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3.

Antecedentes da industrialização pesada e Segundo Vargas (1946-1995)

3.1 Liberalização e crise cambial

BASTOS, P. P. Z. | O presidente desiludido: a campanha liberal e o pêndulo de política econômica no


governo Dutra (1942-1948)

A política de Dutra é frequentemente descrita como um pêndulo: a princípio a prioridade recaiu sobre um
plano de estabilização inflacionária, apoiado em reformas liberais e estabilidade do câmbio nominal. A
inflação tinha origens, a partir do diagnóstico do governo, vindas da herança intervencionista do Estado
Novo, de maneira que controlar os preços exigia liberar mecanismos de mercado e limitar influências
nocivas do governo. Logo na metade do mandato, todavia, uma crise cambial fez com que o governo
voltasse atrás na abertura comercial, e a finalidade deste movimento era defender reservas cambiais e
resguardar importações essenciais, embora sem reverter a abertura financeira que foi posta inicialmente.
O artigo de Bastos considera que a crise da estratégia liberal não resultou, de fato, de uma reviravolta
desenvolvimentista, admitindo que proveio de sua própria insustentabilidade econômica, manifesta na
crise cambial que induziu a reversão.

A campanha eleitoral de 1945 foi uma disputa entre os programas de Eduardo Gomes, da UDN, e de Eurico
Gaspar Dutra, do PSD, e colocou o combate à inflação no centro da roda de discussão. Na agenda que
marcou o início do governo Dutra, era central conter o déficit público e liberar importações para restringir
os “lucros extraordinários” que, alegava-se, industriais locais gozavam com a inflação, às custas de
consumidores e sob proteção estatal; ao mesmo tempo, força-los a modernizar-se para atenderem ao
mercado interno, em condições de menor escassez de divisas e maior concorrência. É importante ressaltar
que o projeto não defendia uma política anti-industrial ou defensora da “vocação agrária” do Brasil.
Tratava-se, sim, de liberar o sistema de preços para conter a inflação e induzir um crescimento mais
“equilibrado” dos setores urbanos e rurais, esperando até um “reaparelhamento” modernizante da
indústria, com base nas expectativas ilusórias sobre a reconstrução da economia mundial no pós-guerra
e sobre o papel privilegiado que o Brasil manteria na ótica do Departamento de Estado.

A metáfora do pêndulo é composta, portanto, pela mudança de política econômica do Governo Dutra
após notar a ineficácia de seu projeto inicial (presidente desiludido). Este pêndulo resultou da própria
crise econômica do projeto liberal. Assim, o elogio da substituição de importações, que se seguiu à crise
da estratégia de abertura, não resultou de uma preferência apriorística pelo nacional contra o importado,
mas do fato de reagir a um problema inescapável: a necessidade urgente de superar ou atenuar a crise
cambial, limitando seus impactos negativos sore o controle inflacionário, mas empurrando a agenda
política, depois da crise, em um sentido nitidamente favorável ao retorno varguista.

A campanha liberal e a mudança da agenda econômica (1942-1946)

Primeiramente, é necessário argumentar que os motivos de liberalização cambial entre fins de 1945 e
meados de 1947 precisam ser interpretados à luz da crise do Estado Novo e dos debates quanto às causas
da inflação brasileira e às formas de superá-la. A crise inflacionária corroía os salários dos brasileiros, e as
interpretações liberais do tema não demorariam a surgir e ser difundidas, principalmente por Eugênio
Gudin e Otávio Gouvêia de Bulhões. A partir de 1941, sugeriam ver a inflação não apenas como resultado
do desabastecimento inerente a uma economia de guerra, como também de déficits fiscais e da excessiva
emissão monetária.
Segundo Bastos, o marco inicial desta campanha pública iniciou-se quando Gudin deu uma entrevista ao
Jornal do Comércio, em 1942, na qual criticava os lucros extraordinários que a economia de guerra
propiciava aos industriais, resguardados da competição externa. Assim, à medida que a inflação subia, o
predomínio destas interpretações se consolidava, associando-se às críticas ao protecionismo reivindicado
pelos industrias para o pós-guerra. É seguindo esta linha que Gudin defende, por exemplo, a taxação de
lucros extraordinários.

O projeto dito liberal entrava em confronto direto com o projeto industrialista-intervencionista do


governo anterior e de outros defensores que participavam do debate público. O mais conhecida embate
foi o ocorrido no interior do Conselho Nacional de Política Industrial e Comercial (CNPIC) e da Comissão
de Planejamento Econômico (CPE). No campo liberal encontrava-se o já citado Eugênio Gudin, enquanto
no outro campo estava Roberto Simonsen, relator do projeto de planificação do CNPIC. Em linhas gerais,
Simonsen defendia a intervenção estatal no fomento ao desenvolvimento industrial e financiamento
norte-americano de governo a governo. Gudin, por outro lado, propunha restaurar sinais de mercado por
meio de abertura externa e controle da inflação, para que recursos privados fossem alocados de maneira
eficiente entre setores urbano e rural. O embate foi bastante conturbado, e além da questão
dirigismo/livre iniciativa (interno/externa), foi à inflacionária que Gudin direcionou as críticas de maior
apelo político às propostas de Simonsen.

A crítica à inflação pegou, e o argumento de Gudin ganhou a atenção do público. Afirmava-se que parte
dos investimento públicos era necessidade imposta pela economia de guerra, mas a maioria não era.
Como resultado, uma economia que já estaria operando sobre pleno emprego antes da guerra passara a
funcionar além de sua capacidade, provocando fortes e crescentes pressões inflacionárias, plenamente
acomodadas pela política de crédito emissionista do governo. Os beneficiários seriam não só os
especuladores comerciais e imobiliários, mas também os industriais agraciados com lucros
extraordinários. Sendo assim, Gudin defendia combater a inflação não apenas com uma gestão mais
responsável do orçamento e da moeda, mas com reformas estruturais do modelo de desenvolvimento do
país: restaurar a eficácia alocativa do livre mercado, por meio de diminuição da proteção comercial e da
liberalização de investimento do estrangeiro.

A principal reação de Getúlio Vargas à campanha econômica liberal foi desastrosa. Ele não podia aceitar
a identidade entre excesso de governo e inflação, em um momento em que manter a popularidade junto
às massas urbanas reforçaria a estratégia de conduzir pelo alto a transição política. Mas, colocado na
defensiva, reagiu com o decreto-lei que viria a ser apelidado por seus opositores de Lei Malaia (no 7.666,
de 22/06/1945), transferindo a responsabilidade pela inflação aos “trastes e cartéis” formados para
cometer “atos contrários à economia nacional”, explorando a miséria e a impotência do povo. A reação
contra a nova lei assumiu características de uma verdadeira campanha contra a “estatização”, envolvendo
manifestação de diversas entidades.

A agenda liberal e o projeto original do Governo Dutra (1946-1948)

Importante, primeiramente, realçar as diferenças entres o projeto de governo e o programa liberal. Em


primeiro lugar, o objetivo das medidas de liberalização não era restaurar a “vocação agrária” contra a
industrialização do País. Pelo contrário, considerava-se que a liberalização de importações e o aumento
da concorrência forçariam o setor industrial a realizar importações complementares para se modernizar.
Logo, a abertura deveria resultar em um setor industrial mais eficiente. A liberalização de importações
conjugaria aumento da capacidade de produção e da oferta importada de bens de consumo.
No que concerne as liberalizações dos fluxos de capital estrangeiro, havia a esperança de colaboração na
“exploração de nossos recursos nacionais”, tendo em vista particularmente a participação estrangeira na
exploração e no refino de petróleo. A mensagem enfatizava que a tomada de empréstimos privados havia
sido substituída por empréstimos de governo a governo, enquanto a forma de aplicação privada por
excelência se tornava o investimento direto: atraí-lo era o motivo da liberalização de remessas. A atração
de filiais deveria modernizar a economia sem a necessidade de estatais, mas não para um retorno à dita
“vocação agrária” brasileira.

A crise cambial originada deste novo paradigma da economia nacional era definida por Vargas como uma
crise oriunda do boom importador de bugigangas. A visão de que a crise cambial de 1947 resultou
principalmente do desperdício de reservas cambiais com importações supérfluas de bens de consumo
duráveis e viagens internacionais popularizou-se depois da primeira interpretação oficial, a do relatório
da CEXIM, apresentado em junho de 1947, antes de instituir-se novo regime de licença prévia. Esta
interpretação não corresponde, como afirma Bastos, completamente à realidade da época. Na realidade,
a crise cambial se deveu também a que o saldo comercial tenha caído rapidamente em 1947, contando
ainda com expansão de importações de bens de capital, respectivamente de 47% e 57%, em 1946 e 1947,
mais que dobrando no biênio; o surto de importações se tenha concentrado particularmente em moedas
conversíveis (60% oriundas dos EUA), dada a lentidão da reconversão produtiva das demais economias
industriais afetadas pela guerra, com as quais o país mantinha acordos de compensação bilateral; as
exportações se tenham centrado em moedas inconversíveis, retidas como créditos nos acordos bilaterais;
etc. Em suma, a liberalização comercial não se mostrou viável e desaguou em crise cambial em razão de
fragilidades inerentes à condição periférica do país nos planos econômico, político e cultural do mundo
capitalista pós-Segunda Guerra, em particular da incapacidade de obter financiamento externo no
montante desejado.

Alternativas conscientes à crise cambial (1947-1948)

Quando a crise cambial eclodiu em 1947, o governo foi coerente. Justificou publicamente a restauração
de um regime de licenças prévias de importações, que priorizava as complementares e dificultava
concorrentes, pela necessidade de continuar aparelhando a indústria, garantindo o crescimento da
produção interna em conjunto com a demanda interna. Controlando o acesso às reservas escassas,
também buscava evitar uma desvalorização cambial e seu impacto inflacionário.

A esperança de que a confiança externa aumentaria e vultuosos investimentos do estrangeiro tomariam


conta do País mostrou-se frustrada. Na verdade iniciou-se um movimento importador sem discriminação,
a fim de abastecer o mercado interno. Não havendo, a princípio, critério seletivo nessa importação, ao
invés de nos concentrarmos em artigos que fossem bens de produção, despendemos parte apreciável de
nossos créditos em bens de consumo. A saída seria, portanto, controlar as importações para fomentar
sua substituição por produção doméstica.

A crise cambial significou a perda de ilusões e a tomada de consciência de uma realidade internacional
hostil. Fez-se necessário admitir publicamente esta tomada de consciência, principalmente para antecipar
e desarmar as críticas da oposição, ao alegar que o governo já tomara as iniciativas exigidas pelo
momento.
3.2 O Projeto Varguista

DRAIBE, S. | Rumos e Metamorfoses – Estado e industrialização no Brasil (1930 – 1960)

Capítulo 3 – O segundo governo de Vargas: Avanços e resistências

Em 1951, Vargas retorna ao poder junto à aspiração de uma industrialização acelerada como condição
para o progresso social e a autonomia nacional. Há diferenças em relação ao projeto dos anos 30, uma
vez que este novo é mais aprofundado e não responde apenas ao vocabulário centralizador do projeto
anterior. Isso quer dizer que o novo governo teve muito mais a ver com o futuro do que com o passado
que a continuidade da personagem poderia sugerir.

De um lado, sugere-se um processo contínuo e linear de montagem da armação institucional do Estado


que, progressivamente, foi criando órgãos e instrumentos de regulação e intervenção, culminando em
formidável centralização de comandos ao final de década de 50. De outro, enfatizam-se características
inéditas da estrutura técnico-administrativa do Estado e da ordenação de interesses nela imbricados,
introduzidas com o Plano de Metas.

