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Artigo

A REVOLUÇÃO TECNOCIENTÍFICA E A DISTOPIA NO IMAGINÁRIO


OCIDENTAL

Rogério Bianchi de Araújo1

Resumo: Podemos dizer que hoje passamos por uma Revolução Científica e
Tecnológica. Com isso, ficamos apreensivos frente às incertezas, além de
alimentarmos utopias e distopias acerca do futuro. Invenções maravilhosas
e deslumbrantes por um lado, por outro, futuros sombrios e inoperantes. O
homem teria se tornado vítima do progresso da dominação técnica? Neste
artigo procuro evidenciar o imaginário distópico. A distopia é importante.
Ela traz um incômodo e uma mensagem intrínseca de fazermos algo. Uma
propensão à ação. É nesse sentido que o imaginário distópico tem um
papel relevante. Serve como alerta e como crítica. A distopia no campo do
imaginário exerce um poder de crítica e persuasão com o poder de chocar
e abalar lógicas, certezas, verdades absolutas. Por isso, faz-se importante
observar e analisar as manifestações literárias, cinematográficas e artísticas
como reprodutoras de uma espécie de imaginário do medo, mas jamais de
resignação.

Palavras–Chave: distopia, imaginário, tecnociência, futuro e sociedade.

Revolution techno and dystopia in the Western imagination

Abstract: We can say that today go through a scientific and technological


revolution. With this, we were apprehensive in the face of uncertainty, and
feed on utopias and dystopias of the future. Stunning and wonderful
inventions on the one hand, on the other, future dark and inoperative. The
man would have become a victim of the dominance of technical progress?
In this paper I highlight the dystopian imagery. The dystopia is important.
She brings a nuisance and an intrinsic message of doing something. A
propensity for action. In this sense, the dystopian imagery plays an
important role. It serves as a warning and critical. The dystopia in the field
of imagery plays a critical power and persuasion with the power to shock
and shake logic, certainty and absolute truths. Therefore, it is important to
observe and analyze the manifestations of literary, artistic and
cinematographic and reproducing a kind of imaginary fear, but never
resigned.

1
Doutor em Ciências Sociais/Antropologia pela PUC-SP. Docente do Curso de Ciências Sociais da
Universidade Federal de Goiás - Campus Catalão. E-mail: rogerbianchi@uol.com.br.

Revista Brasileira de Ciência, Tecnologia e Sociedade, v.2, n.1, p.2-11, jan/jun 2011.
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Keywords: dystopia, imaginary, techno, future and society.

Introdução

Vivemos um período de total metamorfose. Com a revolução científica e


tecnológica o mundo se reorganiza numa velocidade impressionante e isso nos obriga
a aprender a lidar com as incertezas. O futuro é totalmente incerto e como
consequência há um aumento no número de utopias e distopias acerca da realidade
que ainda não se realizou. Nesse emaranhado de possibilidades, procuramos dar
sentido e refletir sobre a fluidez contemporânea, mas ainda sem sucesso.
Paradoxalmente, ao mesmo tempo em que estamos cercados de invenções
maravilhosas e deslumbrantes, também alentamos futuros sombrios e inoperantes.
Junto com o domínio da ciência e da técnica trazemos a imagem do caos. Passados e
projetos de futuro se esvaem e dão lugar a presentificação e ao efêmero. Está cada vez
mais difícil concatenar passado, presente e futuro numa unidade temporal e espacial.
Parece que são etapas totalmente distintas e independentes. A civilização
tecnocientífica é a negação desses dois tempos. A rapidez e a fluidez advindas da
ciência e da técnica, de forma pragmática, compreendem a atividade e o exercício do
pensamento como um luxo desnecessário.
Para Adorno e Horkheimer (1985), a concepção instrumental da ciência e o
desenvolvimento técnico em bases de conhecimento científico, exercem imenso poder
sobre a sociedade e permite a realização de sociedades totalitárias. A racionalidade
técnica encoraja o poder dos economicamente mais fortes sobre a própria sociedade.
O que está por detrás deste domínio é o fortalecimento de uma indústria cultural que
contribui significativamente para o enfraquecimento e empobrecimento das relações
sociais entre os homens e destes com a natureza. O homem teria se tornado vítima do
progresso da dominação técnica.
Muitos autores, portanto, afirmam que vivemos uma era vazia, carente de
valores, projetos, ideais. Segundo Jean Baudrillard (2003), estaríamos vivenciando uma
verdadeira revolução antropológica, isto é, uma revolução tecnocientífica que tende a
levar a um empobrecimento definitivo do homem e uma ressignificação dos sujeitos.
Com o advento da revolução tecnocientífica, a interação entre o homem e o
mundo transmutou-se e fica cada vez mais difícil formatar uma imagem do que é o
humano. Isso ocorre porque ainda temos no nosso imaginário toda a herança do
passado iluminista. A grande questão hoje é entender qual o lugar do homem na nova
configuração do mundo.

