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Ano 25| Nº 244| Agosto e Setembro de 2017

Editorial
“A oportunidade de conhecer a arte do jornalismo através do curso da Rede Rua e da Paulus me fez obter um co-
nhecimento transformador. Mesmo com o pouco material que possuo hoje, sei que posso ser uma comunicadora
popular e multiplicar este conhecimento, pois o curso proporciona este aprendizado. Adquirimos a técnica de uma
área que dificilmente pessoas com baixa renda poderiam acessar”. PÁG. 2

JORNALISMO A SERVIÇO DA POPULAÇÃO EM SITUAÇÃO DE RUA

Crianças em
situação de rua
Acredito que muitos adolescentes encontram na rua a sua
escola da vida, assim como, em alguns casos, uma oportu-
nidade de trabalho nos faróis. A desestruturação familiar,
a falta de políticas sócio-educativas, o abandono, o faleci-
mento de responsáveis, o abuso e a fome levam diariamen-
te crianças e adolescentes a viverem nas ruas. PÁG. 4

Somos seres JATOS


D’ÁGUA
VIDA NO
TRECHO

humanos natos! Mais um dia estou sem


destino e sem lar quando
um jato frio d’ água en-
charca meu cobertor. Os
funcionários que nos ex-
“Gosto de ficar na praça,
que é um lugar próprio
para fazer algum lazer, to-
mar um arzinho mais pu-
ro. Enfim, é um lugar de
pulsam com jatos d’água bem-estar. A vida é bela.
Vida de gado não é minha vida preferida, pois eu vim da barriga de uma mulher que são acompanhados pe- Eu gosto dela.
me carregou por nove meses. Foi e é uma mulher diferenciada até hoje. Olhe para la G.C.M. (Guarda Civil Também quero dizer
cima, para baixo e para os lados, de banda e de mais esquina, ao revés. Não tem para Metropolitana) para que que acredito que a cria-
ninguém! Dona Maria é a melhor! a tarefa não seja inter- ção de programas sociais
Fui muito bem criado no mundo. Antes era tudo mais fácil. Eu, por exemplo, já correndo rompida por algum que deveria propiciar atendi-
ficasse mais revoltado.
para qualquer lugar, sempre gostei de fazer tudo rápido e correndo. Na escola, por exem- mentos diferenciados pa-
Na verdade, revoltados
plo, após às aulas, que eram das 7 horas da manhã às 11 horas, eu arrumava as minhas ra a distribuição de ren-
todos estamos. Acontece
tretas. E assim que terminavam as aulas, sempre era o primeiro a sair correndo e o resto da, que possam atender
todos os dias! Neste ato
da molecada correndo atrás. PAG.7 às pessoas desprovidas de
diário, para eles somos
recursos financeiros em
apenas uns sem-tetos
desvalidos. PÁG. 5 nossa sociedade. ” PÁG. 3

fotorreportagem
das realidades
A vida na rua, com as
drogas, na “Cracolância”
Participantes do Curso: “Comunicadores Populares - “Comunicando Realidades
e Abrindo Porta de Comunicação”, foram até a “Cracolândia” e, através de ima-
gens fotográficas, narraram uma realidade de vidas na rua em meio as drogas. As
fotografias buscaram respeitar a situação privacidade das pessoas. Sendo assim, os
“cliques” foram feitos à distancia prezando a exposição da fragilidade da condição
de drogadição em que elas se encontram na região da Luz, SP. PÁG 8
EDITORIAL