O plano geral de desenvolvimento econômico e social

Não havia um plano de industrialização formal e sistemático com metas bem definidas e quantificadas
sob a forma de um planejamento econômico e social. Porém, é inegável que definiu e ordenou seu
movimento segundo um plano de desenvolvimento econômico e social de grande envergadura, apoiado
em um diagnóstico profundo da economia e da sociedade brasileiras. O que na verdade acabou se
definindo foi um plano em várias direções, considerando um programa de desenvolvimento da
agricultura, bloco de inversões visando a industrialização pesada, desenvolvimento urbano e uma visão
de integração das massas trabalhadoras urbanas a partir de uma política de bem-estar social.

A novidade nesses sistema todo foi que, pela primeira vez, de modo claro, integrado e compatibilizado,
essas questões foram equacionadas e pensadas como constitutivas de um todo orgânico, superando o
modo fragmentado e parcial com que haviam sido tratadas até então.

A concepção varguista do desenvolvimento do capitalismo no Brasil assentava-se em cinco eixos: 1) a


industrialização concebida como um processo rápido, concentrado no tempo; 2) a capitalização da
agricultura apoiada na modernização da produção rural; 3) a redistribuição de renda e a melhoria das
condições básicas de vida das massas urbanas; 4) a organização de um sistema de financiamento público
e privado; 5) uma forma de articulação da economia brasileira com o capitalismo internacional, indicando
condições preferidas para a entrada do capital externo, nas áreas prioritárias de investimento, e limites à
remessa de lucros.

Já é no ano eleitoral de 1951 que é lançada a Mensagem Programática, a qual delineava as bases da
industrialização a partir de uma clara distinção entre os requerimentos de infraestrutura e os de
implantação das indústrias de base. Mais uma vez os investimentos em infraestrutura, energia e
transporte constituíam as metas centrais.

Na área de energia há a constituição de alguns planos. O Plano Nacional de Eletrificação torna-se base
para a geração e abundância de energia elétrica barata no país. Para o petróleo, a ideia seria investir em
atividades de pesquisa, industrialização e armazenagem dos refinados. Surge nessa linha o Programa do
Petróleo Nacional em 1951, em que é proposta a criação da Petrobras. Outra fonte energética prioritária
era o carvão mineral, constituída no Plano do Carvão Nacional e a construção de uma infraestrutura
adequada para a sua extração e trabalho.

Outra fonte de preocupação do governo era o ramo dos transportes. Certas diretrizes foram lançadas para
enfrentar esse problema fundamental da economia brasileira, como a revisão do Plano Nacional de
Aviação, um programa de reaparelhamento dos portos, eletrificação acelerada das ferrovias, renovação
dos equipamentos, revestimento das estradas de rodagem, melhoria das condições de navegabilidade
dos rios e, finalmente, aperfeiçoamento do transporte aéreo nacional. Parte desse “plano global” passou
à responsabilidade da Comissão Mista Brasil-Estados Unidos (CMBEU). A prioridade era dada claramente
às ferrovias, que se chocava com a tendência predominante da expansão rodoviárias, sob o signo do
automóvel.

O setor de comunicações seria o terceiro setor estratégico que deveria receber pesados investimentos e
atenção governamental. O desenvolvimento de uma rede nacional de comunicações, que atingisse todos
os segmentos, era fundamental.

As rupturas mais significativas deste projeto encontram-se no fato de que se propunha agora um
programa de desenvolvimento de infraestrutura superior à demanda existente e, o que é fundamental,
um programa vinculado à instalação, no país, das indústrias “complementares”, garantindo-lhes a
continuidade de execução e expansão. O traço característico disso, portanto, seria a projeção de um bloco
solidário de inversões no setor de bens de produção. Era necessário criar indústrias de base que a
estrutura econômica comportasse e para as quais a mobilização de recursos financeiros e humanos esteja
a seu alcance.

Para a indústria, de uma forma geral, considerava-se as seguintes metas: para o ferro, previam a
duplicação da capacidade produtiva da Vale como objetivo imediato; ampliação da produção siderúrgica
à base do coque e eletricidade com investimentos em Volta Redonda; instalação de uma indústria
química; mobilização de uma indústria de transporte global e integrada; instalação da indústria pesada de
material elétrico a partir do Plano Nacional de Eletrificação.

Todo esse processo tinha como princípio básico a formação de uma política industrial, que estabelecesse
condições institucionais e financeiras para garantir a expansão continuada do setor privado de bens de
consumo e da indústria de bens de produção instalada. Devia também haver uma política de comércio
exterior sadia, estabelecida a partir de níveis adequados de proteção aduaneira e cambial para setores
estratégicos. Consubstanciava-se, assim, o que em maio de 1952 foi descrito em projeto como Plano Geral
de Industrialização do País.

As atividades industriais nesse projeto foram distribuídas em três grandes setores: as indústrias de
infraestrutura, as indústrias de base e as indústrias de transformação, com seus devidos critérios de
prioridade e incentivos.

Os microprojetos na área de energia e transporte foram elaborados pela Comissão Mista Brasil-Estados
Unidos, e sua estrutura interna de financiamento foi instituída por lei pelo instrumento denominado
Programa de Reaparelhamento Econômico. Essa comissão foi oficialmente instalada em abril de 1951, e
tinha como objetivos centrais a elaboração de projetos visando à instalação de indústrias novas,
“germinativas”, e a superação dos famosos pontos de estrangulamento nos setores de energia e
transportes. O financiamento desses projetos contaria tanto com fontes externas (BIRD e Eximbank),
quanto internas a partir de tributos específicos e captação de recursos. Nesse sentido cria-se pela Lei
n.1.474 o Programa de Reaparelhamento Econômico (11/1951), e pela Lei n.1.628 o Banco Nacional de
Desenvolvimento Econômico (6/1952), que constituíram o suporte institucional para a estrutura interna
de financiamento. O BNDE foi constituído como agência estatal para a execução dos planos do programa,
e como agente do Tesouro para as operações financeiras, até mesmo para oferecer a garantia aos créditos
externos.

A partir disso contempla-se a ideia de um desenvolvimento capitalista do campo, uma vez que acreditava-
se que o desenvolvimento da agricultura nacional tivesse como obstáculo a falta de aplicação de técnicas
modernas; a inexistência de um sistema de crédito adequado; o uso imoderado do solo, levando a
dilapidação das terras até as zonas novas e de fronteira; a ausência de organizações associativas que
mobilizassem as classes rurais. Nisso, o apoio do governo, além da política de crédito e financiamento, se
concentraria nos investimentos em transporte e armazenagem.

A política de democratização à terra foi concebida por dois tipos de propostas: ativação de planos de
colonização das terras incultas e estabelecimento de uma política de reforma agrária. E tão importante
quanto, a política de bem-estar social delineou-se em termos ambiciosos e amplos, definida como a
finalidade última dos planos de desenvolvimento econômico.

Problemas de financiamento

O projeto de industrialização pesada suscitava problemas cruciais de financiamento externo e interno. O


esforço de mobilização e concentração de capitais impunha o alargamento das bases fiscais e financeira
do Estado. E requeria uma solução à questão do financiamento externo, que condicionava e, ao mesmo
tempo, dependia da definição do modo de articulação entre a empresa nacional privada, a pública e a
estrangeira.

No que tange o financiamento externo e o papel reservado à empresa estrangeira, temos a definição de
uma cooperação técnica e financeira de caráter público. Havia a preferência pelo financiamento externo
público, a ser demandado nas instituições disponíveis: Eximbank e BIRD. As empresas estrangeiras
deveriam, neste sentido geral, serem submetidas aos interesses nacionais.

Neste contexto, a empresa privada nacional era reconhecidamente incapaz e frágil em relação às tarefas
impostas pelo salto industrializante. Deveria ser, portanto, a empresa pública aquela que suportaria os
encargos principais dentro do projeto de desenvolvimento.

Para a energia elétrica, já partia-se da constatação de que havia um desinteresse do capital privado para
serviços de utilidade pública. Colocava-se como imperativo, portanto, a tomada das rédeas pelo Estado
neste investimento, assim como para o setor e transportes que pudesse compor um sistema viário
nacional que atendesse às necessidades do progresso econômico e social. Ainda, para a energia elétrica,
o Plano Nacional de Eletrificação reservava, para o investimento público, as áreas de geração e
transmissão de energia, enquanto a iniciativa privada seguiria encarregada das atividades de distribuição.
A Eletrobrás operaria como uma holding, e constituiria o instrumento de ação prática de que carece o
poder público para enfrentar eficazmente o problema de produção e transmissão de energia elétrica. Já
a indústria de material elétrico pesado seria responsabilidade do capital privado nacional. O esquema de
articulação é claro, portanto: a grande empresa pública nuclearia o investimento e puxaria, por seus
efeitos dinâmicos, o capital privado nacional.
A Petrobras também fora concebida originalmente como uma holding, atuando diretamente ou criando
subsidiárias para as atividades de pesquisa, lavra, refinação, comércio e transporte do petróleo e
derivados, incluindo o xisto betuminoso. Considerou-se também, para a época, a criação de uma grande
empresa estatal na área de transportes ferroviário e marítimo como forma de otimizar o investimento
público e de atrair o privado.

Na grande indústria química, a Cia. Nacional de Álcalis foi a empresa estatal que nucleou e dinamizou o
setor. Para a automobilística, previa-se uma divisão de áreas de investimentos. Ao capital estatal, por
meio da FNM, estaria reservada a produção de caminhões pesados e de tratores agrícolas. Caminhões
leves, carros e jipes ficariam sob a responsabilidade do setor privado e ao capital estrangeiro.

A forma de financiamento de todo esse processo ocorreria pelo constituição de um banco estatal,
nomeado então como Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico. Ele estabeleceu-se como
provedor de recursos no longo prazo, fixou-se como órgão centralizador dos recursos públicos exigidos
pelos novos investimento em infraestrutura e indústria de base, e desdobrou-se na função de articulador
do investimento global da economia, atrelando o investimento privado interno e externo às metas
prioritárias definidas pelo Estado.

Os impactos no aparelho estatal: centralização e limites

Inevitavelmente, o projeto de aceleração do desenvolvimento capitalista brasileiro, com as características


apontadas, produziria impactos de monta na estrutura econômica do Estado, exigindo reordenação da
forma de inserção, expressão e materialização dos interesses sociais na ossatura e dinâmica estatal.

A fragilidade da estrutura administrativa seria resultado, em primeiro lugar, de um alto grau de


irracionalidade. A reforma enviada ao Congresso em 1952 visava a uma harmonização da administração,
por meio de processos de descentralização, compatibilização e agrupamento de funções similares, assim
como coordenação adequada das atividades.

Novos órgãos foram criados para dotar o Estado de instrumentos para elaboração de políticas,
permitindo-lhe alçar-se a um patamar mais elevado de expressão genérica de interesses. Aparelhar o
Estado de órgãos e instrumentos que permitissem a elaboração e concretização de um Política Nacional
de Desenvolvimento Econômico, segundo as diretrizes traçadas pelo governo, foi a intenção explícita que
presidiu a criação destas Comissões, que atuariam de forma entrosada e coerente. Alguns deles
foram/são: Comissão Nacional de Política Agrária; Comissão de Desenvolvimento Industrial; Comissão de
Coordenação e Desenvolvimento dos Transportes; Comissão Nacional de Bem-Estar; CAPES.

A CEXIM foi extinta em dezembro de 1953, e a responsável pela sua substituição foi a CACEX. Nesse
movimento, a SUMOC passou a concentrar e monopolizar a elaboração das políticas cambial e de capital
estrangeiro do governo, estabelecendo as diretrizes reguladoras, a um só tempo, das operações de
câmbio e das importações e exportações, principalmente no referente ao grau de essencialidade das
mercadorias importadas e de capitais estrangeiros a merecerem prioridade na entrada.