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Pensar a civilização tecnocientífica significa pensar também a nova condição


humana. Com a crescente tecnicização e mercantilização do mundo estaríamos
vivendo o fim de uma ideia de civilização, diante de um novo mundo de reprodução
automática. Quanto maior o avanço das pesquisas científicas, maior é o nosso
sentimento de distância do entendimento.
A tecnociência pede novos saberes. Hoje presenciamos o enfraquecimento de
uma racionalidade que se exercia nos domínios do saber. Cresce a indefinição, cresce a
incerteza, consequentemente criam-se novas exigências. Trata-se, nas palavras de
Bauman (1999), do mal-estar da pós-modernidade.
O momento da revolução técnica escapa ao entendimento humano. Criamos
uma multiplicidade de entendimentos e tendências que não damos conta. Heidegger
(2002) já havia prognosticado que a aliança da metafísica com a ciência e a técnica
pode ser fatal para a humanidade. A técnica ganha tal autonomia que as coisas são
colocadas em andamento sem sequer terem sido previamente planejadas. Nesse
sentido, a técnica é, em si, algo que o homem não pode controlar. Ao invés da técnica
estar em nosso poder, quando menos esperamos nos vemos sob o seu domínio.
A revolução tecnocientífica que se insinua no vazio dos pensamentos novos, faz
com que os fatos científicos passem a dominar toda a vida social e política. Mas é na
ausência que os meios da imaginação, carregadas de subjetividades, sensibilidades e
desejos ajudam a criar estilos de vida, concepções de mundo e até mesmo
pensamento crítico. Creio ser impossível a abolição das ficções, ou seja, as obras do
espírito, o pensamento, a metafísica, as artes, as teorias. É por isso que o imperativo
da tecnociência traz junto consigo o imaginário distópico que nos conscientiza e
resgata o lugar do humano.

A imaginação do futuro

A imaginação do futuro é algo inerente à modernidade, que se manifesta


periodicamente por meio de linguagens científicas, filosóficas e artísticas. Segundo
Ianni (2006), o mundo moderno sempre se lança no futuro por meio de suas criações
filosóficas, científicas e artísticas,

(...) caminhando entre as condições e as possibilidades da razão e da


fabulação, envolvendo o real e o ideal, o racional e o imaginado, o
possível e o impossível. (...) Por meio de previsões cientificas,
reflexões filosóficas e fabulações artísticas, em cada época
multiplicam-se explicações, inquietações e fantasias sobre o que
poderá ser o futuro, próximo e distante. (...) Diante das audaciosas
criações artísticas, científicas e filosóficas em curso na época,
florescem explicações e fabulações, por meio das quais se projetam
imagens, metáforas e alegorias sobre o futuro. (IANNI, 2006, p. 9-11)

