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.

CAP(TULOXI Observando azyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA


observação: sobre a
descoberta do clima histórico e a
emergência do cronótopo historicista,
c. 1820~:-
Valdei Lopes de Araújo**

,
i
I

"Agradeço a Camila Braga a leitura e as sugestões, bem como aos colegas do Núcleo de
Estudos em História da Historiografia e Modernidade (NEHM) o diálogo permanente.
**Doutor em história pela PUC-Rio. Professor de Teoria e História da Historiografia na
Universidade Federal de Ouro Preto. Pesquisador do CNPq. Membro do CEO/Pronex.
Esta pesquisa não seria possível sem o apoio da Fapemig, através do programa Pesquisador
Mineiro. valdeiaraujo@ichs.ufop.br
i,
li
,I,
I
I'

Neste artigo, procuro descrever alguns fenômenos da experiência da


história entre 1800 e 1830 a partir da hipótese do surgimento da ob-
servação de segunda ordem como uma tecnologia social amplamente
disponível na sociedade ocidental. Em particular, trato dos impactos da
multiplicação da imprensa na abertura de um novo campo de experiência
marcado pela modernização do conceito de história e, associado a isso,
a descoberta de que era possível relacionar-se com o passado em termos
da representação e apresentação de "climas históricos".
Para chegar à descrição da "descoberta" e usos dos "climas históri-
cos" como resposta a uma inevitável melancolia advinda da sensação de J

perda do passado, o texto está organizado em três partes. Na primeira


é feita uma rápida apresentação do que Hans Ulrich Gumbrecht tem
chamado de Cronótopo Historicista. Nessa parte, abordo as principais
consequências dessa nova condição histórica que emerge,ponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONM
grosso m odo,
entre 1780 e 1830. Na segunda parte, tento relacionar essa "condição"
com a emergência de novas formas de experimentar o tempo presente,
'convertido ele mesmo em um espaço que se desejava identificar enquanto
I
"

uma unidade potencialmente provida de uma atmosfera comum, mesmo I:

que dificilmente identificável pelos coevos. Por fim, discutirei como o ,

Diorama, inventado por Louis Daguerrc em 1822, ilustra e documenta I :,·'


"

J I'

essa nova forma de se relacionar com a história centrada em fenômenos ,


I,

como a inserção do corpo na representação e a descoberta do clima


histórico como unidade de apresentação/representação dos eventos.RQPONMLKJIHGFED

I
I,

283
P E R S P E C T IV A S DA C ID A D A N IA NO B R A S IL IM P É R IO

1 . A D E S C R iÇ Ã O DE GUMBRECHT PARA O CRONÓTOPO H IS T O R IC IS T A zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZY

A descrição de Gumbrecht do cronótopo Bistoricista está relacionada com


uma hipótese ampla a respeito da modernidade enquanto um fenômeno
que pode ser entendido na sucessão de três grandes cascatas. A primeira
teria início com a descoberta do Novo Mundo e a invenção da imprensa,
metonímia de um processo geral de crise da autoridade do escrito e da
desmaterialização da cultura, ou seja, o afastamento do corpo e suas
marcas do processo de produção de sentido. Nessemomento surge o tipo
de subjetividade ocidental, marcada pela oposição sujeito (puro espírito) e
objeto (pura materialidade). O sujeito assume a função de um ponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPO
observador
de prim eira ordem , responsável pela produção de conhecimento sobre um
mundo de objetos. Essa produção de conhecimento toma a forma de uma
espécie de "leitura" da realidade em busca de seus sentidos profundos,
emergindo o que Gumbrecht chama de "campo hermenêutico".' Uma
das características principais dessa cascata é o afastamento do corpo
dos processos cognitivos, produzindo-se um grande otimismo sobre a
possibilidade de uma representação universal de um mundo exterior
convertido em objetos do conhecimento pelo observador.
A segunda cascata corresponderia ao período entre 1780 e 1830,
momento em que desponta a consciência da modernidade enquanto
um conceito de época. A novidade é o surgimento de uma forma re-
flexiva de observação e a figura do observador de segunda ordem , ou
seja, a validade do conhecimento produzido precisa ser testada em suas
condições de produção, o sujeito de conhecimento torna-se ele mesmo
objeto de observação." Esse relato corresponde àquilo que Foucault
chamou de crise da representação, i.e., à tomada de consciência de que
a representação de um determinado objeto ou fenômeno depende da
posição ocupada pelo observador. É possível então produzir inúmeras
representações diferentes sobre um mesmo objeto: "Nenhuma dessas
múltiplas representações pode jamais pretender ser mais adequada ou
epistemologicamente superior a todas as outras.":'
A historiazação de amplas camadas da realidade, acompanhada do
processo de narratiuização, responde à crise de consciência provocada

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OBSERVANDO A OBSERVAÇÃO: SOBRE A DESCOBERTA DO C L IM A H IS T Ó R IC O ... zyxwvutsrqponmlk

pela multiplicação das representações. Ao serem colocadas no interior


de uma narrativa histórica, essas diferenças são explica das como mo-
.,-.mentosevolutivos de uma mesma identidade. O indivíduo pode assumir
o papel de sujeito de sua história, sobrecarregando-se com as demandas
por transformação e realização de um futuro utopicamente constituído.
Em resumo, funda-se o que Gumbrecht tem chamado do ponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPO
cronôtopo,
"tempo histórico" ou historicista.
O terceiro momento, denominado alta modernidade, teria lugar com
as vanguardas de início do século XX, que consolidaram na compre-
ensão geral a noção do moderno como constante autossuperação. Os
resultados da multiplicação das representações parecem agora extrapolar
as soluções produzidas pelo processo de historicização, são visíveis os
primeiros sintomas de erosão do campo hermenêutico aberto na primeira
modernidade. Neste artigo pode-se interromper aqui esse resumo, já que
apenas as consequências das duas primeiras cascatas sobre a cultura
histórica trarão desdobramentos para a análise em tela.
Em sua formulação ideal típica, o cronótopo historicista estabilizaria
a crise da representação, instaurando uma nova forma hegemônica de se
relacionar com o passado concentrada na historicização e narrativização
de quase toda a realidade. Uma das faces mais visíveis desse processo
foi o surgimento das filosofias da história, que permitiram lidar com a
sensação de aceleração do tempo e perda do passado a partir de conceitos
como progresso e evolução. Assim, a perda de contato com o passado
r .
era compensada com a promessa de que a descoberta de seu sentido e
'sua evolução era capaz de reintegrar toda a história humana no futuro.
Nesse ponto é preciso apresentar uma categoria analítica que estava
apenas esboçada na reflexão inicial de Gumbrecht sobre o cronótopo
historicista: presença.
Em seu livro P roduction of presence, Gumbrecht procurou demons-
trar que a vontade de tocar ou viver no passado, que pode ser identificada
como fenômeno reprimido no cronótopo historicista e que se amplia
com sua crise a partir do segundo pós-guerra, é uma característica
antropológica, reveladora do desejo humano de transcendência. Como
tal, esse impulso esteve presente em todas as sociedades conhecidas, mas

