner os nega. Mais ainda, ao

afirmar a possibilidade de que surjam da ciência conjuntos de normas e

consequentes padrões culturais que garantiriam a observância destas normas,

Skinner não só admite valores, como também explicitamente os afirma como

passíveis de se tornarem universais e ahistóricos. O que a ciência propiciaria,

em última instância, para o planejador cultural, seria exatamente um conjunto

de valores contra os quais planejar a cultura e avaliar a eficiência de seu

planejamento.

No entanto, Skinner não reconhece este aspecto de sua proposta e

afirma que uma sociedade cientificamente dirigida, exatamente porque é capaz

de criar padrões que independem da história e de condições conjunturais, seria

livre de valores. O problema, parece, ser que Skinner confunde o que é

historicamente dado com relativismo, e o que é conjunturalmente necessário

com dispensável. Como consequência, de um lado, defende efetivamente


321

valores que se recusa a reconhecer como tais, afirmando a sua concepção

como uma concepção de mundo neutra- De outro lado, apresenta como

vantagem exatamente aquilo que parece mais claramente caracterizar os

valores, quando vistos da forma mais retrógrada possível: a universalidade e

atemporalidade como critérios positivos e desejáveis. O que Skinner não

parece perceber é que justamente onde poderia estar a força de sua proposta

se encerra uma fraquezas ao não levar ás últimas consequências aconstatação

de que sua ciência poderia lidar com os mais graves problemas humanos

porque reconhece as determinações ambientais e sociais do comportamento -

o que implicaria o reconhecimento de que as práticas derivadas da ciência do

comportamento também seriam socialmente determinadas - parece excluir

destas determinações o que assume como alguns dos princípios básicos de

sua ciência. Esta exclusão permite que se admita o que se poderia chamar de

meta-valores da cultura: regras de ação que são verdadeiras em quaisquer

circunstâncias e que são critério para avaliar qualquer cultura. Tudo isto torna

mais difícil a aceitação de sua proposta- E a própria previsão, não realizada, de

que o simples desenvolvimento da ciência do comportamento necessariamente

levaria a uma aceitação generalizada de seus pressupostos, deveria servir

como índice de alguns dos problemas implícitos em sua concepção.

"A ciência nos ajuda a decidir entre alternativas de ação, ao tornar as


consequências passadas efetivas na determinação de conduta futura." (...) "A
experiência formalizada da ciência adicionada á experiência prática do
indivíduo num complexo conjunto de circunstâncias, oferece a melhor base
para a ação efetiva. O que é deixado não é o campo do julgamento de valor, é
o campo da adivinhação. Quando não sabemos, adivinhamos. A ciência não
elimina a adivinhação, mas ao restringir as alternativas de ação nos ajuda a
adivinhar mais efetivamente. " (1953b, p.436)

Skinner parece, entretanto, ter alguma consciência de que a alternativa

que propõe para a cultura não é completamente objetiva e despida de certos


322

valores. Mas é possivelmente como consequência de sua concepção de

ciência, que mais uma vez se escora no critério da eficiência - empiricamente

demonstrada - das práticas sugeridas, como critério maior para avaliação dos

princípios gerados por uma ciência do comportamento para a gestão da

cultura. A eficiência dirimiria qualquer problema a respeito do 'status' - de valor

ou de lei natural — das práticas culturais cientificamente derivadas. Por mais

esta via, a aplicação dos princípios científicos à cultura torna-se critério de

avaliação da própria ciência, além de alternativa para a humanidade

enquanto espécie. Mais uma vez, pode—se perceber na concepção skinnriana

uma relação muito especial entre a ciência básica e a tecnologia dela derivada:

a tecnologia torna-se critério de avaliação daquilo que é até mesmo definido

como lei cientifica e uma vez que as leis que compõem um sistema teórico só

poderiam ser testadas globalmente, apenas a intervenção na cultura como um

todo seria teste metodologicamente indiscutível da ciência do comportamento.

E por esta via que se pode compreender a importância que Skinner

atribui á experimentação e ao planejamento da cultura, e, até mesmo, a sua

afirmação de que estes não são valores no sentido tradicional do termo.

Apenas porque são os caminhos possíveis para algo mais do que a construção

de uma sociedade melhor, porque se constituem também em única alternativa

para o teste da teoria, é que seriam tão essenciais à proposta skinneriana.

Quando Skinner afirma o planejamento da cultura também como prática

a ser explicada pela própria ciência, a um só tempo atribui a uma prática que é

essencial à sua proposta o caráter de fato natural - submetido à lei e portanto

manipulável segundo os padrões científicos - e atribui a esta prática a

possibilidade de se tornar marca social que por sua mera existência assegura a
323

objetividade de sua proposta de uma gestão cientifica da sociedade.:

"A manipulação deliberada de uma cultura é, portanto, ela mesma uma


característica de muitas culturas - um fato a ser explicado numa análise
cientifica do comportamento humano. Propor uma mudança numa prática
cultural, fazer tal mudança e aceitar tal mudança são, todas elas, partes do
nosso objeto de estudo. Embora esta seja uma das atividades humanas mais
complexas, o padrão básico parece claro. Uma vez que uma característica do
ambiente tenha mostrado um efeito sobre o comportamento humano que é
reforçador, seja em si mesmo, ou como fuga de uma condição mais
aversiva, a construção de tal ambiente é tão facilmente explicável como
acender um fogo ou fechar uma janela quando o quarto está ficando frio."
(1953b, p.427)

Se o próprio planejamento pode ser cientificamente explicado e

planejado, se o planejamento é submetido ás mesmas leis que os outros fatos

da vida cultural, então deve se tornar característica das culturas bem

sucedidas, tanto porque demonstraria a correção das leis que o regem, como

porque garantiria a sobrevivência da cultura, por consequência da ciência e da

teoria.

"Quando falamos do planejamento 'deliberado' de uma cultura, queremos dizer


a introdução de uma prática cultural 'por causa de suas consequências'." (...)
"nunca é uma consequência futura que é efetiva. Uma mudança na prática é
feita porque mudanças semelhantes tiveram certas consequências no
passado." (...) "Podemos entender melhor o planejador cultural, não
adivinhando os seus objetivos ou lhe pedindo que os adivinhe para nós, mas
sim estudando os eventos ambientais anteriores que o levaram a defender uma
mudança cultural." (1953b, p.428)

Entretanto o planejamento da cultura, assim como o planejamento de um

experimento cientifico, exige a experimentação: o controle e a manipulação

deliberada de variáveis. A ciência, que só pode se constituir por esta via, só

pode ser testada por ela. A cultura, que se torna o experimento maior de uma

ciência do comportamento, passa a também depender do teste experimental.

Isto significa que apenas quando o experimentar se tornar uma característica

cultural será possível avaliar cada prática cultural, os princípios que informam

tal prática e os resultados que se previram a partir deles. Associada ao

planejamento, a experimentação torna-se mais que uma prática que aumenta a


324

possiblidade de sobrevivência da cultura, torna-se um critério de avaliação da

própria ciência: como método e como produto.

"Talvez a maior contribuição que uma ciência do comportamento pode fazer


para a avaliação das práticas culturais é uma insistência sobre a
experimentação. Não temos razão para supor que qualquer prática cultural está
sempre certa ou errada de acordo com algum principio ou valor a despeito das
circunstâncias, ou que em qualquer momento pode se fazer uma avaliação
absoluta de seu valor de sobrevivência." (1953b, p.436)

Em Walden II, assim, a partir da noção de que a ciência é a única via

objetiva de solução dos problemas humanos e de que toda boa ciência é

experimental, a experimentação torna-se traço indispensável no cotidiano de

toda a comunidade, condição para o seu bom andamento. Serve também como

divisor de águas com outras comunidades planejadas, como as comunidades

religiosas:

"'Walden II' não é uma comunidade religiosa. Difere quanto a isso de todas as
comunidades razoavelmente estáveis do passado. Não damos nenhum treino
religioso a nossas crianças, se bem que os pais podem dá-lo se quiserem.
Nossa concepção de homem não é extraída da Teologia, mas do exame
cientifico do próprio homem. E não reconhecemos verdades reveladas sobre o
bem e o mal nem as leis ou os códigos de uma sociedade bem sucedida.
O fato é simplesmente que as práticas religiosas que nossos membros
trouxeram a 'Walden II' decaíram pouco a pouco, como o beber e o fumar." (...)
"Não necessitamos de religião formal, nem com ritual, nem como filosofia."
(1948c, p.201)

O princípio da experimentação torna-se não apenas a garantia de que a

comunidade é cientificamente gerida, mas também o aval para que se critique

outras formas de controle social, como, por exemplo, a religião. Ou seja, como

norma e como atitude, a experimentação defende a sociedade e a cultura dos

perigos não apenas da ineficiência, mas também, e isto é muito importante, do

dogmatismo, da miopia na identificação dos problemas sociais e das suas

soluções. E neste sentido que a mesma atitude experimental é usada para que

Skinner se posicione contra o uso da propaganda:

"Você não pode fazer propaganda e experimentar ao mesmo tempo. Construir


uma atitude a favor de 'Walden II' disfarçaria sintomas que são absolutamente
325

essenciais aos nossos psicólogos. Felicidade é um de nossos indicadores e


nós não poderíamos avaliar uma cultura experimental se um dos indicadores
estivesse influenciado pela propaganda. Não queremos conseguir gerar
satisfação de qualquer jeito; queremos a coisa real- 'Walden II' deve ser
naturalmente satisfatório." (1948c, p.211)

Aqui é apresentado mais um argumento em defesa da atitude

experimental em Walden II: de que ela impede o mascaramento dos dados de

realidade e torna-se, assim, indispensável para aferir o sucesso das técnicas

empregadas pelo grupo social para seu próprio beneficio. Ao argumentar que

não é possível comparar as comunidades religiosas com 'Walden II', Skinner

afirma sobre elas:

"A maioria foi, economicamente, um sucesso. Algumas falharam porque os


membros não puderam resistir à tentação de dividir o saque e poucas ainda
sobrevivem. Mas o ponto crucial é o controle psicológico e a respeito disso
sabemos muito pouco. Uns poucos fatos, sim, mas um retrato adequado não."
(...)
"Mas não sabemos realmente o que eles fizeram ou ainda porque falharam.
Por outro lado, sabemos porque a coisa certa provavelmente deixou de ser
feita. O padrão cultural era geralmente, considerado como verdade revelada e
não como questão aberta a modificações experimentais — exceto quando
obviamente errado. A comunidade não era montada como um experimento
real, mas antes para pôr em prática alguns princípios. Esses princípios quando
não revelados por Deus, provinham de uma filosofia de perfeccionismo.
Geralmente, o plano era afastar-se do governo e permitir à virtude natural do
homem sua afirmação. O que mais pode querer para explicar um fracasso?"
(1948c, pp.159, 160)

Mais uma vez, se esclarece que Skinner considera fundamental para a

própria sobrevivência do grupo que se mantenha uma atitude experimental:

esta não apenas permitiria avaliar o que está certo ou errado, mas permitiria

principalmente que se o percebesse cedo e que se descobrisse as soluções

para o problema, o que de outro modo seria impossível. A atitude experimental

adquire também importância por seu papel quase profilático, por seu papel na

prevenção de problemas, pelo menos antes que se tornem insolúveis.

Mas a principal justificativa de Skinner, que é coerente com sua visão de

ciência, é de que a atitude experimental não ensina a resposta, mas os meios


326

de obter respostas, uma vez que estas sejam necessárias; dai sua relevância.

A experimentação permite assegurar a sobrevivência do grupo porque permite

que o grupo se defronte com dificuldades, certo de que poderá superá-las: o

que só aconteceria por se ter confiança de que as respostas para os

problemas, seja qual for a sua ordem, estão indiscutivelmente na ciência que,

através da experimentação, tem em suas mãos o código para ler a natureza.

Este é o espirito que anima afirmações como a que se segue, quando Frazier

discute a possibilidade de usar a propaganda contra Walden II:

"Poderemos vir a fazer isso!" (...) "Com a intenção de testar a cultura.


Deveríamos fazer isso com cuidado, naturalmente, mas se pudéssemos
mostrar que nossos membros preferem a vida em 'Walden II' diante de uma
considerável doutrinação contra ela, seria o melhor testemunho possível de
que alcançamos uma estrutura social segura e produtiva. Pararíamos a contra-
propaganda, é claro, depois de terminado o teste." (1948c, p.211)

No entanto, a pretensa objetividade que teria o critério da

experimentação como norma para o bom funcionamento da cultura é abalada

pelo próprio argumento de Skinner quando se atenta para os contra exemplos

de que se utilizas o controle religioso e a propaganda. Estes são afirmados

como formas eficientes de controle social, tanto quando diz que as

comunidades religiosas foram bem sucedidas, como quando discute a própria

possibilidade de usar da propaganda para testar o acordo dos cidadãos em

relação à sua cultura. A única possibilidade de demonstrar, portanto, a real

necessidade de uma atitude experimental estaria na sobrevivência e

crescimento da cultura construída sobre estas bases ( e o fato de as

comunidades religiosas não atenderem a este critério não é condição suficiente

para confirmar sua posição). Mesmo desconsiderando as dificuldades de tal

teste, Skinner não parece considerá-lo necessário e assume a atitude

experimental como necessária, portanto, de maneira quase apriorística,


327

embasado apenas em seu sucesso quando aplicada á ciência básica- Do

mesmo modo que aqueles convencidos de que a política é o caminho de

solução dos problemas humanos tenderão a preservar, como critério e valor,

atitudes e padrões comportamentais que parecem ser os mais produtivos em

direção à obtenção e ao fortalecimento de seu modelo de sociedade, Skinner

acaba por estender e defender um principio da investigação científica para a

vida em sociedade, como marca de sua forma de organização.

Toda a argumentação envolvendo a cultura e suas relações com a

ciência do comportamento parece, assim, levar a duas grandes ordens de

considerações. A primeira, de que a ciência do comportamento - e a

experimentação - permanece sendo via privilegiada, único instrumento eficiente

para a transformação da cultura. A segunda, até mesmo como consequência

da primeira, que a sobrevivência da cultura, e assim da espécie, deve manter-

se no horizonte do planejador cultural. A gerência científica e a sobrevivência

tornam-se parâmetros para a intervenção e para a avaliação desta intervenção

na cultura, são, assim, meta-valores, aspiração maior, tarefa e medida do

planejador cultural e da cultura.

Mas, mesmo que se admita esta interpretação, uma análise mais

cuidadosa não elimina a presença de outros possíveis valores na proposta

skinneriana- São os valores da igualdade, da felicidade e até mesmo da

liberdade. A igualdade é requisito para a aplicação exclusiva de controle

positivo, a liberdade e a felicidade são o resultado desta aplicação. Poder-se-ia

supor que estas condições são trazidas para o campo da ciência, como

critérios de avaliação da cultura, por razões externas ao sistema skinneriano.

Entretanto, idiscutivelmente, pode-se encontrar uma outra possibilidade de


328

interpretação: estes seriam requisitos de um postura que mantém o indivíduo

como agente social, como ser que se comporta, como sujeito de intervenção. E

no indivíduo, afinal de contas, que se expressam os resultados da intervenção

e por isto este se mantém como parâmetro: sobrevivem, perpetuam práticas,

os indivíduos felizes, reproduzem as práticas os indivíduos que não contra-

controlam, que acreditam ser livres para escolher.

Os valores da cultura cientifica: igualdade, felicidade, liberdade e um

impulso para o futuro

Ao argumentar por uma sociedade cientificamente fundada, Skinner

propõe uma cultura onde os valores não mais servem como guia ou como

critério de avaliação, uma cultura em que não existiriam valores. Sua critica aos

valores é que estes não são objetivamente definidos, e não são objetivamente

escolhidos, ou melhor, não são as opções corretas para um grupo social. Deste

ponto de vista, seriam valores muitas das normas que hoje regem

comportamentos e padrões sociais. Seu maior problema seria que são

instituídos sem uma base científica e são preservados do mesmo modo. Isto

traria não apenas conflitos para os indivíduos que se vêem obrigados a segui-

los - por força do controle social, mas sem que isto signifique necessariamente

benefícios para si ou para o grupo - mas também para o grupo, para a cultura

como um todo, que acaba se baseando em conjuntos de normas que não são

as mais adequadas para sua sobrevivência e desenvolvimento.

A proposta skinneriana para a sociedade envolve, assim, o argumento

de que esta possa se libertar de seus valores- Se isto tem um significado

epistemológico mais amplo, delimitado pelo alinhamento de Skinner a um


329

programa positivista que, de um modo ou outro, almeja separar fato e valor,

atribuindo á ciência apenas os fenômenos ditos fatuais, também é importante

para a proposta estritamente skinneriana: a possibilidade de demonstrar que

sua ciência pode e deve ser usada no planejamento da cultura e que tem uma

tecnologia disponível para isto, à qual não se pode atribuir o mesmo estatuto

de outras propostas, depende de que se demonstre que sua proposta é

superior ás demais porque é não subjetiva. Ora, isto implica que se demonstre

que ela é capaz de substituir, no planejamento cultural, os valores por leis

científicas.

0 que acaba por ocorrer, entretanto, é que Skinner descarta alguns

valores tradicionais - como a competição como forma de levar a uma maior

produtividade no trabalho, a coerção como maneira de se garantir que as

normas sociais sejam seguidas, o culto ao herói como forma de modelar e

manter comportamentos, a valorização da responsabilidade pessoal como

modo de garantir também a observância de regras sociais - com o argumento

de que são inoperantes ou que são formas pré-cientificas - e portanto

ineficientes - de se controlar comportamento. Propõe, em seu lugar, o controle

científico e objetivo do comportamento. Mas ao fazê-lo não pode evitar

escolher entre alternativas distintas: seja com relação às metas que estabelece

para sua cultura, seja com relação aos procedimentos que defende para sua

execução. Assim, escolhe algumas metas em detrimento de outras e alguns

procedimentos no lugar de outros e recoloca, em certo sentido pelo menos,

valores em seu programa, já que não é possível demonstrar que estas

escolhas são técnicas, no sentido de serem neutras, mesmo que atendam ao

critério de maior eficiência. 0 problema não estaria tanto no fato de que isto
330

acontece, mas no seu não reconhecimento. Os valores defendidos em Walden

II se confundem com pressupostos científicos e com princípios teóricos da

ciência do comportamento. No entanto, ainda assim poderiam ser chamados

valores, na medida em que se constituem nas metas da cultura, nos critérios

utilizados para a escolha das técnicas de manipulação do comportamento e

nos critérios de avaliação da própria cultura- Estes, mesmo que baseados em

uma concepção de ciência e nos resultados de uma ciência especifica – a

ciência do comportamento - envolvem uma concepção de mundo e uma

avaliação das práticas culturais que não podem ser demonstradas como

neutras e objetivas de 'per se'.

Uma das características mais marcantes da proposta de Skinner para a

sociedade é que uma cultura cientifica não deve usar força, ameaça de

força, ou punição. Apenas o controle positivo do comportamento. A primeira

justificativa que apresenta para esta norma é técnicas os procedimentos de

controle aversivo são vistos como técnicas de controle de comportamento

ineficientes e que geram contra-controle A segunda, é que a busca de

liberdade é uma pseudo—questão gerada pelo uso destes procedimentos, a

qual se extinguiria em um grupo que não os utiliza. Em terceiro lugar, vem a

questão da igualdade: o poder e o abuso do poder só podem ser extintos

quando não houver controladores com o poder de punir. Apenas a equalização

do poder de controle impediria o abuso de poder e suas consequências

desastrosas para a cultura. No entanto, esta equalização só seria possível se

todo o controle do comportamento fosse positivo- Finalmente, e mais

importante, ao se substituir o controle aversivo do comportamento por

reforçamento positivo, controla—se a "tendência para o comportamento" e não


331

respostas ou padrões específicos. O controle positivo do comportamento,

assim, além de mais eficiente, tornaria mais relevante e mais provável o

planejamento cultural, porque permitiria moldar um padrão comportamental

futuro da sociedade. Ao avaliar as técnicas de controle que vêm sendo usadas

pela sociedade, Skinner afirma que o controle aversivo, nas suas várias formas

é condenável, inclusive do ponto de vista da eficiência das agências

controladoras:

"Uma classe" <de controle aversivo> (...) "é a restrição física - algemas, barras
de ferro, coerção forte. Essas são maneiras pelas quais modelamos o
comportamento humano segundo nossos desejos. São formas brutas e que
sacrificam a afeição do controlado, mas funcionam frequentemente."
(...)
<Burrus> "A ameaça de força seria uma outra."
<Frazier> "E aqui novamente não poderíamos encorajar qualquer lealdade por
parte do controlado- Terá, talvez, uma sombra maior de sensação de liberdade,
desde que ele sempre pode 'escolher agir e
aceitar as consequências', mas ele não se sente totalmente livre. Sabe que seu
comportamento está sob coerção."
(...)
"A questão de liberdade se coloca quando há repressão — seja física seja
psicológica. Mas repressão é somente um tipo de controle e a ausência de
repressão não é liberdade. Não é o controle que está ausente quando nos
sentimos 'livres', é o condenável controle pela força." (...) "Não dispomos de um
vocabulário de liberdade quando se trata do que queremos fazer" (...) "A
pergunta nunca se coloca. Quando os homens lutam por liberdade, lutam
contra as prisões e a polícia, ou a ameaça delas — contra a opressão» Nunca
lutam contra forças que os fazem agir como agem. E, ainda, parece ficar
subentendido que os governos operarão apenas através da força e da ameaça
de força e que todos os outros princípios serão deixados à educação, religião e
comércio- Se este continuar sendo o caso podemos desistir. Um governo
nunca poderá criar gente livre com as técnicas que lhe couberam.
A pergunta é: podem os homens viver em liberdade e em paz? E a resposta és
sim, se puderem construir uma estrutura social que satisfaça as necessidades
de todos e na qual cada um quererá observar o código de suporte." (1948c, pp.
256, 259, 260)

Nesta discussão, no entanto, não é apenas a eficiência do controle

aversivo que está em pauta, mas também, e aparentemente talvez com maior

ênfase, o bem estar e a liberdade ou, como diz Skinner, a "sensação de

liberdade" que tal tipo de controle impede. Apesar de afirmar esta como uma

pseudo-questão, parece considerá-la muito seriamente, de modo que seria


332

apenas retórica (em oposição ao que seus críticos costumam sustentar) sua

afirmação de que a liberdade não é um critério em defesa do argumento do

controle positivo do comportamento e, por consequência, de avaliação de

qualquer sociedade.

E bem verdade que ao Skinner claramente se posiciona pela

determinação e submissão do comportamento humano, em toda sua extensão,

a leis naturais; no entanto, também opta, por principio, pela forma de controle

que leva a uma maior "sensação de liberdade", antes mesmo de avaliar sua

eficiência enquanto controle, ou pelo menos de modo que sua avaliação não

pode dispensar, em nenhum momento, este critério. Por isto, apesar de

afirmar a liberdade, ou o anseio de liberdade, como mera sensação decorrente

do controle aversivo do comportamento, esta pseudo-liberdade parece estar no

cerne de suas razões para a escolha do controle positivo, de modo que, pelo

menos como sensação, esta é real e importante. Parece, assim, que a

afirmação de Skinner de que não reconhece a liberdade como critério, como

valor para a construção de uma sociedade, pode ser discutida já que, de

alguma maneira, acaba por considerá-la, mesmo que lhe atribua outro nome e

que a suponha como possível de ser produzida e mantida apenas por uma

determinada técnica de controle do comportamento, no caso, o reforçamento

positivo do comportamento humano.

Deste ponto de vista, a própria escolha do reforçamento positivo como

alternativa de controle do comportamento, e como alternativa de controle para

as agências governamentais, pode ser vista como a defesa de um valor-

Mesmo sem considerar que como alternativa de controle é mais eficiente (e

barata) uma vez que não gera contra-controle, e todos os problemas e aparato
333

que este acaba por exigir, é defendida por trazer maior bem-estar psicológico,

por trazer a sensação da liberdade, ou melhor, por eliminar esta pseudo-

questão que é a defesa da liberdade:

"Agora que sabemos como o reforçamento positivo funciona e porque o


negativo não funciona" (...) "podemos ser mais ponderados e ainda mais bem
sucedidos em nosso planejamento cultural. Podemos conseguir uma espécie
de controle sob o qual o controlado, apesar de estar seguindo um código muito
mais escrupulosamente do que jamais o teria feito no sistema antigo, mesmo
assim se sinta livre. Estão fazendo o que querem e não o que são força dos a
fazer. Essa é a fonte de um tremendo poder do reforço positivo - não há
repressão e não há revolta- Com um planejamento cultural cuidadoso,
controlamos não o comportamento final, mas a inclinação para o
comportamento — os motivos, os desejos, as vontades.
0 curioso é que, neste caso, nunca se coloca a questão da liberdade."
(1948c, p. 259)

As frequentes acusações feitas a Skinner de que desconsideraria a

questão da liberdade - questão que seria a própria condição da humanidade —

parecem de certo modo descabidas: embora Skinner, na letra e por força de

sua posição perante a ciência, negue que "liberdade sequer exista", talvez

tanto quanto os pensadores mais identificados com a busca desta condição

humana esteja preocupado com esta questão e a considere na avaliação da

sociedade e de sua organização: a ponto de propor o reforçamento positivo

como fonte de controle exclusivo para a sociedade e de não se furtar a discutir

que isto implica um real poder de manipulação por parte daquele indivíduo ou

agência que detém o controle do reforçador. 0 que se poderia criticar em

Skinner é, muito mais, sua recusa, quase que por principio, de reconhecer em

qualquer proposta política esta possibilidades aqui mais especificamente, a

possibilidade de governar sem o uso do controle aversivo.

O que parece estar na base de sua defesa do controle positivo do

comportamento e de que tal controle só poderá ser exercido em uma

sociedade cientificamente gerida, são exatamente os sub—produtos deste tipo


334

de controle para cada indivíduo a ele submetido. A liberdade - enquanto

sensação — e a felicidade de cada um dos membros de uma cultura tornam-

se, assim, critérios para a defesa do exclusivo controle positivo do

comportamento. Neste sentido tornam-se valores culturais, medida de

avaliação da cultura e meta da intervenção.

"Uma vez que você tenha se apoderado do princípio de reforçamento positivo,


você pode gozar uma sensação de poder ilimitado." (...)
(...)
"Mas é um tipo limitado de despotismo" (...) "E eu não acho que ninguém
deveria se preocupar com isso. O déspota deve usar o seu poder para o bem
dos outros. Se ele der qualquer passo que reduza a soma total de felicidade
humana, seu poder será um pouco reduzidoQue melhor controle você
pediria contra um despotismo malévolo?" (1948c, p. 261)

Não se trata de defender que não haveria controle, por exemplo, do

governo sobre o cidadão, ou que não se exerceria algum tipo de "força", o que

Skinner considera essencial para sua concepção de homem. Trata-se, isto sim,

de defender que a força - que é apenas sinônimo de que algum agente social

detém a possibilidade de manipular as consequências necessárias ao controle

do comportamento do indivíduo - seja exercida de um determinado modo: pelo

reforçamento positivo. Paralelamente ao argumento de que este é mais

adequado porque não gera contra-controle e porque é mais eficiente a longo

prazo, se argumenta em defesa da felicidade como critério de avaliação do

controle; mais que isto, o conceito de felicidade parece se confundir com o de

eficiência, de modo que algo é mais eficiente porque traz mais felicidade, o que

acabaria por servir como critério último para que se implementasse o controle

positivo do comportamento.

Outro sub-produto do controle positivo do comportamento é que este

permitiria uma mudança qualitativa na forma de organização da culturas não

porque os homens deixariam de ser controlados por um governo, por exemplo,


335

mas porque o próprio ato de governar, de controlar, passaria a ser controlado

positivamente, garantindo, assim, que apenas a felicidade dos controlados

fosse o controle daquele que controla. Deste ponto de vista, os homens não

apenas passariam a adquirir a sensação de liberdade que este tipo de controle

acarreta, mas teriam também em suas mãos a garantia de que obteriam a

felicidade, e, mais ainda, teriam a garantia de que apenas a obtenção desta é

que controlaria seus governantes. Ai está a maior equalização possível do

controle do comportamento; numa sociedade em que todo controle do

comportamento é positivo não operam contingências, e não há chance de que

venham a operar, que possibilitem a satisfação de necessidades de uns às

custas da privação ou do controle aversivo de outros- Não haveria, portanto,

controladores e controlados no sentido pejorativo do termo, uma vez que todos

seriam iguais: a todos e a cada um caberia apenas o poder de controlar

positivamente o comportamento do outro, apenas a possibilidade de satisfazer

as necessidades do outro- Isto supõe a igualdade e gera a felicidade e a

sensação de liberdade, trazendo para a espécie humana uma qualidade de

sobrevivência impossível de ser obtida de outro modo.

A convicção de Skinner parece ser tão grande, que a discussão de que o

uso intensivo do controle aversivo tem se baseado em pressupostos sobre o

comportamento humano que são incorretos esbarra, estranhamente, na frase

de que "mesmo a natureza foi enganada". Como um defensor da ciência como

tradutora das leis naturais, pode agora avaliar a própria lei natural? Em relação

a ela não deveria caber, em hipótese alguma, avaliação quanto a certo ou

errado, ela apenas e assim. No entanto, Skinner afirma:

<A força> "E temporariamente eficaz, isso é o pior. Isto explica as centenas de
anos de derramamento de sangue. Mesmo a natureza foi enganada. Nós
336

'instintivamente' punimos uma pessoa que não se comporta como gostamos -


batemos nela, se for criança, ou a agredimos se for um adulto." (...) "O efeito
imediato do golpe nos ensina a lutar novamente. Retribuição e desforra são as
coisas mais naturais sobre a terra. Mas, a longo prazo, o homem que
agredimos nem por isso deixa de repetir o seu ato." (...) <E mesmo que a
punição seja muito forte, aquele que foi punido> "Ainda tenderá a repeti-lo. Ele
vai querer repeti-lo. Ainda não teremos alterado de nenhum jeito o seu
comportamento potencial.
E isso que é lamentável. Se ele não repetir em nossa presença, fa-lo-á na
presença de qualquer outra pessoa» Ou será repetido sob o disfarce de um
sintoma neurótico. Se a punição for suficientemente forte, abriremos um
pequeno lugar para nós na selva da civilização, mas tornaremos o resto da
selva mais terrível ainda." (1948c, pp-257, 258)

O controle aversivo, mesmo sendo uma reação natural do homem, até

aqui necessária á sua sobrevivência baseada na competição, deve ser

substituído para que se atinja um novo padrão e uma nova qualidade na

cultura. Esta nova qualidade significa mais do que a simples sobrevivência:

permitirá o surgimento quase que de uma nova "natureza humana". Isto teria

sido tornado possível pela descoberta da lei do reforçamento positivo e de suas

possibilidades em relação ao controle do comportamento humano. O

interessante nesta argumentação de Skinner é que a natureza — a "natureza

humana" - é usada para justificar sua tese, mas caracterizada pelo oposto do

que seria de espera:

"Da forma como usamos esses termos hoje em dia, governo significa poder -
fundamentalmente o poder de compelir á obediência" (...) "As técnicas de
governo são as que poderíamos esperar - usam a força ou a ameaça de força.
Mas isso é incompatível com a felicidade permanente — sabemos o suficiente
da natureza humana para estarmos seguros disso. Você não pode forçar um
homem a ser feliz. Ele nem ao menos pode ser feliz se for forçado a seguir um
padrão supostamente feliz." (1948c, p. 197)

A concepção de forças naturais — de natureza - é usada para defender

que a felicidade é necessária de ser obtida para o sucesso de uma cultura, e

que só pode ser obtida pelo abandono do controle aversivo do comportamento

e pela sua substituição pelo reforçamento positivo, portanto pelo abandono do

que é natural, do que foi até este momento produto das relações do homem
337

com o ambiente. Em seu esforço para justificar objetivamente a defesa do

controle positivo do comportamento Skinner procede, aqui também, a uma

tentativa de naturalização do seu argumentos apela para a lei da natureza,

para a sobrevivência da espécie, como critério para a seleção e manutenção

de práticas sociais de controle comportamental; no entanto, este apelo esbarra,

num momento, na afirmação de que a "natureza cometeu um engano"

selecionando a controle aversivo como forma de controle, e noutro, de que é o

próprio "conhecimento da natureza humana" que levaria á defesa inconteste do

controle do comportamento apenas pelo reforçamento positivo. Estes são os

argumentos usados na defesa de que o controle positivo é necessidade

indiscutível no planejamento da cultura - necessidade técnica, objetiva e

neutra. Entretanto, parece que são apenas consequência de uma concepção

maior que, parte de supostos aparentemente incompatíveis e que não são

igualmente explicitados: de que a felicidade, liberdade e igualdade são os

princípios que deveriam reger a vida social, e de que a vida social deve ser

tecnicamente, cientificamente, gerida. Assim, Skinner argumenta

explicitamente em favor do controle positivo como decisão técnica que

garantiria a sobrevivência da cultura, mas implicitamente sempre se encontra

argumentos em defesa de outras marcas que tal controle geraria e que, muitas

vezes parecem ser pelo menos tão importantes.

