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ISSN 1677-4612

REVISTA
CIENTÍFICA

FACULDADE BRASÍLIA DE SÃO PAULO

ANO 4 - NÚMERO 4 - 2005


FAMEC - FACULDADE MONTESSORI
FAAC - FACULDADE ASSOCIADA DE COTIA
FMI - FACULDADE MONTESSORI DE IBIÚNA
FABRASP - FACULDADE BRASÍLIA DE SÃO PAULO
PRESIDENTE DA FAMEC, FAAC e FMI
Selma Ligeiro Rein
PRESIDENTE DA FABRASP
Profª Ayako Kuba Sakamoto
VICE-PRESIDENTE DA FAMEC, FAAC e FMI
Michelle Ligeiro Rein
DIRETORES ACADÊMICOS
FAMEC - Prof. Dr. Claudemir Edson Viana
FAAC - Prof. Adailton Costa Rodrigues
FMI - Prof. James Prestes
FABRASP - Profa. Dra Hilda Maria C. Barroso Braga
DIRETOR DE PLANEJAMENTO E MARKETING DA FAMEC, FAAC e FMI
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Prof. Dr. João Pinheiro de Barros Neto
Prof. Dr. Luiz Antonio Ferreira
Profa. Ms. Márcia Moreira de Carvalho
Prof. Ms Marino Alves de Faria Filho
Profa. Ms. Simone Fernandez Suzuki
Prof. Dr. Willian Aurélio Nogueira
Prof. Ms. Ricardo Zani
Profa. Doutouranda Ubiracy Cintra
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Rogério Fernandes FABRASP - FACULDADE BRASÍLIA DE SÃO PAULO


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TIRAGEM
ISSN 1677-4612
1.500 30 de novembro de 2005
SUMÁRIO
07 - EDITORIAL
Selma Ligeiro Rein
Presidente da FAMEC, FAAC e FMI
09 - Entrevista Especial: Gutemberg Leite e o Rotary São Paulo
Centenário
11 - Palestra: “Avaliação da Aprendizagem No Ensino Superior”
Profª. Dra. Maria de los Dolores Jimenez Peña(PUC/SP)
19 - Blog nas Organizações: Antecipando o Conhecimento em
Tecnologia de Informação(TI)
Prof.Ms. Ricardo Shitsuka (FAMEC) - Prof. Cláudio Boghi - Prof. Dorlivete M.
Shitsuka
27 - Avaliação de Negócios que Utilizam o Meio Eletrônico para
Comercialização de Produtos
Phd Maria de Fátima Abud Olivieri (FAMEC),Profª Ms. Marisa Aparecida
Olivieri
35 - Comunidades Virtuais
Márcia Regina Konrad (Aluna da FAMEC)
45 - A Realidade Voz Sobre IP
Clayton Santos, Reginaldo Oliveira, Thayse Igarashi(Alunos da FAMEC)
Colaboradora: Profª Ms Josyane Lannesárcia Regina Konrad (FAMEC)

51 - A Bordagens Pedagógicas Presentes no Design Educacional de


Cursos à Distância
Profª Ms. Luciana Aparecida Santos (FAMEC), Profª Patrícia Passos Gonçalves
Palácio(FAMEC)
59 - A Interação Entre Participantes de Cursos Semi-resenciais e a
Organização de Atividade: Relato De Experiência
Profª Ms. Adriana Paula Borges (FAAC/FAMEC)
65 - O Audiovisual na Arte Educação: O Projeto Intervídeo
Prof. Ms. Ricardo Zani (FAMEC)
73 - O Lúdico e a Aprendizagem na Cibercultura: Jogos Digitais e
Internet no Cotidiano Infantil
Prof. Dr. Claudemir Edson Viana (FAMEC)
85 - O Porfólio na Formação de Professores: Potencialidades
Prof. Drª. Denise Rockenbach Nery (FAMEC)
91 - 17 Princípios de Qualidade: Uma Base Para
a Gestão Sustentável Em Micro e Pequenas Empresas
Ms. Rosley Anholo,Ms. Jefferson de Souza Pinto (Faculdade Brasília de São
Paulo) e Dr. Eugênio José Zoqui
105 - Liderança e Cultura Organizacional no Processo de Estratégia
Prof Eduardo R. Mangini (FMI), Marco A. Conejero e Solange Comini Fogaça
113 - Ensino de Administração
Profª Drª Hilda Maria C. Barroso Braga (FAMEC/FAAC/Faculdade Brasília de
São Paulo)
121 - Contribuições da Fenomenologia ao Processo Decisório
Prof. Ms. Carlos Fernandes (Faculdade Brasília de São Paulo), Prof Ms Adalton
Ozaki e Prof Dr.Isaías Custódio
133 - O Perfil do Administrador e a Nova Ordem Social
Prof. Ms. Marino Alves de Faria (FAMEC/Faculdade Brasília de São Paulo)
141 - Os Movimentos Sociais Agrários Brasileiros: Um Recorrido
Histórico-Crítico das Mobilizações por Reforma Agrária e do
Surgimento do MST no Brasi
Prof. Ms. Alessandro Soares da Silva (Faculdade Brasília de São Paulo)
165 - Os Argumentos Retóricos que Fundamentam o Real na
Caracterização do Ethos do Sertanejo
Rosângela Aparecida Carreira e Prof. Silvio Luis da Silva (FAAC)
175 - O Ethos Cultural Masculino Revelado em “conversa de
Botequim”
Profª. Ms. Simone Clini (FAAC)
EDITORIAL
Esta Revista Científica, de número 4, celebra a expansão das atividades
universitárias do grupo Montessori. Desde 2004, a Revista congrega artigos de
docentes da FAMEC Faculdade de Educação e Cultura Montessori e os docentes da
FAAC Faculdade Associada de Cotia. Neste número, participam docentes do campus
III FMI Faculdade Montessori de Ibiúna, autorizada pelo MEC em agosto de 2005.
Outra dimensão dos trabalhos reunidos nesta edição é presença de artigos elaborados
por alunos dos cursos ministrados pelas Instituições envolvidas. Também faz parte
desta expansão o convite à comunidade acadêmica da Faculdade Brasília de São Paulo
para a participação com artigos.
Esta edição inicia-se, como sempre, destacando as atividades de caráter social
de uma Instituição da sociedade brasileira. Desta vez, trata-se do Rotary São Paulo
Centenário através da Entrevista Especial de seu Presidente, Prof. José Gutemberg de
Campus Leite.
Em seguida, apresentamos o texto Avaliação da Aprendizagem no Ensino
Superior, resumo da palestra ministrada pela Profa. Dra. Maria de Los Dolores Jiménez
Peña aos docentes da FAMEC e da FAAC durante o Planejamento de 2005, como parte
das atividades promovidas pelo NAP Núcleo de Apoio Pedagógico das FAMEC/FAAC.
Na seqüência, temos o artigo Blog nas Organizações: Antecipando o
Conhecimento em Tecnologia de Informação, do Prof. Ricardo Shitsuka da FAMEC, que
traz as tendências da utilização dos blogs em organizações, com o objetivo de
melhorar a comunicação e construir conhecimento, com a vantagem de ser um meio
simples de baixo custo e maior segurança.
Em Avaliação de Negócios que Utilizam o Meio Eletrônico para
Comercialização de Produtos, da Profa. PHD Maria de Fátima Abud Olivieri da FAMEC,
temos uma avaliação dos negócios que usam a Internet, sua contribuição e
repercussão em diversos âmbitos. O objetivo deste artigo é o de superar a
superficialidade nas discussões trazidas pela mídia, e salientar a alteração de atuação
que as empresas precisam na atualidade.
Continuando o ciclo de artigos sobre novas tecnologias, os artigos
Comunidades Virtuais, da aluna de Administração de empresas da FAMEC, Márcia
Regina Konrad e A Realidade Voz sobre IP, dos alunos Clayton Santos, Reginaldo
Oliveira, Thayse Igarashi, do Curso de Sistemas de Informação da FAMEC, discutem a
questão das novas tecnologias em comunicação. De um lado, a justificativa da criação
das comunidades virtuais, sua estrutura, necessidade de interação, cooperação e
colaboração. De outro, a nova tecnologia em comunicação VoIP, suas vantagens,
desvantagens, montagem e administração de uma rede VOIP e Telefonia IP, que
costumizam as chamadas de longa distância.
O artigo Abordagens Pedagógicas Presentes no Design Educacional de Cursos
à Distância, das Profas. Patrícia Passos e Luciana Aparecida Santos (FAMEC), abordam
a questão da educação à distância, uma maneira inovadora na teoria e metodologia de
ensino/aprendizagem.
Dando continuidade à discussão da educação à distância, o texto A Interação
entre Participantes de cursos Semi-Residenciais e a Organização de Atividade: Relato
de Experiência, da Profa. Ms. Adriana Paula Borges (FAMEC) discorre sobre os desafios
a serem superados na organização e interação em cursos não-presenciais.
O prof. Ms. Ricardo Zani relata as experiências da utilização de Multimídia no
Projeto Intervídeo, realizado na FAMEC, nas disciplinas de Metodologia de Ensino de
arte III e Multimídia I e II no artigo O Audiovisual na Arte Educação: O Projeto
Intervídeo.

7
Num estudo sobre a infância e cibercultura, o Prof. Dr. Claudemir Viana, traz a
pesquisa realizada junto ao LAPIC, no texto O Lúdico e a Aprendizagem na
Cibercultura: Jogos digitais e Internet no Cotidiano Infantil. Seu objetivo é
compreender este fenômeno social, o da penetração da Internet e dos jogos digitais no
cotidiano infantil, o consumo de produtos digitais para o lazer e a recepção das
crianças e o conjunto de questões que se levanta quanto à interação destas crianças
no mundo virtual.
Na busca de uma avaliação mais significativa para professores e alunos, o
artigo O Portfólio na Formação de Professores: Potencialidades, traz uma reflexão
sobre o Portfólio, da Profa. Dra. Denise Rockenbach Nery, da FAMEC, instrumento em
que os alunos recolhem trabalhos significativos ao longo do curso e a vivência que
pode proporcionar.
Apesar de ter demonstrado sua importância econômica e social para o
desenvolvimento de uma nação, as micro e pequenas empresas ainda decretam
falência antes de completarem os primeiros anos de existência. Pensando nisso, o
prof. MS. Rosley Anholon, juntamente com os profs. Jefferson de Souza Pinto (Fac.
Brasília) e Prof. Dr. Eugênio José Zoqui, mostram os problemas da falta de uma cultura
de qualidade no artigo 17 Princípios de Qualidade: Uma Base para a Gestão
Sustentável em Micro e Pequenas Empresas.
A vantagem competitiva, termo explorado amplamente na literatura
estratégica é discutido no texto Liderança e Cultura \Organizacional no Processo de
Estratégia do prof. Eduardo R. Mangini (FMI).
Os paradigmas sociais do Movimento dos Trabalhadores Rurais, MST, tem seu
espaço no texto Os Movimentos Sociais Agrários Brasileiros:Um Recorrido Histórico-
Crítico das Mobilizações por Reforma Agrária e do Surgimento do MST no Brasil,
elaborado pelo Prof. Alessandro Soares da Silva(Fac. Brasília).
Uma reflexão sobre os desafios de implementar conteúdos programáticos em
escolas de Administração é feita pela Profa. Dra. Hilda Maria Cordeiro Braga
(FAMEC/FAAC/Fac. Brasília), em seu artigo Ensino de Administração:
Desenvolvimento e Habilidades versus Reprodução do Conhecimento.
Em seguida, os textos Contribuições da Fenomenologia ao Processo Decisório,
do prof. Adalton Ozaki (Fac. Brasília) e O Perfil do Administrador e a Nova Ordem
Social: Uma Análise de sua evolução a partir das Teorias da Administração, do Prof.
Ms. Marino Alves de Faria Filho (FAMEC/ Fac. Brasília), encerram o ciclo de artigos
sobre Administração.
O curso de Letras da FAAC contribui com os artigos Os argumentos Retóricos
que Fundamentam o Real na Caracterização do Ethos do Sertanejo, dos profs. Silvio
Luis da Silva e Rosângela Aparecida Carreira, e O Ethos Cultural Masculino Revelado
em “Conversa de Botequim”.
Devido à diversidade alcançada pelos artigos aqui expostos, podemos ter
certeza da contribuição desta Instituição de Ensino Superior Brasileiro para a produção
e divulgação da ciência e do conhecimento acadêmico. Boa Leitura.

Selma Ligeiro Rein


Presidente das FAMEC/FAAC/FMI
Novembro de 2005.

8
ENTREVISTA ESPECIAL: GUTEMBERG LEITE
E O ROTARY SÃO PAULO CENTENÁRIO
O Rotary São Paulo Centenário mundo por meio de doações e
foi criado em julho de 2004 por ocasião campanhas de vacinação.
da comemoração do primeiro centenário
do Rotary International e é resultado da (RC): Quais são os principais projetos
fusão dos Rotary São Paulo Campo Belo e que estão em andamento e como eles são
São Paulo Ibirapuera. acompanhados pelo Rotary?
José Gutemberg Campos de
Matos Leite, empresário da área de Gutemberg Leite No que se refere ao
Recursos Humanos, administrador de Rotary São Paulo Centenário, além do
empresas e mestre em Comunicação e programa de contribuição à Fundação
Mercado pela Faculdade Cásper Líbero, é Rotária para os projetos citados na
o presidente do Rotary São Paulo resposta anterior, destacamos:
Centenário no ano rotário 2005-2006. • Realização de eventos beneficentes,
como a 15ª Noite Lírica, realizada no dia
RC): Quais são os princípios norteadores 10 de setembro, no Theatro São Pedro,
das ações praticadas pelo Rotary junto à cuja renda foi revertida para a Casa
comunidade? André Luiz e Centro Espírita Ana Vieira;
• Projeto Rumo, que tem por objetivo
Gutemberg Leite O principal objetivo
promover a integração profissional de
do Rotary é estimular e fomentar o ideal
jovens no mercado de trabalho por meio
d e s e r v i r, c o m o b a s e d e t o d o
de palestras orientativas, com início
empreendimento digno, promovendo e
previsto no mês de outubro;
apoiando o desenvolvimento do
• Noite da Pizza, que será promovida no
companheirismo como elemento capaz
dia 24 de outubro, com renda revertida
de proporcionar oportunidades de servir;
para uma instituição beneficente a ser
o reconhecimento do mérito de toda
definida;
ocupação útil e a difusão das normas de
• Programa de Alfabetização de Adultos,
ética profissional; a melhoria da
com início em fevereiro de 2006;
comunidade pela conduta exemplar de
• Noite Portuguesa, um grande evento
cada um na sua vida pública e particular e
com a presença de autoridades
a aproximação dos profissionais de todo o
brasileiras e portuguesas, prevista para
mundo, visando à consolidação das boas
março de 2006, sempre com o objetivo
relações, da cooperação e da paz entre as
de arrecadar fundos para entidades
nações.
filantrópicas;
As ações do Rotary São Paulo Centenário
• visitas a creches, orfanatos e asilos,
junto à comunidade estão baseadas em
com o objetivo de dar assistência a
inúmeros projetos do Rotary
crianças, jovens e idosos necessitados.
International, entre os quais destacamos
O acompanhamento dos projetos do
a contribuição à Fundação Rotária
Rotary é feito nos órgãos de divulgação
instituição filantrópica criada pelo Rotary
dos Distritos Rotarianos, como revistas,
International em 1917, com vários
site na Internet, relatórios encaminhados
projetos de ajuda à comunidade nas
para a Governadoria e acompanhamento
áreas profissional e educacional por meio
direto dos Governadores Assistentes de
de bolsas de estudos, intercâmbio de
Distrito nas reuniões semanais dos
jovens; alfabetização de adultos;
clubes.
prestação de serviços na área da saúde,
tendo como principal projeto o Pólio Plus, (RC): Como está estruturado o Rotary
instituído em 1985, que visa a São Paulo Centenário? Qual é a equipe da
erradicação da poliomielite em todo o gestão atual?
9
Gutemberg Leite O Rotary São Paulo Membro da Subcomissão de
Centenário é dirigido por um Conselho Subsídios Equivalentes
Diretor, composto pelo Presidente, Elizabeth Marques
Presidente Eleito, um ou mais vices, Membro da Subcomissão do IGE(*)
podendo ser membros deste Conselho, Richard George Marshall
Secretário, Tesoureiro, Diretor de Membro da Subcomissão de
Protocolo e outros membros previstos no DQS(**)
Regimento Interno do Clube. João Bosco Leite
Oficial de Intercâmbio
O Conselho Diretor do Rotary São
Carlos Rioji Tominaga
Paulo Centenário tem a seguinte
Conselheiros
constituição:
Elizabeth Marques e Osmar Ramos
Presidente Nascimento
José Gutemberg Campos de Matos Leite
1º Vice-presidente (*) IGE Intercâmbio de Grupos de
João Francisco Pimentel Marques Estudos
2º Vice-presidente (**) DQS Desenvolvimento do Quadro
Emílio Elias Abdo Social.
Presidente eleito
João Francisco Pimentel Marques (RC): Como as pessoas podem participar
1º Secretário e colaborar nos projetos? Como proceder
Setsuo Kaidei para contatar o Rotary?
2º Secretário
Armênio Martins Gutemberg Leite Para participar e
1º Tesoureiro colaborar dos projetos do Rotary não é
Carlos Régis B. de Alencar Pinto necessário ser sócio do clube. O
2º Tesoureiro interessado pode contribuir diretamente
João de Brás Filho à Fundação Rotária ou ao clube com
1º Protocolo doações ou atuar como voluntário nos
Gilberto Tirelli projetos do Rotary. Para pertencer a um
2º Protocolo clube é necessário ser apresentado por
Mário Malato outro rotariano e fazer sua associação,
Diretora de Relações Públicas sendo que, na reunião da filiação é dada a
Lygia de Paula Roccato posse solene do novo sócio. Para contatar
Presidente da Comissão de o Rotary São Paulo Centenário, basta
Serviços Internos v i s i t a r n o s s o s i t e
Mário Malato www.rotary4420.com.br/centenario. Já
Presidente da Comissão de para contatar o Rotary Nacional, visite o
Serviços à Comunidade site www.rotary.com.br.
Divino Notário Pereira
Presidente da Comissão de
Serviços Profissionais
Carlos Eduardo Ferraro
Membro da Subcomissão de
Serviços Profissionais
Selma Ligeiro Rein
Presidente da Comissão de
Serviços Internacionais
Carlos Rioji Tominaga
Presidente da Comissão da
Fundação Rotária
Maria Kolotelo Xavier
10
PALESTRA: “AVALIAÇÃO DA APRENDIZAGEM
NO ENSINO SUPERIOR”.1
A AVALIAÇÃO NA SALA DE AULA: DA PRATICA DE
AVALIAÇÃO TRADICIONAL À AVALIAÇÃO FORMATIVA.
Profª. Dra. Maria de los Dolores Jimenez Peña2

Discorrer sobre avaliação de implícita a concepção de avaliação da


aprendizagem requer considerações nem avaliação, ou seja, a meta-avaliação.
sempre muito bem interpretadas, porque Além destes pressupostos
avaliação envolve juízo de valor e este Luckesi (1986) trazia a dimensão política
depende da concepção de homem e de que envolve a avaliação servindo tanto
mundo do sujeito que avalia. de instrumento de dominação e
Neste sentido, acredito que seja reprodução como de transformação da
importante realizar uma incursão, sobre sociedade.
o sentido da avaliação de aprendizagem Para que a avaliação escolar.
praticada ao longo dos últimos 30 anos
na educação brasileira de forma a refletir assuma o seu verdadeiro papel de
e interpretar com mais propriedade os instrumento dialético de diagnóstico
propósitos das tendências atuais. para o crescimento, ela terá que se
No final dos anos oitenta, com a situar e estar a serviço de uma
intenção de reverter a situação pedagogia que esteja preocupada
autoritária e antidemocrática que a com a transformação social e não
avaliação classificatória exercia e com a sua conservação.( idem,p.47)
influenciados com os trabalhos e idéias
que Luckesi (1986) trazia sobre avaliação Mas o diagnóstico é inútil se não
diagnóstica, muitas escolas passaram a houver uma ação apropriada. Assim, a
repensar o papel da avaliação de tomada de decisão pressupõe que o
aprendizagem. professor deve ter consciência crítica
A avaliação diagnóstica 3 sobre os propósitos de seu ensino. Neste
advém dos trabalhos desenvolvidos por sentido, a avaliação diagnóstica avança
Stufflebeam e outros (1971; 1972; em direção à individualização do ensino,
1987) que elaboraram um modelo de desde que até então (anos sessenta) a
avaliação para proporcionar avaliação praticada (tradicional)
informações que auxiliassem na centrava-se no ensino, mas era
tomada de decisões. Uma vez que, indiferente às dificuldades dos
identificadas as necessidades dever-se- educandos. A prática pedagógica 4
ia elaborar um programa de avaliação, consistia no professor oferecer o maior
centrando-se mais no processo da número possível de informações cabendo
aprendizagem do que no resultado da ao aluno saber aproveitá-la, indiferente
avaliação. às dificuldades do mesmo.
Este conceito de avaliação (Perrenoud,1999).
amplia-se ainda mais quando se As críticas feitas a esse modelo
acrescenta a ela o sentido de valor. academicista e conseqüentemente o
Implica juízo de valor sobre dados avanço de uma forma mais humana de
relevantes da realidade observada, ou entender o aluno, passa a lhe dar atenção
seja, considera circunstâncias do particular e outras dimensões na sala de
objeto avaliado e critérios de valor aula começam a ser trabalhadas, como o
(Guba & Lincoln,1981;House,1980; afetivo, social, moral e psicomotor.
Scriven,1967). Esta proposta traz Em decorrência, esta nova forma
11
de entender o ensino trouxe o referencial essa atividade e de certa forma, a
da avaliação diagnóstica, pois traz formação inicial deixa muito a desejar
implícita a concepção de que todo o aluno quanto a esse aspecto.
é capaz de aprender, desde que, se Desta situação cabe perguntar
respeite o ritmo de cada aluno para qual a referência que o professor possui
chegar ao objetivo pretendido com o para acompanhar seu ensino e a
conteúdo selecionado. aprendizagem do educando e em quais
Este enfoque leva a idéia de que a bases se assentam suas avaliações?
complexidade dos fins educativos pode Na verdade fica difícil
ser realizada na conquista progressiva de acompanhar o aluno se ele mesmo não
pequenos objetivos, numa progressão possui clareza dos propósitos de seu
seqüencial pré estabelecida, ensino. A avaliação praticada acaba
diagnosticando-se através da avaliação, sendo a tradicional, não existe a
passo a passo, o progresso, pretendendo preocupação com os propósitos de
dar informações de ascensão progressiva ensino, ela se assenta no conteúdo, na
até as finalidades mais informação exposta na sala de aula, sem
gerais.(Sacristán,1994). a preocupação com as habilidades6
Passar do modelo da avaliação decorrentes e a aprendizagem particular
tradicional para a diagnóstica causa de cada aluno. Ela acaba classificando-o
ainda, nos dias de hoje, (2000) bastante de forma hierárquica em função do
transtorno para a escola e professor que quanto o mesmo assimilou do conteúdo
efetivamente se empenham em levar exposto.
adiante esta proposta. No entanto, na atualidade o
Temos acompanhado algumas discurso acadêmico tem se voltado não
experiências com este tipo de avaliação e só para a necessidade do professor
pesquisado na literatura atual conhecer a estrutura de sua disciplina,
( Pe r r e n o u d 1 9 9 3 ; 1 9 9 4 ; 2 0 0 0 , mas para interpretar e compreender
House,1997) o tema e o que observamos como o aluno aprende. Em decorrência a
é que a estrutura da maioria das escola, avaliação de cunho diagnóstico, realizada
principalmente as de grande porte, se no processo, tem sido muito criticada,
vêem às voltas com a necessidade de principalmente por estar associada à
acompanhar e promover “realmente” a pedagogia dos objetivos e estar centrada
recuperação de alunos que não no ensino.
acompanham o processo normal das Esta crítica se assenta na
aulas, ainda que seja esta recuperação tendência de tornar a escola menos
centrada no conteúdo. seletiva, a necessidade de explicações
mais ecológicas7 do aproveitamento
Os motivos são diversos desde escolar, a perspectiva mais crítica das
número de alunos na sala de aula, falta práticas escolares, a ênfase à diversidade
de entendimento da proposta, horário e a singularidade, a concepção de
para acompanhamento etc... Por outro educação centrada na aprendizagem,
lado, a maioria de nossos professores5 estão levando os educadores a
ainda não possuem clareza do que seja a repensarem a avaliação da
elaboração de um plano de ensino ou a p r e n d i z a g e m e s c o l a r.
projeto de trabalho, que revele Uma avaliação que permita ao
consciência crítica e clareza de professor conhecer mais sobre o
propósitos, realizado de forma refletida, processo de aprendizagem do aluno,
participativa e cooperativa, sinônimo da sobre as estruturas de pensamento do
organização real de seu trabalho, aprendiz, a ponto de entender porque ele
embora muitas escolas tenham se não está aprendendo, uma vez que as
proposto a dar espaço para isto. Na teorias da cognição são muito valorizadas
realidade, ele não está acostumado a nas novas abordagens de ensino - a
12
construtivista. ao aluno operar o seu pensamento para
O modelo de avaliação que se aprender, é um momento importante que
presta a acompanhar este processo, ou possibilita ao aluno construir o seu
seja, avaliação numa perspectiva conhecimento antes que ser apenas
construtivista é a avaliação formativa, "checado" sobre a aprendizagem.
que, como salienta Perrenoud (1999), Associada à intenção formativa
nasceu da perspectiva da avaliação por encontramos a avaliação contínua,
objetivos, cuja intenção era a de. surgida na década de sessenta e setenta
no auge do tecnicismo, tinha como
...delimitar aquisições e os modos função medir até onde o ensino estava
de raciocínio de cada aluno o atingindo os objetivos propostos,
suficiente para auxiliá-lo a progredir convertendo-se numa operação final com
no sentido dos objetivos. (p.14) a finalidade de controlar a sua eficácia.
De acordo com Tyler ( 1973) esta
O nome formativa já expressa o concepção de avaliação trazia implícita a
caráter desta prática: “uma forma idéia de que serviria para
ativa”, ou seja, avaliação em movimento,
dinâmica, flexível, contrária à avaliação Julgar o comportamento do aluno, já
estática, mecânica e pontual. que as modificações dos aspectos do
Não se presta a fornecer dados comportamento é justamente um
permanentes. A avaliação de processo dos fins que a educação persegue.
(formativa) não trata de verificar de Em segundo lugar (....) a avaliação
forma continuada o quanto o aluno está não deverá limitar-se a realizar esta
aprendendo, mas ajuda a refletir sobre o valoração num determinado
processo, uma tomada de consciência momento, posto que, com a
das estratégias de pensamento que o finalidade de comprovar a existência
aluno está utilizando para progredir na de possíveis mudanças, é
aprendizagem proposta. impreensindível realizar estimativas
Trata-se de surpreender ao vivo, no início e no final do processo, com
uma situação essencialmente instável, e o objetivo de identificar e medir o
não de comprovar com exatidão uma que possa estar ocorrendo no
aptidão permanente ou aquisição percurso. ( p.109)
definitiva.(Cardinet, 1993)
A avaliação formativa não Daí o caráter contínuo da
pretende o confronto do aluno com um avaliação, avalia-se constantemente
padrão único de referência, igual para para identificar a progressão prevista. No
todos; ela permite ao professor entanto, esta deve ser entendida como
compreendê-lo na sua especificidade sinônimo de informação constante sobre
analisando sua situação presente, o o progresso do aluno e a orientação
contexto escolar e o histórico do aluno, necessária do professor, pois esta só terá
além de oferecer uma orientação coerência pedagógica se for entendida
imediata. numa perspectiva informal, com fins
A avaliação cumpre outra formativos.
finalidade, além de permitir ao professor Para tornar-se mais efetiva a
colher informações sobre o avaliação da aprendizagem deveria ser
conhecimento do aluno, ela também realizada de forma natural e espontânea
deve propiciar a aprendizagem. Deve ser pelos professores no contato com seus
um momento a mais de aprendizagem, alunos, fazer parte da relação entre eles,
independente do instrumento utilizado - pois é na interação8 entre os mesmos,
prova escrita, exercícios em classe no decurso da aprendizagem,
individuais ou em grupo, trabalhos de observando como o aluno opera e
investigação, argüições - que permitam progride que o professor colherá
13
informações para retificar sobre as dificuldades apresentadas pelo
imediatamente as formas do aluno aluno. A avaliação com fins formativos
proceder.(Cardinet,1986). depende muito mais da capacidade
Esta forma de conceber a diagnóstica do professor do que de
avaliação depende muito mais da técnicas de avaliação. Na verdade este
capacidade diagnóstica do professor do tipo de avaliação serve
que de técnicas especiais de avaliação.
Pressupõe uma atitude investigativa do Para a tomada de consciência que
professor atento à complexidade que ajuda a refletir sobre o processo, se
envolve o processo ensino insere no ciclo reflexivo da
aprendizagem, ou seja, podemos dizer investigação na ação: planejamento
que a avaliação contínua com fins de uma atividade ou plano,
formativos deveria estar voltada para a realização, tomada de consciência
interpretação da aprendizagem do aluno, do que ocorreu, para a intervenção
como ela está se processando, e não posterior. Pretende ajudar a
apenas com os resultados em si. responder a pergunta de como estão
Toda a avaliação contínua acaba aprendendo e progredindo. Só
tendo uma parte de avaliação formativa, assim poderá introduzir ações
trata-se como diz Perrenoud (1993) de alternativas e reforçar certos
tomar consciência dos mecanismos aspectos. (Sacristan,1994,p.372)
de regulação existente, e de os
dominar melhor, de os ampliar e de os Neste sentido, o erro adquire
individualizar (p164). importância crucial para o entendimento
A avaliação numa concepção das dificuldades de aprendizagem do
formativa deve permitir detectar que educando. O seu tratamento revela a
tipo de erro o aluno está cometendo, ou c o n c e p ç ã o d e e n s i n o e
seja, o raciocínio empregado para conseqüentemente de avaliação do
resolver a questão, e não apenas o professor.
resultado. Diferentemente da avaliação Na avaliação classificatória o erro
diagnóstica, o objetivo final não orientará é o bisturi que classifica o aluno,
por si mesmo a estratégia pedagógica enquanto na avaliação formativa é o
empregada para sua correção. elemento no qual o professor detecta a
Este tipo de avaliação permite dificuldade e procura reconstruir o
acompanhar o progresso da caminho percorrido pelo aluno com a
aprendizagem do aluno, porém, ela não intenção de ajudá-lo. Não adianta
controla de forma fracionada, estanque, diagnosticar a aprendizagem do aluno,
o objetivo final, como no caso da há necessidade de intervenção.
avaliação por objetivos (diagnóstica) Assim, a importância da
avaliação não se encontra na somatória
(...)pois fazer verificação desligadas dos erros ou acertos, mas na análise de
do trabalho de forma continuada não cada erro, ou seja, nas considerações
altera as funções dominantes não qualitativas dos mesmos, estabelecendo-
pedagógicas da avaliação, mas sim, se uma análise criteriosa, apontando
aumenta a pressão de controle sobre sugestões.
os alunos diminuindo o tempo de Por outro lado, a resposta a um
ensino dos professores. mesmo item pode revelar aspectos
Sacristan,1994,p.392) contraditórios. O aluno pode responder
tendo como base uma boa capacidade de
Por outro lado o número de análise ou simplesmente memorizou sem
instrumentos utilizados não é relevante. compreensão.
O que está em jogo nesse caso é a A resposta do aluno será melhor
capacidade de interpretação do professor i n t e r p r e t a d a s e f o r l e va d a e m
14
consideração o contexto escolar e o que o impedem de realizar a prática
histórico do aluno. deste tipo de avaliação ou pela falta de
Cardinet(1993) salienta que formação para tal, a maioria dos
professores sente muita dificuldade em
.... uma prova formativa deve estar aplicar os princípios da avaliação
adaptada ao aluno e ao momento, formativa.
em função dos estágios de A formação para tal deveria ser
desenvolvimento que o mestre tem centrada na prática e na reflexão sobre a
possibilidade de perceber.( p.119) mesma, do tipo clínico, levando-se em
consideração que isto também
Neste sentido, nos deparamos representa
com a impossibilidade do professor estar
desenvolvendo este tipo de avaliação ...a importância de formadores
com a exigüidade de tempo de que dispõe relativamente polivalentes capazes,
dado o número de alunos em sala e a mesmo que essa não seja a sua
configuração do seu tempo de trabalho. especialidade, de contribuir para
Mas é interessante observar que uma reflexão sobre a avaliação
a prática da avaliação diagnóstica contínua e para a sua mudança no
também não tem sido desenvolvida, pois sentido de uma avaliação mais
o que ocorre na maioria das práticas formativa. ( Perrenoud, 1993,p.167)
escolares é que o professor dirige a
mesma avaliação a todo o grupo da classe Sabemos hoje que avaliações
e os resultados são distribuídos pela tradicionais, classificatórias impedem
média global da classe, e não pelo qualquer avanço de proposta pedagógica
desempenho particular de cada aluno. mais inovadora enquanto avaliações
Quando posta em prática, tem sido direcionadas para uma ação formativa,
centrada no ensino do professor, como ou seja, avaliações contínuas que
uma forma de regular quanto os alunos pretendam acompanhar o processo de
conseguem acompanhar de seu ensino, aprendizagem se adaptam melhor à uma
servindo muito mais para o docente prática de ensino voltada para a
acompanhar seu programa de ensino do aprendizagem ativa.
que o desenvolvimento da aprendizagem As certezas reservadas à escola
do educando, uma vez que a recuperação de outrora, já não têm lugar no presente,
do conteúdo na maioria das escolas se dá a incerteza é refletida no chamado “mal
de forma insatisfatória, por inúmeros estar docente”9. São sinais de que algo
fatores estruturais e conjunturais. está mudando na escola. Esta mudança é
Por outro lado, é interessante lenta, mas ela avança em direção a uma
observar que embora hoje o discurso escola menos seletiva e
pedagógico esteja voltado para as conseqüentemente à democratização do
práticas construtivistas e formas ensino.
diferenciadas de avaliação, como é o Trata-se de perceber que existem
caso da avaliação formativa, a escola vive limites para a prática da avaliação
um grande paradoxo. Numa mesma formativa de forma prescritiva, de acordo
escola convive-se com formas com a sua concepção. De fato seria ideal
diferenciadas de ensino e avaliação, sinal acompanhar individualmente os alunos e
de que os educadores estão vivendo um direcionar a atenção do ensino às
período de grande transição, refletido na peculiaridades de cada um. No entanto, a
insegurança e no mal estar docente de escola está estruturada de tal forma que
um bom número de professores. isto é pouco provável, e o que o professor
Seja pelas condições acaba por fazer nas avaliações contínuas
institucionais que se apresentam aos é uma prática descritiva da avaliação
professores como obstáculos (estrutura) formativa, que não deixa de ser um
15
avanço em direção a formas mais justas e A avaliação formativa apresenta-
reguladas do desenvolvimento de se com especial contribuição para o
aprendizagem do educando. trabalho de reflexão e desenvolvimento
A grande questão que se impõe profissional do professor, apesar de
na coexistência do convívio da avaliação entender que a sua prática se torna
tradicional e a avaliação formativa é que, bastante difícil com a estrutura existente
como salienta Perrenoud (1999), a em nossas escolas. A formação
questão não é apenas retardar e atenuar continuada de professores em serviço
a seleção. Trata-se de realizar uma apresenta-se como condição sine-
mudança profunda na prática pedagógica quanon para desencadear mudanças nas
e neste sentido a avaliação formativa práticas dos professores, pois na verdade
o professor tem pouca formação para
...participa da renovação global da
desenvolver a avaliação diagnóstica e
pedagogia, da centralização sobre o
menos ainda a avaliação formativa.
aprendiz, da mutação da profissão
A escola tradicional que se
de professor: outrora dispensador
propõe à mudança possui limites de
de aulas e de lições, o professor se
estrutura, valores, crenças da
torna o criador de situações de
comunidade como um todo e dos
aprendizagem “portadoras de
próprios professores que a impedem
sentido e de regulação” . As
implementar de forma imediata à
resistências não atingem, portanto,
avaliação formativa. No entanto, é
unicamente a salvaguarda das
fundamental que na formação
elites. Elas se situam cada vez mais
continuada dos professores se introduza
no registro das práticas
a reflexão não apenas sobre as práticas
pedagógicas, do ofício de professor e
de ensino do professor, mas também
do ofício de aluno! (p.18)
sobre a avaliação da aprendizagem, pois
a avaliação é um componente quer do
Observa-se nas escolas de
problema, quer da solução.(
vanguarda que as inovações pedagógicas
Perrenoud,1993,p.166)
partem de projetos pedagógicos que
Caro colega, as considerações
visam a mudança de currículo, práticas
acima expostas não deixam de ser
diferenciadas de sala de aula,
inquietantes, seja pela responsabilidade
acreditando-se que em decorrência
que nossa prática assume diante do novo
dessas práticas, a avaliação tradicional
contexto social como pela mudança do
será
papel da escola e do professor, que
A mudança deveria acontecer ao
supera o caráter seletivo da escola para
contrário, e isto foi experienciado e será
uma compromisso com a qualidade para
analisado por nós, mudando-se a
todos, ao buscar atender as necessidade
avaliação, mudou-se em parte a prática
de aprendizado de cada, diagnosticadas
pedagógica na sala de aula. Este fato
pela ação mediadora da avaliação.
também é salientado por Perrenoud,
quando diz: NOTAS
...deve-se mudar a avaliação para 1 - Palestra Ministrada aos docentes da
FAMEC e FAAC, integrante das ações do
mudar a pedagogia, não apenas no
Programa de Capacitação Continuada
sentido da diferenciação, mas dos promovidas pelo NAP-Núcleo de Apoio
encaminhamentos de projetos, do Pedagógico.
trabalho por meio de situações-
problemas, dos métodos ativos, da 2 - Profª Drª em Educação, docente da
PUC/SP; Especialista do INEP.
formação de conhecimentos
transferíveis e de competências 3-Para Stufflebean (1975) a avaliação deve ter
utilizáveis fora da escola. o caracter diagnóstico (Pró ativa) permitindo
(1999,p.21) informações claras e necessárias à tomada de
16
decisões e esta tomada de decisões para
Cronbach (1967) é com a intenção da
intervenção no processo para melhorá-lo
antes da sua conclusão.
4 -A prática pedagógica aqui corresponde a
apreiorista, já explicitada anteriormente.
5 - A referência são aos professores
especialistas, principalmente do ensino
médio. A preocupação centra-se mais na
seleção do conteúdo do que com os seus
propósitos, e essa seleção geralmente se deve
à tendêmcia do vestibular, ao livro didático
adotado,ou a apostila . Principalmente nas
escolas conservadoras as que dizem “prepar”
o aluno para o vestibular.
6 - Zabala ( 1998).
7 - A perspectiva ecológica leva em
consideração a complexa rede de
interdependências e significados que
englobam os sujeitos na realidade do cotidiano
escolar .A investigação orientada
ecologicamente (Gibbs,1979:Kushner e
Norris,1980-81) surge como uma opção
alternativa para interpretar e construir o
mundo da educação, mediante uma síntese
transacional, que, ao mesmo tempo que
procura resolver epistemologicamente e
ontologicamente a tensão entre a certeza e a
autenticidade, pretende conceder suficiente
protagonismo às pessoas que estão presentes
nos diversos cenários educativos e sociais
(Guba,1978) . Considera-se a situação como
um ecossistema onde o indivíduo também faz
parte.
8 - Cardinet (1986) denomina avaliação
i n t e ra t i va a o p r o c e s s o d e r e c o l h e r
informações de forma natural. Não há
exigências de provas formais, trata-se de
conhecer os alunos.
9 - Este conceito é trabalhado na obra de
Esteves,J.M. El mar estar docente.
Barcelona:Laia. Ele pretende resumir o
conjunto de reações dos professores como
grupo profissional desajustado devido à
mudança social e os efeitos permanentes de
caráter negativo, que afetam a personalidade
do professor como resultado das condições
psicológicas e sociais em que exerce a
docência, hoje num mundo em transformação
acelera.

17
BLOG NAS ORGANIZAÇÕES: ANTECIPANDO
O CONHECIMENTO EM TECNOLOGIA DE INFORMAÇÃO
(TI) Ricardo Shitsuka
Cláudio Boghi
Dorlivete M. Shitsuka
RESUMO ABSTRACT
Há uma tendência nas organizações em There´s a tendency at organizations in
se utilizar Blogs para melhorar a using Blogs to improve communication
comunicação, e construção do and construction of knowledge with the
conhecimento com vantagens de advantages of simplicity, low cost and
simplicidade, baixos custos e segurança. security.

PALAVRA-CHAVE KEYWORDS
Blog, Tecnologia de Informação, B l o g , I n f o r m a t i o n Te c h n o l o g y,
Conhecimento, Sistemas de informação. Knowledge, Information Systems.

19
INTRODUÇÃO Os adolescentes usaram os Blogs
num ambiente informal de contato com
Neste trabalho apresenta-se o outros colegas para desabafar, contar
uso da ferramenta Blog em organizações casos e inserir fotos. Em seguida, outros
para apoio melhoria da troca de usuários começaram a criar revistas on
informações e da formação do line e até mesmo ajuda on line para os
conhecimento passando pelo ciclo de amigos, principalmente nas
NONAKA (1997). escolas.Neste ponto, os Blogs já eram
Nas linhas seguintes, utilizados também por professores e
abordaremos em seqüência os itens: O outros profissionais. Alguns desses blogs
que é Blog, Evolução e o uso atual dos chegaram a se transformar em portais de
Blogs, Os blogs na gestão do conhecimento de algumas disciplinas que
conhecimento, Unidades Estratégicas de eram as mais difíceis em seus colégios
Negócios UEN, Integrando o Blog com com por exemplo: Blogs de Química,
outras ferramentas de TI, Conclusões e Matemática, Física, Preparo para o
Referências. Vestibular, entre outros. Com a ajuda da
mídia as pessoas também passaram a
O QUE É BLOG desfrutar do uso de blogs para criar
comunidades on line e trocas de
Blogs são páginas da Web, informações sobre assuntos específicos.
criadas automaticamente por um Atualmente, alguns professores
sistema predefinido em algum servidor já utilizam o Blog como tecnologia de
(Pinto, 2002). A Globo afirma em seu auxílio para suas aulas presenciais. A
website, que Blogger é a ferramenta que Figura 1 seguinte ilustra um website de
você precisa para publicar seus professor de Pós-Graduação utilizando a
pensamentos na web instantaneamente, tecnologia Blog.
sempre que sentir vontade por meio da
criação de Blogs. Para GATES (2004),
Blogs podem ser uma das mais eficientes
formas de gerir uma empresa na era da
i n f o r m a ç ã o. C o n s i d e ra n d o - s e a s
definições anteriores e a vivência dos
autores na área de TI, afirma-se que Blog
é um editor de texto em página Web, que
possui recursos próprios para o trabalho
colaborativo e que pode ser configurado
pelo autor, sendo freqüentemente
atualizado on line em qualquer lugar do
mundo.

Figura 1 Exemplo de Blog, observado na Web.


EVOLUÇÃO E USO ATUAL DOS
(fonte: http://www.mte.blogger.com.br ,
BLOGS visitado em 09/07/2004)

Os Blogs, durante seu período de


origem, foram utilizados por
adolescentes para a criação de diários on
line, os quais eram e continuam sendo
publicados na Web. Eles se caracterizam
por serem simples, de fácil uso e baixo
custo.

20
Outro exemplo criado para a área A Figura 4, ilustra um Blog
de Recursos Humanos é ilustrado na atualizado sobre economia e finanças no
Figura 2 seguinte. qual se inclui um mini-dicionário de
termos econômico-financeiros.

Figura 2 Blog de Recursos Humanos (fonte: Figura 4 Blog econômico-financeiro (Fonte:


http://www.recursoshumanos.blogger.com.br , http://www.financeiro.blogger.com.br/ , visitado em
visitado em 09/07/2004). 09/07/2004).

Os autores notaram que houve Além disso, complementa-se que


uma tendência à profissionalização dos dentro de um Blog é possível se
Blogs e ao uso em assuntos incorporar diversos outros recursos como
empresariais. Paralelamente, houve a é o caso do contador de acesso às
melhoria da tecnologia desse meio de páginas web, uso de enquetes
comunicação. eletrônicas, uso de hyperlinks, fotos,
G AT E S , n u m a e n t r e v i s t a imagens, sons, arquivos para download,
publicada na Revista Veja em 2004, já e-mails, comentários (que é um dos
apostava no uso crescente do sistema pontos fortes do Blog), assim como
Blog para que as idéias circulassem pelas incorporar comandos em linguagem de
empresas trazendo os benefícios da hipertexto: HTML para atualizar
comunicação eficiente proporcionada informações constantemente. A Figura 5,
pelos mesmos. abaixo, apresenta como alguns recursos
Ao analisar alguns blogs já de HTML incorporados num Blog, e
existentes, observou-se que já existiam alguns desses atualizados
“bloggeiros” trabalhando nesse sentido. constantemente sem a necessidade do
A Figura 3 ilustra um Blog voltado o autor se preocupar com isso (acesso ao
Custormer Relationship Management site de busca do Google, Guia News,
CRM, com o intuito de desenvolver o etc...)
conhecimento nesta área.

Figura 5 Incorparação de recursos de HTML gratuitos, de


F i g u r a 3 B l o g d e C R M . F o n t e : o u t r o s s i t e s , e m B l o g s ( f o n t e :
http://www.crm.blogger.com.br/ visitado em 09/07/2004. http://www.excel.blogger.com.br/ visitado em 09/07/2004).
21
Nota-se que há uma facilidade A externalização para Nonaka
em se criar Blogs mesmo para uso ocorre com o conhecimento tácito sendo
empresarial. explicitado pelos meios mencionados,
como é o caso da publicação de livros,
OS BLOGS NA GESTÃO DO relatórios, e-mail e material escrito. Na
CONHECIMENTO etapa seguinte, a combinação procura
juntar o conhecimento explícito-
A Lotus Corporation (2001), explícito, isto é, as pessoas podem
considerava a Gestão do Conhecimento freqüentar cursos, certificar-se em
como sendo uma forma de algum conhecimento, aprender por meio
sistematicamente influenciar de uma combinação de recursos.
informação, experiência e saber com o Na última etapa, de
objetivo de aperfeiçoar a eficiência, a internalização, os autores lembram que
competência, a capacidade de resposta e há a necessidade de partir do
a inovação na organização. Já SAADAN conhecimento externo e atingir o
(2001), afirmava que Gestão do conhecimento interno, ou tácito do
Conhecimento (GC) é o processo de indivíduo, do grupo ou da coletividade.
geração, codificação e transferência de Pela visão de Nonaka, o ciclo seria
conhecimento. Para BECKMAN (1999), contínuo fazendo com que diversos
GC era a formalização das experiências, conhecimentos fossem incorporados.
conhecimentos e saberes individuais e Dessa forma, este autor criou também a
coletivos de forma que se tornem Figura 7 na qual apresentam a evolução
acessíveis para a organização, e esta do conhecimento de individual para o
possa criar novas competências, alcançar grupo e a organização. No presente
desempenho superior, estimular a trabalho, entendemos que a aplicação do
inovação e criar valor para seus clientes. Blog está relacionada à Gestão do
HIBBARD (1997), considerava que para o Conhecimento.
mesmo, GC era o processo de busca e
Tácito Explicito
organização da experiência e do saber
individuais e coletivos de uma
Tácito

organização, em qualquer lugar em que Socialização Esternalização


se encontre, e de sua distribuição para
onde houver o maior retorno.
Ilustres autores nesta área,
Explicito

NONAKA e TAKEUCHI(1997), afirmaram


que o conhecimento Tácito é aquele que Internalização Combinação
está nas pessoas e que se torna explícito,
na medida em que se explicitam os
mesmos por meio de relatórios, de e-
mails, de publicações. Estes autores Figura 6 - Modos de conversão do
criaram o modelo SECI de socialização do conhecimento - Fonte: NONAKA (1997)
conhecimento.
A Figura 6 seguinte ilustra o Explicito
modelo de Nonaka, no qual se pode
observar a idéia da evolução do
conhecimento: partindo de uma região
de conhecimento Tácito-tácito no qual se
procura realizar a socialização. Nesta, as Tácito
pessoas ensinam outras por meio de
Fonte: NONAKA (1997)
exemplos, contando histórias e
realizando treinamentos práticos como é A Figura 7 seguinte ilustra a Teoria da Criação
o caso do treinamento “on the job”. do Conhecimento Organizacional.
22
Além das visões estudadas estrategicamente ele ajuda na missão da
anteriormente, uma visão mais recente empresa em trabalhar o conhecimento.
veio a complementar os estudos sobre a A figura 8 a seguir, resume o
Gestão do Conhecimento: a visão papel da UEN ou dos propósitos.
apresentada por TERRA(2001) nos
portais do conhecimento, e, esta última, Figura 8 - Missão e Propósitos da FACULDADE
foi considerada na elaboração do website
de apoio educacional. A contribuição dos
websites e portal pode ocorrer em MISSÃO DA
EMPRESA
diversos níveis como é o caso da EMPRESA
externalização e da socialização em chats
e grupos de discussão. Pode ocorrer a UEN - Blog
explicitação do conhecimento, que
anteriormente era tácito e guardado na
mente das pessoas. O uso website INTEGRANDO O BLOG COM
permite que classifiquemos os e-mails, OUTRAS FERRAMENTAS DE TI
os tipos de dúvidas e que possamos
responder aos alunos de um modo mais Para os autores, o Blog pode
rápido e gerenciado. servir como uma ferramenta para
diminuir custos e aumentar a segurança
UNIDADE ESTRATÉGICA DE empresarial. O uso do Blog em relação
NEGÓCIOS (UEN) ao uso de e-mails, diminuía incidência de
vírus. Será muito simples incorporar
A Unidade Estratégica de dentro de um portal, o Blog, assim como
Negócios (UEN) foi definida por LEVITT na Intranet da organização, e também na
apud KOTLER (2000), como sendo a extranet para os fornecedores.
caracterização de um negócio conforme o Com ampliação de uso da Banda
mercado em que ele atua, definindo-o de Larga no Brasil, e também do uso do
acordo com seus produtos. Desta forma, IPv6, que possibilitarão um número
um negócio precisava ser visto como um muito maior de usuários bem como de
processo de satisfação do cliente, não informações transitando pela Web. As
como um processo de produção de informações, para os executivos, estarão
mercadorias. OLIVEIRA (1995) muito mais acessíveis também por
considerava que UEN e “propósitos” de tecnologia Wap e wireless.
uma empresa tinham a mesma função. Observou-se, no dia-a-dia, que
Muito embora seja complexa e muitos executivos têm utilizado
difícil a aplicação de conceitos de notebook ou laptop em suas viagens de
negócios em organizações, pois o negócios com a placa conexão a Web sem
funcionário é ao mesmo tempo “cliente” fio para saber informações de seus
do processo empresarial e por outro lado, fornecedores e clientes, assim como de
e “servidor” de processos para outros sua própria empresa. A tendência
clientes na organização, entendeu-se mundial é criar hotspots que são locais
que o uso do Blog cria a possibilidade de nos quais os usuários conectarão seus
agregar valor na empresa. notebooks em redes de alta velocidade
A UEN representa uma forma para atualizar seus Blogs de modo on
eficiente para otimização dos resultados line.
de uma organização, estando No Brasil, as Lan Houses estão
perfeitamente interligada com a em fase de expansão e nelas, o número
existência da administração. Desta de adolescentes vem a elas com o intuito
forma, se conclui que um Blog de jogar, mas também atualizar seus
colaborativo ou mesmo corporativo pode Blogs inserindo fotos e fatos recentes. Já
ser considerado uma UEN, pois existe o conceito de fotoblog no qual a
23
informação passa a ser a imagem. Nestas conhecimento e a facilidade que é
ocorre a integração entre as imagens possível de ser incorporada de modo
digitais das câmeras fotográficas em rápido como é o caso do “copy-paste”.
conjunto com softwares de O Blog, numa empresa pode ser
processamento das imagens e o uso dos entendido como sendo uma Unidade
Blogs. Estratégica de Negócios UEN.
Há a possibilidade de também se A tecnologia Blog pode favorecer
fazer vídeo-conferência com Blogs e qualquer empresa a ter mais uma
também assistir a bons filmes, assim que unidade estratégica de negócio aliada à
o H.264, que é um software de ela. Essa tecnologia também ajuda na
compressão e descompressão (codec) de segurança das informações
imagens, mencionado por JOBS. empresariais.
Na matéria da Revista Veja, No ambiente Linux, com certeza,
Steve Jobs recorda que os spotlights também surgirão blogs equivalentes que
(novas gerações de buscadores de irão atender às necessidades dos
informação indexadas e não indexadas usuários desse segmento.
na Web), também poderão ser integrados Num futuro próximo, será muito
dentro de um Blog, fornecendo, desta comum uma pessoa estar num celular
forma, mais subsídios ao uso destes em com tecnologia wireless e via voz enviar
ambientes empresariais. dados para um Blog ao qual por exemplo,
A tecnologia evolui um executivo estiver conectado.
constantemente e ela permite que se A tendência que se enxerga para
imagine que num futuro próximo. Tudo o futuro é cada vez mais haver a
que existe atualmente em termos de convergência de tecnologias de
Tecnologia de Informação (ERP, CRM, Comunicação e Informação, sendo que o
SCM, BI, DataWarehouse, DataMining, Blog está inserido neste contexto.
Software Especialista, etc...) poderá ser
incorporado dentro de um Blog.
Lembra-se que num ambiente BIBLIOGRAFIA
empresarial a segurança é fundamental
para a sobrevivência da empresa. A PINTO, Marcos J. Blogs : seja um editor na era
tecnologia dos Blogs pode fornecer boa digital. São Paulo : Erica, 2002.
parte dessa segurança, incluindo o uso de Site da Globo: http://blogger.globo.com/index.jsp
senhas e outras formas de segurança visitado em 09/07/2004.
existentes atualmente.
GATES, Bill; JOBS, Steve. Uma prévia do
futuro. Entrevista. In: Revista Veja,
CONCLUSÕES edição 1861, ano 37, n.27, 07 de julho de
2004. São Paulo : Ed.Abril. p. 70.
Para os autores, a integração dos
pacotes, nos dias atuais é muito comum e NONAKA, I; TAKEUCHI, H. Criação de
necessária para se melhorar o fluxo de conhecimento na empresa: como as
empresas japonesas geram a dinâmica da
comunicação.
inovação. Rio de Janeiro : Campus, 1997.
A integração que ocorre nos ISBN: 85-35-20177-7.
pacotes dos produtos Office da Microsoft
Co. tende também a ocorrer nos Blogs. TERRA, José C.C. Gestão do conhecimento: o
Blogs podem ser consideramos e grande desafio empresarial uma
abordagem baseada no aprendizado e na
utilizados como instrumentos de Gestão
criatividade. São Paulo : Negócio Editora,
do Conhecimento que permitem que se 2002. ISBN: 85-86-01478-8.
realize o ciclo do modelo SECI.
Com a evolução de tecnologias KOTLER, Philip. Marketing para o século XXI.
como o spotlight dentro de um Blog, São Paulo: Futura, 2000. ISBN: 85-7413-
004-4.
haverá um aumento no nível de
24
LOTUS CORPORATION. An introduction to
lótus and ibm technologies. Lótus
Development Corporation. White Paper,
2001.
OLIVEIRA, Djama P.R. Holding, administração,
corporativa e unidade estratégica de
negócio: Uma Abordagem Prática. São
Paulo : Atlas, 1995. ISBN: 85-22-43516-
2.
SAADAN, K. Conceptual framework for the
development of knowledge management
system in agricultural research and
development. Asia Pacific Advanced
Network Conference. Penang/Malaysia,
2001.
BECKMAN, T; LIEBOWITZ,J. Knowledge
organizations: what every manager
should know. St. Luice Publication, 1998.
HIBBARD, J. Knowing what we know.
Information Week out. 1997.

25
AVALIAÇÃO DE NEGÓCIOS QUE UTILIZAM O MEIO
ELETRÔNICO PARA COMERCIALIZAÇÃO DE PRODUTOS

1
Profª PhD.Maria de Fátima Abud Olivieri
2
Profª Ms. Marisa Aparecida Olivieri

RESUMO ABSTRACT
Este artigo tem por objetivo estudar a This article has for objective to study the
avaliação de negócios que usam o meio- evaluation of businesses using the
eletrônico via-Internet, sua contribuição middle-electronic road-Internet, it
e repercussão, procurando possibilitar contribution and the repercussion, trying
uma discussão, em diversos âmbitos to make possible a discussion, in several
(técnico, funcional, credibilidade, etc), extents (technician, functional,
para superar a superficialidade das credibility, etc), to overcome the
discussões comuns trazidas pela mídia. superficiality of the common discussions
As mudanças nos conceitos dos negócios brought by the media. The changes in the
e as novas Tecnologias de Informação concepts of the businesses and the new
(TI) têm causado uma significativa Technologies of Information (TI), they
alteração na forma de atuar das have been causing a significant change,
empresas que precisam se preparar e se in the form of acting of the companies,
ajustar à realidade emergente, sob pena that need it prepares and if it adjusts to
de perder sua competitividade. the emerging reality, under penalty of
losing competitiveness.

PALAVRA-CHAVE KEYWORDS
Negócios, comércio eletrônico, mercado, Business, e-commerce, market, sales,
vendas e recursos tecnológicos technological resources.