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O imaginário não é apenas cópia do real; seu veio simbólico agencia sentidos,
em imagens expressivas. A imaginação liberta-nos da evidência do presente imediato,
motivando-nos a explorar possibilidades que virtualmente existem e que devem ser
realizadas. O real não é só um conjunto de fatos que oprime; ele pode ser reciclado em
novos patamares.
Segundo Durand (1997), o imaginário é o “conjunto das imagens e das relações
de imagens que constitui o capital pensado do homo sapiens”, o grande e fundamental
denominador onde se encaixam todos os procedimentos do pensamento humano.
Parte de uma concepção simbólica da imaginação, que postula o semantismo das
imagens, que conteriam materialmente, de alguma forma, o seu sentido. Em Durand,
não existe verdadeira diferença entre simbólico e imaginário, uma coisa contamina a
outra, tanto que sua investigação se dá sobre a imaginação simbólica.
A imaginação contribui significativamente para a compreensão e superação da
realidade. Além de permitir atingir o real ela possibilita enxergar aquilo que ainda não
se tornou realidade. As imagens são construções que tem por base as nossas
experiências visuais anteriores. Como o nosso pensamento é de natureza perceptiva
tendemos a produzir imagens em abundância. Elas são, dessa forma, parte integrante
do ato de pensar.
O imaginário possui um compromisso com o real e não com a realidade. Mas o
que é o real? Ele é a interpretação que os homens atribuem às coisas e à natureza. É,
portanto, uma realidade percebida através dos sinais ou signos de referência. Tanto a
imagem como o símbolo constituem representações. Os homens atribuem significado
aos objetos e isso é o elemento consciente do universo simbólico. Como consequência,
as imagens e a dinâmica do imaginário são identificadas aos símbolos.
É comum opor o imaginário ao real, ao verdadeiro. O imaginário seria uma
ficção, algo sem consistência, algo totalmente distinto da realidade econômica, política
ou social, considerada palpável e tangível. Essa tradição é quebrada principalmente a
partir dos anos 1930 e 1940 com a obra de Gaston Bachelard, o Bachelard da
“psicanálise do fogo”, dos sonhos, das fantasias, das construções do espírito. Ele
procurou demonstrar que as construções mentais poderiam ser eficazes em relação ao
concreto. Na esteira de Bachelard, surge Gilbert Durand. Gilbert Durand trabalhou na
confluência da tradição literária romântica e da antropologia, tendo escrito uma obra-
prima: As Estruturas antropológicas do imaginário. A sua reflexão recuperou o que
tinha sido deixado de lado pela modernidade e indicou como o real é acionado pela
eficácia do imaginário, das construções do espírito.
São diversos e complicados os futuros imagináveis, sobre os quais podemos
refletir. Nesse caso a reflexão paira sobre a distopia. Enquanto o século XVI nos deu o
termo “utopia”, o século XX nos deu a “distopia” ou utopia negativa. O movimento da
utopia para a distopia é a marca da sociedade contemporânea. Enquanto as utopias
buscam a emancipação ao visualizar um mundo baseada em ideias novas que tem por
característica comum serem negligenciadas ou rejeitadas; as distopias procuram
demonstrar tendências contemporâneas que podam a liberdade humana.

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Imaginário distópico

Como uma das características principais hoje é o predomínio da tecnociência e


a valorização da técnica na existência é importante destacar o papel das tecnologias do
imaginário, tais como o cinema, a televisão, a literatura, consideradas os instrumentos
ou tecnologias de criação de imaginários. O imaginário é alimentado e estimulado por
essas tecnologias, por isso tanta repercussão do termo imaginário hoje, sobretudo nos
meios de comunicação.
O imaginário distópico é fomentador do medo. Traz a realidade daquilo que
pode vir a ser por meio de um quadro tenebroso do futuro. Esse medo revelado é
fomentador de desejos e indignações perante o real.
A distopia revela o medo da opressão totalizante. A distopia apresenta alguns
traços que lhe são característicos: costumam explorar moralmente os dilemas
presentes que refletem negativamente no futuro, oferecem crítica social e apresentam
as simpatias políticas do autor, exploram a estupidez coletiva, o poder é mantido por
uma elite pela somatização e consequente alívio de certas carências e privações do
indivíduo, possuem discurso pessimista, raramente “flertando” com a esperança.
A distopia no campo do imaginário exerce um poder de crítica e persuasão com
o poder de chocar e abalar lógicas, certezas, verdades absolutas. Por isso, faz-se
importante observar e analisar as manifestações literárias, cinematográficas e
artísticas como reprodutoras de uma espécie de imaginário do medo, mas jamais de
resignação.
Qual a diferença fundamental entre o utópico e o distópico? O utópico remete
à ideia alargada de utopia como representação e projeção factível de uma situação
futura na qual os valores, regras e instituições estejam acordados com aquilo que se
considera ideal; o viés da distopia inverte a perspectiva utópica, uma vez que o futuro
é previsto como pior que o presente, decorrência nefasta de um projeto coletivo. Mas
a distopia é importante. Ela traz um incômodo e uma mensagem intrínseca de
fazermos algo. Uma propensão à ação. É nesse sentido que o imaginário distópico tem
um papel relevante. Serve como alerta e como crítica.
A realidade que nos cerca e sob a qual estamos inseridos é uma construção
social e, como tal, pode ser desconstruída e reconstruída. O mesmo se faz com o
caminho da utopia, isto é, uma sucessão de construções e desconstruções,
encantamentos, desencantamentos e reencantamentos. A construção das utopias é
alimentada pelas desconstruções antiutópicas. Trata-se de um processo de reciclagem
e retro alimentação incessante e constante.
As distopias tecnológicas têm por pressuposto imaginar um futuro a partir do
presente onde os sonhos utópicos tecnológicos esgotam-se completamente. Os
desejos utópicos, ao se realizarem no presente, transformam-se em completos
pesadelos. A imaginação estética de um futuro sombrio remete às advertências
profundas sobre o papel da ciência como poder.

