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DIÁLOGO 6.

GLOBAL

REVISTA
4 edições por ano em 16 idiomas

A política das mu-


danças climáticas Herbert Docena

A democracia violen-
ta na África do Sul Karl von Holdt

A economia solidária Paul Singer

A alternativa cooperativa
> a mais antiga cooperativa de trabalhadores
da Índia
www.isa-sociology.org/global-dialogue/

> As Cooperativas Mondragon


VOLUME 6 / EDIÇÃO 1 / MARÇO DE 2016

> O movimento anti-intermediários na Grécia


> Empresas recuperadas na Argentina
> O fim do mundo ou o fim do capitalismo?

Extrativismo capitalista na América Latina


> Contestando o neo-extrativismo
> Extrativismo vs. Buen Vivir no Equador
> Luta pelos bens comuns no México
> O novo extrativismo na argentina
DG

Em memória
> Vladimir Yadov (1929-2015)
> Editorial
O meio ambiente e a democracia violenta

Q
uando cientistas discutem mudanças climáticas eles o fazem
com terríveis advertências sobre as consequências catastró-
ficas do aumento das temperaturas na atmosfera da Terra – i-
nundações, tufões, derretimento de geleiras e destruição indis-
criminada de comunidades. Quando dão atenção às políticas sobre mudanças
climáticas, os cientistas se centram na negação da mudança climática e em
seus poderosos apoiadores ou, então, no fracasso dos movimentos populares.
Mas as lutas entre as elites globais são, muitas vezes, negligenciadas. Durante
os últimos quatro anos, Herbert Docena vem escrevendo para a Diálogo Global
Herbert Docena, observador das nego-
sobre a Convenção Básica Anual das Nações Unidas sobre Mudança Climática.
ciações sobre mudanças climáticas, analisa
Escrevendo da mais recente reunião em Paris (30 de novembro a 11 de dezem- a evolução das alianças globais políticos na
bro de 2015), ele aponta para as mudanças no que tange às alianças, tendo cúpula de Paris.
em vista que os reformadores da elite desistiram de tentar moderar os poderes
conservadores que dominam as salas de conferência. Em vez disso, procuraram
potenciais aliados entre os mais radicais reunidos nas ruas. Ainda assim, para
além de devotas promessas, há poucos sinais em Paris de quaisquer avanços
sérios em direção a salvar o mundo.
Nesta edição, apresentamos uma entrevista com Karl von Holdt – veterano do
movimento anti-Apartheid e sociólogo de ponta. Ele relata a Alf Nilsen sua pes-
quisa sobre “democracia violenta” na África do Sul e as lutas urbanas que ela en-
gendra em torno da prestação de serviços. Isso é seguido por incontáveis outros
tipos de violência. Maristella Svampa e seus colegas descrevem a nova econo-
Karl von Holdt, acadêmico e ativista, oferece
mia extrativista que assola a América Latina. Megaprojetos, desde a mineração uma análise das dinâmicas políticas de
2
e o petróleo até o agronegócio de produção de soja – estimulados pelo apetite protesto na África do Sul.
insaciável da economia em expansão na China –, são realizados por multina-
cionais sedentas por lucros e incentivados pelos estados com escassez de fun-
dos. Relatórios de Argentina, México e Equador mostram como esses projetos
se depararam com a intensa oposição dos movimentos sociais, que procuram
proteger suas terras, a água e o ar.
Também publicamos seis artigos sobre cooperativas da Índia, Grécia, Espanha
e Argentina – como sobrevivem e a que custos. As cooperativas são uma alter-
nativa ao capitalismo ou, então, como argumenta Leslie Sklair, uma adaptação
ao sistema capitalista? Sem dúvida, um dos grandes teóricos e praticantes do
movimento cooperativo é o notável Paul Singer, Secretário Nacional de Eco-
nomia Solidária no governo brasileiro. Como fica evidente na entrevista con-
Paul Singer, acadêmico, político e intelec-
duzida para a Diálogo Global, Singer não é nenhum profeta sonhador – para tual público, narra a história de pioneirismo
ele, as cooperativas são um meio real de sustentar uma vida de subsistência da teoria e prática da Economia Solidária
para os pobres. no Brasil.
Finalmente, temos cinco homenagens a Vladimir Yadov, falecido no ano
passado – um dos pioneiros mais corajosos da sociologia soviética que, ha-
bilmente, forçou os limites da ordem soviética. Yadav manteve-se um jogador
chave nos debates sobre sociologia pós-soviética. Ao longo de sua carreira,
ele foi um internacionalista aguçado, atuando como Vice-Presidente da ISA,
no período de 1990-1994. Muito amado por alunos e colegas, sua morte é pro-
fundamente lamentada.
Com esta edição, Juan Piovani irá assumir a direção da tradução para o espa-
nhol da Global Dialogue de María José Álvarez. Damos as boas-vindas a Juan e
agradecemos a Majo e sua equipe por esses quatro anos de dedicado serviço.
DG
A Diálogo Global é possível
> A Diálogo Global pode ser encontrada em 16 idiomas graças à generosa contri-
buição da SAGE Publica-
no website da ISA
tions.
> Submissões devem ser enviadas a
burawoy@berkeley.edu

GD VOL. 6 / # 1 / MARÇO 2016


> Editorial > Nesta Edição

Editor: Michael Burawoy. Editorial: O meio ambiente e a democracia violenta 2


Editor Associado: Gay Seidman. A política das mudanças climáticas
Editores Executivos: Lola Busuttil, August Bagà. Por Herbert Docena, EUA 4
Conselho Editorial: A democracia violenta na África do Sul: uma entrevista com Karl von Holdt
Margaret Abraham, Markus Schulz, Sari Hanafi, Vineeta Por Alf Nilsen, Noruega 7
Sinha, Benjamin Tejerina, Rosemary Barbaret, Izabela
Barlinska, Dilek Cindoğlu, Filomin Gutierrez, John Holmwood,
Guillermina Jasso, Kalpana Kannabiran, Marina Kurkchiyan, > A ALTERNATIVA COOPERATIVA
Simon Mapadimeng, Abdul-mumin Sa’ad, Ayse Saktanber, A Economia Solidária: uma entrevista com Paul Singer
Celi Scalon, Sawako Shirahase, Grazyna Skapska, Evangelia Por Gustavo Taniguti e Renan Dias de Oliveira, Brasil 11
Tastsoglou, Chin-Chun Yi, Elena Zdravomyslova.
Uralungal: a mais antiga cooperativa de trabalhadores da Índia
Editores Regionais
Por Michelle Williams, África do Sul 14
Mundo Árabe:
As Cooperativas Mondragon: sucessos e desafios
Sari Hanafi, Mounir Saidani.
Por Sharryn Kasmir, EUA 16
Argentina:
Juan Ignacio Piovani, Pilar Pi Puig, Martín Urtasun. O movimento anti-intermediários na Grécia
Por Theodoros Rakopoulos, Noruega 18
Brasil:
Gustavo Taniguti, Andreza Galli, Ângelo Martins Júnior, Fábricas recuperadas na Argentina
Lucas Amaral, Rafael de Souza, Benno Alves, Julio Davies. Por Julián Rebón, Argentina 20
Índia: O fim do mundo ou o fim do capitalismo?
Ishwar Modi, Rajiv Gupta, Rashmi Jain, Jyoti Sidana, Por Leslie Sklair, Reino Unido 22
Pragya Sharma, Nidhi Bansal, Pankaj Bhatnagar.
Indonésia:
Kamanto Sunarto, Hari Nugroho, Lucia Ratih Kusumadewi, >O EXTRATIVISMO CAPITALISTA NA
Fina Itriyati, Indera Ratna Irawati Pattinasarany, Benedictus AMÉRICA LATINA
Hari Juliawan, Mohamad Shohibuddin, Dominggus Elcid Li, Contestando a acumulação neoextrativista na América Latina
Antonius Ario Seto Hardjana.
Por Maristella Svampa, Argentina 24
Irã: 3
Extrativismo vs. Buen Vivir no Equador
Reyhaneh Javadi, Abdolkarim Bastani, Niayesh Dolati,
Saeed Nowroozi, Vahid Lenjanzade. Por William Sacher e Michelle Báez, Equador 26

Japão: Luta pelos bens comuns no México


Satomi Yamamoto, Hikari Kubota, Shuhei Matsuo, Por Mina Lorena Navarro, Mexico 28
Yutaro Shimokawa, Masaki Yokota. O novo extrativismo na Argentina
Casaquistão: Por Marian Sola Álvarez, Argentina 30
Aigul Zabirova, Bayan Smagambet, Adil Rodionov, Gani Madi,
Almash Tlespayeva, Almas Rakhimbayev.
> EM MEMÓRIA: VLADIMIR YADOV (1929-2015)
Polônia:
Jakub Barszczewski, Ewa Cichocka, Mariusz Finkielsztein, Uma vida dedicada à sociologia aberta
Krzysztof Gubański, Kinga Jakieła, Justyna Kościńska, Martyna Por Mikhail Chernysh, Rússia 32
Maciuch, Mikołaj Mierzejewski, Karolina Mikołajewska-Zając, Acadêmico e humanista
Adam Müller, Patrycja Pendrakowska, Zofia Penza,Teresa
Por Andrei Alekseev, Rússia 34
Teleżyńska, Anna Wandzel, Justyna Zielińska, Jacek Zych.
Mentor, companheiro e amigo
Romênia:
Cosima Rughiniș, Corina Brăgaru, Roxana Alionte, Costinel Por Tatyana Protasenko, Rússia 36
Anuța, Ruxandra Iordache, Mihai-Bogdan Marian, Ramona Memórias pessoais
Marinache, Anca Mihai, Adelina Moroșanu, Rareș-Mihai Por Valentina Uzunova, Rússia 38
Mușat, Marian Valentin Năstase, Oana-Elena Negrea,
Daniel Popa, Diana Tihan, Elisabeta Toma, Elena Tudor, Uma figura icônica da sociologia soviética e pós-soviética
Carmen Voinea. Por Gevorg Poghosyan, Armênia 39
Rússia:
Elena Zdravomyslova, Anna Kadnikova, Asja Voronkova.
Taiwan:
Jing-Mao Ho.
Turquia:
Gül Çorbacıoğlu, Irmak Evren.
Consultor de mídia: Gustavo Taniguti.
Consultora Editorial: Ana Villarreal.

GD VOL. 6 / # 1 / MARÇO 2016


> A Política das
Mudanças Climáticas
Por Herbert Docena, Universidade da Califórnia, em Berkeley, EUA, membro do Comitê de
Pesquisa da ISA sobre Movimentos Trabalhistas (RC44)

Protesto nas ruas na reunião sobre Alterações Climá-


ticas em Paris. Foto por Herbert Docena. conferência” tentam conquistar as “pessoas nas ruas”, pro-
pondo mudar o sistema, a fim de mantê-lo o mesmo.
> A luta nas salas de conferência

P
ara alguns integrantes do movimento pela Muitos, se não a maioria, dos representantes de estados, em-
justiça climática, a linha de batalha na luta presários e executivos, especialistas e outros atores presentes
global em torno das alterações climáticas é nas salas de conferência, de fato, têm se mobilizado para im-
travada ao longo dos muros fortemente pro- pedir que o sistema mude. Defendendo só a competitividade
tegidos dos locais de reunião da cúpula da ONU onde se de seu país ou a rentabilidade de sua empresa, eles têm feito
discutem as mudanças climáticas: lá fora, “o movimento” ou oposição constante à regulamentação do capitalismo global
“o povo” de diferentes países marcham nas ruas exigindo no enfrentamento das mudanças climáticas, sendo que mui-
“mudança de sistema, não do clima!”; no interior dos muros, to do que eles têm feito poderia, realmente, ser considerado
os funcionários dos estados e das corporações lutam para uma mera “lavagem verde” 1 ou uma especulação de desastre.
manter o sistema inalterado. É assim que a ativista veterana
Mas nem todos aqueles nos corredores do poder neces-
Rebecca Solnit, ao escrever na véspera da última reunião da
sariamente têm sido tão míopes. Na verdade, no início dos
cúpula da ONU sobre mudança climática, divide “as pessoas
anos 1970 e 1980, uma seção particular das elites mundiais
nas ruas de Paris” das “pessoas nas salas de conferência de
mobilizou-se para tentar “mudar o sistema” – ainda que para
Le Bourget”. Ela sugere que são as primeiras que, agora, têm
manter sua essência capitalista intacta. Conduzida para con-
“o poder de mudar o mundo”.
trapor-se a intelectuais, cientistas, escritores ou organiza-
Desenhar tais fronteiras entre “as salas de conferência” e dores mais radicais, que foram com o tempo ganhando um
“as ruas”, que repercutem por muitos outras, dentro e fora crescente número de adeptos em prol de seu convite para
do movimento, é fundamental para entender as tendên- uma mudança radical do sistema ou em favor da abolição
cias na política de mudanças climáticas; mas isso também do capitalismo – a fim de resolver problemas ecológicos
obscurece as linhas de batalha que se encontram cada vez globais, uma rede frouxa e não-unificada de elites de ambos
mais complexas e em mudanças dentro de ambos os lados, os países desenvolvidos e em desenvolvimento começou
impedindo-nos de ver como algumas “pessoas nas salas de a montar uma coalizão para avançar na regulamentação
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global mais aprimorada ou por reformas e concessões, pelo
menos para gerenciar as contradições ecológicas do capita- Temos que redobrar nossos investimentos na construção
lismo e, assim, fornecer alguma ajuda para os mais afetados de movimentos de bases [...]. Nós sentimos fortemente
pelo aquecimento global. que um longo e prejudicial subinvestimento em uma
organização popular severamente afetou nossa capaci-
Ao propor, no entanto, uma “mudança do sistema,
dade de mover a política para a frente [...]. É claro que
preservando-o”, essas elites reformadoras e os represent-
esse não é um trabalho que pode ser concluído durante
antes das classes mais baixas que se aproximavam do seu
de um dia para o outro – requer anos de trabalho e pro-
projeto começaram, também, a convencer seus colegas
fundos e pacientes investimentos de tempo e recursos.
mais conservadores para contra-organizar e bloquear as
reformas e concessões propostas. Começando na década
Tais argumentos têm se tornado cada vez mais resso-
de 1980, as divisões entre os reformistas passou a se apro-
nantes em círculos reformistas. Em um estudo de grande cir-
fundar cada vez mais.
culação, realizado em 2013, encomendado pela Fundação
Diante de uma oposição conservadora mais organizada Rockefeller, dos EUA, para diagnosticar por que os ambien-
e intransigente, alguns reformadores, os quais podemos talistas continuam falhando na tentativa de aprovar suas
chamar de reformadores populistas – como o Fundo de propostas, o proeminente sociólogo Theda Skocpol, essen-
Defesa Ambiental de Fred Krupp ou o senador Al Gore, dos cialmente, ecoou a crítica de McKibben e outros das “políti-
EUA, e muitos outros funcionários, executivos, chefes de cas de dentro” prosseguidas por tais grupos, como o EDF.
fundação, especialistas ou ativistas de opinião semelhante Skocpol endossou, ainda, a recomendação para que seja
de outros países desenvolvidos ou em desenvolvimento –, construído, em seu lugar, “um amplo movimento popular”.
consideraram que eles só poderiam garantir suas reformas
> Reformadores nas ruas
e concessões propostas ao apaziguar seus companheiros de
elite e construir alianças com eles. Para forjar tais alianças, Alinhados com essa estratégia, desde pelo menos o fi-
começaram a patrocinar medidas regulatórias nacionais e nal dos anos 2000, os reformadores populistas têm “redo-
globais que se renderam às exigências conservadoras. No brado” seus “investimentos” na “construção de movimentos
cenário mundial, passaram a defender acordos internac- de base”, gastando mais energia, atenção e recursos no sen-
ionais que culminaram na redução das metas mínimas de tido de mobilizar mais ou menos os mesmos grupos que os
emissão de poluentes para os países desenvolvidos, dando- radicais já vêm organizando por intermédio de seu projeto
lhes mais “flexibilidade” para alcançar essas metas através radical. 5
de comércio de carbono e outros mecanismos de mercado
Para conquistar esses grupos, os reformadores empe-
e liberando-os da obrigação de fornecer transferências fi-
nharam-se em adquirir concessões que os radicais, já há al-
nanceiras e tecnológicas significativas para os países menos
gum tempo, têm levado como parte de seu programa “míni-
desenvolvidos.
mo”. Assim, embora eles não necessariamente se oponham,
Quando essas concessões ainda não conseguiram em princípio, a opções regulatórias baseadas no mercado,
apaziguar a resistência conservadora, em 2009 em Cope- como o comércio de carbono, McKibben e outros ativis-
nhague, eles advogaram a ideia de conceder ainda mais o tas do mesmo tipo do Greenpeace e outras organizações
já fragilizado tipo de acordo prometa-o-que-você-quiser ambientalistas apoiaram regulamentações mais diretas e
– essencialmente, o mesmo tipo de acordo que os conser- não relacionadas ao mercado, tais como a restrição total à
vadores estavam propondo no início de 1990 e que, com produção de combustíveis fósseis, o que beneficiaria dire-
algumas pequenas modificações, os governos acabam de tamente as comunidades danificados pelos combustíveis
aprovar, em Paris. fósseis locais – uma proposta para “mantê-los (petróleo,
carvão, gás) no chão”, uma bandeira que, em princípio, foi
Porém, outros “de dentro” dos muros sempre foram – ou
popularizada por anticapitalistas radicais.
têm progressivamente se tornado – mais céticos em relação
a tal estratégia. Frustrados, porque não fizeram progressos Em geral, eles clamaram por acordos internacionais mais
em suas tentativas de mudar o sistema, esses funcionários ousados e ambiciosos, com metas mais altas para a redução
mais progressistas ou membros de governos, fundações e das emissões em países desenvolvidos, pelo fim total do co-
organizações ambientalistas de países desenvolvidos ou em mércio de carbono ou, então, pelo estreitamento das regras
desenvolvimento têm considerado, cada vez mais, que eles que o rege, e, também, por transferências financeiras e de
só podem salvar o projeto reformista não se aliando com as tecnologia mais significativas para grupos subordinados.
elites conservadoras, e sim com as “bases” ou com “as pes- Consequentemente, eles em geral se opuseram ao acordo
soas nas ruas”. “prometa-o-que-você-quiser” de 2009 em Copenhagen e
têm sido mais críticos do que outros reformistas a respei-
Em uma carta aberta, escrita em 2010, após conservadores
to do novo acordo similar, que acabou de ser assinado em
derrubarem, novamente, a legislação de compromisso
Paris.
climático proposta por grupos como EDF, o diretor da 1Sky
(e, depois, fundador da 350.org), Bill McKibben, argumen- No entanto, convencidos de que esses acordos ou regu-
tou: lamentações mais ousados não serão alcançados mediante
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GD VOL. 6 / # 1 / MARÇO 2016
“parcerias” ou por meio de “lobby” com corporações ou go- ciados da 350.org trouxeram um gigante banner, medindo
vernos para tomar uma “ação climática”, eles romperam com 2x200, onde se podia ler “Parem com os crimes ambientais”
reformistas moderados e dedicaram mais atenção no sen- e “Mantenha isto no chão” – ambos ofuscando todos os ou-
tido de organizar parcerias com diversos sujeitos “de fora” – tros cartazes e banners na ação, incluindo a principal faixa
estudantes, trabalhadores, comunidades rurais e outros que que ia à frente: “Mudança de sistema, não do clima!”.
foram excluídos (ou se excluíram) dos círculos “internos” –
para tomar medidas de maior confronto contra corporações > As ruas divididas
e governos.
Tais tentativas por parte de uma seção do bloco refor-
Embora ele mesmo evite tomar posições anti-capitalistas,
mista que exigem ações mais antagônicas contra as elites
McKibben convidou um autor anti-neoliberal famoso e um
conservadoras, sem ir tão longe no sentido de realmente
revolucionário anti-capitalista de longa data para fazerem
desafiar o sistema, tiveram o efeito de aprofundar as di-
parte do conselho da 350.org. Ativistas locais da 350.org se
visões entre os radicais. Com os conservadores bloqueando
aproximaram e apoiaram as lutas das comunidades de base
reformas simples que podiam melhorar as condições em
contra a energia de carvão e outros projetos de energia-
comunidades afetadas pelo aquecimento global e com os
suja, não apenas no norte, mas também em países como as
reformadores populistas aparecendo para enfrentar aque-
Filipinas.
les que defendem essas reformas, as redes e organizações
Em Paris, McKibben e outros ativistas da 350.org chega- radicais dividiram-se em dois polos. Com isso, alguns opta-
ram até a organizar uma reprodução de um “tribunal popu- ram por forjar alianças com reformadores em geral, ou com
lar” em que o “processado” era a gigante petroleira Exxon, reformadores populistas em particular, a fim de, pelo menos,
acusada de financiar “céticos da mudança climática” e políti- defender ou avançar ao menos reformas e concessões limi-
cos que se opuseram à ação climática. E eles colaboraram, tadas que os conservadores têm bloqueado. Desde então,
estreitamente, com grupos de ação direta anarquistas ou eles passaram a amplificar o discurso reformista, dizendo
anti-capitalistas, pressionando, organizando pessoas e con- que a crise climática é causada, principalmente, pela falta
tribuindo com recursos para uma ação massiva de desobe- de regulação global do capitalismo; e que isso pode ser re-
diência civil no último dia da cúpula, quando outros grupos solvido aumentando essa regulamentação; e, enfim, que os
reformistas mais moderados, de forma nenhuma explícita, “inimigos” são, principalmente, se não exclusivamente, as
opuseram-se ou, apenas discretamente, recusaram-se a in- empresas de combustíveis fósseis ou os “capitalistas maus” e
vestir. as “elites más” que se opõem à regulamentação global. Ou- 6
Mas, enquanto eles vão mais longe do que outros refor- tros, por sua vez, optaram por rejeitar tais alianças, na espe-
madores em pressionar por reformas mais radicais, aliando- rança de defender ou avançar mudanças mais fundamen-
se a grupos radicais e tomando ações mais claramente de tais. Sem dispensar totalmente os benefícios da mudança
confronto, os reformadores populistas ainda renunciam, do sistema reformista, eles têm insistido em ir além do dis-
curso reformista, sobretudo ao declarar que a falta de regu-
constantemente, a ir mais além de uma posição anti-cor-
lamentação global está, em si, enraizada nas contradições
porativista/neoliberal e rumo a uma postura mais explici-
do capitalismo; e que, ainda que uma regulamentação a-
tamente anti-capitalista. Por isso, enquanto McKibben e
primorada seja um avanço, apenas a supressão do próprio
companhia condenam a Exxon em seu “tribunal popular”,
capitalismo irá começar a resolver o problema; e, ainda,
eles se abstiveram de seguir outros ativistas que também
que ao grupo de “inimigos” é possível incluir até mesmo os
organizaram seu próprio “tribunal popular” em acusar, não
chamados “bons capitalistas” e a “boa elite” – isto é, aqueles
apenas a Exxon, mas todas as corporações e governos que
que estão tentando “mudar o sistema”, a fim de mantê-lo
contribuem para a “mudança climática”, perpetuando, com
sempre o mesmo.
isso, o capitalismo.
As linhas de batalha, portanto, não estão sendo travadas,
De forma similar, os membros da 350.org ajudaram a
e nunca estiveram, apenas entre aqueles que estão “fora”
liderar a ação massiva de desobediência civil durante o
e aqueles que estão “dentro” dos muros da cúpula da ONU
último dia da cúpula de Paris. Porém, enquanto outros or-
que discute mudanças climáticas; elas também estão sendo
ganizadores explicitamente disseram aos participantes que
travadas no lado de dentro das salas de conferências e nas
aqueles que eles estariam confrontando seriam os estados
ruas. Se e como as “pessoas nas ruas” irão construir o “poder
e os capitalistas representados nos distritos empresariais do
de mudar o mundo” e se fazer prevalecer sobre “as pessoas
Arco do Triunfo e de La Défense, os materiais que circularam
nas salas de conferência”, provavelmente, vai depender de
pela 350.org sugeriam que o principal, se não o único, alvo
quem ganha nas ruas.
eram as empresas de combustível fóssil ou os “capitalistas
maus”. E, quando, no dia da própria ação, os membros de 1
Tradução do original “green-washing”, termo que indica a apropriação de virtudes am-
grupos anarquistas e outros anti-capitalistas, relativamente bientalistas, sobretudo por parte de organizações (empresas, governos, etc.), mediante o
uso de técnicas de marketing e relações públicas.
com poucos integrantes e sub-financiados, trouxeram e
levantaram seus próprios cartazes dizendo “Desf*da o sis- Contato com Herbert Docena <herbertdocena@gmail.com>
tema” ou “Capitalismo: já era”, os membros mais bem finan-

