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TEORIA DA EDUCAÇÃO FÍSICA: BASES

EPISTEMOLÓGICAS E PROPOSTAS PEDAGÓGICAS


Marcelo Guina Ferreira

Introdução

A Educação Física brasileira, historicamente, tem vivido uma situação


paradoxal. Por um lado, tanto terminológica quanto legalmente vincula-se
à instituição educacional; por outro, suas ações no interior do espaço escolar
foram, tradicionalmente, constituídas segundo orientações estranhas a este
meio, advindas sobretudo das instituições militar e esportiva, de tal forma
que a Educação Física (EF) não pode e/ou nem precisou desenvolver um
corpo próprio de conhecimentos. E, sem este, tomou-se presa fácil para
aquelas instituições que a instrumentalizaram como correia de transmissão
ao meio escolar, de acordo com interesses sociais de classe hegemônicos.
Com tal paradoxo, cumpriu/cumpre a EF funções sócio-pedagógicas
que, no contexto das décadas de 30 e 40 e a partir dos anos 50 deste século,
tipificavam-se nas instituições militar e esportiva respectivamente, detre-
minando certo ‘preenchimento’ metodológico dela EF, i. é., de seus obje­
tivos, conteúdos, modo de transmissão e avaliação entre outros pontos.
Assim, contestar o paradoxo histórico da EF, no ensejo de atribuir-lhe
novas funções sócio-pedagógicas, enquanto busca de uma nova função de

1 Importantes reflexões em tomo da Autonomia e identidade pedagógica da EF


são encontradas em “Educação Física e Aprendizagem Social”, estudo de Valter
Bracht, Ed. Magister, Porto Alegre, 1992.

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hegemonia, que a permita coparticipar da construção de uma nova ordem sibilidades de construção de uma nova ciência e/ou de interdisciplinaridade;
econômico-social, fez perceber que despojá-la de antigos fundamentos, d) bibliografia comentada. Os dois primeiros pontos estão contemplados
‘herdados’ das instituições militar e esportiva e construídos sob a ótica de nas seções 2 e 3 e o terceiro na seção 4.
uma relação funcional à ordem capitalista, deixa um ‘vazio’ cujo preenchi­
mento nada mais é do que a construção de uma teoria da EF, algo como um
novo ‘preenchimento’ metodológico. Um modelo ideal explicativo

Neste processo, as expectativas quanto a uma teoria da EF podem ser


assim resumidas: Inicialmente é preciso explicitar duas limitações, as quais necessaria­
mente decorrem da opção por idealizar um ‘modelo’. Primeiro. Alguns
“a) poder fundamentar esta prática no currículo escolar [dizendo] a que ne­
cessidades veio atender e da indispensabilidade de sua função, [caracteri­ estudos poderiam adequar-se a mais de uma dentre as fases de desenvolvi­
zar] seu objeto (...), legitimá-la, b) desenvolver e apoiar-se numa mento que propusemos. Segundo. O limite entre elas não é rígido. Porém,
concepção de currículo, definindo, a função da escola, o saber ou conteúdo
o que tentamos caracterizar foi: 1º) é possível encontrar estudos em cuja
de que vai tratar, critérios para seleção e sistematização destes; c (...) pro­
por e fundamentar uma metodologia de ensino (...) e uma proposta de fundamentação é conferido destaque a determinadas disciplinas. Todavia,
avaliação do ensino” (BRACHT, 1992). estas são utilizadas em suas diferentes teorias, de fornia a permitir o
A par destas considerações, nosso propósito é fazer breve apresenta­ desenvolvimento de propostas pedagógicas que se opõe em seus fundamen­
ção e discussão do quadro de desenvolvimento de uma teoria da EF, tos. A isto chamamos desenvolvimento por contraposições2; 2º) há estudos
refletindo sobre pontos relevantes das principais propostas pedagógicas e que buscaram, a partir da sociologia,fenomenologia e ainda etnografia,
suas bases epistemológicas. Assim, a partir de literatura representativa construir modelos/abordagens para interpretar e/ou explicar o cotidiano
construímos um ‘modelo ideal explicativo’ deste processo de desenvolvi­ escolar da EF ou ainda relações deste cotidiano com processos sociais mais
mento. Claro, portanto, que a intenção não é ‘classificar/rotular’ ‘auto­ gerais; seria um desenvolvimento a partir de modelos/abordagens: 3º)
res/escolas/correntes’, mas ter base para uma dentre outras análises
Outros estudos revelaram, nitidamente, preocupações relativas a interrela-
possíveis. Uma segunda opção foi por refletir sobre as bases epistemológi­
ção entre concepções de aulas e teorias do movimento humano subjacentes
cas e irrupções pedagógicas do atual quadro de uma teoria da EF, conside­
rando, a partir do modelo construído, estudos relativos: a) ao ao ensino de EF, com especial atenção para o trato do conteúdo esporte. É
desenvolvimento humano/motor e aprendizagem motora; b) modelos ex­ o desenvolvimento segundo concepções de ensino/teorias do movimento
plicativos/abordagens da EF no cotidiano escolar; c) concepções de ensi­
no/teorias do movimento humano e d) propostas de sistematização 2 Um ex.: “Introdução à Didática da Educação Física” (FARIA JÚNIOR, 1987 -
curricular da EF. estudo originalmente de 1972) e “Educação Física Humanista” (OLIVEIRA,
1987); nestes estudos psicologia e didática configuram-se como disciplinas
Estas são condições básicas que escolhemos para realizar reflexões centrais, e mais aquela do que esta, pois a didática ficava como que a reboque
comprometidas com avaliações e perspectivas de uma teoria da EF nos da orientação psicológica adotada. Enquanto o primeiro estudo apoiou-se numa
seguintes pontos: a) breve histórico da disciplina, principalmente no país, orientação psicológica comportamentalista, a segunda adotou a psicologia
seu desenvolvimento, tendências e principais problemáticas pesquisadas; humanista de Carl Rogers. Sobre a contraposição entre comportamentalismo
b) necessidades atuais e principais impasses teóricos; c) sua situação no (behaviorismo) e humanismo (psicologia existencial) e suas implicações
contexto das ciências da motricidade humana/movimento humano, e pos­ pedagógicas ver o segundo estudo citado.

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humano e 4º) há estudos que buscaram encaminhar propostas de sistemati­ Estes estudos enfocam a problemática em torno de arranjos de orga­
zação curricular para a EF. Trata-se do desenvolvimento da teoria da EF nização pedagógica e interação social no ensino de EF e suas conexões
segundo propostas de sistematização curricular. com dada concepção de esporte e, assim, desvelam ainda teorias do
movimento humano. Para um ensino fechado, centrado nas tarefas moto­
ras tipificadas pelo esporte de rendimento extra-escolar, HILDEBRANDT
Desenvolvimento por contraposições
e LAGING (1986) propõe um ensino alternativo, aberto, seriam as Con-
cepções de Aulas abertas em Educação Física.3 Já Visão Didática da
Em sua fase mais embrionária, uma teoria da EF revelou uma contra­ Educação Física identifica aquele primeiro ensino com interações sociais
posição entre sua pedagogização via didática tecnicista (FARIA JÚ­ ‘congeladas’ segundo o modelo esportivo institucionalizado, propondo
NIOR, 1987) e a busca de sua aproximação para com valores do ‘descongelá-las’ por meio de uma prática pedagógica alternativa, segundo
humanismo (OLIVEIRA, 1987). Mais a frente a contraposição envolve a concepção de aulas abertas, vinculando-a à realidade sócio-econômica e
distintas abordagens da EF, segundo diferentes orientações quanto ao política nacional. Por fim, KUNZ (1991), nesta mesma problemática, tece
desenvolvimento humano/motor. Uma perspectiva, denominada Desenvol- considerações sobre o influxo repressor do esporte normatizado sobre a
vimentista (TANI et al., 1988), identifica-se com a aprendizagem motora cultura de movimento tradicional das classes populares, explicitando as
e abre espaço para ‘padrões de movimento’ e aquisição de ‘habilidades vinculações deste influxo com dadas concepções de educação e de movi­
motoras básicas’; a outra, opondo-se a aprendizagem motora recusa ‘pa­ mento humano, visando fundamentar científica e pedagogicamente pro­
drões de movimento’, e adota a perspectiva piagetiana de ‘esquema postas alternativas.
motor’ (FREIRE,1989). Ambas focalizam a pré-escola e 1a à 4a séries do
lº grau. Desenvolvimento da teoria da EF segundo propostas de
sistematização curricular
Desenvolvimento a partir de modelos/abordagens
Aqui os estudos buscam identificar determinado saber/conhecimento
a ser tratado pela EF, bem como realizar propostas de organização curricular
Aqui há três elaborações teóricas exemplares. A primeira é um
do mesmo. Assim, revelam também propostas de legitimidade pedagógica
modelo sociológico no qual BETTI (1991) analisa sistemicamente a dinâ­
à EF. Como exemplos estariam BORSARI et al. (1980), GUEDES e
mica interna da prática pedagógica em EF, desvelando as imbricações desta
GUEDES (1994) e COLETIVO DE AUTORES (1992). De acordo com
com modelos sociais historicamente constituídos. A segunda é uma abor­
BRACHT (1992), temos no primeiro caso uma “legitimidade desportiva”,
dagem fenomenologia (MOREIRA, 1991 - ver bibliografia comentada),
baseada na forca, abrangência e ‘evidência’ do fenômeno desportivo mo­
e a terceira, de cunho etnográfico, é um estudo de Flávio M. Pereira (1993),
derno: no segundo uma “legitimidade heterônoma” baseada nas reper­
o qual ocupa-se especificamente da EF no 2a grau, no encalço de suas
principais regularidades cotidianas, interpretadas sob o prisma da concep­
3 O conceito de aulas abertas à experiência é definido por HILDEBRANDT e
ção teórica denominada Educação Física Necessária.
OLIVEIRA (1994, p. 8) que citam DEWEY (1964): “Aprenderpela experiência
significa vivenciar e saber sobre as coisas, assim como perspectiva o futuro
Desenvolvimento segundo concepções de ensino/teorias do destas coisas. (...) experiência toma-se uma experimentação do mundo com a
intenção de seu reconhecimento” (p. 8).
movimento humano