O padrão de expansão do Estado se completaria com outros elementos: a empresa pública, em


substituição aos antigos conselhos de estudos e pesquisas, e a vinculação setorial do empresariado aos
projetos nodais de desenvolvimento, superando a fórmula de representação pelos órgãos gerais de classe.
No que tange às representações dos grupos privados no Estado, a fórmula corporativista prevalecente
sofreu uma espécie de inversão de dominância, com o surgimento de formas embrionárias de um
neocorporativismo. O esboço de uma nova forma surgiu ao se “oficializar” a representação não-oficial nas
comissões e subcomissões responsáveis pelos estudos de criação e implantação de setores econômicos
novos: seria tipicamente uma articulação direta entre setores burocráticos do Estado e empresários com
interesses objetivos nos projetos em pauta. Isso leva, como um dos efeitos, a um grau profundo e
inusitado de interpenetração entre as esferas pública e privada no processo de desenvolvimento
econômico.

Para os problemas macroeconômicos do País, o Brasil já contava desde 1949 com o Conselho Nacional de
Economia. Não fora concebido para atuar como órgão geral de planejamento econômico e de controle da
execução de planos e programas. Mas assumiu com Bulhões, a partir de 1953, posição francamente
contrária à política de desenvolvimento econômico do governo, em particular no referente ao grau
pretendido de intervenção econômica do Estado.

As resistências políticas eram de diversas naturezas, e foram responsáveis por, em parte, frustrar o projeto
de Vargas. Na sua concepção, como exposto, o plano de desenvolvimento econômico e social envolvia
uma ruptura radical com o status quo. Pretendia materializar o salto para a industrialização, criando novos
blocos industriais e constituindo o setor pesado de bens de produção, sob a liderança da empresa pública,
minimizando a participação da empresa estrangeira. Isso implicava a subordinação ao setor público e
graus elevados de estatização que despertou resistência por parte do capital estrangeiro e das agências
internacionais de financiamento. As negociações com as empresas estrangeiras a partir de 1950 não eram
particularmente favoráveis. Internamente, além das ambiguidades do empresariado industrial, houve
cerrada oposição por parte dos setores mercantis ligados ao grande comércio de importação e
exportação. Socialmente falando, também, as políticas e os novos benefícios foram insuficientes para
fazer frente aos anseios populares, num contexto de acentuada mobilização “populista”.

3.3 Política econômica e crise

BASTOS, P. P. Z. | A dependência em progresso: fragilidade financeira, vulnerabilidade comercial e crises


no Brasil (1890-1954)

Capítulo 5

Quais foram as causas da crise cambial? Uma razão é a própria debilidade administrativa do sistema de
contingenciamento de importações através da concessão de licenças prévias. Tanto a CEXIM quanto a
Carteira de Câmbio do BB foram responsáveis pela política de importações e não trabalharam de forma
coordenada, de maneira que a oferta de licenças de importações por parte da CEXIM era feita
independente de qualquer consulta a respeito da disponibilidade de divisas na Carteira de Câmbio.

Outro problema administrativo era que havia uma defasagem entre a oferta de licenças de importação e
a efetiva contratação do câmbio para a importação, uma vez que o prazo de validade das licenças vigorava
de seis meses, para bens supérfluos, a um ano, para bens de capital, sendo eventualmente ampliado pela
CEXIM.
A importação de insumos intermediários e bens de capital aumentaram no período. Estas importações
aumentaram por causa do medo do desabastecimento provocado pela Guerra da Coreia, em condições
em que o País efetivamente dependia da importação de bens essenciais para manter um ritmo elevado
de produção e investimento.

Assim como o café assumia um peso crescente nas exportações, o peso da conta de petróleo e derivados
também aumentava nas importações, acompanhando o aumento geral do peso das importações de
insumo intermediários na pauta comercial. Este movimento seguia a tendência de relativo
estrangulamento cambial identificada pelos trabalhos clássicos da Cepal: o crescimento e diversificação
da estrutura industrial brasileira era acompanhado por um processo de substituição de importações em
direção àquelas cada vez mais essenciais e de difícil compressão.

Uma conta estruturalmente elevada de importações essenciais, inerente à reorientação que se produzia
no modo de desenvolvimento do capitalismo brasileiro pelo menos desde os anos 30, ficava sujeita à
instabilidade dos mercados internacionais de commodities primárias legadas de um passado anterior.
Estas duas faces da vulnerabilidade cambial brasileira eram, assim, expressão de um mesmo quando de
restrições históricas: a natureza tardia da industrialização brasileira.

O boom de investimento diretos que acompanhou o Plano de Metas tornou-se possível, naquela
conjuntura e não antes nem depois, seja porque os oligopólios industriais europeus responderam ao
desafio norte-americano expandindo-se internacionalmente e/ou financiando suas exportações com
supplier credits, seja porque o Brasil tornava-se uma forte área atrativa em razão de incentivos públicos,
metas de expansão e proteção dos mercados internos a criar através de um bloco integrado de
investimentos, e superação de pontos de estrangulamento de infraestrutura e insumo básicos.

Para o fim de superar pontos de estrangulamento ao crescimento, o principal instrumento financeiro do


PM ainda foi o BNDE, que de banco de infraestrutura básica no governo Vargas tornar-se-ia o “Banco do
Aço e da Eletricidade” durante o período JK, dispondo de nada menos que 5% de toda a poupança líquida
da economia entre 1957-1961.

Diante da crise cambial, o governo além de negociar empréstimos-ponte para liberar atrasados
comerciais, foi gradualmente permitindo depreciações da taxa de câmbio, a partir da Lei do Mercado Livre
de 7 de janeiro de 1953. Mas depois de mais de um ano de tramitação legislativa, a promulgação da Lei
do Mercado Livre não foi apenas o resultado de uma concessão diplomática às pressões norte-
americanas. A desvalorização implícita na reforma cambial no início de 1953 foi também uma forma de
aliviar os exportadores de produtos “gravosos” da contração das exportações em 1952 e compensá-los
do fim das operações vinculadas. A lei no 1807 promoveu a criação de três taxas flutuantes para certos
tipos de exportação, possibilitando uma desvalorização implícita para os “produtos gravosos” através da
venda de parte das divisas obtidas com exportações.

Mas apesar de introduzir considerações de mercado na determinação da taxa de câmbio para parte das
exportações, a Lei do Mercado Livre não se mostrou suficiente para superar a crise cambial e a
vulnerabilidade da inserção exportadora brasileira. Pelo contrário, um movimento de antecipações de
importações e atraso de exportações fez com que os atrasados comerciais continuassem aumentando a
despeito da forte redução das importações. O Eximbank não liberou em junho a segunda das cincos
parcelas de US$ 60mi do empréstimo-ponte negociado em fevereiro para os atrasados comerciais,
buscando utilizar a vulnerabilidade cambial brasileira para forçar discussões sobre a entrada de firmas
estrangeiras no setor petrolífero brasileiro e exigir políticas mais austeras de curto prazo.

Estas reformas de regime cambial, porém, seriam apenas um interregno antes da promulgação da
Instrução 70 da Sumoc, em 09/10/53. O regime cambial criado pela Instrução 70 manteve as transações
estritamente financeira no mercado livre, mas alterou substancialmente as regras para o comércio
exterior. Por um lado, o novo regime eliminou tanto a sistemática de licenciamento prévio, quanto as
transações diretas entre vendedores e compradores de câmbio que haviam sido estabelecidas pela Lei do
Mercado Livre, oito meses antes. Mas, por outro lado, reinstituiu o monopólio cambial que era
característico do regime de licenças prévias e passou a distribuir reservas através de leilões de câmbio,
i.e., não eliminou completamente os sistema de preços introduzido pela Lei do Mercado Livre.

Os três objetivo básicos da Instrução 70 era ser uma resposta à crise cambial, uma vez que a
desvalorização cambial visava ampliar as exportações e introduzir critérios de mercado para encarecer as
importações; assegurar os bens intermediários e de capital requeridos pelos empreendimentos
produtivos a partir do sistema de leilões de câmbio; e ampliar a arrecadação fiscal do governo, dentro de
uma concepção que, nos termos de Oswaldo Aranha, alegava que o déficit fiscal era motivo da inflação
brasileira.

Já no primeiro semestre de 1954, porém, a situação cambial voltaria a agravar-se por conta do início de
mais uma tendência cíclica de queda dos preços do café. Esta crise expressava a vulnerabilidade da
inserção exportadora de um país cujo principal produto comercial era uma commodity primária cujos
requerimentos financeiros e técnicos de produção não criavam uma barreira à entrada que protegesse os
produtores estabelecidos em relação a novos concorrentes.

Visando induzir a uma retenção voluntária de estoques para impedir quedas de preços, o governo expediu
decreto em junho de 1954 fixando uma elevada cotação mínima para exportações de café a partir de 1o
de julho. Mas em meio a reduzidas exportações em junho e julho, os cafeicultores acirraram campanha
contra o “confisco cambial” e exigiram a revogação da política de “pauta mínima.” Apenas quarenta e
cinco dias depois da introdução da nova pauta mínima e apenas a dez dias do suicídio de Vargas, Aranha
e Souza Dantas cederam às pressões econômicas e políticas, baixando em 14/08/54 a Resolução 99 da
Sumoc. Para o objetivo do governo a iniciativa não foi exitosa: a desvalorização levou a uma vertiginosa
especulação baixista do preço internacional do café na bolsa de NY mas com tímida resposta do volume
exportado, dando livre curso a uma nova fase descendente do preço do café e agravando a crise cambial
brasileira.

Em vista da natureza do problema, solucionar a crise cambial não dependia apenas de paliativos voltados
a encarecer circunstancialmente as importações e favorecer exportações primárias com variações da taxa
de câmbio. Uma vez que a crise tinha determinantes estruturais no plano comercial e financeiro
largamente independentes da taxa de câmbio, resolver a crise suporia superar problemas estruturais ou,
no mínimo, buscar contorna-los por meio de um novo ciclo de financiamento externo que, a um tempo,
gerasse influxos líquidos de capital que compensassem circunstancialmente os refluxos de serviços
financeiros e a debilidade da inserção comercial da economia brasileira.

No Governo Vargas, entretanto, a crise cambial fazia ruir o esquema de financiamento do investimento
que se baseara na oferta de câmbio barato para a compra de máquinas, equipamentos e insumos, ao
mesmo tempo em que a tentativa de expandir s empreendimentos estatais pro meio da obtenção de
recursos externos de governo a governo esbarrava na reorientação geral da política externa dos EUA no
governo Eisenhower, menos de um ano depois que os primeiros empréstimos para a CMBEU foram
liberados.

3.4 Nacionalismo e política externa

CAMPOS, F. | A arte da conquista: o capital internacional no desenvolvimento capitalista brasileiro (1951-


1992)

Capítulo 2.2 – Antecedentes da Internacionalização do Mercado Interno (1951-1954)

O padrão de acumulação capitalista como um todo e o desenvolvimento econômico lastreado por certo
nacionalismo impediram de construir os elementos-chave para a internacionalização do mercado interno
brasileiro. Dada a incerteza institucional e a adversa conjuntura econômica do Governo Vargas, o
movimento de internacionalização produtiva foi extremamente deficitário. Do ponto de vista do destino
e da origem do IDE, devemos muito mais entendê-lo como um desdobramento do capital internacional
ingressado desde o final do século XIX, passando pelo limiar do século XX e o período das guerras
mundiais, do que um possível antecedente da indústria pesada.