"A velha escola cometeu o erro estupendo de supor que o inverso era
verdadeiro; que, removendo uma situação da qual a pessoa gostasse ou
estabelecendo uma de que ela não gostasse — em outras palavras, punindo-a
- seria possível reduzir a probabilidade de ela tornar a se comportar de uma
determinada maneira. Isso simplesmente não funciona. Já ficou estabelecido
acima de qualquer dúvida. O que está emergindo nesse estágio critico da
evolução da sociedade é uma tecnologia comportamental e cultural baseada só
no reforçamento positivo. Estamos gradativamente descobrindo — a um custo
indizível de sofrimento humano -- que, a longo prazo, a punição não reduz a
probabilidade da ocorrência de um ato. Estivemos tão preocupados com o
contrário, que sempre entendemos 'força' como significando punição. Não
338

dizemos que estamos usando força quando mandamos um carregamento de


comida a um país na miséria, se bem que estejamos exibindo absolutamente
tanto poder quanto se estivéssemos mandando tropas e armas."
(...)
"Um tremendo poder de tipo diferente" (...) "é o que a ciência do
comportamento chama de 'teoria do reforço'." (1948c, p.257)

Como já foi salientado, Skinner não nega a força, no sentido de que não

nega a possibilidade e a necessidade de que a sociedade institua agências

controladoras do comportamento eficientes, para que a cultura possa ser bem

sucedida, apenas discute qual o melhor tipo de controle. A primeira vista, trata-

se de uma discussão técnica que utiliza como critério a eficiência. No entanto,

em todos os momentos em que esta questão se coloca, a liberdade e a

felicidade dos membros de uma cultura submetidos ao controle aparece como

uma das fortes razões para a escolha de uma forma de controle em detrimento

de outra, de modo que se traz para o âmbito de uma decisão técnica, algo que

é pelo menos estranho em se tratando da defesa do planejamento cientifico e

técnico da sociedade.

"Você não pode forçar a felicidade. Você não pode, a longo prazo, forçar nada.
Nós não usamos força! Tudo o que nós precisamos é de engenharia
comportamental adequada." (1948c, p.164)

No entanto, não é apenas a liberdade e a felicidade do indivíduo e a sua

sobrevivência que parecem servir de razão para que Skinner defenda a

necessidade de uma cultura fundada no reforçamento positivo; mas também a

mudança qualitativa que isto traria para a espécie como um todo, que de

espécie submetida à competição como forma necessária à sobrevivência

passaria a espécie que apenas coopera, não mais necessitando competir para

viver. Na base desta inversão reaparece o critério da igualdade. 0 que uma

sociedade fundada na cooperação traria como seu sub-produto, mais uma

vez, é a igualdade; pelo menos em termos de possibilidade e efetividade do


339

controle do comportamento.

(...) "as formas primitivas de governo são, naturalmente, baseadas na punição.


A técnica é óbvia quando o fisicamente forte controla o fraco. Mas estamos nas
dores do parto de uma grande mudança para o reforçamento positivo - de uma
sociedade competitiva, na qual a recompensa de um homem ê a punição de
um outro, para uma sociedade cooperativa, na qual ninguém ganhe ás custas
de outrem.
A mudança é lenta e dolorosa, porque o efeito imediato, temporário, da punição
encobre as vantagens, a longo prazo, do reforçamento positivo. Todos nos
vimos exemplos incontáveis do efeito temporário da força, mas a prova clara do
efeito de não uso da força é rara." (1948c, pp-258, 259)

Mais uma vez um argumento que aparece como objetivo é usado para

defender o controle positivo, o de uma mudança no padrão comportamental

filogenético da espécie humana. O reforçamento positivo, usado

exclusivamente e em escala social, traria uma mudança qualitativa para a

espécie, entendida biologicamente, o que afastaria qualquer discussão sobre

sua validade. Além do mais, tal possibilidade auxilia na defesa de um outro

padrão social que será proposto por Skinner: a recusa de uma cultura que está

baseada em fortes lideranças pessoais.

Uma sociedade onde não há competição não precisa de forte lide- rança

pessoal, ou melhor, uma sociedade onde não existe forte liderança pessoal

pode se tornar uma sociedade baseada na cooperação entre seus membros.

Este parece ser mais um valor defendido por Skinner, pelo menos em 1948.

Walden II não está baseada em liderança pessoal, não reconhece heróis, ou

méritos especiais. Resume-se, entretanto, a á defesa de uma sociedade

igualitária. A equalização do controle assume aqui uma nova faceta: torna-

se equivalente a igualdade de oportunidades, de desenvolvimento das

capacidades e de obtenção de reforçadores.

A possibilidade de uma sociedade não competitiva é apresentada como

meta e como resultado de uma ciência do comportamento que é base da


340

cultura. Ou seja, o salto qualitativo que isto representa é apresentado como

resultado de 'Walden' ser uma sociedade cientificamente planejada e gerida e,

já neste sentido, se transmuta em valor por se tornar padrão necessário de ser

obtido. Não obstante, também pode ser entendido como um valor por outra

razão, uma vez que o próprio Skinner reconhece que mesmo uma cultura

cientifica poderia usar de lideranças pessoais fortes e de heróis e obter tanto

sucesso quanto uma cultura cooperativa — o que se poderia traduzir como o

reconhecimento de que a equalização do controle não é apenas mais eficiente,

mas tem, possivelmente outros argumentos, talvez extra-científicos, em seu

favor.

A discussão da ausência de lideres e heróis em Walden II é interessante

porque se polariza entre duas grandes questões: a questão do papel das

lideranças pessoais na história humana, e a questão do papel dos lideres nas

sociedades existentes. Skinner discute duas interpretações da história e as

descarta com o argumento de que, não importa se a história é uma construção

de indivíduos ou de práticas sociais, indiscutivelmente as sociedades

existentes estão fundadas em fortes lideranças pessoais e em concepções que

as justificam, embora em detrimento óbvio dos interesses da maioria da

população.

<Frazier> "Este é um mundo sem heróis."


<Burrus> "Então vocês criaram algo de novo sob o sol" (...) "Você
pode pensar num único período da história que não tivesse sido dominado
por uma grande figura?" (...) "Eu sei que há uma teoria moderna de que a
história pode ser escrita sem enfatizar proezas particulares - a história das
idéias das filosofias políticas, dos movimentos etc. Mas veja quão fortemente o
princípio de liderança pessoal sobreviveu em nosso próprio tempo- Este é o
século de Lenin, Hitler, Churchill, Roosevelt, Stalin. Como você espera
dispensar esta característica tão constante dos governos bem sucedidos?"
<Frazier> "Uma figura dominante em 'Walden II' é impensável." (...) "A cultura
que emergiu de nossos experimentos não requer forte liderança pessoal. Pelo
contrário, contém muitos testes e garantias contra isso." (...) "favoritismo
pessoal, como gratidão pessoal, foi destruído por nossos engenheiros
341

culturais." (...) "Isso é quase inevitável numa sociedade onde não há privilégios
econômicos. E impossível em qualquer outro lugar.
Deliberadamente dissimulamos a maquinaria de planejamento e administração
para conseguir o mesmo fim." (...)
Pela mesma razão" (...) "desencorajamos qualquer senso de história."
(1948c, pp.234, 235)

Ao descartar, sem maiores discussões, a possibilidade de compreender

a história humana e, consequentemente as condições vigentes, como algo

mais que a sucessão e o domínio de algumas lideranças individuais, Skinner

desconsidera - porque de antemão desconsiderou a história - a possibilidade

de interpretar a sociedade como mais que a simples vontade tornada em

controle de alguns indivíduos. Ao invés de concebe-la como atendendo a

certos interesses que não são individuais e que mantêm certas estruturas

exatamente para manter a desigualdade, e não pela incapacidade de promover

uma nova estrutura em que esta não mais exista, acaba por concebe-la como

conjunto de contingências que foram naturalmente selecionadas e que sequer

podem ser avaliadas corretamente sem o auxílio da ciência do comportamento.

Talvez aí esteja uma das condições que impedem Skinner de reconhecer que

sua pregação do controle positivo do comportamento e da igualdade é mais

que simples resultado do conhecimento de princípios científicos sobre o

comportamento e que, por isto mesmo, enfrentará oposição que vai além da

possibilidade de convencimento que uma ciência pode oferecer, que é apenas

a da demonstração de uma maior eficiência segundo algum critérios seja o da

sobrevivência da espécie, seja o da felicidade de cada um de seus membros»

Talvez fosse possível argumentar que a mudança de ideologia e de

condições concretas de vida em Walden II demonstrariam que a

interpretação de Skinner é a mais correta. No entanto, em Walden II esta foi

uma mudança deliberada e planejada por seus fundadores e, neste sentido,


342

sequer pode ser vista como mudança, uma vez que se torna marca da. cultura

desde a sua implantação. Não há na história de Walden II, desde a sua origem,

contingências que possibilitariam o estabelecimento de uma saciedade fundada

na diferença. A ausência de lideranças individuais, portanto, não emergiria

naturalmente; precisaria - por coerência inclusive com uma análise cientifica –

ser deliberadamente construída- Pelo menos duas condições parecem ter sido

indispensáveis para a construção de uma sociedade como Walden II: a

burocracia — se é que existe como tal - jamais se constituiu em fonte de poder,

e o poder econômico jamais existiu, uma vez que não há propriedade privada,

ou valores de trabalho diferenciados, ou desemprego. Bem estas condições

não seria possível construir uma sociedade nas mesmas bases de Walden II, e

estas condições não podem ser obtidas na sociedade existente porque são a

própria base desta cultura.

Se, de um lado, as características culturais de uma sociedade como a

retratada em Walden II têm um fundamento técnico, já que afastam a

possibilidade de uma sociedade gerida por critérios e razões que são de

interesse de indivíduos ou grupos isolados, ou mesmo gerida

amadoristicamente, ou pelo menos segundo pressupostos pré-científicos, por

outro lado, estas não são razões técnicas quando se toma como critério a

eficiência, já que o próprio Skinner reconhece, por exemplo, que uma cultura

poderia ser tão eficiente como Walden II, mesmo que baseada na figura de um

líder com forte poder,

(...) "há muita coisa de errada em figuras pessoais de qualquer tipo- Afinal qual
é a função do líder? — Ou do herói?" (...) "Não é a de sustentar uma ciência
inadequada de governo? Numa sociedade pré—científica o melhor que o
indivíduo pode fazer é pôr toda a sua fé num líder e apoiá-lo, confiando em sua
benevolência contra o mau uso do poder delegado e em sua sabedoria para
governar justamente e fazer a guerra com sucesso. E o único caminho possível
quando governar continua sendo uma arte.
343

No mundo lá fora, nós raramente votamos por um principio ou por um


determinado estado de coisas- Votamos num homem que finge acreditar nesse
principio ou que promete alcançar aquele estado."
(...) "0 líder ou herói faz as vezes de uma ciência. Essa é a sua primeira função
- usar a cabeça e o coração onde falta a ciência (...)
Mas o herói tem uma outra função" (...) "Reunir apoio, acumular poder. E uma
função peculiar e extraordinária dos heróis – déspotas. Os poderes militar,
econômico e religioso no Estado lhes são afiançados através da lealdade ou
submissão." (...)
(...) "E verdade que muitos Estados não teriam existido sem os esforços de
um líder. A organização é nesse sentido natural — mas sempre em formas
primitivas de governo- Aqui avançamos além da necessidade de figuras
pessoais, quer como especialistas, quer como artifício para manter o poder."
(1948c, pp.235, 236)

Também não são técnicas as razões pelas quais um dado grupo de

indivíduos passa a se organizar de um determinado modo, como em Walden II.

O que parece faltar na discussão de Skinner é uma análise de porque as

sociedades tal como organizadas até o momento, o fazem em torno de

indivíduos e não de princípios- Tal discussão talvez revelasse que esta é uma

verdade apenas aparente; que na realidade a forte liderança pessoal é

coerente com determinados princípios e interesses sociais, decorrentes de

estruturas sociais historicamente construídas. Não se pode concordar com o

autor na análise de que isto é consequência de culturas politicamente

organizadas, estando o problema no político enquanto tal e, representando

assim, simplesmente formas pré-científicas de organização social às quais se

oporiam não outras formas também políticas, mas sim uma maneira apolítica,

cientifica e neutra de organizar a cultura. No entanto, Skinner não pode

reconhecer isto, já que afasta, de principio, toda política. Mas ao propor a

ciência como alternativa para a organização está, em muitos sentidos, apenas

substituindo uma forma política de organização por uma nova maneira de

organizar e constituir uma sociedade, também política. Deste ponto de vista, a

defesa de uma cultura sem liderança pessoal - que aliás se aproxima bastante
344

de determinadas propostas de organização política — é forma de se garantir

um valor: é norma a ser implementada e seguida, é norma que serve de critério

para avaliar o bom funcionamento de uma cultura e é norma que poderia ser

substituída por outra caso se considerasse apenas a produtividade ou a

sobrevivência da cultura- Mais especificamente, é norma que garante o

princípio e a obtenção de uma sociedade igualitária.

A importância, para o autor, de defender esta alternativa, e de tentar

mais uma vez naturalizá-la, está, portanto, em sua crença na ciência como

alternativa de governo que seria qualitativamente superior às alternativas

conhecidas. E sobre o fato de que muito da motivação humana seria o

reconhecimento pessoal - uma razão também naturalizadora compatível com

uma outra proposta de sociedade — responde que isso é verdade apenas em

"uma sociedade competitiva", o que já deveria configurar sua alternativa como

passível de uma avaliação extra-científica:

"O último degrau na evolução do governo é o emprego de motivos não egoístas


onde o domínio pessoal sempre pareceu ideal, ainda que sempre fatal."
(1948c, pp.239, 240)

A concepão de que a ciência é a única via de solução de problemas

torna necessário, portanto, que se afaste outras alternativas sociais: à primeira

vista, pelo menos, uma das grandes marcas da cultura hoje e sempre foi a

liderança pessoal e o culto ao herói, como forma de garantir determinada

estrutura social. A universalidade desta marca tornaria possível que se a

interpretasse como característica natural do homem. O que Skinner, entretanto,

assume como uma marca da condição humana é a possibilidade e a

necessidade de que se supere tal característica. Além disto, e isto é

fundamental para que se compreenda sem preconceito a posição skinneriana,

a crença na ciência - natural, objetiva e neutra — como fonte de solução para


345

os problemas humanos, quase que por imposição lógica leva a uma posição

que facilitaria a despersonalização, não apenas da escolha de metas e

objetivos para a sociedade, como também a despersonalização necessária

para sua execução. Deste ponto de vista, é, inclusive, uma concepção

democrática, já que não supõe necessário qualquer traço especial para que

alguém tome para si o governo ou as decisões de uma sociedade, tornando

todos em princípio iguais. Apenas supõe como indispensável o conhecimento

das leis naturais sobre o comportamento humano e da teconologia por ele

gerada, E este conhecimento pode, dentro de parâmetros razoáveis, ser obtido

por qualquer um que se interesse, ou, melhor ainda,, poderia ser obtido por

todos desde que fossem dadas - fossem planejadas - as condições para isto.

A construção de uma cultura igualitária, baseada no controle positivo do

comportamento e, portanto, capaz de gerar em seus membros felicidade e

sensação de liberdade, supõe como necessário o manejo efetivo e eficiente

das condições que permitirão seu estabelecimento e sua manutenção. Skinner,

entretanto, vai além e defende que a cultura, embora baseada na manipulação

das "forças vigentes", deve ter um impulso para o futuro. Isto significa imprimir

à maleabilidade o caráter de prática cultural prática que permitiria á cultura

mudar à medida que se transformem as condições vigentes.

Uma cultura terá tanto maior chance de sobreviver quanto mais for

capaz de se adaptar e se transformar rapidamente e na medida em que isto se

torne necessário. A experimentação como atitude forneceria a ferramenta para

que se obtivesse soluções a novos problemas. O planejamento permitiria até

mesmo que se previsse a mudança destas condições. O reforçamento positivo

forneceria o padrão comportamental, já que controlaria a tendência para o


346

comportamento. A ausência de fortes lideranças pessoais impediria que

passassem desapercebidos os problemas e permitiria uma maior possibilidade

de que se encontrasse soluções, uma vez que todos os cidadãos, normalmente

curiosos e comprometidos com a comunidade, estariam aptos a encontrar

soluções e, mais importante, a assumi-las, uma vez encontradas, sem o receio

de que a mudança pudesse significar perdas. A maleabilidade se seguiria

assim quase que como uma consequência das outras marcas de uma cultura

bem sucedida. Entretanto, é marca que precisa ser implementada e fortalecida,

uma vez que é a única garantia contra o imprevisto e o desconhecido. Quase

que uma medida desta prática cultural, desta capacidade seria a própria

capacidade de expansão demonstrada pela cultura.

"Vocês não vêem o que há de errado com as outras comunidades doutrinárias"


(...) "Não é de que elas simplesmente não mudam? Há séculos são do mesmo
jeito que são agora."
(...)
"Eu estou falando de um outro tipo de permanência. Se essas comunidades
sobreviveram ê somente porque não foi forte a competição. E óbvio para todo
mundo que a civilização deixou-as para trás. Não se mantiveram em dia com o
progresso humano e eventualmente fracassarão de fato, como já falharam em
principio. A sua fraqueza fica provada na sua incapacidade de expansão, em
competição com as outras formas de sociedade. Tem defeitos fatais e eu
acredito que, pela sua excessiva propaganda, os defeitos não foram vistos."
(...)
(...) "Para se tornar tal cultura aceitável, é necessário suprimir algumas das
emoções e motivos humanos mais potentes. 0 intelecto é estupidificado ou
desviado em meditações hipnóticas, encantamentos ritualísticos etc. As
necessidades básicas são sublimadas. Falsas necessidades são criadas para
absorver energia. Veja a índia - você precisa de uma prova mais clara da inter-
relação entre propaganda e progresso?" (1948c, pp.209, 210)

Além de demarcar diferença com as sociedades doutrinárias fundadas

em práticas e princípios rígidos e com as sociedades que não conseguem se

expandir, este principio parece coerente com a posição mais geral de Skinner

sobre ciência e, deste modo, num certo sentido,é naturalizado como os demais:

é coerente com a busca da compreensão dos processos comportamentais e

não de respostas mais ou menos especificas, e é coerente com a noção de que


347

os critérios científicos são objetivos. Este critério também seria objetivo porque

está relacionado com a possibilidade de sobrevivência da cultura e, portanto,

da espécie. A maleabilidade, característica importante do homem enquanto ser

biológico, é transferida para a cultura, e sua defesa ainda mais facilitada pelas

outras características, pelos outros valores skinnerianos. No entanto, como os

outros, também pode ser dito um valor, porque além de regra, de norma

geral, de critério de avaliação das culturas, dificilmente pode ser submetido a

teste. Ou seja, não é defendido como consequência de testes experimentais,

mas é proposto como condição anterior a qualquer teste; mais que isto, só

pode ser confirmado pela história (que aliás Skinner tanto diz desprezar) como

hipótese 'ad hoc' - é possível que culturas que não sobreviveram tenham sido

dogmáticas e incapazes de transformação, no entanto, não é possível

demonstrar, com a certeza da descrição da lei científica, que esta foi, em cada

caso, condição necessária e suficiente para a extinção destas sociedades.

Também é a concepção de que as forças vigentes são controladas pelos

indivíduos com o objetivo de garantir um impulso da cultura para o futuro que,

de um certo modo, retoma explicitamente duas condições muito importantes na

proposta skinneriana. A primeira, de que a sobrevivência da cultura é o valor

maior a ser buscado por uma sociedade. Isto só pode ser obtido pela

participação efetiva de cada indivíduo pertencente à sociedade, e tal

participação só pode se dar pela mani- pulação das contingências realmente

existentes e em função da previsão que se possa fazer dos resultados desta

manipulação. A segunda, já implícita na primeira condição, de que tal proposta

de manipulação é consequência da ciência: é suposto da ciência o objetivo de

conhecer para prever e controlar; é suposto da ciência que não se pode prever
348

ou manipular o que não mais existe é característico da ciência a ênfase na

manipulação do presente com vistas á previsão e controle do futuro. E,

portanto, da ciência que uma sociedade poderá adquirir tais modos de ação e

assim aumentar a probabilidade de sua sobrevivência. Por isto, tal marca

torna-se uma característica desejável da cultura e, por consequência, torna-se

marca a ser implementada na sociedade.

Estes valores são justificados basicamente através da concepção de que

a ciência do comportamento permitirá a solução de problemas humanos até

aqui impensada e permitirá que o homem atinja um novo patamar na sua luta

pela sobrevivência, enquanto espécie. Mais que isto, que o fará, pela primeira

vez na. história, produzindo deliberadamente seu futuro, obtendo a liberdade, a

felicidade, a igualdade, e alguma segurança de sua sobrevivência (como sub-

produtos, poderá viver num mundo de paz, cooperação e fraternidade). Por

esta via é que Skinner os justifica como objetivos e naturais, e apenas como

sub-produtos - desejáveis - de uma sociedade cientificamente fundada e

gerida.

Não há como negar, a partir de Walden II, que a proposta científico-

tecnológica defendida por Skinner se refere ao homem, e que busca se

desenvolver como proposta capaz de resolver problemas sociais. Tão

importante quanto isto é o fato, plenamente revelado nas publicações de 1948

e de 1953, de que sua proposta é muito mais ampla do que se poderia supor:

defende a transformação da cultura como um todo, revelando mais claramente

sua marca de reformador social e sua crença na ciência como muito mais do

que mera explicação contemplativa do mundo, ou muito mais do que simples

tecnologia aplicável a problemas específicos e particulares.


349

No entanto, não há que esquecer que, se de um lado, isto pode

aproximá-lo de outras propostas que admitem o conhecimento como

ferramenta para a transformação do mundo, de outro, o modo como defende

que se dê esta transformação o afasta de tais concepções. Como já se

salientou, para Skinner, b isto quase que pode se transmutar em valor, já que

se constitui em modo de construir a nova cultura cientifica, esta transformação

não implica um momento negativo em que se gesta a nova sociedade, s cultura

cientifica pode ser construída paralelamente à velha ordem social.

"A possibilidade de se preparar uma vida satisfatória, estabelecendo o menor


contato possível com o governo era o ponto mais brilhante na argumentação de
Frazier. Pensei nos milhões de jovens que estavam nesse momento
escolhendo lugares numa estrutura social e econômica na qual não tinham fé-
Que discrepância entre o ideal e realidade" (...) "Por que não fariam um mundo
próprio?
Este era o lado thoreauano de Frazier e eu o apreciava. Por que combater o
governo?" (...) "Diferentemente de Thoreau, Frazier pagaria seus impostos e
compromissos quando necessário» Mas tinha descoberto o caminho para
contruir um mundo a seu gosto sem tentar mudar o mundo dos outros e eu
estava certo de que ele poderia continuá-lo em paz." (...)
"Nem eu estava pronto a rir dos planos de expansão de Frazier." (...) "As
conquistas importantes que faltavam na história da humanidade" (...) "tinham
sido alcançadas não através da força, mas através de educação, persuasão,
exemplo. O programa de Frazier era essencialmente um movimento religioso
libertado de qualquer ligação com o sobrenatural e inspirado pela determinação
de construir o céu na terra."
(...)
(...) "As técnicas de controle do comportamento humano eram bastante óbvias.
O problema era que elas estavam nas mãos das pessoas erradas ou de
reformadores fracos. Frazier tinha não só avaliado corretamente a situação,
mas tinha feito algo a respeito. Eu não estava pronto a aceitar as suas práticas
educacionais como inquestionavelmente as melhores. 0 próprio Frazier ainda
as considerava experimentais. Mas elas estavam pelo menos bem, num teste
crucial, o que era mais do que eu poderia dizer de sua contrapartida no mundo
de fora." (1948c, pp-304, 305)

A sociedade proposta por Skinner traduz sua critica ao mundo tal como

é, sua crença na possibilidade e necessidade de reformá-lo, sua confiança de

que isto só seria viável pelo desenvolvimento e uso da ciência como

instrumento de mudança. Mas sua convicção não elimina o problema de que

tal transformação dependeria do que mais rejeita: da subjetividade, da vontade,


350

que traz para as mãos corretas a ferramente suficiente e necessária para a

construção de uma nova cultura- Deste modo, justamente o passo mais

importante da transformação da cultura escaparia do escopo da ciência. Mais

uma vez, parece que um problema cuja raiz se encontra nos pressupostos que

marcam sua concepção científica impede que Skinner possa compreender e

propor efetivamente a transformação social.

Esta impossibilidade, que é quase teórica, não impede, entretanto, que

Skinner reconheça a necessidade de transformação social como exigência,

como tarefa primordial do cientista do comportamento: uma vez demonstrada a

sua possibilidade técnica, torna-se um imperativo que se transforme em prática

tal possibilidade. Isto é apresentado em Walden II, na própria proposta da

obra, e é afirmado em Science and Human Behavior, ainda que se possa

afirmar que de uma maneira insatisfatória:

"Mostrando como práticas governamentais modelam o comportamento dos


governados, a ciência pode nos levar mais rapidamente ao planejamento de
um governo, no sentido mais amplo possível, que necessariamente promoverá
o bem-estar daqueles que são governados." (...) "E fácil para um governante,
ou para o planejador de uma cultura, usar qualquer poder disponível para
atingir certos efeitos imediatos, e muito mais difícil usar o poder para atingir
certas consequências últimas. lias cada avanço cientifico que aponta para tais
consequências torna mais provável alguma medida de auto-controle no
planejamento da cultura." (1953b, pp.443, 444)

O reconhecimento desta possibilidade torna-se, assim, uma

necessidade. Caberia ao cientista trabalhar para promover a transformação de

toda e estrutura social. Esta transformação dependeria, em primeiro lugar, de

uma análise cuidadosa da. estrutura social vigente, com vistas tas à sua

mudança para uma nova estrutura, da qual surgiria finalmente, não apenas

uma sociedade que atendesse plenamente às necessidades humanas, mas,

inclusive, uma ciência do comportamento plenamente construída.


351

Capítulo 7

A ESTRUTURA DA CULTURA: 'LOCUS' DE INTERVENÇÃO DA


CIÊNCIA DO COMPORTAMENTO

Uma Idade de Ouro, quer em arte ou música ou


ciência ou paz ou fartura está fora do alcance de
nossas técnicas econômicas ou governamentais.
Algo pode ser feito por acidente, como aconteceu
ocasionalmente no passado, mas não
deliberadamente.
(Skinner)

A análise e intervenção nas agências controladoras como limite e

possibilidade de transformação da cultura

Para compreender a proposta de Skinner para a sociedade, uma análise

da estrutura da cultura é importante, uma vez que se afirmou que esta proposta

prevê a compreensão da própria cultura e sua transformação como metas

relevantes da ciência do comportamento- Este argumento implica que Skinner

teria uma preocupação com a estrutura social muito mais ampla que uma

possível demonstração do vigor de sua ciência. Esta análise seria

indispensável, porque dela derivaria uma descrição de como operam os

controles sociais que determinam o comportamento individual e o

comportamento de grupos de indivíduos que resumem as práticas sociais que

caracterizam a cultura seja aquela que aí está, seja aquela que uma ciência do

comportamento tem a propor. Portanto, esta análise seria necessária para que

se construíssem propostas de transformação social.

A estrutura da sociedade, segundo Skinner, é composta de todos os

controles sociais de que dispõe a cultura. Fariam, deste ponto de vista, parte
352

da estruturas os grupos informais, os grupos mais formalizados, mas ainda

assim pequenos, e as agências de controle que comporiam os grupos mais

formalizados e poderosos da cultura. Uma análise de cada um destes grupos ê

que comporia um quadro da cultura, tanto em termos de seus problemas, como

das soluções possíveis para eles. E preciso lembrar que, se isto está carreto,

Skinner tenderia as em primeiro lugar, dar prioridade, em suas propostas para

a cultura, àqueles grupos que são mais importantes em termos da capacidade

de controle que exercem sobre o comportamento individual e, por

consequência, sobre a possibilidade de sobrevivência da cultura. Em segundo

lugar, que não somente tenderia a descrever a estrutura como é, o que

significa desvendar seus determinantes e seu papel no controle e

sobrevivência da cultura, mas, também, a apontar soluções para problemas,

fazendo previsões e propondo alternativas às formas de controle existentes.

Walden II e Science and Human Behavior, embora não exclusivamente,

se caracterizam por conter estes traços- Em ambos os livros encontra-se uma

análise da cultura, isto és de sua estrutura, de como esta estrutura se mantém

e de como afeta o comportamento dos indivíduos, e da própria possibilidade de

sobrevivência de um dado modo de vida. O interessante ê que a diferença

entre os dois livros fica muito clara aqui. Walden II se caracteriza por

explicitamente propor algo no lugar do que ai está, enquanto que Science and

Human Behavior traz, principalmente, uma análise da cultura tal como é, com

pouca ênfase explicita nas alternativas concretas que uma ciência do

comportamento poderia oferecer e muito maior ênfase na demonstração de

que os princípios básicos da ciência do comportamento seriam suficientes

para permitir tal descrição.


353

Esta diferença é importante porque poderia enfraquecer a hipótese de

que ambas são obras que compõem uma unidade — juntamente com o

texto de 1947. Mas uma leitura mais atenta acaba por fortalecer esta hipótese.

A aceitação do livro de 1953 parece ter estado condicionada a que este tivesse

um caráter mais acadêmico, que servisse como exemplo da vitalidade de uma

explicação científica do comportamento humano baseada em alguns princípios

metodológicos e teóricos. E, assim como em 1938, Skinner parece "deixar

quem quiser extrapolar". A diferença com relação a 1938 é que agora a

extrapolação possível já estava publicada.

Por outro lado, é neste aspecto que talvez se mostrem mais claramente

as diferenças entre as duas obras e ao mesmo tempo sua unidade. Não tanto

no sentido explicito de em 1948 se apresentar uma proposta concreta para a

sociedade, mas no sentido de que possivelmente é esta condição que faz com

que alguns dos problemas que ainda permanecem em 1948 sejam

parcialmente resolvidos em 1953. Ou de que alguns aspectos da proposta

skinneriana, tal como apresentada em 1953, parecem se relacionar claramente

às soluções propostas em 1948. Assim, por exemplo, na análise da agência

econômica, em 1953, Skinner parece atribuir pouca importância ao papel

essencial que esta agência desempenha em todos os setores na vida humana.

Enquanto que em 1948 obviamente isto foi levado em conta, uma vez que toda

a vida em Walden II tem na sua base uma organização completamente nova da

economia.

