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9 ^EDIÇÃO
MARTINSLIVREIRO • EDITORA
Sandra Jatahy Pesavento permane
ce muito viva entre nós. Com um
currículo admirável, a atestar uma
vida de dedicação e entrega ao
aprendizado e ao ensino, tomou-se
exemplo e referência, em nosso meio
cultural, nos estudos históricos,
literários, sociológicos, econômicos.
Com uma vasta bibliografia, ao lado
do magistério proficiente e de
inúmeras atividades correlatas, em
sua pródiga existêncianão se permi
tiu descansos e lazeres. Esta História
do Rio Grande do Sul, de tanta utilida
de e proveito, tomou-se fonte de
pesquisa indispensável para aqueles
que pretendem enriquecer o espírito
com o conhecimento pleno das
nuanças históricas de uma gleba
abundante em acontecimentos e
episódios marcantes e instigantes.
Nada escapa à sua observação crítica
e nada esconde aos destinatários do
seu esforço intelectual. Amestra que,
em sala de aula, sempre se revelou
atenta, abnegada, inteligente e
solícita, quando escreve, com a
mesma lucidez, deixa fixada, para â
posteridade, a seiva enriquecedora
de tantos saberes. Metódica, objetiva
e concisa, sua obra há de continuar
servindo de guia confiável aos
estudiosos de nossa história. Com
esta reedição, tantas vezes reclama
da, prestamos reverente homena
gem à memória da autora e contribu
ímos para comprovar que seus
ensinamentos persistem firmes,
muito vivos e sempre profícuos.
cUyêflUy
cUyãPu^
SANDRA JATAHY PESAVENTO
• X- •
9- Edição
MARTINS UVRElRO.EDnDRA
978-85-7537-169-5
1. Rio Grande do Sul — História. I. Título.
CDU: 94 (816.5)
Évedada a reprodução desta obra, por quaisquer meios, sem a autorização do editor.
âPtt/nict/Uiy
REFERÊNCIAS
Dedico esta edição aos meus queridos netos Nina,
Lorenzo, Rosa, Pietra, Joaquim e Luca, para que sempre te
nham orgulho da Vovó Sandrinha.
Para Rodrigo e Ana Paula com carinho.
I
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tci/t€Íí^iivte^f/ut^ão'
Rio Grande do Sul integrou-se tardiamente ao restante do Brasil
colonial. Foi descoberto no início do século XVI, a partir de expe
dições litorâneas de exploração e comércio de pau-brasil, típicas dafase
pré-colonizadora, que chegaram até o litoral do extremo sul do Brasil.
Dessas viagens, resultaram registros e descrições da costa gaúcha, as
sim como a generalização do nome "Rio Grande de São Pedro" para
toda a area. Entretanto, a região permaneceu inexplorada por mais de
um século, enquanto que no restante daAmérica portuguesa sedesen
volviam os engenhos de açúcar. Desvinculado da agricultura colonial
de exportação diretamente integrada ao mercado internacional, o Rio
Grande do Sulcarecia de sentido no contexto do processo de acumula
ção primitiva de capitais que se verificava nos quadros do Antigo Sis
tema Colonial.
No plano geral europeu, desencadeava-se o processo detransição
do feudalismo para o capitalismo, proporcionando uma primeira acu
mulação de capitais. Um dos mecanismos que contribuíram para que
esse processo se desse foi a exploração colonial, que permitia extrair
excedente econômico produzido nas colônias a fim de ser acumulado
na metrópole. Aexploração colonial assentava-se basicamente em pro
dução já existente nas áreas coloniais (as riquezas minerais, por exem
plo) ou em formas de produção agrícola aqui instaladas segundo os
interesses e as necessidades do capitalismo nascente (caso do açúcar).
O Rio Grande do Sul não se enquadrava em nenhum dos dois
casos, daí a sua tardia integraçãoao sistema colonial.
No decorrer do século XVII, verificaram-se as primeiras tenta
tivas de expansão rumo ao sul. Durante o domínio espanhol (1580-
^
1640), os holandeses não somente ocuparam o nordeste brasileiro como
também apoderaram-se daquelas zonas da África fornecedoras de mão
de obra negra, ocasionando a falta de escravos para o restante do Brasil
não holandês. Tal ocorrência fez com que São Paulo, área desvinculada
do processo agroexportador e que, na ausência de recursos para compra
de mão de obra negra, já utilizava o índio nas atividades de subsis
tência, se lançasse no apresamento dos selvagens. São Paulo tornou-
-se uma área especializada no apresamento dos índios para vendê-los
como escravos nas zonas açucareiras. Esgotadas as possibilidades de
caça aos índios mais próximos, as bandeiras paulistas que se consti
tuíram laçaram-se contra as "reduções" indígenas estabelecidas pelos
missionários da Companhia de Jesus, na região de Itatins e Guairá, à
margem esquerda do Rio Paraná, em território castelhano.
As missões jesuíticas se apresentavam, assim, como uma impor
tante fonte de mão de obra, onde os índios já se achavam aldeados pelos
padres e adestrados para o trabalho e a obediência. Sendo atacadas as
reduções do Paraguai, os padres, para fugirem dos paulistas, penetra
ram em território rio-grandense, em 1626, estabelecendo reduções na
chamada zona do "Tape". Essa área estendia-se pela bacia do Jacuí,
limitando-se, por um lado, com os contrafortes das serras do Mar e
Geral e com o Rio Uruguai, por outro.
A fundação das reduções jesuíticas do "Tape" representou uma
dilatação das missões do Paraguai para o Rio Grande do Sul, e, por
tanto, uma penetração que se fazia sob bandeira castelhana. Antes dos
padres da província do Paraguai, já jesuítas portugueses haviam pene
trado no Rio Grande do Sul, a partir de 1605, estabelecendo reduções
desde o Mampituba até a zona do Gravataí. Todavia, tanto por falta
de apoio das autoridades jesuíticas da Província do Brasil, com sede
em Salvador, quanto pela hostilidade dos bandeirantes, esse "ciclo por
tuguês" de penetração missionária no Rio Grande não deixou marcas
duradouras. Já com relação aos jesuítas que penetraram sob bandeira
espanhola, estes ocuparam a área que se estendeu pela zona de Ijuí,
Piratini, Jacuí, Taquari, Ibicuí, Guaíba, Rio Pardo, fundando reduções,
onde dedicaram-se à agricultura e formaram estâncias de criação de
gado trazido da província argentina de Corrientes.
Descendo no encalço dos índios aldeados, os bandeirantes pene
traram, por sua vez, no Rio Grande do Sul, atacando as missões para
disputarem a posse da mão de obra aborígene.
Por volta de 1640, registrou-se o combate final, que resultou no
abandono jesuíta da área e no apresamento de muitos índios. A partir
dessa data, os paulistas não mais desceram ao Rio Grande com inten
ções de prear índios. Isso se deu, basicamente, porque com o fim do
Domínio Espanhol, os portugueses conseguiram expulsar os holan
deses da África, restabelecendo-se a normalidade do tráfico negreiro.
Com isso, desativou-se a atividade de caça ao índio, que havia sido
sempre uma mão de obra alternativa ao negro escravo.
Os jesuítas, por seu lado, retiraram-se para a outra margem do
Uruguai, levando os índios, mas deixando o gado que criavam nas re
duções. Esses rebanhos, abandonados no pampa e reproduzindo-se à
solta, tornaram-se bravios e formaram uma imensa reserva de gado,
conhecida como "Vacaria Dei Mar".
dé âPtiyl:
Apartir do fim do Domínio Espanhol, Portugal teve seu Império
Colonial reduzido e voltou-se para o Brasil, base desustentação princi
pal do Reino. O Império português sofreuperdas no Oriente e na África
em face das concessões feitas a holandeses e ingleses. Objetivando lu
crar mais com a exploração de sua colônia, voltou-se para áreas ain
da não exploradas, como o extremo sul. Em especial, a zona do Prata
apresentava-se como o principal foco de atrações. Em Buenos Aires, os
portugueses já haviam lançado suas bases desde o início do Domínio
Espanhol, quando a burguesia comercial lusa, em recompensa por ter
apoiado ocandidato espanhol ao trono português, recebeu licença para
estabelecer-se no Prata e lá comerciar (prática do "asiento").
Findos os 60 anos de Domínio Espanhol, os portugueses passa
ram a ser hostilizados na cidade portenha, numa fase em que já tinha
interesses consolidados no comércio da região. Começaram, então, os
comerciantes lusos a pressionar a Coroa para que fundasse um estabe
lecimento português no Prata. A intenção lusitana era furar o mono
pólio espanhol na área, recolhendo a prata de Potosi e oferecendo em
troca artigos coloniais (açúcar, negros) e manufaturados ingleses. Por
trás dos interesses lusos no contrabando do Prata, achava-se a presença
britânica, buscando mercados. Concretizando essas ambições, em 1680
foi fundada, fronteira a Buenos Aires, a Colônia de Sacramento. Várias
vezes cercado, tomado e reconquistado, o núcleo português no Prata
representou um interesse estratégico-militar de conservação da área.
Economicamente, além da preservação do vantajoso comércio ilícito,
implicou o conhecimento, por parte dos portugueses, das imensas re
servas de gado da "Vacaria dei Mar". Nesta passou a se desenvolver
uma intensa atividade de caráter predatório. Caçava-se o gado xucro
para dele extrair o couro, que era exportado para a Europa por Buenos
Aires ou Sacramento. A preação do gado foi objeto da atenção de dife
rentes grupos sociais: portugueses de Sacramento, índios aldeados que
vinham vaqueirar para os padres, "acioneros" de Santa Fé, Corrientes
e BuenosAires, que preavam os animais com permissão das autorida
des espanholas, e aqueles indivíduos que, "sem rei, sem fé e sem lei",
vaqueiravam por conta própria, vendendo os courosa quem lhe pagas
se mais. Até os ingleses estabeleceram na área um entreposto ligado à
"South Sea Company", para lucrarem com o negócio da courama.
Nesse período, a carne não era considerada um bem econômico,
sendo consumida no local aquela necessária à subsistência por ocasião
do abate e a restante deixada apodrecer. A chamada "preia de gado
alçado" para a comercialização do couro movimentou o extremo sul,
atraindo as atenções para a região, que se tornou conhecida pela sua
riqueza pecuária.