No limiar do século XX, os IDEs norte-americanos ingressaram, primeiro, no setor bancário e na


comercialização de café; depois, voltaram-se para a exploração de recursos naturais. Outros IDEs norte-
americanos quebraram o monopólio inglês sobre as comunicações de telégrafo, avançando também em
equipamentos mecânicos e elétricos, além do setor petrolífero, notadamente dominado pela Standard
Oil Company of Brazil. Durante a intensificação da industrialização nos anos 30 e 40, o IDE norte-
americano se implantou não só em setores manufatureiros voltados para a produção de bens de consumo
não-duráveis, mas também em setores de comercialização de bens de consumo duráveis.

Para entender este processo complexo, pode-se afirmar que, em linhas gerais, o segundo Governo Vargas
buscou retomar as mesmas diretrizes deixadas pelo Estado Novo em relação ao tipo de vinculação que o
capital internacional teria que assumir no padrão de desenvolvimento em questão, i.e., mover a
industrialização de forma associada, mas sem se subordinar aos interesses do recurso externo. Seu
governo também priorizava os empréstimos e financiamentos públicos estrangeiros, sem deixar de atrair
investimentos diretos.

Começando pelos problemas das remessas de lucro, é possível dizer que os momentos de
discricionariedade institucional procuravam conter as expressivas remessas de lucro acumuladas de
empresas estrangeiras instaladas no país, sobretudo do setor energético como a Light e a AMFORP. O eixo
da questão era uma política de contenção principalmente cambial, que até possuía certa inclinação anti-
imperialista, mas que, na verdade, era muito mais um instrumento de barganha com os EUA quanto uma
oposição declarada à internacionalização. Mas, embora a política econômica varguista fosse
aparentemente contraditória, a possibilidade de conferir certa inteligibilidade passa pelo entendimento
de que o seu padrão de desenvolvimento capitalista objetivou uma internacionalização de alguma forma
submetida aos desígnios nacionais.

A criação da Assessoria Econômica foi um exemplo de uma instituição que buscava implantar as bases da
industrialização pesada e sua forma de financiamento sem se atar necessariamente à dominação externa
do capital internacional. Porém, é importante frisar que, apesar de certos avanços neste sentido, GV não
conseguiu implantar a indústria pesada da maneira que projetou, uma vez que a principal restrição incidiu
sobre o padrão de financiamento. A empresa multinacional teria que se submeter, nesse padrão, ao ritmo
do poder estatal e das prioridades das empresas estatais. Porém, adversidades internas e externa junto
ao fim da CMBEU fez com que a visão sobre o desenvolvimento da AL fosse direcionado apenas pelo
capital privado.

Uma forma de sair desse impasse seria reestruturar o sistema financeiro nacional, tentando criar canais
internos de financiamento de longo prazo. O BNDE centralizava empréstimos compulsórios deduzidos do
IR para financiar obras de infraestrutura e de industrialização. Sua dinâmica se orientou basicamente por
uma intermediação entre o setor público e o setor privado que—a despeito do desejo de Vargas de
imprimir um tipo de hierarquia por meio da gerência dos fundos estatais—estava voltado muito mais para
dirimir áreas de incerteza financeira e tecnológica com ajuda de empréstimos estrangeiros, do que impor
um padrão de financiamento autônomo.

A criação da Petrobrás remonta a um longo período de debate, com avanços e recuos nacionalistas na
discussão do projeto. Entre os esboços da AE e reformulados no Congresso, a questão da participação do
capital internacional tornou-se, pela primeira vez, generalizada nos bastidores políticos e na opinião
pública, só repetida tempos depois com a Lei de Remessas de Lucro em 1962. Seu guia norteador inicial
era associar-se à cooperação estrangeira, mas sem prescindir da hierarquia estatal na divisão de tarefas
e imposição de metas e prioridades. Assim fora também, claro, o projeto da Eletrobrás. Foi a partir do
reconhecimento de que os setores energéticos de grande utilidade pública precisavam ser controlados
pelo Estado.

A condição subordinada do capital internacional ao poder estatal que esse padrão de desenvolvimento
buscava também impunha limites à capacidade de barganha de GV, uma vez que o pragmatismo, ou
mesmo a necessidade de satisfazer os desejos e prioridades de diversas classes sociais, não tinha força
para tanto.

Embora GV procurasse imprimir certa autonomia a seu estilo de desenvolvimento, as restrições


estruturais internas ao avanço industrial tornavam-no dependente da internacionalização. No que
concerne o padrão de financiamento, a incapacidade de conquistar autonomia se deu pelos seguintes
determinantes: fracasso do sistema financeiro nacional de sobrepor uma dinâmica de longo prazo aos
objetivos imediatistas dos bancos comerciais; inexistência de um mercado de capitais comprometido com
a implantação dos setores pesados da economia; impotência para frear a especulação financeira dos
entrepostos do comércio interno; uma inflação elevada sem a oferta de créditos como contrapartida às
empresas mais frágeis; a falta de meios políticos para uma reforma tributaria que modificasse a
concentração de renda.

Resumindo, a conjuntura externa e as restrições internas não eram favoráveis ao surgimento da indústria
pesada, visto que esta exigia ganhos de escala expressivos e uma extensa base de financiamento—
indisponíveis, tanto por parte da oferta internacional, quanto pela capacidade nativa de, no curto prazo
e de maneira concentrada, desenvolvê-los.

Os motivos do fracasso foram, por um lado, oriundos da superestimação do poder de barganha externa
ao subestimar a oposição da potência hegemônica para experiências autônomas de desenvolvimento
latino-americano. De outro lado, o fracasso foi determinado pela incapacidade de criar uma base
financeira sólida o suficiente para prescindir do capital internacional. Há de se destacar igualmente a
hostilidade da conjuntura externa, que em parte refletia a própria posição nacionalista assumida
internamente.

Capítulo 3.2 – Instrução 113 (1946-1955)

Devemos começar direcionando o argumento afirmando que o que determina a relevância do


instrumento institucional é seu efeito amplificador e indicativo de certa contradições e limites de
centralização do Estado, oferecendo um olhar específico ao desenvolvimento econômico, a partir do qual
a análise da dinâmica normativa pode decifrar certas descontinuidades nas estratégias em voga.

A Instrução 113 é mais uma do longo percurso de industrialização do Brasil e do controle da inflação e de
capitais do estrangeiro—assunto que vimos em outra vezes neste fichamento desde o Governo Dutra. Ela
foi promulgada em 17 de janeiro de 1955 quando Eugênio Gudin assume o Ministério da Fazenda, tendo
como objetivo aplicar uma estabilização monetária através de instrumentos ortodoxos, como restrição
fiscal e contenção creditícia, e de, ao mesmo tempo, dispor de capitais internacionais para equilibrar o
déficit nas contas externas.

Dois elementos aparecem como continuidade e ruptura em relação ao regime institucional anterior. As
“importações que independam de cobertura cambial”, já eram uma tendência que vinha desde Dutra,
com o regime de licenças prévias, depois substituída pela lei 1.807 e aprimoradas com a Instrução 70 e a
lei 2.145 da CACEX. Em outras palavras, a estrutural baixa capacidade de importar que o Brasil apresentava
fazia das políticas de importação que prescindiam de divisas cambiais extremamente necessárias. A
Instrução 113 também extinguia quase por completo o arcabouço normativo que havia sido desenvolvido
para estabelecer o critério de seletividade e essencialidade, consolidado sob a rubrica de “especial
interesse nacional.”

Com exceção do Despacho 28.816, a 113 revogou todos os outros avisos, instruções e decretos que
animavam e davam sentido a um padrão de desenvolvimento capitalista menos subordinado à
internacionalização. A liberalidade da Instrução 113 exerceu um componente estratégico a ser
considerado pelos oligopólios internacionais antes de se fixarem no país.

Embora o chamado empresário nacional criticasse a Instrução 113 pela discriminação de vantagens que
ela impunha em relação ao capital internacional, ou por não ser respeitada pelo critério de similaridade
nacional, havia o interesse de que os IDEs ingressassem ao país. Tal característica se inscrevia na
particularidade associativista e despida de projetos de autonomia que o singularizava.

A controvérsia em torno da 113 girava basicamente em torno de três visões sobre a internacionalização
brasileira, cujo eixo de análise passava pela autonomia nacional diante do capital internacional; pelas
formas de vinculação, sua contribuição ao desenvolvimento, e pelas condições para a remuneração
externa. A versão mais crítica vinha do PCB de Sodré e Prado Jr., que viam a 113 como uma opção
deliberada pelo “imperialismo.” Já a vertente disciplinadora, representada por pessoas como Simonsen e
Furtado, reconhecia a importância da 113 para disponibilizar poupança externa e a técnica, mas que teria
que se submeter a um rígido controle cambial, critério de seletividade e essencialidade, além da proibição
de aplicação em setores considerados estratégicos. Por último, a visão liberal de Gudin, Campos e outros,
via a 113 como sua maior conquista, defendendo o capital internacional com liberdade de fluxos sem
distinção de origem, forma destinação na economia brasileira.
4. Industrialização pesada e anos JK (1955-1961)

4.1 Industrialização dos Mercados Internos e Industrialização Pesada

MELLO, J. M. C. | O Capitalismo Tardio

Capítulo 2.1 – A Problemática da Industrialização Retardatária

Com o nascimento das economias capitalistas exportadoras o modo de produção capitalista se torna
dominantes na América Latina. Porém, o fato decisivo é que não se constituem, simultaneamente, forças
produtivas capitalistas, o que somente foi possível porque a produção capitalista era exportada. Ou seja,
a reprodução ampliada do capital não está assegurada endogenamente, i.e., de dentro das economia
latino-americanas, face à ausência das bases materiais de produção de bens de capital e outros meios de
produção. Abre-se, portanto, um período de transição para o capitalismo.

Neste sentido, é possível entender que a industrialização capitalista deve ser entendida como o processo
de constituição de forças produtivas capitalistas, mais precisamente como o processo de passagem ao
modo especificamente capitalista de produção, ao que é impropriamente chamado de capitalismo
industrial.

A industrialização na AL é dentro deste cenário é bastante específica e esta especificidade está


duplamente determinada: por seu ponto de partida, as economias exportadoras capitalistas nacionais, e
por seu momento, o momento em que o capitalismo monopolista se torna dominante em escala mundial,
ou seja, em que a economia mundial capitalista já está constituída. É a esta industrialização capitalista
que o autor chama de retardatária.

Na situação brasileira, a economia cafeeira capitalista cria as condições básicas ao nascimento do capital
industrial e da grande indústria ao gerar uma massa de capital monetário, concentrada nas mãos de
determinada classe social, passível de se transformar em capital produtivo industrial; transformar a
própria força de trabalho em mercadoria; e, finalmente, promover a criação de um mercado interno de
proporções consideráveis. Como não poderia deixar de ser, a burguesia cafeeira foi a matriz social da
burguesia industrial, ou seja, o capital industrial nasceu como desdobramento do capital cafeeiro
empregado. Para trabalhar neste período, a mão de obra tinha como origem a imigração em massa, a qual
era alimentada e consumia bens de consumo de importados (o que só foi possível porque se estava
atravessando um auge exportador).

A dúvida para o autor é a de por que, concomitantemente, não nasce a indústria de bens de produção no
País. Ou seja, por que no momento do nascimento do capital industrial não se constitui forças produtivas
capitalistas? Mello responde que se apresentam problemas praticamente insolúveis de mobilização e
concentração de capitais e que os riscos do investimento numa economia como a brasileira, onde o
capitalismo apenas engatinhava, se tornam extraordinários. A tecnologia da indústria pesada, além de
extremamente complexa, não estava disponível no mercado, num momento em que toda sorte de
restrições se estabelecem num mundo que assiste a uma furiosa concorrência entre poderosos
capitalismo nacionais.

