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DESAFIOS E POSSIBILIDADES AO USO DE SISTEMAS DE INFORMAÇÃO

GEOGRÁFICA NA HISTÓRIA

Martha Rebelatto1
Frederico Freitas2

A História, enquanto disciplina, passa por transformações periódicas e são vários os fatores que
podem gerar mudanças, sendo que, na maioria das vezes, há a combinação de mais de um deles. Os
inúmeros obstáculos à construção de um bom texto, uma boa tese - tais como a inexistência ou a má
conservação das fontes, a falta da periodicidade dos documentos -, desafiam os profissionais
constantemente. E, na tentativa de driblar as dificuldades, os historiadores estão sempre criando ou
revisitando abordagens e metodologias, buscando fontes inéditas ou novas formas de olhar e explorar
aquelas já conhecidas, descobrindo e aprofundando seus conhecimentos em técnicas e tecnologias
aplicáveis à pesquisa. Todavia o principal são as perguntas feitas às fontes; os questionamentos são a
roda da história. O diálogo constante entre historiadores inspira novas perguntas e renova a
historiografia. A literatura instiga os pesquisadores a pensar não apenas sobre o objeto presente na
leitura, mas também a respeito da sua pesquisa. Cada geração de historiadores apresenta novas
interrogações que, como tais, são o resultado de um processo amplo e diversificado que envolve o
conhecimento histórico, as fontes e autores com os quais dialogam e as influências e percepções
oriundas do mundo em que vivem. O aparecimento de novas abordagens e subcampos da
historiografia, geralmente, estão relacionados a historiadores inovadores que usam as ferramentas
disponíveis para tentar superar as dificuldades e responder aos questionamentos.
Sob tal perspectiva, este artigo pretende analisar uma das mudanças ocorrida na historiografia,
particularmente, na última década, e que continua reverberando, ou seja, o uso de Sistemas de
Informação Geográfica (SIG) na disciplina histórica. A definição do que são os Sistemas de
Informação Geográfica não é unânime entre os autores. Alguns os caracterizam como um aplicativo;

1
Doutoranda em história pela Universidade Federal de Minas Gerais/Stanford University. Bolsista FAPEMIG e CAPES
(Programa de Doutorado no País com Estágio no Exterior – PDEE/ Sanduíche). A aluna também recebeu a bolsa ICAM-
Usiminas durante o período e abril/setembro de 2010. martha.rebelatto@gmail.com
2
Doutorando em história da Stanford University. Bolsista da Universidade Stanford. fredericoxxx@gmail.com

1
outros, como apenas as ferramentas que o aplicativo oferece. Contudo, como ressaltam Ian Gregory e
Paul Ell, é consenso que a inovação trazida pelos SIG é a criação, manipulação, visualização e análise
de bancos de dados geográficos.3 Para analisarmos o seu surgimento e seu impacto entre os
historiadores devemos levar em consideração que estamos vivendo em uma época cuja visualização é
muito importante. Em um primeiro momento, os SIG atraíram estudiosos das ciências exatas e sociais
e, com o passar do tempo, alguns historiadores começaram a pensar em formas de utilizá-los para
ajudar a responder questões históricas. Os SIG permitem integrar dados de diversas fontes e ao criar
bancos de dados que se conectam através da característica espacial (país, estado, cidade, bairro, rua,
CEP, entre outros). Nesse sentido, o geoprocessamento de dados, através do uso dos SIG, tem se
mostrado uma boa ferramenta analítica para historiadores, especialmente, em pesquisas que possuem
um grande volume de informações georreferenciáveis. Além disso, a visualização ajuda o usuário
a interpretar, validar e explorar dados. Assim, o pesquisador tem a possibilidade de analisar os dados
utilizando diferentes filtros e escalas, cruzando informações e produzindo visualizações de forma
dinâmica e inovadora.
Como ocorre com a adoção de novos métodos, muitos questionamentos foram postos aos
adeptos do SIG-Histórico4, como, por exemplo, o fato de que o sucesso técnico não se traduz
automaticamente na realização de uma boa análise histórica. O debate sobre os benefícios e os
problemas envolvendo a utilização de ferramentas como o ArcGIS, Google Earth, AutoCad Map, entre
outras, tanto nas pesquisas quanto no ensino da história, já é bem amplo no âmbito internacional e
começa a fazer parte dos debates nacionais. Tanto os defensores quanto os críticos reconhecem que o
uso dos SIG está ganhando espaço entre os historiadores: sua utilização vem sendo incorporada à
academia através da inclusão do tema em revistas e conferências.

3
GREGORY, Ian N.; ELL, Paul S. Historical GIS: technologies, methodologies and scholarship. Cambridge: Cambridge
University Press, 2007. p. 3-4.
4
De acordo com Anne Kelly Knowles e Amy Hillier Middlebury SIG-Histórico é ―Historical GIS is an umbrella term
covering the many ways researchers are using geospatial technologies and analytical techniques for historical research and
teaching. The core technology is usually GIS (geographic information systems) software, which enable one to display and
analyze any kind of information that can be located of the face of earth, or any other place with known location‖
(KNOWLES, Anne Kelly; HILLIER, Amy. Placing history: how maps, spatial date, and GIS are changing historical
scholarship. Redlands, CA: ESRI Press. 2007. p. XIII).
2
Neste estudo, entendemos o debate atinente ao SIG-Histórico como algo necessário na medida
em que promove o entendimento das potencialidades e limitações desta nova ferramenta. 5 Além disso,
a utilização dos SIG pelos historiadores revigorou o interesse em temas antigos como, por exemplo, a
interdisciplinaridade e as linguagens empregadas na divulgação da pesquisa historiográfica.

