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Ficha Catalográfica
(Catalogação na fonte elaborada pela DECTI da Biblioteca Central da Universidade Federal
de Santa Catarina)
CDU: 391.01
ISBN 978-85-328-0617-8
Apresentação........................................................................................... 7
Livia Barbosa
Prefácio.................................................................................................... 9
Carmen Rial
Angela Maria de Souza
Sandra Rubia da Silva
Carmen Rial
Angela Maria de Souza
Sandra Rubia da Silva
Referências
Daniel Miller
Mirca Madianou
Deve-se aceitar uma solicitação de amizade da própria mãe? E outros dilemas filipinos || 25
do Second Life no mundo off-line. Nesse caso, é difícil ver qualquer virtude na
restrição aos encontros on-line.
Outros estudos têm se preocupado com problemas mais amplos do
contexto off-line. A revisão geral, feita por Boyd e Ellison (2007), da pesquisa
sobre como pessoas usam redes sociais foi criticada por Beer (2008), que
argumentou que a produção dos sites precisava ser contextualizada dentro de
um capitalismo de saber (knowing capitalism) mais geral.3 E seu uso precisava
ainda ser contextualizado em estudos mais amplos de amizade, tais como o
de Pahl (2000). Boyd (2010), de fato, realizou recentemente essa pesquisa mais
abrangente sobre amizade on-line e off-line.
Quando Miller e Slater (2000) escreveram uma monografia inicial
sobre o uso da internet, havia uma pressuposição geral de que a internet era
intrinsecamente uma tecnologia universalizante, seria fundamentalmente
anticultural – a palavra “cultura” implicando diferença em virtude da origem
– e também uma negação de formas convencionais de espaço. O estudo foi
situado em Trinidad precisamente para confrontar estes pressupostos. Hoje,
contrastar essa mesma revisão de estudos de redes sociais, como o fazem Boyd
e Ellison (2007) indica que muitos estão baseados sobre populações regionais
específicas. Na verdade, sites de redes sociais tais como Orkut ou Friendster
são frequentemente desenvolvidos tendo um mercado em mente, como o
dos Estados Unidos, mas, ao contrário, tornam-se dominantes em regiões
imprevistas, como o Brasil ou o sudeste asiático.
Este artigo começou a partir deste aspecto regional, ao invés de universal,
dos sites de redes sociais. Deriva de um estudo do impacto das novas mídias
sobre as relações entre mães migrantes filipinas e seus filhos deixados para
trás. Nós raciocinamos que para entender como as novas mídias afetam os
relacionamentos, nós deveríamos focar os relacionamentos constituídos em
sua totalidade por novas mídias. Trabalhamos principalmente com filipinos
que saíram das Filipinas, entre cinco e vinte e cinco anos atrás, deixando
filhos muito pequenos que eles raramente podiam visitar. Nós queríamos
saber como o pai ou mãe, que já dependeu de dolorosa e lenta comunicação
através de cartas e fitas cassete enviadas pelo correio, tinha sido afetado
pelo acesso a diversas mídias novas, instantâneas e baratas, como o Yahoo
Messenger, a webcam, o envio de mensagens de texto por celular, ou os sites de
3
Cf. THRIFT, 2005.
Os sites de redes sociais mais comuns que nós encontramos nas Filipinas
foram Friendster, Facebook e Multiply. Friendster, que é quase onipresente,
foi originariamente lançado em 2002 como um site de encontros on-line nos
Estados Unidos, e tinha cinco milhões de usuários em 2004 (BOYD, 2004).
Hoje, tem 100 milhões de usuários registrados, 30 milhões de usuários por
mês, concentrados principalmente no Sudeste Asiático, e menos de 6% dos
usuários nos Estados Unidos (MOSES, 2009). O Facebook, fundado em 2004,
Deve-se aceitar uma solicitação de amizade da própria mãe? E outros dilemas filipinos || 27
é atualmente o site de redes sociais mais popular do mundo. Em abril de 2009,
tinha aproximadamente 200 milhões de usuários por mês, sendo metade deles
usuários diários. Começou em Harvard como uma rede de colegas estudantes,
que se abriu para outros membros em 2006. Atualmente, dois terços de
seus usuários estão fora da universidade e 70% fora dos Estados Unidos
(FACEBOOK, 2009). O Multiply, fundado em dezembro de 2003, atualmente
tem 13 milhões de membros. Diferentemente do Facebook e Friendster, sua
ênfase está no compartilhamento de fotografias e vídeos, e está voltado para
famílias e outros membros que querem manter contato. O site declara postar
mais de três milhões de fotografias, 20 mil vídeos e 55 mil entradas de blogues
por dia (MULTIPLY, 2009).
A partir de um estudo etnográfico de comunicações, da estudante de
doutorado Lidia Pola, em uma cidade ao sul de Manila em 2008, podemos
concluir que a maioria dos jovens nas Filipinas tem uma conta no Friendster.
Entre pessoas de 13 anos de idade, não ter uma conta no Friendster tornou-se
tão impensável quanto não ter um telefone celular. Os dados de Pola sugerem
uma média de 15 parentes e 90 não parentes nos círculos de amizade do
Friendster.4 O segundo uso mais popular de sites de redes sociais foi postar
fotos no Multiply. O problema da privacidade que surge do uso por jovens
em outros lugares (BOYD, 2006; LIVINGSTONE, 2008) não parece ser ainda
uma preocupação relevante na pesquisa de Pola.
Filipinos comumente narram uma história na qual declaram que
o domínio do Friendster nas Filipinas teve início por acaso, através de um
grupo de estudantes filipinos na Califórnia, que tiveram a vantagem de serem
os pioneiros. Mas, como tem sido argumentado a respeito de outras mídias
(MILLER, 1992; SILVERSTONE; HIRSCH, 1992), pode haver outros motivos
que os antropólogos poderiam considerar como responsáveis pela apropriação
regional de uma tecnologia particular. Fatores que podem ter favorecido o uso
do Friendster nas Filipinas incluem a proeminência dada a uma homepage
para redes de amizade mais amplas que as pessoas têm em comum e o uso
de depoimentos recíprocos, ao invés de simples mensagens e posts. Nossos
participantes sugeriram uma afinidade com conceitos filipinos de utang
(dívida) e reciprocidade. Essas trocas de depoimentos divergem inteiramente
da criação original do Friendster como um site de encontros on-line.
4
Cf. Horst e Miller (2006, p. 89-97)
Deve-se aceitar uma solicitação de amizade da própria mãe? E outros dilemas filipinos || 29
seus amigos são de sua ilha local. Destes, apenas seus três melhores amigos
têm acesso a seus álbuns privados. Ela escreveu depoimentos para cerca de
24 pessoas. Eduarda não pode gastar muito tempo no Friendster durante sua
semana de trabalho, mas gasta pelo menos três horas no site durante seus
dias de folga. Uma questão local é usar inglês ou tagalo, o dialeto dominante
nas Filipinas como um todo, e especialmente na área em torno de Manila,
onde realizamos nosso trabalho de campo. Muitos usam o taglish, que é uma
mistura de tagalo e inglês.
Sites de redes sociais são raramente vistos como de primeira importância
para relacionamentos transnacionais. Na maioria de nossos casos, eles são
apenas uma possibilidade em meio a uma proliferação de novos canais de
comunicação. Esses sites continuam secundários se comparados ao Yahoo
Chat ou envio de mensagens, por exemplo. Eles formam, portanto, parte
de uma ecologia de mídia ou comunicação mais ampla (ITO et al., 2010;
SLATER; TACCHI, 2004). Marites checa seu Facebook todos os dias para
saber as notícias, e utiliza o Friendster para se conectar com ex-colegas de
escola, mas não vê nenhum desses sites como particularmente importante.
Para Gregório, que estipula que em torno de 80% de seus amigos de escola
acabaram no exterior, o Friendster tornou-se ainda mais importante – não
tanto para se comunicar com seus amigos, mas mais para monitorar o que
está acontecendo com eles quando fazem seu caminho em um universo maior,
deixando-o para trás.
O Friendster é também usado por famílias separadas. É o principal
modo que Florência usa para se manter em contato com seu irmão, percebendo
quando ele adiciona fotos ou faz modificações em sua conta. Típico em sites
de redes sociais, ela veio a conhecer alguns dos amigos de seu irmão na Grã-
Bretanha, mas não aprendeu nada sobre o Reino Unido. É apenas um meio
para procurar informação a respeito de questões instrumentais diretas, tais
como procurar emprego. Postar fotos no Multiply é também um meio usado
para partilhar notícias em uma família transnacional ou para que os parentes
possam acompanhar suas atividades respectivas. Apresenta uma visão, de
certo modo, distorcida da vida no exterior, dominada por fotos de férias ou
eventos importantes, como formaturas, ao invés da vida cotidiana.
O uso de redes sociais pode se estender a um pai ausente. Vicente posta
fotos de seus filhos para sua mãe, que por sua vez posta fotos de suas férias
para ele. Estrella convenceu sua mãe a usar Friendster pela mesma razão.
Deve-se aceitar uma solicitação de amizade da própria mãe? E outros dilemas filipinos || 31
tais expectativas e a pessoa real que habita aquela categoria de parentesco. O
problema surge quando nós acentuamos a flexibilidade sobre a fixidez. Por
exemplo, Miller (2007) sugere que Finch e Mason (2000), em seu estudo sobre
herança no Reino Unido, tentam enfatizar esta flexibilidade nas famílias. Mas
seus dados sugerem que para os maiores bens, tais como a casa, a herança é
igualmente dividida de acordo com a categoria de parente independente do
comportamento da pessoa que ocupa aquela categoria. Apenas certos gêneros,
como joias, expressam a dimensão afetiva das relações entre parentes. Portanto,
quando falamos sobre uma mãe nas Filipinas, precisamos olhar tanto para a
normatividade pertinente à categoria “mãe”, quanto para o comportamento
das mães reais. Além disso, também precisamos olhar para o terceiro ponto
deste triângulo, enfatizado tanto nos estudos de cultura material como
também por Strathern, que é o meio em que se dão os seus relacionamentos,
no nosso caso, os sites de redes sociais.
O jornalismo popular pode apresentar os sites de redes sociais como
lugares de expressão da individualidade, algo ecoado por adolescentes norte-
americanos que podem passar boa parte de seu dia neles (HORST, 2009). Mas,
a partir da perspectiva da pesquisa, eles podem impressionar mais por sua
conformidade.
Wallis Motta (atualmente estudante de doutorado e pesquisadora de
Miller) está estudando o uso de sites de redes sociais entre empresários de
tecnologia de informação na região de Cambridge. Ela considera esses sites
formas opressivas de visibilidade, na qual aqueles que não conseguem se
conformar às restrições rígidas, como ter uma aparência on-line apropriada,
são punidos de algum modo. Com mais sites profissionais como LinkedIn,
há não apenas pressão para se conformar, mas também considerável pressão
para participar. É também comum a anedota do Facebook de alguém mandar
um e-mail desesperado para um amigo pedindo para que remova uma foto
comprometedora que era uma consequência não intencional de uma noitada.
A normatividade do site de redes sociais, portanto, é tão importante quanto
a normatividade de ser mãe e filho e a normatividade de seu relacionamento.
Cecília tem 23 anos e nasceu em Manila. Seus pais criavam porcos,
mas os negócios faliram e sua mãe sentiu que tinha que partir para pagar as
dívidas, indo para os Estados Unidos como assistente de saúde, apesar de não
ter qualquer treinamento para esse trabalho. Recorrente em nosso trabalho de
campo foi um problema subjacente de distanciamento entre esposa e marido.
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como seus amigos apontaram, lhes parece um pouco estranho. “Meus amigos
dizem: ‘Ei, sua mãe me viu’. Eu digo: ‘Ah, desculpa!’ Minha mãe é uma fanática
por internet.” Ela usa, no entanto, controles de privacidade para impedir que
seus pais vejam o tipo de fotos de festa que quase nenhuma filha gostaria que
sua mãe visse ou, por exemplo, a prova de que ela foi ver um namorado que
sua mãe particularmente desaprova. O problema é maior no uso de sua conta
no Multiply, que funciona como um tipo de diário virtual, incluindo fotos ou
praticamente tudo que ela faz.
Cecília explicitamente reconhece a vantagem dessa mídia baseada
na comunicação à distância como um meio que lhe permite atingir, com
relativa facilidade, uma autonomia que a maioria dos adolescentes tem
que lutar para conseguir. Ela também vê que seu uso de sites de redes
sociais permitiu a mudança de um relacionamento mais tradicional
entre pais e filha, que parece estranho no Facebook, a uma categoria que
parece quase puramente Facebook, que é a de melhor amigo. Isso tem se
realizado com tanto sucesso que assusta seus próprios amigos, que estão
sendo incorporados desta forma. Também é uma surpresa encontrarmos
essa jovem de 23 anos de idade tão notavelmente calma e madura que
podemos apenas descrevê-la com certo respeito inspirador. Seu exemplo
demonstra que é inteiramente possível uma mãe ser incorporada com
sucesso a uma rede social. No entanto, isso não quer dizer que a rede social
é inerentemente igualadora. Pode ser intensamente hierárquica (ITO et al.,
2010), mas, nesse caso, é um gênero cultural particular do Facebook como
um meio entre pares que cria esta possibilidade de pais como amigos. Isso
ocorre não apenas porque ele permite que a mãe real se torne mais próxima
da categoria normativa de amigo, mas porque a escala e importância dos
sites de redes sociais estão começando a ter um impacto sobre as próprias
categorias normativas.