27
INTRODUÇÃO Dentre essas técnicas, elegeu-se as de:
elaboração e análise de projetos; trilha
As inovações crescentes no para o sucesso; análise das vantagens
campo da tecnologia da informação, bem competitivas; fatores competitivos;
como os novos conceitos de negócios, estratégias; negócios; qualidade do
segundo Tapscott & Caston (1995), têm negócio; análise competitiva em
causado uma mudança na forma de atuar determinado setor e metodologia de
das empresas, que devem se ajustar à cenários.
realidade emergente para não ficarem A proposta de elaboração e
excluídas dos processos competitivos. análise de projetos segundo Woiler &
Em um cenário onde se verifica a Mathias (1996) apresenta característica
variedade de novos termos como multidisciplinar, que envolve uma série
“Economia Digital” Tapscott (1996) ou de etapas interativas de projeto
“Estado Digital” Martin (1997), observa- (mercado, localização, escala, financeiro,
se a importância crescente do papel administrativo, jurídico, contábil, meio-
desempenhado pela tecnologia da ambiente, implantação,e operação) é
informação, destacando-se aqui a que podem ser ordenadas
Internet e o Comércio Eletrônico. criteriosamente, o que possibilita um
Pode-se dizer que algumas das certo equilíbrio entre os fatores
características do novo ambiente considerados mais relevantes.
empresarial que envolvem a globalização É obvio que para a elaboração de
dos mercados e a internacionalização da projetos há necessidade de pessoas que
economia vêm confirmando as integrem a estrutura administrativa a ser
tendências de ampliação das implantada, ou mesmo reorganizada e,
possibilidades de uso do comércio conseqüentemente, capacitadas para a
eletrônico, os quais, em muitas áreas, já sua implantação.
é realidade. Nessa fase serão elaboradas as
Nesse sentido, abrem-se novas projeções de receitas e custos,
possibilidades para as pequenas utilizando-se as metodologias de
empresas competirem com grandes finanças que dêem conta de combinar
corporações, utilizando um baixo custo aspectos de estrutura, esforços de
unitário para essas transações e criando implantação e projeção de desempenho
estratégias focadas no futuro. financeiro para um certo período que
A disponibilização e controle da permita uma análise quantitativa do
Internet criaram novos modelos de projeto.
negócios, sistemas interorganizacionais, O cumprimento dessas etapas
marketing interativo, governamentais, norteará as definições de alternativas de
legais, societários e de consumo. investimentos. Seus resultados darão o
Investiu-se então no monitoramento dos suporte para a análise de viabilidade, que
hábitos dos clientes, suas necessidades e considerará, fundamentalmente, os
expectativas, e possibilitou o fatores de tempo e os custos da
atendimento a urna nova demanda para implantação como fatores
os meios eletrônicos a serem preponderantes para a viabilidade do
desenvolvidos pelas empresas. projeto.
Segundo Woiler & Mathias (1996,
AVALIAÇÃO DE NEGÓCIOS p. 27), planejamento é entendido como:
"[...] um processo de tomada de decisões
Este estudo tem por finalidade interdependentes, decisões estas que
apresentar algumas ferramentas procuram conduzir a empresa para uma
administrativas - conhecidas das práticas situação futura desejada". No processo
gerenciais - para proceder a uma análise de tomada de decisão é preciso haver
crítica de novos negócios via Internet. coerência entre as decisões atuais e as
28
tomadas anteriormente não se Pode-se dizer que esse conceito
esquecendo, ainda, da realimentação de sucesso tem sido muito utilizado pelas
entre as decisões e os resultados. empresas que o adotaram como modelo
Os conceitos até aqui de administração para competir no
apresentados podem nortear o tema em mercado, as quais compreendem que o
estudo, ainda que não cubram todas as lucro é uma conseqüência do sucesso
implicações do Comércio Eletrônico, mas obtido em suas ações.
permita analisá-lo em função de Diz ainda Zaccarelli , "[...] é
determinados tipos de negócios e necessário distinguir o sucesso da
produtos. empresa do sucesso do empresário-
A alternativa tradicional seria dono da empresa. Pensando em sucesso,
seguir a metodologia de Elaboração e as empresas cometem erros" (2000, p.
Análise de Projetos, comumente utilizada 109).
pelas empresas. Esta metodologia é Para ter sucesso e até mesmo
sugerida por Woiler & Mathias (1996) para sobreviver diante dessas
como um dos modelos possíveis de se significativas mudanças, as empresas
visualizar uma empresa, como se ela têm de tomar não só atitudes
fosse um processo de transformar convencionais (baixar custos, fechar
entradas (matérias primas, mão-de- unidades que não trazem lucro), como
obra, etc) em saídas (produtos e/ou t a m b é m i n ve s t i r e m i n i c i a t i va s
serviços), e que envolve três níveis de inovadoras como personalização, criação
decisão: estratégica, administrativa e de novos produtos ou oferta de serviços
operacional. especiais para o consumidor, Boyett &
Observa-se, entretanto, que Boyett (1995).
essa metodologia não é viável para O Comércio Eletrônico "é a única
analisar um negócio de Comércio solução para as pressões no ambiente de
Eletrônico, pois haveria a necessidade de negócios" (Tapscott et al., 1998; Callon,
se supor (simular) tantos dados que se 1996; Turban et al., 2002 a), pois ele
tomaria somente em exercício de permite que uma empresa ganhe
imaginação. Mesmo que isso fosse vantagens competitivas ao diferenciar os
possível não seria recomendável, pois seus negócio s do concorrente, acesso ao
essas suposições se apresentariam mercado em rápida expansão e interagir
conflitantes com os conceitos modernos com usuários de qualquer lugar a um
de estratégia competitiva. custo baixo.
De acordo com Zaccarelli, só Segundo Turban e King (2004, p.
obterão sucesso as empresas que 45) o ecossistema da Internet é o modelo
atenderem completamente todas as suas de negócios da economia on-line, que
bases. Antes de se verificar essas apresenta fatores competitivos
"Bases", cabe fazer algumas relevantes e destacados no comércio
considerações, segundo o mesmo autor. eletrônico é muito forte sobre a
Sucesso é a coisa mais importante concorrência. Dentre esses fatores
para a empresa. Mais que ter lucro? destacam-se, por exemplo, que para os
Sim, mais importante que ter lucro compradores, há sobre a concorrência
porque uma empresa pode estar custos menores de busca, pois os
tendo lucro embora esteja no inicio mercados eletrônicos reduzem muito,
de uma crise por falta de algumas vezes até zeram, o custo de
competitividade. Ou pode ter lucro buscar informações sobre um produto.
zero, porém cresceu mais que as Isso pode ter um forte impacto sobre a
outras empresas e reforçou sua concorrência, por possibilitar aos clientes
posição competitiva para um futuro encontrar produtos mais baratos ou
brilhante (ZACCARELLI, 2000, p. melhores, forçando os vendedores a
109). reduzir os preços e/ou a melhorar o
29
serviço de atendimento ao consumidor. Para o autor, essas forças são
O s s i s t e m a s e s t ra t é g i c o s afetadas tanto pela Internet como pelo
também oferecem às organizações Comércio Eletrônico, dividindo os
vantagens também estratégicas, impactos em positivos e negativos. Os
permitindo-lhes aumentar sua fatia de positivos são os que os concorrentes
mercado ao negociarem melhor com os passam a competir em preço, quando
fornecedores ou evitando que os eliminam canais poderosos ou melhoram
concorrentes penetrem em seu território o poder de barganha ao longo de canais
(CALLON, 1996). tradicionais. Os negativos referem-se à
Segundo Porter (1996), a introdução da Internet, cuja concorrência
estratégia também envolve descobrir a se intensifica na maioria dos setores, pois
posição no mercado que melhor se a Internet oferece um canal para que os
adapta às capacidades de um negócio, fornecedores atinjam seus usuários
mas o que é um negócio? finais, reduzindo a alavancagem de
Na linguagem corrente, um empresas intermediárias.
negócio é uma transação ou o ato de Cenário é um texto escrito onde
comercializar algo ou alguma coisa, se apresentam seqüências hipotéticas de
conforme explica Ferreira (2003, p. 968). situações complexas, construídas com o
Outros significados certamente surgem propósito de concentrar a atenção nos
para essa palavra, pois como é de se processos causais e pontos de decisão,
esperar, todos sabem, ou acham que visando facilitar a decisão na situação de
sabem, o significado da palavra negócio. incerteza e ignorância parcial em que se
Quando duas pessoa estão conversando, encontram os decisores. Para autor, a
é provável que tenham dificuldade para técnica de criação de Cenários
se entenderem toda vez que a palavra alternativos tornou-se cada vez mais
negócio seja utilizada. utilizada porque, quando se prevêem
A partir dessa problematização, combinações de variáveis de várias
outras indagações ou preocupações são naturezas e origens (econômicas,
suscitadas: todo e qualquer tipo de sociais, políticas, mercadológicas e
negócio, viável pela Internet, será o outras), está se criando uma forma de
predominante neste novo milênio? O lidar melhor com a incerteza e a
advento da Internet transformou a forma ignorância parcial em que as decisões
dos negócios? Essa nova forma aponta serão tomadas.
para uma melhor qualidade dos Para Bethem, cenário é um
negócios? exercício sobre hipóteses originadas pelo
O que se entende então por decisor, visando prepará-lo melhor para
qualidade dos negócios? Para discutir a as decisões ou ações futuras. A técnica de
idéia de qualidade dos negócios torna-se criação dos cenários possibilita ao
necessário compreender o significado de administrador a projeção hipotética, de
se estar em um bom ou um mau negócio? como lidar melhor com as incertezas
O que faz um negócio ser bom ou ruim? provenientes desses cenários. Assim, na
Para responder a essas questões é impossibilidade de se saber o que vai
importante analisar alguns fatores ocorrer, estudam-se as possibilidades
identificados por Porter (1990, p. 3), os para um dado cenário, gerando
quais denominou de Análise Estrutural da alternativas possíveis ao negócio
Indústria, tais como: barreiras para (BETHEM, 1996, p. 25).
entrada e saída de concorrentes; Pergunta-se então, o que é
rivalidade entre a concorrência; necessário para se configurar um
existência de produtos ou serviços cenário, ou ainda, que elementos
substitutos; poder de negociação sobre envolvem a concepção de um cenário?
os clientes; e poder de negociação sobre Entende-se aqui que a técnica de
os fornecedores. cenários, pela sua total maleabilidade, é
30
a mais adequada para este trabalho, potencial e impacto de inovação
desde que se mantenham as condições nos processos de negócios, pois cria
enunciadas por Geus (1998), por se novas alternativas econômicas, tanto no
pautarem nos princípios de relevância, âmbito nacional como mundial.
consistência e plausibilidade. De acordo com Albertin, o
O Cenário, segundo Porter comércio eletrônico é:
(1990, p.412)., “[...] não é previsão, mas
[...] a realização de toda cadeia de
uma estrutura futura possível; também o
valor do processo de negócio num
problema não é de tratar de Cenário, mas
ambiente eletrônico, por meio da
um conjunto de Cenários”. Para os
aplicação intensa das tecnologias de
cenários genéricos, a metodologia
comunicação e de informação,
apresentada por Geus (1998), parece ser
atendendo aos objetivos de negócio
a mais recomendada, pela sua
(1999, p.15).
simplicidade que se restringe à condição
básica para que os cenários sejam De maneira mais simples e
pertinentes, ou seja, por requerer que as genérica, pode-se considerar o Comércio
variáveis independentes dos cenários Eletrônico apenas como a compra e
(fatores causais), conforme Porter venda de informações, produtos e
(1990, p.421), sejam as vantagens serviços, utilizando redes de
competitivas que determinam o sucesso, computadores devidamente equipados
segundo as idéias de Porter (1990), para com software e hardware específicos.
serem as variáveis que darão a maior Atualmente as empresas vêm
pertinência aos cenários. utilizando a WWW3 Word Wide Web para
Vale lembrar que o canal do fornecer informações a seus clientes,
negócio não eletrônico é bastante como ferramenta de marketing, canal de
conhecido e estável, enquanto que o vendas e uma linha de suporte para as
canal do Comércio Eletrônico utiliza transações comerciais.
vários tipos de empresas e por isso, não Segundo Albertin (1999, p.17), o
se pode precisar a quem cabe o ônus do uso da Internet para o Comércio
imposto de renda, pois se o comerciante Eletrônico desencadeou o surgimento de
eletrônico recolher esse imposto, dois tipos básicos de empresas: aquela
necessitará elevar sua remuneração. Um que acredita que a Internet é como a
indício do não conhecimento de quem vai corrida do ouro e que não apresenta
ser tributado é motivo de discussão, em praticamente qualquer valor; e aquela
várias matérias publicadas pela mídia: a que considera o Comércio Eletrônico com
receita que as rodovias terão por potencial significativo para a
propiciarem a passagem dos cabos de comunicação entre filiais, conectividade
fibra óptica, assim como as empresas de com clientes e fornecedores e a
telefonia fixa, pelo aluguel de linhas e oportunidade da realização de
também os custos da empresa de transações comerciais.
geração e transmissão de energia elétrica Para que as transações do
pelos serviços prestados. O Comércio Eletrônico aconteçam, há a
conhecimento dessas questões necessidade de uma infra-estrutura
possibilitaria estabelecer uma variável tecnológica que implica em
pertinente em pelo menos dois níveis: a computadores, redes de comunicação e
quem teria e a quem não teria a softwares específicos para formar a
tributação. infovia4.
Fatores econômicos, sociais e
COMÉRCIO ELETRÔNICO
tecnológicos criaram um ambiente de
O Comércio Eletrônico vem negócios altamente competitivo, no qual
sendo considerado como uma nova o consumidor está adquirindo cada vez
tendência emergente e de maior mais poder, e esses fatores podem mudar
31
rapidamente, às vezes de maneira empresa e da marca sobre um
imprevisível. As empresas devem reagir produto lançado, em virtude deste novo
rapidamente aos problemas e às canal de negócios, a Internet, possibilitar
oportunidades resultantes desse novo a exploração de pesquisas visando
ambiente de negócios. Como sempre se conhecer hábitos e gostos dos clientes,
espera que a velocidade das mudanças e sendo esses, alguns dos objetivos de
o nível de incerteza aumentem, as Marketing.
empresas operam sob pressão cada vez Para a realização do Comércio
maior para criar novos produtos de forma Eletrônico é necessário, segundo os
mais rápida e utilizando menos recursos. autores, da análise da Cadeia Física de
Na abordagem, chamada de Valor e da Cadeia Virtual de Valor, que
perspectiva de Marketing, destacam-se segundo o modelo de Porter (1990),
dois pontos de vista: um de marketing na refere-se às atividades realizadas pela
visão de Kotler (2000) e outro, da organização desde o recebimento de
Vantagem Competitiva na Internet na insumos e fabricação, até a entrega ao
visão de Hagel III & Armstrong (1998). cliente. Nesta última fase, a informação é
Kotler (1993) destaca três elemento de suporte e controle. O
ferramentas principais da comunicação esquema a seguir ilustra, a cadeia física
condizentes com o tipo de mídia WWW: de valor (“Physical Value Chain”) e a
relações públicas - que visam proteger ou cadeia virtual de valor (“Virtual Chain”).
melhorar a imagem da empresa e do
produto; propaganda e publicidade - que Figura 1 - Cadeia Física de Valor
busca promover idéias, bens ou serviços LOGÍSTICA INTERNA PROCESSO DE PRODUÇÃO LOGÍSTICA EXTERNA MARKETING VENDAS

por um patrocinador; e promoções de


vendas - que são incentivos de curto
Recebimento Matéria-prima Distribuição Propaganda,
prazo para encorajar a compra ou venda distribuição máquinas física seleção canal

de produtos ou serviços.
Considerando que o conceito Fonte: Artigo Rayport & Sviokla, “The value of virtual
universalmente aceito de Marketing é o chain”, publicado na Revista HBR, n° 6, p. 141,
Novembro 1994, figura adaptada pelas autoras.
de um processo social e gerencial pelo
qual indivíduos e grupos satisfazem suas Figura Cadeia Virtual de Valor
necessidades e desejos por meio da LOGÍSTICA INTERNA PROCESSO DE PRODUÇÃO LOGÍSTICA EXTERNA MARKETING VENDAS

criação, oferta e troca de valor, a inclusão


da palavra “eletrônico” efetiva ou facilita Recebimento Produto Terceirização da Interativo,
produto entrega produto
a atividade de marketing pela utilização acabado on-line

de dispositivos, técnicas e ferramentas


Fonte: Artigo Rayport & Sviokla, “The value of virtual
eletrônicas, dentre elas os chain”, publicado na Revista HBR, n° 6, p. 141,
computadores, telefones, CD-rom, etc. Novembro 1994, figura adaptada pelas autoras.
Sob este prisma, pode-se dizer que, para
que aconteça o Comércio Eletrônico, é Somente através da interação
necessário que as necessidades e desejos dessas cadeias, no mundo físico e virtual,
dos usuários e/ou internautas possam é que se torna possível a obtenção do
ser satisfeitos. sucesso por parte das empresas, visto
O ponto de concordância entre a que os negócios são baseados na própria
perspectiva de Kotler e a perspectiva de capacidade de adaptação ao mundo
Hagel III & Armstrong, é a necessidade virtual, fazendo uso da Web ou serviços
de se repensar o papel da logística no mix on-line, desenvolvendo e alternando
e das comunicações de Marketing, novas formas de relacionamento com os
porque os negócios tradicionais e as consumidores.
atividades de Marketing e Vendas O comércio eletrônico não
sofrerão grande transformação e ajuste, envolve simplesmente comprar e vender,
como aumento de conhecimento da mas também se comunicar, colaborar e
32
descobrir informações organizações, para os indivíduos e para a
eletronicamente. Envolve aprendizagem sociedade em geral.
à distância (e-learning), governo Dentre esses benefícios, pode-se
eletrônico (e-government) e muito mais citar alguns, tais como para as
(Turban & King, 2004, p.3). organizações o Comércio Eletrônico
De acordo com matéria publicada expande o mercado, ao captar clientes,
na folha on-line, em 2004, o faturamento melhores fornecedores e melhores
do comércio eletrônico no Brasil foi de R$ parceiros em âmbito nacional ou
1,75 bilhões, um aumento de 47% em internacional; porque se eliminam as
relação aos R$1,19 bilhões registrados distâncias e reduzem-se os custos;
em 2003. Os valores têm como base uma melhora a organização e os seus
pesquisa feita pela empresa de processos de negócios com informações
marketing on-line e-bit. mais precisas, em tempo real,
O motivo para esse crescimento informações trafegando pela rede por e-
é o número de internautas que passou a mails, permite às empresas interagirem
fazer compra pela internet. Durante o com seus clientes e parceiros com
período do Natal, por exemplo, houve um retornos rápidos e precisos. Para os
aumento de 20% do número de consumidores, os benefícios revelam-se
compradores virtuais: de 2,5 milhões pelo aumento de sua utilização, mediante
para 3 milhões. a melhoria de alguns fatores como: o
Em 2005, afirma o estudo, o a c e s s o , v e l o c i d a d e , ra p i d e z , a
setor deve ter crescimento de 30% em c o m o d i d a d e , a c o n ve n i ê n c i a , a
relação aos R$1,75 bilhões do ano diversidade de produtos e informações,
passado. Com isso, o valor movimentado rápidas pesquisas e comparações de
deve chegar a R$2,3 bilhões. (fonte: preços, atendimento on-line feitos por
folha on-line-informática de alguns sites, e principalmente o fator
15/02/2005). segurança e diferentes formas de
pagamentos, que vão desde os mais
CONSIDERAÇÕES FINAIS variados cartões de crédito, depósitos e
boletos bancários. Para a sociedade os
O Comércio Eletrônico hoje é benefícios estão ligados às melhorias no
uma realidade e têm causado impacto padrão de vida, na oferta de serviços
sobre uma parcela significativa do públicos com eficiência e rapidez.
mundo, afetando negócios, profissões e, Contudo o Comércio Eletrônico
evidentemente as pessoas. O Comércio apresenta também algumas limitações
Eletrônico não envolve simplesmente que podem ser de natureza tecnológica
comprar e vender, mas também se ou não. Dentre as tecnológicas, podemos
comunicar, colaborar e descobrir mencionar que não existe um conjunto
informações eletronicamente que de padrões de qualidade, segurança e
envolve desde a aprendizagem à confiabilidade universal estabelecido;
distância (e-learning); varejo eletrônico pois o acesso à Internet ainda é caro.
(e-tailing); governo eletrônico (e- Quanto às não tecnológicas, podemos
government) e muito mais. citar a preocupação com segurança e
O Comércio Eletrônico não se privacidade que é um obstáculo para o
resume apenas à criação de corporações consumo, pois ainda não se confiam nas
baseadas na Web, envolvem também transações efetuadas sem documentos e
oportunidades, riscos, benefícios e sem a presença física.
limitações quanto ao seu uso. Suas O maior desafio para o futuro das
diferentes possibilidades de utilização, vendas pela Web, para que as pessoas
recursos e a rápida expansão da infra- façam uso do Comércio Eletrônico, talvez
estrutura que lhe dá suporte, resultam não estejam associados a problemas e
inúmeros benefícios para as limitações de fatores tecnológicos, mas a
33
resistência das pessoas em adotar a nova PORTER, Michael. Estratégia Competitiva. Rio
modalidade de transação como sua opção de Janeiro: Campus, 1986.
prioritária de compras; cabendo às PORTER, Michael. Vantagem Competitiva. Rio
empresas oferecerem melhorias em seus de Janeiro: Campus, 1990.
produtos e serviços, conquistando os
TAPSCOTT, D & CASTON, A. Mudança de
usuários potenciais e futuros usuários
Paradigma: a nova promessa da
desse mercado eletrônico. tecnologia de Informação. São Paulo:
McGraw-Hill, 1995.
NOTAS
______________________. Plano de ação
para uma economia digital. São Paulo:
1 - Relações Públicas, Mestre em Educação, Arte e
Makron, 2000.
História da Cultura, PhD. em Administração,
professora universitária nos cursos de pós- TURBAN, E. & KING, D. Comércio Eletrônico:
graduação da FCU-Flórida Christian University e estratégia e gestão. São Paulo: Prentice
IMES- Universidade São Caetano do Sul e Hall, 2004.
graduação em Administração, Sistemas de
Informação e Turismo da Faculdade Montessori. WOILER, Sansão; MATHIAS, Washington.
2 - Bacharel em Matemática, Pós-graduação em Projetos. São Paulo: Atlas, 1996.
Administração, Mestre em Administração, ZACCARELLI, Sérgio Baptista. Estratégia e
professora universitária nos cursos de graduação em
Sucesso nas empresas. São Paulo:
Administração e Sistemas de Informação da
Universidade Mogi das Cruzes-UMC. Saraiva, 2000.

3 - www Word Wide Web, parte gráfica da Internet,


usado para navegação.
4 - Infovia Information Highway, termo este
conhecido como estrada da informação ou rede
mundial de informação Information highway
Tapscott (1996).

BIBLIOGRAFIA
ALBERTIN, Luiz Alberto. Comércio Eletrônico:
modelo, aspectos e contribuições de sua
aplicação. São Paulo: Atlas, 1999.
BETHEM, Agrícola. Avaliação Ambiental e
Competitiva. Rio de Janeiro: Makron,
1996.
GEUS, Arie de. A empresa viva. Rio de Janeiro:
Campus, 1998.
GEUS, Arie de. Estratégias para o crescimento.
Rio de Janeiro: Campus, 2000. Coleção
HBR compacto.
HBR, Rayport & Svioka. The Value Chain.
Revista Harvard Businnes Review.
Novembro/Dezembro, 1994.
HAGEL III, John & ARMSTRONG, Arthur G.
Vantagem Competitiva na Internet. Rio de
Janeiro: Campus, 1998.
KOTLER, Philip. Administração de Marketing.
São Paulo: Atlas, 1993.
KOTLER, Philip & ARMSTRONG, Gary.
Introdução ao Marketing. Rio de Janeiro:
LTC, 2000.
34
COMUNIDADES VIRTUAIS

Márcia Regina Konrad1

RESUMO ABSTRACT
O que justifica a criação de uma How do justify a community creation?
comunidade virtual? O que a compõe? O How compose then? The virtual world
mundo virtual aproxima ou afasta as approximate or apart the people?
pessoas que nela transitam? Elos afetivos Affective and social links exist in a virtual
e sociais realmente se estabelecem em world? What's real and what's virtual?
um mundo virtual? O que é real e o que é This article's main objective is to discuss
virtual? about to virtual communities and then
Este artigo objetiva induzir a uma estrutural funcions and relationships.
discussão sobre o que são comunidades The community can be exist is necessary
virtuais, suas funções e relações entre a interation, colaboration and cooperation.
estrutura, seus membros e suas
características no espaço virtual. Para
que uma comunidade exista e
desempenhe sua função é necessário que
haja interação, colaboração e
cooperação.

PALAVRA-CHAVE KEYWORDS
Comunidade Virtual, Mundo Virtual, Virtual Community, Virtual World,
Internet, Relacionamento, Internet, Relationship, Behaviour,
Comportamento, Interação. Interation.

35
INTRODUÇÃO AMBIENTE VIRTUAL
A espécie humana é uma espécie Ambiente virtual é um local no
gregária que sempre permaneceu em qual estamos quando acessamos
bandos para sobreviver, reproduzir-se e qualquer computador individual ou em
perpetuar-se e, para isso, trabalhava em rede, interligados ou não, em todo o
grupos que, por decorrência natural, mundo, que não é oposto ao mundo real,
evoluíram e geraram as primitivas mas complementar a ele, como um
comunidades. espaço público, onde circulam
Para definir comunidade, a base informações, porém intangível, não
é a orientação da ação social que se material.
fundamenta em ligações emocionais, O ambiente virtual nos permite
afetivas ou tradicionais e o que vislumbrar locais aos quais não temos
caracteriza uma comunidade é o acesso no mundo físico, seja pela
sentimento de pertencer a ela, a distância geográfica, pelo
colaboração com os demais membros posicionamento político, pelo custo ou
para um fim comum, a permanência nela por outro motivo qualquer. Em um
e a existência de formas próprias de ambiente virtual nos são permitidas
comunicação. experiências jamais tidas no mundo real,
Segundo Weber, chamamos de como visitarmos lugares em períodos
comunidade a uma relação social na diferentes de tempo e com uma rapidez
medida em que a orientação da ação tão grande que sem ela seria impossível
social, na média ou no tipo ideal, baseia- em uma vida toda. Podemos, por
se em um sentido de solidariedade: o exemplo, ver nosso mundo hoje e logo
resultado de ligações emocionais ou em seguida estarmos 10 mil anos no
tradicionais dos participantes (1987:77). passado e ver como era o mesmo mundo
Até pouco tempo atrás, a naquela época. O potencial do ambiente
existência de uma comunidade estava virtual está exatamente no fato de
condicionada também a um outro permitir que exploremos alguns
elemento, a territorialidade, o locus da ambientes, processos ou objetos, não
comunidade, seu espaço físico, ou seja, a através de livros, fotos, filmes ou aulas,
área geográfica ocupada. Atualmente, mas através da manipulação e análise
esta condicionante é questionada, posto virtual do próprio alvo do estudo (Pinho,
que em um ambiente virtual não há a 1996).
concepção geográfica. O locus virtual é o
computador.
Com a popularização da internet, COMUNIDADE VIRTUAL
a partir de 1990, as pessoas com acesso
à essa tecnologia começaram a se Para a formação de uma
agrupar no espaço virtual e, em comunidade virtual, como de qualquer
decorrência deste agrupamento, surgiu a outra, são necessárias interação,
interação entre elas. A partir desta colaboração e cooperação,
interação, as pessoas que identificavam características que podem ser
perspectivas em comum, passaram a se encontradas isoladamente ou integradas
agrupar de acordo com suas afinidades e nas próprias ações das comunidades.
interesses, o que, conseqüentemente, Entende-se por colaboração a reunião
formou uma “comunidade” no ambiente das ações que são realizadas
virtual. isoladamente pelos parceiros, mesmo
Mas o que são comunidades quando não fazem na direção de um
virtuais, quais suas funções e relações objetivo comum (Estrázulas, 1999).
entre a estrutura, seus membros e suas A definição de comunidade
características no espaço virtual? virtual por Rheingold (1996), um dos
36
primeiros autores a utilizar este termo informações através de uma fácil
para as agregações na internet, é que navegação, como, por exemplo, ter,
comunidades virtuais são agregações assim que abrirem a página inicial do site,
sociais emergentes na rede quando uma acesso a todas as ferramentas
quantidade suficiente de pessoas torna disponíveis. O menu de navegação,
públicas discussões por tempo suficiente, sempre visível, deve auxiliar no acesso à
com sentimentos humanos suficientes, maioria das ferramentas, independente
para criar redes de relacionamentos no da página do site em estejam.
ciberespaço. As ferramentas disponíveis
As comunidades virtuais existem devem possuir documento de ajuda ou
para o desenvolvimento de ações manual que possa ser aberto através de
comuns a um determinado grupo de um link.
pessoas, seja para estudos, pesquisas, Em que uma comunidade na rede
troca de informações ou outro tipo difere de uma do mundo real? Segundo
qualquer de interagibilidade. Os Kim (2000), em termos de dinâmica
objetivos comuns são a razão para a social, física e virtual as comunidades são
existência de uma comunidade virtual; é as mesmas. Ambas envolvem a rede de
pelo objetivo comum que a comunidade relacionamentos entre pessoas que
virtual existe e se sustenta. Primo (1998) possuem algo significativo em comum,
sustenta a necessidade de ter como assim como um passatempo preferido,
ponto de partida a interação humana uma causa política, uma convicção
para compreensão da interatividade na religiosa, um relacionamento
comunicação entre o humano e o profissional, ou simplesmente sua
computador, pois, desta maneira, o vizinhança ou cidade. Desta maneira
humano não seria apenas colocado como uma percepção é a de que a comunidade
disparador de programas. da rede é simplesmente uma
Para exercer sua função e comunidade surgida para existir on-line,
cumprir os objetivos esperados, uma antes de existir no mundo físico.
comunidade não pode ser apenas um A função primordial de uma
agrupamento de recursos comunidade é o compartilhamento de
tecnologicamente desenvolvidos com arquivos, a coordenação de eventos
funções visuais. Deve proporcionar virtuais ou não, o envio de
condições favoráveis à interação entre correspondência eletrônica, o contato
seus membros e possuir características entre pessoas interessadas nos temas
que facilitem o acesso destes às abordados e sua discussão
ferramentas que devem lhes permitir O pertencimento, explicado por
interagibilidade entre si e com as Palacios (1998) como sentido de ligação
diversas informações oferecidas. é um elemento da comunidade virtual. Os
Durante as fases de participantes de uma comunidade virtual
planejamento e estruturação do site da se identificam como parte dessa
comunidade há características que comunidade e, portanto, se sentem
devem ser levadas em consideração, pois responsáveis por manter a boa ordem
falhas durante o desenvolvimento e das relações ali existentes, pois
implantação desta estrutura virtual “pertencem” a esse grupo, a essa
podem ocasionar futuro desinteresse por c o m u n i d a d e . H á t a m b é m o u t ra
parte dos membros, o que acabará por característica importante de que Palácios
minar a eficiência da proposta original e também fala, segundo a qual existe um
levará a conseqüente decadência da processo eletivo do pertencimento, o
comunidade. desejo de fazer parte de um grupo
Alguns pontos devem ser levados específico. "(...) o indivíduo só pertence
em consideração para que os membros se, quando e por quanto tempo estiver,
da comunidade obtenham o máximo de efetivamente, interessado em fazê-lo."
37
Nem toda agregação de pessoas expressão, de pensamento e reflexão,
à internet é comunidade, pois não cria respeito, dignidade entre tantos outros.
nessas pessoas vínculos afetivos ou Nas relações entre as pessoas de uma
permanência temporal suficiente para tal comunidade, ocorrem trocas de valores
caracterização. que podem envolver duas ou mais
Comunidades virtuais não são pessoas, e essas trocas desencadeiam
novas formas de sociabilização, são inúmeras variáveis entre quem pratica e
apenas as comunidades tradicionais que quem recebe a ação.
se transportam para o locus virtual. O Estruturalmente, uma
computador é somente uma das várias comunidade virtual é um conjunto de e-
tecnologias que podem e são utilizadas mails, que são sistemas de comunicação
para a comunicação, e isso justifica-se já baseados no envio e recebimento de
que as comunidades, que no espaço mensagens eletrônicas e indicam tanto o
virtual sobrevivem no tempo, o fazem ambiente da internet onde é enviada a
por tornar as relações virtuais em reais mensagens como a própria mensagem
através de encontros entre seus em si, e um endereço eletrônico ocupado
membros. com informações de pessoas ou
Grande parcela das relações organizações. Cada comunidade tem
originadas no mundo virtual são uma URL, Uniform Resource Location,
transpostas para o mundo real mas que é o endereço virtual que indica
algumas são impossibilitadas de tal exatamente onde as informações se
transposição devido à distância encontram e geralmente tem o formato
geográfica, porém essas relações www.dominio.tipo-de-dominio.país-do-
tendem a ser mantidas no mundo virtual, domínio/complemento.
nas comunidades ou chats, onde foram
originadas. Domínio é o nome de uma área reservada
Nem todos os membros de uma em um servidor de internet que
comunidade virtual possuem a mesma corresponde ao endereço numérico de um
interagibilidade ou valorizam as mesmas website (endereço IP). No Brasil, os
domínios comumente terminam em .br
coisas, como em qualquer sociedade,
(sigla do Brasil na internet) mas podem
enquanto alguns membros valorizam apresentar várias outras terminações tais
interação social com o grupo, outros dão como .com para empresas comerciais,
menor importância a isso e buscam, .org para empresas não comerciais, .gov
essencialmente, troca de informações para órgão governamentais, entre outros.
sobre o tema ao qual a comunidade se
propôs originalmente e temas afins, e
Quadro 1: Citação da autora.
cabe aos moderadores identificarem a
necessidade de adequação da Para a criação de uma
comunidade a suprir tal diversidade de comunidade alguns trâmites devem ser
interesses, pois uma comunidade deve obedecidos. O preenchimento de um
satisfazer às necessidades de formulário com dados cadastrais da
socialização de seus membros e atender comunidade é essencial para o
aos seus propósitos e necessidades, estabelecimento da comunidade no
proporcionando condições favoráveis ambiente virtual, é necessária a definição
para a interação entre seus membros. do tema ou temas abordados pela
As comunidades virtuais são, comunidade e a delimitação de qual ou
essencialmente, ambientes quais categorias correspondem melhor
cooperativos, ou seja, sua base está ao estabelecimento do grupo. A definição
solidificada sobre as atitudes de da categoria de pertencimento, diretório,
cooperação entre seus membros, o que ou de sua subcategoria, deve ser o mais
proporciona a eles sentimentos como específica possível para facilitar a
confiança em si e no outro, liberdade de localização pelos interessados nos temas
38
abordados. O nome é a palavra chave assim como se todos os membros podem
enquanto definição de suas intenções, é o enviar mensagens ao grupo ou apenas
que aparecerá na página inicial do grupo uma seleção.
e nos resultados de busca de grupos, seja O arquivo de mensagens
no próprio servidor ou utilizando outras equipara-se a um fórum de discussão,
ferramentas de busca disponíveis na rede pois é nele que circulam as informações
mundial de computadores. que nutrem a comunidade virtual.
O endereço eletrônico, que é Quando uma mensagem é postada, seja
criado com o grupo, será usado para o um questionamento, uma solicitação ou
envio de e-mails da nova comunidade comunicado, logo há uma mensagem
para seus membros e vice-versa. Quando resposta, seja de agradecimento,
uma mensagem é enviada ao grupo, ou a esclarecimento, de novos
um membro da comunidade como questionamentos ou de qualquer outro
resposta a um questionamento, para este tipo, e é essa alternância entre perguntas
e-mail, todos os membros do grupo e respostas que mantém viva a
receberão uma cópia da mensagem, que comunidade. É neste ciclo de troca de
pode conter anexos ou não dependendo informações que ocorre interação
da configuração determinada pelo suficiente para sua manutenção.
proprietário da comunidade, o que é As comunidades dispõem de
usado para garantir que os membros não ferramentas, recursos, que facilitam a
corram riscos de contaminação por vírus locomoção pelo ambiente virtual e as
de computador, que normalmente vêm mais comuns são os links Mensagens,
em forma de anexos a arquivos de texto, Bate-papo, Arquivos, Álbum de
ou sobrecarregar suas caixas postais. É Fotografias, Links, Banco de Dados e
também o moderador quem define se o Agenda.
arquivo de mensagens é visível somente Mensagens é a ferramenta mais
para associados ou ao público em geral. simples a ser utilizada dentro de uma
Na página inicial de uma comunidade, é constituída por um link
comunidade, também denominada que carrega uma tela, semelhante a uma
homepage, estão os links para as demais tela de e-mail convencional, para envio
páginas da comunidade, além de suas de mensagens para a comunidade. A
ferramentas e de uma breve descrição da operação de envio de mensagens está
intenção e utilidade do grupo, que baseada em um programa de e-mail
aparece em destaque. disponível on-line, que é
Toda configuração de uma a u t o m a t i c a m e n t e a c i o n a d o p a ra
comunidade eletrônica cabe ao composição e envio de uma mensagem
proprietário ou a um moderador com o endereço de destinatário da lista.
encarregado como, por exemplo, definir Esta ferramenta é útil ao facilitar o envio
se esta será listada em um diretório para de questionamentos, respostas ou
que tenha associação eletiva ou se a comentários a partir do site.
comunidade é restrita. No caso de A interatividade do recurso
associação restrita somente os que Mensagens é o que viabiliza as
receberem um convite para associarem- discussões da comunidade virtual. As
se terão acesso ao grupo. Já em caso de discussões acontecem a partir de
associação eletiva ainda poderá haver interesses sobre o tema principal da
outra variável, o fato da associação comunidade e sobre subtemas
depender ou não da aprovação de um específicos que serão aprofundados a
moderador do grupo. Há também partir do interesse dos membros da
comunidades em que as mensagens, comunidade na continuidade da
antes de exibidas passam por prévia discussão destes temas.
análise do moderador, que determina se Há os membros que valorizam a
há justificativas para sua exibição ou não, interação social com o grupo, outros lhe
39
dão menor significado, portanto nem acomodação para arquivos formais,
sempre as mensagens circulantes são enquetes e listas que contenham os
apenas sobre o tema original da dados dos associados a comunidade.
comunidade. O que cabe aos A Agenda funciona como uma
moderadores é perceberem a agenda convencional. Ela deverá auxiliar
necessidade de suprir as diversidades os membros da comunidade a manterem
emergentes, pois uma comunidade deve controle dos eventos que desejem ser
satisfazer às necessidades de lembrados. Pelo fato da ferramenta
socialização de seus membros, além de Agenda não ser interativa, os eventos
atender aos propósitos utilitários que eles nela agendados não são respondidos
possam possuir. Como afirma Kim (2000, nem tão pouco comentados.
on-line), comunidade é um conjunto de Nenhuma comunidade virtual
pessoas que se reuniram por algum resiste à falta de utilidade, por melhor
objetivo, interesse ou atividade em estruturada que seja ou maior número de
comum e que são capazes de se conhecer recursos que ofereça se não preencher ao
melhor com o decorrer do tempo. requisito básico, que é o
Bate-papo ou chat é a ferramenta desenvolvimento de ações comuns ao
que viabiliza a conversação em tempo grupo para qual foi elaborada.
real através de texto e permite sua O que mantém uma comunidade
utilização para ocorrência de eventos viva são as pessoas e suas interrelações,
como socialização entre os membros da suas interações em torno do tema
comunidade, reuniões para discussão de proposto pela comunidade e seus
temas específicos, entrevistas com subtemas que vão aparecendo de acordo
especialistas ou com membros da com a dinâmica ali estabelecida.
comunidade que possuam um Uma comunidade virtual, assim
conhecimento seja relevante ao grupo, como qualquer outra comunidade possui
entre outras utilizações. regras, explícitas ou não, que permeiam
Arquivos é um local de acesso a a convivência e funções dentro deste
arquivos enviados pelos membros da sistema.
comunidade. Podem ser textos, sons, Ser socialmente ativa é mais do
imagens, programas ou outros arquivos. que uma necessidade, é o fundamento
A ferramenta Álbum de para a existência comunitária e o que
Fotografias funciona como um local para propicia a formação e estruturação dos
postagem de fotos dos membros da laços que originarão o sentimento de
comunidade e seus eventos. A função integração à comunidade, que é o
desta ferramenta é permitir que os elemento que impulsiona a participação e
associados à comunidade visualizem perpetuação no grupo. Primo (1997)
seus companheiros, aproximando-os afirma que : "Os participantes de chats
visualmente, já que a idéia sobre suas reconhecem-se como parte de um grupo
imagens já foi construída no decorrer da e responsáveis pela manutenção das
convivência em grupo. relações."
Links são palavras que, quando Uma comunidade virtual possui
acionadas através da utilização do um criador, mas isso não significa que o
mouse, provocam a transferência, salto, criador é a pessoa mais representativa
para um assunto ou site que contenha dentro sistema, ou que possua maior
assuntos relacionados às atividades da poder de influência, o que determina isso
comunidade. São também conhecidos são características pessoais dos
como Preferidos. membros do grupo. No decorrer do
Banco de Dados é um ambiente convívio virtual, em meio às relações
semelhante à ferramenta Arquivos. O construídas e suas interações, os
que os diferencia é o fato do Banco de membros participativos extendem ao
Dados ser associado a idéia de virtual suas competências reais, e essas
40
competências são reconhecidas pela ser expressa de várias maneiras, seja por
comunidade fazendo com que haja suas competências, suas opções,
natural classificação desses membros. comentários ou decisões, por sua escrita
Posturas evidenciam o papel ou qualquer outro sinal explícito nas
desempenhado por cada um, o interações.
q u e s t i o n a d o r, o c o n t e s t a d o r, o Nas comunidades virtuais não há
inconveniente, o carismático, o que faz a necessidade da imposição de deveres,
com que líderes surjam naturalmente, pois seus próprios membros
sem a necessidade de imposições, que desenvolvem a moral social que permeia
por se destacarem acabam ocupando a conduta do grupo. O que mantém a vida
postos representativos dentro das útil de uma comunidade virtual é o
comunidades virtuais, são os interesse por seu tema original, a
m o d e ra d o r e s , c o o r d e n a d o r e s o u interação entre as pessoas que a
gerentes. constituem, a troca de informações. As
Um moderador não é mensagens trocadas entre o grupo
determinado por normas ou tecnologia obedecem a regras não explícitas, como
simplesmente, apesar de se perceber, uma mensagem lida agrega
porém, que uma participação mais conhecimento ao seu leitor, quando este
efetiva nas atividades disponíveis nas encontra no grupo um questionamento
comunidades virtuais são resultado da que domine é fundamental sua
resolutividade das questões físicas, expressão. É isso que mantém a
conhecimentos básicos dos recursos comunidade, este ciclo de “perguntador
disponíveis, dos reais interesses dos respondedor”. Outra característica
participantes e, não menos importante, o relevante é a manutenção da liberdade
contexto cultural dos membros desta de expressão entre os membros do grupo
comunidade, mas sim por possuir um dentro do que foi acordado baseado na
perfil determinado. São pessoas moral social da comunidade, o que não é
habilidosas para atuarem com outras de forma alguma tido como censura, mas
pessoas, com modo de agir diferenciado sim o que dá suporte à continuidade da
que supre as necessidades do grupo, comunidade. As comunidades possuem
capacidade esta inata em uma pequena estruturação própria, o que inclui auto-
parcela e que pode ser desenvolvida organização e auto-suficiência.
facilmente em outras pessoas através de Para Piaget (1973), a composição
treinamento. das realidades sociais são as regras,
A convivência on-line é apenas valores e sinais. Regras são as normas e
uma extensão da convivência no mundo os sistemas de obrigações que os
não virtual e, portanto, trás em si o indivíduos contratam entre si, são
mesmo apego sentimental e emocional, pressupostos acordados formal ou
gerando assim os mesmos conflitos, que informalmente entre os membros de uma
geralmente ocorrem quando as regras da comunidade. Os sinais são símbolos
comunidade, explícitas ou não, são convencionalmente utilizados para
feridas. Na ponta oposta aos conflitos há representar as expressões pessoais e
o reconhecimento de afinidades entre os interpessoais, enquanto os valores são
participantes, o que faz com que se resultados da aplicação das normas, são
estabeleçam laços entre eles que passam os sentimentos e sensações originadas
a ser transpostos para o convívio pessoal, desta aplicação.
não só dentro do sistema virtual.
Por ser um local de convivência, CONCLUSÃO
mesmo o locus sendo virtual, a
personalidade das pessoas é exposta Este artigo teve como objetivo
com o decorrer do tempo. A apenas colaborar com o processo de
personalidade de um participante pode discussão sobre o que são comunidades
41
virtuais e as interrelações nelas CHIAROTTINO, Zélia Ramozzi. Psicologia e
existentes. Não há a pretensão de que o Espistemologia Genética de Jean Piaget.
tema seja esgotado ou este artigo tido São Paulo: EPU, 1988.
como divisor de águas. ESTRÁZULAS, Mônica. Interação e
Cooperação em Listas de Discussão.
O acesso ao tipo de tecnologia de
Revista Informática na Educação - Teoria
informação que suporta a internet, o & Prática. UFRGS, Outubro, 1999, Pág. 81
locus das comunidades, ainda é a 86.
extremamente restritivo em nosso país,
não só por questões econômicas, mas FERNBACK, Jan; THOMPSON, Brad. Virtual
principalmente, por questões Communities: Abort, Retry, Failure?
educacionais. Apesar de na última D i s p o n í v e l e m :
década termos tido um crescimento <http://www.well.com/user/hlr/texts/Vc
civil.html>. Acesso em: 06 jan. 2005.
progressivo e constante ainda há a
necessidade de investimentos em
HAMMAN, Robin. Computer networks linking
diversas áreas para sanar a exclusão
network communities: effects of AOL use
digital. upon pre-existing communities. 1999.
Uma comunidade virtual, D i s p o n í v e l e m :
enquanto meio em um ambiente virtual, <http://www.socio.demon.co.uk/cybers
só existe por possuir uma função social. ociety/>. Acesso em: 01 dez. 2004.
Portanto, depende de seus membros para
estabelecimento de relações sociais e HARVEY, David. Condição Pós-Moderna. São
Paulo: Edições Loyola, 2002.
afetivas que dependem de interação,
colaboração e cooperação, que são os
JOHNSTON, Elizabeth. The Community in
motivos pelos quais a comunidade se
Cyberspace. Disponível em:
sustenta em um ambiente tão mutável. <http://www.acs.ucalgary.ca/~dobrent/
O a va n ç o t e c n o l ó g i c o n a 380/webproj/commun.html>. Acesso em
comunicação anda a passos largos, e a 14 dez. 2004.
compreensão e domínio das ferramentas KIM, Amy Jo. Community Building on the Web.
tecnológicas disponíveis torna possível e Disponível em: <http://www.
inevitável o surgimento de novas formas www.naima.com/community/intro/index
de sociabilização e identificação pessoal, .html >. Acesso em: 20 jan. 2005.
gerando assim novos questionamentos
LEMOS, André. Agregações eletrônicas ou
que fermentam a velocidade dos avanços comunidades virtuais? Análise das listas
obtidos. Facom e Cibercultura. 2002. Disponível em
<http://www.facom.ufba.br/ciberpesquisa/agr
NOTA
egação.htm>. Acesso em: 15 Nov. 2004.
1 - Bacharelanda em Administração de Empresas pela ____________. Santa Clara Poltergeist:
Faculdade de Educação e Cultura Montessori (FAMEC). "Cyberpunk" à brasileira? Disponível em:
<http://www.facom.ufba.br/ciberpesqui
sa/lemos/culcyber.html>. Acesso em: 14
BIBLIOGRAFIA dez. 2004.
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usos e costumes. Disponível em: PALACIOS, Marcos. Cotidiano e Sociabilidade
<http://www.cfh.ufsc.br/~guima/pp2.ht no Cyberespaço: Apontamentos para
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CASTELLS, Manuel. A Galáxia da Internet. Rio ios/cotidiano.html >. Acesso em: 11 jan.
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42
PIAGET, Jean. Estudos Sociológicos. Rio de
Janeiro, Forense, 1973.
PINHO, Márcio Serolli. Realidade Virtual como
Ferramenta de Informática na Educação.
Belo Horizonte: SBIE, 1996 _ Cd Rom

PRIMO, Alex F. T. A Emergência das


Comunidades Virtuais. Texto apresentado
no GT de Teoria da Comunicação no XX
Congresso da Intercom Santos/SP, 27 de
agosto a 07 de setembro de 1997.
D i s p o n í v e l e m :
http://usr.psico.ufrgs.br/~aprimo/pb/co
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____________. Interação Mútua e Interação


Reativa. Texto apresentado no GT de
Te o r i a d a C o m u n i c a ç ã o p a r a
apresentação do XXI Congresso da
Intercom - Recife, PE, de 9 a 12 de
setembro de 1998. Disponível em:
<http://www.psico.ufrgs.br/~aprimo/pb
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PRIMO, Alex F. T; CASSOL, Márcio B. F.


Explorando o Conceito de Interatividade.
Definições e Taxionomias. Artigo
publicado na revista "Informática na
Educação", do PGIE/UFRGS. Disponível em:
<http://www.psico.ufrgs.br/~aprimo/pb/pgie.htm
>. Acesso em: 10 jan. 2005.

RHEINGOLD, Howard. The Virtual Community.


1 9 8 8 . D i s p o n í v e l e m :
<http://www.rheingold.com/vc/book>.
Acesso em: 12 Dez. 2004.

WEBER, Max. Conceitos Básicos de Sociologia.


São Paulo: Editora Moraes, 1987.

43
“A REALIDADE VOZ SOBRE IP”

Clayton Santos, Reginaldo Oliveira, Thayse Igarashi1


Colaboradora: Josyane Lannes

RESUMO ABSTRACT
VoIP é uma nova tecnologia que está VOIP and IP Telephony are brand new
inovando a comunicação das pessoas e technologies, wich are innovating the
das empresas. Através da tecnologia Voz way people and companies communicate
sobre Protocolos de Internet (VOIP) e themselves. The world is walking toward
Telefonia de Protocolos de Internet (IP), o a new communication concept because of
mundo está caminhando para uma nova VOIP and IP Telephony technologies
era da telefonia. Este artigo mostra como avaliable. This article shows how to use
utilizar VoIP, suas vantagens e Voice Over IP (VoIP), its advantages and
desvantagens, como montar e disadvantages, how to assemble and
administrar uma rede baseada em VOIP e manage a network based on VoIP and IP
Telefonia IP, customizando assim ligações Telephony for corporate and personal
de longa distância, tanto corporativas customers.
quando de usuário comum.

PALAVRA-CHAVE KEYWORDS
VoIP, Telefonia IP, Qualidade VOIP, IP Telephony, quality

45
INTRODUÇÃO

Conforme o autor (Silva, 2000,


vol 4 n° 3), desde sua origem, o protocolo
IP foi desenvolvido e implementado como
um protocolo de comunicação com
controle de tráfego, utilizando a regra do
melhor esforço, que não provê nenhum
mecanismo de qualidade de serviços e,
conseqüentemente, nenhuma garantia
de alocação de recursos da rede. Na
época, ninguém imaginava que a Figura 1 Como conectar seu telefone à Internet, in O
Estado de São Paulo, 25/04/2005, Caderno Link
Internet se tornaria a grande rede L5, por William Mariotto
mundial que é atualmente. E, desse
rápido crescimento da Internet, a
tendência atual é a integração de voz
(telefonia) e dados numa única infra-
estrutura de redes de pacotes, a rede IP.
Essa emergente e crescente demanda
Figura 2 Preços de Ligações, in O Estado de São
pelos serviços IP Telephony, como Paulo, 25/04/2005, Caderno Link L5, por William
chamado pelo mercado, provocou uma Mariotto
corrida dos fabricantes de equipamentos
de redes para desenvolver protocolos VANTAGENS EM MIGRAR PARA A
que garantissem qualidade de serviços TECNOLOGIA VOIP
fim-a-fim. Segundo o autor Lopes, 2005, a
compressão dos pacotes de dados é
A REALIDADE VOIP variável conforme o tamanho dos
mesmos. Os dados trafegados estão de
Segundo o autor Lopes, 2005, forma criptografada, trazendo assim,
Telefonia na Internet se refere a serviços uma melhor segurança. É possível
de comunicação como voz, fax, ou identificar as chamadas assim como os
aplicações de mensagens de voz, que são meios de telefonia convencionais, as
transportadas via Internet ao invés da chamadas internacionais são feitas
Rede Telefônica Pública. através de taxas locais, de fácil
Os passos básicos envolvidos em integração para vídeo conferência e a
originar uma chamada telefônica na supressão de silêncio resulta em menor
Internet são conversão do sinal de voz tráfego, ou seja, quando há uma
a n a l ó g i c o p a ra f o r m a t o d i g i t a l , comunicação em VOIP entre dois pontos
compressão deste sinal em pacotes IP em um determinado momento há um
transmitidos sobre a Internet, e silêncio ou parada, a rede identifica que
revertendo o processo na extremidade não há dados a serem trafegados,
receptora. Segue abaixo, na figura 1, gerando uma redução no tráfego entre os
como conectar seu telefone à Internet, e dois pontos de comunicação. Quando se
na figura 2, a diferença de preços entre faz necessário a interligação do VOIP com
uma chamada telefônica internacional uma Rede comutada convencional, as
via VOIP e outra realizada pelas linhas taxas do serviço tornam-se mais baratas.
convencionais.
DESVANTAGENS EM MIGRAR PARA A
TECNOLOGIA VOIP
Os dispositivos VOIP como telefones
IP, Gateways, não são baratos. A
46
qualidade do som é imprevisível Segue abaixo, figura 4 do cenário PC para
dependendo do hardware adquirido e da PC.
banda larga contratada. Há desafios
técnicos a serem superados como: atraso
fim-a-fim, como perda de pacotes.
Mudança do Paradigma da Rede
Convencional para a Rede de Telefonia IP,
baseada em pacotes.

PROBLEMA DO ATRASO FIM-A-FIM


Figura 4 PC para PC, in Coleção Info 2005 VOIP, por
Airton Lopes, página 39
O atraso de bufferização e
codificação, é mais significativo, quando
B. Cenário 2: PC para Telefone
estiver lidando com taxas de bits muito
baixas. A bufferização para compensação
É necessário um gateway que
de Jitter acaba aumentando o atraso fim-
conecte a rede Internet com a Rede de
a-fim = 40 a 60 ms. Como pode ser visto
telefonia convencional. O usuário precisa
abaixo, na figura 3.
conhecer previamente o endereço IP
Linha do Tempo deste gateway. Segue abaixo, figura 5
<< OLA COMO VOCÊ VAI ? do cenário PC para Telefone.

Propagação + Jitter

<< OLA CO MO VOCÊ VAI?>>

Figura 5 PC para Telefone, in Coleção Info 2005 VOIP,


Figura 3 - Variação do Atraso (Jitter), in
por Airton Lopes, página 40.
http://www.rnp.br/newsgen/0005/qos_voip1.html

PERDA DE PACOTES C. Cenário 3: Telefone para Telefone

É causado por Congestionamentos Existe a necessidade de mais


o u A t ra s o s , e , d e p e n d e n d o d o gateways para conectar a rede Internet
codificador, a perda é mais ou menos à diferentes redes telefônicas provendo
significativa. Podemos usar mecanismos uma forma de bypass.
de Forward Error Correction (FEC) Todo gateway tem que conhecer
Redundância, que segundo o autor todos os prefixos telefônicos e endereços
Oliveira, 2005, é um sistema de IP dos gateway que acessam estes
“correção de erro avançado.” prefixos.Segue abaixo, figura 6 do
cenário Telefone para Telefone..
CENÁRIOS DE TELEFONIA IP

A. Cenário 1: PC para PC
É necessário um PC com placa de som e
microfone; Software de IP Telephony:
Figura 6 Telefone IP para Telefone IP, in Coleção Info
Cuseeme, Netmeeting ... 2005 VOIP, por Airton Lopes, página 41.
Opcionalmente pode ser usado para
outros propósitos, como vídeo-
conferência.
47
D. Cenário 4: Telefone para Telefone INTERFACE FXO FOREIGN
ou PC para Telefone passando por EXCHANGE OFFICE
Servidor
A interface FXO é um conector RJ-11
O servidor tem como objetivo que permite uma conexão analógica com
fornecer a resolução do prefixo e o PBX ou linha telefônica. O FXO é
redirecionar a ligação para o gateway plugado diretamente na extremidade de
correto. 8Segue abaixo, figura 7 do uma linha do PBX para que ele pense que
cenário Telefone para Telefone ou PC para a interface FXO é um telefone.
Telefone passando por Servidor.. Entretanto, a interface FXO não permite
plugar um telefone convencional, pois ela
não provê tom de discagem.
A configuração padrão de sinalização
entre PBX e esta linha é loop-start.
Podendo ser modificado outro valor como
ground-start, para evitar problemas
Figura 7 PC para Telefone passando por Servidor, in como o glare. Conforme segue abaixo,
Coleção Info 2005 VOIP, por Airton Lopes, página 44.
figura 9.
INTERFACES

Para verificar quais são as interfaces


disponíveis no Private Branch Exchange
(PBX), que segundo Pinheiro, 2004, é
Figura 9 FXO, in Coleção Info 2005 VOIP, por Luciana
uma Central privada de comutação Benatti, página 66.
telefônica que é ligada à rede pública
através de linhas tronco e que exige a CONCLUSÃO
intervenção da operadora do PBX para
completar as chamadas internas (entre O futuro do telefone chegou, e
ramais) e as externas (entre ramais e a ele tem um nome de quatro letras: VOIP.
rede pública), e qual sinalização é usada, Sigla de Voice over Internet Protocol, a
é necessário entrar em contato com os tecnologia de voz sobre IP vai jogar as
responsáveis da área de telefonia da ligações telefônicas convencionais,
instituição. cobradas por minuto, no museu das
INTERFACE FXS FOREIGN comunicações. VOIP transforma os sinais
EXCHANGE STATION de voz em pacotes digitais roteados pela
grande rede, criando um grande desafio
Uma interface FXS conecta para as operadoras de linhas de
diretamente um telefone, um aparelho transmissão dedicadas. Para os
de fax ou dispositivo similar que tenha consumidores, é mais uma revolução de
“ring”, voltagem, e tom de discagem. Isto costumes bancadas pela internet - o fim
faz com que o Gateway permita emular dos sustos com as contas de interurbanos
uma linha telefônica para este telefone. A e das chamadas internacionais.
interface usa o conector RJ-11. Conforme
segue abaixo, figura 8. NOTA
1 - Alunos do 4º de Sistemas de Informação
da FAMEC, com a colaboração de docente do
curso de Sistemas de Informação.

BIBLIOGRAFIA
LOPES, Airton. Com que VOIP eu vou?,
Figura 8 FXS, in Coleção Info 2005 VOIP, por Luciana Coleção Info 2005 VOIP, edição 17, Editora
Benatti, página 66. Abril, p. 38.
48
BENATTI, Luciana. Dois em um sob medida
para VOIP, Coleção Info 2005 VOIP, edição
17, Editora Abril, p. 66.
MARIOTTO, William. Falar pelo telefone pela
Internet, O Estado de São Paulo,
25/04/2005, Caderno Link L5.
S I L V A , A d a i l t o n .
http://www.rnp.br/newsgen/0005/qos_v
oip1.html, Boletim bimestral sobre
tecnologia de redes, produzido e publicado
pela RNP Rede Nacional de Ensino e
Pesquisa 12 de maio de 2000, vol.4, n° 3,
ISSN 1518-5974
PINHEIRO, José Mauricio. in
http://www.projetoderedes.com.br/artig
os/artigo_centrais_privadas_de_telefonia
.php.

49
ABORDAGENS PEDAGÓGICAS PRESENTES NO DESIGN
EDUCACIONAL DE CURSOS À DISTÂNCIA1
Luciana Aparecida Santos2
Patrícia Passos Gonçalves Palácio3

“Em lugar de material didático, uma meta; e, em lugar da sala de aula,


redes globais de aprendizado.”4

RESUMO ABSTRACT
O design educacional é definido como The educational design is defined as
fase inicial e norteadora de um projeto de initial phase in a project of Distance
Educação a Distância - EaD. É a partir de Education. It is from its conception that
sua concepção que as abordagens the education and learning theoretical
teóricas e metodológicas de ensino e boardings are previously defined and
aprendizagem são previamente definidas later are articulate to incorporate in
e posteriormente se articulam para flexible way the necessities of
incorporar, de modo flexível, as adjustments or aiming defined during the
necessidades de ajustes ou course. Starting from these premises the
direcionamento que se fizerem presentes pedagogical boardings related to
durante o percurso. A partir dessas educational design of courses in the
premissas serão discutidas as distance and the signals that evidence
abordagens pedagógicas relacionadas ao the option for definitive theoretical
design educacional de cursos à distância supports will be argued in the present
e os sinais que evidenciam a opção por article.
determinados suportes teóricos.

PALAVRA-CHAVE KEYWORDS
Educação à distância; Design Distance Education; Educational Design;
Educacional; Ambientes de Environments of learning; Education and
aprendizagem; Educação e Tecnologia. Technology.