Acesso ao Direito à Comunicação e o


exercício da autorrepresentação
Foto: Jonathan Oliveira
Pop Rua é uma

a
categoria den-
tro da socieda-
de que o poder
público negli-
gencia em todos os âmbi-
tos. Por isso precisamos ter
um olhar cuidadoso e aten-
cioso, pois é uma população
muito sofrida. São sujeitos
de direito, mas têm seus
direitos negados e violados
diariamente. O que a Rede
Rua propõe é de extrema
importância: dar voz aos
excluídos trabalhando as
potencialidades dos sujeitos,
dando oportunidades para
que a Pop Rua recupere o
“sentimento de pertencer”,
resgatando, assim, a cidada-
nia e a autoestima.
A oportunidade de co-
nhecer a arte do jornalismo
através do curso da parceria Participantes do Curso de Comunicadores e Comunicadoras Populares durante a gravação do Programa “Falando Realidades”
da Rede Rua e da Paulus,
com o apoio do Instituto lho multiplicando o conhe- de participar. É um curso com o Estado e o Município, e moradores violentados
Santa Cruz me fez obter cimento adquirido ao longo dinâmico que agrega di- podemos visar também ou- pela Prefeitura, fomos lá,
um conhecimento trans- do curso, tanto a parte te- versos saberes onde todos tros públicos, como jovens e em solidariedade e para re-
formador. Mesmo com o órica como a prática, pois a participam e compartilham adolescentes. Eu realmente portarmos o ocorrido.
pouco material que possuo metodologia aplicada é de conhecimento de vida. torço para que aconteçam Também fizemos autobio-
hoje, sei que posso ser uma fácil acesso e compreensão. No meu ponto de vista novas turmas e que consi- grafias para levar para você
comunicadora popular e Qualquer pessoa que não esta proposta do curso é de gam expandir e obter par- um pouco mais da história
multiplicar este conheci- é da área pode executar e grande valia, pois mescla os cerias para novos projetos. de cada pessoa e escreve-
mento, pois o curso pro- com poucos materiais, que profissionais de diversas áre- Enquanto isso, nesta edi- mos sobre um passeio em
porciona este aprendizado. normalmente são utilizamos as e os usuários dos serviços ção, você encontra parte do um ônibus turístico em São
Adquirimos a técnica de no dia a dia ou que conse- de assistência e todos apren- material que nós, todo o Paulo, quando falamos dos
uma área que dificilmente guimos facilmente, como dem juntos e socializam sa- grupo, criamos durante os contrastes sociais, econômi-
pessoas com baixa renda papel e caneta. beres e experiências. mais de dois meses de cur- cos e de acesso na cidade.
poderiam acessar. As professoras e pro- O curso é maravilhoso! so. São materiais que falam E ainda tem mais: o progra-
O curso “Comunicando fessores são profissionais Essa dinâmica receptiva me de resistência e combatem ma de televisão TalkShow
a realidade e abrindo portas acolhedores, atenciosos e encheu os olhos de espe- o racismo, o silenciamento da Rua e mais reportagens
de comunicação” que par- tratam a todos com respei- rança. Acredito que se tiver e a invisibilidade. Também podem ser encontradas nos
ticipei é um projeto que eu, to e carinho, respeitando a a possibilidade de divulgar esta edição diz respeito às canais da Paulus e da Rede
como assistente social in- individualidade do grupo. mais o curso nas redes so- nossas saídas de campo, Rua, no site, Facebook e
serida em um espaço sócio Esse ambiente agradável ciais, apresentar este projeto como quando o Viaduto YouTube. Boa leitura!
ocupacional, posso utilizar deixa o curso aconchegan- para outras instituições ou Júlio de Mesquita foi in-
te e aumenta a vontade até mesmo buscar parceria vadido e suas moradoras (Kelly Cristina Alves
como ferramenta de traba-
Dantas, assistente social)

APOIO: Editores EXPEDIENTE


Carolina Stella Textos:
Fabiano Viana Alunos do Curso: “Comu-
nicadores Populares”
Texto do Editorial Revisão:
Kelly Cristina Alves Carolina Stella
Marina Ferreira
Jornalista Responsável
Davi Amorim Equipe de Apoio
MTB 48.215/SP Andreza do Carmo
João M. de Oliveira
Felipe de Moraes O jornal O Trecheiro é uma
Fotos:
publicação da Associação
Fabiano Viana Rede Rua
Ivaneide Guedes Arte do logo do jornal
Rua Sampaio Moreira, 110
Jonathan Oliveira Sergio Ricciuto Casa 9 - Brás - 03008-010
Marcelo Damião Ferreira São Paulo - SP
Arquivo/Rede Rua Impressão 11 3227-8683/11 3311-6642
Arquivo/MNCR PAULUS E-mail: jornalotrecheiro@
(7 mil exemplares) rederua.org.br
Editor de Arte Facebook.com.br/rederua
Fabiano Viana
2 São Paulo, Agosto e Setembro de 2017
HISTÓRIAS
VIDA NO TRECHO

Eu, José
Conheça um pouco da minha história de vida
José Pereira da Silva
Fotos: Marcelo Damião Ferreira/Comunicadores Populares
asci em 29 não sou mendigo. Não sou