E como se alguns dos problemas teóricos só pudessem ser revelados

pela prática- Do mesmo modo, fica claro que alguns dos problemas práticos

não poderiam ser resolvidos a contento pela falta de um embasamento teórico


354

adequado. Este é o problema da agência educacional, por exemplo: em

Walden II não se pode evitar, ainda, os controles aversivos quando do

ensinamento de auto-controle para as crianças. Em 1953 esta discussão de

auto-controle já ê um pouco mais avançada e, não por acaso, ê feita na parte

teórica do livro. Assim, mais uma vez, parece se fortalecer a hipótese de uma

relação íntima entre os dois trabalhos, uma relação que se assemelha à

relação que os experimentos de 1930 a 1938 têm com a obra de 1938, até

mesmo nos aspectos problemáticos do sistema skinneriano: em 1953, alguns

dos problemas que certamente deveriam ter sido considerados em 1948 e não

o foram reaparecem sob nova forma - mais uma vez é o caso, por exemplo, da

agência econômica que, uma vez que só é descrita quando constituída, em

1948, em 1953 peca por não receber uma discussão abrangente e totalizadora

de seu papel na vida dos cidadãos e na formação e manutenção da cultura.

As agências controladoras têm especial relevância quando da análise

dos controles de grupo. Isto não significa que Skinner não perceba a

importância dos outros grupos presentes na vida social; entretanto, percebe

nitidamente que as agências organizadas têm um papel especial na cultura,

uma vez que determinam a maior parte dos controles relevantes e, até mesmo,

interferem na própria constituição dos outros grupos sociais. Assim, embora a

estrutura dos controles sociais de uma cultura não se reduza ao controle

exercido pelas agências, sem dúvida, estas são e devem ser priorizadas.

Dentre as agências, algumas são, ainda, mais importantes que outras.

Embora Skinner não afirme claramente, pode—se concluir que as agências

econômica e governamental - e talvez a educacional — desempenham um

papel especial na vida dos indivíduos e na formação e manutenção de uma


355

cultura- Isto porque estas agências detêm a maior parte do controle - aversivo

e positivo - eficiente na vida social- Porque delas emana o maior poder

controlador da vida individual e grupai tornam-se essenciais para a cultura, e

para a análise da sociedade feita pela ciência do comportamento.

Assim, a agência religiosa pode ser vista como quase que um braço

auxiliar da agência governamental, mesmo quando se reconhece que a ela

frequentemente se contrapõe porque, mesmo nestes casos, frequentemente

aspira tornar-se, ela mesma, a agência governamental.

A psicoterapia também seria quase que um sub-produto das agências

governamental e econômica, no sentido de que existe para remediar problemas

de um excessivo controle, ou do controle inadequado exercido principalmente

por tais agências.

Do modo semelhante, mesmo a educação existe como agência que

perpetua os padrões comportamentais, instalando-os, para garantir a

continuidade do controle exercido pelas agências econômica e governamental.

Poder-sei-ia dizer, portanto, que as agências governamental e

econômica são quase que super-agências. 0 fato de que em Walden II a

preocupação essencial está no planejamento e controle destas mesmas

agências fortalece esta interpretação do sistema. E mesmo o fato de que esta

posição não é explícita, e talvez não esteja mesmo presente em Science and

Human Behavior, também fortalece esta hipótese, uma vez que se atribui

alguns dos problemas da interpretação skinneriana da cultura —

especificamente de suas agências controladoras — a este não

reconhecimento, decorrente de sua postura por demais analítica em

determinados momentos.
356

Parece, assim, haver diferenças entre a proposta de 1948 e a de 1953,

em relação ao papel e à inter-relação entre as agências controladoras. Em

Science and Human Behavior há uma tendência mais acentuada de promover

uma interpretação analítica e cada agência é examinada separadamente, com

pouco ou nenhuma discussão de suas interações, o que acaba por levar a que

se desconsidere muitos dos determinantes importantes dos modos de controle

de cada uma delas. Isto fortalece a posição, que é pelo menos discutível, de

que apenas a ciência do comportamento pode propor transformações que

levariam a uma real interação entre as agências, com os benefícios daí

decorrentes, quando, o melhor que se poderia argumentar, é que de uma

ciência do comportamento poderiam advir novas propostas para a sociedade,

mas jamais que tais relações são irrelevantes, ou inexistentes.

Entretanto, o não reconhecimento de uma relação intrínseca e

fundamental entre as várias agências que compõem a cultura implica uma

abordagem do sociedade que pode ser vista como simplista porque, se talvez

não se possa criticar as metas de uma ciência do comportamento, certamente

pode-se criticar o fato de que no caminho para o objetivo terminal desta

proposta, na viabilidade de que venha a se constituir talvez esteja uma dos

maiores problemas de Skinner. Esta distância certamente poderia ser reduzida

se Skinner admitisse e buscasse desvendar alguns dos determinantes atuais

que mantêm as agências controladoras e que certamente não podem ser

encontrados em cada caso particular e singular, mas sim na interação entre

estas agências. Assim, o que parece apenas, ou principalmente, um problema

de Science and Human Behavior, acaba por ser também um problema em

Walden II. A diferença é que em Science and Human Behavior ficam claras as
357

dificuldades quando da análise de cada agência, enquanto que, em Walden II,

estas dificuldades surgem na proposta de constituição das agências, ou

melhor, da cultura. Isto, em certo sentido, pareceria óbvio, uma vez que os

problemas não poderiam se manisfestar do mesmo modo, uma vez que se

trata, num caso da proposta de uma nova cultura e, noutro, de uma critica á

cultura existente. Mas, uma vez que a ferramenta é a mesma nos dois casos,

em ambos, os mesmos problemas, decorrentes do seu uso, se apresentam.

O primeiro deles estaria, como já se afirmou, na insistência na análise,

enquanto método. Isto acarreta o desmembramento e a em separado de cada

agência e a consequente simplificação de muitas das interpretações

resultantes. Esta mesma tendência analítica se reflete em sua descrição de

cada agência, que frequentemente acaba sendo reduzida à análise de seus

controles imediatos, perdendo-se de vista os controles mais gerais e

frequentemente mais importantes.

O segundo problema estaria em uma tendência de desvalorizar qualquer

análise histórica, o que leva, em alguns casos, também a uma descrição

simplificada e até simplista dos controles que operam numa dada agência, ou,

em outros, a uma impossibilidade de antever alternativas, ou, em outros ainda,

a uma impossibilidade de propor mudanças que expliquem e possibilitem

também a formação de uma agência, ou uma cultura, sobre novas bases.

O terceiro problema estaria no fato de que, porque não reconhece os

valores implícitos em sua proposta de sociedade, Skinner acaba por não poder

explicar a contento muitas das práticas que propõe, ou muitas das criticas que

faz. É o caso, por exemplo, da propaganda: sua critica, implícita e não

assumida, provavelmente é que esta prática não possibilita uma equanimidade


358

do controle social, impedindo a igualdade, e não tanto que é prática que

mascara a eficiência de outras práticas. Do mesmo modo, o problema real com

relação à democracia, ou melhor, à política, seria que esta forma de controle

social mais dificilmente levaria à felicidade e à uma sensação de liberdade, e

não, mais uma vez, o que explicitamente é declarado, ou seja, a ineficiência de

uma técnica baseada no controle político do comportamento. O problema não

estaria na participação das decisões sobre a vida social, o problema estaria

em que esta participação jamais foi equânime.

Finalmente, é problemática a afirmação de Skinner de que sua proposta

nada traz de subjetivo. 0 não reconhecimento de sua própria de- terminação

cultural acaba por permitir muito mais criticas do que se Skinner reconhecesse

este fato e tentasse desvendar em seu próprio comportamento estes

determinantes. Mais ainda, isto talvez permiti se que separasse o que é

essencial e o que não é em sua proposta de uma ciência do comportamento

aplicada â cultura, o que precisa ser ainda conhecido e quais são as

fraquezas de seu sistema.

Mas as propostas e a análise skinneriana da cultura, no que se refere às

agências, não são apenas um conjunto de problemas. Há na sua descrição

inúmeros traços que merecem atenção, ou porque demonstrariam realmente o

vigor e as possibilidades entreabertas por uma ciência do comportamento, ou

porque apontariam soluções reais para alguns dos mais sérios problemas da

sociedade, ou ainda, porque destacariam possibilidades de explicação que

poderiam vir a servir à transformação da cultura.

Mesmo os aspectos negativos do sistema contêm elementos que podem

ser interpretados como positivos: por exemplo, a postura analítica, se por um


359

lado acarreta uma interpretação de muitos pontos de vista fragmentada, de

outro, permite que se recoloque o presente e o indivíduo como focos

privilegiados da transformação social; o que é uma atitude muito mais produtiva

do que posições pretensamente mais abrangentes, mas muito menos

agressivas nas suas tentativas de efetivamente propor transformações sociais.

Outro exemplo importante estaria na própria recusa de Skinner de

explicitamente assumir que valores dirigem sua ação. Se isto traz problemas

para a interpretação e avaliação de muitas de suas propostas, por outro lado,

permite que se enfatize algumas das condições concretas existentes, e

passíveis de serem mudadas, responsáveis pela manutenção de valores; ao

invés de enfatizar estruturas ou valores que não podem ser sequer

objetivamente definidos, muito menos concretamente manipulados. Igualmente,

a pretensão de objetividade acaba por obrigar Skinner a definir, ou pelo menos

a explicitar, suas propostas e a origem destas permitindo, certamente, muito

mais critica do que propostas que escamoteiam suas reais origens. Deste

ponto de vista, os pressupostos e as análises e propostas para a sociedade

talvez acabem por atingir alguns dos mais importantes objetivos de uma ciência

do comportamento. Isto é: permitiriam ao homem que, mesmo não

concordando com a totalidade da proposta skinneriana, se apossem de um

referencial muito mais explícito que, pelo menos como modelo geral de análise,

pode ser importante para aqueles preocupados com a transformação social,

uma vez que Skinner parte do suposto de que esta é uma necessidade e uma

possibilidade.

Assim, em Science and Human Behavior e em Walden II são

apresentados, na defesa do argumento de que uma ciência do comportamento


360

pode descrever e gerir a sociedade, não apenas um modo de interpretação,

mas propostas concretas de realização de uma nova cultura. Sempre com o

parâmetro da sobrevivência da cultura no horizonte são analisadas várias

agências de controle. A discussão desta concepção é importante, portanto,

seja porque pode abrir uma nova perspectiva de interpretação do mundo, seja

porque esta perspectiva precisa ser criticada para que possa ser burilada. Aqui

se enfatiza as propostas e análises das agências econômica e governamental

por se entender que mesmo dentro do esquema skinneriano estas agências

desempenham um papel essencial, serviriam de base sobre a qual se

estruturam as outras agências e muitos dos outros controles sociais.

Agência econômica: os limites de uma proposta analítica

A agência econômica, como proposta em Walden II, é base da

estrutura social e responsável por boa parte do sucesso da comunidade. E

consequência necessária da postura critica de Skinner em relação â sociedade

tal como vem sendo gerida e da crença na possibilidade de que seja

efetivamente transformada pela ciência do comportamento. A estrutura

econômica proposta, diferentemente do que se encontra em Science and

Human Behavior. Vincula-se explicitamente às características mais gerais

propostas para a cultura- E através dela que se estabelecem muitos dos

padrões comportamentais necessários ao bom funcionamento da

comunidade.

"Uma Idade de Ouro, quer em arte ou música ou ciência ou paz ou fartura, está
fora do alcance de nossas técnicas econômicas e governamentais. Algo pode
ser feito por acidente, como ocasionalmente aconteceu no passado, mas não
deliberadamente. Nesse preciso instante, um número enorme de homens
inteligentes e mulheres de boa vontade estão tentando construir um mundo
melhor. Mas os problemas surgem mais rapidamente do que podem ser
361

resolvidos."(1948c, p.91)

Em Walden II a organização econômica da sociedade se dá em bases

que são afirmadas como meramente técnicas. Todas as decisões de ordem

econômica são tomadas como soluções ditadas pelas leis do comportamento,

leis que permitem prever os padrões mais efetivos, e como podem ser

alcançados. Os próprios agentes que constituem a agência económica são

tidos como agentes que se qualificam, apenas por seu conhecimento técnico.

Como consequência, o interesse que supostamente deveria existir por

assuntos económicos e políticos numa sociedade assim organizada são

concentrados em um pequeno número de membros, aqueles tecnicamente

responsáveis por seu gerenciamento.

"Você encontrará alguns de nós interessados em política porque nós somos


encarregados desse interesse em nome da comunidade. Masvocê pode
acomodar-nos a todos" (...) "numa das menores salas coletivas." (1948c,
p.44)

Neste sentido, a análise da agência econômica apresentada em Science

and Human Behavior complementa aquilo que é defendido em Walden II. Ao

discutir o controle econômico, e ao localizá-lo nas mãos daqueles que tem

riqueza acumulada, Skinner coerentemente com sua preocupação de analisar,

compartimentar e considerar as variáveis presentes, acaba por sugerir também

critérios, que supõe técnicos e que serão utilizados para o planejamento de

outras áreas da vida social, para a manipulação da agência econômica. Em

Science and Human Behavior afirma que aqueles que acumularam riquezas

são os que, mais que interesse no controle económico, efetivamente exercem

este controle e, por consequência, são tidos como mais capacitados para tanto.

E, na medida em que uma sociedade se organiza de maneira pré-científica,

este controle é detido e exercido de maneira também pré-científica, e não de


362

modo eminentemente técnico-científico, gerando não apenas contra-controle,

mas também padrões comportamentais muito menos eficientes do que se

poderia obter pela via da ciência.

"0 poder de manter controle económico naturalmente é daqueles que possuem


os bens e o dinheiro necessários. A agência económica pode consistir de um
só indivíduo, ou pode ser altamente organizada como numa grande indústria,
fundação, ou mesmo governo."
(...)
"Se há uma agência económica especial, como tal, ela é composta daqueles
que possuem riqueza e a usam de forma a preservar ou aumentar sua fonte de
poder." (...) "aqueles que possuem riqueza podem atuar juntos para proteger
sua riqueza ou para controlar o comportamento daqueles que a ameaçam.
Nesta medida, podemos falar da agência económica ampla chamada 'capital'.
Um estudo desta agência requer um exame das práticas que representam o
controle económico e dos efeitos que sustentam estas práticas-" (1953b, p.400)

Nesta passagem, parece que Skinner defende que interesses que se

opõem, por princípio, entre o capital e o trabalho, são os responsáveis pela

estrutura e pelo poder da agência e dos agentes econômicos. Mas, tanto em

1953 quanto em 1948, esta concepção se dilui. O que acaba prevalecendo em

sua análise é uma constatação de fato, que não é complementada, como se

esperaria, por uma análise minuciosa dos determinantes do fato.

Especialmente em Science and Human Behavior, é como se esta composição

da agência não pudesse ser de outro modo e como se todo o problema

estivesse numa mais ou menos eficiente manipulação de controles que já estão

dados. Assim, a oposição entre trabalho e capital, por exemplo, acaba por se

diluir num contrato de trabalho que se baseia, em última instância, no equilíbrio,

tanto entre trabalhador e empregador, como entre os componentes aversivos e

positivos do próprio trabalho.

"Aquela parte do comportamento do trabalhador que está sob o controle


econômico gera estímulos aversivos - ou pela própria natureza do trabalho, ou
porque impede-o de se engajar em outras atividades. Estas consequências
aversivas são mais ou menos equiparadas pelo reforçamento econômico que o
trabalhador recebe." (...) "Uma comparação semelhante é feita para o
empregador. Desde que aqueles que usam o controle econômico devem
363

abdicar de bens ou de dinheiro com que reforçam o comportamento, o


reforçamento econômico é, por definição, aversivo ao empregador."
(...)
"A quantidade <de pagamento> oferecida também dependerá das
consequências aversivas de abdicar do dinheiro. A quantidade oferecida pelo
empregador é o que o trabalho 'vale' para ele, nas suas circunstâncias
econômicas; a quantidade aceita pelo empregado é o que o emprego 'vale'
para ele em sua condição económica." O 'valor económico' do trabalho ou
outros serviços pessoais tem a ver, portanto, com a comparação de efeitos de
reforçadores positivos e negativos." (...)
"Para o empregador o valor económico do trabalho é exatamente aquela
quantidade de dinheiro de que ele abdicará em troca daquele trabalho" (...)
Para o empregado o valor econômico do trabalho é exatamente aquela
quantidade de dinheiro pela qual ele fornecerá aquele trabalho." (1953b, pp.
391, 392)

Outro aspecto da agência econômica, contido na análise skinneriana,

mas que não parece receber a ênfase e o cuidado que mereceria, diz respeito

ao fato de Skinner reconhecer um componente aversivo, tanto no trabalho,

como no pagamento do trabalho. O que fica por discutir é, não apenas quais

são as variáveis que geram tais componentes, como o porque de sua

manutenção. 0 que Skinner não analisa é a origem do efeito de estimulo

reforçador que tem o dinheiro, ou a origem do valor aversivo do trabalho e a

possibilidade de que tal origem seja diferenciada para distintos agentes

econômicos, de modo que não se poderia aferir o mesmo valor reforçador

absoluto para cada uma das partes envolvidas na troca entre trabalho e salário,

por exemplo. Skinner também não discute a natureza diferente do que é

aversivo cada um dos agentes econômicos. Enquanto que para os

empregadores as condições aversivas estão muito mais sob seu controle, para

os trabalhadores estas condições são impostas com muito menor participação

sua. No entanto, a própria concepção de reforçadores condicionados e

generalizados, associada à concepção de que muitos destes reforçadores são

socialmente instalados, deveria permitir uma análise bastante ampla desta

questão.
364

A análise do 'valor econômico' do trabalho peca, ainda, por não abordar

as relações económicas que determinam não apenas o valor de cada

transação particular, que é analisada como se fosse um episódio que se

encerra em si mesmo e que não se relaciona a outros fatores econômicos e

extra-econômicos, mas também por não analisar os fatores que determinam,

na sociedade capitalista (1), a própria forma que toma o trabalho e a atribuição

de seu valor. A análise é feita de forma a parecer que poderia ser empregada

em qualquer situação, o que o próprio Skinner já parecia reconhecer como não

verdadeiro a partir do cuidado com que em Walden II discute a organização do

trabalho e a atribuição de seu valor. O que fica claro ali é que tal atribuição é

arbitrária, dependendo dos objetivos econômicos que tenha um dado grupo

social, no caso a agencia econômica. Há, assim, pelo menos em certos

aspectos de sua critica e de suas propostas para a agência econômica, uma

tendência a fragmentar os fenômenos enfocados e a atribuir-lhes uma certa

generalidade - a naturalizá-los — que acaba por prejudicar seu sistema. E

interessante que estes traços são mais claros em suas análises teóricas e

menos em suas propostas de intervenção, permitindo que se suponha um

desvio que poderá ser corrigido pela aplicação, ou melhor pela avaliação, de

uma tecnologia decorrente da ciência do comportamento.

Em Science and Human Behavior, um outro traço parece marcar sua

análise da agência econômica, especialmente da troca (seja a troca envolvida

na compra de produtos ou serviços, seja a troca envolvida na compra de força

de trabalho): a noção de que tais transações se baseiam essencialmente numa

relação de equilíbrio, o que implica dizer uma relação de igualdade de

condições. Tal concepção — coerente com sua concepção de mundo - só é


365

possível por se tratar de uma análise que se baseia nas transações individuais

e nos aspectos imediatos envolvidos em tais transações. Uma coisa é propor a

criação de um sistema económico, como em Walden II, que se baseia

exatamente nesta suposição: a de que as relações econômicas devem se

fundar na igualdade de condições de barganha e para isto propor uma

sociedade em que tal equilíbrio se constitui em suposto da agência; outra bem

diferente é supor, como parece o caso em Science and Human Behavior, que

em qualquer outra sociedade esta condição está na base da agência

econômica e que se estende, portanto, para todas as trocas particulares que

compõem o sistema econômico. Isto é especialmente importante quando se

percebe que Skinner reconhece no capital a agência econômica por excelência

e que reconhece que o valor do trabalho depende das condições atuais do

trabalhador (2). No entanto, este reconhecimento não ê utilizado, não é tornado

uma variável importante, em sua análise da agência económica; pelo menos no

sentido de que uma análise destas condições seria essencial para se avaliar a

própria agência.

Em Walden II, Skinner afirma o equilíbrio como grande pressuposto do

trabalho, das trocas, enfim de toda a economia. E esta afirmação é diferente do

que acontece em Science and Human Behavior onde o equilíbrio é afirmado

como principio, apesar das condições reais geradas pelo sistema. Em Walden

II é buscado como necessário à manutenção do sistema. Mais ainda, a

obtenção deste equilíbrio é, ela mesma, encarada como um problema técnico.

Esta posição estaria implícita em toda sua proposta para Walden II, onde

supõe possível e desejável que se manipule as preferências por determinados

trabalhos, que se garanta alguma parcela de trabalho manual para aqueles que
366

fazem trabalho intelectual, que se garanta que todo trabalho vale na razão

quase inversa de sua desejabilidade. No entanto, tudo isto só e possível desde

que se organize a sociedade de modo que não haja propriedade privada,

ou trabalho desnecessário, e desde que se garanta um mesmo padrão de

consumo e de privilégios para todo o grupo social.

Já estes supostos, que Skinner parece reconhecer como pré-condições

para o estabelecimento de uma agência econômica fundada no equilíbrio das

possibilidades de controle de todos os agentes econômicos não parecem ser

levados em conta, pelo menos da forma, se entende, seria devida, em

Science and Human Behavior. Mesmo em Walden II, entretanto, há outros

reparos a se fazer em sua concepção da agência econômica. Skinner parece

desconsiderar, ou pelo menos não analisa na profundidade em que se

esperaria que o fizesse, que tudo isto só seria possível, talvez, não porque a

ciência do comportamento prove técnicas eficazes de controle do

comportamento humano, mas exatamente porque há uma estrutura social em

que não há propriedade privada, estrutura que, não importa o que afirme, não é

resultado das leis da ciência do comportamento. Aliás o próprio Skinner

reconhece, em 1948 mesmo, que sua ciência poderia ser usada em sistemas

muito diferentes do que propõe. Deste modo, poder-se-ia, com coerência,

supor que a partir de uma determinada estrutura econômica básica a ciência do

comportamento pudesse prover as técnicas para garantir o bom andamento da

sociedade, mas não, como quer Skinner, que da própria ciência se pudesse

derivar tais supostos e, mais ainda, que estes seriam prontamente aceitos e

incorporados ao sistema social.

Ou seja, a sociedade capitalista desenvolvida urbana, que ele condena,


367

mesmo no que considera como características que geram ineficiência (a

duplicação de serviços, meios e bens, a manutenção de um exército industrial

de reserva, a manipulação dos preços e salários, a manipulação do trabalho de

forma a manter um controle aversivo e consequente dominação), expressaria

características que são constitutivas de sua forma de organização mais básica,

de modo que a solução de seus problemas não poderia advir de um conjunto

de decisões técnicas propostas por uma ciência qualquer. Seria preciso que

Skinner reconhecesse que em tal sociedade as trocas que se dão,

especialmente entre o "empregador e o empregado", não são baseadas em um

equilíbrio de oportunidades, ou em igualdade de condições de barganha, ou

mesmo na convergência de interesses. São trocas fundadas numa oposição

que não garante os mesmos parâmetros para cada um dos lados envolvidos e

que compõem um sistema assimétrico cuja transformação, só poderia ser

obtida através de mudanças muito mais profundas do sistema produtivo. O

que, aliás, Skinner parece perceber e reconhecer, ao meno parcialmente, ao

propor Walden II. Entretanto, possivelmente por razões que são também de

ordem metodológica Skinner tende a desconsiderar tais condições e a fazer

uma análise fragmentada da agência econômica: uma análise que enfoca os

aspectos imediatos envolvidos nas interações entre os agentes.

Além disto, ou talvez como uma consequência, os próprios aspectos da

agencia econômica na sociedade capitalista que Skinner preferencialmente

analisa dizem respeito a determinados aspectos da vida econômica, outros

sendo omitidos. São principalmente aqueles envolvidos na circulação de

mercadorias e na prestação e circulação de serviços, mas não os aspectos

diretamente vinculados ao sistema produtivo. A base do sistema produtivo é


368

deixada de lado. A produção, sua organização e mesmo sua interferência

sobre a circulação e preterida. Ao separar a economia de outras agencias para

analisá-la isoladamente, ao pretender analisar o comportamento do indivíduo,

ao pretender analisar a agencia sem percorrer a sua constituição histórica,

Skinner acaba por fazer uma análise parcelada e por esta razão incompleta e

muitas vezes superficial.

A partir de uma discussão do trabalho, Skinner passa, assim, em 1953, a

discutir a circulação de mercadorias. Aqui mais uma vez sua análise se

concentra no episódio particular de compra e venda de um bem, dai extraindo

uma lei geral, que em nada diferiria em cada instância particular. A troca de

bens, efetuada pelo uso da moeda, é vista como um simples episódio em que

reforçadores são ganhos e perdidos e que, mais uma vez, se baseia na noção

de equilíbrio entre o que cada indivíduo ganha e perde. Embora Skinner

reconheça a emergência, em cada transação, de fatores que são externos a

cada troca particular - como o nível de privação "na população como um todo",

o suprimento de dinheiro, ou a história de reforçamento anterior de comprar e

de vender -, e que são determinantes desta troca, nenhum deles é tomado

como variável realmente essencial para que se compreenda tal processo.

Nesta medida, fatores fundamentais envolvidos na produção, na delimitação do

"valor trabalho", são vistos como tangenciais ao problema.

"0 uso do dinheiro na compra e venda nos permite avaliar bens como
avaliamos o trabalho - numa escala unidimensional simples." (1953b, p.394)

Poder-se-ia dizer que a ciência do comportamento que Skinner propõe

corno solução dos problemas econômicos talvez pudesse realmente se

constituir em ferramenta útil no aprimoramento de um sistema econômico

qualquer - seja ele capitalista ou não - mas não se constitui ela mesma na
369

solução. Para servir como ferramenta ela necessitaria, antes, estar inserida em

uma dada forma de organização econômica. Os padrões comportamentais que

ela poderia instalar ou manter não derivam dela mesma, mas são

consequência de algo que a antecede pelo menos ontologicamente. Isto não

significa que a ciência do comportamento não se adequaria mais a uma dada

proposta de sociedade do que a outra, mas que mesmo a descoberta desta

vocação dependeria de que se assumisse que a própria ciência do

comportamento é fruto de uma dada cultura, por ela limitada e que mesmo a

superação destes limites exige que se reconheça aspectos da sociedade que

até aqui foram descuidados.

Em Walden II, talvez isto não se torne tão claro porque Skinner já nos

apresenta uma sociedade constituída. Analogamente, em Science and Human

Behavior também não se esclarece facilmente este problema porque ali se

analisa também uma sociedade constituída de forma que ainda é possível

esquivar-se do problema. Mesmo assim, em Science and Human Behavior o

problema se expressa melhor porque ali não são considerados os

determinantes do sistema, enquanto que em Walden II estes são considerados.

Entretanto suas bases são apresentadas como se fossem consequência da

própria ciência, de modo que certos temas centrais à organização da

sociedade são ali analisados sobre fundamentos duvidosos. O que se quer

dizer é que são abordadas questões fundamentais à organização social

econômica, mas Skinner os assume como consequência direta dos princípios

teóricos derivados ciência do comportamento e não como pressupostos que

dirigem, em certo sentido, a aplicação de uma tecnologia comportamental.

Assim, por exemplo, em Science and Human Behavior, Skinner afirma


370

que, como nas outras agências, o controle econômico pode ser excessivo e

gerar contra-controle, o que parece estranho, pelo menos à primeira vista, se

comparado com a afirmação de uma certa equivalência nas noções de valor

como, por exemplo, no valor do trabalho para empregado e empregador. No

entanto, se a afirmação de uma certa disparidade nestas medidas não é

explicitada em Science and Human Behavior, certamente o é em Walden II. Ali,

a proposta de uma agência econômica inserida em uma nova sociedade

resolveria os problemas de exploração existentes no mundo capitalista. E a

razão desta maior explicitação provavelmente está também no fato de que em

Walden II Skinner necessariamente tem que se ocupar também da produção

de bens e não apenas da circulação e da troca, como o faz em Science and

Human Behavior. Um problema central da agência econômica é assim

relegado, num caso a uma mera consequência de certos problemas

aparentemente secundários na organização da agência, em outro a uma

questão técnica simplesmente resolvida pela ciência do comportamento.

No entanto, olhando coro mais atenção as análises efetuadas em pode-

se perceber que traços importantes e característicos da agência econômica

são de algum modo considerados por Skinner. Apenas que em Science and

Human Behavior eles são acompanhados de uma interpretação mais

propriamente acadêmica. Ao invés de falar em exploração, Skinner refere-se

aos componentes aversivos do controle econômico. E, embora boa parte

destes componentes se resuma, para ele, a aspectos objetivos do trabalho e

sejam vistos como componentes que não existem só para os trabalhadores,

indubitavelmente são reconhecidos como mais acentuados para os

empregados, e como se expressando não apenas no controle aversivo que faz


371

parte do controle do comportamento do trabalhador, mas também nos contra-

controles que tais componentes geram, nos abusos observados na aplicação

de vários esquemas de reforçamento e mesmo no contra-controle gerado por

outras agências.

Em relação a alterações na agência econômica que resolveriam seus

problemas, Skinner discute, por exemplo, a mecanização do trabalho, que

retiraria da própria atividade componentes aversivos importantes, uma solução

possível em Walden II, mas não, pelo menos na extensão desejável, na

sociedade capitalista. Estes e outros aspectos são discutidos em sua critica da

agência econômica e a eles são atribuídas, além das funções de controlar o

capital, na sociedade existente, funções de mascarar a realidade e de

manutenção da agência econômica, ou mesmo a função de manter a

submissão e a exploração - como no parcelamento e na fragmentação do

trabalho. Todas estas características seriam um importante modo de controle e

coerção do trabalhador. Estas seriam características relevantes do próprio

sistema econômico, mas que Skinner prefere abordar como se fossem apenas,

ou essencialmente, uma consequência de inexistência de técnicas, ou de

conhecimento, por parte da agência de formas melhores - para o trabalhador -

de organização. Assim, alterações simples na agência econômica

solucionariam alguns de seus mais graves problemas.