No outro extremo, estava uma jovem mulher que não tinha notícias
de seu pai desde que era uma criança pequena. Quando ela começou a usar
Friendster, pensou em digitar os nomes de seu pai e de seu meio-irmão para
“ver o que acontece”:
Tinha uma página com aquele nome, e eu cliquei nela e parecia ser
exatamente meu pai. Então, este é meu [meio] irmão. Eu mandei
uma mensagem para ele assim: “Eu sou filha dele. Não sei se você me
conhece. Eu não estou procurando nada. Só quero saber como ele
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Alguns usuários parecem ver no uso de blogues dentro de redes sociais
nas Filipinas simplesmente um modo eficiente de comunicação. Ao invés de
contar seus problemas para cada um de seus amigos repetidamente, você apenas
escreve para todos eles de uma só vez, e todos podem ler sobre esses problemas.
Nós podemos considerar surpreendente esse relacionamento simultâneo de uma
pessoa com muitos, se comparado aos relacionamentos mais familiares entre duas
pessoas. Mas, como Miller e Slater (2000, p. 174-178) argumentaram, através de
seu modelo de realização expansiva (the expansive realisation), com frequência,
novas tecnologias são usadas para tornar possível algo que existia anteriormente
apenas como desejo latente, mas não tinha como ser realizado. O fato de que usar
blogues seja algo novo não faz deles, de forma alguma, algo não natural.
O problema específico foi o grau em que esses blogueiros usavam as
mídias para discutir particularmente seus problemas, incluindo problemas
com pais ausentes. Isso torna a solicitação de amizade da mãe de alguém ainda
mais difícil de ser aceita. Ricardo tem um blogue há dois anos, e posta cerca
de uma vez por semana. Ele se sente seguro de que seus pais não sabem usar a
internet o suficiente para encontrar o blogue. “Há muitas referências pessoais
explícitas a meus pais, então eu estaria morto se eles realmente vissem isso”.
Para ele, usar um blogue é antes de tudo uma catarse, pois é capaz de escrever
sobre problemas íntimos, mais do que no tradicional diário. O blogue não
apenas expressa ambivalências, como também o ajuda a tentar resolvê-las. Ele
tem grande ressentimento sobre o modo como seu pai trata sua mãe e por ela
não o enfrentar, mas também um sentimento geral de que seus pais apenas
o tinham como uma expressão indireta de seu próprio status. Ainda assim,
ele também quer o respeito e a atenção deles. Escrever um blogue sobre tais
problemas, claramente, facilita a convivência com essas questões.
A expressão desses conflitos e de problemas internos explora uma
das facetas-chave da mídia, baseada em texto, que constantemente surgiu
em nossa pesquisa. Muitas pessoas declararam que podem escrever, em um
texto, coisas que não podem dizer oralmente e, especialmente, não podem
dizer frente a frente. Mas Ricardo confronta-se ainda, de certo modo, com
implicações da natureza pública deste discurso. Isso é particularmente crítico,
já que, diferentemente de alguns sites de redes sociais, os blogues no Friendster
e Multiply podem ser encontrados com ferramentas de busca comuns. É claro
que é possível que, de alguma forma, essa exposição seja seu maior medo,
mas também seu maior desejo. Talvez essas sejam realmente as coisas que
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como ela aceita sua família e a importância de seus familiares estarem lá
para apoiá-la. Para ela, a vantagem do blogue é que, em tempo real, imita seu
movimento constante entre esses sentimentos, que são verdadeiros para ela.
Eles não podem ser resolvidos, mas podem ser igualmente expressos, e mais
uma vez ela vê a utilidade do blogue na convivência com essas contradições,
e através delas. Em contraste, nós podemos imaginar que alguns membros de
sua família transnacional veem isso como uma mudança desastrosa do tempo
em que adolescentes não exteriorizavam suas ansiedades, e o abuso familiar
ainda era um defeito privado que deveria ser resolvido dentro da família.
Em outros casos, no entanto, os blogueiros querem que as coisas
continuem dentro de um estreito círculo privado de amigos, e sentem-se
ameaçados por uma presença potencial de suas mães ou outros parentes. Uma
solução adotada por Ricardo é diferenciar seus sites, tornando o Multiply
conhecido por seus pais. Lá, ele posta fotos que ele vê como “seguras para os
pais”. Mas ele ficaria arrasado se seus pais encontrassem as contas do Friendster
ou Facebook que ele entende como inapropriadas. De fato, ele também divide
suas outras páginas de relacionamentos, por exemplo, Facebook é para
amigos não filipinos e Friendster é dominado por amigos filipinos. Isso não
é incomum. Outros participantes da pesquisa usavam sites de redes sociais
específicas, como sites de encontro gays, com a pressuposição de que estes não
coincidiriam com seu uso de outras redes sociais.
Até agora, nossos exemplos parecem facilmente traduzir-se em normas
e expectativas dentro de um sentido quase universalizado de paternidade
e maternidade contemporânea, que podem ser vistas como aceitáveis e
inaceitáveis em muitos países hoje. Poder-se-ia compará-los aos problemas
dos adolescentes e pais que Horst (2010) tem estudado na Califórnia, por
exemplo. Há uma ingenuidade comum entre os jovens, quando se trata da
possibilidade de seus pais verem o que eles escreveram. Há, no entanto, claras
diferenças no contexto. Nos Estados Unidos, há sempre uma preocupação em
se atingir a autonomia e uma preocupação com as relações de poder latentes
fundamentadas na autoridade dos pais. Em oposição, nós estamos lidando
com filhos que têm tido mais autonomia através da ausência dos pais do que
os dois lados planejaram.
Além disso, as Filipinas não são um lugar de normas universais de como
ser pai ou mãe. Há, ainda, algumas ideias e discursos bastante específicos
sobre a natureza dos relacionamentos, e dos relacionamentos com pais ou
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foi muito semelhante às páginas em sites de redes sociais de muitas pessoas
hoje: cenas nas quais eles estavam claramente bêbados e desarrumados. Ele
também percebeu que alguns deles se vestiam de um modo – que o levava
a pronunciar com dificuldade essas palavras: “como... prostitutas”. O modo
como ele disse isso, e a dificuldade que tinha em dizê-lo, deixava a impressão
de que era algo que ainda não tinha superado. Em nenhum outro momento
em nosso trabalho de campo, foi articulado tão claramente o sentido de uma
mulher que revelava ser walang hiya, “sem-vergonha”, a pior coisa que se
poderia pensar da própria mãe.
Mas, em oposição a walang hiya, há este outro termo – utang na loob – a
dívida que se tem com a mãe pela simples virtude de ela ter lhe dado a vida. No
momento em que o encontramos, o filho estava novamente em contato com a
mãe. Naquela circunstância, a mãe tinha estourado o limite de seu cartão de
crédito e estava pedindo dinheiro aos filhos para ajudá-la a quitar seus débitos
e evitar ser mandada para a prisão. Apesar de tudo o que tinha acontecido, o
filho não tinha absolutamente nenhuma dúvida de que a prioridade de sua vida
naquele momento era salvar sua mãe da cadeia, ganhando dinheiro e mandando
para ela. Em termos filipinos, isso demonstra o potencial do utang na loob para
superar a evidência de walang hiya. O motivo pode ser parcialmente dado pela
teoria de relacionamentos que nós propusemos. Em seu comportamento, essa
mãe tinha repudiado o papel de mãe como uma categoria dada. Mas o filho
ainda sentia desesperadamente a necessidade de uma mãe. Então, ele emprega
um aspecto da dívida que nós viemos a observar através dos escritos de Mauss
(1954), mas que raramente encontramos com esse grau de nudez, livre dos fatores
que a sobrecarregam. Aqui, a dívida em si, e de si, tem o poder de restituir sua
mãe como mãe, apesar de tudo que ela lhe fizera e de tudo que deixara de fazer
por ele. Já que a dívida está fundamentada em um sentido biológico (seu próprio
nascimento), pode possuir resistência tal que o mero comportamento não pode
desviar sua construção. Apesar do walang hiya, nem ela nem seu filho podem
escapar do destino imposto por utang na loob.
Isso não se repete em todos, e nem mesmo na maioria dos relacio-
namentos que nós estudamos e que são moldados nesses conceitos.
Conscientes deles, os participantes foram muito explícitos sobre não verem
seus próprios relacionamentos nesses termos que consideram datados
e antiquados. O meio mais importante através do qual o problema dos
pais ausentes poderia ser prontamente discutido veio com a popularidade
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rede de parentesco de potencial muito maior, tais como sobrinhas e sobrinhos,
assim como não parentes. (JOHNSON, 1997).
Talvez o maior problema para migrantes filipinos, além da separação
de seus filhos, seja deixar o país, o que, longe de cortar a rede social, tende a
fazer exatamente o contrário. Na verdade, acentua o problema que Strathern
teoriza. Isso porque um indivíduo que trabalha no exterior torna-se um
recurso potencial para aqueles que vivem nas Filipinas e, com o passar do
tempo, cada vez mais pessoas encontram conexões para as quais podem apelar
a fim de explorar essa fonte. A afirmação clássica de nossos participantes é
que eles continuam no Reino Unido para ganhar dinheiro e mandá-lo para
seus parentes. É típico o caso de um filho de um irmão que precisa deixar o
sistema público de ensino, e que, portanto precisa de dinheiro para estudar
em uma escola particular. Assim que acabem de fornecer recursos para esses
parentes, eles têm a intenção de voltar para as Filipinas. Mas a combinação de
parentesco bilateral e apelos a utang, que relaciona parente com obrigação, faz
com que o fluxo de pedidos de ajuda nunca acabe. A rede infinita se estende
com mais pessoas na fila para pedir dinheiro tão logo a última solicitação seja
atendida (MCKAY, 2012).
Melhoras na comunicação, tais como os sites de redes sociais, vieram então
a exacerbar esse problema e impedem tentativas de cortar essas redes, fornecendo
cada vez mais meios para filipinos fazerem solicitações para a diáspora. Ao mesmo
tempo, como esse artigo argumenta, relacionamentos que são constituídos em
maior parte em condições de ausência conduzem à idealização da categoria
“parente” como categoria normativa. Filipinos em diáspora podem se tornar mais
sentimentais em relação aos laços de parentesco, o que ainda se soma à dificuldade
em repudiá-los. Finalmente, como McKay (2007) argumentou, o dinheiro é visto
em si como uma dimensão afetiva, que é inteiramente apropriada para a expressão
de amor e preocupação que vem junto com ideais de obrigação e dívida. Essa
é uma situação muito diferente da ideologia britânica ou norte-americana, que
opõe o valor monetário ao relacionamento afetivo.
É claro que, uma vez que estão em Londres, os filipinos tornam-se
conscientes dos modelos muito diferentes de relacionamentos e expectativas
familiares. Na verdade, há também alternativas indígenas. MacKay (2009)
está atualmente realizando um estudo de migrantes indígenas filipinos que
são membros de novas igrejas protestantes. A maioria dessas igrejas espera
que seus membros paguem dízimos, criando uma demanda adicional aos
Foi McKay quem primeiramente nos sugeriu que essa situação corresponde aos argumentos
6
de Strathern em relação ao corte nas redes, e nós somos muito gratos a ela por esse insight.
Deve-se aceitar uma solicitação de amizade da própria mãe? E outros dilemas filipinos || 43
local, todas as fotos postadas ao mesmo tempo. Então eu me sinto como se
estivesse lá”.
Por outro lado, Ronaldo encontrou algo sem precedentes após chegar
ao Reino Unido. Nas Filipinas, ele sentia que era geralmente inaceitável que as
pessoas recusassem um pedido de amizade no Friendster. Mas, no Reino Unido,
ele percebeu que tinha rapidamente surgido uma divisão de classe baseada na
diáspora. A vinda para o Reino Unido como filho de uma trabalhadora doméstica
resultou em consequências em seu próprio status. “Isso acontece com muitas
pessoas aqui, especialmente as enfermeiras. Elas pensam que são ricas”. Essa
inimizade se estendeu ao Friendster, onde enfermeiras não aceitam solicitações
de amigos daqueles associados a trabalhadores domésticos. Repentinamente,
Friendster tinha deixado de ser uma rede exatamente extensiva.
4 Considerações finais
Agradecimentos
Referências
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1
Sobre os conceitos de cultura popular/subalterna, ver Canclini (2002).
2
Remetemos à investigação de doutoramento (CORRÊA, 2008) financiada pela CAPES.
dos processos de modernização ocidental. O que se encontra subjacente a
este estudo é a formulação de questionamentos e reflexões sobre as escolhas
biográficas e, por conseguinte, políticas, realizadas por homens e mulheres na
duração da história, em um espaço específico.
2 Aproximações conceituais
[...] simplesmente [...] não vamos poder falar dos artesanatos como
objetos acabados sem antes vermos quem produz, para quem produz,
para que se produz, quando se produz e em que situação estão [vivem]
os que produzem. (NOVELO, 1982, p. 257).