285
P E R S P E C T IV A S DA C ID A D A N IA NO B R A S IL IM P É R IO zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWV

na modernidade foi reprimido pela "visão de mundo cartesiana", pelo


campo hermenêutico ou pela hegemonia de uma "cultura de sentido"."
Em vários momentos do livro Gumbrecht destaca que não há cultura
puramente de "sentido" ou de "presença"; esses dois elementos estão
sempre atuantes em maior ou menor grau e, ainda, a preponderância
do sentido produz uma nostalgia das práticas de presença: "[ ...] todas
as culturas e todos os objetos culturais podem ser analisados como
configurações tanto de efeitos de sentido quanto de efeitos de presença,
embora suas diferentes semânticas de autodescrição com frequência
acentuem exclusivamente um ou outro lado"."
A descoberta da oscilação entre "efeitos de presença" e "efeitos de
sentido" pode ser usada agora para um melhor entendimento da cultura
histórica vigente no interior do cronótopo historicista. Ao mesmo tempo
que o passado era abandonado enquanto fonte orientadora da experiên-
cia e o presente esvaziado por sua percepção enquanto um espaço de
transição para um futuro melhor, crescia o interesse geral pela possibi-
lidade de experimentar seja os "climas do passado", seja a possibilidade
de congelar o presente para apreendê-lo em sua unidade epocal. Assim,
no lugar de reduzir a análise da historiografia a uma simples forma de
prover orientação e sentido, pode-se entender esse desejo pelo excesso
de passado, um excesso cuja complexidade não poderia ser enfrentada
pelos processos de significação.
Nas duas seções seguintes tento descrever algumas dessas formas de
redução de complexidade que a emergência do observador de segunda or-
r .

dem tornava disponível. Particularmente, gostaria de explorar as relações


estruturais entre a emergência da observação de segundo grau, os efeitos
melancólicos da sensação de aceleração do tempo e a descoberta de que
o passado poderia ser explorado em sua dimensão de presença através
da recuperação e reprodução de climas históricos. Em seus trabalhos
mais recentes, Gumbrecht tem estudado justamente as possibilidades de
descrição dos climas históricos para uma nova experiência do passado,
especialmente aqueles marcados por latências que só podem ser perce-
bidas indiretamente. O que estamos chamando aqui de clima é aquilo
a que ele tem se referido com a palavra alemãponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCB
Stim m ung:

286
OBSERVANDO A OBSERVAÇÃO: SOBRE A DESCOBERTA DO C L IM A H IS T Ó R IC O ... ponmlkjihgfedcbaZY

costuma ser corretamente traduzido por "humor" ou, como


Stim m ung zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
metáfora, "clima" ou "atmosfera". O que as metáforas "clima" ou
"atmosfera" têm em comum com a palavra "Stim m ung", cuja raiz é
"Stim m e" ["voz" em alemão] é que sugerem a presença de um toque
material, talvez o toque material mais suave possível, no corpo de que
quem quer que perceba um humor, um clima, uma atmosfera ou um
"Stim m ung= r

Embora Gumbrecht esteja particularmente preocupado em descrever os


climas históricos que emergem com -a situação de latência no pós-guerra,
ou seja, utiliza a noção de clima como uma categoria, acredito que seja
possível abordar o problema a partir de uma perspectiva historiográfica.
Para isso, teríamos de nos perguntar a partir de quando especificamente
emergiu a percepção de que o passado poderia ser percebido como um
clima. Um caminho possível seria historiar o próprio conceito, como
faria uma abordagem ligada à Begriffsgeschichte, historiando as trans-
formações nos usos de certas palavras, como contexto, clima histórico,
quadro, conjuntura, visão de mundo, dentre outras. Talvez tenhamos
aqui uma promissora agenda de investigação, mas neste artigo nosso
objetivo é bem mais modesto, ou seja, tentar relacionar essas categorias
teóricas à circulação entre novas tecnologias da representação ligadas à
cultura do entretenimento e o discurso histórico disponível nas primeiras
décadas do século XIX.

2 . O C R O N Ó T O P O H IS T O R IC IS T A E A E M E R G Ê N C IA

D A " H IS T Ó R IA C O N T E M P O R Â N E A "

A emergência de uma cultura histórica que tinha como seu principal


veículo o jornal aprofundou transformações que Gumbrecht associou à
emergência da imprensa na primeira cascata de modernidade. Ao longo
do século XVIII acontece uma expansão vertiginosa do texto impresso,
fenômeno abundantemente estudado pela historiografia. Um dos efeitos
nem sempre notado dessa expansão do impresso, e particularmente a dos

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P E R S P E C T IV A S DA C ID A D A N IA NO B R A S IL IM P É R IO zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWV

jornais, foi a sensação de aceleração do tempo que caracteriza a moder-


nidade. A cada dia um número crescente de leitores era bombardeado
<;ominformações sobre mundos até então inacessíveis, sobre grandes e
pequenos eventos que já não podiam ser significados com paradigmas
de histórias do passado. A complexidade desses eventos do presente não
podia mais ser reduzida apenas pela analogia com eventos e textos clás-
sicos, a forma predominantemente retórica de redução de complexidade?
A prática da leitura rapidamente evoluía da leitura intensa, na qual um
pequeno número de textos era lido inúmeras vezes, para a extensa, modo
de ler que precisava lidar com a ampliação de textos e autores.
Vê-se com frequência os articulistas afirmarem que uma função
central dos jornais era resumir e guardar os principais fatos do tempo,
constituindo-se ora como umaponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
história do presente, ora como uma
espécie de arquivo ou anais." Esse movimento parece responder e, ao
mesmo tempo, produzir uma experiência da história marcada pela
simultaneidade e pela extensividade da leitura ou visão dos fatos. A
sensação de crescente complexidade é acrescida pelos efeitos da crise
da representação e o inevitável conflito entre as diferentes descrições
dos mesmos eventos.
A aceleração dos acontecimentos parecia indicar a necessidade de
técnicas mais abrangentes de representação dos eventos que não esti-
vessem orientadas pela analogia episódica, pois se esperava a revelação
de certa unidade e interconexão dessa história. Imaginava -se que os
acontecimentos do tempo presente, agora trazidos ao leitor em escala
f,. .