51
INTRODUÇÃO operacionais, sistemas de avaliação,
seleção de métodos e meios instrucionais
Este trabalho, orientado pela e projeto de materiais instrucionais a
Profª Dra. Maria Elizabeth Bianconcini de serem adquiridos ou elaborados”
Almeida e realizado no âmbito da (Dicionário de terminologia de Educação
disciplina “Formação de Professores em à Distância, 2003).
Ambientes Digitais”, oferecida no Como o termo instrucional
Programa de Pós Graduação em remete à idéia de treinamento, na área
Educação: Currículo, da PUC-SP, da Educação, atualmente, adota-se para
permitiu, sob a ótica das pesquisadoras, essa fase o termo design educacional,
ampliar e desenvolver conceitos que vão que melhor se adequa às concepções
além de seu conhecimento empírico. pedagógicas envolvidas no processo de
O tema, por abarcar as concepções de desenvolvimento de um ambiente de
ensino e aprendizagem, recursos ensino e aprendizagem. Campos & Rocha
multimídia e os processos de (1998, p. 15) descrevem essa etapa
desenvolvimento de um curso, se como:
aproxima muito da prática profissional
das autoras e tem relação direta com a um ciclo de atividades que, apoiado
sua trajetória. Sendo assim, buscou-se em uma teoria de aprendizagem,
ampliar os referenciais epistemológicos define os objetivos educacionais, as
fundamentados em um pensamento informações que constarão do
crítico, abordando os seguintes temas no produto e o modelo de avaliação. A
decorrer da pesquisa: abordagens seleção da melhor solução para o
pedagógicas presentes em EaD; relações modelo é um problema que envolve
das concepções pedagógicas com o princípios sócio-culturais do
design educacional; identificação das 'projetista', fatores externos
concepções pedagógicas subjacentes no impostos pelo ambiente e
design educacional de cursos à distância. habilidades do aprendiz.
Através da citação retirada de
Almeida (2000, p. 2), definem-se as Define-se então o design
ações que se concretizaram durante todo educacional de um projeto de Educação à
o decorrer da pesquisa, desde os Distância - EaD - como fase inicial e
primeiros estudos até o texto final: norteadora. É a partir de sua concepção
que as abordagens teóricas e
Aprender em um processo metodológicas de ensino e
colaborativo é planejar; aprendizagem, modos de interação e
desenvolver ações; receber; avaliação são previamente definidos e
selecionar e enviar informações; posteriormente se articulam para
estabelecer conexões; refletir sobre incorporar de modo flexível as
o processo em desenvolvimento em necessidades de ajustes ou
conjunto com pares; desenvolver a direcionamento que se fizerem presentes
interaprendizagem, a competência durante o percurso.
de desenvolver problemas em grupo
e a autonomia em relação à busca e ABORDAGENS PEDAGÓGICAS
ao fazer por si mesmo. RELACIONADAS AO DESIGN
EDUCACIONAL
O QUE É DESIGN EDUCACIONAL
Ao iniciar o design educacional de
O planejamento inicial de um um curso, é fundamental “a identificação
curso à distância define-se como a “fase do usuário e a análise da tarefa a ser
de concepção do sistema de ensino- realizada com o auxílio de sistemas
aprendizagem e de todos seus aspectos interativos” (SANTOS, 2003a, p. 2), já
52
que, basicamente, existem dois modelos interação entre os participantes de um
pedagógicos: o que tem por fundamento curso a fim de facilitar a passagem
a transmissão de informação e outro que gradual de professores e estudantes da
prioriza a interação e o diálogo como sala de aula presencial para a sala de aula
essência do processo educativo virtual (SANTOS, 2003b). No entanto,
(AZEVEDO, 2003a). No segundo, o é nem todos as ferramentas para EaD
modelo, é enfatizada a aprendizagem disponíveis no mercado comportam a
colaborativa e a incorporação da arquitetura educacional de um curso
realidade de cada aluno, dos grupos e da contemplando as formas de interações
sociedade no processo educacional aqui definidas como primordiais.
(PASS, 2002), contemplando os
princípios das teorias sócio- HIPERTEXTOS E RECURSOS
construtivistas que são a base de nossa MULTIMÍDIA: RELAÇÕES COM A
pesquisa.
APRENDIZAGEM
Nesse sentido, projetar um
ambiente de aprendizagem não é tarefa
O envolvimento pessoal tem
simples e pressupõe a formação de uma
papel fundamental no processo de
equipe multidisciplinar composta por
aprendizagem de qualquer indivíduo.
professores com domínio do conteúdo e
Quanto mais ativa for a participação de
especialistas da área de informática.
um aluno em uma atividade, mais fácil
Requer experiência no que diz respeito ao
será a assimilação do conteúdo abordado
uso de tecnologias educacionais,
e elementos que favoreçam o despertar
mediação pedagógica e interatividade,
dessas funções internas têm papel
de modo a priorizar na arquitetura do
importante no processo de
curso a abordagem educacional que
desenvolvimento mental. Almeida
permita “integrar múltiplas mídias e
(2000, p. 2) destaca que:
recursos, apresentar informações de
maneira organizada, desenvolver A aprendizagem se dá em todos os
interações entre pessoas e objetos de momentos da vida e cada indivíduo
conhecimentos, elaborar e socializar procura apreender a realidade em
produções tendo em vista atingir sua complexidade, compreender a
determinados objetivos” (ALMEIDA, multidimensionalidade das
2003a, p. 4). situações que enfrenta, estabelecer
Contextualizar as informações de vínculos (ligações) entre essas
forma que o modelo de ensino tradicional múltiplas dimensões, conectá-las
não seja transportado da sala de aula com o que já conhece (nós),
presencial para a virtual é outro aspecto representá-las, ampliá-las e
importante a ser observado no design transformá-las tendo em vista
educacional. Propostas de atividades que melhorar a qualidade de vida
possam gerar ações e reações plausíveis pessoal e grupal.
de manifestações tradicionais da prática
de ensino, na maioria das vezes, não são Criando o que Vygotsky (1984)
condizentes com as propostas em denominou de "zona de desenvolvimento
ambientes digitais, já que as interações proximal", a aprendizagem desperta
devem propiciar trocas individuais e em vários processos internos capazes de
grupos colaborativos que interagem, operar somente quando o indivíduo
discutem, pesquisam, criam produtos e interage em seu ambiente, e quando em
se desenvolvem (Ibid, p. 7). cooperação com seus companheiros.
Além da metodologia, deve-se Nessa interação, o indivíduo apreende do
também analisar que suporte tecnológico meio as informações e as internaliza,
será utilizado. Alguns sistemas procuram transformando-as. Esta absorção não é
ampliar os espaços de comunicação e passiva, mas uma reelaboração ou
53
integração com os conhecimentos que já grande importância e passíveis de
possui. Por último, quando o indivíduo contribuição para o desencadeamento do
aprende, seu pensamento se modifica se processo de aprendizagem.
transformando em novos conhecimentos
e ele volta a agir no meio transformando- O B J E T I V O S E
o novamente. Essa concepção, portanto, INTENCIONALIDADES DE
ressalta o valor do interlocutor e das
APRENDIZAGEM: É POSSÍVEL
interações assimétricas.
IDENTIFICÁ-LOS NO DESIGN
Relacionando o contexto à
elaboração do design educacional de um EDUCACIONAL DE UM CURSO?
curso, essas interações podem ser
representadas pelos recursos multimídia Indicadores do design
e hipertextos, visto que educacional podem ser reconhecidos a
partir da articulação entre concepção de
nesse tipo de interação o papel aprendizagem, distribuição do conteúdo,
essencial corresponde aos signos, formas de interação e mediação, mídias a
aos diferentes sistemas semióticos, serem utilizadas e ambiente digital.
que tem primeiro uma função de S e g u n d o Va l e n t e ( 2 0 0 3 ) ,
comunicação e logo uma função existem diferentes maneiras de conceber
individual: começam a ser utilizados a EaD e depende da abordagem utilizada
como instrumentos de organização a contribuição ou não para o processo de
e de controle do comportamento construção de conhecimento. A
individual (UNESCO: Oficina abordagem conhecida como “broadcast”
Internacional de Educación, 1999). usa os meios tecnológicos para passar
informação aos aprendizes. No outro
Segundo Lévy (2001), “o extremo desse espectro de
hipertexto ou a multimídia interativa possibilidades está o suporte ao processo
adequam-se particularmente aos usos de construção de conhecimento via
e d u c a t i v o s ”, s e n d o , p o r t a n t o , telemática, que temos denominado de
instrumentos importantes para a “estar junto virtual”. Uma abordagem
concepção de um projeto pedagógico. intermediária é a implementação da
Partindo desses conceitos “escola virtual”, que nada mais é do que o
teóricos, revela-se a importância da uso das tecnologias de telemática para
multimídia interativa, que graças à sua criar a versão virtual da escola
dimensão reticular e não-linear, propicia tradicional.
uma atitude exploratória, ou mesmo Essas formas mais tradicionais
lúdica, face ao material a ser assimilado. de transmissão de informação são
Silva (2001) corrobora a essa amplamente difundidas através da rede,
questão, quando evidencia que o onde facilmente encontra-se material
hipertexto interativo pode favorecer instrucional ou interativo no formato de
tecnicamente a forma amigável e livro eletrônico que, apesar de se
conversacional da informática, citando intitularem “curso”, na maioria das vezes,
entre outros o exemplo de ícones e não apresentam as características para
mouse, que permitem interagir com o assim serem considerados. Segundo
computador de forma intuitiva e Azevedo (2003b) “curso é uma seqüência
sensoriomotora, sem intermédio de de atividades pedagógicas organizadas,
códigos abstratos. planejadas, para atender objetivos de
A partir dessas referências pode- aprendizagem e que envolve
se pressupor que elementos multimídia e fundamentalmente, quer na dimensão
hipertextos, quando abrem possibilidade presencial quer na dimensão on line,
de interação significativa em um interação coletiva”.
ambiente virtual, são elementos de Observa-se, nesse sentido, que a
54
possibilidade de interação coletiva conhecimento, chamadas Learning
proposta no design educacional de um Objects (LOs), que se encerram em si, ou
curso indica a intencionalidade da seja, não dependem de outro tipo de
proposta pedagógica implícita, já que informação para serem compreendidas.
“uma perspectiva de interação e Desse modo, o design educacional se
construção colaborativa de torna flexível e atende a uma demanda
conhecimento favorece o crescente que procura não
desenvolvimento de competências e compartimentalizar os conteúdos, mas
habilidades” (Almeida, 2003a, p.10) e estabelecer relações e vivências com os
que “os programas de EaD podem ter o mesmos.
nível de diálogo priorizado ou não, Com relação ao conteúdo
segundo a concepção epistemológica e programático, os tópicos apresentados
respectiva abordagem pedagógica” no curso on-line são os mesmos
(Ibid, p.6). desenvolvidos nas aulas presencias,
porém, em função da estrutura acima
CONTEXTUALIZAÇÃO DOS descrita podem ser acessados de forma
CURSOS ANALISADOS não linear. Observa-se, ainda, uma busca
constante do estabelecimento de
A proposta de análise de cursos à relações entre a teoria estudada e
distância desenvolvida nessa pesquisa situações presentes em nosso cotidiano:
nasceu com a necessidade de consolidar políticas, econômicas e educacionais,
os pressupostos teóricos estudados, entre outras.
relacionando-os à experiências práticas Recursos multimídia são
passíveis de serem observadas em bastante explorados, sem, no entanto,
ambientes digitais. provocar uma sobrecarga. Destaca-se o
Nessa dinâmica, foram uso de vídeos, animações e figuras, além
analisadas duas disciplinas semelhantes, dos hipertextos, utilizados no corpo dos
oferecidas a distância, em cursos conceitos como forma de glossário.
superiores de instituições privadas Os conteúdos apresentados no
distintas, disponibilizadas em ambientes Curso 2 também são semelhantes aos
virtuais de aprendizagem em dois trabalhados nos cursos presenciais da
contextos específicos. Daqui para frente, mesma disciplina. O curso pode ser
essas disciplinas on line serão acessado de forma não linear, já que
caracterizadas como Curso 1 e Curso 2. todas as unidades estão disponíveis logo
A partir destas análises, no início, no entanto, não fica claro se há
acredita-se ser possível enxergar as necessidade de conhecimento prévio de
relações subjacentes ao processo de conceitos para dar prosseguimento aos
elaboração do design educacional, estudos.
desvelando as propostas pedagógicas Para suprir supostas carências e
que permeiam o conteúdo e as atividades ruídos observados em cursos à distância,
sugeridas. a equipe optou pela elaboração de um
conteúdo didático que foi disponibilizado
também em mídia impressa apostilas
ARTICULAÇÃO TEÓRICA NO
didáticas. Esse tipo de suporte dá ao
PROCESSO DE ANÁLISE DOS
curso uma característica de livro
CURSOS eletrônico, já que em todas as unidades
são indicados diversos textos para
A concepção do Curso 1 se dá a leitura, seguidos de exercícios de
partir do conceito de Objetos de compreensão e assimilação de conceitos.
Aprendizagem. Este conceito prevê a Os recursos de multimídia e
conversão do conteúdo programático das hipertexto não são muito explorados,
disciplinas em pequenas unidades de minimizando em alguns momentos as
55
possibilidades de interação que o instrucionistas são apresentados com
ambiente digital de aprendizagem maior evidência.
proporciona. Há, ainda, no curso uma Ainda que o plano de ensino seja
ferramenta denominada tutoria, através o mesmo trabalhado no curso presencial,
da qual os alunos podem entrar em observa-se que em ambos os cursos o
contato direto com o professor tutor. Tal conteúdo não é transportado tal e qual
recurso se apresenta de forma bastante para a mídia digital. Existe uma
semelhante ao fórum, já que as concepção e planejamento educacional
perguntas e respostas ficam registradas que norteiam seu design e, por
para leitura do grupo e é considerado conseqüência, a trajetória de
dentro do próprio curso como um banco aprendizagem dos alunos.
de questões para solução de dúvidas Apesar das evidências de
comuns. concepções pedagógicas mistas
Ambos os cursos são encontradas na concepção do design dos
disponibilizados em ambientes que cursos, ressaltam-se as características
possuem características e ferramentas interativas e todas as implicações
bastante semelhantes, possuindo apenas favoráveis descritas anteriormente que
nomenclatura diferenciada, como: as mesmas proporcionam ao processo de
correio, fórum, chat, perfil, midiateca. A aprendizagem Assim como em
grande diferença entre os dois é o idioma, Baranauskas (1993), a construção do
já que o ambiente do curso 1 está em conhecimento é viabilizada a partir da
Inglês e o do Curso 2 em Português. ação do sujeito no ambiente e esse
diálogo é mediado pelo paradigma de
IDENTIFICAÇÃO DAS programação implícito no meio digital.
CONCEPÇÕES PEDAGÓGICAS
SUBJACENTES NO DESIGN CONSIDERAÇÕES FINAIS
EDUCACIONAL DOS CURSOS No presente trabalho considerou-
ANALISADOS se de extrema importância o estudo
sobre o design educacional, assim como
A abordagem educacional sua relação com os processos que
subjacente no design do Curso 1 enfatiza permeiam as fases de um projeto de EaD.
a incorporação da realidade de cada Desta forma, caracterizou-se o design
aluno, dos grupos e da sociedade no como um elemento norteador, através do
processo educacional (PASS, 2002) e por qual as abordagens pedagógicas,
isso reconhece-se em sua estrutura processos metodológicos, meios de
alguns princípios da teoria sócio- interação, avaliação e recursos de ensino
construtivista. No entanto, a aprendizagem são desenvolvidos e,
aprendizagem colaborativa, posteriormente, articulados durante todo
propriamente dita encontra-se relegada o percurso.
a um segundo plano. Poucas são as Através da análise de cursos à
propostas de discussão coletiva e não há distância oferecidos por instituições de
formação de grupos de trabalho. ensino superior, percebeu-se e a
Isso também ocorre no Curso 2, mesclagem de algumas abordagens
que, apesar de apresentar meios de pedagógicas diferenciadas nos cursos
socialização por meio do material apresentados, sugerindo assim, um
produzido, se caracteriza por priorizar a agrupamento de aportes teóricos, que
leitura de textos seguidos de exercícios em determinados momentos eram mais
para fixação dos conteúdos. Dessa ou menos referenciados pelos modelos
forma, pode-se visualizar um soma de dos cursos.
abordagens diversas, onde em alguns Embora disponibilizados em
momentos percebe-se que sinais ambientes digitais de aprendizagem
56
distintos e elaborados por equipes ________. E-learning como elemento de
diferentes, os cursos apresentaram integração no processo educacional.
pontos em comum, como por exemplo, a http://www.aquifolium.com.br/educacio
nal/artigos/palestra.html [Acesso em
tendência em seguir, no ambiente digital,
nov, 2003b].
planos de aula e currículos semelhantes
aos utilizados nos cursos presenciais. BARANAUKAS, MCC. Uma abordagem
Algumas divergências quanto às construcionista ao design de um
propostas de interação e material de ambiente para programação em lógica.
In: VALENTE, JA (org.). Computadores e
apoio foram reconhecidas, como o uso do
conhecimento: repensando a Educação.
meio impresso, no caso do Curso 2 e a Campinas-SP: Gráfica Central da
utilização da estrutura de objetos de UNICAMP, 1993.
aprendizagem no design do Curso 1.
CAMPOS, F; ROCHA, AR. Design instrucional e
construtivismo: em busca de modelos
NOTAS para o desenvolvimento de software. IV
1 - Artigo publicado nas atas do V Encuentro Internacional
Congresso RIBIE, Brasília, DF, 1998.
sobre Educación, Capacitación Profesional y Tecnologías de Http://www.niee.ufrgs.br/ribie98/TRAB
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[Http://www.virtualeduca.org/2004/es/actas/13/3.13.24.doc]
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2 - Mestre em Gerontologia, pela PUC-SP, Graduada em
Pedagogia, docente da FAMEC. projetos de EAD. In Revista TI Master -
Coluna Escola Internet: Formação e
3 - Mestranda em Educação: Currículo, na linha de pesquisa treinamento on-line, 21 ago, 2001.
"Novas Tecnologias em Educação" pela PUC-SP,
Especialista em Comunicação e Educação, Graduada em http://www.timaster.com.br/revista/col
Processamento de Dados e docente da FAMEC. unistas/ [Acesso em fev, 2004.]
4 - Richard Larson, diretor do CAES - Centro para Serviços ________. Estado atual da educação a
Educacionais Avançados do MIT - Instituto de Tecnologia distância. In Revista TI Master - Coluna
de Massachusetts.
Escola Internet: Formação e treinamento
on-line, 20 dez, 2003.
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PRADO, MEBB; ALMEIDA, MEB. Criando
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ALMEIDA, MEB; ALONSO, M. (orgs.).
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Paulo: Avercamp, 2003b. SANTOS, N. Design de interfaces de software
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educador on-line a partir do uso de ________. Espaços virtuais de ensino e
ferramentas de courseware. aprendizagem.http://www.ieditora.com.
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nsantos@infolink.com.br. 06 jan, 2004.

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Ministrar Cursos a Distância de
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TELES, L. Designing Online Collaborative
Learning Environments. II Ciclo de
Teleconferências Engenheiro 2001 -
Reforma e renovação pedagógica da
e d u c a ç ã o t e c n o l o g i a .
http://www.engenheiro2001.org.br/arti
gos/Teles2.htm [Acesso em set, 2003].
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Teoria do desenvolvimento mental e
problemas da educação. Trad. Vera Lúcia
Camara Zacharias. 1999. Acesso em set,
2003.http://www.centrorefeducacional.
pro.br/vydesmen.htm
VALENTE, JA. Diferentes abordagens de
Educação A Distância. NIED UNICAMP &
C E D - P U C S P .
http://www.proinfo.gov.br/biblioteca/te
xtos/txtaborda.pdf [Acesso em set,
2003].
VYGOTSKY, LS. A formação social da mente.
São Paulo: Martins Fontes, 1984.

58
A INTERAÇÃO ENTRE PARTICIPANTES DE CURSOS
SEMI-RESENCIAIS E A ORGANIZAÇÃO DE
ATIVIDADE: RELATO DE EXPERIÊNCIA

Adriana Paula Borges1


RESUMO ABSTRACT
A Educação à distância vem ocupando The distance education comes occupying
cada vez mais espaço como forma each time more space as alternative form
alternativa de ensino-aprendizagem. of teach-learning. Some challenges exist
Existem alguns desafios a serem to be surpassed and one of them is
superados e um deles está relacionado à related to the form to organize activities
forma de organizar atividades visando a physically aiming at the construction of
construção do conhecimento e a troca de the knowledge and the exchange of
experiências entre alunos separados experiences between separate pupils,
fisicamente, distribuídos pelo Brasil. distributed for Brazil. Infrastructure
Recursos de infra-estrutura para resources to make possible the long-
viabilizar as atividades à distância já distance activities already exist and this
existem e este artigo descreve uma article describes one of them. The
delas. As questões de interação entre questions of interaction between
participantes de cursos e a organização participants of courses and the
das atividades não presenciais também organization of the not actual activities
são descritas nesse artigo, na forma de also are described in this article, in the
relato de experiência, como um exemplo form of experience story, as a positive
positivo de interação e aprendizagem. A example of interaction and learning. The
experiência se deu em um curso de pós- experience if gave in a course of after-
graduação na Universidade Federal de graduation in the Federal University of
Juiz de Fora.

PALAVRA-CHAVE KEYWORDS
Educação à distância, educação semi- distance education, actual-activities,
presencial, colaboração e cooperação. interation and learning

59
INTRODUÇÃO acessá-los rapidamente, da busca de
informação disponível em fontes de
A Educação à Distância (EAD) dados do mundo todo. Cada vez mais é
vem se destacando no campo da preciso construir critérios de seleção, em
educação formal e na formação e sintonia com as diferentes demandas
atualização profissional. A EAD pode ser individuais e sociais. Porém pouco se fala
definida intuitivamente como sendo o sobre as reais dificuldades no
processo educacional que ocorre quando planejamento de atividades não
professor e aluno estão separados - no presenciais, dos professores tecnicistas
tempo ou no espaço. Atualmente a EAD quanto à transmissão de informação ou
utiliza-se de diferentes tecnologias de sobre a necessidade de estimular e
comunicação e informação, que vão capacitar o corpo docente a desenvolver
desde um simples texto impresso até e aprimorar as habilidades
conferências por computador [Costa, comunicacionais no ensino. Esse ponto
1994], [Suthers, 1996]. A Educação à limitador pode se agravar quando se
Distância através da Internet oferece aos refere ao ensino não presencial, onde a
alunos maior flexibilidade, possibilidades forma de comunicação se restringe,
de atualização, da educação continuada; basicamente, à forma escrita. Neste
aos professores maior desafio, aos contexto, o presente artigo tem como
gestores mais trabalho em busca de proposta socializar uma experiência
melhor qualidade de ensino e aos positiva na realização de uma atividade
mantenedores das instituições de ensino, não presencial por um grupo de alunos
entre outras coisas, um fator de cursando pós-graduação em Gestão da
competitividade. Educação à distância na Universidade de
Na atualidade, uma das tarefas Juiz de Fora, de forma colaborativa e
mais importantes e desafiadoras das cooperativa.
instituições de ensino é tornar mais
flexível o currículo de cada curso, com REVISÃO DA LITERATURA
atividades presenciais e à distância,
integradas e inovadoras [Moran, 2004], Uma parte significativa da
acompanhando a tendência mundial literatura tem apoiado a afirmação de
respeitando o projeto pedagógico e o que a comunicação nas classes é o centro
perfil dos alunos e do corpo docente. A do processo de aprendizagem.
realidade mostra que os próprios alunos Comportamentos pró-sociais, como a
já não sentem a mesma motivação em mediação verbal e não verbal, têm sido
acompanhar cursos onde o professor encontrados para promover a
realiza a exposição de assuntos durante aprendizagem cognitiva e afetiva em
horas seguidas, mesmo nas aulas onde conjuntos de instruções tradicionais
existem discussões, estudos de casos [Baker, 2004]. A mediação do professor
específicos da área de formação e torna-se apoio importante no processo
interesse. É necessário adequar o ensino de aprendizagem em ambientes virtuais.
às transformações que a sociedade Existe ainda uma dependência dos
brasileira vem passando desde a difusão alunos com relação ao papel do professor
da Internet como meio interativo de líder para orientá-los, mesmo através de
comunicação, de lazer, de busca de recursos tecnológicos diferenciados.
informações, de aprendizado. Em ambientes virtuais, a
A educação é um processo cada limitação quanto à utilização dos sentidos
vez mais complexo numa sociedade em é um fator que deve ser ponderado.
permanente mudança. Educar com Quando se fala de salas de aulas
recursos como a televisão e a Internet tradicionais, existe a presença física do
gera novos desafios, ao facilitar a professor e dos alunos, que podem se
possibilidade de comparar cursos, de olhar, sorrir, reclamar, estender a mão...É
60
possível “sentir” com todos os sentidos o pode ser dividido entre os membros de
que ocorre no processo ensino- um mesmo grupo, de forma a contar com
aprendizagem. Já nos ambientes virtuais a cooperação de cada um para finalizar
mais utilizados a comunicação se dá um trabalho.
única e exclusivamente através da Tratando-se de cursos em ambientes
escrita, que muitas vezes não traduz o virtuais de aprendizagem, onde o grande
que realmente se que dizer. objetivo é a construção do conhecimento,
Talvez um dos grandes desafios é necessário utilizar-se de ferramentas
esteja exatamente na forma de medir ou que incentivem e proporcionem a
monitorar as interações dos estudantes colaboração e a cooperação, de modo a
em fóruns de discussão baseados em suprir os limites da distância física.
texto, se uma discussão on-line foi A seguir é descrita uma
proveitosa e teve uma quantia experiência positiva sobre o incentivo da
significativa de texto para compreender colaboração e da cooperação para a
[Govan, 2003]. Escrever pouco em um execução de uma atividade não
fórum de discussão não implica em presencial em um curso à distância.
desconhecimento e é necessário
estabelecer os limites e critérios de RELATO DE EXPERIÊNCIA
avaliação para que a participação se dê
de forma satisfatória tanto para o No curso de Gestão da Educação
aprendiz quanto para o tutor, o que à Distância (EAD) oferecido pela
demanda preparação, planejamento e Universidade de Juiz de Fora (UFJF) na
comprometimento dos envolvidos. modalidade à distância via Internet,
É importante que os existem alguns encontros presenciais
participantes tenham a mesma forma de obrigatórios, conforme exigência do
acesso e que reservem este tempo Ministério de Educação e Cultura (MEC).
destinado ao curso fora do ambiente de Porém, a grande maioria das atividades,
trabalho; além da interação que deve denominada desafios, é realizada através
existir e para que haja uma melhor de salas de bate-papo, fórum de
interação, os participantes devem falar a discussão e troca de e-mails.
mesma língua (algumas pessoas podem Na terceira disciplina do curso
sentir-se alienadas durante o processo se intitulada Teorias de Aprendizagem, os
as discussões forem dominadas por alunos foram divididos em grupos e cada
grupos que têm sua própria linguagem) grupo deveria fazer um estudo sobre os
[Wegerif, 1998]. teóricos indicados pela tutora e
Cabe ao tutor estimular a relacionar as teorias às atividades de um
colaboração e a cooperação entre os curso de EAD. Este estudo deveria ter
alunos, entre os grupos de trabalho como produto final um texto e uma
visando proporcionar a aprendizagem apresentação para que no encontro
significativa. Segundo Marcelo e presencial fosse possível compartilhar o
Morandini, o trabalho colaborativo é o conhecimento construído e experiências
trabalho que envolve duas ou mais discutidas nos encontros virtuais durante
pessoas compartilhando informações em a realização do trabalho.
busca da solução de um problema. Para O grupo relatado neste artigo
haver um trabalho colaborativo é deveria apresentar as teorias
necessário que os indivíduos possuam Comportamentalista- Psicológica
habilidades para o trabalho em grupo, Behaviorista- Ambientalista-
espírito de coletividade e bom Associacionista destacando a TEORIA
relacionamento. Essa habilidade pode e estudada, o PAPEL DA ESCOLA, os
deve ser trabalhada. Já o trabalho CONTEÚDOS e características
cooperativo tem como resultado necessárias para trabalhar as habilidades
produtos de informações como decisões, dos alunos, os métodos direcionados à
61
individualização e a atenção ao ritmo e
competência de cada aluno, envolvendo
avaliação. Também era necessário
destacar os pontos positivos e negativos
da APRENDIZAGEM, o PAPEL DO
PROFESSOR o PAPEL DO ALUNO e os
REPRESENTANTES das teorias.
A princípio tratava-se de uma
atividade colaborativa onde o grupo tinha
uma situação a ser resolvida: a redação
do texto e a apresentação da teoria.
Porém, já nas primeiras discussões o
trabalho teve início com a divisão de
tarefas entre os membros do grupo e a
busca por uma ferramenta que
possibilitasse a discussão e a elaboração Figura 1 - Ferramenta desenvolvida pela
do trabalho de forma cooperativa. Todos Universidade Federal do Rio Grande do Sul
tinham consciência de seu papel para a para escrita colaborativa.
finalização do trabalho, portanto,
Cada membro do grupo efetuou
ninguém poderia falhar. Aparentemente
seu cadastro para ter acesso à
o trabalho era algo simples e
ferramenta para escrita colaborativa.
descomplicado, mas só aparentemente.
Havia um líder, um redator e todos os
Cada membro do grupo estava
demais tinham o papel de colaboradores,
fisicamente localizado em regiões
redigindo novos parágrafos (exemplo
diferentes do Brasil. As discussões
disponível na Figura 2), sugerindo
tiveram início via e-mail. Logo foi possível
alterações nos parágrafos já postados na
perceber a maior integração entre alguns
ferramenta e discutindo as idéias. Como
participantes mais ativos, que já se
recurso auxiliar, para não misturar o
conheciam de outras atividades em
texto com as idéias ainda em discussão,
disciplinas anteriores. Por diversas vezes
era utilizado o correio eletrônico.
os demais participantes do mesmo grupo
tiveram suas sugestões ignoradas pelos
mais ativos. A tutora, que também tinha
acesso a todo processo de troca de
informações entre o grupo, alertou sobre
a importância de responder a todos,
destacando as sugestões anteriormente
ignoradas, tentando incluir todos na
reflexão e discussão. As interferências da
tutora surtiram efeito quase imediato.
Uma das componentes do grupo
indicou a utilização de uma ferramenta
desenvolvida pela Universidade Federal
do Rio Grande do Sul denominada
Figura 2 Detalhe da ferramenta cada
Equitext [UFRGS]. Essa ferramenta integrante do grupo poderia redigir um
possui interface amigável (Figura 1) e o parágrafo, que ficava armazenado para que os
grande objetivo é possibilitar a escrita de demais pudessem visualizar e até alterar.
textos de forma colaborativa, através de
parágrafos. A própria ferramenta possibilita
que seja gerado um texto único fazendo a
junção dos parágrafos digitados
isoladamente. A redatora oficial ficou
62
encarregada de fazer a revisão, excluir as ambiente específico que favorece a
informações duplicadas e gerar o texto escrita colaborativa. Destaca-se também
final, como exemplifica a Figura 3. a importância do acompanhamento
realizado pelo tutor no desenvolvimento
da atividade, sempre objetivando a
integração da equipe e a consideração
das opiniões e sugestões de todos do
grupo.
Destaca-se a necessidade de
planejamento, esclarecimento dos
requisitos para a realização da tarefa e a
organização que deve haver entre os
participantes das atividades não
presenciais. Desta forma a possibilidade
de construir conhecimento é muito maior
e torna a atividade mais satisfatória para
todos.
Figura 3 Ao final a própria ferramenta juntava
os parágrafos para formar um texto, escrito de NOTA
forma colaborativa.
1 - adrianapaula25@uol.com.br - Engenheira
e Mestre pela escola Politécnica da USP,
O texto foi importado para um doutoranda em Educação à distância na
processador de textos para que as figuras FEUSP, docente e coordenadora do curso de
selecionadas sobre o assunto em Sistemas de Informação da FAMEC e da FAAC.
discussão pudessem ser inseridas de
forma adequada e esteticamente melhor
ajustadas. BIBLIOGRAFIA
A apresentação no encontro
presencial se deu de forma natural onde BAKER, J. D. (2004). An investigation of
todos os integrantes puderam expor as relationships among instructor
immediacy and affective and cognitive
divergências e conclusões, fruto do
learning in the online classroom. The
trabalho e do processo de aprendizagem Internet and Higher Education, 7(1), 1-
cooperativa e colaborativa. 13.
BRACE-GOVAN, J. A. (2003). A method to
CONCLUSÃO track discussion forum activity: the
moderator's assessment matrix. The
Mais do que nos encontros é Internet and Higher Education, (6), p.
necessário estar atento às formas de 303-325.
interação que ocorrem na execução de
DA COSTA, R.& SANTOS, N. “Diretrizes
atividades não presenciais, o que Pedagógicas para Modelagem de Usuário
demanda a cooperação e colaboração de em Sistemas Tutoriais Inteligentes”
todos os alunos, além do in Taller Internacional de Software
comprometimento do tutor. Educativo, 1997.
Neste artigo foi apresentado um
E Q U I T E X T d i s p o n í v e l e m
relato de experiência ocorrido em 2003 http://equitext.pgie.ufrgs.br acessado
em uma disciplina do curso de em 29 de junho de 2005.
especialização em Gestão da Educação à
Distância, oferecido pela Universidade MARCELO E MORANDINI, “Critérios e
Federal de Juiz de Fora. Foi um exemplo Requisitos para avaliação da usabilidade
de experiência positiva, onde foi possível de interfaces em groupware CSCW “,
Faculdade de Engenharia Elétrica e de
verificar a real colaboração entre os
Computação FEEC Unicamp.
participantes que elegeram até um
63
MORAN, José Manuel, A Educação a distância
hoje no Brasil, Disponível em
www.eca.usp.br/prof/moran - Acessado
em 22/09/2004
SUTHERS, D. (1996). Combining Pedagogical
and Technological Paradigms for
Educational Software. Position Paper
CHI'96 Research Symposion
THOMPSON, S. D., Martin, L., Richards, L., &
Branson, D. (2003). Assessing critical
thinking and problem solving using a
Web-based curriculum for students. The
Internet and Higher Education 6(2), 185-
191.
WEGERIF, Rupert (1998). The social dimension
of asynchronous learning networks.
Journal of Asynchronous Networks 2(1),
p. 34-49.

64
O AUDIOVISUAL NA ARTE EDUCAÇÃO:
O PROJETO INTERVÍDEO
1
RICARDO ZANI

“Em breve estarão reunidas todas as condições


técnicas para que o audiovisual atinja o grau de
plasticidade que fez da escrita a principal
tecnologia intelectual...”
Pierre Lévy, 1990.

RESUMO ABSTRACT
O objetivo deste artigo é apresentar o This article has the objective in show the
trabalho que vem sendo desenvolvido há work that has been done by four years on
quatro anos nas disciplinas Metodologia Metodologia do Ensino da Arte III and IV
do Ensino da Arte III e IV e Multimídia I e and Multimídia I and II, having as central
II, tendo como foco central os alunos focus the graduated students from
formandos do curso de Licenciatura em Licenciatura em Educação Artística from
Educação Artística da Faculdade Faculdade Montessori de Educação e
Montessori de Educação e Cultura Cultura FAMEC. Treats an Intervídeo
Famec. Trata-se do projeto Intervídeo o project, that aims to offer conditions to
vídeo educacional, que visa oferecer the students and future educators in
condições aos estudantes e futuros enjoying, discussing and producing
educadores para apreciar, questionar e videos to the education art, that proposes
produzir vídeos voltados à arte educação, a videografic language as a acessible and
que propõe a linguagem videográfica efficacious way in comunication between
como um meio acessível e eficaz na teachers and students.
comunicação entre professores e alunos.

PALAVRA-CHAVE KEYWORDS
Arte educação; Novas tecnologias; Education art; New tecnologies; Cinema;
Cinema; Vídeo Video

65
INTRODUÇÃO simbólico, o que faz com que ela esteja
em situação de mediação entre o
Com o intuito de descrever e espectador e a realidade. (AUMONT,
discutir o audiovisual na educação, sua Jacques. 1995, p. 78)
aplicabilidade e possibilidades no ensino
e especificamente neste caso, ao ensino CINEMA, TELEVISÃO, VÍDEO E ETC.
da Arte, este texto apresenta o trabalho
que vem sendo desenvolvido no curso de Com efeito, o audiovisual na sala
Licenciatura em Educação Artística da de aula, mais precisamente o vídeo neste
Famec. Ao entender que o audiovisual projeto, reafirma suas qualidades de
concorre à formação de jovens e adultos, transmissor de conhecimentos a um
faz-se necessário uma ação educativa público cada vez maior. Fazemos parte de
visando à coexistência entre o texto e a uma geração que, no processo de
imagem, permitindo que os recursos socialização, também foi educada pelo
midiáticos sejam vistos como linguagens cinema, pela televisão, pelo vídeo e,
pedagógicas e não mais como simples atualmente, pela internet. São
meios de diversão e lazer. tecnologias que se inserem em nosso
Uma das maneiras de se cotidiano em maior ou menor grau com
conseguir tal feito é fazer com que os informações relevantes ao ser humano e,
futuros educadores tomem contato com como ressalta Arlindo Machado:
as novas tecnologias, conheçam esses
instrumentos de trabalhos e suas Hoje, é claro, a coisa é bem
qualidades técnicas para além da mera diferente. A televisão penetrou tão
reprodução de sons e imagens, profundamente na vida política das
permitindo que o senso crítico e o nações, especularizou de tal forma o
conhecimento específico dos conteúdos corpo social, que nada mais lhe pode
vistos na universidade sejam por eles ser exterior, pois tudo o que
trabalhados e veiculados através do acontece de alguma forma
audiovisual. Que a significação da pressupõe a sua mediação,
mensagem videográfica seja entendida acontece portanto para a tevê.
como uma possibilidade capaz de Aquilo que não passa pela mídia
transmitir conhecimentos e abarcar eletrônica torna-se estranho ao
valores, tal qual outros signos conhecimento e à sensibilidade do
imagéticos, como frisa Jacques Aumont: homem contemporâneo. Não se diz
A produção de imagens jamais é mais que a televisão fala das coisas
gratuita, e, desde sempre, as imagens que acontecem; agora ela fala
foram fabricadas para determinados exatamente porque as coisas
usos, individuais ou coletivos. Uma das acontecem nela. (MACHADO,
primeiras respostas à nossa questão Arlindo. 1995, p. 08)
passa pois por outra questão: para que
servem as imagens (para que queremos Porém, também deve ser claro
que elas sirvam)? É claro que, em todas ao homem que nem todas as informações
as sociedades, a maioria das imagens foi disseminadas pelos meios audiovisuais
produzida para certos fins (de são benéficas ao desenvolvimento
propaganda, de informação, religiosos, humano e que, mesmo assim, é inegável
ideológicos em geral), mas em um também que por meio dessas mídias este
primeiro momento, e para melhor nos mesmo homem está em constante
concentrarmos na questão do processo de aprendizagem. Assim, é
espectador, examinaremos apenas uma fundamental que nós espectadores
das razões essenciais da produção das saibamos filtrar o que nos é proposto e
imagens: a que provém da vinculação da cabe ao educador entender que as novas
imagem em geral com o domínio do tecnologias, como veículos de grande
66
abrangência social, estão aí para um fato. A educação passou pela
apresentar mudanças e novidades ao seu televisão, pelo audiovisual. É uma
público. É papel deste educador, obrigação do pesquisador/educador
concatenado com o mundo reconhecer e entender esse fato. A
contemporâneo e com as novas televisão pode mudar de acordo com
possibilidades de suportes educativos, a reação do espectador/educando, o
ser o agente mediador que irá além da processo pode ser revertido de
simples proposta do uso de novos meios acordo com a assimilação e a reação
em sala de aula e discutirá as qualidades d o a l v o , n o c a s o o
significativas destes com seus espectador/educando. Os filmes são
educandos. Desta maneira, é possível narrativos, contam histórias, a
entender a proposta de Jacques Aumont. nossa cultura é audiovisual e a
história do cinema é o ficcional.
Se a imagem contém sentido, este Qualquer filme é educativo.2
tem de ser lido por seu destinatário,
por seu espectador: é todo o Assim, ao desenvolver projetos
problema da interpretação da educacionais em vídeo, o trabalho
imagem. Todos sabem, por realizado na Famec propõe-se a
experiência direta, que as imagens, instrumentalizar e habilitar o futuro arte
visíveis de modo aparentemente educador para que o mesmo reconheça
imediato e inato, nem por isso são em tal instrumento um meio de pesquisa
compreendidas com facilidade, e divulgação. Ao entender a linguagem
sobretudo se foram produzidas em audiovisual como um meio de
um contexto afastado do nosso (no propagação de idéias e conceitos, o
espaço ou no tempo, as imagens do futuro docente está aberto às novas
passado costumam exigir mais mídias e poderá trabalhar com uma
interpretação). (AUMONT, Jacques. leitura crítica das peças audiovisuais em
1995, p. 250) sala de aula. Isso possibilita novas
experiências no ensino da Arte,
Ter o audiovisual como um aliado desenvolve o senso crítico e estimula a
no processo educacional e fazer deste um criatividade dos alunos em novos
instrumento de cognição, é inserir-se no projetos voltados à arte educação. O
contexto atual e tornar mais eficiente à suporte videográfico permite aos
ação de ensino-aprendizagem. Sabe-se discentes vivenciar novas possibilidades,
que o século XX conheceu o mundo porque consente aos mesmos um jogo de
através das imagens, fossem elas erros e acertos no âmbito acadêmico,
estáticas ou em movimento, e isso habilitando-os para uma futura carreira
contribuiu de forma definitiva para a profissional e ao uso adequado do
formação da identidade humana aparato videográfico, como bem observa
(DUARTE, Rosália. 2002, p. 18). Somos Arlindo Machado.
fruto de um mundo cada vez mais
imagético e é de fundamental Muitas das possibilidades criativas
importância que o educador reconheça da televisão só puderam, portanto,
esta característica, como mostra Marília ser exploradas fora da televisão,
Franco: num terreno que, todavia, era ainda
genuinamente televisual e ao qual
Todos nós somos espectadores, nós hoje chamamos de modo
todo o filme é educativo. A genérico de vídeo. É um erro supor
sociedade brasileira se constituiu que essa discrepância no trato da
em torno da televisão nos últimos matéria específica autoriza uma
vinte anos, se foi bom ou ruim é distinção rígida entre vídeo e tevê.
outra história, a questão é que isso é Melhor talvez fosse falar de uma
67
Diferença de intensidade. O vídeo contato das relações entre homens e
stricto sensu, ou seja, aquele máquinas, reorganizando assim,
produzido e difundido fora do indiretamente, a ecologia cognitiva
circuito televisual, pode investir no como um todo. Separar o
aprofundamento da função cultural conhecimento das máquinas da
da televisão, avançando, de um competência cognitiva e social é o
lado, na experimentação das mesmo que fabricar artificialmente
possibilidades da linguagem um cego (o informata “puro”) e um
eletrônica, e buscando exprimir, de paralítico (o especialista “puro” em
outro, as inquietações mais agudas ciências humanas), que se tentará
dos homens de nosso tempo. associar em seguida; mas será tarde
(MACHADO, Arlindo. 1995, pp. 09 e demais, pois os danos já terão sido
10) feitos. (LÉVY, Pierre. 1993, pp. 54 e
55)
Contudo, é preciso entender que
o desenvolvimento deste projeto estará Desta forma, o objetivo central
sempre em constante adaptação aos do projeto Intervídeo é fazer com que os
meios em que será inserido. A real estudantes de Licenciatura em Educação
necessidade do vídeo concorre com Artística entendam o vídeo como um
questões e conhecimentos pertinentes ao veículo solidário ao ensino e à discussão
seu público específico, ao saber entender da arte educação, inserindo no mercado
e discutir suas qualidades estilísticas e educadores aptos ao manuseio e ao
quando este será viável ao processo do conhecimento dos signos por eles
ensino-aprendizagem. Mais do que trabalhados dentro das novas
formar técnicos aptos a manusear tecnologias.
equipamentos, deve-se propor ao futuro Com relação às especificidades
arte educador novos conhecimentos para do projeto e ao meio de trabalho por ele
ele entender e discutir tal meio, sua proposto, os objetivos estão em realizar
qualidade e seus conteúdos. Mais do que um levantamento e uma discussão de
formar educadores que se apóiam no trabalhos já desenvolvidos, que
audiovisual para lograr suas atividades relacionem o audiovisual com a arte
acadêmicas, deve-se propor uma mídia a educação; possibilitar que os alunos
mais de conhecimento, discussão e conheçam os fundamentos, os métodos e
desenvolvimento em sala de aula. Uma o s p r o c e s s o s d e p l a n e j a m e n t o,
aliada no processo de construção do operacionalização e execução de projetos
saber e não uma “muleta” pedagógica, educacionais em vídeo; desenvolver a
como sugere Pierre Lévy ao escrever interdisciplinaridade, na medida em que
que: o conhecimento adquirido em cada
disciplina permita desenvolver
É preciso deslocar a ênfase do objeto metodologias do ensino da arte como
(o computador, o programa, este ou bases fundamentais à elaboração de um
aquele módulo técnico) para o roteiro e ao desenvolvimento de um
projeto (o ambiente cognitivo, a trabalho coeso e eficiente; orientar um
rede de relações humanas que se olhar videográfico para o ensino da Arte,
quer instituir). O conhecimento das desenvolver a noção de coletividade e de
entranhas de uma máquina ou de processo educacional ao propor trabalhos
um sistema operacional será então teóricos e práticos; produzir roteiros e
usado com o objetivo de tornar o vídeos em equipes.
produto final amigável. O
virtuosismo técnico só produz seu DA TEORIA À PRÁTICA
efeito completo quando consegue
deslocar os eixos e os pontos de Conceituando o trabalho em
68
torno dos objetivos necessários para o Especifica-se assim por propiciar
domínio das ferramentas a serem uma convivência heterogênea de
desenvolvidas no projeto Intervídeo, discursos das mais diversas culturas,
inicia-se a proposta com textos e discursos que se imbricam na narrativa
pesquisas de campo em materiais cinematográfica e configuram uma
videográficos sobre Arte, analisando e somatória de elementos próprios deste
criticando trabalhos acadêmicos feitos meio. Que afirmaram-no como um
por alunos egressos do curso ou vídeos veículo sem fronteiras ao lançar mão de
profissionais que estão no mercado para recursos existentes em outras mídias e
divulgar a Arte e seu ensino. Discutem-se que, de tal maneira, permitiram ao
as etapas de uma realização mesmo ser incorporado e redefinido, em
videográfica, a introdução ao roteiro, a determinadas características, por novos
produção, a gravação, a direção, a edição veículos de disseminação de mensagens,
e a coordenação da equipe de produção. como é o caso do vídeo. O vídeo torna-se
Po r f i m , p r o d u z e m - s e p r o j e t o s então, na atualidade, a última instância
pedagógicos tendo a linguagem do vídeo das imagens técnicas, das imagens
como veículo e suporte para o ensino da produzidas pelas máquinas e que tiveram
Arte. sua origem com o advento da fotografia
Unindo-se a teoria à prática dos (SANTAELLA, Lúcia. 1996, p. 179). Não é
trabalhos, é possível introduzir o aluno à sem razão que Milton José de Almeida
experimentação e à execução de projetos escreve:
em arte educação feitos no suporte
videográfico, levantando questões Quando sugiro que se pense no
essenciais com relação à forma e às cinema, ao lermos esses textos
qualidades estilísticas do meio sobre a memória artificial, estou
eletrônico. Desenvolvendo-se um querendo dizer que o cinema
trabalho de registro e apresentação participa da sua história, não só
visual com conteúdo didático para o como técnica, mas como arte e
ensino da Arte, seja esta um vídeo aula, ideologia. O cinema é uma invenção
um documentário ou uma entrevista, moderna, no sentido material-
deve-se entender que tal projeto técnico, porém, a forma como suas
possibilita novos caminhos à veiculação e imagens são produzidas é homóloga
ao entendimento das questões à produção da memória artificial. O
referentes à arte educação. cinema, ao mesmo tempo, cria
Em princípio, entende-se que os ficção e realidades históricas, em
trabalhos realizados devem seguir imagens agentes e potentes, e
algumas regras da linguagem produz memória. Uma arte (no
cinematográfica e ter como referência sentido atual) ao mesmo tempo um
esta mídia que se tornou, com a união da artifício. Artifício que produz
imagem, do som e do movimento, um conhecimento real e práticas de
veículo capaz de abranger e cativar a vida. Grande parte do que as
grande massa. Primeiramente, porque o pessoas conhecem hoje e entendem
cinema é uma área que possui uma como verdadeiro, só o conhecem por
metodologia bem recortada e pode ser imagens visuais e verbais. Pense,
tido como a origem e a essência das também, na grande parte da
linguagens audiovisuais, pelo menos as população que, sem ter a tradição do
que possuem narrativa. Segundo, pelo conhecimento por leitura e escrita,
fato do cinema ser dialógico3 por passaram para a sociedade ágrafa
excelência possibilita-se encontrar neste atual, de comunicação e
uma cultura polifônica, uma união de conhecimento audiovisual.
meios audiovisuais que exemplifica a (ALMEIDA, Milton José de. 1999, p.
inter-relação de discursos distintos. 56)
69
Do clássico ao moderno, os atuais no que diz respeito à crítica formal,
estudantes de Licenciatura em Educação interpretativa e sociocultural,
Artística entram em contato com os desenvolvendo um vídeo aula sobre uma
estilos e as características básicas do determinada obra de arte ou artista e
cinema. Conhecem os critérios discutir as qualidades semiológicas
narrativos, suas técnicas para contar os destes. A duração dos vídeos foi
fatos (clássica ou moderna), os estipulada entre cinco e dez minutos.
enquadramentos e os posicionamentos
de câmeras, a “plasticidade” da imagem CONCLUSÃO
(iluminações, cenários, figurinos e
cores), as trilhas musical e sonora Portanto, a atualidade do projeto
(incluindo sua clareza), as passagens de Intervídeo está na necessidade de se
cena e o desenvolvimento geral do roteiro pensar o audiovisual como um veículo
(clareza do conteúdo, didática da peça apto à divulgação de mensagens e uma
audiovisual e o seu público alvo). ferramenta essencial à educação
Assim, é através dos contemporânea, entendendo seus efeitos
conhecimentos da linguagem educativos por se tratar de um meio de
cinematográfica e por meio de uma comunicação de massa. Como consente a
produção videográfica, que os alunos pesquisadora Marília Franco, “o
desenvolvem roteiros e vídeos audiovisual é uma linguagem de
específicos na área da arte educação. educação, não um aparato técnico
No ano de 2002, a proposta foi somente, é uma linguagem de
realizar trabalhos que abordassem todas comunicação. O audiovisual não precisa
as linguagens da Arte, as visuais, as ser uma aula, uma vídeo aula, pode ser
cênicas, as musicais e os temas um meio de comunicação ficcional que
transversais. Os vídeos apresentados em transmitirá conhecimentos. A linguagem
2003 foram pensados e criados para audiovisual se constrói para tocar
servirem de material de apoio aos afetivamente o espectador através dos
workshops de Artes Visuais que os sentidos. O audiovisual é pedagógico
mesmos alunos ministraram em outubro, porque busca falar a cada subjetividade,
no VI Encontro Cultural da Famec. Em a cada afetividade e essas diferenças são
2004, realizaram-se documentários enriquecedoras.4”
sobre a literatura de cordel, a pintura Como resultado, espera-se a cada
corporal indígena, as tribos urbanas e ano elencar e desenvolver entre os
suas músicas, a tatuagem como body- participantes de tal projeto as
art, a animação de bonecos e a história do competências específicas e inerentes a
cinema norte-americano. cada ser humano, a cada educador que se
Neste ano de 2005, a proposta é permita ensinar e aprender. Assim,
desenvolver um roteiro a ser filmado e concordando com Milton José de
editado no segundo semestre do referido Almeida, “hoje, a maior parte das
ano e o tema é Para uma Leitura Crítica populações vê o real naturalizado,
da Obra de Arte. A idéia de que todos os reproduzido pela fotografia, pela
trabalhos tenham origem em um mesmo cinematografia, pela videografia, como a
princípio temático, possibilitará olhares verdadeira representação visual do real.
distintos dentro de um projeto comum e Como uma VIRTUDE artística e científica,
permitirá que, com a troca de a PERSPECTIVA, governa a educação
informações e dos resultados obtidos visual contemporânea e, em estética e
pelos grupos, a qualidade técnica não política, reconstrói, à sua maneira, a
seja tão discrepante entre os trabalhos história de homens e sociedades.”
finais. Qualquer que seja o suporte (ALMEIDA, Milton José de. 1999, p. 141).
artístico pesquisado, o objetivo é
contemplar as tendências pedagógicas
70
NOTAS ESPINAL, Luis. O Cinema Frente à T.V. Coleção
Cadernos de Cinema. São Paulo: LIC
1 - Bacharel em Artes Plásticas, formado pelo Editores, 1976.
Instituto de Artes da UNESP, Mestre em Multimeios,
pós-graduado pelo Instituto de Artes da UNICAMP, PIAGET, Jean. Seis Estudos de Psicologia.
docente nas disciplinas de Multimídia I e II e Tradução de Maria Alice Magalhães
coordenador pedagógico do curso de Licenciatura em D'Amorin e Paulo Sérgio Lima Silva. 24ª
E d u c a ç ã o A r t í s t i c a d a FA M E C . E - m a i l :
ricardozani@iar.unicamp.br
edição. Rio de Janeiro: Forense
Universitária, 1999.
2- Observações da Profª. Drª. Marília Franco, na PLAZA, Julio. Tradução Intersemiótica. São
disciplina Linguagens Audiovisuais e Educação, de Paulo: Perspectiva, 1987.
2003, na pós-graduação da ECA-USP
SOUSA, Mauro Wilton de (org.). Sujeito: o
3 - “Dialogismo ou intertextualidade é uma referência
ou uma incorporação de um elemento discursivo a
lado oculto do receptor. Tradução e
outro, podendo-se reconhecê-lo quando um autor transcrição de Sílvia Cristina Dotta e Kiel
constrói sua obra com referências a textos, imagens Pimenta. São Paulo: Brasiliense, 1995.
ou sons de outras obras e até por si mesmo, como
uma forma de reverência, de complemento e de TUDOR, Andrew. Teorias do Cinema. Tradução
elaboração do nexo e sentido de sua criação”, in: de Dulce Salvato de Meneses. São Paulo:
ZANI, Ricardo. Intertextualidades em “Um Cão Martins Fontes, sem data.
Andaluz”: pinturas em fotogramas. Campinas:
UNICAMP, 2001. (dissertação de mestrado). P. 87. XAVIER, Ismail (org.). A Experiência do
Cinema antologia. Tradução de Teresa
4 - Observações da Profª. Drª. Marília Franco, na Machado. Coleção Arte e Cultura. Rio de
disciplina Linguagens Audiovisuais e Educação, de
2003, na pós-graduação da ECA-USP. Janeiro: Edições Graal/Embrafilme,
1983.
BIBLIOGRAFIA _____________. O Discurso Cinematográfico
a opacidade e a transparência. Rio de
ALMEIDA, Milton José de. Cinema arte da
Janeiro: Paz e Terra, 1977.
memória. Campinas: Autores
Associados, 1999. ZANI, Ricardo. “Intertextualidade:
Considerações em torno do Dialogismo”,
AUMONT, Jacques. A Imagem. Tradução de
in: Em Questão - Revista da Faculdade de
Estela dos Santos Abreu e Cláudio Cesar
Biblioteconomia e Comunicação da
Santoro. 2ª edição. Coleção Ofício de Arte
UFRGS, nº 01, vol. 09, Porto Alegre:
e Forma. Campinas: Papirus, 1995.
UFRGS, jan./jun. 2003. p. 121-132. ISSN
DUARTE, Rosália. Cinema & Educação. Belo 0103-0361.
Horizonte: Autêntica, 2002.
____________. “Las Hurdes - Terra sem Pão,
LÉVY, Pierre. As Tecnologias da Inteligência o o Documentário e suas Propriedades
futuro do pensamento na era da Ficcionais”, in: Cadernos da Pós-
informática. Tradução de Carlos Irineu da Graduação, ano 06, nº 01, vol. 06,
Costa. Coleção TRANS. Rio de Janeiro: Campinas: Instituto de Artes/UNICAMP,
Editora 34, 1993. pp. 60-66, 2002. ISSN 1516-0793.

MACHADO, Arlindo. A Arte do Vídeo. São ____________. “O Autor no Cinema A


Paulo: Brasiliense, 1995. Exemplo de Luis Buñuel”, in: Revista
Científica da FAMEC/FAAC, nº 03, vol. 03,
SANTAELLA, Lúcia. A Cultura das Mídias. São São Paulo: FAMEC/FAAC, out. 2004. pp.
Paulo: Experimento, 1996. 103-113. ISSN 1677-4612.
ZANI, Ricardo. Intertextualidades em “Um Cão ____________. “O Olhar Carnavalizado em
Andaluz”: pinturas em fotogramas. Simão do Deserto - O Filme”, in: Revista
Campinas: UNICAMP, 2001. (dissertação Científica da FAMEC, nº 01, vol. 01, São
de mestrado). Paulo: FAMEC, agosto, pp. 46-54, 2002.
ARNHEIM, Rudolf. Arte e Percepção Visual - ISSN 1677-4612.
Uma Psicologia da Visão Criadora.
Tradução de Ivonne Terezinha de Faria.
Nova Versão. São Paulo: Pioneira/EDUSP,
1980.

71
O LÚDICO E A APRENDIZAGEM NA CIBERCULTURA:
1
JOGOS DIGITAIS E INTERNET NO COTIDIANO INFANTIL
Claudemir Edson Viana2

FAMEC Faculdade de Educação e Cultura Montessori;


LAPIC Laboratório de Pesquisas sobre Infância, Imaginário e Comunicação (ECA/USP)

RESUMO ABSTRACT
Estudar a infância na cibercultura merece It is necessary a multi and
uma abordagem multi e interdisciplinar interdisciplinary point of view to
para dar conta de se compreender o understand the childhood in
fenômeno contemporâneo da ludicidade cyberculture. A researcher has to take in
embrenhada pelas regras do capitalismo c o n s i d e ra t i o n t h e c o n t e m p o ra r y
pós-moderno, globalizado, e num phenomenon that is hidden by the
contexto cultural de tecnologias globalized post-modern capitalist rules of
altamente inovadoras, como é o mundo playfulness and the cultural context of
digital. Com a pretensão de entender um innovative technologies of the digital
viés deste fenômeno social, o da world. This article presents the results of
penetração da Internet e dos jogos the required research for an academic
digitais no cotidiano infantil, desenvolvi degree of doctor in communication. I
como tese de doutorado em analyzed the child reception of digital
Comunicação uma análise da recepção products for leisure. Midlle class children
infantil de um grupo de 30 crianças- between eight and ten years old from Sao
sujeito entre 08 e 10 anos de idade, Paulo elementary schools composed this
estudantes das 3a. e 4a. séries do Ensino group. This research aims to understand
Fundamental, a propósito do consumo de an aspect of the social phenomenon of
produtos digitais para o lazer e todo um the penetration of Internet and the digital
conjunto de questões quanto à interação games in the lives of children in order to
das crianças com o mundo virtual e o help scientific reflections and
fenômeno lúdico digital de crianças da propositions of educommunicative
classe média de São Paulo, capital, para actions.
subsidiar reflexões científicas e para a
proposição de ações educomunicativas.

PALAVRA-CHAVE KEYWORDS
Criança, jogos digitais, cibercultura, Child, digital games, cyberculture,
aprendizagem, lúdico. learning, ludic.