3
Em outro texto, a autora comenta que a caracterização das formas de produção decorre
diretamente do estudo das unidades de produção. E, tem por base a análise da força de
trabalho empregada na produção: dos meios de produção; do grau de divisão do trabalho;
dos ciclos de trabalho; da produtividade; as fontes de financiamento; o volume de produção
e seu destino. (NOVELO, 1982).
4
Sobre a noção de refuncionalização, tomo a caracterização de Canclini (2002).
5
A escolha pela abordagem de Oliveira, apoia-se nas observações construídas na forma de
questionamentos por Floch (1997).
Os trechos e fragmentos utilizados neste texto são retirados das entrevistas concedidas aos
6
autores.
7
O nome do artista citado foi substituído pelo termo “Fulano” para preservar sua identidade.
Esse recurso será utilizado para todos os nomes citados em que não se obteve a autorização
para sua utilização no texto.
8
Como uma primeira aproximação da noção de fruição estética, apresento a de Angulo (1990).
Como questionamento dessa noção, ver Mandoki (2006).
Esse padrão de ação biográfica está de acordo com as categorias de Schütze sobre os padrões
9
globais encontrados em entrevistas narrativas biográficas (ENB). Esse autor chama estes
esquemas de processos biográficos estruturados. São eles que definem as atitudes e os
conceitos do(a) protagonista da narrativa. (APPEL, 2005; HAMEL, 2007).
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em Florianópolis, Santa Catarina, BR. 302 f. Tese (Doutorado Interdisciplinar
em Ciências Humanas) – Centro de Filosofia e Ciências Humanas, Universidade
Federal de Santa Catarina/UFSC, Florianópolis, 2008.
1 Comida e migração
1
Este artigo é uma versão resumida de um capítulo da tese de doutorado sobre práticas
alimentares de imigrantes brasileiros em Boston (ASSUNÇÃO, 2011).
possíveis transformações e continuidades nas práticas alimentares que seriam
percebidas no cotidiano dos imigrantes brasileiros na Grande Boston.
Durante oito meses, convivi e realizei entrevistas com imigrantes
brasileiros provenientes de diferentes estados brasileiros, de diferentes classes
sociais e status migratórios, e com diferentes tempos de permanência na região.
A maioria deles era indocumentada, o que reflete a situação da maior parte
dos brasileiros que migraram para os EUA. Estima-se que haja entre 800 mil e
1,4 milhão de brasileiros morando lá, sendo que a maior concentração (cerca
de 336 mil, que correspondem a 24%) encontra-se no estado de Massachusetts
(LIMA, 2009).
Em minha pesquisa de campo, pude acompanhar brasileiros
preparando comidas, fazendo compras em supermercados e mercados, indo
a padarias, restaurantes... Participei também de cafés da manhã e almoços
em igrejas, festas juninas, festas de aniversário e festivais brasileiros, onde a
comida sempre estava presente. Através dos interlocutores de minha pesquisa,
conheci suas práticas alimentares e os locais onde encontram os produtos
brasileiros na região de Boston. Essa convivência com os sujeitos de minha
pesquisa foi fundamental para perceber não apenas os discursos que elaboram
sobre sua alimentação como também suas práticas – os quais, por vezes, não
são correspondentes.
Segundo meus interlocutores, eles se alimentam, na maior parte do
tempo, de “comida brasileira”, o que pode significar uma grande diversidade de
práticas alimentares, dadas as diferentes trajetórias e origens (regionais, etárias,
de classes sociais, entre outras) dos sujeitos de minha pesquisa. É interessante
perceber que, em seus discursos, eles procuram definir sua alimentação como
“igual” à que tinham antes de migrarem, apesar de ser perceptível a adoção de
certos alimentos encontrados nos Estados Unidos, em suas práticas alimentares
diárias.2 De acordo com suas palavras, a manutenção dessas práticas alimentares
é possível porque em Boston “encontra-se quase tudo do Brasil”.
De fato, há um grande número de mercados, restaurantes e padarias
brasileiras na Grande Boston. Além desses locais, produtos brasileiros podem
também ser encontrados em prateleiras de supermercados norte-americanos
destinadas a produtos étnicos. Através de entrevistas realizadas com brasileiros
2
As mudanças em relação à alimentação eram narradas por meus interlocutores,
principalmente em relação à rotina alimentar: nos Estados Unidos, eles não almoçam,
como faziam no Brasil, devido à rotina de trabalho (ASSUNÇÃO, 2011).
3
Ressalto que toda memória é seletiva e, seguindo as reflexões de Holtzman (2006),
desestabiliza as noções de verdade, pois considera a forma subjetiva como o passado é
lembrado (ou esquecido) e usado para construir o presente.
4
Massey (1990) lembra que essas redes não apenas favorecem a migração para determinadas
sociedades, como também a limitam aos locais de alcance dessas redes.
5
Além de ajudarem os imigrantes a se estabelecerem na sociedade de destino e a conseguirem
trabalho, as redes sociais também são responsáveis pelo suporte emocional, envolvendo os
sujeitos em relações de sociabilidade (BOYD, 1989).
6
Durante meu trabalho de campo em Boston, acompanhei diversas denúncias veiculadas
em jornais brasileiros contra algumas destas transportadoras, acusadas de sonegação de
impostos e de não entregarem as caixas com mercadorias no Brasil. Conheci também
alguns brasileiros que foram lesados por algumas empresas, e que narraram que as caixas
com suas encomendas tinham sido extraviadas.
Godbout e Caillé esclarecem que, para entender o dom, é necessário focar nas características
7
dos laços sociais sem negligenciar aquilo que é trocado (GODBOUT; CAILLÉ, 1999).
Nem sempre esses produtos “de grife” são comprados pelos imigrantes em Boston.
8
Todos os nomes de meus interlocutores foram substituídos por nomes fictícios em respeito
9
à sua privacidade.
“Frisar” é uma forma aportuguesada do verbo inglês “ freeze”, que significa “congelar”, e é
10
pois o “milho norte-americano” é mais doce e não apresenta consistência suficiente para o
preparo da pamonha. Mas conheci duas brasileiras que afirmaram que é possível comprar
“milho brasileiro” diretamente em algumas fazendas de proprietários norte-americanos
no estado de Massachusetts.
12
Padres, pastores (e seus familiares) e freiras podem viver legalmente nos Estados Unidos
com vistos específicos concedidos a religiosos.
4 Considerações finais
Referências
“A música boa é aquela que circula.” Essa foi uma frase que, em vários
formatos, encontrei em trabalho de campo, realizado na Grande Florianópolis
(BR) e na Grande Lisboa (PT), e que normalmente se referia às práticas
musicais dos rappers. Fazer circular essa música é fundamental porque com
ela amplia-se a mobilidade constituinte do próprio movimento hip hop.
Mas essa circulação possui algumas peculiaridades, dentre as quais destaco
a importância dada ao bairro como espaço privilegiado para iniciar essa
circulação, a partir das redes de sociabilidade. O bairro se torna o primeiro
termômetro do reconhecimento público e nele os rappers buscam elementos
que vão dar forma a sua composição musical.
Em cada grupo, podemos identificar o bairro que ele representa,
mesmo que nem todos os integrantes morem nele. Neste caso, o importante
é ter redes de sociabilidade nesse local, peculiaridade essa mais acentuada
nos grupos de rap de quebrada,2 estilo de rap que se localiza principalmente
em periferias e favelas. E mesmo havendo grupos que não têm seus nomes
tão estreitamente associados a um bairro específico, a grande maioria deles
1
Este artigo surge da interlocução do trabalho de pesquisa realizado para tese de doutorado
de Souza (2009).
2
Quebrada: espaço urbano considerado marginalizado pela própria cidade e que pode estar
nas periferias. As quebradas não obedecem a delimitações geográficas fixas. O termo pode
se referir a um bairro, a uma favela, a algumas ruas, mas remete geralmente a um espaço de
pertencimento social.
reconhece essa importância e é bastante frequente encontrar, em suas músicas,
essas referências, que podem incluir mais de um bairro.
Em Portugal, não foi diferente a relação que encontrei dos rappers com
seus bairros no rap crioulo, realizado principalmente por jovens imigrantes ou
filhos de imigrantes. Nesse estilo, há uma similaridade com o rap de quebrada,
com relação à forte presença dos bairros em suas músicas. Além do bairro, a
condição de imigrante, ou de filho de imigrante, também dá forma a esse estilo3
musical.
Tanto no Brasil quanto em Portugal,4 o espaço onde o rap se localiza
na cidade, é um importante direcionador e definidor das práticas estético-
musicais. É no bairro que os primeiros eventos de um grupo acontecem.
Também é lá que circulam as primeiras gravações. São esses espaços, e as redes
de sociabilidade neles formada, que vão delineando a atitude que um rapper
deve ter. Essa atitude, além de estar diretamente relacionada com a postura
crítica e a vivência do que é cantado, é definida através da relação que esse
rapper mantém com seu bairro. O rompimento dessa relação pode implicar a
perda de legitimidade desse rapper no espaço em que a mesma foi construída.
Quando perguntei sobre o que representa o bairro nas composições musicais
do grupo Arma-Zen, eles responderam:
Neste artigo estou associando os estilos de rap aos estilos de vida. Neste sentido, as
3
concepções e definições de estilo de vida aqui utilizadas iniciam a discussão com Bourdieu
(1994), seguem com Featherstone (1995), que confere especial atenção à discussão sobre
consumo. Em seguida, é incorporada a discussão sobre estética implementada por Ferry
(1994), para quem subjetividade e arte são fundamentais para pensar essas concepções de
estética que agrego a concepções de estilos de vida e de rap.
4
Rose (1994) é uma das precursoras da discussão e inclusão do movimento hip hop nos
debates acadêmicos. No Brasil já temos uma vasta bibliografia: Vianna (1988), Herschmann
(1997, 2005), Andrade (1999), Dayrell (2005). Em Santa Catarina temos Souza (1998, 2009).
Em Portugal, sobre o movimento hip hop, podemos consultar Contador e Ferreira (1997),
Fradique (2003), Cidra (2002), Campos (2010), entre outros.
hop, não pelo produto em si, mas pelo esforço necessário para realizá-lo, principalmente no
que se refere aos recursos financeiros que os rappers precisam angariar para esse trabalho.
Na maioria das vezes, trabalham em mais de um emprego, vendem bens, pedem dinheiro
emprestado para familiares, para poder realizar esse projeto.
6
A Khapaz é uma associação que está localizada na margem sul do Rio Tejo, no bairro de
Arrentela – Seixal e é “fruto do entusiasmo de jovens afrodescendentes. O que os unia à
partida era o amor pela música – seja a ligada às suas raízes africanas, seja as modernas
abordagens do Hip Hop [...]” (Disponível em: <http://www.khapaz-saladeensaio.
blogspot.com>. Acesso em: 15 maio 2009). Além de atividades voltadas à musicalidade,
a Khapaz desenvolve uma série de projetos relacionados à saúde, educação, etc., com a
comunidade local.
Globalizando localidades: relações de produção-consumo no movimento hip hop no Brasil e em Portugal || 101
Contraditoriamente, nos setores populacionais em que as consequências
negativas da globalização são mais evidentes, é a própria globalização, com
sua fluidez, que amplia a circulação das práticas musicais do movimento
hip hop. Essa globalização é estabelecida a partir de um processo criativo de
produção-consumo, de um posicionamento da condição de vida, da visão
de mundo desses rappers, ou seja de uma subjetividade constituinte de suas
práticas e experiências.
O movimento hip hop traz, em seu nome, uma característica
determinante nesse contexto: o próprio movimento. O movimento se
intensifica pela circulação e fluxos que constrói para implementar suas
práticas. Mas, se formos pensar sobre os espaços geográficos das cidades e o
contexto de criação da produção artístico-musical, estamos no outro oposto
da globalização, tanto em termos socioeconômicos, como em termos de
deslocamento.
A imobilidade soa como sinônimo de desvantagem num mundo em que
a rapidez é um grande valor. Neste sentido, o movimento hip hop localiza-se na
intersecção desses mundos. Como nos diz Bauman (1999, p. 8) “a globalização
tanto divide quanto une”. Essa complexidade inerente à globalização se
corporifica no movimento hip hop, através de sua constituição e manutenção,
quando se cantam e se discutem questões que afetam e complicam a vida
de populações sujeitas, de forma mais determinante, às consequências
desfavoráveis da globalização, sejam a de moradores das periferias de cidades
brasileiras ou imigrantes em Portugal. Se, em termos socioeconômicos,
as consequências da globalização criam e agravam problemas para uma
população com baixos índices de escolaridade e qualificação profissional, é
o avanço tecnológico, e os usos que dele são feitos, que possibilitam refletir
sobre esse contexto no qual muitos dos rappers se incluem. E as duas situações
são frutos da mesma globalização.
O que discuto aqui não se refere apenas aos problemas que são
agravados com o processo de globalização, mas também à forma como eles
emergem através dos recursos que a globalização coloca como determinantes
e fundamentais para compreender ou para se aproximar dessa complexidade.