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cussões do exercício físico para com a saúde funcional, enquanto o terceiro podem ser entendidos “...com base em relações de causa e efeito ou leis
busca a legitimidade numa àrea do patrimônio cultural historicamente universais aplicadas ao mundo natural” (p.44), visto que ações humanas
acumulado, que permita a EF definir sua cota de responsabilidade no gozam de intencionalidade e motivações diversas. Este paradigma aflora
currículo escolar. Nestes estudos, temos iniciativas de desenvolvimento da basicamente em meados da década de 80 e seus estudos (comumente
teoria da EF segundo o paradigma da aptidão física, da promoção da saúde etnografias naturalísticas e estudos de caso) buscam entender “...a intenção
e da cultura corporal respectivamente.
social e os padrões cotidianos de comunicação que criam e sutentam as
regras de comunicação e seus significados” (p. 45), enfim, trata-se de
Tendências, impasses teóricos e perspectivas análises de interpretações dos professores e/ou alunos sobre suas ações na
escola. O conhecimento neste paradigma teria o papel de desvelar: a) regras
Segundo Paul G. Schempp e Euichang Choi (1994) o desenvolvimen­ sociais contextuais e informações às ações docentes; b) “...identificar
to internacional de pesquisas em pedagogia do esporte/EF apresenta três normas sociais e expectativas que formam as ações aceitáveis” e c)
principais paradigmas, conforme a teoria de Habermas sobre o interesse “...como as ações são [serão] percebidas por outros na escola” (ibidem).
constitutivo do conhecimento. Seriam eles as ciências empírico-analíticas,
Nas metodologias críticas há um interesse particular no conhecimento
interpretativas e as críticas.
que “...ilumina aspectos de dominação de grupos ou indivíduos sobre
O paradigma empírico-analítico apóia-se numa visão positivista da outros, de maneira a informar esforços” (p. 47) que visam a elevar a
realidade social e do comportamento humano, buscando a predição e o condição da vida humana e a justiça social. Seu propósito central é a
controle dos fenômenos como forma de elevar a efetividade das interven­ emancipação humana de toda opressão. Portanto, seus estudos clássicos
ções pedagógicas. É a tradição científica mais desenvolvida e, através de enfocam a questão da reprodução de estruturais sociais opressivas via
suas técnicas, tomou-se comum a observação direta sistemática de aulas, aparelho escolar e a busca de alternativas. Sua tradição teórica alimenta-se
com a pretensão básica de quantificar e controlar aspectos do comporta­ sobretudo de interpretações do marxismo, neomarxismo e teoria crítica
mento docente e/ou discente. Seus designs de pesquisas comumente apre­
(Escola de Frankfurt), sendo relativamente nova na pedagogia do esporte.
sentam o “comportamento de aprendizagem específico ou padrão” (p.43)
Um entrave a seu crescimento neste âmbito é o “caráter acadêmico conser­
do aluno como variável dependente, e a prática de ensino utilizada como
vador na educação física”, que pouca atenção dispensa a “seus resultados
variável independente. Assim, “...amostras padronizadas, estimativas de
demonstráveis” que fogem aos interesses “convencionais” (p. 48). A partir
confiabilidade e estatísticas psicométricas predominaram nos anos 70/80”
de uma etnografia e estudo de caso críticos, nesta matriz teórica as pesquisas
(ibidem).
tem buscado “reexaminar pressupostos” (p. 49) no tocante as práticas em
Em suma, basicamente as pesquisas utilizam pré e pós-testes com EF, principalmente as relativas ao ensino, ao currículo e a formação
estudantes e observação e registro do comportamento do professor que está profissional. Suas pretensões são basicamente “... identificar relações entre
intervindo, no encalço de relações “...entre o comportamento do professor atores sociais ou estruturais e o que está sendo observado na escola”
e as medidas de resultados [aprendizagem] dos alunos” (p.44). (ibidem), conectando, com estas observações, “...a macroestrutura e a
Se no paradigma anterior as bases teórico-explicativas provém das realidade imediata que professores e estudantes criam e compartilham”
Ciências da natureza, no paradigma interpretativo tais bases provém da (ibidem). Como três recentes desenvolvimentos nesta matriz teórica tería­
Ciência hermenêutica e, contrariamente aquela, esta matriz teórica admite mos a pesquisa-ação, a pesquisa participante e a análise sócio-histórica de
clara distinção entre fatos naturais e acontecimentos sociais. Estes não currículos de EF.

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Por fim, SHAMMP e CHOI (op. cit.) em meio as suas conclusões capaz de orientar quanto a escolha de objetivos, tarefas de aprendizagem,
evidenciam que as pesquisas na pedagogia do esporte tem se ocupado ensino e avaliação. Seus autores investigam a “sequência normal do desen­
basicamente de questões ‘técnicas’ ou o “como fazer” (p.50), esquecendo- volvimento” (p. 136) com respectivos estágios e características próprias de
se que a metodologia de pesquisa não pode limitar-se a técnicas de coleta maturação fisiológica e motora, permitindo descobrir as “necessidades
e tratamento de dados; assim, suas múltiplas dimensões, como p.ex., a base reais” (p. l) da criança. Assim, o objetivo central é o desenvolvimento de
teórico-argumentativa, ficam secundarizadas, revelando uma compreensão habilidades motoras básicas. Para tal é proposta uma hierarquia destas, pois
equivocada quanto a metodologia de pesquisa, por parte da comuniade da as tarefas de aprendizagem devem sempre manter correspondência com a
pedagogia do esporte. seqüência de desenvolvimento ‘natural’ da criança.
No Brasil, segundo FARIA JÚNIOR (1992) as pesquisas também se Claro está que nesta perspectiva trata-se de extrair do DH/M e AM
orientam em tomo destes paradigmas, que ele, apoiado em GAMBOA contribuições à fundamentação pedagógica da EF. Nesta trilha seguem
(1989), denominada de empírico-analítico, fenomenológica-heimenêutico estudos como o do próprio TANI (1993) e o de MANOEL (1994). Aquele
e crítico-dialético. Basicamente nossas pesquisas acompanham a evolução é uma análise crítica das contribuições da AM para a EF, e este perspectiva
do quadro internacional, com a matriz empírico-analítica mais tradicional contribuições vindas do DH/M.
e desenvolvida, a fenomenológico-hermenêutica surgindo nos anos 80 mas
ainda incipiente, e a crítico-dialética ganhando certo espaço desde o final Nestes dois casos, contudo, as intenções de encontrar irrupções peda­
da década passada. Confirmando este pensamento, GAYA(1994) observou gógicas para a EF não vem acompanhada de uma reflexão sobre as bases
a produção do conhecimento no âmbito das Ciências do Desporto, particu­ epistemológicas destas. Nestes estudos a concepção de ciência é orientada
larmente nos países de língua portuguesa, e constatou que é recente a pela matriz empírico-analítica, o que traz limites às suas propostas de
preocupação em definir os contornos epistemológicos destas ciências, as fundamentação para a EF. Um ex. é o fato de que a cientificidade em questão
quais, predominantemente, assumem concepções gnoseológicas empírico- ‘não enfrenta’ decisões de cunho ético-político (BRACHT,1992). Porém,
analíticas. Entre suas conclusões encontramos um quadro sintético que, no o fornecimento de informações de caráter técnico-instrumental, como é
tocante à abordagem metodológica apresenta o já citado predomínio da próprio desta matriz científica, não desvincula-se da atribuição de um
matriz empirista e objetivista, e ainda certa “...tendência para o aumento sentido (para que?) à tais informações. Ou seja, ao lado do conhecimento
de investigações com abordagem metodológica especulativa” (p. 125); que diz ‘como fazer’ (instrumental) está aquele que diz ‘para que’ fazer,
quanto à abordagem de conteúdo revelam sobretudo ausência de “...qual­ ainda que este segundo (ético-normativo), por vezes, fique oculto. Assim,
quer preocupação inicial com referenciais teóricos orientadores. Definem- se optar conscientemente por um projeto de Homem e de Sociedade “é uma
se variáveis, coletam-se dados, aplicam-se técnicas estatísticas, característica de uma teoria da EF” (ibid, p. 41), esta abordagem desenvol­
apresentam-se os resultados e publicam-se os trabalhos” (p. 126). vimentista acaba por “excluir tal questão do rol de suas competências” (ibid,
p.40) precisamente devido a sua concepção de ciência a qual, tanto TANI
quanto MANOEL não identificam como causadora de restrições.
Desenvolvimento humano/motor e aprendizagem motora
Outra proposta é apresentada por FREIRE (1989), declarado opositor
No que diz respeito as pesquisas em desenvolvimento humano/motor de abordagens da AM que sustentam a “...crença de que podemos e
(DH/M) e aprendizagem motora (AM), certamente um caso exemplar é devemos padronizar o movimento das crianças” (p. 21). Assim, algumas
assim chamada abordagem desenvolvimentista (TANI et al., 1988). Seu abordagens descrevem minuciosamente características dos movimentos em
interesse básico é fornecer à EF uma fundamentação teórico-científica cada fase do desenvolvimento infantil; contudo, esquecem-se, quase sem­