GD VOL. 6 / # 1 / MARÇO 2016


> A democracia violenta
na África do Sul:
Uma entrevista com Karl von Holdt

1993: Karl von Holdt participando de uma


marcha da Aliança ANC durante a transição
contestada da África do Sul. Foto por William
Matlala.

Karl von Holdt tem uma longa e distinta história de engajamento político e intelectual. Foi editor
do South African Labor Bulletin, em um momento em que a questão do trabalho estava ditando o
movimento da sociedade sul-africana. Trabalhou para a NALEDI, o Instituto de Política da COSATU
(Congresso dos Sindicatos Sul-Africanos), e serviu como coordenador da Comissão da COSATU so-
bre o Futuro dos Sindicatos (1996-97). Mais recentemente, atuou como representante trabalhista na
Comissão Nacional de Planejamento da África do Sul. Atualmente, é diretor do Instituto do Traba-
lho e Desenvolvimento Social da Universidade de Witwatersrand, Johanesburgo. Às suas diversas
publicações, podem ser incluídas Transition From Below: Forging Trade Unionism and Workplace
Change in South Africa [Transição a partir de baixo: forjando sindicalismo e mudança do local de
trabalho na África do Sul], uma das análises mais importantes sobre e transição política na África
do Sul. Com Michael Burawoy, escreveu em coautoria Conversations with Bourdieu: The Johannes-
burg Moment [Conversas com Bourdieu: o momento Johanesburgo], de 2012. Sua pesquisa atual
inclui o funcionamento das instituições estatais, a violência coletiva e a vida associativa, bem como
democracia violenta, cidadania e sociedade civil. Von Holdt é membro do Comité de Pesquisa da
ISA sobre Movimentos Trabalhistas (RC44). Ele foi entrevistado por Alf Gunvald Nilsen, da Univer-
sidade de Bergen, Noruega. Uma versão mais longa desta entrevista pode ser encontrada em norue-
guês, no boletim da Associação Norueguesa de Sociologia.

>
>
GD VOL. 6 / # 1 / MARÇO 2016
Q
uando a África do Sul saiu do regime do em termos mais globais, torna-se evidente que esses pro-
Apartheid para a democracia, em 1994, dé- cessos foram todos coevos da conquista colonial e da domi-
cadas de luta popular pareciam ter rendido nação, isto é, parte integrante do próprio desenvolvimento
uma vitória retumbante, repleta de esperan- europeu. Na África do Sul, nossa experiência histórica de
ça. “Da experiência de um desastre humano extraordinário modernidade é um processo extremamente violento; ex-
que durou muito tempo”, anunciou o então recém-eleito perimentamos a violência durante quatro séculos!”.
presidente Nelson Mandela, “deve nascer uma sociedade da
qual toda a humanidade deve se orgulhar”. Cerca de vinte Para von Holdt, a violência de hoje está intimamente li-
anos depois, as realidades sociais na África do Sul compli- gada às importantes mudanças que se desenrolam na África
caram o quadro: apesar das novas liberdades políticas, a do Sul – especialmente, à formação de elites negras, que
arraigada desigualdade racial e a pobreza ainda persis- foram jogadas para fora devido às lutas dentro do terreno
tem. Na “nação arco-íris”, o descontentamento promovido do Estado. O acordo político na África do Sul, observa ele,
por desigualdades duradouras resultou em uma série de “consagrou direitos socioeconômicos e humanos; porém,
ataques xenófobos contra imigrantes de outros países a- também protegeram os direitos de propriedade. Agora, a
fricanos. Como um sociólogo dá sentido a um cenário tão distribuição dos direitos de propriedade na África do Sul
complexo e contraditório? tem se moldado por 360 anos de espoliação colonial e de
Apartheid; com efeito, é grosseiramente racializada”. Por
> A democracia violenta da África do Sul conta das perspectivas limitadas da constituição para a re-
distribuição sistemática, o papel do Estado na economia do
“Há muita coisa que é paradoxal e perplexa”, diz Karl von país assume grande importância. “O Estado é, de longe, o
Holdt, Professor Associado e Diretor do Instituto do Tra- maior empregador na África do Sul e, também, tem orça-
balho e Desenvolvimento Social da Universidade de Witwa- mentos substanciais para contratos de vários tipos. Enor-
tersrand. Von Holdt fala não só como sociólogo, mas como mes recursos estão presos a esses processos, e acessar esses
alguém que tem se movido entre o ativismo e a academia recursos torna-se crucial para a formação de elites”, argu-
desde o início dos anos 1980.. menta. “Para chegar ao poder e ali permanecer, você precisa
de apoiadores, aliados e redes de patronagem. Ter acesso
Von Holdt reconhece a importância do fim do Apartheid: a riquezas e recursos que podem ser distribuídos a todos
“o tipo de mundo que nós vivíamos – de dominação racial, esses níveis é uma maneira de construir capital político. Por
opressão, brutalidade institucionalizada diária do sistema outro lado, para ser bem sucedido como empreendedor, 8
e ampla negação de direitos – e o peso que isso teve”. Ao você precisa de conexões políticas. Dessa forma, a riqueza
mesmo tempo, uma estrutura subjacente e aparentemente e a política estão intimamente ligadas uma à outra”. As lutas
intratável de exclusão ainda prossegue. No entanto, de pelo poder assumem um carácter cada vez mais violento na
acordo com von Holdt, seria errado sugerir que pouco mu- medida em que diferentes facções e antagonistas tentam
dou. Em vez disso, é melhor pensar que as alterações que se imobilizar um ao outro: “É ali onde as batalhas estão, e elas
desenrolam na África do Sul, hoje, desafiam qualquer tipo são perversas”.
de conceituação simplista. “Política e sociologicamente, há
uma tirania de certas concepções de como o Estado deve A democracia violenta da África do Sul também é mar-
funcionar e de como as ordens sociais devem ser organiza- cada por protestos em comunidades pobres. Esses protes-
das, algo que se originou no cadinho da modernidade oci- tos – muitas vezes, relacionados com o descontentamento
dental. Quando olhamos para nós mesmos através desses em relação à prestação de serviços públicos – são muito
conceitos, é fácil concluir que não temos democracia de frequentemente descritos como uma expressão autônoma
fato, porque nossa sociedade é tão violenta que leva ao de- de resistência por parte dos mais pobres; mas von Holdt
sespero em razão de nossas deficiências. Contudo, acredito argumenta que os protestos também surgem a partir da
que temos que olhar para as coisas de forma diferente – “dinâmica da formação de elites, gerada a partir da organi-
tanto em termos de como esses conceitos se originaram na zação da patronagem, do acesso a recursos e da formação
história ocidental, quanto em termos de como eles foram de laços entre facções em redes entre os mais pobres”. Con-
implantados no contexto sul-africano”. forme a investigação de von Holdt e uma equipe de pes-
quisadores sobre os protestos comunitários nas províncias
Essa tentativa de olhar para as coisas de forma diferente de Mpumalanga e Gauteng, diz ele: “nós percebemos que
leva von Holdt a descrever a África do Sul como uma demo- havia uma relação íntima entre figuras de liderança nos pro-
cracia violenta. Violência e democracia não são mutuamente testos e as redes políticas dentro do African National Con-
exclusivas, observa ele – uma reivindicação que é tão verda- gress [Congresso Nacional Africano] (ANC). As pessoas que
deira para a formação dos estados europeus quanto é para lideravam os protestos eram, muitas vezes, parte de uma
a África do Sul contemporânea. “Em um contexto europeu, é facção particular do ANC local, que buscavam ganhar poder
fácil pensar na modernidade como um processo, de muitos dentro do ramo local do Congreso e do conselho local”.
séculos, de pacificação de populações e estabelecimento de No entanto, von Holdt não sugere que as pessoas pobres
formas pacíficas de gestão de conflitos. Mas, se pensarmos sejam, simplesmente, manipuladas pelas elites políticas lo-

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2014: Karl von Holdt, o sociólogo, em
um protesto da comunidade no município
chamado Trouble. Foto por William Matlala.

cais. “Há queixas reais dentro da comunidade. Se os líderes na África do Sul está intimamente relacionado com um es-
políticos locais querem se tornar membros da elite, eles têm forço para conceituar a violência em termos mais gerais. Em 9
que tocar na insatisfação dos mais pobres. E, dessa forma, as um persuasivo artigo escrito para a Current Sociology, ele
pessoas pobres também usam os líderes para ganhar voz e explora os altos níveis de violência associados ao confronto
acessar recursos que são escassos para eles. Então, a patron- político da África do Sul, com base em um trabalho de co-
agem não é pura e simplesmente algo dispensado pelas laboração com Michael Burawoy, publicado como Conver-
elites; é, também, algo que os pobres reivindicam”. sations with Bourdieu: The Johannesburg Moment (Wits
University Press, 2012). “Minha contribuição para esse livro”,
Ainda assim, as mudanças no cenário político sul-africano explica von Holdt, “girou em torno de tentar ler Bourdieu a
podem ser significativas – incluindo as mudanças que da- partir da África do Sul – para identificar as lacunas e os silên-
tam de 16 de agosto de 2013, quando as forças policiais cios em suas contribuições. Ao mesmo tempo, foi interes-
mataram 34 mineiros que estavam em greve em Marika- sante olhar para a África do Sul através de Bourdieu, porque
na. Emblemática da democracia violenta da África do Sul, seu trabalho se concentra em um sentido bem afinado so-
o massacre de Marikana também desencadeou rupturas bre a ordem e como ela se reproduz”.
organizacionais, enfraquecendo o apoio ao ANC nos sindi-
catos do país. No final de 2014, a Frente Unida, uma ampla Em seu artigo, von Holdt explora as dissonâncias e res-
coalizão de movimentos sociais progressistas, formou-se sonâncias entre a concepção de Bourdieu de violência sim-
em um esforço para rejuvenescer a política de esquerda, en- bólica e a narrativa da violência colonial de Frantz Fanon.
quanto que os Combatentes da Liberdade Econômica, uma “Na situação colonial, a violência simbólica não funciona da
dissidência política do ANC que defende um programa de maneira tal qual Bourdieu sugere; ela não é suficiente para
nacionalismo militante e de redistribuição radical de renda, explicar a ordem. Como mostra Fanon, é necessária, tam-
abalou a base do ANC. “A hegemonia do ANC está erodindo”, bém, uma violência real. No entanto, ao mesmo tempo, o
diz von Holdt; mas ele adverte, ainda, que “o futuro é incerto. conceito de violência simbólica nos ajuda a compreender
Apesar das evidências de uma hegemonia fraturada, o ANC que o que Fanon está falando como sendo racismo e vi-
continua dominando os espaços locais, as comunidades; olência da ordem colonial não é algo, puro e simplesmente,
continua a ser uma organização muito poderosa”. físico e material; é, inclusive, simbólico”.

> Bourdieu, Fanon e a Sociologia da “O que é interessante sobre esses dois pensadores é que
Violência Fanon, sobretudo em sua obra mais madura, envolveu-se
no terreno da ordem colonial e pós-colonial, onde a vi-
VO diagnóstico de von Holdt sobre a democracia violenta olência e a modernidade andavam de mãos dadas; é um
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GD VOL. 6 / # 1 / MARÇO 2016
terreno onde o moderno é, inexoravelmente, violento. Mas desconcertante e paradoxal de pós-Apartheid na África do
Bourdieu – se você coloca entre parênteses suas primeiras Sul. Von Holdt, cuja carreira tem oscilado entre a academia
experiências na Argélia – emerge, inteiramente, no contexto e o ativismo, insiste que a sociologia pública não pode ser
ocidental de uma sociedade pacificada. O que acho interes- atividade puramente de oposição. “O sociólogo progres-
sante é voltar a Bourdieu e perguntar se a modernidade oci- sista, muitas vezes, imagina a si mesmo como se estivesse
dental funciona da maneira como ele propõe. Eu não tenho engajado com movimentos subalternos; e essa é a força
tanta certeza quanto a isso. Especialmente no contexto de privilegiada da análise sociológica progressista e por inter-
atual crise no ocidente, tais suposições estão começando a médio da qual a sociologia pode alcançar algum significado
se quebrar. O que acontece com a noção de violência sim- político”. A unidade de investigação de von Holdt, a SWOP,
bólica de Bourdieu em um contexto de desemprego em foi fundada com essa visão, em estreito diálogo com os sin-
massa, onde o Estado passa a retirar benefícios e onde os dicatos militantes da COSATU, na década de 1980. Mas, com
bancos e corporações são dominantes? Ora, ela começa a ir a transição para a democracia, a SWOP começou a colaborar
por água abaixo”. com os ministérios governamentais mais progressistas. Essa
experiência levou von Holdt a questionar a utilidade de uma
Será que esse tipo de leitura se assemelha à alegação distinção clara entre pesquisa política e sociologia pública.
de Jean e John Comaroff de que o hemisfério Sul oferece “A sociologia política é pensada como um negócio sujo, em
insights privilegiados sobre o funcionamento do mundo que você é pago para produzir resultados que as pessoas
moderno? Von Holdt objeta em relação a isso: “Eu sou um no poder querem ver. Efetivamente, ele reforça o status quo
pouco cético quanto a esse ponto, porque o Norte sempre em vez de se alinhar com as forças que desejam mudança.
conseguiu preservar sua excepcionalidade. A questão fun- Quando você trabalha com os sindicatos, muitas vezes, você
damental permanece sendo como o norte é capaz de domi- opera no terreno da crítica; mas, no final do dia, o que os
nar a produção de conhecimento e a própria extração de sindicatos realmente querem é o reconhecimento de sua
riqueza. Essa relação de dominância não está prestes a ser relevância política, porque eles precisam disso para nego-
substituída. Não é como se o Sul estivesse prestes a começar ciar. Eles precisam de possíveis soluções para determinados
a dominar o Norte”. No entanto, von Holdt insiste na necessi- problemas, e isso é uma questão de política. Então, para
dade de repensar isso, mas de forma radical: “alguns insights mim, a noção de que a sociologia pública é, de algum modo,
analíticos e inovações conceituais que podem ser desen- uma forma progressista pura de conhecimento – e, inversa-
volvidos no e para o Sul também envolvem repensar todo mente, que a sociologia política está, em alguma medida,
o aparato conceitual do Norte, incluindo sua relação com as contaminada e corrompida – não funciona. Há uma intera- 10
realidades do Norte”. ção entre o mundo da rebelião e o mundo da governança”.