AfiliaPtrle f/o
perspectiva da Coroa orientava-se para o povoamento das terras ao sul
de São Vicente até Sacramento. O Rio Grande, no caso, apresentava-se
como possuindo uma função estratégica, como ponto de apoio para a
conservação do domínio luso no Prata.
Oficialmente, quem primeiro penetrou no Rio Grande a pedido
das autoridades coloniais portuguesas foi Francisco de Brito Peixoto, fi
lho do fundador de Laguna, que recebeu em 1721 a patente de guarda-
-mor, devendo descer ao Sul para fundar povoações e cuidar para que
o comércio do gado não recaísse nas mãos dos castelhanos, lesando o
interesse fiscal da Coroa. Essa descida oficial dos lagunistas se efetivou
em 1725, quando um grupo chefiado por João Magalhães (a chamada
"frota dos 31 lagunistas") penetrou no Rio Grande. Todavia, desde o
início do século, a Vacaria dei Mar era percorrida por tropeiros e con
trabandistas de gado que visavam abastecer as Gerais.
O tropeio do gado fazia-se em termos de fornecimento de ani
mais para o corte (gado em pé) e para o transporte na região das mi
nas. Nesse último caso, não se objetivava o rebanho bovino, mas, sim,
o muar. Foi preciso penetrar na área platina, buscando a criação de
mulas que se fazia em território argentino e que abasteciam as minas
de Potosi. Ora, a mineração espanhola estava caindo na época em que
surgia a mineração brasileira, e o comercio desses animais orientou-se
para o fornecimento das Gerais. Tratava-se, contudo, de uma atividade
quese fazia de armas na mão, uma vez que, para conquistar rebanhos,
era preciso enfrentar oscastelhanos.
O tipo social por excelência desse período - o tropeiro - era ne
cessariamente um chefe de um bando armado. Essa fase do tropeio foi
marcada pela abertura de vias de comunicação do Rio Grande do Sul
com orestante do país (estrada do litoral, 1703; estrada da serra, 1727)
ao longo dasviagens dos tropeiros.
O Rio Grande português da época constituía-se numa estreita
faixa de terra entre Laguna e Sacramento. Os campos apresentavam-
-se sem divisa e sem dono na fase do tropeio. Os bandos realizavam as
"arriadas" (arrebanho do gado solto) e reuniam os animais em currais
e invernadas. Apartir desses pontos de concentração de gado, os reba
nhos eram levados ate São Paulo, pagando imposto nos registros, onde
se exerciao fisco da Coroa. Nas feiras de Sorocaba, o gado era vendido
a outro grupo de tropeiros, que realizava o transporte dos animais até
as Minas. O incremento tomado pelo negócio do gado, associado ao
seu abate para extração do couro, acabou por apressar a devastação do
rebanho. Tornava-se, pois, necessário que se pusesse fim a uma ativi
dade predatória e que se cuidasse da reposição dos animais. Além disso,
tropeiros que haviam sido bem-sucedidos nos negócios do gado viram
possibilidades de aumentarem seus lucros se investissem na criação.
Por outro lado, a Coroa portuguesa, vendo as dificuldades de conservar
Sacramento, considerou ser conveniente que o vasto território entre o
Prata e Laguna fosse ocupado.
Ao redor da terceira década do século XVIII, teve inícioo proces
sodedistribuição de sesmarias, definindo-se a posse da terra e do gado,
com o abastecimento de estâncias. A Coroa distribuiu terras aos tropei
ros que se sedentarizaram ou aos militares que deram baixa e se afa-
zendaram. Há, aqui, uma diferença entre processo de concessão de ter
ras sob a forma de sesmarias no Nordeste e no Rio Grande. Enquanto
que na área açucareira a capitalização prévia era um requisito básico
para obtenção da terra, no Rio Grande esse não era o critério definidor.
Embora não se desprezando a ocorrência da disponibilidade de recur
sos por parte dosfuturos estancieiros, sesmarias eram concedidas como
retribuição a serviços militares prestados.
As sesmarias eram terras devolutas, medindo em regra 3 léguas
por 1 légua (cerca de 1.300 hectares), e foram concedidas primeiramen
te na região que seestendia deTramandaí aos campos de Viamão, pas
sando por Gravataí e um pouco mais ao sul, acompanhando o cami
nhodos tropeiros no exíguo Rio Grande português da época. Em 1732,
deu-se a primeira concessão ao lagunista Manuel Gonçalves Ribeiro,
na parada das Conchas, emTramandaí. Muitas vezes, a ocupação an
terior de terra precedia a legalização da posse, como se deu no caso de
Jeronimo de Ornellas, que habitava a zona de Porto Alegre há alguns
anos, recebendo a área como sesmaria em 1740.
As estâncias de gado, que se constituíram, realizavam uma cria
ção extensiva do rebanho, utilizando como mão de obra os peões. Estes
S. Nícoiau S. Ângelo
LA 1^. João
S. Borja/y Kstm *•^ \
riratiní
St. Tecla
r
I
Rio Grande
do Sacramento
Montevidéu
Sto. Hiidefonso
Madrid . . . . . .
Divisão atual do RS
Figura 2. Tratados
l<y 25
Oi Quadro-resumo 1
Disputascoloniais ibéricas e suavinculação com o processo de apropriação econômico/militar da terra
Decadência do
Império Colonial Fundação da Colônia do Sacramento na margem norte do Prata
Decadência do
Português. Interesse pelos portugueses; atacadae arrasada no mesmo ano pelos
Açúcar. Quilombo
1680 anglo/luso de penetrar espanhóis.
de Palmares resiste
no mercado platino. Gado xucro na Vacaria dei Mar; pilhagem sobre o rebanho para
aos ataques.
Contrabando luso x extração de couro (exportado por Buenos Aires para a Europa).
monopólio espanhol.
Tratado Provisional
entre as nações
1681
ibéricas; Colônia fica
para Portugal.
í
Retorno da Colônia para Portugal em função do T. Provisional;
1683 intensificaçãodo contrabando no Prata e pilhagem do gado da
Vacaria dei Mar.
Tratado de Utrecht;
fim da Guerra de
Sucessão; ascensão Retorno de Sacramento para mãos portuguesas (1715-1736); reforço
de Felipe V ao militarda região; início do povoamento regular de Sacramento; grande
1715
trono espanhol; contrabando no Prata (ação anglo/lusa).
Inglaterra potência RS: estradas para o tropeirodo gado; currais; invernadas.
hegemônica na
Europa.
N
Qo
1 Data Situação Ibérica Brasil Extremo Sul
Gera-se um ambiente
hostil à Companhia de
Jesus; acusações quanto Combate a Caiboaté põefim à guerra Guaranítica coma derrota dos
1756
às suas pretensões índios.
tempprais às terras
americanas.
1 Data Situação Ibérica Brasil Extremo Sui
I
Daütã ;
i- RSelevado à condição de Capitania Geral
¥ 1807 Junot invade Portugal. (Capitania de São Pedro),independente
do Rio de Janeiro e subordinado ao Vice-
Rei do Brasil.
Permanência das hostilidades França x
Chegada da Corte
Inglaterra;queda da monarquia espanhola
portuguesa à Bahia.
1808 sobreo domínio francês; Napoleão invade
Abertura dos Portos às
Portugal; transmigraçãoda Corte para o
Nações Amigas.
Brasil.
36 f l o ^ f / o S/h/
durou até 1828. Formou-se o "Exército do Sul" na província a fim de
lutar na Banda Oriental. Em 1828, foi assinada a paz com mediação
inglesa, e o Uruguai tornou-se uma nação independente. Para o Brasil,
e particularmente para o Rio Grande, a perda da Província Cisplatina
significou a perda do gado uruguaio, que não mais foi dirigido para as
charqueadas rio-grandenses, e sim para os "saladeros" platinos que se
rearticulavam. Além disso, durante a campanha militar, novos conflitos
surgiram entre os chefes locais e aqueles designados pelo centro.
As tensões se acumulavam, não só no Rio Grande do Sul, como
também em outras regiões do país, de economia periférica, dando mar
gem à eclosão de rebeliões provinciais, marcadas pelapresença de idéias
federativas e republicanas e da insatisfação das oligarquias regionais.
No Rio GrandedoSul,em 1835, eclodiu aRevolução Farroupilha,
que durante dez anos enfrentou o governo central. Em manifesto lan
çado às "nações civilizadas" por ocasião da Proclamação da República
Rio-Grandense em 1838, o líder Bento Gonçalves justificou a posição
assumida, enfatizando que a Proclamação da República fora o último
recurso tentado ante o esgotamento das possibilidades de entendimen
to com o Império. Dentro da percepção que os "farrapos" tinham dos
acontecimentos, o centro era acusado de "má gestão dos dinheiros pú
blicos", de realizar gastos supérfluos sem aparelhagem material do país
(abertura de estradas, construção de portos) e de onerar o Rio Grande
do Sul com impostos, sem indenizá-lo por danos sofridos. Por trás
dessas acusações, vê-se a percepção de que o Rio Grande do Sul era
explorado economicamente pelo centro.
Pela carta de 24, se estabelecia que, do montante das vendas ar
recadadas pela província, era o centro que determinava qual a parte
que lhe reverteria e qual a que permaneceria na província. Era, evi
dentemente, uma forma de canalizar recursos para o centro do país,
para a economia cafeeira em ascensão. Poroutrolado, osgastos que, no
centro, eram feitos em proveito do café e da Corte eram considerados
pela oligarquia local como supérfluos.
No tocante aos impostos, enquanto que o charque sulino era
onerado com altas taxas de importação sobre o sal, os pecuaristas eram
obrigados a pagar pesadas taxas sobre a légua de terra. Por outro lado,
o charque platino, concorrente do gaúcho, pagava baixo imposto nas
alfândegas brasileiras. Por trás desse tratamento preferencial ao pro
duto estrangeiro, que forçava a baixa do preço do artigo rio-grandense,
manifestavam-se os interesses do centro e norte do país, que queriam
comprar o alimento para seus escravos a baixo custo.
Além disso, tornava-se claro para os gaúchos que o Rio Grande
era relegado à posição de "estalagem do Império": fornecia soldados,
cavalos e alimento durante as lutas fronteiriças; a guerra desorganiza
va sua produção, mas não recebia indenização por danos sofridos. Da
mesma forma, os altos comandos das tropas só eram dados a elementos
do centro, enquanto que, na realidade, era o Rio Grande que susten
tava a guerra.