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pre, de “...aspectos fundamentais desse desenvolvimento, como o cultural (OLIVEIRA, 1993, p. 119). Há também o fato de que Freire fundamenta-se
e o social” (ibid, p. 22). Para FREIRE tais análises consideram o movimento em autores diversos como Piaget, Vigotsky, Wallon e Benjamim que,
segundo ‘propriedades’ internas (inatas) ao indivíduo, como algo latente, a “numa perspectiva enriqueceriam seu estudo”, mas que, entretanto, foram
espera de ser desabrochado por uma correta estimulação (leia-se aulas de inseridos de maneira “artificializada, tentando demonstrar uma compatibi­
EF). FREIRE considera esta postura equivocada e opta, com apoio em lidade não existente” (ibidem).
Piaget, pela noção de “esquema motor” ou “organizações de movimento As duas propostas em tela não incorporam teorias críticas da edu­
construídos pelos sujeitos” na dependência tanto de recursos “biológicos e cação, a segunda inclusive tem semelhanças com a pedagogia escolanovis­
psicológicos de cada pessoa” (ibidem), quanto de seu meio ambiente. Ainda ta. Quanto a questão da legitimidade pedagógica da EF, a opção de
com respeito ao desenvolvimento infantil, FREIRE dispara a crítica central FREIRE por Piaget o fez ‘cair’ numa ‘armadilha’. É interessante notar que
de seu estudo: a não compreensão de que o mundo da criança é “repleto de FREIRE propõe uma aplicação de princípios teórico-metodológicos piage-
movimentos, de jogos, da fantasia”, formando uma verdadeira “cultura tianos a partir da “cultura infantil” de jogos e brincadeiras. Tal proposição
infantil” e tornando a criança uma “especialista em brincar” (p. 13). A EF pode receber, por analogia, a mesma crítica que FARINATTI (1992) fez à
peca, então, por ainda não ter considerado que nesta “cultura infantil” Educação Física Humanista (OLIVEIRA, 1987): a EF não “...precisaria
residem elementos (jogos e brincadeiras) que, ao longo da história, “tem existir para única (ou mesmo primordialmente) propagar os ideais huma­
exercido importante papel no desenvolvimento das crianças” (p.24). Incor­ nistas”, coisa que pode ser perfeitamente realizada pelas demais disciplinas.
porar tais elementos ao seu conteúdo garantiria à EF um contexto de Assim, “...sua justificativa deve repousar sobre objetos concretos de ensino
aprendizagem significativa. Cabe observar também, que FREIRE, manten­ que apenas ela pode trabalhar com o aluno” (p. 48). Da mesma forma ela
do apoio em Piaget, legitima uma “pedagogia do movimento na escola de não precisaria existir para garantir a aplicação de princípios teórico-meto­
primeira infância” (p. 15) (período pré-operacional), recorrendo a idéia de dológicos piagetianos assegurando o desenvolvimento de “...outras aqui­
que o aprendizado “...nessa primeira fase da vida depende, mais do que em sições mais elaboradas (...) aquisições não motoras, como por exemplo, as
qualquer outra, da ação corporal” (p. 20); na escola de segunda infância a intelectuais e as sociais” (FREIRE, 1989, p. 84). Logo, se queremos para a
justificativa reside no fato de que a criança, no período de operações EF uma função para além desta (coadjuvar o desenvolvimento cognitivo de
concretas, está vivendo intensamente sua capacidade de simbolizar (repre­ noções lógico-matemáticas, de seriação, de classificação etc) não seriam,
sentar mentalmente) a realidade, e a mediação entre o mundo simbólico e neste caso, as teorias piagetianas do desenvolvimento humano uma limita­
o concreto é feito pelas ações corporais. ção?
É flagrante a diferença de enfoque dado ao DH/M nestas duas propos­ Uma terceira perspectiva de estudos surge com a abordagem ecológi­
tas pedagógicas. TANI et al. ocupam-se de uma educação ‘do movimento’ ca. Para SANTOS (1992) ela representa uma troca da visão “mecanicista e
e FREIRE, com sua ‘educação de corpo inteiro’, não poupa esforços para dualista” que enfoca o comportamento humano desde as “...teorias tradi­
uma síntese entre educação ‘do’, ‘para’ e ‘pelo’ movimento, mas acaba, por cionais da aprendizagem e do controle motor (paradigma do processamento
força da sua interpretação do DH/M a partir de Piaget, abraçando aquela de informações)”, para uma visão de “...enfoque sistêmico e dinâmico,
última opção. Mesmo considerando suas críticas à ciência postivista, “mío­ onde todas as variáveis (restrições) são determinadas na realização dos
pe” e “descompassada com nosso tempo” (p. 30), FREIRE acaba, na esteira movimentos” (p. 322). Não fica claro, porém, como esta mudança de
de Piaget, aportando sua proposta numa concepção do meio no qual se ‘paradigma’ significaria um rompimento com a matriz teórica empírico-
processa o desenvolvimento humano como “meio físico”; “não histórico” analítica. Mais a frente voltaremos a abordagem ecológica.

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Outra possível vertente para estudos do desenvolvimento humano de interesses pessoais ou sociais, orientada a descobrir as leis que regem os
voltados à uma teoria da EF, orienta-se pela matriz crítico-dialética. Nesta fenômenos” (p. 346). Enfim, os estudos em aprendizagem calcados num
perspectiva GOELLNER (1992) a partir do materialismo histórico discutiu modelo behaviorista (clássico ou contemporâneo) emplacam um ‘objetivis-
a categoria da atividade “enquanto forma de apropriação da realidade e de mo’ “tão perseguido pelos positivistas” (p. 347) e que acaba por excluir da
modificação dessa” (p. 288), tendo em vista necessidades de ações pedagó­ alçada da ciência a “consciência, a inconsciência e a intencionalidade”
gicas. Neste sentido vislumbra outro entendimento da ‘natureza’ humana, (ibidem), como categorias não científicas, pois não ‘objetivas’ já que não
bem diverso daquele preconizado por TANI et al. ou ainda por FREIRE. submetíveis ao controle/experimentação empírico (a). Nesta perspectiva “o
Estes autores remetem ao social sem vinculá-lo a uma sociedade historica­
tratamento dado à aprendizagem é, antes de tudo, reducionista” (GIUS-
mente situada, não percebendo que o “...aprendizado humano pressupõe
TA, 1985 apud ibidem). PAIVA lança questões de cunho epistemologia)
uma natureza social específica e um processo através do qual as crianças
mas cujas irrupções pedagógicas são flagrantes, pois observa que as bases
penetram na vida intelectual [leia-se cultura] daqueles que as cercam”
epistemológicas “...subjacentes à aprendizagem motora não nos permitem
(OLIVEIRA, 1993, p.99). Analogamente, penetram na vida (cultura) de
inquerir, na prática pedagógica, ‘quem sabe o que?’ ‘Quem ensina quem?’
movimento daqueles que as cercam. GOELLNER, então, propõe entender
‘Quem aprende o que e como? ‘Quem e o que (se) desenvolve?’ ” (p. 348).
que no seu processo de desenvolvimento “... o homem primeiro apropria-se
das relações estabelecidas em nível social e, num segundo momento, as Observa ainda que hoje os debates tem enfocado o paradigma/abor­
intemaliza” (p.291). Contudo, é preciso reconhecer que falta um maior dagem ecológica, na qual o movimento humano e suas propriedades dinâ­
aprofundamento nesta perspectiva de investigação do desenvolvimento micas músculo-esqueléticas mantém-se organizados como processos
humano a partir da contribuição da psicologia soviética iniciada com biológicos, devido “...a estrutura dinâmica dos sistemas fisiológico, bio­
Vigotsky, Luria e Leontiev. Porém, já surgiu uma proposta teórica para a químico, biomecânico, morfológico e do meio ambiente” (ibidem). Reco­
EF que, ao buscar fundamentos para estabelecer ciclos de escolarização, a nhece assim, um avanço desta perspectiva em relação as teorias da
partir dos quais se daria a apreensão e sistematização do conhecimento aprendizagem tradicionais, como já proposto por SANTOS (1992). Diferente
(cultura corporal), utilizou elaborações teóricas desta psicologia do desen­ deste, porém, PAIVA considera que o problema persiste pois o “...movimento
volvimento/aprendizagem (ver COLETIVO DE AUTORES, 1992). Tal continua a ser objectualizado na matriz das ciências naturais” (ibidem). Nova­
iniciativa, evidentemente, não é suficiente para preencher a ausência de mente, portanto, “...as variáveis histórico-culturais, por não serem determi­
mais estudos nesta àrea e perspectiva. No entanto, demonstra que, esta nantes nesta perspectiva teórico-científica, continuam à margem de qualquer
mudança de matriz teórica é um possível caminho para o entendimento do Problematização” (ibidem).
movimento humano como algo “carregado de simbolismo e historicidade” Sua conclusão é de que as pesquisas na àrea da aprendizagem tem
(GOELLNER, 1992, p. 292) expressão da ‘natureza humana’ que entrelaça fornecido de forma “a-crítica” (p. 349) fundamentos à teoria da EF. O
dialeticamente leis biológicas e leis sociais. desafio, entretanto, é uma mudança de ordem epistemológica na orientação
Por fim, é PAIVA (1992) quem dirige uma crítica certeira aos estudos destes estudos, já que estes tem assumido uma perspectiva de cientificidade
de DH/M e AM comprometidos com uma teoria da EF, pois a dirige à base que exclui questões afetas ao âmbito da subjetividade e da ética, indispen­
epistemológica destes estudos. A autora faz breve resgate histórica do sáveis à uma teoria da EF. Tal mudança colocaria de forma mais categórica,
desenvolvimento da àrea e constata o predomínio de uma visão de ciência a possibilidade de que estudos de desenvolvimento/aprendizagem contri­
“...objetiva e, evidentemente, calcada na ‘pesquisa pura’, isto é, desligada buíssem à uma prática pedagógica crítica.

