August Wilson, pseudônimo de Frederick August Kittel, foi um dramaturgo
estadunidense. Nascido em 27 de Abril de 1945, em Pittsburgo, na Pensilvânia, dedicou sua vida a escrever sobre a experiência afroamericana no séc. XX. Autor de dezesseis peças teatrais, seu mais reconhecido trabalho, O Ciclo de Pittsburgo, inclui uma série de dez textos que retratam, década a década do século passado, acontecimentos na cidade de Pittsburgo. Todas as obras foram encenadas na Broadway, meca do teatro norte americano, e sua grande maioria foi vencedora de importantes prêmios, como os Tony Awards, o New York Drama Critics’ Circle Award e o Pulitzer Prize.
Seus primeiros anos de vida se deram na comunidade negra e imigrante de
Pittsburgo. Quarto de seis irmãos e filho de Daisy Wilson, uma empregada vinda da Carolina do Norte, com um imigrante alemão, Federick August Pittel Sr., August enfrentou problemas financeiros e na relação paterna durante a infância. Seu pai trabalhou em cargos baixos dos mais diversos estabelecimentos, porém, tinha muita dificuldade de manter seus empregos e cuidar dos filhos devido ao alcoolismo. O grande envolvimento afetivo com a mãe o levou a adotar o sobrenome “Wilson” em seu pseudônimo artistico. Durante os anos 50, sua mãe deixou o primeiro marido e casou-se com David Bedford. Nessa época, eles mudaram-se para o bairro de classe operária e predominantemente branco Hazelwood. Porém, lá foram racialmente discriminados e hostilizados (tijolos eram atirados contra as janelas de sua casa, entre outras violações). A história de seu padrasto o inspiraria a escrever, mais tarde, um dos protagonistas de sua obra Um Limite Entre Nós. Desde que aprendeu a ler, aos quatro anos de idade, August era um leitor voraz. Com doze anos já frequentava a biblioteca local. Mas apesar de seu amor pela literatura, seus resultados na escola não iam bem. Tinha dificuldade de se adequar à constante passividade verbal esperada pelos professores e frequentemente era vítima de racismo. Dois acontecimentos particularmente marcantes foram encontrar várias vezes escrito em sua carteira escolar “Vá pra casa, negrinho” (Nigger go home) e uma acusação de plágio vinda de seu professor de história (ele mesmo negro), que se negava a acreditar que o garoto foi capaz de escrever por conta própria um trabalho de vinte páginas sobre Napoleão Bonaparte. Aos quinze anos, Wilson decidiu, secretamente, abandonar o colégio. Saia de casa de manhã, passava o dia na biblioteca, e voltava de tarde como qualquer colégial. Sua autoeducação foi suplementada pela seção “negra” da biblioteca, que durante o início dos anos 60 já começava a acumular obras advindas de movimentos antirracistas. Nos últimos anos de sua adolescência, o desejo de tornar-se escritor contrariava as expectativas da mãe, que o queria numa faculdade de Direito. A obstinação de Wilson foi vista como displicência pela mãe, que o expulsou de casa em 1962. Após um rápido período no exército, Wilson mudou-se para uma pensão, se sustentando através de “bicos” que arranjava pela cidade.
Encontrava sua inspiração como escritor nas lanchonetes, barbearias, tabacarias,
nos bares frequentados por jovens e velhos das classes baixas de Pittsburg. Seu papel, quando fora de casa, era o guardanapo, o saco de pão, qualquer coisa que estivesse a seu dispor e sua matéria prima as conversas que escutava clandestinamente. Sua carreira de escritor começa “oficialmente” quando, em meados dos anos 60, sua irmã compra para ele, por vinte dólares, sua primeira maquina de escrever. Em troca, ele escreve para ela um trabalho acadêmico sobre escritores nacionais. A poesia de Wilson chega a ser publicada em revistas, porém obtem pouco sucesso com o público. No final dos anos 60, ele descobre a obra de Malcolm X, o que o estimula para se juntar à compania de teatro amadora “Horizontes Negros na Montanha” (Black Horizons On The Hill). Seu intuito era dizer para a comunidade negra aquilo que não podia ser dito nas ruas através do teatro. E assim foram concebidas as encenações de suas primeiras e mais embrionárias peças. A convite de um amigo próximo, August visita a cidade de St. Paul, no Minessota, e logo depois se muda para lá. Lá, pela primeira vez. ele foi capaz “realmente ouvir as vozes” da comunidade. Em contato com o grupo de teatro Penumbra, pode realizar sua primeira montagem profissional. O texto, chamado Bart Negro e As Montanhas Sagradas, era um faroéste um tanto surreal inspirado na comédia Lisístrata, de Aristófanes. Através da mesma estratégia de escuta e observação usada em Pittsburgo para inspirar-se, o dramaturgo concebe o rascunho de Jitney, drama familiar que se desenrola numa estação de táxi. Foi esse trabalho que o permitiu afiliar-se ao Centro de Dramaturgos de Minneapolis e ganhar uma assistência de custo de duzentos dólares por mês. A partir daí, ele ganhou confiança para dedicar-se integralmente à escrita. O suporte financeiro maior vinha de sua esposa, que era assistente social. A grande virada veio da combinação entre sua nova peça “O Traseiro Negro de Dona Rainey” e o diretor afroamericano Lloyd Richards. A peça foi montada no Teatro de Repertório de Yale, que era dirigido artisticamente por Richards. A parceria dos dois duraria muitos anos e Wilson, de certa forma, encontrou o pai que nunca teve.