A virada espacial e a prática do historiador

A história sempre possuiu estreita ligação com a geografia e várias correntes historiográficas
tiveram praticantes que se dedicaram ao exame da história tendo o espaço como um dos seus eixos
centrais. Dentre tais correntes, a escola francesa dos Annales destaca-se, talvez, como a de maior
influência na historiografia brasileira. A geohistoire de Fernand Braudel, enfatiza uma geografia
humana retrospectiva, levando geógrafos a prestarem mais atenção ao tempo e historiadores a se
inspirarem no espaço. Em outras palavras, uma compreensão histórica do território e das atividades
humanas ali ocorridas.6
O método dos seguidores dos Annales articula aspectos culturais, econômicos e políticos como
representações do espaço. Como salienta David Bodenhamer, a escola dos Annales instigou os
estudiosos, desde os anos 1930, a prestarem atenção à geo-história. O apelo foi ouvido por muitos
historiadores, todavia a maioria deles continuou a privilegiar a observação dos aspectos que se deram
em um determinado espaço particular, esquecendo-se que o espaço, enquanto uma representação do
mundo que se pretende verossímil e quantificável, pode ser colocado como um fator a ser manuseado,
interrogado na análise. 7 Outra corrente que voltou seu olhar às relações entre a história e a geografia
foi a geografia-histórica. Esta ganhou espaço particularmente nos países de cultura anglo-saxônica,
fortemente influenciada pelo pensamento de geógrafos como Carl Ortwin Sauer (1889-1975), Derwent
Stainthorpe Whittlesey (1890–1956), John Kirtland Wright (1891-1969). Tradicionalmente, a

5
Para alguns historiadores e pesquisadores, os SIG são mais do que apenas uma ferramenta, como veremos um pouco mais
adiante.
6
BRAUDEL, F. O Mediterrâneo e o mundo mediterrâneo na época de Felipe II. São Paulo: Martins Fontes,
1983. v.I e II. BRAUDEL, Fernand. Escritos sobre a história. São Paulo: Perspectiva, 1978. v.I. BRAUDEL, Fernand.
Escritos sobre a história. Lisboa: Presença, 1992. v.II.
7
BODENHAMER, David J. The potential os Spatial Humanities. In: BODENHAMER, David J; CORRIGAN, John;
HARRIS, Trevor M. (Ed.). The spatial humanities: GIS and the future of humanities scholarship. Bloomington: Indiana
University Press, 2010. p. 15 - 21.
3
geografia-histórica enfatiza os processos sociais e econômicos subjacentes que moldaram o
desenvolvimento da paisagem rural e urbana ao longo do tempo.8

Em relação à historiografia brasileira, podemos citar Capistrano de Abreu e Caio Prado Júnior
como precursores no estudo e no questionamento da relação entre história e espaço. Capistrano de
Abreu, fortemente influenciado por autores germânicos, teve o meio entre suas preocupações. A sua
análise da população brasileira parte do estudo do ambiente, dos fatores geográficos, passando por
questões raciais e econômicas. Durante sua vida, o autor viajou por grande parte do Brasil, observando
a população e as características geográficas de cada região, o que certamente influenciou na formação
do seu pensamento.9 Capistrano de Abreu é comparado, por Maria Verônica Secreto, ao historiador
norte-americano J. F. Turner, no que tange à criação de uma história nacional própria, que não se
comporta como mero prolongamento da história de suas metrópoles. Essa história está fortemente
ligada à temática da fronteira e da ocupação dos espaços nacionais. 10 Caio Prado Júnior,
particularmente, possuía grande proximidade com a geografia, tendo inclusive participado da fundação
da Associação dos Geógrafos Brasileiros. Embora o autor seja mais conhecido como um representante
do pensamento marxista, seu interesse pelo estudo da sociedade o aproximou bastante da geografia.
Entre suas obras que refletem essa afinidade com a disciplina geográfica podemos destacar A cidade
de São Paulo: geografia e história,11 na qual Caio Prado Jr. reforça a ideia de que a geografia vai além
dos aspectos físicos, abarcando as relações humanas, a distribuição da população e as maneiras de
viver. Ademais, o autor busca entender o papel dos aspectos geográficos na formação da cidade.
A virada espacial, propriamente dita, caracteriza-se pelo avançar, na segunda metade do século
XX, de novas linhas de pesquisa que se distinguem por um entendimento diferente e com mais
nuanças do espaço. Essa mudança teve início, primeiro, nas ciências sociais e, depois, conquistou
8
KNOWLES, Kelly. Gis and history. In: KNOWLES, Anne Kelly; HILLIER, Amy. Placing history: how maps, spatial
date, and GIS are changing historical scholarship. Redlands, CA: ESRI Press. 2007. p.4. Ver também: BARROS, José
D'Assunção. História, espaço e tempo: interações necessárias. Varia História. Belo Horizonte, v. 22, n. 36, pp. 460-475,
Dec. 2006.
9
Ver: ABREU, Capistrano de. O caráter nacional e as origens do povo brasileiro. In: ENSAIOS e Estudos: Crítica e
História. Rio de Janeiro: MEC/INL, 1976. 4o. Série. ABREU, Capistrano de. Capítulos de história colonial. São Paulo:
Brasiliense, 1985.
10
SECRETO, Maria Verônica. Capistrano de Abreu e J. F. Turner: a historiografia nacional e a história ambiental. Estud.
Soc. Agric., Rio de Janeiro, v. 14, n. 2, pp. 236 -253, 2006.
11
PRADO Jr., Caio. A cidade de São Paulo: geografia e história. São Paulo: Brasiliense, 1989. (Coleção Tudo é História-
78).
4
adeptos nas ciências humanas. A valorização da teoria dentro da geografia, enquanto disciplina,
colaborou para que os geógrafos fossem cada vez mais lidos pelos estudiosos de outras áreas do
conhecimento e, com isso, passassem a prestar mais atenção no espaço. Trabalhos recentes nos
campos dos estudos literários, sociologia, ciência política, antropologia e história têm adicionado cada
vez mais questões espaciais a suas problemáticas e fundamentações. Duas figuras de destaque neste
movimento foram Henri Lefebvre12 e Michel Focault13. Barney Warf e Santa Arias, na introdução do
livro organizado pelos mesmos e intitulado ―The Spatial Turn‖, sintetizam esse movimento de
valorização da geografia e do espaço da seguinte forma:
From various perspectives, they assert that space is a social construction relevant to the understanding
of the different histories of human subjects and to the production of cultural phenomena. In some ways,
this transformation is expressed in simple semantic terms, i.e. the literal and metaphorical use and
assumption of "space," "place" and "mapping" to denote a geographic dimension as an essential aspect
of the production of culture. In other ways, however, the spatial turn is much more substantive,
involving a reworking of the very notion and significance of spatiality to offer a perspective in which
space is every bit as important as time in the unfolding of human affairs, a view in which geography is
not relegated to an afterthought of social relation, but is intimately involved in their construction.
Geography matters, not for the simplistic and overlay used reasons that everything happens in space,
but because where things happen is critical to knowing how and why they happen.14