global, pudessem mostrar o mesmo tipo de unidade que a historiografia


revelava em épocas passadas. O surgimento do neologismo "história
contemporânea" simultaneamente documentava esse desejo e levantava o
desafio de ver alguma unidade por trás do turbilhão de eventos/notícias."
A expansão da imprensa revelava uma dimensão ocidental ou mundial
da história que deveria ser controlada para a tomada de decisões, fossem
elas pessoais, comerciais ou políticas.
Embora essa nova história, chamada contemporânea, pudesse ser
globalmente significa da através de uma filosofia da história ou de ma-
cronarrativas evolutivas, a dispersão que a caracterizava e a velocidade

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OBSERVANDO A OBSERVAÇÃO: SOBRE A DESCOBERTA DO C L IM A H IS T Ó R IC O ... zyxwvutsrqponmlk

de sua transformação exigiam formas menos intensas e mais rápidas


de redução de complexidade. Essa necessidade ficou documentada pela
multiplicação de subgêneros historiográficos cuja função era resumir e
compendiar esses eventos sem necessariamente produzir uma macronar-
rativa.'? Esboços, quadros, compêndios, resumos e panoramas são al-
guns títulos frequentemente usados. Associados a esses títulos também
encontram-se expressões como "vista de olhos" ou "lance de olhos" que
denotavam a necessária velocidade e compreensividade com que essas
"representações" precisavam ser construídas e recebidas.
Para além da unidade narrativa, experimentava-se uma unidade
"pictórica" ou "cênica" dos eventos. Assim, o neologismo panorama
seria definitivamente incorporado ao vocabulário histórico, demons-
trando essa expectativa de identificar uma unidade do tempo. A palavra
panorama foi inventada pelo pintor inglês Robert Barker (1739-1806)
em 1792 para classificar suas pinturas que exibiam vistas da cidade de
Edimburgo. No ano seguinte foi construído um edifício especialmente
planejado para acomodação de suas telas circulares que podiam ser vistas
mediante a compra de ingressos. Desde então, os Panoramas tornaram-se
uma mania, existindo em todas as grandes cidades na Europa.·
Os Panoramas fascinavam pelo estabelecimento de um ponto de vista
de um observador distanciado. Já os Dioramas, como tento demonstrar
a seguir, pressupunham um maior controle do ponto de vista do obser-
vador, como que invertendo a lógica do panorama. A observação só era
possível de dentro mesmo da história, como que controlados por um
!
observador de segunda ordem. O corpo do espectador era submetido a I

I,
,i
uma espécie de imersão que procurava não apenas seduzir o olhar, mas il

produzir uma sensação de deslocamento espaço-temporal.


Ao descrever esse novo tipo de interesse pela história que marca a
I
historiografia liberal francesa, falando especificamente de Barrante, Har- :1
ij

tog identifica essa diferença que aqui tento mostrar entre a experiência 'i
,!

do Panorama e do Diorama: "No entanto, por meio da analogia com


a pintura, a questão proposta não é mais, como no século XVIII, a do
ponto de vista, mas a da COr."l1Essa nova experiência, que acredito ser
dependente da descoberta de que o tempo histórico instaura climas, é o

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P E R S P E C T IV A S DA C ID A D A N IA NO B R A S IL IM P É R IO zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVU

que analiso a seguir. A cor local, o pitoresco, são apenas outras figura-
ções do mesmo fenômeno global que chamamos, com Gumbrecht, de
.cronótopo historicista.

3 . O D IO R A M A E A D E S C O B E R T A D O C L IM A H IS T Ó R IC O

o Diorama é uma tecnologia de exibição de dois grandes painéis in-


ventada por Louis Daguerre (1787-1851) em 1822; Os dioramas eram
exibidos em salas especialmente construídas que permitiam a acomo-
dação do público e a produção de efeitos ilusionistas que tinham como
objetivo produzir uma sensação de presença real da cena representada.
Já em 1823, uma sala para exibição de dioramas estava construída em
Paris e Londres, produzindo imenso interesse do público.'?
O Diorama de Paris comportava nada menos do que 350 pessoas
em uma sala com 12 metros de diâmetro.':' A seção onde o público era
acomodado girava em direção aos grandes painéis iluminados por intrin-
cados mecanismos que conduziam a luz do exterior. Cada um dos painéis
media 14 metros de altura por 22 metros de largura e eram pintados
sobre um tecido fino de modo diferente de cada lado, obtendo-se assim
efeitos de transformação da imagem à medida que a luz era manipulada
no interior da sala." Cada painel era exibido por cerca de 15 minutos,
apresentando transformações centradas na passagem do tempo, do dia
f para a noite, por exemplo, ou mudanças climáticas, como a vista de um
amanhecer enevoado que lentamente revelava uma paisagem pitoresca.
Em ponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
R am anticism and the rise o] bistory, Stephen Bann procurou com-
preender os dioramas como uma das manifestações de uma vontade de
"encenar o passado" que emerge com a sensação de "perda da história"
sentida com a entrada na epistem e moderna. Representar o passado a
fim de produzir uma sensação de presença seria uma maneira de com-
pensar essa perda."
No vocabulário de Gumbrecht, os dioramas podem ser entendidos
como efeitos colaterais necessários de uma sociedade centrada na pro-
dução de sentido. No final das contas, a representação "realista" de

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OBSERVANDO A OBSERVAÇÃO: SOBRE A DESCOBERTA DO C L IM A H IS T Ó R IC O ... zyxwvutsrqponmlkjihg

coisas e eventos distantes no Diorama produzia efeitos de presença que


tornavam possível avançar com o processo de transformação industrial
ela paisagem e o afastamento do passado.
O impacto da novidade no público foi imenso, com relatos de membros
da pia teia que reagiam fisicamente às transformações exibidas. Organi-
zado prioritariamente como um negócio, era possível comprar entradas
individuais para os dioramas, ou, fato comum, "passaportes" para toda
uma temporada de exibição. Os temas preferenciais eram cenas.históricas,
interiores de grandes catedrais ou paisagens sublimes. Em seu artigo,
Derek Wood cita o impressionante depoimento de um membro da plateia
no Diorama de Manchester ao ver o painel intitulado "Vale de Sarnen":

[...] é necessário um esforço para manter em mente que aquilo que parece
tão verdejante e tão belo, tão vasto e tão sublime, está confinado entre as
paredes de um prédio de tijolos em uma cidade fumacenta. Uma meni-
ninha de 4 ou 5 anos de idade que não se preocupou em questionar como ~
i· j
uma cena como essa podia se estender do início da Cooper Street, disse: iJ
'I

