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Resumo
Esta pesquisa teve como objetivo desenvolver um guia de referência sobre o elemento islâmico na cultura africano-
brasileira como ferramenta de ensino no estudo da História e Cultura Afro-Brasileira na aplicação didática da Lei
nº 10.639/03.Esta é uma pesquisa teórica de abordagem qualitativa e de natureza bibliográfica, que disponibiliza
dados e fontes que servem como suporte pedagógico para a análise da influência e contribuição de muçulmanos
negros na história e na cultura africano-brasileira.
Palavras-Chave: Negros muçulmanos; Lei nº 10.639/03; Interculturalismo.
Islamic Element in the afro-brazilian history and culture: references for the promotion of the law
nº.10.639/ 03
Abstract
This research aimed to develop a reference guide on the islamic element in the african-brazilian culture as a
teaching tool in the study of History and Afro-Brazilian Culture on the didactic application of the Law 10.639 /
03. This is a theoretical research of qualitative approach and bibliographic nature, which provide data and sources
that serve as pedagogical support for the analysis of the influence and contribution of black Muslims in the history
and african-brazilian culture.
Keywords: Black Muslims; Law 10.639/03; Interculturalism.
esta realidade. Não ignora as relações de diferentes grupos, cuja identidade cultural e dos
poder presentes nas relações sociais e indivíduos que os constituem são abertas e estão em
interpessoais. Reconhece e assume os permanente movimento de construção, decorrentes
conflitos procurando as estratégias mais dos intensos processos de hibridização cultural”
adequadas para enfrenta-los. (CANDAU, (CANDAU; KOFF, 2006, p. 102).
2003. p. 19). As mais recentes alterações da Lei de
Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDBEN –
Esta proposta intercultural de orientação Lei nº 9393 de 1996), no seu artigo 26, parágrafo 4º,
curricular da prática pedagógica corrobora com a dispõem que: “O ensino da História do Brasil levará
pretensão do Parecer N.º 003/2004- CNE/CP que em conta as contribuições das diferentes culturas e
institui as Diretrizes Curriculares Nacionais para a etnias para a formação do povo brasileiro,
Educação das Relações Étnico-Raciais e para o especialmente das matrizes indígena, africana e
Ensino de História e Cultura Afro-Brasileira e europeia” (BRASIL, 1996), e no artigo 26A,
Africana. Um dos objetivos deste parecer prescreve parágrafos 1º e 2º, recentemente alterados pela Lei nº
ao educador, abordar “a história da ancestralidade e 11.645/ 2008, estabelece que:
religiosidade africana” (p. 12), que por meio do Plano
Nacional de Implementação destas diretrizes, de § 1º - “Nos estabelecimentos de ensino
2010, incentiva a produzir materiais didáticos que fundamental e de ensino médio, públicos e
“atendam e valorizem as especificidades (artísticas, privados, torna-se obrigatório o estudo da
culturais e religiosas) locais/regionais da população história e cultura afro-brasileira e indígena.
e do ambiente, visando ao ensino e à aprendizagem O conteúdo programático a que se refere
das Relações Étnico-raciais” (p. 32, 34). este artigo incluirá diversos aspectos da
história e da cultura que caracterizam a
Abordar o tema dos valores civilizatórios, formação da população brasileira, a partir
seja na sociedade brasileira ou em qualquer desses dois grupos étnicos, tais como o
outra sociedade com características estudo da história da África e dos africanos,
pluriculturais semelhantes, não é tarefa de a luta dos negros e dos povos indígenas no
pouca dificuldade, sobretudo quando nos Brasil, a cultura negra e indígena brasileira
ocupamos em identificar seus conteúdos e e o negro e o índio na formação da sociedade
significados amplos a partir de um nacional, resgatando as suas contribuições
referencial circunscrito a um universo nas áreas social, econômica e política,
cultural, por definição de pouca precisão, no pertinentes à história do Brasil” (BRASIL,
caso que nos interessa, o universo cultural 2008, p. 1).