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Pensamos que a alternativa apontada por BETTI é positiva na medida
Modelos explicativos/abordagens interpretativas da EF no em que até pode tomar-se um ponto de resistência aos valores dominantes
cotidiano escolar nas aulas de EF. Mas, além desta resistência ou momento ‘negativo’, não
deveria existir um momento ‘positivo’, próprio do papel da instituição
Um exemplo de modelo explicativo é de caráter sociológico-sistêmi- escola, o qual se revela na transmissão de certo saber? No entanto, não fica
co, trata-se de Educação Física e Sociedade, estudo de Mauro Betti (1991). claro, como esta mudança de polarizações, relacionaria-se com a apropria­
O autor indaga-se sobre como, desde as suas primeiras propostas de ção, por parte dos alunos, de um saber necessário à uma leitura crítica da
implantação curricular, a EF tem servido a consecução de objetivos educa­ realidade? Ou contentaríamo-nos com o momento da resistência?
cionais historicamente estabelecidos, i. é., como, o movimento e a atividade Prosseguindo suas reflexões no âmbito sociológico-sistênico, BETTI
física, tem servido à formação de um certo modelo de homem, articulado a (1992) propõe dois pontos consensuais para a escolha de valores e finali­
objetivos sociais mais amplos? Para o autor, mesmo com os discursos dades a serem expressas numa teoria da EF. Seriam os valores e metas
pedagógicos contestadores do status quo, surgidos sobretudo em meados respeitantes ao “corpo/movimento”, pois “...a especificidade da EF encon­
da década de 80, não se alcançou uma nova prática na EF, capaz de tra-se nestes dois conceitos e nas suas inter-relações” (p.62), e também
articulá-la a este novo discurso. Como, então, transladar este discurso naqueles respeitantes ao “acesso à cultura corporal de movimento”, pois à
crítico para a prática? Com a análise sistêmica o autor pretendeu “...entrar EF cabe “integrar o aluno à esta esfera da cultura” (ibidem), para dela
no interior do processo ensino-aprendizagem, na prática propriamente dita, usufruir, reproduzi-la e transformá-la. Mas o que seria um sujeito sociali­
no relacionamento do trinômio professor-aluno-conteúdo e investigar sua zado nesta esfera cultural? Quais os critérios teóricos e práticos para tal
dinâmica social” (p. 138). definição? Como seria, sob esta perspectiva, o currículo de EF, de forma
Para tanto BETTI propôs um modelo de polaridades do processo que ao longo do processo de escolarização o aluno fosse alcançando tal
ensino-aprendizagem, envolvendo variáveis tanto didático-pedagógicas, socialização? E, enfim, como avaliá-la e sob a ótica de qual projeto
quanto sócio-psicológicas, a partir do qual identificou como a inter-relação político-pedagógico? Tais questões ainda não são contempladas nesta teoria
destas, viabilizava a consecução de determinados objetivos. Assim, altera­ sistêmica que, inclusive, trata de valores e metas no âmbito da cultura
ções nestas variáveis, como p. ex., a passagem do estilo de ensino por corporal de movimento, mas não esclarece, qual, afinal, é a radicação
comando ao ensino por resolução de problemas, ou ainda de uma interação político-ideológica destes? Valores e metas podem vincular-se a tal esfera
social baseada na competição para outra apoiada na cooperação, constituem da cultura humana mas, antes, tem sua radicação histórica nesta sociedade
alternativas capazes de viabilizar a formação de um modelo de cidadão capitalista; são, portanto, valores que exprimem interesses de classe ainda
crítico, criativo e consciente.4 não explicitados pelo autor.

Com A Educação Física no 2º grau: o cotidiano escolar e a Educação


4 Apenas para exemplificar, vejamos um caso de variáveis didático-pedagógicas
Física Necessária (PEREIRA, 1993) temos uma proposta que sob refer­
e outro de sócio-psicológicas. no primeiro caso teríamos, por ex., os estilos de
encial teórico-metodológico dialético, busca contemplar teoria e prática da
ensino; o comando e a resolução de problemas seriam pólos extremos. Os
EF. A primeira com elementos explicativos da atividade física tanto em
discursos hegemônicos na EF, utilizaram, até pela influência do militarismo,
o comando. Todavia, para os discursos hegemônicos na EF, utilizaram, até pela
influência do militarismo, o comando. Todavia, para os discursos emergentes, extremos seriam: competição e cooperação. Por analogia, o discurso critico
a resolução de problemas constitui alternativa. Nas interações sociais os deve buscar efetivar o pólo da cooperação social.

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nível fisiológico quanto sócio-histórico. A segunda, metódica e otimizada, HILDEBRANDT (1990, 1993 e 1994), OLIVEIRA (1993 e 1994) e TRE-
seria elemento diferencial da EF e visaria tanto ao condicionamento físico, BELLS (1992), abrem outra perspectiva de estudos do movimento como
quanto ao desenvolvimento de habilidades motoras. Nesta relação dialética problemática teórica interdisciplinar e segundo uma concepção sócio-
teoria-prática surgem as questões básicas do estudo: objetivos, conteúdos, antropológica do mesmo. Assim, com teorias da fenomenologia, da psico­
projeto político-pedagógico progressista, atendimento de necessidades só- logia da percepção (Gestalt) e do agir comunicativo supera-se a visão
cio-biológicas e culturais, educar para a prática da cultura física permanen­ “científica natural do movimento” (HILDEBRANDT, 1993) que o define
te, articulação da EF com o projeto escolar com um todo entre outras. “como deslocamento de um corpo físico no espaço e no tempo” (p. 22). Tal
Apoiado na matriz crítico-dialética este estudo apresenta a interessan­ visão redundaria “anti-pedagógica” (ibidem). Uma visão alternativa é pos­
te perspectiva de contribuir à um entendimento interdisciplinar de conteú­ tulada com o paradigma fenomenológico do movimento 0 qual, como a
dos e ensino em EF. No entanto, a proposta de entrelaçar dialeticamente visão anterior, “tem suas conseqüências na configuração do ensino”
fisiológico e sociológico no entendimento da exercitação física, acaba não (ibid, p. 23) em EF. Esta segunda teoria de movimento, utilizando ainda
se concretizando numa síntese capaz de extrair dos corpos de conhecimento estudos de GORDJUN e TAMBOER (apud TREBELLS, op.cit) propõe
da fisiologia e da sociologia, a ‘quantidade’ e a ‘qualidade’ que definisse entendê-lo como diálogo Homem-mundo e é pressuposto da concepção de
como seria uma possível incorporação destes ao currículo de EF. Seu autor aulas abertas à experiências (HILDEBRANDT e OLIVEIRA, 1994). Kunz
admite que a EF, abstrativamente, descreve/explicita cientificamente o (op.cit.) é um autor que tem chamado atenção para a necessidade de estudos
movimento humano, e o faz a partir das mais variadas ciências como do movimento segundo uma concepção sócio-antroplógica deste, tendo
Psicologia, Biomecânica, Fisiologia e Sociologia etc. Ocorre que a uma inclusive realizado elaborações teóricas no sentido de desenvolver, a partir
teoria da EF não cabe explicar, p.ex., processo metabólicos do exercício, do referencial supracitado, uma teoria do movimento capaz de integrar-se
isto cabe a teorias da fisiologia e estas ainda não são teorias da EF. A esta a uma teoria da EF sob a luz de uma concepção educacional crítico-eman-
cabe dizer sobre como/quanto/em que condições a EF utilizaria aquelas cipatória. Na literatura representativa da evolução da teoria da EF, além de
teorias, e o mesmo com as outras ciências. Enfim, se a natureza epistemo- Kunz e Hildebrandt e Laging (1986), Visão Didática da Educação Física
lógica de uma teoria da EF é sintetizar conhecimentos vindos em “estado (GRUPO DE ESTUDOS PEDAGÓGICOS UFSM-UFPe, 1991) é outro
bruto” de disciplinas “não envolvidas diretamente com a prática pedagógica que baseia-se nestas referências de concepção de movimento/ensino, pro-
em EF”, ou “ocupadas com dimensões parcelares” (BRACHT, 1992) do blematizando possibilidades de uma prática pedagógica alternativa e com­
movimento, então PEREIRA (op.cit) não foi além do limite comum a todas prometida com um projeto político-pedagógico identificado com interesses
as demais propostas: reconhecer tal função a uma teoria da EF sem, contudo, de classe dos trabalhadores.
propor encaminhamentos efetivos. Seu estudo, porém, é dos raros que se Uma referência central nestes estudos é a teoria de Habermas sobre o
ocupam especificamente do cotidiano da EF no 2a grau de ensino. agir comunicativo.5 Numa perspectiva ela é fundamento para críticas a um