73
INTRODUÇÃO em favor dos interesses e direitos dos
cidadãos.
A cultura infantil, assim como Entretanto, por outro lado,
todo o contexto social, está em constante percebemos como as novas tecnologias
transformação, principalmente no que podem e precisam colaborar no processo
diz respeito à inserção de produtos de de democratização das sociedades
suporte hipermidiático, em rede mundial contemporâneas. A Internet e todos os
como no caso da Internet, e sob os recursos da hipermídia podem servir de
interesses e mecanismos da indústria meio para a realização deste processo,
cultural contemporânea. desde que saibamos nos apropriar deles,
O processo histórico-social das e mais, saibamos educar para uma
últimas décadas consubstanciou tal postura de usuário consciente e ativo,
fenômeno, como não poderia deixar de participativo e cidadão, embora imerso
ser, e também nele as forças internas dos num contexto tão mercantilizado.
sujeitos atuantes foram os construtores A diferença nos caminhos está na
deste contexto. Entretanto, a herança forma em como realizamos a apropriação
deste processo se reflete particularmente da Internet e de como nos inserimos e
na cultura e na comunicação dos países nos apropriamos dos serviços
Latino-Americanos, onde a produção e disponibilizados pelo mundo virtual. E a
circulação de informações sempre forma deve ser constituída pelas ações
estiveram em poder de pequenos círculos articuladas de Governos, por meio de
de interesse, e são regidas pelos políticas públicas, e pela sociedade
mecanismos desumanos do capitalismo organizada e cidadãos de forma geral.
em tempos de globalização. Neste sentido, temos à frente o desafio
Por isso, cabe aos cidadãos, e em de compreender este fenômeno
particular aos estudiosos e gestores contemporâneo e de promover ações de
responsáveis pela cultura, comunicação caráter positivo, no que diz respeito à
e educação, um melhor conhecimento comunicação e à educação de todos.
sobre o fenômeno com o foco em Por isso, no âmbito do fenômeno
objetivos que primam pelo bem social de contemporâneo, que são o lúdico e a
todos, como no que diz respeito ao direito aprendizagem na cibercultura, propomos
de se comunicar e acessar as entendê-los melhor para pautar ações e
informações e delas fazer uso livre e políticas públicas condizentes. Não é
responsável, visando à realização novidade a constatação de que também
pessoal e social. no lúdico infantil contemporâneo se dá
Com esta perspectiva, com a um perverso processo de educação para
preocupação central de entender a e pelo consumo. A novidade tecnológica
criança como sujeito do exercício lúdico vem abarrotada de produtos e
no meio digital, vemos-nos frente a um mecanismos publicitários com o objetivo
grande desafio. Paradoxalmente, por um de vender o prazer e a realização pessoal,
lado, notamos como rapidamente a no caso, para crianças e jovens
hipermídia, e em particular a Internet, principalmente.
tomam conta do cotidiano das pessoas,
adultas e crianças, e, por outro, como se O LÚDICO INFANTIL E A
prestam a serviços que podem ser A P R E N D I Z A G E M N A
classificados de duas ordens: o de CIBERCULTURA
ampliar e aprofundar a relação alienante
e consumista nos usuários, completando Sabemos da necessidade e
o processo capitalista globalizado de importância que o lúdico tem para o
incluir novos consumidores; ou, ao desenvolvimento da criança. Brincar para
contrário, o de promover a apropriação a criança é parte importante do exercício
ativa e consciente desta nova tecnologia de elaboração da sua personalidade e de
74
sua individuação como sujeito educomunicativa das tecnologias
pertencente a um grupo. E também digitais, como a Internet.
notamos como as transformações Estas questões perpassaram
urbanas, e de forma geral as sociais, toda a pesquisa na procura por
contribuíram para que os jogos digitais e compreender melhor o fenômeno lúdico
a Internet ocupassem lugar de destaque contemporâneo sob o aspecto da
no cotidiano infantil, tornando-se interação da criança e de sua
produto de necessidade e consumo. aprendizagem e seu prazer lúdico.
Infelizmente, constatamos que, na maior Apesar de fortemente presentes no
parte das vezes, nas famílias onde as cotidiano infantil, a Internet e os jogos
presenças da hipermídia e da Internet já digitais são raramente partilhados pelos
são realidade, o uso desta tecnologia e de adultos próximos, seja para brincar com
seus produtos pelas crianças é motivo ou a criança, seja para promover a
de alerta ou de regulação pelos adultos aprendizagem. E isto já é um sinal de
próximos, responsáveis por este acesso. algo errado no contexto de consumo e
A pesquisa de Doutorado em utilização pelas crianças destes produtos
ciências da comunicação O lúdico e a virtuais, pois que os momentos e os
aprendizagem na cibercultura: jogos objetos de ludicidade das crianças devem
digitais e Internet no cotidiano infantil, ser observados e compartilhados pelos
realizada entre 2001 e 2004, orientada adultos como forma, como meio de
pela Profa. Dra. Elza Dias Pacheco, participar positivamente do processo de
permitiu-me observar alguns aspectos do desenvolvimento delas. Infelizmente,
fenômeno do lúdico digital entre crianças pude notar como a Internet e os jogos
de 8 e 10 anos, de classe média digitais só eram objeto de regulação
paulistana, estudantes do Ensino pelos adultos próximos, com a finalidade
Fundamental particular, no Colégio Maria de proibir o acesso à Internet ou
Montessori, que oferece instalações submetê-lo a limitações.
adequadas para a aplicação dos recursos Também pude notar como a
disponibilizados pelas tecnologias cultura infantil, recheada pelo interesse
digitais. em histórias fabulosas, jogos,
Para tanto, foram utilizadas personagens e situações lúdicas, é pouco
metodologias que permitiram a coleta, observada e tomada pelos educadores
análise e sistematização de dados que para a aplicação em situações de ensino-
viabilizassem compreender o fenômeno aprendizagem. E isto é mais outro sinal
lúdico contemporâneo a partir dos de algo errado, pois implica numa
sujeitos, no caso 30 crianças, a fim de inclusão no mundo virtual de usuários
caracterizar o que representa para elas mirins, em processo de aprendizagem,
brincar com o computador, os jogos sem a participação de adultos mediando
digitais e a Internet; que significado elas com o intuito de promover o
expressam a propósito dos jogos digitais desenvolvimento da consciência e
e do ato de brincar com eles; em que conhecimentos nos seus usuários.
circunstâncias isto se dá; quais Isto implica muito mais num
representações sociais estão presentes e isolamento de nós adultos do universo
como a recepção infantil destes produtos infantil contemporâneo do que o possível
promove sua re-significação no ato de perigo que as crianças correm frente às
apropriação pelos sujeitos; qual o papel seduções destas novas tecnologias, pois
no desenvolvimento das crianças destes que as crianças demonstram a
brinquedos virtuais e da possibilidade de capacidade de se apropriar amplamente
estabelecer relações virtuais com outros destas tecnologias e de re-significar seus
sujeitos; o que e como os adultos conteúdos a partir de interesses e
próximos, sobretudo os educadores, necessidades particulares. Porém, com
podem fazer para uma abordagem isso, nos eximimos da responsabilidade
75
de participar dessa educação para e pelos Miniclip. O roteiro de análise dos jogos foi
meios digitais. Não se trata constituído pelos itens: conteúdo, grau
simplesmente de uma atitude de de interatividade, ambientação
educação contra o consumo, mas sim de (simulação), e Habilidades exigidas e a
que tipo de educação que se quer por serem desenvolvidas nos usuários.
meio do consumo, nos meios digitais, Foram feitas a categorização e a
sobretudo a Internet. análise das falas das sujeitos-criança da
Notamos como os objetos da pesquisa a partir do roteiro pré-
brincadeira digital, os sites e jogos elaborado. Também foi realizada a
digitais, trazem em seus conteúdos comparação das categorias com os
narrativos símbolos, metáforas e mitos comportamentos observados. As
caracterizados pela cultura atual, e que categorias são: porquês da preferência
se prestam como elementos para o pelo jogo; tipo de acesso ao jogo on-line
interesse da criança, de sua apropriação regras e seus desvios; aprendizagem;
e re-significação. Neste brincar com os consumo; desafios e fantasias dos jogos
jogos digitais, o imaginário criativo da no imaginário infantil; e outras
criança utiliza-se dos elementos e brincadeiras. Foi, por fim, feita a análise
mecanismos oferecidos pelos jogos para comparativa entre os jogos, seus
a realização de suas fantasias e de seus conteúdos, e as falas e o comportamento
desejos, muito deles inconscientes, e que observado nos sujeitos.
caracterizam o imaginário infantil. Muitos Pude constatar que o motivo da
dos sites e dos jogos preferidos são preferência pelos jogos digitais é “porque
reproduções de fábulas e histórias é divertido”. Isto porque o prazer de
infantis de sucesso em outros suportes. brincar está em conseguir fazer algo
O consumo destes produtos é proposto no site ou nos jogos, e
caracterizado por uma razoável principalmente em ganhar o jogo. O
autonomia das crianças em escolher e prazer em brincar torna a interação das
adquirir jogos em CD-Rom; em acessar crianças com os jogos um meio de
os sites e escolher os jogos. O acesso a socialização nesta idade escolar, e, ao
estes produtos digitais on-line se dá de mesmo tempo, do processo de
forma ampla (lar, escola, clubes, Lan individuação por que elas estão
house etc). Este consumo de jogos ocorre passando, com a constituição de uma
de forma articulada aos mecanismos personalidade, de uma maior consciência
capitalistas de publicidade e venda de de si e do outro.
inúmeros produtos voltados ao lazer e à Neste processo, a aprendizagem
aprendizagem das crianças, público alvo se dá por meio da brincadeira sozinha
das indústrias de jogos e dos onde a auto-aprendizagem ocorre por
empresários responsáveis pela oferta dos dois mecanismos básicos: na tentativa e
m e s m o s a t ra v é s d o s p o r t a i s e erro com observação dos resultados e
provedores da Internet. Em muitos sites, sua memorização para uso posterior; e
como no da Disney, faz-se uma grande e através da leitura de orientação sobre os
feroz publicidade de produtos em outros jogos. A aprendizagem também ocorre a
suportes como filmes, livros, gibis etc, partir da interação com “outros”,
constituindo-se uma rede articulada de lembrando que neste caso, o da
canais para oferta e venda de seus tecnologia da teleinformática, estes
produtos. “outros” são conhecidos ou
O levantamento de dados sobre desconhecidos, de perto ou de longe,
os sites e jogos preferidos resultou na criança ou adulto. Como nos diz um dos
análise de conteúdo de 36 jogos on-line, sujeitos: “eu jogo sozinho, eu entro na
gratuitos, em 5 sites mais citados: Internet e jogo com todo mundo!”.
Barbie, Cartoornetwork, Disney, uol, Enfim, observa-se facilmente como os
mais exatamente o Fliperama, e o jogos e a Internet, de forma geral,
76
participam do processo de ICQ, são algumas das ações relatadas
desenvolvimento de habilidades e de pelos sujeitos-criança. Inevitavelmente o
conhecimentos como é explicado por acesso às informações, e às outras
Vygotsky, isto é, a aprendizagem se dá pessoas, conhecidas ou não, amplia e
na zona de Desenvolvimento Proximal intensifica o processo de socialização
quando as crianças interagem com os pelo qual a criança passa no período
jogo e com o “outro”, neste caso, o escolar. E isto representa apenas e tão
virtual. E o jogo “permite à criança a somente um dado a mais, um 'risco' a
inserção nos meandros da cultura, o que mais na vida de nossas crianças que já
promove uma resignificação criativa têm a Internet em seu cotidiano.
pelos laços da imaginação e por suas Conclui-se que a presença da
articulações com o psiquismo”3. tecnologia digital, sobretudo da Internet,
no cotidiano infantil e na cultura
USOS DOS “BRINQUEDOS DIGITAIS” produzida pelas crianças é mais uma
PELAS CRIANÇAS forma e a condição de se fazerem sujeitos
e parte da sociedade, mantendo seu
Conforme a capacidade e modo específico de ver e sentir as coisas
condição de interação da criança com a da vida, e também de expressá-las e
Internet e os jogos digitais, mostra-se significá-las. Notamos que a capacidade
necessário o questionamento de nossa criativa e imaginativa das crianças as
parte sobre algumas situações leva para uma aprendizagem autônoma
observadas no cotidiano infantil e que ou independente de adultos ou escolas
requerem uma transformação, e cuja para interagir com os produtos
responsabilidade é de todos. Para o senso disponibilizados pela tecnologia digital, a
comum dos que se mostram hipermídia e a rede de computadores.
preocupados com as conseqüências para Notamos também como as
a vida das crianças, o fato de terem características da linguagem
acesso aos conteúdos e serviços da hipermidiática e a possibilidade de
Internet e dos jogos violentos, faz do interatividade oferecida pelas
computador o culpado de qualquer mal tecnologias novas facilitam e promovem
ou desvio no desenvolvimento da o processo quase que autônomo de
criança, assim como o jogo digital e a aprendizagem e utilização pelas crianças
Internet. Nada disso! Se há algo de ruim seja para fins lúdicos, seja para outros
nos casos em que a criança demonstra fins como o de se comunicar com 'outro'
desequilíbrio no uso de um determinado virtual, ou para fazer seu blog, pesquisar
produto quase que exclusivamente para e estudar. Portanto, nós adultos é que
seu lazer, por exemplo, durante horas precisamos agir no sentido de também
infindáveis só com o computador, isto é questionar o modo como o lúdico digital
sinal de que a criança apresenta ocorre, como seus mecanismos
problemas na vida real, sobretudo na mercadológicos envolvem e motivam
relação com os adultos próximos, e nossas crianças para tornarem seus
reclama pela mediação positiva dos produtos uma necessidade. E ainda de
mesmos. promover esforços individuais e
Apesar destas constatações, coletivos, organizados, para provocar a
notamos e sabemos como o sujeito- pauta política do país no sentido de criar
criança consumidor é um sujeito mecanismos institucionais e práticas
histórico, produtor e consumidor de sociais que garantam o mínimo de
cultura, e que se mostra capaz de qualidade e segurança no processo de
interagir com a Internet e com os jogos interação e consumo infantil dos
digitais. Colocar o endereço do site ou do produtos culturais próprios da
jogo preferido de memória, mostrar seu cibercultura.
blog para os coleguinhas, conversar no Ressalto, entretanto, que esta
77
qualidade na interação das crianças com textos, constitui-se numa estrutura
a Internet, por exemplo, prescinde de narrativa hipermidiática, assemelhando-
uma preocupação nossa em torná-la se à forma de pensamento primitivo do
construtora da cidadania ativa e homem, que, segundo Jung, é muito
consciente, já e no futuro próximo. E por forte nas crianças: “nada impede que na
isso são extremamente louváveis ações infância passemos por um período
da academia, dos governos, e da durante o qual o modo arcaico de pensar
sociedade no sentido de democratizarem e sentir se manifesta em palavras e que
o acesso a esta tecnologia poderosa. Sem durante toda a vida, ao lado do
dúvida que políticas públicas dos pensamento recém-adquirido, dirigido e
Governos precisam considerar e garantir adaptado, possuímos um pensamento-
os meios para a Inclusão Social de todos fantasia que corresponde a estados de
os cidadãos, seja através dos centros espírito ancestrais”4.
públicos e gratuitos de acesso à Internet, Da análise realizada a partir da
seja com o apoio para a produção e representação infantil dos sujeitos da
utilização de softwares livres, por pesquisa, foram identificados os
exemplo. Mas também, e principalmente, seguintes motivos do interesse pelos
que as devidas instituições e os jogos:
profissionais responsáveis saibam
A - Porque é divertido resposta síntese
promover também a educação de nossas
que expressa a função do jogo digital de
crianças e jovens para a apropriação
atuar como um dispositivo para a
consciente e positiva destes meios de
realização do lúdico necessário à criança,
comunicação e educação, sabendo dele
para a sua interação com o ambiente
explorar o máximo em seu benefício e
social em que vive, e como meio divertido
interesse pessoais, e com a ética inerente
de descobrir e aprender sobre o que lhe
ao conhecimento organizado, dirigido e
interessa e sobre o novo;
valorizado pela sociedade.
A hipermídia e a telinformática B - Porque satisfaz num processo de
constituem-se em interfaces mediadoras projeção, o usuário, a criança, vê-se
de linguagens e formas de ser e de ver numa interação com o jogo, onde ela é
das crianças, e próprios da cibercultura. uma das personagens da narrativa em
Suas características contribuem para a que consiste o jogo. Conforme suas
sensação de prazer, de conquista e de ações, a criança, o jogador, ou
vitória ao superar obstáculos e limites simplesmente o usuário irá escolher,
(ser o mais rápido, fazer mais pontos, treinar, superar desafios, produzir algo
dentre outros). O poder desta tecnologia personalizado dentre as escolhas
de oferecer um grande realismo nas disponíveis e torná-lo real, mesmo que
simulações dos ambientes, personagens, seja mandando o produto da pintura, ou
ações, soma-se à capacidade deste do que foi 'co-produzido', a outras
suporte de utilizar-se dos inúmeros pessoas pelo serviço de e-mail; ou ainda
recursos do som, da imagem em simplesmente imprimindo. De qualquer
movimento, enfim da multimídia, e ainda maneira, a satisfação da criança está no
da capacidade de oferecer a fato de ter sido 'feito por ela', e poder
interatividade aos usuários, quando estes mostrar aos outros através da
interferem através de escolhas e ações, socialização (real e virtual) do resultado.
por meio de periféricos do computador Por isso, as narrativas dos jogos
como o teclado ou o mouse, e, assim, representam para as crianças a
fazem sua imersão no mundo digital por realização de sua satisfação projetiva na
meio de um processo comunicacional que personagem principal que resulta
promove o lazer e a educação. diretamente de sua intervenção, seja
A linguagem icônica, de links e como o jogador da partida, seja como o
repleta de símbolos associados aos sujeito que constrói algo e o utiliza. E a
78
interação da criança com a hipermídia respostas. Nenhuma menção foi feita a
resulta em algo 'feito por ela', concreto qualquer site ou jogo em particular que
ou virtual, e que será objeto de tenha sido proibido por um adulto
socialização; e, ainda, a necessária próximo;
capacidade de se comunicar com outro e
B - Acesso individual e grupal o acesso
outros por meio da hipermídia on-line,
parece se dar muito individualmente.
que se constitui em ações que favorecem
'Sozinho' foi a resposta bastante
o processo de construção da
presente, mas são observadas inúmeras
personalidade da criança, na medida em
descrições de situações onde alguém
que participam do sistema de
adulto da família: pai, mãe, avó, etc,
subjetivação/socialização do indivíduo.
interfere neste acesso seja para viabilizá-
C - Porque é instrumento de socialização lo, seja para limitá-lo com regras.
como outras atividades, a brincadeira Entretanto, isso nem sempre significa
com os jogos digitais toma sentido para que este adulto participa da brincadeira.
as crianças a partir do seu contexto social Outra situação de acesso coletivo é a que
próximo, familiar e social. No primeiro pudemos observar durante os encontros,
caso, no contexto familiar, é notória a e que foi objeto de descrição nas Fichas
presença do familiar adulto mais de observação dos encontros gravados,
próximo, geralmente pais, mas também onde a interação com os jogos e sites se
avós e tios, na participação da deu quase sempre em duplas e trios. Era
brincadeira com os jogos digitais, ou absolutamente natural para os sujeitos-
demais formas de interagir com a criança ter a ajuda do(a) colega para
hipermídia. Isto é bom e importante brincar com os jogos digitais; um ensinar
tanto para a aprendizagem da criança ao outro como fazer, o coleguismo foi
quanto para o diálogo dos pais com seus uma prática fartamente observada nos
filhos. Também é importante notar que os encontros promovidos. Também nas
jogos digitais, os sites, e alguns de seus falas de alguns sujeitos-criança nota-se a
produtos como os blogs são objetos de forte presença da prática de acesso à
trocas entre as próprias crianças, troca Internet e aos jogos com colegas fora da
de produtos e de informações a respeito escola, como irmãos, primos, e outros
de como e onde localizar o site ou o jogo, amigos do condomínio ou vizinhos.
como enviar mensagem, copiar, dar os
C - Acesso restringido por determinação
comandos para determinado jogo, etc.
de alguém adulto da família, geralmente
Ainda é esclarecedor o fato de se notar
pai ou mãe, há algum tipo de restrição no
diversas vezes entre os sujeitos-criança a
acesso e uso dos produtos digitais pelos
utilização da hipermídia, sobretudo o
sujeitos-criança, o que demonstra como
ICQ, como veículo de comunicação
o lúdico digital mantém práticas sociais
i n d i v í d u o / i n d i v í d u o ,
inerentes ao lúdico infantil, assim como
indivíduo/coletivo/indivíduo.
ao de ser pai e mãe participantes deste
novo contexto social, sendo co-
Notou-se também como são os
responsáveis pela presença destes
contextos de acesso, ou seja, as regras e
produtos no desenvolvimento dos filhos.
os desvios praticados pelos sujeitos-
Restrições comuns são o de ter a senha
criança. Podemos destacar quatro
para acessar a Internet, ou mesmo o
categorias de acesso aos jogos e à
próprio computador para que a criança
Internet:
possa brincar; outra é a de determinar os
A - Acesso irrestrito e freqüente forma momentos e a quantidade de vezes e que
de acesso aos sites e à Internet bastante a criança pode brincar com a Internet e
presente nas falas dos sujeitos-criança. A os jogos digitais, servindo inclusive de
freqüência de acesso diário e acesso no castigo como vimos no caso de um dos
final de semana foi grande como sujeitos-criança.
79
D - Acesso burlando regras como é as habilidades de comunicação e
próprio da limitação que regras impostas socialização das crianças; e outro
causam nos sujeitos, quando elas são aspecto é o fato de aprender sempre com
impostas às crianças no caso, ocorre o alguém da família ou com o(a) colega.
desafio entre elas para cumprir as regras Aliás, foi notória nas observações
do jogo, ou burlar as imposição e apresentadas nas Fichas a descrição de
limitações que impedem sua satisfação situações de total interação dos sujeitos-
de jogar ou simplesmente acessar a criança entre si. Seja na alternância no
Internet. E aí, muito da criatividade e comando do mouse ou do teclado, seja no
capacidade da criança em utilizar o que diálogo entre os sujeitos-criança durante
conhece de informática, e até mais que os os encontros, ficou absolutamente claro
adultos próximos, faz a diferença, como que a Internet e seus produtos/serviços
se viu em muitos relatos dos sujeitos- são objeto de troca entre as crianças, são
criança sobre o fato de que descobriram a também informação que detém algum
senha de acesso para jogar na Internet. poder ou valor de troca para elas, e ainda
que se constituem em meio de
No que diz respeito à aprendizagem, aprendizagem e comunicação.
o que pudemos notar através das Foi possível identificar entre os
observações das situações de interação sujeitos-criança a prática lúdica real,
dos sujeitos-criança com os jogos digitais concreta, e com muitas brincadeiras
e de suas falas, pode ser assim tradicionais. Exemplo disto é a resposta
categorizadas: de duas meninas à pergunta sobre qual
brincadeira preferem: “De correr do
A- Brincando sozinha - os sujeitos- Elias, de bater no Elias, de chamar o Elias
criança demonstram fartamente em suas de banana...”(e riem muito). Nota-se que
falas como os jogos e sites conseguem mesmo com a invasão da tecnologia
garantir um dos elementos fundamentais digital no cotidiano infantil, as crianças
para o sucesso de um produto demonstram a habilidade de transformar
hipermidiático: a auto-aprendizagem. tudo e qualquer lugar em espaço e tempo
Para isso acontecer é preciso, além de de brincadeiras. E isto pode ser estendido
saber utilizar os recursos audiovisuais até mesmo às crianças de famílias
que caracterizam a hipermídia, saber descapitalizadas, embora saibamos dos
também, e principalmente, ser claro o males que o trabalho infantil representa
suficiente para permitir ao usuário, uma para o desenvolvimento geral das
criança no caso, a aprendizagem sobre crianças, sobretudo no que diz respeito
como interagir com aqueles produtos e ao direito de ter o lúdico pelo lúdico em
serviços digitais seja por meio de seu dia-a-dia.
tentativas e erros, seja pela Mas voltando ao que diz respeito às
apresentação clara e objetiva de crianças que têm a tecnologia digital em
orientações em forma de textos e seu cotidiano, percebe-se como elas
imagens; ou ainda, quase que fazem a interpenetração de elementos
'naturalmente'. das brincadeiras reais com as virtuais. E
isto também ocorre porque muitos dos
B - Brincando com alguém a presença do jogos digitais são reproduções ou
outro no processo de aprendizagem da releituras de brincadeiras que já fazem
criança sobre os jogos digitais em parte da cultura infantil. Isto se estende e
particular, e a cibercultura de forma ocorre de forma muito mais intensa com
geral, demonstra dois aspectos: como os os personagens de histórias, clássicas ou
produtos digitais vêm se constituir em da moda, presentes na cultura infantil
um meio de interação com o outro, contemporânea. Heróis e vilões fazem
individual e coletivo, à distância e parte dos jogos digitais assim como de
presencialmente, o que amplia em muito álbuns, lancheiras, cadernos, desenhos
80
animados, videogames etc. de algumas formas, observar e conhecer
as preferências das crianças sobre coisas
E A EDUCAÇÃO COM A INTERNET, COMO e idéias, enfim, a cultura infantil daquele
FICA? grupo com o qual está interagindo, e
assim, inserir elementos desta cultura
Não fica como está, certamente, ou nas ações pedagógicas, produzindo um
melhor, vem sofrendo e terá que sofrer processo de inter-relações entre
um processo intenso de mudanças. Estas elementos/práticas do imaginário e da
são de duas ordens: práticas cultura infantil e elementos/práticas
pedagógicas e fundamentos educativos/as. Na sua prática
pedagógicos. pedagógica, o mediador é aquele que
Modelos educativos tradicionais promove sempre situações de diálogo e
podem subsistir, mas a educação troca de observações, preferências,
condizente com os tempos de tecnologia relatos, avaliações sobre as coisas e as
digital e em rede exige que as práticas idéias decorrentes deste exercício entre
individuais e coletivas de seu uso estejam os participantes. Para tanto, inúmeras
no programa escolar de alguma forma. dinâmicas podem contribuir para o fluir
Seja como disciplina, ou o que é mais das atividades, onde nem sempre o
apropriado, como prática coletiva de destaque cabe à tecnologia digital e sim
produção e transmissão de ao que de humano acontece por meio
conhecimentos, o uso da tecnologia dela.
digital e em rede impõe o exercício entre
educadores e educandos de uma - Como motivador, o educador precisa
construção de novos meios de não só aplicar todas as técnicas
relacionamento entre si, com a conhecidas de metodologias de ensino
informação, com o conhecimento e sua que promovem a reflexão e o
socialização. questionamento entre os educandos
Nesse rearranjo constante, como sujeitos da pesquisa e da produção
papéis sociais tão solidificados como o do de conhecimentos, como também estar
professor depositário ou mensageiro da a b e r t o a n o va s i n f o r m a ç õ e s e
informação, já não cabem mais ao questionamentos oriundos do trabalho
exercício da docência, por isso, o de pesquisa realizada pelos seus alunos
professor vem aprendendo como ser na quando a Internet é parte desta tarefa.
contemporaneidade de dupla forma: Mais uma vez, ao lado de um programa
como sujeito, cidadão, usuário-aprendiz planejado com antecedência pelo
desta tecnologia; e como profissional da professor cuja estrutura é aberta, mas
educação responsável por aplicar o uso e dirigida, temos a inserção de elementos
desenvolver conhecimentos por meio resultantes da participação dos
destas novas tecnologias . educandos no desenrolar das aulas.
Os diferentes acessos à - Como Orientador, o professor precisa
informação transformaram o professor propor objetivos que tornem as etapas
numa figura cujo papel torna-se ainda anteriores da construção dos
mais desafiador e estratégico no conhecimentos úteis para o indivíduo ou
processo educativo, se não vejamos: o coletivo e que seja, de preferência, em
razão do bem social. Daí que o professor
- Como mediador, o educador precisa não precisa não só trabalhar através da
só pesquisar e conhecer alguns sites e construção de projetos colaborativos,
softwares para fazerem parte de sua como precisa saber articulá-los a
programação, previamente planejada objetivos práticos. Estes objetivos vêem
mas aberta às intervenções dos alunos. em grande parte da demanda da
Desta forma, também é mediador, na comunidade que, no caso do Brasil, na
medida em que está 'programado' para, maioria das vezes é de cidadãos
81
carentes, portanto, o retorno imediato e pelo desenvolvimento de nossas
cobrado e esperado da educação mostra- crianças devem promover ações e
se cada vez mais forte, e as ações práticas sociais que garantam a gradual
educativas carecem de uma relação mais aprendizagem de todos os cidadãos para
estreita com sua própria comunidade e usar e se apropriar consciente e
seus problemas para conseguir atingir ativamente das novas tecnologias. Por
este objetivo. isso, educar por meio das novas
tecnologias requer do educador conhecer
Entretanto, as comunicações e e utilizar esta novidade no seu cotidiano,
suas tecnologias vêm impondo ao modelo o q u e l e va r á a l g u m t e m p o s e
tradicional da educação, já há alguns considerarmos o poder aquisitivo dos
anos, um processo de transformação de educadores em toda América Latina.
fora para dentro que, por sua vez,
5 - Garantir condições aos adultos
promove transformações de dentro para
envolvidos, educadores e familiares, de
fora. Isto é apenas parte de todo um
se inserirem no mundo virtual, cabendo a
complexo processo de transformações
responsabilidade de aprender a usar as
sociais a que fizemos referência no início
novas tecnologias no complexo processo
deste texto.
de mediações culturais, agora inclusive a
Podemos, para encerrar com
virtual. Cursos de capacitação dos
algumas reflexões, destacar alguns
docentes e coordenadores pedagógicos
pontos:
do Ensino Básico e Médio precisam
ocorrer amplamente durante um bom
1 - A apropriação deste meio pela criança
período, até que se crie a capacidade na
se dá através das brincadeiras com os
escola de incluir as novas tecnologias, e,
jogos, mas também com a aprendizagem
sobretudo, que saiba utilizá-las de forma
sobre como se comunicar e localizar
condizente com os recursos tecnológicos
informações nesta intrincada e complexa
oferecidos, com o papel de mediadores
rede mundial que é a Internet.
nos processos de construção de
2 - A hipermídia e seus produtos conhecimentos pelos sujeitos envolvidos
participam do processo de construção de no ensino-aprendizagem, formal ou não.
representações sociais por parte das
6 - Por fim, constatar que o direito ao
crianças, que se utilizam delas para seu
lúdico como exercício natural do
lazer, aprendizagem e comunicação; que
desenvolvimento das crianças também
participa, assim, do desenvolvimento de
perpassa a utilização dos recursos da
grande parte de suas capacidades
Internet e dos produtos hipermidiáticos
cognitivas, emocionais, psíquicas etc.
destinados ao lazer. Talvez, como
3 - A presença da tecnologia digital e, em lutamos pela existência e conservação
particular, dos jogos digitais não se dá, das praças públicas, dos clubes públicos
praticamente, nas práticas pedagógicas de esporte e lazer, devamos também
dos professores do Ensino Fundamental. lutar neste sentido para defender e
Diria mais, não faz parte das praticar o uso público e coletivo de
preocupações dos docentes conhecer e espaços virtuais, possibilitando a
participar da cultura infantil dos seus construção de comunidades livres e as
alunos para apropriar-se de seus interlocuções entre todos os sujeitos
elementos visando o planejamento e a virtuais.
aplicação em atividades educativas.
NOTAS
4 - As organizações comprometidas com
a causa da democratização do acesso às 1 - Trabalho apresentado na Mesa de Temas Livres
novas tecnologias, e as instituições e no. 11 do XXVIII Congresso Brasileiro de Ciências da
profissionais responsáveis pela educação Comunicação.
82
2 - Doutor em Ciências da Comunicação (ECA/USP),
pesquisador do LAPIC - Laboratório de Pesquisas
sobre Infância, Imaginário e Comunicação
(ECA/USP), Diretor Geral da FAMEC Faculdade de
Educação e Cultura Montessori.
3- VASCONCELOS, P. A . C. O jogo e Piaget. São
Paulo: Didática Suplegraf, 2003, p. 68.
4 - JUNG, C.G. Símbolos da Transformação. Rio de
Janeiro: Vozes. 1999. p. 24.

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aprendizagem na cibercultura. Jogos
digitais e Internet no cotidiano infantil.
Tese de Doutorado em Ciências da
Comunicação junto à Escola de
Comunicações e Artes/USP. 2005.

83
O PORTFÓLIO NA FORMAÇÃO DE PROFESSORES:
POTENCIALIDADES
1
Denise Rockenbach Nery

RESUMO ABSTRACT
Este artigo é fruto de uma vivência em This article is based on a teacher
um curso de formação de professores formation course experience whose aims
pautado pela busca de uma avaliação were achieve a more significant
mais significativa para professora e evaluation method for teachers and
alunos, do que as tradicionais provas, students different from the usual essays,
testes, resenhas, etc. Partindo da tests, written reviews, etc. Due to the
pesquisa e reflexão sobre o tema chegou- research and theme thoughts, it was
se ao Portfólio, instrumento em que os achieved an analysis instrument in which
alunos recolhem trabalhos significativos students collect meaningful productions
realizados ao longo de um período de from a period of time or project the
tempo ou projeto. A vivência deste portfolio. Some expected results were
trabalho revelou desdobramentos alguns such as deeper student's reflections,
esperados (maior reflexão por parte dos involvement with learning processes, self
alunos, envolvimento com seu próprio evaluation possibilities and teacher's
processo de aprendizagem, possibilidade course evaluation possibilities; and also
de auto-avaliação, possibilidade de unexpected results from which we
avaliação do curso por parte do mention proceedings evaluation and
professor) e também alguns inesperados catalogue exercises.
de valor formativo para o futuro professor
(a avaliação processual e o exercício do
registro).

PALAVRA-CHAVE KEYWORDS
Portfólio, avaliação, processo de Portfolio, evaluation, learning process,
aprendizagem, auto-avaliação, registro. self evaluation, catalogue.

85
A avaliação é parte integrante do desenvolvimento do aluno. Por outro
trabalho educativo e mais que outras lado, no portfólio nem todas as atividades
etapas do trabalho do professor (como o desenvolvidas precisam estar presentes,
planejamento, a pesquisa, a seleção de ele não é uma simples coleção de
conteúdos, etc.), acredito que a materiais guardados em uma pasta, ou
avaliação representa sempre uma anotações de aulas passadas a limpo,
dificuldade, fonte de dúvidas e angústias mas um rico material dos indícios que
para todo professor, em todos níveis de apontam o trajeto percorrido pelo aluno.
ensino, da pré-escola à pós-graduação, Para Hernández (1998), a
passando pelos temidos vestibulares. utilização do portfólio como recurso de
O descontentamento com a avaliação é baseada na idéia da natureza
forma, como vinha avaliando meus evolutiva do processo de aprendizagem.
alunos seja na Educação Básica seja no Nesta abordagem, pois, a avaliação é
Ensino Superior, as dúvidas em relação concebida e utilizada a favor da
aos instrumentos que utilizava e, o aprendizagem do aluno e o portfólio
descompasso entre os esforços e tempo torna-se um instrumento a mais para
despendidos e resultados obtidos, auxiliar o aluno a aprender. Gardner
conduziram-me encarar a avaliação (1995), sugere a utilização do termo
como um instrumento de pesquisa e “processofólio”, valorizando muito mais o
investigação, não apenas dos processo de construção do trabalho, suas
procedimentos e instrumentos, mas de idas e vindas, dúvidas e acertos, suas
seus princípios e fins. Foi desta reflexão descobertas, do que propriamente um
sobre minha prática e da busca de belo produto final:
alternativas, que cheguei ao portfólio.
O portfólio é um instrumento de “O portfólio da maioria dos artistas
documentação que surgiu no campo da contém apenas seus melhores
arte em que desenhistas, arquitetos e trabalhos, o conjunto pelo qual o
outros artistas recolhem, selecionam e artista gostaria de ser julgado numa
ordenam amostras significativas de sua competição. Em contraste, nossos
trajetória profissional. É um documento processofólios são muito mais como
para que diferentes pessoas tenham uma trabalhos em andamento. Em seu
visão global da trajetória do profissional. processofólio, o aluno inclui não
Na área educacional, o portfólio tem sido apenas os trabalhos concluídos, mas
utilizado como forma de registro feito também os esboços originais,
pelo aluno de seu percurso de desenhos provisórios, críticas dele
aprendizagem. Desde a Educação Infantil mesmo e dos outros (...). Algumas
até o Ensino Superior, inclusive na vezes, pedimos aos alunos que
Educação à Distância, é possível que os apresentem a pasta inteira; outras
alunos selecionem e organizem amostras vezes, pedimos que selecionem as
q u e r e f l i t a m s u a t ra j e t ó r i a d e peças que parecem especialmente
aprendizagem, para fins de avaliação. informativas ou centrais em seu
Além da sua produção desenvolvimento”.(p. 129).
acadêmica, o aluno é incentivado a
acrescentar ao seu portfólio o registro de Para o estudante, o portfólio
suas reflexões, impressões, relatos do assume o papel de facilitador da
que aprendeu, dúvidas, dificuldades etc. (re)elaboração de seu próprio processo
É importante que os documentos estejam de aprendizagem ao longo de um curso
em ordem cronológica e datados, e que ou de um período de ensino: enquanto
as diferentes versões de um trabalho monta seu portfólio (seleciona, organiza,
estejam presentes, medidas que revisa produções) o aluno está fazendo
possibilitam ao professor acompanhar e a uma auto-avaliação, ele avalia seu
avaliar continuamente o sentido do processo de produção de conhecimento,
86
suas realizações e mudanças, identifica relacionado com o desempenho do
experiências de aprendizagem que lhe professor e das condições contextuais. A
tenham sido significativas ou não. O avaliação, com função formativa (e não
estudante também se percebe como um meramente classificatória, excludente) é
ser capaz de produzir (textos, reflexões, diagnóstica, é um acompanhamento do
atividades individuais e/ou coletivas processo pedagógico. De um lado, os
diversas), é um meio de expressar sua alunos se situam quanto aos seus
autoria, tendo, portanto também, uma acertos, erros, avanços e dificuldades,
dimensão psicológica de dar recebem de volta não apenas uma nota
autoconfiança ao aluno em sua trajetória ou menção (uma quantificação) que, por
escolar. vezes, não entendem bem o que
Para o professor, o portfólio como significa, mas um parecer do professor,
f o r m a d e a va l i a ç ã o p e r m i t e a orientações para a continuidade da
oportunidade de um olhar atento a cada aprendizagem, constituindo-se em mais
aluno em particular, sem comparação ou um canal de comunicação entre professor
classificação. Pela forma como o aluno e aluno.
organiza seu portfólio o professor pode O uso do portfólio como forma de
conhecer um pouco mais de cada um de avaliação não implica a não utilização de
seus alunos, não apenas no sentido outros instrumentos ao longo do
pedagógico, mas também da forma de processo de ensino-aprendizagem que,
ser e pensar, de sua personalidade. Para inclusive, a ele podem ser incorporados
Hernández (1998), “o portfólio permite (tanto produções individuais como
aos professores acompanhar o trabalho coletivas): produção de textos, auto-
dos estudantes num contexto em que a avaliação, notas pessoais, experiências
atividade de ensinar é considerada como de aula, materiais colhidos pelo aluno
uma atividade complexa com elementos que se relacionam aos temas abordados
inter-relacionados. Nesse sentido, ele em classe, representações visuais,
permite apreciar a relação das partes síntese de leituras etc. A utilização
com o todo e, sobretudo, é um recurso conjunta de diversos instrumentos de
para relacionar a teoria com a prática.” trabalho nos remete à posição aqui
(Hernández, p. 101) defendida de que a avaliação tem uma
O portfólio como registro de um função investigativa por parte do
trabalho que ocorreu é valioso não só professor. Assim, este entrelaçamento de
para o aluno, mas também para o instrumentos só tende a colaborar com
professor. A partir dele, o professor este trabalho. A distribuição de diversos
reflete sobre o que ocorreu em sala de instrumentos de avaliação ao longo do
aula, auxiliando na reconstrução da tempo propicia uma interpretação mais
memória do processo vivido, dando uma justa e mais adequada que aquelas que
visão geral do trabalho desenvolvido, realizadas em momentos pontuais e que
facilitando a identificação de entraves, permitem também apenas intervenções
lacunas, dificuldades, pontos positivos, pontuais e imediatas (novas provas,
retomadas consideradas importantes, listas suplementares de exercícios, novas
avanços obtidos, potencialidades, temas leituras, etc).
de interesse, etc. Desta forma, o portfólio No caso de um curso de formação
também pode ser um instrumento para de professores o portfólio traz grandes
a u t o - a v a l i a ç ã o d o p r o f e s s o r, vantagens, seja em qual modalidade,
identificando o impacto de seu trabalho e disciplina ou tipo de curso de formação
auxiliando na busca de melhorias. em que for utilizado: a vivência da
Desta forma, fica evidente a avaliação processual e o exercício do
relação entre a avaliação da registro.
aprendizagem e a avaliação do ensino, De acordo com Freire (2003),
considerando-se o desempenho do aluno ensinar exige corporeificação das
87
Palavras pelo exemplo. Com o uso do processo de aprendizagem.
portfólio o aluno percebe em sua própria Mas, como avaliar o portfólio do
produção como o conhecimento é aluno? Como se pronunciar sobre o valor
construído lentamente, com avanços, educativo e formativo do processo
paradas, retrocessos. O aluno, futuro reconstruído, e qualificá-lo? Ora, isto não
professor, poderá perceber o papel da é mais difícil que avaliar e qualificar
experiência vivida na construção do outros instrumentos como um trabalho
conhecimento, considerando seu de pesquisa, ou um projeto.
contexto social e cultural. Ele será levado Para que o portfólio tenha
a reconhecer que existem diferentes realmente uma dimensão avaliativa para
processos para a aprendizagem, não o aluno, este deve ter clareza
podendo haver homogeneidade neste inicialmente quanto aos seus propósitos
percurso. Esta vivência poderá ter e finalidade; além disso o aluno deve ser
impacto sobre a forma como este aluno, orientado a analisá-lo periodicamente
futuro professor, vai a avaliar de seus procurando perceber seus progressos e
alunos. entraves, descobertas e desafios. Este
O portfólio tem também um tipo de trabalho também pode ser
grande potencial enquanto forma de registrado e fazer parte do portfólio.
registro, cumprindo esta tarefa de duas Ao analisar o portfólio do aluno o
formas: uma atual, no momento da sua professor não deve perder de vista o eixo
elaboração e outra em um momento de sua proposta, os principais conteúdos,
posterior, depois de decorrido algum conceitos, habilidades, procedimentos.
tempo da experiência. Segundo Smole (2000), o professor deve
O exercício do registro propicia o ter em conta alguns critérios para
d e s e n vo l v i m e n t o d a c a p a c i d a d e organizar a avaliação do portfólio:
reflexiva, pois registramos não apenas
para armazenar informações, mas para - Permitir perceber o caminhar do ensino
organizar e articular o pensamento na e da aprendizagem;
busca de conhecer o outro, o objeto de - Abranger aspectos relevantes do
estudo, a si mesmo, o mundo, “o registro projeto desenvolvido;
escrito obriga o exercício de ações- - Conter produções diversas que sejam
operações mentais, intelectuais de importantes para o aluno organizar a sua
classificação, ordenação, análise, obriga aprendizagem;
a objetivar e sintetizar: trabalhar a - Revelar o envolvimento do aluno com o
construção da estrutura do texto, a processo de aprendizagem;
construção do pensamento” (WEFFORT, - Conter análises pessoais dos alunos
1996: 43). sobre seus próprios trabalhos;
Em um outro momento futuro, - Oferecer um meio para os alunos
rever estes registros, tem para o avaliarem coletivamente o próprio
professor não apenas o valor histórico de trabalho;
um trabalho, mas significa um trabalho - Permitir o acompanhamento do projeto,
que pode ser (re)avaliado, (re)pensado. com maiores detalhes, pela comunidade
O portfólio passa a ser um instrumento escolar.
de trabalho que deixa explícitos os
momentos e movimentos ocorridos, Na disciplina “Fundamentos e
possibilitando a construção da memória Metodologia de História e Geografia”, que
(individual ou coletiva), podendo ministrei nos anos de 2003 e 2004, no
constituir-se em um instrumento para o curso de Pedagogia (habilitação em
aperfeiçoamento da prática pedagógica. Educação Fundamental), na Faculdade
Através de documentos deste tipo, pode- Montessori, realizei com os alunos a
se avaliar avanços, defasagens, experiência da utilização do portfólio, de
estrangulamentos em seu próprio forma ainda incipiente no primeiro ano e
88
de forma mais clara e objetiva no ano oportunidade de concertar o que eu errei
seguinte. Em 2004, a leitura e discussão ou não entendi.”(J.)
do texto de “O portfólio como “No meu dia-a-dia sempre faço
reconstrução do processo de registros das minhas aulas, para poder
aprendizagem nos projetos de trabalho” não só avaliar meus alunos, mas como
(in Hernández, F. Transgressão e me avaliar como professora. Após ter
mudança na Educação: os Projetos de iniciado ... [este trabalho na faculdade]
Trabalho p. 98 a 100), deu início à tive a oportunidade de conhecer melhor o
proposta de avaliação por meio deste portfólio, e daí em diante pude melhorar
instrumento de trabalho, o que foi de ainda mais a maneira de registrar minhas
pronto acatado pelos alunos, embora aulas de um modo mais organizado.”(V.)
muitos demonstrassem receio diante Esta experiência que tive com os
algo novo, inusitado e totalmente alunos com o uso do portfólio teve início
estranho à prática da maioria. Além dos com uma preocupação da avaliação do
documentos (reflexões sobre textos processo educativo, mas aqui fica clara
lidos, análise de filmes, planos de aula, outra dimensão valiosa que se revelou ao
síntese de leituras, etc.), foi solicitado longo do trabalho, a formativa, tanto
que os alunos também colocassem em para alunos como para a professora.
seu portfólio textos, reportagens de
revistas ou jornais, trechos de livros NOTA
didáticos, ou seja, qualquer tipo de 1 - Bacharel, Mestra e Doutora em Geografia humana
documento que demonstrasse conexões pela FFLCH-USP e Docente do Curso de Pedagogia da
FAMEC
dos temas tratados em aula, uma forma
de enriquecer o portfólio, fortalecendo a BIBLIOGRAFIA
relação entre nossa sala de aula e a
escola fundamental, evidenciando as FREIRE, Paulo. Pedagogia da Autonomia:
Saberes necessários à prática educativa, 27a
diferentes experiências dos alunos, os
edição, São Paulo, Paz e Terra, 2003, (Coleção
materiais com os quais têm contato e os leitura).
maiores interesses.
Ao final do ano letivo, os alunos GARDNER, Howard. Inteligência Múltiplas: A
e m i t i ra m p a r e c e r e s p o s i t i v o s à Teoria na Prática, Porto Alegre, Artmed,
1995.
experiência vivenciada:
“Esse exercício [elaboração do HERNÁNDEZ, Fernando. Transgressão e
portfólio] nos torna aptos a refletir, Mudança na Educação: os projetos de
o p i n a r, a r e o r g a n i z a r i d é i a s , trabalho, Porto Alegre, Artmed, 1998.
conhecimentos (...), a ler mais, a SMOLE, Kátia Stocco. Inteligência e avaliação:
registrar e aprender com esse registro”. da idéia de medida à idéia de projeto . Tese
(M.) de doutorado, FEUSP, 2000.
“... pude ver nitidamente a
WEFFORT, Madalena Freire, “Importância e
seqüência dos conteúdos abordados, Função do Registro escrito, da Reflexão”,
sempre dando continuidade aos in WEFFORT, M. F. (coord.) Observação,
anteriores.”(S.) Registro, Reflexão. 2a edição, São Paulo,
“O bom de trabalhar com E s p a ç o Pe d a g ó g i c o , 1 9 9 6 ( S é r i e
portfólio é ver os colegas envolvidos Seminários).
reconstruindo momentos de suas vidas MOULIN, Nelly. Utilização do portfólio na
para expor nas aulas que (...) têm avaliação do ensino a distância.
continuidade. (...) A regulação se dá http://www.abed.org.br/texto53.htm
através de um processo prazeroso acessado em 23/09/04.
resultando em uma auto-avaliação
PERNIGOTTI, Joyce Munarski et alii. O
c r í t i c a , m a s l i g h t .” ( A . ) portfólio pode muito mais do que uma
“... ficaram claro para mim os prova. Revista Pátio. Porto Alegre, Ano 3 no
objetivos da disciplina e tenho a 12, fev/abr, 2000, 54-56.
89
SHORES, Elizabeth e GRACE, Cathy. Manual de
Portfólio: um guia passo a passo para o
professor, Porto Alegre, . Artmed, 2001.
VILLAS BOAS, Benigna Maria de Freitas.
Portfólio, avaliação e trabalho pedagógico.
São Paulo, Papirus, 2003.

90
17 PRINCÍPIOS DE QUALIDADE: UMA BASE PARA
A GESTÃO SUSTENTÁVEL EM MICRO
E PEQUENAS EMPRESAS

Rosley Anholon1
Jefferson de Souza Pinto2
Eugênio José Zoqui3

RESUMO ABSTRACT
Apesar da importância econômica e social Despite of the economic and social
que apresentam para o desenvolvimento importance to the development of the
de uma nação, grande parte das micro e nation , greater part of the micro and
pequenas empresas (MPEs) têm sua short enterprise died before to complete
mortalidade decretada antes de the fist years old. In greater part of the
completarem os primeiros anos de situations is cause by fault a quality
existência. Em grande parte dos casos, culture. Considering the Willian E.
esta mortalidade é decorrente da Deming ideas, about the MPE
inexistência de uma cultura da characteristics and concepts about social
Qualidade. Tendo como base as idéias de responsibility and the environment, the
Willian E. Deming, as características authors this article propose seventh
administrativas das micro e pequenas quality's principles to the MPEs, where
empresas e conceitos relacionados à approach management practices and
responsabilidade social e ambiental, os broadcast social and environmental
autores deste trabalho propõem 17 concepts. These principles apply
princípios de qualidade para MPEs, onde themselves to the factoring and service
são abordadas práticas administrativas e MPEs.
difundidos conceitos sociais e
ambientais. Estes princípios foram
elaborados com um caráter geral, sendo
aplicáveis tanto a MPEs de manufatura
quanto a MPEs de serviços.

PALAVRA-CHAVE KEYWORDS
Gestão Sustentável; Qualidade; Micro e supportable management, quality, micro
Pequenas Empresas. and small enterprise.

91
INTRODUÇÃO MPES NO BRASIL
Vive-se numa era onde a queda Classificação e Regulamentação
das fronteiras de mercado deu origem à
globalização caracterizada pela alta O critério mais utilizado e com
competitividade, onde empresas e maior citação na literatura corresponde
companhias constantemente passam por ao utilizado pelo SEBRAE (2004), que
reestruturações e a informática classifica o porte das empresas segundo
desempenha um papel essencial na vida o número de funcionários empregados. A
profissional e pessoal de todos os Tabela 2.1 apresenta tal critério.
indivíduos. Nesta mesma onda de
mudanças, a sociedade passou a exigir Tabela Classificação de empresas por número
que as empresas assumam seus papéis e de empregados (SEBRAE, 2004).
realizem contribuições para a construção Setor Setor
Classificação
de um mundo melhor. Essa nova era, que Industrial de Serviços
exige das empresas alta competitividade
Micro-empresa até 19 até 09
associada à responsabilidade social e (ME) empregados empregados
ambiental, está sendo chamada de
Revolução do Conhecimento e da Pequena Empresa de 20 a 99 de 10 a 49
(PE) empregados empregados
Informação (COHEN, 2000).
A principal característica desta Média Empresa de 100 a 499 de 50 a 99
nova revolução é a de não diferenciar o (MDE) empregados empregados
tipo, o tamanho dos mercados, nem as
Grande Empresa acima de 499 mais de 99
empresas que os constituem. Segundo (GE) empregados empregados
Oliveira (1994), a reestruturação para se
adequar a esta nova realidade se faz vital
nas grandes empresas (GEs) e, mediante Apesar de ser o mais utilizado,
a isso, todos os recursos e canais de Drucker (1992) ressalta que este critério
informações se voltam nesta direção. Já não corresponde a um bom parâmetro
nas micro e pequenas empresas (MPEs) para tal classificação. Na atual era da
observa-se com freqüência um quadro informática e do conhecimento,
diferenciado; por um lado, os micro e empresas como as do setor de tecnologia
pequenos empresários necessitam focar de informação chegam a movimentar
seus esforços numa administração que milhões em negócios contando apenas
permita a sobrevivência do com uma pequena equipe de
empreendimento em longo prazo; por funcionários.
outro, não podem se fazer imparciais Um outro critério de classificação
perante as exigências da sociedade na corresponde ao utilizado pelo governo
construção por um mundo melhor. federal para a cobrança de impostos. Esta
Sendo assim, este artigo tem por classificação é estabelecida pela lei 9.317
objetivo elaborar 17 princípios de gestão (CHAVES JUNIOR, 2000) e se baseia no
de qualidade para MPEs, permitindo a total arrecadado no ano fiscal.
melhoria de suas performances e a Considera-se micro empresas, por esta
difusão de conceitos relacionados à lei, aquelas que tenham receita bruta
responsabilidade social e ambiental. Para anual igual ou inferior à R$ 244 mil, e
tal, utilizou-se como ponto de partida os pequenas empresas aquelas com receita
14 princípios de gestão da qualidade de bruta anual inferior ou igual à R$ 1,2
Willian E. Deming, as características milhões, sendo responsável
administrativas de MPEs levantadas por mensalmente por impostos como o
meio da literatura e alguns conceitos de Imposto de Renda das Pessoas Jurídicas
responsabilidade social e ambiental. (IRPJ), contribuição para o Programa de
Contribuição Social e do Patrimônio do
92
Servidor Público (PIS/PASEP), deficiências nestes setores podem ser
Contribuição Social sobre o Lucro Líquido sancionadas com o auxílio de
(CSLL), entre outros. Incubadoras Municipais ou a órgãos de
Tanto o critério de classificação auxílio às micro e pequenas empresas
pelo número de pessoas empregadas como o SEBRAE.
quanto o critério por faturamento anual
são criticados por Rattner (1985). Para AS IDÉIAS DE WILLIAM E.
tal autor, esses critérios são insuficientes, DEMING
não permitindo o estabelecimento de
categorias analíticas adequadas. Só a Os trabalhos de William E.
utilização de fatores que meçam o Deming começaram a ser divulgados no
desempenho destas empresas poderia Japão na década de 50 e obtiveram um
contribuir para uma classificação mais grande sucesso. Um das principais
próxima da realidade. características de seus trabalhos era o
comprometimento da alta administração
Mortalidade das MPEs brasileiras na busca pela qualidade. Com forma
simplificada de expressar suas idéias
Apesar de já terem demonstrado sobre qualidade, Deming (1990) propôs
sua importância econômica ao longo das 14 princípios. Estes princípios, que
décadas, como ressaltou Crósta (2000), devem ser difundidos no cotidiano das
a taxa de mortalidade de MPEs nos empresas e constantemente lembrados,
primeiros anos de existência ainda se estão listados a seguir:
apresenta muito elevada. Segundo o
Guia PEGN (2002), a taxa média de 1- Desenvolva constância de propósitos
mortalidade para MPEs foi de 42% para o para a melhoria do produto e serviços,
primeiro ano de existência da empresa, objetivando tornar-se competitivo. Uma
de 54% no segundo ano, e de 63% no visão organizacional deve guiar a
terceiro período do empreendimento. empresa e fornecer-lhe uma meta.
Vários fatores contribuem para 2 - A administração deve ter consciência
tal índice de mortalidade, dos quais de suas responsabilidades e assumir a
pode-se citar a constituição de empresas liderança na transformação.
muito reduzidas, a falta de experiência 3 - Utilize ferramentas estatísticas para
anterior e de capital de giro, a dificuldade fazer uma inspeção. A inspeção em
de se lidar com a carga tributária, a falta massa utiliza muito recurso e apenas
de apoio profissional, a concepção indica a ocorrência de um problema, sem
errônea do negócio, etc. As dificuldades resolvê-lo.
de financiamento, quando se leva em 4 - Cesse a prática de transações apenas
consideração o total de MPEs no Brasil, com base no preço. Tente buscar a
também contribuem para o aumento minimização do custo total pela busca de
desta mortalidade segundo o SEBRAE um único fornecedor para cada item.
(2004) e Chaves Junior (2000). Com isso, ao longo do tempo a empresa
Para PEGN (2003), as MPEs com estará ganhando lealdade e confiança
menor probabilidade de mortalidade são deste fornecedor.
aquelas que apresentam um bom 5 - Tenha sempre em mente a visão de
desempenho dos setores técnico e melhoria contínua. Se a preocupação se
financeiro corretamente integrados por focalizar sobre a melhoria da qualidade e
um sistema gerencial que leve em da produtividade, como conseqüência, os
consideração às necessidades dos custos diminuirão. Não se limite apenas a
clientes e da sociedade. Se um destes resolver os problemas conforme eles vão
setores não apresentar um bom surgindo.
desempenho, a MPE terá dificuldade para 6 - Todas as pessoas devem participar de
atingir o sucesso empresarial. As treinamentos e atualizações. Eles devem
93
ser realizados nos locais de trabalho para Deming, alguns tópicos apresentam
melhores resultados. conceitos gerenciais que podem ser
7 - Institua a liderança, que deve vir com implantados independentemente do
o conhecimento e a experiência, com a porte da empresa. Outros, no entanto,
perícia e habilidades interpessoais e não estão mais voltados à realidade de
do nível de autoridade. grandes empresas, não representando o
8 - Afaste o medo para que todos possam cotidiano vivido pela maioria MPEs,
dar o melhor de si. Quando se tem receio segundo as principais bibliografias
decorrente da insegurança das pessoas (SAVIANI,1995; OLIVEIRA, 1994).
com regras de trabalho, autoridade,
punição, etc. a produtividade pode ser RESPONSABILIDADE SOCIAL EM
prejudicada. MPEs
9 - Elimine barreiras entre as áreas e os
meios. Todos devem trabalhar em equipe Segundo FPNQ (2004), uma
para prever futuros problemas na organização deve contribuir para o
utilização e desempenho do desenvolvimento econômico, social e
produto/serviço. ambiental, de forma sustentável, por
10 - Não trabalhe com metas numéricas, meio da minimização dos impactos
slogans e exortações que exijam falha negativos potenciais dos seus produtos e
zero sem possuir métodos e condições operações. Estas ações devem ser
para atingi-los. Proponha uma meta realizadas de forma ética e transparente.
desafiadora, mas não impossível. Assim como ocorrem com as
11 - Acabe com as cotas numéricas, pois grandes empresas, as MPEs necessitam
elas não levam em consideração as assumir responsabilidades perante a
variações naturais que causam impactos sociedade e ao meio ambiente que as
nos trabalhadores. Nem todos os cerca. Cada vez mais, a sociedade exige
trabalhadores podem estar acima da que as empresas assumam seus papéis
média e nem todos podem estar abaixo. na construção de um futuro melhor.
12 - Remova as barreiras que impedem o A responsabilidade social e
orgulho da execução. Acabe com o ambiental ainda não é uma das grandes
sistema anual de classificação e o preocupações dos micros ou pequenos
gerenciamento por objetivos. empresários. Pelo fato de viverem numa
13 - Adote um bom programa de realidade econômica em constante
educação e treinamento. O treinamento mudança, suas prioridades estão
proporcionará uma mudança imediata ao voltadas mais para o gerenciamento
passo que a educação demonstrará seus financeiro do que para fatores como o
efeitos em longo prazo. A automelhoria é crescimento de seus funcionários e a
uma tarefa de educação e existência de processos e produtos
autodesenvolvimento requer cursos de corretamente ambientais. Segundo
gerenciamento do tempo, redução do Saviani (1995), muitos micro e pequenos
estresse, permissão aos funcionários empresários não dão importância a esses
para exercerem atividades físicas na hora fatores, esquecendo-se de que o
do expediente, caso tenha um trabalho crescimento intelectual de seus
sedentário, participação em tarefas de funcionário e a imagem de uma empresa
desafios mentais ou processos ambientalmente correta auxiliarão no
educacionais. crescimento e conseqüente sucesso
14 - Atue no sentido de concretizar as empresarial.
transformações. Toda a empresa deve Na maior parte das micro e
acompanhar essa implementação e os pequenas empresas, o fator social
seus resultados. encontra-se concentrado, ou seja, a
Como se pode observar pela maioria das ações privilegia as pessoas
leitura dos 14 princípios de Willian E. que trabalham na própria empresa ou a
94
Comunidade na qual ela esta inserida. A origina de uma má compreensão do que a
difusão de ações não é tão difundida empresa realmente é, ou seja, para que a
como em grandes corporações (SEBRAE, empresa existe, qual seu mercado, qual
2004). seu produto ou serviço, etc. McAdam
Um outro fator a ser considerado (1999) ressalta ainda que é
são as exigências feitas por órgão de e x t r e m a m e n t e d i f í c i l c o n ve n c e r
auxílio à micro e pequenas empresas pequenos empresários a traçarem
MPEs, com as Incubadoras Municipais. As objetivos em longo prazo numa realidade
empresas que desejam receber os empresarial que eles acreditam mudar
auxílios e se instalarem nas incubadoras constantemente.
ligadas à FIESP, devem respeitar uma
série de fatores éticos, como por c) Confusão entre a Pessoa Física do
e x e m p l o, p o s s u i r p r o c e s s o s d e Empresário e a Pessoa Jurídica da
fabricação e produtos que respeitem as Empresa: quando se analisa com maior
normas ambientais, entre outros (FIESP, riqueza de detalhes o setor financeiro das
2004). MPEs, observa-se freqüentemente que
existe uma confusão entre a pessoa física
C A R A C T E R Í S T I C A S do empresário e a pessoa jurídica da
ADMINISTRATIVAS DAS MPES empresa, ocasionando prejuízos ao
desempenho da empresa (Guia PEGN,
Os itens subseqüentes irão 2002).
focalizar características marcantes das
d) Má utilização de Aspectos
empresas de micro ou pequeno porte no
Tributários: em relação aos aspectos
Brasil, onde serão apresentados suas
legais, existe uma maior preocupação
vantagens e fraquezas em relação às
com fiscalizações e multas do que com a
empresas de grande porte.
melhor utilização de aspectos tributários
como ganhos de IPI, ICMS, entre outros
Deficiências das MPEs em
impostos. Segundo Saviani (1995), falta
relação às Ges uma visão integrada às MPEs de todas as
suas cargas tributárias e como melhor
a) Influência das relações de gerenciá-las.
parentesco nas atribuições de
cargos e tarefas: um dos grandes e) Relação com os fornecedores: com
problemas na empresa de micro ou relação ao fornecimento de matéria-
pequeno porte é influência das relações prima, encontram-se duas situações. A
de parentesco nas atribuições de cargos primeira ocorre quando a MPE recebe
e tarefas. É muito comum, na maioria das material de um grande fornecedor.
MPEs, que este fator se faça marcante em Geralmente, neste caso, o poder de
promoções, ao invés do fator capacidade. barganha é muito pequeno e a MPE não
Isto gera descontentamento e consegue negociar por melhores preços;
desmotivação de alguns funcionários, em contrapartida, a qualidade é
pois por melhor que realizem suas garantida, pois freqüentemente os
tarefas, saberão que não terão chance de grandes fornecedores possuem
ascensão (SAVIANI, 1995). programas de qualidades bem
b) Falta de Planejamento estabelecidos. A segunda situação ocorre
Estratégico, Visão e Missão: o quando o fornecimento se dá por uma
planejamento estratégico se faz outra MPE. Conseguem-se baixos preços,
necessário em qualquer tipo de negócio, mas não necessariamente bons
independentemente de seu porte ou negócios, uma vez que a qualidade do
ramo de atuação. Segundo o Guia PEGN produto não está totalmente assegurada
(2002), a maioria dos fracassos atuais se (SEBRAE, 2004).
95
f) Setor Produtivo: quando se focaliza de si mesmo para seus colaboradores.
um pouco mais no setor produtivo das Esse endomarketing deve ser praticado a
MPEs industriais, observa-se um parque cada momento, a cada fato novo que
de equipamentos defasado ou mal coloque a empresa em patamares
organizado. É comum a inconsciência da superiores junto aos seus concorrentes e
qualidade como um fator diferencial etc. ao seu público consumidor. Geralmente,
Com relação aos funcionários, não há um em MPEs essa política de propaganda
programa que permita a multi- inexiste, fazendo com que os
funcionalidade. (SAVIANI, 1995; funcionários desconheçam os sucessos
WIKLUND & WIKLUND, 1999). da empresa (SAVIANI, 1995).
g) Falta de uma política de Recursos j) Falta de uma visão de melhoria
Humanos: observa-se que micro e contínua: muitos micro e pequenos
pequenos empresários ainda confundem empresários ainda não possuem uma
Departamento Pessoal com política de visão de melhoria contínua, uma vez que
Recursos Humanos. Enquanto o primeiro implementada uma melhoria ou
está voltado apenas para um controle da alcançado um patamar superior,
vida do operário, como registro de faltas, negligenciam a constante manutenção
horas extras trabalhadas, etc. o segundo ou melhoria desta situação. Esquecem
pretende realizar um plano de carreiras, que administrar é rever a empresa a cada
uma descrição de cargos, a satisfação do momento e sempre buscar uma situação
funcionário e o incremento de seu nível melhor que a vigente, como indicada pela
intelectual. É interessante destacar metodologia do Kaizen. (OLIVEIRA,
também que freqüentemente estes 1994; SAVIANI, 1995; SOIFER, 2002).
departamentos não existem, estando
suas tarefas e deveres concentrados na Vantagens das MPEs em relação as
imagem do proprietário/administrador Ges
(SAVIANI, 1995).
a) Maior flexibilidade em relação as
h) Não utilização de Recursos
GEs : se por um lado existem alguns
Computacionais: mesmo em plena era
pontos a serem melhorados,
da informática, ainda existem muitas
principalmente na estrutura
MPEs que realizam suas contabilidades
administrativa das MPEs, por outro
ou balanços de estoques sem o auxílio de
existem características que as permitem
micro-computadores. Muitas vezes,
obter maior flexibilidade em relação às
existe uma aversão à informática por
GEs. Uma destas características é o porte
parte do micro e pequeno empresário,
frente às GEs. Segundo Crósta (2000),
em especial por aqueles mais antigos.
por serem menores, as MPEs permitem a
Eles acreditam que os métodos
seus proprietários uma visão mais
tradicionais são mais simples,
privilegiada do “dia-a-dia empresarial”
esquecendo-se de que estes possuem
em decorrência do contato mais próximo
maior probabilidade de perda de
com cada funcionário e, como
informações e maior desperdício de
conseqüência, atingi-se uma maior
tempo. O uso de um simples micro-
flexibilidade. McAdam (1999) e Wiklund
computador com softwares de caráter
& Wiklund (1999) destacam que essa
geral permite organizar inúmeras
flexibilidade apresenta-se como ponto de
informações e acessá-las facilmente no
vantagem tanto na implementação de
momento em que for necessário (Guia
um programa de melhorias quanto na
PEGN, 2002; GERANEGÓCIOS, 2004).
conquistas de mercados inviáveis as GEs.
i) Endomarketing Zero: o b) Caráter mais empreendedor: se
endomarketing pode ser entendido como por um lado a implementação de um novo
o marketing interno que a instituição faz negócio ou de novas idéias em uma
96
empresa já consolidada envolve um tranqüilo para trabalhar, pois acredita
risco, por outro ela é a responsável, na que a relação mais próxima com
maioria das vezes, pelo surgimento de proprietário lhe garantirá maior
melhorias e inovações. Esta é uma credibilidade em caso de crises
característica marcante de muitas MPEs, econômicas. Ele acredita que o micro ou
que se submetem proporcionalmente a pequeno empresário fará o máximo para
um maior risco do que muitas GEs. Os manter o emprego dos funcionários que
micro e pequenos empresários possuem possui, ao contrário do que geralmente
mais coragem para arriscar, e isto, ocorre nas GEs, onde demissões em
quando acompanhado por massa são freqüentes, mediante crises
planejamentos e estudos, pode ser visto econômicas (OLIVEIRA, 1994).
com ponto positivo na busca pela
qualidade (SEBRAE, 2004). 17 PRINCíPIOS DE GESTÃO
SUSTENTÁVEL PARA MPEs
c) Comunicação mais efetiva entre
subordinado e superior: este talvez Como citado anteriormente,
seja um dos pontos mais favoráveis das Deming (1990) acreditava que suas
MPEs na busca pela qualidade. Neste tipo teorias teriam maior abrangência se
de empresa, a relação superior- fossem divulgadas da maneira mais
subordinado é mais direta e produtiva, simples possível. Seguindo a mesma
fazendo com que programas de linha de raciocínio de Deming na forma
treinamentos e de reciclagem tenham como divulgou suas teorias, procurou-se
maior eficiência. Na relação inversa, ou resumir em 16 princípios os fatores
s e j a , s u b o r d i n a d o - s u p e r i o r, o s primordiais para que MPEs alcancem a
problemas do “dia-a-dia” da empresa são qualidade e comecem a difundir
relatados mais facilmente e, como conceitos relacionados à
conseqüência, resolvidos com maior responsabilidade social e ambiental.
rapidez. Estes princípios estão abaixo listados e
posteriormente detalhados.
d) Contato mais próximo com o
cliente: segundo Goldschmidt & Chung 1 - Estabeleça metas desafiadoras, não
(2001) e Kee-Hung (2002), além da sendo extremamente fáceis nem
maior flexibilidade e simplicidade da impossíveis.
estrutura hierárquica, as pequenas 2 - Entenda qualidade como a satisfação
empresas se fazem mais próximas dos das partes interessadas e não somente
clientes do que as GEs. Essa proximidade como adequação às especificações
se faz presente principalmente na técnicas. Um produto de qualidade é
capacidade que a empresa de pequeno aquele que, além de atender as
porte possui em estar junto aos clientes e necessidades dos clientes, não
ouvir suas reais necessidades. Como proporciona um impacto ambiental.
conseqüência, os produtos ou serviços 3 - Estenda o conceito de “satisfação do
por ela comercializados apresentarão um cliente” para dentro da MPE. A satisfação
maior grau de satisfação. de seus funcionários com o trabalho
aumentará a produtividade.
e) Estabilidade do Emprego: a 4 - Distinga bem os negócios das relações
estabilidade do emprego é fator de parentesco e a pessoa física do
determinante para que o funcionário empresário da pessoa jurídica da
possa ter seu máximo desempenho. empresa.
Observa-se uma grande diferença no 5 - Atribua a liderança em projetos e
comportamento de um funcionário de tarefas por meio do conhecimento, da
uma MPE com relação a um funcionário perícia e das habilidades interpessoais,
de uma GE. O funcionário de uma MPE sem que seja considerado o nível de
sente-se estável em sua profissão e mais autoridade.
97
6 - Busque uma convivência “amigável” Em relação ao estabelecimento
com todos os seus funcionários. de metas, estas se fazem necessárias em
7 - Motive a participação de toda MPE em empresas de qualquer porte, sejam elas
novos projetos ou programas de micro, pequenas, médias ou grandes.
melhoria, inclusive os funcionários de Metas bem definidas e bem estruturadas
alta hierarquia. representam um caminho a ser seguido e
8 - Ao implementar melhorias, utilize auxiliam a integração de todos os
somente uma abordagem. funcionários na busca por um objetivo
9 - Treine os funcionários visando a multi- comum.
funcionalidade.
10 - Atribua tarefas que permitam o Princípio 2: A satisfação das
desenvolvimento do potencial humano. partes interessadas
Ofereça a seus funcionários a
possibilidade de complementarem seus Apesar dos primeiros conceitos
estudos ou se instruírem cada vez mais. sobre qualidade gerencial terem sido
11 - Busque um relacionamento com o difundidos há mais de 50 anos, muitas
fornecedor baseado na qualidade e não MPEs ainda vêem qualidade somente
no preço. como adequação às especificações
12 - Ao utilizar ferramentas gerenciais, técnicas e não como satisfação das
dê preferência a ferramentas simples e partes interessadas (clientes,
de fácil compreensão para os sociedades, etc). A MPE deve levantar
funcionários. quais são as características que os
13 - Crie um bom alicerce para futuros clientes mais valorizam em seus
programas de qualidade. A implantação produtos, quais são as características
do 5S auxiliará na construção deste que seus produtos não apresentam e que
alicerce. seus clientes desejam, por que clientes
14 - Não abandone os padrões de em potencial não compram seus
qualidade conquistados frente a outras produtos, etc. “A satisfação do cliente é o
“emergências”. ponto chave para o sucesso da empresa
15 - Ajuste os processos produtivos para de pequeno porte” (GOLDSCHMIDT &
que eles respeitem normas e legislações CHUNG, 2001).
ambientais. Além disso, a MPE deve oferecer
16 - Contribua para o crescimento e um produto que não proporcione
desenvolvimento da região onde sua impactos ambientais e respeite as
empresa está inserida. legislações relacionadas ao setor de
17 - Difunda todos os tópicos anteriores atuação. Em longo prazo, a MPE
entre todos os funcionários, fazendo com começara a desenvolver uma imagem
que estes estejam presentes no dia-a-dia que será reconhecida pelos clientes e
da MPE. pela comunidade com a qual esta
envolvida.
Princípio 1: O estabelecimento
de metas na MPE Princípio 3: O cliente interno da
MPE
Ao estabelecer o princípio 1,
optou-se pela utilização da palavra A satisfação do cliente externo,
“meta” ao invés das palavras missão e ou seja, aquele que paga pelo produto ou
visão. A palavra meta já se encontra bem serviço e a sociedade, exige, além de
solidificada no vocabulário do micro ou outros fatores, a integração de toda MPE.
pequeno empresário e ele a entende num Neste contexto, cada processo deve ver o
contexto que envolve as definições de posterior com um cliente que possui
missão, visão e objetivos, o que facilitará necessidades e desejos e, desta maneira,
a compressão de tal tópico. realizar o melhor possível. Como
98
conseqüência, muitos problemas serão habilidades que permitam o
evitados e a satisfação do cliente externo desenvolvimento de tal função. Nas
(objetivo da empresa) será alcançada. MPEs, com freqüência, a atribuição de um
A satisfação do funcionário com líder não se dá conforme descrito acima e
seu trabalho também é um ponto a ser sim pelo nível hierárquico ocupado. Como
considerado. Segundo Goldschmidt & conseqüência, os membros de uma
Chung (2001), funcionários altamente equipe sentem-se desamparados e
motivados tendem a ser mais produtivos, impedidos de atingirem o máximo.
o que contribui para a melhoria da
performance empresarial. Princípio 6: A boa convivência
entre micro e pequenos
Princípio 4: Negócios e relações empresários e seus funcionários
familiares
Os micro e pequenos
Grande parte das MPEs esta empresários devem buscar uma
estruturada sob base familiar, o que pode convivência “amigável” com todos os
representar vantagens ou desvantagens. seus funcionários. Uma das grandes
Se por um lado as relações familiares vantagens da MPE em relação a uma
transmitem uma maior confiança para o empresa de grande porte é que essa
empreendedor, por outro não devem ser relação pode ser mais facilmente
critério diferenciador na atribuição de alcançada. Deve-se criar um clima onde o
cargos ou promoções. Estas atribuições funcionário sinta-se confortável para dar
devem ser baseadas unicamente no sugestões, para denunciar problemas,
merecimento e na qualificação do além de se sentir responsável pela
funcionário. O Guia PEGN (2002) tomada de certas decisões. O nível
recomenda que estes princípios sejam hierárquico não deve comprometer a
claramente definidos pelos familiares no comunicação entre todos os membros da
início de empreendimento ou o mais MPE.
rápido possível, se a empresa já existe.
Com relação às finanças, o micro Princípio 7: A motivação para a
ou pequeno empresário deve distinguir a implantação de um programa de
pessoa física do empresário da pessoa
qualidade
jurídica da empresa. Ele deve levar em
consideração as despesas da MPE, o
Toda MPE deve estar envolvida
capital necessário para investimentos, o
com o programa de qualidade, inclusive
capital de giro, entre outros, antes de
os administradores. Não se deve designar
realizar retiradas pessoais. O Guia PEGN
todas as responsabilidades apenas a um
(2002) recomenda que o aumento dos
grupo de pessoas e classificá-las como
limites de retirada só deve ser realizado
departamento da qualidade. Um outro
quando se conhece claramente a
ponto importante é a abolição da crença
regularidade das vendas e as
de que os trabalhadores são os únicos
sazonalidades.
responsáveis pelos problemas e que as
melhorias do sistema e dos produtos
Princípio 5: Liderança atribuída
dependem somente deles.
pelas habilidades
O papel de um líder num projeto Princípio 8: Utilização de uma
ou execução de uma tarefa é direcionar e única abordagem
auxiliar os membros da equipe para que
os objetivos pré-estabelecidos sejam Segundo Saviani (1995), durante
alcançados. É de se esperar, portanto, a implantação de um programa de
que este líder tenha conhecimentos e melhorias, muitas MPEs acabam tendo
99
contato com diferentes abordagens e são Princípio 11: O relacionamento
tentadas a mesclar estas abordagens da MPE com os fornecedores
com a que está sendo implementada.
Com a mescla, o programa de qualidade O relacionamento de uma MPE
começa a ganhar complexidades antes com seus fornecedores deve ser baseado
inexistentes e sua implantação fica na qualidade e não no preço. Se o poder
prejudicada. O recomendado é que a MPE de barganha da MPE for superior ao de
escolha a abordagem mais adequada a seu fornecedor, deve-se motivar o
sua realidade e a utilize até o fim. fornecimento de produtos de qualidades
a preços razoáveis. Caso contrário, a MPE
deve optar pelo fator qualidade em
Princípio 9: A multi-
relação aos custos. Em ambos os casos, a
f u n c i o n a l i d a d e d o s MPE deve desenvolver um
trabalhadores relacionamento de confiança em longo
O treinamento em uma MPE deve prazo de maneira a eliminar os problemas
ser voltado para a formação de decorrentes da falta de qualidade sobre o
funcionários que possam ser alocados em material que recebe.
diferentes funções. Um dos principais
Princípio 12: A utilização de
problemas vivenciados nas MPEs é a
ferramentas da qualidade e
extrema dependência em relação a
funcionários especializados numa única gerenciais nas MPEs
função. A ausência deste funcionário Ao se utilizar ferramentas da
geralmente causa queda de qualidade ou gerenciais nas MPEs, deve-
produtividade ou qualidade, uma vez que se dar preferência àquelas de baixa
não existem substitutos à mesma altura. complexidade e fácil difusão entre os
Assim, o treinamento deve ser realizado funcionários. Segundo Cândido (1998),
de maneira a criar a multi-funcionalidade ferramentas da qualidade e gerenciais
e impedir que a ausência de um simples contribuirão em muito para a
colaborador comprometa as melhorias melhoria do desempenho empresarial,
até então alcançadas. desde que compreendidas e
corretamente utilizadas e pelos
Princípio 10: Desenvolvimento funcionários no cotidiano na MPE.
do potencial humano
Princípio 13: Alicerce para
Deve ser feito na MPE um futuros programas de qualidade
planejamento que permita aos seus
funcionários o desenvolvimento de Muitas vezes, a organização do
diferentes tarefas ao longo da jornada de espaço de trabalho impede a ocorrência
trabalho além de disponibilizar um tempo de uma série de problemas futuros.
extra para que estes complementem seus Assim, o estabelecimento do 5S deve
estudos ou se instruam cada vez mais. fazer parte do programa de qualidade de
Isto possibilitará o desenvolvimento do uma empresa de micro e pequeno porte.
potencial humano e, conseqüentemente, Todos os funcionários devem dedicar
o crescimento pessoal. Com relação às alguns minutos de seu expediente na
tarefas do dia-a-dia, recomenda-se que limpeza e organização dos equipamentos
elas apresentem um grau de dificuldade e do ambiente de trabalho. Além de evitar
mediano. Tarefas muito fáceis ou problemas, estas práticas contribuirão
r e p e t i t i va s n ã o p e r m i t i r ã o e s t e para um melhor desempenho de toda a
desenvolvimento; por outro lado, tarefas MPE.
extremamente difíceis de serem Segundo Silva (1994), o 5 S é
atingidas desmotivarão os funcionários composto pelos sensos de utilização
com relação à melhoria da performance. (equipamentos, dados e documentos
100
serão separados em úteis ou Princípio 16: Contribuindo com a
dispensáveis), ordenação comunidade local
(posicionamento prático dos
equipamentos, dados ou documentos Micro e pequenos empresários
úteis), limpeza (análise de itens que devem contribuir para o crescimento e
prejudicam a produtividade e o bem estar desenvolvimento da comunidade na qual
do funcionário), saúde (melhores suas empresas estão inseridas. Ressalta-
condições de trabalho aos funcionários) se desde já, que existem muitas formas
e, por fim, autodisciplina (fazer com que de auxílio, não estando todas elas
todos os outros itens estejam presentes relacionadas a fatores financeiros.
no cotidiano da MPE e não se Assim, fornecendo pequenas ajudas
transformem em meras utopias). financeiras ou disponibilizando parte de
seu tempo, micro e pequenos
Princípio 14: Abandono dos empresários poderão contribuir para a
padrões de qualidade alcançados melhoria da comunidade na qual
frente a outras “emergências” convivem, e conseqüentemente para
uma sociedade melhor.
É prática comum muitas MPEs
abandonarem a implantação dos padrões Princípio 17: Difusão dos
de qualidade alcançados mediante a princípios de qualidade para
ocorrência de outras “emergências”. MPEs
Muitas destas empresas acreditam que a
qualidade está em segundo plano e só Todos os princípios anteriores
deve ser implementado nos períodos em devem ser difundidos entre todos os
que a empresa não precisa “apagar funcionários, fazendo com que eles
incêndios”, conforme definição de muitos estejam presentes no dia-a-dia da MPE.
micro e pequenos empresários. O que Não se deve permitir que qualquer um
precisa ser entendido é que estes deles se transforme numa mera utopia.
“incêndios” só ocorrem porque a MPE Um outro ponto a ser considerando é o a
está desorganizada, necessitando de manutenção destes conceitos. Muitas
melhorias que lhe dê maior eficiência e MPEs acreditam que os benefícios
flexibilidade. A manutenção dos padrões alcançados com a nova cultura da
de qualidade alcançados e a melhoria qualidade perdurarão sem que se faça
contínua farão com que estes problemas uma constante manutenção.
repentinos desapareçam.
CONCLUSÕES
Princípio 15: Processos
produtivos em conformidade A globalização faz com que
muitas empresas busquem resultados
com normas e legislações
cada vez melhores em termos de
ambientais produtividade e qualidade de seus
Além de satisfazer clientes e produtos com o objetivo de vencerem
possuir um produto que agrida o mínimo seus concorrentes. Em contrapartida,
possível o meio ambiente, os processo esta mesma globalização cria uma
produtivos da MPE também devem estar sociedade altamente informada, que
em conformidade com normas e passa a exigir das empresas o
legislações ambientais. De nada adianta compromisso perante os fatores
a MPE produzir um produto ambientais e sociais.
ambientalmente correto se seus Esta reestruturação,
processos produtivos causam impactos considerando tanto fatores de
ambientais na região que esta inserida. desempenho empresarial quanto fatores
Com o tempo, a comunidade ao redor da ambientais e sociais é vital para grandes
MPE manifestará seu descontentamento. empresas e começa a influenciar MPEs.
101
Diante disso, torna-se necessário criar CHAVES JUNIOR, Antonio Everton. As Micro e
uma cultura de qualidade nas MPEs que Pe q u e n a s E m p r e s a s n o B ra s i l .
além da melhoria do desempenho, Confederação Nacional do Comércio. 1 ed.
Rio de Janeiro: Confederação Nacional do
possibilite o início da difusão de conceitos
Comércio, 2000. 56 p.
ambientais e sociais e foi com este intuito
que se propôs os 17 princípios de COHEN, D. A empresa do novo milênio. Revista
qualidade para MPEs. Exame, São Paulo, p. 30-45, março de
Algumas considerações podem 2000.
ser feitas sobre estes princípios. A CRÓSTA, Vera Maria Duch. Gerenciamento e
primeira delas é que eles têm como qualidade em empresas de pequeno
objetivo principal auxiliar a melhoria da porte: um estudo de caso no segmento de
performance e iniciar a conscientização farmácia de manipulação. 2000. 96 f.
de micro e pequenos empresários, não Dissertação (Mestrado em Qualidade).
Instituto de Matemática, Estatística e
descrevendo como os fatores ambientais
Computação Científica, Universidade
e sociais serão alcançados. Uma outra Estadual de Campinas, Campinas.
característica é que estes princípios não
especificam o setor de atuação da MPEs, DEMING, W. Edwards. Qualidade: A Revolução
podendo ser aplicado tanto em empresas da Administração. 2. ed. Rio de Janeiro:
Marques Saraiva, 1990. 367 p.
de manufatura quanto empresas de
serviço. É lógico, que em decorrência do DRUCKER, Peter Ferdinand. A nova era da
setor de atuação da MPE, alguns administração. 4. ed. São Paulo: Pioneira,
princípios podem demonstrar maior 1992. 170 p.
importância que outros, como é o caso da FIESP. Site da Federação da Indústrias do
Estado de São Paulo. Seção notícias.
implantação do 5S numa MPE de
D i s p o n í v e l e m :
manufatura em comparação com uma <http://www.fiesp.com.br> Acesso em:
MPE de serviços. 22 março de 2004.
Por fim, ressalta-se que estes
FPNQ. Fundação Prêmio Nacional da
princípios devem ser implantados e fazer Qualidade. Critérios de Excelência 2004.
parte da cultura da MPE. Eles auxiliarão e D i s p o n í v e l e m :
facilitarão a implantação de futuros <http://www.fpnq.org.br>. Acesso dia 19
programas de qualidade ou certificações de março de 2004.
almejadas pelos micro e pequenos GERANEGÓCIOS. Site em parceria com a
empresários. Revista PEGN. Seção Programas de
Qualidade. Disponível em:
NOTAS < h t t p : / / w w w. g e ra n e g o c i o . c o m . b r >
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de Engenharia Mecânica FEM,Universidade Estadual does matter: the effect of organizational
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2 - Docente da Faculdade Brasília de São Paulo e da 6, 2001. p. 47-60. Disponível em:
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METROCAMP.
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3 - Docente da Faculdade de Engenharia Mecânica outubro de 2003.
FEM, Universidade Estadual de Campinas - UNICAMP
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<http://www.sciencedirect.com/science/
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abril de 2003.

