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Eu que não conheço nada igual. Nunca viajei para outros mundos, eu não sei o
que é a vida. Os caixões americanos são de primeira classe, o seu marido morreu por lá,
teve essa sorte. Já morreu no céu, My God.
Deus é americano, ela me disse. Deus mora em cima daqueles prédios enormes de
Nova York. Deus é King Kong, é Hollywood.
Disse-me e disse-me mil provas, mostrou mil estatísticas. Cada povo com sua
técnica de assentar, encriptar, enlousar, recolher em sepultura, recolher na vala comum.
“Welcome” ao que a terra há de comer não é pra todo mundo. Somos terceiro em tudo.
Urubus subdesenvolvidos.
Deixa de drama, disse ela. Não estamos em guerra, nem severamente discutindo.
A verdade é que os Estados Unidos unem como ninguém a matéria e o espírito. Sabem se
importalizar. Talvez porque sejam também campeões em matar, têm tecnologia nuclear,
brincam de enviar mísseis para todo lugar, detectam onde as bombas devem estourar – se
aqui ou em Bagdá. Se em Kosovo ou Hiroshima. Vietnã, Moscou ou Pernambuco.
“Mas por que estamos perdendo tempo com isso?”, era assunto morto para ela. A
morte sem mais mistérios. A morte é uma ciência, indiscutível.
Respeitam o próximo, morto ou vivo. Indiferentes de nós, que não temos onde
cair. Indiferentes de nós, pobres, coitados, mortais.
Haverá por lá alguém que tenha apenas uma rede para o último descanso? Duvido.
Ou que, enrolado no jornal, seja incinerado no lixo?
Como serão nos Estados Unidos, por exemplo, os nossos caixões para recém-
nascidos? Rosas, azuis, brancos?
Nós exportamos mortes de todo tipo, tamanho a tamanho. Fome, sede, frio. Pelas
quintas, sextas avenidas. Corpos espalhados pela rua, caixotes pelo Nordeste do Brasil.
Calma, ela disse, calma. O que ela poderia fazer contra a realidade norte-
americana? O fato é que lá tudo acaba bem, é um berço de ouro a cama funerária. Aqui
os cemitérios vivem sem nenhum padrão, favelas de ossos, é verdade, favelas de ossos.
Enterramos mal, ponto final. Despachamos mal, ponto final. Não temos nenhuma
educação. Meu Deus, morrem fora da escola as nossas crianças. Lá não, até nisso são
cuidadosos e desenvolvidos. Estão na escola crianças que matam outras crianças. As
mortes são psicológicas, nada reais. Assassinos, heróis de guerra, neuróticos por efeitos
especiais.
Quis perguntar onde o marido dela foi enterrado. Não perguntei, nem ela me disse.
Mas pra quê?