Em relação ao controle e contra-controle de outros grupos e agências

sobre a agência econômica Skinner assume um posição que é semelhante

em seus aspectos essenciais, uma vez que os assume como eficientes

modos de contornar possíveis abusos da agência econômica, modos que

surgiriam quase que naturalmente e que restabeleceriam o equilíbrio, quando


372

quebrado por uma eventual acumulação indevida de poder. Skinner afirma, por

exemplo, que o grupo tende a condenar a riqueza excessiva e classificar como

boa a caridade, o que controlaria pelo menos parcialmente o comportamento

dos muito ricos. Afirma que as igrejas e os governos, enquanto agências,

também participam do contra-controle. Os governos através de legislação,

proibindo escravidão, trabalho infantil, transações fraudulentas, taxando

determinadas transações etc. As igrejas através de padrões éticos e morais

que regulariam a acumulação excessiva. Com relação às medidas tomadas por

outras agencias, por exemplo, Skinner afirmas

"Todas estas medidas alteram o equilíbrio entre aqueles que possuem bens ou
trabalho e aqueles que possuem dinheiro; por isto alteram a frequência com
que certas transações econômicas ocorrem. O efeito é geralmente o de reduzir
a extensão em que o possuidor de riqueza é capaz de empregá-la no controle
de outros." (1953b, pp.400, 401)

Já aqui se percebe que ao mesmo tempo que Skinner reconhece

diferenças na possibilidade de controle e que reconhece a complexidade da

relação envolvida no trabalho lhe escapa que tal complexidade é devida a

fatores que estão na base da estrutura econômica. Escapa-lhe ainda que num

sistema econômico complexo uma boa parte das variáveis que são

determinantes, não apenas dos valores pagos pelo trabalho, mas também das

próprias condições de trabalho, são determinadas por uma complexa rede de

relações que não se resume ao contratante e ao contratado em cada situação

específica. Mais que isto, tal reconhecimento talvez implicasse uma análise

muito mais pessimista, talvez implicasse o reconhecimento de que as relações

de trabalho esteio baseadas em muito mais controle aversivo e em relações

muito mais assimétricas do que Skinner parece assumir. O interessante é que

tudo isto só facilitaria sua critica da agência econômica- Mas, por outro lado,

exigiria que reconhecesse não apenas o caráter histórico e social de tais


373

relações, mas também seu caráter político e, no caso do capitalismo, seu

caráter de oposição entre as partes envolvidas. Mas Skinner, como em tantas

ocasiões, parece tocar apenas levemente o problema ao afirmar:

"Hoje é amplamente reconhecido que o trabalhador raramente trabalha 'apenas


pelo dinheiro'." (...) "O artesão individual não constrói apenas algo que pode
vender por dinheiro, ele é reforçado por seu sucesso em dominar o meio no
qual ele trabalha e por receber aprovação. Estes reforçamentos adicionais
podem ter um efeito substancial na manutenção de seu nível de trabalho. Eles
são frequentemente perdidos nos métodos de produção em massa, nos quais o
trabalhador recebe apenas reforçamento econômico por seus produtos." (...)
"O efeito do reforçamento do trabalhador não é mostrado em sua taxa de
produção, se a taxa é determinada por um sistema de ritmo que é aversivo. Os
fatores extra-econômicos na indústria usualmente tem um efeito mais direto
sobre o comportamento do trabalhador, ou vir ao trabalho, ou permanecer no
emprego." (...) "Se ele é mantido com um alto nível de trabalho através de
estimulação aversiva constante, toda a tarefa se tornará aversiva e quando sua
condição econômica permitir ele se ausentará, ou, se possível, trocará de
emprego." (1953b, p.390)

Mais uma vez, Skinner toca uma questão importante e não a persegue:

reconhece outros determinantes do trabalho que não o reforçamento de seu

pagamento, reconhece que o trabalho executado sob o sistema capitalista

privilegia formas menos eficazes de organização do trabalho do ponto de vista

do trabalhador, reconhece o forte componente de controle aversivo sobre o

trabalho; mas não discute as variáveis controladoras para o estabelecimento

destas contingências e, por consequência não poderia reconhecer a "realidade

da vida econômica" e, nem mesmo, as possibilidades e as dificuldades de sua

transformação; ou melhor, da transformação das contingências que mantêm a

agência econômica e das contingências por ela estabelecidas para manter-se

como tal. Ao invés disto, Skinner discute, por exemplo, os esquemas de

reforçamento - puramente monetários - em que são ou podem ser mantidos os

trabalhadores:

"Com exceção do pagamento 'pelo serviço', o controle econômico do


comportamento segue certos esquemas de reforçamento. Quando um homem
é pago em termos do número de unidades de trabalho completado o esquema
ê basicamente o de razão fixa".
374

(...)
"Se a razão não for muito alta — isto é, se a quantidade de trabalho requerida
por unidade de pagamento não for muito grande - e se o reforçamento é de
uma quantia significativa, o indivíduo caracteristicamente trabalhará numa alta
taxa."
(...)
"Um esquema de FR pode, de fato, ser efetivo demais. Ele leva não apenas a
altos níveis de atividade, mas também a muitas horas de trabalho, os quais
podem ser danosos." (...) "Uma outra objeção ao uso do esquema na indústria
é que o maior retorno ao trabalhador, que se segue à conversão a tal esquema
frequentemente parece justificar um aumento da razão. " (...)
(...)
"Trabalho é mais comumente pago por dia, semana, mês, ou ano. Estes
parecem ser esquemas de intervalo fixo <FI>. O tamanho do intervalo, como o
da razão é, em termos gerais, uma função de contingências anteriores que
afetam o indivíduo." (...) "E
necessário reforçamento substancial em intervalos menores antes
que pagamentos espaçados em intervalos tão longos como um mês sejam
efetivos. Para analisar uma tal história em detalhe teriamos que investigar
certos tipos de comportamento subsidiário, alguns deles verbais, que são
gerados por esquemas de reforçamento e que preenchem o espaço entre
(formam a ponte entre), digamos, trabalhar no primeiro dia do mês e ser
reforçado no último. Uma tal analise teria que incluir o efeito de acordos ou
contratos entre patrão e empregado.
Em qualquer caso, no entanto, salários recebidos em FI não se assemelham
(não são paralelos) aos reforçamentos intermitentes" (...). "No comportamento
humano certos estímulos importantes, comumente correlacionados com o
pagamento tornam possível uma discriminação temporal." (...) "Relógios e
calendários são mecanismos verbais planejados para suprir estímulos deste
tipo ao sujeito humano." (...) "Se não houvesse outros fatores
envolvidos, o pagamento pelo trabalho ao final de cada semana geraria apenas
uma pequena quantidade de trabalho logo antes do pagamento."
Portanto é necessário suplementar esquemas de FI com outras técnicas de
controle. 0 patrão ou supervisor é uma fonte de estimulação aversiva
contingente a qualquer comportamento que seja abaixo de certas
especificações, incluindo uma taxa mínima de produção. Parte do poder do
supervisor pode derivar de sua posição no grupo ético -- ele pode condenar a
preguiça ou o trabalho mal feito como ruim ou como algo de que se
envergonhar - mas, na medida em que 'ele não pode fazer nada pior que
despedir um homem', sua principal estimulação aversiva é a ameaça de
demissão. Em tal caso os salários servem simplesmente para criar uma
condição econômica padrão que pode ser aversivamente retirada. Com o
tempo o comportamento do empregado gera estimulação aversiva comparável;
ele trabalha na taxa exatamente acima daquela na qual ele se sente culpado
ou ameaçado." (...) "Uma linha de montagem movendo-se numa dada taxa
torna a contingência entre velocidade do trabalho e estimulação aversiva mais
clara." (...) "A linha de montagem tem o efeito de reduzir alguns dos atributos
pessoais da estimulação aversiva de um patrão, mas um perigo inerente a
qualquer sistema de ritmo é a tentação por parte do controlador de aumentar o
ritmo." (1953b, pp.385 a 389)

O que sua própria análise mostra, entretanto, é que os esquemas de

reforçamento não são suficientes sequer para descrever a manutenção do


375

comportamento do trabalhador. Em primeiro lugar, porque, possivelmente o

comportamento humano não é idêntico ao comportamento animal sob os

esquemas de reforçamento (o que aliás é uma característica que o próprio

Skinner parece perceber, mas á qual não atribui, aqui, maior importância). Em

segundo lugar, porque os esquemas de reforçamento monetário não resumem

as contingências a que são submetidos os trabalhadores para que se

mantenham trabalhando. Em terceiro lugar, porque estas contingências

envolvem um componente aversivo que é, provavelmente, mais poderoso que

o próprio esquema de reforçamento. Em quarto lugar, porque o controle do

comportamento sob um dado esquema de reforçamento não é exercido

exclusivamente pelo agente controlador imediato, mas exige uma longa e

complexa interação entre a agência econômica e outras agências

controladoras, tanto para instalar, como para manter o trabalho- Em quinto

lugar, e isto não é menos importante, porque o que controla o controlador não

é, na maioria dos casos, simplesmente a manutenção do padrão

comportamental estabelecido por um dado esquema, mas tende a ser a

tentativa de obter do sujeito do controle o maior número de respostas possíveis

por um menor custo em termos de reforçamento possível.

Todos estes aspectos são, em certa medida pelo menos, considerados

por Skinner, mas nenhum deles, ou mesmo o conjunto deles, parece ser

suficiente para que se proponha uma análise aprofundada de todas estas

variáveis, de sua interação, e das contingências que levam ao seu

estabelecimento e que permitem a sua manutenção. Assim, a análise de

esquemas de reforçamento para o pagamento de salários acaba pecando por

superficialidade na medida em que não é complementada. Não se discute


376

sequer porque certos esquemas são mais utilizados que outros, não se discute

o que induz o trabalhador a aceitar esquemas que são francamente prejudiciais

para si, não se discute que variáveis permitem ao empregador transformar

esquemas — produzindo padrões que cada vez mais são satisfatórios a seus

interesses em oposição ao do empregado -, não se discute em que medida o

controle aversivo sobrepuja o controle positivo, não se discute porque outras

possibilidades não são exploradas. Pelo menos tão importante quanto isto, a

própria análise dos esquemas de reforçamento parece derivar, como

consequência técnica do emprego de determinados esquemas, a necessidade

de se gerar esquemas de controle aversivo do comportamento do trabalhador

para aumentar a eficiência do trabalho. É como se o parcelamento do trabalho

numa linha de produção, ou mesmo o controle aversivo exercido pelos agentes

intermediários do trabalho fossem consequência necessárias do esquema de

reforçamento monetário. Ao invés de uma análise de por que tal padrão de

pagamento é usado o que se acaba obtendo é uma justificativa do sistema. Isto

não seria um problema não fosse a constante afirmação de Skinner de que sua

proposta de uma sociedade gerida por uma ciência do comportamento implica

uma transformação essencial da cultura existente.

Mas em Walden II (e mesmo que Skinner não tivesse ainda publicado

seus primeiros estudos sobre esquemas de reforçamento já tinha dados para

isto em decorrência de seu trabalho durante a guerra) Skinner não enfatiza em

sua análise esquemas de reforçamento, e se detém muito mais nestas

questões. Mais uma vez, em Walden II, parece se permitir saltos que não se

permite em Science and Human Behavior, e só parece ser capaz de fazê-lo

porque ali não se trataria de análises isoladas e porque poderia manipular as


377

próprias bases da sociedade. Em Walden II esta análise envolve uma critica

mais contundente ao sistema capitalista, à exploração do trabalhador e ás

consequências daí geradas. A proposta, embora muitas vezes não explicitada,

contém tentativas de solução para muitos dos problemas identificados, mesmo

marginalmente em Science and Human Behavior. Parece não se tratar de

simplesmente fazer uma constatação, mas sim de extrair da análise um modelo

alternativo. Por seu turno, não se trata simplesmente de discutir um conjunto de

medidas técnicas aplicáveis a qualquer modelo, mas de, a partir de um

modelo, descobrir as soluções técnicas. No entanto, ambas estas coisas são

apresentadas como se fossem apenas uma, como simplesmente decisões

técnicas.

Walden II representaria, assim, não apenas a possibilidade concretizada

de se resolver em pequena escala problemas insolúveis na sociedade

capitalista, politicamente gerida, mas representaria também um modelo que, se

expandido, poderia solucionar os problemas da sociedade em geral. E Skinner

afirma, por exemplo, que se os EUA fossem um aglomerado de 'Waldens':

"Poderia argumentar que nós teríamos não uma força militar reduzida, mas sim
grandemente aumentada. Ainda teríamos indústria pesada, mas estariam tão
distribuídas que um bombardeio atômico seria difícil. Grandes centros de
população constituem um anacronismo" (...) "E nossa força de trabalho útil
seria duas ou três vezes maior do que a da última guerra, porque teríamos
desenvolvido ao último grau a força física e psicológica."
(...) "Ou eu poderia argumentar que a América não poderia ser convertida a
esse tipo de vida sem ter um tremendo efeito sobre o resto do mundo — o que
apagaria toda a ameaça de agressão." (1948c, p.206)

A proposta de uma sociedade planejada segundo os moldes de Walden

II representa, assim, mais que a possibilidade de transformação de um

pequeno grupo de pessoas, é a possibilidade de transformação até mesmo de

culturas que se mostraram até aqui extremamente poderosas. No entanto, o

problema da transformação começaria com o da adesão dos indivíduos, até


378

aqui submetidos a uma determinada cultura, a uma nova proposta de

sociedade. Mesmo que tal transformação seja difícil, dado que não será

prontamente aceita por todos, o interessante é que Skinner supõe que os

"explorados" da sociedade politicamente gerida é que se oporão mais

fortemente; quando o que seria de se esperar é que os detentores de

privilégios se constituiriam na principal oposição á uma nova proposta. Mais

interessante ainda é que a explicação para esta resistência estaria no fato

de que tais indivíduos — enquanto grupamento social - seriam explorados até

do ponto de vista de que sua consciência teria sido manipulada.

"Os que tem mais a ganhar são sempre os mais difíceis de convencer. Isso é
verdade também do trabalhador explorado - e pela mesma razão. Ambos
<trabalhador e mulher> foram mantidos em seus lugares, não por forças
externas, mas, muito mais sutilmente, por um sistema de crenças implantado
dentro de suas peles. Algumas vezes é tarefa sem esperança tentar sacudir as
cadeias de suas almas, mas pode ser feito," (1948c, p. 150)

No entanto, parece que Skinner opõe o que chama de explorados a uma

classe média que vive do seu trabalho, sem se referir àqueles que constituem o

poder, seja porque detêm poder político, seja porque detêm poder econômico,

A pergunta que permanece é se isto se dá por força do tipo de análise que faz

da economia na sociedade capitalista, em que supõe uma troca de iguais entre

o trabalhador e o detentor do capital, ou se isto se dá porque realmente supõe

que a ideologia interiorizada pela classe trabalhadora não lhe permite assumir

mudanças, por força de seu próprio conteúdo; ou seja, estes seriam a ponta de

lança daqueles a quem realmente não interessariam as mudanças. Embora o

diagnóstico do conservadorismo de um dado grupamento seja o mesmo, cada

um dos determinantes possíveis desta característica certamente apontaria para

alternativas diversas de transformação. Esclarecedor de quão forte é a

suposição de um equilíbrio natural entre trabalhador e capital é a análise que


379

Skinner faz da possibilidade de que lideres trabalhistas concordassem com as

mudanças que propõe:

"Ele há de querer, a longo prazo" (...) "Ele pode não concordar agora. Essa é a
falha fatal na reforma do trabalho. O programa pede uma campanha longa e
monótona na qual os lideres não só mantêm seus homens insatisfeitos mas
forjam um campo maior de insatisfação. Enquanto a reforma continuar sendo
uma batalha entre o trabalho e o capital, o líder trabalhista deve 'aumentar a
miséria' para elevar o moral de sua tropa. Ninguém sabe o quanto tornam mais
pesado o fardo do trabalho aqueles que tentam fazê-lo mais leve. Aqui, não há
batalha. Nós podemos admitir livremente que gostamos de trabalhar." (1948c,
p.163)

Parecer ficar claro que, em princípio, Skinner considera falsa a

suposição de que o trabalho se opõe ao capital e, neste sentido, parece

confirmar a primeira hipótese aventada. Mais ainda, ao líder trabalhista, e não

às reais condições de trabalho, é que são imputadas boa parte das razões

porque o trabalho sob o capital é indesejável, monótono, ou explorador.

Skinner quase que responderia à questão de por que - que transformação do

ambiente - em Walden II "não há batalha", afirmando que não há sindicalismo.

Obviamente o argumento guarda um paralelo com sua recusa da política e das

determinações históricas e com sua afirmação do equilíbrio como base das

trocas sociais. De qualquer modo, falta, na análise skinneriana, de um lado,

uma visão mais complexa das contradições e dos problemas gestados numa

economia capitalista, ou mesmo em qualquer sistema econômico; de outro,

uma análise mais realista dos limites impostos por estas contradições, e pelo

próprio sistema que busca manter-se, e que se expressariam também na

dificuldade de implementar mudanças tão profundas como as que supõe

necessárias para a solução dos problemas econômicos (3).

No entanto, nada disto impede que Skinner possa propor uma sistema

econômico em Walden II. A solução econômica dos problemas sociais se

embasa numa proposta que prevê a abolição da propriedade privada (dos


380

meios de trabalho e do produto do trabalho inclusive), o trabalho pleno e a

obrigatoriedade de trabalho manual para todos, o gerenciamento centralizado

e técnico do trabalho socialmente necessário. Isto eliminaria o trabalho

improdutivo, garantiria eficiência e, portanto, diminuiria o trabalho necessário e

melhoraria as condições de trabalho para todos.

Os supostos que fundamentam a proposta de uma nova estrutura

econômica significam, claramente, profundas mudanças na estrutura da

cultura, e mudanças que são incompatíveis com as bases da sociedade

vigente. Entretanto, Skinner parece assumir estes supostos como tendo peso

equivalente àquele que é dado para as medidas que garantiriam o respeito a

tais princípios. E deste modo que parecem apenas decisões técnicas, e de

relativa facilidade de implementação, aquelas decisões que envolveriam

certamente as mais profundas transformações da vida econômica e dos

valores de uma cultura.

Assim, a centralização do gerenciamento seria consequência de

comunidades pequenas, e garantiria a não duplicação do trabalho e a

eliminação de todo trabalho necessário a uma sociedade que congrega grande

número de indivíduos. O gerenciamento técnico e a extinção da propriedade

privada implicariam uma consequente melhoria do padrão de vida para todos

os membros da comunidade, e a adoção de medidas que levariam à

manipulação da desejabilidade do trabalho socialmente necessário, de forma a

manter a quantidade de trabalho doada por cada indivíduo, ela também,

homogênea. A eficiência no trabalho implicaria o treinamento de toda a

comunidade nas muitas tarefas necessárias, e implicaria o continuo

desenvolvimento de tecnologia para minorar o trabalho desagradável e para


381

minorar a quantidade de trabalho socialmente necessário, diminuindo o

desgaste gerado pelo trabalho e aumentando a satisfação de cada membro da

comunidade.

Esta recusa em admitir que certas decisões econômicas são políticas e

que certamente tem consequências que são maiores do que aquelas

diretamente relacionadas com o sistema produtivo, se não poderia ser

superada por causa da proposta skinneriana de ciência, certamente está na

base de alguns dos problemas de sua proposta, notadamente sua deficiência

de propor, real e concretamente, alternativas de ação que levem à

transformando social. Mais uma vez, em Walden II isto é quase que mascarado

pelo fato de se trabalhar com a hipótese de uma cultura já estruturada e em

andamento, onde as decisões políticas já foram tomadas e implementadas,

razão porque é mais fácil apresentá-las como um conjunto de fatos da

realidade:

"Gozamos de uma alto nível de vida, mas nossa riqueza pessoal é realmente
pequena. Os bens que consumimos não representam muito em cruzeiros e
tostões. Seguimos o principio de Thoreau de evitar posses desnecessárias."
(...) "Há pouco ou nenhum estrago ou perda na distribuição ou armazenamento,
e nenhum devido a necessidades mal calculadas. O mesmo se aplica para
outros produtos. Não sentimos a pressão dos artifícios promocionais que
estimulam o consumo desnecessário. Temos alguns carros e caminhões, mas
em número muito inferior do que as centenas de carros de família e os muitos
negócios que deveríamos possuir se não vivêssemos em comunidade." (...)
"Planejamos um padrão de vida muito alto com um baixa consumo de bens.
Consumimos menos do que o americano médio." (1948c, p.65)

As soluções que Skinner propõe para o bom funcionamento da agência

econômica, se não são completamente inovadoras de muitos pontos de vista,

são engenhosas e, certamente, se adequam a seus objetivos. O trabalho

efetuado, por exemplo, ê convertido em créditos, o que não difere

essencialmente do dinheiro, na maneira como Skinner o vê, tornando-se um

reforçador generalizado do mesmo tipo, na medida em que é trocado pelos


382

bens necessários à sobrevivência do indivíduo fornecidos pela comunidade. No

entanto, os créditos diferem do dinheiro, pelo menos no sentido em que é

usado no sistema capitalista, porque não pode ser transformado em capital,

porque não é obtido em quantidades diferentes por diferentes indivíduos e

porque seu valor, de trabalho, é auferido por uma agência centralizada e

respeitando a desejabilidade média de cada trabalho para toda a comunidade e

não em função dia escassez de mão de obra, por exemplo. A utilização de

créditos-trabalho em Walden II, portanto, torna este reforçador generalizado

completamente diverso do dinheiro na sociedade capitalista, como

consequência de um sistema produtivo fundado em bases completamente

diferentes daquela sociedade e deveria levar, em 1953, a que Skinner fizesse,

mesmo em termos comportamentais, uma análise diferenciada da que faz

do dinheiro.

"Créditos-trabalho são um tipo de dinheiro, mas não são moedas nem notas,
apenas lançamentos numa conta. Todos os bens e serviços são grátis" (...)
"Cada um de nós paga pelo que usa 1200 créditos-trabalho por ano, digamos,
4 créditos por dia de trabalho. Nós mudamos o valor dos créditos de acordo
com as necessidades da comunidade- Com 2 horas de trabalho por crédito,
numa jornada de 8 horas, poderíamos trabalhar com um grande lucro.
Entretanto, ficamos satisfeitos em viver um triz acima da bancarrota. 0 sistema
de lucro é ruim, mesmo quando o próprio trabalho obtém os lucros, porque a
tensão do excesso de trabalho não é aliviada nem mesmo por grandes lucros-
Tudo que pedimos é poder gastar com uma pequena margem de segurança;
ajustamos o valor do crédito-traba1ho de acordo com isso. No momento, é de
cerca de uma hora por crédito."
(...)
"Um sistema de créditos também possibilita avaliar um trabalho em termos do
desejo dos membros em executá-lo. Afinal de contas, um homem não está
fazendo mais nem menos do que a sua parte pelo tempo que gasta nisso: é o
que ele faz que importa. Então, nós simplesmente atribuímos valores diferentes
para tipos de trabalhos diferentes e os ajustamos de tempos em tempos,
baseados na demanda"
(...)
"Trabalhos mais agradáveis têm valores mais baixos." (...) "Ninguém ganha a
vida com isso <cuidar de flores), mas algumas pessoas gostam de empregar
algum tempo nesse trabalho e nós lhes pagamos por isso. A longo prazo, uma
vez ajustados os valores, todos os tipos de trabalhos são igualmente
desejados. Se não o fossem haveria uma maior procura do mais desejável e o
valor do crédito seria mudado. De vez em quando manipulamos a preferência
383

quando algum trabalho parece ser evitado sem causa." (1948c, pp.53, 54)

A manipulação do valor dos créditos de trabalho também não difere

aparentemente da manipulação dos salários, do modo como isto é analisado

em Science and Human Behavior. Só se diferencia desta porque é decidida por

um comitê que centraliza e organiza toda a vida econômica da comunidade de

modo que se aplica universalmente para aquele grupo de indivíduos. No

entanto, mais uma vez ainda, esta diferença é essencial se se considera os

padrões comportamentais que dai decorrem. Uma coisa é o valor do trabalho

tal como é auferido no mundo capitalista — numa relação assimétrica em que o

poder de barganha do trabalhador é, por princípio, diferente daquele que lhe

paga os salários e na qual seu poder só pode aumentar na medida em que os

trabalhadores se organizem como grupos, gerando inclusive todo tipo de

contra-controle por parte da agência econômica (desde legislações restritivas

em relação a esta organização, até aglomerados e sindicatos patronais que

também aumentam, pela sua organização, seu poder de pressão) — outra

bastante diferente é o valor do trabalho auferido numa sociedade pequena,

centralmente organizada, em que não há propriedade privada, em que o

padrão e as chances de sobrevivência são idênticos, por principio, para todos

os seus membros, e em que o controle aversivo do comportamento é proibido,

ou mesmo desconhecido. Do mesmo modo, é esta mesma característica,

associada ao pequeno tamanho da comunidade, que permite o uso de créditos

e a necessária centralização destes registros. Na sociedade capitalista isto

seria impossível, dada a enorme complexidade de sua vida e a

descentralização não apenas entre os que pagam diretamente o trabalho, mas

também entre as sub-agências distribuidoras dos bens e serviços necessários


384

á sobrevivência.

Assim, em Science and Human Behavior, a análise que ê feita sobre a

moeda (o dinheiro) é a mesma, uma vez que o dinheiro tem o mesmo valor de

reforçador secundário generalizado que tem o crédito-trabalho em Walden II,

mas esta análise só pode ser semelhante porque despreza aspectos

essenciais da realidade.

"Voltamo-nos agora <no controle econômico> para o uso do reforçamento


positivo no controle prático do comportamento. Este consiste, em geral, da
apresentação de alimento, abrigo, vestimenta e outras coisas que chamamos
de 'bens'. A etimologia é significativa. Como o comportamento do indivíduo que
é positivamente reforçador para o grupo, bens são 'bons', no sentido de serem
positivamente reforçadores. Algumas vezes também nos referimos a eles como
'riqueza'. Este termo tem uma conexão etimológica semelhante com
reforçamento positivo, mas ele também inclui reforçadores condicionados
generalizados como dinheiro e crédito, que são efetivos porque podem ser
trocados por bens." (1953b, p.384)

Em Science and Human Behavior Skinner parei a o controle econômico

com o controle positivo do comportamento, e negligencia aspectos que ele

mesmo aponta como essenciais nesta análise em outros momentos. Este

controle só pode ser chamado de positivo porque permite a obtenção de

reforçadores positivos, no entanto, está intimamente ligado ao controle aversivo

na medida em que o trabalho é aversivamente controlado, por exemplo.

Skinner também parece desconsiderar outros aspectos que seriam

fundamentais em tal análise, como é o fato de que o controle positivo (a

quantidade de reforçamento obtida) não é o mesmo para diferentes indivíduos

e segmentos sociais. O valor de cada trabalho é muito diferenciado no mundo

capitalista e sem que isto respeite a necessidade social do trabalho, ou sua

desejabilidade enquanto tarefa, o que implica possibilidades muito

diferenciadas de consumo, de obtenção de reforçadores positivos e o que, até

mesmo, exclui parcelas da população deste consumo. Mais ainda, a


385

quantidade de controle aversivo existente em diferentes trabalhos, para

diferentes camadas sociais é também profundamente diferenciada no mundo

capitalista.

Aparentemente Skinner resolve o problema com a interpretação que

oferece do papel da moeda. O que tornaria os diferentes trabalhos

imediatamente comparáveis seria a moedas uma escala padrão que permitiria

aferir o reforçamento recebido pelo trabalho efetuado.

"O 'valor econômico' do trabalho ou outros serviços pessoais tem a ver, assim,
como o pareamento de efeitos reforçadores positivos e negativos. Os efeitos
reforçadores de duas tarefas poderiam ser diretamente comparados, mas o
dinheiro prove uma escala única na qual os valores econômicos de muitos tipos
diferentes de trabalho ou serviços podem ser representados. Nós já vimos que
o dinheiro tem certas vantagens como um reforçador generalizado; ele tem
dimensões razoavelmente simples, pode ser contingente a comportamento de
uma maneira inequívoca, e seus efeitos são razoavelmente independentes da
condição momentânea do organismo. O dinheiro tem uma vantagem especial
como representante de valor econômico porque diferentes quantidades podem
ser comparadas numa única escala; uma quantidade pode ser igual a uma
outra, duas vezes maior que outra e assim por diante. Esta escala padrão é tão
efetiva em comparar reforçadores que frequentemente é vista como
representando algum tipo de valor econômico independente, não associado a
consequências positivas ou negativas. A escala monetária é vista como uma
dimensão primária do valor. Mas a escala não teria significado sem a
comparação com outras consequências." (1953b, p.392)

Por seu turno, é esta mesma unidade de escala que permitiria que se

avalie as desigualdades impostas a diferentes indivíduos ou segmentos sociais

e consequentemente a diferente quantidade de reforçamento e, quase que

diretamente, a quantidade de controle aversivo a que estão submetidos

estes indivíduos. Tal controle se daria pela manutenção da privação de certas

camadas que não podem consumir boa parte do que deveriam ou precisariam

consumir e, ao ser exercido diretamente sobre esta população, teria a

finalidade de mantê-la afastada de protestos, ou de mante-la produzindo.

Entretanto, como Skinner parte do ponto de vista, claramente explicitado em

Science and Human Behavior, de que as trocas existentes no mundo capitalista


386

são, em última instância, baseadas num equilíbrio (de ganhos e perdas) entre

as partes envolvidas, não pode perceber, ou melhor, criticar tais aspectos da

vida econômica»

As consequências de em Walden II se assumir um controle diferente do

comportamento pela agencia econômica e de se basear a própria estrutura

econômica da sociedade em outros supostos é que o trabalho efetuado

permite, ali sim, a satisfação das necessidades de todos os seus membros e

não apenas a satisfação das necessidades mais básicas. Além disto, em

Walden II, o trabalho também é tornado mais agradável e em muito menor

quantidade do que na sociedade capitalista. A consciência que Skinner tem de

que tais aspectos, não apenas mudam essencialmente a qualidade de vida

dos membros da comunidade, mas também de que tal mudança só é

possível devido a uma nova estrutura que envolve relações completamente

novas, entre trabalho efetuado e reforçamento obtido, pode ser percebida na

resposta que dá ao ser perguntado como era possível reduzir o trabalho médio

na comunidade a quatro horas diárias:

"A prova de um fato realizado? Não seja absurdo! Mas talvez possa satisfazê-lo
contando como sabíamos que isso podia ser realizado antes de tentarmos."
(...)
"Tomemos uma semana padrão de sete dias com 8 horas diárias. (A semana
de 40 horas ainda não chegou a todos os ramos da vida. Muitos fazendeiros
chamá-la-iam de férias.) Isso são quase 3000 horas por ano. Era nosso plano
reduzi-las para 1500, mas como teríamos certeza de que poderíamos reduzir o
horário pela metade?"
(...)
"Em primeiro lugar, temos o fato óbvio de que 4 horas é mais que metade de 8.
0 efeito de um dia de 4 horas será eventualmente enorme, desde que o
restante do tempo do indivíduo não seja passado sob muita tensão. Tomemos
uma estimativa moderada que leve em conta tarefas que não podem ser
aceleradas e digamos que as nossas cinco horas equivalem a 8 normais."
(...)
"Em segundo lugar" (...) "temos a motivação adicional provinda da situação de
um homem trabalhar para si mesmo ao invés de para um patrão em busca de
lucro. Trata-se de um verdadeiro 'salário-incentivo' e o efeito é prodigioso.
Evitam-se desperdícios, a mão-de-obra é melhor e jamais se ouviu falar de
morosidade voluntária. Poderíamos dizer que quatro horas de alguém aqui
387

valem 6 das 8 horas de outro indivíduo."