Essa mudança no pensamento social reflete transformações muito mais amplas na economia,
política e cultura do mundo hodierno. Temas como globalização, mídia e meio ambiente têm
desempenhado papel importante no estabelecimento do novo nível de importância conferido ao
espaço. Além disso, como lembra Edward Soja, o surgimento da internet, bem como de outras
tecnologias que ―abreviam‖ distâncias, tem colaborado para a produção de noções complexas,
fragmentadas e, muitas vezes, confusas de espaço da pós-modernidade.15 Os SIG têm um
comportamento dialético nesse processo, pois, ao oferecerem novos meios para analisar a
espacialidade, ao mesmo tempo refletem a nova relevância dada ao espaço e também atuam e
reforçam na sua constituição.
12
LEFEBVRE, Henri. The Production of Space. Oxford, UK: Cambridge, USA: Blackwell, 1991.
13
FOCAULT, M. Questions on Geography. In: GORDON, C (Ed.). Power/knowledge: selected interviews and other
writings, 1972-1977, New York: Pantheon Books,1980. FOCAULT, M. Space, Knowledge and power. In: RABINOW,
Paul (Ed.). The Foucault reader. New York: Pantheon Books, 1984.
14
WARF, Barney; ARIAS, Santa. The Spatial Turn: Interdisciplinary perspective. London; New York: Routledge, 2009.
p.1.
15
SOJA, Edward W. Taking space personally. In: The Spatial Turn: Interdisciplinary perspective. London; New York:
Routledge, 2009. p.11-35.
5
Todos estes fatores, e provavelmente muitos outros, colaboraram para que os pesquisadores
fossem aos poucos incorporando o espaço. A valorização do espaço pode ser vista claramente nas
disciplinas oferecidas ou nos trabalhos produzidos nas ciências humanas e sociais. Disciplinas, antes
balizadas predominantemente por marcos temporais, têm ampliado o foco em aspectos regionais e
espaciais como, por exemplo, as diásporas, as conexões atlânticas, as fronteiras. A história tem
acompanhado esse processo em estudos que abrangem temáticas variadas, desde trabalhos sobre o
regional e o meio ambiente até aqueles que abordam a cultura material e a escravidão. Mas a história
não apresenta a mesma desenvoltura em atinência ao aspecto tecnológico da virada espacial presente.
Mesmo com a promessa e algumas demonstrações claras de benefícios quanto ao uso dos SIG
na sofisticação das análises e na visualização inovadora de informações, os historiadores se mostram
relutantes ao seu uso. Essa postura não é resultado de teimosia ou comodidade em relação à forma
como a história vem sendo construída, mas, sim, decorre da tradicional desconfiança dos historiadores
em relação a uma visão excessivamente otimista da tecnologia. As ciências humanas colocam muitas
questões ao uso de novas tecnologias: a imprecisão e a falta de periodicidade dos dados, os diferentes
conceitos de espaço,16 o uso do tempo como um preceito organizador conectado ao espaço. Para
Edward Ayers, apesar das incursões na quantificação, a história tende ao singular, ao particular,
prefere a interpretação à generalização, a narrativa ao modelo. Cada representação de espaço ou lugar
tende a ser feito à mão, personalizada. Essas são as razões fundamentais porque os SIG têm
encontrado melhor aceitação nas ciências exatas e sociais do que nas ciências humanas, visto que se
fundamentam em uma abordagem qualitativa.17
Ao representar o passado, historiadores buscam perspectivas que os permitam discernir
padrões entre os eventos que ocorreram, desse modo, procurando entender o significado das
experiências vivenciadas pelos personagens históricos. Para isso, os pesquisadores têm de lidar com as
evidências fragmentadas de um passado que se apresenta incompleto e irrecuperável - não há como,
por exemplo, voltar no tempo e melhorar ou ampliar a forma como determinados documentos foram

16
O termo espaço é usado tanto no sentido fisco/geográfico quanto abstrato, por exemplo, o espaço da política, o espaço
da literatura, etc.
17
AYERS, Edward L. Turning toward Place, Space, and Time. In: BODENHAMER, David J; CORRIGAN, John;
HARRIS, Trevor M. (Ed.). The spatial humanities: GIS and the future of humanities scholarship. Bloomington: Indiana
University Press, 2010. p. 2-3.
6
confeccionados ou arquivados. Interdependência, como pontua de forma contundente Bodenhamer, é a
linguagem dos historiadores, porque estes enxergam as relações entre as diversas camadas da
sociedade presentes em uma pesquisa.18 Além disso, tradicionalmente os historiadores têm utilizado-se
de narrativas para contar a história de seus objetos.
Historians, in sense, are abstractionists: they have the "capacity for selectivity, simultaneity, and the
shifting of scale" in pursuit of the fullest possible understanding of the past. Traditionally, historians
have used narrative to construct the portrait that furthers this objective. Narrative encourages the
interweaving of evidentiary threads and permits scholars to qualify, highlight, or subdue any thread or
set of them - to use emphasis, nuance, and other literary devices to achieve the complex construction of
past worlds.19

Em outras palavras, os historiadores utilizam uma abordagem recursiva, visando menos


eliminar as respostas do que criar uma nova perspectiva. Possuem uma relação afetuosa com suas
fontes e raramente descartam informações. Assim, o texto final de um trabalho coleciona uma porção
de informações com origens diversas, não, necessariamente, uma sequência de dados de uma mesma
fonte. Para conseguir utilizar de forma coerente dados de procedências diversas, criam metodologias e
padrões de análise próprios para cada conjunto de dados com os quais trabalham. Assim, torna-se
praticamente impossível criarem-se estruturas rígidas de análise na história, pois estas empobreceriam
a análise, uma vez que se perderia algo valioso ao historiador, ou seja, a particularidade de cada fonte.
Os historiadores constroem as imagens textuais que incorporam em sua história, porém relutam
em criar imagens visuais que transmitam sua interpretação. E tal dificuldade com a comunicação
visual deriva, em parte, da formação que recebem e, em parte, de uma ênfase disciplinar na publicação
impressa como a expressão preferida, quase exclusiva, de seu trabalho.20 Poucos programas de
graduação e pós-graduação em História oferecem cursos em métodos visuais. A maioria dos livros ou
artigos sobre metodologia histórica não toca no assunto. As revistas e monografias historiográficas