afro-brasileiro. Sendo assim, antes mesmo
de propormos formas de introduzir os A problemática fundamental é que as
valores civilizatórios afro-brasileiros na abordagens publicadas sobre a cultura e religiosidade
elaboração dos currículos escolares, negra, antes da Lei nº 10.639/03, classificam e
convém especificarmos, ainda que retratam os negros africanos simplesmente como
brevemente, qual a nossa compreensão do Bantos e Sudaneses, que deram origem a religiões
tema e, sobretudo, deixar clara a posição como o Candomblé, Quimbanda e Umbanda, etc.
teórica que referencia essa nossa (OLIVA, 2003). Esta categorização é empobrecida e
compreensão (MATTOS, apud RAMOS. inadequada, pois se remete apenas aos grupos étnicos
2003, p. 29). subsaarianos escravizados, como os Bantus e os
Iorubás. Esta abordagem implica num currículo
Estas relações interculturais, decorrentes da discriminatório, pois sucumbe toda a diversidade,
confluência de povos africanos islamizados com tanto étnico-racial, quanto religiosa, dos grupos de
outras etnias no Brasil, proporcionaram relações toda a África, como salienta Gomes:
étnico-raciais positivas e, neste contexto, abordar a
religiosidade islâmica no Ensino de História Cultura Práticas pedagógicas que se pretendem
e Afro-Brasileira já é um grande passo para iguais para todos acabam sendo as mais
desmitificar os conflitos etnocêntricos e de discriminatórias. Essa afirmação pode
intolerância religiosa em pauta na atualidade, pois parecer paradoxal, mas dependendo do
“implica (...) em promover o diálogo e a troca entre discurso e da prática desenvolvida, pode-se
apenas encontrara um ser de sua espécie, A Revolta dos Malês, ocorrida em 1835, na
mas um ser com que podia se entender. cidade de Salvador, talvez seja o mais conhecido
Suponho, madrinha, que com a aguda caso de resistência islâmica no Brasil, embora
inteligência que a distingue... você Haussás e Nagôs tenham se rebelado em mais de 30
adivinhou que Simbá estava no Brasil, que tentativas de emancipação desde 1807 (REIS, 2014).
os macacos eram os brasileiros e que o rei Pierre Verger e Roger Bastide são alguns dos autores
era o Imperador (GOBINEAU apud que comentaram sobre o papel da religião islâmica
READERS, 1988, p. 77-78). na organização da resistência contra a escravidão.
Destaca-se ainda o extenso trabalho de João José
O zoólogo Louis Agassiz (1807-1873), um Reis registrada no livro Rebelião Escrava no Brasil
dos notórios teóricos racialistas do século XIX, – A História do Levante dos Malês de 1835 e o livro
também faz um relato sobre o grupo muçulmano no de Nei Lopes Bantos, Malês e Identidade Negra.
Rio de Janeiro, durante sua expedição, na qual relata
a filiação religiosa dos negros Minas: “Os homens Os malês foram os grandes promotores das
desta raça são maometanos e conservam, segundo se revoltas e movimentos de libertação.
diz, sua crença no profeta, no meio das práticas da Instruídos, com capacidade de organização,
Igreja Católica. Não me parecem tão afáveis e e motivados pelos ideais islâmicos de
comunicativos como os negros congos: são, pelo liberdade e resistência à tirania,
contrário, bastante altivos” (AGASSIZ, 2000, p. mobilizaram seus pares em diversas
102). revoltas. O início do século XIX foi marcado
No Brasil, os negros islamizados se diferiam por uma sequência de revoltas denunciando
dos negros de outras religiosidades principalmente o clima de tensão crescente e o
pelos seus caracteres culturais. O antropólogo e inconformismo com a situação de
etnologista Arthur Ramos distinguia os muçulmanos escravidão. As principais ocorreram nos
em sua obra pelos seus traços culturais: "Eram altos, seguintes meses e anos: maio de 1807; 4 de
robustos, fortes e trabalhadores. Usavam como os janeiro de 1809; fevereiro de 1810; fevereiro
outros negros muçulmanos, um pequeno de 1814; janeiro e fevereiro de 1816, junho
cavanhaque, de vida regular e austera, não se e julho de 1822; agosto e dezembro de 1826,
misturavam com os outros escravos." (JERRAHI, abril de 1827; março de 1828; abril de 1830.