No caso do trabalho, em Portugal, muitos rappers estavam em situação de
deslocamento e, para vários, aquele não era o primeiro ou o último país para
onde iriam, em busca de trabalho. Um exemplo é o caso de um rapper de
34 anos, nascido em São Tomé e Príncipe, que com 10 anos imigrou com a
Globalizando localidades: relações de produção-consumo no movimento hip hop no Brasil e em Portugal || 103
nessas sociedades globalizadas, passam a ser utilizados como uma forma
de incluir aspectos da localidade que muitos representam. A localidade
aqui está relacionada a um pertencimento num sentido geográfico, no que
diz respeito principalmente aos bairros e às imagens que estes suscitam
na cidade. Ressaltar e ressignificar essa imagem da periferia e da favela é
determinante no movimento hip hop. A localidade, que emerge no reforço
do pertencimento aos bairros, muitas vezes renegados pela cidade, é o
espaço da legitimação de um pertencimento ao movimento hip hop. Neste
sentido, a mobilidade é importante, mas o pertencimento a esses espaços
implica também relações de poder, no sentido de representar o movimento
na cidade. Neste caso, a mobilidade é constituinte da produção musical
do rap, tanto em termos tecnológicos quanto em termos de composição
da narrativa. As informações precisam circular. Este parece ser o lema do
movimento hip hop, e nessa mobilidade ele se recria. A tecnologia precisa
circular para fazer a música e quanto mais longe vai essa a música, melhor,
como apontaram vários rappers. O que Bauman (2001) está apontando
aqui como o definidor de poder para a mobilidade é a música, que possui
o papel de alimentá-la. A mobilidade, negada às pessoas, é transferida para
a música, nesse contexto.
A música, além de assumir um caráter de veículo de comunicação, não
deixa de ser um importante produto que faz circular essa produção artístico-
musical. Nesse sentido, o produto a que me refiro não pode ser visto a partir de
uma simples relação comercial, mas a partir de uma relação que o desconstrói
e o ressignifica no estabelecimento de um debate. Esse produto não aliena
quem o produz, ao contrário: quem o produz constitui-se no próprio produto,
constrói sua subjetividade ao construir o produto – ao compor, executar e
fazer circular a sua música.
Essa música, que discuto aqui no trabalho de campo, que não pode
ser generalizada para qualquer estilo de rap, surge a partir de construções
subjetivas de mundos que tomam a “forma” de narrativas musicais e,
desta maneira, estabelecem um diálogo e propõem uma interação com
quem a ouve. Esses raps pressupõem uma relação a partir do debate do
que ela contém ou propõe. E o reconhecimento desse contexto cantado
é determinante dessa produção artístico-musical, situação para a qual o
bairro e a cidade são determinantes. É nesses espaços que as relações de
consumo são ressignificadas a partir do momento em que a venda desse
8
E Baudrillard (2000, p. 61) afirma que “O objeto signo não é dado nem trocado: é apropriado,
mantido e manipulado pelos sujeitos individuais como signo, quer dizer, como diferença
codificada. É ele o objeto de consumo, e é sempre relação social abolida, ‘significada’ num
código”.
Globalizando localidades: relações de produção-consumo no movimento hip hop no Brasil e em Portugal || 105
criativo, de um discurso sobre o social possível somente na coletividade, e é
essa especificidade que transforma o grupo em “fornecedor de novidades”
que abastecerá a circulação de produtos de sociedades contemporâneas
globalizadas.
Essa linguagem, expressa a partir do conjunto vestimentário, amplia seu
alcance e extrapola os limites do grupo, transformando-se também em moda.
Como discute Bauman (2001), a moda não implica ação ou compromisso.
Ela possibilita “vestir” e “despir” identidades, ou seja, “ser diferente”. A
imaginação é componente importante na aquisição deste produto, ela produz
“pseudoidentidades” sem qualquer comprometimento e com a facilidade de
desfazer-se dela quando oportuno.
Appadurai (1994) aponta que essa relação entre moda e consumo cria,
em muitos momentos, um simulacro do tempo e, acrescento, um simulacro
de comportamentos. Assim como o tempo, o comportamento pode ser
transformado em mercadoria, mesmo que esse consumo esteja relacionado à
“ilusão” de um “mundo possível”.
Quando os rappers dizem que é preciso ter atitude, isso não tem a mesma
validade para quem se apropria desse estilo somente a partir das relações
de consumo ou de moda. No movimento hip hop, as relações de consumo
são determinantes e não podem ser vistas isoladamente. Essas relações de
consumo estão associadas às relações de produção dentro do movimento hip
hop e nele ganham significado. Há, nesse sentido, uma agência e legitimidade
nas relações de consumo.
No movimento hip hop, muito além das aparências de um modo de
vestir, as relações de produção-consumo que emergem estão falando de
outras questões, de formas de estar no mundo, de “teias de significado”,
como Geertz (1989) nos faz lembrar, em sua definição de cultura. A
construção desses significados, que aparecem em algumas das definições
de consumo acima apontadas, são determinantes dentro do movimento hip
hop, todavia vão além e se estruturam nas relações de produção-consumo
que estabelecem e criam.
As camisetas são importantes símbolos de visibilidade de práticas
estético-musicais no movimento hip hop, como aparece na imagem ao lado
em que o bairro Cova da Moura (Portugal) é reescrito como Kova M (Fig. 1).
Sua nova grafia é estampada de forma centralizada na camiseta e contornada
com os nomes de ruas, becos, largo, zona, que compõem o bairro.
Globalizando localidades: relações de produção-consumo no movimento hip hop no Brasil e em Portugal || 107
Essas roupas não se restringem aos eventos. Algumas iniciativas podem
ser percebidas como ampliação das formas de visibilidade e comercialização
de produtos relacionados ao movimento hip hop, como a loja que o grupo FV
Coerente abriu em Palhoça, na Grande Florianópolis (Fig. 3).
Figura 3 – Camisetas expostas na loja
Globalizando localidades: relações de produção-consumo no movimento hip hop no Brasil e em Portugal || 109
Um CD gravado em estúdio, com capa e encarte, faz parte dos planos
da maioria dos rappers. Não são muitos os que já obtiveram esse feito e relatam
detalhadamente os problemas que enfrentaram, como guardar dinheiro
durante cinco anos trabalhando como garçom, operador de máquina em
uma empresa de material de construção, e roadie,9 para conseguir gravar seu
primeiro CD profissional.10 Em todas as gravações de CD, são fartamente
relatadas as dificuldades para torná-lo realidade. Em muitas situações,
esses projetos acabam não se concretizando. E mesmo quando atingem seus
objetivos de gravação, os rappers se deparam com problemas de vendas,
principalmente em função da fácil reprodução que a tecnologia possibilita
atualmente, gerando uma situação paradoxal.
Muitos rappers se embrenham em verdadeiras aventuras para divulgar e
comercializar seus CDs. Dois rappers, do grupo Arma-Zen, me relatavam sua
aventura em cima de uma moto, pela BR 101, em direção à cidade de Tubarão,
sul de Santa Catarina. Mesmo sem conhecer ninguém na cidade, e munidos
apenas de um contato telefônico, levaram uma sacola com CDs, que venderam
na quebrada da Área Verde. Esse fato aconteceu uma semana antes de realizarem
uma apresentação na cidade, o que também funcionou como uma forma de
divulgação do trabalho do grupo. A surpresa maior, relatada por um deles, foi
quando teve uma música de sua autoria cantada por um fã do Arma-Zen que
tinha apenas cinco anos de idade. E repetia: “Ele cantou tudo, até o final. Eu
não acreditava”, num misto de satisfação, orgulho e euforia por ver seu trabalho
reconhecido. Mais uma vez é possível perceber, através desse exemplo, que outros
canais, outros “fluxos”, são construídos para fazer circular essa produção musical.
O pouco apoio à divulgação do trabalho dos rappers é apontado como
um dos problemas para a venda de seus CDs. Por isso, acreditam que percorrer
as comunidades e vender o CD é a melhor opção. Além disso, mantêm contato
direto com a comunidade onde divulgam seu trabalho e reconhecem uma
parceria importante nessas comunidades, já que não é somente a relação
comercial que se estabelece nesse contato, mas também a construção de uma
legitimidade de seu trabalho, sua música.
9
Roadie – profissional que auxilia os artistas nas apresentações, carregando os equipamentos,
preparando e montando a aparelhagem, etc.
10
Todos os CDs de grupos de Florianópolis, que são definidos como profissionais, são fruto
de trabalhos realizados com gravadoras independentes e com investimentos financeiros
dos próprios integrantes dos grupos.
Em Souza (1998), no trabalho de campo, o acesso às músicas dava-se de forma bem mais
11
restrita. A autora ouvia as músicas em apresentações dos grupos, tinha acesso ao texto
de suas letras e, quando muito, podia ouvi-las numa fita cassete que apenas dois grupos
possuíam.
Globalizando localidades: relações de produção-consumo no movimento hip hop no Brasil e em Portugal || 111
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Globalizando localidades: relações de produção-consumo no movimento hip hop no Brasil e em Portugal || 113
Sociabilidade juvenil, classificações e “gostos” culturais:
um estudo no universo de games e rede sociais em
lan houses populares
1
A denominação “favela” não foi empregada pelos moradores nos primeiros contatos com o
grupo; eles se referiam ao local como uma “comunidade”. Em contatos posteriores, surgiu o
termo “favelinha”, para denominar a localidade. Vale lembrar que o termo “favela” costuma
ter uma conotação bastante negativa, quando associada às ideias de “caos”, “sujeira”,
“desordem”, “pobreza” e “violência”. Para uma discussão mais ampla sobre as representações
sociais relacionadas a “favela” e “comunidade”, ver Valladares (2005) e Birman (2008).
2
Os nomes da localidade, das lan houses e dos informantes são fictícios, como modo de
preservar o anonimato.
etnográfico. Em minhas visitas às lan houses da comunidade, navegava na internet
observando a interação dos informantes com os computadores e entre si. Em
alguns momentos, apenas observava, em outros, interagia com os frequentadores
e atendentes através de conversas informais ou de entrevistas mais estruturadas.
Rocha é uma pequena comunidade, com cerca de 4.000 moradores, que
se formou ao longo dos últimos setenta anos a partir de pequenas casas para
empregados de um clube de elite do bairro. Existe, no local, um intenso fluxo
de turistas estrangeiros, motivado por alguns fatores: a proximidade com um
importante ponto da cidade para a prática de asa-delta; o trabalho da agência
Favela Tour, que promove passeios turísticos na comunidade, para que o turista
conheça a favela ”por dentro”, o que inclui uma visita a projetos sociais locais e
paradas em lugares como um “local buteco”; a iniciativa Favela Receptiva, um
programa de turismo onde famílias da comunidade oferecem quartos para
hospedagem, convidando os visitantes a “um contato direto” com o dia-a-dia
de uma “charmosa” comunidade de baixa renda, como aparece em seu site.3
4
Blizzard Entertainment. Disponível em: <www.blizzard.com>. Acesso em: 5 out. 2010.
A vida social só existe através das diferenças. São elas que, a partir
da interação como processo universal, produzem e possibilitam
as trocas, a comunicação e o intercâmbio. O estudo da mediação e,
especificamente, dos mediadores permite constatar como se dão as
interações entre categorias sociais e níveis culturais distintos. [...]
Num contínuo processo de negociação da realidade, escolhas são
Trecho da letra que aparece legendada no videoclipe: “Mas deve ser algum problema que
5
esse cara não é noob/ ele é level 37/ conta gold tem clã tem tudo/ já usei meu arcano ring/
até mana ele tem/ mas ele não põe o escudo em mim/ fico puto que ele não põe o escudo em
mim/ olha por onde anda/ não esquece que tem um monte de techies/ se tiver um monte de
bombas você está dead/ deixei ele solando top e fui mid /andando sem life você vai morrer”.
Disponível em: <http://www.youtube.com/watch?v=ZvDT69spcO4>. Acesso em: 10 mar.
2010.
4 A adesão ao Orkut
6
O Brasil é um dos países com maior adoção de redes sociais em todo o mundo, liderando
a lista de países com mais usuários que visitam redes sociais, em proporção ao número
total de internautas. O Orkut foi um dos sites que ajudou a popularizar as redes sociais
no Brasil. O Google lançou a versão brasileira do site em 2004 e, em setembro de 2005,
metade dos brasileiros ativos na internet já havia se conectado ao Orkut, que se manteve na
liderança por sete anos. Em agosto de 2011, o Facebook ultrapassou o Orkut pela primeira
vez no país, ao atingir 30,9 milhões de usuários únicos, enquanto o concorrente registrava
29 milhões de usuários. (Fonte: IBOPE Nielsen Online. Disponível em: http://www.ibope.
com.br/pt-br/noticias/Paginas/Total%20de%20pessoas%20com%20acesso%20à%20
internet%20atinge%2077,8%20milhões.aspx. Acesso em 15 set. 2011).
Não, não gosto [de conhecer gente nova através da internet]. Não tem
necessidade, a gente já conhece tanta gente, pra que que eu vou me
dar ao trabalho de tentar conhecer? Porque realmente conhecer a gente
não conhece. Você, assim, meio que acredita no que as pessoas estão
dizendo, mas você não sabe a verdade como é. Então eu nem entro em
sala de bate-papo, eu não gosto muito. (Luiza, 19 anos)
O amigo do dia a dia tá comigo, sabe o que eu faço, o que eu não faço,
sabe o que eu gosto, sabe o que eu não gosto. Já amigo de internet não
faz nem ideia do que eu gosto e do que eu não gosto. (Jorge, 18 anos)
5 Considerações finais
Referências
Rosana Pinheiro-Machado
Lucia Mury Scalco
2010.