18
BODENHAMER, David J. The potential of Spatial Humanities. In: BODENHAMER, David J; CORRIGAN, John;
HARRIS, Trevor M. (Ed.). The spatial humanities: GIS and the future of humanities scholarship. Bloomington: Indiana
University Press, 2010. p. 221.
19
BODENHAMER, David J. History and GIS: implication for the discipline. In: KNOWLES, Anne Kelly; HILLIER,
Amy. Placing history: how maps, spatial date, and GIS are changing historical scholarship. Redlands, CA: ESRI Press.
2007. p. 222.
20
Na última década, cada vez mais, revista eletrônicas ou versões eletrônicas de revistas impressas têm surgido. Isso não só
amplia divulgação do conhecimento como nos faz pensar sobre novas formas de tornar a história acessível ao seu público –
ou mesmo como ampliar esse público.
7
dependem do discurso escrito. Mas a questão vai mais a fundo do que formação técnica e normas de
publicação: a maioria de nós não entende como usar imagens para construir a narrativa. 21
Todos esses elementos – as fontes, a narrativa, as nuanças, entre outros – predispõem o
historiador a olhar com desconfiança para qualquer método ou ferramenta que pareça reduzir eventos
complexos a esquemas simplistas. O computador é uma tecnologia que não estabelece um bom
diálogo com a ambiguidade. Não é por acaso que os SIG, ferramenta utilizada inicialmente por
engenheiros, militares e geólogos, tem feito poucas incursões na história. No entanto, como ressalta
Bodenhamer, os SIG possuem um grande potencial para vencer a resistência dos historiadores devido
à dois fatores: 1) mapas de informação empregam um formato e uma metáfora com a qual os
historiadores estão familiarizados; 2) eles também integram e evidenciam informações, tornando
possível ver a complexidade que os historiadores encontram no passado.22 Ao possibilitar apresentar
dados de maneiras diferentes (por exemplo, com diferentes simbologias, sistemas de classificação,
vários detalhes ou projeções) potencializa-se a interpretação, validação e exploração da maneira como
a mensagem transmitida no mapa é afetada e, assim, problematiza-se o objeto do estudo.
A abordagem dos historiadores para os problemas históricos tem como objetivo a
interpretação, através do discurso escrito, de evidências. Junte-se a isso a dificuldade destes
profissionais em lidar com linguagens visuais, e o resultado é que os SIG se tornam uma abordagem
difícil para os historiadores. Todavia o que aparenta ser um enorme desafio pode e deve ser encarado
como mais uma forma de análise da história. Como tecnologia aplicável à investigação e ferramenta
para explorar, desafiar e problematizar os SIG apresentam possibilidades que pode motivar os
historiadores.23 A partir desta perspectiva, os SIG deixam de ser apenas uma tecnologia a ser

21
Ver: MENEZES, U. T. B. de. Fontes visuais, cultura visual, História visual. Balanço provisório, propostas cautelares.
Revista Brasileira de História, São Paulo: Marco Zero, v. 23, n. 45, p. 11-36, 2003. Não podemos deixar de mencionar o
esforço do professor Edward Tufte no questionamento de imagens e palavras em seus diversos livros, incluindo ―Beautiful
Evidence‖, ―Visual Explanations‖, ―The Visual Display of Quantitative Information‖ Tufte é especialista em infografia, o
âmago do seu trabalho centra-se na melhor forma de exibir diferentes tipos de informação, ilustrando-a com exemplos –
alguns históricos. Suas obras influenciaram profissionais das mais diversas áreas. TUFTE, Edward R. Visual Explanation:
images and quantities, evidence and narrative (1997/2007). Beautiful evidence. (2006) The Visual Display of Quantitative
Information (2001). Todos os três publicados pela Graphics Press, Cheshire, Connecticut. Entre outros.
22
BODENHAMER, David J. History and GIS: implication for the discipline. In: KNOWLES, Anne Kelly; HILLIER,
Amy. Placing history: how maps, spatial date, and GIS are changing historical scholarship. Redlands, CA: ESRI Press.
2007. p. 221-222.
23
BODENHAMER, David J; CORRIGAN, John; HARRIS, Trevor M. (Ed.). The spatial humanities: GIS and the future of
humanities scholarship. Bloomington: Indiana University Press, 2010. p. X-XII.
8
dominada e passam a ser vistos como aliados, auxiliando na visualização e compreensão do passado
em toda sua complexidade. É uma oportunidade para transpor barreiras e pensar em novas formas de
fazer e transmitir história, sem a necessidade de se abandonar práticas costumeiras e bem-sucedidas.
Não se trata de uma mudança radical, mas sim de novas formas de questionar o passado.

SIG e História

A historiografia tem se utilizado bastante da informática nas últimas décadas. Programas de


computador, especialmente aqueles de estatística e bancos de dados, têm ajudado os historiadores a
organizarem e analisarem com maior clareza e precisão seus dados. O uso de tais tecnologias
proporciona análises aprimoradas e abordagens que dificilmente seriam possíveis, quantitativa e
analiticamente, sem a ajuda dos mesmos.24 Os SIG aprofundam essa tendência, possibilitando o
cruzamento de uma grande quantidade de fontes, facilitando a observação de padrões - ou a
inexistência dos mesmos - e evidenciando o resultado das análises de forma direta e persuasiva.25
Essencialmente, não se trata de criar novos dados (sua existência independe dos SIG e, por isso, ainda
podem ser examinados de outras maneiras), mas, sim, de uma nova forma de análise, em muitos casos,
eficiente e capaz de encontrar correlações impossíveis de serem identificadas por outros métodos.
SIG-Histórico é um termo genérico para as diversas formas como pesquisadores têm utilizado
das técnicas de geoprocessamento na pesquisa e no ensino da história. No contexto da historiografia
anglófona, a definição de SIG-Histórico tem sofrido algumas alterações vinculadas ao aumento dos
estudos que usam os SIG na história. Inicialmente, os SIG foram considerados como uma
metodologia, uma ferramenta para a história. Nessa definição, qualquer pesquisa histórica que
empregue Sistemas de Informação Geográfica pode ser considerada um SIG-Histórico. Com o passar
do tempo, todavia, o SIG-Histórico tem começado a tomar a forma de um subcampo dentro