(...) "E espero que você note (...) que as 4 horas não são mais difíceis que as 6.
Vadiagem não torna o trabalho realmente mais fácil. 0 tédio é mais exaustivo
que o trabalho pesado." (...)
(...) "nem todos os americanos capacitados para o trabalho estão atualmente
empregados" (...) "Na verdade, estamos comparando um dia de 8 horas de
alguns, com 4 horas de praticamente todos. Em 'Walden II' não temos classe
ociosa, velhice prematura, bêbados, exceto poucos doentes. Nós não temos
desempregados devido a mau planejamento. Ninguém é pago para sentar
ociosamente, em consideração á manutenção dos padrões de trabalho. Nossas
crianças trabalham desde muito jovens, moderada mas alegremente." (...)
"Posso acrescentar outra hora às minhas 6?"
(...)
"Mas sejamos conservadores" (...) "e digamos que enquanto todo trabalhador
em potencial trabalha 4 horas para si, nós temos o equivalente de talvez dois
terços de todos os trabalhadores disponíveis, trabalhando 7 das 8 horas para
outros. Agora, o que dizer a respeito dos que efetivamente trabalham? Eles
estão trabalhando da forma mais produtiva? Foram cuidadosamente
selecionados para o trabalho que estão fazendo? Estão fazendo o melhor uso
das máquinas e métodos que poupam trabalho? Qual a percentagem de
fazendas na América que são mecanizadas como a nossa? Os trabalhadores
aceitam bem e desenvolvem planos e métodos para poupar trabalho? Quantos
bons trabalhadores têm permissão de fazer modificações visando ao aumento
do nível de produção? Que educação recebem os trabalhadores para se
tornarem tão eficientes quanto possível?"
(...)
(...) "quanto do mecanismo de distribuição nós eliminamos com a libertação de
quantos homens? Quantas tarefas nós simplesmente
eliminamos? Andamos pelas ruas da cidade. Com que frequência vocês
encontraram pessoas realmente ocupadas? Eis um banco. E, mais adiante,
uma compania de empréstimos, e uma agência de publicidade, e acima dali, o
escritório de seguros e um outro."
(...)
"Os grandes departamentos de armazém, mercados de carne, farmácias,
mercearias, salões de exposição, lojas de mobília, casas de calçados,
confeitarias, todos equipados com pessoas desnecessárias <foram
eliminados>. Metade dos restaurantes podem ser fechados para sempre. E lá
um bonito auditório e, mais adiante um cinema. (...) "E, durante todo o tempo
ônibus e bondes zumbindo, trazendo pessoas de cá para lá, de um lugar
desnecessário para outro."
"Eu não mencionei nossa economia mais drástica em mão-de-obra."
(...)
"As mulheres!" (...) "Ai está nossa maior realização. Nós industrializamos o
trabalho doméstico." (...)
"Algumas de nossas mulheres ainda estão ocupadas em atividades que seriam
parte de seu trabalho como donas de casa, mas elas trabalham mais
eficientemente e contentes. E pelo menos metade delas está disponível para
outros trabalhos." (1948c, pp.61, 62, 63, 64)

Nesta análise Skinner, mais que soluções, parece aponta alguns dos

maiores problemas da sociedade capitalista industrializada. Alguns dos

problemas se referem a uma infra—estrutura necessária às grandes


388

concentrações urbanas que necessariamente acompanham tal tipo de

organização social e econômica, como é o caso dos transportes, das grandes

lojas etc. Outros apontam para setores econômicos que também se

desenvolvem, não devido diretamente ás concentrações populacionais, mas

sim como consequência desta mesma forma de organização da economia,

como o setor terciário e o financeiro. Outros, ainda, apontam para aspectos que

podem ser considerados como constitutivos deste tipo de economia como o

desemprego, a não especialização do trabalho e a sua organização

inadequada. E ainda outros apontam para aspectos que, em certas

circunstâncias, poderiam ser tomados como mais propriamente ideológicos,

que não seriam necessarimanete fruto do capitalismo, embora difíceis de

separar dele, como o caso da admissão maciça de mulheres no mercado de

trabalho. E interessante notar que a solução de grande parte destes problemas

se só é possível pela transformação da estrutura econômica, não é retomada

na análise da agência econômica em 1953. Vale perguntar se isto não se deve

ao fato de que aqui também Skinner é capaz de ver nestes aspectos da vida

econômica problemas, mas não é capaz de relacioná-los exatamente com a

estrutura econômica, ou seja, não pode ver nestes aspectos que são de ordem

econômica e de tal ordem que só podem ser mudados com a transformação de

tal estrutura que, por seu turno, exige transformações de cunho político.

Walden II além de ser uma sociedade onde o trabalho é diminuído,

tornado mais agradável, onde as necessidades de todos os membros são

igualmente satisfeitas, se caracteriza pela qualidade de vida concretizada, por

exemplo, na qualidade dos produtos que oferece a seus membros, uma

consequência do modo como se estrutura ali a economia. Caracteriza-se,


389

ainda, por ter a igualdade como pressupostos a igualdade se expressaria não

apenas na ausência de fortuna, prestígio, ou poder pessoal, mas também por

garantir, como princípio, igual quantidade e qualidade de reforçamento e,

assim, a não competição entre seus membros.

"Nós não temos necessidade de fortuna. E até que você me mostre que a
fortuna pode ser feita sem fazer alguns pobres no caminho, este é um objetivo
que nós estamos contentes em dispensar."
(...)
"A fama é também ganha às custas dos outros. Mesmo as honras bem
merecidas de cientistas ou estudiosos são injustas para muitas pessoas
igualmente dedicadas que não obtiveram honrarias. Quando uma pessoa
consegue um lugar ao sol, outras são colocadas numa sombra mais densa. Do
ponto de vista do grupo como um todo, não há ganho nenhum e talvez haja
alguma perda."
(...)"Nós nos opomos à competição pessoal." (...) "Nunca destacamos qualquer
membro em qualquer aprovação especial. Deve haver alguma outra fonte de
satisfação em nossos trabalhos ou jogos ou então consideramos o feito como
trivial. Um triunfo sobre um outro homem nunca é um ato louvável. Nossa
decisão de eliminar engrandecimentos pessoais decorreu naturalmente do fato
de pensarmos no grupo todo." (1948c, p.171)

A igualdade que ê uma meta a ser atingida pela sociedade, é também

pressuposto do sucesso da comunidade, na medida em que garante a

satisfação das necessidades do grupo como um todo e consequentemente

aumenta a probabilidade de sobrevivência da cultura. A estrutura econômica

proposta em Walden II, não apenas transforma a vida humana no sentido de

garantir os direitos básicos e uma melhor qualidade de vida a todos a curto

prazo - garantindo a liberdade (enquanto sensação) e a felicidade de seus

membros -, mas é também necessária como forma de garantir a permanência e

a sobrevivência da cultura.

Vale ressaltar, ainda, que a proposta de uma agencia econômica, como

a formulada em Walden II, está de acordo com a critica que é feita em Science

and Human Behavior à economia.

"Quando milhões de pessoas se engajam em comprar e vender, emprestar,


alugar, contratar e trabalhar, elas geram os dados que são tradicionalmente o
objeto da ciência da economia." (...)
390

"Afirmações sobre bens, dinheiro, preços, salários etc são frequentemente


feitas sem mencionar diretamente o comportamento humano, e muitas
generalizações importantes na economia parecem ser feitas relativamente
independentes do comportamento do indivíduo. No entanto, uma referência ao
comportamento humano está pelo menos implícita em todos os termos
chaves." (...) "O procedimento tradicional tem sido deduzir o comportamento do
indivíduo engajado na transação econômica a partir dos dados derivados do
grupo. Este procedimento levou ao Homem Econômico do sec XIX" (...) "uma
ficção explanatória que não tem mais um papel importante nas teorias
econômicas."
(...) "Se a ciência da economia fosse levar em conta todas estas variáveis
extra-econômicas, tornar-se-ia uma ciência completa do comportamento
humano. Mas a economia se ocupa apenas com um pequeno número de
variáveis das quais o comportamento do indivíduo é uma função. Há muitas
razões práticas pelas quais esta área limitada precisa ser estudada em relativo
isolamento. Isto significa que o economista sempre precisará apelar, de tempos
em tempos, para o comportamento do homem econômico real."
"A concepção de comportamento econômico que emerge de uma análise
funcional oferece uma possibilidade alternativa." (...) "mas uma ciência do
comportamento adequada deveria fornecer uma descrição satisfatória do
comportamento individual que é responsável pelos dados da economia em
geral." (1953b, pp.398, 399, 400)

Ao invés de uma ciência ocupada com médias, perdida na confusão de

milhões de eventos, incapaz de se referir ou de prever e compreender o

comportamento individual, se propõe uma agência organizada segundo os

moldes da ciência do comportamento e que é capaz de gerenciar a vida social

e individual pela manipulação do comportamento, de forma a garantir os

valores maiores a serem perseguidos pela sociedade: a igualdade, a felicidade,

a liberdade um impulso para o futuro e, principalmente, a sobrevivência da

espécie. No entanto, em Science and Human Behavior esta critica não serve

de base para uma análise realmente alternativa da economia, porque peca pelo

outro oposto metodológico; pela falta de uma análise que envolva grupos de

indivíduos com seus interesses, compromissos e formas de controle

característicos.

Assim, em Science and Human Behavior, ao analisar a circulação de

mercadorias, por exemplo, e afirmar que comprar e vender são tão comuns que

se tende a esquecer os processos que envolvem, Skinner afirma que tais


391

transações dependem de uma extensa história de condicionamento econômico.

Exemplifica o processo pela aprendizagem de uma criança que inicia sua

história trocando brinquedos, sendo reforçada pelo que obtém e sendo afetada

pelas consequências aversivas do que entrega. Afirma que com o

condicionamento, um comportamento semelhante, com dinheiro, é tornado

automático. Uma venda rápida é uma em que o valor reforçador do objeto

comprado é maior que as consequências aversivas de abdicar do dinheiro. E

deste processo individual generaliza para todo o sistema- Entretanto, embora

seja possível concordar com esta análise no sentido de como são educados os

indivíduos sob o capitalismo para se tornarem consumidores, é difícil concordar

que esta análise é suficiente para explicar todo o comportamento e todo o

controle econômico que é exercido sobre os cidadãos.

Quando multiplicado milhares de vezes e quando completado por uma

análise das diferentes condições não apenas de condicionamento, mas

também de oportunidade para satisfazer suas necessidades, por exemplo, esta

explicação não basta para descrever a estrutura econômica da sociedade, ou

mesmo para descrever as diferentes variáveis que controlam os

comportamentos envolvidos na vida econômica, mesmo que se restrinja esta

vida ao consumo, à compra e venda de bens materiais. E mesmo Skinner

parece ter clareza disto- Em sua análise da agência econômica, em certos

momentos, aponta outras variáveis relevantes que estariam envolvidas na

manutenção da agência.

Assim, na discussão dos problemas derivados de uma dada forma de se

condicionar os comportamentos envolvidos na vida econômica, por exemplo,

Skinner aborda desde problemas que parecem ser de origem quase que moral,
392

como é o caso da propaganda. Esta, entretanto, é vista não como necessidade

ou parte constitutiva do modo de organização da economia, mas como

manipulação anti-ética do comportamento dos indivíduos e do grupo, por

mascarar resultados e por promover a aprovação de uma dada situação. Mas,

em sua proposta de sociedade enfatiza a possibilidade de extinguir tais

controles e ainda assim satisfazer tanto as necessidades do grupo, como as

dos indivíduos, tarefa até então impossível às sociedades em geral. Nesta

direção, sobre a possibilidade de se controlar a preferencia por certos

trabalhos, fazendo propaganda, Skinner afirma:

"Nós não fazemos propaganda. Este é um principio básico. Não nego que isso
seria possível- (...) Algo nesse sentido tem sempre sido feito por governos bem
organizados - para facilitar o recrutamento de exércitos, por exemplo. Mas não
aqui. Você pode dizer que nós fazemos propaganda de todos os trabalhos (...).
Se podemos tornar o trabalho mais agradável por um treinamento adequado,
por que não fazê-lo?" (1948c, p.55)

Isto indicaria que aquilo que pode ser em certos momentos abordado

como um problema moral e marginal, pode ser encarado em outros como

refletindo, na realidade, aspectos essenciais da. agência. Aspectos que

exigiriam a transformação destas características e de toda o modo de

organização da própria agência. Reaparece aqui uma oscilação que parece

permear toda a análise da agência econômica. De um lado, uma tentativa de

interpretação que levaria a uma proposta simplesmente remediativa da

agência, de outro, uma interpretação que exige mudanças que são essenciais.

Do mesmo modo, a questão da competência técnica e de como

administrá-la, por exemplo, é vista como um problema insolúvel na sociedade

capitalista, mas plenamente controlável numa cultura técnico-científica. 0 que

Skinner não esclarece é que a insolubilidade de tal problema seria

consequência das bases sobre as quais se erigem a agência e a cultura. No


393

entanto, são exatamente fundamentos distintos que permitiriam a solução de

problemas desta magnitude numa sociedade como a descrita em Walden II- E

sobre trabalhos que exigem competência técnica, como são valorados, e

como são distribuídos em Walden_II, reconhece que são especiais, que têm e

devem respeitar as necessidades sociais e que, portanto, não são,

necessariamente mais valorizados que outros trabalhos, nem a eles se atribui

valor absoluto. Reconhece ainda que isto é possível porque toda a estrutura

social cria condições especiais, inexistentes em outras culturas.

(...) "as preferencias da comunidade como um todo determinam o valor final. Se


nossos médicos estivessem sobrecarregados de trabalho, segundo os
nossos padrões, seria difícil conseguir jovens que escolhessem essa
profissão."
(...)
"O fato é que é muito pouco provável que alguma pessoa em 'Walden II' anseie
tão firmemente por um curso de ação a ponto de ser infeliz se a possibilidade
escolhida não lhe estiver aberta," (...) "Inveja pessoal é quase desconhecida
entre nós e por uma razão muito simples: nós oferecemos uma ampla
experiência e muitas alternativas atraentes." (1948c, pp.55, 56)

Assim, embora Skinner não reconheça explicitamente certas variáveis

culturais como determinantes do padrão econômico de uma socieda- de, em

Walden II, estas variáveis se explicitam na proposta tal como é apresentada.

Mais ainda, fica claro algo que parece ser uma deficiência da análise da cultura

em Science and Human Behavior: o fato de que as várias agências, mais

especificamente a agência econômica e a governamental, não podem ser

propostas ou analisadas isoladamente. Resta, no entanto, a questão de

porque Skinner insiste em fazê-lo em 1953. E como se o custo da análise

isolada e parcelada, custo que se reflete em suas deficiências, pudesse ser

compensado pelo respeito aos supostos metodológicos que fundamentam sua

análise.

Mas há aspectos mais propriamente de conteúdo que possivelmente


394

levam a algumas destas deficiências. Por exemplo, vale acentuar que o

problema econômico, como Skinner o vê, não estaria na interferência do

Estado (o que o distanciaria de uma postura liberal, ou de 'laissez-faire', que

ele faz questão de criticar), mas sim na não gerência técnica da vida

econômica (o que o aproximaria de posturas liberais que vêem toda a vida

social como um problema técnico). As dificuldades de solução de problemas

crônicos da sociedade capitalista não estariam, também, na estrutura

econômica da sociedade (que ele parece reconhecer apenas como uma

construção pseudo-científica), assim como não estariam no fato desta estrutura

se basear em relações entre indivíduos e entre grupos que são assimétricas

(mais uma vez se aproximando do pensamento liberal)- Tais dificuldades

revelariam deficiências técnicas a serem resolvidas pela proposição, que é

técnica, de uma agência econômica baseada numa sociedade igualitária,

pequena, fechada, planejada centralmente (distaciando-se do liberalismo), e

fundada nos conhecimentos advindos de uma ciência do comportamento (mais

uma vez aproximando-se do pensamento liberal).

Parece se fortalecer uma hipótese antes aventadas Skinner

consistentemente abandona a noção de historicidade da estrutura e de

complexidade da vida social, em favor de uma visão analítica, ahistórica e

tecnicista de sociedade, consistentemente com sua concepção de ciência, e

numa aproximação do liberalismo; mas não abandona a noção de que a

sociedade como um todo, e sua sobrevivência, se constituem na meta de

estudo e intervenção do cientista do comportamento. Também não abre mão

da convicção de que, embora vistos como problemas técnicos que asseguram

a sobrevivência da espécie, a igualdade - a cooperação e a ausência de


395

propriedade privada -, a liberdade - o exclusivo controle positivo do

comportamento — e a felicidade — a extensa obtenção de reforçadores

positivos — são princípios intocáveis na construção da cultura. Entretanto,

parece que aqui mais do que nunca esta duplicidade de princípios e de critérios

influencia, muitas vezes negativamente sua análise.

Na análise da agência econômica, mais do que em qualquer outro tema

de sua obra, parecem se explicitar alguns dos limites que uma proposta de

ciência como a skinneriana teria. Por sua vez, muitas das possibilidades de

superar estes limites também se revelam. E parece ser especialmente

relevante que estes limites e possibilidades aparecem em obras como Walden

II e Science and Human Behavior; obras que, na análise da agência

econômica, não por acaso, revelam suas maiores diferenças. E no momento

de propor uma explicação e uma intervenção sobre a agência econômica que

se esclarecem, pela própria extensão e amplitude da análise, as vantagens da

interação que Skinner parece acreditar ser fundamental entre ciência básica

e aplicada: porque teve a ousadia de experimentar sobre a cultura, esclarece

as possibilidades e os limites de sua proposta, porque teve a coragem de

sistematizar esta experiência revela algumas de suas maiores

potencialidades.

Agência governamental: as dificuldades de uma proposta de gestão

têcnico-cientifica da cultura

Em Science and Human Behavior, a agência governamental é definida

como um sistema social - envolvendo governante e governado. No entanto,

esta relação é vista como assimétrica, principalmente pelo uso da punição


396

por parte de um lado da agência - o governo, que se torna o fulcro da análise

skinneriana da agência.

"Governo e governado compõem um sistema social" (...) "O governo manipula


variáveis que alteram o comportamento do governado e, por sua vez, ê definido
por seus poderes para fazê-lo- A mudança no comportamento do governado
fornece um reforçamento retroativo ao governo, o que explica sua função
continuada." (1953b, p.335)

Embora Skinner defina governo como um sistema social, portanto, como

um sistema que envolve a interação entre dois ou mais organismos, e uma

interação que envolve a liberação de reforçamento de ambas as partes, esta

definição acaba por se diluir — quase se reduzir — na noção de que todo

controle, pelo menos o controle relevante, no caso do governo, repousa no

governante capaz de controlar comportamentos. Deste modo, a agência acaba

sendo definida muito mais em função deste lado da. relação.

"Talvez o tipo mais óbvio de agência engajada no controle do comportamento


humano seja o governo." (...)
"Estritamente definido, governo é o uso do poder para punir. Embora algumas
vezes a definição seja dada como exaustiva, agências governamentais
frequentemente recorrem a outros tipos de controle." (1953b, p.335)

Esta redução da agência a um de seus lados implica, ainda, mais uma

redução, a de governo como "poder para punir". Mesmo distinguindo possíveis

formas de organização da agência e defendendo a necessidade de se analisar

as técnicas utilizadas para que indivíduos passem a compor a agência, Skinner

parece estar se referindo apenas ao caso em que estes passam a compor o

que pode ser visto como a agência propriamente dita - aqueles envolvidos no

ato de governar, de controlar. Poder-se-ia, assim, reduzir a definição

skinneriana de agência governamental à composição dos controladores e ás

formas de controle por eles utilizadas, as quais, por sua vez, acabam reduzidas

à punição, ou melhor, ao controle aversivo do comportamento. A isto se soma,

obviamente, o contra-controle, embora também seja visto apenas como fruto


397

do controle aversivo do comportamento. No entanto, o contra-controle não teria

(como o demonstraria em parte sua defesa do controle positivo do

comportamento) a mesma efetividade que o controle exercido pela agência.

Deste modo, mais uma vez, a agência governamental pode ser definida

principalmente como o conjunto dos seus agentes controladores.

"A fonte do poder para punir determina a composição da agência no sentido


mais estrito." (...) "No governo organizado de um estado moderno a tarefa
especifica de punir é atribuída a grupos especiais — a policia e os militares.
Seu poder geralmente é pura força física, ampliada por equipamentos
especiais, mas o poder último da agência governamental pode ser de uma
natureza diferente."(...)
"O poder que é derivado do 'consentimento do governado' também determina a
composição da agência adequada." (...) "Uma análise apropriada de tal
governo deveria incluir o estudo das técnicas usadas pelo indivíduo para
tornar-se um membro da agência e para manter-se como tal." (...) "O indivíduo
precisa induzir o grupo a lhe atribuir poder governamental e, uma vez no cargo,
precisa manter sua conexão com sua fonte." (...)
"A longo prazo, o poder de um governo que tem o consentimento dos
governados deriva de uma congruência de função entre controle ético e
governamental." (...) "Uma vez que uma agência com seus membros esteja no
poder, no entanto, pode assegurar sua própria sustentação pelo uso do poder
de punir e não pelo apelo á congruência de suas funções com as do grupo
ético." (...) "No entanto, não estamos preocupados aqui, com os vários tipos de
poder último no governo, ou com o controle interno que mantém a estrutura da
agência, ou que a faz funcionar sem emperrar. O efeito sobre o governado é o
ponto em questão." (1953b, pp.335, 336)

A afirmação da congruência entre o controle ético e governamental (e da

possibilidade de que este se desfaça) sugere não apenas diferentes tipos de

composição da agência governamental, mas também um critério de avaliação

das agências governamentais. Poder-se-ia pensar que o controle ético exercido

pelo grupo e as normas daí decorrentes seriam os parâmetros segundo os

quais deveria mover-se a agência constituída. No entanto, não parece ser este,

para Skinner, o caminho natural, uma vez que supõe uma tendência das

agências a se constituir em agentes que, uma vez instalados, se distanciam do

controle ético que pode tê-los levado a se constituir como tal e a usar do

mesmo controle aversivo das agências cuja composição original não se havia
398

derivado do grupo ético. Neste sentido, independentemente de sua

constituição, as agências governamentais são tornadas iguais entre si: não ê a

história de constituição de uma agência, seus compromissos com grupos ou

com determinados objetivos que a caracterizariam essencialmente, mas

apenas o fato de que todas se utilizam do controle aversivo e todas se

distanciam dos governados e do controle ético exercido pela sociedade.

Skinner, desta maneira, parece abrir mão de pelo menos duas coisas

importantes: o controle ético exercido pelo grupo sobre a agência que seria o

parâmetro pelo qual a agência poderia ser avaliada como um sistema social em

que dois conjuntos de forças interagem se esfacela, uma vez que não mais

opera durante a permanência da agência; e o mesmo controle ético, ou seja, as

normas do grupo, que poderiam explicar a constituição e composição da

agência, bem como suas normas de funcionamento, seu padrão, não é usado

na descrição do governo. Obtém-se, assim, uma concepção da agência como

se ela operasse no vazio; não se discute as variáveis que a levaram a

constituir-se e nem mesmo aquelas que realmente a mantêm ou a

transformam; simplesmente discute—se determinadas formas de controle que

utiliza, como se isto se mantivesse ou se constituísse por si mesmo.

Mas Skinner faz, em 1953, uma ressalva sobre esta interpretação que é

importantes afirma que é relevante o estudo dos efeitos da agência

governamental sobre os governados. Ou seja, sua preocupação central,

embora não sua descrição, é com o cidadãos os controles que são exercidos

sobre ele e as consequências disto- Mas esta afirmação, principalmente tendo

em vista o que a precede no texto, também indica a redução que Skinner faz

em sua análise da agencia; mostra que o verdadeiro poder controlador é visto


399

como eminentemente dos governantes e, seja qual for a origem (a história de

constituição) do governo, ao final das contas, sua ação e seu controle são do

mesmo tipo. Também por esta via todas as agências governamentais são

tornadas semelhantes, pelo menos em relação a seu efeito maior sobre os

governados e a preocupação com os governados torna—se uma preocupação

em acordo com sua análise da agência e com sua proposta de ciências as

agências são semelhantes no controle que exercem e não na sua origem.

No entanto, Skinner efetivamente chega a apontar a questão tanto (da

historicidade como de uma historicidade que não mantém os fatos idênticos,

quando analisa o crescente poder de um governo, poder que emana do próprio

ato de controlar. Do mesmo modo, aponta as diferentes capacidades de

controle de "governados e governantes", o que poderia ser interpretado como a

constatação de que não se pode tratar grupos ou sub-grupos sociais como

idênticos entre si. Mais ainda, Skinner possivelmente está apontando para os

limites da manutenção do poder, ou de sua transformação, quando discute os

limites existentes na obtenção do controle e, ainda, pode-se dizer que

reconhece a historicidade deste processo quando indica que estes limites

variaram através da história. Em Science and Human Behavior, afirma:

"Governo e governado compõem um sistema social"


(...)
"Tal sistema é inerentemente instável" (...) "já que o poder da agência aumenta
com cada troca. De fato, o crescimento do poder se acelera na medida em que
o controle se torna mais e mais efetivo. Outras coisas mantendo-se iguais,
governos tornam-se mais fortes no ato de governar- Quando o homem forte
coage a se engajar no controle que é de seu interesse, seu poder total é
aumentado. Quando um governo usa a força para adquirir riqueza, ele pode,
então, exercer controle econômico.
O processo não pode continuar indefinidamente, entretanto. Um limite, que
surge dentro do próprio sistema, é a simples exaustão das fontes dos
governados." (...) "0 controle excessivo também gera comportamento por parte
do governado na forma de fuga, revolta, ou resistência passiva" (..-) "Outros
limites podem ser impostos de fora do sistema, através da competição com
outras agências de pretendentes ao governo-" (Skinner, 1953b, pp. 346, 347)
400

No entanto, todos estes limites são interpretados apenas do ponto de

vista do contra-controle que geram- A possibilidade de contra-controle,

aventada por Skinner, indubitavelmente pode ser interpretada como importante

consideração teórica e como relevante arma política. Do ponto de vista teórico,

permite que se confirme a concepção de que o controle do comportamento é

multi-determinado e que o comportamento deve ser compreendido como uma

inter-relação com o ambiente, além de ser compreendido como atos que

permitem a adaptação e sobrevivência da espécie. No entanto, talvez

exatamente nesta última consequência esteja um dos problemas da análise

skinneriana: a sobrevivência ameaçada é muito mais facilmente sentida

quando do controle aversivo do comportamento e assim o contra-controle só é

invocado nestes casos. Ao lado disto, há o problema de que o contra-

controle está mais de perto vinculado àquilo que imediatamente controla o

comportamento e assim a postulação de que comportamento social é

comportamento intermediado por outras pessoas acaba sendo, em certo

sentido, perdida com esta ênfase.

Como arma política, a noção de contra-controle, em suas várias

formas, pode ser interpretada como uma tentativa de entender a ação política,

especialmente a ação contestadora. Aqui também há pelo menos duas classes

de problemas. A primeira se refere ao fato de que o contra-controle acabaria

operando por razões diversas do controle, acabaria se tornando ação que

pretende evitar certos tipos de controle apenas, enquanto que o controle é

ação para manipulação. A ação política contestadora acaba sendo

interpretada, assim, apenas como um sub-produto de uma ação política

indesejável, e não se refere a diferentes visões de mundo, e suas diferentes


401

propostas de organização social e política. Mais que isto, não pode ser

entendida como historicamente determinada: todas as formas de contra-

controle são vistas como simplesmente tentativas de diminuir o controle

aversivo sobre o comportamento. A segunda se refere ao fato de que em tal

perspectiva o contra-controle e a ação política só são concebidos dentro de tais

sistemas e não são vistos como forças com real potencial de transformação da

sociedades não são vias de solução de qualquer problema e, em muitos casos

servem, muito pelo contrário, apenas para mascarar os reais problemas da

ação governamental, fundada no controle aversivo do comportamento.

Estes problemas, que são semelhantes em 1953 e em 1948, emergem

claramente na análise que Skinner faz de diferentes formas de controle da

agência governamental, em Science and Human Behavior:

"A codificação das práticas controladoras, frequentemente tem o poder de


estabilizar o sistema. Ao afirmar uma contingência entre comportamento e
punição, p.ex., uma lei impõe uma restrição sobre uma agência
governamental." (...) Um contra-controle mais explícito é representado por uma
constituição, na qual o governo que deriva seu poder do consentimento dos
governados é constrangido a usar o poder dentro de áreas especificas." (...)
"Com estas especificações se impede que o sistema se deteriore através da
troca assimétrica.
Uma nação que foi completamente derrotada na guerra, pelo menos por algum
tempo pode ser governada por seus conquistadores." (...) "Mas, mesmo
quando o poder governamental não é derivado do consentimento dos
governados, se reconhece, hoje, que um governo não é fortalecido pela
exploração excessiva de um povo. Assassinato em massa obviamente não é
um modo efetivo de usar os recursos humanos do pais conquistado. A prática
também gera medidas extremas de contra-controle por parte de outros países
em perigo de um destino semelhante, e coloca o governo em sérios problemas
no controle de seus próprios cidadãos." (1953b, pp.347, 348)

O mesmo padrão se reproduz na análise de temas que permeiam a

concepção cotidiana de homem e de mundo, como os princípios de liberdade,

de direitos humanos, de justiça etc. Skinner brilhantemente interpreta tais

supostos em termos comportamentais; isto é, os avalia como comportamentos

que são consequência de determinadas condições ambientais - neste caso


402

sociais ou culturais. E o problema da interpretação skinneriana não parece

estar aí, muito pelo contrário, só se tem a ganhar com o reconhecimento de

que o que os homens pensam, sentem, precisam são produtos de sua vida

concreta. No entanto, esta análise parece incompleta. A mera inexistência de

controle aversivo não pode ser entendida como o fim de toda forma de contra-

controle, ou de toda forma de "pseudo-questões e anseios" como estes.

Mesmo do ponto de vista de uma análise comportamental, pode-se pensar

em situações em que o controle do comportamento é essencialmente

positivo, mas em que outras condições sociais e culturais determinam este

tipo de suposto. Na discussão de justiça, por exemplo, e perfeitamente possível

pensar em contra-controle porque o reforçamento positivo (por exemplo

econômico) "não é administrado com justiça". Entretanto, Skinner afirma:

"Tradicionalmente os governos tem sido avaliados em termos de seus efeitos


em promover vários princípios. Vimos que um deles - justiça - é apropriado â
definição mais estreita de governo como o poder de punir- A punição é que é
administrada com justiça" (...) "No entanto, nossa sustentação prática de tal
governo provavelmente não se deve a um principio destes, mas sim ao fato de
que um governo justo, em comparação com outros governos, é mais provável
de reforçar o comportamento de mantê-lo." (1953b, p-348)

No caso da discussão da liberdade, parece que Skinner comete um

outro tipo de deslize comum em sua análise da sociedade. Toma como ponto

de partida da análise apenas o que certos estratos pretendem,

desconsiderando que há outras formas de entender e de buscar tais supostos.

Liberdade, por exemplo, é discutida como liberdade das decisões do governo,

é discutida como o liberalismo econômico pregado por certos setores da classe

dominante. No entanto pode-se pensar, e historicamente isto tem ocorrido, em

liberdade que não é sinônimo de pouca centralização governamental. De

qualquer modo, a conclusão de que liberdade é "liberação de consequências

aversivas ao comportamento" parece que, ao mesmo tempo que é correta do


403

ponto de vista de maior parte dos casos, não é completamente analisada por

Skinner, uma vez que ele não discute em toda sua extensão as razões de tal

tipo de controle sobre o comportamento dos cidadãos pela agência

governamental.

"Um outro principio a que comumente se apela é o de liberdade. Diz-se que é


melhor o governo que governa menos. No entanto, a liberdade que é
maximizada por um bom governo não é a liberdade que está em jogo numa
ciência do comportamento. Num governo que controla através do reforçamento
positivo o cidadão se sente livre, embora não seja menos controlado. Liberdade
do governo é a liberdade de consequências aversivas." (...) "Um governo que
faz o menor uso de seu poder para punir é o mais provável de reforçar nosso
comportamento de mante-lo." (1953b, p.348)

O mesmo se dá com relação á noção de seguridade. Estas análises não

podem prescindir, e Skinner faz parecer que podem, da análise das condições

históricas que levam governos a atender mais ou menos a tais anseios, ou

mesmo da análise do que os diferentes estratos de uma sociedade ganham ou

perdem em tais circunstâncias. Não pode prescindir, enfim, da análise de quais

são os impedimentos e as dificuldades que levam ao atendimento ou não de

tais anseios.

"Outro principio atualmente em moda é seguridade. Seguridade contra o


controle governamental aversivo levanta o mesmo problema da liberdade." (...)
"Um governo aumenta a seguridade ao arranjar um ambiente no qual muitas
consequências aversivas comuns não ocorrem, no qual as consequências
positivas são facilmente atingidas e no qual estados extremos de privação são
evitados. Tal governo naturalmente reforça o comportamento de mante-lo."
(1953b, pp.348, 349)

Os mesmos problemas podem ser levantados com relação à questão

dos direitos humanos tal como ê abordada. Não apenas se perde a

historicidade no sentido de que direitos humanos nem sempre foram e são

definidos de uma mesma maneira, como se perde a historicidade no sentido de

que não é uma análise que permite que se discuta por que diferentes nações

ou mesmo grupamentos sociais são mais eficazes que outros. Assim, mesmo

que se concorde em principio com a análise skinneriana, no máximo, ela


404

oferece uma descrição estática, no sentido de que é aplicável apenas a um

momento de um longo processo que não pode ser adequadamente manipulado

sem exatamente este reconhecimento.