2003, p.2) [...] Em 25 de janeiro de 1835 ... Os
A intensificação do tráfico de negros revoltosos percorreram as ruas da capital
islamizados ocorreu nos séculos XVIII e XIX, com o da Bahia, atacaram o palácio do Presidente
início do ciclo do ouro mineiro no Brasil no século da província, invadiram quartéis,
XVIII e com a rota de tráfico Costa de Mina e da Baía enfrentaram tropas e fragatas de guerra
de Benin. Os negros islamizados foram espalhados ancoradas no porto. Foram totalmente
por todo o território brasileiro, mas houve subjugados pelas forças do governo. (AL-
concentração maior na região do Recôncavo baiano, JERRAHI, 2003, p. 3).
devido ao porto de Salvador ter sido um desembarque
bem mais próximo das rotas escravocratas. Os Malês, como eram chamados os muslins
Cabe ressaltar que como a religião oficial do (muçulmanos) na Bahia, eram organizados e
Brasil colonial e imperial era o catolicismo, não se comprovariam, na prática, o quão temido eram pelos
admitia o ensino islâmico, ocorrendo que as práticas traficantes e donos de escravos. Segundo Reis
religiosas dos negros muçulmanos eram discretas e (2003), cerca de 600 escravos e libertos participaram
escondidas, nas quais utilizavam a privacidade de do motim e quase todos morreram. Os poucos que
suas próprias casas como congregações e casas de escaparam, foram presos ou deportados para a
adoração. O Islã da população negra no Brasil África. Os flagrantes revoltosos foram apreendidos
resistiu a todas as formas de sincretismo, inovação com amuletos contento trechos do Alcorão escritos
(modernização ocidental) e folclorização, o que em árabe. Negros muçulmanos, a partir de então, que
favoreceu seu processo de desaparecimento, fossem flagrados com símbolos sagrados islâmicos
principalmente com o sufocamento das insurreições ou escritos árabes, passariam a ser castigados, o que
religiosas dos muçulmanos na Bahia. na prática resultou na proibição do islamismo.
Há um caso curioso registrado nos arquivos
Revolta dos Malês judiciais de Salvador, no qual um escravo nagô de
violino, rabeca, originados do alaúde e rebab, adoção brasileira sempre estiveram interligados, isto é, o
do pandeiro (riq), do adufe, da flauta (nay), da racismo e o preconceito religioso, no Brasil,
zambumba de duas faces, dos címbalos, do atabaque. caminharam juntos.
Na literatura, histórias e contos orientais como Os professores, ao lidarem com a história
Aladin, (adaptado pela Disney), Alí Babá e os 40 negra no Brasil, devem encontrar nestes referenciais
ladrões, Simbá, o Marujo, contido nos contos de As uma melhor compreensão da importância da Lei nº
Mil e Uma Noites, além de obras traduzidas de 10.639/2003, para abordagens da religiosidade de
grandes poetas muçulmanos, entre eles, Rumi, Attar, matriz africana. Embora o número de alunos negros
Omar. muçulmanos matriculados no Brasil seja ínfimo e
Atualmente, o Canal Futura tem transmitido desconhecido, esta aquisição de conhecimento não
o desenho Saladino, que dramatiza as aventuras da diz respeito apenas ao tratamento do aluno
juventude do libertador de Jerusalém dos Cruzados. muçulmano, mas sim serve de entendimento acerca
Esta animação é uma boa fonte de aprendizado do conflituoso complexo de valores civilizatórios
infantil sobre a cultura árabe-islâmica. O uso do entre essas comunidades.