24
Ver: HISTORY and computing. Eynsham, Oxford: Published by Oxford University Press for the Association for History
and Computing, 1989-2006. ISSN 0957-0144. Social Science History, v.24. n. 3, Fall 2000 - E-ISSN: 1527-8034 Print
ISSN: 0145-5532 (volume especial sobre SIG-Histórico).
25
CUNFER, Geoff. Scaling the dust bowl. In: KNOWLES, Anne Kelly; HILLIER, Amy. Placing history: how maps,
spatial date, and GIS are changing historical scholarship. Redlands, CA: ESRI Press. 2007.p. 109.
9
da história.26 Essa mudança está relacionada também com a promessa de adequação de algumas
técnicas ao uso nas ciências humanas, como veremos um pouco mais adiante.
Como método de pesquisa para a história, os SIG oferecem uma gama de ferramentas sem
precedentes para visualizar a informação histórica em seu contexto geográfico, permitindo aplicar
diferentes escalas, interrogar seus padrões espaciais e integrar o material de várias fontes. Existem três
formas básicas de uso dos SIG: como um banco de dados georreferenciado; como uma ferramenta de
visualização; e como um instrumento analítico. Como um banco de dados, os SIG permitem agrupar
informações de diferentes fontes que são interligadas através do local como parâmetro-chave de
ordenação da informação.27 Além disso, eles possibilitam organizar a documentação e permitir que,
em um estudo colaborativo, diversos pesquisadores tenham acesso às informações detalhadas não
apenas quanto ao conteúdo do material, mas também quanto à sua localização, conservação, enfim, a
todos os metadados existentes sobre as fontes. A capacidade de trabalhar e experimentar em diferentes
escalas e integrar dados são os elementos fundamentais do uso dos SIG na história, pois oferece aos
pesquisadores a possibilidade para explorar padrões espaciais nos dados. A visualização de um padrão,
como salienta Ayers, não é suficiente para explicá-lo, isso requer um estudo histórico mais apurado e
convencional.28 Todavia a visualização do padrão em si é suficiente para instigar o historiador à
pesquisa, à busca por respostas, ela desafia o historiador a explicar os esquemas que estão sendo
observados. A visualização não serve apenas ao pesquisador, mas também ao leitor, o qual está
acostumado a informações visuais. Texto explicativo e mapa (estático ou animado, quando
adicionamos o fator tempo), quando associados proporcionam ao público estruturas dinâmicas e
multidimensionais de compreensão da narrativa.29 O mapa não só sintetiza e traduz muitas das

26
GREGORY, Ian N.; ELL, Paul S. Historical GIS: technologies, methodologies and scholarship. Cambridge: Cambridge
University Press, 2007. p. 16-17.
27
Quando falamos em padrões, estamos entendendo como padrão tanto os modelos que apresentam estruturas
padronizadas como os que apresentam dispersão, aleatoriedade. Aqui, o aleatório, disperso, sem estrutura clara, pode
também ser entendido como um padrão que requer uma explicação.
28
GREGORY, Ian N.; ELL, Paul S. Historical GIS: technologies, methodologies and scholarship. Cambridge: Cambridge
University Press, 2007. p. 90.
29
AYERS, Edward L. Turning toward Place, Space, and Time. In: BODENHAMER, David J; CORRIGAN, John;
HARRIS, Trevor M. (Ed.). The spatial humanities: GIS and the future of humanities scholarship. Bloomington: Indiana
University Press, 2010. p. 12.
10
informações presentes na narrativa do autor, mas chama a atenção e desperta o interesse do leitor pelo
assunto que esta sendo tratado.
Em um primeiro momento, a criação e a organização de bancos de dados e a visualização
atraem a atenção dos historiadores. Muitos pesquisadores ficam encantados com a possibilidade de
traduzir suas pesquisas em imagens, algo difícil quando as fontes são basicamente documentos
escritos. Contudo, as ferramentas de análise são o grande diferencial dos SIG. O pacote básico de
ferramentas, presente nos diversos programas de SIG, proporciona ao pesquisador uma gama de
opções que não são disponíveis em outros tipos de aplicativos.30 Além da possibilidade de alterar
escalas a qualquer momento, outras funcionalidades básicas dos SIG podem ser úteis à pesquisa
histórica como a consulta do espaço através de uma característica/atributo; a integração de dados; e o
cálculo de distâncias ou sinalização de áreas onde as localidades situadas dentro de uma distância
definida são identificadas.
A integração de dados é uma das habilidades mais importante dos SIG, particularmente para a
história. Ela permite a junção de mapas históricos a informações de relevo, vegetação, clima,
população ou quaisquer outros elementos importantes para a compreensão do espaço em questão. Tais
possibilidades são parte integrante da geografia e vêm sendo utilizadas por historiadores de maneira
eventual, mas a novidade trazida pelos SIG é a amplificação dessas possibilidades através da criação
de novos grupos de dados a partir das informações existentes. As funções matemáticas disponíveis
nos SIG, conhecidas como map algebra, permitem o cálculo da superposição de duas ou mais camadas
de informação georreferenciada, o que permite gerar novos dados. Um exemplo disso é a combinação
de informações provenientes de fontes diversas para calcular o melhor lugar para uma determinada
plantação em estudos de história agrícola ou ambiental. Com essa abordagem, pode-se cruzar
informações sobre solo, clima, elevação e até mesmo de acessibilidade a estradas para produzir nova
camada de dados espacialmente localizados onde é possível identificar os locais mais apropriados à
determinada cultura de acordo com as características selecionadas para análise.
A análise de distâncias permite cruzar dado e camadas de informação para responder questões
especificas. Esse cruzamento pode ser feito de duas maneiras - de forma mais simples - criando-se um

30
GREGORY, Ian. A place in History: a guide to using GIS in Historical research. ISSN 1463-5194. Disponível em:
<http://hds.essex.ac.uk/g2gp/gis/index.asp>.
11
buffer a partir de um determinado ponto, linha ou polígono; - ou de forma mais complexa - através do
uso de rotas que permitem sinalizar e relacionar informações que ocorrem ao longo de uma linha. O
buffer permite definir uma medida a partir de uma determinada característica do mapa e sinalizar todos
os aspectos que ficam dentro desta área. Essa técnica pode ser visualizada nas figuras 1, 2 e 3, onde foi
elaborado um buffer de 5km a partir da margem de um rio.

Fig.1: Rio Fig.2: Localidades

Fig.3: Buffer, 5km do Rio

Fonte: Para construir essas ilustrações foram utilizadas informações do Geoprocessamento - IGAM do ano de
2002 e do livro Joaquim da Costa Ribeiro. Toponímia de Minas Gerais. Belo Horizonte: imprensa Oficial do
Estado, 1970.