Trata-se de algo paralelo ao chamado de Raewyn Connell Hoje, na África do Sul, falar a verdade do poder tornou-
para uma teoria do Sul? “Eu prefiro pensar no ato de fazer se cada vez mais necessário. “Nós nos encontramos, nova-
teorias no Sul. Acho que é difícil imaginar uma maneira mente, em mudança. As práticas e princípios que forjamos
inteiramente alternativa de pensar, porque nosso próprio em relação aos sindicatos não funcionam mais por conta
pensamento já é demasiadamente ocidental. Como e de de emergentes divisões dentro deles. As antigas regras não
onde você recupera um conhecimento alternativo?”. O fato funcionam; logo, nossas práticas de sociologia pública es-
da sociologia sul-africana ter sido desenvolvida por indi- tão o tempo todo em mudança”. Contudo, para von Holdt,
víduos vinculados, pela língua e pela história, à metrópole isso não requer, necessariamente, a reversão para uma so-
do sistema-mundo, ele sugere, tem implicações significati- ciologia pública puramente oposicionista. “Se você quer se
vas para a produção de conhecimento. “Eu sou um dos de- engajar de um modo que possa fazer alguma diferença na
scendentes da elite colonial branca, de modo que esse é o forma como a resistência é conduzida, ou na maneira como
chão no qual meu trabalho se desenvolve. Estamos tão uni- uma sociedade é governada, você passa a ter um compro-
dos com as formas ocidentais de conhecimento que temos misso constante com o poder. E isso é algo sempre descon-
de pensar através e contra elas; entretanto, outros podem fortável. Algumas pessoas, naturalmente, sentem-se mais
explorar a recuperação do pensamento indígena, o que po- confortáveis com a simples adoção de uma postura crítica.
deria levar a interações importantes”. No entanto, a inovação conceitual vem lidando com uma
realidade que desafia você o tempo todo”.
> A sociologia pública na África do Sul
pós-Apartheid Contato com Alf Gunvald Nilson <alfgunvald@gmail.com>
e Karl von Holdt <karl@yeoville.org.za>

A partir dos limites da sociologia ocidental, nossa conversa


se volta para os desafios da sociologia pública no contexto

GD VOL. 6 / # 1 / MARÇO 2016


> A Economia
Solidária:
Uma entrevista com Paul Singer

Paul Singer é um dos intelectuais mais ilus-


tres da Economia Solidária no Brasil e em
todo o mundo. Suas publicações incluem:
Desenvolvimento e Crise (1968), Desenvolvi-
mento Econômico e Evolução Urbana (1969),
Dinâmica Populacional e Desenvolvimento
(1970), Dominação e Desigualdade: estrutu-
ra de classes e Repartição de renda no Bra-
sil (1981) e Introdução à Economia Solidária
(2002). Ele nasceu em Viena, Áustria, e se
mudou para o Brasil em 1940. Em 1953, com
21 anos de idade, foi militante do Sindicato
dos Metalúrgicos de São Paulo e líder de uma
greve histórica que durou mais de um mês.
Na década de 1960, fundiu suas atividades 11
militantes e intelectuais, começando sua car-
reira como professor de Sociologia e Econo-
mia da Universidade de São Paulo, estudan-
do, também, demografia na Universidade de
Paul Singer.
Princeton, EUA. No final dessa década, seus
direitos políticos foram cassados pela ditadu-
ra militar; foi quando ajudou a fundar o Cen-
tro Brasileiro de Análise e Planejamento (CE- GT&RO: Em 1969, junto com Fernando Henrique Cardoso,
BRAP). Após seu regresso ao ensino, Singer
Octávio Ianni, José Arthur Giannotti, Juarez Brandão
ajudou a criar o Partido dos Trabalhadores
Lopes e Francisco de Oliveira, você fundou o Centro Bra-
(PT); em seguida, tornou-se Secretário Mu-
sileiro de Análise e Planejamento (CEBRAP). Tratava-se
nicipal de Planejamento da cidade de São
de um grupo de intelectuais que mantinham uma pers-
Paulo e, mais tarde, Secretário Nacional de
pectiva crítica nos anos mais repressivos da ditadura.
Economia Solidária. Aqui, ele descreve suas
experiências com a Economia Solidária e Qual foi a importância dessa iniciativa para se discutir
como tais iniciativas podem contribuir para pobreza no Brasil?
um mundo mais igualitário. Paul Singer foi
PS: Fazíamos pesquisas sobre pobreza naquele momento,
entrevistado por Gustavo Taniguti, pós-dou-
porque percebíamos que se tratava do maior problema real
torando em sociologia da Universidade de
do país; mas não conhecíamos o outro lado da moeda – a
São Paulo, e por Renan Dias de Oliveira, pro-
fessor da Fundação Santo André. prosperidade, a riqueza ou seja lá como você queira chamar.
Portanto, não fomos capazes de medir a desigualdade como
hoje, pois não tínhamos acesso a todas as informações de
que precisávamos. Naquele momento, eu diria que o prin-
cipal problema social no Brasil – pelo menos para nós, no
CEBRAP – era a exclusão social. E exclusão é quase sempre
resultado da pobreza.

GT&RO: Depois de quase dez anos de perseguição política,


em 1979, você retornou às atividades acadêmicas, após o
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regime militar forçar uma aposentadoria compulsória; em xemburgo e outros autores marxistas, mas não os socialistas
1980, participou da fundação do PT. Naquela época, o que utópicos. Em uma de minhas aulas na USP, quando os alunos
motivou a discussão da economia e cooperativas solidá- me pediram para falar mais sobre esses autores, comecei a
rias? Como você se envolveu com essa questão? ler a obra de Robert Owen. Percebi que ele era admirável e o
adotei como ponto de referência.
PS: Ninguém no CEBRAP, na verdade, tinha contato com a
Economia Solidária naquele momento; eu acho que era uma GT&RO: Quando você se tornou Secretário de Plane-
questão ainda desconhecida. Muito mais tarde, eu descobri jamento de São Paulo, durante o mandato de Luiza Erun-
que a Economia Solidária fora inspirada pela Igreja Católica. dina (1989-1993), as políticas de combate à pobreza da
Na verdade, o termo Economia Solidária foi criado por um cidade estavam relacionadas com a Economia Solidária?
economista chileno, Luis Razeto, que escreveu vários livros Se sim, como?
sobre o assunto. Agora, ele está aposentado, mas ainda con-
tinua escrevendo sobre a questão com alguma frequência. PS: Inicialmente não, mas se desenvolveu mais tarde. São
A fundação do Partido dos Trabalhadores, em 1980, logo Paulo é a maior cidade da América Latina, uma metrópole
após a anistia, de 1979, não esteve ligada ao debate sobre a extensa, esparramada e desigual; foi o primeiro governo
Economia Solidária. Meu interesse no assunto veio de uma de esquerda da cidade, o primeiro com uma mulher como
iniciativa individual. Como muitas outras pessoas, fiquei prefeita. E, mais do que isso, Erundina veio de uma família
profundamente impressionado com o súbito desapare- pobre de um estado do Nordeste do Brasil, a Paraíba. Ela se
cimento do chamado “socialismo real”. Muito rapidamente, juntou ao PT e se tornou uma líder de maneira muito rápida.
após a queda do Muro de Berlim, em 1989, os regimes políti- É claro que, em seu governo, a pobreza foi o nosso princi-
cos de muitos países desmoronaram um após o outro. Den- pal alvo, uma vez que tínhamos que superar a crise de 1980.
tro do PT, a queda do chamado “socialismo real” provocou Lembro-me de que a prefeita, os sindicatos trabalhistas e eu
uma crise ideológica; foi um grande desafio para nós, tendo debatíamos bastante como reduzir as taxas de desempre-
em vista que éramos um partido socialista visando construir go. Mais tarde, Lula me disse que os sindicatos não podiam
uma sociedade diferente no Brasil. Eu gastei bastante tem- apoiar os desempregados, porque eles não sabiam o que
po e energia para trazer à tona algo que depois veio a se fazer com eles. Em sua opinião, os sindicatos só poderiam
chamar “socialismo democrático”. apoiar os membros ativos de cooperativas. Era algo muito
objetivo. Os empregadores, por sua vez, ofereceram ajuda
Na década de 1990, o Brasil enfrentou uma crise tremen- em troca de redução de impostos, o que era impossível 12
da, que afetou, particularmente, o sistema de emprego do porque isso teria afetado o orçamento dos serviços básicos,
país: 60 milhões de postos de trabalho simplesmente desa- como a educação e a saúde.
pareceram durante a crise. Eu me senti profundamente pre-
ocupado com isso, porque, antes disso, o Brasil nunca tinha Por isso, foi um contexto muito difícil. Primeiro, criamos
experimentado uma taxa de desemprego tão alta; e, então, uma força-tarefa para realizar o primeiro censo de mora-
de repente, milhões de trabalhadores industriais foram per- dores de rua, a fim de pelo menos salvá-los da fome. Mais
dendo seus empregos, casas, rendimentos. Foi uma tragé- tarde, criamos cooperativas de catadores de materiais re-
dia social real; por conta disso, fui convidado pela Igreja a cicláveis. Este foi o início da Economia Solidária. Particu-
visitar algumas das cooperativas que estavam sendo criadas larmente, com a ajuda da Caritas, nós descobrimos do que
no Brasil naquela época. Caritas, que pode ser considerada se tratava a Economia Solidária. Decidimos adotar, então,
o braço social da Igreja Católica, criou em torno de 1.000 co- 100% dos princípios do cooperativismo e, já em 1996, eu já
operativas de trabalhadores, feitas, principalmente, de pes- estava convencido de que essa era uma expressão do socia-
soas desempregadas. E visitar muitas dessas cooperativas lismo democrático.
me fez descobrir a resposta para uma pergunta difícil sobre
GT&RO: Na década de 2000, foram criados dois espaços
o que significava a social-democracia. Porque essas coo-
importantes para se debater e se planejar a Economia
perativas foram fundadas por desempregados; ou seja, não
Solidária: o Fórum Brasileiro de Economia Solidária e
havia chefes, tampouco hierarquias. Tudo foi feito de forma
a Secretaria Nacional de Economia Solidária. Você po-
coletiva, de forma igualitária. Eu escrevi alguns artigos no
deria nos contar um pouco sobre o contexto político em
jornal Folha de S.Paulo, incluindo um texto chamado “Eco-
que eles foram criados? Como eles ajudam a Economia
nomia Solidária: uma arma contra o desemprego”. Eu não
Solidária nos níveis nacional, estadual e municipal?
estava criando um novo movimento; na verdade, foi só uma
descoberta. PS: Era um contexto de elevadas taxas de desemprego,
embora não tão severas como aquelas que tivemos na
GT&RO: Ainda nesse contexto, quais foram suas orien-
década de 1980. O governo de Fernando Henrique Car-
tações teóricas no debate sobre a Economia Solidária?
doso foi fortemente neoliberal, sob várias formas. A coisa
PS: Eu diria que o principal ponto de referência foi a história mais importante para ele e sua equipe era a luta contra a
do socialismo, começando com os socialistas utópicos. É inflação, travada por meio do aumento das taxas de ju-
curioso, porque eu costumava ler bastante Marx, Rosa Lu- ros, resultando em desemprego – o que deixa os traba-
lhadores com pouco poder de negociação.
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GD VOL. 6 / # 1 / MARÇO 2016
Quando o Lula foi eleito, em 2002, ele já tinha certeza de Essas incubadoras populares também têm um grande im-
que a Economia Solidária seria incluída em seu programa de pacto sobre as universidades, porque os alunos que traba-
governo. O Partido dos Trabalhadores adotou a Economia lham lá vêm de diferentes áreas: economia, geografia, ciên-
Solidária, portanto, que ainda está incluída na plataforma cias sociais e engenharia. Todavia, eles são, em sua maioria,
do partido. Assim que Lula iniciou seu mandato como Presi- estudantes de classe média que têm contato com, e estão
dente, os movimentos de economia solidária começaram a encontrando maneiras de ajudar, as comunidades mais po-
realizar reuniões nacionais, cobrando a criação de uma se- bres – muitos, pela primeira vez em suas vidas. Isso tem um
cretaria no Ministério do Trabalho e Emprego. Isso aconte- impacto positivo no ambiente do campus.
ceu muito rapidamente, já em 2003, logo após a posse de
Lula. Passamos alguns meses esperando a aprovação do GT&RO: Em sua opinião, quais são as virtudes de organi-
Congresso; mas, em junho daquele ano, a Secretaria Na- zações econômicas governadas por associações de tra-
cional de Economia Solidária foi finalmente criada. O Fórum balhadores? E quais são os desafios enfrentados pela
Brasileiro de Economia Solidária estava ligado à Secretaria, Economia Solidária no Brasil hoje?
porque, logicamente, nós não iriamos introduzir qualquer
PS: Eu diria que a maior virtude é a democracia. As pessoas
política sem os movimentos sociais. Não fazia nenhum sen-
trabalham juntas, respeitando umas às outras, sem com-
tido. Com o Fórum, todas as políticas passaram a resultar de
petição. Nosso mapa de Economia Solidária mostra que,
uma interação com os movimentos sociais, que fornecem
no Brasil, temos cerca de 30.000 cooperativas ativas, en-
relatórios vivos dos problemas, das demandas e das reivin-
volvendo cerca de três milhões de pessoas. E temos, ainda,
dicações da Economia Solidária.
o apoio de partes importantes da sociedade civil, como a
Hoje, a Economia Solidária atravessa todo o país, da Igreja Católica, a Central Única dos Trabalhadores (CUT) e
Amazônia ao Sul. Não é tão grande como gostaríamos que as universidades. Trata-se de uma experiência social muito
fosse, mas também não se trata mais de um pequeno movi- nova e estimulante.
mento. Além da Secretaria, a mesma lei criou um Conselho
Entre os desafios que a Economia Solidária tem pela
Nacional, em que a maioria dos participantes vem do Fórum.
frente a nível nacional, acredito que o mais importante é
A Secretaria utiliza seu orçamento para promover e ajudar o fato de que as empresas de economia solidária são um
as cooperativas de Economia Solidária. Fizemos isso, espe- tanto quanto frágeis. Muitas delas desaparecem em cinco
13
cialmente, durante o primeiro mandato de Dilma Rousseff, anos. Geralmente, as pequenas empresas têm uma vida cur-
participando do programa Brasil sem Miséria. Cinco ou seis ta. Mas, evidentemente, nem todas elas são pequenas. Por
ministérios fizeram parte do programa; a Secretaria foi res- exemplo, temos as Fábricas Recuperadas, que ocorre quan-
ponsável pela inclusão produtiva em áreas urbanas, trazen- do uma fábrica que foi à falência é recriada e substituída por
do oportunidades para criar cooperativas para quem pode- uma cooperativa. No Brasil, temos 67 fábricas recuperadas,
ria estar interessado. Nossa estimativa é de que essa política e na Argentina há muitos mais casos.
ajudou a tirar cerca de meio milhão de famílias da pobreza.
Mas não fomos o primeiro país a ter um apoio institucional GT&RO: Como você vê a Economia Solidária no Brasil em
oficial de Economia Solidária. A França foi o primeiro. Em comparação com outras experiências na América Latina
2001, no Primeiro Fórum Social Mundial, nós encontramos e no mundo?
o ministro francês da Economia Solidária.
PS: Eu ainda estou aprendendo mais sobre Economia
GT&RO: Você poderia explicar como começaram as in- Solidária quase todos os dias. Em nível local, lidar com a fra-
cubadoras de Economia Solidária vinculadas às univer- gilidade das empresas é um grande desafio, e o elemento
sidades? cultural também é outro fator muito importante. Os confli-
tos internos e as divergências entre os grupos podem ser
PS: As incubadoras foram iniciadas, originalmente, nos Es- decisivos para o sucesso ou o fracasso de uma empresa.
tados Unidos. Eles são importantes, pois estimulam alunos Devemos saber como evitar tais conflitos – e, mais do que
e professores a criarem empresas no ambiente universitário. isso, devemos saber como resolvê-los. Não estou certo de
E elas funcionam muito bem. A Universidade Federal do Rio quão central o fator cultural é para a Economia Solidária em
de Janeiro, por exemplo, teve a primeira incubadora de Eco- todo o mundo, mas, certamente, uma comparação com ou-
nomia Solidária, em 1994. Nossas incubadoras são diferentes tros países, como África do Sul, Filipinas, Coreia do Sul – e
das americanas porque não são dedicadas à ciência, mas, tantos outros da Europa e da América Latina – seria impor-
principalmente, estão preocupadas com questões sociais. tante para a construção de um ambiente de trabalho mais
Depois de alguns anos, vimos cooperativas populares sendo democrático. Temos que aprender com eles.
reproduzidas em favelas do Rio de Janeiro. Agora, no Brasil,
muitas universidades públicas têm suas próprias incubado-
Contato com Gustavo Taniguti <gustavotaniguti@gmail.com>
ras, auxiliadas pela Secretaria. Atualmente, temos 110 incu- e Renan Oliveira <renandoliveira@yahoo.com.br>
badoras em universidades brasileiras.

GD VOL. 6 / # 1 / MARÇO 2016


> Uralungal,
a mais antiga cooperativa de trabalhadores da Índia

Por Michelle Williams, Universidade de Witwatersrand, África do Sul, e membro do


Comitê de Pesquisa em Movimentos do Trabalho da ISA (RC44)

excedente estava subordinado a obje-


tivos sociais, sustentabilidade ecológi-
ca e produção coletiva. Ao longo dos
anos, a cooperativa tem usado a sua
organização democrática, tomada de
decisão coletiva e ethos alternativo de
pessoas antes dos lucros para superar
criativamente cada novo desafio.