abadá branco usado em Rodas de Capoeira é uma boa Atualmente, a mídia brasileira tem destacado
forma de se introduzir a religiosidade afro-islâmica
atitudes perversas e corruptas de fanáticos,
aos alunos, uma vez que a indumentária além de fazer
extremistas, radicais, colocando-os, erroneamente,
parte da indumentária tradicional de rodas de
como representantes da religião islâmica, reforçando
Capoeira, é uma vestimenta ritual islâmica da Hajj
a ideia de que todo muçulmano é terrorista (o que
(peregrinação), traje este também presente em ritos
do Candomblé e no ofício das baianas do acarajé. teoricamente seria 20% da Humanidade), discurso
Enfim, o trabalho pedagógico do educador na este reproduzido na escola e que vai ao encontro do
abordagem da religiosidade islâmica do negro que propõem a Lei nº 10.639/03, que é a investigação
africano é delicado, mas exige um esforço de dos fatos e da realidade de forma imparcial. Os
pesquisa do professor, uma vez que a herança professores neste sentido têm de ser capazes de
muçulmana tem sido “esquecida” intencionalmente distinguir com nitidez o islamismo exógeno da
na História Ocidental. As fontes de referências mídia, como da novela o Clone e das manchetes dos
potenciais tenderão a ser maiores, conforme vão se Jornais, do islamismo promotor da paz, da justiça, da
ampliando os estudos sobre os elementos islâmicos harmonia racial, da tolerância, da civilidade e da
na sociedade brasileira. espiritualidade como o do atleta negro Jadel
Gregório, convertido por livre investigação, por
Considerações Finais exemplo.
Este movimento de conscientização, que já
O professor da educação básica dispõe de vem sendo conquistado aos poucos por outras
uma breve e concisa indicação de referenciais para a religiões de procedência africana, como o
abordagem da religiosidade islâmica dos negros aqui Candomblé, também repercute na Fé Islâmica, tem
escravizados. Esta pesquisa neste sentido é inacabada crescido nas periferias, principalmente entre
e incompleta, mas fica a cargo dos educadores o mulheres e homens negros, pobres e integrantes do
aprofundamento deste tema trabalhado. O simples movimento Hip Hop, como mostra o documentário
ato de se aludir ou provocar a discussão sobre a Os manos de Alá13.
cultura islâmica entre os negros africanos no Brasil Por fim, assim como determina a LDB, o
já é um grande passo para se desconstruir séculos de estudo da história e cultura afro-brasileira e africana,
preconceitos em relação à diversidade étnico-racial e principalmente nos campos da História, Literatura e
cultural afro-brasileira. Arte tem um forte potencial para o trabalho
Conscientizemo-nos que, no Brasil, os pedagógico, através da investigação do elemento e a
negros muçulmanos foram repreendidos não somente influência islâmica em nossa diversidade étnico-
pelo fato de serem negros, mas também pelo fato de racial. Os referenciais aqui apresentados podem ser
praticarem sua religião, numa época onde a trabalhados pelos professores na produção de
intolerância e falta de liberdade religiosa era mais material didático-pedagógico que atendam aos
praticada. O que queremos demonstrar é que da valores da unidade da diversidade, que é o melhor
mesma forma que houve e há um racismo caminho para uma educação mais intercultural.
institucional, também houve a intolerância religiosa
institucional e os dois males na história afro- Notas
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Sobre os autores
Vilma Aparecida de Pinho: Fez mestrado em Educação na UFMT (2004), e doutorado em Educação no Programa
de Pós-Graduação da Universidade Federal Fluminense – UFF (2010) e Pós-Doutorado em Educação Física no
PPGEF- (2015). É coordenadora do Grupo de Estudos e Pesquisas Afro-brasileiros e Física no PPGEF- (2015). É
coordenadora do Grupo de Estudos e Pesquisas Afro-brasileiros e Indígenas/GEABI/UFPA e pesquisa sobre
Relações étnico-raciais e Educação; Infância, Diversidade e Direitos Humanos; Corpo e Cultura.
Léia Gonçalves de Freitas: Mestra em Educação, Linguagens e Tecnologias pela Universidade Estadual de Goiás
(UEG, 2014). Doutoranda em Educação no Programa de Pós-Graduação da Universidade Federal do Pará.
Pesquisa sobre Infância e diversidade.
Valter Luciano Gonçalves Villar: Mestre e Doutor em Literatura e Cultura pela UFPA Universidade Federal da
Paraíba. Possui experiência na área de Letras, com ênfase em Literatura, atuando principalmente no seguinte tema:
literatura, história e memória cultural.