Desde o ponto de vista local, a parcialidade do Império impli
cava o desprestígio da camada dominante gaúcha. A concessão, pelo
Ato Adicional de 1834, de poder legislativo às províncias, não resolveu
os problemas regionais, tais como a pouca representatividade do Rio
Grande no legislativo central e a presença de presidentes de província
desvinculados da realidade local.
'38
rante todo o tempo da revolução, fechada aos farrapos, ficando a cidade
em mãos dos "legalistas". Em face dessa situação, foi só através das
ligações com o Prata, das exportações por Montevidéu e dos contínuos
reforços em munições e cavalos, que chegavam da Banda Oriental, que
os farrapos puderam sustentar 10 anos de lutascontrao Império.
Após um período de relativa estabilização da guerra (1840-
1842), seguiu-se, a partir de 1843, o declínio farroupilha. Em nome do
Império, Caxias ofereceu aos farrapos uma anistia geral e "paz honro
sa", resultando na assinatura, em 28 de fevereiro de 1845, da "Paz de
Ponche \^rde". Essa atitude doImpério deve serinterpretada com base
no rumo que tomava a política no Prata.
Na Argentina, desenvolvia-se o conflito entre as forças represen
tadas pelo setor rural (Rosas) contra a burguesia portenha, aliada da
Inglaterra. No Uruguai, por instigação e apoio de Rosas, Manoel Oribe
vencera as forças de Frutuoso Riviera, na intenção de levar o país ao
domínio argentino. Ao avizinhar-se o conflito noPrata, oImpério, com
necessidade de apoio militar e econômico gaúcho, ofereceu uma paz
na qual os farrapos conseguiram elevação de 25% da taxa alfandegária
sobre o charque importado e o direito de os estancieiros escolherem
naquele momento seu presidente de província (foi escolhido o próprio
Caxias). Por outro lado, ficou acertado que as dívidas contraídas seriam
pagas pelo governo central, e que todos os farrapos poderiam passar
para o exército brasileiro com os mesmos postos com que lutavam nas
forças rebeldes.
Mais uma vez entrara em cena o poder militar do Rio Grande
do Sul como elemento de barganha frente aopoder central. Iniciou-se,
após a revolução, umperíodo de apogeu da dominação regional dos pe
cuaristas sulinos, embora se confirmasse, a nível nacional, a submissão
da província periférica aos interesses do centro do país.
fV^-atí^y/ta/: a^io^euyc c
Apos a Revolução Farroupilha, a economia pecuária sulina foi
beneficiada tanto pelos acertos econômicos entre o governo central e a
província como pelas perturbações ocorridas no Prata.
A prosperidade dos "saladeros" platinos foi interrompida, no pe
ríodo colonial, pelas lutas de independência e, após, pela dominação
luso-brasileira, quando a região tornou-se abastecedora de carne para
os exércitos em luta e de matéria-prima para as charqueadas brasileiras.
Com a independência da Banda Oriental, começou, a partir de
1830, o reerguimento dos "saladeros" da região. O bloqueio imposto a
Buenos Aires, pela esquadra francesa, tornou Montevidéu o eixo das
operações comerciais platinas, o que permitiu que a região se moderni
zasse com a introdução de nova tecnologia. Em 1838, foi introduzida a
máquina de vapor, possibilitando a exploração dos subprodutos da car
ne, como a graxa. Por outro lado, os saladeros começaram a localizar-
-se no litoral, próximo ao local de embarque de produção, levando ao
barateamento desta e a melhorias sanitárias, como a canalização dos
resíduos diretamente para o mar.
Todavia, esse surto de desenvolvimento foi interrompido pela
"Guerra Grande", entre as forças platinas de Oribes (Uruguai) e Rosas
(Argentina) contra o Brasil aliado a Urquiza (governador de Entre-
Rios) e Artigas (chefe uruguaio, "colorado"). Durante o conflito, o
gado uruguaio foi contrabandeado para as charqueadas sulinas, sendo
alvo das chamadas "califórnias" promovidas por estancieiros gaúchos.
O tratado de 1851, que assinalou a derrota de Oribes, sedimen
tou a desorganização da atividade saladeiril uruguaia: estabeleceu que
o gado uruguaio não pagaria imposto nas alfândegas brasileiras, en
quanto que o charque platino seria onerado com taxas para entrar no
país. Dessa forma, beneficiavam-se as charqueadas sulinas, com a pos
sibilidade de obtenção de matéria-prima a baixo preço, tendo por outro
lado dificultada a entrada do concorrente no mercado interno.
Dentro dessas condições específicas, marcadas pela perturbação
nas economias concorrentes e pela possibilidade de barganhar com o
poder militar em face das necessidades do poder central, a charquea-
da rio-grandense teve relativas condições de prosperar. Considerando,
ainda, que a oferta de mão de obra antes de 1850 revelava-se elástica,
que era possível obter-se gado a baixo preço e que a aquisição de terra
era gratuita (regime de concessão de sesmarias), pode-se concluir que
os custos da produção eram relativamente baixos.
^yítò/ótirÂ/f/o 'imitir/4?^
A crise das charqueadas rio-grandenses iria se revelar a partir da
década de 1860.
A partir de 1850, com a lei Euzébio de Queiroz, foi extinto o trá
fico negreiro, coincidindo essa medida com o movimento ascensional
do café e a abertura de novas frentes pioneiras. Em face da impossibi
lidade de obtenção de novos negros da África, a mão de obra escrava
excedente que havia no Brasil foi deslocada para a zona do café, eixo
central da economia brasileira.
42 (/<y cio
çâo da política econômica nacional aos interesses sulinos. Entretanto,
as pretensões rio-grandenses esbarravam no fato de que aeconomia
do estado estava subordinada aos interesses do centro do país, o que
limitava a autonomia e a determinação política da aristocracia sulina
em assuntos considerados de "interesse nacional .
O interesse do centro, no caso, era baratear o charque, do qual
era comprador. Ksporadicamente, pôde oRio Grande do Sul fazer valer
a nível político os seus interesses, conseguindo a limitação da entrada
do artigo estrangeiro. Todavia, não conseguiu manter uma constância
nessa linha de ação.
Tabela 1. Exportação do Rio Grande do Sul (contos de Réis)
Q: 1894
ií' 408Õ0
Principais produtos da criação
Charque 5,940 (37,7%) 11,663 (28,6%)
Couros 5,856 (37,2%) 5552 (13,6%)
mm
Principais produtos de lavoura e
pequena criação
Banha 6.183 (15,2%)
Farinha de mandioca 221 (1,4%) 3.419 (8,4%)
Feijão 627 (4,0%) 2866 (7,0%)
Feno 736 (1,8%)
13204 (32,4%)
r^aHf/'rct 43
Nos quadros do Império, os charqueadores buscavam resolver
seu problema pela antecipação da abolição da escravatura, o que se
deu em 1884. Entretanto, o princípio adotado foi o da libertação com
a "cláusula de prestação de serviços", o que implicava que o senhor
permanecesse com o trabalhador à sua disposição, para uso de acordo
com suas necessidades reais e repassando os gastos de manutenção para
o próprio liberto, agora chamado de "contratado".
Significava, em última análise, extinguir a escravidão sem ex
tinguir os escravos. Limitava-se, com isso, a própria generalização das
relações assalariadas de produção nas charqueadas sulinas, comprome
tendoo desenvolvimento do capitalismo na região.
eco^^€}^rlt€M/
f/o //et/
É possível observar sua marcha ascensional em termos de
acumulação de capital, desde a venda rural até a constituição de grandes
casas de comércio de importação e exportação em Porto Alegre. A acu
mulação de capital ocasionada pelo grande comércio foi responsável
por duas alterações básicas: por um lado, a importação de produtos do
exterior contribuiu para desestimular um artesanato de base familiar
que se fazia ao nível dos núcleos coloniais para suprir as necessidades
essenciais. Por outro lado, o surgimento da indústria se liga também à
presença da acumulação de capital.
Ajites da década de 1880, contudo, a indústria concentrou-se
preferencialmente em Rio Grande e Pelotas, visando mais ao abasteci
mento do mercado nacional do que às necessidades locais.
O comerciante enriquecido diversificou paulatinamente suas
atividades, aplicando capital não só na indústria como em empresas de
navegação, bancos, companhias de seguros, loteamentos, hotéis.
Dentro de uma realidade onde o poder regional era dominado
por latifundiários da pecuária, as possibilidades de atuação política dos
imigrantes foram quase nulas. Destacou-se aqui, além da figura do co
merciante, a elite cultural alemã. Juntas controlavam as câmaras de ve
readores a nível municipale, a partir de 1881, a deputação estadual. Em
1881, a Lei Saraiva estendeu o direito de votar aos acatólicos e aos es
trangeiros naturalizados. Os elementos enriquecidos da Colônia alemã
atuaram como uma ponte entre a massa de pequenos proprietários e a
oligarquia pecuarista. Em troca do apoio à situação política vigente era
possível conseguir algum atendimento às necessidades dos imigrantes.
No que diz respeito aos italianos, que ingressaram a partir de
1875, chegaram à província em uma situação de desvantagem se com
parada com à dos alemães, 50 anos antes. As melhores terrasjá se acha
vam ocupadas e coube aos italianos receber lotes ainda menores (25ha)
na encosta da serra. O lote era vendido a crédito, e o prometido subsí
dio para alimentação que seria concedido por um ano foi cancelado. A
única ajuda com que o imigrante italiano contou foi aquela advinda do
trabalho remunerado de 15 dias por mês na abertura de estradas.
Os italianos,ao chegarem, já encontraram uma rede de comercia
lização montada pelos alemães à sua espera para o escoamento do que
viessem a produzir. Se, de um lado, isso facilitava a comercialização de
seus produtos, de outro os tornava submissos ao capital alemão. Além
disso, todos os artigos da policultura, que poderiam produzir, teriam de
enfrentar a concorrência dosprodutosalemães. A saída encontrada pelos
novos imigrantes foi a especialização de determinadas zonas coloniais
italianas num só tipo de artigo: o vinho, que encontrou um amplo mer
cado deconsumo no centro do país, entrea população de origem italiana.
De um modo geral, os núcleos italianos ainda se dedicaram ao plantio do
milho e à criação de suínos parafabricação de banha.