Concepções de ensino/teorias do movimento humano 5 Segundo Rouanet apud Pizzi (1994) esta teoria indica um novo tipo de
racionalidade, a razão comunicativa, na qual: “...serão racionais não as
Conforme observamos até agora, por um lado, tem predominado, sob proposições que correspondam a verdade objetiva, mas aquelas que foram
a égide da matriz empírico-analítica, uma visão monodisciplinar e técnica validadas num processo argumentativo em que o consenso foi alcançado, sem
do movimento (KUNZ, 1991), ainda não superada mesmo pela abordagem deformações externas, resultantes da violência, ou internas, resultantes da falsa
consciência, através de provas e contraprovas, de argumentos e
ecológica; mas, por outro, contribuições como as de KUNZ (1991 e 1994),

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ensino que, apoiado na razão instrumental, reproduz a lógica da relação
sujeito-objeto, com aquele instrumentalizando este. Este ensino fechado e Desenvolvimento da teoria da EF segundo propostas de
não dialógico propõe um arranjo de aulas que é tradicional na pedagogia sistematização curricular
do esporte; o aluno é ‘objetificado’ e ‘objetos’ não coparticipam do plane­
jamento de aulas e da atribuição de sentido às ações de movimento, o que Na àrea do currículo de Ia à 4a série surgiram estudos que constatam
fica a cargo do ‘único sujeito da aula’, o professor que, então, monopoliza a realidade da lesgilação da EF neste âmbito (CARRARO, 1989) ou buscam
as práticas de decisões sobre objetivos, conteúdos e modo de transmissão.6 na psicomotricidade alternativas para o ensino sem, contudo, superar o
Finalmente, este ensino encontra sua principal motivação na instrumenta­ estágio atual ou propor fundamentação nova e consistente à uma teoria da
lização do corpo/movimento a partir das exigências do sistema esportivo EF. O avanço fica por conta de estudos que, apoiados na matriz crítico-dia­
de alto nível. Numa segunda perspectiva a teoria do agir comunicativo lética, procedem a uma análise sócio-histórica do currículo ou de conteúdos,
fundamenta concepções de ensino alternativas, apoiadas na razão comuni­ buscando elaborar uma fundamentação teórica para a EF de 1a à 4a série
cativa. Seriam as já citadas aulas abertas à experiências (HILDEBRANDT (VERALDO e OLIVEIRA, 1992), ou uma análise de como seus conteúdos
tem servido a perspectivas de reprodução (teorias não-críticas da educação)
e LAGING, 1986) ou ainda ensino dialógico-problematizador (KUNZ, 1991
ou de transformação social (teorias críticas não reprodutivistas) (MELLO
e 1994).
e BRACHT, 1992).
Estes estudos ao propor uma visão de movimento capaz de romper
Nas pesquisas sobre aptidão física relacionada a promoção da saúde,
com experiências que o limitam ao mundo do esporte de rendimento,
há um claro predomínio da matriz teórica empírico-analítica, e também
dirigem sua fundamentação primordialmente à questão do trato pedagógico
pouca permeabilidade a entrada de outras matrizes. Não por acaso, em
do esporte, abordando a necessidade de referenciar as experiências de grande parte destes estudos, é possível flagrar uma ausência de reflexões
movimento no mundo vivido e respectivo mundo de movimento dos críticas, sobre o contexto econômico-social que referendaria o propósito de
escolares. Porém, será que não deveríamos avançar em direção a uma atividades físicas fomentando a saúde, bem como o próprio conceito desta
teorização que relacionasse o conjunto do saber de que trata a EF (não só o que, em muitos casos, resulta vago e sujeito a definições imprecisas. Assim,
esporte) e sua relação com o mundo vivido extra-escolar, este visto ao embora tematizem a questão dos possíveis benefícios de atividades corpo­
mesmo tempo como integrante e mediador daquele saber? Até aqui tal rais à saúde, os estudos quase não abordam a questão da desigualdade social
teorização ficou potencialmente vinculada e limitada a relação espor­ inerente ao modo de produção capitalista e, assim, quase nunca abordam
te/mundo vivido. quem, afinal, seriam os beneficiados.
Por outro lado, neste âmbito de pesquisas, a evolução aponta para a
contra-argumentos” (p. 40). perspectiva de fundamentar a EF sob o prisma do ideário da promoção da
6 Para Habermas a razão instrumental “...reduz a consciência a uma razão saúde. Há dois estudos paradigmáticos neste sentido, o de GUEDES e
prepotente e absolutizadora de verdades imutáveis e transformam a práxis em GUEDES (1994) e o de FARINATTI (1994). Ambos buscam, no refer­
atividade de dominação da natureza que, em última instância, se transforma encial da promoção da saúde, elementos para a construção de uma teoria
também em dominação política e econômica” (PIZZI, 1994, p. 45). da EF. GUEDES e GUEDES, inclusive, elaboraram uma sugestão de
7 A respeito dos conceitos de mundo vivido e respectivo mundo de movimento conteúdos programáticos direcionados à promoção da saúde. Todavia, esta
ver KUNZ (1991).
proposta e também FARINATTI não rompem com a orientação científica

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empírico-analítica. FARINATTI (op.cit.), p.ex., observa que, até então, a e, assim, integram a EF no objetivo educacional geral que os autores
educação para saúde traduzia-se na “proposta de levar o aluno a bons níveis revelam, quando criticam posturas “...menos interessantes à formação de
de condição física, mensurada por testes variados durante o curso” (p.45). cidadãos conscientes, portadores de uma capacidade crítica e reflexiva
Isto, porém, não certifica que “tenha havido a incorporação da exercitação ajustados a uma sociedade moderna e democrática” (ibidem), negando
como valor caro à criança” (ibidem). Logo, “...não é de se estranhar que pretensões de um “intelectualismo” que visa a “...transformação dos valo­
movimentos questionadores dos rumos que o trabalho visando aptidão res socioculturais dos educandos e da sociedade de forma geral” (p.7). Mas
física vinha tomando na Educação Física começassem a se formar” (ibi­ se estes são objetivos, uma idéia a respeito dos conteúdos é obtida quando
dem). Com esta justificativa FARINATTI não aborda uma crítica central, os autores os relacionam aos “domínios motor” e “cognitivo” (ibidem). No
de caráter político-pedagógico, que tem sido disparada contra a idéia da primeiro caso trata-se de atividades
aptidão física para a saúde funcional, qual seja, a perspectiva de assumir a
“...que possam levar os educandos a vivenciarem experiências quanto aos
aptidão física como objeto de estudo, tem colocado à EF a função hegemô­ componentes da aptidão física relacionada a saúde, além de práticas espor­
nica de “...contribuir historicamente para a defesa dos interesses da classe tivas que contribuam para a maximização do desenvolvimento das
no poder, mantendo a estrutura social capitalista” (COLETIVO DE AU­ destrezas e habilidades motoras”;
TORES, 1992, p. 36). Se como pretende FARINATTI, o referencial da pro­ no segundo caso, trata-se de informações que os tornem aptos “...a
moção da saúde deve ser renovado, segundo duas vertentes principais, que identificar e caracterizar os componentes da aptidão física relaciona­
ele identifica na aquisição de habilidades motoras e no conhecimento de da à saúde e as habilidades atléticas, além dos diferentes estímulos
aspectos transitórios da aptidão física, então será preciso renovar também
motores no organismo humano” (ibidem), visando capacitá-los à
o projeto político-pedagógico que, até então, este referencial tem assumido.
escolha e controle autônomos de seus programas de atividades físi­
Tal lacuna, todavia, ainda não foi alvo das reflexões de FARINATTI, uma
cas.
vez que ele mesmo afirma: “...independentemente da linha paradigmática
assumida, o ensino de habilidades motoras [...] certamente aparece como Estamos convencidos que esta proposta permanece presa a uma visão
fundamental. Considerações filosóficas, ideológicas, políticas ou metodo­ funcionalista da função sócio-pedagógica da EF. Isto fica claro, p.ex.,
lógicas vão referenciar-se ao como ensinar” (p. 44), permeando, obrigato­ quando eles justificam um repensar dos programas de EF porque: a) não
riamente, o processo pedagógico em geral. Logo, mais cedo ou mais tarde, mais de 15% de nossas crianças e adolescentes apresentam índices mínimos
permearam também o referencial da promoção da saúde. Fica, portanto, a de exigência motora adequada a um critério de saúde satisfatório e b) 13 a
expectativa para que o desenvolvimento de uma teoria da EF, segundo o 15% apresentam taxas de adiposidade elevadas, mesmo antes do período
ideário da educação para saúde, explicite suas posturas filosóficas, ideoló­ de maior acúmulo de gordura. Com este diagnóstico no âmbito das Ciências
gicas, políticas e metodológicas, indicando como a renovação deste ideário, da natureza, concluem que na atual realidade brasileira a EF não permite
atingir níveis de aptidão física relacionda à saúde, o que terá repercussão
seria uma renovação também de sua função de hegemonia.
em gerações futuras. Nesta direção os autores colocam-se quanto a legiti­
Já GUEDES e GUEDES (op.cit.) propõe à EF o objetivo de propor­ midade pedagógica da EF. Isto é, sua função social é extraída do fato de
cionar “...informações precisas e seguras quanto as respostas e adaptações que os dados e estudos indicam que a população adulta apresenta doenças
fisiológicas do organismo ao esforço físico, os efeitos e o significado para e distúrbios degenerativos decorrentes da ausência de estilo de vida que
a saúde, dos diferentes programas de atividades motoras” (p. 7), como incorpore atividades motoras no cotidiano. Assim, a escola em geral e a EF
pressupostos à adoção de um estilo de vida ativo e saudável por toda vida em particular, teriam a tarefa de contribuir decisivamente para reverter tal