Rotas são basicamente linhas que incorporam informações sobre espaço, permitindo perguntas
mais complexas, como: Quanto tempo leva para percorrer determinado caminho? Quantas casas
existem de tal a tal ponto de uma rua? As medidas de uma rota podem ser definidas de diferentes
formas, dependendo das perguntas que são feitas a mesma. Depois de criada a rota, é possível
12
relacionar seus eventos (cidades pela qual passa, condições da via, pontes e outros obstáculos, etc.) e
torná-los parte da análise.
Logicamente que a grande maioria das ferramentas disponível nos programas que trabalham
com SIG não foi criada para o uso na história. Desta forma, cabe ao historiador e sua equipe explorar
as potencialidades destas ferramentas e adaptar o seu uso as análises que deseja fazer com os dados
históricos. Não é uma tarefa fácil, mas é construtiva uma vez que desafia o historiador a despender
tempo para a análise de seus dados e entender que tipos de perguntas podem ser feitas de forma
proveitosa a cada amostra de informações ou combinações das mesmas.
Os exemplos apresentados traduzem apenas o básico da capacidade de análise possibilitado
pelo uso dos SIG. Uma vez que é possível sobrepor várias camadas de informação em um mesmo
projeto que utilize SIG, estas podem ser combinadas e computadas de forma agregada através de
ferramentas matemáticas e estatísticas. Os SIG permitem a localização e o mapeamento dos
fenômenos estudados e de outras características geográficas, dessa maneira, possibilitando ao
pesquisador analisar o papel de condicionantes geográficos em diferentes aspectos da sociedade. A
identificação de padrões espaço-temporais pode tanto ajudar a responder questões já postas pela
historiografia como dar pistas sobre o funcionamento de relações econômicas, sociais ou geográficas
até então desconhecidas. Também, o SIG-Histórico instiga o pesquisador o tempo todo, pois evidencia
comportamentos que clamam por explicações.
Contudo construir um SIG-Histórico nem sempre é fácil. Como já mencionamos
anteriormente, as fontes históricas, geralmente, são imperfeitas quando se trata do uso padronizado em
bancos de dados. Adaptar documentos aos bancos de dados implica em um trabalhoso processo de
formalização dos documentos e, portanto, faz-se necessário adaptar previamente a forma original do
documento a um modelo reconhecível pelo computador.31 Esse processo, geralmente, demanda
esforços consideráveis, especialmente de tempo e de mão-de-obra, e um profundo conhecimento
prévio das fontes, caso contrário, corre-se o risco de agregarem-se ou categorizarem-se informações de
forma indevida ou inutilizável.

31
SILVA, Edson Armando. Bancos de dados e a pesquisa qualitativa em História: reflexões acerca de uma experiência.
Revista de História Regional, v. 3, n. 2, p. 167-176, inverno 1998.
13
Ademais, transformar as informações históricas em dados geográficas espacialmente
referenciados é outro grande desafio. A história possui uma variedade imensa de indicadores espaciais
e temporais, mas a maioria é de caráter geral e impreciso. Mesmo quando expressos em uma
linguagem que sugere exatidão geográfica (ex.: no lado direito do rio tal, um dia de viagem da capital,
próximo a igreja, etc.), tais indicadores tornam-se vagos quando transpostos ao universo exato dos
SIG. Tais indicadores históricos são difíceis de expressar em uma tecnologia que usa polígonos, linhas
e pontos a serem fixados por coordenadas geográficas. Quando a localização não é precisa, pode-se
utilizar como estratégia a localização relativa. Para construir um mapa usando-se apenas posições
relativas basta escolher arbitrariamente um centro e todas as descrições relacionadas podem ser
mapeadas. No entanto, como salienta Karen Kemp, a localização relativa só funciona para um único
conjunto de dados relacionados. Se for necessária a visualização de diferentes conjuntos de dados na
maneira como se relacionam no espaço, então, será preciso encontrar uma forma de ancoragem
geográfica referenciada de modo que as interações possam ser exploradas.32
Mais problemática ainda é a instabilidade das fronteiras históricas, pois limites mudam
constantemente de acordo com mudanças políticas, econômicas e sociais. Distritos e jurisdições são
criados ou agrupados, guerras e conflitos mudam fronteiras, lugares distantes e esparsamente
povoados dificilmente apresentam clareza quanto às suas demarcações.33A incerteza não é um
privilégio apenas das fontes descritivas, ela está presente também nos dados originalmente
geográficos. Mesmo quando utilizamos mapas históricos, como fonte de informação geográfica não
estamos isentos de problemas. Muitos mapas antigos não têm sistemas de coordenadas conhecidas, o
que dificulta a capacidade da tecnologia em projetá-los.
A escassez de recursos financeiros e técnicos na área de humanas apresenta outro obstáculo
para o desenvolvimento do SIG-Histórico, porque, geralmente, a tecnologia requer muito tempo e
dinheiro. Os usuários devem desenvolver modelos e bases de dados, localizar dados e obter

32
KEMP, Karen K. Geographic Information Science and Spatial Analysis for the Humanities. In: BODENHAMER, David
J; CORRIGAN, John; HARRIS, Trevor M. (Ed.). The spatial humanities: GIS and the future of humanities scholarship.
Bloomington: Indiana University Press, 2010. p. 37.
33
Esse é um problema que não se mostra apenas quando trabalhamos com SIG. Como pontua Graça Filho, podemos ser
induzidos ao erro constantemente, especialmente, quando trabalhamos com informações de caráter censitário se não
prestarmos atenção na perda ou anexação de distritos através de uma reorganização dos municípios ou das comarcas. Ver:
GRAÇA FILHO, Afonso de Alencastro. História, região e globalização. Belo Horizonte: Autêntica, 2009. p. 53.
14
enquadramento em formatos compatíveis com os SIG, localizar ou criar um mapa de base adequado,
processar os dados, decidir sobre a forma apropriada e os elementos cartográficos e, não podemos
esquecer, interpretar os resultados.34 Para muitos projetos, este processo significa colaboração com
técnicos e especialistas.
Como afirma Braudel, para o historiador, o conhecimento interdisciplinar serve como uma
lanterna para compreender os caminhos intermináveis do passado.35 Dentro desta perspectiva
interdisciplinar, o historiador deve se utilizar de conhecimentos de outras áreas como a geografia,
demografia, economia, antropologia, sociologia, bem como outras áreas especialmente relevantes às
particularidades da pesquisa em questão. O SIG-Histórico trabalha e aprofunda esta tendência,
integrando não apenas informações de diferentes campos do conhecimento, como também pessoas
com diferentes habilidades e formações.36 O trabalho colaborativo, todavia, também é uma novidade
para muitos historiadores — eles têm que aprender a colaborar uns com os outros tanto quanto lidar
com a tecnologia. O trabalho cooperativo de profissionais com habilidades e conhecimentos
diversificados pode ser muito útil para transpor alguns dos obstáculos ao uso do SIG-Histórico. A
colaboração pode ser direta ou indireta: direta quando um mesmo projeto envolve vários profissionais
da mesma ou de diferentes áreas do conhecimento; e indireta quando o problema apresentado em uma
determinada pesquisa histórica ou um questionamento quanto ao uso de determinada técnica serve de
base para o desenvolvimento de trabalhos em outras áreas, mas que, no final, acabam por ajudar
também os historiadores.
A geografia, em especial, e outras especialidades que atuam no desenvolvimento dos SIG têm
se mostrado dispostas a trabalhar para tentar solucionar alguns dos problemas relacionados
anteriormente. Assim, na medida em que começa-se um esforço inicial na busca pelo aperfeiçoamento
dos SIG para o uso nas ciências humanas e sociais, algumas das barreiras iniciais à adoção do
geoprocessamento de dados por historiadores começam a ser dissolvidas. Como enfatiza Kemp, a