No conjunto, globalmente, o advento de imigração estrangeira
parao Rio Grande do Sul foi capaz de atenuar, no que tange à econo
mia provincial, a relativa estagnação que atravessava a pecuária sulina.
O progressivo crescimento dos produtos coloniais na pauta das expor
tações, nas quais continuavampreponderando os tradicionais produtos
pecuários, contribuiu para que, na virada do século, o Rio Grande do
Sulfosse cognominado de "celeiro do país".
N. Pr«u
Cidade» luio-braiiiclrat
O Antioas eoldnlas lUliana»
Viranôpolli Coianiat ofielii» Curva 7»0 m
Chavi»)
• Ceianla» partkuUrci
•••Ulmite dat antlg» colônia»
teuto«braillelra» Curva 300 m
Caxiai
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(R,,Sal»»l._A—tr.V' 6. Franel
Paula
IBMísíÍ.
¥
Domínio brasileiro sobre a Desenvolvimento da pecuária com a
1822 Província Cisplatina; governo de Independência do Brasil - 7/9. produção do charque; gado da Cisplatina
Lecor. abasteceas charqueadas rio-grandenses.
Fim da "Guerra
Grande", com derrota
de Oribe e ascensão de
Venâncio Flores ao poder O Brasil entra em guerra contra Finda a guerracontraOribe, inicia a luta contra
(colorado); o Tratado de Rosas, da Argentina. Começa Rosas, permanece a mobilização militar.
1851 1851 no Brasil estabelece a substituição da mão de obra Em face dos Tratados de 1851, anulam-se as
condições desfavoráveis escrava pelalivre nas plantações de condições de concorrência uruguaia com o
para a economia pecuária café em São Paulo. charque rio-grandense.
uruguaia.
Início da guerra entre
Argentinae Brasil.
f
|; Data Prata Brasil Rio Grande do Sul (período imperial)
Aguirre depõe Flores
Brasilentra em guerra contra o
¥ no Uruguai. Ligação de RS participa da luta contra Aguirre;
1864 Uruguai, auxiliando Venâncio Flores a
Aguirre com Solano Lopez, reativação da mobilização militar na região.
voltar ao poder.
do Paraguai.
Início da guerra do Paraguai.
Aguirre é vencido no Grande desenvolvimento da lavoura
Assinada a Tríplice Aliança entre
1865 Uruguai; pede auxílio de comercial de subsistência na área colonial
Brasil,Argentina e Uruguai contra o
Lopez, ditador do Paraguai. alemã.
Paraguai.
Fundada no Uruguai a
Desenvolve-se a imigração estrangeira
1866 Liebig, fábrica de extrato de
para as lavouras de café em São Paulo.
carne, de capital inglês.
Crise das instituições monárquicas; Surge 0 jornal A Reforma, órgão oficial do
1868
queda do Gabinete Zacarias. Partido Liberal.
2° Congresso Republicana do RS
Fundação do jornalA Federação^ órgãooficial do PRR.
1884
RS extingue a escravidão mediante a cláusulade
prestaçãode serviços.
5
111
f/o t^tt/
capitalização, proporcionando o surgimento do grande comércio e de
indústrias, era o setor pecuarista o predominante no estado, fazendo-se
representar na política. O Partido Liberal, majoritário no Rio Grande,
dominado por pecuaristas, barganhava com o poder central através da
atuação de seu líder, Gaspar Silveira Martins, para obtenção de favo
res para a província. No conjunto, a dependência do Rio Grande em
relação ao centro expressava-se em termos econômicos e políticos: da
sede do poder, no Rio de Janeiro, traçavam-se as diretrizes da política
econômica, cobravam-se tributos e emanavam ordens.
A parcela de classe dominante que se encontrava descontente vi
sualizava a questão da dependência através da subordinação política
do centro sobre o sul e da pouca autonomia que o Rio Grande deti
nha para resolver seus problemas. Na esfera econômica, considerava
ser o principal entrave ao desenvolvimento da economia rio-grandense
a questão dos transportes: um precário e oneroso sistema ferroviário,
uma barra obstruída, que dificultava o acesso dos navios de grande ca
lado, e a ausência de um porto. No plano de ação, sua conduta se orien
tava para a crítica das instituições monárquicas do país. Na província,o
domínio do Partido Liberal apresentava-se como incapaz para resolver
os problemas que afligiam a economia gaúcha.
Para as novas camadas sociais médias urbanas que surgiam, os par
tidos políticos do Império não representavam seus interesses e também se
revelavam ineptos na remoção dos entraves ao desenvolvimento sulino.
Tais setores, no caso, apresentavam-se como politicamente disponíveis
paraserem arregimentados por uma nova proposta partidária que surgisse.
Diante da conjuntura que se apresentava, a República foi nova
alternativa política, e o Partido Republicano Rio-Grandense (PRR), o seu
instrumento partidário no nível estadual. Tratava-se, contudo, da emer
gência de um novo partido dentro dos quadros de uma situação política
dominada pelo Partido Liberal. Era preciso, pois, que, além de realizar
uma propaganda intensa, o PRR se propusesse a oferecer novas soluções
para velhos problemas, assim como efetivasse alianças vantajosas.
A base social do PRRfoi constituída por elementos do latifúndio
pecuarista (ala jovem do Partido Liberal ou conservadores), descon-
tentes com o regime, em associação com setores médios urbanos. Se
comparado com o Partido Liberal, o novo partido realizou um alarga
mento social da sua base política. Preocupou-se em incorporar setores
do colonato italiano e cooptar aqueles elementos egressos do complexo
colonial que enriqueciam: comerciantes e industriais. Por outro lado,
o PRR foi capaz de realizar uma união vantajosa com o exército. Essa
união deu-lhe a força suficiente para se impor. A ligação, no caso, foi
facilitada tanto pela forte tradição do militarismo, que o Rio Grande
apresentava desde a sua formação, quanto pela presença do componen
te ideológico positivista, adotado pelo PRR, e que tinha grande pene
tração nos meios militares.
O positivismo, adotado como ideologia pelo novo grupo dirigen
te gaúcho, veio conferir uma feição "sui-generis" à "República Velha"
rio-grandense, oferecendo, além disso, uma série de respostas aos pro
blemas gaúchos. Em primeiro lugar, é preciso que se compreenda que
a apresentação dos problemas e suas soluções foram colocadas, pelo
grupo que ascendia ao poder, em termos ideológicos.
No contexto europeu, a ideologia positivista surgiu como defenso
ra da sociedade burguesa em ascensão e do desenvolvimento capitalista.
Para conservar a ordem burguesa, era essencial que se acelerasse o de
senvolvimento industrial. Dessa forma, a ordem era a base do progresso;
o progresso era a continuidade da ordem. Assim, a visão positivista era
progressiva e conservadora ao mesmo tempo, ou seja, pretendia conciliar
o progresso econômico com a conservação da ordem social.
No contexto gaúcho, tratava-se, antes, de implantar o capitalis
mo, para o que se apresentava uma série de entraves. Ante tais proble
mas que se antepunham, o PRR propunha-se a realizar a moderni
zação econômica exigida. A ideologia importada, posta a serviço das
condições histórico-objetivas locais, fornecia os elementos básicos que
norteariam a ação do grupo no poder: desenvolver as forças produtivas
do Estado, favorecer a acumulação privada de capital e propiciar o pro
gresso harmônico de todas as atividades econômicas.
A posição do governo era de que a solução dos transportes do es
tado, se efetivada, viria atender a todos os setores da economia gaúcha.
veri/o S7
c^dáey€Í<y ^/ a^^/io^i€^>u€Í^Í4Z'e/ Ineítí^
A República veio confirmar a posição gaúcha de tradicional for
necedor do mercado interno do país, com sua economia subsidiária de
base fundamentalmente agropecuária.
Em especial, os produtos pecuários (charque e couros), apre-
sentavam-se com grande vulto na pauta das exportações. Todavia, a
criação continuava a desenvolver-se em moldes extensivos, pelo que
o aumento da produção só se obtinha pela expansão quantitativa dos
dois fatores básicos: terra e gado. O crescimento do rebanho revelava-se
diminuto, resultado tanto da falta de higiene e tecnologia adequadas,
responsáveis pela alta incidência de doenças, quanto do abate indiscri
minado, que sacrificava novilhos e vacas prenhes. Além disso, os pou
cos cuidados na seleção genética do gado e a pequena importação de
reprodutores selecionados davam como resultado um animal de pouco
peso e muito chifre, com baixo rendimento de carne. Não se achava
ainda completo o processo de cercamento dos campos. Era muito pou
co generalizado o uso de balanças para a pesagem do gado, tendo este
o seu peso calculado "a olho".
Dentro da economia gaúcha, o estancieiro era o fornecedor de
matéria-prima para a charqueada e, como tal, achava-se na depen
dência dos preços oferecidos pelos charqueadores. Estes, por sua vez,
como aliás toda a economia gaúcha, achavam-se na dependência da
economia central de exportação brasileira e das necessidades geradas
pelo mercado interno. Os lucros ficavam, efetivamente, com as casas
consignatárias da venda do charque nos mercados do centro, as quais,
por sua vez, redistribuíam as mercadorias para o norte e para o nordes
te. O charqueador procurava ressarcir-se dessa exploração às custas do
criador, oferecendo o preço mais baixo possível pelogado.
A charqueada operava como uma manufatura, produzindo um
gênero de baixa qualidade e mau aspecto, com precária tecnologia para
um mercado altamente competitivo. Durante a República Velha, com
as crises de superprodução do café, alguns estados voltaram-se para a
economia de subsistência, como foi o caso de Minas, que, estando mais
68 f/o
próximo do Rio de Janeiro e de São Paulo, tinha vantagem na disputa
do mercado central. Tal como Minas, outros estados começaram a con
correr, ao lado do charque platino, com o produto gaúcho, no abasteci
mento do mercado interno brasileiro.
íSrcXdÚftÕS) >.^feiii51â4^j
Charque 132.500 contos
Couros 68.225 contos
Frõdút^j Vegetal^
Farinha de mandioca 16.909 contos
Fumo 13.895 contos
Feijão 11.744 contos
Erva-mate 11.002 contos
Vinho 5.082 contos
Arroz 4.877 contos
Cebola 4.221 contos
67.730 contos
fo 7S
protecionistas tomadas pelo governo federal, elevando as tarifas de im
portação nos anos de 1896, 1903 e 1906, propiciaram uma elevação in
terna do preço e a possibilidade de produtores nacionais abastecerem o
mercado brasileiro.