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quadro. Então, inferimos que, se no futuro, a população adulta apresentar possibilidades pedagógicas na educação para a saúde, não estaríamos
baixa considerável nas doenças relativas ao hipocinetismo/sedentarismo, a limitando seu potencial que ainda inclui educação para o esporte e para
EF cumpriu sua função com eficácia. o lazer p.ex.? Tudo indica que uma proposta de legitimação da EF deve
Ora, se uma teoria da EF deve ter clareza quanto a um projeto histórico incorporar estas possibilidades sem contrapô-las, excluindo-as, mas situan-
(que homem e sociedade formar?) a ser eleito e perseguido em sua prática do-se entre elas enquanto uma síntese. Por fim, o esforço destes autores
pedagógica, então, propor a ela uma função social que não reflita sobre a contribui pára que seja suprida uma lacuna evidente na teoria da EF, e que
nova/outra sociedade em que os sujeitos adotarão um novo/outro estilo de diz respeito a sua sistematização curricular com base numa teoria do
vida, é omitir-se de refletir criticamente (bem como tomar uma atitude currículo. Artigos como o de GUEDES e GUEDES tem a contribuir para
perante) a sociedade capitalista brasileira, contexto concreto de inserção de que, pouco a pouco, encontremos alternativas mais consistentes, no tocante
seus cidadãos e da prática social EF. No texto transparece a idéia de que o ao ordenamento sequencial de conteúdos da EF a partir de teorias do
todo (organismo social) é positivo e funcional, não devendo ser questiona­ desenvolvimento humano/motor bem como da psicologia do desenvolvi­
do; há entretanto, uma disfunção neste, causada, digamos, pela não incor­ mento e da aprendizagem. Todavia, repensar currículos de EF é repensar
poração de estilos de vida ativos, cabendo à EF intervir (neste ‘òrgão’ sua própria função sócio-pedagógica e, neste caso, Guedes e Guedes não
doente) revertendo o quadro disfuncional para que o organismo volte a fogem a um “entendimento hegemônico das funções a serem desempenha­
funcionar harmonicamente. Logo, a visão estrutural-funcionalista é patente das pela EF”, o que leva a “uma certa instrumentalização de seus conteúdos”
na proposta. Esta aliás, propõe à EF proporcionar informações teóricas e no sentido do “... desenvolvimento, aprimoramento e manutenção da saúde,
experiências práticas sobre determinadas atividades motoras, pois crianças numa clara alusão da saúde como saúde física e não como saúde social”
em idade escolar já “incubam” (p.4) fatores de risco relativamente a, p.ex., (SOARES, 1993, p. 17).
cardiopatias; não deveria a EF proporcionar tantas outras informações Assim, fica a expectativa de que a evolução de pesquisas na esfera do
teóricas e experiências práticas na medida em que, por meio de atividades referencial da promoção da saúde, consigam ampliar o entendimento do
em aulas, crianças em idade escolar já ‘incubam’ valores sociais burgueses? mesmo segundo uma postura crítico-dialética, pois tanto FARINATTI
Qual dos dois pólos atacar? Não seriam os dois alvos de interesse em EF? quanto GUEDES e GUEDES não romperam com a tradição empírico-ana-
No entanto, na proposta de conteúdos programáticos em tela, fica contem­ lítica, a qual acarreta limitações para o próprio entendimento de educação
plada a relação que conteúdos da EF mantém com o âmbito das Ciências para a saúde.
naturais, mas falta o necessário diálogo com as Ciências sociais e humanas, Numa tentativa de síntese dos fundamentos da EF, i.é., numa proposta
o que lhe obstrui uma visão interdisciplinar. Afinal, no movimento humano que busca contemplar as mais diversas expectativas sobre uma teoria da EF,
ficam registradas repercussões orgânico-fisiológicas sim, e este é um saber COLETIVO DE AUTORES (1992) é um estudo identificado com a peda­
a ser socializado; mas nele também repercutem signos histórico-sociais gogia histórico-crítica, daí sua intenção de encontrar no acervo cultural de
(CASTELLANI FILHO, 1988) expressando relações de hegemonia políti­ que dispõe a humanidade, aquela parcela do saber histórica e socialmente
co-econômicas em uma dada sociedade, e este também é um saber a ser produzido e sistematizado que cabe à EF transmitir. Sua legitimidade
socializado. Diante disto, indagamos se GUEDES e GUEDES, na verdade, repousaria, então, no trato da cultura corporal como sua cota de responsa­
não acabam por ‘requalificar’ o antigo paradigma da aptidão física, antes bilidade no currículo escolar, definindo assim, uma possibilidade de que o
de propor uma nova teoria da EF direcionada à promoção da saúde? E, aliás, conhecimento sobre a materialidade corpórea e suas formas de expressão
não será que ao legitimar a EF, com um argumento que inicia e encerra suas historicamente construídas, contribuíssem à síntese do saber escolar como

214 215
um todo. A perspectiva assumida é de que a ausência deste conhecimento diferenciariam no segundo, ou a diferença seria apenas no ‘aspecto cogni­
no currículo impede que o homem e a realidade sejam entendidos dentro tivo’, já que no 2º grau é possível aprofundar informações teóricas críticas
de uma visão de totalidade. [Pois] como compreender a realidade natural e sobre o movimento, ampliando as referências do pensamento do aluno?8
social, complexa e contraditória, sem uma reflexão sobre a cultura copo- Faltou, neste caso, uma maior aproximação entre a categoria atividade, e
ral?” (p. 42). as proposições didáticas do estudo. Outra indagação que comumente se
O estudo, em linhas gerais, busca fundamentos para uma pedagogia faz a este estudo, é quanto a concepção de ‘expressão corporal enquanto
da EF crítico-superadora com duas pretensões básicas. A primeira. Entende linguagem’, não devidamente desenvolvida pelos autores, o que implica
que a relação pedagógica hegemônica em EF tem na aptidão física seu noutra indagação: como, nesta proposta, uma leitura crítica da realidade a
objeto de estudo e contribui historicamente para manter a estrutura social partir de reflexões sobre a cultura corporal, seria um aprendizado crítico do
movimento capaz de ir além de um ‘discurso crítico’ sobre o mesmo?
capitalista. A relação pedagógico-hegemônica emergente, identificada com
interesses de classe dos trabalhadores, resulta numa opção por um novo Pelo exposto, percebemos que a tentativa de expressar uma pedagogia
objeto de estudo: a expressão corporal como linguagem. A segunda. Uma crítico-superadora resultou no reconhecimento do movimento enquanto
concepção ampliada de currículo que possibilite ampliar as referências do ‘linguagem corpórea’, mas não, ainda, num diálogo efetivo entre uma
pensamento do aluno a respeito das formas de existência/expressão corporal semiótica e uma pedagogia do movimento, o que tem entravado um enca­
segundo pressupostos da lógica dialética materialista (movimento, mudan­ minhamento pedagógico efetivo do movimento enquanto simbologia.
ças quantitativas em qualitativas, etc). Enfim, a organização do trabalho
pedagógico e o trato do conhecimento devem permitir uma apropriação do
saber cientificamente elaborado e relativo a cultura corporal, sem opor-se Teoria da EF: o que é mais urgente: uma nova ciência ou a
e, ao contrário, contribuindo para a construção da consciência de classe e o interdisciplinaridade?
engajamento deliberado na transformação estrutural desta sociedade. Coe­
rente com este projeto político-pedagógico, o estudo apresenta ainda orien­
As evidências de nosso tempo são de que o pensamento científico
tações didático-metodológicas e uma proposta de avaliação, sempre
moderno chegou a um ponto de estrangulamento. Os sinos dobram pela
considerando a necessidade de manter aproximação com o eixo curricular
razão instrumental e seu maior sucedâneo: o saber fragmentado. Como
norteador do projeto pedagógico eleito, avaliando-se aproximações e/ou
alternativa, ganham ênfase nesta virada de século, movimentos que buscam
afastamentos do mesmo.
a reconstrução da racionalidade e uma reintegração do conhecimento
Considerando o atual estágio de desenvolvimento de uma teoria da humano. Basicamente são movimentos na busca de uma razão comunica­
EF, reputamos esta proposta como um marco, porque rompe radicalmente tiva (PIZZI, 1994) e que apontam para a interdisciplinaridade, na busca de
com entendimentos hegemônicos do currículo de EF, e busca explicitamen­ uma epistemologia da convergência dos saberes (JAPIASSU, 1976).
te o desenvolvimento de uma teoria da EF, numa síntese das expectativas
que a rodeiam. No entanto, o estudo revela algumas lacunas ainda não 8 Os ciclos propostos são: a)Ciclo de organização da identificação da realidade
preenchidas. Um exemplo é a historicização dos conteúdos da EF, pois não (pré-escola e lª. e 3ª. série/1º. grau); b)Ciclo de iniciação à sistematização do
fica claro como isto se daria e, aliás, nem mesmo pesquisas em história da conhecimento (4ª. a 6ª. série/1º. grau); c)Ciclo de ampliação da sistematização
EF tem se ocupado disto. Quanto aos ciclos de escolarização propostos, não do conhecimento (7ª. e 8ª. série/ lº. grau) e d)Ciclo de sistematização do
se evidencia como eles permitiriam que aulas de esporte no 1º grau se conhecimento (lª. a 3ª. série/2º. grau)