Passada na Pittsburgo de 1927, a peça retrata a relação dentre a banda e a cantora
Gertrude “Ma” Rainey e a exploração feita por brancos sobre artistas negros. O interesse por Gertrude começou em 1965, quando Wilson ouviu a canção “Nobody In Town Can Bake A Sweet Jelly Roll Like Mine” na voz de Bessie Smith, aluna de Rainey. Numa entrevista em 1987, Wilson declarou “Eu vejo o blues como uma literatura e ele influencia tudo o que eu faço... A resposta dos negros para o mundo está no blues.” A partir daí, todas as peças subsequentes foram montadas na Broadway e aclamadas pela crítica. Sua peça seguinte, A Chegada e Partida de Joe Turner, se passava também em Pittsburgo, porém na decada de 1910, narrando a busca de um ex- escravo por sua esposa. Enquanto Joe Turner estreava em Nova Iorque, Um Limite Entre Nós estava em processo de ensaios. Essa narrativa sobre uma família de classe baixa nos anos 50, teve sua estreia em 1987 e ganhou o maior prêmio do teatro americano, o Tony Award, e da literatura americana, o Pulitzer Prize. Primeiramente protagonizada por James Earl Jones, foi seu único texto adaptado para os cinemas, no longa de 2016 dirigido e protagonizado por Denzel Washington e Viola Davis. Indicado a quatro Oscars, Viola foi premiada como melhor atriz coadjuvante. Foi durante a concepção de Um Limite Entre Nós que August idealizou o que se tornaria o maior projeto de sua vida: O Ciclo de Pittsburgo. Seu objetivo era escrever uma peça sobre habitantes da cidade para cada década do séc. XX. As temáticas de cada uma de suas obras acompanham o momento histórico que retratam, porém sem perder o caráter universal. As seis peças que se sucederam lidam com a ancestralidade, o místico, o fantasmático, papéis sociais, afetividade, desigualdade e opressão. Com A Aula de Piano (1990), drama passado nos anos 30, August ganhou seu segundo Pulitzer Prize. Com seu sucesso nos anos 80, o autor finalmente pode criar independencia do apoio financeiro de sua família. Continou utilizando ritual de observação até completar o ciclo de Pittsburgo com a peça Rádio Golf, escrevendo em restaurantes e transcrevendo até a madrugada. Wilson morreu em 2005 de um câncer incurável no fígado logo após a estreia fechada em Nova Iorque. Foi aclamado por seus admiradores como um herói da arte afroamericana e, em sua homenagem, o Teatro Virginia na Broadway foi renomeado para Teatro August Wilson.
Lista de peças do Ciclo de Pittsburgo de acordo com a cronologia da narrativa:
- Jóia do Oceano, primeira década (2003) - A Chegada e Partida de Joe Turner, anos 10 (1984) - O Traseiro Negro de Dona Rainey, anos 20 (1984) - A Aula de Piano, anos 30 (1990) - Sete Violões, anos 40 (1995) - Um Limite Entre Nós, anos 50 (1987) - Dois Trens Andando, anos 60 (1991) - Jitney, anos 70 (1982) - King Hedley II, anos 80 (1999) - Rádio Golf, anos 90 (2005) Os brancos não entendem o blues. Eles podem até ouvir, mas não sabem de onde surgiu. Não entendem que é a língua da vida. Você não canta pra se sentir melhor. Você canta porque é uma forma de entender a vida. O blues te ajuda a levantar da cama de manhã. Você levanta sabendo que não tá sozinho. Existe algo a mais no mundo. Alguma coisa surgiu daquela música. Seria um mundo vazio sem o blues. Eu pego esse vazio e tento preencher ele inteiro!