O capital cafeeiro, por conseguinte, dá nascimento e estimula a grande indústria, ao mesmo tempo que
impõe limites estreitos à acumulação industrial. Essa articulação entre os dois capitais corresponde um
determinado padrão de acumulação que contém em si mesmo unidade e contradição. A produção de café
é, simultaneamente, demanda por terras, meios de produção e força de trabalho, pelo lado da
acumulação, e, pelo lado do gasto corrente, demanda por alimentos, bens de consumo assalariado e bens
de consumo capitalista. A acumulação de meios de produção e o consumo capitalista se financiam com a
capacidade para importar gerada pelo próprio complexo exportador cafeeiro. Somente a demanda de
alimentos e bens de manufaturados de consumo assalariado, uma vez constituídos a agricultura mercantil
de alimentos e o setor industrial, é atendida por produção interna, com o que se internaliza a reprodução
da força de trabalho. Estabelece-se, assim, uma mútua dependência entre o capital cafeeiro e o capital
industrial, dentro de um padrão de acumulação que corresponde a uma dinâmica intersetorial.

De um lado, a reprodução ampliada do capital cafeeiro passa apejas parcialmente pelo setor industrial,
que permite, produzindo bens de consumo, reproduzir a força de trabalho empregada no complexo
exportador, bem como abre oportunidades de inversão para parte dos lucros extraordinários auferidos
pela economia cafeeira. De outro lado, o capital industrial depende, duplamente, do capital cafeeiro para
sua expansão. Em primeiro lugar, para repor e ampliar a capacidade produtiva está preso à capacidade
para importar gerada pela economia cafeeira, que faz as vezes, assim, de um verdadeiro departamento
de bens de produção. Em segundo lugar, o capital industrial é incapaz de gerar seus próprios mercados e
seu crescimento está atrelado, do ponto de vista da realização, aos mercados externos criados pelo
complexo exportador cafeeiro, ainda que seja através do gasto público ou da urbanização.

O setor industrial não se defende da tendência ao declínio de sua taxa interna de rentabilidade
acentuando a concorrência intercapitalista. Aceleram-se a concentração e a centralização do capital
industrial, modernizando-se as empresas e aumentando suas escalas, à custa da liquidação de empresas
marginais. Ainda que a taxa de acumulação global da indústria não suba e mesmo decline, a capacidade
produtiva das empresas mais fortes se amplia e seus custo diretos de produção podem inclusive cair,
devido à incorporação do progresso técnico que acompanha as importações de máquina e equipamentos.
No instante em que estala a crise, definitivamente, tanto o complexo exportador quanto a indústria são
arrastados.

A posição subordinada da economia brasileira na economia mundial está duplamente determinada: pelo
lado da realização do capital cafeeiro e pelo lado de acumulação do capital industrial. Esta dependência
resulta, na verdade, da não constituição de forças produtivas capitalistas, isto é, do bloquei da
industrialização (que se expressa internamente na hegemonia do capital cafeeiro, que é dominantemente
mercantil, sobre o capital industrial). Por outro lado, a fragilidade do capitalismo brasileiro transformou-
nos em campo de exportação de capitais dos países capitalistas maduros, ao criar, não obstante,
oportunidades de inversão ao capital estrangeiro: quer ao capital de empréstimo, de forma
predominante, que ao capital de risco, que se dirige basicamente aos setores de infraestrutura, comercial
e financeiro, mas, também, ao setor industrial.

Depois do ciclo do café, começado ao final do século XIX, Mello acredita que em 1933 se inicia uma nova
fase do período de transição, porque a acumulação se move de acordo com um novo padrão. Nesta fase,
que se estende até 1955, há um processo de industrialização restringida. Há industrialização, porque a
dinâmica da acumulação passa a se assentar na expansão industrial, ou melhor, porque existe um
movimento endógeno de acumulação, em que se reproduzem, conjuntamente, a força de trabalho e parte
crescente do capital constante industriais; mas a industrialização se encontra restringida porque as bases
técnicas e financeiras da acumulação são insuficientes para que se implante, num golpe, o núcleo
fundamental da indústria de bens de produção, que permitiria à capacidade produtiva crescer adiante da
demanda, autodeterminando o processo de desenvolvimento industrial.

Na industrialização retardatária, os obstáculos a transpor se tornariam muito mais sérios. Já não se tratava
de ir aumentando, a saltos mais ou menos gradativos, as escalas de uma indústria existente, como ocorreu
durante a Segunda Revolução Industrial. Ao contrário, o nascimento tardio da indústria pesada implicava
numa descontinuidade tecnológica muito mais dramática, uma vez que se requeriam agora, desde o
início, gigantescas economias de escala, maciço volume do investimento inicial e tecnologia altamente
sofisticada, praticamente não disponível no mercado internacional, pois que controlada pelas grandes
empresas oligopolistas dos países industrializados.

Em suma, a industrialização pesada configura um ciclo de acumulação e, por isto, compreende dois
momentos: o de expansão, entre 1956 e 1961, e o de depressão, entre 1962 e 1967. A depressão
manifesta-se antes por uma queda das taxas de crescimento que por uma deflação generalizada de preços
e salários, tanto devido ao caráter oligopolizado dos mercados industriais, com forte preponderância da
empresa internacional, quanto por causa do alto peso do investimento público, que asseguram um
patamar mínimo de inversões.

PRADO Jr., C. | História econômica do Brasil

Capítulo 27 – A Crise em Marcha

A Segunda Guerra Mundial, diferentemente de outros países, não alterou essencialmente o processo de
transformação da economia brasileira. A “crise do nosso sistema colonial” se manteve, e apesar das
circunstâncias especiais e aspectos particulares que nela provocou a conflagração de que participamos
passiva e também ativamente, tal crise se acentuou e precipitou consideravelmente, abrindo novas e
largas perspectivas para a transformação final daquele sistema. Isso dará lugar, de um lado, ao esforço de
adaptação da ordem econômica vigente às contingências criadas, e de reestruturação do mesmo sistema
em formas renovadas; mas isto sem lhe comprometer a essência colonial. De outro lado, e como
consequência, aguçam-se as contradições imanentes na ordem estabelecida e que se projetam agora
vivamente no plano social e político.

Neste período citado, em consequência do aumento da exportação e declínio das importações,


desaparece momentaneamente o sintoma mais expressivo pelo qual se manifestam as contradições de
nosso sistema econômico, a saber, o desequilíbrio crônico da nossa balança de pagamentos exteriores. E,
como efeito disso, a moeda brasileira adquire notável estabilidade cambial, quase sem precedentes em
todo nosso passado. Por outro lado, todavia, o acúmulo de saldos comerciais obrigou a fortes emissões
destinadas à aquisição, pelas autoridades monetárias, das divisas representativas daqueles saldos e que
não encontravam compradores no mercado ordinário, i.e., entre importadores. Essas emissões
constituíram o ponto de partida e impulso inicial do processo inflacionário que se prolongará, estimulado
mais tarde por outros fatores, no pós-guerra até a escrita do livro de Caio Prado.

Em consequência da posição pesadamente deficitária de nossas contas externas, acumulam-se no pós-


guerra os atrasados comerciais, isto é, débitos em atraso por mercadorias importadas que o país não tinha
recursos em divisas para saldar. Recorre-se nesta situação ao controle rigoroso das importações. Pela lei
no 262 de 23 de fevereiro de 1948 é estabelecido o sistema de licença prévia para as importações.
Posteriormente, no ano de 1950, haverá um saldo comercial virtuoso para o Brasil ao início do novo
governo de GV, que se aproveitará dela para lançar um programa de fomento da atividade industrial.
Neste momento, em vez de se aproveitar a ocasião para marchar no sentido de uma remodelação
profunda e de base da economia brasileira, preferiu-se assentar o projetado desenvolvimento industrial
nos fundamentos precários de uma conjuntura apenas momentaneamente favorável e prenhe de
incertezas.

Da experiência dos anos 1951-52 ficou sobretudo a lição, infelizmente não bem assimilada, de que o
desenvolvimento industrial do país exige medidas muito mais profundas e de natureza muito mais geral
que simples providências fundadas em circunstâncias excepcionais, como foi a momentânea e precária
valorização, nos mercados internacionais, de nossos produtos de exportação. Assim, no fim de 1952 a
situação já se apresentava catastrófica. Há grande desequilíbrio da balança comercial e aumento dos
atrasados comerciais. A isso se acrescentou a aceleração do processo inflacionário, fortemente
estimulada, segundo Prado Jr., pelas descontrolada expansão dos negócios e pelas emissões feitas para
atenderem ao vertiginoso crescimento das despesas públicas que acompanham naturalmente a alta
precipitada dos preços provocada por aquela mesma inflação.

Para fazer frente ao desequilíbrio verificado nas contas externas do país e que o colocava em situação
semelhante, embora muito mais grave que a verificada em 1947, o governo volta aos processos clássicos
e aos expedientes de emergência destinados precipuamente a resguardarem, o quanto possível, os
interesses das esferas do negócio. A saber, restrições drásticas e no geral indiscriminadas das importações
e liberalização parcial do câmbio, ao criar de forma paralela ao oficial, o mercado livre que seria
alimentado pela venda que nele se autorizava das divisas provenientes da exportação de alguns produtos,
divisas essas destinadas à cobertura de remessas financeiras para o exterior.

O novo regime cambial foi parcialmente modificado pouco depois, em outubro de 1953, pela Instrução
70 da SUMOC, por força da qual passaram a se realizar pela taxa oficial todas as exportações e
importações, ficando confinado o mercado de taxas libres às transações de caráter meramente financeiro.
O novo sistema introduzido pela 70 representava mais um passo no sentido do retorno à plena liberdade
comercial e cambial, em substituição ao controle introduzido pelo sistema da licença prévia para
importações. Pelo novo sistema da 70, portanto, as licenças prévias ou PVC seriam vendidas em leilão,
isto é, cedidas pelo maior preço oferecido. Isso significava de fato a libertação do câmbio e do comércio
exterior, ficando as importações sujeitas unicamente ao livre jogo do mercado. É a consagração da
concepção liberal para a época, segundo Prado Jr.

Ao terminar o ano de 1952, era extremamente favorável a posição financeira do café, nosso grande
produto exportável e principal fornecedor de divisas. Essa excepcional conjuntura favorável da exportação
brasileira leva aos leilões de câmbio instituídos pela Instrução 70, largas disponibilidades de divisas, o que
provoca um forte impulso da importação. Na segunda parte do ano, contudo, a situação se inverte por
efeito das boas perspectivas da nova safra do café. A isso se aliava a forte campanha nos EUA contra a
alta do produto. A cotação do café cai e as importações se fazem, em grande número de mercadorias,
praticamente proibitivas.