O funk é estilo musical inventado por negros norte-americanos, que desde o início dos anos
2
“Tu não é ninguém sem marca – a roupa que tu está usando mostra
quem tu é – na vida se é o que se tem.” (Fala de um informante, sobre a
importância das roupas.)
Atualmente, o tema do “consumo popular” possui grande visibilidade,
sendo abordado como um verdadeiro fenômeno nacional, uma vez que está
diretamente relacionado a políticas públicas de distribuição de renda e de
aumento de linhas de crédito, cujo efeito mais imediato é a ampliação do
poder de compra para uma grande parcela da sociedade brasileira.
Ainda que não especificamente voltada para o estudo do consumo,
a Antropologia brasileira possui uma tradição significativa em pesquisas
sobre as classes trabalhadoras e populares (DUARTE, 1986; SARTI, 1996;
FONSECA, 2000). Nessa linha de pensamento, a escassez, a necessidade e a
lógica da sobrevivência foram refutadas enquanto categorias que explicam
o comportamento dessa parcela da população brasileira. Enfatizou-se a
possibilidade de percebê-la como uma esfera analítica singular (sem que
isso signifique isolá-la), na qual o holismo, a honra e a solidariedade familiar
seriam aspectos preponderantes em uma (ou várias) cultura(s) popular(es).
Em outra tradição acadêmica, mas compartilhando de alguns argumentos
semelhantes, a antropologia do consumo surgiu, enquanto campo disciplinar,
Sobre bondes de marca: consumo e rituais entre jovens de baixa renda na cidade de Porto Alegre || 133
as classificações medidas pelo poder de compra ou pela faixa salarial, é
possível afirmar que nosso universo de pesquisa está situado na classe “D”,
com informantes que transitam nos limites que encerram a “E” e começam na
“C”. Contudo, tanto sob o ponto de vista êmico- etnográfico quanto teórico-
antropológico, tal quantificação é pouco representativa, na medida em que
adotamos uma perspectiva mais abrangente – a de cultura(s) popular(es) –
a qual não é definida apenas pelo capital econômico (poder de compra ou
salário mínimo), mas também pelo capital simbólico e social (ethos, habitus
e estilo de vida), segundo categorias bourdianas (BOURDIEU, 2003, 2008).
Os informantes não se acham pobres em todas as ocasiões, mas certamente
admitem um estilo de vida popular, reconhecendo-se como pertencentes
ao que jocosamente chamam de “povão”: escutam música sertaneja, pagode,
música gauchesca e funk; vão a casas de batuque e a bailes em paróquias;
andam de ônibus diariamente, pedem empréstimos para amigos ou parentes
para recarregar o cartão do celular; frequentam lan houses e entram em fila do
Sistema Único de Saúde (SUS) para ter atendimento médico. Além disso, todos
possuem certa tolerância e flexibilidade a práticas socialmente classificadas
como criminosas. Contrabandear produtos, comprar objetos roubados, ter
parentes no presídio central ou já ter sido preso: tudo isso pertence ao campo
de possibilidades (VELHO, 1999) dos informantes, sem que os mesmos se
considerem pertencentes ao universo do crime – este, sempre relacional,
associado ao tráfico de drogas, com o qual se tem contato próximo.
A dissociação nativa entre as categorias “pobre” e “popular”está
diretamente relacionada ao consumo. Pobreza não é comprar uma televisão
em vinte e quatro prestações, mas não conseguir meios para tanto. Ou seja,
ser pobre é estar desprovido do acesso aos bens. Desse modo, como definem
Douglas e Isherwood (2004, p. 35), “a medida certa da pobreza não são as
posses, mas o envolvimento social”. O consumo, neste sentido, é responsável
por inverter a escassez em riqueza material. Possuir bens socialmente
valorizados significa negociar a condição de classe.
Optamos por uma etnografia ampla nas mais variadas esferas da vida
social. Fomos às casas dos informantes, a lanchonetes, acompanhamos os
jovens às lojas preferidas em shopping centers. Essas saídas com os nossos
informantes revelaram-se particularmente férteis para a discussão sobre
o lugar e o espaço de manobra do indivíduo, uma vez que pudemos ver
esses sujeitos escolhendo, tomando decisões e desenvolvendo sua ação. Isso
porque entendemos a prática do consumo como um ato que começa antes
3
Para a UNESCO, a juventude é o período dos 15 aos 25 anos. Fonte: UNESCO. Disponível
em: <www.unesco.com.br>. Acesso em: 21 dez. 2007.
Sobre bondes de marca: consumo e rituais entre jovens de baixa renda na cidade de Porto Alegre || 135
aproximando jovens de diferentes nacionalidades, etnias e classes sociais.
A moral desses jovens, cada vez mais é tecida na esfera mundial. Para
construir suas identidades, eles escolhem símbolos e signos que estão
presentes no processo de globalização. (ORTIZ, 1994, p. 123)
Sobre bondes de marca: consumo e rituais entre jovens de baixa renda na cidade de Porto Alegre || 137
social Orkut. Os confrontos se valem de arma de fogo, facas e luta corporal.
Outra expressão ritual dos bondes, que ocorre de forma pacífica, acontece nos
bailes funk, nos quais, também vestidos a rigor, os jovens reunidos entram na
festa, dançam passos ensaiados e proclamam palavras de ordem.
Diante de tais características, argumentamos que a formação dos
bondes de marca são exemplos de novas roupagens do fenômeno do
totemismo, o qual é expresso publicamente por rituais. Essa prática simbólica
fascinou e intrigou antropólogos por muito tempo. A obra mais notável
na etnologia clássica foi a de Lévi-Strauss (1976), que se aprofundou no
entendimento do fenômeno, afirmando que o totemismo é um código, uma
linguagem simbólica, cuja finalidade é assinalar as diferenças sociais. Trata-se
de um instrumento utilizado pelos então chamados povos primitivos, tendo
o papel de classificar os grupos sociais por um sistema que opera através da
marcação das diferenças. Os grupos se identificam com símbolos relacionados
à natureza, humanizando, assim, elementos do mundo natural. Essa prática,
inerente à capacidade simbólica do ser humano, é uma ferramenta lógica para
conceitualizar as relações entre os grupos e entre os indivíduos do grupo.
Sahlins (2003) criticou a abordagem de Lévi-Strauss, pontuando que
o totemismo é um fenômeno que não se restringe às “sociedades primitivas”.
O que ocorre nas sociedades complexas, segundo ele, é uma mudança no
operador totêmico, ou seja, os elementos que passam a ser humanizados não são
mais naturais, mas sim mercadorias. O consumo, então, passa a ser entendido
como uma expressão totêmica, ao realizar demarcação e classificação social
dos indivíduos. Assim:
Sobre bondes de marca: consumo e rituais entre jovens de baixa renda na cidade de Porto Alegre || 139
que eles “colocam o sujeito em relação com a coletividade e o libertam do seu
isolamento” (RIVIÈRE, 1997, p. 80).
Assim, entendemos que os bondes se estruturam sob princípios
semelhantes à lógica totêmica. Nesse processo, os rituais servem para agregar
um novo membro, para exibir publicamente o bonde, para fortalecer os laços
e o pertencimento ao grupo. As marcas são elementos simbólicos, resgatados
no intuito de produzir classificação social, propiciando identidade e contornos
aos grupos.
Sobre bondes de marca: consumo e rituais entre jovens de baixa renda na cidade de Porto Alegre || 141
agrupamento, as marcas e a pichação são facetas comuns a todos os grupos. A
criminalidade também é um fator que tangencia a rotina dos bondes. Embora
existam bondes mais pacíficos, em todos eles existe pelo menos um membro
responsável por assaltos de pessoas ou estabelecimentos, na medida em que o
uso de roupas caras acaba exigindo atitudes extremadas.
Em pesquisa realizada entre jovens das classes populares em Porto
Alegre, em 2001, Soares (2004) apontava que o modelo reinante entre esses
jovens era o de “macho violento, arrogante, poderoso e armado, instaurando
um magnetismo perverso que enseja a emulação da prepotência armada”.
(SOARES, 2004, p. 152). Não é difícil entender o fascínio que o tráfico, as
armas e o mundo do crime exercem sobre os jovens; entende-se também por
que escolhem nomes agressivos e violentos para os seus bondes, mesmo que
muitas vezes sejam só ilustrativos, como por exemplo, o Bonde dos Metralhas
171, dos Brutos, do Vida Loko, dos Meninos Canalha, dos Makabros, dos
Mete Bala, etc. Importa lembrar ainda que Fonseca (2004), ao realizar sua
etnografia nos anos 80, no Morro da Cruz, já apontava em seus estudos essa
tendência dos jovens a sublimar a aventura e ressaltar o heroísmo existente
na vida “bandida”, identificando-se com os líderes do tráfico local. A arma,
portanto, é um recurso de poder e instrumento simbólico de distinção e
valorização.
Baseando-se, então, em todos os aspectos levantados até aqui, este
artigo entende os bondes de marcas como uma expressão cultural que,
emblematicamente, transita como um ritual de consumo, combinando
elementos do capitalismo global e da cultura local. Assim, a formação
de grupos baseados no consumo, como se verá a seguir, tem um papel
multifacetado, sendo responsável, concomitantemente, pela construção da
noção de pessoa, de gênero, de identidade. Ela atua como um fato central na
vida dos indivíduos que engloba o papel de pertencimento a um grupo ou
território, status, gratificação individual e afirmação social. O próximo item
detalha o funcionamento do bonde estudado através da descrição etnográfica.
4
Fonte: Observatório da Cidade de Porto Alegre. Disponível em: <http://www2.portoalegre.
rs.gov.br/observatorio/tpl_indicadores.php> Acesso em: 20 jun. 2010.
Sobre bondes de marca: consumo e rituais entre jovens de baixa renda na cidade de Porto Alegre || 143
imediatamente. Eram quatro jovens: Fininho, Kiko e Bruno, todos com 19
anos, além da Janaína, nossa informante de outras pesquisas. Os rapazes
estavam vestidos esportivamente, mas com roupas de marcas originais.
Tênis da marca Nike Shox, camisetas modernas, bermuda jeans, além de
bonés e celulares – tudo o que qualquer jovem das classes mais abastadas
usaria.
Ao chegarmos ao local, tivemos nossa primeira surpresa. Ao serem
indagados sobre o que queriam comer, notamos que estavam nervosos, pois
não tinham certeza de quem pagaria o lanche (o que foi logo esclarecido para
o grupo, pois alegamos ter uma pequena verba para as despesas da pesquisa)
e também se confessaram constrangidos: “Olha, a gente adora o McDonalds,
mas pode escolher. Qualquer coisa serve. A gente nunca veio aqui. A gente é
pobre. Pra nós é muito caro!”
Aos poucos – entre batatas fritas, hambúrgueres e coca-colas – a
conversa foi fluindo. Bruno, que trabalha como entregador de móveis, iniciou
a conversa contando-nos que em certa ocasião, no seu trabalho, tiveram que
esperar muito tempo para realizarem uma entrega e como era hora do almoço,
decidiram entrar em uma churrascaria a rodízio. Contou que deu uma conta
caríssima: R$ 85,00 divididos entre três colegas, o que foi considerado pelo
Bruno uma verdadeira fortuna, mesmo se afirmando deslumbrado que
a comida era maravilhosa e farta – tinha todo tipo de carnes de gado e de
carneiro. Ele demonstrou claramente que considerava aquela refeição algo
fora do seu alcance como consumidor... Porém, quando se trata de moda e
consumo, o discurso muda completamente.
Vestuário e status
Sobre bondes de marca: consumo e rituais entre jovens de baixa renda na cidade de Porto Alegre || 145
“Não pesquiso preço, pesquisar é coisa de pobre. Não escolho pelo preço, mas
sim pela peça. Gostei da camisa, da cor, se é uma peça que vale, daí sim, na
hora se negocia, pagando em dinheiro sempre se consegue desconto”.
Embora os jovens digam que o importante é o preço – “você é tão
importante quanto o valor do seu tênis” –, a precificação só é relevante dentro
de um repertório muito singular de marcas conhecidas e reconhecidas pelos
bondes de Porto Alegre. Por exemplo, os jovens reconhecem que a marca
Lacoste é importante, conhecem e admiram a fama do Bonde da Lacoste,
do Rio de Janeiro. Porém, ao verem na vitrine um relógio dessa marca, o
ignoraram, dizendo que preferiam o da Adidas, que custava três vezes menos.
As estratégias para as compras são muitas. Eles disseram que a devoção
que possuem às marcas é algo positivo em suas vidas, pois os estimula a
trabalhar para poderem se tornar consumidores. Além do salário, os jovens
vendem as peças mais velhas (da estação passada) aos mais pobres do Morro,
assim como compram peças caras dos mais abastados no local, que são os
traficantes. Além disso, existem ladrões especializados em roubo de vitrines
de lojas de sapato e de surf, o que facilita a compra de marcas à vista. Esse
pagamento pode ser realizado também via permuta, em que roupas novas são
trocadas por outros objetos e favores. O último recurso é o roubo direto de
tênis de jovens de camadas médias, embora os informantes tenham confessado
essa prática timidamente. Kiko, ao dizer o que fazia para conseguir comprar,
salientou também: vale tudo, carnê, dinheiro de vó, de mãe, pedir emprestado,
vender o que já usei... tem mil maneiras de conseguir...