"O 'direito' de um governante era um mecanismo antigo para explicar seu poder
de ditar regras.'Direitos humanos', tais como justiça, liberdade e seguridade
são mecanismos para explicar o contra-controle exercido pelos governados."
(...) "'Direitos humanos' são maneiras de representar certos efeitos de práticas
governamentais - efeitos que, em geral, são positivamente reforçadores e que,
portanto, são chamados de bons. 'Justificar' nestes termos um governo é
apenas um modo indireto de apontar para o efeito do governo de reforçar o
comportamento do grupo que o mantém." (1953b, p.349)

Torna-se quase óbvio que Skinner reduz todas estas questões da

relação da agência governamental com os cidadãos sob seu controle a

tentativas mais ou menos bem-sucedidas da agência de manter-se. Mais uma

vez, ê do ponto de vista da agência que o problema é enfocado, e Skinner não

enfatiza o fato também quase óbvio, de que mesmo que este seja o caso, as

transformações geradas por tais medidas mudam profundamente as relações

entre a agência e seus governados, e a própria cultura. Entretanto, Skinner

parece muito mais preocupado em demonstrar apenas o efeito de tais medidas

sobre a manutenção da agência e, por consequência, da própria estrutura da

sociedade. O que se anunciava como possibilidade de análise, com a

afirmação de que o poder de uma agência governamental tende a aumentar, e

que, uma vez que frequentemente é exercido na forma de poder para punir,

tais características gerariam mudanças constantes no próprio sistema,

mudanças que caracterizariam todos os sistemas de governo, acaba se

perdendo, na ênfase dada ao papel de manutenção de certas práticas sociais.

A confirmação de que tais problemas não podem ser vistos como

simples reflexo de controle aversivo e de tentaivas de manutenção da agência

governamental e de que dependem, pelo menos parcialmente, de outros


405

aspectos da organização da cultura é de certa forma demonstrada na análise e

na proposta de Walden II. Ali, ao lado de uma sociedade sem controle aversivo,

Skinner propõe formas específicas de organização que impedem, não apenas

o abuso do poder, como também que outras diferenças se instalem, gerando,

elas também, problemas de contra-controle. Mesmo que a espinha dorsal de

sua proposta seja o controle positivo do comportamento, ainda assim Skinner

reconhece, em 1948, a necessidade de outras mudanças para a construção

uma nova sociedade. Uma destas mudanças é o estabelecimento de uma

cultura que permite sua constante transformação, um impulso para o futuro, um

continuo rearranjo de suas práticas.

Dentre os supostos que parecem dirigir sua proposta de cultura e suas

exigências em relação à agência governamental está o objetivo de construir

uma sociedade em que "os homens se sintam livres", e é este também o papel

do controle positivo do comportamento. Este pode ser interpretado como mais

um dos sub-produtos desejáveis de sua aplicação em escala social, no entanto

é mais do que simples ausência de contra-controle. Ou melhor, como já foi

indicado, torna—se importante não apenas porque é incompatível com o

contra—controle que ameaça as agências, mas adquire importância como valor

- como característica a ser obtida por uma cultura.

"Não dispomos de um vocabulário de liberdade quando se trata do que


queremos fazer (...) A pergunta nunca se coloca. Quando os homens lutam por
liberdade, lutam contra as prisões e a polícia, ou a ameaça delas - contra a
opressão. Nunca lutam contra forças que os fazem agir como agem. E, ainda,
parece ficar subentendido que os governos operarão apenas através da força e
da ameaça de força e que todos os outros princípios serão deixados á
educação, religião e comércio. Se este continuar sendo o caso, podemos
desistir . Um governo nunca poderá criar gente livre com as técnicas que lhe
couberam.
A pergunta és podem os homens viver em liberdade e em paz? E a resposta é:
sim, se puderem construir uma estrutura social que satisfaça as necessidades
de todos e na qual cada um quererá observar o código de suporte." (1948c,
pp.259, 260)
406

Como se vê, há muito mais contra-controle do que aquele que é

decorrente meramente de controle aversivo. Poder-se-ia perfeitamente pensar

uma sociedade em que o controle do comportamento é eminentemente

positivo, mas em que certos indivíduos têm privilégios sobre outros. Ao propor

sua sociedade, Skinner tem clareza disto e manipula tal variável propondo uma

cultura que se caracteriza também pela igual possibilidade de controle dos

reforçadores positivos e igual possibilidade de acesso a estes reforçadores:

uma sociedade de igualdade econômica e de anonimato político.

"Agora que sabemos como o reforçamento positivo funciona e porque o


negativo não funciona" (...) "podemos ser mais ponderados e ainda mais bem
sucedidos em nosso planejamento cultural. Podemos conseguir uma espécie
de controle sob o qual o controlado, apesar de estar seguindo um código muito
mais escrupulosamente do que jamais o teria feito no sistema antigo, mesmo
assim se sinta livre. Estão fazendo o que querem e não o que são forçados a
fazer. Essa é a fonte de um tremendo poder do reforço positivo — não há
repressão e não há revolta. Com um planejamento cultural cuidadoso,
controlamos não o comportamento final, mas a inclinação para o
comportamento — os motivos, os desejos, as vontades.
O curioso é que, neste caso, nunca se coloca a questão da liberdade." (1948c,
p.259)

O contra-controle — ineficiente e desgastante — ou mesmo o controle

aversivo ou ético — também ineficientes e desgastantes — são substituídos

em Walden II pelo auto—controle. Um tipo de controle que permite o sucesso

da comunidade, a sobrevivência do grupo, mas que também possibilita a

satisfação do indivíduo. Este auto-controle não se confunde com o controle

pela obediência discutido em Science and Human Behavior. Ali, governos

mais ou menos despóticos, mas politicamente orientados, instalam repertórios

que são úteis a seus interesses e que se caracterizam por garantir que os

cidadãos sempre possam emitir as respostas adequadas a fim de evitar alguma

forma de controle aversivo. Neste caso, o controle implica um cidadão sempre

adaptado ás exigências da agência governamental, incapaz de reagir aos


407

exageros do controle. Como forma de controle a obediência gera ainda mais

uma fonte de poder: garante que, a um só tempo, a agencia governamental

amplie o seu controle, mesmo que aversivo, e impeça o contra-controle.

"Uma técnica de controle geralmente associada com uma ênfase na punição é


o estabelecimento de comportamento obediente. Esta é, frequentemente, uma
característica do controle pessoal" (...) "E um produto comum no controle
governamental- No sentido mais geral o indivíduo controlado é obediente aos
ditados da agência se se comporta em conformidade com suas práticas
controladoras, mas há uma forma especial de obediência na qual uma resposta
particular é colocada sob o controle de um comando verbal," (...) "Naturalmente
o comando é uma característica familiar do treinamento militar." (...) "O civil
mostra um repertório comparável quando obedece sinais, ou um policial de
trânsito, Mas obediência ao governo é mais que um repertório selecionado.
Qualquer comportamento comandado pelo governo" (...) "é eventualmente
trazido para a história verbal do indivíduo. O grupo exercita um controle deste
tipo na medida em que o imperativo prevalece no discurso cotidiano.
Estabelecendo comportamento obediente a agência controladora se prepara
para ocasiões futuras que não pode de outro modo prever, e para as quais um
repertório explícito não pode, portanto, ser preparado de antemão. Quando
surgem novas ocasiões para as quais o indivíduo não possui resposta, ele
simplesmente faz como lhe mandam." (1953b, pp.337, 338)

Já o auto-controle, especialmente quando associado a uma cultura que

utiliza apenas controle positivo, permite um repertório também adaptável às

constantes novas exigências do meio, mas o faz sem prejudicar o bem estar do

indivíduo e garantindo o aprimoramento da cultura como um todo.

E bem verdade que para isto é necessária uma nova agência

governamental, fundada em pelo menos dois princípios: o de que os governos

não devem ser politicamente embasados e o de que não podem usar (às vezes

como consequência do primeiro argumento) de controle aversivo sobre seus

controlados. Este tem o problema de gerar toda sorte de contra-controle além

de não ser eficaz e impedir um ativo auto-controle. Uma espécie de extensão

destes problemas se encontraria, para Skinner, na guerra, na tentativa de

dominação e nações entre si e na consequente necessidade de defesa e ainda

no desgaste que tudo isto gera, sem falar no perigo real em relação à

sobrevivência. Embora esta não seja a preocupação primeira de sua proposta


408

de sociedade, é um de seus correlatos desejáveis, descrito como o surgimento

de uma cultura pacifista e não imperialista.

<Nossa medida ativa para a paz é> (...) "apenas isso: nós não estamos
fazendo guerra! Nós não temos política imperialista - nenhuma intenção de
dominar os outros -, nenhum interesse em comércio exterior, exceto para
encorajar a felicidade e a auto-suficiência. O que é 'Walden II' senão um
grandioso experimento numa estrutura de mundo pacifico? Aponte qualquer
internacionalista que realmente saiba o que qualquer tipo de sociedade ou de
cultura ou de governo fará para a paz. Ele não sabe. Estará só conjeturando!
Através das maquinações do poder político ele pode, se tiver sorte, fazer, em
surdina, um teste experimental, mas quase certamente de tal forma que o
resultado não provará nada. Poderá, através de algum acidente colossal,
conseguir a paz mundial, talvez permanente. Mas a probabilidade é
desprezível. O mundo político não produz o tipo de dados necessários para a
solução científica dos problemas básicos." (1948c, p. 205)

Esta preocupação, entretanto, possivelmente reflete também o

compromisso skinneriano com a tentativa de mudar a sociedade de modo a

poder produzir um mundo melhor para a maioria e não para alguns apenas;

reflete assim a face política de Skinner. A ênfase no controle efetivamente

exercido sobre os governados teria o papel de ressaltar que é este aspecto da

agência, seu efeito sobre este grupo, que interessa primordialmente ao

cientista comprometido com a melhoria da vida humana.

Em Walden II, Skinner defende que o relevante na constituição da

agência governamental (sempre tendo como parâmetro o governado) és a

necessidade de que o governo seja científico, a necessidade de planejamento,

a oposição do político ao cientifico. Embora hoje tais aspectos pareçam

bastante familiares ao leitor de Skinner, é importante notar que em 1948 havia

pouca indicação explicita de que uma proposta de sociedade sequer era

possível no sistema skinneriano, muito menos havia indicações para se afirmar

os caminhos de tal proposta. De qualquer modo, estes aspectos ficam

absolutamente explicitados em 1948, e alguns deles pelo menos são

percebidas em 1953, como ê o caso da crítica a noção de que o governo se


409

constitui legalmente baseado na noção de responsabilidade pessoal (uma

noção pré—científica) ou na noção de que as leis são derivadas de

concepções políticas. Em Walden II o governo é concebido como uma tarefa

técnico-científica de planejamento da vida comunitária.

"Eu não estou argumentando por não haver governo, mas somente por
nenhuma das formas existentes. Queremos um governo baseado na ciência do
comportamento humano. Nada menos que isso produzirá uma estrutura social
permanente. Pela primeira vez na história estamos prontos para isso, porque
podemos agora lidar com comportamento humano segundo princípios
científicos simples. (1948c, p.198)

No entanto, como já afirmado, esta recusa da política precisa ser

relativizada. Ha medida em que a proposta de Skinner se sustenta na cultura

entendida como um conjunto de indivíduos submetidos a certas contingências

de reforçamento, é a análise destas contingências — planejadas por uma

dada agência — e de seus efeitos sobre seu alvo - os indivíduos controlados —

que se torna importante. Aquilo que é destacado como o abandono da política,

pode ser interpretado como o reconhecimento de que a política - entendida

como a ação humana voltada para o controle de grandes grupos sociais - pelo

menos como objeto de ação cientifica, é essencial ao cientista do

comportamento.

Neste sentido além de, ou melhor, ao lado de planejar, o governo

centraliza, organiza a vida da cultura. Skinner opõe-se a formas políticas de

organização pelo fato destas formas serem vistas como incapazes de

solucionar os problemas da cultura, seja a curto ou a longo prazo, a não ser por

acidente. Mais uma vez, como já foi seguidas vezes apontado, a base para a

solução eficaz de problemas é vista como estando no planejamento. Este só é

possibilitado pela experimentação e, portanto, por medidas objetivas da

eficiência do que é implementado e pelos princípios e leis cientificas do


410

comportamento, que lhe servem de fundamento.

(...) "uma vez que a ciência do comportamento foi alcançada, não há alternativa
alguma, sento uma sociedade planejada. Não podemos deixar a humanidade
sob um controle acidental ou enviezado. Mas, usando os princípios do
reforçamento positivo – evitando cuidadosamente a força ou a ameaça de força
- podemos preservar uma sensação pessoal de liberdade." (1948c, pp.260,
261)

Vale notar que a possibilidade de planejamento, experimentação e

avaliação, se é dada pelas leis científicas no sentido de que estas se

constituem em modos de ação e intervenção, é dada também pela noção de

que, afastando do governo a política e substituindo-a pela técnica e pela

ciência, é possível afastar a possibilidade de critica por parte dos controlados.

O governo, convertido em ação técnica, não precisa se expor aos ditames da

prática política corroída por concepções pré- cientificase por técnicas

amadoras de controle do comportamento, ou pelo consequente contra-

controle que acabam gerando.

Em Walden II isto resultará não apenas em maior eficiência em prover

o bem estar geral da comunidade, mas também em práticas éticas novas. O

planejamento cientifico da cultura se impõe, ele mesmo, como imperativo ético

dos que conhecem modos mais adequados de exercer o controle para a

melhoria da cultura. A política, do ponto de vista de Skinner, deixaria de existir

exatamente por isto: porque a formas de controle que exigem supostas

escolhas subjetivas opõem-se formas de controle que são objetivamente

ditadas; no entanto, poder-se-ia argumentar que esta é apenas uma outra

maneira, também política, de intervenção na cultura.

Para Skinner, a ciência representa muito mais que os resultados

tecnológicos que eventualmente é capaz de gerar. A ciência representa, com

seu método, uma atitude gerada por estes métodos, representa uma visão de
411

homem e mundo que permite uma capacidade infinita de colocar problemas e

descobrir soluções. Esta concepção de ciência e de sua aplicação à cultura

envolve, assim, o reconhecimento de que não basta que as técnicas existam

como conhecimento académico, ou como aplicação popular e amadora - caso

em que são aplicadas inadequadamente — ou que estejam em meios que não

privilegiam o conhecimento cientifico e suas consequências - caso em que

estarão em mãos erradas. E preciso que a tecnologia seja deliberada e

necessariamente derivada da prática cientifica, e é preciso, assim, que a

ciência e a tecnologia se constituam no cerne da prática governamental.

"Algumas filosofias de vida fizeram homens felizes, sim, porque estabeleceram


princípios que eu gostaria de ver levados a sério como princípios de governo.
Mas estas filosofias vieram de rebeldes. Os governos que usam força
baseiam—se em maus princípios de engenharia humana. Eles nem são
capazes de melhorar esses princípios, nem de descobrir sua inadequação,
porque não são capazes de acumular qualquer corpo de conhecimento que se
aproxime de uma ciência. Tudo quanto podem fazer através de 'melhorias' é
arrancar o poder de um grupo e transferi-lo para outro. Nunca é possível
planejar e levar a efeito experimentos para investigar o melhor uso do poder ou
como dispensá-lo de todo. Isso seria fatal. Os governos devem estar sempre
certos - eles não podem experimentar porque não podem admitir dúvidas ou
questões." (1948c, p.197)

Assim, parece que não bastaria a utilização de técnicas que se

assemelham ás da ciência, seria preciso, ainda, uma estrutura social que

permita sua aplicação adequada. Neste ponto Walden II e Science and

Human Behavior não parecem diferir tanto: enquanto que em 1948 Skinner

propõe tal estrutura, em 1953 reconhece que agências governamentais, não

importa sua gênese, tendem a se tornar semelhantes no sentido de que são

usadas para o engrandecimento pessoal de determinados grupos, exatamente

por não serem cientificamente geridas.

Um governo - cientificamente gerido ou não - se baseia em um conjunto

de práticas que seriam sempre traduziveis na forma de contingências e que


412

são codificadas pela agência de modo a controlar, também através de regras

(ou às vezes principiamente), o comportamento dos governados. Nas

sociedades politicamente geridas, embora reconhecendo diferenças, na

dependência da forma como a agência é constituída e das técnicas de controle

de que se utiliza, a codificação das contingências é fator fundamental na

determinação da eficácia da agência. A codificação das leis é vista, assim,

como importante passo no controle da própria agência governamental. A

medida que esta prática é mais acentuada, o controle do comportamento dos

governados passa a ser mais objetivo, mais justo (é aplicado igualmente a

todos e prevê de antemão as consequências de atos) e, neste sentido,

inclusive gera menos contra-controle e maior estabilidade para a agência.

"Um ponto importante no desenvolvimento de uma agencia governamental é a


codificação de suas práticas controladoras," (...) "A lei tem, geralmente, duas
características importantes- Em primeiro lugar, ela específica comportamento.
0 comportamento geralmente não e descrito topograficamente, mas sim em
termos de seus efeitos sobre os outros - o efeito que ê objeto do controle
governamental." (...) "São mencionadas apenas propriedades do
comportamento que são aversivas para outros" (...) "Em segundo lugar, uma lei
especifica ou implica uma consequência, geralmente punição. Assim, uma lei é
uma declaração de uma contingência de reforçamento mantida por uma
agência governamental." (...) "Leis são ao mesmo tempo descrições de práticas
passadas e afirmações de práticas semelhantes no futuro. Uma lei é uma regra
de conduta, no sentido em que especifica as consequências de certas ações
que, por sua vez, 'regulam' o comportamento," (1953b, pp. 338, 339)

Mas a codificação de leis é principalmente um instrumento de controle

do comportamento dos controlados, uma vez que explicita as consequências

de muitos dos comportamentos tidos como socialmente relevantes e, deste

modo, os controla de antemão. E, deste ponto de vista, poder-se-ia atribuir uma

certa semelhança á codificação de leis e ao controle do comportamento numa

cultura científica- Entretanto, esta semelhança é apenas superficial. Em

primeiro lugar, porque as leis, de um modo geral, especificam contingências

aversivas; em segundo lugar, porque a agência que codifica a lei não se ocupa
413

de fazer seu condicionamento, A codificação de uma agência governamental

politicamente gerida também não se identifica com a de uma sociedade

cientificamente gerida porque, nesta última, as regras de ação são fundadas

em conhe- cimento objetivo a que cada cidadão teria acesso, possibilitando

igual oportunidade de conhecimento e de manipulação deste conhecimento

para todos.

"A fim de manter ou estabelecer contingências de controle governamental, uma


agencia precisa estabelecer o fato de que um indivíduo se comportou
ilegalmente e precisa interpretar um código para determinar a punição. Deve,
então, executar a punição." (...) "As vantagens para o indivíduo de 'não estar
sob o homem, mas sob a lei' tem sido óbvias" (...) Entretanto, a codificação não
muda a natureza essencial da ação governamental, nem remedia todos os
seus defeitos." (1953b, pp.340, 341)

Mesmo enfatizando as vantagens da codificação das leis é preciso

salientar que esta não é suficiente para controlar o comportamento dos

governados, especialmente quando se reconhece que a agencia não cuida do

"condicionamento real dos indivíduos", legando este importante papel a outras

agências. A explicitação das contingências empregadas pelo governo não é

seguida do condicionamento adequado e muito menos é precedida pela análise

técnica necessária que avaliaria a sua eficácia tendo em vista o bem estar

geral, ou mesmo a continuidade da agência.

"A agência governamental pode codificar suas práticas controladoras e manter


as contingências assim estabelecidas, mas raramente tenta tornar o controle
efetivo de qualquer outro modo. O indivíduo é diretamente afetado apenas por
uma pequena fração das contingências que existem." (...) "a agência
governamental deixa o condicionamento real do indivíduo para outros." (...) "A
agência governamental frequentemente esconde sua negligência deste passo
importante no controle, afirmando que ele tem um efeito educacional. Diz-se
que o indivíduo é afetado por testemunhar a punição de outros" (...) "Mas é raro
que um individuo testemunhe ambos, o comportamento e a punição de uma
pessoa. O efeito da contingência expressa na lei é geralmente mediado por
processos verbais complexos" (...) "A própria lei é um mecanismo verbal" (...)
"Um código sustenta o comportamento verbal que une o espaço entre
instâncias de punição e o comportamento de outros. No entanto, é apenas um
pequeno passo na direção do reconhecimento dos processos comportamentais
pelos quais o controle governamental costuma ser exercido." (1953b, pp.339,
340)
414

Em Walden II, esta questão se resolveria também pelo fato do

governo centralizar a tarefa de planejar toda a comunidade. Mesmo que a

mesma agência ou os mesmos indivíduos não tomem para si todas as tarefas,

uma só agência mantém em suas mãos o controle (aqui entendido como a

possibilidade de distribuir e avaliar) da execução das tarefas necessárias. Mas

é possível perguntar—se porque Skinner suporia que esta centralização é

resultado do controle cientifico do comportamento. Principalmente quando se

sabe que o autor conhece alternativas de governo eminentemente políticas (de

acordo com seus próprios critérios de avaliação) que se fundamentaram

exatamente nesta tentativa de centralização e concentração de poder.

Skinner responde que um governo cientificamente gerido pode usar

como critério para a codificação de suas práticas o bem estar da comunidade e

não o bem estar da agencia, até porque este é mais um dos resultados do

conhecimento cientifico das leis comportamentais: é a ciência do

comportamento que demonstra a possibilidade e as vantagens do controle do

comportamento em beneficio do grupo todo, em oposição ao controle exercido

em beneficio de algum sub-grupo.

Mais que isto, o controle cientifico do comportamento diluiria a oposição

entre grupos, ou mesmo a oposição grupo e indivíduo, uma vez que dele se

desenvolveriam padrões comportamentais que, a um só tempo, garantiriam a

sobrevivência da cultura e o bem estar de seus membros individuais. Além do

planejamento centralizado da cultura, um governo cientifico teria, assim,

objetivos diferentes dos de um governo politicamente gerido e tais objetivos só

poderiam ser derivados do conhecimento das leis cientificas do

comportamentos a ciência torna-se mais que método de governar e se constitui


415

também em referência para os objetivos do governar.

Ao afirmar que apenas recentemente se aceitou que as lei são

culturalmente construídas e que dependem dos seus efeitos sobre o indivíduo

e o Estado, permitindo um estudo científico do comportamento humano,

Skinner destaca que resta um discrepância aos governos politicamente geridos

que não é resolvida apenas por esta concepção:

"Como um resultado desta mudança, a observação do comportamento humano


não está mais amarrada por pronunciamentos autoritários, e um estudo
cientifico não está obrigado a justificar um conjunto de práticas. Entretanto,
permanece uma grande discrepância entre as concepções cientifica e legal do
comportamento humano." (1953b, p.341)

Skinner discute aqui uma das consequências que considera mais

importantes de uma sociedade politicamente geridas refere-se à concepção de

que o homem teria responsabilidade pessoal por seus atos, ou seja, que pode

ser legalmente imputado por seus atos. Para ele esta concepção está na base

dos governos politicamente geridos- Tais concepções tem que ser afastadas

em uma sociedade cientificamente gerida, e isto mais uma vez traz à tona a

noção de que as ideias, as concepções de homem e mundo são construídas

socialmente e apenas o vastíssimo escopo que tem a ciência pode tornar esta

construção realmente objetiva. A análise da concepção de responsabilidade

pessoal, no entanto, peca, não por ser determinista, mas por não reconhecer

certas determinações, ou melhor, por apenas reconhecer algumas delas. Ao

reconhecer no controle aversivo do comportamento a origem exclusiva de tal

noção Skinner abandona outras possibilidades tão ambiental mente

construídas como esta e que talvez sejam importantes e, ao pareá-la tão

diretamente com o controle das agencias, não avalia em toda sua

plenitude as consequências de tais concepções para os sujeitos do controle,

ou mesmo a possibilidade de sua emergência em outras situações.


416

Para Skinner, a noção de responsabilidade pessoal se refere ao tipo de

controle utilizado pelas agencias de uma dada cultura – o controle aversivo do

comportamento- E aqui descobre-se um importante veio de sua análise: é o

controle aversivo que necessita desta consequência e não vice-versa, portanto,

ao governar cientificamente uma cultura, o que implica, pelo menos em termos

de boa ciência, governar pelo uso exclusivo de reforçamento positivo, não

apenas se abandona a noção de responsabilidade pessoal, mas esta é

abandonada em favor de algo muito mais vitais a satisfação das necessidades

humanas e a responsabilização da agencia governamental pela sua não

concretização. Em outras palavras, a agência controladora é que está na

obrigação de atender suas tarefas, e não pode, em qualquer circunstância,

escudar-se em noções de liberdade, ou de responsabilidade pessoal. Aqui o

contra-controle é qualitativamente mudado, de forma que o que jamais pôde

ser cobrado da agência governamental pode se tornar critério de sua avaliação;

esta passa a ser muito mais que mera depositária do poder de controlar

comportamentos, passa a ser responsabilizada por este poder e passa a ser

avaliada pelo tipo de uso que dele faz, ou melhor, pelo tipo de controle que

exerce e pelo tipo de satis fação que traz a seus controlados.

Tais pressupostos também aparecem na forma de alguns princípios que

fundamentam a estrutura de governo de uma sociedade cientificamente gerida,

como aquela proposta em Walden II. Assim como em 1953 Skinner critica a

concepção de responsabilidade pessoal como referendo da possibilidade de se

estabelecer agencias governamentais fundadas no controle aversivo dos

cidadãos, em 1948, esta noção está presente nas afirmações de que o que

importa é um governo capaz de gerir uma sociedade sem o uso de tais


417

supostos- Isto implicaria a necessidade de se abandonar a noção de

responsabilidade pessoal em troca da suposição de que os homens reagem

àquilo que lhes é imposto como controle, e que este só poderá ser

qualitativamente transformado por uma concepção de homem baseada na

noção do determinismo e de governo baseado na noção de competência

técnico-científica.

Em 1953, Skinner, mais uma vez, pareia estas noções (de

responsabilidade, de liberdade) com a utilização de certos tipos de controle do

comportamento e com o contra-controle que daí deriva, ou com o

desconhecimento das reais leis do comportamento:

"Quando uma agencia governamental se volta para técnicas auxiliares que não
são baseadas na punição, o conceito de homem como um 'agente responsável'
cai em desuso- Esta é uma prova adicional de que o conceito simplesmente
serve para racionalizar o uso da punição como técnica de controle." (1953b, p-
346)

Numa sociedade baseada na ciência do comportamento as decisões

tomadas e o poder de planejamento são vistos como problemas técnicos e, por

isto, são colocados nas mãos de uns poucos especialistas, o que não torna os

homens agora não livres, mas apenas garante um governo capaz de solucionar

tecnicamente problemas até então enfrentados amadoristicamente. A defesa

de uma sociedade tecnicamente gerida parece fundar-se, não apenas numa

confiança ilimitada nas possibilidades abertas pelas ciências como corpos

neutros de conhecimento; baseia-se também em que, ao propor o exclusivo

controle positivo do comportamento, Skinner acredita estar, na realidade,

conseguindo eliminar a existência dos problemas e dilemas éticos que o

mundo até hoje enfrentou sem solução: a não existência de qualquer forma de

controle aversivo elimina, como consequência necessária, o contra-controle, a

difícil escolha de formas alternativas de controle aversivo e a questão filosófica


418

da liberdade — para punir, para decidir, para ser punido. Uma nova realidade

se instalaria da qual não faria parte este conjunto de dilemas que são reais,

mas são contextuai mente inseridos apenas.

Mas, o que permite a Skinner propor esta transformação ê sua noção de

comportamento operante e sua concepção de que este é determinado pelo

passado e, embora voltado para o futuro, não o é de forma a ser

teleologicamente determinado. Esta concepção poderia transformar o indivíduo

em ativo construtor de seu destino. Entretanto, a ênfase no comportamento

operante como comportamento que se caracteriza. Por alterar o ambiente no

sentido de produzi-lo é perdida no decurso da sua obra. Consequência desta

posição é que Skinner acaba por propor a história - mesmo as histórias

pessoais de reforçamento - como um mero emaranhado que sempre se

transforma num novo ponto zero e que, portanto, não precisa ser

cuidadosamente considerada, ou poderia, até mesmo, ser totalmente

descartada. Esta é possibilidade a considerar com o aumento do conhecimento

das variáveis controladoras do comportamento e com o aumento do controle

destas variáveis que certamente virão com o desenvolvimento da ciência. Esta

mesma posição parece fazer com que Skinner acabe por minimizar a

capacidade humana de transformar o ambi- ente, de modo que o homem

parece se transformar primordialmente em mero depositário, recebedor passivo

de estímulos ambientais. Parece, assim, que o problema não estaria, como

querem alguns de seus críticos, no abandono de uma convicção da auto—

determinação humana, mas em que Skinner acaba efetivamente transformando

a maioria dos homens em sujeitos passivos, incapazes de transformar

ativamente sua própria existência. Talvez por isto seja possível parear tão
419

estreitamente noções como a de responsabilidade pessoal com controle

aversivo do comportamento, ou noções como a de uma sociedade cientifica

com a de planejamento feito apenas por alguns poucos técnicos, ou mesmo a

noção de que a mudança social só pode ser trazida por uma transformação

técnico-científica.

Comportamento operante é muito de perto associado com 'volição." (...) "0


modo tradicional de descrevê-lo é infeliz porque enfatiza um evento futuro que
não pode ter tido efeito no presente. E necessário dotar o indivíduo com um
'conhecimento das consequências', ou algum tipo de 'expectativa', para tapar o
buraco entre o passado e o futuro. Mas sempre estamos lidando com uma
história anterior de reforçamento e punição. As práticas do governo e lei são
claramente planejadas para suplementar tais histórias e podemos descrever o
indivíduo que se colocou sob controle governamental inteiramente nestes
termos. As 'razões' ou 'fundamentos' para uma 'ação que busca um objetivo'
são simplesmente algumas das variáveis das quais o comportamento é uma
função. 'Deliberação' e 'desejo' são outras. Uma história de punição outra
ainda. Dizer que uma pessoa é 'responsável' por um ato, é simplesmente dizer
que geralmente ela é punida por ele." (1953b, pp.342, 343)

Trata-se assim, para Skinner, de construir uma sociedade onde tais

erros não façam parte de sua estrutura e onde a responsabilidade não é um

peso que cabe apenas ao cidadão. A responsabilidade é transferida para a

agência governamental e é tornada responsabilidade técnica: obrigação da

agencia de propor e de executar da maneira mais eficente possível o controle

comportamental dos membros da sociedade. A política, e este parece ser um

problema na análise skinneriana da cultura, acaba sendo reduzida, assim como

o governo, a suas formas menores. Retirada do cidadão comum a capacidade

de produzir seu próprio mundo, capacidade que poderia ser analisada como

fruto do controle a que está submetido (uma possibilidade que não parece

incompatível com a proposição teórica skinneriana) , só resta a possibilidade

de discutir a agencia, o que poderia ser interpretado como sendo fruto

principalmente de um ambiente que precisa e será mudado a revelia, ou pelo

menos sem a participação ativa da maioria dos homens. A responsabilidade da


420

agencia substitui a política que se torna sinónimo de gestão incorreta dos

negócios humanos. Por isto, uma política sinônimo de falseamento ê

substituída pela política sinónimo de técnica. Decisões técnicas, para Skinner,

são sempre decisões a serem tomadas por especialistas, envolvem sempre

pelo menos um grau razoável de objetividade e neutralidade e, como

consequência, em Walden II, envolvem apenas uma pequena parcela da

população.