Em face dessa situação e do grave desequilíbrio de nossas contas externas, a política oficial lança mão
novamente do arsenal colonialista, procurando a solução do problema no estímulo ao afluxo de capitais
estrangeiros, o que traria, alegava-se, não somente a devida correção do desequilíbrio das contas
externas, como ainda favoreceria, pelo impulso da iniciativa de empreendimentos estrangeiros, a
industrialização brasileira. Pela instrução 113, baixada pela SUMOC em 17/01/1955, a Carteira do
Comércio Exterior do BB era autorizada a emitir licença de importação sem cobertura cambial de
equipamentos industriais que correspondessem a inversões estrangeiras. Praticamente, isso dava aos
inversores estrangeiros o direito de trazerem seus equipamentos sem nenhuma despesa cambial,
enquanto os industriais nacionais eram obrigados a adquirir previamente, com pagamento à vista, as
licenças de importação exigidas para trazerem do exterior os equipamentos que necessitassem

Essa acentuação do favoritismo dispensado aos empreendimentos estrangeiros pela política econômica
do governo brasileiro coincide com o revigoramento da ação imperialista por força, de um lado, das
circunstâncias gerais derivadas da intensificação do processo de trustificação da economia capitalista
contemporânea, e doutro lado, pela final recuperação econômica dos imperialistas europeus, até então
ainda sofrendo as consequências devastadoras da guerra. O efeito no Brasil dessa conjugação de fatores,
internos e externos, será de estimular fortemente as inversões estrangeiras não somente em
empreendimentos novos, mas sobretudo em associação com empreendimentos nacionais já existentes.
Será aliás essas associação o caminho adotado por muitos industriais brasileiros, e entre os maiores e
principais, para eludirem a posição desfavorável em que os colocara a 113. Ao se dissolverem as empresas
brasileiras dentro das grandes organizações financeiras internacionais é desta forma que acentua-se a
deformação do processo de industrialização do Brasil; e os vícios que marcam o início do processo se
agravam e aprofundam ainda mais.

O cenário geral que o autor descreve é o de um mundo bem diferente, no qual o cenário internacional se
acha dominado direta ou indiretamente por essas imensas organizações que são os trustes e monopólios
que partilham entre si a maior e principal parte das atividades produtivas e dos mercados nos mais
importantes e fundamentais setores da economia, deixando aos produtores independentes uma margem
cada vez mais acanhada. Observe-se também que uma tal situação decorre do próprio desenvolvimento
do capitalismo, e que não há de se esperar um retorno dele para formas passadas já definitivamente
superadas. O objetivo de um truste instalado no Brasil é, assim, o de se expandir ao máximo, destruindo
todos os obstáculos que se anteponham a essa expansão e captando em seu proveito os benefícios
daquele desenvolvimento na medida restritiva em que ele se realizar. Serão eles que fixarão as normas,
o ritmo e os limites do desenvolvimento, para ele naturalmente determinados pelo montante dos livros
que a economia brasileira é capaz de proporcionar. Observa-se, enfim, a ligação do imperialismo com o
nosso velho sistema colonial fundado na exportação de produtos primários, pois é dessa exportação que
provêm os recursos com que o imperialismo conta para realizar os lucros que são a razão de ser de sua
existência.

TAVARES, M. C. | Acumulação de capital e industrialização no Brasil

Capítulo 3.3 – Explicações endógenas de um ciclo de expansão industrial no Brasil

Como já exposto nos outros textos, deve-se considerar já no início o peso do Estado brasileiro e do próprio
capital estrangeiro para a evolução do capitalismo no Brasil. O cenário que nos apresenta é o de um
capitalismo oligopolizado moderno e concentrado.

3.3.1 – A desaceleração da expansão industrial brasileira


Podemos dividir o momento estudado em três: um crescimento pujante no ano de 1957, uma forte
desaceleração em 1962 e, posteriormente, uma recuperação a partir de 1967.

O primeiro momento é definido por uma demanda por importação que é substituída por uma oferta de
produtos internos. Há um boom de investimentos principalmente em quatro ramos da indústria brasileira:
materiais de transporte, eletricidade e metal-mecânico. A concentração do mercado em favor de grandes
empresas nacionais é relativa, tanto públicas quanto privadas—e estão direcionadas para o setor de bens
de capital e insumos estratégicos, na visão do Estado brasileiro. O período é, portanto, de diferenciação
da estrutura produtiva em todos os planos, do que pela típica concentração de capital e da renda como
víamos até então (somado, todavia, a uma internacionalização do capital).

O bloco de investimentos novos altera mais a estrutura da capacidade produtiva industrial do que a
estrutura da demanda interna. Esse padrão possui um poderoso efeito acelerador sobre a renda urbana
e a capacidade produtiva do setor de bens de capital. Há o famoso efeito já visto no Hirschman, de
complementaridade e encadeamento da nossa estrutura produtiva. E isso, como já dito, conforma um
multiplicador maior da renda e do emprego nas cidades.

Há dois problemas inerentes, porém, à estrutura de crescimento industrial brasileira agravados pela
aceleração inflacionária de 1959: o ajuste dinâmico de estrutura de demanda à capacidade produtiva
recém instalada & a realização do financiamento de um potencial de acumulação.

3.3.2 Problemas de desajuste dinâmico entre a estrutura de oferta e demanda industriais

Havia na economia brasileira setores superdimensionados para atender à demanda corrente nacional. As
escalas mínimas superavam dimensões do próprio mercado, e muitas empresas eram atraídas para um
mesmo setor de investimento (no caso estrangeiras, num mercado protegido e com gastos subsidiados.
O salto na nova capacidade instalada criava fortes desproporções entre a estrutura produtiva e a dinâmica
de crescimento de demanda dos novos setores da economia.

O setor de bens de produção era decisivo do ponto de vista da capacidade de expansão endógena do
sistema industrial. Apresentava, porém, os maiores problemas do lado da demanda induzida, vinculada a
um efeito acelerador. Os problemas financeiros internos e externos eram a barreira principal para a
expansão compensatória da demanda pública de investimentos.

O setor de bens duráveis contribuiu significativamente para a taxa de crescimento do período 1957-61. A
taxa de expansão desacelera com consumo restringido às camadas urbanas (principalmente aquelas de
maior renda). Há uma posterior redução do ritmo de crescimento do setor de bens duráveis associada a
uma queda do ritmo das demandas intersetoriais e do próprio ritmo do emprego, de uma maneira geral.
Em termos estruturais, esse setor não tinha condições para manter seu dinamismo acentuado do período
anterior sem as mudanças subsequentes na diferenciação nas renda do trabalho e do capital e em
particular nos padrões de consumo das classes médias urbanas. Logo, não deveria tornar a converter-se
em importante componente autônomo do crescimento.

O setor de bens de consumo não duráveis estava mais próximo do consumo dos trabalhadores, e
responde diretamente às flutuações do emprego e da renda. Há uma desnacionalização por compra e
controle de capitais no país. Exemplos disto são as indústrias químico-farmacêuticas e a de cosméticos (e
alimentos).
4.2 Plano de Metas: Concepção e Implementação

LESSA, C. | Quinze anos de política econômica

O Plano de Metas – 1957/60

Decisão em prol da industrialização do Brasil – objetivos em 5 anos de execução

O plano – prioridade absoluta à construção:

1) Dos estágios superiores da pirâmide industrial verticalmente integrada;


2) Do k social básico (que apoia o ponto 1)

+ continuidade ao processo de substituição de importações

A questão do setor agropecuário é tratado de forma mais marginal

Distribuição de renda não era uma problemática levantada pelo plano

Investimentos diretos do governo: energia-transporte, siderurgia, refino de petróleo &


expansão/diversificação do setor secundário

Cediam importância à questão fiscal, cambial, monetária (de uma economia saudável)

Industrialização vertical & defesa do nível de atividade da economia

➔ Pressões: estancamento de inversões do setor externo; ausência de poupanças voluntárias

i.e. → o financiamento do plano implicava na intensificação dos desequilíbrios já presentes no


panorama econômico

Os fatores de adoção do Plano de Metas

Quadro de desequilíbrio: estancamento do setor externo; novo ciclo expansivo da produção interna de
café e vultuosos desequilíbrios fiscais

Não houve intimidação pelos desequilíbrios. Mas a indústria abriu canais para necessidade de importar
que alteraram a capacidade de importação do País

Fatores para a não adoção de simples agenda do FMI e suporte ao PM

➔ Subjetivos: conscientização do problema econômico brasileiro em termos do desenvolvimento


industrial + nacionalismo;
➔ Objetivos: elementos de pressão oriundos da não-complementaridade da precedente
industrialização → interessava vitalmente ao empresariado

O financiamento expansionista proposto abria possibilidades financeiras atraentes às empresas privadas


nacionais & estrangeiras

+ o processo de desenvolvimento anterior e as características principais da economia faziam possível a


eleição desses objetivos; grau de diversificação adequado

Havia nesta situação claros pontos de estrangulamento que até então impediam a continuidade do
processo anterior (transportes & energia – problemas em defasagem)
Indústrias intermediárias básicas: apoio empresarial; não havia acompanhado o crescimento do setor de
bens de consumo

➔ Economia vulnerável pela rigidez na pauta de importações, pela qual entravam os então
principais insumos para a indústria

[Essa é a primeira parte do PM; inversões complementares à estrutura industrial preexistente, não
prejudicava interesses específicos da economia]

Segundo conjunto de metas: instalação de um setor produtivo de equipamentos

Não eram metas necessárias, como as primeiras, mas foram induzidas pela evolução anterior

O governo, mesmo apresentando plano que envolvia tão vigoroso esforço de investimento e postulava
tão profundas medidas na distribuição setorial e institucional das poupanças, não elaborou, em
simultâneo, um plano de financiamento, preferindo procurar sua solução ao longo da execução do
programa → a formulação de um esquema de financiamento poderia induzir resistências por parte de
segmentos do setor privado

O esquema de financiamento inflacionário era abraçado pelos bancos, pois em um sistema de baixas
fontes de financiamento, era a partir dessa situação que havia a capacidade de absorver os recursos
necessários para financiar suas expansões -> captação de poupanças forçadas, via altas taxas de lucro e
fácil acesso ao crédito bancário pelas empresas privadas

O Plano de Metas – objetivos e resultados

Profundas mudanças estruturais; aumento da participação do setor público no investimento fixo da


economia

Preocupação com a transformação qualitativa da economia, via montagem de indústrias produtoras de


insumo básicos, de importante setor produtor de bens de capital e dos serviços públicos de apoio

Metas perseguidas, em quatro grupos: inversões diretas do governo no sistema de transporte e geração
de energia; ampliação e instalação de setores produtores intermediários (sobressair a meta siderúrgica);
instalação das indústrias produtoras de bens de capital; construção da nova sede administrativa do país

Características da política econômica do período

Como foi possível colocar a parcela ponderável de recursos reais comprometidos com a consecução dos
objetivos propostos pelo Plano e captar os recursos nominais necessários ao seu financiamento

Desmembramento em quatro peças básicas:

Tratamento extremamente favorável a entradas de capital estrangeiro

Ampliação da participação direta do setor público na formação interna de capital

Conjunto de favores e estímulos diferenciais que permitiam inversões prioritárias

Mecanismo de captação de poupanças forçadas da comunidade pelas empresas privadas, visto a


permissão para uma alta inflação
Luta constante com a inflação, mas mantendo sob controle as tensões mais superficiais

a) A política de capital estrangeiro

A política de capital estrangeiro assumia lugar fundamental dentro do esquema geral do PM, como
única via aberta, dadas as regras de jogo das instituições brasileiras, à continuidade do processo de
substituição de importações

Com as receitas de exportação virtualmente comprometidas com importações incompreensíveis e


amortização de compromissos assumidos no passado e outros dispêndios cambiais rotineiros, a
possibilidade de importar equipamentos e, portanto, lograr uma alta taxa de investimento, estava
vinculada às entradas líquidas de poupança do exterior, seja através de inversões diretas, seja via
concessão de financiamento pelo resto do mundo

O governo tinha a faculdade de conceder individualmente favores adicionais ampliados às poupanças


externas aplicadas nos setores prioritários – em confronto com a política realizada anteriormente ao PM

Taxas cambiais favorecidas para as remessas de rendimentos das inversões diretas e amortizações e
juros aos financiamentos; prioridade de remessa de câmbio para tais pagamentos, desde que realizados
em atividades industriais de interesse

No período de 1955/62 os financiamentos externos para projetos específicos participaram com 81,7%
no total das entradas autônomas de capitais

E também através do BNDE assegurava acesso a créditos do exterior aos empresários via
corresponsabilidade com a liquidação do débito externo assumida por aquela instituição de crédito

A política de capital estrangeiro do PM representa um conjunto de práticas altamente eficazes em


termos de obtenção de recursos externos vitais ao êxito do PM, ainda que tais recursos encerrem um
alto custo para a Nação, em virtude da forma pela qual foram obtidos

b) Ampliação da participação direta do setor público

Destacar o ângulo quantitativo da participação direta do Estado na execução do PM

Participação do setor público cresce pelos(as): maiores necessidade de k social básico, inércia
empresarial na abertura de certa faixas industriais, maior pressão por serviços públicos e gastos sociais
que acompanham a urbanização etc.