"Mas, papai, você disse que era uma pintura, e essas coisas são reais." "

'1 ponml
E coisas reais pareciam ser... Uma exibição como essa é um acréscimo
às opções de divertimentos de qualquer cidade, especialmente em uma
cidade como esta, que ainda tem tão pouca beleza de que se gabar, e
uma poltrona no Diorama para aquele que trabalha em meio à fumaça
e à poeira é tão refrescante como água para alguém sedento."

r.
Em uma Manchester em acelerado processo de urbanização e industria-
lização, o sentimento de perda de contato com a paisagem natural era
amenizado pela possibilidade de estar, mesmo que por alguns minutos,
em uma verdejante paisagem dos Alpes. O efeito contramelancólico
não deveria ser diferente na recepção das cenas históricas que seguiam I,
I
I

:1
a moda dos temas medievais e góticos, de paisagens escocesas ou do ,'i
I

interior de grandes catedrais e edifícios históricos. Descobria-se que o


I
passado poderia ser experimentado sem a necessidade do risco de um
retorno real. Era possível sentir-se inserido nesses mundos perdidos ou ','
'I···.:'
;1
1:

distantes, em seus ambientes, sem que a possibilidade de um retrocesso I1


I'
1. li

I'
291
P E R S P E C T IV A S DA C ID A D A N IA NO B R A S IL IM P É R IO zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWV

histórico-evolutivo estivesse em pauta, muito pelo contrário, essa busca .


pressupunha a percepção moderna da não reversibilidade do tempo. A
lista dos temas é reveladora desse desejo de uma experiência, mesmo
que efêmera, de reintegração com o passado, seja ele histórico-religioso
ou natural: "Sermão na Igreja Real de Santa Maria Nuova, na Sicília";
"Inauguração do Templo de Salomão"; "Uma vista da floresta negra";
"O túmulo de Napoleão em Santa Helena"; "O começo do Dilúvio"; "A
cidade de Edimburgo", dentre muitos outros exibidos em Paris e Londres,
além de muitas outras cidades europeias que construíram seus dioramas
ou adaptaram prédios já existentes para receber versões simplificadas
do dispositivo.
A referência aos episódios clássicos e à edificação moral não encon-
trava nos dioramas o mesmo espaço que poderia ainda ter em certa his-
toriografia ou nos discursos escolares; era como se o conceito moderno
de história pudesse melhor se expressar nessa conjunção entre negócio, .
multidão e entretenimento. O fato de as iniciativas serem tomadas por
particulares também ajuda a entender a abertura dessa nova tecnologia,
só possível na afluência de um público urbano amplo e heterogêneo. Não
significa dizer que a cultura histórica representada nesses espetáculos
não pudesse também estar a serviço de um projeto nacional ou ser
permeada pela historiografia profissional, mas na década de 1820 isso
era menos visível. Nas décadas seguintes será possível ver esse tipo de
entretenimento a serviço de um projeto político-ideológico de celebração
dos
,. grandes eventos da nacionalidade.
. Como em toda representação histórica, é difícil avaliar de forma
homogênea o que estava em jogo na produção e recepção dos dioramas.
Desde a Revolução Francesa ficava cada vez mais claro que um mun-
do passado estava se perdendo, mas o significado e as reações a essa
percepção podiam ser bastante ambíguos. Frank Ankersmit procurou
tipificar essas reações em torno de duas categorias - tradicionalistas e
conservadores - emprestadas da historiografia política-intelectual. Os
primeiros imaginavam que o passado perdido poderia ser reconquistado
ou restaurado; já os conservadores, como Edmund Burke, sabendo que
esse retorno já não era possível, limitavam-se a uma tarefa de "conhecer"

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OBSERVANDO A OBSERVAÇÃO: SOBRE A DESCOBERTA DO C L IM A H IS T Ó R IC O ... zyxwvutsrqponmlkj

o passado, sem a esperança de uma reconstrução da identidade, ou uma


representificação. O fundamental aqui, para a descrição do fenômeno do
-Diorama, é que essa experiência do passado carregava uma dimensão de
trauma e reconciliação que precisava ser enfrentada por todos os grupos
em disputa, não apenas os dois citados."
Ao longo da década de 1820 muitos dos dioramas exibidos esta-
vam relacionados com a moda escocesa celebrada nos romances de Sir
Walter Scott (1771-1832). Foram elesponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
A s ruínas da H olyrood C hapel
vistas ao luar; R oslyn C hapel, próxim o a E dim burgo, efeitos do sol e
R uínas enevoadas. Esse último representava os despojos imaginários
de um edifício gótico com dois personagens trajando seus kilts. Como
em muitos dioramas, o efeito produzido é o da passagem do tempo, a
mudança acelerada de um fenômeno natural ou histórico que pode ser
experimentada em um espaço controlado e sem riscos. Como lembra De-
rek Wood, essas imagens estavam diretamente relacionadas ao trabalho
de artistas como Caspar David Friedrich (1774-1840) e Karl Friedrich
Schinkel (1781-1841). O mesmo autor cita uma descrição desse painel
publicada em 30 de junho de 1827 no M irror of Literature:

Tudo é melancólico, desolado e triste; os longos corredores, à primeira


vista, são percebidos sozinhos, pois uma espessa bruma toma conta de
tudo, e tal é a ilusão da cena que você de fato se imagina com frio em
meio ao ar gelado e úmido. Aos poucos, porém, a bruma desaparece,
e, e através dos vastos arcos descortinam-se as florestas de pinho e lariço
que cobrem o vale."