Os economistas mainstream fre-


quentemente prevêem que mesmo
se as cooperativas de trabalhadores
emergirem, sobreviverem e prospera-
rem, logo vão se degenerar em uma
empresa capitalista típica, perdendo
14
Construção em Uralungal, a mais antiga cooperativa de trabalhadores da Índia. quaisquer princípios elevados de con-
trole operário e propriedade do tra-
balhador. Contra esses argumentos,

E
o desempenho real das cooperativas
m Kerala, na Índia, por tiva -, garantindo seguro, gratificação
de trabalho, como ULCCS destacam-se
mais de 90 anos uma e bem-estar no trabalho remunerado.
como balizas para inspiração e como
cooperativa de traba- Para isso, foi pioneira na organização
experiências que oferecem lições vali-
lhadores notável desa- de um local de trabalho democrático
osas para a prática futura.
fiou as previsões de economistas. A e na redistribuição igualitária, mesmo
Sociedade Cooperativa de Contrato no contexto de um setor altamente
No centro do sucesso da ULCCS re-
de Trabalho Uralungal (ULCCS), uma competitivo dominado por grandes
side o seu compromisso com a de-
cooperativa do setor da construção, fins lucrativos (e muitas vezes corrup-
mocracia participativa e direta den-
de propriedade de 2.000 fortes tra- tos) contratantes.
tro da cooperativa. Na seção restante
balhadores, constrói grandes proje-
O comprometimento da ULCCS aos deste artigo, vou me concentrar sobre
tos de infraestrutura, como estradas,
princípios democráticos e igualitários o papel da democracia participativa
pontes e complexos edifícios. Com o
remonta à sua fundação no início do para esse sucesso.
nome da aldeia Uralungal, na região
Malabar norte de Kerala, a Coopera- século XX. Na década de 1930 e 1940,
> Tomada de decisão e
tiva Uralungal foi pioneira a nível local Uralungal estava no vórtice de tur-
democracia operária
de produção alternativa, priorizando bulência política, quando poderosos
qualidades da economia solidária, movimentos de trabalhadores e Como as cooperativas asseguram a
como a democracia, a igualdade, a so- camponeses surgiram em Malabar, o coordenação rigorosa e produção efi-
-lidariedade, reciprocidade e redes in- movimento nacionalista tomou um ciente sem as técnicas capitalistas típi-
tegrativas. Esses princípios são codifi- rumo radical, e do Partido Comunista cas de disciplina e incentivos? Como
cados no tecido da cooperativa através emergiu como uma força hegemônica eles garantem que a propriedade do
do ethos de seus membros, bem como na área. Em anos de formação da co- trabalhador não mine os poderes dos
através de estatutos cooperativos que operativa, esta radicalização do Mala- supervisores ou levem trabalhadores
descrevem o objectivo principal da co- bar ajudou a moldar o ethos de uma a fugir de suas responsabilidades?
operativa como membros do serviço economia alternativa baseada na Mais especificamente, como a ULCCS
– isto é, os trabalhadores da coopera- tomada de decisão democrática. O obtem sucesso em criar uma mistura
>
>
GD VOL. 6 / # 1 / MARÇO 2016
judiciosa de hierarquia e participação? diárias com o conselho de adminis- tais para a conclusão bem sucedida
Para responder a essas perguntas, te- tração. Todos os líderes , conselheiros da cooperativa de projetos no prazo.
mos que olhar para as experiências e funcionários técnicos assistem às re- Assim, a habilidade e compromisso
da ULCCS no desenvolvimento de um uniões semanais, e todos os membros dos trabalhadores - e não apenas dos
processo de trabalho que é ao mesmo trabalhadores participam em reuniões supervisores ou gerentes - são os prin-
tempo eficiente e participativa. mensais, onde novos desenvolvimen- cipais ativos das cooperativas. A UL-
tos são relatados, e onde os membros CCS tem priorizado participação ativa
Na ULCCS, os trabalhadores elegem podem levantar críticas. As demon- na tomada de decisões, mantendo
o conselho de administração em uma strações financeiras completas são dis- pacotes de remuneração generosas
reunião geral anual e discutem um cutidos nas assembleias gerais anuais. e as condições de trabalho positivas.
relatório detalhado sobre o ano ante- Ainda que tantas reuniões envolvam
rior da cooperativa. Esta assembleia tempo e energia, também produzem A mecanização transformou os lo-
geral não é uma formalidade, e a ree- uma sensação de propriedade cole- cais de trabalho, e muitos dos postos
leição do conselho de administração tiva, solidariedade e missão comum, de trabalho envolvidos na construção
não é uma conclusão precipitada. Uma aumentando a produtividade. tornaram-se desnecessários ou des-
vez que o conselho de administração qualificados. Além disso, a mudança
é eleito, no entanto, é concedida au- > Participação e competitivi- de ritmo ligados à mecanização po-
tonomia para adquirir contratos, es- dade de mercado deria alterar o senso de envolvimento
colher tecnologias, alocar os trabal- e laços de solidariedade dos traba-
hadores a diferentes locais de trabalho O grande desafio para a ULCCS em lhadores. Consciente desses perigos
e outras decisões de rotina. Assim, os competir com empreiteiros privados é potenciais, a cooperativa tem respon-
diretores são os gestores da coop- que a cooperativa não pode cortar os dido por meio do aprofundamento da
erativa, o que significa que a gestão é custos, restringindo os benefícios dos democracia de três maneiras, com um
eleita pelos trabalhadores – em nítido trabalhadores ou burlando especifi- profundo compromisso com a deliber-
contraste com as corporações capita- cações ou usando materiais de baixa ação transparente, aberto; reforçando
listas, onde os gestores são nomeados qualidade. A cooperativa sempre os feedbacks dos trabalhadores; e
por uma liderança não-eleita. considerou a adesão ao caderno de melhorando os seus programas de de-
encargos um princípio sacrossanto, o senvolvimento de competências.
Os locais de construção são condu- que contribuiu para sua reputação im- 15
zidos por líderes do local escolhidos pressionante. Já que projetos de obras Outro perigo que espreita é a erosão
entre os trabalhadores, em um pro- públicas da Índia são notórios por cor- de compromisso entre os trabal-
cesso através do qual apenas os tra- rupção e manipulação, esses limites hadores contemporâneos. Até re-
balhadores com capacidade de gestão criam uma desvantagem muito grave. centemente, a maioria dos membros
comprovada e que gozam de amplo eram parentes da geração pioneira,
respeito e confiança são selecionados. A vantagem competitiva da coope- mas hoje muitos novos trabalhadores
Os trabalhadores e os líderes locais rativa vem da alta produtividade do não têm parentesco ou os laços locais.
continuamente discutem a divisão trabalho, decorrente tanto o uso efe- Muitos participantes se preocupam
do trabalho e procedimentos nos tivo da tecnologia e da diligência e com a qualidade das deliberações nas
locais de trabalho – por exemplo, a habilidade dos trabalhadores - um assembleias gerais anuais, e a vontade
organização de um almoço coletivo ativo vital no processo de construção dos trabalhadores para fazer trabalho
(preparado pela cooperativa). Embora de trabalho intensivo. Por exemplo, a extra enfraqueceu. Não há solução
exista uma grande quantidade de de- qualidade e o custo de uma estrada de fácil para esta tendência dife-rente
liberação inclusiva, uma vez tomada macadame comum dependerá da es- que não seja a educação continuada
uma decisão, todos devem cumpri-la. pessura de camadas diferentes, a eficá- sobre a história da cooperativa, suas
Desobediência a instruções do líderes, cia de ligação terra vermelha, a homo- tradições de compromisso e sacrifício,
abandono do dever, irregularidades geneidade na mistura do piche, e a sua e os princípios que fizeram a ULCCS o
financeiras ou lapsos deliberadas no aplicação em tempo útil sobre a cama- que é hoje. Assim, a sobrevivência da
desempenho podem levar à ação dis- da de metal. Cada etapa requer habili- ULCCS como uma cooperativa genuí-
ciplinar – embora tal ação seja rara- dade, diligência e empenho dos traba- na é política. Deve gerar valores de co-
mente necessária. lhadores. Em construção, betonagem, operação, numa sociedade dominada
exige igualmente uma cooperação por valores de mercado.
Os processos democráticos são estreita entre muitos trabalhadores.
mantidos através de uma comuni- Além disso, os trabalhadores motiva- Contato com Michelle Williams
cação regular dentro da cooperativa. dos em manter uma programação e <michelle.williams@wits.ac.za>

Líderes locais participam de reuniões evitar o desperdício são fundamen-

GD VOL. 6 / # 1 / MARÇO 2016


> As cooperativas
Mondragon:
sucessos e desafios
Por Sharryn Kasmir, Universidade de Hofstra, EUA

Falência da empresa emblemática de Mondragon, a grande fabrican-


te de aparelhos Fagor.

democrática e justa de capitalismo - uma mensagem de


boas-vindas depois de décadas de virulento neoliberalismo.

Frequentemente, Mondragon, no País Basco espanhol –


amplamente considerada a cooperativa de empresas au-
togeridas de maior sucesso no mundo – é discutida como
modelo. Iniciado na década de 1950 como um projeto de
Acção Católica, hoje, o grupo Mondragon inclui 257 indus-
trias e empresas de varejo, além de preocupações financei- 16
ras de pesquisa e desenvolvimento, que empregam cerca de
74.000 pessoas. As cooperativas fabricam tudo, desde equi-
pamentos de cozinha comercial (sob a bandeira da marca
Fagor) a robôs industriais; a gigante do varejo Eroski possui
2.000 pontos de venda em toda a Europa; e o banco Caja
Laboral e cooperativa de segurança social prestam serviços
financeiros aos membros e empresas afiliadas. As coopera-
tivas não são sindicalizadas e elas não têm acionistas exter-
nos. Em vez disso, cada trabalhador ou gestor investe como
um membro na empresa e tem um voto na sua assembleia
geral. Cada cooperativa é representada no Congresso Co-
operativa, onde os planos de todo o sistema e as decisões
empresariais são tomadas.

Tamanho e sucesso fazem da Mondragon única entre as


experiências de cooperação, e há mais do que algo admiráv-
el. As cooperativas têm mantido postos de trabalho dos
membros no País Basco espanhol, mesmo durante crises
econômicas. Manifestando uma ética de solidariedade, os
membros aceitam cortes salariais, investem fundos adicio-

N
nais e transferência entre cooperativas quando necessário.
a esteira da crise financeira e de revoltas
Mondragon limita o seu maior salário gerencial para cerca
anti-austeridade, há um interesse crescente
de nove vezes a remuneração de seus membros menos re-
nos EUA e na Europa em nutrir relações
munerados, uma escala notavelmente estável em relação a
sociais não-capitalistas e economias de
razão global da Espanha de cerca de 127:1. O princípio fun-
solidariedade: acadêmicos e defensores argumentam que
damental da Mondragon, a soberania do trabalho sobre o
cooperativas de propriedade dos trabalhadores asseguram
capital, é visível na distribuição do excedente para contas
e conferem aos trabalhadores controle e encorajam a soli-
de capital dos membros da Caja Laboral, onde são mantidos
dariedade. Essas transformações, eles sugerem, semeiam
como poupança privada, mas disponibilizados para investi-
sementes de socialismo, ou, pelo menos, uma forma mais
>
>
GD VOL. 6 / # 1 / MARÇO 2016
mento no grupo de cooperativas. capitalistas, as cooperativas Mondragon investiram na Chi-
na para fabricar bens intensivos com trabalho barato e se
Mas enquanto Mondragon é muitas vezes um ponto de aproximar de mercados emergentes – uma estratégia aceita
partida para aqueles que querem uma alternativa mundo pelos cooperados quando votaram para perseguir uma es-
real ao capitalismo, questões críticas sobre os trabalhadores tratégia internacional.
de base das cooperativas, condições de trabalho e de classe
são muitas vezes marginalizadas. As empresas subsidiárias podem ser convertidas em coo-
perativas? Quadros jurídicos nacionais distintos tentam essa
Apesar de suas cooperativas estarem concentradas na difícil tarefa, embora o Congresso das Cooperativas de 2003
região basca, Mondragon se tornou global em 1990, e ag- tenha apelado à “expansão social” para ampliar a partici-
ora controla cerca de 100 subsidiárias estrangeiras e joint pação e a democracia. Organizações sem fins lucrativos de
ventures - principalmente em países em desenvolvimento Mondragon esperam fortalecer uma rede global de econo-
e pós-socialistas, com baixos salários ou mercados em ex- mia social, ajudando a United Steel Workers a desenvolver
pansão. Essas empresas não são de propriedade do traba- cooperativas sindicalizados nos EUA, e trabalhando com
lhador, e os empregados não gozam dos mesmos direitos uma lavanderia comercial recém-lançada em Pittsburgh. No
ou privilégios concedidos cooperados. Ao invés disso, eles entanto, as subsidiárias da Mondragon ainda operam como
são trabalhadores assalariados. Mesmo no País Basco e na empresas normais, mesmo que seu objetivo não seja maxi-
Espanha, cooperativas industriais e de varejo empregam mizar o lucro para os acionistas, mas para preservar coo-
um número significativo de trabalhadores temporários com perativas e empregos no País Basco.
contratos a curto prazo. Hoje, apenas cerca de metade dos
negócios da Mondragon são cooperativas, e apenas um ter- Muitos analistas confiam no grupo Mondragon para tratar
ço de seus empregados são membros cooperados. bem os empregados não-associados, apontando para esfor-
ços para educar os trabalhadores no México e a conversão
Em 2013, a Fagor Electrodomésticos (a divisão de eletro- a cooperativa de uma empresa privada, na Galiza, Espanha.
domésticos) declarou falência, uma vítima da crise financei- Outros, no entanto, argumentam que a estratégia global da
ra de 2008, que chocou o setor de mercado de habitação e Mondragon prova que cooperativas não podem sobreviver
eletrodomésticos espanhol. O grupo Mondragon financiou em um mar capitalista: enfrentando a concorrência, coope-
a Fagor durante anos, mas os investimentos em 18 plantas rativas, quer degeneram em empresas capitalistas ou finan-
ao longo de 6 países tornaram-se cada vez mais onerosos, ciadoras. 17
até que as cooperativas Mondragon afiliadas não estavam
mais dispostas a salvar a Fagor. A falência ameaçou 5.600 No entanto, esses problemas têm uma história mais lon-
postos de trabalho (de 11.000 antes da bolha). ga. No final de 1980, descobri que as condições de chão
de fábrica, a participação da base na tomada de decisões,
Com uma população de 25.000 habitantes, isso atingiu a e identificação dos trabalhadores em uma cooperativa da
cidade de Mondragón duramente. Membros cooperados da Fagor não eram melhores do que em uma fábrica capital-
Fagor em Mondragón e cidades próximas se aposentaram ista vizinha com uma força de trabalho sindicalizada. Além
ou foram transferidos para outras cooperativas, mas os tra- disso, os cooperados mostraram pouca solidariedade com
balhadores contratados locais e 3.500 funcionários das sub- o movimento operário Basco – na época, parte de uma
sidiárias Fagor não foram similarmente protegidos. O seu coalizão de esquerda ativista. Como instituição, a Mondra-
destino e as condições dos trabalhadores em outras coop- gon evitou essas políticas e os cooperados permaneceram
erativas subsidiárias são tanto uma parte da história Mon- no emprego, enquanto os trabalhadores do setor metalúr-
dragon como são princípios das estruturas democráticas e gico local entraram em greve.
da distribuição de excedentes para os membros.
A Mondragon pode parecer um paraíso de não-capitalis-
Em Wroclaw, Polônia, uma greve de 2008 em virtude de mo, mas há lições importantes em suas experiências vividas,
baixos salários e repressão anti-sindical levantou questões especialmente se colocarmos trabalhadores – membros,
sobre força de trabalho de três camadas da Fagor, com trabalhadores contratados, trabalhadores assalariados - e
cooperados no País Basco, trabalhadores temporários em os movimentos da classe trabalhadora no centro. Qual é o
toda a Espanha e os trabalhadores assalariados em empre- papel das cooperativas na construção de um trabalho de
sas controladas. Será que a segurança no emprego, salário base ampla e movimento social, e como podem os impulsos
decente e a participação no local de trabalho no resto País igualitários de Mondragon reforçar uma visão política mais
Basco estão baseados na exploração em outro lugar? ampla? A Mondragon oferece um ponto de partida para
pensar sobre não-capitalismo – mas o seu exemplo é tão
Um estudo das subsidiárias Mondragon na China com- valioso para as perguntas difíceis que coloca sobre a classe
parando fábricas de propriedade das cooperadas com em- e poder como para o modelo de negócio alternativo que ela
presas capitalistas estrangeiras descobriu que os salários incorpora.
eram baixos, as jornadas eram longas e as condições de
trabalho eram adversas. Assim como seus competidores
Contato com Sharryn Kasmir <sharryn.m.kasmir@hofstra.edu>

GD VOL. 6 / # 1 / MARÇO 2016


> O Movimento anti-
intermediários na Grécia
Por Theodoros Rakopoulos, Universidade de Bergen, Noruega1

tro da cidade, e alguns subúrbios


populares beneficiaram-se com o
movimento “anti-intermediário”. Par-
ticipantes não pagos coordenaram
cooperativas de base para distribuir
alimentos, ajudar os produtores agrí-
colas a vender alimentos diretamente
aos consumidores, em mercados aber-
tos, dos agricultores improvisados. Em
2012-13, 80 grupos como esses es-
tavam em operação na Grécia; só em
Salonica, no auge do movimento, e
durante o trabalho de campo no início
do segundo semestre de 2013, havia
Comércio de batatas em Thessaloniki.
cerca de dez desses mercados que
acontecem todos os domingos, com