Na verdade, esse discurso de que “quanto mais caro melhor” nos
causava estranhamento, a nós que conhecíamos as residências extremamente
pobres onde moravam e a condição de miséria, que muitas vezes atingia suas
famílias. Havia uma tensão no nosso olhar, formado em um circuito moral
de camadas médias, que hierarquizava o que considerávamos prioridade
de consumo para as camadas populares. Era-nos evidente que, para eles a
prioridade não era meramente vestir-se bem, mas, simplesmente, existir: ser
visto, ser reconhecido e ter prestígio. Ou seja, ao invés de uma contradição entre
miséria e ostentação, estávamos diante de duas categorias complementares,
em que a segunda era fruto da primeira.
Durante essa saída de campo, em que mostravam o gosto por coisas
caras, eles se revelaram extremamente críticos e rigorosos com a vestimenta
de outros transeuntes, que eram analisados e classificados à primeira vista.
Eu não ficaria com uma guria que usa tênis da marca Fila. Se vemos uma
guria com o Boots nos pés [tênis anunciado no Programa Domingão
do Faustão], a gente diz: te enxerga chinelo! Eu também prefiro uma
feia de tênis de marca do que uma bonita sem marca, de tamanco. Mas
se for perfeita, a gente investe na pobre coitada.
Assim como eles dizem não olhar para uma menina que não calça um
tênis da Nike, eles acreditam que não são olhados se não estão vestidos a rigor
nos bailes funk. Conforme Bruno,
Sobre bondes de marca: consumo e rituais entre jovens de baixa renda na cidade de Porto Alegre || 147
Notadamente, estamos diante de um contexto de dominação masculina,
em que o homem desempenha o papel de provedor.5 As seguidoras dos bondes,
chamadas “minas” ou “vedetes”, são de suma importância na engrenagem
do sistema de compras. Elas atuam como uma espécie de instrumento de
medição, capaz de dizer quem tem mais poder – o que acaba desencadeando
um processo contínuo de descarte de roupas e de aquisição de novas peças.
Desse modo, conforme observamos, para sustentar esse ciclo de compras
é preciso valer-se de diversos recursos, como o salário, as trocas e, porventura,
os roubos. Naquele momento, nós supúnhamos que a aquisição de algumas
peças falsificadas poderia ser acionada como mais uma estratégia de aquisição
de marcas. Mas, ao questionarmos os jovens sobre isso, eles riram longamente
de nossa ingênua pergunta: “Nãaaooo! As marcas têm que ser originais. Só de
olhar a gente sabe se é original, a consistência do tecido... tecido desgastado
também não dá. Coisa velha também. Camêlo?! Nem pensar...!”. Assim, rindo,
Bruno continuou:
Todavia, é importante salientar que se trata de uma fala masculina. As meninas do morro,
5
quando perguntadas sobre os bondes, muitas vezes dizem que os meninos “são uns otários
em se preocupar com roupas” – conforme palavras de uma informante.
O baile e a pichação
6
Essa expressão vem do inglês “brother”. No campo, essa expressão se referia aos jovens de
camadas altas, se diferenciando, portanto, dos usos encontrados no Rio de Janeiro e em São
Paulo, onde a expressão “brother” significa amigo.
Sobre bondes de marca: consumo e rituais entre jovens de baixa renda na cidade de Porto Alegre || 149
Além da pichação e do vestuário de marcas que caracteriza o grupo, o
bonde dos Rebeldes tem uma música própria. Ela é cantada quando o grupo
entra na festa e tem que ter a capacidade de parar o baile:
F DE FORÇA
U DE UNIÃO
R DE REBELES JÁ FORMOU A FACÇÃO
A DE AMIZADE
C DE CORAÇAO
SOU REBELDE, SOU REBELDE
6 Considerações finais
Sobre bondes de marca: consumo e rituais entre jovens de baixa renda na cidade de Porto Alegre || 151
ocorre de forma isolada ou individualizada, mas dentro de grupos delimitados
(que se identificam como bondes) – o que gera um processo de classificação
social cujas fronteiras são publicamente marcadas em festas ou em brigas. Em
função disso, para compreender esse fenômeno que ocorre entre a juventude
da periferia, recorremos a teorias clássicas sobre totemismo e ritual, que
iluminam o entendimento dos caminhos que os diferentes grupos encontram
para diferenciar-se entre si, nas sociedades em que se encontram. Estamos
cientes, entretanto, de que este artigo não esgotou todas as possibilidades de
interpretação do caso apresentado: trata-se de uma aproximação teórica e
empírica que visa dar um primeiro passo na compreensão da importância das
marcas e do luxo entre as camadas mais pobres.
De modo geral, ainda há um longo caminho a trilhar nos estudos sobre
o consumo popular no Brasil atualmente, mas acreditamos que este artigo
traz algumas contribuições para o campo, especialmente por enfatizar uma
perspectiva êmica, que procura dar visibilidade aos informantes em suas
microescolhas cotidianas. Nesse campo de estudos, chamamos a atenção para
a necessidade de uma etnografia das categorias nativas, que cumpra o papel
ético do fazer antropológico: o de dar voz aos informantes.
Referências
Sobre bondes de marca: consumo e rituais entre jovens de baixa renda na cidade de Porto Alegre || 153
VANGENNEP, Arnold. Os ritos de passagem. Petrópolis, Vozes, 1978.
VELHO, Gilberto. Projeto e metamorfose: antropologia das sociedades complexas.
Rio de Janeiro: Zahar, 1999.
VIANNA, Hermano. O mundo funk carioca. Rio de Janeiro: Zahar, 1988.
A configuração de espaços “jovens” no Brasil durante o final dos anos 1960 || 157
a concepção de peças que pudessem ser reconhecidas como representativas de
uma produção brasileira (SANTOS, 1995).
O golpe militar deflagrado em 1964 modificou o quadro político
brasileiro, impondo o regime ditatorial. No plano da produção cultural,
a derrota do projeto das esquerdas implicou a revisão crítica do ideário
ligado ao nacional-popular, abalando os alicerces da arte engajada que se
apresentava como tendência hegemônica nos círculos intelectualizados. Tal
processo abriu brechas para a manifestação de afinidades por influências
estrangeiras em diferentes frentes (CANONGIA, 2005; HOLLANDA;
GONÇALVES, 1995). Acompanhando as transformações desencadeadas
no âmbito do pensamento e das práticas artísticas, no final da década a
linguagem pop passou a figurar como uma influência importante no design
de móveis e no planejamento dos interiores domésticos, conforme podemos
ver nos registros de Casa & Jardim. Logo, um dos caminhos para estudar
a apropriação do ideário pop pelo design feito no Brasil passa pelo diálogo
que o design mantém, historicamente, com as vanguardas artísticas. Mas
isso não descarta a investigação das relações entre a linguagem pop e as
transformações no plano comportamental.
A transição da década de 1960 para a de 1970 foi marcada pelo
recrudescimento da ditadura militar. O clima de repressão moral e política,
instaurado pelo governo, aliado à modernização da sociedade e às influências
dos movimentos de contracultura vindas de fora, proporcionou terreno fértil
para a aglutinação de iniciativas de oposição aos cânones vigentes. Entre
estas iniciativas, podemos citar as organizações sociais que emergiram na
época, como os movimentos interessados na defesa dos direitos das pessoas
negras, das relações homoafetivas, das reivindicações feministas e da filosofia
de vida hippie.1 Em princípio pouco reconhecidas na sua importância, essas
manifestações foram responsáveis por uma revolução comportamental de
implicações profundas para a sociedade, inclusive no que tange ao aspecto
político. Segundo Ismail Xavier (1993, p. 24),
1
Para uma descrição aprofundada desses movimentos, ver Ken Goffman e Dan Joy (2007).
A configuração de espaços “jovens” no Brasil durante o final dos anos 1960 || 159
incorporação da linguagem pop na configuração de interiores domésticos
de classe média. A opção por assumir a versão da domesticidade pop
retratada em Casa & Jardim, como subsídio para nosso trabalho, implica
algumas considerações. Como se trata de uma abordagem particular
desse fenômeno, longe de ser imparcial ou passível de generalizações, é
uma visão comprometida com vários fatores, entre eles, a política editorial
do periódico, a influência de órgãos oficiais reguladores, a relação com
anunciantes e patrocinadores, além da receptividade do público leitor.
Contudo, entendemos que isso não compromete a validade da pesquisa,
pois não procuramos nessas fontes um “espelho da realidade”, mas, isto sim,
um conjunto de representações que dialogavam com as transformações na
vida social daquela época.
A configuração de espaços “jovens” no Brasil durante o final dos anos 1960 || 161
Figura 1 – Decoração “jovem” feita com páginas de revistas ilustradas.
Fonte: ONTEM e hoje. Casa & Jardim, v. 149, p. 78-79, jun. 1967.
A configuração de espaços “jovens” no Brasil durante o final dos anos 1960 || 163
deveria aparentar ser destinado para tal fim. O texto que acompanha a
proposta da empresa paulista Arredamento explicita bem esta questão:
A configuração de espaços “jovens” no Brasil durante o final dos anos 1960 || 165
funções anteriormente destinadas aos cômodos do setor social. Essa mesma
situação também pode ser observada em reportagens que tratam de apartamentos
pequenos do tipo “conjugados”, onde as funções destinadas à sala de visitas, à sala
de refeições e ao dormitório concentram-se no mesmo espaço.
Figura 2 – Proposta da Mobilínea para o quarto da “menina -moça”.
Fonte: O QUARTO da menina - môça. Casa & Jardim, v. 158, p. 55, mar. 1968.
A configuração de espaços “jovens” no Brasil durante o final dos anos 1960 || 167
com o ambiente apresentado na parte “Sala é sala”. Finalmente, o último
segmento da reportagem, intitulado “Quarto é sala”, tem como foco os
dormitórios para jovens. O texto esclarece:
É assim que a gente jovem, pra frente, equaciona hoje êste problema.
Nada de criar um ambiente formal, onde só se possa dormir. Nada
disso. A idéia geral dominante é encostar a cama a uma parede,
transformando-a num sofá, e arrumar pelos quatro cantos do quarto
tudo o que agrada à sua personalidade (SALA..., 1969, p. 39).
Fonte: SALA é sala. Sala é quarto. Quarto é sala. Casa & Jardim, v. 177, p. 28-29, out. 1969.
Fonte: SALA é sala. Sala é quarto. Quarto é sala. Casa & Jardim, v. 177, p. 32-33, out. 1969.
A configuração de espaços “jovens” no Brasil durante o final dos anos 1960 || 169
um banquinho para a mesa de estudo e a clássica banqueta do
piano. Almofadas empilhadas num canto resolvem o problema de
acomodação.
As paredes, cobertas por pôsters, cartazes e quadros do nosso futuro
arquiteto, dão o toque jovem. Outro fator de enorme interêsse neste
esquema é o fato de que tanto os quadros como a pequena arca, a porta
de entrada do quarto e mais alguns detalhes estão pintados com tinta
especial para brilhar no escuro (SALA..., 1969, p. 39).
O texto explica que o quarto estava equipado com luz negra, instalada
para realçar a tinta especial, sobretudo durante as reuniões sociais. Sendo assim,
é possível inferir que tal efeito, somado ao recurso da música, proporcionava
uma atmosfera peculiar ao ambiente, capaz de alterar – mesmo que de forma
tênue – a percepção das pessoas em relação ao entorno. Aqui, mais do que a
sala de visitas, é a combinação dos efeitos de luz e som presente nas discotecas
ou nos concertos de rock que serve como modelo. Inventadas nos anos 60, as
discotecas foram concebidas como espaços propícios para o estímulo sensorial
por meio de jogo de luzes e música alta, visando a obliteração temporária do
“pensamento racional” (SPARKE, 1987).
Nesse período, o desejo por formas alternativas de percepção do mundo
vinha na esteira do “psicodelismo”, expressão vinculada aos movimentos de
contracultura que eclodiram nos Estados Unidos a partir de experiências com
drogas alucinógenas. Adotadas pela juventude descontente com as prescrições
sociais vigentes, as drogas lisérgicas significavam “catalisadores e contextos
em que indivíduos podiam se expandir e, portanto, se libertar dos limitadores
preceitos psicológicos” (GOFFMAN; JOY, 2007, p. 326). Nos concertos de
rock das bandas psicodélicas, luzes coloridas eram usadas para simular as
sensações visuais provocadas pelo consumo das drogas. Além dos artefatos
pintados em cores “ácidas” que brilham no escuro, outros itens de decoração
presentes no quarto também remetem ao idioma psicodélico, como o lustre
estampado com espirais e vários pôsteres, entre eles um ostentando em letras
grandes a sigla LSD.2
Fonte: SALA é sala. Sala é quarto. Quarto é sala. Casa & Jardim, v. 177, p. 36-37, out. 1969.