N
de janeiro de desprovido de algo essen- Foto: Natália Ribeiro

1949 no mu- cial, que é viver com auto-


nicípio de Oli- conhecimento. Sou só ca-
veira dos Bre- rente de renda. Acredito
jinhos, Bahia. Sou um ho- que todo mundo deveria
mem negro de origem hu- ter uma vida com bem-es-
milde. Fui criado até os 21 tar, moradia e boa comida.
anos de idade cuidando Gosto de ficar na praça,
de atividades de agricul- que é um lugar próprio para
tura, pecuária e pescaria, fazer algum lazer, tomar um
principalmente. arzinho mais puro. Enfim, é
Estudei apenas até o 2º um lugar de bem-estar. A
ano do antigo primário. Vim vida é bela. Eu gosto dela.
para São Paulo aos 21 anos Também quero dizer que
de idade e aqui retomei a acredito que a criação de
minha alfabetização, tra- programas sociais deveria
balhando durante o dia e propiciar atendimentos dife-
estudando à noite até con- renciados para a distribuição
cluir o 2º grau. Tentei cursar de renda, que possam aten-
faculdade, mas entendi que der às pessoas desprovidas
não dava para custeá-la. E de recursos financeiros em
temendo também não en- nossa sociedade. No Bra-
contrar uma colocação no sil, a distribuição de renda
mercado de trabalho pelo é quase insignificante, pois
tempo de estudos, acabei o Estado não tem interesse
desistindo da ideia. em tomar iniciativas relacio-
Quero dizer também que nadas a essa distribuição.

Resistências da Pop Rua


Jéssica Alves

Conversei com algumas pessoas no Refeitório Penaforte sobre suas histórias de vida e
como encontraram forças para superar as dif iculdades e continuar na luta
Foto: Fabiano Viana/Rede Rua

população em algumas dessas pessoas no psicológico para me manter para não acontecer de novo... hospital no extremo leste.

a
situação de Refeitório Penaforte, na Bela com vínculos empregatícios Mas eu desisti. Agora, estou Os hospitais aqui do centro
rua vive em Vista, para saber um pouco ou pessoais. É um trauma sempre na rua. Assim, deito a têm gente na porta espe-
constante luta mais sobre suas histórias e que arruinou a minha vida, hora que eu quero. Já tenho rando para tomar seu filho
pela sobrevi- sobre como resistem e lu- mas eu vou vivendo e não meus bagulhos, coberta no de você. Ninguém nem per-
vência. Lutas que implicam tam, apesar de tudo. Confira cutuco a ferida todo dia.”, meu canto, ninguém mexe e gunta se você tem seu bar-
em resistir com força e fir- os depoimentos: José Roberto, 58 anos. não perco a hora.” O entre- raco ou se quer ficar com
meza aos obstáculos que “Minha mãe me abando- “Quando conseguia vaga vistado não quis se identificar. ele, apenas tomam falan-
aparecem no dia a dia. São nou por dez anos em um em centros de acolhida era “Na rua só fica quem tem do que você está na rua
pessoas que estão fragili- colégio interno, porque se bom, mas às vezes eu me coragem. Você não dorme na e usa drogas. O meu filho
zadas com a desigualdade casou com um cara que não atrasava e tinha que dormir rua, pois fica o tempo todo eu quero comigo. Não põe
que sofrem em seu íntimo, me aceitou. Buscou-me aos na rua. Não podia mais en- tenso esperando que alguma meu nome aí não, gata!”.
mas que normalmente por 18 anos, por que o juiz a inti- trar. Aí era tenso, porque vo- coisa aconteça. Aí você vê o A entrevistada não quis se
fora demonstram uma for- mou e após isso me colocou cê não está preparado, fica cara cansado e pensa que ele identificar e também con-
taleza e, muitas das vezes, para morar com parentes, procurando papelão para se tava na ‘craco’, mas ele ape- tou que esse é o seu 4°
não se permitem externar nunca com ela. Eu vivo bem esquentar naquela noite e nas não conseguiu dormir.” filho. Os outro três estão
sensações como o medo melhor na rua, mas nunca chateado por ter ficado para Luiz Gustavo, 26 anos. com pessoas da família.
ou o choro. Conversei com consegui entender ou ter fora. No outro dia, você corre “Ganhei meu bebê num

Agosto e Setembro de 2017, São Paulo 3


DEFESA
Crianças e adolescentes
em situação de rua
Conheça alguns locais, serviços, órgãos e também as leis que atendem esse público
Lucia Tozato
Foto: Ivaneide Guedes/Comunicadores Populares

balham com programa so- e atende crianças, ado- É um fundo que reser-
cioeducativos para crianças lescentes e suas famílias va recursos a programas e
e adolescentes de maneira quando tais grupos estão políticas voltadas ao bem
a integrá-los. É importante em situação de risco. Atua estar da criança e do ado-
salientar que a família, em nas áreas sociais, jurídicas, lescente. Permite que os
primeiro lugar, deve zelar pedagógicas, psicológicas cidadãos façam doações
por suas crianças. Caso is- e recreativas. e, dessa forma, se tornem
so não aconteça, o Estado agentes ativos no resgate
deve suprir essa falta ten- ABRIGOS (anterior- de crianças e adolescen-
do o completo dever de mente chamados de tes em situação de rua. O
tutelar de maneira digna. orfanatos) imposto de renda é a prin-
Esse não é apenas um prin- Os abrigos funcionam cipal base de arrecadação
cípio básico, é um direito em grande parte como as do fundo.
garantido por lei. Casas de Acolhida, mas
Saiba de alguns serviços, em vez de serem estru- CERCA (Centro de
leis e órgãos que atendem turados por serviço social Referência da Criança e
omo lidar a falta de políticas sócio- crianças e adolescentes: são encaminhados pelas do Adolescente)