Participação do governo na FBCF: de 25,6% para 37,1% no PM; nos dispêndios de consumo: 14,3% para
20,3%; consumo público crescente ao ano a 8,3% em média

Participação do setor público nos saldos de empréstimos ao final do ano: de 15,3% para 19,5%; aumenta
a presença do BB nas operações bancárias

c) O estímulo às inversões privadas prioritárias

Concessão de estímulos ampliados às inversões privadas que se orientassem para os setores


contemplados no PM
Sintetizamos estes favores em 3 grupos: acesso e condições favoráveis aos empréstimos externos,;
créditos a longo prazo, com baixa taxa de juros e prolongados períodos de carência e amortização;
reserva do mercado interno para os novos setores industriais a instalar

Concessão de câmbio subsidiado para a importação de insumos e partes complementares utilizadas pelos
setores de indústria de automóveis e construção naval

(continuar a partir da pág. 85) – o fichamento vai até aqui. Não sabia que não tinha terminado.

4.3 Capital internacional e a Política Externa

Campos, F. | A Arte da Conquista: o capital internacional no desenvolvimento capitalista brasileiro (1951-


1992) – Capítulo 2; item 3.

3. Internacionalização do Mercado Interno (1955-1973)

Internacionalização brasileira → maturação do oligopólio europeu e reorientação estratégica do


investimento norte-americano para manter a hegemonia na AL;

Requisito central para entrar no Brasil → o mercado interno;

Fechamento dos mercados interno – proteção tarifária e câmbio desvalorizado → ia ao encontro com as
ambições do capital internacional;

Plano de Metas também garantia o avanço da internacionalização do mercado interno → orientação de


maneira planejada → dirima pontos de incerteza na economia → rentabilidade aos oligopólios
internacionais;

O k internacional ampliou o tecido industrial brasileiro, cujos setores de bens de consumo duráveis
pesados se caracterizavam basicamente por ter preço unitário relativamente alto, dispor de consumidores
de elevada renda e gerar capacidade ociosa muito à frente da demanda;

Do ponto de vista do IDE – internacionalização da estrutura produtiva para o primeiro ciclo de expansão
(1956-1961) → estímulo de empresas europeias (sobretudo alemãs);

Intensificação intercapitalista dentro do território europeu → descentralização do capital europeu em


direção à AL → internacionalização do mercado interno // posteriormente → k norte-americano
desenvolve ou adquire estruturas produtivas em confronto com a congênere;

Os três setores líderes de atração de IDE na época: transporte (principalmente automóveis), química e
metal-mecânica;

O setor mais internacionalizado é aquele ligado à indústria automobilística, que congrega a produção de
automóveis e autopeças;

A empresa estatal apresentava participações decisivas na siderurgia, mineração e metalurgia →


sustentabilidade estrutural do Estado aos dois ciclos expansivos → divisão interna de tarefas entre o k
estatal e o k privado (principalmente estrangeiro);
Impossibilidade de uma lógica eminentemente centralizadora → filias estrangeiras e empresas nacionais
+ alguns quadros técnicos & militares associados → complexo multinacional que se sobrepôs aos
interesses centralizadores;

SÍNTESE do PM → 1) tentativas de desobstruir áreas críticas que atrancavam a expansão industrial; 2)


coordenação geral – Conselho de Desenvolvimento formado pela SUMOC & CACEX; 3) padrão de
financiamento dependente e sem autonomia, com inflação direta; 4) forte expansão industrial com
encadeamento dinâmico entre vários setores.;

Grupos executivos dos quais a empresa estrangeira foi protagonista (sobretudo GEIA), dimensionavam os
programas setoriais aliados sim, ao Estado, mas por sua própria lógica → contribuição pública pela
estabilidade da taxa de câmbio e subsidiada para importações + outros benefícios;

A condução não era vertical, como sonhava Getúlio anteriormente para seu padrão de desenvolvimento
→ o k internacional teve o caminho livre para fazer os grupos executivos exercerem por si próprios as
decisões e descentralizarem as execuções, ignorando até mesmo o Conselho de Desenvolvimento;

Havia regulação e ordenamento, porém → GEIA exigindo participação do k privado nacional junto ao IDE,
programa factível com as regras de encadeamento da indústria nacional, articulação dos I públicos e
privados etc.;

Houve também conflitos entre k internacional e nativos tanto na esfera pública quanto privada, ou mesmo
o Estado → internacionalização aqui foi sempre uma conquista que podia ser definida como uma arte de
compor-se com o poder político interno;

O governo estimulava o desenvolvimento setorial por meio de instrumentos cambiais e fiscais e


estabelecia as metas mais amplas do seu plano de desenvolvimento, sem interferir no ritmo estabelecido
pelo grupo executivo da indústria automobilística.

CARDOS, M. L. | Ideologia do desenvolvimento – Brasil: JK-JQ

Capítulo 4 – Formulações da política econômica

4.1 Importância da cooperação internacional

Estava vinculada à ideia de consecução dos objetivos de progresso e bem-estar nacional. Pode-se dizer
que ocorre em dois níveis básicos: no campo econômico (capital e técnica), e no campo político.

Dependência do desenvolvimento à cooperação internacional

Boa parte dos recursos oriundos da exportação são canalizados para a importação. Havia a ideia de que,
num projeto maior, o que acontecia era a parceria com os povos do dito “mundo livre.” A colaboração
com o capital internacional não tinha, assim um aspecto ideológico, mas sim de necessidade meramente
técnica. A via de acesso ao desenvolvimento econômico era, nesse sentido, a partir da industrialização.
Assim, dizia-se que capital é capital, não importando sua origem (de crédito, exportação, financiamento,
estrangeiro etc.) Não há, portanto, diferenciação no discurso entre capacidade para exportar e
industrialização, pois elas se complementam na economia do país. Como afirma Juscelino em
determinado momento: “não somos mais uma colônia, mas um país atrasado.”
No que concerne os pontos de estrangulamento da economia brasileira, havia o desejo de que a aplicação
de investimentos nestes setores prioritários fosse de forma leal e não especulativa. O nosso maior
problema quanto à capitalização era a deterioração dos termos de troca: o cuidado com a exportação e
garantia de divisas para o país. Quanto mais graves as dificuldades em aumentar a rentabilidade de
exportação, maior é o esforço para atrair o capital estrangeiro (definido, nestes termo, como o mecanismo
de incentivo para segurança e lucratividade).

A lucratividade do investimento estrangeiro

O país precisava se alinhar às expectativas do capital estrangeiro para pode atraí-lo. As operações de
câmbio que envolvem o capital estrangeiro são facilitadas e favorecidas em relação ao capital nacional
(como a 113 da SUMOC, já vista). Assim, argumentava-se que a nossa parcela, nestes termos, fosse a mais
favorável dentro das nossas possibilidades do contexto em que nos encontrávamos.

A harmonia de interesses

Para o discurso da época, a distinção da nacionalidade era mera formalidade; o que importa é a
racionalidade para conseguir o capital. Seria mais fácil convencer os setores privados da economia do
“sucesso” de uma eventual iniciativa desenvolvimentista do que mobilizar os setores mais
institucionalizados das organizações governamentais ou internacionais.

A política de capitais estrangeiros

O capital é o meio para superar o estado de pobreza no qual nos encontrávamos na época. Reduzir ao
máximo as diferenças entre o que é o nacional e o que é estrangeiro era um argumento que fazia parte
da concepção em voga. A política deveria, assim, propiciar o instrumental para que se possa dispor de
capital, sob seu controle, para servir aos interesses políticos programados. Não havia diferenciação entre
tanto o capital público e privado nacional, quanto o público e privado estrangeiro. Porém, é importante
ressaltar que setores de segurança estratégica deveriam ser dedicados a capital nacional. A prioridade de
segurança (num âmbito global) era para tudo aquilo que ameaça o estilo de vida do chamado “mundo
livre”, no qual se encaixava o Brasil.

Um terço dos investimento globais na economia brasileira vinham de participação estrangeira. As


limitações, claro, estavam relacionadas à inflação e a própria capacidade de importar do país. Qualquer
restrição à suplementação de recurso mais escasso para a recuperação econômica era visto como
prejudicial ao País—por isso, também, o argumento para a livre entrada e saída dos capitais estrangeiro
nesta terra. A única restrição cabível era, obviamente, aquela que dizia respeito ao endividamento
externo. Que a técnica mais nova do estrangeiro possa, assim, ser incorporada neste Brasil de todos.

Dimensão política da cooperação internacional

Havia nesta época, como não deixaria de existir, a luta contra a subversão. Se todos são responsáveis pela
segurança, que é algo comum, todos têm que colaborar para que a nação não fique ameaçada. A
problemática desenvolvimentista nestes termos exclui, assim, quase inteiramente o debate propriamente
político ou propriamente ideológico do desenvolvimento.

Nacionalismo para o desenvolvimento


O nacionalismo se define pelo desenvolvimento. É claramente destituído de seus elementos políticos—a
Nação é expressão de um povo (um elemento definido por excelência). Fazia-se necessário, neste
discurso, tornar o Brasil um país respeitável diante dos outros países do mundo. O estrangeiro não
prejudica e não é responsável por nenhum dos nossos males nacionais. O auxílio externo não é uma
esmola. O nacionalismo desenvolvimentista é um “estado de alma” dentro de uma emotividade elevada.
O nacionalismo desenvolvimentista é anticomunista.

Cooperação internacional pública e particular

O capital particular é aplicado quando o lucro é compensador e costuma ser bastante imediatista nas suas
decisões de investimento. Assim, o investimento público deveria ser aquele responsável pelos
investimentos de grande envergadura e de formação de indústrias de base (desatadora de pontos de
estrangulamento). Com o endividamento crescente, reduz-se o crédito e é menor a confiança do setor
privado para investir. Uma questão de decisão política vira, como já dito, uma mera questão técnica.
5. Crise dos anos 60 (1961-1964)

5.1 Dimensão econômica: desaceleração cíclica e política econômica

FURTADO, C. | A fantasia desfeita

Sexta parte

O plano trienal

Foi em setembro de 1962 que Celso Furtado foi convidado para assumir o Ministério da Economia e
Planejamento por João Goulart, à mesma época em que ocorria o plebiscito para o retorno ao
presidencialismo. Os fundamentos eram de conservar o dinamismo, aumentar o crescimento e devolver
estabilidade pelo planejamento. Atuava, portanto, a partir de reformas estruturais e ações de curto prazo.

Conferência frustrada da OEA

Estava vinculada à Aliança para o Progresso, pela defesa da autonomia dos países. O chefe da delegação
norte-americana era Douglas Dillon.

Inovações no planejamento

Para a primeira redação do Plano Trienal, os objetivos eram:

1) Aumentar a taxa de crescimento da renda nacional para 7% ao ano, o que equivalia a um aumento
de 3,9% da renda per capita;
2) Reduzir a pressão inflacionária com mecanismo de estabilidade de preços;
3) Distribuir os frutos do desenvolvimento da forma mais ampla possível (um aumento dos salários
reais vinculado a um aumento geral da produtividade);
4) Intensificação da ação governamental em educação, pesquisa científica e tecnologia, e saúde
pública;
5) Levantamento de recursos naturais e localização de atividades econômicas com a finalidade de
reduzir as disparidades regionais;
6) Eliminar entraves de ordem institucional;
7) Refinanciar a dívida externa de forma adequada;
8) Aumentar de forma crescente a unidade de comando por parte do governo.