^Íjt4in</ey
estrangeiros. Por outro lado, o crédito bancário tornou-se mais fácil, o
que gerou uma proliferação de empresas em vários setores. Adécada de
1890 assistiu a um verdadeiro surto industrial no Rio Grande do Sul,
centralizado na produção de conservas, têxteis, banha, vinho, cerveja
e calçados. Embora essa produção visasse, fundamentalmente o abas
tecimento do mercado local, algumas empresas como Renner, Wallig e
Berta atingiram o mercado nacional, especializando-se em artigos de
superior qualidade.
Nessa fase pré-guerra, aindústria gaúcha ficou de uma certa for
ma resguardada da penetração da indústria paulista, tendo em vista
tanto o alto custo dos transportes quanto a alta concentração de capi
tais no café em São Paulo. Durante a Primeira Guerra Mundial, com
o bloqueio do comércio internacional, eliminou-se a concorrência dos
manufaturados estrangeiros. Internamente, seguiu-se no país a infla
ção e desvalorização da moeda.
Diante de tais estímulos, ocorreu um segundo surtoindustrial no
Rio Grande do Sul, com a implantação de novas fábricas. Entretanto,
aquele tipo de empresas, que trabalhavam com matéria-prima impor
tada, teve dificuldades em obtê-la. Esse foi o caso daWallig e Berta, que
utilizavam o ferro da Alemanha, e das cervejarias, que importavam o
lúpulo e malte da Boêmia. Setorialmente, a indústria apresentou uma
grande diversificação nesse período, mas geograficamente mostrou-se
concentrada em Porto Alegre, Rio Grande, Pelotas, Caxias e Vale dos
Sinos.
t9^an///ia 7^
tantes do setor da pecuária. Se o governo os atendia, às vezes, em suas
solicitações, era mais no sentido de estabelecer uma barganha, para
conquistar apoio político e fortalecer-se, do que no sentido de uma po
lítica claramente a favor da industrialização.
De um modo geral, contudo, o período da Primeira Guerra
Mundial veio criar no estado uma conjuntura ótima de mercado e uma
perspectiva de euforia, atenuando tensões, marcando crises e fomen
tando ilusões ao "celeiro do país".
ccm^oíleía^ã^ rlet/
A instalação da República no Rio Grande do Sul implicou a ado
ção de uma forma de governo autoritária, inspirada na república dita
torial do Comte. Adotando uma perspectiva de promover o progresso
econômico sem alteração da ordem social, assegurava o domínio das
"classes conservadoras" no estado.
Júlio de Castilhos, o ideólogo e estadista máximo desse período
inicial de implantação da República, foi praticamente o único autor
da Constituição Estadual de 14 de julho de 1891. Nela se estabelecia a
presença de um legislativo estadual com poderes limitados a questões
orçamentárias (aprovar a receita e despesa do estado) e de um executivo
forte com poderes de legislar por decreto sobre matérias não financei
ras. Além disso, a Constituição postulava que o vice-presidente seria
nomeado pelo presidente estadual e que este podia continuamente re
eleger-se, uma vez obtidos 3/4 partes dos votos. Tal princípio associado
ao mecanismo do voto a descoberto, vigente na República Velha, per
mitia que um presidentede estadopudesse permanecerno poder prati
camente por tempo indefinido. A tomada de poder pelos Republicanos,
contudo, não se fez sem contestação.
Já por ocasião das eleições para a constituinte estadual em 1891,
republicanos dissidentes, ex-liberais e ex-conservadores formaram o
Partido Republicano Federal, que concorreu com o Partido Republicano
Rio-Grandense (PRR), sem, contudo, lograr eleger seus deputados.
Em novembro de 1891, a oposição gaúcha liderada por Juca
Tavares depôs Castilhos, anulando a Constituição de 14 de julho
7S ^iá/ótía/€/<y fio//tU
e fazendo cair os governos municipais. Iniciou-se o período do cha
mado "governicho". Em 1892, o PRR, tendo realizado aproximações
vantajosas com o exército, conduziu Castilhos novamente ao poder.
Entretanto, a maior contestação ao governo gaúcho deu-se por oca
sião da Revolução Federalista, que assolou o estado de 1893 a 1895,
registrando atos de extrema violência de ambas as partes. Os ex-liberais
rearticularam-se em torno do seu líder Gaspar Silveira Martins, que
em 1892 retornava do exílio na Europa, formando em Bagé o Partido
Federalista Brasileiro. Deles afastaram-se os republicanos dissidentes,
que não aceitaram aliderança do velho chefe liberal. Adotando aidéia
parlamentar, os federalistas opuseram-se, no plano local, a Castilhos, e
no plano Federal, ao governo de Floriano Peixoto. Nessa linha de con
duta, aproximaram-se do movimento eclodido na marinha, conhecido
como Revolta da Armada, que reunia elementos da elite da época do
Império, inconformados com a instalação daRepública.
As oposiçÕes, coligadas no plano nacional e regional, fortalece
ram os laços que uniam o PRR a Floriano e ao Exercito, o que, sem
dúvida, contribuiu para avitória de Castilhos no Sul. No início do ano
de 1893, quase imediatamente após a subida de Júlio de Castilhos ao
poder no estado, o Rio Grande foi invadido, pela fronteira de Bage,
por tropas federalistas. Do lado rebelde, destacavam-se importantes
figuras da campanha gaúcha, como o general João Nunes da Silva
Tavares, Joaquim Pedro Salgado, Rafael Cabeda, os coronéis Juca Tigre
e Ulisses Reverbel. Amaior parte desses líderes eram estancieiros e ha
viam ocupado cargos políticos no Império. Alguns poucos, como Rafael
Cabeda, eram comerciantes na fronteira. Os revolucionários contaram
com a presença do Coronel Gumercindo Saraiva, caudilho uruguaio,
e seu irmão Aparício, ambos tendo-se destacado nas lutas contra os re
publicanos. A revolta federalista notabilizou-se pelos atos de violência,
sendo a degola a forma preferida deexecução. Acada ato debarbarismo
cometido contra um dos grupos rivais, o opositor respondia com novas
atrocidades.
7S f/o *9a/
seguir do governo central autorização para encampar a Viação Férrea e o
Porto de Rio Grande, que passaram para a esfera estadual.
A guerra criou grande demanda para os produtos gaúchos, com
o que se ativaram as exportações estaduais. O período de euforia pelos
bons preços contribuiu para solidificar a imagem de que o "celeiro do
país" saíra de sua crise. Nessa conjuntura, o estado gaúcho agia como
incentivador de melhorias, difundindo novas técnicas, aconselhando,
exortando à união, concedendo incentivos fiscais, apontando cami
nhos. Em suma, realizando a tarefa de facilitar a acumulação privada
de capitais e a realização do desenvolvimento global da economia rio-
-grandense. Todavia, quando se tornava necessário, o governo inter-
vinha diretamente no processo econômico para eliminar o monopólio
estrangeiro, como no caso dos transportes.
À medida que os interesses econômicos da classe dominante es
tadual (situação e oposição) se encontravam satisfeitos, e que o governo
procurava atendê-los, arrefeciam-se as divergências de caráter político.
O período de guerra, evidenciando uma conjuntura ótima de mercado,
foi o que se pode chamar o momento áureo do governo de Borges de
Medeiros, quando menos oposição sofreu.
No plano social, contudo, a situação não se apresentou tão cal
ma. Durante os anos da guerra, ondas de greve agitaram o estado, cul
minando com a greve geral de 1917, que paralisou a capital. O ope
rariado se achava organizado em sindicatos profissionais. Ao lado da
presença de tendências socialistas e anarquistas, registrava-se a atuação
do grupo predominante da época, o anarcossindicalista.
Os anarcossindicalistas lideravamo operariadogaúcho e contro
lavam a Federação Operária do Rio Grande do Sul, fundada em 1906.
Essegrupo considerava a greve uma expressão das reivindicações ope
rárias, que se revelava eficiente para solucionar desajustes existentes
entre o capital e o trabalho. Além de legitimar a greve, os anarcossindi
calistas eram favoráveis a negociações diretas entre patrões e emprega
dos, rejeitando a interferência do governo nessas questões. Além disso,
aconselharam o não engajamento político-partidáriodo operariado. De
certa forma, essa orientação vinha dar legitimidade ao sistema político
excludente, característico não só do Rio Grande do Sul como de todo o
país no período da República Velha.
O Estado positivista, baseado nos princípios de Comte, se dis
punha a "incorporar o proletariado à sociedade moderna", o que, em
última análise, traduzia-se, na prática, em fazê-lo trabalhar para o
progresso econômico de forma ordenada. Considerava também que as
questões que surgissem deveriam ser solucionadas entre patrões e em
pregados. O Estado deveria interferir, como mediador, quando se difi
cultasse o acerto, ou como órgão repressor, quando a segurança fosse
ameaçada. A ideologia positivista no Estado desempenhava o papel de
contornar o conflito social a fim de possibilitar o desenvolvimento de
acumulação privada de capital.
Com relação à greve geralde julho a agosto de 1917, Borges cum
priu um papel de conciliador, impedindo o agravamento do conflito e
intercedendo junto aos industriais para que elevassem os salários dos
operários. Já na greve dos ferroviários, de outubro de 1917, a atitude de
Borges de Medeiros foi de apoio, considerando o movimento legítimo
em suas reivindicações. Agindodessa forma, o governosolidificava seus
argumentos no sentido de que a companhia concessionária estrangeira
que explorava a Viação Férrea operava com deficiência e deveria ser
encampada pelo Estado.
Nas greves de 1918e 1919, contudo, a repressão do governo foi
violenta, na medida em que os movimentos de contestação social, pela
sua amplitude, ameaçavam a ordem vigente. Ao longo de todos esses
anos, nas relações com o centro do país, o Rio Grande continuava na
sua posição periférico-dependente, atuando fundamentalmente como
fornecedor degêneros de subsistência. Adependência econômica gera
va, como resultado inevitável, a dependência política.