Na emergente cultura do entretenimento que florescia desde o final do sé-


culo XVIII, a descoberta da possibilidade de apresentar climas históricos
respondia tanto à sensação de perda do passado, de um distanciamento
que despragmatizava a relação com a história, quanto à percepção de que
o observador deveria ser incorporado ao dispositivo de representação.
Não apenas uma mente observadora, mas a totalidade do corpo deveria
estar acoplada no dispositivo, de modo que a experiência da coisa repre-
sentada pudesse suspender, mesmo que momentaneamente, as dúvidas

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P E R S P E C T IV A S DA C ID A D A N IA NO B R A S IL IM P É R IO zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUT

sobre a estabilidade do que estava sendo apresentado. Era preciso sentir


o frio medieval ou o espírito de uma religião pura que as catedrais pare-
ciarn ainda exalar para fixar a representação. Nas cidades enfumaçadas
-< -

e superlotadas da Revolução Industrial era preciso acreditar haver ainda


lugares naturais onde se poderia viver como no passado. Além disso, os
dioramas respondiam à vontade antropológica de ubiquidade, de estar
em muitos lugares espaço-temporais diferentes, sem ter, é claro, de cor-
rer os enormes riscos e custos que esses deslocamentos reais exigiriam.
Alguns comentadores contemporâneos ficavam maravilhados com a
possibilidade de "visitar" o interior de uma catedral sem abandonar
suas cidades, negócios ou famílias. Em uma das mais completas e ricas
descrições do Diorama, presente no livro de W. H. Leeds,ponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPON
Illustrations
of the P ublic B uildings of London, de 1838, o autor relata o seguinte:

o efeito de verdadeira identidade que essa exibição proporciona dos


assuntos que apresenta ao espectador não pode deixar de interessá-lo
profundamente; e se esse cenário clássico for mostrado ao público dessa
forma, algo que só pode ser visto na natureza à custa de m uito trabalho
e fazendo longas viagens para apreciá-Ia, restam poucas dúvidas de que
o Diorama vai ter um patrocínio bastante durável."

Construído logo após o de Paris e de forma a permitir que os materiais


originalmente apresentados na capital francesa pudessem ser exibidos
na Inglaterra, o prédio do Diorama de Londres foi finalizado em 6 de
outubro de 1823, após quatro meses de obras, em uma área nobre do
Regent's Park. A planta do Diorama de Londres" documenta a crescente
curiosidade pelos dispositivos de observação do observador, revelando
o parentesco do Diorama com 'aparelhos menos divertidos como o P a-
nopticon de Jeremy Bentham (1748-1832), inventado algumas décadas
antes, em 1785. Na descrição do interior do prédio são representados os
ângulos de visão da plateia e todo o mecanismo que permitia ao palco
girar sobre o seu próprio eixo. O efeito de real produzido dependia do
conhecimento crescente sobre o modo como os seres humanos percebiam
o mundo pela observação.

- 294
OBSERVANDO A OBSERVAÇÃO: SOBRE A DESCOBERTA DO C L IM A H IS T Ó R IC O .. zyxwvutsrqponmlkjihg

Essa vontade de controlar o ponto de vista não estava apenas preo-


cupada em produzir uma perspectiva universal, mas em se utilizar das
próprias condições e limites do posicionamento da visão para produzir
~t~ ••

uma experiência semelhante ao real, vicária. Assim, toda a tecnologia


do Diorama foi pensada para produzir um enquadramento que fizesse
com que o espectador se esquecesse da ilusão, da distância entre ele e a
cena ou situação representada:

Essas imagens são posicionadas a distâncias do espectador proporcionais


ao ângulo do qual ele veria os objetos na natureza; e na ausência de
meios para perceber essa distância, e sem objetos para funcionar como
parâmetro direcionando seu julgamento ao comparar quantidades, ele
se rende irresistivelmente à mágica da habilidade do pintor e sente que
a ilusão é completa." '

Assim como a palavra panorama, também o neologismo Diorama rapida-


mente entrou no vocabulário geral, particularmente no historiográfico. Já
em 1823. é possível encontrar livros como o ponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
D ioram a de P ortugal nos 33
m eses constitucionais, de José Sebastião de S.O. Dauri." e o D ioram a de
Londres.P publicado em Paris pelo tradutor de Byron. No ano seguinte,
;~
Andrew Wilkie publicou The D ioram a of Life. 24 É sempre lembrada a 'I
1

11
,i
passagem de P ai G oriot na qual Balzac ironizava a moda das palavras I~

com "rama" como um exemplo da superficialidade e volatilidade de ii


í·

certa cultura parisiense centrada no entretenimento: I,


e,

A recente invenção do Diorama, que eleva a ilusão de ótica a um nível


ainda maior que os Panoramas, fez com que em alguns ateliers de pintura
se falasse o tempo todo em rama, espécie de vírus que um jovem pintor
que frequentava a pensão Vauquer inoculara."

Balzac, no livro de 1835, não escondia a admiração pelo Diorama,


enxergando nele certas semelhanças com seu próprio programa de
representação e investigação histórico-social, mas ironizava a recep-
ção ligeira do público, uma recepção centrada em uma cultura do

295
P E R S P E C T IV A S DA C ID A D A N IA NO B R A S IL IM P É R IO

entretenimento da qual dependeria o sucesso da recepção e a venda de


seus romances. Não seria exagerado dizer que em seus romances, em
seu projeto de produzir uma história das grandes transformações da
sociedade francesa, Balzac lançava mão de procedimentos análogos ao
do diorama. O enquadramento do ponto de vista, sua superação pela
abordagem da sociedade com a perspectiva ao mesmo tempo distan-
ciada do observador de segundo grau e atenta aos contextos efetivos
nos quais a complexidade dos comportamentos poderia ser reduzida
:) e estabilizada.
.J
Essa dimensão do entretenimento parece ter sido a motivação do autor
,IRQPONMLKJIHGFEDCBA
. do ponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
The D ioram a of Life, que, na verdade, parecia apenas se aproveitar da
i,
palavra em moda para oferecer ao leitor um mosaico bastante aleatório
de histórias anedóticas, supostamente reais, envolvendo personalidades
da época. Em suas palavras:

o mundo necessita de muitos tipos de livro: alguns são necessários


para pesquisa e estudo, alguns para o prazer e o divertimento: e como
há pessoas que, quando leem apenas por entretenimento, desejam
deparar com assuntos curiosos, e não indignos da curiosidade de um
homem das letras, é apropriado que tenhamos livros que, sem exigir
reflexões profundas ou dedicar-se a assuntos triviais, nos proporcionem
prontamente divertimento instrutivo. Essa descrição o editor se gaba
de se adequar ao presente volume, e que sua leitura compenetrada vai
proporcionar ao leitor proveito e diversão. 2 6

r ,

Uma recepção um pouco mais complexa identifica-se no D ioram a de


P ortugal. Embora seja plausível considerar que o autor estivesse inte-
ressado nos efeitos do neologismo no público, ele teve, por outro lado,
a preocupação de adaptar, de alguma forma, seu método de escrita
à ideia de representação do diorama. Assim, embora não se encontre
outra referência à palavra além daquela do título, nem gravuras, em
várias passagens o autor parece usar a expressão "golpe de vista" como
equivalente aos efeitos cognitivos e pictóricos do diorama.