c
com a situa- -educativas, o abandono, Varas da Infância e da Ju- Oferece assistência jurídica
ção de rua ao o falecimento de respon- NSE Recanto Santa ventude. São como casas gratuita, investiga denún-
levar em con- sáveis, o abuso e a fome Mônica, ASA (Associa- em que os jovens devem cias de maus tratos, oferece
sideração que levam diariamente crian- ção Santo Agostinho) viver e usufruir a vida de assistência psicológica e tra-
é extremamente difícil o ças e adolescentes a vive- Rua Oscar Pinheiro Co- maneira mais próxima à balha com crianças e adoles-
trabalho na adolescência? rem nas ruas. elho, 266, Butantã, São estrutura familiar possível. centes vitimizados de manei-
Acredito que muitos ado- Alguns órgãos de re- Paulo. Uma criança e adolescente ra a integrá-los novamente
lescentes encontram na ferência da criança e do Telefone: (11) 3721-4164 é encaminhada ao abrigo na sociedade e a melhorar,
rua a sua escola da vida, adolescente oferecem as- por decisão judicial. ao máximo, sua qualidade
assim como, em alguns sistência jurídica gratuita, CEDECA (Centro de de vida. É uma acolhida que
casos, uma oportunidade investigam denúncias de Defesa da Criança e do FUMCAD (Fundo Mu- funciona como porta de en-
de trabalho nos faróis. A maus tratos, oferecem as- Adolescente) nicipal da Criança e do trada para o resto do acom-
desestruturação familiar, sistência psicológica e tra- É um órgão que orienta Adolescente) panhamento social.

A vida no refeitório e no albergue


Se você nunca morou em um albergue ou fez suas refeições em um refeitório,
vou contar um pouco como é minha a experiência
José Pereira da Silva

requento mui- que cobre os demais dias tros, respeitando-os. Eu vida, que me ensinou mui-
Arsenal da

f
to o refeitório de atendimento. senti o impacto quando to. Hoje aprendi a valorizar Esperança
Penaforte, que Assim, todos são atendi- deparei com essa situação, a minha vida e tudo o que Rua Dr. Almeida Lima, 900,
já existe há uns dos neste espaço dia após que nunca pensei presen- ela me concede de bom. Mooca, São Paulo.
20 anos. dia. Aqui ninguém tem ciar, vendo muita gente É vivendo e aprendendo! (Próximo à Estação Bresser-
Cerca de 500 refeições, dificuldade com o atendi- doente e debilitada. Tudo isso que escrevi aqui, -Mooca do Metrô )
incluso o café da manhã, mento quando tem bom Pensei que não iria me aprendi no Arsenal da Es- Telefone: (11) 2292-0977
são servidas para pessoas comportamento. acostumar com o ambien- perança, quando lá mo- Café a partir das 4h30
em situação de rua e ou- te, mas fui acostumando. Saída às 7h
O albergue rei no ano de 2001. Para
Acolhida e vestuário às
tras mais que vêm aqui Logo na entrada, o novo Até terminei o prazo esti- quem interessar, esses são
para fazer economia. O pulado pela prefeitura. Foi os horários e o endereço 17h, Jantar às 18h
convivente é submetido a
atendimento é feito por uma experiência a mais na do Arsenal. Repouso às 20h
uma entrevista por parte
aproximadamente 22 fun- da diretoria. Nela é escla- Fotos: Fabiano Viana/Rede Rua
cionários preparados. Eles recida os regulamentos da
trabalham em regime de casa. Após a entrevista, o
plantão. Todos têm esta- candidato ou candidata é
bilidade no emprego. convidado para conhecer
As empresas que for- as instalações do estabe-
necem alimentos são: a lecimento, como refeitório,
Caravana, que fornece ali- vestuário, dormitório e re-
mentos uma vez por mês, de sanitária.
mais doação de roupas, A partir daí, o novo convi-
remédios, assessoria jurí- vente é cadastrado e passa
dica e orientação médica; a ser morador. É preciso
a igreja, que vem uma vez observar os regulamentos
por semana; a Renome, e conviver um com os ou-

4 São Paulo, Agosto e Setembro de 2017


SUJEIRA
Jatos d’água: um trabalho sujo
na cidade de São Paulo
A Prefeitura de São Paulo continua violentando pessoas em situação de rua