O Rio Grande não tinha acesso aos mecanismos decisórios do
poder nacional, não influindo sobre a política econômico-financeira a
ser seguida pelo país. Essa beneficiava especialmente o café, através de
um programa de valorizações e de emissões. Todavia, o Rio Grande
conseguia atenuar o domínio do centro cafeeiro através de uma política
de "barganha". Nos quadros da República Velha, o Rio Grande do Sul
80 f/o SJu/
era o que se considerava um "grande eleitor". Com numerosa bancada
no Congresso, o estado tinha grande peso nas decisões parlamentares;
o que era um trunfo para barganhar atitudes do centro a seu favor.
Além disso, até 1915, a atuação do senador Pinheiro Machado, que
controlava a comissão parlamentar incumbida de reconhecer ou não a
eleição dos membros do Congresso, era outro dado que favorecia o Rio
Grande. Jogando com os interesses das oligarquias. Pinheiro Machado
chegou a controlar as representações dos pequenos estados do nordeste,
fazendo com que votassem segundoos interesses do Rio Grande.
Da mesma forma que o Exército, o Rio Grande do Sul atuava
como um elemento alternativo no jogo de disputa política nacional.
Assim, por exemplo, o Rio Grande do Sul foi capaz de endossar as can
didaturas de Campos Sales e Rodrigues Alves, apoiando as pretensões
paulistas. Entretanto, quando surgiam desentendimentos na aliança
de São Paulo-Minas Gerais, o estado sulino entrava em cena, posicio
nando-se nas eleições disputadas para a Presidência Nacional. Quando
ocorreu a primeira cisão das oligarquias —a "campanha civilista" de
1910 -, o RioGrande do Sul surgiu ligadoa Minas Geraise ao Exército,
apoiando a candidatura de Hermes da Fonseca e posicionando-se con
tra o candidato paulista (Rui Barbosa). Até então, o Rio Grande do Sul
atuava mais como um peso na balança da luta pelo poder. Com sua
economia voltada para o mercado interno, era obrigado a defender o
consumidor nacional, e não os interesses dos grandes exportadores.
Todavia, opor-se completamente à política do café significava
romper com o poder federal. Nesse sentido, a dependência política em
relação ao centro fazia, muitas vezes, o estado periférico apoiar medi
das contráriasa seus interesses para conseguir, em troca dessa solidarie
dade, uma legislação protecionista para seus principais produtos.
r fiftoú J920 e a/
Destruição de Canudos.
1897 Crise de superprodução do
café.
Theodore Roosevelt,
1902
Ascensãode Rodrigues Alves à
presidente dos Estados
Unidos.
Presidênciada República.
Guerra russo-japonesa. Desenvolvimento das usinas de açúcarno Governo do Estado introduzo imposto
1904 "Entente Cordiale": França- nordeste, da borracha na Amazônia e do territorial.
Inglaterra. cacau na Bahia. Firma JoãoWallig (camas e fogões).
fpú/- e/e 30
f^930-^937j
Na República Nova, o Rio Grande do Sul manteve um tipo de
desenvolvimento baseado na agropecuária. A mesma classe continuou
no poder, e a problemática básica do Rio Grande pós-30 foi encontrar
saídas para a crise da agropecuária gaúcha.
o governo central, nascido a partir de 1930, procurava de todas
as maneiras resolver os problemas das regiões econômicas periféricas,
desde que os interesses destas não entrassem em contradição com os
"objetivos mais gerais" do país como um todo. Esses objetivos eram
fundamentalmente dois: a integração do mercado pela articulação das
economias regionais e a diversificação da estrutura produtiva da nação.
Ambos, em última instância, se resumiam em um único: garantir a
continuidade do processo de acumulação capitalista no país.
Dentro desse contexto, o governo da União via o Rio Grande do
Sul como destinado a complementar a economia central em seu papel
de fornecedor de gêneros de subsistência para o mercado consumidor
nacional. Nesse sentido, a manutenção da estrutura agropecuária es
tadual ia ao encontro dos interesses do governo central, com o que se
coadunavam as duas perspectivas (a do centro e a regional). Todavia,
o esquema de dependência econômica que tal integração e comple
mentaridade pressupunham não era claramente percebido pela classe
dominante local.
O charque continuava a ser o principal produtosulino de expor
tação, mas seu sindicatonão conseguia impedira oscilação do preço do
produto num mercado interno extremamente competitivo. Os frigorí
ficos estrangeiros estabelecidos no estado também haviam concentrado
parte de suas atividades no charque, enquanto que seus congêneres
estabelecidos no Prata concentravam atividades na frigorificação.
Em pouco tempo se tornariam evidentes, mais uma vez, as di
vergências de interesses entre os pecuaristas sulinos e o governo cen
tral. Por exemplo, enquanto os charqueadores solicitavam a redução
das taxas de importação sobre o sal de Cádiz, a administração central
procurava forçar o consumo do sal nacional proveniente do Rio Grande
do Norte. Por outro lado, enquanto os charqueadores continuavam in
teressados em manter afastados do mercado os produtos uruguaios, o
governo central assinava o Tratado de Livre-Câmbio com o país vizi
nho. A argumentação a favor desse tratado procurava acentuar que o
mesmo destinava-se a incentivar o comércio entre as duas nações e pro-
"JOS
porcionar, pela entrada do produto estrangeiro a baixo preço, alimento
barato para o consumidor nacional.
Apesar dessas divergências com o centro do país, o governo da
União deu seu apoio à iniciativa dos criadores gaúchos que retornaram
à idéia de frigorificação das carnes. A idéia tinha um cunho nacionalis
ta, na medida em que se propunha a eliminar as manobras baixistas dos
frigoríficos estrangeiros no estado. Por outro lado, o frigorífico nacional
era uma "indústria natural", que utilizaria matéria-prima local e que,
portanto, devia ser incentivada.
Paralelamente a esse movimento de renovação da pecuária, di-
fiindia-se, aos poucos, no estado, a idéia de que a agricultura era mais
rendosa que a pecuária, propiciando maior rendimento. Ao lado do
arroz, desenvolvia-se no estado a cultura do trigo, da cebola, das frutas
de sobremesa e do milho, este último associado à suinocultura como
ração. Apesar desse desenvolvimento, o arroz enfrentou no imediato
pós-30 uma queda de preços, tal como os produtos pecuários, acompa
nhada de acentuação da concorrência no mercado.
Flores da Cunha, interventor federal no estado, concedeu em
préstimos aos setores da agropecuária atingidos pela crise. No que diz
respeito à indústria, o maior apoio do governo foi dado para aquelas
que eram consideradas "naturais", por beneficiarem matéria-prima
local: vinho, banha, conservas de frutas, óleos vegetais, produtos têx
teis, farinha de trigo etc. Os industriais achavam-se, já, organizados
no Centro da Indústria Fabril do Rio Grande do Sul, que reunia as
maiores empresas do estado e que objetivava tanto possibilitar o maior
crescimento industrial quanto harmonizar as relações entre patrões e
operários. Além disso, o centro buscava entrosar mais a classe empresa
rialcomos poderes públicos, ampliando a sua participação no governo.
Atendendo às reivindicações do centro, o governo estadual isentou do
pagamento de impostos muitos produtos industriais, beneficiando o
setor.
ta tfe/i 'J07
digna de ser ressaltada a adesão do Centro da Indústria Fabril do Rio
Grande do Sul ao programa partidário do PRL e a boa acolhida que o
gesto mereceu da parte dos pecuaristas no poder. Registrava-se, nesse
momento, uma coalizão das classes dominantes, onde a pecuária em
crise buscava o apoio político daqueles setores mais enriquecidos da
sociedade. Os representantes da burguesia industrial gaúcha, por seu
turno, viam, no apoio à situação política no estado e na sua participa
ção ativa no congresso de instalação do partido, a oportunidade de se
tornarem coparticipantes do poder.
Sob o comando do PRL, processou-se a reconstitucionalização
do estado e foram tomadas medidas para enfrentar a crise econômica.
Em 1934, findava no país o governo provisório, que vigorava desde a
Revolução de 30. Getúlio Vargas permaneceu no poder como presiden
te, foi elaborada uma nova constituição e, no âmbito regional. Flores
da Cunha passou de interventor a governadordo estado. O PRL man
teve-se como o partido da situação, constituindo-se na base de apoio
fundamental de Flores no Legislativo do estado. A Frente Única Rio-
Grandense, que associava elementos do PRR e do PL, ficou na oposi
ção. Politicamente, situação e oposição estadual divergiam, na medida
em que a Frente Única demonstrava um maior apego a formas tradi
cionais de mando, no estilodas práticas oligárquicas vigentes na época
da República Velha. Por seu lado, o PRL, numa posição que pode ser
classificada como "modernizadora", aceitava a presença de um esta
do central regulador. Legitimava, portanto, a hipertrofia de executivo
central que se deu no período p6s-30. Apesar dessa divergência, ao ini
ciar seu mandato constitucional em 1953, Flores da Cunha procurou
aproximar-se da Frente Única, convidando seus líderes para integrarem
o secretariado estadual.
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A implantação do Estado Novo, no Brasil, implicou a submissão
política das diferentes frações da burguesia nacional, que abriu mão de
suas pretensões ao poder, em nome da "paz social", da segurança e do
progresso econômico. Tais perspectivas, identificadas como interesses
coletivos da nação, forneceram a base da legitimação do regime auto
ritário. O governo foi exercido por "uma elite dirigente" que, apoiada
pelo exército, promoveu o golpe. Essa elite dirigente era constituída
por elementos egressos tanto dasdiversas frações da burguesia nacional
quanto das classes médias. Contudo, exercia o poder em nome dos in
teresses da burguesia e da preservação do capitalismo no país.
Instalou-se, em 1937, um Estado autoritário-corporativo.
Buscava-se canalizar para o Estado, através de órgãos representativos
da classe, os interesses econômicos das "burguesias nacionais", tentan-
'9a.ru//^/tj^ i/Pesareri/o / /S
No tocante à agricultura, persistiam os efeitos de um sistema
agrícola inadequado, com os produtos gaúchos competindo com os do
centro em condições pouco vantajosas. Acentuava-se a crise do mini
fúndio colonial, pois o alto índice de nascimentos entre os pequenos
proprietários conjugava-se ao esgotamento do solo e escassez de terras.
Paralelamente, começou a expandir-se a cultura do trigo, que, porém,
necessitava, para o seu cultivo, técnicas e maquinarias modernas.