296
OBSERVANDO A OBSERVAÇÃO: SOBRE A DESCOBERTA DO C L IM A H IS T Ó R IC O ... zyxwvutsrqponmlkjih

Neste sentido empreendi esta Análise Crítica, e Refutação da Cons-


tituição de 1822, assim como a Narração dos Acontecimentos, que
imediatamente se lhe seguiram; nem 'o tempo, nem o talento, nem a
paciência me permitiriam tratar este assunto com o vagar, e extensão,
que merece a sua importância,ponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
recorri então ao expediente de um G olpe
de Yista, que abraçando o m aior núm ero de objetos interessantes. no
m enor espaço possiuel, não enfastiasse tanto o Leitor, e m ostrasse com
clareza, e precisão a im postura da R evolução [...]27

Refletindo certas mudanças estruturais nas condições de leitura e


produção do texto, José Daun destacava as vantagens de seu méto-
do: velocidade, concisão e abrangência. Em obra posterior, Q uadro i

histórico-político dos acontecim entos m ais m em oráveis da história de


I
P ortugal, de 1829, abandonaria a palavra diorama no título, mas não I
'I
I
a estrutura e o sentido de suas intervenções historiográficas, tornadas
ainda mais claras ao recusar o uso das eruditas notas de rodapé. Após
comparar seus esforços com os dos "escritores habilíssimos" que em
suas avultadas obras criticavam o rei, ponderava que "algumas vezes
um inesperado e vigoroso ataque pode decidir também da sorte de
uma batalha, e segurar as vantagens da vitória"." Uma ação rápida e
precisa sobre a opinião pública, assim' entendia seu novo "Quadro", no
qual resume os acontecimentos da história portuguesa desde 1807 até
1828. Defende da seguinte forma seu método, deixando claras as novas
necessidades de extensividade da leitura:
e•

Simplificar a sua narrativa; resumir, sem omitir algumas reflexões


jurídico-políticas, que os fatos essencialmente exigem, é sustentar a na-
tureza da Obra, que o Título suficientemente explica, e seguir também
a moda, ou o capricho do gosto literário atualmente em voga, e que não
quer demorar-se na leitura de extensas composiçõcs.ê?

Por volta da década de 1850 parecia haver uma perfeita fusão entre
as preocupações com o realismo histórico e as apresentações do Dio-
rama. No prefácio de um guia impresso para orientar o visitante no

297
-
P E R S P E C T IV A S DA C ID A D A N IA NO B R A S IL IM P É R IO zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYX

grande Diorama que apresentava as Campanhas do lorde Wellington~


os organizadores explicavam que: ~

Os proprietários desejam imensamente que os Visitantes compreendam


que eles não pretendem, com essas ilustrações, mostrar batalhas e cercos
atendo-se rigidamente aos detalhes técnicos ou manobras militares, ou
mesmo fazer mais do que selecionar determinados aspectos de ocorrên-
cias interessantes. O principal propósito do Diorama é mostrar ideias
pictóricas, mas apenas ideias, de lugares, ações, cores e costumes locais:
elas se limitam a representar os incidentes mais impressionantes e os
episódios mais significativos das campanhas do Duque, e delinear com
fidelidade algumas das dificuldades físicas que ele enfrentou."

r:
Os empresários afirmavam ainda que a iniciativa havia sido inspirada
no grande sucesso de um diorama composto por múltiplos painéis in-
titulado "Correio terrestre para a Índia", exibido mais de 1.600 vezes,
tendo atingido um público de mais de 400 mil pessoas." Sabe-se ainda
que os painéis do Diorama das campanhas de Wellington foram pintados
pelos proprietários, Thomas Grieve, William Telbin e John Absolon; os
animais, por Alfred Corbould; e a batalha de Waterloo, com dois painéis
que encerram a série de 29, por George Danson e filhos. O Diorama
contava ainda com música composta e arranjada por Rophino Lacy e com ponmlkjihgfe
descriptive lectures ministradas por J.H. Stocqueler. Na apresentação
figuram ainda agradecimentos a John Burnett pelos esboços do campo
de Waterloo, a Stocqueler por "informações valiosas" sobre a Índia e o
Oriente e a Richard Ford pelos esboços feitos na Espanha. Esse último
é o mesmo que assina a autoria do guia e deve ser o responsável pelos
longos textos explicativos que acompanham cada ilustração represen-
tativa do Diorama. Os painéis apresentam a biografia de Wellington
desde seu nascimento, passando por sua atuação na Índia, nas Guerras
Peninsulares, culminando, obviamente, na Batalha de Waterloo.
O trabalho de pesquisa e produção teria durado dois anos, nos quais:
"[...] as autoridades, militares e civis, mais reconhecidas foram consul-
tadas, em especial os D ispatcbes do Duque; N apier's H istory; Life of

298
OBSERVANDO A OBSERVAÇÃO: SOBRE A DESCOBERTA DO C L IM A H IS T Ó R IC O ... ponmlkjihgfedcbaZYX

de Maxwell; P enninsular A nnals, de Hamilton;


his G race, zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA B attle af
W aterloo, de Siborne; e H andbaok af Spain, de Ford"." William Telbin,
umdos proprietários, informa ter visitado Espanha e Portugal com o
objetivo de garantir a fidelidade da representação, trazendo de volta es-
boços que serviram de base para alguns painéis. Não tenho informações
precisas das técnicas de exibição usadas, se eram realmente idênticas
às do Diorama de Daguerre, mas a iniciativa dá uma ideia bastante
rica da direção que essa tecnologia tomará ao longo do século e de sua
importância na cultura histórica oitocentista.
No ano seguinte, 1853, os mesmos empresários apresentariam um
guia e uma exibição intitulada "The ocean mail to India and Austrália"."
Essas iniciativas, economicamente acessíveis às massas urbanas (a ad-
missão no salão da Regent Street 14 custava 1 shiling, e o guia, 6 pence),
permitiam uma democratização da experiência da acelerada expansão do
Império Britânico. Uma expansão que passava pela montagem de uma
grande narrativa sobre o passado na qual as batalhas contra Napoleão
tinham um lugar de destaque, mas também a peregrinação imaginária
aos novos territórios conquistados. 34 No mesmo guia, tínhamos uma
boa mostra da variedade de interesses dessa vontade de apresentação,
um anúncio de um dos shows da famosa madame Tussaud retratando
o casamento do imperador da França, Napoleão lII, com a imperatriz
Eugênia, os dois em seus trajes nupciais minuciosamente descritos: "a
imperatriz Eugênia em seu belo vestido de noiva, com belíssimas rendas,
ornamentos usados na ocasião [...] Sua Majestade Napoleão III com as
r .

vestes de tenente-general". 35

* * *

A emergência da observação de segunda ordem promovia uma curiosi-


dade técnica progressiva sobre os modos de ver e a perspectiva. Espe- ,
I
.