A configuração de espaços “jovens” no Brasil durante o final dos anos 1960 || 171
3 Considerações Finais
4 SUGESTÕES para quartos de solteiro. Casa & Jardim, v. 151, p. 37-38, ago. 1967.
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Historicising lifestile: mediating taste, consumption and identity from the 1900s to
1970s. Hampshire, UK: Ashgate Publishing Limited, 2006. p. 1-20.
CANONGIA, Ligia. O Legado dos anos 60 e 70. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2005.
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Prometeu à cultura digital. Rio de Janeiro: Ediouro, 2007.
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XAVIER, Ismail. Alegorias do subdesenvolvimento: cinema novo, tropicalismo e
cinema marginal. São Paulo: Brasiliense, 1993.
1
Rede de supermercados de Santa Catarina.
históricos. Os não lugares então seriam espaços sem história, sem repertório,
pertencentes a “um mundo prometido à individualidade solitária, à passagem e
ao efêmero” (AUGÉ, 1994, p. 73). Nos não lugares, a comunicação interpessoal
não acontece e, se acontece, é insignificante. O que se vê, como forma de
comunicação, é o uso de recursos visuais e sonoros como cartazes, signos,
sinais, símbolos e os alto-falantes impessoais. Não haveria, nos não lugares,
espaço para a socialização, troca cultural e identificação. É justamente essa
ideia que será colocada em discussão nas reflexões a seguir.
Segunda perspectiva: Angeloni da Beira-Mar, Florianópolis, no
mesmo dia e hora. No setor de hortifrutigranjeiros, a mulher apressada cruza
o caminho de um casal que conversa com um homem. Falam aparentemente
sobre uma empresa na qual os dois homens teriam trabalhado. O homem
que não faz parte do casal não está sozinho, apoia-se em um carrinho de
compras, no interior do qual está um “bebê-conforto”2 com uma criança
adormecida. Sua mulher escolhe frutas, enquanto ele conversa com o
conhecido que encontrou. Mais adiante, já na entrada do corredor de
vinhos, a apressada desvia de dois homens que conversam animadamente.
Parecem combinar um encontro ou reunião de amigos. Despedem-se, e
cada qual segue seu caminho no supermercado. Em frente a essa dupla, a
apressada lança um olhar de desaprovação para um grupo de funcionários
da loja que troca ideias alegremente, em voz alta. Em outro corredor, o dos
cafés, uma moça, promotora de vendas, oferece degustação de café da marca
Três Corações. Com ela, uma senhora, que segura um cestinho de compras,
conversa animadamente sobre cor de olhos. Uma mulher se aproxima para
pedir um pouco de café. A moça que oferece café usa lentes de contato
azuis. A senhora olha para os olhos da mulher e imediatamente a inclui
na conversa, comentando que ela não precisa de lentes para que os olhos
sejam azuis. Por alguns instantes trocam impressões sobre a influência da
cor da roupa e do céu nas cores dos olhos. A mulher despede-se das suas
interlocutoras e se senta por um momento no banco que fica no local da fila
do caixa dedicado aos idosos, para observar o movimento. Não fica só por
muito tempo. Logo um senhor de oitenta e seis anos aproxima-se, senta-
se a seu lado e entabula uma conversa. Pede que ela adivinhe a sua idade,
conta detalhes de sua vida, quer que ela adivinhe a sua profissão e mostra
3
Todos os nomes citados neste trabalho foram trocados de forma a garantir a privacidade
dos interlocutores.
4
Conforme Giddens (1991), Augé (1994), Bauman (1999), Lipovetsky (2007).
Ainda hoje, em algumas lojas especializadas é assim que funcionam as relações comerciais
5
com os clientes individuais. Por lojas especializadas, entendemos aquelas que concentram
suas atividades na comercialização de certas categorias ou tipos de produtos.
6
http://www.angeloni.com.br/grupoangeloni/historia
7
ABRAS – Associação Brasileira de Supermercados, ACATS – Associação Catarinense de
Supermercados, entre outras.
8
Revista Superhiper (ABRAS), Revista Supermercado Moderno, entre outras.
9
No corredor dos cafés, por exemplo, é possível encontrar suportes para filtros de papel,
filtros de papel, filtros de pano, jarras e garrafas térmicas, entre outros produtos que podem
fazer parte do preparo do café.
10
Várias das compradoras acompanhadas usaram essa expressão.
Interessante observar que o rapaz que atendia na peixaria tinha sido aluno de uma das
11
autoras e não tinha experiência anterior com a comercialização dos pescados, o que
ele afirmou nas entrelinhas da conversa. Sua atitude era de dissimulação para atingir a
realização dramática na interação, conforme Goffman (1985).
5 Considerações finais
Referências
O tema deste artigo se apoia nos dados de uma pesquisa referente aos
alimentos orgânicos que passam por um processo de industrialização antes de
chegar à mesa do consumidor.1 Mesmo que o consumo desses produtos no Brasil
ainda seja relativamente pequeno, se comparados com os alimentos orgânicos
in natura (BUAINAIN; BATALHA, 2007), seu papel torna-se estratégico em
uma sociedade onde, cada vez mais, a alimentação industrializada ganha
espaço, devido a influência dos atributos de conveniência e funcionalidade
que caracterizam os padrões alimentares contemporâneos.
Os padrões da comensalidade contemporânea podem ser caracterizados
pela demanda dos consumidores de mais funcionalidade, mais vida útil
do alimento, alimentação fora do domicílio, fatores que têm favorecido o
aumento significativo da oferta de alimentos pré-prontos, os quais permitem
um menor tempo de preparo das refeições. Nesse contexto, o supermercado
emerge como o lócus ideal para os consumidores em busca da praticidade e
atraídos por um espaço onde a diversidade de opções de consumo extrapola as
ofertas alimentares. (GUIVANT; SPAARGAREN; RIAL, 2010).
Neste artigo, analisaremos como os alimentos orgânicos processados
chegam às grandes redes de supermercados e os desafios e conflitos gerados
entre os produtores e distribuidores. Ancoramos o estudo no estado do
Esta pesquisa serviu como base para a tese de doutoramento no Programa Interdisciplinar
1
em Ciências Humanas da UFSC, do autor principal deste artigo, orientada pela Prof.ª
Dr.ª Julia S. Guivant e intitulada: Alimentos e bebidas orgânicas na comensalidade
contemporânea: um estudo a partir dos processados orgânicos no Rio Grande do Sul – Brasil.
Rio Grande do Sul (RS), de larga tradição na produção orgânica associada
à agricultura familiar e a experiências coletivas de industrialização e
comercialização. Tomam-se como base duas grandes redes de supermercados
(chamadas de Rede 1 e Rede 2) de capital internacional, com grande
participação no varejo de alimentos no estado em foco e incluídas entre as
três maiores redes varejistas do país (REVISTA SUPERHIPER, 2009).
ABRAS (SUPERHIPER, 2009) e apresenta lojas nos três estados do Sul do país, sendo uma
das três principais redes em Porto Alegre.
3
Antes, a certificação era de forma participativa pela rede ECOVIDA, mas avaliou-se que
a participação em mercados do Sudeste do país, onde esta modalidade de certificação não
era amplamente conhecida, requeria uma certificação de uma terceira parte.
4
Exige-se 14% de desconto no preço da nota e prazo de 50 dias para pagamento. As entregas
não têm sido dificultadas.
5
Feira que ocorre anualmente em São Paulo envolvendo expositores da América Latina,
preparatório para evento mundial, realizado na Europa ou Ásia.
No Rio Grande do Sul foi estabelecido um consórcio entre o Centro Ecológico, CETAP –
6
A ECOCITRUS
A COOPAECIA
7 Conclusões
8
Caso observado na experiência vivenciada pela Agroindústria Colônia Nova de Criciumal,
onde após o acesso ao mercado de exportação (Itália), os estoques anteriores acabaram
rapidamente, devido ao aumento da demanda pelo mercado interno.
Referências
Fernanda Martineli
Sigla de uma associação formada em 1962 por lojistas de uma das mais antigas áreas de
1
A Barra da Tijuca, bairro que cresceu a partir da década de 1970, se diferencia da Zona
3
Sul por apresentar vias maiores e de alta velocidade, possuir grande número de shoppings
centers e concentrar muitos condomínios fechados. Grande parte dos moradores são
indivíduos em ascensão social recente. Os contrastes urbanísticos e socioculturais em
relação à Zona Sul fizeram com que a região fosse chamada de “Miami brasileira”. Cf.
Lima, 2007.
4
Cf. <http://guia.mercadolivre.com.br/identificando-louis-vuitton-verdadeiras-12667-VGP>.
4 Considerações finais
Referências
1
Em outro lugar (SILVA, 2011), explorei em maior profundidade a ligação emocional dos
agentes sociais com seus telefones celulares: a dedicação, ao aparelho, de sentimentos
humanos, como o amor, a raiva, a vergonha e o ciúme. Tal ligação emocional era, assim,
evidenciada no discurso dos interlocutores, por exemplo, pela atribuição de termos de
parentesco ou de amizade ao aparelho. Assim, o celular torna-se companheiro, filho,
amigo, ou mesmo, um “guerreiro”.
Ele chegou e disse que tinha comprado um presente pra mim. Eu ainda
ralhei, “fica se metendo em conta, homem!” E ele: “comprei um fogão
de quatro bocas” – muito bonito – que é esse aqui [mostrando o fogão]
“e comprei um presente pra ti, é surpresa”. Eu disse, “ai amor, tens uma
surpresa pra mim?” Quando ele apareceu com esse celular, eu só não chorei
porque... Mas eu fiquei tão feliz, tão feliz. [...] Ele tem fone, tem tudo! Ah,
aonde eu vou agora é só com o fone no ouvido pra cima e pra baixo. [E tu
bota música também?] Boto. Aprendi direitinho. Bato foto, tudo.
A fim de situar o leitor em relação à emoção que o primeiro celular provocou em Vânia,
2
transcrevo, a seguir, sua fala na primeira entrevista concedida a mim, em janeiro de 2007:
“Celular, nunca tive celular, nunca tive, nunca tive, e eu doida pra ter, porque eu achava
que todo mundo tinha, e aí porque que eu não posso ter? Por que que eu não posso ter?
Mas Deus como é tão bom, tão bom, como é justo, aí eu trabalhei numa casa. Trabalhei
numa casa, fiz faxina, a mulher me adorou, porque enfim... Mas sabe que ela tinha muito
celular, muito assim, muito, que ficava lá jogado. Mas ela sempre tinha novo assim, as
crianças tinham, e aí eu sempre ficava assim, ah meu Deus, será que um dia eu vou ter um
celularzinho? Quem sabe, né, pra Deus nada é impossível. Fiquei trabalhando, trabalhei
com ela um mês. Aí foi um dia ela ‘Dona Vânia, agora eu vou-me embora, vou-me embora
pra Bahia’, que eu fazia faxina na casa dela, três vezes na semana. Aí eu fui lá terça-feira,
trabalhar e ela disse assim ‘Dona Vânia, eu tenho um presente pra senhora’. Eu disse ‘Um
presente? Que é que tu vai dar pra mim?’ ‘Eu tenho um celular pra dar pra senhora, a
senhora quer?’ Aí eu disse: ‘Ô, meu Deus do céu, que maravilha...’ Agora eu sou gente fina!
Meu Deus, e eu toda boba, toda boba com o celular. Aí ela me deu, com o carregador, tudo,
ô, mas olha, me serviu bastante. Mas só que eu assim, ó: eu não sei usar o celular. A única
coisa que eu só sei: abrir ele, ou apertar aqui e ali.” (SILVA, 2008, p. 317).
3
Na terminologia nativa, um celular de “flip” designa os aparelhos dotados de uma aba
plástica que protege o teclado, e que é aberta no momento em que uma ligação é atendida.
Como ele é pobre, me deu esse celular assim feio. Só que eu não gosto
de celular feio. E eu comecei a descascar o celular, descascar. Só que
eu tenho vergonha de atender na frente de alguém. Mas o meu sonho
sempre foi ter celular assim ‘baita’, bonito, sabe. Eu gosto do celular
pra ter jogos, mensagem, e... um número bonito. Gosto muito da TIM.
[Tem isso assim, de número bonito?] Tem. Por exemplo, 9937 – 9139.
Esse número é bonito, sabe. Tem um começo e um fim bonito, sabe?
Que se é pra ter celular velho, eu não tenho.
4
No Brasil, a partir de 2008, começou a ser realizado um Campeonato de Arremesso de
Celulares nos moldes do original finlandês.
Olha, pra te falar franco, é bem poucas pessoas que tem o meu número,
não é pra todo mundo. Geralmente eu só dou o número – lá uma vez
ou outra – o número do meu celular no comércio quando eu vou fazer
uma compra, que eles perguntam. Mas pra qualquer pessoa, não. Muito
difícil. Não é pra qualquer pessoa que eu dou o meu número não.
Com tantos cuidados, Dona Cema nunca recebeu um trote pelo celular.