C
milhares de participantes.
ooperativas têm sido mento desta rede informal de grupos
Esse movimento anti-intermediário 18
muitas vezes uma res- de base esteve intimamente ligado à
posta de base para cri- crescente popularidade da esquerda foi organizado em torno de cooperati-
ses econômicas como as grega, e a subida gradual ao poder do vas informais que gerem a distribuição
que a Grécia vem enfrentando nos últi- Syriza (Coalizão da Esquerda Radical). de gêneros alimentícios. Ativistas
mos seis anos. Oferecendo uma rede No entanto, esta sobreposição produ- urbanos organizaram mercados de
de segurança para os trabalhadores, ziu agora um dilema para os ativistas: agricultores em bairros pobres e de
resgatando empregos em tempos de com vitórias eleitorais do Syriza, e a classe média, sentados em praças, es-
transição ou recessão, a partir da de- recente decisão do partido em aceitar tacionamentos ou parques. Esses mer-
pressão americana da década de 1930, novas medidas de austeridade, os ati- cados improvisados foram arranjados
para a Europa Oriental de situação vistas da economia solidária enfren- de modo a evitar os intermediários de
pós-socialista no início de 1990, para tam novos desafios. mercado. Eliminando encargos dos
a crise que atingiu a Argentina em corretores, disponibilizaram produtos
2001. Como a Grécia enfrentou uma > O movimento em ação frescos a preços acessíveis. Ativistas
recessão em curso – com taxas cres- contactaram agricultores em áreas
centes de desemprego acima de 27% Configurados em torno de grupos rurais próximas, convidando-os para
em 2015 – uma série de mobilizações cooperativos, em sua maioria infor- mercados que eles organizaram, além
tem alimentado uma rede altamente mais, essas experiências – mercados de estabelecerem contato para colab-
politizado das cooperativas informais , de permutas e bancos de horas, bem orações de longo prazo. Os ativistas se
com base nos arranjos sociais da vida como prestação de assistência social organizaram de maneira regular, ainda
cotidiana em crise, bem como uma coope-rativa organizada, como clíni- que informal; os agricultores vendem
esfera política vocal. Grupos de base cas sociais ou farmácias – ofereceram produtos frescos por cerca da meta-
dispersos por toda a Grécia expres- alternativas à austeridade. Distritos ur- de do preço de varejo usual. Essas
sam uma nova onda de radicalização banos da classe trabalhadora e classe relações foram formalizadas em con-
através da construção de uma econo- média-baixa na Grécia sofreram exem- tratos que estipulam que os agricul-
mia social baseada em reciprocidade, plos vivos de cooperativização infor- tores não votariam no Golden Dawn
às vezes chamado de “solidariedade” mal, especialmente entre 2011 e 2014. (um partido neo-nazista, atualmente
ou a economia “alternativa”. em terceiro lugar no lugares no Parla-
Em Salonica (segunda maior cidade mento) ou apoiasse políticas racistas.
Nos últimos cinco anos, o desenvolvi- da Grécia) muitos moradores do cen-
>
>
GD VOL. 6 / # 1 / MARÇO 2016
> O movimento em hibena- levantaram preocupações sobre a reflete a ideia de que os movimentos
ção (relativa) “cooptação”, mas a maioria dos ativis- de base pode conferir sua energia e
tas de economia solidária esperado potencial para a política estabelecida,
Hoje, muitas necessidades básicas um clima muito diferente “uma vez atenuando, assim, a sua atividade.
das famílias locais são servidas por que a esquerda leva o Estado”, como
essa distribuição agrária informal. um ativista disse. Na verdade, muitas Paradoxalmente, como a economia
No entanto, após um pico no final reuniões de grupo giravam em torno social cooperativa de base tem articu-
de 2013, o alcance e as práticas do da ideia de que “estamos fazendo o lado com as políticas progressistas de
movimento e até mesmo sua identi- que o Estado deveria estar fazendo”, um governo de esquerda radical, a
dade têm flutuado. Vários grupos e um ativista líder sugeriu em uma Syriza no poder tem se revelado um
anti-intermediários atualmente estão assembleia que “o movimento po- obstáculo inesperado para o desen-
dormentes, há reuniões com menor deria facilmente se transformar em volvimento da economia solidária,
frequência ou mesmo o abandono in- mobilização de agricultores assistidos uma realidade que está localizada nas
tegral das atividades do mercado. por um Estado social.” Especialmente, ligações entre partido e grupos infor-
quando membros do Syriza começar- mais e, mais importante, na expecta-
O principal problema do movimento am a participar (ou” infiltração “ nos tiva de que a esquerda apoiaria a eco-
anti-intermediário resulta de um con- grupos, como um ativista me disse nomia solidária. (Significativamente,
texto hostil. Cooperativistas enfrenta- meio brincando), houve um sentido a principal máxima nas eleições de
ram inquéritos policiais quando eles claro de que Syriza iria solidificar uma” janeiro era “a esperança está vindo”).
não conseguiram obter licenças para nova era para a economia social. “
A mobilização política e o vigor do
seus mercados improvisados e alguns
movimento de solidariedade têm di-
agricultores têm enfrentado multas > Syriza no poder
minuído, mas uma tomada importante
por “ocupação ilícita de espaço públi-
do movimento anti-intermediário
co” - uma acusação legal normalmente Antecipando sua eleição, o partido
ainda é visível na paisagem política
ativada pela Associação do Mercado criou uma organização destinada a re-
e civil de Salonica. Clínicas sociais e
Aberto de Salonica, um grupo de forçar os laços intragrupos e entre os
farmácias permanecem ativas e são
lobby intermediário . O esgotamento grupos informais e o Estado. Este últi-
relativamente formalizadas, enquanto
pessoal também tem desempenhado mo ofereceu alguma publicidade in-
uma loja de comida cooperativa criada 19
certo papel: muitos ativistas decep- ternacional importante para a econo-
pelo movimento anti-intermediário
cionaram-se com a relutância dos a- mia solidária, ecoando a popularidade
tem sido muito bem sucedida. En-
gricultores a assumir um papel de lide- da própria Syriza. Mas a plataforma do
quanto isso, o fracasso do Syriza na
rança na organização dos mercados. partido não possui como alvo o de-
austeridade – na verdade introdução
senvolvimento do movimento sobre
Um segundo problema é mais com- de um novo pacote de resgate e aus-
o nível de base. Ao invés disso, temos
plicado, relacionado com a preocu- teridade pelo partido – tem desle-
assistido a uma situação complexa em
pação dos ativistas sobre se essas ope- gitimado a esquerda institucional,
que vários ativistas tornaram-se mais
rações informais poderiam garantir aos olhos de muitos participantes de
envolvidos com o Syriza, enquanto
resiliência. Muitos ativistas discutiram economia solidária, talvez alargando o
outros se afastaram do movimento
a cooperativização formal, mas isso fosso entre grupos de base e o gover-
completamente.
teria exigido um quadro político e ju- no. À luz do novo pacote de austeri-
rídico progressivo. Enquanto isso, a economia solidária dade, o governo não terá margem de
de alimentos diminuiu progressiva- manobra para criar um quadro legal
É claro, esses esforços teriam apoio mente ambos em números e em re- que apoie plenamente e promove co-
de um governo progressista. No início curso, embora alguns municípios pro- operativas para a economia solidária.
de Janeiro de 2015, nos meses que an- gressistas começaram a organizar seus Poderia essa mudança revitalizar um
tecederam a entrada Syriza no gover- próprios mercados anti-intermediário. movimento que, nas palavras de um
no, o movimento começou a entrar A maioria dos grupos de base origi- ativista, “surgiu a partir da necessidade
em uma fase de hibernação. Tendo nais hoje permanece em um limbo, de material e de raiva emocional”? Isso
enfrentado coerção estatal, e não oscilando entre o que alguns ativis- continuaria a ser visto se essas novas
conseguindo convencer totalmente tas chamado de “cooptação” e outros dinâmicas puderem revigorar o movi-
os agricultores a se envolver mais di- chamado de “solidificação.” Descre- mento de solidariedade ou remodelar
retamente no movimento, os ativistas vendo essa transformação parcial do a relação desconfortável dos partici-
esperaram condições mais favoráveis movimento no âmbito do Estado, al- pantes com a política institucional de
para a sua “economia solidária”. Espe- guns ativistas usam o conceito popu- esquerda.
rando uma troca de governo, ativistas lar “anathesi”, traduzido aproximada-
retiraram os esforços para fortalecer mente como “atribuição”, e sua prática Contato com Theodoros Rakopoulos
<trakopoulos@gmail.com>
cooperativas informais. Alguns par- como a política de atribuição, o que
ticipantes nas assembleias de grupos 1
Este artigo é baseado em trabalho de campo finan-
ciado pela Fundação Wenner-Gren para estudos an-
tropológicos, Processo número 8856.

GD VOL. 6 / # 1 / MARÇO 2016


> Empresas
recuperadas
na Argentina
Por Julián Rebón, Universidade de Buenos Aires, Argentina

A fábrica de cerâmica Zanon, conduzida por


trabalhadores em 2001, é uma das fábricas
recuperadas mais proeminentes na Argentina.

20

É
trouxeram a economia a um impasse, mas crise geral da Ar-
manhã de 11 de Agosto de 2014 no distrito
gentina favoreceu a propagação das empresas recuperadas
de Garín de Buenos Aires: 400 trabalhadores
por trabalhadores de duas maneiras. Primeiro, várias fábri-
da Donnelley Graphic encontram um aviso
cas fecharam ou faliram durante esse período, levando a
na porta da frente da fábrica, anunciando
níveis sem precedentes de desemprego e de instabilidade
que a multinacional fechou seus negócios na Argentina.
empregatícia. Em segundo lugar, essa crise política aguda
Trabalhadores se reúnem em uma assembleia, assumindo
desencadeou processos sem precedentes de agitação social
a planta. Organizada como uma cooperativa, eles logo rei-
e de luta, em um contexto em que as empresas recuperadas
niciam a produção.
por trabalhadores tornaram-se um movimento social. Para
uma sociedade tão fortemente marcado por uma cultura de
Os trabalhadores da Donnelley contaram com uma estra-
trabalho, protestar contra o desemprego tornou-se um pro-
tégia que foi implantada por mais de 300 empresas na Ar-
jeto difundido e legítimo1.
gentina desde 2000: empresas retomadas. Trabalhadores de
empresas em crise, muitas vezes se organizam em coopera-
Como a crise socioeconômica e política diminuiu, alguns
tivas de trabalho para executar a produção e defender seu
estudiosos previam que as empresas recuperadas por tra-
trabalho. Essas estratégias de defesa incorporam os princi-
balhadores desapareceriam, o que não ocorreu. A figura
pais atributos do cooperativismo – democracia, associação
abaixo mostra que, embora o número de novas fábricas
voluntária e de propriedade coletiva – criando empresas
recuperadas por trabalhadores atingiu o pico em 2002, as
que são mais democráticas e justas do que eram antes da
retomadas continuaram mesmo quando a economia mel-
aquisição.
horou e a taxa de desemprego diminuiu. Trabalhadores
tiveramuma nova ferramenta socialmente reconhecida, que
Os trabalhadores começaram a “recuperar” as empresas
eles continuaram a implantar em novos contextos. A expan-
na Argentina no final de 1990, especialmente após a crise
são também foi favorecida por taxas de desemprego que,
geral de 2001. Reformas neoliberais da década de 1990
>
>
GD VOL. 6 / # 1 / MARÇO 2016
embora em declínio, permaneceram significativas (cerca de que assumem uma fábrica são considerados trabalhadores
7% ao longo dos últimos anos) e as condições políticas (pelo por conta própria, o que reduz a aposentadoria, seguro de
menos no nível federal) que não estavam adversas a esses saúde e prestações familiares. As cooperativas de trabal-
processos. hadores estão atualmente exigindo que o Estado reconheça
especificamente a gestão dos trabalhadores, legalmente
As empresas recuperadas parecem ter surgido para ficar. concedendo-lhes os mesmos benefícios sociais que os tra-
De acordo com o Programa Facultad Abierta, da Universi- balhadores assalariados. Empresas autogeridas também
dade de Buenos Aires, 311 empresas recuperadas por tra- enfrentam o desafio de determinar posse legal dos trabal-
balhadores empregados ocupam 13.642 trabalhadores na hadores de unidades produtivas. Trabalhadores têm conta-
Argentina, em 2013. Apesar de metade destas empresas es- do com as leis de uso público e de expropriação locais para
tarem localizadas na área metropolitana de Buenos Aires, 21 obter a posse legal de fábricas, mas em alguns casos, estes
dos 24 distritos do país têm fábricas recuperadas. Essas são têm sido insuficientes para resolver os direitos de proprie-
principalmente pequenas e médias empresas dos setores dade, de modo que os resultados têm dependido do apoio
de metal, gráficas, têxteis e alimentos. das autoridades locais e juízes.

Em 2011, a Lei de Falência ou Ley de Concursos y Quie-


Novas empresas recuperadas na
Argentina, 2000-2013 bras foi alterada de modo a que em caso de falência, os tra-
50
balhadores organizados em cooperativas possam utilizar
45 os créditos trabalhistas (acreencias laborales) para comprar
40
35
uma empresa falida. No entanto, essa lei não se aplica em
30 todos os casos e que só agora está começando a ser usada.
25
20 Empresas Nesse contexto de direitos de propriedade indefinidos, os
recuperadas
15 trabalhadores correm o risco de despejo. Enquanto, eu es-
10
5 tava terminando este artigo, a polícia estava expulsando
0 trabalhadores no restaurante recentemente recuperado La
Robla, enquanto os trabalhadores do Hotel Bauen também
00

20 1
20 2
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20

20

20

20

estavam enfrentando uma ordem de despejo. Embora em-


Fonte: Elaborado pelo autor com os dados do Programa Facultad presas recuperadas sejam socialmente legítimas, elas ainda
Abierta, da Universidade de Buenos Aires. não são plenamente reconhecidas por lei. 21

As empresas recuperadas conseguiram manter e criar Contato com Julián Rebón <julianrebon@gmail.com>

novos postos de trabalho, com apenas alguns casos de 1


Em 2012, o Instituto Gino Germani da Universidade de Buenos Aires realizou um levan-
insucesso. No entanto, elas enfrentam diversos desafios tamento em Aires Área Metropolitana de Buenos. Os resultados indicaram que 73% da
população tinha conhecimento da existência de empresas recuperadas e que 93% deles
e tensões. Por exemplo, sob a lei atual, os trabalhadores consideraram este um desenvolvimento positivo.

GD VOL. 6 / # 1 / MARÇO 2016


> O fim do mundo
ou o fim do capitalismo?
Por Leslie Sklair, London School of Economics, Reino Unido

Ilustração por Arbu.

mente a cultura-ideologia do consumismo). Essas crises


podem ser diretamente atribuídas à classe transnacional
capitalista (constituída por frações de empresas, políticos,
profissionais e consumistas) e seu sistema de valores domi-
nantes, a cultura-ideologia do consumismo1.

Aqui, eu simplesmente quero apontar para elementos-


chave de uma progressiva transição não-capitalista. O
primeiro é o tamanho. Corporações transnacionais enormes
e grandes estados corporativos, servidos por enormes or-
ganizações de serviços de bens de consumo e profissionais,
dominam a vida das pessoas em todos os lugares, por isso
parece óbvio que as estruturas de menor escala podem fun-
22
cionar melhor e permitir que as pessoas vivam vidas mais
completas. Essa não é a fantasia do localismo celular; minha
visão de uma globalização alternativa, radical e progressiva
prevê redes de cooperativas de produtores e consumidores
de pequeno porte (em inglês, producer-consumer coopera-
tives ou PCC) que cooperem em vários níveis, principalmente

É
para assegurar um padrão de vida decente para todos no
mais fácil imaginar o fim do mundo”, foi dito, planeta.
“do que imaginar o fim do capitalismo” – uma
Como as PCCs poderiam ser organizadas para libertar o
verdade profunda sobre a era da globalização
potencial emancipatório da globalização genérica em um
capitalista. Muito mais tem sido escrito sobre
mundo não-capitalista? A resposta simples e encorajadora
os males do capitalismo do que sobre como um mundo
é que elas iriam trabalhar, nos primeiros estágios de trans-
não-capitalista poderia parecer, especialmente no contexto
formação, pelo menos, tanto quanto milhões de grupos
dos chamados socialistas e comunistas do passado recente.
cooperativos de pequena escala trabalham atualmente
Para ir além disso, temos que começar novamente. Meu
em enclaves em todo o mundo. Os outros ensaios neste
argumento é que as perspectivas de mudança progressiva
documento do simpósio inspiram histórias de ativismo
são vistas como processos de muito longo prazo para ne-
progressivo e sensibilização crescente, mas, sem surpresa,
gar, evitar e, eventualmente, descartar da história global, o
todos eles são problemáticos. Sharryn Kasmir mostra que
capitalismo, a social-democracia e as formas de Estado que
Mondragon – uma vez a maior esperança do movimento
eles criaram.
cooperativista - parece inevitavelmente comprometida no
“ Por que a globalização capitalista está no limite de falhar âmbito de um sistema capitalista global. Em seu estudo de
em trazer prosperidade, felicidade e paz para toda a hu- caso sobre o Uralungal Labour Contract Cooperative Society
manidade? As duas falhas fatais do capitalismo são as crises em Kerala, Michelle Williams revela as condições necessárias
de polarização de classes (os ricos ficam mais ricos, os mais para o controle dos trabalhadores genuínos, mas suas con-
pobres estão sempre conosco, e a classe média está cada clusões sugerem que o seu futuro não é seguro. Na entre-
vez mais insegura) e de sustentabilidade ecológica (uma vista com Paul Singer, a evolução da Economia Solidária no
consequência inevitável de ambos os dogmas capitalista Brasil oferece resultados encorajadores em tirar as pessoas
e socialista de crescimento que promoveram incansavel- da pobreza, mas continua a ser uma tarefa enorme, e não