"Você encontrará alguns de nós interessados . em política porque nós somos


encarregados desse interesse em nome? da comunidade. Mas você pode
acomodar-nos a todos" (...) "numa das menores salas coletivas." (1948c, p.44)

Esta posição não se confunde, no entanto, com uma proposta de

sociedade elitista (pelo menos no sentido comum da palavra). Muito pelo

contrário, a proposta skinneriana de sociedade envolve, em primeiro lugar, o

planejamento para o cidadão comum. A satisfação das necessidades deste

cidadão é a responsabilidade primeira da sociedade e dela naturalmente

decorre a possibilidade de satisfação do homem que é excepcional. Esta

concepção, aliás, em nada é incompatível com o que implicitamente está no

cerne da preocupação skinneriana ao analisar a sociedade existente (seja a

agência governamental, econômica ou educacional). Em toda sua crítica se

percebe a mesma preocupação com o cidadão comum. Preocupação tão forte,

que muitas vezes o impede de considerar as relações deste(s) grupamento(s)

social(ais) com outro(s). Exemplo claro disto está na análise da economia, mas

também se encontra na análise da constituição do governos Skinner aborda as

diferentes alternativas de derivação do poder da agência governamental, mas

não analisa as razões deste poder; os interesses a que atende, as imbricações

históricas que o determinam. Em Walden II esta preocupação se explicita e é

defendida com argumentos que se pretendem plenamente objetivos (Também


421

por isto é preciso pelo menos qualificar o argumento de que Skinner é anti-

democrático. Mesmo que tantas vezes ataque a democracia, este ataque é

apenas crítica às formas de expressão desta democracia, exatamente porque

não permitem o atingi mento dos objetivos que se propõe na letra. No entanto,

ao examinar a sociedade existente, é persistente sua preocupação com os

destinos do "povo" e, da. Mesma forma, ao propor uma cultura técnico-

cientifica, esta preocupação é transformada em objetivo essencial).

Muito mais passível de critica, parece, é a concepção skinneriana

implícita de que o desinteresse, a apatia, ou mesmo as modestas aspirações

da maioria do povo não são social e historicamente construídas. E esta parece

ser exatamente sua concepção, uma vez que mesmo em Walden II, uma nova

sociedade, é assim que Skinner descreve sua população. Mesmo que se diga

que ali não mais se trata de questão de poder para alguns em detrimento de

outros, o próprio conhecimento derivado da ciência de que o comportamento

de todos é determinado deveria, mesmo sendo uma questão técnica, gerar um

genuíno e generalizado interesse pelo menos pela ciência; este sim, em

detrimento de um interesse pela política, ou por qualquer outra forma de

controle pré-científico.

"Nós não só temos o que fazer com essa gente <a maioria, o cidadão comum>,
nós lhes temos respeito. A maioria das pessoas vive no dia—a—dia ou, se tiver
algum plano a longo prazo, é pouco mais do que a antecipação de algum curso
natural -- pretendem ter filhos, ver as crianças crescerem e assim por diante. A
maioria das pessoas não quer planejar. Elas querem ser livres da
responsabilidade de planejar. 0 que pedem é simplesmente alguma segurança
de que serão decentemente satisfeitos. 0 resto é um desfrutar do dia-a-dia da
vida." (...) "Pessoas desse tipo são completamente felizes aqui. E elas pagam
por isso. Não são parasitas e eu não vejo porque você as considera com
desdém. Elas são a estrutura de uma comunidade - sólida, fidedigna,
essencial." (1948c, pp.169, 170)

Nesta sociedade alternativa o governo é um governo técnico, pouco

burocratizado e sem privilégios. A política foi reduzida a seu aspecto técnico e


422

as diferentes exigências sociais são reduzidas a um só conjunto de exigências

que podem ser atendidas eficientemente. Esta dupla redução só é possibilitada

pela concepção de homem como ser genérico. As capacidades e as leis do

comportamento humano de longa data são tidas como genéricas por Skinner;

aqui, este suposto é estendido para as necessidades sociais e culturais e para

a forma de manipulá-las. E estendido até mesmo para as leis que regem a

criação e a satisfação destas necessidades. O controle positivo do

comportamento, por sua vez, permite que se atenda as necessidades sociais

de todos igualmente e sem a geração de contra-controle ou de exigências

incompatíveis entre si. Dai uma proposta tão aparentemente simples de

estrutura governamental. A agência governamental é constituída de pessoas

que se tornam meros agentes técnicos de organização da vida da comunidade.

E é interessante que a implementação dos objetivos de longo prazo, das mais

variadas políticas, ou da mais simples tarefa social é vista exatamente do

mesmo modo: é apenas uma questão a ser objetivamente resolvida por um

especialista.

"Nosso único governo é uma junta de Planejadores" (...) "Há seis Planejadores,
geralmente três homens e três mulheres" (...) "Tais Planejadores podem servir
por dez anos, mas não mais." (...) "Os Planejadores são encarregados do
sucesso da comunidade. Eles estabelecem a política, revisam o trabalho dos
Administradores, estão atentos ao estado da nação em geral. Eles também tem
algumas funções judiciais. São-lhes conferidos 600 créditos por ano pelos seus
serviços, o que deixa margem a um débito de 2 créditos por dia, que devem ser
ganhos num trabalho estritamente físico.
(...)
<Administradores são> (...) "especialistas cuidando das divisões e serviços de
'Walden II'." (...) "Eles programam o trabalho a ser realizado e sua tarefa é
dirigir, o que continuam fazendo depois de terem designado tanto quanto o
possível o trabalho dos outros. São os mais trabalhadores entre nós. E uma
pessoa excepcional que pretende e acha um lugar como Administrador. Ele
deve ter habilidade e uma preocupação pelo bem-estar da comunidade."
(...)
"Os administradores não são personagens honorárias, porém cuidadosamente
treinadas e especialistas experimentados. Como poderiam os membros julgar a
sua habilidade? (...) Você trabalha para ser Administrador através de posições
intermediárias que compreendem uma grande responsabilidade e provêem a
423

aprendizagem necessária. Por isso os membros não participam da escolha e


não desejam fazê-lo." (1948c, pp.56, 57)

No entanto, a avaliação de tal governo, assim como a manutenção de

seus poderes dentro dos limites estabelecidos, e que são tidos como condição

necessária para seu bom funcionamento, implicam alguns interditos, como é o

caso da utilização de propaganda — que também é analisada em Science and

Human Behavior - e algumas outras diferenças fundamentais em relação a

outras formas de organização social e de governo - como é o caso das

comunidades religiosas e doutrinárias. São alguns destes interditos e destas

distinções - ou melhor, normas – que também servem como divisor de águas

entre as propostas de Skinner e o modo como analisa os qovernos

democráticos (leia-se EUA), ou socialistas (leia-se URSS), ou fascistas. E

Skinner afirma:

"Nós não fazemos propaganda. Este é um princípio básico. Não nego que isso
seria possível. (...) Algo nesse sentido tem sempre sido feito por governos bem
organizados - para facilitar o recrutamento de exércitos, por exemplo. Mas não
aqui. Você pode dizer que nós fazemos propaganda de todos os trabalhos (...).
Se pode- mos tornar o trabalho mais agradável por um treinamento adequado,
por que não fazê-lo?" (1948c, p. 55)

A propaganda é vista como um efeito mascarador da eficiência da

agência governamental e do nível de obtenção dos objetivos estabelecidos

para a cultura. Num certo sentido, ela desnaturalizaria uma ação e

impossibilitaria sua avaliação já que entrariam em jogo variáveis, no caso,

indesejáveis. E mais uma vez interessante que isto poderia ser interpretado

como um traço realmente democrático e político - em seu melhor sentido - de

Skinner, no sentido de que a política é ação humana que pode levar á

satisfação de necessidades também humanas, e que a democracia é ação

humana política que prevê a satisfação de necessidades para todos e não

apenas para alguns. Mais que isto, a possibilidade de liberdade, como


424

entendida por alguns dos críticos de Skinner, estaria assegurada por esta via;

os homens submetidos a governos e a culturas que desconhecessem técnicas

de propaganda e persuasão que manipulam suas opiniões — inclusive

aeticamente — seriam capazes, e muito mais que nas culturas conhecidas, de

avaliar, de protestar e de propor.

Mas outra característica ressalta na proposta skinneriana de sociedade e

na sua critica à propagandas a ênfase na possibilidade de mudança, entendida

como adapatção ao ambiente e como capacidade de sobrevivência da

sociedade. Esta capacidade só pode ser aumentada por um gerenciamento

técnico da cultura e corre o risco de não ser obtida em culturas política ou

religiosamente geridas.

"Vocês não vêem o que há de errado com as outras comunidades doutrinárias"


(...) "Não é de que elas simplesmente não mudam? Há séculos são do mesmo
jeito que são agora."
(...)
"Eu estou falando de um outro tipo de permanência. Se essas comunidades
sobreviveram é somente porque não foi forte a competição. E óbvio para todo
mundo que a civilização deixou-as para trás. Não se mantiveram em dia com
o progresso humano e eventualmente fracassarão de fato, como já falharam
em princípio. A sua fraqueza fica provada na sua incapacidade de expansão,
em competição com as outras formas de sociedade. Têm defeitos fatais e eu
acredito que, pela sua excessiva propaganda, os defeitos não foram vistos."
(...)
(...) "Para se tornar tal cultura aceitável, é necessário suprimir algumas das
emoções e motivos humanos mais potentes. O intelecto ê estupidificado ou
desviado em meditações hipnóticas, encantamentos ritualísticos, etc. As
necessidades básicas são sublimadas Falsas necessidades são criadas para
absorver energias" (1948c, pp.209, 210)

A cultura assim produzida será superada pelo conhecimento científico e

pela visão de mundo que este conhecimento acarreta. O impulso para o futuro,

o aumento da capacidade de sobrevivência são garantidos por uma ciência que

ensina a experimentação como atitude e que chega a permitir o controle da

própria evolução cultural.

Do mesmo modo, Skinner busca diferenciar sua proposta de sociedade


425

de culturas politicamente geridas, como o socialismo, a democracia (talvez

fosse melhor que ele usasse o termo capitalismo), e o fascismo. Parece

importante destacar que Skinner, pelo menos em certo sentido, usa

inadequadamente tais termos; parece confundir a forma de gestão política da

sociedade com a estrutura propriamente econômica da sociedade. No entanto,

tal confusão não parece séria a ponto de impedir que se analise seu

argumento, embora estes dois fatores contribuam, de maneira implícita ou

explicita, para sua avaliação destas alternativas. Não apenas a organização

política serve de parâmetro de análise e, em Walden II especialmente, só é

possível pensar sua organização política em termos da. economia como se

estabeleceu ali. A junta de planejadores e administradores, assim como o

restante da população, não tem propriedade privada e ganha o mesmo que?

Outros cidadãos, para um número de horas trabalhadas que é, no mínimo,

equivalente aos demais. Assim, é e>íatamente ao reconhecer e esclarecer o

controle exercido por eles em Walden II que Skinner busca diferenciar-se

do que considera uma proposta fascista:

<Planejadores e administradores não seriam equivalentes aos líderes fascistas.


Só exercem o controle) "porque o controle é necessário para o bom
funcionamento da comunidade. Certamente a nossa elite não comanda uma
parte desproporcional da riqueza da comunidade, pelo contrário, eles
trabalham um tanto mais" (...) "pelo que conseguem." (...) "E no fim, o
Planejador e o Administrador retornam á simples cidadania. Temporariamente,
eles têm poder, no sentido em que eles administram coisas - mas é limitado.
Não podem compelir ninguém a obedecer, p.ex. Um Administrador deve tornar
um trabalho desejável. Não tem trabalho escravo a seu comando, porque os
nossos membros escolhem o seu próprio trabalho. O seu poder mal merece
este nome. O que ele tem, ao invés disso, é um trabalho a ser feito.
Dificilmente uma classe privi- legiada, no meu modo de pensar." (1948c, p.
233)

Se 'Walden II' não pode ser considerada uma sociedade fascista, isto se

dá, segundo a argumentação de Skinner, porque a estrutura econômica não

permite este tipo de organização politica. No entanto, a ênfase do argumento


426

mais uma vez recai no que ele considera ser uma decisão cientifica, ou seja, o

controle positivo do comportamento.

Já no que se refere à democracia, antes de tudo Skinner parece se

sentir obrigado a convencer o leitor de que este ê um sistema inadequado de

governo. Sua primeira critica é ao sistema de voto. E interessante que na

avaliação da ínfima chance de um cidadão decidir uma eleição está o cerne do

seu argumento- Sua visão de mundo o impede de supor que o cidadão não é

necesariamente um indivíduo isolado, que suas chances são as chances de um

grupo que se constitui por razões as mais diversas. Mais uma vez, sua análise

da política é imperfeita, na medida em que não pode reconhecer que não são

indivíduos isolados e únicos que estão em questão. Mais interessante ainda é

que, ao analisar o comportamento dos membros de 'Walden II' em relação ao

sistema externo, ai sim reconhece a importância da participação entendida

como a defesa dos interesses de um dado grupo de indivíduos. Mas Skinner

não parece capaz de estender esta análise para sua interpretação mais geral

da cultura e do governo, possivelmente porque o custo desta ampliação seria

muito grande no que se refere a alguns de seus pressupostos, especialmente o

de uma quase incomensurabi1idade entre a atividade e a gerência política da

cultura e sua gerência técnico-científica.

"Nenhum princípio é usado consistentemente por um governo democrático."


(...)
"Democracia é uma fraude piedosa. Em que sentido ela é 'governo pelo povo'?"
(...)
"Como é que o desejo do povo é averiguado? Numa eleição. Mas isso é uma
farsa! Numa pequena reunião executiva, ou mesmo numa cidadezinha, eu
posso ver algumas vantagens no votar, especialmente numa questão de sim-
ou-não. Mas 50 milhões de eleitores escolhendo um Presidente - isso é outra
coisa."
(...)
"A possibilidade de que o voto de um homem decida o resultado" (...) "é menor
do que a possibilidade de ele ser morto a caminho das urnas." (...)
"Quantos (...) "continuariam votando se fossem livres de uma série de pressões
427

externas? Você acha que um homem vai às urnas por qualquer efeito que o
cômputo de um voto tem? De jeito nenhum." (...) "Quase sempre o homem não
tem uma razão lógica para votar. As possibilidades de alterar o resultado final
são demasiado pequenas para alterar o seu comportamento de um modo
apreciável." (1948c, pp.201, 262)

Seu segundo argumento contra a democracia é de ordem diferente: diz

respeito à capacidade de governar "do povo" e á capacidade,

consequentemente, de avaliar e escolher seus governantes. Aqui a base de

argumento está na suposição de que a política deve ser transformada em

ciência natural e de que o governo é questão técnica. De um lado, afirma que o

povo serve como bode expiatório de governos incapazes ou exploradores,

atribuindo assim uma possibilidade de controle indequado inerente aos

governos de sistema democrático. De outro lado, sua análise reforça este

suposto, na medida em que afirma que o povo realmente não tem competência

técnica para avaliar e que, portanto, não deve ser eleitor de seus governantes.

Também é consequência lógica deste mesmo tipo de argumento que não há

governante capaz sob nenhuma forma de governo politicamente embasado e,

portanto, que o problema não estaria no voto de eleitores incapazes, mas sim,

numa estrutura de poder que não pode jamais ser eficiente, ou melhor, na

impossibilidade de uma escolha adequada do sistema. Mas este argumento

Skinner não utiliza e, até mesmo, parece reconhecer uma certa vantagem

pragmática de tal sistema, que poderia levar à sua própria transformação: tanto

que em 'Walden II' os cidadãos, tecnicamente orientados, são capazes de

escolher entre os postulantes às eleições americanas e até mesmo de

transformar a qualidade da vida da comunidade pela eleição de homens

melhores que outros.

"Votar é um meio de pôr a culpa no povo pela situação. O povo não faz as
regras, é o bode expiatório. E o povo vai ás urnas de tempos em tempos, para
renovar o seu direito ao titulo."
428

(...)
"O povo é governante capaz? Não. E ele se torna cada vez menos capaz, em
termos relativos, à medida que a ciência de governar avança." (...).
"Uma coisa que o povo sabe" (...) "e uma coisa a respeito da qual deveria ser
ouvido, é como está apreciando a situação, e talvez, como gostaria que fosse.
O que as pessoas notoriamente não sabem é como conseguir o que querem.
E assunto para especialistas." (1948c, p.263)

O que resta ao povo, do ponto de vista de Skinner, é esperar que a

ciência avance suficientemente e que se torne poder, para que então suas

necessidades sejam corretamente identificadas e satisfeitas. Enquanto, de

alguma forma, participar do poder, o povo ê muito mais massa manipulada que

impede a experimentação e a busca cientifica de soluções, do que contingente

de pessoas social e culturalmente inseridas, com necessidades que pode

identificar e destino que pode traçar, ou pelo menos escolher. Um dos grandes

problemas desta concepção está na análise que Skinner não faz de como

mudar de um estado de coisas para outro. Poder-se-ia supor que o

afastamento de qualquer forma de participação popular pode ser justificado

para que se atinja um novo tipo de governo. Isto porque, se se poderia

interpretar como até mesmo razoável a suposição de que numa sociedade

como 'Walden II' a democracia já não é mais necessária, mas o mesmo parece

assustador quando se pensa o mundo real e as possibilidades de

transformação ai contidas.

"O povo não está em condições de avaliar especialistas. E os especialistas


eleitos nunca podem agir como acham melhor. Não podem experimentar. O
leigo não avalia a necessidade de experimentação. Exige que o especialista
saiba. E é totalmente incapaz de aguentar o período de dúvida durante o qual
um experimento se desenvolve. Os especialistas devem ou disfarçar seus
experimentos e fingir que sabem o resultado antecipadamente ou parar de
experimentar inteiramente e lutar para manter o status quo." (1948c, p.264)

A terceira ordem de argumentos contra a democracia diz respeito ao fato

de a maioria não ser a totalidade de uma comunidade o que a tornaria uma

forma de despotismo. Se se interpreta a afirmação de Skinner como sendo


429

minoria aquelas massas que sempre estiveram ausentes do poder, isto assume

um sentido muito especial. Ainda assim, o sabor paternalista de sua proposta

seria quase insuportável, uma vez que suporia a convicção de que esta maioria

numérica se torna minoria real dada uma sua incapacidade natural de obter o

poder e satisfazer suas necessidades. Se se interpreta pela letra, seu

argumento não parece passar de jogo de palavras, especialmente dada a

frequente alusão a 'Walden II' como sociedade que é planejada especialmente

para o homem comum, o homem do povo que compõe a maioria numa

democracia. O argumento só se justificaria se esta alusão realmente

pretendesse demonstrar que o povo só pode ter sua vida melhorada por um

governo que dele prescinda para tudo aquilo que é essencial e importante na

determinação de seus destinos. E mais uma vez, embora não compartilhando

os princípios democráticos de tomada de decisão, Skinner compartilharia o

principio democrático que diz refutar de que se governa para a maioria, mesmo

que esta seja silenciosa.

"A democracia é o fruto do despotismo" (-»-) "A democracia é poder e


regras. Não é o desejo do povo, lembra? E o desejo da maioria. (...) Meu
coração está com as eternas minorias, sempre perdedoras." (...)
"Numa democracia" (...) "não há controle contra o despotismo, porque o próprio
principio da democracia é supostamente um controle. Mas garante apenas que
a maioria não será despoticamente dirigida."
(...) "A maioria é uma elite. E eles são déspotas. Eu não quero nenhum deles!
Que seja um governo para o beneficio de todos!" (1948c, pp.264, 265)

De qualquer modo, a democracia, a essencial democracia de direitos

iguais à vida, de igual acesso aos bens materiais e aos bens culturais é

assegurada- E se isto parece pouco do ponto de vista de dizer como construir a

sociedade, isto diz muito em relação a que tipo de sociedade Skinner deseja

ver existindo no mundo e, assim, torna dispensável, se não incorreto, rotulá-lo

de fascista ou de elitista. O que permanece como sendo anti-democrático no


430

sistema skinneriano, e nas suas propostas para a agencia governamental, são

os métodos através dos quais se construiria uma sociedade igualitária e, neste

sentido, democrática. A questão dos métodos é afirmada como problemática

pelo próprio Skinner em Walden II. Embora ele assuma o problema apenas

quando aplicado a uma sociedade como a existente, que já não é concebida

como realmente democrática, continua sendo possível discutir esta

interpretação e parece que a origem do problema, mais uma vez, se encontra

em sua concepção de uma agência governamental eminentemente técnica.

"As pessoas tem tanta voz quanto elas precisam. Elas podem aceitar ou
protestar e muito mais eficazmente do que numa democracia. E todos nós
participamos igualmente da riqueza comum, que é a intenção mas não o
resultado do programa democrático." (...) "Não há privilégios hereditários, de
nenhuma forma. Você está se queixando é de nosso procedimento não -
democrático fora da comunidade e eu concordo com você em que ele é
desprezível. Eu gostaria que fosse possível agir em relação ao mundo da
mesma forma que agimos entre nós, mas o mundo insiste em que as coisas
devam ser de outra maneira." (1948c, p.233)

A própria análise do socialismo soviético parece confirmar esta

interpretação. Não há ali uma crítica aos supostos e fundamentos da proposta

socialista. O que há é uma critica à condução desta proposta, aos seus

métodos. (Parece importante ressaltar aqui o fato de que embora Skinner

não afirme um acordo de princípios - em 1948 e em 1953 - a respeito da

democracia americana, explicitamente reconhece que não discorda em relação

aos princípios norteadores do projeto soviético). Sua critica se baseia nos

mesmos critérios usados para a critica da sociedade capitalista americanas a

condução política do estado e a consequente ausência de experimentação, o

uso da propaganda, da figura do herói e o uso do controle aversivo do

comportamento.

Mas há grandes diferenças nestes dois conjuntos de criticas que são

aparentemente semelhantes. Ha base desta critica estão alguns dos valores


431

que Skinner defende para a cultura. Cada um dos métodos criticados na

experiência soviética impede, ou pelo menos dificulta, algum princípio que é

valor a ser defendido em uma sociedade técnico-científica: a possibilidade de

aumentar a maleabilidade da cultura aumentando consequentemente sua

possibilidade de sobrevivência, a impossibilidade de se obter felicidade, e

igualdade pelo continuado uso de controle aversivo e de propaganda, as

diferenças quanto ao acesso ao controle do comportamento devido a uma

sociedade onde o poder continua estratificado. Assim, poder—se—ia afirmar

que o que Skinner critica neste caso realmente são os métodos, uma vez que

estes não levarão aos propalados objetivos e valores defendidos por uma

proposta socialista.

"Eu só posso ver quatro coisas erradas na Rússia" (...) "Como originariamente
concebida era uma boa tentativa. Brotou de impulsos humanitários que são
lugar comum em Walden II. Mas, rapidamente, desenvolveu certas fraquezas.
Há quatro e elas eram inevitáveis. Eram inevitáveis simplesmente, porque a
tentativa foi feita ao nível político."
(...)
"A primeira" (...) "é uma perda da mentalidade de experimentação. Muitos
experimentos promissores foram simplesmente abandonados. O cuidado em
grupo das crianças, a alteração da estrutura da família, o abandono da religião,
os novos tipos de incentivo pessoal - todos esses problemas foram 'resolvidos'
voltando a práticas que tem prevalecido por séculos nas sociedades
capitalistas. Era o antigo problema. Um governo no poder não pode
experimentar. Precisa conhecer as respostas ou, pelo menos, fingir que as
conhece." (...) "A experimentação revolucionária está morta."
(...)
(...)"Em segundo lugar a Rússia usou propaganda demais- Tanto com o próprio
povo, quanto para o mundo exterior." (...) "E um defeito sério porque tornou
impossível avaliar o seu êxito." (...) "Você pode dizer que é um expediente
temporário para anular a propaganda da. cultura anterior. Mas essa
necessidade foi há muito tempo superada e a propaganda ainda continua." (...)
"Tanto quanto sabemos, a cultura toda ruiria, se as atitudes que a suportam
fossem afastadas. E o pior é que é difícil de imaginar que algum dia elas
possam ser afastadas. A propaganda impossibilita o progresso em direção a
uma forma de sociedade na qual ela seja desnecessária."
(...)
"A terceira fraqueza do governo soviético é o uso de heróis. A primeira função
do herói na Rússia, como em qualquer outro lugar, é remendar uma falha
estrutural do governo. As decisões importantes não são tomadas na base de
um conjunto de princípios, são atos pessoais. O processo de governar é uma
arte e não uma ciência. E o governo dura tanto, ou é tão bom quanto o artista.
Quanto a segunda função do herói, quanto duraria o comunismo, se as fotos de
432

Lenin e Stalin fossem todas rasgadas?"


(...)
"Mas o mais importante de tudo é que o experimento russo baseou-se no
poder. Você pode argumentar que a tomada de poder também foi um
expediente temporário, uma vez qua as pessoas que o detinham eram
intolerantes e opressoras. Mas você dificilmente pode defender o uso
continuado do poder da mesma maneira. Os russos estão ainda muito longe de
uma cultura na qual as pessoas se comportem como querem se comportar
para o bem comum. Para conseguir que essas pessoas ajam conforme a
demanda do padrão comunista, o governo russo teve de usar as técnicas do
capitalismo. Por um lado, emprega recompensas extravagantes e desiguais-
Mas uma distribuição desigual de riqueza mais destrói incentivos do que cria-
Obviamente, não se pode operar para o bem comum. Por outro lado, o governo
também usa de punição ou de ameaça. Que espécie de engenharia
comportamental você acha que é esta?" (1948c, pp.271, 272)

Importante, entretanto, e não reconhecido por Skinner, é possivelmente

o fato de que a experiência soviética não foi capaz de construir seus próprios

meios, e aqueles adequados a seus objetivos. Ao invés disto, usou de

metodologias que são mais adequadas a outras culturas. 0 que Skinner poderia

ter percebido é que este problema seria enfrentado por qualquer cultura que

separe os métodos de seus objetivos, ou melhor, que a avaliação de qualquer

cultura, e mesmo da agência governamental, não pode prescindir de uma

avaliação de como estes dois níveis interagem e se expressam na própria

agência.

E isto poderia indicar, muito mais que um afastamento dos ideais

socialistas, uma análise precária dos reais determinantes das práticas de uma

sociedade capitalista. A semelhança de análise para estes dois modos de

pensar e de tentar construir a sociedade seria consequência principalmente de

Skinner n&o avaliar, no capitalismo ou no socialismo, que os métodos que

podem parecer semelhantes talvez não possam ser assumidos como tal, uma

vez que se originam de concepções de mundo diferentes e que se aplicam a

situações que pretendem atingir objetivos distintos. E que, se são semelhantes,

precisam ser corrigidos em um ou em ambos os casos, porque não são


433

métodos adequados para os fins a que se destinam. Isto traria, entretanto, um

problema para sua própria concepção de sociedade, que se baseia também,

embora não somente, em uma universalidade de critica a determinados

métodos, como a democracias esta crítica, que é um principio que dirige sua

análise das sociedades existentes, teria que passar a ser apenas mais um dos

referentes que é diferentemente medido em cada situação especifica.

De modo semelhante, tanto a critica da agência governamental, como as

propostas feitas, indiscutivelmente não se referem estritamente àquilo que

Skinner considera como a agência controladora. Pelo contrário, envolvem

distintos aspectos e agências da cultura, que interagem nos controles que

exercem- Estas interações muitas vezes determinam os métodos de controle e

os valores de uma cultura que precisam ser analisados a partir desta relação.

Skinner, entretanto, tem dificuldade em considerar e avaliar em toda sua

extensão as relações entre governo, política e economia. Por exemplo, não

parece ser capaz de perceber, e certamente não enfatiza, que a estrutura

política é estreitamente relacionada com a estrutura econômica. Se em sua

crítica à economia levanta o problema desta ciência não ser capaz de prever o

comportamento individual, a partir de sua critica â política parece que acaba

por pensar que todos os indivíduos são iguais, ou melhor, tem igual poder de

barganha. Certamente isto não é defendido por Skinner em muitos momentos,

mas há alguns em que parece estar tão preocupado com o indivíduo enquanto

ser genérico, e em que parece assumir com tanta certeza que um mero

conjunto deles compõe uma sociedade, que não percebe que as relações

estabelecidas entre tais indivíduos, muito embora sejam concretas no sentido

de que são fruto de sua própria organização, fazem parte tão integrante como
434

eles da sociedade. Assim, não parece reconhecer que a sociedade estruturada

de um dado modo atende a interesses reais, concretos, e que a sua existência,

assim como sua transformação, também atenderá a interesses que, dado o

desenvolvimento histórico do homem, não são semelhantes e que, por isto,

geram expectativas perante o mundo e geram alternativas de mundo que são

frequentemente mais que diferentes, são incompatíveis entre si.

Mesmo que se concorde, portanto, com Skinner, na. sua análise de que

o controle é parte da vida humana, que o comportamento está sob controle

de suas consequências, de? que o comportamento positivamente controlado

é de natureza diferente do comportamento aversivamente controlado, de que

os governos tendem a usar do controle aversivo como forma de controle, com

largas perdas para o grupo como um todo — isto não autorizaria a conclusão

de que a solução para os problemas humanos está na simples escolha de uma

sociedade cooperativa, cientificamente gerida. Tal escolha não resolve, pelo

menos, o problema de corno se passar de uma para outra cultura. Skinner, no

entanto parece ter tanta confiança em sua proposta e ao mesmo tempo é tão

coerente com alguns dos pressupostos que prega que, em Walden II chega a

discutir a possibilidade de expansão da comunidade, mesmo que a um custo

bastante alto para a coerência de seu sistema. Para propor tal expansão tem

que recorrer á ação política, tanto na forma de voto, como de pressão política,

chegando mesmo a ter que admitir uma ação política direta (como a

participação em cargos eletivos) como caminho necessário para a expansão do

modelo de 'Walden' (expansão que é absolutamente necessária como critério

para avaliar seu sucesso como cultura).

"Logo que formos maioria numa localidade, poderemos nossos direitos sob
uma forma democrática de governo e tomar o controle."
435

(...)
"Mas estou falando de negócios práticos, tais como recobrar os impostos em
forma de serviços úteis. Temos todas as intenções de meter-nos na política
democrática para propósitos desse tipo, logo que for possível. Reorganizando o
município e o governo da região, poderíamos reduzir os impostos, recobrar
nossos próprios impostos na forma de salários, colocando nossa gente em
operação, e, ao mesmo tempo, elevar a região até os nossos padrões. O
sistema escolar naturalmente cairia em nossas mãos e deveríamos ser
capazes de adaptar algumas escolas para nosso uso próprio e ainda evitar o
imposto duplo de educação particular. Quem poderia se opor a isso (...)
"E o desejo da maioria (...) E, se bem que reconheça que esta é uma forma de
despotismo, devemos usá-la temporariamente para obter o melhor governo
para todos." (1948c, p.231, 232)

Deste modo é como se a política entrasse pela porta dos fundos do

sistema skinneriano e, mais uma vez, grandes problemas se apresentam no

momento de analisar a transformação, no caso, a expansão da sociedade.

Toda a recusa da política e transformada em sua defesa pelo menos enquanto

método que permite a obtenção de certos objetivos e como método que é

quase que indispensável para seu atingimento. Outro exemplo desta

dificuldade recorrente no sistema skinneriano está na afirmação de que Frazier

teria "dado o primeiro empurrão" em 'Walden', embora o que seja salientado é

que ninguém mais a "empurra". Ou seja, para sua constituição foi necessária

mais do que a aplicação técnica de princípios tecnicamente adquiridos, foi

preciso a vontade — aparentemente política — de um homem para sua

implantação.

"Você poderia dizer que eu dei o primeiro empurrão, mas eu não estou
empurrando agora- Não há quem o empurre agora, este é o 'x' do problema-
Levante-o da maneira certa e ele andará por si mesmo." (1948c, pp. 233,
234)

A questão que se coloca é a da discussão das condições que

permitiriam que se aborde da maneira correta o problema - no caso, a

formação e gestão da cultura- Certamente estas condições não são dadas

apenas pela emergência de uma ciência do comportamento, pelo menos não

do modo como Skinner a apresenta. E este talvez seja um dos maiores


436

desafios de uma ciência do comportamento; compreender exatamente estas

condições. Este seria um momento necessário para, então, propor transformar

a sociedade.
437

Notas

Capitulo 1

1 . Como apontado na Introdução deste trabalho, as referências completas das

publicações são apresentadas. Como ressalta Coleman (1979), esta listagem

não inclui resenhas publicadas no período.