216 217
Portanto, uma primeira questão é saber se uma ciência do movimento do’ da teoria da racionalidade subjacente a cada uma das propostas em
humano/motricidade humana (CMH) romperia com os tradicionais ‘para­ questão, mas tão somente esclarecer que, enquanto tais questões não forem
digmas’ da ciência moderna/razão instrumental, colaborando na construção enfrentadas e explicitadas, estão comprometidas as teses a cerca de uma
de uma epistemologia interdisciplinar, ou se reforçaria a epistemologia da possível ‘ciência’ do desporto ou ainda da (o) MH.
dissociação do saber? (JAPIASSU, op.cit.) Basicamente há três teses nas
Porém, mesmo sob a égide destas ciências, a EF não perderia seu
ciências do esporte/EF. Uma Ciência do Desporto, na qual a EF assumiria
estatuto de atividade pedagógica (BRACHT, 1994) e, assim, permanece­
o desporto como seu real objeto de estudo e ensino (BENTO apu FARI-
riam as funções e delimitações próprias de sua teoria. Logo, surge a
NATTI, 1992). A Ciência da Motricidade Humana defendida por SÉRGIO
necessidade de esclarecermos como se daria a relação entre tais ‘práticas
(1985), que teria na EF/Educação Motora seu ramo pedagógico, e a Ciência
científicas’ e a prática pedagógica EF. CHALMERS (1994), p.ex., é taxa­
do Movimento Humano (CANFIELD, 1993) que a tomaria como uma das
tivo: “...os povos, as sociedades e sistemas ecológicos não são objetos
profissões que se ocupa do mesmo.
inanimados a serem manipulados da mesma maneira que os objetos da
Entendemos ser possível uma crítica comum a estas três propostas. A física” (p. 33), pois há um “...sentido real em que, no desenvolvimento das
crítica pode ser dividida segundo três indagações: a) há como construir um ciências sociais e humanas [e isto inclui a pedagogia], visamos antes mudar
objeto formal unívoco, seja ele o desporto, a motricidade humana ou o do que simplesmente interpretar o mundo” (p. 34). Portanto, a prática
movimento humano? b) qual a filiação epistemológica destas ‘ciências’: às pedagógica em EF, contrariamente a estudos em Física, é normativa
Ciências naturais ou às humanidades? c) qual a racionalidade do conheci­ (BRACHT, op.cit.) a partir de opções em torno de visões (projetos) de
mento em seus âmbitos? Homem e Sociedade (id, 1992). Assim, se aquelas ‘práticas científicas’
A primeira indagação é respondida negativamente por BRACHT pautarem-se numa cientificidade/racionalidade instrumental excluiria
(1993). Da mesma forma este autor não percebe uma explicitação de qual, questões ético-normativas de suas alçadas, impondo limites óbvios à uma
afinal, seria o estatuto epistemológico atestador da cientificidade destas teoria da EF (um exemplo clássico é a já citada abordagem desenvolvimen-
propostas. SÉRGIO (op.cit.), porém, arrisca-se a dizer que a CMH seria (é) tista).9 Como alternativa lhes restaria trabalhar sob as luzes da racionalidade
uma nova ciência do Homem, enquanto TOJAL (1994) admite que a ético-discursiva, pois para que a EF se desse por satisfeita com estas
linguagem filosófica da mesma é pós-moderna. Se estamos diante de uma ‘práticas científicas’, seria preciso ampliar o significado da ciência, de
nova ciência do Homem, não será que sua radicação epistemológica per­ forma que suas exigências não obstaculizassem decisões em tomo da
tence às humanidades? Então como ficariam disciplinas como fisiologia e “...dimensão ético-política da produção do conhecimento e da prática
biomecânica que também concorrem para a explicação/compreensão da pedagógica em EF” (ibid, p. 116).
conduta motora humana? E afinal o que seria uma ‘ciência pós-moderna’?
Também as outras duas teses não esclarecem sobre suas filiações epistemo- 9 Na abordagem desenvolvimentista (TANI et al., 1988) a proposta de
lógicas. cientificidade busca tão somente observar os fenómenos (no caso o
desenvolvimento humano/motor) e captar-lhes uma racionalidade que lhes seria
A terceira questão é fundamentalmente saber se a teoria da racionali­ intrínseca, a qual seria desvelada quando as “leis” ocultas no fenómeno fossem
dade nestas propostas nos conduz, conforme BOMBASSARO (1992), à descobertas (as características de cada fase de desenvolvimento). Feito isto, que
uma concepção criterial de racionalidade, ou à uma concepção acriterial, equivale a tarefa ‘micro’ (relativas ao fenômeno ‘em si’) o cientista (os autores)
ou ainda à uma concepção de racionalidade como aceitabilidade racional exime(m)-se de tarefas ‘macro’ (relativas nos valores/sociedade), almejando
(razão comunicativa). Não é nossa pretensão fazer uma ‘análise de conteú­ uma (pseudo) neutralidade social.