Tanto no setor agrícola como no pecuário, era muito baixa a re
muneração do trabalho. Na fazenda de criação, os peões não recebiam
uma remuneração sistemática. Parte do salário era pago não em dinhei
ro, mas através do direito à moradia e ao uso de pequenas extensões de
terra para produção de gêneros de subsistência. Entretanto, o completo
cercamento dos campos e a introdução de alguma tecnologia nos mé
todos criatórios foi fazendo com que houvesse menor necessidade de
braços paraa criação. Acentuou-se, com isso, o processo de êxodo rural,
que já se manifestava desde os anos 30. Uma vez fora do latifúndio,
esse trabalhador buscava as cidades. Todavia, constituía-se uma mão
de obra que era jogada no mercado de trabalho sem ter especialização
nenhuma, pois suas habilidades na vida campeira nada valiam para a
vida urbana. Por outro lado, o desenvolvimento industrial do estado
não permitia a absorção de toda essa mão de obra nas fábricas. Dessa
forma, as vilas marginais da periferia das cidades passaram a abrigar
todo esse contingente populacional egresso do campo, que sobreviveria
em um nível de subemprego.
Na zona colonial, o êxodo rural tambémseprocessava. Contudo,
esses contingentes populacionais não foram apenas para a cidade em
busca de emprego. Uma parcela considerável da população exceden
te dessas zonas passou a emigrar para Santa Catarina e Paraná, onde
havia disponibilidade de terras. No setor industrial, o Rio Grande con
tinuou a produzir os seus tradicionais artigos, fruto da transforma
ção de gêneros agropecuários: vinho, banha, conservas, tecidos de lã.
Entretanto, as metalúrgicas gaúchas expandiram-se durante o Estado
Novo em função da Segunda Guerra Mundial. A necessidade de apa-
relhamento da FEB (Força Expedicionária Brasileira), por exemplo.
levou a que a produção da indústria Eberle passasse a ser considerada
de interesse militar-estratégico.
Durante o período do Estado Novo, o governo criou, em 1938,
o Departamento Autônomo de Estradas e Rodagens (DAER), órgão
destinado a desenvolver o sistema rodoviário gaúcho e que propiciou
uma maior integração regional do mercado.
Assim como em todo o país, a instalação da ditadura fez o Rio
Grande aplicar uma série de medidas complementares decretadas pelo
Executivo central.Tais medidas objetivavam desmantelaro esquema po
lítico anterior, aniquilar os regionalismos e acelerar o processo de cen
tralização do poder. Foram extintos os partidos, queimadas as bandeiras
estaduais e banidos os escudos, hinos e outros símbolos regionais. Muitos
dos poderes dos municípios e estados foram transferidos para a órbita
federal. No campo tributário, a União reservou para si os tributos mais
significativos em termos do montante da receita, o que tornou os muni
cípios e os estados mais dependentes da administração federal.
Politicamente, os estados passaram a ser governados por inter
ventores nomeados pelo centro. A interventoria de Daltro Filho no
Rio Grande, que tivera início com a fuga de Flores da Cunha para o
Uruguai, teve curta duração. Comsua morte, em janeiro de 1938, assu
miu interinamente Maurício Cardoso, Secretário do Interior, do antigo
PRR. Entretanto, Getúlio logo nomeou como interventor no estado o
general Cordeiro de Farias, gaúcho, porém sem ligações políticas com
as velhas máquinas estaduais.
Flores da Cunha, que se exilara no Uruguai após a decretação
do Estado Novo, procurou coordenar no exterior uma tentativa de gol
pe contra o regime de Vargas. Para neutralizar sua atividade no exílio,
Getúlio teve o auxílio de seu embaixador no Uruguai, Batista Luzardo.
Durante a interventoria de Cordeiro de Farias, processou-se no esta
do uma verdadeira campanha difamatória contra a figura de Flores.
Foram realizadas investigações sobre sua vida, acompanhadas de acu
sações tais como enriquecimento ilícito às custas do cargo exercido,
mandato de assassinatos políticos etc. Ao retornar ao país, em 1943,
Flores foi preso.
antigos seguidores do PL, atuava pela imprensa através de numerosos
artigos pró-democracia.
A redemocratização deu-se com a fixação das eleições e a for
mação de partidos políticos no país. As principais forças anti-Vargas
alinharam-se na União Democrática Nacional (UDN), que seguiu
uma linha de "liberalismo democrático", no estilo da velha política
tradicional, mas com poder de atração sobre as classes médias. Para a
UDN afluíram os principais nomes que haviam se posicionado contra
Vargas, como Osvaldo Aranha, Flores da Cunha e o velho líder e ex-
-presidente de estado, Borges de Medeiros. Pilla, por sua vez, numa há
bil campanha de aliciamento, conseguiu o número de votos suficientes
para tornar o PL um partido nacional, uma vez que não seriam mais
aceitos partidos regionais. O PL posicionou-se pela idéia parlamentar.
Reunindo seus antigos adeptos, teve mais forças que a UDN no Rio
Grande do Sul.
A formação do Partido Social Democrático (PSD) no estado re
presentou o interesse básico de os políticos tradicionais continuarem
no poder. Nele se agregaram elementos do PRR e do PRL, embora te
nha contado com a participação de membros da "dissidência liberal",
como Protásio Vargas (organizador do PSD no Rio Grande), ou de ex-
-libertadores, como Valter Jobim. O PSD manifestou-se por uma linha
de conservadorismo e "tradição de mando".
Como elemento inovador no processo de redemocratização,
surgiu o Partido Trabalhista Brasileiro (PTB), sem raízes no passado
político do Rio Grande. O PTB apoiou-se na estrutura sindical organi
zada pelogoverno após 30 e nas massas trabalhadoras. Destacou-se na
liderança do mesmo, porsuas idéias a respeito da condição do processo
econômico e social, a figura de Alberto Pasquallini.
Como partidos menores, cabe citar a presença do Partido
Comunista Brasileiro (PCB) e do Partido de Representação Popular
(PRP), de Plínio Salgado, vinculando velhos integralistas.
A deposição de Vargas pelo ministro da Guerra, general Góes
Monteiro, veio dar-se em plena campanha eleitoral. Com a queda do
Estado Novo, tanto no nível nacional como regional, o poder foi ocu-
pado por representantes do poder judiciário. O presidente do Supremo
Tribunal Federal, José Linhares, assumiu no centro do país, enquanto
que, no Rio Grande, Ernesto Dornelles foi substituído pelo desembar
gador Samuel Silva na interventoria estadual.
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centração da propriedade das terras no estado limitava as chances de
expansão da área agrícola policultora, O Rio Grande, nos anos 1950,
apresentava-se como o estado que mais população emigrante fornecia
para os outros estados, enquanto que era também a unidade da fede
ração que menos brasileiros recebia. Tal constataçãoindica a saída uti
lizada para aqueles colonos que demandavam terra num estado onde
se fizera grande a concentração da propriedade do solo: a emigração
para Santa Catarina e Paraná. Parte dessa massa rural ia concentrar-se
nos núcleos urbanos em busca de trabalho, engrossando a corrente do
êxodo rural. Nas cidades, iam localizar-se nas vilas populares da peri
feria urbana, misturando-se àqueles elementos egressos do latifúndio
pastoril ou agrícola.
A relativa mecanização de alguns setores agrários como o arroz,
o completo cercamento dos campos, a finalização dos incidentes revo
lucionários da campanha estavam pondo para fora da grande proprie
dade ruraltrabalhadores queiam para ascidades embusca deemprego.
Dessa forma, tais camadas recém-chegadas do campo iam-se associar
a um proletariado urbano de vida citadina mais antiga, contribuindo
para agravaros níveisde tensão social. Ocorriam pressões no sentido da
obtenção de terra, trabalho e melhores condições de vida. Com o final
do Estado Novo, recrudescia o movimento grevista.
No tocante à industrialização, permanecia o Rio Grande com
as suas empresas centradas predominantemente na transformação dos
produtos agropecuários, envolvendo muitas vezes uma elaboração sim
ples. Arroz descascado, moagem de trigo, vinho, banha, conservas de
frutas e doces eram os elementos mais representativos na área da ali
mentação, excetuando-se a sofisticada linha dos produtos frigoríficos,
monopolizada pelas empresas estrangeiras. O Rio Grandeaindasedes
tacava no ramo têxtil, de calçados, fumo e produtos químicos simples,
além de contar com a expressiva produção metalúrgica da Eberle.
Os produtores gaúchos como um todo —pecuaristas, arrozeiros,
industriais—enfrentaram problemas quanto à colocação de seusartigos
no mercado interno brasileiro. A própria indústria frigorífica gaúcha
enfrentava as subsidiárias estrangeiras estabelecidas no centro do país.
produzindo para omercado nacional. Por um lado, ovinho ealã apre
sentavam problemas de superprodução e, por outro, o arroz enfrenta
va forte concorrência de outros produtores nacionais, melhor situados
junto ao mercado consumidor.
Com relação ao parque industrial gaúcho, o Rio Grande apre
sentava grande distância com relação ao eixo Rio-São Paulo. Apar da
maior disponibilidade de capital que essa região já possuía desde épo
cas anteriores (através do café), o eixo do centro-sul havia-se tornado o
polo do investimento nacional. AUnião tinha as suas atenções voltadas
para essa área onde estavam se realizando as principais transformações
econômicas, permanecendo oRio Grande do Sul à margem dos planos
do poder central. Para a concentração industrial que se processava no
centro do país, exigia-se a obtenção de alimento barato.
Na medida em que o trabalhador tinha menores gastos com ali
mentação, possibilitava-se a generalização de um salário mínimo ao
operariado. Tal prática propiciava um elevado lucro para o empresa
riado nacional, possibilitando a ampliação do parque industrial. Nesse
sentido, a agricultura das regiões periféricas contribuía para a acumu
lação de capital que se processava na indústria. Desde o ponto de vista
rio-grandense, a identificação dos principais problemas enfrentados
pelo estado pode sersintetizada em três questões fundamentais: a) in
dustrialização; b) êxodo rural; c) transportes e energia. Tais questões
envolviam diretrizes político-partidárias, que por sua vez se revelavam
associadas aos programas de desenvolvimento econômico que se apre
sentavam para o Brasil.