Roger Santos

Foto: José Pereira da Silva/Comunicadores Populares


ão Paulo,

S
Centro, Largo
Pateo Do Co-
légio, 7 horas
da manhã,
21 pessoas em um mes-
mo espaço. Mais um dia
estou sem destino e sem
lar quando um jato frio d’
água encharca meu cober-
tor e a minha mochila com
todos os meus pertences.
A equipe de limpeza da
Prefeitura de São Paulo
está mais um dia jorrando
água de reúso sobre nós,
pobres coitados amonto-
ados pelo chão que ainda
resistimos ao frio rigoroso
da noite toda.
Os funcionários que nos
expulsam com jatos d’água
são acompanhados pela
G.C.M. (Guarda Civil Me-
tropolitana) para que a ta-
refa não seja interrompida
por algum que ficasse mais
revoltado. Na verdade, re-
voltados todos estamos.
Acontece todos os dias! os para provar. Como se estações do ano é bom, pão em alguma boca de cas, que nenhum de nós
Não adiantou, até agora, nossa palavra não valesse mas no frio é pior. rango próxima. ajudou a causar.
a rádio, o jornal ou a tele- nada. Ou ainda, como se Neste ato diário, para Essa é a vida de muitos Mas mesmo assim, ca-
visão reportarem o acon- todos tivessem acesso a eles somos apenas uns de nós que o destino le- minhamos em frente até
tecimento desumano das celular e internet. O que sem-tetos desvalidos. Ca- vou até a miséria. Talvez o alívio da morte chegar,
autoridades governamen- não é verdade em nosso minhamos mesmo depois perseguidos pelo destino pois pouquíssimos, devi-
tais. Mesmo com a mídia, mundo. E para quem mais disso, com o orgulho feri- cruel que fechou as portas do ao estado debilitado
tudo continua acontecen- podemos falar? Faça frio do e encharcados em algu- do trabalho por causa do dos seus corpos, resistirão
do. O prefeito diz que pre- ou faça sol, a mangueira ma direção qualquer para racismo. Nos falam ainda muito tempo mais! Só me
cisam de fotos ou víde- está lá. Em nenhuma das acharmos um café e um sobre as crises econômi- resta Jesus na causa.

Lixo pra debaixo do tapete


Carlos Alberto Alves

amos passe- eles, foi bom, saber e vi- fiança, queremos ter um continuam a se aposentar zer de parar de trabalhar

v
ar, diante da ver junto da dor e da es- espaço em que possamos com apenas dois manda- e continuar vivendo com
situação isso perança mesmo que ela já ter nossas carroças para tos, que só dão 8 anos de esse salário de fome.
é opção ou nasça morta, com todas trabalhar e criar nossos ani- trabalho. Eles querem que Se eles notassem que fo-
opressão. Vi- as promessas feitas pelos mais, cachorro, gato, etc... a gente trabalhe mais en- mos falhos em nossa mo-
sitar a praça 14 bis e vê-la nossos governantes, mas Poder viver e não espe- tendeu? Ao meu ver quem cidade, mas que também
hoje é bom demais. Mas vi que suas esperanças rar pela morte dentro des- ganha mais deveria tra- vivemos chorando entre 30 e
não mudou muito, pois, vem dos seus trabalhos, ses lugares, criado pelos balhar mais e nós com o 50 anos da nossa vida na rua
hoje ela está ocupada do somos falhos como nos- poderes maiores. salário mínimo deveríamos e depois disso voltamos a
mesmo jeito. Pelo acaso sos governantes. Querem nos aposentar trabalhar menos. Nós não trabalhar para ajudar nossos
e a policia. Mas cadê as Hoje eles entram no po- com mais idade, mas eles podemos nos dar ao pra- filhos que sofreram por nos-
pessoas que aqui esta- der para serem ladrões e sas fraquezas e doenças. Eles
vam? Hoje se localizam a poderosos, como o prazer repetem isso com seus filhos
50m dali, do próprio via- de serem presos em suas e nós voltamos como avôs
duto da 14 bis. mansões compradas com para ajudar nossos netos.
Limpar a cidade é óti- o roubo do dinheiro pú- Governantes querem nos
mo, mas jogar o lixo para blico. Nós não queremos ajudar, comecem aí, pois es-
debaixo do tapete não nada de graça, se erramos tamos uma geração atrasa-
é bonito. Hoje nos en- na nossa juventude, foi da. Preciso criar meus filhos
contramos neste lugar e pelo sofrimento de nos- para que eles criem meus
conversamos com os mo- sos pais para nos criar e só netos e assim por diante,
radores, eles se sentiram queríamos nossa melhora. estamos aí, cadê vocês, pre-
abandonados e vivemos Hoje a sociedade não sos em suas mansões.
esse sentimento junto a nos da seu voto de con-
Agosto e Setembro de 2017, São Paulo 5
RESISTÊNCIA