103
LIDERANÇA E CULTURA ORGANIZACIONAL
NO PROCESSO DE ESTRATÉGIA1
MANGINI, E.R.2; CONEJERO, M.A.3; FOGAÇA, S.C.4

RESUMO ABSTRACT
O termo vantagem competitiva tem sido The term of competitive advantage has
explorado amplamente na literatura been explored a lot in theory strategic
estratégica, porém com o advento da literature, but wiht the advent of
teoria baseada em recursos (RBV) esta resource-based view theory this became
passou a ser trabalhada de forma mais work on more tecnified in the
tecnificada no âmbito organizacional. organizational environment. This theory
Essa teoria relaciona os recursos dentro relation the resource into structure the
de uma estrutura conhecida como VRIN, resource into structure known as VRIN,
onde se preconiza que para se ter where it is said that to have competitive
vantagem competitiva um recurso deve advantage a resource must have value,
possuir valor, raridade, difícil de ser rarely, inimitable and no substitutable. In
imitado e difícil de ser substituído. A this time, organizational culture could be
cultura organizacional por sua vez pode considerate as resource of the company;
ser considerada como recurso da being able to used in the strategies
empresa, podendo ser então utilizada na formulation as long as it attends of
formulação de estratégias, desde que characteristics of RBV theory's structure,
atenda as características da estrutura da so organizational culture can affected
teoria RBV, além de que a cultura positively by the transformational
organizacional também é afetada leadership that potencialized as source of
positivamente pela liderança strategic resource.
transformacional que a potencializa como
fonte de recurso estratégico.

PALAVRA-CHAVE KEYWORDS
liderança, cultura organizacional, leadership, organizational culture,
resource-based view resource-based view

105
INTRODUÇÃO De acordo com Porter (1989), a
vantagem competitiva sustentável é a
Vários são os conceitos de base fundamental para que a corporação
cultura que se encontram na literatura, apresente desempenho acima da média
conceitos que vão desde aspectos no longo prazo. Com o surgimento da
etimológicos, passando por conceitos teoria RBV, o conceito de vantagem
étnicos, psicológicos, religiosos até competitiva passou a ter um tratamento
conceitos que relacionam a cultura teórico mais tecnificado (VASCONCELOS
dentro das empresas, chamada de e BRITO, 2004).
cultura organizacional. Essa mesma Uma empresa adquire vantagem
dificuldade em se conceituar cultura competitiva quando a estratégia
também ocorre com o termo liderança, implementada permite a criação de valor,
que apresentam diversos significados não sendo passível de cópia (ou imitação)
dependendo do autor e da escola de pelas empresas concorrentes, o que
pensamento. eliminaria esse diferencial (lucratividade)
Não faltam artigos, publicações, (BARNEY, 1991).
pesquisas em geral, que relacionam os A teoria Resource-based View
dois termos, mesmo com a falta de apresenta as seguintes proposições
consenso entre a maioria dos estudiosos descritas por Wernerfelt (1984) [...]:
sobre o significado de liderança e cultura
organizacional. 1 - Ao observar as empresas sob a ótica
Na linha de estratégia vários dos recursos, a análise conduz a critérios
autores citam o termo vantagem diferentes da perspectiva tradicional de
competitiva, porém o conceito desse produtos. Em particular, empresas
termo é alvo de grandes debates entre diversificadas são vistas sob um novo
pesquisadores e estudiosos pela ângulo.
dificuldade de concatenação das diversas
2 - Pode-se identificar aqueles tipos de
opiniões e definições.
recursos que conduzem a lucros mais
O presente ensaio mostrará a
elevados. Em analogia, as barreiras à
relação dos conceitos cultura e liderança
entrada, os recursos podem ser
como pontos de vantagem competitiva
associados com a chamada barreira à
da organização sob a luz da teoria RBV
posição de recursos.
(Resource-based View). A influência do
líder transformacional na cultura 3 - Estratégia para uma grande empresa
organizacional pode torná-la fonte de envolve o ponto em que se atinge o
vantagem competitiva sob a óptica da equilíbrio entre a exploração desses
teoria RBV? Essa pergunta é o recursos e o desenvolvimento de novos
sustentáculo deste trabalho e deverá ser recursos, que podem ser visualizados
respondida com o desenrolar da através de uma matriz recurso-produto.
pesquisa.
4 - Uma aquisição pode ser vista como a
compra de um conjunto de recursos em
DESENVOLVIMENTO
um mercado altamente imperfeito.
Sendo a compra é baseada em um
A obtenção de vantagem
recurso raro, é possível, mantendo tudo
competitiva pode ser entendida como o
o mais constante, maximizar essa
objetivo final de qualquer organização,
imperfeição e as probabilidades de
bem como fonte de explicação tanto da
comprar barato e obter bons retornos.
diversidade de organizações existentes
quanto do sucesso ou fracasso das Os recursos de uma organização
empresas em um ambiente de são definidos como todos os ativos,
competição (VASCONCELOS e BRITO, capacidades, processos organizacionais,
2004). atributos empresariais, conhecimento, e
106
outras particularidades, que são apresenta potencial para a geração de
controladas e permitem a formulação de vantagem competitiva. Um recurso pode
estratégias que visam aumentar a ser de difícil imitação quando apresenta
eficiência e eficácia da empresa condições históricas únicas, ambigüidade
(BARNEY, 1991). causal e complexidade social.
De acordo com Grant (1991), os A dificuldade em substituição
recursos devem possuir qualidades refere-se à existência de recursos
intrínsecas que permitem abastecer a equivalentes e, portanto, quando não há
empresa detentora com capacidades, essa possibilidade, é provável a geração
cuja aplicabilidade é fonte de vantagem de vantagem competitiva. Empresas que
competitiva e, ao mesmo tempo, exploram vantagens competitivas não
estimular a criação de uma estratégia imitáveis podem ser fontes de uma
para melhor exploração destes recursos performance superior sustentável que
frente às oportunidades do traduzem economicamente como fonte
macroambiente no qual a empresa está de rentabilidade financeira (BARNEY,
inserida. Portanto, o processo de 1986).
formulação de estratégias baseada em Os recursos da organização são
recursos deve prover um feedback ou classificados por Barney (1991) em três
retroalimentação desses recursos para a categorias: recursos de capital físico,
sustentação da vantagem competitiva ao recursos de capital humano e recursos de
longo do tempo. capital organizacional. Recursos de
Esse feedback é necessário capital físico são: a tecnologia física,
devido à depreciação desses recursos, estrutura física e equipamentos,
que podem se tornar obsoletos com o localização geográfica e acesso à
avançar do tempo e com relação ao aquisição de insumos. Recursos de
mercado de fatores estratégicos, ou capital humano referem-se ao
ainda, podem ocorrer sua replicação e treinamento, experiência, julgamentos,
incorporação por outra empresa, ou seja, inteligência, relacionamentos, bem como
os recursos perdem as características de os “insights” de gerentes e demais
não imitabilidade (GRANT, 1991). colaboradores da empresa. Recursos de
Barney (1991), por sua vez, capital organizacional são: o
argumenta que os recursos de uma planejamento formal e informal, controle
empresa podem ser utilizados como e sistemas de coordenação, e também as
fonte de vantagem competitiva desde relações informais entre grupos internos
que eles apresentem quatro da organização e entre a organização e o
características fundamentais, quais ambiente.
s e j a m : v a l o r, r a r i d a d e , d i f í c i l Dado que os recursos podem ser
imitabilidade e difícil de ser substituído. considerados como ativos, Ross et al.
Nesta linha de pensamento, para (1995) descrevem que os ativos de uma
que um recurso possua valor para a organização podem ser tangíveis ou
empresa, este deve ser capaz de intangíveis. Ativos intangíveis são
aumentar a eficiência e a eficácia da aqueles que, embora não tenham
própria empresa. Esse recurso deve existência física, podem ser valiosos para
fornecer subsídios para que a empresa a empresa como, por exemplo: o valor da
explore oportunidades ao mesmo tempo marca registrada, o valor de uma patente
em que possibilite a neutralização de ou mesmo o valor da imagem perante o
possíveis ameaças vindas do ambiente consumidor. A cultura pode ser um
externo (BARNEY, 1991). exemplo de um valioso ativo intangível,
Barney (1991) descreve que um pois, mesmo não tendo existência
recurso é considerado raro quando existe material, influencia o desempenho da
uma alta demanda pelo recurso e baixa organização como um todo.
oferta do mesmo e, concomitantemente, Bertero (1996) afirma que a
107
cultura é a chave para a sobrevivência da Tensão dinâmica entre a necessidade de
organização, já que é um elemento que estabilidade e a necessidade de
permite a realização de tarefas inerentes flexibilidade. A característica de
ao ambiente externo, bem como permite envolvimento é descrita como habilidade
integração, articulação e coordenação organizacional que desenvolve
interna. características nos colaboradores e criam
A cultura de um grupo ou força de trabalho de equipe, que culmina
organização pode ser definida como com o sucesso. Consistência refere-se ao
premissas partilhadas pelos comportamento dos colaboradores da
participantes desse grupo, adquiridas organização que são sedimentados num
para a solução de problemas de conjunto de valores essenciais, onde
adaptação externa e integração interna, líderes e liderados são capazes de
e quando bem trabalhada pode ser alcançar concordância, existindo então
rapidamente assimilada por novos sinergia de ações. Já a missão reflete a
membros como uma maneira de habilidade de definir o direcionamento
perceber, pensar, sentir e relacionar-se das ações e fornecer foco para essas
em relação aqueles problemas ou ações e para visão comum de futuro. A
situações (SCHEIN, 1992). adaptabilidade refere-se à habilidade
Significa ainda um conjunto de organizacional de traduzir demandas de
crenças, expectativas, valores, e negócios em ações positivas.
relacionamentos e formas de interação Bertero (1996) afirma que no
existentes entre os membros de uma processo de formação da cultura
organização, grupo ou sociedade organizacional, diversas variáveis fazem
(BECKHARD, 1972). Adicionalmente, parte desse processo, sob a forma de
Wagner III e Hollenbeck (2000) valores, crenças e mitos, processo esse
descrevem que em toda cultura deve de adaptação externa e integração
existir um conjunto de crenças e valores interna da organização.
primordiais que norteiam os De acordo com Schein (1992) a
comportamentos dos membros e cultura desenvolve-se a partir de três
auxiliam a compreensão da própria fontes básicas:
organização.
a) crenças, valores e pressupostos dos
A cultura tem papel importante
fundadores da organização;
sobre a eficácia da empresa, cuja relação
b) experiência de aprendizado dos
é baseada em quatro características da
membros da organização;
própria cultura organizacional, conforme
c) novas crenças, novos valores e novos
citado por Denison e Mishra (1995). São
pressupostos que são adicionados a
elas: envolvimento, consistência,
partir de novos membros ou líderes.
adaptabilidade e missão. As
características de envolvimento e
adaptabilidade são indicadores de Os fundadores das empresas
flexibilidade, abertura e receptividade e praticamente moldam a cultura da
são, portanto, indicadores de empresa, internalizando seus valores
desenvolvimento. Já as características de pessoais, visão de mundo e de negócios
consistência e missão se apresentam (BERTERO, 1996). Fundadores iniciam as
como indicadores de integração e empresas definindo e resolvendo
direção, visando, contudo, melhores problemas de integração interna e
indicadores de lucratividade. adaptação externa; trazem para dentro
De acordo com Denison (2000, da organização sua própria história
apud BLOCK, 2003), organizações cultural e personalidade, compartilhando
eficazes demonstram níveis elevados s e u s va l o r e s e v i s õ e s c o m o s
dessas quatro características que colaboradores e demais membros
refletem a habilidade de balancear a (SCHEIN, 1992).
108
Após a formação da cultura da Artefatos envolvem todos os
empresa através dos líderes fundadores, fenômenos que podem ser vistos,
esta deve ser internalizada pelos ouvidos e sentidos por um grupo em uma
membros da organização e a cultura cultura diferente. Incluem ainda
então é divulgada pela rede de produtos visíveis como arquitetura do
comunicações interna, que se vale de meio físico, linguajar, tecnologia e
manuais e outras formas de comunicação produtos, criações artísticas, estilos de
informal que fortalecem e propagam a roupas usadas, mitos e histórias
cultura (BERTERO, 1996). contadas sobre a organização, além de
Quando os pressupostos e rituais e cerimônias, que expressam
crenças dos líderes fundadores possuem crenças e valores culturais (SCHEIN,
aspectos positivos, criam então uma 1992).
organização forte e a cultura reflete as Valores Esposados são os valores
premissas originais. Porém quando que são manifestados pela organização,
ocorre mudança do ambiente, estas expressando a razão do comportamento
premissas podem não ser mais aplicáveis dos membros da organização, que, na
e tornam-se desfavoráveis à maioria das vezes, são idealizações ou
organização. Logo, a empresa deve racionalizações. Muitas vezes, os valores
encontrar maneiras de promover a esposados advêm de práticas de estilos
mudança da cultura (SCHEIN, 1992). de liderança e dos próprios valores dos
Bertero (1996) comenta que, de maneira líderes e gerentes da organização, bem
geral, a mudança organizacional como de situações em que a organização
revitaliza a organização tirando-a do literalmente aprendeu como superar.
marasmo ou conduzindo-a rumo ao Esses valores e crenças são então
sucesso; porém o processo de mudança partilhados pelos membros do grupo que
pode ser lento e problemático. Essa os internalizam como verdades (SCHEIN,
mudança deve ser incremental a partir da 1992).
internalização de novas crenças e Pressupostos básicos
premissas advindas de novos membros determinam como os membros de uma
ou líderes. organização conseguem perceber,
Para que o conjunto de crenças e pensar e sentir. Relacionam-se ainda com
valores primordiais possam ser a maneira de pensar e agir em
analisados/aprendidos pelos membros determinadas situações de risco à
da organização em diferentes níveis, eles organização e seus membros (SCHEIN,
foram classificados em Artefatos, Valores 1992).
Esposados e Pressupostos Básicos, De acordo com Brown (1993),
conforme demonstrado na figura 1 esses três níveis da cultura
(SCHEIN, 1992): organizacional são determinantes
Figura 1 Artefatos, Valores Esposados e
poderosos da vida organizacional, e são
Pressupostos Básicos i n t u i t i va m e n t e i n c o r p o ra d o s p o r
executivos ao gerenciar pessoas,
Processos e estruturas formular estratégias e induzir mudanças
Artefatos organizacionais visíveis
organizacionais.
De acordo com Bass e Avolio
Estratégias, filosofias, (1993), grande parte da cultura
Valores Esposados
metas e objetivos organizacional advém do estilo de
liderança do gestor, ao mesmo tempo em
Percepções, pensamentos,
que a cultura da organização também
Pressupostos Básicos sentimentos, crenças afeta o desenvolvimento da liderança.
em geral Ogbonna e Harris (2000) descrevem que
Fonte: Schein, E. Organizational Culture and
o impacto da liderança na organização é
Leadership, pg 17 mediado pela cultura organizacional,
109
relacionando esses dois conceitos com a (multifactor leadership questionnaire),
performance organizacional. os líderes transformacionais podem ser
Jago (1982), por sua vez, caracterizados por quatro componentes:
argumenta que liderança não é somente influência idealizadora, motivação
um processo e sim um conjunto de inspiracional, estimulação intelectual e
processo e propriedade. Afirma ainda que consideração individualizada. Esse tipo
o processo de liderança é a influência não de líder congrega criatividade,
coercitiva que dirige e coordena ações persistência e energia, intuição e
dos membros de um grupo em direção sensibilidade com as necessidades de
aos objetivos coletivos. O autor completa seus liderados forçando uma ligação
dizendo que liderança como propriedade entre cultura e estratégia (BASS e
é um conjunto de atributos que são AVOLIO, 1993).
percebidos pelos membros do grupo. De acordo com Bass (1998),
Esse conceito de liderança é corroborado líderes transformacionais apresentam
pela descrição de Kent et al. (2001), que oportunidades para melhorar a imagem
a relatam como condução, da organização, bem como outros fatores
potencialização e unificação de pessoas como recrutamento, seleção, formação
em direção a realização de uma visão da equipe de trabalho, treinamento e
comum. desenvolvimento, além de ter
Segundo Burns (1978, apud implicações na estratégia e design da
KENT et al., 2001) existem diferenças organização.
entre liderança e gerenciamento. Esse Segundo Bass (1998), o estilo de
mesmo autor propôs a separação da liderança afeta o fluxo de informação,
liderança em liderança transformacional regras e procedimentos, base de poder e
e liderança transacional. também a centralização ou não do poder,
De acordo com Bass e Avolio sendo que estes fatores têm fundamental
(1993), líderes transacionais trabalham participação no processo de estratégia da
em suas culturas organizacionais através empresa.
do cumprimento de regras, Como os líderes fazem parte dos
procedimentos e normas; ao passo que recursos humanos da organização,
líderes transformacionais promovem Wright et al. (1994) afirmam que estes
modificações na cultura, através do podem ser fontes de vantagem
realinhamento da mesma com a nova competitiva sustentável, pois
visão, e uma revisão dos valores, normas apresentam o critério de serem valiosos,
e pressupostos. raros, inimitáveis e não substituíveis, de
Líderes transformacionais são acordo com a estrutura de análise
citados por Shivers-Blackwell (2004) proposta por Jay Barney.
como aqueles que: I) conseguem Barney (1986) afirma que a
articular a visão do futuro e compartilhar cultura organizacional também pode ser
com seus pares e subordinados, o que fonte de vantagem competitiva para a
estimula intelectualmente os liderados; empresa quando esta obedece a três
II) possuem perspicácia para observação condições: I) a de ser valiosa, ou seja, a
de diferenças individuais; III) utilizam cultura permite o desenvolvimento de
recursos pessoais como tempo, estratégias para alcançar grandes
conhecimento e experiência em prol dos volumes de vendas, baixos custos, altas
liderados; IV) são vistos como mentores margens e adicionar valor à organização;
ou professores. Já os líderes II) a de ser rara, apresentando atributos
transacionais trocam recompensa e características que não são comuns a
contingenciais a partir de performance e outras empresas; e, por fim, III) a de ser
usam recursos de posição para encorajar imperfeitamente imitável, ou seja, os
o comportamento desejado. fatores e características da cultura da
Através da análise do MQL organização devem possuir qualidades
110
intrínsecas que não permitem a sua 2 - Eduardo R. Mangini, professor de Teoria Geral da
Administração, Introdução ao Marketing e
replicação. Comunicação Empresarial da Faculdade Montessori
de Ibiúna e mestrando do curso de Administração de
CONSIDERAÇÕES FINAIS Empresas da Universidade Presbiteriana Mackenzie e
pesquisador do Mack Pesquisa.

A liderança tem grande influência 3 - Marco Antonio Conejero, pesquisador do PENSA


no contexto da cultura organizacional, (Centro de Conhecimento em Agronegócio) e
mestrando do curso de Administração de Empresas
sendo que esta também molda a da Universidade de São Paulo.
liderança, além do fato da cultura
4 - Solange Comini Fogaça, graduanda do curso de
organizacional ter a característica de Administração de Empresas da Universidade de
mediadora no impacto da liderança sobre Sorocaba.
a própria organização. Porém, a liderança
do tipo transformacional tem uma BIBLIOGRAFIA
participação mais ativa sobre a cultura BARNEY, J.B. Organizational Culture: Can it be
organizacional, já que esse tipo de a source of sustained competitive
liderança consegue articular visão futura advantage? Academy of Management
com relacionamento harmônico dos Review, Vol. 11, n° 3, p. 656, 1986.
membros da organização com o líder. É BARNEY, J.B. Firm Resources and Sustained
então passível de verificação a Competitive Advantage. Journal of
proposição que a liderança Management, Vol. 17, n° 1, 1991.
transformacional e a cultura apresentam BARNEY, J.B. Looking inside for Competitive
íntima relação, sendo que ambas se Advantage. Academy of Management
afetam mutuamente de maneira positiva. Executive, Vol. 9, n°. 4, 1995.
A liderança transformacional BASS, B.M., AVOLIO, B.J. Transformational
promove o fortalecimento de leadership and organizational culture.
características existentes na cultura Public Administration Quarterly, Vol. 17,
organizacional. Portanto, relaciona a n°.1, p. 112, 1993.
cultura como um recurso da própria BASS, B. Transformational Leadership:
organização. A cultura apresenta-se industrial, military and educational
como um recurso raro, de valor e impact. London: Lawrence Erlbaum
dificilmente imitável, características que Associates Inc. 1998.
estão em consonância com os conceitos BECKHARD, R. Desenvolvimento
da teoria RBV. Organizacional: estratégias e modelos.
A influência do líder São Paulo: Edgard Blücher, 1972.
transformacional na cultura BERTERO, C.O. Cultura Organizacional e
organizacional pode ser uma fonte de Instrumentalização do Poder. In FLEURY,
vantagem competitiva sob a óptica da M.T.L., FISCHER, R.M. Cultura e Poder nas
teoria RBV? Essa pergunta é o Organizações, 2ª ed. São Paulo: Atlas,
sustentáculo da pesquisa, e pode-se 1996.
demonstrar que a influência do líder do BLOCK, L. The leadership-culture connection:
tipo transformacional na cultura de uma an exploratory investigation. Leadership &
organização pode gerar uma fonte de Organization Development Journal, Vol.
vantagem competitiva de acordo com a 24, n° 5, p. 318, 2003.
estrutura da teoria baseada em recursos BROWN, A. Organizational Culture: The key to
(RBV). effective leadership and Organizational
Development, Leadership & Organization
NOTAS Development Journal, vol. 13, n° 2, p. 3,
1993.
1- O presente trabalho foi realizado com apoio do
Instituto Presbiteriano Mackenzie, entidade DENISON, D.R.; MISHRA, A.K. Toward a
educacional voltada ao desenvolvimento científico e theory of Organizational Culture and
tecnológico, por intermédio do MACKPESQUISA. Effectiveness, Organization Science, Vol.
6, n° 2, p. 204, 1995.
111
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Human Resource Management, Vol. 5, n°
2, p. 301, 1994

112
ENSINO DE ADMINISTRAÇÃO: DESENVOLVIMENTO DE
HABILIDADES VERSUS REPRODUÇÃO DO CONHECIMENTO.
Raul Amaral Rego
Hilda Maria Cordeiro Barroso Braga1

RESUMO ABSTRACT
O artigo apresenta as tendências de The article presents the trends of
currículo em Administração, centrados no A d m i n i s t ra t i o n c u r r i c u l u m , w i t h
desenvolvimento de habilidades. Em emphasis in development of abilities.
seguida, discute as dificuldades de Next, debates the difficult to implement
implementar esse currículo nos moldes this curriculum in the traditional way of
tradicionais da educação superior brazilian high education, and shows
brasileira, apontando alternativas para a options to change this context.
mudança deste contexto.

PALAVRA-CHAVE KEYWORDS
currículo profissional, formação, professional curriculum, high education,
competências humanas, habilidades human competence, professional ability.
profissionais.

113
INTRODUÇÃO Com este foco, o capítulo está
estruturado em cinco partes. Em
Atualmente um dos maiores
primeiro lugar, trata das tendências dos
desafios para as escolas de
currículos de Administração, numa
Administração é encontrar e implementar
reflexão para extrair lições e subsídios
conteúdos programáticos e métodos de
para a formação profissional em nível
aprendizagem capazes de desenvolver as
superior. Em segundo, considera as
habilidades profissionais indicadas nas
razões que justificam um currículo
diretrizes curriculares propostas pelo
concentrado no desenvolvimento de
MEC para os cursos de Administração e
habilidades. Em terceiro lugar, busca a
também demandadas pelas
identificação das principais habilidades
organizações. Isto porque, de modo
cujo desenvolvimento deve ser objeto
geral, a abordagem educacional para o
dos currículos modernos e de algumas
desenvolvimento de habilidades esbarra
atividades pedagógicas que podem ser
na estrutura tradicional dos currículos,
aplicadas nas IES com esta finalidade.
nos processos administrativos e na
Em seguida, traz uma discussão sobre as
cultura das Instituições de Ensino
barreiras que dificultam a adoção eficaz
Superior (IES), predominantemente
de novas práticas pedagógicas e
concentrados em atividades formais em
administrativas e aponta algumas
sala de aula e em número elevado de
alternativas de mudança para que as IES
alunos por turma.
possam superar tais limitações.
Com base em resultados de
Finalmente, deixa algumas reflexões
pesquisa e na experiência em projetar,
sobre possíveis linhas de conduta futura
implementar e coordenar cursos de
das IES para o aperfeiçoamento dos
graduação e pós-graduação em
currículos dos cursos de graduação em
Administração, este trabalho traz
Administração.
reflexões sobre as metodologias de
ensino-aprendizagem na educação O DESENHO DO CURRÍCULO
superior, as barreiras identificadas para
PARA O DESENVOLVIMENTO DE
introduzir o desenvolvimento de
HABILIDADES
habilidades com destaque no currículo e
algumas alternativas que poderiam ser A revalorização da Educação
delineadas diante desta importante como lugar central na dinâmica social,
questão. A Figura 1 abaixo representa a segundo Delors (1998:89-90), implica
preocupação dos autores em traduzir a em sua organização em torno de quatro
diretriz de desenvolver habilidades em aprendizagens fundamentais, que ao
ações práticas nos currículos das IES, longo da vida serão para cada indivíduo
fazendo uma análise preliminar das os pilares do conhecimento: aprender a
possíveis barreiras a serem enfrentadas. conhecer, aprender a fazer, aprender a
Figura 1 Diagrama para reflexão sobre desenvolvimento de habilidades
em currículos de formação profissional. viver juntos e aprender a ser.
Sob esta diretriz, uma
A implementação de práticas pdagógicas
específicas depende da superação de barreiras abordagem para desenho do currículo
estruturais e comportamentais na IES.
seria relacionar o conjunto de habilidades
r e q u e r i d a s p a ra u m a f o r m a ç ã o
profissional com as aprendizagens
DESENVOLV. PRÁTICAS BARREIRAS
fundamental (os quatro pilares), em que
HABILIDADES PEDAGÓGICAS NAS IES o texto integral apresenta no Quadro 2,
como uma interpretação possível.
Segundo a análise de estudiosos
em currículo, é possível esboçar também
A incorporação do desenvolvimento de
habilidades no currículo requer a identificação uma estrutura curricular, contemplando
e implementação de práticas pedagógicas específicas
as diretrizes de: a) oferecer uma
114
formação geral básica sólida com o utilizar raciocínio lógico,
crítico e analítico; operar
objetivo de fazer o aluno ser capaz de com valores e formulações
quantitativas; estabelecer
aprender a aprender; e b) oferecer um relações formais e causais
entre fenômenos;
conjunto de atividades curriculares com o expressar-se de modo
objetivo de transmitir conhecimentos crítico e criativo diante dos
diferentes contextos
fundamentais do campo da organizacionais e sociais;
interagir criativamente nas
Administração e promover e incentivar o organizações e na
sociedade; ter visão
desenvolvimento de habilidades. Esta sistêmica e articulada das
organizações; lidar com
estrutura está apresentada no Quadro 3 modelos de gestão
do texto completo. i n o va d o r e s ; i n t r o d u z i r
modificações no processo de
O texto apresenta uma proposta trabalho; capacidade de
resolver problemas; ser
curricular específica para o Aprender flexível; ordenar atividades
a fazer e programas; capacidade
desenvolvimento de habilidades na Ciclo
para tomar decisão;
capacidade de assumir
formação em nível superior em Profissional:
formação das riscos ; selecionar
Administração, pela junção dos dados habilidades
requeridas
e s t r a t é g i a s
procedimentos; pensar
e

apresentados no Quadro 2 e 3. para o


exercício
estrategicamente; atuar
preventivamente;
Desta união é gerado um quadro profissional. capacidade de gerir a si
próprio; estabelecer
representativo do potencial de formação métodos próprios; gerenciar
seu tempo e espaço de
de cada campo de estudo no que diz trabalho; iniciativa;
respeito ao desenvolvimento de abertura às mudanças;
refletir e atuar criticamente
habilidades. sobre a esfera da produção;
ser competitivo; ser líder/
capacidade de liderança; ser
Quadro 4 Proposta de Estrutura Curricular Específica para versátil; ter atitude positiva;
ter espírito empreendedor;
o Desenvolvimento de Habilidades capacidade de planejar.

comunicação interpessoal;
capacidade de comunicação
Ciclos do Áreas de Habilidades verbal; capacidade de
Pilares
Currículo Aprendizagem (extraídas do quadro X) Aprender escutar; trabalhar em
a viver equipe; ser líder/
juntos capacidade de liderança;
utilizar raciocínio lógico, capacidade de negociação;
crítico e analítico; motivar a equipe.
estabelecer relações
formais e causais entre Criatividade; capacidade de
fenômenos; transferir e gerir a si próprio; gerenciar
Filosofia
g e n e r a l i z a r seu tempo e espaço de
conhecimentos; utilizar e trabalho; iniciativa; vontade
saber transferir todos os de aprender; abertura às
conhecimentos; mudanças; ser ético; ser
capacidade para aprender Aprender Aprender versátil; ter atitude positiva;
a aprender. a fazer a ser ter espírito empreendedor;
capacidade de planejar;
demonstrar entusiasmo pelo
trabalho; comprometimento
com a empresa; pré-
c a p a c i d a d e d e disposição para trabalhar
comunicação escrita; muitas horas.
e x p r e s s a r - s e
Ciclo Básico: corretamente nas
formação das Aprender
habilidades a conhecer
relações interpessoais; Fonte: Matriz de currículo elaborada pelos autores.
preliminares. c a p a c i d a d e d e
Linguagem comunicação verbal;
capacidade de expressão; Da conceituação de processo de
ter conhecimento de
l í n g u a s ; t e r
formação profissional à prática curricular,
conhecimento de criou-se um diagrama representativo de
informática; capacidade
de ler. três opções de modelos curriculares para
a inclusão de práticas pedagógicas
utilizar raciocínio lógico e destinadas ao ensino-aprendizagem em
analítico; operar com
valores e formulações habilidades.
q u a n t i t a t i v a s ;
Matemática estabelecer relações
formais e causais entre O modelo (1) caracteriza a
fenômenos; ter
conhecimento de situação que mais freqüentemente se
informática.
tem encontrado na pesquisa sobre
currículos de cursos de Administração
115
com boa avaliação qualitativa, em nível de “universidades corporativas” e
d e g ra d u a ç ã o e p ó s - g ra d u a ç ã o organizações na área de treinamento e
(Mestrado, Especialização e MBA). Esse desenvolvimento profissional. Portanto,
modelo representa um currículo cujo considerando-se o modelo (2), a questão
núcleo é o conhecimento (C) e contempla passa a ser como operacionalizar um
o ensino de habilidades como atividade currículo desta natureza e propósito?
coadjuvante, marginal ou ainda D a s c o n s i d e ra ç õ e s d e s t e s
complementar. autores e da análise de currículos de IES
no Brasil e no exterior, destaca-se, no
Figura 2 Diagrama: modelos curriculares para inclusão do
ensino-aprendizagem em habilidades.
Quadro 5 a seguir, uma série de práticas
pedagógicas comumente associadas ao
(1)
desenvolvimento de habilidades.
H
Quadro 5 Práticas pedagógicas associadas ao
desenvolvimento de habilidades
C Tipo de Atividade Modalidades
TCC, criação de empresas, criação
Projetos
de ONG's, desenvolvimento de
experimentais
novos produtos etc.

C Estudo de casos, estudo de


mercado, estudo de viabilidade,
Estudos e pesquisa bibliográfica, pesquisas
Pesquisas de campo, projetos de iniciação
C+H H científica, trabalhos de monitoria
etc.

Jogos dramatizados, jogos com


Jogos e apoio de software específico,
(2) (3) simulações simulações, dinâmicas, oficinas
etc.

Estágio obrigatório, trabalho


Apesar do modelo (1) já ser um Estágios e voluntário, trabalho em empresa
trabalhos práticos Junior, assessoria gratuita à
grande avanço, considerando a realidade comunidade etc.

brasileira, ao ser analisado à luz das Debates, palestras e contatos com


empresários e profissionais da
diretrizes e recomendações de área, visitas técnicas, inscrição em
prêmios como os patrocinados pela
especialistas levantadas anteriormente, Relacionamento CNI - Confederação Nacional da
o mesmo demonstra um grande lapso com a comunidade Indústria, Fundação ASHOKA,
FENEAD - Federação Nacional dos
entre teoria e prática caracterizado pelo Estudantes das Escolas de
Administração ou pela própria IES
tratamento secundário e complementar etc.

de algo que deveria ter igual ou superior Monitoria em cursos de Pós-


Graduação, participação em
status no currículo. Por isso, imaginaram- projetos de consultoria de
Institutos/Fundações, participação
se outras duas possibilidades em Incubadora de Empresas,
representadas pelos modelos (2) e (3). Participação em atividades participação em projetos de
de ensino, pesquisa e extensão pesquisa em nível de pós-
No modelo (2), o núcleo central promovidas pela IES graduação, monitoria em cursos de
Graduação, participação em feiras,
do currículo seria composto tanto pela seminários, conferências,
participação em associações de ex-
formação sólida em Administração alunos e programas de educação
continuada etc.
quanto por atividades destinadas a
promover, estimular e até apoiar o
desenvolvimento de habilidades. Por Fonte: Classificação dos autores a partir da literatura
relacionada e programas apresentados em
outro lado, o modelo (3) seria bem mais prospectos e pela Internet.
pragmático e destacaria o
desenvolvimento de habilidades como o Esta pesquisa identifica que
núcleo do currículo. mesmo as melhores IES na atualidade
Concentrada esta análise sobre o ainda operam no modelo (1), ou seja,
modelo (2), que se mostra mais apesar de praticarem diversas atividades
adequado às IES, enquanto que o modelo voltadas para o desenvolvimento de
(3) talvez devesse ficar restrito ao âmbito habilidades, as mesmas não se
116
constituem como núcleo central do voltado para o desenvolvimento de
currículo que continua sustentado por um habilidades. Para dar continuidade,
conjunto de disciplinas de conteúdos recomenda-se à comunidade acadêmica
teóricos da Administração. Poderia ser a promoção de fóruns específicos para a
caracterizada como uma abordagem que discussão das questões aqui levantadas,
pressupõe que as habilidades considerando que as mesmas ainda
profissionais poderão ser desenvolvidas carecem de maior aprofundamento e
no contexto das próprias disciplinas embasamento empírico.
teóricas, sem precisar de um espaço
específico para isso. NOTA
A primeira hipótese levantada é 1 - Diretora Acadêmica da Faculdade Brasília
de que o ensino superior brasileiro está de São Paulo. Bacharelada em Pedagogia e em
muito distante do ideal no campo do Letras, é Mestra em Administração de
desenvolvimento de habilidades e, Empresas (FGV) e Doutora em Educação pela
portanto, muito longe de cumprir as PUC/SP.
diretrizes curriculares propostas pelo
MEC e de atender os anseios das BIBLIOGRAFIA
organizações e de toda a sociedade ADAIR, J. Liderança para o sucesso: deixe de
brasileira, no sentido de formar ser chefe para se tornar líder. Trad. de Sara
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Eduardo Ferreira de Carvalho. São Paulo:
Nessa direção, o texto apresenta Brasiliense. 1982.
uma série de reflexões sobre as barreiras
que, no nosso entendimento, precisariam ALENCAR, E. S. A Gerência da Criatividade.
ser superadas nas IES: a necessidade das São Paulo: Makron Books, 1997.
IES atenderem também ao setor ANDRADE, R.B.; LIMA, M.C. et alli. “Perfil,
produtivo; investimentos em ambientes Formação e Oportunidades de Trabalho do
de ensino virtuais; investimentos em Administrador Profissional.” São Paulo:
carreira docente; flexibilização ESPM, 1999.
curricular; reflexão sobre os sistemas de ANTUNES, C. A dimensão de uma mudança.
avaliação e controle; repensar o Campinas, SP: Papirus, 1999.
ambiente físico, tecnologia, cultura e
BASTOS, C. & KELLER, V. Aprendendo a
estrutura organizacionais.
aprender Introdução à metodologia
científica. Petrópolis,RJ: Vozes, 1992.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
BENNIS, W. G. A formação do líder. Trad. de
Marcelo Levy. São Paulo: Atlas, 1996.
Para que as barreiras discutidas
no texto possam ser superadas, aponta- BERTICELLI, I.A. ”Currículo: tendências e
se a necessidade de comprometimento filosofia.” In: COSTA, Marisa Vorraber
de pessoas os dirigentes da IES, (org.) O currículo: nos limiares
professores e funcionários - com novos contemporâneos. Rio de Janeiro: DP&A,
1998.
perfis, para a condução desse processo.
A participação das autoridades BOTELHO, E. F. Do gerente ao Líder. São Paulo:
educacionais seria estratégica para que Atlas, 1991.
estas pudessem servir como indutoras da BRIDGES, William. Criando Você & Cia. Lista
mudança, para promoção e apoio de das “Dez Aptidões Básicas para o
atividades de conscientização ou para Ambiente de Trabalho” da American
financiamento de reformas nas IES. Society for Training and Development, de
Este trabalho se apresenta como dezembro de 1995, 2ª ed., Rio de Janeiro:
introdutório à discussão sobre os meios Campus, 1998.
para tornar realidade um currículo
117
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119
CONTRIBUIÇÕES DA FENOMENOLOGIA
AO PROCESSO DECISÓRIO

Carlos Fernandes Silva1


Adalton Ozaki2
Isaías Custódio3

RESUMO ABSTRACT
A teoria da tomada de decisão, apesar de The theory of decision making, in spite of
amplamente estudada, utiliza a premissa to be very studied, use the premiss of
de que o tomador da decisão that the decision maker understands the
compreendeu perfeitamente o problema problem about a subject, what not even
sobre o qual precisa decidir, o que nem is true and then, this work has the target
sempre é verdade, então este trabalho to explore the contributions of the
tem como objetivo explorar as fenomenology of Husserl to the decision
contribuições que podem ser trazidas do making, principally about to comprehend
enfoque fenomenológico de Husserl ao the problem whose solicites decision.
processo decisório, principalmente sobre The article use, to discute the results, one
a questão da compreensão do problema experiment that present two differents
em si, que requer uma decisão e para angles of analisy, discuting the results of
isso, utilizamos, como base para a a experiment that shows, to the same
discussão, os resultados de um problem, two possibility of answers .
experimento que apresentou um mesmo
problema de dois ângulos diferentes, e
que gerou diferenças nas respostas
conforme a forma de apresentação.

PALAVRA-CHAVE KEYWORDS
tomada de decisão, processo decisória, decision making, decision process,
fenomenologia de Russerl. fenomenology of Russerl.