cialmente no Diorama, o observador é enquadrado em um dispositivo 'I

técnico e arquitetônico pensado para congelar o seu ponto de vista -


respondendo positivamente aos efeitos da crise da representação - e
produzir efeitos de presença. A historiografia, lidando com as dificulda-
I.
!'
299
"
P E R S P E C T IV A S DA C ID A D A N IA NO B R A S IL IM P É R IO zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWV

des epistemológicas crescentes de representar a história do presente, se


deixou fascinar com a promessa de objetividade, realismo e exaustividade
desses novos mecanismos. Muitos autores procurariam então aliar a
necessidade de orientar com o desejo de manter o passado disponível
enquanto um clima a ser reconstituído e experimentado.
Talvez o grande desafio assumido pelo Diorama fosse representar a
passagem do tempo em uma cena, o "realismo" que se buscava não era
apenas na definição da imagem, mas na sua representação no tempo, visto
no cronótopo historicista como o agente absoluto de mudança. Por mais
bem-sucedidas que fossem, as filosofias da história não eram capazes de
garantir a redenção absoluta, a reintegração do tempo histórico perdi-
do; abria-se então a necessidade especificamente moderna de produzir
tecnologias capazes de combater a rememoração melancólica da perda
do passado, mesmo do mais recente, da história que se vivia. Parece ser
nessa falha, como movimento compensatório, que se podem entender as
funções da descoberta do clima histórico em uma historiografia também
marcada pelo desejo de entreter, além de orientar.

Notas

1. Hans Ulrich Gumbrecht.ponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA


M odernização dos sentidos. São Paulo: Editora 34, 1998,
r. pp. 12-3. Do mesmo autor, ver também "A Farewell to Interpretation". In: H. U:
Gumbrecht e K. Ludwig Pfeiffer (eds.). M aterialities of C om m unication. Stanford:
Stanford University Press, 1994; E m 1926: vivendo no lim ite do tem po. Rio de Ja-
neiro: Record, 1999; e The P ow ers of P hilology: D ynam ics ofTextual Scholarship,
Chicago: University of lilinois Press, 2003.
2. Para o caso brasileiro, ver Valdei Lopes de Araújo. A experiência do tem po: conceitos
e narrativas na form ação nacional brasileira. São Paulo: Hucitec, 2008, passim .
3. Hans Ulrich Gumbrecht. M odernização dos sentidos, p. 14.
4. O próprio Gumbrecht tem exemplos da produtividade dessa compreensão antropo-
lógica do tempo histórico, para citar apenas um particularmente importante, pois
aplicado ao mundo ibérico. Ver Hans Ulrich Gumbrecht. "Cosmological Time and
the Impossibility of Closure: a Structural Element in Spanish Golden Age Narratives".

300
OBSERVANDO A OBSERVAÇÃO: SOBRE A DESCOBERTA DO C L IM A H IS T Ó R IC O ... ponmlkjihgfedcba

Marina S. Brownlee e Hans Ulrich Gumbrecht. C ultural Authority


In: zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA in G olden Age
Spain. BaltimorelLondres: The John Hopkins University Press, 1995, pp. 304-321.
5. "[...] all cultures and cultural objects can be ânalyzed as configurations of both m ean-
ing effects and presence efteas, although their different sem antics of self-description
often accentuate exclusively one or the other side" . Hans Ulrich Gumbrecht. Pro-
duction of Presence: W hat M eaning C annot C onvey. Stanford: Stanford University
Press, 2004, p. 19.
6. "Stimmung is norm ally and correctly translated by 'm ood' or, w ith a m etaphor, by 'cli-
m ate' or 'atm ospbere'. W hat the m etaphors 'clim ate' and 'atm osphere' share w ith the
w ord 'Stimmung', w hose root is 'Stimme' [G erm an for 'uoice'], is that they suggest the
presence of a m aterial touch, perhaps the lightest possible m aterial toucb, on the body
of w hoever perceives a m ood, a clim ate, an atm osphere, or a 'Stimmung'". Hans Ulrich
Gumbrecht. " A Swift Emergence of Latency". Manuscrito não publicado, p. 22.
7. Cf. Sérgio Aleides. Estes penhascos: C láudio M anoel da C osta e a paisagem de M inas
1753-1773. São Paulo: Hucitec, 2003, passim .
8. Cf. Valdei L. de Araújo; Flávia F. Varella. "As traduções do tacitismo no C orreio
Braziliense (1808-1822): contribuição ao estudo das linguagens historiográficas".
In: Maria Clara V. Galery; Elzira Divina Perpétua; Irene Hirsch (orgs.). Tradução,
vanguarda e m odernism os. São Paulo: Paz e Terra, 2009, passim .
9. Cf. Guillermo Zermeíio. "História/história - Nova Espanha." H istória da H isto-
riografia. Ouro Preto, n? 4, março de 2010, p. 62.
10. Sobre a variedade dos gêneros e formatos de representação nessa cultura histórica,
ver Valdei Lopes de Araújo. "Formas de ler e aprender com a história no Brasil Joa-
nino." Acervo: Revista do Arquivo Nacional, Rio de Janeiro, v. 22, n" 1, jan.-jun;
2009, pp. 87-90.
11. "Toutefois, à travers l'analogie avec Ia peinture, Ia question posée n'est plus com m e
au XVlIIe siêcle celle du point de uue, m ais celle de Ia colleur:" Cf. François Hartog.
Évidence de l'histoire. Paris: Gallimard, 2005, pp. 173-2.
12. O Diorama de Paris foi destruído por um incêndio em 1839.
I .