Assim, percebo que, no São Jorge, passar o número do telefone celular significa
estabelecer um laço de confiança e amizade. Dona Cema, por exemplo, para
explicar que tem muita amizade com um padre católico, simpático às práticas
religiosas afro-brasileiras, afirma: “Tenho muita intimidade com ele, tenho o
telefone dele e tudo”. Para essas senhoras, dar o número do celular significa
dizer “eu confio e gosto de você”. Apenas meses depois de encerrar o trabalho
de campo, pude entender plenamente a conversa que tive na despedida com
Dona Aurenice, uma das simpáticas senhorinhas com quem convivi por
meses, no grupo de alfabetização para adultos. Após me dar de presente uma
pequena imagem de Nossa Senhora Aparecida, ela me disse num tom de voz
que me impressionou na ocasião, mas que agora eu interpretaria como sendo
no sentido da satisfação de poder confiar sem medo: “Eu vou te dar o meu
[número de] celular, hein!”
É justamente nos trotes que reside uma ameaça ao bom convívio dos
casais. Janaína, por exemplo, que aos vinte e nove anos está no segundo
casamento e tem quatro filhos, entre um e quinze anos de idade, conta que
já se “incomodou muito” por causa do celular. Já trocou o chip do celular – o
Hoje, por exemplo, eu deixei ela no balé, a gente sempre leva o celular,
né, e disse assim: “Mirella, eu vou no banco e posso demorar um
pouquinho. O balé começa às duas e quarenta e cinco e termina às três
e quarenta e cinco. Se a mamãe demorar tu fica com o celular na mão e
fica lá na salinha da professora me esperando.” Só que ali no Instituto é
muito ruim de estacionar. Eu só liguei pra ela e disse: “Mi, fala pra tua
professora e vem que a mãe já tá te esperando aqui na frente”. Então
pra gente... pra mim é uma facilidade. [...] Por exemplo, eu trabalho
no Estreito [bairro na parte continental da cidade. Cássia trabalha das
seis à meia-noite] e tem o trânsito na ponte. Aí o que que a gente faz: ele
me leva de moto, e a gente deixa ela em casa sozinha às vezes. Porque
é muito transtorno deixar na casa dos outros [...] A gente fecha a casa
direitinho, fica a chave pro lado de dentro, e daí ela atende o telefone
residencial ou então o próprio celular mesmo. Às vezes eu mando ela
pra casa da minha mãe e depois quando ele chega o meu marido liga
pra ela vir pra casa. Às vezes a gente fica meio inseguro [de fazer isso]
mas aqui na comunidade é seguro. De repente pras pessoas de fora não,
mas pra gente é bem seguro, todo mundo conhece a Mirella. E também
a gente explica pra ela que quando ela atender o telefone, pras pessoas
não ficarem sabendo que a gente não tá em casa, a gente diz: “Mi, não
fala nada que a gente não tá. Fala pra ligar mais tarde, que a gente agora
não pode”. Outra coisa é que só quem tem o número dela são os nossos
parentes e algumas amigas minhas.
Não demorou, guria, três dias, mas certinho, quer dizer... Ela não foi
arrumar paquera, namoradinho em três dias, decerto ela já andava e
eu só fui descobrir por causa do celular. Ela ganhou no dia quatro, dia
do aniversário dela de quinze anos, me lembro como se fosse hoje. E
eu quebrei o celular no dia sete. Ela chorava! Eu só tenho a caixa hoje.
[E não teve conversa, vocês tentaram conversar?] Não teve conversa.
“Mãe, mas eu não fiz nada de errado, ele é que ligou pra mim...” E
eu: “Mas se ele ligou prá ti é porque tu deu o número, minha filha,
tu já andava se encontrando com esse menino!” “Não que eu juro, eu
Após esse evento, e mesmo sendo excelente filha e ótima aluna, Carol
só teve permissão para levar o celular para a escola uma única vez. Foi quando
sua classe ganhou um concurso cultural que mobilizou todo o colégio, e o
prêmio consistiu em um show de pagode que aconteceu na escola mesmo. Lila
deixou Carol levar seu novo celular, mas com instruções específicas para usá-
lo somente como câmera fotográfica. Na volta, houve inspeção do aparelho.
Carol reclama: “Nem parece que a mãe já tá na idade de trinta e sete anos,
parece que já tá na idade dos setenta, pensa nas coisas desconfiando...”. Mas
aceita. Lila, que tem o celular “martelado” guardado em casa, às vezes, ao
relembrar do episódio, fica com a consciência pesada: “ela tá com dezessete
anos e o pessoal tudo tem celular e ela não tem... Para as amigas ela diz: a mãe
quebrou meu celular todo, quando perguntam. Ela não esconde”. Lila é mesmo
linha-dura com a filha. Se as amigas de Carol precisam ligar, que seja para o
celular da mãe. Ainda assim, Lila exige que a filha use o celular no modo viva
voz, para que possa ouvir a conversa. Não encontrei outra mãe que, como
Lila, fizesse uma oposição tão forte ao uso de celulares por adolescentes; e ela
própria admitiu que não conhecia outra mãe como ela. Mas reconhece: “Até
hoje continua o comentário que ela está com esse mesmo rapaz. Até a minha
mãe diz: ‘Quando eles querem, não vai ser um celular que vai impedir’”.
Alguns meses depois, encontrei Lila novamente. A intenção era
entrevistar seu marido, como ela já havia me convidado a fazer. Combinei
a entrevista com ela, mas, na ocasião, Flávio preferiu não falar. De qualquer
modo, aproveitei para perguntar novamente se Carol, sua filha de dezessete
Aí ela quer saber onde é que a menina tá. Só que a guria é ligeira. Mas
não adianta. É sempre “Aonde é que tu tá? Tu falou que ia chegar tal
hora. Com quem que tu tás?” Acho que a Lauanne é uma guerreira.
Eu acho. Ela tem muito respeito pela mãe, porque senão ela já tinha
se mandado daquela casa. Só que a guria é terrível, é ‘lisa’. Mas ela
apanha. Se ela respirar mais alto já leva um tapa na cara. Ô, a minha
irmã é fogo. Puxou bem o nosso pai.
4 Considerações finais
Referências
Carla Barros
Doutora pelo Instituto COPPEAD de Administração da Universidade Federal
do Rio de Janeiro (UFRJ), especializada em Antropologia Social pelo Museu
Nacional da UFRJ e formada em Ciências Sociais, com concentração em
Antropologia Social pelo IFCS/UFRJ. Professora do Departamento de Estudos
Culturais e Mídia (GEC IACS) da Universidade Federal Fluminense (UFF) e
da Escola Superior em Propaganda e Marketing (ESPM-RJ), onde também atua
como pesquisadora do Centro de Altos Estudos em Propaganda e Marketing
(CAEPM). Tem como principais interesses de pesquisa a antropologia do
consumo e o consumo de camadas populares, especialmente no que se refere
a apropriações no campo da tecnologia.
E-mail: barros.carla@uol.com.br
Carmen Rial
Jornalista e antropóloga, doutora em Antropologia pela Université de Paris V –
Sorbonne, é professora do Departamento de Antropologia da Universidade
Federal de Santa Catarina, no Programa de Pós-Graduação em Antropologia
Social e no Programa Interdisciplinar em Ciências Humanas, os quais coordenou.
É pesquisadora 1C do CNPq. Escreveu livros e artigos sobre alimentação,
consumo, futebol e globalização. É editora adjunta da revista Vibrant – Virtual
Brazilian Anthropology. Coordena o Núcleo de Antropologia Audiovisual e
Estudos da Imagem (NAVI) e o Grupo de Antropologia Urbana e Marítima, e
integra o Instituto de Estudos de Gênero (IEG) na UFSC. É presidente eleita da
Associação Brasileira de Antropologia para o biênio 2013-1015.
E-mail: rial@cfh.ufsc.br
Daniel Miller
Doutor em Antropologia e Arqueologia pela Universidade de Cambridge,
Daniel Miller é professor de Cultura Material e Antropologia do Consumo
no University College London (UCL). Autor e organizador de mais de vinte
livros nas áreas de cultura material e de estudos do consumo, compõe o corpo
editorial dos periódicos Journal of Material Culture e Journal of Consumer
Culture. Ao longo de sua obra, Daniel Miller tem procurado transcender o
usual dualismo entre sujeitos e objetos, bem como elucidar as formas pelas
quais relações sociais são criadas através do consumo enquanto atividade
sociocultural. Com seus alunos, tem aplicado essas ideias a variados gêneros
da cultura material, tais como o vestuário, habitações, meios de transporte
e as novas tecnologias de comunicação e informação. A partir das temáticas
da cultura material e do consumo, seus interesses de pesquisa incluem, por
exemplo, o papel do consumo nos relacionamentos; economia política e teoria
do valor; vestuário, mídia e antropologia digital; e o papel da cultura material
nas migrações transnacionais de trabalhadores domésticos.
E-mail: d.miller@ucl.ac.uk
Fernanda Martinelli
Professora adjunta da Faculdade de Comunicação da Universidade de Brasília
(FAC/UnB). Doutora em Comunicação e Cultura pela Escola de Comunicação
da Universidade Federal do Rio de Janeiro (ECO/UFRJ), com bolsa CAPES. A
cultura material é tema recorrente em seu trabalho e seus principais interesses
de pesquisa são a cultura do consumo, pirataria, moda e novas tecnologias, com
foco em uma abordagem que incorpora aspectos sociais, políticos e econômicos.
E-mail: nandamartineli@yahoo.com.br
Gilson Leandro Queluz
Possui graduação (1989) e mestrado (1994) em História pela Universidade
Federal do Paraná. Realizou doutorado-sanduíche no Departamento de
História da University of Delaware (1998-1999) e concluiu o doutorado em
Comunicação e Semiótica pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo
em 2000. Realizou estágio pós-doutoral em Política Científica e Tecnológica
na Unicamp (2009). Atualmente é professor da Universidade Tecnológica
Federal do Paraná no Departamento de Estudos Sociais e no Programa de Pós-
Graduação em Tecnologia (PPGTE) da UTFPR. Tem experiência na área de
História, com ênfase em história da tecnologia e cultura material, e estudos em
ciência, tecnologia e sociedade, pesquisando atualmente os seguintes temas:
representações de ciência e tecnologia no pensamento político brasileiro,
utopias literárias e tecnologia.
E-mail: gqueluz@gmail.com
Julia Guivant
É professora do Departamento de Sociologia e Ciência Política da
Universidade Federal de Santa Catarina, onde atua no Programa de Pós-
Graduação em Sociologia Política (mestrado e doutorado) e também no
Programa de Doutorado Interdisciplinar em Ciências Humanas. Tem
experiência nas áreas de teoria social, sociologia ambiental e sociologia do
conhecimento científico, com enfoque particular sobre os seguintes temas,
sobre os quais tem vários artigos e livros publicados: governança de inovações
tecnológicas (transgênicos, nanotecnologias), percepção de riscos ambientais,
conflitos sobre riscos e globalização das práticas alimentares saudáveis e
sustentáveis. Atualmente é coordenadora do Instituto de Pesquisa em Riscos
e Sustentabilidade (IRIS), membro da diretoria da Associação de Pesquisa e
Pós-Graduação em Ambiente e Sociedade (ANPPAs), lead faculty do Earth
System Governance Project e membro do comitê diretor da Society for the
Study of Nanoscience and Emerging Technologies (S.Net). Foi presidente da
Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Ambiente e Sociedade
(ANPPAS), entre 2008 e 2010, e vice-presidente do Research Committee 24
(Environment and Society) da International Sociological Association (ISA) no
período de 2006 a 2010.
E-mail: juliaguivant@gmail.com
Livia Barbosa
Doutora em Antropologia pelo PPGAS/UFRJ, pós-doutora pela Universidade de
Tokyo, mestre em Ciências Sociais pela Universidade de Chicago, Estados Unidos,
e Bacharel em Ciências Sociais pela Universidade do Estado da Guanabara.
Pesquisadora visitante da Universidade de Notre Dame, Indiana, Estados Unidos,
e da Universidade de York, Inglaterra. É autora de livros e artigos em revistas
nacionais e estrangeiras, entre os quais se destacam O jeitinho brasileiro: a arte
de ser mais igual que os outros; Igualdade e meritocracia; Sociedade de consumo;
Cultura, consumo e identidade; e Consumo: cosmologias e sociabilidades.
E-mail: livia.barbosa3@gmail.com
Mirca Madianou
Mirca Madianou é professora no Departamento de Mídia e Comunicação da
Universidade de Leicester. Entre 2004 e 2011, foi professora de Sociologia na
Universidade de Cambridge, onde continua a atuar como membro do Lucy
Cavendish College. É autora de Mediating the Nation (2005) e Migration and
New Media (2011), em coautoria com Daniel Miller. Seu trabalho tem sido
publicado em diversos periódicos internacionais.
E-mail: mm499@leicester.ac.uk
Rosana Pinheiro-Machado
Doutora em Antropologia Social pela Universidade Federal do Rio Grande do
Sul, é atualmente professora e pesquisadora da Escola Superior de Propaganda
e Marketing/RS. É autora do livro Made in China (Hucitec, 2011), resultante de
sua tese de doutorado Made in China: produção e circulação de mercadorias
no circuito China-Paraguai-Brasil, agraciada pela ANPOCS com o Prêmio
Melhor Tese de Doutorado em Ciências Sociais de 2010 e, posteriormente,
com o Grande Prêmio Capes de Tese 2011. Suas principais linhas de pesquisa
são: pirataria, consumo, marcas, Brasil e China.
E-mail: rpinheiromachado@yahoo.com.br