>
>
GD VOL. 6 / # 1 / MARÇO 2016
está claro como a sociedade como um todo poderia ser al- vivo em qualquer parte do mundo, que poderíamos camin-
terada. A análise das fábricas autogeridas na Argentina de har na lua, que viagens intercontinentais poderiam ser reali-
Julián Rebón provoca perguntas sobre porque um Estado zadas dentro de horas e que a comunicação visual ocorreria
capitalista tornaria mais fácil para eles prosperarem ou mes- quase instantaneamente, também teriam sido descartadas
mo sobreviverem, assim como faz a pesquisa de Theodoros como inacreditáveis. Da maneira que diz a convocação do
Rakopoulos sobre os mercados anti-intermediários na Gré- Fórum Social Mundial: “Outro mundo é possível”.
cia, nos quais a “apreensão” esquerdista do estado do Syriza
parece inibir em vez de apoiar o movimento. Com poucas exceções, a sociologia é silenciosa sobre es-
sas questões; até mesmo levantá-las leva à ameaça descon-
Nenhuma dessas iniciativas indica uma maneira de sair da fortável dos guardiões do profissionalismo ridículo sem
exploração capitalista ou da insustentabilidade ecológica, e valor weberiano. Não é de surpreender que as escolas de
nenhuma delas realmente problematiza o papel do Estado – pós-graduação e os organismos de financiamento são ger-
seja de esquerda, de direita ou de centro – nem como essas almente relutantes em apoiar a pesquisa ao longo de lin-
iniciativas trabalham com o mercado de consumo capitalis- has não-capitalistas. A ironia é que há, é claro, um grande
ta. Concluo que todos os estados acabam sendo hierárqui- volume de pesquisas que são críticas de muitas facetas da
cos, e que só em comunidades de pequena escala, como as sociedade capitalista, mas praticamente nenhuma delas
PCCs, ligadas localmente ou globalmente através da inter- questiona o próprio capitalismo ou levanta questões em
net, podemos evitar esse terreno escorregadio inevitável. torno da sociedade não-capitalista; mesmo um pensador
avançado e progressista como E. O. Wright mais ou menos
Em Cadernos do Cárcere, Gramsci disse que, em períodos chega a essa conclusão em seu amplamente aclamado Envi-
de crise, o velho está morrendo e o novo ainda não nasceu. sioning Real Utopias [Prevendo Utopias Reais].
Enquanto Gramsci chamou a atenção para os sintomas mór-
bidos de tal situação (em 1930) a nossa crise é diferente, e eu Mas o tempo está maduro para uma nova sociologia radi-
quero chamar a atenção para os sintomas mais esperançoso cal e progressista começar a enfrentar esse desafio da teoria
(esperando para nascer) de nossa crise atual da hegemonia e pesquisa sobre a sociedade não-capitalista. Isso envolveria
capitalista. desafiar o dogma do crescimento cada vez maior, o esteio
da globalização capitalista, a social democracia e o marx-
A viabilidade de iniciativas que tentam evitar a concor- ismo ortodoxo. Isso já está sendo discutido através da idéia
rência com o mercado e escapar do estado hierárquico de decrescimento de convívio. Certamente significaria que 23
repousa sobre muitas suposições não testadas. A primeira os mais ricos se tornassem menos ricos e os mais pobres se
suposição é a de que aqueles que fazem tarefas essenciais tornassem mais ricos em bens materiais, embora todos se
do dia-a-dia iriam continuar a fazer o seu trabalho em uma beneficiariam de riquezas imateriais. A cultura-ideologia do
PCC em detrimento de grandes corporações e suas afiliadas consumismo seria substituída por uma cultura-ideologia dos
locais: uma multidão de pessoas que atualmente trabalha direitos humanos e responsabilidades, privilegiando um sério
em setores privado ou público, direta ou indiretamente, es- compromisso com um padrão decente e sustentável de vida
tabelece PCCs em suas comunidades locais que produzem para todos.
alimentos, organização de transporte, criação de lugares de
aprendizagem e transmissão de competências, que prestam Somente ao ignorar o mercado podemos escapar às con-
cuidados de saúde, que executam os sistemas de energia, e sequências catastróficas inevitáveis da globalização capitalis-
assim por diante. As PCCs já fazem isso em todo o mundo ta. É certo que isso soa totalmente irrealista, mas apenas se
em pequena escala, mas tais iniciativas lutam dentro dos não formos capazes de reconhecer o calcanhar de Aquiles do
mercados capitalistas. Os esquemas de agricultura apoiados capitalismo consumista mundial: ele é baseado na soberania
pela comunidade em várias partes do mundo representam do consumidor, e os consumidores não podem ser forçados
um primeiro passo em um longo e difícil caminho para a au- a consumir junk food e bebidas, cultura inútil, vícios inúteis.
tossuficiência nessa esfera. O poder do marketing capitalista, publicidade e os aparatos
ideológicos estatais-corporativos são formidáveis, mas se
As ideologias neoliberais argumentam que não há alterna- os pais podem ser levados à plena consciência de como o
tiva à globalização capitalista. Se nos recusarmos a acreditar mercado danifica a eles e aos seus filhos, ainda há esperança
nelas e começarmos a criar alternativas e essas alternativas para o planeta e todos aqueles que vivem nele. No entanto,
se provarem ser bem sucedidas em seus próprios termos, em é difícil começar a imaginar o fim do capitalismo e do Estado
seguida, a lógica do mercado pode ser refutada, minada ou hierárquico, e a necessidade de decrescimento, quanto mais o
simplesmente ignorada. Enquanto escrevo isso, eu posso ver abandonarmos mais difícil será para alcançá-lo.
os sorrisos daqueles que gostariam de acreditar nisso, mas
acham inacreditável. Há cem anos atrás, sugestões de que os
Contato com Leslie Sklair <l.sklair@lse.ac.uk>
órgãos humanos poderiam ser transplantados com sucesso,
1
de que seríamos capazes de testemunhar acontecimentos ao Já escrevi sobre esses temas em The transnational Capitalist Class (Oxford: Blackwell,
2001) e Globalization: Capitalism and its Alternatives (Oxford: Oxford University Press,
2002).

GD VOL. 6 / # 1 / MARÇO 2016


>Contestando
a acumulação
neo-extrativista
na América Latina
Por Maristella Svampa, Universidade Nacional de La Plata, Argentina

Protesto mapuche contra a mineração na


Argentina.

24
bens primários (commodities) - mui-
tas vezes através de grandes investi-
mentos (mega ventures), ameaçando
ter impacto negativo nos territórios e
ecossistemas – o neo-extrativismo en-
globa a mega-mineração a céu aberto,
a exploração de hidrocarbonetos, as
grandes hidrelétricas (para extração),
a expansão da pesca e o desmata-
mento, e, claro, o agronegócio (cul-
tivos transgênicos, como soja, óleo de

E
palma e biocombustíveis).
m toda a América mente eleitos no início do século 21
Latina, ativistas e in- pareciam prontos para buscar camin- Eu tenho chamado a atual fase de
telectuais estão ques- hos alternativos de desenvolvimento. acumulação do capital de “consenso
tionando a dinâmica das commodities” (Svampa, 2011,
de acumulação de capital e modelos Mas esses debates tornaram-se cada 2013), reconhecendo que, em con-
de desenvolvimento, e debatendo vez mais complexos. Como os gover- traste com a década de 1990, as econo-
categorias como neo-extrativismo, nos têm expandido a exploração dos mias latino-americanas de hoje foram
bem-viver ou o direito a uma vida boa, recursos naturais, uma crítica ao neo- favorecidas por um boom nos preços
bens comuns e os direitos da natureza. extrativismo começou a tomar forma. internacionais das commodities. Os
Questionando a sustentabilidade dos O “Neo-extrativismo”, referindo-se a governos latino-americanos têm res-
modelos de desenvolvimento con- um padrão de acumulação baseado pondido, destacando as vantagens e
temporâneos, esses críticos sugerem na sobre-exploração dos recursos minimizando as novas desigualdades,
simultaneamente outras possíveis naturais, tornou-se um termo-chave bem como as assimetrias ambientais,
relações entre sociedade, economia na gramática política dos movimentos econômicas e sociais produzidas pela
e natureza. Esses debates foram es- sócio-territoriais, indígenas e organi- divisão internacional do trabalho e do
pecialmente aquecidos no Equador e zações camponesas. Caracterizado território. A maioria dos estados afirma
na Bolívia, onde os governos popular- pela exportação em larga escala de uma visão produtivista do desenvolvi-
>
>
GD VOL. 6 / # 1 / MARÇO 2016
mento, rejeitando críticas em torno de longo da década que se seguiu, os local se opõe à construção de uma
quaisquer impactos negativos e igno- projetos de extração aumentaram, e auto-estrada; esforços para bloquear
rando os protestos sociais. as grandes corporações transnacio- uma mega-barragem em Belo Monte,
nais ganharam um lugar mais central no Brasil; a resistência contra a mega-
O Consenso das Commodities desta- nas economias nacionais. mineração em várias províncias da
ca o amplo retorno da região às ativi- Argentina; e, em 2013, a suspensão
dades de extração primária, um pro- A partir de 2009-2010, uma segunda definitiva da Iniciativa Yasuní-ITT e
cesso agravado pelo papel cada vez fase foi caracterizada por uma maior da militarização da área de Intag no
mais importante desempenhado pela expansão em projetos de extração: no Equador, uma área de resistência
República Popular da China, principal caso do Brasil, o Programa de Acele- pioneira à mega-mineração. A inqui-
consumidor de commodities da Amé- ração do Crescimento prevê várias etação também está presente em
rica Latina. Em 2013, a China foi o prin- barragens na Amazônia; na Bolívia, o países com governos neoliberais ou
cipal destino das exportações chilenas gran salto industrial ou grande salto conservadores. No Peru, a resistência
e brasileiras; foi o segundo destino industrial, promete vários projetos a um projeto de mineração no Conga
mais importante para as exportações de extração (gás, lítio, ferro, agrone- entre 2011 e 2013 levou a 25 mortes;
de Argentina, Peru, Colômbia e Cuba; gócio); para o Equador, a mega-min- e, no México, os protestos contra a
e, em terceiro lugar, para o México, eração será desenvolvida; o Plano mega-mineração e a construção de
Uruguai e Venezuela (Slipak, 2014). Estratégico da Venezuela irá expandir barragens têm continuado apesar do
a extração de petróleo na Faixa do Ori- aumento da repressão e violência.
> Fases do consenso das noco; o Plano Estratégico Agroalimen-
commodities tar da Argentina 2010-2020 prevê um A maioria dos governos apoia as
aumento de 60% na produção de soja, atividades extrativas, criminalizam e
O Consenso das Commodities pas- bem como extração de gás da rocha reprimem protestos, e limitam a par-
sou por várias fases. Suas origens es- de xisto e mega-mineração. ticipação política por parte das popu-
tão na globalização neoliberal e no lações locais e nativas. A crescente
Consenso de Washington nos anos A mega-mineração tem dado origem exploração pelo capital de recursos
1990, que produziram profundas a uma grande tensão sócio-ambiental. naturais, bens e territórios tem colo-
transformações nas sociedades e eco- De acordo com o Observatório de cado sérias limitações sobre os direitos
nomias latino-americanas, enquanto Conflitos de Mineração na América coletivos e ambientais, esmagando as 25
os Estados favoreceram as empresas Latina, houve 120 conflitos na Améri- narrativas emancipatórias que criaram
multinacionais e as novas leis abriram ca Latina em 2010 que afetaram cerca essa esperança em países como Bolívia
o caminho para atividades extrativas de 150 comunidades. Em 2012, 161 e Equador. Um aumento da diferença
como a mega-mineração, a extração conflitos envolveram 173 projetos que entre discurso e prática e a criminali-
de petróleo, e o cultivo de plantas afetaram 212 comunidades, enquanto zação dos protestos contra as ativi-
transgênicas. que, em 2014, o número de conflitos dades extrativistas apontam para um
aumentou para 198 envolvendo 207 recuo democrático: uma mudança de
No final de 1990, intensos movimen- projetos em 296 comunidades. Em governos progressistas ou populares
tos sociais antineoliberais surgiram abril de 2015, 208 conflitos documen- em relação a regimes mais tradicionais
na Bolívia, Equador, Argentina, entre tados envolveram 218 projetos e 312 de dominação baseados em modelos
outros países. Mas os governos pro- comunidades afetadas. O México teve populistas e de desenvolvimento na-
gressistas que surgiram através destes a mais alta classificação, com 36 confli- cional clássicos.
processos confrontaram limitações tos, seguido pelo Peru, com 35; Chile,
severas e conflitos. Quando os preços com 34; Argentina, com 26; Brasil, com
Contato com Maristella Svampa
internacionais de produtos primários 20; Colômbia, com 13; Bolívia, com 9; e <maristellasvampa@yahoo.com>
cresceu em 2003, o Consenso das Equador com 7 (http://www.conflic-
commodities decolou, combinando tosmineros.net/). Referências
Slipak, A. (2014) “Un análisis del ascenso de China y
alta rentabilidade e vantagens com- sus vínculos con América Latina a la luz de la Teoría de
parativas. Essa primeira fase foi car- Na fase atual, algumas lutas socio- la Dependencia.” Realidad Económica 282: 99-124.

acterizada pela repressão de conflitos ambientais e territoriais transcendem Svampa, M. (2011) “Modelo de Desarrollo y cuestión
ambiental en América Latina: categorías y escenarios
associados às atividades de extração, a política local, adquirindo visibilidade en disputa,” in F. Wanderley (ed.), El desarrollo en
enquanto a maioria dos Estados de- nacional. Essas incluem os esforços cuestión. Reflexiones desde América Latina, CIDES,
OXFAM y Plural, La Paz.
senvolveu novas associações estreitas para proteger o Território Indígena e
com o capital multinacional privado. o Parque Nacional Isiboro Sécure na ---------- (2013) “Consenso de los ‘Commodities’ y
lenguajes de valoración en América Latina” in Nueva
Apesar da retórica nacionalista, ao Bolívia (TIPNIS), onde a população Sociedad, 244.

GD VOL. 6 / # 1 / MARÇO 2016


> Extrativismo
vs. Buen Vivir
no Equador
Por William Sacher e Michelle Báez, FLACSO (Instituto Latino-Americano de Ciências
Sociais), Equador

26

Construção do campo da futura mina a céu aberto de cobre Mirador,


em Tundayme, Zamora-Chinchipe, Equador. Foto por Omar Ordoñez.

E
m 2007, o presidente Rafael Correa desper- encarnaram?
tou grande interesse regional e internacional
com seu projeto político pioneiro, La Revolu- > A expansão das frentes extrativistas
ción Ciudadana [Revolução Cidadã]. Em 2008,
a Assembleia Constituinte aprovou uma nova Constituição Ao longo dos últimos anos, o presidente Correa tem con-
que promovia os direitos da natureza e, em 2009, o primeiro tinuamente favorecido a expansão das fronteiras extrativ-
plano de desenvolvimento do governo (Plan Nacional para istas. No setor de petróleo, novas concessões abriram mais
el Buen Vivir [Plano Nacional para uma Boa Vida]) reverteu o de três milhões de hectares da Amazônia para a perfuração
paradigma dominante de desenvolvimento, reconhecendo durante as duas últimas rodadas de licitação de petróleo.
a “impossibilidade de continuar a rota extrativista devasta- Em 2013, o Equador abandonou a iniciativa ITT, sinalizando
dora para os países do Sul”. Além disso, a pioneira Iniciativa que partes do Parque Nacional Yasuní – lar de vários gru-
Yasuní-ITT, pedindo a suspensão da extração de petróleo pos indígenas, entre eles, povos em isolamento voluntário
na Amazônia equatoriana, em troca de doações da comu- – estavam abertas para a extração. Da mesma forma, desde
nidade internacional, prometeu uma mudança radical no 2009, o governo tem apoiado numerosos mega-projetos
sentido de um Equador pós-extrativista. Após sete anos de mineração, muitos deles lançados durante o período
de implementação do chamado projeto político Revolu- neoliberal, com o objetivo de transformar o Equador em um
ción Ciudadana, qual é o efeito das políticas de Correa em país de mineração. Atualmente, uma dúzia de projetos de
relação às indústrias de mineração e de petróleo? O que mineração de cobre e ouro continuam, localizados em áreas
resta a partir dessas propostas iniciais e da esperança que altamente sensíveis, incluindo territórios indígenas e áreas

>
>
GD VOL. 6 / # 1 / MARÇO 2016
de alta diversidade biológica e depósitos de água. pelo presidente Correa (Sabatinas), os meios de comuni-
cação estatais chamam aqueles que se opõem ao modelo
Os mais importantes projetos de mineração são proprie- extrativista de “infantis”, descrevendo o extrativismo como a
dade de empresas transnacionais: a empresa estatal chilena única rota para o “desenvolvimento” e o “progresso”.
Codelco, que detém o projeto Llurimagua na área de Intag;
as novas empresas de mineração canadenses como Lundin O direito penal tem sido usado para aprisionar os resist-
Mining, Cornerstone e Dynasty Metals, que continuam a entes anti-extração (especialmente através do uso de cat-
desenvolver seus ativos equatorianos em um “paraíso legal” egorias como “terrorismo” e “sabotagem”). Outras ferramen-
no Canadá; e as estatais chinesas Tongling e China Railways. tas legais (tais como o código 16) têm sido utilizadas para
Apesar da criação de uma empresa de mineração estatal, fechar ONGs como a Pachamama, conhecida por seu apoio
a ENAMI (Empresa Nacional de Mineração), o Equador não aos povos da Amazônia em suas lutas contra as companhias
tem controle sobre sua produção futura de mineração. petrolíferas.

No setor de petróleo, o novo governo aumentou com êx- Finalmente, o aumento da presença militar e da polícia
ito as receitas do Estado a partir da renegociação dos con- em áreas de extração de petróleo e mineração espalhou
tratos de petróleo e aumentou a participação de empresas terror entre as populações locais e até mesmo resultou em
estatais. No entanto, novas áreas de perfuração são princi- várias mortes. A intimidação silenciou críticos ativistas e da
palmente destinadas a empresas estrangeiras. Além disso, sociedade civil de forma ampla, tornando impossível um
e de forma significativa, o Equador recebeu mais de US$ 10 debate público sobre a pertinência do modelo extrativista.
bilhões em empréstimos de bancos chineses ao longo dos
últimos cinco anos, o que levou a um desvio permanente Em outro trabalho (Sacher, 2010) temos chamado es-
da produção de petróleo do Equador, já que essa dívida é tados que colocam sua estrutura a serviço da acumu-
reembolsada em barris de petróleo para empresas chinesas. lação de capital pela mega-mineração ou pela extração
Portanto, hoje, espera-se que 90% da produção de petróleo de petróleo de “mineral-states” [“Estados-mineradores”]
do Equador vá para essa dívida. ou “petro-states” [“petro-Estados”]. Com a implemen-
tação do projeto político Revolución Ciudadana, o estado
> Acumulação por espoliação equatoriano agora cria as condições materiais e sociais
necessárias para desenvolver essas atividades. Ao longo
Nos territórios de petróleo e mineração, empresas e agên- dos últimos anos, Rafael Correa transformou o anterior Es- 27
cias estatais usam o quadro jurídico criado pela Revolución tado neoliberal do Equador – que mal existia em muitos
Ciudadana para despojar pessoas de suas terras e tomar o dos territórios do país – em um Estado-petro-minerador.
maquinário de empresas de mineração de médio porte para
estabelecer as condições materiais necessárias para a imple- > O que resta da “Buen Vivir”?
mentação de atividades extrativistas de grande escala.
Correa e as políticas extrativistas do seu governo estão em
Esses processos - exemplos claros da “acumulação por es- desacordo com sua retórica oficial. As declarações oficiais
poliação” de David Harvey – levaram à (re)constituição de denunciam modelos de “desenvolvimento” e o crescimento
inúmeros movimentos anti-extração, que temem futuras econômico, a exploração de seres humanos e da natureza,
catástrofes ambientais e sociais, tais como as que ocorreram exigindo o fim do extrativismo. No entanto, as práticas reais
ao longo dos últimos 40 anos de exploração do petróleo na do governo não conseguem encarnar o espírito da Consti-
Amazônia equatoriana. Esses movimentos sociais incluem tuição de 2008. O governo argumenta que as empresas de
as comunidades camponesas e indígenas da Amazônia, mineração e petróleo realizarão a exploração “responsável”
como os povos Sarayaku, Shuar e Mestizo da Cordilheira do dos recursos naturais e que o extrativismo de hoje é um pas-
Condor; as populações que vivem nas florestas úmidas de so necessário para o seu abandon no amanhã. Mas, como
Intag e Pacto; as pessoas das áreas de charneca; e as organi- o filósofo equatoriano David Cortez colocou, a “Sumak
zações urbanas, como Yasunidos, que exigem um referen- Kawsay” (Buen Vivir) de Correa não forneceu um novo para-
do popular sobre a decisão de explorar o Parque Nacional digma de desenvolvimento, mas foi um instrumento para
Yasuní – um referendo que não foi aprovado pelo Conselho legitimar políticas de extrativismo agressivo, e até mesmo
Nacional Eleitoral. uma nova tática de poder.