121
INTRODUÇÃO contribuições que a fenomenologia
poderia trazer para o processo decisório.
As pessoas, conscientemente ou A fenomenologia, conforme exposta por
inconscientemente, tomam várias Husserl (1996), é uma ciência que
decisões todos os dias. Das mais simples procurar estudar a essência das coisas,
às mais complexas, qualquer profissional não ficando apenas na sua manifestação.
precisa tomar as mais variadas decisões Muitas decisões são tomadas
sobre diversos assuntos e problemas em considerando apenas a manifestação dos
seu ambiente de trabalho. À medida que problemas ou, o que é ainda pior, o que
ascendem em sua carreira profissional, outras pessoas disseram sobre a sua
as pessoas vão gradativamente deixando compreensão da manifestação de um
de lado atividades de execução, e determinado fenômeno.
aumentando consideravelmente as Como base para a análise,
atividades que envolvem decisões cada utilizamos os resultados de um
vez mais importantes. experimento que realizamos para
Tomar decisões acertadas torna- identificar se um mesmo problema,
se especialmente importante diante de apresentado de formas diferentes,
um ambiente cheio de incertezas e riscos porém mantida a mesma essência,
como o que estamos vivendo poderia implicar em decisões diferentes.
atualmente. Diariamente, recebemos
várias informações, muitas das quais são A FENOMENOLOGIA
apenas boatos sem qualquer
embasamento na realidade, e que podem A fenomenologia é entendida e
nos levar a decisões erradas. praticada de várias maneiras diferentes,
Mesmo os processos decisório mas segundo Husserl (1931), em todos
sendo tão importante, muitos executivos os casos, ela é utilizada como uma
tomam decisões com poucos critérios, e ciência social.
sem atentar para a utilização de um Segundo Merleau-Ponty (1994),
ferramental amplamente estudado pela “a fenomenologia é o estudo das
teoria. Isto é tão evidente que foi matéria essências, e todos os problemas,
de reportagem de capa da Revista Exame segundo ela, resumem-se em definir
(8/8/2001), que apresenta dados de essências: a essência da percepção, a
alguns estudos que mostram que os essência da consciência, por exemplo”,
executivos não decidem tão bem quanto afirmando ainda que “é uma filosofia
pensam. transcendental que coloca em suspenso,
Um dos ganhadores do Prêmio para compreendê-las, as afirmações da
Nobel de Economia de 2002, Daniel atitude natural, mas é também uma
Kahneman, foi premiado por ter trazido filosofia para a qual o mundo já está
insights da pesquisa psicológica para a sempre 'ali', antes da reflexão, como
ciência econômica, especialmente no que uma presença inalienável”.
se refere ao julgamento humano e Segundo Giles (1989), a
tomadas de decisões sobre incerteza fenomenologia pretende ser por essência
(The Royal Swedish Academy of Science, a filosofia fundamentada no dinamismo
2002). intencional de uma consciência sempre
Além do questionamento sobre a aberta. Trata-se de ver, cada vez mais
racionalidade, existe outra premissa da profundamente, descrevendo com toda a
teoria da tomada de decisões que precisa fidelidade, os próprios fenômenos. Em
ser considerada com cuidado: a de que o um trabalho com fundamento
decisor compreendeu o problema em fenomenológico, na busca pela causa raiz
questão. de determinado fenômeno, deve-se
O objetivo deste trabalho é estar consciente da necessidade da
realizar uma reflexão sobre as introspecção pessoal, não permitindo
122
que influências de qualquer espécie julgamento. O mesmo autor afirma ainda
interfiram na análise profunda do que “o mundo é não aquilo que eu penso,
fenômeno estudado. Isto é essencial mas aquilo que vivo”, reconhecendo que
para se cumprir às exigências básicas e a própria consciência é um projeto do
fundamentais da fenomenologia. mundo.
Conceituado dentro do campo da A fenomenologia está interligada
teoria do conhecimento, a fenomenologia com um método para o estudo da
se dedica a estudar a relação entre a consciência, visando entender a essência
consciência e o ser, e busca ocupar-se da experiência. A busca pela essência é a
daquele ser que corresponde à busca pelo significado, portanto,
consciência. Ela não admite segundo Boland (1985), fenomenologia
julgamentos, e sim uma avaliação do é a estrutura que dá sentido e significado
raciocínio justo e verdadeiro, tendo para nossas experiências imediatas, vem
sempre como meta a busca pela essência daí sua importância dentro de um
do fenômeno puro e absoluto. sistema de pesquisa e informações.
Ou seja, a fenomenologia Segundo a conclusão de Boland
entende que “o mundo está ali antes de (1985), a fenomenologia é a abordagem
qualquer análise”, e que “o real deve ser preferida para os estudos do sistema de
descrito, não construído ou constituído” informações, não porque ela é excitante
(Merleau-Ponty, 1994). (ela realmente é), não porque é fácil (ela
Esta tarefa de compreender a realmente não é), mas porque ela
“coisa em si” é algo extremamente oferece a melhor perspectiva para ajudar
complexo, e dificultada pela própria no entendimento verdadeiro do
linguagem. Husserl admite que “a funcionamento e significado de algo. Ela
linguagem comum é fugaz, equívoca, é uma promessa de um estudo critico
muito pouco exigente quanto à metódico da comunicação, que constitui
adequação dos termos”. o sistema de informação.
Husserl (1996), coloca o conceito
de “epoquê”, que “é o método universal e A TEORIA DE TOMADA DE
radical pelo qual me capto como eu puro, DECISÃO
com a vida e consciência pura que me é
própria, vida na e pela qual o mundo Conceitos e Linhas de Pesquisa
objetivo na sua totalidade existe para
mim”. Ou seja, consiste em captar as Mintzberg, Raisinghani & Théorêt
coisas na essência. Isto leva a um (1976) definem decisão “como um
domínio transcendental das coisas, e a comprometimento específico para ação
este processo, Husserl chama de redução (usualmente um comprometimento com
fenomenológica transcendental. recursos)” e processo decisório “como
Merleau-Ponty coloca que “o um conjunto de ações e fatores
maior ensinamento da redução é a dinâmicos que começam com a
impossibilidade de uma redução identificação de estímulos para ação e
completa”. O mesmo autor coloca que terminam com comprometimentos
segundo Husserl, “toda redução, (...), ao específicos para ação”.
mesmo tempo em que é transcendental, Segundo Browne (1992), no
é necessariamente eidética”, sendo que contexto das organizações, uma decisão
“a redução eidética, (...), é a resolução pode ser descrita como uma resposta
de fazer o mundo aparecer tal como ele é para uma questão, ou uma escolha entre
antes de qualquer retorno sobre nós duas alternativas. Palavras como
mesmos, é a ambição de igualar a “solução” ou “compromisso com a ação”
reflexão à vida irrefletida da consciência”. também são freqüentemente achadas
Ou seja, consiste em tentar entender as na bibliografia sobre organizações,
coisas antes de fazermos qualquer como descrição do termo decisão. Uma
123
decisão é o ponto final de uma série de Como treinar pessoas a tomar decisões
atividades, as quais são de natureza melhores
primariamente cognitiva. De um modo Os modelos prescritivos são
geral, a tendência é pensar em decisão avaliados “por seu valor pragmático,
como resultado de uma escolha entre um isto é, por sua habilidade de ajudar
número de alternativas geradas para pessoas a tomarem decisões melhores”.
encaminhar uma ação para determinada O domínio prescritivo foi
questão, embora na literatura, os autores introduzido por Bell, Raiffa e Tversky, que
tenham dificuldade para distinguir não conseguiam classificar determinados
“decisão” de “processo de decisão”. estudos nos campos descritivo e
Várias disciplinas têm estudado o normativo. Porém, eles mesmos
processo de tomada de decisão. Bell, admitem que muitas vezes é difícil
Raiffa e Tversky (1983) colocam que distinguir quando um determinado
“matemáticos (teóricos da decisão) estão estudo está no campo prescritivo, ou em
interessados em propor procedimentos um dos outros dois campos clássicos da
racionais para tomada de decisão como teoria da decisão.
as pessoas deveriam tomar decisões se
elas desejam obedecer a certas regras Etapas do Processo Decisório
fundamentais do comportamento.
Psicólogos estão interessados em como Uma das etapas mais
as pessoas fazem a tomada de decisão importantes na estruturação do processo
(racional ou não) e em determinar a decisório consiste na correta
extensão em que seu comportamento é identificação do problema a ser resolvido,
compatível com qualquer modelo ou sobre o qual deverá ser tomada uma
racional”. decisão.
Os mesmos autores dividem as Atrelado à esta etapa, que no
linhas de pesquisa neste campo em três modelo do Keeney & Raiffa (1993) pode
domínios: ser enquadrada na fase de pré-análise,
encontra-se também a identificação dos
Descritivo
fatores relevantes que devem ser
Que estuda:
considerados para se compreender
Decisões que as pessoas tomam
realmente a essência do problema.
Como as pessoas decidem
“Em um mundo incerto o decisor
Os modelos descritivos são
responsável precisa balancear
avaliados “por sua validade empírica,
julgamentos sobre incertezas com suas
isto é, a medida em que correspondem às
preferências para conseqüências e
escolhas observadas”.
resultados possíveis” (Keeney & Raiffa,
Normativo 1993 : 1).
Que estuda: Keeney & Raiffa (1993 : 5 - 6)
Procedimentos de decisão logicamente apresentam o paradigma simples de
consistentes análise de decisão, que contém cinco
Como as pessoas deveriam decidir etapas:
Os modelos normativos são
avaliados “por sua adequação teórica, Pré-análise: nesta modalidade “há um
isto é, o grau em que provêem único decisor que está indeciso sobre o
idealizações ou alternativas racionais curso de ação que deve tomar em um
aceitáveis”. problema particular. O problema foi
identificado e as alternativas de ações
Prescritivo são dadas”.
Que estuda:
Como ajudar as pessoas a tomar boas Análise estrutural: o decisor estrutura
decisões a anatomia qualitativa do problema. As
124
questões são postas em um pacote do decisor em relação às conseqüências
ordenado com uma árvore de decisão, que podem resultar dos possíveis cursos
que contém nós que estão sob o controle de ação.
do decisor (nós de decisão) e nós que não Um julgamento probabilístico a
estão sob total controle do decisor (nós respeito da ocorrência dos possíveis
de incerteza chance nodes). eventos.
Porém, mesmo sendo
Análise de incerteza: o decisor atribui
reconhecidamente uma das etapas mais
probabilidades para os braços que saem
importantes, nenhum destes autores
dos nós de incerteza. “Estas atribuições
discorrem sobre metodologias para
são feitas mixando-se várias técnicas e
compreender efetivamente o problema,
procedimentos baseados em dados
bem como gerar as alternativas que
empíricos passados, pressupostos
realmente representam as possibilidades
utilizados e resultados obtidos de vários
de curso, dada uma decisão.
modelos dinâmicos e estocásticos,
Segundo Bazerman (1990),
testemunho de experts, e julgamentos
decisões de alto nível de importância são
subjetivos dos decisores”.
tomadas todos os dias, contudo nós
Análise de utilidade ou valor: “o compreendemos muito pouco como os
decisor atribui valores de utilidade para administradores e profissionais
conseqüências associadas com caminhos responsáveis o fazem. Sabemos que
através da árvore... Em um problema, muitas vezes são utilizados
devem ser associados a um caminho os computadores e softwares específicos
custos e benefícios econômicos e para integrar arquivos de dados ou criar
psicológicos que afetam o decisor e rotinas de auxilio à tomada de decisão,
outros que o decisor considere como porém os computadores não podem
parte de seu problema de decisão”. tomar as decisões envolvendo valores,
riscos e preferências, neste caso o
Análise de otimização: “após o decisor julgamento humano é requerido. Não
estruturar o problema, assumir existe resposta certa ou errada, pode-se
probabilidades, e assumir utilidades, ele mostrar um número de desvios
calcula a estratégia ótima a estratégia cognitivos, onde o conhecimento destes
que maximiza a utilidade esperada”. desvios orienta na tomada de decisão
objetiva, de acordo com os valores da sua
Raiffa (1970) e Bekman & Neto organização.
(1980), apresentam uma abordagem O julgamento se refere à
muito semelhante à apresentada acima. avaliação dos aspectos cognitivos do
Colocam que previamente é necessário processo de tomada de decisão. Para
fazer uma descrição completa do compreendê-los, precisamos primeiro
problema, compreendendo: identificar quais são os componentes
“A relação de todas as opções envolvidos no processo e apreender a
possíveis, seja com referência aos conhecê-los, para depois julgá-los.
possíveis cursos de ação, seja a respeito Bazermam (1990), sugeriu seis etapas
da coleta ou aquisição de novas para se entender a anatomia de uma
informações”. decisão, que são:
A lista de todos os eventos que
podem ocorrer como resultado das Definição do problema: O problema deve
possíveis decisões. ser bem clarificado. Quando isto ocorre, o
A cronologia em que as administrador tem grande possibilidade
informações chegam ao conhecimento do de eliminar o erro.
decisor e em que as decisões devem ser
Identificar critérios: Tomar uma decisão
tomadas.
racional requer conhecer quais os pontos
A quantificação das preferências
de devem ser avaliados.
125
Estabelecer peso para os critérios: Definir averiguação do contexto geral.
a importância de cada uma dos critérios a
Confiança excessiva: O excesso de
ser avaliados.
confiança não deve interferir em uma
Gerar alternativas: Identificar possíveis tomada de decisão profissional.
ações.
A armadilha de confirmação: O
Pontuar cada alternativa em cada entendimento claro do resultado de cada
critério: Avaliar cada uma das possíveis avaliação e a comparação dos resultados
ações em função dos critérios em uma mesma base são necessários
selecionados e da importância atribuída a para não induzir a um erro na tomada de
cada critério. decisão.
Computar dados e escolher melhor No processo de tomada de
decisão: Identificar qual entre as ações decisão, a incerteza é uma constante, e
propostas tem maior valor agregado, ou tomar decisões acertadas neste
atende melhor as expectativas. ambiente incerto é extremamente difícil e
arriscado. Tentamos em geral responder
Imperfeições do Processo Decisório algumas questões básicas: qual o nível
de risco aceitável? Qual o limite de
Segundo Carut & Henadlogten (1999), a segurança? Quanto é o valor seguro?
tomada de decisões não é o único Entender a natureza dos riscos
trabalho de um gerente, mas é uma envolvidos faz parte da boa estratégia
atividade específica dos gerentes. para tomada de decisão, se o
Levantaram oito falhas mais comuns, que administrador aceitar que a incerteza
devem ser evitadas na tomada de existe e aprender a pensar e avaliar
decisões: falha em reconhecer o sistematicamente os riscos inerentes ao
problema; identificação incorreta do processo, (utilizando preferência as seis
problema; consideração insuficiente de etapas citadas por Bazerman no estudo
alternativas; avaliação inadequada do para se entender a anatomia de uma
risco; decisões repetitivas; decisões decisão), aumentará então a
desnecessárias; decisões com atraso e probabilidade de se tomar decisões
falta de acompanhamento. acertadas.
Os mesmos autores levantaram Outro ponto importante para os
que para se fazer um julgamento racional envolvidos em processos de tomada de
dos aspectos envolvidos em qualquer decisão, é a criatividade, pois nem
assunto a ser avaliado, existem algumas sempre as respostas estão prontas ou
tendências comuns, que precisam ser são fáceis de serem enxergadas. Por
conhecidas para não induzir ao erro. vezes, se faz necessário ver algo que não
Entre estas tendências está tão visível, e para isto é necessário
encontram-se: realizar uma “abstração mental”, que
Insensibilidade na atribuição de valores permita sair do tradicional, fazer uma
básicos: Equívoco ao se gerar valores e espécie de “visualização em outra
pontuação aos critérios analisáveis. dimensão”.
Os mesmos parâmetros são
Concepção errônea de oportunidade: válidos quando a tomada de decisão é
Acreditar em algo e seguir adiante sem feita em grupo, porém nesta situação
comprovação podendo incidir em erro. surge um fato novo que é a negociação.
Quando os envolvidos no processo
Conjunção falaciosa: Atribuição de
decisório defendem interesses diferentes
causas em função de coincidências.
(representam, por exemplo, empresas
Ajuste com âncoras insuficientes: diferentes em uma joint venture), se faz
Estabelecimento de base sem a devida necessário encontrar um meio termo que
126
atenda as expectativas de todos os econômica (...) Uma noção básica que
envolvidos, porém a análise do problema embasa muitas das primeiras pesquisas
segue os mesmos padrões. de Kahneman e Tversky é que pessoas
Segundo Burke & Miller (1999), em geral são freqüentemente incapazes
“em um tempo de mudanças rápidas e de analisar totalmente situações que
sem precedentes nos ambientes de envolvem julgamentos econômicos e
negócios, a intuição tem um papel probabilísticos. Nestas situações, o
significante crescente nas estratégias de julgamento humano se apóia em certos
decisão contemporâneas”. Os autores atalhos ou heurísticas, que são algumas
r e a l i z a ra m u m e s t u d o c o m 6 0 vezes sistematicamente viesadas”.
experientes profissionais a respeito da É possível perceber que existem
utilização da intuição na tomada de problemas associados ao processo
decisões. decisório, bem como diversas
Bazerman (1990), listou quatro abordagens para tentar explicar a
propostas com o objetivo de melhorar a maneira como os profissionais tomam
assertividade no processo de tomada de decisões e como aperfeiçoar este
decisão: processo.
Adquirir experiência e perícia:
Contribuição da Fenomenologia ao
Atuar na transferência de conhecimento,
Processo Decisório
tanto transmitindo como recebendo
conhecimento e experiências com
A fenomenologia pode trazer
outros que passaram ou podem passar
importantes contribuições ao processo
por situações similares.
decisório, à medida que busca a
Avaliar eliminação dos desvios: Estudar compreensão da essência das coisas.
procedimentos para eliminar os desvios U m a p e s s o a q u e o l h a
das estratégias cognitivas para tomada fenomenologicamente para um problema
de decisões. decisório, não deveria deixar se levar por
palavras ou pelas aparências das
Utilização de modelos lineares, baseados manifestações do fenômeno, mas sim
em julgamento de peritos. compreender, na essência, o que é o
Ajustar predições intuitivas: problema exposto.
Cercar-se de informações atualizadas A abordagem fenomenológica na
sobre aspectos que possam influenciar atividade executiva pode, sem dúvidas,
seu modo de pensar sobre determinado contribuir para melhorar o processo
assunto que pode influenciar na tomada decisório, uma vez que nos dá a
de decisão. consciência de que o que vemos é apenas
Segundo o relatório da academia uma manifestação do problema, e não o
que concede o prêmio Nobel (The Royal problema em si. Esta reflexão mais
Swedish Academy of Sciences, 2002), aprofundada na busca da compreensão
um dos ganhadores do prêmio de da essência do problema é de suma
Economia de 2002, Daniel Kahneman, foi importância uma vez que, independente
reconhecido por ter inaugurado o campo da escola que trata sobre a teoria da
da economia comportamental, decisão (normativa ou descritiva), é
desafiando conceitos tradicionais da reconhecido que a primeira etapa do
economia de racionalidade, interesse processo é a identificação do problema
próprio e completo controle próprio. sobre o qual temos que tomar a decisão.
Segundo o relatório informativo, Neste ponto cabe uma crítica a
“Kahneman e Tversky descobriram como qualquer uma destas escolas da teoria da
o julgamento sob incerteza decisão, que assumem como premissa o
sistematicamente desvia do tipo de fato de que as pessoas compreenderam o
racionalidade postulada pela economia problema proposto. A compreensão do
127
problema é justamente o início de todo o aspectos periféricos que o cercam.
processo, e a menos que seja conduzido O experimento apresentado mais
com técnicas que auxiliem a chegar à a frente ilustra como os executivos
compreensão da essência do problema, podem estar tomando decisões
todo o processo decisório pode ficar diariamente, deixando-se influenciar
comprometido. pelas manifestações do fenômeno, ou
A visão fenomenológica aplicada seja, pelas palavras e pelo ângulo pelo
na análise e estudo de um problema pode qual o problema lhes foi apresentado,
minimizar as falhas apresentadas por sem a real compreensão do problema
Carut & Henadlogten (1999) citadas no exposto.
capítulo 3.3 deste trabalho, onde a
fotografia inicial do problema pode METODOLOGIA
maquiar a verdadeira essência do
problema que não está visível em Este é um experimento
primeira mão. Através da fenomenologia exploratório com objetivo de realizar uma
a visão impressionista do fenômeno análise sobre a contribuição que pode ser
perde sua força e a intencionalidade dada pela aplicação de um enfoque
deixa de guiar o olhar dos envolvidos no fenomenológico ao processo decisório.
processo decisório, desta forma, Para subsidiar esta análise,
podemos citar como contribuição da realizamos primeiramente uma pesquisa
fenomenologia no processo de tomada de que procurou identificar se um mesmo
decisão alguns pontos tais como: problema, exposto de formas diferentes,
pode implicar em decisões diferentes.
Atribuição de valores corretos para cada
Expusemos os respondentes a
indicador utilizado como critério de
uma situação fictícia, em que se
análise do problema.
deparavam com a decisão sobre abrir
Redução da importância da auto- uma empresa em um negócio do tipo A ou
intuição. Com uma visão mais clara do do tipo B. Eram fornecidas informações
problema, torna-se mais fácil ter uma sobre quantas empresas continuavam
visão cristalina de todos os aspectos abertas e quantas fechavam após um
envolvidos, para se escolher o caminho a determinado período.
seguir. Dividimos a amostra em dois
Melhor entendimento da lógica do grupos, em que cada indivíduo recebeu o
problema. Esclarecimento do que é causa mesmo problema, exposto de formas
e o que é conseqüência, qual a verdadeira diferentes.
influência de cada fenômeno no Em uma das formas, o problema
problema. é exposto em termos de quantas
empresas continuavam abertas com o
Entendimento do contexto geral em que passar do tempo. Esta forma foi chamada
ocorreu o problema, apoiado em fatos de forma 1. Na outra forma, o problema
reais. é exposto em termos de quantas
Minimização de fatores tendenciosos, tais empresas fechavam no mesmo período
como excesso de confiança, idéias pré- de tempo. Esta forma foi chamada de
concebidas, intencionalidade, rotulação, forma 2. Independente da forma de
aparência do fenômeno ou afins. apresentação, a quantidade de empresas
que permaneciam abertas ou que
Em suma a redução eidética fechavam é a mesma.
proporcionada pelo estudo A amostragem utilizada foi
fenomenológico de determinado intencional, composta por ex-alunos do
problema pode nos levar à consciência curso de graduação da FEA-USP4, que
exata da essência do problema, do participaram da turma que se formou em
contexto em que ele se enquadra e dos 1999.
128
Foram enviados 24 questionários fecham. Ao final do segundo ano, mais 35
através de e-mail, sendo 12 de cada empresas fecham.
forma de exposição do problema, Negócio B: Após 6 meses, nenhuma
escolhidos de forma aleatória. Obtivemos empresa fecha. Após 1 ano, 20 empresas
um retorno de 7 questionários da forma 1 fecham. Ao final do segundo ano, mais 55
e 5 questionários da forma 2, totalizando empresas fecham.
12 respostas. Ao final, perguntamos aos respondentes
A descrição do problema enviado qual tipo de negócio ele escolheria:
no questionário está reproduzida abaixo: negócio A ou negócio B.
Você está se preparando para
abrir uma empresa própria, que será sua
DISCUSSÃO
única fonte de renda e trabalho, e na qual
Apresentação dos Resultados
será investidos todo o seu capital e
patrimônio. Existem dois status: ou a
Já foi devidamente apresentado
empresas está aberta, ou fechada por
na seção referente à metodologia que
falência. Na falência, você perde todo o
separamos a amostra em dois grupos de
seu capital e patrimônio.
controle, aos quais foi exposto um
Existem dois tipos de negócios A
mesmo problema, só que de formas
e B para os quais está apto a abrir a
diferentes (forma 1 e forma 2). Foi pedido
empresa. Os dois tipos de negócios têm
para que indicassem uma decisão entre
as mesmas condições (concorrência,
abrir uma empresa em um negócio A ou
capital, lucratividade, tamanho do
B, com base nas informações fornecidas.
mercado, projeção de crescimento da
Nós acreditávamos que, por se
empresa) exceto algumas probabilidades
tratar, na essência, de um mesmo
apresentadas abaixo para cada grupo de
problema, não deveríamos constatar
100 empresas:
diferenças significativas nas respostas
Os dados para subsidiar esta
entre os respondentes das duas formas.
análise foram expostos em duas formas:
Porém, o que percebemos é que
Forma 1: apresentamos os dados do
na forma 1 (com 7 respondentes), existe
ponto de vista de quantas empresas
uma distribuição quase igualitária entre
continuam abertas por tipo de negócio (A
os que optaram pelo negócio A ou B. Na
ou B), com o passar do tempo. No
forma 1, vale lembrar, o problema é
questionário foi apresentado da seguinte
exposto na forma de quantas empresas
forma:
continuam abertas, ao final do primeiro e
Negócio A: Após 6 meses, 90 empresas
do segundo ano.
continuarão abertas. Após 1 ano, 70
Já na forma 2 (com 5
empresas continuarão abertas. Ao final
respondentes), quando o problema é
d o s e g u n d o a n o, 3 5 e m p r e s a s
exposto em termos de quantas empresas
continuarão abertas.
fecham ao final do primeiro e do segundo
Negócio B: Após 6 meses, 100 empresas
ano, todos os respondentes optaram pelo
continuarão abertas. Após 1 ano, 80
negócio A.
empresas continuarão abertas. Ao final
Como o questionário foi enviado
d o s e g u n d o a n o, 2 5 e m p r e s a s
aleatoriamente e todos os respondentes
continuarão abertas.
são jovens, recém saídos da universidade
Forma 2: apresentamos os dados do
e sem vícios profissionais, não há razões
ponto de vista de quantas empresas
para se supor que nos dois grupos
fecham, por tipo de negócio (A ou B),
houvesse qualquer viés ocasionado por
com o passar do tempo. No questionário
uma diferente propensão ao risco, por
foi apresentado da seguinte forma:
exemplo.
Negócio A: Após 6 meses, 10 empresas
Sendo assim, uma explicação
fecham. Após 1 ano, mais 20 empresas
para esta diferença nas opções entre os
129
respondentes das duas formas, é o fato conhecimento já amplamente estudado,
de uma percepção diferente do problema porém, devido a inúmeros fatores que
(que é o mesmo para as duas formas), não cabe a este trabalho explorar, não
ocasionado apenas pelo ângulo segundo são utilizadas na prática pela maioria dos
o qual o problema foi apresentado e que profissionais.
poderia ter sido lapidado com uma Mesmo assim, a teoria da decisão
análise da fenomenologia, que teria deixa algumas lacunas, principalmente
permitido uma melhor compreensão da no tocante ao estudo do problema. A
essência do problema apresentado. maioria dos autores da escola normativa
pressupõe que os dados são conhecidos:
Limitações do Experimento quais as alternativas possíveis, as
probabilidades, bem como os ganhos
Por se tratar de uma amostragem (perdas) associados a cada alternativa.
intencional, e também devido ao número Porém, isso nem sempre é verdade.
reduzido de respostas obtidas, a resposta Ilustramos através de uma
obtida não pode ser generalizada pesquisa que um único problema,
devendo se restringir à amostra exposto de formas diferentes, pode levar
estudada. a decisões diferentes.
Também o método utilizado para Conforme demonstrado no
envio dos questionários (e-mail) não experimento exposto neste trabalho,
seria o mais recomendável para este tipo mesmo na tomada de decisões
de pesquisa, pois nada impede que as aparentemente fáceis (por se tratar de
pessoas, expostas ao problema, uma pesquisa), somos geralmente
conversem com outras pedindo uma influenciados pelo contexto que
opinião, sendo assim influenciada por enxergamos. As nossas preferências,
fontes externas. tendências, medos, etc. nos levam a
O perfil dos respondentes enxergar contextos nem sempre claros
também pode influenciar os resultados, ou completos, e isto nos leva a tomar
uma vez que é composta por pessoas decisões sem a necessária clareza do
jovens, a maioria em início de carreira e problema. Justamente neste aspecto, é
que ainda não alcançaram posição que a fenomenologia pode agregar muito
gerencial. valor no processo de tomada de decisões,
Dentro de nossas limitações de uma vez que ela trata especificamente da
custo e prazo para elaboração deste análise detalhada do problema, até
experimento, acreditamos que chegar à sua essência.
conseguimos um avanço importante A abordagem fenomenológica
tanto para a teoria da decisão, quanto constitui-se em uma importante
para áreas de aplicação da ferramenta para que as pessoas
fenomenologia, podendo ser utilizado cheguem à real essência do problema
como base para estudos mais sobre o qual precisam decidir. Com esta
aprofundados. visão clara, fica mais fácil elencar as
possíveis alternativas de solução e talvez
CONCLUSÕES até conhecer as conseqüências, uma vez
que é conhecido o real problema tratado.
Este artigo procurou explorar a Desta maneira, acreditamos que seja
contribuição da fenomenologia ao p o s s í v e l m e l h o r a r m o s
processo decisório. consideravelmente o processo decisório,
Exploramos primeiramente o referencial e a probabilidade de tomarmos uma
bibliográfico sobre fenomenologia e decisão acertada, se a etapa de
sobre tomada de decisão. compreensão do problema for abordada
Verificamos que a teoria de com um enfoque fenomenológico.
tomada de decisões é um campo de Como sugestão, recomendamos
130
a realização de uma pesquisa nos Systems”, São Paulo: Editora Pedagógica
mesmos termos do experimento e Universitária, 1985.
apresentado, com amostras maiores e BROWNE, Mairead, Organizational Decision
com procedimentos amostrais mais Making and Information, Ablex Publishing
elaborados, podendo ser aplicada Corporation Norwood, New Jersey, 1992.
através de entrevista pessoal, evitando
BURKE, Lisa A. & MILLER, Monica K. Taking the
assim as limitações já expostas Mystery out of Intuitive Decision Making.
anteriormente. Academy of Management Executive, 1999.
Em versões mais elaboradas,
haveria também a possibilidade de se CARUTH, Donald L. & HANDLOGTEN, Gail D. 8
Mistakes to Avoid in Decision Making.
aplicar a pesquisa com grupos de
Manage, July, 1999.
controle, a fim de se testar se um
determinado grupo, que teve contato GILES, Thomas R. História do Existencialismo
com a abordagem fenomenológica, e da Fenomenologia. São Paulo: Editora
decidiria de forma diferente que um Pedagógica e Universitária, 1989.
grupo que não teve contato com tal HUSSERL, Edmund. Meditações Cartesianas.
abordagem. Porto: RÉS Editora, 1996.
Sugerimos também que hipóteses
KEENEY, Ralph L. & RAIFFA, Howard. Decisions
tais como “a fotografia inicial do with Multiple Objectives. Cambridge
problema tem influência no processo University Press, 1993.
decisório” ou “a visão limitada do
problema por parte dos tomadores de MERLEAU-PONTY, Maurice. Fenomenologia da
Percepção. São Paulo: Martins Fontes,
decisão tendência a decisão” sejam
1994.
verificadas através de pesquisas
devidamente elaboradas. MINTZBERG, Henry, RAISINGHANI, Duru,
THÉORÊT, André. The Structure of
NOTAS “Unstructured” Decision Processes.
Administrative Science Quarterly, June,
1 - Mestre em Administração pela FEA-USP e 1976.
professor da Faculdade Brasília.
OESP. Nobel de Economia: 2 americanos
2 - Mestre em Administração pela FEA-USP. desafiam conceitos sagrados. Jornal O
Estado De São Paulo, 10/10/2002, pág.
3 - Professor Dr. pela FEA-USP
B8.
4 - Faculdade de Economia, Administração e
RAIFFA, Howard. Decision Analysis. California:
Contabilidade da Universidade de São Paulo,
Addison-Wesley, 1970.
localizada no Brasil.
Revista Exame, São Paulo: Editora Abril,
BIBLIOGRAFIA Edição 746, 08/08/2001.
BAZERMAN, Max H., Judgment In Managerial THE ROYAL SWEDISH ACADEMY OF SCIENCE.
Decision Making, J.L. Kellogg Graduate Advanced Information on the Prize in
School of Management, Northwestern Economic Sciences 2002. Foundations of
University, 1990. Behavioral and Experimental Economics:
Daniel Kahneman and Vernon Smith, 2002.
BEKMAN, Oto R. & NETO, Pedro L. de O. C.
D i s p o n í v e l e m
Análise Estatística da Decisão. São Paulo:
http://www.nobel.se/economics/laureate
Edgard Blücher, 1980.
s / 2 0 0 2 / a d v. h t m l , a c e s s a d o e m
BELL, David E.; RAIFFA, Howard; TVERSKY, 23/10/2002.
Amos. Decision Making. Cambridge
University Press, 1988.
BORLAND, Richard J. Phenomenology: A
Preferred Approach to Research on
Information Systems, in E. Mumford et al.
“Research Methods in Information
131
O PERFIL DO ADMINISTRADOR E A NOVA ORDEM
SOCIAL: UMA ANÁLISE DA SUA EVOLUÇÃO A PARTIR
DAS TEORIAS DA ADMINISTRAÇÃO.

Marino Alves de Faria Filho1

RESUMO ABSTRACT
O discente do curso de administração de The learning of the course of business
empresas, futuro bacharel em administration, future bachelor in
administração, deve estar atento aos administration, must be intent to the
desafios que está sujeito frente à challenges that are subject front the
sociedade do conhecimento. O presente society of the knowledge. The present
artigo visa analisar o processo evolutivo article aims at to analyze the growth
das Teorias da Administração e o perfil process of the Theories of the
característico deste profissional, Administration and the characteristic
identificando assim, a quais pontos profile of this professional, thus
devem estar atentos em busca do identifying, the which points must be
conhecimento, que habilidades devem intent in search of the knowledge, these
ser desenvolvidas ou aprimoradas e qual skill must be developed or be improved
o verdadeiro papel do administrador and which the true paper of the
perante a sociedade. Buscar uma administrator before the society. To
formação superior não deve objetivar search a formation superior does not
apenas obtenção do diploma, mas have to objectify only attainment of the
agregado a este processo compreender a graduate, but added to this process to
importância desta formação frente aos understand the importance of this
objetivos pessoais e aos da sociedade a formation front to the personal objectives
que pertence. and to the ones of the society in which it
belongs.

PALAVRA-CHAVE KEYWORDS
Teoria Geral da Administração Perfil do General theory of the Management -
administrador - formação profissional em Profile of the administrator - professional
administração. formation in management.

133
INTRODUÇÃO econômico no terceiro milênio,
apontando com isso que o profissional
O século XX foi marcado por requerido não será mais o especialista na
várias revoluções que impactaram operação de máquinas ou computador,
diretamente a gestão administrativa, mas aquele que transforma os dados
com profundos reflexos no perfil do processados em benefícios para o cliente
profissional em administração e sua e para a sociedade.
relação com a sociedade. Esses contínuos DRUCKER (2000:09) também
p r o c e s s o s d e t ra n s f o r m a ç ã o d a acena para a nova forma de se executar o
sociedade e as novas formas de condução trabalho através “(...) especialistas
dos negócios vêm influenciando reunidos em forças-tarefas que
sobremaneira nossas vidas, tanto no permearão os departamentos
plano econômico como no político, social tradicionais” e quanto à coordenação e ao
e m o ra l . E s t a s t r a n s f o r m a ç õ e s controle, enfatiza que “(...) dependerão,
inevitáveis e constantes vieram modificar em grande parte, da disposição para a
também a forma de aplicação do autodisciplina.” Diante desses novos
conhecimento na gestão empresarial. cenários, que tipo de perfil é necessário
Os cursos de Administração, em desenvolver para alcançar o sucesso
decorrência, estão sofrendo revisões profissional?
constantes no conteúdo das matérias O conhecimento exigido ao final
ministradas, em virtude da velocidade do Século XIX, com o advento da
em que surgem novas técnicas e Revolução Industrial, limitava o indivíduo
conceitos em gestão administrativa para a ter habilidades técnicas, cujas
que, o futuro bacharel, reúna condições características estavam na capacidade de
para assimilar estas informações e operar máquinas em um menor tempo
transformá-las em conhecimento. possível.
Através do estudo das Teorias da Esta nova relação do homem e
Administração é possível observar o máquina proporcionou a criação de
desenvolvimento do perfil do profissional grandes empresas particulares (bancos,
exigido pelas organizações e sua relação estradas de ferro, tecelagens, etc.),
com estas e a sociedade ao longo do onde, para suprir as deficiências de
tempo. Coube também ao administrador planejamento, operação e controle de
estar atento aos diversos aspectos das produção, surge um novo especialista: o
mudanças e buscar sua assimilação e administrador profissional caracterizado
implementação na gestão por ser técnico em gestão, e não
organizacional. necessariamente proprietário do capital.
Atualmente exige-se um perfil Refletindo sobre as principais
com características e conhecimentos Teorias da Administração e observando a
que, muitas vezes, não são aprendidos evolução do perfil do administrador e as
no ensino superior, mas são frutos de características intrínsecas à função, é
experiência de vida: ser inovador, pró- possível perceber sua relação com o
ativo, capaz de manter relações conhecimento aplicado de sua forma
interpessoais, ser capaz de aprender mais simples saber fazer para formas
constantemente e outras mais. mais complexas da geração e
As questões relacionadas às apropriação do conhecimento.
n o va s f o r m a s d e u t i l i z a ç ã o d o
conhecimento pelo administrador serão UMA VIAGEM NA TEORIA DA
aqui analisadas a partir da contribuição ADMINISTRAÇÃO
das principais Teorias da Administração
até os dias atuais. Nesse sentido, A idéia de empregabilidade, no
CHIAVENATO (1996) alerta que o momento atual, demonstra a
conhecimento será o principal recurso necessidade cada vez maior de
134
trabalhadores do conhecimento em supervisão funcional, cuja especialização
substituição a trabalhadores manuais. do operário deveria ser acompanhada da
Cada vez mais, o especialista que apenas especialização do respectivo supervisor.
executa uma atividade perde espaço Este detinha a autoridade sobre os
para aqueles que detêm o conhecimento operários, com a função de monitorar o
necessário para interpretar resultados e andamento das tarefas. Em continuidade
aplicá-los de forma eficiente, visando à preocupação com a especialização da
atender às expectativas da organização, tarefa, FARIA (2002:31) mostra que o
bem como a da sociedade em que está método gerencial aplicado por Henry
inserido, cliente e fornecedor. Ford “dividiu tanto e tão
As 1a e 2a Revoluções Industriais minuciosamente o trabalho que, a rigor,
ocorridas na Europa, cujo impacto os operários da linha de montagem
ocorreu no modo de transformar a precisavam apenas de duas semanas de
matéria-prima em bens de consumo treinamento (...) e cada operação era tão
influenciou também o profissional simples que qualquer operário, sem
participante do processo. Tornou-o cada maior instrução, era capaz de participar
vez mais especialista nas técnicas de da linha de montagem”.
produção, não deixando opção ao Já FAYOL (1989:27),
artesão, até então detentor da tecnologia representante da Teoria Clássica da
e do conhecimento, para adaptar e Administração, e contemporâneo de
especializar-se no domínio da operação Taylor, embora tenha colaborado com a
de máquinas. ciência da administração em seus
A visão Científica da aspectos da estrutura organizacional,
Administração, do início do século XX, apontou para as habilidades dos
mostrou que o perfil do operário da época operários ao afirmar que “a cada grupo
era o de um indivíduo limitado, de operações, ou função essencial,
mesquinho, preguiçoso e culpado pela corresponde uma capacidade especial”.
vadiagem e desperdício das empresas, e Por capacidade, Fayol compreendia um
que por essas características deveriam conjunto de qualidades e conhecimentos
ser controlados por meio do trabalho que se apresentam resumidamente no
previamente planejado, dentro do quadro 1r:
tempo-padrão estabelecido. TAYLOR QUADRO 1 : Conjunto de Qualidades e
(1990:22), em seus estudos, ressaltou o Conhecimentos e suas características.
tipo de profissional necessário para as
CONJUNTO DE QUALIDADES
empresas da época quando afirmava E CONHECIMENTOS CARACTERÍSTICAS

“(...) tendo sido encontrado o homem


1.) QUALIDADES
adequado para o lugar, os métodos FÍSICAS
Saúde, vigor, destreza.

deviam ser, a ele, incondicionalmente


confiados”. 2.) QUALIDADES
Aptidão para compreender e
aprender, discernimento, força e
INTELECTUAIS
O principal enfoque da agilidade intelectuais.

Abordagem da Administração Científica Energia, firmeza, coragem de


3.) QUALIDADES
concentrava-se na organização e MORAIS
aceitar responsabilidades,
iniciativa, decisão, tato, dignidade.
racionalização do trabalho em nível
operacional. Daí a caracterização da 4.) CULTURA
Conhecimentos variados que não
são exclusivamente do domínio da
GERAL
ênfase nas tarefas - saber fazer e fazer de função exercida.

forma organizada e otimizada. A Relativos unicamente à função,


5.) CONHECIMENTOS
eficiência - os recursos e condições para ESPECIAIS
seja ela técnica, comercial,
financeira, administrativa, etc.
que o operário pudesse alcançar suas
Conhecimento resultante da
metas de produtividade passou a ser o 6.) EXPERIÊNCIA
prática dos negócios. É a
lembrança das lições que os fatos
ponto central para o aumento da proporcionam a todos nós.
produtividade. (Fonte.: Fayol, Henri. Administração Industrial e Geral. 1989:27.
Taylor defendia a idéia de Adaptado pelo autor)

135
Enfaticamente, o autor ainda Max Weber (apud Maximiano,
alertava para a necessidade do ensino da 2000), um dos principais representantes
administração nas escolas primárias, da Teoria Burocrática da Administração
secundárias e superiores, pois para buscou enfatizar as dimensões do
desempenhar as funções administrativas “homem organizacional”, a partir do
não bastava possuir apenas capacidade modelo burocrático de organização.
técnica, “este ensino, preparando bons Nessa perspectiva, estudou as diversas
administradores, não faria mais que o formas de relação de poder e de
ensino técnico na formação de excelentes autoridade nos contextos
técnicos (...) trata-se, principalmente, de organizacionais. Sob esta perspectiva,
proporcionar à juventude condições de buscava-se um perfil de empregado que
compreender e utilizar as lições da atendesse “(...) a divisão do trabalho
experiência” (FAYOL,1989:39). baseada na especialização funcional;
Com o advento da Escola das (...) sistemas de procedimentos para
Relações Humanas, nos E.U.A, a lidar com as situações de trabalho;
Administração, além dos aspectos da promoção e seleção baseada na
tarefa e da estrutura organizacional, competência técnica e impessoalidade
passa a se preocupar com as pessoas nas relações interpessoais” (FARIA,
envolvidas nos processos 2002:101).
organizacionais. Um dos principais Posteriormente, com o advento
representantes desta abordagem, Elton da Teoria de Sistemas, fez-se necessário
Mayo, alertava para a influência que os ao administrador a visão do todo
grupos informais exerciam nos organizacional, integrando-a aos
empregados dentro de uma organização, objetivos globais. O Administrador
propondo assim, uma nova concepção “sistêmico” é o que procura fazer com
nas relações interpessoais no trabalho. que todos os órgãos da empresa
Surge assim o conceito de “homem trabalhem em conjunto para obter efeitos
s o c i a l ”, s u p e r a n d o o “ h o m o de sinergia. Cada vez mais, exige-se do
economicus2” defendido pela corrente administrador novas habilidades para
tayloriana. Por homem social entendia-se exercer o direcionamento da
a “ação do operário não agindo o r g a n i z a ç ã o . FA R I A ( 2 0 0 2 : 1 3 8 )
isoladamente, mas sim como membro do apresenta o conceito de homem funcional
grupo” (FARIA,2002:56). da abordagem sistêmica, como sendo um
A organização informal é profissional “inter-relacionando-se como
conceituada por FARIA (2002:64) como em um sistema aberto, mantendo
“conjunto de interações e expectativas quanto ao papel a ser
relacionamentos que se estabelecem desempenhado pelos demais
entre os vários elementos humanos que componentes da empresa”.
trabalham em uma empresa”. Estudos Com o advento das idéias
sobre a motivação humana, liderança, divulgadas pela Teoria da Contingência,
dinâmica de grupos passam a colaborar as variáveis “ambiente” e “tecnologia”
com os diversos aspectos da gestão com passam a ganhar destaque no cenário
foco no aumento da produtividade. empresarial, através da idéia de
Enquanto na Teoria Clássica da interação com a organização de forma
Administração observa-se a busca pela direta e acentuada. Esta abordagem,
especialização e competência técnica do segundo FARIA (2002:142), trata da
empregado, na Escola das Relações influência contingencial do ambiente
Humanas procura-se compreender o externo no interno da organização, que
comportamento do indivíduo dentro da passa a exigir “...uma relação funcional
organização e sua interação como um ser entre o ambiente e as técnicas de
social que reage enquanto membro de administrar. As variáveis ambientais se
grupo. comportam como variáveis
136
independentes, enquanto as técnicas dificuldades pessoais com vistas ao
administrativas como variáveis relacionamento interpessoal fluido; e um
dependentes”. Essa relação nos mostra aguçado sentido ético da repercussão de
que não há forma melhor de administrar sua ação como administrador.
tem-se que encontrar formas diferentes Apesar da tendência de
que atendam situações também downsizing das grandes organizações, a
diferentes. perspectiva da carreira do administrador
Observa-se que a evolução da v e m c r e s c e n d o, m o t i v a d a p e l o
gestão administrativa vem se tornando crescimento acentuado das pequenas e
cada vez mais complexa, pois são médias empresas, que necessitam de
inúmeros os fatores de influência e profissionais com perfis mais elaborados
tensão sobre a empresa. Cada vez mais, que aqueles comumente formados pelos
a empresa precisa de talentos - capital cursos de graduação. Percebe-se uma
intelectual da empresa - para fazer frente crescente necessidade de
aos novos desafios empresariais. administradores com mais sofisticação e
Com o quadro 2 (pág.10), instrução: pós-graduação, fluência em
sintetizam-se os estilos de administrador mais de um idioma, experiência
correspondente às abordagens diversificada e conhecimentos sólidos na
analisadas. área, habilidades técnicas e interpessoais
e atitude ética.
QUADRO 2: Evolução das abordagens Segundo DRUCKER (1981), um
administrativas e o tipo de administrador
característico.
dos maiores especialistas no assunto, a
formação do administrador para esta
ABORDAGEM TIPO DE nova fase da sociedade precisa responder
ADMINISTRATIVA ADMINISTRADOR
a um conjunto de quesitos indispensáveis
ABORDAGEM CIENTÍFICA ADMINISTRADOR ao pleno exercício profissional:
E TEORIA CLÁSSICA ESPECIALISTA
necessidade de organizar sua própria
ABORDAGEM ESTRUTURALISTA ADMINISTRADOR formação; desenvolver o hábito da
E ABORDAGEM BUROCRÁTICA ESTRUTURALISTA aprendizagem contínua; responder
responsavelmente pelo desempenho da
ABORDAGEM ADMINISTRADOR
SISTÊMICA SISTÊMICO o r g a n i z a ç ã o ; t o r n a r o t ra b a l h o
produtivo; levar o trabalhador a se
ABORDAGEM ADMINISTRADOR realizar; estimular o crescimento do
CONTINGENCIALISTA TECNÓLOGO
segmento de prestação de serviços,
através das Organizações não
(Fonte.: FARIA, José Carlos. Administração: teorias e
aplicações, 2002 - Adaptado pelo autor)
Governamentais ONG's; buscar tornar
as relações entre os empresários e os
Na atual perspectiva, a carreira t ra b a l h a d o r e s m a i s e q ü i t a t i va s ;
de administrador tende a ser mais longa, preparar-se para uma maior rotatividade
e ao longo desta, o profissional muda de no trabalho à medida que venha
função toda vez que ascende na carreira, sobressair-se na função; aprender a lidar
sem contar com as necessárias com os conflitos, tensões e problemas
adaptações na vida familiar, decorrentes próprios do mundo do trabalho.
das mudanças como profissional. Essas
variáveis fazem com que o profissional
CONCLUSÃO
tenha que desenvolver competências tais
que lhe permitam aprender Percebe-se que o perfil dos
continuamente; uma formação teórico- profissionais de administração evoluiu
conceitual que favoreça a navegação por para um quadro desafiador, à medida que
diversas áreas do conhecimento, como avançaram os estudos e a complexidade
resposta à flexibilização exigida pelas das organizações e a relação destas com
atuais profissões; a superação das a sociedade. Salários, benefícios, cargos
137
administrativos que dão status e NOTAS
prestígio são componentes importantes
da carreira do administrador, mas não um 1 - Professor Coordenador dos cursos de
fim em si mesmo. Deste profissional, está Administração e Marketing na Faculdade
sendo exigida cada vez mais, na Brasília de São Paulo, professor titular do curso
atualidade, a capacidade de julgamento e de Administração de Empresas da Faculdade
de exercício de responsabilidade. Em Montessori, da Faculdade Ítalo Brasileira e da
Universidade Camilo Castelo Branco.
contrapartida, ele se beneficia com a
Licenciatura em Língua Portuguesa/Literatura
riqueza dos contatos com outras pessoas, pela Universidade de Guarulhos, Bacharel em
através dos ambientes organizacionais Administração de Empresas pela UniSantana e
mais humanizados. Mestre em Educação, Administração e
Cabe ao futuro bacharel em Comunicação pela Universidade São Marcos.
administração de empresas estar atento
aos novos desafios da profissão: novo 2 - Segundo esse conceito, toda pessoa é
perfil profissional, responsabilidade influenciada por recompensas salariais,
econômicas e sociais. (FARIA, 2002:28).
social, atitude, habilidades, espírito
e m p r e e n d e d o r, c a p a c i d a d e d e
relacionamento interpessoal pessoal e, BIBLIOGRAFIA
acima de tudo, a transformação da C H I AV E N AT O , I d a l b e r t o . O s N o v o s
informação em conhecimento. A nova Paradigmas: como as mudanças estão
sociedade do conhecimento excluirá mexendo com as pessoas. São Paulo:
gradativamente administradores que não Atlas, 1996.
tenham visão gerencial mais ampla, CRAINER, Stuart. Grandes Pensadores da
voltada para os anseios não só dos Administração. São Paulo: Futura, 2000.
acionistas, mas também da sociedade a
que está inserido. DE MASI, Domenico. O futuro do trabalho:
fadiga e ócio na sociedade pós-industrial.
Faz-se necessária uma dedicação
4a ed. Rio de Janeiro: José Olympio;
ainda maior nos estudos e leituras Brasília, DF: Ed. da UnB, 2000.
voltadas para além da nossa área de
atuação, dos contextos em que atua e das DRUCKER, Peter F. Prática da Administração de
diversas ciências que auxiliam a ação Empresas. São Paulo: Pioneira, 1981.
administrativa a interdisciplinaridade. O ________________. Sociedade Pós-
conhecimento não é neutro. A reflexão Capitalista. 7a ed. São Paulo: Pioneira,
sobre sua aplicação é o aspecto ético que 1999.
levará a profissão a dar significativa ________________. O Advento da Nova
contribuição à sociedade. Organização. Rio de Janeiro: Campus,
Os desafios para os futuros 2000. (Série Harvard Business Review.)
administradores são inúmeros. Há
________________. O melhor de Peter
necessidade de desenvolver, além da
Drucker: obra completa. São Paulo:
competência teórico-técnica da Nobel, 2002.
profissão, uma visão responsável em
relação à organização (clientes internos- FARIA, José Carlos. Administração: teorias e
externos), bem como, com a sociedade aplicações. São Paulo: Pioneira Thomson,
2002.
em que atua.
Esta reflexão se encerra com um FAYOL, Henri. Administração Industrial e
pensamento de DRUCKER apresentado Geral: previsão, organização, comando,
em seu livro Sociedade Pós-capitalista: coordenação, controle. 10a ed. São Paulo:
“Carreiras de sucesso não são Atlas, 1989.
planejadas. São carreiras de pessoas que MAXIMIANO, Antônio César Amaru. Teoria
estão preparadas para aproveitar as Geral da Administração: da escola
oportunidades”. científica à competitividade na economia
globalizada. 2a ed. São Paulo: Atlas, 2000.
138
SHARROCK, Robert. Developing top
managers. Financial Times handbooks of
management. Londres: FT/Pitman, 1995.
TAYLOR, Frederick W. Princípios de
Administração Científica. 8a ed. São Paulo:
Atlas, 1990.

139
OS MOVIMENTOS SOCIAIS AGRÁRIOS BRASILEIROS:
UM RECORRIDO HISTÓRICO-CRÍTICO DAS
MOBILIZAÇÕES POR REFORMA AGRÁRIA
1
E DO SURGIMENTO DO MST NO BRASIL

Alessandro Soares da Silva2

“Na verdade a questão agrária engole a


todos e a tudo, quem sabe e quem não sabe,
quem vê e quem não vê, quem quer e quem não quer.”

(José de Souza Martins, 1994: 12-13)

RESUMO ABSTRACT
A finalidade deste texto é realizar um This essay aims at presenting a historical
histórico a respeito dos movimentos review of the brazilian agrarian
sociais agrícolas brasileiros e suas ações movements and their collective actions
coletivas e contextualizar o surgimento and contextualizing the rise of the MST-
do Movimento dos Trabalhadores Rurais Landless Workers Movement. We begin
Sem Terra MST. Com esse intuito, with historical research on brazilian rural
faremos um breve resgate histórico dos social movements and then we analyse
movimentos sociais rurais no Brasil e o the points that most importantly
concluiremos com uma análise dos contributed to the formation of MST
fatores que mais contribuíram para o (Movimento dos Trabalhadores Rurais
surgimento do MST. Sem-Terra), the most important landless
workers social movement in Brazil.

PALAVRA-CHAVE KEYWORDS
MST, Movimentos Sociais Agrários, MST, Peasent Social Moviments, Agrarian
Reforma Agrária, Participação Política, reform, Political Participation, Political
História Política History