2 . Skinner (1976), afirma que após sua graduação decidiu tentar a carreira

de escritor por um ano, com acordo de seus pais. Foi um ano de frustrações,

em que após desistir de escrever tentou outros trabalhos, até que decidiu-se

por continuar na universidade, fazendo um doutorado, e escolheu a psicologia.

Coleman (1981) retoma estes fatos para concluir, a partir das leituras de

Skinner no período e de seu relato, que esta não foi uma decisão arbitrária.

3 . Trata-se de um interessante artigo de critica ao trabalho dito experimental

de Gertrude Stein. A veia de psicólogo e de pesquisador aparece, claramente

associada á critica literária, pela relação que Skinner estabelece entre esta

parte do trabalho literário de Stein e seu contato anterior, como aluna de

psicologia, com experimentos sobre escrita automática.

4 . Coleman (1984), em um artigo sobre o desenvolvimento do sistema

skinneriano entre 1931 e 1938 afirma que inicialmente Skinner parecia abraçar

uma concepção convencionalista de conhecimento, que mudaria, ainda durante

este período.
438

5 . A este respeito é interessante a discussão de Pessostti (1976). Vale lembrar

que mesmo a metodologia de Pavlov, que mantinha seus animais

razoavelmente intatos ainda utilizava de tratamento cirúrgico e de restrição

física, medindo respostas glandulares. A metodologia de Skinner, assim, é

qualitativamente diferente e se comparada com o que vinha sendo feito no

campo do reflexo, abordava-o de uma perspectiva muito mais molar. Se

comparada com a metodologia de Crozier, que observava seus animais

realmente intatos, Skinner também opta por uma perspectiva mais molar, neste

caso em relação à unidade de estudo que escolhe, uma vez que Crozier

estudava tropismos.

6 . Note-se que Skinner usou o termo comportamento. O uso dos termos

resposta e comportamento como sinônimos é frequente em seus textos do

período. Em Science and Human Behavior, Skinner afirma que o termo

resposta, embora utilizado, é inadequado para o operante. Os argumentos para

esta afirmação, entretanto, não se aplicariam para o que em 1931 considerava

como características do comportamento. Neste sentido, se fortalece a noção de

que Skinner realmente talvez considerasse como sinónimos resposta e

comportamento, pelo menos antes da postulação do comportamento operante.

Quando se considera também o termo reflexo, este problema se agrava, dado

que também este termo parece ser usado, pelo menos algumas vezes, como

sinónimo de resposta.

7 . A periodização do da obra de Skinner que conduz este trabalho não foi feita

'a priori'. Considerou-se, a partir da leitura de Skinner, as marcas de cada


439

momento e de cada movimento para propor as datas limites. Entretanto,

obviamente, como em todo processo não é possível demarcar de maneira

absolutamente rígida estas fronteiras. Assim, por exemplo, o artigo de 1930,

On the Rate of Elicitation of Certain Eating Reflexes, é tomado como posterior,

para efeito de análise ao artigo de 1931, The Concept of the Reflex in the

Description of the Behavior. Semelhantemente, os artigos de 1948 -

'Superstition' in the Piqeon e Card Guessinq Experiments — São vistos como

anteriores ao artigo de 1947, Current Trends in Experimental Psychology. O

que se espera é que tais eventos possam ser interpretados como

fortalecedores do que aqui se propõe, ao invés de como refutações, uma vez

que mais provavelmente expressam o que se defende ser um processo de

produção do conhecimento, um processo continuo, mas não linear.

8. 0 termo 'summator' tem como tradução literal somador que apenas em certo

sentido parece expressar o equipamento desenvolvida por Skinner. Por esta

razão optou-se por não traduzi-lo.

9 - Dinsmoor (1988) afirma sobre o livro: "Embora a linguagem de The Behavior

of Orqanisms possa soar arcaica aos ouvidos contemporâneos, as sementes

estavam lá." (...) "Skinner tinha começado a tarefa de construir um conjunto de

conceitos capaz de lidar de uma maneira cientifica com o coração da

psicologia." (p.289) Mais interessante ainda é que na sua avaliação do livro

estabelece uma comparação entre Skinner e Freud, salientando a ênfase de

ambos em relação aos aspectos dinâmicos das leis do comportamento, â

análise como metodologia e à padrões de comportamento recorrentes. Longe


440

de pretender estabelecer um paralelo de qualquer tipo, ê interessante que o

autor aponta aspectos do livro que parecem confirmar a hipótese de que,

mesmo que apenas implicitamente, Skinner pretenderia que o sistema

apresentado pudesse, ainda que com reservas, ser aplicado ao comportamento

humano.

Capitulo 2

1 - Os dados deste trabalho só aparecem muito mais tarde, em 1960, porque

sua publicação estava proibida pelo Departamento de Defesa americano.

Entretanto, nesta pesquisa é que se iniciou o trabalho sistemático com pombos

e se desenvolveram os estudos que levariam aos esquemas de reforçamento e

também é esta a primeira tentativa de Skinner de deliberadamente produzir

tecnologia a partir da ciência. Certamente seria interessante um estudo apenas

sobre este trabalho de Skinner: não apenas a respeito do desenvolvimento

teórico ou metodológico que ele pode ter influenciado, mas também a respeito

das relações institucionais envolvidas no fazer ciência e na produção de uma

tecnologia.

2 - E também um momento de expansão da comunidade e de consequente

diversificação da produção de conhecimento em análise experimental do

comportamento. Nestes anos doutoram-se pessoas orientadas para a análise

experimental, fortalecem-se laboratórios com esta orientação, ampliam-se as

perspectivas. Sinal disto é o convite a Skinner para lecionar em Harvard, no

final do período.
441

3 . Dos artigos do período o único não localizado, The Psycholoqy of Desiqn

(1941a), que segundo Skinner foi apresentado como uma conferência, talvez

pudesse ser considerado um artigo sobre comportamento verbal, uma vez

que trata do comportamento criativo, mais especificamente do desenho.

4 . Referendando esta interpretação, Skinner em sua auto-biografia critica o

equipamento, afirmando sua inutilidade, seus frequentes problemas e relatando

que acabou sendo muito pouco utilizado.

5 . Nestes artigos Skinner discute as pesquisas feitas por indivíduos ligados à

vida académica sobre adivinhação e percepção extra-sensorial e discute os

resultados e os procedimentos de pesquisas sobre o tema, feitas através de

algumas rádios americanas na época, pela 'Zenith Foundation' (Skinner, 1979,

p.251).

Capítulo 3

1 - Os termos sociedade e cultura serão usados intercambiavelmente no texto,

seguindo a prática de Skinner que parece tomá-los como sinônimos. Além

disto, cultura e sociedade têm o significado amplo do conjunto de relações e

condições sob as quais vive um determinado grupo de indivíduos.

2 . Skinner frequentemente se refere ao desenvolvimento de seu sistema como

sendo devido ao acaso, e esta interpretação tem sido aceita por muitos de seus

estudiosos. Assim, por exemplo, em A Case History in Scientific Method (1956),

só para citar alguns exemplos, Skinner afirma que a extinção e o reforçamento


442

intermitente só foram estudados por causa de quebras no equipamento, e que

até 1938 jamais construiu uma hipótese. Entretanto, quando se acompanha o

desenvolvimento de seu sistema a partir de seus textos publicados, percebe-

se que razões principalmente de ordem metodológica conduziram ao estudo

da extinção e do reforçamento intermitente: nestes dois casos a busca de um

processo mais lento e regular a partir do qual estudar o condicionamento.

Quanto às hipóteses, a reserva, citada em 1956, certamente operou como uma

hipótese em seu sistema, hipótese ademais relevante porque explicava, num

certo sentido, o caráter emissivo do comportamento operante e que só foi

explicitamente abandonada quando substituída pela noção de probabilidade.

Deste modo, não é surpreendente que agora se refira a Walden II como fruto

do acaso.

3 . Esta nota de Skinner num certo sentido também fortalece a interpretação de

que os anos entre 1938 e 1948 se constituíram num período de transição.

4 . A taxa é afirmada como medida da probabilidade de resposta que se torna a

variável dependente de uma análise experimental do comportamento humano.

Skinner afirma que a probabilidade / taxa é adequada tendo em vista o caráter

emissivo do comportamento operante, que torna inadequadas medidas tais

como latencia ou magnitude da resposta, 0 problema maior da taxa estaria no

fato de que os processos comportamentais precisam se repetir para que

possam ser medidos através da taxa. No caso de uma ciência que agora se

compromete com a explicação dos comportamentos complexos em situações

não controladas isto se torna um problema, dado o caráter único de certos


443

eventos. Skinner resolve a questão afirmando que tais eventos são, na

verdade, compostos de eventos menores, estes sim repetitivos, que levariam a

seu produto único; e que seriam estudados então a partir destes aspectos. 0

problema está em que esta posição francamente analítica peca pelo fato de

Skinner desconsiderar que aqui claramente o produto não é igual à soma das

partes: a soma dos indicadores comportamentais que antecedem um suicídio

não é igual ao suicídio, seja em termos do comportamento, seja em termos de

sua consequência.

5 - Em Walden II, Skinner afirma que o controle exercido sobre o

comportamento na situação natural não é necessariamente o mesmo que se

obtém no laboratórios nem sempre é possível ou desejável reverter as

condições apenas para que se demonstre o poder desta ou daquela variável

ambiental, nem sempre é possível ou desejável que se quantifique o

comportamento com a mesma precisão. Este tipo de afirmação que pode ser

usada para mostrar o possível caráter menor de um trabalho como Walden II,

na obra de Skinner, entretanto, como se depreende deste artigo, representaria

a posição mais geral de Skinner de que quantificação precisa não é sinômino

de tecnologia efetiva ou mesmo pré-requisito para que se desenvolva a ciência

aplicada.

Capítulo 4

1 . Na análise de Walden II tanto as falas de Frazier como de Burris são

tomadas como explicitando a postura tipicamente skinneriana. Esta

interpretação se baseia inclusive em afirmação de Skinner, em sua auto-


444

biografia (1979), de que em Walden II ambos os personagens o

representavam.

2 - Os termos engenharia comportamental, engenharia cultural, tecnologia

comportamental, e até mesmo ciência aplicada, são usados intercambiavel

mente por Skinner e aqui se segue o mesmo padrão.

3 - O termo análise tem aqui, e no referencial skinneriano, dois significados; o

de dividir em partes menores, fragmentar de alguma forma - um significado

mais propriamente metodológico - e o de descrever, explicar algo — num

paralelo a um significado mais comum e que se refere mais ao produto da

investigação. Este segundo significado tem conotações derivadas do seu

primeiro uso, no entanto não se confunde com ele. Neste item, o primeiro uso

do termo será acompanhado de aspas simples, na tentativa de esclarecer o

leitor. Isto porque se optou frequentemente por não usar outros termos – como

interpretação, explicação, por exemplo - ao se referir à descrição do fenômeno

como o resultado da investigação.

Capítulo 5

1 . Talvez a escolha, já na década de 30, da psicologia como seu campo de

estudo, em detrimento da fisiologia, tivesse como uma de suas razões esta

possibilidade maior de manipulação que já enteio parecia oferecer. Do mesmo

modo, mudanças conceituais, como por exemplo, do 'drive' convertido em

operações de privação e saciação, parecem seguir esta mesma direção.


445

Capítulo 7

1 . Dificilmente, se é que alguma vez, Skinner se refere à cultura dominante, a

sociedade americana, como capitalista. Mais frequentemente utiliza o termo

sociedade "democrática", o que poderia parecer um viez, que entretanto, pelo

menos explicitamente, não é positivo, uma vez que tem sérias criticas à

democracia como forma de gestão dos negócios humanos. Dado se trata,

neste item, de analisar a economia, se utiliza frequentemente o termo

'capitalista'.

2 . Aliás, é interessante notar que Skinner muito mais frequentemente usa o

termo empregado do que o termo trabalhador e que também raramente usa o

termo capitalista ou empresário, mas apenas o termo empregador. Se as

razões para tal escolha são devidas a uma discordância teórica ou política das

análises criticas do capitalismo permanece uma incógnita.

3 - Não é de se estranhar, deste ponto de vista, a admiração que Skinner

expressa por Thoreau: o mesmo ideal de que o indivíduo, enquanto tal, pode

mudar a sociedade, simplesmente escolhendo um caminho diferente para si , é

explicitado, não apenas em Walden II, mas também na análise contida em

Science and Human Behavior, Deste ponto de vista o chamado espirito

americano e o espirito liberal se expressam magnificamente em Skinner- Ao

mesmo tempo, seu desprezo pelas análises advindas das ciências sociais, aqui

especialmente da economia política, impedem que Skinner se torne um critico

do modelo que propõe.


446

Posfácio

Guimarães Rosa, com a sabedoria dos homens que sabem olhar para a

realidade, afirma que o importante não está na outra margem do rio, mas se

descortina na travessia. Talvez o produto melhor deste trabalho tenha sido

exatamente a travessia. No caminho percorrido nasceram o respeito pela obra,

pelo esforço e pelos motivos de Skinner. Nasceu inclusive o respeito por seus

limites. Hoje eles não parecem ser critério para abandonar um modo de ver o

mundo, mas, muito mais, para tentar contribuir para esta concepção.

Fazer este trabalho certamente contribuiu para minha formação de

modos que são muito mais amplos do que o que aqui se apresenta. O penoso

trabalho de acompanhamento da obra de Skinner tornou-se tarefa

recompensadora por permitir a descoberta de um autor comprometido com os

homens e com o seu destino, comprometido com uma tentativa de solução

para os problemas humanos que, se tem os seus limites, jamais pecacpor se

deixar enredar pelo fácil apelo da irracionalidade.

O difícil trabalho de tentar reconstruir e interpretar uma obra tão

abrangente e coerente como a de Skinner exigiu a aprendizagem concreta de

que as idéias pré—concebidas funcionam como viseiras e de que a critica

exige o conhecimento do que foi produzido, o qual só pode ser adquirido pelo

aparentemente custoso caminho do estudo.

O resultado aqui apresentado certamente carrega muitas de minha

crenças, e certamente muitas delas são mais amplas do que aquelas

diretamente relacionadas com o conteúdo do trabalho de Skinner, ou do meu.

Entretanto, a familiaridade com o autor propicia, mais do que dificulta a


447

expressão destas crenças. Elas aparecem em muitas das criticas,

especialmente naqueles momentos do trabalho em que ambos - Skinner e eu

— adentramos em campos que são tão fundamentais para nossas vidas e que,

ao mesmo tempo, são mais separados de nós enquanto conhecimento. A

permissão para estas extrapolações são dadas, eu espero, pela tentativa de

compreensão da realidade e do trabalho de Skinner que elas representam.

A Tese também representa apenas uma parcela do que gerou em mim.

Tanto por suas limitações formais, como pelas limitações que o produto de um

processo inevitavelmente apresenta- São inúmeras as possibilidades que

foram aventadas e não seguidas, que foram apenas rapidamente tocadas e,

certamente, as que não foram sequer percebidas também caracterizam,

mesmo que pela falta, o trabalho. Entretanto este produto indiscutivelmente

representa as minhas possibilidades e limitações a partir de referenciais que

certamente são colocados também pela obra de Skinner, que tentei respeitar

em todos os momentos.

A minha leitura de Skinner me levou a formular hipóteses e críticas sobre

o papel que propõe para a ciência do comportamento, sobre a sua concepção

de mundo e sobre sua proposta de transformação da sociedade. A mim parece

extraordinário que um psicólogo tenha construído um sistema tão abrangente e

coerente como o skinneriano, que tenha se ocupado de problemas tão

complexos, que tenha proposto alternativas tão engenhosas e tenha construído

uma proposta metodológica e um conceitual teórico tão frutíferos. Parece-me,

por outro lado, que é da natureza do conhecimento, especialmente de um

conhecimento tão firmemente amarrado, que este gere criticas e

interpretações, denotando exatamente sua força. Neste sentido me sinto


448

devedora de Skinner e contribuindo para suas aspirações. Acredito que a

fecundidade de seu trabalho se demonstra também pelo envolvimento que

exige de seus estudiosos e pela critica que necessariamente implica.

Tenho ainda a sensação de uma intimidade com Skinner hoje que é a de

velhos amigos que, conhecendo as posições e os motivos do outro, ainda

assim tenta convencê-lo ou se convencer da propriedade de um outro ponto de

vista. Tenho a sensação de que muito do respeito e da admiração e do respeito

adquiridos para com o trabalho de Skinner se deve aos seus motivos tanto

quanto às suas propostas. Nele descobri a vontade indomável de mudar o

destino humano, de descobrir melhores modos de vida, melhores chances de

sobrevida. Num momento como o de hoje é fundamental que homens

profundamente comprometidos com o futuro dos seus pares se dediquem a

tentar tornar seus ideais realidade. Acredito hoje que Skinner nunca abriu mão

de sue compromisso para com a transformação e com sua fé enorme na

ciência tentou abrir caminhos que permitissem concretamente a transformação

do mundo.

São poucos os homens capazes de ter uma visão tão ampla de mundo,

uma capacidade tão grande de tocar em problemas essenciais. E de perseguir

alternativas. Skinner certamente é um deste homens. No entanto, não poderia,

como qualquer outro, fugir às limitações de seu tempo, de sua história de vida.

E me pergunto quantas vezes não cobrei de meu amigo que tivesse sido

capaz exatamente disto. Especialmente devo tê-Io feito nos momentos em que

mais claramente estas limitações me apareciam. E certamente há nesta

cobrança o conteúdo emocional de um filho que repentinamente descobre

que seu pai não é capaz de todas as coisas. Entretanto, também há nesta
449

crítica a certeza de que ela é possibilitada exatamente pela grandeza do

outro e que sua existência é caminho para a transformação, ainda que isto

implique um momento negativo.

Mas o produto deste trabalho não se encerra aqui. Todas aquelas

pequenas coisas que aprendi a fazer e que hoje quero fazer: os artigos, a

continuidade do estudo, as discussões fazem parte dele. Tudo retomado, a

travessia não se encerra aqui e talvez jamais termine.


450

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

- Abib, J.A. Skinner, Naturalismo e Positivismo. Tese de Doutorado

apresentada ao Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo, 1985

- Allen, H.J. P.W. Bridgman and B.F. Skinner on Private Experience,

Behaviorism, 1980, 8, 1529

- Ardilla, R. Conductismo y Marxismo. Revista de Psicologia Geral Aplicada,

1980, 35, 955-967

- Bakan, D. Politics and American Psychology. In Rieber, R.W.; Salzinger , K.

(ed) Psychology: Theoretical-Historical Considerations. New York: Academic

Press, 1980

- Black, M. Some Aversive Responses to a Would—be Reinforcer. In

Wheeler, H. (ed) Beyond the Punitive Society. London: Wildwood House, 1973

- Buckley, K.W. The Selling o f a Psychologist.: John Broadus Watson and the

Application of Behavioral Techniques to Advertising. Journal of the History of

the Behavioral Sciences, 1982, 18, 207-221

- Catania, A.C. The Behavior of Organisms as Work in Progress. Journal of the

Experimental Analysis of Behavior, 1988, 50., 277-281

- Coleman, S.R. Historical Context and Systematic Functions of the Concept

of the Operant. Behaviorism, 1981, 9, 207-225

- Coleman, S.R. Background and Change in B.F. Skinner's Metatheory From

1930 to 1938, Journal of Mind and Behavior, 1984, 5, 471-500

- Coleman, S.R. B. F. Skinner, 1926-1928: From Literature to

Psychology. The Behavior Analyst, 1985, 8, 77—92

- Coleman, S.R. Quantitative Order in B.F. Skinner's Early Research Program,

1926-1931. The Behavior Analyst, 1987, 10, 47-65


451

- Creel, R. Radical Epiphenomenalism: B.F. Skinner's Account of Private

Events. Behaviorism, 1980, 8, 31-53

- Day, W.F. The Historical Antecedente of Contemporary Behaviorism. In

Rieber, R.W.; Salzinger, K. (ed) Psychologys: Theoretical-Historical

Considerations. New York: Academic Press, 1980

- Dinsmoor, J.A. In the Beginning... Journal of the Experimental Analysis of

Behavior, 1988, 50, 297-296

- Elms, A. Skinner's Dark Year and 'Walden Two'. American

Psychologist, 1981, 36, 470-479

- Epstein, R. A Listing of the Published Works of B.F. Skinner, with Notes and

Comments. Behaviorism, 1977, 5, 99-110

- Flanagan, O.J. Skinnerian Metaphisics and the Problem of

Operationism. Behaviorism, 1980, 8, 1—13

- Freedman, A. Uma Sociedade Planejada: uma Análise das Proposições de

Skinner. São Paulo: EPU / EFUSP, 1976

- Hernstein, R.J. Nature as Nurture: Behaviorism and the Instinct Doctrine.

Behaviorism, 1972, 1, 23—52

- Hernstein, R.J. The Evolution of Behaviorism. American Psychologist, 1977,

593-603

- Keat, R. A Criticai Examination of B.F. Skinner's Objections to Mentalism.

Behaviorism, 1972, 1, 53-70

- Leary, D. One Hundred Years of Psychology: An American Perspective.

Psychological Research, 1982, 42, 175-198

- Mackenzie, B.D. Behaviorism and Positivism. Journal of the History of the

Behavioral Sciences, 1972, 8, 222-231


452

- Malagodi, E.F. On Radicalizing Behaviorism: A Cal 1 for Cultural Analysis.

The Behavior Analyst, 1986, 9, 1-17

- McConnell, J.V. Psychology of the Scientist: John B.Watson: Man and Myth,

Psychplogical Reports, 1983, 56, 683-705

- Moore, J. On Behaviorism, Knowledge and Causal Explanation. The

Psycholoqical Record, 1984, 34, 73—97

- Natalicio, L. Behaviorism at Seventy: Implications for a Philosophy of Science

of Psychology. Revista Interamericana de Psicologia, 1985 19, 1-18

- Neal, F.R. Questione. In Wheeler, H. (ed) Beyond the Punitive Society.

London: Wildwood House, 1973

- 0'Donnell, J.M. E.G. Boring and His Uses of History. American

Psychologist, 1979, 34, 289-295

- Pessotti , I. Pré-Historia do Condicionamento. São Paulo: Hucitec / EDUSP,

1976

- Platt, J.R. The Skinnerian Revolution. In Wheeler, H« (ed) Beyond the

Punitive Society. London: Wildwood House, 1973

- Richelle, M. Skinner o el Peligro Behaviorista. Barcelona: Editorial Herder,

1981

- Ritchie-Calder, L. Beyond B.F. Skinner- In Wheeler, H. (ed) Beyond the

Punitive Society. London: Wildwood House, 1973

- Rottschaefer, W.A. Skinner's Science of Value. Behaviorism, 1980, 8, 99-112

- Schneider, S.M.; Morris, E.K. A History of the Term Radical Behaviorism:

form Watson to Skinner. The Behavior Analyst, 1987, 10,

-- Segai, E.F. Walden Two: The Morality of Anarchy. The Behavior Analyst,

1987, 10, 147-160


453

- Skinner, B.F. The Progressive Increase in the Geotropic Response of the Ant

Aphaenogaster. Journal of General Psycholoqy, 1930(a), 4, 102-112

- Skinner, B.F, On the Inheritance of Maze Behavior. Journal of General

Psychology, 1930(b), 4, 342-346

- Skinner, B.F. On the Conditions of Elicitation of Certain Eating Reflexes.

Proceedinqs of the National Academy of Sciences, 1930 (c), 16, 433-438

- Skinner, B. F. The Concept of the Reflex in the Description of Behavior. In

Skinner, B.F. Cumulative Record. New York: Appleton- Century-Crofts, 1972.

Publicação original,

- Skinner, B.F. Drive and Reflex Strength. Journal of General Psychology,

1932(a), 6, 22-37

- Skinner, B.F. Drive and Reflex Strength II. Journal of General Psychology,

1932(b), 6, 38-48

- Skinner, B.F. On the Rate of Formation of a Conditioned Reflex. Journal of

General Psychology, 1932(c), 7, 274-296

- Skinner, B.F. A Paradoxical Color Effect. In Skinner, B.F. Cumulative

Record. New York: Appleton-Century-Crofts, 1972. Publicação original, 1932

(d)

- Skinner, B.F. On the Rate of Extinction of a Conditioned Reflex. Journal of

General Psychology, 1933(a), 8, 114-129

- Skinner, B.F. The Measurement of Spontaeous Activity. Journal of General

Psychology, 1933(b), 9, 3-23

- Skinner, B.F. The Rate of Establishment of a Discrimination. Journal of

General Psychology, 1933(c), 9, 302-350

- Skinner, B.F. "Resistance to Extinction" in the Process of Conditioning.


454

Journal of General Psychology, 1933(d), 9, 420-429

- Skinner, B.F. The Abolishment of a Discrimination. Journal of General

Psychology, 1933 (e), 19, 825-828

- Skinner, B.F.; Lambert ,E. F.; Forbes, A. Some Conditions Affecting Intensity

and Duration Tresholds in Motor Nerve with Reference to Chronaxie of

Subordination. American Journal,, of Phisiology, 1933 (f), 106, 721-737

- Skinner, B.F. Has Gerturde Stein a Secret? In Skinner, B.F. Cumulative

Record. New York: Appleton-Century-Crofts, 1972- Publicação original, 1934

(a)

- Skinner, B.F. The Extinction of Chained Reflexes. Proceedings of the National

Academy of Sciences, 1934 (b), 20, 234-237

- Skinner, B.F. A Discrimination Without Previous Conditioning. Proceedinqs

of the National Academy of Sciences, 1934 (c) , 20, 532-536

- Skinner. B. F. The Generic Nature of the Concepts of Stimulus and

Response. In Skinner, B.F. Cumulative Record. New York: Appleton-

Century-Crofts, 1972. Publicação original, 1935<a)

- Skinner, B.F. Two Types of Conditioned Reflexes and a Pseudo-Type. In

Skinner, B.F. Cumulative Record. New York: Appleton-Century-Crofts,

1972. Publicação original, 1935(b)

- Skinner, B.F. A Discrimination Based Upon a Change in the Properties of a

Stimulus. Journal of General Psychology, 1935(c), 12, 313-336

- Skinner, B.F. A Failure to Obtain "Disinhibition". Journal of General

Psychology, 1936 (a), 14, 127—135

- Skinner, B.F. The Reinforcing Effect of a Differentiating Stimulus. Journal of

General Psychology, 1936 (b), 14, 263—278


455

- Skinner, B. F. The Effect of the Amount of Conditioning of an Interval of

Time Before Reinforcement. Journal of General Psychology, 1936 (c), 14., 279-

295

- Skinner, B.F. Conditioning and Extinction and Their Relation to Drive.

Journal of General Psycholoqy, 1936 (d), 14, 296-317

- Skinner, B. F. Thirst as an Arbitrary Drive. Journal of General Psychology,

1936 (e), 15, 205-210

- Skinner, B.F. Two Types of Conditioned Reflex: A Reply to Konorski and

Miller. In Skinner, B.F. Cumulative Record. New York: Appleton-Century-

Crofts, 1972. Publicação original, 1937 (a)

- Skinner, B.F.; Heron, W.T. Changes in Hunger During Starvation.

Psychological Record, 1937 (b), 1, 51-60

- Skinner, B.F. The Distribution of Associated Words. Psychological Record,

1937 (c), 1, 71-76

- Skinner, B.F. The Behavior of Orqanisms. New York: Appleton- Century-

Crofts, 1966. Publicação original, 1938

- Skinner, B.F.; Heron, W.T. An Apparatus for the Study of Animal Behavior.

Psychological Record, 1939 (a), 3, 166-176

- Skinner, B.F. Some Factors Influencing the Distribution of Associated

Words. Psychological Record, 1939 (b), 3, 174-184

- Skinner, B.F. The Alliteration in Shakespeare's Sonnets: A Study in Literary

Behavior. In Skinner, B.F. Cumulative Record. New York: Appleton-Century-

Crofts, 1972. Publicação original, 1939 (c)

- Skinner, B.F.; Heron, W.T. The Rate of Extinction in Maze-Brigth and Mase-

Dull Rats. Psychological Record, 1940 (a), 4, 11-18


456

- Skinner, B.F. A Method of Maintaining an Arbitrary Degree of Hunger. Journal

of Comparative Psychology, 1940 (b), 30, 139-145

- Skinner, B.F. The Psychology of Design. In Art Education Today. New York:

Bureau Publications, 1941(a)

- Skinner, B.F. A Quantitative Estimate of Certain Types of Sound Patterning

in Poetry. In Skinner, B.F. Cumulative Record. New York: Appleton-Century-

Crofts, 1972. Publicação original, 1941(b)

- Skinner, B.F.; Estes, W.K. Some Quantitative Properties of Anxiety. In

Skinner, B.F. Cumulative Record. New York: Appleton—Century-Crofts,

1972. Publicação original, 1941(c)

- Skinner, B.f. The Process Involved in the Repeated Guessing of

Alternatives. In Skinner, B.F. Cumulative Record. New York: Appleton-

Century-Crofts, 1972- Publicação original, 1942

- Skinner, B.F. Reply to Dr Yacorzynski. Journal of Experimental

Psychology, 1943, 32, 93-94

- Skinner, B. f. The Operational Analysis of Psychological Terms. In Skinner,

B.F. Cumulative Record. New York: Appleton-Century-Crofts, 1972.

Publicação original, 1945(a)

- Skinner, B.F. Baby in a Box. In Skinner, B.F. Cumulative Record. New York:

Appleton-Century-Crofts, 1972. Publicação original, 1945(b)

- Skinner, B.F.; Campbell, S.L. An Automatic Shocking Grid for Continuous

Use. Journal of Comparativa and Phisiological Psychology, 1947(a), 40, 305-

307

- Skinner, B.F. Current Trends in Experimental Psychology. In Skinner, B.F.

Cumulative Record. New York: Appleton-Century-Crofts, 1972. Publicação


457

original, 1947<b)

- Skinner, B. F. "Superstition" in the Pigeon. In Skinner, B.F. Cumulative

Record. New York: Appleton-Century-Crofts, 1972- Publicação original, 1948

(a)

- Skinner, B.F. Card Guessing Experiments. American Scientist, 1948 (b),

36, 4556-458

- Skinner, B.F. Walden II. São Paulo: EPU, 1977. Publicação original, 1948 (c)

- Skinner, B. F. Are Theories of Learning Necessary?. In Skinner, B.F.

Cumulative Record. New York: Appleton-Century-Crofts, 1972. Publicação

original, 1950

- Skinner, B. F. How to Teach Animais. In Skinner, B.F. Cumulative Record.

New York: Appleton-Century-Crofts, 1972. Publicação original, 1951

- Skinner, B.F. Some Contributions of an Experimental Analysis of Behavior

to Psychology as a Whole. American Psychologist, 1953 (a), 8, 69-78

- Skinner, B.F. Science and Human Behavior. New York: MacMillan, 1953

(b)

- Skinner, B.F. Particulars of My Life. New York: McGraw Hill, 1977

- Skinner, B.F. The Shapinq of a Behaviorist. New York, 1979

- Skinner, B.F. A Matter of Consequences. New York: Alfred A. Knopf,

1983

- Smith, L. Psychology and Philosophy: Toward a Realignment, 1905-1935.

Journal of the History of the Behavioral Sciences, 1981, 17, 28-37

- Smith, L. Behaviorism and Loqical Positivism. Stanford: Stanford University

Press, 1986

- Ulman, J.D. A Behavioral-Marxist Reply to Schwartz and Lacey.


458

Behaviorism, 1986, 14, 4549

- Vorsteg, R.H. Operant Reinforcement Theory and Determinism

Behaviorism, 1974, 2, 108-119

Вам также может понравиться