34
BODENHAMER, David J. The potential of Spatial Humanities. In: BODENHAMER, David J; CORRIGAN, John;
HARRIS, Trevor M. (Ed.). The spatial humanities: GIS and the future of humanities scholarship. Bloomington: Indiana
University Press, 2010. p. 23.
35
BRAUDEL, Fernand. Escritos sobre a história. Lisboa: Presença, 1992. v. II. p. 291.
36
BODENHAMER, David J. The potential of Spatial Humanities. In: BODENHAMER, David J; CORRIGAN, John;
HARRIS, Trevor M. (Ed.). The spatial humanities: GIS and the future of humanities scholarship. Bloomington: Indiana
University Press, 2010. p. 22.
15
SIGci37 tem uma forte base intelectual na disciplina de geografia, e seus praticantes têm se mostrado
dispostos a enfrentar as questões desafiadoras colocadas, principalmente, pela necessidade da
representação de lugares complexos e em constante mutação dentro da estrutura formalista da
computação.38 Nos últimos anos, os geógrafos tornaram-se mais preocupados com questões teóricas
relacionadas à manipulação de dados espaciais. Assim, eles têm usado uma gama de abordagens
distintas, tais como ciência cognitiva, ciência da computação, física, geometria não-euclidiana,
computação neural, para alargar a compreensão de fenômenos espaciais.39
Todavia, talvez a barreira mais significativa ao SIG-Histórico seja a ausência de questões
espaciais na história. Apesar de todo seu apreço à contextualização, historiadores ainda tratam o
espaço e os eventos associados a ele principalmente como marcadores culturais. Ao pensar o SIG-
Histórico como um campo emergente, deve-se ter em mente o espaço como o ator principal, ou como
pelo menos um dos destaques da pesquisa. Segundo Anne Kelly Knowles, dentre as características
distintas do SIG-Histórico, pode-se destacar: 1) as questões geográficas incorporam uma parte
significativa da investigação; 2) as informações geográficas proporcionam uma boa parte da evidência
histórica; 3) a maior parte das fontes, ou as evidências que fornecem a base para o estudo, são
estruturadas e analisadas por um ou mais bancos de dados que registram tempo e espaço; 4) os autores
apresentam seus argumentos através de mapas, gráficos e imagens, especialmente aqueles que
permitem visualizar relações espaciais ou padrões de mudança ao longo do tempo.40 Os pesquisadores
interessados em trabalhar com SIG-Histórico devem exercitar atividades que, embora presentes na
prática do historiador, costumam ficar relegadas a apenas algumas ocasiões, tais como: a
interdisciplinaridade, a ênfase na visualização das informações e a incorporação de questionamentos
sobre o papel do espaço na pesquisa.

37
Ciência da Informação Geográfica (SIGci) é a ciência por trás das tecnologias dos SIG.
38
KEMP, Karen K. Geographic Information Science and Spatial Analysis for the Humanities. In: BODENHAMER, David
J; CORRIGAN, John; HARRIS, Trevor M. (Ed.). The spatial humanities: GIS and the future of humanities scholarship.
Bloomington: Indiana University Press, 2010. p. 31.
39
AYERS, Edward L. Turning toward Place, Space, and Time. In: BODENHAMER, David J; CORRIGAN, John;
HARRIS, Trevor M. (Ed.). The spatial humanities: GIS and the future of humanities scholarship. Bloomington: Indiana
University Press, 2010. p. 1-3.
40
KNOWLES, Anne Kelly. Gis and history. In: KNOWLES, Anne Kelly; HILLIER, Amy. Placing history: how maps,
spatial date, and GIS are changing historical scholarship. Redlands, CA: ESRI Press. 2007. p. 7.
16
SIG na História do Brasil