141
O regresso ao campo das coroa e esta as distribuía em forma de
populações que originariamente lá sesmarias. Nessa época, milhares de
viviam e que posteriormente migraram indígenas foram massacrados. Ao
para os centros urbanos provocando a mesmo tempo, os negros que foram
reconfiguração demográfica e social do trazidos ao Brasil para trabalho escravo,
país esvaziamento do campo e o também lutavam contra a subordinação
fortalecimento dos latifúndios, e o às normas que lhes eram impostas.”
inchaço das cidades bem como a (Souza, 1994: 67).
expansão das favelas e das situações de Os negros nas suas lutas contra
fome, miséria, violência urbana e as injustiças organizaram suas vidas em
desemprego tem sido apontado como comunidades rurais conhecidas pelo
um possível modo eficaz de reverter o nome de quilombos, onde conservavam
atual quadro de exclusão social vivido no seus costumes, suas culturas culturais.
Brasil. Investigar as alternativas que se Eram locais onde se entendiam enquanto
apresentam a nós intelectuais com o iguais, sendo o quilombo dos Palmares-
intuito de contribuir à superação das Alagoas o principal foco de resistência
injustiças sociais impostas ao nosso povo quilombola sob a liderança de Zumbi dos
é nossa responsabilidade. Palmares. Nestes espaços muitas vezes
Quando lançamos nosso olhar encontravam-se também índios e
sobre a história da luta pela terra no brancos abolicionistas.
Brasil, percebemos que suas raízes se Do ponto de vista das lutas
encontram no período da colonização agrárias parece-nos apropriada a
portuguesa. Certamente o processo de proposta de Oliveira (1988) mediante a
colonização das terras ameríndias e a sua qual se classifica os conflitos sociais no
manutenção enquanto possessão da campo em: a) lutas na escravidão; b)
coroa portuguesa não foi algo tranqüilo, lutas de Canudos e Contestado; c) lutas
pacífico e sem a imposição da força. de camponeses contra latifundiários; d)
Negros e índios se rebelaram muitas lutas de colonos nas fazendas de café; e)
vezes na busca de livrar-se do jugo lutas de Trombas e Formoso; f) lutas pela
português e de adquirir o controle terra no Paraná e g) a formação das Ligas
territorial das terras brasileiras. Muitos camponesas. Essas últimas surgiram na
foram os que morreram nessa luta. década de 50 e constituíam uma
Estima-se que da chegada dos tentativa de articular as várias lutas
Portugueses ao Brasil havia cerca de presentes no campo. Podemos destacar
1.500.000 índios dos quais restam hoje três ligas que tiveram papéis relevantes
apenas cerca de 300.000. Entre os na luta pela reforma agrária no Brasil, a
inúmeros fatores relacionados com a saber: As Ligas camponesas,
questão agrária e que contribuíram para consolidadas em Pernambuco; as
isto, está o surgimento da chamada lei de ULTAB's (União dos Trabalhadores
terras de 1856, que tinha por finalidade a Agrícolas do Brasil) criadas em 54 e o
regularizar a posse de terra no Brasil MASTER (Movimento dos Agricultores
Imperial. Por conta dessa lei falsificou-se Sem Terra). E é a partir das Conferências
muitos documentos e provas materiais Nacionais dos Lavradores e
para se garantir o reconhecimento legal Trabalhadores Agrícolas e dos Encontros
da posse. Todavia, ainda hoje se pode Estaduais de Trabalhadores que a luta
encontrar nos tribunais de regiões como dos trabalhadores rurais ganha força.
o Pontal do Paranapanema Estado de Contudo, a luta pela terra se
São Paulo contendas entre o Estado e os intensifica na década de 80, surgindo
descendentes destes grileiros. Nessa novos personagens os expulsos da terra
linha ressalta Maria Antonieta de Souza: pela construção de barragens, e a
“Desde a colonização até 1850 (lei de conseqüente inundação das terras em
terras), todas as terras pertenciam à que trabalhavam, e os excluídos do
142
campo em virtude da mecanização do de permanecer na terra em que viveram,
campo -, os chamados Sem Terra. Desse na terra em que plantavam. Cada um
contexto surge o atual Movimento dos desses grupos empreendeu diferentes
Trabalhadores Rurais Sem Terra MST. formas de luta para resistir à dominação.
Habitualmente atribui-se aos Os que detinham o poder se
movimentos sociais um papel de contrapuseram a todas essas tentativas e
transformação social, identificam-lhes procuraram descaracterizar o processo
como agentes de mudança social de exploração a que submetiam esses
(Stompka, 1998). O MST empenha-se grupos para que, desse modo, as lutas
por organizar os trabalhadores rurais por eles empreendidas fossem vistas
tornando-os mais fortes e capazes de como ilegítimas.
enfrentar os reveses sofridos por eles no A partir da proclamação da
campo. O Movimento dos trabalhadores república em 15 de novembro de 1889,
Rurais Sem Terra continua ao longo das as questões agrárias bem como as terras
duas últimas décadas do século XX e devolutas passam a ser de
dessa primeira década do século XXI, a responsabilidade estatal. Na república, a
ser apontado como sendo o movimento força política das oligarquias rurais se
social ligado às questões agrárias com contrapunha à força dos militares.
maior e melhor articulação interna e por Enquanto os oligarcas queriam a
isso com maior homogeneidade de autonomia dos estados, os militares
discurso na realização de ações coletivas. defendiam o fortalecimento da União. A
“Ocupar, Resistir e Produzir” é a palavra autonomia dos estados era fundamental
de ordem que direciona essa organização para se garantir a força do coronelismo
interna e as ações coletivas do regional. Contudo, o prevalecimento das
movimento em ocupações, posturas unionistas dos militares,
acampamentos e assentamentos. contribuiu para o enfraquecimento dos
Parece-nos mister reparar que na coronéis, possibilitando que,
conjuntura vivida no Brasil da era FHC3 o paulatinamente, os trabalhadores rurais
Movimento Sem Terra MST vem a ser o começassem a adotar estratégias de
principal foco de resistência ao crescente ação que lhes possibilitasse o
avanço do individualismo neoliberal no enfrentamento dos latifundiários e a sua
país. emancipação desse poder.
Se antes as ações empreendidas
TRABALHADORES RURAIS: UMA pelos trabalhadores rurais eram
HISTÓRIA DE LUTA E DE baseadas na expectativa messiânica de
RESISTÊNCIA salvação e justiça concretizada na luta
religiosa ou no cangaço, que fazia o
“A força do latifundiário vem do enfrentamento armado da questão
dinheiro; a do governo, na polícia; agrária, a decadência do poder dos
a nossa, na capacidade de juntar
coronéis possibilitou a adoção de
gente, de conscientizar”
estratégias de luta que abrangiam mais
(João Pedro Stedile, entrevista profundamente a sociedade e assumiam
concedida à revista Caros Amigos
um caráter claramente político (Tarelho,
n.º 39, junho de 2000)
1988; Moura, 2000). Verificamos a
Como já apontamos e se pode radicalização dessas transformações com
observar através de inúmeros estudos o surgimento das ligas camponesas e dos
realizados nos últimos 30 anos, os sindicatos de trabalhadores rurais no
movimentos sociais rurais remontam o início dos anos 60.
período do Brasil colônia. Os povos pré-
ANOS 60: O CAMINHO DA
colombianos, os negros escravizados, os
imigrantes e os camponeses, todos DESMOBILIZAÇÃO
lutaram pelo direito à terra, pelo direito A conjuntura política pela qual
143
passava o país quando do surgimento das militar comandou o país, não bastou aos
ligas e sindicatos foi crucial para a militares proibirem reuniões, vetar
construção do estilo e da estrutura do nomes nas composições das chapas,
sindicalismo rural4 adotado no Brasil. A apreender publicações que
pressão exercida tanto pelo poder público considerassem subversivas e prender
(o ministério do trabalho impunha pessoas que nem sempre voltavam. Era
restrições às possibilidades de mister para os militares controlar as
organização sindical) quanto pelos atividades sindicais para evitar o
latifundiários (eles reprimiam aos surgimento de ações subversivas. Uma
trabalhadores rurais e as suas tentativas das estratégias de controle utilizadas
de organizar-se) resultou em pelos militares foi a de reduzir o campo
dificuldades internas e externas, pois de atuação dos sindicatos às atividades
governo e latifundiários constituíam uma assistenciais.
barreira a ser transposta para que a Com o intuito de incentivar
justiça social viesse a ser algo viável. afiliações ao sindicato, afastar os
A estratégia adotada para a políticos das atividades assistenciais,
superação dessa barreira foi a criação das combater a influência da Igreja sobre os
ligas camponesas durante os anos 50 do c a m p o n e s e s e n a t e n t a t i va d e
século XX que agruparam arrendatários, implementar atividades que
posseiros, parceiros e pequenos combatessem a pobreza, é que o
produtores rurais. As ligas começaram a movimento sindical assentiu em assumir
crescer rapidamente. Paralelamente a a responsabilidade pelas ações
elas cresciam também os sindicatos assistenciais como propunha o governo
rurais compostos em sua maioria por federal do período militar. Contudo, a
trabalhadores rurais assalariados. Ao estratégia dos sindicatos não surtiu o
mesmo tempo, a Igreja Católica começa efeito desejado. Não houve a mobilização
a fundar sindicatos cristãos por temer a esperada. Os trabalhadores rurais
ação das ligas e de comunistas junto às desconfiavam dos novos dirigentes que,
organizações rurais. após a intensificação da intervenção
Durante o período que precedeu estatal no sindicalismo pelos militares,
ao Golpe Militar, entre 1961 e 1964, passaram a participar da ala
houve a intensificação da ação dos conservadora da Igreja Católica.
movimentos rurais, mas também a Outro fator que é relevante para
intensificação das disputas entre as a compreensão da desmobilização dos
diversas correntes que compunham o movimentos sociais rurais foi a
movimento das ligas camponesas, fator aprovação do Estatuto da Terra. Os
que ajudou a enfraquecê-lo. Com o golpe militares, desejando acelerar o
militar em 64 (que resultou nas duas desenvolvimento do capitalismo no
décadas de ditadura militar vividas no campo, implementam uma política
Brasil), houve o quase aniquilamento do agrária que privilegiava as grandes
movimento agrário. No entanto, empresas, concedendo-lhes incentivos
conseguiu-se garantir a continuidade financeiros e fiscais. Estas passam a
entre o movimento das ligas e sindicatos ocupar o setor agropecuário. As bases da
que antecederam ao golpe e as política agrária do regime militar foram
atividades de resistência e concebidas no período que antecedeu ao
reestruturação que se desenvolveram golpe. Através das atividades do instituto
durante o regime militar. Isso se verifica de Pesquisas e Estudos sociais (IPES) e
através das lutas empreendidas nos anos do Instituto Brasileiro de Ação
que se seguiram ao golpe. Democrática (IBAD), civis e militares que
Como sabemos, através de se opunham ao governo de João Goulart
trabalhos publicados nas mais diversas e às mobilizações populares, construíram
áreas sobre os anos em que o regime um projeto de reforma agrária que
144
acabou sendo transformado no Estatuto IGREJA CATÓLICA: DE ALIADA
da Terra da era militar. DO REGIME À DEFENSORA DO
O Presidente João Goulart, TRABALHADOR
juntamente com o seu Partido (Partido
Trabalhista Brasileiro PTB), defendia que As tentativas de Goulart para
a reforma agrária fosse instaurada com o conseguir o apoio da Igreja também não
objetivo de aumentar a produção agrícola foram bem sucedidas. Alguns setores da
do país e ampliar o mercado interno. Igreja apoiaram o golpe militar
Ampliar o mercado interno nacional acreditando que as questões fundiárias
levaria à concretização de uma outra brasileiras seriam atacadas através do
bandeira de seu governo: o Estatuto da Terra; que a implementação
desenvolvimento da indústria nacional. deste traria benefícios sócio-econômicos
Com esse intuito o presidente Goulart reais aos trabalhadores rurais. No
formou uma aliança com a Igreja e os entanto, suas expectativas foram logo
comunistas - a chamada Política de frustradas e ela passa a compactuar com
Frente Única - que buscava realizar os trabalhadores.
mudanças profundas nas relações Exemplo dessa virada de posição
agrárias no Brasil e, ao mesmo tempo, da Igreja Católica pode ser vista em uma
combater as Ligas Camponesas que das figuras mais carismáticas da Igreja
nesse momento assumiam uma posição Católica no Brasil e que na ocasião do
mais radical: a revolução camponesa. golpe estava alinhada às forças mais
Para garantir o sucesso dessa conservadoras da sociedade de então:
estratégia, Goulart buscava o apoio da Dom Paulo Evaristo Arns Cardeal e
burguesia - que não poucas vezes era a Arcebispo da Arquidiocese de São Paulo.
mesma proprietária das terras - quando Recentemente o próprio prelado católico
defendia o aumento do seu lucro através escreveu sobre essa questão em sua
da ampliação do mercado interno. autobiografia5. O cardeal Arns conta,
Contudo, a burguesia aliou-se não à entre outras coisas, como essa virada se
Frente, mas aos latifundiários e ao deu. Durante o lançamento de seu livro,
exército, opondo-se aos planos da Frente em entrevista à Folha de São Paulo do dia
Única. Tarelho (1988) aponta que havia 14/09/2001, ele afirmou que
três caminhos possíveis para a resolução
da questão agrária brasileira nesse “No começo, eu também, estava a
momento: o projeto de mudança radical favor. Mas logo começaram as
defendido pelas Ligas Camponesas injustiças. Vimos que era uma
poderia ter sido um, caso a esquerda o grande farsa e nos separamos.(...)
tivesse apoiado; a nacionalização da Quando alguém era preso eu sabia
economia e a reforma agrária que ele ia ser torturado. Nascia
progressiva defendida pela Frente Única alguma coisa dentro de mim que me
poderia ter sido outro, caso a burguesia dizia: você é obrigado a ir e você tem
tivesse se incorporado à Frente. Todavia, de falar a verdade. Então no caminho
como bem apontou Tarelho, "(...) ambas sempre pensava: não sou eu que
as formas foram liquidadas de uma só estou em jogo, mas a vida de outras
vez pelo golpe e o caminho seguido foi o pessoas que não tinham defesa,
da internacionalização da economia, da enquanto eu tinha defesa.” (Cardeal
concentração da terra, da militarização Arns em entrevista a Folha de São
da questão agrária e da modernização Paulo: 14/09/01 p. A6)
abrupta do campo." (Tarelho, 1988:18).
Dom Paulo ingressa na luta
contra o regime militar em 1969 quando
começa acompanhar o caso de
seminaristas dominicanos que haviam
145
sido presos por ajudarem a sindicatos e partidos oposicionistas:
universitários que eram oposição à ambos observam, enfocam, os
ditadura. Em 1971, na qualidade de problemas nacionais a partir da idéia de
presidente da regional sul 1 da pobre, da idéia de pobreza e não da idéia
Conferência Nacional dos Bispos do Brasil da acumulação e especulação do capital
CNBB e de arcebispo da maior diocese (Martins, 1986:68).
católica do mundo São Paulo -, D. Paulo Em 1980, durante a 18º
Evaristo Arns encontra-se com o Assembléia Geral da Conferência
presidente Emílio Garrastazu Médici6 para Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) foi
denunciar e protestar contra as práticas ratificado o compromisso formal da
de tortura feitas pelo regime. No ano hierarquia católica e de todos os seus fiéis
seguinte, ele capitaneou os trabalhos da de apoiar o trabalhador rural em sua luta
Igreja Católica que resultaram em um pela conquista de uma reforma agrária
importante documento sobre direitos autêntica e foi condenado o uso da terra
humanos, o qual teve grande como meio de exploração. Para a CNBB a
repercussão, intitulado Testemunho de terra deveria ter uma clara função social.
Paz. A Igreja, que já vinha tomando essa
Para d. Paulo, os anos da ditadura postura através da ação de certos bispos,
quase lhe tiraram a esperança, tamanhos padres e leigos engajados na questão,
eram os horrores. Segundo o cardeal, amplia de forma decisiva sua
participação na luta por justiça social no
“Houve momentos em que pensava: campo.
estamos num túnel e não vemos
O ESTATUTO DA TERRA:
nenhuma luz, nenhuma
possibilidade de saída. No tempo de LEGALMENTE CONSOLIDANDO A
Médici, 1970, 1972, eu pensava que OPRESSÃO
era um tempo de condenação do C o m o j á d i s s e m o s
Brasil a uma escravidão nova, um anteriormente, durante os anos da
tempo em que não havia ditadura no Brasil o Estatuto da Terra
comunicação permitida e não havia serviu como instrumento para a
meios de defender a justiça. Mas desmobilização social das forças
também vi como acordavam os camponesas. O Estatuto da Terra
espíritos.” (Cardeal Arns em propunha a implementação de um
entrevista a Folha de São Paulo: modelo de reforma agrária no país, que
14/09/01 p. A6) atendia amplamente aos interesses dos
grandes proprietários de terra, às
Certamente a ação do Cardeal de empresas rurais e a todos os que
São Paulo foi fundamental para a tivessem interesse de criar a propriedade
reorganização das Certamente a ação do capitalista no meio rural. Ele apenas de
Cardeal de São Paulo foi fundamental modo aparente se propunha resolver a
para a reorganização das forças sociais demanda por terra expressa pelos
contrárias à ditadura. sindicatos e movimentos rurais (sendo os
Assim, tornava-se cada vez mais últimos incipientes). Mas, na realidade,
patente o fato de que os modelos de através do Estatuto o Estado manteve
desenvolvimento e de propriedade centralizada a questão agrária,
defendidos pela Igreja não eram os impedindo, assim, o acesso à terra para
mesmos defendidos pelo Estado militar. A os trabalhadores rurais, à propriedade
Igreja buscava atacar o problema através Familiar. Desse modo, os grandes
de critérios distributivos enquanto o proprietários rurais e empresários do
Estado militar tratava o problema através setor viram afastado o fantasma do
da ótica da acumulação de capital. Assim confisco das suas terras pelos militares
se dá a aproximação da Igreja aos para fins de reforma agrária.
146
Promover uma melhor rural, o que transformou a condição
distribuição da terra, dar função social à brasileira de país rural para país urbano.
propriedade rural, criar o Fundo Nacional Segundo dados do IBGE, entre
para a Reforma Agrária, incentivar o 1960 e 1980 mais de 28 milhões de
cooperativismo, classificar os imóveis brasileiros abandonaram o campo,
rurais em categorias etc, deveriam ser fugindo da miséria que os assombrava no
alguns dos objetivos do Estatuto. Mas a campo. Contudo, a reencontraram ainda
bem da verdade, como dissemos, ele mais assustadora na zona urbana.
tinha, entre seus reais objetivos, a meta Segundo podemos observar na tabela
de transformar a terra em bens de que segue, houve uma progressiva
negócio e estimular o desenvolvimento inversão dos números populacionais no
de empresas agrícolas de grande, médio campo e na cidade.
e pequeno porte (Martins, 1981).
Como podemos notar, o Estatuto População Residente, por situação
da Terra tinha em sua essência uma do domicílio e por sexo - 1940-1996
configuração capitalista e por essa razão
acabou por ser um dos promotores da POPULAÇÃO URBANA TOTAL
modernização capitalista do campo que, URBANO
HOMENS MULHERES
por sua vez, provocou o êxodo rural às
1940(1) 6.164.473 6.715.709 12.880.182
grandes metrópoles. O Estatuto da Terra
e o esvaziamento do campo estão 1950(1) 8.971.163 9.811.728 18.782.891
intimamente ligados. O modelo agrícola 1960 15.120.390 16.182.644 31.303.034
implementado no Brasil através do 1970 25.227.825 26.857.159 52.084.984
Estatuto da Terra estava voltado ao
1980 39.228.040 41.208.369 80.436.409
mercado, exigindo, assim, altíssima
produtividade com uma mão-de-obra 1991 53.854.256 57.136.734 110.990.990
menor e o uso em larga escala de 1996 59.716.389 63.360.442 123.076.831
insumos modernos comercializados pelas
multinacionais do setor agrícola. Nesse POPULAÇÃO RURAL TOTAL
quadro não havia espaço para a HOMENS MULHERES RURAL
agricultura familiar, pois o custo para que 1940(1) 14.449.615 13.906.518 28.356.133
as famílias pudessem se manter no
1950(1) 16.913.838 16.247.668 33.161.506
campo era muito maior do que a sua
capacidade de gerar a renda necessária 1960 19.935.067 18.832.356 38.767.423
para tanto. 1970 21.103.518 19.950.535 41.054.053
Esse modelo agrícola demandava 1980 19.895.321 18.670.976 38.566.297
investimentos que os trabalhadores 1991 18.630.866 17.203.619 35.834.485
rurais, que praticavam a agricultura
1996 17.726.476 16.266.856 33.993.332
familiar, de subsistência, não eram
capazes de arcar: necessitava-se de
TOTAL TOTAL
dinheiro para adquirir os insumos
HOMENS MULHERES GERAL
modernos, mais caros que os
tradicionais, e de unidades produtivas 1940(1) 20.614.088 20.622.227 41.236.315
maiores. Sem ter como enfrentar essa 1950 (1)
25.885.001 26.059.396 51.944.397
situação de injustiça e desigualdade 1960 35.055.457 35.015.000 70.070.457
trazida pelo progresso, muitos dos
1970 46.331.343 46.807.694 93.139.037
pequenos produtores abandonaram o
campo e foram para as cidades e muitos 1980 59.123.361 59.879.345 119.002.706
dos que ficaram tornaram-se uma 1991 72.485.122 74.340.353 146.825.475
espécie de proletários rurais. Esse 1996 77.442.865 79.627.298 157.070.163
grande êxodo rural provocou um inchaço
na zona urbana e o esvaziamento da zona População Presente Fonte: IBGE
147
Uma curiosidade que aumentaria a renda no campo e na
observamos nos dados do IBGE é que no cidade, aumentaria as ofertas de
meio urbano o número de mulheres é empregoO Estatuto da Terra compunha o
sempre superior ao de homens, no receituário mágico do governo militar. A
âmbito rural. Isso se pode dar pelo fato situação econômica desfavorável (como
de muitas mulheres do meio rural o aumento brusco dos preços do
migrarem para centros urbanos para petróleo, o surgimento do déficit público
trabalharem de empregadas domésticas e da recessão, o aumento da dívida
e babás. Por vezes, famílias muito externa etc.) produziu um aumento das
numerosas enviavam à cidade suas filhas tensões sociais no meio rural no país.
adolescentes para exercer esse tipo de Nestas condições, o Estatuto da Terra
atividade. Dessa forma, parece-nos que a revelou-se um instrumento estratégico
migração feminina era mais fácil que a no controle de tais tensões sociais e na
masculina que dependeria muitas vezes desmobilização dos conflitos por terra. O
de trabalhos vinculados à construção Estatuto vem institucionalizar as
civil. Estas jovens que migram para a reivindicações dos movimentos sociais,
cidade para trabalhar como domésticas e tornando a reforma agrária uma questão
viver com estas famílias muitas vezes técnico-administrativa e militar. Essa
tornam-se fonte de recursos essencial estratégia visava à despolitização da
para suas famílias que permanecem na questão frente à opinião pública ao
zona rural. Já o gráfico que segue mesmo tempo em que, na verdade, se
demonstra a evolução do êxodo rural no exercia o real controle político da questão
Brasil em percentual populacional: e excluía a participação dos
Percentual da População Residente, por trabalhadores rurais das esferas
situação do domicílio - 1940-1996 decisórias de seus próprios interesses. As
TOTAL URBANA TOTAL RURAL
TOTAL desapropriações de terra eram realizadas
GERAL com o intuito de minimizar os conflitos
% % agrários. Entre 1965 e 1981 temos uma
1940 (1)
12.880.182 31.24% 28.356.133 68.76% 41.236.315 média de oito decretos de
1950(1) 18.782.891 36.16% 33.161.506 63.84% 51.944.397
desapropriação por ano contra setenta
conflitos por terra ao ano.
1960 31.303.034 44.67% 38.767.423 55.33% 70.070.457
O dado importante está no fato
1970 52.084.984 55.92% 41.054.053 44.08% 93.139.037 de que o Estatuto da Terra trazia em seu
1980 80.436.409 67.59% 38.566.297 32.41% 119.002.706 corpo a alternativa de resolver a questão
1991 110.990.990 75.47% 35.834.485 24.43% 146.825.475
fundiária brasileira utilizando as regiões
Centro-Oeste e Norte para ocupações
1996 123.076.831 78.36% 33.993.332 21.64% 157.070.163
pioneiras. Essa tática resolvia tanto os
População Presente Fonte: IBGE conflitos no campo quanto os problemas
Durante os anos 70 do século XX, sociais das regiões. A esse respeito é
a conjuntura econômica produz efeitos importante assinalarmos o que diz
nefastos para o homem do campo e para Fernandes:
os movimentos sociais que buscavam se “Em seu encaminhamento político,
reorganizar. A crise econômica se os governos militares utilizaram-se
estendeu ao campo onde encontrávamos da bandeira da reforma agrária,
baixos níveis de renda para a maioria dos mediante projetos de colonização,
agricultores. Justamente nesse momento na promessa de solucionar conflitos
é que a proposta de modernização do sociais no campo, atendendo assim
campo presente no Estatuto da Terra era aos interesses do empresariado
implementada no país. nacional e internacional. Como o
A modernização do campo era objetivo era colonizar, para não
vista como uma resposta à superação da reformar, o problema da terra
crise do campo: aumentando a produção jamais seria resolvido com os
148
projetos de colonização na dos trabalhadores rurais de outro. Essa
Amazônia, pois o que estava por trás população rural de expropriados por
desse processo era uma estratégia estar incapacitada para enfrentar a
geopolítica de exploração total de política modernizante do campo e
recursos pelos grandes grupos impossibilitada de continuar a reproduzir
nacionais/internacionais. Assim o sua agricultura familiar fora obrigada a
envolvimento das forças armadas, migrar rumo à região Amazônica, ou
do Estado autoritário garantiram aos tornarem-se trabalhadores assalariados
grandes grupos econômicos a nas agroindústrias e latifúndios
exploração da Amazônia.(...) Nesta produtores de soja, laranja ou cana, ou
época (1968), o governo militar ainda, seguir rumo às cidades para tentar
beneficiou vários grandes grupos a vida segundo as oportunidades que se
empresariais que adquiriram, nas lhes fossem possíveis.
regiões Centro-Oeste e Norte, É PRECISO RESISTIR
imensas áreas de terra para projetos Observamos na década de 70 do
de colonização e projetos século XX uma mudança no modelo de
agropecuários. Dessa forma, os ação dos trabalhadores. Com o inchaço
governos militares com sua política das cidades a ação sindical é
agrária praticavam mudanças no c a ra c t e r i z a d a p e l a s g r e v e s d o s
campo sem modificar o regime de trabalhadores assalariados. O ABC
propriedade da terra.” (Fernandes, paulista7 passa a ser um dos grandes
1996: 34-35) focos de ação sindical comandada pelos
Com a implementação dessa metalúrgicos, as quais eram apoiadas
política agrária o regime militar agravou pelos setores progressistas da Igreja
ainda mais a triste história nacional da Católica representados nas figuras dos
distribuição da terra: a concentração de bispos Paulo Evaristo Arns e Helder
terras nas mãos de poucos, que remonta Câmara e dos Freis Betto e Leonardo Boff,
à instituição das capitanias hereditárias adeptos da Teologia da Libertação que
pela coroa portuguesa, agravou-se ainda publicamente saíam em defesa dos
mais durante a ditadura militar. Ajunte- trabalhadores e de seus líderes.
se a isso que a repressão das lutas por Nos locais em que a economia
terra foi brutal. Para os militares capitalista ainda não chegara ao seu
desmobilizar as ações coletivas e pleno desenvolvimento, centrava-se a
movimentos sociais agrários luta contra o processo de espoliação e
e m e r g e n t e s , p r o vo c a n d o o s e u expropriação da terra por parte dos
esvaziamento político, constituía uma pequenos produtores e a defesa de seu
peça-chave para a concretização do direito de permanecer na terra por parte
projeto capitalista para o meio rural dos posseiros. Segundo Sandra Freitas
encampado por eles e instrumentalizado “(...) ressurgem a partir daí movimentos
através do Estatuto da Terra. que opões posseiros a grileiros,
O Estado autoritário estava assalariados rurais a latifundiários ou
decidido a implementar essa política a empresas, pequenos proprietários a
qualquer preço. Tal decisão resultou na agroindústrias, trabalhadores rurais a
manutenção dos latifúndios já existentes projetos governamentais ou a empresas
na região Nordeste, na criação de estatais”. (Freitas, 1994:6)
latifúndios na região Norte e na A política agrária desse período
proliferação de empresas rurais e só veio beneficiar os grandes latifúndios e
agroindústrias tanto no Centro-Sul as empresas agrícolas. Aos pequenos
quanto no Nordeste do país. Em agricultores restou a nefasta situação de
conseqüência dessa política houve a espoliação e expropriação quase que
intensificação, de um lado, da legalizada pelo Estatuto da Terra.
concentração de terras e da expropriação Transformar os pequenos lavradores em
149
assalariados rurais era o projeto da mãos de poucos e que nem sempre fazem
burguesia rural. A valorização da terra a terra produtiva, a luta contra a
decorrente da modernização do campo espoliação e expropriação da terra
associada a alguns programas federais, sofrida pelos pequenos agricultores.
como o pró-álcool 8 , contribuíram Essa divisão é apenas didática,
decisivamente para o surgimento de uma pois que essas dimensões só podem ser
nova situação de exclusão social e compreendidas quando articuladas. O
inclusão em contextos socialmente Movimento dos Trabalhadores Rurais
marginais. Essa privação vivida pelos Sem Terra atua em ambas as dimensões
agricultores espoliados e expropriados os do conflito agrário. De nada adianta
conduziu a constituir movimentos sociais conquistar a terra se não houver os meios
que buscavam recuperar a terra perdida. para torná-la produtiva. A conquista da
As lutas no campo adotam várias terra se encontra ancorada ao sucesso da
formas de enfrentamento da questão e produção.
ocorrem por diversos motivos os quais Algo de que não podemos nos
são compreendidos em seus respectivos esquecer é o fato de que a utilização da
contextos sócio-históricos. Cada um dos terra agricultável no Brasil é
movimentos sociais agrários adotou uma expressivamente pequena. Petras e
bandeira de luta. As ligas camponesas da Weltmeyer afirmam no livro Brasil de
década de 50 defendiam a bandeira Cardoso: A desapropriação do país que
“Reforma Agrária na Lei ou na Marra”; a “(...) calcula-se que menos de 20% da
Comissão Pastoral da Terra adotou o terra cultivável é plantada, deixando
mote “Terra de Deus, Terra para Todos” e 80% para funções não produtivas”
com o surgimento do Movimento dos (Petras e Weltmeyer, 2001:124). Esses
Trabalhadores Rurais Sem Terra MST no autores defendem a posição de que as
final da década de 70 e início da de 80, razões que levam ao uso inadequado e
teremos com bandeira o mote “Terra não ineficiente da terra no Brasil centra-se,
se ganha, se conquista”. Para o MST o sobretudo, no padrão de posse da terra.
retorno do homem rural ao campo é o Segundo eles, os números que
caminho para a transformação social. corroboram revelam que “(...) 9% dos
proprietários de terra possuem cerca de
O MST NO BRASIL 78% da terra enquanto, no outro
“É preciso construir outro modelo agrícola, extremo, 53% da população rural tem
voltado para a pessoa não para o lucro.
Que garanta comida na mesa de todos ”.
pouca ou nenhuma terra (menos de 3%)”
(João Pedro Stedile, entrevista concedida à (p. 124).
revista Como veremos nas páginas que
Caros Amigos n.º 39, junho de 2000) seguem, o modelo agroexportador
Não podemos entender a adotado durante os governos militares e
questão agrária no país e nem a própria civis nos últimos 37 anos é um dos
atividade do MST sem que observemos grandes vilões do empobrecimento do
duas importantes dimensões dos campo e do elevado número de
conflitos no campo. A primeira dimensão agricultores vivendo nos cinturões das
é a agrícola. Nela localizam-se os regiões urbanas. Petras e Weltmeyer
conflitos originados pela disputa do afirmam que esta política agrária resulta
crédito agrícola, pela comercialização da em “(...) enclaves de crescimento
produção agrícola, pela garantia de infra- dinâmico de exportações e um mar de
estrutura (saneamento, educação, saúde pequenos e médios fazendeiros
etc.) no campo. A segunda dimensão dos decadentes e trabalhadores rurais sem
conflitos no campo, diz respeito à luta terra desenraizados num mercado
pela terra propriamente dita. A essa externo estagnado” (Petras e Weltmeyer,
dimensão estão ligadas questões como a 2001:126).
luta contra a concentração de terras nas Assim, podemos dizer que essa
150
sucessão de governos militares e civis, morte10. É importante lembrar que os
sobretudo o governo de Fernando fazendeiros a fim de defender 'suas'
Henrique Cardoso, empobreceu a zona terras formaram milícias armadas para
rural9 brasileira e “(...) descapitalizou a guardarem as propriedades. Maria Celma
economia agrícola, particularmente o Borges (1996) observa que tal situação
setor ligado aos pequenos produtores corresponde a um “(...) Estado de defesa
que produziam para o mercado local” dentro do Estado” (p. 89). Para esta
(Petras e Weltmeyer, 2001:122). autora os 'donos da lei' institucionalizam
Desta forma, pensamos e a ação dos jagunços que agora atendem
estamos de acordo com aqueles por seguranças e tem por função a
pesquisadores que entendem que a guarda a qualquer preço da propriedade
realização da reforma agrária no Brasil privada. Borges escreve que “(...) o
além de necessária se faz urgente. A antigo jagunço passava a ser conhecido
reforma agrária é um caminho possível como segurança da propriedade.
para superarmos as gritantes diferenças Institucionalizava-se o seu papel, dando
sociais que dividem nosso povo; “(...) legitimidade e legalidade à violência"
para trazer a agricultura de volta ao seu (Borges, 1996:89)
ciclo produtivo” (Petras e Weltmeyer, A violência no campo tem sido um forte
2001:126). elemento motivador para se levar
adiante o movimento. Podemos
CONFLITOS AGRÁRIOS: UMA observar com mais clareza essa questão
LUTA ENTRE O PODER E A através do quadro comparativo
SOBREVIVÊNCIA elaborado pela CPT e MST que engloba
Como já assinalamos dados de 1980 a 2000:
anteriormente, os inimigos dos Assassinatos no Campo - 1980 a 2000*
movimentos sociais (o Estado e as
classes envolvidas direta ou UF 80 81 82 83 84 85 86 87 88 89 90 91 92 93 94 95 96 97 98 99 00 TOTAL

indiretamente nas lutas contra a privação AC 02 01 01 01 01 02 06 07 02 01 03 28


AL 02 03 01 08 07 06 01 02 01 02 01 34
empreendida pelos movimentos)
AM 01 03 01 01 01 01 04 12
buscam de todas as formas torná-los AP 05 01 06
ilegítimos e assim desmobilizar qualquer BA 06 11 09 21 18 11 18 26 18 09 11 08 01 01 02 04 03 02 03 01 183
forma de ação coletiva que afetem seus CE 01 02 01 02 04 05 10 06 02 01 01 01 36

interesses. Utiliza-se de instrumentos ES 01 02 02 02 04 01 01 01 14

que vão desde a persuasão até a GO 05 07 03 07 10 10 11 15 02 02 01 01 01 02 77


MA 09 02 12 09 18 24 09 22 07 07 09 06 07 05 04 03 03 01 04 01 162
repressão que não poucas vezes culmina
MG 02 01 02 11 27 21 07 05 02 03 02 04 05 02 94
na morte de lideranças do movimento ou
MS 01 05 01 03 05 02 02 01 01 02 23
de simpatizantes. É o caso dos agentes MT 02 04 02 05 06 09 20 18 04 11 10 01 01 04 04 04 03 02 01 01 112
de pastoral, advogados, religiosos, PA 16 14 19 18 28 57 31 45 23 12 20 16 13 14 04 14 33 09 10 08 02 406
sindicalistas, etc., assassinados em PB 02 02 03 01 03 04 02 01 01 04 01 01 01 25

função de sua atuação nos conflitos de PE 01 05 03 04 08 06 07 12 03 01 02 01 04 06 01 04 03 02 02 75

terra no Brasil. PI 01 03 01 01 01 02 01 10
PR 01 01 01 01 01 02 01 05 07 02 04 03 04 01 03 06 02 02 47
Quando estudamos as
RJ 04 07 02 01 01 01 04 01 06 01 03 01 05 02 39
estatísticas referentes às lutas no RN 01 01 01 05 01 02 01 13
campo, verificamos que é no final da RO 01 02 01 02 03 07 19 01 02 02 01 01 01 01 44
década de 70 e início da de 80 que se dá a RS 01 01 01 01 02 07 01 01 15
sua expansão. Em 1984 foram SC 01 03 01 01 01 01 03 01 01 14

registrados 483 conflitos agrários, os SE 01 01 01 02 05

quais reuniram 332 mil pessoas. No ano SP 06 01 02 02 06 02 01 02 02 01 24


TO 01 01 05 02 02 19
seguinte, registrou-se 42 ocupações
53 69 57 81 24 171 50 16 89 70 78 51 50 45 29 34 49 26 38 26 14 1520
espalhadas pelo país, reunindo 11.500 1 1 2

famílias sem terra. Em todas as Fonte: CPT e MST - Dados atualizados até 29/11/2000
Http://www.mst.org.br/biblioteca/assassinato/ass89-99.html
manifestações registrou-se violência e
151
Em recente trabalho publicado no assassinados nos primeiros quatro
Brasil, Petras e Weltmeyer (2001) anos no governo de Cardoso. (...) O
afirmam que a escalada da violência no massacre de Eldorado do Carajás
campo foi resultado da aliança que os pretendia intimidar o movimento.
latifundiários estabeleceram com Mas teve o efeito contrário. A
políticos e autoridades em nível local, opinião pública passou a ser
estadual e federal. Os autores atribuem a predominantemente a favor do MST
escalada da violência a esta aliança que é que respondeu lançando uma nova
encabeçada pela União Democrática onda de ocupações pelo país todo.”
Ruralista UDR11 , entidade representativa (Petras e Weltemeyer, 2001:146)
dos latifundiários, e por Fernando
Henrique Cardoso (PSDB), presidente da O apoio popular registrado por
República Federativa do Brasil entre os Petras e Weltemeyer ajudou na expansão
anos de 1994 e 2002. Ações repressivas e das ações coletivas organizadas pelo
jurídicas foram a estratégia adotada por MST. Nesse sentido as informações
essa aliança para tentar barrar o obtidas junto ao Banco de Dados da Luta
crescimento dos movimentos sociais pela terra (DATA LUTA) mostram que o
agrários, sobretudo do MST, diminuir o número de ocupações organizadas e de
apoio popular e desmobilizar o famílias engajadas no MST vem
Movimento dos Trabalhadores Rurais crescendo. Esse crescimento pode ser
Sem Terra. Para Petras e Weltmeyer, o observado nos dois gráficos que seguem.
ícone desta escalada da violência foi o No primeiro, temos o cômputo das
massacre sofrido pelos sem terra em famílias que participaram de ocupações
Eldorado do Carajás no estado do Pará de 1990 até 1995. O segundo nos dá uma
por mando do governador Almir Gabriel visão mais detalhada da situação das
(PSDB). Segundo esses autores: famílias do MST no quadro geral do país
entre os anos de 1996 à1999. Vejamos:
“(...) em nível local e estadual os
aliados de Cardoso entre os OCUPAÇÕES E NÚMERO DE
governadores, os funcionários FAMÍLIAS DO MST ENTRE OS
locais e os latifundiários ANOS 1990-1995
organizaram uma violenta
repressão e processos judiciais para
Período Nº famílias
destruir a crescente atração do
1990 11.484
MST. Os latifundiários organizaram-
1991 9.862
se na UDR União Democrática
1992 18.885
Ruralista e, através de sua 1993 17.587
influência entre os governadores e 1994 16.860
funcionários locais, lançaram uma 1995 31.531
violenta contra-ofensiva direitista, Fonte: MST
com o apoio político e Atualizado: maio/99
propagandístico do governo de
Fernando Henrique. Isto culminou, Número de Ocupações e número de Famílias
em abril de 1996, no infame * Participação do MST entre 1996-1999
massacre de Eldorado de Carajás, Ano
Total de Total de Ocupações
%
Famílias
%
ocupações famílias MST MST
estado do Pará, onde 19
1996 398 63.080 176 44 45.218 72
trabalhadores sem terra foram 1997 463 58.266 173 38 28.358 54
massacrados pela Polícia Militar, a 1998 399 76.482 132 22 30.409 40
quem o governador do estado 1999 249* 29.223* 149** 60 24.519** 83
mandou para reprimir o protesto Total 1.709 227.051 630 37 128.504 57
pacífico dos trabalhadores sem Fonte: Data Luta; Base de dados: CPT/MST/INCRA
terra. Ao todo, mais de 163 foram Obs.: * até abril ** até maio
152
Observe-se que os anos de 1995 DADOS DAS OCUPAÇÕES DE
e 1996 são os anos em que se há o maior 1999
número de famílias ligadas ao MST,
Estado Ocupações Famílias
respectivamente 31.531 e 45.218
Alagoas 17 3.254
famílias. Esses anos são os anos da
Bahia 03 180
eclosão do movimento dos Trabalhadores
Ceará 03 370
Rurais sem Terra no Pontal do
Espírito Santo 02 220
Paranapanema, Estado de São Paulo.
Goiás 02 420
1995 e 1996 são anos importantes,
Maranhão 03 412
porque marcados por uma mudança na Minas Gerais 04 528
política de ocupação de terras do MST, Mato Grosso do Sul 05 3.205
que passa a ser massiva. Já entre os Mato Grosso 01 700
anos de 1996 a 1999 observamos que Pará 05 2.300
57% das famílias mobilizadas estavam Pernambuco 40 5.023
vinculadas ao MST. Entendemos que Paraíba 11 1.367
esses dados demonstram a força do Piauí 01 70
movimento e a grau de aceitação de suas Paraná 35 2.472
proposições e estratégias por parte Rio de Janeiro 03 360
daqueles que estão vivendo à margem da Rio Grande do Norte 02 270
economia agrária, excluídos de uma vida Rondônia 01 150
digna no campo. Note-se também que Sergipe 11 1.358
em 1999 das famílias mobilizadas pelos Santa Catarina 01 500
diversos movimentos sociais agrários, São Paulo 03 1.756
83% estão vinculadas ao MST. Assim, no Tocantins 07 720
final da era FHC, o MST consolida-se TOTAL 160 25.635
como uma frente respeitável de oposição
à política neoliberal promovida nos dois Fonte: MST - Atualizado em 10/10/99
mandatos do presidente Fernando
Henrique Cardoso. Mas são os dados referentes aos
Quando analisamos o panorama acampamentos que dizem da capacidade
nacional das ocupações promovidas pelo mobilizadora do MST. O número de
MST em 1999, os Estados com o maior famílias acampadas entre 1990 e 2001
número de ocupações são os Estados de aumenta a cada ano e retrata a enorme
Pernambuco com 40 ocupações , do dimensão da força mobilizadora do MST.
Paraná com 35 ocupações, de Alagoas O movimento, em doze anos, reuniu em
com 17 ocupações e da Paraíba com 11 acampamentos 517.121 famílias, isto é,
ocupações. Já os recordistas em número reuniu mais que o número das famílias
de famílias mobilizadas são os Estados de que foram forçadas a abandonar o campo
Pernambuco com 5. 023 famílias, de durante a era FHC. Só durante os três
Alagoas com 3.254 famílias, do Mato primeiros anos do segundo mandato do
Grosso do Sul com 3.205 famílias (O presidente Cardoso, foram mais de
Estado do Mato Grosso do Sul distribuiu 220.377 famílias distribuídas em mais de
as suas 3.205 famílias em apenas 5 1.329 acampamentos no Brasil, visto que
ocupações) e do Paraná com 2.472 os dados de 1999 e 2001 são parciais. No
famílias. Importa notar que não foram primeiro mandato de FFHH foram
encontrados dados referentes aos 189.431 famílias distribuídas em 1.020
Estados do Acre, Amapá, Amazonas, acampamentos existentes no Brasil.
Distrito Federal, Roraima e Rio Grande do Durante o governo Collor (1990-
Sul para o ano de 1999. Vejamos os 92), o MST mobilizou em todo o país
números da tabela oferecida pelo 22.008 famílias distribuídas em 197
Movimento dos Trabalhadores Rurais acampamentos e no governo Itamar
Sem Terra - MST: Franco (1992-93) 60.705 famílias
153
espalhadas em 363 acampamentos. 3.225 famílias acampadas. Já 2001,
Enquanto que no período referente aos durante os seus oito primeiros meses, os
governos Collor/Itamar o MST organizou números mostram os estados de
560 acampamentos, o que perfazia um Pernambuco com 202 acampamentos e
total de 82.713 famílias mobilizadas, na 27.050 famílias acampadas, da Bahia
era FFHH (1994-2001) já foram 409.768 com 71 acampamentos e 7.100 famílias
as famílias que se organizaram em 2349 acampadas, Paraná com 51
acampamentos pelo Brasil afora. Em acampamentos e 5.134 famílias
porcentagem, o crescimento das ações acampadas, Alagoas com 48
patrocinadas pelo MST entre 1990 e acampamentos e 9.049 famílias
2001, dos governos Collor/Itamar para o acampadas, Sergipe com 48
governo FHC, foi de 419 % para o acampamentos e 4..660 famílias
número de acampamento e de 495 % acampadas. Novamente São Paulo
para o número de famílias acampadas. aparece com 23 acampamentos e 2.461
Vejamos a tabela que contém esses famílias acampadas. Em ambos os anos,
dados: o estado de São Paulo aparece na Sexta
colocação no rankimg dos estados com
ACAMPAMENTOS E NÚMERO DE
maior número de acampamentos.
FAMÍLIAS MOBILIZADAS Somente no primeiro semestre de 2001 o
Total Total de
Período Acampamento Famílias
Estado já havia apresentado um
2001 até agosto 585 75.730
crescimento de 61% no que se refere ao
2000 555 73.066 número de acampamentos. Ele passara
1999 até outubro 489 71.581 de 14 (2000) para 23 (2001/1) dos quais
1998 388 62.864 até o mês de abril 10 estavam localizados
1997 281 52.276 na região do Pontal do Paranapanema.
1996 250 42.682 Para melhor observarmos esse quadro,
1995 101 31.619 trazemos os dados referentes aos anos
1994 125 24.590 de 2000 e 2001:
1993 214 40.109 DADOS DOS ACAMPAMENTOS 2000
1992 149 20.596 Acampamentos e Famílias do MST em 2000 e 2001

1991 78 9.203 Acampamentos Acampamentos


Estado Famílias Famílias
em 2000 em 2001*
1990 119 12.805 AL 52 8.687 48 9.049
TOTAL 3.334 517.121 BA 59 6.886 71 7.100
CE 4 210 6 700
Fonte: MST - Atualizado: 26/10/99 DF 4 515 6 722
ES 5 690 5 700
Podemos observar melhor o GO 4 1.030 7 2.365
retrato do movimento dos sem terra no MA 14 1.182 13 2.225
MG 8 860 10 920
Brasil através dos números de cada uma
MS 14 2.887 16 2.592
das unidades da federação. Nesse MT 5 1.410 50 1.970
quadro, os Estados com maior número de PA 4 826 7 1.657

mobilizações são: em 2000 os Estados de PE 203 28.024 202 27.050


PB 13 1.360 5 302
Pernambuco com 203 acampamentos e PI 4 495 7 780
28.024 famílias acampadas, Bahia com PR 42 5.578 51 5.134
59 acampamentos e 6.886 famílias TO 5 1.960 4 2.475
RJ 6 860 7 914
acampadas, Alagoas com 52
RN 19 1.303 8 914
acampamentos e 8.687 famílias RS 11 2.119 15 3.542
acampadas, Paraná com 42 RO 8 1.220 8 781

acampamentos e 5.578 famílias SE 42 3.790 48 4.660


SC 15 949 15 949
acampadas e Sergipe com 42 SP 14 3.225 23 2.461
acampamentos e 3.790 famílias TOTAL 555 76.066 587 79.962

acampadas. O Estado de São Paulo vem Fonte: MST Levantamento Parcial, até 30/12/2000
logo atrás com 14 acampamentos e * Fonte: MST - Dados atualizados em 30/8/2001
154
Ainda convém registrar que podem ser associadas. É entre a Igreja e
quando observamos os dados referentes o Sindicalismo que surge o MST como um
à agricultura brasileira entre os anos de movimento social autônomo. Ora o MST
1990 e 1994 verificamos que cerca de se coloca em oposição a Igreja que o
400.000 pequeno agricultores faliram. ajudou a se constituir, ora em oposição ao
Segundo Petras e Wltmeyer (2001) esses sindicalismo que, tanto quanto a Igreja,
trabalhadores “(...) foram expulsos da foi importante para sua existência. Como
terra ou foram convertidos em nos mostra Fernandes
trabalhadores sem terra ou empregados
de grandes empresas agroindustriais “O Movimento dos trabalhadores
exportadoras, que era a peça central da Rurais Sem Terra (MST) nasce em
assim chamada 'estratégia de um processo de enfrentamento e
exportação e modernização agrícola' de resistência contra a política de
Cardoso”. (Petras e Weltmeyer, desenvolvimento agropecuário
2001:147 instauradas durante o regime
militar. Esse processo é entendido
IGREJA E SINDICALISMO COMO no seu caráter mais geral, na luta
ATORES NA RETOMADA DOS contra a expropriação e contra a
MOVIMENTOS SOCIAIS RURAIS exploração do desenvolvimento do
capitalismo. (...) Nesse momento
Outro fator que se mostrou de ruptura e desafios às instituições
importante na retomada das ações convencionais, os trabalhadores
coletivas no meio rural foi o apoio da rurais construíram uma nova forma
chamada Igreja Progressista através das de organização social. As lutas
Comunidades Eclesiais de Base CEB's12 populares que se desenvolveram
-, da Comissão Pastoral da Terra CPT13 - nesse período contribuíram muito
, da Pastoral da Juventude PJ -, entre nas mudanças das estruturas
outros setores e dos sindicatos rurais tradicionais das organizações
melhor estruturados e mais combativos. políticas, especialmente da Igreja
Apesar de a atuação da Igreja e do Católica, do novo sindicalismo
sindicalismo para estruturação de ações representado pela CUT e na
coletivas no campo e de um movimento construção do Partido dos
social em si tenha sido crucial(e ainda ser Trabalhadores (PT). Estas
importante), ela não ocorreu de modo instituições foram, no decorrer do
harmonioso. Eram claras as divergências tempo, as principais matrizes
políticas entre ambos. Política sindical e político-culturais do movimento de
ação pastoral com tendências opostas, trabalhadores rurais que emergia”.
muitas vezes fizeram com que o (Fernandes, 1996: 67)
Movimento seguisse caminhos opostos e
acabasse por se fragilizar. Contudo, a Igreja será uma
Através das pesquisas de matriz preponderante na formação e
Fernandes e Souza, confirmamos alguns constituição das lideranças do MST bem
aspectos relevantes a respeito da gênese como na maneira de o movimento
do MST aqui já registrados. Os autores construir suas linhas de ação. Em certos
nos ajudam a perceber que o MST não casos, porém se dá também a vinculação
surge a partir de um momento específico do MST a certos sindicatos ditos
da história nacional. O MST é o resultado combativos. Mas, segundo Freitas, “(...)
de todo um processo sócio-histórico- o surgimento do MST é apontado como o
político-cultural e econômico vividos no reflexo da oposição e antagonismo ao
país pelos movimentos sociais agrários. movimento sindical e ao papel ambíguo
O MST nasce na confluência de da CONTAG14” (Freitas, 1994:11).
posturas políticas que nem sempre
155
MST: UMA HISTÓRIA DE LUTAS rurais. É a partir de meados da
década de 80 e início de 90 que o
Vários são os movimentos sociais MST começa se espacializar em
que vão sendo concebidos nos anos nível de Brasil, organizando
setenta e que tomam corpo no final dessa ocupações de terra em 19 estados.
década. Nesse contexto os anos de 1978 (...) A origem do MST está ligada ao
e 1979 têm uma importância particular modelo de modernização da
porque trazem novidades aos cenário agricultura e concentração
político de então. Em 1978 a novidade fundiária, principalmente. Atrelado
a isso, vem a resistência dos
“(...) foi primeiramente enunciada trabalhadores rurais que são
sob a forma de imagens, narrativas excluídos do processo produtivo,
e análises referindo-se a grupos por conta dessas transformações no
populares os mais diversos que campo”. (Souza, 1994:81)
irrompiam na cena pública
reivindicando os seus direitos, a Ainda em 1978 acontece a
começar pelo primeiro, pelo direito organização dos chamados colonos de
de reivindicar direitos. O impacto Nonoai. Os colonos de Nonoai eram cerca
dos movimentos Sociais em 1978 de 1.000 que desde 1968 vinham
levou a uma revalorização de arrendando terras da reserva dos índios
práticas sociais presentes no Kaigang por intermédio da FUNAI
cotidiano popular, ofuscadas pelas (Fundação Nacional do Índio) no
modalidades dominantes de sua município gaúcho de Nonoai.
apresentação”. (Sader, 1988: 26- Como os índios exigissem a
27) devolução das terras e por esse motivo
Sader aponta para o estivesse havendo conflitos entre índios e
desenvolvimento de uma nova colonos, as famílias de Colonos de Nonoai
consciência política por parte daqueles começam a se retirar da localidade. Parte
q u e s e c o m p r o m e t e ra m c o m o das famílias que saíram da reserva dos
movimento popular no fim dos anos 70. Kaigang, cerca de 700 famílias,
Isso possibilitou que o MST se permaneceram acampadas nos
constituísse num desses movimentos municípios de Ronda Alta e Sarandi no Rio
emergentes no cenário nacional da Grande do Sul. Destas, 550 foram
década de 70; que ele também fosse um transferidas para o Mato Grosso para
daqueles que no ano de 78 reivindicavam integrarem um projeto de colonização da
o direito de reivindicar. E foi a partir das cooperativa Canarana. Mais 128 famílias
ações de resistência e das ocupações de foram assentadas em Bagé - região
terra iniciadas no sul do país decorrentes noroeste do Rio grande do Sul. Aqueles
da política de modernização do campo, da trabalhadores que permaneceram na
exclusão gerada por esta e, sobretudo, região de Ronda Alta e Sarandi
graças ao desenvolvimento de uma começaram a se organizar com o auxílio
consciência política cada vez mais da Igreja Católica15 e de outras entidades,
complexa que o MST foi gestado. Nas lançando, assim as bases do futuro MST.
palavras de Souza Em junho de 1978 cerca de 200 famílias
tentam ocupar a fazenda Sarandi, mas
“O Movimento dos trabalhadores fracassam em função da desorganização
Rurais Sem Terra surge em fins da interna.
década de 70, tendo sua Mas é especialmente no ano de
organização sido concretizada na 1979 que encontramos as lutas
região sul do país, onde o fator marcantes para a compreensão histórica
modernidade agrícola estava do MST. Catorze meses depois do
expropriando muitos trabalhadores fracasso da tentativa de ocupação da
156
fazenda Sarandi, cerca de 110 famílias exigem uma resposta de um Estado às
ocuparam a Gleba Macali (7 de setembro) suas necessidades, ao seu desejo de
e outras 70 a Gleba Brilhante (25 de integração a sociedade que finge que não
setembro) em Ronda Alta - RS. Essas os vê, a sua luta por um pedaço de terra e
ocupações constituem como que o por um lugar ao sol. Como escreveu
referencial histórico das origens do MST. Gryzbowski a esse respeito,
Outras lutas que se seguiram às
ocorridas no estado do Rio Grande do Sul “O sentido político da luta dos sem
e que também foram importantes para a terra não decorre das relações mais
concretização do MST foram, em 1980, a imediatas que eles mantém, mas
ocupação da fazenda Burro está no fato de porém a nú a sua
Branco no município de Campo comum situação de excluídos,
Êre em Santa Catarina; o conflito entre devido a estrutura agrária vigente, e
mais de 10.000 famílias e o estado do de exigirem do Estado medidas que
Paraná por ocasião da desapropriação de lhes garantam o acesso a
suas terras em função da construção da propriedade da terra e a sua
barragem de Itaipú. O estado se propôs integração econômica e social como
apenas a indenizar as famílias que pequenos proprietários”
tiveram suas terras inundadas e não a (Gryzbowski, 1987)
recolocá-las em outras. Em São Paulo,
marcante foi a luta dos posseiros da O movimento dos chamados
fazenda Primavera nos municípios de "sem terra" traz consigo novas formas de
Andradina, Castilho e Nova luta, como as ocupações de terra e a
Independência; no Mato Grosso do Sul reunião e organização de famílias de
milhares de trabalhadores rurais trabalhadores rurais em acampamentos,
arrendatários lutavam pelo direito de em propriedades rurais, à beira de
permanecer na terra nos municípios de estradas ou em praças públicas e na
Naviraí, e Glória de Dourados. (cf. MST, ocupação de edifícios públicos. Essas
1986:42-43) novas formas de luta funcionam como
Em 1984, porém, é que durante o instrumentos de pressão e
I Encontro Nacional dos Sem-Terra enfrentamento dos problemas
realizados em Cascavel PR se deu a concernentes ao campo, para conquistar
fundação oficial do MST. a terra de que são e estão privados. Tais
Quando observamos a realidade reivindicações também estão expressas
agrária brasileira antes do surgimento do nas inúmeras bandeiras forjadas nesse
MST e depois da sua fundação, notamos processo de luta.
que o movimento constitui um divisor de Mais recentemente o MST tem
águas na história da luta pela terra, por usado como bandeira as palavras
uma reforma agrária real, pela “Ocupar, Resistir e Produzir” ao invés das
democracia e pelo resgate da cidadania tradicionais palavras “Terra não se
entre os agricultores. O MST traz em sua ganha, terra se conquista” que marcaram
base trabalhadores rurais, filhos de o início do movimento. Segundo João
colonos, parceiros e arrendatários, Pedro Stedile, líder nacional do MST, “(...)
agregados e assalariados temporários, as ocupações devem servir para corrigir a
os que foram expulsos de suas terras injustiça presente e para mudar a
para a construção de barragens etc. É na legislação vigente (...) ocupar é um
dolorosa expressão das privações direito de legítima defesa de quem já foi
comuns por eles vividas e que os ultrajado e expropriado de seus direitos
identifica e une, que encontramos o fundamentais. Pois a terra e os bens da
significado político. Expressam suas terra destinam-se a todos os homens, e
dores a uma sociedade que fecha os não a apenas a alguns privilegiados”.
olhos à sua existência; expressam e (Gorgen e Stedile, 1991:47)
157
A exploração do capital se dá 4)dedicar-se à formação de
socialmente e é nessa relação social que lideranças e construir uma direção
se constroem as relações de exploração, política dos trabalhadores.
expropriação e de exclusão/inclusão
social. Em face dessa injusta realidade é Tais objetivos representam as
que os trabalhadores rurais têm-se lutas históricas dos agricultores sem
organizado e buscado formas de terra e apresentam as novas
resistência via o engendramento de características dessa nova luta. E vale
ações coletivas frente ao Estado, aos recordar que nesses anos de luta
latifundiários e empresas rurais que constante, elas se dimensionaram para a
formam a face do capitalismo no campo. conquista das condições básicas de
Essa luta é a própria história do homem desenvolvimento social e econômico:
do campo. E ela não é apenas uma luta educação, política agrícola, saúde;
por um quinhão de terra. É a luta contra o combatendo sempre a má vontade de
privilégio que um único tipo de governos não implicados com a justiça
propriedade tem nesse modelo de social no campo e prisioneiros de grupos
desenvolvimento econômico preconizado que lhes garantem sua manutenção no
pelo neoliberalismo. poder.
As tentativas de desmobilização Os escritos do movimento e os
dos movimentos sociais agrários por discursos de seus líderes apontam para a
parte do Estado e de seus aliados têm sua real condição do MST: um movimento
explicação para além da tese do boicote à que não está lutando apenas para que os
reforma agrária. Essa atitude se explica excluídos, expropriados etc. tenham
quando entendemos a terra como um acesso à terra. Sua proposta vai bem
instrumento de mediação política capaz mais além do que garantir o simples
de alterar o pacto de sustentação do acesso à terra. É “(...) seu objetivo
Estado. Por isso, as ações fulminantes do principal atingir através de suas lutas,
Estado contra o movimento dos sem terra uma ampla reforma nas relações sociais
através da mídia, de boicotes a de produção. Estando esta reforma
negociação com seus lideres, etc. Tornar diretamente vinculada a estratégia
os movimentos sociais ilegítimos perante fundamental do MST, a implantação na
a opinião pública é uma das estratégias terra conquistada de um sistema
que o Estado e as oligarquias utilizam cooperativista de produção”. (Freitas,
para garantir a manutenção de seu poder. 1994:12)
A cooperação agrícola é a
MST: PRINCÍPIOS E PROPOSTA estratégia adotada pelo MST para
aprimorar a produção e o
Analisando os objetivos gerais do desenvolvimento social dos agricultores.
MST elaborados durante o seu I Encontro Adotou-se esta estratégia porque
Nacional (1984) encontramos os melhorando a qualidade e as escalas
subsídios ideológicos da manutenção da produtivas que se alcançava nas terras
luta, o motor que impulsiona a conquistadas, industrializando os
caminhada de cada sujeito que nele se produtos nos assentamentos lhes
engaja. Eis alguns desses objetivos: permitiria comercializá-los a preços
menores e mais competitivos e ao
1)que a terra só esteja nas mãos de mesmo tempo combater a propaganda
quem trabalha; disseminada pelos que resistiam, agora
organizadamente, à reforma agrária e
2)lutar por uma sociedade sem
que anunciavam a incapacidade de os
exploradores e explorados;
sem terra lidarem efetivamente com a
3)organizar os trabalhadores rurais terra; que propagavam na sociedade a
na base; idéia de que os assentamentos seriam a
158
versão rural das favelas da zona urbana. contradição, entre a experiência passada
Está claro para o MST que se não atualizada pela memória e o projeto
houver a modernização das relações político daqueles que orientam o
sociais e produtivas nos assentamentos Movimento.
eles não resistirão ao capitalismo rural e Pesquisas como as de Amado
o movimento será desmobilizado já que (1990) e de Freitas (1994) apontam
não conseguiu fazer das terras claramente para essa questão. Para
arrecadadas ou desapropriadas para a Freitas, a comum situação de
reforma agrária terras produtivas. A expropriados e marginalizados exercem
cooperação entre os pequenos um duplo papel sobre os assentados. As
produtores ou assentados, além de ser experiências individuais os aglutina e
sinônimo de desenvolvimento econômico garante a sua coesão enquanto grupo na
e social da comunidade e instrumento de mesma medida em que se tornam fator
resistência e enfrentamento à exploração dispersivo. Isso porque, após terem
dos grandes proprietários e empresas vivido experiências em que o
rurais, contém as bases para o individualismo impera, resta-lhes uma
desenvolvimento de formas superiores representação da terra como sendo um
de produção socialista. instrumento particular de trabalho (cf.
Po r t a n t o, a s a s s o c i a ç õ e s , Freitas, 1994: 15).
cooperativas de pequenos agricultores e Trabalhar essa contradição
assentados não se baseiam em trabalho parece-me um dos maiores desafios que
assalariado e na espera da intervenção o movimento tem pela frente. Sem a
do Estado na gestão empresarial. Elas, aproximação do pensamento da
além de objetivos econômicos, trazem liderança ao pensamento da base,
objetivos sociais e políticos de longo dificilmente se logrará sucesso nas ações
prazo, visando fortalecerem suas lutas que o movimento buscar implementar
a t ra v é s d a c o n s c i e n t i z a ç ã o d o s após o assentamento legal.
trabalhadores rurais. Quer-se com isso
obter a transformação da sociedade e a CONSIDERAÇÕES FINAIS
obtenção do controle absoluto dos meios
produtivos. Como se pode observar neste
A proposta (política) de artigo, a história da luta pela terra no
organização agrícola dos assentamentos Brasil pode ser vista, em grande medida,
é fruto do amadurecimento político e como a história da luta do próprio país por
doutrinário do movimento e de cada emancipar-se, não apenas da dominação
grupo particular de agricultores. Contudo portuguesa, mas de outras múltiplas
há um déficit entre a proposta do formas de dominação e exploração. Por
movimento e a ação dos agricultores certo, a luta de camponeses e
assentados. A proposta de trabalho camponesas brasileiros (as) que se
coletivo (e até mesmo de propriedade organizam em movimentos sociais como
coletiva) não está internalizada pela base o MST é um importante sinal de que as
do movimento na mesma medida em que desigualdades sociais se têm perpetrado
está pela liderança. Por isso, os neste 500 anos de história do Brasil.
assentados comuns ao receberem a terra Todavia, a existência destas
a pensam de modo particular, tendo injustiças, faz com que se a própria
presente a experiência passada onde a sociedade tenha que enfrentar seus
terra era cultivada apenas pelos conflitos e contradições, sem poder dar-
membros da família. Assim, a memória se o luxo cair no comodismo e na rotina
passada os impele a querer trabalhar a de uma vida cotidiana absolutamente
terra de maneira artesanal e alienada. Não se trata aqui de dizer que
individualizada. Parece-me que está deveríamos viver uma vida destituída de
posto um confronto, senão uma cotidianeidade e absolutamente tomada
159
Pela ação reflexionada. Como já apontou encontram-se em muitos dilemas éticos,
Agnes Heller (1998), “Não haverá nem sendo o seguinte mui relevante:
pode haver na qual os indivíduos Continuamos com nossas ações políticas
possam fundamentar filosoficamente que nos levam ao enfrentamento com o
todas estas atividades estreitamente governo que ajudamos abertamente a
relacionadas com sua própria existência, eleger ou nos recolhemos e esperamos
com os diferentes processos mediante os que ele acate nossas pautas de
quais vêm a satisfazer suas reivindicações e nos contemos para não
necessidades básicas” (Heller, 1998:10- comprometer ao próprio governo que já
11). Todavia é a capacidade de terá suficientes desafios. No caso do MST
reflexionar que permite ao indivíduo e esse dilema foi superado, ou está sendo,
aos sujeitos coletivos construir um pelo fato de compreender que o governo
cotidiano não tomado pela alienação e a pode muito mas não tudo e deixar de agir
cristalização e, assim, mais fluído. E isso pode resultar em desmobilização e perda
vale para os movimentos sociais como o de poder. E de mais a mais, suas ações
MST. Certamente parte do sucesso do podem contribuir em alguma medida
MST e que este movimento não se tenha para que o próprio governo não se
tornado refém de sua pluralidade interna a c o m o d e n o m u n d o d o p o d e r.
que nos faz percebê-lo como uma rede Certamente, os movimentos sociais e em
de movimentos agrários que se federam especial o MST em função de sua
em torno de uma bandeira e de um lema, relevância política estará tutelado não só
é a fluidez com que constrói sua própria pelo marco judicial que orienta o país,
cotidianeidade e suas estratégias mas também por suas vinculações com o
mobilizatórias. Como apontou Joseph partido do governo. Mas nem por isso
Gusfield (1994) “Na medida em que os perde sua independência e deixa de
movimentos tenham um caráter mais atuar.
fluído que linear, as formas de filiação Agora, nos resta esperar um
também respondem a essas pouco mais para que possamos mais
características também fluídas” tarde estudar e escrever sobre o que,
(Gusfield, 1994:107). para nós, pode vir a consistir em uma
A instabilidade política da nova fase das relações entre Estado e
sociedade brasileira até após a segunda Movimentos Sociais.
eleição de FHC, visto que ainda pairava
no ar o fantasma de que houvesse uma NOTAS
revolta militar caso a esquerda viesse a 1- Para Márcia Regina Andrade e para Luis Carlos
assumir o governo do país, foi um dado Dombek.
2- Filósofo pela PUC MINAS, Mestre e Doutorando em
importante para a manutenção de certas Psicologia Social pela PUC São Paulo e Pesquisador
parcelas de poder no meio rural as quais Visitante nos Departamentos de Psicologia Social e
os movimentos sociais agrários sempre Sociologia III da Universidade Complutense de
Madrid. - Endereço: C/ Santa Ana, 6/1º A Ext. - La
fizeram frente. E esse tipo de
Latina Madrid Espanha - alepsipol@hotmail.com.
enfrentamento veio a contribuir para a Docente da Faculdade de Brasília de São Paulo.
consolidação da democracia e do 3 - FHC é a sigla com a qual se costuma referir-se ao
exercício democrático no Brasil pós- ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, sendo
chamada de era FHC ou era FFHH o período de 1995
ditadura militar. 2002, quando exerceu seus dois mandatos
Hoje em dia, e que merecerá um presidenciais.
estudo mais rigoroso, a relação entre 4 - No Brasil a estrutura sindical comporta sindicatos
de trabalhadores e sindicatos de patrões. Quando
Estado Brasileiro e Movimentos Sociais
observamos a conjugação dessa estrutura, observa-
encontra-se sob um outro tipo de tensão. se certas curiosidades como, por exemplo, o uso do
Referimo-nos aqui ao fato de que, com a sindicato patronal pelo trabalhador rural para ter
eleição de Luis Inácio Lula da Silva como acesso à tratamento médico e odontológico
qualificado, enquanto procuram o sindicato dos
presidente do país,os movimentos sociais trabalhadores rurais para busca auxilio do tipo
de modo geral e em especial os agrários jurídico para enfrentar o mesmo patrão que, através
160
do sindicato rural, lhe propicia acesso ao tratamento trabalho escravo, a queimada das casas e das
médico odontológico. Não queremos nos ater a essas lavouras, a super-exploração dos trabalhadores
questões porque não é o objeto dessa pesquisa. Para assalariados e sem direitos, etc. Estes são fatos reais
um estudo mais aprofundado das questões dessa política de desenvolvimento que quis levar o
referentes aos sindicatos rurais ver... progresso ao campo (numa concepção burguesa do
5 - ARNS, Paulo Evaristo. (2001) Da Esperança à termo), que, ao fortalecer uma única forma de
Utopia O testemunho de uma vida”, São Paulo: relação social, pela violência da cassação dos
Sextante. direitos, promoveu a miséria resultante da
6 - A ditadura brasileira possuía características expropriação e exploração.” (Fernandes, 1996:54)
distintas das que habitualmente apresentavam as 11 - Para a melhor compreensão do papel da UDR na
ditaduras. Curiosamente, um dos recursos adotados estrutura fundiária brasileira, sugerimos a leitura do
durante as duas décadas em que os militares livro A Questão Agrária Hoje, organizado por João
controlaram o país para manter o controle popular foi Pedro Stédile (1994).
o ambiente de normalidade institucional. Tal 12 - As CEB's surgiram no começo da década de 60 na
tentativa se deu mediante a manutenção do Arquidiocese de Natal RN e na diocese Volta
Congresso Nacional Senado da República e Câmara Redonda - RJ. Elas constituíram-se no período
de Deputados , na admissão de um partido de ditatorial em verdadeiros espaços de reflexão e
oposição ao regime Movimento Democrático conscientização política. Nelas se erigiu estratégias
Brasileiro (MDB), o qual segue até os dias de hoje e de ação tanto para os trabalhadores rurais quanto
que atualmente passou a compor a base de alianças para os urbanos. Podemos dizer que é nas CEB's que
do presidente Luis Inácio Lula da Silva, etc. Porém, o se constituirá o espaço social e político de
que chama-nos mais a atenção, é o fato de que enfrentamento das políticas agrária e
durante os vinte anos de ditadura não foi apenas um desenvolvimentista do governo militar. Das
ditador quem exerceu o poder e a alternância de Comunidades Eclesiais de Base sairão inúmeras das
ditadores no poder não ocorreu por insatisfações lideranças que comporão mais tarde o MST; o que faz
entre militares. A alternância de ditadores era uma das CEB's verdadeiras escolas de política agindo na
clara estratégia de manter a impressão de ilegalidade nesse período. Essa atividade das
normalidade institucional. Em outras palavras. Cada lideranças católicas renderam-lhes investidas ferozes
ditador que exerceu a presidência da República foi por parte do Estado autoritário.
eleito de maneira indireta pelo Congresso Nacional 13 - A CPT foi criada pela CNBB em 1975. Ela
que, por sua vez, era eleito por sufrágio popular. trabalhava juntamente com as paróquias da periferia
Neste processo o general candidato deveria urbana e da zona rural com o intuito inicial de refletir
abandonar suas funções de general e ir para a a realidade do campo brasileiro. Ela contribuiu para a
reserva, filiar-se ao partido governista Arena organização e na luta dos trabalhadores rurais sem-
,candidatar-se e concorrer com o candidato da terra. É importante registrar que os primeiros
oposição em pleito realizado no congresso nacional. encontros de trabalhadores rurais sem-terra como os
O candidato eleito exercia um mandato de cinco anos de Medianeira - PR (jul/1982) e Goiânia (set/ 1982)
sem possibilidade de ser reeleito. Neste contexto, foram patrocinados pela CPT. Também o I Encontro
Emílio Garrastazu Médici exerceu com mão de ferro a Nacional de Trabalhadores Sem Terra realizado em
presidência do Brasil entre os anos de 1970 a 1974. janeiro de 1984 teve a importante contribuição da
7 - Região industrial no estado de São Paulo Comissão Pastoral da Terra.
composta pelas cidades de Santo André, São 14 - CONTAG: Confederação dos Trabalhadores na
Bernardo, São Caetano e Diadema. Agricultura.
8 - Programa federal de subsídio para 15 - O apoio da Igreja Católica se deu através do clero
desenvolvimento e ampliação do uso do álcool- e dos leigos engajados nas CEB's e demais pastorais
combustível brasileiro pela indústria automobilística da diocese de Passo Fundo -RS - do qual os
nacional. Como o álcool deriva da cana-de-açúcar, municípios supracitados fazem parte.
esse programa alterou em muito as relações sociais
nas regiões produtoras de álcool, pois fortaleceu os
donos de grandes capitais e fragilizou, e porque não
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abandonara zona rural durante os primeiros cinco ANDRADE, Márcia Regina de Oliveira. (1998) A
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10 - Segundo Fernandes “durante o regime militar Contexto dos Assentamentos Rurais do
foram assassinados 1.106 trabalhadores rurais,
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numa luta sangrenta contra a expropriação, a
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163
OS ARGUMENTOS RETÓRICOS QUE FUNDAMENTAM O
REAL NA CARACTERIZAÇÃO DO ETHOS DO SERTANEJO
Rosângela Aparecida Carreira1
Silvio Luis da Silva2

RESUMO ABSTRACT
Este artigo tem por objetivo criar uma This article aims to create a discussion
discussão baseada nas pressuposições da based on the assumptions of the
Nova retórica de Perelman & Tyteca sobre Perelman & Tyteca´s New Rhetoric about
a possível identidade do “nordestino” a possible Brazilian “northeast' identity
brasileiro encontrada em diferentes found in different text genres from this
gêneros textuais, por meio da análise de region. It analyses literary texts and
textos literários e a letra da música northeast popular music forro, specially
popular forró, enfatizando, emphasizing the arguments establishing
especialmente os argumentos que reality which make use of examples,
fundamentam o real que fazem uso de illustrations, and metaphors, as
exemplos, ilustrações e metáforas, como described in the theory chosen.
descrito na teoria escolhida.

PALAVRA-CHAVE KEYWORDS
argumentos retóricos, real, exemplos e rhetoric arguments, real, examples and
ilustrações illustrations.