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Quanto as expectativas em tomo da interdisciplinaridade, é evidente EF]”, fato comum quando lhes são “...proporcionadas apenas discussões
que precisamos romper com a razão instrumental e sua qualificação do em Fisiologia, Didática e outras [disciplinas], [pois assim] é natural que o
conhecimento apenas como “técnica e não crítica”, visando atender “fins interesse dele canalize-se a uma dessas àreas” (FARINATTI, 1992, p. 61).
estabelecidos pelo capitalismo avançado” (PIZZI, 1994, p. 24), fato que Romper este ciclo vicioso, já que os próprios professores tem, com raras
subjuga/unilateraliza as exigências à ciência, segundo interesses de uma excessões, uma visão fragmentada da teoria da EF, seria importante para
modernização que prioriza avanços tecnológicos, não revertidos em con­ “...a criação de uma nova categoria de pesquisadores, predispostos a
quistas sociais acessíveis à maioria da população do planeta, marginalizada síntese, tendo por objetivo precípuo criar uma inteligência e uma imagina­
no mercado capitalista internacional (MANDELL, 1991). Portanto, as
ção interdisciplinares” (JAPIASSU, op.cit., p.65).
exigências de interdisciplinaridade não podem pautar-se unicamente por
debates ‘internos’ a ciência, como questões relativas à uma metodologia Uma terceira iniciativa é atender a necessidade imperiosa de que
ineterdisciplinar, ainda que tal seja importante. É preciso tratar de aspectos pesquisas para o desenvolvimento de uma teoria da EF utilizem-se de outras
‘externos’ relativos a relação ciência e poder, destacando a desigualdade no matrizes teóricas e não apenas da matriz empíricio-analítica e seu viés
direito ao estabelecimento de metas à e/ou usufruto da ciência, nas socie­ reducionista. Mais importante ainda é superar a mentalidade positivista pois
dades em que “o processo produtivo e os meios de produção são separados esta, e não exatamente a observação/experimentação e o tratamento esta­
do trabalhador, tomando-se opostos a seus interesses” (SOUZA, 1992, tístico de dados, constitui poderoso obstáculo à interdisciplinaridade. Neste
p. 126). sentido, é preciso respeito ao dualismo epistemológico, caracterizando
Assim, já em nossas ações políticas efetivas e de resistência, é preciso diferentes cientificidades para distintos âmbitos de investigação como as
incorporar uma teoria da racionalidade alternativa. Neste sentido, não há Ciências naturais e as humanidades. Logo, do que trata-se não é revigorar
dúvidas de que, embora tenham valor reconhecido projetos de interdisci­ antigos projetos positivistas de unificar a linguagem e/ou o método cientí­
plinaridade tradicionais como o de Georges Gusdorf, é o projeto de Haber­ fico, separando-os da pseudo-ciência; e sim fazê-los “...ceder lugar à
mas aquele que melhor tem delineado, não sem limitações, um pensar e agir epistemologia da integração e da convergência dos enfoques de cada ciência
alternativos sob a ótica da razão comunicativa (SIEBENEICHLER, 1989). sobre a mesma realidade” (ibid, p. 66) ou, diríamos, sobre o movimento
Numa perspectiva mais específica, parece-nos que a interdisciplina­ humano. Portanto, é preciso que as problemáticas teóricas das mais distintas
ridade começa a ser encaminhada quando cientistas tomam a iniciativa de ciências estejam orientadas ao desenvolvimento de uma teoria da EF pois,
expor limites de sua disciplina, reconhecendo que, p.ex., a “Biomecânica como está claro, este desenvolvimento encontra pontos de avanços e/ou
enquanto campo de conhecimento, constitui somente uma ótica através da
lacunas que tangenciam as possibilidades de pesquisa e produção do
qual o movimento pode ser entendido”; uma ótica que o entende segundo
conhecimento de cada uma delas. Isto significa ter que refletir sobre como
“princípios físico-matemáticos e biológicos” (BATISTA, 1992, p.105).
e quando, estudos monodisciplinares tem valor ‘em si mesmos’, pois esta
Assim, ela deve ser “tão específica quanto necessário e tão interdisciplinar
quanto possível” (ibid, p. 107), numa postura que ajuda a romper com o visão tem reforçado a fragmentação e acarreta a produção de um saber de
“territorialismo positivista” (JAPIASSU,1976) das disciplinas. Outra ini­ longínquas ligações com a prática pedagógica em EF, exigindo esforços
ciativa é reorientar a formação nos cursos de graduação e pós-graduação posteriores na tentativa de transladá-los à uma teoria desta prática. Talvez
em EF, evitando que durante o curso se reforce no aluno uma visão fosse mais correto justificá-los a partir da assunção do caráter de estudos
“...segmentada das ciências que compõe seu corpo de conhecimentos [da aplicados ou, então, de pesquisas básicas reorientadas de forma que, nos

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dois casos, seriam estudos cientes de que seu tronco comum são problemá­ ante a luta de classes perdeu seu efeito, e já não se justifica que alguém
ticas teóricas da prática pedagógica em EF e que, por isto, perdê-lo (a) de possa esperar que a ciência [tal qual a pedagogia] seja imparcial numa
vista é comprometer o próprio desenvolvimento de uma teoria da EF. sociedade de escravidão assalariada [o que] seria uma ingenuidade tão
pueril como esperar que os fabricantes sejam imparciais à questão da
conveniência de aumentar os salários dos operários, diminuindo os lucros
Considerações finais
do capital (LÊNIN, 1982, p. 35).

As propostas em torno de uma teoria da EF tem delineado um quadro


evolutivo que traz ambiguidades e indefinições o que, em certo sentido, é Bibliografia
necessário para que sejam extraídas novas sínteses qualitativas. Mas há
também conquistas, sobretudo com iniciativas que problematizam questões
BATISTA, Luis A. Biomecânica apliacada à educação física. In: FARIA
sobre estatuto e identidade epistemológica da EF, sua autonomia e legiti­
JÚNIOR, Alfredo G. de & FARINATTI, Paulo. Pesquisa e produção do
midade pedagógica ou ainda sua metodologia (sentido amplo) de ensino, conhecimento em educação física. Rio de Janeiro: Livro Técnico,
ajudando a esclarecer sobre funções, delimitações e natureza epistemoló­ 1992.
gica de uma teoria da EF, algo como uma ‘teoria’ desta teoria.
BETTI, Mauro. Educação Física e Sociedade. São Paulo: Movimento, 1991. O
Porém, o mais visível neste processo é que, de “Didática da Educação autor analisa sistemicamente o papel sociológico da educação física e sua
Física: formulação de objetivos” (FARIA JÚNIOR, 1987-primeira edição importância para manter ou transformar a ordem estabelecida através de sua
era 1972) à “Transformações didático-pedagógicas do esporte” influência sobre a formação da personalidade do aluno.
(KUNZ,1994), algumas propostas incorporaram teorias críticas da educa­ ________ . Ensino de primeiro e segundo graus: educação física para quê?
ção, acarretando: a) busca de uma àrea da cultura humana que identifique Revista Brasileira de Ciências do Esporte 13 (2), 1992.
o saber/conhecimento que cabe a EF transmitir, configurando sua par­
ticipação e indispensabilidade no currículo escolar; b) surgimento de ________ . Valores e finalidades na educação física escolar: uma concepção
propostas de práticas pedagógicas alternativas e orientadas por concep­ sistêmica. Revista Brasileira de Ciências do Esporte 16 (1), 1994.
ções educacionais progressistas e c) o debate, ainda incipiente, sobre os BOMBASSARO, Luis A. As fronteiras da epistemologia: como se produz o
fundamentos epistemológicos das propostas pedagógicas em EF. conhecimento . São Paulo: Vozes, 2a ed., 1992.

Enfim, a partir dos anos 80 surge na EF um novo instrumental BORSARI, José R. (org.) et ali. Educação Física: da pré-escola à universidade.
teórico-metodológico, proporcionado com estudos oriundos das Ciências São Paulo: EPU, 1980. Autores apresentam uma proposta de organização e
sociais e humanas, antes ausentes, permitindo a contestação das funções tratamento do conteúdo esporte da pré-escola à universidade.
sócio-pedagógicas tradicionalmente desempenhadas pela EF, bem como BRACHT, Valter. Educação Física e aprendizagem social. Porto Alegre:
atribuir-lhe outra função, alinhada com projetos político-educacionais mais Magister, 1992.
amplos e identificados, embora nem sempre com muita clareza, com
________ . Educação Física/Ciências do Esporte: que ciência é essa? Revista
transformações radicais da ordem vigente. De qualquer forma, como ob­
Brasileira de Ciências do Esporte 14 (3), 1993.
servou OLIVEIRA (1993), o conservadorismo na EF até há pouco tempo
não tinha o que se lhe contrastasse; o consenso era facilmente mantido. ________ . Mas afinal, o que estamos perguntando com a pergunta o que é
Agora, entretanto, o conflito está explicitado, a antiga ‘imunização’ da EF educação física? Santa Maria, 1995 (mímeogr.).

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CANFIELD, Jéferson T. A Ciência do Movimento Humano como àrea de concen­
tração de um programa de pós-graduação. Revista Brasileira de Ciências
do Esporte 14 (3), 1993.

CARRARO, Dorival. Aplicabilidade da educação física de 1º à 4a série do 1º


grau nos estabelecimentos da rede particular de ensino da cidade de
Maringá. Revista da Universidade Estadual de Maringá (0) 1, 1989.
CASTELLANI FILHO, Lino. Educação Física no Brasil: a história que não
se conta. Campinas: Papirus, 1988.
CHALMERS, Alan. A fabricação da ciência. Rio Claro: Universidade Estadual
de São Paulo, 1994.

COLETIVO DE AUTORES. Metodologia de ensino de educação física. São


Paulo: Cortes e Autores Associados, 1992. Autores apresentam elementos
para uma sugestão de programa específico para o currículo de educação
física, sua organização e tratamento secundo a teoria pedagógica crítico-supe-
radora.

FARIA JÚNIOR, Alfredo G. de. Didática da educação física: formulação de


objetivos. Rio de Janeiro: Guanabara, 1987. O estudo aborda no campo da
didática as técnicas de enunciação e formulação de objetivos em educação
física.

________ . Pesquisa em educação física: enfoques e paradigmas. In: FARIA


JÚNIOR, Alfredo G. de & FARINATTI, Paulo. Pesquisa e produção do
conhecimento em educação física. Rio de Janeiro: Livro Técnico, 1992.
FARINATTI, Paulo. Pesquisa em educação física: por um compromisso com a
evolução. In: FARIA JÚNIOR, Alfredo G. de & FARINATTI, Paulo. Pes-
quisa e produção do conhecimento em educação física. Rio de Janeiro: Livro
Técnico, 1992.

________ . Educação Física escolar e aptidão física: um ensaio sob o prisma


do promoção da saúde. Revista Brasileira de Ciências do Esporte, 16 (1), 1994.
Autor busca no referencial da promoção da saúde elementos para uma didática
da educação física que considere elementos de ensino específicos desta disci­
plina.

FREIRE, João B. Educação de Corpo Inteiro: teoria e prática da educação física.


São Paulo: Scipione, 1989. Autor critica o dualismo corpo-mente.

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