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Faz-se a crítica de um presente dominado pela tecnologia e pela razão


instrumental e do domínio vociferador do homem em relação à natureza. A
imaginação de um futuro insuportável expõe a indeterminação, as construções abertas
de sentido, a diluição dos limites (SARLO, 1997).

Futuros Pós-Apocalípticos

Francis Bacon, em 1624, na sua obra “Nova Atlântida” imaginava uma utopia
em que uma tecnologia maravilhosa, tanto no campo das comunicações quanto no
campo dos transportes, contribuiriam para uma sociedade humana perfeita. Já Mary
Shelley, quase dois séculos depois, publicou “Frankenstein” e fez uma advertência
sobre os exageros do uso da ciência por parte dos seres humanos.
Utopia e distopia concorrem no imaginário humano quando o assunto é
tecnologia, ciência e sociedade. Enquanto os “tecno-utópicos” sonham, o fantasma de
Mary Shelley nunca está muito distante. Diante das catástrofes climáticas recentes,
dos acidentes nucleares, do consumo desenfreado e a consequente desvalorização do
que seja o humano, parece que a distopia vem cada vez mais ganhando terreno frente
a um futuro utópico e tecnológico. A distopia, de perspectiva apocalíptica tem o papel
de crítica em relação aos descalabros do uso desenfreado da tecnologia.
Alguns cientistas temem que um futuro distópico ainda mais sombrio seja
causado pela tecnologia. Outros postulam uma “era pós-humana”, o qual acarretaria
em problemas teológicos, filosóficos, éticos, sociológicos e jurídicos dos possíveis
avanços da biotecnologia.
Num mundo marcado principalmente pela estética e pela força da imagem
penso que o cinema tem a possibilidade de trazer boas referências para pensar a
construção da utopia ou fazer a crítica por meio da representação da estética
distópica. Perspectivas e visões diferentes da vida sob ângulos completamente
díspares só são possíveis através da arte e o cinema é a experiência estética que mais
nos aproxima da ambiguidade do olhar. No tempo do homem transformado em coisa,
quando as utopias não movem mais fantasias, o que resta ao diretor de cinema, ao
poeta, ao romancista, etc. é, ao menos, acusar a distopia.
Os filmes distópicos ilustram um futuro hipotético que tem o passado e o
presente como referência. Tentam responder a seguinte questão: “O que será do
mundo se hoje as coisas são feitas e pensadas dessa forma?” Segundo Sarlo, a arte não
tem que ser otimista e sim oferecer uma perspectiva de verdade.
Com o teor precavido de Mary Shelley, procuro ilustrar a advertência do abuso
tecnológico com alguns filmes que não tem por objetivo criar a fobia da ciência, mas
temperar a crítica da contemporaneidade com algumas “realidades” que só podem ser
vivenciadas por meio da chamada sétima arte.
Uma distopia urbana clássica é o filme Blade Runner: O Caçador de Andróides
(1984), ambientado na Los Angeles de 2019, uma somatória de guetos governada pela

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economia e pela técnica. A arquitetura e as ruas são caóticas, numa sociedade