Viaduto Júlio de Mesquita:


quem persiste, resiste, luta e sobrevive!
Famílias expulsas pela Prefeitura de São Paulo lutam pelo seu espaço e por seus direitos

Sérgio Barbosa

iário da resis- Disseram que chegaram cês morram todos queima- Fotos: Produção Coletiva/Comunicadores Populares

D
tência: o que e nem os avisaram da re- dos”. Na minha visão, uma
dizer hoje? moção das famílias. Foram guarnição que tem a função
Muitas coisas! chegando e ordenando de salvar vidas dizendo is-
Estamos aqui, que todas saíssem do local, so é uma grande denúncia
eu e minhas amigas e ami- pois iriam retirar todos e e uma falta de respeito ao
gos que conheci no curso começaram a quebrar os ser humano e a vida. Esse
“Comunicando realida- barracos e os pertences menino tinha uma postura
des”, realizado pela Rede que ali existiam: guarda- e uma fala política inacredi-
Rua e Paulus. Estamos no -roupas, fogão, geladeiras táveis e relatava tudo para
viaduto Júlio de Mesquita e tudo o mais que você nós com todos os detalhes.
Filho, no bairro do Bixiga, puder imaginar. Vi nele uma esperança
onde aconteceu uma ação Um morador nos relatou de luta, de mudança, de
da Prefeitura de São Paulo que quem ateou fogo nos um futuro de melhorias.
ordenada pela gestão do local foi um gari que, na Perguntei para ele o que
prefeito João Dória. realidade, deve ser algu- queria ser profissional-
No sábado, dia 1 de ma pessoa disfarçada para mente. Ele me respondeu:
agosto de 2017, desabriga- fazer essa ação criminosa. “Quero ser médico”. Per-
ram várias famílias. Fomos Dois relatos que marcaram guntei, então. “Por que
conversar e dialogar com bem o momento dessa você quer ser médico?”
alguns desses moradores conversa foi que relataram Ele respondeu. “Porque
que ali ainda se encontram que fizeram uma corrente médico salva vidas, cuida
na resistência, pelo seu es- humana para bloquear o das pessoas”.
paço e por direitos. avanço da ação e, em um Nossa conversa conti-
Conversando com algu- determinado momento, nuou. “O que você diria
mas pessoas, elas relata- colocaram um trator em para prefeitura, policiais,
ram um pouco dessa falta cima dessa corrente hu- bombeiros e os outras pes-
de respeito e desumanis- mana para passar a força soas que vieram aqui fazer
mo. Relataram que esta- e por cima dessas pessoas. isso contra vocês ?” Ele
vam presentes durante a Um outro momento foi respondeu. “Nós somos
ação: policiais militares, quando, um menino cha- pessoas de bem, somos
tropa de choque, rota, mado Paulo, 9 anos, nos seres humanos. Isso que
força tática, GCM, bom- falou que quando estava vocês estão fazendo contra
beiros e funcionários da pegando fogo, ele viu uma a gente não está certo.”
empresa de limpeza do mulher fardada de bombei- Paulo está estudando,
Estado de São Paulo. ro dizendo: “Quero que vo- não foi para escola por-
que ele perdeu todo seu
material escolar no incên-
dio que o próprio Estado
causou. Então, eles não
querem que nossas crian-
ças estudem. Querem que
sempre sejamos escravos
do seu sistema podre, que invisíveis. Disse que eles população através do jor-
quer sempre nos manipular, têm sonhos, sentimentos nal “O Trecheiro”, afim
nos escravizar, nos oprimir e que todos querem ser de denunciar e dar voz
e nos exterminar com seus vistos e querem oportu- a quem não tem e dar a
órgãos de seguranças. Que- nidades para crescer na oportunidade para essas
rem nos exterminar a cada vida e, para isso, preci- pessoas contarem suas
dia num rolo compressor sam de atenção e apoio. histórias, seus desejos,
sem freio que acaba com Então, chegamos ao fi- suas indignações, suas
sonhos e esperanças de nal de mais um dia nessa denúncias e serem vistas
muitas pessoas e famílias. jornada, nessa imensa por uma sociedade que
Um senhor idoso chama- luta de vários relatos e passa por elas como se
do Cléo, 65 anos, também fatos que acontecem em não existissem.
nos relatou um pouco da vários lugares e que os As pessoas em situação
sua jornada de vida. Con- meios de comunicação de rua precisam de apoio e
tou que também é mora- de grandes mídias não oportunidades e devem ser
dor desse local e que está levam para a população. tratadas com dignidade,
lá resistindo. Disse que Por isso, é necessário va- respeito e amor. Devemos
não acredita no que os lorizar as mídias alterna- amar uns aos outros como
governantes estão fazen- tivas como a Rede Rua, amamos a nós mesmos.
do com a população de que tem a iniciativa e a Enquanto uma sociedade
rua, tratando todos dessa coragem de colher esses viver em desigualdade,
maneira, como pessoas fatos e transmitir para a nunca será uma nação!