> Marginalização, repressão e criminali


zação dos movimentos sociais Contato com William Sacher <william.sacher@mail.mcgill.ca>
e Michelle Báez <baemic@gmail.com>

Referências
O governo rejeitou essas críticas dos movimento em Sacher, W. “The Canadian mineable pattern: institutionalized plundering and impu-
relação às políticas extrativistas. Tanto nos comunicados de nity.” Acta Sociológica 54, January-April 2010, pp. 49-67.
imprensa do governo quanto nas transmissões aos sábados

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> Luta pelos
bens comuns
no México
Por Mina Lorena Navarro, Benemérita Universidad Autónoma de Puebla, México

28

Peixes mortos no rio Santiago, México.

N
os últimos quinze anos, ganharam força • A construção de autoestradas, portos, aeroportos, ferrovias
no México as lutas contra o que Maristela e mega-projetos turísticos ligados ao novo extrativismo;
Svampa (2013) chamou “Consenso das • E a fragmentação do tecido social resultante dos grandes
Commodities” – são conflitos em torno do projetos de infraestrutura e da expansão urbana, que
acesso, controle e gestão dos recursos naturais comuns. No ameaça áreas protegidas e de cultivo.
centro desses conflitos encontra-se um tipo de extrativismo
que mercantiliza a riqueza social em nome da acumulação Essas mudanças foram aceleradas pelos capitais nacional e
de capital, e que envolve três processos (Navarro, 2015): transnacional em aliança com distintos níveis de governo e
• O desenvolvimento de um novo setor alimentício agroin- com o crime organizado. Estratégias jurídicas que envolvem
dustrial de escopo transnacional, o qual exclui os pequenos cooptar, disciplinar e dividir comunidades trabalham a favor
produtores rurais e solapa as economias camponesas; dessas novas esferas de exploração e de propaganda.
>
>
GD VOL. 6 / # 1 / MARÇO 2016
De fato, aumentaram significativamente as detenções e projetos de infraestrutura em áreas protegidas ou utilizadas
a violência contra os que participam das lutas em defesa para agricultura. Muitos bairros são afetados por lixões a
dos bens comuns. O Centro Mexicano de Direito Ambien- céu aberto e por depósitos de lixo tóxico, assim como por
tal (CMDA) reportou 44 assassinatos de ambientalistas en- rios e canais poluídos. Houve grandes contaminações por
tre 2005 e 2013; no mesmo período, ocorreram 16 casos de substâncias tóxicas causadas pelo extrativismo a céu ab-
criminalização, 14 casos de abuso da força e 64 detenções erto, como os 40 milhões de litros de sulfato de cobre que
ilegais. Apesar da opressão, continuaram surgindo movi- vazaram no Rio Sonora, no norte do México, afetando cerca
mentos de resistência em todo o México, liderados princi- de 23.000 moradores que agora estão organizados sob a
palmente por comunidades indígenas e camponesas bem Frente Unida Contra o Grupo México. Além disso, ocorreram
como, mais recentemente, por grupos urbanos autonomis- explosões e grandes vazamentos em decorrência das oper-
tas. Comunidades rurais lançaram ofensivas estratégicas ações da PEMEX, a companhia estatal de petróleo.
para boicotar a construção de barragens de usinas hidrelé-
tricas que as ameaçam de realocação e colocam em risco Ainda que nem sempre as comunidades tenham conse-
sua subsistência. Em Guerrero, o Conselho de Ejidos e Co- guido defender seus territórios, elas em geral conseguiram
munidades (CECOP) tornou-se famoso por sua campanha atrasar e em alguns casos parar mega-projetos. Isso foi pos-
bem sucedida (que durou 12 anos) contra a construção da sível por meio de auto-organização coletiva e pela mobili-
barragem de Parota. zação construída com base em formas tradicionais de gov-
erno. Por exemplo, as comunidades indígenas de Cherán
Ao mesmo tempo, nos últimos 15 anos, o governo mexica- e Michoacán conseguiram conter a destruição de suas flo-
no entregou 24.000 concessões de mineração a céu aberto restas e defender suas comunidades tanto dos madeireiros
e de perfuração para a extração de gás de xisto. A profusão quanto do crime organizado.
de Organismos Geneticamente Modificados é outra arena
em que há forte resistência das comunidades campone- Sem dúvidas, essas lutas ensinam muito, tanto ao mos-
sas e indígenas. Como resultado de sua determinação, es- trar os perigos do desenvolvimento capitalista quanto ao
ses movimentos recentemente ganharam um processo apontar alternativas possíveis para proteger a reprodução
que paralisou a concessão de licenças às corporações para da vida humana e não humana. As lutas pelos bens comuns
plantar milho geneticamente modificado. Outros conflitos têm dois objetivos em seu horizonte político: primeiro, a
ocorrem ao redor de projetos infraestruturais de construção reapropriação do político para transformar nossas próprias
de autoestradas, estradas de ferro, portos e aeroportos que comunidades; segundo, a reapropriação das capacidades e 29
visam reduzir o custo de transporte de matérias primas. A condições para a reprodução simbólica e material autôno-
Frente Popular em Defesa da Terra em Atenco, estado do ma da vida. A regeneração e a proteção dos bens comuns
México, conseguiu, mais uma vez – como em 2001 –, barrar são a base da existência humana e o problema de se as co-
a construção do Novo Aeroporto Internacional da Cidade do munidades poderão regular o acesso e o uso desses bens é
México. Mega-projetos turísticos colocaram em risco comu- uma questão central na crise atual da civilização.
nidades de camponeses e pescadores, assim como zonas de
rica biodiversidade. A luta da comunidade de Cabo Pulmo Contato com Mina Navarro <mina.navarro.t@gmail.com>
tonou-se simbolicamente importante porque conseguiu
frustrar um mega-projeto devastador que ameaçava uma Referências
Navarro, M. L. (2015) Luchas por lo común. Antagonismo social contra el despojo capi-
das barreiras de coral mais importantes do mundo. talista de los bienes naturales en México. Mexico: ICSyH BUAP/ bajo tierra ediciones.
Svampa, M. (2013) “Consenso de los ‘Commodities’ y lenguajes de valoración en
Em cidades como a Cidade do México e Puebla, deze- América Latina” in Nueva Sociedad, 244.

nas de movimentos buscam impedir a implementação de

GD VOL. 6 / # 1 / MARÇO 2016


> O novo extrativismo
na Argentina
Por Marian Sola Álvarez, Universidade Nacional de General Sarmiento, Argentina

Protesto contra mineração em


Mendoza, Argentina.

A
30
Argentina é um caso trangeiras, imagina-se que o cultivo ouro e cobre, tornou-se o segundo
emblemático de ex- da terra esteja enraizado em tradições setor que mais cresce em exportações
pansão das atividades agrícolas nacionais – uma percepção na Argentina, atrás apenas da soja. De
extrativas – agronegó- que limita o debate acerca das van- acordo com o Ministério Nacional da
cio, mega-mineração e, mais recente- tagens e desvantagens do modelo de Mineração, as exportações do setor
mente, exploração de hidrocarbon- agronegócio. cresceram 434%, ao passo que o
etos não-convencionais por meio de número de projetos cresceu 3,311%.
perfuração por fraturamento hidráu- Mesmo assim, muitas formas de re- As autoridades locais concederam
lico. Uma expansão que tem ocasio- sistência surgiram para se contrapor muitas licenças de mineração em áre-
nado o surgimento de múltiplos con- ao modelo da soja. Grupos de ci- as rurais protegidas e em povoações e
flitos e movimentos anti-extrativistas. dadãos e de vizinhos, sob o slogan cidades.
Parem de Fumigar (Paren de Fumigar),
Com a emergência do agronegócio condenaram os efeitos da fumigação As políticas neoliberais na Argentina
e sua consolidação enquanto mod- em áreas habitadas; vários grupos or- claramente estimularam a extração
elo de produção agrícola, a Argen- ganizaram protestos contra a mono- mineral em larga escala, tendo ocor-
tina entrou no mercado global como cultura da soja, criticando seu impacto rido apenas algumas pequenas mu-
um dos maiores produtores de soja sobre terras nativas e sobre a biodi- danças desde 2007. O marco legal do
transgênica. A elevação dos preços versidade local; e comunidades cam- país contribuiu para a expansão do
dos produtos primários, entre outros ponesas e indígenas buscaram barrar novo modelo extrativista ao garantir
fatores, aumentou dramaticamente a sua expulsão dos territórios que ocu- “segurança jurídica” e lucros altos. A
extensão de terra destinada ao cultivo pam, exigindo o cumprimento da Lei organização federal do Estado Argen-
de soja em larga escala, de 370.000 Florestal Nacional. tino e as reformas constitucionais de
hectares em 1996 para mais de 20.5 1994 deram às unidades subnacionais
milhões de hectares em 2014-2015. A mineração se tornou cada vez mais um papel central no estabelecimento
Ainda que a produção massiva de soja relevante ao longo dos anos 1990. Nos de mega-projetos. Como resultado, a
e milho, majoritariamente destinados anos 2000, a mineração a céu aberto mega-mineração varia de acordo com
para exportação, tenha acelerado a cresceu exponencialmente no país. a atuação dos governos subnacio-
concentração de terras em mãos es- A extração de metais, especialmente nais, com a presença de atores locais
>
>
GD VOL. 6 / # 1 / MARÇO 2016
exercendo pressão favorável ou con- complexo e controverso que traz sé- naturais.
trária ao desenvolvimento de deter- rios riscos sociais e ambientais. A téc-
minados setores e, ainda, de acordo nica tem sido utilizada por grandes A expansão das atividades extrativas
com a dinâmica política, econômica e corporações transnacionais, mas em também está conectada com a con-
cultural local. contrapartida o governo avançou no strução e reativação de grandes usinas
sentido da soberania sobre a energia hidrelétricas e nucleares, assim como
A resistência organizada contra no- e os hidrocarbonetos não-convencio- a grandes projetos infraestruturais de
vos projetos de mineração e seus efei- nais através da YPF – um movimento apoio ao agronegócio, mineração em
tos está amplamente disseminada na efetivo, no mínimo em termos simbóli- larga escala e extração de hidrocar-
Argentina. Numerosos movimentos cos, uma vez que a empresa nacional bonetos não-convencionais. Arranjos
emergiram em áreas com projetos ao menos traz a promessa de recuper- político-institucionais específicos, fa-
de mineração, frequentemente enca- ar a autossuficiência energética. voráveis à mercantilização e à extração
beçados por “assembleias de autocon- de recursos naturais, foram engendra-
vocados” (asambleas de autoconvoca- Em 2013, um acordo entre YPF, Chev- dos por vários atores hegemônicos,
dos). Todavia, esses grupos dispõem ron e a província de Neuquén marcou oferecendo às empresas transnacion-
de canais limitados para expressar o início do fraturamento hidráulico em ais o poder de moldar a vida nos ter-
publicamente sua oposição à extração, larga escala na Argentina. Desde en- ritórios afetados.
dado que os governos provinciais cen- tão, a descoberta de gás de xisto em
suram e criminalizam os protestos de Vaca Muerta, combinada à estigmati- Questionar o novo extrativismo
cunho social e ambiental. Além disso, zação dos oponentes do fraturamen- coloca-nos diante de muitos desa-
esses grupos têm dificuldades para to hidráulico e ao silenciamento em fios, mas também dá a oportunidade
acessar as informações públicas e para torno dos acidentes reduziu o espaço de debater que tipo de sociedade
desempenhar no interior das agências para vozes dissidentes. Ainda assim a queremos. Apesar das assimetrias, o
ambientais estatais. resistência nas províncias cresceu, em envolvimento das comunidades nos
especial na Patagônia, onde assem- debates sobre questões que afetam
As políticas neoliberais não apenas bleias, organizações multissetoriais e profundamente os direitos humanos,
ajudaram a expandir a produção de comunidades indígenas passaram a sociais, territoriais e ambientais é vital
soja e os novos projetos de mega-min- se envolver em lutas pela água e pelos para a construção de sociedades mais
eração, mas também abriram caminho territórios. Em várias províncias, inclu- democráticas. 31
para a extração de hidrocarbonetos sive Buenos Aires e Entre Ríos, foram
não-convencionais por fraturamento aprovadas leis locais proibindo a in-
hidráulico (fracking), um processo tensificação da exploração de recursos
Contato com Marian Sola Álvarez <mariansoal@ya-
hoo.com.ar>

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EM MEMÓRIA: VLADIMIR YADOV (1929-2015)

>Uma vida dedicada à


sociologia aberta
Por Mikhail Chernysh, Academia Russa de Ciências, Moscou, Rússia, membro do Comitê de
Pesquisa sobre Classes Sociais e Movimentos Sociais (RC47) e do Grupo Temático sobre Direi-
tos Humanos e Justiça Social (TG03), ambos da ISA.

32

Vladimir Yadov.

V
ladimir Yadov pertenceu erupções de espírito criativo, ligadas a curso, mas se manteve fiel ao sonho de
a uma geração de rus- nomes como os de Akhmatova, Shos- transcender o horizonte e ver o sol por
sos que nasceu antes da takovich e Brodsky. detrás das nuvens. Yadov matriculou-
Grande Guerra (Segunda se no departamento de filosofia da
Guerra Mundial), mas cresceu depois Em 1945, Yadov tinha 16 anos e son- Universidade Estatal de Leningrado,
dela. Ele nasceu em Leningrado, uma hava se tornar piloto. Ao formar-se no formou-se com distinção e prosseguiu
cidade em que cada pedra guarda ensino secundário, matriculou-se em para a pós-graduação. No começo dos
memórias de bravura, auto-sacrifício um curso de treinamento para pilotos anos cinquenta, defendeu sua disser-
e tragédia, da crueldade dos expurgos militares, mas não pôde prosseguir. tação sobre “Ideologia como uma for-
de Stalin e do trauma do Cerco de 900 Era dada preferência aos mais fortes, ma de atividade espiritual”. Voltou-se
Dias. Foi o lugar de impressionantes e ele era magro demais. Ele mudou de para a Sociologia depois de conhecer
>
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EM MEMÓRIA: VLADIMIR YADOV (1929-2015)

Igor Kon. Era um novo campo de pes- de outros países. O Homem Soviético Em 1988, com a Perestroika, Yadov
quisa que acabara de se abrir em meio desejava que a Rússia fosse próspera, alcançou o posto de diretor do Insti-
à atmosfera de degelo pós-stalinismo. mas também traçava sua própria tra- tuto de Sociologia da Academia Russa
jetória pessoal, perseguindo o sonho de Ciências. Ele e seus amigos aprovei-
A sociologia não era reconhecida ofi- da felicidade e das conquistas pes- taram a oportunidade para transfor-
cialmente na União Soviética naquela soais. Daí em diante, Yadov nunca ocul- mar a sociologia em um ramo legítimo
época. As autoridades a considera- tou sua forte recusa ao essencialismo. das ciências sociais, para abrir depar-
vam uma usurpação perigosa no in- Manifestou-se calorosamente contra tamentos e escolas de sociologia e
terior do comunismo científico, o qual todas as tentativas de encontrar “uma para mandar jovens pós-graduandos
supunha-se que deveria oferecer fer- sociologia indígena” capaz de crescer para o exterior para desenvolver suas
ramentas explicativas perfeitas para apenas dentro de fronteiras nacionais. habilidades e alcançar novas visões de
tudo o que acontecesse na sociedade Não pode haver uma bicicleta que- sua própria sociedade.
soviética. Yadov estava, portanto, em niana, dizia; todas as bicicletas têm
terreno perigoso quando tomou a muito em comum. Yadov defendeu Os anos pós-soviéticos frustraram
decisão de realizar um dos primeiros fortemente a integração da sociolo- muitas esperanças e expectativas, mas
estudos empíricos na história sovié- gia russa à comunidade internacional Yadov se manteve otimista até o fim.
tica. O tema era verdadeiramente de cientistas sociais, em busca de unir Até seus últimos dias, Yadov queria
desafiador: o estudo buscava testar esforços para explorar a modernidade continuar trabalhando para a comuni-
a hipótese marxista de que as novas em todas as suas formas. dade sociológica russa e internacional.
condições soviéticas dariam à luz o Enfrentou sua debilitação e continuou
Homem Novo, um novo tipo de indi- Yadov foi apenas um em um grupo a viajar, mantendo assim abertos os
víduo disposto a sacrificar seu próp- de cientistas que desafiaram a prima- canais imprescindíveis para que a Rús-
rio bem-estar em proveito do bem zia da ideologia soviética. Igor Kon, sia se tornasse parte da comunidade
comum. O trabalho resultou em um Tatyana Zaslavkaya, Boris Grushin, An- sociológica mundial. Deixou uma
livro tido como marco fundamental da drei Zdravosmyslov e Vladimir Shub- mensagem aos jovens: nós sociólogos
sociologia russa: Man and His Work (O kin formavam uma rede flexível de so- devemos ser aqueles que buscam
Homem e seu Trabalho). ciólogos soviéticos que promoviam a compreender e compartilhar nossa
honestidade, a liberdade de discussão compreensão com os outros. Em 2
As atitudes em relação ao socialismo e a abertura para o mundo. Vladimir Ya- de julho de 2015, o professor Yadov 33
variavam entre extremos. Seus defen- dov levou adiante a tradição do grupo faleceu. Aqueles que o conheceram
sores exaltavam o novo sistema como ao trabalhar sobre a metodologia das guardarão na memória seu sorriso,
a sociedade mais avançada na história ciências sociais e sobre suas possi- suas ideias e sua inquestionável leal-
da humanidade. Já seus críticos o de- bilidades de compreender a mudança dade à sociologia, que ele fez tanto
screviam como um “império maléfico” social. Daí sua orientação para a socio- para promover.
que fazia desabrochar as piores carac- logia militante e sua inclinação para es-
terísticas da natureza humana. Yadov quemas multiparadigmáticos na hora
Contato com Mikhail Chernysh
mostrou que o Homem Soviético não de explicar transformações em curso. <mfche@yandex.ru>
era diferente dos homens e mulheres

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EM MEMÓRIA: VLADIMIR YADOV (1929-2015)