Os historiadores adeptos ao SIG-Histórico no Brasil ainda são poucos. Contudo, mesmo raros,
os trabalhos que usam essa tecnologia/metodologia têm apresentado bons frutos e vêm explorando o
que há de melhor nos SIG. Um dos maiores projetos, até o momento, é o Terrain of History, o qual
constitui uma parceria entre três universidades/grupos de pesquisa: Stanford University, Cecult-
Unicamp e Brown University. O projeto apresenta duas frentes.41 A primeira está criando um mapa
geográfico digitalizado e preciso do Rio de Janeiro de 1866, com delimitações historicamente exatas
de ruas e de propriedades. Mais de 300.000 registros históricos, incluindo nomes, endereços e outras
informações detalhadas que abrangem o período 1840-1890, também, estão sendo organizados em um
banco de dados para revelar interconexões, redes, movimentos e mudanças no decurso do tempo. A
ampliação do projeto para o século XX, até 1930, está no escopo das ambições dos pesquisadores. 42 A
segunda frente desenvolve análises detalhadas de moradores e empresas em um bairro próximo à
Praça da Constituição, em Tiradentes, Minas Gerais. O projeto Terrain of History está criando o mais
detalhado e completo arquivo geo-histórico a respeito de uma cidade sul-americana, no caso, o Rio de
Janeiro.
Alguns dos primeiros resultados deste trabalho podem ser vistos no artigo ―The Slave Market
in Rio de Janeiro circa 1869: Context, Movement and Social Experience‖ de Zephyr Frank e Whitney
Berry (Universidade Stanford).43 Neste artigo, os autores analisam as mudanças no mercado de
escravos no Rio de Janeiro ao longo do século XIX. Frank e Berry perceberam que, com o fim do
comércio atlântico, o comércio de escravos no Rio deixou de se concentrar em espaços formais
dominados por negociantes de escravos e passou a abranger todos os bairros da cidade. Com base em
informações detalhadas sobre as transações de compra e venda de escravos, o autores foram capazes
de mapear as origens, destinos e dados pessoais dos cativos. Tal método permitiu perceber a
41
Ver também: FERLA, Luis. Implementação de GIS histórico no Campus de Humanidades da UNIFESP. In: 1ªs
Jornadas Brasileiras gvSIG, 2010. <http://gvsig-desktop.forge.osor.eu/downloads/pub/events/jornadas-
Brasileiras/2010/reports/GIS_Historico_Campus_Humanidades_UNIFESP.pdf > (20/03/2011)
42
Para mais informações ver:< http://www.stanford.edu/group/spatialhistory/cgi-bin/site/project.php?id=999>
43
Frank, Zephyr; BERRY, Whitney. The Slave Market in Rio de Janeiro circa 1869: Context, Movement and Social
Experience. Journal of Latin American Geography, v. 9, n. 3, p. 85-110, 2010. No site do Spatial History Lab, é possível
conhecer outros trabalhos do prof. Zephyr Frank, bem como de seus colegas de laboratório que trabalham com SIG
Histórico, disponível em: http://www.stanford.edu/group/spatialhistory/cgi-bin/site/index.php.
17
onipresença da escravidão no Rio de Janeiro e reconstruir a experiência dos escravos no processo de
mudança espacial decorrente da troca de senhores. Através deste trabalho, é possível visualizar o
movimento dos escravos comprados e vendidos pelas ruas e bairros do Rio de Janeiro ou para fora da
cidade ou do estado. Além disso, é possível identificar o gênero de escravos e senhores envolvidos na
transação, a idade dos escravos e, ainda, estimar o lucro da transação. Este estudo mostra como os SIG
podem ajudar a visualizar e analisar grandes quantidades de dados, assim como produzir uma história
interessante de ser lida e vista. Além disso, este exemplo permite análises diversas sob aspectos do
trabalho, gênero, sociedade escravista e economia, também como viabiliza conhecer os espaços da
cidade, a movimentação das pessoas e da economia ao longo do século XIX.44 Deste modo, os autores
demonstram que um projeto de SIG-Histórico permite conectar eventos para obter informações
detalhadas sobre o contexto dos pontos de partida e destinos de escravos, o que leva a novos
questionamentos atinentes às mudanças na propriedade que foram significativas aos indivíduos.45

Considerações Finais

O historiador Edward Ayers, em seu texto intitulado ―Turning toward Place, Space, and Time‖,
ressalta que os historiadores têm responsabilidades para além da narrativa, pois precisam não só
evocar o tempo e o espaço, mas explicar de forma mais explícita o funcionamento de ambos e as
relações entre os mesmos.46 Aparentemente, essa responsabilidade de conectar tempo e espaço pode
ser um obstáculo ao uso dos SIG na história. Isso porque não são poucos as barreiras a serem vencidos
para a criação de um bom e útil SIG-Histórico, especialmente no que tange a incorporação do tempo e
a precisão nas informações espaciais. Todavia podemos pensar a ―virada espacial‖ como uma
oportunidade para refletir sobre essa estreita ligação entre tempo e espaço, bem como para admitir,
definitivamente, este último como uma característica importante para a compreensão do passado.

44
A visualização dinâmica do GIS Histórico descrito pode ser vista no site:
<http://spatialhistory.stanford.edu/jlag/rioslaves>.
45
Ver também: FRANK, Zephyr. Layers, Flows and Intersections: Jeronymo José de Mello and Artisan Life in Rio de
Janeiro, 1840s-1880s. Journal of Social History, v. 41, n. 2, p. 307-328, winter 2007.
46
AYERS, Edward L. Turning toward Place, Space, and Time. In: BODENHAMER, David J; CORRIGAN, John;
HARRIS, Trevor M. (Ed.). The spatial humanities: GIS and the future of humanities scholarship. Bloomington: Indiana
University Press, 2010. p. 4.
18
Sendo assim, o SIG-Histórico pode ser uma das metodologias, talvez, a mais adequada, disponível
para este propósito.
O pesquisador interessado em utilizar-se das ferramentas disponíveis neste nova frente da
pesquisa histórica deve criar perguntas pertinentes às suas práticas. O que é espacial sobre determinada
pesquisa? Por que o espaço é importante? O que o espaço pode ajudar a explicar ou entender na
análise? Os pesquisadores devem ser desafiados a entender a ordenação temporal dos acontecimentos
para desenvolver uma explicação plausível para questões geográficas. O SIG-Histórico pode ser a
melhor ferramenta para uma questão de pesquisa espacial, mas, primeiro, devemos compreender o que
torna nosso problema espacial.
Qual é o futuro dos SIG na história? Para Bodenhamer, dois caminhos são possíveis. No
primeiro cenário, assumindo que o progresso contínuo torne a tecnologia mais completa e fácil de
usar, o SIG-Histórico pode tornar-se uma poderosa ferramenta na gestão e análise das fontes. Ele não
substitui a narrativa, mas ajuda enormemente: encontra padrões, facilita as comparações, realça a
perspectiva e ilustra os dados, entre outros benefícios. No segundo cenário, GIS-Histórico oferece o
potencial para uma conhecimento unicamente pós-moderno, uma construção alternativa do passado
que abrange a multiplicidade, simultaneidade, complexidade e subjetividade.47
E difícil prever o rumo que o SIG-Histórico vai tomar, mas pode-se apostar em um número
cada vez maior de adeptos. Pois, conforme os pesquisadores vão tomando conhecimento de suas
ferramentas e possibilidades, bem como do resultado de trabalhos que se valem destas, o interesse em
conhecer e, quando oportuno, utilizar o SIG-Histórico, vai aumentar.

Bibliografia:
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CORRIGAN, John; HARRIS, Trevor M. (Ed.). The spatial humanities: GIS and the future of
humanities scholarship. Bloomington: Indiana University Press, 2010.

47
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Amy. Placing history: how maps, spatial date, and GIS are changing historical scholarship. Redlands, CA: ESRI Press.
2007. p. 230.
19
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Kelly; HILLIER, Amy. Placing history: how maps, spatial date, and GIS are changing historical
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21

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