O PSD, representado no Sul pelos governos de Walter Jobin
(1947-51) e de lido Meneghetti (1955-59 e 1963-64), identificava o
problema da industrialização como a meta necessária a atingir. Porém,
considerava que a indústria a incentivar e proteger deveria ser aquela
que beneficiasse os produtos oriundos da agropecuária. Tal identifica
ção demonstra as fortes ligações com o ruralismo gaúcho.
O PL, que representava no Rio Grande o setor rural mais apega
do à estrutura agrária, defendia ser a agropecuária a forma mais correta
de conduzir o progresso econômico gaúcho.
o PTB, por seu lado, identificava a industrialização não apenas
como o problema crucial do estado, como considerava imprescindível
assegurar o primado da sociedade urbano-industrial sobre a agrária tra
dicional. O PTB teve o seu maior líder em Alberto Pasquallini, que
concorreu em 1947 contra Jobin para governador do estado e em 1955
contra Meneghetti. Foram do PTB os governadores Ernesto Dornelles
(1951-55) e Leonel Brizola (1959-63). Dentro da visão petebista, cabia
fazer o Rio Grande passar para etapas mais avançadas do processo de
industrialização, atingindo a produção de intermediários e criando um
polo industrial no estado.
No que toca ao segundo problema crucial do Rio Grande —o
êxodo rural —, a posição do PSD era a de "conter a massa no campo".
A permanência do trabalhador no campo era, segundo a perspectiva do
PSD, tanto um fator de progresso para o setor primário e, por extensão,
para o secundário, quanto era um fator de estabilidade social. Em con
trapartida, a evasão para as cidades era conhecida como um elemento
que contribuía para a perturbação da ordem.
A emergência da massa, tanto a urbana como a rural, era um
dado político novoque se apresentava frente à democratização do voto.
Os partidos, na sua busca de respaldo político, preocupavam-se com a
presença da massa e buscavam controlá-la. O PTB tinha a clara inten
ção de incorporar as massas, principalmente as urbanas, à sociedade
industrial. Nesse sentido, defendia a elevação do seu nível de vida e a
criação de oportunidades de trabalho para todos. Conceitos como "jus
tiça social" e "regeneração do capital pelo trabalho" estavam presentes
na idéia de Pasquallini.
No que toca à mobilização das massas, um ramo do PTB
mostrou-se muito mais radical do que as proposições de Pasquallini.
Brizola representou a tentativa de incorporar as massas dentro de uma
perspectiva de redistribuição do capitale da terra, que alertou as classes
dominantes regionais. A ala de Brizola afastou-se da de Pasquallini,
demonstrando uma tendência socializante mais nítida. Tanto o PSD
quanto as duas vertentes do PTB, na sua perspectiva de promover o
desenvolvimento do Rio Grande, voltaram-se para a questão do capital
estrangeiro. Este estava também presente no Rio Grande do Sul, embo
ra em menor escala que no centro do país.
Fora do tradicional setor da carne frigorificada, o estado contava
com a presença estrangeira na indústria do fumo (Cia. Souza Cruz,de
capital inglês), na moagem do trigo edo arroz (Bunge and Bom, capital
americano, presente nos Moinhos Rio-Grandenses e na Brasilarroz),
energia elétrica (The Rio-Grandense Light and Power Syndicate eCia.
de Energia Elétrica Rio-Grandense, subsidiária da Eletric Bond and
Share, americana) etelefones (International Telephone and Telegram,
americana).
O PSD posicionou-se pela aceitação do capital estrangeiro, en
tendido como elemento renovador. Tal perspectiva ligava-se à tendên
cia em curso na sociedade brasileira conhecida como do "capitalismo
associado". Essa tendência aceitava a colaboração do capital estrangei
ro como participante do desenvolvimento econômico brasileiro, aolado
do capital nacional. De uma forma geral, a tendência do "nacionalismo
desenvolvimentista" ou do "desenvolvimento capitalista autônomo",
delineado já por Vargas no período do Estado Novo, com a redemocra-
tização encontrou sua expressão política no populismo. Essa tendência
buscava reformular as condições de dependência da economia brasilei
ra eestimular a industrialização nopaís. Além disso, tinha uma postura
cautelosa com relação à interferência do capital estrangeiro.
A posição do PTB gaúcho (Pasquallini, Dornelles) implicava a
aceitação criteriosa do capital estrangeiro desde que controlado pelo
estado. Tal posicionamento alinhava-se junto ao "nacionalismo desen
volvimentista", que buscava coibir os excessos do capital alienígena.
Por seu lado, a ala de Brizola posicionava-se frontalmente contra a pre
sença do capital estrangeiro, repudiando-o. O posicionamento radical
de Brizola aproximou-o das tendências de esquerda, que o apoiaram.
A ruptura Pasquallini-Brizola, no interior do PTB, teve como
motivo fundamental a aproximação da ala radical com a esquerda bra
sileira (socialistas e comunistas). A eletrificação do estado foi uma meta
perseguida tanto pelo governo Jobin (PSD) quanto pelo de Dornelles
(PTB). A preocupação com relação à energia continuou no governo de
Brizola (PTB), mas já com um cunho marcadamente anti-imperialista.
Em 1947, fora criada a Comissão Estadual de Energia Elétrica (CEEE)
para corrigir as falhas do atendimento prestado pelas companhias es
trangeiras que operavam no estado. A instalação da CEEE elevou a
capacidade geradora do Rio Grande e reduziu a ação das companhias
estrangeiras.
No governo Brizola, procedeu-se a encampação das empresas
estrangeiras que ainda operavam no setor da eletricidade, bem como
a da Companhia Telefônica Rio-Grandense. No tocante a transportes,
toda a produção gaúcha se fazia ainda preferencialmente pela navega
ção de cabotagem.
Ao longo da década de 1950, foi impulsionado no estado o sis
tema rodoviário. Foram construídas várias estradas de rodagem, assim
como foi inauguradaa rodovia BR-116. Igualmente, a criação, em 1947,
do Departamento Autônomo de Carvão Mineral possibilitou a sua ex
tração em maior escala no estado, objetivando a obtenção de combus
tível para a Viação Férrea. O DAER, criado em 1938, em colaboração
com a Secretariade Obras Públicas, construiu, no governo Meneghetti,
a ponte sobre o rio Guaíba. No governo Brizola, foi iniciada a constru
çãoda Estrada da Produção, que fez escoar até a capital os produtos da
região do Alto Uruguai. Aos poucos, o esquema rodoviário suplantou
a navegação de cabotagem para atender às necessidades de transporte
da produção gaúcha.
Havia, pois, uma consciência praticamente comum, por parte
dos governantes do Rio Grande, quanto às fontes de estrangulamento
básico da economia gaúcha. As formas de atacá-las, contudo, envol
viam estratégias diferenciadas quanto ao projeto de desenvolvimento,
adotadas pelos partidos políticos em jogo.
Ao longo do período da chamada democracia populista, o Rio
Grande do Sul apresentou uma alternância partidária no que diz res
peito aos governadores de estado, ora ascendendo o PSD, ora o PTB.
Ao governo de Jobin (PSD, 1947-51), seguiram-se os de Dornelles
(PTB, 1951-55), Meneghetti (PSD, 1955-59), Brizola (PTB, 1959-63)
e novamente Meneghetti (1963-64). Realizada a Revolução em 1964,
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1963, tendo o povo votado contra o parlamentarismo e pelo retorno ao
presidencialismo. Os últimos momentos do governo de João Goulart
foram marcados pela radicalização de posições. Jango aproximou-se
cada vez mais daqueles grupos interessados em aprofundar as reformas
sociais e econômicas. Aproximações eram realizadas com as organiza
ções de esquerda, e através de grandes comícios o governo anunciou a
intenção de realizar reformas de base, entre as quais a reforma agrária.
A crescente inflação aumentava os níveis de tensão social. Para muitos
grupos da sociedade brasileira, dentre os quais parte do Exército e os
grandes proprietários de terra, o governo Goulart estava ameaçando as
próprias bases sobre as quais se assentava o modelo de desenvolvimen
to capitalista brasileiro. O receio de uma aproximação cada vez maior
do governo com a esquerda levou esses setores a se organizarem num
movimento civil-militar que derrubou Jango em 31 de março de 1964.
No bojo desses acontecimentos, mais uma vez destacou-se a atuação
do ex-governador gaúcho Leonel Brizola, então deputado federal da
Guanabara. Defendendo a política das reformas de base e mesmo assu
mindo uma atitude mais radical que a de Jango, a atuação de Brizola
vinha solidificar a opinião de que o governo dera uma guinada em de
finitivo para a esquerda.
No Rio Grande, vencera nas eleições para a sucessão de Brizola
o candidato do PSD, lido Meneghetti, que já uma vez governara o es
tado. O novo chefe do governo manteve uma posição contrária àquela
de Jango. Por outro lado, o grupo gaúcho da UDN e o PL também
opunham-se à política do governo central.
Com o deflagrar do movimento armado de março/abril de 1964,
o III Exército aderiu à revolução, deixando os líderes gaúchos Brizola
e Jango sem base de sustentação, obrigando-os a se refugiarem no
Uruguai.
Plano Intemadõnãl
S
I Plano Internacional Rio Grande do Sul
Instalação da República
1949
Popular na China.
1^
V Plano Internacional
Guerra na Coréia Getúlio Vargas (PTB) eleito Governo de Ernesto Dornelles (PTB):
¥ sofre contraofensiva presidente. industrialização como meta para assegurar o
1951 americana. Início da campanha pela primado da sociedade urbano-industrial sobre a
Macartismo nos instalação da Petrobras; agrária tradicional; tendência à incorporação das
Estados Unidos. nacionalismo econômico. massas ao processo político.
Movimento de 31 de
Intensificação da março (civil/militar)
1964
Guerra do Vietnam. derruba o presidente
João Goulart.
J37
CARDOSO, Fernando Henrique. Capitalismo & escravidão no Brasil
Meridional. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1977.
. RS: a economia & o poder nos anos 30, Porto Alegre: Mercado
Aberto, 1980,
^Rotermund
Fone (51)3589 5111
comercial@rotermund.com.br
LIVROS PUBLICADOS
ORGANIZADOS OU EDIÇÕES
^ Os sete pecados da capital
(2008).
^ Os industriais da República
(1991).
ISBN 978-85-7537-169-5
9 788575 371695