Havia, então, crescente participação do consumo público: claramente um setor de pressão inflacionária.
A tributação saíra da 14,3% do PIB em 1950 para 20% em 1960, e a taxa de investimento público de 3,3%
para 5,7%. Os ganhos sociais haviam se concentrado no primeiro quinquênio da década.

As duas principais dificuldades a serem enfrentadas eram, portanto:

1) Desequilíbrio do setor público a partir de uma reforma fiscal;


2) Negociação da dívida externa, que estrangulava a economia por insuficiência de capacidade para
exportar.

O insucesso de Santiago Dantas


Em 1963 Celso Furtado assume a pasta do Ministério do Planejamento, enquanto que Santiago Dantas,
ex-chanceler, assume o Ministério da Fazenda. Foi o segundo o responsável, portanto, para apresentar as
providência estabilizadoras do Plano para o FMI, que não mexeram com os ânimos do Fundo.

Ao mesmo tempo Goulart promovia uma reforma bancária para o País, que foi recebido de forma
extremamente negativa pelo Rockefeller. O segundo havia dito que com a reforma o banco cancelaria as
linhas de crédito para o Brasil.

SERRA, J. | Ciclo e mudanças estruturais na economia brasileira do pós-guerra

1. Tendências e mudanças estruturais


1.1 Desempenho e principais problemas

No Brasil, como já vimos em outros textos, a industrialização é retardatária com crescimento econômico
e diferenciação das forças produtivas, que apresentavam extraordinária vitalidade. Esta performance
positiva inicia-se a partir dos anos 30 com acentuação no pós-45. É aí que a indústria manufatureira
consolida seu papel no eixo dinâmico da economia nacional.

No pós-45 o PIB cresce a uma taxa de 7% ao ano, reduzindo a diferença entre a produtividade média entre
o Brasil e os outros países desenvolvidos. Neste cenário, o setor manufatureiro cresce a surpreendente
taxa de 9% ao ano. Na indústria de transformação, adquiriram importância os setores de bens de
produção e de bens de consumo duráveis. A contrapartida a esta transformação, porém, foi a redução da
participação relativa da agricultura—em 1949 era 25% do PIB, em 79/80 era 13,2%.

A exportação (com diversificação da pauta) foi deslocada como principal fonte de demanda para o
crescimento. Seu valor girava em torno de 5,6% do PIB. Foi associada também a um “fechamento” da
economia no que se refere às importações—em relação ao PIB, era de 13,7% em 1947 e 7% em 1980.

A mudança na estrutura social foi considerável: a PEA no setor secundário em 1940 era de 10,3% dos
ativos, enquanto que em 1980 saltara para 25,3%. Houve neste momento também um aumento da
escolaridade de uma maneira geral e a redução do analfabetismo.

Algumas questões relacionadas às tendências de longo prazo continuaram a coexistir, se agravando e até
se reproduzindo. A que se sobressai é definitivamente a ampliação de desigualdades sociais,
simultaneamente com a preservação de grandes margens de pobreza absoluta. Isso foi agravado pela
política social claramente regressiva e penalizadora aos mais pobres do regime brasileiro entre 1964 e
1974; isto é: baixos reajustes salariais fixados pelo governo, enfraquecimento da estabilidade no emprego,
restrições à liberdade sindical e contenção dos gastos públicos com finalidades sociais.

Outro aspecto importante são os desequilíbrios do processo de crescimento. Houve neste período uma
redução da participação da PEA agrícola na PEA total. Sem modernização tecnológica, o que ocorreu foi
uma expansão da fronteira agrícola sem aumento da produtividade no campo.

Também houve a liberalização de recursos de financiamento para sustentar a acumulação urbana,


contribuindo indiretamente para viabilizar o dinamismo do padrão de crescimento industrial vigente nas
últimas décadas.
A indústria cresceu, mas a participação do agregado de máquinas no produto manufatureiro tende a
superestimar o desenvolvimento do setor. O setor de bens de capital possuía um “atraso relativo”, o qual
era insuficiente para o desenvolvimento tecnológico.

Externamente, o Brasil possuía posição credora em termos líquidos no final dos anos 40. Após 20/30 anos,
há um acúmulo de dívida de ¼ do PIB, sendo 2,5 vezes o valor das exportações e 1/3 do pagamento de
juros (2/3 se contarmos as amortizações). Havia, portanto, dificuldades de obter superávits comerciais
significativos, com um desequilíbrio financeiro fundamental implicando no padrão de crescimento.

Outro aspecto importante era a dependência do desenvolvimento da economia brasileira em relação ao


petróleo, responsável por 43% da energia brasileira.

A nossa inflação era crônica e elevada, oscilando numa média de 20% ao ano no pós-45. Para Serra, essa
taxa era reflexo da rapidez e intensidade das transformações na economia e das mudanças nos processos
relativos. Funcionalmente, havia incapacidade do sistema de intermediação financeira de mobilizar
poupança para financiar os investimentos ou de articular organicamente o capital financeiro ao industrial.
Tivemos reações descontroladas, em 1962/64 e em 1979, com contração na recuperação da economia.

1.2 A participação do Estado

Era o de impulsor à industrialização, ao definir articular e sustentar financeiramente os grandes blocos de


investimento; e criar a infraestrutura mais a produção direta de insumos intermediários.

Serra traz para a discussão o que Hirschman chama de late-late-comers, formados pelos países que
ingressaram na era industrial quando as bases técnicas e financeiras das atividades manufatureiras já
eram relativamente complexas; que possuíam uma economia primário-exportadora incapaz de engendrar
mecanismos de centralização financeira privada capazes de oferecer sustentação à acumulação industrial;
que dependiam de implantação conjunta de projetos industriais de grande dependência, mais a
necessidade de infraestrutura e de matérias-primas; e que negociavam a administravam a participação
das empresas estrangeiras nos grandes blocos de investimento.

1.3 As empresas transnacionais e a industrialização

O salto das indústrias brasileiras na direção dos ramos manufaturados ditos “pesados” de bens de
produção e bens de consumo duráveis e inseparável da penetração de empresas transnacionais no setor.
As principais características da “transnacionalização” da indústria brasileira foram:

1) Concentração na indústria de transformação;


2) Na indústria, concentram-se nos subsetores mais dinâmicos (BCD e BK);
3) Operação com escala de produção, intensidade de capital, grau de oligopolização, complexidade
tecnológica e produtividade mais elevadas do que as nacionais;
4) Nos anos 50, empresas majoritariamente norte-americanas. Depois, alemãs, japonesas e suíças;
5) Os atenuadores de conflitos entre as nacionais e as internacionais eram: o alto grau de
complexidade, as associações, a diferença dos bens de produção (justificativa política
governamental permissivas para as transnacionais), a fragmentação de interesses das
transnacionais.
2. Os ciclos de crescimento industrial

A expansão do produto manufatureiro possuiu três inflexões mais agudas: em 1962 (19,7% ao ano), em
1967 (13% ao ano, quando inaugurou-se o “milagre”), e em 1973/80.

2.1 Auge e declínio do crescimento industrial (1947/62)

De 1945 ao início dos 60 vimos o caminho para a etapa mais avançada da indústria moderna. O conjunto
de condições favoráveis foi: a base relativamente ampla do mercado interno; políticas protecionistas em
relação à indústria doméstica e SI; investimento do Estado em infraestrutura e insumos básicos; entrada
maciça de capital estrangeiro na produção de bens manufaturados para o mercado interno; fortes
incentivos e subsídios fiscais, creditícios e cambiais ao investimento privado na indústria; e aumento da
oferta agrícola a 4% ao ano.

De 1945 a 1950 é importante lembrarmos que foram criadas a Vale, a CNA, a CSN e a Acesita, num
ambiente de proteção do mercado interno. A guerra da Coreia também promoveu um boom de
importações de máquinas e equipamentos e a urbanização expandiu o mercado doméstico brasileiro.

No começo dos anos 50 tivemos a Instrução 70 da SUMOC (que disciplinava a alocação das importações
e leiloava as divisas), e foram criados também o BNDE e a Petrobrás. Logo após, a I70 da mesma SUMOC
abria a importação sem a cobertura cambial.

O boom do plano de metas

Foi um contexto caracterizado pela intensa diferenciação num intervalo de tempo curto e articulada
diretamente pelo Estado. Instalaram-se a indústria automobilística, construção naval, material elétrico
pesado e outras de máquinas e equipamentos, junto a uma ampliação da indústria básica.

Os instrumentos de política econômica decisivos foram:

1) A Instrução 70 da SUMOC e o aumento da carga tributária e do déficit fiscal como fontes de


financiamento;
2) A Instrução 113 da mesma SUMOC, para atrair IED no curto prazo e contornar problemas do
balanço de pagamentos para importar máquinas e equipamentos;
3) Crédito oficial e subsidiado;
4) Criação de Grupos de Estudo setoriais.

Havia também a proteção ao capital privado nacional (o mais frágil), com fornecimento de subsídios,
principalmente a partir do BCND. O Estado também ampliou a CSN, a Petrobrás e criou a Eletrobrás. Os
gastos do governo em relação ao PIB eram em 1955 de 15,3% e em 1960/61 de 17,8%.

Principais características do ciclo expansivo

1) Liderança do crescimento pelos bens de capital e bens de consumo duráveis (de 1955 a 1962 os
bens de capital cresceram à taxa de 26,4% a.a. e os BCD cresceram a 23,9%;
2) Produção de bens intermediários 12,1% a.a. (55/62);
3) Aumento da produção de bens de capital nos ramos de máquinas e ferramentas e equipamentos
sob encomenda;
4) Insuficiência de oferta de bens intermediários;
5) Agricultura cresce 4,5% ao ano sem modificação do padrão tradicional;
6) Fortes desequilíbrios na balança de pagamentos, principalmente pela deterioração das relações
de troca, aumento dos serviços do capital estrangeiro, e curto período de maturação dos
empréstimos;
7) Salto industrial sem intermediação financeira do governo adequada ao gasto público (que cresce)
com aumento do déficit;
8) Elevado grau de complementaridade dos grandes projetos, e estabelecimento das bases técnicas
que aumentam consideravelmente o grau de endogeneidade de sua expansão e dinâmica cíclica.

A desaceleração

A partir de 1962, em grande parte devido aos fatores de natureza cíclica, relacionados à conclusão do
volumoso “pacote” de investimentos públicos e privados iniciado em 56/57. As políticas de estabilização
de 1963 aprofundaram essa desaceleração, e houve uma queda da taxa de crescimento da FBCF a partir
de 1962.

A ociosidade da indústria de automóveis aumentou em 50% no início dos anos 60. Os investimentos que
deram origem e acompanharam o boom expansivo foram muito concentrados no tempo, em certas
atividades e em projetos de grande magnitude relativa, facilitando assim a descontinuidade subsequente.

Com o galope inflacionário, os mecanismos de financiamento foram perdendo força. As políticas


contracionistas somadas à crise cíclica foram o Plano Trienal (ajustado) de 63 e o plano de 1965/67. A
aceleração da inflação, neste sentido, foi em grande medida oriunda de problemas do setor externo. É
importante ressaltar, como coloca Serra, que a crise foi atenuada pela internalização parcial da produção
de BK, que transferia parte dos efeitos desaceleradores da contração no ritmo de investimentos para o
exterior.

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