165
Neste trabalho, vamos nos desprendem de seus próprios pudores
ater ao que Perelman & Titeca (1999) para analisar essas expressões com seu o
denominam As ligações que devido valor dentro do universo
fundamentam o real, em seu Tratado da discursivo a que pertencem.
argumentação: A Nova retórica, a saber: Assim, nosso trabalho pretende
o exemplo, a ilustração, o modelo (e analisar os argumentos que
antimodelo) e as analogias, para fundamentam a construção do real desse
tratarmos do brasileiro do “ser nordestino” em alguns fragmentos
norte/nordeste, este “ser nordestino”, ou de obras que o retratam (um repente, um
sertanejo, amplamente retratado na cordel e letras de forró), considerando os
Literatura Brasileira, que se materializa exemplos, as ilustrações e as analogias
nessas narrativas que, por sua vez, que estão a serviço dessa construção.
imprimem às questões sociais que Mas, o que exatamente quer dizer
permeiam um caráter discursivo literário “argumentos que fundamentam a
de relevância indiscutível. É interessante estrutura do real?” Segundo Perelman
lembrarmos que essa identidade também (1999:297):
se apresenta diluída em cordéis,
repentes e forrós que caracterizam em Enquanto os argumentos quase-
sua linguagem própria o “ser nordestino”. lógicos têm pretensão a certa
Não pretendemos nos validade em virtude de seu aspecto
imiscuir em questões literárias, nem racional, derivado da relação mais
pretendemos impingir um caráter ou menos estreita existente entre
avaliativo, aliás, como se prega na eles e certas fórmulas lógicas ou
utilização da Nova Retórica, matemáticas, os argumentos
essencialmente amoral, nosso objetivo fundamentados na estrutura do real
não é qualificar esse universo retratado valem-se dela para estabelecer
pela Teoria Literária, mas resgatar esse uma solidariedade entre juízos
“ser nordestino” no discurso de alguns admitidos e outros que se procura
poucos autores, analisando de que promover. Como se apresenta essa
maneira os argumentos que estrutura? Em que é fundamentada
fundamentam o real emprestam uma a crença em sua existência? Essas
possível imagem sertaneja por meio da são questões que não deveriam
produção lingüística popular e, nela, colocar-se, enquanto os acordos
analisar sua identidade. que embasam a argumentação não
Nos preocupa perceber que o levantarem discussão. O essencial é
ethos sertanejo flagrado nas ruas ou em que eles pareçam suficientemente
casas de forró, registros da alegria e da garantidos para permitir o
autenticidade de uma parcela do povo d e s e n v o l v i m e n t o d a
brasileiro em seus gestos e atitudes que a argumentação. (grifo nosso)
caracterizam, é muitas vezes ignorado
pelos estudos acadêmicos. Ainda que os Ou seja, os argumentos que
estudos da análise da conversação fundamentam o real são elementos dos
comecem a tatear o universo lingüístico quais o retor lança mão para afiançar seu
regional, não raro o fazem com o pudor discurso com o intuito de persuadir o
das moças casadoiras de romances auditório e levá-lo a alcançar seu objetivo
Românticos e com um olhar deveras no discurso, seja ele de adesão ou de
preconceituoso. O estudo de palavrões e rechaço em relação a determinado
certas gírias ou expressões de foro íntimo argumento. Perelman & Tyteca (1999)
adquirem, erroneamente, um caráter de classificam esses argumentos em:
agressão ao pudor. Muitos leitores, não
conseguindo abrir mão de seus a) com fundamento pelo caso particular
preconceitos lingüísticos, não se - a argumentação pelo exemplo,
166
- a ilustração, Quadro 2:
- o modelo (e o antimodelo)
b) raciocínio por analogia
- relações entre os termos de uma Pode ser supreendente,
inesperada, prestigiosa,
inadequada
analogia (emprego irônico)

- efeitos da analogia
- como se utiliza a analogia
Ilustração reforça
- o estatuto da analogia Muitas vezes escolhida
pela repercusão afetiva a adesão a
regra aceita
Pode ser duvidosa e
deve impressionar
que pode ter. conhecida
C) metáforas
- expressões com estatuto metafórico ou
metáforas adormecidas Visa aumentar a presença,
concretizando uma regra
abstrata e facilitando
Cada autor/retor se utiliza sua compreensão

diferentes exemplos, ilustrações,


analogias ou estabelecimentos de
parâmetros de comparação entre
Neste caso, tendo em destaque a
modelos e antimodelos para dar
ilustração, vemos suas especificidades,
sustentação a seu discurso e envolver o
que embora possa ser duvidosa, deve
leitor/auditório. Porém, devemos
impressionar o auditório, facilitando a
lembrar que há implicações distintas para
compreensão e é, essencialmente,
cada uso, assim, ao utilizá-la como:
produto do repertório do retor, que a
a) exemplo: permitirá uma escolhe de acordo com suas preferências
generalização, e a utiliza, inclusive ironicamente.
b) ilustração: esteará uma regularidade Tendo em vista essas formas
já estabelecida, e de argumentação, e suas
c) modelo: incentivará a imitação especificidades, buscamos em autores
Dadas as peculiaridades de cada conhecidos e anônimos discursos que, de
estruturação da argumentação, certo modo, façam parte do universo
esquematizamos abaixo as suas nordestino e os analisamos buscando
implicações: seus argumentos empregados como
exemplo, ilustração, analogias e
Quadro 1: metáforas. Nos atemos a esse recorte por
considerá-lo material de análise
suficiente, salientando que, muitas
O papel da linguagem
é fundamental. vezes, no mesmo discurso vários desses
Pode ser elemento
de indução. Uso
como testemunho.
recursos interagem e coexistem.
Euclides da Cunha, por
exemplo, em Os Sertões cria a instância
Interagem, no sentido EXEMPLO Deve usufruir de
de quem a menção de
um novo exemplo
Fundamenta estatuto de fato.
Deve ser
retórica da narrativa a partir de sua
A regra
modifica o significado
dos outros.
incontestável.
vivência como jornalista que cobriu a
Guerra de Canudos e imprime em seu
discurso caracteres antropológico,
Servem para generalizações,
afirmações, contradições,
assimilações
sociológico e histórico. A própria maneira
como o romance se divide, A TERRA, O
HOMEM e A LUTA ,denota uma gradação
argumentativa que preconiza não só sua
Aqui percebemos como o estrutura mas, também, sua
exemplo se imiscui no discurso e linearidade.
corrobora para a fundamentação do real. Por outro lado, a todo o
Sua ramificação abrange a interação, a momento, o retor, para apresentar seus
indução, serve para generalizações e argumentos, lança mão do afiançamento
deve ser incontestável. de outrem (cientistas, historiadores e
167
escritores) a fim de, com o recurso do retrocesso. O indo-europeu, o negro
exemplo, dar sustentação ao conflito final e o brasílio-guarani ou o tapuia,
e às suas opiniões a respeito dos fatos exprimem estádios evolutivos que
recriados por ele. Já no início tal se fronteiam, e o cruzamento, sobre
característica e postura se estabelecem obliterar as qualidades
entre retor e auditório: preeminentes do primeiro, é um
estimulante à revivescência dos
A TERRA atributos primitivos dos últimos..
Ele se utiliza do argumento como
Preliminares. A entrada do sertão.
exemplo sob três diferentes aspectos,
Terra ignota. Em caminho para
primeiro ele usa o caso do recurso do
Monte Santo. Primeiras impressões.
particular ao particular, ou seja, é o
Um sonho de geólogo.
sertanejo do norte não do nordeste é
O Planalto Central do Brasil desce,
uma subcategoria étnica. Ao utilizar a
nos litorais do Sul, em escarpas
frase nominal Um parêntesis irritante, ele
inteiriças, altas e abruptas.
expressa um juízo de valor por meio de
Assoberba os mares; e desata-se
uma frase que pode ser analisada como
em chapadões nivelados pelos visos
uma metáfora, se analisada como
das cordilheiras marítimas,
continuidade do raciocínio anterior
distendidas do Rio Grande a Minas.
(leitura possível) O sertanejo é um
Mas ao derivar para as terras
parêntesis irritante, mas, ao utilizar o
setentrionais diminui gradualmente
imperativo em 1ª. do plural,
de altitude, ao mesmo tempo que
conclamando e aproximando o auditório
descamba para a costa oriental em
ao seu discurso para abrir o parênteses,
andares, ou repetidos socalcos, que
se exime da crítica e abre o parênteses
o despem da primitiva grandeza
expressando claramente sua opinião e se
afastando-o consideravelmente
apoiando no evolucionismo para usar o
para o interior.
recurso do exemplo hierarquizado.
A ambientação já é marcada pela Na mesma perspectiva no
linguagem do geógrafo e do geólogo uso de O indo-europeu, o negro e o
anunciado. Talvez como tentativa de brasílio-guarani ou o tapuia, exprimem
aproximar o fato de uma suposta estádios evolutivos que se fronteiam o
realidade, o retor se utiliza desse retor caracteriza o sertanejo como uma
mecanismo para imprimir e criar uma subcategoria, ao apresentar as
realidade ficcional que vai ilustrar seus “categorias étnicas”. É importante
argumentos. Em seguida ao caracterizar, ressaltar que o contexto literário,
propriamente o Homem nordestino diz: obviamente, influencia essa postura do
retor que possui formação realista por ser
O sertanejo do norte é, um momento de transição entre o
inegavelmente, o tipo de uma Realismo-Naturalismo e o Modernismo,
subcategoria étnica já constituída. embora esse aspecto não seja nosso foco
Um parêntesis irritante. de análise.
Abramos um parêntesis... Dos autores escolhidos,
A mistura de raças mui diversas é, Euclides é o que mais apresenta
na maioria dos casos, prejudicial. argumentos como exemplo e ilustração
Ante as conclusões do explícitos, talvez sob influência, também,
evolucionismo, ainda quando reaja de ser um autor/retor cuja formação
sobre o produto o influxo de uma como engenheiro, jornalista e cientista,
raça superior, despontam incorpora esses artifícios e os põe a
vivíssimos estigmas da inferior. A serviço da razão e, portanto, do retor
mestiçagem extremada é um num determinado contexto.
168
Se Euclides expõe, Graciliano mergulha nesse meio e percorre as
Ramos prima pela sublimação de tais entranhas da fome, das incertezas e das
exemplos, não que eles não existam, sua agruras. Em Vidas Secas temos o olhar
obra os corporifica sub-repticiamente do homem sobre o Homem:
nos discursos indiretos livres como na E o sertão continuaria a mandar
voz de Fabiano, por exemplo. Em Vidas gente para lá. O sertão mandaria
Secas, o retor sintetiza na linguagem a para a cidade homens fortes, brutos,
complexidade desse universo nordestino. como Fabiano, sinhá Vitória e os dois
Todas as personagens são ilustrações da meninos.
vida nordestina e das agruras do sertão.
A cachorra Baleia é a própria metáfora da Têm-se, nessa obra, argumentos
“vida de cão do nordestino no sertão”, ela que levam a uma identidade mais
é o sertão, o sertanejo. O olhar do próxima da identidade real do sertanejo e
sertanejo desse sertão, ou seja, é o de seus problemas sociais: o êxodo, a
antimodelo, se analisada como um migração, a fome, a seca, etc.
animal, mas por suas atitudes nas Já com Guimarães Rosa em
instâncias retóricas, concretiza o modelo Grande Sertão: Veredas, o retor quer
do nordestino tanto quanto Fabiano. expressar, por meio do homem simples,
No capítulo O menino mais novo, a questões universais que estão presentes
reflexão sobre a história do pai e, nesse “ser tão veredas”. O autor/retor
assim, sobre a própria história do apropria-se da realidade e da linguagem
nordeste se explicita. Não há sertaneja para recriá-las no fulcro de
alteração para a ordenação social, uma narrativa em que os problemas
conforme argumenta o vaqueiro em contextualizam as ações das
sua forma simples de observar o personagens com tal força que interagem
mundo: com eles e com a força da realidade
sertaneja.
Tinha obrigação de trabalhar para
os outros, naturalmente conhecia o Em Guimarães tanto o léxico
seu lugar. Bem. Nascer com esse quanto os argumentos como exemplo ou
destino, ninguém tinha culpa de ele ilustração adquirem o caráter do trabalho
haver nascido com um destino ruim. literário laborioso de um recriar
Que fazer? Podia mudar a sorte? constante. É o ser múltiplo e
Tinha vindo ao mundo para heterogêneo. Os inúmeros aforismos
amansar brabo, curar feridas com presentes na obra servem como recursos
rezas, consertar cercas de inverno a retóricos, tanto pelo poder das
verão. Era sina. O pai vivera assim. metáforas, modelos, antimodelos e
O avô também analogias que arremedam a linguagem
real pela força que tem para demonstrar
A argumentação pelo o poder que é em função da teoria
exemplo, em Graciliano, não vem argumentativa da analogia que o papel
abertamente proclamada, o retor tende a da metáfora ficará mais claro. Afirmar o
imprimir por meio de seus argumentos vínculo entre metáfora e analogia
estratégias que possibilitam ao leitor significa, aliás, retomar uma tradição
chegar às suas conclusões. Apela nesse antiga dos filósofos e, em especial, dos
trecho para a sina e para o exemplo lógicos (Perelman, 1999: 453). Assim
generalizante do pai e do avô, se ambos em:
viveram assim, logo, não há escapatória:
é sina.
Deus existe mesmo quando não há.
Se em Euclides o retor expõe Mas o demônio não precisa existir
um sertanejo que é fruto de seu meio para haver.
com um olhar científico, Graciliano
169
Temos uma analogia clara: o grandes literatos, reside também o falar
termo A (Deus) está para o termo B popular, anônimo, comezinho, que se
(haver-existência), assim como o termo expressa e se utiliza da argumentação
D (o demônio/ o nãodeus) está para o E para se mostrar à realidade que auxilia a
(não haver/ a inexistência). O tema é a fundamentar. São também argumentos
fé e o foro, a crença. Perelman & Tyteca que fundamentam o real e se estruturam
(1999) defendem que a metáfora, no que igualmente àqueles reconhecidos pela
concerne à argumentação é umas academia: o repente, os versos simples,
analogias condensadas, resultantes da as músicas regionais populares, os forrós
fusão de um elemento do foro com um que invadem as cidades mesmo do
elemento do tema. Nos exemplos abaixo sudeste, seduzido pelo povo de lá que
há a utilização desse recurso aqui habita e dos quais toma emprestado
argumentativo em que o tema “sertão” se algumas características.
funde a características do foro que é o No repente, cujo fragmento
“ser”. abaixo foi extraído do livro Zé Marcolino,
Vida, Versos e Viola, por exemplo, temos
Sertão é o sozinho. o exemplum in contrarium, que impede
Sertão: é dentro da gente. uma generalização indevida, ao mostrar
...Sertão é sem lugar. que ela é incompatível com ele, e indica,
portanto, em qual direção somente a
Já em Morte e Vida Severina a
generalização é permitida. (Perelman,
analogia é clara no princípio do poema: o
1999: 405)
sertanejo não é um sertanejo qualquer é
um Severino entre muitos, é um homem Generino Batista não estudou
entre muitos que também terá uma nem as primeiras letras, mas expressa
morte severina: todo o seu sentimento com suas próprias
palavras. Certa vez, ele cantava em uma
- O meu nome é Severino, de suas felizes noitadas e o seu parceiro
como não tenho outro de pia. terminou uma sextilha dizendo:

Como há muitos Severinos,


que é santo de romaria, Meu respeitável colega
tanto fala como erra...
deram então de me chamar
Generino, humildemente, responde:
Severino de Maria;
Eu moro num pé de serra
como há muitos Severinos
que não sabe ler ninguém
Chegamos, então, a um outro o meu pai chama "promode"
aspecto de nosso percurso analítico, esse minha mãe chama "quiném"
ser recriado pela literatura também faz e o filho de um casal deste
literatura e recria sua cultura nessa que português é que tem?...
produção argumentativa. Se, por um
lado, o sertanejo é um ser árido, forte,
sozinho, sem lugar, produto do meio, etc. Em meu respeitável colega
Por outro, também é um ser escrachado, ... erra, observamos uma generalização
irreverente, sensual, de bem com a vida e indevida que é logo corrigida por
sem pudores lingüísticos. É um ser que Generino, em sua resposta Eu moro num
compõe sextilhas em cordéis e repentes pé de serra, esta sim, além de
sem nunca ter ido à escola e que reproduz justificativa, mostra a direção autorizada
uma voz rejeitada pelo sudeste, mas p o r u m a a r g u m e n t a ç ã o
sedutora para ele. "contextualizada", evitando a
Nessa sedução, que cativou os generalização proposta pelo primeiro.
170
Se, nos repentes, as masculinidade é, aos olhos femininos, o
manifestações de argumentos que antimodelo de companheiro.
fundamentam o real, aqueles que O retor se utiliza dois exemplos
generalizam algo que é aceito em função ramificados, digamos assim, pois dá a
de um caso particular, o mesmo acontece voz ao seu suposto interlocutor "diz que é
em forrós, ou na releitura feita pelas meu amigo..." para concluir, sem
bandas atuais desse tipo de canção, fundamentação explícita, o oposto ao
vejamos: que o que ele "diz" propõe. Porém, se não
é explícita a sua conclusão, sua
Forro Saborear exemplificação "é um tremendo
gavião/metido a garanhão" a torna real,
Composição: Desconhecido posto que, fundamentada na noção de
gavião e garanhão, conclui-se que ele "só
Xô sai pra lá, cara de pau quer me traçar". Uma clara utilização da
Você só quer me pegar e junção do tema (o homem) com o foro
Craw, craw, craw (os animais gavião e garanhão).
Na segunda utilização de
Ele chega de mansinho exemplos, volta a recorrer ao que ele diz
Diz que é meu amigo e só quer me ajudar para contra-argumentar e expor sua
É um tremendo gavião versão: "só comeu capim". A conclusão
Metido a garanhão mais lógica é explicitada no conselho que
Só quer me traçar dá a amiga: "não acredite nele/pra você
Além de tudo é mentiroso não se dar mal". De um caso particular, o
Se acha gostoso e não é bem assim do próprio retor, faz uma generalização
Diz pra os amigos que comeu da fruta autorizada em seus próprios argumentos
Que bebeu da fonte que vão da exemplificação às grandes
Mas só comeu capim metáforas gavião, garanhão, comeu da
Amiga não acredite nele fruta, bebeu da fonte para fundamentar o
Pra você não se dar mal que anuncia deste o início: "só quer me
pegar e craw". A conclusão final a que se
Xô sai pra lá cara de pau chega é: nenhuma mulher deve ficar com
ele.
Nesta canção, temos a utilização Na oposição a essa atitude do
do modelo e do antimodelo que retor, temos a valorização do antimodelo
funcionam dialeticamente, argüindo ora de companheiro, com a seguinte canção:
nesse, ora naquele sentido. Para
Homem Safado
entendermos o que agora propomos
devemos nos basear no consenso da Companhia do Calypso
divergência crassa entre homem e Composição: Desconhecido
mulher e perceber que, na voz do retor,
temos o contra-modelo explicitado pela Não me mande embora não sou sua
mulher. O auditório a que se dirige, amante
particular, a amiga é revestida de uma Sou sua mulher e venho lhe buscar
generalização autorizada. Bem, se a Você vai comigo por bem ou por mal
canção faz uma descrição do homem 2x
"cara de pau", para quem ela diz "xô, sai Ou pego essas quengas e quebro no
pra lá" e lhe elenca as características pau
desfavoráveis aos olhos femininos, o Eu rodo a baiana, mas levo você
detalhamento que faz que leva à Sou eu quem trabalho e pago sua
conclusão analógica de canalha é, por bebida
outro lado, a afirmação da Sua roupa, seu carro e sua comida
masculinidade. O modelo de Por isso eu quero e tenho direito
171
De ter você homem safado pra mim Vejamos, por fim, apenas mais uma
Por isso eu quero e tenho direito canção:
De ter você homem safado pra mim
O que é que eu vou fazer
Neste caso, a utilização do tema
"casamento" por meio do foro "traição", Forro Saborear
estabelece uma relação direta entre os Composição: Desconhecido
termos que faz todo o sentido na
argumentação proposta. Não lhe prometi verão nem
Independentemente da concordância ou primavera
não com a propositura de "permanecer" Nem um mundo todo lindo pra você
com o marido de quem o retor é a Você sabe que um dia a chuva cai
"mulher", a oposição das situações é que E que o vento forte às vezes faz cair
empresta à argumentação um caráter As folhas no quintal
analógico. Mas se você tem motivos pra sair
Devemos nos lembrar de que Me deixar aqui sem me dizer adeus
quando se trata de conduta, um Eu não tenho culpa
comportamento particular pode não só Se eu pudesse ter o mundo aos seus
servir para fundamentar ou ilustrar uma pés
regra geral, como para estimular uma Todo ouro que eu pudesse lhe
ação nele inspirada (Perelman & Tyteca, entregar
1999: 423), assim, a ação que se Juro eu te daria
esperaria numa proposição lógica não é E sem falar das cartas que escrevi
realizada. Na proposição "não me mande Das palavras doces que eu já falei
embora não sou sua amante / sou sua Somente pra você
mulher e venho lhe buscar", chegamos à Não me diga não, não me deixe aqui
seguinte generalização: amante pode ser O que é que eu vou fazer
mandada embora, mulher (esposa, no Pra trazer de volta a felicidade
caso) não. Neste caso, embasada na O que é que eu vou fazer
generalização que concebe, o retor passa Se longe de você meu mundo é só
a exemplificar no foro do amante, as saudade
vicissitudes. O que é que eu vou fazer
Sabendo que a argumentação Sem o seu amor sem o seu carinho
pelo exemplo fornece um caso eminente
em que o sentido e a extensão das noções Neste caso, em particular, nos
são influenciados pelos aspectos interessam as metáforas. É clara a
dinâmicos de seu emprego (Perelman & utilização completamente metafórica que
Tyteca, 1999: 406), percebemos a a canção faz da própria essência dos
utilização dos exemplos "sou eu quem relacionamentos pessoais e a verificação
pago a sua bebida / seu carro, sua roupa de que "Não prometi verão nem
e sua comida" que permitem se estender primavera" anuncia a proposição de crise
à noção de "propriedade" emprestada que permeia toda a canção. Se
aqui, para a conclusão da argumentação: estabelecermos a junção de verão e
"levo você". Evidentemente não primavera à, respectivamente, amor e
podemos dizer que essa argumentação carinho, percebemos que todo o resto
se utiliza de ilustração, posto que não deixa de ter seu valor denotativo, para
reforça regra conhecida e aceita, pois não habitar a seara da conotação apenas. Nos
oferece casos particulares que afiançamos do refrão, "o que é que eu
esclarecem o enunciado geral (Perelman vou fazer / pra trazer de volta a
& Tyteca, 1999: 406). felicidade", em cujo termo felicidade está
no lugar do ser amado, nessa interseção
natural aos amantes, para validar nossa
172
interpretação. Assim, o "vento forte" pela prática de uma disciplina ou de uma
retoma metaforicamente a rotina; as técnica em comum. Os termos utilizados,
"folhas", as brigas e "quintal", o seu sentido, sua definição, só são
casamento. Permitindo uma leitura que compreendidos no contexto fornecido
está perfeitamente casada com a pelos hábitos, pelos modos de pensar,
explicitação e a retomada da voz pelo pelos métodos, pelas circunstâncias
retor nos versos seguintes, que nos exteriores e pelas tradições conhecidas
defende de eventuais crenças de dos usuários (Perelman & Tyteca, 1999:
impertinência das metáforas que 580).
propomos.
Como pudemos observar, a NOTAS
verificação dos argumentos que
1 - Docente da FAAC - Curso de Letras
fundamentam a estrutura do real pode
ser tomada sob vários aspectos, sob 2 - Docente da FAAC - Curso de Letras
várias maneiras e por diversos caminhos.
Nossa proposição foi traçar um breve um BIBLIOGRAFIA
perfil do ser nordestino que se dilui em
sua linguagem, em sua experimentação CUNHA, Euclides (2002) Os sertões. São
da vida e em sua explicação sobre a vida. Paulo: Martin Claret.
Não nos esquecemos das PERELMAN, Chaïm & OLBRECHTS-TYTECA,
artimanhas da argumentação que é, por Lucie (1999) Tratado da Argumentação: A
vezes, feita de maneira mais comezinha e Nova Retórica. São Paulo: Martins Fontes.
não por isso menos argumentativa do RAMOS, Graciliano (2003) Vidas Secas. São
que aquelas tomadas pela elite literária e Paulo: Record.
acadêmica. Entendemos que uma técnica
consiste em utilizar vários foros para ROSA, João Guimarães (2005) Grande Sertão:
Veredas. São Paulo: Nova Fronteira.
tornar compreensível um único tema;
desse modo insiste-se na insuficiência de Painel de controle: http://painel-de-
cada foro particular, imprimindo, ao controle.letras.terra.com.br/
mesmo tempo, uma direção geral ao Livro: ZÉ MARCOLINO - VIDA, VERSOS, VIOLA
pensamento (Perelman & Tyteca, 1999: http://hp.br.inter.net/jhonorio/repentes.
445) e nos valemos desse entendimento htm consultado em 04/05/2004 às 02:40)
para penetrar no universo nordestino e
Silva, Antonio Gonçalves O Patativa do
tentar explicitar as especificidades da
Assaré. In:
argumentação desse universo. Http://www.bahai.org.br/cordel/assare.html
O percurso foi desde os mais consultado em 04/05/2005 às 02:42
renomados nomes da Literatura
Brasileira aos anônimos, aqueles cujas
palavras são cantadas, mas cujas
identidades são completamente
obliteradas, posto que se identificam na
linguagem, na consolidação da sua
caracterização por meio do aplauso do
público e do rebolado das duplas nos
salões com o simples intuito de fazer
perceber que tratamos de uma realidade
construída sobre argumentos, pela
linguagem e, na temática escolhida,
p r e t e n d e m o s l e m b ra r q u e t o d a
linguagem é linguagem de uma
comunidade, que se trate de uma
comunidade unida por laços biológicos ou
173
O ETHOS CULTURAL MASCULINO REVELADO
EM “CONVERSA DE BOTEQUIM”

Simone Clini1

RESUMO ABSTRACT
O presente trabalho situa-se na área dos This dissertation is based on studies
estudos sobre argumentação e retórica e about argumentation and rhetoric. It
tem por objetivo contribuir para a aims at contributing to understand the
compreensão de mecanismos lingüísticos linguistics mechanisms used in lyrics.
utilizados em composições musicais que, That is important, because the lyrics'
por suas características lingüísticas, linguistic characteristics sediment the
sedimentam movimentos argumentative movements in identity
argumentativos de constituição formation. Thus, the studies on Rhetoric
identitária. Assim, os estudos de Retórica and Argumentation, Aristotle's studies on
e Argumentação, os estudos de the Movements of passion, and the
Aristóteles sobre as paixões e a Teoria da Metaphor Theory, mainly discussed by
Metáfora, abordada principalmente por Jean Dubois, are our theory basis in order
Jean Dubois, servem-nos de base teórica to analyze one lyric by Noel Rosa.
para a análise de uma canção de Noel
Rosa.

PALAVRA-CHAVE KEYWORDS
Retórica, ethos, metáfora e paixões. Rhetoric, ethos, metaphor and passions.

175
INTRODUÇÃO fundir características identitárias do
sujeito, e os modos de narrar e
Este trabalho é um recorte da argumentar retoricamente, utilizando-se
dissertação de Mestrado intitulada “Noel largamente das metáforas, se convertem
Rosa Metáforas e paixões: a constituição em questões a serem exploradas nesta
do ethos cultural do sambista da década análise. Um ethos cultural se cria a partir
de 30 na MPB” , defendida na PUC-SP em daí.
outubro de 2004 e busca marcas Para categorizar as expressões
argumentativas em composição de Noel metafóricas encontradas, tomaremos
Rosa, justificadas por um jogo como base principalmente a obra
passional, com linguagem rica e Retórica Geral, organizada por Jacques
reveladora do caráter de um orador, que Dubois (1974). São muito distintas, e até
se constrói a partir de sua projeção no controversas, as teorias que tratam da
outro. metáfora, ainda que entendida como
Consideraremos a argumentação argumento.
como uma questão lingüística, vista Procuramos, pois, o ethos, o
como um modo de ação social e não caráter que o orador deve assumir para
derivada de condições de verdade ou de inspirar confiança no seu auditório, ou
seu caráter lógico. O homem constrói sua seja, o conjunto daqueles que o orador
identidade na relação dinâmica com a quer influenciar com sua argumentação.
alteridade e, de um modo ou de outro, Para que isso ocorra, cabe ao orador
assimila o movimento das crenças e buscar elementos suficientemente
paixões que movem seu grupo cultural. convincentes para atuarem no jogo da
Noel Rosa, preocupado em tocar sedução pela palavra, o mais persuasivo
almas pela poesia, praticou a essência da instrumento do poeta da Vila, Noel Rosa.
retórica: antes de tudo um ajuste de Vemos movimentos passionais um
distância entre os indivíduos. Para entrecruzar-se de figuras e de temas que
diminuir essas distâncias, Noel valia-se se movimentam retoricamente para
de metáforas. É uma figura de sentido constituir os sentidos pretendidos - pela
que desempenha seu papel retórico. Essa busca da linguagem figurada, pelo
figura realiza-se em meio ao que os desvendar do discurso persuasivo e
retóricos clássicos chamaram de tradutor do ethos.
elocução a terceira parte do discurso.
Nos moldes atuais da semiótica A RETÓRICA E AS PAIXÕES
greimasiana, conforme afirma-nos Lopes
(1986:02), esse desvio (metassemema Para que possamos, de algum
ou tropo) ocorre, no percurso narrativo, modo, categorizar as paixões, ou
na competência dita poder. E este uso, discursivizar sobre elas, como diriam os
por sua vez, pode ser revelador das semióticos, faz-se necessário entender o
paixões contidas no discurso do orador. movimentar passional desencadeado em
Nessa situação retórica, os uma ação retórica, e assim buscar
compositores acham-se no pleno direito identificar as teorias que nortearão nossa
de ressaltar o poético e, desse modo, análise.
criam envolvimento, além de O sistema retórico aristotélico
oferecerem, a seu modo, um retrato da está dividido em quatro partes ou fases
sociedade em que vivem. Sendo assim, que devem ser cumpridas pelo orador: a
indagamo-nos como esse movimentar de invenção, a disposição, a elocução e a
paixões, traduzidos em canções ação. Para muitos autores, a memória
populares, podem, de algum modo, constitui o quinto elemento e é
evidenciar um ethos cultural masculino? classificado como a arte de memorizar o
O movimento das paixões no discurso. Para Cícero, era uma aptidão e
discurso da MPB pode, de algum modo, não uma técnica. Em um e outro caso, o
176
orador, em busca da eficácia de seu comunicativo que se dá com a
discurso, explora, em maior ou menor atualização do discurso para um auditório
grau, três objetivos da retórica: instruir que, por sua vez, deverá tomar uma
(docere), comover (movere) e agradar decisão a propósito dos fatos que são
(delectare). O discurso persuasivo, objetos desse mesmo discurso.
contido no ato retórico, pretende agir Nesse sentido, há mesmo um
sobre o outro por meio do logos (palavra discurso da paixão: verbalizam-se ou
e razão), mas o estabelecimento de provocam-se comumente paixões como
acordos com o auditório implica a amor, ciúme, desconfiança, coragem,
disposição que os ouvintes conferem aos d e s a r ra n j o, d e s d é m , e s p e ra n ç a ,
que falam (ethos). indignação, desapontamento, rancor,
A reação desencadeada nos que serenidade, calma e tensão imersos no
ouvem (pathos) depende, então, da processamento textual que, por sua vez,
escolha dos argumentos e da se tece por meio de estratégias sócio-
credibilidade do orador. Assim, se cognitivas.
considerarmos a ação retórica instaurada No que se refere aos três tipos
em um espaço, aqui visto como modo de argumento, utilizaremos a
pelo qual a sociedade não somente classificação de Oliver Reboul na obra
reflete sobre si mesma, como reflete o “Introdução à Retórica” de 2000.
que essa sociedade é, num tempo O primeiro tipo de argumento, o
específico e marcado ideologicamente e ethos, relaciona-se ao caráter do orador
que os discursos se tecem a partir de um e, para isto, devemos entender sua
exterior constitutivo o discurso do outro, autoridade, a qual depende de sua
o já-dito e operam sobre outros prudência, de sua virtude e
discursos, sobre dizeres presentes e benevolência.
dizeres que se alojam na memória e no É um termo moral, ético, e que
espaço do dizer. é definido como o caráter moral que o
Essa operação discursiva infunde orador deve parecer ter, mesmo que não
ao texto um movimentar de paixões que o tenha deveras. Sua primeira tarefa é a
coloca em consonância, pela ação da de encontrar argumentos, o que já o
memória discursiva, uma seleção léxico- localiza em meio à primeira fase do
gramatical específica e põe em sistema retórico, a invenção. “... o
funcionamento os recursos importante não é o caráter que ele já
argumentativos, a fim de garantir a tem, e que o auditório conhece, mas é o
adequação ao espaço social em que o caráter que ele cria.” (Reboul,
orador atua. As metáforas utilizadas 2000:54).
funcionam assim como tais recursos. Ethos, segundo Reboul (2000:
Para entender os mecanismos 48), é “o caráter que o orador deve
que traduzem esse dizer, é necessário assumir para inspirar confiança no seu
envolver-se num processo de leitura do auditório”, ou seja, o conjunto daqueles
verbal da música, não só para traduzi-lo, que o orador quer influenciar com sua
como também para refletir sobre as argumentação, o destinatário do
instâncias retóricas que, imbricadas no discurso; e deve preencher as condições
processo discursivo, resultam em mínimas de credibilidade, que são a
persuasão ou convencimento. Assim sensatez, a sinceridade e a simpatia.
sendo, em qualquer atuação lingüístico- Conhecer seu auditório é a regra de ouro
discursiva sempre foi essencial a na retórica.
utilização da inventio, dispositio e A confiança inspirada pelo
elocutio para bem mover os auditórios. orador deve ser obra de seu discurso e
O impulso retórico se traduz na isso poderá converter-se em uma tarefa
ação, a última das operações do modelo muito difícil, pois é muito comum
retórico, o culminar do processo textual- acontecer que o orador tenha de
177
persuadir um auditório heterogêneo. a ação com a performance e a
Pa ra t a n t o, e l e d e v e r á u t i l i z a r memorização com a sanção.
argumentos múltiplos para conquistar os As paixões não são entendidas
diversos elementos de seu auditório. É a como virtudes ou vícios permanentes,
arte de levar em conta, na mas estão relacionadas com situações
argumentação, esse auditório transitórias, provocadas pelo orador.
heterogêneo que caracteriza o grande
orador. A paixão é aquilo que permite
Quanto ao seu discurso, o logos, refletir a vida daqueles que os
o segundo tipo de argumento citado por desejos impedem precisamente de
Reboul (2000), e sua argumentação se dedicar ao discurso racional, uma
propriamente dita, é o aspecto dialético vez que estão acima de tudo
da retórica, pois constitui um jogo no preocupados com a procura
qual vencer é convencer. Neste sentido, a incessante dos prazeres que os
retórica é uma aplicação da dialética, no sentidos propiciam. O que significa
sentido que a utiliza como instrumento que o próprio conceito de paixão
intelectual de persuasão. Um discurso é exprime já o ponto de vista do
retórico quando, para persuadir, alia seu filósofo e cai no interior do campo da
componente argumentativo a seu razão, para captar o que lhe é
componente oratório, ou seja, a forma ao exterior. (Meyer, 1994: 20)
conteúdo.
Quanto ao terceiro tipo de Por esse pathos, pela paixão,
argumento, temos o pathos, ou seja, o sai-se da identidade do sujeito, e não
conjunto de emoções, paixões e somente do em-si, em benefício do
sentimentos que o orador deve suscitar humano. A paixão escapa ao logos,
no auditório com seu discurso (Reboul, centrado no caráter apodítico
2000:48). Este argumento precisa de proveniente da identidade redutora do
conhecimento das diferentes paixões às sujeito, assim se compreende o caráter
quais Aristóteles sistematiza em sua obra ameaçador e irracional da paixão por um
- e dos diversos caracteres dos ouvintes, logos definido apenas pela apoditicidade.
segundo sua idade e sua condição social. Para Aristóteles, a paixão é a
Para Aristóteles (cf. 2000:05), expressão da contingência; além disso,
as paixões são "tudo o que faz variar os se de começo o pathos é uma simples
juízos, e de que se seguem sofrimento e marca lógica ou ontológica (uma
prazer". Invocada pelo processo categoria do ser), logo se servirá disso
discursivo, a memória traz à tona as para caracterizar a relação sensível com
cenas vistas e alguma forma de sua temporalidade inversa à ordem
movimento passional se manifesta em lógica.
cada um de nós, pois a paixão se revela E o que é argumentar, senão
onde há mobilidade, onde há imperfeição tentar convencer, encontrar uma
ontológica. Os efeitos discursivos em identidade onde, de início, havia apenas
maior ou menor grau de passionalidade, antagonismo e diferença? As paixões
por sua vez, são obtidos por estratégias servem, assim, para classificar os
retóricas. homens e descobrir se o que sentem é
Poderíamos, assim como sugere- necessário para que quem quer
nos Lopes (1986:02), ver nas cinco convencê-los aja sobre eles. Elas
partes do discurso realizado aristotélico, constituem um teclado no qual o bom
o percurso narrativo da semiótica orador toca para convencer.
greimasiana nos moldes atuais, que As paixões da multidão, as
relaciona a invenção com a manipulação, ambições dos homens de ação, o
a disposição com a competência do saber, materialismo dos negociantes vão
a elocução com a competência do poder, tornar-se, depois de Santo Agostinho, a
178
própria essência das paixões. A partir da interpenetram no plano analítico,
era cristã, se transformará em paixão a preocupamo-nos com o movimentar das
ilusão de que um meio é um fim, quando paixões que emana do texto para o
o único fim deve ser o amor de Deus. Mas auditório e como esse “movimentar”, que
para Aristóteles, se as paixões estão provoca reações, sedimenta um modo de
associadas ao prazer e ao sofrimento, um ser e de ver o mundo (ethos). Valemo-
exercício moral e socializado de nossas nos, em busca desse caminhar analítico,
disposições poderá fixá-las com vistas a da lista apresentada na Retórica,
fins idênticos. diferente da lista na Ética a Nicômaco, e a
A paixão é decerto uma razão disso é a ênfase diversa. Há onze
confusão, mas é antes de tudo um estado paixões na Ética e catorze na Retórica.
de alma móvel, reversível, sempre Na Ética há a alegria, o desejo ou
suscetível de ser contrariado, invertido; o pesar, que são estados de alma da
uma representação sensível do outro, pessoa considerada isoladamente. Na
uma reação à imagem que ele cria de Retórica, ao contrário, as paixões
nós, uma espécie de consciência social passam por resposta à outra pessoa, e
inata, que reflete nossa identidade tal mais precisamente à representação que
como esta exprime na relação incessante ela faz de nós em seu espírito, ou seja,
com outrem. Ela é, entretanto, resposta, Aristóteles trata-as no âmbito filosófico.
reflexão sobre o que somos. As paixões refletem as representações
Lugar em que se aventura a que fazemos dos outros, considerando-
identidade e a diferença, a paixão se se o que eles são para nós, realmente ou
presta a negociar uma pela outra; ela é no domínio de nossa imaginação.
momento retórico por excelência. É Somente na Retórica encontraremos a
assim a própria variação, o que no mais indignação e a vergonha, que são na
profundo de nosso ser exprime o verdade paixões-respostas à imagem
problemático. As paixões são igualmente que formamos do outro.
as respostas às inferioridades e às Aristóteles, pois, preocupa-se
superioridades que se aventuram a pôr também com o despertar da paixão no
em risco o Fim comum, o qual tem de auditório. Para nossos propósitos,
subjugar as diferenças e não provocá-las. buscaremos identificar as paixões
Por serem as respostas às traduzidas em versos nas canções e, de
representações que os outros concebem acordo com a categorização aristotélica,
de nós, mais tarde, as paixões serão discutiremos causa (de algum modo de
chamadas de formas da consciência em natureza biográfica) e efeito (de algum
si. modo sedimentado no cancioneiro
Esse breve histórico sobre as popular do Brasil), ethos/ pathos,
paixões ajuda-nos a refletir um pouco sempre a partir das marcas textuais
sobre elas e sua relação com a Retórica, deixadas nos versos do compositor.
com as diferentes partes do discurso e As catorze paixões, elencadas
interpretadas dentre os diferentes tipos por Aristóteles, são: cólera, calma,
de argumento. No entanto, na lista de temor, segurança (confiança, audácia),
Aristóteles veremos que não se encontra inveja, impudência, amor, ódio,
o que os modernos classificariam de vergonha, emulação, compaixão, favor
paixões, pois entre estas deparamos com (obsequiosidade), indignação e
a calma e a vergonha. Ademais, desprezo.
conforme já citamos anteriormente, Pela paixão dá-se uma fusão
Aristóteles não instala o auditório no entre as consciências, a do outro e a que
discurso, não estabelece um modelo de temos de nós e, ao mesmo tempo,
discursivização da paixão, o que para restabelece-se uma certa diferença entre
nós, neste momento, faz-se necessário. os indivíduos, nem que seja para reforçar
Como ethos e pathos se e confirmar a identidade das imagens
179
recíprocas. Estamos sempre prontos a provavelmente desde que o homem
pronunciar sobre uma identidade (e uma meditou sobre a linguagem, reconheceu-
diferença) entre o outro e eu, para a se a existência de certos modos de
abolir, manter ou reforçar. Para nos expressão que não se enquadram no
entender temos que negociar as comum, cujo estudo foi em geral incluído
diferenças para chegar a um mínimo de nos tratados de retórica; daí o nome
identidade. figuras de retórica.
A argumentação, que visa a Para que realmente uma figura se
convencer, insiste na identidade entre o efetive são necessárias duas
orador e o auditório, sendo apenas uma características indispensáveis: uma
modalidade retórica entre outras, já que estrutura discernível, independente do
se pode querer reforçar a diferença ou contexto, ou seja, uma forma (seja ela,
simplesmente sancioná-la. E em tal conforme a distinção dos lógicos
território argumentativo, entram as modernos, sintática, semântica ou
paixões, pois elas tanto refletem as pragmática), e um emprego que se
complementaridades entre os homens afasta do modo normal de expressar-se
como as suas dissonâncias. Ela é, e, com isso, chama a atenção.
portanto, uma forma de consciência. Segundo Reboul, a expressão
Aristóteles preconiza a justa figuras de retórica "não é pleonasmo,
medida nas paixões para que elas se pois existem figuras não retóricas, que
transformem em virtude, por uma são poéticas, humorísticas ou
espécie de hábito repetido dos outros, é simplesmente de palavras. A figura só é
precisamente porque a justa medida de retórica quando desempenha papel
preserva as alternativas e as diferenças, persuasivo." (Reboul, 2000:113) Seria,
o que significa dizer que as paixões têm portanto, uma fruição a mais, uma
uma função política em virtude desta licença estilística para facilitar a
lógica da identidade e da diferença que as aceitação do argumento. Sua
rege. Segundo Aristóteles "as paixões classificação divide as figuras entre:
são aquilo que faz com que os homens figuras de palavras, figuras de sentido,
variem seus juízos e têm como resultado figuras de construção e figuras de
a dor e o prazer". (Meyer, 1994:68). pensamento.
Vemos, então, a questão da Conforme é de nosso interesse,
retórica das paixões como meio de nos ateremos às figuras de sentido que
persuasão. E que, por meio da paixão, o dizem respeito aos significados.
homem consegue identificar-se com ou Consistem em empregar um termo (ou
negar um determinado tipo de texto, vários) com um sentido que não lhe é
pois, como diz Aristóteles: “as paixões habitual. Desempenham papel lexical,
são todos aqueles sentimentos que, pois enriquecem o sentido das palavras.
causando mudança nas pessoas, fazem Devem ser claras, novas e agradáveis.
diferir seus julgamentos...” (Aristóteles, Entre o enigma e o clichê, desempenham
2000:05). seu papel retórico.
São tropos, ou seja, tomam um
A METÁFORA significante no sentido de outro, mas,
quando um tropo é lexicalizado a ponto
Todo sistema lingüístico implica de nenhum outro termo próprio poder
em regras formais de estrutura que unem substituí-lo, passa a ser uma catacrese,
os usuários desse sistema, mas a por exemplo, “asa do avião”, que em sua
utilização deste aceita diversos estilos, origem era chamada de metáfora, e
expressões particulares, características passou a ser vista não mais como uma
de um meio, do lugar que nele se ocupa, figura - pois não há como descrever esta
de certa atmosfera cultural. parte da fuselagem do avião que lhe dá
Desde a Antiguidade, sustentação de outra forma. São
180
c o n s i d e ra d o s t r o p o s s i m p l e s , a sobre a cognição humana (Lakoff
metonímia, a sinédoque e a metáfora, &Johnson 1980; Kittay 1987; Sacks
das quais se originam tropos complexos 1992; Ortony 1993; Gibbs 1994a). Se a
como a hipérbole, a litote, a insinuação, o metáfora está na poesia, está também na
eufemismo, a ironia, a hipálage, a fala do cidadão comum, do político, do
enálage e o oxímoro. jornalista e até na do cientista.
Pa ra s e r p e r c e b i d a c o m o Lakoff & Johnson (2002) afirmam
argumentativa uma figura não deve que a metáfora constitui um
necessariamente acarretar a adesão às procedimento de raciocínio, isto é, nosso
conclusões do discurso, bastando que o sistema conceitual ordinário já é
argumento seja percebido em seu pleno metafórico por natureza e, assim, os
valor; pouco importa se outras processos de pensamento humano são,
considerações se oponham a aceitação por conseqüência, amplamente
da tese em questão. metafóricos.
De acordo com os autores da No presente trabalho, devido a
Nova Retórica, Perelman & Tyteca nossos objetivos, a metáfora será
(1999:453), a metáfora é considerada abordada, principalmente conforme a
como um fenômeno discursivo e não classificação existente nas obras Retórica
puramente lexical que pode funcionar geral (1974) e Retórica da Poesia (1980),
como estratégia argumentativa. Nesse com organização de Jacques Dubois, com
sentido, o grau de metaforicidade de um base na obra Tratado de argumentação
enunciado depende sobremaneira da (1999) de Perelman & Tyteca e, nos
comunidade interpretativa, estudos de Olivier Reboul, na obra
principalmente se levarmos em conta as Introdução à retórica (2000).
instâncias enunciativas que asseguram a Designadas como tropos pela
produção e compreensão do sentido retórica clássica e redefinidas como uma
figurado. Desse modo, as metáforas classe particular de metáboles do código
produzem sentidos a partir de um entendidas como um tipo de mudança de
contexto determinado. um aspecto qualquer da linguagem - as
Perelman & Tyteca (1999), figuras de linguagem foram agrupadas
repetindo Aristóteles, admitem a nessas obras em metaplasmos,
metáfora a partir de uma analogia que só metataxes e metassememas que
é bem sucedida quando seu valor deixa dividem entre si o campo dos desvios do
de ser verbal, porque certos aspectos dos código; e metalogismos que abrangem
termos correspondentes do foro colocam os fatos mais de imediato determináveis
os termos correspondentes do tema na no domínio das transformações do
perspectiva afetiva buscada. conteúdo referencial (cf.Dubois,
Condensando na metáfora tanto a 1974:39). Essas metáboles são
catacrese quanto as chamadas engendradas pelas regras de: adjunção,
expressões de sentido metafórico, os supressão, supressão-adjunção (ou
inventores da Nova Retórica afirmam que substituição) e permutação.
bastará dar a essas denominações o seu A metáfora foi compreendida,
efeito analógico pleno para que acabem então, como um metassemema, ou seja,
por estruturar-nos o pensamento e por uma figura que substitui um semema por
atuar sobre a nossa sensibilidade de uma outro, e não como uma substituição de
forma particularmente eficaz. sentido propriamente, mas como uma
Os estudos modernos, porém, modificação do conteúdo semântico de
mostram que o uso da metáfora e outros um termo. “... a metáfora se liga a um
tropos não é exclusivo de um único sintagma onde aparecem
domínio discursivo, mas parte da contraditoriamente a identidade de dois
linguagem como um todo. Nesse sentido, significantes e a não-identidade de dois
tem grande importância para os estudos significados correspondentes. Esse
181
desafio à razão (lingüística) suscita um ANÁLISE DA COMPOSIÇÃO
movimento de redução pela qual o leitor “Conversa de botequim” de Vadico e Noel Rosa
procurará validar a identidade.” (Dubois,
Seu garçom faça o favor de me
1974:151)
trazer depressa
A modificação pela qual a
uma boa média que não seja
metáfora passa resulta da conjunção de
requentada,
duas operações de base fundamentais: a
um pão bem quente com manteiga à
adição e a supressão. A metáfora,
beça,
segundo os autores, é produto resultante
um guardanapo e um copo d'água
de duas sinédoques e não propriamente
bem gelada.
uma substituição de sentido, mas uma
Fecha a porta da direita com muito
modificação do conteúdo semântico de
cuidado
um termo, apresentando quatro níveis:
que não estou disposto a ficar
1 - Metáforas puras, nas quais, para exposto ao sol.
se construir uma metáfora, Vá perguntar ao seu freguês do lado
devemos acoplar duas sinédoques qual foi o resultado do futebol.
complementares, que funcionem de
maneira exatamente inversa. Neste Se você ficar limpando a mesa,
nível, surgem dois tipos de não me levanto, nem pago a
metáforas: a metáfora conceptual, despesa.
que é puramente semântica e atua Vá pedir ao seu patrão uma caneta,
sobre uma operação de supressão- um tinteiro, um envelope e um
adjunção de semas; e a metáfora cartão.
referencial, que é puramente física e Não se esqueça de me dar palito
atua sobre uma operação de e um cigarro pra espantar mosquito.
supressão-adjunção de partes. Vá dizer ao charuteiro que me
2 - Metáforas corrigidas, nas quais, empreste umas revistas,
a metáfora atribui à reunião de duas um isqueiro e um cinzeiro.
coleções de semas propriedades
que estritamente não valem senão
Telefone ao menos uma vez para 34-
para sua intersecção. Poder-se-á
4333
corrigir uma metáfora por uma
e ordene ao seu Osório que me
sinédoque, extraída da parte não-
mande um guarda-chuva
comum; ou, ainda que menos
aqui pro nosso escritório.
freqüente, por uma segunda
Seu garçom me empreste algum
metáfora; ou por uma metonímia.
dinheiro
3 - Metáforas por comparação ou
que eu deixei o meu com o bicheiro.
condensadas, às quais o atributo
Vá dizer ao seu gerente
comum desaparece, e não é
que pendure essa despesa no
designada a classe-limite, o leitor
cabide ali em frente.
recorre então à redução.
4 - Metáforas por comparação ou
Nesta composição de temática
copulativas, às quais a comparação
social, de 1935, Noel retrata o viver
canônica é introduzida por um
“esperto” do malandro, fez quase uma
“como”. Os autores têm empregado
crônica do Rio de Janeiro e seus
um amplo leque de estruturais
personagens. Algumas características do
intermediárias, destinadas
cotidiano do cidadão carioca estão ali
geralmente a atenuar o caráter
representadas, como o amor pelo futebol
racional do como, que insiste sobre
e o hábito de freqüentar os botequins.
o caráter parcial da similitude, e
Atividades simples, que retratavam a
conduz, à afirmação de uma total
vida cotidiana do carioca.
comutabilidade.
182
Se a irreverência de Noel remete a A esperteza decompõe-se ao
s e u e s t i l o g a u c h e , longo da composição por meio da
descomprometido com os aspectos metáfora pura conceptual, puramente
oficiais da vida burguesa, pode-se, semântica, que atua sobre uma
por outro lado, atribuir sua estética supressão-adjunção de semas,
simples, desprovida de ornatos, à estabelecida por Dubois (1974:155),
sua interpretação muito pessoal das “média requentada”, (média = café com
modificações que se promovem na leite) em que o uso da palavra “média” é
cidade. Noel recorta desse reconhecido dentro de um contexto
repertório renovado que se determinado, na qual “cada membro de
apresenta no Rio de Janeiro as peças uma comunidade de falantes interioriza
constituídas no submundo da como formadores de sua competência,
prostituição, do jogo, da trapaça e na qualidade de contextos pressupostos
do ócio em geral, contrapondo-o ao de cultura” (Lopes, 1986: 12); ou por
mundo cada vez mais racionalizado meio da metáfora corrigida “pendure
do trabalho. Dito de outro modo, essa despesa no cabide”, estabelecida
pode-se afirmar que Noel por Dubois (1974:156), na qual é gerada
desenvolve um tipo de sensibilidade uma confusão sobre o que é verdadeiro e
que remete ao "baixo", pois ele o que é falso, ratificando esse contexto,
dialoga com o ambiente boêmio dos figurativizado pela esperteza.
morros para construção da estética Noel, nesta composição,
da simplicidade. (NAVES, 1998: consagra novamente o notívago, o
107) boêmio, o modo de vida do malandro. O
garçom trabalha; o malandro aproveita-
se das oportunidades. Identidades
O senso estético e a temática de definem-se. O uso de expressões como
Noel estavam repletos de críticas aos “média requentada” denotam certa
valores burgueses, ao mesmo tempo em identidade do orador com um grupo
que eram influenciados por eles. A vida social representado na canção. Aqueles
cotidiana era representada em suas que freqüentavam botequins, que
composições e observada em seus gostavam de futebol, que usavam palito
aspectos mais recônditos, em versos d e d e n t e s , q u e f u m a va m , q u e
caracterizados pela coloquialidade, emprestavam dinheiro e “penduravam” a
presença de gírias e crítica aos conta.
estrangeirismos, de uma forma simples e Segundo Franzini (1998),
concisa. enquanto o meio político-cultural começa
Segundo Naves, "esse a redefinir as concepções acerca do
procedimento se vê nas letras de suas “nacional”, a popularidade do futebol é
canções, nas quais o lirismo, sempre impulsionada tanto pelo
mesclado com a ironia, mostra-se desenvolvimento do rádio como do meio
desprovido de qualquer excesso, de de comunicação de massa quanto pela
qualquer tipo de idealização" (Naves, oficialização do profissionalismo dos
1998: 114). jogadores. O futebol, assim, estabelece-
A metáfora do oportunista é se como um meio de integração e
facilmente percebida. O trabalho se ascensão sócio-econômica para as
contrapõe ao cotidiano malandro e a camadas populares historicamente
impudência, classificada dentre as excluídas -, bem como se torna um dos
paixões de Aristóteles (cf. 2000:XLV) elementos que viriam a caracterizar a
como consagradora de distâncias, é pano identidade nacional brasileira.
de fundo para ressaltar papéis sociais, O “se”, presente no texto,
constituições identitárias e visões marca fundamentalmente a realização de
distorcidas de “realidades”. dois atos de fala sucessivos, conforme
183
nos aclara Ducrot (1977:186) presente de Ary Barroso (1903 1964) e Tico-tico
na expressão “Se você ficar limpando a no Fubá de Zequinha de Abreu (1880 -
mesa, não me levanto, nem pago a 1935), os personagens beberam cachaça
despesa”, afirmação que denota e sambaram juntos.
insensatez por parte do retor. Bandeira da Silveira (2001)
Notamos nos versos acima uma comenta que o Zé Carioca de Walt Disney
imagem formada a partir de padrões que lembrava a papagaiada dos personagens
não eram tidos como politicamente de Carmem Miranda (1909 - 1955) nos
corretos na época. Os versos de Noel filmes que confundiam o Rio de Janeiro
reforçam um ethos masculino com Buenos Aires. O personagem
predominantemente autoritário aparece como o sambista, malandro das
destituído de valores morais. favelas ainda românticas do Rio. O que
O ethos, “termo moral, ético, que floresce é a imagem de um país lúdico
o orador deve parecer ter” (cf. Reboul, que desconhece a modernidade do
2000:48) aparece nesta composição trabalho capitalista. O povo brasileiro é
como folgado “não estou disposto”, caricaturado como a própria aventura,
preguiçoso “vá perguntar ao seu freguês enquanto o americano é o trabalho em
do lado”, e principalmente, malandro pessoa.
“não me levanto nem pago a despesa”, O samba foi criado por
“que me empreste umas revistas” e “que trabalhadores humildes e também por
pendure essa despesa”, cujo lar é o artistas amadores. Mas ficou conhecido
botequim. no mundo pela lente distorcida das
O trabalhador comum, aquele corporações capitalistas americanas no
que deveria esforçar-se para ajudar o cinema. Nos “sambas americanos” o
país a crescer, aparece, na canção, como povo brasileiro é o Zé Carioca.
o otário que o malandro se aproveita. Por Em suma, aquela figura de terno
trás destes versos poderíamos também e gravata, chapéu de palha e guarda-
encontrar o personagem caricaturesco do chuva, com jeito malandro inofensivo,
malandro: Zé Carioca, que fazia de tudo a politicamente incorreto traduzia uma
seu alcance para se safar de situações identidade conhecida do povo brasileiro,
incômodas, no caso, o trabalho. mas não sintetizava o nacional.
Zé Carioca, personagem Odeia trabalho, vive correndo de
tipicamente brasileiro, retratou esse cobradores. Preguiçoso, dorminhoco,
malandro, um jeito de ser brasileiro, que folgado, trambiqueiro, aproveitador,
era idealizado por muitos. Viver sem malandro, caloteiro.
pegar no pesado, ganhar na loteria (o que Zé Carioca também não perde a
aconteceu em uma das melhores séries já chance de roubar uma jaca do vizinho e
criadas pelos artistas, na revista O Zé de filar uma boa feijoada e,
Cutivo para viver uma vida de prestígio, principalmente, não pode ver um rabo-
se dar bem em tudo. No entanto, esta, de-saia (para o azar da eterna prometida
como sabemos, não é a história da maior Rosinha Vaz). Passou ao longo dos anos
parte dos que aqui habitavam. A falta do por várias reformulações. Até os anos 90,
sentimento de brasilidade foi sendo novos personagens não pararam de
substituída por ideologias incalcadas surgir, enriquecendo ainda mais esse
entre as massas. A ficção passou assim a vasto universo de malandragens, calotes
ser a realidade. e vagabundagens. Dentre tantos
O papagaio Zé Carioca foi criado personagens criados, citamos o Morcego
para o filme “Alô, amigos” de 1942. O Verde. Figura de uma identidade tão
desenho mostrava a América do Sul, heróica quanto divertida.
tendo como anfitrião nosso papagaio Zé também se mete em
ciceroneando Pato Donald em terras encrencas como detetive, na sua agência
brasileiras. Ao som de Aquarela do Brasil Moleza (que não é exatamente um
184
trabalho). Segundo Marcus Ramone originalidade, a sátira, o amante e, por
(2003) o impagável Morcego Verde quê não dizer o nacionalista, aparecem
passou a ter um visual mais sombrio, em sua obra. Noel cantou e encantou o
feito Batman de penas, uma alegoria mundo com seu samba diferente daquele
bem-humorada ao herói de Patópolis na já existente na época. Louvou o
pele do atrapalhado Peninha. O que não o malandro, a mulata. Defendeu o samba,
destituiu de suas trapalhadas e da a vida boêmia. Lingüisticamente, foi
tentativa de convencer a si próprio de que inovador, impregnando seus textos com
ninguém conhecia sua identidade oralidade jamais vistas então. Como
secreta. O efeito da capa esvoaçando ao poeta, usou procedimentos estéticos que
sabor do vento, gerado pelo ventilador o aproximam do Modernismo, como o
que o inseparável amigo Nestor verso livre, o poema-piada, o nonsense,
carregava, caricaturava ainda mais nosso a paródia e a consciência crítica da
herói, que buscava sua identidade em realidade brasileira. Seu discurso foi
padrões estrangeiros. c a m i n h o l i v r e p a ra a f l o ra r u m
Zé Carioca, em suas movimentar de paixões e criação de
reformulações, foi tirado do morro, de metáforas que ficaram registrados no
uma quase favela, Vila Xurupita, e levado tempo.
para uma casa do BNH (Banco Nacional Vimos que as paixões são
de Habitação), que sintetizava o sonho de figurativizadas a partir de expressões
muitos brasileiros desde aquela época. metafóricas - usadas no intuito de
Era uma grande conquista. diminuir as distâncias existentes -
Não negamos, de forma alguma, indicam dispositivos ou movimentos
que a malandragem não fez parte de passionais esteriotipados na nossa
padrões sociais que realmente existiram cultura contemporânea, configurando as
e existem no Brasil. Tanto que, a música paixões sistematizadas por Aristóteles
atual, o cinema e tantas outras formas de 300 anos antes de Cristo, e se
mostrar-se cultura implicam esse jeito desdobrando para reforçar o ethos de um
malandro, formado muitas vezes nos retor apaixonado, sensível, e, muitas
fundos de quintais de pessoas simples da vezes, machista.
sociedade. A ironia é clara nesta canção. A exaltação ao malandro é clara
A crítica à vida burguesa e capitalista nesta composição de Noel,
imposta transcende nos versos. A caracterizando um ethos que busca em
insensatez é ratificada por meio da cada situação tirar proveito dela para
expressão metafórica “que pendure essa “sair por cima”.
despesa no cabide ali em frente”. Noel mostrou-se um homem
Encontramos um retor arrogante que ciente de seu tempo, das modificações
ordena, determina o que deve ser feito, sócio-culturais pelas quais sua gente
não como aquele que tem direito de v i v i a e t i n h a d e s e a d a p t a r.
mandar, “seu patrão” ou “seu gerente”, e Com esta canção pudemos
sim, como um simples freguês que se observar elementos constitutivos do
acha no direito de fazer aquilo que lhe ethos do orador: a malandragem poética
convém. se sobrepõe ao real; a pobreza se
disfarça em vida burguesa; a condição de
CONSIDERAÇÕES FINAIS inferioridade da mulher, mesmo quando o
dito “pobre” poeta não move um
Noel Rosa foi um dos mais milímetro para melhorar sua condição,
ecléticos autores da música brasileira. baseado em seus próprios valores. O que
Compôs em quase todos os gêneros em se evidencia sempre é a assimilação
voga em sua época: samba, fox-trote, ampla e irrestrita do homem que vaga
marcha, embolada, etc. Versejou sobre pela noite, pândego, boêmio, apegado a
temas distintos. A filosofia, a crônica, a valores criados em prol de uma vida
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“malandra” e sem compromisso fixo, BANDEIRA DA SILVEIRA, Assis Valente e a
patemicamente poeta. Sempre. estética da brasilidade. 2001. Disponível
Noel Rosa compôs toda sua obra e m :
<http://planeta.terra.com.br/bandeira/p
tendo como parâmetro e influência o
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bairro de Vila Isabel e a sociedade carioca BICCA JÚNIOR, R.L. Coisas nossas: a
dos anos trinta. Suas composições sociedade brasileira nos sambas de Noel
romperam a fronteira desse universo e se Rosa. Disponível em: <http://samba-
choro.com.br/print/debates/1005607912
espalharam por décadas da cultura
/index_html>. Acesso em 09 out. 2003.
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época em seu aspecto literário e musical, CALDEIRA, Jorge. Noel Rosa De costas para o
servindo de influência e inspiração para mar. São Paulo: Brasiliense, 1982.
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Os estados passionais vividos 12ed. São Paulo: Companhia das Letras,
por nosso orador testificam que “A paixão 1987.
é sempre provocada pela presença ou
CHEDIAK, Almir. Songbook &#821: Noel por
imagem de algo que me leva a reagir, Noel. Rio de Janeiro: Luniar Discos, 1991.
geralmente de improviso. Ela é então o
sinal de que eu vivo na dependência CRAVO ALBIN,R. O livro de ouro da MPB.2ed.
p e r m a n e n t e d o O u t r o ”. ( L e b r u n , Rio de Janeiro: Ediouro, 2003.
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Presenciamos a figurativização Moisés. São Paulo:Cultrix, 1974.
da paixão, configurando uma paixão
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rodas de samba, caracterizando, assim, o Vogt, R. Ilari e R.A. Figueira. Campinas,
ethos do sambista da década de 30 no SP: Cultrix, 1977.
Brasil: a indignação com a pessoa
______________. O dizer e o dito. Trad. E.
amada, com as imposições da sociedade
Guimarães. Campinas, SP: Pontes, 1987.
de seu tempo, que tinha uma concepção
de trabalho e impunha-a aos que dele FERREIRA, L.A. A retórica: os horizontes da
quisessem fazer parte. dinâmica da memória.In: XI Ciclo de
Com atividade intelectual estudos sobre o imaginário, Recife, 2000.
intensa, Noel cultuou o malandro e seu FRANZINI, F. Futebol, identidade e cidadania
modo de viver. Integrou-se ao mundo do no Brasil dos anos 30.
samba e a partir dele cantou e encantou http:://www.efdeportes.com.
seu universo. Foram 259 legados de pura GREIMAS. A.J. & FONTANILLE, J. Semiótica
poesia e retratos de seu mundo. das paixões. São Paulo: Ática, 1993.
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