. 13. Para uma detalhada descrição do Diorama e sua recepção, ver R. Derek Wood. The
D ioram a in G reat Britain in the 1820s. Edição eletrônica consultada no site http://
www.midley.co.ukldioramalDiorama_Wood_1_1.htm em 03/09/2010.
14. Sobre as técnicas de pintura que consistia em usar os dois lados de uma grande tela
em tecido, ver L. Daguerre. "Description des procédés de peinture e de eclairage
inventes par Daguerre e apliqué par lui aux tableaux du diorama". In: H istorique et
description du D aguerreotype et du D ioram a par D aguerre. Paris: Alphose Giroux
ET Cie. Editeurs, 1839, passim .
15. Stephen Bann. Rom anticism and the Rise of H istory. Nova York: Twayne Publishers,
1995, p. 122 e segs.
16. "[ ...] it requires an effort to keep in m ind that that w hich seem s so verdant and so
beautiful, so vast and so sublim e, is confined w ithin the w alls of a brick building in

301
P E R S P E C T IV A S DA C ID A D A N IA NO B R A S IL IM P É R IO ponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONML

a sm oky tow n. A little girl of four or five years of age w ho did not trouble herself to
so a scene could extend from the bottom of C ooper-street, said in our
inquire how zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
hearing «W hy papa, you said it w as a picture, ~nd these are real things." and real
things they seem ed to be ... Such an exhibition is a positive increase to the stock of
enjoym ent of any tow n, and m ore particularly in a tow n like this, w hich has as yet so
little beauty to boast of, and a lounge in the D ioram a to him w ho toils am idst sm oke
and dust is as refreshing as w ater to the thirsty." Apud R. Derek Wood, op. cito
17. Cf. Frank Ankersmit. Sublim e H istorical Experience. Stanford: Stanford University
Press, 2005, pp. 324-30.
18. ''All is som bre, desolate, and m ournful; the long draw n aisles, atfirst glance, are alone
perceived, for a thick fog reigns w ithout, and such is the illusion of the scene that
you actually fancy yourself chilled by the cold and dam p air. By degrees, how ever,
the fog disperses, and through the vast arches are plainly discovered the forests of
pine and larch-trees that cover the valley." Apud R. Derek Wood, op. cito
19. "Tbe effect of actual identity w hich this exhibition conveys of the subjects it presents
to the spectator, cannot fail to interest him deeply; and should such classical scenery be
brought before the public in this uiay, as is only to be view ed in nature by the labour
and great expense of travei to obtain it, there is very little doubt but the D ioram a w ill
experience a very durable patronage." WH. Leeds. Illustrations of the Public Build-
ings of London: w ith H istorical and D escriptiue Accounts of Each Edifice, vol. I.
a
2 ed. Londres: John Weale Architectural Library, 1838, p. 365.
20. Idem , p. 362.
21. "These pictures are placed at distances from the spectator proportioned to the angle
at w hich he w ould view the objects in nature; and in the absence of m eans to.perceiue
this distance, and having no connecting objects to operate as a scale tow ards the
direction of his judgm ent in com paring quantities, he yields irresistibly to the m agic
of the painter's skill, and feels the illusion to be com plete." W H. Leeds. Illustrations
of the Public Buildings of London, p. 363.
22. José Sebastião de Saldanha Oliveira Daun. D ioram a de Portugal nos 33 m eses
e,
. constitucionais, ou golpe -de vista sobre a C onstituição de 1820~ a C onstituição de
1822~ a Restauração de 1823 e acontecim entos posteriores até o fim de outubro do
m esm o ano. Lisboa: Impressão Régia, 1823.
23. Eusêbe de Salle Arcieu. D ioram a de Londres, on tableau des m oeurs britanniques
en m il huit cent vingt deux. Paris: Chez Fr. Louis Librairie, 1823.
24. Andrew Wilkie. The D ioram a of Life, or the M acrocosm and M icrocosm D isplayed
C baracteristics, Sketches and Anecdotes of M en and Things. Bath: Edward Barrett,
1824.
25. "La récente invention du D ioram a qui portait l'illusion de l'optique à un plus haut
degré que les Panoram as, avait am ené dans quelques ateliers de peinture Ia plaisan-
terie de parler en ram a, espece de charge qu'un jeune peintre habitué de Ia pension
Vauquer y avait inoculée." H. de Balzac. O uvres, t. 3, p. 515.

302
OBSERVANDO A OBSERVAÇÃO: SOBRE A DESCOBERTA DO C L IM A H IS T Ó R IC O ... ponmlkjihgfedc

26. "The w orld is in w ant of m any kinds of books: som e are requisite to pursue our stud-
ies, and som e are requisite to indulge our am usem ents: and since there are persons
w ho, w hen they read only for entertainm ent; w ish to m eet w ith curious m atters, and
not unw orthy of the curiosity of a m an of letters, it is proper w e should be provided
w ith books w hich, w ithout exacting severe thinking, or being devoted to trifling
subjects, m ay readily afford us instructive recreations. O f this description of books
the editor flatters him self the present volum e w ill be found, and that a perusal of
Andrew Wilkie. The D ioram a of
it w ill afford his readers both profit and deligbt:" zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONML
Life, advertência.
27. José Sebastião de Saldanha Oliveira Daun. D ioram a de P ortugal nos 33 m eses
constitucionais, p. v. Grifo nosso.
28. José Sebastião de Saldanha Oliveira Daun. Q uadro histórico-político dos aconte-
cim entos m em oráveis da história de P ortugal desde a invasão dos franceses no ano
de 1807 até a exaltação de sua m ajestade fidelíssim a o Sr. D om M iguel I. Lisboa:
Impressão Régia, 1829, p. IH.
29. Ibidem .
30. "The proprietors beg earnestly to im press upon their V isitors, that they do not
presum e, or profess, in these illustrations, to depict battles and sieges w ith a rigid
regard to technical details, or m ilitary m anoeuvres, or even to do m ore than select
particular features of interesting occurrences. The m ain purpose of the D ioram a
is to bring before the eye, pictorial but just ideas of sites, actions, local colour and
costum e: they have confined them selves to representing the m ost striking incidents
and em phatic episodes of the D uke's cam paigns, and to truthfully delineating som e
of the physical difficulties by w hich he w as opposed:" Richard Ford. A guide to the
G rand N ational and H istorical D ioram a of the C am pagns of W eliington. Londres:
Gallery of Illustration, 1852, p. 3.
31. Ibidem .
32. [...] the m ost recognized authorities, m ilitary and civil, have been consulted, chiefly
I. the D uke's 'D ispatches'; 'N apier's H istory'; M axw ell's cLife of his G race'; H am il-
ton's 'P eninsular A nnals'; Sibornes's 'B attle ofW aterloo'; and F ord's 'H andbcok for
Spain.'" Ibidem .
33. J.H. Stocqueler e Samuel Mossman. A D escriptive guide to the D ioram a of the
O cean M ail to India and A ustralia, C om prehending a B rief D escription of A li the
P laces Seen or Touched at on the V oyage, and R epresented in the D ioram a. Londres:
Gallery of Illustration, 1852.
34. Para uma descrição mais detalhada da cultura londrina do entretenimento, ver
Richard Daniel Altick. The Show s of London. Harvard: HUP, 1978, passim .
35. "The em peress E ugen in her beautiful bridal dress, of exquisite lace, ornam ents
w orn on the occasion [...] les m ajesty N apoleon the third in dress of a Lieutenant-
general". J.H. Stocqueler e Samuel Mossman, op. cit., p. 1.

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