6 São Paulo, Agosto e Setembro de 2017


HUMANOS

Somos seres humanos natos!


Ninguém merece ter uma “vida de gado”. Existe uma luz no f im do túnel e essa luz
está em cada um de nós
José Sávio Coelho - “Sô Zé” Fotos: Marcelo Damião Ferreira/Comunicadores Populares
ida de gado!

V
Sou fã de Zé
Ramalho e Zé
Geraldo, mas
minha vida
não é de gado. Nunca tive
fazenda, sítio, chácara. E
não é por nada não, mas
não quero ter esse negócio
de cachorro, gato, cabri-
to, bode, vaca, capivara,
canários da terra, cavalo,
mula, égua, cabra, touro,
boi, vaca, etc.
Vida de gado não é mi-
nha vida preferida, pois
eu vim da barriga de uma
mulher que me carregou
por nove meses. Foi e é
uma mulher diferenciada
até hoje. Olhe para cima,
para baixo e para os la-
dos, de banda e de mais
esquina, ao revés. Não
tem para ninguém! Dona
Maria é a melhor!
Fui muito bem criado no
mundo. Antes era tudo
mais fácil. Eu, por exemplo, governadora, o prefeito, a Tivesse feito outro cami- uma coisa comigo: pior um ajudando o outro fa-
já correndo para qualquer prefeita, vereador ou vere- nho, seria o melhor, estaria do que está, não vai ficar, zer a hora e não esperar
lugar, sempre gostei de fa- adora. Ou qualquer outro melhor, em outra situação. porque não tem jeito. As acontecer. E é melhor fi-
zer tudo rápido e corren- ou outra mala. Somos to- Comparo o meu modo de oportunidades vão vir, não car esperto, porque cães
do. Na escola, por exemplo, dos seres humanos! agir como zagueiro, da- se sabe o amanhã. de guarda, os pastores
após às aulas, que eram E não é porque hoje es- queles lá do meio do ma- Depois, agora ou a qual- alemães, os rottweiler, os
das 7 horas da manhã às tamos em situação de rua to ou até mesmo da vár- quer momento. Hoje ou capas pretas e, agora re-
11 horas, eu arrumava que esses caras ou essas zea. Eu chutei para onde daqui a pouco. Estamos cente, os pit bulls estão
as minhas tretas. E assim caras são melhores do que o nariz apontou. Essa é a ligados e não importa on- avisado para nos pegar.
que terminavam as aulas, a gente. Eles e elas têm al- verdade! E não deu certo, de você estiver: na rua, na E pegam todos os nossos
sempre era o primeiro a guma porcentagem de erro estou ciente que foi ruim calçada, no mato, no alber- cobertores, nossas camas,
sair correndo e o resto da nas nossas vidas, porém, para mim, mas nem por gue, no banco na praça, no comidas, nossas moedas,
molecada correndo atrás. É nós também, de algumas isso que eu e todos os ou- jardim, debaixo do viaduto. documentos e tudo!
claro, se me pegasse com forma, extrapolamos, er- tros, que assim como eu Ou na chuva, no frio, no Estamos em situação de
certeza era para me dar ramos e não pensamos no cometeram o mesmo erro, sol. Esteja preparado. rua, só que tudo o que tí-
porrada, mas mesmo na- dia de amanhã. Devería- teremos que ser martiriza- Sou fã número um dos nhamos não perdemos,
quela época era ruim de mos ter pensado, estuda- dos, prejudicados, crimina- cantores e compositores: Zé eles tomaram: nossa mo-
me pegar! Corria muito! E do, mas esquecemos que lizados e discriminados por Ramalho e Zé Geraldo. Mas radia, nossa saúde, nosso
não corria só para ver... o amanhã existia. Eu, por essa sociedade corrupta. jamais considerei a minha trabalho, nossa assistência
Era tudo coisa de mole- exemplo, na época fui re- Não sou só eu, mas a vida uma “vida de gado”. social. E temos que ficar
cada. Passou. Depois pas- provado no primeiro ano maioria de todos nós que Joguei futebol amador dos atentos para que não nos
samos a jogar no mirim do segundo grau. estamos em situação de 17 aos 32 anos, fora o atle- escravizem. Se não que-
infanto-juvenil do Ponteno- Deveria ter continuado rua vivemos, gastamos tismo de corrida, que parei rem conversar conosco,
vence Futebol Clube, com o no ano seguinte. Não foi nosso dinheiro e a verda- só quando aconteceu de numa boa, na paz, é por-
campo justamente na Vila por falta de oportunidade, de é que foi bom enquan- eu ter de operar o fêmur. que sabem que temos di-
Oliveira. Como já escrevi nem por falta de apoio. to durou. Nos divertimos Daí para cá: nem bola, nem reitos. Nós não queremos
anteriormente, foi o lugar Tenho certeza que se eu a valer. Não sabia o que corrida, só caminhada. Não Secretaria de Segurança
onde eu nasci. Me perdoem chegasse junto da minha é que nos esperava, mas é porque estamos em situ- Pública, queremos Secre-
os outros times de Ponte família para conversar, de apesar dos pesares: valeu, ação de rua que temos que taria de Obras Sociais. Es-
Nova. Sou pontenovense. uma forma ou outra iria valeu demais! Agora é tar- baixar a cabeça não. se é o assunto principal:
Voltando a essa expres- ter acordo e eu continu- de e eu, por exemplo, es- Existe uma luz no fim educação, moradia, traba-
são “vida de gado”, que- aria a estudar no ano se- tou vivendo por aí. Estou do túnel e essa luz talvez lho, saúde. Tudo na paz.
ro dizer que somos todos guinte. Aconteceu não. vivendo por viver, mas tem está em cada um de nós,
seres humanos. Cada um
nasceu assim como eu,
do ventre de uma mulher.
Pode ser o presidente, a
presidenta, o senador, a
senadora, o deputado, a
deputada, o governador, a