dominada por gangues e espaço público totalmente decadente cercada de
miserabilidade humana. Os replicantes querem conquistar o “humano do homem”.
Nesse aspecto destaca-se a busca pela memória, pelo sentido e a identidade do que é
o humano. É o maior exemplo do homem-máquina, do pós-humano, do fim do sujeito
de que falava Baudrillard.
A chuva ácida, as enormes imagens de neón, a confusão de culturas díspares, o
estrago causado pela biotecnologia, toda essa paisagem escabrosa está sob a égide da
Tyrrell Corporation. O cenário de Blade Runner é de decadência urbana, com edifícios
antes imponentes, agora demolidos, ruas cosmopolitas apinhadas, centros comerciais
intermináveis, montes de lixo e garoa cinzenta constante. O que marca essa triste
paisagem é um progresso em ruínas. A construção da utopia desenvolvimentista cede
lugar à desconstrução da utopia urbana. Trata-se de uma projeção do que virá pela
frente, com cidades superpopulosas e violentas, meio ambiente destruído e o domínio
econômico das corporações. Sem dúvida, uma projeção um tanto quanto catastrofista
e cética que desconstrói qualquer tipo de utopia urbana. Na Los Angeles do filme
chove o tempo todo, nunca se vê o sol e nas ruas se fala um dialeto que mistura inglês,
chinês e outras línguas. Corresponde à existência de cidades multi-étnicas, onde estão
presentes outros elementos como violência, solidão, burocracia, neocolonialismo,
individualismo, degradação urbana e desintegração social - mas, principalmente um
sistema econômico e social dominado pela razão técnica e pelo medo – e que leva o
homem inexoravelmente para a destruição física e emocional.
Na produção cinematográfica contemporânea, principalmente nas
superproduções hollywoodianas, há vários exemplos que nos alertam quanto ao
perigo e a perturbadora realidade de futuros pós-apocalípticos.
O filme O Livro de Eli (2010) é um daqueles filmes distópicos sobre um futuro
tenebroso, onde a ética, moral, respeito, solidariedade estão completamente ausentes
em uma Terra devastada pela própria estupidez humana. Num cenário desolador e de
total destruição, a água é um dos bens mais valiosos. As gangues estão por toda parte
dando a entender que afinal, o que sobrevive é a escória humana.
São 30 anos pós devastação e poucas pessoas sabem ler nesse futuro sombrio.
Para aqueles que sobreviveram ao holocausto, a leitura é um poderoso instrumento de
poder. Apenas um exemplar da Bíblia sobrevive e ela passa a ser objeto de desejo.
Aqui a dicotomia o bem contra o mau volta a se apresentar nas tramas
hollywoodianas. A Bíblia é cobiçada por Carneggie, o vilão da história e deve ser
protegida por Eli que pretende levá-la para o Oeste na busca pela reconstrução da
humanidade. O embate utopia e distopia mais uma vez aflora.
No filme “A Estrada” (2010) um evento cataclísmico atingiu a terra,
devastando-a por completo. Pai e filho resolvem partir rumo ao oceano na busca
desesperada pela sobrevivência, unidos apenas pela força de vontade. A maior ameaça
nesse futuro pós-apocalíptico é o canibalismo como forma de sobrevivência.
Simbolicamente, o canibalismo acaba com qualquer resquício de humanidade.

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O cenário cinza, a ausência de luz solar e o frio excessivo são assustadores. A


decadência, a depressão e o vazio são imperativos no filme. Definitivamente, não há
espaço para nenhuma esperança ou sonho utópico. Em momento algum o filme conta
como foi que se deu a destruição do planeta, mas é inevitável pensarmos que o
próprio homem pode ser a principal causa de sua auto-destruição.
Já 2012, é um filme de 2009 apocalíptico por excelência. Evidencia o estilo cine-
catástrofe. O título do filme se baseia em eventos apocalípticos que foram previstos
num antigo calendário dos povos Maias e que pode ter como consequência o fim da
civilização humana. O filme procura retratar o fim do mundo aliando estudos
científicos com crenças antigas.
Mas as distopias não se devem apenas a catástrofes ambientais, efeito do uso
desenfreado da tecnologia e da ciência pelo homem. No filme Idiocracy (2006) as
pessoas inteligentes morrem mais cedo e sem filhos e os idiotas vivem mais e tem mais
filhos. O resultado disso é que gradualmente a raça humana está ficando mais idiota.
Consumo desenfreado, programas de televisão cada vez mais fúteis e excesso de
produção de lixo dão a tônica de um futuro idiotizado. O ator principal tem a grande
oportunidade de voltar no tempo e fugir daquele caos na qual a humanidade se
tornou, mas ele era o presidente dos EUA de então. Depois de uma breve reflexão
resolve ficar e ajudar a retomar a humanidade perdida. No seu discurso alerta as
pessoas para que voltem a ler e voltem a estudar.
Sem dúvida, Idiocracy lembra muito as críticas feitas por Nicholas Carr. Num
polêmico ensaio que publicou em 2008 no The Atlantic, o autor Nicholas Carr
perguntava se “o Google nos está a tornar estúpidos”. Aprofundou seu ensaio e o
transformou num livro com o título “The Shallows: O que a Internet está a fazer com o
nosso cérebro”, que fala sobre a estrutura do cérebro e os efeitos que a constante
estimulação tem na nossa capacidade de nos concentrarmos, recordarmos,
racionalizarmos e até mesmo relacionarmos uns com os outros.
Para Carr, a Internet não está nos tornando mais espertos, mas sim mais
distraídos. Nosso intelecto, ao se acostumar aos múltiplos estímulos das redes sociais,
aos e-mails e aos comunicadores instantâneos, perderia a capacidade de raciocínios
elaborados.
Por fim, o cinema contemporâneo também se preocupa com os abusos da
biotecnologia. No filme Splice: A Nova Espécie (2009), o pano de fundo é a
manipulação de DNA com a finalidade de descobrir a cura para muitas doenças.
Discutem-se os dilemas morais e éticos da manipulação genética. Splice nos remete a
uma discussão mais filosófica de até onde podem ir os limites da ciência.
Portanto, vê-se que o imaginário distópico, em tempos de incerteza, tenta
prognosticar alguns sintomas, medos, catástrofes em nosso imaginário com o intuito
de resgatar e fortalecer alguma racionalidade ética no sentido mais profundo do que
seja a vida, a solidariedade e o próprio conceito de humanidade.