> Acadêmico e
humanista
Por Andrei Alekseev, São Petersburgo, Rússia

34

H
Yadov falando à sombra de Lenin. á seis anos, comem- ciologia soviética/russa do pós-guerra
oramos o 80º ani- - Grushin, Levada, Zaslavskaya, Zdra-
versário de Vladimir vosloven, Shubkin - todos partiram
Alexandrovich. Yadov antes dele. Eu li dezenas de obituári-
faleceu aos 87 anos, na noite de 2 de os e comentários sobre a sua morte.
julho de 2015. Pode-se dizer: “como Os obituários são preenchidos com
resultado de uma doença longa e os dados da sua carreira profissional
incurável”. No entanto, até o último e as provas de seu reconhecimento
minuto sua mente estava afiada como internacional (ainda que ele nunca
sempre e ele mesmo manteve sua ca- tenha sido eleito para ser um Membro
pacidade de trabalhar. da Academia de Ciências da Rússia,
devido a preconceitos políticos dessa
Com Yadov, toda uma época em nos- instituição). A maioria dos relatos de
sa disciplina chegou ao fim. Ele viveu lembranças individuais descrevem
mais tempo do que o resto de sua suas qualidades pessoais e contam
coorte. Os outros fundadores da so- histórias interessantes sobre sua vida.
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GD VOL. 6 / # 1 / MARÇO 2016
EM MEMÓRIA: VLADIMIR YADOV (1929-2015)

Essa é a maneira que provavelmente tarefa empírica à mão. Ele tinha uma a ser um pesquisador social). Meu pal-
deve ser, considerando que suas con- ampla visão da sociologia. Ainda, seu pite é que em sua longa vida acadêmi-
tribuições acadêmicas e seu charme Predictions of the Social Behavior of ca esse número ascendeu a várias cen-
pessoal, talento acadêmico e carisma Personality [Previsões do Comporta- tenas.
estão refletidos nessas homenagens. mento Social da Personalidade] pode
Yadov era um intelectual, com certeza, ser considerado mais psicologia do Lembro-me de um acontecimento
mas ele também pertencia à intelli- que sociologia. Para Yadov, as pare- dramático. O Conselho Científico, que
gentsia. Esses dois termos estão longe des disciplinares simplesmente não Yadov presidiu, “de repente” rejeitou
de ser sinônimos. No entanto, Yadov existiam. a tese de um jovem estudioso que
exemplificou a fusão de ambos. expressou seus pensamentos em um
Yadov era um publicitário tão forte estilo bastante difícil de entender, em
Gostaria de destacar uma qualidade quanto um sociólogo acadêmico. Ele uma linguagem “de pássaro”, como
única de Yadov - ele era uma pessoa tinha habilidades incomparáveis na eles chamam. A rejeição foi realizada
de mente aberta, com uma incrível ca- apresentação de materiais acadêmi- através de voto secreto sem que tenha
pacidade de atravessar fronteiras. Por cos complexos ao público em uma havido qualquer crítica pública prévia.
exemplo, em seu trabalho acadêmico linguagem de fácil compreensão, ao Como sempre, Yadov sugeriu uma sur-
e durante toda a sua vida acadêmica, mesmo tempo, trazendo também uma preendente saída - ele escreveu um ar-
Yadov se esforçou para reunir vários nova corrente da “vida real” em suas tigo interpretando os termos mais in-
paradigmas teóricos. Yadov não era apresentações acadêmicas. Yadov era compreensíveis do estudante em um
um marxista ortodoxo. Embora, na muito tolerante com seus adversários estilo acadêmico convencional. Como
década de 1960, Yadov foi um defen- acadêmicos e rivais teóricos. Ele era resultado, ele salvou um jovem autor
sor sincero de Materialismo Histórico de “perdoar” e, no entanto, também ambicioso e talentoso, bem como a
como “uma teoria sociológica geral”, usava todas as ocasiões para ridicular- reputação do Conselho Científico.
ele também defendeu a autonomia izá-los. Isso também se aplicava às au-
relativa das “teorias sociológicas es- toridades e a si mesmo (ironia e auto- O calibre dos indivíduos é medido
pecíficas”. Yadov não era um devoto do ironia). Embora Yadov nunca foi parte por sua influência tanto em seu círculo
positivismo, apesar de várias edições da oposição aberta ao regime, sua social imediato e no ambiente social
do seu livro, Strategies of Sociologi- busca pela verdade científica, muitas distante, e, nesse caso particular, a
cal Research [Estratégias da Pesquisa vezes colocaram-no em uma posição sua influência se estendeu a toda uma 35
Sociológica] integrar exemplos de so- de oposição. disciplina. Yadov foi um pioneiro e um
ciologia empírica em todo o mundo fundador. Aqueles que o seguiram não
- exemplos que foram baseados prin- Yadov era tolerante e generoso. Eu serão capazes de substituí-lo. Eles não
cipalmente em um paradigma positi- nunca perguntei a ele - e eu não acho têm escolha senão se lembrar dele
vista. que ele teria sido capaz de responder com gratidão e, com o melhor de suas
- quantos “afilhados” ele tinha (aqueles habilidades, tentar imitar sua abord-
Yadov introduziu o termo “poli-para- que escreveram teses sob sua orien- agem para a ciência, para as pessoas e
digmático” no discurso da sociologia tação, ou aqueles para quem ele era para o mundo.
russa. Ele considerou que a escolha um “oponente” em suas defesas de
de um ou outro quadro dependia da tese, ou aqueles a quem ele inspirou
Contato com Andrei Alekseev
<alexeev34@yandex.ru>

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EM MEMÓRIA: VLADIMIR YADOV (1929-2015)

> Mentor, colega


e amigo
Por Tatyana Protasenko, Instituto de Sociologia, Academia Russa de Ciências, São Petes-
burgo, Rússia

Yadov aproveitando a vida em dacha.

36

A
primeira vez que vi Vladimir Alexandrovich humano – fosse ele um oficial de alta patente, até mesmo
Yadov foi durante uma reunião de departa- o presidente, ou a pessoa comum de nossas pesquisas.
mento da Faculdade de Filosofia da Univer- Nunca era arrogante e juntava-se sempre a seus colegas
sidade Estatal de Leningrado, onde eu tra- nas conferências e festas informais. Ele ia regularmente à
balhava como estenógrafa, além de ser estudante. Pelo que fazenda estatal, Lensovetovski, oferecer sua contribuição ao
me lembro, foi no começo de 1965. Vladimir Yadov acabara trabalho coletivo, onde capinava e colhia couve-flor e na-
de retornar de um período de estudos na Inglaterra e fazia bos – algo que outros administradores raramente faziam. As
uma apresentação para os professores. A apresentação era trabalhadoras adoravam Yadov e aguardavam expectantes
tão informal e divertida que, acostumada com as palestras sua visita. O capataz orientava-o efusivamente: “Ei, profes-
monótonas e incompreensíveis de nossos filósofos, conver- sor, por que colher vegetais de um só tipo? É preciso separar
ti-me imediatamente à sociologia. Fiz a inscrição e fui aceita os nabos que são para as pessoas dos que vão para o gado”.
na Faculdade de Filosofia, na esperança de que pudesse no Yadov respondia instantaneamente com uma brincadeira e
futuro cursar uma especialização em sociologia. Naquela passava a levantar questões sobre as condições de trabalho,
época, o Materialismo Histórico reinava na disciplina. a vida e as famílias dos agricultores.

Eu era orientanda de O. I. Skaratan, mas Yadov tornou-se Atravessamos juntos os períodos mais difíceis e sombrios,
um mentor, colega próximo, amigo e um exemplo a seguir. mas ele conseguia manter a cabeça erguida. Não traía nin-
Mais tarde, se tornaria um chefe excelente, com quem era guém e ajudava muitos. Pode-se dizer até mesmo que ele
muito bom trabalhar. salvou pessoas. Tive seu apoio em momentos muito difíceis
da minha vida. Foi ele que me sugeriu assumir o posto de
Ele era um sociólogo abençoado por Deus. Um sociólogo Secretária do Partido em nosso departamento de sociologia
público capaz de se comunicar facilmente com qualquer ser com o objetivo de monitorar a situação e nos defender de
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EM MEMÓRIA: VLADIMIR YADOV (1929-2015)

ataques. Afinal, o Partido Comunista era o espaço público história russa, tanto em tempos de guerra como de paz.
mais abrangente capaz de abrigar polêmicas e debates so-
bre a sociologia. Recordo que na celebração de 50 anos do Instituto de Pes-
quisa Socioeconômica nós o presenteamos com um barril
Nunca paramos de fazer pesquisa, de realizar surveys, de vinho. Ele ficou muito feliz e pediu que o levássemos para
mas também adorávamos ler histórias de detetive. Yadov casa sentado no barril. “Imagina”, disse, “a Ljuka [o nome de
gostava do gênero porque acreditava que essas histórias sua esposa] abre a porta e lá estou eu, na frente dela, sen-
desenvolviam o intelecto, o pensamento lógico e ofereciam tado em cima do barril sem ninguém por perto”. Esse era
conhecimento sobre a vida cotidiana. Quando Yadov foi Yadov.
demitido, ele e Ludmila Nikolaevna (sua esposa) me liga-
ram em busca de novos livros de detetive. Naquele tempo, Também lembro de quando ele trouxe de Budapeste
minhas amigas mantinham bibliotecas privadas contendo calças impermeáveis para meu filho de seis meses. Eram
traduções não autorizadas de histórias de detetive e novelas muito pequenas. Ele reclamou que eu dava comida demais
de autores estrangeiros famosos. Elas também tinham ami- para o menino. Entretanto, conseguiu trocar as calças por
gos e parentes no exterior, que contrabandeavam livros outras do tamanho certo pedindo a um de seus amigos.
para a Rússia. Quem, como eu, conseguia datilografar rapi- Esse era Yadov – muito humano, próximo, compreensivo e
damente, fazia cópias à máquina de escrever. Ainda tenho muito inteligente. Às vezes seu modo de pensar era incom-
cópias samizdat de novelas de detetive. preensível, capaz de fazer conexões impensáveis.

A música preferida de Yadov era “We were buried some- Minha última lembrança de Yadov, algo muito pessoal,
where around Narva” (“Fomos enterrados em algum lugar é de dois anos atrás. Oleg Bozkov e eu o visitamos em sua
perto de Narva”), de Alexander Galitch. Nós a cantávamos casa na Estônia. Alexei Semenov, um dos alunos favoritos
em quase todas as festas em que houvesse um violão ou de Yadov e que já morava havia muito na Estônia, nos deu
um encontro entusiástico. Yadov sempre enfatizava alguns uma carona até lá. Na época, Semenov planejava concorrer
versos da música: a uma cadeira na câmara de Talinn. Ele e sua esposa Larisa
cuidaram de Yadov do modo mais amável. Sinceramente,
If Russia is calling for her dead sons it means it is in trouble aqueles estão entre os dias mais felizes e radiantes da minha
However, we see that it was a mistake – and what a waste vida. Revirávamos nossas memórias enquanto contávamos
In the fields where our battalion was slaughtered in 1943 piadas, bebendo martini e vinho tinto. Também discutimos 37
for nothing o papel da sociologia hoje, o que os sociólogos deveriam
Today the hunting party enjoys the killing and huntsmen fazer e como deveriam responder aos desafios do tempo
blow their horns. presente, especialmente quando sufocados pelas autori-
dades. Todos nós o recordaremos por sua humanidade, por
Uma vez perguntei-lhe por que ele gostava dessa música seu interesse inextinguível pela vida e por suas conjecturas,
em particular e ele respondeu que era porque a música fa- inferências e temas de pesquisa totalmente inusitados.
lava sobre vítimas de sacrifícios sem sentido feitos em nome
de um objetivo comum – algo que aconteceu em toda a Contato com Tatyana Protasenko <tzprot@mail.ru>

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EM MEMÓRIA: VLADIMIR YADOV (1929-2015)

>Memórias pessoais
Por Valentina Uzunova, Kunstkamera, Academia Russa de Ciências, São Petersburgo, Rússia

Yadov celebrando no Instituto.

V
ladimir Alexandrovich Yadov uma vez deu um (a Comissão Nacional de Acreditação). Enquanto nós traba-
curso sobre “Pesquisa Sociológica Aplicada”, lhávamos juntos sobre esses documentos maçantes, ele, de
na Faculdade de Filosofia. Ele estava tão en- repente, perguntou-me o que eu pensava sobre a possibi-
38
volvido com sua palestra que, de repente, caiu lidade de estudar na Faculdade de Filosofia. Ele acreditava
do tablado. Descobriu-se que o quadro-negro era maior do que o futuro pertencia à sociologia e ser um sociólogo era
que o palco em que ele estava se movendo ao escrever com o trabalho mais interessante, com muitas possibilidades.
o giz. Nós prendemos a respiração, mas Yadov estava de vol- Eu confiei nele inteiramente e não me decepcionei com a
ta em pé imediatamente para prosseguir com a palestra e minha escolha.
escrever no quadro. Ele não perdeu o ritmo. Quão diferente
dos jovens professores de matemática que, temendo o mes- O que se segue é uma história a partir de 1970. Os Soció-
mo acidente, permaneciam em um mesmo lugar, quando logos Komsomol de Leningrado (membros da Liga da Ju-
deveriam cobrir o quadro-negro com equações! ventude Comunista) não demonstraram o grau adequado
de apoio ao parecer do Escritório do Partido Comunista so-
Vladimir Alexandrovich me fisgou na mosca para a Socio- bre a emigração de dois de nossos colegas e amigos. Um
logia em 1967. Estávamos revisando as notas do estenógrafo deles havia se casado com uma estrangeira; outro tinha
para sua defesa de doutorado. Nem é necessário dizer que a emigrado para acompanhar sua família. As opiniões regis-
apresentação foi um sucesso estrondoso. Um sentimento de tradas em nossa reunião não aprovaram a decisão indicada
expectativa enchia a grande sala da Faculdade de História, pelas recomendações oficiais. Nossa posição coletiva era
onde a arguição pública aconteceu, especialmente porque que “a saída é um assunto privado e um indivíduo tem o
a rivalidade entre os grupos de defensores e de opositores direito de escolher o país para se viver”. A nossa solidarie-
do Yadov tornou-se mais intensa. Era difícil tomar anotações dade e abertura alarmou os órgãos governamentais que su-
durante o evento, pois as pessoas gritavam comentários pervisionavam: “Eles falam muito abertamente, deve haver
para o público. Sentia a agitação de Yadov - ele estava quase alguém que está por trás disso...” ricocheteava nas paredes
invisível atrás da alta tribuna. Pareceu-me que ele estava se dos escritórios. Consequências vieram depois. Os chefes fi-
esforçando para ler o texto pré-ensaiado de acordo com o nalmente determinaram a lista daqueles que foram respon-
protocolo, mas ele teria preferido convencer o público com sáveis pelo cultivo de um espírito tão livre, aqueles que esta-
oratória e polêmicas. vam por trás de nós. Nossos professores se tornaram párias:
Vladimir Alexandrovich era o número um na lista. Este foi
Em nítido contraste com sua propensão à disputa estava Yadov - nunca comprometendo seus valores fundamentais.
a meticulosa bolsa de estudos contida na pilha gigantesca
de documentos e papéis que ele teve de submeter à VAK Contato com Valentina Uzunova <ymnesterov@gmail.com>

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EM MEMÓRIA: VLADIMIR YADOV (1929-2015)

>Uma figura icônica


da sociologia soviética e pós-soviética
Por Gevorg Poghosyan, Diretor do Instituto de Filosofia, Sociologia e Direito da Academia
Nacional Armênia de Ciências, presidente da Associação Sociológica Armênia e membro dos
Comitês de Pesquisa sobre Migração (RC31) e Desastres (RC39) da ISA.

E
xistem cientistas cujos nomes estão associa-
dos à formação de uma escola de pensamen-
to ou até mesmo de toda uma disciplina
científica. O professor Yadov foi um desses
– um pioneiro na era soviética, cujo trabalho acadêmico
e cujos esforços de pesquisa formataram decisivamente a
sociologia soviética. Desde os anos 1960, os trabalhos de
Yadov exerceram influência formativa sobre várias gerações
de sociólogos soviéticos e armênios. Suas três conhecidas
monografias – Man and his Work (1967, em colaboração
com A. G. Zdravomyslov e V. P. Rozhin), Sociological Re-
search: Methodology, Program, Methods (1972) e Self-re-
gulation and Prediction of Social Behavior (1979, de que foi
co-autor) – tonaram-se livros de referência para os sociól- 39
Yadov palestrando em uma conferência.
ogos soviéticos. Seus livros abriram o caminho da sociologia
como disciplina acadêmica para muitos jovens estudantes.
permanecemos atentos para qualquer vento de mudan-
Por causa de seus trabalhos canônicos, Yadov se transfor- ça, por mais súbito que fosse, e para as ideias frescas que
mou em um ícone vivo da sociologia soviética. Os poucos emanavam do laboratório de pesquisas de Yadov. Astuto e
sociólogos armênios sortudos o bastante para terem tra- exigente, ele tinha um encanto especial que atraía jovens
vado contato, assistido suas aulas e palestras ou até mesmo pesquisadores de todas as repúblicas da ex-União Sovié-
debatido problemas de pesquisa com ele voltaram “infecta- tica. Dedicado à academia, valorizava muito a criatividade
dos” – e assim permaneceram por um longo tempo, se não e a originalidade deles e mantinha uma postura crítica em
para sempre – por sua atitude frente a seu próprio trabalho relação à ortodoxia.
e à sociologia. Ele estava sempre aberto para as outras pes-
soas, independente de idade, títulos acadêmicos, etnia ou Talvez mesmo sem se dar conta, Yadov estabeleceu e logo
posição ideológica. Sempre procurou mostrar respeito pelo se tornou pilar central de uma academia imensa e invisível,
ponto de vista de seu interlocutor, sem necessariamente uma comunidade virtual, ou até mesmo uma espécie de
tentar alcançar um acordo. Suas palavras foram marcantes: “irmandade espiritual”, definida por uma visão de mundo
“O maior dos prazeres é o de conseguir entender algo novo semelhante. Sobretudo em seus últimos anos de vida, ele
e, em seguida, comunicá-lo aos outros”. acreditou que os sociólogos deveriam lutar para influen-
ciar “o movimento dos planetas sociais”, como formulou
Quando trabalhava no Instituto de Problemas Sociais e em uma de suas última entrevistas, a Boris Dotorov. Yadov,
Econômicos de Leningrado, Yadov conseguiu reunir e con- cujos trabalhos assentaram as fundações para a formação e
solidar uma equipe criativa de sociólogos talentosos. Reina- o desenvolvimento de um novo campo de estudos cientí-
va uma atmosfera de pensamento livre e crítico, em agudo ficos, insistia: “Se nós sociólogos nos limitarmos a escrever
contraste com outras instituições soviéticas dedicadas ao livros, não cumpriremos nosso dever cívico”. Essa ideia pode
estudo das humanidades e das ciências sociais. Todos os ser considerada o “último testamento” acadêmico de Yadov.
que experimentaram essa atmosfera especial foram rapida- Nós, os sociólogos armênios, sentiremos muito a sua falta.
mente inspirados por seu espírito de livre questionamento
Contato com Gevorg Poghosyan <gevork@sci.am>
e de pensamento criativo. Pelo menos aqui na Armênia,

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