Agosto e Setembro de 2017, São Paulo 7


PROTESTO

Catadores protestam contra as


privatizações na cidade de SP
Ato na Funasa garantiu prazo de 30 dias dias para liberação de equipamentos
Movimento Nacional do Catadores de Materiais Recicláveis - MNCR

Fotos:Arquivo/MNCR

atadores e Ca- recursos possam ser libe-

c
tadoras de Ma- rados no prazo de 30 dias
teriais Reciclá- para os empreendimentos
veis de diversas que já têm toda a docu-
regiões do pa- mentação em dia. Nesse
ís realizaram no dia 11 de prazo será também estuda-
agosto uma manifestação do, pela equipe da Funasa,
na sede da Fundação Na- ações para permitir aos ou-
cional de Saúde (FUNASA), tros empreendimentos, que
no centro da cidade de São ainda têm pendências, que
Paulo para formalizar um acessem os equipamentos.
pedido de reunião e entre- No ato em frente a Funa-
ga de carta com reivindica- sa em São Paulo, os repre-
ções da categoria. No dia sentantes que participaram
anterior, os representantes da reunião comunicaram o
do MNCR, conseguiram es- acordo aos demais Catado-
tabelecer dialogo com os res. Depois protocolaram o
dirigentes da Funasa em documento no órgão.
Brasília por meio de uma A passeata saiu em mar-
reunião à distância. Nela cha pelas ruas de São Pau-
foram apresentadas rei- lo para apoiar a ocupação
vindicações para que fos- que acontecia na Câmara
sem liberados recursos de Municipal de São Paulo.
projetos já aprovados para Os Catadores de São Pau-
aquisição de equipamen- lo estão em luta contra a
tos e infraestrutura para venda de imóveis públicos
cooperativas e associações pelo Prefeito João Dória
dutos, onde diversas co- mos direito a moradia e o para os militantes do Movi-
de Catadores em todo o que pretende aprovar um
operativas utilizam atu- direito de ir e voltar. Não mento Estudantil, Servidores
Brasil. A categoria espera Projeto de Lei que dará
almente para o trabalho. queremos que São Paulo Municipais e Movimentos de
a três anos a liberação dos “carta branca” para que
“Nós Catadores e Cata- esteja à venda. A cidade Moradia que ocuparam con-
equipamentos. sejam vendidos todos os
doras estamos aqui para é de todos nós”, declarou juntamente a Câmara contra
Na reunião foi acordado terrenos ou construções
dizer que também esta- Eduardo Ferreira de Paulo, a lei de privatizações e o fim
o compromisso de que os públicas, assim como via-
mos nessa luta. Quere- no alto do carro de som, do passe-livre estudantil.

fotorreportagem Fotos tiradas pelos participantes do Curso: Comunicadores


Populares - “Comunicando Realidades e Abrindo Portas de
Comunicação”, numa inserção à distância da “Croacolândia”

das realidades Fot´ógrafos populares: José Pereira, Wanderley , Suse Manoela,


J´éssica Araújo, Elaine Santos e Keli Dantas

A vida na rua, com as drogas, na “Cracolância”

8 São Paulo, Agosto e Setembro de 2017

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