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Considerações Finais

Segundo Morin (2003), existe um método cientifico para considerar e controlar


os objetos da ciência, mas não existe método cientifico para considerar a ciência como
objeto de ciência, e ainda menos o cientista como sujeito deste objeto. Não existe
ciência da ciência. Morin propõe um método capaz de detectar as ligações, as
articulações, as solidariedades, as implicações, as imbricações, as interdependências e
as complexidades.
Faz-se necessário que toda ciência se interrogue sobre as suas estruturas
ideológicas e o seu enraizamento sociocultural. Morin entende que nos falta uma
sociologia do conhecimento científico que seja mais complexa que a ciência que
examina. As descobertas realizadas pelo homem nem sempre são usadas a favor da
vida ou das sociedades humanas. Com o advento das tecnociências, as inovações,
descobertas e políticas tecnológicas devem passar por um crivo mais rigoroso de crítica
e análise.
Se a ciência e consciência não caminharem juntas, corremos o risco de que a
distopia que hoje está apenas no campo do imaginário do cinema e da ficção, torne-se
de fato parte de nossa realidade. O progresso da ciência passa pelo fortalecimento da
ética e do conhecimento de si mesmo.
Diante da complexidade dos problemas contemporâneos, a abertura da ciência
para a cultura das humanidades e a religação de todos os saberes numa abordagem
transdisciplinar pode favorecer a construção de verdadeiras utopias e não o lamento e
choque proporcionado pelas distopias tecnológicas.

Referências

ADORNO, Theodor W., HORKHEMEIER, Max. A Dialética do Esclarecimento. Rio de


Janeiro: Ed. Jorge Zahar, 1985.
BAUDRILLARD, Jean. A sociedade de consumo. Lisboa: Edições 70, 2003.
BAUMAN, Zygmunt. O mal-estar da pós-modernidade. Rio de Janeiro: Jorge Zahar,
1999.
BRANDÃO, Carlos Antônio Leite. As Cidades da Cidade. Belo Horizonte: Editora UFMG,
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DAVIS, Mike. Ecologia do Medo. Rio de Janeiro: Editora Record, 2001.
DURAND, Gilbert. As estruturas antropológicas do imaginário. São Paulo: Martins
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HEIDEGGER, Martin. A questão da técnica. In Ensaio e Conferências. Petrópolis/RJ:
Editora Vozes, 2002.

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IANNI, Octávio. Futuros e Utopias da Modernidade. In O Futuro: continuidade/ruptura.


São Paulo: Anablumme, 2006.
MORIN, Edgar. Uma ciência com consciência. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2003.
NOVAES, Adauto (org.). Mutações: Ensaios sobre as novas configurações do mundo.
São Paulo: Edições Sesc, 2007.
SARLO, Beatriz. Paisagens imaginárias: intelectuais, arte e meios de comunicação. São
Paulo: EdUSP, 1997.

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